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Direito Constitucional
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INGO WOLFGANG SARLET LUIZ GUILHERME MARINONI DANIEL MITIDIEIRO CURSO DE DIREITO CONSTITUCIONAL 11ª edição revista e atualizada 2022 saraiava jur Av Paulista 901 3º andar Bela Vista São Paulo SP CEP 01311100 SAC sacsetssaraivaeducacaocombr Direção executiva Flávia Alves Bravin Direção editorial Ana Paula Santos Matos Gerência editorial e de projetos Fernando Penteado Novos projetos Dalila Costa de Oliveira Gerência editorial Isabella Sánchez de Souza Edição Deborah Caetano de Freitas Viadana Produção editorial Daniele Debora de Souza coord Cintia Aparecida dos Santos Rosana Peroni Fazolari Arte e digital Mônica Landi coord Camilla Felix Cianelli Chaves Claudirene de Moura Santos Silva Deborah Mattos Guilherme H M Salvador Tiago Dela Rosa Projetos e serviços editoriais Daniela Maria Chaves Carvalho Emily Larissa Ferreira da Silva Kelli Priscila Pinto Klariene Andrielly Giraldi Diagramação Desígnios Editoriais Revisão Silvana Cobucci Capa Deborah Mattos SUMÁRIO Sobre os autores Nota à 11ª edição Apresentação Primeira Parte Teoria da Constituição e do Direito Constitucional 1 A Constituição em perspectiva históricoevolutiva Dos antecedentes à afirmação do constitucionalismo moderno e do assim chamado Estado Constitucional Ingo Wolfgang Sarlet 11 Considerações introdutórias 12 O caso da Inglaterra e suas peculiaridades 13 Os Estados Unidos da América a viragem de Copérnico da evolução constitucional 14 O legado da experiência constitucional na França 15 A ampliação do constitucionalismo pelo mundo ocidental rumo ao modelo do Estado Constitucional como paradigma universal Produção do Epub Guilherme Henrique Martins Salvador ISBN 9786553620490 DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO CIP S245c Sarlet Ingo Wolfgang Curso de Direito Constitucional Ingo Wolfgang Sarlet Luiz Guilherme Marinoni Daniel Mitidiero 11 ed São Paulo SaraivaJur 2022 EPUB 1592 p ISBN 9786553621824 Impresso 1 Direito 2 Direito Constitucional I Marinoni Luiz Guilherme II Mitidiero Daniel III Título 202213 CDD 342 CDU 342 Índices para catálogo sistemático 1 Direito constitucional 342 2 Direito constitucional 342 Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem a prévia autorização da Saraiva Educação A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na Lei n 961098 e punido pelo art 184 do Código Penal Data de fechamento da edição 1022022 SOBRE OS AUTORES Ingo Wolfgang Sarlet é Professor Titular da Escola de Direito da PUCRS e Coordenador do Programa de PósGraduação em Direito da PUCRS Doutor em Direito pela Universidade de Munique Estudos em nível de PósDoutorado nas Universidades de Munique bolsista DAAD Georgetown e Instituto MaxPlanck de Direito Social Estrangeiro e Internacional Munique como bolsista do Instituto onde também atua como representante brasileiro e correspondente científico desde 2000 Foi pesquisador visitante na Harvard Law School 2008 e Fellow do STIAS Stellenbosch Institute for Advanced Studies África do Sul 2011 Foi também pesquisador visitante como bolsista do Instituto MaxPlanck de Direito Privado de Hamburgo Alemanha 2017 e no mesmo Instituto com fomento do DAAD 2018 Pesquisador visitante no Instituto MaxPlanck de Direito Social e Política Social como bolsista em janeiro de 2019 e fevereiro de 2020 Foi professor visitante do Doutorado em Direitos Humanos da Universidade Pablo de Olavide professor visitante bolsista do Programa Erasmus Mundus da União Europeia da Universidade Católica Portuguesa Lisboa 2009 bem como da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa 2012 Foi também professor visitante no Mestrado de Direito Constitucional Europeu da Universidade de Granada Espanha e da Universidade de Hamburgo 2020 Pesquisador destaque FAPERGS 2011 na área de humanidades Detentor da Ordem do Mérito Judiciário do TST grau de Comendador É membro catedrático da Academia Brasileira de Direito Constitucional Olá Você acaba de adquirir uma obra da Saraiva Educação no formato ePub Nossa equipe preparou algumas dicas muito legais para tornar sua experiência de leitura ainda melhor Então caso seja seu primero livro digital aproveite e leia esse pequeno resumo É muito fácil acessar os recursos toque no meio ou no topo da tela de seu appereader e as opções vão aparecer Veja alguns recursos que indicamos Consultar o sumário O sumário pode ser acessado a qualquer momento Para isso use o sumário externo No ícone é possível acessar todos os capítulos sem precisar voltar para as páginas iniciais do livro Alterar fonte Um dos melhores recursos do epub é a alteração da fonte Tocando no ícone você poderá escolher uma fonte de sua preferência além de aumentar ou diminuir o tamanho deixando a leitura mais confortável Alterar layout e luminosidade Ainda no menu de fonte temos as opções de mudança de layout e luminosidade No layout é possível alterar as margens do livro o espaçamento do texto e o alinhamento dos parágrafos Já na luminosidade alteramos o brilho possibilitando a leitura mesmo 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161 Precedentes e o desmantelamento da ordem constitucional pretérita por força da ditadura nacionalsocialista 162 Elaboração conteúdo e afirmação da Lei Fundamental de 1949 163 A queda do muro a reunificação e a adoção da Lei Fundamental de 1949 como Constituição Federal da Alemanha 2 Classificação das constituições Ingo Wolfgang Sarlet 3 Estrutura funções e conteúdo das constituições Ingo Wolfgang Sarlet 31 As constituições e sua estrutura 311 Considerações de caráter geral 312 O preâmbulo das constituições com destaque para o problema de sua força jurídica na Constituição Federal de 1988 313 Disposições constitucionais permanentes 314 Disposições constitucionais transitórias 32 As funções da Constituição 33 O problema do conteúdo das constituições 4 Conceito e características do direito constitucional Ingo Wolfgang Sarlet 5 Do poder constituinte e da mudança reforma e mutação constitucional Ingo Wolfgang Sarlet I Do poder constituinte 51 Notas introdutórias 52 O que é o poder constituinte 521 Generalidades 522 A natureza do poder constituinte 523 Distinção entre poder constituinte formal e poder constituinte material 524 Características do poder constituinte 53 Quem é o titular do poder constituinte O problema da legitimidade do poder constituinte e da Constituição 54 Formas de manifestação expressão ou exercício do poder constituinte 541 Aspectos introdutórios 542 As formas democráticas de exercício do poder constituinte 543 A revolução como forma da manifestação do poder constituinte 55 Limites e condicionamentos do poder constituinte II Teoria da mudança constitucional A reforma e a mutação constitucional 56 Generalidades e distinção entre as diversas formas de mudança constitucional processos formais e informais mutação constitucional 57 O poder de reforma da Constituição 571 Questões terminológicas 572 Natureza características e funções do poder de reforma constitucional 573 O poder de reforma na Constituição Federal de 1988 5731 A distinção entre revisão e emendas como modalidades de reforma da Constituição 574 Os limites da reforma constitucional 5741 Considerações gerais 5742 Limites formais 5743 Limites circunstanciais 5744 O problema dos limites materiais as assim chamadas cláusulas pétreas 58 A assim chamada mutação constitucional e suas formas de manifestação algumas aproximações 581 Considerações gerais conceito e modalidades de mutação constitucional 582 Mecanismos modos de mutação constitucional 583 Limites da mutação constitucional o problema das mutações inconstitucionais 6 Eficácia e aplicabilidade das normas constitucionais Ingo Wolfgang Sarlet 61 Alguns aspectos terminológicos e conceituais 62 Apresentação e discussão das principais classificações das normas constitucionais quanto à sua eficácia e aplicabilidade adotadas no Brasil 621 As posições clássicas e a sua gradual superação 63 Apreciação crítica das diferentes posições 64 Síntese conclusiva 7 O problema da efetividade das normas constitucionais e da força normativa da Constituição Ingo Wolfgang Sarlet 8 A norma constitucional no tempo Relações entre a Constituição e a ordem jurídica anterior Ingo Wolfgang Sarlet 81 Considerações gerais 82 A Constituição e o direito constitucional anterior 821 A Constituição originária e a Constituição anterior 822 As emendas constitucionais e o direito constitucional originário anterior 83 A Constituição e o direito infraconstitucional anterior 9 A Constituição e as relações com o direito estrangeiro e internacional O problema da aplicação das normas constitucionais no espaço Ingo Wolfgang Sarlet 91 Considerações introdutórias 92 Relações entre o direito estrangeiro e a Constituição 93 O direito internacional e a Constituição Federal de 1988 10 Linhas mestras da interpretação constitucional Ingo Wolfgang Sarlet 101 Noções gerais 102 Princípios da interpretação constitucional 1021 O princípio da unidade da Constituição 10211 Princípio do efeito integrador 10212 O princípio da concordância prática ou da harmonização 10213 A assim chamada ponderação ou balanceamento no campo da interpretação e aplicação da Constituição 10214 Proporcionalidade e razoabilidade como princípios e critérios de interpretação constitucional 1022 O princípio da supremacia da Constituição 10221 O princípio da máxima eficácia e efetividade da Constituição 10222 O princípio da força normativa da Constituição 10223 O princípio da interpretação das leis conforme à Constituição 1023 O princípio da divisão de poderes e o correlato princípio dever da conformidade funcional o problema da autorrestrição por parte da jurisdição constitucional e as assim chamadas capacidades institucionais Segunda Parte O Sistema Constitucional Brasileiro 1 O constitucionalismo brasileiro em perspectiva histórico evolutiva Da Constituição Imperial de 1824 à assim chamada ConstituiçãoCidadã de 1988 Ingo Wolfgang Sarlet 11 Os primórdios e a Carta Imperial de 1824623 12 A Proclamação da República e a implantação da Federação a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1891 13 A Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1934 14 O Estado Novo e a Carta de 1937 a Constituição Polaca 15 A Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1946 16 A Constituição do Brasil de 1967 e a EC 11969 17 Breves notas sobre a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 2 Dos princípios fundamentais Ingo Wolfgang Sarlet I Notas introdutórias função classificação e eficácia dos princípios constitucionais fundamentais II Princípios gerais estruturantes e constitucionalmente conformadores da ordem jurídico constitucional 21 Princípio da dignidade da pessoa humana 211 Considerações gerais 212 Breves notas sobre a forma de positivação reconhecimento da dignidade da pessoa humana na Constituição Federal 213 Funções da dignidade da pessoa humana na arquitetura jurídicoconstitucional 22 Princípio do Estado Democrático e Socioambiental de Direito 221 Noções gerais 222 O princípio democrático e a soberania popular 223 O princípio do pluralismo político 224 O princípio do Estado de Direito 225 O princípio do Estado Socioambiental a conjugação da justiça social da realização dos direitos humanos e fundamentais sociais e da proteção do ambiente792 226 Princípio republicano 227 O princípio federativo 228 O princípio da sustentabilidade ou desenvolvimento sustentável823 III Os objetivos fundamentais do Estado Democrático e Socioambientalecológico de Direito IV Princípios que regem as relações internacionais 3 Teoria geral dos direitos fundamentais Ingo Wolfgang Sarlet 31 Considerações gerais 311 Aspectos terminológicos direitos humanos eou direitos fundamentais 32 Os direitos fundamentais em perspectiva histórico evolutiva e as assim designadas dimensões ou gerações de direitos fundamentais 321 Considerações preliminares 322 A préhistória dos direitos fundamentais dos primórdios à noção de direitos naturais inatos e inalienáveis do homem 323 O reconhecimento dos direitos fundamentais na esfera do direito positivo 3231 Antecedentes o período pré constitucional 324 As assim chamadas dimensões gerações dos direitos fundamentais a trajetória evolutiva dos direitos fundamentais do Estado Liberal ao Estado Constitucional Socioambiental 3241 Os direitos fundamentais no âmbito do Estado Liberal a assim chamada primeira dimensão 3242 O advento do Estado Social e os direitos econômicos sociais e culturais a assim chamada segunda dimensão 325 A titularidade transindividual e os assim chamados direitos da terceira dimensão 326 Existem direitos fundamentais de quarta quinta e sexta dimensão 327 As dimensões gerações dos direitos em perspectiva crítica 33 O conceito de direitos fundamentais no sistema constitucional brasileiro 331 A dupla fundamentalidade em sentido formal e material 332 A abertura expansividade do catálogo constitucional dos direitos fundamentais significado e alcance da norma contida no art 5º 2º da CF 3321 Noções preliminares 3322 Classificação dos direitos fundamentais com base no critério da abertura material do catálogo constitucional 3323 Direitos previstos no Título II da CF 3324 Direitos fundamentais dispersos no texto constitucional 3325 Direitos sediados nos tratados internacionais de direitos humanos 34 A dupla dimensão objetiva e subjetiva a multifuncionalidade e a classificação dos direitos e garantias fundamentais 341 Os direitos fundamentais e sua dimensão subjetiva 342 A assim chamada dimensão objetiva dos direitos fundamentais 343 Multifuncionalidade e classificação dos direitos fundamentais na ordem constitucional 35 A titularidade dos direitos e garantias fundamentais quem é o sujeito dos direitos 351 Considerações gerais 352 A pessoa natural como titular de direitos fundamentais a titularidade universal e sua interpretação na Constituição Federal 353 O problema da titularidade de direitos fundamentais por parte dos estrangeiros e a relevância da distinção entre estrangeiro residente e não residente 354 O problema da titularidade de direitos fundamentais nos limites da vida 355 Pessoas jurídicas como titulares de direitos fundamentais 356 Direitos fundamentais da natureza em especial a titularidade de direitos por parte dos animais não humanos 36 A aplicabilidade imediata das normas de direitos e garantias fundamentais significado e alcance do art 5º 1º da CF 37 Destinatários dos direitos e garantias fundamentais 38 Particulares como destinatários dos direitos fundamentais o problema da eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas 39 Limites e restrições de direitos fundamentais 391 Considerações introdutórias 392 O âmbito de proteção dos direitos e garantias fundamentais 393 Os limites dos direitos fundamentais 394 Limites aos limites dos direitos fundamentais 3941 Noções preliminares 3942 A reserva legal e suas exigências 3943 Proporcionalidade e razoabilidade como limites dos limites 3944 A assim chamada garantia do núcleo essencial dos direitos fundamentais 4 Direitos fundamentais em espécie Ingo Wolfgang Sarlet 41 O direito à vida 411 Breve histórico da noção de direito natural à consagração como direito humano e fundamental 412 Âmbito de proteção do direito à vida o conceito de vida para efeitos da tutela jurídica 413 Relação do direito à vida com outros direitos fundamentais 414 A titularidade do direito à vida e o problema do início e fim da proteção jurídicoconstitucional da vida humana 415 Destinatários sujeitos passivos órgãos estatais e particulares 416 O direito à vida e sua dupla dimensão objetiva e subjetiva como dever de proteção e complexo de posições subjetivas de conteú do negativo e positivo 4161 Considerações gerais 4162 Dimensões subjetiva e objetiva do direito à vida 417 Limites das intervenções no direito à vida uma análise a partir de alguns exemplos 4171 Considerações gerais 4172 Existe um direito de matar O caso da pena de morte e de outras intervenções similares 4173 A discussão em torno da legitimidade constitucional da interrupção da gravidez 4174 O problema de um direito ao suicídio e a discussão em torno das possibilidades e limites da eutanásia 42 O direito à integridade física e psíquica 421 Considerações gerais 422 Direito constitucional estrangeiro e direito internacional dos direitos humanos 423 O direito à integridade física e psíquica na Constituição Federal 4231 Observações gerais e relação com outros direitos fundamentais 4232 A dupla dimensão subjetiva negativa e positiva e objetiva do direito à integridade física e psíquica 4233 Titulares e destinatários 4234 Intervenções no direito à integridade corporal limites e restrições a controvérsia em torno de um direito à disposição do próprio corpo 4235 O caso da proibição da tortura de todo e qualquer tratamento desumano e degradante incluindo a proibição das penas cruéis 43 Demais direitos à identidade e integridade pessoal O direito ao livre desenvolvimento da personalidade e os direitos especiais de personalidade 431 Os direitos fundamentais vinculados à proteção da personalidade e os contornos de seu regime jurídicoconstitucional 4311 Considerações gerais 4312 Direito internacional dos direitos humanos e constituições estrangeiras 44 O direito ao livre desenvolvimento da personalidade sua função como cláusula geral e sua relação com os direitos especiais de personalidade 45 Contornos do regime jurídicoconstitucional dos direitos de personalidade 46 O direito à vida privada privacidade e intimidade 461 Considerações gerais 462 Conteúdo âmbito de proteção do direito à vida privada 463 Limites e restrições 47 A salvaguarda do sigilo fiscal e bancário 48 Inviolabilidade do domicílio 481 Notícia histórica e generalidades 482 Direito internacional dos direitos humanos e evolução constitucional brasileira anterior à Constituição Federal 483 Conteúdo e limites do direito à inviolabilidade do domicílio na Constituição Federal 49 A inviolabilidade da correspondência e o sigilo das comunicações em geral 410 Proteção dos dados pessoais 411 Os direitos à honra e à imagem 4111 Considerações gerais 4112 O direito à honra 4113 O direito à própria imagem 412 Direitos de liberdade 4121 Algumas notas sobre um direito geral de liberdade na Constituição Federal e o sistema constitucional das liberdades fundamentais306 4122 Liberdade de expressão 41221 Notas introdutórias breve mirada sobre a evolução constitucional brasileira pretérita e o direito internacional 41222 A liberdade de expressão na Constituição Federal 4123 Liberdade de consciência e de crença liberdade religiosa 41231 Notas introdutórias e breve mirada sobre a evolução no âmbito do direito internacional direito constitucional estrangeiro e evolução constitucional brasileira 41232 A liberdade religiosa e a liberdade de consciência na Constituição Federal de 1988 4124 Liberdade de locomoção 41241 Considerações gerais e reconhecimento no plano do direito internacional e direito constitucional estrangeiro 41242 A liberdade de locomoção na evolução constitucional brasileira pretérita 4125 A liberdade de locomoção na Constituição Federal 41251 Considerações gerais 41252 Âmbito de proteção da liberdade de locomoção sua dimensão objetiva e subjetiva 41253 Titulares e destinatários 41254 Limites da liberdade de locomoção 4126 O direito à informação e o direito de acesso à informação 41261 Considerações iniciais 41262 Conteúdo e alcance do direito à informação 4127 As garantias constitucionais relativas à prisão o caso da prisão civil 41271 Generalidades 41272 A prisão civil possibilidade e limites na Constituição Federal456 413 Direitos de igualdade direito geral de igualdade cláusulas especiais de igualdade e políticas orientadas para a igualdade 4131 Considerações introdutórias 4132 Da igualdade formal à igualdade material 4133 Breves notas a respeito da relação entre dignidade liberdade e igualdade 4134 Conteúdo e significado do princípio da igualdade e dos direitos de igualdade na Constituição Federal de 1988 41341 Generalidades 41342 Âmbito de proteção conteúdo e alcance do princípio e do direito geral de igualdade 41343 Metódica de aplicação do princípio direito da igualdade e efeitos de sua violação na condição de direito subjetivo 41344 Igualdade diferença e as assim chamadas ações afirmativas como promotoras da igualdade material e de políticas de inclusão e reconhecimento 414 Dos direitos fundamentais sociais664 4141 Aspectos gerais relativos aos direitos sociais como direitos fundamentais 41411 Generalidades os direitos sociais no quadro da evolução constitucional brasileira 4142 Breves notas sobre os direitos sociais no âmbito do direito constitucional estrangeiro 4143 Os direitos sociais como direitos fundamentais e seu regime jurídico na Constituição Federal 41431 Aspectos gerais 41432 Titulares e destinatários dos direitos sociais 41433 O problema da eficácia e efetividade das normas de direitos sociais com destaque para a controvérsia acerca da exigibilidade dos direitos sociais como direitos a prestações 41434 O problema da proteção dos direitos sociais e o assim designado princípio da proibição de retrocesso 41435 Algumas notas acerca do problema do financiamento dos direitos sociais das cláusulas pétreas e as EC 94 e 95 de 2016 415 Dos direitos sociais em espécie 4151 Considerações preliminares 4152 O direito ao e a garantia do mínimo existencial como espécie de categoria transversal 4153 O direito à proteção e promoção da saúde 4154 O direito à alimentação 4155 O direito à moradia 4156 O direito à educação 4157 O direito ao trabalho 4158 O direito ao lazer 4159 O direito à segurança social previdência e assistência aos desamparados 41510 O direito à proteção da maternidade da infância da juventude e do idoso 41511 O direito ao transporte 41512 O direitodever fundamental de proteção e promoção de um meio ambiente saudável 41513 O direito de acesso à Internet 416 Nacionalidade 4161 Considerações introdutórias 4162 A nacionalidade no âmbito do direito internacional com destaque para o sistema de reconhecimento e proteção dos direitos humanos 4163 A nacionalidade no direito constitucional estrangeiro 4164 A nacionalidade no âmbito da evolução constitucional brasileira 4165 O regime da nacionalidade na Constituição Federal de 1988 41651 Considerações gerais a nacionalidade como direito e garantia fundamental 41652 Espécies de nacionalidade 41653 Distinções entre os brasileiros natos e os naturalizados 41654 Perda e reaquisição da nacionalidade brasileira 41655 O problema da assim chamada dupla nacionalidade 41656 Um caso especial a condição jurídico constitucional dos cidadãos portugueses a assim chamada quase nacionalidade 41657 O regime jurídico do estrangeiro na Constituição Federal 41658 As hipóteses de asilo e refúgio 417 Direitos políticos 4171 Considerações gerais o significado jurídico da democracia e sua relação com os direitos políticos e os direitos fundamentais em geral 4172 Os direitos políticos como direitos humanos e fundamentais 41721 Considerações gerais 41722 Os direitos políticos no plano supranacional internacional e regional 4173 Os direitos políticos no constitucionalismo brasileiro 41731 Constituições anteriores 41732 Os direitos políticos na Constituição Federal de 1988 418 Dos partidos políticos 4181 Considerações gerais posição e função dos partidos políticos no Estado Democrático de Direito 4182 As dimensões da liberdade partidária e seus elementos estruturantes e consequências 4183 Os partidos políticos no direito constitucional brasileiro pretérito 4184 Os partidos políticos na Constituição Federal de 1988 41841 Anotações preliminares 41842 Personalidade jurídica dos partidos políticos sua autonomia e liberdade na CF 41843 O problema da fidelidade partidária e da correlata perda do mandato 4185 A igualdade de oportunidades entre os partidos políticos 41851 Aspectos gerais 41852 Do financiamento dos partidos 41853 Da propaganda eleitoral e do acesso aos meios de comunicação 5 Direitos fundamentais processuais Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero 51 Direito fundamental ao processo justo 511 Introdução 512 Âmbito de proteção 513 Titularidade e destinatários 514 Eficácia 515 Conformação infraconstitucional 52 Direito fundamental à colaboração no processo 521 Introdução 522 Âmbito de proteção 53 Direito fundamental à tutela adequada e efetiva 531 Introdução 532 Âmbito de proteção 54 Direito fundamental à igualdade e à paridade de armas 541 Introdução 542 Âmbito de proteção 55 Direito fundamental ao juiz natural e ao promotor natural 551 Introdução 552 Âmbito de proteção 56 Direito fundamental ao contraditório 561 Introdução 562 Âmbito de proteção 57 Direito fundamental à ampla defesa 571 Introdução 572 Âmbito de proteção 58 Direito fundamental à prova 581 Introdução 582 Âmbito de proteção 59 Direito fundamental à publicidade 591 Introdução 592 Âmbito de proteção 510 Direito fundamental à motivação das decisões 5101 Introdução 5102 Âmbito de proteção 511 Direito fundamental à segurança jurídica no processo 5111 Introdução 5112 Âmbito de proteção 512 Direito à assistência jurídica integral 5121 Introdução 5122 Âmbito de proteção 513 Direito fundamental à duração razoável do processo 5131 Introdução 5132 Âmbito de proteção 514 Direito fundamental ao duplo grau de jurisdição 5141 Introdução 5142 Âmbito de proteção 6 Ações constitucionais Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero 61 Habeas corpus 611 Introdução 612 Âmbito de proteção 613 Titularidade 614 Conformação infraconstitucional 62 Mandado de segurança 621 Introdução 622 Âmbito de proteção 623 Titularidade 624 Conformação infraconstitucional 63 Mandado de injunção 631 Introdução 64 Habeas data 641 Introdução 642 Âmbito de proteção 643 Titularidade 644 Conformação infraconstitucional 65 Ação popular 651 Introdução 652 Âmbito de proteção 653 Titularidade 654 Conformação infraconstitucional 66 Ação civil pública 661 Introdução 662 Âmbito de proteção 663 Titularidade 664 Conformação infraconstitucional 7 Da organização do Estado e da repartição de competências Ingo Wolfgang Sarlet I Da organização do Estado 71 O Estado Federal no âmbito da teoria e prática das formas de Estado noções gerais e introdutórias 72 Elementos nucleares qualificadores do Estado Federal 73 O Estado Federal na Constituição de 1988 731 Breve notícia histórica formas de Estado e a trajetória do Federalismo no direito constitucional brasileiro 732 Principais novidades a inclusão do Município como ente federativo e o aperfeiçoamento do assim chamado federalismo cooperativo 733 A Federação como cláusula pétrea art 60 4 I da CF os assim chamados princípios sensíveis art 34 VII da CF e o instituto das vedações constitucionais art 19 da CF 74 O instituto da Intervenção como garantia da integridade da Federação 741 Noções gerais 742 A Intervenção nos Estados e no Distrito Federal 7421 Pressupostos materiais e hipóteses de cabimento 7422 Aspectos de ordem formal e procedimental 743 A intervenção nos Municípios II Da repartição de competências 75 Noções gerais 76 Das competências administrativas materiais dos entes federativos 761 Aspectos gerais e competências exclusivas indelegáveis 762 Competências administrativas comuns concorrentes 77 Das competências legislativas 771 Competências legislativas privativas da União e sua delegação 772 Competências legislativas dos Estados 773 Competências legislativas dos Municípios 774 Competências legislativas do Distrito Federal 78 As competências legislativas concorrentes 781 Considerações gerais 782 Algumas notas sobre o problemático e controverso conceito de normas gerais 7821 A competência suplementar dos Estados e do Distrito Federal 7822 A competência suplementar dos Municípios 7823 Considerações de natureza crítica à luz do exemplo da proteção ambiental 8 Controle de constitucionalidade Luiz Guilherme Marinoni I O surgimento do controle judicial de constitucionalidade no direito comparado e a sua evolução no direito brasileiro 81 O surgimento do controle judicial da constitucionalidade das leis nos Estados Unidos 811 Primeiras considerações 812 A superioridade do common law sobre os atos do parlamento inglês 813 A Revolução Gloriosa de 1688 e o significado do princípio da supremacy of the English Parliament 814 Do controle dos atos da colônia a partir do direito inglês ao judicial review estadunidense Mera inversão do princípio da supremacia do parlamento pelo princípio da supremacia do Judiciário 815 Os significados de supremacia do parlamento nas revoluções inglesa e francesa 816 O judicial review diante do princípio da separação dos poderes 817 A matriz jusnaturalista da Constituição e os poderes constituinte e constituído 818 O caso Marbury v Madison54 A doutrina Marshall 819 Consideração históricocrítica acerca do surgimento do sistema americano de controle difuso da constitucionalidade das leis 82 A evolução do controle judicial da constitucionalidade das leis na Europa 821 Primeiras considerações 822 O sistema austríaco de controle de constitucionalidade 823 A manutenção do controle concentrado e a expansão do modo incidental Os Tribunais Constitucionais italiano e alemão 824 Compreensão do sistema em que o juiz por não poder decidir a questão constitucional remetea para análise da Corte Constitucional 83 História do controle judicial de constitucionalidade brasileiro 831 A Constituição Imperial 832 A Constituição de 1891 833 A Constituição de 1934 834 A Constituição de 1937 835 A Constituição de 1946 836 A Constituição de 19671969 837 A Constituição de 1988 II Formas de controle de constitucionalidade e tipos de inconstitucionalidade 84 Das formas de controle de constitucionalidade 841 Controle judicial e controle não judicial 8411 Objeto do controle judicial 842 Controle preventivo e controle repressivo 843 Controle concreto e controle abstrato 844 Controle incidental e controle principal 845 Controle difuso e controle concentrado 85 As diversas faces da inconstitucionalidade 851 Inconstitucionalidade formal e inconstitucionalidade material 852 Inconstitucionalidade por ação e inconstitucionalidade por omissão 8521 Primeiras considerações 8522 Inconstitucionalidade por ação 8523 Inconstitucionalidade por omissão 86 Inconstitucionalidade originária e inconstitucionalidade superveniente 861 Inconstitucionalidade superveniente ou revogação Consequências práticas 862 Alteração dos fatos e modificação da concepção geral acerca do direito 87 Inconstitucionalidade total e inconstitucionalidade parcial 88 Inconstitucionalidade direta e inconstitucionalidade indireta III Controle difuso de constitucionalidade 89 A questão constitucional no processo comum 810 A decisão no controle incidental 811 A natureza prejudicial da questão de constitucionalidade 812 Legitimados a arguir a questão constitucional no controle incidental 813 O controle de constitucionalidade de ofício 814 Da inexistência de preclusão 815 Declaração incidental de inconstitucionalidade nos Tribunais Estaduais e Regionais Federais e no STJ 8151 A exigência de quorum qualificado nos Tribunais Encaminhamento e decisão da questão constitucional 8152 A Súmula Vinculante 10 8153 Interpretação conforme e declaração parcial de nulidade sem redução de texto Exclusividade do Pleno ou Órgão Especial 8154 Não cabimento do incidente de inconstitucionalidade 8155 Questão constitucional já decidida pelo STF 8156 Questão constitucional já decidida pelo Plenário ou Órgão Especial 8157 Declaração de inconstitucionalidade no STJ 8158 Procedimento do incidente de inconstitucionalidade nos Tribunais 81581 Procedimento prévio perante o órgão fracionário 81582 Procedimento perante o Pleno ou o Órgão Especial 816 Recurso extraordinário 8161 Recurso extraordinário 8162 Repercussão geral 8163 A imprescindibilidade de os precedentes da Suprema Corte obrigarem os juízos inferiores no sistema em que todo e qualquer juiz tem poder para controlar a constitucionalidade 8164 Os precedentes obrigatórios e a importância da fundamentação das decisões 8165 Ratio decidendi e obiter dicta 8166 A individualização dos fundamentos determinantes ou ratio decidendi 8167 A eficácia vinculante dos fundamentos determinantes no STF 8168 Eficácia temporal da revogação de precedente formado no controle incidental 81681 A questão nos Estados Unidos 81682 Diferentes razões para tutelar a segurança jurídica decisão de inconstitucionalidade e revogação de precedente constitucional 81683 Efeitos inter partes e vinculantes da decisão de inconstitucionalidade no controle incidental e da decisão que revoga precedente constitucional 81684 Eficácia prospectiva de decisão revogadora de precedente constitucional e de decisão proferida em controle incidental 81685 A função do Senado Federal 817 Controle incidental na ação civil pública e na ação popular 818 O problema do controle incidental da inconstitucionalidade por omissão 8181 Primeiras considerações 8182 O poder de controle difuso abarca o poder de controlar a omissão inconstitucional 8183 Situações em que a falta de lei é frequentemente suprida na prática forense 8184 A eficácia dos direitos fundamentais sobre os particulares e o controle incidental da omissão inconstitucional 8185 Os limites do juiz no suprimento da falta de lei necessária à tutela de direito fundamental O controle da inconstitucionalidade por omissão como controle da insuficiência de tutela 8186 Controle de inconstitucionalidade por omissão à tutela de direito fundamental de natureza processual 8187 Legitimidade do raciocínio decisório no suprimento de técnica processual IV Ação direta de inconstitucionalidade 819 Primeiras considerações 820 Legitimidade 8201 Extensão da legitimidade legitimados universais e especiais e capacidade para postular 8202 Legitimidade pertinência temática e interesse de agir 8203 Governador de Estado e Assembleia Legislativa 8204 Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil 8205 Partido político 8206 Confederação sindical e entidade de classe de âmbito nacional 821 Objeto461 822 Parâmetro de controle 823 Procedimento 824 Procedimento sumário em sentido formal 825 Causa de pedir aberta 826 Medida liminar 827 Amicus curiae 828 Esclarecimento de matéria de fato e informações acerca da aplicação da norma impugnada 829 Da decisão 830 Revogação da norma e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade V Ação declaratória de constitucionalidade 831 Primeiras considerações 832 Legitimidade 833 Objeto e parâmetro de controle 834 Petição inicial 835 Controvérsia judicial relevante 836 Indeferimento da petição inicial 837 Participação no processo 838 Esclarecimento de matéria de fato e informações acerca da aplicação da norma questionada 839 Medida liminar e seus efeitos 840 Decisão VI Efeitos das decisões de inconstitucionalidade e de constitucionalidade 841 Eficácia erga omnes 8411 Eficácia erga omnes e coisa julgada material 8412 Decisão de constitucionalidade e possibilidade de posterior ou outra ação direta de inconstitucionalidade 8413 Decisão de constitucionalidade com efeitos erga omnes e impacto das novas circunstâncias sobre o controle difuso 8414 Efeitos temporais da revogação da decisão de constitucionalidade 842 Eficácia vinculante 8421 Primeiras considerações 8422 Extensão objetiva 8423 Extensão subjetiva 843 Reclamação 844 Modulação dos efeitos temporais da decisão de inconstitucionalidade 845 Efeitos da decisão de inconstitucionalidade sobre a coisa julgada 8451 Lei inconstitucional e decisão baseada em lei inconstitucional efeitos da lei e efeitos da decisão judicial 8452 Incompatibilidade da retroatividade da decisão de inconstitucionalidade com o sistema difuso 8453 Coisa julgada e segurança jurídica 8454 Retroatividade da decisão de constitucionalidade sobre a coisa julgada 8455 A impugnação fundada em decisão de inconstitucionalidade no CPC de 2015 da retroatividade à tutela da observância das decisões e dos precedentes constitucionais 8456 Da ação rescisória fundada em violação literal de lei art 485 V do CPC1973 à ação rescisória baseada em violação de norma jurídica art 966 V do CPC2015 8457 A tese de que não há interpretação controvertida de norma constitucional 8458 Não há distinção entre decisão proferida em controle concentrado e controle difuso para efeito de rescindibilidade de coisa julgada 8459 A previsão de hipótese de rescisória baseada em ulterior decisão de inconstitucionalidade no CPC de 2015 84510 O caso Metabel v União Federal a não admissão de ação rescisória baseada em ulterior precedente do Supremo Tribunal Federal mediante a afirmação da garantia constitucional da coisa julgada material 84511 Casos em que se admite ação rescisória baseada em violação de norma constitucional 84512 Modulação de efeitos e coisa julgada VII Técnicas de decisão 846 Inconstitucionalidade nulidade decisão declaratória e produção de efeitos 847 Declaração de inconstitucionalidade total e declaração de inconstitucionalidade parcial 848 Inconstitucionalidade por arrastamento 849 Pronúncia de inconstitucionalidade sem declaração de nulidade 850 Omissão parcial pronúncia de inconstitucionalidade e isolamento de determinados efeitos 851 Norma em trânsito para a inconstitucionalidade 852 Interpretação conforme à Constituição 853 Declaração parcial de nulidade sem redução de texto VIII Mandado de injunção 854 Primeiras considerações 855 História do mandado de injunção no STF 856 Escopo do mandado de injunção 857 Natureza mandamental 858 Legitimidade 859 Medida liminar 860 Pressupostos para a concessão do mandado de injunção 8601 Dever de legislar 8602 Mora do legislador 8603 Norma insuficiente e omissão parcial 8604 Norma não autoaplicável 8605 Norma recepcionada pela Constituição edição superveniente da norma e encaminhamento de projeto de lei 861 Coisa julgada nos mandados de injunção individual e coletivo 862 Revisão da decisão A questão dos efeitos temporais da coisa julgada 863 Retroatividade apenas para beneficiar 864 Eficácia natural da coisa julgada 865 Eficácia dos precedentes 866 O mandado de injunção diante da possibilidade de a falta de lei ser suprida no caso conflitivo concreto IX Ação direta de inconstitucionalidade por omissão 867 Primeiras considerações 868 Escopo da ação direta de inconstitucionalidade por omissão 869 Objeto da omissão inconstitucional 870 Legitimidade 871 Procedimento 872 Omissão parcial de inconstitucionalidade 873 Medida liminar 874 Da decisão na ação de inconstitucionalidade por omissão Crítica 875 Efeitos da decisão proferida na ação direta de inconstitucionalidade por omissão Responsabilidade do Estado por omissão inconstitucional X Arguição de descumprimento de preceito fundamental 876 Primeiras considerações 877 Modalidades 878 Requisitos da arguição de descumprimento de preceito fundamental 8781 Ausência de outro meio processual capaz de sanar a lesividade de modo eficaz 8782 Relevância do fundamento de controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal estadual ou municipal incluídos os anteriores à Constituição 879 Legitimidade 880 Parâmetro de controle 881 Objeto 8811 Introdução 8812 Atos do Poder Público 8813 Direito préconstitucional 8814 Declaração de inconstitucionalidade de direito municipal 8815 Declaração de constitucionalidade dos direitos municipal e estadual 8816 Controle de ato legislativo em fase de formação 8817 Norma de caráter secundário 8818 Decisões judiciais e arguição de descumprimento de preceito fundamental 8819 A questão da omissão parcial 882 Procedimento 883 Medida liminar 884 Decisão e efeitos XI Representação interventiva 885 Introdução 886 Legitimidade 887 Objeto 888 Compreensão dos princípios sensíveis como parâmetro para a decretação da intervenção 889 Procedimento 890 Medida liminar 891 Decisão e efeitos XII Controle de constitucionalidade dos direitos estadual e municipal 892 Primeiras considerações 893 Norma estadual e duplicidade de controle de constitucionalidade 894 Decisão de inconstitucionalidade de norma constitucional estadual em face da Constituição Federal em ação direta de inconstitucionalidade proposta perante o Tribunal de Justiça 895 Norma constitucional de reprodução e interpretação incompatível com a Constituição Federal Cabimento de recurso extraordinário 896 Ação de inconstitucionalidade por omissão nos Estadosmembros 897 Ação direta de constitucionalidade nos Estadosmembros 898 Efeitos da decisão proferida em sede de ação direta de âmbito estadual XIII Controle de convencionalidade 899 Introdução Hierarquia normativa dos tratados internacionais dos direitos humanos 8100 Significado de supralegalidade dos tratados internacionais 8101 Modos de controle da convencionalidade no direito brasileiro 8102 Controle de supraconstitucionalidade 8103 O controle de convencionalidade pela Corte Interamericana de Direitos Humanos 8104 Objeto e parâmetro do controle de convencionalidade na Corte Interamericana 8105 Os efeitos das decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos Referências Outras obras dos autores ABDCONST Tem proferido conferências apresentado trabalhos e publicado em várias línguas livros capítulos de livros e periódicos científicos no Brasil e em outros países tais como Alemanha África do Sul Argentina Áustria Bélgica Chile Espanha Itália EUA México Peru Portugal Suíça É ainda Desembargador Aposentado do TJRS Advogado e Consultor Jurídico Luiz Guilherme Marinoni é Professor Titular com defesa de tese da UFPR Mestre e Doutor em Direito pela PUCSP fez estudos de PósDoutorado na Universidade de Milão Visiting Scholar na Columbia University e na Fordham University Professor visitante em várias Universidades da Europa e da América Latina Além de muitos livros publicados no Brasil tem mais de vinte livros publicados fora do país assim como vários artigos publicados em revistas estrangeiras como por exemplo Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile Rivista di Diritto Processuale ZZPInt Zeitschrift für Zivilprozess International Journal of Procedural Law Studia Prawnicze Revista de Derecho Procesal On Civil Procedure e Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra É VicePresidente da International Association of Procedural Law e Presidente da Associação Brasileira de Direito Processual Constitucional Recebeu o Prêmio Jabuti em 2010 e 2017 tendo sido indicado ao mesmo prêmio em três outras ocasiões Ex Procurador da República Advogado e parecerista com intensa atuação nos Tribunais e nas Cortes Supremas Daniel Mitidiero é Professor Associado de Direito Processual Civil nos Cursos de Graduação Mestrado e Doutorado da Faculdade de Direito da UFRGS PósDoutor em Direito pela Università degli Studi di Pavia Itália Doutor em Direito pela UFRGS Publicou 30 livros três deles no exterior e diversos artigos em revistas especializadas nacionais e estrangeiras entre as quais a Zeitschrift für Zivilprozess International e o International Journal of Procedural Law Membro da International Association of Procedural Law do Instituto Iberoamericano de Derecho Procesal da Asociación Argentina de Derecho Procesal da Associação Brasileira de Direito Processual Constitucional do Instituto de Processo Comparado e do Instituto Brasileiro de Direito Processual IBDP Recebeu o Prêmio Jabuti em 2009 e em 2017 Advogado Para Gabrielle Bezerra Sales Sarlet meu amor e minha parceira numa luminosa jornada dedico a parte que me toca nessa obra em construção Ingo Wolfgang Sarlet NOTA À 11ª EDIÇÃO Tendo em conta a contínua receptividade do presente curso também esta nova edição não foi objeto de maior ampliação mas sim de uma revisão designadamente de uma atualização legislativa jurisprudencial e bibliográfica sendo motivo de particular alegria que a obra tenha chegado à sua décima primeira edição no ritmo de uma edição anual o que indica uma boa receptividade pelo público e um contínuo voto de confiança em relação ao trabalho dos autores Destacamse no concernente às atualizações a inserção no art 5º CF de um direito fundamental à proteção de dados pessoais aprovada pelo Senado Federal em segundo turno de votação mas à época da redação dessas notas preliminares ainda não promulgada Além disso a presente edição é enriquecida na parte destinada aos direitos fundamentais em espécie designadamente os direitos sociais de um item destinado ao direito fundamental de acesso à Internet Assim há que formular um especial agradecimento aos nossos leitores e a todos os que seguem nos prestigiando seja na esfera acadêmica seja no plano judiciário com citações e indicações mas também com críticas que muitas vezes permitem a ampliação do contraditório mas também ajustes e aperfeiçoamentos Além disso expressamos o nosso muito obrigado a todos que de algum modo colaboraram para que a presente reedição se tornasse possível Nesse sentido aqui em nome do autor Ingo Sarlet se externa a gratidão para com Andressa de Bittencourt Siqueira da Silva Doutoranda em Direito pela PUCRS bolsista em tempo integral pela Capes Beatriz Castro Mulazzani Graduanda em Direito pela PUCRS bolsista de Iniciação Científica Bibiana da Cunda Ataídes Graduanda em Direito pela PUCRS bolsista de Iniciação Científica Manuela Ithamar Lima Mestre em Direito pela PUCRS e Pedro Agão Seabra Filter Doutorando em Direito pela PUCRS pela sua valiosa contribuição no que diz com o levantamento da jurisprudência do STF Especial agradecimento há de ser formulado em nome dos autores à equipe da Editora Saraiva aqui representada por Aline Darcy Flôr de Souza e Deborah Caetano de Freitas Viadana que mais uma vez se mostraram incansáveis no sentido de agilizar os processos e pelo seu sempre pronto contato com os autores Por fim o que almejamos é que também esta edição seja bem recebida e possa contribuir para a formação e atuação de estudantes de todos os níveis professores e profissionais de todas as áreas do Direito Porto Alegre e Curitiba novembro de 2021 Ingo Wolfgang Sarlet Luiz Guilherme Marinoni Daniel Mitidiero APRESENTAÇÃO A missão de escrever um Curso que possa ostentar essa designação não se revela de fácil execução Por um lado é preciso assumir o compromisso de conciliar uma dosagem suficiente de conteúdo e densidade oferecendo ao leitor informação relativamente acessível e atualizada que possa orientálo na sua trajetória acadêmica no plano da formação pessoal mas também na sua atividade profissional Por outro importa selecionar de forma adequada os assuntos que interessam mais de perto para compreensão do direito constitucional brasileiro Por mais completo que seja o programa da obra dificilmente considerada a abrangência do texto constitucional brasileiro poderá ser mantida a mesma densidade quanto ao tratamento da matéria Essa contingência se deve ao fato de os conteúdos que extrapolam os domínios convencionais do direito constitucional em que inequivocamente se inserem a teoria da constituição dos princípios e dos direitos fundamentais da organização do Estado e dos poderes articulemse fortemente com subsistemas temáticos em que costumam ser mais desenvolvidos Dito de outro modo um curso de direito constitucional não poderá pretender ser simultaneamente um curso de direito tributário direito administrativo direito econômico direito previdenciário ou mesmo um curso completo sobre os direitos fundamentais em espécie Deverá no entanto ser um referencial adequado para quem quiser ir além também nesses domínios Essas considerações abriram espaço para duas peculiaridades que marcam o nosso Curso A primeira delas diz respeito à seleção do conteúdo Com efeito a exemplo do que se verifica em outros casos a presente obra não nasceu completa e mesmo considerando a atualização e ampliação a cada reedição e a presente edição não se revela uma exceção não se pretende completa Cuidase isso sim de um trabalho projetado para um permanente processo de ampliação e reconstrução cuja primeira edição surgiu contemplando na primeira parte alguns dos aspectos centrais da teoria da constituição e do direito constitucional deixando a apresentação e a análise do sistema constitucional brasileiro aquilo que se costuma também designar de direito constitucional positivo para a segunda parte Além disso convém frisar que segue sendo nossa intenção por ocasião de cada nova edição não apenas aperfeiçoar e atualizar os tópicos ora versados mas incluir gradativamente novos pontos de modo a buscar a almejada completude ainda que se saiba que esta seja mais um ideal do que uma realidade possível Que o destaque e isso já na primeira edição vai para os temas centrais da teoria da constituição e do direito constitucional e os direitos fundamentais e a efetividade da constituição essa também a razão de ser de uma alentada parte sobre o controle de constitucionalidade e das ações constitucionais não representam algo aleatório mas constituem um dos aspectos diferenciais mediante os quais se pretende que o presente Curso de algum modo possa contribuir para auxiliar no aprendizado e manejo do direito constitucional no Brasil A segunda observação concerne à autoria Como projeção da nossa preocupação em apresentar à comunidade acadêmica um texto suficientemente sólido não só na área da teoria constitucional mas com particular foco na efetividade da Constituição nos pareceu conveniente conjugar esforços de modo a poder enfrentar com propriedade todos esses aspectos do problema Daí surgiu nossa parceria com o intento de outorgar tratamento adequado e específico tanto aos problemas de direito material quanto àqueles de direito processual que a Constituição brasileira apresenta A propósito para preservar a identidade de cada autor e da sua respectiva colaboração para a obra todos os capítulos têm gravados os nomes de seus autores assegurando a pronta identificação da responsabilidade pelo texto pelo públicoleitor Apresentar no caso reapresentar um Curso à comunidade acadêmica brasileira dado o nível de excelência de boa parte da nossa produção constitucional não constitui tarefa que se possa assumir de modo leviano Pelo contrário isso só se justifica pela possibilidade de poder colaborar com o debate a fim de que nossas instituições se fortaleçam e o Estado Constitucional viceje forte para além das contingências políticas Por outro lado isso é claro só se justifica se tivermos presente que a doutrina tem uma missão para além das especialidades a de formar em um espírito de Universidade pessoas preocupadas com o sentido constitucional que perpassa todo o Direito no Estado Constitucional É o único objetivo razoável que se pode assinalar a um Curso de Direito Constitucional realmente centrado na preocupação com a promoção da Constituição e de sua efetividade Porto Alegre RS e Curitiba PR novembro de 2021 Ingo Wolfgang Sarlet Luiz Guilherme Marinoni Daniel Mitidiero PRIMEIRA PARTE Teoria da Constituição e do Direito Constitucional A CONSTITUIÇÃO EM PERSPECTIVA HISTÓRICOEVOLUTIVA Dos antecedentes à afirmação do constitucionalismo moderno e do assim chamado Estado Constitucional Ingo Wolfgang Sarlet 11 Considerações introdutórias Embora a noção de constituição compreendida em sentido material ou seja como o modo de organização da sociedade política seja bem mais antiga o fato é que a ideia de uma constituição formal no sentido de uma constituição jurídica ou normativa portanto como expressão de um poder constituinte formal encontrou sua afirmação teórica e prática apenas a partir do final do século XVIII É precisamente nessa perspectiva que já se afirmou que o fato de cada unidade política estar em uma constituição ou ser uma constituição não significa que ela de fato tenha uma constituição formal no sentido de uma constituição normativa de tal sorte que o termo constituição cobre ambas as realidades que contudo não são equivalentes em toda a sua extensão visto que na primeira acepção que coincide com a de constituição material se trata de um conceito empírico ou descritivo de constituição ao passo que no segundo sentido cuidase de um conceito normativo ou prescritivo de constituição 1 Com isso não se está a sustentar todavia que antes da afirmação e consolidação da noção moderna de constituição formal jurídica não existissem documentos jurídicos de cunho constitucional embora em larga medida distintos do que viriam a ser as constituições escritas no sentido moderno consoante aliás demonstra de forma emblemática a experiência constitucional inglesa Já por tal razão mas também por ainda constituir uma via diferenciada no contexto mais amplo da evolução constitucional o modelo inglês também será considerado neste capítulo juntamente com as experiências norteamericana e francesa que como é amplamente aceito constituem os dois pilares do constitucionalismo na sua versão moderna o qual em seus traços essenciais segue marcando o constitucionalismo contemporâneo embora em processo de permanente reconstrução a ponto de se chegar a afirmar que a despeito das muitas e relevantes contribuições encontradas na literatura a história do constitucionalismo moderno ainda está sendo escrita e portanto está por ser escrita 2 Em sentido similar buscando destacar que a Constituição e o constitucionalismo se caracterizam como um processo evolutivo há quem diga que a Constituição pode ser compreendida como uma espécie de aquisição evolutiva 3 ou mesmo de uma aquisição evolutiva do sistema social global 4 Nada obstante a existência antes do surgimento das constituições jurídicas modernas de regras jurídicas inclusive consolidadas em documentos regulando as relações de poder político e mesmo vinculando os titulares do exercício do poder tais regras ainda que integrantes de uma constituição material não correspondem à noção moderna de constituição normativa nascida no final do século XVIII razão pela qual como adverte Dieter Grimm não há que confundir os fenômenos da juridificação e da constitucionalização a Constituição no sentido moderno do termo constitui uma forma peculiar de juridificação do poder e da dominação política vinculada a determinadas condições históricas que nem sempre estiveram presentes e que podem voltar a faltar 5 De fato se alguns documentos jurídicos mais antigos como é o caso da Magna Carta Inglesa 1215 mas especialmente das declarações de direitos inglesas do século XVII têm sido considerados antecedentes de uma constituição jurídica no sentido moderno no caso peculiar da Inglaterra até mesmo integrando ainda hoje a própria constituição histórica juntamente com outros regramentos certamente eram em muito distintos da noção de uma constituição compreendida como lei fundamental de uma comunidade política dotada entre outras características da qualidade de norma hierarquicamente superior 6 Já por tal razão importa ter sempre presente que embora as Revoluções Americana 1776 e Francesa 1789 tenham demarcado o momento inicial do constitucionalismo moderno 7 cuja história por sua vez está intrinsecamente ligada à limitação normativa do poder político e à garantia de direitos individuais e indisponíveis livres de intervenção estatal o fato é que as vertentes do constitucionalismo inclusive da noção de constituição jurídica são mais remotas podendo ser encontradas já no período medieval embora com amplo destaque para o constitucionalismo histórico e o pensamento político e filosófico inglês Com efeito em que pese o constitucionalismo tenha se consolidado a partir das grandes revoluções dos séculos XVII e XVIII formando três modelos que ressalvadas as diferenças entre si asseguraram as bases das experiências constitucionais posteriores no caso os modelos inglês norteamericano e francês os dois últimos definidores do assim designado constitucionalismo moderno foi no período medieval por meio da afirmação dos costumes e tradições portanto pelo direito costumeiro que foram estabelecidas regras gerais de organização política já a partir do século V 8 O próprio termo constituição que já aparecia na obra de Aristóteles 9 era relacionado na época a uma noção empírica não normativa que resultou da simples transposição da descrição natural do processo de dominação dos territórios e de seus habitantes e do desenvolvimento histórico das relações de poder para a linguagem jurídica e política onde passou a constituir um conceito também normativo do dever ser 10 Ademais a utilização do termo constituição nos escritos políticos da Antiguidade e mesmo na fase seguinte do Medievo costumava em muitos casos designar um modo de organização política ideal da sociedade como dão conta as obras do próprio Aristóteles ao identificar e propor uma tipologia das formas de governo mas especialmente a ficção da República de Platão a Cidade de Deus de Agostinho entre outras 11 Com a derrocada gradual do modo de produção e de organização da sociedade típicos do período medieval geralmente identificado com o sistema feudal embora as diferenças importantes registradas de lugar para lugar e ao longo do tempo surge especialmente ao longo dos séculos XV XVI e XVII mas com experiências anteriores como dá conta o caso de Portugal que assumiu os contornos de uma unidade estatal centralizada em um território e com o exercício do poder concentrado nas mãos de um monarca já no século XIII o assim chamado Estado moderno o poder político antes fragmentado em diversos centros de poder tornase centralizado indivisível e absoluto depositado nas mãos do monarca cuja soberania era legitimada segundo uma série de teorias pelo direito divino 12 Com a ascensão das correntes filosóficas que iriam forjar o ambiente do Iluminismo com destaque para os escritos de Thomas Hobbes John Locke JeanJacques Rousseau e Immanuel Kant 13 a legitimação e o exercício do poder foram enquadrados em esquemas racionalistas de modo que especialmente a partir do século XVIII algumas das consequências desse movimento já se mostravam claras no cenário jurídico e político europeu inclusive migrando para o cenário das colônias inglesas na América em que acabou eclodindo o processo que levou ao surgimento das primeiras constituições escritas no sentido moderno do termo Dentre tantos outros aspectos dignos de nota enfatizase aqui a afirmação do primado da lei em detrimento do costume como fonte do direito movimento de codificação além da alteração da concepção até então vigente de soberania como centrada na figura do príncipe para um conceito de soberania nacional onde a lei era concebida como a expressão máxima da vontade geral 14 Com o incremento do capitalismo como modo de produção primeiramente com o incremento e expansão das relações comerciais a partir do final da Idade Média e depois por via de seu modelo industrial oriundo da revolução econômica na Inglaterra a burguesia revelase como o setor mais avançado e dinâmico da sociedade avultando cada vez mais o contraste entre sua posição econômica e a ausência de sua participação no poder político Assim inevitável o choque de interesses findando na eclosão de movimentos revolucionários que iriam contestar os privilégios da monarquia do antigo regime inclusive em termos de movimentos de secessão por parte das colônias não apenas nos Estados Unidos 17761783 e na França 17891799 seguramente as duas mais importantes para o constitucionalismo mas também na Irlanda 17831784 na Bélgica 17871790 na Holanda 17831787 e inclusive na Inglaterra 1779 que já havia passado por um período de intensa agitação políticoinstitucional inclusive por uma guerra civil ao longo do século XVII Embora integrante do ciclo revolucionário do século XVIII não tendo portanto sido um evento isolado no contexto da época a Revolução Francesa eclodida em 1789 foi sem dúvida o mais profundo e impactante consideradas as suas proporções e repercussão entre os movimentos revolucionários Além de ter sido uma revolução social de massa mais radical do que as que a precederam e que a seguiram exceção feita aos movimentos revolucionários ocorridos na Rússia e na China no século XX foi a única de caráter ecumênico é dizer seus ideais foram concebidos para revolucionar o mundo diferentemente da revolução norte americana cujo acontecimento centrouse nos Estados Unidos e nos países nela envolvidos 15 Consoante anota Horst Dippel ainda que as consequências políticas e jurídicas da Revolução Francesa tenham adquirido proporções mundiais não foi na França que se deu a origem do que hoje entendemos por constitucionalismo moderno mas sim nos Estados Unidos da América mediante ainda numa primeira fase a promulgação da Declaração dos Direitos da Virgínia em 1776 Tal documento jurídico diferentemente do Bill of Rights da Inglaterra 1689 embora em boa parte por influência daquele foi o primeiro a consagrar uma declaração de direitos estabelecida pelos representantes do povo reunidos numa convenção plena e livre direitos que foram compreendidos como constituindo a base e o fundamento do governo 16 Ainda com Dippel a Declaração de Direitos da Virgínia pelo menos em seus traços essenciais serviu de modelo para a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão promulgada na França em 16 de agosto de 1789 de modo que indiretamente o constitucionalismo norteamericano influenciou textos constitucionais em escala global 17 Nesse mesmo contexto calha relembrar a lição de Thomas Paine um dos intelectuais norteamericanos embora nascido na Inglaterra mais destacados do período revolucionário no sentido de que uma constituição não é um ato de governo mas de um povo constituindo um governo Governo sem constituição é poder sem direito 18 Tal afirmação por sua vez reforça a noção de que com a Declaração da Virgínia de 1776 mais especialmente com a promulgação da Constituição dos Estados Unidos da América de 1787 algo de substancialmente novo estava a surgir No que consistem os traços característicos do constitucionalismo moderno e dos três grandes modelos que se afirmaram ao longo dos séculos XVII e XVIII Inglaterra Estados Unidos da América e França será objeto de atenção logo na sequência ainda que existam outras experiências e tradições constitucionais que especialmente ao longo do século XX influenciaram a noção contemporânea de constitucionalismo 19 De outra parte importa enfatizar que a inclusão da experiência constitucional inglesa resulta imperiosa já pelo fato de que o constitucionalismo se tomado em sentido mais amplo abarca o processo histórico marcado pelo desenvolvimento da noção de limitação jurídica do poder político que teve precursores e uma tradição importante na Inglaterra ainda que não mediante a adoção de uma constituição escrita tal como ocorreu na América do Norte e na França 20 mas também pelo fato de que na Inglaterra radicam elementos teóricos importantes que auxiliaram a pavimentar o terreno para a edificação do constitucionalismo moderno Muito embora não se verifique um consenso quanto a este aspecto também é digno de nota que para muitos o Instrumento de Governo Instrument of Government imposto durante a ditadura de Oliver Cromwell em 1653 período no qual a monarquia estava alijada do poder a despeito de sua transitoriedade pode ser considerado como o documento mais próximo das funções de uma constituição escrita no sentido moderno do termo além de ter sido a única constituição escrita que a Inglaterra teve 21 tudo a reforçar a importância da inclusão da matriz inglesa no contexto da evolução do constitucionalismo moderno 12 O caso da Inglaterra e suas peculiaridades Não há até hoje uma constituição escrita na Inglaterra pelo menos no sentido das constituições escritas que a partir do final do século XVIII passaram a caracterizar o constitucionalismo moderno Nada obstante a Inglaterra já possuía os elementos essenciais de um moderno Estado constitucional mesmo antes da declaração de independência dos Estados Unidos da América e da promulgação das Constituições dos Estados Unidos da França e da Polônia todas no final do século XVIII visto que na Inglaterra já vigorava um sistema de limites ao poder um devido processo legislativo formal um regime parlamentar dotado de uma representação popular e mesmo existia um conjunto de garantias e liberdades civis assegurado por meio de documentos jurídicos quase constitucionais ainda que distinto dos direitos fundamentais no sentido atual do termo 22 Segundo Dieter Grimm são dois os motivos principais para que a Inglaterra país que do ponto de vista econômico e político era o mais liberal do antigo regime acabasse prescindindo de uma constituição formal Um primeiro motivo apontado pelo autor reside no fato de não ter sido necessária uma ruptura revolucionária para a consolidação das relações civis em face da dominação tradicional absolutista já que à época do sistema feudal em contraposição ao que se passava no continente os limites entre a aristocracia e a burguesia eram significativamente mais tênues de modo que havia tanto o enobrecimento de cidadãos honrados quanto o exercício da atividade empresarial por segmentos da aristocracia Além disso ainda de acordo com o autor referido a Reforma na Inglaterra não se fez em direção ao fortalecimento do poder monárquico mas sim conduziu a uma gradativa valorização do Parlamento já no século VI quando Henrique VIII tentou assegurar o apoio do Parlamento mediante sua ruptura com Roma ou seja com a Igreja Católica Romana 23 O processo constitucional inglês de caráter cumulativo e evolutivo transmitido de geração para geração principiou com o desenvolvimento das instituições feudais que numa primeira fase resultou no fortalecimento do poder político dos barões mediante a imposição ao Rei João SemTerra da Magna Charta Libertatum em 1215 documento que todavia veio posteriormente a influenciar a consolidação do Parlamento ainda que controlado pelo rei 24 Cumpre averbar na esteira da lição de Dieter Grimm que diversamente do que passou a ocorrer no continente onde o absolutismo monárquico dominou o cenário especialmente ao longo dos séculos XVI e XVII na Inglaterra a convivência de uma representação da burguesia e da nobreza no âmbito do Parlamento demarcou um modelo de evolução peculiar visto que ambos os setores não apenas apresentavam interesses em parte comuns como detinham uma representação política 25 O embate entre o Parlamento e o poder monárquico que de certo modo marcou a evolução políticoinstitucional inglesa de forma crescente muito embora variável ganhou contornos mais intensos no século XVII resultando em 1628 na assim chamada Petição de Direitos Petiton of Rights uma declaração de direitos que estabelecia limitações substanciais ao poder do Rei Carlos I Este a despeito dos compromissos assumidos por força da petição de direitos dissolve diversos Parlamentos impõe impostos sem a prévia aprovação pelo Parlamento o que resulta na criação de um exército pelo Parlamento e no confronto com as forças reais tudo a desembocar numa guerra civil que levou à vitória das forças parlamentares e à decapitação do rei em 1649 Todavia uma vez instaurada a República o comandante do exército que derrotou as forças monárquicas Oliver Cromwell dissolveu o Parlamento 1652 e iniciou uma espécie de absolutismo ou ditadura republicano além de promulgar um documento que costuma ser considerado como a primeira versão de uma espécie de constituição escrita que tal como já apontado na parte introdutória foi a única que a Inglaterra jamais teve o assim chamado Instrument of Government de 1653 e que esteve em vigor por pouco tempo tendo em vista a morte de Cromwell 1658 e a restauração da monarquia em 1660 com o retorno do exílio de Carlos II filho de Carlos I 26 O caráter efêmero da peculiar experiência inglesa de uma constituição escrita encontra explicação no fato de que com a morte de Cromwell a nova ordem logo começou a soçobrar e o Parlamento em junção com outras forças políticas e sociais optou pela restauração da monarquia justamente a forma de governo que havia sido derrubada pela Constituição de Cromwell 27 Embora restabelecida a monarquia e a Câmara dos Lordes que havia sido dissolvida durante a ditadura de Cromwell o contexto já era completamente diferente marcado já pela crescente supremacia do Parlamento onde o monarca gozava de poderes significativamente limitados ainda mais a partir da edição da Declaração de Direitos Bill of Rights em 1689 28 Com efeito o assim chamado Modelo Westminster como era designada a forma de governo inglesa teve seu ponto culminante no período compreendido entre 1688 e 1689 quando foram estabelecidas mudanças políticas e institucionais como a consolidação da supremacia do Parlamento em relação ao rei e à superioridade da Câmara dos Comuns sobre a Câmara dos Lordes 29 Notese todavia que a Declaração de Direitos pactuada entre o Parlamento e a Coroa diversamente da revolução americana e especialmente da francesa foi o resultado de um movimento conservador da ordem estabelecida resultando na confirmação dos antigos direitos e imunidades que já integravam a tradição inglesa 30 Por outro lado a despeito de tais circunstâncias a Declaração de Direitos de 1689 como ponto culminante da assim chamada revolução gloriosa pode ser considerada como um dos principais momentos constitucionais da Inglaterra visto que representou a necessidade de estabelecer demarcar e limitar inclusive mediante um texto escrito os poderes da legislatura e do monarca 31 Tal evolução por sua vez naquilo que legou ao mundo o modelo parlamentar e um primeiro sistema de liberdades civis e políticas pode ser considerada como a grande contribuição inglesa ao constitucionalismo e para a história das instituições políticas muito embora aqui não se possa adentrar nos detalhes de tal modelo e seus diversos desdobramentos seja para a Inglaterra seja para outras ordens constitucionais 32 A despeito de sua relevância para a evolução do constitucionalismo e pelo fato de na Inglaterra ter sido engendrado o primeiro Estado de feição liberal o modelo inglês constitui uma via peculiar visto que além de não ter sido baseado na distinção entre poder constituinte e poderes constituídos não contempla o princípio da supremacia da Constituição inexistindo portanto um controle de constitucionalidade dos atos legislativos notadamente por força da adoção do princípio da supremacia parlamentar Ainda assim ao longo dos tempos importantes mudanças foram desenvolvidas no âmbito da configuração institucional do Poder Judiciário como órgão independente da atuação parlamentar o que pode ser ilustrado mediante referência à aprovação em 1998 pelo Parlamento da incorporação ao direito interno da Convenção Europeia de Direitos Humanos o assim chamado Human Rights Act que opera como parâmetro para a legislação ordinária e pode ensejar uma declaração de incompatibilidade em concreto pelo Poder Judiciário 33 Além disso em 2005 foi aprovado o Constitutional Reform Act reorganizando o Poder Judiciário inglês mediante o qual foi estabelecida uma separação orgânica entre o Poder Judiciário e o Parlamento esvaziando as funções judiciais da Câmara dos Lordes e transferindo funções para uma nova Suprema Corte 34 Assim muito embora aqui se tenha apresentado o constitucionalismo inglês de maneira muito esquemática o que se percebe é que também se cuida de um modelo em permanente reconstrução o qual embora siga substancialmente distinto da tradição de um constitucionalismo escrito pelo menos no sentido de uma codificação de normas formalmente constitucionais e hierarquicamente superiores às demais 35 contempla elementos importantes do moderno Estado constitucional e está além do mais pelo menos quanto a alguns aspectos como dá conta entre outros exemplos o caso da Convenção Europeia de Direitos Humanos e o Human Rights Act em processo de gradativa aproximação dos demais modelos o que em muito se deve à integração europeia para além de outros fatores que são externos à matriz original inglesa incluindo a globalização da economia aspectos que contudo aqui não serão desenvolvidos 13 Os Estados Unidos da América a viragem de Copérnico da evolução constitucional Na América do Norte mediante a Declaração de Independência das antigas treze colônias inglesas e a posterior fundação do Estado Federal com a promulgação da Constituição de 1787 a formação do constitucionalismo moderno adquiriu feições paradigmáticas 36 Uma das peculiaridades que marca o estágio inicial da evolução constitucional norteamericana reside na circunstância de que a criação da Constituição a primeira constituição escrita no sentido moderno do termo coincidiu com a própria formação do país como nação independente O constitucionalismo republicano dos Estados Unidos fundou um novo sistema político apto a garantir a independência das treze antigas colônias inglesas estabelecendo regras gerais de atuação política e consagrando direitos naturais da pessoa humana especialmente com ênfase na eliminação dos entraves às atividades econômicas que caracterizavam a época de tutela colonial britânica 37 Todavia embora apenas o documento elaborado pela Convenção da Filadélfia em 1787 possa ser considerado como a primeira Constituição dos Estados Unidos da América e ostente mesmo o título de primeira constituição moderna os constituintes puderam recorrer a precedentes oriundos da própria realidade norte americana inclusive da fase colonial visto que as colônias aderindo ao movimento que se manifestava na Inglaterra elaboraram documentos que a exemplo da Declaração de Direitos e outros documentos constitucionais ingleses podem ser considerados como antecedentes da constituição escrita como foi o caso das assim chamadas cartas coloniais Colonial Charters ou Colonial Forms of Government 38 Tais documentos todavia embora tenham preparado o terreno para as diversas constituições aprovadas pelos Estados originários das excolônias a contar de 1776 mas especialmente para a Constituição de 1787 não podem ser equiparados a uma constituição já pelo simples fato de as colônias serem dependentes da Inglaterra e não constituírem Estados soberanos Quando em 4 de julho de 1776 é assinada a Declaração de Independência das antigas colônias da Inglaterra na América do Norte tais colônias constituíram Estados independentes soberanos Pouco tempo depois cientes da necessidade de fortalecer a união para enfrentar o inimigo comum visto que a guerra contra a Inglaterra ainda não estava vencida os Estados independentes ratificaram em 1781 os famosos Articles of Confederation estabelecendo uma confederação formada pelos treze estados soberanos originados das antigas colônias que portanto representou uma forma composta de Estados mas não uma Federação como veio a ser criada logo mais adiante Foi entre outras razões com a intenção de imprimir unidade e estabilidade ao sistema mediante a criação especialmente de um Poder Executivo apto a gerenciar a disputa interna que foi convocada a Convenção da Filadélfia que em 1787 aprovou a primeira Constituição jurídica e escrita no sentido moderno do termo aliás a primeira e única Constituição escrita que os Estados Unidos da América como nação independente e soberana já tiveram 39 Além disso também por força do pacto constituinte de 1787 foi criada a primeira República Federativa e Presidencialista no âmbito da evolução política e institucional da humanidade Apesar disso fica o registro de que a Constituição de 1787 não foi o resultado de uma decisão prévia e planejada mas sim a forma encontrada pelos integrantes da Convenção da Filadélfia para resolver um problema concreto e imediato qual seja o da estruturação e organização interna do poder 40 Considerando que o texto aprovado pela Convenção de 1787 foi antes de entrar em vigor o que veio a ocorrer em julho de 1788 submetido a um processo de ratificação pelos Estados que integravam a antiga Confederação e que portanto renunciaram à sua soberania é necessário destacar a importância para tal ratificação dos escritos de Alexander Hamilton James Madison e John Jay publicados na imprensa de Nova York entre outubro de 1787 e maio de 1788 sob o título de O Federalista e que juntamente com outras contribuições de relevo ajudaram a formar no seu conjunto não apenas o substrato e a justificação teórica da nova ordem constitucional mas também a evolução constitucional posterior 41 Importa notar todavia que embora o título de primeira constituição moderna seja atribuído ao documento elaborado em 1787 já desde a Declaração de Independência em 1776 quando as antigas colônias constituíram Estados independentes a noção de constituição em sentido moderno e com ela a própria noção de um poder constituinte já se faziam presentes precisamente pelo fato de que os novos Estados originários das colônias experimentaram um processo de formação constitucional que apresentava as características que depois vieram a se consolidar quando da aprovação da Constituição de 1787 Em geral os novos Estados independentes mediante processo constituinte democrático elaboraram sua própria constituição eou declaração de direitos prevalecendo em regra a noção de que é a Constituição que precede o governo e constitui além disso a base e medida da legislação tendo mesmo as declarações de direitos sido ou inseridas no texto constitucional ou então incorporadas por remissão embora constantes em documento apartado como foi o caso por exemplo da famosa Declaração da Virgínia de 1776 tudo a indicar que a concepção de constituição moderna ou seja o modelo embrionário de uma ordem constitucional republicana dotada de constituição escrita pode ser reconduzida a tal momento embora como já frisado consolidada logo adiante quando da formação dos Estados Unidos da América como Estado Constitucional 42 Tudo isso revela que a construção da Constituição americana se deu mediante um processo que vai pelo menos de 1776 Declaração de Independência até 1791 incorporação de uma declaração de direitos ao texto da Constituição de 1787 43 Tal processo veio a ser consolidado posteriormente mediante entre outros aspectos a consolidação da noção de supremacia da Constituição que será objeto de atenção logo adiante Fundada e justificada na e pela noção de soberania popular emblematicamente expressa já no Preâmbulo mediante a famosa expressão Nós o Povo We the People a Constituição de 1787 como já sinalado foi a primeira constituição escrita a consagrar uma República Federativa além de estabelecer um Executivo unipessoal nos dois planos federativos federal e estadual exercido por um Presidente da República na esfera do governo da União bem como colocando em prática a separação de poderes idealizada por Montesquieu e afirmando a supremacia da lei rule of the law 44 Muito embora o texto original não tivesse previsto um rol de direitos e garantias que somente viriam a ser incorporados em 1791 por meio das primeiras dez emendas à Constituição denominadas Bill of Rights a relevância de tais direitos e garantias para a futura evolução constitucional e a afirmação dos direitos fundamentais da pessoa no mundo ocidental não pode ser suficientemente enfatizada ainda mais quando qualificada pela noção de supremacia da Constituição isto sem falar no impacto de tais direitos especialmente mediante a sua interpretação pela Suprema Corte para a vida social econômica e política dos Estados Unidos da América bastando aqui referir em caráter ilustrativo a compreensão da cláusula da equal protection para a superação ainda que não total das graves distorções na esfera da discriminação racial Evidentemente o elenco de direitos e garantias integrado ao texto constitucional direitos à vida e à propriedade liberdade de expressão igualdade liberdade religiosa devido processo legal entre outros apresentava caráter eminentemente liberal sendo resultado do Zeitgeist iluminista e liberalburguês vigente na época da formação constitucional norteamericana e que ainda que com alguma variação definiu as linhas mestras da primeira grande fase do constitucionalismo moderno O hoje ainda praticamente intocado dogma da supremacia da Constituição teve nos Estados Unidos da América a sua máxima expressão notadamente a partir da incorporação ao constitucionalismo norteamericano e de lá para o mundo da doutrina e prática do controle judicial de constitucionalidade das leis prática que costuma ser reconduzida à famosa decisão da Suprema Corte no caso Marbury vs Madison de 1803 em função do célebre voto do Chief Justice John Marshall ao afirmar a competência da Corte para com base na Constituição controlar e mesmo fulminar atos dos demais poderes da República 45 Em síntese oferecendo uma sumária radiografia das principais diretrizes do modelo constitucional norteamericano incorporadas logo após o desfecho do movimento de separação da metrópole inglesa e mediante a aprovação da Constituição de 1787 e das emendas de 1791 é possível tomando por empréstimo a seleção efetuada por Hartmut Maurer elencar os seguintes aspectos a soberania popular como fundamento do Poder do Estado b a garantia dos direitos fundamentais para a salvaguarda da liberdade e igualdade das pessoas diante do poder estatal c a separação dos poderes limitados e controlados entre si d a Federação consubstanciada na criação de um Estado comum mas com a manutenção do formato anterior de Estados individuais com a repartição de tarefas estatais entre a União e os Estados federados 46 O desenvolvimento posterior do constitucionalismo norteamericano importa agregar encontrase por sua vez atrelado à atuação marcante de sua Suprema Corte que embora as diversas fases mais ou menos conservadoras ou progressistas foi decisiva para a reconstrução permanente da ordem constitucional além de influenciar o papel de outras cortes constitucionais no mundo inteiro 14 O legado da experiência constitucional na França A era do constitucionalismo moderno desde o paradigma das constituições escritas elaboradas pelos Estados norteamericanos culminando na Constituição Federal de 1787 atingiria o início de sua escalada quando da promulgação na França da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão 47 em 1789 cujo famoso art 16 esboçava o novo conceito de constituição ao estipular em tom solene que um Estado que não garantisse a separação dos poderes e não assegurasse os direitos individuais não teria uma constituição As exigências do ideário liberalburguês foram delineadas na Declaração de Direitos documento jurídico que representava ao mesmo tempo um manifesto contra a sociedade hierárquica e os privilégios da nobreza muito embora estivesse longe de poder ser considerado um libelo em prol de uma sociedade democrática e igualitária 48 O ideal era a formação de um Estado secular que assegurasse as liberdades civis e as garantias para a empresa privada e de um governo de contribuintes e proprietários elevando se a propriedade privada à condição de direito natural sagrado inalienável e inviolável A célebre frase de Luís XIV identificando o Estado com a pessoa do monarca LÉtat cest moi e que representava a quintessência do absolutismo monárquico foi extirpada do vocabulário constitucional francês no âmbito de um processo que de certo modo deu novo significado ao termo Revolução Por outro lado é preciso destacar que o desenvolvimento do constitucionalismo no continente europeu inicia com a Revolução Francesa de 1789 ainda que não se possa desprezar a influência da experiência norteamericana especialmente para o momento inaugural do constitucionalismo moderno na Europa assim como no decorrer da evolução posterior o que contudo aqui não será abordado Em apertada síntese é possível afirmar que o primeiro impulso rumo a uma primeira constituição escrita na França ocorreu com a convocação pelo Rei Luís XVI dos Estados Gerais uma assembleia reunida no dia 5 de maio de 1789 integrada por representantes das três ordens da sociedade francesa no caso a nobreza o clero e o povo comum que representavam o assim chamado Terceiro Estado e cuja pauta de reivindicações incluía a elaboração de uma constituição escrita por força da influência norteamericana Mediante pressão do Terceiro Estado foi instaurada uma Assembleia Nacional Constituinte a partir de 17 de junho de 1789 que elegeu um comitê encarregado de elaborar um projeto de constituição 6 de julho de 1789 o qual em princípio mantinha a monarquia hereditária Todavia em função da rebelião popular e da assim chamada queda da Bastilha fortaleza e prisão real 14 de julho de 1789 e em virtude da expansão do movimento a Assembleia Constituinte deixando de lado neste momento o projeto de constituição dedicouse a elaborar uma Declaração de Direitos que veio a ser aprovada em 26 de outubro de 1789 nela além da consagração da noção de direitos naturais e imprescritíveis do homem representados pelos direitos de liberdade propriedade segurança e resistência à opressão art 2º o já referido conceito de constituição formulado no art 16 da Declaração 49 Registrese que uma das peculiaridades do desenvolvimento constitucional francês especialmente quando confrontado com o norteamericano reside nas características do Poder Constituinte Contrariamente ao que sucedeu nos Estados Unidos a Assembleia Nacional Constituinte na França significava uma ruptura com o passado no sentido não apenas da fundação de um Estado mas de uma nova ordem estatal e social afetando profundamente até o âmbito mais elementar da sociedade Nesse sentido a declaração de direitos fundamentais não objetivava apenas a limitação do poder do Estado mas também e sobretudo a extinção do direito feudal e dos privilégios da aristocracia 50 Curial destacar a partir da experiência constitucional francesa que a simples denominação de Estado Constitucional não é garantia de per si do respeito aos elementos essenciais do chamado constitucionalismo moderno De fato os dois primeiros textos constitucionais franceses não dispunham sobre a independência do Poder Judiciário o governo limitado e a proteção da Constituição Tais elementos só foram incorporados ao longo do tempo especialmente após a instauração da Quinta República em 1958 Ademais com a promulgação da Constituição do ano VIII 1799 foram retirados traços essenciais do constitucionalismo moderno de modo a concentrar excessivamente o poder nas mãos do PrimeiroCônsul que o exerceu como um ditador sob o rótulo do Estado Constitucional 51 O Poder Judiciário objeto de desconfiança dos revolucionários e que se reflete de certo modo até os dias atuais foi relegado a mero aplicador do direito legislado de tal sorte que para a concretização da máxima de Rousseau segundo a qual a lei é a expressão da vontade geral apenas ao Poder Legislativo era dada a competência de explicitar o sentido das suas próprias prescrições o que por sua vez contribuiu para que apenas já no último quartel do século XX o Conselho Constitucional órgão a que incumbe na França o controle de constitucionalidade das leis passasse a assumir um papel mais efetivo e mais próximo de uma autêntica jurisdição constitucional capaz de assegurar a supremacia da Constituição em relação ao direito infraconstitucional o que também é aspecto que constitui uma diferença essencial em relação à tradição do constitucionalismo norteamericano e mesmo na fase posterior à Segunda Guerra Mundial da experiência da maioria dos Estados que apostaram na criação de Tribunais Constitucionais de perfil jurisdicional como foi o caso da Alemanha 52 De qualquer sorte a despeito do período de domínio napoleônico a contar de 1799 e depois da derrota final de Napoleão em Waterloo 1815 da restauração da monarquia a matriz constitucional francesa engendrada no período revolucionário deixou um legado permanente para o constitucionalismo moderno até mesmo de modo indireto visto que o pensamento político francês também teve repercussão nos Estados Unidos onde algumas ideias tiveram recepção e realização prática em parte distinta da que ocorreu na França como é o caso apenas para mencionar um exemplo célebre do princípio da separação de poderes que reconstruído nos Estados Unidos foi incorporado à gramática constitucional de uma série de Estados que aderiram ao movimento constitucional 15 A ampliação do constitucionalismo pelo mundo ocidental rumo ao modelo do Estado Constitucional como paradigma universal Uma breve observação a respeito do significado das três experiências constitucionais inaugurais do constitucionalismo moderno com destaque para a norteamericana e a francesa mas sem olvidar que parte das premissas teóricas e mesmo parte das instituições que passaram a integrar a noção de um Estado Constitucional são oriundas da tradição constitucional inglesa como por exemplo a própria doutrina da rule of law que no direito constitucional continental recebeu sentido em parte diverso revela que todas foram determinantes para a afirmação no cenário jurídicoconstitucional e político do final do século XVIII dos contornos da noção de um Estado Constitucional compreendido como um Estado de Direito na perspectiva da limitação jurídica do poder e lançaram as bases da evolução posterior Todavia o processo de afirmação e reconstrução do Estado Constitucional de Direito que nasceu como um Estado Liberal de Direito revela que se trata de uma trajetória gradual marcada pelo surgimento de outras experiências constitucionais que exerceram sua influência e são dignas de nota seja pelas suas peculiaridades seja pela influência gerada no que diz com a reconstrução do próprio constitucionalismo que ao longo do século XIX vivenciou um processo de significativa ampliação inclusive na América do Sul e Central Por outro lado especialmente na Europa da primeira metade do século XIX as constituições que começaram a ser elaboradas nem sempre refletiam os elementos essenciais do constitucionalismo de matriz norteamericana e da experiência francesa revolucionária prénapoleônica Já antes da elaboração da primeira Constituição francesa em 3 de maio de 1791 a Polônia promulgou a primeira Constituição escrita em solo europeu seguida na esteira das guerras napoleônicas de uma série de constituições na Alemanha Suíça Itália Holanda e Espanha de modo que a partir de então o movimento constitucional passou a ser um fenômeno em processo de expansão ainda que de modo diferenciado em muitos casos da vertente original 53 Aqui também em homenagem ao papel representado mais adiante no contexto do constitucionalismo em geral pela Constituição da República de Weimar 1919 e pela Lei Fundamental da Alemanha de 1949 é de se destacar a evolução constitucional alemã desde o primeiro quartel do século XIX período no qual contudo as diversas constituições dos Estados alemães inclusive a Constituição Imperial da Alemanha Unificada a monarquia seguiu sendo a forma de governo por excelência marcada por um cunho mais ou menos autoritário embora em gradativa sintonia com o paradigma liberal principalmente a contar dos movimentos liberais que agitaram especialmente a França e a Alemanha em meados do século XIX 54 Diversamente das matrizes norteamericana e francesa pelo menos na sua versão original as Constituições alemãs da época não foram elaboradas por uma Assembleia Constituinte mas em geral outorgadas pelos monarcas dos diversos Estados alemães na primeira fase inspiradas pela Carta Constitucional editada por Luís XVIII na França em 1814 Em síntese durante muito tempo a noção de supremacia da constituição em relação aos poderes constituídos a falta de um controle judicial das leis em face da constituição a pouca relevância dos direitos e garantias individuais a falta ou pouca relevância da representação popular dos direitos políticos foram dentre outros elementos característicos do período 55 Sem que se pretenda e possa aqui apresentar mais detalhes da evolução constitucional alemã e em geral no mundo ocidental ao longo do século XIX notadamente na Europa e nas Américas onde a contar da independência das colônias espanholas e portuguesa os novos Estados independentes passaram a elaborar suas constituições a maioria republicana uma das exceções foi a Constituição Imperial do Brasil de 1824 o fato é que as bases do moderno Estado Constitucional estavam sendo erigidas ainda que tal processo não se tenha dado exatamente da mesma forma em todos os lugares e ao mesmo tempo Por outro lado convém alertar que sob o rótulo de Estados Constitucionais é possível identificar determinados modelos que em termos gerais e de acordo com difundida tipologia podem ser reunidos em pelo menos três grupos designadamente o Estado Constitucional Liberal Estado Liberal de Direito o Estado Constitucional Social o Estado Social de Direito e o Estado Democrático de Direito que na versão aqui privilegiada assume a feição de um Estado também Social e Ambiental que pode mediante uma fórmulasíntese ser também designado como um Estado Socioambiental ou mesmo um Estado Socioambiental e Democrático de Direito Tais modelos quanto aos seus contornos gerais serão objeto de análise em outro momento Todavia tendo em conta sua peculiaridade e sua relevância para a formatação do constitucionalismo democrático contemporâneo e para o assim designado neoconstitucionalismo que também não será aqui ainda abordado sabendose da controvérsia que gravita em torno da própria designação seguem algumas linhas sobre a Lei Fundamental da Alemanha seguramente a principal experiência constitucional que seguiu o final da Segunda Grande Guerra Mundial 16 A Lei Fundamental da Alemanha 1949 notas sobre sua formação evolução e conteúdo 56 161 Precedentes e o desmantelamento da ordem constitucional pretérita por força da ditadura nacional socialista Muito embora a história das constituições escritas tenha início com o processo de independência das colônias inglesas na América do Norte que resultou em 1787 na promulgação da Constituição Federal dos Estados Unidos da América bem como com a Revolução Francesa cuja primeira Constituição no sentido moderno do termo data de 1791 a afirmação do constitucionalismo foi relativamente lenta e muito heterogênea mesmo no âmbito do Ocidente e ainda que limitada ao espaço físico da Europa Ocidental e das Américas No espaço que passou a ser ocupado pelo Império da Alemanha após o processo de unificação protagonizado pela Prússia 1871 o conjunto de Estados autônomos de língua e cultura alemã passou a adotar gradativamente a contar de 1810 a ideia de uma constituição escrita resultado principalmente das campanhas napoleônicas muito embora não se tratasse durante o século XIX de constituições oriundas de um processo democrático de refundação do Estado mas sim de documentos que assumiram o papel de uma espécie de contrato entre a monarquia que passou a ser constitucional e os súditos 57 A malograda tentativa de estabelecer uma ordem constitucional democrática para toda a Alemanha representada pela Revolução de 18481849 e pela elaboração da Constituição da Igreja de São Paulo Paulskirchenverfassung de cunho democráticoliberal e dotada de um moderno catálogo de direitos fundamentais sucedida pela unificação políticoterritorial e formação do assim chamado primeiro Reich Império alemão governado por Guilherme I e pelo Chanceler de Ferro Otto von Bismarck e dotado de uma constituição escrita própria 1871 58 acabou fazendo com que apenas a derrocada da monarquia e a instauração da república na sequência da Primeira Grande Guerra Mundial permitissem a promulgação de uma primeira e até o advento da Lei Fundamental de 1949 única Constituição Democrática para a Alemanha a tão citada Constituição da República de Weimar de 1919 também conhecida como modelo do constitucionalismo democrático e social contemporâneo Ainda que do ponto de vista de sua concepção e de seu conteúdo a Constituição de Weimar não possa ser seriamente questionada quanto às suas virtudes democráticas e no que diz com a sua relevância para o desenvolvimento das instituições políticas sociais e jurídicas alemãs o contexto definitivamente não lhe era favorável logo tendo sido embora formalmente em vigor durante mais tempo superado pela fúria nacionalsocialista e pela gradativa mas rápida instalação de um regime totalitário apenas rivalizado na época pelo vizinho totalitarismo implantado na União Soviética por Josef Stalin A trajetória instável vivenciada pelas instituições político democráticas sob a égide da Constituição de Weimar minada desde cedo pela resistência reacionária e pela pressão exercida pelos radicalismos protagonizados especialmente pelos partidos nacional socialista e comunista acabou permitindo que Adolf Hitler por força de uma coalizão partidária fosse nomeado chanceler e logo passasse a reivindicar e obter poderes de cunho excepcional assegurandolhe em pouco tempo o total controle mediante a eliminação de toda e qualquer oposição uma reforma legislativa garantiu o monopólio por parte do Partido NacionalSocialista a NSDAP inclusive mediante recurso à força amparado em documentos legais para além da abolição da Federação e instalação de um Estado Unitário e Centralizado Hitler passou após a morte do Presidente Hindenburg a concentrar a Chefia de Estado e de Governo culminando por meio do que se chegou a chamar de revolução legal 59 na afirmação de um Estado do Führer Führerstaat 60 Assim embora ainda formalmente em vigor a Constituição de Weimar valia e era aplicada apenas e na exata medida em que não entrasse em conflito com a normativa em rigor com o que se pode designar de direito constitucional em sentido material nacionalsocialista imposta pelo regime totalitário Com a eclosão da Segunda Grande Guerra o totalitarismo chegou ao seu ápice mas logo vieram a derrota e a completa destruição do Estado NacionalSocialista e da própria Alemanha visto que com a ocupação aliada e com a divisão do território do antigo Reich a própria identidade alemã como um Estado soberano entrou em um período de suspensão O próprio Hans Kelsen chegou a afirmar em 1945 que a Alemanha havia deixado de existir como um Estado Soberano 61 De fato é de se reconhecer que os aliados Inglaterra EUA França e URSS não apenas assumiram o poder mas sim a integralidade do poder estatal e com isso também as correspondentes funções da soberania 62 muito embora nem todos concordem com a tese do desaparecimento temporário do Estado alemão como tal inclusive de acordo com entendimento expressado bem mais tarde pelo Tribunal Constitucional Federal da Alemanha 63 O ressurgimento do Estado ainda assim em um contexto e sob condições peculiares acabou ocorrendo com a entrada em vigor da Lei Fundamental de 1949 pelo menos no caso da então Alemanha Ocidental Acompanhando Hans Vorländer é possível afirmar que a República Federal da Alemanha foi a despeito do perfil da Lei Fundamental na percepção de seus próprios autores é possível agregar o resultado de uma decisão constituinte 64 É sobre tal processo de reconstitucionalização que iremos nos debruçar no próximo segmento Por outro lado antes de avançarmos é preciso enfatizar que evidentemente a República Democrática Alemã DDR Deutsche Demokratische Republik também passou por um processo similar constituindose em um novo Estado conhecido como Alemanha Oriental e com uma constituição própria promulgada em 07101949 igualmente submetida a aprovação pelas forças de ocupação soviéticas mas que foi posteriormente substituída por duas novas constituições respectivamente em 06041968 e 07101974 Sem prejuízo da importância da evolução constitucional para a assim chamada Alemanha Oriental aqui não será o caso de adentrarmos no seu exame 65 seja em virtude da falta de espaço para algum desenvolvimento seja especialmente em virtude da adoção quando da reunificação alemã da Lei Fundamental de Bonn como sendo a constituição da Alemanha unificada o que por sua vez constitui o foco da presente abordagem 162 Elaboração conteúdo e afirmação da Lei Fundamental de 1949 A Lei Fundamental da República Federal da Alemanha Grundgesetz entrou em vigor em 24051949 apenas quatro anos após a rendição incondicional das forças armadas alemãs que por sua vez formalizou a derrocada da ditadura nacionalsocialista que tanto mal causou a tantas pessoas em tantos lugares inclusive ao próprio povo alemão Não foi à toa portanto que já no Preâmbulo da Lei Fundamental foi consignada tanto a consciência da responsabilidade perante Deus e os seres humanos quanto a vontade de servir à Paz Mundial Igualmente emblemática e vinculada ao contexto histórico além de sem precedentes no constitucionalismo pretérito à exceção de algumas manifestações isoladas mas situadas em outras partes da Constituição e com outra expressão literal a afirmação consignada já no primeiro artigo da Lei Fundamental da intangibilidade da dignidade da pessoa humana acompanhada do comprometimento do povo alemão com os direitos inalienáveis e invioláveis da pessoa humana Tal afirmação de resto foi também manejada como resposta a um determinado modelo de positivismo jurídico buscando resgatar a importância de uma ordem de valores não necessariamente adstrita ao direito formalmente positivado sem prejuízo de uma referência assumida ao jusnaturalismo ainda que a adesão ao positivismo jurídico e o seu peso para a tentativa de justificação de atos praticados no âmbito do sistema jurídico e judiciário sob a égide da ditadura nazista especialmente a escusa da mera aplicação da lei sejam bastante controversos aspecto que aqui não será objeto de exame 66 Curiosamente embora em certo sentido de modo compreensível não foram os políticos alemães da época os protagonistas do processo constituinte mas sim os governos de ocupação aliados com destaque para os EUA que no lado ocidental e em virtude da crescente polarização em relação à União Soviética que havia assumido o controle do lado oriental o qual como apontado seguiu seu próprio caminho inclusive em matéria constitucional que julgavam ser imprescindível a criação de um Estado alemão ocidental o que por sua vez implicava a necessidade da elaboração de uma constituição 67 Certamente um dos fatores que determinou a resistência pelo menos inicial ao projeto do governo de ocupação em promover a elaboração de uma Constituição foi precisamente o receio de que com isso se estaria chancelando a divisão da Alemanha o que de fato veio a acontecer embora se saiba que tal divisão não teria sido evitada por si só com a recusa em elaborar uma nova Constituição Tirante este aspecto assume relevo em termos de apreciação da evolução histórica que mesmo antes da aprovação da Lei Fundamental foram criados já a partir de 1945 e por iniciativa dos governos militares de ocupação inclusive na zona de ocupação soviética os Estados da futura Federação instaurada pela Lei Fundamental tendo os Estados sido dotados de Governo Poder Legislativo e de uma Constituição própria aprovada mediante processo democrático A elaboração de uma Constituição e a fundação de um Estado alemão ocidental foram decididas por ocasião de conferência realizada em Londres reunindo GrãBretanha França Estados Unidos da América mas também Bélgica Luxemburgo e Holanda em 06031948 Os MinistrosPresidentes dos diversos Estados foram reunidos e instados a convocar uma Assembleia Nacional com o objetivo de elaborar uma nova Constituição Inicialmente foi convocada uma comissão de especialistas que em agosto de 1948 na ilha Bávara de Herrenchiemsee elaborou o anteprojeto que na etapa seguinte foi apreciado e aperfeiçoado pelo Conselho Parlamentar composto de 65 representantes eleitos pelas assembleias estaduais dos Estados da zona ocidental de ocupação instalado em 01091948 e que veio a elaborar e aprovar o texto daquilo que viria a ser uma das ordens constitucionais mais estáveis e influentes de todos os tempos Também de forma altamente significativa foi em 08051949 data da rendição alemã que o Conselho Parlamentar aprovou o texto da Lei Fundamental tendo a autorização para sua promulgação sido concedida por parte do governo de ocupação quatro dias depois ao passo que a publicação e entrada em vigor se deram respectivamente em 23051949 e 24051949 68 No que diz com a elaboração da Lei Fundamental há aspectos que ainda mais se levada em conta a trajetória exitosa subsequente chamam a atenção e merecem pelo menos breve registro O primeiro diz respeito à pergunta que não raras vezes foi formulada em relação ao quanto os governos de ocupação podem e mesmo devem ser incluídos no rol dos pais da Lei Fundamental Nesse particular além da provocação do processo constituinte e da dependência da aprovação do texto final por parte das forças de ocupação algumas diretrizes foram estabelecidas notadamente a adoção da forma federativa de Estado é curioso que especialmente França e Inglaterra ambas Estados unitários insistiram neste ponto pois um Estado federal segundo sua concepção seria a garantia de um Estado mais fraco do regime democrático e da garantia das liberdades fundamentais Por outro lado a despeito das diretrizes genéricas não houve interferência direta na elaboração do texto ao contrário do que ocorreu no caso do Japão onde o texto da Constituição foi literalmente imposto aos japoneses pelos EUA O outro ponto a ser destacado diz com a ideia assumida pelos autores da Lei Fundamental de que se tratava de um documento provisório no sentido de que assim que viesse a ocorrer a reunificação alemã haveria então de ser elaborada a verdadeira Constituição Foi precisamente por tal razão que o documento aprovado em 08051949 pelo Conselho Parlamentar não foi designado de Constituição mas de Lei Fundamental além da previsão no art 146 de que a Lei Fundamental deixaria de vigorar tão logo fosse substituída por uma Constituição aprovada pelo conjunto do povo alemão Não foi contudo esse o destino da provisória Lei Fundamental ainda que ao tempo da sua elaboração praticamente ninguém imaginasse outra coisa pois prevalecia a opinião de que na Alemanha dividida não havia condições para a criação de uma Constituição para todo o país 69 Todavia o contexto econômico social político e cultural o conteúdo mas especialmente as próprias instituições criadas pela Lei Fundamental que portanto integram o seu conteúdo em pouco tempo levaram à afirmação e aceitação do documento aprovado pelo Conselho Parlamentar Quanto ao conteúdo merece destaque até mesmo por se tratar de um dos principais aspectos aos quais se deve o prestígio da Lei Fundamental no âmbito do constitucionalismo contemporâneo a afirmação da dignidade humana e o dever do Estado de considerála e protegêla seguida de um catálogo de direitos fundamentais bem estruturado especialmente em torno da mais ampla proteção das liberdades pessoais Tanto a forma de positivação da dignidade humana na condição de princípio estruturante e acompanhada de um dever expresso de proteção estatal quanto a proibição sem exceção da pena de morte dão conta do quanto os autores da Lei Fundamental quiseram colocar o ser humano no centro da ordem estatal relembrese aqui a afirmação do socialdemocrata Carlo Schmidt no sentido de que a razão de ser do novo Estado deveria ser o homem e não o homem a razão de ser do Estado 70 refutando toda e qualquer funcionalização do humano em prol do Estado Cumpre lembrar que no âmbito da Convenção Europeia dos Direitos do Homem aprovada dois anos depois da Lei Fundamental a pena de morte foi banida totalmente apenas em 2003 Os direitos fundamentais da Lei Fundamental por sua vez não deveriam ser reduzidos a normas de caráter programático direitos apenas na medida da lei como havia ocorrido na República de Weimar razão pela qual foram expressamente gravados de cunho diretamente vinculante como direitos exigíveis em juízo inclusive contra o legislador art 1 III Todavia foi a criação de um Tribunal Constitucional Federal que passou a funcionar em 1951 regulado e organizado por lei própria dotado de competência concentrada e vinculativa para afirmar a supremacia da Lei Fundamental mas especialmente para atuar como guardião da dignidade humana e dos direitos fundamentais por meio da criação da assim chamada reclamação constitucional Verfassungsbeschwerde que assegura o acesso direto do cidadão violado nos seus direitos fundamentais por ato do poder público que imprimiu à Lei Fundamental não apenas sua plena normatividade na condição de Constituição da Alemanha como também propiciou uma evolução significativa do próprio direito constitucional e da dogmática constitucional na Alemanha e para além das fronteiras alemãs Para ilustrar o fenômeno basta aqui referir a importância do princípio da proporcionalidade para a solução de conflitos entre direitos fundamentais ainda que não se cuide de noção imune a controvérsias especialmente quanto ao modo de seu manejo pela jurisdição constitucional Na condição de órgão constitucional externo às três funções clássicas estatais e pelas peculiaridades quanto a sua composição com destaque para o recrutamento dos seus integrantes competências e atuação é de se endossar que o Tribunal Constitucional Federal Alemão Bundesverfassungsgericht passou a constituir uma espécie de terceira via da jurisdição constitucional em relação aos modelos norteamericano e austríaco que lhe são anteriores 71 Os princípios estruturantes da dignidade humana democracia federalismo assim como do Estado de Direito e do Estado Social foram guindados à condição de limites materiais à reforma constitucional formando portanto o núcleo essencial intangível no sentido da própria identidade da nova ordem jurídicoestatal constituída pela Lei Fundamental assegurandolhe juntamente com a garantia da rigidez constitucional exigência de processo agravado para alteração do texto da Constituição e da previsão de um controle de constitucionalidade das leis a desejada e desejável estabilidade e supremacia normativa para a qual também tem concorrido de modo decisivo e não apenas em matéria de proteção de direitos fundamentais como já referido o Tribunal Constitucional Federal O conteúdo da Lei Fundamental aqui apresentado de modo sumaríssimo em linhas gerais não foi objeto de alterações significativas pelo menos não no sentido de uma revisão substancial que pudesse colocar em xeque a identidade do texto original ainda mais no concernente aos seus princípios estruturantes e no tocante aos direitos fundamentais As já bem mais de 50 leis de alteração da Constituição equivalentes às emendas constitucionais nos sistemas norteamericano e brasileiro lograram êxito em sua maioria foram poucos os casos em que uma emenda constitucional chegou a ser questionada perante o Tribunal Constitucional no sentido de promover ajustes necessários e adequarem a Lei Fundamental ao processo de mudança da realidade sem violar a essência da Constituição como uma ordem voltada à proteção e promoção da dignidade da liberdade e dos direitos fundamentais Apenas para destacar alguns momentos relevantes em que foram realizadas mudanças constitucionais significativas em termos quantitativos e qualitativos convém lembrar a questão do rearmamento e da participação alemã em conflitos armados no âmbito de sua integração ao pacto da OTAN e posição na Guerra Fria 1956 o combate ao terrorismo e ao crime organizado e a defesa da ordem democrática 1968 e novamente na sequência dos episódios do 11 de setembro de 2001 a inserção e abertura para a Europa incluindo a transferência de prerrogativas de soberania para a União Europeia as reformas na estrutura federativa mas também e de modo especial os ajustes promovidos em função da reunificação alemã 72 posterior à queda do muro em Berlim tópico que será objeto de maior atenção logo a seguir 163 A queda do muro a reunificação e a adoção da Lei Fundamental de 1949 como Constituição Federal da Alemanha Quarenta anos depois de promulgada a Lei Fundamental para a então República Federal da Alemanha Ocidental caiu o muro de Berlim e as fronteiras que para muitos já eram tidas como definitivas deram lugar ao processo de reunificação A Lei Fundamental outrora vista como símbolo da própria divisão seguiu em vigor assumindo agora o papel de Constituição da Alemanha unificada muito embora tal processo tenha sido objeto de alguma controvérsia visto que não faltaram vozes clamando pela convocação de uma Assembleia Constituinte ou pelo menos propondo a realização de uma consulta popular De qualquer sorte é preciso recordar que a própria Lei Fundamental previa expressamente dois caminhos pois ao passo que no art 23 estava prevista a possibilidade de adesão de novos Estados à Federação o já lembrado art 146 permitia a substituição da Lei Fundamental por uma nova Constituição por meio da decisão livre e soberana do povo alemão simultânea à formação de um novo e unificado Estado ainda que o segundo caminho embora tenha levado até mesmo à apresentação de um Projeto de Constituição por parte de um grupo de professores e intelectuais não apresentasse a mínima viabilidade política 73 Nesse contexto é possível aderir ao pensamento de Christoph Möllers quando afirma que a Lei Fundamental acabou exercendo um papel duplo e peculiar no processo da unificação alemã pois tanto operou como marco regulatório de tal processo quanto serviu de argumento político visto que o próprio Tribunal Constitucional compreendia a unificação como constituindo uma meta política irrenunciável mais especialmente pelo fato de que a Lei Fundamental e aqui a essência do argumento político já havia a tal altura da evolução logrado plena afirmação como uma Constituição muito bemsucedida de tal sorte que os antigos integrantes do Conselho Parlamentar que consideravam provisória a condição jurídica da Alemanha dividida mas não provisório o conteúdo da Lei Fundamental tinham mesmo razão 74 Por outro lado ainda que o caminho trilhado tenha sido o do desaparecimento como Estado da antiga República Democrática da Alemanha DDR e a adesão dos Estados alemães orientais à República Federal da Alemanha sob a égide da Lei Fundamental a unificação como processo fundado na e regulado pela e com base na ordem constitucional vigente da Lei Fundamental ensejou algumas discussões importantes do ponto de vista político constitucional e também exigiu algumas alterações relevantes do texto constitucional no âmbito de uma revisão constitucional engendrada por diversas leis de alteração da Lei Fundamental Do ponto de vista jurídicopolítico a reunificação acabou sendo efetivada mediante um contrato uma espécie de pacto entre duas partes o que por sua vez não quedou imune a críticas pois apesar do argumento de que uma nova Constituição não teria tido o condão de alterar substancialmente o processo também é de se ponderar que isso demonstra o quanto era fraca a intenção dos envolvidos de criar uma nova e realmente conjunta ordem política 75 As condições estipuladas pelo contrato de unificação Einigungsvertrag de 31081990 foram convertidas em direito constitucional positivo por meio da 36ª Lei de Alteração da Lei Fundamental de 23091990 ajustandose o Preâmbulo e revogandose a antiga formulação do art 23 tendo o processo de unificação sido concluído na noite do dia 2 para o dia 3 de outubro de 1990 Pelo lado da Alemanha Oriental a desconstituição do Estado e a adesão à República Federal da Alemanha sob a égide da Lei Fundamental de 1949 foi decidida mediante um processo protagonizado pela Câmara Popular Volkskammer da DDR por meio de Resolução de 23081990 seguida de uma lei aprovada por maioria qualificada a maioria exigida para aprovação de emendas constitucionais pela Câmara Popular e pelas duas casas do Parlamento 21091990 que ratificou a decisão Nesse sentido como bem observa Hans Vorländer o Pacto de Unificação teve natureza desconstitutiva para a República Democrática Alemã embora paralelamente tenham sido constituídos cinco novos Estados no território que antes correspondia ao espaço físico do Estado da Alemanha Oriental Estados que logo após a unificação receberam suas respectivas constituições elaboradas pela primeira legislatura estadual eleita em 14101990 76 Na sequência do processo de unificação e já sob a égide da Lei Fundamental por força de uma comissão constitucional conjunta composta de integrantes das duas casas do Parlamento Federal convocada por força do artigo 5º do Contrato de Unificação foram promovidas outras alterações da Lei Fundamental como foi o caso do dever estatal de promover a igualdade de condições para homens e mulheres a proibição de discriminação das pessoas com deficiência a inclusão no artigo 20 do objetivo estatal de proteger as bases naturais da vida proteção ambiental além de alterações no estatuto organizatório 77 A tentativa de inserir alguns direitos sociais ou pelo menos normas impositivas de tarefas em matéria de moradia trabalho saúde etc por sua vez não logrou sucesso no âmbito do debate político muito embora vários dos então novos Estados alemães contemplassem e passassem a contemplar tais normas e mesmos direitos fundamentais sociais nas suas respectivas Constituições Estaduais o que aqui todavia não poderá ser desenvolvido A trajetória existencial da Lei Fundamental que hoje ocupa papel de destaque inquestionável e incensurável no panorama constitucional contemporâneo revela entre outras virtudes uma legitimidade sem precedentes ao menos para o caso alemão mas é também exemplar em termos comparativos o que por sua vez demonstra que até mesmo alguma deficiência evidente em termos de legitimação democrática originária considerados os padrões tidos como ideais pode a depender das circunstâncias vir a ser amplamente compensada mediante um processo de permanente reconstrução da legitimidade De outra parte constatase a oportunidade das lições de Peter Häberle quando nos fala da necessidade de contínua reafirmação do Estado Constitucional 78 o que à evidência se revela como mais fácil quando se atingem níveis expressivos de confiança da população no projeto constitucional e nas instituições que devem atuar na sua concretização especialmente quando se instaura aquilo que de acordo com a terminologia cunhada na própria Alemanha passou a ser designado de patriotismo constitucional 79 ainda que nem todos comunguem do entendimento de que de fato se possa falar num tal patriotismo embora tal negativa não coloque necessariamente em causa a legitimidade democrática da ordem constitucional 80 Mas se é correto afirmar que um bom texto suficientemente aberto e representativo dos projetos e anseios de determinada sociedade política constitui uma das garantias para o sucesso de uma ordem constitucional também é correto afirmar que sem a correspondente vontade de Constituição Hesse e sem o labor fecundo dos órgãos constitucionais com destaque para a jurisdição constitucional sem que aqui se esteja a desconsiderar o peso da estabilidade econômica e institucional bem como do processo político o texto constitucional tende a se tornar obsoleto ou mesmo acaba destituído de normatividade efetiva É portanto um conjunto de diversos fatores que explica o sucesso ou fracasso de uma ordem constitucional razão pela qual se assume aqui o ônus da simplificação O sucesso da Lei Fundamental não se afere todavia apenas pelo seu significado para o Estado e para o povo da Alemanha ainda que se queira discutir o quanto é possível falar em um autêntico patriotismo constitucional alemão mas adquire um sentido mais abrangente quando se avalia a influência do constitucionalismo alemão contemporâneo sobre outras ordens jurídicas nesse particular sem prejuízo da evidente importância da Lei Fundamental para um expressivo número de outros Estados Constitucionais o que se identifica tanto em termos de direito constitucional positivo quanto em termos doutrinários e jurisprudenciais de tal sorte que juntamente com o constitucionalismo norteamericano a Lei Fundamental de 1949 pode ser tida hoje como uma das Constituições mais influentes em termos de direito comparado no âmbito da evolução constitucional contemporânea influência que se fez e faz sentir também no caso do direito constitucional brasileiro CLASSIFICAÇÃO DAS CONSTITUIÇÕES Ingo Wolfgang Sarlet Os critérios de classificação das constituições são diversos sendo em parte complementares de modo que determinada constituição pode ser enquadrada em mais de uma das tipologias identificadas a depender dos critérios que sustentam a classificação Na doutrina nem sempre a nomenclatura utilizada é uniforme nem todos os autores adotam todos os critérios de classificação Assim até mesmo por se tratar de tópico que não reclama tanta dedicação especialmente pelo fato de que as principais tipologias aqui referidas serão retomadas e aprofundadas em outros momentos da obra seguem alguns dos critérios mais conhecidos e que de resto guardam relação com outros pontos relevantes da teoria e do direito constitucional Muito embora a constituição na sua versão moderna e atualmente amplamente predominante seja a constituição escrita nem todas embora quase todas as constituições assumem tal forma sendo precisamente a forma de veiculação das normas constitucionais o primeiro critério a ser apresentado Nesse sentido é possível distinguir dois grandes modelos a Constituições escritas também chamadas de constituições dogmáticas que são as constituições veiculadas por um texto normativo de modo que as normas constitucionais são sistematizadas em um documento designado de constituição 81 como é o caso da Constituição norteamericana de 1787 e da absoluta maioria das constituições atualmente em vigor b Constituições não escritas também chamadas de históricas ou costumeiras que são aquelas constituições que não estão contidas em um único documento mas sim em textos diversos eou costumes e precedentes judiciais que no seu conjunto formam a constituição e resultam em geral de um processo de sedimentação histórica tal como revela o exemplo da Constituição inglesa 82 Notese contudo que a despeito da ampla difusão da distinção entre constituições escritas e não escritas que desde que bem compreendida é legítima existe uma classificação alternativa que soa tecnicamente mais acurada que diferencia as constituições codificadas das não codificadas Segundo este critério as constituições codificadas são aquelas elaboradas em determinado momento histórico e consignadas por escrito e de forma sistemática em determinado documento ao passo que as constituições não codificadas são as que assumem a condição de um conceito no sentido de que são compostas por um conjunto de documentos normativos costumes e práticas políticas e decisões judiciais como é o caso da constituição do Reino Unido 83 Uma segunda classificação importante que já pressupõe que se cuide de uma constituição escrita e que arranca da distinção entre poder constituinte e poderes constituídos é a que diz respeito à origem da constituição ou seja o modo pelo qual a constituição é elaborada critério portanto que diz respeito ao modo de exercício do poder constituinte Neste sentido as constituições podem ser a Constituições democráticas ou promulgadas também chamadas de constituições populares ou votadas são as constituições que resultam na sua origem de um processo democrático no que diz com a sua elaboração e aprovação sendo portanto resultado da expressão da vontade popular exercida por meio da formação de uma assembleia constituinte livremente eleita e autônoma b Constituições não democráticas outorgadas ou cesaristas são aquelas que não decorrem de um processo democrático mas sim de um ato autoritário traduzido mediante a imposição de uma nova constituição escrita por uma pessoa que exerce o poder político ou um grupo No caso das constituições outorgadas ocorre uma imposição unilateral sem qualquer consulta popular por parte dos detentores do poder Na história constitucional brasileira é o caso da Carta Imperial de 1824 da Constituição do Estado Novo de 1937 bem como da EC 11969 muito embora a qualidade de não democrática seja também atribuída à Constituição aprovada em 1967 Uma modalidade especial de constituição não democrática embora não propriamente outorgada é a assim chamada constituição cesarista que se caracteriza pelo fato de que o detentor despótico do poder exercido de modo unipessoal por um ditador ou monarca ou por determinado grupo hegemônico submete a constituição por ele ou a seu comando elaborada à aprovação popular manipulando e induzindo a opinião pública tal como ocorreu no caso da Constituição francesa de 1852 84 c Constituições pactuadas são aquelas que exprimem um compromisso entre a mo narquia debilitada e outras forças sociais e políticas como é o caso da burguesia e da nobreza resultando numa relação de equilíbrio precário de modo que se trata de constituições em geral instáveis em que se buscam resguardar determinados direitos e privilégios 85 Ainda que se possam compreender as razões que levam parte da doutrina a considerar tal modelo como um tipo distinto das constituições democráticas e não democráticas outorgadas o fato é que também as constituições democráticas envolvem uma solução compromissária entre forças oponentes não raro resultando em fortes tensões mesmo após a promulgação da constituição Um terceiro critério diz respeito à estabilidade do texto constitucional no sentido do maior ou menor grau de dificuldade no tocante à alteração do texto da Constituição Tal classificação foi teorizada inicialmente por James Bryce a partir da comparação do modelo inglês e em geral de ordens jurídicas pertencentes a common law com o modelo das constituições escritas e parte das relações entre a constituição e as leis ordinárias e com a autoridade que as elabora e modifica 86 Nesse contexto tomando como critério o procedimento mais ou menos rigoroso para mudança do texto constitucional as constituições podem ser classificadas em três grupos sendo o primeiro o absolutamente predominante no constitucionalismo contemporâneo a Constituições rígidas são as constituições cujo texto apenas pode ser alterado mediante procedimento mais rigoroso mais exigente do que aquele procedimento estabelecido para a alteração da legislação ordinária infraconstitucional noção que foi cunhada por James Bryce autor da distinção entre constituições rígidas e flexíveis para o qual a característica distintiva das constituições do tipo rígido é a sua superioridade sobre as demais formas legislativas não podendo tais constituições ser modificadas pelo mesmo procedimento adotado para as demais leis 87 Como se percebe a noção de rigidez constitucional é fortemente vinculada à noção de constituição formal escrita bem como guarda relação com a diferença entre direito constitucional e direito ordinário resultando na supremacia formal das normas constitucionais sobre o direito infraconstitucional 88 aspectos que serão mais desenvolvidos em itens apartados e que além disso guardam relação com diferentes questões centrais para o direito constitucional e a teoria da constituição b Constituições flexíveis também chamadas de constituições legais 89 ou mesmo plásticas 90 são as constituições cujo texto pode ser alterado pela legislatura ordinária mediante procedimento idêntico ao utilizado para alteração das leis 91 Daí resulta que a hierarquia formal entre constituição e legislação ordinária deixa de existir pois o próprio legislador ordinário está autorizado a alterar o texto constitucional 92 Importa anotar que a noção de uma constituição plástica melhor formulado a ideia de plasticidade da constituição foi também referida por Raul Machado Horta mas já em outro sentido qual seja o de que a constituição deixou ao legislador infraconstitucional diversas matérias a regular viabilizando ao legislador a adaptação do texto constitucional à realidade 93 Cumpre anotar todavia que a noção de constituição plástica sugerida por Raul Machado Horta não se confunde com a noção de constituições flexíveis de acordo com o critério da maior ou menor dificuldade de alteração do texto constitucional além de não constituir como tal um tipo particular de constituição visto que todas as constituições em maior ou menor medida são abertas ao tempo e não apenas remetem ao legislador infraconstitucional como também sempre exigem a sua permanente concretização pela legislação ordinária aspecto que será objeto de atenção em apartado c Constituições semirrígidas são aquelas raras ao longo da história das constituições escritas que possuem uma parte rígida e uma parte flexível ou seja parte do texto constitucional está submetida a um procedimento agravado mais rigoroso de alteração ao passo que o restante do texto pode ser alterado mediante o mesmo procedimento previsto para a legislação infraconstitucional No âmbito da evolução constitucional brasileira o único exemplo de constituição semirrígida foi o da Constituição Imperial do Brasil 1824 cujo art 178 dispunha É só constitucional o que diz respeito aos limites e attribuições respectivos dos poderes políticos e aos direitos políticos e individuaes dos cidadãos tudo o que não é Constitucional póde ser alterado sem as formalidades referidas pelas legislaturas ordinárias Um aspecto relevante a ser considerado é que a distinção entre constituições rígidas semirrígidas ou semiflexíveis e flexíveis tal qual apresentada tem como ponto de partida o critério da maior ou menor dificuldade de alteração do texto constitucional Já por outro critério todas as constituições sejam elas escritas ou não são em maior ou menor medida flexíveis Por um lado a flexibilidade constitucional se faz possível tanto nas constituições costumeiras não escritas quanto nas constituições escritas sendo equivocada a noção de que toda constituição não escrita seja flexível noção associada habitualmente ao modelo constitucional inglês 94 Com efeito a circunstância de uma constituição não ser escrita pelo menos não na sua integralidade ou de modo predominante como bem demonstra o caso da Inglaterra não significa que não se verifique um considerável nível de estabilidade constitucional notadamente pelo fato de o direito costumeiro ser consagrado em geral pela tradição e por um suporte cultural considerável de tal sorte que objeto de pouca ou mesmo nenhuma alteração significativa durante longos períodos de tempo 95 Um quarto critério diz com a maior ou menor extensão do texto constitucional ou seja com a maior ou menor quantidade de dispositivos constitucionais classificação que sempre volta a ser referida quando se trata das funções da constituição da interpretação constitucional dentre outros Assim falase em a Constituições sintéticas também chamadas de concisas breves ou sucintas são constituições compostas de um número relativamente reduzido de dispositivos limitandose a estabelecer alguns princípios e regras básicas sobre a organização do Estado e do poder e da relação do Estado com os cidadãos contemplando em geral uma parte orgânica e um catálogo relativamente conciso de direitos e garantias fundamentais 96 tratandose portanto de constituições que no plano formal documental contemplam a matéria constitucional em sentido estrito 97 Dentre os possíveis exemplos de uma constituição sintética recorrese pelo seu caráter paradigmático ao caso da Constituição norteamericana de 1787 composta na sua versão original de apenas sete artigos mas logo acrescida de uma série de emendas constitucionais 27 ao todo das quais 10 promulgadas em 1791 As virtudes de tal modelo costumam ser reconduzidas ao perfil mais principiológi co de tais constituições permitindo uma maior adequação à realidade em transformação mediante a atuação do legislador e mesmo da interpretação constitucional b Constituições analíticas também chamadas de prolixas ou extensas são aquelas que são formadas por textos longos minuciosos dotados além de disposições normativas de caráter principiológico de muitas regras mais ou menos estritas As constituições do tipo analítico como é o caso da Constituição Federal de 1988 além de retirarem da disposição do legislador ordinário um conjunto bem maior de matérias em geral são também mais frequentemente reformadas pois quanto mais regras contemplam mais se torna difícil a atualização da constituição mediante o processo legislativo ordinário e a interpretação A título de exemplo basta apontar novamente a experiência constitucional brasileira que indica uma média de mais de três emendas constitucionais computadas as emendas de revisão por ano desde a promulgação da Constituição Por outro lado as constituições analíticas traduzem certa desconfiança em relação aos poderes constituídos limitando a sua liberdade de conformação e sua discricionariedade bem como evidenciam a preocupação de assegurar maior proteção a determinados institutos e bens jurídicos 98 Já a relação no que diz respeito à maior ou menor proximidade entre o programa normativo constitucional e a realidade dos processos de poder registrase importante classificação proposta por Karl Loewenstein 99 que distingue no contexto do que designa de uma classificação ontológica das constituições entre a Constituições normativas seriam aquelas perfeitamente adaptadas à realidade social pois além de juridicamente válidas estariam em total consonância com o processo político e social no sentido de uma adaptação e submissão do poder político à constituição escrita Tais constituições foram comparadas pelo autor a uma roupa que veste e que assenta bem 100 b Constituições nominais são aquelas que embora sejam juridicamente válidas carecem de eficácia e efetividade pois a dinâmica do processo político e social não está adaptada às suas normas Tais constituições contudo possuem uma função educativa pois aspiram a se transformar no futuro em constituições normativas O autor compara tais constituições a uma roupa guardada no armário à espera do crescimento do corpo 101 c Constituições semânticas encontramse submetidas ao poder político dominante cuidandose de um documento formal que embora aplicado foi criado para beneficiar os detentores do poder que dispõem do aparato coercitivo do Estado Em vez de servirem como instrumento de limitação do poder tais constituições acabam operando como instrumentos para estabilizar e mesmo eternizar o domínio dos detentores do poder O autor compara tais constituições a uma roupa que aparentemente veste bem mas serve apenas como disfarce 102 As constituições ainda podem ser classificadas em constituições em sentido formal e constituições em sentido material distinção que guarda relação com a diferenciação entre direito constitucional em sentido formal e direito constitucional em sentido material Todavia a distinção entre constituição formal e material não significa que ambas as manifestações não possam conviver e que a absoluta maioria das constituições modernas não sejam ao mesmo tempo e em maior ou menor medida ambas as coisas a Constituição e direito constitucional em sentido formal é o conjunto das normas com forma de constituição no sentido das normas elaboradas pelo poder constituinte e agregadas pelo poder de reforma constitucional dotadas de hierarquia constitucional 103 A constituição em sentido formal é portanto direito constitucional legislado mas produzido não pelas instâncias legislativas ordinárias pelo poder legislativo na condição de poder criado e regulado pela constituição mas por uma instância especial no caso o poder constituinte cuja prerrogativa e razão de ser consiste justamente na elaboração da constituição escrita na condição de lei fundamental de uma ordem estatal 104 O que define a constituição formal não é portanto e em primeira linha determinado conteúdo o fato de contemplar determinados institutos ou valores mas o modo de sua elaboração e a forma pela qual as normas constitucionais são veiculadas ainda que a própria noção de constituição formal guarde relação direta e tenha sido mesmo a expressão de determinado modelo de constituição material no caso o paradigma do Estado Liberal ao final do século XVIII Por outro lado uma constituição em sentido formal não é uma constituição pelo fato de ser assim designada pelo simples rótulo mas sim por ter forma constitucional e ter sido elaborada como tal mediante um processo especial diferenciado das leis e qualificado 105 Assim independentemente do conteúdo das normas constitucionais pelo simples fato de terem sido contempladas na constituição formal ou seja terem sido produzidas com forma e valor jurídico de constituição todas as normas veiculadas no texto constitucional com forma constitucional serão parte integrante da constituição 106 De acordo com o magistério de Jorge Miranda as normas formalmente constitucionais que compõem a constituição formal decorrem da conjugação de três fatores que por sua vez constituem os elementos da noção de constituição em sentido formal a as normas formalmente constitucionais são normas legisladas portanto de fonte legal direito positivo e pressupõem um processo específico de formação b as normas formalmente constitucionais formam um conjunto sistemático e situamse no ápice da estrutura normativa positiva estatal c as normas formalmente constitucionais gozam de um regime jurídico especial decorrente do seu modo de produção e de sua função na ordem jurídica 107 Impende observar e mesmo colocar em destaque que a constituição em sentido formal por sua vez se distingue da constituição instrumental embora esta seja umbilicalmente vinculada à noção de constituição formal da qual de certo modo constitui um subproduto visto que diz respeito ao instrumento documento que veicula a constituição formal que não se apresenta de uma única maneira 108 De acordo com Jorge Miranda são quatro as maneiras pelas quais se apresenta a constituição formal na perspectiva de suas relações com a assim chamada constituição instrumental a as normas formalmente constitucionais podem constar de um único texto chamado constituição b podem constar de uma pluralidade de textos constitucionais simultânea ou sucessivamente elaborados c podem constar de um texto elaborado como a constituição acrescido de textos posteriormente elaborados como de estatura constitucional e agregados ao corpo da constituição formal no sentido de formarem uma unidade d podem constar de um texto promulgado como a Constituição mas ao qual se somam textos anteriores sejam eles textos constitucionais mantidos em vigor como tais por força da nova constituição sejam eles textos legais que passaram por um processo de constitucionalização 109 b Constituição e direito constitucional em sentido material a constituição em sentido material abrange não apenas as normas ancoradas na constituição formal portanto veiculadas expressa ou implicitamente pela constituição escrita tal como elaborada pelo poder constituinte formal e mediante a reforma constitucional mas vai além incluindo normas apenas materialmente constitucionais 110 Assim sendo o conceito material de constituição não se identifica por completo com o da constituição formal de modo que é possível falar de direito constitucional apenas em sentido material embora nem sempre haja clareza e consenso a respeito do que integra a noção de constituição material A constituição material além disso não depende sequer necessariamente de uma constituição formal já pelo fato de que em sentido material pelo menos de acordo com determinada forma de conceber a constituição material todo e qualquer Estado possui e sempre teve uma constituição no sentido de um conjunto de regras escritas ou não sobre o modo de estruturação organização e exercício do poder político e da vida social no sentido de uma institucionalização jurídica do poder 111 Por outro lado é possível afirmar que a mera existência de um documento chamado de constituição e elaborado com tal propósito a depender de seu conteúdo poderá não corresponder a uma constituição material pelo menos de acordo com determinada concepção de constituição em sentido material Nesse contexto costuma ser evocado o famoso art 16 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 dispondo que uma sociedade em que não esteja estabelecida a separação dos poderes nem assegurados os direitos individuais não tem uma constituição A partir de então notadamente com o advento da constituição em sentido formal portanto de uma constituição escrita tal qual surgida ao final do século XVIII com amplo destaque para o caso dos Estados Unidos da América do Norte 1787 e da França 1791 as noções de constituição em sentido material e de constituição em sentido formal passaram a andar abraçadas visto que as constituições escritas buscaram precisamente incorporar e assegurar os dois elementos nucleares da concepção material liberal de constituição A identificação de uma matéria propriamente constitucional por outro lado é tarefa complexa e tem sido amplamente debatida especialmente no que diz com a amplitude da constituição material Certo é que se verifica algum consenso a respeito de que a constituição material esteja ou não regulada num texto constitucional é composta a pelas normas fundamentais a respeito da estruturação organização e exercício do poder b pelos direitos e garantias fundamentais c pelas normas sobre a garantia da constituição De qualquer sorte a própria constituição material pode variar consoante as peculiaridades de determinada sociedade da noção de justiça e de direito dominante com o que se pretende aqui substituir o recurso à noção de uma ideologia dominante bem como outros fatores dentre os quais se pode destacar a formação de uma cultura constitucional que salvo algumas distinções reconhece como essenciais alguns conteúdos c Direito constitucional em sentido apenas formal Controversa segue sendo a existência no plano da constituição formal de normas que não integram a constituição material ou seja normas que seriam apenas formalmente constitucionais pois inseridas no texto constitucional pelo poder constituinte e que todavia por não serem materialmente constitucionais poderiam ou mesmo deveriam segundo setores da literatura ter sido previstas na legislação infraconstitucional cuidandose até mesmo de acordo com entendimento bastante difundido de um fator de fragilização da força normativa da constituição e de esvaziamento de seu sentido próprio As normas apenas formalmente constitucionais seriam constitucionais apenas em virtude de integrarem o texto da constituição escrita mas não em virtude da matéria a respeito da qual dispõem 112 ESTRUTURA FUNÇÕES E CONTEÚDO DAS CONSTITUIÇÕES Ingo Wolfgang Sarlet 31 As constituições e sua estrutura 311 Considerações de caráter geral Muito embora não exista um padrão rígido as constituições escritas costumam adotar determinada estrutura que pelo menos em regra é comum ainda que com alguma variação Tal estrutura em termos gerais guarda afinidade com a função das normas constitucionais e a relevância que possam ter no conjunto da constituição Assim é possível afirmar que as constituições costumam ter suas disposições agrupadas pelo menos em três partes a um Preâmbulo b um conjunto de disposições permanentes c disposições de cunho transitório ressaltandose que tanto o Preâmbulo quanto as disposições transitórias nem sempre se fazem presentes nos textos constitucionais Embora nem todas as constituições contenham um preâmbulo visto que não se trata de um elemento obrigatório para que as constituições possam gerar efeitos e cumprir suas funções 114 é comum que os textos constitucionais sejam precedidos de uma espécie de texto preparatório que assume a função de uma espécie de introdução solene ao texto constitucional 115 De fato uma breve mirada sobre a evolução constitucional permite que se verifique que os preâmbulos constitucionais têm sido uma presença constante desde os primórdios do constitucionalismo moderno a começar pelas Constituições dos Estados formados pelas excolônias inglesas na América com destaque para a Constituição da Virgínia de 1776 passando pela Constituição norteamericana de 1787 e pela Constituição francesa de 1791 apenas para ilustrar com as constituições que precisamente serviram de modelo à noção de constituição escrita desde então No caso do constitucionalismo brasileiro todas as Constituições foram dotadas de um preâmbulo o que voltará a ser objeto de atenção logo adiante No que diz com sua origem etimológica a palavra preâmbulo vem do latim formada a partir da junção do prefixo pre e do verbo ambulare 116 Assim o termo preâmbulo do latim praeambulus que significa o que caminha na frente ou que precede 117 pode em linguagem não jurídica ser também definido como um conjunto de frases que introduz um texto principal 118 De acordo com Jorge Bacelar Gouveia os preâmbulos constitucionais como os preâmbulos de qualquer obra literária ou artística estão antes e por isso não fazem parte do enredo que se vai relatar 119 A relativamente alta incidência no que diz com a utilização de um preâmbulo pelas constituições revela por outro lado que sua função não é pelo menos não em todos os casos meramente simbólica ainda que não se atribua às disposições do preâmbulo força normativa própria pois como dão conta os exemplos já referidos aos quais se poderiam somar muitos outros poderá se tratar de um momento privilegiado para o constituinte formular uma espécie de síntese e mesmo expressar quais os valores eou a noção de direito e de justiça subjacentes ao texto constitucional 120 Embora o conteúdo dos preâmbulos varie de constituição para constituição uma das características comuns que pode ser detectada na maioria dos textos introdutórios é a formulação de posturas valorativas convicções motivações de modo que se pode mesmo falar de uma espécie de profissão de fé por parte das respectivas comunidades políticas verdadeiros fragmentos de uma religião civil como com acuidade leciona Peter Häberle 121 Nessa perspectiva os preâmbulos também costumam esclarecer as circunstâncias e razões que envolvem e justificam a elaboração da constituição mas também as motivações que asseguram a sua legitimidade além de situarem a constituição no contexto da tradição constitucional nacional enunciando objetivos e promessas 122 No caso do Preâmbulo da Constituição Federal especialmente no que concerne ao seu conteúdo tais elementos também se fazem presentes Além de explicitar a legitimação democrática do processo constituinte mediante o uso da fórmula Nós representantes do povo brasileiro reunidos em Assembleia Nacional Constituinte também a finalidade precípua e razão de ser do ato constituinte designadamente a instituição de um Estado Democrático de Direito foi objeto de solene referência Este Estado por sua vez como também foi expressamente enunciado no Preâmbulo tem como pauta de valores e principais objetivos assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais a liberdade a segurança o bemestar o desenvolvimento a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna pluralista e sem preconceitos Tal Estado Democrático de Direito é por sua vez fundado na harmonia social e assume o compromisso na ordem interna e internacional com a solução pacífica das controvérsias Fechando o texto do Preâmbulo encontrase a invocação de Deus sob a proteção de Deus que à exceção das Constituições de 1891 e 1937 sempre e de algum modo se fez presente nos Preâmbulos das Constituições brasileiras Ao passo que na frase de abertura do Preâmbulo da Carta Imperial de 1824 ficou consignado que Dom Pedro I promulgou a Constituição por graça de Deus na Constituição de 1934 foi referida a confiança em Deus mas a própria origem do ato constituinte e de seu sujeito titular não foi atribuída a Deus O mesmo ocorreu nas Constituições de 1946 e 19671969 visto que os constituintes no caso o povo reunido em Assembleia Constituinte invocou a proteção de Deus Ainda no que diz respeito à invocação de Deus seria possível nela identificar uma contradição em relação ao texto constitucional que institui um Estado laico fundado na separação entre Igreja e Estado Isso contudo não tem sido considerado um problema relevante desde que se perceba na invocação de Deus um traço eminentemente cultural além do fato de que o Deus invocado é ou pelo menos assim se haverá de interpretar tal chamamento um Deus ecumênico e não confessional 123 Além disso a invocação de Deus embora quanto ao restante do preâmbulo se possa afirmar o oposto representa um texto um enunciado semântico que não formula nem enuncia nenhuma norma jurídica não apresentando cunho vinculante e que tenha salvo melhor juízo eficácia que possa afetar a ampla liberdade religiosa e de culto e esvaziar o princípio do Estado laico Por outro lado há quem vislumbre na invocação de Deus aqui compreendida em sentido amplo como a referência a Deus aspectos positivos desde que tal invocação não resulte na erosão do Estado laico e no tratamento preferencial de uma confissão religiosa ou mesmo na prática ou tolerância de discriminações em função da religião visto que o vínculo com Deus aponta para uma consciência e reconhecimento de que o Estado sendo obra humana é limitado quanto ao seu poder e que todo o poder e atuação estatal têm por objetivo o próprio ser humano e sua realização existencial 124 Especialmente relevante é a indagação a respeito da força jurídica das disposições contidas nos preâmbulos não sendo possível apontar no âmbito da evolução constitucional e do direito constitucional comparado para uma única resposta sendo diversas as alternativas Nesse sentido as possibilidades vão desde a irrelevância jurídica ou seja do reconhecimento de um valor meramente político simbólico ao preâmbulo até a atribuição de uma eficácia jurídica direta e mesmo similar à das demais normas constitucionais do corpo permanente da constituição De acordo com a primeira alternativa o preâmbulo possuiria valor meramente político ou mesmo moral assumindo uma função de cunho propedêutico de simples declaração mas sem implicar qualquer vinculação no plano jurídico cuidandose dito de outro modo de um conjunto de textos sem conteúdo normativo A despeito de tal modo de compreensão a tendência que se verifica é a de atribuição de alguma força jurídica aos preâmbulos destacandose neste contexto três alternativas a força jurídica meramente legal portanto inferior à da constituição b força jurídica constitucional direta c força jurídicoconstitucional indireta 125 muito embora apenas as duas últimas eficácia direta e autônoma ou eficácia indireta sejam realmente representativas no plano do direito constitucional comparado além da tese da irrelevância jurídica Nesse sentido em termos de direito comparado é possível referir dentre outros os casos da Alemanha e da França Na Alemanha embora o Preâmbulo da Constituição de Weimar 1919 não tenha tido por força da orientação então dominante sua relevância jurídica reconhecida 126 no âmbito da Lei Fundamental de 1949 o Tribunal Constitucional Federal e expressiva doutrina atribuem ao Preâmbulo como texto integrante da Constituição uma eficácia jurídica direta todavia não no sentido de operar como fundamento autônomo para a dedução de posições jurídicas deveres concretos ou direitos subjetivos mas sim como parâmetro para a interpretação e aplicação do direito infraconstitucional e para o controle de constitucionalidade 127 No caso da França o Preâmbulo é considerado parte integrante do texto constitucional e do assim chamado bloco de constitucionalidade juntamente com outros documentos tais como a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 e do Preâmbulo da Constituição de 1946 operando de acordo com a orientação imprimida pelo Conselho Constitucional a partir de um emblemático julgamento de 1971 como parâmetro para o controle de constitucionalidade das leis 128 No Brasil a controvérsia a respeito do valor jurídico do Preâmbulo segue mobilizando a doutrina embora na esfera jurisprudencial o STF tenha negado tal valor refutando relevância jurídica autônoma ao Preâmbulo no sentido de que suas disposições não têm caráter normativo e força obrigatória 129 Em síntese a decisão do STF partiu da premissa de que apenas os princípios contidos no corpo permanente da Constituição Federal detêm força normativa própria Em julgado mais recente 130 todavia o próprio STF reconheceu embora sem formular uma doutrina propriamente dita sobre a matéria que no âmbito da interpretação e aplicação do direito os valores e objetivos expressos no Preâmbulo podem ser invocados como reforço argumentativo para justificar determinada decisão mediante uma leitura articulada e sistemática mas sempre em conjunção com preceitos normativos do texto principal da Constituição Federal 131 Assim correta a observação de Ana Paula de Barcellos e Luís Roberto Barroso no sentido de que o caráter pontual dos julgados do STF exige cautela quanto a qualquer tendência de caráter generalizante 132 Em síntese o que se pode afirmar é que tanto a doutrina dominante quanto a jurisprudência do STF mais recente ainda que não atribuam ao Preâmbulo caráter meramente político e programático no sentido de lhe refutar qualquer tipo de expressão normativa negam às disposições do Preâmbulo força jurídica autônoma e direta de modo que o Preâmbulo não poderá servir de parâmetro para o controle de constitucionalidade nem opera como fundamento autônomo de direitos e obrigações Assim como já se teve oportunidade de constatar a orientação majoritária na doutrina e atualmente em vigor no STF admite que o Preâmbulo tenha eficácia normativa indireta e não autônoma como parâmetro auxiliar para a interpretação e aplicação do direito e argumento adicional para a fundamentação de decisões judiciais 133 No que concerne à posição pessoal adotada partilhamos do ponto de vista de que o valor normativo das disposições do Preâmbulo não pode ser pura e simplesmente enquadrado em um único modelo considerando a própria heterogeneidade dos seus enunciados seja no que diz com sua função seja no tocante à sua maior ou menor densidade normativa 134 Assim embora se possa reconhecer que a invocação de Deus a despeito de sua já apontada possível relevância não tenha sequer o caráter de uma disposição de cunho normativo tal qual decidido pelo STF no caso já referido no Preâmbulo existem diversos princípios valores e objetivos formulados pelo constituinte ainda que em grande parte reproduzidos direta ou indiretamente no corpo principal do texto constitucional que são dotados de pelo menos similar normatividade do que aquela atribuída a princípios contidos na parte permanente da Constituição O caráter de certa forma subsidiário desses princípios decorrente especialmente do fator topográfico de estarem sediados no Preâmbulo e não no corpo do texto constitucional não poderia por si só retirarlhes força jurídica inclusive como parâmetro do controle de constitucionalidade e mesmo com eficácia derrogatória de norma anterior e manifestamente incompatível com seu sentido 135 Notese ainda neste contexto que o fato de não se admitir que de disposição do Preâmbulo se possam direta e autonomamente extrair posições subjetivas individuais ou obrigações concretas não equivale importa enfatizar necessariamente a negar alguma força jurídica direta a pelo menos algumas de tais disposições 136 já que a própria possibilidade de se declarar a inconstitucionalidade de disposição legal com base no Preâmbulo implica a extração de efeitos por parte dos órgãos jurisdicionais Por outro lado a experiência na esfera do direito comparado e os casos da Alemanha e da França são apenas uma pálida amostra revela que não existe um modelo único Há que diferenciar entre uma perspectiva pautada pela teoria da constituição e do direito constitucional e uma abordagem centrada no direito constitucional positivo de determinada ordem jurídicoconstitucional No caso brasileiro considerando o caráter analítico da Constituição Federal e o fato de praticamente todas as disposições do preâmbulo especialmente os valores e objetivos nelas contidos encontrarem reprodução direta ou indireta no corpo da constituição verificase que uma posição mais contida que reserve ao Preâmbulo um papel menos central é sustentável mas ainda assim como já afirmado não constitui a única alternativa disponível 313 Disposições constitucionais permanentes O assim chamado corpo das disposições constitucionais permanentes que constitui de fato o núcleo da constituição normativa sem o qual não haveria sequer como falar em constituição escrita também costuma ser decomposto em partes títulos eou capítulos de modo que para muitos é possível falar em uma parte dogmática e uma parte orgânica das constituições a primeira integrada pelos princípios estruturantes e pelos direitos e garantias fundamentais mas também quando for o caso por uma parte dedicada à constituição econômica financeira tributária e social a segunda composta pelas disposições de caráter orgânico abrangendo as normas criadoras de órgãos constitucionais as normas de competência e as normas procedimentais A divisão interna da parte permanente quando fundada em uma sistematização criteriosa e consistente assume relevância não apenas no que diz respeito a uma adequada compreensão do conjunto da constituição de suas funções e até mesmo do valor atribuído pelo constituinte a determinados dispositivos mas e isso é o mais importante auxilia na interpretação e aplicação das normas constitucionais reduzindo e mesmo evitando déficits de compreensão assim como contradições Todavia o contrário também pode ocorrer Há casos em que não apenas a falta de uma sistematização criteriosa assim como a ausência de rigor terminológico pode gerar problemas relativamente sérios para os órgãos encarregados de concretizar o projeto constitucional além de dificultar o conhecimento e compreensão por parte da população A falta de clareza e sistematicidade assim como de coerência e consistência poderão até mesmo e em certo sentido contribuir para afetar a força normativa da constituição aspecto que aqui não será desenvolvido Convém registrar que especialmente a partir da Segunda Grande Guerra buscando enfatizar o papel privilegiado dos princípios estruturantes princípios fundamentais e dos direitos e garantias fundamentais a maioria das constituições passou a situar tais disposições na parte inicial do texto constitucional e não como ocorria em muitos casos inclusive no Brasil até a Constituição Federal de 1988 depois da assim chamada parte orgânica que versa sobre a estrutura e organização do Estado e dos Poderes Mediante tal técnica e em termos gerais pelo menos três coisas passaram a ficar bem definidas no âmbito do constitucionalismo contemporâneo a é o Estado que existe para o ser humano e não o ser humano para o Estado b os princípios fundamentais eou os assim chamados valores superiores e os direitos e garantias fundamentais embora não tenham primazia normativa formal no sentido de permitirem a declaração de inconstitucionalidade de outros dispositivos da constituição merecem uma proteção e uma normatividade reforçada e servem de critérios materiais para a interpretação e aplicação das demais normas constitucionais e em especial infraconstitucionais É precisamente por tal razão que alguns princípios fundamentais inclusive os que dispõem sobre as decisões políticas fundamentais como a forma de governo a forma de Estado a separação de poderes o regime democrático etc e os direitos fundamentais ainda que nem todos e nem sempre da mesma forma em muitas ordens constitucionais são acompanhados de garantias especiais como é o caso das assim chamadas cláusulas pétreas da aplicabilidade imediata e da vinculação direta de todos os órgãos estatais aos direitos fundamentais determinados instrumentos processuais para sua proteção na esfera judiciária entre outros c as constituições em maior ou menor medida explicitam uma ordem preferencial de valores No que diz com eventuais diferenças entre as diversas partes que compõem as constituições preâmbulo disposições permanentes e disposições transitórias bem como e em especial no tocante à sua função peculiar e regime jurídico seguem algumas observações sobre os preâmbulos das constituições e as disposições de caráter transitório Quanto ao corpo permanente este será objeto de atenção detida na parte deste Curso reservada ao direito constitucional positivo brasileiro mediante remissão no que for o caso aos tópicos abordados na parte da teoria da constituição tal como no que diz com a mudança reforma e mutação constitucional as funções e estrutura as normas constitucionais eficácia aplicabilidade interpretação etc 314 Disposições constitucionais transitórias Disposições constitucionais transitórias são normas constitucionais que disciplinam situações provisórias com o objetivo de regular a transição do ordenamento jurídicoconstitucional anterior para o novo 137 embora também possam regular situações transitórias quando da alteração do texto constitucional mediante emendas constitucionais tanto é que novas disposições transitórias podem ser agregadas às estabelecidas quando da promulgação da constituição 138 A previsão de disposições transitórias embora relativamente frequente e representativa da tradição constitucional brasileira desde 1891 a Carta Imperial de 1824 não as contemplava não obedece a um padrão comum e tal como ocorre no caso dos preâmbulos não é cogente 139 No caso da CF as disposições transitórias se situam fora do corpo do texto constitucional de modo que tal como ocorre com o Preâmbulo formam um conjunto textual à parte designado de Ato das Disposições Constitucionais Transitórias ADCT Em geral pela sua função as disposições transitórias possuem ou deveriam possuir vigência e eficácia temporalmente limitadas É o caso por exemplo dos arts 2º e 4º ambos do ADCT o primeiro prevendo a realização de um plebiscito sobre a forma e o sistema de governo disposição que foi alterada por emenda constitucional antecipando a realização da consulta popular que veio a ocorrer em 1993 o segundo dispondo sobre a duração do mandato do então Presidente da República Por outro lado também existem disposições transitórias que regulam situações estabelecidas como é o caso por exemplo do art 19 do ADCT que assegura a estabilidade dos servidores públicos civis com cinco anos de continuado exercício 140 Considerando o número de emendas constitucionais já promulgadas verificase no Brasil um fenômeno no mínimo curioso visto que o número de disposições transitórias aumentou ao longo do tempo quando da promulgação da CF eram 70 número que chegou a 114 quando do fechamento da presente edição o que todavia não pode levar ao equívoco de se achar que tais disposições estejam todas em vigor e gerando efeitos já que expressiva parte esgotou suas funções e já não se aplica mais Em síntese quanto ao conteúdo do ADCT é possível afirmar que este inclui tanto disposições estabelecidas pelo poder constituinte quanto pelo poder de reforma constitucional Tais disposições podem atender pelo menos a três objetivos a operar como direito transitório regulando situações em caráter provisório e viabilizando a transição de um regime jurídico para outro b excepcionar alguma regra geral do corpo permanente da Constituição c regular temas concretos por prazo determinado portanto sem a pretensão de permanência das normas contidas no corpo permanente 141 Tópico relevante diz respeito ao valor jurídico atribuído às disposições constitucionais transitórias Diversamente do que ocorre no caso do Preâmbulo tanto a doutrina 142 quanto o STF 143 reconhecem que no caso das disposições transitórias tratase de normas constitucionais dotadas de eficácia jurídica e de supremacia normativa servindo de parâmetro para o controle de constitucionalidade Por outro lado a alteração ou inclusão de uma disposição transitória somente poderá ser efetuada mediante emenda constitucional 144 No que diz com a relação entre as disposições transitórias e as normas do corpo permanente da CF não se verifica nenhuma relação de hierarquia pois todas elas integram o conjunto da Constituição formal dotadas de supremacia em face da legislação infraconstitucional 145 Aspecto relevante que se apresenta no caso de algumas das disposições transitórias foi apontado com acuidade por Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco ao lembrarem que nos casos em que mediante regulação no ADCT o constituinte teve a intenção de excepcionar hipóteses concretas de incidência de uma norma geral do corpo permanente da Constituição Federal ou mesmo estabelecer um regime jurídico especial ou determinadas vantagens para categorias específicas de pessoas tal como ocorreu nos casos dos arts 8º anistia concedida pelo constituinte e 19 estabilidade para servidores que quando da promulgação da Constituição Federal se encontravam no cargo há mais de cinco anos não se revela legítimo que uma emenda constitucional superveniente pena de ofensa ao princípio da segurança jurídica e mesmo de uma fraude à vontade do constituinte venha a subtrair ou restringir tal regime ou benefícios 146 Embora não se trate em si de normativa que tenha inserido dispositivo no ADCT é possível incluir nesse contexto num sentido alargado a EC 1062020 que institui regime extraordinário fiscal financeiro e de contratações para enfrentamento de calamidade pública nacional decorrente de pandemia posto que a teor de seu art 11 ficou estabelecido que a sua entrada em vigor se daria na data de sua publicação revogandose automaticamente na data do encerramento do estado de calamidade pública reconhecido pelo Congresso Nacional Ao fim e ao cabo o que se verifica é que o poder de reforma constitucional produziu uma emenda constitucional excepcional e transitória não incluída no ADCT o que pelo menos desde a promulgação da CF88 representa uma novidade 32 As funções da Constituição As constituições como já se pode verificar na parte do Curso sobre a origem e evolução do constitucionalismo não surgiram do nada nem foram criadas para coisa nenhuma As constituições e portanto também sempre determinada constituição cumprem determinados papéis funções no contexto de cada ordem estatal mas também e cada vez mais no plano das relações dos Estados constitucionais entre si Muito embora um inventário das funções da constituição não possa aspirar à completude e se efetuado pelo prisma da teoria da constituição nem sempre corresponda integralmente às funções de uma ordem constitucional concreta é possível identificar um conjunto de funções comuns às constituições de modo geral Assim partindose dessa perspectiva genérica serão arroladas e sumariamente explicadas as principais funções das constituições em geral sem deixar quando for o caso de apontar as eventuais peculiaridades da Constituição Federal de 1988 ilustrando as funções mediante exemplos dela extraídos De outra parte importa consignar que as funções da constituição podem ser decompostas em outras funções além de muitas vezes guardarem relação entre si Ademais disso as fronteiras entre uma função e outra da constituição nem sempre são claramente demarcadas Sem qualquer preocupação de observar uma ordem cronológica ou hierárquica que de resto desde logo se revela questionável é possível identificar as seguintes funções das constituições elenco inspirado nos catálogos de funções propostos por Klaus Stern 147 Gomes Canotilho 148 e Otto Depenheuer 149 mas submetido a alguns ajustes a limitação jurídica e controle do poder b ordem e ordenação c organização e estruturação do poder d legitimidade e legitimação da ordem jurídicoconstitucional e estabilidade f garantia e afirmação da identidade política g reconhecimento e garantia proteção da liberdade e dos direitos fundamentais h imposição de programas fins e tarefas estatais função impositiva ou dirigente a Uma das primeiras e mais importantes funções da constituição diz com o fato de ela operar como instrumento estatuto de limitação e controle do poder Nessa perspectiva não se deve olvidar que o Estado Constitucional moderno se formou em virtude da luta contra o absolutismo sendo que as constituições tinham por objetivo servir de fundamento e instrumento da limitação jurídica do poder político 150 Já pelo fato de a constituição pressupondose sua legitimidade democrática resultar de um consenso cristalizado num documento ou conjunto de documentos contendo os princípios e regras sobre a estrutura organização e exercício do poder verifica se que o ideal da racionalização e limitação do poder encontra na noção de constituição formal normativa sua possibilidade de realização Por força de sua supremacia hierárquica e da diferença entre poder constituinte e poderes constituídos limitados e condicionados pelo primeiro possível também assegurar de forma relativamente eficaz o cumprimento da função de limitação do poder A limitação jurídica do poder se dá por meio de pelo menos duas formas designadamente mediante uma separação divisão de poderes e por meio da garantia de direitos fundamentais A separação dos poderes como se sabe constitui elemento essencial à própria noção de constituição no sentido moderno tal como solenemente afirmado no art 16 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 A separação dos poderes todavia pode ser compreendida em três sentidos uma separação horizontal uma separação vertical e uma separação temporal do poder 151 Por separação horizontal do poder se está a designar a desconcentração ou divisão do poder mediante a garantia da divisão e limitação recíproca e da equiparação igual posição hierárquica das funções no esquema do poder estatal entre as diversas funções estatais legislativa executiva e judiciária os assim chamados poderes estatais Em outras palavras aqui está em causa o princípio da separação divisão de poderes tal como engendrado na esfera da doutrina que radica na base das constituições modernas e que constitui um de seus elementos essenciais embora também a forma concreta da noção de separação de poderes não tenha seguido um padrão uniforme apresentando variações mais ou menos significativas ao longo do tempo e de constituição para constituição Por separação vertical de poder se costuma designar a distribuição do poder mediante a desconcentração descentralização no plano territorial típica do modelo federativo onde embora uma esfera própria e reservada de poder as competências dos órgãos federativos administrativas legislativas e judiciárias aqui novamente no sentido de uma separação horizontal encontram seu fundamento e limite na constituição federal A ordem federal contudo corresponde a uma ordenação hierarquizada e não uma equiparação entre União e Estados membros ou mesmo Municípios como se dá no caso brasileiro possível até mesmo a intervenção federal nos Estados eou Municípios Importa agregar que mesmo em Estados unitários existem níveis significativos de descentralização administrativa que por sua vez também contribuem para uma hierarquizada racionalização e limitação do poder A assim chamada separação temporal do poder guarda relação com o princípio democrático mas também em certo sentido com a forma republicana de governo no sentido de garantia efetiva da alternância no exercício do poder alternância que opera como modo de limitação e controle do poder além de contribuir para assegurar a legitimidade do seu exercício O poder estatal e social também encontra limites mediante o reconhecimento e garantia de direitos fundamentais que operam tanto como esferas livres ou parcialmente livres de intervenção do Estado e de terceiros quanto asseguram numa perspectiva positiva a exigência de ações prestações Aqui a noção amplamente difundida de que direitos fundamentais são em certo sentido trunfos contra a maioria Ronald Dworkin e Jorge Reis Novais traduz a ideia de que mediante o exercício dos direitos fundamentais se está também a limitar poder b A constituição não apenas limita o poder mas também cumpre uma função de ordem e ordenação o que dito de outro modo significa que a constituição assume a condição função de ordem fundamental do Estado pois a constituição conforma configura jurídicopoliticamente o Estado complexo institucional e o modo de sua atuação pelo direito que está plasmado na constituição além de operar como fundamento de validade e eficácia das demais normas que integram o ordenamento jurídico 152 Ainda nesse contexto é preciso enfatizar que a ordem instaurada e regulada pela constituição não é uma ordem fechada mas sim uma ordem complexa plural e aberta 153 cada vez mais caracterizada por seu caráter inclusivo e multicultural 154 c A constituição cumpre também a função de estatuto da organização do poder o que abarca tanto a criação de órgãos constitucionais quanto a fixação de suas respectivas competências e o estabelecimento dos princípios estruturantes da organização do poder político 155 Da mesma forma é possível reconduzir a tal função os princípios e regras de caráter procedimental que regulam precisamente o modo pelo qual os órgãos constitucionais cumprem suas respectivas funções no âmbito das competências que lhes foram conferidas É também nesse contexto que Konrad Hesse nos fala que a constituição organiza e delimita o processo de formação de unidade política e da atuação do Estado tanto no plano da criação de órgãos quanto da fixação de competências e procedimentos buscando assegurar a coordenação a responsabilidade e o controle no âmbito das funções estatais e do seu exercício 156 d Legitimidade e legitimação da ordem jurídica estatal Tais funções que se complementam guardam relação com o fato de que uma constituição não se legitima pelo simples fato de se tratar de um conjunto de normas juridicamente superiores e elaboradas por uma instância de poder capaz de fazêlo de modo vinculativo no caso o poder constituinte mas sim pelo fato de a constituição guardar conformidade com uma ideia de direito e com os valores substanciais de um povo em determinado momento histórico 157 Juntamente com tal função de legitimidade a constituição também cumpre uma função de legitimação do poder pois a constituição opera simultaneamente como fundamento regulação e limite do poder político 158 A constituição portanto não apenas é o fundamento de validade e eficácia do restante da ordem jurídica mas também o fundamento e parâmetro de sua legitimidade e A constituição embora possa ser superada e substituída por uma nova ordem constitucional cumpre uma função de estabilidade pois em termos ideais se cuida de uma ordem fundamental de caráter duradouro 159 A estabilidade que por sua vez assegura a durabilidade da ordem constitucional não significa todavia que as constituições não sejam submetidas a processos de mudança seja pela via da reforma constitucional seja pela assim chamada mutação constitucional que serão objeto de análise em item próprio Mediante especialmente o estabelecimento de limites formais e materiais ao poder de reforma constitucional é que o próprio constituinte busca assegurar de modo simultâneo a estabilidade e a durabilidade sem bloquear as necessárias mudanças f A necessária estabilidade do texto constitucional assegurada especialmente pela previsão de limites formais e materiais à reforma constitucional guarda relação com outra função relevante das constituições designadamente a de ser simultaneamente símbolo garantia e instrumento de afirmação da identidade da ordem jurídica e política instaurada mediante o processo constituinte Nesse contexto é preciso ter em conta que na e por meio da sua constituição as sociedades politicamente organizadas alcançam determinada identidade que as distingue entre si identidade que por sua vez é assegurada enquanto a constituição estiver em vigor e na medida em que forem respeitados os limites materiais explícitos e mesmo implícitos à reforma constitucional 160 O quanto a CF que não contempla como de resto ocorre com a maioria das constituições instrumentos como a declaração da perda de direitos fundamentais e a dissolução compulsória de partidos políticos com programa manifestamente contrário à ordem constitucional cumpre a função de autoafirmação da sua identidade constitucional viabilizando uma efetiva defesa contra a sua própria destruição 161 fica aqui em aberto mas nem por isso deixa de ser um tema a merecer maior desenvolvimento seja em virtude das constantes e relativamente amplas reformas constitucionais seja em função dos desafios postos pelo desenvolvimento tecnológico pela criminalidade organizada erosão do Estado Social dentre tantos aspectos que poderiam ser citados g O reconhecimento e a garantia proteção de direitos fundamentais e com isso da liberdade e autonomia individuais que também operam como modo de limitação jurídica do poder estatal representam juntamente com a função de organização do poder a mais importante função desempenhada pelas constituições modernas não sendo demais lembrar que de acordo com o famoso e já referido art 16 da Declaração francesa de 1789 um Estado que não reconhece e protege os direitos individuais não possui sequer constituição 162 h As constituições embora não todas e não da mesma forma cumprem também o que se pode designar de função dirigente ou impositiva mediante o estabelecimento de programas fins e tarefas que em alguma medida vinculam os poderes constituídos Por mais que se tenha de certo modo decretado o fim do constitucionalismo dirigente pelo menos na acepção originalmente cunhada no constitucionalismo lusófono por Gomes Canotilho 163 é certo que muitas constituições contêm normas impositivas de fins tarefas e programas aquilo que outros chamam de normas do tipo programático ou normasobjetivo normas que a depender do caso e da tradição constitucional específica são reconhecidas como tendo pelo menos alguma eficácia e aplicabilidade No caso da Constituição Federal de 1988 na esteira da tradição inaugurada com a Constituição de 1934 a negação de tal função equivaleria a não levar em conta a significativa gama de normas constitucionais do tipo impositivo a começar pelos objetivos fundamentais do art 3º da CF passando pelo dever de proteção do consumidor na forma da lei sem prejuízo de outros que possam ser identificados mesmo no catálogo dos direitos fundamentais e pelos princípios impositivos sediados na ordem econômica e social A questão portanto não está em negar que a constituição pode como o faz a Constituição Federal cumprir tal função mas sim em determinar como tal função se concretiza e qual a eficácia aplicabilidade e efetividade possível das respectivas normas constitucionais 164 33 O problema do conteúdo das constituições A pergunta sobre qual o conteúdo da constituição assim como se deu no caso das funções da constituição não apresenta uma resposta única Considerando que cada constituição possui determinada identidade por mais que as constituições apresentem semelhanças estruturais e de conteúdo também aqui há que partir do pressuposto de uma maior ou menor diversidade Por outro lado o conteúdo das constituições aqui ainda não focando na ordem constitucional brasileira guarda relação com as suas funções pois para cumprir sua função de estatuto da organização e estruturação do poder a constituição necessita ter no seu texto normas orgânicas normas de competência e mesmo normas procedimentais Da mesma forma uma constituição do tipo dirigente ou impositivo contém normas definidoras de fins tarefas e programas estatais o mesmo se verificando no caso da função de limitação e racionalização do poder que em geral guarda relação com disposições sobre a separação dos poderes e a organização do poder 165 e os direitos fundamentais apenas para ilustrar melhor a assertiva inicial O problema do conteúdo das constituições por outro lado conectase ao problema da distinção entre constituição material e formal especialmente à discussão a respeito da existência de normas que pelo seu conteúdo integram a noção de constituição embora não tenham assento no texto constitucional como é o caso do costume constitucional da existência de determinados diplomas legislativos que versam sobre matéria constitucional e que em alguns lugares integram o assim chamado bloco de constitucionalidade No caso do Brasil considerando o caráter analítico e relativamente atual da Constituição de 1988 bem como o fato de o constituinte não ter feito expressa referência a eventual estatuto constitucional de determinadas leis como poderia ser o caso do estatuto dos partidos políticos da legislação que regulamenta o controle de constitucionalidade apenas para referir exemplos do direito comparado o espaço para um direito constitucional material externo à constituição formal é relativamente diminuto mas um bom exemplo pode ser visualizado no caso dos tratados internacionais de direitos humanos embora a querela sobre o seu valor jurídico na ordem interna que será objeto de atenção na parte relativa aos direitos fundamentais na segunda parte do presente Curso sem prejuízo de algumas considerações tecidas na parte relativa à norma constitucional Além disso colocase a pergunta sobre a existência ou não de um conteúdo obrigatório para as constituições ou seja se no âmbito do processo constituinte existiria uma vinculação a determinados conteúdos que não poderiam deixar de ser contemplados pena de não se tratar propriamente de uma constituição mas sim de outro instituto Tal indagação por sua vez guarda relação com a discussão a respeito da existência de limites ao poder constituinte originário no sentido de que este poderia estar vinculado a determinados parâmetros estabelecidos pela ordem constitucional anterior do Estado ao qual se refere a constituição ou mesmo pela tradição constitucional em geral ou por força de outras determinantes como por exemplo do direito internacional Responder às indagações formuladas e a outras que lhes são correlatas não é tarefa simples e reclama uma dose elevada de generalização e abertura à diferenciação pois a evo lução constitucional e o quadro atual que se apresenta no que diz com a estrutura o con teúdo e as funções das constituições vigentes especialmente no âmbito do constitucionalismo ocidental americano mas especialmente no caso da Europa revela a existência de uma concepção mista de constituição que opera tanto como uma ordem quadro quanto como ordem de valores cumprindo uma diversidade de funções e sendo resultado por sua vez de um processo constituinte democrático e plural de perfil nitidamente compromissário 166 De qualquer sorte ainda que constituições de Estados não democráticos possam ter um conteúdo e estrutura similar v por exemplo o caso da Constituição brasileira de 19671969 às constituições democráticas uma concepção generalizável e metodologicamente adequada a respeito do conteúdo das constituições pressupõe que se parta de determinado tipo de constituição no caso a constituição do modelo de Estado Constitucional Democrático que radica numa tradição comum no âmbito da qual as diversas constituições a despeito de suas peculiaridades apresentam elementos normativos e procedimentais como é o caso da noção de um poder constituinte democraticamente formado e exercido assim como da supremacia normativa e do caráter vinculante das normas constitucionais e materiais aqui no sentido dos valores e princípios comuns 167 De todo modo é possível concluir em caráter de síntese que não se pode falar de uma reserva absoluta de constituição especialmente no sentido de se afastar de plano a possibilidade de determinadas matérias serem previstas e mesmo reguladas em nível constitucional 168 Assim como existem peculiaridades históricas culturais geográficas etc que justificam a inclusão de determinada matéria na constituição formal como é o caso por exemplo da proteção dos índios e da proteção dos assim chamados quilombos questões que uma constituição europeia de modo geral não terá de considerar a decisão política fundamental do constituinte poderá também inserir na constituição matérias usualmente delegadas ao legislador infraconstitucional por vezes com a deliberada intenção de subtrair tais questões à livre disposição das legislaturas ordinárias Que eventual omissão ou excesso por parte do constituinte histórico pois sempre se trata de uma decisão tomada por alguém e suas circunstâncias quanto ao conteúdo do texto constitucional há de ter suas consequências não é contraditório em relação à noção de que inexiste uma matéria tipicamente constitucional ou um conteúdo padronizado A desconsideração da realidade constitucional e um engessamento demasiado mediante uma hiperregulação costumam levar a um número maior de reformas constitucionais o que aliás acabou ocorrendo no caso brasileiro tendo em conta que a Constituição Federal de 1988 já foi alterada somandose as emendas constitucionais de revisão às emendas ordinárias mais de cem vezes Um déficit de efetividade e mesmo de legitimidade é outra sequela possível e que não surpreende sendo tanto maior quanto mais profundo o descompasso entre o texto e a realidade o que também remete ao problema da força normativa da constituição a ser sumariamente analisado no capítulo sobre a teoria da norma constitucional O problema do conteúdo da constituição por sua vez guarda relação mas não se sobrepõe integralmente com a noção de uma identidade constitucional que embora em processo de permanente reconstrução aqui cai bem a figura de uma constituição viva 169 permite vislumbrar uma espécie de fio condutor mínimo formado pelos assim chamados elementos constitucionais essenciais que de resto também não pode ser galvanizado como um rol fechado em relação ao câmbio da realidade 170 de premissas que se forem afastadas ou mesmo a depender do caso afetadas significativamente podem comprometer precisamente tal identidade razão pela qual se previu entre outros mecanismos a existência das assim chamadas cláusulas pétreas que têm por objeto precisamente a preservação da identidade da constituição Que para efeitos da proteção por conta de limites materiais ao poder de reforma constitucional o conteúdo da constituição no seu conjunto não se confunde com a identidade constitucional assim como esta última não necessariamente se limita aos conteúdos expressamente salvaguardados pelos limites materiais à reforma do texto não será aqui aprofundado mas assume relevância quando se trata de definir a identidade da constituição e estabelecer os limites de incidência das assim chamadas cláusulas pétreas por exemplo em que medida se haverá de admitir limites materiais implícitos não expressamente estabelecidos no texto constitucional originário que aliás serão objeto de análise mais adiante na parte sobre o poder de reforma da constituição CONCEITO E CARACTERÍSTICAS DO DIREITO CONSTITUCIONAL Ingo Wolfgang Sarlet A partir das considerações precedentes inclusive sobre a origem e evolução das constituições é possível verificar que uma verdadeira constituição não é apenas um documento assim designado mas um corpo de normas jurídicas regras e princípios qualificado pelo seu conteúdo e por sua função as quais estando ou não corporificadas em um documento ou conjunto de documentos assumem uma posição diferenciada e privilegiada em relação às demais normas jurídicas portanto às normas que não são constitucionais Assim evitando adotar um conceito de direito constitucional adstrito a uma ou outra concepção fechada de constituição presa a determinados conteúdos e funções consideramos ser possível definilo como o conjunto das normas jurídicoconstitucionais estejam elas ou não contidas na constituição formal no documento elaborado e promulgado como constituição pelo poder constituinte mas que constituem parte integrante da constituição normativa inclusive quando for o caso na condição de normas apenas materialmente constitucionais Mas o direito constitucional e nisso já reside uma de suas características se distingue em parte das demais normas jurídicas que não integram a assim chamada constituição normativa Muito embora se trate também em sentido amplo de uma lei daí a conhecida qualificação como Lei Fundamental ou Lei Maior a constituição e o correspondente direito constitucional as normas constitucionais se distinguem pelas suas peculiaridades das demais leis que compõem a ordem jurídica estatal 172 De acordo com a precisa lição de Konrad Hesse tal distinção se dá não apenas pelo objeto e funções da constituição e do direito constitucional já examinados mas também pela sua hierarquia a natureza de seus preceitos e as condições de sua eficácia e efetividade que no seu conjunto determinam as características que asseguram a peculiaridade do direito constitucional no quadro normativo estatal 173 A primeira e principal característica do direito constitucional reside na sua supremacia hierárquica no sentido de que as normas constitucionais prevalecem em relação a toda e qualquer forma normativa incluídas as leis elaboradas pelo Poder Legislativo e todo e qualquer ato jurídico na esfera interna da ordem estatal 174 Tal característica corresponde ao postulado da supremacia da constituição e de que esta é a expressão da vontade de um poder constituinte já que as normas constitucionais encontram seu fundamento de validade na própria constituição razão pela qual se aqui fala em uma autoprimazia normativa e não em alguma outra fonte normativa que lhes seja externa e superior do que resulta não apenas a distinção entre direito constitucional e direito ordinário mas também o postulado da constitucionalidade das leis e atos normativos infraconstitucionais que não poderão portanto estar em desconformidade com a constituição 175 Assim tal supremacia hierárquiconormativa é o pressuposto da função da constituição como ordem jurídica fundamental e implica que o direito constitucional não poderá em hipótese alguma ser revogado ou alterado pelas normas infraconstitucionais 176 Uma segunda característica reside no caráter autogarantista do direito constitucional ou seja no fato de que o direito constitucional diversamente do que ocorre com os demais ramos do direito infraconstitucional não possui uma instância que lhe seja superior e externa no sentido de um órgão supraestatal e que possa assegurar a sua eficácia e efetividade pois é a própria constituição mediante o direito constitucional suas regras e princípios que deve assegurarse estando portanto limitada às suas próprias forças e garantias 177 O procedimento agravado estabelecido para a alteração do seu texto ou seja a rigidez constitucional a previsão de limites materiais ao poder de reforma a separação dos poderes a criação de uma jurisdição constitucional capaz de zelar pela conformidade do direito ordinário e demais atos jurídicos em relação às normas constitucionais entre outras garantias constituem exemplos correntes de como as constituições se asseguram a si próprias Por outro lado é certo que a usurpação das funções atribuídas pela constituição não é jamais vedada de forma plena pois nem sempre os órgãos encarregados pelo constituinte para nos limites da competência estabelecida zelar pela integridade e supremacia da constituição observam os seus limites como se dá por exemplo quando a jurisdição constitucional julgar contrariando o sentido literal do texto da constituição ou nos casos de ruptura da ordem constitucional Como bem lembra Konrad Hesse a supremacia da constituição depende em termos gerais da voluntária submissão dos órgãos constituídos ao caráter vinculante do direito constitucional e de que todos os órgãos e agentes estatais reconheçam e efetivamente assumam a responsabilidade de fazer valer a constituição 178 temática que por sua vez guarda relação com o problema da força normativa da constituição que será objeto de alguma atenção no capítulo sobre a norma constitucional Ainda neste contexto convém registrar que diferentemente daqueles que preferem vislumbrar na sua rigidez uma das características distintivas do direito constitucional 179 preferimos integrar tal aspecto no âmbito das garantias estabelecidas pela própria Constituição DO PODER CONSTITUINTE E DA MUDANÇA REFORMA E MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL Ingo Wolfgang Sarlet I DO PODER CONSTITUINTE 51 Notas introdutórias Considerando que o constitucionalismo moderno identificado com a figura de uma constituição escrita se encontra umbilicalmente associado à noção de um poder constituinte ou seja de uma instância de poder que elabora a constituição na condição de norma jurídica fundamental do Estado a teoria e prática do poder constituinte é parte indispensável de toda e qualquer teoria da constituição mas também é crucial para a compreensão de determinada ordem constitucional concreta evidentemente podem ser desdobradas em outras e dialogam com uma série de questões de alta relevância para a teoria política e para o direito constitucional algumas das quais serão ainda que em caráter sumário objeto de consideração neste capítulo 52 O que é o poder constituinte 521 Generalidades A noção de uma constituição escrita assim leciona Javier Pérez Royo está unida à noção de um poder constituinte visto que tanto de um ponto de vista lógico quanto de uma perspectiva histórica o poder constituinte é uma necessidade para a constituição escrita 182 Com efeito a história constitucional moderna pelo menos desde o surgimento das primeiras constituições escritas segue comprometida embora uma série de mudanças verificadas ao longo do tempo com a distinção traçada em primeira linha pelo Abade Emmanuel Sieyès um dos intelectuais mais destacados na Revolução Francesa 183 e que chegou a ser chamado de descobridor científico da noção de poder constituinte 184 entre as noções de um poder constituinte o poder de elaborar uma nova constituição e os assim chamados poderes constituídos no sentido de instituídos regulados e limitados em maior ou menor medida pelo primeiro 185 Assim sendo diversamente do poder constituinte o poder de reforma eou revisão constitucional compreendido como poder de alterar o texto da constituição e que será examinado mais adiante é por definição um poder constituído integrando a noção daquilo que muitos designam de um poder constituinte derivado O habitualmente assim chamado poder constituinte derivado além do poder de reforma da constituição abrange o assim chamado poder constituinte decorrente ou complementar segundo alguns que consiste no poder constituinte dos Estadosmembros de uma Federação igualmente instituído e regulado em maior ou menor medida pelo poder constituinte originário 186 As distinções entre o poder constituinte originário e os poderes constituídos ou poder constituinte derivado como ainda preferem alguns serão esclarecidas ao longo do presente capítulo a começar pela análise do poder constituinte compreendido como o poder de determinada sociedade comunidade política elaborar sua constituição Como ponto de partida convém averbar na esteira de Paulo Bonavides que não se deve confundir o poder constituinte propriamente dito com a sua teorização já que como fenômeno social e político ou seja no sentido material em sintonia com a noção de constituição em sentido material portanto no sentido de uma constituição histórica o poder constituinte sempre existiu em todas as sociedades politicamente organizadas mas a sua formulação teórica e vinculação com a noção moderna de uma constituição escrita ou constituição jurídica é obra do pensamento iluminista do final do século XVIII especialmente do já lembrado Abade Sieyès 187 A constituição ao contrário do que ocorre com as normas infraconstitucionais não extrai o seu fundamento de validade de uma ordem jurídica formal superior mas se estabelece e alcança autoridade jurídica superior em relação às demais esferas normativas internas do Estado em função da vontade das forças determinantes e representativas da sociedade na qual surge a constituição 188 É neste sentido que o poder constituinte acaba assumindo a feição de uma categoria préconstitucional capaz de por força de seu poder e de sua autoridade elaborar e fazer valer uma nova constituição 189 Por isso com razão ErnstWolfgang Böckenförde ao afirmar que a pergunta sobre o conteúdo e significado da noção de poder constituinte abarca o questionamento sobre a origem e o fundamento de validade da própria constituição 190 O processo constituinte de fundação de uma nova ordem constitucional é portanto sempre e de certa forma um novo começo visto que não se encontra na dependência pelo menos não no sentido jurídicoformal no plano de uma hierarquia normativa das regras constitucionais anteriores ou mesmo de outra fonte normativa superior e externa razão pela qual à expressão poder constituinte se costuma agregar o qualificativo originário 191 Com isso não se está a dizer que o poder constituinte não possa recepcionar aproveitar no todo ou em parte normas constitucionais anteriores ou mesmo outras normas jurídicas mas sim que não está obrigado a isso e que mesmo que assim o faça em todo caso se trata de uma nova ordem constitucional visto que tais normas mediante sua recepção ganham um novo fundamento de validade e de legitimidade Valendonos das palavras de Manoel Gonçalves Ferreira Filho o fato de a constituição como resultado da atuação do poder constituinte ser o ponto de partida de uma nova ordem jurídica significa não apenas que o direito positivo se cria com base e segundo a constituição como também e o que é mais importante e nem sempre é bem percebido que a partir de uma nova constituição o direito positivo anterior que não conflita com essa constituição passa a valer por um fundamento novo que é a nova constituição 192 522 A natureza do poder constituinte Nesse contexto quando se indaga sobre a natureza do poder constituinte originário prevalece a tese de que não se trata propriamente de um poder jurídico mas sim especialmente considerando a relação entre soberania e poder constituinte de um poder político portanto préjurídico e mesmo extrajurídico 193 O poder constituinte pode ser definido como uma potência no sentido de uma força em virtude da qual determinada sociedade política se dá uma nova constituição e com isso recria eou modifica a estrutura jurídica e política de um Estado 194 Como já lecionava Carl Schmitt o poder constituinte é a vontade política cujo poder ou autoridade é capaz de tomar a decisão concreta sobre o tipo e a forma da própria existência política ou seja de determinar na sua integralidade a existência da unidade política 195 Assim na sua condição de potência pertencente ao mundo do ser e não do dever ser o poder constituinte atua de modo desatrelado de processos jurídicos anteriores assumindo portanto a função de criador da própria ordem jurídica estatal mas situandose fora desta mesma ordem jurídica 196 Afinado com tal linha de entendimento Nelson Saldanha define o poder constituinte como um poderparaação uma potência constituinte no sentido de um poderparaconstituição 197 Nessa perspectiva como bem averba ErnstWolfgang Böckenförde do ponto de vista da teoria e da dogmática constitucional o poder constituinte não pode ser reduzido como pretendem alguns à noção de uma norma hipotética fundamental como no caso da teorização de Hans Kelsen ou mesmo reconduzido a um fundamento de direito natural já que o poder constituinte há de ser compreendido pelo menos também como uma grandeza política real que fundamenta a força normativa jurídica da constituição razão pela qual o poder constituinte não pode existir no interior ou mesmo com base numa constituição como se fosse um órgão criado pela constituição mas preexiste cria e limita a própria constituição e os poderes constituídos 198 Em sentido em parte diverso José Joaquim Gomes Canotilho sustenta que embora o poder constituinte não possa ser efetivamente concebido como um poder juridicamente regulado ele não deixa de ser política e juridicamente relevante especialmente pelo fato de que o poder constituinte convoca irrecusavelmente a força bruta que constitui uma ordem jurídica para o terreno problemático da legitimação e legitimidade grifos do autor 199 A dimensão jurídica do poder constituinte portanto guarda relação com o fato de que é o poder constituinte como expressão do princípio democrático se e quando for o caso que assegura a legitimidade da constituição consistindo numa espécie de autorização jurídica para a elaboração de uma constituição pelo menos de acordo com a tese esgrimida por Udo Steiner 200 A noção de que o poder constituinte é simultaneamente um poder político e jurídico acaba contudo assumindo um viés reducionista especialmente por condicionar ou pelo menos vincular fortemente a dimensão jurídica ao princípio democrático quando embora seja possível questionar a legitimação e a legitimidade de determinada ordem constitucional em função de sua origem na perspectiva de quem elaborou a constituição e de como foi elaborado o texto constitucional seja mais difícil recusar a tal ordem a qualidade de constitucional visto que constitutiva e vinculativa de um novo Estado e de uma nova ainda que eivada de um déficit de legitimidade democrática ordem jurídicopositiva É também por esta razão que aqui se enfatiza neste ponto filiando nos à posição ao que tudo indica prevalente que o poder constituinte como manifestação da soberania é um poder histórico um poder de fato que embora tenha uma relevância repercussão jurídica não pode ser definido como sendo um poder jurídico 201 523 Distinção entre poder constituinte formal e poder constituinte material À vista das considerações precedentes e no sentido de assegurar uma melhor compreensão da noção de poder constituinte dada a sua complexidade acompanhase a distinção que costuma ser traçada entre um poder constituinte material e um poder constituinte formal distinção que guarda relação com a diferenciação entre as noções de constituição em sentido material e em sentido formal já abordada Nesse sentido colacionase a lição de Jorge Miranda para quem o poder constituinte material corresponde a um poder de autoconformação do Estado segundo determinada ideia de direito ao passo que o poder constituinte formal corresponde a um poder de edição de normas com forma e força jurídica próprias das normas constitucionais notadamente a sua supremacia normativa no âmbito interno das fronteiras estatais 202 O poder constituinte formal portanto de acordo com Carlos Blanco de Morais diz respeito à natureza e ao tipo de procedimento adotado para a aprovação de uma constituição 203 Ainda segundo Jorge Miranda tratase de dois momentos complementares e que guardam íntima relação embora o poder constituinte material sempre preceda o formal o que se deve a dois fatores a a ideia de direito ou o surgimento de determinado regime precede as regras jurídicas b a existência de dois tempos no processo constituinte o primeiro que corresponde ao triunfo de determinada ideia de direito ou de um regime o segundo marcado pela formalização da noção de direito vitorioso mediante sua inserção na constituição formal constituição jurídica o que por sua vez confere estabilidade permanência e supremacia hierárquica aos princípios valores e decisões políticas fundamentais contidos na Constituição 204 É precisamente a noção de um poder constituinte formal na condição de momento específico do processo constituinte que sempre arranca da manifestação de ruptura e de criação de uma nova ordem estatal próprias do poder constituinte material a grande novidade e também um dos elementos centrais da verdadeira viragem de Copérnico representada pelo constitucionalismo moderno ao final do século XVIII e concretizada mediante as primeiras grandes experiências constitucionais no sentido atual do termo quais sejam a norteamericana e a francesa 524 Características do poder constituinte Embora as considerações precedentes não tenham evidentemente exaurido o tema já é possível identificar com base nelas mas especialmente a partir da vinculação entre poder constituinte e soberania as principais características do poder constituinte amplamente difundidas ainda que nem sempre da mesma forma e com o mesmo rótulo no âmbito da literatura dedicada à teoria constitucional quais sejam a O poder constituinte é um poder inicial e anterior características aliás que guardam estreita relação com o adjetivo originário Nesta perspectiva o poder constituinte como já sinalado é concebido como marco criador inicial da nova ordem jurídica estatal implicando um rompimento com a ordem anterior e a inauguração de uma nova ordem jurídica Muito embora em geral não se verifique mais o fenômeno de uma ruptura revolucionária radical com a ordem estatal e jurídica anterior consoante ocorreu na França revolucionária de Sieyès em grande parte dos casos novas constituições elaboradas por novas assembleias constituintes ou mesmo outorgadas por diferentes grupos de poder substituem constituições precedentes sem contudo descaracterizar a noção de que a nova constituição ainda que mantenha em grande parte as estruturas de poder e do direito anteriores sempre são o marco inicial de uma nova ordem estatal revelando um traço fundacional ainda que no âmbito de um processo histórico que congrega como bem apontam Cláudio Pereira de Souza Neto e Daniel Sarmento elementos do presente do passado e em certo sentido mesmo do futuro 205 b O poder constituinte é um poder autônomo e exclusivo visto que não se concebe a coexistência de dois poderes constituintes no âmbito de uma mesma comunidade estatal assim como não se concebe a coexistência de duas soberanias Cada ordem estatal embora possível a outorga parcial de prerrogativas inerentes à soberania sem renúncia à própria como ocorre por exemplo no plano da União Europeia 206 poderá ter apenas uma constituição fruto da atuação do poder constituinte originário c O poder constituinte é um poder superior e em certo sentido juridicamente ilimitado e incondicionado Com efeito já de acordo com a doutrina do próprio Abade Sieyès sustentada perante o Comitê Constitucional da Assembleia Geral em plena Revolução no dia 20071789 o poder constituinte tudo pode e não se encontra de antemão submetido a nenhuma constituição de modo que para exercer sua função ele deve estar livre de toda forma e de todo e qualquer controle salvo os que ele próprio venha a adotar 207 Nessa perspectiva a exemplo da soberania que assume a qualidade de poder supremo superior no âmbito interno da comunidade política estatal também e por via de consequência o poder constituinte é superior aos demais poderes e em relação à ordem jurídica interna Aliás é dessa característica do poder constituinte que também embora não exclusivamente decorre a supremacia da constituição no esquema da hierarquia das fontes normativas tema que será objeto de desenvolvimento próprio neste Curso Da mesma forma o poder constituinte é também aqui em determinado sentido um poder incondicionado visto que sua organização o poder constituinte se autoorganiza e sua atuação não podem ser submetidas a termos ou condições previamente estabelecidos De qualquer modo importa averbar que esta última característica poderia como de fato se verifica no caso de alguns autores ser inserida na figura mais ampla do caráter ilimitado do poder constituinte Assim sintetizando o tópico o poder constituinte como fato político ou seja como força material e social não está vinculado a normas jurídicas anteriores pelo menos não no sentido de uma subordinação resultante de uma superioridade hierárquica na acepção jurídicoformal o que todavia não quer dizer que se trate de um poder absoluto ilimitado e incondicionado em sua integralidade de modo que não se pode afirmar que se cuida de um poder completamente livre do direito 208 Como o problema de eventuais limites ao poder constituinte será abordado em segmento próprio ainda no âmbito deste capítulo do Curso deixaremos por ora de aprofundar o exame da questão d O poder constituinte é um poder permanente e inalienável A qualidade da permanência prendese ao fato de que o poder constituinte não desaparece com a entrada em vigor da constituição Portanto ao contrário da assembleia constituinte ou de quem exerça em concreto a função constituinte cuja atuação se exaure com a promulgação da constituição o poder constituinte segue presente em estado latente pois sua titularidade não se confunde com a condição de quem em caráter eventual e provisório exerça a tarefa de elaborar uma nova constituição Por outro lado o caráter permanente do poder constituinte guarda relação com outra característica habitualmente referida que pode ser reconduzida à primeira teorização relevante e influente sobre o tema designadamente a obra do Abade Emmanuel Sieyés qual seja a de que o poder constituinte é inalienável 209 É precisamente nesta perspectiva que o poder constituinte pode vir a se manifestar a qualquer momento visto que ao povo como titular do poder constituinte cabe sempre decidir sobre a manutenção alteração e mesmo substituição de determinada ordem constitucional vigente 210 razão pela qual já se utilizou a imagem em relação ao fato de que o poder constituinte não desaparece de um vulcão adormecido no sentido de que há períodos não constituintes portanto sem atividade vulcânica 211 Apresentadas as principais características do poder constituinte há que enfrentar o problema de sua titularidade respondendo à indagação sobre quem é o sujeito de tal poder 53 Quem é o titular do poder constituinte O problema da legitimidade do poder constituinte e da Constituição A definição da titularidade do poder constituinte ou seja a quem pertence quem é o sujeito tal poder revelase como tema de grande controvérsia cuja complexidade aumenta quando vinculada à questão de sua legitimidade 212 Importa sublinhar desde logo que a discussão em torno da titularidade do poder constituinte guarda relação com a discussão a respeito da soberania estatal e de seu respectivo titular 213 de tal sorte que o que está em causa é identificar quem detém o poder de criar e impor para uma comunidade política uma nova constituição inaugurando uma nova ordem jurídica e estatal Por isso não há como dissociar ainda que as noções não sejam equivalentes a titularidade do poder constituinte da noção de soberania e do problema da legitimidade de uma dada ordem constitucional Mesmo uma superficial observação do curso da história política das nações revela que a noção de soberania inicialmente não era vinculada à noção de um poder constituinte visto que esta como já referido é produto da fase final da Idade Moderna ou seja do final do século XVIII Com efeito embora a noção de soberania desde a Idade Média pelo menos desde o século XIII tenha relação com a ideia de poder de dominação o conteúdo da noção de soberania sofreu significativas transformações ao longo do tempo acompanhando as próprias modificações das estruturas e sistemas de poder político registrandose além disso divergências importantes no plano da justificação e da atribuição de conteúdo à noção de soberania na esfera das teorias políticas 214 Por muito tempo a noção de soberania foi vinculada a Deus visto que durante expressivo lapso temporal predominou a teoria da origem divina do poder político e da soberania especialmente dos monarcas sendo que apenas posteriormente foi atribuída à nação com o triunfo da Revolução Francesa e finalmente ao povo conforme apenas para ilustrar se depreende da conhecida fórmula We the people nós o Povo inscrita no preâmbulo do texto constitucional norteamericano de 1787 215 Já por tal razão é possível afirmar que a determinação do titular do poder constituinte como poder concreto e factual se dá com base nas circunstâncias históricas e sempre será por elas condicionado 216 Assim sendo é possível concordar com Georges Burdeau quando este sustentava que não há como falar em um poder constituinte abstrato visto que tal poder encontrase sempre referido a um indivíduo como no caso da concentração da soberania na pessoa do monarca à época do absolutismo monárquico um grupo ou um povo 217 A relação da titularidade com a legitimidade do poder constituinte por sua vez diz respeito ao fato de que diferentemente das normas infraconstitucionais que se submetem ao controle de validade diante do texto constitucional vigente a atuação do poder constituinte e portanto o próprio conteúdo de sua obra a constituição não se legitima por critérios jurídicos preexistentes pelo menos no sentido da existência de uma normativa formal anterior e diretamente vinculativa 218 Cuidase portanto de uma legitimação que não se confunde como de resto já ocorre embora não exatamente nos mesmos termos com a legitimidade da ordem jurídica infraconstitucional com a noção de legalidade e de validade de uma ordem jurídica em virtude de sua conformidade formal e material com uma normativa anterior e superior mas sim o que está em causa é em linhas gerais uma legitimidade que está atrelada a basicamente dois fenômenos quais sejam a forma de elaboração das constituições em outras palavras aquilo que se tem designado de legitimidade quanto ao procedimento e por outro lado a legitimidade no que toca ao conteúdo da decisão constituinte isto é da observância de determinados valores que justifiquem a autoridade no âmbito da coletividade política O problema da titularidade do poder constituinte situase precisamente neste contexto de modo que é preciso ainda que de modo sumário apresentar as duas principais concepções que marcaram a evolução constitucional quanto a tal aspecto designadamente a teoria da soberania nacional e a teoria da soberania popular 219 iniciandose pela já referida doutrina do Abade Sieyès para quem o titular absoluto do poder constituinte era a nação razão pela qual também a soberania somente podia ser compreendida como uma soberania nacional 220 Para o autor francês a nação não significava os interesses de um conjunto de homens que a compunha em determinado momento histórico mas sim a expressão dos interesses permanentes de uma comunidade de tal sorte que poderia haver inclusive contradições entre as duas ordens de interesses 221 O poder constituinte que está concentrado na nação opera todavia mediante delegação a um corpo de representantes extraordinários como os designava o próprio Sieyès representação esta que se reúne exclusivamente e apenas por certo tempo para o propósito de elaboração e aprovação da constituição distinguindose tal corpo de representantes da legislatura ordinária 222 De outra parte para a doutrina constitucional norteamericana cuja generalização se verificou na maioria dos países que aderiram à democracia constitucional 223 o titular do poder constituinte é o povo concepção vinculada à noção de soberania popular que passa a operar como fundamento de legitimidade do próprio exercício do poder constituinte e que pode ser reconduzida especialmente ressalvadas importantes diferenças à doutrina de John Locke na Inglaterra e de JeanJacques Rousseau na França 224 A identificação do povo contudo depende da concepção jurídica e política predominante em determinado momento histórico bastando referir ao longo do tempo experiências como as que eram comuns durante a primeira fase do constitucionalismo liberal onde a possibilidade de votar e de ser votado era dentre outras limitações como por exemplo a exclusão por muito tempo das mulheres vinculada a determinados requisitos de natureza econômica tal como ocorreu com o assim chamado voto censitário praticado inclusive no Brasil sob a égide da Carta Imperial de 1824 A gradativa extensão dos direitos políticos contexto no qual se destacam a tardia inclusão das mulheres bem como a inserção em vários casos de mecanismos de democracia direta por ocasião do exercício do poder constituinte a exemplo da possibilidade de apresentação de emendas populares durante o processo de deliberação bem como a submissão do projeto de constituição aprovado na assembleia constituinte ao crivo do povo mediante referendo mostra que a noção de povo igualmente se encontra em permanente processo de reconstrução 225 54 Formas de manifestação expressão ou exercício do poder constituinte 541 Aspectos introdutórios As formas de manifestação do poder constituinte são diversas não podendo ser reduzidas a um único modelo ou fórmula Como bem descreve Gomes Canotilho é possível resumir com três palavras revelar dizer e criar os traços característicos das três principais experiências constituintes que estão na base do constitucionalismo contemporâneo a inglesa a americana e a francesa Ainda segundo Gomes Canotilho em passagem que aqui reproduzimos com alguma liberdade os ingleses compreendem o poder constituinte como um processo histórico de revelação da sua constituição os americanos dizem num texto escrito produzido por um poder constituinte em que consiste o direito fundamental da nação ao passo que os franceses criam uma nova ordem jurídica e política por meio da destruição do antigo regime e sua substituição por uma nova ordem expressa por meio de um texto escrito a constituição 226 O primeiro modelo representado pela experiência constitucional inglesa mas que não se limitava especialmente no que diz com um constitucionalismo no sentido material ao exemplo inglês é típico de um constitucionalismo histórico avesso à noção de um poder constituinte portanto de uma instância de poder capaz de por si só inaugurar um novo Estado e de instituir uma nova ordem jurídica e política 227 Com efeito a trajetória constitucional inglesa demonstrou que a reconstrução da ordem constitucional é permanente razão pela qual a noção de constituição em sentido formal e a noção de um poder constituinte em sentido formal acabaram não encontrando repercussão no ambiente constitucional inglês Não é por acaso portanto que a Constituição Inglesa no sentido do conjunto de documentos legislativos constitucionais como dentre outros a Declaração de Direitos de 1689 costumes e precedentes jurisprudenciais de natureza constitucional é reconduzida como já visto na parte sobre a classificação das constituições à categoria de uma constituição histórica Diversamente da Inglaterra e de outras atualmente poucas experiências similares 228 tanto a experiência norteamericana quanto a francesa amplamente secundadas na evolução constitucional posterior pelo menos no mundo ocidental têm em comum o fato de atribuírem centralidade à noção de poder constituinte Todavia as diferenças são significativas e não podem simplesmente ser desconsideradas Para os americanos tratase no caso do poder constituinte de um momento fundacional de criação da nova ordem constitucional ordem esta que assume a função de assegurar os direitos e garantias dos americanos e de limitar o poder de modo que o poder constituinte diversamente do que ocorreu no caso da França assume a condição de instrumento para o estabelecimento da nova ordem 229 Já no caso da França notadamente em face do contexto no qual a própria construção teórica do poder constituinte e da soberania nacional foi formulada a vinculação na doutrina de Sieyès das noções de poder constituinte e de nação fez com que a ideia motriz fosse em parte distinta A este respeito como bem formula Gomes Canotilho os franceses criam uma nova ordem jurídicopolítica por meio da destruição do antigo e da construção do novo traçando a arquitectura da nova cidade política num texto escrito a constituição 230 Mas as diferenças não terminam aí Outro diferencial importante que tem origem na teorização de Sieyès foi o recurso à ideia de soberania nacional em substituição à noção de soberania popular já que a nação como entidade abstrata distinta do povo tornou necessária a inserção da figura da representação de tal sorte que o poder constituinte não é mais exercido diretamente pelo povo mas sim pelas assembleias eleitas pelo povo 231 Ainda no que diz com as formas de expressão manifestação do poder constituinte é preciso atentar para o fato de que no que diz com o poder constituinte é possível distinguir entre formas democráticas e não democráticas de exercício expressão do poder constituinte No primeiro caso a fórmula habitualmente utilizada portanto referimonos às hipóteses mais comuns e que correspondem à ampla maioria consiste na eleição portanto mediante um processo democrático de uma assembleia constituinte na condição de órgão encarregado da elaboração do novo texto constitucional 542 As formas democráticas de exercício do poder constituinte No âmbito das assim chamadas formas democráticas de exercício do poder constituinte é comum que se estabeleça uma distinção entre dois modelos básicos que por sua vez podem ser desdobrados em outros dois Assim é possível identificar uma assembleia constituinte soberana que poderá ser exclusiva ou não e uma assembleia constituinte não soberana que igualmente poderá ser ou não exclusiva No primeiro caso da assembleia soberana cuidase de um órgão eleito com a finalidade de elaborar e aprovar a constituição excluída qualquer participação adicional do povo seja por meio de plebiscito seja por meio de referendo Já a assembleia não soberana é eleita apenas com a finalidade de elaborar e discutir o projeto de constituição mas a entrada em vigor do texto constitucional se dá apenas após a sua aprovação pelo povo mediante referendo 232 Neste caso ou em casos similares como ocorreu quando da elaboração da Constituição norte americana em 1787 233 a palavra final é devolvida ao povo para sua direta manifestação como titular propriamente dito do poder constituinte As duas modalidades assembleia soberana e não soberana por sua vez podem ser formadas com a finalidade e competência exclusiva de elaboração da constituição aqui se fala em assembleia constituinte exclusiva ou acumular atribuições notadamente a de seguir mesmo enquanto atuando como assembleia constituinte operando como Poder Legislativo a assim chamada assembleia constituinte não exclusiva Na história constitucional brasileira a tradição se mostra mais afinada com a instauração de assembleias não exclusivas excetuandose a assembleia constituinte de 1933 234 No que tange à assim chamada assembleia constituinte soberana ou seja aquela que prescinde de ratificação popular do texto elaborado pela assembleia é possível arrolar as Constituintes de 18901891 de 19331934 de 1946 de 1967 e por fim a de 19871988 Registre se que no caso da Constituição de 1937 havia a previsão de uma consulta popular que todavia nunca foi realizada No que diz com a Constituição Federal de 1988 esta chegou a ser criticada precisamente pelo fato de não ter sido elaborada por uma assembleia constituinte exclusiva o que todavia não é suficiente por si só para lhe retirar sua legitimidade democrática visto que esta não está atrelada a determinado tipo de procedimento democrático de elaboração da constituição Por outro lado embora as modalidades referidas desde que a noção de uma assembleia constituinte seja compreendida em sentido elástico possam ser aceitas como corretas é preciso observar que nem todas as experiências constitucionais reconhecidas como democráticas podem ser reconduzidas a alguns modelos fixos As possibilidades quanto ao modo de exercício incluindo o modo de convocar estruturar e regulamentar a atuação de uma assembleia constituinte são múltiplas Apenas para citar um importante exemplo vejase o caso da Lei Fundamental da Alemanha de 1949 cujo texto resultou de um processo estruturado em várias etapas sob a supervisão e posterior aprovação pelas forças de ocupação aliadas Num primeiro momento foi convocada uma conferência dos presidentes dos Estados alemães que por sua vez organizou um comitê responsável pela elaboração de um projeto de constituição Na sequência tal projeto foi objeto de apreciação deliberação e aprovação pelo Conselho Parlamentar Parlamentarischer Rat integrado por 65 representantes eleitos pelas assembleias estaduais da Alemanha Ocidental Finalmente após a aprovação pelas forças de ocupação o documento aprovado pelo Conselho Parlamentar passou pela aprovação era exigida a aprovação por 23 dos Estados dos Estados o que ocorreu mediante votação no âmbito das assembleias estaduais procedimento que substitui o referendo popular inicialmente exigido pelas forças de ocupação 235 Notese portanto que não houve eleição direta pelo povo dos integrantes nem da comissão que elaborou o anteprojeto nem do Conselho Parlamentar e além da necessidade de submissão do texto à aprovação prévia por parte dos representantes das forças de ocupação aliadas EUA Inglaterra e França da região que veio a se tornar a antiga República Federal da Alemanha Alemanha Ocidental o texto na sua versão final também não foi submetido à consulta popular direta Ainda assim nem o diferenciado modo de exercício do poder constituinte mas tampouco o fato de a Lei Fundamental ter sido elaborada em caráter provisório enquanto não ocorresse a reunificação alemã mas também a circunstância de que mesmo quando esta sobreveio em 1989 não tenha sido realizada consulta popular a respeito da manutenção da Lei Fundamental elaborada em 1949 conduziram a despeito de algumas críticas a uma negação da legitimidade democrática da Lei Fundamental além do fato de esta ser considerada a Constituição da Alemanha hoje unificada Outro exemplo digno de nota nos vem dos EUA pois é de se recordar que os representantes dos Estados que integravam a Confederação estabelecida no decurso da luta pela independência também não haviam sido eleitos para a Convenção da Filadélfia que passou a ser conhecida como Convenção Constitucional com mandato para a elaboração da Constituição mas sim para revisar os Artigos da Confederação tendo inclusive sido formulada a acusação de uma usurpação do mandato original ainda que posteriormente o documento aprovado em 1787 na Filadélfia tivesse sido submetido à aprovação no âmbito do Congresso de representantes igualmente não eleito com a finalidade específica e exclusiva de aprovar o texto inicial antes de ser então submetido à ratificação pelos Estados 236 Com tais exemplos que poderiam ser multiplicados mas que são por si sós emblemáticos o intento é demonstrar que as modalidades acima apresentadas não correspondem a um esquema fechado e revelam que não podem ademais ser tomadas como indicativos exclusivos de aferição de maior ou menor legitimidade de uma deter minada constituição 543 A revolução como forma da manifestação do poder constituinte Há casos contudo em que o caráter democrático do processo constituinte é de ser refutado muito embora exista uma constituição normativa e essa igualmente não tenha surgido de um processo de geração espontânea Assim há que reconhecer que não se pode pura e simplesmente desconsiderar a existência de formas não democráticas portanto em determinado sentido ilegítimas de expressão do poder constituinte como é o caso da outorga de uma nova constituição por parte de um ditador determinado grupo que assume o poder político etc como ocorre no caso das constituições outorgadas Considerandose apenas o povo como titular do poder constituinte a própria referência a um modo não democrático de manifestação exercício do poder constituinte se revela como contraditória mas a experiência histórica segue demonstrando a existência de casos de constituições que não foram o resultado direto de um processo democrático e cuja elaboração não se deu nos moldes das variações acima referidas A própria Constituição Imperial de 1824 a Constituição do Estado Novo e a forma pela qual foi imposta a Emenda 1 à Constituição de 1967 apenas para ficarmos na evolução constitucional brasileira são mostras disso O fato de se poder em certo sentido dizer que se trata de outra coisa e não de verdadeiras constituições não altera a circunstância de que tais Constituições estiveram em vigor e como tais vincularam os poderes constituídos Nesse contexto oportuna a referência ao assim chamado poder constituinte revolucionário em outras palavras à revolução como forma de manifestação expressão do poder constituinte situação que de resto radica na base de um expressivo número de constituições ao longo da história constitucional 237 Tratase aqui da mais radical das formas de expressão do poder constituinte originário 238 visto que a revolução consiste muitas vezes no único remédio contra o arbítrio e a ilegalidade quando falharem todos os processos constitucionais e legais criados para impedilos ou mesmo quando se trate de movimentos destinados a reinstaurar a própria ideia de direito e justiça numa sociedade 239 como dão conta entre outros os emblemáticos casos da Revolução Francesa e da Revolução Bolchevista na Rússia embora haja evidentes diferenças entre elas inclusive no que diz com a matriz constitucional implantada Antes contudo de seguirmos com a apresentação dos contornos do poder constituinte revolucionário é preciso explicitar o próprio conceito de revolução Nesse sentido é possível de modo simplificado falar de um conceito sociológico e de um conceito jurídico de revolução Na primeira acepção ou seja num sentido sociológico revolução é um processo de mudanças rápidas e profundas da estrutura de uma sociedade e de seu sistema de poder geralmente acompanhado de muita violência ao passo que no seu sentido jurídico a revolução consiste na ruptura de um ordenamento jurídico e a instauração de um novo mediante processo não regulado pelo ordenamento anterior 240 A revolução no sentido sociológico ou revolução propriamente dita não pode portanto ser confundida com um mero golpe de Estado pois este não implica transformação profunda nas estruturas da sociedade mas se caracteriza pela alteração na estrutura de dominação política por meios inconstitucionais como no caso da revolução brasileira ocorreu com a ditadura do Estado Novo e o golpe militar de 1964 que tiveram inclusive especialmente no caso do segundo caráter reacionário Por outro lado um golpe de Estado implica uma revolução no sentido jurídico em virtude da ruptura da ordem jurídica que justamente se caracteriza por uma ruptura que opera tanto no plano material substituição de uma ordem constitucional por outra diferente quanto ao conteúdo quanto na esfera formal definida pelo fato de a substituição ter ocorrido em desacordo com os procedimentos constitucionais precedentes 241 Assim é correto afirmar que uma revolução em sentido sociológico implica uma revolução em sentido jurídico a mudança nas estruturas sociais e políticas exige uma substituição da ordem jurídica mas uma revolução em sentido apenas jurídico que pode advir por exemplo até mesmo de um golpe de Estado não será uma revolução em sentido sociológico Explorando o elo entre a revolução e o poder constituinte Antonio Negri sustenta que o poder constituinte opera como uma força que interrompe e desfaz todo o equilíbrio preexistente e toda a continuidade possível de tal sorte a poder ser definido como um procedimento de caráter absoluto e ilimitado razão pela qual a constituição em sentido político é a própria revolução 242 O vínculo entre a revolução e o poder constituinte consiste precisamente no fato de que quando se manifesta a revolução o poder constituinte cuja atuação permanece sustada como se estivesse num estágio de hibernação enquanto os poderes constituídos funcionam regularmente volta a operar até a entrada em vigor de uma nova constituição que venha a substituir a ordem jurídicoconstitucional anterior 243 Por tal razão o assim chamado ciclo revolucionário se caracteriza por duas etapas nomeadamente uma fase na qual se dá a ruptura com a ordem anterior de maneira abrupta ou gradual e um segundo momento por ocasião do qual é instaurada mediante a promulgação de uma nova constituição uma nova ordem jurídica 244 Importa agregar para melhor explicitação de como se processa no seu conjunto o ciclo revolucionário no qual atua o assim chamado poder constituinte revolucionário que ambas as etapas podem ocorrer de modo bastante diferenciado não seguindo um padrão uniforme Com efeito basta recorrer à experiência brasileira para constatar que em 1937 o golpe do Estado Novo acompanhado pela outorga de uma nova Constituição praticamente substituiu de um momento para outro a ordem jurídica anterior O mesmo não ocorreu em 1964 visto que embora iniciada a ruptura o poder constituinte revolucionário mediante a produção de atos normativos do comando revolucionário os conhecidos atos institucionais entre outros acabou apenas revogando em parte a então vigente Constituição de 1946 que seguiu vigorando em grande medida até sua completa substituição em 1967 Durante o tempo que se situa entre a ruptura constitucional e a reconstitucionalização período este que costuma ser designado hiato constitucional 245 verificase o estabelecimento do que se designou de uma ditadura soberana para utilizar a fórmula proposta por Carl Schmitt 246 que produz uma espécie de direito constitucional material provisório consistente de atos normativos editados pelas lideranças revolucionárias e destinados a regular provisoriamente a situação Tais atos normativos caracterizamse por seu caráter provisório e por serem atos que uma vez emanados em função da atuação do poder constituinte revolucionário são cogentes e superiores até mesmo em relação ao direito constitucional anterior Também aqui a experiência histórica brasileira é prenhe de exemplos que ilustram o modus operandi do poder constituinte revolucionário inclusive no que diz com a produção de um direito constitucional provisório como dão conta entre outros o Dec 1 de 15111889 que instituiu o governo provisório da Primeira República bem como o Dec 19308 de 11111930 que criou o governo provisório da assim chamada Segunda República documentos que tiveram o condão de revogar a ordem constitucional anterior e regular a vida política até a promulgação de uma nova constituição O mesmo pode ser dito ainda no caso brasileiro em relação ao Ato Institucional 1 de 09041964 que entre tantos outros atos do governo militar acabou por revogar em boa parte a Constituição de 1946 247 Uma vez compreendido em termos gerais no que consiste a fase da ruptura e a etapa subsequente é preciso enfatizar que a reconstitucionalização como segunda etapa da atuação do poder constituinte revolucionário implica como já frisado a instauração de uma nova ordem constitucional mediante a entrada em vigor de uma nova constituição O fato de a ruptura ter sido mais ou menos violenta de ter operado mais ou menos transformações nas estruturas econômicas sociais e políticas não impede que a nova ordem jurídicoconstitucional seja instaurada de forma democrática A revolução muitas vezes já sustentada pelo povo ver os casos da Revolução Francesa Mexicana Bolchevista Chinesa Cubana dentre tantas outras pode passar e é bastante frequente que assim seja por um processo de legitimação democrática que no concernente à instauração de uma nova ordem constitucional passa pela via democrática de elaboração e aprovação da nova constituição escrita A assim chamada reconstitucionalização pode portanto ocorrer de forma não democrática mediante a outorga de uma constituição no Brasil é o caso da Constituição de 1937 ou pode recorrer às diversas modalidades democráticas de elaboração de uma constituição seja por meio de consulta popular direta seja pela eleição de uma assembleia constituinte 248 Evidentemente há que examinar em outro plano se a constituição resultante do processo é legítima ou não o que guarda relação com o modo democrático de exercício do poder constituinte Por outro lado seja qual for a forma de expressão do poder constituinte democrática ou não é certo que a atuação de uma assembleia constituinte ou mesmo a outorga de uma constituição não surgem do nada mas são a consequência de um conjunto de fatores e decisões políticas anteriores É nesta perspectiva que se fala também em um impulso constituinte numa situação constituinte ou mesmo de modo mais preciso de decisões pré constituintes 249 que se situam numa fase que pode ser também designada de préconstituinte mas que de algum modo já integra o processo constituinte no seu conjunto Cuidase de situações em geral complexas e bastante diversificadas a depender da realidade concreta de onde se manifestam e que acabam envolvendo tanto decisões políticas no sentido da elaboração de uma nova constituição como a edição de leis constitucionais de caráter provisório que além de regularem em caráter precário a organização e exercício do poder buscam estabelecer os contornos do regramento jurídico do processo constituinte 250 Nesse sentido percebese que uma nova constituição pode ter e muitas vezes teve e ainda tem um processo revolucionário na sua origem processo que pode terminar de modo democrático mediante convocação e eleição de uma assembleia constituinte Se isso é possível também a circunstância de que a assembleia constituinte tenha sido convocada pelo próprio Poder Legislativo na condição de poder constituído conforme aliás ocorreu precisamente com a atual Constituição Federal visto que a assembleia constituinte que elaborou a nossa atual Carta Constitucional foi convocada por meio da EC 26 de 27 de novembro de 1985 não implica por si só a ilegitimidade da nova ordem constitucional 55 Limites e condicionamentos do poder constituinte A teoria originalmente elaborada por Emmanuel Sieyès foi marcada pela influência da doutrina do direito natural que dominava ao final do século XVIII de modo que para o autor francês o poder constituinte apenas seria condicionado pelo direito natural 251 Como instância anterior e superior ao direito positivo o poder constituinte não se encontraria portanto subordinado a qualquer espécie de limite ou condição imposto por norma jurídica anterior ou superior de modo a se falar mesmo de uma onipotência do poder constituinte 252 Tal compreensão ainda que eventualmente reproduzida em alguma literatura não corresponde mais ao entendimento prevalente na quadra atual da evolução e de resto sempre encontrou resistência Muito embora se possa afirmar que o poder constituinte seja ilimitado livre e autônomo na sua condição de força social e política especialmente em relação a uma ordem jurídico constitucional formal anterior no sentido de vinculado no âmbito de um esquema normativo hierarquizado isso não significa que se trate de um poder totalmente ilimitado e portanto completamente livre do direito já que seu exercício encontrase condicionado tanto pela realidade fática quanto por determinados valores civilizatórios pelos direitos humanos e pela justiça 253 Dito de outro modo acompanhando Virgílio Afonso da Silva o poder constituinte não é ilimitado no sentido de poder criar qualquer constituição 254 Como bem averba Gomes Canotilho este sujeito constituinte este povo ou nação é estruturado e obedece a padrões e modelos de conduta espirituais culturais éticos e sociais radicados na consciência jurídica geral da comunidade e nesta medida considerados como vontade do povo ao que se soma a observância de determinados princípios de justiça bem como a necessária sintonia com os princípios gerais e estruturantes do direito internacional 255 muito embora haja polêmica em torno não apenas da vinculação em si do poder constituinte ao direito internacional mas também da forma pela qual se processa tal vinculação 256 tema aliás de crescente relevância considerando a tendência de afirmação de uma ordem constitucional global e transnacional De outra parte quando se fala em limites jurídicos do poder constituinte há que reconduzir tais limites à noção mais ampliada de limites historicamente construídos que incluem limitações de ordem religiosa moral econômica dentre outros que poderiam ser referidos 257 Nessa perspectiva assumindose como correta a premissa de que o poder constituinte não é por inteiro um poder ilimitado inclusive e de certo modo no sentido jurídico é possível falar de condicionamentos de caráter préconstituinte e pósconstituinte 258 Tais condicionamentos como já referido poderão ser de natureza não jurídica ou jurídica envolvendo aspectos heterônomos externos e limites internos que assumem a feição de uma autorregulação e ao mesmo tempo de uma autolimitação da função constituinte 259 No que diz com os limites anteriores à elaboração do texto constitucional situamse aspectos envolvendo o ato convocatório da assembleia constituinte o processo de escolha dos membros constituintes e o próprio procedimento de deliberação de tal sorte que se trata de normas que disciplinam o procedimento e a participação na elaboração do texto constitucional mas que são resultado já da própria atuação do poder constituinte no plano de sua autorregulação 260 Como elementos condicionantes pósconstituintes é possível elencar a eventual ratificação popular da constituição embora isso não se verifique em todos os casos 261 Ademais na esfera dos fatores externos assume especial relevância a já referida vinculação do poder constituinte aos valores sociais e políticos que levaram à sua convocação destacandose neste contexto a ética a dignidade da pessoa humana a liberdade e a ideia geral de igualdade bem como a noção de direitos humanos fundamentais que como demonstra a evolução constitucional marca presença em praticamente todos os documentos constitucionais modernos pelo menos no que diz com sua previsão textual ainda que bastante diversificada no respeitante à sua formulação Mesmo que se admita a ideia de uma vinculação do poder constituinte a determinados princípios supranacionais de justiça é questionável que aqui se trate de uma inconstitucionalidade originária caso determinada constituição venha a contrariar tais princípios e chancelar situações de grave injustiça de descaso com os direitos humanos 262 O problema no nosso sentir situase mais no plano da legitimidade da constituição e mesmo do ponto de vista jurídicoformal de eventual violação do direito internacional que poderia levar até mesmo ao afastamento da aplicação da norma constitucional ofensiva a tais princípios superiores discussão que aqui contudo não pretendemos ao menos por ora desenvolver Ainda no que diz com o problema dos limites do poder constituinte verificase que a partir do estabelecimento de uma primeira constituição formal constituição normativa determinado Estado e a regra no âmbito do constitucionalismo moderno é mesmo esta costuma ter mais de uma constituição de modo que se justifica a indagação em torno da circunstância de que o novo constituinte encontrase vinculado a determinada tradição constitucional como se o que existisse não fosse propriamente a elaboração de uma nova constituição mas sim de uma espécie de revisão ampla por vezes nem tão ampla da constituição anterior ainda que formalmente se fale em uma nova ordem constitucional originária Até mesmo a previsão em determinada constituição de cláusulas pétreas limites materiais à reforma constitucional apenas vincula os poderes constituídos designadamente o poder de reforma mas não é de observância obrigatória pelo poder constituinte superveniente de modo que também nesse caso se cuida de conteúdos que também se encontram sob uma reserva de poder constituinte 263 A identidade e sua continuidade e afirmação constitucional que se busca salvaguardar mediante a previsão de tais limites materiais é sempre a daquela determinada constituição e não necessariamente de todas as constituições de determinado Estado por mais que haja uma identificação entre os diversos textos constitucionais TEORIA DA MUDANÇA CONSTITUCIONAL A REFORMA E A MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL 56 Generalidades e distinção entre as diversas formas de mudança constitucional processos formais e informais mutação constitucional Constitui noção amplamente difundida e aceita no âmbito da evolução do constitucionalismo moderno que uma das funções da constituição é a de assegurar um nível adequado de estabilidade às instituições políticas e jurídicas Não apenas por isso mas também por tal razão a rigidez constitucional traduzida pela dificuldade maior de alteração do texto constitucional em relação ao processo legislativo ordinário serve ao propósito de garantir a permanência e a estabilidade embora não a imutabilidade da constituição O que se percebe todavia é que as constituições ainda que de modo bastante diversificado entre si regulam as garantias de sua própria estabilidade e permanência mas também reservam espaço para a possibilidade de mudança de seu próprio texto e portanto de seu próprio conteúdo Justamente para que a constituição permaneça em vigor não apenas simbolicamente como uma mera folha de papel Ferdinand Lassale 264 e cumpra sua função estabilizadora é preciso que ela seja sempre também um projeto em permanente reconstrução aberto ao tempo e ao câmbio da realidade de tal sorte que permanência estabilidade e mudança não são incompatíveis entre si mas pelo contrário constituem exigências recíprocas e que se retroalimentam desde que guardado o necessário equilíbrio Mas o fenômeno da mudança não se limite aos instrumentos previamente regulados de alteração textual da constituição escrita incluindo outras possibilidades e mecanismos de mudança Assim de acordo com a lição de Jorge Miranda se a modificação das constituições representa um fenômeno inelutável da vida jurídica e que mais do que modificáveis as constituições são modificadas também é verdade que são variáveis a frequência a extensão e os modos como se processam as modificações 265 Considerando portanto que a mudança constitucional é algo que integra a própria natureza do constitucionalismo e do direito constitucional é preciso identificar num primeiro momento quais as modalidades mecanismos de mudança constitucional que podem ser encontradas na literatura e na experiência concreta do constitucionalismo Nessa perspectiva num ambiente marcado pela absoluta prevalência de um modelo de constituições rígidas é possível distinguir entre duas formas de mudança constitucional os mecanismos formais de mudança constitucional e os assim chamados mecanismos informais também conhecidos como mutações constitucionais ou mudanças tácitas Quanto aos meios mecanismos ou instrumentos formais cuida se da alteração do texto constitucional por meio da atuação do poder de reforma constitucional o que se verifica mediante um processo previamente pelo menos quanto aos seus aspectos nucleares estabelecido pelo poder constituinte o qual também determina quais os limites formais e materiais impostos ao poder de reforma o que será objeto de exame mais detalhado logo a seguir No âmbito da chamada mudança informal não há a rigor alteração do texto normativo mas sim alteração no que diz com a aplicação concreta de seu conteúdo a situações fáticas que se modificam no tempo geralmente pela via da interpretação constitucional fenômeno designado como já referido de mutação constitucional no sentido de uma mudança constitucional que embora altere o sentido e alcance da constituição mantém o texto constitucional intacto Importante antes de adentrarmos no exame de cada uma das duas modalidades mudança formal e informal é que se compreenda que a mudança formal é assim designada pelo menos de acordo com o entendimento amplamente majoritário não pelo fato de ser promovida por um órgão formalmente instituído e regulado na constituição mas sim por se tratar de um processo de mudança que implica alteração do texto constitucional ou seja da constituição formal e instrumental 266 Neste contexto não se deve olvidar que a mutação constitucional no sentido da mudança promovida sem alteração textual pode ocorrer pela via da interpretação ou seja pela atuação de um órgão criado pela constituição portanto neste sentido poderia também ser designada de uma mudança formal mas não é neste sentido que consoante já explicitado se compreendem as mudanças informais mutações mas sim pelo fato de não implicarem alteração do texto da constituição 267 Iniciaremos pelo mecanismo habitual da mudança formal que se manifesta por meio do exercício da competência poder de reforma constitucional para mais adiante voltarmos ao problema dos mecanismos informais no âmbito da noção de mutação constitucional 57 O poder de reforma da Constituição 571 Questões terminológicas No que diz com o plano terminológico é preciso formular acordo semântico já que na literatura podem ser encontradas diversas expressões por vezes utilizadas como sinônimas todavia nem sempre com o necessário rigor eventualmente gerando até mesmo alguma incompreensão quanto ao seu correto significado Nesse sentido as expressões do poder constituinte derivado ou mesmo poder constituinte instituído secundário ou de segundo grau poder constituinte reformador ou poder de reforma ou revisão constitucional aqui apenas elencadas algumas das mais habituais exigem uma nota explicativa Considerando a distinção entre o poder constituinte originário ou simplesmente poder constituinte e o poder de reforma constitucional que em verdade é sempre instituído regulado e limitado pela constituição originária ou seja pelo poder constituinte de modo a não constituir propriamente a ordem estatal cada vez mais autores têm abandonado a expressão poder constituinte derivado mediante o argumento de que se tal expressão do poder constituinte é derivada não há falar propriamente em poder constituinte 268 Por tais razões aqui apresentadas de forma sumária é que se opta pela terminologia poder de reforma constitucional ou simplesmente poder de reforma ou poder reformador O mesmo se aplica ao assim chamado poder constituinte decorrente que para muitos assume a condição de manifestação especial do assim chamado poder constituinte derivado já que igualmente instituído e limitado pelo poder constituinte originário 269 Tratase no caso do poder constituinte dos Estados integrantes de uma Federação que todavia será objeto de análise mais detida no capítulo destinado à organização do Estado em que o princípio federativo e de consequência a constituição dos Estadosmembros da Federação ocupam um lugar de destaque Assim sendo em apertada síntese para que daqui em diante possamos padronizar a terminologia adotamos o esquema que segue 1 poder constituinte 2 poder de reforma ou poder de reforma constitucional 3 poder constituinte dos Estadosmembros 572 Natureza características e funções do poder de reforma constitucional Diversamente do poder constituinte que precisamente em virtude de sua natureza pré ou mesmo metajurídica por ser como visto acima um poder de natureza fática e política expressão da soberania costuma ser emblematicamente caracterizado na esteira de Carl Schmitt como uma potência o poder reformador assume a feição de uma competência já que juridicamente vinculado às normas de competência organização e procedimento ditadas pelo primeiro a potência 270 É justamente a existência de normas limitativas da reforma constitucional que demonstra o fato de que mesmo após a entrada em vigor da constituição o poder constituinte segue presente e portanto ativo já que do contrário poderia vir a depender dos órgãos legislativos instituídos e limitados pelo constituinte o que implicaria contradição insuperável pelo menos levandose a sério a tradição constitucional ainda vigente 271 Importa ter sempre presente de outra parte a noção de que também no direito constitucional brasileiro o legislador ao proceder à reforma da Constituição não dispõe de liberdade de conformação irrestrita encontrandose sujeito a um sistema de limitações que objetiva não apenas a manutenção da identidade da Constituição mas também a preservação da sua posição hierárquica decorrente de sua supremacia no âmbito da ordem jurídica de modo especial para evitar a elaboração de uma nova Constituição pela via da reforma constitucional 272 A natureza e configuração concreta dos limites à reforma constitucional embora se possa observar certa uniformidade pelo menos no que diz com alguns elementos essenciais comuns às principais técnicas de limitação do exercício do poder de reforma há de ser analisada sempre à luz do direito constitucional positivo de cada Estado pois é na constituição de cada país que são definidos os limites ao poder de reforma e qual o seu alcance Por essa razão sem prejuízo de referências ao direito comparado é no âmbito da reforma constitucional no sistema constitucional brasileiro logo abaixo que serão apresentados e analisados os limites à reforma constitucional No que diz com as funções do poder de reforma é preciso destacar que embora a reforma constitucional seja também fonte de direito constitucional ela constitui uma fonte peculiar distinta por definição do poder constituinte que assume uma natureza dúplice visto que ao mesmo tempo em que as leis de reforma no caso brasileiro as emendas estão submetidas quando de sua elaboração aos requisitos estabelecidos pelo constituinte uma vez incorporadas ao texto constitucional elas passam a ser parte integrante com a mesma hierarquia normativa desta mesma constituição portanto tornamse constituição 273 Antes contudo importa destacar mais um aspecto terminológico e conceitual que diz respeito à possível distinção entre as noções de reforma revisão e emendas constitucionais bem como a exemplo do que se verifica em diversos países no que diz com o uso das expressões leis de revisão ou leis de alteração da constituição Quanto ao primeiro ponto ou seja sobre a distinção entre os conceitos reforma revisão e emenda constitucional há que registrar desde logo que tais noções não podem ou ao menos não deveriam de acordo com a sistemática adotada pela Constituição Federal de 1988 ser confundidas Em verdade embora não se registre unanimidade no que diz com o seu conteúdo e significado a posição majoritária na doutrina brasileira é de que a expressão reforma da Constituição designa o gênero ao passo que os outros dois termos revisão e emendas se referem a manifestações particulares da reforma 274 Assim a expressão reforma referese neste sentido a toda e qualquer alteração formal isto é de acordo com os parâmetros preestabelecidos da Constituição independentemente de sua abrangência Uma revisão constitucional ao menos para os que comungam deste ponto de vista constitui por sua vez modificação relativamente ampla do texto constitucional ao passo que uma emenda se destina de regra a ajustes e alterações de natureza mais específica 275 Já para outros as expressões revisão e reforma se distinguem no sentido de que a revisão se refere a alterações gerais ou parciais da constituição sobre temas previamente estabelecidos pelo poder constituinte ao passo que as modificações no âmbito da reforma constitucional não foram antecipadamente definidas de tal sorte que ambas revisão e reforma podem ser consideradas mecanismos formais típicos de alteração da constituição assumindo a emenda o papel de instrumento para realização da reforma ou revisão 276 Também quanto a este aspecto necessário não perder de vista o direito constitucional positivo ou seja as peculiaridades de cada ordem constitucional concretamente considerada o que será objeto de análise no próximo segmento 573 O poder de reforma na Constituição Federal de 1988 5731 A distinção entre revisão e emendas como modalidades de reforma da Constituição Também na evolução constitucional brasileira constatase que as expressões revisão reforma e emenda foram utilizadas de forma diversificada Na Constituição de 1824 o procedimento da reforma constitucional foi regulamentado nos arts 174 a 178 não tendo sido feita qualquer referência aos termos revisão e emenda o que persistiu em nossa primeira Constituição da República de 1891 de acordo com o disposto no seu art 90 A Constituição de 1934 afastouse pela primeira vez dessa tradição prevendo expressamente tanto a possibilidade de uma revisão quanto de emendas à Consti tuição estabelecendo requisitos distintos para cada uma das modalidades de reforma da Constituição art 178 As Constituições de 1937 de 1946 e de 1967 1969 por sua vez contemplaram respectivamente nos seus arts 174 217 e 47 apenas as emendas como mecanismo de modificação do texto constitucional de tal sorte que somente na atual Constituição 1988 foi novamente traçada uma distinção expressa entre as modalidades revisão art 3º do ADCT e emenda arts 59 e 60 Já por tal razão e mesmo que se possa como se verá a seguir argumentar que a possibilidade de revisão constitucional pelo menos tal como prevista originariamente no ADCT não mais subsiste no ordenamento constitucional vigente correta a posição de acordo com a qual à luz do direito constitucional positivo brasileiro o constituinte de 1988 pelo menos no que diz com a sua proposta originária distinguiu as emendas à Constituição e a revisão como duas modalidades específicas e portanto substancialmente diferenciadas de reforma constitucional 277 Aspecto mais controverso todavia diz com a identificação das diferenças propriamente ditas entre a revisão e as emendas Tal discussão por sua vez guarda relação com outra polêmica que embora em parte relativamente pacificada no âmbito da doutrina constitucional brasileira segue em aberto e que poderá especialmente na esfera do processo políticolegislativo e mesmo com suporte em setores da literatura especializada ter importantes desdobramentos Aqui se está a tratar justamente da discussão a respeito da manutenção no sistema constitucional vigente da possibilidade de levar a efeito uma revisão constitucional seja pelo rito estabelecido originariamente no art 3º do ADCT seja por meio do procedimento mais qualificado das emendas constitucionais ou mesmo de outro procedimento que venha a ser estabelecido inclusive por meio de uma reforma constitucional Nesse sentido importa em primeiro lugar destacar quais as diferenças entre a revisão constitucional e as emendas à Constituição tal como originariamente previstas pelo constituinte a enquanto as emendas foram previstas e regulamentadas no corpo da Constituição constituindo mecanismo permanente e ordinário de reforma a revisão foi objeto de previsão apenas no Ato das Disposições Transitórias art 3º revelando salvo melhor juízo ser modalidade excepcional de reforma b o procedimento previsto para ambas as modalidades de reforma da Constituição é distinto ressaltandose a existência de um procedimento mais rígido art 60 para as emendas ao passo que a revisão ao menos de acordo com a expressa previsão do art 3º do ADCT estaria sujeita a um procedimento bem menos rigoroso e simplificado c enquanto não há limitação no que tange ao número de emendas afora a impossibilidade de reapresentação do projeto no mesmo ano legislativo a revisão estava destinada pelo menos esta a tese aqui adotada a realizarse apenas uma vez transcorridos cinco anos da promulgação da Constituição art 3º do ADCT isto é depois de realizado o plebiscito sobre eventual alteração da forma monarquia ou república ou do sistema de governo presidencialismo ou parlamentarismo inicialmente previsto para setembro de 1993 mas posteriormente antecipado art 2º do ADCT d por derradeiro é de destacarse a amplitude da revisão destinada tão somente à finalidade de adaptar a Constituição ao resultado do plebiscito já que uma alteração na forma eou no sistema de governo vigente implicaria uma série de modificações de modo especial na parte relativa à organização do Estado e dos Poderes ao passo que as emendas podem ter por objeto qualquer alteração no texto constitucional desde que respeitem os limites materiais expressos e implícitos à reforma da Constituição 278 Embora as distinções elencadas decorram da própria arquitetura constitucional e correspondam ao teor literal dos respectivos dispositivos arts 60 da CF e 3º do ADCT o Congresso Nacional quando das discussões sobre a revisão constitucional mais precisamente entre 01031994 e 07061994 acabou optando por promulgar as assim designadas emendas constitucionais de revisão em número de seis O que há de ser destacado é que tais emendas que receberam inclusive uma designação e numeração distinta foram aprovadas pelo Congresso mediante observância dos mesmos limites formais e materiais previstos para as emendas e não pelo rito simplificado previsto no art 3º do ADCT o que resultou numa virtual equiparação dos institutos 279 Nesse contexto merece ser destacada a posição adotada pelo STF que muito embora a ausência de referência expressa no texto constitucional transitório sublinhou a necessidade de observância no âmbito das emendas de revisão dos limites materiais estabelecidos no art 60 4º da CF 280 Tudo isso contribui para que a prática da aprovação das assim chamadas emendas constitucionais de revisão fosse abandonada ainda em 1994 e não mais restabelecida o que apenas reforça a tese do caráter transitório e excepcional da figura da revisão constitucional subsistindo apenas a modalidade de reforma mediante emendas à constituição O que se percebe todavia é que várias das emendas constitucionais promulgadas desde então levaram a efeito alterações significativas do texto constitucional algumas resultando até mesmo em supressão alteração e acréscimo em dezenas no caso da EC 452004 que veiculou a reforma do Poder Judiciário mais de uma centena de dispositivos da Constituição foram afetados de artigos do texto originário alterando substancialmente capítulos e mesmo títulos inteiros da obra do constituinte de 1988 Assim considerando que as emendas constitucionais deveriam servir apenas para promover alterações mais ou menos pontuais do texto constitucional há quem diga que o Congresso Nacional acabou realizando verdadeiras revisões constitucionais valendose para tanto e de forma ilegítima do mecanismo das emendas 281 Outro tema polêmico é o que diz respeito à possibilidade de criação mediante emenda constitucional de uma nova modalidade de revisão inclusive para efeitos de supressão de conteúdos considerados pétreos portanto insuscetíveis de abolição pelo constituinte originário o que todavia será objeto de consideração logo mais adiante no contexto dos limites à reforma constitucional De qualquer modo fazse o registro de que uma revisão ampla e ilimitada da Constituição é no mínimo polêmica visto que aceitandose tal possibilidade estarseia em verdade autorizando como sustentava dentre outros Geraldo Ataliba a substituição da Constituição por uma nova para o que o legislador efetivamente não se encontra legitimado 282 574 Os limites da reforma constitucional 5741 Considerações gerais Também a controvérsia em torno dos limites à reforma da Constituição radica na distinção acima traçada entre o poder constituinte e o poder de reforma constitucional Com efeito sendo o poder reformador por definição um poder juridicamente limitado distinguindose pelo seu caráter derivado e condicionado sujeito portanto aos limites estabelecidos pelo próprio constituinte a identificação de quais são os limites à reforma constitucional e qual o seu sentido e alcance depende a despeito de uma série de elementos comuns e que correspondem consoante igualmente já se teve oportunidade de sinalar em maior ou menor medida à tradição já enraizada no âmbito do constitucionalismo contemporâneo do direito constitucional positivo de cada Estado visto que a opção poderá ser por um sistema mais ou menos complexo e diferenciado de limitações No caso do sistema constitucional brasileiro a previsão de limites à reforma constitucional se faz presente desde a Constituição Imperial de 1824 que ainda que enquadrada na categoria de uma constituição semirrígida estipulava um quórum qualificado para a alteração de algumas matérias específicas da Constituição designadamente a que se referia aos limites e atribuições dos poderes políticos assim como à garantia dos direitos individuais dos cidadãos art 178 da Constituição do Império A primeira Constituição republicana de 1891 além de limitações formais consagrava como elemento material imutável a forma republicano federativa ou a igualdade de representação dos Estados no Senado Federal art 90 4º A Constituição de 1934 dispunha como cláusulas de eternidade além da forma republicana e federativa de Estado a organização ou a competência dos poderes da soberania incluindo a coordenação dos poderes na organização federal a declaração de direitos e a autorização do Poder Legislativo para declarar estado de sítio além do próprio artigo que dispunha sobre a emenda e a revisão constitucional art 178 caput No que diz com os limites formais a iniciativa do projeto de emenda era reservada a pelo menos um quarto dos membros da Câmara ou do Senado Federal ou de mais da metade dos Estados manifestandose cada uma das unidades federativas pela maioria da respectiva assembleia A aprovação se dava pela maioria absoluta dos membros da Câmara dos Deputados e do Senado Federal em dois turnos de discussão A Constituição de 1946 manteve tanto o quórum qualificado para a alteração da Constituição como a impossibilidade de projeto de emenda tendente a abolir a Federação e a República art 217 6º A Carta de 1967 com redação amplamente reformada pela EC 11969 previa tão somente a república e a federação como limites materiais à reforma constitucional A Constituição Federal de 1988 por sua vez pode ser considerada pelo menos no contexto da evolução brasileira a que instituiu um leque de limites mais amplo e exigente especialmente no plano dos assim chamados limites materiais que serão objeto de exame mais detido logo adiante Com efeito além dos já referidos limites materiais convencionalmente designados de cláusulas pétreas existem os limites de ordem formal de caráter precipuamente procedimental bem como os limites circunstanciais e os chamados limites temporais Considerando que os limites formais possuem um caráter geral visto que se aplicam a toda e qualquer alteração de uma constituição rígida serão eles os primeiros a serem apresentados em detalhe 5742 Limites formais Na esfera dos limites formais que dizem respeito ao procedimento da reforma iniciativa deliberação aprovação etc a nossa Constituição optou por adotar um modelo relativamente severo enfatizando assim ainda mais o seu caráter rígido 283 Além de regras mais rigorosas sobre a iniciativa das emendas art 60 I a III cumpre destacar a necessidade de uma aprovação em dois turnos por maioria de 35 em ambas as Casas do Congresso art 60 2º impondose também a promulgação das emendas com a indicação de seu respectivo número de ordem art 60 3º sendo vedada ademais a reapresentação na mesma sessão legislativa de proposta de emenda nela rejeitada ou tida por prejudicada art 60 5º Tais regras limitativas da reforma da Constituição se referem em primeira linha à noção de constituição em sentido formal que dentre outros aspectos pode ser caracterizada justamente com base na nota de sua rigidez 284 Isso como é sabido não exclui a existência das assim denominadas mutações constitucionais informais isto é o desenvolvimento não escrito do direito constitucional no sentido material ao longo do tempo principalmente por meio da interpretação judicial legislativa e administrativa e do costume constitucional que também entre nós é reconhecido pela doutrina majoritária desde que se mantenha no âmbito dos limites traçados pelo possível sentido textual da Constituição que não pode ser extrapolado 285 temática que em que pese sua importância aqui não será objeto de maior desenvolvimento visto já ter sido enfrentada Até que ponto é possível sustentar também entre nós a proibição de emendas à Constituição que não façam expressa menção ao dispositivo constitucional modificado ou ampliado postulado da alteração textual é passível de discussão já que o constituinte de 1988 não previu norma semelhante à contida no art 79 I da Lei Fundamental da Alemanha de acordo com o qual a Lei Fundamental somente poderá ser modificada mediante uma lei que altere ou amplie expressamente o seu sentido literal dispositivo com o qual se objetivou a garantia da supremacia do direito constitucional formal já que o conteúdo do direito constitucional deve ser em primeira linha extraído do documento no qual foi positivado 286 Assim as emendas à Constituição que dela se afastam e que não alteram o texto constitucional deverão ser tidas como inconstitucionais ainda que elaboradas de acordo com o procedimento próprio e aprovadas pela maioria qualificada no caso da Alemanha de 23 prevista na Constituição de tal sorte que a alteração pura e simples do conteúdo da Constituição se encontra vedada 287 Com tal restrição de cunho formal os pais da Lei Fundamental de 1949 tiveram a intenção de evitar as graves consequências do sistema adotado sob a égide da Constituição de Weimar 1919 no qual alterações da Constituição sem a respectiva modificação de seu texto eram toleradas ainda que frontalmente colidentes com os dispositivos constitucionais desde que aprovadas pela maioria qualificada exigida para as reformas da Constituição 288 Entre nós ainda que a Constituição não contenha dispositivo similar é de se registrar no âmbito dos limites formais a necessidade de que a emenda seja promulgada pelas Mesas da Câmara e do Senado Federal com o respectivo número de ordem art 60 3º Quanto ao primeiro grupo dos limites formais no caso os limites relacionados à iniciativa da reforma constitucional os assim chamados limites formais subjetivos 289 que dizem respeito aos legitimados para impulsionar o processo as regras estabelecidas no art 60 I a III da CF não deixam em geral maior margem a dúvidas Com efeito dispõe o citado dispositivo que a Constituição só poderá ser emendada mediante proposta I de um terço no mínimo dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal II do Presidente da República e III de mais da metade das Assembleias Legislativas das unidades da Federação manifestandose cada uma delas pela maioria relativa de seus membros Todavia muito embora quanto aos três casos elencados não se verifiquem maiores problemas é possível controverter em torno do caráter taxativo ou apenas exemplificativo do elenco de atores aptos a encaminhar um projeto de emenda constitucional A hipótese mais discutida gira em torno da possibilidade de o povo por meio da iniciativa popular apresentar uma proposta de emenda à Constituição Posicionandose em sentido contrário situase a corrente majoritária que atrelada ao texto literal da Constituição não admite a possibilidade de estender a legitimidade popular legislativa relativamente à propositura de emendas constitucionais 290 Já para José Afonso da Silva a iniciativa popular para proposta de emenda constitucional pode ser reconhecida a partir de uma interpretação sistemática a partir da combinação do art 1º parágrafo único e dos arts 14 e 61 2º da CF articulada com normas gerais e princípios fundamentais da Constituição especialmente no que diz com o fundamento popular para a legitimidade do poder apesar de tal tipo de iniciativa popular estar disciplinado apenas em relação às leis ordinárias art 61 2º da CF 291 A argumentação favorável à propositura de projetos de emenda constitucional mediante iniciativa popular poderia encontrar reforço no fato de que os mecanismos de democracia direta inseridos no texto constitucional constituem também modos de invocar a manifestação do próprio titular do poder constituinte reforçando por conseguinte a própria legitimidade democrática do processo de emenda constitucional e por sua vez a legitimidade das alterações de conteúdo promovidas ainda mais que as emendas inclusive as eventualmente propostas mediante iniciativa popular segue submetida a um conjunto de limitações de ordem formal material e circunstancial De qualquer sorte reiterese tratase de tópico polêmico que aqui poderá apenas ser tangenciado No que tange aos limites formais de caráter objetivo estes abarcam os requisitos estabelecidos no art 60 2º 3º e 5º da CF Seguramente os limites mais importantes são os que dispõem sobre o processo de deliberação das emendas constitucionais no âmbito do Congresso Nacional Com efeito de acordo com o art 60 2º da CF a proposta de emenda constitucional será discutida e votada em cada casa do Congresso Nacional em dois turnos considerandose aprovada se obtiver em ambos três quintos dos votos dos respectivos membros Todavia muito embora a aparente clareza do texto constitucional existem alguns aspectos dignos de atenção e que de resto têm gerado alguma controvérsia doutrinária e mesmo jurisprudencial Uma primeira observação que deve ser feita prendese ao fato de que não se admite uma alternância entre as duas Casas do Congresso isto é se a emenda for apresentada na Câmara dos Deputados lá deve ser submetida a dois turnos de votação e somente em sendo aprovada por maioria de 35 dos respectivos membros da Câmara dos Deputados em cada turno de votação portanto a maioria qualificada deverá ser obtida em cada Casa em cada um dos dois turnos será remetida ao Senado para lá então ser submetida ao mesmo rito Outro ponto controvertido e que tem ocupado vez por outra o STF diz respeito a eventual fraude em relação ao procedimento acima relatado especialmente quando no âmbito de uma mesma Casa do Congresso ou mesmo quando da votação na outra Casa são inseridas alterações no texto original do projeto de emenda constitucional Nesse sentido para que o procedimento não seja eivado de inconstitucionalidade é necessário que em ocorrendo modificação do texto em uma das Casas Legislativas a proposta de emenda retorne à outra para votação Nada obstante o Supremo Tribunal Federal já decidiu no sentido de que apenas quando há alteração substancial do texto ou seja uma reforma que modifique o conteúdo da proposta o projeto deverá retornar à Casa de origem 292 Quanto ao disposto no art 60 3º da CF já referido em outro contexto cuidase novamente de regra bastante singela mas que agrega rigor ao processo de reforma constitucional permitindo de resto maior controle do fluxo das emendas além de assegurar maior independência do Congresso Nacional em relação ao Poder Executivo De acordo com a expressão literal do citado dispositivo a emenda à Constituição será promulgada pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal com o respectivo número de ordem A previsão de que a emenda será promulgada pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal indica desde logo que o Presidente da República não participa do ato visto que não dispõe nem da prerrogativa de sancionar as emendas constitucionais nem da possibilidade de opor o seu veto apenas sendo dotado da legitimidade ativa ou seja da possibilidade de apresentar um projeto de emenda constitucional Além disso a aprovação das emendas pelo Congresso Nacional ocorre apenas mediante sessão conjunta da Câmara dos Deputados e do Senado portanto por meio das Mesas de ambas as Casas e não da Mesa do Congresso Nacional Assim sendo percebese que os requisitos formais estabelecidos no art 60 I a III bem como nos 2º e 3º implicam uma legitimidade democrática reforçada e por outro lado uma maior autonomia do Poder Legislativo em relação ao chefe do Poder Executivo cuja capacidade de intervenção no processo legislativo é limitada em relação ao que ocorre no âmbito das demais formas legislativas onde não apenas há necessidade da sanção presidencial como existe a possibilidade de um veto por parte do Presidente da República aspectos que serão devidamente aprofundados na parte deste curso sobre o Poder Legislativo Para além dos limites formais procedimentais apresentados há que se registrar o fato de que a Constituição Federal não estabelece restrições nem no que tange ao número de emendas a serem editadas nem quanto ao prazo de sua elaboração o que deflui exatamente da ausência de um limite expressamente fixado quanto a tais aspectos Todavia de acordo com o disposto no art 60 5º da CF a matéria constante de proposta de emenda constitucional rejeitada ou havida ou tida como prejudicada não poderá ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa Assim considerando a dicção do art 60 5º da CF colocase o problema de saber se tal dispositivo prevê um limite de natureza temporal ou se tal limitação se enquadra na categoria dos limites formais Para José Afonso da Silva tal limitação ao poder de reforma se enquadraria no âmbito dos limites formais haja vista a não previsão de limites temporais na Constituição de 1988 293 Já Luís Roberto Barroso advoga que a norma contida no art 60 5º da CF constitui uma limitação temporal peremptória com o fito de racionalizar o processo legislativo 294 Independentemente de tal controvérsia que não nos parece deve ser superestimada o que importa fixar é que com tal expediente se buscou evitar um abuso quanto ao número de emendas constitucionais e reduzir a instabilidade gerada pela reapresentação sucessiva de emendas com o mesmo conteúdo Além disso importa recordar que a sessão legislativa não guarda coincidência com o ano do calendário 1º de janeiro a 31 de dezembro visto que a teor do art 57 da CF o Congresso Nacional estará reunido de regra ressalvadas convocações extraordinárias entre 2 de fevereiro e 17 de julho e entre 1º de agosto e 22 de dezembro de cada ano de tal sorte que o mês de janeiro integra o ano legislativo anterior Por derradeiro ainda no que concerne ao art 60 5º calha referir precedente do STF no âmbito do qual foi afirmada a existência de direito público subjetivo no sentido de não serem os congressistas obrigados a votar proposta de emenda constitucional que tiver violado o citado dispositivo 295 Por derradeiro de grande relevância especialmente no direito brasileiro visto que no direito comparado são poucas as experiências concretas de controle judicial de reformas constitucionais é a circunstância de que a desconsideração dos limites formais à reforma implica possibilidade de intervenção judicial registrandose inclusive alguns casos em que tal matéria foi submetida ao crivo do STF além de discutida na esfera doutrinária De fato o STF já se pronunciou diversas vezes afirmando a possibilidade de controle constitucional do processo de tramitação de emendas constitucionais não se tratando pura e simplesmente de procedimento regimental interno do Poder Legislativo 296 Além disso é preciso levar em conta que sem a possibilidade de controle jurisdicional no que diz com o cumprimento das exigências decorrentes dos limites à reforma tais limitações sejam elas de caráter formal sejam elas de natureza material ou circunstancial embora impostas pelo poder constituinte teriam sua relevância prática significativamente afetada 297 Tal controle jurisdicional como também dá conta a evolução da jurisprudência constitucional brasileira poderá a depender do caso ser pela via do controle concreto de regra incidental e difuso e pela via do controle abstrato portanto concentrado questões que serão objeto de exame mais detido no capítulo sobre o objeto do controle de constitucionalidade 5743 Limites circunstanciais Além de todo o complexo de limitações de ordem formal já apresentadas o constituinte de 1988 vedou a realização de emendas à Constituição durante intervenção federal nos Estados membros da Federação bem como na vigência dos estados de defesa ou de sítio art 60 1º o que se justifica principalmente pelo fato de que nestas situações anômalas caracterizadas por um maior ou menor grau de intranquilidade institucional poderia ficar perturbada a livre manifestação dos órgãos incumbidos da reforma e em decorrência a própria legitimidade das alterações 298 Exemplo típico dessa modalidade de limitação era o art 94 da Constituição francesa de 1946 proibindo qualquer espécie de revisão constitucional em caso de ocupação do território nacional influenciada inequivocamente pelo período histórico de ocupação nazista e da consequente instauração do governo colaboracionista de Vichy 299 Uma observação importante diz respeito à situação das emendas constitucionais em tramitação no Congresso Nacional quando da instauração de uma das situações referidas no art 60 1º da CF quais sejam a intervenção federal o estado de sítio ou o estado de defesa Da mesma forma há que indagar sobre a possibilidade de iniciar o processo legislativo isto é de encaminhar um projeto de emenda constitucional durante a vigência de uma das hipóteses e apenas postergar aguardando o término do estado de exceção constitucional a votação do projeto Há que considerar para tanto que a teor do art 60 1º da CF a Constituição não poderá ser emendada na vigência de intervenção federal de estado de defesa ou estado de sítio redação que não afasta pelo menos não expressamente a possibilidade de a iniciativa apresentação da proposta ocorrer na pendência das circunstâncias elencadas no referido dispositivo visto que este poderseá sustentar veda apenas que as emendas sejam aprovadas e promulgadas neste período mas não outros atos relacionados ao trâmite da emenda 300 Todavia em que pese tal linha argumentativa não esteja em conflito direto com o teor literal do art 60 1º da CF entendemos que a melhor alternativa é a que veda a realização de qualquer ato que envolva desde a iniciativa o processo legislativo reformador salvo quando já iniciado hipótese na qual a tramitação da emenda deverá ser imediatamente suspensa aguardandose o final do período de exceção Tal exegese salvo melhor juízo é a que mais se harmoniza com o maior nível de proteção da ordem constitucional e portanto da própria ordem democrática Ainda que boa parte da doutrina como já referido prefira incluir essas normas no grupo dos limites circunstanciais entendemos que seu enquadramento na categoria dos limites temporais não se revela incorreto já que estes tomados num sentido mais abrangente dizem com a fixação de prazos e oportunidades para a reforma 301 De qualquer modo parecenos que tal divergência não assume maior relevância prática de tal sorte que renunciamos desde já a um exame mais detalhado deste aspecto O que poderá sim assumir relevância teórica e prática é a discussão em torno da possibilidade de se reconhecer limites circunstanciais implícitos à reforma constitucional tópico que não tem sido desenvolvido na doutrina mas que se revela particularmente atual quando se examina o quadro de crise político institucional e econômica vivenciado tanto pelo Brasil quanto por outros Estados Em sintonia com o que já tivemos oportunidade de sugerir e discutir em ocasião anterior embora sem maior aprofundamento 302 é de no mínimo considerar que em casos de aguda crise políticoinstitucional marcada por expressiva instabilidade e desprestígio das instituições e crise de confiança nos atores estatais somada por vezes a uma crise econômica e pressão de atores econômicos poderosos emendas constitucionais de maior expressão notadamente que impliquem reformas que afetam setores inteiros da população impacto sobre direitos fundamentais ou mesmo ajustes importantes no desenho estrutural e organizatório do Estado não devem ser objeto de deliberação pelo Congresso Com efeito quadros dessa natureza por exemplo governo com baixíssimo índice de aprovação popular expressiva parte dos integrantes do Poder Legislativo e mesmo do Executivo investigados e processados criminalmente impeachment e chefia do Executivo exercida em caráter precário aguardando novas eleições 303 revelamse em regra mais gravosos que a figura da intervenção federal um dos limites circunstanciais enunciados no art 61 da CF pois esta poderá ocorrer em situações que não têm o condão de interferir e eventualmente perturbar processos de alteração da constituição como é o caso da intervenção em virtude da falta de cumprimento de decisões judiciais entre outras É claro e isso não se deixa de reconhecer que a tese da existência de limites circunstanciais implícitos não é fácil de agasalhar do ponto de vista jurídicoconstitucional pois ela mesma poderá ser impugnada por inibidora da deliberação democrática no caso de reformas constitucionais efetivamente necessárias Além disso correse sério risco de transferir ainda mais poder à Jurisdição Constitucional para definir em concreto quando se estará em face de um limite circunstancial implícito e qual o seu período de vigência Assim se a hipótese de se reconhecer em casos pontuais e excepcionais limites circunstanciais implícitos de fato é questionável embora atrativa quanto ao seu desiderato o mínimo que se pode esperar é uma postura de autocontenção self restraint por parte do Congresso Nacional no que diz com reformas substanciais da CF em períodos de notória crise de estabilidade e políticoinstitucional Pelo menos é de se apostar na utilização das figuras do Plebiscito ou do Referendo art 14 da CF garantias políticas fundamentais de participação direta do cidadão de modo que as reformas sejam submetidas ao crivo da cidadania e objeto de amplo debate na esfera pública muito embora também aqui as circunstâncias poderiam justificar a objeção do uso plebiscitário populista e oportunista de tais mecanismos participativos De outra parte se na pendência dos estados de exceção constitucional expressamente estabelecidos é inviável entre nós promover qualquer reforma constitucional na hipótese de se admitir limites circunstanciais implícitos faz sentido inclusive em homenagem ao primado da soberania popular que a depender do caso possam ser permitidas emendas pontuais absolutamente indispensáveis para resolver problemas de largo impacto em especial para a proteção de direitos e garantias fundamentais mas sempre em caráter temporário destinadas a perder a eficácia uma vez superado o período de exceção que as motivou eventualmente passíveis de chancela posterior observados os rigores limites formal e materiais legitimadores de uma emenda constitucional Para ilustrar a afirmação com exemplo extraído da prática política brasileira é possível invocar a EC 1062020 que instituiu um regime financeiro além de orçamentário e de contratações extraordinário limitando sua vigência ao tempo de manutenção do estado de calamidade pública decretado pelo Congresso Nacional Ainda assim a regra a ser observada deverá sempre ser a de interditar emendas constitucionais oportunistas e que coloquem em risco a ordem constitucional democrática o que exige ainda maior atenção em estados de instabilidade e anormalidade político institucionaleconômicosocial durante os quais o risco de aprovação de uma reforma da CF que não seria aprovada em condições de normalidade é real e mesmo elevado 304 De todo modo não se trata aqui de desenvolver uma posição conclusiva sobre o ponto que demandaria muito maior digressão e fundamentação mas de contribuir para a reflexão sobre o tema e sobre as possibilidades e os limites políticos e jurídicos de promover mudanças constitucionais significativas em determinadas circunstâncias não expressamente elencadas no rol do art 61 da CF 5744 O problema dos limites materiais as assim chamadas cláusulas pétreas 57441 Natureza e significado dos limites materiais Os assim chamados limites materiais à reforma da Constituição objetivam assegurar a permanência de determinados conteúdos da Constituição em virtude de sua relevância para a própria identidade da ordem constitucional conteúdos que na formulação de John Rawls constituem os elementos constitucionais essenciais 305 Nesse sentido já se observou que em virtude da ausência de uma fonte jurídicopositiva em suma de uma norma superior que lhe sirva de fundamento de validade a vedação de certas alterações da Constituição tem os seus olhos sempre voltados para o futuro já que o núcleo da Constituição atual de certa forma adquirindo permanência passa a ser vigente também no futuro 306 Nesse contexto e tomandose o sistema jurídico como uma rede hierarquizada de princípios e regras em cujo centro encontra se a Constituição verificase na esteira do magistério de Alexandre Pasqualini que todo sistema jurídico sem prejuízo de sua simultânea abertura material e estabilidade reclama um núcleo de constante fixidez cláusulas pétreas capaz de governar os rumos legislativos e hermenêuticos não apenas dos poderes constituídos mas da própria sociedade como um todo 307 A existência de limites materiais justificase portanto em face da necessidade de preservar as decisões fundamentais do constituinte evitando que uma reforma ampla e ilimitada possa desembocar na destruição da ordem constitucional de tal sorte que por detrás da previsão desses limites materiais se encontra a tensão dialética e dinâmica que caracteriza a relação entre a necessidade de preservação da Constituição e os reclamos no sentido de sua alteração 308 Em termos gerais o reconhecimento de limitações de cunho material significa que o conteúdo da Constituição não se encontra à disposição plena do legislador mesmo que este atue por meio de uma maioria qualificada sendo necessário por um lado que se impeça uma vinculação inexorável e definitiva das futuras gerações às concepções do constituinte ao mesmo tempo em que se garanta às constituições a realização de seus fins 309 Tal constatação aliás não representa nenhuma novidade e já era sustentada ao tempo do surgimento das primeiras constituições e das teorias a respeito do poder constituinte Com efeito nos Estados Unidos da América Thomas Jefferson e Thomas Paine pregavam a impossibilidade de os mortos poderem por intermédio da Constituição impor sua vontade aos vivos Na França o art 28 da efêmera mas mesmo assim paradigmática Constituição de 1793 estabelecia que um povo sempre tem o direito de revisar reformar e alterar sua Constituição Uma geração não pode submeter as gerações futuras às suas leis 310 Que dessas assertivas não há como deduzir que a Constituição possa ser suprimida pelas legislaturas ordinárias mesmo mediante o procedimento agravado da reforma nos parece elementar Com efeito de acordo com o magistério sempre atual de Konrad Hesse se é certo que uma ordem constitucional não pode continuar em vigor por meio da vedação de determinadas reformas caso ela já tenha perdido a sua força normativa também é verdade que ela não poderá alcançar as suas metas caso esteja à disposição plena dos poderes constituídos 311 Verificase portanto que o problema dos limites materiais à reforma constitucional passa inexoravelmente pelo equacionamento de duas variáveis quais sejam a permanência e a mudança da Constituição Com efeito se a imutabilidade da Constituição acarreta o risco de uma ruptura da ordem constitucional em virtude do inevitável aprofundamento do descompasso em relação à realidade social econômica política e cultural a garantia de certos conteúdos essenciais protege a Constituição contra os casuísmos da política e o absolutismo das maiorias mesmo qualificadas parlamentares Nesse contexto verificase que já estas sumárias considerações evidenciam o quanto o problema dos limites à reforma constitucional mais especialmente a questão da existência conteúdo e alcance eficácia dos assim designados limites materiais cláusulas pétreas guarda íntima conexão e implica uma forte tensão relativamente ao princípio democrático o que todavia aqui não será objeto de desenvolvimento mas nem por isso deixa de ser absolutamente relevante 312 Os limites à reforma constitucional de modo especial os de cunho material traçam neste sentido a distinção entre o desenvolvimento constitucional e a ruptura da ordem constitucional por métodos ilegítimos não tendo porém o condão de impedir mas de evitar a frustração da vontade da Constituição nem o de proibir o recurso à revolução podendo em todo caso retirarlhe à revolução a máscara da legalidade 313 Nesse contexto sustentase também no âmbito da doutrina brasileira que uma reforma constitucional não poderá jamais ameaçar a identidade e a continuidade da Constituição de tal sorte que a existência de limites materiais expressos exerce função de proteção obstaculizando não apenas a destruição da ordem constitucional mas além disso vedando também a reforma de seus elementos essenciais 314 A prova da íntima relação entre os limites materiais à reforma constitucional e a identidade 315 da Constituição reside no fato de que de regra os princípios fundamentais os direitos fundamentais bem como a forma de Estado e de governo se encontram sob o manto desta especial proteção contra sua alteração e esvaziamento por parte do poder constituinte reformador 316 o que também ocorre na Constituição Federal de 1988 317 De acordo com Gilmar Mendes o fato de o constituinte poder constituinte originário ter considerado certos conteúdos tão relevantes a ponto de colocálos sob a proteção das cláusulas pétreas leva à constatação de que justamente nestes dispositivos se encontram ancorados os elementos e princípios essenciais da ordem constitucional 318 Daí a razão de se distinguir entre limites expressos explícitos à reforma constitucional e limites implícitos ponto a ser examinado logo a seguir 57442 Espécies de limitações materiais ao poder de reforma a Limites explícitos expressos Quanto à abrangência do rol dos limites materiais explícitos art 60 4º da CF verificase como já ressaltado um avanço relativamente ao direito constitucional pátrio anterior já que significativo o número de princípios e decisões fundamentais protegidos princípio federativo democrático separação de poderes e direitos e garantias fundamentais Notese neste contexto a ausência de uma hierarquia predeterminada entre estes valores essenciais da nossa ordem constitucional o que não afasta a possibilidade de concorrências e colisões que à luz do caso concreto deverão ser solvidas mediante as regras aplicáveis nestas hipóteses buscandose sempre um equilíbrio entre os valores em pauta 319 Por outro lado a existência de limites materiais expressamente previstos na Constituição habitualmente denominados cláusulas pétreas ou garantias de eternidade não exclui por sua vez pelo menos não necessariamente outras limitações desta natureza que por não consagradas no texto constitucional costumam ser qualificadas como limites materiais implícitos não escritos tópico que pela sua relevância será objeto de exame em segmento distinto logo na sequência 320 Os limites materiais expressos no sentido daqueles dispositivos e conteúdos que por decisão expressamente inscrita no texto constitucional originário não podem ser objeto de supressão pelo poder de reforma correspondem como já frisado a uma decisão prévia e vinculante por parte do constituinte no sentido de demarcar a identidade constitucional estabelecendo em seu favor uma garantia de permanência enquanto viger a ordem constitucional No caso da Constituição Federal os limites materiais expressos foram enunciados no art 60 4º I a IV quais sejam a a forma federativa de Estado b o voto direto secreto universal e periódico c a separação de poderes d os direitos e garantias individuais A simples leitura dos incisos do art 60 4º da CF já revela que cada uma das cláusulas pétreas ainda que individualmente considerada diz respeito a um conjunto mais abrangente de dispositivos e normas da Constituição o que resulta ainda mais evidente quando se está em face de uma emenda constitucional concreta que ao alterar o texto da Constituição poderá afetar mesmo sem referência direta a uma das cláusulas pétreas algum ou alguns dos limites materiais Levando em conta que quanto ao seu conceito e conteúdo os conteúdos blindados por conta dos limites materiais já foram eou serão objeto de explicitação ao longo deste Curso o que aqui importa enfatizar é precisamente o fato de que os limites materiais protegem tomando como exemplo a forma federativa de Estado não apenas o dispositivo constitucional que enuncia a Federação art 1º da CF mas todo o complexo de dispositivos e normas correspondentes que dão à forma federativa de Estado os seus contornos nucleares Assim deixaremos aqui de adentrar no plano conceitual até mesmo pelo fato de os aspectos mais polêmicos serem tratados no plano da amplitude da proteção efetivamente assegurada por conta dos limites materiais aspecto a ser enfrentado logo adiante Antes todavia algumas notas sobre os limites materiais implícitos b Os assim chamados limites materiais implícitos Também no Brasil a doutrina majoritária reconhece a existência para além dos limites expressamente positivados na Constituição de limites materiais implícitos à reforma constitucional não se registrando contudo unanimidade a respeito de quais sejam exatamente estes limites 321 Nessa perspectiva Manoel Gonçalves Ferreira Filho refere as lições dos constitucionalistas norte americanos Joseph Story e Thomas Cooley ambos do século XIX salientando que o primeiro sustentava que a Federação não poderia ser abolida por meio de uma reforma constitucional ao passo que o segundo além de desenvolver esta mesma ideia advogava o ponto de vista de acordo com o qual o espírito da Constituição traçava certos limites implícitos às alterações da Constituição 322 A elaboração doutrinária dos limites implícitos costuma também ser reconduzida ao pensamento de Carl Schmitt já que este entendia ser desnecessária a declaração expressa da inalterabilidade de determinados princípios na medida em que a identidade da Constituição jamais poderia vir a ser destruída por uma reforma constitucional 323 Outro argumento em favor do reconhecimento dos limites implícitos é esgrimido por Gomes Canotilho que chama a atenção para o risco de as constituições especialmente as que não contêm limitações expressas cláusulas pétreas se transformarem em constituições provisórias verdadeiras constituições em branco à mercê da discricionariedade do poder reformador 324 Todavia se as razões em favor da existência de limites implícitos devem prevalecer também há que dar razão aos que sustentam que a construção de uma teoria dos limites implícitos à reforma constitucional apenas pode ser efetuada à luz de determinada ordem constitucional isto é do direito constitucional positivo no sentido de que as limitações implícitas deveriam ser deduzidas diretamente da constituição considerandose especialmente os princípios cuja abolição ou restrição poderia implicar a ruptura da própria ordem constitucional 325 Nesta perspectiva Karl Loewenstein que neste mesmo contexto prefere falar em limites tácitos ou imanentes destaca que nessas hipóteses a proibição da reforma decorre do espírito do telos da constituição independentemente de uma proclamação expressa 326 Por outro lado importa sublinhar pelo fato de serem diretamente extraídos de uma constituição concreta aos limites materiais implícitos pode ser atribuída a mesma força jurídica dos limites expressos razão pela qual asseguram à constituição ao menos em princípio o mesmo nível de proteção 327 Entre os limites implícitos que harmonizam com o direito constitucional positivo brasileiro há que destacar em primeiro plano a impossibilidade de procederse a uma reforma total ou pelo menos que tenha por objeto a supressão dos princípios fundamentais de nossa ordem constitucional 328 Aliás aplicandose efetivamente este princípio inalterabilidade da identidade da Constituição até mesmo a existência de limites expressos parece dispensável já que os princípios e direitos fundamentais assim como as decisões essenciais sobre a forma de Estado e de governo fatalmente não poderiam ser objeto de abolição ou esvaziamento Poderseá sustentar na esteira deste entendimento que os princípios fundamentais do Título I da nossa Constituição integram pelo menos em parte o elenco dos limites materiais implícitos ressaltandose todavia que boa parte deles já foi contemplada no rol das cláusulas pétreas do art 60 4º da CF Com efeito não se afigura razoável o entendimento de que a Federação e o princípio da separação dos poderes encontramse protegidos contra o poder reformador mas que o princípio da dignidade da pessoa humana não tenha sido subtraído à disposição do legislador Com efeito a inclusão do princípio da dignidade da pessoa humana no rol dos limites materiais à reforma constitucional não apenas constitui exigência de seu lugar privilegiado no âmbito dos princípios fundamentais e estruturantes do Estado Democrático de Direito mas também se justifica em virtude de sua relação com os direitos e garantias fundamentais aspecto que ainda será objeto de atenção adicional Também a tese amplamente aceita em favor da impossibilidade de supressão ou esvaziamento da forma republicana de governo e mesmo do sistema presidencialista é de ser levada a sério e merece acolhida de modo especial no que diz com a República Neste sentido argumentase que a partir da consulta popular efetuada em abril de 1993 a República e o Presidencialismo mas especialmente a primeira passaram a corresponder à vontade expressa e diretamente manifestada do titular do poder constituinte não se encontrando portanto à disposição do poder de reforma da Constituição 329 Ressaltese neste contexto que a decisão tomada pelo constituinte no sentido de não enquadrar estas decisões fundamentais no rol das cláusulas pétreas art 60 4º somada à previsão de um plebiscito sobre esta matéria autoriza a conclusão de que se pretendeu conscientemente deixar para o povo titular do poder constituinte esta opção 330 Já no que diz com os direitos e garantias fundamentais que atualmente constituem limite material expresso art 60 4º IV da CF não subsistem em princípio razões para continuar a considerálos pelo menos não em toda a sua extensão limites implícitos a exemplo do que ocorria no constitucionalismo pretérito 331 Isso não afasta todavia a controvérsia relativamente acirrada entre nós notadamente na esfera doutrinária em torno do fato de que todos os direitos fundamentais ou apenas uma parte desses direitos são limites materiais expressos ou mesmo implícitos à reforma destacandose aqui o problema dos direitos sociais que de acordo com parte da doutrina não comungam de tal condição não integrando nem os limites expressos direitos e garantias individuais nem podendo ser enquadrados na condição de limites implícitos Todavia para evitar repetições desnecessárias e considerando a relevância da controvérsia em termos teóricos e práticos o problema de até que ponto os direitos fundamentais constituem limites materiais à reforma constitucional será versado em apartado logo adiante c O problema da assim chamada dupla revisão ou dupla reforma constitucional Aspecto que assume relevo no âmbito dos assim denominados limites materiais implícitos diz com a possibilidade ou não de se alterarem e até mesmo de se eliminarem por meio de uma reforma constitucional as próprias disposições da Constituição que versam sobre a reforma especialmente mas não exclusivamente as que estabelecem os limites materiais Cuidase em suma daquilo que boa parte da doutrina convencionou denominar tese da dupla revisão e que Vital Moreira preferiu chamar de teoria da revisibilidade das cláusulas proibitivas de revisão 332 Como se pretende demonstrar ainda que de modo sumário a tese da assim chamada dupla revisão é nas palavras de Pedro de Vega tão engenhosa quanto insustentável 333 Com efeito a despeito de não se registrar um consenso a respeito verificase que ao menos no Brasil a doutrina majoritária se posiciona a favor do reconhecimento de um limite implícito imposto à competência reformadora impedindo alterações substanciais nas normas que estabelecem os limites à reforma de nossa Lei Fundamental 334 Os defensores desta concepção partem da premissa de que em sendo possibilitada a reforma dos limites expressos de modo especial no que diz com as cláusulas pétreas se acabaria por autorizar a realização pelo legislador de uma reforma global que por sua vez poderia conduzir a uma destruição da identidade da ordem constitucional razão pela qual há quem se pergunte até que ponto é possível ao legislador investido do poder de reformar a Constituição alterar ou abolir algo expressamente tido por intangível pelo constituinte 335 Para uma melhor compreensão da figura da dupla revisão é possível invocar o seguinte exemplo hipotético considerando que o voto secreto é expressamente protegido como limite material à reforma no art 60 4º II da CF poderseia imaginar a propositura de uma emenda constitucional que tivesse por objeto a exclusão do voto secreto do elenco das cláusulas pétreas Uma vez levada a efeito tal alteração mediante uma segunda emenda constitucional o voto secreto seria suprimido do texto constitucional já que não mais protegido na condição de limite material à reforma É precisamente por tal razão que a dupla revisão tem sido considerada também uma modalidade de fraude à Constituição e uma forma de permitir que a competência ou seja o poder de reforma altere os limites que expressamente lhe estabeleceu o constituinte O poder de reforma na condição de poder constituído não pode alterar as normas que definem os limites de sua competência sob pena de se guindar ilegitimamente à posição do poder constituinte ressalvadas evidentemente as hipóteses nas quais a Constituição autoriza expressamente a modificação eou supressão das cláusulas sobre os limites da reforma o que também se aplica aos limites formais e temporais circunstanciais em face do risco de uma flexibilização da rigidez constitucional 336 Além disso sustenta se que a imutabilidade das normas sobre os limites da reforma constitucional corresponde a uma exigência da lógica normativa no sentido de que não apenas os princípios erigidos expressamente à condição de limites materiais mas também as próprias cláusulas pétreas não podem ser objeto de alteração ou abolição de tal sorte que as cláusulas pétreas além de assegurarem a identidade da Constituição podem ser elas próprias consideradas parte integrante desta identidade 337 Ainda neste contexto cumpre destacar a lição de Gomes Canotilho para quem as normas de revisão pelo fato de atestarem a superioridade do Constituinte podem ser qua lificadas como normas superconstitucionais cuja violação acaba por situarse nos limites de uma ruptura constitucional 338 Para formular a questão de um modo mais drástico aceitar a tese da dupla revisão equivaleria a reconhecer que a própria Constituição caso admitisse a sua autossubversão estaria admitindo sua destruição portanto e de certo modo dando margem ao seu suicídio 339 Em que pese a doutrina majoritária ter adotado a tese da inalterabilidade ou pelo menos da impossibilidade de supressão ou esvaziamento das cláusulas sobre os limites da reforma constitucional não faltam argumentos em sentido contrário Com efeito já sob a égide da Constituição Federal houve até mesmo quem sustentasse a possibilidade de uma dupla revisão alteração das normas sobre os limites à reforma constitucional e posterior modificação ou abolição dos princípios originalmente protegidos argumentando que a Constituição de 1988 nada mais é do que uma reforma abrangente da Constituição de 19671969 já que elaborada pelo Congresso Nacional e não por uma Assembleia Nacional Constituinte autônoma e exclusiva 340 Este último argumento salvo melhor juízo não merece acolhida já que não leva em consideração o fato de que o Congresso Constituinte de 19871988 além de direta e livremente eleito para a elaboração ainda que não em caráter exclusivo de uma nova Constituição não esteve sujeito a outras pressões ou condicionamentos que não os inerentes ao amplo debate e discussão que caracterizaram o nosso processo constituinte 341 Embora a assim chamada dupla revisão esteja vedada à vista dos argumentos colacionados e de acordo com a doutrina dominante resta contudo a pertinente preocupação com a petrificação da ordem constitucional justificando a elaboração de propostas de cunho conciliatório sustentando que as cláusulas pétreas não podem ser compreendidas como limites absolutos à reforma da Constituição já que é necessário alcançarse certo equilíbrio entre a indispensável estabilidade constitucional e a necessária adaptabilidade da Constituição à realidade não sendo exigível que as gerações futuras fiquem eternamente vinculadas a determinados princípios e valores consagrados pelo constituinte em determinado momento histórico o que em outras palavras significaria chancelar os já referidos temores de Thomas Jefferson no sentido de que os mortos de certa forma possam impor sua vontade aos vivos 342 Nesse contexto houve quem se posicionasse a favor da revisibilidade das cláusulas sobre os limites à reforma constitucional desde que fosse viabilizada a participação direta do povo na condição de titular do poder constituinte no processo outorgando às reformas certo grau de legitimação 343 Todavia cremos que também esta alternativa é questionável isto sem falar na ausência de previsão expressa a respeito na nossa Constituição a despeito das sugestões formuladas por ocasião da discussão da revisão constitucional 344 Com efeito como bem lembra Vital Moreira também o argumento da soberania popular revelase falho já que num Estado Democrático de Direito a soberania popular é de fato soberania constitucional exercida exatamente nos termos da Constituição que justamente existe para regular o processo democrático e o próprio exercício da soberania popular 345 Além disso é preciso ter em conta que a necessária adaptabilidade da Constituição pode ser suficientemente assegurada por meio de uma adequada exegese do alcance das cláusulas pétreas o que por sua vez reconduz ao problema de qual efetivamente a proteção outorgada aos princípios e direitos fundamentais por elas abrangidos aspecto a ser analisado logo adiante Em síntese importa sublinhar que a assim designada dupla revisão encontrase vedada no Brasil no sentido de que o poder de reforma não pode a mediante alteração das regras sobre os limites formais e procedimentais afastar a rigidez constitucional dito de outro modo por meio de uma emenda à Constituição não se pode tornar o processo de alteração do texto constitucional igual ao processo de alteração da legislação ordinária e complementar b os limites materiais expressos no caso elencados nos incisos I a IV do art 60 4º da CF não poderão ser suprimidos no todo ou em parte c uma emenda constitucional não poderá permitir que a Constituição seja alterada na vigência das hipóteses ora previstas no art 60 1º da CF muito embora no que diz com esta última situação não se registre maior preocupação da doutrina que em geral ao cuidar da assim chamada dupla revisão concentrase no problema seguramente mais grave da superação dos limites materiais e na erosão da rigidez constitucional d a controvérsia em torno dos direitos fundamentais como limites materiais ao poder de reforma O fato de o art 60 4º IV da CF ter feito referência expressa aos direitos e garantias individuais deu ensejo a uma considerável controvérsia no seio da doutrina constitucional brasileira Com efeito discutese por exemplo se os direitos sociais foram ou não contemplados com a proteção inerente às cláusulas pétreas debate que abrange também os direitos dos trabalhadores Mas também outros direitos a depender da definição adotada de direitos e garantias individuais poderiam em tese ser excluídos por exemplo no campo da nacionalidade dos direitos políticos à exceção do direito de voto já coberto pelos limites materiais expressos ou mesmo dos direitos dispersos pelo texto constitucional ainda que nem todas as hipóteses de exclusão guardem relação direta com a expressão utilizada pelo constituinte quando da redação do citado dispositivo constitucional Por outro lado considerando o impacto da controvérsia em sede doutrinária a discussão no âmbito do STF não tem revelado a mesma intensidade não existindo posição conclusiva no sentido de uma doutrina sedimentada que possa ser referida muito embora salvo alguma controvérsia que pode ser extraída dos votos de alguns ministros 346 o que voltará a ser objeto de atenção logo adiante Antes de adentrarmos com maior ênfase no tema da abrangência das cláusulas pétreas em matéria de direitos fundamentais é possível registrar ao menos de acordo com a evolução doutrinária e jurisprudencial dominante no Brasil que em princípio não apenas os direitos fundamentais expressamente elencados no Título II da CF mas também os direitos dispersos pelo texto constitucional encontramse blindados em face do poder de reforma constitucional como dá conta o paradigmático julgamento proferido pelo STF quando da impugnação da constitucionalidade do art 2º da EC 31993 ocasião na qual além do reconhecimento de que as limitações ao poder de tributar estabelecidas no art 150 III da CF correspondem no plano subjetivo a direitos e garantias fundamentais do contribuinte também foi reconhecido que tais direitos e garantias não poderiam ser pura e simplesmente abolidos ou desconsiderados pelo poder reformador 347 A despeito da orientação noticiada que em princípio aponta para uma exegese extensiva do conceito de direitos e garantias fundamentais segue indispensável o enfrentamento de um problema que tem chamado ao debate segmentos expressivos da doutrina constitucional brasileira Já numa primeira aproximação resulta problemático saber se a noção de direitos e garantias individuais pode ser compreendida como equivalente à noção de direitos e garantias fundamentais de tal sorte que todos os direitos fundamentais estariam cobertos já no âmbito dos limites materiais expressamente fixados pelo constituinte ou se os demais direitos fundamentais que não se enquadram na noção de direitos individuais poderiam ser contemplados pela proteção reforçada das cláusulas pétreas na condição de limites materiais implícitos Além disso como já adiantado segue sendo necessário discutir se todos os direitos fundamentais seja por conta de uma compreensão elástica da noção de direitos individuais seja na condição de limites implícitos ou apenas uma parte integram o elenco dos limites materiais à reforma constitucional Desde logo tomandose como ponto de partida o enunciado literal do art 60 4º IV da CF poderseia afirmar e de fato há quem sustente tal ponto de vista que apenas os direitos e garantias individuais art 5º da CF se encontram incluídos no rol das cláusulas pétreas de nossa Constituição Tal exegese restritiva caso levada ao extremo implicaria a exclusão do rol de limites materiais não apenas dos direitos sociais mas também dos direitos de nacionalidade bem como de parte dos direitos políticos incluindo a liberdade de associação partidária à exceção todavia do direito dever do voto secreto universal e periódico art 60 4º II Aliás por uma questão de coerência nem mesmo os direitos coletivos de expressão coletiva constantes no rol do art 5º seriam merecedores desta proteção de tal sorte que já esta simples constatação indica que tal interpretação dificilmente poderá prevalecer Caso assim fosse os direitos essenciais de participação política art 14 a liberdade sindical art 8º e o direito de greve art 9º apenas para citar alguns exemplos encontrarseiam em condição inferior à dos demais direitos fundamentais não compartilhando o mesmo regime jurídico reforçado ao menos não na sua plenitude Neste contexto sustentouse que a expressão direitos e garantias individuais utilizada no art 60 4º IV da CF não se encontra reproduzida em nenhum outro dispositivo da Constituição razão pela qual mesmo com base numa interpretação literal não se poderiam confundir esses direitos individuais com os direitos individuais e coletivos do art 5º da CF 348 Para os que advogam uma interpretação restritiva do art 60 4º IV da CF abrese uma alternativa argumentativa Com efeito é possível sustentar que a expressão direitos e garantias individuais deve ser interpretada no sentido de que apenas os direitos fundamentais equiparáveis aos direitos individuais do art 5º sejam considerados cláusulas pétreas A viabilidade desta concepção esbarra na difícil tarefa de traçar as distinções entre os direitos individuais e os não individuais Caso considerássemos como individuais apenas os direitos fundamentais que se caracterizam por sua função defensiva especialmente os direitos de liberdade na acepção de direitos a não intervenção no seu âmbito de proteção teríamos de identificar nos outros capítulos do Título II os direitos e garantias passíveis de serem equiparados aos direitos de defesa de tal sorte que as liberdades sociais direitos sociais de caráter negativo como é o caso do direito de greve e da liberdade de associação sindical também se encontrariam ao abrigo das cláusulas pétreas Solução semelhante foi adotada no constitucionalismo português no qual há disposição expressa estabelecendo que os direitos análogos aos direitos liberdades e garantias se encontram sujeitos ao mesmo regime jurídico art 17 da CRP destacandose neste particular a sua condição de limites materiais ao poder de revisão da Constituição art 288 da CRP No Brasil à míngua de um regime jurídico diferenciado expressamente previsto na Constituição tal entendimento não poderá prevalecer já que não encontramos pelo menos esta a posição adotada justificativa sólida para uma distinção entre os direitos fundamentais no que diz com seu regime jurídico Todavia há quem sustente também no direito brasileiro que os direitos sociais não podem integrar as cláusulas pétreas da Constituição pelo fato de não poderem ao menos na condição de direitos a prestações ser equiparados aos direitos de liberdade do art 5º Além disso argumentase que se o constituinte efetivamente tivesse tido a intenção de gravar os direitos sociais com a cláusula da intangibilidade ele o teria feito ou nominando expressamente esta categoria de direitos no art 60 4º IV da CF ou referindose de forma genérica a todos os direitos e garantias fundamentais mas não apenas aos direitos e garantias individuais 349 Tal concepção e todas aquelas que lhe podem ser equiparadas esbarram contudo nos seguintes argumentos a a Constituição brasileira não contempla diferença substancial entre os direitos de liberdade defesa e os direitos sociais inclusive no que diz com eventual primazia dos primeiros sobre os segundos b os partidários de uma exegese restritiva em regra partem da premissa de que todos os direitos sociais podem ser conceituados como direitos a prestações estatais quando como já lembrado boa parte dos direitos sociais são no que diz com sua função precípua e estrutura jurídica equiparáveis aos direitos de defesa c além disso relembramos que uma interpretação que limita o alcance das cláusulas pétreas aos direitos fundamentais elencados no art 5º da CF acaba por excluir também os direitos de nacionalidade e os direitos políticos que igualmente não foram expressamente previstos no art 60 4º IV de nossa lei Fundamental 350 Todas estas considerações revelam que apenas por meio de uma interpretação sistemática se poderá encontrar uma resposta satisfatória no que concerne ao problema da abrangência do art 60 4º IV da CF Que uma exegese restritiva notadamente quando cingida à expressão literal do referido dispositivo constitucional não pode prevalecer parece ser evidente ainda mais quando consideradas as distorções já apontadas Como a inclusão dos direitos sociais e demais direitos fundamentais no rol das cláusulas pétreas pode ser justificada à luz do direito constitucional positivo é questão que merece análise um pouco mais detida Já no Preâmbulo da Constituição Federal encontramos referência expressa no sentido de que a garantia dos direitos individuais e sociais da igualdade e da justiça constitui objetivo permanente de nosso Estado Além disso não há como negligenciar o fato de que nossa Constituição consagra a ideia de que constituímos um Estado Democrático e Social de Direito o que transparece claramente em boa parte dos princípios fundamentais com destaque para os arts 1º I a III e 3º I III e IV Com base nestas breves considerações verificase desde já a íntima vinculação dos direitos fundamentais sociais com a concepção de Estado da nossa Constituição 351 Não resta portanto qualquer dúvida de que o princípio do Estado Social e os direitos fundamentais sociais integram os elementos essenciais isto é a identidade de nossa Constituição razão pela qual já se sustentou que os direitos sociais assim como os princípios fundamentais poderiam ser considerados mesmo não estando expressamente previstos no rol das cláusulas pétreas autênticos limites materiais implícitos à reforma constitucional 352 Poderseá argumentar ainda que a expressa previsão de um extenso rol de direitos sociais no título dos direitos fundamentais seria na verdade destituída de sentido caso o constituinte tivesse outorgado a tais direitos proteção diminuída transformandoos em direitos de segunda classe Além do exposto verificase que todos os direitos fundamentais consagrados na Constituição Federal mesmo os que não integram o Título II são em última análise direitos de titularidade individual ainda que alguns sejam de expressão coletiva e sem prejuízo de uma correlata dimensão transindividual mais ou menos relevante a depender do direito em causa É o indivíduo que tem assegurado o direito de voto assim como é o indivíduo que tem direito à saúde assistência social aposentadoria etc Até mesmo o direito a um meio ambiente saudável e equilibrado art 225 da CF em que pese seu habitual enquadramento entre os direitos da terceira dimensão pode ser reconduzido a uma dimensão individual pois mesmo um dano ambiental que venha a atingir um grupo dificilmente quantificável e delimitável de pessoas indivíduos gera um direito à reparação para cada prejudicado inclusive viabilizando execução individualizada ainda que no bojo de uma ação coletiva Ainda que não se queira compartilhar tal entendimento não há como negar que nesses casos de direitos coletivos propriamente ditos nos encontramos diante de uma situação de cunho notoriamente excepcional que em hipótese alguma afasta a regra geral da titularidade individual da absoluta maioria dos direitos fundamentais Os direitos e garantias individuais referidos no art 60 4º IV da nossa Lei Fundamental incluem portanto os direitos sociais e os direitos da nacionalidade e cidadania direitos políticos 353 Contestando essa linha argumentativa Gustavo Costa e Silva sustenta que a dualidade entre direitos individuais e sociais nada tem a ver com a titularidade remetendo em verdade à vinculação de uns e outros a diferentes estágios da formação do ethos do Estado constitucional no caso na circunstância de que os direitos individuais estão vinculados ao paradigma do Estado Liberal individualista e não ao Estado Social de cunho solidário 354 Todavia ainda que se reconheça a inteligência da crítica parecenos que a resposta já foi fornecida designadamente quando apontamos para o fato de que não é possível extrair da Constituição Federal um regime diferenciado no sentido de um regime jurídico próprio entre os direitos de liberdade direitos individuais e os direitos sociais mesmo que entre ambos os grupos de direitos especialmente entre a sua dimensão negativa e positiva existam diferenças no que diz com o seu objeto e função desempenhada na ordem jurídicoconstitucional Além disso o argumento da titularidade individual de todos os direitos como fundamento de uma compreensão ampliada das cláusulas pétreas tal como aqui sustentada é apenas mais um argumento entre outros Outro argumento utilizado pelos que advogam uma interpretação restritiva das cláusulas pétreas diz com a existência de diversas posições jurídicas constantes no Título II da CF que não são merecedoras do status peculiar aos verdadeiros direitos fundamentais razão pela qual há quem admita até mesmo a sua supressão por meio de uma emenda constitucional 355 Muito embora não de modo igual Oscar Vilhena Vieira prefere trilhar caminho similar ao sustentar em síntese que apenas as cláusulas superconstitucionais isto é os princípios e direitos fundamentais que constituem a reserva de justiça constitucional de um sistema encontramse imunes à supressão pelo poder reformador não advogando de tal sorte a exclusão prévia de qualquer direito ou princípio do elenco dos limites materiais mas admitindo que nem todos os direitos fundamentais sejam individuais ou não estão abrangidos 356 Argumentação similar tem sido adotada aliás por outros autores que têm produzido contribuições monográficas importantes sobre o tema no âmbito da doutrina nacional É o caso por exemplo de Rodrigo Brandão 357 e Luísa Cristina Pinto e Netto 358 que ressalvadas importantes distinções entre o enfoque das respectivas abordagens e embora não tenham adotado na sua integralidade a tese advogada por Oscar Vilhena Vieira privilegiam o que se poderia dizer de uma concepção intermediária e fortemente vinculada a uma concepção material de direitos fundamentais Com efeito ambos os autores ao sustentarem neste ponto com razão que a função dos limites materiais é a proteção da identidade constitucional e portanto do sistema dos direitos fundamentais e seu núcleo essencial como um todo proteção esta que em termos gerais abrange os direitos fundamentais sociais admitem todavia que direitos sociais assegurados por dispositivos constitucionais isolados podem ser eventualmente não apenas restringidos com o que se concorda já que em princípio direitos fundamentais são passíveis de restrição mesmo por lei ordinária e até em hipóteses onde não há sequer autorização constitucional expressa para tanto mas até suprimidos designadamente quando não guardam relação direta com a dignidade da pessoa humana e outros valores materialmente fundamentais como a igualdade a liberdade a democracia entre outros Em que pese o cunho sedutor de tal linha argumentativa tal tese apenas poderia prevalecer caso partíssemos da premissa de que existem direitos apenas formalmente fundamentais de modo que os últimos justamente por serem fundamentais em sentido meramente formal poderiam ser suprimidos mediante emenda constitucional o que não corresponde consoante já assinalado à concepção de acordo com a qual todos os direitos fundamentais são fundamentais tanto no sentido formal quanto no material tal como desenvolvido no capítulo da parte geral dos direitos fundamentais De qualquer modo é no mínimo necessário questionar a possibilidade de qualquer um dos poderes constituídos decidir qual direito é ou não formal e materialmente fundamental Tal decisão em última análise poderia importar em afronta à vontade do poder constituinte que salvo melhor juízo detém o privilégio de deliberar sobre tal matéria e que expressamente incluiu todas as categorias de direitos no Título II da Constituição Federal Além disso correrseia o sério risco de supressão de direitos autenticamente fundamentais inclusive de direitos previstos no art 5º da Constituição visto que com base em determinados critérios materiais substanciais sempre seria possível argumentar e sempre poderia ser formada uma maioria simpática a tal entendimento no STF que a propriedade intelectual não constitui direito fundamental em sentido material ou mesmo a função social da propriedade ou proteção do consumidor o que salvo melhor juízo já deveria desrecomendar a adoção desse ponto de vista Reforçando a argumentação aqui privilegiada é preciso levar em conta que a circunstância de que os limites materiais à reforma constitucional têm por função principal a preservação da identidade da ordem constitucional não se pode confundir com a noção de que cada direito fundamental expressa e implicitamente positivado tem o que se costuma designar de um núcleo essencial que embora não se confunda necessariamente com um conteúdo em dignidade da pessoa humana visto ser diferenciada a relação entre a dignidade e os direitos fundamentais encontrase necessariamente protegido contra uma afetação pelos poderes constituídos De outra parte cada direito fundamental por ser fundamental precisamente em função da opção neste sentido tomada pelo constituinte e não necessariamente ou mesmo exclusivamente pela sua vinculação direta com a dignidade da pessoa humana acaba portanto sendo parte integrante da identidade do sistema constitucional o que reiterase não impede ajustes e restrições mas impede a supressão de direitos fundamentais como tais consagrados pelo constituinte Assim muito embora a correta percepção tal qual advogada também por Luís Roberto Barroso de que o vínculo com a dignidade da pessoa humana é relevante para a determinação da fundamentalidade em sentido material e portanto também opera como argumento privilegiado para justificar a inclusão de direitos fundamentais não contemplados no art 5º da CF no elenco dos limites materiais à reforma 359 não se poderá exclusivamente por tal razão visto que por mais que pontifique entre os valores e princípios constitucionais a identidade material da Constituição e dos direitos fundamentais nela não se esgota negar a outros direitos fundamentais uma proteção privilegiada até mesmo pelo fato de com isso se estar por via oblíqua consagrando uma hierarquia entre direitos fundamentais que não foi salvo melhor juízo prevista pelo constituinte Além disso o argumento da dignidade da pessoa humana por mais relevante que seja e por mais que possa em grande parte dos casos ser manejado de forma adequada não afasta pelo contrário de certo modo potencializa os riscos de uma arbitrária e não menos perigosa manipulação da noção de fundamentalidade em sentido material para eventualmente justificar a supressão de determinados direitos do texto constitucional tal como aliás já registrado Tudo isso aponta para a circunstância de que os direitos fundamentais expressa eou implicitamente reconhecidos pelo constituinte de 1988 estejam situados no Título II ou em outras partes do texto constitucional constituem sempre limites materiais expressos ou implícitos à reforma constitucional 360 O argumento da titularidade individual de acordo com o qual todos os direitos fundamentais por serem sempre também individuais integram o elenco dos limites materiais à reforma constitucional não implica divergência substancial em relação aos que sustentam a tese de que os direitos sociais ou mesmo outros não constantes do art 5º da Constituição representam em verdade limites implícitos ao poder de reforma constitucional Convém recordar nesta quadra que os próprios direitos designados como individuais vinham sendo reconhecidos como cláusulas pétreas no sistema constitucional anterior onde não integravam tal como a república por exemplo na atual Constituição o elenco dos limites materiais expressos até mesmo pelo fato de prevalecer o entendimento de que não há diferença no que diz com a qualidade da proteção em ambos os casos é vedada uma supressão efetiva ou tendencial entre os bens constitucionais implícita e expressamente protegidos pelo manto das cláusulas pétreas Por certo não há como negar que uma interpretação restritiva das cláusulas pétreas tem por objetivo impedir uma petrificação de toda a Constituição o que não pode prevalecer diante de uma exegese sistemática que tenha sempre presente a necessidade de preservar os seus elementos essenciais insuscetíveis de supressão ou esvaziamento hipó teses que se equivalem pela atuação do poder de reforma constitucional 361 Constituindo os direitos sociais assim como os políticos valores basilares de um Estado Social e Democrático de Direito sua abolição acabaria por redundar na própria destruição da identidade da nossa ordem constitucional o que por evidente se encontra em flagrante contradição com a finalidade precípua das cláusulas pétreas Quanto ao risco de uma indesejável galvanização da Constituição é preciso considerar que apenas uma efetiva ou tendencial abolição das decisões fundamentais tomadas pelo constituinte está vedada ao poder de reforma constitucional não se vislumbrando portanto obstáculo significativo no que diz com sua eventual adaptação às exigências de um mundo em constante transformação Mas tal tópico vinculado ao problema da intensidade da proteção com base nas cláusulas pétreas será objeto de análise mais detida logo adiante d1 O problema dos direitos fundamentais inseridos mediante emenda constitucional Controvérsia digna de referência até mesmo pelos exemplos registrados no direito brasileiro gira em torno da possibilidade de enquadrar direitos fundamentais inseridos no texto constitucional via emenda constitucional portanto pelo poder de reforma e não pelo constituinte no rol das cláusulas pétreas Especialmente a recente evolução constitucional mostra que se cuida de problema de relevância teórica e prática dada a incorporação ao catálogo dos direitos fundamentais dos direitos sociais à moradia e à alimentação bem como do direito à razoável duração do processo judicial e administrativo Para expressivos setores da doutrina considerando que apenas o poder constituinte originário está em condições de limitar o poder de reforma constitucional na condição de competência reformadora e não o contrário mesmo quando se trata de direitos fundamentais tais direitos caso incorporados mediante emendas à Constituição não poderiam integrar os limites materiais à reforma pois se trata sempre de limites postos ainda que implicitamente pelo poder constituinte ressalvandose contudo as hipóteses nas quais o direito ainda que não previsto no texto constitucional de modo explícito já estava consagrado no sistema constitucional 362 O quanto tal linha argumentativa a despeito de sua força de fato inviabiliza uma equiparação também para efeitos de proteção contra reformas constitucionais entre direitos expressamente previstos pelo poder constituinte e direitos inseridos mediante reforma constitucional é no mínimo carente de maior reflexão Considerando que a abertura material do catálogo constitucional de direitos art 5º 2º da CF corresponde ela própria a uma decisão fundamental do constituinte além de igualmente protegida contra uma supressão por ação do poder reformador a inclusão de direitos originaria mente não previstos não poderia resultar salvo melhor juízo em proteção diminuída no sentido de que mediante apenas a observância dos requisitos formais o direito à moradia apenas para ilustrar pudesse ser pura e simplesmente suprimido do texto da Constituição De outra parte se admitida como de resto corresponde ao entendimento majoritário no Brasil a existência de limites implícitos ao poder de reforma constitucional a inserção de direitos fundamentais por via de emenda constitucional especialmente quando se trata de guindar à condição de direitos expressamente positivados direitos que já poderiam e mesmo já o vinham sendo ser considerados como implicitamente consagrados pela ordem constitucional não poderia por sua vez resultar em desprestígio a tais direitos no que diz com o seu regime jurídico constitucional em termos de proteção Aliás a expressa consagração apenas reforçaria e teria ainda a vantagem de bloquear entendimentos em sentido contrário ao reconhecimento de tais direitos o status de tais direitos como direitos fundamentais que mesmo sem expressa previsão já estavam implicitamente tutelados 363 À vista do exposto verificase que pelo menos nos exemplos colacionados moradia alimentação e razoável duração do processo manifesta está a umbilical ligação de tais direitos não apenas e isto já seria suficiente com a dignidade da pessoa humana mas também no que diz com a sintonia com o sistema internacional de direitos humanos para além de um crescente reconhecimento na esfera doutrinária e jurisprudencial Para complementar o elenco ainda que sumariamente exposto de razões em prol da condição de cláusulas pétreas importa enfatizar que a distinção entre direitos fundamentais originários e direitos criados por emenda constitucional acaba por consagrar uma no mínimo questionável divisão dos direitos em duas classes uma sujeita a um regime de proteção reforçado a outra disponível ao poder de reforma constitucional 364 d2 Direitos fundamentais consagrados em tratados internacionais integram os limites materiais à reforma Tópico que passou a ser mais discutido especialmente a partir da inserção mediante a EC 452004 do 3º no art 5º da CF diz com o fato de os direitos fundamentais sediados em tratados de direitos humanos ratificados pelo Brasil serem ou não cobertos pela proteção das cláusulas pétreas Muito embora se possa concordar com a tese que reconhece hierarquia constitucional a todos os tratados em matéria de direitos humanos regularmente incorporados ao direito interno seja antes seja depois da inserção do 3º no art 5º da CF já por força do disposto no art 5º 2º da CF que aqui não será objeto de análise mais detida o fato é que a controvérsia sobre serem tais tratados notadamente os direitos humanos e fundamentais neles consagrados objeto de proteção por conta dos limites materiais à reforma constitucional depende de outros fatores para um adequado equacionamento Em primeiro lugar há que considerar que enquanto não incorporados ao texto constitucional como é o caso dos tratados não aprovados mediante o rito qualificado estabelecido no art 5º 3º os direitos neles consagrados muito embora integrem a ordem jurídicoconstitucional interna não constituem direito constitucional em sentido formal já que consagrados de acordo com a tradição brasileira por decreto legislativo Assim quando muito e apenas para os que reconhecem a hierarquia constitucional como é o nosso caso é possível falar em direito constitucional material numa perspectiva ampliada de bloco de constitucionalidade A partir disso já se verifica uma primei ra dificuldade a ser levada a sério qual seja a de que a emenda e mesmo a revisão constitucional constitui mecanismo de mudança formal da Constituição ou seja implica sempre alteração do texto constitucional Formulado de outro modo isso quer dizer que a emenda constitucional não será instrumento próprio para uma alteração de tratado internacional Por outro lado se todavia o direito consagrado em nível internacional estiver também como ocorre na grande maioria dos casos embora não em todos previsto no texto constitucional no caso de reforma constitucional que venha a afetar suprimir ou restringir o direito incidirá a proteção decorrente da condição de cláusula pétrea mas não por força do direito internacional mas sim em virtude de se tratar de direito fundamental contemplado na Constituição formal Todavia como o entendimento dominante no STF é no sentido da hierarquia apenas supralegal dos tratados de direitos humanos eles pelo menos para o STF não integram a Constituição Mesmo nas hipóteses em que a aprovação do tratado se der em conformidade com o disposto no art 5º 3º da CF é preciso levar em conta que tal tratado será considerado equivalente a uma emenda constitucional embora de fato não o seja visto que também aqui não estará alterando diretamente o texto constitucional mas apenas agregandose à Constituição formal compreendida num sentido ampliado visto que a Constituição formal poderá ser veiculada por mais de um documento constitucional A circunstância de que um tratado seja aprovado pelo Congresso Nacional observado o rito do art 5º 3º da CF não significa que a aprovação tenha ocorrido por emenda constitucional como aliás dá conta o Dec Leg 1862008 que aprovou a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência Por outro lado se efetivamente aprovado por emenda constitucional e integrado à Constituição formal é possível admitir no plano do direito interno e de acordo com o ponto de vista adotado e já exposto mais acima a proteção com base na condição de cláusula pétrea Somase a isso o fato de os tratados estarem sujeitos de acordo com as regras do direito internacional público a uma denúncia por parte dos países pactuantes de tal sorte que pelo menos de acordo com importante argumento a não ser nos casos em que a possibilidade de denúncia fosse expressamente ressalvada quando da aprovação do tratado pelo Congresso Nacional não haveria como impedila nem mesmo com base na condição de cláusula pétrea dos direitos ou do direito consagrados no tratado internacional e incorporados ao direito interno 365 De qualquer sorte a despeito das observações precedentes há quem sustente que os direitos sediados em tratados de direitos humanos ratificados pelo Brasil são sempre beneficiários da proteção reforçada inerente às cláusulas pétreas não podendo ser suprimidos mediante reforma constitucional 366 As dificuldades apontadas acima contudo não desaparecem à vista de tal afirmação peremptória nem mesmo invocando o art 5º 2º como aliás já referido Uma linha argumentativa que todavia deve ser considerada é a de que no caso de o tratado vir a ser aprovado pelo rito do art 5º 3º da CF ele não mais poderia ser objeto de denúncia proteção que seria em sendo adotado tal entendimento similar àquela outorgada pelos limites materiais ao poder de reforma 367 Também aqui se trata de questão controversa que aguarda manifestação do STF e que também na esfera doutrinária segue discutida À vista do exposto verificase que uma proteção por via dos limites materiais à reforma constitucional esbarra em algumas perplexidades especialmente quando se trata de tratados não incorporados pelo rito do art 5º 3º da CF o que não significa que os direitos consagrados em tais tratados não possam ser protegidos em sintonia com a privilegiada posição dos direitos fundamentais na arquitetura constitucional A vedação de denúncia tal como sustentada por vários autores ou mesmo a aplicação à hipótese no que for cabível da lógica inerente ao assim denominado princípio da proibição de regressividade ou de retrocesso como conhecido no âmbito do direito internacional poderão ser formas entre outras de retirar aos poderes constituídos inclusive ao poder de reforma constitucional a possibilidade de livremente disporem sobre os direitos humanos e fundamentais consagrados nos tratados de direitos humanos já ratificados pelo Brasil e Alcance da proteção com base nas cláusulas pétreas proibição de abolição e de afetação do núcleo essencial mas não vedação de toda e qualquer restrição Voltandonos agora ao problema do alcance da proteção outorgada pelos limites materiais expressos e implícitos à reforma constitucional há que atentar desde logo para o fato de que o enunciado da norma contida no art 60 4º da nossa Constituição não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir deixa antever duas diretrizes a não apenas as alterações da Constituição que objetivam a supressão dos princípios guindados à condição de cláusula pétrea mas também as que revelam uma tendência à sua supressão se encontram vedadas b os projetos de emenda que atentam contra esses mandamentos não poderão sequer ser apreciados e votados pelo Congresso de tal sorte que mesmo antes de sua promulgação se viabiliza o controle jurisdicional de sua constitucionalidade 368 O que importa ressaltar à vista dos elementos normativos referidos é que também no direito constitucional brasileiro as cláusulas pétreas não implicam absoluta imutabilidade dos conteúdos por elas assegurados Por outro lado não é de fácil determinação o momento no qual determinada emenda à Constituição efetivamente tende a abolir o conteúdo protegido Tal aferição apenas poderá ocorrer à luz do caso concreto cotejandose o conteúdo da emenda com a decisão fundamental integrante do rol das cláusulas pétreas o que igualmente vale enfatizar se impõe na hipótese de incidir alguma limitação material implícita Além disso verificase que uma abolição efetiva para efeitos do controle da constitucionalidade da reforma pode ser equiparada a uma abolição tendencial já que ambas as hipóteses foram expressamente vedadas pelo constituinte A garantia de determinados conteúdos da Constituição por meio da previsão das assim denominadas cláusulas pétreas assume desde logo uma dúplice função visto que protege os conteúdos que compõem a identidade a essência da Constituição embora tal proteção tenha o condão apenas de assegurar esses conteúdos quanto aos seus elementos nucleares não excluindo desenvolvimentos ou modificações desde que preservem os princípios naqueles contidos 369 De acordo com a lição da doutrina majoritária as cláusulas pétreas de uma constituição não objetivam a proteção dos dispositivos constitucionais em si mas sim dos princípios e regras neles plasmados não podendo eles ser esvaziados por uma reforma constitucional 370 Nesse sentido é possível sustentar que as cláusulas pétreas contêm em regra uma proibição de ruptura de determinados princípios constitucionais 371 Mera modificação no enunciado do dispositivo não conduz portanto necessariamente a uma inconstitucionalidade desde que preservado o sentido do preceito e não afetada a essência do princípio objeto da proteção 372 De qualquer modo é possível comungar do entendimento de que a proteção imprimida pelas cláusulas pétreas não implica a absoluta intangibilidade do bem constitucional protegido 373 Na linha do exposto situase a lição de Flávio Novelli no sentido de que as cláusulas pétreas estando a serviço da proteção do cerne constitucional intangível Pontes de Miranda isto é do âmbito nuclear da estatalidade constitucional Klaus Stern repelem toda e qualquer emenda que intente a supressão ou a alteração substancial dos direitos fundamentais ou dos princípios fundamentais da Constituição incluídos no rol dos limites materiais à reforma da Constituição 374 Por núcleo essencial dos direitos e dos princípios fundamentais estruturantes poderão ser considerados de acordo com o entendimento de Klaus Stern recolhido por Flávio Novelli os elementos que constituem a própria substância os fundamentos os elementos ou componentes deles inseparáveis eles verdadeiramente inerentes por isso que integrantes de sua estrutura e do seu tipo conforme os define a Constituição isto é seus elementos essenciais e não meramente acidentais 375 Constatase portanto que não apenas uma emenda constitucional que efetivamente venha a abolir suprimir um direito fundamental mas também alguma que venha a atingilo de forma equivalente tendendo à abolição isto é ferindo o seu conteúdo essencial se encontra inequivocamente vedada pela nossa Constituição O núcleo do bem constitucional protegido é de acordo com este ponto de vista constituído pela essência do princípio ou direito não por seus elementos circunstanciais cuidandose neste sentido daqueles elementos que não podem ser suprimidos sem acarretar alteração substancial no seu conteúdo e estrutura 376 Nesse contexto afirmouse que a constatação de uma efetiva agressão ao núcleo essencial do princípio protegido depende de uma ponderação tópica mediante a qual se deverá verificar se a alteração constitucional afeta apenas aspectos ou posições marginais da norma ou se pelo contrário investe contra o próprio núcleo do prin cípio em questão 377 o que remete por sua vez à complexa e controversa relação entre a categoria do núcleo essencial e o princípio da proporcionalidade que todavia aqui não será explorada remetendose à parte geral dos direitos fundamentais capítulo sobre limites e restrições Assim em sintonia com tal entendimento e tomando como parâmetro o direito constitucional brasileiro o problema do alcance da proteção com base nas cláusulas pétreas pode ser perfeitamente ilustrado mediante recurso a alguns dos princípios integrantes do rol do art 60 4º de nossa Constituição Com efeito quando o constituinte incluiu a forma federativa de Estado e o correlato princípio federativo no elenco dos limites materiais à reforma art 60 4º I da CF tal proteção não se limitou ao art 1º da Constituição de acordo com o qual o Estado Federal brasileiro se compõe da união indissolúvel da União dos Estados do Distrito Federal e dos Municípios mas estendeuse a todos os elementos essenciais da Federação Levandose em conta que o princípio federativo se manifesta em diversos outros dispositivos da Constituição verificase que também estes se encontram ao abrigo da proteção das cláusulas pétreas 378 As normas versando sobre a distribuição de competência entre os diversos entes da Federação arts 21 a 24 da CF a autoorganização e autonomia dos Estados arts 25 a 28 da CF e dos Municípios arts 29 29A e 30 da CF constituem apenas alguns exemplos inequívocos no sentido de que também estas normas dada a sua particular relevância para a caracterização de uma efetiva Federação se encontram imunes à atuação erosiva de uma reforma constitucional Com efeito não restam dúvidas de que no caso da supressão da competência legislativa privativa dos Estados e Municípios o Estado Federal ficaria atingido em um de seus elementos essenciais Raciocínio semelhante pode ser aplicado ao princípio da separação dos poderes que igualmente se encontra ao abrigo das cláusulas pétreas art 60 4º III da CF Se a autonomia e a independência do Poder Judiciário vierem a ser restringidas de tal forma que fiquem virtualmente inoperantes poderseá sustentar uma inequívoca afronta ao princípio da separação dos poderes 379 Tal orientação pelo menos assim o revela a evolução mais recente encontrase afinada com a jurisprudência do nosso STF que em julgamento ocorrido no dia 08101980 mesmo tendo julgado improcedente a ação entendeu que a mera ampliação do mandato dos prefeitos por mais de dois anos não poderia ser considerada uma abolição nem mesmo tendencial da nossa República já que o postulado republicano da limitação temporal dos mandatos políticos ficou preservado de tal sorte que também aqui transparece a ideia de que o objeto da proteção e neste sentido da intangibilidade é o conteúdo essencial do direito princípio fundamental 380 No mesmo sentido já na vigência da Constituição Federal de 1988 o STF manifestandose sobre a constitucionalidade de emenda versando sobre a reforma previdenciária entendeu que a forma federativa de Estado elevada à condição de princípio intangível por todas as Constituições brasileiras não pode ser conceituada a partir de um modelo ideal de Federação mas sim daquele concretamente adotado pelo constituinte originário Além disso ainda de acordo com o STF as limitações materiais ao poder de reforma constitucional não significam uma intangibilidade literal mas apenas a proteção do núcleo essencial dos princípios e institutos cuja preservação é assegurada pelas cláusulas pétreas 381 Não foi outro aliás o entendimento vitorioso quando do julgamento do MS 23047MC publicado no DJ 14112003 relatado pelo Min Sepúlveda Pertence para quem as limitações materiais ao poder constituinte de reforma que o art 60 4º da Lei Fundamental enumera não significam a intangibilidade literal da respectiva disciplina na Constituição originária mas apenas a proteção do núcleo essencial dos princípios e institutos cuja preservação nelas se protegem Mais recentemente versando sobre o núcleo essencial do princípio da separação dos poderes calha referir a decisão do STF proferida na ADIn 5316DF relatada pelo Ministro Luiz Fux que declarou inconstitucional em parte a EC 882015 oriunda da assim chamada PEC da Bengala naquilo em que condicionava a permanência dos Ministros dos Tribunais Superiores após terem atingido os 70 anos segundo a referida emenda a aposentadoria compulsória passa a ocorrer aos 75 anos de idade a uma nova sabatina pelo Senado Federal No mesmo sentido embora não reconhecendo violação do núcleo essencial de conteúdos considerados pétreos calha colacionar as decisões prolatadas no MS 34518 j 28112016 rel Min Luiz Fux decisão monocrática e no julgamento da medida cautelar na ADIn 5296MCDF rel Min Rosa Weber de 18052016 No primeiro caso embora conhecido o Mandado de Segurança impetrado contra a tramitação da PEC 502016 que tinha por escopo acrescer um 7º ao art 225 da CF para assegurar a possibilidade de regulamentação legal de práticas desportivas e culturais como a assim chamada vaquejada e outras o Relator entendeu não ser o caso de conceder a medida liminar pleiteada entendendo não configurada flagrante violação de clásula superconstitucional aqui valemonos da terminologia usada pelo Relator que pudesse implicar a intervenção já nessa fase do Poder Judiciário no processo de deliberação legislativa 382 No segundo caso invocouse tanto ofensa a limites formais vício de iniciativa porquanto a EC 742013 que assegurou autonomia funcional e administrativa e de iniciativa de sua proposta orçamentária à Defensoria Pública deveria segundo os proponentes ter sido encaminhada pelo Poder Executivo quanto violação do princípio da separação dos poderes limite material estabelecido no art 60 4º III da CF As duas teses foram contudo rechaçadas pelo STF quando do julgamento da medida cautelar destacandose aqui o argumento relacionado com a extensão da proteção com base nas cláusulas pétreas Quanto a esse ponto entendeu o STF que o dispositivo referido art 60 4º III não impede ao poder de reforma constitucional ajustar e aprimorar o desenho institucional dos entes instituídos pela CF em especial pelo fato de a autonomia das Defensorias Públicas corresponder não apenas à motivação do constituinte quando de sua instituição e formatação mas também por se tratar de exigência de sua atuação funcional livre em favor do amplo acesso à Justiça e concretização dos direitos fundamentais Noutro caso digno de nota designadamente a ADI 5935DF rel Ministro Edson Fachin j em 22052020 entendeu o STF na esteira do voto do relator que a edição da EC n 982017 não implicou afronta ao núcleo essencial do princípio da isonomia ademais de não ter abolido nem de modo tendencial o princípio do concurso público criando apenas uma exceção temporária e prazo de validade definido Em 26 de fevereiro de 2021 o STF voltou a se pronunciar sobre a matéria no MS 37721DF rel Min Roberto Barroso Neste caso o que estava em causa era a tentativa de impugnação no curso do processo legislativo da PEC 032021 designada de PEC da impunidade porquanto tem por escopo a alteração do art 53 CF que versa sobre a imunidade prisão de parlamentares e outras medidas A liminar requerida foi negada pelo Relator argumentando aqui em apertada síntese que além de ser legítima a expectativa do aperfeiçoamento da proposta de emenda constitucional ao longo de sua tramitação no Congresso Nacional o Poder Judiciário somente poderá interferir em casos excepcionais e extremos visto que uma possível inconstitucionalidade poderá ser apenas aferida depois da aprovação da versão final da proposta Além disso o Relator destacou que eventual violação de cláusula pétrea no caso em análise a separação de poderes somente ocorrerá se invadido o núcleo essencial do princípio eou direito fundamental reforçando de tal sorte o entendimento consolidado do STF nesse sentido Para fechar o tópico importa colacionar um argumento adicional qual seja o de que não parece plausível extrair da Constituição uma proteção contra o poder de reforma constitucional que não está assegurada sequer em face do legislador ordinário Com efeito se um direito fundamental pode ser objeto de restrições por lei e mesmo com base em lei resulta difícil aceitar a tese de que o legislador reformador munido de maior legitimidade democrática à vista dos limites formais não possa mediante emenda à Constituição impor alguma restrição aos conteúdos protegidos Do contrário estarseia assegurando maior força à lei do que à própria emenda constitucional algo que definitivamente não parece estar consagrado pelo art 60 4º da CF tal como suficientemente demonstrado 58 A assim chamada mutação constitucional e suas formas de manifestação algumas aproximações 581 Considerações gerais conceito e modalidades de mutação constitucional A problemática da assim chamada mutação constitucional situase no âmbito mais alargado do fenômeno da mudança constitucional 383 pois ao lado das competências formais de alteração constitucional no âmbito da reforma constitucional existe a possibilidade de mudança do conteúdo e do alcance das normas constitucionais pela via informal isto é sem que seja alterado o texto da Constituição 384 Tal processo foi originalmente identificado pela doutrina alemã sob o rótulo de Verfassungswandlung especialmente por intermédio dos trabalhos desenvolvidos pelos publicistas Paul Laband 385 e Georg Jellinek 386 bem como mais adiante por Hsü DauLin 387 embora Jellinek tenha sido o primeiro a adotar o conceito em contraposição ao de reforma constitucional no âmbito mais amplo da mudança da e na constituição 388 O termo foi traduzido posteriormente no âmbito da literatura jurídica espanhola como mutación de la constitución por Manuel García Pelayo tendo sido amplamente acolhido na doutrina iberoamericana 389 A noção de mutação constitucional assim como a de reforma constitucional guarda relação com a concepção de que em determinado sentido uma constituição é um organismo vivo submetido à dinâmica da realidade social e que portanto não se esgota por meio de fórmulas fixas e predeterminadas 390 Consoante Hsü DauLin imprimindo um sentido ampliado à noção de mutação constitucional esta consiste na modificação do conteúdo das normas constitucionais sem alteração do texto constitucional em virtude da incongruência entre a constituição escrita e a realidade constitucional 391 Em sentido similar na acepção cunhada por Karl Loewenstein a mutação constitucional pode ser conceituada como uma transformação no âmbito da realidade da configuração do poder político da estrutura social ou do equilíbrio de interesses sem que tal atualização encontre previsão no texto constitucional que permanece intocado 392 Tendo em conta que a mutação constitucional diz respeito essencialmente ao hiato entre texto normativo e realidade mas também guarda conexão com a distinção entre texto e norma 393 e a mudança de sentido de uma norma jurídica é possível perceber que a mudança de sentido de uma norma jurídica não é um problema exclusivamente constitucional pois o déficit de sinergia de um texto normativo com a realidade fática que busca captar e regular não se revela apenas ao nível do direito constitucional tratandose pelo contrário de um problema científico do direito como um todo embora no caso da mutação constitucional tenha alcançado uma dimensão particularmente relevante e dotada de aspectos peculiares em função da especial posição hierárquica e função da constituição na ordem jurídica 394 Em virtude de a mutação constitucional guardar relação com a atualização e modificação da constituição em virtude do câmbio na esfera da realidade fática social econômica cultural etc ela diversamente da reforma constitucional não representa de regra um acontecimento pontual mas sim resulta de um processo mais ou menos longo por exemplo por força de uma prática interpretativa reiterada e sedimentada ao longo do tempo 395 A problemática da mutação constitucional por outro lado assume especial relevância no contexto das constituições rígidas ou seja as constituições cujo texto apenas pode ser modificado mediante processo de alteração mais agravado mais difícil e não pelo simples procedimento da legislação ordinária visto que com isso se abre maior espaço para o desenvolvimento do direito constitucional pela via da interpretação 396 Além disso a maior abertura e indeterminação em geral das disposições constitucionais do texto constitucional mas também o fato de a constituição reservar aos órgãos encarregados da concretização de seu projeto normativo uma relativamente ampla liberdade de ação contribuem para uma maior possibilidade de participação criativa dos órgãos jurisdicionais e de todos os que operam no plano da concretização da constituição Em monografia dedicada ao tema Anna Cândida da Cunha Ferraz distingue no âmbito mais amplo dos modos informais de mudança constitucional entre mutações constitucionais que não violam o texto constitucional e mutações inconstitucionais que implicam em violação da Constituição ainda que possam subsistir na prática 397 A existência de mutações inconstitucionais significa que as mutações constitucionais para serem consideradas legítimas devem respeitar determinados limites que por sua vez devem ser reconduzidos à própria constituição projetada pelo poder constituinte 398 A existência de mutações inconstitucionais assim como a existência de leis ou atos admi nistrativos que contrariam a constituição não significa que tais mutações que violam a ordem constitucional devam ser toleradas como juridicamente válidas razão pela qual devem ser refutadas pelos órgãos estatais competentes ainda que nem sempre seja possível conter os processos de mudança o que poderá resultar até mesmo a depender das circunstâncias na destruição da ordem constitucional por meio de uma revolução 399 582 Mecanismos modos de mutação constitucional Já no que diz com os modos ou mecanismos de manifestação das mutações constitucionais incluindo eventuais mutações inconstitucionais destacamse três modalidades a a mutação por meio da interpretação em especial mas não exclusivamente por meio da atuação dos órgãos jurisdicionais b a mutação mediante o costume c a mutação constitucional por obra da legislação infraconstitucional 400 Especialmente relevantes portanto são as mutações constitucionais pela via da interpretação que ocorrem sempre que se alteram o significado e o alcance do texto constitucional sem que se efetue qualquer alteração textual 401 Ao longo do tempo podem ser identificadas em diversas ordens constitucionais Exemplo habitualmente citado na doutrina é o famoso caso Marbury v Madison julgado pela Suprema Corte norteamericana em 1803 precedente que introduziu no sistema jurídico norteamericano o controle judicial de constitucionalidade das leis nada obstante a ausência de previsão normativa no texto da Constituição Ainda no âmbito da evolução constitucional norte americana Luís Roberto Barroso identifica dois momentos que atesta ram inequivocamente a ocorrência de uma mutação constitucional Tratase da jurisprudên cia formada a partir do chamado New Deal que rompeu com o paradigma constitucional em voga durante a Era Lochner 402 passando a admitir um conjunto de leis trabalhistas e sociais Outro exemplo significativo diz respeito à reconstrução do princípio da igualdade especialmente no campo da discriminação racial como ocorreu em 1954 com o caso Brown v Board of Education quando a Suprema Corte reviu o entendimento ratificado deste no final do século XIX no caso a assim chamada doutrina dos iguais mas separados Desde então tornouse inconstitucional a segregação racial entre negros e brancos em escolas públicas dos Estados Unidos Em ambos os casos assim também o afirma Luís Roberto Barroso ocorreu um câmbio do sentido outorgado a normas constitucionais sem que tivesse havido alteração do texto o que faz com que a mutação constitucional pela interpretação não possa ser confundida com o que se costuma designar de interpretação evolutiva ou interpretação construtiva pois a mutação constitucional implica alteração de sentido da norma em relação à compreensão anterior 403 No Brasil também podem ser encontrados exemplos de mutação constitucional pela via da interpretação judicial destacandose já sob a égide da atual Constituição Federal o sentido atribuído pelo STF ao dispositivo art 52 X da CF que determina a comunicação pelo STF de decisão que declarar a inconstitucionalidade de lei de modo que o Senado Federal suspenda no todo ou em parte os efeitos da norma No caso o STF passou a entender que o efeito da comunicação pelo STF é apenas o de dar publicidade à decisão pois a eficácia geral erga omnes da decisão já decorre do próprio sistema constitucional e da natureza da decisão do STF em matéria de controle de constitucionalidade ainda mais em face entre outros aspectos dignos de nota das alterações introduzidas pela EC 452004 e da legislação sobre ADIn ADC e ADPF alterando significativamente o perfil do sistema brasileiro de controle de constitucionalidade 404 Outro exemplo possível de ser enquadrado na categoria das mutações constitucionais pela via interpretativa pode ser vislumbrado no julgamento do STF sobre a exegese do dispositivo constitucional que trata da união estável entre homem e mulher que a despeito do texto foi estendido às uniões estáveis entre pessoas do mesmo sexo inclusive para efeitos de interpretação conforme à Constituição ao novo sentido atribuído ao texto constitucional do Código Civil 405 Além dos casos referidos outro exemplo é de ser mencionado Tratase do julgamento do HC 168052SP rel Min Gilmar Mendes j em 11062019 que concedeu liminarmente a ordem para anular as provas obtidas mediante acesso indevido ao aplicativo WhatsApp que havia sido apreendido sem prévia autorização judicial mas cujo teor mensagens trocadas acabou levando a autoridade policial a ingressar no domicílio do paciente onde foram encontradas drogas e armas De acordo com o relator a modificação das circunstâncias fáticas e jurídicas a promulgação de leis posteriores e o desenvolvimento das tecnologias da comunicação tráfego de dados e uso dos smartphones impõem solução diversa da que vinha sendo praticada pelo STF e patrocinada pela doutrina dominante qual seja a de não aplicarse a inviolabilidade das comunicações aos dados registrados Por tal razão entendeu o relator que se estaria com a alteração daquela orientação promovendo uma mutação constitucional pela via da interpretação Além da mutação por meio da interpretação a mudança informal como já referido poderá ocorrer por força de um costume constitucional que por sua vez constitui fonte de direito constitucional em sentido material No âmbito de uma constituição analítica e relativamente recente como é o caso da Constituição Federal o papel possível do costume constitucional é muito mais limitado do que em outras ordens constitucionais Além disso problemática é a possibilidade de reconhecimento de um costume contrário ao sentido literal da Constituição o que todavia há de ser analisado no item sobre os limites da mutação constitucional Em caráter meramente ilustrativo podem ser citados alguns exemplos possíveis de costume constitucional no Brasil como é o caso do reconhecimento da possibilidade de o chefe do Executivo negar aplicação à lei manifestamente inconstitucional ou a aprovação de projeto de lei mediante acordo entre as lideranças partidárias no Congresso 406 Também mudanças processadas ao nível da legislação infraconstitucional podem levar a uma mutação constitucional mas apenas quando a medida legislativa implicar alteração da compreensão do sentido e aplicação de norma constitucional sem alteração do texto da constituição 407 de tal sorte que aqui se poderá mesmo falar em certo sentido em uma espécie de interpretação da constituição conforme à lei pois ao regular as situações da vida o legislador poderá estar como primeiro intérprete influindo no próprio sentido da norma constitucional por ele regulamentada especialmente quando a nova interpretação legislativa encontrar ressonância no meio dos juízes e for chancelada pelo Poder Judiciário De qualquer sorte é controverso até que ponto a legislação infraconstitucional é o mecanismo propriamente dito da mutação ou o fator que impulsiona a mudança informal da constituição por parte do intérprete ou seja mediante a ação dos órgãos do Poder Judiciário incumbidos da guarda da constituição Além disso considerando a distinção entre poder constituinte e constituído e a hierarquia das fontes problemática é a própria noção de uma mutação constitucional legislativa que inclusive pode até mesmo soar como contraditória De qualquer sorte cuidase de tópico altamente polêmico e que aqui não será objeto de maior desenvolvimento 408 583 Limites da mutação constitucional o problema das mutações inconstitucionais A mutação constitucional poderá eventualmente ocorrer de modo a violar o sentido literal da constituição escrita ou seja tanto pela interpretação judicial quanto pela atuação do legislador infraconstitucional e por meio de um costume ou prática por parte dos Poderes constituídos é possível nesse sentido falar em uma mutação inconstitucional A despeito de tais mudanças serem inconstitucionais por ofensa à constituição escrita cuja supremacia formal e material há de ser assegurada o fato é que na prática mudanças manifestamente inconstitucionais pelo menos no sentido reiterese de violação da constituição escrita podem ainda assim prevalecer seja pela falta de controle especialmente no âmbito do controle de constitucionalidade de tais mudanças seja pelo fato de tal controle ser mesmo inviável em algumas hipóteses 409 Especialmente quando se trata de mutação por via da interpretação judicial verificase que os limites da interpretação são em certo sentido também limites da própria mutação visto que como poder constituído embora a atribuição para interpretar e aplicar de forma vinculante o direito constitucional o Poder Judiciário não está autorizado o que não significa que isso não possa vir a ocorrer na prática a julgar contra disposição constitucional expressa ou seja a mutação não pode justificar alterações que contrariem o texto constitucional devendo respeitar as possibilidades interpretativas que decorrem e encontram seu limite nesse mesmo texto constitucional 410 Valendonos da lição de Konrad Hesse embora haja possibilidade de uma mutação constitucional pela interpretação a quebra da ordem constitucional encontrase vedada pois onde o intérprete se coloca acima da constituição não se trata mais de interpretação mas sim de alteração ou mesmo violação da constituição 411 Por outro lado como destaca Gomes Canotilho as mutações constitucionais devem ser consideradas admissíveis quando não se pretenda simplesmente constitucionalizar fatos de modo a ensejar uma leitura contrária ao próprio texto constitucional o que ao fim e ao cabo acabaria por representar uma leitura constitucional de baixo para cima corrosiva até mesmo da força normativa da constituição 412 O quanto tais diretrizes que buscam conciliar a mudança portanto uma possível e mesmo desejável interpretação evolutiva com a necessária estabilidade da constituição e o respeito aos seus limites textuais têm sido observadas na prática da jurisprudência constitucional com destaque para a atuação do STF é difícil de responder e o tópico tem sido objeto de acirrado debate em virtude de algumas decisões de grande importância e repercussão Bastaria referir aqui o caso ainda pendente de julgamento final da superação por seu caráter obsoleto tese defendida por exemplo pelos Ministros Gilmar Ferreira Mendes e Eros Roberto Grau da necessidade de o STF comunicar o teor da decisão que declarar a inconstitucionalidade de lei ao Senado Federal que nos termos do formalmente ainda em vigor art 52 X da CF poderá suspender a execução no todo ou em parte de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal mediante o argumento de que a única interpretação afinada com o atual modelo de controle de constitucionalidade especialmente desde a previsão do efeito vinculante em matéria de ADIn ADC e ADPF seria a de que a comunicação ao Senado teria apenas o sentido de viabilizar a publicação portanto dar ciência da decisão pela inconstitucionalidade mas sem qualquer efeito adicional Não é preciso maior esforço para perceber que embora as razões esgrimidas esbarrem em argumentos contrários já pelo fato de o dispositivo constitucional indicar que o Senado poderá e não deverá suspender e ainda por cima o poderá fazer em caráter parcial a execução da lei entre outras razões que aqui se poderiam esgrimir 413 Outra decisão esta sim amplamente aplaudida especialmente no que diz com seu desiderato diz com a extensão pelo STF da proteção com base no instituto da união estável às uniões homoafetivas muito embora a expressa previsão no texto constitucional de que somente será considerada para efeitos da proteção estatal a união entre o homem e a mulher art 226 3º da CF cujo sentido foi relido pelo STF para num segundo passo considerar em desconformidade com o texto em verdade o sentido atribuído a um texto que expressamente assegura algo distinto no caso a união entre homens e mulheres uma fórmula prevista na legislação ordinária Código Civil que em si apenas reproduziu o texto constitucional 414 Sem querer polemizar sobre a bondade evidente da causa agasalhada pelo STF pois dificilmente alguém poderá na atual quadra negar a necessidade de assegurar a livre orientação sexual e de promover a igualdade e coibir a discriminação também nessa seara não se poderá por outro lado desconsiderar pura e simplesmente as razões daqueles que preocupados com os efeitos colaterais da metódica adotada pela nossa Corte constitucional que em face da ausência de ajuste legislativo no caso uma emenda constitucional seria o meio mais legítimo para corrigir o anacronismo do texto original da Constituição Federal estaria dentre outros argumentos relevantes usurpando função que não lhe é própria 415 Apoiando a tese de que nesse caso teria havido uma legítima mutação constitucional Claudio Pereira de Souza Neto e Daniel Sarmento aduzem que não teria havido violação do texto constitucional pois embora o art 226 3º da CF mencione união estável entre homem e mulher não veda expressamente que a união entre pessoas do mesmo sexo seja reconhecida como equivalente em termos de proteção jurídica recorrendose para tanto a uma interpretação extensiva em sintonia com os princípios fundamentais dignidade igualdade etc da própria Constituição Federal 416 Outro tema de alta repercussão e caráter polêmico é o da possibilidade ou não da execução provisória da pena depois de ocorrido o julgamento condenatório em sede do Segundo Grau de Jurisdição mesmo antes do trânsito em julgado Aqui o STF depois de ter vedado tal possibilidade quando do julgamento do HC 84078MG 2009 alterou o seu entendimento passando a admitir no âmbito do controle abstrato de constitucionalidade a execução provisória da sentença condenatória por apertada maioria de votos Notese que no tocante ao presente ponto e de acordo com o voto do Ministro Roberto Barroso no HC 152752 Relator Ministro Edson Fachin julgado em 04042018 cuidase de autêntica hipótese de mutação constitucional relativamente ao disposto no artigo 5º LVII CF que segundo ele justifica a mudança de entendimento em prol da execução provisória da pena em virtude da alteração da interpretação do princípio da presunção de inocência pelo STF Para o Ministro Roberto Barroso a assim chamada mutação constitucional pode ocorrer em três hipóteses a mudança relevante da realidade social b mudança na compreensão do Direito e c ocorrência de impactos negativos decorrentes de determinada interpretação Nesse contexto ainda nos termos do voto do Ministro Roberto Barroso a decisão tomada pelo STF em 2009 acima referida que vedou a execução da pena privativa de liberdade antes do trânsito em julgado da sentença condenatória produziu três impactos negativos a incentivo à interposição de recursos de caráter procrastinatório b aumento da seletividade do sistema punitivo brasileiro que atinge na massiva maioria dos casos apenas as camadas mais pobres da população e c descrédito do sistema de Justiça penal junto à sociedade À vista de tais implicações a interpretação anteriormente praticada carece de modificação sem que com isso reste afetado o teor literal da CF A orientação do STF sobre o tema da assim chamada execução provisória da pena contudo foi objeto de ulteriores ajustes e acabou sendo em grande medida revertida novamente por uma maioria muito enxuta Com efeito em 2019 no julgamento das Ações Diretas de Constitucionalidade 43 44 e 53 onde se discutiu a constitucionalidade do art 283 do CPP todas relatadas pelo Ministro Marco Aurélio o STF por apertada maioria 6 x 5 votos modificando o seu entendimento voltou a considerar vedada a assim chamada execução provisória da pena antes do trânsito em julgado da decisão condenatória de tal sorte que o recolhimento do réu mesmo condenado já em Segunda Instância à prisão antes desse momento somente poderá ocorrer quando presentes os requisitos que autorizam o decreto da prisão preventiva art 312 CPP Tendo em conta os exemplos referidos extraídos da jurisprudência do STF percebese que o instituto da mutação constitucional pela via interpretativa tem sido manejado ora para ampliar o elenco de direitos fundamentais ora para lhes impor restrições Além disso o quanto nos casos colacionados se verifica uma autêntica mutação e em que medida essa não esbarra nos seus limites designadamente a vedação da mutação inconstitucional por ofensa ao sentido mínimo do texto constitucional resulta par ticularmente controverso e demanda maior reflexão do que aqui se poderá levar a efeito 6 Eficácia e aplicabilidade das normas constitucionais Ingo Wolfgang Sarlet 61 Alguns aspectos terminológicos e conceituais Os termos eficácia aplicabilidade e efetividade englobam múltiplos aspectos constituindo além disso ponto nevrálgico para a teoria do direito e para o direito constitucional em especial pois o que está em causa é mesmo o problema da força jurídica das normas constitucionais que por sua vez possuem uma normatividade qualificada pela supremacia da constituição no âmbito da ordem jurídica de um Estado Constitucional Antes de avançarmos porém tornase imperiosa certa uniformização nas searas terminológica e conceitual visto que também neste plano não se registra consenso Desde logo é possível afirmar que a doutrina brasileira tem distinguido as noções de vigência e eficácia situandoas em planos diferenciados Mesmo aqui contudo as opiniões nem sempre são coincidentes Tomandose por exemplo a conhecida lição de José Afonso da Silva a vigência consiste na qualidade da norma que a faz existir juridicamente após regular promulgação e publicação tornandoa de observância obrigatória de tal sorte que a vigência constitui verdadeiro pressuposto da eficácia na medida em que apenas a norma vigente pode vir a ser eficaz 419 Para Luís Roberto Barroso por sua vez há que se partir da distinção entre existência compreendida como a presença dos elementos constitutivos do ato normativo quais sejam agente forma e objeto que configuram seus pressupostos materiais de incidência e validade sendo esta última definida como a conformação do ato normativo aos requisitos estabelecidos pelo ordenamento jurídico no que concerne à competência adequação da forma bem como à licitude e possibilidade de seu objeto noção esta que segundo sustenta o autor referido não se confunde com a vigência de uma norma que se traduz na sua existência jurídica e aplicabilidade 420 Não sendo o caso dada a natureza da obra de aqui aprofundar o tema optamos por identificar a noção de existência da norma com a de sua vigência ressaltando todavia que a vigência necessariamente não se confunde com a validade conformidade com os requisitos estabelecidos pelo ordenamento no que concerne à produção da norma já que independentemente de sua validade a norma pode ter entrado em vigor e neste sentido ter integrado a ordem jurídica ter existido especialmente se considerarmos que mesmo no caso de uma superveniente declaração de inconstitucionalidade nem sempre daí resulta uma pronúncia de nulidade isso sem falar na controvérsia a respeito do fato de a declaração de inconstitucionalidade operar no plano da validade ou da existência da norma infraconstitucional aspectos que serão objeto de detalhado enfrentamento na parte reservada ao controle de constitucionalidade Aspecto a respeito do qual se verifica certo consenso pelo menos na doutrina brasileira diz com a distinção entre a vigência existência eou validade e a eficácia seja qual for o sentido que a esta última se vá atribuir de modo que cabe agora clarificar o sentido atribuído às noções de eficácia e de aplicabilidade De acordo com a concepção de José Afonso da Silva nada obstante a íntima conexão entre ambos os conceitos há que distinguir entre a eficácia social da norma sua aplicação no plano dos fatos e a sua eficácia jurídica Com efeito de acordo com as palavras de José Afonso da Silva aqui reproduzidas a eficácia jurídica designa a qualidade de produzir em maior ou menor grau efeitos jurídicos ao regular desde logo as situações relações e comportamentos nela indicados nesse sentido a eficácia diz respeito à aplicabilidade exigibilidade ou executoriedade da norma como possibilidade de sua apli cação jurídica Possibilidade e não efetividade 421 Constatase portanto que de acordo com esta concepção a eficácia social se confunde com o fenômeno que para muitos é designado como o da efetividade da norma De acordo com o que leciona Luís Roberto Barroso a efetividade aqui compreendida como equivalente à noção de eficácia social adotada por José Afonso da Silva significa a realização do direito o desempenho concreto de sua função social no sentido da materialização no mundo dos fatos dos preceitos normativos e representando a aproximação entre o programa normativo e o ser da realidade social 422 Para esta mesma corrente doutrinária não há como dissociar por outro lado a noção de eficácia jurídica da correlata noção de aplicabilidade das normas jurídicas na medida em que a eficácia jurídica consiste justamente na possibilidade de aplicação da norma aos casos concretos com a consequente geração dos efeitos jurídicos que lhe são inerentes Como leciona José Afonso da Silva eficácia e aplicabilidade são fenômenos conexos aspectos talvez do mesmo fenômeno encarados por prismas diferentes aquela como potencialidade esta como realizabilidade praticidade Se a norma não dispõe de todos os requisitos para sua aplicação aos casos concretos faltalhe eficácia não dispõe de aplicabilidade Esta se revela assim como a possibilidade de aplicação Para que haja esta possibilidade a norma há que ser capaz de produzir efeitos jurídicos 423 Em sentido próximo aderindo à distinção entre eficácia e aplicabilidade registrase a posição de Virgílio Afonso da Silva advogando que embora haja uma conexidade evidente entre ambos os conceitos não se trata de uma relação de pressuposição visto ser possível que uma norma dotada de eficácia não tenha aplicabilidade especialmente em função de a aptidão para a produção de efeitos ser algo definido em plano diverso do qual se discute o problema da aplicação Mais adiante o autor agrega que a aplicabilidade ao contrário da eficácia é um conceito que envolve uma dimensão fática pois guarda relação com a conexão entre a norma jurídica de um lado e fatos atos e posições jurídicas de outro 424 de tal sorte que mediante tal linha argumentativa e a despeito de reconhecer a distinção acaba por se afastar da posição advogada por José Afonso da Silva Sem que se pretenda aqui aprofundar a discussão optamos por aderir no que parecem estar de acordo entre si José Afonso da Silva e Virgílio Afonso da Silva à distinção entre eficácia e aplicabilidade embora o façamos de um modo mais afinado com a justificação habitual portanto privilegiando neste particular a linha argumentativa de José Afonso da Silva já sumariamente apresentada Com efeito partimos da premissa de que eficácia e aplicabilidade são noções conexas como em simplificada comparação as duas faces de uma mesma moeda não sendo possível falar de norma eficaz e destituída de aplicabilidade o que não quer dizer que em sendo aplicável a norma venha a ser aplicada ou mesmo que com isso esteja resolvida a forma como se dará a aplicação se direta ou indireta De tal sorte quando se fizer referência ao termo eficácia jurídica ou simplesmente eficácia estarseá abrangendo a noção de aplicabilidade visto que esta se trata de categoria indissociável de acordo com a compreensão adotada da eficácia ainda que não exista uma identidade entre ambas as noções Mais próximos talvez de José Afonso da Silva quanto a este aspecto consideramos que uma norma eficaz é sempre aplicável mas poderá não ser aplicada portanto poderá não alcançar eficácia social ou efetividade o que já nos remete a outra distinção cada vez mais polemizada Ainda que as considerações tecidas correspondam ao que se pode ainda denominar de opinião preponderante no seio de nossa doutrina há que fazer referência à posição crítica de Eros Roberto Grau que propõe uma revisão e reformulação da noção de eficácia e efetividade à luz da Constituição de 1988 partindo do pressuposto de que a decisão pela aplicação do direito no caso concreto constitui na verdade uma decisão pela sua execução isto é pela sua efetivação 425 Para além dessa constatação o referido autor tende a se afastar dos posicionamentos mais tradicionais adotados no Brasil quando advoga o ponto de vista de que a eficácia social para utilizar a expressão habitual não se situa no plano da aplicação da norma como leciona José Afonso da Silva mas que se manifesta ou não após o momento da aplicação já que nada garante que as decisões normas individuais de conduta tomadas pelo Judiciário como instância primordialmente incumbida do poder dever de realizar o direito aplicandoo aos casos concretos sejam efetivamente cumpridas pelos seus destinatários tampouco garantindo que sejam realizados os fins buscados por elas 426 À luz dessas considerações há como sustentar a íntima vinculação entre as noções de eficácia jurídica e de eficácia social efetividade a primeira constituindo pressuposto da segunda sem que por outro lado se possam desconsiderar as evidentes distinções entre uma e outra Além disso independentemente da terminologia adotada há que retomar aqui a já referida e perspicaz ponderação de Eros Roberto Grau que apontou para a circunstância de que a decisão pela aplicação do direito constitui em última análise uma opção pela sua efetivação que não se pode confundir com o fato de que uma vez tornado efetivo o direito isto é aplicado ao caso concreto este venha a ser executado pelos destinatários atingindo a finalidade prevista na norma Em sentido diverso mas igualmente crítico em relação à distinção traçada por José Afonso da Silva entre as noções de eficácia jurídica e eficácia social ou eficácia e efetividade das normas constitucionais importa colacionar em apertada síntese as objeções apresentadas por Virgílio Afonso da Silva para o qual não há como sufragar um conceito estritamente jurídico de eficácia visto que a produção de efeitos de uma norma depende sempre de outras variáveis que não apenas e somente o dispositivo constitucional e legal inclusive por serem sempre passíveis de restrição ou regulamentação 427 A despeito das ponderações levadas a efeito por Eros Grau e Virgílio Afonso da Silva ambas criticando por razões diversas a concepção de eficácia jurídica de José Afonso da Silva entendemos ser possível com as devidas ressalvas manter para efeitos de um acordo semântico uma distinção entre eficácia jurídica e eficácia social ou efetividade Em primeiro lugar cuidase de eficácia e aplicabilidade de normas constitucionais e não de textos dispositivos constitucionais pura e simplesmente de tal sorte que levando em conta que a norma não se confunde com o texto e é resultado sempre de uma operação externa ao texto ainda que mais ou menos referida a um ou mesmo vários textos no sentido de dispositivos constitucionais no caso na concepção de eficácia jurídica aqui adotada a noção de que se cuida da aptidão de uma norma para gerar efeitos não é única e exclusivamente dependente do texto dos dispositivos constitucional ou legal De outra parte assumese como correta a interface entre eficácia jurídica e eficácia social efetividade de tal sorte que a diferenciação traçada e aqui tida como viável inclusive para efeitos didáticos não pretende simplesmente muito antes pelo contrário desconsiderar a relevância de fatores externos ao texto normativo De qualquer modo a aptidão em caráter potencial portanto da norma para gerar efeitos e ser aplicada segue sendo distinta do ato concreto de aplicação no sentido da realização efetiva do programa normativo não importa aqui sem prejuízo de outras possibilidades se por meio da atuação do legislador restringindo ou regulamentando ou do juiz O que importa portanto é que tenhamos sempre presentes essas premissas ao efetuarmos a distinção entre eficácia jurídica e social Mantendose portanto a terminologia usual e já consagrada em nosso meio há que compreendêla contudo de forma ligeiramente diversa Assim sendo em termos de síntese podemos definir a eficácia jurídica como a possibilidade no sentido de aptidão de a norma vigente juridicamente existente ser aplicada aos casos concretos e de na medida de sua aplicabilidade gerar efeitos jurídicos ao passo que a eficácia social ou efetividade pode ser considerada como englobando tanto a decisão pela efetiva aplicação da norma juridicamente eficaz quanto o resultado concreto decorrente ou não desta aplicação O que não se pode esquecer é que o problema da eficácia do direito engloba tanto a eficácia jurídica quanto a assim designada eficácia social ou efetividade aqui tomadas como equivalentes Ambas a exemplo do que ocorre com a eficácia e a aplicabilidade representam facetas diversas do mesmo fenômeno já que situadas em planos distintos o do dever ser e o do ser mas que se encontram intimamente ligadas entre si na medida em que ambas servem e são indispensáveis à realização integral do direito Assim uma vez definidos os conceitos e escolhidos os termos passaremos a apresentar e discutir algumas das principais classificações e posições a respeito da eficácia e aplicabilidade das normas constitucionais no Brasil 62 Apresentação e discussão das principais classificações das normas constitucionais quanto à sua eficácia e aplicabilidade adotadas no Brasil 621 As posições clássicas e a sua gradual superação O tema da eficácia das normas constitucionais tem ocupado lugar de destaque na doutrina brasileira de modo especial a partir da Constituição de 1891 Desde então podese afirmar que ao menos até a década de 1960 prevaleceu e não apenas no que diz com a eficácia das normas constitucionais o entendimento adotado e difundido por Ruy Barbosa um dos idealizadores da ordem constitucional republicana Pela importância da obra de Ruy Barbosa e pela influência que boa parte de suas ideias ainda hoje exerce cumpre relembrar alguns aspectos essenciais dessa concepção Importa ressaltar neste contexto que Ruy Barbosa entusiasta do modelo norteamericano inspirouse preponderantemente nas obras dos grandes clássicos do direito constitucional estadunidense bem como nas decisões da Suprema Corte e outros importantes tribunais daquele país acolhendo a distinção entre normas autoaplicáveis ou autoexecutáveis e normas não autoaplicáveis ou não autoexecutáveis denominadas pela doutrina americana respectivamente normas selfexecuting selfacting ou selfenforcing por um lado e normas not self executing not selfacting ou not selfenforcing por outro No que diz com o primeiro grupo o das normas autoaplicáveis ou autoexecutáveis Ruy Barbosa firmou posição no sentido de que normas autoaplicáveis seriam aquelas que estariam aptas a gerar seus efeitos independentemente de qualquer atuação do legislador já que seu conteúdo se encontra devidamente determinado Nas palavras do próprio Ruy baseado em lição de George Tucker executáveis por si mesmas são portanto as determinações para executar as quaes não se haja mister de constituir ou designar uma autoridade nem criar ou indicar um processo especial e aquellas onde o direito instituído se ache armado por si mesmo pela sua própria natureza dos meios de execução e preservação 428 Em outra passagem citando posição da Suprema Corte norteamericana Ruy Barbosa sustenta que uma disposição constitucional é executável por si mesma quando completa no que determina lhe é supérfluo o auxílio suppletivo da lei para exprimir tudo o que intenta e realizar tudo o que exprime 429 Já no que concerne às normas não autoaplicáveis ou não autoexecutáveis Ruy Barbosa aqui também valendose das lições do mesmo George Tucker salienta que muitas normas constitucionais requerem uma ação do legislador para tornar efetivos os seus preceitos visto que não revestem dos meios de acção essenciaes ao seu exercício os direitos que outorgam ou os encargos que impõem estabelecem competências atribuições poderes cujo uso tem de aguardar que a Legislatura segundo o seu criterio os habilite a se exercerem 430 Com base nessas distinções Ruy Barbosa conclui citando passagem extraída da obra de Thomas Cooley para quem podese dizer que uma disposição constitucional é autoexecutável selfexecuting quando nos fornece uma regra mediante a qual se possa fruir e resguardar o direito outorgado ou executar o dever imposto e que não é autoaplicável quando meramente indica princípios sem estabelecer normas por cujo meio se logre dar a esses princípios vigor de lei 431 Há que ressaltar ainda que Ruy Barbosa no âmbito de sua teoria sobre as normas constitucionais reconheceu que é com base na formulação da norma isto é da expressão literal de seu enunciado e de seu conteúdo que se logrará perceber se determinado preceito constitucional é dirigido ao legislador ou se pode ser objeto de aplicação pelo Judiciário o que em última análise depende da circunstância de a norma exigir ou não uma concretização em nível legislativo de acordo com a sua possibilidade por si só de gerar efeitos jurídicos ou do fato de conter apenas princípios de cunho genérico 432 Com base neste entendimento Ruy Barbosa chegou à conclusão de que cada norma constitucional apenas é autoaplicável na medida em que efetivamente permite a sua aplicação o que por sua vez se encontra na dependência direta de seu grau de completude 433 Por outro lado como bem anota Luís Roberto Barroso embora a importância atribuída ao tema no Brasil no direito constitucional norteamericano a problemática da eficácia e aplicabilidade das normas constitucionais não chegou a ser um tema central e crucial em virtude da peculiar tradição de um direito judicial 434 mas também é possível agregar em função do deslocamento do debate teórico da força normativa da constituição para o campo da interpretação constitucional Além disso o próprio Ruy Barbosa percebeu as deficiências da classificação então dominante no meio jurídicoconstitucional norteamericano ao apontar para o fato de que não há numa constituição normas que tenham o valor de meros conselhos ou avisos pois todas têm força imperativa 435 Outro jurista nacional de extrema importância também nessa matéria foi Pontes de Miranda que apesar de seguir em parte não irrelevante o esquema geral proposto por Ruy Barbosa sugeriu a utilização de uma terminologia diferenciada além de ter desenvolvido alguns aspectos inovadores de tal sorte que também neste campo trouxe contribuição marcada pela sua habitual originalidade Neste sentido Pontes de Miranda cuja terminologia apresenta o mérito de ressaltar com maior precisão o critério com base no qual pauta a distinção entre as normas no que concerne à sua eficácia e aplicabilidade também sustentava a classificação das normas em dois grupos dependendo de seu grau de completude notadamente as normas bastantes em si mesmas que independem de concretização legislativa para alcançarem sua plena eficácia bem como de normas incompletas isto é não bastantes em si mesmas e que por este motivo reclamam atuação do legislador infraconstitucional 436 Cumpre salientar que diversamente de Ruy Barbosa Pontes de Miranda que já formulou sua teorização sob a égide da Constituição de 1934 de forte conteúdo social parte do pressuposto da existência de normas constitucionais programáticas que constituem expressão do fracasso do modelo liberal de Estado reconhecendo contudo que tais normas praticamente não disponíveis no constitucionalismo liberal no qual se abeberou Ruy Barbosa possuem alguma ainda que limitada carga vinculativa no sentido de implicarem o cerceamento da atividade do legislador que não pode contrariar o programa estabelecido pela Constituição 437 Assim verificase que Pontes de Miranda começou a preparar o terreno para uma revisão crítica da classificação de inspiração norte americana difundida por Ruy Barbosa e neste sentido abriu caminho para as novas concepções que passaram também no Brasil a ser formuladas nesta área o que no Brasil passou a ocorrer com cada vez maior intensidade a partir de meados do século XX coincidindo com a afirmação do constitucionalismo de matriz social Com efeito a teoria de Ruy Barbosa em que pese sua inegável importância passou a ser objeto de acirrada crítica especialmente pelo fato de não mais corresponder ao modelo preponderante no âmbito de nossa doutrina além de ser em boa parte incompatível com o direito constitucional positivo brasileiro pelo menos desde a Constituição de 1934 de cunho notadamente social e que teve como uma de suas fontes de inspiração a Constituição alemã de 1919 a famosa Constituição de Weimar A revisão das concepções sobre a eficácia e aplicabilidade das normas constitucionais ocorreu principalmente com base no pensamento de alguns dos principais constitucionalistas italianos do segundo pósguerra mas é correto afirmar que foram as lições de alguns importantes juristas alemães da época de Weimar que prepararam o terreno para tal reformulação ainda que o pensamento dominante na Alemanha admitisse a falta de eficácia das normas de tipo programático Enquanto a concepção usual partia da premissa de que a maior parte das normas constitucionais não era diretamente aplicável sem a intervenção do legislador infraconstitucional a doutrina brasileira passou a admitir que todas as normas constitucionais são dotadas de eficácia e são pelo menos e mesmo assim apenas em parte visto que boa parte das normas é diretamente aplicável indiretamente aplicáveis 438 A classificação das normas constitucionais em autoaplicáveis e não autoaplicáveis foi objeto de crítica já no que tange ao aspecto terminológico na medida em que a expressão autoaplicável transmite a falsa impressão de que estas normas não podem sofrer qualquer tipo de regulamentação legislativa quando pelo contrário não se controverte a respeito da possibilidade de regulamentação das normas diretamente aplicáveis para que possam ter maior executoriedade ou com o objetivo de serem adaptadas às transformações e às circunstâncias vigentes na esfera social e econômica 439 Nesta mesma linha de raciocínio situase a crítica dos que se opõem à concepção clássica de inspiração norteamericana quando consideram insustentável o entendimento de que as normas denominadas não autoaplicáveis ou não autoexecutáveis não produzem efeito algum uma vez que completamente destituídas de aplicabilidade direta argumentando que inexiste norma constitucional destituída de eficácia na medida em que toda e qualquer norma da Constituição sempre é capaz de gerar algum tipo de efeito jurídico 440 Verificouse portanto lição que permanece atual para a maioria dos autores brasileiros que uma norma usualmente designada de não autoaplicável portanto mesmo tendo a função de uma norma impositiva de programas fins e tarefas ou quando se trata de uma norma contendo princípios de natureza geral no mínimo estabelece alguns parâmetros para o legislador no exercício de sua competência concretizadora 441 É preciso destacar ainda neste contexto que mesmo na doutrina e na jurisprudência constitucional norteamericana houve alguma evolução na matéria Neste sentido oportuna a transcrição da seguinte passagem extraída de decisão proferida pela Suprema Corte em 1958 caso Trop v Dulles Os preceitos da Constituição não são adágios gastos pelo tempo ou contrassenhas destituídas de sentido São princípios vitais e vivos que autorizam e limitam os poderes governamentais em nossa nação Eles são regras de governo Quando a constitucionalidade de um ato do Congresso é questionada perante este Tribunal devemos aplicar estas regras Se não o fizermos as palavras da Constituição nada mais serão do que bons conselhos 442 Outra crítica diz com a utilização do critério da completude do conteúdo como parâmetro para a classificação das normas constitucionais em normas autoaplicáveis e não autoaplicáveis Com apoio nas lições de Crisafulli sustentouse entre nós que cada norma constitucional é em certa medida incompleta já que quando de sua aplicação aos casos concretos reclama em virtude de seu grau de abstração e generalidade uma atividade exegética o que ocorre mesmo com as normas diretamente aplicáveis que igualmente podem conter conceitos vagos e imprecisos de tal sorte que é possível falar em normais mais ou menos completas isto é em graus de completude normativa 443 Por outro lado tal como observa Meirelles Teixeira esta crítica não deveria ser encarada de forma por demais severa pois quando se fala em norma completa tal conceito se refere a uma aptidão da norma para significar e produzir seus efeitos essenciais não todos os efeitos possíveis 444 Dentre as concepções doutrinárias que partindo das críticas sumariamente referidas contribuíram para uma reformulação da doutrina e prática dominante na seara da eficácia e aplicabilidade das normas constitucionais no Brasil podemos iniciar com a que pode ser considerada a primeira e talvez uma das mais originais qual seja a de José Horácio Meirelles Teixeira Para este autor toda e qualquer norma constitucional alcança algum tipo de eficácia de tal sorte que a eficácia das normas constitucionais pode ser considerada de natureza gradual isto é variando entre um mínimo e um máximo 445 Com base nesta constatação Meirelles Teixeira sugeriu uma classificação das normas constitucionais em dois grupos quais sejam normas de eficácia plena e normas de eficácia limitada ou reduzida sendo que o primeiro grupo ou seja das normas de eficácia plena corresponde às normas que valendo nos da formulação do autor produzem desde o momento de sua promulgação todos os seus efeitos essenciais isto é todos os objetivos especialmente visados pelo legislador constituinte porque este criou desde logo uma normatividade para isso suficiente incidindo direta e imediatamente sobre a matéria que lhes constitui objeto 446 Já por normas de eficácia limitada ou reduzida Meirelles Teixeira concebe aquelas normas que não produzem logo ao serem promulgadas todos os seus efeitos essenciais porque não se estabeleceu sobre a matéria uma normatividade para isso suficiente deixando total ou parcialmente essa tarefa ao legislador ordinário 447 Esclarece ainda Meirelles Teixeira que as normas de eficácia plena não se caracterizam por uma completa exaustão no que diz com seus efeitos mas sim pelo fato de gerarem desde logo os seus efeitos essenciais no sentido de especialmente visados pelo constituinte podendo neste sentido ser consideradas como dotadas de normatividade suficiente ao passo que as normas de eficácia limitada não se encontram em condições pela sua insuficiente normatividade de produzir desde logo e por si sós isto é independentemente da intervenção do legislador seus principais efeitos 448 Sem que se vá aqui adentrar na análise efetuada por Meirelles Teixeira no que diz com os diversos efeitos que podem ser gerados pelas normas constitucionais seja de eficácia plena seja de eficácia limitada até porque tais aspectos serão oportunamente retomados na medida do necessário importa consignar ainda que o autor divide as normas de eficácia limitada em dois grupos que respectivamente denomina normas programáticas e de legislação as primeiras versando sobre matéria de natureza eminente mente ética e social constituindo verdadeiros programas de ação destinados ao legislador ordinário enquanto as normas de legislação como por exemplo as normas organizacionais e de competência destituídas do caráter éticosocial das normas programáticas dependem para alcançar sua eficácia plena de legislação que concretize o programa normativo em virtude de uma necessidade de natureza técnica instrumental já que em princípio regulam de forma direta a matéria que constitui seu objeto sendo contudo insuscetíveis de aplicação imediata por reclamarem normas legislativas instrumentais às quais se acham condicionadas 449 A próxima tentativa de sistematização do problema da eficácia e da aplicabilidade das normas constitucionais no Brasil e a que teve seguramente a maior adesão é da autoria de José Afonso da Silva autor da já citada monografia sobre a Aplicabilidade das normas constitucionais 450 que segundo consta pela primeira vez formulou entre nós uma teoria tricotômica da eficácia 451 Segundo José Afonso da Silva as normas constitucionais podem ser divididas em três grupos quais sejam normas de eficácia plena normas de eficácia contida e normas de eficácia limitada Normas de eficácia plena seriam aquelas que por serem dotadas de aplicabilidade direta imediata e integral não dependem da atuação do legislador ordinário para que alcancem sua plena operatividade já que desde a entrada em vigor da Constituição produzem ou têm possibilidade de produzir todos os efeitos essenciais relativamente aos interesses comportamentos e situações que o legislador constituinte direta ou indiretamente quis regular 452 Já as normas de eficácia contida dotadas de aplicabilidade direta imediata mas possivelmente não integral são aquelas em que o legislador constituinte regulou suficientemente os interesses relativos a determinada matéria mas deixou margem à atuação restritiva por parte da competência discricionária do Poder Público nos termos que a lei estabelecer ou nos termos de conceitos gerais nelas enunciados 453 As normas de eficácia limitada por sua vez caracterizamse essencialmente pela sua aplicabilidade indireta e reduzida não tendo recebido do legislador constituinte a normatividade suficiente para por si sós e desde logo serem aplicáveis e gerarem seus principais efeitos reclamando por este motivo a intervenção legislativa Ressaltese que as normas de eficácia limitada englobam tanto as normas declaratórias de princípios programáticos quanto as normas declaratórias de princípios institutivos e organizatórios que definem a estrutura e as funções de determinados órgãos e instituições cuja formatação definitiva contudo se encontra na dependência do legislador ordinário 454 Outra classificação que não pode deixar de ser referida foi proposta por Celso Ribeiro Bastos e Carlos Ayres Britto que igualmente imprimiram à matéria um toque original Diversamente de seus antecessores os autores partem de outro critério para formular sua proposta de classificação e sistematização das normas constitucionais no caso o modo de incidência das normas constitucionais a maneira pela qual a norma regula a matéria sobre a qual incide considerando este como pressuposto da eficácia já que esta supõe um mínimo de aptidão normativa para atuar no plano fático 455 De acordo com este critério bem como em face da possibilidade ou não de o legislador interferir na regulamentação da matéria pela Constituição as normas constitucionais podem ser divididas em normas inintegráveis ou de mera aplicação que de acordo com a formulação dos autores encerram uma formulação jurídica de núcleo inelástico ou impermeável a outro querer normativo de grau hierárquico menor 456 bem como em normas integráveis ou de integração que podem ser definidas como regras vocacionadas para um consórcio com a vontade legislativa inferior 457 abrangendo as normas restringíveis e as completáveis pela atuação do legislador ordinário No que tange à sua eficácia as normas constitucionais igualmente podem por sua vez ser classificadas em normas de eficácia parcial que corresponderiam às normas de integração completáveis bem como em normas de eficácia plena que correspondem tanto às normas inintegráveis quanto às normas de integração meramente restringíveis 458 Após a vigência da Constituição de 1988 a primeira proposta diferenciada focada no critério da eficácia e da aplicabilidade foi apresentada por Maria Helena Diniz sustentando uma classificação em quatro grupos a normas com eficácia absoluta que por insuscetíveis de alteração até mesmo mediante emenda à Constituição seriam intangíveis e portanto com eficácia reforçada em relação às normas de eficácia plena b normas com eficácia plena que a exemplo das normas de eficácia absoluta independem de atuação do legislador ordinário para gerar seus efeitos incidindo diretamente sobre a matéria que constitui seu objeto e criando desde logo direitos subjetivos sendo contudo suscetíveis de emenda constitucional c normas com eficácia relativa restringível que sendo de aplicabilidade direta ou imediata têm a possibilidade de gerar todos os efeitos jurídicos nelas previstos sujeitas contudo a restrições previstas na legislação ordinária ou dependendo de regulamentação ulterior que pode vir a reduzir sua aplicabilidade d normas com eficácia relativa complementável ou dependente de complementação legislativa de aplicação apenas mediata indireta já que não dotadas de normatividade suficiente para tanto não sendo portanto suscetíveis de gerar desde logo todos os seus efeitos abrangendo as normas de princípios institutivos e as normas programáticas 459 Além das propostas classificatórias já referidas que apresentam diversos elementos em comum de modo especial sua íntima vinculação com o critério da aplicabilidade e eficácia das normas constitucionais para Celso R Bastos e Carlos A Britto também o seu modo de incidência há que fazer referência entre outras 460 às sistematizações formuladas por Celso Antonio Bandeira de Mello e Luís Roberto Barroso Embora a primeira seja anterior à de Celso Bastos e Carlos Britto bem como de Maria Helena Diniz ela será objeto de apresentação apenas neste momento na medida em que toma por referência critério diverso qual seja o da consistência e amplitude dos direitos imediatamente resultantes da norma constitucional para os administrados 461 Com efeito para Celso Antonio Bandeira de Mello as normas constitucionais de acordo com o critério utilizado classificamse em a normas concessivas de poderes jurídicos que desde logo e sem o concurso de outras vontades isto é independentemente de atuação alheia conferem a um sujeito o poder de fruir do bem deferido criando para os administrados uma posição jurídica imediata uma utilidade concreta e a possibilidade de exigila em caso de embaraço ou perturbação por parte de terceiros que não depende de normação ulterior b normas concessivas de direitos que por indicarem quem é o obrigado e caracterizarem de forma suficiente a conduta devida geram uma utilidade concreta e imediata para o administrado suscetível de fruição mediante desfrute positivo e que consiste em um direito propriamente dito isto é num bem jurídico que depende de uma prestação alheia c normas meramente indicadoras de uma finalidade a ser atingida normas que por não indicarem as condutas específicas necessárias para a satisfação do bem jurídico reconhecido geram para os administrados posições jurídicas menos consistentes na medida em que não conferem nenhum tipo de fruição imediata não permitindo além disso que se exija o desfrute de algo limitandose a oferecer a possibilidade de oposição judicial aos comportamentos contrários aos fins previstos na norma bem como ensejando a necessidade de uma interpretação que se paute pelo sentido e direção nela preconizados Ressaltese ainda que para Celso Antônio Bandeira de Mello as normas concessivas de poderes jurídicos e de direitos podem ser de natureza restringível ou irrestringível pelo legislador infraconstitucional 462 Por derradeiro há que fazer referência à sistematização proposta por Luís Roberto Barroso que a exemplo de Celso A Bandeira de Mello norteou sua classificação em função da consistência da situação jurídica dos indivíduos em face dos preceitos constitucionais embora não da mesma maneira 463 Para tanto formulou uma tipologia das normas constitucionais de acordo com a sua função no âmbito da Constituição de tal sorte que a verificação da posição jurídica individual dependeria em última análise das características peculiares a cada grupo da tipologia proposta De acordo com esta formulação as normas constitucionais podem ser divididas em três grupos a as normas constitucionais de organização que têm por objeto organizar o exercício do poder político também denominadas normas de estrutura ou de competência e que se caracterizam de acordo com lição de Miguel Reale por estabelecerem uma obrigação objetiva de algo que deve ser feito sem que o dever enunciado fique subordinado à ocorrência de um fato previsto do qual possam ou não resultar determinadas consequências Tais normas por sua vez podem ser basicamente de quatro espécies quais sejam as que veiculam decisões políticas fundamentais as que definem as competências dos órgãos constitucionais as que criam órgãos públicos e as que estabelecem normas processuais ou procedimentais b as normas constitucionais definidoras de direitos que têm por objeto fixar os direitos fundamentais dos indivíduos centrandose o autor na ideia de direito subjetivo entendido como o poder de ação assente no direito objetivo e destinado à satisfação de certo interesse estas normas geram situações jurídicas para os particulares as quais podem por sua vez ser distribuídas em três grupos 1 situações prontamente desfrutáveis dependentes apenas de uma abstenção 2 situações que ensejam a exigibilidade de prestações positivas do Estado e 3 normas que contemplam interesses cuja realização depende da edição de norma infraconstitucional integradora c normas constitucionais programáticas que têm por objeto traçar os fins públicos a serem alcançados pelo Estado 464 63 Apreciação crítica das diferentes posições A despeito de importantes diferenças entre as concepções sumariamente apresentadas e até mesmo a diversidade de critérios nas quais se baseiam constatamse pelo menos dois aspectos a respeito dos quais todas as formulações guardam identidade Nesse sentido todos os autores citados mesmo Ruy Barbosa considerandose sua nota crítica em relação ao modelo norte americano das normas não autoaplicáveis partem da premissa de que inexiste norma constitucional completamente destituída de eficácia sendo possível sustentarse em última análise uma graduação da eficácia das normas constitucionais visto que a eficácia não é necessariamente a mesma em todos os casos 465 Todas as propostas reconhecem contudo que determinadas normas da Constituição em virtude da ausência de normatividade suficiente não estão em condições de gerar de forma imediata seus principais efeitos dependendo para tanto de uma atuação complementar por parte do legislador ordinário razão pela qual também costumam ser denominadas normas de eficácia limitada ou reduzida 466 Procedendose a uma comparação ainda que superficial entre as propostas de Meirelles Teixeira José Afonso da Silva Celso Bastos e Carlos A Britto e Maria Helena Diniz verificase que tais modelos em que pesem suas diferenças não chegam a ser incompatíveis entre si Além disso em todas as classificações se destacam dois grupos de normas quais sejam aquelas que dependem da intervenção do legislador infraconstitucional para gerarem seus principais efeitos e aquelas que desde logo por apresentarem suficiente normatividade estão aptas a gerar seus efeitos dispensando pelo menos no que diz com sua aplicabilidade imediata uma interpositio legislatoris Isso ocorre mesmo no caso das propostas de José Afonso da Silva e de Maria Helena Diniz apesar de terem respectivamente sugerido uma classificação em três e quatro categorias De acordo com José Afonso da Silva ao lado das normas de eficácia plena situamse as normas de eficácia contida que a exemplo das primeiras se encontram aptas a produzir desde logo a plenitude de seus efeitos encontrandose contudo sujeitas a ulterior restrição pelo legislador Desde logo importa destacar como já sustentamos há muito tempo que as normas de eficácia contida tal como definidas por José Afonso da Silva são em verdade normas em relação às quais a Constituição estabelece uma expressa reserva legal em matéria de restrição dos efeitos de tal sorte que não está afastada a possibilidade de se estabelecerem restrições a direitos fundamentais que não foram colocados pelo constituinte sob uma expressa reserva legal já que ao menos em princípio inexiste direito fundamental mesmo que veiculado em norma de eficácia plena na concepção de José Afonso completamente imune a toda e qualquer limitação 467 Aqui basta remeter à noção de limites implícitos indiretos ou mediatos especialmente em face da necessidade de resolver as hipóteses de conflitos entre direitos fundamentais que em regra implicam restrições recíprocas tema que a despeito de sua relevância aqui não será contemplado sendo referido apenas para fundamentar a nossa argumentação no sentido de demonstrar que a possibilidade de restrição dos efeitos não se constitui em privilégio exclusivo das normas de eficácia contida ou de eficácia restringível terminologia preferida entre outros por Maria Helena Diniz que também discorreu sobre o assunto 468 Seguindo com a nossa avaliação das classificações percebese que as três primeiras categorias elencadas por Maria Helena Diniz têm como elemento comum a possibilidade de imediata e plena geração de seus efeitos uma vez que dotadas de suficiente normatividade para tanto não dependendo de concretização em nível legislativo O que para a citada autora efetivamente distingue as normas de eficácia absoluta e as de eficácia relativa e restringível das normas de eficácia plena é portanto a circunstância de serem as normas de eficácia absoluta insuscetíveis de restrição até mesmo por meio de emenda à Constituição ao passo que as normas de eficácia relativa e restringível que correspondem virtualmente às normas de eficácia contida de acordo com a terminologia de José Afonso da Silva se encontram sujeitas à possibilidade de restrição pelo legislador ordinário 469 Cumpre ressaltar neste contexto que o critério da ulterior restringibilidade que para Maria Helena Diniz e José Afonso da Silva justificam a criação de um grupo distinto de normas constitucionais bem como o da proteção reforçada das normas incluídas no rol das assim denominadas cláusulas pétreas da Constituição Maria Helena Diniz não deixam de ter relevância para outros efeitos mas em nada alteram o fato de que relativamente à eficácia jurídica sob o aspecto de aptidão para gerar efeitos e no que concerne à necessidade ou não de uma atuação do legislador infraconstitucional para viabilizar a geração da plenitude dos efeitos peculiares a cada norma se pode constatar a existência de dois grupos de normas constitucionais razão pela qual preferível pelo menos se a opção for a de escolher uma das classificações apresentadas adotar uma classificação das normas constitucionais quanto ao critério da sua eficácia jurídica e aplicabilidade em dois grupos a exemplo do modelo de Meirelles Teixeira No que tange à terminologia utilizada há que chegar igualmente a um consenso levandose em conta contudo as críticas tecidas relativamente às concepções clássicas de inspiração norte americana bem como a constatação aqui endossada de que inexiste norma constitucional completamente destituída de eficácia Tendo em vista que em todas as sistematizações propostas subjaz a ideia de que uma norma é capaz de gerar os seus efeitos essenciais em tendo por si mesma normatividade suficiente para tanto não há como desconsiderar a íntima vinculação da noção de densidade normativa com a da eficácia e aplicabilidade da norma Aliás uma análise mais detida de todas as formulações referidas fatalmente revela que o conteúdo do dispositivo é de suma relevância para a determinação de sua normatividade noção esta que em última análise pode ser reconduzida com as devidas ressalvas críticas ao entendimento já advogado por Ruy Barbosa de que a completude da norma assume feições de verdadeiro pressuposto pelo menos em parte para sua aplicabilidade e eficácia Em face do exposto pode falarse em normas constitucionais de alta densidade normativa que dotadas de suficiente normatividade se encontram aptas diretamente e sem a intervenção do legislador ordinário a gerar os seus efeitos essenciais independentemente de uma ulterior restringibilidade bem como em normas constitucionais de baixa densidade normativa ou como prefere Meirelles Teixeira normas de eficácia reduzida que não possuem normatividade suficiente para de forma direta e sem uma complementação por parte do legislador infraconstitucional gerar todos os seus possíveis efeitos ressaltandose que em virtude de uma normatividade mínima presente em todas as normas constitucionais sempre apresentam certo grau de eficácia jurídica Esta terminologia além de contornar as pertinentes críticas tecidas em relação às concepções clássicas normas autoaplicáveis e não autoaplicáveis ressalta justamente o critério da densidade normativa como fator decisivo muito embora como se verá não em caráter exclusivo para a graduação da eficácia das normas constitucionais 470 Imperioso destacar nesta quadra que reputamos descabida salvo melhor juízo a nota crítica que nos foi endereçada por Virgílio Afonso da Silva reputando como equivocada a nossa opção pela classificação das normas constitucionais em dois grupos no caso normas de eficácia plena e normas de eficácia limitada 471 Em primeiro lugar aspecto que pelo visto não foi devidamente considerado deixamos claro que a nossa preferência justamente por algumas imperfeições que se podem apontar especialmente em relação às assim designadas normas de eficácia contida é no sentido de adotarse outra classificação normas de alta e baixa densidade ou mesmo outra terminologia que possa ser mais adequada mas que no caso de se optar entre a classificação de José Afonso da Silva e a classificação de Meirelles Teixeira deveria ser dada preferência a este último autor com os aperfeiçoamentos e significativos desenvolvimentos promovidos por José Afonso da Silva Por outro lado o fato de ser equivocada também no nosso entender a classificação de José Afonso da Silva especialmente quando sustenta a existência de normas de eficácia contida não leva de modo cogente a uma refutação integral de sua teoria ainda mais quando o autor não se baseia pelo menos não como critério determinante e único na possível restrição dos efeitos por obra do legislador infraconstitucional mas radica essencialmente assim nos parece na existência ou não embora sempre parcial da necessidade de uma intermediação legislativa para o reconhecimento dos efeitos jurídicos da norma constitucional bem como na distinção embora a íntima conexão entre a aplicabilidade e a eficácia jurídica 472 Tratase portanto de outro critério visto que a posterior restringibilidade foi utilizada por José Afonso da Silva como critério para distinguir dois tipos de normas de eficácia plena e aplicabilidade direta já que as normas de eficácia contida são normas de eficácia plena e aplicabilidade direta mas sujeitas de acordo com o texto constitucional a uma reserva legal no sentido de uma autorização constitucional expressa para restrições pelo legislador Além disso como já tivemos oportunidade de frisar a classificação das normas constitucionais com base no critério da sua eficácia e aplicabilidade não necessariamente e nisto insistimos ainda que por ora sem maior desenvolvimento se revela inconciliável com a distinção das normas em princípios e regras mas não será aqui que teremos condições de ampliar este debate De qualquer modo feitas algumas notas críticas em relação às objeções tão bem lançadas por Virgílio Afonso da Silva remetemos o leitor às respostas oferecidas pelo próprio José Afonso da Silva em edição recente de seu clássico sobre as normas constitucionais 473 Importa sinalar neste contexto que nenhuma tentativa de classificação das normas constitucionais terá o condão de abranger todas as manifestações possíveis de eficácia e aplicabilidade assumindo em verdade função preponderante didática e operacional Além do mais convém relembrar todas as normas constitucionais sendo dotadas sempre de um mínimo de eficácia podem também ser consideradas em certa medida normas diretamente aplicáveis sempre nos limites de sua eficácia e normatividade Na verdade em que pesem as especificidades de cada concepção outra não é a conclusão a que chegou a nossa doutrina Com efeito registrase ampla dose de consenso quanto ao fato de que cada norma constitucional possui um mínimo de eficácia e aplicabilidade dependente por sua vez de sua suficiente normatividade Nesse sentido todas as normas constitucionais são sempre eficazes e na medida de sua eficácia variável de acordo com cada norma imediatamente aplicáveis Isso significa que até mesmo as assim denominadas normas de eficácia limitada ou reduzida são nesse sentido imediatamente aplicáveis Basta lembrar para ilustrar a assertiva que o juiz ao considerar revogada uma norma legal anterior e contrária ao disposto na Constituição nada mais estará a fazer do que aplicando a norma constitucional e afastando com base nela o disposto na lei É claro convém frisálo que tal constatação parte da premissa de que todas as normas são eficazes afastandose a existência de normas não autoaplicáveis pelo menos no sentido da doutrina norteamericana clássica tal como difundida no Brasil por Ruy Barbosa Para reforçar a linha argumentativa adotada aproveitamos para referir a abalizada lição de García de Enterría que partindo de uma concepção substancial da Constituição e reconhecendo o caráter vinculante reforçado e geral das suas normas sustenta que na Lei Fundamental não existem declarações sejam elas oportunas ou inoportunas felizes ou desafortunadas precisas ou indeterminadas destituídas de conteúdo normativo sendo que apenas o conteúdo concreto de cada norma poderá precisar em cada caso qual o alcance específico de sua eficácia 474 Atentase para aos trabalhos de Celso A Bandeira de Mello e Luís Roberto Barroso que todavia partem de outro ângulo de abordagem enquanto o primeiro norteou sua classificação pelo critério da posição jurídica na qual é investido o particular em face de determinada norma o segundo sistematizou as normas constitucionais de acordo com o seu objeto organizatórias definidoras de direitos ou programáticas para então investigar quais os efeitos jurídicos que delas decorrem Ambos os autores reconhecem contudo que suas propostas por formuladas com base em critérios distintos não excluem as demais assumindo natureza complementar na medida em que estas recepcionaram as concepções sobre eficácia e aplicabilidade que a estas subjazem desenvolvendoas sob o ângulo da efetividade É justamente aqui que se manifesta a pertinência da crítica de Celso A Bandeira de Mello no que concerne à teoria de José Afonso da Silva já que esta não declina os motivos pelos quais certas normas de eficácia plena por vezes outorgam aos particulares a posição jurídica mais frágil como pode ocorrer com as normas de competência de tal sorte que não há como traçar um paralelismo exato e necessário entre cada tipo normativo de acordo com a classificação de José A da Silva e a posição jurídica que gera para os particulares 475 Esta crítica que não retira o mérito das demais classificações aplicase sem dúvida às demais propostas que tomaram como critério referencial a eficácia jurídica e a aplicabilidade Todavia se por um lado é variável a posição jurídica dos particulares frente às normas não é menos certo que a ausência de um paralelismo tal como sustentado por Celso A Bandeira de Mello não significa em hipótese alguma a inexistência de correlação entre o problema da eficácia jurídica e os direitos eou poderes outorgados pela norma na medida em que estes em última análise são uma consequência daquela Portanto desde que se considerem devidamente estes aspectos é por meio do exame da eficácia jurídica dos efeitos potencialmente gerados dos direitos fundamentais que iremos enfrentar oportunamente e de forma mais detida o problema específico das diversas posições jurídicas individuais ou transindividuais bem como dos diferentes efeitos delas resultantes 64 Síntese conclusiva Para efeitos de síntese e para demarcar a posição adotada no que diz com a eficácia e a aplicabilidade das normas constitucionais seguem alguns enunciados a A eficácia e a aplicabilidade das normas princípios e regras constitucionais respectivamente a possibilidade de uma norma vigente e válida gerar seus efeitos jurídicos e a qualidade de tais normas serem aplicáveis se distinguem embora a relação entre os fenômenos de sua eficácia social ou efetividade compreendida como a concreta realização do programa normativo na esfera dos fatos da realidade b Todas as normas jurídicas o que se aplica também às normas constitucionais possuem em alguma medida eficácia jurídica sendo na medida desta eficácia diretamente aplicáveis aptas a ser aplicadas pelos órgãos do Poder Judiciário incumbidos também da fiscalização da constitucionalidade da ação e da omissão do legislador Assim superada a noção de que existem normas constitucionais não autoaplicáveis que ao fim e ao cabo seriam normas de eficácia diferida sempre dependente de uma posterior regulamentação posição que seguramente é hegemônica no cenário brasileiro representando portanto o ponto de vista dominante c Por outro lado é preciso ter cuidado Com efeito embora amplamente dominante a tese de que todas as normas constitucionais são dotadas de eficácia e aplicabilidade verificase que ainda se faz vez por outra seja na doutrina seja na jurisprudência referência à noção de normas autoaplicáveis e não autoaplicáveis destacandose duas possibilidades A primeira é de que tal menção é meramente formal nominal no sentido de que embora se utilizem as expressões não se lhes atribui o conteúdo convencional visto que por normas autoaplicáveis buscase identificar normas de eficácia plena e diretamente aplicáveis e por normas não autoaplicáveis se identificam como se fossem sinônimas as normas de eficácia limitada que embora de aplicabilidade em parte mediata indireta estão aptas consoante já verificado a gerar alguns efeitos A outra possibilidade igualmente ainda presente é quando realmente se utiliza o termo não autoaplicáveis no sentido original que lhes era atribuído na doutrina de Ruy Barbosa isto é de normas destituídas de qualquer eficácia e aplicabilidade enquanto não regulamentadas normas que de tal sorte formariam uma categoria em separado não coincidente com as demais categorias eficácia plena contida e limitada convivendo com as normas de eficácia plena e limitada ou mesmo contida pois nesses casos se trata sempre de normas dotadas de eficácia jurídica d Considerando que a eficácia a aplicabilidade e mesmo a efetividade é da norma e não propriamente do dispositivo texto constitucional a decisão a respeito de qual a eficácia de determinada norma constitucional constitui uma decisão que a despeito da necessidade de levar em conta sempre as pistas e limites textuais é uma decisão do intérprete e aplicador da norma constitucional Em caráter ilustrativo referese o exemplo do direito à saúde que durante muito tempo foi considerado por expressiva jurisprudência como assegurado por norma de eficácia limitada mas que passou a ter sua eficácia plena e aplicabilidade direta reconhecidas a ponto de se chegar mesmo a admitir como o tem chancelado o STF brasileiro que com base no direito à saúde tal como consagrado na CF especialmente em função da redação do art 196 é possível deduzir direitos subjetivos a prestações de saúde inclusive quando não contempladas por política pública preexistente Tendo em conta que não existem de regra normas com eficácia absoluta no sentido de absolutamente imunes a limites eou restrições é de ser afastada ou pelo menos devidamente compreendida ressalvada a classificação de José Afonso da Silva especialmente naquilo que propõe a existência de normas de eficácia contida Por tal razão preferível adotar classificação que ao mesmo tempo em que evita tais incorreções reflete a noção de que todas as normas constitucionais possuem alguma eficácia e aplicabilidade bem como considera o fato de que há casos em que a própria Constituição pelo menos para alguns efeitos exige o concurso da ação do legislador infraconstitucional e Por tais razões as classificações apresentadas acima não são necessariamente incompatíveis pelo menos não em toda a sua extensão e desde que bem compreendidas Particularmente útil poderá ser a conjugação de aspectos das classificações de Meirelles Teixeira e José Afonso da Silva com as classificações propostas por Celso A Bandeira de Mello e Luís Roberto Barroso visto que a eficácia jurídica das normas constitucionais sejam elas princípios ou regras implica o reconhecimento ou não de determinadas posições jurídicas f Da mesma forma relevantes a particular forma de positivação no texto constitucional e a função da norma constitucional permitem identificar pelo menos em termos gerais eventual dependência que não afasta por si só uma eficácia da norma constitucional ainda que mais reduzida do que em outros casos da atuação do legislador infraconstitucional e mesmo as suas possibilidades e limites g Tomese por exemplo a tipologia das normas definidoras de direitos e garantias fundamentais às quais se refere o art 5º 1º da CF que justamente afirma que se trata de normas de aplicação imediata No caso dos direitos fundamentais o que poderá ainda ocorrer é que se esteja diante de direitos fundamentais sob reserva expressa de lei que na classificação de José Afonso da Silva integram o grupo das normas de eficácia contida ou restringível como preferem outros autores ou de normas de direitos fundamentais às quais não corresponde uma expressa reserva legal Para ilustrar como integrando o primeiro grupo é possível citar a garantia da inviolabilidade do sigilo das comunicações telefônicas em relação ao qual a Constituição art 5º XII desde logo autoriza que o legislador estabeleça e regulamente hipóteses de restrição assim como o direito ao livre exercício de qualquer trabalho ou profissão onde também se encontra expressa remissão à lei art 5º XIII Como exemplos do segundo grupo temos a inviolabilidade da intimidade da vida privada da honra e da imagem art 5º X em que a Constituição não remeteu expressamente a uma regulamentação legal mas que nem por isso como já explicitado constituem hipóteses de direitos absolutos no sentido de insuscetíveis de qualquer intervenção restritiva h Já no caso das normas de cunho organizacional que abarcam as normas orgânicas que criam órgãos no plano constitucional as normas de competência e as normas procedimentais é possível afirmar que as normas procedimentais em geral com estrutura de regras embora a existência de princípios de cunho procedimental podem ser reconduzidas à categoria das normas de eficácia plena visto que a sua aplicação imediata e a extração de seus principais efeitos não se encontram na dependência de uma regulamentação legal Como exemplo é possível mencionar as regras que estabelecem o procedimento de aprovação das emendas constitucionais art 60 I a II e 1º 2º 3º e 5º mas também em certo sentido o 4º assim como as regras com conteúdo e função similar entre tantas outras Aqui resulta evidente que não há necessidade de lei para reconhecer que uma emenda que não foi aprovada pelo procedimento fixado na Constituição é inconstitucional No caso das normas de competência o que temos são normas constitucionais que delimitam o âmbito de atuação dos entes da Federação e de órgãos constitucionais Poder Legislativo Executivo etc o que também significa que em geral não há necessidade de prévia regulamentação legal para que se dê aplicação e se extraiam os respectivos efeitos de tais normas da Constituição No caso das normas orgânicas que numa formulação ampla criam órgãos vejase o caso da criação pela Constituição do Superior Tribunal de Justiça em substituição ao antigo Tribunal Federal de Recursos em geral há necessidade de medidas legislativas e administrativas que complementem o mandamento constitucional pois tais medidas são indispensáveis para o regular funcionamento de tais órgãos o que contudo não significa que tais normas sejam destituídas de eficácia e aplicabilidade visto que podem implicar inconstitucionalidade por omissão entre outros efeitos úteis i Tratandose de normas constitucionais impositivas de programas fins e tarefas normas do tipo programático como ainda preferem alguns se está de regra recorrendo à terminologia habitual diante de normas de eficácia limitada ou reduzida situação na qual não há como dispensar em regra e para determinados efeitos uma atuação do legislador infraconstitucional ou mesmo outras providências a exemplo do que ocorre quando no art 3º a CF enuncia entre outros o objetivo de erradicar a pobreza Também nesses casos a circunstância de que não se pode dispensar para que tais normas cumpram sua função uma atuação do legislador infraconstitucional mas também dos demais órgãos estatais não afastam a eficácia jurídica e em certo sentido a aplicabilidade de tais normas como se poderá ver a partir da análise da listagem de efeitos das normas constitucionais a seguir enunciada j Por derradeiro segue um elenco de efeitos poderseá falar também em cargas eficaciais típicos das normas constitucionais que de algum modo serão objeto de maior atenção e desenvolvimento em diversos momentos do presente Curso Além disso o catálogo de possíveis efeitos a seguir apresentado representa por outro lado e em certo sentido a ponte que une o universo da eficácia e da aplicabilidade ao mundo da realidade dos fatos ou seja da realização do programa normativo da Constituição o que será sumariamente avaliado no próximo item Segue pois o anunciado inventário dos principais efeitos jurídicos gerados pelas normas constitucionais 1 No âmbito do que se costuma chamar de uma eficácia derrogatória as normas constitucionais acarretam a revogação ou não recepção dos atos normativos anteriores e contrários ao seu conteúdo e via de consequência sua não aplicação independentemente de uma declaração de inconstitucionalidade 476 ressaltandose que no Brasil o STF consagrou a tese da revogação em detrimento da assim chamada inconstitucionalidade superveniente muito embora possíveis exceções como no caso da ADPF arguição de descumprimento de preceito fundamental 2 As normas constitucionais contêm imposições que vinculam permanentemente o legislador no sentido de que este tem o dever de concretizar programas tarefas fins e ordens mais ou menos concretos estabelecidos pela Constituição implicando inclusive declaração de inconstitucionalidade por omissão ou eventual responsabilização do Estado em virtude dos danos causados pela omissão 477 Se uma norma considerada de eficácia plena por exemplo uma regra de procedimento ou uma norma definidora de direito fundamental pode ensejar por conta de um dever de legislar uma situação típica de omissão inconstitucional é controverso e costuma de acordo com a orientação dominante no Brasil ser afastado pelo menos no que diz com a admissibilidade do mandado de injunção e da ação direta de inconstitucionalidade por omissão o que será objeto de atenção na parte do Curso reservada ao controle de constitucionalidade Por outro lado a hipótese assume relevância no âmbito dos deveres de proteção de direitos fundamentais mas daí já se poderia falar na existência de uma outra norma a norma que impõe um dever de atuação do Estado no sentido da proteção de um direito fundamental 3 Implicam a declaração de inconstitucionalidade por ação de todos os atos normativos infraconstitucionais incluídas até mesmo as emendas constitucionais editados após a vigência da Constituição e que violem os princípios e regras constitucionais 478 4 Constituem parâmetro para a interpretação integração e aplicação das demais normas jurídicas influenciando nesse sentido toda a ordem jurídica ademais de implicarem um dever de interpretação conforme à Constituição 479 5 Geram algum tipo de posição jurídicosubjetiva tomandose tal noção em sentido amplo como possibilidade de impugnação pela via jurisdicional das ações e omissões que violam a Constituição de tal sorte que neste contexto se admite que toda e qualquer norma constitucional mesmo quando se tratar de normas de eficácia limitada ou reduzida gera pelo menos um direito subjetivo de cunho negativo no sentido de que o particular poderá sempre exigir do Estado que se abstenha de atuar em sentido contrário ao disposto na Constituição 480 Convém destacar que o assim chamado direito subjetivo negativo abrange o fenômeno habitualmente rotulado de proibição de retrocesso pois aqui também está em causa a possibilidade de impugnar medidas legislativas e administrativas que tenham por objetivo abolir ou reduzir determinados níveis de proteção e promoção de direitos fundamentais destacandose aqui a problemática de uma proibição de retrocesso social 481 Por outro lado das normas constitucionais especialmente no caso das normas de direitos fundamentais decorrem também direitos subjetivos de cunho positivo no sentido de posições subjetivas que têm por objeto prestações fáticas e normativas o que contudo depende das peculiaridades de cada direito fundamental bem como dos eventuais limites aos quais se encontra sujeito além de outros fatores que serão apresentados e desenvolvidos tanto na parte geral dos direitos fundamentais item que trata da aplicabilidade imediata das normas de direitos fundamentais quanto na parte relativa aos direitos sociais 7 O problema da efetividade das normas constitucionais e da força normativa da Constituição Ingo Wolfgang Sarlet Embora se possam distinguir como também o fazemos as esferas da eficácia jurídica e da aplicabilidade e da efetividade ou eficácia social a primeira operando no domínio do dever ser a segunda no plano do ser ou seja da realização concreta no mundo fático dos efeitos das normas jurídicoconstitucionais pois tanto é possível abordar o tópico pelo prisma da ciência jurídica e não da sociologia jurídica quanto é preciso reconhecer que o fato de uma norma ser aplicável e apta a gerar efeitos jurídicos não significa que ela venha a ser aplicada e que tais efeitos se concretizem uma abordagem da problemática da efetividade das normas constitucionais não dispensa a perspectiva da eficácia jurídica Ambas as dimensões eficácia e efetividade não apenas guardam relação entre si como se complementam e de certo modo se condicionam pois a decisão sobre quais os efeitos potenciais de uma norma constitucional já no plano da eficácia jurídica e a medida de sua aplicabilidade influencia a decisão sobre o se e o como da efetiva aplicação do programa normativo e portanto de sua efetivação Para ilustrar a afirmação tomemos três exemplos todos extraídos da teoria e prática constitucionais brasileiras No primeiro caso tratase do direito à saúde reconhecido e definido quanto aos seus contornos gerais nos arts 6º e 196 da CF Enquanto e na medida em que pois ainda há quem defenda tal ponto de vista doutrina e jurisprudência negam a tal direito no caso às normas que o definem e asseguram sua eficácia jurídica e aplicabilidade ou apenas admitem que se trata de norma de eficácia limitada a consequência será a decisão de não reconhecer pela via judicial um direito subjetivo a qualquer prestação em matéria de saúde que não tenha já sido objeto de previsão legal e para alguns inclusive de previsão orçamentária Se contudo como atualmente corresponde ao pensamento majoritário se reconhece a eficácia jurídica e aplicabilidade imediata direta de tais normas um possível efeito jurídico e concreto do direito à saúde será até mesmo o reconhecimento de um direito subjetivo originário a prestações ainda que não previstas em legislação infraconstitucional já por força da normativa constitucional Outro caso dentre tantos que poderiam ser acessados diz respeito ao direito de greve dos servidores públicos visto que enquanto a maioria dos ministros do STF ainda entendia que se tratava de norma de eficácia limitada admitiase a propositura de mandado de injunção mas para efeito apenas de declarar em abstrato a inconstitucionalidade por omissão e remeter a questão ao Congresso Nacional 483 Assim que a posição sobre a eficácia da norma e os meios para a sua realização mudaram o STF não apenas reconheceu um direito subjetivo ao exercício da greve por parte dos servidores mas alterou seu entendimento sobre o modo pela qual em termos práticos se poderia assegurar a fruição do direito e salvaguardar interesses e direitos de terceiros no caso determinando entre outros aspectos a aplicação do estatuto legal que rege a greve no setor privado 484 A terceira situação toca o direito à moradia Ao passo que para o STF o direito à moradia é direito fundamental não lhe tendo sido negada a direta aplicabilidade mas sim tendo sido admitida a sua restrição em função de bens constitucionais conflitantes além de outros fatores 485 há juízes como já ilustrado que preferem o entendimento de que se trata de direito assegurado por norma não autoaplicável que sequer está apto a derrogar norma infraconstitucional anterior e manifestamente incompatível com o direito à moradia 486 Assim enfatizase que a decisão por determinada eficácia jurídica e aplicabilidade é sempre também uma decisão que afeta o plano da efetividade Afinal apenas é possível aplicar e possível de resto cobrar tal aplicação aquilo que é aplicável e dotado de alguma eficácia Como já tivemos oportunidade de registrar por ocasião de uma de nossas primeiras incursões pelo tema ao tratarmos da eficácia jurídica dos direitos fundamentais das normas constitucionais situamonos numa espécie de antessala de sua efetivação razão pela qual o adequado enfrentamento dos problemas suscitados naquela esfera da eficácia pode facilitar em muito o trabalho dos que buscam soluções para a efetiva realização das normas da Constituição 487 A preocupação com um adequado manejo do problema teórico e prático reiterese da eficácia e aplicabilidade das normas constitucionais é sempre também uma preocupação com a sua efetividade bem como com a sua força normativa visto que como bem lembra Luís Roberto Barroso o direito existe para realizarse e a verificação do cumprimento ou não de sua função social não pode ser estranha ao seu objeto e interesse de estudo 488 A efetividade das normas constitucionais diz respeito portanto à pretensão de máxima realização no plano da vida real do programa normativo abstratamente estabelecido embora tal programa normativo seja ele próprio fruto de uma articulação com o mundo dos fatos da economia dos movimentos sociais etc em outras palavras como também pontua Luís Roberto Barroso ao processo de migração do dever ser normativo para o do plano do ser da realidade social 489 Tal processo de efetividade das normas constitucionais encontrase na dependência de uma série diferenciada e complexa de fatores dos quais boa parte é mesmo exterior ao próprio domínio do direito constitucional Para efeitos do presente tópico iremos agrupar tais fatores sob o título da força normativa da Constituição embora sem a pretensão de apresentar um inventário exaustivo e muito menos com a intenção de explorálos com a desejável profundidade No âmbito da interpretação constitucional o princípio da força normativa da Constituição significa a pretensão de prevalência dos pressupostos da Constituição na solução dos problemas jurídico constitucionais garantindo sua eficácia e permanência 490 Já numa perspectiva mais estruturante que dialoga com a interpretação constitucional mas lhe é mesmo anterior e determinante a noção da força normativa da Constituição na acepção de Konrad Hesse parte da premissa de que a Constituição embora de forma mais ou menos limitada contém sempre uma força própria capaz de motivar e ordenar a vida do Estado e da sociedade um poder de ordenação e conformação que não se reduz às forças políticas e sociais 491 Ainda segundo Hesse para uma adequada teoria da Constituição devese levar em conta não apenas as relações fáticas de poder dominantes da sociedade que acabam por resultar inevitavelmente numa realidade esvaziada de qualquer elemento normativo nem tampouco dar ênfase excessiva a uma normatividade autista despida de qualquer elemento da realidade mas sim encontrar um meiotermo ou seja um caminho que leve à superação da separação radical no plano constitucional entre ser e dever ser 492 A Constituição segue Hesse é dotada de uma pretensão de eficácia ou seja de que a situação por ela regulada pretende ser concretizada na realidade pretensão de eficácia que por sua vez não pode estar dissociada das condições históricas de sua realização contemplando aqui as condições naturais técnicas econômicas e sociais pois somente dessa forma a Constituição e sua pretensão de eficácia lograrão imprimir ordem e conformação à realidade política e social 493 A força normativa da Constituição sua pretensão de eficácia e efetividade é assegurada mediante os assim chamados pressupostos realizáveis dentre os quais os mais importantes são os que dizem respeito ao conteúdo da Constituição no sentido de tentar corresponder à natureza singular do presente à interpretação constitucional que deve pretender dar realização ótima aos preceitos da Constituição e como pressuposto fundamental uma práxis constitucional voltada à vontade de Constituição prática que deve ser partilhada por todos os partícipes da vida constitucional especialmente pelos atores responsáveis pela ordem jurídica 494 É a partir da realização de tais pressupostos que a Constituição adquire a possibilidade de converterse em força ativa influindo e determinando a realidade concreta da sociedade 495 Percebese portanto que são vários os mecanismos que amparam e viabilizam a força normativa da Constituição cuidando se tanto de fatores externos quanto de fatores internos ou seja previstos e regulados pela própria Constituição Da mesma forma a força normativa de uma constituição é sempre a de determinada Constituição e da sua peculiar articulação com a realidade social política cultural e econômica mas também com os demais subsistemas daquela concreta ordem jurídica ainda que também nessa seara se possa falar em elementos comuns às ordens constitucionais em geral Assim é correto afirmar que o problema da força normativa é um problema de todas as constituições mas como ele se manifesta e como ele se resolve é sempre algo que não pode ser reconduzido pura e simplesmente a uma teorização abstrata e genérica Dentre os fatores externos ao texto constitucional temos a pressão da dinâmica social e econômica mas também os impulsos por parte do processo político por mais que a própria política seja também regulada constitucionalmente Uma sociedade fragilizada com uma economia dependente e em crise dificilmente assegura os pressupostos para que os direitos sociais previstos no texto constitucional tenham eficácia e efetividade em termos sequer próximos dos ideais Estruturas sociais conservadoras podem obstaculizar a concretização de imposições constitucionais e mesmo de direitos fundamentais Da mesma forma atores sociais e políticos incluindo aqui os agentes do Poder Judiciário como agentes políticos comprometidos e capacitados para transformar a vontade em realidade são indispensáveis Já no caso dos elementos internos cuidase das garantias e instrumentos que a própria Constituição oferece para assegurar a sua própria preservação e afirmação seja em nível de controle de constitucionalidade dos atos dos poderes constituídos e da criação de uma jurisdição constitucional forte ou mesmo no concernente a outras garantias como a previsão de limites formais e materiais ao poder de reforma constitucional ações constitucionais de proteção dos direitos fundamentais a regulação de estados de exceção vg estado de sítio entre outros fatores que aqui poderiam ser referidos Nesse contexto visto que relacionado em larga medida aos aspectos mencionados é de destacar o papel da interpretação constitucional tópico do qual nos ocuparemos a seguir As assim chamadas ações constitucionais e o controle de constitucionalidade que igualmente servem à afirmação da ordem constitucional serão também versados em capítulo próprio nesta obra 8 A norma constitucional no tempo Relações entre a Constituição e a ordem jurídica anterior Ingo Wolfgang Sarlet 81 Considerações gerais O problema das relações intertemporais das normas jurídicas constituições leis e atos normativos em geral ou seja da sucessão de normas no tempo guarda direta relação com o princípiodireito à segurança jurídica em especial no que diz respeito ao seu equacionamento com a necessidade de mudança e atualização do Direito à vista das mudanças no plano fático Outrossim a relação entre a Constituição e as normas jurídicas constitucionais ou infraconstitucionais anteriores é complexa e não pode ser reduzida a um único fenômeno além de implicar importantes e diferenciados efeitos Nesse sentido como bem aponta Jorge Miranda há que levar em conta tanto o fato de se tratar de uma nova ordem constitucional uma constituição originária quanto de uma reforma constitucional que venha a se manifestar em relação ao direito constitucional originário ou mesmo em relação à legislação infraconstitucional 82 A Constituição e o direito constitucional anterior 821 A Constituição originária e a Constituição anterior Considerando que somente pode existir uma constituição em cada Estado a entrada em vigor de uma nova constituição tem por efeito a revogação global da constituição anterior pois uma ordem constitucional substitui integralmente a precedente o que se dá já em virtude do caráter originário e inicial de cada nova constituição 498 Não se deve olvidar que o poder constituinte expressão da soberania é autônomo e exclusivo o que por sua vez se aplica à constituição Como a nova constituição constitui a nova ordem jurídica e estatal a revogação da anterior constituição corresponde a uma revogação global de modo que não cabe questionar sequer da compatibilidade entre normas constitucionais anteriores e as normas da constituição nova 499 Embora a regra seja mesmo a da substituição integral por força da revogação global da constituição antiga pela nova nem sempre é assim havendo casos em que partes da constituição anterior podem seguir em vigor Isso se manifesta de pelo menos dois modos a a recepção de partes da constituição anterior pela nova constituição b a recepção embora com força de lei norma infraconstitucional de partes da constituição anterior fenômeno também conhecido como desconstitucionalização 500 No primeiro caso a nova constituição expressamente mantém em vigor com status de norma constitucional preceitos do ordenamento constitucional anterior que assim sendo se incorporam à constituição nova embora mediante remissão ao respectivo texto da constituição revogada quanto ao que não foi expressamente recepcionado 501 Um exemplo digno de nota é o da Lei Fundamental da Alemanha que no seu art 140 expressamente recepciona como integrantes da Lei Fundamental de 1949 os arts 136 137 138 139 e 141 da Constituição da República de Weimar de 1919 No que diz com a Constituição Federal ainda que se trate de norma de caráter provisório temporário é possível citar o art 34 do ADCT de acordo com o qual até a entrada em vigor do sistema tributário criado e regulado pela CF o que se deu a partir do primeiro dia do quinto mês seguinte ao da promulgação da CF permaneceria como de fato permaneceu em vigor o sistema tributário da CF19671969 O fenômeno da assim chamada desconstitucionalização precisamente a segunda hipótese de manutenção em vigor de normas da constituição anterior já é mais controverso e nem sempre é aceito A tese da desconstitucionalização que como lembra Luís Roberto Barroso pode ser reconduzida a Carl Schmitt e Esmein parte da premissa de que as normas apenas formalmente constitucionais ou seja aquelas que poderiam ter sido pura e simplesmente relegadas ao legislador ordinário seguem em vigor mas perdem o seu caráter de norma constitucional portanto deixam de fazer parte da constituição e são recepcionadas como se direito ordinário fossem podendo de tal sorte ser alteradas como qualquer lei infraconstitucional 502 No Brasil a despeito da existência de defensores da tese da desconstitucionalização 503 a posição dominante na doutrina a refuta mediante o argumento de que isso apenas seria possível se houvesse disposição constitucional na constituição nova expressa no sentido da recepção com força de lei ordinária de preceitos constitucionais anteriores de tal sorte que prevalece a noção de que a nova constituição substitui integralmente a anterior e revoga todas as suas normas que não mais subsistem na ordem jurídica seja na condição de normas constitucionais seja na condição de direito ordinário 504 Também o STF embora sem referência explícita ao fenômeno da desconstitucionalização refuta tal possibilidade aderindo ao entendimento de que a vigência e a eficácia de uma nova Constituição implicam a supressão da existência perda de validade e cessação da eficácia da ordem constitucional anterior no sentido de uma revogação global ou sistêmica não sendo admissível a recepção de preceitos da Constituição anterior 505 822 As emendas constitucionais e o direito constitucional originário anterior Já no que diz com o efeito das emendas constitucionais sobre o direito constitucional anterior não se opera uma revogação global mas apenas os dispositivos da Constituição vigente incompatíveis com as emendas constitucionais supervenientes são revogados Assim sempre que a emenda constitucional estiver em sintonia com os limites formais circunstanciais materiais e temporais estabelecidos na Constituição Federal portanto sendo a emenda formal e materialmente válida ela alcança vigência imediata e revoga as normas constitucionais precedentes naquilo que com ela emenda forem incompatíveis 506 Em sendo a emenda promulgada em desacordo com os limites postos pelo constituinte originário no caso da CF os limites previstos no art 60 a emenda será passível de ser declarada inconstitucional o que todavia não será objeto de análise no âmbito do presente tópico 83 A Constituição e o direito infraconstitucional anterior Levando em conta a supremacia hierárquica da constituição ao menos no plano interno de cada Estado mas também tendo presente a necessária continuidade da ordem jurídica tem prevalecido o entendimento que chegou a ser expressamente consagrado nas Constituições brasileiras de 1891 e 1934 de que as normas legais infraconstitucionais anteriores sigam em vigor considerandose as recepcionadas 507 Assim ainda que a nova constituição seja o fundamento de uma nova ordem jurídica de tal sorte que as normas anteriores perdem o fundamento de validade que lhes dava a constituição anterior tais normas recebem pela entrada em vigor da nova constituição um novo fundamento de validade o que pode ocorrer de modo expresso quando a nova constituição assim o prevê no seu texto ou de modo tácito 508 Com efeito de acordo com a lição de José Afonso da Silva o princípio da continuidade da ordem jurídica opera mesmo quando a nova constituição não confirme expressamente as normas compatíveis como é o caso da atual Constituição Federal 509 Tal entendimento por sua vez pode ser em larga medida reconduzido à doutrina de Hans Kelsen que todavia observa que não se trata de uma criação inteiramente nova de direito mas sim da recepção de normas de uma ordem jurídica por outra de tal sorte que embora o conteúdo das normas anteriores siga sendo o mesmo mudou o seu respectivo fundamento de validade assim como mudou o fundamento de validade de toda a ordem jurídica 510 Pressuposto da manutenção em vigor e da geração de efeitos das normas infraconstitucionais anteriores é a sua compatibilidade com a nova constituição o que significa que a existência de vício anterior ou seja eventual inconformidade em sentido formal e material com a constituição anterior não é relevante para a recepção pela nova ordem constitucional do direito anterior mas apenas a conformidade com a nova constituição 511 Com efeito o controle de constitucionalidade se verifica apenas e sempre em relação aos parâmetros materiais e formais postos pela constituição em vigor de tal sorte que o que importa ao fim e ao cabo é que a norma anterior guarde sintonia com a constituição vigente não com a revogada Todavia importa registrar que embora as normas infraconstitucionais anteriores quando compatíveis com a nova constituição sigam em vigor por terem sido recepcionadas a circunstância de receberem um novo fundamento de validade implica em determinado sentido uma verdadeira recriação de seu sentido 512 Nesse contexto irretocável a lição de Jorge Miranda para quem tal fenômeno mais do que uma mera recepção representa uma novação do direito ordinário anterior visto que as normas infraconstitucionais recebidas sob a égide da nova constituição sujeitamse aos princípios materiais da ordem constitucional superveniente 513 Tal ideia de recriação ou novação ainda de acordo com Jorge Miranda apresenta três consequências principais 514 a os princípios gerais de toda a ordem jurídica passam a ser os constantes direta ou indiretamente da nova constituição b as normas infraconstitucionais vigentes quando da entrada em vigor da nova constituição devem ser objeto de reinterpretação e apenas seguem em vigor se e na medida em que em conformidade com a nova ordem constitucional c as normas infraconstitucionais que estejam em desacordo com a nova constituição deixam de subsistir não sendo portando recepcionadas À luz de tais considerações acompanhase a exortação de Luís Roberto Barroso no sentido de que o aspecto mais relevante decorrente do fenômeno da recepção novação ou recriação do direito ordinário anterior é o da necessária reinterpretação das normas infraconstitucionais e a necessidade via de consequência de não se aplicar de modo automático e acrítico a jurisprudência produzida sob a égide da constituição anterior 515 Tal cuidado se impõe mesmo que o texto constitucional novo seja na parte que esteja em causa idêntico ao da constituição revogada situação relativamente comum o que se verifica inclusive quando se comparam partes da atual Constituição Federal com a Constituição de 19671969 Notese que a identidade textual não afasta a necessidade de contextualização tampouco a de se proceder a uma interpretação que leve em conta os aspectos históricos que são da nova constituição teleológicos e principalmente sistemáticos que podem exigir uma mudança na interpretação Ainda que parte do texto constitucional seja igual ao da constituição anterior no seu conjunto o texto não é o mesmo e já daí decorreria um dever de testagem da interpretação anteriormente praticada Um exemplo que poderia ser citado precisamente pela controvérsia que acabou gerando diz com a hierarquia dos tratados de direitos humanos no sistema interno pois a mesma regra insculpida na Constituição anterior art 114 III b da CF1967 516 acabou sendo prevista na CF art 102 III b qual seja a que refere caber recurso extraordinário de decisão que julgar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal Ora ainda mais em face do contido no art 4º II que dispõe sobre a prevalência dos direitos humanos e de acordo com o que reza o art 5º 2º da CF expressiva doutrina preconizava que a regra do art 102 III b da CF não poderia justificar a manutenção do entendimento em prol da hierarquia meramente legal dos tratados internacionais tal como formado sob a égide da Constituição anterior na qual não havia norma expressa reconhecendo os direitos constantes dos tratados de direitos humanos ratificados pelo Brasil como também integrantes do catálogo constitucional mas havia dispositivo similar ao atual art 102 III b Aspecto que segue polêmico embora pacificado no âmbito da jurisprudência do STF é o que diz com a configuração do vício da inconstitucionalidade por força da incompatibilidade de direito ordinário anterior com a constituição nova Cuidandose de matéria também afeta ao capítulo relativo ao controle da constitucionalidade deixaremos aqui de abordar o tópico De qualquer sorte registrase que a posição ainda dominante no STF não admite a assim chamada inconstitucionalidade superveniente a norma de direito ordinário passa a ser inconstitucional por violar a constituição nova superveniente pelo menos para efeito de controle abstrato de constitucionalidade via ação direta de inconstitucionalidade 517 Por se tratar de exceção à regra válida para a ADI e ADC é de se registrar que por meio do manejo da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental ADPF nos termos do disposto na Lei n 98821999 é possível impugnar a constitucionalidade de leis ou atos normativos federais estaduais e municipais em sede de controle concentrado presentes os pressupostos de admissibilidade da ação constitucional Outro ponto a ser considerado diz com os efeitos de emenda constitucional sobre o direito ordinário anterior Nessa hipótese como bem averba Jorge Miranda não se opera o fenômeno da novação pois não se trata de dar ao direito anterior um novo fundamento de validade 518 A própria emenda constitucional deve observar os requisitos e limites postos pela constituição originária assim como deve ocorrer com o direito ordinário de tal sorte que a alteração da constituição mediante emenda ou mesmo revisão constitucional quando não afetar a norma infraconstitucional não gera efeito algum sobre o direito ordinário que simplesmente segue em vigor como tal Se contudo a norma infraconstitucional já ofendia a constituição antes de a emenda constitucional ser promulgada o vício da inconstitucionalidade não será sanado mesmo por força da emenda constitucional superveniente 519 Além disso importa averbar que de acordo com a precisa lição de Ana Paula de Barcellos as normas infraconstitucionais válidas em face da Constituição originárias tornamse inconstitucionais caso conflitem com emendas que lhes sejam posteriores vício que se opera apenas com a promulgação da emenda tratandose portanto de uma inconstitucionalidade do tipo superveniente 520 A CONSTITUIÇÃO E AS RELAÇÕES COM O DIREITO ESTRANGEIRO E INTERNACIONAL O problema da aplicação das normas constitucionais no espaço Ingo Wolfgang Sarlet 91 Considerações introdutórias A constituição e suas normas situase num contexto mais amplo estando em contato com outras fontes de produção do direito portanto com outros sistemas normativos Assim embora a constituição seja a fonte primária e referencial do direito na órbita interna dos Estados a própria constituição não representa uma ordem hermética e precisa dialogar direta ou indiretamente com outras ordens jurídicas Nesse contexto é comum que os Estados firmem compromissos internacionais e estejam em maior ou menor medida integrados ao sistema jurídico internacional seja no plano universal sistema da ONU seja no plano regional como é o caso da Organização dos Estados Americanos OEA do Mercosul ou da União Europeia apenas para referir alguns exemplos Da mesma forma são relativamente frequentes as hipóteses nas quais se trata de aplicar direito estrangeiro a situações fáticas ocorridas em outro país Ocorre que nem sempre as relações entre a ordem jurídica interna e a externa se desenvolvem de forma harmoniosa isenta de tensões e mesmo antinomias pois o direito internacional pode conflitar com os princípios e regras constitucionais mas também o direito estrangeiro portanto o direito de outros países constitucional ou infraconstitucional pode quando em causa a sua aplicação conflitar com as normas constitucionais No caso de se verificarem tais conflitos há que resolvêlos mediante recurso às técnicas disponíveis inclusive e especialmente pelos critérios que regem a solução de antinomias Como se trata de antinomias que envolvem a constituição inclusive de outro país existem peculiaridades a serem observadas e que serão analisadas logo a seguir Por outro lado percebese que a problemática revela duas faces bem distintas embora ambas tenham em comum a circunstância de que se trata de conciliar fazer conviver ordens jurídicas diversas e que não podem ser aplicadas integralmente ao mesmo tempo Num caso tratase de verificar como se estabelece a relação entre o direito estrangeiro e ordem jurídicoconstitucional interna no outro o que está em causa são as peculiaridades que dizem respeito à relação entre o direito internacional e o interno Ambas seguirão sendo atuais e relevantes desafiando doutrina e jurisprudência e serão apresentadas e analisadas sinteticamente a seguir sempre na perspectiva do direito constitucional positivo brasileiro de onde serão também extraídos os exemplos 92 Relações entre o direito estrangeiro e a Constituição Quanto a este aspecto são duas as possibilidades a serem examinadas a as relações entre o direito estrangeiro e a constituição do mesmo país constituição de origem b as relações entre o direito estrangeiro e a constituição de outro Estado no caso o Brasil A pergunta que se coloca entre outras é saber até que ponto o juiz de determinado Estado no caso o Brasil poderá aplicar o direito estrangeiro mas especialmente saber o que em caso de conflito o juiz brasileiro poderá fazer para solucionar a antinomia Como a matéria diz respeito em grande medida ao direito internacional privado 521 não se trata aqui de desenvolver o tópico com maior minúcia mas apenas de tratar dos aspectos mais relevantes em termos de eventuais conflitos da norma jurídica estrangeira com a Constituição Em termos gerais e dada a relevância do ponto para a adequada compreensão do problema prevalece o entendimento de que quando o juiz ou órgão jurisdicional colegiado brasileiro aplicar a lei estrangeira esta deve ser aplicada como no país de origem Da mesma forma há que sublinhar que ao aplicar o direito estrangeiro o juiz brasileiro deverá aplicar todo o direito inclusive o direito constitucional pois constituição e normativa infraconstitucional formam uma unidade hierarquizada o que não pode ser desconsiderado pelo aplicador do direito estrangeiro no Brasil o mesmo em princípio valerá se a aplicação se der em outro país Quanto a tais alternativas e a forma de sua solução na ordem jurídica brasileira verificase certa tranquilidade e convergência de opiniões na doutrina e jurisprudência brasileiras Iniciemos portanto pela primeira hipótese da relação entre o direito estrangeiro e a constituição do mesmo país ou seja o país de origem Nessa hipótese tanto a doutrina quanto o STF têm entendido que qualquer juiz pode na solução do caso concreto declarar a inconstitucionalidade de norma estrangeira em face da constituição estrangeira Dito de outro modo isso significa que na prática não se aplica a lei estrangeira se esta for conflitante com a constituição estrangeira ou seja do mesmo país ao qual se refere a lei Notese todavia que este controle de constitucionalidade da lei estrangeira em face da constituição daquele país somente se dá nos casos em que o Poder Judiciário do país de origem seja competente para tal controle bem como quando se trata de controle incidental resultando apenas na não aplicação da lei ao caso mas jamais na declaração de inconstitucionalidade da lei em tese ou seja na esfera do controle abstrato de constitucionalidade que implica de regra e quando acompanhado de pronúncia de nulidade afetação do próprio ato normativo e enseja ingerência na esfera da soberania estatal 522 Tomando por empréstimo as palavras de Luís Roberto Barroso no Brasil tudo o que se pode pretender é negar eficácia à norma estrangeira sem que isso afete sua validade e sua vigência 523 No âmbito da jurisprudência do STF onde tal orientação hoje é consolidada nem sempre foi assim Com efeito embora se cuide de caso anterior à vigência da Constituição Federal convém colacionar o exemplo representado pela Extradição 417 524 processo no qual a Argentina requereu a extradição de Mario Eduardo Firmenich antigo líder do grupo Montoneros em virtude da prática de uma série de delitos e que se encontrava com sua prisão cautelar já determinada pela Justiça argentina No centro das discussões estavam a vigência e a validade da Lei de Anistia Argentina que foi posteriormente revogada com efeitos retroativos ensejando um no caso alegado conflito com a Constituição da Argentina A defesa do extraditando arguiu duas inconstitucionalidades em face da Constituição argentina a primeira no sentido de que a Lei de Anistia não poderia ter sido revogada com efeitos retroativos a segunda alegando que de acordo com a Constituição argentina a anistia teria de ter caráter geral de tal sorte que a lei não poderia ter excluído o extraditando do benefício A despeito da argumentação o Pleno do STF concedeu a extradição embora não por unanimidade ficaram vencidos três ministros Com relação ao julgamento Luís Roberto Barroso bem averba que a decisão acabou sendo contraditória pois embora a maioria dos ministros tenha refutado na ocasião a possibilidade de exercer controle de constitucionalidade da norma legal estrangeira o STF terminou por não considerar aplicável a lei que revogara a anistia para os crimes políticos 525 Tal orientação acabou sendo alterada quando do julgamento da Extradição 541 526 já sob a égide da Constituição Federal de 1988 processo no qual o governo da Itália requereu extradição de brasileiro naturalizado Neste caso o STF negou a extradição com base na argumentação do relator para o acórdão Min Sepúlveda Pertence Entre os fundamentos esgrimidos destacase precisamente o argumento de acordo com o qual o art 26 da Constituição italiana veda a extradição em virtude de crimes políticos além de autorizar a extradição apenas nos casos expressamente previstos nas convenções internacionais Assim com base em tais disposições da Constituição italiana o STF entendeu que a promessa de reciprocidade oferecida pelo governo italiano não tinha qualquer eficácia no ordenamento jurídico constitucional italiano de tal sorte que em virtude de sua inconstitucionalidade não poderia também ser aplicada para embasar o julgamento no Brasil Em síntese a orientação que ora prevalece na doutrina e na jurisprudência do STF a partir do julgamento da Extradição 541 é no sentido de que os órgãos jurisdicionais brasileiros ao aplicarem direito estrangeiro aplicam o direito no seu conjunto podendo reconhecer uma inconstitucionalidade no contraste da lei estrangeira com a sua respectiva constituição deixando de aplicar a norma infraconstitucional por força de sua inconstitucionalidade mas sem declarar a nulidade do próprio ato normativo apenas negandolhe a aplicação ao caso concreto 527 Já no que diz com a segunda hipótese ou seja quando se trata de conflito entre o direito estrangeiro e a Constituição de outro Estado no caso do Brasil a solução será distinta Considerando que uma declaração de inconstitucionalidade pressupõe uma relação entre ato normativo inferior e superior no caso a Constituição de um mesmo Estado visto que determinada constituição opera como fundamento de validade apenas da ordem jurídica à qual se refere não haveria como declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo estrangeiro quando em conflito com a nossa ordem constitucional A relação de constitucionalidade ou inconstitucionalidade se refere sempre a normas de um mesmo sistema jurídico O fundamento da solução de eventual conflito portanto terá de ser distinto Muito embora a hipótese de conflito entre direito estrangeiro e a Constituição brasileira não se confunda inteiramente com as hipóteses previstas na Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro designadamente no seu art 17 de acordo com o qual as leis atos e sentenças de outro país bem como quaisquer declarações de vontade não terão eficácia no Brasil quando ofenderem a soberania nacional a ordem pública e os bons costumes visto que tais situações vão bem além da relação entre ato normativo estrangeiro e constituição o entendimento que passou a prevalecer é no sentido de que qualquer ato normativo estrangeiro que for contrário a qualquer disposição constitucional brasileira implica violação da nossa ordem pública Formulado de outro modo isso significa que embora a ordem pública não se restrinja ao disposto na Constituição visto existirem outras disposições de ordem pública a Constituição integra e compõe mesmo o elemento central da ordem pública brasileira de tal sorte que todo e qualquer ato normativo estrangeiro assim como qualquer ato jurídico que estiver violando a Constituição estará violando também e por consequência a ordem pública não podendo gerar efeitos na ordem jurídica interna brasileira 528 Tal entendimento aliás segue sendo adotado pelo STF na sua jurisprudência sobre a matéria destacando em caráter ilustrativo julgado de 03042018 RE 634595 rel Min Dias Toffoli no bojo do qual se assegurou a possibilidade de concessão de exequatur de carta rogatória por decisão monocrática mediante o argumento de que o STJ limitase a analisar os requisitos formais estabelecidos pela Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro sendo portanto vedada a revisão do mérito do ato processual salvo se houver ofensa à soberania nacional à dignidade da pessoa humana ou à ordem pública 529 A utilização da noção de ordem pública que em termos gerais corresponde a uma pretensão de preservação dos valores jurídicos morais e econômicos de determinada sociedade se revela mais adequada e controlável embora sua indeterminação do que as noções de soberania e bons costumes até mesmo pelo fato de se tratar de princípios e regras que se situam no patamar superior de determinada ordem jurídica Registre que de acordo com o assim chamado Código Bustamante convenção internacional ratificada pelo Brasil mediante o Dec 188711929 uma ofensa à Constituição é uma ofensa à ordem pública Com efeito de acordo com o art 4º do citado diploma os preceitos constitucionais são de ordem pública internacional de tal sorte que como já referido uma ofensa à Constituição é sempre uma ofensa à ordem pública 530 Ainda no campo dos conflitos entre direito estrangeiro e Constituição importa referir o caso especial expressamente regulado pela própria CF designadamente no art 5º XXXI dispondo que a sucessão de bens de estrangeiros situados no País será regulada pela lei brasileira em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros sempre que não lhes seja mais favorável a lei pessoal do de cujus Em síntese isso significa que aos órgãos jurisdicionais brasileiros não é dado no caso concreto aplicar a norma estrangeira se esta conflitar com o direito constitucional brasileiro Muito embora não se trate como já explicitado de um juízo sobre a constitucionalidade da norma estrangeira os efeitos práticos são similares implicando a não aplicação da lei estrangeira ao caso naquilo em que estiver contrariando a Constituição Federal De todo o exposto e acompanhando o magistério de Luís Roberto Barroso podem ser articuladas duas conclusões a quando for caso de aplicação de lei estrangeira o juiz ou tribunal brasileiro deverá aplicála como fariam as autoridades judiciárias do país de origem se o ordenamento jurídicoconstitucional estrangeiro admite a pronúncia de inconstitucionalidade de uma lei o juiz brasileiro poderá fazêlo deixando de aplicar no caso concreto a norma estrangeira incompatível com a constituição estrangeira b juízes e tribunais devem negar aplicação à norma estrangeira que esteja em desacordo com a Constituição Federal de 1988 isso porque as normas constitucionais são tidas como de ordem pública 531 93 O direito internacional e a Constituição Federal de 1988 No que diz respeito às relações entre o direito internacional e a ordem jurídicoconstitucional ou seja o direito interno dos Estados são duas as principais teorias que dividem o cenário muito embora existam variações importantes em relação a cada uma delas mas que aqui considerando os propósitos mais limitados deste capítulo não serão inventariadas e analisadas Assim segue sendo possível distinguir entre as teorias do dualismo jurídico e do monismo jurídico De acordo com a primeira corrente dualismo não se pode falar propriamente em conflito entre a ordem jurídica interna e a internacional pois são esferas que não se tocam de tal sorte que o ato internacional só opera efeitos se incorporado à ordem interna 532 Já para o monismo jurídico o direito é unitário forma um todo sistêmico de tal sorte que tanto o direito internacional público quanto o direito interno integram o sistema jurídico 533 No âmbito do monismo verificase uma disputa entre os que sustentam a tese de que no caso de conflito prevalecerá a ordem interna ao passo que outros defendem a ideia de que eventual conflito deverá ser resolvido em favor da ordem internacional Neste contexto importa destacar que a doutrina brasileira majoritária sustenta a tese do monismo jurídico com primazia do direito internacional ou seja de que o tratado internacional direito internacional prevaleceria sobre o direito interno 534 Entre as consequências da afirmação de um monismo com prevalência do direito internacional situamse duas a o tratado internacional altera a lei interna anterior eou a revoga quando for o caso b o tratado internacional não pode ser alterado por lei superveniente No Brasil tal entendimento corresponde em matéria tributária ao disposto no art 98 do CTN Os tratados e as convenções internacionais revogam ou modificam a legislação tributária interna e serão observados pela que lhes sobrevenha Todavia a despeito do entendimento dominante na esfera doutrinária a posição adotada pelo STF consolidada a partir do RE 80004SE julgado em 1977 535 situase na linha do que se pode designar de um dualismo moderado no sentido de que existe paridade hierárquica entre os tratados internacionais regularmente ratificados pelo Brasil e a legislação infraconstitucional 536 Também de acordo com jurisprudência consolidada afinada com a prática política nesta seara a regular incorporação dos tratados para o direito interno ocorre mediante um ato complexo que abrange a celebração pelo Poder Executivo a aprovação pelo Congresso Nacional mediante decreto legislativo seguida por decreto do Executivo 537 A paridade entre tratado internacional e lei ordinária interna foi a tese adotada pelo STF durante muito tempo praticamente por duas décadas o que gerou acirrada crítica por parte da doutrina especialmente pelo fato de o STF não ter feito qualquer distinção entre os diversos tipos de tratados nem mesmo os tratados de direitos humanos que a despeito do disposto no art 5º 2º da CF ou seja da inclusão dos direitos constantes dos tratados internacionais ratificados pelo Brasil no elenco dos direitos e garantias fundamentais da Constituição também foram submetidos à regra da paridade No caso emblemático da prisão civil do depositário infiel que se transformou no foco principal da controvérsia sobre o valor jurídico dos tratados a partir da promulgação da Constituição Federal o STF chegou a sustentar no contexto da tese da paridade entre tratado e lei que os tratados de direitos humanos que proibiam a prisão por dívida a não ser nos casos de dívida alimentar como é o caso do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e da Convenção de São José da Costa Rica ambos ratificados pelo Brasil embora incorporados posteriormente não poderiam prevalecer em face da legislação anterior permissiva da prisão nesses casos visto que nesta hipótese aplicável o critério da especialidade ou seja a lei especial a legislação permissiva da prisão prevalece em face de lei geral tratados ainda que esta seja posterior 538 Em suma o STF que poderia em homenagem ao especial significado do disposto no art 5º 2º da CF ter reconhecido a prevalência da lei posterior em face da anterior sem abrir mão portanto da tese da paridade entre tratado e lei preferiu atribuir aos direitos consagrados nos tratados estatura jurídica legal e ainda assim fragilizada em face da legislação interna Por outro lado impende frisar que a tese da paridade entre lei e tratado mesmo nos casos de tratados de direitos humanos foi sufragada pelo STF também com base no argumento de que uma vez cabível recurso extraordinário de decisão que declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal art 102 III b da CF e considerando que a declaração de inconstitucionalidade pressupõe que o tratado esteja situado em plano inferior ao da Constituição Federal a hierarquia dos tratados internacionais devia ser a de lei ordinária ainda mais em sendo os tratados aprovados por decreto legislativo o que levou o Ministro Sepúlveda Pertence a sugerir a adoção da tese da hierarquia supralegal mas infraconstitucional tal como veio a prevalecer mais tarde 539 Tendo em conta a inserção por meio da EC 452004 de um 3º no art 5º da CF dispondo que os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados em cada Casa do Congresso Nacional em dois turnos por três quintos dos votos dos respectivos membros serão equivalentes às emendas constitucionais dispositivo que causou e ainda causa acirrada controvérsia quanto a diversos aspectos o STF retomando o julgamento a respeito da legitimidade jurídica da prisão civil do depositário infiel acabou alterando seu posicionamento e passou a reconhecer na esteira de argumentação que já havia sido sustentada pelo Min Sepúlveda Pertence embora vencido nos julgamentos que os tratados de direitos humanos regularmente ratificados pelo Brasil têm hierarquia supralegal prevalecendo portanto sobre qualquer ato normativo interno mas cedendo em face de disposição constitucional 540 A partir de tal julgamento é possível afirmar que as relações entre tratados internacionais e a ordem jurídica interna no que diz respeito à hierarquia dos tratados em relação ao direito interno uma vez ratificados obedecem no Brasil às seguintes diretrizes a os tratados em geral possuem hierarquia de lei ordinária prevalecendo a tese da paridade entre tratado e lei b todavia há hipóteses nas quais não se aplica a regra geral da paridade 1 os tratados internacionais em matéria tributária prevalecem sobre as leis a teor do disposto no art 98 do CTN que é expresso neste sentido 2 os tratados em matéria de direitos humanos ratificados antes da EC 45 eou não aprovados pelo rito do art 5º 3º da CF possuem de acordo com a atual orientação do STF hierarquia supralegal 3 os tratados em matéria de direitos humanos aprovados pelo rito qualificado estabelecido no art 5º 3º da CF serão equivalentes às emendas constitucionais de tal sorte que terão hierarquia de direito constitucional derivado cabendo no máximo sua declaração de inconstitucionalidade por violação dos requisitos formais procedimento do 3º do art 5º ou eventualmente a prevalecer tal entendimento por violação das cláusulas pétreas da Constituição Federal Além das exceções mencionadas podem ser identificadas outras designadamente nos casos de extradição em face do disposto no art 82 2º e 3º da Lei 68151980 considerase que a lei interna cede em face do tratado de extradição bem como as hipóteses extraídas do art 178 da CF com a redação que lhe foi dada pela EC 71995 dispondo sobre o respeito ao acordo internacional sobre ordenação do transporte internacional assim como do art 34 da Lei de Arbitragem Lei 93071996 dispondo que a sentença arbitral estrangeira será executada no Brasil de acordo com os tratados internacionais 541 Considerando que o problema do modo de incorporação e da hierarquia dos tratados de direitos humanos integra a problemática da assim chamada abertura material do catálogo dos direitos fundamentais deixaremos aqui de investir mais no tema limitando nos a estabelecer as linhas gerais visto que a matéria será analisada com mais vagar na parte geral dos direitos fundamentais Por outro lado a discussão sobre a hierarquia do direito internacional em relação ao direito interno não assume relevância apenas no que diz respeito aos tratados internacionais muito embora nesta esfera se situe a maior parte das questões Com efeito é preciso levar em conta que existem outras fontes de direito internacional destacandose o direito internacional comum os princípios gerais de direito internacional e mesmo o costume internacional Mas tais aspectos serão na medida do possível objeto de análise em outro momento 542 LINHAS MESTRAS DA INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL Ingo Wolfgang Sarlet 101 Noções gerais Tal como o direito em geral a constituição não se compreende por si só como algo autoevidente mas quer e precisa ser compreendida Também por essa razão mas não apenas por isso a interpretação das normas constitucionais situase no contexto mais amplo da interpretação das normas jurídicas de modo que desde logo se coloca a indagação a respeito da existência de peculiaridades da interpretação constitucional ou mesmo de métodos e princípios diferenciados de interpretação Muito embora se deva refutar uma autonomia da interpretação constitucional até mesmo por exigência da unidade do sistema jurídico integrado pelas normas constitucionais também é verdade que a posição ocupada pela constituição na ordem jurídica no plano da hierarquia das fontes do direito por si só já indica que a interpretação constitucional implica uma atenção especial Além disso como bem aponta Konrad Hesse a importância da interpretação no campo do direito constitucional da interpretação constitucional é mais elevada do que ocorre em âmbitos do direito onde em geral a normatização é mais detalhada notadamente em virtude da abertura e amplitude da constituição bem como nos casos em que se atribui a uma jurisdição constitucional a tarefa de estabelecer de modo vinculativo para o cidadão e demais órgãos estatais o sentido e alcance das normas constitucionais 544 Com efeito tanto as já referidas características do direito constitucional em especial a sua supremacia hierárquica quanto as funções desempenhadas pela constituição na ordem jurídica indicam que embora a interpretação constitucional seja essencialmente interpretação jurídica submetida a métodos princípios e critérios comuns é possível identificar determinadas peculiaridades e mesmo alguns princípios eou critérios que dizem mais de perto com a interpretação das normas constitucionais ou que interagem com a interpretaçãoaplicação de outras normas jurídicas 545 Considerando que aqui não se pretende revisitar todos os conceitos e métodos da interpretação jurídica nem adentrar nos meandros de uma hermenêutica constitucional de matriz filosófica 546 a nossa atenção será voltada sem prejuízo de futuro aprofundamento e ampliação dos aspectos versados para algumas questões básicas e recorrentes mas ainda assim não menos centrais para a interpretação e aplicação das normas constitucionais a começar pela própria definição de interpretação constitucional Neste contexto recolhese a lição de José Joaquim Gomes Canotilho para quem a interpretação constitucional consiste em atribuir um significado a um ou vários símbolos linguísticos na constituição com o fim de se obter uma decisão de problemas práticos normativoconstitucionalmente fundada 547 Segundo o mesmo autor a interpretação constitucional assume pelo menos três dimensões relevantes e que se articulam entre si a interpretar a constituição significa procurar o direito contido nas normas constitucionais b a interpretação constitucional consiste em atividade complexa que se traduz na adscrição de um significado a determinado enunciado texto normativo c a interpretação constitucional portanto o atoatividade de interpretar tem como produto o significado atribuído ao texto 548 A interpretação constitucional não se confunde a despeito da relação que se estabelece entre os fenômenos com a assim chamada concretização constitucional concretização da constituição que consiste na construção de uma norma jurídica mediante um processo de densificação de princípios e regras constitucionais a partir do texto enunciado para uma norma jurídica concreta processo que se complementa apenas quando da descoberta da norma de decisão que dá solução aos casos problemas jurídicoconstitucionais 549 Por outro lado interpretação e concretização ainda que não sejam categorias coincidentes entre si não podem ser completamente dissociadas de tal sorte que em determinado sentido a interpretação constitucional é também concretização da constituição visto que o conteúdo da norma interpretada se completa mediante a interpretação que assim adquire uma feição criativa do direito 550 Importa destacar nesta quadra que também a interpretação constitucional se revela como orientada à aplicação e solução de problemas jurídicoconstitucionais processo no qual assume relevância tanto o conteúdo dos textos normativos quanto dos elementos e circunstâncias do caso problema concreto que se busca resolver de tal sorte que o ato de interpretar e a criação da norma implica consideração dos dois mundos do dever ser e do ser 551 Vale frisar que para a dogmática constitucional contemporânea não faz mais sentido a separação estrita entre as categorias interpretação e aplicação à vista da inexorável conexão existente entre a atribuição de sentidos aos enunciados normativos e a realidade factual subjacente 552 Além disso é preciso ter presente que também para as normas constitucionais vale o pressuposto já destacado na parte introdutória da teoria da norma constitucional de que texto e norma não são idênticos de modo que a norma é sempre resultado já em maior ou menor articulação com um ou mais textos de um ato de interpretação A natureza da relação que se estabelece entre texto e norma assim como a relevância atribuída aos textos serão objeto de atenção na parte relativa aos limites da interpretação constitucional De qualquer sorte já é possível compreender a esta altura a razão pela qual Peter Häberle sublinha que não existe norma jurídica senão norma jurídica interpretada 553 já pelo fato de que a norma jurídica não resulta de uma decisão prévia mas é aplicada no tempo e integrada na realidade pública por intermédio do ato interpretativo no âmbito do que o mesmo Peter Häberle designou de uma interpretação necessariamente contextualizada 554 Assim tanto pelo fato de os textos normativos não serem unívocos ou evidentes quanto pelo fato de serem destinados à aplicação em determinado contexto é de refutar ainda mais em matéria de interpretação constitucional a noção de que diante de um texto claro evidente quanto ao seu sentido não há falar em interpretação pois para que possa ser considerada clara a norma deve ser interpretada 555 Já no que diz com o que pode ser considerado como a principal função da interpretação constitucional calha recorrer à lição de Konrad Hesse para quem a tarefa da interpretação constitucional consiste em identificar e estabelecer o resultado constitucionalmente correto mediante um procedimento racional e controlável motivando tal resultado de modo igualmente racional e controlável e com isso assegurar a previsibilidade e certeza jurídica 556 Como chegar ao resultado ou resposta constitucionalmente correta depende entre outros aspectos dos atores ou seja dos sujeitos aos quais incumbe a interpretação mas também dos métodos técnicas e princípios ou critérios dos quais se valem os agentes do processo interpretativo Iniciemos com os sujeitos atores da interpretação constitucional sendo desde logo possível aderir à lição de Gomes Canotilho no sentido de que interpretar a constituição é uma tarefa que se impõe metodicamente a todos os aplicadores das normas constitucionais legislador administração tribunais 557 cada qual cabe acrescentar operando no âmbito de suas competências e funções Propondo uma ampliação do espectro dos sujeitos da interpretação constitucional assume cada vez mais destaque também no Brasil a noção projetada por Peter Häberle de uma sociedade aberta dos intérpretes da constituição no sentido de que a interpretação constitucional não se restringe a uma competência dos órgãos jurisdicionais mas sim que se trata de tarefa cometida a todos os órgãos estatais sem prejuízo da participação dos cidadãos considerados individualmente ou mediante sua integração em grupos de tal sorte que inexiste um círculo fechado de intérpretes da constituição 558 Com isso todavia não se está a refutar a noção de que no Estado constitucional contemporâneo a posição de ator privilegiado da interpretação constitucional não siga sendo reservada em boa parte mediante um processo de autoatribuição de tal papel pelos órgãos jurisdicionais à jurisdição constitucional aqui compreendida em sentido amplo especialmente em virtude de sua prerrogativa funcional de revisar e mesmo substituir a interpretação promovida pelos outros atores o que contudo aqui não será desenvolvido Como os atores da interpretação constitucional com destaque aqui para os integrantes da assim chamada jurisdição constitucional interpretam aplicam e concretizam a constituição e chegam a dar respostas constitucionalmente adequadas aos problemas jurídico constitucionais implica levar a sério especialmente a existência de um conjunto de princípios da interpretação constitucional 102 Princípios da interpretação constitucional Sob o rótulo princípios da interpretação constitucional cuidase de elencar um catálogo do que se poderia designar de técnicas e diretrizes para assegurar uma metódica racional e controlável ao processo de interpretação e aplicação da constituição e de suas normas princípios e regras portanto auxiliar na construção de respostas constitucionalmente adequadas para os problemas jurídicoconstitucionais Na dicção de Gomes Canotilho a elaboração de um catálogo de princípios da interpretação constitucional está relacionada com a necessidade de encontrar princípios tópicos auxiliares relevantes para a solução do problema prático enfrentado mas que sejam ao mesmo tempo metodicamente operativos e constitucionalmente praticáveis 559 O elenco de princípios interpretativos a seguir enunciados foi originalmente proposto por Konrad Hesse 560 tendo sido revisitado ajustado e posteriormente difundido na doutrina constitucional de língua portuguesa por José Joaquim Gomes Canotilho 561 Também aqui não deixaremos de fazer a despeito da substancial fidelidade aos modelos invocados parcial ajuste e reestruturação De qualquer sorte tais princípios não esgotam o elenco dos princípios e critérios de interpretação não guardam hierarquia entre si e devem ser compreendidos como bem salienta Paulo Gustavo Gonet Branco com uma necessária dose de relativização 562 1021 O princípio da unidade da Constituição O princípio da unidade da constituição implica que no âmbito da interpretação constitucional cada norma constitucional deve ser interpretada e aplicada de modo a considerar a circunstância de que a constituição representa uma unidade um todo indivisível 563 Como bem disse Eros Roberto Grau tratase de levar a sério a noção de que a constituição o que se aplica ao direito em geral não pode ser pura e simplesmente lida em tiras aos pedaços isolados 564 Assim o que está em causa é em primeira linha evitar contradições e superar eventuais antinomias normativas mediante uma interpretação global da constituição em que o intérprete procurará harmonizar os espaços de tensão existentes entre as normas constitucionais no âmbito de sua concretização 565 Conforme leciona Luís Roberto Barroso o ponto nodal da efetivação do princípio da unidade da constituição radica na dificuldade em solucionar as tensões que se estabelecem dentro da própria constituição já que esta é sobretudo um documento dialético instrumento jurídico de composição das forças políticas de determinado Estado 566 Somase a isso a inexistência de hierarquia jurídica entre normas constitucionais de tal modo que a princípio não se cogita da existência de normas constitucionais inconstitucionais tal como já decidido também pelo STF 567 Além disso a afirmação do princípio da unidade da constituição que também dialoga com a produção de uma unidade política deve ser equacionada no âmbito de uma teoria democrática da interpretação constitucional aberta a várias concepções e posicionamentos inclusive àqueles que não estão formalmente legitimados a exercêla 568 Independentemente do já exposto é preciso ter em conta que o princípio da unidade da constituição representa talvez menos um autêntico princípio da interpretação do que um objetivo da interpretação visto que implica uma obrigação por parte dos intérpretes da constituição que por sua vez se valem dos métodos e princípios de interpretação no sentido de interpretar as normas constitucionais isoladas de modo a afastar contradições 569 De qualquer modo sem adentrar aqui na querela sobre se a unidade da constituição opera como princípio ou objetivo ou mesmo ambos da interpretação o fato é que a unidade da constituição somente poderá ser considerada na prática quando articulada com métodos e princípios da interpretação tal como o método sistemático e os princípios do efeito integrador da concordância prática ou da harmonização e da ponderação sopesamento ou hierarquização como preferem outros apenas para referir os mais evidentes e relevantes 10211 Princípio do efeito integrador O princípio do efeito integrador tem uma ligação estrita com o da unidade da constituição por justamente significar a primazia da integração política e social como critério fundamental na resolução dos problemas jurídicoconstitucionais o que posto de outro modo implica que se deve dar preferência aos critérios ou pontos de vista que favoreçam a integração política e social e o reforço da unidade política 570 Todavia há que levar a sério a advertência de Konrad Hesse de que mediante recurso ao princípio do efeito integrador não se poderão ultrapassar os limites da interpretação constitucional é dizer não se legitima resultado obtido por meio de caminhos que não sejam condizentes com os parâmetros estabelecidos pela própria constituição 571 10212 O princípio da concordância prática ou da harmonização O princípio da concordância prática que também dialoga com o princípio da unidade da constituição impõe conforme a doutrina de Gomes Canotilho a coordenação e combinação dos bens jurídicos em conflito de forma a evitar o sacrifício total de uns em relação aos outros 572 Também designado pela doutrina germânica de princípio da harmonização o princípio da concordância prática implica que bens jurídicos reconhecidos e protegidos constitucionalmente precisam ser ordenados de tal forma que notadamente onde existirem colisões um não se realize às custas do outro seja pela ponderação apressada de bens seja pela ponderação de valores em abstrato 573 O princípio da unidade da constituição impõe de acordo com a conhecida lição de Konrad Hesse a realização ótima otimização dos bens em conflito o que somente é alcançado mediante uma delimitação recíproca à luz das peculiaridades do caso concreto e por meio da observância dos critérios da proporcionalidade de modo que as delimitações não devem ir além do necessário para produzir a concordância entre ambos os bens jurídicos 574 No que diz com o seu campo de aplicação mais frequente o princípio da concordância prática ou da harmonização pontifica no âmbito da teoria dos direitos fundamentais tanto no que se refere à colisão entre direitos fundamentais quanto na colisão entre estes e outros bens jurídicos constitucionalmente tutelados 575 A constituição não estabelece critérios para a harmonização já que se arranca do pressuposto de que inexiste hierarquia entre as normas constitucionais de tal sorte que na sua realização a noção de concordância prática harmonização não se concretiza senão mediante avaliações mais ou menos subjetivas do intérprete quando do ato da interpretação e aplicação 576 Este princípio não deve ser aplicado isoladamente mas socorrerse dos demais princípios instrumentais e materiais de aplicação da constituição pois impõe uma necessária e saudável coordenação e harmonização dos bens jurídicos constitucionais em conflito evitandose o perecimento de uns para satisfazer outros isto é o princípio da concordância prática impõe o estabelecimento de limites e condicionamentos recíprocos in concreto 577 Por outro lado não se configura uma concordância prática quando a própria constituição explicitamente limita ou excepciona determinada norma constitucional 578 o que todavia não quer dizer que também nessa hipótese não se possam colocar problemas de interpretação e aplicação O que se percebe é que o princípio da concordância prática busca atender no contexto da unidade da constituição e da ordem jurídica às exigências de coerência e racionalidade do sistema constitucional e se concretiza no âmbito da assim chamada ponderação de bens direitos princípios etc e mediante a observância dentre outros dos critérios da proporcionalidade 579 10213 A assim chamada ponderação ou balanceamento no campo da interpretação e aplicação da Constituição Como bem pontua Gomes Canotilho as noções de ponderação ou de balanceamento de acordo com as terminologias preferidas na tradição alemã Abwägung e angloamericana balancing são utilizadas sempre que surge a necessidade de encontrar o direito para resolver casos de tensão em especial de colisões entre bens juridicamente protegidos situações que têm sido cada vez mais frequentes no campo do direito e da interpretação constitucional 580 a ponto de se chegar a designar inclusive com tom crítico o Estado constitucional contemporâneo como um Estado da ponderação Abwägungstaat 581 Geralmente atrelada à colisão de direitos fundamentais a técnica da ponderação de bens surge a partir da insuficiência da subsunção como técnica de aplicação do direito quando da resolução de determinados problemas jurídico constitucionais em especial de casos concretos 582 Que o recurso à ponderação ou balanceamento não corresponde a um mero capricho dos cultores do direito constitucional decorre de acordo com a explicação de Gomes Canotilho de pelo menos três fatores a a inexistência de uma ordenação hierarquizada e abstrata de bens constitucionais b a estrutura de princípio de muitas normas constitucionais que por sua vez implica a refutação de uma lógica do tudo ou nada e portanto exige a otimização e harmonização de tais princípios especialmente nos casos de conflito c a possibilidade de uma diversidade de leituras dos conflitos de bens constitucionais em face de uma ausência de unidade de valores no âmbito da comunidade política impondo cuidadosa análise dos bens em causa e uma rigorosa fundamentação no âmbito da resolução dos conflitos 583 Ainda segundo a doutrina de Gomes Canotilho que busca demonstrar a falta de identidade entre a interpretação e a ponderação muito embora a ponderação integre o processo de interpretação e aplicação compreendido em sentido amplo a função da assim chamada ponderação de bens não consiste propriamente na atribuição de significado normativo ao texto da norma mas na obtenção de equilíbrio e na ordenação de bens em conflito ou tensão por ocasião de determinado caso concreto Assim ao passo que a interpretação busca reconstruir e qualificar os interesses ou bens conflitantes atribuindo um sentido aos textos normativos aplicados a ponderação balanceamento cuida dos critérios de ordenação concreta e da solução do conflito de bens 584 Por outro lado a assim chamada ponderação ou balanceamento expressões que reiterese aqui são utilizadas como sinônimas nem sempre se faz necessária e deve mesmo ser utilizada de modo comedido e mediante o atendimento de determinados critérios além de se tratar de operação que reclama particular atenção em termos de uma adequada fundamentação Quando todavia a própria constituição tiver estabelecido regras abstratas de prevalência ou seja quando a constituição exigir seja dada preferência a determinado bem jurídico ou interesse o conflito deverá ser resolvido mediante observância da ponderação em abstrato feita pelo constituinte e que vincula o intérprete e aplicador 585 Quanto ao modo pelo qual se processa a ponderação ou seja os parâmetros pelos quais se pauta o intérprete quando confrontado com a necessidade de resolver conflito cuja solução exige a utilização da ponderação remetese à literatura especializada e ao tópico seguinte que cuida precisamente da proporcionalidade e da razoabilidade cuja relação com o instituto da ponderação é inequívoca muito embora quanto ao detalhe do como se dá tal relação aqui não será destinada maior atenção 10214 Proporcionalidade e razoabilidade como princípios e critérios de interpretação constitucional Proporcionalidade e razoabilidade são noções que assumiram um papel de destaque no direito constitucional contemporâneo Sua relação com os princípios da concordância prática e da ponderação harmonização é notória e como tal aqui não será particularmente justificada além de ter sido introduzida no item anterior De qualquer modo muito embora ambas as noções encontrem talvez o mais importante momento de sua aplicação no campo das restrições aos direitos fundamentais e de modo especial quando se cuida de colisões entre direitos e princípios sua repercussão não se limita a tais situações Com efeito proporcionalidade e razoabilidade guardam uma forte relação com as noções de justiça equidade isonomia moderação prudência além de traduzirem a ideia de que o Estado de Direito é o Estado do não arbítrio Por outro lado apenas na aplicação desses princípios e critérios é que se logra obter a construção de seu significado legitimação e alcance pois a cada situação solucionada ampliase o âmbito de sua incidência 586 Originário do direito administrativo prussiano o princípio da proporcionalidade assim como na tradição angloamericana a noção de razoabilidade reasonableness na sua forma inicial e até hoje reconhecida embora reconstruída ao longo do tempo guarda íntima vinculação com a ideia de um controle dos atos do Poder Público buscando precisamente coibir excessos de intervenção na esfera dos direitos dos cidadãos evoluindo todavia para servir de critério de aferição também da legitimidade constitucional dos atos legislativos e mesmo de decisões judiciais 587 Não é à toa portanto que se fala em uma evolução da reserva legal para uma reserva de lei proporcional no sentido de que o próprio legislador está vinculado pelo dever de proporcionalidade e com base neste pode ser controlado 588 No seu conjunto tal evolução que compreende os princípios da proporcionalidade e em certa medida da razoabilidade como critérios de controle do poder inicialmente sobre os atos do Poder Executivo implicou uma aproximação cada vez maior de uma dimensão material da constituição guindando o indivíduo a uma posição que o habilite a contestar determinados atos do Estado ofensivos ou restritivos a seus direitos fundamentais 589 Na sua versão mais difundida e vinculada especialmente à função dos direitos fundamentais como direitos de defesa contra intervenções por parte dos órgãos estatais o princípio da proporcionalidade compreendido em sentido amplo opera como um limite à possibilidade de intervenção no âmbito de proteção dos direitos fundamentais implicando nos termos da metódica praticada pelo Tribunal Constitucional Federal da Alemanha e posteriormente recepcionada em grande parte das Cortes constitucionais e mesmo dos tribunais supranacionais destaquemse aqui o Tribunal de Justiça da União Europeia e o Tribunal Europeu de Direitos Humanos uma estrutura de controle em três níveis de acordo com os critérios da adequação ou da conformidade a medida interventiva deve ser apropriada no sentido de tecnicamente idônea a promover os fins pretendidos da necessidade ou da exigibilidade a medida deve ser dentre as disponíveis a menos restritiva possível e da assim chamada proporcionalidade em sentido estrito onde se processa a ponderação propriamente dita ou seja a verificação de se a medida embora adequada e exigível é mesmo proporcional e preserva uma relação de justa medida entre os meios utilizados e o fim almejado 590 Tais desenvolvimentos a despeito de certa falta de clareza e da existência de importante controvérsia quanto ao adequado manejo dos critérios da proporcionalidade e da natureza de sua relação ou mesmo eventual identificação com a razoabilidade correspondem também ao atual estágio da doutrina e jurisprudência constitucional brasileira onde o princípio da proporcionalidade não encontrou a exemplo de outras ordens constitucionais previsão expressa no texto da constituição Muito embora a existência de autores de alto quilate como Luís Roberto Barroso que concebem os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade como conceitos fungíveis reduzindo eventual diferença entre ambos a uma questão mais nominal e vinculada à origem dos institutos razoabilidade como produto da common law e proporcionalidade como estrutura desenvolvida na Alemanha de modo que na sua essência ambos os princípios teriam fundamento nas ideias de devido processo legal substantivo e de justiça revelandose um valioso instrumento de controle dos atos do Poder Público na proteção da concretização dos direitos fundamentais 591 o fato é que proporcionalidade e razoabilidade a despeito dos pontos de contato não podem ser equiparadas A simples afirmação da fungibilidade dos dois princípios e mesmo o fato de especialmente na esfera jurisprudencial se verificar maior ou menor confusão a respeito não significam que razoabilidade e proporcionalidade de acordo com a tradição angloamericana e alemã sejam de fato a mesma coisa A estruturação da metódica de aplicação da proporcionalidade em três níveis adequação necessidade e proporcionalidade em sentido estrito tal como desenvolvida na Alemanha e amplamente recepcionada não se confunde com o raciocínio embora haja pontos de contato utilizado quando da aplicação da razoabilidade 592 Paralelamente à difundida função da proporcionalidade como proibição de excesso e como decorrência da noção de deveres de proteção do Estado desenvolveuse a ideia de que o Estado também está vinculado por um dever de proteção suficiente no sentido de dotado de alguma eficácia Deveres de proteção podem ser e são violados quando o titular do dever nada faz para proteger determinado direito fundamental ou ao fazer algo falha por atuar de modo insuficiente Daí se falar tal como já se fez também no Brasil de uma dupla face do princípio da proporcionalidade 593 que passa a atuar como critério de controle da legitimidade constitucional de medidas restritivas de direitos do âmbito de proteção dos direitos fundamentais bem como para o controle da omissão ou atuação insuficiente do Estado no cumprimento de seus deveres de proteção 594 O sentido mais comum da proibição de excesso é o de evitar cargas excessivas ou atos de ingerência desmedidos na esfera jurídica dos particulares Contudo o defeito de proteção uma forma de excesso inverso ocorrerá quando as entidades sobre as quais recai um dever de proteção não adotarem medidas suficientes para garantir uma proteção efetiva e adequada dos direitos fundamentais Assim este controle da insuficiência de proteção pressupõe a verificação a respeito do grau mínimo necessário para satisfazer determinado direito isoladamente considerado e se a proteção de determinado direito não afeta em demasia outros direitos contrapostos 595 Ambas as dimensões da proporcionalidade implicam controle da ação ou omissão do Poder Público não existindo como já referido uma resposta prévia e desde logo correta em matéria de aplicação tanto da proibição de excesso quanto da proibição de proteção insuficiente Cuidase de limitar atos dos poderes públicos que no caso do Poder Legislativo dispõe de relativamente ampla margem de manobra razão pela qual a utilização da técnica da proporcionalidade implica também uma maior possibilidade de intervenção do intérprete constitucional que nem sempre poderá ser saudada quando se trata de encargo desproporcional para o princípio democrático e mesmo da separação de poderes De qualquer modo como aqui se buscou apenas tecer alguns rápidos comentários sobre o papel do princípio da proporcionalidade é o caso de remeter o leitor ao capítulo próprio da parte geral dos direitos fundamentais item sobre limites e restrições e à literatura especializada onde os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade são apresentados e analisados de forma mais detalhada 596 1022 O princípio da supremacia da Constituição O princípio da supremacia da constituição se traduz no fato de que as normas constitucionais dada a sua origem e em virtude da distinção entre poder constituinte e poderes constituídos ocupam posição hierárquica superior em relação a toda e qualquer norma ou ato oriundo dos assim chamados poderes constituídos portanto em relação às demais normas do sistema jurídico 597 Em outros termos o princípio da supremacia da constituição significa que a constituição e em especial os direitos fundamentais nela consagrados situamse no topo da hierarquia do sistema normativo de tal sorte que todos os demais atos normativos assim como os atos do Poder Executivo e do Poder Judiciário mas também e de certo modo todo e qualquer ato jurídico devem ter como critério de medida a constituição e os direitos fundamentais 598 Por outro lado há que ter em mente que a supremacia da constituição não se esgota na hierarquia das normas jurídicas mas também diz respeito à arquitetura institucional ou seja à relação entre órgãos constitucionais pois a supremacia da constituição implica o caráter secundário dependente e subordinado da legislação e do legislador 599 Guardam relação mas não se confundem com o princípio da supremacia da constituição do qual decorre o princípio da constitucionalidade e a partir do qual se estrutura todo um sistema de hierarquia das fontes normativas pelo menos três importantes princípios da interpretação constitucional o princípio da máxima eficácia e efetividade das normas constitucionais o princípio da força normativa da constituição e o princípio da interpretação conforme à constituição que serão objeto de sumária apresentação a seguir 10221 O princípio da máxima eficácia e efetividade da Constituição O tema da eficácia e efetividade da constituição relacionase com o plano da concretização constitucional no sentido da busca da aproximação tão íntima quanto possível entre o deverser normativo e o ser da realidade social 600 Nessa perspectiva o princípio da máxima eficácia e efetividade também chamado de princípio da eficiência implica o dever do intérpre te e aplicador de atribuir o sentido que assegure maior eficácia às normas constitucionais 601 602 Assim verificase que a interpretação pode servir de instrumento para assegurar a otimização da eficácia e da efetividade e portanto também da força normativa da constituição 603 10222 O princípio da força normativa da Constituição O princípio da força normativa da constituição de acordo com a definição de Gomes Canotilho implica que na solução dos problemas jurídicoconstitucionais se dê primazia às soluções que possibilitam a atualização normativa da constituição e ao mesmo tempo garantam a sua eficácia e permanência 604 O princípio da força normativa da constituição portanto guarda relação com o da máxima eficácia e efetividade da constituição mas não se confunde integralmente com ele pois o que está em causa não é apenas a ótima realização do programa normativo assegurando a sua máxima realização no plano dos fatos mas sim como leciona Konrad Hesse mediante a devida consideração das possibi lidades históricas e condições em processo de câmbio permanente assegurar a atualização da constituição sem prejuízo de lhe imprimir a sua máxima concretização e força jurídica eficácia e efetividade 605 10223 O princípio da interpretação das leis conforme à Constituição O princípio da interpretação das leis conforme à constituição embora não pressuponha a existência de uma jurisdição constitucional acabou alcançando relevância prática e desenvolvimento essencialmente no âmbito da estruturação e atuação de uma justiça constitucional com destaque para a evolução que se processou na Alemanha com a jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal 606 Muito embora a forte influência da doutrina e jurisprudência constitucional alemã e a particular formatação que lá recebeu o instituto o princípio da interpretação conforme à constituição não nasceu propriamente na Alemanha além de ter alcançado uma difusão que transcende as fronteiras da Europa já pelo fato de estar fundado na noção da supremacia da constituição e da sua estreita relação com o controle de constitucionalidade das leis 607 Assim não causa surpresa que também no Brasil a interpretação conforme a constituição tenha sido recepcionada e transformada mesmo em técnica decisória do controle de constitucionalidade expressamente consagrada em documento legislativo 608 em que pese a sua recepção e desenvolvimento tenham como em outros lugares matriz jurisprudencial por conta da atuação do STF 609 Por outro lado como se trata de uma interpretação das leis em conformidade com a constituição 610 há quem sustente que o dever de interpretação conforme à constituição não consiste propriamente em um princípio de interpretação constitucional das normas constitucionais mas sim em uma interpretação constitucionalmente orientada guiada de normas infraconstitucionais 611 Ainda assim embora essencialmente se trate da atribuição de um sentido às leis que seja conforme à constituição tal operação exige do intérprete que até mesmo para estabelecer um juízo de conformidade simultaneamente atribua sentido às normas constitucionais de modo que em sentido amplo se trata de um princípio da interpretação constitucional Da mesma forma é preciso que se tenha cuidado com o que se compreende por interpretação conforme à constituição Com efeito uma coisa é em sentido alargado falar de uma eficácia irradiante das normas constitucionais em especial no âmbito da dimensão objetiva dos princípios e direitos fundamentais de acordo com o qual toda a ordem jurídica deve ser interpretada e aplicada em sintonia com os princípios e regras da constituição outra é já no contexto mais restrito da assim chamada interpretação das leis conforme a constituição quando mediante a utilização dos diversos métodos de inter pretação não for possível em função da existência de várias possibilidades de interpretação obter um sentido inequívoco optandose neste caso pelo sentido que for mais compatível com o texto constitucional Em termos conceituais e no sentido estrito referido a interpretação das leis conforme à constituição consiste portanto na técnica de acordo com a qual em face da existência de mais de uma alternativa possível de interpretação de determinado dispositivo legal das quais uma ou mesmo várias implicaria a inconstitucionalidade da disposição normativa em causa há que se optar pela alternativa de interpretação que ao mesmo tempo em que preserva a integridade do dispositivo legal lhe atribui um sentido compatível com a constituição 612 Assim quando não se tratar da metódica referida não se estará diante de uma interpretação conforme à constituição em sentido estrito mas de outra coisa que consoante sinalado poderá até ser reconduzida à noção ampla de uma interpretação conforme à constituição Com lastro na doutrina de Gomes Canotilho o procedimento da interpretação conforme à constituição resulta da conjugação de pelo menos três aspectos a o princípio da prevalência supremacia da constituição de acordo com o qual deve ser escolhida uma interpretação que não seja contrária ao texto e ao programa da norma constitucional b o princípio da conservação de normas que traduz a ideia de que a norma não deve ser declarada inconstitucional quando verificadas suas finalidades ela puder ser interpretada em conformidade com a constituição c o princípio da exclusão da interpretação conforme à constituição mas que seja contrária ao sentido literal da lei de acordo com o qual mesmo uma interpretação em conformidade com a constituição deve ser afastada quando tal interpretação implicar violação do sentido literal da norma infraconstitucional inexistência de interpretação conforme à constituição mas seja contra legem 613 A interpretação conforme à constituição extrai sua justificativa de vários elementos designadamente a supremacia da constituição a presunção de que em caso de dúvida o legislador teria desejado que dentre as opções disponíveis fosse escolhida aquela mais compatível com o texto constitucional bem como a noção de que se deve optar pela deci são que mais tiver condições de preservar o ato legal 614 No âmbito do controle de constitucionalidade das leis a interpretação opera de certo modo como instrumento de autocontenção self restraint da jurisdição constitucional em relação aos atos legislativos visto que a disposição legal só será declarada inconstitucional quando tal inconstitucionalidade for manifesta e não houver como dar uma atribuição de sentido à norma legal que por um lado não venha a distorcer e reescrever o texto legal mediante uma interpretação conforme não se deve substituir o conteúdo do regramento legal por um regramento substancialmente novo e produzido pelo Poder Judiciário 615 e por outro lado evite a declaração de inconstitucionalidade O quanto tal orientação é observada e em que medida atual como limite da interpretação resulta controverso e não será aqui examinado Cuidandose de técnica de decisão no âmbito do controle de constitucionalidade das leis e atos normativos deixaremos de aqui aprofundar o tema remetendo desde logo ao item correspondente na esfera do controle de constitucionalidade onde a interpretação conforme também é diferenciada de outras técnicas correlatas como é o caso da inconstitucionalidade parcial sem redução de texto 1023 O princípio da divisão de poderes e o correlato princípio dever da conformidade funcional o problema da autorrestrição por parte da jurisdição constitucional e as assim chamadas capacidades institucionais Vinculado ao princípio fundamental e pétreo da separação divisão de poderes o assim chamado princípio e o dele decorrente dever da conformidade funcional de acordo com a lição de Gomes Canotilho significa em termos gerais que o resultado da interpretação não pode subverter ou perturbar o esquema organizatóriofuncional constitucionalmente estabelecido 616 O respeito pela esfera de competência dos demais órgãos estatais assume nesse contexto a dimensão não apenas da condição de um dever elementar mas sim a de um imperativo constitucional 617 Assim os limites e o alcance da atuação dos poderes constituídos em especial no que concerne à posição do Poder Judiciário em relação aos Poderes Legislativo e Executivo devem ser determinados a partir da noção de que o princípio da separação dos poderes implica uma posição de deferência em relação aos demais órgãos estatais e no que diz com a postura adotada pelo Poder Judiciário até mesmo uma espécie de autorrestrição na linha do assim chamado judicial self restraint praticado nos Estados Unidos da América 618 De acordo com Konrad Hesse tal princípio de interpretação constitucional vale especialmente para as relações entre o legislador e a jurisdição constitucional de modo que a esta incumbe apenas uma função de controle da legislação não podendo chegar ao ponto de subtrair ou mesmo limitar a liberdade de conformação do legislador para além dos limites impostos pela constituição 619 De qualquer sorte importa sublinhar que o princípio da autorrestrição não implica a redução das competências de controle da justiça constitucional ainda mais quando se trata de seu órgão máximo no caso brasileiro do STF consistindo apenas na renúncia à prática da política pelos órgãos jurisdicionais de tal sorte que a autocontenção não poderá constituir uma estratégia generalizada de um órgão cuja função precípua é de controlar o poder e proteger os direitos fundamentais do cidadão 620 Os níveis de autorrestrição ou deferência por parte dos órgãos judiciais por outro lado não podem ser abstratamente definidos seja em homenagem às peculiaridades de cada ordem constitucional concreta e da posição ocupada pelos órgãos estatais em especial os três poderes convencionais na arquitetura jurídico constitucional quanto aos problemas verificados em termos de cumprimento pelos órgãos legislativos e administrativos das disposições constitucionais Da mesma forma relevante o grau de independência do Poder Judiciário e os mecanismos de controle dos atos dos demais poderes que lhe foram colocados à disposição A interpretação conforme à constituição como técnica destinada em primeira linha a salvaguardar o texto legal mas também a maior ou menor consideração pelos assim chamados atos políticos eou interna corporis são indicativos concretos e viáveis mas carentes de cuidadosa definição e manejo para aferir o quanto em conformidade funcional se está a realizar embora aqui salvo a sumária apresentação da interpretação conforme não tenhamos condições de aprofundar o ponto Embora não se confunda com a interpretação conforme à constituição nem haja uma superposição em relação à doutrina da autorrestrição judicial assume relevo no presente contexto da conformidade funcional e também em boa parte no campo da autocontenção judicial por força especialmente da recepção promovida no Brasil mediante o labor de atualizada literatura a assim chamada teoria doutrina das capacidades institucionais que em apertadíssima síntese busca cobrar do Poder Judiciário de modo especial em área sensíveis como a do controle de políticas públicas e que envolvem uma grande exigência de conhecimentos técnicos estranhos ao mundo jurídico um maior grau de deferência em relação às opções e decisões levadas a efeito pelo legislador e pelo administrador no sentido de uma valorização recíproca das capacidades institucionais de cada esfera estatal e mesmo propondo um produtivo diálogo institucional 621 Por outro lado tendo em conta o exposto convém pelo menos atentar para o assim chamado fenômeno da judicialização da política ou do ativismo judicial por mais que se possa discutir a respeito da correção dos termos e sobre o quanto são adequadamente utilizados no Brasil para que se verifique o quanto cada vez mais aparentemente menos se leva em conta o princípio da conformidade funcional especialmente no que diz com a ampla intervenção do Poder Judiciário na esfera da atividade legislativa e em relação aos atos e omissões do Poder Executivo Com isso por sua vez não se está a fazer um juízo de valor negativo ou positivo mas apenas afirmando que os limites funcionais aparentemente se revelam cada vez mais fluidos e relativos o que se percebe com particular ênfase no Brasil pós1988 à vista do número de casos que foram levados ao STF e que segundo muitos indicam uma crescente intervenção do Poder Judiciário na esfera reservada aos demais poderes 622 SEGUNDA PARTE O Sistema Constitucional Brasileiro O CONSTITUCIONALISMO BRASILEIRO EM PERSPECTIVA HISTÓRICOEVOLUTIVA Da Constituição Imperial de 1824 à assim chamada ConstituiçãoCidadã de 1988 Ingo Wolfgang Sarlet 11 Os primórdios e a Carta Imperial de 1824 A evolução constitucional brasileira embora sua origem possa ser reconduzida ao período colonial inicia com a independência de Portugal marcando o desenvolvimento políticoinstitucional do Brasil como Estado e nação politicamente independente Marcada pelo contexto eminentemente liberalburgues mas especialmente impregnada pela matriz constitucional francesa a primeira Assembleia Constituinte do Brasil sob a presidência do Bispo CapelãoMor D José Caetano da Silva Coutinho e com a participação decisiva do assim chamado artífice da independência José Bonifácio de Andrade e Silva foi instalada em 3 de maio de 1823 transcorrido menos de um ano da declaração da independência por Dom Pedro I muito embora a convocação para a realização das eleições para a Assembleia Constituinte convém registrar tenha ocorrido ainda antes da declaração de independência mediante decreto expedido em 03061822 ufanismo democráticoliberal contudo logo foi freado pelo autoritarismo que ainda marcava a vida políticoinstitucional resultando na dissolução da Assembleia Constituinte pelo Imperador D Pedro I em 12111823 que desconfiava do projeto de racionalização e limitação dos seus poderes imperiais seguida da convocação com a tarefa de elaborar um projeto de constituição de um Conselho de Estado integrado por dez membros nomeados pelo Imperador que então resultou na outorga do primeiro texto constitucional brasileiro a Constituição do Império do Brasil oferecida e jurada por Sua Majestade o Imperador em 25 de março de 1824 instituindo um governo monárquico constitucional e representativo 626 Consoante registra José Antônio Pimenta Bueno tratavase de uma Constituição que delegava ao Imperador o exercício precípuo do controle de todos os demais Poderes tanto sobre o seu exercício próprio quanto sobre suas relações recíprocas por meio do chamado Poder Moderador o órgão político mais ativo e influente do Império 627 Com efeito a criação pela Carta Imperial do Poder Moderador como um quarto poder no âmbito do esquema de separação dos poderes preconizado pelo ideário iluminista resultou de uma desvirtuada interpretação da teoria de Benjamin Constant 628 cuidandose no que diz com o exercício do poder político seguramente do elemento distintivo da primeira ordem constitucional brasileira Disciplinado nos arts 98 a 101 da Constituição Imperial no âmbito do Poder Moderador foram atribuídas competências ao Imperador que caracterizaram um modelo político centralizado permitindo que o monarca pudesse intervir fortemente na esfera dos demais Poderes estatais Para ilustrar tal circunstância bastaria aqui colacionar alguns exemplos Com efeito cabia ao Imperador a competência exclusiva de nomear os senadores a possibilidade de convocar em caráter extraordinário a Assembleia Geral a aprovação e suspensão interina das resoluções dos Conselhos Provinciais a dissolução da Câmara dos Deputados a suspensão dos magistrados por queixas feitas contra eles embora após prévia audiência e ouvido o Conselho de Estado além da prerrogativa de perdoar e moderar as penas impostas aos réus condenados por sentença assim como a concessão de anistia em caso de urgência Foi apenas por ocasião do período regencial que a Constituição começou a se legitimar materialmente como texto constitucional que concedia liberdades e limitava poderes mais especificamente a partir da abdicação do Imperador em 7 de abril de 1831 e da institucionalização da primeira reforma constitucional levada a efeito pelo ato adicional veiculado pela Lei 16 de 12081834 629 Tal reforma constitucional impulsionada pela Câmara dos Deputados designadamente a Câmara Baixa representante do pensamento liberal da época trouxe avanços significativos como a extinção do Conselho de Estado a institucionalização da Regência Una e a criação das Assembleias Legislativas Provinciais consideravelmente autônomas para a conjuntura política da época 630 Nada obstante com o advento da chamada Lei de Interpretação de 12 de maio de 1840 o conteúdo liberal das reformas foi corrigido retrocedendo em prol das forças reacionárias do Império especialmente mediante a restrição significativa dos poderes das Câmaras Provinciais No que diz com os seus traços essenciais para além da instituição do já referido Poder Moderador e da respectiva centralização do poder político nas mãos do monarca 631 a Constituição de 1824 apresentava a particularidade única na história constitucional brasileira de ser uma constituição do tipo semirrígido ou semiflexível visto que definia em que consistia a matéria constitucional propriamente dita sujeita a um processo mais rigoroso de alteração mediante o estabelecimento de limites formais à reforma constitucional ao passo que o restante do texto poderia ser alterado por meio do processo legislativo ordinário Com efeito de acordo com o teor literal do art 178 é só Constitucional o que diz respeito aos limites e atribuições respectivas dos Poderes Políticos e aos Direitos Políticos e individuais dos Cidadãos Tudo o que não é Constitucional pode ser alterado sem as formalidades referidas pelas Legislaturas ordinárias O controle de constitucionalidade das leis por sua vez era eminentemente político tendo sido conferido ao Poder Legislativo a que de resto incumbia também a prerrogativa de interpretar as leis Notase portanto que no concernente à organização dos Poderes a Carta Imperial aderiu ao modelo constitucional francês revolucionário extremamente cauteloso e mesmo resistente em relação ao poder dos juízes que em geral deveriam se limitar a atuar como a boca da lei de acordo com a visão privilegiada por Montesquieu A posição do Poder Judiciário no âmbito da arquitetura políticoinstitucional era portanto bastante distinta daquela que vinha sendo engendrada na esfera do constitucionalismo norteamericano especialmente quando a Suprema Corte assumiu a prerrogativa do controle de constitucionalidade das leis situação que veio a ser superada ainda assim de modo gradual apenas a contar da proclamação da República Outra importante característica a ser registrada é a de que a despeito de ter sido outorgada a Carta Imperial de 1824 contemplava um elenco significativo de direitos e garantias individuais designadamente nos incisos do art 179 Embora o foco nos direitos civis e políticos típico do constitucionalismo liberal o texto constitucional a exemplo da fugaz experiência francesa continha direitos sociais como dão conta os exemplos do direito aos socorros públicos assistência social em saúde da instrução primária gratuita a todos os cidadãos assim como dos colégios e universidades para o ensino das ciências belasartes e letras respectivamente disciplinados nos incisos XXXI XXXII e XXXIII do art 179 do Título 8º da Constituição Imperial 632 Afastandonos já da perspectiva dogmáticonormativa verificase que uma das marcas do constitucionalismo imperial de resto presente embora com outras feições nas Constituições posteriores é o abismo entre a abstração normativa e a realidade social e institucional de então já que apesar de positivar um extenso elenco de direitos civis e políticos dentre os quais a garantia da isonomia a Constituição Política do Império do Brasil vigeu por mais de setenta anos admitindo os privilégios da nobreza o voto censitário e o regime escravocrata 633 Ademais ao longo do período imperial especialmente no período da Regência 18311840 o Estado brasileiro conviveu com fortes instabilidades políticas e sociais na tensa oposição entre os movimentos contrários ao regime de inspiração liberal e a manutenção da ordem monárquica que veio a ser deposta pelo golpe de 15 de novembro de 1889 634 Apesar disso a Constituição de 1824 é tida como um documento político significativo que logrou absorver e superar as tensões entre o absolutismo e o liberalismo marcantes no seu nascimento para se constituir afinal no texto fundador da nacionalidade e no ponto de partida para a nossa maioridade constitucional 635 Ainda que tal julgamento possa soar um tanto generoso a Carta Imperial especialmente considerando o momento no qual foi forjada e o comparativamente largo período de tempo durante o qual esteve em vigor pouco mais de sessenta e cinco anos assume um lugar de destaque na história constitucional do século XIX pelo menos no âmbito da evolução constitucional americana 12 A Proclamação da República e a implantação da Federação a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1891 A Proclamação da República em 15111889 formalizada mediante a edição do Dec 1 redigido por Ruy Barbosa pelo Governo Provisório liderado pelo Marechal Deodoro da Fonseca foi o ponto de partida jurídicopolítico da primeira República Federativa do Brasil É preciso registrar outrossim que tanto a República quanto a forma federativa de Estado já vinham sendo objeto de expressivas reivindicações 636 Com efeito de acordo com a lição de Paulo Bonavides e Paes de Andrade a República não foi o resultado apenas das intenções isoladas de um grupo militar mas foi a consequência de um conjunto mais amplo de causas políticas econômicas e socioculturais que vinham se materializando ao longo do Segundo Reinado 637 Por determinação do Governo Provisório foi instituída a chamada Comissão dos Cinco encarregada da redação do anteprojeto da Constituição presidida por Joaquim Saldanha Marinho 638 O anteprojeto elaborado pela Comissão passou pela redação final de Ruy Barbosa então Ministro da Fazenda tendo sido submetido ao crivo da Assembleia Constituinte instalada em 15 de novembro de 1890 onde foi aprovado quase em sua integralidade pelos deputados e senadores constituintes A forte influência norteamericana em especial devida a Ruy Barbosa marcou profundamente o primeiro texto constitucional republicano não tendo sido por acaso que passamos a nos chamar de República dos Estados Unidos do Brasil muito embora as importantes diferenças no tocante à formatação da estrutura federativa norte americana e brasileira 639 Durante o processo constituinte o tema que suscitou maiores controvérsias foi o federalismo vencendo a corrente chamada de unionista liderada por Ruy Barbosa que defendia o predomínio da União na gestão do poder da República 640 Tal posicionamento consentâneo com a tradição centralizadora do período monárquico brasileiro não refletia a experiência histórica do federalismo norte americano produto de unidades regionais bem estabelecidas as antigas colônias inglesas que dispunham inclusive de regimes jurídicos próprios unindose em torno de uma Confederação ratificada primeiramente pelos Articles of Confederation em 1781 para num segundo momento adotarem a forma federativa de Estado sob a Constituição de 1787 641 A adoção do modelo norteamericano especialmente no que diz com a forma de importação do federalismo não restou imune a objeções destacandose neste contexto a abalizada crítica contumaz assacada por Paulo Bonavides e Paes de Andrade seja no sentido da falta de correspondência entre a realidade histórica e social brasileira e o texto constitucional de 1891 seja no que diz respeito à adoção de um federalismo centralizado que acabou transformando o Presidente da República numa espécie de rei sem trono ou de um monarca eletivo que se substituía a cada quatriênio precisamente o contrário do que esperavam os adversários da Monarquia e do modelo unitário de Estado precedente 642 No que diz com a ideologia subjacente a Constituição de 24 de fevereiro de 1891 foi um grande monumento à teoria liberal consagrando além da fórmula da separação de poderes a periodicidade dos mandatos políticos e estabelecendo um Estado Federal com ampla autonomia para os novos Estadosmembros que substituíram as antigas Províncias 643 Além disso diversamente da Carta Imperial tratavase de uma Constituição rígida visto que a alteração de seu texto apenas poderia ser levada a efeito mediante procedimento qualificado distinto da alteração de uma lei 644 Igualmente por força da influência norteamericana foi adotado o sistema presidencialista de governo bem como consagrada a adoção de um Estado laico daí a laicização do ensino nos estabelecimentos públicos caracterizado pela separação entre o Estado e a Igreja No campo dos direitos e garantias fundamentais assume papel de destaque a figura da ação de habeas corpus art 72 22 que na época por não ter sido criado ainda o mandado de segurança era o principal instrumento para a defesa dos direitos individuais frente a ilegalidades e abusos de poder Ademais disso pela primeira vez no constitucionalismo pátrio foi estabelecida expressamente no texto da Constituição a abertura material do catálogo dos direitos e garantias nomeadamente no seu art 78 ao dispor que a declaração de direitos não excluía outras garantias e direitos não enumerados mas resultantes da forma de governo que ela estabelece e dos princípios que consigna 645 De matriz marcadamente liberal foram excluídos do texto constitucional os direitos de cunho social presentes na Carta Imperial quais sejam o direito à assistência social socorros públicos o direito à instrução primária gratuita assim como o acesso a colégios e universidades para o ensino das ciências belasartes e letras previstos nos incisos XXXI XXXII e XXXIII do art 179 do Título 8º da Constituição do Império Outro ponto a ser destacado além do natural abandono do Poder Moderador incompatível com o projeto liberal republicano diz com o papel do Poder Judiciário no esquema da separação de poderes A criação do STF cujos magistrados eram livremente nomeados pelo Presidente da República além de sabatinados pelo Senado Federal somada à implantação da figura do judicial review norteamericano no sentido da possibilidade de cada juiz ou tribunal mediante possibilidade de recurso ao STF em caráter extraordinário não aplicar lei ou ato normativo contrário à Constituição provocou o rompimento definitivo com a tradição de um controle político exercido pelo próprio Legislativo Apesar do avanço normativo inegável em relação ao texto de 1824 a conjuntura promíscua da política oligárquica dominou os espaços da vida institucional brasileira ao longo de todo o período da chamada República Velha colapsada com o movimento revolucionário de 1930 que resultou na promulgação da Constituição de 1934 Com efeito desde a dissolução do Congresso por Deodoro da Fonseca em 3 de novembro de 1891 e da não convocação de novas eleições por Floriano Peixoto 646 quando da renúncia precoce do primeiro Presidente da República o novo regime constitucional já dava sinais concretos de inoperância frente aos fatores reais de poder Nesta perspectiva a assim designada política do café com leite introduzida a partir da sucessão do governo de Prudente de Morais por Campos Sales viria a aviltar o processo democrático brasileiro com a institucionalização da fraude eleitoral e do pacto oligárquico entre os cafeicultores paulistas e os pecuaristas mineiros dando margem ao surgimento do assim chamado coronelismo que ao fim e ao cabo acabou transformando a cidadania brasileira em maior ou menor medida em uma espécie de rebanho eleitoral 647 Os anseios reformistas acabaram resultando em 1926 na única reforma do texto constitucional de 1891 Dentre as alterações as mais significativas foram as que trataram da intervenção nos Estados aumentando a autoridade do Presidente da República bem como da determinação da competência federal para legislar sobre as relações de trabalho A emenda constitucional inovou ainda com a proibição da reeleição de presidentes e governadores dos Estados com a proibição das caudas orçamentárias com a restrição à teoria ampliativa do habeas corpus e com a instituição do veto parcial 648 A Constituição de 1891 não dispunha à evidência de força normativa suficiente para coordenar o processo políticoinstitucional faltando sintonia com a base social econômica e cultural o que levou ao surgimento de insatisfações generalizadas 649 A Constituição de 1891 não resistiu à transformação social e política brasileira designadamente com o avanço da industrialização e do operariado urbano e a formação de movimentos reivindicatórios ancorados na questão social aqui representada em caráter ilustrativo pela fundação em 1922 do Partido Comunista do Brasil 650 Tudo isso acabou resultando na superação da ordem vigente pela Revolução de 1930 capitaneada pelos governadores de Minas Gerais do Rio Grande do Sul e da Paraíba que depuseram o presidente Washington Luiz e entregaram o governo transitoriamente a uma Junta Militar que o exerceu até o dia 3 de novembro daquele ano quando assumiu em caráter definitivo o então governador do Rio Grande do Sul Getúlio Vargas líder civil do movimento revolucionário 651 Devese em primeira linha à atuação de Getúlio Vargas na condição de Presidente da República a transição para uma nova ordem constitucional Com efeito foi dado início a uma política de intervenção nos Estados aniquilandose com a chamada Política dos Governadores acompanhada do afastamento em termos significativos da influência dos coronéis instituise a Justiça Eleitoral mediante a promulgação em 3 de fevereiro de 1932 do Código Eleitoral que entre outros avanços significativos institui o voto feminino e transferiu das Assembleias políticas para o Poder Judiciário a competência para julgar a validade das eleições e de proclamar os eleitos 652 Após dominada a Revolução Constitucionalista de 1932 eclodida em São Paulo que buscava a reconstitucionalização e redemocratização do País foi instaurada a Assembleia Constituinte que resultou na promulgação da segunda Constituição da República em 1934 Apesar de toda a crise política e institucional ocorrida ao longo da chamada República Velha foi neste período que se vislumbraram as primeiras medidas legislativas em torno da questão da seguridade social como dão conta a primeira Lei de Acidentes do Trabalho de 1919 e a Lei Eloy Chaves que criou o primeiro instituto de aposentadoria o dos ferroviários em 1924 653 Uma avaliação sumária da primeira Constituição republicana permite afirmar que a despeito do considerável tempo de vigência da Constituição de 24021891 até 11111930 o descompasso entre o texto constitucional e a realidade social econômica política e cultural brasileira acabou sendo uma das marcas características desse período Por outro lado há quem seja mais generoso com a nossa primeira fase republicana e a Carta de 1891 admitindo que a despeito de todos os percalços vivenciados a Constituição ainda assim possibilitou a consolidação das instituições nacionais e do Estado brasileiro 654 13 A Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1934 A Constituição promulgada em 16071934 é fruto do movimento de 1930 e da Revolução Constitucionalista de 1932 e pode ser considerada como o momento constitucional que marcou a introdução do constitucionalismo social no Brasil Embora sua vigência tenha sido efêmera considerando a sua superação pelo texto de 1937 resultado do golpe do Estado Novo já se disse que a segunda Constituição da República foi a mais criativa das Constituições republicanas 655 Aspecto a ser destacado é que a Constituição de 1934 foi fortemente influenciada pelo corporativismo fascista o que de resto acabou por se constituir em marca indelével da chamada Era Vargas 19301945 mas não se podem subestimar muito antes pelo contrário os estímulos oriundos da Constituição espanhola de 1931 da Carta austríaca de 1920 e especialmente no tocante ao constitucionalismo social a influência exercida pelas Constituições mexicana 1917 alemã Constituição da República de Weimar 1919 e também pelo texto constitucional soviético de 1918 656 Nesse contexto embora não se possa aqui desenvolver o ponto é de sublinhar o fato de que como bem demonstra Luís Rosenfield o Brasil experimentou de 19301945 aquilo que pode ser designado de uma revolução conservadora 657 No que diz com as principais características da Carta de 1934 a manutenção da estrutura organizacional da Constituição anterior no caso da República da Federação do postulado da separação de poderes do sistema presidencialista e do regime democrático representativo foi acompanhada de algumas inovações dignas de nota como é o caso da instituição ao lado do Ministério Público e do Tribunal de Contas dos Conselhos Técnicos e dos órgãos cooperativos nas atividades governamentais 658 Além disso foi fortalecido o Poder Executivo ampliandose as possibilidades da decretação do estado de sítio mantevese o mandato de quatro anos para o Presidente porém impedida sua reeleição e foi abolida a figura do VicePresidente A criação da Justiça do Trabalho também se deveu ao novo texto constitucional apta a dirimir litígios entre empregados e empregadores No campo dos direitos e garantias do cidadão muito embora a existência na Carta Imperial de 1824 de algumas posições jurídicas isoladas e pontuais atinentes à categoria dos direitos sociais foi apenas na Constituição de 1934 que o comprometimento ao menos formal com a noção de um Estado Social e com a ideia de direitos sociais passou a ser incorporada de forma perene ao constitucionalismo brasileiro 659 Tal processo teve seu ponto de partida com a formação da assim chamada Subcomissão do Itamarati encarregada de dar início aos trabalhos de confecção do anteprojeto da Constituição de 1934 composta dentre outros de diversos ministros do governo provisório como o Ministro das Relações Exteriores Afrânio de Melo Franco presidente além de Temístocles Brandão Cavalcante secretáriogeral Assis Brasil Osvaldo Aranha José Américo de Almeida Carlos Maximiliano Antonio Carlos de Andrade Arthur Ribeiro Prudente de Moraes Filho Agenor de Rouer João Mangabeira Oliveira Viana e Góis Monteiro 660 com o que o País deu seu primeiro passo no sentido da constitucionalização de um extenso rol de direitos sociais 661 Dentre o elenco dos direitos sociais destacamse os estabelecidos em dois títulos inexistentes relativamente à primeira Constituição Republicana quais sejam o da ordem econômica e social e o da família educação e cultura A ordem econômica consoante o art 115 deveria ser pautada pelos princípios da justiça possibilitando a todos uma existência condigna foi garantido o amparo à maternidade e à infância incumbindo ao Poder Público a adoção de medidas legislativas tendentes a restringir a mortalidade e a morbidade infantis art 138 além de toda a produção legislativa na seara laboral decorrente dos preceitos estipulados no art 121 como os referentes ao salário mínimo à jornada máxima de oito horas de trabalho ao repouso semanal às férias anuais remuneradas à indenização para o trabalhador pela dispensa sem justa causa à assistência médica ao trabalhador e à gestante e ao reconhecimento das convenções coletivas de trabalho 662 Mas também no campo dos direitos civis e políticos o texto constitucional de 1934 trouxe grandes inovações como o instituto do mandado de segurança a ser ministrado toda vez que houvesse direito certo e incontestável ameaçado ou violado por ato manifestamente inconstitucional ou ilegal de qualquer autoridade 663 O projeto constitucional todavia por mais progressista que tenha sido especialmente em matéria de direitos sociais praticamente não teve chance de se afirmar na vida cotidiana política social e econômica do Brasil visto que em virtude de golpe desferido em 10 de novembro de 1937 pelo próprio líder do movimento revolucionário que esteve na base do texto de 1934 acabou sendo substituída de forma autoritária dando lugar ao Estado Novo pouco mais de três anos após sua entrada em vigor Sua derrocada precoce pode ser reportada ainda que não exclusivamente ao fato de estar permeada por princípios antagônicos é dizer apesar de seu brilhantismo jurídico não era possível identificar um projeto político hegemônico para o País 664 14 O Estado Novo e a Carta de 1937 a Constituição Polaca A década de 1930 havia iniciado de modo agitado já com as Revoluções de 1930 e 1932 que resultaram na Constituição de 1934 Todavia as turbulências seguiram e como já destacado no item anterior não asseguraram suficiente estabilidade político institucional para a afirmação da nova ordem constitucional O fato é que também no Brasil se faziam sentir de modo intenso as agitações ideológicas de perfil extremista que vicejavam na Europa notadamente as diversas correntes do fascismo até mesmo o nacionalsocialismo embora de forma mais tímida alcançou o Brasil e do socialismo e comunismo tudo potencializado pela crise da economia mundial especialmente em função das consequências desastrosas da crise de 1929 Com efeito foi neste período que sob a liderança de Plínio Salgado surgiu a Ação Integralista Brasileira de inspiração fascista assim como foi nesta época que ocorreu a reorganização do Partido Comunista no Brasil sob o comando de Luís Carlos Prestes sujeito de resto à disciplina estrita do Comitê Central Soviético culminando com o malogro da chamada Intentona Comunista de 1935 Tal cenário de certo modo facilitou sobremaneira as coisas para que Getúlio Vargas mediante argumentos de manutenção da ordem dissolvesse a Câmara e o Senado outorgando a Constituição de 10111937 Mediante a imposição de um novo texto constitucional destituído de qualquer legitimação democrática apenas foi assegurada uma roupagem constitucional para a ditadura do Estado Novo O perfil profundamente autoritário e controlador especialmente em relação à dissidência política aos meios de comunicação e às organizações sindicais foi assegurado entre outros aspectos por meio da implementação da polícia política com seus órgãos institucionais como o Departamento de Imprensa e Propaganda DIP o Tribunal de Segurança Nacional a Delegacia Especial de Segurança Pública e Social DESPS e o Departamento de Ordem Política e Social DOPS articulados com a finalidade de perseguição política e de uniformizar as massas mediante a doutrina ideológica do regime 665 No que diz com suas principais características a Carta de 1937 redigida por Francisco Campos e também designada de A Polaca em virtude de ter sido inspirada fortemente na Constituição da Polônia de 23041935 fortaleceu sobremaneira o Poder Executivo atribuindo a este uma intervenção mais ampla na elaboração das leis designa damente assegurando a possibilidade da expedição de decretosleis em todas as matérias de competência da União enquanto não fosse reunido o Congresso Nacional conforme preceitua seu art 13 no título destinado à organização nacional Outra marca autoritária e centralizadora pode ser identificada no campo do controle da constitucionalidade declarada inconstitucional uma lei que a juízo do Presidente da República fosse necessária ao bem comum à promoção ou à defesa de interesse nacional poderia esta ser submetida novamente ao exame do Parlamento podendo ser declarada constitucional por maioria de dois terços dos votos em cada uma das Casas art 96 parágrafo único 666 Aliás ficou expressamente vedado conforme o art 94 o conhecimento pelo Poder Judiciário de questão exclusivamente política abrindo uma margem significativamente arbitrária de controle externo do Judiciário Ademais tal autoritarismo era conspícuo na dicção do art 99 transformando o chefe do Ministério Público Federal em mero fâmulo do Presidente da República Além disso a Constituição apresentava um cunho fortemente estatizante e nacionalista pois outorgava ao Estado a função precípua de coordenar a economia nacional como por exemplo na exploração das minas e demais riquezas do subsolo art 143 Além disso a Carta de 1937 levava a cabo a nacionalização de determinadas atividades econômicas tendo como base jurídica o estipulado no art 144 que se referia à nacionalização progressiva das minas jazidas minerais e quedas dágua ou outras fontes de energia assim como das indústrias consideradas básicas ou essenciais à defesa econômica ou militar da Nação No que diz com os direitos e garantias individuais deveriam ser exercidos nos limites do bem público das necessidades da defesa do bemestar da paz e da ordem coletiva bem como das exigências da segurança da Nação e do Estado art 123 Ainda neste contexto e com especial destaque negativo está o art 139 que estipula que a greve é recurso antissocial nocivo ao trabalho e ao capital e incompatível com os superiores interesses da produção nacional Para além dessas notas sobre o seu conteúdo importa registrar que em determinada perspectiva a Carta de 1937 não entrou sequer em vigor visto que previa no seu art 187 a necessidade de sua aprovação em Plebiscito que nunca veio a ocorrer o que foi admitido mesmo pelo seu autor Francisco Campos em entrevista concedida já na fase final do Estado Novo em março de 1945 667 Aliás neste sentido também o magistério de Pontes de Miranda para quem a Constituição de 1937 foi solapada logo depois pelos seus próprios autores Não se realizou não foi respeitada quase toda nem sequer existiu 668 No plano político a fase final do Estado Novo foi entre outros aspectos marcada pelas tentativas envidadas por Getúlio Vargas no sentido de promover uma gradual abertura política especialmente por meio da edição da LC 9 de 18021945 anunciando a convocação de eleições gerais para assegurar o efetivo funcionamento dos órgãos representativos previstos na Constituição de 1937 mas impedidos de atuar pelo próprio ditador Tais expedientes contudo não impediram a deposição de Getúlio pelas Forças Armadas em 29 de outubro de 1945 e a instalação de um governo provisório liderado pelo Ministro José Linhares então Presidente do STF que exerceu a chefia do governo até a eleição do Marechal e ExMinistro da Guerra do Estado Novo Eurico Gaspar Dutra empossado em 31011946 Aliás a escolha do nome de Eurico Gaspar Dutra no Brasil ilustra um ambiente favorável às eleições e consequente inserção no processo político dos heróis militares da Segunda Grande Guerra dos quais vários foram guindados em boa parte dos casos pelo voto popular à condição de Chefes de Governo ou outros cargos de relevo no Executivo e Legislativo como dão conta dentre outros os exemplos de um Dwight D Eisenhower nos EUA e de um Charles de Gaulle na França 15 A Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1946 A posse de Gaspar Dutra foi sucedida pela imediata instalação de uma Assembleia Constituinte aos 2 de fevereiro de 1946 eleita em 2 de dezembro de 1945 integrada por representantes da direita do centrodemocrático progressistas socialistas e comunistas com certo predomínio dos primeiros Em 18 de setembro do mesmo ano foi após um período relativamente curto de debates aprovada a nova Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil que ao contrário das demais Constituições prescindiu de um projeto pré elaborado mas adotou como textobase a Constituição de 1934 o que contribuiu para um trâmite expedito do processo constituinte 669 No que atine ao sistema normativo tratavase de uma Constituição que se assemelhava muito à Constituição de 1934 mediante a distribuição de poderes entre a União Estados e Municípios traçando diretrizes gerais da ordem econômica e social prevendo os direitos políticos e sociais outorgando estabilidade no Brasil até os fatos que eclodiram em 1961 670 Em termos de novidades em relação aos textos anteriores especialmente em face da Carta ditatorial imposta pelo regime de Vargas é possível destacar no campo organizatório a tentativa de restauração do federalismo nos moldes clássicos da tradição republicana de 1891 e a reinserção do Senado como segunda Câmara Legislativa na estrutura do Congresso Nacional Embora com um tom menos incisivo relativamente à Constituição de 1934 os direitos sociais foram objeto de proteção especialmente no campo trabalhista onde foi por fim reafirmado o direito de greve No campo da garantia dos direitos individuais situase a incorporação ao ordenamento jurídico brasileiro da inafastabilidade do controle jurisdicional A lei não poderá excluir da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão de direito individual art 141 4º e na ordem social e econômica foi estabelecido um plano de recuperação e especial proteção da região Amazônica e do Nordeste especialmente pelos problemas socioeconômicos advindos dos períodos de secas mediante a aplicação de percentuais do orçamento tributário da União art 199 671 O texto constitucional todavia também apresentava aspectos considerados problemáticos Neste sentido Miguel Reale a despeito de louvar diversos pontos da obra do constituinte de 1946 apontava para aquilo que designou de quatro graves equívocos consubstanciados no exacerbado enfraquecimento do Executivo frente à estrutura do Poder Legislativo na redução do quadro normativo às figuras da lei constitucional e da lei ordinário no qual se encontrava o Legislativo na dificuldade engendrada pela Constituição no tocante à intervenção do Estado no domínio econômico especialmente diante de uma sociedade industrial emergente e na adoção ilimitada do pluralismo partidário oportunizando o surgimento de partidos políticos de fachada 672 Por outro lado não foram poucas as crises institucionais registradas sob a égide da Carta de 1946 que ao final levaram à revogação gradativa da ordem constitucional por força do golpe militar de 1964 No que diz com as reformas constitucionais levadas a efeito a mais significativa embora efêmera e de questionável legitimidade resultou na instauração pela primeira vez no regime republicano brasileiro do parlamentarismo como sistema de governo mediante a EC 4 de 2 de setembro de 1961 votada às pressas por ocasião da renúncia de Jânio Quadros e em face da resistência por parte dos setores reacionários da política nacional ao nome do então VicePresidente João Goulart Rapidamente rejeitado por ocasião de consulta plebiscitária o parlamentarismo foi relegado ao esquecimento e a sucessão de percalços vivenciados durante o governo de João Goulart acabaram levando ao ocaso da ordem democrática quando em 1º de abril de 1964 assume o poder um Comando Militar Revolucionário destituindo o poder civil e instaurando a ditadura militar que perduraria até o ano de 1985 impulsionada pelos sucessivos Atos Institucionais bem como em virtude das possibilidades oferecidas pela própria Constituição de 1967 e sua Emenda 11969 que serão comentadas logo a seguir 16 A Constituição do Brasil de 1967 e a EC 11969 Após a eleição pelo Congresso Nacional do Marechal Humberto Castelo Branco como Presidente da República em consonância com o disposto pelo Ato Adicional 1 e pela desfiguração da Constituição de 1946 mediante a ingente produção legiferante da Junta Militar decidiuse pela formulação de uma nova Constituição mais afeita ao novo regime de governo O Congresso Nacional foi convocado às pressas a votar o Projeto de Constituição elaborado pelo então Ministro da Justiça Carlos Medeiros Silva pelo Ato Institucional 4 de 07121966 A despeito de ter sido votada pelo Congresso Nacional o que ocorreu de fato em virtude da convocação autoritária e da fixação de um prazo fatal exíguo para votação do projeto encaminhado pelo governo militar foi uma mera homologação congressual de tal sorte que em termos técnicos a Carta de 1967 deve ser compreendida como outorgada ainda que com o beneplácito do Legislativo 673 Nessa perspectiva não é à toa que se chegou a falar considerando o somatório dos vícios de formação e de conteúdo no aleijão constitucional de 1967 674 A Carta Constitucional de 1967 entrou em vigor em 15031967 antes mesmo da posse do Marechal Arthur da Costa e Silva sendo fortemente influenciada pela Carta Política de 1937 cujas características essenciais foram incorporadas 675 Ao longo de todo o texto constitucional evitouse falar de democracia sendo esta substituída pela expressão regime representativo 676 Dentre suas disposições mais importantes estão a exacerbação do poder centralizado na União e na figura do Presidente da República a eleição indireta para a escolha do Presidente da República a redução da autonomia individual permitindo a suspensão de direitos e garantias constitucionais a aprovação de leis por decurso de prazo resquício do período autoritário do Estado Novo brasileiro a prerrogativa do Presidente da República para expedir decretosleis sobre segurança nacional e finanças públicas e o recrudescimento do regime no que tange à limitação do direito de propriedade autorizando para fins de reforma agrária a desapropriação mediante pagamento de indenização em títulos da dívida pública 677 Se havia alguma esperança de retorno à normalidade institucional democrática esta foi por água abaixo com a decretação em 13121968 do Ato Institucional 5 secundado pelo recesso do Congresso Nacional O novo edito ditatorial previa dentre outras questões a possibilidade de o Poder Executivo suspender direitos políticos e cassar mandatos eletivos em todas as esferas legislativas e de governo a suspensão do habeas corpus nos casos de crimes políticos o afastamento da apreciação judicial dos atos praticados com base no ato institucional e a competência do Executivo para legislar no período de recesso do legislativo 678 A ditadura toma forma no seu estágio mais avançado perseguindo e torturando presos políticos censurando a imprensa e reprimindo a atividade políticopartidária 679 Na percuciente análise de Pontes de Miranda estava em curso um período históricoinstitucional em que não havia mais a distinção entre o ato político ou administrativo e o ato legislativo ou seja quando o ato político já é lei no sentido de que não havia mais o rito do Poder Legislativo em transformar o ato político em ato legislativo consubstanciando um governo autocrático 680 Com a doença do Presidente Costa e Silva assumem o Poder Executivo os Ministros da Marinha de Guerra do Exército e da Aeronáutica que prepararam um novo texto constitucional consubstanciado na EC 1 promulgada aos 17101969 Considerando a amplitude das reformas e a consolidação da ditadura militar com um reforço significativo dos poderes de exceção entre outros aspectos costuma atribuirse à Emenda 11969 a condição de uma nova Constituição e não apenas de uma simples emenda à Constituição de 1967 Com efeito e para além deste aspecto a emenda apenas serviu como mecanismo de outorga de um novo texto constitucional que na prática passou a reger a ordem jurídicoestatal brasileira 681 Além disso como bem destacou Ruy Ruben Ruschel o movimento militar praticamente confessou quando da emissão do Ato Institucional 5 de 13121968 a origem ditatorial da Carta de 1967 visto que no quarto considerando daquele edito autoritário ficou consignado textualmente que a Revolução vitoriosa outorgou à Nação os instrumentos jurídicos exteriorizados na Carta 682 De qualquer modo não é caso de dar valor demasiado à discussão sobre se a EC 11969 foi uma nova Constituição substituindo por completo a Constituição de 1967 posição que parece gozar da preferência no âmbito da doutrina ou se é possível reunir ambos os documentos ainda mais em virtude de a vigência de ambos ter sido acompanhada pela vigência dos editos ditatoriais com destaque para os atos institucionais de tal sorte que o que o Brasil experimentou no período de 1964 até a promulgação da CF de 1988 foi um processo complexo de ruptura ascensão auge e distensão de uma ditadura seguida de uma reconstitucionalização democrática e pacífica que viabilizou uma nova ordem constitucional capaz de assegurar estabilidade institucional ao País como se verá logo a seguir 17 Breves notas sobre a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 As origens do movimento que culminou na edição da EC 261985 e da correlata convocação da Assembleia Nacional Constituinte de 19871988 remontam à transição do regime ditatorial de 1964 em direção à abertura política iniciada ainda no Governo Ernesto Geisel e consolidada durante o Governo do General João Batista de Figueiredo que propiciou a abertura do sistema partidário e promoveu a aprovação da Lei de Anistia num contexto social e político marcado por um crescimento das reivindicações dos diversos setores da sociedade e uma articulação da sociedade civil sob a direção de instituições representativas tais como a OAB a CNBB e as principais entidades sindicais 683 A querela jurídica em torno da impossibilidade formal da instituição de um poder constituinte originário ilimitado mediante emenda constitucional 684 acabou não vingando especialmente pelo fato de que materialmente tal emenda constituiuse em ato político destinado a pôr cobro ao regime constitucional pretérito e não a manter a Constituição emendada 685 De qualquer modo como discutido no capítulo sobre o poder constituinte o que se pode designar de um impulso constituinte ou seja o modo pelo qual se inicia o processo constituinte por si só não retira a plena legitimidade da nova ordem constitucional desde que esta possa ser reconduzida a uma Assembleia Constituinte livre e soberana embora não exclusiva como aliás era a preferência de muitos marcada por uma participação popular e por um processo de deliberação sem precedentes na história brasileira e mesmo digna de nota no contexto internacional Ainda no âmbito de uma fase que se pode designar de preparatória da Assembleia Constituinte o então Presidente José Sarney criou e nomeou sob a presidência de Afonso Arinos de Mello Franco uma Comissão Provisória de Estudos Constitucionais a assim chamada Comissão dos Notáveis formada por 50 personalidades ilustres e ligadas às mais diversas áreas da vida econômica social política e cultural portanto não integrada apenas por juristas revelando um perfil inquestionavelmente plural e heterogêneo inclusive em termos de orientação ideológica com o intuito de elaborar um anteprojeto de Constituição O texto que resultou dos trabalhos da Comissão era analítico 436 artigos no corpo permanente revelando um tom progressista comprometido com uma noção de Estado Social e Democrático de Direito e propunha a adoção do sistema parlamentarista de governo o que segundo consta acabou influenciando na decisão do Presidente Sarney no sentido de não enviar o anteprojeto à Constituinte o que todavia considerando a divulgação e repercussão do anteprojeto Afonso Arinos não impediu que viesse a influenciar de maneira decisiva em diversos aspectos o processo de elaboração da Constituição Federal de 1988 686 A Assembleia Nacional Constituinte foi instalada no dia 1º de fevereiro de 1987 na sede do Congresso Nacional sob a presidência do Min José Carlos Moreira Alves que na época presidia o STF tendo sido composta de 559 membros 487 deputados federais e 72 senadores dos quais 23 eram ainda oriundos do quadro de senadores eleitos de modo indireto em 1982 os assim chamados senadores biônicos com mandato até 1990 registrandose além disso que os integrantes da Assembleia Constituinte receberam nas eleições de 1986 mandato cumulativo pois além das funções constituintes de caráter transitório seguiram exercendo as atribuições ordinárias do Congresso Nacional Sem prejuízo de outros aspectos relevantes no que diz com a composição da Assembleia Constituinte quanto ao perfil político ideológico dos seus integrantes é possível afirmar que a despeito do forte pluralismo predominava a ala do assim chamado Centro ou Centrão como também se costumava dizer com ligeira inclinação para a chamada centrodireita visto que os partidos efetivamente identificados com a esquerda PDT PT PCB PC do B e PSB totalizavam apenas 50 constituintes ou seja 9 do total registrandose ademais um percentual relativamente alto de troca de partidos aproximadamente 15 dos constituintes trocaram de sigla partidária ao longo do processo além do surgimento do PSDB em junho de 1988 absorvendo um número importante de dissidentes do PMDB mantida todavia a orientação do Centro que foi decisiva para o formato final da Constituição 687 No que diz com os trabalhos propriamente ditos no âmbito da Assembleia Constituinte uma vez superada questão de ordem envolvendo a legitimidade dos assim chamados senadores biônicos e eleito pela própria Assembleia o seu presidente com vitória esmagadora do Deputado Ulysses Guimarães do PMDB a primeira fase das atividades mais de dois meses foi destinada à elaboração do regimento interno decidindose para além de uma série de outras questões relevantes que a Constituinte se limitaria à função de elaborar uma nova Constituição e não no sentido de também promover modificações na ordem constitucional vigente refutandose ainda qualquer recurso oficial a um anteprojeto seja o elaborado pela Comissão Afonso Arinos seja algum projeto elaborado por uma comissão interna formada por um grupo menor de constituintes Assim todos os integrantes da Assembleia foram envolvidos no processo participando das 24 subcomissões temáticas reunidas em torno de oito comissões temáticas que na sequência enviariam os seus respectivos projetos a uma Comissão de Sistematização o que para alguns contribuiu decisivamente para o caráter analítico da Constituição de 1988 688 Após ampla participação de um considerável número de representantes da sociedade civil seja por meio de audiências públicas realizadas na esfera das subcomissões temáticas bem como e de modo especial por meio da apresentação de emendas apenas na fase das comissões temáticas foram recebidas 14911 propostas com destaque para a apresentação de 122 emendas populares reunindo ao todo mais de doze milhões de assinaturas 689 um exaustivo trabalho e intenso debate no âmbito da Comissão de Sistematização resultou no envio ao Plenário da Assembleia Constituinte em 24111987 do Projeto de Constituição aprovado pela Comissão de Sistematização sob a presidência do Deputado Bernardo Cabral 690 Na sequência em função de uma suspensão dos trabalhos no texto constitucional em virtude de uma acirrada disputa em torno de uma alteração do regimento interno da Constituinte patrocinada pelo bloco interpartidário conhecido como Centrão 691 foi retomado o processo propriamente dito seguindo se dois turnos de votação com posterior remessa do texto aprovado em segundo turno para uma Comissão de Redação presidida por Ulysses Guimarães e integrada por 28 componentes que embora não fosse esta a sua função já que a Comissão de Redação deveria apenas cuidar de aspectos linguísticos e de técnica legislativa acabou ainda promovendo ajustes de conteúdo no texto cuja versão final após mais de vinte meses de intenso trabalho foi aprovada por 474 votos contra 15 sem contar as 6 abstenções e promulgada no dia 05101988 692 O texto da Constituição da República Federativa do Brasil promulgado em 05101988 surge com 245 artigos no corpo permanente distribuídos em nove títulos a princípios fundamentais b direitos e garantias fundamentais c organização do Estado d organização dos poderes e defesa do Estado e instituições democráticas f tributação e orçamento g ordem econômica e financeira h ordem social i disposições gerais Somase ao corpo permanente um Ato das Disposições Constitucionais Transitórias com 70 artigos número de dispositivos que chegou a aumentar em virtude de sucessivas e algumas mesmo abrangentes reformas constitucionais sendo pelo menos curioso e digno de nota que mais de duas décadas depois de sua promulgação o próprio Ato das Disposições Transitórias tenha crescido no que diz com o número de artigos Cuidase portanto de um texto que sem prejuízo de suas virtudes surge de acordo com a crítica de Luís Roberto Barroso como um texto que mais do que analítico era casuístico prolixo e corporativo 693 De qualquer modo a despeito de seus aspectos menos virtuosos a assim chamada Constituição Cidadã a evolução subsequente veio a demonstrálo consiste em texto constitucional sem precedentes na história do Brasil seja quanto a sua amplitude seja no que diz com o seu conteúdo não sendo desapropriado afirmar que se trata também de um contributo jurídicopolítico brasileiro para o constitucionalismo mundial seja em virtude da forte recepção das modernas tendências na esfera do direito constitucional seja pelas peculiaridades do texto brasileiro Antes de adentrarmos em seus traços gerais nas linhas mestras que caracterizam a Constituição Federal importa lembrar que o texto promulgado pela Assembleia Constituinte desde logo contemplava a possibilidade de uma ampla revisão constitucional que a depender da evolução poderia inclusive chegar ao ponto de assumir feições constituintes Com efeito mediante a introdução de dois artigos no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias determinouse a realização de um plebiscito para a definição da forma e do sistema de governo art 2º bem como a realização de uma revisão constitucional transcorridos cinco anos da promulgação da Constituição art 3º O plebiscito que acabou sendo antecipado por alguns meses confirmou a opção pela República e pelo sistema presidencialista de governo o que para alguns por si só já afastaria até mesmo a possibilidade de uma revisão constitucional Esta última em que pese uma relativamente acirrada controvérsia sobre as possibilidades e limites de tal revisão acabou não logrando êxito de tal sorte que apenas seis alterações constitucionais foram levadas a efeito por meio das assim chamadas emendas constitucionais de revisão 694 Ainda assim considerando o número de emendas constitucionais ordinárias ou seja processadas e aprovadas nos termos do art 60 da CF mas especialmente à vista da amplitude das alterações levadas a efeito bastaria apontar para as reformas administrativa previdenciária e do Poder Judiciário não faltou quem dissesse e não sem razão que a revisão constitucional acabou sendo transformada em algo permanente e que as emendas constitucionais destinadas a promover na condição de espécies do gênero reforma que inclui tanto a revisão quanto as emendas mudanças pontuais isoladas no texto constitucional se transmutaram em mecanismos de revisão da Constituição Como dedicaremos maior atenção ao tema na parte relativa à mudança constitucional reforma aqui basta que se faça referência ao problema considerada a sua relevância para apresentar as linhas mestras da Constituição de 1988 e a sua trajetória desde a promulgação No que diz com as suas principais características além do seu perfil analítico e casuístico já referido a Constituição Federal de 1988 pode ser considerada como a mais democrática e avançada em nossa história constitucional seja em virtude do seu processo de elaboração seja em função da experiência acumulada em relação aos acontecimentos constitucionais pretéritos tendo contribuído em muito para assegurar a estabilidade institucional que tem sido experimentada desde então no Brasil 695 Não se poderá desprezar mesmo em termos de direito comparado que tanto os períodos de relativamente grave instabilidade econômica quanto uma sucessão de episódios de alto teor explosivo na esfera política como foram entre outros os casos de impedimento do Presidente Fernando Collor de Mello e da Presidente Dilma Roussef bem como os sucessivos escândalos envolvendo práticas corruptivas vg Mensalão e Operação Lava Jato não chegaram a impactar o desempenho da Constituição Pelo contrário tais vicissitudes foram e têm sido enfrentadas e em parte superadas no âmbito do marco normativo constitucional o que não quer dizer que especialmente para a vida econômica o texto constitucional não tenha sido causador de algumas dificuldades mas também essas pelo menos em boa parte foram afastadas ou minimizadas mediante a possibilidade disponibilizada pelo próprio constituinte de alteração do texto da Constituição por meio de emendas constitucionais dentre as quais podemos situar a reforma da administração pública a reforma da previdência social ajustes importantes na esfera da ordem econômica a redução do forte cunho nacionalista e estatizante do texto original assim como a reforma do Poder Judiciário apenas para citar algumas das mais importantes No que diz com o seu conteúdo cuidase de documento acentuadamente compromissário plural e comprometido com a transformação da realidade assumindo portanto um caráter fortemente dirigente pelo menos quando se toma como critério o conjunto de normas impositivas de objetivos e tarefas em matéria econômica social cultural e ambiental contidos no texto constitucional para o que bastaria ilustrar com o exemplo dos assim chamados objetivos fundamentais elencados no art 3º Tanto o Preâmbulo quanto o título dos Princípios Fundamentais são indicativos de uma ordem constitucional voltada ao ser humano e ao pleno desenvolvimento da sua personalidade bastando lembrar que a dignidade da pessoa humana pela primeira vez na história constitucional brasileira foi expressamente guindada art 1º III da CF à condição de fundamento do Estado Democrático de Direito brasileiro por sua vez também como tal criado e consagrado no texto constitucional Não é à toa portanto que o então Presidente da Assembleia Nacional Constituinte Deputado Ulysses Guimarães por ocasião da solenidade de promulgação da Constituição batizou a Constituição de 1988 de Constituição Coragem e Constituição Cidadã lembrando que diferentemente das Constituições anteriores a Constituição inicia com o ser humano Outro aspecto digno de nota que diz respeito ao título dos Princípios Fundamentais é a ênfase dada pelo menos no plano textual à integração na comunidade internacional afirmandose no plano das relações internacionais a prevalência dos direitos humanos art 4º II e assumindose como tarefa a busca da integração econômica política social e cultural dos povos da América Latina e a formação de uma comunidade latinoamericana art 4º parágrafo único é igualmente sem precedentes e foi acompanhada ao longo da evolução subsequente de um conjunto significativo de ações nesse sentido inclusive a ratificação de expressivo número de tratados internacionais Particular atenção merece o título dos Direitos e Garantias Fundamentais pela sua atualidade visto que recepcionou a maioria dos direitos consagrados até então no plano internacional mesmo antes da ratificação em definitivo dos principais tratados de direitos humanos e amplitude pois contempla tanto os direitos e garantias individuais clássicos ou seja os direitos de liberdade quanto os direitos sociais incluindo um extenso rol de direitos trabalhistas bem como o direito de nacionalidade e os direitos políticos Em função da abertura do sistema de direitos fundamentais são também acolhidos direitos dispersos ao longo do texto constitucional e direitos decorrentes do regime e dos princípios da Constituição além da pioneira referência aos direitos constantes dos tratados internacionais ratificados pelo Brasil embora aqui seja necessário registrar que durante muito tempo o STF não atribuía aos tratados de direitos humanos mais do que a hierarquia de lei ordinária o que contudo foi objeto de superação recente Também no que toca ao regime jurídico privilegiado assegurado pela Constituição Federal aos direitos fundamentais o texto constitucional de 1988 assumiu uma relevância ímpar embora não se possa menosprezar muito antes pelo contrário o labor da jurisprudência nesse contexto Assim além da expressa previsão da aplicabilidade imediata das normas de direitos fundamentais art 5º 1º e da proteção contra o poder de reforma constitucional art 60 4º importa mencionar um conjunto expressivo de garantias e instrumentos processuais sem prejuízo das funções desempenhadas pelo Poder Judiciário com destaque para o papel do STF na condição de guardião da Constituição e pelo Ministério Público dentre outros aspectos dignos de nota em termos do acesso à Justiça não há como olvidar a criação da Defensoria Pública como função essencial que receberam incumbências meios e autonomia para enfrentar mesmo os demais órgãos estatais na defesa da ordem constitucional Por outro lado a generosa inclusão de direitos e garantias no texto constitucional notadamente no âmbito dos direitos sociais e dos direitos dos trabalhadores complementada na parte relativa à administração pública e à ordem social por um expressivo número de disposições assegurando direitos e prerrogativas ao servidor público e mesmo aos cidadãos em geral a crítica reiterada de que aos servidores foi reservado um regime privilegiado especialmente em termos de estabilidade e segurança social se insere neste contexto também não deixou de receber importantes críticas por exemplo no sentido de que teria havido uma prodigalidade irresponsável da parte dos constituintes que prometeram mais do que se poderia cumprir gerando expectativas por exemplo no que diz com a efetividade dos direitos sociais que estariam desde logo fadadas à frustração 696 De todo modo tal é a importância dos direitos e garantias fundamentais bem como dos mecanismos de sua efetivação no direito constitucional brasileiro contemporâneo que este Curso não poderia deixar de assegurar um espaço privilegiado para o exame da matéria como dá conta a alentada parte destinada aos direitos fundamentais às ações constitucionais e ao controle de constitucionalidade No que diz com a sua inserção no esquema classificatório das constituições a CF pode ser integrada como já referido ao grupo das constituições escritas democráticas analíticas e rígidas De qualquer sorte como as peculiaridades do direito constitucional positivo vigente portanto das características do texto constitucional de 1988 serão objeto de apresentação e análise mais detalhada ao longo do presente Curso não é o caso de aqui seguir com um inventário das notas distintivas da atual Constituição Federal DOS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS I NOTAS INTRODUTÓRIAS FUNÇÃO CLASSIFICAÇÃO E EFICÁCIA DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS FUNDAMENTAIS Considerando que tanto a definição dos princípios na condição de normas jurídicoconstitucionais inclusive a sua diferenciação das regras quanto as questões atinentes à eficácia e aplicabilidade das normas constitucionais portanto dos princípios e das regras já foram objeto de capítulo próprio integrante da parte reservada à teoria da norma constitucional aqui nos limitaremos a traçar uma breve apresentação do Título I da CF Dos Princípios Fundamentais buscando explicitar não apenas a sua heterogeneidade e complexidade dada a quantidade e diversidade em matéria de princípios expressamente consagrados pelo constituinte mas também indicar possíveis formas de classificação de tais princípios Em relação ao constitucionalismo brasileiro anterior verificase que foi apenas na CF de 1988 que o constituinte optou por concentrar já na abertura do corpo permanente da constituição e não apenas em sede preambular um conjunto de princípios desde logo rotulados como fundamentais muito embora nas constituições anteriores especialmente a contar da Constituição de 1891 constassem disposições com estrutura de princípios no texto constitucional dentre os quais dispositivos definindo a forma e o sistema de governo a separação de poderes entre outros que atualmente integram o título dos princípios fundamentais Com isso não se está a dizer que na atual CF as normasprincípio estejam todas concentradas no Título I visto que expressivo o número de princípios dispersos ao longo da constituição bastaria aqui apontar para grande parte das normas de direitos fundamentais e os princípios da ordem econômica e social como exemplos emblemáticos tampouco se está a afirmar que não existam princípios fundamentais sediados em outras partes do texto da constituição como é o caso também aqui de normas de direitos fundamentais com estrutura de princípios Os princípios fundamentais do Título II da CF correspondem a uma decisão fundamental do constituinte que pelo seu cunho estruturante e informador da ordem estatal é constitutiva da própria identidade constitucional Assim ainda que parte desses princípios com destaque para a dignidade da pessoa humana a República o Estado Democrático e Socioambiental de Direito não integre expressamente o elenco das assim chamadas cláusulas pétreas embora essas contemplem alguns princípios como é o caso especialmente da separação dos poderes do sufrágio e dos direitos fundamentais a teor do art 60 4º CF assume no nosso entender e salvo melhor juízo a condição de limite material implícito à reforma constitucional Disso resulta a proibição de uma supressão textual e mesmo de uma superação esvaziamento de seus elementos essenciais ainda que se possa polemizar a respeito de tal afirmação especialmente no que concerne aos limites da proteção oferecida por conta da condição de cláusula pétrea que de acordo com a orientação dominante no STF se restringe a uma proibição da quebra de princípios e salvaguarda do núcleo essencial do princípio ou direito protegido para o que contudo remetemos ao item próprio do presente Curso Mas o tema da reforma constitucional e dos seus limites constitui objeto de capítulo específico da presente obra ao qual aqui remetemos para maior desenvolvimento Os princípios em geral não apenas os princípios fundamentais são espécie do gênero normas jurídicas distinguindose de acordo com entendimento consagrado no seio da doutrina constitucional e mesmo e antes disso na teoria geral do Direito de outras espécies normativas em especial as regras Assim independentemente da existência de outras possibilidades de enquadramento dos princípios quanto à sua condição normativa é possível numa primeira aproximação afirmar que princípios correspondem a normas dotadas de um significativo grau de abstração vagueza e indeterminação diversamente das regras que ostentam caráter mais determinado e menos vago e abstrato diferença que baseada no critério da generalidade e abstração por si só não é suficiente e que tem sido designada de um critério fraco de distinção entre as duas espécies normativas 697 Além disso as regras assumem cunho mais instrumental e descritivo ao passo que os princípios apresentam caráter eminentemente finalístico seja por enunciarem diretamente uma finalidade proteção do consumidor redução das desigualdades etc seja por expressarem um conteúdo desejado no sentido de um estado ideal a ser alcançado moralidade dignidade da pessoa humana pluralismo político etc 698 Nessa perspectiva cientes da aguda discussão em torno do tema e sem a pretensão de aqui desenvolver o tema nada obsta a que se adote de modo compatível com as indicações anteriores a síntese de Gomes Canotilho que em termos gerais adere à conhecida formulação de Robert Alexy para afirmar que regras são normas que uma vez verificados certos pressupostos são prescrições imperativas de conduta exigem proíbem ou permitem algo em termos definitivos ao passo que os princípios são normas que exigem a realização de algo da melhor forma possível de acordo com as possibilidades fáticas e jurídicas não prescrevendo ou exigindo determinado comportamento mas sim impondo a otimização de um direito ou bem jurídico 699 Os princípios fundamentais na condição de espécie das normas constitucionais são dotados portanto de eficácia e aplicabilidade sendo normas jurídicas vinculativas ainda que sua força jurídica não seja igual em todos os aspectos à das regras ou mesmo das normas de direitos fundamentais que a despeito de terem uma dimensão objetiva e quanto a tal ponto se aproximam dos princípios essencialmente objetivos como é o caso dos princípios fundamentais aqui versados assumem a condição de direitos subjetivos Dentre os principais efeitos jurídicos dos princípios fundamentais está a assim chamada eficácia negativa que se manifesta de diversas maneiras Num primeiro sentido ela enseja a revogação ou a não recepção de normas infraconstitucionais editadas antes da entrada em vigor da CF que deixam de ser aplicadas naquilo em que frontalmente contrastam com o conteúdo da constituição 700 Numa segunda acepção a eficácia negativa diz com a declaração de inconstitucionalidade em sede de controle difuso ou concentrado das normas infraconstitucionais posteriores quando em desacordo com a constituição Ainda no plano de uma eficácia do tipo negativo embora salvo melhor juízo já avançando em direção a uma eficácia do tipo positivo temos o que talvez seja o efeito mais relevante e próprio dos princípios fundamentais qual seja o de servirem como critério material para a interpretação e integração do direito infraconstitucional mas também especialmente no caso dos princípios fundamentais para a interpretação da própria constituição Nesse sentido o intérpreteaplicador no âmbito de suas respectivas limitações funcionais deverá sempre privilegiar uma interpretação o mais conforme possível aos princípios fundamentais afastando as opções interpretativas incompatíveis No caso de se verificarem lacunas na esfera infraconstitucional serão os princípios constitucionais com destaque para os princípios fundamentais acessados para a sua adequada superação o que de resto corresponde ao que estabelece também a lei geral de introdução às normas Mas também a depender das circunstâncias a omissão reiterada por parte do legislador e no sistema brasileiro também dos demais órgãos estatais quando em causa a omissão quanto à regulamentação poderá ensejar um juízo de reprovação declarandose a inconstitucionalidade por omissão De todo modo tais cargas de eficácia dos princípios mesmo que no plano objetivo bem demonstram que os princípios fundamentais podem exercer mesmo na condição de direito objetivo importantes efeitos jurídicos temática que todavia aqui não será mais desenvolvida remetendo se ao capítulo que versa sobre a eficácia e aplicabilidade das normas constitucionais em que também se encontram fartas referências bibliográficas sobre o tópico Convém agregar nessa toada que a doutrina tem alertado corretamente para o que se poderia designar de uma hipertrofia dos princípios fenômeno que se verifica em pelo menos dois níveis Numa primeira acepção que autores do porte de Lenio Streck têm rotulado como representando uma espécie de panprincipialismo está em causa não apenas o recurso por vezes desnecessário aos princípios em detrimento das regras mas inclusive a criação doutrinária e jurisprudencial de novos princípios sem a necessária sustentação no sistema jurídicoconstitucional ou mesmo a transmutação em princípios de normas que em rigor assumem a estrutura normativa de regras Outro problema possivelmente até mais grave igualmente apontado entre outros por Lenio Streck reside na aplicação desnecessária de princípios para a solução de problemas jurídicos e na atribuição de efeitos aos princípios que são incompatíveis com sua estrutura normativa resultando em muitos casos numa manipulação decisionista dos princípios 701 muito embora o assim chamado decisionismo não seja um problema que se verifica apenas em sede de aplicação de princípios temática que extrapola os limites do presente texto Quanto à sua classificação os princípios constitucionais fundamentais notese que a condição de fundamentais resultante de expressa opção do constituinte é o elo entre os princípios aqui versados podem ser designados de princípios gerais e setoriais especiais conquanto operem como critérios materiais informadores de toda a ordem jurídicoconstitucional gerais ou se refiram a setores maiores ou menores do ordenamento setoriais Como exemplos do primeiro grupo podemos referir os princípios estruturantes Estado Democrático de Direito separação dos Poderes República ou outros princípios gerais dignidade da pessoa humana ao passo que bons exemplos da segunda categoria são os princípios que regem a ordem econômica art 170 da CF e a ordem social art 193 e ss da CF sem que com isso reste desfigurada a generalidade e elevado grau de abstração e indeterminação que caracterizam todos os princípios na sua condição de espécie do gênero normas jurídicas Mas os princípios fundamentais como de resto os princípios em geral podem ser também classificados a partir de outro critério assumindo a condição ou de princípios expressamente positivados no sentido de terem sido objeto de previsão textual pelo constituinte separação de poderes dignidade da pessoa humana etc ou de princípios implicitamente positivados subentendidos e derivados de outros princípios e do sistema jurídicoconstitucional como é o caso dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade Uma possibilidade alternativa de classificação é oferecida por Gomes Canotilho 702 para quem existem três espécies de princípios constitucionais designadamente a princípios políticos constitucionalmente conformadores são aqueles que veiculam e explicitam decisões valorações políticas fundamentais do poder constituinte e que incluem os princípios habitualmente chamados de estruturantes pois dizem respeito à forma e estrutura do Estado ao regime político e aos princípios que caracterizam a forma de governo b princípios constitucionais impositivos que impõem aos órgãos estatais a realização de determinados fins e tarefas usualmente também chamados de normas definidoras de fins estatais especialmente na doutrina alemã como dão conta no caso brasileiro precisamente os objetivos enunciados no art 3º da CF entre outros tantos que poderiam ser citados c princípios garantia que têm por escopo a instituição de uma garantia para os cidadãos e que em geral também assumem a condição de direitos garantias fundamentais como é o caso dos princípios da legalidade penal e tributária da presunção de inocência entre outros De qualquer sorte seja qual for o critério adotado é de se sublinhar que em todo caso é o direito constitucional vigente o fato determinante para identificar os diversos princípios fundamentais de tal sorte que também nessa seara o que vale para um Estado constitucional não necessariamente se aplica a outro ainda que alguns princípios cada vez mais estejam a assumir caráter universal como é o caso mais uma vez dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade da dignidade humana ou da pessoa humana apenas para citar alguns dos mais ilustres sem aqui considerar os princípios relativos a direitos humanos e fundamentais liberdade igualdade etc Por outro lado é preciso frisar que as classificações referidas não são incompatíveis entre si mas complementares pois podemos ter princípios gerais expressos e conformadores estruturantes e princípios gerais implícitos sem prejuízo de outras classificações baseadas em critérios distintos Assim não sendo a nossa intenção esgotar as possibilidades de classificação dos princípios nem de comentar um a um os diversos parágrafos e incisos do Título II da CF em parte pelo fato de que alguns princípios designadamente o princípio federativo e os princípios da proporcionalidade e razoabilidade serão analisados em outro contexto em parte pelo fato de que buscaremos agregar vários dispositivos em torno de determinados eixos temáticos ou mesmo de determinado princípio fundamental estruturante como é o caso por exemplo do princípio do Estado Democrático de Direito do princípio da dignidade da pessoa humana do princípio do Estado Socioambiental dos objetivos fundamentais art 3º e dos princípios que regem o Brasil na ordem internacional art 4º Iniciaremos pelo princípio e valor que simultaneamente assume a condição ainda que não isolada de acordo com o nosso direito constitucional positivo de fundamento do Estado Democrático e SocioambientalEcológico de Direito a dignidade da pessoa humana II PRINCÍPIOS GERAIS ESTRUTURANTES E CONSTITUCIONALMENTE CONFORMADORES DA ORDEM JURÍDICOCONSTITUCIONAL 21 Princípio da dignidade da pessoa humana 211 Considerações gerais Assim como ocorreu no âmbito da evolução constitucional em geral também no direito constitucional positivo brasileiro a dignidade da pessoa humana tardou a ser objeto de reconhecimento muito embora o Brasil em comparação com a absoluta maioria das demais ordens constitucionais tenha inserido a dignidade de maneira relativamente precoce em um texto constitucional De fato embora apenas na CF 5 de outubro de 1988 a dignidade da pessoa humana tenha passado a figurar no primeiro Título do texto constitucional art 1 III a sua primeira aparição em um texto constitucional brasileiro ocorreu em 1934 Em virtude da forte influência exercida pela Constituição de Weimar de 1919 sobre o nosso processo constituinte de então a dignidade humana se fez presente justamente no âmbito dos princípios da ordem econômica e social mais precisamente no art 115 o qual dispunha que a ordem econômica deve ser organizada conforme os princípios da justiça e as necessidades da vida nacional de modo que possibilite a todos uma existência digna Dentro desses limites é garantida a liberdade econômica indicando que o constituinte da época atribuiu à dignidade uma função de fundamento mas também de limite da liberdade econômica Verificase assim que juntamente com a Constituição de Weimar 1919 a Constituição portuguesa de 1933 e a Constituição da Irlanda 1937 a Constituição brasileira de 1934 se situa entre as poucas que fizeram expressa referência à dignidade da pessoa humana antes da viragem provocada pela Segunda Guerra Mundial quando como reação às graves e inolvidáveis atrocidades cometidas especialmente pelos regimes totalitários tanto a Declaração dos Direitos Humanos da ONU 1948 quanto uma série de constituições nacionais com destaque para a Lei Fundamental da Alemanha 1949 passaram a proclamar e garantir a dignidade da pessoa humana incluindo a Constituição Federal brasileira de 1988 que justamente constitui o objeto da presente análise Por outro lado assim como a dignidade humana ganhou em representatividade e importância no cenário constitucional e internacional portanto numa perspectiva tanto quantitativa quanto qualitativa também se verificou no plano da literatura e não apenas no campo do direito e da jurisprudência uma crescente tendência no sentido de enfatizar a existência de uma íntima e por assim dizer indissociável ligação entre dignidade da pessoa humana e os direitos humanos e fundamentais reconhecidos e protegidos na esfera do direito internacional e do direito constitucional muito embora não exista precisamente em virtude do relativamente recente reconhecimento da dignidade humana como valor de matriz constitucional na perspectiva da evolução histórica do constitucionalismo uma relação necessária entre direitos fundamentais e a dignidade da pessoa humana 703 Por tal razão também é verdadeiro que na quadra atual da trajetória do Estado Constitucional o reconhecimento da íntima e indissociável vinculação entre a dignidade da pessoa humana os direitos humanos e fundamentais e a própria Democracia na condição de eixos estruturantes deste mesmo Estado Constitucional constitui um dos esteios nos quais se assenta tanto o direito constitucional quanto o direito internacional dos direitos humanos 704 Nessa perspectiva tal a expansão e a trajetória vitoriosa da dignidade humana no âmbito da gramática jurídicoconstitucional contemporânea que chegou ao ponto de afirmar que o Estado Constitucional Democrático da atualidade é um Estado de abertura constitucional radicado no princípio da dignidade do ser humano 705 Tal abertura mas também e de certo modo o diálogo propiciado pelo amplo reconhecimento da dignidade como princípio jurídico fundamental guarda relação com a expansão universal de uma verdadeira crença na dignidade da pessoa humana que por sua vez também pode ser vinculada aos efeitos positivos de uma globalização jurídica 706 Todavia quando se busca definir o conteúdo normativo da dignidade da pessoa humana seja como princípio valor autônomo seja quando está em causa a natureza e intensidade da sua relação com os direitos humanos e fundamentais percebese que os níveis de consenso registrados de uma ordem constitucional para outra e mesmo no âmbito interno de cada Estado são muito diferenciados e muitas vezes até frágeis Já no que diz com a própria compreensão do conteúdo e significado da dignidade da pessoa humana na e para a ordem jurídica considerada em seu conjunto mas especialmente no tocante à sua relação com os direitos fundamentais segue também no Brasil farta a discussão em nível doutrinário e jurisprudencial 707 De qualquer sorte como aqui se trata apenas de apresentar quanto aos seus contornos gerais e principais funções a dignidade da pessoa humana na condição de princípio geral e fundamental questões mais específicas relativas à sua estrutura normativa bem como concernentes à sua relação com os direitos e garantias fundamentais aqui serão apenas marginalmente apresentadas 212 Breves notas sobre a forma de positivação reconhecimento da dignidade da pessoa humana na Constituição Federal Como já registrado na introdução a CF inovou ao inserir a dignidade da pessoa humana no elenco dos fundamentos do Estado Democrático de Direito brasileiro art 1º III portanto situandoa no âmbito dos princípios fundamentais e estruturantes logo após o Preâmbulo Mas a dignidade da pessoa humana ou dignidade humana expressões que aqui usaremos em sentido alargado e como sinônimas também foi objeto de previsão expressa em outras partes do texto constitucional seja a exemplo da tradição inaugurada com a Constituição de 1934 já referida quando no título da ordem econômica o art 170 caput dispõe que a ordem econômica tem por finalidade assegurar a todos uma existência digna seja quando na esfera da ordem social fundou o planejamento familiar nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável art 226 6º além de assegurar à criança e ao adolescente o direito à dignidade art 227 caput Mais adiante em outra passagem do texto constitucional art 230 ficou consignado que a família a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas assegurando sua participação na comunidade defendendo sua dignidade e bemestar e garantindolhes o direito à vida Nessa perspectiva consagrando expressamente no título dos princípios fundamentais a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito art 1º III da CF a CF a exemplo do que ocorreu pela primeira vez e de modo particularmente significativo na Lei Fundamental da Alemanha 1949 além de ter tomado uma decisão fundamental a respeito do sentido da finalidade e da justificação do exercício do poder estatal e do próprio Estado 708 reconheceu categoricamente que é o Estado que existe em função da pessoa humana e não o contrário já que o ser humano constitui a finalidade precípua e não meio da atividade estatal Em outras palavras no momento em que a dignidade é guindada à condição de princípio estruturante e fundamento do Estado Democrático de Direito é o Estado que passa a servir como instrumento para a garantia e promoção da dignidade das pessoas individual e coletivamente consideradas 709 No que diz respeito ao status jurídiconormativo no âmbito da ordem constitucional notadamente se a dignidade da pessoa humana assume simultaneamente a condição de valor princípio eou regra além de operar como direito fundamental importa destacar alguns aspectos Numa primeira perspectiva não excludente das demais a dignidade da pessoa humana na acepção de Miguel Reale consiste em uma espécie de valorfonte o que também foi objeto de reconhecimento pelo STF alinhado com a tradição consagrada no direito constitucional contemporâneo para quem a dignidade da pessoa humana constitui verdadeiro valorfonte que conforma e inspira todo o ordenamento constitucional vigente em nosso País e que traduz de modo expressivo um dos fundamentos em que se assenta entre nós a ordem republicana e democrática consagrada pelo sistema de direito constitucional positivo 710 Na sua dimensão jurídica contudo não é líquido se a dignidade assume a condição de princípio ou regra ou mesmo se opera apenas como princípio de caráter objetivo ou se assume a função também de direito fundamental Se em outras ordens constitucionais onde igualmente a dignidade da pessoa humana foi objeto de expressa previsão nem sempre houve clareza quanto ao seu correto enquadramento tal não ocorre ao menos aparentemente entre nós pelo menos em se levando em conta a relativa falta de preocupação com tal ponto Com efeito considerando tanto a formulação utilizada quanto a localização visto que sediada no Título I dos Princípios Fundamentais verificase que o constituinte de 1988 preferiu não incluir a dignidade da pessoa humana no rol dos direitos e garantias fundamentais guindandoa pela primeira vez consoante já frisado à condição de princípio e valor fundamental Aliás a positivação na condição de princípio jurídicoconstitucional fundamental é por sua vez a que melhor afina com a tradição dominante no pensamento jurídico constitucional brasileiro lusitano 711 e espanhol 712 apenas para mencionar os modelos mais recentes que ao lado e em permanente diálogo com o paradigma germânico têm exercido significativa influência sobre a nossa própria ordem jurídica O fato de a dignidade da pessoa humana assumir em primeira linha a condição de princípio fundamental não afasta a circunstância de que possa operar como regra não só mas também pelo fato de que as próprias normas de direitos fundamentais igualmente assumem a dúplice condição de princípios e regras 713 Para ilustrar tal afirmação bastaria lembrar que a regra que proíbe a tortura e todo e qualquer tratamento desumano e degradante art 5º III da CF constitui regra diretamente deduzida do princípio da dignidade da pessoa humana ainda que inexistisse previsão de tal proibição no texto constitucional Da mesma forma a dignidade da pessoa humana assume em certo sentido a condição de norma de direito fundamental o que não se confunde pelo menos não necessariamente com a noção de que os direitos fundamentais expressamente consagrados na Constituição encontram pelo menos em regra seu fundamento na dignidade da pessoa humana mas sim se traduz na ideia amplamente difundida de que do princípio da dignidade da pessoa podem e até mesmo devem ser deduzidas posições subjetivas fundamentais e deveres ainda que não expressamente positivados de tal sorte que neste sentido é possível aceitar que se trata de uma norma de direito fundamental muito embora daí não decorra pelo menos não necessariamente que existe um direito fundamental à dignidade 714 Tal aspecto aliás chegou a ser objeto de lúcida referência feita pelo Tribunal Federal Constitucional da Alemanha ao considerar que a dignidade da pessoa não poderá ser negada a qualquer ser humano muito embora seja violável a pretensão de respeito e proteção que dela da dignidade decorre 715 Assim quando se fala em direito à dignidade se está em verdade a considerar o direito a reconhecimento respeito proteção e até mesmo promoção e desenvolvimento da dignidade sem prejuízo de outros sentidos que se possa atribuir aos direitos fundamentais relativos à dignidade da pessoa A sua inserção no Título dos Princípios Fundamentais e não no Preâmbulo é indicativa de sua eficácia e aplicabilidade ou seja da sua condição de norma jurídica ademais de valor Num primeiro momento convém frisálo a qualificação da dignidade da pessoa humana como princípio fundamental traduz a certeza de que o art 1º III de nossa Lei Fundamental não contém apenas embora também e acima de tudo uma declaração de conteúdo ético e moral mas constitui norma jurídicopositiva dotada em sua plenitude de status constitucional formal e material e como tal inequivocamente dotado de eficácia e aplicabilidade alcançando portanto também a condição de valor jurídico fundamental da comunidade 716 Com relação às críticas de que a opção pelo enquadramento como princípio fundamental importaria em reduzir a amplitude e magnitude da noção de dignidade da pessoa vale lembrar que o reconhecimento da condição normativa da dignidade assumindo feição de princípio e até mesmo como regra constitucional fundamental não afasta o seu papel como valor fundamental geral para toda a ordem jurídica e não apenas para esta mas pelo contrário outorga a este valor uma maior pretensão de eficácia e efetividade 213 Funções da dignidade da pessoa humana na arquitetura jurídicoconstitucional Uma primeira função aqui vinculada à sua condição de valor e princípio diz com o fato de a dignidade da pessoa humana ser considerada elemento que confere unidade de sentido e legitimidade a uma determinada ordem constitucional De acordo com Jorge Miranda aqui representando expressiva parcela da doutrina constitucional contemporânea a Constituição ao reconhecer e proteger a dignidade da pessoa humana confere uma unidade de sentido de valor e de concordância prática ao sistema de direitos fundamentais e ao sistema constitucional 717 o que implica um dever de interpretação de toda a ordem jurídica em conformidade com tais fundamentos 718 O princípio da dignidade da pessoa humana tal como advoga Daniel Sarmento inspirado em Peter Häberle opera portanto fundamento da ordem jurídica e da comunidade política o que corresponde precisamente ao modo pelo qual tal princípio foi consagrado no art 1º III da Constituição Federal 719 Precisamente nesse contexto verificase que a dignidade da pessoa humana é figura amplamente presente no processo decisório judicial inclusive e cada vez mais no âmbito da jurisprudência do STF em que a dignidade atua como critério de interpretação e aplicação do direito constitucional e infraconstitucional com particular destaque mas não exclusividade para casos envolvendo a proteção e promoção dos direitos fundamentais 720 A dignidade da pessoa humana nessa quadra revela particular importância prática a partir da constatação de que ela a dignidade da pessoa humana é simultaneamente limite e tarefa dos poderes estatais e da comunidade em geral portanto de todos e de cada um condição que também aponta para uma paralela e conexa dimensão defensiva negativa ou prestacional positiva da dignidade Com efeito verificase que na sua atuação como limite a dignidade implica não apenas que a pessoa não pode ser reduzida à condição de mero objeto da ação própria e de terceiros mas também o fato de que a dignidade constitui o fundamento e conteúdo de direitos fundamentais negativos contra atos que a violem ou a exponham a ameaças e riscos no sentido de posições subjetivas que têm por objeto a não intervenção por parte do Estado e de terceiros no âmbito de proteção da dignidade 721 Como tarefa o reconhecimento jurídicoconstitucional da dignidade da pessoa humana implica deveres concretos de tutela por parte dos órgãos estatais no sentido de proteger a dignidade de todos assegurando lhe também por meio de medidas positivas prestações 722 o devido respeito e promoção sem prejuízo da existência de deveres fundamentais da pessoa humana para com o Estado e os seus semelhantes 723 Assim também a dimensão objetiva da dignidade da pessoa humana implica deveres de proteção estatais contra o próprio Estado e contra ações de atores privados o que tem sido objeto de reconhecimento pelo STF destacandose no âmbito da jurisprudência da nossa Suprema Corte a decisão na Medida Cautelar na ADPF 347DF relatada pelo Ministro Marco Aurélio julgada em 09092015 na qual foram reconhecidas a violação massiva de direitos fundamentais e a configuração de condições desumanas e afrontosas à dignidade da pessoa humana caracterizando o que foi designado de um estado de coisas inconstitucional que levou o Tribunal a impor ao Poder Público uma série de medidas de caráter estruturante mas que aqui não poderão ser examinadas A dignidade da pessoa humana como já adiantado guarda uma maior ou menor relação com as normas definidoras de direitos e garantias fundamentais Nesse sentido é possível afirmar que a dignidade opera tanto como fundamento quanto como conteúdo dos direitos mas não necessariamente de todos os direitos e em sendo o caso não da mesma forma Assim embora princípio estruturante de todo o sistema constitucional portanto também de todos os direitos fundamentais isso não significa que todos os direitos individualmente consagrados no texto da CF possam ser diretamente reconduzidos à dignidade da pessoa humana nem quer dizer como se terá oportunidade de verificar com maior clareza na parte geral dos direitos fundamentais que um direito apenas será fundamental na perspectiva da ordem constitucional brasileira se e na medida em que tiver um conteúdo determinado em dignidade Da mesma forma mesmo evidente um conteúdo em dignidade dos direitos tal conteúdo será variável em amplitude não havendo aqui como reconhecer uma simetria quanto a este aspecto O princípio da dignidade da pessoa humana como já restou evidenciado quando da rápida apresentação de sua dupla função como limite e tarefa assume também funções mais diretamente relacionadas com os direitos fundamentais que passamos a elencar sumariamente em boa parte também à luz de decisões extraídas da jurisprudência do STF No contexto de uma interpretação conforme a dignidade da pessoa humana doutrina e jurisprudência majoritária sustentam uma leitura extensiva do art 5º caput da CF naquilo que define os titulares dos direitos fundamentais visto que do princípio da dignidade da pessoa humana decorre o princípio da titularidade universal pelo menos daqueles direitos cujo reconhecimento e proteção constitui uma exigência direta da dignidade tópico que será objeto de maior atenção no âmbito da parte geral dos direitos fundamentais Também a importância do princípio da dignidade da pessoa humana como critério material para a identificação de posições fundamentais direitos situados em outras partes do texto constitucional ou mesmo para a justificação de posições subjetivas fundamentais implícitas no contexto mais amplo da assim chamada abertura material do catálogo de direitos fundamentais consagrada no art 5º 2º da CF merece ser destacada embora também constitua ponto a ser desenvolvido mais adiante parte geral dos direitos fundamentais Apenas para já aqui referir um exemplo colacionase precedente do STF da seara dos direitos de personalidade e na qual o vínculo com a dignidade se manifesta com especial agudeza reconhecendo tanto um direito fundamental ao nome 724 quanto ao estado de filiação mediante o argumento de que o direito ao nome inserese no conceito de dignidade da pessoa humana e traduz a sua identidade a origem de sua ancestralidade o reconhecimento da família razão pela qual o estado de filiação é direito indisponível 725 No mesmo sentido pode ser colacionada decisão na qual o STF reconheceu a partir da dignidade da pessoa humana da privacidade e intimidade da autodeterminação informativa e da necessidade de concretizar permanentemente o compromisso com a renovação da força normativa da constituição em face dos riscos gerados pelo avanço tecnológico um direito fundamental autônomo à proteção dos dados pessoais 726 Por derradeiro a dignidade opera simultaneamente como limite e limite dos limites na seara dos direitos fundamentais o que em apertada síntese significa que na condição de limite com fundamento na dignidade da pessoa humana ou seja em virtude da necessidade de sua proteção não só é possível como poderá ser necessário impor restrições a outros direitos fundamentais como ocorreu em caráter ilustrativo no caso da interrupção da gravidez em casos de anencefalia fetal quando o STF privilegiou a dignidade e autonomia dos pais em detrimento da salvaguarda ainda que por pouco tempo da vida do feto Por outro lado e aqui a função de limite dos limites uma restrição de direito fundamental ainda que justificada pela proteção da dignidade não poderá implicar a completa desconsideração da dignidade de quem tem o seu direito restringido de tal sorte que o conteúdo em dignidade dos direitos estará subtraído de regra a alguma intervenção restritiva Nesse contexto é que se torna palpitante o problema que envolve o caráter relativo ou absoluto da dignidade da pessoa humana adotandose em termos gerais a tese de Robert Alexy no sentido de que na condição de princípio a dignidade em situações excepcionais poderá ser contrastada com outros princípios e ou direitos utilizandose a técnica e os correspondentes critérios da proporcionalidade ao passo que na sua condição de regra como se dá no caso da proibição absoluta da tortura e de tratamentos de cunho desumano e degradante da proibição de penas cruéis e desumanas da proibição de trabalhos forçados ou da utilização de trabalho escravo 727 entre outras situações a dignidade não mais poderá ser ponderada com outros direitos aplicandose algo como a lógica do tudo ou nada afastandose portanto a ponderação com outros direitos e princípios ou bens de estatura constitucional 728 22 Princípio do Estado Democrático e Socioambiental de Direito 221 Noções gerais Diversamente de outras ordens constitucionais a CF acabou não consagrando de modo distinto as noções e correspondentes princípios do Estado Democrático do Estado Social e do Estado de Direito Quanto ao Estado Social aliás sequer há referência expressa e direta no direito constitucional positivo quanto ao seu reconhecimento o mesmo ocorrendo em relação ao Estado Ecológico Ambiental que aqui por razões que serão devidamente apresentadas logo adiante no item dedicado ao Estado Socioambiental o que contudo não significa que o Estado Democrático de Direito projetado pela CF não possa ser designado também como um Estado Social e Ambiental ou mesmo Socioambiental de acordo com a opção terminológica e conceitual aqui adotada o que dentre outros fatores pode ser inferido facilmente e assim também o tem sido no âmbito da doutrina e jurisprudência mediante uma breve mirada sobre os objetivos fundamentais do art 3º da CF dentre os quais a erradicação da pobreza a redução das desigualdades um extenso catálogo de direitos sociais e dos trabalhadores arts 6º e 7º e ss os princípios da ordem econômica com destaque para a justiça social e a garantia e promoção do mínimo para uma existência digna a teor do art 170 caput da CF bem como a conformação do sistema constitucional de seguridade social e da ordem social no seu conjunto O mesmo se aplica ao ambiente tendo em conta a forte e detalhada constitucionalização inclusive na condição de direito e dever fundamental da proteção do ambiente tal como evidencia o art 225 da CF Muito embora como bem demonstram Lenio Streck e José Luís Bolzan de Morais o Estado Democrático de Direito represente um avanço em relação ao clássico modelo do Estado Liberal de Direito e mesmo em relação ao Estado Social 729 que nem sempre assumiu a forma de um Estado Democrático e de Direito como se deu apenas para citar exemplos notórios na Alemanha Nacional Socialista na Itália Fascista e no Brasil do Estado Novo nas suas primeiras manifestações o fato é que a coordenação de Democracia Estado de Direito e como aqui preferimos inserir das noções de Estado Social e Ambiental corresponde à fórmula adotada pelo constituinte de 1988 ainda que se possa discutir sobre a terminologia mais adequada De qualquer sorte dada a estreita vinculação entre tais noções ainda que cada uma guarde relativa e substancial autonomia os princípios estruturantes que conformam o Estado Democrático e Socioambiental de Direito serão agrupados nesse item apresentados em separado mas de modo a compor um conjunto articulado e interdependente permitindo uma exposição e compreensão mais sistemática de seu conteúdo e significado inclusive para que de modo esquemático possam ser identificados os seus respectivos subprincípios ou elementos como é o caso por exemplo da supremacia do Direito da legalidade e da segurança jurídica que dão forma e conteúdo ao princípio do Estado de Direito Além disso convém sublinhar que a perspectiva de abordagem é centrada numa compreensão constitucionalmente adequada dos princípios aqui versados ainda que com alguma referência a aspectos conceituais mais abrangentes 222 O princípio democrático e a soberania popular O Estado Constitucional que merece ostentar tal qualificação é sempre como já frisado um Estado Democrático de Direito razão pela qual aqui tomaremos as expressões como equivalentes 730 Cuidase portanto de um Estado onde o poder seja na sua origem seja quanto ao seu modo de exercício deve ser legitimamente adquirido e exercido legitimação que deve poder ser reconduzida a uma justificação e fundamentação democrática do poder e a um exercício democrático das diversas formas de sua manifestação e exercício 731 Em que pese a democracia na condição de regime político e forma de exercício do poder estatal não se constituir em conceito estritamente jurídico baseandose em um conjunto de pressupostos anteriores à própria constituição 732 no âmbito da evolução do constitucionalismo moderno resulta evidente que a despeito de elementos em comum o conceito de democracia é também e na perspectiva do Estado Constitucional em primeira linha um conceito jurídicoconstitucional reclamando uma compreensão constitucionalmente adequada já pelo fato de que no contexto de cada ordem constitucional positiva a noção de democracia e seus diversos elementos adquire feições particulares como se verifica por exemplo na opção ou não pela inserção de mecanismos de democracia direta ou participativa da escolha do sistema eleitoral e da configuração dos direitos políticos apenas para referir alguns dos mais importantes Assim com razão Konrad Hesse quando leciona que em vista da diversidade de compreensões sobre o que é democracia o significado jurídicoconstitucional de democracia apenas pode ser obtido a partir da concreta conformação levada a efeito por determinada constituição ainda que em geral a constituição não contenha uma regulamentação completa e compreensiva de um modelo de democracia mas apenas estabeleça determinados princípios e regras mediante os quais assegura constitucionalmente seus fundamentos e estruturas básicas 733 o que todavia encontra uma concreta formatação em cada ordem constitucional positiva 734 Mas a democracia não se traduz apenas em um conjunto de princípios e regras de cunho organizatório e procedimental guardando na sua dimensão material íntima relação com a dignidade da pessoa humana e com os direitos fundamentais em geral com destaque para os direitos políticos e os direitos de liberdade designadamente as liberdades de expressão reunião e manifestação para além dos direitos políticos e de nacionalidade Consoante bem sintetiza Hartmut Maurer do respeito e proteção da dignidade humana decorre que os seres humanos portanto o povo formam o elemento dominante do e no Estado ao passo que liberdade e igualdade e os direitos fundamentais correlatos exigem que todos possam em condições de igualdade influir na vida estatal 735 Assim também o princípio democrático na condição de princípio normativo estruturante apresenta uma dimensão material e uma dimensão organizatória e procedimental que se conjugam complementam e retroalimentam assegurando uma legitimidade simultaneamente procedimental e substancial da ordem jurídico política estatal 736 No âmbito da CF mormente tendo em conta o período e circunstâncias de sua elaboração e promulgação o compromisso com a democracia ficou particularmente bem destacado tanto no Preâmbulo quanto no primeiro artigo do corpo da CF em que além da consagração do Estado Democrático de Direito o constituinte erigiu a cidadania e o pluralismo político à condição de princípios fundamentais além de no parágrafo único enfatizar a soberania popular como fonte do poder estatal firmando ademais compromisso com a democracia representativa combinada com mecanismos de participação direta do cidadão art 14 modelo que tem sido também designado de semidireto 737 O postulado liberaldemocrático de que todo o poder emana do povo e em seu nome deve ser exercido ou na acepção atribuída a Abraham Lincoln de que a democracia é o governo do povo pelo povo e para o povo acabou assumindo portanto também na CF uma feição particularmente reforçada mediante a ampliação dos espaços da assim chamada democracia participativa no texto constitucional assegurandolhes ademais a condição de direitos políticos fundamentais designadamente o plebiscito o referendum e a iniciativa popular legislativa de modo que se pode de fato falar como o faz Paulo Bonavides em um direito à democracia e mesmo um direito à democracia participativa na condição de direito subjetivo 738 sem prejuízo da dimensão objetiva que caracteriza o princípio democrático e o da soberania popular na condição de princípios estruturantes Por outro lado já pelo seu caráter complexo como tal qualificado pela coexistência do modelo representativo com o da participação direta do cidadão a ordem democrática consagrada pela CF não pode ser reconduzida a uma noção clássica liberalindividualista de democracia mas sim guarda sintonia com uma concepção dinâmica de democracia típico de uma sociedade aberta ativa e inclusiva que busca assegurar aos cidadãos um desenvolvimento integral das personalidades individuais no âmbito de uma sociedade livre justa e solidária art 3º I da CF e num ambiente marcado pela justiça social art 170 da CF 739 Já por tal razão se percebe que a despeito de se tratar de princípio autônomo que diz com a legitimação do poder e de seu exercício o princípio democrático tal como já anunciado há de ser compreendido de modo articulado com outros princípios estruturantes em especial os da dignidade da pessoa humana do Estado de Direito e do Estado Socioambiental com os fundamentos e objetivos da ordem constitucional o sistema de direitos fundamentais e a organização do Estado e dos Poderes Tendo em conta que democracia e soberania popular são também na CF umbilicalmente vinculadas a noção de povo acaba assumindo uma particular e determinante relevância para a compreensão do conceito constitucionalmente adequado de democracia Mas a própria noção de povo na condição de conceito jurídicoconstitucional que é necessita ser devidamente elucidada especialmente mediante a sua diferenciação de outras formas de titularidade do poder estatal ou mesmo de noções correlatas como o de população e cidadania Em primeiro lugar a noção de povo como titular da soberania guarda relação com a própria noção de poder constituinte já que não apenas a constituição como tal deve consagrar e assegurar um regime político democrático e um modo democraticamente legitimado de exercício do poder democracia como princípio estruturante de determinada constituição quanto a própria constituição deve ser o produto de uma vontade constituinte democraticamente formada e exercida aspecto já desenvolvido no capítulo próprio do presente Curso sobre o poder constituinte A soberania popular deve ser compreendida então nessa dupla perspectiva significando em síntese que tanto a titularidade quanto o exercício do poder estatal incluindo a assunção de tarefas e fins pelo Estado e a realização das tarefas estatais podem sempre ser reconduzidas concretamente ao povo no sentido de uma legitimação democrática efetiva 740 Para efeitos de sua delimitação verificase que a noção de povo em sentido jurídico na condição de um dos clássicos elementos da própria noção de Estado sofreu significativa evolução ao longo da trajetória constitucional desde a primeira fase do Estado liberal burguês do final do Século XVIII e grande parte do Século XIX De qualquer sorte o conceito jurídico de povo não se confunde com o de população que corresponde à soma de todos os indivíduos que se encontram no território estatal e que estão sujeitos ao direito estatal inclusive na condição de titulares de direitos mas sim ainda que numa perspectiva atualmente ampliada e inclusiva compreende o conjunto dos cidadãos ou seja daqueles que por força do próprio direito estatal são titulares de um vínculo jurídico com determinado Estado que assegure a participação na formação da vontade estatal mediante um conjunto de direitos e obrigações com destaque para a titularidade de direitos de participação política 741 Também no caso da CF a condição de cidadão para o efeito referido decorre em regra da nacionalidade ou seja da circunstância de o indivíduo ser brasileiro nato ou naturalizado aspecto que também é objeto de capítulo específico no presente curso ao qual aqui remetemos Todavia embora em geral a condição de cidadão e nacional seja coincidente nem sempre a cidadania pressupõe a nacionalidade já que a cidadania numa perspectiva mais ampliada que não diz apenas com a titularidade e exercício dos direitos políticos em sentido estrito para o efeito da concretização da soberania popular do sufrágio ativo e passivo mas engloba outras formas de participação efetiva na esfera pública ou mesmo pela atribuição da titularidade de direitos de participação política a estrangeiros o que de resto já se verifica em diversos Estados 742 Por outro lado o conceito jurídico de povo como o conjunto dos cidadãos de regra como no caso brasileiro dos nacionais não se confunde mas guarda relação com a noção de cidadania na condição de princípio fundamental inserida que foi juntamente com a soberania a dignidade da pessoa humana a livreiniciativa e os valores sociais do trabalho bem como o pluralismo político no primeiro artigo da CF assumindo simultaneamente a condição de fundamento do Estado Democrático de Direito A cidadania compreendida não estritamente como o status de ser cidadão portanto de ter reconhecido e assegurado um vínculo jurídico com determinada ordem estatal e de fruir de direitos em relação a ela inclusive e especialmente de direitos políticos mas compreendida como fundamento e princípio indica que o Estado Democrático é fundado e mesmo pressupõe a noção de cidadania o que não significa que a cidadania numa perspectiva atual e mais ampla possa ser confundida com a noção de democracia especialmente se esta for tomada em sentido apenas formal mas aponta para uma concepção de cidadania ativa e responsável em sintonia com a dignidade da pessoa humana e de democracia material e cada vez menos restrita ao ambiente fechado do território nacional de modo a se transformar numa espécie de cidadania aberta inclusive e tendencialmente global 743 A conhecida definição de Hannah Arendt de que a cidadania assume a condição de um direito a ter direitos alcança uma dimensão ampliada pelo fato de que o indivíduo não mais é titular de direitos apenas na esfera do Estado do qual é cidadão em sentido estrito mas também é titular de um conjunto de direitos humanos que são ou pelo menos aspiram a ser direitos de todos em todos os lugares Mas essa é uma questão que aqui não poderá ser desenvolvida A concepção de democracia característica do Estado Democrático de Direito tal como formatado também na CF funda se no que diz com a legitimação democrática em sintonia com a noção de soberania popular na busca da construção de consensos Considerando todavia que o consenso numa ordem política democrática e plural em regra não equivale a uma unanimidade quanto mais controverso o tema objeto da deliberação mais o consenso corresponde a uma decisão tomada livremente por uma maioria resultando na sequência em um regramento vinculativo para toda a comunidade política Mas a exemplo do que adverte Konrad Hesse tendo em conta que um consenso habitualmente apenas encerra o mínimo em relação ao qual todos os envolvidos na deliberação manifestam a sua concordância a exigência de um consenso absoluto ou mesmo tendencialmente absoluto esbarraria em indesejável imobilismo ou compromissos meramente formais razão pela qual se adotou o princípio da maioria ou princípio majoritário 744 cabendo em geral ao constituinte estabelecer quando necessária a depender da matéria uma maioria qualificada como no caso brasileiro para aprovação de uma emenda constitucional ou de uma lei complementar ou apenas uma maioria simples como no caso entre outros das leis ordinárias Por outro lado democracia não pode resultar em arbítrio de maiorias sobre minorias as assim chamadas ditaduras majoritárias inclusive mas não apenas por isso pelo fato de que em grande parte dos casos as maiorias obtidas são bastante exíguas o que se agrava ainda mais quando se trata de maioria simples Por isso o princípio democrático pressupõe e impõe o respeito pelas minorias e mesmo a sua proteção e promoção A proteção das minorias não se limita portanto ao mero fato de poderem participar do processo deliberativo e sendo derrotadas resignarse a uma mera submissão à vontade majoritária e ao consenso sempre relativo daí resultante Em primeiro lugar as maiorias e os consensos e decisões dela resultantes encontramse submetidas a limites postos pelo princípio do Estado de Direito resultantes da própria constituição como dão conta os princípios da vinculação ao Direito com destaque para o primado da constituição a segurança jurídica a proporcionalidade e o respeito e proteção dos direitos fundamentais 745 Os direitos fundamentais por sua vez constituem não apenas parâmetro para a legitimidade material da ordem constitucional mas representam a essência da proteção das minorias visto que uma violação de um direito fundamental na condição de direito subjetivo individual poderá justificar a impugnação pelos meios postos à disposição pelo Estado de Direito de atos que resultam da deliberação das maiorias razão pela qual os direitos fundamentais costumam ser também chamados Dworkin de trunfos contra a maioria Também a promoção dos direitos interesses das minorias poderá ser imposta expressa ou implicitamente pela ordem constitucional especialmente para superar níveis intoleráveis de exclusão social política econômica e mesmo cultural o que assume um caráter ainda mais cogente no âmbito de um Estado Social ou Socioambiental como preferimos designar mas também poderá ser exigência do Estado Democrático e de Direito como se verifica por exemplo na previsão de diversas modalidades de ações afirmativas incluindo políticas de quotas como se verifica no caso brasileiro com as quotas de gênero para o exercício de cargos públicos representativos mas também objetivando apostar na compensação de desigualdades fáticas de quotas de cunho racial quotas para indígenas entre outras Dentre os instrumentos colocados à disposição das minorias encontramse além da possibilidade de bloquear determinadas deliberações especialmente quando exigindo maioria qualificada como no caso das reformas constitucionais garantias de cunho processual como é o caso da possibilidade de movimentar o controle abstrato e concentrado de constitucionalidade que no caso brasileiro tem como legitimados ativos os partidos políticos de representação nacional ainda que o partido tenha apenas um representante no Congresso Nacional A necessidade de ouvir e dar espaço efetivo mediante garantias de manifestação participação e controle às minorias por seu turno evidencia a importância do papel político exercido pela oposição no ambiente parlamentar e eleitoral em geral 746 o que entre outros aspectos remete à necessidade de se garantir um sistema preferencialmente pluripartidário e um efetivo pluralismo político o que aliás corresponde à opção do constituinte brasileiro Nessa mesma perspectiva os direitos fundamentais não apenas os direitos políticos em sentido estrito mas também outros direitos e garantias fundamentais designadamente os direitos de caráter comunicativo liberdade de expressão reunião manifestação informação a ação popular entre outros constituem instrumento indispensável para dar voz e possibilidade de participação e controle às minorias À vista de todo o exposto e buscando sintetizar os elementos essenciais do princípio democrático na CF calha recorrer ao magistério de Marcelo Cattoni para quem o princípio da democracia constitucional garantese especialmente mas não exclusivamente pelo seguinte a pelo reconhecimento do direito fundamental de oposição e pelos direitos políticos das minorias b por meio das diversas formas de participação e representação política dos diversos setores da sociedade c pelos mecanismos participativos e representativos de fiscalização e controle do poder 747 d por meio da garantia de direitos processuais de participação nos processos coletivos de deliberação e pelo reconhecimento de identidades coletivas sociais e culturais f por meio de políticas de reconhecimento e ações afirmativas inclusivas e compensatórias de desigualdades fáticas 748 Tal elenco poderia ser acrescido sem com isso esgotar as possibilidades do reconhecimento e garantia de direitos fundamentais com destaque para as liberdades de expressão reunião manifestação e associação ademais de um conjunto de direitos sociais que asseguram a capacidade para a liberdade 223 O princípio do pluralismo político O pluralismo político ainda que consagrado de modo autônomo no elenco dos fundamentos da República Federativa do Brasil art 1º V da CF guarda intrínseca relação com o princípio democrático ainda que com este não se confunda pois o pluralismo é aspecto essencial mas não exclusivo da democracia no Estado Democrático de Direito contemporâneo 749 O pluralismo político que é também econômico e cultural permite e assegura a livre mas respeitosa e regulada convivência e interação entre convicções ideais e projetos de vida individuais e compartilhados por grupos mais ou menos representativos de segmentos da sociedade de tal sorte que o pluralismo político simultaneamente significa uma abertura para posições políticas distintas e a possibilidade efetiva de participação política por parte de todos os integrantes do corpo da cidadania inclusive mediante a formação eou participação em partidos políticos 750 Especialmente na sociedade complexa atual caracterizada por uma crescente diferenciação entre os múltiplos subsistemas inclusive no sentido de uma autonomização das diversas esferas normativas dentre as quais o Direito o pluralismo deve ser compreendido como um pluralismo razoável tal como proposto por John Rawls caracterizado pela convivência de formas de vida e visões de mundo não fundamentalistas e numa ambiência marcada pela tolerância e abertura que acabam por determinar a própria concepção do Estado Democrático de Direito 751 Como bem destaca Martonio M Barreto Lima o sentido do pluralismo político cons titucionalmente positivado no Brasil alcança as diversas esferas da vida política e social do País assumindo uma dimensão principiológica e necessariamente integrada com outros princípios e direitos e garantias fundamentais que no seu conjunto formam e conformam a concepção de democracia consagrada na CF 752 Que o Estado Democrático de Direito da CF corresponde ao menos formalmente no plano do direito constitucional positivo a tal modelo resulta evidenciado não apenas pelo elenco dos princípios fundamentais consagrados no Título I dentre os quais o próprio pluralismo e a dignidade da pessoa humana quanto pela integração com o direito internacional dos direitos humanos os objetivos do art 3º alcançar uma sociedade livre justa e solidária o amplo catálogo de direitos fundamentais e sua abertura material art 5º 2º dentre outras pistas que aqui poderiam ser referidas 224 O princípio do Estado de Direito A noção de Estado de Direito que em sua formulação embrionária quanto a tal aspecto ainda atual pode ser reconduzida à conhecida ideia de um governo das leis e não dos homens já encontrada até nos escritos de Platão e Aristóteles bem como em outras manifestações inclusive na Idade Média e Moderna envolvendo formulações teóricas e tentativas práticas mais ou menos bemsucedidas de limitação jurídica do poder acabou gradualmente especialmente ao longo da evolução do constitucionalismo assumindo a função de princípio fundamental estruturante arrancando numa primeira fase de uma concepção eminentemente formal muitas vezes também designada de Estado legal ou formal de Direito no mais das vezes identificado com o Estado liberal burguês especialmente na compreensão que dominou o século XIX para uma noção que congrega tanto elementos formais quanto materiais resultando na consagração do que se entende atualmente pelo menos no âmbito dos Estados constitucionais tidos como democráticos de um Estado material de Direito 753 Como bem pontua Javier Pérez Royo tal processo evolutivo foi marcado por um desenvolvimento progressivo e cumulativo até resultar na afirmação da moderna noção de Estado Democrático de Direito de tal sorte que Estado de Direito e Estado Democrático passam a ser idênticos 754 Além do mais o compromisso com o Estado de Direito atingiu tal difusão e relevância que mesmo no plano do Direito Internacional o Estado de Direito assumiu a condição de elemento essencial da comunidade de Estados tanto no plano regional como revela o exemplo da União Europeia quanto na esfera do sistema da ONU como por sua vez bem demonstra a Resolução 66102 adotada em 09122011 sobre a Rule of Law no plano internacional e nacional afirmando que os Direitos Humanos o Estado de Direito e a Democracia estão interligados e se reforçam mutuamente pertencendo aos princípios e valores universais e indivisíveis e nucleares das Nações Unidas 755 O Estado de Direito também tal como consagrado na CF é portanto sempre um Es ta do Constitucional e um Estado Democrático para além de constituir no caso brasileiro um Estado Social e Ambiental ou mesmo Social e Ecológico 756 como aqui assumido Todavia embora a articulação entre todas as dimensões os princípios democrático e do Estado Socioambiental para melhor compreensão serão abordados em separado de tal sorte que aqui seguiremos tratando dos aspectos essenciais ao princípio do Estado de Direito Além disso importa sublinhar que embora tendo como ponto de partida alguns elementos comuns dentre os quais se destacam a supremacia do Direito e a correlata limitação jurídica do poder bem como a garantia da autonomia e liberdade individuais por meio do reconhecimento de direitos e garantias fundamentais o caminho percorrido pelo Estado do Direito na sua trajetória evolutiva levou à formação de modelos mais ou menos distintos entre si Assim a título de ilustração a assim chamada rule of law da tradição anglo americana não se confunde com o Estado de Direito Rechtstaat alemão apenas para referir duas das principais tradições nessa seara 757 A conformação do Estado de Direito portanto para a sua adequada compreensão demanda uma reconstrução de sua trajetória evolutiva mas especialmente reclama uma análise constitucionalmente adequada à luz das especificidades de uma ordem jurídicoconstitucional concreta Por tal razão e considerando se as limitações da presente abordagem e do seu contexto o que se pretende aqui é apresentar os contornos gerais da noção e do correspondente princípio do Estado de Direito no contexto do direito constitucional positivo brasileiro bem como identificar os seus principais elementos Levando em conta que em diversos casos haverá fortes pontos de contato e mesmo superposição com aspec tos que dizem respeito a outros princípios constitucionais eventualmente se utilizará o recurso de remeter aos conteúdos analisados em outros momentos Numa primeira aproximação cabe tomar emprestada a lição de Gomes Canotilho que se aplica também ao caso brasileiro no sentido de que o princípio do Estado de Direito é um princípio constitutivo de natureza material procedimental e formal que visa dar resposta ao problema do conteúdo extensão e modo de proceder da actividade do Estado 758 Assim convém sublinhar que o Estado de Direito o é tanto em sentido formal quanto material já que os dois esteios se fazem indispensáveis e se complementam e reforçam mutuamente O Estado formal de Direito ou em sentido formal já se configura mediante a previsão e garantia de uma divisão separação de poderes a legalidade da Administração Pública a garantia de acesso à Justiça e independência judicial no plano do controle dos atos administrativos bem como a pretensão por parte do particular de ser indenizado quando de uma intervenção estatal indevida no âmbito de sua esfera patrimonial 759 Tais características permitem perceber que tal Estado formal de Direito aqui no sentido de um Estado apenas formal de Direito não necessariamente guarda harmonia com uma noção de Direito que vai além da estrita legalidade e que corresponde a critérios de justiça e legitimidade material e não meramente procedimental e funcional resulta evidente e aqui não carece de maior desenvolvimento Por outro lado a noção de Estado material de Direito ou em sentido material exige que a legalidade esteja orientada e vinculada por parâmetros materiais superiores e que informam a ordem jurídica e a ação estatal papel que é exercido por princípios jurídicos gerais e estruturantes e pela vinculação do Poder Público dos agentes e dos seus atos a um conjunto de direitos e garantias fundamentais de tal sorte que como bem expressa Schmidt Assmann o Estado material de Direito não é o oposto do Estado formal de Direito mas um Estado que unifica e concilia ambas as dimensões 760 Por tais razões o Estado de Direito em sentido material e formal é como já adiantado sempre um Estado Constitucional e Democrático de Direito que também pode ser designado de um Estado da Justiça e dos Direitos Fundamentais Dito de outro modo e acompanhando Konrad Hesse a decisão constitucional tal qual tomada pela CF pelo Estado de Direito formal e material consiste em uma decisão fundamental em prol de uma forma de vida estatal e social que se estrutura e atua na medida e de acordo com o Direito 761 Para a sua melhor compreensão os principais elementos que integram e qualificam o Estado de Direito como tal serão objeto de sumária apresentação A O primado do direito O Estado de Direito caracterizase em primeira linha pela vinculação do poder estatal ao direito e pelo objetivo atribuído aos órgãos estatais de realizar a justiça material 762 Tal primado do direito como explica Hesse não significa uma espécie de normatização totalizante e absoluta da vida estatal pelo direito mas sim a afirmação do princípio da supremacia da Constituição de acordo com o qual nenhum ato estatal poderá estar em desconformidade com a Constituição combinado com o princípio da primazia da lei em que todos os atos editados em forma legislativa assumem uma condição preferencial em face de outros atos e os atos legislativos existentes e em vigor deverão ser seguidos pelos poderes estatais 763 Assim o primado do direito é formado pela convivência e articulação dos princípios da constitucionalidade e da legalidade incluindo a reserva legal implicando uma vinculação direta do legislador à Constituição e uma dupla vinculação direta e indireta dos poderes Judiciário e Executivo à Constituição e às leis 764 A vinculação isenta de lacunas do poder público aos princípios e direitos fundamentais é por sua vez manifestação particular da mais abrangente noção de supremacia da Cons tituição além de representar precisamente um dos eixos da noção de Estado material de Direito 765 Cabe sublinhar outrossim que a articulação da supremacia da Constituição e da supremacia da lei não implica uma aplicação meramente subsidiária das leis pois apenas na hipótese de conflito é que tal supremacia se fará relevante de tal sorte que cabe ao Administrador e ao Judiciário aplicar em primeira linha a norma incidente que per tence ao nível hierárquico mais baixo aferindo sempre sua respectiva legalidade em se tratando de atos normativos infralegais eou constitucionalidade o que se revela par ticularmente relevante para o Poder Executivo cuja atuação está diretamente submetida ao princípio da legalidade 766 1 O princípio da reserva legal O princípio da reserva legal de acordo com seu sentido convencional consiste na exigência de que a Administração Pública apenas poderá intervir em algum caso concreto se tiver sido autorizada por lei ou pelo menos com base em lei 767 Do ponto de vista dogmático a doutrina da reserva legal ou reserva de lei busca dar resposta à indagação de em quais domínios a Administração Pública depende necessita para sua atuação de um fundamento uma autorização legal e onde não pode atuar sem tal autorização 768 O princípio da reserva legal portanto corresponde a particular e especial manifestação do princípio da legalidade como expressão da supremacia da lei em relação aos atos da Administração Pública embora com este não se confunda dada a maior abrangência do último Com efeito ao passo que de acordo com o princípio da supremacia da lei um ato administrativo apenas é ilícito se afronta alguma disposição legal no caso da reserva de lei o ato administrativo já é ilícito quando inexiste disposição legal a amparar a ação administrativa 769 Especialmente relevante é a reserva legal em matéria de direitos fundamentais no sentido de que toda e qualquer restrição pelo menos em se tratando de uma intervenção restritiva de direitos fundamentais deve ser veiculada por lei ou pelo menos pode ser diretamente reconduzida a uma disposição legal Além disso importa sublinhar que a reserva legal poderá ser simples ou qualificada a depender numa primeira hipótese de a Constituição Federal exigir regulação por lei complementar qualificada ou ordinária simples Com base em outro critério simples será a reserva legal que não estabelece do ponto de vista constitucional nenhuma exigência prévia ao legislador infraconstitucional sendo qualificada a reserva legal que limita de antemão a atuação legislativa pelo fato de prever alguns requisitos já no texto constitucional como se dá no Brasil com o exemplo do sigilo das comunicações telefônicas art 5º XII da CF em que a Constituição Federal defere apenas ao Poder Judiciário a possibilidade de determinar em casos especiais também previstos no texto constitucional a quebra do sigilo Calha sublinhar que a reserva legal não se confunde com a assim chamada reserva de parlamento de acordo com a qual determinadas matérias apenas poderiam ser tratadas reguladas pelo Poder Legislativo de modo a assegurar a correspondente legitimidade democrática Com efeito como bem leciona Gilmar Ferreira Mendes a reserva legal não deve ser reduzida a uma reserva de parlamento pois não está em causa apenas a fonte da norma o órgão da qual emana mas também o seu conteúdo de tal sorte que se trata também para além de um problema democrático de uma questão de limitação funcional do poder e de inserção no quadro de um Estado de Direito 770 No caso brasileiro como bem demonstra a evolução jurisprudencial no STF a reserva de lei e com isso o próprio princípio da legalidade tem sido objeto de algum esvaziamento e se verifica mediante breve referência à chancela do assim chamado decreto autônomo e pela tolerância com o poder normativo da Administração Pública inclusive em relação a atos normativos que implicam restrições a direitos e garantias fundamentais Mas isso não é um tema que aqui se pretenda desenvolver 2 O princípio da reserva da Constituição Na síntese de Gomes Canotilho é concretizado essencialmente pelo princípio da tipicidade constitucional de competências de acordo com o qual todas as funções e competências dos órgãos constitucionais devem ter fundamento na Constituição em outras palavras os órgãos do Estado apenas têm competência para fazer o que a Constituição lhes permite bem como pelo princípio da constitucionalidade da restrição dos direitos e garantias fundamentais de modo que todas as restrições de direitos devem ser estabelecidas pela própria Constituição ou serem levadas a efeito pelo legislador com fundamento em autorização constitucional 771 B Reconhecimento e proteção de direitos e garantias fundamentais A principal manifestação do Estado de Direito como Estado material de Direito são os direitos e garantias fundamentais pois são eles que concretizam o Estado de Direito nas suas diversas dimensões inclusive na sua condição de Estado Social e Democrático e na condição de posições subjetivas direitos exigíveis em face do Estado o tornam capaz de se afirmar 772 Por tal razão reafirmase aqui que o Estado de Direito é sempre em primeira linha um Estado de direitos fundamentais pois e aqui valemonos da lição de Pérez Luño existe um estreito nexo de interdependência genético e funcional entre o Estado de Direito e os direitos fundamentais uma vez que o Estado de Direito exige e implica para sêlo a garantia dos direitos fundamentais ao passo que estes exigem e implicam para sua realização o reconhecimento e a garantia do Estado de Direito 773 Nesse contexto assume relevo o princípio da vinculação sem lacunas dos órgãos estatais aos direitos e garantias fundamentais e a criação de um sistema efetivo de proteção com destaque para a proteção judiciária de tais direitos o que todavia será objeto de desenvolvimento na parte deste curso relativa aos direitos fundamentais parte material e ao processo constitucional e controle de constitucionalidade C O princípio da separação de poderes O princípio da separação ou divisão dos poderes que assume papel central desde a origem do constitucionalismo tendo sido erigido à condição de elemento essencial e determinante da própria noção de Constituição mediante o famoso art 16 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 se a divisão dos poderes não estiver assegurada e não forem respeitados os direitos individuais não haverá Constituição tem por escopo na esteira do ideário iluminista e liberalburguês dominante na época com destaque para as concepções de John Locke e especialmente Montesquieu que nos legou a formulação ainda atual em seus contornos gerais a limitação jurídica do poder estatal mediante a desconcentração divisão e racionalização das suas respectivas funções 774 Na precisa descrição de Konrad Hesse no sentido da divisão de poderes são criadas funções e órgãos estatais que por sua vez devem levar a efeito tais funções nos limites de suas respectivas competências constitucionalmente estabelecidas e mediante regras de procedimento vinculativas e suficientemente claras 775 De todo modo em rigor cuidase de uma distribuição eou divisão entre as funções típicas do poder estatal visto que o poder do Estado como tal é uno e indivisível assim como é una e indivisível a soberania Por outro lado tal como ocorreu com o próprio Estado de Direito e suas demais manifestações princípios eou elementos também o princípio da divisão de poderes a despeito de importantes aspectos em comum não foi objeto de idêntica recepção e concretização em cada ordem jurídicoconstitucional devendo portanto ser apresentado e analisado no devido contexto de cada Estado Democrático de Direito o que já na origem do Estado Constitucional pode ser aferido considerando as distinções entre a tradição francesa mais fiel a um modelo de separação forte e estrita e a tradição norteamericana que preferiu edificar e aperfeiçoar um sistema conhecido como de freios e contrapesos checks and balances De qualquer sorte ressalvadas experiências isoladas divergentes como se deu no Brasil imperial mediante a previsão de um quarto poder o assim chamado Poder Moderador em regra até segue atual o sistema clássico protagonizado por Montesquieu de uma divisão horizontal de poderes de desconcentração e recíproca limitação funcional entre órgãos estatais entre os poderes funções legislativo executivo e judiciário cuja horizontalidade decorre da circunstância de inexistir qualquer hierarquia entre os respectivos órgãos e funções do poder estatal todos operando na esfera de suas competências constitucionalmente estabelecidas No caso brasileiro especialmente desde a primeira Constituição da República 1891 mas de modo especialmente estruturado na atual Constituição Federal o sistema de divisão chamado pelo constituinte de separação de poderes fortemente inspirado pela tradição norteamericana e próximo também do modelo adotado pela Lei Fundamental da Alemanha 1949 se identifica pelo fato de que os três poderes órgãos e funções estatais se caracterizam por uma atuação conjunta e voltada à consecução dos objetivos constitucionais atuação que se dá de forma desconcentrada racional e juridicamente limitada por esferas de competência próprias e mecanismos de controle recíprocos Assim em caráter de síntese o princípio da separação dos poderes tem como objetivo o controle do poder pelo poder num esquema de fiscalização recíproca que se materializa por um conjunto diferenciado de técnicas e instrumentos como é o caso do direito de veto do chefe do Poder Executivo a própria possibilidade de edição de atos normativos pelo Executivo a aprovação pelo Legislativo do orçamento dos demais órgãos estatais o controle judicial dos atos dos demais Poderes entre outros 776 Tendo em conta contudo a relevância da separação de poderes o correspondente princípio será objeto de maior desenvolvimento no capítulo do presente Curso dedicado à organização dos Poderes D O princípio geral da segurança jurídica Embora como tal não expressamente previsto na Constituição Federal o princípio da segurança jurídica constitui elemento essencial da noção de Estado de Direito estando de outra parte expressa e implicitamente normatizado do ponto de vista constitucional por meio de um conjunto de princípios e regras como é o caso da proteção da confiança implicitamente assegurado bem como das figuras do ato jurídico perfeito dos direitos adquiridos e da coisa julgada e de garantias contra a retroatividade de determinados atos jurídicos como em matéria penal e tributária entre outras manifestações que aqui não serão especificamente analisados 777 Convém anotar de outra parte que a segurança jurídica como já indiciado assume também a condição de direito e garantia fundamental o que reforça a sua dupla dimensão objetiva e subjetiva Mas a vinculação multidimensional do princípio da segurança jurídica com o Estado formal e material de Direito não significa que tal vinculação seja exclusiva dito de outro modo a segurança jurídica não encontra no Estado de Direito um fundamento único devendo ser reconduzida a outros princípios como é o caso por exemplo do princípio democrático do princípio do Estado Social do princípio da separação de poderes do princípio da igualdade do princípio da liberdade e da própria digni dade da pessoa humana 778 De acordo com a lição de Hartmut Maurer a segurança jurídica pode ser compreendida em sentido dúplice pois se por um lado ela se refere à função do direito visando assegurar segurança por meio do direito no sentido de que o direito deve criar uma ordem consistente e segura por outro ela forma um princípio estruturante que diz com a clareza e determinação do próprio conteúdo das normas de modo a assegurar a segurança do direito 779 Na feliz síntese de Gomes Canotilho na sua dimensão objetiva do direito objetivo a segurança jurídica aponta para a garantia da estabilidade de ordem jurídica ao passo que do ponto de vista subjetivo exige que o cidadão indivíduo possa confiar nos atos do Poder Público no sentido da calculabilidade e previsibilidade dos seus dos atos do Poder Público respectivos efeitos jurídicos 780 o que por sua vez remete à noção de proteção da confiança legítima como expressão essencial da segurança jurídica no Estado de Direito 781 E A responsabilidade do Estado A responsabilidade do Estado e de seus agentes por atos comissivos ou omissivos ilícitos e que afetam o patrimônio e posições jurídicas do cidadão é outra característica central do Estado de Direito 782 Por tal razão de acordo com a lição de Gomes Canotilho tal responsabilidade implica não somente a existência de um sistema jurídicopúblico de responsabilidade estatal implicando um dever de reparação dos prejuízos causados pelos órgãos estatais mas também um dever de indenização de determinados sacrifícios impostos aos cidadãos como é o caso da previsão de uma indenização justa por conta de expropriações levadas a efeito pelo Poder Público 783 Tal responsabilidade seu fundamento e abrangência bem como os meios de controle e suas respectivas consequências encontrase regulada na própria Constituição Federal e no plano da legislação infraconstitucional com destaque para a consagração da responsabilidade objetiva do Estado como regra no texto constitucional de 1988 que ademais contempla expressamente a responsabilidade por erro judiciário ademais de normas dispondo sobre a desapropriação e correspondente indenização sendo particularmente problemática a responsabilidade do Estado por conta da omissão legislativa esta última assumindo caráter excepcional 784 Também a indenização por erro judiciário assume relevância nesse contexto estando todavia sujeita a um regime jurídico próprio que apresenta algumas particularidades especialmente quando em causa eventual responsabilização por ato de natureza jurisdicional tendo a Constituição Federal inclusive assegurado um direito fundamental específico para a hipótese de erro judiciário em caso de condenação e mesmo quando alguém quedar preso por tempo superior ao determinado na sentença condenatória art 5º LXXV da CF 785 Por outro lado a adoção irrestrita da teoria de responsabilidade objetiva do Estado e do assim chamado risco integral deve ser compreendida e aplicada de modo responsável e não absoluto especialmente quando se tratar de danos decorrentes de fenômenos da natureza ou por fato de terceiros Nessa perspectiva e de acordo com orientação dominante na doutrina e jurisprudência do STF a responsabilidade objetiva do Estado depende da satisfação de três requisitos uma ação ou eventualmente omissão atribuível ao Estado um dano causado a terceiros e a presença do respectivo nexo de causalidade 786 De todo modo o princípio do Estado de Direito estabelece apenas uma moldura no âmbito do qual se há de mover todo o esquema que estrutura e regula a responsabilidade do Estado 787 Ademais maior detalhamento da matéria há de se dar no capítulo da Administração Pública bem como dos Poderes Legislativo e Judiciário além de se remeter à literatura especializada F A garantia da proteção judiciária acesso à justiça efetiva A proteção jurídica e judiciária do cidadão especialmente contra atos estatais ilícitos por meio de Juízes e Tribunais independentes representa um dos esteios e exigências centrais do Estado de Direito ademais de na acepção de Carlos Blanco de Morais poder ser identificado como um direito sobre direitos visto que além de operar como direito subjetivo de natureza individual assume uma condição de garantia transversal de todos os direitos fundamentais pois é mediante tal garantia que se assegura a proteção dos demais direitos 788 O Estado de Direito não deve portanto limitarse a ser um Estado que reconhece um sistema de direitos fundamentais como de ser um Estado no âmbito do qual os direitos são efetivos inclusive em face e contra o próprio poder estatal Tal proteção jurídicojudiciária individual que deve ser assegurada a todos os cidadãosindivíduos há de ser como bem lembra Gomes Canotilho isenta de lacunas e assegurada por um conjunto de garantias processuais e procedimentais de natureza judiciária e administrativa como é o caso das garantias processuais cíveis penais e do processo administrativo e por medidas de cunho organizatório como é o caso da criação e organização da estrutura judiciária e de um sistema de acesso à justiça efetivo incluindo aqui a assistência judiciária 789 No caso da Constituição Federal tal manifestação do Estado de Direito foi particularmente valorizada seja pela independência e garantias asseguradas ao Poder Judiciário e seus agentes seja pela consagração da regra da inafastabilidade do controle judicial em caso de violação ou ameaça de violação de direitos mas também pela garantia ampla de assistência judiciária inserção da Advocacia Pública e Privada bem como do Ministério Público na condição de funções essenciais à Justiça acompanhada igualmente de garantias além de um amplo conjunto de direitos e garantias processuais na condição de direitos fundamentais De todo modo como tais aspectos são abordados com amplo desenvolvimento nos capítulos relativos especialmente aos direitos e garantias processuais aqui deixaremos de adentrar no seu exame mais detalhado G Proibição de arbítrio como proibição de excesso de intervenção e insuficiência de proteção proporcionalidade e razoabilidade dos atos do Poder Público Oriundo do direito administrativo na condição de critério de aferição da legitimidade jurídica de atos administrativos interventivos na seara dos direitos do cidadão com destaque para o poder de polícia o princípio da proporcionalidade foi erigido especialmente a partir da segunda metade do século XX à condição de princípio de matriz constitucional e passou a balizar na condição de critério material de controle todos os atos do Poder Público incluindo os atos legislativos e os de natureza judicial 790 Atualmente o princípio da proporcionalidade que guarda forte conexão com a noção anglo americana de razoabilidade mas com esta não se confunde não apenas se transformou em princípio amplamente difundido na Europa quanto carrega uma aspiração de universalidade visto que é cada vez mais aceito e utilizado na esfera da jurisdição constitucional em diversos países inclusive no Brasil A partir da experiência do Tribunal Constitucional Federal da Alemanha o teste de proporcionalidade como é também amplamente conhecido e praticado embora nem sempre de modo correto entre nós desdobrase em três etapas a a adequação de acordo com a qual a medida estatal há de ser apta a assegurar o resultado pretendido com a restrição do direito do particular b a necessidade menor sacrifício ou ingerência que exige que em face de mais de uma medida adequada se opte pela que menos intervém na esfera jurídica c a assim chamada proporcionalidade em sentido estrito que sendo afirmativa a resposta aos dois quesitos anteriores exige uma ponderação que coloque na balança os meios e os fins no caso concreto razão pela qual é nesse nível que se situa a maior parte das anotações críticas ao princípio Importa recordar que no sentido apontado a proporcionalidade opera como critério de aferição da legitimidade constitucional de medidas interventivas do Poder Público no âmbito de proteção dos direitos fundamentais na condição de direitos de defesa direitos negativos Todavia a partir da consagração pelo menos no caso da Alemanha e sistemas que recepcionaram tal orientação da noção de deveres de proteção estatais em matéria de direitos fundamentais acabou também sendo reconhecida a existência de um dever de proteção suficiente a garantia de um patamar mínimo de proteção que por sua vez implica uma proibição de proteção insuficiente ou deficiente Tal proibição de proteção insuficiente tem sido em geral considerada como sendo uma outra dimensão da proporcionalidade na condição de proibição de excesso de intervenção ensejando um teste similar em três níveis de análise para a sua verificação em casos de omissão ou atuação insuficiente do Poder Público 791 De qualquer sorte o que importa aqui sublinhar é que a noção de proporcionalidade guarda íntima relação com a ideia de que os fins ainda que legítimos ou seja amparados na CF não justificam o recurso a todo e qualquer meio apto para a sua consecução o que de outra banda nos remete novamente à vedação do arbítrio que qualifica o Estado de Direito como tal Por fim considerando que aqui também é possível remeter ao capítulo que trata dos direitos fundamentais onde os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade foram objeto de maior desenvolvimento renunciamos a outras digressões e mesmo a referências bibliográficas específicas 225 O princípio do Estado Socioambiental a conjugação da justiça social da realização dos direitos humanos e fundamentais sociais e da proteção do ambiente 792 O princípio do Estado Democrático de Direito nas suas diferentes dimensões é consoante já visto um dos princípios fundamentais do constitucionalismo contemporâneo Mas o Estado Democrático de Direito assumiu e tem assumido diferentes configurações ao longo da evolução do constitucionalismo Assim tendo em conta os novos desafios gerados pela crise ecológica e pela sociedade tecnológica e industrial a configuração de um novo modelo superando os paradigmas antecedentes respectivamente do Estado Liberal e do Estado Social passou a assumir um lugar de destaque Entre outras denominações registramse as seguintes nomenclaturas para designar a nova roupagem ecológica incorporada pelo Estado Democrático de Direito na atualidade especialmente no âmbito ocidental e tal qual também consagrado pela Constituição Federal de 1988 Estado Póssocial 793 Estado Constitucional Ecológico 794 Estado de Direito Ambiental 795 Estado de Direito Ecológico 796 Estado Socioambiental 797 Estado do Ambiente 798 Estado Ambiental 799 Estado de BemEstar Ambiental 800 Estado Verde 801 Estado de Prevenção 802 e Estado Sustentável 803 A opção aqui assumida em sintonia aliás com produção acadêmica anterior pela nomenclatura Estado Socioambiental 804 busca enfatizar a necessária e urgente convergência das agendas social e ambiental num mesmo projeto jurídicopolítico para o desenvolvimento humano 805 Como se pode perceber a miséria e a pobreza como projeções da falta de acesso aos direitos sociais básicos como saúde saneamento básico educação moradia alimentação renda mínima etc caminham juntas com a degradação e poluição ambiental expondo a vida das populações de baixa renda e violando por duas vias distintas a sua dignidade Dentre outros aspectos assume particular relevo a proposta de uma proteção e promoção compartilhada e integrada dos direitos sociais e dos direitos ecológicos agrupados sob o rótulo genérico de direitos fundamentais socioambientais ou direitos econômicos sociais culturais e ambientais DESCA assegurando as condições mínimas para a preservação da qualidade de vida aquém das quais poderá ainda haver vida mas essa não será digna de ser vivida A compreensão integrada e interdependente dos direitos sociais e da proteção do ambiente mediante a formatação dos direitos fundamentais socioambientais constitui um dos esteios da noção de desenvolvimento sustentável no âmbito do Estado Socioambiental de Direito de tal sorte que o desenvolvimento sustentável e o correspondente princípio da sustentabilidade tem assumido a condição de princípio constitucional de caráter geral razão pela qual será desenvolvido em separado logo na sequência A partir de tal premissa devese ter em conta a existência tanto de uma dimensão social quanto de uma dimensão ecológica da dignidade da pessoa humana sendo que somente um projeto que contemple ambas as dimensões normativas para além da clássica e sempre presente dimensão da liberdadeautonomia se revela como constitucionalmente adequado O Estado Democrático de Direito com o propósito de promover a tutela da dignidade humana em face dos novos riscos ambientais e da insegurança gerados pela sociedade tecnológica contemporânea deve ser capaz de conjugar os valores fundamentais que emergem das relações sociais e por meio das suas instituições democráticas e adequada regulação jurídica garantir aos cidadãos a segurança necessária à manutenção e proteção da vida com qualidade ambiental vislumbrando inclusive as consequências futuras resultantes da adoção de determinadas tecnologias É precisamente nesse contexto que assume importância o reconhecimento dos deveres de proteção do Estado em especial a partir da assim chamada dimensão objetiva dos direitos fundamentais incluindo aqui os deveres de prevenção e precaução que deixam de ser aplicados apenas na esfera ambiental como se verifica claramente no caso da saúde da segurança alimentar etc 806 ampliando o seu espectro de incidência para outros domínios designadamente dos direitos sociais Não é por acaso que se fala atualmente até mesmo na transformação do Estado Constitucional em um Estado de Prevenção Präventionsstaat 807 o que contudo aqui não será objeto de desenvolvimento Nesse contexto é de se saudar a afirmação de Häberle sobre a necessidade de um desenvolvimento mais reforçado de deveres e obrigações decorrentes da dignidade humana em vista do futuro humano o que se justifica especialmente nas dimensões comunitária e ecológica da dignidade humana Como refere o constitucionalista alemão tal afirmativa já foi contemplada no âmbito constitucional alemão art 20a da Lei Fundamental de 1949 que reconhecendo os limites do crescimento do Estado Social de Direito tornou necessária a proteção do ambiente como um reforço da proteção da dignidade humana 808 Essa perspectiva também está contemplada na ordem constitucional brasileira conforme dá conta o disposto nos arts 170 caput e inciso VI 186 inciso II e 225 todos da Constituição Federal de 1988 implicando um modelo jurídicopolíticoeconômico em sintonia com o princípio e dever do desenvolvimento sustentável Mas a integração da agenda ambiental com as demais agendas salvaguarda das liberdades e proteção e promoção de direitos sociais demanda uma série de medidas de articulação e coordenação assim como de harmonização dos objetivos princípios e direitos em pauta Nesse contexto José Manuel Pureza refere que o modelo de Estado de Direito Ambiental Socioambiental revela a incorporação de uma nova dimensão para completar o elenco dos objetivos fundamentais do Estado de Direito contemporâneo qual seja a proteção do ambiente que se articula dialeticamente com as outras dimensões já plenamente consagradas ao longo do percurso histórico do Estado de Direito designadamente a proteção dos direitos fundamentais a realização de uma democracia política participativa a disciplina e regulação da atividade econômica pelo poder político democrático e a realização de objetivos de justiça social 809 Assim é possível adotar a premissa de que o Estado Socioambiental a forma atualmente adotada pelo Estado Democrático de Direito apresenta de acordo com a lição de Canotilho as seguintes dimensões fundamentais juridicidade democracia sociabilidade e sustentabilidade 810 de modo que a qualificação de um Estado como Estado Ambiental traduzse em pelo menos duas dimensões jurídicopolíticas relevantes a a obrigação do Estado em cooperação com outros Estados e cidadãos ou grupos da sociedade civil de promover políticas públicas econômicas educativas de ordenamento pautadas pelas exigências da sustentabilidade ecológica e b o dever de adoção de comportamentos públicos e privados amigos do ambiente dando expressão concreta à assunção da responsabilidade dos Poderes Públicos perante as gerações futuras 811 mas sem descurar da necessária partilha de responsabilidades entre o Estado 812 e os atores privados na consecução do objetivo constitucional de tutela do ambiente consoante aliás anunciado expressamente no art 225 caput da nossa Lei Fundamental Considerando a perspectiva aqui trilhada seria possível contudo agregar um terceiro eixo às duas dimensões propostas por Canotilho notadamente o dever do Estado em relação de difícil equilíbrio com os demais vetores acima enunciados de promover políticas sociais que assegurem igualmente de modo sustentável mas progressivo a toda a população as condições para uma vida condigna na perspectiva da garantia de um mínimo existencial não apenas fisiológico vital mas sociocultural e ambiental Esse entendimento guarda sintonia fina com a tese ora assumida como correta da indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos e fundamentais As dimensões dos direitos humanos e fundamentais reclamam portanto uma compreensão integrada desde logo incompatível com um sistema de preferências no que diz com a prevalência em tese de determinados direitos em relação a outros Nessa perspectiva o princípio do Estado Socioambiental assume a condição de princípio constitucional geral e estruturante assegurando uma integração e articulação sem que se possa falar em hierarquia entre pilares da Democracia do Estado de Direito do Estado Social e da proteção do ambiente Em outras palavras a proteção e promoção do ambiente como tarefa essencial do Estado e da sociedade deve se dar de modo a preservar e mesmo reforçar a partir da noção de democracia participativa como se verá mais adiante o princípio democrático Além disso a proteção ambiental não poderá ocorrer à custa da realização dos direitos sociais econômicos e culturais pelo menos no que diz com a salvaguarda de um mínimo existencial muito menos violar as exigências básicas do Estado de Direito como a legalidade no sentido de uma legalidade constitucional a proporcionalidade a segurança jurídica entre outras 813 O princípio do Estado Socioambiental por outro lado se decodifica em outros princípios de ordem geral e especial como é o caso do princípio da dignidade da pessoa humana e da vida em geral da exigência da salvaguarda de um mínimo existencial socioambiental portanto incluindo um mínimo existencial ecológico dos princípios da solidariedade e da subsidiariedade do desenvolvimento sustentável que contudo aqui à exceção do último não poderão ser desenvolvidos remetendose à literatura especializada 226 Princípio republicano Após a experiência monarquista que marcou o período de vigência da primeira Constituição brasileira a Carta Imperial de 1824 veio a Proclamação da República que se afirmou como forma de governo desde 1891 inclusive tendo sido objeto de concreta possibilidade de alteração em virtude da opção do constituinte de 1988 no sentido da realização de um plebiscito portanto de uma consulta direta à população a respeito de sua manutenção ou substituição pela Monarquia consulta que acabou sufragando a opção do constituinte originário A combinação das razões quais sejam República como decisão política fundamental e estruturante a tradição constitucional brasileira pretérita de acordo com a qual a República era tida como limite material expresso bem como a circunstância de que a República corresponde à opção diretamente manifestada pelo próprio titular do poder constituinte o povo levaram ao entendimento hoje dominante no cenário constitucional pátrio de que a República assumiu a condição de limite material implícito imune portanto a uma abolição efetiva ou mesmo tendencial por parte do poder de reforma constitucional o que todavia foi objeto da devida atenção no capítulo sobre o poder de reforma da Constituição A exemplo do que se verifica com a democracia e com as noções de Estado de Direito e de Estado Social no caso brasileiro e de acordo com a opção aqui assumida de um Estado Socioambiental também a República na condição de forma de governo embora apresente alguns elementos essenciais que assumiram em maior ou menor medida um caráter comum ou seja que obedece a um determinado padrão de acordo com a tradição republicana encontra a sua particular formatação no direito constitucional positivo de um determinado Estado Também por isso há que distinguir a despeito de seus importantes pontos de contato e a exemplo do que ocorre com o Estado Federal e o federalismo entre a República como forma de governo e o republicanismo ou princípio republicano como conjunto de valores e princípios que norteiam a República em seus traços essenciais Por outro lado a República assume lugar de destaque nas teorizações sobre as formas de governo desde o período clássico grecoromano ressaltando a experiência concreta da República Romana por mais conturbada que tenha sido o período correspondente Não sendo o caso de adentrar aqui tal seara da evolução histórica da teoria e da prática republicanas do ideário republicano e de sua manifestação concreta como forma de governo 814 o que nos importa é identificar e apresentar os contornos gerais do conceito de República e da sua conformação na atual CF Em linhas gerais a República se caracteriza pela sua absoluta incompatibilidade com a forma monárquica de governo como governo exercido monocraticamente e pelos correspondentes privilégios de cunho nobiliárquico e hereditário de tal sorte que a República passou a ser identificada com a eletividade dos que exercem o governo e a temporariedade dos mandados o que revela que a República se aproxima e mesmo identifica em grande medida com a própria Democracia e a noção de soberania popular 815 Todavia se por um lado considerarmos que as assim chamadas monarquias constitucionais contemporâneas se caracterizam por atribuir um papel meramente representativo ao monarca e essencialmente assumem o modelo democrático e mesmo seguem as diretrizes de um Estado de Direito ao passo que por outro lado diversos Estados que se denominam inclusive na esfera do direito constitucional positivo repúblicas são caracterizados por um regime ditatorial e tirânico é possível compreender os motivos pelos quais já se disse que o princípio republicano se transformou em verdadeiro fóssil jurídico constitucional Josef Isensee 816 Mas não deverá ser a imbricação da República do republicanismo com outros princípios a razão para se abrir mão da noção pois como a essência da República reside no repúdio à tirania e na garantia das liberdades e da cidadania 817 o que importa para definir um determinado Estado como Republicano é a correspondente adoção expressa ou implícita de tal forma de governo bem como a observância das características nucleares da República isto é a eletividade a temporariedade dos mandados e a responsabilidade dos governantes 818 Assim na esteira de Gomes Canotilho a forma republicana de governo não é em primeira linha embora também o seja uma forma democrática de governo mas sim uma estrutura político organizatória que garante as liberdades fundamentais e assegura o controle pelo poder 819 Com efeito muito embora os intensos pontos de contato a República não se confunde com a Democracia pois a República na condição de princípio geral e estruturante opera como um mandado de otimização no sentido de buscar a realização do melhor equilíbrio possível entre liberdade e ordem na concretização do bem comum já que a República consiste no exercício do poder e do governo para o povo que deve ser diferenciado do paradigma democrático do governo pelo povo e no princípio da responsabilidade dos governantes 820 Tais características eletividade 821 temporariedade responsabilidade uma ordem baseada na liberdade e na igualdade 822 também se fazem presentes na tradição republicana brasileira desde 1891 mas atingiram sua forma mais plena na atual ordem constitucional no bojo da qual importa relembrar o constituinte delegou ao conjunto dos cidadãos a decisão sobre a forma de governo de tal sorte que tal opção veiculada pelo Plebiscito de 1993 atribuiu à República Federativa do Brasil uma base de legitimação reforçada e nunca dantes experimentada na história constitucional pátria 227 O princípio federativo O princípio federativo e a forma federativa de Estado o assim chamado Estado Federal constituem a exemplo da República e do Presidencialismo elementos essenciais da identidade constitucional brasileira desde 1891 tendo passado por ajustes importantes desde então até receberem os contornos atuais na vigente CF que inovou ao consagrar o Município como ente federativo Com efeito a exemplo do que se passa com as noções de Democracia Estado de Direito República e mesmo a opção ou não por um Estado Socioambiental a noção de Estado Federal também não encontra apenas uma alternativa válida devendo ser compreendida no contexto de cada ordem constitucional pois é esta que lhe atribui os contornos próprios Além disso importa distinguir a noção de Estado Federal ou Federação do federalismo pois este último corresponde à teoria doutrina que estabelece as diretrizes gerais do modelo federativo de Estado Da mesma forma o Estado Federal como estrutura organizacional não se confunde com o princípio federalista ou princípio federativo na condição de princípio estruturante de caráter objetivo De todo modo tendo em conta a circunstância de que o Estado Federal será objeto de capítulo específico do presente Curso a respeito da organização do Estado é para lá que remetemos o leitor que queira desenvolver mais o tópico 228 O princípio da sustentabilidade ou desenvolvimento sustentável 823 A noção de desenvolvimento sustentável que consoante já visto guarda conexão direta com o princípio do Estado Socioambiental foi objeto de reconhecimento internacional no âmbito da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento das Nações Unidas designadamente por meio do Relatório Nosso Futuro Comum 1987 tendo sido definida como sendo aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem a suas próprias necessidades Incorporando o conceito adotado pela assim chamada Comissão Bruntland o Princípio n 4 da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992 veio a estabelecer que a fim de alcançar o desenvolvimento sustentável a proteção do ambiente deverá constituirse como parte integrante do processo de desenvolvimento e não poderá ser considerada de forma isolada A ideia de sustentabilidade 824 encontrase portanto numa primeira fase mais diretamente vinculada à proteção do ambiente já que manter e em alguns casos recuperar o equilíbrio ambiental implica o uso racional e harmônico dos recursos naturais de modo a por meio de sua degradação também não os esgotar tudo de modo a assegurar a sobrevivência e qualidade de vida das futuras gerações No plano normativo nacional a noção de sustentabilidade encontrou ressonância já na legislação editada antes da constitucionalização da questão ambiental como dá conta entre outros exemplos a Lei 69381981 que no seu art 4º entre os objetivos da Política Nacional do Meio Ambiente destaca a compatibilização do desenvolvimento econômicosocial com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico inciso I e a preservação e restauração dos recursos ambientais com vistas à sua utilização racional e disponibilidade permanente concorrendo para a manutenção do equilíbrio ecológico propício à vida inciso VI Mais recentemente a despeito de uma série de outros diplomas legislativos contemplando a noção o novo Código Florestal Lei 126512012 também consagrou o desenvolvimento sustentável como o objetivo central do regime jurídico de proteção florestal art 1º parágrafo único Assim em termos gerais conforme se pode apreender dos exemplos destacados a legislação ambiental brasileira incorporou o princípio do desenvolvimento sustentável e lhe deu vida ainda que com isso não esteja resolvida a questão da eficácia social efetividade da legislação Para além da regulação do princípio do desenvolvimento sustentável ou simplesmente sustentabilidade importa sublinhar que existe uma tensão dialética permanente entre o objetivo da proteção ambiental e o desenvolvimento socioeconômico de modo que a opção por uma perspectiva integrada socioambiental implica ainda maior e também mais complexa e tensionada articulação com uma concepção de constituição econômica que portanto não pode ser concebida como um núcleo isolado no contexto mais amplo da ordem constitucional 825 Com efeito o Estado Socioambiental de Direito conforme já sinalizamos em tópico anterior longe de ser um Estado Mínimo que apenas assegura o livre jogo dos atores econômicos e do mercado deve ser um Estado regulador da atividade econômica capaz de dirigila e ajustála aos valores e princípios constitucionais objetivando o desenvolvimento humano e social de forma ambientalmente sustentável 826 Nessa perspectiva por mais que se possa e deva reconhecer os câmbios ocorridos na esfera da teoria e prática da Constituição Dirigente na perspectiva de um dirigismo mas não totalitarismo ecológico aspectos que todavia aqui não poderão ser aprofundados resulta evidente que especialmente na esfera ambiental uma vez reconhecida a vinculação jurídica e mesmo judicialmente controlável dos órgãos estatais com destaque para o Legislativo e Executivo às imposições constitucionais ainda mais à vista do perfil adotado pelo direito constitucional brasileiro não é possível desconsiderar ou mesmo minimizar a noção de Constituição Dirigente e sua articulação com a Constituição Econômica e o problema do desenvolvimento 827 A ordem econômica constitucionalizada a partir dos princípios diretivos do art 170 da CF1988 mas também e essencialmente com base nos demais fundamentos e objetivos constitucionais que a informam por exemplo os objetivos fundamentais da República elencados no art 3º da CF1988 expressa uma opção pelo que se poderia designar de um capitalismo ambiental ou socioambiental ou economia socioambiental de mercado capaz de compatibilizar a livreiniciativa a autonomia e a propriedade privada com a proteção ambiental e a justiça social e também justiça ambiental tendo como norte normativo nada menos do que a proteção e promoção de uma vida humana digna e saudável e portanto com qualidade equilíbrio e segurança ambiental para todos os membros da comunidade estatal Por tal razão entre outras que aqui se poderia invocar o princípio da sustentabilidade opera como um princípio estruturante de caráter multidimensional e que de acordo com a lição de Wolfgang Kahl assume a condição de um conceito composto de natureza complexa relacional além de dependente de uma compreensão contextualizada a demandar uma compreensão abrangente e carecente de integração pelo legislador e órgãos estatais em geral especialmente no plano da organização e do procedimento informando não apenas a seara ambiental em sentido estrito ainda que adotado um conceito amplo de ambiente mas também as esferas econômica e social designadamente pela função de articulação e coordenação de tais dimensões no âmbito do Estado Socioambiental de Direito III Os objetivos fundamentais do Estado Democrático e Socioambientalecológico de Direito Mediante a expressa previsão no art 3 de objetivos de caráter fundamental a serem levados a efeito pelos órgãos estatais não há como refutar do ponto de vista do direito constitucional positivo vigente a circunstância de que o constituinte de 1988 consagrou sim um modelo de Constituição do tipo dirigente muito embora elementos de dirigismo constitucional se façam presentes em diversas partes do texto da CF inclusive e especialmente nos títulos da ordem econômica e social Com efeito as normasprincípio contidas nos diversos dispositivos do art 3º cumprem a função de princípios objetivos que instituem programas fins e tarefas que vinculam os Poderes Públicos e que implicam uma atuação voltada à realização dos objetivos constitucionalmente enunciados 831 Cuida se de normas que na terminologia de Eros Grau assumem a condição de normasobjetivo 832 mas que nem por isso e daí precisamente o cunho dirigente deixam de ser juridicamente vinculativas ainda que se possa em regra afastar a possibilidade de reconhecimento de um direito subjetivo à realização do programa normativo Dito de outro modo embora não se possa em regra admitir um direito subjetivo à erradicação da pobreza atribuído a algum indivíduo em particular o que não afasta um direito fundamental ao mínimo existencial do indivíduo ou mesmo de um direito a assistência social os Poderes Públicos estão positivamente vinculados a encetar passos concretos na esfera de suas competências e atribuições na direção da realização dos objetivos constitucionalmente estabelecidos ainda que a CF não disponha exatamente sobre os modos de realização de tais objetivos Por outro lado a omissão estatal poderá configurar uma violação dos deveres de atuação impostos aos órgãos estatais assim como poderá ser impugnado inclusive pela via jurisdicional eventual desvio das finalidades constitucionais A circunstância de que o controle judicial por mais limitado que seja é não apenas viável mas necessário em determinados casos por si só já demonstra que mesmo os princípios que instituem objetivos a serem alcançados pelos órgãos estatais apresentam uma reflexa dimensão subjetiva já que a alguém ou algum órgão ou instituição é atribuída a titularidade de invocação em juízo mormente no plano da inconstitucionalidade de algum vício por atuação ou por omissão Aspecto que merece destaque diz com a diferenciação entre os princípiosobjetivo do art 3º da CF e as normas impositivas de legislação ou ordens de legislar pois ao passo que as primeiras não enunciam nem como o Poder Público deve realizar os objetivos constitucionais nem logram determinar o conteúdo específico da ação estatal por exemplo a instituição e ampliação do Bolsa Família para erradicar a pobreza e reduzir desigualdades regionais em outros casos a CF já define quem deverá em primeira linha atender ao comando constitucional como se dá quando o texto da CF estatui que O Estado promoverá na forma da lei a defesa do consumidor art 5º XXXII Aqui o objetivo proteção do consumidor é acompanhado da imposição ao legislador e mediante ato legislativo A diferença se torna ainda mais evidente se considerarmos que a não edição da lei especificamente prevista no art 5º XXXII da CF ensejaria uma inconstitucionalidade por omissão que pressupõe uma ordem de legislar e o seu descumprimento Já no caso do objetivo de erradicação da pobreza e das desigualdades regionais a inexistência de lei criando o que foi previsto não gerará de pronto uma inconstitucionalidade por omissão pois existe um amplo leque de alternativas à disposição dos Poderes Públicos desde que tais alternativas se revelam aptas a alcançar o resultado pretendido A ausência de um programa como o do Bolsa Família não seria por si só inconstitucional assim como não o seria a substituição daquele programa por outro que atinja resultados equivalentes desde que existam programas políticas que tenham por objeto a realização dos objetivos estabelecidos pela CF e que os executem de maneira satisfatória Assim verificase que os objetivos fundamentais também implicam a adoção pelos órgãos estatais aqui com destaque para os Poderes Legislativo e Executivo de um conjunto de políticas de Estado e de governo que busquem realizar tais objetivos pena de desvio de finalidade ou omissão total ou parcial a depender do caso cabendo ao Poder Judiciário no âmbito de suas limitações uma intervenção indutiva eou corretiva IV PRINCÍPIOS QUE REGEM AS RELAÇÕES INTERNACIONAIS Dentro os princípios fundamentais a CF também investiu de modo pioneiro na seara das relações internacionais e da integração com outros Estados sendo a despeito da previsão de dispositivos sobre a matéria nas constituições anteriores a primeira na evolução constitucional brasileira a contemplar um capítulo específico sobre as relações internacionais abarcando os respectivos preceitos a condição de princípios fundamentais com os princípios estruturantes e os objetivos fundamentais O art 4 da CF consagra nessa perspectiva um conjunto de princípios que têm por escopo balizar a atuação do Brasil na condição de membro integrado em uma comunidade internacional Tais princípios em parte correspondem mesmo a princípios já consolidados do próprio direito internacional público recepcionados pela CF e assumidos como sendo também princípios fundamentais de direito interno De acordo com a lição de Celso Lafer os princípios contidos no art 4 representam um marco normativo que assume também a condição de diretriz da política externa brasileira no sentido mesmo de uma política jurídica exterior de Estado e não de governos vinculando essencialmente o Poder Executivo mas também o Legislativ Ademais disso também como bem anota Guilherme Massaú os princípios atinentes às relações internacionais são a exemplo dos demais princípios fundamentais veiculados por normas dotadas de eficácia e aplicabilidade vinculando os poderes estatais internos ademais de carecerem de uma interpretação integrada com outros princípios e regras constitucionais 835 A independência nacional art 4º I da CF guarda relação direta com a própria noção de soberania que por sua vez assume a função de fundamento do Estado Democrático de Direito brasileiro e simultaneamente opera como princípio fundamental art 1º I de tal sorte que a independência há de ser compreendida nessa perspectiva como dimensão externa internacional da soberania 836 Não se trata contudo de uma soberania excludente e arrogante portanto mas sim de uma noção de independência voltada à integração na comunidade internacional baseada no respeito igualdade e reciprocidade tal como evidenciam outros dispositivos constitucionais O próprio art 4º contempla em seus incisos a prevalência dos direitos humanos II a autodeterminação dos povos III o princípio da não intervenção IV a igualdade entre os Estados V a defesa da paz a solução pacífica dos conflitos e o repúdio ao terrorismo VI VII e VIII cooperação entre os povos IX e a busca da integração latinoamericana parágrafo único O princípio da prevalência dos direitos humanos art 4º II da CF não apenas consagra a relevância dos direitos humanos como critério material da legitimidade da própria ordem constitucional nas suas relações com a comunidade internacional mas também da Constituição na condição de Lei Fundamental no plano doméstico inclusive para o efeito de iluminar a própria interpretação e aplicação do direito interno no sentido de uma interpretação conforme os direitos humanos e de uma abertura da ordem nacional ao sistema internacional de reconhecimento e proteção dos direitos humanos 837 Tal princípio que salvo melhor juízo por si só já deveria implicar a adesão aos tratados internacionais universais e regionais de direitos humanos guarda forte conexão com a abertura material do catálogo constitucional de direitos fundamentais a teor do disposto no art 5º 2º da CF de acordo com o qual os direitos expressamente consagrados no texto constitucional não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios bem como os que estiverem previstos em tratados internacionais ratificados pelo Brasil o que foi de certo modo reforçado mediante a inserção de um procedimento qualificado de aprovação dos tratados de direitos humanos pelo Congresso Nacional previsto no art 5º 3º da CF bem como por meio da criação pela mesma reforma constitucional do incidente de deslocamento de competência da seara estadual para a federal nos casos de grave violação dos direitos humanos art 109 5º da CF Mas o princípio da prevalência dos direitos humanos não resultou ao menos por ora no reconhecimento generalizado de uma hierarquia supraconstitucional ou mesmo constitucional dos tratados de direitos humanos visto que o STF embora já tendo abandonado a tese da paridade entre qualquer lei interna e os tratados segue reconhecendo a tais tratados à exceção dos que forem aprovados pelo rito do art 5º 3º da CF hierarquia supralegal ou seja inferior à CF mas superior à legislação aspecto que contudo será desenvolvido em capítulo próprio deste Curso na parte geral dos direitos fundamentais A integração latinoamericana constitui uma meta e mesmo um ideal que remonta à origem dos movimentos de independência dos países que integram a América Latina movimentos que marcaram a formação dos respectivos Estados nacionais mas que nunca passaram de movimentos esparsos e efêmeros passando a assumir uma dimensão mais forte apenas na segunda metade do século XX especialmente a partir da assinatura do Tratado de Montevidéu que instituiu a ALALC Associação LatinoAmericana de Livre Comércio 1960 posteriormente substituída pela ALADI Associação LatinoAmericana de Integração sem descurar do papel exercido nesse contexto pela CEPAL Comissão Econômica para a América Latina e Caribe criada pela ONU em 1948 bem como dada a sua importância pelo MERCOSUL instituído pelo Tratado de Assunção de 1991 muito embora se cuide de uma integração de abrangência territorial mais limitada 838 A integração latinoamericana assume na dicção do parágrafo único do art 4º da CF a condição de objetivo do Estado Democrático de Direito a República Federativa do Brasil buscará a integração econômica política social e cultural dos povos da América Latina visando à formação de uma comunidade latino americana de nações Com isso resta evidenciado que a integração transcende em muito a dimensão econômica e política o que deverá também informar a condução das políticas de cooperação e reciprocidade adotadas pelo Estado brasileiro Um aspecto jurídicoconstitucional de alta relevância diz com a necessidade ou não de reforma constitucional para efeitos de transferência em prol de entidades supranacionais de direitos de soberania A posição que aqui também se endossa advoga ser dispensável uma autorização constitucional expressa e que demandaria uma emenda constitucional pois a própria previsão da integração e da formação de uma comunidade de nações prevista no art 4º parágrafo único da CF implicitamente autoriza uma integração efetiva e pressupõe transferência de direitos de soberania e não a mera participação em entidades de cunho associativo 839 Mas como aponta com acuidade Marcos Maliska há que distinguir a exigência de autorização para a integração que está implícita da regulamentação da efetiva participação e mesmo sujeição a organismos supranacionais que sim exige emenda constitucional e carece de específica e substancial legitimação democrática 840 3 TEORIA GERAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS Ingo Wolfgang Sarlet 31 Considerações gerais 841 Uma teoria geral dos direitos fundamentais na concepção aqui adotada busca ser em primeira linha uma teoria geral constitucionalmente adequada portanto atenta às peculiaridades do direito constitucional positivo brasileiro ainda que inspirada em categorias dogmáticas produzidas em outros ambientes constitucionais mas que pela sua forte recepção ainda que sempre filtrada na esfera do direito constitucional comparado e pela sua capacidade de adaptação e articulação dialogam com a ordem jurídicoconstitucional brasileira Por outro lado a teoria geral aqui esboçada busca apresentar e sintetizar os aspectos centrais de uma dogmática constitucional unificada dos direitos fundamentais de um modo geral servindo para a devida compreensão e manejo dos diversos direitos fundamentais em espécie positivados na Constituição Federal evitando inclusive repetições desnecessárias visto que na parte especial dos direitos fundamentais salvo para enfatizar alguns aspectos será feita remissão às questões versadas na parte geral e que de regra se aplicam a todos os direitos fundamentais Iniciaremos nossa trajetória com uma breve apresentação e discussão dos aspectos conceituais e terminológicos 311 Aspectos terminológicos direitos humanos eou direitos fundamentais Uma breve mirada sobre a evolução constitucional brasileira 842 mostra que a Constituição Federal foi a primeira a utilizar a expressão Direitos e Garantias Fundamentais como abrangendo as diversas espécies de direitos que de acordo com a terminologia e classificação consagrada no direito constitucional positivo brasileiro vigente são os assim chamados direitos e deveres individuais e coletivos os direitos sociais incluindo os direitos dos trabalhadores os direitos de nacionalidade e os direitos políticos os quais abarcam o estatuto constitucional dos partidos políticos e a liberdade de associação partidária Com isso considerando os direitos e garantias fundamentais como gênero e as demais categorias referidas como espécies o direito constitucional brasileiro acabou aderindo ao que se pode reconhecer como a tendência dominante no âmbito do direito comparado especialmente a partir da Lei Fundamental da Alemanha de 1949 843 Por outro lado embora a terminologia adotada em sintonia com o texto constitucional também é verdade que seguem sendo utilizadas outras expressões tais como direitos humanos direitos do homem direitos subjetivos públicos liberdades públicas direitos individuais liberdades fundamentais e direitos humanos fundamentais apenas para referir algumas das mais importantes mas que correspondem salvo no caso da expressão direitos humanos a categorias em geral mais limitadas do que o complexo mais amplo representado pelos direitos fundamentais 844 Não é portanto por acaso que a doutrina tem alertado para a heterogeneidade ambiguidade e ausência de um consenso na esfera conceitual e terminológica inclusive no que diz com o significado e conteúdo de cada termo utilizado 845 o que apenas reforça a necessidade de se adotar uma terminologia e de um correspondente conceito única e além disso constitucionalmente adequada no caso a de direitos e garantias fundamentais Por outro lado ao passo que no âmbito da filosofia política e das ciências sociais de um modo geral bem como no plano do direito internacional a expressão mais utilizada siga sendo direitos humanos no domínio do direito constitucional e portanto para a finalidade do presente Curso a opção terminológica pelos direitos fundamentais acaba sendo a mais afinada com o significado e conteúdo de tais direitos na Constituição para além do fato já referido de que se cuida da terminologia adotada pelo próprio constituinte brasileiro Assim pela especial relevância da questão e por se tratar seguramente das duas expressões mais utilizadas e aceitas é preciso dedicar alguma atenção ao problema da possível a depender do critério distinção entre os assim chamados direitos humanos e os direitos fundamentais distinção que desde logo é aqui assumida como correta Muito embora existam os que sustentam a equivalência entre as duas noções considerando até mesmo irrelevante a discussão em torno da eventual diferença ou identidade entre direitos humanos e direitos fundamentais 846 o fato é que as diferenças especialmente quando se tiverem bem presentes os critérios para tanto são evidentes e têm sido reconhecidas por ampla doutrina e mesmo em caráter jurisprudencial ainda que não se possa falar aqui em uma posição uníssona no direito brasileiro Se não há dúvida que os direitos fundamentais de certa forma são também sempre direitos humanos no sentido de que seu titular sempre será o ser humano ainda que representado por entes coletivos grupos povos nações Estado também é certo que não é esse o motivo pelo qual a distinção se faz necessária ainda mais no contexto do direito constitucional positivo De acordo com o critério aqui adotado o termo direitos fundamentais se aplica àqueles direitos em geral atribuídos à pessoa humana reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de determinado Estado 847 ao passo que a expressão direitos humanos guarda relação com os documentos de direito internacional por referirse àquelas posições jurídicas que se reconhecem ao ser humano como tal independentemente de sua vinculação com determinada ordem constitucional e que portanto aspiram à validade universal para todos os povos e em todos os lugares de tal sorte que revelam um caráter supranacional internacional e universal 848 Neste contexto vale lembrar a lição de Antonio E Pérez Luño para quem o termo direitos humanos acabou tendo contornos mais amplos e imprecisos que a noção de direitos fundamentais de tal sorte que estes possuem sentido mais preciso e restrito na medida em que constituem o conjunto de direitos e liberdades institucionalmente reconhecidos e garantidos pelo direito positivo de determinado Estado tratandose portanto de direitos delimitados espacial e temporalmente cuja denominação se deve ao seu caráter básico e fundamentador do sistema jurídico do Estado de Direito 849 Assim ao menos sob certo aspecto parece correto afirmar na esteira de Pedro Cruz Villalon que os direitos fundamentais nascem e acabam com as constituições 850 resultando de tal sorte da confluência entre a noção cultivada especialmente no âmbito da tradição filosófica jusnaturalista de direitos naturais do homem e da própria ideia de constituição 851 Por outro lado a noção ainda advogada por setores da literatura de que a expressão direitos humanos pode ser equiparada a direitos naturais 852 não nos parece correta uma vez que a própria positivação em normas de direito internacional de acordo com a lição de Norberto Bobbio já revelou de forma incontestável a dimensão histórica e relativa dos direitos humanos que assim se desprenderam ao menos em parte da ideia de um direito natural 853 É preciso enfatizar todavia que com isso não se está a desconsiderar que na sua vertente histórica os direitos humanos reconhecidos na esfera internacional e os direitos fundamentais positivados no plano constitucional radicam no reconhecimento pelo direito positivo de uma série de direitos antes concebidos como direitos naturais da pessoa humana direitos estes que assumem uma dimensão préestatal e para alguns até mesmo supraestatal 854 Em face dessas constatações verificase que as expressões direitos fundamentais e direitos humanos em que pese sua habitual utilização como sinônimas se reportam por várias razões a significados em parte distintos No mínimo para os que preferem a expressão direitos humanos há que referir sob pena de se correr o risco de gerar uma série de equívocos se eles estão sendo analisados pelo prisma do direito internacional ou na sua dimensão constitucional positiva Reconhecer a diferença contudo não significa desconsiderar a íntima relação entre os direitos humanos e os direitos fundamentais uma vez que a maior parte das constituições do segundo pósguerra se inspirou tanto na Declaração Universal de 1948 quanto nos diversos documentos internacionais e regionais que a sucederam de tal sorte que no que diz com o conteúdo das declarações internacionais e dos textos constitucionais está ocorrendo um processo de aproximação e harmonização rumo ao que já está sendo denominado não exclusivamente embora principalmente no campo dos direitos humanos e fundamentais um direito constitucional internacional 855 Fechando o tópico importa deixar aqui devidamente consignado o sentido que atribuímos às expressões direitos humanos ou direitos humanos fundamentais compreendidos como direitos da pessoa humana reconhecidos pela ordem jurídica internacional e com pretensão de validade universal e direitos fundamentais concebidos como aqueles direitos dentre os quais se destacam os direitos humanos reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional Da mesma forma registrase que não se cuida de noções reciprocamente excludentes ou incompatíveis mas sim de dimensões cada vez mais relacionadas entre si o que não afasta a circunstância de se cuidar de expressões reportadas a esferas distintas de positivação cujas consequências práticas não podem ser desconsideradas 32 Os direitos fundamentais em perspectiva históricoevolutiva e as assim designadas dimensões ou gerações de direitos fundamentais 321 Considerações preliminares A perspectiva histórica evidentemente não apenas no que diz com a trajetória evolutiva dos direitos fundamentais assume relevo não apenas como mecanismo hermenêutico mas principalmente pela circunstância de que a história dos direitos fundamentais é também uma história que desemboca no surgimento do moderno Estado Constitucional cuja essência e razão de ser residem justamente no reconhecimento e na proteção da dignidade da pessoa humana e dos direitos fundamentais do homem 856 Neste contexto há que dar razão aos que ponderam que a história dos direitos fundamentais de certa forma e em parte poderíamos acrescentar é também a história da limitação do poder ainda mais se considerarmos o vínculo dos direitos fundamentais com a história do constitucionalismo e do que passou a ser designado de Estado Constitucional 857 Num primeiro momento é possível destacar no âmbito de uma fase préconstitucional no sentido de anterior ao surgimento das constituições modernas algumas concepções doutrinárias e formas jurídicas que antecederam e influenciaram o reconhecimento em nível do direito constitucional positivo dos direitos fundamentais no final do século XVIII até a sua consagração ao longo do século XX Buscando sintetizar tal trajetória quanto aos seus principais momentos Klaus Stern identifica três etapas a uma préhistória que se estende até o século XVI b uma fase intermediária que corresponde ao período de elaboração da doutrina jusnaturalista e da afirmação dos direitos naturais do homem c a fase da constitucionalização iniciada em 1776 com as sucessivas declarações de direitos dos novos Estados americanos 858 Além disso importa considerar que consoante lição de Antonio E Perez Luño a positivação dos direitos fundamentais é o produto de uma dialética constante entre o progressivo desenvolvimento das técnicas de seu reconhecimento na esfera do direito positivo e a paulatina afirmação no terreno ideológico das ideias da liberdade e da dignidade humana 859 Para facilitar a compreensão dividimos a exposição em duas etapas a primeira voltada à evolução da ideia de direitos da pessoa humana no âmbito do pensamento filosófico e político ao passo que a segunda contempla a trajetória jurídico positiva 322 A préhistória dos direitos fundamentais dos primórdios à noção de direitos naturais inatos e inalienáveis do homem Embora os direitos fundamentais não tenham surgido no mundo antigo é correto afirmar que a antiguidade foi o berço de algumas ideias essenciais para o reconhecimento dos direitos humanos aqui compreendidos como direitos inerentes à condição humana e posteriormente dos direitos fundamentais De modo especial os valores da dignidade da pessoa humana da liberdade e da igualdade dos homens encontram suas raízes na filosofia clássica especialmente no pensamento grecoromano e na tradição judaico cristã Salientese aqui a circunstância de que a democracia ateniense constituía um modelo político fundado na figura do homem livre e dotado de individua lidade 860 Do Antigo Testamento herdamos a ideia de que o ser humano representa o ponto culminante da criação divina tendo sido feito à imagem e semelhança de Deus Da doutrina estoica grecoromana e do cristianismo advieram por sua vez as teses da unidade da humanidade e da igualdade de todos os homens em dignidade para os cristãos perante Deus 861 Na Idade Média houve quem propagasse a ideia da existência de postulados de cunho suprapositivo que por orientarem e limitarem o poder atuariam como critérios de legitimação do seu exercício 862 De particular relevância foi o pensamento de Santo Tomás de Aquino que além da já referida concepção cristã da igualdade dos homens perante Deus professava a existência de duas ordens distintas formadas respectivamente pelo direito natural como expressão da natureza racional do homem e pelo direito positivo sustentando que a desobediência ao direito natural por parte dos governantes poderia em casos extremos justificar até mesmo o exercício do direito de resistência da população 863 A partir do século XVI a doutrina do direito natural começa a avançar na seara do pensamento filosófico europeu com destaque no que diz com as primeiras formulações a respeito de direitos da pessoa humana para os teólogos espanhóis Vitoria y las Casas Vázquez de Menchaca Francisco Suárez e Gabriel Vázquez que pugnaram pelo reconhecimento de direitos naturais aos indivíduos deduzidos do direito natural e tidos como expressão da liberdade e dignidade da pessoa humana 864 Já no século XVII a ideia de direitos naturais inalienáveis do homem e da submissão da autoridade aos ditames do direito natural encontrou eco e elaborada formulação nas obras do holandês Hugo Grócio 15831645 do alemão Samuel Pufendorf 16321694 bem como dos ingleses John Milton 16081674 e Thomas Hobbes 15881679 Ao passo que Milton reivindicou o reconhecimento dos direitos de autodeterminação do homem de tolerância religiosa da liberdade de manifestação oral e de imprensa bem como a supressão da censura Hobbes atribuiu ao homem a titularidade de determinados direitos naturais que no entanto alcançavam validade apenas no estado da natureza encontrandose no mais à disposição do soberano 865 Ainda neste contexto há que referir o pensamento de Lord Edward Coke 15521634 sustentando a existência de fundamental rights dos cidadãos ingleses principalmente no que diz com a proteção da liberdade pessoal contra a prisão arbitrária e o reconhecimento do direito de propriedade 866 Decisiva inclusive pela influência de sua obra sobre os autores iluministas de modo especial franceses alemães e americanos do século XVIII foi também a contribuição doutrinária de John Locke 16321704 primeiro a reconhecer aos direitos naturais e inalienáveis do homem vida liberdade propriedade e resistência uma eficácia oponível inclusive aos detentores do poder este por sua vez baseado no contrato social ressaltandose todavia a circunstância de que para Locke apenas os cidadãos e proprietários já que identifica ambas as situações poderiam valer se do direito de resistência sendo verdadeiros sujeitos e não meros objetos do governo 867 Foi contudo no século XVIII principalmente com Rousseau 17121778 na França Thomas Paine 17371809 na América e Kant 17241804 na Alemanha Prússia que o processo de elaboração doutrinária do contratualismo e da teoria dos direitos naturais atingiu seu ponto culminante tendo sido Thomas Paine o autor responsável pela difusão da expressão direitos do homem como substitutiva do termo direitos naturais 868 Contudo tal qual sinala Norberto Bobbio o marco conclusivo dessa fase da história dos direitos humanos pode ser encontrado na doutrina do alemão Immanuel Kant 869 Para Kant todos os direitos estão abrangidos pelo direito de liberdade direito natural por excelência que cabe a todo homem em virtude de sua própria humanidade encontrando se limitado apenas pela liberdade coexistente dos demais homens concepção que fez escola na tradição filosófica política e jurídica ocidental 870 É evidente que a teorização a respeito dos direitos da pessoa humana especialmente no que diz com sua fundamentação e seu conteúdo não pode ser reconduzida apenas aos autores referidos aqui apenas muito ligeiramente apresentados Da mesma forma na trajetória do pensamento filosófico subsequente ao longo dos séculos XIX e XX também podem ser identificadas concepções relevantes Tais concepções embora nem todas afinadas com uma perspectiva jusnaturalista em boa parte dialogam com os autores acima referidos como é o caso apenas para ilustrar das elaborações mais recentes de John Rawls Jürgen Habermas Otfried Höffe Ernst Tugenhadt Martha Nussbaum e Amartya Sen dentre tantos outros que poderiam ser mencionados mas que aqui considerando o objetivo da presente abordagem não serão considerados em particular 323 O reconhecimento dos direitos fundamentais na esfera do direito positivo 3231 Antecedentes o período préconstitucional É na Inglaterra da Idade Média mais especificamente no século XIII que encontramos o principal documento referido por todos que se dedicam ao estudo da evolução dos direitos humanos e dos direitos fundamentais Tratase da Magna Charta Libertatum pacto firmado em 1215 pelo Rei João SemTerra e pelos bispos e barões ingleses Este documento embora elaborado para garantir aos nobres ingleses alguns privilégios feudais excluindo em princípio a população em geral do acesso aos direitos consagrados no pacto serviu como ponto de referência para alguns direitos e liberdades civis clássicos tais como o habeas corpus o devido processo legal e a garantia da propriedade 871 Todavia em que pese possa ser considerado o mais importante documento da época a Magna Charta não foi nem o único nem o primeiro destacandose já nos séculos XII e XIII as assim chamadas cartas de franquia e os forais outorgados pelos reis portugueses e espanhóis 872 Desde já há que descartar o caráter de autênticos direitos fundamentais desses direitos e privilégios reconhecidos na época medieval uma vez que outorgados pela autoridade real num contexto social e econômico marcado pela desigualdade cuidando se mais propriamente de direitos de cunho estamental atribuídos a certas castas nas quais se estratificava a sociedade medieval alijando grande parcela da população do seu gozo 873 Ainda assim impende não negligenciar a importância desses pactos de modo especial as liberdades constantes da Magna Charta para o ulterior desenvolvimento e reconhecimento dos direitos fundamentais nas constituições ainda mais quando é justamente neste documento que se identifica pelo menos de acordo com a maioria dos autores a origem desses direitos precisamente no que diz com a garantia da liberdade de locomoção e sua proteção contra a prisão arbitrária tendo em conta o argumento de que a liberdade constitui o pressuposto necessário ao exercício das demais liberdades inclusive da liberdade de culto e religião 874 De suma importância para a evolução que conduziu ao nascimento dos direitos fundamentais foi a Reforma Protestante que levou à reivindicação e ao gradativo reconhecimento da liberdade de opção religiosa e de culto em diversos países da Europa como foi o caso do Édito de Nantes promulgado por Henrique IV da França em 1598 e depois revogado por Luís XIV em 1685 Neste contexto também podem ser enquadrados o conhecido Toleration Act da colônia de Maryland 1649 e seu similar da colônia de Rhode Island de 1663 875 ambas colônias inglesas na América do Norte Como próxima etapa aproximandose cada vez mais do modelo que viria a ser inaugurado com as primeiras constituições escritas do século XVIII importa citar as Declarações de Direitos da Inglaterra século XVII nomeadamente a assim chamada Petição de Direitos Petition of Rights de 1628 firmada por Carlos I e o Ato de Habeas Corpus Habeas Corpus Act de 1679 subscrito por Carlos II bem como a Declaração de Direitos Bill of Rights de 1689 promulgada pelo Parlamento e que entrou em vigor já no reinado de Guilherme dOrange como resultado da assim denominada Revolução Gloriosa de 1688 876 Nesses documentos os direitos e liberdades reconhecidos aos cidadãos ingleses tais como o princípio da legalidade penal a proibição de prisões arbitrárias e o habeas corpus o direito de petição e alguma liberdade de expressão surgem conforme referiu Vieira de Andrade como enunciações gerais de direito costumeiro 877 resultando da progressiva limitação do poder monárquico e da afirmação do Parlamento perante a Coroa inglesa 878 Importa consignar aqui que as declarações inglesas do século XVII significaram a evolução das liberdades e privilégios estamentais medievais e corporativos para liberdades genéricas no plano do direito público implicando expressiva ampliação tanto no que diz com o conteúdo das liberdades reconhecidas quanto no que toca à extensão da sua titularidade à totalidade dos cidadãos ingleses 879 Embora tais documentos no caso da Inglaterra tenham passado a integrar a tradição constitucional inglesa os direitos neles reconhecidos não podem ser equiparados ainda mais no que diz com o estado de coisas dos séculos XVII e XVIII aos direitos fundamentais atualmente consagrados nas constituições A despeito do dissídio doutrinário sobre a paternidade dos direitos fundamentais disputada entre a Declaração de Direitos do Povo da Virgínia de 1776 e a Declaração Francesa de 1789 foram os direitos consagrados nas primeiras emendas incorporadas à Constituição norteamericana a partir de 1791 que vieram a marcar a transição dos direitos de liberdade legais ingleses para os direitos fundamentais constitucionais 880 Com efeito a nota distintiva da supremacia normativa no sentido da vinculação do próprio Estado às cláusulas constitucionais acompanhada logo a seguir da garantia do controle judicial da constitucionalidade das leis e atos do poder estatal por meio da Suprema Corte 881 acabou resultando muito embora tal processo tenha sido lento e diferenciado de país para país na consagração da noção de direitos fundamentais como direitos de hierarquia constitucional oponíveis pelo cidadão ao Estado 882 Além do legado norteamericano e em certo sentido especialmente pela sua ampla difusão e influência há que destacar a relevância da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 fruto da revolução que provocou a derrocada do Antigo Regime e a instauração da ordem liberalburguesa na França Apesar das importantes convergências especialmente no que diz com a inspiração iluminista e a doutrina do direito natural é preciso contudo apontar para algumas diferenças relevantes entre a Declaração de 1789 e os direitos e liberdades consagrados pelo constitucionalismo americano Assim sustentase que o maior conteúdo democrático e social das declarações francesas é o que caracteriza a via francesa do processo revolucionário e constitucional 883 Atentese neste contexto ao fato de que a preocupação com o social e com o princípio da igualdade transparece não apenas na Declaração de 1789 mas também na Constituição de 1791 bem como e principalmente na Constituição Jacobina de 1793 inspirada na obra de Rousseau na qual chegaram a ser reconhecidos os direitos ao trabalho à instrução e à assistência aos desamparados 884 Quanto ao significado e importância do legado norteamericano e francês do final do século XVIII no contexto do momento inaugural da trajetória do Estado Constitucional oportuna a lição de Martin Kriele que de forma sintética e marcante traduz a relevância de ambas as Declarações para a consagração dos direitos fundamentais afirmando que enquanto os americanos tinham apenas direitos fundamentais a França legou ao mundo os direitos humanos 885 324 As assim chamadas dimensões gerações dos direitos fundamentais a trajetória evolutiva dos direitos fundamentais do Estado Liberal ao Estado Constitucional Socioambiental Desde o seu reconhecimento nas primeiras constituições os direitos fundamentais passaram por diversas transformações tanto no que diz com o seu conteúdo quanto no que concerne à sua titularidade eficácia e efetivação razão pela qual se fala como é o caso de Antonio E Pérez Luño até mesmo num processo de autêntica mutação histórica vivenciado pelos direitos fundamentais 886 Por outro lado com o objetivo de ilustrar tal processo passou a ser difundida por meio da voz de Karel Vasak a partir de conferência proferida em 1979 no Instituto Internacional de Direitos Humanos em Estrasburgo a ideia de que a evolução dos direitos humanos e fundamentais poderia ser compreendida mediante a identificação de três gerações de direitos 887 havendo quem defenda a existência de uma quarta e até mesmo de uma quinta e sexta geração de direitos humanos e fundamentais 888 Num primeiro momento é de se ressaltar as fundadas críticas que vêm sendo dirigidas contra o próprio termo gerações já que o reconhecimento progressivo de novos direitos fundamentais tem o caráter de um processo cumulativo de complementaridade 889 e não de alternância de tal sorte que o uso da expressão gerações pode ensejar a falsa impressão da substituição gradativa de uma geração por outra razão pela qual há quem prefira o termo dimensões dos direitos fundamentais posição esta que aqui optamos por perfilhar na esteira da mais moderna doutrina 890 Deixando de lado a questão terminológica verificase crescente convergência de opiniões no que concerne ao conteúdo pelo menos das três primeiras dimensões dos direitos fundamentais desde que tais direitos passaram a integrar a trajetória das constituições a começar pelas primeiras constituições de matriz liberalburguesa a partir do final do século XVIII Por outro lado tanto as constituições quanto os direitos nelas consagrados se encontram em constante processo de transformação culminando com a recepção nos catálogos constitucionais e na seara do direito internacional de múltiplas e diferenciadas posições jurídicas cujo conteúdo é tão variável quanto as transformações ocorridas na realidade social política cultural e econômica ao longo dos tempos 891 Assim sendo a teoria dimensional dos direitos fundamentais não aponta tão somente para o caráter cumulativo do processo evolutivo e para a natureza complementar de todos os direitos fundamentais mas afirma para além disso sua unidade e indivisibilidade no contexto do direito constitucional interno e de modo especial na esfera do moderno direito internacional dos direitos humanos 892 Além disso assim como não se pode falar em modelos uniformes de Estado e constituição visto que se trata de categorias de conteúdo muito variável e que não experimentaram um processo evolutivo linear por exemplo muitos Estados em pleno século XXI ainda não vivenciaram o Estado Social embora o possam e mesmo assim várias vezes nem isso ter consagrado formalmente nos textos constitucionais também a evolução do reconhecimento jurídicopositivo dos direitos humanos e fundamentais não se revela uniforme Com efeito segue havendo constituições que não contemplam uma série de direitos fundamentais notadamente os assim chamados direitos sociais da segunda dimensão ao passo que outros diplomas constitucionais já asseguram direitos até mesmo à vida não humana Já no plano internacional percebese que partindo da Declaração da ONU de 1948 que já recolhia toda a experiência acumulada até então contendo inclusive direitos sociais o reconhecimento de direitos civis e políticos habitualmente enquadrados na primeira dimensão ocorreu na mesma época aliás no mesmo ano 1966 que o reconhecimento dos direitos sociais econômicos e culturais presentes até mesmo direitos correntemente atribuídos a uma terceira dimensão tudo a demonstrar a ausência de linearidade neste campo Por outro lado em face de sua utilidade desde que consideradas as ressalvas já efetuadas e cientes das justificadas críticas endereçadas às classificações desta natureza para uma adequada visualização do conteúdo e das funções dos direitos fundamentais na atualidade passaremos a tecer algumas considerações sobre as principais características de cada uma das dimensões dos direitos fundamentais encerrando com algumas considerações sumárias de natureza crítica a respeito desta matéria cientes de que se trata apenas de um modo de apresentação da trajetória evolutiva que não afasta a integração e interdependência entre todos os direitos humanos e fundamentais 3241 Os direitos fundamentais no âmbito do Estado Liberal a assim chamada primeira dimensão Os direitos fundamentais ao menos no âmbito de seu reconhecimento nas primeiras constituições escritas são o produto peculiar ressalvado certo conteúdo social característico do constitucionalismo francês do pensamento liberalburguês do século XVIII caracterizados por um cunho fortemente individualista concebidos como direitos do indivíduo perante o Estado mais especificamente como direitos de defesa demarcando uma zona de não intervenção do Estado e uma esfera de autonomia individual em face de seu poder 893 São por este motivo apresentados como direitos de cunho negativo uma vez que dirigidos a uma abstenção e não a uma conduta positiva por parte dos poderes públicos sendo neste sentido direitos de resistência ou de oposição perante o Estado 894 Nesse contexto assumem particular relevo os direitos à vida à liberdade à propriedade e à igualdade perante a lei posteriormente complementados por um leque de liberdades incluindo as assim denominadas liberdades de expressão coletiva liberdades de expressão imprensa manifestação reunião associação etc e pelos direitos de participação política tais como o direito de voto e a capacidade eleitoral passiva revelando de tal sorte a íntima correlação entre os direitos fundamentais e a democracia 895 Algumas garantias processuais devido processo legal habeas corpus direito de petição também se enquadram nesta categoria que em termos gerais como bem aponta Paulo Bonavides correspondem aos assim chamados direitos civis e políticos que em sua maioria correspondem à fase inicial do constitucionalismo ocidental 896 mas que seguem integrando os catálogos das constituições no limiar do terceiro milênio na condição de conquistas incorporadas ao programa do moderno Estado Democrático de Direito ainda que mesmo tais direitos e garantias sigam enfrentando maior ou menor déficit de efetivação 3242 O advento do Estado Social e os direitos econômicos sociais e culturais a assim chamada segunda dimensão O impacto da industrialização e os graves problemas sociais e econômicos que a acompanharam as doutrinas socialistas e a constatação de que a consagração formal de liberdade e igualdade não gerava a garantia do seu efetivo gozo acabaram já no decorrer do século XIX gerando amplos movimentos reivindicatórios e o reconhecimento progressivo de direitos atribuindo ao Estado comportamento ativo na realização da justiça social A nota distintiva destes direitos é a sua dimensão positiva uma vez que se cuida não mais de evitar a intervenção do Estado na esfera da liberdade individual mas sim na lapidar formulação de Celso Lafer de propiciar um direito de participar do bemestar social 897 Tais direitos fundamentais que embrionária e isoladamente já haviam sido contemplados nas Constituições francesas de 1793 e 1848 na Constituição brasileira de 1824 e na Constituição alemã de 1849 que não chegou a entrar efetivamente em vigor 898 caracterizamse ainda hoje por assegurarem ao indivíduo direitos a prestações sociais por parte do Estado tais como prestações de assistência social saúde educação trabalho etc revelando uma transição das liberdades formais abstratas para as liberdades materiais concretas utilizandose a formulação preferida na doutrina francesa É contudo no século XX de modo especial nas constituições do segundo pósguerra que estes novos direitos fundamentais acabaram sendo consagrados em um número significativo de constituições além de constituírem o objeto de diversos pactos internacionais Como oportunamente observa Paulo Bonavides esses direitos fundamentais é possível exprimir nasceram abraçados ao princípio da igualdade 899 compreendido em sentido material e não meramente formal É evidente que ao longo da afirmação do assim chamado Estado Social nas suas mais diversas manifestações o reconhecimento de direitos a prestações sociais ocorreu de modo heterogêneo da mesma forma como é preciso destacar que nem todos os Estados constitucionais que podem ser enquadrados na moldura de um Estado Social reconheceram pelo menos no plano constitucional e como direitos subjetivos a prestações embasados na constituição tais direitos embora os tenham em vários casos previsto no plano da legislação infraconstitucional como foi o caso dentre outros da Alemanha especialmente quando da promulgação da sua atual Lei Fundamental em 1949 Ainda na esfera dos direitos da assim chamada segunda dimensão há que atentar para a circunstância de que tal dimensão não engloba apenas direitos de cunho positivo mas também as assim denominadas liberdades sociais como bem mostram os exemplos da liberdade de sindicalização do direito de greve bem como o reconhecimento de direitos fundamentais aos trabalhadores tais como o direito a férias e ao repouso semanal remunerado a garantia de um salário mínimo a limitação da jornada de trabalho apenas para citar alguns dos mais representativos A segunda dimensão dos direitos fundamentais abrange portanto mais do que os direitos a prestações nada obstante o cunho positivo possa ser considerado como o marco distintivo desta nova fase na evolução dos direitos fundamentais 325 A titularidade transindividual e os assim chamados direitos da terceira dimensão Os direitos fundamentais da terceira dimensão também denominados direitos de fraternidade ou de solidariedade trazem como nota distintiva o fato de se desprenderem em princípio da figura do homemindivíduo como seu titular destinandose à proteção de grupos humanos povo nação caracterizandose consequentemente como direitos de titularidade transindividual coletiva ou difusa 900 Para outros os direitos da terceira dimensão têm por destinatário precípuo o gênero humano mesmo num momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de existencialidade concreta 901 Dentre os direitos fundamentais da terceira dimensão mais citados cumpre referir os direitos à paz à autodeterminação dos povos ao desenvolvimento ao meio ambiente e qualidade de vida bem como o direito à conservação e utilização do patrimônio histórico e cultural e o direito de comunicação 902 Cuidase na verdade do resultado de novas reivindicações fundamentais do ser humano geradas dentre outros fatores pelo impacto tecnológico pelo estado crônico de beligerância bem como pelo processo de descolonização do segundo pósguerra e suas contundentes consequências acarretando profundos reflexos na esfera dos direitos fundamentais A nota distintiva destes direitos da terceira dimensão reside basicamente na sua titularidade transindividual ou metaindividual muitas vezes indefinida e indeterminável o que se revela a título de exemplo especialmente no direito ao meio ambiente e qualidade de vida o qual em que pese ficar preservada sua dimensão individual reclama novas técnicas de garantia e proteção A atribuição da titularidade de direitos fundamentais ao próprio Estado e à Nação direitos à autodeterminação paz e desenvolvimento tem suscitado sérias dúvidas no que concerne à própria qualificação de grande parte destas reivindicações como autênticos direitos fundamentais 903 Compreendese portanto porque os direitos da terceira dimensão são denominados usualmente como direitos de solidariedade ou fraternidade de modo especial em face de sua implicação transindividual ou mesmo universal transnacional e por exigirem esforços e responsabilidades em escala até mesmo mundial para sua efetivação Em caráter alternativo há quem inclua na terceira dimensão dos direitos humanos e fundamentais posições jurídicas vinculadas ao uso das assim chamadas novas tecnologias especialmente a partir do final do século XX como é o caso em especial dos direitos reprodutivos acesso às novas tecnologias reprodutivas e de planejamento familiar da proteção da identidade genética do ser humano do acesso à informática e da proteção dos dados pessoais no âmbito da sociedade tecnológica 904 Uma crítica que se poderia formular em relação a tal perspectiva de abordagem reside no fato de inserir na terceira dimensão direitos que dizem respeito na sua essência a bens jurídicos e valores já reconhecidos e tutelados na esfera das três dimensões referidas posto que não se trata de direitos propriamente novos na medida em que relacionados à tutela e promoção da dignidade da pessoa humana da liberdade proteção da privacidade e intimidade entre outros aspectos que aqui poderiam ser mencionados 326 Existem direitos fundamentais de quarta quinta e sexta dimensão A controvérsia que se estabelece em torno do reconhecimento de novas dimensões de direitos humanos e fundamentais para além das três dimensões já tematizadas merece um enfrentamento particularizado considerando especialmente as perplexidades e dúvidas que suscita Sem que se vá ainda avaliar de modo crítico reflexivo tal fenômeno é de se referir a existência limitandonos aqui a contribuições de autores brasileiros de teorizações que sugerem a existência não só de uma quarta 905 mas também de uma quinta 906 e até mesmo de uma sexta dimensão em matéria de direitos fundamentais 907 Assim impõese examinar num primeiro momento o questionamento da efetiva possibilidade de se sustentar a existência de uma nova dimensão dos direitos fundamentais ao menos nos dias atuais de modo especial diante das incertezas que o futuro nos reserva 908 Além do mais não nos parece impertinente a ideia de que na sua essência todas as demandas na esfera dos direitos fundamentais gravitam direta ou indiretamente em torno dos tradicionais e perenes valores da vida liberdade igualdade e fraternidade solidariedade tendo na sua base o princípio maior da dignidade da pessoa Contudo há que referir a posição de Paulo Bonavides que com a sua peculiar originalidade se posiciona favoravelmente ao reconhecimento da existência de uma quarta dimensão sustentando que esta é o resultado da globalização dos direitos fundamentais no sentido de uma universalização no plano institucional que corresponde à derradeira fase de institucionalização do Estado Social Para o ilustre constitucionalista cearense esta quarta dimensão é composta pelos direitos à democracia no caso a democracia direta 909 e à informação assim como pelo direito ao pluralismo 910 A proposta de Paulo Bonavides comparada com as posições que arrolam os direitos contra a manipulação genética informática mudança de sexo etc como integrando a quarta geração oferece a nítida vantagem de constituir de fato uma nova fase no reconhecimento dos direitos fundamentais qualitativamente diversa das anteriores já que não se cuida apenas de vestir com roupagem nova reivindicações deduzidas em sua maior parte dos clássicos e sempre atuais desde que devidamente contextualizados e reconstruídos direitos de liberdade Contudo também a dimensão da globalização dos direitos fundamentais como formulada por Paulo Bonavides longe está de obter o devido reconhecimento no direito positivo interno ressalvandose algumas iniciativas ainda isoladas de participação popular direta no processo decisório como ocorre com os Conselhos Tutelares no âmbito da proteção da infância e da juventude e especialmente com as experiências no plano do orçamento participativo apenas para citar alguns exemplos e internacional não passando por ora de justa e saudável esperança com relação a um futuro melhor para a humanidade revelando de tal sorte sua dimensão ainda eminentemente profética embora não necessariamente utópica o que aliás se depreende das palavras do próprio autor citado para quem os direitos de quarta dimensão compendiam o futuro da cidadania e o porvir da liberdade de todos os povos Tão somente com eles será legítima e possível a globalização política 911 Considerações similares dizem respeito ao direito à paz que na concepção de Karel Vasak integra a assim designada terceira dimensão dos direitos humanos e fundamentais mas que de acordo com a proposta de Paulo Bonavides movida pelo intento de assegurar ao direito à paz um lugar de destaque superando um tratamento incompleto e teoricamente lacunoso de tal sorte a resgatar a sua indispensável relevância no contexto multidimensional que marca a trajetória e o perfil dos direitos humanos e fundamentais reclama uma reclassificação mediante sua inserção em uma dimensão nova e autônoma 912 Sem que aqui possamos aprofundar a matéria verificase como bem aponta o mesmo Paulo Bonavides uma tendência de o direito à paz consagrado como princípio fundamental no art 4º VI da Constituição Federal de 1988 ainda que de modo isolado e carente de um desenvolvimento por parte da doutrina ser invocado na esfera das relações internacionais mas também em decisões de tribunais nacionais como foi o caso de processo apreciado pela Sala Constitucional da Suprema Corte de Justiça da Costa Rica 913 Notese que para além da qualificação jurídicodogmática da paz como direito fundamental na ordem constitucional aspecto que merece maior desenvolvimento o que importa e quanto a este ponto absolutamente precisa e oportuna a sua revalorização é a percepção de que a paz interna e externa não reduzida à ausência de guerra entre as nações ou de ausência de guerra civil interna é condição para a democracia o desenvolvimento e o progresso social econômico e cultural pressuposto portanto embora não exclusivo para a efetividade dos direitos humanos e fundamentais de um modo geral Mas também quanto ao conteúdo de uma quinta dimensão dos direitos humanos e fundamentais não se verifica consenso Ao passo que para José Alcebíades de Oliveira Júnior e Antonio Wolkmer tal dimensão trata dos direitos vinculados aos desafios da sociedade tecnológica e da informação do ciberespaço da Internet e da realidade virtual em geral 914 para José Adércio Sampaio a quinta dimensão abarca o dever de cuidado amor e respeito para com todas as formas de vida bem como direitos de defesa contra as formas de dominação biofísica geradoras de toda sorte de preconceitos 915 Além disso existe fixandonos na literatura brasileira até mesmo quem defenda a existência de uma sexta dimensão representada pelo direito humano e fundamental de acesso à água potável como deflui da proposta de Zulmar Fachin e Deise Marcelino da Silva 916 baseandose especialmente na gradual consagração de tal direito no cenário do direito internacional dos direitos humanos e do direito constitucional comparado ademais da relevância inequívoca da água potável para a vida a saúde e mesmo o desenvolvimento humano O que se percebe todavia é que tanto a ausência de consenso sobre o conteúdo da quarta quinta e sexta dimensão dos direitos quanto a circunstância de que se trata em todos os casos e mesmo em todas as propostas aqui sumariamente elencadas de direitos que já poderiam ser reconduzidos partindose do pressuposto por si só controverso de que faz algum sentido falarse em dimensões dos direitos humanos e fundamentais na acepção ora apresentada e discutida de algum modo às três primeiras dimensões exigem que no próximo segmento se proceda a uma avaliação crítica da teoria das dimensões e de sua possível correção e aptidão para a compreensão do conteúdo e significado dos direitos humanos e fundamentais 327 As dimensões gerações dos direitos em perspectiva crítica Embora correta a ponderação de Paulo de T Brandão no sentido de que a divisibilidade dos direitos em dimensões ou gerações assim como as demais tipologias elaboradas relativamente aos direitos fundamentais não logram por si sós explicar de modo satisfatório toda a complexidade do processo de formação histórica e social dos direitos 917 tal perspectiva de abordagem além da função didática permitir uma visualização abrangente do processo de reconhecimento dos direitos e a identificação de algumas importantes convergências eou diferenças de conteúdo apresenta a virtude de viabilizar a compreensão de que a trajetória evolutiva no plano do reconhecimento e proteção jurídica dos direitos humanos e fundamentais é de cunho essencialmente dinâmico e dialético visto que marcada por avanços retrocessos e mesmo contradições 918 Além disso tal forma de apresentação da trajetória evolutiva dos direitos humanos e dos direitos fundamentais coloca em saudável evidência a sua dimensão histórica e relativa de modo que tais direitos na sua essência assumem a condição de autênticos produtos culturais 919 Por outro lado percebese a atualidade da obra de Norberto Bobbio ao sustentar justamente com base nas transformações ocorridas na seara dos direitos fundamentais e reveladas plasticamente pela teoria das gerações de direitos a ausência de um fundamento absoluto dos direitos fundamentais 920 Nesta perspectiva não sendo possível aqui adentrar no exame das principais teorias sobre a justificação e fundamentação dos direitos importa destacar que os direitos fundamentais como categoria histórica e materialmente aberta são acima de tudo fruto de reivindicações concretas geradas por situações de injustiça eou de agressão a bens fundamentais e elementares do ser humano 921 Outra crítica desta feita formulada por Álvaro Ricardo de Souza Cruz parte do argumento de que a noção da existência de gerações de direitos tal qual concebida originalmente por Karel Vasak não passa de uma forma acadêmica de facilitar a reconstrução histórica da luta pela concretização dos direitos fundamentais 922 Também neste caso embora a crítica e outras similares deva ser levada a sério naquilo em que desnuda certo deslumbramento com a classificação dimensional ou geracional dos direitos humanos e dos direitos fundamentais também é correto afirmar que com isso não se deslegitima a sua função desde que bem compreendida didáticopedagógica tal como aliás utilizada na presente obra 33 O conceito de direitos fundamentais no sistema constitucional brasileiro 331 A dupla fundamentalidade em sentido formal e material Afinados com a opção terminológica já feita numa primeira aproximação conceitual direitos fundamentais são posições jurídicas reconhecidas e protegidas na perspectiva do direito constitucional interno dos Estados Nesse sentido José Joaquim Gomes Canotilho aponta para a especial dignidade e protecção dos direitos num sentido formal e num sentido material 923 É neste sentido que se afirma que a nota distintiva da fundamentalidade em outras palavras aquilo que qualifica um direito como fundamental é precisamente a circunstância de que esta fundamentalidade é simultaneamente formal e material A fundamentalidade formal encontrase ligada ao direito constitucional positivo no sentido de um regime jurídico definido a partir da própria constituição seja de forma expressa seja de forma implícita e composto em especial pelos seguintes elementos a como parte integrante da constituição escrita os direitos fundamentais situamse no ápice de todo o ordenamento jurídico gozando da supremacia hierárquica das normas constitucionais 924 b na qualidade de normas constitucionais encontramse submetidos aos limites formais procedimento agravado e materiais cláusulas pétreas da reforma constitucional art 60 da CF 925 muito embora se possa controverter a respeito dos limites da proteção outorgada pelo constituinte aspecto desenvolvido no capítulo sobre o poder de reforma constitucional c além disso as normas de direitos fundamentais são diretamente aplicáveis e vinculam de forma imediata as entidades públicas e mediante as necessárias ressalvas e ajustes também os atores privados art 5º 1º da CF o que igualmente será aprofundado mais adiante No seu conjunto como se percebe tais elementos apontam para um regime jurídico qualificado no sentido de reforçado e diferenciado em relação ao que se verifica no caso de outras normas da constituição que por exemplo não são pelo menos não todas e não da mesma forma diretamente aplicáveis e não são de regra protegidas na condição de limites materiais ao poder de reforma constitucional Da mesma forma importa frisar que o regime jurídico dos direitos fundamentais abrange outros aspectos igualmente decorrentes do sistema de direito constitucional positivo portanto integrantes da noção de fundamentalidade em sentido formal compreendida num sentido mais alargado como por exemplo no que diz com os limites às restrições de direitos fundamentais com destaque aqui para as exigências da proporcionalidade a garantia do núcleo essencial temática que todavia aqui não será desenvolvida por constituir objeto de item próprio Da mesma forma a previsão de determinadas ações constitucionais de proteção dos direitos fundamentais tais como o habeas corpus o habeas data e o mandado de injunção para tutela dos direitos ainda que não de todos contribui para uma proteção reforçada dos direitos fundamentais tudo a enfatizar a especial dignidade de tais direitos no âmbito da arquitetura constitucional A fundamentalidade material ou em sentido material por sua vez implica análise do conteúdo dos direitos isto é da circunstância de conterem ou não decisões fundamentais sobre a estrutura do Estado e da sociedade de modo especial porém no que diz com a posição nestes ocupada pela pessoa humana É portanto evidente que uma conceituação meramente formal no sentido de serem direitos fundamentais aqueles que como tais foram reconhecidos na constituição revela sua insuficiência também para o caso brasileiro uma vez que a Constituição Federal como já referido e previsto no art 5º 2º admite expressamente a existência de outros direitos fundamentais que não os integrantes do catálogo Título II da CF com ou sem assento na Constituição além da circunstância de que tal conceituação estritamente formal nada revela sobre o conteúdo isto é a matéria propriamente dita dos direitos fundamentais 926 Qualquer conceituação de direitos fundamentais que busque abranger de modo completo o conteúdo material dos direitos fundamentais está fadada no mínimo a certo grau de dissociação da realidade de cada ordem constitucional individualmente considerada É preciso ter em mente portanto que um conceito satisfatório somente poderia ser obtido com relação a uma ordem constitucional concreta o que apenas vem a confirmar a correção da afirmação feita por Javier Jiménez Campo ao sustentar que uma conceituação de direitos fundamentais exige tanto uma determinação hermenêutica quanto uma construção dogmática vinculada ao contexto constitucional vigente 927 Com efeito o que é fundamental para determinado Estado pode não ser para outro ou não sêlo da mesma forma muito embora a existência de categorias universais e consensuais no que diz com o reconhecimento de sua fundamentalidade tais como os valores da vida da liberdade da igualdade e da dignidade humana Contudo mesmo aqui é imprescindível uma contextualização já que igualmente nessa seara se cuida de questões suscetíveis de uma valoração distinta e condicionada pela realidade social e cultural concreta Nesta perspectiva é preciso enfatizar que no sentido jurídico constitucional determinado direito é fundamental não apenas pela relevância do bem jurídico tutelado considerado em si mesmo por mais importante que seja mas especialmente pela relevância daquele bem jurídico na perspectiva das opções do constituinte acompanhada da atribuição da hierarquia normativa correspondente e do regime jurídicoconstitucional assegurado pelo constituinte às normas de direitos fundamentais 928 É por esta razão que apenas para citar um exemplo o direito à saúde assim como os demais direitos sociais do art 6º é um direito fundamental na Constituição brasileira de 1988 mas não o é a despeito de ninguém questionar a fundamentalidade da saúde para a vida e dignidade da pessoa na Constituição espanhola de 1978 pois naquela ordem constitucional não lhe é assegurado o regime jurídico equivalente ao dos direitos fundamentais típicos Pela mesma razão apenas para ilustrar com mais um exemplo há constituições como novamente é o caso da brasileira que asseguram a determinados direitos dos trabalhadores a condição de direitos fundamentais embora se saiba que assim não ocorre em outras constituições Assim sendo para que se possa fechar este item com um conceito de direitos fundamentais compatível com as peculiaridades da ordem constitucional brasileira é possível definir direitos fundamentais como todas as posições jurídicas concernentes às pessoas naturais ou jurídicas consideradas na perspectiva individual ou transindividual que do ponto de vista do direito constitucional positivo foram expressa ou implicitamente integradas à constituição e retiradas da esfera de disponibilidade dos poderes constituídos bem como todas as posições jurídicas que por seu conteúdo e significado possam lhes ser equiparadas tendo ou não assento na constituição formal 929 Tal conceito inspirado na proposta formulada por Robert Alexy 930 embora submetido a algum ajuste reflete por um lado a dupla fundamentalidade formal e material e por outro contempla a noção de uma abertura material do catálogo de direitos fundamentais no sentido de um elenco inclusivo tal como consagrado no art 5º 2º da CF tópico do qual nos ocuparemos na sequência Muito embora se vá avançar relativamente ao tema logo na sequência em especial quando se tratar dos direitos consagrados no Título II da CF é crucial enfatizar desde logo que todos os Direitos definidos na Constituição de 1988 como sendo direitos fundamentais são direitos fundamentais e gozam em virtude de tal condição em termos substanciais do mesmo regime jurídico constitucional 931 332 A abertura expansividade do catálogo constitucional dos direitos fundamentais significado e alcance da norma contida no art 5º 2º da CF 3321 Noções preliminares A norma contida no art 5º 2º da CF segue ainda que com alguma variação ao longo do tempo quanto ao seu conteúdo e alcance a tradição do nosso direito constitucional desde a Constituição de fevereiro de 1891 932 Inspirada na IX Emenda da Constituição dos EUA a citada norma traduz o entendimento de que para além do conceito formal de constituição e de direitos fundamentais há um conceito material no sentido de existirem direitos que por seu conteúdo por sua substância pertencem ao corpo fundamental da constituição de um Estado mesmo não constando expressamente no catálogo originalmente definido pelo constituinte 933 Numa primeira aproximação portanto o tema guarda relação com uma possível diferenciação entre direitos fundamentais em sentido formal e direitos fundamentais em sentido material distinção que por sua vez encontra reciprocidade na distinção entre direito constitucional em sentido formal e direito constitucional em sentido material Neste contexto importa destacar na esteira da doutrina de Jorge Miranda que o reconhecimento da diferença entre direitos formal e materialmente fundamentais traduz a ideia de que o direito constitucional brasileiro assim como o lusitano aderiu a certa ordem de valores e de princípios que por sua vez não se encontra necessariamente na dependência do constituinte mas que também encontra respaldo na ideia dominante de constituição e no senso jurídico coletivo 934 Assim é preciso ter em conta que a construção de um conceito material de direitos fundamentais assim como da própria constituição somente pode ser exitosa quando se considera a ordem de valores dominante no sentido de consensualmente aceita pela maioria bem como as circunstâncias sociais políticas econômicas e culturais de uma dada ordem constitucional 935 A distinção entre direitos fundamentais em sentido formal e direitos fundamentais em sentido material não tem sido objeto de muitos estudos e grandes divergências doutrinárias pelo menos no âmbito da literatura lusobrasileira De modo geral os direitos fundamentais em sentido formal podem acompanhando Konrad Hesse ser definidos como aquelas posições jurídicas da pessoa na sua dimensão individual ou coletiva que por decisão expressa do legisladorconstituinte foram consagradas no catálogo dos direitos fundamentais 936 Por outro lado direitos fundamentais em sentido material são aqueles que apesar de se encontrarem fora do catálogo por seu conteúdo e por sua importância podem ser equiparados aos direitos formalmente e materialmente fundamentais 937 Assim sendo e em princípio com base no entendimento subjacente ao art 5º 2º da CF podemos desde logo cogitar de duas espécies de direitos fundamentais a direitos formal e materialmente fundamentais portanto sempre ancorados ainda que implicitamente na constituição formal b direitos apenas materialmente fundamentais no sentido de direitos que não estão sediados no texto constitucional Embora esta seja a distinção adotada é preciso referir a respeitável doutrina que advoga a existência de uma terceira categoria a dos direitos apenas formalmente fundamentais que embora previstos no texto constitucional não teriam relação direta com a dignidade da pessoa humana e outros bens e valores fundamentais compartilhados pela sociedade brasileira e pela comunidade internacional 938 Ainda que não se possa aprofundar o tema é de se referir que a doutrina não se encontra completamente pacificada no que diz com a posição assumida pelos direitos materialmente fundamentais de modo especial os que não encontram assento na constituição formal com relação aos direitos do catálogo isto é se podem ou não e em caso afirmativo de que maneira ser equiparados no que tange ao seu regime jurídico Para que a nossa posição fique desde logo consignada com o intuito de afastar qualquer incompreensão partiremos do pressuposto de que a abertura material do sistema dos direitos fundamentais que de resto reclama a identificação de um conceito material de direitos fundamentais exige um regime jurídicoconstitucional privilegiado e em princípio equivalente ao regime dos direitos fundamentais expressamente consagrados como tais pelo constituinte 939 Dito de modo mais resumido é possível partir do pressuposto de que pelo menos em princípio o regime jurídico dos direitos fundamentais estejam ou não sediados no Título II da CF é o mesmo presente portanto a dupla fundamentalidade em sentido formal e material que não se confunde embora a conexão entre as noções com a distinção entre direitos formalmente e materialmente constitucionais Já no que diz com a abrangência da assim chamada abertura material do catálogo verificase que tanto a doutrina majoritária quanto a jurisprudência com destaque aqui para as decisões proferidas pelo STF admitem que a expansividade do catálogo constitucional não se limita ao reconhecimento da existência de direitos e garantias de cunho individual equiparáveis aos direitos contemplados no art 5º da CF e seus respectivos incisos mas abarca também os direitos políticos e mesmo os direitos sociais econômicos culturais e ambientais 940 Tal interpretação encontra respaldo em uma série de argumentos em primeiro lugar há que considerar a expressão literal do art 5º 2º da CF que menciona de forma genérica os direitos e garantias expressos nesta Constituição sem qualquer limitação quanto à sua posição no texto Em segundo lugar mas não em segundo plano inequívoco o compromisso da Constituição Federal com os direitos sociais inseridos no título relativo aos direitos fundamentais apenas regrados em outro capítulo Além disso é evidente que a mera localização topográfica do dispositivo no Capítulo I do Título II não pode prevalecer diante de uma interpretação que leva em conta a finalidade do dispositivo e as peculiaridades do subsistema dos direitos fundamentais considerado no seu conjunto Além disso verificase que a regra do art 7º cujos incisos especificam os direitos fundamentais dos trabalhadores prevê expressamente em seu caput São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais além de outros que visem à melhoria de sua condição social a abertura a outros direitos similares Por derradeiro registrese que na doutrina brasileira tem prevalecido o entendimento de que tanto o rol dos direitos sociais do art 6º quanto o elenco dos direitos sociais dos trabalhadores art 7º são meramente exemplificativos 941 de tal sorte que ambos os preceitos podem ser perfeitamente qualificados como cláusulas especiais de abertura É precisamente nesta perspectiva e aderindo à tradição constitucional republicana brasileira ainda mais em virtude das peculiaridades do texto da atual Constituição Federal ao incluir diversamente das Constituições anteriores os tratados internacionais de direitos humanos que se pode falar a exemplo do que atualmente também sustenta Juarez Freitas que o art 5º 2º da CF encerra uma autêntica norma geral inclusiva 942 Nesta perspectiva tal como sublinha Menelick de Carvalho Netto por força do disposto no citado preceito constitucional a Constituição Federal se apresenta como a moldura de um processo de permanente aquisição de novos direitos fundamentais 943 Aliás o processo dinâmico e aberto de reconhecimento de direitos fundamentais no âmbito do sistema constitucional atua como uma espécie de força motriz para uma sociedade também sempre aberta e plural aspecto que todavia aqui não será desenvolvido 3322 Classificação dos direitos fundamentais com base no critério da abertura material do catálogo constitucional A partir das diretrizes textuais do art 5º 2º da CF bem como mediante diálogo com as noções já traçadas especialmente no que diz com a existência de direitos fundamentais em sentido formal e material e em sentido material bem como no concernente à amplitude do conceito materialmente aberto consagrado pela Constituição Federal é possível classificar os direitos fundamentais em dois grandes grupos a direitos expressamente positivados seja na Constituição seja em outros diplomas jurídiconormativos de natureza constitucional b direitos implicitamente positivados no sentido de direitos fundamentais decorrentes do regime e dos princípios constitucionais ou direitos subentendidos nas normas de direitos fundamentais expressamente positivadas em suma direitos que não encontram respaldo textual direto podendo também ser designados de direitos não escritos 944 Ambos os grupos de direitos por sua vez exigem alguma explicitação quanto ao seu conteúdo e aos seus respectivos problemas teóricopráticos além de abarcarem subgrupos que podem ser bem definidos Iniciemos pelo primeiro grupo qual seja dos direitos expressamente positivados Quanto aos direitos expressamente positivados é preciso distinguir por sua vez três subgrupos a os direitos previstos no Título II da CF que cuida precisamente dos direitos e garantias fundamentais b os direitos sediados em outras partes do texto constitucional dispersos pelo texto constitucional c os direitos expressamente consagrados em tratados internacionais de direitos humanos Um problema à parte guarda relação com a indagação a respeito da existência de direitos fundamentais sediados na legislação infraconstitucional isto é se haveria ainda um quarto grupo de direitos expressamente positivados Quanto a este ponto reiteramos aqui a necessidade de cautela ainda que existam autores que defendam tal possibilidade qual seja a de direitos fundamentais terem assento formal em textos legais 945 Em primeiro lugar o texto do art 5º 2º da CF ao contrário do art 161 da Constituição portuguesa não utiliza a expressão lei Além disso o que parece ser a interpretação mais razoável é que ao legislador infraconstitucional cabe em primeira linha o papel de concretizar e regulamentar eventualmente restringir os direitos fundamentais positivados na Constituição Por outro lado também a tradição sem qualquer exceção do nosso direito constitucional aponta para uma exclusão da legislação infraconstitucional como fonte de direitos materialmente fundamentais até mesmo pelo fato de nunca ter havido qualquer referência à lei nos dispositivos que consagraram a abertura de nosso catálogo de direitos de tal sorte que nos posicionamos em princípio pela inadmissibilidade dessa espécie de direitos fundamentais em nossa ordem constitucional 946 Todavia a despeito deste entendimento não nos parece de todo desarrazoada uma interpretação de cunho extensivo que venha a admitir uma abertura do catálogo dos direitos fundamentais também para posições jurídicas reveladas expressamente antes pela legislação infraconstitucional já que por vezes é ao legislador ordinário que se pode atribuir o pioneirismo de recolher valores fundamentais para determinada sociedade e assegurálos juridicamente antes mesmo de uma constitucionalização 947 Ainda sobre o tópico importa registrar que aquilo que para muitos pode ser considerado um direito fundamental fundado na legislação infraconstitucional em verdade nada mais é cuidando se convém frisar de direitos fundamentais do que a explicitação mediante ato legislativo de direitos implícitos ou mesmo decorrentes do regime e dos princípios desde logo originariamente fundados na Constituição 948 Tal ocorre por exemplo com o direito fundamental constitucional aos alimentos consoante aliás já reconhecido por alguma doutrina 949 em que em última análise está em causa um direito fundamental a prestações de caráter existencial que independentemente de previsão legal ou constitucional que acabou ocorrendo por força da EC 642010 já poderia ser deduzido do direito à vida com dignidade 950 Ao legislador civil coube neste caso a tarefa de reconhecer no plano legal a obrigação definindo parâmetros sujeitos passivos e ativos bem como dispondo sobre questões processuais entre outros aspectos O mesmo se poderá afirmar em relação aos direitos de personalidade consagrados no atual Código Civil visto que já poderiam também ser deduzidos de uma cláusula geral de tutela da personalidade ancorada no direito geral de liberdade e no princípio da dignidade da pessoa humana 951 como de resto ocorre com o direito ao nome já consagrado pelo próprio STF 952 Já no que diz com os assim denominados direitos implícitos no sentido de implicitamente positivados é preciso atentar para a possibilidade de compreender tal rótulo de forma mais abrangente ou restrita como inclusivo dos direitos decorrentes do regime e dos princípios ou distinguindo esta categoria dos direitos implícitos propriamente ditos no caso considerados como direitos subentendidos nas normas de direitos fundamentais expressamente positivadas Notese que a abertura do sistema de direitos fundamentais nas palavras de José de Melo Alexandrino abrange tanto a previsão expressa de uma abertura a direitos não enumerados quanto a dedução de posições jusfundamentais por meio da delimitação do âmbito de proteção dos direitos fundamentais a inclusão dos direitos de matriz internacional bem como a dedução de normas de direitos fundamentais de outras normas constitucionais 953 tudo a demonstrar que as possibilidades da abertura do catálogo constitucional de direitos fundamentais são múltiplas e complexas Neste contexto optamos aqui por uma compreensão ampliada da noção de direitos decorrentes do regime e dos princípios como inclusiva de posições jurídicas que correspondem por subentendidos ao âmbito de proteção de direitos expressamente positivados situação que corresponde aos assim chamados direitos implícitos Ainda neste contexto importa considerar o significado do termo implícito que no sentido etimológico corresponde àquilo que está subentendido o que está envolvido mas não de modo claro 954 Neste sentido verificase que a categoria dos direitos implícitos pode corresponder também além da possibilidade de dedução de um novo direito fundamental com base nos constantes do catálogo a uma extensão mediante o recurso à hermenêutica do âmbito de proteção 955 de determinado direito fundamental expressamente positivado cuidandose nesta hipótese não tanto da criação jurisprudencial de um novo direito fundamental mas sim da redefinição do campo de incidência de determinado direito fundamental já expressamente positivado 956 Seja qual for o critério utilizado o fato é que o art 5º 2º no que diz com a dedução de posições jurídicas fundamentais assume para efeitos de reconhecimento de direitos implícitos caráter essencialmente declaratório pelo menos se considerarmos que implícito é o que já está subentendido tratandose neste sentido como se percebe em várias situações de uma reconstrução interpretativa do âmbito de proteção de um direito fundamental já consagrado por exemplo quando se afirma que a liberdade de contratar está já abrangida pelo direito geral de liberdade ou que a proteção dos dados pessoais informatizados está incluída no âmbito de proteção da privacidade ou intimidade a depender do caso De outra parte e neste ponto não há como desconsiderar a relevância da previsão no texto constitucional de direitos decorrentes do regime e dos princípios também é certo recordar que o dispositivo constitucional citado além de atuar como uma espécie de autorização expressa e permanente lembrete para o reconhecimento de direitos implícitos em sentido amplo na condição de direitos não expressamente positivados legitima e até mesmo vincula positivamente a atuação dos órgãos jurisdicionais nesta seara que nesta perspectiva não poderiam deixar de reconhecer um direito implícito no mínimo quando tal reconhecimento corresponder em face das circunstâncias às exigências do sistema constitucional No campo dos direitos implícitos eou decorrentes do regime e dos princípios vale mencionar alguns exemplos que têm sido citados na doutrina mas que também já encontraram aceitação na esfera jurisprudencial ainda que se esteja longe de alcançar um consenso especialmente mas não exclusivamente importa destacar no concernente ao conteúdo e alcance destes direitos Assim verificase que na doutrina mais recente voltou a ser referido o direito de resistência 957 ou o direito à desobediência civil 958 que embora também possam ser tratados como equivalentes desde que haja concordância em termos conceituais têm sido apresentados com traços distintos pela doutrina nacional Também o direito à identidade genética da pessoa humana 959 o direito à identidade pessoal 960 as garantias do sigilo fiscal e bancário em geral deduzidas por expressiva parcela da doutrina e jurisprudência nacional do direito à privacidade 961 o direito do apenado à progressão de regime e a garantia da sua gradual reinserção na sociedade 962 um direito à boa administração pública 963 bem como mais recentemente as referências a despeito da polêmica que se trava a respeito a um direito à felicidade 964 um direito individual à exe cução humanizada da pena 965 bem como um direito fundamental implícito autônomo à proteção dos dados pessoais 966 a inserção do direito no art 5º CF em inciso próprio foi aprovada pelo Congresso Nacional em 20102021 revelam não apenas o quanto já tem sido feito nesta esfera mas também as possibilidades de desenvolvimento da abertura material do catálogo também no que diz com os direitos não expressamente positivados Feita uma breve apresentação dos dois grandes grupos de direitos fundamentais e sua possível decomposição em subgrupos seguese uma análise um pouco mais detida de cada uma das categorias iniciando pelos direitos expressamente positivados no Título II da CF 3323 Direitos previstos no Título II da CF Quanto aos direitos fundamentais expressamente positivados no Título II da CF colocase pelo menos para setores da doutrina o problema sobre se em todos os casos portanto no que diz com a todas as normas definidoras de direitos e garantias ali previstas se trata de normas de direitos e garantias fundamentais ou pelo contrário se nem todos os direitos do Título II são realmente direitos fundamentais apesar de assim designados pelo constituinte De fato embora a maioria da doutrina e a jurisprudência do STF visivelmente assim também o indica parta do pressuposto também por nós compartilhado de que todos os direitos fundamentais como tais expressamente designados portanto todos os que integram o Título II da CF são direitos fundamentais 967 há quem divirja de tal entendimento sustentando que nem todos os direitos pelo simples fato de terem sido previstos no Título II são direitos fundamentais Em geral a refutação da condição de direitos fundamentais focase nos direitos sociais pelo menos em parte em especial no que diz com os direitos dos trabalhadores 968 Embora não se possa aprofundar o tópico importa registrar que a negação da funda mentalidade pelo menos assim o revela mesmo um rápido exame dos principais defensores da tese em termos gerais prendese ao argumento de que se todos os direitos fossem fundamentais pelo simples fato de previstos no Título II da CF estar seia adotando conceito eminentemente formal de direitos fundamentais 969 Por outro lado argumentase que a nota da fundamentalidade está vinculada ao conteúdo em outras palavras ao grau de relevância do bem jurídico tutelado de tal sorte que direitos fundamentais seriam independentemente de sua previsão textual apenas posições materialmente fundamentais como no caso dos direitos sociais aqui em caráter apenas exemplificativo aqueles direitos diretamente relacionados ao mínimo existencial 970 A sustentação da fundamentalidade de todos os direitos assim designados no texto constitucional portanto pelo menos daqueles direitos previstos no Título II Dos Direitos e Garantias Fundamentais título que inclui os direitos sociais do art 6º e os assim designados direitos dos trabalhadores por sua vez implica reconhecer pelo menos a presunção em favor da fundamentalidade também material desses direitos e garantias 971 ainda que se possam colacionar a depender da orientação ideológica ou concepção filosófica professada boas razões para questionar tal fundamentalidade Mesmo para os direitos do Título II que reiterese já por força do art 5º 2º da CF não excluem outros a posição adotada não está dissociada de critérios de ordem material já que sem dúvida se cuida de posições que independentemente de outras razões de ordem substancial já de partida receberam por ocasião do pacto constitucional fundante a proteção reforçada peculiar dos direitos fundamentais pela relevância de tais bens jurídicos na perspectiva dos pais da Constituição o que aliás aponta para uma legitimação democrática procedimental e deliberativa mas também substancial 972 decisão esta que não pode pura e simplesmente ser desconsiderada pelos que na condição de poderes constituídos devem por estar diretamente vinculados assegurar a esses direitos fundamentais a sua máxima eficácia e efetividade Aliás a própria orientação adotada pelo STF em matéria de direitos sociais tem sido sensível neste particular ao reconhecimento de que os direitos sociais são direitos fundamentais o que também demonstra a relevância da atuação do Poder Judiciário nesta matéria já que a negação da fundamentalidade na esfera jurisprudencial acabaria por esvaziar o texto constitucional a despeito da expressa previsão de que os direitos sociais como aliás todos os direitos previstos no Título II são direitos fundamentais 3324 Direitos fundamentais dispersos no texto constitucional Já no que diz respeito aos direitos fundamentais expressamente positivados em outras partes do texto constitucional portanto fora do Título II colocamse outros desafios dogmáticometodológicos e práticos Em primeiro lugar há que identificar tais direitos o que reclama uma carga argumentativa no sentido da justificação de tal condi ção Com efeito se no tocante aos direitos do Título II a fundamentalidade por força da opção prévia e expressa feita pelo constituinte em princípio é de ser acatada pelos poderes constituintes presumindose a fundamentalidade material no caso dos direitos dispersos há que recorrer a critérios materiais para demonstrar que se trata de direitos fundamentais Além disso colocase a questão de se os direitos fundamentais dispersos compartilham do regime jurídico constitucional pleno dos direitos fundamentais entre outros aspectos se estão protegidos na condição de limites materiais ao poder de reforma constitucional e se as normas que os asseguram são diretamente aplicáveis Quanto ao primeiro problema relativo aos critérios de justificação da fundamentalidade de direitos dispersos no texto constitucional é possível numa primeira aproximação recorrer a um critério geral segundo o qual os direitos fundamentais fora do catálogo somente poderão ser os que constem ou não do texto constitucional por seu conteúdo e importância possam ser equiparados aos integrantes do rol elencado no Título II de nossa Lei Fundamental Ambos os critérios substância e relevância se encontram agregados entre si e são imprescindíveis para o conceito materialmente aberto de direitos fundamentais Na identificação dos direitos fundamentais fora do catálogo para além dos direitos expressamente positivados no Título II e isto convém seja novamente frisado importa portanto que se tenha sempre presente o critério da importân cia atentandose para além dos parâmetros extraídos do próprio sistema constitucional para a efetiva correspondência com o sentido jurídico dominante cuja avaliação dependerá sem dúvida da sensibilidade do intérprete De qualquer modo a busca do referencial material para a identificação de direitos fundamentais deverá guardar sintonia com os critérios estabelecidos ainda que não diretamente pela própria Constituição como por exemplo quando no art 5º 2º da CF se faz referência a direitos decorrentes do regime e dos princípios Nesta perspectiva embora os direitos decorrentes do regime e dos princípios possam em sendo compreendidos como direitos não expressamente positivados ser reconduzidos a uma categoria autônoma também parece correto afirmar que direitos fundamentais dispersos na Constituição devem guardar relação com os princípios fundamentais que orientam a ordem constitucional Neste contexto basta apontar para alguns exemplos para verificarmos esta estreita vinculação entre os direitos e os princípios fundamentais Assim não há como negar que os direitos à vida bem como os direitos de liberdade e de igualdade correspondem diretamente às exigências mais elementares da dignidade da pessoa humana Da mesma forma os direitos políticos de modo especial o sufrágio o voto e a possibilidade de concorrer a cargos públicos eletivos são manifestações do princípio democrático e da soberania popular Igualmente percebese desde logo que boa parte dos direitos sociais radica tanto no princípio da dignidade da pessoa humana saúde educação etc quanto nos prin cípios que entre nós consagram o Estado Social de Direito À vista do exposto percebese que dentre os princípios constitucionais o princípio da dignidade da pessoa humana assume especial relevância como critério material para identificação de direitos fundamentais visto que tratandose de uma exigência da digni dade da pessoa humana não se haverá de questionar a fundamentalidade No direito lusitano proposta similar foi formulada pelo Professor Vieira de Andrade da Universidade de Coimbra que entre outros aspectos a serem analisados identifica os direitos fundamentais por seu conteúdo comum baseado no princípio da dignidade da pessoa humana 973 o qual segundo sustenta é concretizado pelo reconhecimento e positivação de direitos e garantias fundamentais 974 Embora não tenhamos a intenção de aqui avançar com uma análise do princípio da dignidade da pessoa humana há que apontar no mínimo para a circunstância de que a tese de Vieira de Andrade no sentido de que todos os direitos fundamentais encontram sua vertente no princípio da dignidade da pessoa humana merece ser encarada ao menos de início com certa reserva Em primeiro lugar parece oportuna a menção de modo especial à luz de nosso direito constitucional positivo de que se revela no mínimo passível de discussão a qualificação do princípio da dignidade da pessoa humana considerado em si mesmo como um autêntico direito fundamental autônomo em que pese sua importante função seja como elemento referencial para a aplicação e inter pretação dos direitos fundamentais mas não só destes 975 seja na condição de fundamento para a dedução de direitos fundamentais decorrentes 976 De outra parte e aqui centramos a nossa crítica basta um breve olhar sobre o nosso extenso catálogo dos direitos fundamentais para que tenhamos dúvidas fundadas a respeito da alegação de que todas as posições jurídicas ali reconhecidas possuem necessariamente um conteúdo diretamente fundado no valor maior da dignidade da pessoa humana muito embora se trate de direitos fundamentais assim considerados pelo constituinte Não pretendendo polemizar especificadamente as diversas hipóteses que aqui podem ser referidas reportamonos a título meramente exemplificativo ao art 5º XVIII XXI XXV XXVIII XXIX XXXI e XXXVIII bem como ao art 7º XI XXVI e XXIX sem mencionar outros exemplos que poderiam facilmente ser garimpados no catálogo constitucional dos direitos fundamentais 977 O que se pretende com os argumentos ora esgrimidos é demonstrar que o princípio da dignidade da pessoa humana pode desde que não utilizado de forma inflacionária ser tido como critério basilar mas não exclusivo para a construção de um conceito material de direitos fundamentais assumindo de tal sorte de acordo com a sugestiva formulação de Carlos R Siqueira Castro a função de elemento proliferador de direitos fundamentais ao longo dos tempos 978 Além disso abstraindose por ora os demais referenciais a serem analisados é preciso ter sempre em mente que determinada posição jurídica fora do catálogo para que efetivamente possa ser considerada equivalente por seu conteúdo e importância aos direitos fundamentais do catálogo deve necessariamente guardar vínculo direto com a dignidade da pessoa humana Neste contexto há que questionar a respeito da possibilidade de existirem direitos fundamentais fora do catálogo que não possuam necessariamente um conteúdo diretamente fundado no princípio da dignidade da pessoa humana já que este salvo melhor juízo não constitui elemento comum no mínimo não igualmente comum a todos os direitos fundamentais do catálogo 979 À vista do exposto é possível elencar alguns exemplos de direitos fundamentais sediados em outras partes do texto constitucional sem prejuízo de outros que poderiam ser incluídos na listagem o direito de igual acesso aos cargos públicos art 37 I os direitos de associação sindical e de greve dos servidores públicos art 37 VI e VII assim como o direito dos servidores públicos à estabilidade no cargo art 41 que ademais constitui verdadeira garantia da cidadania Poderseia cogitar ainda da legitimação ativa para a iniciativa popular legislativa art 61 2º que agregado ao art 14 III pode ser considerado como autêntico direito de participação política Da mesma forma ocorre com a garantia da publicidade e fundamentação das decisões judiciais art 93 IX bem como com as limitações constitucionais ao poder de tributar art 150 I a VI 980 No âmbito do direito à educação arts 6º e 205 é possível mencionar as dimensões mais específicas da liberdade de ensino e pesquisa art 206 e o direito subjetivo ao ensino público fundamental obrigatório e gratuito art 208 I seguido da garantia do exercício dos direitos culturais art 215 Também o direito à proteção do meio ambiente art 225 já encontrou ampla acolhida na doutrina e jurisprudência brasileira 981 Ainda na esfera da ordem social assumem relevo os exemplos da igualdade de direitos e obrigações entre os cônjuges art 226 5º o direito dos filhos a tratamento igualitário e não discriminatório art 227 6º o direito ao planejamento familiar incentivado pelo Estado art 226 7º o direito à proteção da entidade familiar art 226 bem como o direito à proteção das crianças e dos adolescentes art 227 3325 Direitos sediados nos tratados internacionais de direitos humanos 33251 Generalidades No que diz com os direitos fundamentais sediados em tratados internacionais de direitos humanos cumpre ressaltar que se trata de aspecto central para a compreensão das relações entre os direitos humanos de matriz internacional e os direitos fundamentais constitucionais Observese neste contexto que a nossa Constituição de acordo com a redação do art 5º 2º refere apenas os tratados internacionais não mencionando as convenções ou outras espécies de regras internacionais Neste particular um olhar para o direito comparado no caso para o sistema constitucional português revela que a Constituição Federal foi numa primeira leitura mais restritiva visto que o art 161 da Constituição da República Portuguesa dispõe que os direitos fundamentais consagrados na Constituição não excluem outros constantes das leis e regras aplicáveis de direito internacional grifei A despeito da falta de precisão terminológica e da diversidade de expressões encontradas no direito constitucional positivo no qual não se verifica critério uniforme de distinção entre as diversas espécies de normas internacionais 982 existe certa unanimidade no seio da doutrina no sentido de que a expressão tratados internacionais engloba diversos tipos de instrumentos internacionais cuidandose portanto de expressão genérica em relação à qual as convenções e os pactos apenas para citar alguns dos mais importantes são espécies uma vez que de acordo com o seu conteúdo concreto e sua finalidade os tratados são rotulados diversamente o que aliás decorre da própria Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados que considera tratado um termo genérico significando um acordo internacional independentemente de sua designação particular 983 Na definição de José Francisco Rezek tratado é o acordo formal concluído entre sujeitos de direito internacional público e destinado a produzir efeitos jurídicos de modo que o elemento essencial está ligado à natureza do documento mas não ao seu rótulo 984 Por outro lado uma interpretação ampla do conceito de tratados internacionais de direitos humanos é indispensável para evitar um esvaziamento do sentido da norma contida no art 5º 2º da CF que à evidência abarca entre outros documentos bastante diversos quanto à sua designação como é o caso dos Pactos Internacionais da ONU sobre direitos civis e políticos e sobre os direitos econômicos sociais e culturais ambos de 1966 bem como da Convenção Americana sobre Direitos Humanos da OEA 1969 apenas para citar alguns dos mais relevantes e mais próximos de nós nesta matéria Mais delicada contudo é a inclusão das regras de direito internacional comum no âmbito de abertura propiciado pelo art 5º 2º da nossa Carta Nesse particular fica evidente que a Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU adotada na forma de uma resolução não se enquadra na categoria dos tratados internacionais ao menos não no sentido que lhes imprimiu a Convenção de Viena consoante já frisado 985 Ainda que existam documentos que apesar de levarem o rótulo de Declarações são na verdade autênticos tratados 986 o fato é que a Declaração de Direitos da ONU não possui tais características não podendo ser enquadrada na categoria dos tratados ou convenções de direitos humanos Todavia a despeito de uma resolução da ONU não ser dotada em regra de efeito vinculante parte dos direitos constantes da Declaração de 1948 de acordo com orientação posterior acabou sendo considerada como integrante do direito internacional consuetudinário portanto dos costumes internacionais que por sua vez fazem parte do sistema de fontes do direito internacional e por tal via passam a vincular os Estados e demais sujeitos de direito internacional 987 Considerando o papel da Declaração da ONU no quadro normativo internacional bem como levando em conta a ratio e o telos da norma contida no art 5º 2º da CF não nos parece razoável excluir ao menos em princípio os direitos fundamentais consagrados pela Declaração de Direitos da ONU ainda mais quando se leva em conta que a maior parte das Constituições que a sucederam nela e nos diversos pactos e convenções que integram o sistema internacional dos direitos humanos buscaram inspiração quando da elaboração de seu próprio catálogo de direitos fundamentais De qualquer modo cuidase de tema a merecer maior desenvolvimento do que o que se revela viável neste contexto Tecidas algumas considerações preliminares importa enfrentar ainda que de modo sumário os dois mais importantes problemas jurídicoconstitucionais no que diz com a relação dos tratados internacionais de direitos humanos e a ordem constitucional interna brasileira quais sejam a a forma pela qual se dá a incorporação dos tratados ao direito interno b a força normativa hierarquia dos tratados de direitos humanos no Brasil 33252 O procedimento de incorporação dos tratados de direitos humanos na perspectiva da Constituição Federal Quanto a este aspecto ou seja quanto ao modo pelo qual os tratados de direitos humanos ingressam na ordem interna para que nela possam gerar efeitos há que apontar a inexistência de preceito expresso na Constituição dispondo de forma favorável à recepção automática Ao contrário de diversas Constituições recentes 988 a regra tradicio nalmente adotada em nosso direito constitucional tem sido a da necessidade de procedimento formal de incorporação o qual resulta da interação entre ato do Poder Executivo a celebração propriamente dita do tratado e ato do Poder Legislativo que em virtude de disposição constitucional expressa tem a atribuição de aprovar a celebração do tratado conforme estabelecido pelos arts 84 VIII e 49 I ambos da CF acrescidos por força de emenda constitucional do 3º do art 5º da CF que se refere especificamente aos tratados em matéria de direitos humanos Considerando que o art 5º 2º da CF refere expressamente os tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte grifei tudo somado aos dispositivos já citados que demonstram a necessidade da intervenção do Congresso Nacional verificase que pelo menos na atual quadra da evolução constitucional a incorporação de um tratado internacional seja de que natureza for pressupõe consoante também advoga a doutrina dominante a sua ratificação 989 O procedimento portanto é complexo abrangendo a participação do Poder Executivo assinatura do tratado pelo Pre sidente da República e posterior envio pelo chefe do Executivo ao Congresso Nacional e do Poder Legislativo aprovação pelo Congresso Nacional habitualmente de acordo com a tradição constitucional brasileira mediante o instrumento do decreto legislativo que constitui ato da competência exclusiva do Congresso Nacional portanto não sujeito à sanção presidencial Uma vez aprovado pelo Legislativo volta a atuar o Poder Executivo cabendo então ao Presidente da República concluir a celebração do tratado mediante a sua ratificação Além disso apenas após a edição de um decreto de execução por parte do Presidente da República é que o procedimento terá sido completado passando o tratado a vincular tanto na esfera interna quanto na esfera internacional 990 Embora o procedimento habitual seja o mencionado no caso dos tratados internacionais de direitos humanos consoante referido operouse importante alteração no texto constitucional mediante a inserção pela EC 45 de dezembro de 2004 doravante simplesmente EC 45 de um 3º ao art 5º da nossa Constituição Segundo este dispositivo os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados em cada Casa do Congresso Nacional em dois turnos por três quintos dos votos dos respectivos membros serão equivalentes às emendas constitucionais Tal preceito interpretado em sintonia com o art 5º 2º pode ser compreendido numa primeira aproximação como assegurando em princípio e em sendo adotado tal procedimento a condição de direitos formal e materialmente constitucionais e fundamentais aos direitos consagrados no plano das convenções internacionais Todavia considerando que a absoluta maioria dos tratados internacionais ratificados pelo Brasil foi incorporada antes da entrada em vigor da EC 452004 é de se indagar se os tratados de direitos humanos anteriores por força da EC 452004 passaram a ser equivalentes às emendas constitucionais A resposta em que pesem entendimentos neste sentido é negativa e isto por várias razões Em primeiro lugar parece evidente que não há como aplicar neste caso o argumento da recepção 991 visto se tratar de procedimentos legislativos distintos ainda que haja compatibilidade material como se fosse possível transmutar um decreto legislativo aprovado pela maioria simples do Congresso Nacional em emenda constitucional que exige uma maioria reforçada de três quintos dos votos sem considerar os demais limites formais das emendas à Constituição maioria qualificada aliás reclamada pelo próprio art 5º 3º da CF Além disso a desnecessidade de se recorrer a tal expediente argumentativo frágil na sua concepção decorre do fato de que uma hierarquia privilegiada dos tratados de direitos humanos pode ser fundamentada já com base na norma contida no art 5º 2º da CF como bem demonstra a doutrina que sustentava muito antes da inserção do 3º do art 5º a hierarquia constitucional dos tratados de direitos humanos 992 doutrina esta que pelo menos em boa parte se posiciona de forma bastante crítica em relação ao dispo sitivo referido 993 Nessa mesma linha aliás situase o atual posicionamento majoritário no STF que assegurou mesmo aos tratados incorporados até dezembro de 2004 hierarquia supralegal mas não status equivalente a emenda constitucional 994 Assim sendo na esfera dos tratados de direitos humanos que uma vez ratificados operam como fonte de direitos fundamentais na ordem interna brasileira a teor do disposto no art 5º 2º da CF há que distinguir os tratados ratificados antes da entrada em vigor da EC 452004 ou mesmo os tratados posteriores que porventura não tenham sido aprovados mediante o procedimento qualificado previsto no art 5º 3º da CF dos tratados aprovados mediante recurso ao procedimento estabelecido pelo art 5º 3º da CF Com efeito importa consignar que o art 5º 3º da CF em momento algum exige que sejam observados como já referido todos os requisitos formais circunstanciais e temporais quanto aos materiais impõese maior cuidado no exame da questão atinentes ao procedimento regular ordinário das emendas constitucionais Aliás é preciso enfatizar que a aprovação do tratado de direitos humanos para os efeitos do disposto no art 5º 3º não necessita ser levada a efeito por meio de emenda constitucional ou seja de projeto de emenda que siga desde o seu nascedouro a integralidade do rito próprio estabelecido no art 60 da CF pois basta que a aprovação observe o disposto no art 60 2º da CF votação em dois turnos nas duas Casas do Congresso com maioria de 35 em cada Casa e turno de votação para que o tratado seja considerado equivalente a uma emenda constitucional Ora equivalente não é necessariamente igual visto que os demais requisitos do processo de emenda constitucional não foram previstos no art 5º 3º Assim sendo nada obsta que seja eleita outra espécie legislativa para a aprovação do tratado hipótese na qual desde que preenchidos os requisitos do art 5º 3º este uma vez aprovado gozará da mesma hierarquia das emendas constitucionais e agregarseá à Constituição formal Além disso por força justamente dos aspectos já referidos verificase que quando se trata de emenda constitucional cujos requisitos são distintos em sua maior parte dos previstos no art 5º 3º da CF a iniciativa da emenda não será exclusiva do Presidente da República 995 O fato de o chefe do Executivo ser obrigado pela sistemática vigente a remeter o tratado internacional ao Congresso cuja chancela é indispensável não afasta pelo menos assim parece a possibilidade de outro legitimado ativo caso isso não tenha sido feito pelo Presidente da República quando da remessa do tratado ao Congresso apresentar um projeto de emenda constitucional que então seguiria o rito convencional do art 60 observando todos os requisitos ali previstos De qualquer sorte embora uma coisa não exclua a outra tudo leva a crer que o Congresso tenderá a optar pela via do art 5º 3º da CF já que a garantia da equivalência a emenda constitucional sugere que se utilize a forma menos complexa e que ao mesmo tempo assegura aos tratados uma condição privilegiada ainda pelo menos enquanto não se passar a adotar a tese da paridade entre tratado de direitos humanos e Constituição que distinta daquela gozada pelos direitos fundamentais originariamente positivados pelo constituinte Do exposto como se poderá perceber sem muito esforço argumentativo decorre pelo menos em tese já que não vislumbramos fundamento constitucional impeditivo que os tratados de direitos humanos tanto poderão ser aprovados por meio de uma emenda constitucional convencional isto é que siga o rito do art 60 da CF em sua plenitude quanto mediante outra figura legislativa observado neste caso o previsto no art 5º 3º da CF Indicativo de que tal será na esfera da prática políticolegislativa a orientação a ser seguida é a circunstância de que o Congresso Nacional valendose da figura do decreto legislativo mas observando os requisitos do art 5º 3º aprovou o texto da Convenção sobre os Direitos das Pessoas Portadoras de Deficiência Dec Legislativo 1862008 De todo modo resulta evidente que o Congresso Nacional desde que tal orientação seja observada pelos legitimados para a propositura de projeto de emenda constitucional poderá a partir deste primeiro caso seguir utilizando apenas a figura do decreto legislativo para a aprovação dos tratados internacionais observando no caso de tratados de direitos humanos os parâmetros do art 5º 3º da CF deixando de lado a possibilidade de aprovar os tratados pelo procedimento das emendas à Constituição 33253 O problema da hierarquia dos tratados de direitos fundamentais na ordem jurídica interna brasileira direitos fundamentais sem hierarquia constitucional No que diz com a posição hierárquica do direito internacional mais abrangente do que os tratados que formam apenas parte da produção normativa internacional em geral com relação ao direito infraconstitucional interno a doutrina brasileira segue dividida Ao passo que uma corrente sustenta a supremacia do direito internacional outros adotam a teoria da paridade entre as normas internacionais e a legislação interna sob o argumento de que em face da ausência de uma disposição constitucional expressa que consagre a supremacia do direito internacional deve prevalecer no caso de conflito entre tratados internacionais e leis internas o princípio do lex posterior derogat priori ressalvada a possibilidade de responsabilização do Estado no plano internacional o que inclusive vem sendo consagrado pelo STF desde o julgamento do RE 80004 em 1977 muito embora a mudança de rumo quanto aos tratados de direitos humanos Com efeito no que diz com a hipótese específica dos direitos previstos em tratados internacionais de direitos humanos que por via da abertura propiciada pelo art 5º 2º da CF passam a integrar o catálogo constitucional de direitos fundamentais não importando aqui se de forma automática ou não o problema da força normativa no plano interno tem sido objeto de intensa discussão doutrinária e mesmo jurisprudencial Numa primeira aproximação parece viável concluir que os direitos desde logo materialmente fundamentais oriundos das regras internacionais embora não tenham sido formalmente consagrados no texto da Constituição se aglutinam à Constituição material e por esta razão acabam tendo status equivalente Caso contrário a regra do art 5º 2º também neste ponto teria o seu sentido parcialmente desvirtuado Não fosse assim virtualmente não haveria diferença ao menos sob o aspecto da hierarquia das normas entre qualquer outra regra de direito internacional incorporada ao direito nacional e os direitos fundamentais do homem consagrados nos textos internacionais Outrossim na esteira do que sustenta Flávia Piovesan é de se considerar como argumento adicional que os tratados sobre direitos humanos integram um universo de princípios com a especial força obrigatória de um autêntico jus cogens que os coloca em posição hierarquicamente superior em relação aos demais tratados internacionais justificando assim a diferença de tratamento também na ordem jurídica interna 996 Assim à luz dos argumentos sumariamente esgrimidos e de acordo com prevalente orientação doutrinária verificase que a tese da equiparação por força do disposto no art 5º 2º da CF entre os direitos humanos localizados em tratados internacionais uma vez ratificados e os direitos fundamentais sediados na Constituição formal é a que mais se harmoniza com a especial dignidade jurídica e axiológica dos direitos fundamentais na ordem jurídica interna e internacional constituindo ademais pressuposto indispensável à construção e consolidação de um autêntico direito constitucional internacional dos direitos humanos resultado da interpenetração cada vez maior entre os direitos fundamentais constitucionais e os direitos humanos dos instrumentos jurídicos internacionais 997 Reafirmese neste particular que a abertura propiciada pelo art 5º 2º da CF aponta para a expansividade do catálogo dos direitos fundamentais sendo no mínimo questionável o fato de se poder cogitar de direitos fundamentais de menor estatura normativa por não estarem no plano da hierarquia das normas ao mesmo nível dos direitos fundamentais positivados no texto constitucional ou mesmo dos direitos implicitamente positivados ou decorrentes do regime e dos princípios da Constituição Federal Contudo muito embora o pleito em prol do reconhecimento da hierarquia constitucional paridade entre tratado de direitos humanos e a Constituição Federal não é este o entendimento dominante no STF a despeito da evolução ocorrida neste particular Com efeito se é verdade que durante muito tempo mesmo após a promulgação da Constituição Federal o STF ainda sustentava ainda que não de modo unânime a paridade entre tratados de direitos humanos e legislação ordinária equiparando de regra todos os tratados quanto a este aspecto após a inserção do 3º no art 5º da CF o Tribunal revisitou o tema e passou a assegurar novamente sem alcançar a unanimidade entre os julgadores hierarquia supralegal aos tratados de direitos humanos 998 Embora alguns ministros tenham votado em favor da hierarquia constitucional esta foi afastada em parte em virtude do argumento de que tal hierarquia levaria a um indesejável e incontrolável processo de ampliação do bloco de constitucionalidade além do problema da adequada definição de quais são realmente os tratados de direitos humanos e do que terá hierarquia constitucional todo o tratado ou apenas as disposições que consagram direitos o que deflui basicamente do voto do Min Gilmar Mendes em que também restou mantida a tese de que tratados no ordenamento interno poderão ser declarados inconstitucionais de modo que para tanto não podem ter hierarquia igual à da Constituição 999 Todavia embora a consagração pelo STF da hierarquia supralegal a posição adotada pelo mesmo Tribunal no caso da prisão civil do depositário infiel revela que a questão é bem mais complexa e polêmica Com efeito ao editar a Súmula Vinculante 252009 proibindo a prisão do depositário infiel a qualquer título o STF acabou notadamente ao vedar qualquer hipótese de prisão de depositário infiel dando neste caso pelo menos e no que diz com os efeitos da decisão maior valor ao tratado que à Constituição já que a previsão no art 5º LXVII da CF da hipótese de prisão do depositário infiel resultou letra morta vedada pelo STF até mesmo a criação por lei de nova modalidade de prisão civil pelo menos a prevalecer o entendimento atual Já no que diz respeito à função do 3º do art 5º da CF1988 neste contexto é preciso verificar se a equivalência em relação às emendas constitucionais nele assegurada evidentemente apenas para os tratados aprovados na forma do citado dispositivo corresponde ao critério da supra legalidade aprovado pelo STF para todos os tratados de direitos humanos ratificados antes da entrada em vigor da EC 452004 ou se a hierarquia de emenda constitucional representa uma condição normativa distinta eventualmente reforçada o que ao que tudo indica corresponde à posição atualmente dominante no STF que não assegurou força de emenda aos tratados anteriores e portanto aceita um regime distinto Assim se é certo que comungamos do entendimento de que talvez melhor tivesse sido que o reformador constitucional tivesse renunciado a inserir um 3º no art 5º ou que o que evidentemente teria sido bem melhor em entendendo de modo diverso tivesse se limitado a expressamente chancelar a incorporação automática após prévia ratificação e com hierarquia constitucional de todos os tratados em matéria de direitos humanos com a ressalva de que no caso de eventual conflito com direitos previstos pelo constituinte de 1988 sempre deveria prevalecer a disposição mais benéfica para o indivíduo apurada mediante os critérios da proporcionalidade e no âmbito de uma ponderação 1000 também é correto que vislumbramos no dispositivo ora analisado um potencial positivo no sentido de viabilizar alguns avanços concretos em relação à práxis ora vigente entre nós Que uma posterior alteração do próprio 3º por força de nova emenda constitucional resta sempre aberta ainda mais se for para reforçar a proteção dos direitos fundamentais oriundos dos tratados internacionais de direitos humanos justamente nos parece servir de estímulo para um esforço hermenêutico construtivo também nesta seara Em síntese é possível elencar os seguintes enunciados a Os tratados internacionais de direitos humanos dependem de ratificação pelo Brasil sendo incorporados mediante um processo complexo de atribuição do Presidente da República e do Congresso Nacional b A aprovação pelo Congresso Nacional de um tratado de direitos humanos em obediência ao rito estabelecido no art 5º 3º da CF não dispensa a ratificação do tratado c A hierarquia dos tratados de direitos humanos na ordem jurídica interna brasileira de acordo com a atual orientação do STF é diferenciada de acordo com a forma de incorporação Com efeito os tratados incorporados antes da inserção do 3º no art 5º da CF possuem hierarquia supralegal prevalecendo portanto sobre toda e qualquer norma infraconstitucional interna mas cedendo em face da CF 1001 Por sua vez os tratados aprovados pelo Congresso Nacional na forma do art 5º 3º da CF possuem hierarquia e força normativa equivalentes às emendas constitucionais d Os demais tratados internacionais que não versam sobre direitos humanos salvo exceções expressamente estabelecidas como é o caso dos tratados em matéria tributária seguem tendo hierarquia de lei ordinária e Um tratado de direitos humanos quando contemplar expressamente a possibilidade de denúncia não poderá de acordo com importante doutrina ser denunciado pelo Presidente da República sem prévia autorização pelo Congresso e sem que se faça um controle rigoroso no que diz com a piora em termos de proteção dos direitos humanos 1002 Todavia se tal entendimento também será o majoritário no STF ainda pende de decisão por parte de nossa Suprema Corte 1003 ao passo que na doutrina encontram se defensores da tese de que uma vez aprovado na forma do art 5º 3º da CF um tratado não mais poderá ser denunciado nem mesmo mediante aprovação prévia pelo Congresso Nacional 1004 Nesse contexto relevante agregar que desde a inserção do 3º no art 5º CF em dezembro de 2004 o Congresso Nacional aprovou todos os tratados de direitos humanos celebrados pelo Brasil mediante recurso ao instrumento do Decreto Legislativo mantendo de tal sorte quanto a este aspecto sua práxis habitual no concernente à aprovação de tratados e atos internacionais mas o fez desde então observando o rito mais rigoroso previsto no citado dispositivo ou seja com maioria de 35 em dois turnos de votação nas duas casas do Congresso de tal sorte que todos esses tratados passaram a vigorar no plano doméstico com hierarquia equivalente à das emendas constitucionais 1005 Precisamente com o julgamento do STF sobre a prisão civil do depositário infiel e o reconhecimento de uma supremacia hierárquica dos tratados de direitos humanos ratificados pelo Brasil em relação ao restante do direito infraconstitucional interno assume relevo a prática do assim designado controle de convencionalidade ou seja a fiscalização pelos órgãos do Poder Judiciário da compatibilidade entre os parâmetros do direito internacional dos direitos humanos e o direito interno temática que contudo será desenvolvida no capítulo próprio no âmbito do controle de constitucionalidade 1006 Ainda nesse contexto calha observar que a evolução no concernente a uma maior valorização dos tratados internacionais de direitos humanos e ainda que em menor escala da jurisprudência da Corte Interamericana guarda sintonia com o cenário geral na América Latina à vista não apenas da gradual e disseminada inserção de uma cláusula expressa de abertura aos tratados de direitos humanos pelas constituições em vigor como também da maior receptividade de Juízes e Tribunais latinoamericanos relativamente aos precedentes da Corte de São José da Costa Rica 1007 Nesse mesmo contexto é de ser sublinhada a necessidade do desenvolvimento e fortalecimento daquilo que se tem designado de um diálogo entre Juízes e Tribunais tema que aqui não poderá ser enfrentado 1008 34 A dupla dimensão objetiva e subjetiva a multifuncionalidade e a classificação dos direitos e garantias fundamentais 341 Os direitos fundamentais e sua dimensão subjetiva Considerando a complexidade do tema e os múltiplos sentidos atribuídos à noção de direito subjetivo o que se pretende neste tópico é arriscar algumas considerações gerais sobre o que se compreende por uma assim chamada dimensão ou perspectiva subjetiva dos direitos fundamentais de modo especial em virtude da circunstância de que a própria noção de direitos fundamentais desde a sua origem esteve atrelada ainda que nem sempre da mesma forma pelos mesmos fundamentos à noção de direitos subjetivos atribuídos ao indivíduo como pessoa e nesta condição como sujeito de direitos Portanto a despeito de toda sorte de críticas e controvérsias em torno de seu conteúdo e significado a noção de direito subjetivo segue sendo essencial para o direito e para os direitos fundamentais 1009 Deixando de lado qualquer pretensão de aprofundamento da matéria o que demandaria uma longa análise da evolução da noção de direito subjetivo o que se pretende é traçar em breves linhas em que consiste especialmente no contexto da Constituição Federal de 1988 e no âmbito do atual estágio da teoria dos direitos fundamentais a assim chamada dimensão ou perspectiva subjetiva Observandose a evolução doutrinária e jurisprudencial é possível identificar um gradual abandono no que diz com a utilização da expressão direitos subjetivos públicos tão cara a tantos e durante tanto tempo embora se trate de designação anacrônica e não mais correta na sua inteireza especialmente considerando o marco constitucional brasileiro Por outro lado há que enfatizar que falar em direito subjetivo público é remeter a uma concepção que radica no positivismo e liberalismo do século XIX e que mais adiante aplicada ao universo dos direitos fundamentais passou a significar que o indivíduo teria direitos subjetivos portanto direitos exigíveis perante o Estado 1010 Aliás deveria bastar aqui a referência à eficácia dos direitos fundamentais em geral nas relações privadas bem como a existência de normas de direitos fundamentais que têm por destinatário entidades privadas como dão conta entre nós os direitos dos trabalhadores para que se possa afastar uma equivalência entre a noção mais abrangente dos direitos fundamentais e os assim chamados direitos subjetivos públicos que de resto não se limitam a poderes jurídicos do cidadão em face do Estado assegurados em nível constitucional De modo geral quando nos referimos aos direitos fundamentais como direitos subjetivos temos em mente a noção de que ao titular de um direito fundamental é aberta a possibilidade de impor judicialmente seus interesses juridicamente tutelados perante o destinatário obrigado Desde logo transparece a ideia de que o direito subjetivo consagrado por uma norma de direito fundamental se manifesta por meio de uma relação trilateral formada entre o titular o objeto e o destinatário do direito 1011 Neste sentido o reconhecimento de um direito subjetivo de acordo com a formulação de Vieira de Andrade está atrelado à proteção de uma determinada esfera de autorregulamentação ou de um espaço de decisão individual tal como é associado a um certo poder de exigir ou pretender comportamentos ou de produzir autonomamente efeitos jurídicos 1012 Que a amplitude de tal poder jurídico atribuído ao titular do direito pela ordem jurídica objetiva especialmente na esfera dos direitos fundamentais não pode ser compreendida de acordo com uma acepção estrita peculiar ao direito privado de onde se origina a própria noção de direito subjetivo resulta evidente e constitui um dos pressupostos aqui assumidos Assim sem adentrarmos aqui ainda no exame das diversas constelações que podem constituir o objeto de um direito subjetivo fundamental importa consignar por ora que tomamos este em sentido amplo na medida em que para o titular de um direito fundamental se abre um leque de possibilidades que se encontram condicionadas à conformação concreta da norma que o consagra De modo geral é possível afirmar que este espectro de variações no que concerne ao objeto do direito subjetivo fundamental se encontra vinculado aos seguintes fatores a o espaço de liberdade da pessoa individual não se encontra garantido de maneira uniforme b a existência de inequívocas distinções no que tange ao grau de exigibilidade dos direitos individualmente considerados de modo especial considerandose os direitos a prestações sociais materiais c os direitos fundamentais constituem posições jurídicas complexas no sentido de poderem conter direitos liberdades pretensões e poderes da mais diversa natureza e até mesmo pelo fato de poderem dirigirse contra diferentes destinatários 1013 Neste contexto cumpre frisar que os direitos fundamentais mesmo na sua condição de direito subjetivo não se reduzem aos clássicos direitos de liberdade ainda que nestes a nota da subjetividade no sentido de sua exigibilidade transpareça de regra da forma mais acentuada De outra banda é de destacarse a circunstância de que a referida complexidade dos direitos fundamentais na sua perspectiva jurídicosubjetiva remete à conclusão de que se cuida de um feixe de posições estruturalmente diferenciadas 1014 não só no que diz com a forma de positivação seu conteúdo e alcance mas também no que concerne às diferentes funções que desempenham no âmbito do conjunto dos direitos fundamentais o que de acordo com o que veremos mais adiante por sua vez acarreta importantes consequências para uma proposta de classificação destes direitos Neste contexto ainda que não seja nosso objetivo apresentar todas as variantes apontadas na doutrina sobre as possibilidades ligadas à noção de direito fundamental na condição de direito subjetivo ressalvada além disso a existência de acirrada controvérsia nesta seara tornase indispensável referir proposta que em termos gerais guarda relação com a arquitetura constitucional brasileira e é suficientemente elástica para adaptarse à noção de direito subjetivo em sentido amplo que aqui sustentamos Cuidase da proposta formulada por Robert Alexy que edifica sua concepção de direitos fundamentais o que chamou de sistema das posições jurídicas fundamentais com base na seguinte tríade de posições fundamentais que em princípio pode integrar um direito fundamental na condição de direito subjetivo a direitos a qualquer coisa que englobariam os direitos a ações negativas e positivas do Estado eou particulares e portanto os clássicos direitos de defesa e os direitos a prestações b liberdades no sentido de negação de exigências e proibições e c poderes competências ou autorizações 1015 O que importa frisar é que seja compreendida em sentido mais amplo como aqui se admite seja visualizada em sentido mais estrito a noção de uma perspectiva subjetiva dos direitos fundamentais engloba a possibilidade de o titular do direito fazer valer judicialmente os poderes as liberdades ou mesmo o direito à ação ou às ações negativas ou positivas que lhe foram outorgadas pela norma consagradora do direito fundamental em questão ainda que tal exigibilidade seja muito variável e careça de uma apreciação à luz de cada direito fundamental em causa dos seus limites entre outros aspectos a serem considerados 1016 Em virtude da relevância da perspectiva subjetiva mesmo em face da assim chamada dimensão ou perspectiva objetiva dos direitos fundamentais é possível invocar a lição de J J Gomes Canotilho no sentido de que os direitos fundamentais são em primeira linha mas não exclusivamente convém agregar direitos individuais do que resulta a constatação de que encontrandose constitucionalmente protegidos como direitos individuais esta proteção darseá sob a forma de direito subjetivo 1017 342 A assim chamada dimensão objetiva dos direitos fundamentais No âmbito da teoria constitucional dos direitos fundamentais também no Brasil tem sido recepcionada a noção de que a função dos direitos fundamentais não se limita a serem direitos subjetivos já que também representam decisões valorativas de natureza jurídicoobjetiva da Constituição que se projetam em todo o ordenamento jurídico Em outras palavras os direitos fundamentais passaram a apresentarse no âmbito da ordem constitucional como um conjunto de valores objetivos básicos e fins diretivos da ação positiva dos poderes públicos e não apenas garantias negativas e positivas dos interesses individuais 1018 Em termos gerais a dimensão objetiva dos direitos fundamentais significa que às normas que preveem direitos subjetivos é outorgada função autônoma que transcende a perspectiva subjetiva 1019 implicando além disso o reconhecimento de conteúdos normativos e portanto de funções distintas aos direitos fundamentais 1020 É por isso que a doutrina costuma apontar para a perspectiva objetiva como representando também naqueles aspectos que se agregaram às funções tradicionalmente reconhecidas aos direitos fundamentais um reforço da juridicidade das normas de direitos fundamentais 1021 que por sua vez pode ser aferido por meio das diversas categorias funcionais desenvolvidas na doutrina e na jurisprudência que passaram a integrar a assim denominada perspectiva objetiva da dignidade da pessoa humana e dos direitos fundamentais o que por si só já aponta para uma multifuncionalidade dos direitos fundamentais na ordem constitucional Como um dos mais importantes desdobramentos da força jurídica objetiva dos direitos fundamentais costuma apontarse para o que boa parte da doutrina e da jurisprudência constitucional na Alemanha denominou eficácia irradiante ou efeito de irradiação dos direitos fundamentais no sentido de que estes na sua condição de direito objetivo fornecem impulsos e diretrizes para a aplicação e interpretação do direito infraconstitucional implicando uma interpretação conforme aos direitos fundamentais de todo o ordenamento jurídico Associado a este efeito mas não exclusivamente decorrente do reconhecimento da dimensão objetiva visto que o papel principal neste processo foi desempenhado pela afirmação da supremacia normativa da constituição e o controle de constitucionalidade das leis está o assim designado fenômeno da constitucionalização do direito incluindo a questão da eficácia dos direitos fundamentais na esfera nas relações entre particulares que será objeto de análise em separado mais adiante Outra função que tem sido reconduzida à dimensão objetiva está vinculada ao reconhecimento de que os direitos fundamentais implicam deveres de proteção do Estado impondo aos órgãos estatais a obrigação permanente de inclusive preventivamente zelar pela proteção dos direitos fundamentais dos indivíduos não somente contra os poderes públicos mas também contra agressões por parte de particulares e até mesmo por parte de outros Estados 1022 Isto não significa contudo que não se possa a despeito da forte resistência neste sentido falar em deveres de proteção de particulares o que contudo diz mais de perto com o item dos deveres fundamentais bem como com o tópico da vinculação dos particulares aos direitos fundamentais Tais deveres de proteção parte dos quais expressamente previstos nas constituições podem ser também reconduzidos ao princípio do Estado de Direito na medida em que o Estado é o detentor do monopólio tanto da aplicação da força quanto no âmbito da solução dos litígios entre os particulares 1023 Por força dos deveres de proteção aos órgãos estatais incumbe assegurar níveis eficientes de proteção para os diversos bens fundamentais o que implica não apenas a vedação de omissões mas também a proibição de uma proteção manifestamente insuficiente tudo sujeito a controle por parte dos órgãos estatais inclusive por parte do Poder Judiciário 1024 Assim os deveres de proteção implicam deveres de atuação prestação do Estado e no plano da dimensão subjetiva na condição de direitos à proteção inseremse no conceito de direitos a prestações direitos à proteção estatais Uma terceira função igualmente vinculada à dimensão objetiva e que além disso demonstra que todas as funções dos direitos fundamentais tanto na perspectiva jurídicoobjetiva quanto na dimensão subjetiva guardam direta conexão entre si e se complementam reciprocamente embora a existência de conflitos pode ser genericamente designada de função organizatória e procedimental Neste sentido sustentase que a partir do conteúdo das normas de direitos fundamentais é possível extrair consequências para a aplicação e interpretação das normas procedimentais mas também para uma formatação do direito organizacional e procedimental que auxilie na efetivação da proteção aos direitos fundamentais evitandose os riscos de uma redução do seu significado e conteúdo material 1025 Neste contexto há que considerar a íntima vinculação entre direitos fundamentais organização e procedimento no sentido de que os direitos fundamentais são ao mesmo tempo e de certa forma dependentes da organização e do procedimento no mínimo sofrem uma influência da parte destes mas simultaneamente também atuam sobre o direito procedimental e as estruturas organizacionais 1026 Tendo em vista que os deveres de proteção do Estado em muitos casos se concretizam por meio de normas dispondo sobre o procedimento administrativo ou judicial inclusive criando e aperfeiçoando técnicas de tutela dos direitos 1027 bem como pela criação de órgãos incumbidos da tutela e promoção de direitos constatase desde já a conexão que pode existir entre estas duas facetas da perspectiva jurídicoobjetiva dos direitos fundamentais no caso entre os deveres de proteção e a dimensão organizatória e procedimental Já na perspectiva das posições subjetivas das quais é investido o titular de direitos fundamentais consolidouse a noção de que se trata de espécie do gênero direitos a prestações visto que seu objeto é o de assegurar ao indivíduo a execução implementação de procedimentos ou organizações em geral ou mesmo a possibilidade de participação em procedimentos ou estruturas organizacionais já existentes 1028 Por outro lado isso não significa é bom frisar que a dimensão procedimental e organizatória no que diz com o plano subjetivo possa ser limitada à condição dos direitos fundamentais como direitos a prestações Em síntese o que importa sublinhar nesta quadra é que a fruição de diversos direitos fundamentais não se revela possível ou no mínimo perde em efetividade sem que sejam colocadas à disposição prestações estatais na esfera organizacional e procedimental 1029 As funções vinculadas à dimensão objetiva dos direitos fundamentais por sua vez influenciaram a dimensão subjetiva isto é a noção de direitos fundamentais como direitos subjetivos contribuindo para o seu alargamento de modo a se falar até mesmo numa espécie de hipertrofia dos direitos fundamentais 1030 De qualquer modo é certo que a di mensão objetiva encontra ressonância na perspectiva subjetiva falase inclusive de direitos à proteção e direitos à organização e procedimento visto que os efeitos jurídicos inerentes à dimensão objetiva implicam em maior ou menor medida a possibilidade de invocar tais efeitos perante o Poder Judiciário por meio dos diversos mecanismos disponíveis tópico que todavia aqui não será desenvolvido por dizer respeito mais diretamente ao tema da eficácia das normas de direitos fundamentais 343 Multifuncionalidade e classificação dos direitos fundamentais na ordem constitucional Na quadra atual da evolução da teoria dos direitos fundamentais é voz corrente que a circunstância de os direitos fundamentais apresentarem uma dupla dimensão subjetiva como posições subjetivas isto é direitos subjetivos atribuídas aos seus titulares e obje tiva implica uma multiplicidade de funções dos direitos fundamentais na ordem jurídicoconstitucional Tal fenômeno traduzido por uma assim chamada multifuncionalidade dos direitos fundamentais guarda relação também com o fato de que no Estado Constitucional contemporâneo o que à evidência vale para o caso brasileiro notadamente no marco da Constituição Federal os direitos fundamentais não correspondem a uma teoria de base não se podendo falar pelo menos não em termos gerais e tomando como parâmetro a maioria dos países em uma concepção estritamente liberal socialista ou institucional para além de outras concepções que poderiam ser invocadas dos direitos fundamentais 1031 Por outro lado a noção de que os direitos fundamentais cumprem papéis diversificados na ordem constitucional pode ser tributada no que diz com sua origem remota ao publicista alemão Georg Jellinek tendo sido formulada no final do século XIX portanto ainda fortemente impregnada de elementos do Estado Liberal mas que mesmo assim foi precursora da evolução posterior De maneira sumária para Jellinek designadamente a partir de sua obra intitulada Sistema dos direitos subjetivos públicos System der subjektiv öffentlichen Rechte o indivíduo como vinculado a determinado Estado encontra sua posição relativamente a este cunhada por quatro espécies de situações jurídicas status seja como sujeitos de deveres seja como titular de direitos No âmbito do status passivo status subjectionis o indivíduo estaria subordinado aos poderes estatais sendo neste contexto meramente detentor de deveres de modo que o Estado possui a competência de vincular o cidadão juridicamente por meio de mandamentos e proibições O status negativus consiste numa esfera individual de liberdade imune ao jus imperii do Estado que na verdade é poder juridicamente limitado O terceiro status referido por Jellinek é o assim denominado status positivus ou status civitatis no qual ao indivíduo é assegurada juridicamente a possibilidade de utilizarse das instituições estatais e de exigir do Estado determinadas ações positivas Por fim encontrase o chamado status activus no qual o cidadão passa a ser considerado titular de competências que lhe garantem a possibilidade de participar ativamente da formação da vontade estatal como por exemplo pelo direito de voto 1032 O reconhecimento da multifuncionalidade dos direitos fundamentais evidentemente contextualizado mediante a indispensável filtragem constitucional auxilia por sua vez na eleição de uma forma adequada de classificação dos direitos fundamentais Neste sentido embora haja diversas formas de classificar os direitos fundamentais nem sempre incompatíveis entre si pois fundadas em critérios distintos a Constituição Federal no seu Título II preferiu classificar os direitos fundamentais de uma forma não necessariamente sistemática e operacional além de em alguns aspectos até mesmo anacrônica ou pelo menos terminologicamente questionável pois dividiu o título dos direitos e garantias fundamentais e a distinção entre direitos e garantias já é uma forma de classificação em cinco capítulos o primeiro versando sobre os direitos e deveres individuais e coletivos embora os deveres não sejam direitos ainda que em parte diretamente conexos a direitos o segundo cuidando dos direitos sociais o terceiro dispondo sobre nacionalidade o quarto sobre os direitos políticos e o último sobre os partidos políticos A própria distinção entre direitos e garantias por sua vez não pode mascarar a circunstância de que em termos gerais as garantias embora evidentemente tenham uma função de natureza assecuratória e nesta perspectiva instrumental 1033 atuam também como direitos tanto na dimensão subjetiva quanto na dimensão objetiva pois investem o seu titular de uma posição subjetiva no sentido de invocar a garantia em seu favor É por esta razão que muitos preferem utilizar opção aqui considerada correta as expressões direitosgarantia ou princípiosgarantia 1034 Sem que aqui se vá aprofundar este aspecto importa ter presente que os direitos fundamentais sejam eles direitos ou garantias individuais ou sociais de nacionalidade ou direitos políticos em geral abrangem um complexo de posições jurídicas que seguindo a prestigiada fórmula de Robert Alexy assumem condição negativa defensiva e positiva prestacional 1035 Em outras palavras especialmente levando em conta a posição subjetiva atribuída ao titular do direito os direitos fundamentais atuam em muitos casos simultaneamente tanto como direitos de defesa compreendidos como direitos a não intervenção no âmbito de proteção do direito por parte do Estado ou outros particulares quanto como direitos a prestações incluindo tanto prestações de cunho normativo quanto material fático Tal classificação a despeito das críticas que têm recebido não é incompatível com o fato de que também os direitos de liberdade assim como os direitos negativos de um modo geral dependem de um sistema de prestações guardando portanto direta relação com os assim designados direitos positivos prestacionais Assim a classificação adotada refuta qualquer compreensão dicotômica a respeito dos direitos fundamentais como direitos de defesa negativos e a prestações positivos já que ambas se complementam e a despeito de eventualmente entrarem em conflito como de resto há conflitos dos direitos negativos entre si como dá conta o clássico embate entre liberdade de expressão e a proteção da vida imagem e da honra acabam por se reforçar mutuamente O que não se deve esquecer é que em matéria de direitos fundamentais como direitos subjetivos em verdade o que temos é um complexo heterogêneo de posições jurídicosubjetivas fundamentais que no âmbito das diversas funções exercidas pelos direitos fundamentais podem assumir tanto uma dimensão positiva quanto negativa 1036 Para melhor compreensão da proposta de classificação conveniente partir da premissa de que existe um direito fundamental em sentido amplo o direito fundamental considerado como um todo ou seja o direito compreendido como complexo de posições jurídicas Todavia consideradas de modo individualizado tais posições jurídicas assumem a condição de direitos subjetivos cujo objeto é neste sentido mais determinado e poderá ser tanto negativo quanto positivo É possível ilustrar a afirmativa mediante recurso ao exemplo do direito à saúde Este não é propriamente um direito apenas visto que na condição de um direito fundamental como um todo abrange tanto para além dos efeitos na perspectiva objetiva posições subjetivas negativas atuando portanto como direito de defesa quanto posições positivas na condição de direito a prestações Com efeito o direito à saúde opera como direito de defesa quando se trata da possibilidade de impugnar medidas que venham a afetar a saúde de alguém ou mesmo interferir nos níveis de proteção da saúde já concretizados pelo Estado Por outro lado como direito positivo o direito à saúde pode ter como objeto a exigibilidade de prestações estatais em matéria de saúde como medicamentos internação hospitalar etc ou medidas de caráter normativo por exemplo a regulamentação da EC 29 no que diz com a garantia de recursos para financiar o sistema de saúde É precisamente neste sentido que é possível falar não em um mas em vários direitos à saúde assim como em vários direitos à educação garantia da gratuidade do ensino público direito de acesso ao ensino fundamental liberdade de ensino e pesquisa etc visto que tal esquema ainda que com importantes variações aplica se de modo generalizado Em síntese afinados neste particular com a sistematização apresentada por Robert Alexy 1037 embora ligeiramente adaptada é possível afirmar que considerados em sentido amplo na condição de um direito como um todo os direitos fundamentais cumprem em regra uma dupla função abarcando um viés dimensão simultaneamente negativo e positivo Todavia de acordo com o objeto de cada posição subjetiva atribuída ao titular do direito os direitos fundamentais podem ser classificados em 1 direitos de defesa direitos negativos no sentido de proibições de intervenção exigências de abstençãoomissão 2 direitos a prestações direitos positivos no sentido de direitos a ações positivas que exigem do destinatário uma atuação em nível de prestações fáticas materiais ou normativas jurídicas incluindo neste caso o dever de emitir normas de proteção organização e procedimento 35 A titularidade dos direitos e garantias fundamentais quem é o sujeito dos direitos 351 Considerações gerais Embora a existência no Brasil de considerável doutrina utilizando o termo destinatário no sentido de destinatário da proteção ou tutela do direito como sinônimo de titular de direitos fundamentais 1038 é preciso enfatizar que a terminologia que corresponde à tendência dominante no cenário constitucional contemporâneo é a de titular de direitos fundamentais Em apertada síntese titular do direito é o sujeito do direito ou seja é quem figura como sujeito ativo da relação de direito subjetivo ao passo que destinatário do direito é a pessoa física ou mesmo jurídica ou ente despersonalizado em face da qual o titular pode exigir o respeito a proteção ou a promoção do seu direito Aspecto que segue gerando polêmica diz respeito à distinção entre a titularidade de direitos fundamentais e a capacidade jurídica regulada pelo Código Civil sendo a titularidade para alguns efeitos seguramente mais ampla que a capacidade jurídica Com efeito no plano do direito constitucional registrase a tendência de superação da distinção entre capacidade de gozo e capacidade de exercício de direitos a primeira identificada com a titularidade pois como dá conta a lição de Jorge Miranda a titularidade de um direito portanto a condição de sujeito de direitos fundamentais abrange sempre a correspondente capacidade de exercício 1039 Na mesma linha de entendimento enfatizando a ausência de utilidade da distinção entre capacidade de direito e de exercício colacionase a lição de José Joaquim Gomes Canotilho para quem uma aplicação direta e generalizada da capacidade de fato exercício em matéria de direitos fundamentais poderia resultar numa restrição indevida de tais direitos de modo que notadamente quanto aos direitos que prescindem de determinado grau de maturidade para serem exercidos não haveria razão para reconhecer a distinção entre capacidade de direito e de fato 1040 A partir das considerações tecidas resulta necessário sempre identificar de qual direito fundamental se trata em cada caso pois diversas as manifestações em termos de capacidade de direito e capacidade de fato ou de exercício como por exemplo no caso de menores e incapazes em geral Assim resulta correto afirmar que a determinação da titularidade independentemente da distinção entre titularidade e capacidade jurídica de direitos fundamentais não pode ocorrer de modo prévio para os direitos fundamentais em geral mas reclama identificação individualizada à luz de cada norma de direito fundamental e das circunstâncias do caso concreto e de quem figura nos polos da relação jurídica 1041 352 A pessoa natural como titular de direitos fundamentais a titularidade universal e sua interpretação na Constituição Federal A despeito de a Constituição Federal ter atribuído a titularidade dos direitos e garantias fundamentais aos brasileiros e estrangeiros residentes no País art 5º caput também no direito constitucional positivo brasileiro encontrou abrigo o princípio da universalidade Tal princípio embora sempre vinculado ao princípio da igualdade com este não se confunde Aliás não é à toa que o constituinte no mesmo dispositivo enunciou que todos são iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza e logo na sequência atribuiu a titularidade dos direitos fundamentais aos brasileiros e estrangeiros residentes no País Assim embora diversamente do que estabeleceu por exemplo a Constituição portuguesa de 1976 art 12 no sentido de que todos os cidadãos gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres consignados na Constituição uma interpretação sistemática não deixa margem a maiores dúvidas no tocante à recepção do princípio da universalidade ainda que de forma mitigada em relação a outras ordens constitucionais no direito constitucional positivo brasileiro 1042 De acordo com o princípio da universalidade todas as pessoas pelo fato de serem pessoas são titulares de direitos e deveres fundamentais o que por sua vez não significa que não possa haver diferenças a serem consideradas inclusive em alguns casos por força do próprio princípio da igualdade além de exceções expressamente estabelecidas pela Constituição como dá conta a distinção entre brasileiro nato e naturalizado algumas distinções relativas aos estrangeiros entre outras Como bem leciona Gomes Canotilho a universalidade será alargada ou restringida de acordo com a postura do legislador constituinte sempre respeitando o núcleo essencial de direitos fundamentais que é intangível por qualquer discricionariedade núcleo que pode ser alargado pela atuação e concretização judicial dos direitos 1043 É preciso enfatizar por outro lado que o princípio da universalidade não é incompatível com o fato de que nem mesmo os brasileiros e os estrangeiros residentes no País são titulares de todos os direitos sem qualquer distinção já que direitos há que são atribuídos apenas a determinadas categorias de pessoas Assim ocorre por exemplo com os direitos dos cônjuges dos pais dos filhos dos trabalhadores dos apenados dos consumidores tudo a demonstrar que há diversos fatores permanentes ou vinculados a determinadas situações ou circunstâncias como é o caso da situação familiar da condição econômica das condições físicas ou mentais da idade etc que determinam a definição de cada uma dessas categorias Em suma o que importa para efeitos de aplicação do princípio da universalidade é que toda e qualquer pessoa que se encontre inserida em cada uma dessas categorias seja em princípio titular dos respectivos direitos 1044 O princípio da universalidade por sua vez diz respeito em primeira linha à pessoa natural pessoa física 1045 A Constituição Federal no caput do seu art 5º reconhece como titular de direitos fundamentais orientada pelo princípio da dignidade humana art 1º III e pelos conexos princípios da isonomia e universalidade toda e qualquer pessoa seja ela brasileira ou estrangeira residente no País Contudo a própria dicção do texto constitucional que precisa ser considerada exige que algumas distinções entre nacionais e estrangeiros devam ser observadas designadamente no que diz com a cidadania e a nacionalidade pois como bem anotou Gilmar Mendes a nacionalidade configura vínculo político e pessoal que se estabelece entre o Estado e o indivíduo fazendo com que este integre uma dada comunidade política o que faz com que o Estado distinga o nacional do estrangeiro para diversos fins 1046 Quando no seu art 5º caput a Constituição Federal se refere a brasileiros tal expressão é de ser interpretada como abrangendo todas as pessoas que possuem a nacionalidade brasileira independentemente da forma de aquisição da nacionalidade ou seja independentemente de serem brasileiros natos ou naturalizados ressalvadas algumas exceções previstas na própria Constituição que reservam aos brasileiros natos alguns direitos De outra parte o gozo da titularidade de direitos fundamentais por parte dos brasileiros evidentemente não depende da efetiva residência em território brasileiro pois a titularidade depende exclusivamente do vínculo jurídico da nacionalidade 1047 Entre os direitos reservados aos nacionais e que portanto não são assegurados ao estrangeiro residente no País destacamse os direitos políticos embora precisamente quanto a estes existam restrições em relação aos brasileiros naturalizados Com efeito apenas para ilustrar por força do art 12 2º e 3º da CF são privativos dos brasileiros natos os cargos de Presidente e Vice Presidente da República de Presidente da Câmara dos Deputados de Presidente do Senado Federal de Ministro do STF da carreira diplomática de oficial das Forças Armadas e de Ministro de Estado da Defesa Aos estrangeiros naturalizados é assegurado o exercício dos cargos não reservados constitucionalmente aos brasileiros natos impondose especial atenção aos casos em que haja reciprocidade de tratamento como o do acordo bilateral entre Brasil e Portugal Dec 3927 de 19092001 Caso especial do reconhecimento de direito fundamental de acesso a cargos e empregos públicos remunerados aos estrangeiros está previsto por exemplo no inciso I do art 37 assim como no 1º do art 207 da CF com a redação imprimida pelas Emendas Constitucionais 191998 e 111996 respectivamente Por sua vez há direitos fundamentais cuja titularidade é reservada aos estrangeiros como é o caso do direito ao asilo político e a invocação da condição de refugiado e das prerrogativas que lhe são inerentes direitos que pela sua natureza não são dos brasileiros 353 O problema da titularidade de direitos fundamentais por parte dos estrangeiros e a relevância da distinção entre estrangeiro residente e não residente O fato de a Constituição Federal ter feito expressa referência aos estrangeiros residentes acabou colocando em pauta a discussão a respeito da extensão da titularidade de direitos fundamentais aos estrangeiros não residentes no Brasil bem como sobre a própria definição do que sejam estrangeiros residentes para sendo o caso justificar eventual recusa da titularidade de direitos aos demais estrangeiros não residentes Aliás neste particular severas as críticas endereçadas ao constituinte de 1988 por estar aferrado a uma tradição que remonta à primeira Constituição da República 1891 na qual já se fazia a distinção entre estrangeiros residentes e demais estrangeiros excluindo estes da tutela constitucional dos direitos fundamentais 1048 Por outro lado a distinção entre estrangeiros residentes e não residentes por ter sido expressamente estabelecida na Constituição Federal não pode ser pura e simplesmente desconsiderada podendo contudo ser interpretada de modo mais ou menos restritivo sempre guiada pelos princípios da dignidade da pessoa humana e da correlata noção de titularidade universal dos direitos humanos e fundamentais Uma primeira alternativa de interpretação mais extensiva guarda relação com a definição de estrangeiro residente e não residente de tal sorte que em homenagem aos princípios da dignidade da pessoa humana isonomia e universalidade fundamento aqui adotado seja adotada a interpretação mais favorável ao indivíduo Assim estrangeiros residentes são considerados todos os que não sendo brasileiros natos ou naturalizados se encontram pelo menos temporariamente no País guardando portanto algum vínculo com certa duração 1049 Este é o caso por exemplo do estrangeiro que trabalha no Brasil resida com familiares ou mesmo aquele beneficiado com visto de duração superior à do turista ou de outra pessoa que apenas ingresse no País de forma eventual por exemplo para visitar amigos ou parentes para atividades profissionais de curta duração entre outras Tal entendimento ademais disso corresponde à jurisprudência tranquila do STF inclusive em matéria de direitos sociais 1050 Hipótese distinta é a da extensão da titularidade de direitos fundamentais a qualquer estrangeiro ainda que não residente mesmo nos casos em que tal não decorre diretamente de disposição constitucional expressa Neste contexto há que invocar o princípio da universalidade que fortemente ancorado no princípio da dignidade da pessoa humana e no âmbito de sua assim designada função interpretativa na dúvida implica uma presunção de que a titularidade de um direito fundamental é atribuída a todas as pessoas 1051 Além disso a recusa da titularidade de direitos fundamentais aos estrangeiros não residentes que salvo nas hipóteses expressamente estabelecidas pela Constituição poderiam contar apenas com uma tutela legal portanto dependente do legislador infraconstitucional viola frontalmente o disposto no art 4º II da CF que com relação à atuação do Brasil no plano das relações internacionais preconiza seja assegurada a prevalência dos direitos humanos posição que inclusive encontra respaldo em diversos julgados do STF 1052 Ainda neste contexto por se cuidar de aspecto relativo aos estrangeiros de um modo geral é preciso destacar que eventual ilegalidade da permanência no Brasil por si só não afasta a titularidade de direitos fundamentais embora não impeça respeitados os direitos inclusive o do devido processo legal eventuais sanções incluindo a deportação ou mesmo a extradição 1053 Em síntese são pelo menos três os critérios para determinação de quais são os direitos fundamentais que na perspectiva da Constituição Federal podem ter sua titularidade atribuída mesmo a estrangeiros não residentes no Brasil a por força do princípio da universalidade combinado com o princípio da dignidade da pessoa humana todos os direitos que guardam relação direta com a dignidade da pessoa humana no sentido de constituírem exigência desta mesma dignidade isto é direitos cuja violação e supressão implicam também violação da dignidade da pessoa humana são necessariamente direitos de todos brasileiros e estrangeiros sejam eles residentes ou não b a própria Constituição Federal ao enunciar os direitos fundamentais em diversos casos faz referência expressa textual a um alargamento da titularidade o que se depreende já da redação do próprio art 5º caput todos são iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza que antecede a referência a brasileiros e estrangeiros residentes no país 1054 ainda mais quando tal critério for complementar em relação ao parâmetro da universalidade e dignidade da pessoa humana Para ilustrar tal afirmação tomese por exemplo o caso do art 5º III segundo o qual ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante A expressão ninguém ainda mais no caso em exame dificilmente poderia ser interpretada como excluindo do âmbito de proteção da norma no caso uma regra que densifica o princípio da dignidade da pessoa humana os estrangeiros não residentes Assim quando a Constituição Federal expressamente se refere a ninguém todos etc em homenagem ao princípio da universalidade a titularidade deve ser interpretada como sendo de todos c um terceiro critério poderia ser utilizado no caso recorrendo se à noção de abertura material do catálogo de direitos fundamentais consagrada no art 5º 2º da CF quando este faz referência a direitos previstos nos tratados internacionais dos quais o Brasil seja parte Com efeito tal dispositivo somado ao critério da universalidade e ao princípio da prevalência dos direitos humanos art 4º II da CF indica que quando se tratar de direitos consagrados em tratados ratificados pelo Brasil ainda mais mas não necessariamente apenas neste caso quando também constantes do texto constitucional tais direitos devem ter sua titularidade atribuída em princípio a qualquer pessoa ressalvadas hipóteses excepcionais em que incidem outros critérios de matriz jurídicoconstitucional ou mesmo oriundas do direito internacional dos direitos humanos O critério ora esboçado encontrase por certo sujeito a controvérsia como por exemplo a discussão em torno da hierarquia dos tratados no direito interno Cuidandose apenas de hierarquia supralegal como atualmente sustentado no STF tais direitos e portanto sua titularidade estariam em plano diverso dos direitos previstos na Constituição e sempre alguém poderia argumentar que a regra do art 5º caput da CF deveria prevalecer Mas isso todavia apenas seria uma objeção em tese oponível aos direitos dos tratados que simultaneamente não constem expressa ou implicitamente na CF pois quanto a esses precisamente por já estarem constitucionalizados o argumento da extensão aos estrangeiros não residentes acima vertido se aplica sem exceção De qualquer modo cuidase de tópico a merecer maior reflexão e que considerando a necessidade de maior integração na esfera internacional bem como uma interpretação sistemática da Constituição Federal poderia ser adotado em caráter pelo menos complementar aos dois critérios anteriores 354 O problema da titularidade de direitos fundamentais nos limites da vida Caso difícil em termos de atribuição de titularidade dos direitos fundamentais é aquele da condição de embrião humano e do nascituro Desde logo designadamente quanto aos embriões impõese uma distinção a a dos embriões implantados no útero materno b a dos que se encontram no ambiente laboratorial aguardando o seu destino Em ambos os casos a questão está centrada no direito à vida e mesmo na atribuição de dignidade humana a esta vida assim como no reconhecimento de direitos fundamentais correspondentes No caso dos embriões e fetos em fase gestacional com vida uterina nítida é a titu laridade de direitos fundamentais especialmente no que concerne à proteção da conservação de suas vidas e onde já se pode inclusive reconhecer como imanentes os direitos da personalidade assim como em alguns casos direitos de natureza patrimonial embora tais aspectos sigam sendo discutidos em várias esferas Na seara da proteção penal de bens fundamentais situase por exemplo a proibição ainda que não absoluta do aborto embora já se registrem muitas iniciativas no direito estrangeiro no sentido da descriminalização Por outro lado segue intenso o debate sobre os limites da proteção da vida antes do nascimento como dá conta entre nós a controvérsia a respeito da interrupção da gravidez nos casos de anencefalia já apreciada pelo STF 1055 e mesmo a liberdade de opção da mulher no sentido de praticar o abortamento nas primeiras doze semanas da gravidez também submetida ao crivo do STF 1056 ademais da já declarada constitucionalidade da utilização de embriões excedentes obtidos a partir de reprodução assistida extrauterina 1057 Para os embriões que ainda não se encontram em fase gestacional portanto com vida extrauterina caso por exemplo dos embriões excedentes dos préimplantados ou concepturos a questão é mais delicada e merece especial reflexão o que dados os limites do presente tópico aqui não poderá ser objeto de maior desenvolvimento Tomandose como referência no plano do direito estrangeiro a doutrina e a jurisprudência da Alemanha que em termos gerais reconhecem de há muito a tutela constitucional da vida e da dignidade antes do nascimento 1058 resulta evidente que não se pode reconhecer simultaneamente o direito à vida como algo intrínseco ao ser humano e não dispensar a todos os seres humanos igual proteção das suas vidas numa nítida menção à humanidade do embrião e com ainda maior razão à condição humana do nascituro Tal entendimento a despeito de importantes variações na doutrina tem sido majoritariamente consagrado na doutrina brasileira 1059 que igualmente assegura uma tutela constitucional e jusfundamental à vida não nascida intrauterina mas também reconhece em termos gerais uma ainda que diferenciada proteção à vida embrionária extrauterina 1060 Já no que diz com o reconhecimento ao embrião e ao nascituro da condição de pessoa para efeitos do regulado pelo Código Civil brasileiro art 2º a situação já se revela diversa não faltando quem a despeito de reconhecer uma tutela constitucional da vida nesta fase recuse a personalidade jurídica 1061 Sobre o ponto é preciso destacar que de acordo com a jurisprudência do STF especialmente a partir dos precedentes ora referidos pesquisas com célulastronco interrupção da gravidez em casos de anencefalia e habeas corpus sobre a legitimidade do aborto nas primeiras doze semanas de gravidez embora não se possa extrair uma posição sólida e conclusiva sobre a matéria tendo em conta os poucos votos que adentraram a discussão da titularidade propriamente dita é possível afirmar especialmente com base no voto vencedor do Ministro Carlos Ayres Britto no caso das pesquisas com célulastronco que o Tribunal consagrou a tese natalista ou seja de que a titularidade de direitos fundamentais apenas se dá com o nascimento com vida com a aquisição portanto da personalidade jurídica Por outro lado não nos parece correto afirmar que daí se possa extrair a conclusão de que eventual proteção jurídica da fase anterior da vida humana se verifica apenas do ponto de vista do direito infraconstitucional 1062 pois o próprio Carlos Ayres Britto na ocasião referiu a existência de uma projeção objetiva da dignidade humana nesse domínio Além disso é conhecida a distinção entre a condição de indivíduo e a de pessoa ou como prefere Jürgen Habermas entre a dignidade da vida humana e a dignidade da pessoa humana esta última atribuída ao nascido com vida ambas as fases cobertas pela proteção jurídicoconstitucional embora de modo distinto visto que a vida do nascituro por não ostentar a condição de pessoa e de sujeito de direitos subjetivos será sim obje to da proteção constitucional na perspectiva objetiva por conta dos deveres de proteção estatais para com a vida e dignidade humana Aliás a própria Convenção Americana de Direitos Humanos bem invocada pelo Ministro Ricardo Lewandowski nos dois precedentes citados do STF dispõe que a vida humana será protegida desde a concepção o que todavia não implica por si só o reconhecimento de uma pessoa como titular de direitos mas pelo menos indica aqui também um dever de proteção daquela vida humana ainda não nascida Nesse contexto calha referir o entendimento de Virgílio Afonso da Silva para quem o início da titularidade se dá com o nascimento com vida sendo equivocada a associação que alguns fazem entre o dever de proteger determinados bens jurídicos e interesses e a existência de um direito complementando seu argumento mediante invocação do fato de que o art 5º caput da CF define como titulares os brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil destacando que a condição de brasileiro nacionalidade e de estrangeiro nacional de outro país só se adquire com o nascimento com vida 1063 De qualquer sorte seja qual for a teoria que se pretenda adotar nessa matéria o que nos parece inafastável é a circunstância de que a vida humana antes do nascimento é destinatária da proteção jurídicoconstitucional de tal sorte que o legislador infraconstitucional se encontra também sempre e de algum modo vinculado a tal mister ainda que possa variar o nível de proteção efetiva a depender da posição adotada De todo modo levando em conta por outro lado que tal discussão guarda conexão com inúmeros problemas teóricos e práticos abrangendo desde a antiga discussão sobre as possibilidades e limites da interrupção da gravidez até os diversos aspectos que envolvem as terapias gênicas e processos reprodutivos artificiais aqui são indicados apenas os contornos da problemática que demanda maior aprofundamento mediante acesso à literatura especializada Outra hipótese especial a ser brevemente analisada diz com a possível titularidade post mortem dos direitos fundamentais especialmente considerando os efeitos daí decorrentes sejam individuais ou patrimoniais inclusive quanto aos reflexos em universalidades de direito como é o caso da sucessão No direito constitucional comparado sempre volta a ser mencionada a assim designada sentença Mefisto do Tribunal Constitucional Federal da Alemanha 1064 em que se estabeleceu que a obrigação por parte do Estado de tutelar a dignidade da pessoa humana assim como os direitos de personalidade que lhe são inerentes não cessa com a morte Nesse contexto situamse por exemplo os direitos ao bom nome à privacidade à honra bem como o dever e direito de respeito ao cadáver a discussão sobre a possibilidade de disposição de órgãos entre outros 1065 É certo que a própria definição de quando ocorre o evento morte pressuposto lógico para eventual reconhecimento da titularidade de direitos fundamentais nesta fase segue sendo objeto de discussão em diversas áreas do conhecimento inclusive no campo do direito basta apontar para as questões ligadas ao transplante de órgãos a interrupção do uso de equipamentos médicos a determinação da abertura da sucessão entre tantas outras não sendo todavia objeto de atenção neste comentário 355 Pessoas jurídicas como titulares de direitos fundamentais Diversamente de outras Constituições como é o caso da Lei Fundamental da Alemanha art 19 III e da Constituição da República Portuguesa de 1976 art 122 a Constituição Federal não contém cláusula expressa assegurando a titularidade de direitos fundamentais às pessoas jurídicas ou entes coletivos como preferem alguns o que todavia não impediu doutrina e jurisprudência de reconhecerem de forma tranquila tal possibilidade 1066 ressalvada alguma discussão pontual sobre determinadas hipóteses e eventuais limitações decorrentes da condição de pessoa jurídica Com efeito como bem pontua Walter Claudius Rothenburg as pessoas jurídicas são sujeitos de direitos fundamentais pois são projeções de pessoas físicas ainda que coletivamente consideradas as pessoas físicas constituem fazem parte da estrutura das pessoas jurídicas e atingir estas implica atingir necessariamente também os indivíduos que a compõem 1067 Da mesma forma foi recepcionada no direito constitucional brasileiro a tese de que as pessoas jurídicas ao contrário das pessoas naturais físicas ou singulares não são titulares de todos os direitos mas apenas daqueles direitos que lhes são aplicáveis por serem compatíveis com a sua natureza peculiar de pessoa jurídica além de relacionados aos fins da pessoa jurídica o que todavia há de ser verificado caso a caso 1068 Neste particular também ao direito constitucional brasileiro é aplicável segundo o entendimento aqui adotado a lição de Jorge Miranda no sentido da inexistência de uma equiparação entre pessoas jurídicas e naturais 1069 visto que se trata em verdade de uma espécie de cláusula no caso brasileiro de uma cláusula implícita de limitação designadamente de limitação da titularidade aos direitos compatíveis com a condição de pessoa jurídica 1070 Ainda no que diz com o tópico ora versado verificase não serem muitos os casos em que a Constituição Federal expressamente atribuiu a titularidade de direitos fundamentais às pessoas jurídicas arts 5º XXI 8º III 17 especialmente 1º e 3º 170 IX 207 entre outros havendo mesmo quem propõe uma interpretação mais restritiva e apegada ao texto constitucional no sentido de que na falta de previsão constitucional expressa os direitos da pessoa jurídica embora reconhecidos por lei não gozam de proteção constitucional podendo o legislador infraconstitucional introduzir as limitações que considerar necessárias inclusive diferenciando o tratamento das pessoas jurídicas e físicas 1071 Tal posição mais restritiva não corresponde contudo ao que parece ser a orientação majoritária aqui também adotada inclusive por parte do STF 1072 prevalecendo a regra geral de que em havendo compatibilidade entre o direito fundamental e a natureza e os fins da pessoa jurídica em princípio prima facie reconhecese a proteção constitucional o que por outro lado não impede que o legislador estabeleça determinadas distinções ou limitações sujeitas contudo ao necessário controle de constitucionalidade Convém não esquecer nesta perspectiva que a extensão da titularidade de direitos fundamentais às pessoas jurídicas tem por finalidade maior a de proteger os direitos das pessoas físicas além do que em muitos casos é mediante a tutela da pessoa jurídica que se alcança uma melhor proteção dos indivíduos 1073 Questão bem mais controversa diz com a atribuição de titularidade às pessoas jurídicas de direito público visto que em regra consideradas destinatárias da vinculação dos direitos fundamentais na condição de sujeitos passivos da obrigação de tutela e promoção dos direitos fundamentais de tal sorte que em termos gerais as pessoas jurídicas de direito público têm tido recusada a condição de titulares de direitos fundamentais Todavia considerando especialmente quando se trata de um Estado Democrático de Direito tal qual consagrado pela nossa Constituição que o Estado e a sociedade não são setores isolados da existência sociojurídica sendo precisamente no amplo espaço do público que o indivíduo logra desenvolver livremente sua personalidade designadamente por meio de sua participação comunitária viabilizada em especial por meio dos direitos políticos e dos direitos de comunicação e expressão não há como deixar de reconhecer às pessoas jurídicas de direito público evidentemente consideradas as peculiaridades do caso a titularidade de determinados direitos fundamentais 1074 Com efeito a exemplo do que tem sido reconhecido no âmbito do direito comparado em que o tema tem alcançado certa relevância também no direito constitucional brasileiro é possível identificar algumas hipóteses atribuindo a titularidade de direitos fundamentais às pessoas jurídicas de direito público o que se verifica especialmente na esfera dos direitos de cunho processual como o direito de ser ouvido em juízo o direito à igualdade de armas este já consagrado no STF e o direito à ampla defesa 1075 mas também alcança certos direitos de cunho material como é o caso das universidades v a autonomia universitária assegurada no art 207 da CF dos órgãos de comunicação social televisão rádio etc das corporações profissionais autarquias e até mesmo fundações que podem a depender das circunstâncias ser titulares do direito de propriedade de posições defensivas em relação a intervenções indevidas na sua esfera de autonomia liberdades comunicativas entre outros Ainda que não de modo generalizado e a despeito da controvérsia registrada a respeito deste ponto especialmente no direito constitucional comparado também aos entes despersonalizados e a determinadas universalidades é de ser atribuída a titularidade de determinados direitos fundamentais como dão conta os casos da sucessão da família entre outros Da mesma forma digno de nota é o caso do povo judeu ou mesmo outros povos e nações curdos armênios etc aos quais é possível atribuir a titularidade de direitos fundamentais como o direito à honra e a sua reparação 356 Direitos fundamentais da natureza em especial a titularidade de direitos por parte dos animais não humanos Ainda que não se trate de um tema em si novo a querela em torno da atribuição de direitos à natureza mas com particular ênfase aos animais não humanos acabou tendo cada vez maior destaque Além do debate na esfera acadêmica onde se registra já uma série de vozes em sentido favorável à titularidade de direitos pelos animais também no direito positivo tanto constitucional quanto infraconstitucional e na jurisprudência encontrase crescente receptividade em relação a tal ponto Embora não se possa e nem se pretenda aqui desenvolver o tema importa contudo tecer algumas considerações a respeito Nessa perspectiva convém lembrar que a CF não prevê que os animais são titulares de direitos fundamentais mas e isso é crucial para o deslinde do problema estabeleceu no art 225 1º VII ser dever do Estado proteger a fauna e a flora vedando expressamente todas as práticas que possam colocar em risco sua função ecológica que provoquem a extinção de espécies e que submetam os animais à crueldade Assim é pelo menos legítimo e é a posição que advogamos há tempo que da vedação da crueldade com os animais e o constituinte de 1988 1076 se pode depreender a chancela constitucional de uma dignidade da vida não humana que aliás embora no caso dos animais seja a nosso sentir algo incontestável não se confundindo é claro com a dignidade da pessoa humana e nem a da vida humana também tem sido atribuída à vida não humana em geral chegando mesmo a existir ordens jurídicas que já reconhecem direitos da natureza como um todo como é o caso da Constituição do Equador 1077 Notese que no caso dos animais a vedação de tratamento cruel implica ao fim e ao cabo o reconhecimento de sua condição pelo menos em determinado sentido não meramente instrumental ou seja não meramente funcionalizada já que práticas cruéis por si sós nem sempre levam se não levarem à extinção de espécies ou ao desequilíbrio quanto ao número de animais a um impacto ambiental Reconhecida uma particular dignidade dos animais e mesmo que se encontrem outros fundamentos na literatura especializada o fato é que com base nisso também para nós não resulta difícil muito antes pelo contrário reconhecer que na perspectiva do direito e aqui com foco no direito constitucional os animais sejam titulares de direitos fundamentais e não apenas como seguem sendo destinatários de deveres de proteção estatais tal como expressamente estabelecidos pela CF 1078 A circunstância de que aos animais ou à natureza falta capacidade jurídica e processual não afasta a exemplo do que ocorre com pessoas jurídicas e pessoas naturais incapazes a possibilidade de uma representação Diferentemente contudo não nos soa viável e refutamos tal possibilidade smj a atribuição de direitos humanos à vida não humana Mas não é aqui que iremos desenvolver o ponto Na esfera jurisprudencial a discussão em torno de uma dignidade da vida não humana animal e mesmo acerca do reconhecimento de direitos fundamentais dos animais já chegou aos Tribunais No caso do Brasil limitandonos aqui à jurisprudência do STF calha invocar os julgamentos nos quais foram proscritas as práticas por cruéis da farra do boi 1079 da rinha de galo 1080 da vaquejada 1081 de abate de animais apreendidos em situação de maustratos 1082 bem como a declaração de constitucionalidade de medidas legais tendentes a proibir a utilização de animais em experimentos e testes 1083 embora tenha o STF entendido pela permissão do sacrifício de animais para efeitos de rituais religiosos 1084 Importa consignar que embora nos referidos julgamentos o fundamento determinante no sentido de compartilhado pela maioria dos Ministros não tenha sido o do reconhecimento de uma dimensão ecológica da dignidade humana ou de uma dignidade da vida não humana dos animais não humanos bem como de direitos dos animais alguns Ministros invocaram tal linha de argumentação Com efeito por ocasião do segundo caso envolvendo a proibição da rinha de galo 2011 o Ministro Ricardo Lewandowski referiu que a vedação de crueldade com os animais coloca em causa e viola a própria dignidade da pessoa humana No julgamento que resultou na proscrição da assim chamada vaquejada 2016 a questão foi ventilada nos votos dos Ministros Roberto Barroso valor moral e autônomo dos animais sencientes Ricardo Lewandowski propondo uma interpretação biocêntrica do art 225 da CF e Rosa Weber afirmando a existência de uma dignidade da vida não humana 1085 Além disso a atribuição de uma especial dignidade e direitos aos animais não humanos sejam eles senscientes ou não não exclui para os que a refutam o que se pode designar de uma dimensão ecológica da dignidade da pessoa humana no sentido da integração dos animais humanos na teia da vida e do reconhecimento de deveres para com a vida não humana 1086 A dimensão ecológica da dignidade da pessoa humana por sua vez não se confunde embora se comunique mediante o reconhecimento de deveres de proteção e promoção por exemplo com a noção de um mínimo existencial ecológico ou ambiental 1087 36 A aplicabilidade imediata das normas de direitos e garantias fundamentais significado e alcance do art 5º 1º da CF Embora a aplicabilidade imediata das normas de direitos e garantias fundamentais esteja inserida necessariamente no contexto mais amplo da eficácia e aplicabilidade das normas constitucionais em geral das quais as normas que definem direitos e garantias são espécie há por certo razões suficientes para uma abordagem em separado do tópico já pela relevância da norma contida no art 5º 1º da CF no quadro mais amplo do regime jurídicoconstitucional dos direitos fundamentais Com efeito um dos esteios da própria fundamentalidade consiste como já demonstrado na força jurídica privilegiada das normas de direitos fundamentais da qual o art 5º 1º da CF é justamente um dos mais importantes indicadores No que diz com a origem do referido dispositivo verificase que nas Constituições brasileiras anteriores não houve previsão de dispositivo similar cuidandose de inovação trazida pela Constituição Federal de 1988 Todavia já no anteprojeto elaborado pela Comissão Provisória de Estudos Constitucionais a assim designada Comissão Afonso Arinos 1088 a questão da força normativa dos direitos fundamentais foi contemplada visto que o art 10 do anteprojeto dispunha que os direitos e garantias constantes desta Constituição têm aplicação imediata teor que praticamente corresponde ao adotado pela atual CF com a ressalva de que esta se refere aos direitos e garantias fundamentais A despeito de alguma divergência 1089 a doutrina e a jurisprudência 1090 reconhecem em termos gerais que o mandamento da imediata aplicabilidade alcança todas as normas de direitos fundamentais independentemente de sua localização no texto constitucional o que além disso guarda sintonia com o teor literal do art 5º 1º da CF visto que este expressamente faz referência às normas definidoras de direitos e garantias fundamentais e não apenas aos direitos individuais constantes do art 5º A Constituição Federal não estabeleceu neste ponto distinção expressa entre os direitos de liberdade os assim chamados direitos civis e políticos e os direitos sociais como por exemplo fez o constituinte português notadamente ao traçar um regime jurídico em parte visto que existe um regime em parte comum distinto para os direitos liberdades e garantias de um lado e os direitos sociais econômicos e culturais de outro 1091 Assim pelo menos naquilo que corresponde ao entendimento dominante no Brasil todas as normas de direitos fundamentais estão sujeitas em princípio ao mesmo regime jurídico Isso não significa dizer por outro lado que todas as normas constitucionais já por não fruírem do regime reforçado dos direitos fundamentais tenham aplicabilidade direta em toda a sua extensão no sentido de serem todas de eficácia plena visto que não raras vezes há necessidade de interposição do legislador para alguns efeitos Com efeito a distinção entre norma definidora de direito e garantia fundamental e outras normas constitucionais de cunho impositivo de deveres de legislar por exemplo não foi superada pelo contrário acabou sendo realçada pelo tratamento privilegiado assegurado pelo constituinte às normas de direitos fundamentais De outra parte como é amplamente reconhecido e já foi objeto de consideração no capítulo sobre a eficácia e aplicabilidade das normas constitucionais mesmo normas de cunho impositivo que impõem programas de ação fins e tarefas aos poderes públicos não deixam de ter por isso eficácia jurídica e na medida de sua eficácia alguma possibilidade de aplicação portanto aplicabilidade por exemplo implicando a revogação de normas anteriores em sentido contrário ou mesmo a inconstitucionalidade de normas posteriores que contrariem os parâmetros constitucionais É preciso sempre levar em conta que a Constituição consiste em um sistema aberto de regras e princípios Gomes Canotilho 1092 de tal sorte que a possível eficácia e aplicabilidade das normas que sempre envolvem uma decisão do intérprete seguindo o entendimento de que norma e texto dispositivo não se confundem Lenio Streck 1093 também guardam relação com a estrutura normativa e com os vínculos impostos pelo texto constitucional O fato de todas as normas de direitos e garantias fundamentais terem reconhecida sua direta aplicabilidade não corresponde a afirmar que a eficácia jurídica que não se confunde com a eficácia social ou efetividade de tais normas seja idêntica a multifuncionalidade dos direitos fundamentais e o fato de estes abrangerem um conjunto heterogêneo e complexo de normas e posições jurídicas por si só já sustenta esta afirmativa 1094 Além disso há que levar em conta ser diverso o âmbito de proteção dos direitos fundamentais assim como diversos os limites aos quais estão sujeitos tudo a interferir na determinação dos efeitos jurídicos e da sua exata extensão De outra parte se é correto afirmar que a aplicabilidade direta afirmada pelo art 5º 1º da CF afasta em geral a necessidade de uma interposição legislativa pelo menos naquilo em que tal intervenção possa ser considerada um obstáculo à aplicação judicial das normas de direitos fundamentais 1095 também é certo que mesmo se tratando de normas de eficácia plena e de aplicabilidade direta as normas de direitos fundamentais estão sujeitas a regulamentação assim como estão expostas a eventuais restrições e limitações Com efeito crucial relevar que a aplicabilidade imediata não significa em hipótese alguma irrelevância da legislação infraconstitucional 1096 que aliás dá vida e concretude aos direitos fundamentais mas sim como já frisado que a ausência eventual de lei não pode servir de obstáculo absoluto à aplicação da norma de direito fundamental e da extração de efeitos úteis cuja extensão sobretudo no que diz com a dedução de posições subjetivas irá depender de qual é o direito em causa e de seus limites fáticos e jurídicos Verificase portanto que a partir do disposto no art 5º 1º da CF é possível sustentar a existência ao lado de um dever de aplicação imediata de um dever por parte dos órgãos estatais mas com ênfase nos órgãos jurisdicionais a que incumbe inclusive a revisão dos atos dos demais entes estatais nos casos de violação da Constituição de atribuição da máxima eficácia e efetividade possível às normas de direitos fundamentais 1097 o que corresponde também à orientação sedimentada na jurisprudência do STF sobre o tema 1098 Nesta perspectiva por terem direta aplicabilidade as normas de direitos fundamentais terão a seu favor pelo menos uma presunção de serem sempre também de eficácia plena portanto de acordo pelo menos com a convencional definição de normas de eficácia plena ainda prevalente no Brasil 1099 de não serem completamente dependentes de uma prévia regulamentação legal para gerarem desde logo seus principais efeitos o que à evidência não afasta eventual exceção nos casos em que a própria Constituição Federal expressamente assim o estabelece 1100 O dever de outorgar às normas de direitos fundamentais sua máxima eficácia e efetividade convive por sua vez com o dever de aplicação imediata de tais normas razão pela qual se fala neste ponto com razão no que diz com a aplicabilidade imediata em uma regra que enuncia tal dever 1101 Em termos pragmáticos o que importa destacar neste contexto é o fato de que um direito fundamental não poderá ter sua proteção e fruição negadas pura e simplesmente por conta do argumento de que se trata de direito positivado como norma programática e de eficácia meramente limitada pelo menos não no sentido de que o reconhecimento de uma posição subjetiva se encontra na completa dependência de uma interposição legislativa Para que os direitos fundamentais possam ser efetivamente trunfos contra a maioria 1102 também é preciso que se atente para a correção da já clássica formulação de Herbert Krüger no sentido de que é a lei que se move no âmbito dos direitos fundamentais e não o oposto 1103 Que tais premissas como já apontado haverão de ser consideradas sempre à luz das circunstâncias concretas e de cada norma de direito fundamental resulta evidente Assim no tocante aos direitos de liberdade de conteúdo prevalentemente mas não exclusivamente negativo ou defensivo a direta aplicabilidade e plena eficácia dificilmente geram maior discussão pelo menos não no que diz com a possibilidade em si de tais direitos serem reconhecidos mesmo sem prévia regulamentação legal no campo dos direitos sociais especialmente quando em causa a sua dimensão positiva a controvérsia segue sendo bem maior Com efeito embora o entendimento dominante afirmando a eficácia plena de todas as normas de direitos fundamentais há quem recuse aos direitos sociais a prestações assim como aos direitos a prestações em geral a sua aplicabilidade direta refutando por via de consequência a possibilidade do reconhecimento judicial de prestações que não tenham sido previamente estabelecidas e definidas pelo legislador o que aqui não será desenvolvido tanto pelo fato de haver capítulo específico sobre os direitos sociais quanto em função da circunstância de que é no contexto de cada direito fundamental que tais questões acabam sendo avaliadas Embora a existência de julgados invocando o art 5º 1º da CF o fato é que a aplicabilidade imediata das normas de direitos fundamentais ao que tudo indica não tem sido invocada com muita frequência de modo expresso na esfera das decisões judiciais inclusive no STF o que todavia não significa dizer que o STF assim como outros tribunais e juízes não tenha seguido o comando constitucional aplicando diretamente as normas de direitos fundamentais muito embora não de modo uniforme mas que não o leva em conta diretamente e não produziu a respeito uma interpretação clara e uniforme 1104 Sem que se vá aqui apresentar um inventário completo da jurisprudência é possível contudo indicar alguns exemplos demonstrando como em termos gerais a aplicabilidade imediata das normas de direitos fundamentais tem sido manejada pelo STF Nesta perspectiva verificase que o STF tem reconhecido que o disposto no art 5º 1º da CF se aplica de regra a todas as normas de direitos fundamentais pelo menos no sentido de que determinados grupos categorias de direitos como em especial os direitos sociais não estão de plano excluídos muito embora a heterogeneidade das decisões e dos casos apreciados 1105 De modo geral verificase que a jurisprudência do STF tem assumido a premissa de que a aplicabilidade direta das normas de direitos fundamentais é absolutamente incompatível com sua mera programaticidade de modo que das normas de direitos fundamentais não só podem como devem ser extraídas consequências no que diz com sua eficácia e efetividade ainda que o legislador quede omisso Dentre outros exemplos que poderiam ser colacionados possivelmente o mais importante inclusive em termos de direito comparado é o caso do direito de greve dos servidores públicos assegurado pelo STF ainda que inexistente previsão legislativa neste sentido 1106 Em termos de síntese articulando algumas diretrizes a respeito do significado da norma contida no art 5º 1º da CF é possível enunciar o que segue a Do disposto no art 5º 1º da CF é possível extrair tanto um dever de maximização otimização da eficácia e efetividade das normas de direitos fundamentais quanto uma regra impositiva de um dever de aplicação imediata de tais normas dimensões que não se excluem b Daí decorre também uma exclusão do caráter meramente programático das normas de direitos fundamentais que não podem ser reduzidas à condição de normas não autoaplicáveis no sentido de normas destituídas de qualquer eficácia ou aplicabilidade c Assim quando se afirma que em favor das normas de direitos fundamentais é possível estabelecer uma presunção de que se trata de acordo com a terminologia mais difundida no Brasil de normas de eficácia plena o que se pretende é enfatizar que a ausência de lei não poderá em regra operar como elemento impeditivo da aplicação da norma de direito fundamental pena de esvaziar a condição dos direitos fundamentais como trunfos contra a maioria ou seja a condição de normas subtraídas à plena disposição por parte dos poderes constituídos d A eficácia e a aplicabilidade que de fato cada norma de direito fundamental apresenta irão depender do exame de cada direito fundamental e das diversas posições jurídicas que o integram sejam de cunho negativo defensivo sejam de cunho positivo prestacional e O fato de o dever de aplicação imediata não excluir de plano qualquer tipo de direito fundamental pois todas as normas de direitos fundamentais estão abrangidas já por força da literalidade do texto do art 5º 1º não significa que não haja diferenças importantes entre as normas de direitos fundamentais e mesmo exceções previstas na própria Constituição Federal 1107 exceções que todavia não implicam como já frisado ausência de qualquer possibilidade de aplicação e extração de efeitos ainda que seja como ocorre com as demais normas constitucionais para efeitos de declarar a inconstitucionalidade de atos estatais contrários e reconhecer a inconstitucionalidade por omissão Fechando o presente tópico lembramos que a eficácia jurídica das normas de direitos fundamentais está por outro lado diretamente conectada com a necessária vinculação sempre direta de todos os órgãos estatais aos direitos fundamentais na condição de destinatários sujeitos passivos Da mesma forma assume relevância o problema da vinculação dos particulares pessoas físicas e jurídicas aos direitos fundamentais em que segue havendo maior controvérsia especialmente em função da ausência de qualquer menção expressa na Constituição Federal Outro ponto que guarda direta relação com a temática aqui versada diz respeito aos limites e às restrições dos direitos fundamentais que assim como a vinculação do Poder Público e dos particulares são tópicos que serão abordados logo adiante 37 Destinatários dos direitos e garantias fundamentais Destinatários dos direitos e garantias fundamentais são em contraposição aos titulares os sujeitos passivos da relação jurídica em outras palavras as pessoas físicas ou jurídicas de direito público ou privado que estão vinculadas pelas normas de direitos fundamentais Embora se trate de temática também relacionada à eficácia e aplicabilidade das normas de direitos fundamentais é aqui que serão delineadas algumas considerações a respeito do tema Na medida em que o mandamento da aplicação imediata art 5º 1º da CF diz respeito em princípio a todas as normas de direitos fundamentais independentemente de sua função direitos a prestações ou direitos de defesa e da forma de sua positivação o problema da eficácia vinculativa será abordado de forma genérica considerandose todavia as especificidades das diversas categorias de direitos fundamentais De outra parte em que pese uma série de convergências seguirseá a convencional distinção entre o Poder Público e os particulares na condição de destinatários dos direitos fundamentais Diversamente do que enuncia o art 181 da Constituição portuguesa que expressamente prevê a vinculação das entidades públicas e privadas aos direitos fundamentais a Constituição Federal de 1988 foi omissa neste particular Tal omissão não significa todavia que os poderes públicos assim como os particulares não estejam vinculados pelos direitos fundamentais Com efeito ao art 5º 1º da CF tem sido atribuído significado similar ao outorgado por exemplo ao art 181 da Constituição da República Portuguesa e ao art 1º III da Lei Fundamental da Alemanha o que em última análise significa de acordo com a lição de Jorge Miranda que cada ato qualquer ato dos poderes públicos deve tomar os direitos fundamentais como baliza e referencial 1108 Importante ainda é a constatação de que o preceito em exame fundamenta uma vinculação isenta de lacunas dos órgãos e funções estatais aos direitos fundamentais independentemente da forma jurídica mediante a qual são exercidas estas funções razão pela qual como assevera Gomes Canotilho inexiste ato de entidade pública que seja livre dos direitos fundamentais 1109 Assim se de acordo com um critério formal e institucional os detentores do poder estatal formalmente considerados os órgãos dos Poderes Legislativo Executivo e Judiciário se encontram obrigados pelos direitos fundamentais também num sentido material e funcional todas as funções exercidas pelos órgãos estatais o são 1110 Além disso importa destacar que de tal vinculação decorre num sentido negativo que os direitos fundamentais não se encontram na esfera de disponibilidade dos poderes públicos ressaltandose contudo que numa acepção positiva os órgãos estatais se encontram na obrigação de tudo fazer no sentido de realizar os direitos fundamentais 1111 No concernente aos órgãos legislativos notadamente em função da substituição da plena soberania do Parlamento pela soberania da Constituição verificase desde logo que a vinculação aos direitos fundamentais significa para o legislador uma limitação material de sua liberdade de conformação no que diz com sua tarefa de regulamentar e concretizar a Constituição 1112 especialmente gerando uma limitação das possibilidades de intervenção restritiva no âmbito de proteção dos direitos fundamentais 1113 Ainda neste contexto há que acolher a lição de Gomes Canotilho ao ressaltar a dupla dimensão da vinculação do legislador aos direitos fundamentais Assim num sentido negativo ou proibitivo ocorre a proibição da edição de atos legislativos contrários às normas de direitos fundamentais que sob este ângulo atuam como normas de competência negativas Na sua acepção positiva a vinculação do legislador implica um dever de conformação de acordo com os parâmetros fornecidos pelas normas de direitos fundamentais e neste sentido um dever de concretização dos direitos fundamentais que no âmbito de sua faceta jurídicoobjetiva também assumem a função de princípios informadores de toda a ordem jurídica 1114 Também a vinculação dos órgãos da administração estatal aos direitos fundamentais é reconhecida entre nós registrandose contudo falta de consenso no tocante a determinados aspectos especialmente no que concerne à forma e ao alcance da vinculação a exemplo aliás do que ocorre no direito alienígena questões que aqui não serão desenvolvidas Esclareçase desde logo que destinatárias dos direitos fundamentais não são apenas as pessoas jurídicas de direito público mas também as pessoas jurídicas de direito privado que nas suas relações com os particulares dispõem de atribuições de natureza pública assim como pessoas jurídicas de direito público que atuam na esfera privada 1115 o que revela importante ponto de contato entre a vinculação do Poder Público e a vinculação dos particulares aos direitos fundamentais O que se pretende com esta interpretação ampliada é justamente evitar que os órgãos da administração venham a se furtar à vinculação aos direitos fundamentais por meio de uma atuação nas formas do direito privado 1116 resultando naquilo que os autores alemães costumam denominar uma fuga para o direito privado Flucht in das Privatrecht 1117 O que importa portanto é a constatação de que os direitos fundamentais vinculam os órgãos administrativos em todas as suas formas de manifestação e atividades na medida em que atuam no interesse público no sentido de um guardião e gestor da coletividade 1118 No que diz com a relação entre os órgãos da administração e os direitos fundamentais na qual vigora o princípio da constitucionalidade imediata da administração a vinculação aos direitos fundamentais significa que os órgãos administrativos devem executar apenas as leis que àqueles sejam conformes bem como executar estas leis de forma constitucional isto é aplicandoas e interpretandoas em conformidade com os direitos fundamentais 1119 A não observância destes postulados poderá por outro lado levar à invalidação judicial dos atos administrativos contrários aos direitos fundamentais 1120 problema que diz com o controle jurisdicional dos atos administrativos que não temos condições de desenvolver nesta oportunidade e a respeito do qual encontramos obras de inestimável valor na bibliografia pátria 1121 A vinculação dos órgãos judiciais aos direitos fundamentais de acordo com a lição de Gomes Canotilho manifestase por um lado por intermédio de uma constitucionalização da própria organização dos tribunais e do procedimento judicial que além de deverem ser compreendidos à luz dos direitos fundamentais por estes são influenciados expressandose de outra parte na vinculação do conteúdo dos atos jurisdicionais aos direitos fundamentais que neste sentido atuam como autênticas medidas de decisão material determinando e direcionando as decisões judiciais 1122 No que diz com sua amplitude também aqui é de se enfatizar que a totalidade dos órgãos jurisdicionais estatais bem como os atos por estes praticados no exercício de suas funções assume a condição de destinatária dos direitos fundamentais De outra parte há que ressaltar a particular relevância da função exercida pelos órgãos do Poder Judiciário na medida em que não apenas se encontram eles próprios também vinculados à Constituição e aos direitos fundamentais mas exercem para além disso e em função disso o controle da constitucionalidade dos atos dos demais órgãos estatais de tal sorte que os tribunais dispõem consoante já se assinalou em outro contex to simultaneamente do poder e do dever de não aplicar os atos contrários à Constituição de modo especial os ofensivos aos direitos fundamentais inclusive declarandolhes a inconstitucionalidade 1123 Paralelamente a esta dimensão negativa da vinculação do Poder Judiciário aos direitos fundamentais Jorge Miranda aponta a existência de uma faceta positiva no sentido de que os juízes e tribunais estão obrigados por meio da aplicação interpretação e integração a outorgar às normas de direitos fundamentais a maior eficácia possível no âmbito do sistema jurídico 1124 aspecto que por sua vez remete ao sentido e alcance do art 5º 1º da CF objeto de análise em separado item 36 supra 38 Particulares como destinatários dos direitos fundamentais o problema da eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas Além dos órgãos estatais na acepção ampla aqui utilizada também os particulares na condição de destinatários estão sujeitos à força vinculante dos direitos fundamentais temática habitualmente versada sob o rótulo da constitucionalização do direito privado ou de modo mais preciso da eficácia dos direitos fundamentais na esfera das relações privadas Diversamente do direito constitucional português no qual existe referência expressa à vinculação das entidades privadas aos direitos fundamentais na CF1988 a exemplo do que ocorreu com o Poder Público o texto constitucional nada dispôs sobre os particulares como destinatários dos direitos fundamentais Mesmo assim tanto na doutrina quanto na jurisprudência a possibilidade de os particulares serem também destinatários dos direitos nunca foi como tal seriamente questionada Todavia e a evolução doutrinária nos últimos anos bem o atesta a problemática dos limites e possibilidades de uma eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas passou a ocupar um lugar de destaque na agenda acadêmica brasileira 1125 Com efeito ainda que não se questione pelo menos não em termos gerais ressalva feita a posições isoladas na doutrina 1126 a possibilidade em si de os particulares serem destinatários dos direitos fundamentais quanto ao modo pelo qual se opera tal vinculação assim como em relação aos efeitos daí decorrentes também no Brasil registrase alguma controvérsia Além das hipóteses em que uma vinculação direta imediata dos particulares resulta inequivocamente do enunciado textual da norma de direito fundamental controvertese a respeito da forma como se dá esta vinculação Neste particular a doutrina oscila entre os que advogam a tese da eficácia mediata indireta e os que sustentam uma vinculação imediata direta ressaltandose a existência de posicionamentos que assumem feição mais temperada em relação aos modelos básicos referidos situandose por assim dizer numa esfera intermediária Sem adentrar especificamente no mérito destas concepções e das variantes surgidas no seio da doutrina constitucional é possível constatar a exemplo do que sustenta Vieira de Andrade uma substancial convergência de opiniões no que diz com o fato de que também na esfera privada ocorrem situações de desigualdade geradas pelo exercício de um maior ou menor poder social razão pela qual não podem ser toleradas discriminações ou agressões à liberdade individual que atentem contra o conteúdo em dignidade da pessoa humana dos direitos fundamentais zelandose de qualquer modo pelo equilíbrio entre estes valores e os princípios da autonomia privada e da liberdade negocial e geral que por sua vez não podem ser completamente destruídos 1127 Ainda neste contexto sustentouse acertadamente que em qualquer caso e independentemente do modo pelo qual se dá a vinculação dos particulares aos direitos fundamentais isto é se de forma imediata ou mediata se verifica entre as normas constitucionais e o direito privado não o estabelecimento de um abismo mas uma relação pautada por um contínuo fluir de tal sorte que ao aplicarse uma norma de direito privado também se está a aplicar a própria Constituição 1128 É justamente por esta razão que para muitos o problema da vinculação dos particulares aos direitos fundamentais constitui em verdade mais propriamente um problema relativo à conciliação dos direitos fundamentais com os princípios basilares do direito privado 1129 De qualquer modo para além dessas e de outras considerações que aqui poderiam ser tecidas constatase que no direito constitucional brasileiro tem prevalecido a tese de que 1130 em princípio os direitos fundamentais geram uma eficácia direta prima facie na esfera das relações privadas 1131 sem se deixar de reconhecer todavia que o modo pelo qual se opera a aplicação dos direitos fundamentais às relações jurídicas entre particulares não é uniforme reclamando soluções diferenciadas 1132 Além disso calha averbar que resulta evidente a existência de uma confluência portanto de um diálogo permanente entre a vinculação dos órgãos estatais especialmente do Poder Legislativo e do Poder Judiciário pois é o legislador que em primeira linha regula a composição de conflitos na esfera privada e são os órgãos jurisdicionais os que aplicam a lei ou extraem os efeitos das normas de direitos fundamentais e a vinculação dos particulares Tal circunstância por sua vez não se contrapõe ao fato de que no âmbito da problemática da vinculação dos particulares as hipóteses de um conflito entre os direitos fundamentais e entre estes e o princípio da autonomia privada reclamam sempre uma análise calcada nas circunstâncias específicas do caso concreto devendo ser tratada de forma similar às colisões entre direitos fundamentais de diversos titulares isto é buscandose uma solução norteada quando for o caso pela ponderação almejando obter um equilíbrio e uma concordância prática caracterizados em última análise pelo não sacrifício completo dos direitos fundamentais em pauta bem como pela preservação na medida do possível do seu conteúdo essencial 1133 Tal modo de compreender o fenômeno da vinculação dos particulares aos direitos fundamentais pelo menos assim o demonstra a evolução jurisprudencial de um modo geral corresponde ao entendimento prevalente dos órgãos jurisdicionais brasileiros destacandose aqui a despeito da existência de importantes decisões do STJ e de outros tribunais o papel do STF que em vários casos acabou reconhecendo a existência de uma eficácia até mesmo direta dos direitos fundamentais na esfera das relações privadas 1134 Embora não se possa falar na existência por ora de uma espécie de doutrina jurisprudencial consistente e dominante a exemplo da que foi desenvolvida pela Suprema Corte norteamericana no caso da assim designada state action doctrine ou pelo Tribunal Constitucional Federal da Alemanha ainda que neste caso adotando a tese da eficácia indireta ou mediata é preciso registrar ter ocorrido significativa evolução especialmente na esfera do STF 1135 Em decisão relativamente recente em especial no que diz com o alentado voto proferido pelo Min Gilmar Mendes a partir de aportes dogmáticos tanto de inspiração norteamericana quanto alemã bem como com sustentação na doutrina nacional o STF por maioria reconheceu na esteira de decisão similar anterior a incidência em relação a uma entidade privada do princípiogarantia do devido processo legal e da ampla defesa precisamente no que diz respeito ao afastamento compulsório de associado da entidade 1136 Além disso é de se enfatizar que também os direitos sociais geram efeitos em relação a entidades privadas muito embora a necessidade de uma maior cautela no que diz com a natureza de tais efeitos e o modo de sua manifestação em cada situação concreta temática que aqui igualmente não cabe desenvolver mas que a despeito de algumas importantes divergências tem encontrado ressonância na jurisprudência e na doutrina 1137 Aliás cada vez mais é preciso admitir que o problema da vinculação dos particulares e da eficácia dos direitos fundamentais na esfera das relações privadas acaba alcançando em termos gerais alguma relevância seja qual for o direito fundamental em causa ainda que consoante já frisado se deva avaliar como se dá tal eficácia em cada caso 1138 39 Limites e restrições de direitos fundamentais 1139 391 Considerações introdutórias A prática constitucional contemporânea apresenta características comuns dotadas de especial importância para a realização normativa dos direitos fundamentais Entre essas destacamse três que de acordo com a tradição constitucional de matriz germânica amplamente difundida encontram correspondência nas seguintes categorias dogmáticas âmbito de proteção limites e limites aos limites dos direitos fundamentais Tal esquema aplicável aos direitos fundamentais de um modo geral acabou sendo recepcionado ainda que nem sempre com a mesma terminologia em outras ordens constitucionais inclusive a brasileira como demonstra farta e atualizada doutrina bem como atesta uma série de decisões judiciais mesmo que muitas vezes tal recepção tenha ocorrido sem qualquer referência expressa ao esquema acima exposto Certo é que todo direito fundamental possui um âmbito de proteção um campo de incidência normativa ou suporte fático como preferem outros e todo direito fundamental ao menos em princípio está sujeito a intervenções neste âmbito de proteção Especialmente a problemática dos limites e restrições em matéria de direitos fundamentais não dispensa em primeira linha um exame do âmbito de proteção dos direitos primeiro tópico a ser versado 392 O âmbito de proteção dos direitos e garantias fundamentais O âmbito de proteção de um direito fundamental abrange os diferentes pressupostos fáticos instituídos pela respectiva norma jurídica 1140 Tratase com outras palavras do bem jurídico protegido ou seja do objeto tutelado 1141 que nem sempre se afigura de fácil identificação especialmente em decorrência das indeterminações semânticas invariavelmente presentes nos textos que contemplam direitos fundamentais Por outro lado considerando que nenhuma ordem jurídica pode proteger os direitos fundamentais de maneira ilimitada a ideia de que os direitos fundamentais não são absolutos não tem oferecido maiores dificuldades e tem sido amplamente aceita no direito constitucional contemporâneo Posto de outro modo direitos fundamentais são de regra direitos submetidos a limites e suscetíveis de serem restringidos Assim para a adequada discussão sobre a restringibilidade dos direitos e seus respectivos limites incontornável a análise ainda que sumária da contraposição entre as assim designadas teoria interna e teoria externa dos limites aos direitos fundamentais visto que a opção por uma destas teorias acaba por repercutir no próprio modo de compreender a maior ou menor amplitude do âmbito de proteção dos direitos fundamentais 1142 Segundo a teoria interna 1143 um direito fundamental existe desde sempre com seu conteúdo determinado afirmandose mesmo que o direito já nasce com os seus limites 1144 Neste sentido falase na existência de limites imanentes 1145 que consistem em fronteiras implícitas de natureza apriorística que não se deixam confundir com autênticas restrições pois estas são em geral compreendidas para a teoria externa como desvantagens normativas impostas externamente a estes direitos 1146 inadmitidas pela teoria interna visto que para esta o direito tem o seu alcance definido de antemão de tal sorte que sua restrição se revela desnecessária e até mesmo impossível do ponto de vista lógico 1147 Assim correta a afirmação de que para a teoria interna o processo de definição dos limites do direito é algo interno a ele 1148 Por outro lado a ausência por parte da teoria interna de separação entre o âmbito de proteção e os limites dos direitos fundamentais permite que sejam incluídas considerações relativas a outros bens dignos de proteção por exemplo interesses coletivos ou estatais no próprio âmbito de proteção destes direitos o que aumenta o risco de restrições arbitrárias da liberdade 1149 A teoria externa 1150 por sua vez distingue os direitos fundamentais das restrições a eles eventualmente impostas daí a necessidade de uma precisa identificação dos contornos de cada direito Recorrendo novamente à didática formulação de Virgílio Afonso da Silva ao contrário da teoria interna que pressupõe a existência de apenas um objeto o direito e seus limites imanentes a teoria externa divide este objeto em dois há em primeiro lugar o direito em si e destacadas dele as suas restrições 1151 Assim de acordo com a teoria externa existe inicialmente um direito em si ilimitado 1152 que mediante a imposição de eventuais restrições se converte em um direito limitado Tal construção parte do pressuposto de que existe uma distinção entre posição prima facie e posição definitiva a primeira correspondendo ao direito antes de sua limitação a segunda equivalente ao direito já limitado Tal distinção contudo não afasta a possibilidade de direitos sem restrições visto não haver uma relação necessária entre o conceito de direito e o de restrição 1153 sendo tal relação estabelecida pela necessidade de compatibilizar diferentes bens jurídicos Em virtude de ser pautada pela referida distinção entre posições jurídicas prima facie e definitivas a teoria externa acaba sendo mais apta a propiciar a reconstrução argumentativa das colisões de direitos fundamentais tendo em conta a necessidade da imposição de limites a tais direitos para que possa ser assegurada a convivência harmônica entre seus respectivos titulares no âmbito da realidade social 1154 Nesta perspectiva as limitações impostas a estes direitos deverão observar por sua vez outros limites que têm sido designados de limites dos limites que serão analisados mais adiante Precisar se determinado bem objeto ou conduta se encontra compreendido no âmbito de proteção de determinado direito fundamental não é conforme referido tarefa simples Na linha de que não apenas se interpretam os textos legais mas também os fatos a que estes se encontram referidos há que se proceder a uma cuidadosa investigação acerca de quais realidades da vida se encontram afetas ao âmbito de proteção do direito fundamental examinado Em suma o que se busca identificar com base sobretudo mas não exclusivamente é bom enfatizar na literalidade do dispositivo é se a esfera normativa do preceito abrange ou não uma certa situação ou modo de exercício Há casos em que o próprio preceito constitucional não comporta certa conduta ou modo de exercício de tal sorte que existem determinadas situações que não integram o âmbito de proteção do direito fundamental Nada obstante salvo hipóteses em que tais situações estejam manifestamente situadas fora do âmbito de proteção de um direito afigurase preferível examinar tais hipóteses no plano dos limites dos direitos fundamentais Neste contexto calha referir a lição de Sérvulo Correia ao sustentar que o âmbito de proteção de um direito não resulta apenas da tipificação de dados prénormativos mas guarda relação com determinadas finalidades constitucionalmente ancoradas e vinculadas a determinados valores evidenciando a complexidade do processo da identificação e mesmo reconstrução do âmbito de proteção dos direitos fundamentais visto que mesmo quando se trata do perfil prima facie do direito fundamental que ainda não leva em conta as restrições legítimas há um perfil normativamente prédeterminado a ser respeitado 1155 Tomese como exemplo o direito fundamental à inviolabilidade de correspondência previsto no art 5º XII da CF1988 O STF considerou a interceptação de cartas de presidiários pela administração penitenciária medida excepcional enquadrandoa como restrição aos direitos fundamentais dos presos na linha do art 41 da Lei de Execução Penal em vez de considerar o envio de cartas com propósitos criminosos não incluído no âmbito de proteção do direito fundamental 1156 Percebese desde logo que tal distinção entre âmbito de proteção e limites oferece significativas vantagens em termos de operacionalidade jurídicodogmática correspondendo à exigência de transparência metodológica especialmente por não misturar interesses divergentes 1157 além de implicar que o ônus da justificação de uma restrição recaia sobre o intérprete que a invoca o que apenas reforça a tese de que os fins não podem jamais justificar os meios visto que não apenas o resultado mas sobretudo o caminho percorrido da conversão de uma posição prima facie âmbito de proteção em um direito ou garantia definitivo afigurase decisivo e viabiliza um controle de todo o procedimento 393 Os limites dos direitos fundamentais A identificação dos limites dos direitos fundamentais constitui condição para que se possa controlar o seu desenvolvimento normativo partilhado com o legislador ordinário 1158 A ideia de que existem limites ou restrições a um direito que com este não se confundem embora possa parecer trivial à primeira vista oculta todavia uma série de problemas resultantes por um lado da determinação do significado destes limites por outro da distinção do que sejam uma limitação e outras atividades normativas 1159 Limites aos direitos fundamentais em termos sumários podem ser definidos como ações ou omissões dos poderes públicos Legislativo Executivo e Judiciário ou de particulares que dificultem reduzam ou eliminem o acesso ao bem jurídico protegido afetando o seu exercício aspecto subjetivo eou diminuindo deveres estatais de garantia e promoção aspecto objetivo que resultem dos direitos fundamentais 1160 Todavia como é cediço nem toda a disciplina normativa dos direitos fundamentais pode ser caracterizada como constituindo uma limitação Muitas vezes as normas legais se limitam a detalhar tais direitos a fim de possibilitar o seu exercício situações que correspondem aos termos configurar conformar completar regular densificar ou concretizar habitualmente utilizados para caracterizar este fenômeno 1161 Algo distinto contudo se dá com as limitações de direitos fundamentais que como visto reduzem o alcance de conteúdos prima facie conferidos a posições de direitos fundamentais mediante a imposição de cargas coativas 1162 Além disso há que distinguir as normas que limitam bens jurídicos protegidos prima facie das que fundamentam a competência estatal para realizar essas limitações Com efeito enquanto as primeiras as limitações propriamente ditas consistem em mandados ou proibições dirigidos aos cidadãos titulares de direitos fundamentais as últimas chamadas de reservas legais não configuram limitações na acepção mais rigorosa do termo e sim autorizações constitucionais que fundamentam a possibilidade de o legislador restringir direitos fundamentais 1163 No que diz respeito às espécies de limitações registrase substancial consenso quanto ao fato de que os direitos fundamentais podem ser restringidos tanto por expressa disposição constitucional como por norma legal promulgada com fundamento na Constituição Da mesma forma há quem inclua uma terceira alternativa vinculada à possibilidade de se estabelecerem restrições a direitos por força de colisões entre direitos fundamentais mesmo inexistindo limitação expressa ou autorização expressa assegurando a possibilidade de restrição pelo legislador Embora tal hipótese possa ser subsumida na segunda alternativa considerase que a distinção entre os três tipos de limites referidos torna mais visível e acessível o procedimento de controle da atividade restritiva em cada caso Além disso verificase como já demonstram as três espécies de limitações referidas que em qualquer caso uma restrição de direito fundamental exige seja direta seja indiretamente um fundamento constitucional 1164 Importa destacar na esfera dos limites diretamente estabelecidos pela Constituição que a ideia de que existem limites no interior dos direitos fundamentais para os partidários da teoria interna tal hipótese equivaleria a uma situação de não direito ou seja algo que constitui o próprio âmbito de proteção do direito fica sob certo aspecto absorvida pela ideia das limitações diretamente constitucionais visto que as cláusulas restritivas constitucionais expressas na prática convertem uma posição jurídica prima facie em um não direito definitivo 1165 A título de exemplo citase novamente o direito fundamental à inviolabilidade de correspondência art 5º XII da CF visto que apesar de previsto como não sujeito a restrição no dispositivo referido a inviolabilidade em princípio assegurada poderá ser temporária e excepcionalmente condicionada nas hipóteses de estado de defesa e de estado de sítio art 136 1º I b art 139 III expressamente previstas na Constituição Já no campo das assim designadas restrições indiretas isto é das restrições estabelecidas por lei em sentido formal incluídas as medidas provisórias por força do art 62 caput da CF1988 com fundamento em autorizações constitucionais há que enfrentar a problemática das reservas legais 1166 que em termos gerais podem ser definidas como disposições constitucionais que autorizam o legislador a intervir no âmbito de proteção dos direitos fundamentais As reservas legais costumam ser por sua vez classificadas em dois grupos as reservas legais simples e as reservas legais qualificadas As reservas do primeiro grupo reservas legais simples distinguemse por autorizarem o legislador a intervir no âmbito de proteção de um direito fundamental sem estabelecerem pressupostos eou objetivos específicos a serem observados implicando portanto a atribuição de uma competência mais ampla de restrição Como exemplo citase o art 5º LVIII da CF1988 O civilmente identificado não será submetido a identificação criminal salvo nas hipóteses previstas em lei Já as reservas legais qualificadas têm como traço distintivo o fato de estabelecerem pressupostos eou objetivos a serem atendidos pelo legislador ordinário para limitar os direitos fundamentais como bem demonstra o clássico exemplo do sigilo das comunicações telefônicas 5º XII da CF É inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas de dados e das comunicações telefônicas salvo no último caso por ordem judicial nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal 1167 Desde logo sem que se vá aqui avançar no ponto é preciso ter presente que o regime jurídicoconstitucional das reservas legais sujeitase a rigoroso controle e que há uma série de exigências daí decorrentes parte das quais será versada na parte relativa aos limites dos limites dos direitos fundamentais De outra parte como já anunciado afiguramse possíveis limitações decorrentes da colisão de um direito fundamental com outros direitos fundamentais ou bens jurídicoconstitucionais o que legitima o estabelecimento de restrições ainda que não expressamente autorizadas pela Constituição 1168 Em outras palavras direitos fundamentais formalmente ilimitados isto é desprovidos de reserva podem ser restringidos caso isso se revele imprescindível para a garantia de outros direitos constitucionais 1169 de tal sorte que há mesmo quem tenha chegado a sustentar a existência de uma verdadeira reserva geral imanente de ponderação 1170 Tais hipóteses exigem no entanto cautela redobrada por parte dos poderes públicos especialmente no caso da imposição por decisão judicial de restrições ao exercício de direitos fundamentais 1171 Como é fácil reconhecer não é possível ao Constituinte e tampouco ao legislador ordinário prever e regular todas as colisões de direitos fundamentais 1172 Tendo em vista a caracterização dos direitos fundamentais como posições jurídicas prima facie não raro encontramse eles sujeitos a ponderações em face de situações concretas de colisão nas quais a realização de um direito se dá à custa do outro 1173 Situações de colisão de direitos fundamentais afiguramse cada vez mais frequentes na prática jurídica brasileira devido ao alargamento do âmbito e da intensidade de proteção dos direitos fundamentais levado a cabo pela Constituição Federal de 1988 notadamente em função do já referido caráter analítico do catálogo constitucional de direitos Muito embora as situações de conflito tenham em sua ampla maioria sido regulamentadas pela legislação ordinária há casos em que a ausência de regulação esbarra na necessidade de resolver o conflito decorrente da simultânea tutela constitucional de valores ou bens que se apresentam em contradição concreta A solução desse impasse como é corrente não poderá se dar com recurso à ideia de uma ordem hierárquica abstrata dos valores constitucionais não sendo lícito por outro lado sacrificar pura e simplesmente um desses valores ou bens em favor do outro Com efeito a solução amplamente preconizada afirma a necessidade de se respeitar a proteção constitucional dos diferentes direitos no quadro da unidade da Constituição buscando harmonizar preceitos que apontam para resultados diferentes muitas vezes contraditórios Hipótese clássica diz respeito à liberdade de expressão prevista no art 5º IX da CF é livre a expressão da atividade intelectual artística científica e de comunicação independentemente de censura ou licença que a despeito de não sujeita à reserva legal pode entrar em rota de colisão com outros direitos fundamentais como por exemplo os direitos à intimidade à vida privada à honra e à imagem art 5º X da CF igualmente não sujeitos a uma reserva de lei Pelo fato de as normas constitucionais não deverem ser aplicadas mediante a simples exaltação dos valores aos quais se acham referidas como se tais valores fossem por si sós evidentes no que diz com seu conteúdo e alcance basta ver em caráter ilustrativo o que ocorre no que diz com o uso retórico e mesmo panfletário da dignidade da pessoa humana e da própria proporcionalidade sendo sempre necessária uma fundamentação intersubjetivamente controlável não basta somente identificar os valores em jogo mas construir e lançar mão de critérios que permitam aplicálos racionalmente 1174 cabendo ao intérpreteaplicador dos direitos fundamentais conferir importância distinta aos valores por eles densificados sempre atento às circunstâncias do caso concreto mas também igualmente receptivo às hierarquizações axiológicas levadas a cabo pelo legislador democraticamente legitimado Também nesta esfera mais ainda do que nas hipóteses decorrentes de expressa reserva legal em que o constituinte autorizou previamente a restrição por parte do legislador incidem os limites aos limites dos direitos fundamentais tópico a ser examinado logo na sequência 394 Limites aos limites dos direitos fundamentais 3941 Noções preliminares Até meados do século XX por conta de uma tradição fortemente vinculada à postura reverencial em relação ao legislador os direitos fundamentais não raras vezes tinham sua eficácia esvaziada pela atuação erosiva dos poderes constituídos Ao longo da evolução dogmática e jurisprudencial todavia especialmente a partir do labor da doutrina e da jurisprudência constitucional germânica foi desenvolvida uma série de instrumentos destinados a controlar as ingerências exercidas sobre os direitos fundamentais evitando ao máximo a sua fragilização Em síntese o que importa destacar nesta quadra é que eventuais limitações dos direitos fundamentais somente serão tidas como justificadas se guardarem compatibilidade formal e material com a Constituição Sob perspectiva formal partese da posição de primazia ocupada pela Constituição na estrutura do ordenamento jurídico no sentido de que suas normas na qualidade de decisões do poder constituinte representam atos de autovinculação fundamentaldemocrática que encabeçam a hierarquia normativa imanente ao sistema No que diz com a perspectiva material parte se da premissa de que a Constituição não se restringe a regulamentar formalmente uma série de competências mas estabelece paralelamente uma ordem de princípios substanciais calcados essencialmente nos valores da dignidade da pessoa humana e na proteção dos direitos fundamentais que lhe são inerentes 1175 O controle da constitucionalidade formal e material dos limites aos direitos fundamentais implica no plano formal a investigação da competência do procedimento e da forma adotados pela autoridade estatal Já o controle material diz essencialmente com a observância da proteção do núcleo ou conteúdo essencial destes direitos bem como com o atendimento das exigências da proporcionalidade e da razoabilidade mas também do que se tem convencionado designar de proibição de retrocesso categorias que neste sentido assumem a função de limites aos limites dos direitos fundamentais Os limites aos limites dos direitos fundamentais portanto funcionam como verdadeiras barreiras à restrição desses direitos sendo nesta perspectiva garantes da eficácia dos direitos fundamentais nas suas múltiplas dimensões e funções No Brasil diferentemente de outros países como é o caso da Alemanha art 19 II da Lei Fundamental de 1949 e Portugal art 18 II e III da Constituição de 1976 não há previsão constitucional expressa a respeito dos limites aos limites dos direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988 A tradição doutrinária e jurisprudencial brasileira todavia ainda que nem sempre da mesma forma acabou por recepcionar tal noção objeto de farta análise doutrinária e expressiva embora muitas vezes extremamente controversa prática jurisdicional 1176 Em síntese os principais limites aos limites que serão apresentados e analisados logo adiante são a a observância das exigências da reserva legal b a proporcionalidade da medida restritiva c a salvaguarda do núcleo essencial do direito objeto da restrição Notese que mesmo no caso de direitos fundamentais não contemplados com uma expressa reserva legal e em se tratando de restrições veiculadas por ação ou omissão do Poder Executivo ou por decisão judicial sem prejuízo de outras possibilidades se aplica a depender do caso o teste de proporcionalidade e se impõe a preservação do núcleo essencial dos direitos fundamentais 3942 A reserva legal e suas exigências Como acima adiantado a existência ou não de uma expressa reserva legal simples ou qualificada no texto constitucional acompanhando um direito fundamental implica algumas diferenças de tratamento da matéria relativa às restrições de direitos fundamentais e seu controle em relação aos direitos desacompanhados de tal reserva No caso da existência de uma expressa reserva legal a possibilidade de uma intervenção restritiva por parte do legislador encontrase desde logo assegurada o que contudo não significa que tais medidas pelo simples fato de autorizadas previamente não devam observar uma série de critérios e exigências de modo a assegurar a sua legitimidade constitucional No tocante às suas modalidades as quais por sua vez costumam ser indicativas da amplitude da liberdade do legislador quanto a esse propósito falase na esteira do que já antecipado em reservas de lei simples e qualificadas As primeiras autorizam processos restritivos sem fazer quaisquer condicionamentos em relação aos fins ou aos meios de empreendêlas como ocorre por exemplo no caso dos direitos à prestação de assistência religiosa art 5º VIII do direito à liberdade de locomoção art 5º XV e do direito à individualização da pena art 5º XLVI Já as reservas qualificadas são aquelas em que a autorização para a intervenção legislativa restritiva é acompanhada de um ou alguns critérios exigências ou mesmo meios específicos a serem considerados no momento de elaboração da lei restritiva a exemplo do que ocorre nas previsões normativas dos direitos à liberdade de profissão art 5º XIII à inviolabilidade do sigilo das correspondências art 5º XII e à publicidade dos atos processuais art 5º LX Além disso também se considera uma reserva legal qualificada a situação na qual o constituinte exige a edição de lei complementar A constatação de que parte dos direitos fundamentais amparados na Constituição brasileira de modo não dessemelhante do que ocorre também em outros países é desprovida de reservas de lei tem conduzido à conclusão de que tais reservas se prestam apenas em caráter limitado para fundamentar a atuação restritiva dos direitos fundamentais por parte do legislador além do fato por vezes esquecido de que a ausência de uma expressa reserva legal não implica o caráter absoluto de um direito fundamental no sentido de absolutamente imune a restrições 1177 Notese assim que ao fim e ao cabo as colisões de direitos fundamentais ou de direitos fundamentais e outros bens jurídico constitucionais operam como fundamento constitucional que legitima o estabelecimento de restrições ainda que não expressamente autorizadas pela Constituição 1178 Em outras palavras direitos fundamentais formalmente ilimitados isto é desprovidos de reserva de lei podem ser restringidos caso isso se revele imprescindível para a garantia de outros direitos constitucionais 1179 de tal sorte que há mesmo quem tenha chegado a sustentar a existência de uma verdadeira reserva geral imanente de ponderação 1180 Seja como for a previsão de reservas legais ao mesmo tempo que traz à superfície a possibilidade de restringir direitos fundamentais compreende uma limitação sobre cujo sentido e alcance se instaura uma controvérsia Tratase da extensão do sentido de lei nesse contexto Assim há que definir se quando a Constituição reserva à lei a competência de restringir o conteúdo de um direito fundamental devese considerar exclusivamente a lei em sentido formal oriunda do Poder Legislativo pelo que as reservas legais equivaleriam a reservas ao Parlamento ou se numa interpretação mais afrouxada a expressão comportaria também a emissão de atos de matiz normativa oriundos dos demais poderes a saber atos administrativos e decisões judiciais originalmente restritivos A compreensão estrita conforme a qual na lição de Jorge Miranda a previsão de reservas legais veda qualquer interferência pelo menos à maneira principal e inaugural por parte da Administração e da Jurisdição 1181 encontra cobertura na jurisprudência do STF Assim servem à maneira ilustrativa as seguintes decisões organizadas em ordem cronológica da mais recente à mais antiga Ninguém pode ignorar consoante adverte autorizado magistério doutrinário que existe reserva de lei quando a Constituição prescreve que o regime jurídico de determinada matéria seja regulado por lei e só por lei com exclusão de outras fontes normativas J J GOMES CANOTILHO Direito Constitucional e Teoria da Constituição p 633 1998 Almedina grifei Não constitui demasia observar ainda a propósito da reserva de lei consoante adverte JORGE MIRANDA Manual de Direito Constitucional tomo V217220 item n 62 2 ed 2000 Coimbra Editora que se trata de postulado revestido de função excludente de caráter negativo que veda nas matérias a ela sujeitas quaisquer intervenções a título primário de órgãos estatais não legislativos e cuja incidência também reforça positivamente o princípio que impõe à administração e à jurisdição a necessária submissão aos comandos fundados em norma legal de tal modo que conforme acentua o ilustre Professor da Universidade de Lisboa quaisquer intervenções tenham conteúdo normativo ou não normativo de órgãos administrativos ou jurisdicionais só podem darse a título secundário derivado ou executivo nunca com critérios próprios ou autônomos de decisão 1182 grifamos O princípio constitucional da reserva de lei formal traduz limitação ao exercício das atividades administrativas e jurisdicionais do Estado A reserva de lei analisada sob tal perspectiva constitui postulado revestido de função excludente de caráter negativo pois veda nas matérias a ela sujeitas quaisquer intervenções normativas a título primário de órgãos estatais não legislativos Essa cláusula constitucional por sua vez projetase em uma dimensão positiva eis que a sua incidência reforça o princípio que fundado na autoridade da Constituição impõe à administração e à jurisdição a necessária submissão aos comandos estatais emanados exclusivamente do legislador Não cabe ao Poder Executivo em tema regido pelo postulado da reserva de lei atuar na anômala e inconstitucional condição de legislador para em assim agindo proceder à imposição de seus próprios critérios afastando desse modo os fatores que no âmbito de nosso sistema constitucional só podem ser legitimamente definidos pelo Parlamento É que se tal fosse possível o Poder Executivo passaria a desempenhar atribuição que lhe é institucionalmente estranha a de legislador usurpando desse modo no contexto de um sistema de poderes essencialmente limitados competência que não lhe pertence com evidente transgressão ao princípio constitucional da separação de poderes 1183 grifamos Uma atenta observação da abordagem jurisprudencial conduz à conclusão de que o entendimento encampado pelo STF se insere num meiotermo entre a integral negativa da possibilidade de direitos fundamentais serem restringidos por atos normativos que não sejam lei em sentido formal aqueles previstos no art 59 CF e a sua absoluta e irrestrita permissão A bem dizer é o caso de considerar que em determinadas circunstâncias é legítimo e constitucional que um ato administrativo por exemplo restrinja um direito fundamental desde que acoplado numa cadeia de fundamentação da qual decorra para o Executivo uma competência que advém em primeira linha da Constituição e em seguida da lei em sentido formal como se dá por exemplo no caso das leis delegadas art 68 CF Na doutrina é o que se encontra na posição ponderada de Gustavo Binenbojm Levar as reservas constitucionais de lei a sério não significa fechar os olhos para a imprescindível necessidade prática de atuação administrativa concreta ou normativa que envolva alguma margem de inovação Mesmo na seara das restrições a direitos fundamentais devese exigir a máxima determinabilidade possível das normas legislativas mas ao mesmo tempo a abertura para o mínimo incomprimível de margem de livre decisão ou apreciação da Administração Tal medida de prudência é especialmente relevante no campo do poder de polícia em que as prognoses de perigo envolvem não raro avaliações técnicas e lastreadas na experiência dos administradores públicos Com efeito a ordenação sistêmica dos direitos fundamentais suscita em certas situações a necessidade imperiosa de a Administração compor colisões não constitucionalmente previstas e não integralmente reguladas pela lei entre bens constitucionais sobretudo em hipóteses de conflitos entre direitos fundamentais Em qualquer caso legisladores e administradores devem pautarse por juízos de ponderação proporcional que viabilizem o desfrute de direitos fundamentais e o seu convívio em concordância prática com outros direitos fundamentais e com interesses e aspirações coletivas democraticamente estabelecidos 1184 grifamos Ainda nesse contexto calha agregar a lição de Leonardo Martins e Dimitri Dimoulis no sentido de que a Constituição no caso as normas de direitos fundamentais faz referência à lei de modo negativo e positivo ou proibindo a edição de intervenção restritiva veiculada por lei por exemplo o art 5º XXXVI que veda que a lei prejudique a coisa julgada ou então autorizando o legislador a restringir o direito situação na qual se está diante das típicas reservas legais já acima apresentadas 1185 Um critério que poderia ser também adotado no sistema jurídico constitucional brasileiro feitas as indispensáveis adequações é o desenvolvido na Alemanha sob o rótulo de teoria da essencialidade de acordo com a qual a deleção ao Poder Executivo da possibilidade de restringir direitos fundamentais deve observar três exigências a existência de uma lei que preveja a delegação e que esteja de acordo com a Constituição b as decisões essenciais em especial as que versam sobre os pressupostos contextos e consequências das restrições devem ser reguladas pelo legislador democraticamente legitimado c a essencialidade das intervenções restritivas é aferida a partir do critério da intensidade da restrição ou seja do seu impacto sobre o âmbito de proteção dos direitos fundamentais atingidos 1186 Importa sublinhar mais uma vez que mesmo nos casos em que a lei ou o ato normativo aqui no sentido de lei apenas em sentido material atendam rigorosamente os requisitos das reservas legais isso não garante por si só a legitimidade constitucional das restrições impostas porquanto ainda se faz necessário observar as exigências da proporcionalidade e assegurar a integridade do núcleo essencial dos direitos alvos das restrições 3943 Proporcionalidade e razoabilidade como limites dos limites a Do princípio da proporcionalidade e sua dupla função como proibição de excesso e proibição de proteção insuficiente Embora as ideias de proporção e de razoabilidade vinculadas à própria noção de justiça e equidade sempre tenham estado presentes no âmbito do fenômeno jurídico permeando em termos gerais o direito contemporâneo 1187 nem todas as manifestações suscitadas pela ideia de proporção dizem respeito ao princípio da proporcionalidade em seu sentido técnicojurídico 1188 tal qual desenvolvido no direito público alemão 1189 Da mesma forma segue existindo acirrada controvérsia doutrinária e jurisprudencial sobre o conteúdo jurídico e o significado da proporcionalidade e da razoabilidade Embora não se pretenda sobrevalorizar a identificação de um fundamento constitucional para os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade no ordenamento jurídico brasileiro em termos gerais é possível reconduzir ambos os princípios a um ou mais dispositivos constitucionais Assim de acordo com a vertente germânica o ponto de referência é o princípio do Estado de Direito art 1º da CF notadamente naquilo que veda o arbítrio o excesso de poder entre outros desdobramentos Já para quem segue a orientação do direito norteamericano a proporcionalidade guarda relação com o art 5º LIV da CF no que assegura um devido processo legal substantivo 1190 No plano da legislação infraconstitucional por sua vez os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade foram positivados em vários momentos destacandose o art 2º da Lei 97841999 que regulamenta o processo administrativo no âmbito da Administração Federal direta e indireta É bom frisar contudo que independentemente de sua expressa previsão em textos constitucionais ou legais o que importa é a constatação amplamente difundida de que a aplicabilidade dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade não está excluída de qualquer matéria jurídica o que aliás tem sido recorrentemente reconhecido pelo STF 1191 O princípio da proporcionalidade que constitui um dos pilares do Estado Democrático de Direito brasileiro 1192 desponta como instrumento metódico de controle dos atos tanto comissivos quanto omissivos dos poderes públicos sem prejuízo de sua eventual aplicação a atos de sujeitos privados Neste contexto assume relevância a conhecida e já referida distinção entre as dimensões negativa e positiva dos direitos fundamentais com destaque para a atuação dos direitos fundamentais como deveres de proteção ou im perativos de tutela implicando uma atuação positiva do Estado obrigandoo a intervir tanto preventiva quanto repressivamente inclusive quando se trata de agressões oriundas de particulares Para a efetivação de seus deveres de proteção corre o Estado por meio de seus órgãos ou agentes o risco de afetar de modo desproporcional outros direitos fundamentalis inclusive os direitos de quem esteja sendo acusado de violar direitos fundamentais de terceiros Esta hipótese corresponde às aplicações correntes do princípio da proporcionalidade como critério de controle de constitucionalidade das medidas restritivas de direitos fundamentais atuantes nesta perspectiva como direitos de defesa O princípio da proporcionalidade atua aqui no plano da proibição de excesso como um dos principais limites às limitações dos direitos fundamentais Por outro lado poderá o Estado frustrar seus deveres de proteção atuando de modo insuficiente isto é ficando aquém dos níveis mínimos de proteção constitucionalmente exigidos ou mesmo deixando de atuar hipótese por sua vez vinculada ao menos em boa parte à problemática das omissões inconstitucionais É neste sentido como contraponto à assim designada proibição de excesso que expressiva doutrina e inclusive jurisprudência têm admitido a existência daquilo que se convencionou chamar de proibição de insuficiência no sentido de insuficiente implementação dos deveres de proteção do Estado e como tradução livre do alemão Untermaßverbot 1193 É por tal razão que também a doutrina brasileira e em alguns casos a própria jurisprudência em que pese não ser pequena a discussão a respeito em geral já aceita a ideia de que o princípio da proporcionalidade possui como que uma dupla face atuando simultaneamente como critério para o controle da legitimidade constitucional de medidas restritivas do âmbito de proteção de direitos fundamentais 1194 bem como para o controle da omissão ou atuação insuficiente do Estado no cumprimento dos seus deveres de proteção Em suma desproporções para mais ou para menos caracterizam violações ao princípio em apreço e portanto antijuridicidade no sentido de uma inconstitucionalidade da ação estatal 1195 De acordo com a posição corrente e amplamente recepcionada pela doutrina e também acolhida em sede jurisprudencial embora nem sempre corretamente aplicada na sua função como critério de controle da legitimidade constitucional de medidas restritivas do âmbito de proteção dos direitos fundamentais o princípio da proporcionalidade costuma ser desdobrado em três elementos subcritérios ou subprincípios constitutivos como prefere Gomes Canotilho a adequação ou conformidade no sentido de um controle da viabilidade isto é da idoneidade técnica de que seja em princípio possível alcançar o fim almejado por aqueles determinados meios muito embora para alguns para que seja atendido o critério bastaria que o Poder Público mediante a ação restritiva cumprisse com o dever de fomentar o fim almejado 1196 b necessidade ou exigibilidade em outras palavras a opção pelo meio restritivo menos gravoso para o direito objeto da restrição exame que envolve duas etapas de investigação o exame da igualdade de adequação dos meios a fim de verificar se os meios alternativos promovem igualmente o fim e em segundo lugar o exame do meio menos restritivo com vista a verificar se os meios alternativos restringem em menor medida os direitos fundamentais afetados 1197 Como bem destaca Humberto Ávila o exame da necessidade envolve duas fases iniciando pela aferição da igualdade de adequação dos meios visto que alguns meios promovem mais do que outros os fins almejados e seguindo com o exame do meio menos restritivo 1198 c proporcionalidade em sentido estrito que exige a manutenção de um equilíbrio proporção e portanto de uma análise comparativa entre os meios utilizados e os fins colimados no sentido do que por muitos têm sido também chamado de razoabilidade ou justa medida 1199 já que mesmo uma medida adequada e necessária poderá ser desproporcional 1200 É nesse plano que se realiza a comparação entre a importância da realização do fim e a intensidade da restrição dos direitos fundamentais pois o que se busca é responder à pergunta sobre se as vantagens causadas pela promoção de determinado fim ou fins são proporcionais às desvantagens causadas pela adoção do meio ou seja as restrições impostas aos direitos fundamentais 1201 Cumpre anotar neste contexto que embora não se trate propriamente de um critério interno a aferição da proporcionalidade de uma medida restritiva há de partir do pressuposto de que a compressão de um direito encontra sua razão de ser na tutela de outro bem jurídico constitucionalmente relevante não necessariamente outro direito fundamental ou seja a restrição deve ter uma finalidade constitucionalmente legítima 1202 De outra parte há quem questione a utilização da terceira exigência interna qual seja a da proporcionalidade em sentido estrito sob o argumento central aqui apresentado em apertada síntese e de modo simplificado de que as etapas da adequação e da necessidade são suficientes para assegurar a aplicação da proporcionalidade e que justamente a terceira fase na qual se daria segundo Alexy a ponderação propriamente dita é responsável pelos excessos de subjetivismo cometidos por conta da proporcionalidade expondoa neste sentido justificadamente aos seus críticos 1203 Sem que se possa aprofundar o debate parecenos que tal proposta a despeito de apontar com razão para os riscos inerentes ao terceiro momento o da proporcionalidade em sentido estrito acaba subestimando o fato de que a ponderação seja qual for o nome que se atribua ao procedimento de sopesamento dos bens e alternativas em pauta apenas acaba sendo deslocada e concentrada nas primeiras duas etapas visto que a supressão do exame da relação entre os meios e os fins ínsita ao terceiro momento da proporcionalidade em sentido estrito poderá resultar na própria violação do princípio da razoabilidade que não se confunde com o da proporcionalidade mas com este guarda íntima relação Há de se levar em conta neste contexto que resta enfrentar o problema de até que ponto medidas adequadas e necessárias podem ainda assim resultar em compressão excessiva do bem afetado pela restrição sendo questionável se a categoria do núcleo essencial por si só pode dar conta do problema Além disso a aceitação de que os direitos fundamentais possuem um núcleo essencial remete novamente ao problema de saber se este núcleo é o que resulta do processo de ponderação para o que fica difícil a dispensa da proporcionalidade em sentido estrito ou outro nome que se atribua a esta terceira fase a exemplo do que em linhas gerais preconiza Alexy e entre nós Virgílio Afonso da Silva 1204 Cuidase sem dúvida de debate a ser aprofundado revelando que também a dogmática constitucional brasileira está engajada em avançar quanto a este ponto de tal sorte que aqui nos limitamos a referir a controvérsia dada a sua relevância visto que o que se busca é aprimorar os mecanismos de controle das restrições e reduzir os níveis de subjetivismo e irracionalidade na aplicação da proporcionalidade A aplicação da proporcionalidade como proibição de proteção insuficiente ou deficiente como preferem outros utilizase em termos gerais da mesma análise trifásica em três níveis ou etapas já de todos conhecida aplicada no âmbito da proibição de excesso guardadas é claro as peculiaridades que decorrem da finalidade do exame do devido cumprimento dos deveres de proteção Valendonos aqui das lições de Christian Calliess 1205 que sustenta uma distinção dogmática e funcional entre proibição de excesso e insuficiência uma vez determinada a existência de um dever de proteção e o seu respectivo objeto o que constitui um pressuposto de toda a análise posterior é possível descrever as três etapas da seguinte maneira a no que diz com o exame da adequação ou idoneidade é necessário verificar se as medidas e a própria concepção de proteção adotadas ou mesmo previstas para a tutela do direito fundamental ésão aptas a proteger de modo eficaz o bem protegido b em sendo afirmativa a primeira resposta cuidase de averiguar se existe uma concepção de segurança proteção mais eficaz sem que com isso se esteja a intervir de modo mais rigoroso em bens fundamentais de terceiros ou interesses da coletividade Em outras palavras existem meios de proteção mais eficientes mas pelo menos tão pouco interventivos em bens de terceiros Ainda anota o autor referido que se torna possível controlar medidas isoladas no âmbito de uma concepção mais abrangente de proteção por exemplo quando esta envolve uma política pública ou um conjunto de políticas públicas c no âmbito da terceira etapa que corresponde ao exame da proporcionalidade em sentido estrito ou razoabilidade como preferem alguns é preciso investigar se o impacto das ameaças e riscos remanescentes após a efetivação das medidas de proteção é de ser tolerado em face de uma ponderação com a necessidade de preservar outros direitos e bens fundamentais pessoais ou coletivos É justamente aqui aliás que segundo o autor se verifica a confluência entre as proibições de excesso e de insuficiência já que no âmbito das duas primeiras etapas é necessário efetuar o controle considerando as peculiaridades de cada instituto embora as etapas em si adequação ou idoneidade e necessidade ou exigibilidade sejam as mesmas ao passo que na terceira etapa é que no quadro de uma argumentação e de uma relação jurídica multipolar é necessário proceder a uma ponderação que leve em conta o quadro global ou seja tanto as exigências do dever de proteção quanto os níveis de intervenção em direitos de defesa de terceiros ou outros interesses coletivos sociais demonstrando a necessidade de se estabelecer uma espécie de concordância prática multipolar 1206 b Da relação entre proporcionalidade e razoabilidade e da possível distinção entre ambas Importa registrar neste ponto a discussão doutrinária a respeito da fungibilidade dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade especialmente a existência de fortes posições que também entre nós sustentam a ausência de identidade entre ambos notadamente quanto ao fato de que o princípio da proporcionalidade tal como desenvolvido dogmaticamente na Alemanha embora também lá não de modo completamente uniforme e incontroverso quanto a uma série de aspectos não equivale pura e simplesmente à razoabilidade dos americanos 1207 possuindo portanto sentido e conteúdo distintos pelo menos parcialmente considerando especialmente as noções de proporcionalidade em sentido amplo e em sentido estrito dos alemães 1208 Vale referir ademais haver quem atribua ao critério da proporcionalidade em sentido estrito inclusive com base na prática jurisprudencial do Tribunal Constitucional Federal da Alemanha significado mais teórico do que prático sustentando que em geral é no plano do exame da necessidade da medida restritiva que se situa a maior parte dos problemas pois é neste nível que se dá o teste decisivo da constitucionalidade da restrição 1209 aspecto que reclama uma digressão calcada na análise sistemática da jurisprudência constitucional e que aqui não será desenvolvida Retomando a controvérsia a respeito da relação entre proporcionalidade e razoabilidade convém lembrar que no campo da proporcionalidade em sentido estrito exigese a comparação entre a importância da realização do fim e a intensidade da restrição aos direitos fundamentais examinando em síntese se as vantagens produzidas pela adoção do meio superam as desvantagens advindas da sua utilização 1210 Precisamente quanto a este ponto assume relevo a conexão dos princípios da proporcionalidade em sentido estrito e da razoabilidade com o método da ponderação de bens 1211 Tendo em conta que o juízo de ponderação se verifica com toda a sua extensão no assim designado terceiro nível da aplicação da proporcionalidade seguindose a metódica trifásica da proporcionalidade o fato é que mesmo a ponderação sendo considerada simplesmente como coincidente com o raciocínio requisitado pelo princípio da razoabilidade como parâmetro da atuação normativa estatal é este seguramente o ponto de contato mais importante entre a proporcionalidade e a razoabilidade É por esta razão que a razoabilidade é também identificada com a proporcionalidade em sentido estrito o que todavia não significa necessariamente que se trate de noções integralmente fungíveis e que não tenham uma aplicação autônoma Sem que se possa aqui adentrar o terreno conceitual avaliando todas as possíveis diferenças e semelhanças assim como eventuais distinções conceituais entre proporcionalidade e razoabilidade é certo que se a proporcionalidade não for aplicada na sua integralidade mediante consideração ainda que sumária de seus três elementos critérios não será a proporcionalidade que estará efetivamente em causa A razoabilidade por sua vez não reclama tal procedimento trifásico e é assim que tem sido aplicada É preciso ter em conta que a utilização indistinta das expressões proporcionalidade e razoabilidade como se as noções fossem coincidentes não pode ser justificada pelo simples fato de que isso corresponde a uma prática usual visto que a reiterada prática de um equívoco não o torna necessariamente menos equivocado Notese que o uso equivalente dos termos apenas encontraria explicação eficiente se de fato existisse a por alguns reclamada equivalência substancial entre os dois princípios O que de fato ocorre e a jurisprudência brasileira bem o atesta é que em muitos casos por não ser aplicada a análise trifásica exigida pela proporcionalidade a ponderação ocorre essencialmente no plano da mera razoabilidade o que justamente constitui prova evidente de que a despeito do importante elo comum razoabilidade e proporcionalidade em sentido estrito não se trata de grandezas idênticas em toda a sua extensão A técnica da ponderação aqui não se fará sequer a tentativa de distinção em relação a outros termos de uso corrente como a hierarquização o sopesamento entre outras tanto no âmbito do direito público quanto na seara do direito privado a despeito das toneladas de papel e dos verdadeiros oceanos de tinta gastos com o tema não chega a apresentar maiores novidades visto que com o passar do tempo consolidou sua posição como instrumento apto a determinar a solução juridicamente correta em cada caso com destaque para a solução dos conflitos entre direitos e princípios fundamentais embora não se aplique exclusivamente nesta esfera Isso não afasta contudo a necessidade de serem encontradas vias por meio das quais sejam mitigados ou evitados os perigos e excessos que tradicionalmente são imputados à ponderação 1212 com o intuito de lhe conferir suporte racional e disciplinado renunciando todavia à sua redução a uma fórmula matemática esta sim seguramente condenada ao fracasso 1213 Assim a despeito da existência de uma série de teorizações a respeito dos meios de controle da utilização não abusiva da própria proporcionalidade e da razoabilidade assim como dos princípios em geral não é aqui que tais questões serão desenvolvidas 3944 A assim chamada garantia do núcleo essencial dos direitos fundamentais A garantia de proteção do núcleo essencial dos direitos fundamentais aponta para a parcela do conteúdo de um direito sem a qual ele perde a sua mínima eficácia deixando com isso de ser reconhecível como um direito fundamental 1214 A ideia fundamental deste requisito é a de que existem conteúdos invioláveis dos direitos fundamentais que se reconduzem a posições indisponíveis às intervenções dos poderes estatais mas que também podem ser opostas a particulares embora quanto a este último aspecto exista divergência doutrinária relevante Mesmo quando o legislador está constitucionalmente autorizado a editar normas restritivas ele permanece vinculado à salvaguarda do núcleo essencial dos direitos restringidos 1215 Não cabe aqui avaliar se o núcleo essencial seria ou não determinado com base num processo de ponderação dando origem a duas teorias sobre o núcleo essencial a absoluta e a relativa 1216 Na primeira hipótese o respeito ao núcleo intangível dos direitos fundamentais poderia desempenhar o papel de um filtro muitas vezes subsidiário ao exame de proporcionalidade na segunda estaria muito provavelmente fadado a ser absorvido por este exame 1217 Cumpre no entanto ressaltar o objetivo comum que ambas as teorias mesmo que por caminhos diversos se esforçam em alcançar a garantia de uma maior proteção dos direitos fundamentais 1218 Daí referir Peter Lerche que não obstante os posicionamentos não se encaixem bem uns com os outros do ponto de vista formal permanecem avizinhados no que toca aos seus efeitos práticos 1219 No direito constitucional brasileiro em termos gerais segue correta a observação de que a despeito de importantes contribuições doutrinárias não existem salvo exceções 1220 trabalhos mais extensos exclusivamente dedicados ao tema o que ainda mais considerando a frequência com que a garantia do núcleo essencial tem sido referida na jurisprudência com destaque para o STF não deixa de causar espécie como aliás bem apontou Virgílio Afonso da Silva autor da mais importante obra brasileira sobre o tema 1221 Diversamente de outras ordens constitucionais como é o caso da Alemanha da Grécia de Portugal e da Espanha para referir apenas as que mais influenciaram o nosso constituinte a Constituição Federal de 1988 não agasalhou expressamente uma garantia do núcleo essencial o que pelo perfil eminentemente declaratório de tais cláusulas expressas nunca impediu nem teria como o reconhecimento entre nós de tal garantia 1222 Neste contexto vale realçar que a ideia de núcleo essencial tem sido utilizada pelo STF por exemplo para interpretar as limitações materiais ao poder constituinte de reforma enumeradas pelo art 60 4º da CF1988 1223 Por ocasião da arguição da inconstitucionalidade de preceito supostamente tendente a abolir a forma federativa de Estado CF art 60 4º I firmouse o entendimento de que as limitações materiais ao poder constituinte de reforma não significam a intangibilidade literal da respectiva disciplina na Constituição originária mas apenas a proteção do núcleo essencial dos princípios e institutos cuja preservação nelas se protege 1224 Embora nós mesmos tenhamos lançado mão de tal linha argumentativa no sentido de que a dicção do art 60 4º da CF dispondo que não será objeto de deliberação proposta de emenda constitucional tendente a abolir grifo nosso implica uma manifestação constitucional em prol da tutela do núcleo essencial no sentido de que também restrições que possam ser consideradas equivalentes a uma efetiva supressão encontramse vedadas 1225 parece correto que o significado da tutela assegurada por conta de uma garantia implícita do núcleo essencial não pode ser simplesmente equiparado à função dos limites materiais do poder de reforma constitucional o que não impede a aplicação da noção de núcleo essencial assim nos parece nesta seara ainda que a prevalecer esta tese no contexto da tutela contra emendas constitucionais se esteja em princípio em face da dimensão objetiva da garantia do núcleo essencial onde se busca impedir restrições que tornem o direito tutelado sem significado para a vida social como um todo 1226 Para além de outras considerações insistimos aqui na tese de que o núcleo essencial dos direitos fundamentais não se confunde com o maior ou menor conteúdo em dignidade da pessoa humana dos direitos fundamentais assim como também a assim designada garantia do mínimo existencial mesmo no caso dos direitos sociais não pode ser pura e simplesmente identificada com o núcleo essencial de tais direitos pelo menos não no sentido de que se trata de categorias absolutamente idênticas o que todavia não significa que não haja uma relação entre tais figuras jurídicas 1227 Por outro lado é preciso enfatizar que a garantia do conteúdo ou núcleo essencial não equivale pelo menos não necessariamente a uma salvaguarda de um conteúdo mínimo em outras palavras como bem averba Ignacio Villaverde Menéndez a qualificação do conteúdo protegido em face das restrições se dá precipuamente não pelo fato de ser um conteúdo mínimo mas sim pela circunstância de que está imune à ação do Poder Público e portanto segue à disposição do titular do direito 1228 De qualquer sorte reafirmando o intento de não aprofundarmos aqui o debate colocamos em destaque algumas assertivas de crucial relevância para o tema e o seu adequado tratamento doutrinário e jurisprudencial que a se considerar a ausência especialmente de uma jurisprudência pelo menos tendencialmente uniforme pelo menos no que diz com a adoção da teoria absoluta ou relativa do núcleo essencial deverão ainda ser objeto de acirrada controvérsia Com efeito resulta elementar que a exata determinação de qual o núcleo essencial de um direito dificilmente poderá ser estabelecida em abstrato e previamente de tal sorte que ainda que se possa controverter sobre aspectos importantes de sua formulação doutrinária a razão de fato parece estar com Virgílio Afonso da Silva ao afirmar que o conteúdo essencial dos direitos fundamentais é definido a partir da relação entre diversas variáveis e de todos os problemas que as cercam como o suporte fático dos direitos fundamentais amplo ou restrito e a relação entre os direitos e suas restrições teorias externa ou interna 4 DIREITOS FUNDAMENTAIS EM ESPÉCIE Ingo Wolfgang Sarlet 41 O direito à vida 1 411 Breve histórico da noção de direito natural à consagração como direito humano e fundamental A vida já por força do instinto de sobrevivência sempre foi um bem caro para o ser humano no contexto de sua organização social política e jurídica tanto é que a proteção da vida e da integridade física do ser humano foi considerada um dos fins essenciais do Estado e razão de sua existência o que por exemplo se constata na obra de Thomas Hobbes 15881679 Além disso a noção de um direito à vida foi e ainda é muitas vezes associada à noção de um direito natural no sentido de um direito inato e inalienável do ser humano como bem ilustra a obra de John Locke 16321704 2 O reconhecimento na perspectiva do direito positivo de um direito à vida como direito humano e fundamental todavia não pode ser confundido com a noção de necessidades ou mesmo de instintos inclusive o de defesa e de sobrevivência que recebem proteção jurídica mas não justificam necessariamente por isso ou apenas por isso uma concepção de direitos naturais Por outro lado não sendo o nosso intento desenvolver a digressão na perspectiva de uma doutrina do direito natural especialmente considerando o foco da presente obra o fato é que no plano do direito constitucional positivo e do direito internacional dos direitos humanos o reconhecimento de um direito à vida remonta aos primórdios do constitucionalismo moderno O primeiro documento a consagrar um direito à vida numa acepção que já pode ser considerada próxima da moderna noção de direitos humanos e fundamentais foi a Declaração de Direitos da Virgínia de 1776 que no seu art 1º incluía a vida no rol dos direitos inerentes à pessoa humana A Constituição Federal norte americana de 1787 por sua vez não contemplava um catálogo de direitos e garantias tendo sido apenas mediante a aprovação da Quinta Emenda de 1791 que o direito à vida passou a assumir a condição de direito fundamental na ordem jurídicoconstitucional dos Estados Unidos da América de resto a primeira consagração do direito à vida como direito fundamental de matriz constitucional da pessoa humana na história constitucional De acordo com a dicção da Quinta Emenda nenhuma pessoa será desprovida de sua vida liberdade ou propriedade sem o devido processo legal Ainda no contexto da fase inaugural do constitucionalismo moderno importa anotar que as constituições da Revolução Francesa bem como a posterior Carta Constitucional de 1814 não faziam menção explícita ao direito à vida utilizando apenas o conceito de uma garantia da segurança Desde então ressalvadas algumas exceções o direito à vida acabou não merecendo durante muito tempo um reconhecimento no plano do direito constitucional positivo da maior parte dos Estados o que apenas acabou com a viragem provocada pela II Grande Guerra Mundial que não apenas alterou a ordem mundial mas também afetou profundamente o próprio conteúdo e em parte também o papel das constituições além da influência gerada pela Declaração dos Direitos Humanos da ONU 1948 e dos posteriores pactos internacionais para proteção dos direitos humanos com destaque numa primeira fase para o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos de 1966 sobre as constituições promulgadas na segunda metade do século XX Neste período destacase a Lei Fundamental da Alemanha de 1949 que não apenas reconheceu o direito à vida como direito fundamental mas também foi a primeira a vedar completamente em qualquer hipótese a pena de morte No plano internacional a partir da sua consagração na Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948 no artigo III toda pessoa tem o direito à vida à liberdade e à segurança pessoal diversos outros documentos internacionais positivaram um direito específico à vida como dá conta num primeiro momento o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos de 1966 quando no seu art 6º 1 dispõe que o direito à vida é inerente à pessoa humana Este direito deverá ser protegido pela lei Ninguém poderá ser arbitrariamente privado de sua vida além de prever uma série de limitações à imposição da pena de morte tais como a previsão da pena de morte apenas para os crimes mais graves mediante sentença judicial final a previsão da possibilidade de indulto ou comutação da pena a vedação da pena de morte para menores de 18 anos de idade e para mulheres grávidas art 6º 2 a 6 Importa sublinhar que mediante o Segundo Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos de 1989 foi aprovada a abolição da pena de morte pelos Estados aderentes à exceção dos casos de punição militar em períodos de guerra documento que foi ratificado pelo Brasil em 2003 mas cujo teor já tinha sido incorporado pelo texto da Constituição Federal Já na esfera regional assumem relevo dentre outros instrumentos que poderiam ser colacionados a Convenção Americana de Direitos Humanos 1969 que no seu art 4º 1 dispõe que toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida Esse direito deve ser protegido pela lei e em geral desde o momento da concepção Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente Além disso o Pacto de São José da Costa Rica assegura que nos países onde a pena de morte não foi abolida ela apenas poderá ser aplicada a delitos mais graves com base em sentença judicial final e nos termos da lei art 4º 2 bem como veda a reintrodução da pena de morte em países onde foi abolida art 4º 3 O Protocolo Adicional à Convenção Americana de Direitos Humanos de 1990 estabelece a abolição da pena de morte ressalvada a possibilidade de exceções em caso de guerra aditivo ratificado pelo Brasil em 1998 No plano europeu contudo a vedação da pena de morte ganhou contornos ainda mais incisivos embora na sua versão inicial a Convenção Europeia dos Direitos Humanos 1950 não tivesse proibido a pena de morte registrese apenas para ilustrar que a França ainda se valia do método da decapitação pela guilhotina até meados da década de 1950 e a Inglaterra na ocasião ainda praticava a pena de morte mediante enforcamento isso veio a ser alterado gradativamente Numa primeira etapa por força do 6º Protocolo Adicional de 1983 a pena de morte passou a ser permitida apenas nos casos de guerra externa ou de atos praticados nos casos de iminente ameaça de guerra tendo sido somente mediante a aprovação do 13º Protocolo Adicional à Convenção Europeia de Direitos Humanos em vigor desde 2003 que a pena de morte foi proscrita em qualquer circunstância No âmbito da evolução constitucional brasileira verificase que na Constituição de 1824 a exemplo do paradigma da França de então não havia previsão de um direito à vida mas apenas de um direito à segurança individual o mesmo ocorrendo com a Constituição de 1891 Na Constituição de 1934 embora o direito à vida não tenha sido expressamente agasalhado a pena de morte salvo em caso de guerra com país estrangeiro e nos termos da legislação militar foi abolida art 113 29 Também na Constituição de 1937 o direito à vida não foi contemplado ampliandose além disso as hipóteses de aplicação da pena de morte art 122 13 Foi apenas na Constituição de 1946 que o direito à vida mereceu reconhecimento e proteção como direito individual art 141 caput retomandose a técnica da Constituição de 1934 no que diz com o banimento da pena de morte salvo nos casos de guerra com nação estrangeira e nos termos da legislação militar o que foi mantido na Constituição de 1967 art 150 caput e 11 com a ressalva de que o texto constitucional se refere ao caso de guerra externa e não de guerra com outro país embora a equivalência das situações o que por sua vez foi reproduzido no texto resultante da alteração promovida pela EC 11969 art 153 caput e 11 Na Constituição Federal de 1988 o direito à vida foi expressamente contemplado no elenco do art 5º caput na condição mesma a teor do texto constitucional de direito inviolável Além da proteção genérica já referida a vida encontrou proteção constitucional adicional mediante a proibição da pena de morte salvo em caso de guerra declarada art 5º XLVII a guardando portanto sintonia textual com o sistema internacional Pacto de Direitos Civis e Políticos e Protocolo Adicional e regional interamericano de proteção dos direitos humanos Em termos de direito constitucional comparado a fórmula utilizada pela Constituição Federal todavia diferenciase de outras Constituições mesmo anteriores tal como ilustra o caso da Constituição portuguesa de 1976 que no seu art 24 afirma solenemente que a vida humana é inviolável e veda categoricamente qualquer modalidade de pena de morte vedação esta que já constava na versão original da Lei Fundamental da Alemanha art 102 que neste particular ainda que como reação ao passado recente marcado pela barbárie nacionalsocialista e seu descaso com a vida humana foi pioneira no âmbito do constitucionalismo ocidental 3 Dada a sua formulação genérica além de considerada sua relevância o conteúdo do direito à vida como direito fundamental e o alcance de sua proteção jurídicoconstitucional incluindo a vedação da pena de morte assim como em linhas gerais a sua relação com outros direitos fundamentais serão objeto de atenção ao longo dos próximos itens iniciandose pelo âmbito de proteção do direito à vida 412 Âmbito de proteção do direito à vida o conceito de vida para efeitos da tutela jurídica O conceito de vida para efeitos da proteção jusfundamental é aquele de existência física Cuidase portanto de critério meramente biológico sendo considerada vida humana toda aquela baseada no código genético humano Em apertada síntese é possível afirmar que o direito à vida consiste no direito de todos os seres humanos de viverem abarcando a existência corporal no sentido da existência biológica e fisiológica do ser humano 4 Com isso buscase afastar toda e qualquer concepção de ordem moral social política religiosa ou racial acerca da vida humana especialmente aquelas que pretendem uma diferenciação entre uma vida digna e a vida indigna de ser vivida e neste sentido reconhecida e protegida pela ordem jurídica 5 A noção de vida digna que pode assumir uma feição positiva como se verá mais adiante portanto não poderá servir de fundamento para a imposição de uma condição de inferioridade a determinados indivíduos tal qual ocorreu em tempos mais recentes sob a égide da ideologia nacionalsocialista mas que já era praticada em diversos ambientes bem antes da instauração do nazismo guardando além disso relação com a existência de práticas eugênicas já na Antiguidade bastaria lembrar a eliminação dos recémnascidos defeituosos em Esparta tidos como imprestáveis para assumir seu papel na sociedade e que ainda seriam encontradas mesmo na Europa após a Segunda Grande Guerra O que importa sublinhar no contexto é que a noção de uma vida indigna deve ser tida como completamente dissociada da ordem constitucional 6 De qualquer sorte sem que se possa aqui aprofundar a questão pelo menos merece referência o fato de que no campo da proteção da vida intrauterina e da reprodução assistida apenas para ilustrar com os exemplos mais emblemáticos na atualidade mas também no que concerne à discussão sobre a eutanásia o problema ético e jurídico da eugenia segue tendo relevância ainda que evidentemente de modo muito distinto das práticas eugênicas baseadas em critérios de pureza racial ou similares Com tal valoração negativa da vida humana não se confunde à evidência a noção de um direito a uma vida digna que resulta da ligação mas não confusão entre o direito à vida e a dignidade da pessoa humana e diz respeito ademais às obrigações positivas do Estado e da sociedade para com o indivíduo inclusive no campo da garantia de um mínimo existencial aspectos que voltarão a ser referidos Certo é que o direito à vida opera para além de sua condição de direito fundamental autônomo como pressuposto fundante de todos os demais direitos fundamentais 7 verdadeiro prérequisito da existência dos demais direitos consagrados constitucionalmente 8 ou como enfatizado pelo Tribunal Constitucional Federal da Alemanha como base vital da própria dignidade da pessoa humana 9 Além e independentemente disso a relação entre o direito à vida e os outros direitos fundamentais é diversificada e evidentemente não se verifica em todos os casos o que será objeto de sumária análise logo a seguir 413 Relação do direito à vida com outros direitos fundamentais A relação mais forte como já foi possível verificar é a que se estabelece entre o direito à vida e a dignidade da pessoa humana precisamente em função do valor da vida para a pessoa e para a ordem jurídica ademais do fato de que a vida é o substrato fisiológico existencial no sentido biológico da própria dignidade mas também de acordo com a premissa de que toda vida humana é digna de ser vivida 10 Todavia é preciso enfa tizar que por mais forte que seja a conexão dignidade e vida não se confundem Cuidase de direitos humanos e fundamentais autônomos que além disso podem estar em relação de tensão e mesmo de eventual conflito por exemplo quando se cuida de em nome da dignidade da pessoa humana autorizar a interrupção da gravidez ou mesmo a eutanásia tópicos que serão objeto de abordagem específica mais adiante De qualquer sorte a necessária diferenciação entre o direito à vida e a dignidade da pessoa humana também serve ao propósito de se evitarem os riscos de uma biologização da dignidade 11 o que assume relevo especialmente quando em causa a proteção da vida e da dignidade nos limites da vida Importante é que se deixe assente que vida e dignidade são grandezas valores princípios direitos que não podem ser hierarquizados em abstrato respeitandose ademais a sua pelo menos parcial autonomia no que diz com seus respectivos âmbitos de proteção 12 Para ilustrar bastaria recordar que a dignidade da pessoa humana não exige necessariamente uma proteção absoluta do direito à vida 13 Outro direito fundamental fortemente conectado com o direito à vida é o direito à integridade física corporal e psíquica o qual diversamente do direito à vida protege a integridade corporal e psíquica proteção esta que se agrega à proteção da existência física direito de viver mas com esta não se confunde O direito à integridade física e psíquica tem desenvolvimento histórico similar ao do direito à vida de tal sorte que a doutrina aponta uma quase identidade desses dois direitos e dos seus âmbitos de proteção muito embora também aqui se trate de direitos autônomos Nessa perspectiva a violação do direito à vida sempre abrange uma afetação da integridade física e corporal ao passo que uma intervenção nesta muitas vezes coloca em risco a vida e em outros casos leva à morte muito embora o direito à integridade física e corporal também abarque intervenções que não geram risco à vida 14 O direito à saúde que igualmente será objeto de item próprio na parte relativa aos direitos sociais embora também apresente uma forte ligação com o direito à vida com este não se confunde Com efeito o direito à vida não pode ser lido de forma a abranger a ampla proteção da saúde o que é relevante especialmente em ordens constitucionais como a alemã ou a norteamericana em que apesar de estar consagrado o direito à vida não há menção explícita a um direito à saúde Por outro lado a ligação cresce em importância quando diante da ausência de previsão de um direito à saúde o direito à vida naquilo que evidentemente guarda relação com o direito à saúde opera como fundamento para o reconhecimento de obrigações com a saúde Isso ocorre por exemplo no âmbito da Convenção Europeia de Direitos Humanos quando com base no direito à vida e no direito à integridade física consubstanciado na proibição de tortura o Tribunal Europeu de Direitos Humanos reconhece obrigações de cuidados médicos por parte do Estado em determinadas circunstâncias Em síntese isso significa que a partir do direito à vida o mesmo no caso do direito à integridade corporal são deduzidos deveres estatais de proteção e promoção da saúde 15 Apenas em caráter ilustrativo podem ser colacionados dois casos apreciados pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos A Corte sustentou em casos envolvendo alegações de más práticas médicas que o Estado tem uma obrigação positiva de proteção à vida que inclui o requisito de que hospitais tenham regulamentações no sentido de proteger a vida dos pacientes Além disso considerou que colocar a vida de um paciente em risco por negar acesso a tratamento médico que deve ser disponível para a população em geral importa na violação do direito à vida 16 Embora os países disponham de liberdade para decidir como configurar seu respectivo sistema de saúde a falta de uma proteção mínima todavia viola o direito à vida 17 Já no caso Anguelova v Bulgária 2002 foi ressaltado que o Estado tem uma obrigação de fornecer tratamento médico aos seus apenados por força do direito à vida hipótese que voltou a ser objeto de reconhecimento pelo Tribunal em julgamentos mais recentes 18 Neste mesmo contexto a doutrina alemã entende que a partir do direito à vida e do princípio do Estado Social pode ser reconhecida a obrigação estatal de estabelecer um sistema de saúde pública muito embora o espaço de conformação do legislador seja tão amplo a ponto de não ser possível reconhecer um direito originário posição individual subjetiva sem prévia interposição legislativa a prestações de saúde 19 Assim pelo Tribunal Federal Constitucional Federal alemão apenas de forma isolada são reconhecidas certas pretensões relacionadas ao direito à saúde com base no direito fundamental à vida como por exemplo o direito a um tratamento não convencional em caso de doença letal e para a qual não há tratamento médico amplamente reconhecido 20 O que se constata a partir das situações relatadas é que o direito à vida assim como o direito à integridade corporal pode em virtude de sua relação com a proteção e promoção da saúde assumir um papel de destaque também na seara dos direitos sociais o que aliás tem sido o caso em diversos ambientes mesmo onde os direitos sociais não foram expressamente previstos na Constituição como dá conta por exemplo a experiência euro peia em que nem todas as constituições albergaram direitos sociais 21 Aqui assume relevância a noção de um mínimo existencial ou seja o Estado tem a obrigação de assegurar a todos as condições materiais mínimas para uma vida com dignidade aspecto que também diz respeito às relações entre o direito à vida e a dignidade da pessoa humana mas também aos direitos sociais dentre os quais o já referido direito à saúde além de implicar obrigações positivas para o Estado relacionadas com a vida humana22 Esse ponto contudo será objeto de maior atenção no item destinado à dupla dimensão objetiva e subjetiva do direito à vida No contexto da proteção ambiental o direito à vida impõe também medidas de proteção contra a degradação ambiental notadamente quando colocada em risco de forma imediata a vida dos indivíduos de modo que também aqui na relação entre direito à vida e proteção ambiental há fortes pontos de contato ainda que se trate de direitos e deveres autônomos entre si 23 Já outras formas de poluição ainda que não coloquem a vida em risco direto violam a integridade física e o direito à saúde deslocando a relação para outra esfera Ainda que se pudesse ampliar o leque de direitos que guardam maior ou menor relação com o direito à vida os exemplos referidos bem ilustram a transversalidade do direito à vida e sua relevância para o sistema de direitos humanos e fundamentais marcado por zonas de convergência superposição inquestionáveis mas ao mesmo tempo indicam a necessidade de uma rigorosa observância de algumas fronteiras de modo a não se dissolver o direito à vida no conjunto mais amplo dos direitos fundamentais nem se retirar do direito à vida a sua integridade como direito fundamental autônomo com um âmbito particular de proteção 414 A titularidade do direito à vida e o problema do início e fim da proteção jurídicoconstitucional da vida humana A titularidade do direito à vida é a mais ampla possível e é assegurada a qualquer pessoa natural portanto qualquer ser humano independentemente de ser nacional ou estrangeiro visto que se trata de direito cuja titularidade inequivocamente se rege pelo princípio da universalidade e não pode ser reservada apenas aos brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil 24 Sem que aqui se vá aprofundar o ponto pelo que remetemos ao tópico correspondente da parte geral dos direitos fundamentais o direito à vida constitui exemplo evidente de que o enunciado do art 5º caput da CF1988 no que dispõe sobre a titularidade dos direitos fundamentais não pode ser lido de modo literal e restritivo A tutela da vida a correlata proibição da pena de morte assim como a tutela da dignidade da pessoa humana são evidentemente asseguradas na condição de direitos fundamentais aos estrangeiros não residentes no País Em razão da absoluta incompatibilidade não são titulares do direito à vida as pessoas jurídicas Questões relacionadas à proteção de sua existência como pessoas jurídicas estão abrangidas pelo direito de associação ou outros direitos que asseguram as pessoas jurídicas contra sua extinção arbitrária 25 Embora haja consenso acerca do fato de que o direito à vida abrange a vida humana durante o lapso temporal que medeia o início da vida humana até a morte segue sendo problemática a definição de quando inicia e termina a vida humana e atrelada a isso a decisão sobre quando começa e cessa a proteção jurídico constitucional da vida humana É neste contexto que se coloca por exemplo a pergunta sobre se o feto ou mesmo o embrião são titulares sujeitos ativos do direito à vida eou se existe uma correspondência entre a existência de vida por exemplo na questão das célulastronco e a titularidade do direito à vida como direito humano e fundamental Consoante já referido na parte geral dos direitos fundamentais no item relativo aos titulares dos direitos fundamentais a questão segue polêmica já pelo fato de que a Constituição Federal assim como ocorre em outras ordens jurídicas não dispõe expressamente sobre o início da proteção da vida humana notadamente se esta abarca o nascituro No Brasil de acordo com o STF a depender do voto do Min Carlos Britto na ADIn 3510 versando sobre os dispositivos da Lei de Biossegurança que tratam da pesquisa com célulastronco e o uso de embriões não haveria titularidade de um direito à vida antes do nascimento com vida Com efeito ao que tudo indica o STF visto que a maioria dos ministros acompanhou o voto do relator parte do pressuposto de que a Constituição não faz de todo e qualquer estágio da vida humana um bem jurídico autônomo assegurado na condição de direito subjetivo fundamental mas da vida que já é própria de uma concreta pessoa porquanto nascida com vida de tal sorte que a inviolabilidade da qual trata o art 5º caput diz respeito exclusivamente a um indivíduo já personalizado 26 Por outro lado é possível extrair da decisão referida que a proteção jurídicoconstitucional da vida intrauterina portanto da vida antes do nascimento se dá por conta da extensão do âmbito subjetivo pessoal de proteção da dignidade da pessoa humana no sentido de que embora não se possa falar de uma pessoa na condição de sujeito de direitos fundamentais existe uma proteção que atinge todo o processo vital compreendido como um processo indivisível de formação do ser humano que deságua no indivíduo pessoa resultante do nascimento com vida Já os embriões derivados de uma fertilização artificial extrauterina dos quais tratam os dispositivos questionados da Lei de Biossegurança não se inserem no âmbito da proteção legal que incrimina o aborto visto que tal proteção abrange apenas um organismo ou entidade pré natal sempre no interior do corpo feminino Se o embrião humano de que trata o art 5º da Lei da Biossegurança é um ente absolutamente incapaz de qualquer resquício de vida encefálica a afirmação de incompatibilidade daquele diploma legal com a Constituição haveria então de ser afastada conforme o entendimento majoritário formado no STF quando do julgamento da ADIn 3510 já referido Também o direito ao livre planejamento familiar ancorado no art 226 7º da CF foi esgrimido como argumento contrário a uma obrigação de aproveitamento de todos os embriões resultantes da tentativa de engravidar por parte dos pretensos pais o mesmo valendo para o direito à saúde que estaria sendo promovido mediante a autorização das pesquisas com célulastronco e o direito à livre expressão da atividade científica A partir do exposto verificase que o reconhecimento da titularidade do direito à vida antes do nascimento com vida segue sujeito a controvérsia não sendo o caso aqui de aprofundar tal debate ainda mais que a titularidade dos direitos fundamentais constitui objeto de item próprio no âmbito da parte geral dos direitos fundamentais Tal controvérsia se reveste de grande atualidade também no caso brasileiro especialmente para os casos de interrupção voluntária da gravidez abortamento igualmente submetidos ao crivo do STF que como já referido no capítulo sobre a titularidade dos direitos fundamentais pelas pessoas naturais embora tenha chancelado a prática do aborto nos casos de anencenfalia quando do julgamento da ADPF 54 em abril de 2012 também aqui não adotou posição conclusiva sobre o tema o mesmo ocorrendo no julgamento do habeas corpus 124306RJ em 09082016 quando foi reconhecida a possibilidade do abortamento livre durante as doze primeiras semanas de gravidez De qualquer modo mesmo que se parta do pressuposto de que a titularidade do direito à vida na condição de um direito subjetivo inicia apenas com o nascimento com vida isso não significa ausência de proteção constitucional da vida antes do nascimento visto que tal proteção poderá ocorrer no âmbito de uma proteção objetiva por meio da figura dos deveres de proteção estatais solução que de resto tem sido também bastante prestigiada no âmbito da jurisprudência constitucional estrangeira com destaque para a problemática da interrupção da gravidez e mesmo de outras formas de intervenção na vida e mesmo dignidade humana Como tais questões serão objeto de análise em separado aqui não serão mais desenvolvidas No que diz respeito ao fim da proteção constitucional o direito à vida cessa com a morte de seu titular muito embora a definição precisa do evento morte seja também objeto de alguma controvérsia considerandose a ausência de critérios uniformes muito embora o reconhecimento do critério da morte cerebral que permite a utilização dos órgãos do falecido para efeitos de transplantes O critério de morte cerebral para o estabelecimento do final da vida adotado pelo legislador tanto no Brasil 27 quanto apenas para ilustrar em Portugal e na Alemanha é constitucionalmente adequado Embora existam outros critérios e a despeito das críticas veiculadas em relação ao critério da morte cerebral 28 tal opção situase dentro dos limites da liberdade de conformação legislativa situandose entre as fronteiras da proibição de proteção insuficiente e da proibição de intervenção excessiva visto que o critério da morte cerebral como já frisado ao mesmo tempo em que permite aferir a cessação da possibilidade de vida autônoma a morte cerebral implica a completa e irreversível cessação da atividade cerebral permite a utilização dos órgãos para salvar vidas de terceiros Critérios mais restritivos para o reconhecimento do final da vida não podem ou não poderiam de qualquer forma emanar de resoluções de conselhos médicos ou outras fontes normativas que não uma lei em sentido formal e material temática que todavia aqui não temos como desenvolver Por outro lado a opção pelo critério da morte cerebral há de vir acompanhada aqui também por força do dever de proteção estatal da vida humana de regulamentação adequada das técnicas e do procedimento para a fixação da morte cerebral e da sua respectiva segurança Já no que diz respeito à proteção do cadáver do corpo humano sem vida esta se dá não mais no âmbito do direito à vida mas sim na esfera da dimensão objetiva da dignidade da pessoa humana ou do direito à imagem e à honra o que será examinado no tópico relativo aos direitos de personalidade 415 Destinatários sujeitos passivos órgãos estatais e particulares Destinatário direto e inquestionável do direito fundamental à vida é o Estado em todas as suas formas de atuação no sentido do que se chamou na parte geral dos direitos fundamentais de uma vinculação isenta de lacunas que alcança os órgãos as funções os agentes e os atos ainda que o Estado atue mediante delegação Mas a vinculação sempre direta do Estado exclui a vinculação direta ou indireta dos particulares A dignidade da pessoa e o direito à vida são a base estrutural de toda comunidade humana e devem ser respeitados também pelos demais sujeitos de direito O que se revela controverso é como os particulares figuram no polo passivo do direito à vida ou seja se tal vinculação opera apenas por meio da dimensão objetiva dos direitos fundamentais no sentido de que o Estado deve criar normas de sanção e proibição endereçadas a particulares ou se além disso ocorre uma vinculação direta Como a vinculação dos particulares aos direitos fundamentais integra o respectivo tópico na parte geral dos direitos fundamentais aqui deixaremos de desenvolver o ponto destacando todavia que uma vinculação direta ou indireta a depender do caso dos particulares é de ser afirmada 416 O direito à vida e sua dupla dimensão objetiva e subjetiva como dever de proteção e complexo de posições subjetivas de conteú do negativo e positivo 4161 Considerações gerais Assim como ocorre com a dignidade da pessoa humana e mesmo com o direito à saúde sem prejuízo de outros que poderiam ser lembrados a utilização da fórmula de um direito à vida há de ser devidamente compreendida visto que não se cogita de um direito à vida no sentido de um direito a viver por força de uma prestação de alguém destinatário sujeito passivo do direito mas sim de não ter sua vida interrompida e portanto o direito de ter a sua vida respeitada direito de não ser morto assim como o direito de ter a sua vida protegida pelo Estado tratandose de intervenções por parte de terceiros29 ou mesmo contra o Estado30 como no caso da proibição da pena de morte Assim o mais apropriado será falar não de um direito à vida mas sim de um direito ao respeito e à proteção da vida humana Tais dimensões respeito e proteção por sua vez guardam relação com as posições jurídicas negativas e positivas vinculadas às dimensões subjetiva e objetiva do direito à vida e dos direitos fundamentais de um modo geral de tal sorte que serão desenvolvidas a seguir 4162 Dimensões subjetiva e objetiva do direito à vida Na condição de direito subjetivo o direito à vida situase no âmbito da clássica formulação dos direitos fundamentais como posições jurídicas subjetivas atribuídas a um titular no caso a pessoa física a exigir determinadas abstenções ou prestações fáticas ou jurídicas de um destinatário que em regra é o Estado não excluindo a vinculação indireta eou direta dos particulares Assim compreendido como um direito fundamental em sentido amplo também o direito à vida abrange um complexo de posições subjetivas de cunho negativo defensivo e positivo prestacional Nessa perspectiva o direito à vida tem uma dimensão negativa quando assume a condição de direito de defesa cujo objeto é uma obrigação de abstenção por parte do Estado e dos particulares gerando portanto uma obrigação de respeito e de não intervenção no âmbito do direito à vida muito embora o objeto do direito de defesa inclua também situações de ameaça e mesmo riscos para a vida 31 Mas o direito à vida também apresenta uma dimensão positiva de um direito a prestações fáticas ou normativas implicando a obrigação por parte do Estado e mesmo de particulares a depender do caso de medidas ativas de proteção da vida como se verá quando da decodificação dos deveres de proteção estatal e dos correspondentes direitos à proteção logo a seguir Já na dimensão objetiva o direito à vida representa um valor um bem jurídico também objetivamente reconhecido e protegido donde decorrem efeitos jurídicos autônomos que por sua vez refletem na própria esfera subjetiva ampliando as possibilidades de proteção e promoção dos direitos fundamentais Com efeito os deveres de proteção do Estado em relação à vida projetamse muito além da simples proibição direta de violação impondo diversas obrigações de agir positivo que por sua vez especialmente no caso da ordem constitucional brasileira correspondem na esfera subjetiva e em diversas hipóteses a direitos subjetivos a prestações As obrigações estatais derivadas do dever de proteção abrangem 32 a o dever de proteção da vida por meio de medidas positivas como por exemplo em situações nas quais a vida dos cidadãos está submetida a ameaças de violação por parte de terceiros muito embora ao Poder Público seja reservada uma ampla margem de liberdade para determinação de quais os meios a serem utilizados para a proteção da vida Tal margem de liberdade para os órgãos estatais é tanto mais reduzida quanto mais as alternativas de uma proteção eficaz da vida forem também reduzidas 33 b dever de amparo financeiro em espécie ou bens e serviços como é o caso de prestações para garantia da sobrevivência física 34 ou mesmo na esfera mais ampliada de um mínimo existencial ou no caso de assegurar tratamentos de saúde imprescindíveis à salvaguarda da vida muito embora neste caso a previsão de um direito à saúde na Constituição Federal já pudesse cobrir tais hipóteses c estabelecimento de normas de direito organizacional e processual Tal obrigação implica que o Estado ofereça uma adequada proteção da vida dos indivíduos ao estabelecer normas processuais Exemplo disso é a garantia de proteção de testemunhas cujo depoimento implica grave ameaça à sua vida ou mesmo a obrigação de garantir a devida proteção do réu no processo criminal 35 Mais especificamente no caso de estrangeiros o Estado brasileiro não extradita indivíduos que em seu país de origem serão ou já foram sentenciados com a pena de morte de acordo com reiterada jurisprudência do STF 36 d deveres de criminalização e responsabilidade civil e administrativa Uma das principais modalidades de o Estado levar a efeito o seu dever de proteção com a vida humana reside no papel direcionado aqui ao legislador de criminalização de condutas atentatórias ao direito à vida ainda que também aqui o Estado Legislador detenha ampla margem de conformação no que diz com aspectos específicos como por exemplo o montante da pena Também a responsabilidade civil e administrativa a depender do caso do Estado é decorrência da violação de seus deveres de proteção o que se manifesta de forma particularmente aguda quando se trata de pessoas sujeitas sem alternativa à custódia direta estatal como ocorre no caso dos presos Nesse sentido aliás colacionase julgado do STF RE 841526 rel Min Luiz Fux j 30032016 de acordo com o qual na hipótese de violação do seu dever específico de proteção previsto no art 5º XLIX da Constituição Federal o Estado é responsável civilmente pela morte do detento e proibições e sanções estatais direcionadas aos particulares no âmbito das quais o Estado tem a obrigação de uma prestação jurídica no sentido de vincular por meio da legislação entes particulares ao respeito ao direito à vida Nessa seara se enquadram a tipificação no direito penal de condutas que trazem dano ou ameaça de dano à vida como por exemplo a proibição da interrupção da gravidez da eutanásia bem como as normas de responsabilidade civil extracontratual 37 Importa frisar ainda que tais manifestações decorrentes do dever de proteção estatal da vida humana não representam um catálogo fechado de alternativas Além disso o controle da legitimidade constitucional das omissões e ações estatais nessa seara deverá observar sempre o balanceamento entre o excesso de intervenção na esfera de direitos e garantias fundamentais e com particular relevância para os deveres de proteção a assim chamada proibição de proteção insuficiente ou deficiente que aqui não será tematizada porquanto abordada na parte geral dos direitos fundamentais 417 Limites das intervenções no direito à vida uma análise a partir de alguns exemplos 4171 Considerações gerais A despeito de ter sido consagrado no art 5º caput no qual lhe foi solenemente assegurada inviolabilidade não se poderá reconhecer que o direito à vida assume a condição de um direito absoluto no sentido de absolutamente imune a intervenções legítimas sob o ponto de vista jurídicoconstitucional Diversamente do que ocorreu na Alemanha onde a Lei Fundamental estabeleceu uma expressa reserva legal a Constituição Federal como já frisado assegurou uma proteção aparentemente mais forte ao direito à vida o que todavia não procede visto que bastaria apontar para a exceção prevista na própria Constituição de que em caso de guerra declarada nos casos regulamentados pela legislação infraconstitucional cabível a aplicação da pena de morte Da mesma forma a mera previsão ainda que de modo limitado de hipóteses legais admitindo a interrupção da gravidez igualmente demonstra que a ordem jurídica reconhece situações nas quais a supressão da vida de um ser humano sem prejuízo no caso da interrupção da gravidez da discussão sobre a existência de um direito à vida e mesmo de um dever objetivo de proteção da vida nesta fase é pelo menos tolerada no sentido de não implicar sanção o mesmo ocorrendo nos casos de legítima defesa exercício regular de um direito etc em que a ilicitude do ato de matar é afastada O exemplo do direito à vida diversamente da generalidade dos direitos fundamentais revela também que a assim chamada garantia do núcleo essencial poderá coincidir com o próprio conteúdo do direito visto que qualquer intervenção no direito à vida implica a morte de seu titular Por outro lado também são classificadas como intervenções no direito à vida hipóteses de grave ameaça e risco para a vida que em sendo ultimadas levariam à morte e portanto teriam caráter irreversível 38 A questão portanto não é a de discutir a legitimidade de intervenções restritivas no sentido próprio do termo mas sim a de verificar a consistência jurídicoconstitucional de medidas que para a proteção de bens fundamentais individuais ou coletivos de terceiros ou mesmo no caso da eutanásia para a salvaguarda da dignidade do titular do direito à vida implicam a cessação da vida No que se verifica substancial consenso é no sentido de que embora não se trate de um direito absoluto propriamente dito intervenções no direito à vida somente poderão ser juridicamente justificadas em caráter excepcional e mediante requisitos materiais e formais rigorosos e sujeitos a forte controle Passemos a analisar alguns casos mais frequentes e que seguem gerando intensa discussão em sede doutrinária legislativa e jurisprudencial 4172 Existe um direito de matar O caso da pena de morte e de outras intervenções similares No caso do direito constitucional brasileiro a pena de morte salvo em caso de guerra declarada é expressamente vedada de tal sorte que mesmo mediante emenda constitucional não seria possível introduzir a pena de morte no ordenamento nacional visto que a sua proibição integra o conjunto dos limites materiais à reforma constitucional O quanto a própria exceção à vedação isto é a possibilidade de aplicação da pena de morte em caso de guerra declarada pode passar por um crivo com base na Constituição depende em última análise do conteúdo da sua regulação infraconstitucional pois embora a pena de morte não seja inconstitucional nessa hipótese poderá ser inconstitucional a forma de sua aplicação Ao prever a pena de morte em caso de guerra declarada a Constituição Federal consoante sinalado encontrase em harmonia com o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e a Convenção de São José da Costa Rica que também reconhecem a possibilidade da pena de morte nessa circunstância De qualquer sorte à luz tanto da evolução do entendimento sobre o tema na esfera internacional quanto das diretrizes da Constituição Federal os fundamentos para a imposição no caso de guerra externa declarada de uma pena de morte os destinatários de tal pena e os meios de execução da pena eventualmente aplicada podem e devem passar por um rigoroso teste quanto à sua consistência constitucional o que inclui o exame dos critérios da proporcionalidade impondose em qualquer caso uma interpretação restritiva quanto a tal possibilidade Nesse contexto vale conferir o alerta de Virgílio Afonso da Silva relativamente ao fato de que o Código Penal Militar do Brasil prevê a possibilidade de aplicação da pena de morte em mais de trinta situações além de estabelecer que a pena em todos os casos deve ser executada mediante fuzilamento39 forma de execução que é de se recordar nos EUA foi de há muito proscrita pela Suprema Corte ao menos para os casos envolvendo civis Que mediante uma reforma constitucional possa vir a ser suprimida tal exceção não apenas se revela como algo viável mas acima de tudo desejável a exemplo do que ocorreu no âmbito europeu A proibição da pena de morte contudo não implica que o direito à vida tenha um caráter absoluto nem impede que em determinadas circunstâncias a vida de alguém seja tomada sem que daí resulte uma sanção da ordem jurídica Assim o soldado em tempo de guerra que em situação de combate vem a tirar a vida de alguém não pratica crime salvo se o fizer mediante violação de alguma regra em particular Também o cidadão que obra em legítima defesa ou em estado de necessidade sem prejuízo de outras excludentes da ilicitude portanto atendendo aos critérios estabelecidos pela legislação penal não comete crime e não poderá ser punido pela morte que causou embora não seja propriamente o caso de se aceitar aqui a ideia de um direito fundamental de matar alguém Situações relativamente corriqueiras especialmente no Brasil dizem respeito aos casos em que integrantes das forças policiais quando em ação no combate ao crime tiram a vida de alguém ou o colocam gravemente em risco As estatísticas brasileiras são altamente preocupantes considerando o número de mortos civis pela ação da polícia Tirante os casos de legítima defesa própria que recaem sob o manto da excludente específica e universalizável de ilicitude é controverso o que significa o exercício regular de um direito ou mesmo a legítima defesa de terceiro nesse contexto notadamente quando se trata de o Estado por meio de seus órgãos e agentes cumprir com os seus deveres de proteção da vida humana Hipótese bastante comum e que encontra suporte na ordem jurídica é a da morte pela autoridade policial de um sequestrador para salvamento do sequestrado desde que o evento morte do sequestrador seja o único meio para salvar a vida do refém 40 O quanto todavia é exigível do Poder Público que liberte presos especialmente quando acusados ou mesmo já condenados pela prática de crimes graves homicídio terrorismo etc ou tome determinadas providências para assegurar a libertação de pessoa sequestrada diz respeito à maior ou menor margem de liberdade dos órgãos e agentes estatais no cumprimento de seu dever de proteção da vida humana problema que pode assumir dimensões dramáticas a depender das circunstâncias Particularmente controversos são os casos nos quais se discute se a morte de pessoas inocentes ou a colocação em risco de vida de inocentes se justifica como medida para salvar a vida de outros inocentes Dois exemplos extraídos da jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal da Alemanha são altamente elucidativos e podem contribuir para o desenvolvimento compreensão e mesmo solução do problema No primeiro caso julgado em 1977 o famoso caso Schleyer 41 no qual se analisou a obrigação por força do dever estatal de proteção da vida do Poder Público autoridade policial alemã no sentido de libertar um grupo de terroristas que haviam sido presos pela polícia como pagamento do resgate exigido para libertação do industrial HansMartin Schleyer que havia sido sequestrado pelo grupo ao qual pertenciam os presos cuja libertação era exigida No caso o Tribunal entendeu que a autoridade policial não poderia ser obrigada a libertar criminosos que uma vez postos em liberdade poderiam novamente colocar em risco a vida de inocentes e que a existência de um dever de proteção da vida do industrial sequestrado não leva necessariamente ao dever do Estado de tomar uma medida determinada de tal sorte que não deixou de haver uma espécie de contraposição entre o direito à vida do sequestrado e de terceiros Por ocasião de um julgamento mais recente no âmbito de um conjunto de decisões a respeito da legitimidade constitucional de medidas estatais destinadas ao combate do terrorismo e do crime organizado o Tribunal Constitucional Federal alemão teve de apreciar se o abatimento de um avião sequestrado por terroristas e destinado a ser utilizado como arma para ceifar a vida de inocentes implica violação da dignidade da pessoa humana eou de direitos fundamentais Aqui o Tribunal entendeu que a vida não poderia pura e simplesmente ser ponderada com outras vidas humanas de tal sorte que configurada além de uma violação do direito à vida uma ofensa à dignidade da pessoa humana dos reféns e mesmo dos sequestradores já que reduzidos a mero objeto da ação estatal ainda que voltada à salvaguarda da vida de terceiros 42 A decisão não deixou de ser alvo de críticas pois houve quem argumentasse que os passageiros não seriam no caso intencionalmente mortos visto que sua morte seria a consequência obrigatória e indesejada da ação estatal voltada à proteção da vida de terceiros Além do mais os passageiros perderiam suas vidas de qualquer forma na sequência pelas mãos dos terroristas caso o avião realmente fosse jogado contra um alvo em terra Por outro lado o uso do critério da coisificação da vida humana nesse caso tornaria o Estado inapto a proteger a vida de terceiros sem contudo trazer qualquer benefício aos passageiros já que esses seriam mortos de qualquer modo Todavia por mais que as críticas ao julgado do Tribunal Constitucional possam soar racionais e razoáveis o fato é que a morte certa de inocentes no caso dos reféns para salvar a vida de terceiros que apenas perderiam sua vida se o avião efetivamente fosse projetado contra um alvo e atingisse inocentes portanto para além da por si só já controversa ponderação entre vidas humanas o dilema morte certa por morte duvidosa por si só já fragiliza o argumento dos críticos Ainda no tocante aos deveres de proteção da vida humana calha referir julgado do STF no âmbito do qual foram suspensas decisão exarada pelo Ministro Edson Fachin com o intuito de proteção da vida e da integridade da população operações policiais em comunidades do Rio de Janeiro durante a pandemia do coronavírus exceto em casos excepcionais devidamente justificados por escrito pela autoridade competente e comunicados ao Ministério Público estadual órgão responsável pelo controle externo da atividade policial com especiais cuidados para não colocar em risco ainda maior a população a prestação de serviços públicos sanitários e o desempenho de atividades de ajuda humanitária 43 4173 A discussão em torno da legitimidade constitucional da interrupção da gravidez A discussão sobre a descriminalização da prática do aborto ou seja da interrupção voluntária da gravidez ou mesmo a controvérsia sobre a existência de um direito fundamental à interrupção da gravidez segue polarizando as opiniões na esfera doutrinária legislativa e jurisprudencial No Brasil onde para efeitos da legislação infraconstitucional à míngua de decisão expressa do constituinte sobre a matéria a prática voluntária do aborto salvo nos casos em que se verifique risco de vida para a mãe ou que esta tenha sido vítima de delito sexual estupro segue sendo crime o problema está longe de ser equacionado mesmo com a decisão do STF na ADPF 54 em que foi considerada legítima a interrupção da gravidez nos casos de anencefalia fetal Muito embora o STF como se depreende do já referido julgamento sobre as pesquisas com célulastronco entenda que a vida intrauterina esteja protegida pela legislação em razão da dimensão objetiva do princípio da dignidade da pessoa humana ainda não houve uma tomada de posição conclusiva acerca da obrigatoriedade resultante dessa dimensão objetiva de determinado nível de proteção como por exemplo a necessidade de que tal proteção seja efetuada mediante a criminalização de determinadas condutas no caso da interrupção da gravidez No âmbito do direito comparado diferentemente da solução adotada pela Suprema Corte dos Estados Unidos que reconheceu um direito da mulher à prática do aborto nos primeiros meses de gestação 44 o Tribunal Constitucional Federal alemão afirmou que a proteção da dimensão objetiva do direito à vida não requer que o Estado efetue a salvaguarda da vida intrauterina por meio do direito penal pois a decisão específica relativa ao como proteger a vida humana e não apenas nessa fase estaria reservada ao legislador no âmbito de sua liberdade democrática de conformação 45 No plano do direito internacional dos direitos humanos é preciso atentar para o fato de que embora a Convenção Americana dos Direitos Humanos Pacto de São José da Costa Rica disponha que a vida humana é protegida desde a concepção disso não resulta necessariamente que tal proteção se dá na forma de um direito subjetivo do nascituro podendo portanto ser justificada no plano da dimensão objetiva De qualquer sorte a dimensão objetiva não determina a maneira específica como o Estado deve realizar essa proteção nem implica necessariamente que a vida tenha exatamente o mesmo grau de proteção em todas as suas fases Independentemente de qual venha a ser a posição adotada pelo STF que ainda não se pronunciou de modo conclusivo sobre o tema entendemos ser difícil sustentar no caso brasileiro a existência de um direito fundamental ao aborto o que por sua vez não significa que a prática do aborto deva necessariamente ser sancionada na esfera criminal Mesmo para quem entende que existe um direito ao aborto é preciso considerar que no plano da colisão da liberdade individual da mulher com outros direitos eou bens jurídicoconstitucionais notadamente a vida do nascituro tal direito não se revela absoluto Em qualquer caso a descriminalização da interrupção da gravidez deverá guardar sintonia com os critérios da proporcionalidade e da razoabilidade inclusive no que diz respeito a uma proibição de proteção insuficiente da vida humana ainda mais quando a capacidade de autoproteção é inexistente de modo que a supressão da proteção pela via do direito penal deve ser compensada de algum modo com alguma eficácia por outros tipos de medidas de proteção que tenham por escopo a redução tanto dos casos de interrupção de gravidez quanto de seus riscos colaterais inclusive para as mulheres que decidem pelo aborto tal como se deu na Alemanha e em Portugal Por derradeiro sem que se pretenda aqui aprofundar o debate verificase que nem mesmo a decisão tomada pelo STF no caso da interrupção da gravidez em casos de anencefalia fetal 46 resolveu em definitivo o debate visto que se trata de situação peculiar que não implica a descriminalização de toda e qualquer hipótese de interrupção da gravidez voluntária no Brasil muito embora já tenha sido reconhecida tal possibilidade abortamento livre no decurso das doze primeiras semanas da gestação em decisão proferida no âmbito de controle difuso a partir de caso concreto 47 Além disso embora a ADPF na qual se discutira a possibilidade de legitimação do aborto nos casos de microcefalia tenha sido julgada prejudicada por perda de seu objeto ainda segue aguardando julgamento a descriminalização da interrupção voluntária da gravidez nas doze primeiras semanas da gestação 48 de modo que a depender do resultado deste julgamento caso reconhecido o direito à interrupção da gravidez nessa fase o STF estará incluindo para além do modelo de indicações estupro risco de vida e anencefalia o modelo de prazos 12 semanas de gravidez mesmo sem uma decisão do legislador nesse sentido Voltandonos ao caso da anencefalia fetal importa destacar que uma vez diagnosticada e de acordo com o voto do relator do caso Min Marco Aurélio não se trataria sequer de uma hipótese típica de aborto mas sim de uma antecipação terapêutica do parto pois em virtude da inviabilidade da sobrevivência do feto após o nascimento ainda que possa viver por algum tempo o que ocorre é uma morte certa que não pode merecer maior proteção do que a dignidade e a liberdade de opção da mãe ou dos pais agregando entre outros argumentos que se a ponderação entre os direitos da mulher e os de um feto saudável já é chancelada pela ordem jurídica casos de estupro e risco de vida para a mulher deverá ser também nos casos de anencefalia Em sentido parcialmente diverso o Min Gilmar Mendes embora tendo votado pela procedência da ação e acompanhado o relator considerou tratarse de hipótese de abortamento mas incluída no elenco das exclusões de ilicitude previstas no Código Penal Dos demais ministros seis votaram pela possibilidade de interrupção da gravidez no caso de anencefalia diagnosticada ao passo que dois nomeadamente os Ministros Ricardo Lewandowski e Cezar Peluso votaram pela improcedência da ADPF argumentando em síntese que a matéria deveria ser decidida na esfera do processo legislativo dada a sua magnitude e a existência de amplo dissídio no âmbito de opinião pública enfatizando tratar se sim de uma hipótese de aborto e alertando para o risco da ampliação dos casos de interrupção da gravidez muito embora tenha a Ministra Cármen Lúcia referido em seu voto que o STF não estaria introduzindo um direito ao aborto no Brasil nem estendendo a possibilidade de interrupção da gravidez a todo e qualquer caso de anomalia fetal Dentre os diversos tópicos que poderiam ser destacados assume relevo a circunstância de que boa parte dos ministros valendose dos critérios da morte cerebral entendeu que não estaria propriamente em causa o direito à vida do feto pois destinado à morte por falta de massa encefálica suficiente para lograr desenvolvimento autônomo Tal circunstância contudo merece um contraponto Com efeito a existência de resolução do Conselho Federal de Medicina em especial a de n 1949 de 2010 que disciplinava que os critérios da morte cerebral seriam inaplicáveis ao feto anencéfalo pois os fetos e recémnascidos com anencefalia embora a ausência de estruturas cerebrais apresentam partes do cérebro em funcionamento sugere que tal linha argumentativa a de que não haveria vida viável não é a melhor para deslindar a questão De todo modo o julgamento do STF que aqui não poderá ser mais analisado desafia uma reflexão crítica não tanto quanto à decisão em si que assegurou nos estritos e bem documentados casos de anencefalia a possibilidade de uma interrupção voluntária da gravidez mas sim no concernente à consistência de alguns dos argumentos esgrimidos vg o critério da morte cerebral e até mesmo a nem sempre adequada utilização de argumentos juridicamente não qualificados que acabaram conferindo certo ar retórico ao julgado que nem sempre contribui para a legitimação das decisões judiciais 4174 O problema de um direito ao suicídio e a discussão em torno das possibilidades e limites da eutanásia O reconhecimento de um direito fundamental ao suicídio tem sido objeto de acirrada controvérsia Muito embora a doutrina majoritária entenda que o direito à vida não abrange um direito de sua livre disposição no sentido de um direito ao suicídio 49 há quem sustente que o direito geral de liberdade e especialmente o direito geral da personalidade incluem um direito a tomar a própria vida que portanto não seria um bem absolutamente indisponível ao seu titular De acordo com a lição de Klaus Stern por exemplo restrições legislativas a esse direito não podem ser legitimadas a impor uma vida contra a vontade de um titular de direitos fundamentais caso este esteja de posse de sua sanidade mental e tome a decisão acerca de sua morte de forma livre e responsável independentemente de interesses sociais alheios a sua pessoa de tal sorte que a dimensão objetiva do direito à vida não pode ser oposta a isso e justificar a supressão da vontade individual ou seja da dimensão subjetiva do direito fundamental 50 De qualquer sorte tratese ou não de um direito fundamental a ordem jurídica por razões que resultam elementares já que o evento morte acarreta a extinção da punibilidade não sanciona criminalmente o autor de sua própria morte salvo eventualmente nos casos de tentativa de suicídio de modo que apenas se pode considerar a criminalização de atos ações ou omissões praticados por terceiros e que tenham contribuído para o evento morte tal como a instigação ao suicídio o auxílio prestado ao suicida etc consoante aliás ocorre no direito brasileiro 51 Associada ao problema de um direito ao suicídio situase a controvérsia em torno da assim chamada eutanásia Por eutanásia termo que tem sido utilizado de forma genérica compreendemse as situações que abarcam tanto condutas omissivas quanto comissivas nas quais se recorre a um auxílio médico para alcançar a morte de um paciente que já se encontra em processo de sofrimento e cujo estado de saúde é tão precário que o levará inevitavelmente à morte pelo menos de acordo com os conhecimentos da ciência médica naquele momento e com base em um prognóstico médico sendo que esse auxílio médico determinará uma diminuição do tempo de vida do paciente 52 Para reforçar a complexidade do problema não existe clareza sobre as diversas modalidades de eutanásia e sua diferenciação inclusive no que diz com os seus respectivos efeitos jurídicos o que se torna ainda mais problemático em virtude de certa confusão terminológica que se verifica também nessa seara 53 De qualquer sorte uma primeira distinção importante diz respeito à diferenciação entre a assim chamada distanásia que consiste na tentativa de retardar a morte o máximo possível utilizandose para tanto todos os meios disponíveis no sentido mesmo de um prolongamento artificial da vida humana sem consideração do eventual sofrimento causado situação que guarda conexão com os assim chamados obstinação terapêutica e tratamento fútil 54 No caso da eutanásia ainda considerada em sentido amplo a despeito de a diferença entre ambas as suas modalidades não ser totalmente precisa segue sendo possível distinguir entre duas formas básicas de eutanásia ao passo que a assim chamada eutanásia ativa ou eutanásia em sentido estrito consiste na ação deliberada de matar por exemplo ministrando algum medicamento ou mediante a supressão de um tratamento já iniciado tomando em qualquer caso providências diretas para encurtar a vida do paciente a eutanásia passiva consiste na omissão de algum tratamento que poderia assegurar a continuidade da vida caso ministrado No caso da eutanásia ativa é preciso ainda distinguir entre as modalidades direta consistente na utilização de meios eficazes para produzir a morte de doente terminal e indireta também designada de ortotanásia mediante a qual se utiliza tratamento com o intuito de aliviar a dor e o sofrimento do paciente sabendose que com isso se abrevia a sua vida 55 Se na esfera da eutanásia passiva ou mesmo a depender das circunstâncias da eutanásia ativa indireta ortotanásia já se tem admitido especialmente no plano do direito comparado e internacional dos direitos humanos a legitimidade jurídica de sua prática desde que voluntária isto é quando puder ser reconduzida à vontade do paciente nas hipóteses da eutanásia ativa direta a situação se revela mais complexa ainda que presente um pedido livre e informado da pessoa no sentido de que terceiros lhe provoquem a morte situação também designada de homicídio a pedido da vítima A Constituição Federal não estabelece qualquer parâmetro direto quanto a tais aspectos mas em homenagem ao princípio da dignidade da pessoa humana e da liberdade individual o reconhecimento do direito de morrer com dignidade ou de um direito de organizar a própria morte 56 não pode ser pura e simplesmente desconsiderado Do contrário o direito à vida resultaria transformado em um dever de viver sob qualquer circunstância e a sua condição de direito subjetivo restaria funcionalizada em detrimento de sua dimensão objetiva Por outro lado o direito à vida e dever de viver prevaleceria sempre sobre a própria autonomia e dignidade da pessoa humana notadamente em situações em que as pessoas pela sua vulnerabilidade encontram se submetidas integralmente às decisões de terceiros 57 O embate que se estabelece entre a dignidade humana como autonomia pessoal e a dignidade como heteronomia ou seja entre o que cada pessoa entende corresponder à sua própria dignidade e o que fazer ou deixar de fazer em relação ao desenvolvimento e proteção de sua vida e personalidade e o que o Estado e seus agentes ou mesmo terceiros entendam seja uma exigência da dignidade alheia revelase particularmente agudo também nesse contexto demandando um equacionamento que não pode ser resolvido com base na lógica do tudo ou nada e portanto não pode conduzir a uma anulação do âmbito da autonomia individual tema que aqui não poderá ser desenvolvido 58 Além disso o problema da criminalização de todas as formas de eutanásia mesmo que se trate da ativa indireta e da passiva é de que tal criminalização a pretexto de salvaguardar um caráter absoluto do direito à vida esbarra em algumas contradições que inclusive são de ordem lógica e prática Assim para ilustrar o argumento verificase que mesmo que não exista melhor formulado que não se reconheça um direito ao suicídio quem estiver em condições de causar a sua própria morte uma vez que assim o queira não pode ser impedido ao passo que alguém que em virtude de seu sofrimento e desespero queira pôr fim à sua vida mas por estar enfermo e se encontrar na dependência de terceiros não pode por sua própria força chegar ao resultado resta obrigado a se submeter sem qualquer alternativa ao que o Estado a família e os médicos consideram seja o mais adequado Em suma se dignidade e vida são valores e direitos autônomos em que pese a conexão entre ambos e se não há hierarquia entre os mesmos dificilmente se poderá justificar que até mesmo a eutanásia passiva voluntária seja criminalizada ainda mais mediante recurso ao argumento de que aqui se faz necessário proteger a pessoa contra si própria Independentemente de um desenvolvimento mais detalhado da matéria que aqui não poderemos empreender o que resulta importante destacar é que a Constituição Federal ao consagrar tanto o direito à vida quanto a dignidade da pessoa humana assegura como tem sido reconhecido em diversos países ao longo do tempo59 ao legislador e mesmo aos demais órgãos encarregados da interpretação e aplicação do direito suficiente margem de liberdade para definir quais as possibilidades e os limites da eutanásia desde que tal prática não tenha qualquer finalidade eugênica mas se restrinja a assegurar aos indivíduos sob determinadas circunstâncias pelo menos nos casos de ortotanásia e de eutanásia passiva voluntárias e com estrita observância de critérios de segurança e responsabilidade a possibilidade de uma morte com dignidade 42 O direito à integridade física e psíquica 421 Considerações gerais Embora forte a sua conexão com o direito à vida o direito à integridade pessoal como já sinalado quando da abordagem do direito à vida com aquele não se confunde sendo ademais desdobrado em diversas manifestações Por outro lado diferentemente de outras constituições a Constituição Federal não contemplou expressamente nem um direito à integridade pessoal nem um direito à integridade física ou corporal o que não significa que a integridade e mesmo identidade pessoal com destaque aqui para a integridade corporal física não tenha sido objeto de reconhecimento e proteção pelo constituinte mas indica a necessidade de se recorrer a uma análise sistemática que considere o conjunto dos dispositivos constitucionais relacionados com a integridade pessoal e o bloco de constitucionalidade incluindo os tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil De outra parte considerando a sua relevância para a proteção da dignidade da pessoa humana e da integridade e identidade pessoais justificase a opção de se adotar uma perspectiva mais ampliada Assim embora em item apartado será também abordada a proibição da tortura e de todo e qualquer tratamento desumano ou degradante assim como a proibição de penas cruéis Na medida em que houver dispositivos constitucionais específicos protegendo a integridade física e psíquica é o caso por exemplo do direito dos presos ao respeito de sua integridade física e moral assegurado no art 5º XLIX da CF serão tidos como abrangidos pelo presente comentário 422 Direito constitucional estrangeiro e direito internacional dos direitos humanos O direito à integridade física corporal passou a constar em um número expressivo de constituições especialmente a partir da Segunda Grande Guerra Mundial e por força do seu reconhecimento na esfera do direito internacional dos direitos humanos A primeira constituição a consagrar de forma expressa o direito foi a Lei Fundamental da Alemanha de 1949 que no seu art 2º assegura a qualquer pessoa o direito à vida e à integridade corporal A Constituição da República Portuguesa de 1976 no âmbito do direito à integridade pessoal dispõe que a integridade moral e física das pessoas é inviolável art 25 1 o que também se verifica no caso da Constituição da Espanha de 1978 assegurando a todos o direito à vida e à integridade física e moral proibindo categoricamente a tortura e todo e qualquer tratamento desumano e degradante art 15 No âmbito latinoamericano calha referir o exemplo da Constituição chilena cujo art 19 n 1 assegura a todas as pessoas o direito à vida e à integridade física e psíquica No plano internacional a Declaração dos Direitos Humanos da ONU de 1948 embora não contemple expressamente um direito à integridade física e psíquica estabelece que ninguém será submetido a tortura nem a tratamento ou castigo cruel desumano ou degradante art V O Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos de 1966 igualmente não contempla expressamente o direito à integridade física e psíquica mas foi mais além do que a Declaração da ONU ao vedar não apenas a tortura e penas e tratamentos cruéis desumanos e degradantes mas também proibindo no mesmo dispositivo que as pessoas sejam submetidas sem o seu consentimento a experiências médicas ou científicas art 7º Ainda no plano internacional sem prejuízo de outros documentos e da relação de diversos outros direitos com a integridade física e psíquica por exemplo a proibição da escravidão dos trabalhos forçados a intimidade o direito à saúde entre outros assume relevância a Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis Desumanos ou Degradantes 1984 No que diz com os sistemas regionais a Convenção Americana sobre Direitos Humanos de 1969 no seu art 5º afirma que toda pessoa tem o direito a que se respeite sua integridade física psíquica e moral além de estabelecer que ninguém será submetido a torturas ou penas e tratos cruéis desumanos ou degradantes Mais minuciosa porquanto mais recente e já afinada com uma série de desafios postos pelo avanço tecnológico e pelo assim chamado biodireito é a Carta de Direitos Fundamentais da Europa do ano 2000 cujo art 3º assegura o direito à integridade do ser humano nos seguintes termos 1 Todas as pessoas têm direito ao respeito pela sua integridade física e mental 2 No domínio da medicina e da biologia devem ser respeitados designadamente a o consentimento livre e esclarecido da pessoa nos termos da lei b a proibição das práticas eugênicas nomeadamente das que têm por finalidade a selecção das pessoas c a proibição de transformar o corpo humano ou as suas partes enquanto tais numa fonte de lucro d a proibição da clonagem reprodutiva dos seres humanos 423 O direito à integridade física e psíquica na Constituição Federal 4231 Observações gerais e relação com outros direitos fundamentais Conforme já referido a Constituição Federal não reconheceu de modo expresso e direto um direito à integridade física ou corporal como direito autônomo muito embora não se questione que na condição de elemento essencial à dignidade da pessoa humana e identidade e integridade pessoal a proteção da integridade corporal física e psíquica assume a condição de direito fundamental da mais alta significação Considerando que o direito à integridade corporal não se confunde com o direito à vida embora a relação de complementaridade entre ambos não é no direito à vida que se achará smj o fundamento constitucional adequado para um direito fundamental à integridade corporal até mesmo pelo fato de o direito à integridade corporal cobrir precisamente as situações que dizem respeito a intervenções na estrutura física e psíquica da pessoa humana que não têm por consequência a morte ou que não colocam efetivamente em risco a vida no sentido da sobrevivência física 60 Numa perspectiva diferente é possível traçar uma distinção entre o direito à vida e o direito à integridade física na perspectiva de sua dimensão subjetiva visto que as pessoas de acordo com a lição de Javier Pérez Royo são titulares do direito à vida independentemente de sua própria vontade ao passo que o direito à integridade física protege a inviolabilidade da pessoa contra toda e qualquer intervenção que careça de consentimento do titular do direito 61 Por sua vez ainda que particularmente intensa a relação com a proibição da tortura de tratamentos desumanos e degradantes e mesmo de penas cruéis mas também com outros direitos fundamentais expressamente contemplados em dispositivo constitucional específico como é o caso do direito à segurança direito à intimidade e do direito à saúde para referir os mais relevantes cuidase como já sinalizado de direito autônomo objeto mesmo de um regime de proteção particular mas que há de ser articulado na sua compreensão e aplicação com um conjunto de outros direitos fundamentais designadamente os que foram objeto de referência 62 Em síntese antes de avançarmos quanto ao conteúdo âmbito de proteção do direito fundamental o direito à integridade física corporal e psíquica abarca a proteção da integridade externa pessoal ou seja a esfera corporal no sentido biológico bem como a integri dade pessoal interna no que diz com o funcionamento da esfera psíquica incluindo a sensibilidade à dor e ao sofrimento físico e psíquico 63 Assim o direito à integridade física e psíquica possui em parte o mesmo objeto do direito à saúde do qual nesse sentido acaba sendo mais próximo do que o é em relação ao próprio direito à vida embora também com o direito à saúde não se confunda pois nem toda intervenção na integridade física resulta em dano para a saúde 64 A relação íntima entre o direito à integridade corporal e psíquica e o direito à saúde já se vislumbra na circunstância de que uma intervenção médica no corpo humano por exemplo uma cirurgia a injeção de um medicamento etc é sempre embora requerida e justificada à luz do direito à saúde uma intervenção ainda que em geral legítima no direito à integridade corporal do que voltaremos a nos ocupar logo adiante no contexto dos limites e restrições Por derradeiro é preciso distinguir o direito à integridade física e psíquica do direito à integridade moral que juntamente com as duas primeiras manifestações compõe o direito à integridade pessoal mas será objeto de tratamento em separado quando do exame dos direitos à honra e imagem a despeito dos fortes pontos de contato entre as diversas dimensões da integridade pessoal 4232 A dupla dimensão subjetiva negativa e positiva e objetiva do direito à integridade física e psíquica Na condição de direito subjetivo o direito à integridade física e psíquica opera em primeira linha como direito de defesa no sentido de um direito a não ser agredido ou ofendido em termos de integridade física e psíquica ou seja assume a condição de um direito à não intervenção por parte do Estado e de terceiros na esfera do bem jurídico protegido 65 Considerando que o livre consentimento do titular do direito justifica intervenções na esfera corporal por exemplo realizadas por médicos o corte de cabelo a colocação de brincos e piercings tatuagens etc é possível sustentar que o espectro das posições subjetivas abarcado pelo direito na sua face negativa defensiva inclui também em certo sentido a liberdade de decidir sobre tais intervenções e portanto sobre a própria integridade corporal e psíquica O quanto se pode admitir a existência de um direito a dispor sobre o próprio corpo e o quanto há como sustentar um dever de conduzir uma vida saudável são questões controversas que serão abordadas mais adiante Por outro lado a dimensão positiva do direito ou seja a existência de um direito subjetivo a prestações estatais revelase mais difícil de apresentar e equacionar Com efeito pela sua interface com o direito à saúde em geral um direito a prestações destinadas a assegurar a integridade corporal e psíquica será sempre também um direito a prestações derivadas e mesmo originárias de saúde bens e serviços que constitui direito autônomo Mas a dimensão positiva do direito que guarda vínculo com a sua dimensão objetiva abarca a existência de um dever de prestações normativas com destaque para a organização e o procedimento como meios de garantir os direitos fundamentais de modo a assegurar a efetiva proteção material do direito 66 Apenas para indicar um exemplo a legislação dispondo sobre os transplantes e as doações de órgãos é um meio de o Estado regular a proteção do direito à integridade corporal assim como do próprio direito à vida e de estabelecer procedimentos e critérios para resguardar os envolvidos no processo A proteção na esfera penal mediante a criminalização de condutas atentatórias à integridade física e psíquica por exemplo a figura típica da lesão corporal constitui via importante de o Estado cumprir com seu dever de proteção embora a controvérsia sobre os limites e possibilidades da criminalização nessa seara 67 Ainda quanto aos deveres de proteção estatal no âmbito dos quais os órgãos estatais estão obrigados a proteger e promover o direito especialmente em face de intervenções ilícitas por parte de terceiros é preciso acrescentar que a exemplo do que ocorre com o direito à vida não é apenas nas hipóteses de violação do direito intervenção efetiva no bem jurídico mas também nos casos de ameaça e risco de afetação da integridade física e psíquica que o Estado estará vinculado na esfera do seu dever de proteção 68 De qualquer sorte também aqui vale a premissa de que o Estado possui ampla liberdade de conformação especialmente quando se trata do legislador na concretização dos deveres de proteção estando todavia sujeito a um controle com base nos critérios da proporcionalidade em especial da proibição de proteção insuficiente cujos contornos foram abordados na parte geral dos direitos fundamentais69 Calha agregar que no caso da jurisprudência constitucional brasileira muito embora não focada apenas no direito à integridade física e psíquica por ter sido invocada também violação da dignidade da pessoa humana e do direito à saúde o STF em paradigmática decisão envolvendo as condições de execução da pena privativa de liberdade na grande maioria das prisões brasileiras reconheceu a existência de um estado de coisas inconstitucional e chegou mesmo numa decisão do tipo estruturante a determinar ao poder público a adoção e o controle de um conjunto de medidas concretas 70 4233 Titulares e destinatários Dada a sua natureza de direito personalíssimo e fundado na própria dignidade da pessoa humana a titularidade do direito à integridade física é universal de modo a abranger brasileiros e estrangeiros sejam ou não residentes no Brasil Pelas suas peculiaridades apenas pessoas naturais podem ser titulares do direito incluindose o nascituro muito embora também aqui devam ser consideradas as observações feitas sobre a titularidade do direito à vida no item respectivo No que diz respeito ao início e fim da titularidade do direito na condição de direito subjetivo remetemo nos aqui às observações feitas no capítulo sobre o direito à vida em geral aplicáveis à integridade corporal com a ressalva de que não se pode falar em intervenção na integridade física e corporal de uma pessoa morta mas sim em eventual violação da dignidade humana e de projeções da personalidade 71 Destinatários do direito são tanto os órgãos estatais quanto os particulares pois a proteção da integridade física e psíquica é também objeto de concretização pela legislação cível como na esfera dos direitos de personalidade muito embora na esfera das relações privadas uma eficácia direta portanto sem a mediação legislativa careça de cuidadoso equacionamento de acordo com as circunstâncias do caso temática que aqui não será aprofundada remetendose à parte geral dos direitos fundamentais nesta obra 4234 Intervenções no direito à integridade corporal limites e restrições a controvérsia em torno de um direito à disposição do próprio corpo São consideradas intervenções no direito à integridade física e psíquica todas as formas de afetação normativa fática direta ou indireta do bem jurídico protegido portanto toda ação estatal e de terceiros que afete de algum modo a integridade física e psíquica que resulte em dano efetivo ou risco à saúde física e psíquica ou que pelo menos inflija dor e sofrimento físico eou psíquico 72 A extração de sangue e material para testes genéticos a colocação de sondas para lavagem estomacal entre outros exemplos que poderiam ser citados constituem portanto intervenções na integridade corporal mas não o corte temporário de cabelo ou da barba para fins de identificação policial e muito menos para fins estéticos 73 Embora para setores da doutrina os tratamentos médicos devidamente consentidos não constituam sequer uma intervenção no âmbito de proteção do direito 74 tal entendimento é pelo menos questionável pois se trata de compreensão que não assegura os melhores níveis de proteção do direito afetado visto que dispensaria o controle da legitimidade constitucional da intervenção em tais hipóteses Toda e qualquer intervenção consentida ou não é uma intervenção na esfera da integridade corporal de tal sorte que o consentimento tem o condão de afastar em geral e atendidos os seus requisitos pois nem sempre o consentimento é aceitável a ilicitude da intervenção mas não deixa de ser em princípio uma intervenção 75 O problema que se coloca neste contexto é o de distinguir quando uma intervenção no direito será constitucionalmente legítima e quando se trata de uma violação do direito Nesse sentido de acordo com a concepção dominante o direito à integridade física e psíquica na condição de direito personalíssimo e refração da dignidade da pessoa humana embora seja de regra irrenunciável poderá eventualmente ser objeto de autolimitação especialmente nos casos em que for cabível o consentimento por parte do titular do direito por exemplo para a colocação de piercings brincos a realização de tatuagens ou para efeitos de intervenção médica 76 Precisamente aqui se situa como já sinalizado um dos aspectos mais polêmicos em matéria do direito à integridade corporal qual seja o que concerne ao debate em torno da existência de um direito à disposição do próprio corpo 77 Dadas as limitações do presente tópico nos limitaremos a afirmar a existência de tal direito muito embora também o direito de qualquer pessoa capaz de dar seu consentimento de modo livre e informado encontre limites na dignidade do próprio titular do direito no sen tido de um dever de proteção por parte do Estado que pode limitar a autonomia individual e em interesses da coletividade De qualquer sorte ressalvadas exceções em que nem mesmo a vontade do titular do direito é aceitável ou pelo menos se pode discutir a questão como no caso das automutilações de caráter permanente com auxílio de terceiros é amplamente aceito em sede doutrinária e jurisprudencial que o consentimento do titular do direito desde que consciente e livre além de adequadamente informado quando necessário afasta em princípio a ilegitimidade da intervenção 78 Sem o consentimento do titular do direito eventuais intervenções apenas são admissíveis em caráter excepcional quando o paciente na hipótese de um tratamento médico se en contra em estado de inconsciência e é possível recorrer de acordo com as circunstâncias a uma legítima presunção do seu consentimento 79 Além de intervenções legitimadas pelo consentimento livre e informado do titular do direito existem intervenções impostas pelo legislador e mesmo por ato administrativo no exercício do poder de polícia e judicial que nem sempre contam com a concordân cia de quem é afetado por tais intervenções na integridade física e psíquica Situamse nessa hipótese a extração compulsória de sangue ou líquido da coluna ou mesmo de outro tecido corporal para fins de produção de prova em processos judiciais ou administrativos ou mesmo para efeitos de tratamento médico não consentido pelo titular do direito caso da transfusão de sangue de integrantes da congregação religiosa Testemunhas de Jeová bem como a vacinação compulsória80 apenas para citar alguns exemplos Como também o direito à integridade física e corporal embora sua estreita conexão com a dignidade da pessoa humana e em se tratando de um direito personalíssimo não é um direito absoluto por mais excepcionais que devam ser eventuais intervenções não consentidas pelo titular do direito não se poderá afastar por completo tal possibilidade o que contudo demanda um controle rigoroso da proporcionalidade da intervenção e apenas se justifica quando imprescindíveis à proteção de direitos fundamentais individuais e coletivos da mesma estatura como se dá com os casos de grave ameaça para a saúde pública 81 De qualquer sorte a regra há de ser que eventual dever do cidadão de se submeter a intervenção na esfera corporal não poderá resultar no caráter compulsório do procedimento no sentido de sua imposição forçada contra a vontade do titular do direito sem prejuízo das sanções previstas na esfera administrativa e mesmo penal 82 Em tal situação se enquadra por exemplo a discussão a respeito da obrigação de alguém se submeter ao exame do bafômetro embora questionável que considerando a natureza da intervenção se trate de afetação do âmbito de proteção do direito à integridade física e psíquica ou como já foi objeto de julgamento pelo STF a condução coercitiva para a realização de exame de DNA mediante extração compulsória de sangue para fins de obter prova em processo judicial 83 Tal orientação se justifica já pelo fato de o direito à integridade física e psíquica ter um conteúdo bastante visível em dignidade da pessoa humana revelando extrema sensibilidade diante de eventuais intervenções 84 Por outro lado há que diferenciar as situações especiais nas quais se podem encontrar determinadas pessoas em que por força dos deveres de proteção estatal e mesmo dos deveres de guarda e cuidado por parte de particulares impõese maior nível de intervenção protetiva mesmo eventualmente sem o consentimento do titular do direito o que se verifica nos casos de menores de idade pessoas com deficiência internos em estabelecimento prisional e toda e qualquer circunstância que reduza a capacidade de uma defesa pessoal e de consentir de modo livre de forma a legitimar a intervenção O exemplo da transfusão de sangue levada a efeito em crianças para salvarlhes a vida mesmo contra a vontade dos pais testemunhas de Jeová contrastado com a hipótese da decisão de uma pessoa maior e plenamente capaz que a despeito de orientada sobre as consequências de sua recusa prefere ainda assim não se submeter à transfusão é digno de registro muito embora aqui não se possa desenvolver o tema Nessa linha de entendimento calha referir uma situação que envolve tanto um assim chamado direito à disposição do próprio corpo quanto a liberdade de expressão ambos sujeitos a determinadas restrições num contexto marcado pelas também assim designadas relações especiais de poder 85 Tal problema foi enfrentado pelo STF ao decidir pela legitimidade constitucional da exclusão de concurso público para a polícia militar de candidatos ostentando tatuagens sejam elas expostas ou não No âmbito do RE 898450 julgado em 17082016 tendo como relator o Ministro Luiz Fux o STF por unanimidade entendeu ser inconstitucional a imposição nos editais de concurso público de restrições a candidatos com tatuagem salvo em situações excepcionais em razão do conteúdo das tatuagens na medida em que representarem afronta a valores constitucionais pois se trata de legítima forma de expressão do indivíduo Afirmou ainda o Relator que em se tratando de tatuagens que expressem conteúdos racistas discriminatórios ofensivos e que incitem ao ódio e à violência apologia ao crime ou de organizações criminosas por exemplo essas tatuagens podem ser coibidas o que se revela ainda mais importante quando se trata de agentes públicos Notese contudo que embora em termos gerais a decisão mereça aplausos tanto na perspectiva de um direito à livre disposição do corpo quanto o que acabou sendo o aspecto destacado no julgado no que diz com a liberdade de expressão não se poderá afastar algum risco de manipulação do limite posto pelo STF ao afirmar que devem ser coibidas tatuagens cujo teor atente contra valores constitucionais atribuindo assim relativamente grande margem de discricionariedade quando da confecção dos editais de concurso e especialmente quando da apreciação pela autoridade responsável do atendimento de tais requisitos o que foi objeto de referência por parte do Ministro Edson Fachin em seu voto concorrente A proteção da vida saúde e integridade física foi também objeto de um número significativo de decisões do STF em casos relacionados ao combate da pandemia da Covid19 Além dos julgados até o momento referidos vale destacar pela polêmica gerada não somente no Brasil mas no mundo todo onde se verificaram muitos julgamentos sobre o tema as decisões proferidas sobre a legitimidade constitucional da vacinação compulsória contra o assim chamado coronavírus Nesse sentido destacase a decisão proferida nas ADIs 6586 e 6587 julgamento conjunto rel Min Ricardo Lewandowski julgadas em 17122020 De acordo com trecho extraído da ementa a vacinação compulsória não significa vacinação forçada por exigir sempre o consentimento do usuário podendo contudo ser implementada por meio de medidas indiretas as quais compreendem dentre outras a restrição ao exercício de certas atividades ou à frequência de determinados lugares desde que previstas em lei ou dela decorrentes e i tenham como base evidências científicas e análises estratégicas pertinentes ii venham acompanhadas de ampla informação sobre a eficácia segurança e contraindicações dos imunizantes iii respeitem a dignidade humana e os direitos fundamentais das pessoas iv atendam aos critérios de razoabilidade e proporcionalidade e v sejam as vacinas distribuídas universal e gratuitamente e B tais medidas com as limitações acima expostas podem ser implementadas tanto pela União como pelos Estados Distrito Federal e Municípios respeitadas as respectivas esferas de competência Por derradeiro importa frisar que a possibilidade de eventuais restrições ao direito à integridade corporal e psíquica não legitima a prática da tortura nem a imposição de tratamentos desumanos e degradantes ou penas cruéis o que tendo sido objeto de previsão específica na Constituição Federal será analisado na sequência 4235 O caso da proibição da tortura de todo e qualquer tratamento desumano e degradante incluindo a proibição das penas cruéis Muito embora a proibição da tortura e de todo e qualquer tratamento desumano e degradante art 5º III da CF assim como a proibição de penas cruéis art 5º XLVII e da CF tenham sido objeto de expressa previsão constitucional cuidase de manifestações especiais e intrinsecamente relacionadas com as exigências do respeito e proteção da dignidade da pessoa humana e do direito à segurança e integridade pessoal que consoante já visto abarca a integridade física a integridade psíquica e mesmo a integridade moral Assim mesmo que não houvesse dispositivo na Constituição Federal específico a respeito tais regras proibitivas a exemplo do que ocorreu em outros países poderiam ser diretamente deduzidas do princípio da dignidade da pessoa humana e mesmo do direito à integridade corporal psíquica e moral Especialmente desde a Segunda Grande Guerra a proibição da tortura e dos tratamentos desumanos e degradantes incluindo penas cruéis tem estado presente no direito internacional dos direitos humanos e em várias constituições 86 tendo sido mesmo objeto de convenção internacional específica 87 igualmente ratificada pelo Brasil de modo que a Constituição Federal apenas e de modo correto incorporou tais proibições ao seu texto com o especial cuidado de inserilas no título dos direitos e garantias fundamentais No que diz com a estrutura normativa é correto afirmar que nas hipóteses do art 5º III e XLVII da CF se está diante de regras e não de princípios que em função de sua natureza demandariam uma otimização de sua eficácia e efetividade admitindo níveis diferenciados de realização aptos a serem ponderados Ainda assim a Constituição Federal não define o que entende por tortura tratamento desumano ou degradante e mesmo o que considera ser uma pena cruel de modo a deixar esta decisão para os poderes constituídos com destaque para o legislador e o Poder Judiciário o que posto de outro modo implica delegar a definição do que viola e do que não viola a dignidade da pessoa humana Por tal razão a vedação da tortura e de todo e qualquer tratamento desumano e degradante a exemplo de outros direitos veiculados e assegurados por normas do tipo regras tem sido também considerada um direito de caráter absoluto não passível de sopesamento ponderação com outros direitos e bens de estatura constitucional88 Com isso contudo não se está a admitir que a tortura ou a proibição de tratamentos desumanos degradantes e cruéis esteja à livre disposição de legisladores administradores e juízes pois em qualquer caso inadmissível que em prol da proteção da dignidade e de direitos fundamentais de terceiros se venha a ter como justificados comportamentos categoricamente vedados pelo Estado Embora não se trate de situações idênticas daí por que referidas em separado no plano fático em termos jurídicoconstitucionais as situações tortura tratamento desumano e degradante e penas cruéis são tidas como equivalentes pois em qualquer caso se trata de provocar um sofrimento físico ou psíquico consistente na humilhação da vítima diante de terceiros ou de si própria ou obrigandoa a atuar contra a sua vontade e consciência sendo a tortura apenas o nível mais grave e cruel de todo e qualquer tipo de tratamento desumano ou degradante 89 O exemplo da vedação da tortura bem ilustra a já referida função da dignidade da pessoa humana como cláusula ética e jurídica de barreira que fundamenta uma espécie de sinal de pare inclusive no sentido de operar como um tabu no sentido de não ter sua validade absoluta condicionada a qualquer justificativa de matriz dogmática não estar sujeito a uma ponderação e dela não necessitar para efeitos de ter sua eficácia jurídica e de regulação reconhecida 90 a estabelecer um território proibido onde o Estado não pode intervir e onde além disso lhe incumbe assegurar a proteção da pessoa e sua dignidade contra terceiros A proibição da tortura e de tratamentos desumanos e degradantes incluindo a proibição de penas cruéis corresponde no plano jurídicoconstitucional ao imperativo categórico kantiano de que o ser humano é um fim em si mesmo e jamais simples meio mero objeto na esfera das relações pessoais noção que na jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal da Alemanha passou a ser conhecida como a fórmula objeto linha de entendimento que embora nem sempre mediante referência à jurisprudência alemã foi também consagrada pelo STF Dentre as decisões posteriores ao advento da Constituição Federal colacionase julgado relatado pelo Ministro Celso de Mello no qual estava em causa a prática de tortura contra criança e adolescente por parte de policiais e onde restou consignada a absoluta vedação da tortura na ordem jurídicoconstitucional brasileira 91 Da ementa da decisão colacionada extraise a afirmação de que a tortura constitui prática inaceitável de ofensa à dignidade da pessoa além de se tratar de negação arbitrária dos direitos humanos pois reflete enquanto prática ilegítima imoral e abusiva um inaceitável ensaio de atuação estatal tendente a asfixiar e até mesmo a suprimir a dignidade a autonomia e a liberdade com que o indivíduo foi dotado de maneira indisponível pelo ordenamento positivo Da jurisprudência internacional destacamos um dos julgamentos da Corte Europeia de Direitos Humanos designadamente o caso Selmouni contra a França 28071999 no qual em que pese ter a Corte se declarado incompetente para o efeito de estabelecer uma indenização pelos danos causados foi reconhecido que o uso da força por ocasião de um interrogatório especialmente mas não exclusivamente quando caracterizada a tortura é manifestamente incompatível com a vedação estabelecida pelo art 3º da Convenção Europeia de Direitos Humanos que proíbe a tortura e qualquer tratamento desumano ou degradante assim como se trata de ato incompatível com a dignidade da pessoa humana 92 Também o Tribunal Constitucional Federal da Alemanha desde o início de sua profícua judicatura situa a hipótese da tortura e do tratamento desumano e degradante inclusive mediante referência reiterada aos métodos utilizados no período nacionalsocialista como absolutamente vedada com base na dignidade da pessoa humana Nesse sentido colacionase em caráter ilustrativo decisão mais recente onde estava em causa a prática de tortura na esfera de investigação policial o conhecido caso Daschner no qual o Tribunal afirmou que a utilização da tortura reduz a pessoa inquirida à condição de mero objeto do combate ao crime representando violação de sua pretensão de respeito e consideração constitucionalmente tutelada além de destruir pressupostos fundamentais da existência individual e social do ser humano 93 Assim importa firmar posição que não é de se admitir o recurso à ponderação e portanto a utilização da proporcionalidade para no conflito entre a proibição da tortura e de tratamentos desumanos e degradantes e outros direitos fundamentais e bens constitucionalmente assegurados admitir eventual relativização de tal proibição pois esta assume caráter absoluto tendo em conta assegurar o núcleo essencial do direito à integridade pessoal o que não significa que o legislador infraconstitucional no âmbito da valoração concreta das condutas não possa estabelecer diferenças quanto a eventual qualificação do fato e sua respectiva sanção 94 como se verifica no caso brasileiro com a hipótese de maus tratos Da mesma forma nem sempre é líquido o que se entende por tortura e tratamento desumano ou degradante ou mesmo quais as penas que são passíveis de serem consideradas cruéis o que especialmente na esfera da criminalização de tais condutas pode levar a uma erosão a depender da abertura do tipo penal do princípio da legalidade estrita Aqui assume por outro lado particular relevo a Convenção contra a Tortura e outras Penas ou Tratamentos Cruéis Desumanos e Degradantes ratificada pelo Brasil que incorporada ao direito interno e hoje com hierarquia supralegal deve servir de referencial aos órgãos estatais brasileiros seja para a definição legal de tais condutas seja para a interpretação e aplicação pelos órgãos jurisdicionais de tais proibições nos casos concretos Por fim no que diz com sua titularidade portanto o sujeito do direito a não ser torturado submetido a tratamento desumano ou degradante ou à imposição de penas cruéis cuidase de toda e qualquer pessoa humana viva por ser direito de titularidade universal já pelo fato de se tratar de projeção essencial à própria dignidade humana Quanto aos destinatários ao passo que a proibição de penas cruéis tem por destinatário exclusivo o Estado a proibição de tortura e tratamentos desumanos e degradantes embora em primeira linha destinada a proteger a integridade individual em face do Estado também se projeta nas relações entre particulares pois se cuida de comportamentos que não são reservados aos agentes do Poder Público de tal sorte que a eficácia nas relações privadas é essencial para assegurar uma proteção o mais ampla possível e eficaz Por outro lado resulta evidente que é o caso concreto que permitirá à luz das circunstâncias uma solução adequada 43 Demais direitos à identidade e integridade pessoal O direito ao livre desenvolvimento da personalidade e os direitos especiais de personalidade 431 Os direitos fundamentais vinculados à proteção da personalidade e os contornos de seu regime jurídico constitucional 4311 Considerações gerais Embora os direitos fundamentais sejam sempre direitos atribuídos à pessoa humana ressalvada a controvérsia sobre a atribuição de direitos subjetivos à natureza não humana corresponde ao entendimento dominante que embora muitos direitos fundamentais sejam direitos de personalidade nem todos os direitos fundamentais são direitos de personalidade 95 como é o caso entre outros da propriedade da proteção dos direitos adquiridos da garantia da razoável duração do processo 96 Se todos os assim chamados direitos de personalidade na medida em que correspondem a exigências da proteção e promoção da dignidade da pessoa humana e do livre desenvolvimento da personalidade são direitos fundamentais segue sendo objeto de alguma discussão pois a despeito da existência de significativas zonas de coincidência direitos fundamentais e direitos de personalidade não são de todo assimiláveis 97 Considerando contudo o fundamento e a função dos direitos de personalidade sem que se tome por referência o critério do seu plano de reconhecimento expresso pelo direito positivo parece acertado afirmar que os direitos pessoais ou de personalidade utilizandose aqui os termos como sinônimos são sempre direitos fundamentais embora nem todo direito fundamental como já sinalado seja um direito de personalidade Por outro lado ainda que não se possa aqui desenvolver o ponto é preciso enfatizar que no plano constitucional a utilização da designação direitos de personalidade não é comum tendo sido inicialmente consagrada na esfera do direito civil o que não impede que aqui ao nos referirmos aos direitos pessoais positivados expressa e implicitamente como direitos fundamentais ao nível da Constituição Federal estejamos a utilizar as expressões direitos fundamentais pessoais e direitos de personalidade como sinônimas até mesmo pelo fato de que todos os direitos de personalidade reconhecidos pela legislação civil brasileira encontram correspondente direto e expresso na Constituição Federal vida integridade corporal privacidade intimidade honra e imagem ou dela podem ser deduzidos como direitos implicitamente positivados como é o caso em caráter ilustrativo do direito ao nome e à identidade de gênero consoante aliás já decidiu o STF 98 bem como o assim chamado direito ao esquecimento amplamente sufragado na doutrina brasileira ainda que com uma série de ressalvas por parte de diversos autores e já admitido em diversos casos na jurisprudência do STJ No âmbito do STF contudo foi reconhecida a repercussão geral da matéria e depois de um longo percurso que incluiu realização de audiência pública sobreveio julgamento de mérito afastando a possibilidade do reconhecimento de tal direito na ordem jurídica brasileira o que ainda se terá ocasião de comentar mais adiante 99 No plano da evolução do direito constitucional positivo bem como do direito internacional dos direitos humanos os direitos que atualmente costumam ser enquadrados no elenco dos direitos pessoais ou de personalidade foram objeto de relativamente tardia recepção ao menos na condição de direitos direta e expressamente positivados muito embora a existência de importantes exemplos já quando do surgimento do constitucionalismo moderno Nas primeiras grandes declarações de direitos como é o caso das declarações inglesas do século XVII da Declaração da Virgínia de 1776 e da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 afora a referência à liberdade incluindo a liberdade religiosa e de imprensa e à segurança ou mesmo o direito à vida numa perspectiva ainda aferrada à doutrina do direito natural de direitos inatos e inalienáveis do ser humano os demais direitos pessoais ou de personalidade não foram como tais reconhecidos o que à evidência não significa que a proteção da pessoa e de sua digni dade não estivesse subja cente ao discurso das primeiras declarações de direitos e das primeiras constituições com destaque para a Constituição norteamericana de 1787 e suas respectivas emendas que integraram um conjunto de direitos fundamentais ao texto constitucional direitos que mais tarde fariam parte do conjunto dos assim chamados direitos de personalidade Foi na esfera do direito civil já no século XIX mas especialmente no decurso do século XX que tanto a teorização inclusive da noção de direitos de personalidade quanto a concreta regulação da proteção da personalidade mediante inclusive o reconhecimento de dimensões específicas da personalidade na forma de direitos subjetivos privados teve o seu principal impulso e desenvolvimento 100 passando a dialogar cada vez mais com o plano constitucional até resultar após a Segunda Grande Guerra Mundial 1945 na incorporação gradativa de cláusulas gerais de proteção e promoção da personalidade nas constituições e de direitos especiais de personalidade nos textos constitucionais e tratados internacionais de direitos humanos sem prejuízo da evolução no plano infraconstitucional 101 Além disso é preciso registrar que os direitos de personalidade são considerados como constituindo o principal ponto de contato entre o direito constitucional e o direito civil direito privado 102 não só mas também por serem o correspondente privatístico dos direitos pessoais previstos nas constituições 103 Convém enfatizar neste contexto que mesmo no caso de apenas terem sido previstos expressamente na legislação infraconstitucional os direitos de personalidade seriam direitos materialmente fundamentais já que radicados na dignidade da pessoa humana e essenciais ao livre desenvolvimento da personalidade cuidandose nesse sentido sempre e pelo menos de direitos fundamentais e portanto de matriz constitucional implícitos 104 Por outro lado independentemente de terem sido designados de direitos de personalidade ou inseridos em eventual dispositivo ou capítulo destinado a tais direitos os direitos de personalidade na condição de direitos fundamentais qualificamse pelo seu conteúdo ou seja pelo seu âmbito de proteção Além disso a sua previsão nos textos constitucionais e internacionais se revela bastante diversificada pois nem todos os direitos de personalidade foram objeto de positivação e quando o foram nem sempre da mesma forma O reconhecimento no plano internacional e constitucional por sua vez convive com uma positivação na esfera infraconstitucional onde por vezes são assegurados direitos que não constam do texto da constituição e viceversa como aliás se dá no caso brasileiro visto que foi apenas no Código Civil de 2002 que os direitos de personalidade ganharam um espaço de reconhecimento direto em nível de legislação ordinária 105 mas o elenco de direitos ali reconhecidos de qualquer modo em caráter ilustrativo contempla direitos não expressamente nominados na Constituição Federal 106 Importante é que se tenha sempre presente que a despeito de sua quantidade e diversidade os direitos de personalidade apresentam como aspecto comum o fato de estarem todos vinculados com a proteção da esfera nuclear da personalidade dignidade e liberdade humanas 107 o que permite colocar lado a lado tanto os direitos à vida e integridade física e psíquica que considerada a sua relevância foram tratados em item apartado quanto os demais direitos de caráter pessoal livre desenvolvimento da personalidade privacidade intimidade honra e imagem nome etc de modo a demarcar um regime jurídicoconstitucional comum muito embora algumas distinções importantes que precisam ser consideradas Tendo em conta tal diversidade e considerando que os direitos à vida e integridade corporal já foram versados em item próprio ao passo que os principais direitos especiais de liberdade que a exemplo da liberdade de consciência e de religião manifestação do pensamento entre outros situamse na esfera da proteção da personalidade em um sentido mais amplo bem como o direito de igualdade e as proibições de discriminação serão igualmente abordadas em item específico optamos por aqui discorrer sobre o direito ao livre desenvolvimento da personalidade sua função como cláusula geral e interface com os demais direitos de personalidade para na sequência uma vez apresentados os contornos gerais do regime jurídico dos direitos de personalidade abordar os principais direitos especiais de personalidade nomeadamente os direitos à privacidade e intimidade honra e imagem inviolabilidade do domicílio sigilo da correspondência e das comunicações sigilos fiscal e bancário e proteção de dados pessoais Ainda nesse contexto importa sublinhar que ao se excluírem para efeitos de identificação dos direitos de caráter pessoal direitos à integridade e identidade pessoal o direito geral de liberdade e os respectivos direitos especiais de liberdade assim como os direitos de igualdade e mesmo o direito de nacionalidade e os direitos sociais em geral está se adotando uma noção mais estrita de direitos pessoais de personalidade 4312 Direito internacional dos direitos humanos e constituições estrangeiras No plano do direito internacional o reconhecimento e proteção dos direitos vinculados à identidade e integridade pessoal os assim chamados direitos de personalidade coincidem com o próprio surgimento e a trajetória evolutiva da proteção internacional dos direitos humanos Em termos cronológicos o primeiro documento digno de nota é a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem abril de 1948 cujo art V dispõe que toda pessoa tem direito à proteção da lei contra os ataques abusivos à sua honra à sua reputação e à sua vida particular e familiar Logo na sequência dezembro de 1948 a Declaração Universal dos Direitos Humanos preceitua art XII que ninguém será sujeito a interferências na sua vida privada na sua família no seu lar ou na sua correspondência nem a ataques à sua honra e reputação Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques A Convenção Europeia de Direitos Humanos abril de 1950 no seu art 8º n 1 assegura a qualquer pessoa o direito ao respeito da sua vida privada e familiar do seu domicílio e da sua correspondência Já o art 17 n 1 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos dezembro de 1966 dispõe que ninguém poderá ser objeto de ingerências arbitrárias ou ilegais em sua vida privada em sua família em seu domicílio ou em sua correspondência nem de ofensas ilegais à sua honra e reputação Por sua vez a Convenção Americana de Direitos Humanos Pacto de São José da Costa Rica novembro de 1969 assegura no seu art 11 n 1 e 2 que toda pessoa tem direito ao respeito da sua honra e ao reconhecimento de sua dignidade e que ninguém pode ser objeto de ingerências arbitrárias ou abusivas em sua vida privada em sua família em seu domicílio ou em sua correspondência nem de ofensas ilegais à sua honra ou reputação Por fim assume relevo a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia 2000 incorporada ao Tratado de Lisboa 2009 que no art 7º enuncia o direito de todas as pessoas ao respeito pela sua vida privada e familiar pelo seu domicílio e pelas suas comunicações prevendo também a proteção dos dados pessoais no seu art 8º Nas constituições estrangeiras os direitos de personalidade também passaram a ser objeto de crescente reconhecimento e proteção A Lei Fundamental da Alemanha ao que consta foi a primeira a reconhecer no seu art 2º um direito ao livre desenvolvimento da personalidade A Constituição da República Portuguesa no art 26 refere outros direitos pessoais tais como o direito à identidade pessoal à imagem e à palavra A Constituição da Espanha de 1978 no art 10 1 dispõe que la dignidad de la persona los derechos inviolables que le son inherentes el libre desarrollo de la personalidad el respeto a la Ley y a los derechos de los demás son fundamento del orden político y de la paz social No art 16 da Constituição da Colômbia também é garantido o direito ao livre desenvolvimento da personalidade após assegurar a proteção de diversos direitos pessoais como é o caso do direito à intimidade pessoal e familiar e o direito ao nome art 15 Também a Constituição do Chile contempla um direito geral de personalidade art 19 proteção da personalidade que no caso da Argentina é prevista no Preâmbulo da Constituição 44 O direito ao livre desenvolvimento da personalidade sua função como cláusula geral e sua relação com os direitos especiais de personalidade Muito embora a inexistência na Constituição Federal de expressa menção a um direito geral de personalidade no sentido de uma cláusula geral inclusiva de todas as manifestações particulares da personalidade humana tanto a doutrina quanto a jurisprudência têm recorrido ao princípio da dignidade da pessoa humana como principal fundamento de um direito implícito geral de personalidade no ordenamento jurídicoconstitucional brasileiro 108 Em outras ordens constitucionais como é o caso da Alemanha da Espanha e de Portugal aqui mediante inserção via revisão constitucional o direito geral de personalidade nem sempre foi previsto da mesma forma ao menos não quanto ao teor literal do texto constitucional No caso da Alemanha o texto da Lei Fundamental art 2º referese a um direito ao livre desenvolvimento da personalidade do qual foi desenvolvido pela doutrina e jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal um direito geral de personalidade 109 A Constituição espanhola no seu art 10 assegura o direito ao livre desenvolvimento da personalidade logo após mas no mesmo dispositivo ter consagrado a dignidade da pessoa humana Já o art 26 da Constituição da República Portuguesa na versão resultante da quarta revisão constitucional refere um direito ao desenvolvimento da personalidade sem contudo repetir na íntegra a fórmula alemã e espanhola mas também com o intuito de assegurar mediante uma cláusula geral uma proteção da personalidade isenta de lacunas 110 Não é por outro lado à toa que nas experiências constitucionais referidas enfatizase o nexo entre o direito de liberdade pessoal e a proteção da personalidade posto que o direito de personalidade embora tenha por objeto a proteção contra intervenções na esfera pessoal é também um direito de liberdade no sentido de um direito de qualquer pessoa a não ser impedida de desenvolver sua própria personalidade e de se determinar de acordo com suas opções Em síntese é possível afirmar que o direito geral de personalidade ou direito ao livre desenvolvimento da personalidade implica uma proteção abrangente em relação a toda e qualquer forma de violação dos bens da personalidade estejam eles ou não expressa e diretamente reconhecidos ao nível da constituição 111 É portanto em virtude da existência de uma cláusula geral e aberta de proteção e promoção da personalidade que no caso brasileiro tem sido fundada especialmente no princípio da dignidade da pessoa humana que se adota o entendimento de que o rol de direitos especiais de personalidade sejam eles previstos na legislação infraconstitucional sejam eles objeto de reconhecimento expresso na Constituição Federal não é de cunho taxativo 112 Tal a importância do direito geral de personalidade especialmente em ordens constitucionais que não dispõem de uma cláusula geral inclusiva em matéria de direitos fundamentais a exemplo da contida no art 5º 2º da CF que ele costuma operar como cláusula de abertura a direitos fundamentais não expressamente positivados o que pode ser bem ilustrado mediante recurso ao exemplo do direito ao livre desenvolvimento da personalidade na Alemanha 113 em torno da qual se aglutinou uma série de posições jusfundamentais mas também ocorreu no direito constitucional norteamericano no que diz com o direito à privacidade ela própria como tal não expressamente positivada como se verá logo adiante A existência de uma série de direitos especiais de personalidade consagrados textualmente e de forma autônoma no texto constitucional vg no caso da Constituição Federal os direitos à privacidade intimidade honra imagem não faz com que a cláusula geral de proteção da personalidade tenha um caráter meramente complementar ou até mesmo simbólico pois muito antes pelo contrário assume a condição de direito fundamental autônomo destinado a assegurar a livre formação e desenvolvimento da personalidade a proteção da liberdade de ação individual e a proteção da integridade pessoal em sentido integral e não reduzida às refrações particulares que representam o âmbito de proteção dos direitos especiais de personalidade 114 Por outro lado tendo em conta que uma série de dimensões essenciais à dignidade pessoal não foi contemplada direta e expressamente no texto constitucional é preciso ter presente que o direito ao livre desenvolvimento da personalidade e o direito geral de personalidade que dele resulta sendo expressão direta do postulado básico da dignidade humana 115 abarcam toda manifestação essencial à personalidade de modo especial o direito à identidade pessoal e moral que por sua vez inclui o direito à identidade genética do ser humano o direito ao nome o direito ao conhecimento da paternidade o assim chamado direito à identidade e autodeterminação sexual 116 entre outros de tal sorte que embora sempre presentes zonas maiores ou menores de confluência com os direitos especiais de personalidade o direito geral de personalidade como já referido segue sendo um direito autônomo e indispensável à proteção integral e sem lacunas da personalidade Ainda nesse contexto vem portanto a calhar a lição de Paulo Mota Pinto ao afirmar que o direito geral de personalidade é neste sentido também aberto sincrônica e diacronicamente permitindo a tutela de novos bens e face a renovadas ameaças à pessoa humana sempre tendo como referente o respeito pela personalidade quer numa perspectiva estática quer na sua dimensão dinâmica de realização e desenvolvimento 117 No plano da metódica jurídicoconstitucional isso significa em primeira linha que se haverá em sendo o caso de invocar um direito especial de personalidade visto que se estará diante de um recorte prévio e mais ou menos consolidado na tradição jurídica no que diz com aspectos essenciais da personalidade Além disso normalmente já terá havido maior delimitação em nível infraconstitucional pelo legislador e pela jurisprudência de modo que o recurso ao direito geral de personalidade será necessário apenas quando não incidente um direito especial ou para uma adequada interpretação e aplicação da manifestação particular da personalidade que estiver em causa 118 No caso da Constituição Federal diferentemente do que se dá na Alemanha a existência de diversos direitos especiais de personalidade positivados no plano constitucional reforça ainda mais tal entendimento de modo a preservar ao máximo as potencialidades de cada direito em espécie sem prejuízo da autonomia não havendo direito especial do direito ao livre desenvolvimento da personalidade 45 Contornos do regime jurídicoconstitucional dos direitos de personalidade Como direitos fundamentais tanto o direito ao livre desenvolvimento da personalidade quanto os direitos especiais de personalidade encontramse em geral submetidos ao mesmo regime jurídico que se aplica aos demais direitos fundamentais com destaque para os aspectos relacionados com sua titularidade destinatários e proteção contra intervenções por parte do Estado e de terceiros de tal sorte que aqui se remete essencialmente ao que foi versado na parte geral dos direitos fundamentais quanto a tais aspectos Todavia dadas algumas peculiaridades seguem algumas notas acerca de aspectos de particular relevância para os direitos de personalidade No que diz respeito aos seus titulares os direitos de personalidade já por sua íntima conexão com a vida e a dignidade humana são direitos de todos e de qualquer um portanto de titularidade universal o que inclui os estrangeiros não residentes mas também toda e qualquer pessoa nascida com vida independentemente de seu estado físico ou mental e mesmo não tendo completado a maioridade civil 119 Mais complexa é a questão relativa ao início e fim da titularidade pois como se trata de direitos personalíssimos a condição de sujeito de tais direitos estaria vinculada pelo menos na condição de direitos subjetivos à existência de tal sujeito no caso um ser humano pessoa o que para muitos identificaria a condição de titular dos direitos de personalidade com a personalidade jurídica tal como conferida e reconhecida nos termos da legislação civil ou seja com o nascimento com vida De qualquer sorte por força de seu conteúdo em dignidade humana no mínimo se haverá de reconhecer pelo menos quando for o caso uma proteção a partir da dimensão objetiva dos direitos fundamentais no âmbito do período anterior ao nascimento com vida o mesmo se verificando quanto ao fim da titularidade que de regra se dá com o evento morte ressalvadas contudo eventuais projeções após a morte tal como admitidas na esfera doutrinária e jurisprudencial como também já analisado na parte geral dos direitos fundamentais para onde remetemos o leitor Já no que diz com a titularidade de pessoas jurídicas 120 esta de regra precisamente por se tratar de direitos diretamente relacionados com esferas da vida pessoal é afastada muito embora a existência de exceções como se verifica no caso do direito à honra e à imagem com a ressalva de que no direito brasileiro se optou por distinguir entre honra objetiva e subjetiva de tal sorte que apenas a primeira é assegurada na condição de direito fundamental às pessoas jurídicas matéria inclusive sumulada no STJ 121 registrandose convém frisar importantes críticas quanto a tal solução 122 Destinatários dos direitos de personalidade são em primeira linha os órgãos estatais mas nessa seara a vinculação dos particulares se revela especialmente relevante pois tais direitos são também altamente expostos à violação e ameaça de violação na esfera das relações privadas Além das considerações já tecidas na parte geral dos direitos fundamentais convém registrar neste contexto que por serem em regra irrenunciáveis os direitos de personalidade implicariam segundo importantes representantes da doutrina uma vinculação direta dos particulares apenas naquilo que diz respeito precisamente ao seu conteúdo irrenunciável ou seja seu conteúdo em dignidade humana de modo que quanto às suas demais manifestações se verificaria apenas uma eficácia indireta 123 Independentemente do acerto dessa tese para o caso brasileiro visto que há de ser recebida com cautela pelo menos naquilo em que nega uma eficácia direta prima facie remetese aqui também à parte geral dos direitos fundamentais o fato é que não há como desconsiderar que em vista de suas características em especial o seu caráter irrenunciável os direitos de personalidade devem ter uma especial projeção nas relações privadas e atrair um controle extremamente rigoroso quando se cuida de lhes impor limites e restrições Assim necessária uma estrita observância dos critérios da proporcionalidade além da cuidadosa salvaguarda do núcleo essencial dos direitos de personalidade que somente poderão ser limitados em circunstâncias especiais embora o rigor do controle das restrições seja tanto maior quanto mais próximo o direito se situar da dignidade humana Quanto às características habitualmente atribuídas aos direitos de personalidade mas nem sempre ou pelo menos não da mesma forma aos demais direitos fundamentais podem ser elencadas quatro que em termos gerais têm sido objeto de substancial consenso a a universalidade b o seu caráter absoluto c o seu caráter extrapatrimonial d a sua indisponibilidade 124 Sem qualquer pretensão de aprofundar o exame de cada atributo dos direitos de personalidade a universalidade diz respeito aos sujeitos titulares de tais direitos no sentido já referido ou seja de que se trata de direitos de toda e qualquer pessoa natural e a depender do caso de pessoas jurídicas coletivas Quanto ao seu caráter absoluto o que está em causa é a circunstância de que se cuida de direitos oponíveis a todos isto é tanto aos órgãos estatais quanto em relação a particulares oponibilidade erga omnes valendo aqui as ressalvas feitas quando da abordagem dos destinatários dos direitos fundamentais em geral e dos direitos de personalidade em especial naquilo que está em causa a eficácia de tais direitos nas relações privadas portanto num ambiente marcado pela convivência e colisão de direitos aspecto que também guarda relação com o problema dos limites e restrições aos direitos fundamentais e a sua disponibilidade pelo seu respectivo titular Já o caráter extrapatrimonial dos direitos de personalidade diz respeito ao seu respectivo objeto que diferentemente do que ocorre com o direito de propriedade não é um bem patrimonial economicamente apreciável mas sim um valor bem ou interesse ligado à subjetividade de cada pessoa ainda que a lesão do direito seja reparável economicamente no sentido de se admitirem reflexos patrimoniais econômicos dos direitos pessoais 125 De mais difícil compreensão e aplicação prática é sem dúvida a característica da indisponibilidade dos direitos de personalidade Em síntese afirmase que se cuida de direitos irrenunciáveis no sentido de indisponíveis ao próprio titular do direito já que quanto à possibilidade de restrições por meio de ato do Poder Público se cuida como em geral se verifica com os direitos fundamentais de direitos que são em princípio submetidos a limites e restrições temática versada na parte geral dos direitos fundamentais para a qual aqui remetemos Para um adequado enfrentamento do problema é preciso distinguir com precisão as diversas situações que podem se oferecer pois a renúncia ao direito não se confunde nem com a possibilidade legítima de se transferirem seus efeitos patrimoniais nem com a possibilidade igualmente chancelada pela ordem jurídicoconstitucional brasileira de uma autolimitação que também pode ser designada de renúncia parcial ou de uma espécie de indisponibilidade relativa Com efeito assumese aqui como correta a premissa de que a titularidade de um direito abrange tal como sugere Jorge Reis Novais e na esfera do que se designa de renúncia a direitos fundamentais o poder de disposição sobre as diversas possibilidades que envolvem o exercício do direito 126 Assim há que distinguir a renúncia ao próprio direito renúncia total e irrevogável em relação a qualquer forma de exercício do direito da renúncia disposição sobre aspectos relativos ao exercício do direito no âmbito da dimensão subjetiva do direito fundamental que portanto assume feição sempre mais ou menos parcial podendo de resto ser revogada pelo próprio titular do direito 127 Também para o caso dos direitos fundamentais de personalidade vida integridade corporal e demais direitos pessoais como a privacidade a honra e a imagem o direito ao nome entre outros vale em princípio a premissa de que não é possível em termos abstratos e genéricos afirmar a sua disponibilidade ou indisponibilidade pois essa depende de um conjunto de circunstâncias e pressupostos objetivos e subjetivos inclusive e especialmente a repercussão do ato individual de renúncia em relação a interesses e direitos fundamentais de terceiros ou mesmo interesses coletivos 128 Assim como existem casos em que a própria Constituição Federal impede a plena disposição do direito fundamental existem outros em que a disponibilidade depende não apenas da natureza do direito em causa mas também de outros fatores Em caráter de síntese pois em relação a cada direito em espécie se haverá de considerar suas peculiaridades e mesmo as circunstâncias da situação concreta é possível afirmar que além de a renúncia no plano subjetivo pressupor a capacidade do titular e o seu livre consentimento inclusive informado quando for o caso uma renúncia a direito fundamental encontra limites especialmente para além de sua prévia interdição pela ordem jurídicoconstitucional objetiva na dignidade da pessoa humana e no conteúdo essencial do direito renunciado além da necessária satisfação das exigências da proporcionalidade e da razoabilidade mormente quando afetar bens e interesses jusfundamentais de terceiros 129 Convém sublinhar ademais disso que a dignidade da pessoa humana na sua dimensão autonômica constitui por um lado o próprio fundamento da possibilidade de renúncia a pessoa que deseja se submeter a uma operação de mudança de sexo ou a uma esterilização para não ter mais filhos mas por outro também opera como seu limite a exemplo do que se verificaria na hipótese de uma voluntária submissão a trabalho escravo ou tortura pelo Estado o que não afasta o problema de o quanto a decisão sobre o que viola ou não a dignidade da pessoa humana pode ser transferida aos órgãos estatais ou mesmo a terceiros no sentido de uma decisão heterônoma implicando de certo modo um dever de dignidade que legitima a proteção da pessoa contra si própria 130 controvérsia em que aqui não temos condições de adentrar Uma vez estabelecidos os contornos gerais da noção de direitos pessoais de personalidade como direitos fundamentais assim como seu respectivo regime jurídico seguem algumas notas sobre os principais direitos pessoais que além dos direitos à vida e à integridade física e psíquica compõem o leque abrangente e diferenciado de direitos fundamentais destinados à proteção e promoção dos diversos aspectos da personalidade humana 46 O direito à vida privada privacidade e intimidade 461 Considerações gerais Dos direitos fundamentais que dizem respeito à proteção da dignidade e personalidade humanas o direito à privacidade ou vida privada é um dos mais relevantes embora nem sempre tenha sido contemplado nas constituições ao menos não expressamente 131 É o caso por exemplo do direito constitucional norteamericano em que a despeito de inexistir referência expressa ao termo privacidade no texto da Constituição e das subsequentes emendas contendo os diversos direitos e garantias fundamentais o direito à privacidade na acepção cunhada pelo então Juiz da Suprema Corte Louis Brandeis seria o mais abrangente e valioso de todos os direitos para o homem civilizado 132 No caso da evolução constitucional brasileira foi apenas na CF que a proteção da vida privada e da intimidade foi objeto de reconhecimento de modo expresso Por outro lado o direito à vida privada articulase com outros direitos fundamentais como é o caso para efeitos do presente comentário da proteção da intimidade vida íntima e também da inviolabilidade do domicílio que é o espaço onde se desenvolve a vida privada Também tais direitos em especial a intimidade nem sempre são expressamente positivados nos textos constitucionais e internacionais pois em geral a intimidade constitui uma dimensão esfera da privacidade Na CF todavia embora ambas as dimensões privacidade e intimidade tenham sido expressamente referidas haverão de ser analisadas em conjunto pois se cuida de esferas níveis do direito à vida privada Dada a sua relação íntima com aspectos da vida privada também serão comentados neste capítulo a proteção do domicílio o sigilo fiscal e o sigilo bancário Por outro lado muito embora também exista uma forte conexão com os direitos à honra e à imagem esses dizem mais de perto com a identidade e integridade moral da pessoa humana razão pela qual serão versados em item apartado Já os sigilos da correspondência e das comunicações assim como a proteção de dados pessoais dada a sua importância e maior autonomia em relação à intimidade e à vida privada igualmente serão analisados em separado De qualquer sorte os pontos de contato entre o direito à privacidade e os demais direitos ora referidos não afastam importantes conexões entre a privacidade e outros direitos fundamentais 133 462 Conteúdo âmbito de proteção do direito à vida privada Como já referido diversamente de outras ordens constitucionais a Constituição Federal não reconheceu apenas um genérico direito à privacidade ou vida privada mas optou por referir tanto a proteção da privacidade quanto da intimidade como bens autônomos tal como no caso da honra e da imagem Todavia o fato de a esfera da vida íntima intimidade ser mais restrita que a da privacidade cuidandose de dimensões que não podem pura e simplesmente ser dissociadas recomenda um tratamento conjunto de ambas as situações Por outro lado é preciso reconhecer que dadas as peculiaridades da ordem constitucional brasileira especialmente à vista do reconhecimento de outros direitos pessoais no plano constitucional e da cláusula geral representada pela dignidade da pessoa humana o direito à privacidade a exemplo do que ocorre também em Portugal não merece a abrangência que lhe foi dada no direito constitucional norte americano em que assumiu a função equivalente a um direito geral de personalidade 134 Com isso todavia não se lhe está a negar relevância notadamente pelos já referidos pontos de contato com outros direitos fundamentais mas em especial com a dignidade da pessoa humana pois é líquido que a preservação de uma esfera da vida privada é essencial à própria saúde mental do ser humano e lhe assegura as condições para o livre desenvolvimento de sua personalidade 135 Embora exista quem no direito constitucional brasileiro e em virtude do texto da CF busque traçar uma distinção entre o direito à privacidade e o direito à intimidade de tal sorte que o primeiro trataria de reserva sobre comportamentos e acontecimentos atinentes aos relacionamentos pessoais em geral incluindo as relações comerciais e profissionais ao passo que o segundo guardaria relação com a proteção de uma esfera mais íntima da vida do indivíduo envolvendo suas relações familiares e suas amizades etc 136 tal distinção é difícil de sustentar especialmente em virtude da fluidez entre as diversas esferas da vida privada incluindo a intimidade de modo que também aqui adotaremos uma noção abrangente incluindo a intimidade no âmbito de proteção mais amplo do direito à vida privada privacidade 137 A noção desenvolvida por setores da doutrina e pela jurisprudência constitucional alemã de que se podem no âmbito do direito à privacidade distinguir três esferas a assim chamada teoria das esferas uma esfera íntima que constitui o núcleo essencial e intangível do direito à intimidade e privacidade uma esfera privada que diz com aspectos não sigilosos ou restritos da vida familiar profissional e comercial do indivíduo sendo passível de uma ponderação em relação a outros bens jurídicos e uma esfera social em que se situam os direitos à imagem e à palavra mas não mais à intimidade e à privacidade tem sido criticada como insuficiente para dar conta da diversidade de casos que envolvem a proteção da vida privada 138 por mais que possa servir de referencial importante mas não rígido para a distinção das diversas situações concretas e seu enquadramento no âmbito de proteção do direito De qualquer sorte é preciso levar em conta a dificuldade que se enfrenta quando se busca reduzir a privacidade a um sentido bem definido pois não raras vezes a privacidade se presta a certa manipulação pelo próprio ordenamento sendo até mesmo utilizada para suprir algumas de suas necessidades estruturais assumindo sentidos diversos em função das características de um ordenamento e dificultando ainda mais a identificação de um sentido comum 139 Assim a despeito da existência de parâmetros já bastante consolidados e de ser possível visualizar âmbitos mais íntimos e mais abertos da vida privada tal como sugerido pela teoria das esferas o fato é que uma violação do direito à privacidade somente poderá ser adequadamente aferida à luz das circunstâncias do caso concreto 140 As considerações precedentes apenas reforçam a tese de que não se logrou até o momento definir com precisão em que consiste o direito à privacidade e intimidade 141 e que se deve refutar toda e qualquer catalogação prévia e fechada de situações que possam se enquadrar no seu âmbito de proteção Com isso contudo não se afasta como já referido a possibilidade de identificar alguns parâmetros e elementos do direito que tem sido objeto de ampla aceitação seja no direito estrangeiro seja no âmbito do direito brasileiro além de reconhecidos ao nível do direito internacional dos direitos humanos Assim não se coloca em causa que o direito à vida privada consiste a exemplo do que emblematicamente já se disse no direito norteamericano no direito de se estar só e de se ser deixado só the right to be let alone 142 no sentido portanto de um direito a viver sem ser molestado pelo Estado e por terceiros no que toca aos aspectos da vida pessoal afetiva sexual etc e familiar 143 Em causa portanto está o controle por parte do indivíduo sobre as informações que em princípio apenas lhe dizem respeito por se tratar de informações a respeito de sua vida pessoal de modo que se poderá mesmo dizer que se trata de um direito individual ao anonimato 144 Dito de outro modo o direito à privacidade consiste num direito a ser deixado em paz ou seja na proteção de uma esfera autônoma da vida privada na qual o indivíduo pode desenvolver a sua individualidade inclusive e especialmente no sentido da garantia de um espaço para seu recolhimento e reflexão sem que ele seja compelido a determinados comportamentos socialmente esperados 145 À vista do exposto é possível acompanhar a lição de J J Canotilho e Vital Moreira quando sustentam em passagem aqui transcrita que o direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar analisase principalmente em dois direitos menores a o direito a impedir o acesso de estranhos a informações sobre a vida privada e familiar e b o direito a que ninguém divulgue as informações que tenha sobre a vida privada e familiar de outrem Alguns outros direitos fundamentais funcionam como garantias deste é o caso do direito à inviolabilidade do domicílio e da correspondência da proibição de tratamento informático de dados referentes à vida privada Instrumentos jurídicos privilegiados de garantia deste direito são igualmente o sigilo profissional e o dever de reserva das cartas confidenciais e demais papéis pessoais 146 Não sendo fácil como em geral admitido distinguir os diversos níveis de proteção do direito à privacidade em especial o âmbito que diz respeito ao campo mais reservado da intimidade da vida pessoal e familiar aquilo que em princípio não interessa ao Estado e às demais pessoas da esfera mais aberta ou seja que diz com a inserção social do indivíduo e desde logo reforçando a tese da insuficiência de qualquer categorização fechada é possível contudo distinguir um âmbito que ao menos em princípio é já pela sua conexão com a dignidade da pessoa humana absolutamente protegido insuscetível portanto de intervenção estatal e uma esfera mais aberta em que a pessoa se encontra entre pessoas e com elas interage que por sua vez é passível de intervenção desde que mediante estrita observância dos critérios da proporcionalidade e para salvaguardar outros direitos fundamentais ou bens e interesses constitucionalmente assegurados 147 Por outro lado sendo possível distinguir dados informações que dizem respeito em primeira linha a situações pessoais tais como a orientação e as preferências sexuais anotações em diários entre outras de informações em princípio mais triviais necessário que não se sucumba à tentação de considerar os dados de forma isolada mas sim a partir de uma perspectiva integrada que perceba os dados pessoais a partir da relação que possa existir entre eles pois há casos em que dados informações aparentemente triviais podem no âmbito de uma combinação de dados aparentemente aleatórios implicar uma lesão do direito à privacidade 148 Por derradeiro é de se adotar o entendimento de que o critério principal de determinação do âmbito de proteção do direito à privacidade deverá ser material e não formal Com efeito ao passo que numa perspectiva estritamente formal privado ou íntimo seria tudo aquilo que uma pessoa decide excluir do conhecimento alheio de tal sorte que o âmbito de proteção da privacidade seria variável consoante a particular visão do titular do direito de um ponto de vista material o direito à privacidade cobre os aspectos da vida pessoal que de acordo com as pautas sociais vigentes costuma ser tido como reservado e indisponível ao legítimo interesse do Estado e de terceiros especialmente tudo que tiver de ficar oculto para assegurar ao indivíduo uma vida com um mínimo de qualidade 149 Que tal orientação não dispensa uma cuidadosa avaliação das circunstâncias de cada caso convém seja aqui relembrado Dada a sua dupla dimensão objetiva e subjetiva o direito à privacidade opera na condição de direito subjetivo em primeira linha como direito de defesa portanto como direito à não intervenção por parte do Estado e de terceiros no respectivo âmbito de proteção do direito 150 e como expressão também da liberdade pessoal como direito a não ser impedido de levar sua vida privada conforme seu projeto existencial pessoal e de dispor livremente das informações sobre os aspectos que dizem respeito ao domínio da vida pessoal e que não interferem em direitos de terceiros Assim o direito à privacidade é também direito de autodeterminação do indivíduo Por sua vez da perspectiva objetiva decorre além da assim chamada eficácia irradiante e interpretação da legislação civil notadamente no campo dos direitos de personalidade em sintonia com os parâmetros normativos dos direitos fundamentais um dever de proteção estatal no sentido tanto da proteção da privacidade na esfera das relações privadas ou seja contra intervenções de terceiros quanto no que diz com a garantia das condições constitutivas da fruição da vida privada 151 Em sinergia com a decisão proferida na ADI 6387DF que suspendeu a eficácia da Medida Provisória n 9542020 editada em decorrência da pandemia da COVID19 e que determinou ao IBGE que se abstivesse de requerer a disponibilização de dados objeto da referida medida provisória cumpre ainda diferenciar o direito à vida privada quanto à privacidade e à intimidade do direito à proteção de dados Enquanto a proteção de dados se destina a garantir a salvaguarda sem lacunas de todas as dimensões que envolvem a coleta armazenamento tratamento utilização e transmissão de dados pessoais inclusive com vistas ao livre desenvolvimento da personalidade do indivíduo na proteção à vida privada quando se trata da manipulação de dados pessoais digitalizados existe a imposição de limites constitucionais constantes em cláusulas assecuratórias da liberdade individual art 5º caput da CF da privacidade e do livre desenvolvimento da personalidade art 5º X e XII também da CF De acordo com o colegiado por não prever exigência alguma quanto a mecanismos e procedimentos para assegurar o sigilo a higidez e o anonimato dos dados compartilhados a Medida Provisória n 9542020 não satisfez as exigências que exsurgem do texto constitucional no tocante à efetiva proteção de direitos fundamentais dos brasileiros Apesar de vencido vale reportar o voto vencido do Ministro Marco Aurélio que manteve hígida a medida provisória sob o fundamento de que esta serve como solução ante as dificuldades de coleta de dados pela impossibilidade de circulação de pessoas durante a pandemia do novo coronavírus além de referir se tratar a medida provisória de ato precário e efêmero passível de análise pelo Congresso Nacional 463 Limites e restrições Assim como os demais direitos pessoais também o direito à privacidade não se revela ilimitado e imune a intervenções restritivas Todavia ao não prever para a privacidade e intimidade uma expressa reserva legal além de afirmar que se cuida de direitos invioláveis há que reconhecer que a Constituição Federal atribuiu a tais direitos um elevado grau de proteção de tal sorte que uma restrição apenas se justifica quando necessária a assegurar a proteção de outros direitos fundamentais ou bens constitucionais relevantes no caso portanto de uma restrição implicitamente autorizada pela Constituição Federal de modo que é em geral na esfera dos conflitos com outros direitos que se pode em cada caso avaliar a legitimidade constitucional da restrição De outra parte no que diz com a possibilidade de renúncia total ou parcial remetese aqui às considerações já tecidas quando do estabelecimento dos contornos gerais do regime jurídico dos direitos pessoais De qualquer sorte impende consignar que o quanto a vida privada é em cada caso protegida também guarda relação com o próprio modo de vida individual pessoas com vida pública tais como artistas e políticos naturalmente estão mais expostas de modo que é possível aceitar em determinadas circunstâncias uma redução mas jamais uma anulação dos níveis de proteção individual na esfera da privacidade e intimidade 152 Uma garantia adicional do direito à privacidade o direito à indenização pelo dano material eou moral decorrente de sua violação foi expressamente assegurado pela Constituição Federal no mesmo dispositivo art 5º X remetendose aqui para o desenvolvimento do ponto às considerações tecidas quando do exame da liberdade de expressão Por outro lado não se desconhece nem se desconsidera o quanto cada vez mais parece confirmarse a tese amplamente difundida de que estamos vivenciando o fim da privacidade seja por conta da constante e intensa auto exposição nas mídias sociais na comunicação eletrônica em geral na utilização de aplicativos diversos por meio dos quais permitimos o acesso a um conjunto de dados informações pessoais de toda natureza isso sem falar na ampliação dos mecanismos de vigilância e monitoramento da vida individual e coletiva ainda que motivada por razões de segurança acesso a toda uma gama de bens serviços e informações entre outros aspectos a serem considerados Assim por evidente que se há de reconhecer que se está a experimentar um gradual esvaziamento da privacidade especialmente das possibilidades efetivas de sua real proteção o que não significa que não continuem existindo espaços de maior blindagem e ao menos ainda que corriqueiras as intervenções na esfera privada mecanismos de reparação a posteriori 47 A salvaguarda do sigilo fiscal e bancário O sigilo em relação às operações bancárias empréstimo e guarda de dinheiro já integra desde a Antiguidade mas especialmente a partir da Idade Média um expressivo número de ordens jurídicas alcançando inclusive embora não de forma generalizada e não da mesma forma relevância constitucional mas em geral não mediante expressa previsão no texto constitucional o que também se deu no caso brasileiro 153 No caso da Constituição Federal a proteção do sigilo fiscal e bancário de acordo com a voz majoritária no direito brasileiro foi deduzida dos direitos à privacidade e à intimidade constituindo uma particular manifestação destes 154 em que pese alguma controvérsia inicial sobre a sede mais adequada de tais direitos 155 A própria discussão sobre o caráter fundamental do sigilo fiscal e bancário discussão que se legitima pelo fato de não se tratar de direito expressamente consagrado no texto constitucional 156 coloca algumas questões dignas de nota pois há quem encare com reservas o fato de se incluir na esfera dos direitos pessoais além de um direito ao segredo de ser também um direito ao segredo de ter ainda mais em virtude da magnitude dos direitos e interesses especialmente públicos colidentes com tal segredo em matéria patrimonial fiscal e bancária o que não afetaria os casos de sigilo profissional médicos psiquiatras psicoterapeutas advogados etc que guardam relação com a privacidade de quem deposita legítima e mesmo necessária confiança em tal segredo 157 Independentemente das possíveis objeções ao reconhecimento de um direito garantia fundamental ao sigilo fiscal e bancário doutrina e jurisprudência como já sinalado como tal o consagraram na ordem constitucional brasileira Considerando todavia as expressivas limitações estabelecidas a tais sigilos bem como a relativa facilidade com que são determinadas quebras de sigilo fiscal e bancário no Brasil é mesmo de se indagar o quanto de fato é possível falar aqui de direitos fundamentais De qualquer sorte cuidase de uma dimensão relativamente mais fraca da proteção da vida privada visto que se tem admitido uma ampla possibilidade de intervenções legítimas Quanto ao âmbito de proteção do sigilo fiscal e bancário não se efetua em princípio diferença entre os diversos dados informações constantes nos cadastros fiscais e bancários de tal sorte que é em regra a integralidade de tais dados que se encontra protegida Aqui contudo é possível aventar a conveniência de se diferenciar quando de eventual intervenção restritiva entre a qualidade das informações requisitadas especialmente quando por meio de registros fiscais e bancários se tem acesso a outras informações que dizem respeito à esfera da intimidade pessoal e familiar De qualquer sorte doutrina e jurisprudência do STF 158 reconhecem que o direito ao sigilo bancário e fiscal não tem caráter absoluto tendo estabelecido alguns parâmetros para o controle da legitimidade constitucional da quebra do sigilo fiscal e bancário 159 Uma primeira diretriz diz respeito ao caráter excepcional da restrição que a exemplo das demais intervenções em direitos fundamentais deve ser justificável a partir da necessidade de salvaguarda de outro direito fundamental ou interesse coletivo constitucionalmente assegurado 160 devendo além disso observar o devido processo legal e os requisitos da razoabilidade e da proporcionalidade 161 Na prática contudo especialmente observando a jurisprudência das instâncias ordinárias é possível questionar o quanto tal excepcionalidade tem sido observada dada a relativa facilidade com que se autoriza a quebra do sigilo fiscal e bancário mesmo na esfera judicial pois a motivação não se prende como no caso do sigilo das comunicações a garantir uma investigação criminal Outro aspecto relevante guarda relação com a existência ou não de uma reserva de jurisdição para efeitos de autorizar a quebra do sigilo Por um lado é possível afirmar que a inclusão do sigilo fiscal e bancário no âmbito de proteção mais alargado do direito à privacidade afasta a incidência da reserva legal qualificada que foi expressamente prevista para o sigilo das comunicações art 5º XII por exemplo a exigência de autorização judicial para toda e qualquer medida interventiva no direito por outro lado o STF assim como de modo geral a doutrina tem sido resistente no que diz com a liberação geral da possibilidade de determinar a quebra do sigilo a outros órgãos e agentes estatais exigindo de regra seja requerida autorização judicial 162 e que se cuide de hipótese regulada por lei 163 Em geral portanto dispensase autorização judicial apenas nas seguintes situações a quando a quebra do sigilo é requisitada devidamente motivada por comissão parlamentar de inquérito no âmbito do seu poder de investigação 164 b pela autoridade fiscal nos termos da LC 1052001 embora a controvérsia estabelecida em torno da legitimidade constitucional de dispositivos da referida lei por alegada ofensa ao sigilo fiscal e bancário 165 tendo o STF reiteradamente reconhecido a possibilidade de a administração tributária requisitar observados os requisitos objetivos previstos em lei informações às instituições financeiras 166 A possibilidade de o Ministério Público requisitar diretamente informações bancárias e fiscais tem sido em geral refutada pelo STF 167 a despeito de precedente isolado que autorizava tal requisição envolvendo recursos públicos 168 Um dos principais motivos do afastamento da legitimidade do Ministério Público residiria no fato de que não tem ele o dever da imparcialidade e atua como parte 169 argumento que todavia não tem convencido a todos pois há quem entenda que o que se haveria de exigir seria o atendimento dos requisitos da impessoalidade e não da imparcialidade 170 Importa destacar contudo que de acordo com o art 9º da LC 1052001 se o Banco Central do Brasil ou a Comissão de Valores Mobiliários no exercício de suas atribuições verificarem a ocorrência de crime definido em lei como de ação pública ou constatarem indícios da prática de tais crimes deverão informar o Ministério Público 171 Além disso em sendo a prova utilizada pelo Ministério Público este deverá ter obtido a informação de comissão parlamentar de inquérito ou por força de autorização judicial 172 Ainda de acordo com o entendimento do STF consolidado ao longo de uma intensa prática decisória a autoridade policial o Banco Central 173 outros órgãos do Poder Executivo bem como os Tribunais de Contas 174 não estão legitimados a quebrar o sigilo fiscal e bancário e devem acessar a autoridade judiciária competente Tal quadro como se pode perceber revela que o STF acabou na prática consagrando uma espécie de reserva de jurisdição relativa objetivando um maior controle e rigor no campo das intervenções na esfera do sigilo fiscal e bancário Além dos requisitos já expostos o STF tem estabelecido critérios adicionais ligados ao próprio procedimento da quebra do sigilo fiscal e bancário entre os quais assume destaque a criteriosa fundamentação da decisão seja qual for a autoridade competente Ademais como se extrai de decisão relatada pelo Min Celso de Mello A quebra de sigilo não pode ser manipulada de modo arbitrário pelo Poder Público ou por seus agentes É que se assim não fosse a quebra de sigilo converterseia ilegitimamente em instrumento de busca generalizada e de devassa indiscriminada da esfera de intimidade das pessoas o que daria ao Estado em desconformidade com os postulados que informam o regime democrático o poder absoluto de vasculhar sem quaisquer limitações registros sigilosos alheios Doutrina Precedentes Para que a medida excepcional da quebra de sigilo bancário não se descaracterize em sua finalidade legítima tornase imprescindível que o ato estatal que a decrete além de adequadamente fundamentado também indique de modo preciso dentre outros dados essenciais os elementos de identificação do correntista notadamente o número de sua inscrição no CPF e o lapso temporal abrangido pela ordem de ruptura dos registros sigilosos mantidos por instituição financeira 175 Da mesma forma deve a decisão requisitória seja emanada por CPI seja de autoridade judicial especificar os dados que pretende obter de modo a minimizar o impacto da decisão pois em sendo necessário apenas o endereço não cabe por exemplo obter a decla ração de bens da pessoa investigada 176 A preservação da manutenção do sigilo em relação às pessoas estranhas à investigação e a utilização restrita dos dados obtidos para a finalidade da investigação que deu causa à quebra do sigilo são exigências adicionais a serem consideradas de modo a assegurar o devido processo da intervenção restritiva no direito 177 Cuidandose de medida restritiva de direito fundamental há que efetuar rigoroso controle com base nas exigências da proporcionalidade Com efeito recolhendose aqui lição de Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco que tomamos a liberdade de transcrever o sigilo haverá de ser quebrado em havendo necessidade de preservar um outro valor com status constitucional que se sobreponha ao interesse na manutenção do sigilo Além disso deve estar caracterizada a adequação da medida ao fim pretendido bem como a sua efetiva necessidade ie não se antever outro meio menos constritivo para alcançar o mesmo fim 178 Ao critério da adequação e da necessidade somase o critério da proporcionalidade em sentido estrito especialmente quando por meio da quebra do sigilo fiscal e bancário se possam colocar em causa elementos nucleares do direito à privacidade situação que embora possa ser considerada rara não deveria ser descartada de plano Por outro lado a natureza dos dados acessados deve ser tal de modo a preservar ao máximo a esfera privada Assim se é possível admitir maior flexibilidade quanto a informações sobre a renda e a declaração de bens dados sobre as despesas realizadas especialmente quando dizem respeito a operações de caráter particular deveriam ter sua abertura condicionada a situações excepcionais e indispensáveis à investigação criminal ou quando tal informação se revelar a única forma de assegurar direito conflitante Impõese ainda o registro de que a pendência do julgamento de algumas ações diretas de inconstitucionalidade e mesmo a existência de alguma instabilidade verificada em relação ao posicionamento do STF sobre alguns dos aspectos que envolvem especialmente as possibilidades e limites das restrições ao sigilo fiscal e bancário 179 não permitem que se formulem em geral juízos de valor conclusivos sobre a matéria que dada a sua relevância e dinamicidade se encontra em processo de definição De qualquer sorte à vista das características do sigilo fiscal e bancário assume ares exagerados a exigência generalizada de autorização judicial criandose como está a fazer o STF uma reserva de jurisdição onde ela não foi sequer prevista pela Constituição Federal Por outro lado não está em princípio vedado ao legislador como já sinalado estabelecer hipóteses de quebra do sigilo fiscal e bancário por autoridade não judicial desde que assegurada a impessoalidade da medida e observadas as exigências da segurança jurídica e da proporcionalidade portanto de um procedimento constitucionalmente adequado Com isso por sua vez estará atendido ao dever de proteção estatal na esfera dos deveres em matéria de organização e procedimento Sobre os limites do sigilo bancário assume relevância decisão do STF MS 23168DF AgR Relatora Ministra Rosa Weber julgado em 28062019 de acordo com a qual em caso de requisição do Tribunal de Contas da União ao Banco do Brasil tal sigilo não se aplica a dados de sociedade de economia mista porquanto sendo entidade integrante da administração pública indireta De acordo com a Corte quando o alvo da investigação auditoria são apenas dados operacionais da sociedade de economia mista no caso operações de crédito que envolvam recursos públicos sem identificação de dados pessoais ou de movimentações individuais dos correntistas não há que falar em sigilo bancário como razão legítima para a recusa ao fornecimento dos documentos de auditoria interna requisitados pelo TCU Com isso é possível conciliar no âmbito de uma concordância prática Hesse a proteção dos dados individuais dos correntistas acobertados pela garantia do sigilo bancário ao mesmo tempo em que se assegura a constitucionalmente imposta transparência e publicidade dos dados inerentes à atuação operacional e aos recursos de titularidade da sociedade de economia mista Além disso o plenário do STF decidiu ser legítimo o compartilhamento com o Ministério Público e as autoridades policiais para fins de investigação criminal da integralidade de dados bancários e fiscais de contribuintes obtidos pela Receita Federal e pela Unidade de Inteligência Financeira sem a necessidade de autorização prévia pelo Poder Judiciário Na ocasião prevaleceu o voto do Ministro Alexandre de Moraes segundo o qual embora a regra constitucional seja a proteção à inviolabilidade da intimidade e da vida privada art 5º X bem como à inviolabilidade de dados art 5º XII que incluem os dados financeiros sigilos bancário e fiscal tal norma não é absoluta Deste modo entendeuse não haver inconstitucionalidade ou ilegalidade no compartilhamento entre Receita e Ministério Público das provas e dados imprescindíveis à conformação e ao lançamento do tributo assim como no compartilhamento pela UIF dos seus relatórios com os órgãos de persecução penal para fins criminais Foram vencidos os Ministros Marco Aurélio e Celso de Mello ambos sendo favoráveis à cláusula de reserva de jurisdição 180 Mais recentemente igualmente versando sobre hipóteses de compartilhamento de dados bancários o STF no bojo da ADI 5729 rel Min Roberto Barroso j em 08032021 decidiu serem constitucionais os 1º e 2º do art 7º da Lei n 132542016 que versa sobre a repatriação de recursos De acordo com a decisão o legislador ao proibir o compartilhamento de informações prestadas pelos aderentes ao Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária RERCT entre os órgãos intervenientes e com os Estados e Municípios agiu no âmbito de sua liberdade de conformação criando restrição pontual e específica que ademais envolve informações sensíveis que caso necessário podem ser fornecidas mediante ordem judicial 48 Inviolabilidade do domicílio 481 Notícia histórica e generalidades A conhecida imagem de que a casa de alguém é o seu castelo my home is my castle como de há muito dizem ingleses e americanos dá conta da importância da inviolabilidade do domicílio para a dignidade e o livre desenvolvimento da pessoa humana Com efeito a íntima conexão da garantia da inviolabilidade do domicílio com a esfera da vida privada e familiar lhe assegura um lugar de honra na esfera dos assim chamados direitos da integridade pessoal Já por tal razão não é de surpreender que a proteção do domicílio foi ainda que nem sempre da mesma forma e na amplitude atual um dos primeiros direitos assegurados no plano das declarações de direitos e dos primeiros catálogos constitucionais A proteção contra ordens gerais de buscas domiciliares já constava da Declaração dos Direitos do Homem da Virgínia de 1776 art X e na Constituição americana 4ª Emenda à Constituição de 1791 Embora a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 não contivesse garantia do domicílio ou equivalente a primeira Constituição da França de 1791 já contemplava uma prescrição de acordo com a qual as forças militares e policiais apenas poderiam adentrar na casa de algum cidadão mediante ordem expedida pela autoridade civil competente Título Primeiro A certidão de nascimento de uma expressa garantia da inviolabilidade do domicílio tal como difundida pelas constituições da atualidade teria sido passada pela Constituição belga de 1831 que no seu art 10 solenemente declarava que le domicile est inviolable 181 muito embora ainda que sem referência ao termo domicílio tal proteção já tenha sido prevista na Carta Imperial brasileira de 1824 onde se falava na casa como asilo inviolável do indivíduo De lá para cá o direito à inviolabilidade do domicílio passou a ser presença constante nos catálogos constitucionais de direitos fundamentais e mesmo do direito internacional dos direitos humanos como se verá logo a seguir 482 Direito internacional dos direitos humanos e evolução constitucional brasileira anterior à Constituição Federal No plano do direito internacional dos direitos humanos a primeira previsão a respeito de um direito à inviolabilidade do domicílio foi inserida na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem maio de 1948 cujo art IX dispõe que toda pessoa tem direito à inviolabilidade do seu domicílio Na Declaração Universal dos Direitos Humanos 10111948 a proteção do domicílio foi reconhecida juntamente com outros direitos pessoais ligados à vida privada e familiar como dá conta o art XII de acordo com o qual ninguém será sujeito a interferências na sua vida privada na sua família no seu lar ou na sua correspondência nem a ataques à sua honra e reputação Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques O mesmo ocorreu no caso da Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais a assim chamada Convenção Europeia de Direitos Humanos 04111950 cujo art 8º que versa sobre o direito ao respeito pela vida privada e familiar e dispõe que 1 qualquer pessoa tem direito ao respeito da sua vida privada e familiar do seu domicílio e da sua correspondência e que 2 não pode haver ingerência da autoridade pública no exercício deste direito senão quando esta ingerência estiver prevista na lei e constituir uma providência que numa sociedade democrática seja necessária para a segurança nacional para a segurança pública para o bemestar econômico do país a defesa da ordem e a prevenção das infrações penais a proteção da saúde ou da moral ou a proteção dos direitos e das liberdades de terceiros O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos 19121966 ratificado pelo Brasil Dec 592 de 06071992 estabelece no art 17 n 1 e 2 que ninguém poderá ser objetivo de ingerências arbitrárias ou ilegais em sua vida privada em sua família em seu domicílio ou em sua correspondência nem de ofensas ilegais às suas honra e reputação e que toda pessoa terá direito à proteção da lei contra essas ingerências ou ofensas Redação similar foi adotada pela Convenção Americana sobre Direitos Humanos Pacto de São José 22111969 ratificada pelo Brasil pelo Dec 678 de 06111992 De acordo com o art 11 n 2 e 3 da Convenção Americana ninguém pode ser objeto de ingerências arbitrárias ou abusivas em sua vida privada em sua família em seu domicílio ou em sua correspondência nem de ofensas ilegais à sua honra ou reputação e toda pessoa tem direito à proteção da lei contra tais ingerências ou tais ofensas Por derradeiro assume relevo a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia 2000 que também reconheceu um direito à proteção do domicílio tal como dispõe o seu art 7º de acordo com o qual todas as pessoas têm direito ao respeito pela sua vida privada e familiar pelo seu domicílio e pelas suas comunicações No que diz com a evolução constitucional brasileira cabe destacar que já na Carta Imperial de 1824 havia previsão na esfera dos direitos civis e políticos dos brasileiros art 179 VII que todo o Cidadão tem em sua casa um asylo inviolavel De noite não se poderá entrar nella senão por seu consentimento ou para o defender de incendio ou inundação e de dia só será franqueada a sua entrada nos casos e pela maneira que a Lei determinar Na primeira constituição republicana de 1891 repetiramse em linhas gerais os termos da Carta de 1824 pois de acordo com o art 72 11 da Constituição de 1891 a casa é o asilo inviolável do indivíduo ninguém pode aí penetrar de noite sem consentimento do morador senão para acudir as vítimas de crimes ou desastres nem de dia senão nos casos e pela forma prescritos na lei O mesmo sucedeu com a Constituição de 1934 art 113 n 16 de acordo com o qual a casa é o asilo inviolável do indivíduo Nela ninguém poderá penetrar de noite sem consentimento do morador senão para acudir a vítimas de crimes ou desastres nem de dia senão nos casos e pela forma prescritos na lei Tal situação contudo mudou significativamente com o advento da Constituição do Estado Novo de 1937 cujo art 122 n 6 embora tenha assegurado a inviolabilidade do domicílio juntamente com o sigilo da correspondência o fez de modo genérico sem proibir o ingresso durante o período noturno e deixando para o legislador regulamentar as hipóteses que autorizavam a intervenção no direito mesmo sem o consentimento do seu titular Com efeito de acordo com o referido dispositivo a constituição assegura a inviolabilidade do domicílio e de correspondência salvas as exceções expressas em lei Com a redemocratização a proteção do domicílio novamente foi objeto de reforço de tal sorte que a Constituição de 1946 a exemplo da tradição anterior a 1937 no seu art 141 15 dispôs que a casa é o asilo inviolável do indivíduo Ninguém poderá nela penetrar à noite sem consentimento do morador a não ser para acudir a vítimas de crime ou desastre nem durante o dia fora dos casos e pela forma que a lei estabelecer Mesmo elaboradas na época do regime militar a Constituição de 1967 art 150 10 e a Emenda n 1 de 1969 art 153 10 mantiveram em geral os termos da proteção assegurada pela Carta de 1946 pois ambos os dispositivos referidos 1967 e 1969 dispunham que a casa é o asilo inviolável do indivíduo ninguém pode penetrar nela à noite sem con sentimento do morador a não ser em caso de crime ou desastre nem durante o dia fora dos casos e na forma que a lei estabelecer Que a previsão constitucional como costuma ocorrer em períodos de exceção nem sempre foi levada a sério pelas autoridades policiais judiciárias e administrativas é aspecto que aqui não temos como desenvolver 483 Conteúdo e limites do direito à inviolabilidade do domicílio na Constituição Federal A evolução da proteção do domicílio na esfera do direito constitucional e comparado acabou influenciando significativamente o constituinte de 1988 De acordo com o art 5º XI da CF a casa é asilo inviolável do indivíduo ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador salvo em caso de flagrante delito ou desastre ou para prestar socorro ou durante o dia por determinação judicial Muito embora a Constituição Federal não tenha utilizado a expressão domicílio substituindoa por casa os termos hão de ser tomados como equivalentes pois a proteção do domicílio em que pese alguma variação encontrada no direito comparado no que diz com sua amplitude e eventuais pressupostos para sua restrição é tomada em sentido amplo e não guarda relação necessária com a propriedade mas sim com a posse para efeitos de residência e a depender das circunstâncias até mesmo não de forma exclusiva para fins residenciais Dentre os diversos problemas interpretativos que se colocam à vista da fórmula adotada pela Constituição Federal se situam basicamente os seguintes a qual o conceito de domicílio para efeito da proteção constitucional b quais os titulares e destinatários do direito c quais os seus limites e restrições incluída aqui pois não se trata apenas disso a compreensão adequada das exceções previstas pela própria Constituição Federal quais sejam o consentimento do morador em caso de desastre ou flagrante delito para prestação de socorro ou durante o dia por ordem judicial 182 Quanto ao primeiro ponto ou seja qual o conceito de domicílio para efeitos da delimitação da proteção com base no art 5º XI da CF há que retomar a vinculação da inviolabilidade do domicílio com a proteção da vida privada e garantia do livre desenvolvimento da personalidade A inviolabilidade do domicílio constitui direito fundamental atribuído às pessoas em consideração à sua dignidade e com o intuito de lhes assegurar um espaço elementar para o livre desenvolvimento de sua personalidade além de garantir o seu direito de serem deixadas em paz de tal sorte que a proteção não diz respeito ao direito de posse ou propriedade mas com a esfera espacial na qual se desenrola e desenvolve a vida privada 183 Por tal razão o direito do domicílio isto é a garantia de sua inviolabilidade não implica um direito ao domicílio 184 Tal noção corresponde em termos gerais ao entendimento dominante na esfera tanto do direito internacional dos direitos humanos quanto ao que se pratica no direito constitucional comparado pelo menos cuidandose de autênticos Estados Democráticos de Direito Assim apenas em caráter ilustrativo doutrina e jurisprudência constitucional espanhola afirmam a existência de um nexo indissolúvel entre a inviolabilidade do domicílio e o direito à intimidade que implica em princípio um conceito constitucional mais ampliado de domicílio que o convencional conceito jurídicoprivado ou mesmo jurídico administrativo 185 o que também se constata no caso do direito português e alemão sempre a privilegiar um conceito amplo de domicílio e destacando sua conexão com a garantia da dignidade humana e de um espaço indevassável para a fruição da vida privada 186 No Brasil ainda mais em face dos abusos praticados especialmente mas lamentavelmente não só nos períodos autoritários que antecederam a Constituição Federal não haveria de ser diferente e a expressão casa utilizada como substitutiva de domicílio tem sido compreendida tanto pela doutrina quanto pela jurisprudência do STF em sentido amplo como abrangendo o espaço físico onde o indivíduo deve poder fruir de sua privacidade nas suas diversas manifestações 187 Assim a casa domicílio que constitui o objeto de proteção da garantia da inviolabilidade consagrada pelo art 5º XI da CF é todo aquele espaço local delimitado e separado que alguém ocupa com exclusividade seja para fins de residência seja para fins profissionais de modo que mesmo um quarto de hotel o escritório qualquer dependência de casa mais ampla desde que utilizada para fins pessoais aposento de habitação coletiva são considerados abrangidos pela proteção constitucional 188 O caráter temporário e mesmo provisório da ocupação desde que preservada a exclusividade no sentido de sua privacidade não afasta a proteção constitucional pois esta como já frisado busca em primeira linha assegurar o direito à vida privada 189 O STF também tem adotado um conceito amplo de casa domicílio nele incluindo qualquer compartimento habitado mesmo que integrando habitação coletiva pensão hotel etc e qualquer compartimento privado onde alguém exerce profissão ou qualquer outra atividade pessoal 190 com direito próprio e de maneira exclusiva ainda que não o seja em caráter definitivo ou habitual 191 Assim é possível afirmar que também no direito constitucional brasileiro tratase de um conceito funcional de domicílio casa que serve a uma dupla finalidade de proteção a como espaço de fruição da esfera privada o domicílio abrange não apenas habitações fixas mas também espaços móveis que servem ao recolhimento à privacidade como uma barraca num acampamento um barco ou um trailer b a noção de domicílio também protege um espaço livre de intervenção que diz respeito à ocupação mediante exclusão de terceiros e da autoridade estatal para o exercício de atividades profissionais ou outras atividades lícitas 192 Por outro lado o fato de escritórios profissionais serem abrangidos pela proteção da inviolabilidade do domicílio não faz com que tal garantia a despeito da conexão existente se confunda com a preservação do sigilo profissional tutelada por outra norma de direito fundamental art 5º XIV da CF o que por sua vez traz consequências relevantes no que diz com as peculiaridades das autorizações judiciais para a realização de buscas e apreensões entre outros aspectos mas que aqui não serão desenvolvidos 193 Titulares portanto sujeitos do direito da garantia da inviolabilidade são em princípio tanto as pessoas físicas nacionais e estrangeiros quanto as pessoas jurídicas visto que se cuida de direito compatível com a sua condição 194 No caso das pessoas físicas a titularidade estendese a todos os membros da família que residem no local assim como em geral toda e qualquer pessoa que habita ou exerce sua atividade no local alcançando até mesmo presos e internados nos limites de seu local de internação ressalvadas eventuais intervenções previstas em lei 195 Importa destacar que a titularidade do direito à inviolabilidade do domicílio não depende da condição de proprietário pois basta a posse provisória como no caso do quarto de hotel da barraca instalada num camping etc Por outro lado existem casos de titularidade compartida múltipla pois todos os residentes de determinada casa estão em princípio aptos a autorizar o ingresso de terceiros sendo maiores e capazes de tal sorte que em caso de conflito a palavra final sobre a autorização do ingresso na casa cabe ao respectivo chefe da casa tanto o homem quanto a mulher ou representante legal da entidade cabendo aos dependentes e subordinados a garantia da inviolabilidade das dependências que lhes são destinadas ressalvado o direito do chefe da casa ou superior de negar o ingresso de terceiros na residência ou estabelecimento 196 No que toca às pessoas jurídicas impõese um registro adicional Considerando que em primeira linha a proteção do domicílio busca assegurar o direito à privacidade no caso das pessoas jurídicas a inviolabilidade alcança apenas os espaços físicos indispensáveis ao desenvolvimento das atividades essenciais da pessoa jurídica sem estar sujeita a intromissões de terceiros portanto apenas os espaços físicos onde se situam os centros de direção da sociedade e onde são guardados documentos e outros bens que são afastados do conhecimento de outras pessoas físicas e jurídicas 197 De qualquer sorte parece adequado que uma noção necessariamente ampliada de casa domicílio destinada a assegurar níveis mais eficazes de proteção inclua as pessoas jurídicas dadas as circunstâncias no rol dos titulares do direito No que concerne aos destinatários muito embora se cuide em primeira linha de norma que busca proteger o indivíduo da ação estatal também os particulares são abrangidos pelo elenco dos vinculados pelo direito fundamental sendolhes vedado o ingresso na casa sem o consentimento do titular possuidor ou ocupante sem prejuízo da criminalização de tal conduta representada pelo delito de violação do domicílio além da possibilidade de uso do desforço próprio e ações civis para afastar o intruso No que diz com as intervenções no âmbito de proteção da inviolabilidade do domicílio este não é apenas violado quando se ingressa na moradia ou escritório de alguém sem o seu consentimento mas também quando é o caso de invasão promovida mediante a utilização de recursos tecnológicos como na hipótese da escuta ambiental ou mesmo filmagens com as quais se acessam as conversas e a vida privada dos moradores excluindo se todavia perturbações provocadas por poluição sonora ou de outra natureza ou quando se tiram fotografias da casa e se controla o ingresso dos moradores e visitantes visto que tais situações são cobertas por outros direitos fundamentais 198 Por outro lado uma intervenção no âmbito de proteção é desde logo afastada na hipótese em que o ingresso no domicílio moradia ou escritório se deu com o livre consentimento do respectivo titular ou mesmo nas hipóteses de alienação do imóvel ou rescisão do contrato de locação ou arrendamento se for o caso De qualquer modo presente o livre e pessoal consentimento do titular do direito não há falar em violação do domicílio independentemente de o ingresso ocorrer no horário diurno ou noturno O consentimento além disso não necessita ser expresso podendo portanto ser tácito nem por escrito mas há de ser prévio e inequívoco 199 Já pelo fato de ser exigido o consentimento livre e prévio do titular do direito eventual recusa em permitir o ingresso de autoridade estatal policial ou administrativa a não ser no caso das hipóteses excepcionais previstas no art 5º XI da CF flagrante delito desastre prestação de socorro ou ordem judicial afasta a configuração do delito de resistência ou desobediência 200 Além das hipóteses em que se verifica o prévio e livre consentimento do titular apenas é possível ingressar no domicílio casa escritório ou equivalente nos casos expressamente previstos pela Constituição Federal quais sejam flagrante delito desastre prestação de socorro ou durante o dia mediante ordem judicial No primeiro caso embora as hipóteses de flagrante delito estejam definidas na legislação o ingresso no domicílio se legitima apenas quando e se configurada a figura do flagrante nem todas as situações se revelam tão claras e reclamam contextualização e adequada interpretação Possivelmente a hipótese mais recorrente seja a da configuração da flagrância nos casos dos assim chamados crimes permanentes como se dá no tráfico de drogas quando o estado de flagrância se protrai no tempo Aqui o STF consolidou o entendimento de que embora o flagrante delito legitime o ingresso sem mandado judicial e a qualquer hora no domicílio há que ocorrer o controle jurisdicional posterior sem o qual restaria esvaziada a correspondente garantia constitucional Assim os agentes estatais devem demonstrar a ocorrência de elementos mínimos caracterizadores do flagrante de modo a justificar a medida no caso fundadas razões de que no interior da casa esteja ocorrendo um flagrante delito 201 Importa agregar que embora tal orientação esteja afinada em termos gerais com entendimento já advogado pelo signatário em outra publicação 202 é preciso reforçar a necessidade de cautela e acurado exame das circunstâncias fáticas que configuram as razões invocadas pela autoridade policial de modo a evitar a erosão substancial da garantia e do direito à inviolabilidade do domicílio Já as hipóteses de desastre e prestação de socorro são de definição mais difícil não havendo parâmetro normativo fechado para sua devida compreensão e aplicação É certo que por desastre se deve ter acontecimento acidente humano ou natural que efetivamente coloque em risco a vida e saúde de quem se encontra na casa sendo o ingresso a única forma de evitar o dano Algo semelhante se passa no caso da prestação de socorro em que a entrada no domicílio apenas se justifica quando alguém no seu interior está correndo sério risco e não haja como obter a autorização prévia 203 Em tais situações importa frisar o ingresso no domicílio poderá ocorrer também no período da noite 204 Além das hipóteses referidas a Constituição Federal apenas permite uma intervenção do direito na inviolabilidade do domicílio mediante ordem judicial restringindo tal possibilidade ao período diurno Cuidase portanto de uma reserva absoluta de jurisdição que impede seja atribuída a qualquer outra autoridade pública a possibilidade de determinar o ingresso na esfera domiciliar o que por sua vez corresponde ao entendimento dominante na seara da doutrina e na jurisprudência do STF 205 de modo que outras hipóteses ainda que previstas em lei que permitam o ingresso no domicílio mesmo quando se trata de agentes sanitários ou não foram recepcionadas pela Constituição Federal sendo anteriores ou serão inconstitucionais 206 Por outro lado vale ressaltar que a Constituição Federal não limitou a determinação judicial de quebra da inviolabilidade de domicílio aos processos criminais de tal sorte que também para outros fins o Poder Judiciário desde que mediante decisão fundamentada poderá determinar a entrada no domicílio 207 Tendo em conta que a própria Constituição Federal restringe inclusive a atuação do Poder Judiciário no que diz com a autorização da quebra da inviolabilidade do domicílio assume relevo a discussão em torno de qual o período que pode ser considerado como diurno Quanto a tal aspecto contudo doutrina e jurisprudência não oferecem resposta unânime havendo quem diga que o ingresso por ordem judicial somente poderá ocorrer entre as 6 e 18 horas 208 ao passo que para outros se trata do período entre o nascer e o pôr do sol 209 Em caráter alternativo argumentase que o período diurno não poderá ultrapassar doze horas metade do total de horas que compõem um dia ainda que exista luminosidade evitandose a insegurança e as arbitrariedades que daí podem decorrer 210 de um controle baseado no critério da luminosidade solar portanto do nascer e do pôr do sol 211 Tendo em conta o critério da máxima proteção do direito e da segurança jurídica que de resto constitui direito fundamental autônomo a adoção do critério das 6 às 18 horas de resto adequada às variações provocadas pelo assim chamado horário de verão ou fuso horário ou outro parâmetro uniforme que a lei venha a estabelecer desde que preservado o espírito da Constituição Federal de que o ingresso deve ocorrer durante o dia se revela como o mais adequado Mas o próprio Poder Judiciário tem revelado preocupação quanto ao rigor procedimental que deve atender mesmo aos casos nos quais o ingresso domiciliar se dá com base em decisão judicial Nesse sentido transcrevemse trechos de decisão do STF que bem expressam a preocupação que de modo geral tem sido veiculada em outros julgados De que vale declarar a Constituição que a casa é asilo inviolável do indivíduo art 5º XI se moradias são invadidas por policiais munidos de mandados que consubstanciem verdadeiras cartas brancas mandados com poderes de a tudo devassar só porque o habitante é suspeito de um crime Mandados expedidos sem justa causa isto é sem especificar o que se deve buscar e sem que a decisão que determina sua expedição seja precedida de perquirição quanto à possibilidade de adoção de meio menos gravoso para chegarse ao mesmo fim A polícia é autorizada largamente a apreender tudo quanto possa vir a consubstanciar prova de qualquer crime objeto ou não da investigação Eis aí o que se pode chamar de autêntica devassa Esses mandados ordinariamente autorizam a apreensão de computadores nos quais fica indelevelmente gravado tudo quanto respeite à intimidade das pessoas e possa vir a ser quando e se oportuno no futuro usado contra quem se pretenda atingir HC 95009 j 06112008 rel Min Eros Grau Situação particularmente delicada diz respeito aos mandados de busca e apreensão domiciliar coletivos eou genéricos que se revelam altamente controversos porquanto por vezes abarcam bairros ou regiões inteiras estigmatizando toda a população como potencialmente suspeita e submetida ao ingresso da autoridade policial ou judiciária no domicílio212 Importante consequência resultante do desatendimento dos critérios estabelecidos pela Constituição Federal é que prova obtida em situação que configure violação do domicílio tem sido considerada como irremediavelmente contaminada e ilícita não podendo ser utilizada ainda que o Poder Público não tenha participado do ato da invasão 213 Todavia muito embora este seja o entendimento dominante há que registrar a existência de caso apreciado pelo STF em que na hipótese de ingresso durante o período noturno e de instalação de instrumento de captação acústica em escritório de advocacia com o intuito de obter prova de crime atribuído ao próprio titular do escritório portanto titular do direito à inviolabilidade do domicílio acabou mediante recurso aos critérios da concordância prática e da proporcionalidade sendo autorizada a utilização da prova obtida 214 Tal precedente somado à falta de uma expressa reserva legal no texto do art 5º XI da CF alimenta a discussão sobre a possibilidade de restrições não expressamente autorizadas no âmbito de proteção da garantia da inviolabilidade do domicílio a exemplo do que ocorre no caso dos direitos à privacidade intimidade honra e imagem discussão que aqui não iremos desenvolver 49 A inviolabilidade da correspondência e o sigilo das comunicações em geral A inviolabilidade do sigilo da correspondência já na fase inaugural do constitucionalismo e mais recentemente considerando a evolução tecnológica a inviolabilidade das comunicações telegráficas telefônicas e de dados constitui direito fundamental vinculado à proteção da privacidade e intimidade Por outro lado o sigilo segredo das comunicações é instrumental em relação à liberdade de expressão e comunicação pois se garante o segredo das comunicações para que elas possam se realizar com a indispensável liberdade 215 No caso da Constituição Federal o sigilo das comunicações está protegido expressamente pelo art 5º XII de acordo com o qual é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas de dados e das comunicações telefônicas salvo no último caso por ordem judicial nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal216 Assim também para o caso brasileiro é possível afirmar dada a amplitude do dispositivo constitucional referido que a proteção abrange todas as espécies de comunicação pessoal seja ela escrita ou oral cobrindo tanto o conteúdo quanto o próprio meio instrumento da comunicação portanto a espécie a hora a duração etc mas também a identidade dos comunicantes 217 Além disso embora a proteção seja mais elevada quando se cuida de informações relacionadas com a esfera íntima dos comunicantes o que se protege constitucionalmente é em primeira linha o processo comunicativo intersubjetivo no sentido da reserva das comunicações pessoais em face do conhecimento pelo Estado ou por terceiros independentemente da maior ou menor importância do conteúdo da comunicação 218 A noção de sigilo segredo das comunicações assume portanto um caráter eminentemente formal partindose de uma presunção absoluta de que o objeto da comunicação é sigiloso 219 o que parece corresponder pelo menos quanto a alguns aspectos ao entendimento consagrado no direito brasileiro seja na doutrina 220 seja no âmbito da jurisprudência do STF 221 Por outro lado cuidandose essencialmente de um direito de liberdade em vista de sua relevância para a liberdade de comunicação e expressão o âmbito de proteção do direito deve ser interpretado de modo extensivo restringindose em contrapartida as possibilidades de sua limitação 222 No que diz com as posições subjetivas asseguradas com base no sigilo das comunicações tratase tanto de um direito a que ninguém o Estado ou terceiros viole tal sigilo mas também do direito a que quem tenha acesso ao conteúdo das comunicações não as divulgue implicando portanto um dever de sigilo 223 Cumpre sublinhar contudo que apenas a comunicação indireta ou seja a utilização de algum meio técnico postal telefônico etc integra o âmbito de proteção do direito pois a comunicação verbal ou não verbal direta que depende essencialmente dos próprios participantes da comunicação no sentido de impedir a intervenção de terceiros é coberta pelo direito à privacidade e intimidade 224 Da mesma forma tendo em conta que o objetivo da proteção é precisamente o de impedir que o Estado ou terceiros tenham acesso ao conteúdo da mensagem eventual utilização da comunicação pelos próprios comunicantes por exemplo a gravação da conversa telefônica por um dos interlocutores não implica violação do direito ao sigilo das comunicações embora possa violar outro direito como é o caso do direito à privacidade 225 Embora se trate de um direito em primeira linha de caráter defensivo negativo que gera uma pretensão de respeito e não intervenção cabe ao Estado no âmbito do seu dever de proteção dos direitos fundamentais assegurar por meio da organização e procedimento e também no campo da responsabilidade civil e penal níveis eficazes de proteção do sigilo das comunicações Titulares do direito ao sigilo são tanto pessoas físicas nacionais e estrangeiros quanto pessoas jurídicas pois a proteção do sigilo como já visto não se dá em primeira linha como garantia da intimidade Na condição de destinatários figura em primeira linha o Poder Público pois os órgãos estatais estão desde logo diretamente vinculados pela norma de direito fundamental A vinculação dos particulares será a depender do caso direta ou indireta mas considerando a crescente relevância do sigilo das comunicações também em relação ao poder privado por exemplo nas relações de trabalho há que diferenciar as situações de modo a assegurar níveis eficazes de proteção do direito também na esfera das relações privadas É possível falar em uma violação do sigilo das comunicações quando forem divulgadas informações sobre a forma ou conteúdo da comunicação sobre a pessoa do emissário ou do receptor ou mesmo sobre detalhes relativos ao envio da mensagem ou correspondência e também quando se cuida de à distância vigiar gravar e acessar informações transmitidas pelos meios de comunicação 226 como se dá nos casos de escutas telefônicas busca e apreensão e leitura de cartas monitoramento de emails etc Também o segredo das comunicações não se revela como absoluto Embora a Constituição Federal no art 5º XII apenas tenha expressamente previsto a quebra do sigilo das comunicações telefônicas nos limites aliás de uma reserva legal qualificada isso não significa que nas demais modalidades de comunicação correspondência dados telegráficas não se possa legitimar do ponto de vista constitucional o rompimento do sigilo o que todavia implica uma análise um pouco mais detida e diferenciada Em primeiro lugar importa frisar que a reserva legal qualificada do art 5º XII da CF diz respeito às comunicações telefônicas para as quais foram fixados já no plano constitucional dois requisitos a a necessidade de ordem judicial uma reserva de jurisdição b que a quebra do sigilo tenha por escopo fornecer elementos para a investigação criminal ou instrução processual penal Assim não se admite que mesmo mediante prévia autorização judicial seja quebrado o sigilo das comunicações telefônicas para finalidade não prevista no art 5º XII da CF como por exemplo para instruir processo cível ou administrativo muito embora em situações excepcionais e considerada a relevância da causa o STF tenha admitido o traslado da prova obtida por meio de interceptação telefônica em sede de investigação criminal para ser utilizada em procedimento administrativo 227 Além disso tratandose de conversa gravada por um dos interlocutores ainda que sem autorização judicial o STF tem afastado a ilicitude da prova obtida mediante a interceptação telefônica especialmente quando se trata de gravação realizada em sede de legítima defesa designadamente quando o autor da gravação partícipe direto da comunicação interceptada na condição de interlocutor esteja sendo vítima de ameaça extorsão chantagem ou outro tipo de ato ilícito 228 ou mesmo também quando se tratar de interceptação realizada por um dos comunicantes com o intuito de documentação futura para o caso de negativa da conversa ou de seu teor por parte do outro interlocutor 229 Ainda a esse respeito registrese que de modo geral a gravação clandestina realizada por um dos interlocutores sem o conhecimento do outro vinha sendo considerada como constituindo prova ilícita pelo STF exceção feita aos casos de legítima defesa mas tal orientação sofreu alteração reconhecendose inclusive a repercussão geral da matéria argumentandose que a prova consistente em gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem o conhecimento do outro inexistindo causa legal específica de sigilo ou de reserva da conversação é licita especialmente quando destinada a fazer prova em favor de quem efetuou a gravação 230 Relacionada à proibição do anonimato estabelecida pela CF em relação ao direito à livre manifestação do pensamento art 5º IV o STF tem entendido que a quebra do sigilo das comunicações telefônicas exclusivamente a partir de denúncia anônima implica a ilicitude da prova assim produzida e obtida Também merece referência que de acordo com o STF em se tratando de interceptação telefônica realizada por autoridade judicial incompetente são ilícitas também as provas derivadas da interceptação ilicitamente realizada sendo contudo válida a prova encontrada fortuitamente durante a investigação criminal salvo se for comprovado vício ensejador de sua nulidade 231 Tendo a Constituição Federal art 5º XII deferido a regulamentação para efeito de definição do devido processo da interceptação telefônica nos casos de autorização judicial ao legislador infraconstitucional foi editada a Lei 92961996 de acordo com a qual somente será admitida a interceptação quando houver indícios razoáveis de autoria ou participação em infração penal quando a prova não puder ser feita por outros meios disponíveis e quando o fato investigado constituir crime punido com pena de reclusão o que demonstra a sintonia com as exigências da proporcionalidade já embutidas na própria regulamentação legal Com efeito a existência de expressa reserva legal ou seja de uma autorização constitucional para a regulação de restrições a direito fundamental não dispensa a lei do atendimento de outros requisitos na esfera dos assim chamados limites aos limites dos direitos fundamentais com destaque para a proporcionalidade e razoabilidade Além disso no que diz com o devido processo da interceptação telefônica assume importância a Res 59 do Conselho Nacional de Justiça CNJ editada em 09092008 que disciplina e uniformiza o procedimento judicial em casos de quebra do sigilo criando de resto um sistema nacional de monitoramento e controle de tais atos judiciais Os requisitos para a interceptação telefônica aplicamse nos termos do art 1º parágrafo único da Lei 92961996 para a interceptação das comunicações em sistemas de informática e telemática o que considerando o escopo da proteção constitucional do sigilo das comunicações e a natureza das demais modalidades de comunicação incluídas na previsão legal além das comunicações telefônicas se revela como o entendimento constitucionalmente adequado afastandose por via de consequência a inconstitucionalidade da lei neste particular 232 ainda que exista embora se cuide cada vez mais de vozes isoladas quem sustente a inconstitucionalidade argumentando que a comunicação de dados e portanto informática e telemática estaria excluída do permissivo constitucional 233 Há que distinguir contudo a quebra interceptação da comunicação de dados comunicação informática e telemática da apreensão da base física computador HD na qual se encontram armazenados os dados 234 situação na qual ao contrário da comunicação que se enquadra nas hipóteses do art 5º XII da CF incide a proteção se e quando for o caso com base no direito à privacidade e intimidade pois aqui se cuida da proteção de dados e não do sigilo das comunicações Se no caso das comunicações telefônicas incluindo a comunicação de dados e também o acesso direto pela autoridade policial aos dados e conversas por WhatsApp em celulares apreendidos em princípio não se admite exceção ao requisito de que a interceptação apenas poderá ser determinada por autoridade judicial e ainda assim nos limites da legislação específica 235 mediante as ressalvas relativas à gravação por um dos interlocutores a assim chamada gravação clandestina e de excepcional empréstimo da prova obtida para fins não penais 236 para os demais tipos de comunicação quais sejam a comunicação telegráfica cartas e escritos de qualquer natureza a controvérsia quanto a alguns aspectos essenciais é mais intensa e não se pode falar em um entendimento uníssono e pacificado em sede doutrinária e jurisprudencial Relativamente à jurisprudência do STF sobre a matéria calha referir a decisão proferida no MS 38242 MC rel Min Roberto Barroso j em 19102021 no qual a Corte se pronunciou sobre a legitimidade constitucional de determinação de Comissão Parlamentar de Inquérito no sentido da transferência dos sigilos fiscal bancário telefônico e telemático de empresário e sociedade supostamente envolvidos em atos ilícitos que teriam ocorrido no âmbito de contratações realizadas com o Ministério da Saúde no contexto da pandemia da Covid19 No entendimento do relator que decidiu de modo monocrático embora em geral devidamente justificada a necessidade e o alcance das intervenções restritivas quanto ao seu limite temporal a exigência da CPI não se revela como sendo consistente do ponto de vista constitucional visto que a investigação diz respeito a eventuais ilícitos ocorridos durante a pandemia de modo que as informações a serem acessadas devem se restringir ao período de abril de 2020 em diante Situação que se distingue da interceptação telefônica ou da gravação de comunicação telefônica por um dos interlocutores gravação clandestina é a da assim chamada escuta ou interceptação ambiental que também pode ser captada por um dos envolvidos na comunicação ou ser realizada por terceiros Nesse caso contudo não se trata de conversa telefônica mas sim de comunicação verbal entre pessoas que se encontram em determinado local A interceptação ambiental foi regulamentada pelo art 2º da Lei 90341995 revogada pela Lei 128502013 a assim chamada Lei de Combate ao Crime Organizado que no seu inciso IV mencionava a captação e interceptação de sinais eletromagnéticos óticos ou acústicos bem como o seu registro e análise mediante circunstanciada autorização judicial Assim constatase que nos casos da interceptação ambiental ainda que não por força de expressa previsão constitucional que não se refere a tal modalidade o diploma legal que regulamentou tal procedimento exige a exemplo da interceptação telefônica uma autorização judicial ampliando portanto a reserva de jurisdição para tal hipótese Por outro lado tal como já decidiu o STF não se considera ilícita a instalação de equipamento de filmagem nas dependências do próprio imóvel quando a gravação do som e da imagem não é levada a efeito com o intuito de devassar a vida privada de terceiros mas sim com a intenção de prevenir eou identificar a autoria de danos criminosos ou outros delitos contra a pessoa e patrimônio do autor da gravação 237 aplicandose portanto o mesmo raciocínio utilizado nos casos de gravação telefônica clandestina realizada por um dos interlocutores 238 Uma situação especial diz com a possibilidade de interceptação e abertura da correspondência e do sigilo das comunicações em geral entre os reclusos de estabelecimento prisional e entre os reclusos e o mundo exterior Tanto no Brasil com base em previsão da Lei de Execução Penal 239 cuja constitucionalidade foi reconhecida pelo STF 240 quanto em outras ordens jurídicas admitese que dada a natureza da situação a intervenção na comunicação não é vedada à autoridade penitenciária mas há de ser devidamente motivada e comunicada ao preso e autoridade judiciária responsável pela execução penal além de não poder se tratar de uma medida de caráter geral e sim tópica e individualmente justificada e aplicada 241 Especialmente quando se trata de comunicações por escrito cartas impressos emails telegramas etc verificase que a proteção constitucional é em geral menos robusta do que no caso das comunicações telefônicas ou mesmo para efeitos da assim chamada escuta ambiental pois a Constituição Federal ao menos não expressamente não estabeleceu uma reserva de jurisdição Todavia tratandose de apreensão de cartas em cumprimento de mandado judicial de busca domiciliar o STF exige que haja previsão de determinação específica no mandado no sentido de que cartas e outras correspondências sejam apreendidas ou que a correspondência apreendida tenha relação com o crime objeto da investigação 242 Por outro lado especialmente nos casos de cartões postais ou outras formas de comunicação de caráter mais exposto em que o acesso ao conteúdo é praticamente franqueado a terceiros sem que se tenha de devassar o instrumento da comunicação abertura da carta etc é mesmo questionável que se possa falar em sigilo da comunicação pois hão de ser consideradas as legítimas expectativas em termos de reserva em relação ao conteúdo da comunicação a depender do meio técnico utilizado 243 Embora se trate de hipótese excepcional é preciso lembrar que a Constituição Federal também prevê a possibilidade de suspensão do sigilo das comunicações de correspondência telefônica etc durante a vigência de estado de defesa art 136 1º I b e c e de estado de sítio art 139 III sem que se tenha feito qualquer distinção em relação aos meios de comunicação Com a sofisticação das tecnologias de informação e comunicação uma série de novas situações a serem equacionadas do ponto de vista jurídicoconstitucional também tem surgido e gerado uma série de perplexidades Se por um lado é correto o entendimento de que a circunstância de que algumas modalidades de comunicação como é o caso dos fluxos informacionais em sistemas de telemática e informática não se encontram previstas expressamente na Constituição não torna por isso só por isso inconstitucionais eventuais intervenções restritivas também é certo por outro lado que tais medidas devem observar as exigências constitucionais para uma restrição legítima e serem aferidas com particular rigor244 Consequência da violação do sigilo das comunicações seja de correspondência seja das demais modalidades de comunicação será sem prejuízo da eventual responsabilização na esfera cível eou criminal dos autores da interceptação ilegítima a ilicitude de eventual prova obtida mediante a quebra indevida do sigilo o que todavia não implica necessariamente a nulidade de todo o processo no caso da existência de provas autônomas que sejam independentes em relação à prova obtida de forma ilícita 245 ressalvadas ainda as hipóteses de interceptação feita em legítima defesa já referidas Que os aspectos aqui ventilados se tornam ainda mais complexos quando se cuida da comunicação digital notadamente no ambiente da rede internet não será aqui ainda objeto de desenvolvimento mas cuidase de tema do qual já se tem ocupado intensamente também a doutrina e a jurisprudência brasileiras 246 410 Proteção dos dados pessoais A proteção dos dados pessoais alcançou uma dimensão sem precedentes no âmbito da sociedade tecnológica notadamente a partir da introdução do uso da tecnologia da informática Embora a proteção dos dados não se restrinja aos dados armazenados processados e transmitidos na esfera da informática pois em princípio ela alcança a proteção de todo e qualquer dado pessoal independentemente do local banco de dados e do modo pelo qual é armazenado cada vez mais os dados disponíveis são inseridos em bancos de dados informatizados A facilidade de acesso aos dados pessoais somada à velocidade do acesso da transmissão e do cruzamento de tais dados potencializa as possibilidades de afetação de direitos fundamentais das pessoas mediante o conhecimento e o controle de informações sobre a sua vida pessoal privada e social 247 A Constituição Federal como ainda ocorre com grande parte das constituições em vigor 248 embora faça referência no art 5º XII ao sigilo das comunicações de dados além do sigilo da correspondência das comunicações telefônicas e telegráficas não contemplou na sua versão original expressamente um direito fundamental à proteção e livre disposição dos dados pelo seu respectivo titular A proteção dos dados pessoais por outro lado encontrou salvaguarda parcial e indireta mediante a previsão da ação de habeas data art 5º LXXII da CF ação constitucional com status de direitogarantia fundamental autônomo que precisamente busca assegurar ao indivíduo o conhecimento e mesmo a possibilidade de buscar a retificação de dados constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público Contudo na medida em que o habeas data será objeto de desenvolvimento na parte deste curso destinada às ações constitucionais deixaremos aqui de aprofundar o tópico pois o que aqui está em causa é a fundamentação jurídicoconstitucional de um direito à proteção dos dados e a definição do seu âmbito de proteção À míngua de expressa previsão de tal direito no texto da Constituição Federal e a exemplo do que ocorreu em outras ordens constitucionais o direito à proteção dos dados pessoais passou a ser associado ao direito à privacidade no sentido de uma intimidade informática 249 e ao direito ao livre desenvolvimento da personalidade que inclui o direito à livre disposição sobre os dados pessoais de tal sorte que não se trata apenas de uma proteção dos dados contra o conhecimento e uso por parte de terceiros razão pela qual a exemplo do que se deu no direito alemão e espanhol se fala em um direito à autodeterminação informativa 250 Em conhecida e influente decisão sobre a constitucionalidade de aspectos ligados ao censo populacional o Tribunal Constitucional Federal da Alemanha em 1983 afirmou ser incompatível com a dignidade humana e o direito ao livre desenvolvimento da personalidade que o indivíduo não seja protegido contra uma ilimitada coleta armazenamento aproveitamento transferência e divulgação de seus dados pessoais 251 Considerando contudo as limitações decorrentes do uso da expressão autodeterminação informativa e mesmo as críticas direcionadas ao conceito 252 opta se por falar apenas em um direito fundamental à proteção dos dados pessoais designação que além disso guarda maior sintonia com a ordem jurídicoconstitucional brasileira dando conta pela sua abrangência tanto da essencial vinculação de tal proteção com salvaguarda da privacidade e da intimidade de onde em termos gerais foi deduzida a proteção de dados pessoais na seara da jurisprudência e da doutrina 253 quanto de sua conexão com o direito ao livre desenvolvimento da personalidade sem descurar do fato de que o direito à proteção de dados pessoais guarda uma condição autônoma tendo um seu próprio núcleo essencial A doutrina especializada brasileira a exemplo e por influência do que se deu em outras ordens jurídicas também já vinha de há muito tempo e com crescente intensidade advogando a necessidade de mediante uma leitura harmônica e sistemática do texto constitucional de 1988 se reconhecer um direito fundamental autônomo implicitamente positivado à proteção de dados pessoais 254 o que veio a ser confirmado em abril e maio de 2020 pelo STF em histórico e paradigmático julgado tal como já referido No citado julgamento da ADI 6387DF Relatora Ministra Rosa Weber foi discutida a constitucionalidade da Medida Provisória n 954 de 17042020 da Presidência da República que atribuiu às empresas de telecomunicações fixas e móveis o dever de disponibilizar os nomes completos endereços e números de telefone dos usuários PN e PJ para o IBGE durante a pandemia do COVID 19 para efeitos de uso direto e exclusivo de produção de estatísticas oficiais mediante entrevistas domiciliares O STF acolhendo a tese da inconstitucionalidade da exigência feita pela Medida Provisória impugnada reconheceu a ocorrência de violação pela desproporcionalidade da medida do direito fundamental à proteção de dados pessoais na condição de direito autônomo implicitamente positivado seguindo no que diz respeito à fundamentação a orientação geral protagonizada pela doutrina jurídica acima referida De acordo com a redação dada pela PEC 172019 promulgada pelo Congresso Nacional pela EC n 1152022 o caput do art 5º da CF passa a vigorar acrescido do seguinte inciso LXXIX é assegurado nos termos da lei o direito à proteção dos dados pessoais inclusive nos meios digitais No que diz respeito ao sistema de repartição de competências o caput do art 21 da Constituição Federal passa a vigorar acrescido do seguinte inciso XXVI organizar e fiscalizar a proteção e o tratamento de dados pessoais nos termos da lei ao passo que o caput do art 22 da Constituição Federal passa a vigorar acrescido do seguinte inciso XXX proteção e tratamento de dados pessoais Com a aprovação da PEC 172019 em 20102021 posterior promulgação pelo Congresso Nacional pela EC n 1152022 em 10022022 e a inserção de um direito fundamental autônomo inclusive diversamente da redação inicial da PEC contemplandoo com um inciso próprio acrescido ao art 5º da CF a própria decisão do STF acabou sendo não somente chancelada mas também saiu fortalecida pela expressiva legitimação democrática de uma emenda constitucional Outrossim independentemente aqui de se aprofundar a discussão sobre a conveniência necessidade e bondade intrínseca de uma consagração textual de um direito fundamental autônomo à proteção de dados na CF ou mesmo adentrar a querela sobre se tratar ou não de um direito novo o fato é que a opção do Congresso Nacional deve ser saudada Dentre as razões que aqui poderiam ser colacionadas destacamse a a despeito das interseções e articulações com outros direitos fica assegurada do ponto de vista também formal textual à proteção de dados a condição de direito fundamental autônomo com âmbito de proteção próprio b ao direito à proteção de dados passa a ser atribuído de modo inquestionável o pleno regime jurídicoconstitucional relativo ao seu perfil de direito fundamental em sentido material e formal já consagradas no texto da CF bem como na doutrina e na jurisprudência constitucional brasileira ou seja 1 como parte integrante da constituição formal os direitos fundamentais possuem status normativo superior em relação a todo o restante do ordenamento jurídico nacional 2 na condição de direito fundamental assume a condição de limite material à reforma constitucional devendo ademais disso serem observados os assim chamados limites formais circunstanciais e temporais nos termos do art 60 1º a 4º da CF 255 3 também as normas relativas ao direito à proteção de dados são nos termos do art 5º 1º CF dotadas de aplicabilidade imediata direta e vinculam diretamente todos os atores públicos bem como sopesadas as devidas ressalvas os atores privados À vista disso é de se acompanhar o entendimento de Carlos Alberto Molinaro e Gabrielle Bezerra S Sarlet no sentido de que a proteção de dados pessoais e o reconhecimento de um direito fundamental correspondente de certo modo confere um novo e atual sentido à proteção da pessoa humana e da dignidade da autonomia e das esferas de liberdade que lhes são inerentes256 Dada a sua proximidade 257 e mesmo a depender do caso a parcial superposição com o âmbito de proteção de outros direitos fundamentais a determinação da esfera autônoma de incidência do direito à proteção dos dados nem sempre é fácil pois a utilização de determinados dados pode violar simultaneamente mais de um direito 258 De modo a assegurar uma proteção sem lacunas de todas as dimensões que envolvem a coleta armazenamento tratamento utilização e transmissão de dados pessoais é possível afirmar que o âmbito de proteção do direito à proteção dos dados pessoais abarca as seguintes posições jurídicas a o direito ao acesso e ao conhecimento dos dados pessoais existentes em registros bancos de dados públicos ou privados b o direito ao não conhecimento tratamento e utilização e difusão de determinados dados pessoais pelo Estado ou por terceiros aqui incluído um direito de sigilo quanto aos dados pessoais c o direito ao conhecimento da identidade dos responsáveis pela coleta armazenamento tratamento e utilização dos dados d o direito ao conhecimento da finalidade da coleta e da eventual utilização dos dados e o direito à retificação e a depender do caso à exclusão de dados pessoais armazenados em bancos de dados 259 Além da dimensão negativa do direito à proteção dos dados assume relevo especialmente considerando o impacto da utilização da tecnologia informática e a crescente necessidade de proteção dos dados pessoais contra acesso e uso por meio de terceiros a circunstância de que ao Estado incumbe um dever de proteção a ser concretizado mediante prestações normativas e fáticas notadamente por meio da regulação infraconstitucional dos diversos aspectos relacionados às posições jusfundamentais referidas asseguran dolhes a devida efetividade A própria previsão de uma ação de habeas data assegura sob o ponto de vista procedimental via importante de realização da proteção consti tucional notadamente do acesso conhecimento e mesmo retificação de dados pessoais que de resto já foi devidamente regulamentada pelo legislador A criação e estruturação de uma agência órgão independente para a vigilância do sistema de proteção de dados igualmente é medida que tanto no plano da organização quanto do procedimento assume particular relevo para a efetivação do direito Titulares do direito são em primeira linha as pessoas físicas mas também as pessoas jurídicas e entes sem personalidade jurídica desde que nos dois últimos casos o acesso conhecimento utilização e difusão dos dados que tenham sido armazenados possam afetar direitos e interesses de terceiros no caso de pessoas físicas 260 mas há quem prefira proteger os dados da pessoa jurídica por conta do segredo empresarial 261 Destinatários do direito vinculados pelo direito são tanto o Estado quanto os particulares pois a devassa da vida privada incluindo o acesso e utilização de dados pessoais é algo que atualmente decorre tanto de ações ou a depender do caso de omissões de órgãos e agentes estatais quanto das de entidades privadas ou pessoas físicas Ainda sobre a dupla dimensão subjetiva e objetiva do direito fundamental à proteção de dados pessoais calha mencionar decisão proferida pelo Ministro Gilmar Mendes no âmbito da ADPF 695 sustentando que a dimensão subjetiva do referido direito importa na proteção do indivíduo contra riscos que ameacem sua personalidade em face da coleta processamento utilização e circulação de dados pessoas ao passo que a dimensão objetiva implica a atribuição ao indivíduo da garantia de controlar o fluxo de seus dados 262 Quanto aos limites e restrições toda e qualquer captação levantamento armazenamento utilização e transmissão de dados pessoais em princípio constitui uma intervenção no âmbito de proteção do direito que portanto não prescinde de adequada justificação 263 Embora não se trate de direito absoluto o direito à proteção dos dados especialmente na medida de sua conexão com a dignidade humana revelase como um direito bastante sensível tanto mais sensível quanto mais a sua restrição afeta a intimidade e pode implicar violação da dignidade da pessoa humana Por evidente de outra parte que a necessidade de assegurar a proteção de outros direitos fundamentais ou interesses da coletividade poderá justificar seja por lei seja mediante decisão judicial eventual restrição do direito à proteção de dados sendo especialmente relevante nesse contexto a preservação da segurança pública A estrita observância dos critérios da proporcionalidade e da salvaguarda do núcleo essencial do direito são aspectos que não podem ser desconsiderados cuidese de intervenção legislativa cuidese de restrição levada a efeito pelo administrador ou pelo juiz Neste contexto das restrições ao direito à proteção dos dados pessoais assume relevo a distinção entre dados considerados sensíveis que dizem mais de perto com aspectos da vida íntima dados sobre a orientação sexual religiosa a opção política vida familiar entre outros e dados mais distantes desse núcleo mais sensível como é o caso de informações sobre nome filiação endereço CPF etc 264 Cuidandose de dados relativos ao sigilo profissional ou mesmo dados fiscais e bancários importa levar em conta as diretrizes existentes para tais situações submetidas como direitos fundamentais autônomos a um regime próprio em que pese um conjunto de aspectos comuns Ainda no contexto do direito à privacidade da proteção dos dados pessoais e seus respectivos limites assume crescente relevo o problema da colisão de tais direitos com outros direitos fundamentais notadamente no âmbito da assim chamada sociedade de vigilância e no ambiente da internet bem como em face do direito de acesso às informações especialmente quando se cuida de informações detidas pelo poder público e quando referentes aos atos e agentes estatais Aqui se situa por exemplo a problemática do assim chamado direito ao esquecimento que a despeito de encontrar raízes no clássico conflito entre liberdade de expressão e informação e proteção da vida privada adquire contornos especiais na esfera da internet em que o acesso às informações é facilitado de modo exponencial tanto quantitativa quanto qualitativamente No Brasil embora o entendimento majoritariamente favorável por parte da doutrina o STF no RE 1010606RJ rel Min Dias Toffoli j 11022021 depois de já ter reconhecido a repercussão geral da matéria no julgamento de mérito ocorrido na data referida entendeu por maioria que o direito ao esquecimento é incompatível com a Constituição Federal Na concepção da corte a proteção ao esquecimento seria uma clara restrição às liberdades de expressão manifestação de pensamento e ao direito à informação O fato e isso deve ser aqui sublinhado é que o STF não decidiu sobre todos os aspectos e formas de manifestações do assim chamado direito ao esquecimento como é o caso de um direito a desindexação dos mecanismos de busca na internet ademais de ter deixado expressamente e isso foi reiterado nos votos dos Ministros que situações que envolvam violações da lei e de direitos fundamentais devem ser examinadas e equacionadas com base nas alternativas disponibilizadas pela ordem jurídicoconstitucional brasileira Assim o que se pode dizer em apertada síntese é que o STF no julgamento colacionado decidiu basicamente pela negativa do rótulo direito ao esquecimento do que pela impossibilidade de eventuais restrições à liberdade de expressão e de informação Além disso a prevalecer o entendimento de que em hipótese alguma informações verídicas não possam ter sua publicação negada ou restringida a própria Lei Geral de Proteção de Dados assim como o Marco Civil da Internet seriam inconstitucionais naquilo em que asseguram um direito a requerer a retificação e exclusão de dados ou mesmo seria inconstitucional o Código de Defesa do Consumidor que impõe a retirada de informações negativas dos cadastros públicos entre outras situações que poderiam ser aqui referidas Por tais razões o que se divisa é que o STF ainda terá de se pronunciar e mais de uma vez sobre a matéria No plano internacional a decisão mais relevante a ser colacionada por ser um leading case prolatada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia no caso Google vs Agência Espanhola de Proteção de Dados e Mario C González julgado em 13052014 no qual foi reconhecida a responsabilidade do Google como promotor dos motores de busca e não mero intermediário das informações inseridas nas páginas de origem da internet pelo fato de a criação de mecanismos de busca mediante algoritmos criados pelo Google constituir um processo independente de manipulação de dados já que não apenas ordena as informações mas também facilita o acesso a elas aplicandose portanto as diretivas da União Europeia na matéria Além disso embora não tenha sido reconhecido o direito de retirada de informações no caso informações sobre a alienação forçada de imóvel em virtude de dívidas com a seguridade social de cidadão espanhol da página on line original de órgão de imprensa foi assegurada a exclusão do acesso à página com tais informações dos mecanismos de busca do GoogleResearch de modo a dificultar o acesso às informações e propiciar com isso o seu esquecimento Por evidente tal decisão como outras já tomadas em sentido similar tem sido objeto de ampla polêmica especialmente por se estar ampliando as possibilidades de restrição da liberdade de informação e do acesso à informação especialmente como no caso relatado Google de informações verdadeiras situação que por outro lado não se confunde com a prerrogativa de quem forneceu determinadas informações requerer a sua exclusão de determinados bancos de dados como previsto na legislação brasileira Lei do Marco Civil da Internet e LGPD Já no embate entre direito de acesso a informações de caráter público e em poder de órgãos públicos objeto de regulação no Brasil pela Lei 125272011 embora prevista a salvaguarda dos dados pessoais sensíveis ligados à privacidade a conjugação do direito de acesso à informação com os princípios constitucionais da publicidade e da transparência levou o STF a reconhecer que a proteção da privacidade dos servidores públicos é menor do que a do cidadão comum de modo a considerar constitucionalmente legítima proporcional a divulgação nominal e individualizada dos seus vencimentos e benefícios 265 Outra importante decisão sobre a matéria foi a proferida na ADPF 509 rel Min Marco Aurélio j 16092020 que reconheceu a constitucionalidade da chamada lista suja do trabalho escravo uma vez que os autos de infração de auditores fiscais são públicos conferindo publicidade às decisões definitivas com a finalidade de garantir o acesso à informação sobre as políticas de combate ao trabalho escravo não sendo de natureza sancionatória a publicidade de atos administrativos de inequívoco interesse público Como contraponto ou seja caso no qual o STF considerou inconstitucional a restrição do direito fundamental à proteção de dados pessoais vale invocar o acima já citado julgamento da ADI 6387 que entendeu pela desproporcionalidade da determinação do compartilhamento pelas empresas de telecomunicação fixa e móvel dos contados de pessoas naturais e jurídicas com o IBGE Noutro caso apreciado pela Suprema Corte brasileira Rcl 48529 AgR rel Min Ricardo Lewandowski julgado em 09102021 a questão de fundo estava ligada ao vazamento de dados da Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde investigada na CPI da Covid19 De acordo com a tese esgrimida na reclamação teria ocorrido violação do disposto no MS 37963DF no qual se decidiu sobre a necessidade de nos casos de quebra de sigilo ser preservada a confidencialidade do material para o grande público protegendose os dados coletados No caso ora referido contudo Rcl 48529 AgR o relator que votou acompanhado dos demais integrantes da Segunda Turma sublinhou o fato de que os documentos que vieram a público não têm caráter privado pelo fato de terem relação com suposta violação pela reclamante de seus deveres éticos e profissionais Dada a sua grande relevância para a proteção de dados pessoais não há como deixar de referir o julgamento do mérito da ADI 6529 rel Min Cármen Lúcia j em 11102021 De acordo com trecho da ementa do Acórdão aqui transcrita a ADI foi julgada parcialmente procedente para confirmandose o julgado cautelar dar interpretação conforme ao parágrafo único do art 4º da Lei n 98831999 estabelecendose que a os órgãos componentes do Sistema Brasileiro de Inteligência somente podem fornecer dados e conhecimentos específicos à ABIN quando comprovado o interesse público da medida afastada qualquer possibilidade de o fornecimento desses dados atender a interesses pessoais ou privados b qualquer solicitação de dados deverá ser devidamente motivada para eventual controle de legalidade pelo Poder Judiciário c mesmo presente interesse público os dados referentes às comunicações telefônicas ou dados sujeitos à reserva de jurisdição não podem ser compartilhados na forma do dispositivo legal decorrente do imperativo de respeito aos direitos fundamentais d nas hipóteses cabíveis de fornecimento de informações e dados à ABIN são imprescindíveis procedimento formalmente instaurado e existência de sistemas eletrônicos de segurança e registro de acesso inclusive para efeito de responsabilização em caso de eventual omissão desvio ou abuso Mediante tal decisão o STF reafirma não apenas a jusfundamentalidade do direito à proteção de dados pessoais como agrega importantes critérios e diretrizes para a sua compreensão e aplicação em especial no que diz com o controle judicial das medidas restritivas e dos seus respectivos requisitos 411 Os direitos à honra e à imagem 4111 Considerações gerais Os direitos à honra à imagem juntamente com o direito à privacidade o direito à palavra o direito ao nome o direito ao conhecimento da paternidade origem entre outros ocupam lugar de destaque na constelação dos direitos pessoais ou de personalidade mas a despeito dos pontos de contato com outros direitos fundamentais distinguemse pelo fato de dizerem respeito mais propriamente à integridade e identidade moral da pessoa não tendo portanto âmbito de proteção coincidente com os direitos à privacidade e à intimidade 266 Além disso convém lembrar pois não se trata de aspecto irrelevante mesmo para uma perspectiva constitucional que os direitos à honra e à imagem foram previstos no capítulo do Código Civil relativo aos direitos de personalidade art 20 caput Por outro lado como as expressões honra e imagem não são sinônimas não se tratando também de um mesmo direito fundamental a despeito do elo em comum ambos os direitos serão abordados em item próprio lhes aplicando pelo menos em regra o regime geral dos direitos de personalidade ressalvadas algumas peculiaridades que serão devidamente consideradas 4112 O direito à honra A honra de uma pessoa tal qual protegida como direito fundamental pelo art 5º X da CF consiste num bem tipicamente imaterial vinculado à noção de dignidade da pessoa humana pois diz respeito ao bom nome e à reputação dos indivíduos A esse propósito convém relembrar a exemplo do que se deu de modo geral com os direitos de personalidade que o direito à honra na condição de direito fundamental expressamente positivado não constituiu durante muito tempo figura amplamente representada nos catálogos constitucionais de direitos o que se deu mesmo no plano internacional onde para além da Declaração Universal da ONU art 12 e do art 17 do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos o direito à honra nem sempre se faz presente visto ser comum que os textos constitucionais e documentos internacionais se refiram quando é o caso ao direito ao bom nome eou à reputação Assim quando aqui se falar em honra estarseá fazendoo nessa perspectiva de um direito ao bom nome e reputação que contudo não se confunde como frisado com o direito à imagem e o direito ao nome aqui compreendidos como o direito a portar um nome e o direito a uma identidade pessoal Por outro lado há que ter em conta que o conceito de honra na sua origem e durante muito tempo e de certo modo ainda hoje guarda uma forte relação com uma organização e uma estrutura aristocrática da sociedade não tendo um caráter igualitário visto que se prestava pelo contrário assim como também ocorria com a dignidade da pessoa humana para destacar alguns membros do corpo social os honrados tais como os nobres de outros menos ou mesmo não honrados 267 Com a evolução da noção de dignidade da pessoa humana não se deve olvidar que especialmente no período clássico dignidade e honra como valor social do indivíduo era a versão prevalente e sua definição como atributo de todos os seres humanos o direito à honra foi universalizado e passou a ser considerado como elemento importante da igual dignidade de todas as pessoas afastandose na quadra atual do Estado Constitucional toda e qualquer interpretação reducionista e de cunho nobiliárquico que restrinja o direito à honra aos que são mais dignos do que outros 268 A vinculação com a dignidade da pessoa humana por outro lado não afasta pelo contrário reforça a dificuldade de se definir com alguma precisão e em abstrato o conteúdo do direito à honra já que se cuida de uma noção marcada por forte dose de subjetividade 269 O direito à honra à defesa do bom nome e à reputação inserese no âmbito da assim chamada integridade e inviolabilidade moral 270 Se em um sentido objetivo o bem jurídico protegido pelo direito à honra é o apreço social a boa fama e a reputação do indivíduo ou seja seu merecimento aos olhos dos demais 271 o que se costuma designar de honra objetiva o conceito social sobre o indivíduo de um ponto de vista subjetivo que à evidência guarda relação com a face objetiva a honra guarda relação com o sentimento pessoal de autoestima ou seja do respeito de cada um por si próprio e por seus atributos físicos morais e intelectuais 272 Ainda que se possa aceitar tal distinção parece certo que uma concepção fática de honra seja na vertente subjetiva de autoestima ou objetiva consideração social de que goza uma pessoa se revela insuficiente sendo de se privilegiar um conceito normativopessoal de honra cuja pretensão de respeito radica na personalidade de cada indivíduo 273 O direito à honra protege nessa perspectiva a reputação da pessoa e a consideração de sua integridade como ser humano por terceiros e pelo próprio titular do direito honra subjetiva destinandose a salvaguardar o indivíduo de expressões ou outras formas de intervenção no direito que possam afetar o crédito e o sentimento de estima e inserção social de alguém 274 A partir daí também se percebe a razão pela qual o direito à honra não se sobrepõe ao direito à intimidade ou mesmo aos direitos mais próximos à imagem e ao nome pois a violação da intimidade que assegura um âmbito reservado ao indivíduo e o direito à não intromissão por terceiros nem sempre implica ofensa a honra a imagem e ao nome nem a ofensa a honra constitui sempre uma violação do direito ao nome e à imagem 275 Também o direito à honra em função da sua dupla dimensão subjetiva e objetiva opera tanto como direito de defesa direito negativo quanto como direito a prestações direito positivo em que pese a prevalência do perfil negativo visto que em primeira linha o direito à honra como direito subjetivo implica o poder jurídico de se opor a toda e qualquer afetação intervenção ilegítima na esfera do bem jurídico protegido Dito de outro modo cuidase do direito a não ser ofendido ou lesado na sua honra276 dignidade ou consideração social mediante imputação feita por terceiros bem como do direito de defenderse em relação a tais ofensas e obter a competente reparação 277 que de acordo com a ordem jurídica brasileira abrange tanto a reparação na esfera criminal por conta em especial dos delitos de calúnia injúria e difamação tipificados no Código Penal quanto em sede cível de vez que o próprio art 5º X da CF que assegura o direito à honra também contempla o direito à indenização pelo dano material e moral decorrente de sua violação Uma face positiva do direito à honra encontra fundamento no dever de proteção estatal em relação à dignidade da pessoa humana e aos direitos à integridade pessoal e moral que lhe são correspondentes embora não seja líquido que daí decorra um dever de criminalização de tal sorte que uma descriminalização ou despenalização pelo menos não necessariamente existindo outros meios de proteção da honra incorreria em uma violação do dever de proteção suficiente do Estado De qualquer modo é pelo menos questionável se a opção do legislador no sentido de criminalizar ofensas a honra é inconstitucional 278 Todavia independentemente da criminalização de condutas ofensivas a honra certo é que ao Estado incumbe mediante organização e procedimento assegurar a efetividade da proteção da honra e dos direitos pessoais Titulares do direito à honra são em primeira linha os indivíduos ou seja as pessoas físicas cuidandose também de um direito de titularidade universal portanto atribuído aos brasileiros e estrangeiros ainda que não residentes no Brasil já por força de seu vínculo com a dignidade da pessoa humana A titularidade post mortem é reconhecida especialmente quando afetadas a dignidade e a honra dos descendentes e demais legitimados 279 O quanto as pessoas jurídicas podem ser titulares de um direito à honra é discutível e não é objeto de igual aceitação no direito comparado pois é comum que o direito à honra seja reservado às pessoas físicas embora a pessoa jurídica possa ter um direito à reputação 280 De qualquer sorte no direito brasileiro em função da distinção entre honra subjetiva e objetiva consolidouse o entendimento de que a pessoa jurídica é titular de um direito à proteção da honra objetiva incluindo o direito à respectiva indenização por dano moral 281 Destinatários são tanto os órgãos estatais quanto os particulares admissível a eficácia direta especialmente naquilo em que reconhecido um direito a indenização por dano moral que consagrado por norma constitucional diretamente aplicável não dependeria para o reconhecimento do direito em caso de violação da honra e demais direitos previstos no art 5º X da CF de legislação específica cuidandose de norma evidentemente voltada a todo e qualquer agente que possa ofender o direito à honra O direito à honra no quadro dos limites aos direitos fundamentais também não se reveste de caráter absoluto 282 mas desempenha papel relevante na condição de limite ao exercício de outros direitos fundamentais em especial das liberdades de expressão informação imprensa manifestação do pensamento 283 Embora no plano do direito à honra diferentemente do que se dá com o direito à privacidade não se justifique uma proteção em princípio menos intensa do direito à honra na esfera política do que na esfera pessoal 284 o direito à informação favorece uma interpretação generosa sempre à luz do caso concreto em relação à liberdade de expressão Há quem diga contudo que tal questão estaria mal colocada na medida em que a possibilidade de excluir a ilicitude da ofensa à honra resultaria do interesse público na questão revelada e não no caráter público da pessoa atingida ou de sua exposição na esfera pública 285 No limite mesmo que a mensagem divulgada possa ser ofensiva especialmente na ótica do titular do direito à honra se os termos empregados na divulgação tida como ofensiva forem condizentes com o intuito de informar assunto de interesse público há de prevalecer a liberdade de expressão 286 Todavia quando a opinião emitida não apresentar interesse público além de ter caráter manifestamente ofensivo e violador da dignidade da pessoa humana do ofendido o direito à honra se transforma em limite da liberdade de expressão e dá ensejo à responsabilização civil e mesmo penal atendidos os pressupostos legais dos autores da ofensa 287 No âmbito da jurisprudência do STF contudo observase uma relativamente forte adesão à doutrina da preferência da liberdade de expressão e certa condescendência com manifestações que sejam ofensivas à honra pessoal quando o ofendido for agente estatal 288 De qualquer modo embora a condição de agente estatal possa de acordo com o STF até mesmo servir de fundamento para atenuar o grau de reprovabilidade da conduta do autor das ofensas à honra acusações graves e infundadas desacompanhadas de prova de sua veracidade configuram dano moral indenizável 289 Além disso conforme decisão do RE 685493 na esteira do voto do relator Min Marco Aurélio entendeu o STF que os servidores públicos têm permissão constitucional para se pronunciarem sobre fatos relacionados ao exercício da função pública com um campo de imunidade relativa relacionada à liberdade de expressão prevalecendo o interesse coletivo ante os direitos de terceiros à honra 290 No que diz com a jurisprudência do STF é de se agregar aqui a decisão na ADPF 779 rel Min Dias Toffoli j 15032021 que enfatizou a ilegitimidade constitucional da assim chamada legítima defesa da honra instituto tido por muitos como fonte de perpetuação especialmente da violência contra a mulher e do feminicídio por buscar justificar o adultério como uma agressão injusta à honra e portanto autorizar a tese da legítima de fesa para afastar a ilicitude da conduta homicídio ou outra forma de violência tipificada como delito na esfera criminal 4113 O direito à própria imagem O direito à imagem integra juntamente com o direito à honra o direito ao nome e o direito à palavra sem prejuízo de outras dimensões da personalidade o direito à identidade pessoal 291 tendo a exemplo dos demais direitos referidos forte conexão com o direito à intimidade e a dignidade da pessoa humana sem no entanto perder sua condição de direito autônomo 292 No âmbito da Constituição Federal o direito à imagem no sentido de um direito à própria imagem foi consagrado no art 5º X mas encontra expressa referência também no art 5º V onde está assegurado um direito a indenização por dano material moral ou à imagem e no art 5º XXVIII a em que está prevista a proteção contra a reprodução da imagem e da voz humana O direito à imagem na condição de direito de personalidade encontrou também proteção na esfera infraconstitucional com destaque aqui para o art 20 do CC Por sua vez o próprio regramento legal do direito à imagem dá conta como já adiantado de que se trata de um direito com âmbito de proteção autônomo Com efeito mesmo que mediante a captação e reprodução da imagem de alguém se possa simultaneamente violar sua honra e intimidade a peculiaridade do direito à própria imagem reside na proteção contra a reprodução da imagem ainda que não necessariamente com isso se tenha afetado o bom nome ou a reputação ou divulgado aspectos da vida íntima da pessoa 293 O direito à imagem portanto não tem por objeto a proteção da honra reputação ou intimidade pessoal mas sim a proteção da imagem física da pessoa e de suas diversas manifestações seja em conjunto seja quanto a aspectos particulares contra atos que a reproduzam ou representem indevidamente 294 Quanto ao seu conteúdo âmbito de proteção o direito à imagem abrange para efeitos da proteção constitucional tanto o direito de definir e determinar a autoexposição pessoal ou seja o direito de não ser fotografado ou de ter o seu retrato exposto em público sem o devido consentimento quanto o direito de não ver a imagem pessoal representada e difundida em forma gráfica ou montagem ofensiva ou mesmo distorcida no sentido do que se pode designar de uma falsificação da personalidade 295 o que implica um direito e correspondente dever de divulgação da imagem com rigor e autenticidade 296 À vista do exposto o que está em causa é essencialmente a proteção da assim chamada ima gem retrato mas não da imagematributo pois esta está ligada à imagem social da pessoa sua imagem como chefe de família pai profissional etc portanto aspectos vinculados à noção de honra 297 Diferentemente do direito à honra onde a exposição pública não afasta por si só a proteção do direito à honra o direito à imagem quando em causa o direito de não ser fotografado ou retratado sem o devido consentimento não é digno em princípio da mesma proteção constitucional quando se trata de pessoa ocupante de cargo ou função ou que exerça atividade pública no sentido de uma atividade em que a publicidade seja algo essencial pois em tais situações se presume um acordo tácito no sentido de um consentimento implícito o que deve ser levado em consideração especialmente no plano da colisão entre direitos fundamentais 298 Mesmo quando se trata da legítima retratação de pessoas em veículos de comunicação em situações de exposição pública em eventos abertos ou mesmo em eventos privados mas em espaços públicos hipóteses nas quais se dispensa prévia e expressa autorização a imagem estará protegida contra a sua divulgação distorcida ou descontextualizada salvo que tal veiculação conte com a aprovação do titular do direito 299 Com isso já se verifica por outro lado que o direito à imagem é protegido não apenas contra a divulgação sem autorização do titular para fins comerciais mas envolve uma proteção bem mais ampla digna de seu enquadramento na esfera dos direitos de personalidade Também para o direito à imagem se aplica a noção de que se cuida simultaneamente de um direito negativo tanto no sentido do direito a coibir e se proteger contra o uso indevido da imagem pessoal direito a não intervenção ou afetação quanto na faculdade liberdade do titular do direito no sentido de autorizar ou não a captação e veiculação inclusive de modo descontextualizado e distorcido da própria imagem Na sua dimensão positiva o direito à imagem implica prestações de proteção por parte do Estado especialmente na esfera da organização e procedimento o que se pode dar mediante uma proteção penal ou cível além da proteção judiciária No plano constitucional a expressa previsão de um direito à indenização por danos morais e materiais art 5º V X o dever constitucional de proteção contido no art 5º XXVIII a somado ao complexo legislativo infraconstitucional com destaque aqui para a tutela penal e na esfera do Código Civil são exemplos de como se dá tal proteção Até que ponto para além da indenização por dados causados é possível deduzir do direito à imagem um direito a prestações materiais é contudo de mais difícil fundamentação A titularidade do direito à imagem naquilo em que está em causa a representação da figura física de alguém da assim chamada imagemretrato é exclusiva das pessoas físicas 300 Em termos gerais uma titularidade post mortem do direito à imagem assim como no caso da honra é admitida no sentido de uma proteção da personalidade após a morte por força da dignidade da pessoa humana especialmente quando também são afetados direitos próprios dos herdeiros Além disso o Código Civil brasileiro no seu art 20 parágrafo único expressamente dispõe sobre a legitimidade de cônjuge ascendentes ou descendentes para buscarem indenização pelos danos causados à imagem de pessoa falecida Por sua vez no que diz com as pessoas jurídicas para os que admitem uma proteção autônoma de uma imagem social e mesmo de uma imagem autoral 301 no sentido de um âmbito de proteção não coincidente com os direitos à honra ou mesmo intimidade ou de um direito à identidade pessoal a depender das circunstâncias também será possível atribuir a titularidade do direito à imagem às pessoas jurídicas o que contudo não se revela plausível quando se tratar do direito à imagem física O direito à imagem como já visto pode ser violado pela captação sem a devida autorização da imagem física de alguém bem como pela veiculação desautorizada ou injustificada da imagem seja ela integral ou parcial mas também pela distorção e mesmo falsificação da imagem quando de sua veiculação O direito à imagem por sua vez também não é absoluto e frequentemente entra em linha de colisão com outros direitos fundamentais com destaque da mesma forma como se verifica com o direito à honra para a liberdade de expressão Nesse sentido já se viu também que quando se trata de pessoas públicas em local público ou mesmo de pessoas que estão em local privado mas de acesso público é possível presumir uma autorização implícita que em sendo o caso afasta a ilicitude cível e penal do uso da imagem desde que não de modo distorcido Na mesma linha resolvendo a colisão entre o direito à imagem mas também os direitos à honra intimidade e privacidade e a liberdade de expressão em favor desta colacionase decisão do STF no ARE 892127 AgRSP Relatora Ministra Cármen Lúcia julgamento em 23102018 que desacolheu pedido de indenização por danos morais formulado por familiares de pessoa morta em tiroteio ocorrido em via pública No caso concreto tratavase de ação de indenização movida pelos familiares da vítima contra empresa jornalística pelo fato de ter divulgado a fotografia do local da cena do crime bem como da imagem da vítima ensanguentada em seu veículo sem os devidos cuidados de edição Embora na primeira instância a ação tenha sido julgada procedente o STF entendeu que o juiz realizou censura da imprensa Além disso a inocorrência do fato não foi demonstrada e o que se discutiu foi apenas o não sombreamento que teria sido necessário na análise subjetiva do julgador Ainda mesmo eventual distorção da imagem mediante uma caricatura veiculada em órgão de imprensa apenas para citar um exemplo comum poderá ser justificada e não gerar nenhum direito a indenização nem ensejar a responsabilização na esfera penal 302 Especialmente no direito comparado podem ser encontradas decisões sobre a publicação de caricaturas com o propósito claro de expressar de modo irônico críticas sociais e políticas situação que deve ser distinguida da publicação de charges com intuito voltado à comercialização ou mesmo com a intenção evidente de difamação ou injúria 303 Por derradeiro é preciso avaliar criteriosamente o quanto eventuais restrições ao direito à imagem ainda que reguladas na esfera da legislação infraconstitucional são dotadas de consistência constitucional ou seja não correspondem a violações do direito É o caso por exemplo da possibilidade regrada no art 20 do CC de divulgação da imagem alheia quando necessário à administração da justiça e da ordem pública que são termos de extrema indeterminação e que se prestam para justificar uma no mínimo perigosa flexibilização do uso da imagem 304 Por outro lado vale mencionar decisão proferida no RE 638360 onde ao analisar os limites da liberdade de informação jornalística com relação ao direito à imagem dentre outras balizas como o direito à intimidade à vida privada e à honra entendeu o STF que não detém a imprensa legitimidade para veicular informações sigilosas que foram obtidas ilicitamente 305 De qualquer sorte o que importa sublinhar é que eventuais restrições ao direito à imagem sejam elas estabelecidas por decisão judicial no caso concreto sejam elas veiculadas pelo legislador mas sempre justificadas com base na proteção de outro direito fundamental ou bem jurídico de estatura constitucional devem ser examinadas à míngua de uma expressa reserva legal com base nos critérios da proporcionalidade e da razoabilidade a depender do caso visto que ambas as noções não se confundem atentandose em todo e qualquer caso para a salvaguarda da dignidade da pessoa humana 412 Direitos de liberdade 4121 Algumas notas sobre um direito geral de liberdade na Constituição Federal e o sistema constitucional das liberdades fundamentais 306 De acordo com o que se verifica a partir da dicção do art 5º caput da CF a liberdade constitui juntamente com a vida a igualdade a propriedade e a segurança um conjunto de direitos fundamentais que assume particular relevância no sistema constitucional brasileiro Tendo em conta que o atual texto constitucional aderiu em termos gerais ao que já vinha sendo parte integrante da tradição do constitucionalismo brasileiro verificase que também para o caso do Brasil é possível afirmar a existência não apenas de um elenco de direitos de liberdade específicos ou direitos especiais de liberdade como é o caso das liberdades de expressão liberdades de reunião e manifestação entre outras mas também de um direito geral de liberdade Assim verificase que o destaque outorgado à liberdade e aos demais direitos tidos como invioláveis no art 5º caput da CF traduz uma aproximação evidente com o espírito que orientou já no seu nascedouro as primeiras declarações de direitos bem como reproduz o catálogo de direitos da pessoa humana difundidos pela literatura política e filosófica de matriz liberal A Constituição Federal é portanto também e em primeira linha uma constituição da liberdade Por outro lado é possível afirmar que o reconhecimento de um direito geral de liberdade não corresponde a uma tendência uníssona e uniforme nos diversos ordenamentos constitucionais A Constituição portuguesa por exemplo não garante um direito geral de liberdade mas apenas consagra as principais liberdades em espécie 307 Em algumas ordens jurídicas por sua vez o reconhecimento de um direito geral de liberdade não decorre da positivação no texto constitucional mas da interpretação de outros direitos fundamentais pelos tribunais constitucionais como se verificou na Alemanha onde o Tribunal Constitucional Federal ao decidir o famoso caso Elfes identificou um direito à liberdade geral de ação allgemeine Handlungsfreiheit a partir do art 2º da Lei Fundamental o qual assegura o direito ao livre desenvolvimento da personalidade 308 Todavia mesmo diante de uma já sólida jurisprudência construída e aplicada pelo Tribunal Constitucional a ideia de um direito geral de liberdade segue sendo objeto de contestações por parte de alguns juristas alemães pois pelo menos é este um dos principais argumentos esgrimidos ele constituiria um direito vazio de conteúdo dito de outro modo um direito sem suporte fático determinável 309 Em sentido similar situase a nota crítica de Ronald Dworkin para quem uma concepção forte de direitos individuais não pode aceitar a noção de um direito geral de liberdade mas apenas a de liberdades específicas ou concretas pois a ideia de um direito abstrato à liberdade em geral estaria em conflito permanente com o direito à igual consideração e respeito que constitui a base de uma teoria deontológica dos direitos 310 Além disso é possível questionar a necessidade de positivação no texto constitucional de uma ideia que decorre da própria instituição do Estado de Direito e que seria dispensável para a efetiva proteção das liberdades em espécie Apesar das controvérsias em torno do significado do direito geral de liberdade sua positivação em todas as Constituições brasileiras não tem sido objeto de contestação podendo ser vista como uma vantagem institucional que tem o condão de reforçar a proteção das liberdades ao oferecer um apoio normativo sólido em nível constitucional Uma breve mirada sobre o elenco das liberdades especiais positivadas ao longo dos incisos do art 5º da CF evidencia que o constituinte brasileiro agasalhou um catálogo minucioso de liberdades incluindo a liberdade de ir e vir art 5º XV que a exemplo do que ocorre em Portugal e mesmo na Alemanha costuma ser reconduzida ao dispositivo que consagra o direito de liberdade de forma mais genérica especialmente quando não admitida a existência de um direito geral de liberdade propriamente dito Por outro lado a exemplo do que ocorre com a dignidade da pessoa humana que tem na liberdade assim como na igualdade um de seus elementos centrais para muitos liberdade e dignidade praticamente convergem especialmente quando se reduz a dignidade ao princípio da autonomia o direito geral de liberdade atua como critério material para a identificação de outras posições jurídicas fundamentais em especial como parâmetro para a dedução de liberdades específicas que não foram objeto de direta e expressa previsão pelo constituinte Nessa perspectiva o direito geral de liberdade pode ser interpretado em conjunto com o 2º do art 5º da CF o qual estabelece um sistema aberto de direitos e garantias fundamentais consagrando outros direitos não previstos de forma explícita no texto constitucional Dessa forma o direito geral de liberdade ou liberdade geral também está aberto à integração com outras liberdades previstas nas declarações de direitos no plano internacional além de guardar sintonia com a ideia de liberdades implícitas Apenas para ilustrar a afirmação é possível relacionar por exemplo a liberdade de utilização da informática o livre e igual acesso à rede de comunicação a livre disposição dos dados pessoais para os alemães o direito à autodeterminação informativa entre outros que poderiam ser nominados e que não encontram previsão direta e expressa no texto constitucional O direito geral de liberdade nesse contexto atua como uma espécie de cláusula de abertura constitucional para liberdades fundamentais especiais não nominadas Dito de outro modo o direito geral de liberdade funciona como um princípio geral de interpretação e integração das liberdades em espécie e de identificação de liberdades implícitas na ordem constitucional Assim sendo para reforçar a linha argumentativa já lançada a positivação de um direito geral de liberdade tem a vantagem de introduzir no ordenamento jurídico uma cláusula geral que permite dela derivar por meio de interpretação extensiva outras liberdades não expressamente consagradas no texto constitucional Com efeito a liberdade como faculdade genérica de ação ou de omissão concede ao indivíduo um amplíssimo leque de possibilidades de manifestação de suas vontades e preferências e de expressão de sua autonomia pessoal que não pode ser apreendido por meio de liberdades específicas previstas em textos normativos Quanto a tal função do direito geral de liberdade compreendido como cláusula de abertura material importa registrar contudo que metodologicamente não se haverá de recorrer ao direito geral de liberdade quando se tratar da aplicação de uma cláusula especial já consagrada no texto constitucional inclusive para a necessária salvaguarda do âmbito de proteção de cada liberdade 311 Em síntese o direito geral de liberdade assume relevância jurídico constitucional para efeitos de aplicação às situações da vida quando e na medida em que não esteja em causa o âmbito de proteção de uma liberdade em espécie 312 O direito geral de liberdade também cumpre portanto a função de assegurar uma proteção isenta de lacunas da liberdade e das liberdades 313 De qualquer sorte considerando que os direitos especiais de liberdade serão objeto de comentário próprio aqui se busca apenas tecer algumas considerações de ordem geral com destaque para a demonstração do sentido de um direito geral de liberdade no esquema constitucional e a sua articulação com as cláusulas especiais de liberdade No que diz com sua vertente constitucional mais importante e remota o direito fundamental de liberdade tem origem na ideia de liberdade geral contida no art 4º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 A liberdade consiste em poder fazer tudo o que não prejudica ao outro O preceito consagra a ideia liberal originariamente presente no pensamento dos autores clássicos do liberalismo segundo a qual todo ser humano possui uma área ou esfera de liberdade pessoal que não pode ser de qualquer modo violada e na qual pode desenvolver suas faculdades e vontades naturais livres de qualquer interferência externa Já no âmbito do constitucionalismo brasileiro nos comentários ao art 72 caput da Constituição de 1891 Carlos Maximiliano conceituava a liberdade como o direito que tem o homem de usar suas faculdades naturais ou adquiridas pelo modo que melhor convenha ao mais amplo desenvolvimento da personalidade própria sem outro limite senão o respeito ao direito idêntico atribuído aos seus semelhantes 314 Feito o registro e sem que se vá aqui recorrer a outros conceitos antigos ou mais recentes o fato é que a noção de um direito geral de liberdade guarda íntima relação com a ideia de um direito ao livre desenvolvimento da personalidade por sua vez também compreendido nos ordenamentos que o consagram como é o caso de Alemanha Portugal Espanha entre outros como uma cláusula geral que permite a dedução de direitos especiais de personalidade tudo tendo a dignidade da pessoa humana como fio condutor Tal direito em que pese sua forte articulação com o direito geral de liberdade será objeto de comentário específico na parte dedicada aos direitos de caráter pessoal direitos de personalidade Na esteira das considerações precedentes percebese também o lugar de destaque que a liberdade na condição de valor princípio e direito mas também como dever ocupa na arquitetura jurídico constitucional e política brasileira construída em torno e com base da noção de um Estado Democrático de Direito com o qual guardam conexão direta o direito geral de liberdade os direitos especiais de liberdade incluindo as liberdades políticas e sociais e os demais direitos fundamentais No que diz respeito ao conteúdo do direito geral de liberdade especialmente no que concerne a sua relação com os direitos especiais de liberdade remetese aqui aos comentários das liberdades fundamentais em espécie evitando assim desnecessária superposição O mesmo vale para o conjunto de questões que dizem com a teoria geral dos direitos fundamentais notadamente a dimensão subjetiva e objetiva dos direitos fundamentais a titularidade os destinatários a eficácia e aplicabilidade e o problema dos limites e restrições visto que em termos gerais também se aplicam ao direito geral de liberdade Em termos gerais no que diz com os seus contornos dogmáticos o direito geral de liberdade pode ser descrito recorrendose à formulação de Robert Alexy que aqui vai transcrita A liberdade geral de ação é uma liberdade de se fazer ou deixar de fazer o que se quer De um lado a cada um é prima facie ou seja caso nenhuma restrição ocorra permitido fazer ou deixar de fazer o que quiser norma permissiva De outro cada um tem prima facie ou seja caso nenhuma restrição ocorra o direito em face do Estado a que este não embarace sua ação ou sua abstenção ou seja a que o Estado nelas não intervenha norma de direitos 315 Nessa perspectiva a assim designada liberdade negativa implica para o sujeito titular do direito de liberdade a prerrogativa de não fazer algo sem que lhe seja imposto em princípio tal conduta positiva ou de fazer algo sem que lhe seja imposto um impedimento Embora tal definição tenha sido formulada a partir do dispositivo que consagra uma liberdade geral de ação o direito ao livre desenvolvimento da personalidade na Lei Fundamental da Alemanha art 2º 1º ela pode ser em princípio trasladada para o ambiente constitucional brasileiro visto que de modo ainda mais explícito do que ocorreu no caso da Alemanha a Constituição Federal consagrou como já visto um direito geral de liberdade Por outro lado quanto aos aspectos relacionados com a definição do âmbito de proteção limites e restrições no âmbito do direito geral de liberdade já foi feita remissão a outros comentários de modo que o que aqui deve ser sublinhado é que também para a ordem jurídico constitucional brasileira importa reconhecer que o direito geral de liberdade abarca uma liberdade negativa e uma liberdade positiva que por sua vez implica um complexo de posições jurídicas que dialogam com cada uma das duas dimensões Sem que se possa aqui aprofundar tais aspectos é de se registrar contudo que as duas dimensões da liberdade em geral negativa e positiva acabam funcionando como vetores interpretativos do conteúdo das posições jurídicas protegidas pelas liberdades específicas O direito fundamental de associação por exemplo visto como expressão do direito geral de liberdade inclui primordialmente dois âmbitos ou faces que podem ser assim divididos liberdade positiva de associação consistente no direito de constituir e organizar novas associações assim como de ingressar e participar de associações já existentes art 5º XVII liberdade negativa de associação que se expressa no direito de não se associar e de abandonar a associação da qual se é membro art 5º XX Essa aliás a interpretação do direito fundamental de associação acolhida pelo STF que leva em conta as duas dimensões negativa e positiva da liberdade e que aqui vai colacionada como exemplo para o sistema das liberdades em geral 316 Também assume relevância a circunstância de que além da liberdade formal existe uma liberdade material pois apenas o reconhecimento e a proteção de ambas as dimensões da liberdade correspondem na íntegra às exigências da dignidade da pessoa humana tal como compreendida no sistema constitucional brasileiro onde de resto opera como fundamento do Estado Democrático de Direito Com efeito a liberdade formal assume a feição de uma liberdade jurídica no sentido de uma liberdade de matriz liberal ou seja quando nas palavras de Robert Alexy é permitido tanto fazer algo quanto deixar de fazêlo isso ocorre exatamente quando algo não é nem obrigatório nem proibido Ainda para Alexy a liberdade material por sua vez além da liberdade liberal liberdade formal ou jurídica abarca uma liberdade econômicosocial que implica a ausência de barreiras econômicas que tenham por consequência o embaraço e mesmo o impedimento do exercício de alternativas de ação 317 Outra relação crucial é a que se estabelece entre liberdade e legalidade A Constituição Federal torna explícita a intrínseca relação entre legalidade e liberdade designadamente no art 5º II ao estabelecer que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei dispositivo aliás objeto de comentário específico A lei é o instrumento por excelência de que dispõe o Estado de Direito para garantir e ao mesmo tempo regular a liberdade Incorporase assim a ideia de liberdade oriunda do ideário liberalburguês do século XVIII com destaque para a Revolução Francesa traduzida de modo emblemático e solene no art 4º da Declaração de Direitos de 1789 A liberdade consiste em poder fazer tudo o que não prejudica o outro O exercício dos direitos naturais de cada homem não tem mais limites que os que asseguram a outros membros da sociedade o gozo desses mesmos direitos Estes limites somente podem ser estabelecidos pela lei A legalidade também representa a existência e a permanência da ordem jurídica do Estado edificada por um corpo coeso de normas organismos e procedimentos que funcionam como garantias constitucionais da liberdade dos cidadãos No Estado de Direito a liberdade somente é assegurada mediante uma série de garantias constitucionais calcadas na organização política e administrativa dos poderes de acordo com as leis e a Constituição A ordem jurídicoconstitucional dessa forma tornase condição necessária da possibilidade de pleno exercício da liberdade Portanto o direito de liberdade garantido pelo art 5º caput deve ser interpretado em conjunto sistematicamente com o princípio da legalidade assegurado pelo inciso II do mesmo artigo que contém a tradicional fórmula garantidora da liberdade Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei O princípio da legalidade constitui portanto uma garantia fundamental constitucional da liberdade Por outro lado considerando que a lei é o instrumento por excelência de limitação ou restrição da liberdade ao mesmo tempo ela representa uma permanente ameaça a essa mesma liberdade de forma que a ordem constitucional deve prever mecanismos de controle da constitucionalidade da lei A garantia da fiscalização formal e material da lei em face da Constituição mais especialmente no que diz com a afetação de direitos fundamentais veio a complementar o conjunto de garantias constitucionais da liberdade avançando no processo de racionalização do poder especialmente a partir da Revolução Francesa e no que diz com o controle de constitucionalidade do constitucionalismo norteamericano fruto do mesmo espírito no que diz respeito à proteção das liberdades constitucionalmente asseguradas Tais questões do controle de constitucionalidade e mesmo dos limites e restrições a direitos fundamentais são contudo versadas em capítulo próprio na presente obra de modo que aqui não serão desenvolvidas Em síntese o que importa para a apresentação do sistema das liberdades fundamentais da Constituição Federal é que o direito geral de liberdade não esvazia pelo contrário reforça o conjunto dos direitos de liberdade em espécie que representam direitos fundamentais autônomos com seu respectivo âmbito de proteção Iniciaremos a parte relativa às liberdades em espécie com a liberdade de expressão 4122 Liberdade de expressão 41221 Notas introdutórias breve mirada sobre a evolução constitucional brasileira pretérita e o direito internacional Ao contrário de outras ordens constitucionais 318 a Constituição Federal de 1988 não adotou o termo liberdade de expressão como o gênero que abarca as diversas manifestações específicas tais como a livre manifestação do pensamento a liberdade de consciência e de crença a liberdade de comunicação incluindo a liberdade de imprensa a livre expressão artística intelectual e científica muito embora se possa considerar a livre manifestação do pensamento como assumindo tal condição visto que a manifestação do pensamento poderá ocorrer na esfera da comunicação social no exercício da atividade intelectual ou artística ou mesmo dizer respeito à livre manifestação das opções religiosas Assim tendo em conta o desiderato do presente texto bem como a necessidade de guardar sintonia com as peculiaridades do direito positivo seguirseão o esquema e a terminologia consagrados no texto constitucional atentando contudo para a circunstância de que o que está em causa é a liberdade de expressão compreendida em sentido amplo e que se decodifica em uma série de liberdades especiais Embora se possa afirmar que foi apenas sob a égide da atual Constituição Federal que as liberdades de expressão encontraram o ambiente propício para a sua efetivação 319 é preciso registrar que tais liberdades se fazem presentes na trajetória constitucional brasileira desde a Carta Imperial de 1824 Com efeito de acordo com o art 179 IV daquela Constituição todos podem communicar os seus pensamentos por palavras escriptos e publicalos pela Imprensa sem dependencia de censura com tanto que hajam de responder pelos abusos que commetterem no exercicio deste Direito nos casos e pela fórma que a Lei determinar Na Constituição de 1891 art 72 12 constava que em qualquer assunto é livre a manifestação do pensamento pela imprensa ou pela tribuna sem dependência de censura respondendo cada um pelos abusos que cometer nos casos e pela forma que a lei determinar Não é permitido o anonimato O texto da Constituição de 1934 todavia foi mais detalhado como se percebe da redação do art 113 n 9 Em qualquer assunto é livre a manifestação do pensamento sem dependência de censura salvo quanto a espetáculos e diversões públicas respondendo cada um pelos abusos que cometer nos casos e pela forma que a lei determinar Não é permitido o anonimato É assegurado o direito de resposta A publicação de livros e periódicos independe de licença do Poder Público Não será porém tolerada propaganda de guerra ou de processos violentos para subverter a ordem política ou social Inserido no contexto da assim chamada ditadura do Estado Novo o texto da Constituição de 1937 já reflete uma ideologia menos liberal estabelecendo fortes limitações ao exercício da liberdade de expressão como se percebe da redação do art 122 n 15 e alíneas a b e c de acordo com o qual todo cidadão tem o direito de manifestar o seu pensamento oralmente por escrito impresso ou por imagens mediante as condições e nos limites prescritos em lei A lei pode prescrever a com o fim de garantir a paz a ordem e a segurança pública a censura prévia da imprensa do teatro do cinematógrafo da radiodifusão facultando à autoridade competente proibir a circulação a difusão ou a representação b medidas para impedir as manifestações contrárias à moralidade pública e aos bons costumes assim como as especialmente destinadas à proteção da infância e da juventude c providências destinadas à proteção do interesse público bemestar do povo e segurança do Estado Fruto da derrocada do período autoritário anterior mas ainda assim estabelecendo algumas limitações ao exercício da liberdade de expressão a Constituição de 1946 no seu art 141 5º estabelecia que é livre a manifestação do pensamento sem que dependa de censura salvo quanto a espetáculos e diversões públicas respondendo cada um nos casos e na forma que a lei preceituar pelos abusos que cometer Não é permitido o anonimato É assegurado o direito de resposta A publicação de livros e periódicos não dependerá de licença do Poder Público Não será porém tolerada propaganda de guerra de processos violentos para subverter a ordem política e social ou de preconceitos de raça ou de classe Tal fórmula foi seguida quase que integralmente pela Constituição de 1967 como se verifica mediante a leitura do art 150 8º É livre a manifestação de pensamento de convicção política ou filosófica e a prestação de informação sem sujeição a censura salvo quanto a espetáculos e diversões públicas respondendo cada um nos termos da lei pelos abusos que cometer É assegurado o direito de resposta A publicação de livros jornais e periódicos independe de licença da autoridade Não será porém tolerada a propaganda de guerra de subversão da ordem ou de preconceitos de raça ou de classe Por fim mediante alteração introduzida pela EC 11969 o art 153 8º antigo art 150 passou a ser redigido da seguinte maneira É livre a manifestação de pensamento de convicção política ou filosófica bem como a prestação de informação independentemente de censura salvo quanto a diversões e espetáculos públicos respondendo cada um nos termos da lei pelos abusos que cometer É assegurado o direito de resposta A publicação de livros jornais e periódicos não depende de licença da autoridade Não serão porém toleradas a propaganda de guerra de subversão da ordem ou de preconceitos de religião de raça ou de classe e as publicações e exteriorizações contrárias à moral e aos bons costumes Embora não seja o caso de aqui explorarmos tal vereda importa destacar que ressalvadas eventuais peculiaridades também no que diz com a liberdade de pensamento e de expressão a Constituição Federal de 1988 guarda sintonia com a evolução registrada notadamente a contar da Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU de 1948 no âmbito do direito internacional dos direitos humanos Assim apenas para referir os documentos mais importantes com ênfase além da Declaração Universal nos principais tratados ratificados pelo Brasil verificase que de acordo com o art 19 da Declaração toda pessoa tem direito à liberdade de opinião e expressão este direito inclui a liberdade de sem interferência ter opiniões e de procurar receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras Já o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos de 1966 ratificado pelo Brasil mediante sua incorporação ao direito interno em 1992 dispõe no seu art 191 que ninguém poderá ser molestado por suas opiniões 2 Toda pessoa terá direito à liberdade de expressão esse direito incluirá a liberdade de procurar receber e difundir informações e ideias de qualquer natureza independentemente de considerações de fronteiras verbalmente ou por escrito em forma impressa ou artística ou qualquer outro meio de sua escolha Por derradeiro citase o art 131 da Convenção Americana de Direitos Humanos Pacto de São José da Costa Rica igualmente ratificada pelo Brasil de acordo com o qual toda pessoa tem o direito à liberdade de pensamento e de expressão Esse direito inclui a liberdade de procurar receber e difundir informações e ideias de qualquer natureza sem considerações de fronteiras verbalmente ou por escrito ou em forma impressa ou artística ou por qualquer meio de sua escolha 320 Também no plano europeu embora não se trate de uma normativa vinculante para o caso brasileiro registrase uma forte proteção da liberdade de expressão e de manifestação com uma preferência evidente pela fórmula genérica da liberdade de expressão como dá conta o art 101 da Convenção Europeia de Direitos Humanos Qualquer pessoa tem direito à liberdade de expressão Este direito compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber ou de transmitir informações ou ideias sem que possa haver ingerência de quaisquer autoridades públicas e sem considerações de fronteiras bem como o art 111 da Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia Todas as pessoas têm direito à liberdade de expressão Este direito compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber e de transmitir informações ou ideias sem que possa haver ingerência de quaisquer poderes públicos e sem consideração de fronteiras que por força da entrada em vigor do Tratado de Lisboa o qual integra na condição de catálogo europeu de direitos fundamentais passou a vincular os países integrantes da União Europeia 41222 A liberdade de expressão na Constituição Federal a Aspectos gerais No âmbito da Constituição Federal de 1988 as liberdades de expressão foram não apenas objeto de mais detalhada positivação mas também passaram a corresponder pelo menos de acordo com texto constitucional ao patamar de reconhecimento e proteção compatível com um autêntico Estado Democrático de Direito Com efeito apenas para ilustrar tal assertiva mediante a indicação dos principais dispositivos constitucionais sobre o tema já no art 5º IV foi solenemente enunciado que é livre a manifestação do pensamento sendo vedado o anonimato Tal dispositivo que é possível arriscar faz as vezes no caso brasileiro de uma espécie de cláusula geral foi complementado e guarda relação direta com uma série de outros dispositivos da Constituição os quais no seu conjunto formam o arcabouço jurídicoconstitucional que reconhece e protege a liberdade de expressão nas suas diversas manifestações Assim logo no dispositivo seguinte art 5º V é assegurado o direito de resposta proporcional ao agravo além da indenização por dano material moral ou à imagem No inciso VI do mesmo artigo consta que é inviolável a liberdade de consciência e de crença sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida na forma da lei a proteção aos locais de culto e a suas liturgias 321 De alta relevância para a liberdade de expressão é o art 5º IX de acordo com o qual é livre a expressão da atividade intelectual artística científica e de comunicação independentemente de censura ou licença Dentre os dispositivos diretamente relacionados com a liberdade de expressão situamse diversos enunciados dispersos na Constituição alguns formulados de modo a assegurar expressamente direitos de liberdade da pessoa humana É o caso por exemplo do art 206 II que dispõe sobre a liberdade de aprender ensinar pesquisar e divulgar o pensamento a arte e o saber no âmbito das diretrizes do ensino Já no art 220 no capítulo da comunicação social está consignado que a manifestação do pensamento a criação a expressão e a informação sob qualquer forma processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição observado o disposto nesta Constituição Tais exemplos não esgotam o elenco de disposições constitucionais relacionadas com a liberdade de expressão 322 mas já demonstram o lugar de destaque e o alto nível de proteção que tais liberdades experimentam na atual Constituição Federal devendo ser objeto de referência e algum desenvolvimento no momento oportuno quando for o caso Por outro lado considerando algumas peculiaridades da liberdade de consciência e de crença tais direitos serão abordados em item próprio b Conteúdo âmbito de proteção da liberdade de expressão uma definição inclusiva Como ponto de partida importa destacar que a ausência de uma terminologia uniforme na Constituição Federal que fala tanto em livre manifestação do pensamento quanto em liberdade de expressão não impede uma abordagem conjunta de tais liberdades que como em outras ordens constitucionais compõem um complexo de liberdades comunicativas e que mediante a devida ressalva das peculiaridades relativas às diversas manifestações da liberdade de expressão podem e é mesmo recomendável que assim seja em virtude de uma melhor sistematização e articulação ser tratadas em bloco Por outro lado optamos por utilizar o termo genérico liberdade de expressão como noção que abrange tanto a livre manifestação do pensamento prevista no art 5º IV da CF quanto as demais dimensões da liberdade de expressão já referidas acima e que serão objeto de nossa análise mais detida na sequência A liberdade de expressão portanto tal como o sugeriu Jónatas Machado será aqui tratada como uma espécie de direito mãe 323 refutandose uma abordagem compartimentada tal como alguns costumam estabelecer entre as liberdades de comunicação e de expressão como sugere parte da literatura especializada 324 muito embora existam diferenças seja no que diz respeito ao âmbito de proteção seja no concernente aos limites e restrições entre as diversas manifestações da liberdade de expressão consideradas especificamente como é o caso da liberdade de expressão artística científica liberdade de imprensa liberdade de informação entre outras Por isso como já se disse rela ti vamente ao direito constitucional alemão as diversas posições jusfundamentais vinculadas à liberdade de expressão serão analisadas não como um mero conglomerado mas como partes interligadas de uma concepção geral que reclama uma abordagem sistemática e integrada preservadas todavia as peculiaridades de cada direito fundamental em espécie 325 o que será considerado nos desenvolvimentos posteriores quando serão examinados em destaque após uma parte geral da liberdade de expressão os aspectos mais relevantes de cada liberdade direito em particular Para uma compreensão geral das liberdades em espécie que podem ser reconduzidas à liberdade de expressão gênero e considerando as peculiaridades do direito cons titucional positivo brasileiro é possível apresentar o seguinte esquema a liberdade de manifestação do pensamento incluindo a liberdade de opinião b liberdade de expressão artística c liberdade de ensino e pesquisa 326 d liberdade de comunicação e de informação liberdade de imprensa e liberdade de expressão religiosa 327 É amplamente reconhecido que a liberdade de manifestação do pensamento e a liberdade de expressão compreendidas aqui em conjunto constituem um dos direitos fundamentais mais preciosos e correspondem a uma das mais antigas exigências humanas de tal sorte que integram os catálogos constitucionais desde a primeira fase do constitucionalismo moderno 328 Assim como a liberdade de expressão e manifestação do pensamento encontra um dos seus principais fundamentos e objetivos na dignidade da pessoa humana naquilo que diz respeito à autonomia e ao livre desenvolvimento da personalidade do indivíduo ela também guarda relação numa dimensão social e política com as condições e a garantia da democracia e do pluralismo político assegurando uma espécie de livre mercado das ideias assumindo neste sentido a qualidade de um direito político e revelando ter também uma dimensão nitidamente transindividual 329 já que a liberdade de expressão e os seus respectivos limites operam essencialmente na esfera das relações de comunicação e da vida social Quanto a este aspecto embora não seja o caso aqui de aprofundar a questão importa sublinhar que a relação entre democracia e liberdade de expressão é de um recíproco condicionamento e assume um caráter complementar dialético e dinâmico de modo que embora mais democracia possa muitas vezes significar mais liberdade de expressão e viceversa mais liberdade de expressão indica mais democracia também é correto que a liberdade de expressão pode acarretar riscos para a democracia e que a democracia pode colocar em risco a liberdade de expressão 330 Já pelas razões articuladas para que a liberdade de expressão possa cumprir com sua função numa ordem democrática e plural é de se sublinhar que quanto ao seu âmbito de proteção a liberdade de expressão abarca um conjunto diferenciado de situações cobrindo em princípio uma série de liberdades faculdades de conteúdo espiritual incluindo expressões não verbais como é o caso da expressão musical da comunicação pelas artes plásticas entre outras 331 A liberdade de expressão consiste mais precisamente na liberdade de exprimir opiniões portanto juízos de valor a respeito de fatos ideias portanto juízos de valor sobre opiniões de terceiros etc 332 Assim é a liberdade de opinião que se encontra na base de todas as modalidades da liberdade de expressão 333 de modo que o conceito de opinião que na linguagem da Constituição Federal acabou sendo equiparado ao de pensamento há de ser compreendido em sentido amplo de forma inclusiva abarcando também apenas para deixar mais claro manifestações a respeito de fatos e não apenas juízos de valor 334 Importa acrescentar que além da proteção do conteúdo ou seja do objeto da expressão também estão protegidos os meios de expressão cuidandose em qualquer caso de uma noção aberta portanto inclusiva de novas modalidades como é o caso da comunicação eletrônica 335 Para assegurar a sua máxima proteção e sua posição de destaque no âmbito das liberdades fundamentais o âmbito de proteção da liberdade de expressão deve ser interpretado como o mais extenso possível englobando tanto a manifestação de opiniões quanto de ideias pontos de vista convicções críticas juízos de valor sobre qualquer matéria ou assunto e mesmo proposições a respeito de fatos 336 Neste sentido em princípio todas as formas de manifestação desde que não violentas estão protegidas pela liberdade de expressão incluindo gestos sinais movimentos mensagens orais e escritas representações teatrais sons imagens bem como as manifestações veiculadas pelos modernos meios de comunicação como as mensagens de páginas de relacionamento blogs etc 337 Uma compreensão elástica do âmbito de proteção esbarra todavia em algumas questões polêmicas como por exemplo a negativa de fatos históricos ou mesmo no que diz com a existência de um dever de verdade quanto aos fatos bem como no tocante aos assim chamados delitos de opinião visto que nesses casos verificase maior controvérsia sobre a sua inclusão no âmbito de proteção da liberdade de expressão Quanto a tais questões adotase aqui a linha de entendimento sustentada por J J Gomes Canotilho e Vital Moreira naquilo em que negam a existência de um dever de verdade quanto aos fatos assim como afastam em princípio qualquer tipo de delito de opinião ainda que se cuide de opiniões que veiculem posições contrárias à ordem constitucional democrática ressalvando contudo que eventuais distorções dos fatos e manifestações que atinjam direitos fundamentais e interesses de terceiros e que representem incitação ao crime devem ser avaliadas quando da solução dos conflitos entre normas de direitos fundamentais 338 Ainda quanto ao conteúdo âmbito de proteção da liberdade de expressão importa destacar alguns aspectos como por exemplo o da inclusão da publicidade comercial Neste sentido argumentase que assim como o debate político é essencial para a ordem democrática a publicidade comercial é relevante para a ordem econômica não se justificando uma divisão estrita entre tais esferas 339 Embora se trate de questão controvertida seja no direito norteamericano seja na Europa o fato é que a publicidade comercial tem sido em várias situações incluída no espectro de proteção da liberdade de expressão como por exemplo ocorreu no caso Casado Coca v Espanha julgado em 1994 em que o Tribunal Europeu de Direitos Humanos entendeu que não haveria motivos para tal exclusão somente pelo mero fato de a expressão estar motivada pelo interesse de lucro 340 De qualquer modo tal como ocorre em outras esferas a publicidade comercial é submetida a um conjunto de restrições destacandose as medidas de proteção do consumidor v o caso da proibição legal da publicidade abusiva ou enganosa bem como as restrições impostas pela própria Constituição Federal art 220 4º para a publicidade do tabaco e outros produtos do gênero que possam afetar a saúde pública 341 A liberdade de expressão nas suas diversas manifestações engloba tanto o direito faculdade de a pessoa se exprimir quanto o de não se expressar ou mesmo de não se informar 342 Assim em primeira linha a liberdade de expressão assume a condição precípua de direito de defesa direito negativo operando como direito da pessoa de não ser impedida de exprimir eou divulgar suas ideias e opiniões sem prejuízo todavia de uma correlata dimensão positiva visto que a liberdade de expressão implica um direito de acesso aos meios de expressão o que não significa necessariamente um direito de acesso livre aos meios de comunicação social 343 muito embora tal componente também tenha adquirido uma crescente relevância em vários momentos no caso brasileiro por exemplo o acesso dos partidos políticos aos meios de comunicação para efeitos de divulgação de seus programas candidatos etc o que será objeto de alguma atenção logo adiante especialmente no que diz respeito à dimensão objetiva da liberdade de expressão Com efeito também em relação à liberdade de expressão importa enfatizar que ela apre senta uma dupla dimensão subjetiva e objetiva ou seja operando como direito subje tivo individual e mesmo coletivo a depender do caso tanto de matriz negativa implicando deveres de abstenção ou seja de não impedimento de ações como já frisado e a depender do caso direitos subjetivos a prestações por sua vez fortemente vinculados à dimensão objetiva que importa em deveres estatais de proteção em parte satisfeitos mediante a edição de normas de cunho procedimental e criação e regulamentação de instituições órgãos que atuam na proteção e promoção dos direitos como é o caso por exemplo da criação no plano constitucional do Conselho de Comunicação Social art 224 da CF Tais deveres de proteção todavia também vinculam os órgãos judiciais aos quais incumbe não apenas zelar para devida consideração dos direitos e interesses postos em causa concretamente no âmbito das relações entre sujeitos privados mas também controlar a constitucionalidade dos atos estatais que interferem na liberdade de expressão Ainda no que diz com a sua dimensão objetiva a liberdade de expressão para além de um direito individual na condição de direito subjetivo representa como já frisado um valor central para um Estado Democrático de Direito e para a própria dignidade humana na qual como já visto encontra um dos seus principais fundamentos senão o seu principal fundamento Assim em função de tal circunstância cuidase de um valor da comunidade política como um todo e nesta perspectiva a liberdade de expressão adquire uma dimensão transindividual como de resto já se verificou ocorre em termos gerais com os direitos fundamentais na sua perspectiva objetiva No que diz com a jurisprudência do STF é possível associar à dimensão objetiva da liberdade de expressão a fixação da responsabilidade objetiva do Estado pelos danos causados a profissionais de imprensa feridos por policiais quando da realização de cobertura jornalística de reuniões e manifestações públicas e nas quais ocorram tumultos eou conflitos desde que os jornalistas eventualmente lesados não tenham descumprido advertências ostensivas e claras por parte da autoridade pública no que diz com o acesso a áreas definidas como sendo de grave risco para as suas respectivas integridades físicas hipótese na qual resta afastada a responsabilidade estatal por culpa exclusiva da vítima344 c Titulares e destinatários da liberdade de expressão Titular das liberdades de expressão é em primeira linha a pessoa natural o indivíduo não sendo o caso de limitar o exercício da liberdade de expressão aos brasileiros e estrangeiros residentes no País em virtude do princípio da universalidade consoante desenvolvido na parte geral dos direitos fundamentais De outra parte cuidase de direitos compatíveis com a condição de pessoas jurídicas inclusive de direito público Quanto aos destinatários sujeitos passivos verificase a possibilidade para além da vinculação direta de todos os poderes públicos de uma eficácia direta ou indireta a depender do caso nas relações entre particulares cujo alcance aqui não será examinado pois igualmente analisado em capítulo próprio da parte geral dos direitos fundamentais Especialmente os direitos de resposta e de indenização por dano imaterial causado pelo uso abusivo da liberdade de expressão constituem exemplos de refrações da liberdade de expressão na esfera das relações privadas Outra situação na qual se coloca o problema diz respeito às relações internas das empresas órgãos de comunicação social notadamente quando se verifica dissenso entre a orientação dos órgãos diretivos da empresa e o jornalista responsável pela matéria o que pelo menos poderá implicar por parte do jornalista um motivado rompimento do contrato a depender das circunstâncias 345 d Limitações à liberdade de expressão e conflitos colisões com outros direitos fundamentais 1 Aspectos gerais Dada a sua relevância para a democracia e o pluralismo político a liberdade de expressão pelo menos de acordo com significativa doutrina assume uma espécie de posição preferencial preferred position quando da resolução de conflitos com outros princípios constitucionais e direitos fundamentais 346 o que tem sido em regra confirmado pelo STF em especial a partir do julgamento da ADPF 130 no qual foi declarado que a Lei de Imprensa editada no período da ditadura militar não foi recepcionada pela CF De qualquer modo não se trata de atribuir à liberdade de expressão em qualquer uma de suas manifestações particulares a condição de direito absolutamente imune a qualquer limite e restrição nem de estabelecer uma espécie de hierarquia prévia entre as normas constitucionais 347 Assim quando se fala de uma posição preferencial pelo menos no sentido em que aqui se admite tal condição temse a finalidade de reconhecer à liberdade de expressão uma posição de vantagem no caso de conflitos com outros bens fundamentais no que diz com a hierarquização das posições conflitantes no caso concreto de tal sorte que também nessa esfera da solução para eventual conflito entre a liberdade de expressão e outros bens fundamentais individuais e coletivos não há como deixar de considerar as exigências da proporcionalidade e de outros critérios aplicáveis a tais situações Embora seja inviável esgotar todas as possibilidades algumas hipóteses envolvendo o problema dos limites e restrições à liberdade de expressão serão analisadas na sequência A primeira e sem dúvida mais relevante é a que diz respeito ao problema da possibilidade de censura prévia ou de outra modalidade de controle da liberdade de expressão 2 Vedação absoluta da censura mas existência de limites e restrições que justificam o controle do abuso da liberdade de expressão Uma primeira questão diz respeito à impossibilidade do estabelecimento de qualquer tipo de censura proibição expressamente prevista no art 5º IX da CF associada à livre expressão da atividade intelectual artística científica e de comunicação proibição que representa uma forte reação do constituinte ao passado recente nomeadamente aos excessos praticados durante o período da ditadura militar proibição reiterada no art 220 2º da CF de acordo com o qual é vedada toda e qualquer censura de natureza política ideológica e artística De qualquer sorte é preciso reconhecer que a despeito de a censura já ter sido objeto de vedação constitucional anterior isso não impediu que viesse a ser amplamente praticada como também ocorreu na vigência da assim chamada ditadura do Estado Novo 1937 1945 348 A proibição da censura é de tal sorte relevante para a liberdade de expressão que de acordo com o noticiado por Jónatas Machado a liberdade de imprensa é historicamente a liberdade perante a censura prévia 349 A absoluta vedação da censura que se infere da Constituição Federal não dispensa uma definição do que seja censura até mesmo para que seja possível diferenciar as situações à luz do ordenamento jurídicoconstitucional Numa primeira aproximação por se tratar de uma noção amplamente compartilhada e em relação à qual existe um alto grau de consenso a censura que se pode ter como absolutamente vedada pela Constituição Federal de plano e em qualquer caso consiste de acordo com a lição de Jónatas Machado na restrição prévia à liberdade de expressão realizada pela autoridade administrativa e que resulta na proibição da veiculação de determinado conteúdo 350 O quanto outras intervenções prévias por exemplo as estabelecidas por conta da proteção de outros bens fundamentais no caso de uma colisão entre estes e a liberdade de expressão se enquadram na noção de censura e em que medida podem ser ou não constitucionalmente legítimas tem sido objeto de acirrado debate prevalecendo o entendimento de que para assegurar a proteção das liberdade de expressão a proibição de censura e de licença deve ser compreendida em sentido amplo de modo a abarcar não apenas a típica censura administrativa mas também outras hipóteses de proibição ou limitação da livre expressão e circulação de informações e de ideias 351 O problema de uma definição demasiadamente ampla de censura como abarcando toda e qualquer restrição à liberdade de expressão é de que ela acabaria por transformar a liberdade de expressão em direito absoluto o que não se revela como sustentável pelo prisma da equivalência substancial e formal entre a liberdade de expressão e outros bens fundamentais pelo menos a dignidade da pessoa humana e os direitos de personalidade Por outro lado tomandose também a liberdade de expressão como abarcando as diversas manifestações que lhe são próprias a liberdade de manifestação do pensamento a liberdade de comunicação e de informação relacionadas com a liberdade de imprensa a liberdade de expressão artística apenas para citar as mais importantes verificase que uma distinção entre censura e outras modalidades de restrição que poderão a depender do caso ser constitucionalmente justificadas é necessária até mesmo para preservar as peculiaridades de cada modalidade da liberdade de expressão De qualquer modo na esteira do que entre nós lembra Daniel Sarmento uma orientação geral importante a ser observada é a de que apenas em hipóteses absolutamente excepcionais são admissíveis restrições prévias ao exercício da liberdade de expressão quando em causa a proteção de direitos ou outros bens jurídicos contrapostos visto que a regra geral que se infere da Constituição Federal é a de que os eventuais abusos e lesões a direitos devem ser sancionados e compensados posteriormente 352 Logo adiante teremos ocasião de desenvolver um pouco mais o tópico quando da abordagem de alguns casos de colisão entre a liberdade de expressão e outros direitos fundamentais Por ora considerado o contexto e por se tratar de situação corriqueira e prevista na Constituição Federal convém destacar que a classificação indicativa de espetáculos e diversões públicas pela autoridade pública não se confunde com a censura Com efeito basta a leitura do texto constitucional para que se perceba que este não abre margem para a proibição de um espetáculo ainda que com o objetivo de proteção de crianças e adolescentes visto que a teor do art 220 3º I da CF apenas é conferida competência às autoridades responsáveis para que indiquem a faixa etária adequada para cada espetáculo sugerindo horários e locais para sua apresentação 353 Depois de longo embate e tramitação o STF acabou por decidir sobre o ponto que a classificação etária assume caráter meramente indicativo portanto não obrigatório Com efeito por ocasião do julgamento da ADIn 24042001 rel Min Dias Toffoli o STF julgou procedente a ação direta para declarar a inconstitucionalidade da expressão em horário diverso do autorizado contida no art 254 do ECA que estabelecia uma punição para a transmissão de espetáculo em horário diverso do autorizado ou seja contrariando a classificação indicativa do espetáculo ou programa De qualquer modo considerando a prioridade absoluta assegurada pela Constituição Federal aos interesses e direitos das crianças e dos adolescentes e o fato de inexistir direito de caráter absoluto há que levar a sério a possibilidade de se limitar mediante lei e observados com todo o rigor os critérios da proporcionalidade e salvaguarda do núcleo essencial a liberdade de expressão ao nível do controle posterior 354 sem que tal restrição motivada por força de conflito com outros direitos fundamentais de alta densidade axiológica venha a configurar a hipótese de censura prévia esta sim categoricamente vedada Ainda no caso da limitação da liberdade de expressão por conta da salvaguarda de direitos das crianças e adolescentes verificase que o STF tem admitido restrições legais à liberdade de expressão como por exemplo a proibição de divulgação de nome ou fotografia de adolescente infrator mas no âmbito de uma ponderação pautada pela proporcionalidade coibindo portanto excessos na intervenção na liberdade de expressão 355 Noutro julgado que coloca em evidência o dissídio sobre o que constitui ou não censura prévia designadamente na Rcl 28747PR Relator Ministro Alexandre de Moraes redator para o Acórdão Ministro Luiz Fux julgamento em 05062018 a Primeira Turma do STF por maioria deu provimento a agravo regimental para julgar procedente a reclamação ajuizada fulminando decisão que em sede de medida cautelar determinou a retirada de matéria de blog jornalístico bem como proibiu novas publicações em virtude do fato de que tal notícia seria ofensiva à honra de delegado da Polícia Federal Além de o colegiado ter chancelado a possibilidade de se manejar o julgado da ADPF 130DF não recepção da assim chamada Lei de Imprensa pela CF como parâmetro para reclamações que versem sobre conflitos entre a liberdade de expressão e de informação e os direitos de personalidade no mérito reconheceu que a decisão reclamada ao determinar retirada de matéria jornalística afrontou a liberdade de expressão e constitui uma espécie de censura prévia Notese todavia que a decisão foi por maioria tendo sido vencidos os Ministros Alexandre de Moraes Relator e Marco Aurélio que negaram provimento ao agravo pelo fato de ser inadmissível a Reclamação por falta de estrita aderência entre a decisão impugnada e a ADPF 130 ademais de ter inexistido cerceamento da liberdade de expressão Ainda no que diz com a liberdade de informação jornalística é de destacar que o STF decidiu ser possível controle judicial que garanta o sigilo das comunicações telefônicas quando verificada ofensa à liberdade de comunicação alheia de modo que a liberdade de informação jornalística não legitima a utilização de informações sigilosas obtidas por meios ilícitos 356 3 A vedação do anonimato A vedação do anonimato foi prevista no texto constitucional associada ao direito à livre manifestação do pensamento art 5º IV da CF mas aplicase às liberdades de expressão em geral Do contrário como já decidiu o STF eventual responsabilização civil ou penal do autor de alguma manifestação ofensiva ou apócrifa poderia ficar inviabilizada 357 Que a vedação do anonimato não exclui o sigilo da fonte art 5º XIV da CF e com tal garantia igualmente fundamental da atividade dos jornalistas e agentes da comunicação social deve ser harmonizada resulta evidente mas nem sempre é de fácil realização na prática Muito embora as situações não sejam idênticas a hipótese da denúncia anônima como base para a investigação criminal e mesmo como prova em processo criminal tem sido corretamente associada à proibição do anonimato de tal sorte que o STF com base no art 5º IV da CF decidiu que escritos ou notícias sem identificação da fonte portanto de caráter anônimo não podem por si sós ou seja desacompanhados de outros elementos justificar a persecução criminal a não ser quando se trata de documentos produzidos pelo próprio acusado ou quando os documentos representarem eles próprios o corpo de delito 358 Por outro lado entendeu o STF que a denúncia anônima pode justificar medidas informais que por sua vez ao resultarem na coleta de outras informações podem atestar a verossimilhança do conteúdo da delação anônima 359 4 O direito de resposta proporcional ao agravo Ao mesmo tempo em que a Constituição Federal reconhece e protege a liberdade de expressão ela assegura art 5º V um direito de resposta proporcional ao agravo de tal sorte que manifestações que venham a afetar bens jurídicos e direitos fundamentais de terceiros geram para o prejudicado o direito de apresentar as suas razões De acordo com J J Gomes Canotilho e Vital Moreira o direito de resposta consiste no instrumento de defesa das pessoas contra qualquer opinião ou imputação de caráter pessoal ofensiva ou prejudicial ou contra qualquer notícia ou referência pessoal inverídica ou inexacta e é independente quer do possível direito à indemnização dos danos sofridos quer da eventual responsabilidade envolvida 360 Nessa perspectiva o direito de resposta constitui meio de assegurar o contraditório no processo público da comunicação e atua portanto também como garante da democracia 361 de tal sorte que o direito de resposta para além de sua dimensão individual possui também um forte componente transindividual operando neste contexto a serviço da dimensão objetiva da liberdade de expressão 362 Como frisa Jónatas Machado ainda que o direito de resposta restrinja a liberdade editorial dos agentes da comunicação social 363 ele encontra uma forte justificação no princípio liberal de que as lesões resultantes do discurso devem ser combatidas preferencialmente com mais discurso 364 A despeito de o STF na ADPF 130 ter decidido pela não recepção da Lei de Imprensa que regulamentava o direito de resposta o direito de resposta encontrase consagrado como direito fundamental na Constituição Federal cuidandose de norma de aplicação imediata de tal sorte que a falta de legislação específica que o regulamente não pode servir de obstáculo ao seu exercício ainda mais que se cuida de meio de exercer a liberdade de expressão entendimento aliás que já foi objeto de acolhida no próprio STF em decisão posterior ao julgamento da ADPF 130 365 De qualquer sorte como o direito de resposta foi objeto de previsão em tratado internacional ratificado pelo Brasil no caso o art 14 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos o assim chamado Pacto de São José da Costa Rica cuja hierarquia supralegal foi reconhecida pelo STF também as diretrizes constantes de tal diploma normativo desde que harmonizadas com o disposto no art 5º V da CF servem de parâmetro ao intérprete nacional sem prejuízo de utilização da legislação eleitoral que igualmente dispõe sobre o tema Lei 95041997 mas que também há de ser aplicada de modo compatível com o parâmetro estabelecido pela Constituição Federal e pela Convenção Americana de Direitos Humanos que lhe são hierarquicamente superiores No que diz com sua abrangência tanto a Constituição Federal quanto o Pacto de São José da Costa Rica indicam que o direito de resposta há de ser interpretado de forma ampla aplicandose a toda e qualquer ofensa e manifestação que tenha como efeito a distorção de fatos opiniões etc o que já se justifica pela própria amplitude atribuída à liberdade de expressão 366 Em qualquer caso o critério principal estabelecido pela Constituição Federal e que haveria de ser observado ainda que assim não fosse o caso é o da proporcionalidade do direito de resposta O fato de que o direito de resposta deva ser proporcional ao agravo não significa que o desagravo deva ser necessariamente veiculado na principal página ou programa do órgão de comunicação que divulgou a notícia original nem implica automaticamente a publicação na íntegra da sentença que reconheceu o direito de resposta Isso se verifica pelo fato de que a proporcionalidade não se estabelece apenas em relação ao agravo mas também deve ser aferida no plano das consequências do exercício do direito de resposta pois a depender do caso poderá tal direito gerar o tolhimento da liberdade de expressão se os encargos impostos pelo exercício da resposta forem também desproporcionais Importante é destacar que em qualquer hipótese o direito de resposta não poderá cobrir ilícitos de modo a converter o ofendido em ofensor Outro princípio que informa o regime jurídico do direito de resposta é o da imediaticidade pois para preservar a sua utilidade a divulgação da resposta deve ser realizada com a maior brevidade possível 367 o que considerando a evolução tecnológica e a utilização por exemplo da internet para o exercício da liberdade de expressão demanda uma capacidade de reação e adaptação dificilmente compatível com os limites de um processo judicial por mais ágil que este seja Explicitando o conteúdo e alcance do direito de resposta colacionase da jurisprudên cia recente do STF sobre a matéria a decisão proferida quando do julgamento conjunto das ADIs 5414DF 5418DF e 5436DF todas de relatoria do Ministro Dias Toffoli e julgadas em 11032021 a retratação ou retificação espontânea e proporcional não impede o exercício do direito de resposta nem prejudica a ação de reparação por ano moral Além disso a Corte decidiu que o efeito suspensivo do recurso em sede de direito de resposta pode ser estabelecido em decisão monocrática tornando inconstitucional o dispositivo do art 10 da Lei n 131882015 Quanto à sua titularidade também o direito de resposta tem como sujeito toda e qualquer pessoa física nacional ou estrangeira de modo a guardar a necessária simetria com a liberdade de expressão devendo ser também atribuído às pessoas jurídicas coletivas 368 5 O direito fundamental à indenização por danos materiais e imateriais causados com base no exercício da liberdade de expressão Em sentido amplo a previsão no art 5º V da CF juntamente com o direito de resposta de um direito à indenização por dano material moral ou à imagem opera como um limite à liberdade de expressão embora não impeça o seu exercício A fixação na esfera de demandas judiciais de valores altos a título de indenização poderá não apenas inibir a liberdade de expressão como mesmo levar em situaçõeslimite à sua inviabilidade de tal sorte que também nessa esfera há que respeitar os critérios da proporcionalidade e razoabilidade O direito à indenização neste contexto há de ser reconhecido com prudência sob pena de apesar de posterior à veiculação do discurso ofensivo se transformar em limitação ilegítima da liberdade de expressão o que aliás corresponde à orientação dominante no STF que condiciona a indenização aos critérios da proporcionalidade 369 Quanto aos seus titulares cuidase de direito cuja titularidade é universal direito de todos e de qualquer um sendo mesmo deferido às pessoas jurídicas quando violados sua imagem e bom nome comercial ou mesmo a sua honra objetiva tal como amplamente consagrado no ordenamento jurídico brasileiro No que diz com seus destinatários o direito fundamental e autônomo à indenização pelos abusos no exercício da liberdade de expressão é em geral oponível diretamente nas relações privadas inclusive por se tratar de direito consagrado em norma diretamente aplicável e que independe de regulamentação legal para a sua incidência nos casos concretos Nesse sentido o STF já havia reconhecido a não recepção da limitação estabelecida na Lei de Imprensa que também acabou sendo considerada como não recepcionada em face da Constituição Federal pelo STF em julgamento posterior na ADPF 130 já referida quanto ao montante da indenização por dano moral 370 Por outro lado o STF tem adotado postura cautelosa no que diz com o reconhecimento de um direito a indenização valorizando a doutrina da posição preferencial da liberdade de expressão mormente no caso da liberdade de informação nos meios de comunicação social 371 Importa destacar dada a relevância do tópico na esteira do que sustenta Daniel Sarmento que a responsabilidade pelo exercício da liberdade de expressão ainda mais no âmbito da liberdade de comunicação e de informação jornalística há de ser uma responsabilidade subjetiva focada na análise sobre a existência de dolo ou culpa na ação do agente causador do dano o que por sua vez implica a consideração de diversos fatores tais como a posição da vítima por exemplo se é ou não uma personalidade pública hipótese em que só ensejará responsabilidade a culpa grave a intenção e a diligência empregadas por quem apurou os fatos quando o caso envolver a divulgação de notícias inverídicas a existência de algum interesse social na questão quando a hipótese resvalar no direito de privacidade bem como a intensidade da lesão aos direitos fundamentais do ofendido 372 6 Limitações não expressamente autorizadas pela Constituição Federal a liberdade de expressão e a proteção de direitos e bens jurídicos fundamentais conflitantes Que também a liberdade de expressão incluindo a liberdade de informação e de imprensa comunicação social não é absoluta e encontra limites no exercício de outros direitos fundamentais e salvaguarda mesmo na dimensão objetiva por via dos deveres de proteção estatal de outros bens jurídicoconstitucionais praticamente não é contestada no plano do direito constitucional contemporâneo e mesmo no âmbito do direito internacional dos direitos humanos Contudo a controvérsia a respeito de quais são tais limites e de como e em que medida se pode intervir na liberdade de expressão segue intensa e representa um dos maiores desafios especialmente para o legislador mas também para os órgãos do Poder Judiciário a quem compete no caso concreto e mesmo na esfera do controle abstrato de constitucionalidade e da legalidade decidir a respeito Embora expressamente vedada a censura de cunho ideológico político e artístico o que em hipótese alguma aqui se coloca em causa a própria definição do que é censura para efeitos da vedação constitucional já levanta problemas que não são fáceis de equacionar Mesmo que se adote uma noção ampliada de censura não há como deixar de admitir que a censura por mais que constitua uma forte e proibida intervenção na liberdade de expressão não equivale em termos gerais à noção de limites e restrições Controle do abuso da liberdade de expressão e censura são portanto noções que devem ser cuidadosamente diferenciadas De acordo com precisa e oportuna síntese de Daniel Sarmento muito embora a posição adotada pelo Min Carlos Ayres de Britto no julgamento da ADPF 130 quando sustentou que nenhum limite legal poderia ser instituído em relação à liberdade de expressão pois as limitações existentes seriam apenas aquelas já contempladas no texto constitucional cabendo tão somente ao Poder Judiciário fazer as ponderações pertinentes em caso de tensões com outros direitos o Min Gilmar Ferreira Mendes no voto condutor que proferiu no RE 511961SP observou que as restrições à liberdade de expressão em sede legal são admissíveis desde que visem a promover outros valores e interesses constitucionais também relevantes e respeitem o princípio da proporcionalidade 373 Com efeito ainda que excepcionais restrições legislativas não expressamente autorizadas mas que podem ser reconduzidas à Constituição Federal pelo fato de terem por fundamento a proteção de outros bens constitucionais relevantes não podem pelo menos não de plano ser afastadas sob o argumento de que são sempre constitucionalmente ilegítimas O mesmo se verifica e a prática nacional estrangeira e internacional o tem demonstrado no caso de restrições impostas por decisões judiciais que normalmente na solução de conflitos em concreto buscam promover a concordância prática harmonização entre os direitos e princípios conflitantes aplicandose sempre a noção dos limites aos limites dos direitos fundamentais e os critérios daí decorrentes para o que contudo se remete ao item próprio da parte geral dos direitos fundamentais De particular relevância no contexto da liberdade de expressão é a prática do assim chamado discurso do ódio ou de incitação ao ódio hate speech 374 Sem que aqui se possa adentrar nos detalhes da problemática e rastrear as diversas formas de enfrentamento doutrinário e jurisprudencial do tema no direito comparado e internacional corresponde ao entendimento dominante no Brasil e em geral no direito comparado que a liberdade de expressão encontra limites na dignidade da pessoa humana de todas as pessoas e grupos afetados quando utilizada para veicular mensagens de teor discriminatório e destinadas a incitar o ódio e até mesmo a violência No âmbito do STF o julgamento mais relevante e que gerou acirrada discussão no próprio tribunal foi o famoso caso Ellwanger no qual se avaliou a possibilidade mesmo em face da liberdade de expressão de condenar editor de obras de teor antissemita pela prática do crime de racismo 375 O paciente do habeas corpus julgado pelo STF alegava entre outros argumentos que eventual antissemitismo não poderia ser qualificado como racismo pois de raça não se trata no caso do povo e da religião judaicas De acordo com o entendimento prevalente a condenação criminal imposta ao paciente do habeas corpus impetrado perante o STF teria sido legítima O voto do relator Min Maurício Corrêa entre outros aspectos buscou desconstruir a noção convencional de raça humana propondo a adoção de um conceito mais amplo de matriz sociológica etnológica antropológica e cultural Para o Min Gilmar Mendes cuidase de uma hipótese de colisão entre direitos e princípios tendo sido atendidos os critérios da proporcionalidade De acordo com outra linha argumentativa a liberdade de expressão não abarca manifestações que configuram ato ilícito penal não sendo o caso de uma ponderação entre princípios conflitantes Min Celso de Mello Divergindo da posição majoritária destacamse os votos do Min Carlos Britto para quem a obra a despeito de defender a causa da Alemanha não pregou a superioridade racial alemã nem a inferioridade do povo judeu e do Min Marco Aurélio para quem a liberdade de expressão não protegeria manifestações agressivas e que pudessem incitar ao ódio e preconceito o que não se verificava no caso das obras editadas pelo paciente de modo a prevalecer a liberdade de expressão sendo pelo contrário desproporcional a condenação criminal Em julgado mais recente embora também e mesmo essencialmente vinculado ao âmbito de proteção das liberdades de reunião e manifestação o STF no caso conhecido como a marcha da maconha 376 ao apreciar a configuração de ilícito penal em virtude de a liberdade de expressão coletiva mediante reunião e manifestação ter sido utilizada para buscar mediante sensibilização da opinião pública a descriminalização do uso de drogas leves para consumo próprio afastou a figura típica da apologia de crime por considerar tal manifestação como coberta pelas liberdades de expressão reunião e manifestação não se podendo confundir como decorre da fundamentação da decisão manifestação pública em prol da descriminalização de determinado comportamento com a incitação à prática de tal ato que por sua vez poderia sim configurar uma hipótese de discurso do ódio ou incitação ao crime não coberta pela liberdade de expressão De qualquer sorte ainda que se possa controverter como dá conta produção bibliográfica que se produziu sobre o julgado a respeito dos acertos e dos equívocos da decisão no caso concreto 377 o fato é que o julgado do STF aponta e quanto a isso de modo correto no sentido da ilegitimidade constitucional do discurso do ódio e da incitação à violência preconceito e discriminação considerando que a liberdade de expressão não contempla manifestações de conteúdo imoral que implicam ilicitude penal 378 desde que é claro devidamente configuradas Como bem pontua Paulo Gustavo Gonet Branco em passagem que tomamos a liberdade de transcrever contra o discurso de ódio e também contra a ideia de que a pornografia possa estar incluída no âmbito normativo da liberdade de expressão há de se considerar ainda mais o efeito inibidor dessas práticas à plena participação dos grupos discriminados em diversas atividades da sociedade civil A contumaz desqualificação que o discurso de ódio provoca tende a reduzir a autoridade dessas vítimas nas discussões de que participam ferindo a finalidade democrática que inspira a liberdade de expressão 379 Se quanto ao discurso do ódio e a manifestações de cunho claramente antidiscriminatório se verifica ressalvada evidentemente controvérsia sobre quando configuradas tais manifestações substancial consenso no sentido de admitir restrições mais fortes na liberdade de expressão outras hipóteses em que a liberdade de expressão entra em conflito com direitos fundamentais de terceiros e outros bens constitucionais individuais e coletivos são de mais difícil equacionamento Dentre as situações mais corriqueiras e que já geraram farta jurisprudência no Brasil e no exterior incluindo a atuação dos Tribunais Internacionais está a proibição de manifestações publicações filmes etc de cunho pornográfico e de manifestações culturais e artísticas consideradas ofensivas à moral aos bons costumes e mesmo à dignidade da pessoa humana e direitos de personalidade de terceiros Ao passo que cláusulas gerais como a moral e os bons costumes se revelam como extremamente perigosas para justificar restrições à liberdade de expressão salvo eventualmente no campo das indicações das faixas etárias a título de recomendação aos pais de crianças e adolescentes em geral não se coloca em questão o fato de que a dignidade da pessoa humana como princípio e direito fundamental bem como a afetação desproporcional de direitos fundamentais de terceiros especialmente quando se trata de direitos de personalidade hão de ser sempre consideradas na esfera de uma ponderação à luz das circunstâncias do caso Ainda assim o risco por conta da abertura e polissemia da noção de dignidade da pessoa humana de nela serem embutidas valorações de ordem moral religiosa e ideológica nem sempre compartilhadas no âmbito do corpo social por exemplo quando se trata de distinguir o lixo cultural da verdadeira e saudável cultura não é insignificante pois pelo contrário não raro se percebe na prática jurisprudencial e mesmo na doutrina uma hipertrofia da dignidade 380 Assim em homenagem à liberdade de expressão ela própria uma das mais elementares manifestações da dignidade da pessoa humana e da democracia na condição de pressuposto e ao mesmo tempo de garantia política estrutural e procedimental da dignidade e dos direitos fundamentais também nessa seara como já indicado ha verá de se respeitar a posição preferencial embora não absoluta da liberdade de expressão Avaliandose neste contexto a jurisprudência do STF verificase que este em geral tem sido adequadamente deferente à liberdade de expressão admitindo intervenções em situações excepcionais e em regra constitucionalmente justificadas o que não significa que não se possa questionar o acerto de alguns julgados ou avaliar criticamente os fundamentos das decisões Com efeito apenas para referir alguns exemplos têm sido aceitas manifestações eventualmente impopulares e que podem mesmo ofender o senso comum na esfera da opinião pública como se deu no caso da marcha da maconha 381 assim como admitidas manifestações de cunho humorístico e crítico charges publicidade literatura em geral 382 Até mesmo manifestações que em outro contexto vg na via pública em meio a crianças poderiam ser tidas como ilícitas por seu tom obsceno eou pornográfico devem ser abarcadas pela liberdade de expressão ainda que na perspectiva dominante pudessem ser no mínimo rotuladas como impróprias ou de mau gosto 383 Diferente contudo é o caso em que a liberdade de expressão é utilizada com o objetivo de atacar e até mesmo derrubar as estruturas do Estado Democrático de Direito conforme decidiu o STF ao julgar improcedente a ADPF 572 que tinha por objeto a Portaria n 692019 da Presidência do STF que havia determinado a instauração de inquérito INQ 4781 para investigar a existência de notícias fraudulentas fake news denunciações caluniosas e ameaças contra a Corte seus ministros e familiares Vale destacar o voto do Ministro Celso de Mello segundo o qual não haveria sentido em retirar do Tribunal os instrumentam que viabilizam de forma efetiva proteger a ordem democrática o Estado Democrático de Direito e a própria instituição Ainda segundo o Ministro a incitação ao ódio público e a propagação de ofensas e ameaças não estão abrangidas pela cláusula constitucional que protege a liberdade de expressão e do pensamento 384 Situações particularmente relevantes e que envolvem corriqueiro embate entre a liberdade de expressão e outros direitos fundamentais dizem com os direitos à honra imagem intimidade e vida privada 385 No que dizem com os direitos à honra e à imagem incluindo a reputação direitos personalíssimos cuja violação inclusive configura ilícito penal distinguemse de plano os casos que envolvem personalidades públicas como o de artistas famosos políticos e outras pessoas cuja atividade e modo de se portar na esfera pública v os casos de pessoas que se expõem inclusive quanto a aspectos de sua vida íntima reiterada e voluntariamente nos meios de comunicação diferem das demais pessoas de modo a serem assegurados também níveis diferenciados de proteção da personalidade a depender do caso concreto de quem é atingido pelo exercício da liberdade de expressão e de como é atingido 386 Por isso onde houver maior interesse legítimo da opinião pública sobre informações a respeito das ações e da vida privada de alguém ou mesmo como já frisado o próprio titular dos direitos de personalidade tenha já voluntariamente exposto sua vida privada justificase uma menor proteção mas não supressão da honra da imagem e da vida ín tima e privada e um maior espaço para a liberdade de informação e expressão 387 Questão altamente polêmica como de resto costuma ser o caso em matéria de limites à liberdade de expressão relacionase com a proibição da divulgação de dados sobre o conteúdo de processo judicial envolvendo políticos ou personalidades públicas Quanto a isso em que pesem as afirmações contundentes em prol do caráter absolutamente prevalente da liberdade de expressão por ocasião do julgamento da ADPF 130 pelo menos no que diz com a maioria dos ministros o STF acabou admitindo que no plano da atuação jurisdicional fosse a depender do caso proibida a divulgação de dados constantes em processo judicial prejudiciais à honra e imagem das partes do processo 388 Ainda nesse contexto calha invocar julgado do STF no âmbito do qual foi destacada a relevância para o efeito de uma solução constitucionalmente adequada do conflito de qual a posição de quem está exercendo a liberdade de expressão bem como sob que circunstâncias poderá prevalecer a liberdade de expressão do agente político em defesa da coisa pública ainda que afetando o direito à honra de terceiros Nesse sentido a Corte Suprema no âmbito do RE 685493SP de acordo com o relator Min Marco Aurélio entendeu que a Constituição Federal permite reconhecer aos servidores públicos ao se pronunciarem sobre fatos relacionados ao exercício da função pública um campo de imunidade relativa relativamente ao exercício da liberdade de expressão 389 Evolução mais recente na jurisprudência do STF diz respeito ao tema da liberdade de expressão artística designadamente em relação à veiculação de sátiras manifestações de humor no período da propaganda eleitoral Com efeito em 2021062018 mediante decisão proferida por unanimidade pelo plenário do STF por ocasião do julgamento da ADIn 4451DF rel Min Alexandre de Moraes foi afastada por inconstitucional a vedação legal imposta às emissoras de rádio e televisão de veicular programas de humor envolvendo candidatos partidos e coligações nos três meses anteriores ao pleito como forma de evitar que sejam ridicularizados ou satirizados A teor do voto do Ministro Alexandre de Moraes relator a CF proíbe toda e qualquer forma de censura à liberdade de expressão e de informação incluindo aqui a liberdade de criação liberdade artística destacando ainda inexistir permissão que possa ser deduzida do texto constitucional para o efeito de limitar preventivamente o conteúdo do debate público por conta de conjecturas em torno de eventuais efeitos que a divulgação de determinados conteúdos possa vir a ter na esfera pública Ainda para o relator a liberdade de crítica deve ser plena e irrestrita abarcando também manifestações de caráter humorístico e satírico inclusive mediante a utilização de trucagem montagem ou outros recursos de áudio e vídeo não havendo razão para que tais práticas sejam interrompidas no período eleitoral até mesmo pelo fato de que eventuais abusos serão sempre passíveis de eventual responsabilização cível ou mesmo criminal por terem cunho injurioso difamatório ou mesmo configurarem calúnia Particularmente enfáticas foram as palavras do Ministro Celso de Mello que no seu voto este já disponibilizado afirmou que Nenhuma autoridade mesmo a autoridade judiciária pode prescrever o que será ortodoxo em política ou em outras questões que envolvam temas de natureza filosófica ideológica ou confessional nem estabelecer padrões de conduta cuja observância implique restrição aos meios de divulgação do pensamento Para o Decano do STF O riso por isso mesmo deve ser levado a sério pois constitui entre as várias funções que desempenha o papel de poderoso instrumento de reação popular e de resistência social a práticas que caracterizam ensaios de dominação governamental de opressão do poder político de abuso de direito ou de desrespeito aos direitos dos cidadãos O recurso à derrisão no âmbito políticoeleitoral constitui na perspectiva de uma dialética do humor verdadeira antítese ao que é grotesco ao que é desonesto ao que é fraudulento ao que é abusivo ao que é enganador Em uma palavra o riso e o humor são expressões de estímulo à prática consciente da cidadania e ao livre exercício da participação política enquanto configuram eles próprios manifestações de criação artística O riso e o humor por isso mesmo são transformadores são renovadores são saudavelmente subversivos são esclarecedores são reveladores É por isso que são temidos pelos detentores do poder ou por aqueles que buscam ascender por meios desonestos na hierarquia governamental Importa ainda acrescentar que o Ministro Gilmar Mendes aderindo ao voto do relator destacou que é no caso concreto que os juízes eleitorais devem aferir a ocorrência de abusos passíveis de sanção posto que não se estaria a permitir uma espécie de vale tudo o que ao fim e ao cabo guarda sintonia com a posição do relator quando sublinha a possibilidade de uma responsabilização por eventuais abusos Da mesma forma há que frisar a distinção traçada pelo Ministro Luiz Fux entre o exercício legítimo da liberdade de expressão que abarca a veiculação de opiniões e críticas mediante charges e sátiras do falseamento doloso da verdade que causa danos graves e mesmo irreversíveis aos candidatos e ao próprio processo eleitoral as assim designadas fake news que devem ser repudiadas e combatidas pela Justiça Eleitoral Muito embora seja de se aplaudir a decisão à medida que libera manifestações de humor e ao menos de acordo com alguns votos proscreve as assim chamadas fake news há que atentar para alguns aspectos que carecem de maior equacionamento Um dos problemas nesse contexto é traçar de modo relativamente seguro uma linha distintiva entre a sátira eou charge legítima e a abusiva e que portanto venha a configurar uma típica calúnia injúria ou difamação Particularmente difícil se revela a situação em que embora se possa compreender interpretar determinada sátira como tendo caráter ofensivo ela simultaneamente veicula crítica legítima e portanto protegida do ponto de vista da liberdade de expressão Muito embora a distinção entre uma manifestação artística que tenha um teor crítico legítimo e uma que não passe de uma mera ofensa seja muito difícil de ser traçada soa intuitivo que em sendo evidente o teor ofensivo é possível em princípio acionar os mecanismos de responsabilização previstos na própria CF e na legislação infraconstitucional Por outro lado precisamente a dificuldade de se distinguir o que pode ser considerado uma mera ofensa pessoal e não mais uma crítica reforça a necessidade de se receber com muita reserva tal critério que deve ser utilizado com extrema parcimônia não desvirtuando o mandamento constitucional de que restrições a direitos fundamentais devem ser interpretadas de forma restritiva ademais de seu caráter excepcional o que assume ainda maior relevância quando se trata de crítica de natureza política porquanto em causa diretamente a salvaguarda do processo democrático Mais apropriada do que a distinção entre uma crítica e uma mera ofensa para efeitos do processo políticoeleitoral nos parece que é de fato a já referida diferenciação entre sátiras e manifestações de humor de um modo geral e distorções evidentes e dolosas da realidade as assim chamadas fake news com potencial efetivo de violação da isonomia no embate eleitoral o critério que deve prevalecer ainda que também aqui isso apenas possa ser verificado caso a caso e sempre de modo deferente para com a posição tendencialmente preferencial da liberdade de expressão À vista de mais este julgado o que se pode afirmar em caráter de síntese e retomando a perspectiva adotada já na parte inicial deste item é que doutrina e jurisprudência notadamente o STF embora adotem a tese da posição preferencial da liberdade de expressão admitem não se tratar de direito absolutamente infenso a limites e res trições desde que eventual restrição tenha caráter excepcional seja promovida por lei eou decisão judicial visto que vedada toda e qualquer censura administrativa e tenha por fundamento a salvaguarda da dignidade da pessoa humana que aqui opera simultaneamente como limite e limite aos limites de direitos fundamentais e de direitos e bens jurídicoconstitucionais individuais e coletivos fundamentais observados os critérios da proporcionalidade e da preservação do núcleo essencial dos direitos em conflito 390 Isso também se verifica em relação ao julgamento do STF na ADIn 4815 junho de 2015 rel Min Cármen Lúcia em que se deu interpretação conforme à constituição aos arts 20 e 21 do Código Civil para o efeito de afastar a exigência de autorização prévia para biografias de pessoas com vida ressalvandose contudo eventuais conflitos com outros direitos fundamentais que poderiam em caso de uso abusivo da liberdade de expressão ensejar reparação na esfera cível ou penal a depender das circunstâncias 391 Ainda sobre a liberdade de expressão artística temse como válido mencionar a tu te la de urgência deferida pelo então Presidente do STF Min Dias Toffoli na Rcl 38782RJ que suspendeu a decisão de Desembargador do TJRJ que havia determinado a censura da exibição do especial de Natal do programa Porta dos Fundos na plataforma de streaming Netflix Na ocasião o Presidente da Suprema Corte brasileira referiu ser a liberdade de expressão uma condição inerente à racionalidade humana como direito fundamental do indivíduo e corolário do regime democrático Além disso salientouse que a democracia somente se firma e progride em ambiente no qual diferentes convicções e visões de mundo possam ser expostas defendidas e confrontadas umas com as outras no âmbito de um debate rico plural e resolutivo 392 Tal decisão foi mantida por ocasião do julgamento do mérito da Reclamação em 03112020 tendo como relator o Ministro Gilmar Mendes agregandose aqui o argumento esgrimido pela Corte no sentido da prevalência da liberdade de expressão quando se trata da circulação de produto audiovisual em plataforma de streaming que desagrade parcela da população ou mesmo seja tida majoritariamente inconveniente uma vez que o acesso ao conteúdo é voluntário e controlado pelo próprio usuário Aspecto que assume cada vez maior relevância já evidenciado por alguns dos julgados do STF acima referidos é o da regulação dos abusos discursivos no contexto da assim chamada era digital inclusive no que diz respeito às possibilidades e limites do controle judicial destacandose aqui dentre outros os desafios relativos à disseminação do discurso do ódio e das assim chamadas fake news em especial na esfera das plataformas sociais online393 Ao fim e ao cabo o que se pode afirmar à vista da evolução jurisprudencial e doutrinária nos últimos dez anos em especial é que no tocante aos limites da liberdade de expressão dada a sua posição preferencial ainda que mitigada caso comparada com o modelo norteamericano na arquitetura constitucional em qualquer caso existindo dúvida a respeito da legitimidade constitucional da restrição é de se privilegiar a liberdade de expressão 4123 Liberdade de consciência e de crença liberdade religiosa 41231 Notas introdutórias e breve mirada sobre a evolução no âmbito do direito internacional direito constitucional estrangeiro e evolução constitucional brasileira As liberdades de consciência de crença e de culto as duas últimas usualmente abrangidas pela expressão genérica liberdade religiosa constituem uma das mais antigas e fortes reivindicações do indivíduo e levando em conta o seu caráter sensível e mesmo a sua exploração política sem falar nas perseguições e mesmo atrocidades cometidas em nome da religião e por conta da intolerância religiosa ao longo dos tempos a liberdade religiosa foi uma das primeiras liberdades asseguradas nas declarações de direitos e a alcançar a condição de direito humano e fundamental consagrado na esfera do direito internacional dos direitos humanos e nos catálogos constitucionais de direitos Não é à toa que um autor do porte de um Georg Jellinek em famoso estudo sobre a origem da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão 1789 chegou a sustentar que a liberdade religiosa especialmente tal como reconhecida nas declarações de direitos das excolônias inglesas na América do Norte foi a primeira expressão da ideia de um direito universal e fundamental da pessoa humana 394 Independentemente de a posição de Jellinek estar ou não correta em toda a sua extensão o fato é que a proteção das opiniões e cultos de expressão religiosa que guarda direta relação com a espiritualidade e o modo de conduzir a vida dos indivíduos e mesmo de comunidades inteiras sempre esteve na pauta preferencial das agendas nacionais e supranacionais em matéria de direitos humanos e fundamentais Todavia o modo pelo qual a liberdade de consciência e a liberdade religiosa foram reconhecidas e protegidas nos documentos internacionais e nas constituições ao longo do tempo é bastante variável especialmente no que diz com o conteúdo e os limites de tais liberdades Bastaria para tanto elencar alguns exemplos que dizem respeito aos documentos supranacionais De acordo com a Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948 no seu art XVIII toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento consciência e religião este direito implica a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença pelo ensino pela prática pelo culto e pela observância isolada ou coletivamente em público ou em particular O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos de 1966 por sua vez embora tenha reproduzido em termos gerais o texto da Declaração de 1948 foi mais além como dá conta a redação do art 18 1 Toda pessoa terá direito à liberdade de pensamento de consciência e de religião Esse direito implicará a liberdade de ter ou adotar uma religião ou crença de sua escolha e a liberdade de professar sua religião ou crença individual ou coletivamente tanto pública como privadamente por meio do culto da celebração de ritos de práticas e do ensino 2 Ninguém poderá ser submetido a medidas coercitivas que possam restringir sua liberdade de ter ou de adotar uma religião ou crença de sua escolha 3 A liberdade de manifestar a própria religião ou crença estará sujeita apenas às limitações previstas em lei e que se façam necessárias para proteger a segurança a ordem a saúde ou a moral pública ou os direitos e as liberdades das demais pessoas 4 Os Estadospartes no presente Pacto comprometemse a respeitar a liberdade dos pais e quando for o caso dos tutores legais de assegurar aos filhos a educação religiosa e moral que esteja de acordo com suas próprias convicções A fórmula nos seus traços essenciais foi retomada no plano regional pela Convenção Americana de Direitos Humanos Pacto de São José da Costa Rica de 1969 cujo art 12 dispõe 1 Toda pessoa tem direito à liberdade de consciência e de religião Esse direito implica a liberdade de conservar sua religião ou suas crenças ou de mudar de religião ou de crenças bem como a liberdade de professar e divulgar sua religião ou suas crenças individual ou coletivamente tanto em público como em privado 2 Ninguém pode ser submetido a medidas restritivas que possam limitar sua liberdade de conservar sua religião ou suas crenças ou de mudar de religião ou de crenças 3 A liberdade de manifestar a própria religião e as próprias crenças está sujeita apenas às limitações previstas em lei e que se façam necessárias para proteger a segurança a ordem a saúde ou a moral pública ou os direitos e as liberdades das demais pessoas 4 Os pais e quando for o caso os tutores têm direito a que seus filhos e pupilos recebam a educação religiosa e moral que esteja de acordo com suas próprias convicções Traçando uma rápida comparação com outro documento de abrangência regional mais antigo no caso a Convenção Europeia de Direitos Humanos de 1950 verificase que esta não foi tão detalhada quanto o documento americano que já é posterior ao Pacto Internacional de 1966 portanto já tomou este como parâmetro Com efeito de acordo com o art 9º da Convenção Europeia 1 Qualquer pessoa tem direito à liberdade de pensamento de consciência e de religião este direito implica a liberdade de mudar de religião ou de crença assim como a liberdade de manifestar a sua religião ou a sua crença individual ou coletivamente em público e em privado por meio do culto do ensino de práticas e da celebração de ritos 2 A liberdade de manifestar a sua religião ou convicções individual ou coletivamente não pode ser objeto de outras restrições senão as que previstas na lei constituírem disposições necessárias numa sociedade democrática à segurança pública à proteção da ordem da saúde e moral públicas ou à proteção dos direitos e liberdades de outrem Bem mais sintética é a Carta Africana de Direitos Humanos e dos Povos de 1981 em matéria de liberdade religiosa visto que a teor do art 8º a liberdade de consciência a profissão e a prática livre da religião são garantidas Sob reserva da ordem pública ninguém pode ser objeto de medidas de constrangimento que visem restringir a manifestação dessas liberdades Por derradeiro merece registro a Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia de 2000 cujo art 10 dispõe 1 Todas as pessoas têm direito à liberdade de pensamento de consciência e de religião Este direito implica a liberdade de mudar de religião ou de convicção bem como a liberdade de manifestar a sua religião ou a sua convicção individual ou coletivamente em público ou em privado por meio do culto do ensino de práticas e da celebração de ritos 2 O direito à objeção de consciência é reconhecido pelas legislações nacionais que regem o respectivo exercício Importa no âmbito do sistema internacional referir que a liberdade religiosa foi objeto de proteção por meio de um documento específico designadamente da Declaração da ONU sobre a eliminação de todas as formas de intolerância e discriminação baseadas na religião ou na convicção proclamada pela Assembleia Geral em 1981 mediante a Res 3655 Embora os fortes elementos em comum também na esfera dos textos constitucionais se registram significativas diferenças quanto ao modo de positivação da liberdade religiosa A Constituição dos Estados Unidos da América Primeira Emenda 1791 é a mais antiga em vigor limitandose a afirmar que o Congresso não pode editar lei dispondo sobre estabelecimentos religiosos e proibindo o livre exercício da liberdade religiosa Congress shall make no law respecting an establishment of religion or prohibiting the free exercise thereof Já na Constituição Política dos Estados Unidos Mexicanos de 1917 art 24 consta que todo hombre es libre para profesar la creencia religiosa que más le agrade y para practicar las ceremonias devociones o actos del culto respectivo siempre que no constituyan un delito o falta penados por la ley El Congreso no puede dictar leyes que establezcan o prohiban religión alguna Los actos religiosos de culto público se celebrarán ordinariamente en los templos Los que extraordinariamente se celebren fuera de éstos se sujetarán a la ley reglamentaria Dentre as constituições do Segundo PósGuerra que já se situam num contexto marcado por uma exigência maior de tolerância e respeito às diferenças destacase a Lei Fundamental da República Federal da Alemanha de 1949 cujo art 4º dispõe em síntese que a liberdade de crença de consciência e a liberdade de convicção religiosa são invioláveis sendo assegurado o exercício da religião livre de perturbações além da garantia de que ninguém pode ser obrigado a prestar serviço militar armado contra a sua consciência Pela proximidade com a ordem constitucional brasileira convém referir o exemplo da Constituição da República Portuguesa de 1976 cujo art 41º assim dispõe 1 A liberdade de consciência de religião e de culto é inviolável 2 Ninguém pode ser perseguido privado de direitos ou isento de obrigações ou deveres cívicos por causa das suas convicções ou prática religiosa 3 Ninguém pode ser perguntado por qualquer autoridade acerca das suas convicções ou prática religiosa salvo para recolha de dados estatísticos não individualmente identificáveis nem ser prejudicado por se recusar a responder A Constituição espanhola de 1978 ao contrário da Carta Constitucional Portuguesa já não afirma o caráter inviolável da liberdade religiosa embora garanta o direito como fundamental a teor do disposto no art 16 1º e 2º Se garantiza la libertad ideológica religiosa y de culto de los individuos y las comunidades sin más limitación en sus manifestaciones que la necesaria para el mantenimiento del orden público protegido por la Ley 2 Nadie podrá ser obligado a declarar sobre su ideología religión o creencias Tal quadro meramente ilustrativo apenas revela que são várias as diferenças a serem consideradas e que cabe ao labor da legislação infraconstitucional e em grande medida ao papel exercido pelos juízes e tribunais a tarefa de determinar o efetivo e sempre atual conteúdo e alcance da liberdade religiosa e de consciência com significativa margem de liberdade em cada região ou ordem estatal individualmente considerada o que também se verifica no caso brasileiro onde a liberdade religiosa também foi objeto de regulação constitucional bastante distinta quanto a alguns aspectos Com efeito no âmbito da evolução constitucional brasileira pretérita a liberdade religiosa se faz presente desde a Carta Imperial de 1824 mais precisamente no art 179 V de acordo com o qual ninguem póde ser perseguido por motivo de Religião uma vez que respeite a do Estado e não offenda a Moral Publica não tendo sido feita referência expressa à liberdade de consciência ou mesmo à objeção de consciência A Constituição de 1891 art 72 3º dispunha que todos os indivíduos e confissões religiosas podem exercer pública e livremente o seu culto associandose para esse fim e adquirindo bens observadas as disposições do direito comum contendo todavia uma série de outros dispositivos que versavam sobre o reconhecimento apenas do casamento civil art 72 4º o caráter secular dos cemitérios e a garantia do acesso para os cultos de todas as ordens religiosas art 72 5º a proibição de subvenções oficiais públicas para igrejas ou cultos art 72 7º Embora a Constituição de 1891 não tenha feito uso da expressão liberdade de consciência ou objeção de consciência ela previa que nenhum cidadão poderia ser privado de seus direitos civis e políticos nem se eximir do cumprimento de qualquer dever cívico por motivo de crença ou função religiosa art 72 28 além de impor a perda dos direitos políticos por parte daqueles que alegassem motivos de crença religiosa para se eximir do cumprimento de obrigação imposta pelas leis da República art 72 29 A Constituição de 1934 manteve a previsão do caráter secular dos cemitérios agregando todavia que as associações religiosas poderiam manter cemitérios particulares sujeitos a controle pelo Poder Público art 113 n 7 Quanto ao direito à liberdade religiosa este foi enunciado no art 113 n 5 onde consta que é inviolável a liberdade de consciência e de crença e garantido o livre exercício dos cultos religiosos desde que não contravenham à ordem pública e aos bons costumes As associações religiosas adquirem personalidade jurídica nos termos da lei civil de modo que pela primeira vez foi feita referência à liberdade de consciência Já de acordo com o art 122 n 4 da Constituição de 1937 todos os indivíduos e confissões religiosas podem exercer pública e livremente o seu culto associandose para esse fim e adquirindo bens observadas as disposições do direito comum as exigências da ordem pública e dos bons costumes novamente não havendo menção expressa à liberdade de consciência Esta voltou a ser contemplada na Constituição de 1946 no art 141 7º que dispunha ser inviolável a liberdade de consciência e de crença e assegurado o livre exercício dos cultos religiosos salvo o dos que contrariem a ordem pública ou os bons costumes As associações religiosas adquirirão personalidade jurídica na forma da lei civil fórmula que em termos gerais foi retomada na Constituição de 1967 cujo art 150 5º dispunha que é plena a liberdade de consciência e fica assegurado aos crentes o exercício dos cultos religiosos que não contrariem a ordem pública e os bons costumes texto mantido na íntegra na EC 11969 art 153 5º 41232 A liberdade religiosa e a liberdade de consciência na Constituição Federal de 1988 a Aspectos textuais A liberdade religiosa e a liberdade de consciência foram contempladas em três dispositivos no âmbito do título Dos direitos e garantias fundamentais Art 5º VI É inviolável a liberdade de consciência e de crença sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida na forma da lei a proteção aos locais de culto e a suas liturgias Art 5º VII É assegurada nos termos da lei a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva Art 5º VIII Ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política salvo se as invocar para eximirse de obrigação legal a todos imposta e recusar se a cumprir prestação alternativa fixada em lei Dentre os dispositivos constitucionais diretamente relacionados assumem destaque os seguintes Art 19 É vedado à União aos Estados ao Distrito Federal e aos Municípios I estabelecer cultos religiosos ou igrejas subvencionálos embaraçarlhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança ressalvada na forma da lei a colaboração de interesse público Art 143 O serviço militar é obrigatório nos termos da lei 1º Às Forças Armadas compete na forma da lei atribuir serviço alternativo aos que em tempo de paz após alistados alegarem imperativo de consciência entendendose como tal o decorrente de crença religiosa e de convicção filosófica ou política para se eximirem de atividades de caráter essencialmente militar Art 15 É vedada a cassação de direitos políticos cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de IV recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa nos termos do art 5º VIII Art 210 Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental de maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos nacionais e regionais 1º O ensino religioso de matrícula facultativa constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental Art 226 A família base da sociedade tem especial proteção do Estado 2º O casamento religioso tem efeito civil nos termos da lei b Notas a respeito da distinção entre liberdade de consciência e liberdade religiosa Embora a liberdade de consciência tenha forte vínculo com a liberdade religiosa ambas não se confundem e apresentam dimensões autônomas A liberdade de consciência assume de plano uma dimensão mais ampla considerando que as hipóteses de objeção de consciência apenas para ilustrar com um exemplo abarcam hipóteses que não têm relação direta com opções religiosas de crença e de culto 395 Bastaria aqui citar o exemplo daqueles que se recusam a prestar serviço militar em virtude de sua convicção não necessariamente fundada em razões religiosas de participar de conflitos armados e eventualmente vir a matar alguém Outro caso aliás relativamente frequente diz com a recusa de médicos a praticarem a interrupção da gravidez e determinados procedimentos igualmente nem sempre por força de motivação religiosa Assim amparados na lição de Konrad Hesse é possível afirmar que a liberdade de crença e de confissão religiosa e ideológica aparece como uma manifestação particular do direito fundamental mais geral da liberdade de consciência que por sua vez não se restringe à liberdade de formação da consciência o foro interno mas abarca a liberdade de atuação da consciência protegendo de tal sorte para efeitos externos a decisão fundada na consciência inclusive quando não motivada religiosa ou ideologicamente 396 Ainda de acordo com Konrad Hesse é nisso que se corporifica a negação pela ordem constitucional de uma intervenção estatal no que diz com a definição do que é verdadeiro ou correto de modo a assegurar a cada indivíduo a proteção da sua personalidade espiritual e moral e garantir a livre discussão e formação do consenso sobre o que é certo ou errado 397 Considerada em separado a liberdade de consciência pode ser definida com Jayme Weingartner Neto como a faculdade individual de autodeterminação no que diz com os padrões éticos e existenciais das condutas próprias e alheias e a total liberdade de autopercepção em nível racional ou míticosimbólico ao passo que a liberdade religiosa ou de religião engloba no seu núcleo essencial tanto a liberdade de ter quanto a de não ter ou deixar de ter uma religião desdobrandose em diversas outras posições fundamentais que serão pelo menos em parte objeto de atenção logo adiante 398 Para efeitos de proteção da liberdade religiosa e mesmo para a diferenciação entre esta e a liberdade de consciência assume relevo a própria definição do que se considera uma religião Desde logo há que reconhecer o acerto da lição de Erwin Chemerensky para quem parece impossível formular uma definição de religião que englobe a ampla gama de crenças espirituais e práticas que se fazem presentes em uma sociedade plural como é a do Brasil o autor se refere aos Estados Unidos mas a afirmação ainda que talvez não na mesma dimensão aplicase ao Brasil pois não há uma característica particular ou um plexo de características que todas as religiões tenham em comum a fim de que seja possível definilas como religiãoões definição ampla que se revela particularmente importante para maximizar a proteção das manifestações religiosas 399 c A dupla dimensão objetiva e subjetiva das liberdades de consciência e de religião Tanto a liberdade de consciência quanto a liberdade religiosa tal como os demais direitos fundamentais apresentam uma dupla dimensão subjetiva e objetiva Na condição de direitos subjetivos elas aqui ainda em termos muito gerais asseguram tanto a liberdade de confessar ou não uma fé ou ideologia quanto geram direitos à proteção contra perturbações ou qualquer tipo de coação oriunda do Estado ou de particulares 400 Já como elementos fundamentais da ordem jurídicoestatal objetiva tais liberdades fundamentam a neutralidade religiosa e ideológica do Estado como pressuposto de um processo político livre e como base do Estado Democrático de Direito 401 Dessa dupla dimensão subjetiva e objetiva decorrem tanto direitos subjetivos tendo como titulares tanto pessoas físicas quanto jurídicas neste caso apenas a liberdade religiosa e não todos os seus aspectos quanto princípios deveres de proteção e garantias institucionais que guardam relação com a dimensão objetiva 402 tudo conforme ainda será objeto de maior desenvolvimento Por outro lado no que diz especificamente com a neutralidade religiosa e ideológica do Estado 403 esta se constitui especialmente no tocante ao aspecto religioso em elemento central das ordens constitucionais contemporâneas mas com raízes na vertente do constitucionalismo especialmente de matriz francesa o que foi incorporado à tradição brasileira a contar da Constituição Federal de 1891 Na Constituição Federal de 1988 tal opção do Estado laico encontra sua previsão expressa no já referido art 19 que veda aos entes da Federação que estabeleçam subvencionem ou embaracem o funcionamento de cultos religiosos ou igrejas A referência feita a Deus no Preâmbulo além de não ter caráter normativo não compromete o princípio da neutralidade religiosa do Estado 404 que por sua vez não implica ainda mais se consideradas as peculiaridades da ordem constitucional brasileira um total distanciamento por parte do Estado da religião distanciamento que na acepção de André Ramos Tavares que aqui se partilha não se revela sequer como desejável 405 Com efeito como bem pontua Jorge Miranda há que distinguir entre laicidade e separação no sentido de independência entre Estado e Igreja e comunidades religiosas em geral de laicismo e de uma postura de menosprezo e desconsideração do fenômeno religioso das religiões e das entidades religiosas por parte do Estado pois uma coisa é o Estado não professar nenhuma religião e não assumir fins religiosos mantendo uma posição equidistante e neutra406 outra coisa é assumir uma posição hostil em relação à religião e mesmo proibitiva da religiosidade 407 Importa destacar que o laicismo e toda e qualquer postura oficial estatal hostil em relação à religião revelamse incompatíveis tanto com o pluralismo afirmado no Preâmbulo da Constituição Federal quanto com uma noção inclusive de dignidade da pessoa humana e liberdade de consciência e de manifestação do pensamento de modo que a necessária neutralidade se assegura por outros meios tal como bem o demonstra o disposto no art 19 I bem como um conjunto de limites e restrições à liberdade religiosa aspecto que aqui não será desenvolvido Outras manifestações que podem ser extraídas da Constituição Federal no sentido de uma postura aberta e sensível para com as religiões sem assumir qualquer compromisso com determinada religião e igreja podem ser ilustradas com os exemplos da previsão ainda que em caráter facultativo de ensino religioso em escolas públicas de ensino fundamental art 210 1º e a possibilidade de reconhecimento de efeitos civis ao casamento religioso art 226 1º e 2º d Conteúdo da liberdade religiosa como direito fundamental em sentido amplo direito de defesa e direito a prestações Também a liberdade religiosa deve ser compreendida como um direito fundamental em sentido amplo que se decodifica no âmbito de sua dimensão subjetiva e objetiva em um complexo diferenciado de efeitos jurídicos objetivos e de posições jurídicas subjetivas 408 Como direito subjetivo a liberdade religiosa opera tanto como direito de defesa portanto de cunho negativo quanto como direito a prestações direito positivo fáticas e jurídicas muito embora como já frisado a dimensão subjetiva não possa ser reduzida a um único tipo de posições negativas ou positivas Aqui não teremos condição senão de selecionar alguns exemplos notadamente os que têm assumido maior relevância em termos teóricos e práticos na ordem constitucional brasileira remetendo para uma análise mais minuciosa à literatura especializada 409 Na sua condição de direito negativo a liberdade religiosa desdobrase numa primeira aproximação quanto ao seu conteúdo em uma liberdade de crença que diz com a faculdade individual de optar por uma religião ou de mudar de religião ou de crença ao passo que a liberdade de culto que guarda relação com a exteriorização da crença diz com os ritos cerimônias locais e outros aspectos essenciais ao exercício da liberdade de religião e de crença 410 Também a liberdade de organização religiosa encontrase incluída no âmbito de proteção da liberdade religiosa de tal sorte que ao Estado é vedado em princípio interferir na esfera interna das associações religiosas 411 Na sua condição de direito positivo podem também ser destacadas várias manifestações Assim em caráter ilustrativo verificase que o art 5º VII da CF assegura nos termos da lei a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva Quanto a tal aspecto entendese que o Estado não pode impor aos internos sob sua responsabilidade nessas entidades o atendimento a serviços religiosos o que violaria a liberdade de professar uma religião e de participar ou não dos respectivos cultos mas deve sim colocar à disposição o acesso efetivo ao exercício da liberdade de culto e de crença aos que assim desejarem 412 No sentido da existência de deveres de natureza prestacional associados à liberdade de expressão calha referir em caráter ilustrativo as decisões proferidas pelo STF no RE 611874DF rel Min Dias Toffoli j 09112020 e no ARE 1099099SP rel Min Edson Fachin j 19112020 reconhecendo o dever do Estado de implementar prestações positivas que assegurem a plena liberdade religiosa devendo adequar a atividade administrativa a horários alternativos permitindo que o indivíduo mediante exercício da escusa de consciência por motivo de crença religiosa possa realizar certame público ou exercer os deveres funcionais inerentes de seu cargo público A liberdade religiosa engloba tanto direitos individuais como direitos coletivos de liberdade religiosa pois além dos direitos individuais de ter não ter deixar de ter escolher uma religião entre outras manifestações de caráter individual existem direitos coletivos cuja titularidade é das Igrejas e organizações religiosas direitos que dizem com a autoorganização a autodeterminação direito de prestar ensino e assistência religiosa entre outros 413 aspectos que por sua vez são relacionados ao problema da titularidade e dos destinatários do direito fundamental e Titulares e destinatários Titulares da liberdade religiosa são em primeira linha as pessoas físicas incluindo os estrangeiros não residentes pois dada a sua conexão com a liberdade de consciência e dignidade da pessoa humana aplicase aqui o princípio da universalidade Como a liberdade religiosa contempla uma dimensão institucional e abarca a liberdade de organização religiosa naquilo que for compatível cuidase também de direito das pessoas jurídicas ainda que as pessoas jurídicas não sejam titulares por exemplo do direito de professar ou não uma religião 414 Quanto aos destinatários em que pese seja também aqui o Estado o principal destinatário vinculado que está diretamente às normas de direitos fundamentais e mesmo aos deveres de proteção estabelecidos pela Constituição Federal o direito de liberdade religiosa projetase nas relações privadas o que se pode dar de maneira direta e indireta Apenas em caráter ilustrativo bastaria aqui recordar o ambiente de trabalho e escolar onde também o empregador os professores e a direção devem absterse de intervir no âmbito da livre opção religiosa salvo para assegurar o exercício do mesmo direito por parte de outros trabalhadores ou alunos estudantes ou mesmo para a proteção de outros direitos A liberdade de consciência e a liberdade religiosa podem portanto operar como limites ao poder de direção do empregador e da empresa dos professores e escolas e mesmo em outras situações nas quais se coloca o problema f Limites e restrições Embora sua forte conexão com a dignidade da pessoa humana a liberdade religiosa mas também a liberdade de consciência notadamente naquilo em que se projeta para o exterior da pessoa 415 mediante atos que afetam terceiros ou levem ainda que em situação extrema a um dever de proteção estatal da pessoa contra si própria como no caso de uma greve de fome por razões de consciência ou a recusa de tomar vacina por convicções filosóficas ou políticas416 são como os demais direitos fundamentais limitados e portanto sujeitos a algum tipo de restrição Modalidade que é da liberdade de expressão manifestação do pensamento e especialmente da liberdade de consciência que é mais ampla a liberdade religiosa embora como tal não submetida a expressa reserva legal no art 5º VI a CF estabelece ser inviolável a liberdade de consciência e de crença sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos encontra limites em outros direitos fundamentais e na dignidade da pessoa humana o que implica em caso de conflito cuidadosa ponderação e atenção entre outros aspectos aos critérios da proporcionalidade Já a proteção aos locais de culto como dever estatal que é e a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva são nos termos da Constituição Federal sujeitos a regulamentação legal v para a prestação de assistência religiosa o caso das Leis 69231981 e 99822000 mas a legislação deverá de qualquer modo atender aos critérios da proporcionalidade e não poderá em hipótese alguma afetar o núcleo essencial do direito de liberdade religiosa e esvaziar a garantia da organização religiosa 417 Por outro lado a própria Carta Magna estabelece limites para a liberdade religiosa e de consciência quando no art 5º VIII dispõe que ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política salvo se as invocar para eximirse de obrigação legal a todos imposta e recusarse a cumprir prestação alternativa fixada em lei O princípio do Estado laico por sua vez também interfere no exercício da liberdade religiosa pois o Poder Público não poderá privilegiar determinada orientação religiosa ainda que majoritária como por exemplo se verifica na discussão em torno da colocação ou não de crucifixo em escolas e repartições públicas que tem dividido a doutrina Os conflitos da liberdade religiosa com outros direitos fundamentais e bens jurídicoconstitucionais são múltiplos Assim podem ser justificadas a depender do caso restrições quanto ao uso da liberdade religiosa para fins de prática do curandeirismo e exploração da credulidade pública especialmente quando com isso se estiver incorrendo em prática de crime ou afetando direitos de terceiros ou interesse coletivo 418 Situação que já mereceu atenção da doutrina e jurisprudência no plano nacional e internacional diz respeito aos possíveis conflitos entre a liberdade de consciência e de crença com os direitos à vida e à saúde como se verifica de forma particularmente aguda no caso dos integrantes da comunidade religiosa das Testemunhas de Jeová cujo credo proíbe transfusões de sangue mas também foi evidenciado no contexto da pandemia da Covid19 em diversas situações Nesse contexto calha atentar para o fato de que se para o caso de menores de idade se revela legítima a intervenção estatal para em havendo manifestação contrária dos pais ou responsáveis determinar o procedimento médico quando tido como indispensável no que se verifica substancial consenso é pelo menos questionável que se queira impor a pessoas maiores e capazes algo que seja profundamente contrário às suas convicções por mais que tais convicções sejam resultado de um processo de formação que se inicia na mais tenra idade De qualquer sorte quanto ao caso das pessoas maiores e capazes não existe uma orientação definida havendo entendimentos em ambos os sentidos 419 Ainda no que diz com o problema relativo à recusa de transfusões de sangue é de se consignar que o STF reconheceu sua Repercussão Geral mas a matéria ainda aguarda uma decisão final 420 Todavia no que diz ainda com a Repercussão Geral trata se de hipótese na qual o que está em causa é a obrigação do Poder Público no sentido de custear procedimento cirúrgico indisponível na rede pública em virtude de o paciente recusar o método convencional por implicar transfusão de sangue incompatível com sua convicção religiosa Como já adiantado durante a pandemia da Covid19 as situações nas quais se pôde verificar a existência de um conflito entre a liberdade religiosa e os direitos à vida integridade corporal e saúde se multiplicaram Nesse sentido invocase decisão do STF que julgou a constitucionalidade de decreto do estado de São Paulo que restringiu temporariamente a realização presencial de cultos missas e demais atividades religiosas de caráter coletivo em virtude do elevado risco ambiental de contágio considerando a medida como sendo compatível com as exigências da proporcionalidade APDF 811SP rel Min Gilmar Mendes j 25062021 Outro tema de relativo impacto no direito estrangeiro mas com importantes reflexos no Brasil é o que trata do conflito entre liberdade religiosa e a proteção dos animais Ainda que não se atribua aos animais a titularidade de direitos subjetivos o fato é que existe um dever constitucional de proteção da fauna e uma vedação expressa de crueldade com os animais que pelo menos em princípio poderá justificar restrições ao exercício de direitos fundamentais incluindo a liberdade religiosa Para ilustrar a questão vale citar o exemplo da Alemanha onde o Tribunal Constitucional Federal entendeu que deveria prevalecer a liberdade de profissão em combinação com a liberdade religiosa tendo em conta que se tratava de caso envolvendo açougueiro turco adepto do ramo sunita do islamismo que teve o seu estabelecimento interditado pela autoridade administrativa por estar abatendo animais para consumo sem a prévia sedação 421 No Brasil a hipótese seguramente mais frequente é a que envolve os rituais afrobrasileiros do candomblé e da umbanda 422 em que também são sacrificados animais A respeito de tal prática encontrase decisão do STF RE 494601RS Relator orig Ministro Marco Aurélio redator para o Acórdão Ministro Edson Fachin julgado em 28032019 que reconheceu mantendo assim julgado do TJRS a legitimidade constitucional de lei estadual que admite a prática do abate para fins religiosos desde que mediante consideração dos aspectos levando em conta a saúde pública e a proibição de crueldade com os animais 423 No caso a Suprema Corte julgando improcedente o recurso oposto pelo Ministério Público do RS refutou tanto a alegação de inconstitucionalidade formal vício de iniciativa quanto de incompatibilidade material com a CF Para melhor compreender os argumentos principais colacionados quando do julgamento calha transcrever o teor do dispositivo da Lei objeto da irresignação veiculada pela Procuradoria Geral de Justiça do Rio Grande do Sul mediante o RE ora comentado em relação à decisão do TJRS que havia por maioria dos votos dos integrantes do seu Órgão Especial reconhecido a constitucionalidade da legislação Assim a teor do art 2º da Lei 119152003 do estado do RGS É vedado I ofender ou agredir fisicamente os animais sujeitando os a qualquer tipo de experiência capaz de causar sofrimento ou dano bem como as que criem condições inaceitáveis de existência II manter animais em local completamente desprovido de asseio ou que lhes impeçam a movimentação o descanso ou os privem de ar e luminosidade III obrigar animais a trabalhos exorbitantes ou que ultrapassem sua força IV não dar morte rápida e indolor a todo animal cujo extermínio seja necessário para consumo V exercer a venda ambulante de animais para menores desacompanhados por responsável legal VI enclausurar animais com outros que os molestem ou aterrorizem VII sacrificar animais com venenos ou outros métodos não preconizados pela Organização Mundial da Saúde OMS nos programas de profilaxia da raiva Parágrafo único objeto precípuo da controvérsia judicializada Não se enquadra nessa vedação o livre exercício dos cultos e liturgias das religiões de matriz africana grifo nosso Como bem pontuado no julgamento tratase de mais uma hipótese como se verificou guardadas as relevantes diferenças de uma situação de conflito entre o dever estatal de proteção do ambiente em particular para o caso da proteção dos animais e correlata proibição de crueldade para com os mesmos art 225 1º VII CF desta feita não apenas com os deveres e direitos gerais relativos à proteção e promoção do pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes de cultura nacional ademais do dever de apoio incentivo e difusão das manifestações culturais art 215 caput CF mas de modo especial com o dever do Estado no sentido de 1º CF proteger as manifestações das culturas populares indígenas e afrobrasileiras e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional Além disso diferentemente do que se deu nos julgamentos emblemáticos da Farra do Boi da Rinha de Galo e da Vaquejada nos quais o STF reconheceu a ilegitimidade constitucional das respectivas práticas e manifestações de natureza cultural e desportiva no presente caso o que estava em causa é e por isso o particular destaque a ser dado ao julgamento a proteçãogarantia da liberdade religiosa plenamente assegurada pela CF no seu art 5º VI a teor do qual é inviolável a liberdade de consciência e de crença sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida na forma da lei a proteção aos locais de culto e a suas liturgias grifo nosso Notese ainda que a decisão ora comentada como já adiantado apresenta outro diferencial de relevo em relação aos referidos precedentes qual seja o elemento étnicoracial e a correspondente proibição constitucional de toda e qualquer forma de discriminação art 5º caput e nessa mesma toada a proteção e promoção de particular manifestação e prática religiosacultural de matriz africana ainda que não exercida apenas por integrantes da comunidade afrobrasileira Em linhas centrais e aqui sumariamente apresentadas importa sublinhar que o STF estruturou seu entendimento em prol da constitucionalidade material da exceção inserida pela Lei Gaúcha em torno de alguns eixos argumentativos sem que aqui se possa reproduzir todos e nem adentrar em diversas das peculiaridades envolvendo os votos de todos os Ministros a maior parte exceção de três ainda não liberada para o público Numa primeira aproximação é de se destacar o peso atribuído pelo STF ao princípio e dever de laicidade implicitamente porquanto não expressamente previsto estabelecido pela CF e à posição da liberdade religiosa incluindo a de culto e de ritos na arquitetura constitucional brasileira Vinculando outrossim o dever de laicidade com o princípio geral da igualdade e o dever de neutralidade em matéria religiosa consubstanciado principalmente entre outros aspectos pelo dever de abstenção e independência estatal nessa seara e de tratamento paritário e sem privilégios de toda e qualquer manifestação religiosa art 19 I CF a Corte considerou também não existir inconstitucionalidade com base nesse fundamento Nesse contexto os julgadores pontuaram que a proteção legal acrescentese o dever constitucional de proteção assegurada às manifestações religiosas de matriz africana não representa uma modalidade de privilégio mas sim encontra suporte não apenas na liber dade religiosa como tal mas em especial no 1º do art 225 da CF acima referido proteção das culturas populares das populações indígenas e afrobrasileiras Ainda nessa senda foi sublinhado pelos Ministros o alto nível de preconceito e estigmatização que atinge a população afrobrasileira o que deve ser computado no conjunto de argumentos a indicarem que se trata de cultos e rituais a merecerem particular atenção e proteção Outrossim possivelmente a parte mais delicada e de difícil equacionamento diz respeito ao juízo de ponderação levado a efeito pelo STF ao colocar na balança em relação à proteção da liberdade religiosa o dever constitucional de proteção da fauna e a proibição de crueldade com os animais Para a corte novamente em apertada síntese a negação da constitucionalidade da lei estadual RioGrandense permitindo sacrifício de animais em rituais religiosos implicaria uma afetação desproporcional da liberdade religiosa quando se trata de um rito central de uma cultura e tradição religiosa ainda mais quando o abate de animais para fins de consumo da carne é em regra atendidos parâmetros legais permitida Além disso o que também foi objeto de referência na decisão outro ingrediente de alto impacto e que imprime contornos diferenciados ao problema e ao seu equacionamento é o da discriminação de natureza étnicoracial associado aos níveis sabidamente muito mais elevados de estigmatização das manifestações religiosas de matriz africana em relação a outras orientações religiosas Pior do que isso de acordo com dados publicados pela revista IstoÉ de 17102018 entre 2011 e 2016 houve um crescimento de 4960 no que diz com registros de casos de intolerância religiosa no Brasil dos quais 63 envolvendo religiões afrobrasileiras 424 sinalizando que a questão se transformou em agenda atual e urgente a ser equacionada Tendo sido pontuado pela Corte que a decisão pela constitucionalidade da Lei Gaúcha inclui a necessidade de respeito à proibição constitucional de crueldade com os animais e de salvaguardar a saúde pública o Tribunal não abriu mão de sua posição consolidada na matéria promovendo uma sustentável na perspectiva dos critérios da proporcionalidade concordância prática entre os direitos e bens jurídicos em causa Ademais disso questões tão profundamente enraizadas em manifestações e práticas culturais e no caso religiosas centenárias e mesmo milenares exigem uma particular posição prudencial e equilibrada pelo Estado e mesmo pela sociedade civil quanto à sua regulamentação e equacionamento de eventuais tensões e mesmo conflitos com outras manifestações de natureza similar ou mesmo outros interesses direitos e bens jurídicos A liberdade religiosa incluindo a liberdade de culto e de organização religiosa também pode entrar em conflito com a própria liberdade de expressão e comunicação inclusive a liberdade artística como se verifica no caso de charges ofensivas a determinada orientação ou prática religiosa ou mesmo obras literárias e outras formas de expressão 425 Problemas como o proselitismo no ambiente do trabalho ou mesmo o assédio religioso 426 a possibilidade de distribuição de panfletos e outros meios de divulgação da crença em espaços públicos a possibilidade do uso do véu ou outros símbolos religiosos em estabelecimentos de ensino ou no local de trabalho a legitimidade constitucional dos feriados religiosos e a discussão em torno do quanto a objeção de consciência especialmente por motivos religiosos deve assegurar a realização de provas e concursos públicos em horário apartado são apenas alguns dos conflitos e problemas de interpretação que se tem oferecido ao debate na esfera da política e do direito resultando em decisões judiciais nem sempre simétricas quando se observa o cenário internacional Também os limites da liberdade religiosa no que diz com a justificação de manifestações públicas por representantes de instituições religiosas em especial ministros de Igrejas de caráter discriminatório inclusive em relação a outras correntes religiosas envolvem questões sensíveis destacandose aqui decisão do STF entendendo pelo trancamento de ação penal na qual foi imputada a sacerdote da Igreja Católica a prática de crime de racismo em virtude de publicação de obra que teria veiculado conteúdo discriminatório contra a doutrina espírita Em apertadíssima síntese entendeu o STF decisão da Primeira Turma 427 que a mensagem religiosa não pode ser tratada da mesma forma que a não religiosa devendo ser levada em conta a existência de doutrinas religiosas de caráter universalista que buscam converter o maior número de pessoas possível mediante inclusive a afirmação da superioridade de sua religião em face das demais de modo que para tais religiões como é o caso do Cristianismo e do Catolicismo a prática do proselitismo é elemento essencial da liberdade de expressão religiosa desde que não configuradas manifestações e atos de caráter notadamente discriminatório e ofensivo No caso concreto considerou o STF que a publicação se dedica à pregação da fé católica mas sem que se possa dela inferir a intenção de ofender os adeptos da doutrina espírita mas sim orientar a população católica sobre a impossibilidade de conciliar o credo católico com o espírita Todavia não sendo o caso de aqui desenvolver tais questões remetese à literatura especializada 428 Discursos de natureza proselistista e persuasória contudo tal como decidiu o STF no RHC 146303RJ rel Min Edson Fachin e Redator para o acórdão Min Dias Toffoli j em 06032018 não se confundem com manifestações de caráter eminentemente ofensivo e discriminatório de tal sorte que a liberdade de expressão incluindo e no caso é o que se destaca a liberdade de expressão religiosa não pode servir para veicular o assim chamado discurso do ódio incitações à violência e práticas intolerantes A restrição da liberdade religiosa por conta da salvaguarda do interesse público incluindo a segurança pública e outros interesses e bens jurídicoconstitucionais de feição coletiva e transindividual também ocupa a pauta da doutrina e da jurisprudência como se verifica no já citado caso do crucifixo neutralidade do Estado em matéria religiosa da saúde pública testemunhas de Jeová e sacrifício de animais entre outros Isso se revelou de grande importância no contexto da pandemia da COVID19 onde foram editadas medidas legislativas e administrativas em todos os níveis da Federação no sentido de restringir o acesso aos locais de culto e igrejas em virtude do isolamento social imposto para o combate ao coronavírus e salvaguarda da saúde e da vida das pessoas numa perspectiva comunitária 429 Questão importante diz respeito ao uso de hábito religioso cobrindo no todo ou em parte a cabeça ou rosto em fotografia de documento de habilitação e identificação civil Sobre o tópico pende de julgamento o RE RERG 859376PR rel Min Roberto Barroso no qual o STF 29062017 reconheceu a repercussão geral da matéria porquanto se trata de recurso de decisão das instâncias ordinárias que afastou norma administrativa que veda o uso de hábitos religiosos nesses casos fotografia em documento de identidade ou habilitação Em suma o que está sendo objeto da controvérsia é decidir se é possível por conta do direito à liberdade religiosa afastar obrigação geral relativa à identificação civil Aqui cuidase da possível colisão entre o exercício da liberdade de crença e de religião com as exigências da segurança pública problema aliás que se tem feito agudo em muitos outros países e contextos como apenas para ilustrar o caso da proibição do uso da Burka por mulheres de religião islâmica na França querela que alcança outros Estados europeus chancelada pela Corte Europeia de Direitos Humanos 4124 Liberdade de locomoção 41241 Considerações gerais e reconhecimento no plano do direito internacional e direito constitucional estrangeiro A liberdade de locomoção também chamada de liberdade de ir e vir sempre foi uma figura central para o sistema das liberdades fundamentais de tal sorte que se constitui em presença constante desde a fase inaugural do constitucionalismo e mesmo na esfera de declarações de direitos anteriores que a asseguravam como já o fazia a Magna Carta Inglesa de 1215 mediante a garantia do habeas corpus Após a Segunda Grande Guerra a liberdade de locomoção passou a ser objeto de consagração também no plano do direito internacional Assim já a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 dispõe no seu art XIII que toda pessoa tem direito à liberdade de locomoção e residência dentro das fronteiras dos Estados assegurando inclusive o direito das pessoas de deixar qualquer país inclusive o seu bem como o direito de regresso A Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951 contempla a liberdade de locomoção e circulação dispondo no art 26 que cada Estado Contratante dará aos refugiados que se encontrem no seu território o direito de nele escolher o local de sua residência e de nele circular livremente com as reservas instituídas pela regulamentação aplicável aos estrangeiros em geral nas mesmas circunstâncias O Pacto de Direitos Civis e Políticos de 1966 por sua vez assegura a liberdade de locomoção e residência bem como a de sair e retornar ao seu país no art 12 No plano regional a Convenção Americana sobre Direitos Humanos no art 22 assegura o direito de circulação e de residência nos seguintes termos 1 Toda pessoa que se encontre legalmente no território de um Estado tem o direito de nele livremente circular e de nele residir em conformidade com as disposições legais 2 Toda pessoa terá o direito de sair livremente de qualquer país inclusive de seu próprio país 3 O exercício dos direitos supracitados não pode ser restringido senão em virtude de lei na medida indispensável em uma sociedade democrática para prevenir infrações penais ou para proteger a segurança nacional a segurança ou a ordem públicas a moral ou a saúde públicas ou os direitos e liberdades das demais pessoas 4 O exercício dos direitos reconhecidos no inciso 1 pode também ser restringido pela lei em zonas determinadas por motivo de interesse público 5 Ninguém pode ser expulso do território do Estado do qual for nacional e nem ser privado do direito de nele entrar 6 O estrangeiro que se encontre legalmente no território de um Estadoparte na presente Convenção só poderá dele ser expulso em decorrência de decisão adotada em conformidade com a lei 7 Toda pessoa tem o direito de buscar e receber asilo em território estrangeiro em caso de perseguição por delitos políticos ou comuns conexos com delitos políticos de acordo com a legislação de cada Estado e com as Convenções internacionais 8 Em nenhum caso o estrangeiro pode ser expulso ou entregue a outro país seja ou não de origem onde seu direito à vida ou à liberdade pessoal esteja em risco de violação em virtude de sua raça nacionalidade religião condição social ou de suas opiniões políticas 9 É proibida a expulsão coletiva de estrangeiros A Convenção Europeia dos Direitos do Homem 1950 no art 2º igualmente contempla a liberdade de circulação 1 Qualquer pessoa que se encontra em situação regular em território de um Estado tem direito a nele circular livremente e a escolher livremente a sua residência 2 Toda pessoa é livre de deixar um país qualquer incluindo o seu próprio 3 O exercício destes direitos não pode ser objeto de outras restrições senão as que previstas pela lei constituem providências necessárias numa sociedade democrática para a segurança nacional a segurança pública a manutenção da ordem pública a prevenção de infrações penais a proteção da saúde ou da moral ou a salvaguarda dos direitos e liberdades de terceiros 4 Os direitos reconhecidos no 1º podem igualmente em certas zonas determinadas ser objeto de restrições que previstas pela lei se justifiquem pelo interesse público numa sociedade democrática Em sentido similar ao disposto na Convenção Europeia e na Convenção Americana também a Carta de Banjul 1981 art 12 reconhece e assegura o direito de circulação o mesmo se verificando no caso da Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia de 2000 art 45 No âmbito do direito constitucional estrangeiro a liberdade de circulação é assegurada por exemplo pela Constituição italiana 1947 art 16 assegurando a livre circulação no território da República bem como pela Lei Fundamental da Alemanha de 1949 no seu art 11 que igualmente assegura a livre circulação em todo o território do país A Constituição da República Portuguesa 1976 contempla a liberdade de locomoção no art 44 que dispõe sobre o direito de deslocação e de emigração 1 A todos os cidadãos é garantido o direito de se deslocarem e fixarem livremente em qualquer parte do território nacional 2 A todos é garantido o direito de emigrar ou de sair do território nacional e o direito de regressar A Constituição da Espanha 1978 por sua vez no art 19 assegura que los españoles tienen derecho a elegir libremente su residencia y a circular por el territorio nacional Asimismo tienen derecho a entrar y salir libremente de España en los términos que la Ley establezca Este derecho no podrá ser limitado por motivos políticos o ideológicos 41242 A liberdade de locomoção na evolução constitucional brasileira pretérita Aderindo ao modelo do constitucionalismo liberal a Constituição Política do Império do Brasil de 1824 art 179 VI dispunha que qualquer póde conservarse ou sahir do Imperio como lhe convenha levando comsigo os seus bens guardados os Regulamentos policiaes e salvo o prejuizo de terceiro Na Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1891 a liberdade de locomoção estava consagrada no art 72 10 Em tempo de paz qualquer pode entrar no território nacional ou dele sair com a sua fortuna e bens quando e como lhe convier independentemente de passaporte A Constituição de 1934 art 113 n 14 preceituava Em tempo de paz salvas as exigências de passaporte quanto à entrada de estrangeiros e as restrições da lei qualquer pode entrar no território nacional nele fixar residência ou dele sair O texto constitucional de 1946 por sua vez reconheceu o direito no art 142 Em tempo de paz qualquer pessoa poderá com os seus bens entrar no território nacional nele permanecer ou dele sair respeitados os preceitos da lei A fórmula foi mantida pela Constituição de 1967 art 150 26 Em tempo de paz qualquer pessoa poderá entrar com seus bens no território nacional nele permanecer ou dele sair respeitados os preceitos da lei O mesmo se deu com a redação dada pela EC 11969 art 153 26 Em tempo de paz qualquer pessoa poderá entrar com seus bens no território nacional nele permanecer ou dele sair respeitados os preceitos da lei muito embora no plano da realidade do regime militar a liberdade de locomoção não tenha sido propriamente respeitada em sua plenitude o que contudo aqui não será objeto de desenvolvimento 4125 A liberdade de locomoção na Constituição Federal 41251 Considerações gerais De acordo com o art 5º XV da CF é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz podendo qualquer pessoa nos termos da lei nele entrar permanecer ou dele sair com seus bens Tal dispositivo a exemplo do que ocorreu nas Constituições anteriores consagra no plano do direito constitucional positivo brasileiro uma das mais elementares e importantes liberdades individuais que representa além disso uma manifestação essencial da liberdade geral assegurada pela Constituição Federal a qualquer pessoa art 5º caput A sua relevância para o exercício da liberdade pessoal e para os demais direitos fundamentais é de tal ordem que mesmo se não houvesse disposição constitucional expressa que a garantisse como direito fundamental a liberdade de ir e vir como também é designada a liberdade de locomoção estaria abarcada pelo âmbito de proteção do direito geral de liberdade que como visto no item respectivo opera como cláusula geral e de abertura para o sistema das liberdades fundamentais 430 Por outro lado diversamente de outras ordens constitucionais em que a liberdade de locomoção é decomposta em diversas posições fundamentais como o direito de sair e entrar no território nacional a livre circulação econômica entre outros a Constituição Federal acabou por consagrar o direito de modo genérico compreendendo portanto todas as possíveis manifestações da liberdade de ir e vir 431 Com efeito especialmente no âmbito do constitucionalismo europeu verificase que o direito geral de liberdade e o direito de não ser detido ou preso arbitrariamente são assegurados em dispositivo próprio ao passo que as liberdades de circulação locomoção de bens e pessoas e de residência são contempladas em outros dispositivos 432 Por outro lado importa ter presente que a liberdade de locomoção articulase com outros direitos e garantias fundamentais e outros dispositivos da Constituição Federal que tanto se destinam à sua proteção é o caso por exemplo do instituto do habeas corpus e das limitações constitucionais da prisão quanto a depender do caso atuam como limites da própria liberdade de locomoção ou autorizam o legislador a restringir tal liberdade o que será objeto de atenção logo mais adiante no item reservado aos limites da liberdade de locomoção O caráter abrangente da liberdade de locomoção na Constituição Federal por sua vez não nos parece conciliável com uma definição fechada no sentido do direito de toda e qualquer pessoa a não ser presa ou detida arbitra riamente a não ser que também tal fórmula seja compreendida em sentido aberto ainda mais em face da existência de dispositivos específicos no título Dos direitos e garantias fundamentais assegurando a pessoa contra prisões arbitrárias 41252 Âmbito de proteção da liberdade de locomoção sua dimensão objetiva e subjetiva Na sua dimensão subjetiva ou seja como direito subjetivo individual a liberdade de locomoção como em geral se dá com os demais direitos fundamentais constitui um direito fundamental em sentido amplo que abarca e protege em princípio um feixe complexo e diferenciado de posições subjetivas consistentes em faculdades e ações A despeito de ter também uma dimensão positiva a liberdade de locomoção opera em primeira linha como um direito de defesa de conteúdo negativo que tem por objeto precisamente a abstenção por parte do Estado e de terceiros em relação à livre circulação das pessoas no território nacional Assim a liberdade de locomoção compreende desde logo o direito faculdade de qualquer pessoa em tempo de paz como decorre já do teor do art 5º XV da CF de se deslocar livremente sem embaraços em todo o território nacional ou seja sem que seja imposta qualquer restrição no âmbito interno das fronteiras territoriais brasileiras A liberdade de locomoção à míngua de dispositivo específico que proteja tal dimensão abrange também a livre permanência no território nacional e o direito de nele fixar residência em caráter definitivo ou temporário assim como contempla o direito de qualquer pessoa sair ingressar e retornar ao território nacional inclusive o direito de emigração e imigração A livre circulação de bens de que qualquer pessoa possa circular no território nacional dele sair e nele ingressar com seus próprios bens por sua vez também costuma ser reconduzida ao âmbito de proteção da liberdade de locomoção 433 A dimensão positiva portanto a sua função como direito a prestações da liberdade de locomoção está intimamente associada à sua dimensão objetiva de onde decorre que ao Estado no âmbito de seu dever de proteção dos direitos fundamentais incumbe não apenas uma abstenção de intervenção obrigação de respeitar a liberdade de locomoção mas sim um conjunto de obrigações de atuação representadas por prestações de caráter normativo e mesmo fático as quais em boa parte dizem respeito a outros direitos e deveres fundamentais como o direito à segurança apenas para referir um dos mais importantes Além da proteção da liberdade de locomoção em relação ao próprio Estado mais especialmente no que diz com a proteção na esfera das relações privadas cabe ao Poder Público assegurar as condições materiais do exercício de tal liberdade especialmente na esfera da organização e do procedimento como dão conta em caráter ilustrativo toda a regulamentação do trânsito nacional e internacional de pessoas e bens as regras e princípios em matéria de prisão e detenção boa parte das quais foi objeto de previsão constitucional específica apenas para referir algumas A própria disponibilização de transporte público inclusive de modo subsidiado como no caso dos idosos e outras hipóteses a criação e manutenção de vias públicas de deslocamento situamse no âmbito de tais medidas que asseguram o efetivo exercício da liberdade de locomoção dada a sua relevância para o exercício e fruição de outros direitos 434 41253 Titulares e destinatários Toda e qualquer pessoa física é titular sujeito ativo da liberdade de locomoção o que abarca tanto os brasileiros natos ou naturalizados quanto os estrangeiros ainda que não residentes no Brasil muito embora para os estrangeiros a liberdade de locomoção esteja sujeita a condições e limites em parte diferenciados e previstos em legislação própria com destaque para a Lei 68151980 435 A titularidade do direito portanto é universal o que pode ser creditado à relevância da liberdade de locomoção para o exercício das liberdades em geral e para a própria dignidade da pessoa humana Pessoas jurídicas estão por absoluta incompatibilidade excluídas do rol dos titulares do direito De qualquer sorte cuidase de questões já desenvolvidas na parte geral dos direitos fundamentais sendo que no tocante aos limites e restrições ainda teremos ocasião de nos manifestar Destinatários sujeitos passivos da liberdade de locomoção são em primeira linha os órgãos e agentes estatais mas considerando que intervenções na liberdade de locomoção são frequentemente levadas a efeito por particulares pessoas jurídicas e naturais também a liberdade de locomoção gera efeitos diretos ou indiretos a depender do caso nas relações privadas 41254 Limites da liberdade de locomoção Como qualquer outro direito fundamental notadamente no campo das liberdades também a liberdade de locomoção não constitui um direito absoluto no sentido de imune a limites e restrições Alguns limites já se encontram estabelecidos no plano constitucional ao passo que outros são impostos pelos poderes constituídos com destaque para a ação do legislador Uma primeira indagação que se faz necessária é a de saber se o fato de a Constituição Federal no art 5º XV fazer referência a que o direito será exercido em tempos de paz afasta por si só a possibilidade de invocar tal liberdade em tempos de guerra Com o devido respeito a eventual entendimento divergente a liberdade de locomoção não deixa de ser fundamental em caso de guerra mas o seu exercício poderá enquanto perdurar tal estado sofrer limitações mais rigorosas e se tornar até mesmo faticamente inviabilizado De qualquer modo assim como em tempo de paz o Poder Público poderá sempre autorizar a livre locomoção em território nacional e até mesmo a entrada e saída do País durante a ocorrência de um conflito armado Considerando que a hipótese de guerra externa constitui uma das situações que ensejam o estado de sítio há que resolver o problema da maior ou menor limitação da liberdade de locomoção mediante uma interpretação sistemática que articule o disposto no art 5º XV da CF com o conjunto de disposições constitucionais que estabelecem limites ou autorizam limites à liberdade de locomoção Com efeito na vigência de estado de sítio regularmente decretado a Constituição Federal art 139 I e II autoriza uma série de medidas que afetam diretamente a liberdade de locomoção dos indivíduos obrigação de permanecer em local determinado e detenção em edifício não destinado a acusados ou condenados por crimes comuns mas em nenhum momento mesmo na pendência de estado de sítio a Constituição prevê a completa suspensão da liberdade de locomoção 436 As restrições cabíveis no caso de estado de sítio que abrange a hipótese de um estado de guerra externa são todavia excepcionais e se justificam apenas na vigência de tal estado de exceção Há ainda um leque significativo de restrições das mais variadas naturezas e que não assumem tal feição excepcional Um conjunto de restrições decorre da necessidade de salvaguardar outros direitos fundamentais ou mesmo bens jurídico constitucionais como é o caso do direito de propriedade visto que a liberdade de locomoção não abrange o direito de livre ingresso na propriedade particular notadamente em se tratando da residência de alguém situação que chega a configurar ilícito penal 437 mas também existem restrições fundadas e justificadas na necessidade de salvaguardar a saúde como se verificou de modo particularmente frequente e intenso durante a pandemia da Covid 19 a segurança e a ordem públicas impondose a ressalva de que em qualquer caso a legitimidade constitucional de tais restrições está condicionada à satisfação das exigências da proporcionalidade eou da razoabilidade já pelo fato de que a teor do art 5º LIV da CF ninguém será privado de sua liberdade sem o devido processo legal 438 Tal entendimento corresponde em linhas gerais à orientação adotada pelo STF que ao mesmo tempo em que reconhece que a liberdade de locomoção não é absoluta tem sido muito exigente no que diz com o controle da legitimidade constitucional das restrições inclusive quanto à possibilidade de restrição da liberdade nas hipóteses previstas em lei com destaque para os casos de prisão 439 A possibilidade de condução coercitiva de testemunhas ou mesmo a internação compulsória para tratamento médico inclusive psiquiátrico esta última objeto de acirrada controvérsia também representam restrições da liberdade de locomoção o mesmo se podendo falar da exigência de passaporte para o exercício da liberdade de deixar o País ou nele ingressar a cobrança de pedágio para uso de estradas mantidas pelo Poder Público art 150 V da CF dentre tantos outros exemplos que poderiam ser colacionados A respeito da condução coercitiva prática que passou a ser reiteradamente utilizada no Brasil e que ganhou destaque nos últimos anos em virtude dos diversos casos em que pessoas de certa expressão social políticos empresários dentre outros foram alvo de medidas dessa natureza o STF proferiu julgamento de grande impacto e que dividiu a Corte designadamente no bojo da ADPF 395DF e ADPF 444DF rel Min Gilmar Mendes julgado em 14062018 Em apertada síntese a Corte por maioria julgou procedente a ADPF para o efeito de pronunciar como não recepcionada pela CF a expressão para o interrogatório constante do art 260 do CPP e declarar a incompatibilidade com a Constituição Federal da condução coercitiva de investigados ou de réus para interrogatório sob pena de responsabilidade disciplinar civil e penal do agente ou da autoridade e de ilicitude das provas obtidas sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado A querela posta no julgamento é altamente controversa mas em regra conduções dessa natureza ainda mais sem prévia intimação e recusa de comparecimento de fato não soam constitucionalmente legítimas quando se tratar de interrogatório do preso na fase jurisdicional de processo criminal visto que ao acusado é dado o direito de nada declarar e responder por isso o argumento de que se trataria de ofensa ao direito à não autoincriminação não parece ser o mais robusto Na fase inquisitorial e para eventual reconhecimento ou outra medida que seja indispensável para a coleta da prova e instrução do processo a condução coercitiva contudo tomadas as devidas precauções por exemplo respeito à integridade física e moral do conduzido incluindo a sua exposição desnecessária e em caráter excepcional e devidamente fundamentado há de ser admitida Quanto ao estrangeiro inclusive o não residente no Brasil embora seja ele titular da liberdade de locomoção encontrase submetido a um status jurídico em parte diferenciado também quanto à sua liberdade de ir e vir e de fixar residência e atuar profissionalmente mas isso diz respeito essencialmente aos limites da liberdade de locomoção não excluindo a sua titularidade propriamente dita No que diz com os instrumentos de garantia da liberdade de locomoção muito embora a Constituição Federal na esteira da tradição constitucional brasileira pretérita tenha previsto uma ação constitucional própria para tal finalidade designadamente a ação de habeas corpus art 5º LXVIII que além disso independe do pagamento de custas judiciais art 5º LXXVII e obedece a um rito extremante informal a abrangência da liberdade de locomoção na ordem jurídicoconstitucional brasileira que engloba até mesmo a liberdade de residência implica que a ação de habeas corpus não seja a única via processual de defesa da liberdade de locomoção De qualquer modo como a ação de habeas corpus será analisada no capítulo das ações constitucionais aqui basta sua referência no contexto da liberdade de locomoção Dada a sua relevância para a liberdade de locomoção a problemática da prisão como modo de intervenção nesta liberdade visto que a prisão constitui pena e mesmo medida na esfera cível expressamente prevista na Constituição Federal será analisada em item próprio logo a seguir 4126 O direito à informação e o direito de acesso à informação 41261 Considerações iniciais O direito à informação no sentido de direito a ser informado que inclui o direito de acesso à informação a prerrogativa de poder acessar informações não se confunde com a liberdade de informação o direito de informar embora tenha com ela fortes pontos de contato e corresponda a uma particular dimensão desta última As três figuras se fazem presentes atualmente tanto nos catálogos de direitos e fundamentais das constituições democráticas e encontram previsão no sistema internacional de reconhecimento dos direitos humanos Embora não tenham sido expressamente previstos no Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos 1966 a liberdade de informação e o direito à informação são considerados como implicitamente abrangidos pela liberdade de expressão em sede regional em particular na Europa Convenção Europeia de Direitos Humanos e Carta Europeia dos Direitos Fundamentais 440 e na América Convenção Interamericana de Direitos Humanos 441 o direito à informação foi objeto de consagração textual Além disso o direito de acesso à informação acabou sendo contemplado em documentos internacionais especiais com destaque aqui para o direito à informação na esfera ambiental 442 O direito à informação aqui na perspectiva do direito de ser informado e do acesso à informação passou outrossim a operar como elemento central de um Estado Democrático de Direito seja pelo fato de permitir o exercício consciente e responsável da cidadania e dos direitos políticos seja como meio de assegurar o controle social e a transparência e publicidade por parte do poder público e dos seus atos Na trajetória constitucional brasileira pretérita muito embora o reconhecimento da liberdade de expressão desde 1824 o direito de acesso à informação e a garantia do sigilo das fontes não foram expressamente previstos nos textos constitucionais anteriores ao da atual CF onde o direito à informação foi expressamente contemplado no art 5º em dois momentos distintos nos incisos XIV e XXXIII Com efeito ao passo que no inciso XIV cujo teor reza que é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte quando necessário ao exercício profissional o inciso XXXIII garante que todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular ou de interesse coletivo ou geral que serão prestadas no prazo de lei sob pena de responsabilidade ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado Isso evidencia o fato de que na CF o direito de acesso à informação assume a condição de um direito fundamental autônomo submetido em parte a regime jurídicoconstitucional próprio que será objeto de atenção logo mais adiante Ainda do ponto de vista do direito constitucional positivo há que lembrar do assim chamado habeas data instituído pelo art 5º LXXII da CF que corresponde a uma ação constitucional mediante a qual as pessoas titulares do direito à informação têm assegurada a possibilidade de obter informações relativas aos seus interesses particulares pessoais que constem em bancos de dados mantidos por entidades governamentais ou bancos de dados de caráter público O conteúdo e o alcance portanto também os limites do direito à informação na CF apenas poderão ser devidamente compreendidos mediante uma análise sistemática que deve levar em conta também sua articulação com outros direitos e princípios fundamentais Além disso não se poderá dispensar um olhar ainda que limitado sobre a sua concretização legislativa e jurisprudencial em especial a Lei Federal de Acesso à Informação Lei 125272011 443 Importante todavia é sublinhar que neste item não será objeto de análise a liberdade de informação no sentido de um direito a informar seja individual seja no campo da liberdade de informação jornalística ou liberdade de comunicação em geral mas sim apenas o direito à informação de receber e acessar informações 41262 Conteúdo e alcance do direito à informação 412621 Anotações gerais sobre o objeto do direito à informação O direito à informação aqui compreendido como direito a ser informado e o direito de acesso à informação que constituem a face positiva do direito de se informar abarcam nas suas diversas refrações subjetivas um direito de não ser impedido de se informar seja no que diz com a liberdade individual de recolher informações seja no que diz respeito à liberdade de busca e escolha das fontes de informação 444 Importa destacar ainda nesse contexto que embora a CF não defina especificamente o que seja informação para efeitos da determinação do objeto do direito e correspondente dever de acesso à informação direto de ser informado a melhor exegese é a que advoga uma concepção alargada que inclui toda e qualquer informação 445 incluindo todas as modalidades cobertas pela liberdade de expressão em geral assim como o direito de acesso às informações em poder do Estado e entidades públicas ou como definido pela legislação específica que regula o acesso a tais informações desde que não importe em restrição ilegítima sob o ponto de vista constitucional do objeto do direito Isso por outro lado não quer dizer que a legislação não possa estabelecer distinções entre o direito de ser informado em termos gerais que se relaciona diretamente com a liberdade de expressão e informação no sentido de liberdade de informar e o direito de acesso à informações detidas pelo Estado e de interesse público o que contudo será objeto de anotação logo mais adiante 412622 Titulares e destinatários Titulares do direito à informação são tanto pessoas naturais incluindo os estrangeiros 446 quanto pessoas jurídicas o que não significa que não possam ser estabelecidas eventuais restrições também quanto a titularidade em determinadas situações em especial quando se trata de acesso a informações em poder dos órgãos estatais Cuidase portanto de um direito de titularidade universal assim como se dá com as liberdades fundamentais em geral a teor do entendimento já consagrado pela doutrina e jurisprudência dominante tanto no Brasil quanto em nível de direito constitucional estrangeiro e internacional de tal sorte que aqui se remete ao item próprio na parte geral dos direitos fundamentais Notese ademais disso que a legislação nacional em especial a Lei de Acesso à Informação já referida não estabelece restrição particular quanto à qualidade do titular do direito subjetivo de acesso à informação Destinatários do direito de acesso à informação portanto do direito de ser informado em sentido amplo são tanto particulares quanto órgãos estatais muito embora distinto o nível de vinculação de acordo com a natureza do destinatário o que decorre em parte já do próprio texto constitucional arts 5º XXXIII e 139 III assim como da legislação infraconstitucional e da jurisprudência destacandose aqui o fato de a Lei de Acesso à Informação Lei 125272011 dispor que o dever de disponibilizar e prestar informações abarca todos os órgãos públicos da administração direta e indireta de todos os níveis da Federação de todos os órgãos estatais empresas públicas fundações sociedades de economia mista assim como entidades privadas que de algum modo tenham recebido ou recebam recursos públicos neste caso apenas no que diz respeito às informações relativas aos recursos recebidos arts 1º e 2º Com isso ainda que de modo mediato por intermédio da legislação ordinária também os particulares encontramse vinculados como destinatários sujeitos passivos ao direito de acesso à informação 412623 Dimensão objetiva e subjetiva negativa e positiva Assim como os direitos fundamentais em geral também o direito à informação tem uma dupla dimensão objetiva e subjetiva Na perspectiva da sua dimensão objetiva o direito à informação densifica no plano constitucional e dos direitos fundamentais um valor essencial de natureza coletiva porquanto indispensável a um Estado Democrático de Direito para o qual a publicidade e a transparência dos atos dos órgãos estatais viabilizam o controle social e uma cidadania ativa e consciente assim como o papel social da liberdade de informação em geral igualmente estruturante para a Democracia Ademais disso cuidase de direito essencial à garantia do pluralismo político 447 Ademais disso o direito de acesso à informação implica na perspectiva objetiva tanto a existência de um dever de proteção estatal e correlatos deveres na seara organizatória e procedimental traduzindo aqui também a função de um dever de natureza prestacional Isso significa que o Estado como garante do direito geral de ser informado e do direito de acesso à informação deve assegurar um sistema informacional funcional de modo que cada cidadão possa efetivamente ter condições de se informar sobre os assuntos essenciais para o Estado Democrático 448 Dito de modo e numa perspectiva constitucionalmente adequados associada ao dever de publicidade da administração que se estende aos poderes estatais em geral no que é compatível é possível sustentar na CF a existência de um dever constitucional de gestão transparente da informação 449 Ademais disso calha sublinhar que o dever constitucional de transparência publicidade e informação além de permitir o controle social imprescindível a um Estado Democrático de Direito assegura ou facilita a fruição e proteção de outros direitos fundamentais não apenas mas em especial os direitos de participação política e de crítica e também os direitos sociais pois o acesso a informações atuais corretas e completas por exemplo em matéria orçamentária permite fiscalizar a destinação de recursos para os fins constitucionalmente previstos como é o caso dos direitos à saúde e à educação os quais inclusive têm assegurado investimento mínimo de recursos públicos Com os recursos cada vez mais desenvolvidos e eficazes das tecnologias de informação já há algum tempo se fala no estabelecimento de uma espécie de cibercidadania que permite que mais pessoas possam de modo mais eficaz e mesmo mais simples e econômico exercer um controle social da administração 450 Do ponto de vista da assim chamada dimensão subjetiva o direito à informação na condição de um direito fundamental em sentido amplo decodificase em um conjunto de posições subjetivas de natureza negativa defensiva como é o caso do direito de não ser impedido de se informar e a faculdade de não se informar como também um direito de caráter positivo no sentido de um direito a prestações de natureza informativa e um direito à proteção e mesmo participação na organização e no procedimento visto que também o direito à informação pode ser incluído no conjunto de direitos e deveres que formatam o que Peter Häberle designou de um status activus processualis ou seja uma cidadania ativa processual visto que viabiliza um controle social indispensável a um Estado Democrático de Direito e a possibilidade de exercício consciente e informado da liberdade de crítica e participação política 412624 Limites e restrições do direito de acesso à informação Assim como os demais direitos fundamentais também o direito geral de ser informado e o direito de acesso à informação não são imunes a limites e restrições de natureza diversa pois não raras vezes entram em processo de tensão e mesmo colisão com outros princípios direitos assim como com outros bens jurídicos de estatura constitucional Tendo em conta que a problemática em si dos limites e restrições a direitos fundamentais foi objeto de capítulo próprio na parte dedicada à teoria geral dos direitos fundamentais iremos focar aqui apenas nas peculiaridades dos limites específicos do direito à informação Nesse contexto há que destacar em primeiro plano os limites diretamente expressamente estabelecidos pelo constituinte originário designadamente a salvaguarda do sigilo profissional art 5º XIV CF a garantia de sigilo imprescindível à segurança da sociedade e do Estado art 5º XXXIII CF bem como a possibilidade de restrições excepcionais por força do Estado de Sítio art 139 III CF neste caso contudo pelo legislador ordinário no âmbito de uma reserva legal simples estabelecida no dispositivo constitucional referido Além disso assumem relevo outras restrições veiculadas pela legislação ordinária como é o caso entre outros diplomas da Lei de Acesso à Informação e mesmo de natureza jurisprudencial que em geral devem ser passíveis de recondução a limites constitucionais de natureza implícita indispensáveis ao estabelecimento de uma concordância prática entre direitos e outros bens constitucionais Ocupemonos ainda que sumariamente das principais A salvaguarda do sigilo da fonte quando necessário ao exercício profissional art 5º XIV CF é uma restrição importante mas que se revela indispensável ao próprio exercício da liberdade de expressão comunicação socialliberdade de imprensa quanto em outros casos que envolvem a preservação da privacidade necessária ao exercício profissional como é o caso entre outros especialmente de médicos psicólogos advogados No que diz com a liberdade de expressão jornalística comunicação social a jurisprudência do STF tem assegurado de modo particularmente robusto a garantia da salvaguarda do sigilo da fonte destacandose o precedente do Inquérito n 870RJ julgado em 08041996 tendo como relator o Min Celso de Mello que destacou ser desautorizada qualquer medida que venha a pressionar ou constranger o jornalista a revelar a fonte da informação utilizada como base de matéria divulgada Outra situação que envolve uma restrição quanto ao acesso a informações encontrase estabelecida no art 93 IX CF que dispõe sobre o assim chamado segredo de Justiça Reza o citado preceito que todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos e fundamentadas todas as decisões sob pena de nulidade podendo a lei limitar a presença em determinados atos às próprias partes e a seus advogados ou somente a estes em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação Como tal tema integra o capítulo dedicado ao Poder Judiciário aqui não será objeto de exame detido Notese apenas que a extensão do segredo de justiça é objeto de regulação infraconstitucional e desenvolvimento jurisprudencial como por exemplo o art 143 do Estatuto da Criança e do Adolescente que dispõe não serem passíveis de divulgação atos judiciais policiais e administrativos relativos a crianças e adolescentes a quem é atribuída a autoria de ato infracional vedada ainda a identificação da criança adolescente sobre a qual seja veiculada notícia Em caso de Estado de Sítio a CF no seu art 139 III prevê que na forma da lei reserva legal simples portanto por meio de lei ordinária com ampla margem de conformação poderão ser estabelecidas restrições tanto ao sigilo das comunicações e à liberdade de imprensa quanto ao direito à prestação de informações Cuidase é claro de hipótese de natureza excepcional e que pressupõe a regular decretação do Estado de Sítio nos termos da própria CF Ademais disso as restrições legais eventualmente impostas nessas circunstâncias nem por isso quedam imunes ao controle jurisdicional de sua constitucionalidade devendo atender aos critérios da proporcionalidade e salvaguardar o núcleo essencial dos direitos afetados O direito de acesso a informações detidas pelo Poder Público art 5º XXXIII CF seja na perspectiva imediatamente constitucional um direito originário a prestações de natureza informativa seja com apoio na legislação infraconstitucional embora em si chancelado pelo STF ainda carece de maior desenvolvimento doutrinário e jurisprudencial inclusive no que diz com o exame da constitucionalidade de dispositivos da Lei de Acesso à Informação e do decreto que a regulamentou Todavia importantes avanços podem ser apontados Nessa perspectiva colacionase julgado do STF Rcl 11949RJ datado de 15032017 e relatado pela Ministra Cármen Lúcia reafirmando em sede de Reclamação a autoridade de decisão anterior RMS 23036RJ de 2006 que havia determinado ordem concedida em Mandado de Segurança fosse assegurado o acesso dos então impetrantes a registros documentais de sessões de julgamento do Superior Tribunal Militar realizadas na década de 1970 acesso que embora determinado pelo STF não foi assegurado de modo amplo pela Corte Militar que liberou apenas documentos e arquivos fonográficos relacionados às sessões públicas Importa frisar ainda que de acordo com o STF o conhecimento da verdade histórica integra o patrimônio jurídico de qualquer cidadão e implica um correspondente dever do Estado ressalvandose apenas as informações indispensáveis ao resguardo do interesse público legítimo e da intimidade assim como para a proteção da sociedade e do Estado o que todavia deverá ser objeto de motivação detalhada viabilizando o controle judicial da recusa Ainda no que diz com a jurisprudência embora já existam algumas decisões importantes do STJ 451 no caso do STF parco é ainda o número de julgados sobre a matéria Um importante mas também polêmico julgamento trata do dever de publicação dos vencimentos dos servidores públicos de todos os quadros acompanhado do respectivo nome do servidor Cuidase do ARE 652777SP tendo como rel Min Teori Zavascki julgado em 23042015 onde se consignou não apenas ser legítima como devida do ponto de vista jurídicoconstitucional a publicação nominal dos vencimentos dos servidores públicos não importando tal obrigação uma intervenção desproporcional na esfera da vida privada e íntima A polêmica em apertada síntese gravitou em torno da argumentação de que para atender o legítimo interesse público de ser informado e ao mesmo tempo preservar a privacidade dos servidores bastaria publicar de modo completo e acessível todos os vencimentos e benefícios inerentes a cada cargo sem contudo revelar o nome do servidor atendendose assim aos critérios da proporcionalidade em especial ao requisito da necessidade De todo modo ao menos por ora prevalece a decisão do STF embora ainda carente de ser implantada em todos os setores e sempre passível de eventual aperfeiçoamento Noutro julgamento relevante sobre o tema designadamente no RE 865401MG rel Min Dias Toffoli julgado em 25042018 Pleno em sede de Repercussão Geral estabeleceuse que O parlamentar na condição de cidadão pode exercer plenamente seu direito fundamental de acesso a informações de interesse pessoal ou coletivo nos termos do art 5º XXXIII da CF e das normas de regência desse direito Tal direito segundo o entendimento da SC não pode ter cerceado o seu exercício devendo o parlamentar ter acesso via requerimento administrativo ou judicial a documentos e informações sobre a gestão pública desde que não estejam excepcionalmente sob regime de sigilo ou sujeitos à aprovação de Comissão Parlamentar de Inquérito CPI Aduz a Corte que o fato de as Casas Legislativas em determinadas situações agirem de forma colegiada por intermédio de seus órgãos não afasta tampouco restringe os direitos fundamentais no caso o direito de acesso à informação assegurados ao parlamentar como indivíduo Vale mencionar também a decisão proferida na ADPF 129 na qual o STF julgou inconstitucional o art 86 do Decretolei n 2001967 que tratava de despesas confidenciais por conter termos genéricos e insuficientes para amparar a restrição ao direito de acesso à informação 452 Ainda nesse contexto é de se referir a decisão proferida na ADPF 669DF com relação à pandemia do novo coronavírus que ao mesmo tempo representa importante precedente sobre o dever dos entes públicos de prestarem informações verdadeiras e baseadas em evidências O relator Min Roberto Barroso decidiu cautelarmente pela vedação da produção e circulação por qualquer meio de qualquer campanha que pregue que O Brasil Não Pode Parar ou que sugira que a população deve retornar às suas atividades plenas ou que expresse que a pandemia constitui evento de diminuta gravidade para a saúde e a vida da população Segundo o Ministro Barroso a campanha publicitária não era informativa educativa ou de orientação social e portanto não estava em concordância com o art 37 1º da CF 453 Na seara das restrições impostas pelo legislador ordinário há que focar na Lei de Acesso à Informação Lei n 125272011 e no decreto que a regulamentou Decreto n 77242012 posto que ambos veiculam uma série de intervenções restritivas importantes mas em parte questionáveis quanto à sua legitimidade jurídico constitucional Aliás é de se sublinhar que o decreto chegou mesmo a criar restrições sequer previstas na lei desbordando assim em parte do seu espaço legal de regulação A Lei de Acesso à Informação como já adiantado estabelece determinadas restrições ao direito de acesso à informação Destacamse aqui as informações classificadas como sigilosas elencadas no art 23 tais como informações que colocam em risco a soberania nacional a condução de negociações internacionais a vida e a saúde da população entre outras informações que de acordo com a sua relevância nos termos da lei podem ser classificadas em três categorias ultrassecretas secretas ou reservadas cada qual com um regime próprio e prazo diferenciado para liberação do acesso para o público art 24 Tratase de restrições que têm por objetivo assegurar diversas dimensões do interesse público e que segundo abalizada doutrina correspondem a rol de natureza taxativa 454 muito embora a lei não esteja a afastar expressamente a possibilidade da criação pela via legislativa de outras hipóteses nem mesmo se possa afastar de plano uma intervenção judiciária seja corrigindo ou mesmo fulminando as opções legislativas mas também eventualmente estabelecendo novas restrições por força da existência de colisões entre direitos fundamentais e outros bens constitucionais o que por ora não se verifica Ainda no tocante às restrições estabelecidas ao acesso à informação há que conside rar por fim que tais exceções devem ser compreendidas de modo restritivo principalmente considerando o direito de acesso à informação como sendo um importante instrumento de controle social Neste sentido mencionase como exemplo decisão proferida no âmbito da ADPF 690 em que o Ministro Alexandre de Moraes determinou ao Ministro da Saúde que mantivesse em sua integralidade a divulgação diária dos dados epidemiológicos relativos à pandemia do novo coronavírus inclusive no sítio do Ministério da Saúde e com os números acumulados de ocorrências fundamentando sua decisão no grave risco de uma interrupção abrupta da coleta e divulgação de importantes dados epidemiológicos imprescindíveis para a manutenção da análise da série histórica de evolução da pandemia 455 4127 As garantias constitucionais relativas à prisão o caso da prisão civil 41271 Generalidades Dentre as garantias da liberdade de locomoção assumem relevo as garantias da pessoa em face de detenções e prisões impostas pelo Estado ou mesmo da privação da liberdade por parte de terceiros Conquanto a imposição de medidas restritivas da liberdade não seja por si só considerada ilegítima na perspectiva do direito constitucional e do sistema internacional de proteção dos direitos humanos tanto no plano constitucional quanto no direito internacional existe uma série de restrições ao estabelecimento de medidas privativas da liberdade de locomoção Assim ao longo da evolução do constitucionalismo e de um direito internacional dos direitos humanos um conjunto de garantias fundamentais da pessoa contra medidas privativas da liberdade foi sendo construído Tais garantias ou melhor direitosgarantia englobam tanto limitações quanto ao agente competente para determinar a privação da liberdade quanto ao fundamento de tal privação e o seu procedimento No caso da Constituição Federal importa distinguir os casos de prisão em matéria penal e cível que receberam tratamento distinto do constituinte Para efeitos deste capítulo analisaremos por ora apenas o caso da prisão civil 41272 A prisão civil possibilidade e limites na Constituição Federal 456 412721 Generalidades e evolução constitucional pretérita A teor do disposto no art 5º LXVII da CF é vedada a prisão civil por dívida ressal vadas duas hipóteses a a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia b do depositário infiel A despeito de ser em geral proibida a possibilidade em alguns casos da prisão civil corresponde de certo modo a uma tradição no ordenamento jurídicoconstitucional brasileiro que já há muito tempo admite a prisão civil especialmente nas hipóteses de depositário infiel e suas variações Embora as duas primeiras Constituições 1824 1891 assim como a Constituição de 1937 não tenham disposto sobre o tema a legislação vigente na época assegurava a possibilidade da prisão acrescida posteriormente da prisão por dívida de natureza alimentar Assim por exemplo o antigo Código Comercial de 1850 art 20 prisão de comerciante para apresentação de livros em juízo art 90 prisão de trapicheiros e administradores de armazéns de depósito art 284 prisão de depositário intimado que não entrega a coisa depositada bem como o Código Civil de 1916 art 1287 prisão civil do depositário No plano constitucional a proibição de prisão civil por dívida foi consagrada pela primeira vez no Brasil na Constituição de 1934 art 113 n 30 Não haverá prisão por dívidas multas ou custas de 1946 art 141 32 Não haverá prisão civil por dívida multa ou custas salvo o caso do depositário infiel e o de inadimplemento de obrigação alimentar na forma da lei dispositivo que foi reproduzido pela Constituição de 1967 art 150 17 assim como pela EC 11969 art 153 17 até que se chegasse à formula atualmente consagrada já referida No direito constitucional estrangeiro não se pode afirmar que exista uma tendência uniforme visto que diversas constituições não se referem expressamente à prisão civil como é o caso no âmbito sulamericano da Constituição da Argentina art 19 da Constituição chilena art 19 7º b e da Constituição da Venezuela art 60 2 em que a privação da liberdade está mais estreitamente vinculada ao princípio da legalidade No âmbito europeu ao passo que a Constituição da Suíça aboliu expressamente a prisão por dívida art 59 3 em outros países a possibilidade de restrição das liberdades independentemente de ser ou não na esfera civil é reconhecida somente nos casos e na forma previstas em lei Esse é o caso por exemplo das Constituições da Espanha art 17 1 da Constituição portuguesa art 27 2 da Constituição alemã art 22 e da Constituição italiana art 13 Já no plano do direito internacional dos direitos humanos as limitações postas em relação à prisão civil especialmente no caso da prisão por dívidas são mais contundentes O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos de 1966 veda que alguém seja preso ape nas por não poder cumprir com uma obrigação contratual art 11 ao passo que a Convenção Americana sobre Direitos Humanos Pacto de São José da Costa Rica de 1969 no seu art 7º n 7 dispõe que ninguém deve ser detido por dívidas ressalvando os casos de prisão por dívida alimentar devidamente decretados por autoridade judiciária competente A Convenção Europeia dos Direitos Humanos art 1º do Protocolo 4 por sua vez a exemplo do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos afirma que ninguém pode ser privado da sua liberdade pela única razão de não poder cumprir uma obrigação contratual A partir do exposto é possível perceber que embora a tendência de uma generalizada proscrição dos casos de prisão por dívida salvo de caráter alimentar e com base em disposição contratual a prisão civil que abarca toda e qualquer modalidade de prisão que não tenha natureza penal ou administrativa como ocorre na esfera da hierarquia militar não foi completamente afastada sequer com base no sistema internacional de direitos humanos Como o nosso intento é o de comentar de modo sumário o que diz a Constituição Federal a respeito do tópico é com base no direito brasileiro com destaque para a perspectiva constitucional que iremos abordar o assunto 412722 Conteúdo e âmbito de proteção da proibição da prisão civil na Constituição Federal Segundo a norma contida no inciso LXVII do art 5º não haverá prisão civil por dívida salvo nos casos expressamente autorizados pela própria Constituição que por sua vez não tendo caráter de pena constituem meio processual excepcional e de cunho coercitivo destinado a cumprir duas finalidades a obrigar o devedor de alimentos a cumprir com a sua obrigação alimentar b compelir o depositário infiel a entregar o bem que lhe foi confiado ou em caráter alternativo efetuar a sua substituição por outro ou pelo seu equivalente em espécie Na perspectiva da dupla dimensão defensiva e prestacional dos direitos fundamentais a vedação da prisão civil em primeira linha consiste no direito de qualquer pessoa de não ser privado da liberdade em virtude do descumprimento de obrigação direito este que exige uma posição de respeito e de abstenção do Estado e dos particulares Assim como direito de defesa a proibição de prisão civil opera como uma barreira invalidando todos os atos atentatórios a esta garantia constitucional independentemente da natureza pública ou privada destes atos sejam eles normativos ou não A dimensão defensiva negativa como é sabido não dispensa uma postura ativa do Estado justamente para proteger a liberdade da pessoa impedindo que esta seja violada inclusive pelo próprio Estado ou por iniciativa de particulares com destaque para o dever de tutela jurisdicional mas também por meio de prestações jurídicas normativas ou mesmo por meio de outras formas de tutela da liberdade pessoal e meios alternativos de proteção dos direitos que se pretendeu tutelar com a possibilidade da prisão No que diz com o conteúdo literal e portanto neste sentido previamente determinado da incidência da proibição da prisão cuidase de norma regra tipicamente proibitiva e que em princípio admite apenas duas exceções a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentar e a do depositário infiel Ambas as hipóteses inclusive por serem por sua vez instrumentos de tutela de outros bens eou direitos com assento constitucional direto ou indireto vinham sendo objeto de acirrada discussão doutrinária e jurisprudencial inclusive no que diz com a manutenção da possibilidade da prisão civil no sistema constitucional brasileiro especialmente no caso da prisão do depositário infiel Todavia com a edição da Súmula Vinculante 25 do STF pelo menos no que diz com a posição dos tribunais o debate praticamente se limita a uma ou outra voz crítica inclusive refutando o alcance da decisão do STF o que voltará a ser objeto de atenção nos próximos itens que dizem respeito aos mais importantes aspectos envolvendo ambas as exceções previstas pelo menos textualmente pela Constituição 412723 A prisão civil no caso de inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentar As exceções à norma constitucional proibitiva da prisão civil enquadramse dentro de uma tipologia das restrições aos direitos fundamentais no âmbito das restrições diretamente estabelecidas pela Constituição Federal muito embora caiba ao legislador infraconstitucional concretizar tais hipóteses No caso específico da prisão civil por inadimplemento de dívida de alimentos o corpo legislativo que regulamenta as hipóteses e o procedimento da prisão civil abarca tanto os diversos tratados internacionais ratificados pelo Brasil e incorporados ao direito interno com destaque para o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e a Convenção de São José da Costa Rica quanto dispositivos previstos no Código Civil Código de Processo Civil e Lei de Alimentos Um aspecto digno de nota relacionase com o fato de que no caso da prisão do devedor de alimentos a Constituição Federal diferentemente dos tratados internacionais foi mais restritiva e protetiva do devedor já que limitou a liberdade de conformação do legislador infraconstitucional para regular a matéria ao dispor que a prisão do devedor de alimentos somente será legítima se a dívida for voluntária e inescusável ao passo que os tratados internacionais deixaram uma maior margem de liberdade aos legisladores nacionais A respeito da possibilidade de se utilizar a prisão civil como meio coercitivo excepcional nas hipóteses de inadimplemento de dívidas trabalhistas já que o salário tem natureza alimentar e é um bem jurídico que goza de especial proteção constitucional art 7º X bem como em outras situações como no caso de créditos indenizatórios decorrentes de acidente de trabalho benefícios previdenciários honorários profissionais dentre outras é preciso enfatizar que em termos gerais a resposta majoritária tem sido negativa especialmente quando mesmo evidente a natureza alimentar não há previsão legal expressa admitindo a prisão exigência que decorre do disposto no inciso II do art 5º da CF É preciso destacar nesse contexto que pelo não pagamento por parte dos entes federativos dos precatórios de natureza alimentar art 100 1º e 5º da CF não cabe decretação da prisão civil do governante já que há de ser observada também a ordem de pagamento dos precatórios alimentares Assim ainda que se possa controverter sobre a natureza alimentar da obrigação a prisão civil como medida restritiva de liberdade excepcionalmente autorizada pela Constituição não pode ter pelo menos segundo o entendimento dominante o seu âmbito alargado sem prévia norma infraconstitucional que venha a lhe dar exata conformação Aliás a própria edição de legislação ampliando as hipóteses de prisão civil teria de ser rigorosamente controlada à luz dos parâmetros que regem as limitações dos direitos fundamentais designadamente os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade bem como a garantia da salvaguarda no núcleo essencial dos direitos fundamentais visto que o legislador não está autorizado a transfor mar a norma constitucional proibitiva de prisão civil em letra morta Evidentemente tal argumentação não afasta por si só e de modo categórico a controvérsia visto que sempre seria possível argumentar que à míngua de alternativas plausíveis eventual conflito entre a restrição da liberdade pessoal e a satisfação de obrigação de caráter inequivocamente alimentar poderia justificar à luz da proporcionalidade uma superação excepcional da exigência prévia de lei o que pelo menos em função dos limites do presente comentário aqui vai referido apenas em caráter meramente argumentativo Muito embora quanto ao cabimento em si da prisão civil por inadimplemento voluntário e inescusável de dívida alimentar não paire controvérsia existem questões que têm merecido a atenção da doutrina e da jurisprudência No que diz com a jurisprudência do STF a grande massa das decisões é dada a natureza da matéria concentrada nas instâncias ordinárias e no STJ verificase que em termos gerais tem sido afirmada a inadequa ção do habeas corpus para rediscutir o binômio necessidadepossibilidade e o cabimento da reiteração do mandado de prisão civil quando configurado novo descumprimento da obrigação alimentícia 457 Já com relação ao acúmulo de parcelas vencidas o entendimento da Suprema Corte é de que cabe a ordem de prisão civil quando o acúmulo de parcelas não se deu por inércia do credor 458 sendo inadequada esta via quando o acúmulo de parcelas se deu por inércia do alimentando por longo tempo 459 Por outro lado superada a divergência em torno de saber se o rito da prisão civil aplicarseia no ordenamento jurídico brasileiro apenas aos alimentos provisionais aqueles deferidos em sede da ação cautelar de alimentos provisionais arts 852 a 854 do CPC ou também aos alimentos provisórios e aos alimentos definitivos em prol da admissibilidade para quaisquer dessas espécies do gênero alimentos sejam eles deferidos provisória ou definitivamente 460 aplicase o prazo de 60 dias aos alimentos definitivos conforme a lei especial art 19 da Lei 54781968 e o prazo de 1 um a 3 três meses aos alimentos provisórios conforme a lei processual civil art 733 1º do CPC tendo em vista a natureza da obrigação alimentar e sua vinculação direta com a proteção dos direitos fundamentais Importa destacar que o direito e correspondente dever fundamental de assistência familiar constitui um bem jurídico que goza de tutela penal art 244 do CP podendo a sua violação configurar delito de abandono material o que apenas reforça a necessidade de se analisar todo o complexo de questões vinculadas ao tema à luz de um sistema de direitos fundamentais que prioriza a promoção e proteção da dignidade da pessoa humana ainda mais naquilo que diz respeito às crianças e aos idosos em face de sua maior vulnerabilidade nestas fases da vida Questão relevante sob a perspectiva constitucional diz com o regime prisional da prisão civil do devedor de alimentos Muito embora as regras contidas na Lei de Execução Penal Lei 7210 de 11071984 não se apliquem à prisão civil já que não se trata de pena admitese a possibilidade de que excepcionalmente em virtude das circunstâncias do caso concreto o regime da prisão civil possa ser o aberto prisão albergue e até mesmo a prisão domiciliar ainda que a regra pelo fundamento diverso deva ser o regime comum no caso o regime fechado Nesse sentido mesmo que o STJ 461 tenha reconhecido que idosos de idade avançada e gravemente enfermos podem cumprir a prisão civil em regime domiciliar se cumpridos os requisitos legais contidos na Lei de Execução Penal embora a prisão civil deva em regra ser executada em regime fechado 462 o STF 463464 argumentando a partir do caráter constritivo da prisão civil não admite o seu cumprimento em regime domiciliar nem mesmo o seu cumprimento em regime de prisãoalbergue assegurando ao paciente o cumprimento da prisão civil em cela separada Quanto às divergências apontadas há que considerar no exame de cada caso concreto que outros direitos fundamentais estão em jogo o que poderá justificar inclusive o cumprimento da prisão civil pelo regime da prisão domiciliar ainda que a sua natureza não seja a de uma pena Além disso examinandose a questão à luz do princípio da proporcionalidade dentre outros argumentos que poderiam ser esgrimidos verificase que o cumprimento da prisão civil em regime aberto admitido sempre o trabalho externo mesmo informal desde que plausivelmente justificado deveria ser a regra e não mera exceção ainda mais que o impedimento de atividade laboral até mesmo a procura por um trabalho pode acarretar a impossibilidade do alimentante de prestar os alimentos 465 Importa considerar ainda que o objetivo da prisão justamente por não ser pena é o de compelir o devedor à satisfação dos créditos alimentares e não impedilo de efetuar o pagamento Assim a não ser em caso de reincidência mesmo assim com o exame do caso concreto quando se pode partir da premissa de que a prisão em regime aberto não logrou ser um meio apto a cumprir sua finalidade a aplicação do meio constritivo da liberdade pessoal em regime fechado mas sempre em instituição prisional adequada à prisão civil poderia ser cogitada 412724 A controvérsia em torno da prisão civil do depositário infiel Como já referido a prisão civil do depositário infiel é a segunda exceção constitucional expressa à norma que proíbe a prisão civil por dívida mas o STF especialmente após ter sumulado a matéria passou a chancelar o entendimento de que nem mesmo nos casos de depósito judicial seria possível a legislação infraconstitucional prever a prisão civil do depositário A matéria contudo foi objeto de longo e acalorado debate na doutrina e na jurisprudência Com efeito é preciso recordar que de acordo com a orientação consagrada pelo STF até há pouco tempo em que pesem alguns votos dissidentes o Declei 9111969 teria sido recepcionado pela nova ordem constitucional e a equiparação do devedor fiduciário ao depositário infiel não afrontaria a Constituição autorizando a expedição de decreto de prisão civil no caso da alienação fiduciária em garantia tendo o STF inclusive cassado decisões proferidas pelo STJ que consideravam descabida a prisão 466 Tal orientação já foi reavaliada pelo Plenário do STF no âmbito do julgamento dos Recursos Extraordinários 466343SP e 349703RS no sentido de reconhecer a inconstitucionalidade da prisão civil no que diz respeito aos contratos de alienação fiduciária em garantia inclusive alterando a orientação anteriormente vigente sobre a hierarquia dos tratados internacionais de direitos humanos no sentido de passar a afirmar a prevalência dos tratados sobre qualquer diploma legal interno cedendo apenas em face da Constituição o que também foi discutido no julgamento dos Habeas Corpus 87585TO e 92566SP Em apertada síntese eis os fundamentos para a nova orientação do STF a inconstitucionalidade da prisão civil do devedor fiduciante por violação dos princípios da proporcionalidade e da reserva legal proporcional b a superação da anacrônica tese da legalidade ordinária dos tratados internacionais incompatível com a tendência do constitucionalismo contemporâneo em prol da proteção e promoção da pessoa humana mediante a adoção da tese da supralegalidade dos tratados internacionais que versem sobre direitos humanos c a autorização constitucional para prisão civil do depositário infiel não foi revogada pelos tratados internacionais mas deixa de ter aplicabilidade paralisando todos os efeitos da legislação infraconstitucional em sentido contrário de modo que não subsiste base legal para que seja decretada a prisão civil do depositário d além disso de acordo com o ventilado nos julgamentos independentemente da existência dos tratados proibindo a prisão por dívida nos casos de alienação fiduciária inexiste a figura do depositário o que por si só implica o descabimento da prisão Na sequência de tal decisão e após uma série de outros julgados tanto o STF Súmula Vinculante 25 de 16122009 quanto o STJ Súmula 419 de 03032010 sumularam a matéria no sentido de ter por vedada qualquer modalidade de prisão de depositário infiel na ordem jurídica brasileira inclusive em caso de depósito judicial aspecto que pelas suas peculiaridades será analisado a seguir já que a decisão do STF não se revela de todo imune a controvérsias Com efeito se é possível aceitar a bondade intrínseca e correção da tese da inconstitucionalidade da prisão civil nos casos de alienação fiduciária em garantia ou hipóteses similares o mesmo já não pode ser afirmado pelo menos não sem alguma reflexão adicional em relação aos casos do depositário judicial infiel Não é demais lembrar que durante muito tempo e mesmo após o reconhecimento da ilegitimidade da prisão civil nos casos de alienação fiduciária existiam julgados atualmente superados no sentido de que a proibição de prisão civil constante no Pacto de São José da Costa Rica não se aplica ao depositário judicial infiel Os motivos que levam ao questionamento da nova orientação do STF pelo menos quanto a alguns aspectos são vários Por um lado resulta evidente que no caso do depósito judicial não se trata de uma prisão decorrente pelo menos não diretamente e em parte das situações de uma obrigação contratual o que afasta em princípio quaisquer digressões quanto à violação do Dec Legislativo 2261991 art 11 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos argumentos que todavia não podem ser esgrimidos com relação ao Decreto Legislativo 271992 art 7 n 7 do Pacto de São José da Costa Rica É preciso recordar neste contexto que a jurisprudência tanto do STJ quanto do próprio STF 467 vinha sustentando que a obrigação do depositário judicial não decorre de uma relação contratual depósito voluntário e sim do exercício de um encargo público depósito necessário já que o depositário judicial como auxiliar da autoridade judiciária que está prestando jurisdição tem a obrigação de guardar com zelo o bem que lhe foi confiado em depósito Em segundo lugar verificase manifesto conflito entre a liberdade pessoal do depositário judicial infiel sujeita a restrição pela prisão civil e a garantia de efetividade do processo assim como com o próprio direito deduzido judicialmente que encontra na constrição e depósito de determinado bem muitas vezes a única garantia de que após longos anos de disputa judicial seja satisfeita a obrigação reclamada De outra parte resulta pelo menos questionável o entendimento de que aqui se trate de típica prisão por dívida visto que o que se busca coibir é uma forma de fraude à efetividade do processo ainda mais ausentes outras formas de execução e evidentemente preservado o contraditório e a possibilidade de demonstração da ausência de responsabilidade pelo perecimento do bem depositado Aliás cabe retomar aqui a discussão em torno da própria definição de prisão civil que consoante já adiantado não se confunde com a figura da prisão por dívida de tal sorte que diversos países igualmente signatários do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e de outras convenções internacionais pactos que não vedam de modo genérico a prisão civil mas apenas a prisão por dívida e a prisão com base em disposição contratual mantêm a possibilidade da prisão civil nos seus ordenamentos Embora não seja possível avançar com a análise cuidase de discussão a ser aprofundada à luz de outras variáveis a serem consideradas Apenas para ilustrar há que enfrentar o problema de em sendo completamente banida a prisão civil ser criado algum tipo de garantia para que as pessoas que ainda buscam solver na esfera judicial os seus conflitos tenham o direito efetivado pois do contrário o dever de proteção do Estado poderá estar pendendo em favor apenas de um dos interesses em causa Além disso o argumento corrente de que se trata da contraposição entre meros interesses patrimoniais da parte credora e a dignidade do devedordepositário igualmente merece ser mais bem debatido A tese da integral convergência entre o direito de liberdade e a dignidade da pessoa humana faria com que qualquer restrição da liberdade mesmo de cunho penal sempre representasse uma violação da dignidade da pessoa humana quando em verdade apenas a prisão perpétua e a execução da restrição da liberdade em condições indignas este sim fenômeno comum entre nós costumam ser consideradas ofensivas à dignidade ou mesmo ao núcleo essencial do direito de liberdade Da mesma forma não é apenas o interesse nem sempre meramente patrimonial do credor que está em causa basta apontar para o exemplo de dívidas de cunho alimentar ou existencial não enquadradas nas hipóteses legais que admitem a prisão civil mas que resultaram em penhora e depósito judicial mas como já referido a dimensão objetiva da garantia fundamental do direito a ter direitos efetivos que se não puder ser em caráter excepcional assegurada mediante a aplicação da prisão civil deveria pelo menos encontrar outra forma de satisfação por parte do Estado a quem incumbe o dever de proteção eficiente dos direitos fundamentais questão que desafia maior investimento e se situa na esfera do problema mais amplo do acesso efetivo à Justiça 412725 Liberdade de profissão 1 Considerações gerais A liberdade de exercício de profissão é uma das liberdades fundamentais mais importantes do catálogo constitucional brasileiro dada a sua conexão com uma série de outros princípios e direitos fundamentais Já no período inaugural do constitucionalismo moderno fortemente marcado pelo iluminismo a liberdade de escolha e exercício profissional era considerada como um meio essencial para a autorrealização do homem e tida especialmente para os grandes economistas da época como era o caso de Adam Smith como condição essencial para a economia e a realização do bem comum 468 Mesmo na quadra atual é possível afirmar que a liberdade de exercício profissional diz respeito ao desenvolvimento da personalidade na perspectiva econômica muito embora a maior ou menor intensidade da faceta econômica e do lado existencial dependam de cada ordem jurídicoconstitucional 469 É recorrendo às lições de Konrad Hesse que se pode compreender melhor tal caráter dúplice da liberdade de exercício profissional Com efeito de acordo com o festejado constitucionalista alemão no que diz com a sua dimensão pessoal a liberdade de profissão é sempre um aspecto essencial da livre formatação da própria existência sem a qual o livre desenvolvimento da personalidade não seria sequer concebível por outro lado na perspectiva econômica a liberdade de profissão constitui elemento essencial de uma ordem social e econômica livre 470 Tendo em conta que também a ordem constitucional brasileira tem por fundamento a dignidade da pessoa humana mas também os valores sociais do trabalho e da livreiniciativa numa perspectiva simétrica é possível recolher as diretrizes cunhadas pelo Tribunal Constitucional Federal da Alemanha no sentido de que a liberdade de escolha do exercício profissional guarda forte relação com o direito ao desenvolvimento da personalidade pelo fato de que se trata tanto de uma finalidade quanto de um fundamento da vida pessoal ao mesmo tempo viabilizando que o indivíduo possa contribuir para a vida social como um todo 471 O fato é que ao longo da evolução constitucional a liberdade de exercício profissional foi não apenas ganhando importância difundindose entre as constituições mas sendo também integrada ao sistema internacional dos direitos humanos Além disso seu objeto e seus limites foram sendo articulados com outros direitos e bens jurídico constitucionais implicando um câmbio tanto qualitativo quanto quantitativo de modo que também a liberdade de exercício profissional assume atualmente a feição de um direito fundamental complexo e multidimensional o que será desenvolvido logo adiante após breves notícias sobre o seu reconhecimento no direito constitucional positivo e nos documentos internacionais 2 A liberdade de profissão o direito internacional dos direitos humanos e o constitucionalismo estrangeiro Já tendo sido reconhecida em diversas Constituições nacionais a liberdade de profissão acabou sendo agasalhada também na esfera do direito internacional dos direitos humanos a começar pela Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU de 1948 cujo art XXIII n 1 dispõe que toda pessoa tem direito ao trabalho à livre escolha de emprego a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego O Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos Sociais e Culturais de 1966 por sua vez traz no art 6º o reconhecimento dos EstadosMembros do direito de toda pessoa de ter a possibilidade de ganhar a vida mediante um trabalho livremente escolhido ou aceito A Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos de 1981 dispõe Art 8º A liberdade de consciência a profissão e a prática livre da religião são garantidas Sob reserva da ordem pública ninguém pode ser objeto de medidas de constrangimento que visem restringir a manifestação dessas liberdades Por fim mas não menos importante no âmbito da União Europeia a Carta de Direitos Humanos 2000 também incorpora a liberdade profissional e o direito de trabalhar assegurando a todas as pessoas o direito de trabalhar e exercer uma profissão livremente escolhida ou aceite e ainda dispõe que todos os cidadãos da UE têm a liberdade de procurar emprego de trabalhar de se estabelecer ou de prestar serviços em qualquer EstadoMembro Constituição portuguesa Art 47º Liberdade de escolha de profissão e acesso à função pública 1 Todos têm o direito de escolher livremente a profissão ou o género de trabalho salvas as restrições legais impostas pelo interesse colectivo ou inerentes à sua própria capacidade 2 Todos os cidadãos têm o direito de acesso à função pública em condições de igualdade e liberdade em regra por via de concurso Constituição espanhola Art 35 1 Todos los españoles tienen el deber de trabajar y el derecho al trabajo a la libre elección de profesión u oficio a la promoción a través del trabajo y a una remuneración suficiente para satisfacer sus necesidades y las de su familia sin que en ningún caso pueda hacerse discriminación por razón de sexo 3 La Ley regulará un Estatuto de los Trabajadores Lei Fundamental Alemã Art 12 1 Alle Deutschen haben das Recht Beruf Arbeitsplatz und Ausbildungsstätte frei zu wählen Die Berufsausübung kann durch Gesetz oder auf Grund eines Gesetzes geregelt werden 2 Niemand darf zu einer bestimmten Arbeit gezwungen werden außer im Rahmen einer herkömmlichen allgemeinen für alle gleichen öffentlichen Dienstleistungspflicht 3 Zwangsarbeit ist nur bei einer gerichtlich angeordneten Freiheitsentziehung zulässig Constituição mexicana Art 5º A ninguna persona podrá impedirse que se dedique a la profesión industria comercio o trabajo que le acomode siendo lícitos El ejercicio de esta libertad sólo podrá vedarse por determinación judicial cuando se ataquen los derechos de tercero o por resolución gubernativa dictada en los términos que marque la ley cuando se ofendan los derechos de la sociedad Nadie puede ser privado del producto de su trabajo sino por resolución judicial Constituição italiana Art 4 La Repubblica riconosce a tutti i cittadini il diritto al lavoro e promuove le condizioni che rendano effettivo questo diritto Ogni cittadino ha il dovere di svolgere secondo le proprie possibilità e la propria scelta una attività o una funzione che concorra al progresso materiale o spirituale della società Constituição chilena Art 19 16º La libertad de trabajo y su protección Toda persona tiene derecho a la libre contratación y a la libre elección del trabajo con una justa retribución 3 Direito constitucional brasileiro anterior Pela sua importância para a liberdade individual e mesmo para a ordem econômica do liberalismo a liberdade de profissão já se fazia presente na primeira Constituição brasileira de 1824 que no seu art 179 XXIV dispunha que nenhum genero de trabalho de cultura industria ou commercio póde ser prohibido uma vez que não se opponha aos costumes publicos á segurança e saude dos Cidadãos A primeira Constituição da República de 1891 no seu art 72 24 preceituava É garantido o livre exercício de qualquer profissão moral intelectual e industrial O texto constitucional de 1934 por sua vez que já se enquadrava nos moldes de um constitucionalismo social reconheceu a liberdade de profissão mas a condicionou ao interesse público Com efeito de acordo com o art 113 n 13 da Carta de 1934 é livre o exercício de qualquer profissão observadas as condições de capacidade técnica e outras que a lei estabelecer ditadas pelo interesse público A mesma constituição no seu art 133 reservou salvo exceções o exercício de profissões liberais aos brasileiros natos e naturalizados que tenham prestado serviço militar no Brasil o que em linhas gerais foi mantido no texto constitucional do Estado Novo de 1937 cujo art 122 n 8 garantia a liberdade de escolha de profissão ou do gênero de trabalho indústria ou comércio observadas as condições de capacidade e as restrições impostas pelo bem público nos termos da lei mantida também a restrição do exercício de profissões liberais aos brasileiros natos e naturalizados art 150 A Constituição Federal de 1946 por sua vez no seu art 141 14 dispunha ser livre o exercício de qualquer profissão observadas as condições de capacidade que a lei estabelecer ao passo que a Constituição de 1967 art 150 23 assegurava ser livre o exercício de qualquer trabalho ofício ou profissão observadas as condições de capacidade que a lei estabelecer texto que foi mantido na versão da Constituição alterada pela EC 1 de 17101969 no art 153 23 412726 A liberdade de profissão na Constituição Federal 1 Considerações gerais De acordo com o disposto no art 5º XIII da CF é livre o exercício de qualquer trabalho ofício ou profissão atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer enunciado textual que como ocorre em muitas outras situações diz menos diretamente do que de fato corresponde ao conteúdo e alcance do direito fundamental já pelo simples fato de a liberdade de exercício profissional abarcar de plano aqui ainda desconsiderados outros aspectos também a liberdade de escolha de determinada profissão razão pela qual em diversos lugares como é o caso da Alemanha não se fala em liberdade de exercício de profissão mas sim tal como disposto no art 12 da Lei Fundamental genericamente em liberdade de profissão ou liberdade profissional Berufsfreiheit Em sentido diverso a Constituição portuguesa de 1976 contempla no plano textual uma liberdade de escolha da profissão art 47 que todavia abrange a liberdade de exercício da profissão escolhida sendo por sua vez considerada uma componente da liberdade de trabalho mais ampla mas que não encontrou previsão expressa e autônoma no texto constitucional português 472 Considerando o caráter amplo da liberdade de exercício da profissão na Constituição Federal a despeito da terminologia adotada pelo constituinte passaremos a utilizar a expressão mais genérica liberdade de profissão 473 Ainda neste contexto preliminar importa enfatizar que a liberdade de profissão não se confunde com a livreiniciativa art 1º IV e art 170 caput da CF nem com a liberdade de exercício de qualquer atividade econômica art 170 parágrafo único da CF 474 embora a existência de pontos de contato que aqui não serão explorados 2 Conteúdo e âmbito de proteção Como já referido na parte introdutória também a liberdade de profissão é um direito fundamental complexo abarcando uma dupla dimensão objetiva e subjetiva 475 além de ter tanto uma função defensiva negativa quanto positiva prestacional 476 Assim o âmbito de proteção da liberdade de profissão há de ser tomado em sentido amplo compreendendo na condição de direito de defesa direito negativo a liberdade de não ser impedido de escolher e exercer qualquer profissão para a qual se tenham atendido os requisitos necessários mas também o direito de não ser compelido forçado a escolher e exercer determinada profissão 477 No âmbito da sua função defensiva o que está em causa portanto é assegurar ao indivíduo a possibilidade de uma realização autônoma das condições materiais de sua própria existência e desenvolvimento mediante uma blindagem contra uma intervenção e regulação indevida e desnecessária por parte do Estado 478 Embora se possa partir da premissa de que a liberdade de profissão é também uma liberdade negativa que tem por objeto a prerrogativa de se optar por não exercer uma profissão e de prover a existência por outros meios lícitos por exemplo a manutenção por terceiros ou viver de rendimentos do patrimônio o reconhecimento de um direito à preguiça é no mínimo controverso especialmente em ordens jurídicas onde a vadiagem é sancionada até mesmo na esfera criminal por mais questionável que seja por sua vez tal criminalização De qualquer modo é certo que a liberdade negativa de profissão implica também um direito humano e fundamental no sentido de um direito de todos e de qualquer um a não ser forçado ao trabalho 479 visto que proibida qualquer hipótese de trabalho forçado ou escravo inclusive como penalidade imposta por força de condenação criminal de acordo no caso brasileiro com o disposto no art 5º XLVII c da CF proibição que já poderia ser deduzida da própria dignidade da pessoa humana Numa perspectiva positiva a liberdade de profissão guarda relação com o direito ao trabalho e o direito à educação no sentido de um direito à obtenção dos requisitos legais para o exercício profissional e de um direito de igualdade de condições no que diz com o acesso às profissões 480 O quanto se pode deduzir da liberdade de profissão posições subjetivas positivas originárias como é o caso de subsídios para a preparação profissional cursos estágios etc é no mínimo discutível embora se possa também aqui falar em um direito no sentido de um direito derivado a prestações de igual acesso às prestações disponibilizadas nesta seara 481 É de se excluir a possibilidade de deduzir o que já corresponde ao entendimento em relação ao próprio direito ao trabalho da liber dade de profissão um direito subjetivo a um lugar de trabalho 482 até mesmo pelo fato de na Constituição Federal o reconhecimento de um direito específico ao trabalho exigir a despeito da existência de pontos de contato um tratamento autônomo dos respectivos âmbitos de proteção dos dois direitos fundamentais Muito embora a liberdade de profissão não se confunda com o direito ao trabalho é preciso considerar que é para que as pessoas possam trabalhar e assegurar sua subsistência que se garante a liberdade de escolher uma profissão ou ocupação de tal sorte que o direito ao trabalho não pode implicar o esvaziamento da liberdade de profissão ou seja o Estado não pode impor ou impedir determinada atividade apenas com base no pretexto da realização do direito ao trabalho 483 Se o princípio da igualdade na condição de proibição de discriminação opera como direito de defesa na sua dimensão positiva é possível vincular ao tópico a discussão em torno da existência de um direito a medidas de discriminação inversa positiva no sentido de políticas de ações afirmativas que tenham por escopo fomentar a integração mediante acesso a determinadas profissões ou ao mercado de trabalho em geral inclusive na esfera do serviço público de determinadas categorias de pessoas mulheres pessoas com deficiência negros etc especialmente quando se cuida da reserva de cotas 484 Tais aspectos contudo aqui não serão desenvolvidos dizendo mais de perto com o princípio da igualdade objeto de capítulo próprio Como em matéria de liberdade de profissão também se faz presente um dever de proteção estatal deduzido da respectiva dimensão objetiva do direito fundamental que implica ações positivas que incluem medidas na esfera da organização e procedimento a exemplo do estabelecimento de provas no momento do acesso ao exercício de uma profissão 485 verificase que a dimensão positiva do direito resulta ampliada ainda que se possa discutir sobre a existência de autênticas posições subjetivas a tais medidas aspecto que aqui não será enfrentado e que diz respeito ao debate sobre os direitos a prestações como direitos subjetivos A liberdade de profissão especialmente à vista do texto constitucional brasileiro que se refere também à liberdade de exercício de ofício e trabalho abrange qualquer modalidade de trabalho profissão e ocupação suscetível de constituir ocupação ou modo de vida considerando a categoria profissão em sentido aberto incluindo profissões atípicas profissões livres e até mesmo o direito de criação de novas profissões 486 Por outro lado que apenas ocupações profissões e trabalhos lícitos estão cobertos pela liberdade de profissão corresponde ao que tudo indica ao entendimento dominante muito embora a noção de ocupação lícita como toda e qualquer ocupação não reprovada pela ordem jurídica demande uma explicitação especialmente considerando algumas hipóteses controversas como é o caso da prostituição 487 Em síntese é possível afirmar que a liberdade de profissão tanto na perspectiva negativa quanto positiva abrange em termos gerais e não exaustivos a a possibilidade de escolher ou não qualquer profissão trabalho ou ocupação b a garantia do livre exercício da profissão trabalho ou ocupação escolhido c igualdade de condições de acesso à profissão escolhida desde que preenchidos os requisitos legais 488 3 Titularidade e destinatários Titular da liberdade de profissão é em primeira linha a pessoa natural o indivíduo mas também as pessoas jurídicas podem ser titulares da liberdade de profissão no caso das últimas na medida em que a atividade possa ser exercida por uma pessoa jurídica 489 Até que ponto estrangeiros não residentes no Brasil podem ser titulares da liberdade de profissão já demanda maior atenção embora a resposta pelo menos em princípio deva ser afirmativa especialmente considerando que o conteúdo da liberdade de profissão envolve a possibilidade de exercer e mesmo não exercer qualquer ocupação lícita ou seja não apenas um trabalho emprego no sentido formal Pelo menos o direito de não exercer uma profissão e não ser forçado a tanto embora aqui se pudesse questionar a incidência de outro direito fundamental notadamente por se tratar aqui de uma exigência da própria dignidade da pessoa humana há de ser assegurado também ao estrangeiro não residente Quanto aos destinatários além da vinculação sempre direta dos órgãos estatais a liberdade de profissão projetase no plano das relações privadas podendo aqui se distinguir entre uma vinculação direta e indireta aspectos que aqui não serão desenvolvidos remetendose ao tópico respectivo da parte geral dos direitos fundamentais 4 Limites e restrições A liberdade de profissão nos termos do art 5º XIII da CF encontrase submetida a uma expressa reserva legal simples pois atribui ao legislador a possibilidade de estabelecer as exigências para o exercício da profissão sem qualquer diretriz ou condicionamento adicional razão pela qual a norma que a consagra costuma ser enquadrada na categoria das habitualmente embora de forma equivocada no nosso sentir assim chamadas normas de eficácia contida 490 Cuidase portanto de um direito restringível por lei sem que para tanto o legislador careça de especial justificação embora quanto ao conteúdo e alcance da restrição se imponha um exame de sua legitimidade constitucional Antes contudo de avançarmos no que diz com as restrições à liberdade de profissão e seus respectivos limites é preciso indagar até que ponto é possível aceitar a ideia de limitações imanentes notadamente quando se cuida de avaliar se desde logo a ilicitude da ocupação trabalho ou profissão resta afastada do âmbito de proteção do direito Assim embora a Constituição Federal não tenha feito referência explícita a tal requisito a licitude da atividade profissional ainda que se trate de uma categoria aberta e inclusiva que exige uma interpretação em sentido amplo constitui uma exigência imanente soando mesmo contraditório que se pudesse falar em um direito a exercer ocupação vedada pelo legislador e mesmo cuja prática seja tipificada como crime ou contravenção o que de resto já foi objeto de referência na parte relativa ao âmbito de proteção da liberdade de profissão 491 Na esfera das intervenções restritivas mediante atuação do legislador ou mesmo mediante atos do Poder Executivo ou do Poder Judiciário aqui em especial por força da colisão com outros direitos fundamentais ou bens de hierarquia constitucional é preciso diferenciar as situações pois não se trata da mesma coisa interferir na escolha de determinada profissão e estabelecer regras relativas ao seu exercício seja no concernente aos requisitos para o acesso à profissão seja no que diz com o exercício propriamente dito de tal sorte que é possível falar em uma graduação no que diz com a intensidade das restrições 492 Assim ao passo que no tocante à escolha profissional ou seja a opção de cada um de ser policial juiz médico ou professor a decisão pessoal e autônoma de cada indivíduo encontrase em regra blindada contra uma decisão heterônoma seja do Poder Público seja da comunidade família ou outros indivíduos cuidando se aqui daquela esfera que diz respeito também à própria dignidade da pessoa humana no que diz com a regulamentação dos critérios para o exercício da atividade seja quanto ao acesso seja quanto ao exercício propriamente dito a Constituição Federal desde logo autorizou o legislador a cuidar da matéria de modo que o que poderá estar em causa é apenas em que medida o legislador atuou de modo constitucionalmente legítimo Por outro lado é preciso considerar que no plano dos pressupostos sociais econômicos culturais educacionais e mesmo físicos e psíquicos a própria liberdade de opção escolha profissional encontrase mais ou menos submetida a limites seara que também em certa medida está submetida a alguma influência regulação por parte do legislador e outras medidas como por exemplo a amplamente praticada orientação vocacional e profissional inclusive mediante testes especializados dentre outras que aqui poderiam ser mencionadas Também a exigência de determinados requisitos para o acesso e exercício profissional opera no plano da opção por uma ou outra profissão de tal sorte que parece exagero falar mesmo no caso da liberdade de escolha de um direito inviolável 493 Uma inviolabilidade no sentido jurídico compreendida como blindagem contra intervenções restritivas somente poderia ser aceita se ela significar que no plano da liberdade de opção escolha se está diante do núcleo essencial da liberdade em sentido amplo de profissão 494 Ainda assim por mais que se tenha a liberdade de escolha como o âmbito mais reforçado mais protegido da liberdade de profissão é preciso ter em conta a possibilidade de alguma restrição justificada por força de direitos e bens constitucionais colidentes mesmo que aqui se trate de hipótese mais excepcional 495 De qualquer sorte percebese que mesmo uma regulamentação no plano do acesso e exercício profissional interfere na esfera da opção por determinada profissão visto que a falta do preenchimento de determinados pressupostos impede na perspectiva objetiva que determinada motivação subjetiva pessoal de optar por uma profissão ou trabalho se concretize Além disso a opção por uma profissão ou ocupação ilícita igualmente resta afastada desde logo visto que não integra sequer o âmbito de proteção da liberdade Por outro lado ainda no que diz com a justificação de medidas restritivas é preciso ter presente que se a reserva de lei simples enunciada no art 5º XIII da CF for compreendida como abrangendo a liberdade de profissão como um todo a própria liberdade de escolha e não apenas a de exercício poderá ser restringida pelo legislador infraconstitucional de modo que uma maior ou menor contenção do legislador apenas poderá ocorrer por força da compreensão a cada caso dos limites dos limites ou seja dos critérios da proporcionalidade razoabilidade proibição de excesso bem como a proteção do assim chamado núcleo essencial apenas para referir os mais importantes 496 No que diz com as restrições estabelecidas ao acesso e exercício profissional tais restrições especialmente considerando a reserva legal do art 5º XIII da CF deverão ser veiculadas por lei no sentido de lei em sentido formal e material muito embora não haja necessidade de que se trate de lei complementar 497 Portanto restrições não poderão de regra ser impostas por meio de lei apenas em sentido material ou seja atos normativos editados pelo Executivo ou mesmo atos emanados de outros órgãos como é o caso dos conselhos profissionais vg OAB OMB ou similares 498 Embora se registrem julgados do STF nesse sentido pela exigência de lei em sentido formal e material 499 percebese como aliás em uma série de outras situações que envolvem restrições a direitos fundamentais que o STF por vezes tem tolerado que requisitos para o exercício profissional sejam estabelecidos por atos que não são emanados do legislador como é o caso vg de resoluções do CNJ e do CNMP notadamente no que diz com a fixação do que se considera atividade jurídica para efeitos de realização de concurso de ingresso na Magistratura e Ministério Público 500 Nesse contexto oportuno referir a decisão do STF quando da apreciação do Tema 969 de repercussão geral do RE 902261SP rel Min Marco Aurélio j 22092020 em que foi fixada a tese de que a Comissão de Valores Mobiliários CVM pode regulamentar mediante restrições que guardem sintonia com as exigências da proporcionalidade e da razoabilidade o exercício da atividade de auditoria independente501 Considerando a finalidade da autorização constitucional para a restrição da liberdade de profissão a fixação de exigências e qualificações profissionais502 evidentemente deverá guardar relação com a peculiaridade das funções a serem desempenhadas não se tolerando de resto condições de caráter discriminatório 503 Tal também parece ser a linha de entendimento adotada pelo STF já desde a ordem constitucional anterior como dá conta importante caso julgado em 05051976 tendo como relator o Min Rodrigues Alckmin RP 930DF onde se entendeu ser inconstitucional lei que restrinja o exercício de profissão que não pressupõe determinadas condições de capacidade pois na hipótese a legislação declarada inconstitucional Lei 41161962 havia exigido que todos os corretores de imóveis fizessem sua inscrição no Conselho Regional de Corretores de Imóveis Creci 504 Já sob a égide da Constituição Federal a noção de que a legislação apenas poderá estabelecer condições de capacidade que mantenham um nexo lógico com as funções a serem exercidas vedado portanto o estabelecimento de requisitos abusivos colacionase decisão no AgRg no AgIn 134449SP rel Min Sepúlveda Pertence DJU 21091990 No mesmo sentido situamse os julgados do STF que consideram inconstitucional a exigência de que o exercício da atividade como músico pressuponha a inscrição na Ordem dos Músicos do Brasil Com efeito no RE 414426SC julgado em 17112009 rel Min Ellen Gracie ficou estabelecido que a atividade de músico independe de registro ou licença não podendo a sua livre expressão e exercício ser impedidos por interesses dos órgãos de classe especialmente quando a cobrança de anuidades devidas poderá ocorrer por outro meios que não a proibição do exercício da profissão 505 Notese que no caso o STF acabou por considerar as exigências da proporcionalidade designadamente o critério da necessidade que impõe seja refutado determinado meio de alcançar o resultado a cobrança da anuidade caso disponível alternativa menos gravosa Um dos casos que mais atenção despertaram nos meios de comunicação possivelmente pelo fato de estar em causa a atividade dos próprios profissionais da área jornalistas foi a discussão a respeito da legitimidade constitucional da exigência prevista no DecLei 9721969 que estabelecia ser necessária a conclusão de curso superior de jornalismo para o exercício da respectiva profissão No RE 511961 rel Min Gilmar Mendes julgado em 17062009 o STF inclusive invocando o precedente já referido da Representação 930 julgada quando ainda em vigor a Constituição anterior além de precedente da Corte Interamericana de Direitos Humanos de São José da Costa Rica chegou à conclusão de que tal exigência é inconstitucional Dada a importância do julgado transcrevemse os trechos que seguem extraídos da ementa do acórdão 4 Âmbito de proteção da liberdade de exercício profissional art 5º XIII da CF Identificação das restrições e conformações legais constitucionalmente permitidas Reserva legal qualificada Proporcionalidade A Constituição de 1988 ao assegurar a liberdade profissional art 5º XIII segue um modelo de reserva legal qualificada presente nas Constituições anteriores as quais prescreviam à lei a definição das condições de capacidade como condicionantes para o exercício profissional No âmbito do modelo de reserva legal qualificada presente na formulação do art 5º XIII da CF1988 paira uma imanente questão constitucional quanto à razoabilidade e proporcionalidade das leis restritivas especificamente das leis que disciplinam as qualificações profissionais como condicionantes do livre exercício das profissões Jurisprudência do STF Representação 930 redator p o acórdão Min Rodrigues Alckmin DJ 02091977 A reserva legal estabelecida pelo art 5º XIII não confere ao legislador o poder de restringir o exercício da liberdade profissional a ponto de atingir o seu próprio núcleo essencial 5 Jornalismo e liberdades de expressão e de informação Interpretação do art 5º XIII em conjunto com os preceitos do art 5º IV IX XIV e do art 220 da CF O jornalismo é uma profissão diferenciada por sua estreita vinculação ao pleno exercício das liberdades de expressão e de informação O jornalismo é a própria manifestação e difusão do pensamento e da informação de forma contínua profissional e remunerada Os jornalistas são aquelas pessoas que se dedicam profissionalmente ao exercício pleno da liberdade de expressão O jornalismo e a liberdade de expressão portanto são atividades que estão imbricadas por sua própria natureza e não podem ser pensadas e tratadas de forma separada Isso implica logicamente que a interpretação do art 5º XIII da CF na hipótese da profissão de jornalista se faça impreterivelmente em conjunto com os preceitos do art 5º IV IX XIV e do art 220 da CF que asseguram as liberdades de expressão de informação e de comunicação em geral 6 Diploma de curso superior como exigência para o exercício da profissão de jornalista Restrição inconstitucional às liberdades de expressão e de informação As liberdades de expressão e de informação e especificamente a liberdade de imprensa somente podem ser restringidas pela lei em hipóteses excepcionais sempre em razão da proteção de outros valores e interesses constitucionais igualmente relevantes como os direitos à honra à imagem à privacidade e à personalidade em geral Precedente do STF ADPF 130 rel Min Carlos Britto A ordem constitucional apenas admite a definição legal das qualificações profissionais na hipótese em que sejam elas estabelecidas para proteger efetivar e reforçar o exercício profissional das liberdades de expressão e de informação por parte dos jornalistas Fora desse quadro há patente inconstitucionalidade da lei A exigência de diploma de curso superior para a prática do jornalismo o qual em sua essência é o desenvolvimento profissional das liberdades de expressão e de informação não está autorizada pela ordem constitucional pois constitui uma restrição um impedimento uma verdadeira supressão do pleno incondicionado e efetivo exercício da liberdade jornalística expressamente proibido pelo art 220 1º da CF 7 Profissão de jornalista Acesso e exercício Controle estatal vedado pela ordem constitucional Proibição constitucional quanto à criação de ordens ou conselhos de fiscalização profissional No campo da profissão de jornalista não há espaço para a regulação estatal quanto às qualificações profissionais O art 5º IV IX XIV e o art 220 não autorizam o controle por parte do Estado quanto ao acesso e exercício da profissão de jornalista Qualquer tipo de controle desse tipo que interfira na liberdade profissional no momento do próprio acesso à atividade jornalística configura ao fim e ao cabo controle prévio que em verdade caracteriza censura prévia das liberdades de expressão e de informação expressamente vedada pelo art 5º IX da CF A impossibilidade do estabelecimento de controles estatais sobre a profissão jornalística leva à conclusão de que não pode o Estado criar uma ordem ou um conselho profissional autarquia para a fiscalização desse tipo de profissão O exercício do poder de polícia do Estado é vedado nesse campo em que imperam as liberdades de expressão e de informação Jurisprudência do STF Representação 930 redator p o acórdão Min Rodrigues Alckmin DJ 02091977 8 Jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos Posição da Organização dos Estados Americanos OEA A Corte Interamericana de Direitos Humanos proferiu decisão no dia 13111985 declarando que a obrigatoriedade do diploma universitário e da inscrição em ordem profissional para o exercício da profissão de jornalista viola o art 13 da Convenção Americana de Direitos Humanos que protege a liberdade de expressão em sentido amplo caso La colegiación obligatoria de periodistas Opinião Consultiva OC585 de 13111985 Também a Organização dos Estados Americanos OEA por meio da Comissão Interamericana de Direitos Humanos entende que a exigência de diploma universitário em jornalismo como condição obrigatória para o exercício dessa profissão viola o direito à liberdade de expressão Informe Anual da Comissão Interamericana de Direitos Humanos de 25022009 Outro caso que gerou intensa polêmica e acabou sendo julgado pelo STF envolve a discussão sobre a constitucionalidade da exigência do exame de ordem isto é da submissão por parte dos graduados em direito a um exame específico regulamentado pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil A exigência da realização de tal exame de cuja aprovação depende a concessão do registro profissional condição de possibilidade do exercício da advocacia foi objeto de impugnação judicial Argumentam os adversários do exame que esse serviria apenas como reserva de mercado de trabalho que somente a instituição de ensino poderia certificar sobre a aptidão dos bacharéis entre outros argumentos No entanto o STF em decisão de relatoria do Min Marco Aurélio julgou a matéria e se posicionou pela constitucionalidade do exame O Plenário desproveu recurso extraordinário em que discutida a constitucionalidade dos arts 8º IV e 1º e 44 II ambos da Lei 89061994 que versam sobre o Exame da Ordem dos Advogados do Brasil OAB No tocante à proporcionalidade e compatibilidade entre o exame de conhecimentos jurídicos e a garantia do livre exercício profissional inicialmente reputouse que a fim de assegurar a liberdade de ofício imporseia ao Estado o dever de colocar à disposição dos indivíduos em condições equitativas de acesso os meios para que aquela fosse alcançada Destacouse que esse dever entrelaçarseia sistematicamente com a previsão do art 205 caput da CF Frisouse que a obrigação estatal seria a de não opor embaraços irrazoáveis ou desproporcionais ao exercício de determinada profissão e que existiria o direito de se obterem as habilitações previstas em lei para a prática do ofício observadas condições equitativas e qualificações técnicas previstas também na legislação Sublinhouse que essa garantia constitucional não se esgotaria na perspectiva do indivíduo mas teria relevância social CF art 1º IV Assim nas hipóteses em que o exercício da profissão resultasse em risco predominantemente individual como por exemplo mergulhadores e técnicos de rede elétrica o sistema jurídico buscaria compensar danos à saúde com vantagens pecuniárias adicional de insalubridade de periculosidade ou adiantarlhesia a inativação Essas vantagens entretanto não feririam o princípio da isonomia Quando por outro lado o risco suportado pela atividade profissional fosse coletivo hipótese em que incluída a advocacia caberia ao Estado limitar o acesso à profissão e o respectivo exercício CF art 5º XIII Nesse sentido o exame de suficiência discutido seria compatível com o juízo de proporcionalidade e não alcançaria o núcleo essencial da liberdade de ofício No concernente à adequação do exame à finalidade prevista na Constituição assegurar que as atividades de risco sejam desempenhadas por pessoas com conhecimento técnico suficiente de modo a evitar danos à coletividade aduziuse que a aprovação do candidato seria elemento a qualificálo para o exercício profissional 506 Mais recentemente foi submetida ao crivo do STF outra questão relativa aos limites da liberdade de exercício profissional designadamente a polêmica em torno da proibição ou restrição da atividade de transporte privado individual por motorista cadastrado em aplicativo questionada na ADPF 449DF Relator Ministro Luiz Fux e no RE 1054110SP Relator Ministro Roberto Barroso ambos julgados em 08 e 09052019 No âmbito do RE 1054110SP a Corte Suprema reconheceu a repercussão geral da questão e fixou a seguinte tese 1 A proibição ou restrição da atividade de transporte privado individual por motorista cadastrado em aplicativo é inconstitucional por violação aos princípios da livre iniciativa e da livre concorrência e 2 No exercício de sua competência para regulamentação e fiscalização do transporte privado individual de passageiros os Municípios e o Distrito Federal não podem contrariar os parâmetros fixados pelo legislador federal CF1988 art 22 XI nos termos do voto do Relator vencido o Ministro Marco Aurélio Presidência do Ministro Dias Toffoli Plenário 09052019 Dos argumentos esgrimidos pelos Ministros que participaram do julgamento vale colacionar parte do sustentado pelo Ministro Luiz Fux em seu voto De acordo com o seu entendimento o motorista particular é protegido em sua atividade laboral pela liberdade de exercício profissional assegurada no art 5º XIII da CF e se submete apenas à regulação proporcionalmente definida em lei federal Para o Ministro o art 3º VIII da Lei 129652014 Marco Civil da Internet e a Lei 125872012 garantem a operação por aplicativo de serviços remunerados de transporte de passageiros Além disso a necessidade de regular e aperfeiçoar o funcionamento e uso das vias públicas não pode implicar a criação de oligopólios em prejuízo tanto de consumidores quanto de outros prestadores de serviço no setor de transportes em especial quando da existência de alternativas para que se possa atingir a mesma finalidade Em que pese legítima a intervenção reguladora do poder público não podem os Municípios valendose da competência que lhes foi constitucionalmente atribuída para regulamentar e fiscalizar o transporte e trânsito valerse de tal prerrogativa para direta ou indiretamente proibir ou o que dá no mesmo impedir na prática a prestação de tais serviços Outra questão relevante e polêmica trata da possibilidade de cancelamento automático de registro profissional ou de pessoa jurídica em casos de inadimplência de anuidade sem a prévia oitiva do associado A esse respeito conforme decidido pelo STF no RE 808424PR foi declarada a inconstitucionalidade do art 64 da Lei n 51941966 que previa o cancelamento automático de inscrição em razão da inadimplência da anuidade por dois anos consecutivos do registro em conselho profissional sem a prévia manifestação do profissional ou da pessoa jurídica por haver violação do direitogarantia ao devido processo legal 507 Da jurisprudência mais recente do STF sobre as intervenções restritivas na liberdade de profissão destacase a ADI 5235DF rel Min Rosa Weber j 11062021 no bojo da qual foi reconhecida a constitucionalidade dada a observância das exigências da proporcionalidade e da razoabilidade das restrições ao exercício da Advocacia aos servidores do Poder Judiciário e do Ministério Público mesmo que em causa própria ou em nível de consultoria jurídica Para a Corte a medida é razoável e proporcional com o texto constitucional Noutro julgado de grande relevância o STF considerou constitucionalmente legítima por ser compatível com o disposto no art 5º XIII CF a exigência de garantia fiança para o exercício da profissão de leiloeiro prevista nos arts 6º a 8º do Decreto n 2198132 visto que os leiloeiros lidam diuturnamente com o patrimônio de terceiros e a prestação de fiança tem por escopo mitigar os riscos de danos aos proprietários dos bens leiloados RE 1263641 rel Min Marco Aurélio j em 13102020 412727 Liberdade de associação I Notas introdutórias As associações são instituições e formas de organização antigas que podem ser reconduzidas pelo menos ao medievo especialmente as grandes companhias de mercadores corporações de ofício entre outras As associações sob a forma de cooperativas por sua vez têm história mais recente tendo surgido ao que tudo indica na Inglaterra ainda na primeira metade do século XIX notadamente por influência do pensamento de Robert Owen 1771 1858 que nos anos 1820 a 1830 imprimiu à cooperação e à forma cooperativa de sociedade uma ideologia sistemática e que serviu de inspiração ao modelo das cooperativas que vieram a se formar na sequência seja na Inglaterra seja na França ou na Alemanha onde a primeira cooperativa foi fundada em 1848 no caso uma cooperativa de sapateiros passando a partir de então a se expandir pelo mundo afora até chegar ao Brasil já no final do século XIX quando foram criadas as primeiras associações cooperativas 508 II A liberdade de associação nos textos de direito internacional de direitos humanos nas constituições estrangeiras e nos textos constitucionais brasileiros No plano do direito internacional dos direitos humanos a liberdade de associação foi consagrada no art XXII da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem 1948 no art XX da Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948 e em outros muitos tratados e convenções internacionais tais como e a listagem não é exaustiva nos arts 21 e 22 do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos 1966 no art 8º do Pacto Internacional de Direitos Econômicos Sociais e Culturais 1966 nos arts 15 e 16 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos 1969 e no art 12 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia atualmente integrada ao Tratado de Lisboa Particularmente relevante para a ordem jurídica brasileira é a Convenção Americana sobre Direitos Humanos Pacto de São José incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro pelo Dec 678 de 1992 No plano do direito constitucional positivo ressalvada a experiência inglesa e norte americana 509 o reconhecimento da liberdade de associação na condição de direito fundamental é mais recente sendo em geral ressalvadas algumas exceções um fenômeno do século XX notadamente a partir da Segunda Grande Guerra Atualmente a liberdade de associação é amplamente reconhecida tanto na esfera internacional quanto na esfera constitucional Importante frisar dada a crescente relevância da matéria que a liberdade de associação cooperativa embora seja uma manifestação da própria liberdade de associação passou a receber tratamento em parte distinto em diversas ordens constitucionais Merece destaque neste contexto o exemplo da Constituição mexicana de 1917 que embora não tenha cláusula prevendo expressamente o direito à liberdade de associação prevê no seu art 25 as organizações cooperativas como forma de associação livre destacando a sua importância para o conjunto da sociedade designando sua essencialidade para a atividade econômica bem como seu caráter de agente de inclusão social Também a Constituição italiana de 1947 além de reconhecer a liberdade geral de associação no seu art 18 agasalha em dispositivo distinto art 45 a forma de associação cooperativa de caráter mutualístico distinta de outras formas de união cooperativa destacando a função social da cooperação Na Constituição de Espanha de 1978 a liberdade de associação está inscrita no art 22 e o art 129 disciplina o dever de fomento às cooperativas no âmbito da previdência social A Constituição da República Portuguesa 1976 por sua vez igualmente reconhece a liberdade de associação art 46 e o direito à livre constituição de cooperativas art 61 A Constituição da Venezuela de 1999 ainda que não se refira à liberdade de associação como tal a garante por meio do art 112 que afirma a liberdade de trabalho empresa comércio e indústria fazendo especial referência nos arts 70 118 184 à importância das associações cooperativistas em todas as suas formas inclusive as de crédito e comunitárias na gestão da cooperação e da solidariedade impondo inclusive ao Estado o dever de fomentá las a teor do art 308 sob o regime de propriedade coletiva com o fim específico de fortalecer o desenvolvimento econômico do país Ainda a Lei Fundamental alemã de 1949 no art 9º garante o direito de constituição de associações e sociedades III Liberdade de associação na Constituição Federal de 1988 1 Considerações gerais Na esfera da evolução constitucional brasileira a partir da Primeira República todas as Constituições asseguraram a liberdade de associação a Constituição de 1891 510 art 72 3º e 8º b Constituição de 1934 511 art 113 n 5 7 e 12 c Constituição de 1937 512 art 122 n 3 e 9 d Constituição de 1946 513 art 141 7º 10 12 e 13 e Constituição de 1967 514 art 150 28 f EC 11969 515 art 153 28 Na atual Constituição Federal a liberdade de associação alcançou um reconhecimento e uma proteção particularmente generosos já à vista do que dispõe o texto constitucional que sem contar os dispositivos sediados em outros capítulos apenas no art 5º contempla cinco incisos XVII É plena a liberdade de associação para fins lícitos vedada a de caráter paramilitar XVIII A criação de associações e na forma da lei a de cooperativas independem de autorização sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento XIX As associações só poderão ser compulsoriamente dissolvidas ou ter suas atividades suspensas por decisão judicial exigindose no primeiro caso o trânsito em julgado XX Ninguém poderá ser compelido a associarse ou a permanecer associado XXI As entidades associativas quando expressamente autorizadas têm legitimidade para representar seus filiados judicial e extrajudicialmente Já no que diz com as associações cooperativas a Constituição Federal foi a primeira a contemplar tal modalidade associativa assegurando além disso não apenas uma genérica liberdade de criação e participação de cooperativas mas também prevendo para as cooperativas um regime constitucional diferenciado e em determinados aspectos privilegiado o qual compreende a tratamento tributário adequado para os atos cooperativos praticados pelas sociedades cooperativas art 146 c a ser disciplinado por lei complementar b atribuição ao Estado do dever fundamental de apoiar e estimular o cooperativismo e outras formas de associativismo art 174 2º c fomento do desenvolvimento das atividades garimpeiras na forma de cooperativas com o objetivo de promover a promoção socioeconômica dos garimpeiros inclusive atribuindolhes prioridade de tratamento na autorização ou concessão para pesquisa e lavra dos recursos e jazidas de minerais garimpáveis bem como evitar que o exercício das suas atividades extrativas venha a degradar o meio ambiente art 174 3º e 4º d no art 187 que dispõe sobre a política agrícola seu planejamento e execução é imposta especial atenção ao cooperativismo dentre outros fatores inciso VI e no art 192 integra as cooperativas de crédito ao sistema financeiro nacional f também no ADCT conjunto normativo transitório STF garantidor do espaço de transição do regime constitucional as cooperativas foram contempladas no seu art 47 que dispôs sobre o tratamento favorecido às cooperativas de crédito relativamente à incidência da correção monetária sobre suas operações flagelo bem conhecido daqueles que viveram sobre o jugo inflacionário A partir da simples leitura do texto constitucional é possível perceber a relevância das cooperativas como particular modo de organização social e meio de exercer a liberdade de associação Todavia cuidandose de uma modalidade especial da liberdade de associação a liberdade de criação e participação de cooperativas ressalvadas as suas peculiaridades tais como as que formam o regime jurídico acima referido será abordada no contexto mais amplo da liberdade geral de associação da qual também são modalidades particulares a livre associação sindical art 8º e a liberdade de criação e participação em partidos políticos art 17 mas que dadas as suas notas específicas e o fato de terem sido previstas em capítulo próprio não serão aqui consideradas 516 2 Conteúdo da liberdade de associação A liberdade de associação da qual é espécie a liberdade de criação e participação de cooperativas é reconhecida e protegida na condição de um direito fundamental sendolhe aplicável o regime jurídico reforçado dos direitos e garantias fundamentais Assim de acordo com o que já foi examinado na parte geral dos direitos fundamentais cuidase de direito mais precisamente de normas diretamente aplicável no sentido de que a ausência de lei não impede a proteção do direito de livre associação além de a abolição da liberdade de associação incluindo a criação de cooperativas estar protegida na condição de cláusula pétrea contra o poder de reforma constitucional sem prejuízo das demais garantias com destaque para os critérios de controle de constitucionalidade de medidas restritivas do direito de livre associação É precisamente nessa esfera a dos limites e restrições ao direito que a Constituição Federal traçou uma diferença entre o direito de associação cooperativa e a liberdade associativa em geral visto que pelo menos se considerado o texto constitucional art 5º XVIII o direito de criação de cooperativas diversamente do que ocorre com a liberdade de associação em geral está submetido a uma expressa reserva legal traduzida pela expressão na forma da lei o que implicaria em sendo levada a sério a distinção um regime em parte diferenciado no que diz com as restrições ao direito já que a liberdade de associação em geral quando não se tratar de cooperativas apenas estaria submetida a limites por força de eventual colisão com outros bens constitucionais relevantes no âmbito das assim chamadas restrições não expressamente autorizadas a direitos fundamentais Embora os fortes elementos de contato com o direito de reunião a liberdade de associação com este não se confunde já pelo fato de que no caso do direito de reunião se cuida do direito ao encontro físico de diversas pessoas encontro de caráter mais ou menos transitório ao passo que no caso da liberdade de associação o que está em causa é a reunião de pessoas em torno de fins comuns e de modo estável mediante a criação de um ente coletivo que é a pessoa jurídica a associação 517 Por outro lado há que destacar a vinculação da liberdade de associação de outros direitos de liberdade 518 Com efeito de acordo com a lição de J J Gomes Canotilho e Vital Moreira a expressão mais qualificada da liberdade de organização coletiva privada é portanto também um instrumento de garantia da liberdade política religiosa de fruição cultural entre outras o que por sua vez indica o seu valor para uma ordem democrática 519 Aliás é no seu significado para a democracia que a liberdade de associação alcança a sua maior repercussão notadamente na esfera não estritamente individual Mediante a possibilidade de as pessoas formarem agregados interpessoais de interesses para a consecução na condição de entes coletivos de objetivos comuns a liberdade de associação tal como propõe Miguel Carbonell assume um papel essencial na conformação das democracias modernas 520 Importante é que se tenha presente que a liberdade de associação abarca toda e qualquer forma associativa incluindo além das cooperativas expressamente contempladas pelo texto constitucional as sociedades comerciais de natureza cultural esportiva etc não importando a nomenclatura de modo a assegurar uma proteção mais ampla possível da liberdade 521 Os elementos constitutivos da liberdade de associação são essencialmente três a a associação deve ser espontânea portanto ser o resultado da livre opção de criar uma associação ou dela participar b a associação serve a uma finalidade ou a finalidades em comum c a associação reúne várias pessoas físicas ou jurídicas mediante certa estabilidade temporal e organizatória resultado de uma manifestação de vontade e de um regramento escrito ou não escrito em comum 522 Há que sublinhar fazendo coro com Paulo Gonet Branco que embora não exista um número mínimo de pessoas para constituir uma associação resulta impossível falar de associação unipessoal assim como não há modo de considerar as fundações como associações visto que são apenas patrimônios dotados de personalidade jurídica faltando no caso a união de pessoas 523 3 Titularidade a dupla dimensão individual e coletiva Este direito como direito subjetivo e no que diz com sua titularidade apresenta duas dimensões uma de natureza individual e outra de natureza coletiva Na primeira dimensão o que se observa diz com o direito de associação da pessoa membro de uma associação a titularidade que lhe corresponde na qualidade de pessoa natural mas também de pessoas jurídicas que por sua vez também podem criar e integrar uma associação 524 Cuidandose de uma manifestação essencial da liberdade pessoal a titularidade da liberdade de associação há de ser interpretada em sentido extensivo podendo em princípio ser atribuída até mesmo forte no princípio da universalidade ao estrangeiro não residente sem prejuízo de eventuais limitações compatíveis com a Constituição Federal Na segunda dimensão tratase do direito de associação da associação isto é da associação enquanto pessoa jurídica situação na qual titular do direito fundamental é a própria associação como pessoa jurídica Neste sentido é possível também falar em uma garantia institucional tendo em conta a relevância da figura das associações para a ordem social econômica e política do Estado Constitucional Democrático 525 Já em outro sentido a liberdade de associação constitui o que se costuma designar de direito individual de expressão coletiva 526 visto que uma associação como pressuposto de sua própria existência exige o concurso de vontades individuais Em síntese para além de ser em primeira linha direito individual embora de expressão coletiva da pessoa natural a titularidade da liberdade de associação inclui as pessoas jurídicas como é o caso por exemplo das confederações sindicais 527 4 Destinatários órgãos estatais e particulares Sujeitos passivos portanto destinatários da liberdade de associação são em primeira linha os órgãos estatais mas também os particulares Se em geral os direitos fundamentais geram efeitos nas relações privadas direta ou indiretamente no caso da liberdade de associação tal eficácia há de ser particularmente acentuada Posto de outro modo as associações são tanto titulares quanto destinatárias de direitos fundamentais Aliás no caso da liberdade de associação sindical como manifestação especial da liberdade geral de associação mesmo no caso da Alemanha onde prevalece a teoria da eficácia indireta dos direitos fundamentais nas relações privadas a eficácia é direta gerando uma vinculação direta dos particulares 528 No caso brasileiro o principal precedente julgado pelo STF admitindo uma eficácia direta dos direitos fundamentais nas relações privadas foi precisamente um caso envolvendo a liberdade de associação e seus limites Com efeito no julgamento do RE 201819 julgado em 11102005 e tendo como relator para o acórdão o Min Gilmar Mendes o STF por ampla maioria reconheceu a necessária observância no âmbito de uma associação privada União Brasileira de Compositores das garantias do contraditório da ampla defesa e do devido processo legal sufragando no caso a tese da eficácia direta na hipótese de tais direitos fundamentais nas relações privadas notadamente considerando se tratar de uma associação com finalidade de defesa dos interesses econômicos dos associados Neste contexto é possível acompanhar o entendimento de que quanto menos privada for a associação ou seja quanto mais a sua finalidade for a de atender também ao interesse público e social mais sujeita à intervenção legislativa e judicial será a liberdade de associação e maior será a eficácia dos direitos fundamentais de terceiros em relação aos direitos da associação e dos associados 529 O que se constata é que quando se trata de associações com finalidade social que buscam representar interesses de seus associados cresce a intensidade de controle sobre o afastamento de associados e eventuais exigências estabelecidas para o seu ingresso na associação ou seja aumenta em intensidade a eficácia de determinados direitos fundamentais nas relações privadas Há casos todavia em que a possibilidade de afastamento de associados pode ser limitada a um controle de natureza mais procedimental como por exemplo na hipótese de uma sociedade religiosa católica que esteja a afastar um religioso que publicamente se posicione favoravelmente ao casamento dos membros da associação 530 5 A dupla dimensão negativa e positiva da liberdade de associação Desde logo à vista já do conjunto de dispositivos previstos na Constituição Federal a liberdade de associação e o direito de criação de cooperativas é também um direito fundamental complexo que considerado em sentido amplo abrange na condição de direito subjetivo um conjunto de posições jurídicas subjetivas exigíveis pelos titulares em face dos destinatários e implica um conjunto diferenciado de efeitos jurídicos objetivos 531 É nesse sentido que se fala também de múltiplas dimensões da liberdade de associação notadamente do seu âmbito de proteção que implica um balanceamento da dimensão objetiva e subjetiva de modo a não afastar a dimensão subjetiva e os seus efeitos o que por sua vez também reflete numa ampliação da dimensão subjetiva naquilo em que à dimensão objetiva correspondem também direitos subjetivos como é o caso de direitos à proteção e participação na organização e procedimento 532 Assim o âmbito de proteção do direito deve ser interpretado em sentido alargado tornando ao máximo produtivo o seu âmbito de proteção subjetivo titulares e o seu conteúdo Como direito negativo de defesa a liberdade de associação abarca posições subjetivas que têm por objeto a não afetação intervenção de posições o não impedimento de faculdades de agir ou não agir e até mesmo a não eliminação de posições jurídicas que a despeito de serem habitualmente decompostas em quatro faculdades liberdades 533 podem ser ampliadas de acordo com a listagem a seguir a direito de constituir associações e cooperativas aqui compreendidas em sentido amplo de qualquer sociedade civil e comercial b direto de não constituir uma associação c direito de ingressar ou seja de pertencer a uma associação d direito de não ingressar e de retirarse e direito de manter a condição de associado o que corresponde ao direito a não ser excluído arbitrariamente da condição de associado f direito de gozar dos direitos derivados da lei ou das normas estatutárias da condição de associado ou ainda de membro de uma associação g proibição de afetar a autonomia a autogestão e a auto organização da associação direito este da associação como pessoa jurídica mas não da pessoa natural associado Importa averbar que a liberdade de autoorganização e de autogestão não prejudica a fixação normativa de regras gerais de organização e gestão desde que não afetem substancialmente a liberdade de associação nomeadamente os requisitos mínimos de uma organização democrática interna 534 h direito à não dissolução arbitrária da própria associação de modo que a dissolução poderá ocorrer apenas por força de decisão judicial quando não for voluntária donde se falar em um direito da associação à garantia de sua existência na condição de associação i é possível também falar de um direito de aquisição da personalidade jurídica como pessoa coletiva mas no sentido de um direito condicionado pela legislação que fixa requisitos para a criação de pessoas jurídicas desde que tal legislação não afete a consecução dos fins sociais lícitos e não deixe a criação da pessoa jurídica recair no âmbito da discricionariedade arbitrária 535 A liberdade de associação incluindo as cooperativas tem também uma face positiva e em certo sentido assume a condição de um direito a prestações direito positivo especialmente de cunho normativo A dimensão positiva se revela particularmente relevante no contexto dos assim chamados deveres de proteção do Estado mas particularmente no campo dos deveres e direitos a organização e procedimento visto que também a liberdade de associação depende pelo menos em parte de normas que disciplinam o direito de sociedade regulam as relações dos associados mas especialmente dizem respeito às relações da associação com outras instituições apenas para mencionar os aspectos mais relevantes 536 A existência de obrigações positivas vinculadas à liberdade de associação foi objeto de reconhecimento também pela Corte Interamericana da Costa Rica que vela pela aplicação no âmbito interno dos Estados da Convenção Americana de Direitos Humanos Precisamente num caso envolvendo o Brasil a Corte entendeu que tais obrigações positivas englobam a prevenção de atentados contra o direito de associação a proteção daqueles que exercem a liberdade associativa bem como a investigação incluindo a imposição de eventual sanção dos que violam a liberdade de associação 537 6 Limites e restrições da liberdade de associação A Constituição Federal ao mesmo tempo em que reconhece e protege uma ampla liberdade de associação desde logo estabelece dois limites quais sejam a vedação de associações com finalidade ilícita e a proibição de associações de caráter paramilitar Os fins ilícitos abarcam em primeira linha qualquer finalidade ou atuação ofensiva da legislação criminal mas também incluem fins e atos contrários aos bons costumes e mesmo ofensivos à ordem pública visto que a ilicitude vai tomada em sentido mais amplo como contrariedade ao direito devendo o controle da licitude incidir tanto sobre os documentos constitutivos da associação quanto sobre as atividades desenvolvidas por ela o mesmo valendo para a vedação de associações de caráter paramilitar sendo que tal caráter poderá ser aferido com base no modo de atuação e desenvolvimento das associações 538 Notese que para a caracterização das atividades de cunho paramilitar basta que se trate de uma estrutura hierarquizada marcada pelo dever de obediência e por manter treinamento não sendo necessário o uso de armas ou mesmo de uniformes 539 A utilização dos critérios dos bons costumes e da ordem pública todavia deve ser feita com cautela em situações especiais e muito bem caracterizadas assumindo de resto caráter residual em virtude do considerável risco de estar a se esvaziar com base em tais argumentos a liberdade de associação por conta de uma constitucionalmente injustificada e desproporcional compressão da liberdade 540 Uma das questões mais comuns em matéria de restrições à liberdade de associação diz com a exigência legal de formalização da inscrição e do registro da entidade associativa para o seu regular funcionamento e exercício legítimo do direito de associação Em termos gerais a exigência da inscrição não constitui por si só uma restrição ilegítima da liberdade de associação embora o controle pela autoridade responsável deva estar restrito a um exame da legalidade externa ou seja da documentação acostada sem apreciar o mérito dos aspectos alheios aos requisitos formais 541 Notese que a criação em si de uma associação independe nos termos da Constituição Federal de autorização prévia de modo que a exigência legal de inscrição para efeitos de legitimidade da associação e de representar os seus associados não se confunde com a figura da autorização prévia Outro problema constantemente debatido diz respeito à dimensão negativa da liberdade de associação mais precisamente da possibilidade de a lei exigir que os integrantes de algumas categorias se vinculem a determinadas entidades setoriais por exemplo os Conselhos de Medicina Odontologia Engenharia Advogados etc mas o pressuposto para a legitimidade constitucional de tal exigência é de que a associação exerça uma função pública para cujo cumprimento a filiação constitui exigência 542 Por outro lado a lei poderá conferir prerrogativas a apenas algumas associações 543 como é o caso do Ecad o que também corresponde ao entendimento do STF de considerar legítimo o sistema de gestão coletiva de arrecadação e distribuição de direitos autorais por meio de um escritório único de arrecadação no caso o próprio Ecad 544 Ainda no que diz respeito aos limites da liberdade de associação é de se referir a decisão proferida pelo STF quando do julgamento do RE 695911SP rel Min Dias Toffoli j 15122020 ocasião na qual restou assentado que o princípio da legalidade funciona como instrumento de contrapeso ao princípio da liberdade de associação no sentido de vedar às associações de moradores que possam cobrar taxas de manutenção e conservação de loteamento imobiliário urbano de proprietário não associado até a data do advento da Lei n 124652017 Na linha do exposto é de se invocar importante precedente da Corte Interamericana de Direitos Humanos designadamente a decisão proferida na Opinião Consultiva 585 onde estava em causa a exigência legal de associação compulsória para todos os que quisessem exercer a profissão de jornalista incluindo a função de repórter No caso a Corte entendeu que tal exigência acabaria por afetar a própria liberdade de expressão e comunicação dos jornalistas e repórteres que neste contexto por se tratar de assegurar a mais ampla liberdade de expressão devem também ser submetidos a um regime mais aberto e não ter sua atuação embaraçada de modo desproporcional Além disso a situação dos jornalistas e repórteres não se confunde por exemplo com a dos profissionais do direito ou da medicina que por sua vez não são atividades especificamente asseguradas pela Convenção Americana de Direitos Humanos 545 412728 Liberdade de reunião I Considerações gerais e introdutórias A liberdade de reunião guarda relação forte com a liberdade de expressão Neste contexto Konrad Hesse destaca a relevância da liberdade de reunião para uma ordem jurídicoconstitucional democrática pois a formação da opinião e mesmo a formação da vontade política pressupõem uma comunicação que em grande parte se processa mediante reuniões 546 Além disso é por meio de reuniões que o exercício coletivo da liberdade de expressão e manifestação do pensamento pode servir como instrumento eficiente para a luta política e assegurar a possibilidade de influenciar o processo político de tal sorte que a liberdade de reunião representa um elemento de democracia direta 547 A liberdade de reunião também fortalece o direito de expressão das minorias e o exercício da oposição no embate político democrático 548 Assim o direito de reunião bem como os direitos de manifestação e de associação integram o conjunto dos assim chamados direitos fundamentais democráticos cuidandose nesse sentido de um direito de liberdade tipicamente comunicativo que tanto serve ao livre desenvolvimento da personalidade que pressupõe e exige o interagir com os outros como opera como garante de outros direitos fundamentais tais como a liberdade política a liberdade sindical a liberdade religiosa e a liberdade de associação 549 Por tais razões não surpreende que a liberdade de reunião tenha sido precocemente contemplada nos textos de algumas das principais declarações de direitos e das constituições da primeira fase do constitucionalismo embora sua proscrição ou compressão em períodos autoritários que em maior ou menor medida sempre se fez presente Já a Primeira Emenda da Constituição norte americana de 1791 previa o direito do cidadão de se reunir pacificamente o que também constou da Constituição francesa de 1791 De lá para cá a liberdade de reunião em vários casos em combinação com o direito de manifestação passou a ser figura presente nas constituições e textos internacionais em matéria de direitos humanos o que será objeto de atenção no próximo segmento II Direito internacional dos direitos humanos A Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948 no art 20 traz o direito de toda pessoa à liberdade de reunião e associação pacíficas Por outro lado isto é em nível regional a Convenção Europeia de 1950 no art 11 também traz o direito a essa liberdade na seguinte disposição 1 Qualquer pessoa tem direito à liberdade de reunião pacífica e à liberdade de associação incluindo o direito de com outrem fundar e filiarse em sindicatos para a defesa dos seus interesses 2 O exercício deste direito só pode ser objeto de restrições que sendo previstas na lei constituírem disposições necessárias numa sociedade democrática para a segurança nacional a segurança pública a defesa da ordem e a prevenção do crime a proteção da saúde ou da moral ou a proteção dos direitos e das liberdades de terceiros O presente artigo não proíbe que sejam impostas restrições legítimas ao exercício destes direitos aos membros das forças armadas da polícia ou da administração do Estado Entre nós ainda a Convenção Americana dispõe no art 15 que é reconhecido o direito de reunião pacífica e sem armas O exercício desse direito só pode estar sujeito às restrições previstas em lei e que se façam necessárias em uma sociedade democrática ao interesse da segurança nacional da segurança ou da ordem públicas ou para proteger a saúde ou a moral pública ou os direitos e as liberdades das demais pessoas Já no sistema de proteção da região africana a Carta de Banjul de 1981 conhecida como Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos dispõe que toda pessoa tem direito de se reunir livremente com outras pessoas Este direito exercese sob a única reserva das restrições necessárias estabelecidas pelas leis e regulamentos nomeadamente no interesse da segurança nacional da segurança de outrem da saúde da moral ou dos direitos e liberdades das pessoas No âmbito da União Europeia a Carta de Direitos Humanos de 2000 e hoje incorporada ao direito comunitário traz no art 12 o seguinte Todas as pessoas têm direito à liberdade de reunião pacífica e à liberdade de associação em todos os níveis nomeadamente nos domínios político sindical e cívico o que implica o direito de com outrem fundarem sindicatos e de a eles se filiarem para a defesa dos seus interesses III A liberdade de reunião na Constituição Federal 1 Aspectos gerais conceito e elementos da noção de reunião para efeitos da proteção constitucional De acordo com o art 5º XVI da CF todos podem reunirse pacificamente sem armas em locais abertos ao público independentemente de autorização desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente Diferentemente do que ocorreu em Portugal art 45 da Constituição da República Portuguesa de 1976 a Constituição Federal não contemplou a liberdade de reunião juntamente com a liberdade direito de manifestação tal como se verifica na maior parte dos textos constitucionais como é o caso em caráter ilustrativo da Alemanha art 8º da Lei Fundamental de 1949 e da Espanha art 21 da Constituição de 1978 dispondo apenas sobre o direito de reunião Muito embora sua conexão com outras liberdades comunicativas e democráticas como é o caso dos direitos de manifestação e associação o direito de reunião com esses não se confunde assumindo importante dimensão autônoma 550 Ao passo que o direito de reunião assim como o de associação é sempre de ação coletiva no sentido de um direito individual de exercício coletivo podendo ser de exercício privado ou público e não exigindo a expressão de uma mensagem dirigida a terceiros o direito de manifestação pode ser exercido individualmente e se reveste necessariamente de um caráter público pois tem por objeto o exercício da liberdade de expressão com a finalidade de dirigir uma mensagem contra ou em direção a terceiros de tal sorte que uma manifestação é quase sempre uma reunião mas uma reunião nem sempre é uma típica manifestação 551 A distinção traçada por sua vez revela que o direito de manifestação não se confunde integralmente com a liberdade de manifestação do pensamento Por outro lado o direito de reunião não é idêntico ao direito de associação pois este pressupõe a coligação entre pes soas em caráter estável sob uma direção comum 552 ao passo que reuniões são encontros de duas ou mais pessoas em caráter não estável e não necessariamente voltados à criação de uma entidade comum que é a associação que assume a feição de uma pessoa coletiva O exercício do direito de reunião por sua vez embora implique em geral a manifestação do pensamento liberdade de expressão e seja mesmo um instrumento de garantia dessa mesma liberdade de expressão na sua forma coletiva igualmente com ela não se confunde pois são diferentes os âmbitos de proteção do direito de tal sorte que o con teúdo da expressão veiculada por ocasião de uma reunião será avaliado a partir dos parâmetros da liberdade de expressão o que significa dito de outro modo que o direito de reunião não oferece uma proteção adicional à liberdade de expressão pelo simples fato de se tratar do exercício coletivo do direito 553 Outra diferença reside na circunstância de que enquanto a liberdade de expressão costuma ser exercida de modo individual a manifestação de opiniões e qualquer outra modalidade de expressão que resulte de uma reunião são necessariamente de exercício coletivo 554 Uma primeira dificuldade reside na definição de reunião para o propósito da proteção constitucional Por isso necessário distinguir a reunião de um mero aglomerado fortuito de pessoas em um mesmo local como é o caso da frequência coletiva a um cinema restaurante ou qualquer outro tipo de espetáculo artístico e esportivo ou mesmo a reunião de curiosos quando de um acidente de trânsito 555 Assim à míngua de diretrizes constitucionais expressas sobre o conceito de reunião doutrina e jurisprudência sem prejuízo de legislação regulamentadora que pode definir em que consiste uma reunião 556 passaram a desenvolver alguns critérios que permitem identificar os elementos que determinam uma reunião e a distinguem de outros fenômenos de junção de pessoas Dentre tais elementos é possível colacionar os que seguem por encontrarem ampla aceitação ressalvado algum aspecto objeto de controvérsia Um primeiro elemento é de caráter subjetivo pois uma reunião não passa ao fim e ao cabo de um agrupamento de pessoas que decidem reunirse para algum fim de modo que existe uma manifestação coletiva e prévia na base de qualquer reunião 557 Há que existir portanto um vínculo interno consubstanciado por uma finalidade ou finalidades em comum 558 Dito de outro modo uma reunião exige uma consciência e uma vontade coletiva de reunião bem como um laço comum entre os seus respectivos participantes 559 O quanto a finalidade deverá envolver sempre o propósito de uma manifestação coletiva portanto de uma reunião voltada à comunicação na esfera pública é algo que merece uma atenção especial e se revela controverso 560 Uma reunião portanto apresenta um elemento teleológico ou finalista 561 pois envolve alguma finalidade em comum 562 A tais elementos agregase uma dimensão temporal pois a reunião ao contrário da liberdade de associação que é de natureza duradoura é necessariamente transitória de duração limitada e caráter episódico 563 Além disso como já se depreende dos demais elementos sendo direito individual de exercício coletivo a reunião exige sempre um agrupamento de pessoas ou seja a pluralidade de agentes 564 A tais elementos se soma um elemento espacial pois a reunião se desenvolve sempre em local determinado 565 Todavia é preciso ter presente que o direito de reunião envolve tanto manifestações de natureza estática ou seja confinadas a determinado ambiente quanto de natureza dinâmica quando se verifica o deslocamento das pessoas envolvidas por vias públicas podendo além do mais se dar tanto em locais fechados quanto abertos 566 Por derradeiro existe um elemento de natureza objetiva ou formal vinculado ao modo de exercício do direito de reunião pois a Constituição Federal a exemplo do que em geral ocorre no direito internacional e comparado exige que a reunião seja pacífica e sem o uso de armas o que será objeto de maior desenvolvimento logo adiante ao discorrermos sobre os limites do direito de reunião Aqui também é possível enquadrar o requisito da exclusividade pois a Constituição Federal veda que uma reunião frustre outra previamente convocada para o mesmo local de modo que o elemento espacial diz também com um espaço territorial que em caráter transitório enquanto durar a reunião será usado de modo exclusivo para tal finalidade o que todavia não exclui necessariamente a presença de outras pessoas no local Da mesma forma a Constituição Federal exige aviso prévio à autoridade competente o que todavia há de ser examinado com mais atenção considerando algumas peculiaridades das reuniões Tais elementos requisitos que configuram uma reunião como tal admitida e protegida pela Constituição são em geral admitidos pela absoluta maioria da doutrina não havendo maior divergência quanto a eles salvo em relação a aspectos internos de cada um dos elementos 567 2 Âmbito de proteção do direito de reunião Na sua condição de direito subjetivo o direito de reunião liberdade de reunião é em primeira linha um direito negativo no sentido de um direito de defesa voltado ao não impedimento por parte do Estado e de terceiros de uma ação a reunião e a manifestação que lhe é inerente portanto de uma faculdade atribuída aos titulares do direito 568 No âmbito de sua função como direito negativo o direito de reunião abarca um direito à não intervenção do Estado tanto na fase preparatória incluindo a convocação para a reunião quanto no seu exercício 569 Também a assim chamada liberdade negativa é incluída no âmbito de proteção do direito no caso a faculdade de não participar de uma reunião e o direito de não ser forçado à participação vedada portanto toda e qualquer modalidade de coação pública ou privada 570 A dimensão negativa do direito liberdade de reunião pode ser sintetizada da seguinte forma a direito de reunirse com outrem sem impedimento b direito de convocar uma reunião c direito de participar de uma reunião d direito de não participar de uma reunião e direito de não ser perturbado por outrem no exercício da liberdade de reunião 571 Uma função positiva do direito de reunião guarda relação com a assim chamada dimensão objetiva dos direitos fundamentais consubstanciandose nos deveres de proteção estatais que envolvem prestações de segurança para o exercício do direito de reunião bem como aspectos de cunho organizacional e procedimental O dever de proteção estatal envolve mesmo a segurança do exercício da reunião devendo o Poder Público assegurar aos participantes da reunião o livre exercício e sem perturbações do seu direito o que envolve a proteção contra grupos de oposição manifestações e reuniões contrárias evitando sejam os participantes da reunião agredidos ou submetidos a riscos bem como protegendo contra a perturbação da reunião 572 o que por sua vez implica uma projeção do direito de reunião na esfera das relações privadas Com efeito o dever de proteção é voltado em primeira linha contra intervenções por parte de terceiros havendo mesmo o direito dos participantes de uma reunião de excluir outras pessoas que não comungam dos mesmos objetivos 573 No âmbito dos deveres estatais de proteção falase também em um princípio da simpatia de uma postura ou atitude amistosa para com a reunião Grundsatz der Versammlungsfreundlichkeit que abarca um dever de cooperação entre autoridade pública especialmente no exercício do poder de polícia e os manifestantes 574 Por outro lado o direito de reunião abrange ainda na sua dimensão positiva um direito de acesso a lugares públicos para viabilizar a realização da reunião e manifestação ainda que possa existir alguma limitação quanto a tal direito de acesso já que não se cuida de direito ilimitado 575 Quanto ao âmbito de proteção subjetivo ou seja no que concerne aos titulares do direito cuidase de direito assegurado em primeira linha às pessoas físicas nacionais e estrangeiras não sendo excluída a titularidade por parte de estrangeiros não residentes pois se trata de direito como é o caso da liberdade de expressão fortemente associado ao princípio da dignidade da pessoa humana e ao direito geral de liberdade 576 Em caráter ilustrativo vale referir decisão do Tribunal Constitucional da Espanha que declarou a inconstitucionalidade de dispositivos legais que por exemplo condicionavam a participação de estrangeiros em reuniões e manifestações à prévia autorização de estada ou residência na Espanha 577 Ainda no que diz com os estrangeiros há quem embora admitindo a titularidade efetue a ressalva de que podem existir limites quando tendo em conta o objeto e a finalidade da reunião houver regra restritiva à participação no estatuto jurídico dos estrangeiros 578 As pessoas jurídicas também podem ser titulares do direito de reunião participando de sua convocação promoção direção e organização mas quanto à participação ainda que em princípio possível por meio de representantes em geral não se admite a titularidade por parte de pessoas jurídicas pois a participação como tal seria incompatível com a natureza das pessoas coletivas 579 Quanto aos destinatários a liberdade de reunião vincula tanto o Poder Público órgãos estatais quanto os particulares pois se volta também à não intervenção por parte de terceiros nas diversas fases que envolvem o exercício do direito convocação publicidade organização exercício sendo todavia controverso o quanto a vinculação dos particulares é direta ou apenas indireta por força e na medida apenas dos deveres de proteção estatal tal como já sinalizado acima No caso brasileiro considerando o déficit de regulamentação legal do direito de reunião a tese de uma eficácia direta prima facie acaba ganhando mais força mas aqui se cuida de temática desenvolvida na parte geral dos direitos fundamentais à qual remetemos 3 Limites do direito de reunião Também o direito de reunião está submetido a limites e pode ser objeto de intervenções restritivas Além dos limites já estabelecidos pela própria Constituição Federal é possível cogitar de restrições impostas pela lei e mesmo por decisão judicial no caso de colisão com outros direitos fundamentais Iniciaremos a análise com uma breve abordagem dos limites e requisitos previstos no texto constitucional Os primeiros dois limites que assumem a condição também de elementos do direito de reunião é o de que a reunião deverá ter caráter pacífico não sendo admitido o uso de armas o que se aplica a qualquer tipo de reunião ou manifestação Embora os dois elementos não sejam idênticos pois a reunião poderá ocorrer sem o uso de armas e ao mesmo tempo não ser pacífica desde que haja atos de violência moral ou física o nexo resulta evidente pois a proibição do uso de armas é instrumental em relação ao caráter pacífico que deverá ter a reunião para merecer a proteção constitucional Assim uma reunião de pessoas armadas desde logo será tida como não pacífica 580 Ao referirse a reuniões armadas a Constituição Federal não fez menção expressa ao tipo de armas de modo que em geral a doutrina e a jurisprudência interpretam o conceito de armas em sentido amplo abrangendo além de típicas armas de fogo e armas brancas facas lanças etc todo e qualquer instrumento que possa ser utilizado como meio de agressão 581 Já o uso de instrumentos destinados à proteção tais como elmos escudos máscaras que objetivam em primeira linha resguardar os participantes da reunião e não são utilizados para fins de agressão não se enquadra na noção de armas e não desnatura o caráter pacífico de uma reunião 582 Todavia em que pese o uso de máscaras e elmos ou capacetes ou véus e outros modos de cobertura do rosto por parte dos integrantes de uma reunião ou manifestação não poder ser enquadrada no conceito mesmo alargado de armas e mesmo não inquinando por si só o caráter pacífico da reunião a questão apresenta relevância constitucional Com efeito questionase se o uso de máscaras não poderá ser vedado pelo fato de permitir o anonimato constitucionalmente vedado no Brasil e impedir ou pelo menos dificultar a identificação de indivíduos que sozinhos mas normalmente atuando em grupos vejase o fenômeno dos black blocks aproveitamse disso para a prática de violência física contra pessoas ou patrimônio público e privado ou moral inclusive o discurso do ódio No Brasil considerandose especialmente a contar de junho de 2015 o aumento do número de incidentes dessa natureza dispersos por todo o território nacional a discussão sobre o ponto aumentou gerando iniciativas legislativas e chegando ao STF que no ARE 905149 RGRJ no Rio de Janeiro foi aprovada lei proibindo o uso de máscaras rel Min Roberto Barroso j 25082016 foi reconhecida a Repercussão Geral da matéria ainda pendente de julgamento em caráter definitivo pelo Plenário Quanto ao caráter pacífico que é em geral exigido no direito internacional e comparado entendese por reunião pacífica toda aquela que além de não ser exercida por pessoas armadas não envolve atos de violência física e moral contra terceiros Se com relação ao uso de armas não existem ressalvas quanto à não configuração do caráter pacífico o mesmo valendo para atos de violência física contra terceiros é preciso considerar todavia que a mera previsão pelas autoridades de que possam ocorrer atos de violência ou tumultos não basta para legitimar a proibição da reunião sendo necessário que existam atos de violência que caracterizem a reunião como tal e que não advenham de uma minoria de participantes 583 Por outro lado cuidandose de atos de violência praticados por terceiros que não integram a reunião não se justifica a sua proibição pois não é violenta a reunião que atrai uma reação violenta de outrem 584 Mais problemática é a definição de quando o caráter pacífico é afastado por conta de agressões de cunho moral e ideológico pois ao passo que para alguns mesmo a violência moral portanto manifestações que buscam a intimidação de terceiros que incitem atos de violência ou tenham teor ofensivo justificaria a proibição da reunião ou a declaração de sua ilegitimidade outros entendem que o teor ofensivo da manifestação coletiva e mesmo a incitação à violência não são por si só impeditivos da proteção constitucional do direito de reunião585 Aqui partilhamos do entendimento de que a eventual ilicitude penal ou ilegalidade dos atos dos participantes da reunião não resulta necessariamente em violação do requisito do seu caráter pacífico pois reações com resistência passiva bloqueios com manifestantes sentados podem ser sancionados na esfera criminal mas não ao menos não necessariamente desvirtuam o direito de reunião como tal 586 Assim uma determinação do Poder Público no sentido de proibir ou suspender a reunião inclusive mediante o uso da força policial deverá sempre ter caráter excepcional e apenas se justifica quando os atos praticados durante a reunião afetem direitos fundamentais de terceiros de modo significativo ou coloquem em risco a ordem pública sem que contudo se interprete a noção de ordem pública de modo genérico Apenas a clara indicação de que a reunião está afetando concretamente a segurança pública poderá justificar as restrições mais gravosas do direito de reunião como é o caso da proibição e da dissolução 587 Nesse contexto situamse hipóteses de concorrência entre o direito de reunião e a liberdade de expressão como nos casos em que a liberdade de reunião implica como já referido a expressão de opiniões e afirmações que tenham caráter ofensivo e mesmo possam ser enquadradas no assim chamado discurso do ódio O problema não encontra resposta uniforme no direito comparado e envolve por exemplo a discussão sobre o quanto devem ser admitidas reuniões e manifestações de caráter racista xenófobo ou mesmo como se deu recentemente no Brasil discursos que se situam na linha limítrofe da instigação ao crime o que foi apreciado pelo STF no assim chamado julgamento da marcha da maconha 588 Por ocasião desse julgamento que opera como importante leading case para o direito brasileiro o STF considerou mediante provocação do ProcuradorGeral da República legítima e não sancionável na esfera penal passeata destinada a sensibilizar as autoridades públicas no sentido de obter a descriminalização do consumo de drogas leves como é o caso especialmente da maconha concluindo pela interpretação conforme à Constituição do art 287 do CP que deve ser compreendido de modo a não impedir manifestações públicas em defesa da legalização de drogas De acordo com a decisão do STF a mera proposta de descriminalização de uma conduta não se confunde com a incitação à prática delitiva nem configura apologia de crime sublinhandose o que se verifica no voto do relator Min Celso de Mello e de diversos outros ministros que o acompanharam que os movimentos conhecidos como marcha da maconha são movimentos sociais espontâneos e que mediante a livre expressão do pensamento e da opinião reivindicam o debate público e democrático a respeito da criminalização do consumo de drogas Chama a atenção ainda quanto ao referido julgamento a ênfase colocada na combinação do direito de reunião com a liberdade de expressão pois vários ministros justificaram a decisão com base no livre exercício do direito de expressão Aliás a própria inicial da ADPF invocou tanto uma violação da liberdade de expressão quanto da liberdade de reunião o que também ilustra a hipótese de uma concorrência de direitos e de que determinadas intervenções podem afetar simultaneamente mais de um direito fundamental Embora a Constituição Federal não exija autorização prévia ainda que a reunião se realize em espaço aberto o texto constitucional refere a necessidade de aviso prévio à autoridade competente por parte dos promotores da reunião Tal aviso não apenas cumpre a função de assegurar o direito de preferência quanto ao local de realização da reunião já que o direito de uns não pode afetar reunião já previamente agendada para o mesmo local de acordo com a própria Constituição 589 mas também permite que se venha a assegurar de maneira mais eficaz os direitos de terceiros e mesmo que o Estado possa melhor cumprir com o seu dever de proteção em relação ao próprio direito de reunião De acordo com o entendimento dominante na doutrina a ausência do aviso prévio por si só não justifica a dissolução da reunião sem prejuízo de eventual responsabilização cível ou mesmo criminal dos responsáveis especialmente quando a reunião é pacífica em homenagem aos critérios da proporcionalidade e mesmo de razoabilidade 590 Ainda com relação ao requisito do aviso prévio importa frisar que o STF reconheceu a repercussão geral da matéria no bojo do Recurso Extraordinário 806339SE rel Min Marco Aurélio j 18102015 Quando do julgamento do mérito em 15122020 Redator do Acórdão Min Edson Fachin a Corte reconhecendo a legitimidade constitucional de reuniões e manifestações espontâneas assentou que a exigência constitucional de aviso prévio relativamente ao direito de reunião é satisfeita com a veiculação de informação que permita ao poder público zelar para que seu exercício se dê de forma pacífica ou para que não frustre outra reunião no mesmo local Por outro lado embora a Constituição Federal não tenha traçado expressamente a distinção entre reuniões em locais abertos vias públicas praças etc e fechados a exigência do aviso prévio se revelará como no mínimo questionável quando se tratar de reuniões fechadas em espaços privados já que em princípio não poderá ocorrer colisão de reuniões no mesmo espaço privado e também interesses de terceiros estarão salvaguardados 591 Uma intervenção nesses casos por sua vez terá necessariamente caráter ainda mais excepcional do que quando se tratar de reuniões em locais abertos A exigência do aviso prévio que não equivale em hipótese alguma a uma prévia autorização assume função de dar publicidade ao ato e de assegurar medidas de proteção ou mesmo permitir em casos justificados uma interdição da reunião mas não constitui requisito autônomo impeditivo da reunião Tendo em conta que a norma constitucional que exige o aviso prévio é de eficácia plena portanto diretamente aplicável não se faz necessária edição de lei regulamentando tal exigência ainda que a lei possa contribuir em muito para o adequado exercício do direito de reunião Por outro lado o fato de se tratar de norma constitucional de aplicação imediata direta não acarreta por si só a revogação de toda e qualquer norma legal ou infralegal anterior pois isso somente ocorrerá quando a legislação anterior for manifestamente incompatível com o teor da Constituição nova Assim muito embora se possa considerar revogado o art 3º da Lei 12071950 que atribuía à autoridade de maior categoria do Distrito Federal e das cidades fixar ao começo de cada ano as praças destinadas aos comícios 592 isso não significa que toda a lei tenha sido revogada pois a revogação apenas se dá convém reiterar nos casos de incompatibilidade com as exigências da Constituição em vigor que não proíbe a regulamentação do aviso prévio nem de aspectos relativos ao direito de reunião 593 Quanto à incidência no caso de reuniões em vias públicas e que causem transtornos para o fluxo de veículos e de pessoas da prescrição contida no art 95 do Código Brasileiro de Trânsito que refere a necessidade de permissão prévia por parte do órgão ou entidade de trânsito com circunscrição sobre a respectiva via pública deve ser interpretada em sentido compatível com a Constituição Federal afastandose a exigência de autorização prévia nos casos mas apenas nesses em que se configurar uma reunião 594 Limitações quanto ao modo de exercício do direito de reunião ressalvada é claro a proibição do uso de armas e o seu caráter pacífico são em princípio ilegítimas sob o ponto de vista constitucional Nesse sentido situase por exemplo decisão do STF que considerou inconstitucional decreto expedido pelo Governador do Distrito Federal que proibia a realização de reuniões na área da Praça dos Três Poderes com o uso de carros de som 595 O uso de máscaras por parte dos manifestantes no contexto de uma reunião e manifestação constitui como já destacado acima situação altamente polêmica inclusive ensejando o reconhecimento de sua repercussão geral pelo STF como igualmente referido e que se situa numa zona limítrofe visto que como regra também aqui não se vislumbra ser legítima uma proibição prévia e generalizada seja pelo fato de que o uso de máscara não impede a abordagem para identificação de eventual autor de excessos seja pelo fato de que a depender da manifestação a máscara pode assumir o papel de veículo de determinadas formas de expressão 596 Nesse contexto vale colacionar o julgamento no STF da ADIn 5136 que teve por objeto impugnação do 1º do art 28 da Lei 126632012 Lei Geral da Copa quando foi destacado que a liberdade de expressão aqui no âmbito da liberdade de manifestação não é absoluta sendo necessário caso a caso um exame criterioso dos direitos e interesses em conflito à luz dos critérios da proporcionalidade 597 Caso de alta repercussão e relevância diz respeito a intervenção da autoridade policial e de servidores do Poder Judiciário na esfera de reuniões e manifestações acompanhadas de protestos de natureza política durante período de campanha eleitoral inclusive mediante o ingresso em Universidades e estabelecimentos de ensino em geral Embora se trate de situação que diga respeito a diversos direitos e garantias fundamentais vg liberdade de expressão autonomia universitária liberdade acadêmica buscas e apreensões ilegítimas cumprimento da legislação eleitoral etc é no contexto da liberdade de reunião e manifestação que se fará referência ao caso mais emblemático julgado pelo STF nesse domínio nos últimos anos Cuidase do julgamento da ADPF 548 MCRefDF Relator Ministra Cármen Lúcia ocorrido em 31102018 Por ocasião do julgamento e de acordo com transcrição de trecho do Informativo n 922 do STF O Plenário referendou com efeito vinculante e eficácia contra todos decisão monocrática que em arguição de descumprimento de preceito fundamental ADPF suspendeu os efeitos de atos judiciais ou administrativos emanados de autoridade pública que possibilitem determinem ou promovam o ingresso de agentes públicos em universidades públicas e privadas o recolhimento de documentos a interrupção de aulas debates ou manifestações de docentes e discentes universitários a atividade disciplinar docente e discente e a coleta irregular de depoimentos desses cidadãos pela prática de manifestação livre de ideias e divulgação do pensamento em ambientes universitários ou em equipamentos sob a administração de universidades públicas e privadas e serventes a seus fins e desempenhos Mediante o manejo da ADP foram impugnadas decisões proferidas por juízes eleitorais que determinaram a busca e apreensão de panfletos e materiais de campanha eleitoral em universidades e nas dependências das sedes de associações de docentes bem como decisões que proibiram aulas com temática eleitoral e reuniões e assembleias de natureza política impondo a interrupção de manifestações públicas de apreço ou reprovação a candidatos nas eleições gerais de 2018 em ambiente virtual ou físico de universidades federais e estaduais Em alguns casos policiais executaram tais ações sem comprovação da respectiva autorização judicial que o respaldasse No mérito o Plenário entendeu que os atos impugnados violam os princípios constitucionais assecuratórios da liberdade de manifestação do pensamento ademais de violarem a autonomia universitária Além disso afirmou a necessidade de interpretação e aplicação das normas eleitorais de modo a não transgredir princípios fundamentais e assegurar a livre manifestação de pensamento e de expressão porquanto o escopo do disposto no art 37 da Lei 95041997 que regulamenta a propaganda eleitoral e proíbe alguns comportamentos durante o processo eleitoral é o de impedir o abuso de poder econômico e assegurar a isonomia dos candidatos no pleito de tal sorte que tudo o que extrapolar tal finalidade constitucional e limitar a liberdade de expressão constitui abuso por parte da autoridade pública Embora a em regra necessária interpretação restritiva das intervenções restritivas na liberdade de reunião também este direito fundamental assim como ocorre em relação a outros direitos fundamentais está sujeito a depender das circunstâncias a restrições mais fortes inclusive a possibilidade de suspensão temporária do exercício do direito nos casos excepcionais em que configurado o estado de defesa art 136 1º I a da CF ou o estado de sítio art 139 IV da CF Por derradeiro no que diz com os instrumentos processuais adequados à salvaguarda do direito de reunião prevalece tanto na esfera da jurisprudência do STF quanto em sede doutrinária o entendimento de que a ação constitucional própria é o mandado de segurança e não o habeas corpus pois no caso do direito de reunião a liberdade de locomoção eventualmente afetada é apenas um meio para o exercício do direito de reunião 598 a menos contudo que a ação das autoridades públicas importe ameaças de prisão e não apenas a dissolução da reunião ou outras sanções 599 413 Direitos de igualdade direito geral de igualdade cláusulas especiais de igualdade e políticas orientadas para a igualdade 4131 Considerações introdutórias Igualdade e justiça são noções que guardam uma conexão íntima que pode ser reconduzida no plano filosófico ao pensamento grego clássico com destaque para o pensamento de Aristóteles quando este associa justiça e igualdade e sugere que os iguais devem ser tratados de modo igual ao passo que os diferentes devem ser tratados de modo desigual 600 muito embora convém lembrar a justiça não se esgote na igualdade nem com ela se confunda 601 Desde então o princípio da igualdade e a noção de isonomia guarda relação íntima com a noção de justiça e com as mais diversas teorizações sobre a justiça posto que além de outras razões que podem ser invocadas para justificar tal conexão a justiça é sempre algo que o indivíduo vivencia em primeira linha de forma intersubjetiva e relativa ou seja na sua relação com outros indivíduos e na forma como ele próprio e os demais são tratados 602 Além disso mas também por isso mesmo a igualdade passou a constituir valor central para o direito constitucional contemporâneo representando verdadeira pedra angular do constitucionalismo moderno 603 porquanto parte integrante da tradição constitucional inaugurada com as primeiras declarações de direitos e sua incorporação aos catálogos constitucionais desde o constitucionalismo de matriz liberalburguesa Desde então e cada vez mais embora os importantes câmbios na compreensão e aplicação da noção de igualdade ao longo do tempo de acordo com a oportuna dicção de José Joaquim Gomes Canotilho e Vital Moreira o princípio da igualdade é um dos princípios estruturantes do sistema constitucional global conjugando dialecticamente as dimensões liberais democráticas e sociais inerentes ao conceito de Estado de direito democrático e social 604 tal como também o é o Estado projetado pela Constituição Federal brasileira de 1988 Já no que se pode designar de momento da fundação do constitucionalismo moderno a igualdade passou a figurar nas declarações de direitos e primeiras constituições mas o destaque vai para a Declaração dos Direitos da Virgínia de 1776 cujo primeiro artigo afirmava que todos os homens nascem igualmente livres e independentes bem como a Declaração francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 de acordo com a qual os homens nascem e são livres e iguais em direitos art 1º Embora a Declaração em si mesma antes de ser integrada ao bloco de constitucionalidade não fosse uma constituição a sua relevância para a evolução constitucional como já demonstrado na parte sobre a história do constitucionalismo e para o reconhecimento da igualdade no campo do direito positivo é inquestionável Aliás a igualdade também foi contemplada em outra passagem da Declaração mais precisamente na relação com o postulado da generalidade da lei Com efeito de acordo com o art 6º da Declaração a lei é a expressão da vontade geral Ela deve ser a mesma para todos seja para proteger seja para punir enunciado que expressa a superação da sociedade de privilégios hereditários e estamentais que caracterizava o assim chamado Antigo Regime na França prérevolucionária 605 A partir de então a igualdade perante a lei embora nem sempre a dicção dos textos constitucionais tenha sido idêntica e a noção de que em princípio direitos e vantagens devem beneficiar a todos e os deveres e encargos devem impender sobre todos 606 passou a constar gradativamente nos textos constitucionais presença que alcançou sua máxima expansão em termos quantitativos e qualitativos no constitucionalismo do Segundo PósGuerra e com a inserção do princípio da igualdade e dos direitos de igualdade no sistema internacional de proteção dos direitos humanos 607 a começar pela própria Declaração da ONU de 1948 quando no seu art I solenemente a exemplo do que havia feito a Declaração francesa praticamente 150 anos antes afirma que todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos para no art VII declarar numa perspectiva já afinada com o que se convencionou designar de igualdade material que todos são iguais perante a lei e têm direito sem qualquer distinção a igual proteção da lei Todos têm direito a igual proteção contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação Ainda no plano do direito internacional verificouse um processo de amplo reconhecimento de direitos de igualdade mediante sua incorporação em diversos tratados ou convenções sejam eles de amplitude universal como no caso art 26 do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos de 1966 de acordo com o qual todas as pessoas são iguais perante a lei e têm direito sem discriminação alguma a igual proteção da lei sejam eles de abrangência regional como é o caso da Convenção Americana de Direitos Humanos 1969 cujo art 24 de modo quase idêntico ao disposto no Pacto de Direitos Civis e Políticos preceitua que todas as pessoais são iguais perante a lei Por conseguinte têm direito sem discriminação alguma à igual proteção da lei Tais documentos supranacionais que uma vez ratificados pelos Estados não é o caso portanto da Declaração da ONU de 1948 que contudo integra o conjunto dos princípios do direito internacional assumem a condição de normas de caráter vinculante além de preverem cláusulas gerais em parte também preveem cláusulas especiais de igualdade ou foram complementados por outros documentos destinados a combater as mais diversas modalidades de discriminação como é o caso das Convenções sobre a eliminação de todas as formas de discriminação racial 1965 e da mulher 1979 bem como mais recentemente da Convenção sobre pessoas com deficiência apenas para citar os exemplos mais conhecidos No plano do constitucionalismo o Brasil como se sabe não configura exceção à regra visto que a Carta Imperial de 1824 no seu art 179 XIII replicando o enunciado da Declaração francesa dispunha que a Lei será igual para todos quer proteja quer castigue e recompensará em proporção dos merecimentos de cada um Já no dispositivo seguinte art 179 XIV a Constituição assegurava que todo o Cidadão pode ser admitido aos cargos públicos civis políticos ou militares sem outra diferença que não seja dos seus talentos e virtudes vinculando a igualdade a determinados critérios de justiça e merecimento Desde então todas as Constituições brasileiras contemplaram a igualdade perante a lei além de outras referências à igualdade No caso da Constituição de 1891 o art 72 2º dispunha que todos são iguais perante a lei além de banir todo e qualquer privilégio de nascimento títulos nobiliárquicos ordens honoríficas expressão do momento inaugural da República no Brasil Já a Constituição de 1934 no art 113 n 1 dispunha que todos são iguais perante a lei Não haverá privilégios nem distinções por motivo de nascimento sexo raça profissões próprias ou dos pais classe social riqueza crenças religiosas ou ideias políticas avançando portanto no que diz com a proscrição das discriminações e já traduzindo uma compreensão mais complexa e avançada do princípio da igualdade Na seara da ordem econômica e social ao versar sobre os direitos dos trabalhadores a Constituição de 1934 vedou diferenciação de salário para o mesmo trabalho em função da idade sexo nacionalidade ou estado civil art 121 1º a A Constituição de 1937 outorgada por Getúlio Vargas limitavase a contemplar a igualdade perante a lei em termos genéricos art 122 n 1 e assegurar o igual acesso aos cargos públicos art 122 n 3 fórmula que acabou sendo repetida pela Constituição de 1946 quando no seu art 141 1º enuncia que todos são iguais perante a lei mas quando trata dos direitos dos trabalhadores a exemplo do que já dispunha a Constituição de 1934 veda diferenças de salário em virtude da idade sexo nacionalidade ou estado civil art 157 II A Constituição de 19671969 promulgada e emendada substancialmente sob a égide do regime militar assegurava a igualdade de todos perante a lei sem distinção de sexo raça trabalho credo religioso e convicções políticas além de prever a punição pela lei do preconceito racial art 153 1º de modo que pelo menos no que diz com o texto constitucional houve avanços em relação à função impeditiva de discriminações exercida pelo princípio e pelo direito de igualdade No campo das relações de trabalho além da proibição de diferenciação salarial também foi prevista a proibição de diferenciação quanto aos critérios de admissão art 158 III A Constituição de 1988 por sua vez avançou significativamente no que diz com o princípio e os direitos de igualdade o que será objeto de exame logo adiante Por outro lado embora não seja o caso de mapear todos os textos constitucionais e internacionais importante é que se perceba que o princípio da igualdade e o direito de igualdade sofreram uma significativa mutação quanto ao seu significado e alcance especialmente quanto ao trânsito de uma concepção estritamente formal de igualdade para uma noção material muito embora tal mudança não se tenha processado da mesma forma em todos os lugares Nesta perspectiva é possível para efeitos de compreensão da evolução acima apontada identificar três fases que representam a mudança quanto ao entendimento sobre o princípio da igualdade quais sejam a a igualdade compreendida como igualdade de todos perante a lei onde a igualdade também implica a afirmação da prevalência da lei b a igualdade compreendida como proibição de discriminação de qualquer natureza c a igualdade como igualdade da própria lei portanto uma igualdade na lei 608 As três fases serão tratadas doravante no âmbito da distinção entre igualdade formal e igualdade material distinção que segue sendo central para a compreensão no seu conjunto do princípio da igualdade e do direito de igualdade na condição de direito e garantia humana e fundamental De qualquer sorte como bem lembra Oscar Vilhena Vieira a afirmação de que todos são iguais perante a lei não pode ser compreendida como uma proposição de fato mas sim como uma reivindicação de natureza moral de modo que a igualdade constitui uma reivindicação social e politicamente construída que no plano jurídico se traduz em um dever ser um dever de igual tratamento de igual respeito e consideração 609 É nessa perspectiva à vista da amplitude e transformação também ao longo da evolução jurídicoconstitucional que buscaremos apresentar e analisar embora de forma sumária o modo pelo qual o princípio e direito fundamental de igualdade opera como instrumento para a concretização dessa promessa moral a começar pela distinção convencional entre uma igualdade formal e uma igualdade material 4132 Da igualdade formal à igualdade material Na sua primeira fase de reconhecimento o princípio da igualdade como já anunciado correspondia à noção de que todos os homens são iguais compreendida no sentido de uma igualdade absoluta em termos jurídicos correspondendo ao direito de toda e qualquer pessoa estar sujeita ao mesmo tratamento previsto na lei independentemente do conteúdo do tratamento dispensado e das condições e circunstâncias pessoais razão pela qual nesta perspectiva o princípio da igualdade de certo modo correspondia à exigência da generalidade e prevalência da lei típica do Estado constitucional de matriz liberal 610 A igualdade perante a lei que corresponde à igualdade formal habitualmente veiculada pela expressão todos são iguais perante a lei 611 é de acordo com Pontes de Miranda em primeira linha destinada ao legislador estabelecendo uma proibição de tratamentos diferenciados o que todavia embora sirva para coibir desigualdades no futuro não é suficiente para destruir as causas da desigualdade numa sociedade 612 A igualdade formal portanto como postulado da racionalidade prática e universal que exige que todos que se encontram numa mesma situação recebam idêntico tratamento portanto compreendida como igualdade na aplicação da lei passou a ser complementada pela assim chamada igualdade material embora se deva anotar que as noções de igualdade formal e material não são sempre compreendidas do mesmo modo 613 Com efeito a circunstância de que a lei deveria ser a mesma para todos não era na primeira fase do reconhecimento do princípio da igualdade tida como incompatível com a desigualdade em matéria de direitos e obrigações decorrente de desigualdades sociais e econômicas como bem ilustra o exemplo das limitações impostas na esfera dos direitos políticos visto que durante considerável período de tempo era difundida a prática de se exigir tanto para votar quanto para concorrer a cargos eletivos a demonstração de deter minado patrimônio eou rendimento 614 Também a chancela legal da escravidão tal como ocorreu mesmo após a promulgação da Constituição nos Estados Unidos da América embora a peculiar formulação da igualdade na Décima Quarta Emenda integrada à declaração de direitos gradativamente ampliada a partir da sua primeira formatação em 1791 e no Brasil a despeito do conteúdo da declaração de direitos inserta na Carta Imperial de 1824 se revelava por algum tempo e lamentavelmente para não poucos compatível com a igualdade de todos cidadãos não escravos pois apenas os libertos detinham então o status da cidadania perante a lei até vir a ser proscrita bem mais tarde A atribuição de um sentido material à igualdade que não deixou de ser também uma igualdade de todos perante a lei foi uma reação precisamente à percepção de que a igualdade formal não afastava por si só situações de injustiça além de se afirmar a exigência de que o próprio conteúdo da lei deveria ser igualitário de modo que de uma igualdade perante a lei e na aplicação da lei se migrou para uma igualdade também na lei 615 Igualdade em sentido material além disso significa proibição de tratamento arbitrário ou seja a vedação da utilização para o efeito de estabelecer as relações de igualdade e desigualdade de critérios intrinsecamente injustos e violadores da dignidade da pessoa humana de tal sorte que a igualdade já agora na segunda fase de sua compreensão na seara jurídicoconstitucional opera como exigência de critérios razoáveis e justos para determinados tratamentos desiguais 616 A compreensão material da igualdade por sua vez na terceira fase que caracteriza a evolução do princípio no âmbito do constitucionalismo moderno passou a ser referida a um dever de compensação das desigualdades sociais econômicas e culturais portanto no sentido do que se convenciona chamar de uma igualdade social ou de fato 617 embora também tais termos nem sempre sejam compreendidos da mesma forma De qualquer sorte considerando que tais dimensões formal e material serão analisadas com mais detalhamento quando do exame do significado e alcance do princípio da igualdade e dos direitos de igualdade na Constituição Federal de 1988 importa ainda registrar nesta quadra que as três dimensões da igualdade e que inte gram a igualdade formal e material levaram a uma reconstrução da noção de igualdade e de seu significado e alcance em termos jurídicoconstitucionais Particularmente relevante para tal evolução foi o modo pelo qual passou a ser compreendida a relação entre a igualdade e os valores princípios e direitos da dignidade da pessoa humana e da liberdade 4133 Breves notas a respeito da relação entre dignidade liberdade e igualdade Liberdade e igualdade andam abraçadas pelo menos desde que ambas as noções foram objeto de expresso reconhecimento pelo movimento revolucionário francês 1789 sendo que na evolução subsequente a relação entre liberdade e igualdade passou a ser considerada como de certo modo indissociável e constitutiva do constitucionalismo moderno Embora a relação entre ambas as noções e princípios igualdade e liberdade assim como os direitos de igualdade e direitos de liberdade que lhes são correlatos tal relação não é isenta de tensões visto que por um lado a liberdade e os direitos de liberdade assegura ao indivíduo uma liberdade para a diferença e para a desigualdade gerando um potencial conflito entre a pretensão de liberdade na esfera da vida social por um lado e por outro uma exigência de igualdade social 618 Dito de outro modo a exigência política da maior liberdade social possível conflita com a exigência política de maior igualdade social possível visto que a liberdade social também é a liberdade do mais forte e a igualdade social é justamente a igualdade de oportunidades por parte do mais fraco 619 Todavia quando se trata de assegurar ambos os valores na condição de direitos fundamentais da pessoa humana ambos fundados na noção da igual dignidade de todos os seres humanos tal como emblematicamente enunciado também na Declaração dos Direitos Humanos da ONU que no seu art 1º enuncia que todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e em direitos é possível partir do pressuposto de que igualdade e liberdade não conflitam necessariamente entre si mas se complementam e implicam um equilíbrio entre as posições fundamentais de todos os indivíduos Com efeito de acordo com a lição de José Joaquim Gomes Canotilho o princípio da igualdade está intrinsecamente ligado à liberdade individual visto que constitui pressuposto para a uniformização dos regimes das liberdades individuais a favor de todos os sujeitos de determinado ordenamento jurídico 620 Por outro lado a proibição de qualquer tipo de discriminação arbitrária e contrária à igual dignidade de cada ser humano e a pretensão de igual respeito e consideração inclusive de suas qualidades e circunstâncias pessoais indicam como o princípio da dignidade da pessoa humana passou a integrar a própria concepção de igualdade constitucional operando como critério material de valoração notadamente no que diz com a definição das discriminações materialmente não razoáveis ou seja a proibição de tratamentos diferenciados com base em critérios que violam a dignidade da pessoa humana 621 Que com isso não se está a esgotar o papel da dignidade da pessoa humana para a compreensão do princípio da igualdade e dos direitos de igualdade resulta evidente devendo ser objeto de alguma atenção adicional logo adiante em especial no contexto das proibições de discriminação 4134 Conteúdo e significado do princípio da igualdade e dos direitos de igualdade na Constituição Federal de 1988 41341 Generalidades Na Constituição Federal de 1988 objeto imediato de nossa atenção a igualdade obteve lugar de acentuado destaque em várias passagens do texto constitucional a começar pelo Preâmbulo onde a igualdade ao lado da justiça e o valor de uma sociedade pluralista e sem preconceitos integram os valores centrais da ordem jurídicoconstitucional Além disso a igualdade se apresenta no texto constitucional tanto como princípio estruturante do próprio Estado Democrático de Direito quanto na condição de norma impositiva de tarefas para o Estado bastando neste contexto referir o disposto no art 3º que no âmbito dos objetivos fundamentais com destaque para os incisos III e IV elenca a redução das desigualdades regionais e a promoção do bem de todos sem preconceitos de origem raça sexo cor idade e quaisquer outras formas de discriminação Além disso a igualdade constitui uma peçachave no catálogo constitucional dos direitos fundamentais Assim como se deu em outras ordens constitucionais contemporâneas também a Constituição Federal não se limitou a enunciar um direito geral de igualdade como ocorreu no art 5º caput todos são iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza mas sim estabelece ao longo do texto uma série de disposições impositivas de um tratamento igualitário e proibitivas de discriminação como é o caso da igualdade entre homens e mulheres art 5º I da proibição de diferença de salários de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo idade cor ou estado civil art 7º XXX proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência art 7º XXXI igualdade de direitos entre o trabalhador com vínculo empregatício permanente e o trabalhador avulso art 7º XXXIV acesso igualitário e universal aos bens e serviços em matéria de saúde art 196 caput igualdade de condições para o acesso e permanência na escola art 206 I igualdade de direitos e deveres entre os cônjuges art 226 5º proibição de discriminação em razão da filiação art 227 6º Da mesma forma já no plano constitucional presente o dever de promover políticas de ações afirmativas como é o caso em caráter ilustrativo do art 37 VIII estipulando que a lei deverá reservar percentual dos cargos e empregos públicos para pessoas com deficiência Portanto também no caso brasileiro há que diferenciar no que couber uma cláusula geral de igualdade no sentido de um direito geral de igualdade de manifestações especiais que dizem respeito a determinados grupos de pessoas determinadas circunstâncias entre outros como é o caso da igualdade entre homens e mulheres entre os filhos havidos na e fora da constância do casamento proibições especiais de discriminação nas relações de trabalho igualdade de acesso e permanência na escola ou mesmo de normas impositivas de políticas de ações afirmativas com o fito de compensar desigualdades fáticas apenas para referir as mais comuns tudo a revelar a complexidade da matéria e a necessidade de uma abordagem afinada com as peculiaridades do direito constitucional positivo Por outro lado tendo em conta a conexão entre o direito geral e as cláusulas especiais de igualdade o nosso intento é o de tratar do tópico igualdade na perspectiva dos direitos fundamentais de modo concentrado e sistemático sem contudo deixar de apontar para as peculiaridades das cláusulas ou direitos especiais de igualdade visto que apresentam uma dimensão em parte diferenciada ainda que articulada com a noção geral de igualdade reservando por fim alguma atenção para o problema das assim chamadas ações afirmativas que operam no contexto de uma compensação das desigualdades fáticas correspondentes ao terceiro ciclo ou dimensão que caracteriza tal como sumariamente noticiado na parte introdutória do presente texto a evolução no tocante à compreensão do princípio da igualdade 41342 Âmbito de proteção conteúdo e alcance do princípio e do direito geral de igualdade Desde logo merece destaque a circunstância de que a estrutura dogmática dos direitos de liberdade compreendidos como faculdades de agir ou não agir e de não ser impedido salvo nos limites da ordem jurídicoconstitucional no exercício dessas faculdades não se deixa transpor de modo direto para os direitos de igualdade pois a proteção concreta com base no direito de igualdade por implicar um juízo relacional não se encontra predeterminada na esfera constitucional a não ser no sentido de que a Constituição exige um tratamento igual em situações substancialmente iguais proibindo discriminações arbitrárias de tal sorte que uma intervenção no direito de igualdade se verifica apenas quando se estiver diante de um tratamento igual de situações essencialmente desiguais ou de um tratamento desigual de situações essencialmente iguais 622 Nessa perspectiva mas considerando a arquitetura constitucional positiva brasileira já delineada é possível afirmar que também no Brasil o princípio e direito da igualdade abrange pelo menos três dimensões a proibição do arbítrio de modo que tanto se encontram vedadas diferenciações destituídas de justificação razoável com base na pauta de valores constitucional quanto proibido tratamento igual para situações manifestamente desiguais b proibição de discriminação portanto de diferenciações que tenham por base categorias meramente subjetivas c obrigação de tratamento diferenciado com vistas à compensação de uma desigualdade de oportunidades o que pressupõe a eliminação pelo Poder Público de desigualdades de natureza social econômica e cultural 623 De modo similar mas não coincidente Jorge Miranda e Rui Medeiros referem um sentido negativo do princípio da igualdade no que implica a proibição de privilégios e discriminações ao passo que o sentido positivo segundo os autores está entre outros aspectos atrelado ao dever de tratamento igual em situações desiguais ou tratamento semelhante em situações semelhantes e de tratamento desigual para situações desiguais situações substancial e objetivamente desiguais bem como numa perspectiva prospectiva um tratamento das situações não apenas como existem mas como devem existir no sentido portanto de uma igualdade mediante a lei 624 Nas próximas linhas tentaremos decodificar tais dimensões e explicitar o seu conteúdo e alcance sempre buscando manter a sintonia com o direito constitucional positivo brasileiro muito embora sem descurar da interação com outras culturas constitucionais visto que o princípio da igualdade assim como as proibições de discriminação e as imposições de políticas de igualdade e de ações afirmativas integram já de há muito uma gramática universal do direito constitucional da dogmática dos direitos fundamentais e do direito internacional dos direitos humanos Desde logo é preciso atentar para o fato de que também o direito de igualdade apresenta uma dupla dimensão objetiva e subjetiva e no âmbito desta última portanto na condição de direito subjetivo compreende uma face negativa defensiva e positiva prestacional No âmbito da dimensão objetiva a igualdade como já anunciado constitui valor e princípio estruturante do Estado Constitucional na condição de Estado Democrático e Social de Direito muito embora controversa a possibilidade de dedução diretamente do princípio da igualdade de deveres de proteção dos órgãos estatais 625 Ainda que se possam compreender as reservas com relação à dedução de deveres de proteção do princípio da igualdade especialmente no que concerne à liberdade de conformação do legislador a existência de um dever estatal de proteção das pessoas inclusive vinculado ao princípio da dignidade da pessoa humana contra atos de discriminação inclusive na esfera penal guarda consonância com o direito constitucional positivo brasileiro que não apenas proíbe discriminações mas impõe ao legislador a sua punição de acordo com o art 5º XLI a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais inclusive em sede criminal chegando mesmo ao ponto de afirmar o caráter imprescritível dos delitos de discriminação racial além de limitar o legislador penal na esfera da fixação da pena predeterminando que tais delitos sejam sancionados com pena de reclusão art 5º XLII Na condição de direito subjetivo o direito de igualdade opera como fundamento de posições individuais e mesmo coletivas que tem por objeto na perspectiva negativa defensiva a proibição de tratamentos encargos em desacordo com as exigências da igualdade ao passo que na perspectiva positiva ele opera como fundamento de direitos derivados a prestações isto é de igual acesso às prestações bens serviços subvenções etc disponibilizados pelo Poder Público ou por entidades privadas na medida em que vinculadas ao princípio e direito de igualdade 626 Também a exigência de medidas que afastem desigualdades de fato e promovam a sua compensação ou seja de políticas de igualdade e mesmo de políticas de ações afirmativas pode ser reconduzida à função positiva prestacional da igualdade que implica um dever de atuação estatal seja na esfera normativa seja na esfera fática de modo que é possível falar em uma imposição constitucional de uma igualdade de oportunidades 627 Titulares do direito são tanto pessoas físicas quanto jurídicas evidentemente quanto a essas de acordo com as circunstâncias e naquilo em que houver compatibilidade com a condição de pessoa jurídica o que especialmente no caso das proibições de discriminação entre os filhos por motivo de sexo raça idade deficiências etc não é o caso 628 Também os estrangeiros não residentes considerando o teor do art 5º caput da CF e a sua interpretação extensiva inclusiva privilegiada pela doutrina e jurisprudência brasileiras são titulares do direito de igualdade em especial do direito a não serem arbitrariamente discriminados ou seja quando se cuida de situações que implicam violação da dignidade humana sem prejuízo de serem levadas em conta peculiaridades relativas à sua condição jurídica de estrangeiros Destinatários são em primeira linha os órgãos estatais visto que a igualdade perante a lei implica um dever de aplicação igual do direito para os órgãos jurisdicionais e administrativos mas também uma igualdade na lei e pela lei que por sua vez vincula os órgãos legislativos De qualquer sorte os direitos fundamentais portanto também os direitos de igualdade terão plena eficácia e aplicabilidade apenas se vincularem diretamente todos os órgãos funções e ações estatais 629 Todavia é preciso considerar que a vinculação dos órgãos estatais se verifica apenas no âmbito da sua respectiva e concreta esfera de competências eou atribuições visto que o princípio da igualdade deve guardar sintonia com a arquitetura constitucional federativa como se dá também no âmbito da Constituição Federal 630 Tal premissa por sua vez articulase com o disposto no art 19 III da CF que veda à União aos Estados ao Distrito Federal e aos Municípios a criação de distinções entre brasileiros ou preferências entre si Tal concepção tem encontrado guarida na jurisprudência do STF que além de reconhecer a vinculação de todos os entes estatais ao princípio da igualdade consagrou a noção de que este abrange duas manifestações quais sejam a igualdade na lei no sentido de exigência em relação ao legislador que não poderá criar fatores de discriminação ilegítimos e a igualdade perante a lei que diz respeito à sua aplicação pelos demais órgãos estatais que não poderão quando da aplicação da lei utilizar critérios de cunho seletivo ou discriminatório 631 No que diz com a vinculação dos particulares seja na condição de pessoas naturais seja na condição de pessoas jurídicas não se pode deixar de ter presentes as peculiaridades das relações privadas onde embora de modo não absoluto vige o princípio da autonomia privada e da liberdade contratual Em princípio a projeção do direito geral de igualdade e mesmo das cláusulas especiais de igualdade na esfera das relações privadas será mediada pelo legislador pois é este quem regula tais relações inclusive na esfera de um direito contra a discriminação Assim na condição de princípio objetivo da ordem jurídica o princípio da igualdade informa também toda a ordem jurídica privada impondo uma igualdade de tratamento e impedindo toda e qualquer discriminação por parte do legislador mas também por parte de atores privados dotados de poder social e que por tal razão encontramse em situação de vantagem desigualdade econômica e social na sua relação com outros particulares vinculando também particulares que explorem serviços ou estabelecimentos abertos ao público como é o caso de farmácias táxis escolas restaurantes hotéis etc 632 O quanto contudo o direito geral de igualdade e as proibições de discriminação vinculam diretamente as relações entre particulares que não se enquadram nas categorias mencionadas projetandose também em relação a atos jurídicos praticados por particulares e que tenham caráter discriminatório constitui aspecto relativamente controverso Assim à míngua de uma legislação que regule o dever constitucional de igual tratamento e a proibição de discriminações pois é esta que será aplicada aos atos praticados pelos particulares uma eficácia direta dos direitos de igualdade nas relações privadas se dará apenas em casos de evidente violação das proibições constitucionais de discriminação visto que por conta do princípio da igualdade não se poderá esvaziar por completo a autonomia privada 633 Na esfera das relações de trabalho onde vigem cláusulas especiais proibitivas de discriminação por exemplo art 7º XXX e XXXI mas também por força de um desnível ainda que nem sempre igual de poder econômico uma eficácia direta especialmente tendo em conta que o empregador é o sujeito passivo principal do direito subjetivo é em princípio de ser reconhecida O próprio STF em precedente muito citado e sem que se vá aqui adentrar no mérito da querela em torno de uma eficácia direta ou indireta nas relações privadas chancelou a aplicação do princípio da igualdade quando em causa uma diferenciação de tratamento entre empregados brasileiros e estrangeiros de determinada empresa multinacional tendo considerado inconstitucional a não extensão ao empregado brasileiro de vantagens previstas no estatuto de pessoal da empresa Air France e que eram concedidas apenas aos empregados estrangeiros 634 No mesmo sentido embora se trate mais propriamente de um caso da assim chamada eficácia indireta dos direitos fundamentais na esfera das relações privadas situase decisão do STF ADIn 5357MCRefEDDF rel Min Edson Fachin j 17022017 referendo da medida cautelar entendendo ser constitucional a exigência legal estatuto das pessoas com deficiência resultante da conversão ao direito interno da respectiva convenção internacional da ONU de adequação dos estabelecimentos de ensino privados às exigências legais em termos de acessibilidade sem possibilidade de repasse dos custos para as mensalidades escolares Outro caso que diz respeito à repercussão do princípio da igualdade aqui compreendido como proibição de discriminação arbitrária foi apreciado pelo STF no RE 646721RS Repercussão Geral rel Min Marco Aurélio e relator para o Acórdão Min Roberto Barroso julgado em 10052017 pelo Tribunal Pleno De acordo com a nossa SC reconhecendo a Repercussão Geral da matéria No sistema constitucional vigente é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros devendo ser aplicado em ambos os casos o regime estabelecido no art 1829 do CC2002 Por outro lado compreendemse as razões pelas quais não é necessariamente vedado a um hotel destinado ao repouso de pessoas idosas sem ser por isso chamado à responsabilização em nome da igualdade se recusar a hospedar crianças quando existente alternativa efetiva em local próximo e que não resulta em encargo desproporcional para terceiros eventualmente afetados Da mesma forma não se poderá impedir que alguém deixe de vender seu imóvel para alguém pelo preço inicialmente proposto alienando o a outrem por valor menor desde que não configurada conduta eminentemente discriminatória sem prejuízo de eventual impacto desproporcional sobre direitos e interesses coletivos e de terceiros Outro ponto de cimeira relevância no que diz com a vedação de discriminações de qualquer natureza é o fato de esta cláusula operar como fundamento para a concretização legislativa e da interpretação judicial de proibições específicas de discriminação não expressamente elencadas no catálogo constitucional de direitos Isso se pode dar tanto com base no direito geral de igualdade como também e de modo mais consistente em combinação daquele com outros princípios e direitos fundamentais inclusive outras cláusulas especiais de proibição de discriminação eou impositivas de ações afirmativas Exemplo disso são os casos julgados pelo STF no sentido de reconhecer a equiparação das uniões homoafetivas com as existentes entre homens e mulheres para efeito de consideralas como representando uma entidade familiar ADI 4277DF e ADPF 132 Relator Ministro Ayres Britto julgadas em 0405052011 e a decisão em prol da extensão do tipo penal da discriminação racial para as condutas homofóbicas MI 4733DF Relator Ministro Edson Fachin julgamento em 13 e 14022019 e ADODF 26 Relator Ministro Celso de Mello também julgada em 1314022019 635 No primeiro caso relativo a união homoafetiva o STF decidiu por atribuir interpretação conforme a CF para o efeito de excluir qualquer significado do art 1723 do Código Civil que impeça o reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar O ministro Ayres Britto argumentou que o art 3º IV da CF veda qualquer discriminação em virtude de sexo raça cor e que nesse sentido ninguém pode ser diminuído ou discriminado em função de sua preferência sexual Além do argumento referido é de se destacar o fato de que corretamente no nosso entender foi trazida à colação o princípio da dignidade da pessoa humana seja na sua articulação com o princípiodireito de igualdade já naquilo em que implica um dever de tolerância e de reconhecimento Já no caso do MI 4733DF versando sobre a criminalização da homofobia o STF por maioria vencidos o Ministro Marco Aurélio que não entendia adequado na hipótese a via do mandado de injunção e os Ministros Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli que acolheram o pedido em menor extensão conheceu e julgou procedente nos termos do voto do Relator Ministro Edson Fachin o mandado de injunção reconhecendo a omissão legislativa e a mora do Congresso Nacional determinando a aplicação com efeitos prospectivos e até o momento de regulação pelo Congresso da Lei n 771689 para o efeito de estender a tipificação prevista para os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça cor etnia religião ou procedência nacional à discriminação por orientação sexual ou identidade de gênero Na ADO 26DF Relator Ministro Celso de Mello julgada na mesma ocasião em 13 e 14022019 o STF conheceu parcialmente a ação e por maioria na extensão do conhecimento a julgou procedente para a reconhecer o estado de mora inconstitucional do Congresso Nacional na implementação da prestação legislativa destinada a cumprir o mandado de incriminação a que se referem os incisos XLI e XLII do art 5º da Constituição para efeito de proteção penal aos integrantes do grupo LGBT b declarar em consequência a existência de omissão normativa inconstitucional do Poder Legislativo da União e determinar seja o Congresso Nacional cientificado para os fins e efeitos a que se refere o art 103 2º da Constituição cc o art 12H caput da Lei n 986899 c dar interpretação conforme à CF em face dos mandados constitucionais de criminalização contidos nos incisos XLI e XLII do art 5º da CF para enquadrar a homofobia e a transfobia qualquer que seja a forma de sua manifestação nos diversos tipos penais definidos na Lei n 771689 até que sobrevenha legislação autônoma editada pelo Congresso Nacional d declarar que os efeitos da interpretação conforme somente se aplicarão a partir da data da conclusão do julgamento É de se sublinhar que quando do julgamento a Plenário o STF aprovou algumas teses aqui apresentadas em caráter sumário Em primeiro lugar como já referido a Corte decidiu pelo enquadramento enquanto perdurar a mora legislativa das condutas homofóbicas e transfóbicas reais ou supostas que envolvem aversão odiosa à orientação sexual ou à identidade de gênero de alguém por traduzirem expressões de racismo compreendido este em sua dimensão social nas condutas típicas definidas na Lei n 7716 de 08011989 constituindo também na hipótese de homicídio doloso circunstância que o qualifica por configurar motivo torpe Código Penal art 121 2º I in fine Além disso foi decidido que a criminalização da homotransfobia não se aplica e não restringe o exercício da liberdade religiosa seja qual for a orientação adotada de tal sorte que aos respectivos fiéis e ministrosclérigos é assegurado o direito de pregar e de divulgar livremente pela palavra pela imagem ou por qualquer outro meio o seu pensamento e de externar suas convicções de acordo com o que se contiver em seus livros e códigos sagrados bem assim o de ensinar segundo sua orientação doutrinária eou teológica desde que tais manifestações não configurem discurso de ódio assim entendidas aquelas exteriorizações que incitem a discriminação a hostilidade ou a violência contra pessoas em razão de sua orientação sexual ou de sua identidade de gênero Outrossim reafirmou o STF a adoção de um conceito de racismo compreendido em sua dimensão social que se projeta para além de aspectos estritamente biológicos ou fenotípicos porquanto resultante na condição de típica manifestação de poder de uma construção de índole históricocultural motivada pelo objetivo de justificar a desigualdade e destinada ao controle ideológico à dominação política à subjugação social e à negação da alteridade da dignidade e da humanidade das pessoas que integram o grupo vulnerável LGBTI De particular relevância no que diz com a fundamentação da decisão é a consideração invocada no julgamento da necessidade de proteção daqueles que por não pertencerem ao estamento social que detém posição hegemônica são considerados estranhos e diferentes degradados à condição de marginais do ordenamento jurídico expostos em consequência de odiosa inferiorização e de perversa estigmatização a uma injusta e lesiva situação de exclusão do sistema geral de proteção do Direito Notese que também no caso da criminalização da homofobia e a despeito de compreensível querela em torno da legitimidade do Poder Judiciário para criminalizar condutas não tipificadas expressamente à revelia do Poder Legislativo o STF empreendeu um esforço hermenêutico no sentido de aplicar o princípio geral da igualdade mediante uma interpretação sistemática articulando igualdade proibição de discriminação de qualquer natureza com o princípio da dignidade da pessoa humana Com isso se está também reafirmando a dimensão material do princípio e direito de igualdade no contexto de um direito antidiscriminatório 41343 Metódica de aplicação do princípio direito da igualdade e efeitos de sua violação na condição de direito subjetivo Também no que diz com a aplicação do princípio da igualdade é preciso partir da premissa de que igualdade é um conceito relacional e comparativo pois toda afirmação de uma igualdade ou desigualdade pressupõe uma comparação 636 Por mais que se considere correta a noção aristotélica de tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais a proposição em si mesma é insuficiente para que se possa responder à indagação sobre quais sujeitos deverão ser tratados desigualmente ou e sendo o caso de modo igual 637 Assim na esteira do que sugere Celso Antonio Bandeira de Mello para que se possa alcançar a prática efetiva da igualdade é necessário que se considere que o princípio da igualdade estabelece em primeira linha uma proibição de tratamento diferenciado aos cidadãos tanto frente ao legislador quanto ao aplicador da lei o que dito de outro modo significa que toda e qualquer distinção que não aquela contida na própria norma é em princípio proibida de tal sorte que se torna indispensável perquirir o que deve ser considerado uma discriminação juridicamente intolerável sobretudo porque a função precípua da própria lei segundo o autor é criar tratamentos desiguais na medida das desigualdades das situações de vida e das pessoas às quais se destina o regramento legal 638 À vista do exposto é possível afirmar que o princípio da igualdade encerra tanto um dever jurídico de tratamento igual do que é igual quanto um dever jurídico de tratamento desigual do que é desigual Tais deveres na acepção de Robert Alexy implicam um ônus argumentativo no sentido de uma justificação na perspectiva jurídicoconstitucional de eventual tratamento desigual visto que o que é vedado como já sinalado é toda e qualquer desigualdade de caráter arbitrário portanto não justificável já que o princípio da igualdade não exige que o legislador deva tratar todos da mesma maneira ou que todos devam ser iguais em todos os aspectos Assim ainda para Alexy o princípio geral da igualdade pode ser estruturado com base nos seguintes enunciados a se não houver razão suficiente que permita um tratamento desigual o tratamento igual é obrigatório b se não houver razão suficiente para permitir um tratamento igual o tratamento desigual será obrigatório 639 Com isso todavia não está respondida a pergunta em relação ao que configura uma razão suficiente no entendimento de Celso Antonio Bandeira de Mello necessário um fundamento lógico uma justificativa racional 640 para afastar o caráter arbitrário e nesse sentido intolerável do ponto de vista jurídicoconstitucional de eventual tratamento desigual isto é de tratar os iguais de forma desigual e os desiguais de forma igual Para uma resposta constitucionalmente adequada é preciso entre outros fatores diferenciar entre o princípio e direito geral de igualdade e as assim chamadas cláusulas especiais de igualdade pois a intensidade de vinculação dos órgãos estatais especialmente do legislador é mais intensa no caso das proibições especiais de discriminação do que a partir do parâmetro do direito geral de igualdade implicando uma maior limitação da liberdade de conformação legislativa 641 Ao proibir diferença salarial com base na diferença de gênero por exemplo a Constituição Federal não deixa margem de liberdade que eventualmente se poderia buscar em termos de uma tentativa de justificar um tratamento distinto por conta por exemplo de eventual diferença biológica ou outro argumento Convém registrar que as cláusulas especiais de igualdade justamente foram uma resposta ao modelo da igualdade formal no sentido de uma mera igualdade perante a lei Além disso tais cláusulas especiais cumprem a função de afastar os argumentos daqueles que buscavam mediante uma demonstração da desigualdade entre diversas categorias de pessoas filhos ilegítimos e filhos legítimos homens e mulheres negros e brancos adeptos de determinada religião e os demais não adeptos nacionais e estrangeiros etc justificar como juridicamente legítima toda sorte de tratamentos desiguais pois uma vez proibida constitucionalmente a adoção do critério de discriminação em princípio este já não poderá mais ser invocado como razão suficiente ou como motivo lógico ou racional seja qual for a fórmula que se preferir adotar para designar um motivo que afaste a inconstitucionalidade do tratamento desigual Importa registrar que também para efeitos de uma adequada metódica de aplicação dos direitos de igualdade em princípio é de se examinar se for o caso a situação concreta a partir das exigências mais rigorosas do direito especial de igualdade assumindo o direito geral um papel complementar a exemplo do que ocorre com os direitos de liberdade e de personalidade em relação ao direito geral de liberdade e ao direito ao livre desenvolvimento da personalidade Se uma metódica embasada na diferença entre o direito geral de igualdade e as cláusulas especiais se revela consistente e útil ao mesmo tempo não se poderá afirmar que a proibição de diferenciação com base em determinado critério idade gênero orientação religiosa etc impede de modo absoluto que algum tratamento desigual seja justificado sendo até mesmo exigido a depender do caso Assim se em geral sobre qualquer diferença estabelecida entre homens e mulheres paira desde logo uma forte suspeita de inconstitucionalidade isso não significa que não possam existir razões suficientes também a justificar alguma diferença de tratamento nesse âmbito como por exemplo a proibição da mulher de exercer durante a gravidez determinadas funções que possam colocar em risco a vida do nascituro ou a sua própria Da mesma forma não se pretenderá ter como ilegítima eventual diferenciação entre pessoas com deficiência quando a natureza do problema físico ou psíquico impede o exercício de determinada atividade como é o caso do cego que não poderá ser piloto de uma aeronave Nos casos das cláusulas especiais de igualdade o que se verifica é que o ônus argumentativo portanto a consistência das razões para justificação do tratamento desigual deverá ser muito mais elevado de modo que eventual diferenciação terá caráter ainda mais excepcional Nesse sentido há que atentar para o fato de que o elemento discriminatório como em geral se dá na metódica de aplicação da igualdade não é autônomo em face da finalidade do ato finalidade que deve ser sempre constitucionalmente legítima e justificada do qual resulta um tratamento desigual de modo que se deverá guardar uma relação lógica e racional com a finalidade como por exemplo no caso de edital de concurso público para as funções de salvavidas que exigem destreza em termos de natação e determinado nível de vigor atlético 642 No que diz com a jurisprudência do STF que especialmente no período anterior à CF ainda se mantinha mais preso embora a evolução registrada ao longo do tempo a critérios de igualdade formal a adoção de uma concepção material de igualdade de uma igualdade justa como chegou a sugerir o Min Gilmar Mendes em determinado julgamento 643 marca a sua trajetória na fase posterior a 1988 644 Nessa perspectiva e em síntese é possível afirmar que o STF tem adotado o entendimento de que o princípio da igualdade exige uma relação de razoabilidade e congruência para justificar um tratamento desigual banindo toda e qualquer diferenciação arbitrária exigindo portanto no âmbito de um controle mais rigoroso a demonstração da congruência lógica entre o fator de discrímen e a discriminação questionada em juízo como violadora da igualdade no sentido de uma justificação suficiente do fator de desigualdade em face do objetivo almejado e a compatibilidade do objetivo com a ordem jurídicoconstitucional ao passo que na esfera de uma modalidade menos intensa de controle é necessário que a violação do princípio da igualdade seja flagrante ou seja basta a inexistência de flagrante desigualdade para legitimar o tratamento desigual 645 Ainda no âmbito de uma concepção material e mesmo positiva de igualdade registrase que o princípio da igualdade também pode operar como exigência de uma igualdade de oportunidades ou igualdade de chances 646 com o intuito de assegurar uma concorrência livre e equilibrada não apenas na esfera da vida política em que o princípio da igualdade assume uma relevância particular como por exemplo o tratamento isonômico de partidos políticos candidatos e eleitores 647 mas também para a vida social e econômica como se dá no campo da tributação da intervenção no domínio econômico e da liberdade empresarial 648 ressaltandose que uma consideração da igualdade de oportunidades não implica um abandono da igualdade jurídica em prol de uma igualdade eminentemente fática posto que a igualdade material apenas para enfatizar não se confunde com a noção de igualdade de fato de modo que igualdade jurídica e igualdade fática devem ser conciliadas mediante uma relação complexa e diferenciada de consideração recíproca e adequada ponderação 649 No tocante à condição da igualdade como direito subjetivo é possível afirmar que en quanto no caso dos direitos de liberdade uma intervenção ilegítima tem por consequência uma pretensão de que tal intervenção seja interrompida e de que o titular do direito possa fruir das faculdades que lhe são asseguradas com base no direito fundamental tratandose de um tratamento desigual constitucionalmente ilegítimo as consequências são diferentes pois nesse caso a pessoa ou grupo atingido pelo tratamento desigual que pode consistir em um encargo imposto a um e não aos demais ou mesmo na negação de um benefício concedido a outrem terá três alternativas para ver corrigida a situação a que a pessoa ou grupo seja tratada como a outra pessoa ou o outro grupo b que a outra pessoa ou grupo seja tratada como o primeiro c que ambos os grupos ou pessoas sejam tratados igualmente mas de uma forma diferente da que é tida como ilegítima pela ótica do direito de igualdade 650 No âmbito da jurisprudência mais recente do STF sobre o tema calha referir a decisão proferida no RE 659424RS rel Min Celso de Mello j 09102020 em que no que diz respeito à igualdade entre homens e mulheres julgouse inconstitucional a exigência de requisitos que comprovem a invalidez e a dependência econômica do cônjuge varão supérstite não exigidos à mulher ou companheira por se entender tratarse de afronta ao princípio da isonomia entre homens e mulheres a já ultrapassada presunção de exclusiva dependência econômica de mulheres Ainda no campo da igualdade de gênero o STF assentou em sede de Repercussão Geral no RE 639138 rel Min Gilmar Mendes rel para o Acórdão Min Edson Fachin j em 18082020 a tese de que é inconstitucional por ofensa ao princípio da igualdade cláusula de contrato de previdência privada complementar que ao prever regras distintas entre homens e mulheres venha a estabelecer benefício em valor inferior para as mulheres tendo em conta o menor tempo de contribuição Tema que tem sido igualmente submetido com frequência ao crivo do STF é o que diz respeito ao estatuto jurídicoconstitucional das pessoas com deficiência em especial em face de tratamentos discriminatórios Nesse sentido no julgamento da ADI 6590DF rel Min Dias Toffoli j 11122020 a 18122020 o STF referendou a medida cautelar deferida pelo Relator para o efeito de reconhecer a inconstitucionalidade da Política Nacional de Educação Especial Equitativa Inclusiva e com Aprendizado ao Longo da Vida Decreto n 105022020 por ser contrária aos princípios estabelecidos pela Constituição e pela Convenção Internacional sobre Direitos das Pessoas com Deficiência em especial ao direito das pessoas com deficiência à educação livre de discriminações e segregações e à igualdade própria de um sistema educacional inclusivo Ainda sobre o estatuto das pessoas com deficiência registrase a decisão proferida pelo STF na ADI 5583DF rel Min Marco Aurélio j 14052021 no sentido de que quando da apuração do imposto sobre a renda de pessoa física IRPF a pessoa com deficiência que supere o limite etário e seja capacitada para o trabalho pode ser considerada como dependente para efeitos fiscais desde que a sua remuneração não seja superior às deduções autorizadas por Lei Por último não há como deixar de consignar que na ADI 6476 rel Min Roberto Barroso j em 08092021 a Suprema Corte brasileira entendeu ser inconstitucional interpretação que exclua o direito de candidatos com deficiência à adaptação razoável em provas físicas de concursos públicos vedada a submissão genérica de candidatos com ou sem deficiência aos mesmos critérios quando da realização de provas físicas sem que seja demonstrada a sua necessidade para o exercício da função pública Já em outro contexto o STF na ADI 5358PA rel Min Roberto Barroso j 30112020 julgou inconstitucional Lei do estado do Pará por violação dos princípios da isonomia e da impessoalidade que estabeleceu preferência classificatória em concursos públicos em favor de candidatos já pertencentes ao serviço público Outro grupo vulnerável o das pessoas LGBT obteve no STF na ADPF 527 MC rel Min Roberto Barroso j em 18032021 em demanda proposta pela Associação Brasileira de Lésbicas Gays Bissexuais Travestis e Transexuais ALGBT decisão no sentido de assegurar o direito às pessoas presas transgênero e travestis de optar pelo cumprimento das respectivas penas em presídios masculinos ou femininos com a ressalva de que no caso de pessoas presas travestis a prisão deverá se dar em área do estabelecimento prisional reservada para tal finalidade como garantia da segurança pessoal do optante Tal configuração também revela a razão pela qual as consequências de um tratamento desigual constitucionalmente ilegítimo geram dificuldades no que diz com os modos de sua superação correção especialmente nas hipóteses onde se cuida não de afastar um encargo ilegítimo mas sim de estender a alguém pessoa física ou grupo um benefício do qual foi arbitrariamente excluído embora concedido a outro grupo ou grupos Assim não se verifica maior dificuldade em reconhecer que qualquer ato legislativo que impuser um encargo em violação do princípio da igualdade será inconstitucional podendo a depender do caso notadamente na esfera do controle abstrato ser declarado nulo cassandose também o encargo imposto e repondo a situação no seu devido lugar No caso da exclusão arbitrária de um benefício contudo colocase o problema de se o Poder Judiciário sem prévia decisão legislativa e mesmo previsão orçamentária fonte de financiamento pode obrigar o Estado a conceder o benefício aos que inicialmente dele tinham sido excluídos considerando que o benefício como tal é legítimo mas ilegítima foi a exclusão de alguém em violação do direito de igualdade do círculo dos beneficiários A declaração de inconstitucionalidade acompanhada da pronúncia de nulidade não apenas não beneficiará quem tiver sido ilegitimamente excluído como causará prejuízo a quem tiver recebido um benefício constitucionalmente legítimo 651 A extensão do benefício ou da vantagem a quem não o recebeu e por razões de igualdade deveria têlo recebido gera o problema não apenas de um Poder Judiciário que opera como legislador positivo mas poderá implicar a já referida afetação de outros princípios e direitos fundamentais No âmbito da jurisprudência do STF que aqui se inspirou muito na prática decisória do Tribunal Constitucional Federal da Alemanha tratando se de benefício legítimo e de cuja fruição algum grupo ou categoria foi inconstitucionalmente por ofensa ao princípio da igualdade excluído a solução habitual tem sido o reconhecimento de violação do princípio da igualdade mas sem que seja pronunciada a nulidade do ato normativo declarado inconstitucional apelandose ao legislador para que mediante regulação própria venha a corrigir o estado de coisas estendendo o benefício ou vantagem a quem foi ilegitimamente excluído na esteira da Súmula 339 de 1963 do STF de acordo com a qual não cabe ao Poder Judiciário majorar vencimentos em virtude de ofensa ao princípio da isonomia 652 Com a vigência da Constituição Federal que ademais afirma a aplicabilidade imediata das normas de direitos fundamentais e tendo em conta o conteúdo material do princípio da igualdade é possível sustentar na esteira da lição de Roger Raupp Rios que houve uma recepção do enunciado literal da Súmula 339 em consideração aos princípios da separação dos poderes e da reserva legal mas sem prejuízo de uma necessária aplicação da dimensão material da igualdade em algumas hipóteses como tem sido o caso da solução preconizada pelo STF em determinados julgados especialmente quando existente comando constitucional expresso quanto à revisão geral de vencimento no caso o art 37 X da CF ainda mais quando se cuida de ato legislativo que viola preceito constitucional cogente e que também se revela como corolário e exigência do próprio princípio da igualdade 653 41344 Igualdade diferença e as assim chamadas ações afirmativas como promotoras da igualdade material e de políticas de inclusão e reconhecimento A relação entre igualdade jurídica e igualdade fática assume particular relevância no campo das atualmente disseminadas embora em maior ou menor medida controversas políticas de ações afirmativas Neste contexto tem sido amplamente aceita a distinção entre uma modalidade direta de discriminação e os casos da assim chamada discriminação indireta no sentido de que ambas as formas de discriminação são quando não justificáveis do ponto de vista constitucional ofensivas ao princípio da igualdade No caso da discriminação indireta o que se verifica é que de medidas aparentemente neutras sob o ponto de vista discriminatório quando de sua aplicação resultam efeitos nocivos e particularmente desproporcionais para determinadas categorias de pessoas 654 Desenvolvida no âmbito da jurisprudência norteamericana a assim chamada teoria do impacto desproporcional levou à adoção gradativa de políticas de ações afirmativas de modo especial na esfera da discriminação racial ao passo que em outros ambientes como foi o caso da Europa se desenvolveu particularmente no campo da discriminação em razão do gênero passando a ser adotada em outras áreas em que se registra o fenômeno O que importa ao fim e ao cabo é que independentemente da demonstração da intenção de discriminar o impacto real de medidas em si neutras não venha a prejudicar de modo desproporcional determinados grupos colocandoos em situação de efetiva desvantagem em relação aos demais segmentos sociais pena de tais medidas serem consideradas incompatíveis com o princípio da igualdade 655 Na esfera da jurisprudência do STF a noção da discriminação indireta e a sua incompatibilidade com o princípio isonômico já foi objeto de consideração destacandose a decisão proferida na ADIn 1946DF na qual ao examinar a constitucionalidade da incidência do limite estabelecido para os benefícios previdenciários pela EC 20 sobre o saláriomaternidade o Tribunal entendeu que em virtude da aplicação do referido teto quem passaria a arcar com a diferença salarial seria o empregador o que por sua vez levaria a uma redução da oferta de empregos ou seja a um impacto desproporcional para mulheres Em outras palavras levaria a um aumento da discriminação contra a mulher no mercado de trabalho 656 À vista do exposto a CF em vários momentos impõe ao Poder Público a promoção de medidas normativas e fáticas com vistas à redução das desigualdades ou seja o que dito de outro modo implica um dever de adotar políticas de ações afirmativas no sentido de uma imposição constitucional cujo descumprimento poderá levar a um estado de omissão inconstitucional 657 Como revela a evolução brasileira nessa seara que abarca desde a promo ção da igualdade de gênero por orientação sexual pessoas com deficiência em função da idade mas especialmente consideradas determinadas peculiaridades em virtude de discriminação racial raça tomada aqui como conceito normativo uma série de políticas de ações afirmativas ou de discriminação positiva ou inversa como também se costuma designar tais medidas tem sido levada a efeito vez por outra gerando alguma querela em sede judicial particularmente no caso das políticas de cotas para afrodescendentes já implantadas em dezenas de universidades públicas e mesmo privadas ou por força de legislação federal como se deu no caso do Programa Universidade para Todos o conhecido ProUni Diversas dessas medidas foram impugnadas mas em geral não se discute em si a pos sibilidade de serem adotadas ações afirmativas ou seja o se mas sim o modo e especialmente os critérios utilizados para aferir o rol de beneficiários de tais medidas pois é notório que a adoção de cotas isso é a destinação de determinado percentual de vagas para mulheres pessoas com deficiência afrodescendentes em escolas universidades no serviço público em empresas privadas etc não constitui a única modalidade do gênero ações afirmativas Convém registrar ainda que a matéria já chegou ao STF que inclusive após realização de audiência pública sobre o tema propiciando amplo e representativo debate julgou improcedentes as demandas veiculadas contra algumas das principais políticas de ações afirmativas no campo do acesso ao ensino superior designa damente o Programa Universidade para Todos ProUni 658 e políticas de cotas implantadas por universidades públicas 659 Tendo em conta o caráter temporário que costumam ter tais políticas de ações afirmativas e o processo de gradual ajuste ampliação e avaliação a que têm sido submetidas também no Brasil cuidase de um debate sempre atual pelo menos enquanto a questão da compensação de desigualdades fáticas e da discriminação indireta for relevante e que revela o quanto o princípio da igualdade e os direitos de igualdade seguem exigindo dada a sua complexidade e impacto mas também em virtude de sua relação com outros princípios e direitos fundamentais uma teoria e prática comprometidas com a causa da justiça 660 Ainda no contexto das políticas de ações afirmativas na modalidade de cotas para o efeito de reserva de vagas assume posição de destaque a exigência constitucional e legal de reserva de vagas para o preenchimento de cargos assegurados para pessoas com deficiência tanto no setor público quanto na iniciativa privada Aliás tratase da única hipótese prevista expressamente no texto constitucional mas que nem por isso deixa de trazer algumas dificuldades e ainda carece de aperfeiçoamento quanto aos seus níveis de eficácia social Além disso já quanto ao parâmetro a ser considerado pelos órgãos estatais brasilei ros na matéria na esfera de suas respectivas competências e atribuições cabe recordar que a Convenção das Pessoas com Deficiência ratificada pelo Brasil foi aprovada pelo Congresso Nacional mediante o procedimento previsto no 3º do art 5º da CF cuidandose de estatuto normativo com hierarquia equivalente ao das emendas constitucionais servindo por conseguinte de parâmetro para o controle da constitucionalidade e convencionalidade da normativa infraconstitucional Isso significa que o próprio conceito de pessoa com deficiência a ser observado é o estabelecido na referida convenção até mesmo pelo fato de a CF não veicular ela própria nenhuma definição Nesse sentido o STF já reconheceu que na interpretação da legislação interna deve pelas razões citadas prevalecer a que torne mais efetiva a proteção das pessoas e dos grupos vulneráveis 661 Na evolução subsequente o STF tem seguido com sua tendência de chancelar as políticas de ações afirmativas em diversos ambientes em especial no que diz com a inclusão das pessoas com deficiência e em matéria das assim chamadas cotas raciais visto que o conceito de raça é normativo e não biológico que no Brasil destinamse em particular aos afrodescendentes negros e pardos e aos indígenas Como mostra disso calha invocar em caráter ilustrativo a já referida decisão sobre a aplicação das exigências de acessibilidade do estatuto e respectiva Convenção das pessoas com deficiência a estabelecimentos privados de ensino ADIn 5357 rel Min Edson Fachin 662 e a decisão na ADC 41DF rel Min Roberto Barroso j 08062017 na qual se declarou a constitucionalidade da reserva por exigência da Lei Federal 129902014 de 20 das vagas em concursos públicos para candidatos autodeclarados negros ou pardos entendendo em síntese que tal exigência inclusive o critério da autodeclaração atende os reclamos da igualdade formal e material bem como a necessidade da inclusão em termos de políticas de reconhecimento e proporcional representação nas diversas esferas da vida social política econômica e cultural do grupo das pessoas afrodescendentes inclusive no que diz com o impacto proporcional da reserva de vagas também no que diz com o atendimento de vagas para pessoas com deficiência Ainda quanto às política públicas de ações afirmativas chanceladas pelo STF calha mencionar a decisão cautelar referendada na ADPF 738 663 em que o rel Min Ricardo Lewandowksi determinou a imediata aplicação dos incentivos para candidatos afrodescendentes de modo a ser observada já nas eleições municipais de 2020 a decisão do TSE Consulta TSE 60030647 originalmente obrigatória a partir das eleições gerais de 2022 que definiu o direito dos candidatos afrodescendentes a distribuição de verbas públicas e tempo de propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão em patamares mínimos e proporcionais Dentre a jurisprudência mais recente do STF sobre o tema destacase a ADPF 787DF rel Min Gilmar Mendes j em 28062021 em que em sede de decisão monocrática e por ocasião do julgamento da medida cautelar requerida foi concedida liminar para no concernente ao sistema para agendamento de tratamentos médicos pela pessoa transexual determinando que o Ministério da Saúde no prazo de 30 trinta dias proceda a todas as alterações necessárias nos sistemas de informação do SUS para que marcações de consultas e de exames de todas as especialidades médicas sejam realizadas independentemente do registro do sexo biológico ib Ordenar ao Ministério da Saúde que também no prazo de 30 trinta dias informe se os Sistemas de Informação do SUS Sistema Informações Hos pitalares do SUS SIHSUS Sistema de Informações Ambulatoriais do SUS SIASUS Sistema de Informações em Saúde da Atenção Básica SISAB eSUS 2131 e o Sistema de Gerenciamento da Tabela de Procedimentos Medicamentos e OPM do SUSSIGTA devidamente adaptados e atualizados para garantir o acesso a tratamentos médicos com base na autodeclaração de gênero dos pacientes ii Quanto à Declaração de Nascido Vivo iia Determinar ao Ministério da Saúde por meio da Secretaria de Vigilância da Saúde SVSMS que no prazo de 30 trinta dias proceda à alteração do layout da DNV para que faça constar da declaração a categoria parturiente independente dos nomes dos genitores de acordo com sua identidade de gênero Isso possibilitará ao mesmo tempo o recolhimento de dados para a formulação de políticas públicas pertinentes e o respeito à autodeclaração de gênero dos ascendentes iib Ordenar ao Ministério da Saúde que no prazo de 30 trinta dias estabeleça diretrizes para em conjunto com as Secretarias de Estado da Saúde e com as Secretarias Municipais de Saúde gestoras estaduais do SIM e do SINASC orientar as unidades notificadoras a alimentarem os registros pertinentes considerando a categoria parturiente independente dos nomes dos genitores de acordo com sua identidade de gênero Com tal decisão que ao fim e ao cabo determinou o cumprimento de decisões pretéritas ainda pendente de julgamento do mérito o STF deu mais um passo importante no que diz com a proteção de minorias e grupos vulneráveis assegurando a fruição de direitos fundamentais às pessoas integrantes do grupo populacional LGBTQIA 414 Dos direitos fundamentais sociais 664 4141 Aspectos gerais relativos aos direitos sociais como direitos fundamentais 41411 Generalidades os direitos sociais no quadro da evolução constitucional brasileira A Constituição Federal consoante já referido foi a primeira na história constitucional brasileira a prever um título específico para os chamados direitos e garantias fundamentais Título II onde foram também consagrados direitos sociais básicos e de caráter mais geral bem como foi previsto um extenso elenco de direitos dos trabalhadores igualmente sediado no capítulo dos direitos sociais Embora na evolução constitucional precedente já houvesse previsão de algumas normas especialmente no âmbito da ordem social e econômica da Constituição versando sobre justiça social e mesmo de alguns direitos sociais com destaque para os direitos dos trabalhadores foi apenas no texto promulgado em 05101988 que os direitos sociais foram efetivamente positivados na condição de direitos fundamentais pelo menos de acordo com expressa previsão do texto constitucional já que na doutrina como já referido no âmbito da parte geral dos direitos fundamentais registrase alguma divergência sobre a fundamentalidade de alguns dos direitos previstos no Título II de modo especial no que diz respeito aos direitos sociais aspecto que será objeto de atenção logo adiante No que diz com a evolução constitucional pretérita brasileira observase que em geral as Constituições anteriores faziam referência a alguns direitos sociais assistência jurídica proteção à maternidade e à infância direito à educação entre outros mediante dispositivos esparsos geralmente elencados no catálogo dos direitos individuais ou por meio de preceitos inseridos nos títulos da ordem econômica e social Feita essa ressalva é possível identificar já na nossa Carta Imperial de 1824 o art 179 que assegurava respectivamente a garantia dos socorros públicos e o direito à instrução primária gratuita incisos XXXI e XXXII uma precoce manifestação da influência do constitucionalismo francês revolucionário com destaque para a Constituição de 1793 665 Em virtude de seu caráter eminentemente liberal a Constituição de 1891 não contemplava direitos sociais tendo sido apenas com a promulgação da Constituição de 1934 fortemente influenciada pelas primeiras constituições do Estado Social com destaque para a Constituição de Weimar que os direitos sociais e em geral as normas definidoras de fins e tarefas do Estado em matéria social foram inseridos na tradição constitucional brasileira Com efeito a Constituição de 1934 contemplava dentre outros a inviolabilidade do direito à subsistência art 113 caput bem como os direitos à assistência judiciária gratuita n 32 direitos ao trabalho e à assistência dos indigentes n 34 além de afirmar a existência digna como objetivo da ordem econômica art 115 e dispor sobre assistência social e saúde pública art 138 proteção à maternidade e à infância art 141 e o direito à educação art 149 A Constituição do Estado Novo de 1937 contemplava por sua vez dentre outros o dever de educação dos filhos art 125 a proteção da infância e da juventude art 127 a gratuidade e obrigatoriedade do ensino primário art 130 o dever social do trabalho e o direito à subsistência mediante o trabalho art 136 A Constituição de 1946 representativa do constitucionalismo do Segundo PósGuerra mas ainda assim afinada com a nossa evolução anterior assegurava dentre outros exemplos o direito dos necessitados à assistência judiciária art 141 35 estabelecendo a justiça social como objetivo da ordem econômica art 145 além de prever o direito ao trabalho art 145 parágrafo único a assistência à maternidade e à infância art 164 e o direito à educação art 166 A Constituição de 1967 promulgada em pleno regime militar manteve contudo o conteúdo social dos textos anteriores ainda que com algumas variações como demonstram os exemplos do art 150 32 direito dos necessitados à assistência judiciária art 157 caput justiça social como objetivo da ordem econômica art 157 II valorização do trabalho como condição da dignidade humana e art 168 que tratava do direito à educação Tais direitos e objetivos sociais foram ainda que alterada a localização no texto constitucional mantidos pela EC 11969 Voltandonos ao texto da Constituição Federal 1988 é facilmente perceptível que o art 6º onde estão sediados os direitos sociais básicos sem prejuízo dos direitos específicos dos trabalhadores e outros direitos sociais inserese num contexto mais amplo no plano constitucional Com efeito o Preâmbulo já evidencia o forte compromisso com a justiça social comprometimento este reforçado pelos princípios fundamentais elencados no Título I da CF dentre os quais se destaca a dignidade da pessoa humana art 1º III positivada como fundamento do próprio Estado Democrático de Direito Tal princípio para além de outros aspectos dignos de nota atua como verdadeiro fio condutor relativamente aos diversos direitos fundamentais reforçando a existência de uma recíproca complementaridade entre os direitos civis e políticos por muitos designados de direitos individuais ou direitos de liberdade e os direitos sociais na medida em que os direitos fundamentais ainda que não todos e não da mesma forma expressam parcelas do conteúdo e dimensões do princípio da dignidade humana 666 Além disso a busca da justiça social portanto o compromisso com a realização dos direitos sociais guarda sintonia com os objetivos fundamentais da República elencados no art 3º da CF que estabelece como norte dentre outros a construção de uma sociedade livre justa e solidária assim como a erradicação da pobreza e da marginalização além da redução das desigualdades sociais O mesmo ideário consta do art 170 que explicita a valorização do trabalho humano e a livreiniciativa como fundamentos da ordem econômica vinculando esta última à garantia de uma existência digna para todos conformada aos ditames da justiça social de tal sorte que se pode afirmar que a dignidade da pessoa humana é também o fundamento e o fim da ordem econômica na Constituição 667 Muito embora os direitos fundamentais sociais não estejam apenas sediados no art 6º da CF é neste dispositivo que foram concentrados os direitos fundamentais sociais básicos educação saúde alimentação trabalho moradia lazer segurança previdência social proteção à maternidade e à infância e assistência aos desamparados sendo de registrar que o direito à moradia foi incorporado ao texto original apenas posteriormente por meio da EC 26 de 14022000 ao passo que o direito à alimentação foi inserido por meio da EC 64 de 04022010 tudo a demonstrar uma cada vez maior sinergia do direito constitucional positivo brasileiro com a agenda do direito internacional seja no plano regional seja no plano universal dos direitos humanos onde os direitos humanos à moradia e à alimentação já se faziam presentes antes de serem incorporados ao texto da Constituição Federal 668 Além disso convém relevar que boa parte dos direitos sociais consagrados em termos gerais no art 6º da CF foi objeto de densificação por meio de dispositivos diversos ao longo do texto constitucional especialmente nos títulos que tratam da ordem econômica por exemplo no que diz com aspectos ligados à função social da propriedade urbana e rural e da ordem social normas sobre o sistema de seguridade social designadamente saúde assistência e previdência social bens culturais família proteção do idoso meio ambiente educação etc destacandose os diversos direitos dos trabalhadores enunciados nos arts 7º a 11 que constituem um conjunto de direitos e garantias que concretizam o direito geral ao trabalho e à proteção do trabalhador contemplado no art 6º em condição de igualdade em relação aos demais direitos sociais especialmente no sentido de imposição dos deveres de promoção e proteção do trabalho e dos trabalhadores além de uma série de garantias específicas Feita esta primeira apresentação é preciso enfatizar que os direitos sociais somente podem ser compreendidos e aplicados de modo adequado a partir de uma análise conjunta e sistemática de todas as normas constitucionais que direta e indiretamente a eles se vinculam bem como à luz de toda a legislação infraconstitucional e da jurisprudência que os concretiza Além disso na sua condição de direitos fundamentais pelo menos esta é a perspectiva adotada os direitos sociais exigem uma abordagem que esteja em permanente diálogo com a teoria geral dos direitos fundamentais Assim sendo fica desde logo esclarecido que a despeito da opção por uma abordagem para efeitos didáticos e em homenagem à opção do constituinte no que diz com a distribuição dos direitos fundamentais no Título II em separado dos direitos sociais a circunstância de que a Constituição Federal contempla pelo menos de acordo com a perspectiva adotada e o entendimento dominante no Brasil um regime comum embora não idêntico em todos os seus aspectos para os direitos fundamentais 669 justifica seja feita remissão frequente a outras partes da presente obra com destaque para a parte geral dos direitos e garantias fundamentais na qual afinal também ainda que com algumas peculiaridades se inserem os direitos sociais Antes contudo de adentrarmos no exame do regime jurídicoconstitucional dos direitos sociais como direitos fundamentais na Constituição Federal e apresentar em síntese os principais direitos sociais em espécie calha lançar um breve olhar sobre o panorama que se apresenta no direito estrangeiro 4142 Breves notas sobre os direitos sociais no âmbito do direito constitucional estrangeiro Uma análise comparativa entre o direito brasileiro e outros ordenamentos constitucionais especialmente no que concerne aos direitos sociais revela de certo modo uma posição de vanguarda da Constituição Federal de 1988 que ao consagrar os direitos sociais como direitos fundamentais na perspectiva aqui adotada lhes assegurou supremacia normativa decorrente exatamente desta positivação no texto constitucional o que resultou na tendência de se reconhecer aos direitos sociais pelo menos em termos gerais o mesmo regime jurídicoconstitucional estabelecido para os demais direitos fundamentais observadas as peculiaridades de cada direito tópico que ainda será mais desenvolvido Esse regime jurídico reforçado que corresponde à compreensão dominante no cenário jurídicoconstitucional brasileiro é todavia bastante distinto do quadro normativo vigente em outros países onde ainda que contemplados no texto constitucional tais direitos são vistos como tendo no que diz com a força jurídica das normas que os consagram uma eficácia bastante mais restrita e em outros casos chegase mesmo a lhes negar o caráter de autênticos direitos fundamentais ou mesmo atribuir a tais dispositivos constitucionais a função de normas impositivas de fins e tarefas estatais Essa limitação da eficácia das normas de direitos sociais tal como tem sido amplamente sustentado em boa parte dos sistemas constitucionais decorreria principalmente de uma densidade normativa alegadamente mais baixa dos preceitos que dispõem sobre direitos sociais no sentido de que tais normas exigiriam uma prévia atuação do legislador para alcançarem sua eficácia especialmente no sentido de posições subjetivas exigíveis em face do Estado Em outras palavras a conformação do âmbito de proteção dos direitos sociais estaria segundo tal orientação em sua maior medida nas mãos do legislador infraconstitucional 670 Em países como Alemanha França Portugal Espanha e Itália e tal perfil pode ser ampliado para a grande maioria dos países europeus isso tem impedido de modo geral e ressalvadas exceções a admissão de uma aplicabilidade direta das normas constitucionais de direitos sociais o que pelo menos em regra os torna exigíveis na condição de direitos subjetivos apenas na forma e de acordo com os limites da legislação ordinária conformadora Em termos de eficácia imediata e originária verifica se que as principais funções atribuídas aos direitos sociais no direito comparado direcionamse em dois sentidos quais sejam a operarem como limites aos demais direitos fundamentais ou não implicando restrições ao âmbito de proteção de outros direitos demarcandolhes concretamente a eficácia e atuando por conseguinte num sentido eminentemente negativo e b incidirem já numa acepção objetiva como parâmetro de avaliação da inconsti tucionalidade de atos normativos por fixarem um standard mínimo a ser observado no sentido de uma eficácia dirigente que vincula e limita em maior ou menor medida a discricionariedade do legislador e da própria administração pública É nessa perspectiva que por exemplo a Constituição da República Portuguesa de 1976 não outorgou de acordo com a orientação ainda prevalente na doutrina e jurisprudência constitucional lusitana aos direitos econômicos sociais e culturais o mesmo regime jurídico traçado para a tutela dos direitos liberdades e garantias visto que apenas os direitos liberdades e garantias assim como os direitos análogos são diretamente aplicáveis e vinculam os órgãos estatais e mesmo as entidades privadas art 18º estando portanto sujeitos a um regime reforçado em relação ao dos direitos sociais 671 De modo semelhante a Constituição do Reino de Espanha de 1978 não estendeu o regime jurídico de proteção reforçada do art 531 aos direitos sociais exceção feita ao direito à educação explicitado no art 27 bem como a algumas liberdades sociais como é o caso do direito de livre associação sindical mas em vez de reconhecer direitos sociais optou por positivar expressamente os assim chamados principios rectores de la política social y económica art 39 e ss cuja garantia dependerá sempre da legislação conformadora inclusive quanto à respectiva exigibilidade judicial art 533 672 No âmbito do direito francês os direitos sociais atualmente não se encontram no corpo principal do texto constitucional visto que a Constituição da República Francesa de 1958 remete a matéria relativa aos direitos sociais em geral ao Preâmbulo da Constituição de 1946 e aos princípios econômicos e sociais ali consagrados 673 Por meio da identificação dos denominados objetivos de valor constitucional o Conselho Constitucional francês admite a existência de direitos sociais porém os restringe a uma função objetiva no sentido de atuarem como limites aos demais direitos sem a capacidade de geração de direitos subjetivos exceção feita à garantia de condições materiais mínimas de sobrevivência expressamente outorgada 674 Na Itália os direitos sociais também se apresentam precipuamente sob a forma objetiva encontrando seu fundamento no art 3º n 2 da Constituição da República Italiana de 1947 que impõe ao Poder Público o dever de afastar os obstáculos de ordem econômica e social que impedem o pleno desenvolvimento das pessoas Em termos gerais também na Itália os direitos sociais não dão origem em princípio e sem a prévia interposição do legislador a posições subjetivas exigíveis judicialmente sendo tutelados na esfera do contencioso administrativo na condição de interesses legítimos 675 Já a Lei Fundamental da República Federal da Alemanha de 1949 com exceção do disposto no art 6 4 direito à proteção da maternidade e da garantia da liberdade sindical art 9º não previu expressamente direitos fundamentais sociais motivo pelo qual a jurisprudência tem exercido um papel essencial de modo especial mediante interpretação da cláusula do Estado Social art 20 1 do princípio da dignidade da pessoa humana art 1 1 e do direito ao livre desenvolvimento da personalidade art 2 1 dos quais foram deduzidos verdadeiros direitos sociais com destaque para o direito a um mínimo existencial o direito ao trabalho o direito a uma habitação adequada o direito de acesso dos socialmente débeis a possibilidades de desenvolvimento social e cultural o direito à seguridade social abrangido aqui um direito à assistência social muito embora altamente controversa a força jurídica de tais direitos sociais pelo menos na condição de direitos de matriz constitucional já que o princípio do Estado Social foi objeto de intensa concretização no plano infraconstitucional 676 Por outro lado é preciso enfatizar que também na Alemanha o reconhecimento de posições subjetivas originárias no sentido de deduzidas direta e autonomamente da Constituição tendo por objeto prestações materiais por parte do Poder Público é limitado a situações excepcionais visto que mesmo no caso da garantia do mínimo existencial é deferida ao legislador a primazia e uma ampla liberdade no que diz com a sua delimitação 677 Ainda no que diz com o cenário europeu é preciso destacar que para além da grande diversidade registrada entre as várias Constituições nacionais refiramse especialmente as novas Constituições do ciclo que sucedeu o término da Guerra Fria e a dissolução da União Soviética e de sua forte e relativamente hermética área de influência seja quanto ao número dos direitos sociais reconhecidos seja quanto a sua forma de positivação e regime jurídico também nessa seara da justiça social e dos direitos sociais tem sido crescente a relevância da normativa supranacional com destaque para a dimensão regional visto que a despeito de uma forte autonomia dos Estados no que toca ao modo e níveis de concretização da justiça e segurança social verificase a formação mediante a articulação entre o direito interno e a legislação supranacional assim como com a jurisprudência das instâncias judiciárias comunitárias de uma espécie de ordem social europeia o que se percebe já em função do conteúdo social do Tratado de Lisboa que da mesma forma que a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia que também contém disposições em matéria de segurança social e de direitos sociais alcançou força vinculativa Quanto às demais regiões do Planeta a expansão do constitucionalismo em geral e dos direitos sociais em particular também se fez sentir especialmente ao longo do último quartel do século XX processo em muito influenciado pela consagração no plano do sistema internacional de proteção dos direitos humanos do Pacto Internacional de Direitos Sociais Econômicos e Culturais 1966 com evidentes reflexos em perspectiva regional como dá conta o exemplo no ambiente americano do Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos Sociais e Culturais Protocolo de San Salvador Independentemente do valor jurídico atribuído a tais documentos supranacionais no âmbito interno e sem considerar aqui a questão da efetividade dos direitos sociais o fato é que atualmente grande parte das Constituições contempla em maior ou menor medida direitos sociais nos seus textos processo que encontrou sua maior expansão a partir das décadas de 1980 e 1990 mesmo após a derrocada do regime socialista na União Soviética ou seja após o marco da Queda do Muro Berlim 1989 como é o caso em caráter ilustrativo das Constituições da Colômbia da Venezuela da Bolívia do Equador no caso do continente sulamericano ou para referir um exemplo amplamente citado e analisado na literatura da Constituição da África do Sul 1996 Importa agregar que a força jurídica emprestada aos direitos sociais em tais ordens constitucionais inclusive a sua exigibilidade pela via judicial tem sido bem mais intensa do que no caso dos exemplos referidos para a Europa Alemanha Espanha Portugal França etc 678 No Brasil a inserção de um leque de direitos sociais no título dos direitos fundamentais somada ao regime jurídicoconstitucional dos direitos fundamentais ainda mais em face de seu desenvolvimento doutrinário e jurisprudencial asseguraram aos direitos sociais um lugar de destaque na agenda jurídica e política Embora seja inviável desenvolver de modo minucioso todos os aspectos ligados aos direitos sociais seguem algumas observações sobre o seu conceito e o seu regime jurídico na Constituição Federal 4143 Os direitos sociais como direitos fundamentais e seu regime jurídico na Constituição Federal 41431 Aspectos gerais Partindo do pressuposto de que na Constituição Federal a despeito de alguma resistência por parte de setores da doutrina e da jurisprudência os direitos sociais são direitos fundamentais estando em princípio sujeitos ao mesmo regime jurídico dos demais direitos fundamentais ainda que não necessariamente de modo igual quanto ao detalhe e em alguns casos é preciso numa primeira aproximação destacar que o elenco dos direitos sociais termo que aqui é utilizado como gênero não se resume ao rol enunciado no art 6º da CF abrangendo também nos termos do art 5º 2º da CF direitos e garantias de caráter implícito bem como direitos positivados em outras partes do texto constitucional portanto fora do Título II e ainda direitos previstos em tratados internacionais temática que aqui não será desenvolvida visto que o sentido e alcance da cláusula de abertura material consagrada pelo dispositivo citado já foi objeto de detalhado exame no âmbito da parte geral dos direitos fundamentais679 Aos direitos sociais também se aplica consoante já sinalado na parte geral dos direitos fundamentais o disposto no art 5º 1º da CF de tal sorte que a exemplo das demais normas de direitos fundamentais as normas consagradoras de direitos sociais possuem aplicabilidade direta ainda que o alcance de sua eficácia deva ser avaliado sempre no contexto de cada direito social e em harmonia com outros direitos fundamentais sociais ou não princípios e mesmo interesses públicos e privados680 Assim ainda que se possa falar no caso de alguns direitos sociais especialmente em virtude do modo de sua positivação no texto constitucional em uma maior relevância de uma concretização legislativa essa peculiaridade não afasta o dever de se atribuir também às normas de direitos sociais uma máxima eficácia e efetividade obrigação cometida a todos os órgãos estatais no âmbito de suas respectivas competências dever ao qual se soma o dever de aplicação direta de tais normas por parte dos órgãos do Poder Judiciário Tal aspecto contudo não pode ser confundido com a existência de limites fáticos e jurídicos aos direitos sociais limites que de resto atingem os direitos fundamentais de um modo geral já que em princípio inexiste direito fundamental imune a qualquer tipo de restrição ou limite Por outro lado a maior ou menor abertura semântica indeterminação do conteúdo e mesmo eventual remissão expressa à lei não poderão consistir portanto em obstáculo intransponível à sua aplicação imediata e exigibilidade judicial ainda que os efeitos concretos a serem extraídos das normas de direitos sociais possam em alguns casos ser bem mais modestos De qualquer modo para um maior desenvolvimento quanto ao sentido e alcance da norma contida no art 5º 1º da CF remetemos aqui também ao item correspondente da parte geral teoria geral dos direitos fundamentais 681 Outro tópico que diz respeito ao regime jurídico dos direitos sociais na condição de direitos fundamentais é o de sua proteção contra o poder de reforma constitucional e contra intervenções restritivas por parte dos órgãos estatais Tendo em conta que tais questões foram tratadas no capítulo sobre a reforma constitucional no âmbito dos limites materiais e no item sobre os limites e restrições a direitos fundamentais parte geral dos direitos fundamentais deixaremos aqui de enfrentar o tema apenas enfatizando que também quanto a tais aspectos adotamos a posição segundo a qual os direitos fundamentais sociais estejam eles sediados no Título II da CF estejam localizados em outras partes do texto constitucional ou mesmo tenham sido incorporados à Constituição mediante emendas não podem ser objeto de abolição efetiva ou tendencial aplicandose aos direitos sociais também ressalvadas eventuais peculiaridades o sistema constitucional de limites e limites dos limites Todavia levando em conta que na seara dos direitos fundamentais sociais passou a ganhar espaço especialmente em sede doutrinária a ideia de uma proibição de retrocesso ou proibição de regressividade não deixaremos de tecer algumas considerações sobre a tal garantia implícita dos direitos sociais logo mais adiante em item próprio Ainda no concernente ao regime jurídico dos direitos sociais importa destacar que sob o rótulo genérico de direitos sociais a Constituição Federal abrange uma gama variada de direitos fundamentais que numa perspectiva mais ampla integrando o Título II com as demais partes da Carta Magna correspondem aos direitos econômicos sociais culturais e ambientais o que contribui ainda mais para uma necessária cautela no que diz com uma aplicação demasiado rigorosa embora correta em termos gerais da unicidade de regime jurídicoconstitucional em matéria de direitos fundamentais o que deverá ser objeto de atenção quando da análise dos direitos sociais em espécie Além disso como ocorre com os direitos fundamentais em geral também os direitos sociais apresentam uma dupla dimensão subjetiva e objetiva No que diz com a primeira ou seja quando os direitos sociais operam como direitos subjetivos está em causa a possibilidade de serem exigíveis em favor de seus respectivos titulares em face de seus destinatários A despeito das dificuldades e objeções que se registram nessa esfera vg menor densidade das normas definidoras de direitos sociais limites ao controle judicial das políticas públicas dependência da disponibilidade de recursos em outras palavras do impacto da assim chamada reserva do possível constatase no caso brasileiro uma forte tendência doutrinária e jurisprudencial com destaque aqui para a jurisprudência do STF no sentido do reconhecimento de um direito subjetivo definitivo portanto gerador de uma obrigação de prestação por parte do destinatário pelo menos no plano do mínimo existencial concebido como garantia fundamental das condições materiais mínimas para uma vida com dignidade o que em termos de maior incidência se verifica especialmente nos casos do direito à saúde e à educação 682 Já a perspectiva objetiva das normas de direitos sociais reflete o estreito liame desses direitos com o sistema de fins e valores constitucionais a serem respeitados e concretizados por toda a sociedade princípio da dignidade da pessoa humana superação das desigualdades sociais e regionais construção de uma sociedade livre justa e solidária683 Nesta esfera como já sinalado na parte geral dos direitos fundamentais também as normas de direitos sociais sendo normas de direitos fundamentais possuem uma eficácia dirigente ou irradiante decorrente da perspectiva objetiva que impõe ao Estado o dever de permanente realização dos direitos sociais além de permitir às normas de direitos sociais operarem como parâmetro tanto para a aplicação e interpretação do direito infra constitucional quanto para a criação e o desenvolvimento de instituições organizações e procedimentos voltados à proteção e promoção dos direitos sociais Daí também resulta entre outros aspectos a eficácia dos direitos fundamentais sociais nas relações privadas e em termos mais amplos a interpretação do ordenamento jurídico de acordo com o marco dos direitos fundamentais incluindo os direitos sociais Além disso não se pode olvidar que também em matéria de direitos sociais assumem relevo os deveres de proteção que vinculam os órgãos estatais inclusive no que diz com uma atuação em caráter preventivo e que ensejam um dever de proteção suficiente pena de violação da assim chamada proibição de insuficiência de proteção isto sem falar na existência de deveres fundamentais sociais dos particulares Finalmente a perspectiva objetiva permite a tutela das garantias institucionais ou seja a proteção de determinadas instituições de direito público e institutos de direito privado sem desconsiderar aqui que o público e o privado se conectam e não constituem esferas isoladas que por sua relevância necessitam ser protegidos contra a ação erosiva do legislador como dão conta entre outros os exemplos do Sistema Único de Saúde SUS e da autonomia universitária 684 muito embora esta última individualmente considerada não costume ser enquadrada na noção de direitos sociais apesar de ter sido incluída no contexto mais amplo do direito à educação e integrar o título da ordem social Ainda no que diz com a inserção dos direitos sociais no marco de um regime comum aos direitos fundamentais é possível apontar para uma dupla dimensão negativa defensiva e positiva prestacional também no caso das normas de direitos sociais abrangendo portanto um leque diferenciado de posições jurídico subjetivas que podem estar vinculadas a um mesmo direito fundamental social compreendido em sentido amplo 685 Neste contexto convém sublinhar que os direitos sociais embora habitualmente referidos ao princípio da igualdade na sua vertente substantiva não se limitam à função de direitos a prestações materiais de tal sorte que também para os direitos sociais vale a premissa de que todos os direitos fundamentais apresentam uma perspectiva ou dimensão positiva e negativa686 Assim nada obstante sua evidente importância a função dos direitos sociais como direitos a prestações materiais é somente uma das espécies no âmbito das possíveis posições subjetivas decorrentes das normas de direitos sociais visto que também assumem uma nítida função defensiva negativa atuando como proibições de intervenção além de implicarem prestações do tipo normativo prestações jurídicas inclusive de feição organizacional e procedimental como já sinalado 687 Valendonos do exemplo do direito à saúde este apresenta uma evidente dimensão defensiva no sentido de gerar um dever de não interferência ou seja uma vedação a atos estatais e privados que possam causar dano ou ameaçar a saúde da pessoa sem prejuízo de sua simultânea função prestacional positiva pois ao Estado incumbe a criação de todo um aparato de proteção vg as normas penais que vedam lesões corporais morte charlatanismo etc assim como a criação de uma série de instituições organizações e procedimentos dirigidos à prevenção e promoção da saúde campanhas de vacinação pública atuação da vigilância sanitária controle de fronteiras participação nos conselhos e conferências de saúde entre outros além do dever estatal de fornecimento de prestações no campo da assistência médicohospitalar medicamentos entre outras 688 Em síntese os direitos sociais na condição de direitos subjetivos operam como direitos de defesa e direitos a prestações que podem ser tanto direitos a prestações fáticas quanto direitos a prestações normativas de caráter organizatório e procedimental Uma vez compreendida esta dúplice função negativa e positiva também dos direitos sociais é preciso levar em conta outra distinção oriunda da dogmática constitucional alemã que refere a existência no plano da dimensão positiva prestacional de duas categorias de direitos subjetivos a prestações materiais do Estado quais sejam os direitos derivados a prestações e os direitos originários a prestações 689 De acordo com tal distinção direitos derivados a prestações seriam posições jurídicas que asseguram ao indivíduo o direito de participação igual no sistema de prestações sociais públicas já concretizado portanto direitos já assegurados em nível de legislação e de políticas públicas ao passo que direitos originários a prestações correspondem ao direito de exigir do Estado o fornecimento de prestações diretamente deduzidas do plano constitucional ainda que não tenham sido objeto de regulação infraconstitucional 690 41432 Titulares e destinatários dos direitos sociais Em princípio toda pessoa pode ser titular de direitos sociais o que não significa a inexistência de restrições como aquelas impostas em função de específicas condições do titular do direito caso dos direitos dos trabalhadores dirigidos a determinado grupo de pessoas ou em decorrência de condicionamentos fáticos e jurídicos contrapostos à eficácia dos próprios direitos sociais caso da limitação da gratuidade de prestações apenas às pessoas comprovadamente carentes De modo geral como já sinalado na parte geral dos direitos fundamentais vige o princípio da universalidade de acordo com o qual ainda mais quando se trata de direitos com forte vínculo com a dignidade da pessoa humana e com o direito à vida todas as pessoas são na condição de pessoas humanas titulares dos direitos sociais Ainda no que diz com a titularidade importa frisar que os direitos sociais não se confundem com a figura dos direitos coletivos pelo menos não podem ser identificados apenas com a figura de direitos coletivos A partir justamente da dimensão sempre em primeira linha individual da dignidade da pessoa humana e do próprio mínimo existencial os direitos sociais têm por titular a pessoa individual o que todavia não afasta uma dimensão transindividual conforme aliás também tem sido destacado em diversas decisões do STF especialmente mas não exclusivamente no caso do direito à saúde 691 Eventual preferência por uma tutela processual coletiva não pode servir de argumento para refutar a titularidade individual dos direitos sociais visto que não se pode confundir a condição de titular sujeito de direitos fundamentais com a técnica processual de sua efetivação 692 Além disso importa sublinhar que a titularidade de direitos sociais também deve ao menos em determinados casos destaque aqui para os direitos à saúde assistência social educação e direitos trabalhistas ser reconhecida aos estrangeiros embora polêmica a delimitação do conteúdo de tais direitos em concreto e os requisitos para tanto o que aqui não será objeto de aprofundamento Em termos gerais considerase que tal reconhecimento deverá se dar pelo menos quando em causa o comprometimento em concreto do direito à vida e do mínimo existencial 693 Quanto aos destinatários não se questiona que os direitos sociais vinculam e obrigam os órgãos estatais no sentido de uma vinculação isenta de lacunas que de resto como já salientado no item próprio da parte geral dos direitos fundamentais se verifica no caso de todos os direitos fundamentais ainda que existam variações quanto a aspectos específicos e no que concerne a peculiaridades da função legislativa judiciária e executiva o que aqui não será objeto de desenvolvimento Neste contexto registra se que tem sido particularmente intenso também no Brasil o debate sobre a legitimidade a competência as possibilidades e os limites do controle do se mas especialmente do como os órgãos estatais se desincumbem de seus deveres e tarefas em matéria de direitos sociais bem como quais os limites de tal controle notadamente quando se trata do controle judicial das ações e omissões por parte dos demais órgãos estatais mas tais aspectos serão ainda que de modo sumário examinados no contexto do problema da exigibilidade dos direitos sociais logo adiante Por outro lado ainda na esfera dos destinatários das normas de direitos sociais conquanto se admita que as normas de direitos sociais incidam nas relações entre particulares doutrina e jurisprudência ainda debatem se realmente há uma vinculação e em caso afirmativo como esta opera notadamente quando se cuida da dimensão positiva dos direitos sociais compreendidos como direitos a prestações 694 Ressalvese que tal controvérsia deve levar em conta as diferenças evidentes que se verificam quando se trata de direitos sociais que por sua natureza têm por destinatário precípuo os órgãos estatais direitos à assistência social e à previdência social por exemplo assim como quando em causa os direitos sociais que se dirigem essencialmente ainda que não de modo exclusivo aos particulares direitos dos trabalhadores eg Retomando aqui as ponderações já tecidas com relação à dupla dimensão negativa defensiva e positiva prestacional dos direitos fundamentais sociais importa destacar que se parte do pressuposto de que em ambas as dimensões os direitos sociais geram efeitos nas relações entre particulares Nesse sentido na primeira ocasião em que tivemos a oportunidade de nos pronunciar a respeito restou consignado que todos os direitos fundamentais inclusive de cunho prestacional são eficazes vinculantes no âmbito das relações entre particulares inexistindo em princípio distinção entre os direitos de cunho defensivo e os prestacionais em que pese o seu objeto diverso e a circunstância de que os direitos fundamentais do último grupo possam até vincular na condição de obrigados em primeira linha os órgãos estatais 695 Tal posição foi compartilhada desenvolvida e reforçada especialmente por Daniel Sarmento que avançou significativamente na discussão 696 da mesma forma como também tivemos a ocasião em momento posterior de enfrentar o tema de modo mais detido 697 A eficácia direta ainda que não absoluta dos direitos sociais na esfera das relações privadas notadamente no que diz com a dimensão prestacional foi contudo alvo de críticas bem articuladas por Wilson Steinmetz que a despeito de adotar posição divergente contribuiu para o enriquecimento do debate no âmbito da doutrina brasileira 698 Assim é de se aproveitar o ensejo para à luz dos argumentos esgrimidos especialmente pelos autores citados mas também por outros doutrinadores bem como com base em algumas situações concretas analisadas também a partir de alguma jurisprudência enfrentar as críticas e demonstrar a razão pela qual também as normas de direitos sociais seja de modo direto seja indiretamente geram efeitos nas relações privadas Para tanto há que retomar a distinção entre os direitos fundamentais sociais como direitos negativos e positivos lembrando que a problemática da vinculação e portanto da eficácia dos direitos sociais na esfera privada necessariamente haverá de considerar os aspectos peculiares de cada uma das dimensões É de recordar ainda que os direitos sociais podem assumir tanto a condição de liberdades sociais como é o caso dos direitos de greve e de associação sindical por exemplo quanto a forma de direitos a prestações como é o caso do direito à saúde à educação à moradia ou de alguns direitos dos trabalhadores como a garantia do salário mínimo a remuneração das férias entre outros sem prejuízo também nesses casos de uma dimensão defensiva negativa Além disso importa reafirmar que ambas as dimensões negativa e positiva pressupõem deveres de proteção do Estado que por sua vez na condição de direitos à proteção assumem a feição de direitos a prestações em geral de cunho normativo organizatório e procedimental mas também prestações de caráter fático Levando em conta que mesmo a vinculação dos órgãos estatais carece de diferenciação a depender do direito fundamental em causa e que a eficácia e a aplicabilidade das normas de direitos fundamentais são variáveis também para as normas de direitos sociais há de valer o que se afirmou no tocante ao problema da eficácia dos direitos fundamentais em geral nas relações entre particulares isto é que tal eficácia reclama a adoção de uma metódica diferenciadora que assume tanto aspectos de uma eficácia vertical e horizontal quanto de uma eficácia direta e indireta de tal sorte que diferenciações não são apenas possíveis mas necessárias 699 Nesta mesma linha de entendimento quando se afirma que todos os direitos fundamentais vinculam de algum modo os particulares e geram também de algum modo efeitos diretamente nas relações entre agentes privados e em relação aos atos por estes praticados evidentemente se há de tomar tal afirmação no sentido de uma eficácia direta prima facie isto é como em princípio aplicável já que existem direitos fundamentais cujo destinatário principal é o Estado e outros direcionados diretamente e em primeira linha o que não quer necessariamente dizer de modo exclusivo aos particulares o que ocorre por exemplo com os direitos dos trabalhadores consoante aliás já referido O fato de se reconhecer com Daniel Sarmento a necessidade de elevada dose de prudência no reconhecimento de direitos subjetivos a prestações tendo por destinatários particulares 700 isso não poderá por sua vez levar à negação total de tais posições jurídicas como oponíveis entre atores privados Ademais a eficácia inclusive a depender do caso direta das normas de direitos fundamentais sociais na esfera das relações entre particulares não se resume nem poderia ao reconhecimento de posições jurídico subjetivas de cunho prestacional como de resto igualmente demonstrou Daniel Sarmento referindose entre outras possibilidades a efeitos negativos como ocorre com a aplicação do princípio da proibição de retrocesso aqui citada apenas para ilustrar a assertiva 701 Para efeitos de uma possível eficácia direta dos direitos sociais nas relações entre particulares assume relevo a figura do mínimo existencial que também nesta seara se revela como importante critério material a ser aplicado Se uma eficácia prestacional já é possível até mesmo fora do âmbito do que tem sido considerado o mínimo existencial poderseá aqui citar o exemplo atual da disponibilização ainda que cogente por imposta pelo Poder Público de vagas portanto de um acesso a prestações no campo do direito à educação também por instituições particulares de ensino superior o que não dizer quando estiverem em causa prestações indispensáveis à satisfação das condições mínimas para uma vida com dignidade com apoio também mas como argumento adicional tão somente no princípio da solidariedade que à evidência não vincula apenas aos órgãos estatais mas a sociedade como um todo como de resto bem destacou Daniel Sarmento ao explorar este aspecto 702 No caso do direito à saúde citado por Wilson Steinmetz quando da sua já referida crítica também já se registram casos de uma imposição inclusive na esfera jurisdicional de prestações materiais a entidades privadas em favor de outros particulares Isto se verifica com certa frequência e é claro em determinadas circunstâncias e sob determinados pressupostos em hipóteses envolvendo empresas mantenedoras de planos de saúde que mesmo alegando não haver cobertura contratual são obrigadas com base nos direitos fundamentais à proteção do consumidor e à saúde a arcar com as despesas médico hospitalares relativas a seus segurados 703 Por outro lado importante reenfatizar que o reconhecimento especialmente quando efetuado diretamente e portanto sem mediação legislativa de direitos subjetivos a prestações sociais contra entidades privadas deve ser encarado com cautela e passar por um rigoroso controle no que diz com os critérios que presidem a solução de conflitos de direitos Justamente em virtude dessa necessidade importa construir critérios materiais robustos para uma adequada ponderação à luz do caso concreto com destaque para as exigências da proporcionalidade o que de resto corresponde ao entendimento seguramente dominante na literatura brasileira 704 41433 O problema da eficácia e efetividade das normas de direitos sociais com destaque para a controvérsia acerca da exigibilidade dos direitos sociais como direitos a prestações O fato de que em princípio é possível partir do pressuposto de que os direitos sociais na condição de direitos fundamentais estão sujeitos ao regime do art 5º 1º da CF ou seja de que também as normas constitucionais que enunciam direitos sociais são normas diretamente imediatamente aplicáveis não afasta por si só e de plano uma série de questões controversas amplamente debatidas nas esferas doutrinária e jurisprudencial Dada a heterogeneidade das normas de direitos sociais aspecto aliás comum aos direitos fundamentais em geral resulta ainda mais evidente a necessidade de considerar tal diversidade especialmente quando da aplicação aos direitos sociais notadamente quando compreendidos na sua dimensão positiva como direitos subjetivos a prestações estatais da noção de que as normas de direitos fundamentais são de acordo com a terminologia mais difundida no Brasil normas de eficácia plena no sentido de que por mais relevante que seja o papel do legislador infraconstitucional o que no caso dos direitos sociais é de ser ainda mais enfatizado não se poderá deixar a decisão sobre o conteúdo dos direitos sociais na esfera plena e ilimitada de atuação do legislador Dito de outro modo também os direitos sociais não podem ter sua eficácia e efetividade mesmo como direitos a prestações integralmente portanto exclusivamente condicionadas por uma interposição legislativa cuidandose nesta perspectiva também de autênticos trunfos contra a maioria 705 Assim também para os direitos sociais por força do disposto no art 5º 1º da CF vale a premissa de que não é possível reduzir as normas que os consagram a normas programáticas de eficácia diferida dependente sempre e integralmente da atuação complementar do legislador infraconstitucional O problema da exigibilidade dos direitos sociais contudo se revela especialmente delicado e a controvérsia na doutrina e mesmo em nível da jurisprudência assim o atesta quando se trata de avaliar em que medida é possível por intermédio do Poder Judiciário impor ao Poder Público uma prestação diretamente fundada na Constituição isto é quando se cuida de verificar a exigibilidade dos direitos sociais na condição de direitos originários a prestações ou seja de uma prestação não previamente assegurada por lei infraconstitucional eou já disponibilizada no sistema de bens e serviços por força de políticas públicas já existentes Com efeito é de se reiterar nesta quadra que a situação na qual se busca a manifestação do Poder Judiciário para impor ao Poder Público uma prestação que não pode ser reconduzida a uma prévia opção legislativa ou mesmo a uma política pública ou medida administrativa incorporada ao sistema de políticas públicas hipótese que corresponde aos assim chamados direitos derivados a prestações não é idêntica embora haja questões polêmicas e de difícil equacionamento em cada uma das categorias direitos derivados e direitos originários a prestações A objeção mais comum embora atualmente menos utilizada diz respeito ao argumento de que as normas de direitos sociais especialmente na sua condição de direitos a prestações seriam normas de cunho meramente programático ou quando muito normas impositivas de programas fins ou tarefas que diversamente das normas meramente programáticas teriam alguma eficácia vinculativa mas não poderiam sem prévia manifestação legislativa servir de fundamento para a dedução direta da Constituição de deveres cogentes de prestação por parte do Estado e um correspondente direito originário a prestação Tal linha argumentativa especialmente no que exclui qualquer possibilidade de dedução em juízo de um direito subjetivo originário a prestações notadamente no caso das prestações de caráter material não pode subsistir seja em face do teor literal e compreensão dominante da norma contida no art 5º 1º da CF seja pelo fato de que os direitos sociais perderiam a sua condição de direitos fundamentais caso seu objeto e a decisão sobre sua eficácia e efetividade ficassem integralmente ainda que se reconheça o papel prioritário e indispensável do legislador para a efetividade dos direitos sociais subordinados ao legislador transformandose tais direitos em direitos apenas na medida da lei Além disso ainda que observada uma série de aspectos não se deve perder de vista que aos direitos sociais se aplica o disposto no art 5º 1º da CF o que a despeito de uma possível concomitante mas não reciprocamente excludente dimensão programática no sentido de impositiva de tarefas e deveres vinculantes dos direitos sociais faz com que não se possa afastar a condição de um direito subjetivo a prestações por mais que tal direito subjetivo esteja submetido a limites decorrentes de outros princípios e direitos em nível constitucional e mesmo restrições que sempre têm por base uma justificação constitucional pelo legislador O ponto possivelmente mais polêmico em termos de exigibilidade dos direitos sociais como direitos subjetivos e fundamento para o controle jurisdicional de políticas públicas ambas as situações apesar de seus pontos de contato não se confundem diz respeito à assim chamada reserva do possível ou seja com a dimensão economicamente relevante dos direitos sociais embora já se reconheça que tal relevância econômica não é apenas dos direitos sociais na condição de direitos a prestações estatais de modo especial naquilo que guardam relação com a destinação criação e redistribuição de recursos materiais e humanos com destaque para os aspectos econômicos financeiros e tributários que dizem respeito à efetividade dos direito sociais 706 Conquanto se reconheça que todos os direitos sempre acarretam custos para sua efetivação e proteção sejam direitos civis sejam direitos políticos ou sociais 707 o fato é que em termos de exigibilidade judicial o apontado fator custo nunca constituiu elemento impeditivo de efetivação da dimensão negativa função de defesa dos direitos sociais pelo menos não no sentido de se advogar a impossibilidade de provimento judicial com base nos direitos civis e políticos pelo menos quando não em causa pretensões de objeto positivo ou seja implicando prestações estatais A concessão de uma ordem de habeas corpus por exemplo não é colocada na dependência do fato de que há poucos juízes disponíveis ou pouco investimento em segurança pública ou seja o reconhecimento da pretensão e do direito subjetivo negativo fundada na liberdade de locomoção embora também dependa em parte de pressupostos de ordem fática entre outros não é obstado em virtude de tal circunstância e não se questiona também a aplicabilidade imediata e eficácia plena da norma que assegura a liberdade de locomoção Diversamente o custo das prestações materiais assume uma importância crescente na análise da eficácia e efetividade dos direitos sociais na condição de direitos a prestações sustentando parte da doutrina que se a alocação de recursos públicos é sempre necessária para assegurar o fornecimento das prestações materiais a efetividade dos direitos sociais se mostraria então dependente da conjuntura econômica o que deslocaria o debate para o problema da possibilidade ou não de o Poder Judiciário impor aos demais atores estatais a satisfação das prestações reclamadas aspecto possibilidade de controle judicial do qual nos ocuparemos logo a seguir Por outro lado a assim chamada reserva do possível também poderá impactar na esfera dos direitos derivados a prestações ou seja quando se cuida de assegurar o fornecimento de bens e serviços que integram o esquema já regulado de políticas públicas por exemplo o acesso universal aos serviços de saúde oficialmente disponibilizados pelo SUS o acesso à educação em estabelecimentos públicos pelo menos de forma universal na esfera do ensino fundamental apenas para mencionar os casos mais correntes Nesses casos embora a prestação a ser alcançada ao particular esteja prevista na legislação o problema segue sendo o de que mesmo a lei tendo definido claramente o conteúdo das prestações pode o acesso a tais bens e serviços ser interrompido reduzido ou mesmo negado em função da alegação da efetiva indisponibilidade situações de resto muito comuns e que têm abarrotado os tribunais brasileiros Conquanto em tais casos o argumento da falta de competência e de legitimidade dos juízes para definirem o conteúdo do direito bem como a própria separação dos poderes se revele mais frágil a problemática da escassez e de sua gestão segue relevante ainda eventualmente não da mesma forma como no caso dos direitos originários a prestações A assim chamada limitação objeção da reserva do possível abarca uma série de aspectos de cunho fático e jurídico Numa primeira perspectiva a escassez de recursos assume relevo na sua dimensão fática ou seja vinculada ao problema da falta efetiva em maior ou menor medida de recursos econômicos mas também de outros recursos por exemplo recursos humanos e técnicos muito embora tais recursos possam novamente ser reconduzidos em grande medida ao aspecto econômicofinanceiro Por outro lado a escassez considerada na sua feição fática envolve aspectos jurídicoconstitucionais convivendo com uma forte dimensão jurídica da assim chamada reserva do possível a exigir que o destinatário das normas de direitos sociais tenha a capacidade jurídica e o poder de disposição isto é a competência sem os quais de nada adiantam os recursos existentes o que por sua vez remete tanto ao problema da gestão e definição das prioridades na esfera do gasto público como a questões vinculadas a conflitos com outros direitos fundamentais aspectos orçamentários financeiros e tributários apenas para referir alguns Neste contexto argumenta parte da doutrina que estando em causa a opção quanto à afetação de recursos públicos no contexto da conjuntura socioeconômica geral e diante da ausência ou insuficiência de critérios preestabelecidos pela Constituição o exercício dessa competência caberia aos órgãos políticos sobretudo ao legislador 708 motivo pelo qual a realização dos direitos sociais na condição de direitos subjetivos a prestações materiais implicaria sempre um problema de competências constitucionais como expõe Gomes Canotilho 709 Em vista tanto da dimensão fática quando da faceta jurídica da reserva do possível passouse a sustentar que os direitos sociais a prestações materiais estariam sob uma re serva do possível caracterizada por uma tríplice dimensão a saber a a real disponibili dade fática dos recursos para a efetivação dos direitos sociais b a disponibilidade jurídica dos recursos materiais e humanos que guarda conexão com a distribuição das receitas e competências tributárias orçamentárias legislativas e administrativas e em países como o Brasil ainda reclama equacionamento em termos de sistema federativo e c o problema da proporcionalidade da prestação em especial quanto à sua exigibilidade e razoabilidade no que concerne à perspectiva própria e peculiar do titular do direito 710 Todos esses aspectos vinculamse entre si e além disso guardam relação com outros princípios e regras constitucionais exigindo assim uma solução sistemática e constitucionalmente adequada para que na perspectiva do princípio da máxima eficácia e efetividade de todos os direitos fundamentais não sirvam como barreira instransponível mas como instrumentário que se soma às demais garantias de proteção dos direitos fundamentais e sociais como na hipótese de conflito de direitos em que se tiver a invocação e desde que observados os critérios da proporcionalidade e da garantia do mínimo existencial da indisponibilidade de recursos com o intuito de salvaguardar o núcleo essencial de outro direito fundamental Por tudo isso é possível sustentar a existência de uma obrigação por parte dos órgãos estatais e dos agentes políticos de maximizarem os recursos e minimizarem o impacto da reserva do possível naquilo que serve de obstáculo à efetividade dos direitos sociais A reserva do possível portanto não poderá ser esgrimida como obstáculo intransponível à realização dos direitos sociais pela esfera judicial 711 devendo além disso ser encarada com reservas 712 Também é certo que as limitações vinculadas à reserva do possível não são em si mesmas uma falácia o que de fato é falaciosa é a forma pela qual o argumento tem sido por vezes utilizado entre nós como óbice à intervenção judicial e desculpa genérica para uma eventual omissão estatal no campo da efetivação dos direitos fundamentais especialmente daqueles de cunho social 713 Ainda nessa perspectiva a prática jurisprudencial brasileira ainda que se possa controverter a respeito do acerto das decisões em cada caso de certo modo busca implan tar a noção de que também em matéria de direitos sociais a prestações designadamente quando na sua perspectiva subjetiva não há como adotar uma lógica pautada pelo tudo ou nada de modo que para os direitos sociais é possível reconhecer como sustentado por Jorge Reis Novais uma reserva geral de ponderação 714 muito embora a necessária reserva com que também tal reserva assim como ocorre com a reserva do possível deve ser compreendida o que todavia aqui não será desenvolvido Além disso tal como bem observa Walter Claudius Rothenburg recuperando com felicidade particular lição de Luigi Ferrajoli os direitos sociais embora impliquem alocação de expressivos recursos ao mesmo tempo custam menos do que a indigência provocada por sua ausência ou presença e falta de efetividade é possível agregar e além disso asseguram a capacidade produtiva das pessoas715 Assim o que importa ser enfatizado neste contexto é que direitos sociais não são também direitos absolutos submetendose a um sistema de limites e limites dos limites no âmbito do qual a assim chamada reserva do possível e suas manifestações assim como a reserva legal e os critérios da proporcionalidade e razoabilidade ocupam um lugar de destaque Outro argumento habitualmente assacado contra a exigibilidade dos direitos sociais como direitos subjetivos a prestações especialmente de direitos originários a prestações diz com a alegação da impossibilidade do controle judicial das políticas públicas destinadas a garantir a efetividade desses direitos visto que tais políticas e decisões da Administra ção e do Legislativo constituiriam matéria afeta à discricionariedade administrativa eou liberdade de conformação do legislador portanto sujeitas apenas a critérios de conveniência e oportunidade sobre os quais não caberia intervenção judicial Conquanto não se vá aqui adentrar no exame da problemática da legitimidade da atuação do Judiciário importa assinalar contudo que a consagração da garantia fundamental da inafastabilidade da jurisdição CF art 5º XXXV por si só bastaria para fragilizar o argumento da inviabilidade de controle judicial das políticas públicas mais ainda quando se trata de dar eficácia e efetividade à perspectiva objetiva dos direitos sociais Neste contexto reiterase a lição de Jorge Reis Novais no sentido de que também os direitos fundamentais sociais configuram trunfos contra a maioria pois num Estado fundado na dignidade da pessoa humana como é o caso de Portugal e também do Brasil cada pessoa tem a si assegurada uma esfera de autonomia e liberdade individual que não pode ser comprimida nem restringida pelo só fato de um ato normativo ou política pública ser decorrente de uma decisão majoritária 716 Ainda no que diz com a controvérsia sobre se e como os direitos sociais operam como direitos subjetivos a prestações oponíveis ao Poder Público e exigíveis pela via judicial é possível afirmar que ao longo dos anos a doutrina e a jurisprudência passaram a desenvolver critérios para a solução dos diferentes problemas relacionados aos casos que envolvem o acesso ao Poder Judiciário em matéria de efetivação dos direitos sociais Assim sem que se pretenda aqui esgotar o elenco seguem algumas diretrizes que têm encontrado cada vez maior receptividade seja na esfera doutrinária 717 seja na esfera jurisprudencial com destaque aqui para as decisões do STF De acordo com reiterada jurisprudência o STF aponta para a circunstância de que se deve distinguir a maioria expressiva dos casos levados a juízo nos quais se busca apenas coibir omissões do Poder Legislativo e Executivo ou exigir o cumprimento de legislação e políticas públicas já existentes hipótese na qual se enquadra a noção de direitos derivados a prestações das situações nas quais está em causa a exigência de prestações originárias Com efeito importa considerar que pelo menos no primeiro caso não se pode falar sequer de uma judicialização da política propriamente dita tampouco de uma afetação do princípio da separação dos poderes ou do princípio democrático 718 No que diz com a assim chamada reserva do possível que vinha sendo considerada no mais das vezes como mero entrave burocrático a evolução mais recente tende a reverter este quadro admitindose que os direitos sociais encontramse submetidos a limites fáticos e jurídicos mas ao mesmo tempo se afirmando que a impossibilidade de atendimento da demanda de fornecimento das prestações deve ser demonstrada pelo Poder Público a quem incumbe o ônus da prova 719 Outro critério que segue tendo relevância diz respeito à utilização da noção de uma garantia do mínimo existencial pois são inúmeras as decisões judiciais que deferem pleitos de caráter prestacional mediante o argumento de que quando em causa o direito à vida e o mínimo existencial não podem prevalecer as objeções habituais da reserva do possível bem como da separação dos poderes tudo a demonstrar que o direito à vida e o mínimo existencial assumem a condição de critério material de ponderação ainda que a definição do alcance da noção de mínimo existencial não tenha encontrado uma resposta unívoca e não resolva pelo menos em parte as dificuldades que se verificam quando se trata de exigir pela via judicial a satisfação dos direitos sociais e mesmo do mínimo existencial 720 Mesmo que se restrinja a exigibilidade dos direitos sociais a um mínimo existencial mediante o argumento de que nesses casos estando em causa a vida e a dignidade humana as objeções fundadas no argumento da distribuição de competências e da reserva do possível entre outros teriam de ceder prevalecendo a posição jurídica do indivíduo tal solução que pode ser reconduzida à obra de Robert Alexy quando este fala em um direito definitivo a prestações 721 não afasta contudo pelo menos três questões a merecerem maior atenção A primeira diz respeito ao fato notado pelo próprio Alexy de que mesmo prestações na esfera de um mínimo existencial podem implicar alto investimento público e afetar outras posições dos cidadãos A segunda guarda relação com os riscos que decorrem de uma superposição do núcleo essencial dos direitos sociais e do mínimo existencial especialmente quando se leva em conta o amplo leque de direitos sociais positivados na Constituição Federal Outro aspecto problemático envolve a própria definição do conteúdo do mínimo existencial que remete novamente ao problema da distribuição das competências visto que também na esfera de um mínimo existencial se coloca o problema de qual o papel reservado aos órgãos judiciais Embora se trate de tópico controverso outro critério digno de nota é o que aposta na valorização do princípio da subsidiariedade no sentido de que o acesso aos bens sociais por intermédio da ação judicial deve ser reservado a quem faltam os meios materiais necessários para a obtenção por esforço próprio dos bens e serviços sociais essenciais Todavia importa ter em conta não apenas a complexidade do tema mas também a necessidade de dialogar com as peculiaridades que se verificam no âmbito de cada direito social em espécie como por exemplo é o caso dos direitos à saúde e à educação onde no primeiro caso o texto constitucional fala em acesso universal e igualitário e no segundo estabelece a gratuidade do ensino público independentemente da condição financeira do usuário dos serviços públicos O problema especialmente à vista do texto constitucional demanda maior digressão e eventualmente uma reforma constitucional e legislativa não sendo o caso de se desenvolver aqui o ponto De qualquer modo uma equação mais justa na distribuição das responsabilidades entre setor público e privado entre Estado e indivíduos constitui temática central e desafio até mesmo em termos de uma sustentabilidade intra e intergeneracional 722 A aplicação como pauta de solução do caso da assim chamada dupla face do princípio da proporcionalidade e de suas exigências critérios compreendida como impeditiva de intervenções excessivas na esfera dos direitos fundamentais mas também como proibitiva de ações insuficientes por parte dos órgãos estatais na sua tarefa de assegurar direitos sociais efetivos igualmente tem sido enfatizada embora a falta em diversos casos de uma cuidadosa e bem motivada utilização de tais categorias pela jurisprudência o que por sua vez poderá levar a uma maior intervenção judicial na esfera da liberdade de conformação legislativa 723 De qualquer sorte considerando a evolução mais recente verificase que a noção de que ao Estado também na esfera da proteção social notadamente no caso do mínimo existencial incumbe um dever de proteção suficiente tem sido objeto de reconhecimento pelo STF 724 Dentre os demais aspectos apontados no campo da realização dos direitos a prestações situase a alegada necessidade de um diálogo institucional fundado por um lado na noção de um déficit em termos de capacidade institucional técnica por parte do Poder Judiciário o mesmo se aplica aos demais agentes da esfera jurídica como é o caso do Ministério Público da Defensoria Pública entre outros no sentido de lidar de forma proficiente com certas demandas mas que também pode além disso ser reconduzido à noção de uma necessidade de cooperação produtiva entre os órgãos poderes estatais 725 Por outro lado ainda na perspectiva dos instrumentos mecanismos de realização dos direitos fundamentais aqui com destaque para os direitos sociais importa saudar uma crescente aposta nos deveres de informação na transparência das ações dos órgãos estatais 726 e nos mecanismos de controle social das políticas públicas do orçamento e dos investimentos estatais 727 medidas que embora também envolvam por um lado intervenção pela via judicial de longo a ela não se restringem e apontam para uma perspectiva mais ampla da própria noção de exigibilidade dos direitos sociais Relevante ainda nesse contexto ainda que não se possa desenvolver o tema é o problema dos modos de em sendo o caso de acessar o Poder Judiciário efetivar os direitos sociais ou seja a natureza das medidas e os seus possíveis efeitos do ponto de vista processual Nisso se inclui tanto a querela em torno do recurso a ações individuais e coletivas existindo os que refutam a primeira alternativa ao passo que outros advogam a prioridade da tutela coletiva como a utilização de ações das quais emanem decisões que imponham medidas de caráter estruturante de caráter mandamental e acompanhadas de mecanismos de controle e sanções de natureza diversificada 728 Por derradeiro as questões postas que seguem atuais tornam se ainda mais agudas e de difícil equacionamento não apenas político e econômico foro por excelência de sua deliberação formatação e execução mas também jurídicoconstitucional em tempos de crise crise que cada vez mais se torna onipresente e mesmo de cunho quase permanente embora significativas oscilações temporais e espaciais inclusive quanto ao efetivo papel que o Direito particularmente o direito constitucional e a teoria dos direitos fundamentais pode exercer nesse contexto 729 41434 O problema da proteção dos direitos sociais e o assim designado princípio da proibição de retrocesso A opção por um regime geral e em princípio unificado para os direitos fundamentais implica a aplicação aos direitos fundamentais sociais das categorias dogmáticas dos limites e restrições apresentada na parte geral dos direitos fundamentais ainda que sem desenvolvimento específico para os direitos sociais Com efeito também os direitos sociais estão submetidos a medidas restritivas que os afetam tanto na perspectiva objetiva quanto subjetiva de tal sorte que também para os direitos sociais se impõe a necessidade de controlar a legitimidade constitucional de tais restrições com base nos critérios já inte grados à prática doutrinária e jurisprudencial como é o caso dentre outros da observância das exigências da proporcionalidade Também neste contexto da proteção dos direitos sociais já se discorreu sobre a inclusão de tais direitos juntamente com os demais direitos fundamentais no âmbito dos limites materiais à reforma constitucional portanto das assim chamadas cláusulas pétreas de tal sorte que quanto a tal aspecto remetemos para o capítulo relativo ao poder de reforma da Constituição Todavia o fato é que para a proteção dos direitos sociais especialmente em face do legislador mas também diante de atos administrativos ganhou notoriedade inclusive e de modo particularmente intensivo no Brasil a noção de uma proibição jurídicoconstitucional de retrocesso como mecanismo de controle para coibir eou corrigir medidas restritivas ou mesmo supressivas de direitos sociais Com efeito no que diz com as garantias dos direitos sociais contra ingerências por parte de atores públicos e privados importa salientar que tanto a doutrina quanto ainda que muito paulatinamente a juris prudência 730 vêm reconhecendo a vigência como garantia constitucional implícita do princípio da vedação de retrocesso social a coibir medidas que mediante a revogação ou alteração da legislação infraconstitucional apenas para citar uma forma de intervenção nos direitos sociais venham a desconstituir ou afetar gravemente o grau de concretização já atribuído a determinado direito fundamental e social o que equivaleria a uma violação da própria Constituição Federal e de direitos fundamentais nela consagrados 731 No que diz com sua justificação e fundamentação jurídico constitucional apresentada aqui de modo sumário 732 a proibição de retrocesso social costuma ser vinculada tam bém ao dever de realização progressiva dos direitos sociais tal como previsto no art 2º do Pacto Internacional de Direitos Econômicos Sociais e Culturais de 1966 ratificado pelo Brasil Além disso a proibição de retrocesso social guarda relação com o princípio da segurança jurídica consagrado entre outros no Preâmbulo da Constituição Federal e no caput dos arts 5º e 6º e assim com os princípios do Estado Democrático e Social de Direito e da proteção da confiança na medida em que tutela a proteção da confiança do indivíduo e da sociedade na ordem jurídica e de modo especial na ordem constitucional enquanto resguardo de certa estabilidade e continuidade do direito notadamente quanto à preservação do núcleo essencial dos direitos sociais Ao mesmo tempo a proibição de medidas retrocessivas reconduzse ao princípio da máxima eficácia e efetividade das normas definidoras de direitos e garantias fundamentais art 5º 1º da CF assim como numa perspectiva defensiva do princípio da dignidade da pessoa humana objetiva impedir a afetação dos níveis de proteção já concretizados das normas de direitos sociais sobretudo no que concerne às garantias mínimas de existência digna Destaquese aliás que o conjunto de prestações básicas especialmente aquelas que densificam o princípio da dignidade da pessoa humana e correspondem ao mínimo existencial não poderá ser suprimido nem reduzido mesmo se ressalvados os direitos adquiridos já que a violação de medidas de concretização do núcleo essencial da dignidade humana é injus tificável sob o ponto de vista da ordem jurídica e social A necessidade de adaptação dos sistemas de prestações sociais às constantes transformações da realidade não justifica o descompasso entre os níveis de proteção já alcançados às prestações que compõem o mínimo existencial e a legislação reguladora superveniente que os comprometa suprimindo ou reduzindo posições sociais existentes pois em sendo este o caso poderá ser considerada inconstitucional vindo a ser assim declarada pelo Poder Judiciário como já se deu também no STF733 Nesse contexto como um dos critérios a ser manejado para avaliar a ocorrência de um retrocesso portanto de uma restrição constitucionalmente ilegítima de direitos sociais é possível agregar a necessária demonstração da ocorrência numa perspectiva coletiva atrelada à dimensão objetiva dos direitos de efetivo e significativo risco social não suscetível de ser compensado por outras medidas 734 Tal critério é claro há de ser associado e aferido juntamente com outros como a salvaguarda do mínimo existencial proporcionalidade etc ademais de sua cuidadosa verificação em cada caso De qualquer sorte independentemente do reconhecimento ou não de uma proibição de retrocesso social já que há quem critique a utilização de tal expressão o fato é que na condição de direitos fundamentais os direitos sociais não se encontram à disposição plena dos poderes constituídos Embora não sejam assim como os demais direitos fundamentais direitos absolutos visto que passíveis de restrição os direitos sociais encontramse todavia submetidos ao regime dos limites e dos limites aos limites dos direitos fundamentais ou seja dos critérios que devem observar as medidas restritivas de direitos fundamentais guardadas as peculiaridades especialmente no que concerne aos limites da liberdade de conformação legislativa além de estarem no sentido adotado neste Curso albergados contra o poder de reforma constitucional consoante já frisado Com base no exposto percebese que no âmbito daquilo que tem sido rotulado de uma proibição de retrocesso mas que se insere no contexto de um conjunto de princípios regras e critérios em matéria de limitação dos direitos sociais e seu controle a primeira consequência relevante é a de que toda e qualquer medida que suprima ou restrinja o âmbito de proteção de um direito social é de plano considerada suspeita de implicar uma violação do direito devendo ser submetida ao crivo de um controle de legitimidade constitucional 735 Admitida a possibilidade de limitações em matéria de direitos sociais é por outro lado corrente a compreensão de que eventuais restrições haverão de observar em termos gerais o sistema de limites aos limites o que pode ser traduzido em caráter sumário do seguinte modo a a medida estatal que eventualmente restringe ou suprime um bem eou serviço protegido com base em direito social fundamental deve buscar atender finalidade constitucionalmente legítima portanto ter por objetivo a proteção ou promoção de outro direito fundamental ou a salvaguarda de interesse constitucionalmente relevante b a medida restritiva não poderá afetar o núcleo essencial do direito social núcleo que compreende o conjunto de elementos essenciais à configuração de um direito como tal insuscetíveis de supressão ou alteração sem que com isso ocorra a descaracterização do conteúdo eou estrutura do direito 736 Importa frisar que no contexto do sistema pátrio não há como sustentar uma absoluta identidade entre o núcleo essencial e o conteúdo em dignidade humana dos direitos fundamentais pena de uma perda de autonomia dos direitos fundamentais em geral e dos direitos sociais em particular de sorte que se todos os direitos sociais têm um núcleo essencial tal conteúdo não pode ser reconduzido pelo menos não exclusivamente ao princípio da dignidade da pessoa humana Outrossim se o desenho definitivo do que seja o núcleo essencial somente ocorre no caso concreto diante de um juízo de ponderação envolvendo a avaliação da natureza das restrições especialmente se não incorrem numa vedação do excesso ou da insuficiência das medidas de efetivação em relação ao âmbito de proteção resguardado pela norma jusfundamental também é verdade que a garantia do núcleo essencial não se reduz a uma análise da proporcionalidade 737 Cabe destacar por fim que a garantia de condições materiais mínimas à vida com dignidade e certa qualidade pode ser indicada como um primeiro parâmetro material mas não único a ser utilizado na definição do núcleo essencial de cada direito fundamental social pois evidentemente congruente ao sistema de princípios valores e fins explicitados pela Constituição Federal c da mesma forma ainda no campo dos limites aos limites indispensável a observância das exigências da proporcionalidade tanto no que proíbe excessos quanto naquilo que veda a proteção insuficiente e da razoabilidade assim como elementar para o que se remete ao capítulo específico constante da parte geral dos direitos fundamentais neste Curso d quando couber necessário ainda controlar o respeito às reservas legais e ao conteúdo do princípio da segurança jurídica e das respectivas garantias da coisa julgada do ato jurídico perfeito e do direito adquirido mas também aos requisitos da proteção à confiança legítima 41435 Algumas notas acerca do problema do financiamento dos direitos sociais das cláusulas pétreas e as EC 94 e 95 de 2016 Os direitos sociais assim como os direitos fundamentais de um modo geral são dependentes para efeitos de sua efetividade da alocação de recursos materiais e humanos assumindo portanto significativa maior ou menor a depender do direito em causa relevância econômicofinanceira O financiamento dos direitos sociais é portanto aspecto central para assegurar a tais direitos níveis adequados de efetividade de tal sorte que a sua previsão no orçamento público e cobertura pelo sistema tributário mediante a arrecadação de tributos taxas eou contribuições sociais ocupa um papel de destaque nas agendas dos diversos Estados ademais de adquirir maior ou menor relevância constitucional No caso do Brasil a CF além de dispor sobre o orçamento e as finanças em termos gerais prevê no título Da Ordem Social regras específicas para o financiamento da Seguridade Social bem como um piso constitucional de gastos públicos para a saúde e a educação A previsão de investimentos mínimos em saúde e educação para os três níveis da Federação União Estados e Municípios apesar de constituir para alguns uma particula ridade da CF considerando a ausência de paralelos ao menos de acordo com o que se sabe no âmbito do constitucionalismo contemporâneo revela o quanto o constituinte de 1988 apostou na saúde e na educação como meios para realizar os objetivos fundamentais do Estado Democrático brasileiro tal como enunciado no art 3º da CF dentre os quais construir uma sociedade justa e solidária erradicar a pobreza e as desigualdades Por tal razão é possível afirmar que saúde e educação são direitos sociais que assumem uma posição preferencial no ordenamento constitucional brasileiro o que há de ser considerado quando da discussão de medidas que tenham como fim estabelecer limites a tais direitos inclusive mediante eventual relativização dos pisos de gasto público que ao fim e ao cabo assumem a condição de garantias dos direitos à saúde e à educação Com a promulgação e publicação da EC 95 respectivamente em 15 e 16122016 que veio a estabelecer e regular um teto de gastos para o poder público além de acrescer diversos artigos ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias arts 106 a 114 do ADCT tornase ainda mais atual o debate em torno do tema em especial pelo fato de setores da doutrina especializada mas também comentaristas na mídia e setores da sociedade estarem desde a tramitação da EC 95 no Congresso mobilizando argumentos em prol de sua inconstitucionalidade ao menos parcial Com efeito ao menos do ponto de vista dos direitos sociais com destaque para a Saúde e a Educação mas com reflexos também para outros direitos fundamentais há quem argumente no sentido de advogar a inconstitucionalidade da EC 95 em virtude de violar tanto cláusulas pétreas por afetar o núcleo essencial dos direitos à saúde e à educação quanto da assim chamada proibição de retrocesso figuras que embora não se confundam guardam afinidade entre si e que foram desenvolvidas em itens próprios deste Curso para os quais remetemos para melhor compreensão por parte do leitor Possivelmente um dos principais argumentos defendido entre outros com impactante sustentação por Élida Graziane Pinto em diversas colunas do Conjur ao longo de 2016 vai no sentido de que ainda que a saúde e a educação não tenham sido diretamente formalmente afetadas tendo em conta a expressa disposição na EC 95 de que os pisos constitucionais devem ser respeitados eventual congelamento dos gastos por até vinte anos o mesmo poderá ocorrer com a reformatação do montante das receitas sobre as quais incidem os percentuais mínimos indica claramente um movimento regressivo ou melhor dizendo retrocessivo visto que o aumento da demanda e dos custos fatalmente em pouco tempo implicará redução dos investimentos do ponto de vista real Segundo a autora é essencial preservar pelo menos os investimentos em saúde e em educação do ponto de vista material Por outro lado consoante já foi objeto de nossa atenção quando falamos da proteção dos direitos sociais em face do legislador incluído aqui o poder de reforma da Constituição direitos sociais assim como os direitos fundamentais em termos gerais não são absolutos no sentido de blindados contra toda e qualquer limitação O problema portanto é aferir se e em que medida determinada limitação pode ou não ser tolerada do ponto de vista constitucional De acordo com a jurisprudência do STF uma restrição imposta por emenda constitucional necessariamente deverá manter a salvo o núcleo essencial do direito ou princípio objeto da restrição Ora de acordo com tal entendimento é possível sustentar que em sendo o caso de se configurar uma progressiva diminuição nos investimentos em saúde e educação em virtude da aplicação das regras veiculadas pela EC 95 os direitos à educação e à saúde poderão vir a ter o seu núcleo essencial colocado em sério risco visto que enquanto não atingidos os patamares minimamente suficientes para assegurar a todos pelo menos o mínimo existencial e uma posição competitiva em termos internacionais vale lembrar a péssima posição ocupada pelo Brasil nas diversas pesquisas o congelamento dos gastos e mesmo a proibição de seu aumento devem ser censurados por inconstitucionais O que chama a atenção ademais disso é a exclusão do teto de uma série de itens como é o caso de diversas empresas públicas gastos com a dívida pública entre outros Da mesma forma causa espécie a falta de implantação de medidas alternativas mais justas no que diz com a distribuição dos encargos pela população em especial para o financiamento de políticas de Estado impostas pela CF Tais medidas incluem a criação e regulamentação do imposto sobre grandes fortunas da tributação de lucros e dividendos de impostos progressivos e mais altos sobre a herança como ocorre nas grandes democracias inclusive nos EUA do corte das renúncias fiscais dentre tantas outras Isso por sua vez indica que naquilo em que poderá estrangular e mesmo condenar à redução de fato os gastos com saúde e educação portanto vindo assim a fraudar os respectivos pisos constitucionais de gastos a EC 95 viola também as exigências da proporcionalidade dada a existência de meios alternativos de promover o financiamento e controlar os gastos públicos sem com isso deixar de atender ao dever de progressividade em matéria de efetividade dos direitos econômicos sociais e culturais de acordo com o previsto no respectivo pacto da ONU ratificado pelo Brasil ao menos contudo sem deixar de respeitar a proibição de regressividade retrocesso que opera como garantia dos direitos sociais em face do legislador De todo modo os rumos tomados quanto aos pontos sumariamente elencados demonstram que o Estado Social e Democrático de Direito projetado e formatado pela CF de 1988 não tem sido levado a sério em especial pelos Poderes Legislativo e Executivo dada a manutenção e mesmo o agravamento dos níveis de desigualdade econômica e social especialmente quando disponíveis e mesmo constitucionalmente exigidas medidas e políticas que venham a corrigir tal estado de coisas Ademais disso não se poderia deixar de referir que mesmo os adeptos de uma interpretação liberal do ponto de vista econômico da CF em geral valemse de exemplos alienígenas de modo distorcido em especial considerando que mesmo países assumidamente liberais praticam uma política tributária mais justa como aliás já referido Já a EC 94 promulgada e publicada nas mesmas datas veio a alterar dispositivos constitucionais que versam sobre os precatórios chamando a atenção para o fato de que de acordo com a nova redação do art 100 2º as dívidas de caráter alimentar serão pagas com prioridade o que embora não necessariamente implique a indispensável rapidez no pagamento ao menos faz jus à necessária posição preferencial da garantia do mínimo existencial tal como afirmado na CF art 170 caput ao dispor que a ordem econômica tem por objetivo assegurar a todos uma vida com dignidade Por outro lado o instituto do precatório segue sendo um mecanismo burocratizado e lento e que deveria ser substituído ao menos para as dívidas de caráter alimentar que se enquadram na noção de direitos sociais em sentido ampliado por alternativas mais ágeis e eficazes por exemplo a instituição de um fundo gerido pelo Poder Judiciário para o repasse uma vez transitada em julgado a decisão dos recursos correspondentes De qualquer sorte as EC 94 e 95 particularmente a última seguirão sendo objeto de intensa polêmica tanto é que já está sendo mobilizada por ora no caso da EC 95 a propositura de ações diretas de inconstitucionalidade O que já se pode anunciar portanto é que mais uma vez caberá ao STF se pronunciar a respeito sem que se possa por ora antever eventual resultado mesmo à luz de precedentes daquela Corte Insta salientar que dispositivos incluídos pela referida EC 942016 foram recentemente alterados pela EC 992017 para instituir novo regime especial de pagamento de precatórios 415 Dos direitos sociais em espécie 4151 Considerações preliminares Tendo em conta o extenso leque de direitos sociais cumpre advertir que uma análise detalhada dos diversos direitos sociais consagrados no art 6º da CF não será aqui levada a efeito O objetivo pelo contrário é em traços gerais apresentar os principais aspectos relacionados à teoria e prática de cada direito social individualmente considerado com destaque para os direitos mais discutidos no que diz com o seu regime jurídicoconstitucional sem prejuízo da ampliação do leque de direitos individualmente comentados em futuras edições da obra Assim apenas serão apresentados alguns aspectos centrais relativos aos principais direitos sociais no caso os direitos à saúde à educação à moradia à alimentação ao lazer ao trabalho à assistência social e à previdência social Antes contudo importa lançar pelo menos algumas linhas sobre o que tem sido concebido como uma espécie de fio condutor da problemática dos direitos sociais no caso a garantia de um mínimo existencial 4152 O direito ao e a garantia do mínimo existencial como espécie de categoria transversal A vinculação dos direitos fundamentais sociais com o que se designou de uma garantia do mínimo existencial é considerada na atual quadra da evolução algo evidente embora a natureza e o grau de tal relação sejam objeto de controvérsia doutrinária e jurisprudencial No Brasil contudo a recepção da figura de um mínimo existencial na condição de direito e garantia fundamental ainda pode ser considerada relativamente recente conquanto o objetivo de uma existência digna já tenha sido precocemente consagrado no plano do direito constitucional positivo 738 A noção de um direito fundamental e portanto de uma garantia fundamental às condições materiais para uma vida com dignidade teve sua primeira importante elaboração dogmática na Alemanha do Segundo PósGuerra com Otto Bachof 739 para quem o princípio da dignidade da pessoa humana não reclamaria somente a garantia da liberdade mas também um mínimo de segurança social já que sem os recursos materiais para uma existência digna a própria dignidade ficaria sacrificada A tese foi inicialmente acolhida pelo Tribunal Federal Administrativo 740 e mais tarde pelo Tribunal Constitucional Federal consagrandose então um direito fundamental à garantia das condições mínimas para uma existência digna 741 Atualmente a doutrina alemã compreende que a garantia integra o conteúdo essencial do princípio do Estado Social de Direito constituindo uma de suas principais tarefas e obrigações 742 De outra parte o conteúdo do mínimo existencial é limitado por condições de espaço e tempo bem como implica diálogo com o padrão socioeconômico vigente 743 De qualquer modo a garantia efetiva de uma existência digna abrange de acordo com a compreensão prevalente mais do que a garantia da mera sobrevivência física situandose portanto além do limite da pobreza absoluta e não se reduzindo à mera existência física ou seja aquilo que alguns designam como mínimo existencial fisiológico mas alcançando também a garantia de um mínimo de integração social bem como acesso aos bens culturais e participação na vida política aspectos que dizem respeito a um mínimo existencial sociocultural 744 Tal linha de argumentação também tem sido privilegiada no direito brasileiro excetuada alguma controvérsia em termos de fundamentação liberal ou social do mínimo de existência e em relação a problemas quanto à determinação do seu conteúdo 745 Assim muito embora também na doutrina e jurisprudência constitucional brasileira não se possa falar da existência de unanimidade no que diz com a noção de um mínimo existencial a tendência amplamente majoritária converge no sentido de afirmar que o conteúdo do mínimo existencial ultrapassa a noção de um mínimo meramente vital ou de sobrevivência para resguardar não só a vida humana em si mas uma vida saudável 746 portanto uma vida com certa qualidade 747 Não se pode negligenciar que o princípio da dignidade da pessoa humana também implica uma dimensão sociocultural que não pode ser desconsiderada mas que constitui elemento nuclear a ser respeitado e promovido 748 razão pela qual determinadas prestações em termos de direitos culturais notadamente embora não de modo exclusivo no caso da educação fundamental deverão integrar o conteúdo do mínimo existencial 749 Em termos de fundamentação constitucional a ausência de explicitação da garantia e do direito ao mínimo existencial pela Constituição Federal é superada pela inserção da garantia de existência digna dentre os princípios e objetivos da ordem constitucional econômica art 170 caput da CF assim como pela via da proteção à vida e à dignidade da pessoa humana revelando a similaridade neste particular com o direito constitucional alemão e a fundamentação lá desenvolvida e acima referida De outra parte verificase que os direitos sociais em espécie como a assistência social a saúde a moradia a previdência social o salário mínimo acabam por abarcar certas dimensões do mínimo existencial ainda que não se reduzam a meras concretizações do mínimo existencial como aliás parece sustentar parcela da doutrina 750 Quanto a este ponto importa sublinhar que comungamos do ponto de vista de que os direitos fundamentais sociais não se reduzem ao mínimo existencial ou à dignidade humana conquanto as dimensões que densificam o mínimo existencial certamente guardem maior ou menor relação com o núcleo essencial de grande parte dos direitos sociais ainda mais se consideradas as peculiaridades e a extensão com que foram positivados pela Constituição Federal Em síntese embora o mínimo existencial esteja em contato com os diversos direitos sociais individualmente considerados e existam zonas de convergência quanto aos respectivos conteúdos âmbitos de proteção não se pode afirmar que o mínimo existencial equivale isto é se confunde com ao conteúdo essencial dos direitos sociais Aliás aplicase aqui embora as peculiaridades dos direitos sociais linha de argumentação similar à que se utiliza para a relação da dignidade da pessoa humana com o conteúdo essencial dos direitos fundamentais ambos guardam maior ou menor relação por vezes nenhuma mas não se confundem Aspecto digno de nota diz respeito ao questionamento sobre se a existência no âmbito da Constituição Federal de um extenso catálogo de direitos sociais em espécie que em geral cobre o conteúdo que usualmente se atribui ao mínimo existencial ainda mais quando se trata de uma compreensão ampliada na perspectiva de um mínimo existencial que abrange a dimensão sociocultural não torna este último desnecessário pelo menos no sentido de um direito social autônomo deduzido do regime e dos princípios assim como dos direitos fundamentais sociais expressamente positivados Não se pode olvidar neste contexto que na Alemanha onde o mínimo existencial foi objeto de construção e desenvolvimento doutrinário e jurisprudencial os direitos sociais não foram contemplados no texto da Lei Fundamental o que apenas serve para realçar ainda mais o questionamento A resposta a tal pergunta embora aqui não possa ser aprofundada pode ser formulada nos seguintes termos e desdobrada em dois argumentos principais por um lado assim como a dignidade da pessoa humana não se torna desnecessária e não deixa de ter autonomia em função da positivação de um extenso catálogo de direitos fundamentais também o mínimo existencial que como visto convive mas não se confunde com os direitos sociais não perde sua possível autonomia na arquitetura constitucional Além disso a noção de um mínimo existencial pode servir e tem servido de parâmetro para definir o alcance do objeto dos direitos sociais inclusive para a determinação de seu conteúdo exigível fornecendo portanto critérios materiais importantes para o intérprete e para o processo de concretização dos direitos sociais De qualquer modo percebese que a relação entre o mínimo existencial como aliás a própria noção de mínimo existencial e os direitos sociais exige permanente atenção e desenvolvimento por parte da doutrina e da jurisprudência constitucional Por outro lado assim como ocorre com os direitos fundamentais em geral também o direito ao mínimo existencial apresenta uma dupla dimensão defensiva e prestacional Nesse sentido o conteúdo do mínimo existencial deve compreender o conjunto de garantias materiais para uma vida condigna no sentido de algo que o Estado não pode subtrair ao indivíduo dimensão negativa e ao mesmo tempo algo que cumpre ao Estado assegurar mediante prestações de natureza material dimensão positiva Já no que concerne à forma de realização do mínimo existencial sobremodo quanto ao conteúdo das prestações materiais a doutrina e a jurisprudência estrangeiras afirmam que se trataria de incumbência precípua do legislador o estabelecimento da forma da prestação seu montante as condições para sua fruição etc restando aos tribunais decidir sobre o padrão existencial mínimo nos casos de omissão ou desvio de finalidade por parte dos órgãos legislativos muitas vezes sob o argumento de um direito deà igual proteção 751 Ao mesmo tempo consentem que a garantia de condições materiais mínimas à vida digna atua como limite à atividade legislativa conformadora vedando inclusive medidas normativas aquém desta fronteira 752 No que diz com a recepção do mínimo existencial no âmbito da jurisprudência brasileira destacase também aqui a atuação do STF que reconhece proteção ao mínimo existencial tanto na perspectiva de um direito de defesa quanto no que toca à sua vocação prestacional Como exemplo da primeira função ou seja de um direito à não afetação não intervenção podem ser referidas decisões relativas à proibição de confisco atos com efeito confiscatório 753 Embora não se trate da posição majoritária importa consignar a emblemática manifestação dos Ministros Eros Grau Celso de Mello e Carlos Britto quando por ocasião do julgamento do RE 4076888SP em 08022006 divergiram da maioria dos seus pares ao sustentar que a moradia é necessidade vital do trabalhador e de sua família cuidandose portanto de direito indisponível e não sujeito a expropriação via penhora embasada em contrato de fiança Já no que diz respeito à assim chamada dimensão positiva prestacional do direito ao mínimo existencial o STF tem consolidado o entendimento de que nesta seara incumbe ao Estado em primeira linha o dever de assegurar as prestações indispensáveis ao mínimo existencial de tal sorte que em favor do cidadão há que reconhecer um direito subjetivo portanto judicialmente exigível à satisfação das necessidades vinculadas ao mínimo existencial e portanto à dignidade da pessoa humana Sem que se tenha aqui a pretensão de avaliar se e em que medida o STF tem julgado de modo uniforme e mesmo coerente tais questões o fato é que pelo menos no que diz com o direito à saúde e o direito à educação no caso do direito à moradia não se registra julgado assegurando um direito subjetivo à construção de uma moradia digna por parte do Estado já são várias as decisões reconhecendo um dever de prestação inclusive em caráter originário ou seja não necessariamente dependente de prévia política pública ou previsão legal Nesse sentido adotando linha argumentativa similar e em parte idêntica à que foi esgrimida no bojo da conhecida ADPF 45 754 podem ser referidas em caráter meramente ilustrativo decisões que asseguram às crianças com menos de seis anos de idade o acesso gratuito a creches mantidas pelo Poder Público bem como entre outras uma série significativa de decisões assegurando prestações na área da saúde relativizando em favor da vida e da dignidade limitações de ordem organizacional orçamentária 755 Ainda sobre o conteúdo da garantia assinalese a impossibilidade de se determinar de forma prévia e de modo taxativo portanto no sentido de um rol fechado as posições subjetivas negativas e positivas correspondentes ao mínimo existencial O que compõe o mínimo existencial reclama portanto uma análise ou pelo menos a viabilidade de uma averiguação à luz das necessidades de cada pessoa e de seu núcleo familiar quando for o caso o que não afasta a possibilidade de se inventariar todo um conjunto de conquistas já sedimentadas e que em princípio e sem excluírem outras possibilidades servem como uma espécie de roteiro a guiar o intérprete e de modo geral os órgãos vinculados à concretização da garantia do mínimo existencial 756 O mínimo existencial como já sublinhado guarda relação com outros direitos sociais ainda que não necessariamente com todos e não da mesma forma 757 Por outro lado um direito ao mínimo existencial não tem o condão de substituir os direitos sociais expressamente positivados e constantes do elenco sem prejuízo de outros do art 6º da CF Somase a isso na esteira de posição que sustentamos já de há muito e já exposta acima que o mínimo existencial não poderá ser sequer equiparado ao núcleo essencial dos direitos fundamentais sociais pena de na prática correrse o risco de esvaziar a sua dos direitos em espécie autonomia e mesmo relevância embora possa servir de critério material para auxiliar na concretização do núcleo essencial que em maior ou menor medida guarda convergência com o mínimo essencial embora não sempre e para justificar decisões que imponham ao Estado obrigações positivas e negativas na esfera dos direitos sociais tal como já ilustrado acima É por tais razões que na sequência é dos direitos sociais em espécie que nos ocuparemos individualmente Pela sua relevância e pelo impacto no campo da produção doutrinária e jurisprudencial iniciamos pelo direito à saúde 4153 O direito à proteção e promoção da saúde É no âmbito do direito à saúde 758 que se manifesta de forma mais contundente a vinculação do seu respectivo objeto no caso da dimensão positiva tratase de prestações materiais na esfera da assistência médica hospitalar etc com o direito à vida e o princípio da dignidade da pessoa humana A despeito do reconhecimento de certos efeitos decorrentes da dignidade da pessoa humana mesmo após a sua morte o fato é que a dignidade atribuída ao ser humano é essencialmente da pessoa humana viva O direito à vida e no que se verifica a conexão também o direito à saúde assume no âmbito desta perspectiva a condição de verdadeiro direito a ter direitos constituindo além disso précondição da própria dignidade da pessoa humana 759 Para além da vinculação com o direito à vida o direito à saúde aqui considerado num sentido amplo encontrase umbilicalmente atrelado à proteção da integridade física corporal e psíquica do ser humano igualmente posições jurídicas de fundamentalidade indiscutível Em face do exposto já se vislumbra a razão pela qual precisamente no caso do direito à saúde merece tanto destaque a circunstância comum em termos gerais mas com significativas variações a outros direitos fundamentais como é o caso da moradia do ambiente dentre tantos tão bem lembrada por João Loureiro no sentido de que a saúde é um bem fortemente marcado pela interdependência com outros bens e direitos fundamentais apresentando de tal sorte zonas de sobreposição com esferas que são autonomamente protegidas como é o caso da vida integridade física e psíquica privacidade educação ambiente moradia alimentação trabalho dentre outras 760 Consagrado no art 6º de nossa Constituição é no art 196 e ss que o direito à saúde encontrou sua maior concretização em nível normativoconstitucional para além de uma significativa e abrangente regulamentação normativa na esfera infraconstitucional com destaque para as leis que dispõem sobre a organização e os benefícios do SUS e o fornecimento de medicamentos 761 Mesmo assim basta uma leitura superficial dos dispositivos pertinentes arts 196 a 200 para que se perceba que nos encontramos em verdade no que diz com a forma de positivação tanto em face de uma norma definidora de direito direito à saúde como direito subjetivo de todos portanto de titularidade universal quanto diante de normas de cunho impositivo de deveres e tarefas pois o art 196 enuncia que a saúde é direito de todos e dever do Estado além de impor aos poderes públicos uma série de tarefas nesta seara como a de promover políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos além de estabelecer o acesso universal e igualitário às ações e prestações nesta esfera 762 Num segundo momento a Constituição remete a regulamentação das ações e serviços de saúde ao legislador art 197 além de criar e fixar as diretrizes do sistema único de saúde art 198 oportunizando a participação em nível complementar da iniciativa privada na prestação da assistência à saúde art 199 bem como estabelecendo em caráter exemplificativo as atribuições nos termos da lei que competem ao sistema único de saúde art 200 Uma das grandes dificuldades com as quais nos deparamos diz respeito à tarefa de identificar quais os efeitos que podem ser extraídos das normas constitucionais que conformam o direito à saúde Além disso resulta problemático estabelecer os contornos do que constitui o objeto do direito à saúde e os seus limites objetivos e subjetivos Especialmente controversa embora a farta jurisprudência nesta seara segue sendo a discussão em torno da possibilidade do reconhecimento de um direito subjetivo individual ou coletivo a prestações na área da saúde Além disso assume relevo também aqui o questionamento a respeito do limite da prestação reclamada do particular perante o Estado Em outras palavras cuidase de saber se os poderes públicos são devedores de um atendimento global toda e qualquer prestação na área da saúde e independentemente deste aspecto qual o nível dos serviços a serem prestados Em suma perguntase se o particular qualquer um ou apenas os que comprovarem carência de recursos para manutenção de um plano de saúde privado poderá ter acesso por exemplo além de aos serviços essenciais na esfera médica a atendimento odontológico psicológico serviços de fisioterapia etc Ademais será o Estado obrigado a prestar saúde de acordo com padrões mínimos suficientes em qualquer caso para assegurar a eficácia das prestações ou terão os particulares direito a serviços gratuitos da melhor qualidade equipamento de última geração quarto privativo em hospitais etc Cuidase também neste particular do clássico dilema do Estado Social no que concerne às suas funções precípuas isto é se deve limitarse à tarefa de assegurar um patamar mínimo em prestações materiais destinadas a promover a igualdade material no sentido de uma igualdade de oportunidades ajuda para a autoajuda ou se deve a despeito da efetiva possibilidade de alcançar tal objetivo almejar um padrão ótimo nesta seara 763 Por mais que os poderes públicos como destinatários precípuos de um direito à saúde venham a opor além da já clássica alegação de que o direito à saúde a exemplo dos direitos sociais prestacionais em geral foi positivado como norma de eficácia limitada os habituais argumentos da ausência de recursos e da incompetência dos órgãos judiciários para decidirem sobre a alocação e destinação de recursos públicos não nos parece que esta solução possa prevalecer ainda mais nas hipóteses em que está em jogo a preservação do bem maior da vida humana O que se pretende realçar por ora é que principalmente no caso do direito à saúde o reconhecimento de um direito originário a prestações no sentido de um direito subjetivo individual ou mesmo coletivo a depender do caso a prestações materiais ainda que limitadas ao estritamente necessário para a proteção da vida humana diretamente deduzido da Constituição constitui exigência inarredável da própria condição do direito à saúde como direito fundamental ou seja como trunfo contra a maioria muito embora com isso não se esteja a sustentar que o direito à saúde possa ser considerado como um direito ilimitado a qualquer tipo de prestação estatal 764 Considerando o exposto convém registrar que se a posição adotada é de fato em prol do reconhecimento no caso concreto e a depender das circunstâncias até mesmo de um direito originário a prestações na esfera da saúde não se está a chancelar aqui pelo menos não automaticamente a tese da gratuidade absoluta dos serviços públicos de saúde no sentido de uma impossibilidade de qualquer tipo de cobrança pelo uso do sistema público de saúde Ao contrário do que pretende expressiva doutrina 765 não há como deduzir pelo menos não de modo cogente do princípio da universalidade um princípio da gratuidade do acesso visto que acesso igualitário e universal como expressamente enuncia o art 196 da CF não se confunde pelo menos não necessariamente com um acesso totalmente gratuito e isso por mais de uma razão Em primeiro plano a garantia do direito à saúde para todos universalidade e em igualdade de condições acesso igualitário não se identifica com os benefícios no âmbito da assistência social prestação completamente desvinculada de qualquer contraprestação específica por parte do beneficiário nos termos expressos pela Constituição Federal Além disso o que a Constituição assegura é que todos tenham em princípio as mesmas condições de acessar o sistema público de saúde mas não que qualquer pessoa em qualquer circunstância tenha um direito subjetivo definitivo a qualquer prestação oferecida pelo Estado ou mesmo a qualquer prestação que envolva a proteção de sua saúde Considerando que a própria Constituição autoriza a existência de sistemas privados de prestação de serviços de saúde pagos diretamente pelas pessoas que a estes sistemas resolvem aderir além do fato de cada vez mais vozes sustentarem que o particular que contribui para plano de saúde privado não poderá ser atendido pelo SUS já se vislumbra que a gratuidade em qualquer caso se revela como questionável 766 Seguindo esta linha argumentativa não se poderá olvidar que o princípio da proporcionalidade também opera nesta esfera de modo que se pode questionar o quanto se afigura como proporcional e até mesmo razoável que um particular que disponha de recursos suficientes para financiar um bom plano de saúde privado sem o comprometimento de um padrão digno de vida para si e sua família e sem prejuízo portanto do acesso a outros bens fundamentais como educação moradia etc possa acessar sem qualquer tipo de limitação ou condição o sistema público de saúde nas mesmas condições que alguém que não esteja apto a prover com recursos próprios a sua saúde pessoal O simples argumento de que quem contribui impostos já está a pagar pelo acesso à saúde pública não pode vingar no contexto de uma sociedade acentuadamente desigual e onde a maioria da população se encontra na faixa isenta de imposto sobre a renda Em termos de direitos sociais e neste caso existenciais básicos a efetiva necessidade haverá de ser um parâmetro a ser levado a sério juntamente com os princípios da solidariedade e da proporcionalidade Assim a conexão entre o princípio da isonomia que impõe um tratamento desigual aos desiguais compreendido por óbvio na sua perspec tiva substancial e o princípio da proporcionalidade operante não apenas pelo prisma do Estado e da sociedade mas também pelo prisma do indivíduo no sentido daquilo que este pode esperar do Estado revela que no mínimo o tema da gratuidade do acesso à saúde que não constitui a regra no direito comparado merece ser cada vez mais discutido como de resto já vem ocorrendo em parte da doutrina e até mesmo na esfera jurisprudencial 767 Ainda nessa perspectiva e para ilustrar vale lembrar que no concernente ao fornecimento de medicamentos pelo Poder Público embora não se cuide de matéria afeta ao SUS a própria legislação que à evidência sempre poderá ser questionada quanto à sua legitimidade constitucional já exige a prova prévia da carência no sentido socioeconômico por parte do cidadão como pressuposto para a concessão da prestação almejada como dá conta no plano estadual a Lei 9908 de 16061993 do Rio Grande do Sul que dispõe sobre o fornecimento gratuito de medicamentos excepcionais àqueles que demonstrarem a insuficiência de recursos para aquisição dos medicamentos 768 Além disso importa registrar que o tópico ora problematizado que diz com a legitimidade para pleitear em face do Estado uma prestação de natureza social na condição de direito subjetivo positivo assume relevo também no caso de outros direitos sociais como é o caso da assistência social que independe de uma direta contraprestação do beneficiário e do direito ao ensino público gratuito apenas para ficar nos exemplos mais corriqueiros Ainda no concernente à questão da gratuidade das prestações sociais não se desconhece a objeção de Flávio Galdino no sentido de que inexiste de fato direito gratuito 769 já que todos os direitos fundamentais possuem um custo Todavia se é verdade que não existe direito propriamente gratuito já que toda e qualquer prestação de natureza pública mesmo fornecida por delegação pressupõe o financiamento pela sociedade isso não significa que se haverá de impor um ônus direto e específico a todo aquele que pretender usufruir uma prestação pena de uma negativa de prestação até mesmo pelo fato de que em regra terá havido contraprestação pessoal no mínimo por meio de tributos indiretos ou à luz do princípio da solidariedade e da distribuição proporcional dos benefícios e encargos um financiamento por parte de terceiros o que nos remete ao tema correlato da justiça fiscal e do modo de financiamento do sistema de prestações sociais e portanto em larga medida dos direitos sociais temática que refoge aos limites da presente investigação 770 De qualquer sorte saudável a preocupação do autor também compartilhada neste ponto com a eficiente e proba prestação estatal e com a necessidade de maximizar os recursos para melhor atender às necessidades da população Neste contexto é possível referir que existem situações drásticas que exigem em prol do direito fundamental à saúde medidas excepcionais em relação aos gastos públicos como ocorreu mediante a edição da Emenda Constitucional n 1062020 que instituiu um regime extraordinário fiscal financeiro e de contratações para enfrentamento da calamidade pública decorrente da pandemia do novo coronavírus De qualquer sorte sabese que o tema é complexo e apresenta diversas variáveis a serem consideradas e equacionadas já que à evidência embora não se trate de exigência constitucional direta e expressa a opção legislativa pela gratuidade do acesso ao SUS não poderá ser tida como inconstitucional O que está em causa é a busca pelo aperfeiçoamento do modelo adotado para tornálo mais eficaz para o maior número de pessoas Além disso não se pode desprezar a objeção de muitos quanto a uma eventual participação direta do cidadão a depender da renda e do serviço no financiamento do SUS de que se corre o risco de criar um sistema público discriminatório entre os que pagam e os que não pagam De qualquer sorte tais questões demandam atenção que aqui não poderá ser dada e em primeira linha devem ser decididas na esfera política Isso não significa contudo que mesmo nessa seara já não se registrem casos levados ao Judiciário envolvendo até mesmo as relações entre o SUS e os planos de saúde privados como se verifica na hipótese da assim chamada diferença de classe em que o STF no Recurso Extraordinário 581488 rel Min Dias Toffoli j 03122015 decidiu ser constitucional a regra que veda ao paciente internado pelo SUS a possibilidade de melhora do tipo de acomodação recebida mas também atendimento médico mediante o pagamento de alguma diferença Outro ponto crucial vinculado ao direito à saúde mas também a outras prestações na esfera do que se pode designar de um mínimo existencial é o do fornecimento de bens e serviços essenciais pelo Poder Público ou por sua delegação como é o caso do saneamento básico incluindo especialmente o acesso às fontes de água potável 771 e do fornecimento de energia elétrica772 de resto crucial ponto de contato entre o direito público e privado do que dá conta especialmente a inserção da matéria no Código de Defesa do Consumidor 773 Que se cuida de prestações indispensáveis para qualquer pessoa resulta inquestionável de tal sorte que não se deveria em princípio questionar que se está diante de bens jusfundamentais assegurados direta ou indiretamente pela ordem constitucional De outra parte também no que diz com tal tipo de prestações assumem relevo as objeções já apontadas em relação à eficácia dos direitos sociais como direitos subjetivos a prestações e portanto sua exigibilidade judicial o que inclui o igualmente referido problema da gratuidade destas prestações e da garantia como ocorre no caso de vários medicamentos e serviços na área de saúde da sua continuidade por mais que se trate de prestações que envolvem uma contraprestação por parte do beneficiário A despeito das considerações já referidas na parte geral dos direitos sociais onde desenvolvemos o tópico de sua eficácia e efetividade quanto ao direito à saúde e sua exigibilidade pela via judicial importa frisar que após uma postura inicial mais contida mesmo os Tribunais Superiores com destaque aqui para o STF passaram a reconhecer a saúde como direito subjetivo e fundamental exigível em juízo e não mais como direito enunciado de modo eminentemente programático 774 Embora o Brasil juntamente com a Colômbia e alguns outros países ocupe seguramente uma posição de destaque no que diz com o número e a diversidade de ações judiciais na área do direito à saúde e mesmo em termos do número de condenações impostas ao Poder Público a assim chamada judicialização da saúde representa fenômeno em escala mundial o que convém seja registrado ainda que aqui não se possa adentrar no exame de outras experiências nessa seara 775 Não sendo o caso aqui de apresentar um inventário minucioso da jurisprudência do STF sobre o direito à saúde e o sistema de saúde como um todo aproveitamos contudo para referir em caráter ilustrativo mas representativo da orientação atualmente prevalente o julgamento da STA 175 em março de 2010 776 Neste caso embora não se tenha tratado de decisão final já que proferido em sede de suspensão de tutela antecipada confirmando decisão precária das instâncias ordinárias foram revisitados agregados e sistematizados importantes argumentos e critérios no que diz com a exigibilidade do direito à saúde como direito subjetivo Em síntese podem ser destacados os seguintes pontos a o direito à saúde na condição de direito subjetivo assume uma dupla dimensão individual e coletiva transindividual cabível portanto sua tutela jurisdicional individual inclusive mediante ação proposta pelo Ministério Público cuidandose de direito individual indisponível b a responsabilidade do Estado é solidária abrangendo todos os entes da Federação 777 c embora em regra o objeto do direito à saúde deva ser estabelecido pelos órgãos politicamente legitimados Legislativo e Executivo no sentido de que aos cidadãos é assegurado um acesso igualitário e universal às prestações disponibilizadas pelo SUS em caráter excepcional notadamente quando em causa o direito à vida com dignidade o Estado tem o dever de disponibilizar os bens e serviços correspondentes d a desproporcional afetação do sistema de saúde e o comprometimento da ordem pública inclusive das diversas dimensões da reserva do possível devem ser demonstrados pelo Poder Público e há que distinguir entre medicamento novo e experimental no sentido de que novo é o medicamento já liberado para comercialização e devidamente testado no país de origem ao passo que medicamentos experimentais são os que ainda se encontram em fase de testes protocolos de pesquisa e não liberados para venda A partir de tal distinção o STF entendeu que o medicamento novo ainda que não tenha sido aprovado pela Anvisa ou inserido na lista pelas autoridades da área da saúde nacionais poderá em caráter excepcional v item c supra ser concedido mediante ação judicial vedada todavia a imposição do fornecimento de medicamento experimental até mesmo pelo fato de não haver certeza quanto à segurança para o próprio autor da demanda Aliás especialmente quanto ao critério acima referido distinção entre medicamento novo e experimental e à necessidade em regra de análise e autorização pela ANVISA calha invocar recente e paradigmática decisão do STF ADI 5501 MCDF rel Min Marco Aurélio medida liminar julgada em 19052016 e confirmada quando do julgamento do mérito em 26102020 suspendendo em sede de liminar e por maioria de votos a eficácia da Lei 132692016 que autoriza o uso do medicamento fosfoetanolamina a assim chamada pílula do câncer como ficou difundido pelos meios de comunicação por pacientes diagnosticados com neoplasia maligna a despeito da inexistência de estudos conclusivos no tocante aos efeitos colaterais em seres humanos bem como da ausência de registro sanitário perante o órgão competente No caso o medicamento referido quando de sua dispensação anterior com base em decisão monocrática anterior do STF e uma série de decisões judiciais nas instâncias ordinárias sequer estava sendo testado com base nos protocolos oficiais para pesquisas em seres humanos e de certo modo não poderia ser designado propriamente de experimental no sentido técnico do termo contrariando de tal sorte os próprios precedentes do STF designadamente a STA 175 já referida Convém sublinhar que tal orientação em termos gerais no que diz com a excepcionalidade da imposição ao Poder Público de prestações em especial medicamentos não previstas no sistema de políticas públicas já praticadas com destaque para a legislação do SUS tem sido mantida pelo STF que segue sendo constantemente provocado a se posicionar sobre o tema como dão conta os julgamentos do RE 566471RN Relator Ministro Marco Aurélio bem como do RE 657718MG igualmente relatado pelo Ministro Marco Aurélio Em ambos os casos foi reconhecida a Repercussão Geral das matérias discutidas designadamente a possibilidade de se obrigar o Poder Público pela via judicial a dispensar medicamentos de alto custo para doenças raras não incorporadas à lista correspondente elaborada pelo Ministério da Saúde e veiculada mediante Portaria RE 566471RN e medicamentos não aprovados e registrados pela ANVISA RE 657718MG No primeiro recurso RE 566471 cujo julgamento ainda não foi concluído o Relator Ministro Marco Aurélio considerou que de modo a ser possível obrigar o Poder Público a prover medicamentos de alto custo não incorporados ao sistema do SUS devem estar presentes os requisitos da indispensabilidade do medicamento e da incapacidade financeira do autor e de sua família pois há de ser demonstrado que em causa está a garantia do mínimo existencial o que exige além disso a demonstração da efetiva necessidade e impossibilidade de custeio pelo requerente ou familiares em termos analógicos ao da obrigação alimentar civil em homenagem ao princípio e dever de solidariedade Ainda de acordo com o Relator no caso concreto tais requisitos foram atendidos mas ressaltou que em regra a intervenção do Poder Judiciário nas políticas públicas deve ser mínima e excepcional Já o Ministro Roberto Barroso em votovista desproveu o recurso pelo fato de no curso da ação o medicamento ter sido aprovado pela ANVISA e incorporado à lista de medicamentos do SUS mas frisou que no caso de medicamentos não incorporados ao sistema deverá ser observado rigorosamente para manter o caráter excepcional de tal tipo de situações um conjunto de critérios materiais e procedimentais Por sua vez o Ministro Edson Fachin deu parcial provimento ao RE entendendo ser procedente a alegação do Estadomembro no sentido de que não poderia ser condenado a custear sozinho o medicamento sendo necessário que a União integre o polo passivo Ademais disso além de sugerir critérios em parte distintos e complementares daqueles sugeridos pelos Ministros que o antecederam propôs que fossem preservados os efeitos das decisões prolatadas pelas instâncias ordinárias que versem sobre questão constitucional submetida à Repercussão Geral inclusive as sobrestadas até a data do respectivo julgamento do mérito ainda não concluído Já no julgamento do RE 657718MG Relator originário Ministro Marco Aurélio Redator Ministro Roberto Barroso julgado em 22052019 esteve em causa a possibilidade de o Poder Público ser compelido ao fornecimento de medicamentos não previamente aprovados pela ANVISA Em apertada síntese por maioria de votos 778 o STF decidiu que 1 O Estado não pode ser obrigado a fornecer medicamentos experimentais 2 A ausência de registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária Anvisa impede como regra geral o fornecimento de medicamento por decisão judicial 3 É possível excepcionalmente a concessão judicial de medicamento sem registro sanitário em caso de mora irrazoável da Anvisa em apreciar o pedido prazo superior ao previsto na Lei 134112016 quando preenchidos três requisitos i a existência de pedido de registro do medicamento no Brasil salvo no caso de medicamentos órfãos para doenças raras e ultrarraras ii a existência de registro do medicamento em renomadas agências de regulação no exterior e iii a inexistência de substituto terapêutico com registro no Brasil 4 As ações que demandem fornecimento de medicamentos sem registro na Anvisa deverão necessariamente ser propostas em face da União Notese ainda que de acordo com o STF no mesmo julgamento em se tratando de doenças raras e ultrarraras é possível em caráter excepcional que o Estado seja com pelido a fornecer o medicamento independentemente do registro porquanto tam bém se verifica em muitos casos que o laboratório não tem interesse comercial em pedir o registro No mesmo sentido calha ainda referir a decisão proferida no RE 1165959SP rel Min Marco Aurélio j 08072021 no qual restou fixada a seguinte tese Cabe ao Estado fornecer em termos excepcionais medicamento que embora não possua registro na ANVISA tem a sua importação autorizada pela agência de vigilância sanitária desde que comprovada a incapacidade econômica do paciente a imprescindibilidade clínica do tratamento e a impossibilidade de substituição por outro similar constante das listas oficiais de dispensação de medicamentos e os protocolos de intervenção terapêutica do SUS À vista do exposto verificase consoante já sinalizado que mesmo com os avanços já alcançados no concernente a uma especificação maior e mesmo alguma sofisticação dos critérios adotados na esfera das decisões judiciais no Brasil quando em causa a exigibilidade pela via judicial de prestações estatais em matéria de saúde existem outros parâmetros propostos na esfera doutrinária para o que se remete à parte geral dos direitos sociais Por outro lado é no campo do direito à saúde em função da natureza do próprio direito e de sua relevância para a vida e dignidade humana mas especialmente em virtude do impacto das decisões sobre o sistema de políticas públicas e o orçamento público sem prejuízo de outros aspectos de relevo que se verifica ser mais aguda a controvérsia em torno da exigibilidade dos direitos sociais e de sua dupla dimensão obje tiva e subjetiva notadamente quanto aos efeitos jurídicos que dela decorrem Ainda nesse contexto importa consignar que os critérios que têm sido estabelecidos pelo STF assegurando em princípio uma orientação mais sólida para os demais Juízes e Tribunais tornando suas decisões em geral mais solidamente fundamentadas previsíveis e controláveis o que por si só já representa um ganho substancial não necessariamente implicam redução do número de ações e mesmo afastam a correção de parte das críticas que têm sido esgrimida em relação à assim chamada judicialização da saúde Assim apenas para ilustrar o ponto é possível afirmar que o manejo do parâmetro do mínimo existencial ainda deixa em aberto a pergunta sobre quem é o ator estatal legitimado para decidir sobre o seu conteúdo em especial quando se cuida de conceito tão aberto De outra parte não fica resolvido o problema do impacto econômico do financiamento de medicamentos de alto custo que representa mais do que 80 do volume de recursos investidos com demandas judiciais em matéria de prestações de saúde que têm por objeto o fornecimento de fármacos Mesmo que não se eleve tal circunstância a uma barreira intransponível para a atuação do Poder Judiciário o que se considera correto em primeira linha ainda é de se ter em conta o fato de que o aumento da desigualdade de renda e queda de poder aquisitivo eventual queda na arrecadação de recursos pelo Estado a ausência de incorporação de medicamentos de eficácia superior aos constantes da lista do Ministério da Saúde entre outros fatores não necessariamente diminuirão o número de ações judiciais Portanto não apenas é possível como soa até provável que em se aplicando os critérios acima colacionados o que deveria ser segundo o STF a exceção possa vir a ser menos excepcional Registrese ainda que as objeçõescríticas referidas não afastam segundo o nosso entendimento a possibilidade de se pleitear em Juízo a satisfação de bens e serviços destinados a salvaguardar o direito à saúde mesmo nos casos de medicamentos não incorporados ao SUS eou não aprovados pela ANVISA mas apontam para a necessidade de contínua reflexão e aperfeiçoamento de critérios e instrumentos De especial relevância são medidas de todos os atores públicos mas também da sociedade civil destinadas a combater a má governança incluindo a corrupção o desperdício a falta de racionalização e de planejamento o adequado financiamento a falta de informações adequadas e de transparência entre outros fatores sem o que uma efetividade desejável do direito à saúde aliás de todos os direitos fundamentais não será jamais com ou sem atuação do Poder Judiciário alcançada 4154 O direito à alimentação O direito à alimentação foi recentemente incorporado ao caput do art 6º da CF por intermédio da EC 64 de 04022010 Tal inovação constitucional sedimentou o reconhecimento do direito à alimentação como direito fundamental social integrante do nosso sistema constitucional Do ponto de vista material mesmo antes da positivação formal do direito à alimentação no art 6º da CF já seria adequado o seu reconhecimento como integrante do nosso catálogo de direitos fundamentais por força da indivisibilidade dos direitos fundamentais da abertura material do catálogo de direitos prevista no art 5º 2º da CF na condição de direito humano consagrado em tratado internacional ratificado pelo Brasil é o caso do Pacto Internacional de Direitos Econômicos Sociais e Culturais de 1966 Ainda no que diz com a justificação constitucional do direito à alimentação esse já constava no texto da CF como parte das necessidades a serem atendidas pelo salário mínimo art 7º IV da CF ou seja das necessidades vitais básicas ao lado da moradia educação saúde lazer vestuário higiene transporte e previdência social Portanto a inserção do direito à alimentação no art 6º da CF resultou na incorporação apenas formal de tal direito ao nosso texto constitucional uma vez que materialmente ele já tinha sede constitucional como direito fundamental decorrente do regime e dos princípios da Constituição Federal designadamente do direito à vida direito à saúde dignidade da pessoa humana e da noção de uma garantia do mínimo existencial Ainda no tocante à perspectiva da indivisibilidade e interdependência dos direitos fundamentais não restam dúvidas a respeito da impossibilidade de o indivíduo desfrutar dos seus direitos fundamentais civis políticos sociais e culturais sem o acesso à alimentação adequada na sua jornada de vida cotidiana Talvez o exemplo mais elucidativo do que se está a afirmar esteja na merenda escolar servida às crianças e adolescentes nos estabelecimentos de ensino público Sem uma refeição nutritiva o aprendizado delas resultará sobremaneira limitado senão mesmo inviabilizado e por consequência toda a cadeia de direitos fundamentais restará comprometida e violada O mesmo ocorreria em questões envolvendo situações de subnutrição e mesmo de fome crônica implicando violação do direito à saúde e do direito à integridade física Em casos mais extremos a ausência ou precariedade da alimentação coloca em risco o próprio direito à vida Por tal razão o acesso à alimentação adequada como direito do indivíduo e da coletividade e dever do Estado conforma de modo bastante expressivo a ideia em torno da interde pendência e indivisibilidade dos direitos fundamentais e humanos sendo pré requisito para o desfrute de uma vida digna e saudável 779 No âmbito do direito internacional dos direitos humanos o direito à alimentação 780 tomou assento definitivo desde a Declaração Universal dos Direitos Humanos 1948 resultando consignado no seu art XXV n 1 ao dispor que toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bemestar inclusive alimentação vestuário habitação cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis o direito à segurança em caso de desemprego doença invalidez viuvez velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência fora de seu controle Também o art 11 n 1 do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos Sociais e Culturais 1966 reproduzindo em parte o dispositivo da Declaração da ONU já citado consagrou o direito à alimentação ao delinear o direito a um nível de vida adequado asseverando que os Estadospartes no presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa a um nível de vida adequado para si próprio e para sua família inclusive à alimentação vestimenta e moradia adequadas assim como uma melhoria contínua de suas condições de vida Os Estadospartes tomarão medidas apropriadas para assegurar a consecução desse direito reconhecendo nesse sentido a importância essencial da cooperação internacional fundada no livre consentimento Ainda na perspectiva do Sistema Global de Proteção dos Direitos Humanos registrase a Convenção sobre os Direitos das Crianças 1989 notadamente sobre a responsabilidade dos Estados de tomar medidas para combater a desnutrição infantil e assegurar o direito à saúde das crianças Sobre o tema dispõe o seu art 24 n 2 c como dever estatal combater as doenças e a desnutrição dentro do contexto dos cuidados básicos de saúde mediante inter alia a aplicação de tecnologia disponível e o fornecimento de alimentos nutritivos e de água potável tendo em vista os perigos e riscos da poluição ambiental 781 No Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos o principal diploma normativo a tratar da questão é o Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos Sociais e Culturais 1989 Protocolo de San Salvador ao consagrar em dispositivo específico sobre o direito à alimentação art 12 1 Toda pessoa tem direito a uma nutrição adequada que assegure a possibilidade de gozar do mais alto nível de desenvolvimento físico emocional e intelectual 2 A fim de tornar efetivo esse direito e de eliminar a desnutrição os Estadospartes comprometemse a aperfeiçoar os métodos de produção abastecimento e distribuição de alimentos para o que se comprometem a promover maior cooperação internacional com vistas a apoiar as políticas nacionais sobre o tema Há de tal sorte um regime normativo internacional tanto sob o plano global quanto regional interamericano 782 consolidado gradativamente após a Segunda Guerra Mundial o que serviu sobremaneira como fonte para que os sistemas constitucionais acompanhassem tal evolução norma tiva e incorporassem o direito à alimentação nas suas legislações nacionais como o fez recentemente a Constituição Federal No plano infraconstitucional merece registro a Lei 11346 de 15092006 que cria o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional com vistas a assegurar o direito humano à alimentação adequada É importante ressaltar que tal diploma legislativo antecipou a própria modificação constitucional ocorrida somente em 2010 reconhecendo no seu texto o direito à alimentação adequada como direito fundamental De acordo com o art 2º da referida lei a alimentação adequada é direito fundamental do ser humano inerente à dignidade da pessoa humana e indispensável à realização dos direitos consagrados na Constituição Federal devendo o Poder Público adotar as políticas e ações que se façam necessárias para promover e garantir a segurança alimentar e nutricional da população De modo a complementar tal conceito merece registro o disposto no art 3º ao pontuar que a segurança alimentar e nutricional consiste na realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade em quantidade suficiente sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental cultural econômica e socialmente sustentáveis O último dispositivo analisado aponta para a questão da qualidade e da quantidade dos alimentos de modo a atender satisfatoriamente às necessidades básicas do indivíduo e em última instância proporcionar condições para o seu pleno desenvolvimento em um quadrante normativo de dignidade e salubridade Outro aspecto importante contido no texto normativo analisado diz respeito à abordagem da matéria sob a perspectiva da indivisibilidade dos direitos fundamentais liberais sociais e ecológicos inclusive como já destacado anteriormente o que pode ser facilmente identificado no art 2º 1º do mesmo diploma ao dispor que a adoção dessas políticas e ações deverá levar em conta as dimensões ambientais culturais econômicas regionais e sociais Importa destacar ainda no que diz com o estatuto legislativo aqui sumariamente apresentado a previsão de deveres de proteção do Estado em matéria alimentar Com efeito de acordo com o art 2º 2º é dever do Poder Público respeitar proteger promover prover informar monitorar fiscalizar e avaliar a realização do direito humano à alimentação adequada bem como garantir os mecanismos para sua exigibilidade Tal dispositivo em sintonia com o regime jurí dicoconstitucional dispensado aos direitos fundamentais em geral mais especialmente na perspectiva dos direitos sociais aponta para o imperativo estatal de promover políticas públicas suficientes em matéria alimentar de modo a assegurar o desfrute do direito em questão erradicando a fome e garantindo o acesso de todos a alimentos adequados ao seu desenvolvimento saudável e bemestar No tocante à eficácia do direito à alimentação cumpre salientar que a sua intensidade normativa se verifica de modo contundente nas situações de extrema pobreza e vulnerabilidade social o que ocorre por exemplo em situações de subnutrição infantil ainda hoje verificada em várias regiões do País Como referido anteriormente é a dignidade e a vida de tais indivíduos que se encontram em situação de violação dado ser a alimentação adequada elementar a tais direitos Por tal razão cabível o controle judicial de políticas públicas voltadas a assegurar aos indivíduos e grupos sociais vulneráveis o acesso à alimentação adequada bem como no limite até mesmo a possibilidade de reconhecer posições subjetivas originárias Com efeito não se questiona seriamente que o direito à alimentação integra o conteúdo do direitogarantia ao mínimo existencial integrando por assim dizer o núcleo intangível da dignidade da pessoa humana 783 Como se percebe a partir da teia normativa internacional constitucional e legal apresentada em caráter sumário o direito à alimentação como direito humano e fundamental integra o catálogo constitucional compartilhando com particular intensidade à vista da relevância de uma alimentação saudável para a própria vida humana do pleno regime jurídico dos direitos fundamentais inclusive a sua condição de direitos exigíveis no âmbito da dimensão subjetiva dos direitos fundamentais sociais 4155 O direito à moradia Nada obstante anteriores referências ao longo do texto constitucional na sua redação original o direito à moradia só veio a ser positivado expressamente com a EC 26 de 14022000 transcorridos pois doze anos da promulgação da Constituição Federal o que em parte é atribuído às resistências do Brasil em relação a diversos aspectos regulados pelos instrumentos internacionais concernentes à moradia 784 Isso não impediu que já se viesse defendendo o reconhecimento de um direito fundamental implícito à moradia como consequência da proteção à vida e à dignidade humana já que vinculado à garantia das condições materiais básicas para uma vida com dignidade e com certo padrão de qualidade consoante aliás ocorreu por parte do Conselho Constitucional da França 785 Hoje contudo não há mais dúvidas de que o direito à moradia é um direito fundamental autônomo de forte conteúdo existencial considerado por alguns até mesmo um direito de personalidade pelo menos naquilo em que vinculado à dignidade da pessoa humana e às condições para o pleno desenvolvimento da personalidade 786 não se confundindo com o direito à e de propriedade já que se trata de direitos distintos 787 Se o texto constitucional não traz parâmetros explícitos quanto à definição do conteúdo do direito à moradia cumpre registrar o esforço legislativo e jurisprudencial no sentido de recepcionar e em alguns casos adequar ao contexto interno os critérios materiais desenvolvidos no âmbito do sistema internacional como dão conta os exemplos da segurança jurídica da posse a disponibilidade de infraestrutura básica capaz de assegurar condições de habitabilidade o acesso a serviços essenciais e o respeito às peculiaridades locais inclusive em termos de identidade e diversidade cultural da população como propõem os órgãos da Organização das Nações Unidas ONU 788 De qualquer sorte a definição do conteúdo concreto do direito à moradia não poderá prescindir da relação estreita com o princípio da dignidade humana e com a garantia de padrões qualitativos mínimos a uma vida saudável tudo a revelar a importância também neste contexto dos critérios vinculados ao mínimo existencial numa perspectiva afinada com os parâmetros internacionais 789 Como os demais direitos fundamentais o direito social à moradia abrange um complexo de posições jurídicas objetivas e subjetivas de natureza negativa direito de defesa e positiva direito a prestações Na condição de direito de defesa negativo o direito à moradia impede que a pessoa seja privada arbitrariamente e sem alternativas de uma moradia digna por ato do Estado ou de outros particulares Nesse contexto destacase a legislação que proíbe a penhora do chamado bem de família como tal considerado o imóvel que serve de moradia ao devedor e sua família Lei 80091990 art 3º a cujo respeito existem inúmeras decisões judiciais inclusive no âmbito do Superior Tribunal de Justiça das quais boa parte favorável à proteção do direito à moradia 790 Nessa seara um caso bastante polêmico muito embora a existência de decisão do STF sobre o ponto ainda não sumulada é o que envolve a constitucionalidade das exceções legais à regra geral da impenhorabilidade do único imóvel residencial com destaque para o imóvel de propriedade do fiador em contrato de locação pois apesar da tendência anterior no sentido da inconstitucionalidade da previsão legal que permite a penhora do imóvel do fiador em contratos de locação o STF em decisão de fevereiro de 2006 reconheceu a compatibilidade da penhora com a salvaguarda do direito à moradia afirmando a necessidade de assegurarse o acesso à moradia por meio da oferta de imóveis para serem alugados mesmo que se venha a penhorar o único imóvel do fiador ainda mais quando este tenha dado livremente o bem em garantia 791 As críticas que se podem tecer à decisão foram em boa parte formuladas nos votos divergentes onde se apontou para a violação da dignidade da pessoa humana e mesmo quebra de isonomia em relação à situação do devedor principal ademais da problemática por não demonstrada utilização de critérios baseados em supostas evidências do mercado imobiliário 792 Por outro lado não se cuidando de matéria sumulada e dada a relevância do impacto da expropriação do único imóvel para a vida do fiador ou devedor e de sua família não se afastam desenvolvimentos que venham a temperar uma interpretação fechada e mitigar a orientação aparentemente consolidada no STF ainda que em casos similares 793 Foi isso aliás que se deu na evolução jurisprudencial mais recente sobre o direito à moradia aqui novamente na sua condição de direito de defesa negativo porquanto o STF decisão da 1ª Turma em sessão realizada no dia 12062018 quando da conclusão do julgamento do RE 605709 iniciado em outubro de 2014 tendo como relator o Ministro Dias Toffoli então ainda integrante da Turma decidiu por maioria de votos 32 pela impenhorabilidade do bem de família do fiador em contrato de locação comercial 794 No caso concreto de acordo com o noticiário do STF 15062018 o recorrente invocava a nulidade da arrematação de sua casa em virtude de se tratar de sua única propriedade e ser ele responsável pelo sustento da família Para o Ministro Dias Toffoli relator bem como para o Ministro Luís Roberto Barroso aplicase à penhora do bem de família em contratos de locação o entendimento pacificado no STF no sentido da penhorabilidade do bem de família do fiador no contrato de locação residencial porquanto embora não esteja em causa o direito à moradia dos locatários envolve restrição à livreiniciativa que também é protegida constitucionalmente Da mesma forma a possibilidade de penhora do único imóvel do fiador que o oferece voluntariamente em garantia do débito tem o efeito de estimular o empreendedorismo viabilizando a celebração de contratos em termos mais favoráveis Todavia acabou por prevalecer a divergência aberta pela Ministra Rosa Weber acompanhada pelos Ministros Marco Aurélio e Luiz Fux no sentido de que além de ser necessária a manifestação de vontade do fiador tanto na locação residencial quanto na comercial a legislação não distingue entre as duas modalidades de locação quanto à impenhorabilidade do bem de família e que o direito à moradia como direito social fundamental e no caso protegido para beneficiar a família não pode ser sacrificado em prol da potencialização da livreiniciativa Além disso e isso aqui assume particular importância com o julgamento concluído no dia 12062018 e vindo a prevalecer a orientação adotada pela maioria dos Ministros da 1ª Turma o STF poderá protagonizar ao menos em parte substancial uma revisão da sua jurisprudência sobre o tema até então consolidada Recurso Extraordinário 4076888 rel Min Cezar Peluso j 08022006 que sem ressalva de alguma exceção vinha entendendo ser constitucional a penhora do único imóvel e bem de família do fiador em contrato de locação residencial tal como previsto no art 3º VII da Lei 80091990 de acordo com o qual A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil fiscal previdenciária trabalhista ou de outra natureza salvo se movido VII por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação De qualquer sorte mesmo que no caso da penhora do único imóvel do fiador o STF tenha admitido como legítima tal possibilidade penhora como um limite imposto em determinadas circunstâncias também importa destacar que o STF reconheceu na mesma decisão não apenas o fato de o direito à moradia ser um direito fundamental como a circunstância de que tal direito não se confunde com o direito de propriedade o que aliás foi um dos argumentos justificadores da decisão além de afirmar neste ponto ainda de modo afinado com as recomendações dos organismos internacionais e a sua interpretação do conteúdo e alcance do direito à moradia que existem diversas possibilidades legítimas na perspectiva constitucional de o Estado assegurar o acesso à moradia condigna Por sua vez em termos de efetivação da dimensão prestacional do direito à moradia é preciso relembrar que na condição de direito positivo também o direito à moradia abrange prestações fáticas e normativas que se traduzem em medidas de proteção e de caráter organizatório e procedimental 795 Um bom exemplo disso é o assim chamado Estatuto da Cidade que representou apesar do lapso temporal bastante longo uma resposta do legislador ao dever prestação de legislar nessa matéria com fundamento na Constituição Federal Com a edição do Estatuto da Cidade Lei 10257 de 10072001 cuja principal meta é dar efetividade às diretrizes constitucionais sobre política urbana estando a contribuir para a difusão de um verdadeiro direito à cidade foi dado um passo significativo para dar vida efetiva ao direito a uma moradia condigna no Brasil Além de uma série de princípios o Estatuto da Cidade é rico em instrumentos que objetivam a realização prática do direito à moradia destacandose os seguintes a operações urbanas consorciadas em que Poder Público e particulares atuam de forma conjunta com o objetivo de alcançar em uma área transformações urbanísticas estruturais melhorias sociais e valorização ambiental b Estudo de Impacto de Vizinhança EIV cujo conteúdo mínimo é previsto pelo art 37 da Lei que tem por meta verificar os aspectos positivos e negativos do empreendimento ou atividade que se pretenda implementar sobre a qualidade de vida da população residente na área e nas proximidades ficando à disposição para consulta de qualquer interessado junto ao órgão municipal competente c usucapião coletivo das áreas urbanas ocupadas por população de baixa renda e nas quais não seja possível a individualização dos terrenos sendo declarada judicialmente e constituindo a partir de então condomínio indivisível com estabelecimento da propriedade de uma fração para cada indivíduo Também guarda relação com uma dimensão positiva do direito à moradia a previsão já no plano constitucional o instituto do usucapião especial urbano onde o que está em causa na sua essência é um direito à obtenção do título de propriedade por parte do detentor da posse para fins de moradia a teor do disposto no art 183 da CF bem como nos termos da regulamentação infraconstitucional do instituto especialmente pela Lei 102572001 arts 4º V j e 9º a 14 bem como pelo Código Civil Lei 104062002 art 1240 796 No que diz com a regulamentação pelo Código Civil vale destacar também a previsão em termos similares ao usucapião especial ou constitucional urbano do usuca pião especial rural conforme se pode apreender do seu art 1239 797 Mais recentemente também com forte expressão em termos de assegurar a moradia na perspectiva familiar o Código Civil inovou por intermédio da Lei 12424 de 16062011 ao assegurar no seu art 1240A que aquele que exercer por 2 dois anos ininterruptamente e sem oposição posse direta com exclusividade sobre imóvel urbano de até 250 m² duzentos e cinquenta metros quadrados cuja propriedade divida com excônjuge ou ex companheiro que abandonou o lar utilizandoo para sua moradia ou de sua família adquirirlheá o domínio integral desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural À vista do exposto verificase que todo o elenco de usucapiões especiais tem por objetivo e reflete diretamente na proteção do direito à moradia Em que medida o direito à moradia se traduz em direito subjetivo à construção pelo Poder Público de uma moradia digna ainda que não na condição de propriedade ou em caráter alternativo em direito exigível de fornecimento de recursos para tanto ou para por exemplo obras que assegurem à moradia sua condição de habitabilidade sem prejuízo de todo um leque de aspectos a serem exploradas na seara do direito à moradia na perspectiva de sua função de direito a prestações é seguramente algo longe de estar bem sedimentado na doutrina 798 e na jurisprudência 799 Notese contudo que o STF não tem afastado pelo contrário afirmado que em determinados casos o Poder Público poderá ser compelido sem que com isso reste configurada ofensa ao princípio da separação de poderes a promover medidas emergências de natura positiva portanto em termos de políticas públicas relativas aos direitos à segurança e à moradia 800 De qualquer modo não é nossa intenção dados os limites da abordagem aprofundar tal tópico 4156 O direito à educação Também o direito fundamental à educação obteve reconhecimento expresso no art 6º da CF 801 integrando portanto o catálogo dos direitos fundamentais e sujeito ao regime jurídico reforçado que lhes foi atribuído pelo constituinte especialmente art 5º 1º e art 60 4º IV Relembrese que a educação foi merecedora de expressa previsão constitucional já na Carta Imperial de 1824 que no seu art 179 XXXII previa o direito à instrução primária e gratuita para todos os cidadãos Embora a supressão de tal direito do texto constitucional em 1891 a contar de 1934 o direito à educação passou a figurar de forma contínua e progressiva em termos quantitativos e qualitativos nas demais Constituições ainda que com alguma variação até alcançar pelo menos em termos de quadro evolutivo nacional o máximo nível de regulação constitucional na atual Constituição Federal Com efeito além da previsão como direito fundamental básico e de caráter geral no art 6º da CF a educação como complexo de deveres e direitos foi objeto de regulamentação mais detalhada no Capítulo III arts 205 a 214 razão pela qual também aqui se coloca a questão preliminar de quais os dispositivos que efetivamente podem ser considerados como fundamentais à luz do disposto no art 5º 2º de nossa Carta Não há como deixar de considerar que a problemática da eficácia e efetividade do direito social à educação depende em boa parte de uma opção a respeito do regime jurídico atribuível aos diversos preceitos constitucionais que integram o capítulo da educação especialmente se está a se tratar de normas de direitos fundamentais ou não Em suma cuidase de saber qual o complexo de normas que constituem o núcleo essencial do direito à educação aqui tido no seu sentido amplo Por esta razão partiremos aqui da análise dos quatro primeiros dispositivos do Capítulo III da ordem social arts 205 a 208 já que entendemos que quanto a eles não se verifica maior dificuldade em considerálos como integrantes do que se poderá designar de complexo normativo constitucional essencial nesta matéria Quanto aos demais dispositivos poderseá sustentar que pelo menos em geral uma exceção digna de nota poderá ser a previsão de um percentual mínimo de investimento público na seara da educação e da garantia da participação da iniciativa privada constituem normas de cunho organizacional e procedimental com status jurídicopositivo idêntico ao das demais normas constitucionais assegurada portanto sua primazia em face do direito infraconstitucional Com efeito constatase que os arts 209 a 211 estabelecem as condições organização e estrutura das instituições públicas e privadas no âmbito do sistema nacional educacional ao passo que no art 212 se encontram regras sobre a participação dos diversos entes federativos no financiamento do sistema de ensino O mesmo art 212 assim como o art 213 contém normas estabelecendo metas prioridades e diretrizes para a aplicação e distribuição dos recursos públicos na esfera educacional enquanto no art 214 se encontram previstos a instituição do plano nacional de educação e seus objetivos Além disso é de se referir a letra A inserida junto ao art 212 pela Emenda Constitucional n 1082020 que ampliou o alcance e tornou permanente o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação Fundeb ademais de dentre outras novidades incluir o aumento gradativo da participação da União no Fundeb estabelecendo novos critérios de distribuição dos recursos do Fundo Ainda que nem todas as normas integrantes do capítulo da ordem social apenas pelo fato de guardarem relação direta com determinado direito fundamental social passem a integrar os elementos essenciais de determinado direito fundamental no caso do direito à educação isso não significa que os níveis de eficácia e efetividade de tais normas constitucionais sejam baixos Será possível por exemplo sustentar que nem mesmo uma reforma constitucional poderá pura e simplesmente suprimir o dispositivo que assegura à iniciativa privada a possibilidade de participação na educação art 209 ou a previsão de um percentual mínimo da receita em matéria de impostos a ser aplicada em educação pela União Distrito Federal Estados e Municípios art 212 seja por força da proibição de regressividade retrocesso em matéria de proteção e promoção de direitos fundamentais seja por força dentre outros aspectos das exigências da proporcionalidade mas em especial se estiverem sendo afetados de modo indireto não pela supressão direta de dispositivo constitucional aspectos relativos ao núcleo essencial do direito à educação considerado como um direito em sentido amplo O art 6º da CF tal como ocorreu com os demais direitos ali enunciados apenas se limita a enunciar que a educação é um direito fundamental social e nada mais acrescenta que possa elucidar o conteúdo e alcance do direito o que como já sinalado demanda uma interface com o disposto especialmente nos arts 205 a 208 onde adotandose o critério referido encontramse delineados os contornos essenciais deste direito fundamental à educação Basta lançar um breve olhar sobre estes dispositivos para que se percebam as contundentes distinções no que concerne à sua técnica de positivação à sua função como direitos fundamentais bem como por consequência à sua eficácia O art 205 ao dispor que a educação direito de todos e dever do Estado e da família será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade assume de plano uma dupla dimensão pois tanto reconhece e define um direito fundamental de titularidade universal de todos quanto possui um cunho impositivo na condição de norma impositiva de deveres que dadas as suas características e sem prejuízo de a educação ser em primeira linha um direito fundamental exigível como tal situase na esfera das normas de eficácia limitada ou dependentes de complementação já que estabelece fins genéricos a serem alcançados e diretrizes a serem respeitadas pelo Estado e pela comunidade na realização do direito à educação quais sejam o pleno desenvolvimento da pessoa seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho Por outro lado tais parâmetros podem servir de critérios para a definição do conteúdo do direito à educação como direito subjetivo demonstrando que dimensão subjetiva e dimensão objetiva se retroalimentam Em contrapartida vislumbrase que o art 207 se caracteriza como típica garantia institucional fundamental assegurando a autonomia universitária 802 o que já foi objeto de reconhecimento até mesmo pelo STF 803 não obstante tenha ficado claro que esta autonomia não assegura às universidades uma absoluta independência em face do Estado de modo especial no que diz com a possibilidade da edição de atos normativos autônomos 804 Vê se pois que enquanto o art 205 também assume a feição de norma impositiva de tarefas e objetivos aos órgãos públicos e em especial ao legislador servindo além disso como parâmetro obrigatório para a aplicação e interpretação das demais normas jurídicas a garantia institucional contida no art 207 que a toda evidência constitui norma plenamente eficaz e diretamente aplicável atua como limite expresso contra atos que coloquem em risco o conteúdo essencial da autonomia da instituição protegida atuando assim como direito fundamental de natureza defensiva 805 Já no art 206 da nossa Constituição que contém normas sobre os princípios que embasam o ensino encontramse diversos dispositivos que são diretamente aplicáveis e dotados de plena eficácia É o caso por exemplo da garantia da igualdade de condições para o acesso e permanência na escola art 206 I que constitui concretização do princípio da isonomia ainda que se possa mesmo sem esta norma cogitar de um direito social derivado de igual acesso às instituições e ao sistema de ensino deduzido com base no direito geral de igualdade art 5º caput 806 No mesmo contexto pode ser citado o art 206 II que consagra a liberdade de aprendizado de ensino de pesquisa e de divulgação do pensamento da arte e do saber que por tratarse de autêntico direito de liberdade gera desde já direitos subjetivos para os particulares 807 Também a norma contida no art 206 IV que prevê a gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais não reclama qualquer ato de mediação legislativa gerando um direito subjetivo à gratuidade não cobrança do ensino público Todavia no tocante à garantia da gratuidade do ensino público instalouse controvérsia que aportou no STF RE 597854GO rel Min Edson Fachin j 26042017 envolvendo a possibilidade de cobrança de taxas mensalidades para frequência de cursos de especialização oferecidos por Instituições Públicas de Ensino Superior tendo o STF chancelado tal possibilidade considerando numa primeira linha de fundamentação que existe um espaço de conformação assegurado pelo constituinte porquanto impossível afirmar com base numa leitura estrita da CF que as atividades em nível de pósgraduação estejam abrangidas pelo conceito de manutenção e desenvolvimento do ensino para efeitos da destinação com exclusividade de recursos públicos devendo ser avaliado se a garantia da gratuidade se aplica também aos cursos de pós graduação Segundo o STF há margem para que as Universidades no âmbito de sua autonomia constitucional possam decidir quais cursos se destinam à manutenção do desenvolvimento do ensino ademais de não ser vedada em princípio a captação de recursos privados sendo deferido às Universidades na esfera de sua autonomia didáticocientífica sempre em harmonia com a legislação vigente as atividades de extensão passíveis de instituição de taxas mensalidades Percebese portanto que no âmbito de um direito geral à educação compreendido como um direito em sentido amplo coexistem diversas posições fundamentais de natureza jurídico objetiva e subjetiva ainda que se possa discutir em que medida se trata de direitos originários a prestações ou apenas de direitos derivados ou seja de igual acesso às prestações em matéria educacional disponibilizadas pelo Poder Público Para a assim chamada dimensão positiva do direito à educação ou seja educação como direito a prestações indispensável um rápido exame do disposto no art 208 da CF Desde logo se impõe a observação de que também aqui não se podem descurar dos parâmetros postos nos arts 205 e 206 no âmbito de uma interpretação sistemática Enquanto o art 205 enuncia que a educação é um direito de todos e obrigação do Estado e da família o art 206 em seus diversos incisos estabelece uma série de diretrizes que devem ser observadas pelo Estado e pela família na realização do direito à educação dentre as quais destacamos a já citada gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais assim como a garantia da igualdade de condições para o acesso e permanência na escola que nada mais consagra do que o dever específico de garantir a igualdade de oportunidades nesta seara norma que seguramente apresenta também uma dimensão impositiva de condutas ativas por parte do Estado da sociedade e da família Tal aspecto guarda relação com as assim chamadas políticas de ações afirmativas que a exemplo do que ocorreu em outros países com destaque para o precedente dos EUA também foram implantadas no Brasil e têm sido objeto de acirrada controvérsia inclusive na esfera jurisdicional resultando em decisões do STF reconhecendo a legitimidade constitucional do Programa Universidade para Todos ProUni 808 e de algumas políticas de cotas criadas em universidades públicas 809 Em virtude de sua relação com o princípio da igualdade na sua vertente material aqui não será desenvolvido o tema Por sua vez verificase que no art 208 o constituinte cuidou de estabelecer certos mecanismos e diretrizes a serem adotados na efetivação de seu dever com a educação salientandose a garantia do ensino fundamental obrigatório e gratuito inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria art 208 I Além disso o art 208 em seu 1º contém a inequívoca declaração de que o acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo Cumpre referir também a norma que estabelece a possibilidade de responsabilização da autoridade competente pelo não oferecimento ou pela oferta irregular deste ensino obrigatório gratuito art 208 2º É justamente com apoio nesta constelação normativa que na doutrina não se verifica maior controvérsia quanto ao reconhecimento de um direito subjetivo individual a uma vaga em estabelecimento oficial no âmbito do ensino obrigatório e gratuito 810 Levandose em conta por um lado a obrigatoriedade do ensino fundamental e por outro ao mesmo tempo a garantia expressa de se tratar de um direito subjetivo público a este ensino obrigatório e gratuito outra conclusão não parece sequer possível Aliás bastaria o caráter compulsório para que se pudesse deduzir ainda mais em face do dever da família com a educação art 227 um correspondente direito subjetivo A própria regra da gratuidade ao menos para os que comprovadamente não dispõem de recursos do ensino fundamental obrigatório pode ser tida como implícita nestas circunstâncias Além do mais é preciso ressaltar que esta obrigação geral da família da sociedade e do Estado com a educação foi novamente enunciada no art 227 caput da CF Mais adiante no art 227 3º I e III no âmbito do direito fundamental à proteção especial por parte da criança e do adolescente bem como no art 229 dever dos pais de criar e educar os filhos menores esta obrigação do Estado e da família e dos pais foi alvo de especial atenção pela Constituição Federal Assim se atentarmos para a regra que estipula em 14 anos a idade mínima para admissão ao trabalho ressalvada a hipótese do art 7º XXXIII da CF além das normas infraconstitucionais com destaque para o avançado Estatuto da Criança e do Adolescente que preveem a possibilidade de responsabilização civil e penal a das autoridades como se viu tem até mesmo base constitucional dos pais e responsáveis que deixarem de zelar pelo acesso de seus filhos ao ensino fundamental não resta a menor dúvida que existe sim um direito fundamental originário e subjetivo à prestação estatal do ensino fundamental gratuito em estabelecimentos oficiais A habitual ponderação relativa à ausência de recursos limite da reserva do possível assim como a ausência de competência dos tribunais para decidir sobre destinação de recursos públicos aqui se revelam de ainda mais difícil aceitação Notese que de acordo com o art 212 da Constituição a União não poderá aplicar menos de 18 e os Estados o Distrito Federal e os Municípios menos de 25 da receita resultante dos impostos na manutenção e desenvolvimento do ensino O montante da verba orçamentária mínima o legislador poderá estabelecer valores superiores seguramente representando a maior fatia do orçamento público demonstra a importância atribuída à educação No 3º do mesmo artigo encontrase por sua vez regra que prioriza a distribuição dos recursos para o ensino obrigatório fundamental Já considerada a alteração resultante da EC n 532006 o art 212 5º ressaltando a prioridade da educação básica pública prevê que ele contará como fonte adicional de financiamento com os recursos decorrentes da contribuição social do salárioeducação Também merecem destaque outros dispositivos que ressaltam a especial relevância do ensino público fundamental Assim o art 211 2º e 3º prevê que os Municípios e Estados deverão ambos atuar prioritariamente no ensino fundamental cabendo aos Municípios operar no plano da educação fundamental e aos Estados no ensino médio Tudo isso demonstra que as competências na esfera do ensino a origem e a destinação das verbas bem como as prioridades e metas da política de ensino já estão definidas em nível constitucional de tal sorte que tais aspectos não podem ser invocados como objeções ao reconhecimento de um direito subjetivo à educação fundamental Com apoio na argumentação desenvolvida é possível admitir tal como sugerido por Luís Roberto Barroso que na hipótese de não ser possível o reconhecimento de um direito de acesso ao ensino fundamental público gratuito no caso de inexistentes ou comprovadamente insuficientes os recursos materiais disponíveis escolas salas de aula vagas professores etc o Poder Público numa demanda de natureza cominatória possa ser condenado a uma obrigação de fazer por exemplo determinandose a construção de uma escola ou mesmo a matrícula em escola particular às expensas do Poder Público restando ainda a insatisfatória possibilidade de exigirse do Estado o pagamento de uma indenização pela omissão que no entanto como bem reconhece o autor não tem o condão de substituir adequadamente a falta de estudo 811 Além dos argumentos já colacionados verificase que um direito subjetivo inclusive originário a prestações em matéria educacional especialmente no campo do ensino fundamental situase na esfera da garantia do mínimo existencial 812 especialmente naquilo em que este como já sinalado no capítulo próprio abrange uma dimensão sociocultural e não se limita a um mínimo vital fundamentação amplamente prestigiada na doutrina e jurisprudência inclusive do STF situações que abrangem o reconhecimento de um direito subjetivo de acesso à educação infantil em creches disponibilizadas pelo Poder Público para crianças de até cinco anos de idade 813 Ainda no contexto mais amplo de um direito à educação como direito a prestações situase a problemática do acesso ao ensino médio e superior Diversamente dos casos do ensino fundamental e do direito à educação infantil a Constituição Federal no art 208 II previu a garantia da progressiva universalização do ensino médio gratuito além de assegurar o acesso aos níveis mais elevados do ensino da pesquisa e da criação artística segundo a capacidade de cada um art 208 V Assim pelo menos não expressamente a Constituição Federal não consagra um direito subjetivo a uma vaga no ensino médio gratuito em estabelecimento oficial de ensino muito menos o direito a uma vaga em instituição de ensino superior mantida pelo Poder Público O quanto os argumentos esgrimidos em favor de um direito subjetivo inclusive originário de acesso ao ensino infantil e fundamental podem ser transportados para a seara do ensino médio e superior ainda mais considerando as peculiaridades do texto constitucional art 208 II e V se revela no mínimo digno de maior reflexão O mesmo vale para a invocação como fundamento de um direito subjetivo do direito e garantia do mínimo existencial já que por mais alargada que possa vir a ser sua compreensão é dificilmente compatível com a inclusão de um direito definitivo a uma vaga no ensino superior pelo menos quando se tomam como referenciais os desenvolvimentos mais recentes em nível de direito comparado No caso do ensino médio dada a sua relevância para o ingresso no mercado profissional e o próprio acesso aos níveis superiores bem como considerando as crescentes demandas em termos de formação num mundo complexo e marcado pela utilização da tecnologia a sua relevância para o exercício efetivo do direito ao livre desenvolvimento da personalidade e garantia de níveis de autonomia significativos para o indivíduo não pode ser desconsiderada De outra parte o dever de progressividade não poderá ser estendido ad infinitum de tal sorte que ante um descumprimento injustificado da meta da progressiva universalização do ensino médio gratuito o reconhecimento de um direito subjetivo a uma vaga na rede pública ou de cursar o ensino médio em entidade de ensino privada mediante custeio pelo Poder Público tal como no caso do ensino fundamental há de ser saudado pelo menos como alternativa a ser levada a sério No âmbito do ensino fundamental e médio é possível sustentar também um dever do Poder Público no sentido de assegurar condições efetivas de acessibilidade dos respectivos usuários às instalações de ensino escolas mediante garantia de adequado transporte público o que tem aliás sido objeto de reconhecimento reiterado pelo STF em diversas decisões 814 Com isso se consolida o entendimento de que o direito à educação engloba um conjunto de deveres para o Poder Público que correspondem na dimensão subjetiva a direitos subjetivos e portanto exigíveis pelo cidadão inclusive pela via judiciária embora aqui também assumam relevância as diversas objeções ao reconhecimento de direitos subjetivos a prestações sociais que contudo já foram levadas em conta na parte geral dos direitos sociais O caso do ensino superior todavia merece um exame mais detido valendo a pena lançar um olhar sobre o direito comparado Apenas para referir um precedente ilustre calha recordar a discussão que se travou na Alemanha já no início dos anos 1970 sobre um direito de acesso ao ensino superior debate que aliás forneceu importantes subsídios para a controvérsia em torno dos direitos sociais como direitos a prestações Na sua afamada e inúmeras vezes citada decisão numerus clausus o Tribunal Constitucional Federal com base na constatação de que a liberdade fundamental de escolha da profissão não teria valor algum caso não existissem as condições fáticas para a sua fruição entendeu que este direito fundamental tem por escopo assegurar também o livre acesso às instituições de ensino 815 De fato acabou o Tribunal da Alemanha reconhecendo que a partir da criação de instituições de ensino pelo Estado de modo especial em setores onde o Poder Público exerce um monopólio e onde a participação em prestações estatais constitui pressuposto para a efetiva fruição de direitos fundamentais a garantia da liberdade de escolha de profissão art 12 I da LF combinada com o princípio geral da igualdade art 3º I e com o postulado do Estado Social art 20 garante um direito de acesso ao ensino superior de sua escolha a todos os que preencherem os requisitos subjetivos para tanto 816 Remanesceu em aberto contudo eventual possibilidade de se admitir um direito fundamental originário a prestações isto é não apenas o tratamento igualitário no que tange ao acesso mas também o direito a uma vaga no âmbito do ensino superior Tal hipótese foi aventada pelo Tribunal Federal Constitucional que mesmo sem posicionarse de forma conclusiva a respeito da matéria admitiu que os direitos a prestações não se limitam ao previamente existente embora o Tribunal tenha condicionado esse direito de acesso ao limite da reserva do possível 817 A doutrina majoritária em que pese a argumentação referida optou por se posicionar contrariamente a um direito originário a prestações limitandose a acolher um direito fundamental derivado e portanto relativo consistente na garantia de igual acesso ao ensino superior na medida das instituições e vagas existentes 818 De qualquer modo para além do reconhecimento de um direito derivado a prestações houve quem atribuísse manifesto efeito didático à decisão do Tribunal Federal Constitucional nesta seara uma vez que resultou em medidas concretas objetivando a ampliação das capacidades existentes na esfera do ensino superior 819 além de atuar numa dimensão jurídicoobjetiva como apelo às instâncias políticas para atuarem concretamente na realização do direito ao ensino superior 820 Calcada em linha semelhante de argumentação situase a solução proposta na doutrina lusitana por Gomes Canotilho que referindose às Constituições portuguesa art 74 e espanhola art 27 desenvolveu a concepção de um direito subjetivo ao ensino na sua dimensão específica de um direito de acesso ao ensino universitário com base na noção oriunda da doutrina alemã de que determinada posição jurídica prestacional pode estar abrangida pelo âmbito normativo de um direito liberdade e garantia já que um direito a prestações na esfera da educação e do ensino se destina a assegurar o pleno exercício por exemplo da liberdade de escolha de profissão e da liberdade de aprender 821 Argumenta o mestre de Coimbra que tanto a Constituição portuguesa quanto a espanhola ao estabelecerem que ao Poder Público cabe garantir o acesso ao ensino estão conferindo ao Estado uma competência poder de atuar no campo do acesso ao ensino superior no caso à qual corresponde um dever não relacional do Estado no sentido de criar condições de acesso ao ensino superior Para os particulares emerge por sua vez não um direito subjetivo definitivo como no caso das condições mínimas existenciais mas sim um direito subjetivo prima facie a norma justifica um direito a prestações mas não tem por resultado obrigatório uma decisão individual já que em virtude do limite da reserva do possível e da necessária ponderação por parte dos poderes públicos quanto ao modo de realizar o direito o problema do acesso à universidade não pode ainda consoante Gomes Canotilho resolverse em termos de tudo ou nada 822 À vista dos casos da Alemanha e de Portugal especialmente considerando os argumentos colacionados entendemos contudo que a solução preconizada à luz do direito constitucional positivo pátrio oferece uma base e parâmetros bem mais sólidos quando se trata de reconhecer um direito fundamental originário ao ensino fundamental obrigatório público e gratuito 823 Já para o ensino médio para além do dever do Estado no sentido de em ritmo progressivo assegurar de forma universal o ensino médio gratuito em estabelecimentos oficiais de ensino ou mediante um sistema de bolsas de estudo ou outro mecanismo com efeitos similares no mínimo se poderá sustentar a existência de um direito subjetivo derivado de igual acesso às vagas disponibilizadas sem prejuízo da evolução para um direito subjetivo a uma vaga no ensino médio tal como sugerido acima No caso do ensino superior a despeito da ausência de previsão expressa na Constituição Federal mas em sintonia com o dever de progressiva realização dos direitos sociais econômicos e culturais dentre outros argumentos é possível sustentar além do direito subjetivo de igual acesso às vagas já disponibilizadas um dever constitucional de progressiva criação de cursos e vagas ou da criação de outros meios de acesso efetivo ao ensino superior como dá conta por exemplo considerando o seu impacto positivo em termos quantitativos e qualitativos a experiência com o ProUni Programa Universidade para Todos Tema que se insere na problemática mais ampla do direito à educação e se manifesta do ponto de vista tanto da dimensão objetiva quanto da dimensão subjetiva ademais de defensiva e prestacional é o de que não basta assegurar um direito de igual acesso à educação de modo a cobrir ao menos na esfera do ensino fundamental e médio todos os possíveis e necessários beneficiários sem prejuízo do dever de progressividade também no ensino superior e também o da qualidade do ensino e da pesquisa crucial não apenas para impedir a saída de analfabetos funcionais do sistema de ensino público e privado mas para garantir um nível de formação suficiente para uma inserção eficaz e produtiva na vida profissional política social econômica e cultural no sentido de uma cidadania ativa qualificada Dito de outro modo o direito à educação deverá sempre ser ou buscar sêlo um direito subjetivo à educação de qualidade ademais de na perspectiva objetiva um dever do Estado e da sociedade de prover políticas e arranjos institucionais e organizacionais incluindo a provisão de recursos financeiros e humanos para tanto 824 Nesse mesmo contexto embora com peculiaridades a serem consideradas situase o problema do controle judicial das opções políticas no que diz com a regulação estatal dos requisitos de acesso ao ensino educação e mesmo dentre outros aspectos do conteúdo programático Para ilustrar o ponto colacionase decisão do STF proferida em julgamento conjunto da ADPF 292DF e da ADC 17DF respectivamente relatadas pelos Ministros Luiz Fux e Edson Fachin em 25052018 no bojo das quais se discutia a idade mínima para o ingresso na educação infantil e ensino fundamental Em suma foi por maioria declarada a constitucionalidade de Resolução do CNE Conselho Nacional de Educação que estabelece que a criança deve ter completado seis anos até o dia 31 de março para ser admitida o que segundo a Corte corresponderia segundo parecer do Conselho Federal de Psicologia ao melhor interesse da criança e além disso considera a capacidade institucional do Poder Executivo em regular a matéria de modo adequado e isonômico apenas para citar alguns dos argumentos invocados pelos Ministros que participaram do julgamento Além disso especificamente digno de nota que de acordo com o Ministro Roberto Barroso intervenção judiciária de modo a permitir o ingresso de crianças com cinco anos e não seis implicaria alteração de toda a base nacional comum curricular ademais do problema da identificação e equacionamento de casos nos quais foi demonstrada a falta de capacidade emocional de aprendizado e avaliação Assim a partir do caso sumariamente retratado é possível afirmar que a despeito de ser julgada improcedente a demanda o problema da eficácia e efetividade do direito à educação em sentido amplo inclui também a possibilidade de controle da própria regulação e portanto da execução adequada pelo Estado das medidas para tanto Tema polêmico apreciado pelo STF no RE 888815RS Relator Ministro Roberto Barroso Redator para o Acórdão Ministro Alexandre de Moraes em julgamento realizado em 06092019 diz respeito a existência de um direito subjetivo ao ensino domiciliar tendo a Corte entendido por maioria não ser absolutamente vedada tal possibilidade em se procedendo a uma interpretação sistemática da CF no tocante aos preceitos que tratam da família da criança do adolescente e do jovem em combinação com os dispositivos relativos que versam sobre a educação De acordo com voto do Ministro Alexandre de Moraes acompanhado pela maioria dos seus pares 825 o próprio texto constitucional permite a coexistência de instituições públicas e privadas como um dos princípios regentes do ensino art 206 III 7 ademais de estabelecer uma parceria obrigatória entre a família e o Estado na esfera educacional desde que observados os requisitos constitucionais cogentes na matéria o que por sua vez independe da modalidade de ensino como é o caso do ensino básico obrigatório a existência de um núcleo curricular mínimo e a convivência familiar e comunitária Assim embora resulte evidente que a CF veda algumas espécies de ensino domiciliar a desescolarização e o ensino domiciliar puro o mesmo não ocorre com o assim chamado homeschooling ou ensino domiciliar utilitarista que pode ser estabelecido e regulado pelo Congresso Nacional Assim ainda segundo o Ministro Alexandre de Moraes o ensino domiciliar exige regulamentação prévia pelo legislador prevendo os modos de avaliação e fiscalização indispensáveis ao cumprimento das exigências e princípios constitucionais correspondentes Independentemente de se concordar ou não com a decisão do STF sobre ensino domiciliar tratase de matéria de particular relevância e atualidade e que guarda relação com diversos aspectos do direito à educação mas também com outros princípios e direitos fundamentais De todo modo para não deixar de pelo menos esboçar uma posição pessoal a proibição absoluta de alguma modalidade de ensino domiciliar não soa legítima do ponto de vista constitucional carecendo todavia conforme aliás bem pontuado nos votos dos Ministros Alexandre de Moraes e Roberto Barroso pois ambos se posicionaram nesse sentido a despeito das substanciais diferenças da consideração e atendimento de determinados pressupostos critérios e condições dentre as quais o cumprimento das exigências em termos de currículo conteúdos e avaliações 4157 O direito ao trabalho O direito fundamental ao trabalho como direito social básico e formulado em termos amplos está sediado no Capítulo II Dos direitos sociais da CF no caput do art 6º A esse enunciado geral somase um rol significativo de disposições constitucionais igualmente sediado no título dos direitos fundamentais versando sobre aspectos mais ou menos específicos da proteção ao trabalhador e de direitos dos trabalhadores com destaque para o art 7º contemplando um extenso elenco de direitos e garantias dos trabalhadores urbanos e rurais e que em combinação com os arts 8º a 11 liberdade sindical direito de greve e participação dos trabalhadores na gestão da empresa formam no seu conjunto as linhas mestras do regime constitucional do direito fundamental ao trabalho 826 De modo exemplificativo podemse citar os seguintes direitos e garantias assegurados ao trabalhador no art 7º da CF proteção contra despedida arbitrária ou sem justa causa I seguro desemprego em caso de desemprego involuntário II irredutibilidade do salário VI décimo terceiro salário VIII remuneração do trabalho noturno superior à do diurno IX participação nos lucros ou resultados desvinculada da remuneração e excepcionalmente participação na gestão da empresa XI saláriofamília pago em razão do dependente do trabalhador de baixa renda XII duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais XIII repouso semanal remunerado XV gozo de férias anuais remuneradas XVII licença à gestante sem prejuízo do emprego e do salário com a duração de cento e vinte dias XVIII licença paternidade XIX proteção do mercado de trabalho da mulher mediante incentivos específicos XX aviso prévio proporcional ao tempo de serviço sendo no mínimo de trinta dias XXI redução dos riscos inerentes ao trabalho por meio de normas de saúde higiene e segurança XXII adicional de remuneração para as atividades penosas insalubres ou perigosas XXIII aposentadoria XXIV seguro contra acidentes de trabalho XXVIII proibição de diferença de salários de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo idade cor ou estado civil XXX proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência XXXI proibição de trabalho noturno perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos salvo na condição de aprendiz a partir de quatorze anos XXXIII Convém recordar na perspectiva do direito constitucional positivo brasileiro que normas constitucionais dispondo sobre o direito ao trabalho e a proteção do trabalhador já podem ser encontradas no âmbito da evolução constitucional anterior pelo menos desde a Constituição de 1934 muito embora em termos quantitativos e qualitativos ou seja no que diz com o número de posições fundamentais atribuídas ao trabalhador e no concernente à intensidade da proteção constitucional a Constituição Federal de 1988 até mesmo por ter incluído os direitos dos trabalhadores no título dos direitos fundamentais inovou e avançou significativamente ainda que aos olhos de muitos o constituinte tenha aqui também pecado pelo excesso aspectos que não serão objeto de nossa atenção No plano do direito internacional dos direitos humanos o direito ao trabalho aparece consagrado nos arts XXIII e XXIV da Declaração Universal dos Direitos Humanos 1948 ao dispor Art XXIII 1 Toda pessoa tem direito ao trabalho à livre escolha de emprego a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego 2 Toda pessoa sem qualquer distinção tem direito a igual remuneração por igual trabalho 3 Toda pessoa que trabalha tem direito a uma remuneração justa e satisfatória que lhe assegure assim como à sua família uma existência compatível com a dignidade humana e a que se acrescentarão se necessário outros meios de proteção social 4 Toda pessoa tem direito a organizar sindicatos e a neles ingressar para a proteção de seus interesses Art XXIV Toda pessoa tem direito a repouso e lazer inclusive a limitação razoável das horas de trabalho e a férias remuneradas periódicas A Declaração Universal é precisa ao reconhecer em favor do trabalhador o direito a uma remuneração justa e satisfatória que lhe assegure assim como à sua família uma existência compatível com a dignidade humana ou seja deve ser garantido ao trabalhador e tal norma voltase tanto ao empregador particular quanto ao Estado um padrão remuneratório que atenda às suas necessidades básicas Na Declaração Universal há por certo nítida preocupação com a proteção do trabalhador em face de práticas abusivas e degradantes Tal standard normativo foi seguido no âmbito do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos Sociais e Culturais PIDESC de 1966 827 bem como na Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem 1948 828 e no Protocolo de San Salvador Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos Sociais e Culturais 1988 829 sem prejuízo de outros diplomas como por exemplo a Carta Social Europeia e a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia apenas para referir alguns exemplos Mas é na esfera da Organização Internacional do Trabalho OIT que é inclusive anterior à Declaração da ONU que se localiza a maior e mais eficaz fonte normativa de matriz internacional para o direito ao trabalho e a proteção do trabalhador visto que se cuida do subsistema em nível internacional dedicado à produção de normas vinculantes diretrizes e um conjunto de critérios e sanções em termos do controle do cumprimento do teor das convenções por parte dos Estados aderentes 830 Nessa seara dada a hierarquia supralegal das Convenções da OIT considerandoas como sendo de direitos humanos além da aplicação de tais convenções uma vez incorporadas ao direito interno como direito federal vigente válido e eficaz também importa realizar um controle de convencionalidade dos atos normativos internos nacionais de modo a assegurar a observância das convenções e a não aplicação ou interpretação conforme em caso de incompatibilidade Um exemplo disso embora ainda não apreciado pelo STF é o reconhecimento do caráter cumulativo dos adicionais previstos na CF no capítulo dos direitos fundamentais dos trabalhadores de insalubridade e periculosidade por parte do TST Ademais disso forte nos arts 5º 2º e 7º caput da CF as convenções da OIT e demais tratados internacionais de direitos humanos aplicáveis às relações de trabalho integram o conjunto dos direitos fundamentais da CF no âmbito da assim chamada abertura material do catálogo aspecto que aqui contudo não será mais desenvolvido 831 Também no caso do direito ao trabalho é possível identificar a forte conexão com outros direitos fundamentais reforçando a tese da interdependência e indivisibilidade dos direitos fundamentais Exemplo digno de nota é o que pode ser vislumbrado no art 7º IV da CF de acordo com o qual deve ser assegurado ao trabalhador salário capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia alimentação educação saúde lazer vestuário higiene transporte e previdência social Isso significa que o salário percebido pelo trabalhador aqui estabelecido um patamar mínimo deve ser suficiente para assegurar condições mínimas de bemestar ao trabalhador e sua família de modo a garantir o acesso aos bens sociais descritos no dispositivo citado acima O vínculo com o direitogarantia ao mínimo existencial resulta evidente assim como não se pode desprezar o quanto a garantia da possibilidade de trabalhar e com isso assegurar seu próprio sustento e dos seus dependentes constitui dimensão relevante para um direito ao livre desenvolvimento da personalidade e da própria noção de autonomia do ser humano construtor de seu próprio destino Não é à toa que o direito ao trabalho e a proteção do trabalhador estão entre as pautas de reivindicação mais antigas da sociedade e no campo da definição dos catálogos constitucionais de direitos e do sistema internacional já podem ser encontrados quando da fase inicial do constitucionalismo e ao longo do século XIX ainda mais a partir da difusão da ideologia socialista da organização do movimento operário entre tantos outros fatores até a sua consagração durante o século XX O direito ao trabalho compreendido como um direito fundamental em sentido amplo é dotado de dupla dimensão objetiva e subjetiva também assume tal como os demais direitos fundamentais uma função negativa e positiva Na sua função positiva o direito ao trabalho poderá não implicar um direito subjetivo a um lugar de trabalho um emprego remunerado na iniciativa privada ou disponibilizado pelo Poder Público mas certamente se traduz na exigência no dever constitucional de promover políticas de fomento da criação de empregos postos de trabalho de formação profissional e qualificação do trabalhador entre outras tantas que poderiam ser referidas e que são veiculadas por lei ou programas governamentais ou mesmo no setor privado Por outro lado o direito à proteção do trabalho e do trabalhador se decompõe como já referido em um leque de normas atributivas de direitos liberdades e garantias do trabalhador bem como por meio de um conjunto de princípios e regras de cunho organizacional e procedimental como é o caso do direito a um salário mínimo da garantia de determinada duração da jornada de trabalho proibições de discriminação liberdade sindical e direito de greve que no seu conjunto asseguram um direito ao trabalho em condições dignas 832 Quanto à eficácia e efetividade das normas constitucionais definidoras de direitos e garantias do trabalhador dada a heterogeneidade do catálogo de direitos dos trabalhadores remetemos ao comentário geral da parte introdutória dos direitos sociais notadamente no que diz com o seu regime jurídico constitucional em termos de aplicabilidade eficácia e proteção Embora em termos gerais se possa partir das mesmas premissas é preciso reconhecer que na esfera dos direitos dos trabalhadores situamse exemplos extremamente controversos e que nos últimos anos passaram a receber atenção cada vez maior por parte da doutrina e da jurisprudência inclusive do STF 833 Cuidase em geral de situações nas quais a Constituição Federal remete expressamente ao legislador infraconstitucional e onde o reconhecimento de uma aplicabilidade imediata em especial para atribuição de posições subjetivas não previstas em lei e que ultrapassem eventuais patamares mínimos expressamente estabelecidos no plano constitucional encontra forte resistência inclusive pelos riscos em termos de segurança jurídica e tratamento isonômico além dos impactos sobre a economia pública e privada Dentre tais situações destacamse o direito de greve dos servidores públicos o aviso prévio proporcional e a proteção contra a despedida arbitrária onde a contumaz omissão legislativa ora superada ainda que em parte controversa a solução adotada pelo legislador durante anos foi tida como obstáculo à fruição plena dos direitos constitucionalmente assegurados Todavia é também em relação aos casos referidos dentre outros que se verificaram expressiva produção e dissídio doutrinário e jurisprudencial desembocando mais recentemente em decisões impactantes do STF em sede de mandado de injunção atribuindolhe efeitos concretos a despeito da omissão legislativa 834 De qualquer modo não será aqui que teremos condições de desenvolver o ponto remetendo como já frisado à parte geral dos direitos fundamentais e dos direitos sociais e à literatura especializada 835 4158 O direito ao lazer O direito ao lazer à semelhança do que acontece com outros direitos sociais não teve seu conteúdo definido no texto constitucional ainda que deste possam ser extraídas algumas diretrizes Com efeito na sua articulação com outros princípios e direitos consagrados na Constituição Federal por exemplo a referência ao lazer como um dos elementos a ser assegurado pela prestação do salário mínimo bem como a garantia do pagamento de um terço sobre o valor das férias o repouso remunerado a limitação da jornada de trabalho etc é possível identificar já no plano da Constituição um corpo normativo que em alguma medida objetiva assegurar a toda e qualquer pessoa um mínimo de fruição do lazer impondo ao Poder Público o dever de assegurar as condições por prestações materiais e normativas que viabilizem o acesso e o exercício de atividades de lazer pela população Nesse sentido verificase que a jurisprudência tem entendido 836 que o direito ao lazer estaria vinculado aos direitos à cultura e ao desporto seja na efetivação do direito à educação ao permitir uma formação mais ampla das crianças e adolescentes seja na concretização de políticas públicas de garantia de qualidade de vida ao idoso O direito ao lazer por outro lado dialoga com o conceito de saúde como estado de completo bemestar físico mental e social OMS justificando por isso que possa integrar o conteúdo do mínimo existencial e da própria vida com dignidade já que essencial à vida com alguma qualidade pois se cuida de exigência para o próprio desenvolvimento com plenitude da personalidade humana 837 Convém enfatizar que a garantia de lazer aqui compreendida como direito fundamental por vezes desprezado quando não ridicularizado assume dimensão essencial para a construção da personalidade humana e na esteira do que já foi referido integra a noção de um mínimo existencial sociocultural ainda que seja deferida ao Estado ampla margem de discricionariedade quanto ao modo de dar concretude ao direito ao lazer 838 A dupla dimensão objetiva e subjetiva do direito ao lazer também há de ser enfatizada muito embora no plano da exigibilidade na condição de direito subjetivo há que ter a devida cautela ainda mais quando se trata de um direito subjetivo individual e originário a prestações pois é na condição de um direito de igual acesso a prestações públicas direito derivado a prestações e na sua dimensão transindividual que na esfera objetiva implica um dever estatal de criação e acesso a estruturas e práticas de lazer que a exigibilidade do direito ao lazer como direito subjetivo se revela mais produtiva 839 De qualquer modo ressalvadas as peculiaridades do direito ao lazer remetese também aqui quanto ao problema da eficácia e efetividade dos direitos fundamentais em geral e dos direitos sociais em particular às observações feitas na parte geral dos direitos fundamentais e aos apontamentos acerca do regime jurídico dos direitos sociais 4159 O direito à segurança social previdência e assistência aos desamparados A Constituição Federal além de inserir a assistência e previdência social no elenco dos direitos fundamentais sociais do art 6º tratou de consagrar em seu texto um regime constitucional da seguridade social arts 194 a 204 que abarca os três eixos da saúde da previdência social e da assistência social Numa perspectiva ampliada há até mesmo quem sustente a existência de um direito fundamental à seguridade social que abarca as três dimensões referidas e arranca de um regime comum em termos de princípios e regras na esfera constitucional 840 Assim na esteira da evolução constitucional anterior mas com muito maior amplitude a Constituição Federal consolidou um regime constitucional para a seguridade social formatado para atender a padrões adequados de bemestar social e acima de tudo com o nítido objetivo de assegurar a todos uma vida digna e saudável Tal panorama constitucional guarda sintonia com o direito internacional dos direitos humanos mais precisamente com a Declaração Universal dos Direitos Humanos 1948 841 o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos Sociais e Culturais 1966 842 assim como no âmbito do Sistema Regional Interamericano a Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem 1948 843 e o Protocolo de San Salvador Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos Sociais e Culturais 1988 844 sem prejuízo de outros documentos de matriz internacional inclusive naquilo em que aplicáveis as Convenções da OIT Diferentemente do que ocorre em relação à assistência social e à saúde que em virtude de sua relevância mas especialmente dadas as suas peculiaridades foram abordadas em item apartado neste mesmo capítulo o direito fundamental à previdência social obedece a uma dinâmica e concepção próprias 845 Em especial é preciso registrar que o sistema da previdência social é regido pela exigência de contribuição previdenciária para que se possa fazer jus a tal direito inclusive na perspectiva de assegurar o equilíbrio financeiro e atuarial Sobre a questão Gilmar Ferreira Mendes Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco em passagem que tomamos a liberdade de transcrever lecionam que ligado direta e imediatamente ao princípio da responsabilidade grifo nosso do qual em verdade é uma decorrência o princípio do equilíbrio financeiro e atuarial aponta para a necessária correlação entre benefícios e serviços da previdência social como sistema seguro e as respectivas fontes de custeio em ordem a lhe garantir continuidade e certeza de longo alcance Noutras palavras à luz desse princípio ou equilibramos receitasdespesas do sistema previdenciário para tanto exigindo mais rigor nos cálculos atuariais e corrigindo as gritantes distorções em matéria de benefícios como a concessão de aposentadorias que além de precoces à vista da crescente expectativa de vida dos segurados ainda são pagas sobre tudo no setor público em quantias superiores ao valor das contribuições recolhidas para custeálas ou inviabilizaremos a nossa mais extensa rede de proteção social com efeitos que não podem ser antevistos nem pelos mais clarividentes cientistas sociais 846 Assim a previdência social conforme dispõe o art 201 da CF será organizada sob a forma de regime geral de caráter contributivo e de filiação obrigatória observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e atenderá nos termos da lei a I cobertura dos eventos de doença invalidez morte e idade avançada II proteção à maternidade especialmente à gestante III proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário IV saláriofamília e auxílioreclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda V pensão por morte do segurado homem ou mulher ao cônjuge ou companheiro e dependentes observado o disposto no 2º Juntamente com o caráter contributivo e de filiação obrigatória bem como o fato de o sistema previdenciário ser norteado com base no princípio do equilíbrio financeiro e atuarial o dispositivo em questão arrola diversas situações de proteção contra riscos sociais como por exemplo doença invalidez morte entre outras Muito embora a aplicabilidade direta de diversas das normas constitucionais que regem o sistema de previdência social e definem os contornos do próprio direito à previdência social a concessão de determinadas prestações previdenciárias benefícios se dá nos limites da previsão legal portanto predominantemente no âmbito do que se convencionou designar de direitos derivados a prestações tal como adiantado na parte geral dos direitos sociais Por outro lado a doutrina e a jurisprudência 847 têm contribuído para uma reconstrução do direito à previdência social que como os demais direitos fundamentais abarca um complexo de posições subjetivas além de ter uma forte dimensão objetiva Ao longo do tempo e para além das reformas legislativas e constitucionais é possível destacar uma ampliação do rol dos beneficiários para o que a jurisprudência concorreu fortemente destacandose aqui a inclusão dos companheiros no caso das uniões estáveis entre homens e mulheres e mais recentemente entre pessoas do mesmo sexo o que aqui contudo não será objeto de maior desenvolvimento Quanto ao regime constitucional de assistência social ou assistência aos desamparados configurase como a expressão máxima do princípio da solidariedade e mesmo do respeito à dignidade da pessoa humana porquanto representa proteção políticojurídica especial destinada a indivíduos e grupos sociais vulneráveis ou necessitados cuidandose ademais disso de direito titularizado por nacionais e estrangeiros De tal sorte o art 203 da CF dispõe que a assistência social será prestada a quem dela necessitar independentemente de contribuição à seguridade social e tem por objetivos I a proteção à família à maternidade à infância à adolescência e à velhice II o amparo às crianças e adolescentes carentes III a promoção da integração ao mercado de trabalho IV a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária V a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de têla provida por sua família conforme dispuser a lei Com base nas hipóteses listadas pelo dispositivo constitucional é possível verificar a preocupação por parte do constituinte com a proteção da criança do adolescente do idoso das pessoas portadoras de deficiência ao que se soma especialmente a situação de carência socioeconômica Além disso como destacado no texto constitucional a obrigação estatal de prestar assistência social independe de contribuição à seguridade social daí o caráter solidário e redistributivo de tal prática No plano infraconstitucional os dispositivos constitucionais sobre assistência social foram regulamentados entre outras pela Lei 8742 de 07121993 que dispõe sobre a organização da Assistência Social e regulamentou o art 203 da CF especialmente dispondo sobre a concessão de um benefício assistencial no valor de um salário mínimo aos idosos e pessoas com deficiência que comprovem não possuir os meios para assegurar a sua própria subsistência ou de têla provida por suas famílias Embora se trate do principal benefício assistencial de prestação continuada o sistema da Assistência Social compreende no seu conjunto uma rede de políticas públicas de ações e de serviços e benefícios como é o caso apenas para ilustrar do Programa Bolsa Família e do mais recente Programa Brasil Carinhoso desenvolvido a partir do Programa Brasil sem Misé ria dentre tantos que poderiam ser colacionados e que podem ser facilmente identificados mediante rápida consulta à página da internet do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome Assim como no caso dos direitos à saúde e previdência social o direito à assistência social depende em grande medida de uma complexa regulamentação infraconstitucional que naquilo em que assegura as condições para uma existência digna o que em virtude de se tratar de benefícios de baixo valor mantém o direito à assistência social mais próximo da noção de um mínimo vital passa a integrar e formatar o próprio núcleo essencial legislativamente concretizado do direito à assistência social e que opera como direito de defesa direito negativo em relação aos poderes públicos Na sua dimensão positiva como direito a prestações muito embora se deva partir da premissa amplamente consagrada na esfera jurisprudencial de que em regra os benefícios pleiteados pelo cidadão devem estar previstos em lei portanto de que se trata em primeira linha de direitos derivados a prestações registrase interessante evolução quanto a algum conteúdo originário designadamente por força da jurisprudência inclusive no âmbito do STF Ademais o principal conjunto de casos apreciados na esfera jurisprudencial diz respeito à legitimidade constitucional dos critérios estabelecidos pela legislação Lei 87421993 para a percepção do benefício mensal de um salário mínimo atribuído aos idosos e pessoas com deficiência enquadrados nos critérios legais por força do disposto no art 203 V da CF Tanto no que diz com os requisitos objetivos definição da condição de idoso e de pessoa com deficiência tal qual disposto no art 20 caput e 2º da Lei 87421993 quanto no tocante aos critérios para a comprovação da incapacidade da família para prover a manutenção do idoso ou pessoa com deficiência art 20 3º da Lei 87421993 o STF por ocasião do julgamento da ADIn 12321DF rel Min Ilmar Galvão DJ 01062001 reconheceu a constitucionalidade dos critérios legais impugnados mediante o argumento de que a própria Constituição Federal remeteu a questão ao legislador Todavia em virtude de um número significativo de decisões das instâncias ordinárias flexibilizando os critérios alguns ministros do STF em decisões monocráticas passaram a negar seguimento às reclamações do INSS argumentando que a reclamação não seria a via adequada para avaliar e reexaminar o conjunto probatório e as circunstâncias fáticas nas quais se louvou a decisão impugnada para o efeito de conceder o benefício o que somado aos novos critérios introduzidos na ordem jurídica para a concessão de outros benefícios assistenciais mas também à vista da profunda alteração do quadro econômico nacional evidencia que os critérios originais notadamente naquilo que excluem outros parâmetros para aferição no caso concreto da condição de miserabilidade tudo a atestar de acordo com a voz de Gilmar Mendes o processo de inconstitucionalização por que tem passado o 3º do art 20 da LOAS Lei 87421993 processo este que abarca a verificação de um estado de inconstitucionalidade por omissão parcial e um dever constitucional do legislador no sentido de corrigir tal estado 848 Em sintonia com a argumentação e tendência acima referida o STF acabou finalmente alterando o entendimento adotado na ADIn 12321DF e na linha de decisões monocráticas corretivas dos critérios legais objetivos estritos de modo a permitir sejam considerados outros referenciais tudo no sentido de assegurar uma aplicação mais afinada com o direito à assistência social previsto na CF Nesse sentido o STF acabou por declarar a inconstitucionalidade parcial sem redução de texto do art 20 3º da Lei 87421993 em sede de Repercussão Geral 849 No que diz respeito ao direito fundamental à assistência social é de se fazer referência especial ao caso da renda básica de cidadania instituída pela Lei n 10835 de 2004 que concedeu a todos os brasileiros residentes no país e estrangeiros residentes há pelo menos 5 cinco anos no Brasil independentemente de sua condição socioeconômica o direito de receberem anualmente um benefício monetário art 1º caput que deverá ser pago igualmente a todos sendo o valor definido pelo Poder Executivo de acordo com os arts 16 e 17 da Lei Complementar n 1012000 a Lei de Responsabilidade Fiscal art 2º e suficiente para satisfazer às necessidades mínimas com alimentação educação e saúde em parcelas iguais e mensais art 1º 2º De acordo com a norma a medida deveria ter sido executada em 2005 em etapas priorizando as camadas mais necessitadas da população art 1º 1º Contudo sua implementação nunca se concretizou por omissão do Presidente da República em editar a norma regulamentadora Entretanto em 27042021 com o julgamento do MI 7300DF rel Min Marco Aurélio o STF reconheceu a inconstitucionalidade por omissão por parte do Poder Executivo Federal sublinhando seu impacto negativo sobre a cidadania a dignidade da pessoa humana e o combate à extrema pobreza decidindo que a norma federal seja implementada no exercício fiscal seguinte ao da conclusão do julgamento no ano de 2022 prazo suficiente para que as contas públicas não sejam comprometidas apenas relativamente às pessoas em situação de vulnerabilidade socioeconômica de pobreza e extrema pobreza com renda per capita inferior a R 178 e R 89 uma vez que a Constituição Federal não determina a universalização da distribuição de renda a todos os brasileiros No que diz respeito à previdência social é de se mencionar a aprovação da Emenda Constitucional n 1032019 que alterou o sistema de previdência social e estabeleceu regras de transição Dentre as mudanças havidas podese citar como principais aquelas referentes à idade mínima e ao tempo de contribuição ao cálculo dos benefícios à instituição das alíquotas progressivas e às novas regras para pensão por morte Em vista da quantidade de alterações e seu caráter polêmico diversos processos foram levados ao STF seja envolvendo o regime previdenciário dos servidores públicos seja no tocante ao regime geral do INSS ações que contudo ainda se encontram pendentes de julgamento razão pela qual aqui não serão por ora tecidas mais considerações sobre o tema 41510 O direito à proteção da maternidade da infância da juventude e do idoso O direito fundamental social à proteção à maternidade e à infância encontrase consagrado no art 6º caput da CF 850 Uma adequada compreensão do âmbito de proteção do direito considerado no seu conjunto apenas se revela possível quando se leva a sério a relação com outros direitos fundamentais como é o caso do direito à saúde bem como do regime jurídicoconstitucional de proteção dos direitos fundamentais da criança e do adolescente art 227 da CF 851 apenas para ilustrar com alguns exemplos Tem se como parâmetro para a caracterização do âmbito normativo de tal direito todo o período compreendido entre a concepção gestação por exemplo atendimento prénatal nascimento e primeiros anos de vida da criança tanto sob a perspectiva da mulher quanto da criança de modo a assegurar a proteção de todos os direitos fundamentais que permeiam a relação mãefilho e o bemestar de ambos tudo no sentido de uma exegese compreensiva de todas as dimensões relacionadas à maternidade 852 Por outro lado muito embora aqui já não se possa mais falar propriamente em proteção à maternidade no caso da proteção à infância o período há de abarcar a fase da adolescência em virtude precisamente de uma leitura conjugada do art 6º e do art 227 ambos da CF São titulares do direito à proteção à maternidade e à infância tanto a mulher gestante e mãe quanto o nascituro e a criança que de qualquer modo poderão ser representados por terceiros inclusive pelo Ministério Público quando for o caso por exemplo na ausência dos pais ou em casos de conflito Destinatários são tanto órgãos estatais quanto particulares aplicandose no mais as diretrizes apresentadas no item sobre a vinculação dos particulares aos direitos fundamentais seja na parte geral seja na parte dedicada à eficácia dos direitos sociais na esfera das relações privadas No caso do direito à proteção da maternidade verificase que já no plano constitucional tal direito articulase com outros direitos fundamentais como no caso da proteção do trabalhador da assistência social dentre outros Com efeito a licençamaternidade consagrada no art 7º XVIII 853 da CF como direitogarantia da mulher trabalhadora urbana ou rural expressa concretização do direito à proteção à maternidade e à infância dado a importância do acompanhamento e contato materno nos primeiros meses de vida para o pleno desenvolvimento da criança 854 A Constituição Federal prevê inclusive no art 10 II b do ADCT a vedação de dispensa arbitrária ou sem justa causa da empregada gestante desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto 855 Também o art 201 II da CF dispõe que no âmbito do regime constitucional dispensado à previdência social deverá ser assegurada a proteção à maternidade especialmente à gestante bem como o art 203 I especificamente no tocante à assistência social consagra que ela tem por objetivos a proteção à família à maternidade O tema como já visto tem sido levado ao crivo do STF envolvendo seguidamente de modo simultâneo a proteção da maternidade e da infância No julgamento da ADI 5938DF Relator Ministro Alexandre de Moraes julgado de 29052019 856 o Plenário por maioria ratificou medida cautelar deferida pelo Relator e julgou parcialmente procedente o pedido formulado no sentido de declarar inconstitucional a expressão quando apresentar atestado de saúde emitido por médico de confiança da mulher que recomende o afastamento contida nos incisos II e III do art 394A da Consolidação das Leis do Trabalho CLT inseridos pelo art 1º da Lei 134672017 Notese que na redação anterior o dispositivo legal estabelecia que a empregada gestante ou lactante seria afastada enquanto durasse a gestação e a lactação de quaisquer atividades operações ou locais insalubres e deveria exercer suas atividades em local salubre Com a alteração implementada pela Lei 134672017 que promoveu a Reforma Trabalhista de 2017 o art 394A passou a permitir que a mulher gestante continuasse a realizar suas atividades mesmo em condições insalubres em grau mínimo ou médio Pior do que isso a nova versão do preceito legal impugnado e declarado inconstitucional previa que mesmo no caso da lactação ela permanecesse a desempenhar as atividades inclusive no caso de grau máximo de insalubridade Além disso a reforma legal impôs à gestante ou à lactante o ônus da apresentação de atestado de saúde emitido por médico de sua confiança que certificasse a necessidade do afastamento expondo tais trabalhadoras a atividades insalubres Sublinhese ainda que na fundamentação do julgado o STF assinalou que o direito social à proteção da maternidade em combinação com o princípio da dignidade da pessoa humana informa diversos outros direitos sociais de caráter instrumental como é o caso entre outros da licençagestante da proteção da gestante contra dispensa sem justa causa e da redução dos riscos inerentes ao trabalho Por tais razões a proteção da mulher grávida ou lactante caracterizase como direitogarantia tanto da mulher quanto da criança guardando relação também com o mandamento constitucional da prioridade absoluta da criança que abarca o dever de proteção integral inclusive do nascituro e do recémnascido lactente A proteção da infância por sua vez tal como expressamente referida no art 6º deve ser compreendida em sentido ampliado pois a proteção constitucional abarca tanto crianças quanto adolescentes como se verifica a partir do disposto no art 227 inserido no Capítulo VII da CF Da família da criança do adolescente do jovem e do idoso que dispõe no sentido dos deveres de proteção do Estado e da prioridade do atendimento aos direitos da criança bem como no 1º I que o Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da criança com aplicação de percentual dos recursos públicos destinados à saúde na assistência maternoinfantil onde novamente se verifica a vinculação entre o direito à proteção da maternidade e da criança O conjunto das disposições constitucionais específicas sobre a maternidade a criança e os adolescentes articulado com outros princípios e direitos fundamentais forma o arcabouço e fundamento constitucional do sistema de proteção e promoção da maternidade e da infância crianças e adolescentes 857 No que diz com a concretização no plano infraconstitucional o destaque vai para o Estatuto da Criança e do Adolescente Lei 80691990 que dá contornos normativos precisos ao direito à proteção à maternidade e à infância em alguns dos seus dispositivos No art 9º do diploma em questão temse consagrado que o Poder Público as instituições e os empregadores propiciarão condições adequadas ao aleitamento materno inclusive aos filhos de mães submetidas a medida privativa de liberdade Também no art 10 da mesma lei há previsão de que os hospitais e demais estabelecimentos de atenção à saúde de gestantes públicos e particulares são obrigados a I manter registro das atividades desenvolvidas através de prontuários individuais pelo prazo de 18 dezoito anos II identificar o recémnascido mediante o registro de sua impressão plantar e digital e da impressão digital da mãe sem prejuízo de outras formas normatizadas pela autoridade administrativa competente III proceder a exames visando ao diagnóstico e terapêutica de anormalidades no metabolismo do recémnascido bem como prestar orientação aos pais IV fornecer declaração de nascimento onde constem necessariamente as intercorrências do parto e do desenvolvimento do neonato V manter alojamento conjunto possibilitando ao neonato a permanência junto à mãe Tais medidas arroladas no âmbito infraconstitucional dão guarida normativa e concretizam o direito fundamental à proteção à maternidade e à infância Por fim na perspectiva da eficácia do direito fundamental social à proteção à maternidade e à infância há inclusive como atrelar medidas normativas e fáticas vinculadas à concretização de tal direito ao direitogarantia ao mínimo existencial como ocorreria por exemplo em situações envolvendo atendimento médico materno infantil art 227 1º I da CF 858 A sobreposição parcial de tais direitos com outros como no caso do direito à saúde e educação vejase o caso do acesso a creches disponibilizadas pelo Poder Público desde que bem compreendida e dogmaticamente consistente mais do que uma desvantagem constitui mesmo um reforço em termos de proteção especialmente em virtude da aplicação aos direitos à proteção da maternidade e da infância do regime jurídico dos direitos fundamentais inclusive e especialmente no que diz respeito à sua eficácia e efetividade 859 Situandose numa zona de interface entre a proteção da maternidade e da infância calha referir a jurisprudência em matéria criminal com amparo em decisões também do STF ademais da previsão em sede legislativa infraconstitucional da possibilidade de o Poder Judiciário deferir às mulheres com filhos menores de doze anos crianças portanto o cumprimento da prisão preventiva em regime de prisão domiciliar o que deverá ser verificado no caso em concreto tratase de ato judicial discricionário mediante o exame da conduta e personalidade do agente e em especial a preservação do melhor interesse da criança de tal sorte que se esses requisitos não se fizerem presentes o benefício poderá e mesmo deverá ser negado ainda mais quando a convivência com a mãe se verifica danosa para os filhos 860 Outro exemplo digno de nota é o da ADI 6039RJ Relator Ministro Edson Fachin medida cautelar julgada em 13032019 no bojo da qual se discutiu a constitucionalidade de lei do estado do Rio de Janeiro Lei n 80082018 que exige em caso de estupro praticado contra menor do sexo feminino que o respectivo exame seja realizado por perito legista mulher No caso deferindo a cautelar pleiteada além de refutar a tese de inconstitucionalidade formal por violação do esquema de competências federativo o Plenário afirmou à luz da exigência de igualdade material da doutrina da proteção integral e da prioridade absoluta a constitucionalidade material e deferiu a medida cautelar para determinar que as vítimas de violência sexual do sexo feminino e menores de idade sejam submetidas a perícia médica realizada por mulheres restando preservadas eventuais perícias porventura realizadas por profissionais do sexo masculino Em outra decisão mais recente proferida na ADI 3446DF Relator Ministro Gilmar Mendes julgada em 08082019 julgada improcedente pelo Plenário do STF foram impugnados diversos dispositivos do Estatuto da Criança e do Adolescente Dentre os diversos pontos discutidos na ação destacamse três pela sua relevância para a compreensão do objetivo conteúdo e alcance do marco jurídicoconstitucional brasileiro vigente no que diz respeito à proteção da infância e juventude O primeiro aspecto a ser referido é o da impugnação da constitucionalidade do art 16 I do ECA que consagra a liberdade de locomoção da criança e do adolescente ressalvadas as restrições legais Para o STF tal preceito guarda sintonia com a doutrina da proteção integral consagrada no art 227 da CF que assegura o direito à dignidade ao respeito e à liberdade das pessoas em desenvolvimento proibindo toda e qualquer forma de negligência discriminação violência crueldade e opressão razão pela qual inexiste a inconstitucionalidade apontada na ADI Além disso ainda segundo a decisão em pauta o dispositivo legal questionado encontrase em consonância com a normativa internacional relativa à proteção de crianças e adolescentes designadamente a proibição de interferências ilegítimas e arbitrárias na vida particular das crianças prevista no art 16 da Convenção sobre Menores da ONU com o dever de proteção integral estabelecido no art 19 da Convenção Americana de Direitos Humanos e com as Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça de Menores Por tal razão as privações sofridas pelos menores que habitam as ruas não podem ser corrigidas mediante novas restrições a direitos e a antiga doutrina menorista que não reconhecia a condição de sujeitos de direitos mas sim tratava tais pessoas como meros objetos da intervenção estatal Da mesma forma não foi acolhido o pedido de declaração de inconstitucionalidade da previsão legal no sentido de criminalizar detenções arbitrárias de crianças e adolescentes pois tal opção legislativa dá cumprimento ao mandado de criminalização constante do art 227 4º da CF que impõe ao legislador o dever de punir severamente atos de violência praticados contra crianças e adolescentes Para o STF a declaração de inconstitucionalidade do referido tipo penal representaria verdadeiro cheque em branco para que detenções arbitrárias restrições indevidas à liberdade dos menores e violências de todo tipo pudessem ser livremente praticadas Quanto à impugnação da decisão do legislador no sentido da exclusividade das medidas de proteção e para afastar medidas mais severas a Corte pontuou que tal orientação faz jus ao fato de que a criança é um ser em desenvolvimento e mais vulnerável dispondo o legislador de considerável liberdade de conformação para definir qual o tratamento mais adequado a ser dispensado às crianças em situação de risco criado por seu próprio comportamento não sendo desproporcional a opção pela exclusividade das medidas protetivas Por derradeiro o STF afastou a alegação de que a atuação do conselho tutelar nos casos de atos infracionais praticados por crianças viola a CF e a garantia da inafastabilidade da jurisdição porquanto se trata de órgão que permite e mesmo exige poderíamos agregar a participação direta da sociedade na implementação das políticas públicas definidas no art 227 da CF voltadas para a promoção e proteção da infância em consonância com as mais atuais teorias de justiça democracia e participação popular direta O que se percebe também e especialmente à vista da decisão colacionada é que o STF tem mantido e mesmo aperfeiçoado a sua orientação já consolidada de zelar pela efetividade do marco normativo que consagra a doutrina da proteção integral da criança como também se verifica no caso dos adolescentes e do princípiodever de privilegiar o seu melhor interesse e sua posição prioritária em termos de proteção 861 Já no concernente à proteção do idoso a Constituição Federal consagra um dever especial de amparo das pessoas idosas por parte da família e da sociedade com o intuito de garantir o direito à vida e defender a dignidade dos idosos bem como de assegurar lhes a participação na vida comunitária art 230 caput Além disso a Carta Magna determina que os programas de amparo aos idosos serão executados preferencialmente em seus lares garantindo ainda a gratuidade dos transportes públicos urbanos aos maiores de 65 anos respectivamente art 230 1º e 2º da CF Os preceitos referidos importa frisar articulamse com outros dispositivos constitucionais especialmente no campo dos direitos sociais e da ordem social como dão conta os direitos à saúde previdência e assistência social os dois últimos inclusive com particular aplicação aos idosos Por outro lado tal como ocorre com os demais direitos sociais e com os deveres de proteção estatal é mediante uma rede de políticas públicas e portanto por meio de um conjunto de ações legislativas e administrativas que a proteção dos idosos de matriz constitucional se concretiza no plano da vida O exemplo mais emblemático notadamente pela sua abrangência é o da Lei 107412003 o assim chamado Estatuto do Idoso que não apenas realiza o programa constitucional no que diz com os aspectos acima referidos art 230 da CF como avança e cumpre um papel inclusive promocional ademais de concretizar ressalvado um ou outro ponto carente de maior reflexão e aprimoramento uma justiça entre gerações 862 Também no campo da proteção do idoso assume relevo o papel do Poder Judiciário provocado pelos agentes legitimados com destaque a exemplo do que ocorre na esfera da infância e da juventude para o Ministério Público e a Defensoria Pública no sentido de velar pela consistência constitucional das ações dos órgãos estatais e mesmo da esfera privada o que em caráter meramente ilustrativo pode ser demonstrado mediante referência ao já discutido caso da assistência social que tem os idosos ao lado das pessoas com deficiência como destinatários como no caso da garantia constitucional e legal do transporte coletivo sobre o que também já existe manifestação do STF 863 Por derradeiro sem que se possa aqui aprofundar o tópico cumpre registrar na esteira do que sugere Paulo Roberto Barbosa Ramos que o programa constitucional de proteção e promoção do idoso é abrangente e carece de uma interpretação e concretização que dê conta do caráter heterogêneo da velhice das diversas velhices que existem no Brasil visto que a diversidade e as desigualdades sociais econômicas e culturais para além de outros aspectos impactam fortemente na condição das pessoas idosas e reclamam políticas públicas e uma rede de ações diferenciada 864 Por outro lado precisamente em virtude do quadro diferenciado que se apresenta na vida real como é possível detectar em algumas situações é necessário indagar se não se está por conta de um legítimo objetivo de proteção de pessoas em condição de vulnerabilidade eventualmente sem a devida diferenciação das situações promovendo uma espécie de paternalismo jurídico constitucional preocupação que à evidência não vale apenas para os idosos ou mesmo correndo o risco de romper com parâmetros de justiça o caso dos ingressos parcialmente subsidiados para espetáculos públicos ou mesmo a isenção de tarifa de transporte público para idosos de classe média alta ou mes mo alta é nessa perspectiva pelo menos digno de reflexão Tal preocupação contudo não infirma a bondade do programa constitucional de proteção do idoso e de qualquer pessoa ou grupo de pessoas em situação de efetiva vulnerabilidade muito antes pelo contrário apenas reforça a necessidade de se levar a sério tais situações e corrigir eventuais distorções que possam levar a algum desequilíbrio 41511 O direito ao transporte Com a promulgação da EC 90 resultante da PEC 902011 de autoria da Deputada Luiza Erundina SP foi inserido mais um direito fundamental social no já significativo elenco de direitos consagrado no art 6º da Constituição Federal de 1988 CF totalizando agora doze direitos sociais designadamente educação saúde trabalho lazer segurança previdência social proteção à maternidade proteção à infância e assistência aos desamparados que já constavam do catálogo original de 1988 bem como os direitos à moradia alimentação e ao transporte respectivamente incorporados em 2000 2010 e 2015 Que a inserção de um direito ao transporte guarda sintonia com o objetivo de assegurar a todos uma efetiva fruição de direitos fundamentais ou não mediante a garantia do acesso ao local de trabalho bem como aos estabelecimentos de ensino ainda mais no contexto da proteção das crianças e adolescentes e formação dos jovens serviços de saúde e outros serviços essenciais assim como ao lazer e mesmo ao exercício dos direitos políticos sem falar na especial consideração das pessoas com deficiência objeto de previsão específica no art 227 2º da CF e dos idosos resulta evidente e insere o transporte no rol dos direitos e deveres associados ao mínimo existencial no sentido das condições materiais indispensáveis à fruição de uma vida com dignidade Quanto à sua fundamentalidade substancial portanto poucos teriam razões para questionar nessa perspectiva o reconhecimento desse novo direito social Aliás em se tratando de dimensão do mínimo essencial a própria positivação textual poderia ser dispensada justificandose o reconhecimento do direito ao transporte na condição de direito fundamental implícito o que aqui não será mais desenvolvido mas terá reflexos em outro nível como logo se verá Mas se quanto a tal ponto a questão ao menos aparentemente soa mais singela a situação se revela mais complexa quando se trata de aplicar ao direito ao transporte o regime jurídico constitucional dos direitos fundamentais sem o qual a própria condição de direito fundamental restaria esvaziada Da mesma forma resta em aberto qual afinal o âmbito de proteção e respectivos limites do direito ao transporte e como se poderá tornar operativo na dupla perspectiva objetiva e subjetiva assim como quanto à sua titularidade aspectos que guardam conexão entre si e que igualmente dizem respeito ao regime jurídico dos direitos fundamentais Ora se a premissa há muito assumida por nós ademais de correspondente ao entendimento majoritário no Brasil atualmente é a de que os direitos fundamentais encontramse submetidos a um regime jurídicoconstitucional unificado que lhes imprime uma força jurídica diferenciada e qualificada na arquitetura constitucional não havendo quanto a tal aspecto e ressalvada alguma matização diferenças substanciais quanto aos direitos sociais e os demais direitos fundamentais aparentemente não haveria quanto a tal ponto maior problema que aqui pudesse ser levantado Mas o fato é que a existência de um eixo comum não explica por si só as conse quências propriamente ditas do referido regime jurídico nem dispensa considerações adicionais Com efeito tendo em conta que os elementos centrais da assim chamada fundamentalidade em sentido formal que se soma ao viés material residem na aplicabilidade imediata das normas de direitos fundamentais e na proteção privilegiada contra intervenções por parte do Poder Público mas também se consubstancia no fato de que os direitos fundamentais assumem a condição de limites materiais ao poder de reforma constitucional resta avaliar como isso poderá se aplicar ao direito ao transporte evitando portanto que se transforme em mais uma promessa constitucional carente em grande medida de efetividade Quanto ao primeiro aspecto o da aplicabilidade imediata está em causa a vinculação direta dos atores estatais e em certa medida sempre também dos atores privados ao direito ao transporte que devem em todos os seus níveis de atuação e respeitadas as limitações quanto à competência assegurarlhe a máxima eficácia e efetividade De particular relevo nesse contexto é a discussão em torno da viabilidade de se assegurar de modo individual eou transindividual ao cidadão um direito subjetivo originário ao transporte gratuito mesmo sem regulamentação legal ou política pública promovida pelo Poder Executivo ou apenas limitar tal direito na condição de posição subjetiva e exigível pela via jurisdicional a um direito derivado a prestações no sentido de um direito de igual acesso ao sistema de transporte já disponibilizado ou mesmo um direito a promoção pelo Poder Público de políticas de inclusão em matéria de transporte público seja mediante subsídios alcançados a empresas particulares concessionárias seja por meio de empresas públicas de transporte coletivo em ambos os casos com tarifas diferenciadas e mesmo em caráter gratuito para determinados segmentos a exemplo do que já se passa em sede do assim chamado passe livre para idosos e pessoas com deficiência etc 865 Aliás a discussão em torno da universalização do transporte público gratuito remete a outros dilemas porquanto mais do que conhecido o caso do Sistema Único de Saúde projetado como de acesso universal e gratuito gratuidade estabelecida por lei a despeito de não exigida constitucionalmente de tal modo com níveis de atendimento muito diferenciados e cada vez mais comprometidos no seu conjunto ademais de um número impressionante de usuários dos planos de saúde privados que já não mais suportam a qualidade do atendimento integral dispensado pelo SUS e buscam mediante paga e encargos por vezes desproporcionais considerando a renda familiar assegurar as mínimas condições para prevenção e tratamento em termos de saúde Se atentarmos ao fato de que saúde e educação ao menos foram dotados já do ponto de vista constitucional de um percentual mínimo de investimento público o restante da receita ainda que as fontes e montantes sejam variáveis caso a caso há de ser distribuída entre todos os demais direitos sociais o que inevitavelmente poderá tensionar ainda mais os conflitos que se estabelecem nessa seara mormente se o direito ao transporte for divulgado como sendo direito de todos o transporte público gratuito em todos os meios de transporte arcando o Estado integralmente com os encargos que à evidência não tem logrado atender Por outro lado impor aos particulares tal ônus sem contrapartida que assegure a manutenção da empresa a aquisição e manutenção dos meios de transporte pagamento de pessoal demais despesas incidentes igualmente não se revela solução compatível com o ordenamento constitucional e de qualquer sorte resultaria no abandono completo dessa via negocial com graves consequências para a acessibilidade diuturna dos cidadãos Com isso já se percebe que a situação é mais complexa e demanda uma abordagem sistêmica e que não dispensa um conjunto de ações coordenadas de caráter legislativo e administrativo bem como uma articulação em nível federativo ademais de equacionamento no plano tributário orçamentário e financeiro Um direito subjetivo originário portanto há de ter caráter excepcional e vinculado ao mínimo existencial eventualmente ante a falta ou insuficiência da ação estatal Por outro turno a concessão judicial de transporte gratuito diretamente imposta a empresas privadas para além da regulação existente ademais de harmônica com custos previamente calculados e pactuados deverá levar em conta como já se sugeriu no caso de compra de vagas pelo Poder Público junto ao ensino privado eventual compensação por parte do Estado visto que do contrário nem mais combustível poderá ser adquirido para acionar os motores que asseguram o acesso rápido aos bens e serviços Em suma aos que bradam contra a assim chamada no nosso sentir de modo um tanto inadequado judicialização da política e contra o ativismo judicial outro termo que soa desconfortável a inclusão de mais um direito social certamente fornecerá muito material e poderá levar a mais uma enxurrada de ações no Poder Judiciário Por outro lado na esfera da assim chamada dimensão negativa dos direitos fundamentais o novo direito ao transporte também não deixa de atrair questões interessantes e nem sempre de fácil equacionamento designadamente quando em causa a supressão de políticas inclusivas ou de subsídios aplicadas ao sistema de transporte público e coletivo entre outras que podem ser impugnadas pela via judicial Além do problema do estabelecimento dos limites de tal direito que evidentemente não é simples e convoca as categorias da reserva legal do núcleo essencial e da proporcionalidade ao menos para citar as mais relevantes exsurge a indagação se o novo direito ao transporte ocupa a condição de limite material à reforma constitucional Também aqui as opiniões são fortemente diferenciadas Como se trata de direito fundamental introduzido mediante emenda constitucional as posições vão desde os que negam categoricamente tal condição até os que a afirmam com toda a sua plenitude sobressaindo aqui o entendimento de que em se tratando de direito que já poderia ser considerado implicitamente positivado de modo que a previsão textual apenas a chancela afastando toda e qualquer recusa por parte dos poderes públicos de dar cumprimento ao comando constitucional o que nos faz remeter ao capítulo dedicado ao poder de reforma constitucional De qualquer sorte em sua formatação mais modesta a inserção de um direito fundamental ao transporte considerando a sua condição de direito fundamental deveria pelo menos servir de fundamento para ações judiciais impugnando toda e qualquer medida não justificada e desproporcional que tenha por escopo reduzir os níveis de acesso ao transporte Assim à luz do exposto percebese que são inúmeros os desafios e grande a chance de também essa nova promessa desaguar no já antigo problema da falta de efetividade das promessas constitucionais Em suma perguntase se o direito ao transporte será apenas mais um caso de frustração constitucional ou quem sabe ocupará um papel relevante para assegurar a todos uma vida com mais dignidade pelo menos aos que necessitam de tal transporte 41512 O direitodever fundamental de proteção e promoção de um meio ambiente saudável A inserção de um direito humano e fundamental à proteção do ambiente num texto constitucional brasileiro ocorreu apenas na CF que contudo situase entre as primeiras a consagrarem expressamente tal direito na esteira do que já havia ocorrido em Portugal 1976 e Espanha 1978 Com efeito dispõe o art 225 caput da CF Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida impondose ao Poder Público e à coletividade o dever de defendêlo e preserválo para as presentes e futuras gerações 1º Para assegurar a efetividade desse direito incumbe ao Poder Público I preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas II preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético III definir em todas as unidades da Federação espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção IV exigir na forma da lei para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente estudo prévio de impacto ambiental a que se dará publicidade V controlar a produção a comercialização e o emprego de técnicas métodos e substâncias que comportem risco para a vida a qualidade de vida e o meio ambiente VI promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente VII proteger a fauna e a flora vedadas na forma da lei as práticas que coloquem em risco sua função ecológica provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade 866 2º Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente na forma da lei 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores pessoas físicas ou jurídicas a sanções penais e administrativas independentemente da obrigação de reparar os danos causados 4º A Floresta Amazônica brasileira a Mata Atlântica a Serra do Mar o Pantanal MatoGrossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional e sua utilização farseá na forma da lei dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente inclusive quanto ao uso dos recursos naturais 5º São indisponíveis as terras devolutas ou arrecadadas pelos Estados por ações discriminatórias necessárias à proteção dos ecossistemas naturais 6º As usinas que operem com reator nuclear deverão ter sua localização definida em lei federal sem o que não poderão ser instaladas Por fim registrese a inclusão mediante a EC 96 de 2017 de um 7º no art 225 com a seguinte redação Para fins do disposto na parte final do inciso VII do 1º deste artigo não se consideram cruéis as práticas desportivas que utilizem animais desde que sejam manifestações culturais conforme o 1º do art 215 desta Constituição Federal registradas como bem de natureza imaterial integrante do patrimônio cultural brasileiro devendo ser regulamentadas por lei específica que assegure o bemestar dos animais envolvidos A transcrição literal e integral do art 225 com seus respectivos incisos e parágrafos muito embora não se vá aqui comentar um a um tem por objetivo demonstrar que o direito à proteção do meio ambiente compreendido como um direito em sentido amplo decodificase em um conjunto diversificado e heterogêneo de posições jurídicas inclusive e particularmente impondo uma série de medidas tarefasobjetivos aos poderes públicos traduzindose portanto em um dever geral objetivo de proteção do ambiente e um correlato leque de deveres específicos a ser tematizado logo adiante ademais de algumas outras garantias Ademais disso os preceitos que integram o art 225 veiculam ainda que não de modo direto os mais importantes princípios e deveres em matéria da proteção e promoção ambiental consagrados na normativa internacional e em boa parte objeto de regulamentação legal doméstica tais como os deveres de precaução e prevenção sustentabilidade poluidorpagador entre outros 867 A célebre e ainda atual querela entre os defensores do posicionamento que advoga a existência de um direito subjetivo individual e transindividual fundamental à proteção do ambiente e os que advogam a sua condição de exclusivo dever de proteção objetivo e norma definidora de fins estatais não deve ser hipertrofiada mas carece de alguma anotação Ao passo que no direito estrangeiro o debate perdura como no caso entre outros de Alemanha Portugal e Espanha em particular nesta última onde sequer a proteção do ambiente é tida como representando um direito fundamental propriamente dito 868 o fato é que na doutrina e na jurisprudência brasileira inclusive no STF consolidouse o entendimento de que se cuida em primeira linha de um direito subjetivo portanto dotado da correspondente exigibilidade até mesmo pela via judiciária sem prejuízo de uma robusta dimensão objetiva que implica um conjunto de deveres 869 Assim na perspectiva subjetiva afirmouse a posição da existência na CF de um direito à proteção e promoção de um meio ambiente equilibrado e saudável no sentido de um direito fundamental em sentido amplo ao qual se encontram associados um conjunto diferenciado e complexo de posições subjetivas específicas de natureza prestacional positiva e defensiva negativa No que diz com a sua condição de dever reiterese que a CF também consagrou um dever geral e uma série de deveres especiais ademais de tarefas impostos ao Poder Público mas também direcionados de modo imediato ou mediato aos particulares Com efeito a teor do que dispõe o caput do art 225 da CF1988 incumbe ao Poder Público e à coletividade o dever de defender e preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações tudo indica que também os particulares estão juridicamente vinculados ao dever de proteção ambiental Assim importa consignar que nessa perspectiva são atribuídos aos particulares tanto direitos quanto deveres fundamentais em matéria ambiental deveres que por sua vez não se confundem com os deveres de proteção e promoção ambiental do Estado 870 que também encontram supedâneo expresso ou implícito no texto constitucional art 225 caput e 1º Ao fazer isso conforme pontua Benjamin além de ditar o que o Estado não deve fazer dever negativo ou o que lhe cabe empreender dever positivo a norma constitucional estende seus tentáculos a todos os cidadãos parceiros do pacto democrático convencida de que só assim chegará à sustentabilidade ecológica 871 Tal cenário jurídicoconstitucional especialmente naquilo em que está delineado para a tutela ecológica encontra forte justificação no e guarda íntima relação com o princípio e dever constitucional de solidariedade sem prejuízo das possibilidades no campo da assim designada eficácia do direito mais propriamente do complexo de direitos e deveres fundamental à proteção e à promoção do ambiente nas relações entre particulares o que no seu conjunto e diante do quadro de risco existencial imposto pela degradação ecológica impõe maior carga de responsabilidade no que diz com as ações e omissões dos particulares pessoas físicas e jurídicas que de alguma forma possam mesmo que potencialmente em face da aplicação do princípio e dever de precaução comprometer o equilíbrio ecológico Temse portanto a superação do paradigma liberalindividual em razão inicialmente da afirmação históricoconstitucional dos direitos fundamentais sociais e ecológicos que acabam por fortalecer a dimensão dos deveres fundamentais e limitar os direitos de cunho liberal De acordo com Nabais o panorama liberalclássico vai alterarse significativamente à medida que os direitos fundamentais deixam de ser apenas os clássicos direitos de liberdade camada ou geração liberal e passam a integrar também os direitos de participação política camada ou geração democrática os direitos as prestações sociais camada ou geração social e os direitos ecológicos camada ou geração ecológica Ora todos estes direitos se por um lado como direitos que são exprimem exigências do indivíduo face ao Estado assim alargando e densificando a esfera jurídica fundamental do cidadão por outro lado também limitam de algum modo essa mesma esfera através da convocação de deveres que lhes andam associados ou coligados 872 De acordo com Gomes o cidadão é simultaneamente credor e devedor da tutela ambiental devendo colaborar ativamente com os poderes públicos na preservação de um conjunto de bens essencial para a sobrevivência e desenvolvimento equilibrado dos membros da comunidade 873 Nesse ponto merece referência a formulação de Canotilho que compartilhando de tal entendimento afirma à luz da temática ambiental o necessário deslocamento do problema dos direitos fundamentais do campo dos direitos para o terreno dos deveres o que implica a necessidade de se ultrapassar a euforia do individualismo dos direitos fundamentais e de se radicar uma comunidade de responsabilidade de cidadãos e entes políticos perante os problemas ecológicos e ambientais 874 À luz de tal contexto Bosselmann destaca a influência recíproca entre direitos e deveres refletidos na realidade ambiental em razão de que o ser humano ao mesmo tempo que necessita explorar os recursos naturais é completamente dependente deles o que torna necessária uma autolimitação do comportamento humano não apenas em termos práticos mas também em termos normativos 875 O exercício de direitos em face dos recursos naturais e da qualidade do ambiente deve ser limitado por restrições ecológicas sendo necessária a configuração de um dever fundamental para prevenir o dano ambiental Para o jurista alemão direitos ambientais sem deveres deveria ser algo do nosso passado insustentável 876 Os assim chamados direitos de solidariedade encontramse atrelados à ideia de direitosdeveres de modo a reestruturar e reconstruir o tratamento normativo dispensado aos deveres fundamentais em face dos direitos fundamentais com destaque neste contexto ao direito e dever de proteção e promoção do ambiente A responsabilidade pela tutela ecológica portanto não incumbe apenas ao Estado mas também aos particulares pessoas físicas e jurídicas os quais possuiriam para além do direito a viver em um ambiente sadio deveres para com a manutenção do equilíbrio ecológico Com efeito vale colacionar a lição de Nabais que refere a designação de direitos boomerang ou de direitos com efeito boomerang atribuída aos direitos ecológicos o que se dá justamente em razão da sua estrutura de direitodever ou seja se por um lado eles constituem direitos por outro eles constituem deveres para o respectivo titular e de certo modo acabam por se voltar contra os próprios titulares 877 limitando seus direitos subjetivos a fim de ajustar o seu exercício ao comando constitucional de proteção do ambiente Os deveres fundamentais de proteção do ambiente de tal sorte são expressões da solidariedade política econômica social e ecológica enquanto valor ou bem constitucional legitimador de compressões ou restrições em face dos demais direitos fundamentais No mesmo prisma Mateo destaca a transcendência individual dos direitos ambientais que constituiriam mais fontes de deveres e responsabilidades do que propriamente de direitos subjetivos 878 A Carta da Terra The Earth Charter 879 por sua vez destaca a existência de deveres e limitações de cunho ecológico impostos ao exercício de direitos Reconhece o seu texto a respeito dos deveres e limitações ambientais que todos os seres vivos são interdependentes e cada forma de vida tem valor independentemente de sua utilidade para os seres humanos Princípio 1 a que com o direito de possuir administrar e usar os recursos naturais vem o dever de impedir o dano causado ao meio ambiente e de proteger os direitos das pessoas Princípio 2 a bem como que se deve impor o ônus da prova àqueles que afirmarem que a atividade proposta não causará dano significativo e fazer com que os grupos sejam responsabilizados pelo dano ambiental Princípio 6 b Mais recentemente também na perspectiva do direitodever inerente à tutela do ambiente a Convenção de Aarhus sobre Acesso à Informação Participação Pública na Tomada de Decisões e Acesso à Justiça em Matéria Ambiental 2001 880 reconheceu no plano internacional que todos os indivíduos têm o direito de viver num ambiente propício à sua saúde e bemestar e o dever quer individualmente quer em associação com outros indivíduos de proteger e melhorar o ambiente em benefício das gerações presentes e futuras bem como que para poderem exercer esse direito e cumprir esse dever os cidadãos devem ter acesso à informação poder participar no processo de tomada de decisões e ter acesso à justiça no domínio do ambiente e reconhecendo que neste contexto os cidadãos podem necessitar de assistência para poderem exercer os seus direitos Tal contexto normativo internacional caminha alinhado com o tratamento constitucional de direitodever empregado pela CF1988 à proteção do ambiente Nesse ponto é oportuno traçar a distinção entre deveres conexos ou correlatos aos direitos e os deveres autônomos Tal diferença reside justamente no fato de que os últimos não estão relacionados ao menos diretamente à conformação de nenhum direito subjetivo ao passo que os primeiros tomam forma a partir do direito fundamental a que estão atrelados materialmente O direito fundamental ao ambiente e o direito fundamental à saúde são exemplos típicos de direitosdeveres o que significa posto de outra maneira que os deveres fundamentais de proteção do ambiente e de promoção da saúde estão vinculados de forma direta aos preceitos constitucionais que consagram tais direitos fundamentais conforme deflui respectivamente já do enunciado semântico literal dos dispositivos normativos do art 225 caput e do art 196 caput ambos da CF1988 No caso da proteção do ambiente como pontua Canotilho tem se um dever fundamental conexo ou relacionado com o direito fundamental ao ambiente da mesma forma como ocorre com o dever de defesa e promoção da saúde associado ao direito à proteção da saúde o dever de escolaridade básica associado ao direito ao ensino o dever de defesa do patrimônio relacionado com o direito à fruição e criação cultural etc e não um dever propriamente autônomo como ocorre com o dever fundamental de pagar impostos dever de colaborar na administração eleitoral dever de serviço militar dever de exploração da terra etc 881 Assim à luz dos desenvolvimentos precedentes embora sumários é possível identificar as primeiras diretrizes do regime jurídicoconstitucional dos deveres fundamentais de proteção do ambiente notadamente em relação à sua característica de ser um dever conexo ou associado ao direito fundamental ao ambiente atentandose a partir de agora para o aspecto da sua dupla fundamentalidade formal e material Central para uma dogmática constitucionalmente adequada em matéria de deveres fundamentais notadamente quando se trata de ter para além de direitos deveres efetivos é a determinação de qual o regime jurídicoconstitucional dos deveres fundamentais Cuidase por certo de tema difícil e que não se tem a pretensão de aprofundar a não ser no que diz com a identificação de alguns problemas e diretrizes Desde logo convém salientar que a transposição do regime jurídico dos direitos fundamentais para a seara dos deveres deve ser realizada com a máxima cautela seja em virtude da necessidade de se observar algumas peculiaridades dos deveres seja o que de resto também vale para os direitos em homenagem ao contexto jurídicoconstitucional brasileiro que não é exatamente igual ao de outros Estados Constitucionais por mais influentes que sejam na condição de parâmetros para a evolução constitucional A partir de tal enfoque é possível afirmar que aos deveres fundamentais se aplica tal qual aos direitos a noção de uma dupla fundamentalidade formal e material que se traduz por sua vez em regime jurídico qualificado e diferenciado no contexto da ordem constitucional Com efeito quanto ao reconhecimento de uma fundamentalidade material substancial do dever de proteção ambiental não se verifica controvérsia no Brasil o que corresponde ao entendimento amplamente majoritário e consolidado na esfera doutrinária 882 bem como já foi objeto de reiterado reconhecimento por parte da jurispru dência Aliás tal exegese guarda sintonia com o art 225 da CF1988 especialmente em relação ao texto do seu caput que dispõe de forma expressa a respeito do dever de defender e preservar o ambiente para as presentes e futuras gerações O Supremo Tribunal Federal especialmente no âmbito de voto prolatado pelo Ministro Celso de Mello destacou o dever de solidariedade projetado a partir do direito fundamental ao ambiente implicando para toda a coletividade ou seja entidades privadas e particulares um dever de tutela do ambiente Com efeito de acordo com o STF a proteção constitucional do ambiente enseja especial obrigação que incumbe ao Estado e à própria coletividade de defendêlo e de preserválo em benefício das presentes e futuras gerações evitandose desse modo que irrompam no seio da comunhão social os graves conflitos intergeneracionais marcados pelo desrespeito ao dever de solidariedade na proteção da integridade desse bem essencial de uso comum de todos quantos compõem o grupo social 883 Se a justificação da fundamentalidade material da proteção ambiental resulta tranquila a noção de uma abertura material do sistema constitucional de deveres fundamentais por sua vez poderá merecer maior investimento argumentativo Basta neste contexto colacionar o magistério de Nabais para o qual a consagração de deveres fundamentais pode darse de forma expressa ou implícita no texto constitucional 884 obedecendo no entanto ao princípio da tipicidade numerus clausus diferentemente do que ocorre com os direitos fundamentais 885 No caso do direito fundamental ao ambiente com base no texto constitucional brasileiro tais considerações seriam facilmente superadas para a configuração do dever fundamental de proteção ambiental já que se encontra consagrado de forma expressa no caput do art 225 podendose inclusive destacar a existência de uma espécie de cláusula geral contida no referido dispositivo no sentido de um dever fundamental geral de proteção do ambiente Os deveres ecológicos a partir de tal compreensão tomam as mais diversas formas tanto de natureza defensiva não fazer quanto prestacional fazer de acordo com as exigências de uma tutela ampla e isenta de lacunas pelo menos em termos de proteção jurídicoconstitucional do ambiente 886 inclusive no que diz respeito à sua tutela preventiva especialmente por meio da aplicação do princípio e dever da precaução 887 Há portanto a partir da força normativa da cláusula geral citada a possibilidade de caracterização de diversas formas de deveres ecológicos inclusive de justificação mediante a sua verificação a partir do caso concreto de violação ao bem jurídico ambiental Haveria espaço de acordo com tal entendimento até mesmo para o reconhecimento jurisprudencial de novas manifestações concretas do dever fundamental de proteção do ambiente desde que em sintonia com o sistema constitucional notadamente no que diz com a observância das exigências do Estado de Direito e se a situação concreta de agressão ao ambiente de fato justifique que tal medida se imponha É bem verdade todavia que tal linha de entendimento reclama maior desenvolvimento e reflexão de tal sorte que aqui vai enunciada de modo propositivo e afinada com a perspectiva adotada Há que considerar ainda a partir da perspectiva da fundamentalidade material e formal dos deveres fundamentais de proteção do ambiente que no que concerne ao seu núcleo essencial tais direitos e deveres encontramse protegidos em face de reformas constitucionais ou legislativas que objetivem a supressão ou esvaziamento do seu conteúdo Sob uma perspectiva material houve uma decisão tomada pelo constituinte brasileiro ao consolidar o direito subjetivo e o correlato dever fundamental dos indivíduos e da coletividade a viverem em um e não qualquer ambiente ecologicamente equilibrado considerando ser ele essencial à sadia qualidade de vida art 225 caput da CF1988 Ao declarar ser a qualidade ambiental essencial a uma vida humana saudável e digna o constituinte consignou no pacto constitucional sua escolha de incluir a proteção ambiental entre os valores permanentes e fundamentais da República brasileira Portanto eventual medida de caráter retrocessivo ou seja que resulte em limitação da proteção ambiental há de passar por rigoroso exame no que diz com a sua legitimidade constitucional Conforme a lição de Silva em razão da conexão entre o direito ao ambiente e o direito à vida verificase a contaminação da proteção ambiental com uma qualidade que impede sua eliminação por via de emenda constitucional 888 estando por via de consequência inserido materialmente no rol das matérias componentes dos limites materiais ao poder de reforma art 60 4º da CF1988 de modo a conferir ao direito fundamental ao ambiente o status de cláusula pétrea Como referido acima o dever fundamental ou os deveres fundamentais de proteção do ambiente devem ainda que eventualmente com intensidade variável dispor do mesmo regime jurídicoconstitucional dos direitos fundamentais notadamente em relação à sua proteção contra os poderes de reforma constitucional Outra não poderia ser a interpretação constitucional dada ao direitodever de proteção do ambiente em vista da consagração da sua jusfundamentalidade Mediante o reconhecimento da proteção ambiental como cláusula pétrea a Constituição brasileira na esteira da lição de Benjamin conferiu um valioso atributo de durabilidade à proteção ambiental no âmbito de ordenamento jurídicoconstitucional brasileiro o qual funciona como barreira à desregulamentação e a alterações ao sabor de crises e emergências momentâneas artificiais ou não 889 O reforço em termos de tutela constitucional que se pretende conferir ao dever e correspondente direito fundamental de proteção e promoção do ambiente por meio de seu reconhecimento como cláusula pétrea guarda afinidade ainda com a garantia constitucional de proibição de retrocesso socioambiental já que tal instituto jurídicoconstitucional objetiva preservar e até certo ponto blindar o bloco normativo jurídicoconstitucional em matéria socioambiental em face de eventuais retrocessos especialmente no tocante à proteção conferida aos direitos fundamentais e à dignidade da pessoa humana assim como no plano ecológico em face da redução dos níveis de proteção ambiental Aliás o princípio da vedação de retrocesso em matéria ambiental já tem sido objeto de reiterado reconhecimento pelo STF como dá conta entre outros exemplos que poderiam ser colacionados as decisões proferidas na ADIn 4717DF rel Ministra Cármen Lúcia julgada em 05042018 890 onde foi declarada a inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade da Medida Provisória 5582012 convertida na Lei 126782012 no que concerne a alterações de limites de parques e florestas nacionais e de unidades de conservação promovidas com o escopo da construção de usinas hidrelétricas Segundo a Corte as alterações nos níveis de proteção afetaram o núcleo essencial do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado visto que os empreendimentos hidrelétricos que segundo a MP justificariam os ajustes ainda dependiam à época de licenciamento ambiental Mais recentemente o STF voltou a tratar do tema em matéria envolvendo o exercício da competência legislativa concorrente por parte de ente federativo estadual no julgamento da ADI 5016BA sob a relatoria do Ministro Alexandre de Moraes 891 No julgamento a Corte entendeu que ao disciplinar regra de dispensa de outorga de direito de uso de recursos hídricos o art 18 5º da Lei n 116122009 do Estado da Bahia com a redação dada pela Lei n 123772011 usurpou a competência da União prevista no art 21 XIX da CF1988 para definir critérios e regramento na matéria Segundo o STF a dispensa de outorga de direito de uso de recursos hídricos para perfuração de poços tubulares afronta a incumbência do poder público de controlar o emprego de técnicas métodos e substâncias que comportem risco para a vida a qualidade de vida e o meio ambiente em desacordo com o que dispõe o art 225 1º V da CF1988 Também segundo a Corte os arts 19 VI e 46 XI XVIII e XXI da lei estadual baiana atacada ao dispensarem a manifestação prévia dos Comitês de Bacia Hidrográfica para a atuação do Conselho Estadual de Recursos Hídricos CONERH e portanto reduzirem a participação da coletividade na gestão dos recursos hídricos violam o princípio democrático art 1º da CF1988 Da mesma maneira o art 21 da lei impugnada suprime condicionantes à outorga preventiva de uso de recursos hídricos resultantes de participação popular ferindo segundo entendimento da Corte não apenas o princípio democrático mas também o princípio da vedação do retrocesso social É importante pontuar sobre o tema que a abrangência dada ao princípio da proibição de retrocesso pelo STF não se limita à sua tradicional vertente social como alguns poderiam pressupor na leitura apenas da ementa do julgado Da mesma forma a compreensão do referido princípio pela nossa Corte Constitucional também implica o reconhecimento do correlato dever de progressividade em matéria ambiental Para não deixar pairar qualquer dúvida a respeito de tal entendimento registrase passagem do votorelator do Min Alexandre de Moraes ao assinalar que a lei atacada resultou em afronta ao princípio da vedação do retrocesso que impossibilita qualquer supressão ou limitação de direitos fundamentais já adquiridos Tal garantia se coaduna com os princípios da dignidade da pessoa humana e da segurança jurídica estabelecendo um dever de progressividade em matérias sociais econômicas culturais e ambientais Outro ponto importante que se pode extrair da fundamentação do votorelator diz respeito à aplicação tanto do princípio da proibição de retrocesso quanto do seu correlato dever de progressividade não apenas ao legislador em matéria ambiental mas também à esfera administrativa conforme se pode observar de passagem doutrinária citada no referido voto reforçando a tese aqui sustentada A decisão do STF assim colocase em perfeito alinhamento com a recente consagração tanto do princípio da vedação de retrocesso quanto do dever de progressividade em matéria ambiental consagrados expressamente no art 3 c do Acordo de Escazú 2018 revelando por assim dizer o necessário diálogo de fontes normativas na temática ecológica Ainda sobre a competência legislativa concorrente dos Estados no âmbito da proteção ambiental calha referir o julgamento do STF na ADI 5312 no qual se entendeu que a competência dos entes federativos na proteção ambiental não implica na possibilidade de que Estadomembro viabilize uma proteção deficiente do direito fundamental ao meio ambiente Com base neste entendimento foi declarada a inconstitucionalidade do art 10 da Lei Estadual n 27132013 do Tocantins que dispensava de licenciamento a realização de atividades agrossilvipastoris independentemente do potencial de degradação e com a consequente dispensa do prévio estudo de impacto ambiental 892 Nessa senda calha colacionar o entendimento de Morato Leite pontuando que o direito fundamental ao ambiente não admite retrocesso ecológico pois está inserido como norma e garantia fundamental de todos tendo aplicabilidade imediata consoante art 5º 1º e 2º da Constituição Além do que o art 60 4º IV também da Carta Magna proíbe proposta de abolir o direito fundamental ambiental nesse sentido considerado cláusula pétrea devido à sua relevância para o sistema constitucional brasileiro 893 Assim constituindo os direitos e os deveres sociais e ecológicos assim como os direitos civis e políticos valores basilares de um Estado Socioambiental e Democrático de Direito sua abolição acabaria por redundar na própria destruição da identidade da nossa ordem constitucional o que por evidente se encontra em flagrante contradição com a finalidade precípua das cláusulas pétreas Por outro lado está certo Vieira de Andrade ao acentuar que os deveres fundamentais mesmo aqueles aparentemente associados ou conexos a direitos constituem na maioria dos casos uma realidade autônoma e exterior ao direito subjetivo embora na me dida em que são explicitações de valores comunitários possam fundamentar a limitação dos direitos fundamentais em geral 894 o que se aplica também aos deveres em matéria ambiental 41513 O direito de acesso à Internet 895 Ainda que os debates sobre o reconhecimento do direito de acesso à Internet não sejam mais novidade há de se notar que os reveses enfrentados ao longo da pandemia de covid19 lançaram novos holofotes sobre a questão e evidenciaram novos desafios e mesmo caminhos a serem trilhados As dificuldades enfrentadas no Mundo todo em maior ou menor medida especialmente mas não só no campo do acesso ao ensino da proteção e promoção da saúde no mundo do trabalho colocaram o tema do acesso a uma Internet de qualidade segura e estável num novo patamar em termos de relevância e urgência No concernente à regulação da matéria na esfera internacional já são cinco os documentos elaborados no âmbito do Sistema ONU sobre o direito de acesso à Internet 896 nos quais é apontada a relevância da conectividade à Internet para a promoção de direitos humanos e fundamentais já reconhecidos como é o caso das liberdades de expressão e de informação bem como do direito de acesso à informação Dentre tais documentos destacase a versão final da General Conference 38 C53 realizada pela UNESCO em 2015 no bojo da qual se apoiou em termos gerais a universalização da Internet Da mesma forma devem ser referidos os Relatórios das Relatorias Especiais para a Liberdade de Expressão da Assembleia Geral da ONU de 2011 em nível global e da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA de 2013 em nível regional nos quais se defendeu a necessidade de manterse a Internet aberta sem obstáculos tecno lógicos a fim de proteger e promover a liberdade de expressão e o livre acesso à informação dos usuários da rede Mais recentemente agora lançando o olhar sobre o que se passa em outras ordens jurídicas nacionais chamou a atenção em todo Mundo importante decisão da Suprema Corte da Índia que em janeiro de 2020 no julgamento do caso Anuradha Bhasin v Índia conferiu proteção constitucional ao uso da Internet no País a fim de viabilizar a efetividade de direitos fundamentais online especialmente a liberdade de expressão No caso da Índia o que foi também objeto de referência na decisão os problemas relacionados às dificuldades com o acesso à Internet tem sido frequentes e agudos tendo em vista os frequentes apagões na Internet por sua vez decorrentes do vasto número de usuários da rede no País que atinge 624 milhões de pessoas equivalendo a 45 da população estimada em 139 bilhões tudo de acordo com pesquisa publicada em janeiro de 2021 pela HootSuite em parceria com o We Are Social 897 A decisão da Suprema Corte indiana definiu que em caso de suspensão do serviço de internet tendo em vista que tal medida implica a restrição de direitos fundamentais deve ser seguido um procedimento específico além de a suspensão ser temporária e aplicada tãosomente em circunstâncias excepcionais ela deve ser notificada com razoável antecedência de modo a permitir a sua discussão perante os Tribunais Todavia apesar dos avanços protagonizados pela decisão da Suprema Corte as suspensões do acesso à Internet na Índia seguem ocorrendo com frequência evidenciando as dificuldades enfrentadas para o cumprimento e implementação das decisões da Suprema Corte no contexto indiano conforme Tanmay Singh Anandita Mishra e Krishnesh Bapat sublinham em coluna publicada no Verfassungsblog no último dia 26 de outubro 898 Levando em conta os entraves para implementação da decisão em dezembro de 2020 foi submetido um novo pedido para o seu cumprimento perante a Suprema Corte indiana que por ora ainda não foi analisado 899 Vale referir que as suspensões afetam os usuários de internet móvel que correspondem principalmente aos usuários de baixa renda os quais por sua vez não possuem condições financeiras para arcar com os serviços de internet banda larga No caso do Brasil sabese que os problemas e desafios relacionados ao acesso à Internet não têm sido de baixa monta tendo sido agudizados nos últimos anos em especial assim como em outros lugares no contexto da pandemia do Covid19 Apenas para ilustrar com alguns dados o que se passa no Brasil estimase existirem 160 milhões de usuários da Internet que correspondem a 75 da população estimada em 2133 milhões percentual superior ao da Índia igualmente de acordo com pesquisa publicada em janeiro 2021 pela HootSuite em parceria com o We Are Social Na perspectiva do Direito chama a atenção que no Brasil já foram propostas quatro emendas à Constituição com o intuito de incluir um direito de acesso à internet no rol de direitos fundamentais previsto na Constituição Federal de 1988 CF A primeira PEC n 62011 já foi arquivada e pretendia inserir o direito de acesso à internet entre os direitos sociais previstos no art 6º CF A segunda de iniciativa da Câmara dos Deputados desarquivada em 2019 e em tramitação no Congresso Nacional a PEC n 1852015 busca acrescentar o inciso LXXIX ao art 5º da Constituição Federal para assegurar a todos o acesso universal a Internet entre os direitos fundamentais do cidadão A terceira PEC n 82020 de iniciativa do Senado Federal foi proposta em março de 2020 também tem o condão de inserir o direito de acesso à internet no rol previsto no art 5º A quarta PEC n 352020 também originada no Senado Federal por sua vez visa alterar os arts 5º 6º e 215 da CF88 a fim de inserir o direito de acesso à internet no rol de direitos sociais assim como o dever de assegurar acesso à internet a todos os residentes no País tendo sido encaminhada ao Plenário do Senado ainda em 2020 Na esfera infraconstitucional registramse os avanços já protagonizados pelo Marco Civil da Internet Lei n 129652014 que reconhece de modo expresso o direito de acesso à Internet a todos dentre os objetivos do uso da Internet no Brasil art 4º inc I do Marco Civil da Internet No que diz com a atuação do Poder Judiciário nessa matéria até o presente momento não houve decisão Supremo Tribunal Federal quanto ao reconhecimento de um direito fundamental de acesso à internet no ordenamento jurídicoconstitucional brasileiro podendo ser extraídos apenas posicionamentos esparsos de Ministros em julgamentos já realizados sobre a relevância democrática dos direitos comunicativos sobretudo a liberdade de expressão e de informação Ainda nesse contexto vale mencionar também apesar de mais diretamente associada à repartição constitucional de competências dos entes federativos decisão proferida pelo Plenário da Suprema Corte brasileira que por maioria julgou pela inconstitucionalidade formal de lei cearense que determinava a vedação de bloqueio de acesso à Internet quando esgotada a franquia de dados por invadir a competência privativa da União para legislar sobre telecomunicações ADI 6089 rel Min Marco Aurélio rel para o acórdão Min Dias Toffoli j 08022021 Embora não se trate de casos onde esteja em causa um direito geral de acesso à Internet não se poderia deixar de referir aqui no que diz com a esfera jurisdicional a ADPF 403 decisão da Presidência Min Ricardo Lewandowski j 19072016 em sede de decisão monocrática foi concedida liminar reestabelecendo o serviço do WhatsApp que havia sido suspenso no Brasil pela decisão do Juiz da Vara Criminal de Lagarto SE que apesar de não mencionar a relevância do acesso à internet em si sustentou os indícios de violação ao direito fundamental da liberdade de expressão Quanto à análise de mérito em sessões plenárias realizadas em 27 e 28052020 o relator Min Edson Fachin votou no sentido de declarar a inconstitucionalidade parcial sem redução de texto dos incisos II e III do art 7º do Marco Civil da Internet que foram utilizados como fundamento para a suspensão do aplicativo a fim de que não sejam admitas quaisquer ordens judiciais no sentido de exigir acesso excepcional a mensagens que estejam protegidas mediante criptografia em contexto que justifique a suspensão dos serviços no País Na mesma ocasião a Min Rosa Weber acompanhou o Ministro relator conferindo a seu turno interpretação conforme à Constituição a esses dispositivos e o Min Alexandre de Moraes pediu vista dos autos Da mesma forma relembrase aqui da existência da ADI 5527 rel Min Rosa Weber que igualmente trata da legitimidade constitucional do bloqueio do WhatsApp em que não houve decisão liminar mas que já teve seu julgamento de mérito iniciado juntamente com a ADPF 403 De todo modo mirandose aqui os fatores que a pandemia agregou à questão a conectividade e o acesso a uma Internet estável segura e de qualidade tornouse uma necessidade cada vez mais premente impactando um conjunto significativo de outros direitos humanos e fundamentais bastando aqui em caráter ilustrativo referir o direito à proteção da saúde e o acesso aos bens e serviços nessa seara incluindo o incremento da telemedicina assim como o direito à educação especialmente no respeitante à continuidade do ensino nas escolas de ensino fundamental e médio e no ensino superior o que se revelou de forma particularmente aguda na esfera do ensino público Tanto a exclusão total do acesso à Internet por ainda cerca de 25 da população brasileira quanto os inúmeros problemas registrados em termos de qualidade do acesso dificultando e mesmo impedindo a fruição de uma grande gama de direitos demonstram o quanto também nessa esfera o Brasil apenas tem experimentado aumentar os catastróficos níveis de desigualdade social e econômica com tudo o que implica em termos de impactos sobre o desenvolvimento humano e econômico Isso tudo se dá em um cenário marcado pela falta de isonomia no que diz respeito a oferta dos serviços de acesso à Internet correndose concreto risco de agravamento do problema com o início da oferta e implantação da rede 5G nas capitais brasileiras até julho de 2022 Se por um lado abremse inúmeras possibilidades por outro saltam aos olhos casos como o do Município Gaúcho de Herveiras que tem a pior cobertura de rede de telefonia móvel em zonas urbanas do Brasil cujos habitantes encontram obstáculos até para acessar serviços públicos básicos como ambulância hospitalar e serviço policial Tais situações dada a falta de universalização e condições de acesso igualitário também quanto aos serviços da rede 5G no Brasil pelo menos em se mantendo o prognóstico de sua instalação e oferta apenas nos grandes centros urbanos apenas tendem a se agravar À vista das sumárias considerações acima tecidas bem como tendo em conta a ausência por ora de uma política pública de Estado não somente de Governo ampla e efetiva no sentido de assegurar um acesso universal e igualitário a uma Internet segura e de qualidade a necessidade de se retomar e alavancar o debate sobre o reconhecimento de um correspondente direito fundamental tornase cada vez mais premente 900 O reconhecimento de um direito fundamental de acesso à internet por sua vez embora idealmente devesse ocorrer mediante sua inclusão no texto da CF por força de emenda constitucional também poderá darse na condição de direito implicitamente positivado tal como por algum tempo ocorreu com o direito fundamental à proteção de dados pessoais ADI 6387 MCRef rel Min Rosa Weber j 07052020 bastando aqui um pronunciamento do STF nesse sentido Aliás nada impede que como se deu no caso da Alemanha 901 o direito de acesso à Internet seja reconduzido ao direito a um mínimo existencial 902 ou seja de um direito a um conjunto de prestações materiais que assegurem a cada pessoa a possibilidade real de uma vida condigna A inclusão do direito fundamental de acesso à Internet na parte da obra destinada aos direitos fundamentais sociais decorre de sua natureza pelo menos quanto a sua função central de direito a prestações materiais compensatórias de desigualdades fáticas que por sua vez impactam os níveis de acesso necessários tanto à fruição de direitos civis e políticos quanto o acesso à fruição de determinados direitos sociais como é o caso dos já lembrados direitos à educação e saúde além do acesso a uma gama imensa de bens e serviços indispensáveis para uma adequada inserção na vida política social econômica e cultural À vista do avanço avalassador das tecnologias de informação e comunicação e dos processos de digitalização assegurar um acesso igualitário e universal à Internet é de certo modo garantir o estar e atuar das pessoas no Mundo A exclusão digital como já se tem percebido em ampla escala apenas tem feito acelerar e aumentar os níveis gerais de desigualdade 416 Nacionalidade 903 4161 Considerações introdutórias A nacionalidade é qualificada como um direito fundamental da pessoa humana cuja outorga cabe ao Estado soberano não se excluindo mediante determinados pressupostos e circunstâncias a possibilidade de o indivíduo optar por outra nacionalidade nem a dimensão do direito do indivíduo à sua nacionalidade Apesar de se considerar que o tema da nacionalidade é mais afeito ao direito público interno que ao direito internacional público anotase que existem instrumentos internacionais a exemplo da Convenção de Haia sobre Conflitos de Nacionalidade de 12 de abril de 1930 da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 bem como de outros documentos supranacionais dispondo sobre a matéria não existindo portanto uma liberdade ilimitada por parte dos Estados quanto ao estabelecimento das regras sobre nacionalidade 904 É considerada como vínculo político e pessoal que se estabelece entre o Estado e o indivíduo fazendo com que este integre uma dada comunidade política o que faz com que o Estado distinga o nacional do estrangeiro para diversos fins 905 Nesse sentido nas palavras de Pontes de Miranda é o laço que une juridicamente o indivíduo ao Estado e até certo ponto o Estado ao indivíduo 906 Assim é em determinado sentido correta a afirmação de que em face do Estado todo indivíduo ou é nacional ou estrangeiro 907 o que por evidente não significa que o estrangeiro não seja titular até mesmo de determinados direitos fundamentais em relação aos Estados o que aqui não será objeto de atenção remetendose ao capítulo sobre a titularidade dos direitos fundamentais integrante da parte relativa à teoria geral dos direitos fundamentais Já em outra perspectiva a nacionalidade compreendida como vínculo jurídicopolítico que une indivíduos estabelecidos sobre dado território e sob um governo independente diz respeito ao elemento pessoal do Estado qual seja o povo muito embora a necessária distinção entre as noções de povo e de população mas também a diferenciação entre tais conceitos e o da Nação tão relevantes para a teoria do Estado mas que aqui não poderão ser desenvolvidas 908 O povo como conjunto dos indivíduos que detêm a nacionalidade em relação a determinado Estado sendo portanto natos ou naturalizados por sua vez não se confunde pelo menos não necessariamente com a noção de cidadania Esta muito embora em regra vinculada à condição da nacionalidade nem sempre a pressupõe Com efeito considerando que a cidadania diz com os aspectos relacionados à participação do indivíduo no processo do poder e à garantia de acesso ao espaço público do que são exemplos o desempenho de funções públicas ou de atividades comerciais ou empresariais o exercício do voto a participação na vida pública ou na sociedade civil prerrogativas em regra conferidas aos nacionais nem sempre exclui os estrangeiros 909 Além disso é preciso sublinhar que a nacionalidade por constituir um critério relevante para o reconhecimento de direitos fundamentais no âmbito da ordem jurídica interna reclama pelo menos assim também o entendemos uma interpretação inclusiva do seu âmbito de aplicação de modo a assegurar uma maior fruição de direitos fundamentais por um maior número de pessoas 910 o que será objeto de maior atenção mais adiante quando das anotações em relação ao estatuto do estrangeiro e os modos de aquisição da nacionalidade 4162 A nacionalidade no âmbito do direito internacional com destaque para o sistema de reconhecimento e proteção dos direitos humanos A nacionalidade passou a ser reconhecida como direito humano na Declaração Universal dos Direitos Humanos 1948 que dispõe sobre o direito do indivíduo a ter uma nacionalidade e de não poder ser dela arbitrariamente privado assim como o direito de alterar sua nacionalidade art XV O Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos estabelece que toda criança tem o direito de adquirir uma nacionalidade art 24 n 3 O Pacto de São José da Costa Rica 1969 a exemplo da Declaração Universal dos Direitos Humanos 1948 e do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos dispõe que toda pessoa tem direito a uma nacionalidade art 20 n 1 Dispõe igualmente que toda pessoa tem direito à nacionalidade do Estado em cujo território houver nascido se não tiver direito a outra art 20 n 2 No que diz respeito a documentos internacionais específicos vale citar o Estatuto do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados 1950 e a Convenção de Genebra relativa ao Estatuto dos Refugiados 1951 este último documento com vistas em síntese a alargar a aplicação de instrumentos anteriores e à proteção dos refugiados A esse respeito também é de se referir o Protocolo sobre o Estatuto dos Refugiados 1966 que dá interpretação mais ampla ao termo refugiados utilizado na Convenção de 1951 conforme se depreende da leitura do art 1º assim como a Declaração sobre Asilo Territorial de 1967 Com relação ao problema da apatria ou apatridia importa mencionar a Convenção sobre o Estatuto dos Apátridas de 1954 que dentre as suas disposições estabelece no art 32 que os EstadosMembros devem facilitar a assimilação e a naturalização dos apátridas além de prever alguns casos em que os apátridas devem ter tratamento igual ao dos nacionais cf art 20 racionamento art 22 1º ensino fundamental art 23 assistência e auxílio público art 24 1º temas relativos à legislação do trabalho e seguros sociais art 29 tributos A Convenção para a Redução dos Casos de Apatridia 1961 estabelece no seu art 1º n 1 que o Estado Contratante deve atribuir sua nacionalidade à pessoa que nasceu em seu território e que de outro modo seria apátrida Relacionada ao tema existe ainda a Convenção sobre a Nacionalidade da Mulher Casada 1958 que busca fazer frente aos conflitos que surgem entre leis e práticas com relação à perda e aquisição da nacionalidade da mulher em decorrência do matrimônio sua dissolução ou a mudança da nacionalidade do marido durante o matrimônio Por derradeiro ainda no âmbito do sistema internacional assume relevo a Declaração sobre os direitos humanos dos indivíduos que não são nacionais do país em que vivem 1985 que surgiu como reação ao fato de que cada vez mais as pessoas vivem em país do qual não são nacionais e de que também a elas devem ser garantidos os direitos humanos e as liberdades fundamentais reconhecidas pela Declaração da ONU e demais tratados que a concretizam Por outro lado por força dos processos de integração supranacional ou por força de acordos bilaterais ou multilaterais entre os países verificase uma gradativa extensão de direitos e prerrogativas outrora assegurados apenas aos nacionais de um Estado a determinados não nacionais em determinadas hipóteses Nesse contexto é possível destacar a noção de uma cidadania supranacional tal como prevista por exemplo no art 9º do Tratado da União Europeia 1992 que atribui certos direitos tradicionalmente vinculados à cidadania estatal tais como os direitos de circular e permanecer livremente no território dos EstadosMembros direito de sufrágio direito à proteção diplomática e consular direito de petição O mesmo ocorre com determinadas constituições nacionais que em sintonia com a ampliação da noção de cidadania asseguram direitos típicos de cidadania a não nacionais A título ilustrativo a Constituição da República Portuguesa de 1976 reformada para tal efeito em 2001 que defere aos cidadãos dos Estados de língua portuguesa com residência permanente em Portugal direitos em regra não conferidos a estrangeiros dentre eles alguns direitos políticos 911 Assim também se dá com a atual Constituição do Brasil que no seu art 12 1º defere aos portugueses desde que mediante reciprocidade direitos privativos dos brasileiros nacionais 4163 A nacionalidade no direito constitucional estrangeiro Como exemplo de ordem jurídica que não constitucionalizou o tema da nacionalidade podese citar a dos Estados Unidos da América embora haja disposição apontando para a competência do Congresso no que se refere à regulação da naturalização art I Seção 8 para questões relativas à elegibilidade para o posto de Presidente art II Seção 1 para a reafirmação de que os nascidos ou naturalizados nos Estados Unidos são cidadãos não podendo em síntese haver restrição de garantias previstas XIV Emenda 1868 Seção 1 A Constituição da África do Sul 1996 dispõe sobre a cidadania estabelecendo que lei nacional deve prever sua aquisição perda e reaquisição item 3 3 e que a criança tem o direito a uma nacionalidade item 28 1 a A Constituição espanhola 1978 igual mente apesar de possuir disposições relacionadas à nacionalidade remete à lei o aspecto mais central que diz respeito a como adquirila conservála ou perdêla A regulação e proteção constitucional da nacionalidade tem sido contudo expressiva A Constituição argentina de 1853 com última reforma em 1994 contempla o tema da nacionalidade com maior minúcia dispondo por exemplo que se obtém a naturalização residindose por dois anos contínuos no país e que os estrangeiros gozam de todos os direitos civis do cidadão art 20 além de prever que se fomente e não se restrinja a imigração europeia que tenha por finalidade cultivar a terra melhorar a indústria introduzir e ensinar as ciências e as artes art 25 No caso da Constituição portuguesa 1976 apesar de remeter à lei ou à convenção internacional a atribuição da cidadania portuguesa art 4º percebese uma forte constitucionalização do tema a começar pela atribuição de alguns direitos que em princípio seriam reconhecidos apenas aos nacionais conforme já comentado na seção anterior Além disso a Constituição portuguesa prevê garantias relativas à expulsão art 33 itens 1 e 2 à extradição art 33 itens 3 4 6 7 ao asilo art 33 8 A Constituição da Colômbia 1991 apenas para citar uma experiência constitucional mais recente e próxima da brasileira igualmente regula de modo particularmente minucioso a matéria mediante previsão de garantias relativas à extradição art 35 ao reconhecimento do asilo nos termos da lei art 36 além de reconhecer um direito fundamental das crianças à nacionalidade art 44 e dispor sobre as formas de aquisição da nacionalidade art 96 No mais a Constituição colombiana prevê também que os estrangeiros gozarão das garantias concedidas aos nacionais salvo as limitações presentes na Constituição e na lei destacandose aqui a possibilidade de estender aos estrangeiros alguns direitos políticos art 100 4164 A nacionalidade no âmbito da evolução constitucional brasileira O tema da nacionalidade também no âmbito da evolução constitucional brasileira tem assumido particular relevância isso já desde a Carta Imperial de 1824 sendo que desde a Constituição de 1934 com exceção da Carta de 1937 912 passou a constar no título da declaração de direitos o que também se verifica na atual Constituição bastando para tanto uma breve mirada sobre o texto de nossas Constituições Antes de nos debruçarmos sobre a nacionalidade na Constituição Federal de 1988 seguem algumas notas sobre as Constituições anteriores A Carta Imperial de 1824 no que diz com os critérios de fixação da condição de nacional adotou tanto o critério do jus soli quanto o do jus sanguinis art 6º I e II destacandose que foram considerados brasileiros os que embora nascidos no exterior eram filhos de pai brasileiro se viessem a domiciliarse no Brasil art 6º II Quanto aos dois critérios de aquisição da nacionalidade originária percebese que a Constituição Imperial comportou uma exceção designadamente a dos filhos de pai brasileiro que estivesse em país estrangeiro a serviço do Império embora não viessem depois a estabelecer domicílio no País art 6º III hipótese que com variações terminológicas se manteve nas diversas Constituições A nacionalidade também era atribuída aos nascidos em Portugal e suas possessões residentes no Brasil à época da proclamação da independência e que às províncias aderiram expressa ou tacitamente pela continuação da residência art 6º IV Por derradeiro a Carta de 1824 também previu a possibilidade de naturalização por parte dos estrangeiros remetendo à lei quanto às condições art 6º V Já o art 7º regulava as hipóteses de perda dos direitos de cidadania brasileira previsão que salvo aspectos isolados se manteve praticamente inalterada até Constituição de 1967 com Emenda de 1969 No que diz com a Constituição de 1891 um dos pontos de destaque reside na previsão da naturalização dos estrangeiros que se achavam no Brasil em 15 de novembro de 1889 e que não declararam dentro de seis meses da entrada em vigor da Constituição o ânimo de conservar a nacionalidade de origem art 69 4º o que foi designado pela doutrina como a grande naturalização 913 Ademais foram considerados cidadãos brasileiros os estrangeiros que possuíam bens imóveis no Brasil e os que eram casados com brasileiros ou tinham filhos brasileiros mediante a condição de que residissem no Brasil salvo se tivessem manifestado a intenção de não mudar de nacionalidade art 69 5º A Constituição de 1934 por sua vez previu como hipótese de perda de nacionalidade o cancelamento da naturalização devido ao exercício de atividade social ou política nociva ao interesse nacional provado o fato por via judiciária com todas as garantias de defesa art 107 c Além disso modificou o regime dos nascidos em país estrangeiro filhos de brasileiro ou de brasileira assegurandose a opção pela nacionalidade brasileira quando alcançada a maioridade art 106 b A Constituição de 1937 trouxe regra prevendo perda da nacionalidade devido ao cancelamento da naturalização em decorrência do exercício de atividade social ou política nociva art 116 c afastandose a garantia de apreciação judicial mediante a utilização no texto constitucional da expressão processo adequado A Constituição de 1946 nesse ponto como reação ao caráter autoritário do regramento do Estado Novo retomou a previsão expressa de que era necessária sentença judicial para a perda da nacionalidade em decorrência de cancelamento da naturalização devido à atividade nociva art 130 III o que embora algum ajuste textual foi mantido inclusive na atual Constituição Também foi inserida modificação prevendo que para efeitos de aquisição da nacionalidade houvesse a fixação de residência no Brasil e uma vez atingida a maioridade que a opção pela nacionalidade brasileira fosse realizada dentro de quatro anos art 129 II Além disso no que diz com a aquisição da nacionalidade mediante naturalização a Carta de 1946 previa no caso dos portugueses apenas a comprovação da residência no Brasil por um ano ininterrupto bem como a certificação da idoneidade moral e da saúde física art 129 IV A Constituição de 1967 introduziu nova modificação no concernente à opção pela nacionalidade exigindo o registro na repartição brasileira competente no exterior ou a fixação de residência no Brasil antes de atingida a maioridade além da exigência de que uma vez alcançada esta fosse realizada a opção pela nacionalidade dentro de quatro anos art 140 I c Previram se igualmente hipóteses concretas de naturalização na forma da lei como no caso dos admitidos em território nacional durante os primeiros cinco anos de vida e radicados definitivamente no território os que faziam curso superior em estabelecimento nacional art 140 II n 2 além da naturalização dos portugueses em relação aos quais foram mantidas as regras da Constituição anterior Com a promulgação da EC 1 de 1969 sobreveio o aumento do número de cargos privativos de brasileiro nato art 145 parágrafo único a eliminação da previsão que estabelecia que além das restrições previstas na Constituição nenhuma outra seria feita a brasileiro em virtude da condição de nascimento acrescentandose ainda a previsão de anulação por decreto do Presidente da República da aquisição de nacionalidade obtida em fraude contra a lei art 146 parágrafo único 4165 O regime da nacionalidade na Constituição Federal de 1988 41651 Considerações gerais a nacionalidade como direito e garantia fundamental A relevância da nacionalidade no que diz com a própria condição de titular de direitos fundamentais no âmbito da ordem jurídico constitucional interna e para efeitos também da proteção na perspectiva do direito internacional dos direitos humanos especialmente no que diz respeito ao exercício de prerrogativas reconhecidas por tratados de direitos humanos ratificados pelos Estados fez com que a condição de nacional passasse a ser ela própria como já verificado considerada um direito humano e fundamental o que não foi diferente no caso da atual Constituição Federal Cuidandose em primeira linha de direito individual a nacionalidade de cada indivíduo como tal considerado não existem maiores dúvidas quanto a se tratar não apenas de cláusula pétrea limite material ao poder de reforma da Constituição na forma do art 60 4º IV da CF quanto também de norma submetida ao regime da aplicabilidade imediata previsto para as normas definidoras de direitos e garantias fundamentais art 5º 1º da CF Na sua condição de direito e garantia fundamental a nacionalidade apresenta também uma dupla dimensão subjetiva e objetiva ou seja a ela tanto correspondem posições subjetivas em parte definidas na própria Constituição em parte reguladas pela legislação infraconstitucional quanto uma forte dimensão objetiva que além de deveres de proteção estatal e deveres de organização e procedimento abarca a condição de garantia institucional de modo que a sua proteção do ponto de vista constitucional abrange também os aspectos essenciais de seu regime jurídico legislativamente concretizado Esses aspectos serão objeto da análise mais detalhada que segue 41652 Espécies de nacionalidade De acordo com doutrina consolidada a nacionalidade poderá ser primária ou secundária A nacionalidade primária também conhecida como nacionalidade originária ou pelo nascimento é atribuída em razão do nascimento podendo ser atribuída de acordo com o direito interno de cada Estado por meio de critérios sanguíneos ou seja determinados pelo nascimento e descendência biológica o assim chamado jus sanguinis territoriais isto é vinculados ao local do nascimento o assim designado jus soli ou mesmo critérios mistos 914 Embora tradicionalmente os Estados tenham optado pela adoção de apenas um critério a depender de sua vocação como se deu nos EUA para a imigração jus soli ou emigração jus sanguinis como é o caso dos exemplos referidos pela sua particular relevância para o Brasil da Alemanha e Itália a tendência contemporânea tem sido a da adoção de modelos mistos o que também se verifica no caso brasileiro O que se percebe é que a adoção de um ou outro critério obedece a aspectos estratégicos definidos na esfera política o que também se deu no caso brasileiro onde se optou já no século XIX em regra pelo critério territorial notadamente com o objetivo de atrair imigrantes europeus atribuindose a nacionalidade brasileira aos filhos de estrangeiros nascidos em território brasileiro 915 Como também no caso do direito constitucional positivo brasileiro a nacionalidade poderá ser tanto primária quanto secundária passaremos a analisar cada espécie em separado 416521 A nacionalidade primária o brasileiro nato As atuais previsões constitucionais que caracterizam os brasileiros natos estão no art 12 I que dispõe serem brasileiros natos a os nascidos na República Federativa do Brasil ainda que de pais estrangeiros desde que estes não estejam a serviço de seu país b os nascidos no estrangeiro de pai brasileiro ou mãe brasileira desde que qualquer deles esteja a serviço da República Federativa do Brasil c os nascidos no estrangeiro de pai brasileiro ou de mãe brasileira desde que sejam registrados em repartição brasileira competente ou venham a residir na República Federativa do Brasil e optem em qualquer tempo depois de atingida a maioridade pela nacionalidade brasileira Assim à vista do texto constitucional percebese a adoção de um modelo misto pois não mais se exige a fixação de residência no Brasil antes da maioridade Para facilitar a compreensão as hipóteses do art 12 I da CF serão apresentadas e analisadas em separado A primeira alternativa do art 12 I da CF prevista na sua alínea a corresponde à adoção do critério territorial 916 abarcando todos os que forem nascidos em território brasileiro inclusive os filhos de pais estrangeiros excluindo apenas os casos em que os pais estejam no Brasil a serviço de seu país de origem o que se verifica por exemplo nos casos de filhos de diplomatas ou outros agentes de Estado estrangeiros 917 Nesta última hipótese o que se percebe é que a Constituição estabeleceu uma exceção ao critério territorial pois ainda que nascidos no Brasil os filhos de estrangeiros a serviço de seu país não adquirem a nacionalidade brasileira Para que reste configurada a situação exigese que ambos os pais sejam estrangeiros e que pelo menos um se encontre em território brasileiro a serviço de seu país de origem 918 Se contudo um dos pais estrangeiros estiver a serviço de outro país que não o seu o filho nascido no Brasil de acordo agora com o critério territorial será considerado nacional nos termos da Constituição 919 Importa acrescentar que se um dos pais for brasileiro sendo o outro estrangeiro o filho nascido no Brasil terá em regra salvo se assim não o admitir a legislação do Estado estrangeiro do qual um dos pais é nacional a dupla nacionalidade a brasileira pois nascido em território brasileiro e a do Estado a que pertence o pai ou a mãe estrangeiro 920 A segunda hipótese art 12 I b da CF diz respeito aos nascidos no estrangeiro de pai brasileiro ou mãe brasileira desde que qualquer deles esteja a serviço da República Federativa do Brasil Aqui o critério predominante é o da descendência ou seja o do jus sanguinis combinado com um critério de natureza funcional pois não basta que se cuide de filho de pai ou mãe brasileira mas é necessário que um deles esteja exercendo função pública compreendida esta no sentido amplo de serviço público independentemente de sua natureza desde que prestado a qualquer um dos entes federados brasileiros seja no nível da administração centralizada ou da administração descentralizada 921 Já a terceira hipótese contemplada na alínea c do art 12 I da CF teve sua redação atribuída pela EC 542007 sendo oportuno lançar algumas notas sobre a evolução precedente dada a sua relevância Com efeito a redação anterior nos termos da ECR 31994 dispunha que eram brasileiros natos os nascidos no estrangeiro de pai brasileiro ou de mãe brasileira desde que venham a residir na República Federativa do Brasil e optem em qualquer tempo pela nacionalidade brasileira ao passo que a disposição originária tal como prevista no texto constitucional promulgado em 05101988 atribuía a condição de brasileiro nato nos seguintes termos os nascidos no estrangeiro de pai brasileiro ou de mãe brasileira desde que sejam registrados em repartição brasileira competente ou venham a residir na República Federativa do Brasil antes da maioridade e alcançada esta optem em qualquer tempo pela nacionalidade brasileira Notase ademais que houve um período em que foi suprimida a possibilidade de registro do nascido no exterior de modo a eliminar desde logo a possibilidade de garantir a condição de brasileiro nato Aqui assume relevo o problema da apatria a condição do apátrida gerado pela privação da nacionalidade brasileira em relação aos nascidos em países que adotam a regra do jus sanguinis situação que pode ser tida como intolerável frente à previsão da Declaração Universal dos Direitos Humanos de que todos têm direito a uma nacionalidade art XV 922 ao que se soma o problema do grande dispêndio de recursos para vir ao Brasil e aqui propor ação para a obtenção da nacionalidade originária 923 Assim para reger a situação transitória que se estabeleceu no período entre a ECR 03 de 1994 de 0707 e a EC 54 de 2007 de 2009 que introduziu a redação atualmente em vigor o art 95 do ADCT dispôs que os nascidos no estrangeiro entre 7 de junho de 1994 e a data da promulgação da Emenda de 2007 em sendo filhos de pai brasileiro ou mãe brasileira poderão ser registrados em repartição diplomática ou consular brasileira competente ou em ofício de registro se vierem a residir na República Federativa do Brasil Com isso se buscou afastar o prejuízo para todos os que nasceram no exterior filhos de pai ou mãe brasileiros e que não vieram para o Brasil e não obtiveram a nacionalidade brasileira Além disso o modo pelo qual a Constituição regula a matéria no art 12 I c revela que se está diante de um requisito meramente formal pois de acordo com a nova redação dada ao dispositivo pela EC 542007 a Constituição passou a exigir para a atribuição da nacionalidade originária aos filhos de pai ou mãe brasileiros nascidos no estrangeiro o simples registro na repartição brasileira competente com o que também restou afastada nessa hipótese a regra do jus soli 924 A partir do exposto e em caráter de síntese retornando ao que dispõe atualmente o item c do art 12 I da CF constatase que este prevê duas possibilidades para atribuição da nacionalidade originária ou seja a condição de brasileiro nato a o registro em repartição brasileira competente com efeitos equivalentes ao registro de nascimento efetuado em cartório do Registro Civil no Brasil b a opção pela nacionalidade após a maioridade no caso de o indivíduo filho de pai ou mãe brasileira nascido no estrangeiro vir a residir no Brasil hipótese na qual a opção pela nacionalidade brasileira poderá ser exercida a qualquer tempo 925 Nesse caso uma vez exercido o direito de opção o Estado não pode negar o reconhecimento 926 No que diz com a interpretação dada pelo STF aos diversos casos que lhe são submetidos envolvendo a atribuição da nacionalidade originária com base no art 12 I da CF convém referir alguns julgamentos relevantes em caráter ilustrativo É o caso do RE 418096 927 que trata de recurso extraordinário interposto pelo Ministério Público Federal contra decisão que manteve a extinção do processo sem resolução de mérito art 267 IV do CPC porque a ação foi ajuizada por menores impúberes sendo que deveria ter sido ajuizada pelos pais A decisão recorrida considerou também que a opção pela nacionalidade seria personalíssima exigindo capacidade plena e portanto a maioridade não obstante a falta de previsão constitucional negandose de forma unânime provimento ao recurso Segundo esse julgado vindo o menor a residir no Brasil passa a ser considerado brasileiro nato Atingida a maioridade enquanto não manifestada a opção esta passa a constituirse em condição suspensiva da nacionalidade brasileira A doutrina contudo questiona se semelhante raciocínio não poderia ser realizado com relação a menor que continue a residir no exterior sendo que de acordo com o STF é de ser privilegiado o caráter protetivo e não restritivo da norma levandose em conta precisamente os efeitos severos da apatria de forma que se recomenda reconhecer a nacionalidade brasileira com eficácia plena até chegar a maioridade quando então poderão ser decididas todas as questões pertinentes 928 Já no RE 415957 929 em situação semelhante o STF decidiu no mesmo sentido e também reconheceu a viabilidade do registro provisório nos termos da Lei de Registros Públicos art 32 2º Aqui a situação incongruente encontrada pela doutrina é a de que tais julgamentos ocorreram antes da Emenda 542007 em um período em que não mais existia a possibilidade de registro na repartição brasileira competente Com o surgimento da referida emenda mudou o panorama porque novamente foi prevista tal possibilidade ao lado do direito de opção Nesse sentido entendese que se os pais podem fazer operar desde logo a nacionalidade dos filhos registrandoos em repartição brasileira competente no exterior não faria sentido impedilos de assim proceder quando de volta ao Brasil 930 Ainda no contexto da evolução na regulação do tema é de se recordar que na Constituição de 1967 o art 140 I c previa a necessidade de o indivíduo vir a residir no Brasil antes de atingir a maioridade devendo além disso a opção pela nacionalidade ser realizada antes de quatro anos depois de atingida a maioridade O indivíduo era então considerado brasileiro nato sob condição resolutiva 931 Levando em conta a atual previsão que suprimiu o prazo a jurisprudência tem entendido que a opção pela nacionalidade brasileira foi liberada do termo final e passou a ganhar desde que a maioridade a faça possível a eficácia de condição suspensiva da nacionalidade brasileira sem prejuízo de gerar efeitos ex tunc 932 Tal situação por sua vez guarda conexão com o instituto da extradição porque se entendeu que na pendência da homologação judicial da opção já manifestada suspendese eventual processo de extradição o que também encontra justificativa no âmbito de uma interpretação mais favorável à proteção da integridade pessoal 933 Hipótese diversa se verifica no caso de eventual adoção à qual não são aplicáveis as situações previstas no art 12 I da CF Dito de outro modo a adoção não constitui critério juridicamente legítimo pelo menos de acordo com a literalidade do texto constitucional de atribuição da nacionalidade originária Assim de acordo com uma linha de entendimento o estrangeiro adotado por brasileiro apenas poderá adquirir a nacionalidade brasileira mediante processo de naturalização 934 Em sentido diverso contudo há quem proponha uma interpretação sistemática e é possível acrescentar pautada pelo critério da exegese mais inclusiva consoante já noticiado na parte introdutória do presente capítulo sugerindo que por força do disposto no art 227 3º da CF também para efeitos de atribuição da nacionalidade originária os filhos adotivos terão os mesmos direitos que os outros filhos 935 416522 A nacionalidade secundária a naturalização como forma de aquisição da nacionalidade A nacionalidade secundária caracterizase como aquela que é adquirida em virtude de um ato de vontade do indivíduo portanto não decorre de um fato natural como se dá com o nascimento seja em virtude de seu local seja em virtude da descendência 936 A naturalização tal como também se verifica na evolução constitucional brasileira poderá ser expressa ou tácita mas em ambos os casos envolve um ato de vontade individual 937 A assim chamada naturalização tácita costuma ser uma opção do Estado que busca aumentar de forma significativa o número de nacionais 938 No caso do Brasil isso se deu com a Carta Imperial de 1824 que estendeu a nacionalidade brasileira a todos os portugueses residentes no Brasil à época da proclamação da independência bem como com a Constituição de 1891 cujo art 69 4º e 5º atribuiu a nacionalidade brasileira a todos os estrangeiros que se encontravam no Brasil em 15 de novembro de 1889 caso não declarassem no prazo de seis meses da entrada em vigor da Constituição a intenção de preservar a nacionalidade de origem 4º assegurando também a nacionalidade brasileira aos estrangeiros que possuíssem bens imóveis no Brasil e fossem casados com brasileiros ou tivessem filhos brasileiros desde que residissem no Brasil e que não manifestassem expressamente a intenção de mudar a sua nacionalidade originária 5º Importa destacar que tal espécie de naturalização de natureza tácita não mais existe no ordenamento brasileiro já que a atual Constituição Federal apenas contempla a modalidade expressa De qualquer sorte o fato é que em termos de naturalização ou nacionalidade secundária não pode haver imposição mas apenas aceitação e concessão por parte do Estado de acordo com o direito interno da nacionalidade brasileira em substituição à nacionalidade originária De outro lado a concessão pelo Estado é discricionária mesmo com o cumprimento de todos os requisitos pode haver recusa e não há obrigação de fundamentála 939 Como restou destacado em decisão do STF sobre o tema as hipóteses de outorga da nacionalidade brasileira quer se trate de nacionalidade primária ou originária da qual emana a condição de brasileiro nato quer se cuide de nacionalidade secundária ou derivada da qual resulta o status de brasileiro naturalizado decorrem exclusivamente em função de sua natureza mesma do texto constitucional pois a questão da nacionalidade traduz matéria que se sujeita unicamente quanto à sua definição ao poder soberano do Estado brasileiro 940 De qualquer sorte tal entendimento não afasta a conveniência e mesmo a necessidade de se refletir sobre os limites dessa discricionariedade pelo menos os demarcados pelos critérios estabelecidos pela Constituição Federal Considerando que a Constituição prevê apenas a modalidade expressa de naturalização no sentido de que a atribuição da nacionalidade brasileira a um estrangeiro ou mesmo apátrida depende de prévia manifestação requerimento do indivíduo interessado são atualmente quatro as espécies contempladas no direito brasileiro todas reguladas por lei de acordo com o que estabelece o art 12 II a primeira parte da CF Com efeito de acordo com o art 64 da Lei de Imigração Lei 13445 de 24052017 e que substituiu o antigo Estatuto do Estrangeiro 941 a naturalização pode ser 1 ordinária 2 extraordinária 3 especial ou 4 provisória É preciso chamar a atenção desde logo para a distinção traçada pela Constituição entre os estrangeiros em geral aos quais se aplica o disposto na primeira parte do art 12 II a na forma regulamentada pela Lei de Imigração e os estrangeiros oriundos de países de língua portuguesa para os quais a segunda parte do mesmo dispositivo constitucional apenas exige residência por um ano ininterrupto e idoneidade moral Já os portugueses com residência permanente no Brasil encontramse submetidos a outro regime de aquisição da nacionalidade brasileira pois nesse caso em havendo reciprocidade a Constituição prevê a atribuição dos direitos inerentes ao brasileiro naturalizado sem prejuízo da manutenção da nacionalidade portuguesa art 12 1º da CF hipótese também designada pela doutrina de quase nacionalidade 942 o que voltará a ser objeto de atenção logo adiante No que diz com as condições legais relativas às quatro espécies de naturalização no regime do Estatuto anterior eram apenas duas a ordinária e a especial calha em regime sumário incorporar aqui os respectivos dispositivos da Lei de Imigração Para o caso da assim chamada naturalização ordinária o art 65 da lei exige o preenchimento dos seguintes requisitos 1 ser civilmente capaz segundo a lei brasileira 2 residência em território nacional pelo prazo mínimo de 4 quatro anos 3 comunicarse em língua portuguesa consideradas as condições do naturalizando e 4 não possuir condenação penal ou estar reabilitado nos termos da lei Todavia a teor do art 66 do mesmo diploma legal o prazo de residência fixado no inciso II do caput do art 65 será reduzido para no mínimo 1 um ano se o naturalizando preencher quaisquer das seguintes condições 1 ter filho brasileiro 2 ter cônjuge ou companheiro brasileiro e não estar dele separado legalmente ou de fato no momento de concessão da naturalização 3 haver prestado ou poder prestar serviço relevante ao Brasil ou 4 a naturalização ser recomendada por sua capacidade profissional científica ou artística No caso da modalidade extraordinária esta encontra previsão no art 12 II b da CF que dispõe serem brasileiros naturalizados os estrangeiros de qualquer nacionalidade residentes na República Federativa do Brasil há mais de quinze anos ininterruptos e sem condenação penal desde que requeiram a nacionalidade brasileira No que diz com esta modalidade a doutrina refere inclusive a existência de um direito subjetivo à natura lização porque se trata de hipótese prevista diretamente pela Constituição o que limita a discricionariedade 943 Além disso é de se adotar o entendimento de que a lei não poderá ampliar as exigências previstas pela Constituição Federal 944 Aliás é precisamente por tal razão que o art 67 da Lei de Imigração de certa forma apenas reproduz o texto constitucional quando trata da extradição extraordinária À vista do exposto o que se constata é que diferentemente da naturalização ordinária que prevê certa margem de discricionariedade que como visto também encontra limites na Constituição e na própria legislação a naturalização pela via extraordinária uma vez preenchidos os requisitos por parte do requerente seria de reconhecimento cogente por parte do Estado brasileiro A jurisprudência do STF também já enfrentou o tema da naturalização extraordinária no RE 264848 945 que tratou do caso de uma chilena que impetrou mandado de segurança contra ato que declarou nula a sua posse no cargo efetivo de enfermeira da Secretaria de Saúde do Estado de Tocantins que havia conquistado mediante concurso O Tribunal de Tocantins concedeu a ordem e o Estado recorreu dessa decisão por inadmitir nos seus quadros pessoa estrangeira que não tenha reconhecida a naturalização brasileira embora formalmente requerida A Suprema Corte entendeu na ocasião que o requerimento de aquisição de nacionalidade brasileira previsto no dispositivo constitucional antes citado seria suficiente para assegurar a posse no cargo quando o requerente contar com quinze anos ininterruptos de residência fixa no Brasil sem condenação penal Entendeu igualmente que a portaria de formal reconhecimento da naturalização expedida pelo Ministro de Estado da Justiça é de caráter meramente declaratório Pelo que seus efeitos hão de retroagir à data do requerimento do interessado Já no que diz com a naturalização especial também prevista no revogado Estatuto do Estrangeiro poderá de acordo com o art 68 da Lei de Imigração ser atribuída ao estrangeiro que se encontrar em uma das seguintes situações 1 seja cônjuge ou companheiro há mais de 5 cinco anos de integrante do Serviço Exterior Brasileiro em atividade ou de pessoa a serviço do Estado brasileiro no exterior ou 2 seja ou tenha sido empregado em missão diplomática ou em repartição consular do Brasil por mais de 10 dez anos ininterruptos Importa destacar nesta quadra que a exemplo do que já vigorava no regime legal anterior do Estatuto do Estrangeiro o casamento eou a união estável seguem não sendo em regra reconhecidos como critério para a aquisição da nacionalidade pela ordem jurídicoconstitucional o que também é chancelado pelo STF 946 Assim eventual casamento ou união estável de estrangeiroa com brasileirao não representa motivo para a atribuição da nacionalidade salvo precisamente no caso da assim chamada naturalização especial tal como regulada pela Lei de Imigração Notese ainda que também para a hipótese da naturalização especial a Lei de Imigração impõe determinados requisitos designadamente aqueles estabelecidos no seu art 69 e que salvo no concernente à naturalização recomendada em virtude da capacidade profissional esportiva ou artística do requerente coincidem com os da naturalização ordinária 1 ter capacidade civil segundo a lei brasileira 2 comunicarse em língua portuguesa consideradas as condições do naturalizando e 3 não possuir condenação penal ou estar reabilitado nos termos da lei No caso da quarta modalidade a assim chamada naturalização provisória art 70 da Lei de Imigração esta poderá ser concedida aos migrantes que forem crianças ou adolescentes e que tenham fixado residência em território brasileiro antes de completar 10 dez anos de idade devendo a naturalização ser requerida por intermédio de seu representante legal Além disso de acordo com o parágrafo único do citado dispositivo legal a naturalização em caráter provisório poderá ser convertida em definitiva caso isso seja requerido expressamente pelo naturalizando no prazo de dois anos após atingir a maioridade No que diz com o papel exercido pelo STF é perceptível que tem auxiliado na recons trução numa perspectiva mais inclusiva dos critérios para atribuição na nacionalidade secundária naturalização e portanto assegurado um controle da discricionariedade também administrativa nessa seara visto que o processo de naturalização é em primeira linha um processo de natureza administrativa 947 Todavia há que sublinhar que de acordo com o STF as hipóteses de outorga aquisição e perda da nacionalidade brasileira quer de caráter primário quer de natureza secundária naturalização decorrem exclusivamente do texto constitucional Assim nem mediante lei nem por meio de tratados ou convenções internacionais à exceção do disposto no 3º do art 5º da CF ou seja quando se cuidar de tratado equivalente a emenda constitucional será possível inovar no tema seja para ampliar seja para restringir ou mesmo modificar as hipóteses que justificam o acesso à nacionalidade brasileira 948 41653 Distinções entre os brasileiros natos e os naturalizados De acordo com a regra geral prevista no art 12 2º da CF a lei não poderá estabelecer distinção entre brasileiros natos e naturalizados salvo nos casos nela previstos Assim embora afirmada como regra a paridade entre brasileiros natos e naturalizados a própria Constituição prevê algumas diferenças sendo tido como vedadas outras diferen ciações sejam elas contempladas em lei sejam elas deduzidas no sentido de diferenças constitucionais implícitas da Constituição Federal 949 Ao todo são quatro as hipóteses de tratamento diferenciado previstas expressamente na Constituição ligadas a ao exercício de determinados cargos b ao exercício de determinadas funções c em matéria de extradição d no que diz com a propriedade de empresa jornalística e de radiodifusão sonora e de sons e imagens Com efeito o art 12 3º da CF estabelece de forma categórica um elenco fechado de cargos privativos de brasileiro nato quais sejam de Presidente e VicePresidente da República de Presidente da Câmara dos Deputados de Presidente do Senado Federal de Ministro do Supremo Tribunal Federal da carreira diplomática de oficial das Forças Armadas de Ministro de Estado da Defesa Quanto ao exercício de determinada função o art 89 VII da CF determina que dentre os membros do Conselho da República haverá seis brasileiros natos No que se refere à propriedade de empresa jornalística e de radiodifusão por sua vez a Constituição Federal art 222 prevê que no caso dos brasileiros naturalizados há uma restrição temporal pois condiciona a aquisição de tal propriedade a um lapso temporal de 10 anos contados da naturalização A última hipótese já referida diz respeito aos casos de extradição pois de acordo com a Constituição art 5º LI o brasileiro nato não poderá ser extraditado o que não se aplica ao brasileiro naturalizado Convém anotar contudo que de acordo com o STF quem opta pela nacionalidade originária brasileira na forma do art 12 I c da CF detém a condição de brasileiro nato não podendo ser extraditado 950 Em outro julgado o STF afirmou a impossibilidade de a paciente do habeas corpus ser extraditada para Portugal por ser qualificada constitucionalmente como brasileira nata e que o impedimento absoluto de extradição nesses casos não resta afastado pela circunstância de que o extraditando tenha também a nacionalidade do país de origem no caso a portuguesa o que não impede de o Estado brasileiro mediante aplicação extraterritorial de sua lei penal fazer instaurar a persecução criminal cabível com o intuito de impedir a impunidade 951 41654 Perda e reaquisição da nacionalidade brasileira De acordo com lição uníssona na doutrina 952 e na jurisprudência 953 a perda da nacionalidade apenas se dará nos casos expressamente previstos na Constituição Esta no art 12 4º estabelece apenas duas hipóteses ao dispor que será declarada a perda da nacionalidade do brasileiro que I tiver cancelada sua naturalização por sentença judicial em virtude de atividade nociva ao interesse nacional II adquirir outra nacionalidade salvo nos casos a de reconhecimento de nacionalidade originária pela lei estrangeira b de imposição de naturalização pela norma estrangeira ao brasileiro residente em Estado estrangeiro como condição para permanência em seu território ou para o exercício de direitos civis Tais hipóteses serão a seguir objeto de consideração em particular A primeira hipótese contemplada na Constituição diz com a perda da nacionalidade em virtude do cancelamento por decisão judicial da naturalização em determinadas circunstâncias Assim o art 12 4º I da CF veicula uma modalidade de perda da nacio nalidade em caráter punitivo uma espécie de perdapunição 954 que teve sua primeira previsão na Constituição de 1934 com previsão nas Constituições posteriores destacandose que na Constituição de 1937 foi retirada a garantia de um processo judicial tendo esta sido restabelecida em 1946 Que os destinatários de tal hipótese são apenas os brasileiros naturalizados resulta evidente dispensando maiores comentários O que contudo merece maior atenção são as situações que justificam de acordo com a Constituição a imposição de tal medida pois o texto constitucional de modo genérico refere a prática pelo brasileiro naturalizado de atividade nociva ao interesse nacional que segundo alguns pode ser traduzida em ações contrárias à ordem pública ou à segurança nacional 955 Nesse sentido importa colacionar a crítica da doutrina quanto ao fato de que as expressões atividade nociva e interesse nacional são expressões abertas e de conteúdo variável dando margem inclusive a injustiças e perseguições argumentandose ainda que o cancelamento da naturalização não é uma arma por meio da qual o governo possa manifestar seu desagrado em relação à conduta de determinado cidadão 956 Devese observar que essas expressões abertas requerem do legislador e do juiz observância dos parâmetros do Estado Democrático de Direito porque se trata de restrição de direito fundamental 957 Importa acrescentar que a naturalização somente poderá ser cancelada mediante processo iniciado pelo Ministério Público Federal 958 por meio de sentença judicial transitada em julgado decisão que não terá efeitos retroativos 959 cuidandose além disso de perda de caráter personalíssimo atingindo portanto apenas a pessoa que respondeu o respectivo processo judicial não afetando a posição jurídica de eventual cônjuge ou mesmo dos filhos 960 Por derradeiro é de se registrar que em tal hipótese é vedada a reaquisição da nacionalidade perdida em função do cancelamento judicial exceto se tal cancelamento for desfeito por meio de ação rescisória de acordo com os respectivos pressupostos legais 961 Já a segunda hipótese de perda da nacionalidade pode atingir brasileiros natos e naturalizados De acordo com o já referido art 12 4º II da CF tratase da perda da nacionalidade brasileira em virtude da aquisição voluntária de outra nacionalidade A hipótese como referido pela doutrina costuma ser designada um caso de perdamudança 962 Aqui ao contrário do que ocorre na perda em virtude de cancelamento não se faz necessário processo judicial pois a perda será decretada na esfera de processo administrativo e formalizada mediante decreto do Presidente da República garantida ampla defesa 963 Uma hipótese distinta ao menos em parte embora mais próxima da segunda das duas já comentadas foi objeto de reconhecimento pelo STF em caso de extradição deferida para os Estados Unidos da América No caso concreto a extraditanda havia tido a sua nacionalidade brasileira cancelada por decreto do Ministério da Justiça decreto chancelado pelo próprio STF em demanda anterior A extraditanda já detinha muito tempo antes de 1999 quando requereu a nacionalidade norteamericana o assim denominado green card documento que assegura um visto de permanência inclusive para o efeito de trabalho de tal sorte que desnecessária a obtenção da nacionalidade norteamericana Por tal razão entendeu o STF que mediante tal ato a extraditanda manifestou a expressa intenção de se integrar à comunidade norte americana preenchendo assim os requisitos estabelecidos pela CF para a perda da nacionalidade brasileira tendo sido tal critério mantido hígido pela EC 31994 que introduziu as exceções previstas nas alíneas a e b do 4º do inciso II do art 12 da CF 964 A perda da nacionalidade não ocorre contudo nos termos do disposto no art 12 4º II quando a despeito da aquisição de outra nacionalidade se verificarem as seguintes situações a o reconhecimento de nacionalidade originária pela lei estrangeira b a imposição de naturalização pela norma estrangeira ao brasileiro residente em Estado estrangeiro como condição para permanência em seu território ou para o exercício de direitos civis Esta última hipótese aliás tem sido considerada equiparada à aquisição automática em virtude de casamento de outra nacionalidade que não implicaria a perda da nacionalidade brasileira pois a aquisição da outra nacionalidade não seria propriamente voluntária 965 Já no que diz com a alínea b costuma ser invocado que muitos países exigem a naturalização para que estrangeiros trabalhem em seu território 966 Ademais e isso se verifica especialmente no caso da exceção da alínea a que se trata de situações em virtude das quais o vínculo com o Brasil não fica prejudicado 967 De qualquer sorte não é com o mero requerimento de aquisição de outra nacionalidade que se poderá deflagrar o processo administrativo da perda no Brasil pois este somente poderá ser iniciado depois de formalizada a aquisição voluntária da outra nacionalidade 968 Como decorrência da perda o que se aplica tanto ao cancelamento quanto à perda por aquisição voluntária de outra nacionalidade uma vez que esta tenha sido oficializada haverá comunicação ao TSE para efeitos de efetivação automática da perda dos direitos políticos 969 Por fim merece destaque a discussão em torno de eventual possibilidade de reaquisição da nacionalidade brasileira uma vez que tenha havido a perda em virtude de alguma das hipóteses constitucionalmente estabelecidas A esse respeito já se averbou que em sendo a perda decorrente de ação de cancelamento da naturalização portanto por força de decreto judicial a nacionalidade brasileira somente poderá ser readquirida por meio de ação rescisória Caso a perda tenha sido decorrente da aquisição voluntária de outra nacionalidade em princípio nada obsta a que a reaquisição se opere por meio de novo processo de naturalização devendo para tanto o postulante estar domiciliado no Brasil formalizada a reaquisição por novo decreto do Presidente da República Aqui se trata de caso de nacionalidade derivada o que se aplica inclusive ao brasileiro nato atingido pela perda 970 Um dos argumentos centrais esgrimidos para dar suporte a tal entendimento é o de que a perda da nacionalidade se opera sempre com efeitos ex nunc de modo que não se aplicam mais os critérios do jus soli ou do jus sanguinis utilizados para a determinação da condição de brasileiro nato mas sim que se cuida em verdade de uma naturalização facilitada mediante imposição de requisitos menos rigorosos que o antigo nacional tenha domicílio definitivo no Brasil 971 Todavia importa registrar a existência de posição no sentido de que é possível readquirir o status de brasileiro nato 972 O quanto a negação da reaquisição da nacionalidade na modalidade originária pode ser afastada com base no argumento de que os efeitos da perda são prospectivos é de todo modo sujeito a controvérsia pois não se vislumbra smj correlação lógicodeterminista entre uma situação e outra De outra parte a tese de que se cuida nessa hipótese de uma espécie de renaturalização não se aplica ao brasileiro nato pois este não era naturalizado como quanto a este aspecto já sustentava Pontes de Miranda registrandose contudo que o prestigiado jurista era contrário à reaquisição da condição de brasileiro nato 973 Além do mais a equiparação salvo nos casos previstos na Constituição entre brasileiros natos e naturalizados bem como a noção de que a restrição de um direito tão relevante como o da nacionalidade deve ser interpretada de modo o mais restritivo possível igualmente nos animam a ver com simpatia a segunda posição que não recusa o retorno à condição de brasileiro nato daquele que embora a perda por ato voluntário voluntariamente readquire a nacionalidade De qualquer sorte cuidase de problema a exigir maior reflexão do que aqui se poderá desenvolver 41655 O problema da assim chamada dupla nacionalidade A diversidade de critérios acaba por gerar inúmeros conflitos normativos tornando possível que um indivíduo nasça sem nacionalidade apátrida ou com mais de uma nacionalidade dupla nacionalidade 974 O problema da assim chamada dupla nacionalidade por outro lado tem sido objeto de atenção também na esfera jurisprudencial Em caráter ilustrativo referese decisão do STF no HC 83450 975 em que se discutiu o conflito ao menos aparente entre a dupla nacionalidade e a proteção dos nacionais natos de um lado e o critério da nacionalidade efetiva do outro Na hipótese tratavase de um habeas corpus preventivo no bojo do qual foi invocada em favor do paciente a condição de brasileiro nato pois se tratava de filho de brasileira registrado na embaixada do Brasil O paciente afirmava ter conhecimento da intenção do governo da Itália de pedir a sua extradição tendo em conta prisão preventiva originária da Justiça de Milão O relator levando em conta a condição de brasileiro nato do paciente e latente o risco à liberdade concedeu salvoconduto em relação ao instituto da extradição Todavia o Min Nelson Jobim após pedir vista suscitou a matéria relativa à dupla nacionalidade pois a petição informava a cidadania italiana e a condição de filho de brasileira registrado na embaixada do Brasil No seu voto o Min Nelson Jobim após apontar que a Emenda de Revisão 3 de 1994 quebrou a tradição e passou a admitir a dupla nacionalidade invocou precedente da Corte Internacional de Justiça caso Nottebohm envolvendo litígio entre Liechtenstein e Guatemala julgado em 6 de abril de 1955 em que se concluiu que em caso de dupla nacionalidade haveria uma mais efetiva confirmada pelos laços fáticos No caso apreciado pelo STF embora configurada a hipótese de dupla nacionalidade não havia segundo o Min Nelson Jobim elementos suficientes a apurar a existência de laços fáticos fortes quer com o Brasil quer com a Itália Por outro lado embora a alegação de risco de pedido de extradição transcorreram quase dois anos sem que tenha chegado ao tribunal pedido de prisão preventiva Assim em face da ausência de comprovação efetiva da causa do temor não conheceu do habeas corpus o que foi confirmado pela maioria vencido o relator O que se constata a partir do exame da decisão do STF é que a dupla nacionalidade pode assumir relevância na discussão em torno do impedimento ou não da extradição Dito de outro modo é de se indagar se a proibição de extradição de brasileiro nato pode ser afastada em caso de dupla nacionalidade O problema acabou sendo apreciado pelo STF no HC 83113 976 que versava sobre o caso de uma mulher que era brasileira nata porque nasceu no Brasil e portuguesa porque era filha de portugueses tendo estabelecido residência em Portugal aos dois anos de idade nunca mais retornando ao Brasil a não ser após ser processada em Portugal por crimes contra o patrimônio público quando fugiu para o Brasil e alegou não poder ser extraditada por ser brasileira nata 977 De qualquer sorte o habeas corpus foi julgado prejudicado em virtude da perda superveniente de seu objeto de modo que não houve quanto ao mérito posição adotada pelo STF A motivação da perda de objeto foi a informação de que o Ministério das Relações Exteriores cientificou a Missão Diplomática da República Portuguesa da impossibilidade jurídicoconstitucional de extraditar a paciente tendo em vista a condição de brasileira nata Embora o STF não tenha decidido o mérito tendo em vista o que resolveu o Governo do Brasil já na fase administrativa do processo de extradição o relator considerou que o brasileiro nato não pode ser extraditado em nenhuma circunstância pois a vedação constitucional não comporta exceção contendo um impedimento absoluto Agregou ademais que isso não é alterado pelo fato de um Estado estrangeiro também reconhecer o indivíduo como titular de nacionalidade originária de seu país dupla nacionalidade Por fim aponta que o Estado brasileiro pode mediante aplicação extraterritorial de sua lei penal fazer instaurar a persecução criminal cabível com o escopo de impedir a impunidade 41656 Um caso especial a condição jurídicoconstitucional dos cidadãos portugueses a assim chamada quase nacionalidade De acordo com o art 12 1º da CF aos portugueses com residência permanente no País se houver reciprocidade em favor de brasileiros devem ser atribuídos os direitos inerentes ao brasileiro salvo os casos nela previstos 978 A disposição anterior à redação atual que foi dada pela ECR 31994 contemplava a expressão direitos inerentes ao brasi leiro nato de tal sorte que o termo nato acabou sendo suprimido na versão atualmente em vigor A doutrina 979 assim como a jurisprudência do STF 980 em termos gerais sustentam que nesse caso em que o cidadão português mantém a sua nacionalidade de origem e não adquire a brasileira mas lhe é atribuído um status privilegiado se está diante de uma hipótese excepcional de quase nacionalidade de tal sorte que a norma não opera de modo imediato já que se faz necessário o pronunciamento aquiescente do Estado brasileiro fundado na sua soberania dependente de requerimento do interessado que deve preencher os requisitos da convenção sobre igualdade de direitos e deveres entre brasileiros e portugueses 981 Essa convenção firmada em 1971 foi substituída pelo Tratado de Amizade Cooperação e Consulta entre a República Federativa do Brasil e a República Portuguesa celebrado em Porto Seguro em 22 de abril de 2000 O tratado foi promulgado no Brasil pelo Dec 3927 de 19092001 O Título II item 2 do Tratado consagra o Estatuto da Igualdade entre Brasileiros e Portugueses destacandose que são contemplados dois âmbitos a igualdade de direitos e de obrigações e a igualdade de direitos civis No caso de direitos e de obrigações civis deverá o interessado mediante requerimento dirigido ao Ministro da Justiça munido de prova da sua nacionalidade capacidade civil e admissão no Brasil em caráter permanente pleitear a fruição desses direitos 982 No caso dos direitos políticos deverá haver prova do seu gozo em Portugal e da residência no Brasil há pelo menos três anos 983 O exercício dos direitos políticos no Estado de residência acarreta a suspensão do exercício de tais direitos no Estado de nacionalidade 984 O reconhecimento da igualdade plena assegura o direito de votar e de ser votado e também o acesso aos cargos públicos com exceção dos assegurados aos brasileiros natos o que no Brasil engloba o dever relativo à obrigação de votar 985 O benefício é extinto se o indivíduo perder sua nacionalidade e se cessar a autorização para permanecer no Estado de residência Se houver privação de direitos políticos no Estado de nacionalidade haverá igualmente no de residência Caso se ausente do Estado de residência o beneficiário terá direito à proteção diplomática apenas do Estado da nacionalidade 986 41657 O regime jurídico do estrangeiro na Constituição Federal 416571 Aspectos gerais Em termos conceituais estrangeiro é todo aquele que não é nacional nato ou naturalizado de acordo com os parâmetros da ordem jurídica brasileira encontrandose em caráter provisório ou definitivo no território brasileiro incluindose as pessoas sem nacionalidade determinada ou seja os assim chamados apátridas 987 A distinção entre nacionais e estrangeiros tem como consequência a previsão na Constituição e na legislação de uma gama variada de diferenciações no que diz com o regime jurídico dos estrangeiros em relação ao dos nacionais Todavia especialmente quando se trata de direitos e garantias fundamentais a tendência dominante é a de assegurar também aos estrangeiros um leque pelo menos mínimo de direitos Nesse sentido a previsão do caput do art 5º da CF no sentido de garantir tanto aos brasileiros quanto aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida à liberdade à igualdade à segurança e à propriedade nos termos do dispositivo constitucional já revela que a Constituição Federal quanto à titularidade de direitos fundamentais não estabelece pelo menos não de modo generalizado pois ela própria prevê exceções a exclusão dos estrangeiros residentes Um ponto particularmente importante aqui é que mesmo com relação aos estrangeiros não residentes não pode haver exclusão generalizada da proteção de direitos fundamentais tópico que foi objeto de maior atenção no capítulo próprio integrante da parte geral dos direitos fundamentais razão pela qual aqui não será mais desenvolvido 988 No que diz com as disposições constitucionais relativas aos estrangeiros seguem as principais referências não sendo o caso aqui de adentrar no exame pormenorizado do estatuto jurídico do estrangeiro especialmente no que diz com a sua regulação infraconstitucional 989 Assim os estrangeiros não podem se alistar como eleitores art 14 2º compete privativamente à União legislar sobre emigração e imigração entrada extradição e expulsão de estrangeiros art 22 XV é facultado às universidades e às instituições de pesquisa científica e tecnológica admitir professores técnicos e cientistas estrangeiros na forma da lei art 207 1º e 2º os cargos empregos e funções públicas são acessíveis aos estrangeiros na forma da lei art 37 I a lei deverá regular e limitar a aquisição ou o arrendamento de propriedade rural por pessoa física ou jurídica estrangeira e estabelecer os casos que dependerão de autorização do Congresso Nacional art 190 há limitação quanto ao direito de propriedade por parte de estrangeiros no que se refere a empresas jornalísticas e de radiodifusão posto que pelo menos 70 do capital total e do capital votante dessas empresas deverá pertencer direta ou indiretamente a brasileiros natos ou naturalizados há mais de 10 anos que exercerão obrigatoriamente a gestão das atividades e estabelecerão o conteúdo da programação art 222 caput e 1º a lei deve disciplinar os investimentos de capital estrangeiro e a remessa de lucros art 172 lei estabelecerá casos e condições para a efetivação da adoção por parte de estrangeiros art 227 5º a pesquisa e a lavra de recursos minerais e o aproveitamento dos potenciais de energia hidráulica somente poderão ser efetuados por brasileiros ou empresa constituída sob as leis brasileiras e que tenha sede e administração no País art 176 1º 416572 A exclusão do estrangeiro por iniciativa estatal as hipóteses de deportação expulsão e extradição A retirada forçada não voluntária do estrangeiro do País pode ocorrer em três hipóteses às quais correspondem três institutos jurídicos a deportação a expulsão e a extradição Nas duas primeiras situações que são sanções administrativas aplicadas ao estrangeiro cuidase de iniciativa das autoridades locais onde se encontra o estrangeiro que se pretende afastar ao passo que a hipótese de extradição ocorre quando um estrangeiro que se encontra em território brasileiro é afastado do País mediante requerimento formulado pelas autoridades de outro Estado 990 4165721 A deportação se apresenta como forma de exclusão do território nacional do estrangeiro que nele entrou de forma irregular entrada clandestina ou cuja permanência se tornou irregular em razão de excesso de prazo ou de exercício de trabalho remunerado pelo turista 991 A deportação por sua vez uma vez voltando a estar em situação regular não impede o futuro retorno do estrangeiro ao País 992 Por outro lado a deportação não se confunde com o impedimento do ingresso do estrangeiro no País por ausência de preenchimento dos requisitos válidos como ocorre no caso de não ter visto válido ou não estar munido de documento essencial como o passaporte O instituto da deportação o que vale também para a expulsão não se aplica aos brasileiros pois do contrário estaria configurada a hipótese do banimento expressamente vedada pela Constituição art 5º XLVII d 993 Por outro lado importa destacar que não se procederá à deportação caso ela implique extradição não admitida pela ordem jurídica brasileira consoante aliás expressamente estatuído no art 63 do Estatuto do Estrangeiro 994 Tal vedação ademais decorre de uma vedação constitucional implícita 4165722 A expulsão de estrangeiro configura uma medida políticoadministrativa mas que possui um caráter repressivo Diferentemente do que ocorre no caso da deportação a expulsão assume o caráter de reação a condutas ilícitas ou inconvenientes praticadas em território brasileiro pelo estrangeiro Em substituição ao revogado art 65 do Estatuto do Estrangeiro a Lei de Migração Lei 134452017 no caput do art 54 define o instituto da expulsão como a medida administrativa de retirada compulsória de migrante ou visitante do território nacional conjugada com o impedimento de reingresso por prazo determinado O mesmo dispositivo legal no seu 1º estabelece novas causas à expulsão preceituando que Poderá dar causa à expulsão a condenação com sentença transitada em julgado relativa à prática de I crime de genocídio crime contra a humanidade crime de guerra ou crime de agressão nos termos definidos pelo Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional de 1998 promulgado pelo Decreto 4388 de 25 de setembro de 2002 ou II crime comum doloso passível de pena privativa de liberdade consideradas a gravidade e as possibilidades de ressocialização em território nacional A possibilidade de expulsão contudo encontra limites regulados pelo art 55 da Lei de Migração de acordo com o qual não se procederá à expulsão quando I a medida configurar extradição inadmitida pela legislação brasileira II o expulsando a tiver filho brasileiro que esteja sob sua guarda ou dependência econômica ou socioafetiva ou tiver pessoa brasileira sob sua tutela b tiver cônjuge ou companheiro residente no Brasil sem discriminação alguma reconhecido judicial ou legalmente c tiver ingressado no Brasil até os 12 doze anos de idade residindo desde então no País d for pessoa com mais de 70 setenta anos que resida no País há mais de 10 dez anos considerados a gravidade e o fundamento da expulsão Aqui impõese o registro de que não foi incluído na Lei de Migração o disposto nos 1º e 2º do art 75 do já revogado estatuto do estrangeiro que previam respectivamente que a adoção ou o reconhecimento de filho brasileiro supervenientes ao fato que o motivar não teriam o condão de impedir a expulsão 1º e que uma vez verificado o abandono do filho o divórcio ou a separação de fato ou de direito a expulsão poderia efetivarse a qualquer tempo 2º 995 Tais disposições eram fortemente criticadas por setores significativos da doutrina brasileira como é o caso de Valério de Oliveira Mazzuoli para quem os filhos havidos depois da causa que dá ensejo à expulsão também deveriam obstar a sua efetivação desde que comprovada a dependência econômica e em atenção à proteção da identidade convivência familiar e assistência pelos pais 996 No concernente ao entendimento prevalente no STF antes da entrada em vigor da Lei de Imigração a existência de filho brasileiro somente obstaculiza a expulsão quando compro vadamente esteja sob a guarda e dependência do estrangeiro 997 Outrossim calha frisar que o eventual reconhecimento da paternidade de filho por parte de estrangeiro após a expedição do decreto de expulsão não configurava no regime jurídico anterior impedimento ao ato expulsório 998 Todavia como era de se esperar o STF alterou o seu entendimento destacandose aqui a decisão proferida em sede de Tribunal Pleno no RHC 123891 AgRDF rel Min Rosa Weber j em 23022021 no sentido de ser inadmissível a expulsão de estrangeiro que possua filho brasileiro dependente econômico ou socioafetivo ainda que o crime ensejador da expulsão tenha ocorrido em data anterior ao reconhecimento ou adoção do filho No que concerne aos limites do controle judicial do processo de expulsão o que também se aplica aos casos de deportação smj é preciso levar em conta que se por um lado não cabe ao Poder Judiciário intervir no mérito da decisão em razão de certa liberdade dada ao Executivo cuidase de ato de natureza discricionária para avaliar a conveniência e a oportunidade da expulsão por outro não se trata de um ato que possa ser arbitrário seja pelo fato de estar adstrito às hipóteses da lei seja pela circunstância de que não pode resultar em violação de direitos fundamentais 999 A respeito desse ponto dispõe o art 54 da Lei de Imigração que à autoridade competente incumbe resolver sobre a expulsão a duração do impedimento de reingresso e a suspensão ou a revogação de seus efeitos Tal orientação aliás corresponde ao entendimento consolidado do STF no sentido de que a expulsão consiste em ato discricionário do Estado brasileiro de tal sorte que o controle jurisdicional se limita à aferição da legitimidade jurídica do ato designadamente a fiscalização da presença dos pressupostos legais da proibição de expulsão 1000 4165723 A extradição ocorre mediante requerimento de outro país não necessariamente o da nacionalidade do estrangeiro O Estado que recebe o pedido caso o atenda realizará o ato de extraditar que consiste na entrega de indivíduo à Justiça repressiva do Estado requerente para que possa ser julgado criminalmente ou cumpra pena já imposta Do processo de extradição participa necessariamente o Poder Judiciário o que no caso do Brasil cabe ao STF de acordo com o previsto no art 102 I g da CF 1001 Diversamente da expulsão e da deportação o instituto da extradição se aplica somente na esfera penal sendo condições básicas para a concessão da medida que haja processo penal em andamento no Estado que requer a extradição que o fato imputado ao extraditando seja tipificado tanto na lei local do Brasil quanto na do Estado postulante e que o Estado seja competente para processar e julgar o caso 1002 O instituto é aplicado aos crimes comuns e não alcança os crimes políticos Apontase igualmente a necessidade de um mínimo de gravidade e de que não esteja extinta a punibilidade por decurso de tempo seja pela lei do requerente seja pela brasileira 1003 A CF no art 5º LI e LII dispõe que nenhum brasileiro será extraditado salvo o naturalizado em caso de crime comum praticado antes da naturalização ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins na forma da lei e que não será concedida extradição de estrangeiro por crime político ou de opinião 1004 Com relação à vedação de extradição de brasileiro nato convém apontar a ressalva feita no HC 83113 1005 já referido no sentido de que nos casos de vedação o Brasil pode realizar a persecução criminal Além do que dispõe a Constituição a extradição é regulada pela legislação infraconstitucional no caso a Lei de Imigração que revogou o antigo Estatuto do Estrangeiro mas as suas condições e limites são em boa parte determinados pela jurisprudência do STF sobre a matéria Nessa senda a teor do que prevê o art 82 da Lei de Imigração a extradição não será concedida quando I o indivíduo cuja extradição é solicitada ao Brasil for brasileiro nato II o fato que motivar o pedido não for considerado crime no Brasil ou no Estado requerente III o Brasil for competente segundo suas leis para julgar o crime imputado ao extraditando IV a lei brasileira impuser ao crime pena de prisão inferior a 2 dois anos V o extraditando estiver respondendo a processo ou já houver sido condenado ou absolvido no Brasil pelo mesmo fato em que se fundar o pedido VI a punibilidade estiver extinta pela prescrição segundo a lei brasileira ou a do Estado requerente VII o fato constituir crime político ou de opinião VIII o extraditando tiver de responder no Estado requerente perante tribunal ou juízo de exceção IX o extraditando for beneficiário de refúgio nos termos da Lei 9474 de 22 de julho de 1997 ou de asilo territorial 1006 Mas a própria Lei de Imigração estabelece algumas exceções relacionadas às hipóteses acima colacionadas Com efeito de acordo com o 1º do mesmo art 82 a previsão constante do inciso VII não impede a extradição quando o fato constituir principalmente infração à lei penal comum ou quando o crime comum conexo ao delito político constituir o fato principal cabendo agora consoante disposto no 2º à autoridade judiciária competente a apreciação do caráter da infração De outra parte em se tratando de pedido de extradição de brasileiro nato dispõe o 3º do art 82 que para efeitos da determinação da incidência dessa hipótese deverá ser observada nos casos de aquisição de outra nacionalidade pela via da naturalização a anterioridade do fato gerador da extradição Já de acordo com o 4º do citado preceito da Lei de Imigração o STF poderá deixar de considerar crime político o atentado contra chefe de Estado ou quaisquer autoridades bem como crime contra a humanidade crime de guerra crime de genocídio e terrorismo Embora não se trate de um caso de não concessão da extradição calha referir nesse contexto que do ponto de vista processual a eventual interposição de pedido de refúgio implica a suspensão nos termos do art 34 da Lei 94741997 que regulamenta o instituto do refúgio até decisão definitiva qualquer processo de extradição pendente seja na esfera administrativa seja na jurisdicional desde que o processo de extradição seja baseado nos fatos que fundamentam o pedido de refúgio Esse é aliás o entendimento do STF v Ext 1424 Questão de Ordem rel Min Dias Toffoli j em 27062017 sobre a matéria sendo que também de acordo com a nossa Suprema Corte nem mesmo o deferimento da extradição obsta a suspensão do respectivo processo desde que o pedido de refúgio tenha sido formulado antes do trânsito em julgado da decisão que deferiu a extradição Ainda de acordo com a Lei de Migração que regula a matéria a teor do que dispõe o art 83 São condições para concessão da extradição I ter sido o crime cometido no território do Estado requerente ou serem aplicáveis ao extraditando as leis penais desse Estado e II estar o extraditando respondendo a processo investigatório ou a processo penal ou ter sido condenado pelas autoridades judiciárias do Estado requerente a pena privativa de liberdade Outro aspecto de suma relevância no que diz com a regulamentação da extradição diz respeito às hipóteses em que mesmo ela sendo admissível a entrega do extraditando ao Estado requerente poderá ser recusada Nesse sentido de acordo com o art 96 da Lei de Imigração não será efetivada a entrega do extraditando sem que o Estado requerente assuma o compromisso de I não submeter o extraditando a prisão ou processo por fato anterior ao pedido de extradição II computar o tempo da prisão que no Brasil foi imposta por força da extradição III comutar a pena corporal perpétua ou de morte em pena privativa de liberdade respeitado o limite máximo de cumprimento de 30 trinta anos IV não en tregar o extraditando sem consentimento do Brasil a outro Estado que o reclame V não considerar qualquer motivo político para agravar a pena e VI não submeter o extraditando a tortura ou a outros tratamentos ou penas cruéis desumanos ou degradantes Nesse contexto importante notar que a Constituição veda tanto a pena de morte quanto a de caráter perpétuo além de proscrever a imposição de trabalhos forçados a tortura e tratamentos desumanos e degradantes Com base em tais premissas registrase significativa evolução no que diz com a jurisprudência do STF sobre a matéria 1007 Ainda sob a égide da CF1967 designadamente no julgamento da Extradição 426 1008 ficou assen tado que a restrição legal relativa à não efetivação da entrega do extraditando se restringe aos casos de pena de morte e outras penas corporais não estando previstas na lei especial ressalvas quanto à prisão perpétua Após a promulgação da atual Constituição houve alteração importante no entendimento do STF na matéria tornando bem mais rígidas as restrições no campo da extradição Aqui é de ser destacado o julgamento da Extradição 855 1009 que condicionou a efetivação da extradição a prévio compromisso diplomático de comutação das penas inclusive nas hipóteses de cominação de prisão perpétua no Estado requerente tendo em vista que a prisão perpétua é inadmissível na nossa ordem constitucional A extradição por sua vez não encontra obstáculo na circunstância de que o extraditando se encontra em processo de naturalização desde que presentes por óbvio os demais requisitos o que encontra respaldo na jurisprudência do STF como dá conta o julgamento da Ext 1500DF rel Ministro Roberto Barroso ocorrido em 31102017 No mesmo julgado a Corte repisou que também o estado de saúde do extraditando não constitui impedimento ao deferimento do pedido mas poderia operar como óbice à entrega caso comprovado que a efetivação da medida pudesse colocar em risco a sua vida Ainda no que diz com a jurisprudência do STF na matéria é perceptível que este tem efetuado um controle em geral rigoroso dos requisitos da extradição e privilegiado no mais das vezes o direito de liberdade e a maior proteção possível da dignidade do extraditando Dentre os julgados que aqui poderiam ser colacionados assume relevo a Extradição 1121 1010 no bojo da qual embora deferido em parte o pedido o STF considerou que uma vez consumada a prescrição penal seja em face da legislação do Estado requerente seja à luz do ordenamento brasileiro impõese o desatendimento da extradição pois não satisfeito o princípio da dupla punibilidade 1011 Além disso na mesma ocasião foi reafirmado que deve ser observado o critério da eficácia ultrativa da norma penal mais benéfica ao extraditando seja no Brasil seja no Estado requerente A respeito desse ponto prescrição como critério impeditivo da extradição importa seja referido importante julgado do STF Ext 1362DF rel Min Edson Fachin j 06102016 no qual embora tenha sido por maioria seis votos contra cinco indeferido o pedido precisamente pelo fato de ter sido implementado o lapso temporal da pres crição de acordo com a lei brasileira porquanto em causa estava a alegação por parte do Estado requerente Argentina de crimes contra a humanidade o extraditando seria integrante de grupo terrorista envolvido em assassinatos e sequestro de cidadãos contrários ao regime militar que seriam segundo o Código Penal da Argentina imprescritíveis assim como também previsto na legislação internacional Convenção da ONU sobre crimes de guerra e crimes contra a humanidade O Estado requerente ainda argumentou que outra interpretação implicaria transformar o Brasil num abrigo de imunidade para autores das piores violações de direitos humanos violando além disso jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos e o sentido do princípio da prevalência dos direitos humanos contido no art 4º II da CF Notese que de acordo com o voto do rel Min Edson Fachin o pedido deveria ser deferido dada a inexistência de um direito constitucional à prescrição a submissão do Brasil à jurisdição do Tribunal Penal Internacional cujo Estatuto prevê a imprescritibilidade dos crimes contra direitos humanos bem como em face da necessária obediência à jurisprudência da Corte Interamericana e do disposto na Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados que afirma a nulidade de tratado que conflite com norma imperativa do direito internacional sendo vedado ao Estado que tenha ratificado a Convenção invocar limitações do direito nacional para justificar o não adimplemento de obrigações internacionais art 27 da Convenção de Viena Tal entendimento foi acompanhado pelos Ministros Roberto Barroso Rosa Maria Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia A posição que contudo acabou vencedora no sentido do indeferimento da extradição fundouse em síntese nos seguintes argumentos em especial esgrimidos no voto do Ministro Teori Zavascki a a necessidade de cumprimento do art 77 VI do Estatuto do Estrangeiro e do próprio tratado de extradição entre o Brasil e a Argentina que veda a extradição quando extinta a punibilidade pela prescrição b que a natureza dos crimes imputados ao extraditando não tem o condão de afastar a incidência do regramento referido c a aplicação do precedente da ADPF 153DF no sentido da não incidência no Brasil da imprescritibilidade de crimes contra a humanidade por não ter o Brasil aderido à Convenção sobre Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e Crimes contra a Humanidade d o fato de que apenas a lei nacional interna pode regular as hipóteses de prescrição ou imprescritibilidade da pretensão punitiva estatal e que não houve reprodução no direito interno da norma de direito internacional no sentido da imprescritibilidade de crimes contra a humanidade f que o Estatuto de Roma tem natureza de norma supralegal não elide a força normativa do art 5º XV da CF que veda a retroatividade da lei penal salvo quando para beneficiar o réu g por derradeiro não verificada ofensa ao art 27 da Convenção de Viena visto que não se trata de invocar limitações de direito interno para justificar o seu descumprimento mas sim a ocorrência de simples limitação prevista no Tratado de Extradição firmado pelo Brasil e pela Argentina Como se pode verificar tratase de caso complexo e delicado de harmonização entre o direito interno inclusive constitucional e o direito internacional dos direitos humanos Há de se considerar ainda sem que com isso se esteja a tomar partido de uma das duas correntes representadas na decisão do STF que a proibição de retroatividade em prejuízo do réu constitui cláusula pétrea na ordem constitucional brasileira sendo que a submissão à jurisdição do Tribunal Penal Internacional foi inserida no texto da CF pelo poder de reforma da Constituição o que também se aplica a condição de cláusula pétrea a proibição da pena de prisão perpétua igualmente admitida pelo Estatuto do Tribunal Penal Internacional A distinção sugerida entre extradição e entrega aqui com base na normativa internacional parece frágil do ponto de vista jurídico embora recebida com bastante simpatia por setores importantes da doutrina embora não invocada nos votos vencidos De todo modo cuidase de tema de significativa relevância e que merece toda a atenção da literatura especializada Além disso considerando a apertada maioria formada quando do julgamento não está afastada a possibilidade concreta de superação do entendimento que prevaleceu na decisão em casos futuros Notase ademais disso que o STF tem recorrentemente privilegiado uma interpretação extensiva das hipóteses legais que impedem a extradição como dá conta entre outros julgados a Extradição n 1428DF Relator Ministro Gilmar Mendes julgada em 07052019 1012 1013 Neste caso tratavase de pedido de extradição formulado pelo Governo da República Popular da China de nacional acusada do crime de absorção ilegal de fundos públicos previsto no art 176 da Lei Criminal da República Popular da China correspondente ao delito de fazer operar sem a devida autorização ou com autorização obtida mediante declaração falsa instituição financeira inclusive de distribuição de valores imobiliários ou de câmbio constante do art 16 da Lei n 74921986 2 O pedido foi indeferido em virtude do risco de não serem observados requisitos legais e constitucionais em especial direitos humanos e fundamentais dos extraditandos por conta da abertura demasiada dos tipos penais e pela possibilidade de imposição das penas de prisão perpétua ou de morte inexistindo garantia da viabilidade da fiscalização e monitoramento da comutação da pena por parte do Estado brasileiro 41658 As hipóteses de asilo e refúgio O asilo e o refúgio são dois institutos contemplados pelo direito internacional e pelo direito interno e que têm em comum entre outros aspectos o fato de terem como objetivo assegurar a possibilidade de acolhimento e permanência no território de determinado Estado de estrangeiros e apátridas em determinadas circunstâncias Considerando que os institutos não se confundem entre si apresentando características distintas e mesmo obedecendo a um regramento distinto ambos serão apresentados e brevemente analisados em separado 416581 O asilo O instituto jurídico do asilo é regulado em primeira linha pelo direito internacional público designadamente a Convenção sobre Asilo Territorial assinada em Caracas em 28031954 1014 Tal Convenção concretizou e tornou vinculante para os Estados signatários o que já dispunha a Declaração Universal dos Direitos da ONU 1948 que no seu art 14 reconhece a toda pessoa o direito de pedir asilo e de se beneficiar de asilo em outros países quando vítima de perseguição No plano do direito constitucional positivo brasileiro a concessão de asilo político é um dos princípios fundamentais que regem o Brasil nas suas relações internacionais art 4º X da CF Em nível da legislação doméstica é também a Lei de Imigração que regula a matéria todavia de modo significativamente distinto do que o fazia o já revogado Estatuto do Estrangeiro De acordo com o antigo Estatuto o estrangeiro admitido no território nacional na condição de asilado político estava sujeito além dos deveres impostos pelo direito internacional a cumprir as disposições da legislação vigente e as que o Governo brasileiro eventualmente lhe viesse a fixar art 28EE Além disso a teor do art 29 do Estatuto revogado o asilado não podia sair do País sem prévia autorização do Governo brasileiro E mais eventual inobservância da determinação anterior importaria na renúncia ao asilo e impediria o reingresso nessa condição art 29 parágrafo único Conforme a atual Lei de Migração contudo o cenário passou a ser totalmente distinto Com efeito logo no art 27 a lei define que o asilo político que constitui ato discricionário do Estado poderá ser diplomático ou territorial e será outorgado como instrumento de proteção à pessoa Ainda no parágrafo único estabelece que o regulamento disporá sobre as condições para a concessão e a manutenção de asilo Assim segue atual a definição de asilo político em sentido genérico consagrada na melhor doutrina que se desmembra nas modalidades asilo territorial e asilo diplomático 1015 Por meio do asilo político o Estado admite estrangeiro perseguido em seu país de origem por razões ligadas a questões políticas delitos de opinião ou crimes concernentes à segurança do Estado ou outros atos que não configurem quebra do direito penal comum 1016 É possível vislumbrar esse princípio como obrigatoriedade e como concessão de asilo político sem quaisquer restrições 1017 Na ordem jurídicoconstitucional brasileira prevalece o entendimento de que embora possa haver recusa esta deverá estar apenas fundada na inocorrência da hipótese prevista podendo haver controle judicial 1018 Pouco tempo depois de promulgada a atual Constituição o STF se debruçou sobre o tema no julgamento da Extradição 524 rel Min Celso de Mello DJ 08031991 que envolveu o Governo do Paraguai e o extraditando Gustavo Adolfo Stroessner Mora quando o Tribunal concluiu pela ocorrência de uma extradição política disfarçada Nesse caso o Tribunal reconheceu existir frente à proibição de extraditar por motivo de crime político ou de opinião um direito subjetivo público do cidadão estrangeiro de modo a configurar uma limitação jurídica insuperável do poder de extraditar Com relação ao julgado e em geral no que diz respeito ao asilo político relevante a conclusão de que não há contradição absoluta entre os institutos do asilo político e da extradição não havendo vinculação do Poder Judiciário frente ao pronunciamento do Executivo de tal sorte que a concessão de asilo não impede mais adiante eventual extradição desde que presentes os requisitos de modo que apenas haverá impedimento se configurado crime político ou de opinião 1019 Convém frisar que o precedente é importante porque será retomado em julgados posteriores em diálogo com o instituto do refúgio em que pesem as distinções existentes entre os institutos como se verá logo a seguir Por derradeiro importa destacar que afinada com o 4º do art 5º da CF e mesmo com os princípios que regem as relações do Brasil na esfera internacional art 4º a Lei de Migração estabelece uma limitação na concessão de asilo não se concederá asilo a quem tenha cometido crime de genocídio crime contra a humanidade crime de guerra ou crime de agressão nos termos do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional de 1998 promulgado pelo Decreto 4388 de 25 de setembro de 2002 art 28 416582 O refúgio A proteção dos refugiados encontra regulamentação no plano internacional na Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951 promulgada no Brasil pelo Dec 50215 de 1961 e pelo seu Protocolo Adicional de 1966 promulgado no Brasil pelo Dec 70946 de 1972 Na versão original da Convenção consta uma limitação temporal no sentido de abarcar somente fatos ocorridos até 1º de janeiro de 1951 além de uma delimitação geográfica que permitia somente às pessoas provenientes da Europa pedir refúgio limitações que foram retiradas pelo Protocolo de 1966 Importa sublinhar que o instituto do refúgio pode ser objeto de ampliação no que diz com os motivos de concessão no âmbito regional o que pode ser ilustrado recorrendose aos exemplos da Convenção Relativa aos Aspectos Específicos dos Refugiados Africanos de 1969 e da Declaração de Cartagena sobre os Refugiados de 1984 no âmbito da OEA 1020 O instituto acabou recebendo contornos mais amplos do que os que justificam a concessão de asilo pois aplicável também a situações de guerra e de graves perturbações internacionais que precisamente estimularam a elaboração da normativa internacional 1021 No Brasil a CF não contempla o instituto do refúgio de tal sorte que a matéria foi objeto de regulamentação no plano infraconstitucional designadamente pela Lei 94741997 cuja vigência não foi afetada pela Lei de Migração Ademais disso é de se sublinhar que o art 121 da Lei de Migração dispõe que a aplicação desta Lei de Migração não impede o tratamento mais favorável assegurado por tratado em que a República Federativa do Brasil seja parte A concessão de refúgio se opera pela via administrativa e a decisão é do Poder Executivo por meio do Comitê Nacional para os Refugiados CONARE órgão vinculado ao Ministério da Justiça que analisa os pedidos e decide sobre as solicitações de refúgio inclusive no que diz com a sua cessação A concessão do refúgio assegura ao beneficiário o respectivo status e proteção nos termos da lei interna e diplomas internacionais aplicáveis1022 Uma das principais consequências do reconhecimento da condição de refugiado nos termos do art 33 da Lei 94741997 é a de que resulta obstado o seguimento de qualquer pedido de extradição baseado nos fatos que fundamentaram a concessão de refúgio Todavia como também a decisão sobre o refúgio não está imune ao controle jurisdicional caberá aqui também ao STF se pronunciar sobre a matéria especialmente para o efeito de aferir a legalidade do ato administrativo que poderá vir a ser declarado nulo quando então poderá ocorrer a extradição de quem solicitou o refúgio cuja análise estará a cargo do STF 1023 Aliás importa sublinhar que na esfera jurisprudencial houve oscilação significativa no que diz com a orientação adotada pelo STF na matéria Assim ao passo que na Extra dição 785 1024 o STF entendeu que a decisão de reconhecimento da condição de refugiado seria causa absoluta de prejudicialidade das extradições fundadas nos mesmos fatos tal entendimento foi objeto de alteração quando do julgamento das Extradições 1008 e 1085 Com efeito na Extradição 1008 1025 o Min Gilmar Mendes submeteu ao Plenário questão de ordem relativa à aplicabilidade ou não do art 33 da lei antes referida De acordo com o ministro tratavase do primeiro caso em que houve concessão administrativa de refúgio a extraditando Apontou ainda que a Constituição atribui ao STF competência originária para apreciar pedido de extradição e a vedação constitucional de extradição em decorrência de crimes políticos ou de opinião invocando igualmente disposições do Estatuto do Estrangeiro no sentido de que compete ao STF avaliar o caráter da infração além da existência de casos previstos no Estatuto em que o Tribunal pode deixar de considerar o delito como crime político Concluiu que cabe ao STF avaliar a natureza política do delito imputado ao extraditando Levando em conta a dinâmica de separação dos poderes sugeriu o ministro fosse adotada a mesma posição praticada no caso de asilo político para que a decisão administrativa a respeito da concessão de refúgio não obstasse de forma absoluta e generalizada qualquer pedido de extradição apresentado à Suprema Corte Entendeu na linha de precedente do Min Celso de Mello referente a asilo que a extradição somente estará impedida se os fatos que a motivarem forem qualificados como crimes políticos ou de opinião ou se as circunstâncias indicarem que se trata de extradição política disfarçada Em sentido diverso o Min Sepúlveda Pertence entendeu válido o art 33 da Lei dos Refugiados que dentre outros elementos indica ser de competência do Executivo a qualificação como crime político No mesmo sentido se posicionou o Min Joaquim Barbosa que não vê proeminência do Judiciário nas relações internacionais afirmando que a judicialização vem em benefício do extraditando Já o Min Cezar Peluso em síntese não vislumbrou óbice a que a lei estabeleça condições de admissibilidade da extradição o caso em exame seria uma delas e que não viu pertinência quanto ao argumento da separação dos poderes A Ministra Cármen Lúcia sublinhou a possibilidade de o Executivo não remeter sequer a extradição ao STF e que caso já enviada o tribunal teria de julgar prejudicada a extradição por ausência de objeto Também os Ministros Ricardo Lewandowski Eros Grau Carlos Britto Marco Aurélio e Celso de Mello divergiram do relator que restou vencido Já na Extradição 1085 1026 que trata do famoso Caso Battisti o desfecho foi diferente Por maioria foi reconhecida ilegalidade no ato de concessão de refúgio ao extraditando pelo Ministro da Justiça Também por maioria foi deferido o pedido de extradição e foi reconhecido que o deferimento não vincula o Presidente da República Dentre os diversos aspectos que podem ser extraídos desse julgado é possível destacar a conclusão de que não houve configuração de crime político e de que houve homicídio praticado por membro de organização revolucionária clandestina em plena normalidade institucional de Estado Democrático de Direito sem nenhum propósito político imediato ou conotação de reação legítima a regime opressivo Independentemente de uma tomada de posição a respeito do acerto ou equívoco por parte do STF a evolução aqui sumariamente retratada indica que se cuida de matéria altamente polêmica e que acarreta repercussão relevante inclusive em nível internacional podendo até mesmo abalar as relações entre o Brasil e outros Estados De qualquer sorte é preciso enfatizar que eventual controle jurisdicional da decisão sobre o refúgio deverá ser excepcional e limitarse consoante já referido a um estrito controle da legalidade do ato do Poder Executivo A responsabilidade pela concessão do refúgio e portanto pela não viabilidade da extradição deverá ser assumida por quem detém também a prerrogativa de conduzir o Brasil no plano das relações internacionais No caso de negativa do refúgio poderá então o STF como guardião das liberdades fundamentais avaliar criteriosamente se eventual pedido de extradição é cabível e compatível com a sua jurisprudência que privilegia a proteção da liberdade e da dignidade individual 417 Direitos políticos 4171 Considerações gerais o significado jurídico da democracia e sua relação com os direitos políticos e os direitos fundamentais em geral Se a nacionalidade representa o vínculo jurídicopolítico do indivíduo com o Estado e sua respectiva ordem jurídica a cidadania que em regra pressupõe a nacionalidade mas não necessariamente bem como os direitos e deveres fundamentais que lhe são correlatos guarda estreita relação com o assim designado status activus da cidadania do indivíduo ou seja com os seus direitos competências de participação ativa na formação da vontade política estatal e nesse sentido do processo democrático e decisório 1027 Precisamente quanto a tal aspecto assume relevo a vinculação entre a democracia e os direitos políticos e a dignidade humana pois de acordo com a lição de Peter Häberle a democracia é a garantia organizacional e política da dignidade da pessoa humana e do pluralismo ao passo que esta assume a condição de premissa e pressuposto antropológico do Estado Democrático de Direito 1028 Afinal é mediante a fruição de direitos de participação política ativos e passivos que o indivíduo não será reduzido à condição de mero objeto da vontade estatal mero súdito mas terá assegurada a sua con dição de sujeito do processo de decisão sobre a sua própria vida e a da comunidade que integra Assim os direitos políticos ainda mais quando assumem a condição de direitos fundamentais vinculando os órgãos estatais incluindo o Poder Legislativo exercem nesse contexto dúplice função pois se por um lado são elementos essenciais e garantes da democracia no Estado Constitucional aqui se destaca a função democrática dos direitos fundamentais por outro representam limites à própria maioria parlamentar já que esta no campo de suas opções políticas há de respeitar os direitos fundamentais e os parâmetros estabelecidos pelos direitos políticos 1029 de tal sorte que entre os direitos políticos e os direitos fundamentais em geral e a democracia se verifica uma relação de reciprocidade e interdependência 1030 caracterizada por uma permanente e recíproca implicação e tensão 1031 Considerando ademais que no Estado Constitucional no Brasil definido e formatado como um Estado Democrático de Direito a relação entre democracia e direitos políticos está em primeira linha definida pela própria Constituição necessário reconhecer que a democracia é um conceito jurídicoconstitucional cujo conteúdo e alcance devem ser compreendidos avaliados e aplicados com um olhar voltado para as peculiaridades do sistema de direito constitucional positivo vigente de modo a privilegiar uma concepção constitucionalmente adequada 1032 Assim é com base no sistema constitucional de modo especial a partir dos direitos políticos do modelo adotado com relação aos partidos políticos na configuração do sistema eleitoral na maior ou menor deferência em relação aos mecanismos de participação direta no processo político entre outros indicadores que se poderá encontrar uma definição constitucional de democracia Mas a democracia como se sabe não é apenas forma ou seja um processo de legiti mação da aquisição e exercício do poder estatal com base na noção de soberania popular muito embora tal dimensão siga sendo imprescindível e seja mesmo constitutiva da própria democracia 1033 Somase a isso uma dimensão material pois no contexto de um Estado Democrático de Direito a própria democracia se descaracteriza sem o reconhecimento respeito proteção e promoção de determinados princípios e valores e direitos fundamentais pois do contrário o governo do povo e pelo povo poderá eventualmente não ser um governo para o povo 1034 Aliás não é à toa que um Bertold Brecht se perguntava Numa democracia todo o poder emana do povo mas para onde mesmo ele vai 1035 Em todo caso o que aqui está em pauta é que a democracia constitucional não poderá ser apenas formal mas acima de tudo substancial pois a própria democracia deve se relegitimar permanentemente pois o governo democrático não deve ser legítimo apenas uma vez quando de algum ponto de partida 1036 Vale frisar que à assim chamada legitimação pelo título origem e pelo procedimento sempre deverá ser acrescida uma legitimação pelo conteúdo sendo nesse plano que os princípios fundamentais com destaque para a separação dos poderes a dignidade da pessoa humana a soberania a cidadania o pluralismo político no Brasil expressamente elencados no art 1º da CF não podem ser dissociados da compreensão concreta da democracia assim como se dá com os direitos humanos e fundamentais em geral 1037 Igualmente relevantes para uma democracia efetiva se revelam os princípios da constitucionalidade e da legalidade a responsabilidade política dos detentores de poder a independência do Poder Judiciário precisamente para fazer valer os princípios e direitos fundamentais incluindo os direitos políticos o que tudo somado e devidamente articulado assegura que se possa falar em autêntico Estado Democrático de Direito 1038 4172 Os direitos políticos como direitos humanos e fundamentais 41721 Considerações gerais Os direitos políticos integram os catálogos constitucionais de direitos há muito tempo sendo além disso reconhecidos e protegidos no âmbito do sistema internacional dos direitos humanos Por outro lado é preciso lembrar que assim como se deu com outros direitos fundamentais os direitos políticos experimentaram importante processo de mutação em termos quantitativos e qualitativos como se pode verificar em caráter ilustrativo a partir do exemplo da gradativa extensão do sufrágio portanto com a ampliação de sua titularidade a um círculo maior de pessoas bem como com a ampliação das suas garantias o aperfeiçoamento das condições de elegibilidade o papel dos partidos políticos e a própria liberdade de associação partidária entre outros que poderiam ser colacionados Por outro lado os direitos políticos dizem respeito em primeira linha ao processo político interno dos Estados de tal sorte que esses possuem uma relativamente grande margem de ação no que diz com a formatação mediante o direito constitucional positivo e a legislação e jurisprudência nacional de seu respectivo modelo democrático e do conteúdo e alcance dos respectivos direitos políticos Assim diversamente do que ocorre em outros setores no que concerne aos direitos políticos e a sua formatação concreta o direito internacional dos direitos humanos limitase ao estabelecimento de algumas pautas mínimas voltadas especialmente à garantia do direito de sufrágio à isonomia no processo eleitoral etc O fenômeno ora relatado se manifesta de forma particularmente clara no caso brasileiro pois também na seara dos direitos políticos e dos partidos políticos a Constituição Federal foi relativamente minuciosa e incluiu regras bastante precisas inclusive no concernente às condições de elegibilidade etc muito embora tal modelo não tenha sido incorporado pela expressiva maioria dos países De qualquer sorte para que se possa pelo menos visualizar com base em alguns exemplos como os direitos políticos foram reconhecidos no plano supranacional e no direito constitucional estrangeiro seguem algumas informações 41722 Os direitos políticos no plano supranacional internacional e regional Muito embora seja na esfera interna de cada Estado que os direitos políticos encontram sua formatação concreta o valor da democracia para a comunidade internacional e a relevância da participação individual nos processos de decisão sobre os destinos da comunidade para cada pessoa e a afirmação de sua dignidade também o direito internacional dos direitos humanos acabou consagrando uma pauta mínima em matéria de direitos políticos a começar pela Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 cujo art XXI dispõe 1 Toda pessoa tem o direito de tomar parte no governo de seu país diretamente ou por intermédio de representantes livremente escolhidos 2 Toda pessoa tem igual direito de acesso ao serviço público do seu país 3 A vontade do povo será a base da autoridade do governo esta vontade será expressa em eleições periódicas e legítimas por sufrágio universal por voto secreto ou processo equivalente que assegure a liberdade de voto Nos tratados internacionais posteriores no âmbito do sistema da ONU e dos subsistemas regionais tais diretrizes foram retomadas e reafirmadas na sua essência Assim por exemplo o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos 1966 no seu art 3º dispõe que os Estadospartes no presente Pacto comprometemse a assegurar a homens e mulheres igualdade no gozo de todos os direitos civis e políticos enunciados no presente Pacto sendo que no art 25 consagra especificamente tais direitos políticos enunciando que todo cidadão terá o direito e a possibilidade sem qualquer das formas de discriminação mencionadas no art 2º e sem restrições infundadas a de participar da condução dos assuntos públicos diretamente ou por meio de representantes livremente escolhidos b de votar e ser eleito em eleições periódicas autênticas realizadas por sufrágio universal e igualitário e por voto secreto que garantam a manifestação da vontade dos eleitores c de ter acesso em condições gerais de igualdade às funções públicas de seu país O Pacto de São José da Costa Rica 1969 por sua vez no seu art 23 1 enuncia que todos os cidadãos devem gozar dos seguintes direitos e oportunidades a de participar da condução dos assuntos públicos diretamente ou por meio de representantes livremente eleitos b de votar e serem eleitos em eleições periódicas autênticas realizadas por sufrágio universal e igualitário e por voto secreto que garantam a livre expressão da vontade dos eleitores e c de terem acesso em condições gerais de igualdade às funções públicas de seu país acrescentando relevante regra geral sobre a regulamentação e restrição de tais direitos pois no item 2 do mesmo art 23 o Pacto de São José da Costa Rica dispõe que a lei pode regular o exercício dos direitos e oportunidades a que se refere o inciso anterior exclusivamente por motivo de idade nacionalidade residência idioma instrução capacidade civil ou mental ou condenação por juiz com petente em processo penal Por derradeiro sem prejuízo de outros documentos que poderiam ainda ser colacionados convém referir a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia 2000 cujo art 39 assegura o direito de eleger e ser eleito nas eleições para o Parlamento Europeu nos seguintes termos 1 Todos os cidadãos da União gozam do direito de eleger e de serem eleitos para o Parlamento Europeu no EstadoMembro de residência nas mesmas condições que os nacionais desse Estado 2 Os membros do Parlamento Europeu são eleitos por sufrágio universal direto livre e secreto Já no art 40 da Carta encontrase enunciado o direito de eleger e de ser eleito nas eleições municipais no sentido de que todos os cidadãos da União gozam do direito de eleger e de serem eleitos nas eleições municipais do EstadoMembro de residência nas mesmas condições que os nacionais desse Estado O que se percebe no caso da Europa é o reconhecimento de uma cidadania europeia supranacional que implica um direito ao sufrágio ativo e passivo sem prejuízo dos direitos políticos assegurados no plano interno de cada Estado integrante da União assunto que embora a necessária sinergia com o plano europeu é regulado pelas Constituições e pela legislação dos Estados integrantes da União 4173 Os direitos políticos no constitucionalismo brasileiro 41731 Constituições anteriores A Carta Imperial de 1824 tratou da perda e da suspensão dos direitos políticos nos seus arts 7º e 8º ao passo que os arts 90 a 97 situados no Título IV Do Poder Legislativo trataram das eleições destacandose a previsão como habitual naquela quadra da evolução constitucional mundial de limitações de renda tanto para ser eleitor quanto para ser eleito arts 92 V 93 e 95 I além da própria característica de as eleições serem indiretas art 90 A Constituição de 1891 nos seus arts 26 e ss estabeleceu condições de elegibilidade para o Congresso Nacional e para o Poder Executivo art 47 A definição dos eleitores e as limitações quanto ao alistamento bem como as inelegibilidades foram reguladas no art 70 ao passo que os casos de perda e suspensão dos direitos políticos foram regrados no art 71 Importa frisar que embora tenha sido afastado o assim chamado voto censitário a Constituição de 1891 estabeleceu a vedação do alistamento como eleitores com relação aos mendigos e aos analfabetos art 70 1º A Constituição de 1934 embora tenha mantido a vedação do alistamento dos mendigos e analfabetos atribuiu o direito de sufrágio às mulheres sendo quanto a isso a primeira na evolução constitucional brasileira mas em sentido mais restritivo previu expressivo número de hipóteses de inelegibilidade art 112 Em termos gerais exceção feita ao elenco mais variável no tempo das hipóteses de inelegibilidade a Constituição de 1937 ressalvadas as limitações fortes ao processo democrático aos partidos políticos etc contemplava em geral idênticos direitos políticos ativos e passivos o mesmo ocorrendo com as Constituições de 1946 e 19671969 neste último caso novamente presentes o caráter autoritário e uma série de restrições ao exercício dos direitos políticos e à atividade partidária Particular destaque mas em sentido não positivo do ponto de vista dos direitos fundamentais merece o art 151 da Constituição de 1967 que previu a suspensão dos direitos políticos quando do seu exercício abusivo Outro aspecto de relevo é que até a entrada em vigor da EC 25 de 1985 os analfabetos estavam excluídos do alistamento eleitoral no âmbito do constitucionalismo brasileiro 41732 Os direitos políticos na Constituição Federal de 1988 417321 Considerações gerais o regime jurídicoconstitucional dos direitos políticos na condição de direitos fundamentais Os direitos políticos como de resto os direitos fundamentais em geral tiveram uma posição de destaque na Constituição Federal Os direitos políticos em sentido estrito no sentido de direitos e garantias diretamente destinados a assegurar uma livre e eficaz participação do cidadão nos processos de tomada de decisão política na esfera estatal foram contemplados pela CF nos arts 14 a 16 ao passo que o regime jurídicoconstitucional dos partidos políticos foi objeto de previsão no art 17 ainda no Título Dos direitos e garantias fundamentais Assim embora previstos em capítulo apartado os partidos políticos integram o conjunto dos direitos políticos em especial a liberdade de criação e de associação partidária essencial à concepção de democracia representativa e partidária que é predominante na Constituição Além disso ninguém poderá eleger alguém que não esteja vinculado a partido político sendo tal vinculação condição de exercício dos direitos políticos passivos Ainda assim pela sua relevância e pelas peculiaridades do regime jurídico dos partidos políticos estes serão abordados em separado A circunstância de que os direitos políticos são em primeira linha direitos fundamen tais é de crucial relevância em diversos aspectos já que da condição de direitos fundamentais como já desenvolvido na parte dedicada à teoria geral dos direitos fundamentais na Constituição decorre uma série de consequências Antes contudo de avançarmos quanto ao regime jurídico constitucional dos direitos políticos convém firmar posição quanto a um ponto preliminar de importância não secundária Com efeito a afirmação de que os direitos políticos são direitos fundamentais poderá ser até mesmo questionada pois a CF nos arts 14 a 16 contempla dispositivos que não foram previstos em outras Constituições não constam dos tratados de direitos humanos e não necessariamente como ocorre em outros países carecem de previsão constitucional podendo ser até mesmo regulados no plano da legislação complementar ou ordinária a depender da matéria A indagação já faria sentido pelo fato de que no art 60 4º da CF onde se encontram enunciados os limites materiais expressos ao poder de reforma constitucional os direitos políticos ao menos como categoria geral não foram referidos assim como os partidos políticos Pelo contrário apenas o voto e seus elementos essenciais lá foram expressamente considerados Assim tendo em conta que os direitos e garantias individuais também foram previs tos no elenco das cláusulas pétreas do art 60 4º não seria de se afastar de plano uma argumentação restritiva pois em não sendo protegidos contra a reforma constitucional na condição de limites fundamentais é plausível que alguém possa justificar uma concepção mais estrita de direitos políticos no sentido de que apenas o direito de voto direto secreto universal e periódico seria um verdadeiro direito fundamental ao passo que os demais direitos políticos teriam status meramente constitucional A posição aqui adotada contudo busca manter coerência com a concepção alargada de direitos fundamentais apresentada no capítulo da respectiva teoria geral Aliás nem mesmo eventual afastamento da condição de limites materiais ao poder de reforma com o que não concordamos por si só seria suficiente no entender de alguns para justificar a exclusão de parte dos dispositivos dos arts 1416 da CF mas também do art 17 do grupo dos direitos fundamentais até mesmo pelo fato de que tal condição não é necessariamente incompatível com um regime jurídico em parte distinto como ocorre por exemplo em Portugal e na Espanha muito embora não no concernente aos direitos políticos Em caráter de síntese afirmase portanto que todos os direitos e garantias contemplados nos arts 1416 da CF são direitos fundamentais dotados em regra de aplicabilidade imediata art 5º 1º vinculando diretamente os atores estatais e além disso gozando da condição de cláusulas pétreas seja por se tratar em geral de direitos e garantias individuais seja pela possível invocação da noção de limites materiais implícitos consoante reconhecido pelo próprio STF por exemplo quando do julgamento sobre a aplicação da assim chamada Lei da Ficha Limpa onde foi invocada a garantia estabelecida pelo art 16 da CF e sustentado se tratar de limite à reforma constitucional 1039 Por outro lado a condição de serem todos os direitos políticos direitos fundamentais pelo menos aqueles previstos no Título II da CF não afasta importantes diferenças de tratamento que dependem por um lado da própria estrutura normativa princípios eou regras de limitações ou mesmo exceções estabelecidas pela própria Constituição da maior ou menor liberdade de conformação deferida ao legislador infraconstitucional dos assim chamados limites aos limites entre outros que aqui poderiam ser mencionados o que voltará a ser considerado no momento oportuno Por ora antes de avançarmos em caráter de síntese parcial é o caso de apresentar mos seis diretrizes que reputamos centrais para um modo constitucionalmente adequado de compreender o que são os direitos políticos como direitos fundamentais inclusive e mesmo em especial no que diz com as consequências que daí se hão de extrair 1 Todos os direitos políticos previstos no Título II da CF têm igual dignidade constitucional na condição de direitos fundamentais 2 Como direitos fundamentais todos os direitos políticos devem ser submetidos em termos substanciais ao mesmo regime jurídico constitucional com destaque para a aplicabilidade imediata de suas normas art 5º 1º da CF a vinculação direta e isenta de lacunas dos órgãos estatais a condição de cláusulas pétreas e a aplicação do regime do controle das restrições em matéria de direitos fundamentais com destaque para a observância das reservas legais simples e qualificadas os critérios da proporcionalidade e a salvaguarda do núcleo essencial para referir os mais relevantes 3 Como integrantes de um sistema de direitos fundamentais com os quais estão em relação de coordenação e articulação os direitos políticos não têm a priori peso maior ou menor que os demais direitos e garantias fundamentais devendo ser aplicados de modo sistemático e harmônico 1040 mediante o estabelecimento da maior concordância prática Hesse possível tanto quando em relação de tensão com outros direitos fundamentais quanto no caso de conflito com outros bens constitucionais 4 Os direitos políticos na sua condição de direitos fundamentais reúnem dois aspectos que definem tal condição Ao passo que na perspectiva material está em causa a sua posição de destaque para a dignidade da pessoa humana e a democracia mas também para a fruição dos demais direitos fundamentais no plano formal tal condição de direito fundamental se traduz como já antecipado num conjunto de garantias ou seja num regime jurídicoconstitucional privilegiado e que assegura que tais direitos possam cumprir com as suas funções no Estado Constitucional 5 Como direitos fundamentais também os direitos políticos cumprem múltiplas funções no sistema constitucional o que como já se averbou na parte relativa à teoria geral dos direitos fundamentais guarda relação com a circunstância de os direitos políticos possuírem tanto uma dimensão subjetiva quanto uma dimensão objetiva implicando um complexo de direitos posições subjetivas de caráter negativo e positivo e de deveres vinculados à dimensão objetiva o que contudo será objeto de maior atenção a seguir 6 Embora o elenco de direitos políticos previsto na CF seja bem mais amplo que os consagrados nos tratados internacionais de direitos humanos existem aspectos previstos no direito internacional que não encontram referência na nossa ordem constitucional inclusive no que diz respeito às causas de inelegibilidade Ademais disso os parâmetros postos pelo sistema internacional devem ser objeto de observância pelo legislador e pelos órgãos judiciários internos no contexto do assim chamado controle de convencionalidade ainda e exatamente pelo fato de o direito internacional assumir o papel de um piso mínimo vinculante para o direito interno1041 Retomando aqui a questão da dupla dimensão subjetiva e objetiva dos direitos políticos na condição de direitos fundamentais é convencional iniciar pela primeira Com efeito também os direitos políticos são em primeira linha direitos fundamentais ou seja direitos subjetivos dotados de um regime particularmente reforçado do ponto de vista constitucional que abarcam um conjunto diferenciado de posições jurídicas de titularidade individual eou coletiva atribuídas ao cidadão muito embora e aqui um aspecto vinculado à dimensão objetiva a Constituição Federal tenha tornado obrigatório o alistamento eleitoral e o voto entre os 18 e os 70 anos de idade razão pela qual aqui se fala numa figura híbrida de um direitodever o que será examinado mais adiante No que diz com a sua assim chamada dimensão objetiva para além e independentemente de sua condição de direitos subjetivos os direitos políticos além de serem parâmetros vinculantes para a interpretação e aplicação do direito infraconstitucional no âmbito de um dever de interpretação conforme à Constituição poderão quando isso não for possível gerar a declaração de inconstitucionalidade das normas infraconstitucionais Além disso os direitos políticos poderão em determinadas hipóteses vincular não apenas os órgãos estatais que são sempre diretamente vinculados aos direitos fundamentais mas também gerar consequências jurídicas para os atores privados com destaque aqui para os partidos políticos que são pessoas jurídicas de direito privado não sendo o caso de adentrar na discussão sobre se tal eficácia dos direitos políticos nas relações privadas é imediata ou mediata para o que também remetemos às considerações tecidas na parte relativa à teoria geral dos direitos fundamentais De qualquer sorte apenas com o intuito de ilustrar a relevância prática do problema da eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas valemonos do exemplo colacionado por Néviton Guedes para quem não obstante a Justiça Eleitoral e a Lei Eleitoral costumem conferir maior liberdade à imprensa escrita empresas privadas em relação às empresas de rádio e televisão no que tange à propaganda eleitoral não se afigura possível que à luz da Constituição Federal e uma vez atendidas as limitações legais art 43 da Lei 95041997 um jornal impresso possa quando veicula propaganda eleitoral em suas páginas negar a publicação de propaganda paga por determinado candidato partido ou coligação sob a alegação de não concordar com suas propostas e perfil ideológico pois isso implicaria violação do princípio da igualdade que também nessa esfera alcança plena eficácia 1042 Por outro lado impende agregar que também os direitos políticos geram para os órgãos estatais deveres de proteção que por sua vez implicam deveres de atuação na esfera normativa deveres de legislar e fática assim como deveres no campo da organização e do procedimento por exemplo a disponibilização de estruturas organizacionais a Justiça Eleitoral e procedimentais inclusive de técnicas processuais aptas a assegurar a fruição dos direitos políticos e evitar ou reprimir intervenções ilegítimas por parte do Estado e de terceiros mas ao mesmo tempo salvaguardar os interesses e direitos fundamentais de terceiros e bens comunitários Assim como se verifica com os direitos fundamentais em geral também os direitos políticos reclamam seja estabelecida uma equação proporcional entre excesso de intervenção em seu respectivo âmbito de proteção e insuficiência de proteção Até mesmo a criminalização de condutas que violam os direitos políticos como modo de realizar o dever de proteção estatal mas também a proibição de descriminalização notadamente quando ausentes mecanismos alternativos e eficazes para assegurar o exercício dos direitos políticos assumem relevo nesse contexto o que aqui contudo não poderá ser objeto de maior desenvolvimento A dimensão objetiva dos direitos políticos guarda relação com uma ampliação do espaço da dimensão subjetiva pois a exemplo do que foi versado na parte geral dos direitos fundamentais deste Curso para além de direitos de defesa direitos negativos no sentido de posições subjetivas que têm por objeto bloquear a intervenção no âmbito de proteção do direito no sentido de proibições de intervenção ou a depender do caso assegurar o não impedimento de ações ou omissões por parte do seu titular os direitos políticos assumem a condição de direitos a prestações que por sua vez abarcam tanto prestações em sentido amplo incluindo prestações normativas quanto direitos a prestações materiais por exemplo que sejam colocadas à disposição dos eleitores as condições fáticas para o exercício de seu direitodever Assim é possível perceber que assiste razão a Klaus Stern ao apontar que os direitos políticos não podem ser desvinculados dos demais direitos de liberdade constituindo juntamente com esses uma espécie de status global e abrangente da liberdade Gesamtfreiheitstatus o que se manifesta especialmente em virtude do estreito vínculo entre os direitos políticos e as liberdades de associação reunião informação e comunicação em geral igualmente fundamentais para a ordem democrática 1043 Por derradeiro ainda na esfera das considerações gerais o regime jurídicoconstitucional dos direitos políticos inclui além da condição de limites materiais à reforma constitucional a proteção reforçada de tais direitos em relação às intervenções restritivas do legislador infraconstitucional mas também dos demais atores estatais Eventuais limi tes além dos expressamente previstos no próprio texto constitucional devem observar quando for o caso as exigências da reserva legal simples ou qualificada a exigência por exemplo de lei complementar em determinadas situações portanto operar nos limites da autorização constitucional para a imposição de restrições por meio da lei Além disso a legislação restritiva do âmbito de proteção dos direitos políticos mas também as restrições veiculadas por ato administrativo com ou sem caráter normativo ou mesmo decisão judicial devem ser submetidas a rigoroso controle quanto à sua legitimidade constitucional incluindo a observância dos critérios da proporcionalidade da segurança jurídica com destaque para a proteção da confiança legítima assim como a salvaguarda do núcleo essencial do direito Em todo caso cuidandose de intervenções restritivas não expressamente autorizadas pela Constituição Federal a restrição do direito político para além dos aspectos colacionados apenas será legítima quando justificada pela necessidade de proteger outros direitos fundamentais ou bens de hierarquia constitucional Tais questões no que diz com a dogmática dos limites e restrições em geral podem ser conferidas no respectivo item da teoria geral dos direitos fundamentais sem prejuízo de alguma anotação específica no contexto particular dos direitos políticos que venha a ser feita 417322 O sufrágio e o direito de voto De acordo com o disposto no art 14 da CF a soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto com valor igual para todos Aliás nunca é demais frisar que no âmbito de um Estado Democrático o direito fundamental ao voto sufrágio é de relevância central contemplado nas Declarações de Direitos desde o século XVII quando de sua incorporação no Bill of Rights na Inglaterra em 1689 assegu rando a livre eleição dos membros do Parlamento 1044 Como bem alerta Néviton Guedes embora no Brasil seja relativamente comum mesmo no campo da literatura especializada que os termos voto e sufrágio sejam utilizados como sinônimos a Constituição especialmente no art 14 lhes atribuiu sentidos diversos pois ao passo que o sufrágio consiste na essência do direito político subjetivo podendo como tal ser ativo ou passivo sendo ainda segundo o texto constitucional universal igual livre e direto o voto conquanto seja uma das condutas abarcadas pelo âmbito de proteção do sufrágio de forma alguma é a única expressão ou conduta protegida pela norma que protege o sufrágio pois o voto secreto é a forma pela qual o cidadão irá exercer o seu direito ao sufrágio consistindo dito de outro modo no exercício propriamente dito do direito de sufrágio 1045 Assim o sufrágio vai além do exercício do voto no âmbito da democracia representativa abarcando nos termos da CF no seu art 14 as modalidades do plebiscito do referendo e da iniciativa popular 1046 institutos que não serão aqui enfrentados Já por tal razão pela maior amplitude do sufrágio as garantias conferidas ao voto pela CF art 14 devem ser estendidas ao sufrágio que inclui o direito de voto 1047 Além disso de acordo com o disposto no art 60 4º II da CF tanto o sufrágio universal quanto o voto direto e secreto foram contemplados no elenco dos limites materiais explícitos à reforma constitucional estando assim equiparados em termos de proteção jurídicoconstitucional Certo é que como se dá em outras ordens jurídicas também no direito constitucional brasileiro o sufrágio na condição de direito subjetivo engloba o direito de votar o assim chamado direito eleitoral ativo e o direito de ser votado de modo a poder participar da formação e do exercício do poder estatal direito eleitoral passivo 1048 Considerando justamente a sua finalidade e amplitude o direito de sufrágio implica a garantia jusfundamental de todo o processo eleitoral sem o que a integridade do sufrágio poderia ficar comprometida de tal sorte que o âmbito de proteção do sufrágio ativo e passivo abrange desde o alistamento eleitoral até as eleições propriamente ditas incluindo a divisão dos cargos 1049 Antes de adentrarmos nos aspectos mais específicos do direito eleitoral ou capacidade eleitoral ativo e passivo importa em caráter sumário identificar e definir as principais características do sufrágio incluindo o voto A universalidade ou generalidade do sufrágio a noção de que o sufrágio há de ser universal corresponde ao fato de que em princípio todo e qualquer cidadão está apto a votar e ser votado independentemente de distinções fundadas na sua classe social econômica gênero orientação sexual raça orientação religiosa e mesmo na sua capacidade in telectual o que corresponde ao modelo adotado pelo art 14 da CF O sufrágio universal portanto distinguese do sufrágio restrito hipótese na qual a possibilidade de votar eou ser votado é deferida apenas aos que detêm determinada condição econômica o assim chamado voto censitário capacidade intelectual determinado nível de formação por exemplo ou mesmo a exclusão da capacidade eleitoral em razão do gênero ou outro critério pertença a uma minoria religiosa a exclusão dos escravos e negros em determinada época 1050 O fato é que ao longo da evolução do Estado Constitucional houve significativo avanço nessa seara pois a noção do sufrágio universal levou tempo considerável para ser afirmada na prática inclusive no Brasil pois sob a égide da Carta Imperial de 1824 ainda se praticava o voto censitário e os escravos e mulheres eram excluídos da cidadania política tendo as mulheres sido incluídas apenas por ocasião da aprovação do Código Eleitoral de 1932 o que foi confirmado pela Constituição de 1934 Importa sublinhar todavia que a existência de determinados requisitos tais como o alistamento eleitoral a nacionalidade e a idade mínima não é tida como incompatível com a universalidade do sufrágio que nesse sentido é sempre uma universalidade relativa 1051 A universalidade do sufrágio portanto guarda relação com a dimensão substancial do princípio da igualdade sendo ademais uma particular dimensão da igualdade eleitoral o que em apertada síntese significa em regra todos os que preenchem os pres supostos constitucionais e legais desde que com isso não se esteja a recusar a alguém a capacidade eleitoral ativa e passiva em virtude de determinadas qualidades pessoais e de forma arbitrária discriminatória 1052 O caráter direto do sufrágio e do voto é a exigência constitucional de que o sufrágio e o seu exercício mediante o voto devem ser diretos o que em síntese significa que o titular da capacidade eleitoral ativa escolhe diretamente sem intermediários mediante o seu voto o detentor do cargo eletivo ou de modo direto se manifesta quando da realização de um plebiscito ou de um referendo ou adere a uma iniciativa popular legislativa que de resto constituem manifestações da democracia participativa O voto portanto é atribuído a um determinado candidato ou partido sem que haja intermediários o que corresponde ao princípio da imediatidade do voto 1053 A eleição não perde o caráter de direta em virtude da adoção do sistema proporcional como se dá no caso das eleições para a Câmara dos Deputados pois o que é decisivo para a configuração da imediatidade é que o voto seja sempre concedido a um determinado candidato ainda que venha depois a beneficiar terceiros 1054 Com isso contudo não se está a emitir um juízo de valor sobre o modelo atualmente praticado no Brasil não se desconhecendo suas imperfeições que de resto têm tido ampla repercussão na jurisprudência mas especialmente na literatura especializada 1055 Mas a regra da imediatidade não assume caráter absoluto tendo sido excepcionada pela própria Constituição que no seu art 81 1º prevê que a eleição para Presidente da República será indireta mediante a intermediação de um Colégio Eleitoral integrado por deputados federais e senadores caso ocorra a vacância do cargo nos últimos dois anos do mandato 1056 Quanto ao tópico convém agregar lição de Néviton Guedes no sentido de que o princípio da imediatidade exige elevada dose de cautela quando se trata de decisão judicial que venha a alterar o resultado das eleições pois uma medida dessa natureza apenas encontra justificativa na preservação de outros bens e interesses constitucionais como no caso da Constituição dispõe o art 14 9º 10 e 11 devendo portanto ser excepcional 1057 No que diz respeito à jurisprudência do STF relativamente ao ponto calha referir o julgamento da ADI 1057BA rel Min Dias Toffoli j 16082021 em que se reconheceu a constitucionalidade de Lei do Estado da Bahia que previa a aplicação das regras estabelecidas no art 81 1º da CF no caso de dupla vacância dos cargos de Governador e Vice Para a Corte a reprodução do modelo em nível estadual é legítima do ponto de vista constitucional porém não obrigatória não ocorrendo nesse caso invasão da competência da União por parte dos Estadosmembros do Distrito Federal e dos Municípios O caráter secreto do voto o que em primeira linha significa que o eleitor poderá manter em sigilo a sua manifestação e assume também a função de garantia de que o eleitor no momento de exercer sua vontade política não estará sujeito a constrangimentos e pressões ou seja poderá escolher ou não determinado candidato ou se manifestar de determinada maneira quando de um plebiscito ou referendo 1058 Como tal sigilo e portanto o segredo do voto são assegurados em concreto dependem contudo de um conjunto de medidas de natureza fática e normativa como por exemplo o isolamento físico quando do ato da votação a utilização de cabines indevassáveis nos termos da legislação eleitoral mecanismos de segurança quanto às cédulas de votação e urnas atualmente substituídas no Brasil pelas assim chamadas urnas eletrônicas que por sua vez demandam outros tipos de instrumentos para a preservação do sigilo da opção do eleitor A liberdade do sufrágio no ato de votar guarda importante relação mas não se confunde com o voto secreto Com efeito é curial a afirmação de que a garantia do sigilo é também modo eficaz de assegurar a liberdade de opção do eleitor seja ela qual for além do que eleições livres pressupõem ausência de pressões e constrangimentos impostos aos eleitores e candidatos 1059 Numa outra perspectiva quando aqui se sublinha a noção de um sufrágio livre e de uma liberdade de votar é preciso compreender que a obrigatoriedade do alistamento eleitoral e mesmo a existência de um dever de votar não se revelam inconciliáveis com a noção de liberdade nesse contexto Assim embora o eleitor tenha o dever de se alistar quando preenchidos os requisitos do alistamento eleitoral obrigatório tendo ainda o dever de comparecimento no dia das eleições à sua circunscrição eleitoral quando deverá exercer o seu voto e lançar sua assinatura no respectivo relatório ata de comparecimento pena de eventual sanção administrativa e mesmo criminal a depender do caso e nos termos da legislação eleitoral 1060 o fato é que não lhe pode ser imposta a sua opção em termos de em quem votar liberdade de escolha do candidato e programa partidário podendo mesmo votar em branco ou anular o seu voto Já por tal razão se justifica a opção terminológica por um direito dever de votar que por sua vez encerra uma dimensão de liberdade significativa Além disso a noção de um sufrágio livre estendese à sua modalidade passiva pois a liberdade de convencimento e manifestação conferida aos eleitores é complementada pela liberdade dos candidatos no sentido de transmitir suas ideias e propostas tudo no âmbito de um processo eleitoral livre aberto e igualitário 1061 Que liberdade e igualdade podem entrar em relação de tensão verificandose ademais conflitos significativos entre a liberdade de opção e a manifestação do pensamento no que diz com o sufrágio inclusive em relação a outros direitos fundamentais há de ser considerado e devidamente avaliado quando da sua configuração como dão conta as discussões em torno da fidelidade partidária da propaganda eleitoral entre outros aspectos A assim chamada igualdade de sufrágio como bem pontua Néviton Guedes não pode ser pura e simplesmente reconduzida ao direito geral de igualdade pois assim como ocorre com as demais cláusulas especiais de igualdade no âmbito dos direitos políticos a igualdade assume um caráter formal e substancial mais estreito e reforçado conferindo ao legislador uma margem muito menor de atuação do que a daquela que dispõe quando em causa o princípio geral da igualdade 1062 Mas o significado do princípio da igualdade no âmbito dos direitos políticos apenas poderá ser compreendido mediante as devidas diferenciações observadas as peculiaridades especialmente no que diz com o sufrágio ativo e passivo No caso do primeiro da assim chamada capacidade política ativa é habitual se falar na esteira de conhecido slogan aparentemente desenvolvido nos EUA na fórmula one person one vote isto é uma pessoa um voto o que dito de outro modo significa que os votos de todos os eleitores de cada um deles têm em princípio o mesmo peso e assim devem ser considerados para efeitos de sua contabilização no processo eleitoral Em função disso os votos devem ter tanto igual valor numérico quanto igual valor no resultado visto que a igualdade de sufrágio não admite qualquer forma de discriminação seja quanto ao eleitor propriamente dito e ao valor individual de seu voto seja quanto à própria eficácia de sua par ticipação que se traduz na observância paritária dos votos no momento da distribuição dos mandatos 1063 Já no campo do sufrágio passivo o princípio da igualdade assume relevância no sentido de uma exigência de igualdade de chances oportunidades entre todos os compe tidores do processo eleitoral o que abarca tanto os candidatos quanto os partidos políticos Para os candidatos isso quer dizer que os votos por eles recebidos devem ser computados em igualdade de condições ou seja com o mesmo peso dos votos atribuídos aos demais candidatos mas também significa igualdade de chances no que diz com a apresentação de propostas e participação em termos de propaganda política 1064 O direito de sufrágio é um direito personalíssimo de tal sorte que não se admite o seu exercício por representação procuração de terceiro sendo em geral vedado até mesmo o seu exercício por meio de correspondência 1065 Aqui contudo cabem algumas observações pois o exercício do voto por meio de correspondência não necessariamente afasta o seu caráter personalíssimo desde que assegurado que o voto é mesmo do eleitor que enviou a correspondência o que contudo não afasta outros problemas relacionados por exemplo com o sigilo da votação Por outro lado há que considerar as hipóteses de pessoas com deficiência que a depender das circunstâncias e para não verem frustrado seu direito de sufrágio em igualdade de condições poderiam exercer o seu direito até mesmo por meio de representação cuidandose aqui de um problema a merecer maior reflexão ainda mais em virtude da aprovação com força jurídica de emenda constitucional da Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência aprovada no plano interno pelo Decreto Legislativo 186 de 09072008 e promulgada pelo Decreto 6949 de 25082009 destacandose o art 29 da Convenção especialmente item a 1066 417323 A titularidade dos direitos políticos Titulares dos direitos políticos na perspectiva da Constituição Federal são em regra os nacionais ou seja os brasileiros natos e naturalizados A titularidade contudo varia em se tratando de direitos políticos ativos e passivos de acordo com o que dispõe a própria CF nos termos de seu art 14 que no concernente à capacidade eleitoral ativa estabelece que todos os brasileiros acima de 16 anos são titulares de direitos políticos art 14 1º A possibilidade de exercício do direito de sufrágio ativo assim como do passivo pressupõe todavia o alistamento eleitoral que é obrigatório para os maiores de 18 anos e facultativo para os analfabetos os maiores de 70 anos e os maiores de 16 e menores de 18 anos art 14 1º I e II da CF de tal sorte que em se cuidando da hipótese de alistamento facultativo o eleitor ainda que tenha optado pelo alistamento não pode ser compelido a votar nem ser penalizado por não participar do processo eleitoral 1067 Por sua vez de acordo com o 2º do art 14 da CF além dos estrangeiros que em regra encontramse sempre alijados da condição de titulares dos direitos políticos vedado inclusive seu alistamento eleitoral 1068 também os brasileiros que estão cumprindo serviço militar obrigatório e os conscritos que incluem os que são engajados para atuar nas Forças Armadas na condição de médicos enfermeiros engenheiros etc não exercem neste caso enquanto vigorar a sua condição seus direitos políticos estando impedidos de participar de um processo eleitoral Nesses casos todavia pode surgir uma situação peculiar pois em se tratando de alguém que tenha efetuado o alistamento militar aos 16 anos mas posteriormente sido incorporado ao serviço militar ou engajado há quem entenda que o título de eleitor não poderá perder sua validade ficando suspenso até o término do serviço militar ou período de engajamento 1069 Além disso particular atenção há de ser dada às situações que dizem respeito às pessoas com deficiência e aos indígenas Na primeira hipótese das pessoas com deficiência a doutrina e o Tribunal Superior Eleitoral TSE 1070 têm entendido que em se tratando de deficiência que torne impossível ou demasiadamente oneroso o cumprimento das obrigações eleitorais seja quanto ao alistamento mas em especial no que toca ao voto o que abarca a ausência de condições adequadas de acesso para o deficiente há de ser aplicada a mesma regra válida para os maiores de 70 anos que ficam dispensados do alistamento ou em optando por ele não serão sancionados caso não compareçam e votem No caso dos indígenas o TSE tendo em conta a existência de lacuna na legislação considerou exigível a comprovação da quitação do serviço militar para fins de alistamento eleitoral apenas por parte dos indígenas considerados integrados excluindo tal exigência para os isolados ou em vias de integração 1071 No concernente aos direitos políticos passivos devem ser atendidas as condições de elegibilidade previstas no art 14 3º da CF condições que podem ser divididas em gerais e especiais No caso das condições gerais tratase de requisitos a serem observados em todos os casos seja qual for o cargo eletivo almejado no âmbito do sufrágio passivo designadamente o pleno exercício dos direitos políticos o alistamento eleitoral o domicílio eleitoral na circunscrição e a filiação partidária No que diz com as condições especiais a Constituição Federal estabelece determinados requisitos de acordo com o cargo eletivo Assim de acordo com o art 14 3º VI podem candidatarse para vereador os que alcançaram a idade de 18 anos letra d mas para concorrer a deputado federal deputado estadual ou distrital prefeito viceprefeito e juiz de paz exigese idade de 21 anos completos letra c Já para concorrer aos cargos de governador vicegovernador de Estado e do Distrito Federal necessário ter completado 30 anos letra b ao passo que a possibilidade de disputar a Presidência e VicePresidência da República ou o cargo de senador pressupõe que o candidato tenha alcançado a idade mínima de 35 anos É por tal razão que André Ramos Tavares refere a existência de uma espécie de escala constitucional progressiva no que diz com a aquisição dos direitos políticos que arranca a possibilidade do alistamento eleitoral e do voto facultativo aos 16 anos de idade até chegar na plena capacidade eleitoral passiva 1072 Embora a capacidade eleitoral ativa e passiva seja em regra reservada aos nacionais brasileiros natos e naturalizados assume relevância neste contexto disposição constitucional relacionada com o tema da nacionalidade Com efeito de acordo com o que reza o art 12 1º da CF aos portugueses com residência permanente no País se houver reciprocidade em favor de brasileiros serão atribuídos os direitos ineren tes ao brasileiro salvo os casos previstos na Constituição Tais direitos incluem a titularidade de direitos políticos ativos e passivos salvo quando se cuidar de cargos reservados apenas aos brasileiros natos como se dá com a Presidência e VicePresidência da República A partir do exposto contudo impõese uma advertência visto que a condição de titular ou seja de sujeito de direitos fundamentais sejam eles direitos políticos ou não não se pode confundir com a capacidade de exercício dos direitos como aliás foi objeto de atenção na parte sobre a teoria geral dos direitos fundamentais Assim no que diz respeito aos direitos políticos é de se invocar a lição de Néviton Guedes no sentido de que a exigência do alistamento eleitoral requisito formal não pode ser confundida com o próprio direito político o sufrágio pois o alistamento constitui apenas uma restrição formal prevista no texto constitucional a título de pressuposto formal de matriz procedimental do exercício do direito político podendo ser considerada em termos meramente aproximativos espécie de condição suspensiva do exercício da cidadania 1073 Além disso como sustenta o autor citado embora se trate de condição formal necessária para o exercício dos direitos políticos o alistamento não é nem causa única nem causa suficiente para o seu regular exercício ou mesmo para a sua aquisição de tal sorte que incorreta a afirmação de que é o alistamento que faz nascer a cidadania ativa o que também corresponde ao entendimento consagrado no âmbito do TSE que chega a tratar o alistamento como simples exigência cartorária 1074 417324 O sufrágio passivo condições de elegibilidade O exercício do sufrágio passivo ou seja da efetiva possibilidade de se lançar candidato no âmbito do processo eleitoral objetivando ocupar e exercer cargo eletivo está condicionado num primeiro plano pelo atendimento de determinados requisitos as assim chamadas condições de elegibilidade impostas pela CF no art 14 3º Tais condições de elegibilidade não se confundem e apresentam notas distintivas das causas de inelegibilidade estabelecidas pela CF no art 14 4º a 7º e 9º distinções que têm significativa repercussão no plano das consequências jurídicas de ambos os institutos e que serão devidamente destacadas na sequência Iniciemos pois pelas condições de elegibilidade As condições de elegibilidade estão em primeira linha previstas no art 14 3º da CF mas podem ser objeto de regulamentação mediante lei ordinária As condições de elegibilidade não se confundem com a elegibilidade como tal pois ao passo que esta elegibilidade consiste no direito de postular um cargo eletivo a condição de elegibilidade consiste no requisito positivo exigido pela ordem jurídica e que deve ser preenchido para que o cidadão possa exercer o seu direito de se candidatar para concorrer a um cargo eletivo 1075 Já as causas de inelegibilidade consistem em pressupostos ou condições negativas que quando configuradas impedem o exercício do sufrágio passivo pois o cidadão não poderá ser escolhido para ocupar cargo eletivo por meio do processo políticoeleitoral 1076 Assim de acordo com a lição de Néviton Guedes tanto as condições de elegibilidade quanto as causas de inelegibilidade operam como limites da capacidade eleitoral passiva mas ao passo que no caso das condições de elegibilidade o suporte fático deve estar preenchido para que o cidadão possa ser candidato daí a noção de requisitos positivos no caso das causas de inelegibilidade uma vez preenchido o seu respectivo suporte fático resta impedida a candidatura por isso se cuida de requisitos ou limites negativos 1077 A primeira condição de elegibilidade art 14 3º I consiste em ser nacional nato ou naturalizado ou no caso dos nacionais de Portugal ter consoante já visto status equiparado ao dos brasileiros ressalvandose ainda a exigência para alguns cargos da condição de brasileiro nato nos termos do disposto no art 12 3º da CF O pleno exercício dos direitos políticos nos termos do que preceitua o art 14 3º II da CF significa que não pode exercer a sua capacidade eleitoral passiva aquele que tiver tido suspensos seus direitos políticos ou tiver tido a perda de seus direitos políticos decretada Nesse caso aliás tanto a capacidade eleitoral ativa quanto a passiva não poderão ser exercidas Considerando todavia a relevância e a complexidade da matéria objeto de algum dissídio doutrinário e jurisprudencial remetemos para maiores detalhes ao item sobre perda e suspensão dos direitos políticos Também é condição de elegibilidade ter havido o regular alistamento eleitoral do candidato art 14 3º III da CF condição aliás que se estende ao sufrágio ativo pois não havendo capacidade de votar também não haverá para ser votado O alistamento eleitoral deverá ser comprovado mediante a inscrição eleitoral obtida perante a Justiça Eleitoral do domicílio do alistando e por parte do candidato mediante apresentação do seu título de eleitor Quanto às restrições constitucionais e legais relativas ao requisito do alistamento eleitoral militares etc remetemos ao item próprio onde já foram objeto de análise A quarta condição constitucional diz com a exigência art 14 3º IV da CF do domicílio eleitoral na circunscrição eleitoral onde o candidato pretenda concorrer Importa sublinhar que o conceito de domicílio eleitoral não se confunde com o domicílio da pessoa natural tal qual previsto na legislação civil art 70 do CC que é o local de residência da pessoa natural com ânimo definitivo pois para a configuração do domicílio eleitoral os critérios são mais flexíveis e adequados ao propósito e natureza do processo eleitoral podendo o domicílio recair no local indicado pelo eleitor e com o qual mantém vínculos de ordem afetiva ou material comerciais políticos etc não mais sendo exigida a prova do local onde a pessoa reside 1078 Assim uma vez configurados tais vínculos que devem ser indicados pelo eleitor candidato prevalece o entendimento com destaque aqui para a jurisprudência do TSE de que o conceito e os requisitos mais estritos da legislação eleitoral quanto ao domicílio devem ser objeto de maior flexibilidade 1079 A filiação partidária é outra condição de elegibilidade imposta pela CF art 14 3º V nos termos do disposto na legislação infraconstitucional no caso os arts 18 e ss da Lei Orgânica dos Partidos Políticos Lei 90961995 de tal sorte que no sistema brasileiro não se admitem candidaturas avulsas 1080 pois ao contrário do que ocorre em outros países no Brasil os partidos políticos detêm o monopólio das candidaturas 1081 Notese contudo que a admissibilidade de candidaturas avulsas tem sido objeto de intenso debate no Brasil tendo o STF inclusive reconhecido a repercussão da matéria no ARE 1052290QORJ rel Min Roberto Barroso julgado em 05102017 embora o julgamento do mérito em si siga pendente 1082 O prazo de filiação está regulado pelo art 18 da Lei 90961995 devendo a filiação ocorrer até um ano antes do pleito como tal considerada a data fixada para as eleições e não a data do registro da candidatura ou da posse 1083 Importa sublinhar além disso que os partidos poderão estabelecer prazo maior para a filiação art 20 da Lei 90961995 não sendo ademais admitida a dupla filiação pois uma vez verificada tal situação a legislação art 22 parágrafo único da Lei 90961995 prevê o cancelamento das duas filiações Em se tratando de filiados que ingressam na carreira militar ou assumem cargos na magistratura Ministério Público e Tribunais de Contas ocorre perda automática da filiação partidária Quanto aos membros do Ministério Público contudo registrase precedente do STF no qual foi reconhecido em caráter excepcional e em virtude da peculiaridade do caso direito de integrante do Ministério Público licenciada se recandidatar ao cargo de prefeito municipal pelo fato de já haver sido eleita prefeita antes da publicação da EC 452004 1084 Como última condição de elegibilidade prevista na CF art 14 3º VI está a exigência de ter o candidato completado uma idade mínima a depender do cargo eletivo para o qual pretenda concorrer no caso 18 anos para vereador 21 anos para deputado federal deputado estadual ou distrital prefeito viceprefeito e juiz de paz 30 anos para governador do Estado ou do Distrito Federal e 35 anos para Presidente da República VicePresidente e senador Nos termos da legislação o requisito da idade mínima deverá estar preenchido na data da posse art 11 2º da Lei 95041997 Muito embora no âmbito da doutrina mas também em precedentes do TSE tenha sido apontado que o critério legal é equivocado pois em se tratando de condição de elegibilidade a idade mínima deveria ser aferida quando do registro da candidatura o TSE mais recentemente pronunciouse pela observância da legislação eleitoral de tal sorte que em caráter de síntese no caso da idade mínima se verifica uma exceção já que as demais condições de elegibilidade são aferidas quando do registro da candidatura 1085 Além disso inadmissível que a exigência constitucional da idade mínima seja afastada por força de eventual emancipação pois não se pode afastar exigência constitucional por meio de norma de direito ordinário 1086 Por derradeiro merece registro que a idade mínima é condição de elegibilidade de tal sorte que não implica impedimento de alguém eleito vereador estando no exercício da presidência da Casa e não tendo ainda completado 21 anos assumir temporariamente o cargo de prefeito o mesmo sendo aplicável a hipóteses similares 1087 417325 Ainda o sufrágio passivo as causas de inelegibilidade As causas de inelegibilidade como já adiantado distinguemse das condições de elegibilidade pois em vez de serem requisitos positivos que devem estar satisfeitos para o exercício da capacidade eleitoral passiva as causas de inelegibilidade consistem em situações que uma vez configuradas impedem o exercício do sufrágio passivo São em síntese hipóteses que resultam na restrição da capacidade eleitoral passiva Por tal razão as causas de inelegibilidade assim como as hipóteses de perda e suspensão dos direitos políticos por vezes são designadas de direitos políticos negativos 1088 terminologia que smj entendemos ser inadequada pois não se trata de direitos mas sim como já adiantado de restrições a direitos quem incorre numa das causas de inelegibilidade justamente não poderá concorrer a cargo eletivo As inelegibilidades ou são de origem constitucional sendo nesse caso chamadas de inelegibilidades constitucionais art 14 4º a 7º da CF ou são estabelecidas por lei nesse caso chamadas de infraconstitucionais ou legais nos termos aliás do que prevê a própria CF art 14 9º muito embora nesse caso a Constituição tenha estabelecido uma reserva legal qualificada já que outras causas de elegibilidade poderão ser criadas apenas por meio de lei complementar Uma distinção importante entre ambas as espécies de inelegibilidades reside na circunstância de que no caso das constitucionais elas poderão ser apontadas a qualquer momento ao passo que em se tratando de causas criadas por lei complementar deverão ser apontadas até o momento do registro da candidatura pena de preclusão 1089 As causas de inelegibilidade previstas no texto constitucional art 14 4º e ss foram consagradas em normas constitucionais de eficácia plena portanto normas imediatamente aplicáveis não carecendo para o seu reconhecimento de específica regulamentação legal 1090 Outrossim ainda em sede preliminar importa registrar que as inelegibilidades podem ser classificadas em dois grupos quanto ao seu caráter absoluto ou relativo No primeiro caso das inelegibilidades absolutas cuidase de hipóteses taxativamente previstas na CF art 14 4º e que dizem respeito a qualquer pessoa eleição ou cargo eletivo de modo que quem nelas incorrer estará impedido de exercer em qualquer situação sua capacidade eleitoral passiva Já as inelegibilidades relativas previstas tanto na Constituição Federal quando em lei complementar restringem a capacidade eleitoral passiva de forma apenas parcial guardando relação com o pleito ou o cargo a ser preenchido nas eleições não impedindo de forma generalizada o exercício da capacidade eleitoral passiva 1091 Absolutamente inelegíveis nos termos do art 14 4º da CF são os inalistáveis e os analfabetos No que diz com a primeira hipótese são inalistáveis os estrangeiros salvo os portugueses quando equiparados aos nacionais os conscritos durante o período do serviço militar obrigatório os menores de 16 anos os que se encontrarem temporária ou definitivamente privados de seus direitos políticos e os absolutamente incapazes tratandose aqui de hipóteses que também dizem respeito à capacidade eleitoral ativa pois quem não pode votar também não poderá ser eleito Embora aqui possamos remeter às observações já tecidas quando se tratou da capacidade eleitoral ativa vale acrescentar quanto aos militares que a restrição se aplica apenas aos que prestam serviço militar obrigatório pois os demais devem alistarse como eleitores e poderão mesmo concorrer a cargos eletivos muito embora devam para esse efeito cumprir determinados requisitos previstos na própria CF art 14 8º que são de observância cogente Um tanto quanto mais complicada é a situação dos analfabetos Muito embora a Constituição não deixe margem para dúvidas ao considerar os analfabetos embora tenham a capacidade eleitoral ativa assegurada como inelegíveis a determinação e comprovação da condição de alfabetizado tem gerado alguma controvérsia pois carente de interpretação Com efeito a depender do nível de escolaridade exigido e dos meios de sua comprovação será possível limitar mais ou menos a capacidade eleitoral passiva dos analfabetos Por tal razão tratandose de restrição a direito fundamental doutrina e jurisprudência têm sido flexíveis na matéria admitindose tanto comprovantes de escolaridade sem consideração do tempo efetivo de escolaridade quanto declarações de próprio punho Além disso a depender do caso poderá o juiz eleitoral realizar teste individual em caráter reservado vedada a realização de testes coletivos ou abertos ao público e que possam submeter o candidato a constrangimento e humilhação 1092 As inelegibilidades de caráter relativo como já frisado não impedem o cidadão que preencha as condições de elegibilidade de concorrer a todo e qualquer cargo mas dizem respeito a determinadas hipóteses A primeira das inelegibilidades relativas está prevista no art 14 5º da CF que dispõe que o Presidente da República o Governador e o Prefeito poderão se reeleger apenas uma vez vedada portanto a reeleição para um terceiro mandato consecutivo Lembrese que todas as Constituições brasileiras republicanas inclusive a Constituição Federal na sua versão original proibiam a reeleição dos detentores de cargos do Executivo para um segundo mandato consecutivo tendo tal vedação sido levantada pela EC 16 de 04061997 Impende sublinhar que não fica vedada a possibilidade de reeleição por diversas vezes da mesma pessoa para o mesmo cargo mas apenas a sua reeleição para mais de dois mandatos consecutivos ou seja dito de modo mais explícito a condição de inelegibilidade permite a reeleição para um único período subsequente 1093 A reeleição portanto será permitida quando respeitado um intervalo correspondente a um período equivalente ao exercício do mandato1094 Por outro lado a despeito da singeleza da redação do texto constitucional tal hipótese que configura uma inelegibilidade relativa do tipo funcional tem merecido a atenção da doutrina e da jurisprudência Assim no caso do Presidente do Governador e do Prefeito que estiverem já no exercício do segundo mandato eletivo não poderão eles concorrer a um terceiro mandato caso renunciem antes do término do segundo pois ao assumirem o novo mandato estariam de fato assumindo pela terceira vez consecutiva o mesmo se veri fi cando se estiverem concorrendo na terceira vez ao cargo de VicePresidente ViceGovernador ou VicePrefeito já que poderiam vir a substituir o titular e com isso passariam a ocupar o cargo ainda que em caráter temporário pela terceira vez consecutiva 1095 Outra situação peculiar igualmente bloqueada pela Justiça Eleitoral é a do assim chamado Prefeito Itinerante dada a tentativa de alguns Prefeitos eleitos para um segundo mandato consecutivo buscarem a reeleição para a Prefeitura de outro Município 1096 Em síntese a regra ora comentada implica vedação de toda e qualquer tentativa por parte daquele que tenha sido titular de cargo de chefia do Executivo de buscar o exercício seja mediante reeleição ao mesmo cargo seja por pretender suceder o novo chefe do Executivo 1097 A próxima inelegibilidade relativa a ser examinada diz com determinadas incompatibilidades e com a desincompatibilização dos que exercem determinados cargos empregos ou funções públicas Com efeito de acordo com o disposto no art 14 6º da CF para concorrerem a outros cargos o Presidente da República os Governadores de Estado e do Distrito Federal e os Prefeitos devem renunciar aos respectivos mandatos até seis meses antes do pleito Assim o fato de um dos detentores dos cargos nominados no dispositivo constitucional não levar a efeito a sua desincompatibilização no prazo estipulado ou seja caso não renuncie tempestivamente o torna inelegível Desde logo resulta evidente um aspecto nem sempre bem visto pela doutrina pois de acordo com a regra do art 14 5º da CF com a redação dada pela EC 161997 não foi exigida ao titular de mandato executivo a necessidade de renunciar ou de afastarse temporariamente do cargo para que possa concorrer a sua própria reeleição aparentemente em virtude da continuidade administrativa 1098 Quanto a isso tem prevalecido o entendimento de que a opção do legislador de reforma foi consciente e clara inexistindo tanto a possibilidade de aplicação do disposto no 6º do art 14 da CF à hipótese pois se cuida de outra inelegibilidade relativa quanto a alternativa de mediante legislação complementar prever a desincompatibilização também nesses casos pois de acordo com o art 14 9º da CF a lei complementar poderá estabelecer outros casos de inelegibilidade relativa 1099 A partir do exposto e nos termos do então disposto no art 14 6º da CF a desincompatibilização dos que ocupam cargo de chefe do Executivo no Brasil apenas é exigida como requisito positivo para que se possam candidatar a outros cargos pois no caso de concorrerem ao mesmo cargo atendendo é claro aos requisitos do art 14 5º da CF não terão de se desincompatibilizar Em se tratando de detentores do cargo de VicePresidente Vice Governador ou VicePrefeito contudo tem sido admitido que eles não são obrigados a renunciar no prazo de seis meses antes da eleição caso não tenham sucedido ou substituído o titular nesse mesmo período Outra causa constitucional de inelegibilidade relativa encontrase prevista no art 14 7º da CF De acordo com este preceito são inelegíveis no território de jurisdição do titular o cônjuge e os parentes consanguíneos ou afins até o segundo grau ou por adoção do Presidente da República de Governador de Estado ou Território do Distrito Federal de Prefeito ou de quem os haja substituído dentro dos seis meses anteriores ao pleito salvo se já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição No entender da doutrina cuidase de uma inelegibilidade indireta ou reflexa pois relacionada com outras pessoas e que portanto apenas de modo indireto diz respeito àqueles a quem a causa de inelegibilidade se aplica 1100 Uma primeira constatação diz respeito ao âmbito de aplicação espacial da regra que expressamente se refere ao território de jurisdição do titular ou seja no caso do Prefeito a circunscrição municipal no caso do Governador o território do seu Estado ou do Distrito Federal ao passo que no caso do Presidente da República se trata de todo o território brasileiro Tal causa de inelegibilidade como já foi objeto de manifestação em julgado do STF tem por escopo impedir o monopólio do poder político por grupos hegemônicos ligados por laços familiares 1101 Nesse sentido consoante orientação pacífica no TSE e no STF Súmula 18 nem mesmo a separação judicial e o divórcio caso verificados no curso do mandato afastam a inelegibilidade do cônjuge para o mesmo cargo mas o STF em caso excepcional entendeu que tal princípio poderá ser relativizado caso se comprove evidente animosidade entre os que antes eram unidos por laços familiares no caso concreto se cuidava de exsogro e candidato 1102 Hipótese que foi levada ao crivo do Poder Judiciário envolve a aplicação da inelegibilidade aos companheiros ou seja aos casos de união estável incluindose aqui as uniões entre pessoas do mesmo sexo o que tem sido objeto de amplo reconhecimento tanto pelo TSE quanto pela doutrina Com efeito por decisão proferida em recurso especial o TSE definiu que também no caso de configurada união entre pessoas do mesmo sexo é aplicável a causa de inelegibilidade 1103 Dito de outro modo tanto o casamento quanto a configuração de união estável entre pessoas do mesmo ou de outro sexo impedem a candi datura Pela mesma razão em homenagem ao dever de simetria os parentes do companheiro ou companheira nos limites do previsto pelo 7º do art 14 da CF são considerados parentes afins do titular do mandato não sendo portanto elegíveis 1104 No que diz respeito aos casos de adoção que igualmente geram uma inelegibilidade reflexa tal inelegibilidade se estende aos filhos de criação desde que comprovada a relação socioafetiva correspondente 1105 Outro aspecto digno de nota ainda no que diz com a inelegibilidade relativa do art 14 7º da CF é o de que o dispositivo abre a exceção de que o parente que eventualmente seria atingido pela norma impeditiva escapa da inelegibilidade quando já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição de tal sorte que em caráter ilustrativo a esposa do Prefeito se já ocupava o cargo de vereadora no Município poderá candidatarse ao mesmo cargo sem qualquer impedimento 1106 Nesse mesmo contexto é de se recordar que a Súmula 6 do TSE havia estabelecido que o cônjuge e os parentes do titular do mandato são inelegíveis para o cargo de Prefeito mesmo que este tenha renunciado no prazo de seis meses antes das eleições previsão que se aplicava apenas para a hipótese de eleição para o mesmo cargo de chefe do Executivo entendimento que todavia foi alterado pelo próprio TSE que passou a permitir que o cônjuge e os parentes afins até segundo grau do chefe do Executivo caso este venha a renunciar no prazo de seis meses antes do pleito poderão candidatarse a todo e qualquer cargo eletivo inclusive pleiteando a chefia do Executivo desde que o candidato possa concorrer à sua própria reeleição 1107 A nova orientação do TSE como se pode perceber guarda relação com as alterações promovidas pela EC 161997 razão pela qual no caso de o chefe do Poder Executivo estar exercendo o seu segundo mandato consecutivo por força de sua reeleição a sua renúncia no prazo de seis meses antes do pleito apenas afastará a inelegibilidade do cônjuge dos que são unidos estavelmente dos parentes ou afins até o segundo grau pois esses então poderão concorrer a outros cargos eletivos vedada todavia a sua candidatura ao mesmo cargo do titular na chefia do Executivo 1108 Em caráter complementar merece referência o fato de que o TSE aplica a causa de inelegibilidade nos casos de cônjuge de chefe do Executivo em primeiro mandato que não exerceu o segundo mandato para o qual foi reeleito por força de cassação do seu diploma pois o objetivo da inelegibilidade é precisamente o de impedir a continuidade no âmbito familiar 1109 A última causa de inelegibilidade relativa diretamente prevista na Constituição Federal encontrase no art 14 8º que diz respeito aos militares que embora não alistáveis nos casos de serviço militar obrigatório e demais hipóteses já referidas engajamento podem votar e mesmo ser eleitos fruindo portanto ainda que com limitações do seu direito de sufrágio ativo e passivo Considerando que o art 142 3º da CF veda aos membros das Forças Armadas enquanto em atividade a filiação partidária proibição que se aplica também aos militares dos Estados do Distrito Federal e dos Territórios nos termos do art 42 1º da CF criase uma situação de conflito pois ao mesmo tempo em que o militar pode ser candidato devendo para tanto ter filiação partidária a Constituição estabelece uma proibição de filiação partidária em relação aos militares em atividade O conflito todavia não se revela insuperável tendo sido objeto de pronunciamento por parte da Justiça Eleitoral TSE 1110 e também pelo STF 1111 no sentido de que o militar quando alistável será elegível desde que atendidas as seguintes condições a caso conte menos de 10 anos de serviço deverá afastarse em caráter definitivo de suas atividades b caso tenha menos de 10 anos de serviço será mantido na condição de agregado temporariamente afastado pela autoridade que lhe é superior e em sendo eleito passará automaticamente para a inatividade quando da diplomação 1112 Ainda quanto a tal aspecto convém acrescentar que a condição de agregado do militar da ativa se implementa apenas com o registro de sua candidatura As assim chamadas causas relativas de inelegibilidade poderão nos termos da autorização contida no art 14 9º da CF ser veiculadas por lei complementar Com efeito de acordo com o texto do referido dispositivo constitucional lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação a fim de proteger a probidade administrativa a moralidade para exercício do mandato considerada a vida pregressa do candidato e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função cargo ou emprego na administração direta ou indireta Diferentemente do que ocorre no caso das causas constitucionais de inelegibilidade que podem ser apontadas a qualquer momento as causas previstas na legislação infraconstitucional deverão ser apontadas até o momento do registro da candidatura pena de preclusão o que também corresponde ao disposto no art 11 10 da Lei 95041997 1113 Além disso importa relembrar que se está diante de uma reserva legal qualificada pela exigência de lei complementar de tal sorte que inadmissível a criação de causas de inelegibilidade mediante lei ordinária ou outros atos normativos infraconstitucionais 1114 As inelegibilidades previstas na legislação complementar foram criadas e reguladas pela LC 64 de 1990 na versão fortemente alterada por meio da LC 135 de 2010 também conhecida como Lei da Ficha Limpa fruto de iniciativa popular legislativa que contava com mais de um milhão e seiscentas mil assinaturas de eleitores Dentre as principais inovações introduzidas pela LC 1352010 destacamse a inelegibilidade de candidatos que tiverem sido condenados por órgão colegiado ainda que pendente recurso tratandose de condenação em sede criminal eleitoral ou por improbidade administrativa além da ampliação do prazo da inelegibilidade de três para oito anos após o cumprimento da pena relativa aos crimes referidos pela própria lei No que toca ao novo regramento legal das inelegibilidades uma das discussões travadas no Poder Judiciário tanto no TSE quanto no STF dizia respeito à controvérsia sobre a aplicabilidade imediata das causas de inelegibilidade previstas na LC 1352010 matéria que ensejou importante discussão e resultou em decisão definida pelo Presidente do STF à vista do empate na votação mantendose a inelegibilidade reconhecida pelo TSE 1115 Além disso é preciso enfatizar que a LC 1352010 introduziu hipóteses de inelegibilidade sem exigência do trânsito em julgado da decisão judicial da qual decorrer a causa de inelegibilidade prevendo inclusive inelegibilidades decorrentes de decisão em processo administrativo o que segundo bem aponta Néviton Guedes ensejou compreensível querela doutrinária com reflexos em inúmeros processos judiciais inclusive e principalmente perante o TSE e o STF a respeito de eventual inconstitucionalidade de tais restrições à capacidade eleitoral passiva ainda mais quando veiculadas por decisões não transitadas em julgado 1116 O ponto nodal da controvérsia gira em torno de dois aspectos o primeiro que já foi objeto de referência relacionado com a possibilidade de aplicação imediata das novas causas de inelegibilidade para as eleições realizadas no mesmo ano da entrada em vigor da respectiva legislação A segunda discussão que igualmente teve ampla repercussão inclusive nos meios de comunicação gira em torno da eventual inconstitucionalidade de tais restrições à capacidade eleitoral passiva em virtude de violação da regra sobre a anterioridade anualidade eleitoral tal como estabelecido no art 16 da CF Em todo caso há que ser salientado que em se tratando de causas infraconstitucionais de inelegi bilidade indispensável a observância além da exigência de lei complementar de requisitos adicionais que ensejam um rigoroso controle de constitucionalidade de tais restrições à incapacidade eleitoral passiva como se dá por exemplo com a regra da anualidade ou anterioridade com situações previstas em outros dispositivos constitucionais e com a observância dos critérios da proporcionalidade Quanto ao argumento da violação da presunção de inocência é de se recordar que num primeiro importante julgamento no âmbito da ADPF 144DF o STF provocado pela AMB Associação dos Magistrados Brasileiros afirmou que apenas o trânsito em julgado da sentença condenatória teria o condão de acarretar a suspensão dos direitos políticos do cidadão gerando por consequência a sua inelegibilidade 1117 Na discussão sobre eventual violação da presunção de inocência por parte de dispositivos previstos na LC 1352010 o TSE decidiu pela constitucionalidade dos dispositivos impugnados invocando no âmbito de uma ponderação entre os valores e princípios envolvidos com destaque para a presunção de inocência e a moralidade administrativa pela prevalência do segundo 1118 No âmbito do STF contudo a discussão foi acirrada e se desenvolveu especialmente em dois importantes casos julgados pelo Tribunal No primeiro o assim chamado caso Joaquim Roriz 1119 o STF apreciou a legitimidade constitucional do indeferimento pelo STE do registro de candidatura a Governador do DF reconhecendo a repercussão geral formandose dois blocos divergentes no transcorrer do julgamento pois ao passo em que o relator e os Ministros Cármen Lúcia Ricardo Lewandowski Joaquim Barbosa e Ellen Gracie votaram pelo desprovimento do recurso de modo a manter o indeferimento da candidatura os Ministros Dias Toffoli Gilmar Mendes Marco Aurélio Celso de Mello e Cezar Peluso então Presidente do STF votaram embora mediante argumentos com amplitude em parte distintos pelo provimento do recurso e pela inaplicação no caso da causa de inelegibilidade por força do disposto no art 16 da CF mas também pelo fato de que com a renúncia do primeiro recorrente ao cargo de parlamentar de acordo com a legislação vigente na época a situação não poderia ser alcançada pela LC 1352010 Todavia ocorrendo empate na votação e não tendo sido o caso de recurso aos critérios de desempate regimentais o julgamento não foi concluído resultando mais adiante e em virtude da renúncia do candidato Joaquim Roriz de concorrer ao cargo de Governador em julgamento de extinção pela perda de seu objeto 1120 O segundo caso levado ao STF foi o igualmente conhecido caso Jader Barbalho julgado em 27102010 onde estava em causa decisão do TSE que havia decidido pela inelegibilidade do senador eleito Jader Barbalho para as eleições de 2010 Nas suas razões o recorrente invocou tanto a ofensa ao disposto no art 16 da CF quanto aos princípios da segurança jurídica da irretroatividade das leis assim como a violação dos termos do art 14 9º da CF e dos princípios da presunção de inocência e da não culpabilidade Neste caso o relator Min Joaquim Barbosa reiterando os termos de seu voto proferido no RE 630147 novamente se posicionou pelo desprovimento do recurso tendo sido acompanhado pelos Ministros Cármen Lúcia Ricardo Lewandowski Carlos Britto e Ellen Gracie que em síntese argumentaram que a legislação sobre inelegibilidades não se enquadra na categoria de legislação sobre processo eleitoral razão pela qual não incide o disposto no art 16 da CF não sendo o caso ainda de prevalecer a presunção de inocência pois não se trata de pena ou punição mas sim de uma reprovação prévia e prejudicial às eleições pautada pelo princípio da moralidade nos termos portanto do que consagrou o art 14 9º da CF Já os Ministros Dias Toffoli Gilmar Mendes Marco Aurélio Celso de Mello e Cezar Peluso novamente votaram em sentido divergente reiterando em termos substanciais suas razões vertidas nos votos que proferiram quando do julgamento do RE 630147 aduzindo em apertado resumo que uma lei posterior não poderia incidir sobre fato pretérito e dele extrair consequências para o presente quando daí resulta uma restrição a direito fundamental aduzindo ademais que o recorrente após ter renunciado ao cargo de senador teve sua candidatura a deputado federal deferida duas vezes e obtido ampla votação não podendo agora ser tido como inelegível em virtude de renúncia que antes não impediu fosse candidato e eleito deputado federal Por fim entenderam que a decisão do TSE afrontou não apenas o disposto no art 16 da CF mas também as exigências da segurança jurídica Apesar de novamente ter ocorrido empate na votação o STF acabou decidindo o recurso ao utilizar uma das alternativas regimentais previstas para tal hipótese precisamente a de que fosse mantida a decisão recorrida 1121 Mas a inconstitucionalidade de dispositivos da assim chamada Lei da Ficha Limpa voltou a ser apreciada pelo STF Um dos julgados decidiu por maioria de seis votos contra cinco que a LC 1352010 não poderia ser aplicada às eleições gerais de 2010 tendo sido rejeitada a tese de que a lei teria sido publicada antes das convenções partidárias pois esta seria a data na qual se iniciaria o processo eleitoral prevalecendo portanto a posição sustentada pelo relator Min Gilmar Mendes que considerava que havia sim ocorrido violação do princípio da anterioridade eleitoral consagrado pelo art 16 da CF pois a legislação impugnada teria afetado o processo eleitoral na sua fase preliminar ou seja pré eleitoral que inicia com a escolha e a apresentação das candidaturas na esfera políticopartidária 1122 Todavia em julgamento posterior o STF acabou chancelando a constitucionalidade dos dispositivos da LC 1352010 que foram impugnados em sede de controle abstrato de normas por ofensa tanto ao princípio da irretroatividade quanto por violação da garantia da presunção de inocência entendendo a maioria que a lei que deveria ser avaliada pelo Poder Judiciário com particular deferência por ter origem em iniciativa legislativa popular é aplicável mesmo aos condenados ou aos que renunciaram antes de sua vigência mas também no âmbito de uma ponderação considerou que a existência de condenação por órgão colegiado embora ainda pendente recurso não impacta de modo desproporcional a presunção de inocência além do que nos casos de condenação por improbidade administrativa não se trata de condenação criminal a exigir a consideração da presunção de inocência apenas para em caráter de apertadíssima síntese indicar alguns dos argumentos esgrimidos pelos votos vencedores 1123 Em termos de tomada de posição pessoal sem qualquer pretensão de ampliar o debate é possível compreender a tendência de se buscar a depuração moral do processo eleitoral e mesmo aceitar que também a presunção de inocência não assume a condição de direitogarantia de cunho absoluto no sentido de absolutamente imune a limitações estando essas a serviço da salvaguarda de outros bens constitucionais relevantes Dito isso contudo o problema está em estabelecer critérios rigorosos para justificar constitucionalmente eventual restrição Nesse sentido a alegação de que a presunção de inocência não se aplica aos casos de condenação por improbidade administrativa o mesmo se aplicaria às condenações em sede eleitoral corresponde a uma leitura estrita da presunção de inocência na condição de regra apenas aplicável na seara criminal não dando no nosso sentir suficiente peso à gravidade das sequelas oriundas de uma condenação por improbidade Ainda que assim fosse e mesmo afastando no caso e em caráter argumentativo a incidência da presunção de inocência o estabelecimento de uma causa de inelegibilidade sempre corresponde a uma forte restrição de direitos políticos e nesse sentido do próprio princípio democrático de modo a implicar forte teste da proporcionalidade de tal restrição e mesmo um exame da não afetação do núcleo essencial do direito político atingido pela medida Outrossim embora a alegação sustentada pela posição dominante no STF de que não há falar em violação da proporcionalidade tal exame não poderá apenas ser efetuado tendo como parâmetro a presunção de inocência mas reiterese o próprio direito político no caso o sufrágio passivo na condição de direito fundamental visto que uma mesma medida restritiva poderá afetar simultaneamente mais de um direito fundamental A própria diferenciação entre uma condenação em sede criminal e as condenações por improbidade e em sede eleitoral embora arroladas como equivalentes pela LC 1352010 deveria ser considerada no contexto do problema Assim para além da questão atinente à incidência do art 16 da CF em relação ao que partilhamos do ponto de vista de que eventual alteração legislativa ainda mais agregando gravame da condição dos candidatos e interferindo no seu direito de sufrágio somente poderá ser aplicada para as eleições futuras no que diz com a proporcionalidade das novas causas de inelegibilidade e não apenas da hipótese de condenação por órgão colegiado ainda que não transitada em julgado a decisão importa avançar no debate sobre o quanto é prudente e benéfico para o aperfeiçoamento do processo democrático limitar dessa maneira e a tal ponto os direitos políticos passivos De qualquer sorte reconhecese que existem sólidos argumentos esgrimidos por ambos os lados que se formaram no STF mas considerando a apertada maioria 6 x 5 e a alteração da composição do STF designadamente com as aposentadorias dos Ministros Cezar Peluso e Carlos Ayres Britto ambos em 2012 é de se esperar que ocorram novas e acirradas rodadas de discussão no STF podendo até mesmo ocorrer uma guinada quanto ao atual posicionamento Outro aspecto digno de nota e que começa a chamar a atenção da doutrina brasileira diz respeito à compatibilidade entre diversas das hipóteses previstas na assim chamada Lei da Ficha Limpa e os Tratados Internacionais de Direitos Humanos ratificados pelo Brasil especialmente o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e a Convenção Americana de Direitos Humanos Pacto de San José da Costa Rica Tais diplomas normativos já incorporados ao direito interno gozam de supremacia hierárquica em relação a toda e qualquer legislação infraconstitucional incluindo as leis complementares tendo em conta a posição do STF em prol da hierarquia supralegal de tais tratados Por isso no âmbito de um controle judicial da convencionalidade da legislação doméstica e considerando que a Convenção Americana no seu art 232 dispõe que eventuais restrições ao sufrágio ativo e passivo somente poderão se dar e a Convenção usa o termo exclusivamente por motivos de idade nacionalidade residência idioma instrução capacidade civil ou mental ou condenação por juiz competente em processo penal Por tal razão há quem sustente que grande parte das inelegilibidades criadas pela Lei da Ficha Limpa infringe o disposto na Convenção Americana sendo portanto inaplicável especialmente naquilo que guardam relação com problemas de probidade administrativa prestação de contas entre outras 1124 Nessa perspectiva somada ao postulado de que restrições a direitos devem ser interpretadas restritivamente urge que o legislador brasileiro se disponha a revisar a Lei da Ficha Limpa e em não o fazendo que os órgãos do Poder Judiciário especialmente o TSE e o STF exerçam o seu poderdever quanto ao controle de convencionalidade e constitucionalidade da legislação restritiva até mesmo pelo fato já anunciado acima de que também do ponto de vista da proporcionalidade e da razoabilidade é possível questionar seriamente diversas das hipóteses previstas atualmente na nossa ordem jurídica 417326 Os casos de perda suspensão e reaquisição dos direitos políticos 4173261 Considerações gerais De acordo com o que dispõe o art 15 da CF é vedada a cassação de direitos políticos cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de I cancelamento da naturalização por sentença transitada em julgado II incapacidade civil absoluta III condenação criminal transitada em julgado enquanto durarem seus efeitos IV recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa nos termos do art 5º VIII V improbidade administrativa nos termos do art 37 4º Ao contrário do que se dá com as inelegibilidades que afetam a capacidade eleitoral passiva as hipóteses de perda e suspensão dos direitos políticos atingem tanto o direito de votar quanto o de ser votado tendo portanto repercussão mais ampla sobre o estatuto jurídico da cidadania do indivíduo 1125 Embora a Constituição proíba a cassação dos direitos políticos ela admite as hipóteses tanto de perda como de suspensão sendo habitual a distinção doutrinária entre os institutos No que diz com a cassação esta se distingue da perda pelo fato de que enquanto a cassação implica o decreto da perda dos direitos por ato de autoridade nos casos de perda constitucionalmente previstos a decisão não objetiva diretamente a perda dos direitos políticos como sanção mas sim que por força de decisão judicial podem ser atingidos os pressupostos do exercício dos direitos políticos implicando indiretamente a sua perda como se dá em caráter ilustrativo no caso do cancelamento da naturalização por sentença transitada em julgado já que a perda dos direitos é a consequência da decisão que cancela a naturalização mas não constitui o objeto propriamente dito da decisão 1126 Já a distinção entre a perda e a suspensão se verifica em outro plano Com efeito enquanto a perda assume um caráter em princípio definitivo de tal sorte que a única hipótese de voltar o indivíduo a fruir dos seus direitos políticos se dá por meio da reaquisição nos casos de suspensão o indivíduo fica temporariamente alijado da fruição dos seus direitos políticos voltando a gozálos assim que superados os motivos que ensejaram a suspensão de tal sorte que a suspensão ocorre sempre em caráter temporário 1127 Por outro lado muito embora no plano conceitual os institutos da perda e da suspensão sejam facilmente diferenciados é de se registrar que a Constituição não distinguiu entre as diferentes hipóteses enunciadas no art 15 pois ao contrário do que se verificou no constitucionalismo pretérito contemplou os casos em conjunto o que aliás tem sido objeto de crítica na esfera doutrinária 1128 Diante da ausência de uma distinção expressamente estabelecida pela Constituição Federal doutrina e jurisprudência levando em conta a natureza das hipóteses constitucionais têm entendido que a perda dos direitos políticos se dá nos casos de cancelamento da naturalização por sentença transitada em julgado de invocação da escusa de consciência para não cumprir obrigação alternativa nos termos do disposto no art 5º VIII da CF assim como na hipótese de perda da nacionalidade por aquisição voluntária de outra ou de anulação mediante sentença transitada em julgado do processo de naturalização Já a suspensão dos direitos políticos poderá ocorrer em virtude de condenação criminal transitada em julgado incapacidade civil absoluta e condenação por improbidade administrativa Tanto os casos de perda quanto os de suspensão ora elencados serão objeto de atenção individualizada na sequência Vale acrescentar que comum às duas situações perda e suspensão é a circunstância de que ambas somente poderão resultar de decisão judicial competente para proferir nos diversos casos o decreto de perda da nacionalidade a incapacidade civil absoluta a condenação criminal ou por improbidade administrativa ou mesmo o decreto de perda dos direitos políticos por não cumprimento de obrigação alternativa 4173262 Perda dos direitos políticos A primeira hipótese de perda dos direitos políticos tal como estabelecida no art 15 I da CF decorre do cancelamento da naturalização caso configurada a hipótese prevista no art 12 4º I da CF por sentença transitada em julgado pois salvo sobrevenha sentença anulando o cancelamento a perda será definitiva Como já frisado nas considerações gerais a perda dos direitos políticos é a consequência atrelada ao cancelamento da naturalização pois é esta que deve ser promovida mediante sentença transitada em julgado desnecessário até mesmo que na sentença tenha havido menção à perda dos direitos políticos pois retornando o indivíduo à condição de estrangeiro perde ele a condição de eleitor não atendendo mais às condições constitucionais de elegibilidade tal como disposto respectivamente no art 14 2º e 3º I da CF 1129 Tal situação embora neste caso não prevista expressamente na Constituição dentre as hipóteses de perda dos direitos políticos se verifica também no caso de perda da nacionalidade brasileira designadamente quando da aquisição voluntária de outra nacionalidade nos termos do art 12 4º II da CF o que apenas não se dará em caso de se fazerem presentes as exceções estatuídas no art 12 4º II a e b da CF Pela sua substancial equivalência no que diz com a perda da nacionalidade também eventual anulação do processo de naturalização ensejará a privação dos direitos políticos 1130 Em ambos os casos aquisição voluntária de outra nacionalidade e anulação da naturalização a exemplo do que ocorre com o cancelamento da naturalização é desnecessário decreto específico da perda dos direitos políticos A outra hipótese de perda dos direitos políticos foi prevista no art 15 IV da CF incidindo nos casos de recusa por parte do indivíduo de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa nos termos do art 5º VIII da CF De acordo com este último dispositivo constitucional ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política salvo se as invocar para eximirse de obrigação legal a todos imposta e recusarse a cumprir prestação alternativa fixada em lei A tal respeito como bem esclarece Néviton Guedes embora a Constituição Federal garanta a todos o livre exercício de suas crenças de natureza filosófica religiosa ou política ela ao mesmo tempo não permite que alguém se exima de cumprir obrigação legal a todos imposta designadamente em situação na qual a própria lei prevê prestação alternativa que lhe permitiria demonstrar obediência à lei sem prejuízo dos seus credos ou convicções 1131 O exemplo habitualmente referido e de fato o mais expressivo de prestação alternativa é o que concerne ao serviço militar obrigatório tal como previsto no art 143 1º da CF que atribui às Forças Armadas competência na forma da lei para estabelecer serviço alternativo aos que em tempo de paz e uma vez alistados alegarem imperativo de consciência de matriz religiosa filosófica ou política com o intuito de se eximirem das atividades de caráter essencialmente militar Tal preceito constitucional foi regulamentado pela Lei 82391991 que no seu art 4º prevê a possibilidade da suspensão dos direitos políticos a quem se recuse a prestar o serviço militar alternativo Com relação a tal hipótese contudo convém agregar algumas observações A primeira consideração diz com a circunstância de que a perda dos direitos políticos se dará apenas em caso de obrigação alternativa prevista e regulamentada por lei de tal sorte que na falta de previsão legal não poderá ocorrer a privação dos direitos políticos 1132 Além disso cuidandose de forte intervenção nos direitos políticos também aqui se impõe uma interpretação restritiva de modo que a simples recusa de cumprir obrigação geral não poderá ensejar a perda dos direitos políticos 1133 Outro aspecto a merecer destaque diz com o procedimento e a autoridade competente para decretar a perda dos direitos políticos nesse caso pois diversamente da Constituição anterior que atribuía tal competência expressamente ao Presidente da República a Constituição Federal quedou silente quanto a tal ponto Na doutrina o problema gerou alguma controvérsia pois ao passo que alguns sustentam que somente mediante processo judicial e decisão transitada em julgado se poderá privar alguém dos seus direitos políticos em caso de recusa ao cumprimento de prestação alternativa 1134 outros entendem que a competência legislativa é da União de tal sorte que nos termos da Lei 82391991 é a autoridade administrativa quem deverá em procedimento próprio decretar a suspensão dos direitos políticos assim como se dá nos casos de perda da nacionalidade por naturalização voluntária 1135 Uma última anotação diz respeito ao fato de que embora a Lei 82391991 utilize a expressão suspensão em vez de perda é da privação mesmo que se trata em concreto pois como não se trata de uma sanção aplicada em caráter temporário como ocorre nas hipóteses de condenação criminal por exemplo o que poderá ocorrer é a reaquisição dos direitos políticos a qualquer tempo desde que demonstrado o cumprimento das obrigações devidas 1136 4173263 As hipóteses de suspensão dos direitos políticos A primeira hipótese de suspensão dos direitos políticos se verifica quando configurada nos termos do art 15 II da CF a incapacidade civil absoluta do indivíduo Cuidase dos efeitos secundários da sentença judicial que decreta a interdição nos termos do art 3º do CC que elenca os casos de incapacidade civil absoluta pois a decisão judicial não estabelece a perda dos direitos políticos mas sim ao decretar a incapacidade civil absoluta opera em nível dos pressupostos do exercício de tais direitos A hipótese como se pode perceber sem maior dificuldade é de suspensão dos direitos políticos pois se trata de restrição que não assume em princípio caráter definitivo podendo ser cancelada a qualquer momento mediante novo provimento judicial que restabeleça a capacidade civil do indivíduo que também voltará a fruir dos seus direitos políticos 1137 Convém destacar ainda que em se tratando de mera incapacidade civil relativa nos termos das hipóteses previstas no art 4º do CC não estará o indivíduo privado da fruição dos seus direitos políticos 1138 A outra hipótese de suspensão dos direitos políticos se verifica a teor do art 15 III da CF nos casos de condenação criminal transitada em julgado enquanto durarem seus efeitos A referência genérica à condenação criminal conduziu ao entendimento ainda prevalente inclusive no STF de que a perda dos direitos políticos se dará mesmo que a condenação se dê por crime culposo ou contravenção não importando também a natureza do bem jurídico tutelado pela norma penal ou mesmo a natureza da pena cominada eou aplicada visto que a Constituição Federal não estabeleceu qualquer diferenciação quanto a tais aspectos 1139 Todavia é de se registrar a existência de entendimento diverso embora minoritário tanto na doutrina 1140 quanto na jurisprudência afastando a suspensão dos direitos políticos no caso de crimes culposos 1141 No próprio STF embora o entendimento majoritário já referido existe quem entenda que a interpretação de que a aplicabilidade imediata da norma contida no art 15 III da CF implica automaticamente a suspensão dos direitos políticos não é compatível com o sistema constitucional pois é a lei que deverá estabelecer quais os delitos que ensejam pelas suas peculiaridades ou gravidade a suspensão dos direitos políticos 1142 Embora não se possa aqui ampliar a discussão consideramos que as exigências da proporcionalidade não podem ser descuradas e que a referência genérica da Constituição no caso das condenações criminais não é incompatível com uma modulação especialmente se esta for operada no sentido de não fazer incidir a suspensão em algumas hipóteses como precisamente dá conta o exemplo dos crimes culposos ou mesmo delitos de menor potencial ofensivo e contravenções que não guardam relação com a atividade política seja em sentido amplo seja em sentido estrito A exegese dominante mas não necessariamente a melhor de afirmar que a resposta constitucionalmente correta é a de suspender sempre em havendo condenação criminal está no mínimo a reclamar uma reavaliação não sendo sequer para o efeito de uma interpretação conforme necessária uma regulamentação legal que de qualquer sorte é desejável de modo a evitar posições díspares e a respectiva insegurança na dependência da posição pessoal de juízes e mesmo de um ou outro colegiado A solução constitucionalmente adequada no nosso sentir não está em negar aplicabilidade imediata à norma contida no art 15 III da CF mas sim reside ou na aprovação de lei que regulamente as hipóteses de suspensão e preserve casos de não suspensão lei que ainda assim poderá ser fiscalizada mediante o controle incidental e abstrato de constitucionalidade ou enquanto tal não se verificar na referida avaliação de cada caso devidamente justificada e amparada em criteriosa consideração das exigências da proporcionalidade Por outro lado o argumento de que a adoção de parâmetros gerais e abstratos por meio de legislação sobre a matéria inibiria em concreto uma aplicação efetivamente proporcional caso a caso da suspensão dos direitos políticos igualmente merece ser recebido com extrema cautela e mesmo ser refutado Cuidandose de medida restritiva de direitos fundamentais e devendo tais medidas observar os requisitos da isonomia e da segurança jurídica não apenas é legítimo como é mesmo desejável que o legislador estabeleça uma pauta geral a guiar e vincular de partida os órgãos jurisdicionais A sua falta é que no nosso entender não poderia obstar a opção judicial devidamente fundamentada de ressalvar no ato da sentença que não se está suspendendo os direitos políticos deixando nesse caso de oficiar a Justiça Eleitoral Outro aspecto que tem merecido intensa atenção da doutrina e da jurisprudência gerando amplo debate no STF diz com a exigência constitucional de que a suspensão dos direitos políticos apenas se dê mediante sentença condenatória transitada em julgado o que foi objeto de apreciação na já referida ADPF 144DF 1143 onde restou confirmada tal exigência afastada portanto também em homenagem ao princípio direitogarantia fundamental da presunção de inocência a tese de que por força dos princípios da moralidade e da probidade administrativa referidos no art 14 9º a simples existência de processos criminais ou de processos por improbidade administrativa teria o condão de ensejar o indeferimento do registro da candidatura a cargo eletivo Ainda assim é possível que cautelarmente se suspenda os efeitos de sentença penal condenatória transitada em julgado e restabeleça os direitos políticos conforme ilustra a decisão cautelar proferida no HC 166549 em que foi determinado a Juízo Eleitoral que observasse decisão liminar do mesmo HC que suspendeu os efeitos da decisão condenatória transitada em julgado em especial quanto a inelegibilidade do paciente até decisão ulterior ou julgamento de mérito 1144 Outro tópico de relevo diz com os casos de aplicação de medida de segurança hipótese sobre a qual não se pronunciou ao menos não de modo expresso a Constituição Federal designadamente em se cuidando de caso de absolvição imprópria no qual embora não ocorra uma condenação ao réu absolvido por não punível é aplicada medida de segurança Aqui mediante uma interpretação baseada numa leitura combinada dos incisos II e III do art 15 da CF firmouse o entendimento de que mesmo não decretada a incapacidade civil absoluta do indivíduo a sua condição de penalmente inimputável acometido que está de doença mental ou desenvolvimento mental retardado é incompatível com o exercício dos seus direitos políticos ativos e acima de tudo passivos de tal sorte que também nesses casos de aplicação de medida de segurança quando de absolvição terá o acusado os seus direitos políticos suspensos uma vez transitada em julgado a sentença 1145 Além das situações expostas é de se mencionar indagação relacionada à suspensão dos direitos políticos nos casos de suspensão condicional da pena prevalecendo o entendimento de que o sursis não gera qualquer efeito sobre a suspensão dos direitos políticos pois esta é consequência da condenação criminal transitada em julgado que segue configurada e portanto não se confunde com o benefício da suspensão do cumprimento da pena 1146 O mesmo aliás se dá na hipótese de obter o condenado o benefício do livramento condicional nos casos de prisão em regime aberto ou prisão domiciliar ou nos casos de substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos persistindo durante esse período a suspensão dos direitos políticos pois esta apenas cessará quando do cumprimento extinção da pena 1147 Aliás nos termos da Súmula 9 do TSE a suspensão de direitos políticos decorrente de condenação criminal transitada em julgado cessa com o cumprimento ou a extinção da pena independendo de reabilitação ou prova de reparação dos danos Outra hipótese que segue merecendo atenção e demanda melhor equacionamento também e mesmo especialmente em nível legislativo diz respeito aos efeitos de sentença criminal condenatória transitada em julgado em relação aos que detêm mandato eletivo Se a suspensão dos direitos políticos é consequência automática da sentença criminal também o exercício do mandato restará afetado direta e automaticamente o que configura regra geral afirmada pela doutrina dominante em adesão ao entendimento prevalecente na jurisprudência 1148 Com efeito de acordo com precedente do STF a regra contida no art 15 III da CF é dotada de aplicabilidade imediata ensejando a perda do mandato eletivo de modo automático o que só não incidirá quando configurada a exceção prevista no art 55 VI e 2º da CF dirigida aos deputados federais e senadores que perderão o mandato apenas mediante procedimento específico referido no citado preceito constitucional 1149 Também os deputados estaduais considerando o disposto nos arts 27 1º e 32 3º ambos da CF não perderão automaticamente o seu mandato a não ser em virtude de decisão por maioria absoluta e mediante voto secreto da respectiva Casa Legislativa 1150 Todavia com o julgamento da AP 470 relatada pelo Min Joaquim Barbosa o famoso caso do Mensalão o STF embora ainda não transitada em julgado a decisão está a apontar um outro rumo no que diz com a orientação adotada no precedente acima referido Com efeito por apertada maioria 5 votos a 4 o Tribunal decidiu pela perda automática do mandato dos parlamentares condenados no processo no caso todos deputados federais com destaque para os argumentos articulados pelo Min Gilmar Mendes no sentido de que a CF deve ser compreendida como um todo apontando em termos práticos para a circunstância de que condenados à pena de reclusão a ser cumprida em regime inicial fechado não haveria sequer possibilidade de conciliar tal circunstância com o exercício do mandato devendo a manifestação da Câmara dos Deputados ter caráter meramente declaratório dando publicidade ao julgamento do STF Já o Min Celso de Mello aderindo à linha argumentativa do Min Gilmar Mendes referiu a necessidade de harmonização entre o disposto no art 15 III da CF e o disposto nos 2º e 3º do art 55 da CF votando no sentido de que nos casos de condenação a pena privativa de liberdade superior a quatro anos de reclusão ou condenação por crime contra a administração pública portanto por delito que envolva ato de improbidade como é o caso da corrupção e do peculato hipótese na qual a pena poderá até mesmo ser menor do que quatro anos aplicase portanto o espírito que preside a LC 1352010 Assim cuidandose de condenação por outros delitos e sendo a pena igual ou inferior a quatro anos de reclusão aplicável o disposto no art 55 2º e 3º da CF de tal sorte que nesses casos a perda do mandato deverá ser deliberada pela Casa Legislativa Senado ou Câmara dos Deputados o mesmo também se verificando no caso dos deputados estaduais integrada pelo parlamentar condenado Em que pese a divergência por parte de alguns Ministros e a polêmica que tem cercado a matéria chegando ao ponto mesmo de ensejar inclusive um clima de confronto entre o Congresso Nacional e o STF não só mas especialmente no caso Donadon a orientação no sentido da perda automática dos mandatos acabou ao menos por ora a prevalecer no âmbito da nossa mais alta Corte 1151 Quanto aos demais casos ou seja tratandose de condenados criminalmente que exercem mandato de chefe do Executivo ou de vereador a perda do mandato se traduz em consequência automática da condenação criminal transitada em julgado que será comunicada à Justiça Eleitoral que por sua vez oficiará ao presidente da Casa Legislativa que mediante ato de caráter meramente declaratório extinguirá o mandato 1152 De qualquer sorte a circunstância de que deputados federais senadores e mesmo deputados estaduais não percam automaticamente seus mandatos não afasta para os demais efeitos inclusive de modo automático a suspensão dos seus direitos políticos visto que não elegíveis enquanto perdurarem os efeitos da suspensão Por derradeiro importa agregar que a hipótese de suspensão dos direitos políticos por força de condenação criminal não se confunde com os casos de inelegibilidade previstos no art 1º I e da LC 641990 com as alterações introduzidas pela LC 1352010 onde está previsto serem inelegíveis para qualquer cargo aqueles que forem condenados criminalmente em virtude de sentença transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado pela prática de crimes contra a economia popular a fé pública a admi nistração pública o patrimônio público o mercado financeiro por tráfico de entorpecentes e por crimes eleitorais entre outros A inelegibilidade nos termos do citado preceito legal será de oito anos após o cumprimento da pena Tal previsão por sua vez por encontrar seu fundamento no art 14 9º da CF que dispõe sobre as inelegibilidades legais diz com uma situação específica de inelegibilidade que se dá depois do término da suspensão dos direitos políticos dos que foram criminalmente condenados por tais delitos não se estendendo tal causa de inelegibilidade aos que foram condenados por outros delitos que não os elencados no art 1º I e da LC 641990 1153 A última hipótese de suspensão dos direitos políticos a ser analisada é a que decorre da prática de atos de improbidade administrativa nos termos do disposto no art 15 V da CF que por sua vez remete ao art 37 4º da CF o qual também prevê a imposição dentre outras medidas da suspensão dos direitos políticos na forma e gradação previstas em lei e sem prejuízo da ação penal cabível A regulamentação legal encontrase na Lei 84291992 que tipifica os atos de improbidade administrativa e as respectivas sanções dentre as quais a suspensão dos direitos políticos pelo prazo de cinco a dez anos art 12 Assim como se dá nos casos de condenação criminal também na hipótese de prática de ato de improbidade administrativa a suspensão dos direitos políticos dependerá de sentença judicial transitada em julgado o que aliás encontra previsão na própria Lei 84291992 no seu art 20 Convém frisar que a inelegibilidade incide desde a condenação ou o trânsito em julgado até o transcurso do prazo de oito anos após o cumprimento da pena prazo que se inicia após o término do prazo da suspensão imposta pela condenação de modo que ambos os períodos devem ser somados podendo portanto alcançar um total de dezoito anos tornando tal inelegibilidade extremamente rigorosa 1154 a tal ponto de se poder cogitar mesmo de uma eventual desproporcionalidade especialmente analisadas as circunstâncias do caso concreto o que aqui contudo não será desenvolvido Diferentemente contudo do que se dá nos casos de condenação criminal a doutrina e especialmente a jurisprudência dominante exigem que a suspensão dos direitos políticos nos casos de improbidade administrativa deve ser específica e expressamente decretada por juiz competente no bojo de ação civil de improbidade mediante a devida fundamentação não se tratando portanto de uma consequência automática da condenação o que por sua vez decorre da natureza não criminal do processo e da respectiva condenação 1155 Muito embora não seja o caso de aqui aprofundar a matéria relativa à improbidade administrativa importa recordar que o STF adotou o entendimento de que a Lei 84291992 é inaplicável aos agentes políticos Presidente da República Ministros de Estado Ministros do STF ProcuradorGeral da República pois esses estão sujeitos ao regime dos assim chamados crimes de responsabilidade nos termos dos arts 52 I e II 85 86 e 102 I c da CF bem como de acordo com o estabelecido na Lei 10791950 que disciplina o respectivo processo de tal sorte que a responsabilização cível por atos de improbidade administrativa somente é aplicável aos demais agentes públicos 1156 Em relação ao tópico convém observar que ainda que seja oportuna a alegação de que a apli cação do regime da improbidade aos agentes políticos referidos poderia ensejar evidentes distorções como por exemplo até mesmo o afastamento do Presidente da República por força de decisão de juiz singular 1157 ao mesmo tempo resulta evidente que os atos tipificados como sendo de improbidade não se confundem em geral com a figura típica dos crimes de responsabilidade e mesmo crimes comuns praticados pelos agentes políticos sendo necessário portanto construir uma solução diferenciada para tais hipóteses atos de im probidade praticados por agentes políticos que ao mesmo tempo preserve dada a relevância da matéria e a repercussão das respectivas decisões e não apenas para a pessoa do detentor do cargo os agentes políticos e o interesse público de uma eventual manipulação mas não afaste a possibilidade de sua responsabilização também pela prática de improbidade administrativa 417327 A reaquisição dos direitos políticos Mesmo que tenha perdido os seus direitos políticos consoante já adiantado o agente terá a possibilidade de vir a readquirilos É por tal razão que o critério do caráter definitivo da perda não é tido como adequado para distinguir as hipóteses de perda e suspensão devendo ser compreendido como indicativo de uma espécie de definitividade relativa que poderá ou não assumir caráter definitivo se aquele que tiver sido privado dos seus direitos não buscar ou não alcançar a sua reaquisição nos termos da ordem jurídica Assim nos casos de cancelamento da naturalização a perda dos direitos políticos poderá ser revertida mediante ação rescisória consoante já adiantado no capítulo que versou sobre a nacionalidade Em se tratando de perda dos direitos políticos como decorrência de inadimplemento de obrigação alternativa por razões de consciência convicção filosófica crença etc a própria legislação que regula a matéria Lei 82391991 possibilita a reaquisição dos direitos políticos a qualquer tempo mediante o cumprimento das obrigações devidas 417328 A regra da anualidade em matéria eleitoral art 16 da CF De acordo com o disposto no art 16 da CF a lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência Na precisa formulação de Néviton Guedes cuidase de típica regra de especialização pois mediante tal norma a Constituição converte o princípio geral da segurança jurídica em uma regra especial de segurança jurídica em matéria eleitoral no sentido de uma regra de não surpresa que busca preservar o processo eleitoral e a própria democracia de eventuais alterações bruscas e casuísticas 1158 Nesse sentido aliás a posição do STF que chegou a reconhecer um direito fundamental à não surpresa no âmbito do processo eleitoral direito esse que representa tanto uma garantia do cidadão em geral e não apenas do eleitor mas também do candidato e dos partidos políticos ademais de garantia de um devido processo legal eleitoral estando na condição de cláusula pétrea protegido até mesmo contra a supressão e erosão por meio do poder de reforma constitucional 1159 Um aspecto de suma relevância no que concerne à aplicação do art 16 da CF diz com o que se compreende por legislação eleitoral para este efeito ou seja se a regra da anterioridade incide em relação a toda e qualquer legislação versando sobre matéria eleitoral ou apenas se aplica a um determinado tipo de normas eleitorais Nesse sentido colacionase o magistério de Néviton Guedes que mediante análise das decisões do STF 1160 chega à conclusão de que há que distinguir entre lei ou norma eleitoral em sentido amplo e lei ou norma eleitoral em sentido estrito consideradas como tais as que impliquem efetivas modificações no processo eleitoral e que além disso venham a afetar o seu resultado e interferir nas condições da competição portanto as normas que sejam capazes de produzir desigualdade de participação dos partidos e respectivos candidatos 1161 Assim parece correto afirmar que na acepção do STF a regra da anterioridade contida no art 16 da CF deverá ser aplicada e rigorosamente controlada quanto à sua incidência sempre que se cuidar de norma eleitoral que tenha como consequência uma intervenção restritiva na esfera dos direitos políticos e da atuação dos partidos políticos em especial quando implicar uma violação da isonomia no âmbito do processo eleitoral 1162 Ainda nesse contexto convém agregar que o STF com o intuito de assegurar ao máximo a função de garantia do processo eleitoral vinculada ao art 16 da CF interpretou de modo amplo a expressão lei contida no referido preceito constitucional de modo a incluir na acepção toda e qualquer espécie normativa de caráter autônomo geral e abstrato emanada pelo Congresso Nacional no exercício de sua competência constitucional art 22 I da CF alcançando até mesmo as emendas constitucionais 1163 Além disso o STF pontuou que a noção de processo eleitoral envolve para efeitos de incidência da regra da anterioridade um complexo de atos que abarca desde a fase préeleitoral escolha apresentação das candidaturas e propaganda eleitoral passando pelo período das eleições e alcançando a fase póseleitoral que se inicia com a apuração e contagem dos votos e termina com a diplomação dos candidatos Por fim ainda de acordo com o mesmo precedente do STF a norma contida no art 16 da CF objetiva impedir toda e qualquer deformação do processo eleitoral mediante medidas de natureza casuística e que afetem a isonomia entre partidos e candidatos Porém considerando tanto a relevância quanto o dinamismo do processo políticoeleitoral não causa surpresa que o tema siga sendo objeto de intenso debate inclusive provocando forte dissídio entre os integrantes do próprio STF Isso pôde ser verificado especialmente no caso do julgamento dos Recursos Extraordinários 630147 caso Joaquim Roriz e 631102 caso Jader Barbalho já rapidamente referidos que envolveram a aplicação imediata ao processo eleitoral da assim chamada Lei da Ficha Limpa onde todavia não chegou a se formar uma maioria em favor de uma ou outra posição visto que em ambos os julgamentos a votação quedou empatada ficando o Tribunal dividido entre a tese da aplicação imediata da lei às eleições de 2010 e a tese contrária que defendeu a incidência do art 16 da CF na espécie Na ocasião o julgamento do primeiro caso ficou prejudicado em razão da perda superveniente de seu objeto ao passo que no caso Jader Barbalho acabou sendo mantida a decisão do TSE que decidira pela aplicação imediata da legislação impugnada Precisamente nesses casos que envolvem típicas hipóteses de restrição de direitos fundamentais veiculadas pela LC 1352010 há que levar a sério a tese da plena incidência da regra da anterioridade situação que transcende como bem aponta Gilmar Mendes a discussão em torno da existência de uma interferência no processo eleitoral e mesmo de um eventual casuísmo 1164 A celeuma respeitante à aplicação da Lei da Ficha Limpa a fatos pretéritos não se encontra contudo plenamente superada no âmbito do STF e segue gerando acirradas discussões e perplexidades Nesse sentido calha invocar o julgamento do RE 929670DF em 04102017 rel Ministro Ricardo Lewandowski relator para o Acórdão Ministro Luiz Fux no qual se afirmou a aplicabilidade da alínea d do inciso I do art 1º da LC 641990 com a redação dada pela LC 1352010 a fatos anteriores à sua publicação No caso concreto apreciado pelo STF o Plenário por maioria ao discutir a incidência de causa de inelegibilidade prevista no dispositivo legal citado à hipótese de representação eleitoral julgada procedente e transitada em julgado antes da entrada em vigor da LC 1352010 que aumentou de três para oito anos o prazo de inelegibilidade Entendeu a Corte que uma vez transcorrido o prazo de três anos previsto na redação originária do art 1º inciso I alínea d da LC 541990 inelegibilidade em virtude de condenação pela Justiça Eleitoral transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado em processo de apuração de abuso de poder econômico ou político por força de decisão transitada em julgado o legislador infraconstitucional pode aumentar os prazos de inelegibilidade sem que isso venha a implicar ofensa à coisa julgada No caso ocorreu ampliação do período de inelegibilidade de três para oito anos mas o STF considerou legítima tal alteração e sua aplicação a fatos anteriores pois não se trata de medida de natureza sancionatória ou punitiva mas tão somente requisito negativo de adequação do indivíduo ao regime jurídico do processo eleitoral Ademais disso é preciso destacar que a divergência veiculada pelos votos dos Ministros Ricardo Lewandowski Relator originário Gilmar Mendes Alexandre de Moraes Marco Aurélio e Celso de Mello fundouse essencialmente no argumento da prevalência da coisa julgada formal e material e não propriamente no art 16 da CF muito embora se tratasse também da aplicação da lei a fatos anteriores assim como um problema ligado à proibição de retroatividade in pejus De qualquer sorte com o devido respeito à posição que acabou por prevalecer novamente por apertada maioria a razão na perspectiva de uma leitura restritiva de fortes restrições a direitos fundamentais que não se restringem a medidas de natureza punitiva eou sancionatória ainda mais quando envolve aplicação retroativa de restrições os melhores argumentos no caso ora sumariamente comentado estão do lado dos vencidos Mas levando em conta justamente a dinâmica do processo eleitoral e das decisões do próprio STF o que se soma ao fato de se tratar de posição adotada por maioria de um voto leva a crer que segue se tratando de problema aberto a novos desenvolvimentos Recentemente com a Emenda Constitucional n 1072020 foram adiadas em razão da pandemia da COVID19 as eleições municipais de 2020 e os prazos eleitorais Há que considerar que a edição da emenda não importou em restrição significativa de direitos e garantias fundamentais dos cidadãos sejam eles eleitores ou candidatos visto não ter sido atingida a igualdade de chances sendo a emenda justamente o meio adequado para resolver dentro dos parâmetros estabelecidos pela CF a questão sobre as eleições num contexto de calamidade pública nacional e internacional como o vivenciado por causa da pandemia do novo coronavírus Por tal razão a aprovação da EC n 1072020 também não pode ser tida como violadora tanto dos limites materiais quanto dos assim chamados limites circunstanciais implícitos à reforma constitucional tal como demonstrado no capítulo sobre o tema na parte da obra relativa à teoria da constituição 418 Dos partidos políticos 4181 Considerações gerais posição e função dos partidos políticos no Estado Democrático de Direito Ao longo da trajetória evolutiva do constitucionalismo democrático embora existam países em que não exista democracia 1165 a democracia passou a ser cada vez mais e preponderantemente uma democracia partidária especialmente e logicamente no contexto da assim chamada democracia representativa sem prejuízo de eventual reconhecimento de candidaturas do tipo avulso Não é à toa que Gomes Canotilho nos lembra que a democracia é sempre uma democracia com partidos assim como o Estado Constitucional se caracteriza por ser um Estado Constitucional de Partidos 1166 Os partidos políticos que correspondem a uma particular forma de exercício da liberdade de associação já que de associações no sentido próprio do termo se trata constituem portanto o meio por excelência de exercício da democracia representativa Para o caso brasileiro isso se revela de transcendental importância visto que de acordo com o modelo adotado pela CF não existe representação política que não passe pelos partidos já que como visto no capítulo dos direitos políticos é condição para qualquer candidatura a filiação a partido político Desde o seu surgimento inclusive quanto à sua concepção teórica na Inglaterra do século XVII 1167 e segundo a lição de Dieter Grimm os partidos políticos na condição de instituições permanentes da democracia representativa e da participação política assumiram uma função de canal de mediação entre a não regulada pluralidade de ideias e interesses do povo sociedade e a organizada unidade de ação do Estado seja durante e nos termos do processo eleitoral propriamente dito seja naquilo em que buscam influenciar e organizar as decisões do Estado de acordo com os projetos e reclamos da sociedade 1168 Assim ainda de acordo com Dieter Grimm sendo os partidos uma consequência da participação parlamentarmente organizada do povo na formação democrática da vontade e do processo decisório político tanto o seu surgimento quanto a sua difusão são constitucionalmente condicionadas ainda que isso nem sempre tenha sido objeto de percepção pelo poder constituinte 1169 Também por tal razão poderíamos acrescentar é possível afirmar que os partidos políticos e a previsão de um sistema modelo partidário correspondem a elementos centrais da própria constituição material sem prejuízo de sua inserção nos textos constitucionais que os regulam em maior ou menor medida Para que os partidos possam exercer a sua função de mediação e articulação ademais da participação na formação da vontade política pelos cidadãos o conteúdo de sua tarefa será determinado apenas no contexto e mediante sua inserção do conjunto da ordem constitucional democrática considerada como uma ordem de poder legitimada pela maioria do povo assegurada a igualdade de chances das minorias e mediante um processo político livre e aberto 1170 Dentre as funções aqui mais concretas dos partidos políticos situase a de identificar e formar lideranças políticas sua respectiva apresentação ao povo eleitor e a captação do seu voto para na condição de partidos do governo cumprirem o seu desiderato de elos da corrente de legitimação entre o povo e o Estado governo mas na oposição e potencial governo futuro exercer o papel de crítica e controle portanto de limitação do poder e proposição de alternativas ademais da representação das minorias políticas 1171 Tais funções sumariamente esboçadas nos parágrafos anteriores indicam que os partidos políticos são organizações de caráter especial para assegurar a participação e fruição das estruturas democráticas estatais no âmbito de um permanente processo de diálogo e comunicação entre sociedade e Estado 1172 No que tange à posição dos partidos políticos no contexto mais ampliado da ordem constitucional e da divisão dos poderes estatais convém frisar na esteira de Konrad Hesse que os partidos não atuam ou não deveriam para além das fronteiras da formação da vontade política especialmente não participam e influenciam diretamente a atividade jurisdicional e o Poder Executivo já que sujeitos a uma juridicidade própria e autônoma distinta da formação da vontade política 1173 Isso contudo e como resulta evidente dispensando maior digressão não significa que de modo indireto os Partidos não exerçam maior ou menor influência no caso do Poder Judiciário em caráter ilustrativo na participação da regulação legislativa e mesmo constitucional de seu papel sua estrutura e competências e no caso do Poder Executivo de modo similar além do próprio controle político e externo aprovação e limitação do orçamento Além disso a autonomia dos partidos e o seu papel diferenciado não são incompatíveis com o fato também evidente e natural numa democracia partidária de que os cargos eletivos do Executivo sejam assim como os do Legislativo em regra preenchidos por candidatos filiados a determinado partido político Assim pelas suas funções e peculiaridades e independentemente de seu regime jurídico próprio que em grande parte dos casos é de direito privado como no Brasil os partidos constituem um tipo de associação especializada e finalisticamente condicionada estruturada e organizada razão pela qual cuidando se de organizações autoinstitutivas não podem ser substituídas por outras salvo se forem do mesmo tipo e cumprindo as mesmas funções 1174 Com efeito tal posição e função dos partidos na arquitetura constitucional e o próprio estatuto dos partidos na Constituição como direitos fundamentais direitos políticos titulares de direitos fundamentais e garantias institucionais lhes asseguram a condição privilegiada em relação às associações de um modo geral 1175 Outro aspecto a ser sublinhado ainda nessa fase preliminar diz respeito ao fato de que o quanto os partidos se encontram em condições de realizar as suas tarefas no Estado Democrático ou seja cumprir com sua particular missão na formação da vontade política num ambiente plural guarda umbilical relação e é mesmo fortemente condicionado com o respectivo sistema partidário que por sua vez encontrase vinculado ao sistema eleitoral vigente 1176 o qual aqui não será explorado Ao passo que o modelo de partido único a despeito da eventual existência de uma democracia intrapartidária não é tido e com razão como compatível com uma ordem genuinamente democrática porquanto plural os demais modelos clássicos são o do bipartidarismo e o do pluripartidarismo ainda que existam variações gradações possíveis Assim por exemplo poderá existir um bipartidarismo no sentido estrito com a existência de apenas dois partidos políticos ou um sistema bipartidário com mais de dois partidos mas uma histórica e absolutamente majoritária presença e participação efetiva e determinante na formação da vontade política por dois partidos dominantes No âmbito do pluripartidarismo poderá haver menor ou maior limitação para a criação e participação de partidos no processo políticodemocrático o que irá depender novamente do marco normativo constitucional e legal de cada país ademais de guardar relação com o respectivo sistema eleitoral Cumpre agregar ainda nessa quadra que pelo fato de se constituírem a partir da mobilização e organização da sociedade na forma de associações a natureza jurídica dos partidos em regra é a de associações regidas pelo Direito Privado mesmo consideradas as suas funções e peculiaridades fortemente submetidas ao marco normativo constitucional 1177 Além disso e nisso reside outra particularidade determinante para o seu status jurídico constitucional os partidos em virtude de sua função mediadora já referida ocupam uma posição sistemática intermediária entre a vida social assegurada e impregnada pelas liberdades fundamentais e as funções e atuação estatal muito embora não se trate de uma relação do tipo dicotômica visto que os partidos por meio dos seus integrantes indicados e eleitos ocupam os cargos políticos parlamentares e as chefias do Poder Executivo ali formando maiorias ou minorias participando dos processos decisórios etc 1178 Além disso do ponto de vista de sua posição na arquitetura constitucional os partidos e o próprio sistema partidário e eleitoral assumem a posição tanto de garantias institucionais fundamentais constitucionalmente protegidas contra a sua supressão como tais e esvaziamento pelos poderes constituídos quanto na condição de pessoas jurídicas titulares de direitos fundamentais próprios sejam negativos como a liberdade partidária a garantia da igualdade entre outros e de caráter positivo prestacional como direitos à proteção e organização e procedimento assim como direitos a prestações fáticas a exemplo do que no caso brasileiro se verifica com o direito de acesso aos recursos do fundo partidário Tais questões contudo serão analisadas mais de perto quando tratarmos dos partidos na CF 4182 As dimensões da liberdade partidária e seus elementos estruturantes e consequências A liberdade dos partidos políticos abrange uma dimensão externa e outra interna designadas respectivamente de liberdade partidária externa e interna Como tal liberdade em sua dupla dimensão é na sua concretude determinada pelo direito constitucional e ordinário positivo aqui apenas serão apresentados os seus contornos gerais A liberdade partidária externa protege os partidos contra intervenções externas restrições influências coações por parte do Estado assegurando a sua criação a filiação e desfiliação de seus integrantes a sua autonomia de tal sorte que não podem ter sua atuação propriamente dita determinada pelo Estado da mesma forma como protege os partidos salvo em condições muito específicas e constitucionalmente prescritas de uma dissolução 1179 Nessa perspectiva a liberdade partidária externa corresponde simultaneamente à liberdade de fundação criação e à liberdade de atuação dos partidos políticos abarcando tanto a liberdade negativa direito a não ser constrangido a participar de partido quanto a positiva na condição de direito subjetivo do cidadão à criação e associação de e em partidos além de guardar semelhança com as garantias em relação à suspensão e extinção dos partidos 1180 Já a assim chamada liberdade interna tem por objetivo assegurar que os partidos correspondam às exigências do Estado Democrático de Direito com o que não se está a condicionar e relativizar de modo heterônomo a sua ordem interna e autonomia justamente protegidos por conta da liberdade partidária externa mas sim pelo contrário estabelecendo e assegurando a sua liberdade interna que deve ser blindada contra toda e qualquer intervenção que tenda a subtrair aos partidos a possibilidade de participar de modo livre e eficaz na formação da vontade política 1181 Integram portanto a liberdade interna especialmente a blindagem em relação a qualquer controle ideológico e programático bem como a proteção contra o controle da organização interna partidária o que não significa que os partidos não estejam atrelados à observância dos direitos fundamentais e princípios estruturantes da Constituição 1182 Importa acrescentar que a liberdade partidária não tem por objeto precípuo a proteção dos partidos como tais e por si mesmos mas sim na condição de uma liberdade do tipo funcional visa salvaguardar numa perspectiva instrumental a sua capacidade de cumprir com as suas funções constitucionais designadamente a de mediação entre a sociedade e o Estado 1183 Titulares da liberdade partidária são tanto a pessoa jurídica do partido quanto os indivíduos que a integram e os que ainda não a integram o que abarca a liberdade de criação filiação e desfiliação de partidos políticos já que aos cidadãos é assegurado na condição de direito fundamental o direito subjetivo à participação políticopartidária 1184 Também aqui é preciso sublinhar que as diversas garantias institucionais e processuais portanto de natureza material e instrumental que dizem respeito às duas dimensões da liberdade partidária embora apresentem um núcleo significativo de elementos comuns aos Estados Democráticos de modo geral encontramse reguladas pelo direito positivo de cada Estado apresentando peculiaridades relevantes e mesmo um status diferenciado Além disso o espectro de tais garantias materiais e instrumentais poderá variar significativamente não se podendo falar aqui de um modelo fechado De outra parte calha não olvidar que as duas dimensões da liberdade partidária não são de modo algum estanques e se articulam e retroalimentam podendo inclusive implicar modulações de modo a assegurar sua compatibilidade interna Assim em termos gerais os principais esteios e modos de salvaguarda da liberdade partidária são além da liberdade de criação e filiação a autonomia partidária nas suas diversas acepções a legitimação e participação democrática no plano intrapartidário a posição de igualdade inclusive a liberdade de chances dos partidos entre si o acesso a fontes de financiamento públicas eou privadas a depender do caso além da sua condição ainda que associações regidas pelo direito privado de caráter público que condiz com a relevância e com a peculiaridade de suas funções e a correspondente posição na arquitetura institucional democrática 1185 Mas também tais aspectos aqui apenas inventariados de modo geral serão abordados adiante no contexto do marco jurídicoconstitucional brasileiro seja do ponto de vista normativo seja na perspectiva jurisprudencial e doutrinária 4183 Os partidos políticos no direito constitucional brasileiro pretérito Desde a Carta Imperial de 1824 o Estado Constitucional brasileiro até que o Brasil pudesse ser efetivamente designado de um Estado de Partidos transcorreu um significativo período marcado por longos períodos autoritários como durante a Ditatura do Estado Novo 19371945 e a Ditadura Militar 19641984 sem prejuízo da grande fragilidade política que caracterizou a assim chamada Primeira República isto sem falar na transição autoritária e centralista inaugurada pela Revolução de 1930 e a transitoriedade da Constituição de 1934 Aliás o quadro sumariamente esboçado revela que a despeito da existência de agremiações políticas intituladas de partidos políticos a maior parte do tempo da história constitucional brasileira foi marcada por um ambiente institucional e democraticamente frágil 1186 Não é à toa portanto que Gilmar Mendes anota que a história dos partidos políticos no Brasil é uma história acidentada pois mesmo durante os primeiros anos de vigência da Carta Imperial de 1824 existiam apenas duas facções compostas pelo governo e pela oposição tendo os primeiros partidos sido criados a partir de 1831 partidos Restaurador Republicano e Liberal polarizandose a vida e a cena política imperial logo mais adiante 18371838 em torno da representação das duas principais correntes da elite econômica social cultural e política brasileira mediante respectivamente o Partido Liberal e o Partido Conservador 1187 Tais partidos ainda que assim fossem designados cuidavamse mais de associações políticas do que de partidos políticos propriamente ditos o que se devia às limitações impostas pela própria Carta Imperial de 1824 especialmente o sufrágio censitário a exclusão de escravos analfabetos e mulheres a adoção obrigatória da religião do Estado o cerceamento da liberdade de consciência e o estabelecimento de um Poder Moderador 1188 Sem um caráter efetivamente programático e orgânico e sem as garantias democráticas da liberdade partidária poderíamos acrescentar e representando como já frisado uma elite minoritária as organizações políticas daquele período marcado por uma monarquia constitucional ainda que se apresentassem formalmente como partidos não correspondiam à atual concepção de partidos num Estado Democrático de Direito 1189 Cuidavase sobretudo de grupos organizados politicamente mas que não tinham consistência ideológica nem cumpriam as funções propriamente ditas dos partidos políticos 1190 Também a assim chamada Primeira República 18891930 iniciou e se desenvolveu de modo não apenas acidentado como conturbado Embora a Constituição de 1891 tivesse instituído o sufrágio universal o voto era dado a descoberto e mediante assinatura do eleitor perante as mesas eleitorais o que levou a um modelo de submissão do eleitorado às pressões e vontades das elites políticas locais e regionais facilitando a fraude eleitoral sistema que mereceu a desairosa designação de voto de cabresto peculiar ao coronelismo e clientelismo que grassava com força na época Especialmente na sua fase inicial a influência dos militares que foram esteio e meio da própria proclamação da República foi intensa e determinante de tal sorte que a despeito da precária organização das agremiações políticopartidárias de então os militares partidários da república organizados politicamente passaram a assumir a função ainda que não formal de um Partido Político 1191 Somase a isso dando conta da grande fragilidade do modelo políticoinstitucional e da democracia durante a Primeira República o fato de que foram extintos os partidos criados durante o Império não sobrevindo contudo um sistema partidário estável muito pelo contrário a concepção dominante era mesmo contrária aos partidos exceção feita ao Partido Republicano que passou a dominar a máquina administrativa federal e estadual em parceria com os poderes locais 1192 Com efeito em termos gerais é correto afirmar que ao longo da Primeira República o poder seguiu concentrado nas mãos dos liberaisoligárquicos com valorização dos grupos estaduais e municipais num sistema de simbiose com o poder central 1193 Além disso tendo em conta as peculiaridades do sistema eleitoral vigente majoritário e distrital resultava dificultada a criação de agremiações de caráter nacional fortes prevalecendo amplamente a criação de partidos políticos se é que assim poderiam ser designados a exemplo do que se verificava no período imperial Notese ainda nesse contexto reforçando dessa forma o que já foi dito que nem a Constituição de 1891 tampouco a legislação ordinária dispunham sobre a criação organização e funcionamento dos partidos políticos limitandose o texto constitucional a assegurar a liberdade de reunião e associação em termos gerais art 72 8º Aliás além da omissão da legislação eleitoral a única previsão legal sobre a criação de partidos políticos constava no art 18 do Código Civil de 1916 dispondo que seriam constituídos de acordo com os procedimentos do registro civil das pessoas jurídicas de direito privado Sobre tal período dentre as diversas vozes críticas sempre é bom lembrar a famosa e amplamente difundida fala de Francisco de Assis Brasil um dos expoentes da política nacional e especialmente gaúcha e líder de uma das duas grandes correntes políticas gaúchas a outra era ligada ao caudilho Júlio de Castilhos e seu sucessor Borges de Medeiros que se digladiavam intensa e mesmo brutalmente bastaria recordar as revoluções de 1893 e 1923 a última tendo tido como estopim suposta fraude eleitoral em favor de Borges de Medeiros e que teria sido engendrada por Getúlio Vargas Segundo Assis Brasil a democracia representativa da época era um regime em que ninguém tinha a certeza de se fazer qualificar como a de votar Votando ninguém tinha certeza de que lhe fosse contado o voto Uma vez contado o voto ninguém tinha segurança de que seu eleito havia de ser reconhecido através de uma apuração feita dentro do Parlamento e por ordem muitas vezes superior 1194 Em síntese na Primeira República os partidos políticos de caráter nacional de modo particular eram um fenômeno hostilizado e inibido ainda mais quando as agremiações políticas eram contrárias aos interesses do poder político dominante já que o que existia eram facções transvestidas de partidos valorização das lideranças individuais e poderes locais de tal sorte que definitivamente não há como falar em uma democracia sólida nem em um Estado de Partidos naquele período 1195 O período seguinte marcado pela transição e governo provisório de Getúlio Vargas iniciada pela Revolução de 1930 até o Golpe do Estado Novo 1937 foi em grande parte até mais conturbado já pelo fato do próprio movimento revolucionário e deposição do Presidente Washington Luís outubro de 1930 a crise econômica mundial que afetou também o Brasil especialmente a cultura cafeeira e os partidos políticos estaduais que seguiam dominantes e representando os interesses das elites locais ademais do desmantelamento das agremiações partidárias herdadas da Primeira República 1196 Após a formação no interior do próprio governo de duas correntes a primeira representando as oligarquias estaduais que almejava uma nova Constituição e a outra os assim chamados tenentistas o governo provisório de Getúlio Vargas promulgou o primeiro Código Eleitoral do Brasil reconhecendo a existência dos partidos políticos como pessoas jurídicas e regulando o seu funcionamento muito embora a previsão concorrente e fragilizadora em relação aos partidos de candidatos sem partido em forma de candidaturas avulsas distinguindo partidos permanentes dos provisórios e ainda ao lado dos partidos as associações de classe 1197 Nesse contexto calha sublinhar com Aloísio Zimmer Júnior que a Constituição de 1934 surge desse barroquismo pois de um lado são valorizados os partidos políticos de outro contudo impôsse a convivência com as representações classistas e dos trabalhadores e empregadores Era uma Constituição estruturada em bases fragilíssimas 1198 Assim embora se sustente que os partidos políticos propriamente ditos tenham sido criados do ponto de vista jurídico apenas pelo Código Eleitoral de 1932 1199 na Constituição de 1934 cuja constituinte fora eleita segundo o formato eleitoral e partidário referido os partidos políticos não foram objeto de expressa previsão e regulação mantendose um modelo marcado por partidos estaduais Em nível nacional ocorreu a formação de dois grandes blocos ideologicamente contrapostos quais sejam a Ação Integralista Brasileira e a Aliança Nacional Libertadora que contudo não eram propriamente partidos políticos nacionalmente estruturados e organizados Assim também por tais razões e outros fatores de distúrbio como o da intentona comunista embora os partidos tivessem sido juridicamente reconhecidos mas mediante fortes limitações legais não há como falar num autêntico Estado e numa autêntica democracia de partidos 1200 O Estado Novo foi decretado por Getúlio Vargas em 10 de novembro de 1937 inclusive mediante outorga de uma nova Constituição seguindose a dissolução do Congresso e das Assembleias Legislativas em nível estadual e municipal Os partidos políticos já fragilizados do período do governo provisório foram extintos por Decreto em 02121937 vedandose a criação de novos partidos e permitindose a permanência de partidos criados anteriormente desde que mantidos como associações de cunho cultural beneficente ou desportivo renunciando à designação e função propriamente dita de partidos políticos O próprio texto constitucional de 1937 além de não prever os partidos políticos praticamente inviabilizou a criação de novas organizações políticas ainda mais contrárias ao Governo Registre se ainda de acordo com a lembrança de Orides Mezzaroba que a tentativa do próprio Getúlio Vargas de criar um novo partido único a Legião Cívica Brasileira acabou não prosperando em face da resistência dos militares que formavam uma espécie de partido único e assim se posicionavam de tal sorte que ao fim e ao cabo o Estado Novo caracterizouse como período não apenas sem partidos políticos como pelo seu caráter autoritário centralizado e não democrático 1201 O ocaso do Estado Novo foi acompanhado de um processo de redemocratização que surgiu e foi formatado ainda pelo próprio Governo Vargas mediante a promulgação em 28021945 da EC 9 determinando edição de legislação prevendo e regulamentando eleições diretas para Presidente da República e para a eleição dos integrantes da Assembleia Constituinte a ser reunida Mediante o DecretoLei 7586 de 28051945 seguiuse a regulamentação da criação e funcionamento dos partidos políticos e do processo eleitoral cujas medidas contudo se revelaram fortemente restritivas e favoreciam os partidos formados a partir das estruturas governamentais destacandose o Partido Social Democrático PSD e o Partido Trabalhista Brasileiro PTB ambos apoiados por Getúlio Vargas Além disso como lembra Orides Mezzaroba a legislação referida acabou esvaziando a posição dos partidos políticos ao permitir a inscrição do candidato por mais de uma legenda e para disputar tanto cargos do Executivo quanto do Legislativo ademais de não exigir a fixação de domicílio eleitoral permitindo que o mesmo candidato pudesse concorrer a vários cargos em vários Estados estimulando o surgimento e fortalecimento de lideranças individuais Foi o que ocorreu com o próprio Getúlio Vargas que se elegeu Senador por dois Estados e Deputado Federal por sete Estados nas eleições de dezembro de 1945 1202 De todo modo do processo de redemocratização também surgiu um novo partido político de matiz liberal qual seja a União Democrática Nacional UDN que reunia especialmente os setores da classe média e dissidentes em relação ao modelo de Estado implantado por Getúlio Vargas buscando especialmente aprimorar as instituições democráticas e afirmar a liberdade de expressão 1203 No decorrer dos trabalhos da Assembleia Constituinte sobreveio o DecretoLei 925846 de 14051946 prevendo o que já constava do Decreto anterior o cancelamento do registro dos partidos que contrariassem os princípios democráticos e os direitos fundamentais cláusula aberta ao arbítrio além da vedação de financiamento com recursos oriundos do exterior mas também de orientação ideológica e qualquer tipo de auxílio o que foi utilizado como fundamento para o cancelamento do registo do Partido Comunista Brasileiro em 07051947 pelo TSE 1204 A nova Constituição Federal de 18091946 acabou por consagrar o sufrágio universal e o voto direto e secreto bem como previu o sistema proporcional para as eleições para a Câmara dos Deputados o que somado a uma falta de tradição no que diz com a criação de partidos de âmbito nacional mas também em virtude do personalismo e regionalismo levou à proliferação de partidos políticos 1205 Embora previsse a figura dos partidos políticos praticamente recepcionou os parâmetros dos dois decretosleis referidos vedando art 141 3º o registro ou funcionamento de qualquer partido político ou associação contrária à democracia à pluralidade partidária e aos direitos fundamentais ademais de proibir os entes da Federação de tributar os bens e serviços dos partidos políticos e de permitir que os partidos nacionais na condição de pessoas jurídicas fossem acionistas de sociedades anônimas ou proprietários de empresas jornalísticas e de radiodifusão 1206 No seu conjunto era visível o objetivo realizado na prática de limitar a criação de partidos e manter os dois partidos de base governista PSD e PTB favorecendo a cooptação da política por parte das elites econômicas políticas e militares situação fortalecida pela Lei 1164 de 24071950 mediante a qual foi alterado o status jurídico dos partidos políticos que passaram para o regime das pessoas jurídicas de direito público aumentando ainda mais o controle estatal e governamental e centralista pois tanto os partidos quanto seus estatutos e programas deveriam ter abrangência nacional 1207 Nesse contexto a despeito do pluripartidarismo apenas três agremiações partidárias tiveram efetivo destaque e ocupavam substancialmente os espaços políticos e parlamentares com suas bancadas designadamente os já citados PSD e PTB e a União Democrática Nacional UDN ficando as agremiações menores e mais comprometidas com determinados programas políticos e portanto mais representativos da noção de um verdadeiro partido político relegadas a um papel marginal tudo no contexto mais amplo da manutenção de uma cultura hostil aos partidos políticos no sentido próprio do termo 1208 Se mesmo no período de 1945 a 1964 a situação da representação política e democrática bem como a dos partidos políticos a despeito da redemocratização levada a efeito se revelava frágil instável e mesmo centralista e de certo modo autoritária com o Golpe Militar de março de 1964 o quadro se agravou profundamente No que diz precisamente com os partidos políticos uma das primeiras e principais medidas do governo militar foi editar uma nova lei orgânica dos partidos políticos Lei 4740 de 15071965 legislação que todavia estabelecia fortes restrições à criação de partidos e mesmo levando à redução do número de partidos existentes De fato consoante a referida legislação partidos que não elegessem ao menos doze deputados federais por no mínimo sete estados bem como partidos que não tivessem obtido nas eleições para a Câmara Federal votos de no mínimo três por cento do eleitorado nacional distribuído por onze ou mais estados perderiam o seu registro 1209 O que se mostra peculiar nessa quadra como bem averba Orides Mezzaroba é que o próprio regime militar apesar da previsão e regulação legal dos partidos promovia e controlava a organização políticopartidária da oposição mantendoa contudo sob controle de modo a impedir alguma reação eficaz contra o governo valendose para tanto de diversos instrumentos como a assim chamada sublegenda as candidaturas natas e os senadores biônicos 1210 Todavia com a edição do Ato Institucional 2 27101965 foram extintos os partidos existentes e cancelados os respectivos registros seguindose o Ato Institucional 4 20111965 instituindo o bipartidarismo no Brasil mobilizado pela Aliança Renovadora Nacional ARENA representante do governo e o controlado partido de oposição o Movimento Democrático Brasileiro MDB 1211 A Constituição de 1967 embora regulasse os partidos políticos apenas reforçou as limitações da legislação referida dificultando a criação de partidos diante de cada vez maior tensão e confronto entre o governo e a oposição editandose o Ato Institucional 5 de 13091968 seguido da Lei de Segurança Nacional 29091969 reforçando a censura e o controle dos partidos políticos A EC 1 de 17101969 incorporou as previsões da Carta de 1967 e da legislação então vigente que foram sendo ajustadas e mesmo enrijecidas ao longo do tempo como em caráter ilustrativo dá conta o assim chamado Pacote de Abril 1977 dentre as quais eleições indiretas para os governadores dos Estados criação da sublegenda no Senado e eleição indireta de um terço dos senadores Com a EC 11 de 13101978 veiculando a distinção entre a organização e o funcionamento dos partidos mantendo contudo em termos gerais importantes limitações à criação de partidos ademais de seu controle tendência que se cristalizou na legislação subsequente como em especial por meio da Lei 7090 de 14041983 Já em plena fase de retomada gradual da democracia foi promulgada a EC 25 de 15051985 viabilizando a formação de uma nova constelação políticopartidária mais plural e diversificada de tal sorte que nas eleições para a Assembleia Constituinte em 1986 existiam mais de 30 partidos registrados embora esse número depois das eleições viesse a diminuir De todo modo mais uma vez escorados no magistério de Orides Mezzaroba em lição que aqui nos permitimos transcrever o período do Regime Militar demonstrou a correção da tese de que uma vez incorporada a ideia de que o Partido não deve ser organizado pelo Estado como forma de instrumentalizar seu próprio Poder mas sim ser o resultado da organização da sociedade partindo do microcosmo social que é povoado pelas vontades dos indivíduos poderosa vacina antiautoritária terá sido inoculada na organização política nacional 1212 Além disso a trajetória percorrida pelos partidos políticos desde o Império até o ocaso da Ditadura Militar marcada substancialmente pela centralização pelo controle a partir das elites e do governo bem como por uma cultura em si hostil aos partidos na verdadeira acepção do termo revela o quão importante é o reconhecimento e salvaguarda efetiva da liberdade partidária nas suas duas dimensões referidas na parte introdutória o que veio a ser em boa parte corrigido pela CF ora em vigor ainda que persistam imperfeições a serem corrigidas 4184 Os partidos políticos na Constituição Federal de 1988 41841 Anotações preliminares O debate sobre o perfil e papel dos partidos políticos foi intenso durante os trabalhos da Assembleia Constituinte revelando uma dose significativa de desconfiança em relação àqueles ademais de certa incompreensão quanto ao seu papel num regime democrático registrandose inclusive uma séria cogitação no sentido de se permitir as assim chamadas candidaturas avulsas o que acabou não ocorrendo ao fim e ao cabo 1213 Importa sublinhar ainda nesta quadra preliminar que o novo marco normativo constitucional investiu na importância dos partidos políticos para a democracia representativa brasileira condicionando a elegibilidade à filiação a um partido político consoante já visto no capítulo relativo aos direitos políticos o que de outra parte não impediu um crescente desprestígio e mesmo repúdio aos partidos e representantes políticos no País inclusive a uma pressão para uma substancial reforma partidária em parte levada a efeito pela jurisprudência pela legislação e mesmo pela normativa infraconstitucional como será examinado na sequência 41842 Personalidade jurídica dos partidos políticos sua autonomia e liberdade na CF Incorporada ao Título dos Direitos e Garantias Fundamentais a sede textual da regulação constitucional dos partidos políticos é o art 17 da CF que dispõe sobre a liberdade partidária e seus limites 1214 os princípios diretivos dos partidos políticos e de sua atuação a respectiva autonomia personalidade jurídica aspectos do financiamento e propaganda políticopartidária e a proibição do uso de organizações paramilitares Tais elementos foram objeto de regulamentação infraconstitucional especialmente pela assim chamada Lei Orgânica dos Partidos Políticos Lei 90961995 bem como por Resoluções do Tribunal Superior Eleitoral TSE e pela jurisprudência dessa Corte e do STF que como já frisado no item anterior acabaram levando a efeito importantes mudanças ao longo do tempo De acordo com o art 17 2º da CF o art 7º da Lei dos Partidos Políticos e os arts 44 V e 45 do Código Civil os partidos são pessoas jurídicas de direito privado que existem como tais a partir da inscrição do seu ato constitutivo no respectivo Registro Civil bem como na sequência mediante o registro de seus estatutos junto ao TSE Todavia pela sua função de mediação entre a sociedade e o Estado os partidos acabam efetivamente se situando nas fronteiras entre o setor público e o privado o que apenas vem reforçar que em relação à autonomia partidária também há que reconhecer não se tratar de uma simples entidade privada e que portanto reforça a necessidade de uma eficácia nas relações privadas especialmente com relação ao devido processo 1215 A liberdade partidária particular manifestação da liberdade de associação foi amplamente assegurada pela CF que no art 17 caput garante ser livre a criação fusão incorporação e extinção dos partidos políticos 1216 Todavia importa sublinhar que no mesmo dispositivo a liberdade partidária aqui compreendida em sentido amplo encontrase vinculada à observância de um conjunto de princípios designadamente o caráter nacional das agremiações partidárias inciso I1217 a proibição do recebimento de recursos financeiros de entidade ou governo estrangeiro ou mesmo a submissão a estes inciso II a prestação de contas à Justiça Eleitoral inciso III bem como o funcionamento parlamentar de acordo com a lei inciso IV vedando ademais disso a utilização pelos partidos de forças de caráter paramilitar 2º do art 17 A partir do exposto verificase que titular da liberdade partidária na condição de direito subjetivo e fundamental é o cidadão indivíduo que de modo pessoal poderá se filiar a uma agremiação partidária e na perspectiva coletiva associarse na condição de pessoa jurídica para fins de instituição de um partido político o qual sendo pessoa jurídica de direito privado também é titular de direitos e garantias próprias Embora assegurada constitucionalmente até mesmo por essencial para o cumprimento do papel dos partidos no contexto mais amplo da arquitetura do Estado Democrático de Direito a autonomia partidária assim como a liberdade partidária em seu conjunto não é absoluta estando condicionada ao atendimento dos princípios acima elencados ademais de limites estabelecidos pela legislação infraconstitucional e mesmo pela jurisprudência como dá conta especialmente o julgamento pelo STF da ADI 1465 rel Min Joaquim Barbosa j 24022005 Com efeito naquele julgado ficou estabelecido que a autonomia partidária não se estende a ponto de afetar a autonomia de outro partido cabendo ao Poder Legislativo regular as relações entre partidos 1218 tudo a implicar também uma relação de respeito recíproco entre as agremiações partidárias A autonomia partidária encontrase enunciada pelo art 17 1º da CF no qual está estabelecido que os partidos são autônomos para definir sua estrutura interna organização e funcionamento podendo adotar os critérios de escolha e o regime de suas coligações eleitorais não sendo compulsória a vinculação entre as candidaturas nos diversos níveis da Federação Além disso no mesmo dispositivo a CF remete aos estatutos partidários a normatização das regras de disciplina e fidelidade partidárias o que todavia será objeto de enfrentamento mais detido logo à frente Ainda nesse contexto calha lembrar que a despeito de não prevista expressamente no texto constitucional a autonomia abarca a existência e proteção do que se considera uma democracia intrapartidária também chamada de democracia interna embora tal figura não tenha previsão constitucional nem legal expressa Assim os estatutos partidários devem assegurar a plena participação dos seus filiados nos processos decisórios o que dito de outro modo nas palavras de Joaquim José Gomes Canotilho significa que uma democracia partidária não poderá existir de modo pleno sem que haja democracia nos partidos 1219 De acordo com o mesmo autor a exigência da democratização interna encontra justificação também na necessidade de conter um processo de formação de oligarquias no seio dos partidos bem como para assegurar uma concorrência política interna 1220 A autonomia dos partidos como já anunciado é para além das diretrizes constitucionais objeto de regulamentação legal o que no Brasil se dá mediante a Lei dos Partidos Políticos em especial os arts 3º 14 e 15 da Lei 90961995 que defere tais questões aos estatutos partidários o que por sua vez reforça a exigência de uma democracia interna efetiva e do respeito ao devido processo legal que nos termos da jurisprudência do TSE deverá ser controlado pela Justiça Eleitoral sem que tal controle interfira na autonomia dos partidos 1221 Ainda no que diz aos limites da autonomia calha sinalar que esta como já adiantado por não ser ilimitada também encontra limites nos direitos fundamentais de seus integrantes no âmbito da assim chamada eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas de tal sorte que no caso de violação ou ameaça de violação a direitos em especial se forem fundamentais não há como afastar o controle jurisdicional dos atos praticados pelos partidos 1222 Nessa mesma linha também versando sobre os limites da autonomia partidária o STF em duas decisões referenciais decidiu que também o Ministério Público e não apenas os partidos como dispõe a legislação partidária tem legitimidade para representações contra a propaganda eleitoral irregular 1223 além de por ora em sede de cautelar suspender a eficácia de Resolução do TSE 233962013 que condicionava a instauração de inquérito policial eleitoral à autorização prévia da Justiça Eleitoral 1224 No que concerne à autonomia constitucionalmente assegurada aos partidos políticos que assume em certa medida a condição de garantia institucional importa destacar que mediante a EC 97 promulgada em 04102017 foi inserida alteração importante no 1º do art 17 que passou a ter a seguinte redação É assegurada aos partidos políticos autonomia para definir sua estrutura interna e estabelecer regras sobre escolha formação e duração de seus órgãos permanentes e provisórios e sobre sua organização e funcionamento e para adotar os critérios de escolha e o regime de suas coligações nas eleições majoritárias vedada a sua celebração nas eleições proporcionais sem obrigatoriedade de vinculação entre as candidaturas em âmbito nacional estadual distrital ou municipal devendo seus estatutos estabelecer normas de disciplina e fidelidade partidária As novidades como é fácil detectar consistiram especialmente na previsão de que a autonomia partidária abarca a adoção de critérios de escolha e regime de suas coligações nas eleições majoritárias e a proibição de estabelecer coligações partidárias nas eleições proporcionais ademais de não obrigar a vinculação entre as candidaturas em âmbito nacional estadual distrital ou municipal Outra alteração importante diz respeito às regras sobre o acesso pelos partidos aos recursos do fundo partidário e o acesso gratuito ao rádio e à televisão Nesse sentido embora mantida a garantia de tal acesso prevista de modo genérico na versão originária do 3º do art 17 Os partidos políticos têm direito a recursos do fundo partidário e acesso gratuito ao rádio e à televisão na forma da lei a nova redação estabelecida pela EC 97 introduziu uma série de requisitos e limitações Com efeito a teor do novo texto 3º Somente terão direito a recursos do fundo partidário e acesso gratuito ao rádio e à televisão na forma da lei os partidos políticos que alternativamente I obtiverem nas eleições para a Câmara dos Deputados no mínimo 3 três por cento dos votos válidos distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação com um mínimo de 2 dois por cento dos votos válidos em cada uma delas ou II tiverem elegido pelo menos quinze Deputados Federais distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação Ademais das alterações noticiadas a EC agregou um 5º ao art 17 que à vista das novas regras sobre o acesso aos recursos do fundo partidário e aos programas de rádio e televisão estabelece normativa específica sobre o alcance da fidelidade partidária de modo a assegurar alternativa que module os efeitos da nova redação do 3º Nesse sentido de acordo com o novo 5º Ao eleito por partido que não preencher os requisitos previstos no 3º deste artigo é assegurado o mandato e facultada a filiação sem perda do mandato a outro partido que os tenha atingido não sendo essa filiação considerada para fins de distribuição dos recursos do fundo partidário e de acesso gratuito ao tempo de rádio e de televisão Notese ainda que segundo os termos da EC 97 art 2º a vedação de coligações nas eleições proporcionais será aplicada a partir das eleições de 2020 ao passo que as regras estabelecidas pela nova redação do 3º do art 17 somente serão aplicadas a partir das eleições de 2030 41843 O problema da fidelidade partidária e da correlata perda do mandato De acordo com o art 17 1º da CF cabe aos estatutos partidários estabelecer regras sobre a fidelidade partidária o que de acordo com uma interpretação textual significa dizer que se trata de matéria abarcada pela autonomia dos partidos1225 Todavia objetivando fazer valer a figura da fidelidade partidária o TSE e depois o próprio STF passaram a estabelecer diretrizes sobre o tema inclusive mediante a edição de resoluções pelo TSE o que convém sublinhar foi e tem sido alvo de expressiva polêmica até mesmo pelo prisma de eventual inconstitucionalidade de tais medidas Não é demais lembrar lançando prévio olhar sobre a trajetória da fidelidade partidária e de seu reconhecimento e regulação que o STF inicialmente entendia que a infidelidade partidária não afetaria o mandato parlamentar nem dos eleitos nem dos suplentes de modo que nos dois casos a mudança de partido não poderia implicar perda do mandato ou mesmo impedir a posse do suplente depois de ter mudado de partido de tal sorte que o mandato não seria do partido mas sim do próprio parlamentar 1226 Tal orientação contudo consoante o magistério de Gilmar Ferreira Mendes encontravase em flagrante contradição com o modelo de democracia partidária e representativa adotado pela CF em especial diante do somatório da exigência de filiação partidária pelo menos um ano antes da data das eleições de acordo com o art 18 do Código Eleitoral como condição de elegibilidade bem como em face da opção da participação do voto de legenda na eleição dos candidatos e do modelo proporcional para as eleições parlamentares no qual a eleição se realiza em razão da votação atribuída à legenda 1227 Por isso ocorreu significativa alteração quanto ao tema até o ponto de ser a infidelidade partidária causa da perda do mandato do parlamentar o que será objeto de nossa atenção na sequência Com efeito numa primeira rodada o TSE reconheceu que os partidos e as coligações têm o direito de preservar a vaga conquistada nas eleições proporcionais para as legislaturas nos diferentes níveis da Federação quando sem justa causa ocorrer o cancelamento da filiação partidária ou a transferência para outra legenda orientação que veio a ser chancelada mais adiante pelo STF De acordo com o art 1º 1º da Resolução 226102007 do TSE considerase justa causa a ocorrência de incorporação ou fusão de partidos a criação de novo partido mudança ou afastamento reiterado do programa partidário e a hipótese de grave discriminação pessoal resolução que veio a ser chancelada pelo STF em julgamento realizado nos dias 3 e 4 de outubro de 2007 quando se decidiu que o abandono da legenda pelo parlamentar implicaria a perda do seu mandato para o partido político 1228 Na ocasião ficou assente que a infidelidade partidária trai a confiança tanto do partido quanto do eleitor representando ademais de uma violação dos postulados da ética uma afronta ao princípio democrático acarretando além disso um desequilíbrio de forças na esfera parlamentar inclusive coibindo em virtude da alteração do número de parlamentares o próprio exercício da oposição política Com efeito em 12112008 no julgamento das ADIs 3999DF e 4086DF tendo como rel Min Joaquim Barbosa foram julgadas constitucionais as Resoluções 226102007 e 227332008 do TSE afirmandose um dever constitucional de fidelidade partidária sendo as resoluções impugnadas mecanismos para assegurar a observância da fidelidade partidária enquanto não sobrevier regulamentação pelo Poder Legislativo Atendendo às exigências da segurança jurídica o STF firmou entendimento na ocasião de que apenas os deputados que mudaram de partido após a decisão do TSE em resposta à Consulta 1398 deveriam perder o mandato 1229 Além disso o STF reconheceu a existência de hipóteses especiais nas quais a mudança de legenda não acarreta a perda do mandato como é o caso da desfiliação em virtude de comprovada perseguição política ou alteração substancial do programa partidário sendo competência da Justiça Eleitoral decidir caso a caso mediante garantia do devido processo legal a configuração ou não da justificativa firmandose a competência do TSE para a edição de resoluções disciplinando a matéria 1230 Notese também que o STF no julgamento do Mandado de Segurança 27938 rel Min Joaquim Barbosa em 11032010 entendeu que o reconhecimento da justa causa para transferência de partido político afasta a perda do mandato eletivo por infidelidade partidária mas não acarreta a transferência para a nova legenda do direito à sucessão na vaga Além disso em outro julgamento o STF decidiu que a vaga do titular do mandato eletivo não pertence aos partidos políticos mas sim à coligação partidária autorizando de resto o julgamento mediante decisão monocrática nos casos semelhantes 1231 Ainda nesse contexto é de sublinhar que após decidir pela extensão da perda do mandato por infidelidade partidária às eleições majoritárias o STF quando do julgamento da ADIn 5081 em 27052015 relatada pelo Ministro Roberto Barroso acabou firmando entendimento unânime no sentido de que tal hipótese da perda do mandato aplicase apenas ao sistema proporcional visto que do contrário estaria configurada grave violação da soberania popular e das escolhas feitas pelo eleitor Por derradeiro calha acrescentar que em prol da perda do mandato por infidelidade partidária é possível agregar que muito embora a concepção de um mandato livre ou seja da manutenção do mandato a despeito da alteração de partido seja frequente em diversos países a CF ao apostar no mandatopartido repudia o assim chamado transfuguismo partidário e suas maléficas consequências para a democracia 1232 Todavia ainda que se possa sufragar tal linha argumentativa remanesce a crítica que no mínimo não soa desarrazoada de que tanto a Justiça Eleitoral na esfera de seu poder normativo quanto o STF extrapolaram os limites constitucionais de sua competência em especial pela criação sem prévia regulação legislativa de hipótese de perda do mandato importando em grave restrição dos direitos políticos e da própria autonomia partidária Nessa mesma perspectiva colacionase a nota crítica de Virgílio Afonso da Silva no sentido de que com a sua jurisprudência sobre a perda do mandato no caso de troca de partido o STF e o TSE criaram um sistema de controle e punição que além de não ter fundamento constitucional não é baseado em qualquer critério jurídico1233 Além disso embora se cuide de aspecto já referido nas anotações sobre a autonomia constitucional dos partidos políticos há que atentar para a regra inserida no texto da CF pela EC 972017 incluindo um 5º no art 17 que estabelece uma garantia da troca de partido em virtude das limitações estabelecidas pela nova redação do 3º do mesmo artigo igualmente introduzida pela EC 97 Com efeito a teor do 5º do art 17 que aqui nos permitimos transcrever novamente ao eleito por partido que não preencher os requisitos previstos no 3º deste artigo é assegurado o mandato e facultada a filiação sem perda do mandato a outro partido que os tenha atingido não sendo essa filiação considerada para fins de distribuição dos recursos do fundo partidário e de acesso gratuito ao tempo de rádio e de televisão 4185 A igualdade de oportunidades entre os partidos políticos 41851 Aspectos gerais Um dos postulados do sistema democráticorepresentativo é a igualdade na esfera políticoeleitoral objeto de reconhecimento inclusive no âmbito do direito internacional dos direitos humanos como dão conta o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e a Convenção Americana de Direitos Humanos Pacto de São José da Costa Rica respectivamente nos arts 25 letra c e 23 letra c ambos assegurando a todos o direito de ter acesso em condições de igualdade aos cargos e funções públicas de seu país Além da vinculação do Brasil a tais diplomas internacionais por conta de sua ratificação e internalização a CF também sufraga a igualdade em matéria eleitoral Com efeito mesmo que de modo implícito uma ordem constitucional genuinamente democrática assim ensina Dieter Grimm exige uma posição de neutralidade do Estado em relação às agremiações partidárias de modo a assegurar um sistema de livre e equilibrada concorrência 1234 Assim a igualdade partidária do ponto de vista material opera como uma igualdade de chances ou oportunidades encontrando respaldo na CF no princípio e direito geral de igualdade do qual constitui uma manifestação específica 1235 Além disso tal igualdade partidária de acordo com Konrad Hesse representa uma espécie de igualdade esquemática schematische Gleichheit de tal sorte que uma diferenciação jurídica entre partidos grandes e pequenos de situação e oposição não se afigura como legítima 1236 Importa sublinhar de outra parte que titulares da igualdade de oportunidades em matéria políticoeleitoral são tanto os indivíduos para efeito do exercício de seu direito de livre associação partidária e fruição da participação democrática interna nos partidos quanto os partidos políticos na condição de pessoas jurídicas de forma que ambas as faces da igualdade partidária podem entrar em conflito 1237 Ademais disso a igualdade partidária não se revela absoluta de tal sorte a não afastar diferenciações desde que não arbitrárias que no mais das vezes encontram sede na própria CF e na legislação infraconstitucional em especial para assegurar um tratamento proporcional aos partidos políticos considerando as suas diferenças Cabe acrescentar outrossim que a igualdade de chances entre os partidos políticos encontra modos distintos de realização mediante instrumentos que a promovem e garantem mas que não obedecem a um padrão uniforme e podem ser significativamente distintos de país para país muito embora existam alguns mecanismos comuns No sistema jurídicoconstitucional brasileiro que nesse particular segue em termos gerais o padrão dominante nos regimes democráticos os principais instrumentos para assegurar a igualdade de chances para além da neutralidade estatal são o financiamento dos partidos e das eleições bem como a garantia de acesso aos meios de comunicação em especial o rádio e a televisão Por derradeiro ainda nessa quadra preliminar importa colacionar novamente o magistério de Dieter Grimm ao alertar para o fato de que o postulado da igualdade partidária é sujeito a evidentes dificuldades na sua realização prática seja do ponto de vista jurídico por incidir sobre grande diversidade de objetos do que dá conta o exemplo da heterogeneidade e multiplicidade programática seja do ponto de vista fático visto que embora sujeitas a um dever de neutralidade as funções notadamente legislativa e executiva do Estado são exercidas por representantes eleitos pela via políticopartidária 1238 De qualquer sorte sem a pretensão de aqui aprofundar o tema seguem algumas notas sobre os principais esteios da igualdade partidária no Brasil onde também e especialmente se faz necessário o postulado da neutralidade estatal quais sejam o financiamento e o acesso aos meios de comunicação para efeitos da propaganda partidária e eleitoral objeto de acirrada controvérsia e importante evolução na ordem jurídicoconstitucional brasileira 41852 Do financiamento dos partidos Como toda e qualquer organização pública e privada também os partidos políticos carecem de recursos para assegurar o seu funcionamento e a consecução de seus fins Tais recursos podem ser de origem pública ou privada mas também podem advir de ambas as fontes a depender do modelo de financiamento adotado Na esfera do financiamento dos partidos a garantia e a promoção da igualdade de chances revelam ser particularmente delicadas Com efeito também a criação a manutenção e a atuação dos partidos políticos estão situadas num contexto social e econômico marcado por desigualdades econômicas e estruturais de tal sorte que se torna problemático quando o poder político resulta de cooptação pelo poder econômico e não da vontade das urnas 1239 Certo é que a opção mais adequada quanto a determinado modelo de financiamento deveria atentar para o contexto social econômico e político de modo a buscar a maior igualdade de chances possível guardando além disso íntima relação com o sistema eleitoral e partidário vigente Além disso tanto o financiamento público quanto o privado não são imunes a problemas e apresentam aspectos positivos e negativos que carecem de adequado balanceamento Assim se o financiamento privado pode ser criticado pela fragilidade em face do poder econômico o público apresenta como face negativa uma eventual dependência do Estado ainda mais no caso de não observância do postulado da neutralidade No Brasil a CF no art 17 3º assegura o direito dos partidos a recursos do fundo partidário regulado pela legislação infraconstitucional em especial pela Lei dos Partidos Políticos que na comparação com a lei anteriormente em vigor tanto ampliou as fontes de financiamento como acrescentou vedações além de regrar a aplicação dos recursos do fundo partidário Convém notar do ponto de vista estritamente constitucional que não existe vedação expressa ao financiamento privado o que todavia não afastou a existência de intensa controvérsia a respeito resultando inclusive em importantes decisões do STF que serão logo mais referenciadas Além disso ainda de acordo com a CF os partidos políticos estão submetidos à obrigação de prestar contas à Justiça Eleitoral art 17 III na forma estabelecida em lei e em resoluções do TSE ficando o partido sujeito ao cancelamento de seu Registro e de seu Estatuto pelo TSE no caso de descumprimento 1240 Mas a própria CF também estabelece vedações expressas na seara do financiamento partidário ao proibir o recebimento de recursos financeiros de organização ou Estado estrangeiro art 17 II De acordo com o modelo praticado no Brasil a despeito de importantes modificações no transcurso do tempo o financiamento partidário é tanto público quanto privado mediante no primeiro caso acesso aos recursos do fundo partidário e na segunda hipótese por meio de doações de pessoas físicas e jurídicas sem que haja benefício fiscal muito embora o financiamento mediante doações efetuadas por pessoas jurídicas tenha posteriormente sido afastado em virtude de decisão por maio ria do STF por ocasião do julgamento da ADIn 4650DF rel Min Luiz Fux concluído em 17092015 No julgado referido o STF partiu da premissa de que inexiste no Brasil um modelo fechado de financiamento das campanhas políticas mas muito pelo contrário um marco constitucional aberto no sentido de uma moldura que estabelece limites à liberdade de conformação legislativa de tal sorte que viável o controle jurisdicional desse modelo tendo em conta os princípios constitucionais fundamentais Nessa linha entendeu o STF que a opção legislativa vigente não lograva êxito em coibir ou pelo menos mitigar a captura do político pelo poder econômico criando uma plutocratização do processo político ensejando ademais disso uma ação estratégica especialmente da parte de grandes doadores no sentido de influenciar os atores políticos em termos nem sempre republicanos estimulando relações de promiscuidade além de propiciar um regime de desigualdade políticopartidáriaeleitoral Ainda de acordo com o STF a utilização de recursos próprios dos candidatos e de doações efetuadas por pessoas naturais não apresenta em contrapartida tal efeito danoso não vulnerando os princípios democrático republicano e da igualdade política Assim na esteira da argumentação aqui sinteticamente reproduzida e que traduz a opinião da maioria da Corte o STF a ação direta foi julgada parcialmente procedente para o efeito de declarar a inconstitucionalidade parcial sem redução de texto do art 31 da Lei 90961995 na parte em que autoriza a contrario sensu a realização de doações por pessoas jurídicas a partidos políticos e pela declaração de inconstitucionalidade das expressões ou pessoa jurídica constante no art 38 III e e jurídicas constante no art 39 caput e 5º todos do mesmo diploma legal Assim mantido o financiamento público mediante acesso aos recursos do fundo partidário na forma da normativa infraconstitucional o financiamento privado restou limitado a doações efetuadas por pessoas naturais no limite estabelecido pela legislação incluindo além de recursos financeiros a doação de bens A única exceção no que diz com a proibição de doação por pessoas jurídicas é a possibilidade de doações feitas por outros partidos políticos mas sempre observado o limite de gastos Ainda no que diz com o financiamento privado dos partidos e eleições o STF por ocasião de julgamento da ADIn 5394DF rel Min Alexandre de Moraes ocorrido em 22032018 decidiu ser exigível a identificação das pessoas naturais responsáveis pela doação ao partido porquanto tais informações são de interesse coletivo e constituem exigência do dever de transparência inerente ao Estado Democrático de Direito comprometendo ademais disso o processo de prestação de contas que acaba perdendo a capacidade de registrar e documentar a real movimentação financeira dos partidos e mesmo dificultar o combate à corrupção eleitoral Por derradeiro parece correto afirmar que apenas a experiência concreta e bem controlada do financiamento eleitoral segundo as novas diretrizes poderá demonstrar se e em que medida as objeções articuladas entre elas a alegação de que com isso se está apenas estimulando o uso do assim chamado caixa dois além de também por esta razão mas não só propiciar uma maior desigualdade fática entre os partidos são procedentes Relacionado tanto ao direito de igualdade na sua acepção material e às políticas de ações afirmativas quanto ao financiamento partidário merece atenção decisão do STF ADIn 5617DF rel Min Edson Fachin j em 15032018 Tribunal Pleno envolvendo o percentual de recursos do fundo partidário destinado a financiar as candidaturas de mulheres Nesse importante julgamento o STF por maioria entendeu que ao percentual mínimo de candidatas mulheres 30 previsto em lei deve corresponder o mesmo percentual em recursos do fundo partidário Ademais disso no caso de o número de candidatas mulheres exceder ao mínimo de 30 também a sua participação nos recursos do fundo deve ser majorado na mesma proporção 41853 Da propaganda eleitoral e do acesso aos meios de comunicação A CF no art 17 3º reconheceu e assegurou um direito de acesso por parte dos partidos ao rádio e à televisão na forma da lei A legislação que regulamente tal direito de acesso consoante resulta evidente há de guardar sintonia com o princípio da igualdade de chances políticoeleitorais pois do contrário poderá estabelecer um regime de desequilíbrio nefasto e que privilegie determinadas legendas em detrimento de outras Por essa razão a norma infraconstitucional acabou sendo objeto de ajustes inclusive em virtude de decisões e resoluções da Justiça Eleitoral e do STF De acordo com o disposto no art 52 parágrafo único da Lei dos Partidos Políticos o acesso ao rádio e à televisão por parte dos partidos políticos é integralmente subsidiado pela União constituindose portanto em modalidade de financiamento público das campanhas eleitorais Além do acesso regular ao rádio e à televisão a Lei das Eleições Lei 95041997 estabelece que as emissoras devem reservar nos 45 dias anteriores à antevéspera das eleições horários para a propaganda eleitoral gratuita Cumpre referir que os critérios legais de distribuição dos horários de propaganda eleitoral no rádio e na televisão previstos no art 47 caput e 2º I e II da Lei 95041997 foram impugnados perante o STF em virtude de sua alegada inconstitucionalidade especialmente por violar a igualdade política No julgamento conjunto da ADIn 4430 e da ADIn 4795 ambas relatadas pelo Ministro Dias Toffoli julgamento ocorrido em 29062012 o STF declarou a constitucionalidade do critério de distribuição da propaganda eleitoral previsto no 2º do art 47 da Lei Eleitoral baseado na representação de cada legenda na Câmara dos Deputados Na mesma ocasião o STF entendeu que em virtude da liberdade de criação de novo partido político não se pode distinguir entre as hipóteses de criação fusão e incorporação partidária de tal sorte que à criação de partido novo há de se aplicar os mesmos critérios vigentes art 47 4º da Lei das Eleições para as fusões e incorporações Após a decisão do STF foi editada a Lei 128752013 que deu nova feição à propaganda eleitoral modificando os termos do art 47 da Lei 95071994 de sorte que tais ajustes passaram a viger desde então 1241 Por fim embora se cuide de matéria mais diretamente relacionada com a liberdade de expressão e seus limites mas considerando o seu impacto sobre a publicidade eleitoral é de se referir também aqui a decisão do STF no sentido de liberar as manifestações de humor sátiras charges etc na esfera da propaganda eleitoral decisão que aqui não será comentada com mais detalhamento pelo fato de ter sido objeto de atenção no capítulo referente à liberdade de expressão aqui nos limitamos por oportuno e pertinente a lhe fazer menção 5 DIREITOS FUNDAMENTAIS PROCESSUAIS Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero 51 Direito fundamental ao processo justo 511 Introdução De forma absolutamente inovadora na ordem interna nossa Constituição asseverou que ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal art 5º LIV Com isso institui o direito fundamental ao processo justo no direito brasileiro Embora de inspiração estadunidense notória sendo nítida a sua ligação com a V e XIV Emendas à Constituição dos Estados Unidos da América 1 certo é que se trata de norma presente hoje nas principais constituições ocidentais 2 consagrada igualmente no plano internacional na Declaração Universal dos Direitos do Homem 1948 arts 8º e 10 na Convenção Europeia dos Direitos do Homem 1950 art 6º no Pacto Internacional relativo aos Direitos Civis e Políticos 1966 art 14 e na Convenção Americana sobre Direitos Humanos 1969 art 8º 3 O direito ao fair trial não por acaso constituiu a maior contribuição do common law para a civilidade do direito 4 e hoje certamente representa o novo jus commune em matéria processual 5 O direito ao processo justo constitui princípio fundamental para organização do processo no Estado Constitucional É o modelo mínimo de atuação processual do Estado e mesmo dos particulares em determinadas situações substanciais 6 A sua observação é condição necessária e indispensável para a obtenção de decisões justas art 6º do CPC de 2015 7 e para a viabilização da unidade do direito art 926 do CPC de 2015 A Constituição faz menção à locução devido processo legal due process of law A expressão é criticável no mínimo em duas frentes Em primeiro lugar porque remete ao contexto cultural do Estado de Direito Rechts staat État Légal em que o processo era concebido unicamente como um anteparo ao arbítrio estatal ao passo que hoje o Estado Constitucional Verfassungsstaat État de Droit tem por missão colaborar na realização da tutela efetiva dos direitos mediante a organização de um processo justo Em segundo lugar porque dá azo a que se procure por conta da tradição estadunidense em que colhida uma dimensão substancial à previsão substantive due process of law quando inexiste necessidade de pensála para além de sua dimensão processual no direito brasileiro 8 De um lado é preciso perceber que os deveres de proporcionalidade e de razoabilidade não decorrem de uma suposta dimensão substancial do devido processo como parece a parcela da doutrina 9 e como durante bom tempo se entendeu na jurisprudência do STF 10 Aliás mesmo no direito estadunidense semelhante entendimento não se configura correto 11 Os postulados da proporcionalidade decorrem dos princípios da liberdade e da igualdade as posições jurídicas têm de ser exercidas de forma proporcional e razoável dentro do Estado Constitucional 12 De outro importa ter presente que não é necessário recorrer ao conceito de substantive due process of law com o objetivo de reconhecer e proteger direitos fundamentais implícitos 13 na medida em que nossa Constituição conta expressamente com um catálogo aberto de direitos fundamentais art 5º 2º o que desde logo permite a consecução desse mesmo fim reconhecimento e proteção de direitos fundamentais implicitamente previstos e mesmo não previstos na Constituição conceito material de direitos fundamentais Eis as razões pelas quais prefere a doutrina se referir a direito ao processo justo giusto processo procès équitable faires Verfahren fair trial além de culturalmente consentânea ao Estado Constitucional essa desde logo revela o cariz puramente processual de seu conteúdo 14 O direito ao processo justo é um modelo mínimo de conformação do processo Com rastro fundo na história e desconhecendo cada vez mais fronteiras o direito ao processo justo é reconhecido pela doutrina como um modelo em expansão tem o condão de conformar a atuação do legislador infraconstitucional e não é por outra razão que o art 1º do CPC de 2015 sintomaticamente refere que o processo civil será ordenado disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidas na Constituição da República variável pode assumir formas diversas moldandose às exigências do direito material e do caso concreto e perfectibilizável passível de aperfeiçoamento pelo legislador infraconstitucional 15 É tarefa de todos os que se encontram empenhados no império do Estado Constitucional delineálo e densificálo 512 Âmbito de proteção O direito ao processo justo é um direito de natureza processual Ele impõe deveres organizacionais ao Estado na sua função legislativa judiciária e executiva É por essa razão que se enquadra dentro da categoria dos direitos à organização e ao procedimento 16 A legislação infraconstitucional constitui um meio de densificação do direito ao processo justo pelo legislador É a forma pela qual esse cumpre com o seu dever de organizar um processo idôneo à tutela dos direitos As leis processuais não são nada mais nada menos do que concretizações do direito ao processo justo O mesmo se passa com a atuação do Executivo e do Judiciário A atuação da administração judiciária tem de ser compreendida como uma forma de concretização do direito ao processo justo O juiz tem o dever de interpretar e aplicar a legislação processual em conformidade com o direito fundamental ao processo justo O Estado Constitucional tem o dever de tutelar de forma efetiva os direitos Se essa proteção depende do processo ela só pode ocorrer mediante processo justo No Estado Constitucional o processo só pode ser compreendido como o meio pelo qual se tutelam os direitos na dimensão da Constituição 17 O direito ao processo justo visa assegurar a obtenção de uma decisão justa art 6º do CPC de 2015 e a unidade do direito art 926 do CPC de 2015 Ele é o meio pelo qual se exerce pretensão à justiça Justizanspruch e pretensão à tutela jurídica Rechtsschutzanspruch 18 O exercício da pretensão à tutela jurídica dá lugar à tutela dos direitos que constitui o seu objetivo central dentro do Estado Constitucional Todo e qualquer processo está sujeito ao controle de sua justiça processual como condição indispensável para sua legitimidade perante nossa ordem constitucional Tanto os processos jurisdicionais civis penais trabalhistas militares e eleitorais 19 como os não jurisdicionais administrativo 20 legislativo e arbitral 21 submetemse à cláusula do processo justo para sua adequada conformação Mesmo os processos não jurisdicionais entre particulares quando tendentes à imposição de penas privadas ou restrições de direitos devem observar o perfil organizacional mínimo de processo justo traçado na nossa Constituição 22 Fora daí há nulidade por violação do direito ao processo justo Não é possível definir em abstrato a cabal conformação do direito ao processo justo Tratase de termo indeterminado O direito ao processo justo constitui cláusula geral a norma prevê um termo indeterminado no seu suporte fático e não comina consequências jurídicas à sua violação 23 No entanto é possível identificar um núcleo forte ineliminável 24 um conteúdo mínimo essencial 25 sem o qual seguramente não se está diante de um processo justo O direito ao processo justo conta pois com um perfil mínimo Em primeiro lugar do ponto de vista da divisão do trabalho processual o processo justo é pautado pela colaboração do juiz para com as partes 26 O juiz é paritário no diálogo e assimétrico apenas no momento da imposição de suas decisões 27 Em segundo lugar constitui processo capaz de prestar tutela jurisdicional adequada e efetiva em que as partes participam em pé de igualdade e com paridade de armas em contraditório com ampla defesa com direito à prova perante juiz natural em que todos os seus pronunciamentos são previsíveis confiáveis e motivados em procedimento público com duração razoável e sendo o caso com direito à assistência jurídica integral e formação de coisa julgada A observância dos elementos que compõem o perfil mínimo do direito ao processo justo são os critérios a partir dos quais se pode aferir a justa estruturação do processo O processo justo depende da observância de seus elementos estruturantes A aferição da justiça do processo mediante a verificação pontual de cada um de seus elementos é método recorrente na jurisprudência 28 Trata se de meio objetivo de controle de justiça processual A violação do direito ao processo justo pode ser direta ou indireta O cabimento de recurso extraordinário fundado na violação do direito ao processo justo art 5º LIV da CF só se configura quando há ofensa direta Quando o exame da violação do direito ao processo justo depende da simples interpretação da legislação infraconstitucional que o concretiza há apenas ofensa indireta 29 Isso não quer dizer contudo que o STF não possa controlar mediante recurso extraordinário a suficiência ou a excessividade da proteção despendida pelo legislador infraconstitucional na densificação do princípio do direito ao processo justo Nesse caso não há simples interpretação de normas infraconstitucionais Há controle de adequada densificação do direito ao processo justo Quando a parte afirma a existência de proteção insuficiente ou excessiva da legislação diante da Constituição sustenta a existência de ofensa direta à normatividade do direito ao processo justo desencadeando a possibilidade de controle de constitucionalidade da legislação infraconstitucional o que autoriza a interposição e o conhecimento de recurso extraordinário O mesmo se diga quando se afirma a violação do direito ao processo justo pela ausência de norma infraconstitucional que o concretize Nesse sentido há igualmente ofensa direta e cabe recurso extraordinário O fato de o direito ao processo justo contar com bases mínimas o que lhe outorga um perfil comum nas suas mais variadas manifestações obviamente não apaga a influência que o direito material exerce na concepção da finalidade do processo e na conformação de sua organização técnica Dada a interdependência entre direito e processo 30 o direito material projeta a sua especialidade sobre o processo imprimindolhe feições a ele aderentes Isso quer dizer que o conteúdo mínimo de direitos fundamentais processuais que confluem para a organização de um processo justo não implica finalidade comum a todo e qualquer processo tampouco obriga à idêntica e invariável estruturação técnica Pelo contrário o direito ao processo justo requer para sua concretização efetiva adequação do processo ao direito material adequação da tutela jurisdicional à tutela do direito É preciso ter presente que compõe o direito ao processo justo o direito à tutela jurisdicional adequada dos direitos Por essa razão é perfeitamente possível conceber sob o ângulo da finalidade o processo civil de forma diversa do processo penal nada obstante a exigência de justa estruturação a que ambos estão submetidos no Estado Constitucional O processo civil visa à tutela efetiva dos direitos mediante processo justo O processo penal é antes de qualquer coisa um anteparo ao arbítrio do Estado e funciona como garantia de liberdade da pessoa diante do Estado Essas finalidades em alguma medida distintas determinam opções técnicas diferentes na estruturação de um e de outro O mesmo se diga do processo trabalhista e de outros processos O processo sofre o influxo do direito material que polariza a sua finalidade e determina a sua estruturação Isso não retira contudo a necessidade de observância de balizas mínimas de justiça processual na sua conformação seja qual for a natureza do direito material que o processo visa a realizar 513 Titularidade e destinatários O direito fundamental ao processo justo obriga o Estado Constitucional Isso quer dizer que o Legislativo o Judiciário e o Executivo são os seus destinatários Eles têm o dever de atuar para a densificação e a viabilização do direito ao processo justo para que os seus titulares possam exercer as posições jurídicas a ele inerentes O seu primeiro destinatário é o legislador 31 o qual tem como tarefa concretizálo mediante a promulgação de normas processuais 32 O administrador judiciário tem o dever de organizar estruturalmente o Poder Judiciário a fim de capacitálo a cumprir com a sua função de tutela jurisdicional efetiva dos direitos O direito ao processo justo portanto também tem como destinatário o administrador O juiz é obrigado a interpretar as normas em conformidade com o direito fundamental ao processo justo e sendo o caso tem inclusive o dever de densificálo diretamente art 5º 1º da CF 33 Tratase de comando cujo fundamento reside na necessidade de se observar a hierarquia existente entre Constituição e legislação infraconstitucional 34 São titulares do direito ao processo justo todas as pessoas físicas e jurídicas Embora a Constituição brasileira não conte com regra geral a respeito como há na Grundgesetz alemã art 19 3 e na Constituição portuguesa art 12 2º a doutrina é unânime em assinalar a possibilidade de pessoas jurídicas serem titulares de direitos fundamentais 35 Todos podem propor ação para obtenção de tutela jurisdicional mediante processo justo não são só as pessoas que titularizam o direito ao processo justo Na verdade todo aquele que tem personalidade processual isto é capacidade para ser parte é titular do direito ao processo justo Diante da nossa ordem jurídica a personalidade processual é mais ampla que a personalidade jurídica Daí sempre que a lei reconhecer personalidade processual a entes despersonalizados no plano do direito material esses terão igualmente direito ao processo justo exemplos nascituro condomínio sociedade em comum art 986 do CC espólio massa falida herança jacente art 75 do CPC de 2015 Ministério Público Tribunal de Contas Procon comunidades indígenas grupos tribais art 37 da Lei 60011973 Pode ocorrer ainda de a personalidade processual resultar implícita da atribuição de situações jurídicas ativas e passivas a órgãos públicos exemplos Câmara de Vereadores e Assembleias Legislativas ou grupos minimamente organizados exemplo MST 36 A jurisprudência registra alguns desses casos agrupandoos a partir do conceito de direitofunção 37 Nessas hipóteses órgãos e grupos também são titulares do direito ao processo justo posto que não se pode conceber a existência de um direito senão acompanhado de um remédio destinado a efetiválo concretamente 38 Como o direito ao processo justo é um direito compósito enfeixando vários outros direitos que compõem o seu perfil mínimo seus destinatários e titulares também ocupam as mesmas posições diante de todos os direitos implicados no seu conteúdo Quem é destinatário e titular do direito ao processo justo também é dos direitos nele consubstanciados 514 Eficácia O direito ao processo justo goza de eficácia vertical horizontal e vertical com repercussão lateral O mesmo se diga de seus elementos estruturantes Ele obriga o Estado Constitucional a adotar condutas concretizadoras do ideal de protetividade que dele dimana eficácia vertical o que inclusive pode ocasionar repercussão lateral sobre a esfera jurídica dos particulares eficácia vertical com repercussão lateral 39 Ainda obriga os particulares em seus processos privados tendentes a restrições e extinções de direitos a observálo eficácia horizontal O direito ao processo justo é multifuncional Ele tem função integrativa interpretativa bloqueadora e otimizadora 40 Como princípio exige a realização de um estado ideal de proteção aos direitos determinando a criação dos elementos necessários à promoção do ideal de protetividade a interpretação das normas que já preveem elementos necessários à promoção do estado ideal de tutelabilidade o bloqueio à eficácia de normas contrárias ou incompatíveis com a promoção do estado de proteção e a otimização do alcance do ideal de protetividade dos direitos no Estado Constitucional 41 515 Conformação infraconstitucional A atuação do legislador infraconstitucional mediante a elaboração e promulgação de códigos processuais e de leis que tratam de forma exclusiva ou parcial de processo só pode ser vista como concretização do direito ao processo justo Há nesse sentido dupla presunção subjetiva de que o legislador realizou sua função dando adequada resposta à norma constitucional favor legislatoris e objetiva de que a lei realiza de forma justa o direito fundamental ao processo justo favor legis 42 A Constituição o direito ao processo justo nela previsto é o centro a partir do qual a legislação infraconstitucional deve se estruturar O direito ao processo justo exerce papel de centralidade na compreensão da organização infraconstitucional do processo É nele que se deve buscar a unidade na conformação do processo no Estado Constitucional 43 Dada a complexidade da sua ordem jurídica marcada pela pluralidade de fontes normativas 44 impõese não só uma leitura a partir da Constituição da legislação infraconstitucional mas também um diálogo das fontes para melhor interpretação da legislação processual e para otimização de soluções conforme ao direito fundamental ao processo justo 45 52 Direito fundamental à colaboração no processo 521 Introdução Problema central do processo está na sua equilibrada organização 46 vale dizer da divisão do trabalho entre os seus participantes 47 O modelo do nosso processo justo é o modelo cooperativo pautado pela colaboração do juiz para com as partes 48 É por essa razão que o art 6º do CPC de 2015 o encampou Como observa a doutrina le procès équitable implique un principe de coopération efficiente des parties et du juge dans lélaboration du jugement vers quoi est tendue toute procédure 49 A colaboração é um modelo que visa a organizar o papel das partes e do juiz na conformação do processo estruturandoo como uma verdadeira comunidade de trabalho Arbeitsgemeinschaft em que se privilegia o trabalho processual em conjunto do juiz e das partes prozessualen Zusammenarbeit 50 Em outras palavras visa a dar feição ao processo dividindo de forma equilibrada o trabalho entre todos os seus participantes Como modelo a colaboração rejeita a jurisdição como polo metodológico do processo civil ângulo de visão evidentemente unilateral do fenômeno processual privilegiando em seu lugar a própria ideia de processo como centro da sua teoria 51 concepção mais pluralista e consentânea à feição democrática ínsita ao Estado Constitucional 52 Semelhante modelo processual resulta da superação histórica e pois cultural dos modelos de processo isonômico e de processo assimétrico 53 Há quem caracterize a cooperação ainda a partir das conhecidas linhas do processo dispositivo e do processo inquisitório 54 Seja qual for a perspectiva é certo que a análise históricodogmática da tradição processual mostra o rastro pelo qual se formou e ganhou corpo a colaboração no nosso contexto processual A colaboração é um modelo que se estrutura a partir de pressupostos culturais que podem ser enfocados sob o ângulo social lógico e ético 55 Do ponto de vista social o Estado Constitucional de modo nenhum pode ser confundido com o Estado inimigo Nessa quadra assim como a sociedade pode ser compreendida como um empreendimento de cooperação entre os seus membros visando à obtenção de proveito mútuo 56 também o Estado deixa de ter um papel de pura abstenção e passa a ter de prestar positivamente para cumprir com seus deveres constitucionais Do ponto de vista lógico o processo cooperativo pressupõe o reconhecimento do caráter problemático do direito reabilitandose a sua feição argumentativa Passase da lógica apodítica à lógica dialética 57 Finalmente do ponto de vista ético o processo pautado pela colaboração é um processo orientado pela busca tanto quanto possível da verdade art 369 do CPC de 2015 58 e que para além de emprestar relevo à boafé subjetiva também exige de todos os seus participantes a observância da boa fé objetiva art 5º do CPC de 2015 59 sendo igualmente seu destinatário o juiz 60 O modelo de processo pautado pela colaboração visa a outorgar nova dimensão ao papel do juiz na condução do processo O juiz do processo cooperativo é um juiz isonômico na sua condução e assimétrico apenas quando impõe suas decisões Desempenha duplo papel é paritário no diálogo e assimétrico na decisão 61 522 Âmbito de proteção A colaboração no processo é um princípio jurídico 62 Ela impõe um estado de coisas que tem de ser promovido 63 O fim da colaboração está em servir de elemento para a organização de processo justo idôneo a alcançar decisão justa 64 Para que o processo seja organizado de forma justa os seus participantes devem ter posições jurídicas equilibradas ao longo do procedimento Portanto é preciso perceber que a organização do processo cooperativo envolve antes de qualquer coisa a necessidade de um novo dimensionamento de poderes no processo o que implica a necessidade de revisão da cota de participação que se defere a cada um de seus participantes ao longo do arco processual Em outras palavras a colaboração visa a organizar a participação do juiz e das partes no processo de forma equilibrada A colaboração impõe a organização de processo cooperativo em que haja colaboração entre os seus participantes O legislador tem o dever de perfilar o processo a partir de sua normatividade densificando a colaboração no tecido processual São exemplos dessa densificação além do art 6º do CPC de 2015 também os arts 9º 10 11 139 VIII e IX 191 317 319 1º 321 357 3º 487 parágrafo único 488 489 1º e 2º 772 III 926 1º 932 parágrafo único 1007 2º 4º e 7º e 1017 3º do mesmo diploma legal Aqui porém importa desde logo deixar claro a colaboração no processo não implica colaboração entre as partes As partes não querem colaborar A colaboração no processo devida no Estado Constitucional é a colaboração do juiz para com as partes Gizese não se trata de colaboração entre as partes As partes não colaboram e não devem colaborar entre si simplesmente porque obedecem a diferentes interesses no que tange à sorte do litígio 65 A colaboração estruturase a partir da previsão de regras que devem ser seguidas pelo juiz na condução do processo O juiz tem os deveres de esclarecimento de diálogo de prevenção e de auxílio para com os litigantes É assim que funciona a cooperação Esses deveres consubstanciam as regras que estão sendo enunciadas quando se fala em colaboração no processo A doutrina é tranquila a respeito do assunto 66 O dever de esclarecimento constitui o dever de o tribunal se esclarecer junto das partes quanto às dúvidas que tenham sobre as suas alegações pedidos ou posições em juízo por exemplo art 321 do CPC de 2015 67 O de prevenção o dever de o órgão jurisdicional prevenir as partes do perigo de o êxito de seus pedidos ser frustrado pelo uso inadequado do processo arts 317 e 932 parágrafo único do CPC de 2015 68 O de consulta o dever de o órgão judicial consultar as partes antes de decidir sobre qualquer questão possibilitando antes que essas o influenciem a respeito do rumo a ser dado à causa arts 7º 9º 10 11 e 489 1º e 2º do CPC de 2015 69 O dever de auxílio o dever de auxiliar as partes na superação de eventuais dificuldades que impeçam o exercício de direitos ou faculdades ou o cumprimento de ônus ou deveres processuais por exemplo art 772 III do CPC de 2015 70 53 Direito fundamental à tutela adequada e efetiva 531 Introdução Ao proibir a justiça de mão própria e afirmar que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito art 5º XXXV da CF nossa Constituição admite a existência de direito à tutela jurisdicional adequada e efetiva O CPC de 2015 repete semelhante disposição a título de norma fundamental do processo civil art 3º Obviamente a proibição da autotutela só pode acarretar o dever do Estado Constitucional de prestar tutela jurisdicional idônea aos direitos Pensar de forma diversa significa esvaziar não só o direito à tutela jurisdicional plano do direito processual mas também o próprio direito material isto é o direito à tutela do direito plano do direito material É por essa razão que o direito à tutela jurisdicional constitui direito à proteção jurídica efetiva 71 Recht auf effektiven Rechtsschutz droit daccès effectif à la justice diritto alla tutela giurisdizionale effetiva O direito à tutela jurisdicional é exercido mediante a propositura de ação A ação é direito à tutela adequada e efetiva mediante processo justo Importa antes de qualquer coisa o ângulo teleológico do assunto A rica literatura formada a respeito do conceito de ação na primeira metade do século XX principalmente na Itália portanto com o advento da fundamentalização do direito de ação ganha novo significado o foco é deslocado do conceito para o resultado propiciado pelo seu exercício Vale dizer a ação passa a ser teorizada como meio para prestação da tutela jurisdicional adequada e efetiva aos direitos 72 Tratase de direção oriunda da consciência de que não basta declarar os direitos importando antes instituir meios organizatórios de realização procedimentos adequados e equitativos 73 sem os quais o direito perde qualquer significado em termos de efetiva atuabilidade 532 Âmbito de proteção O direito à tutela jurisdicional deve ser analisado no mínimo sob três perspectivas i do acesso à justiça ii da adequação da tutela e iii da efetividade da tutela Notese que o art 5º XXXV da CF posto que descenda nitidamente dos arts 141 4º da CF1946 e 153 4º da CF1967 tem âmbito de proteção com espectro muito mais largo que os seus antecessores O acesso à justiça diz respeito à amplitude da prestação da tutela jurisdicional ao momento em que pode ser proposta ação e ao custo financeiro do processo A tutela jurisdicional é a mais ampla possível no direito brasileiro No nosso sistema a atividade jurisdicional abarca não só a possibilidade de defesa de direitos individuais mas também de direitos coletivos direitos individuais homogêneos direitos difusos e direitos coletivos 74 podendo envolver ainda a sindicabilidade dos atos da Administração Pública Do ponto de vista da amplitude nossa Constituição subtrai à tutela jurisdicional tão somente a revisão do mérito de punições disciplinares militares art 142 2º da CF Mesmo as chamadas questões políticas podem ser objeto de controle jurisdicional desde que a partir delas se vislumbre exercício abusivo de prerrogativas políticas e violação de direitos fundamentais 75 Isso não quer dizer contudo que os particulares não possam submeter voluntariamente determinados litígios à solução arbitral O que a Constituição veda é a interdição da apreciação do Poder Judiciário pelo próprio Estado É por essa razão que o STF já teve o ensejo de afirmar a constitucionalidade da Lei 93071996 que prevê a possibilidade de instituição de arbitragem para a solução de litígios envolvendo direitos patrimoniais disponíveis entre pessoas capazes art 1º 76 Na perspectiva temporal a ação visando à tutela jurisdicional pode ser proposta de forma imediata pela parte interessada Vale dizer a tutela jurisdicional não é condicionada à prévia instância administrativa nem a fortiori ao seu prévio esgotamento 77 A Constituição vigente não repetiu a restrição constante do art 153 4º segunda parte da Constituição de 1967 com a redação da EC 71977 Inexiste necessidade de prévia instância administrativa como antessala necessária à tutela jurisdicional 78 O único caso em que a Constituição difere da tutela jurisdicional é o da Justiça Desportiva uma vez que o Poder Judiciário só admitirá ações relativas à disciplina e às competições desportivas após esgotarem se as instâncias da Justiça Desportiva regulada em lei art 217 1º da CF Do ponto de vista do custo financeiro do processo o direito à tutela jurisdicional não implica direito à litigância gratuita Notese que o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos art 5º LXXIV da CF O benefício da gratuidade judiciária arts 3º da Lei 10601950 e 98 e ss do CPC de 2015 encartado no âmbito da assistência jurídica integral é reconhecido constitucionalmente apenas aos necessitados na forma da lei Isso quer dizer que não fere o direito à tutela jurisdicional a imposição de recolhimento de valores a título de taxas processuais como condição de acesso à Justiça Só haverá inconstitucionalidade em semelhante imposição se a taxa judiciária for calculada sem limite sobre o valor da causa obstando assim o efetivo ingresso da ação 79 No entanto está assente o entendimento de que fere o direito à inafastabilidade da tutela jurisdicional a exigência de depósito prévio como requisito de admissibilidade de ação judicial na qual se pretenda discutir a exigibilidade do crédito tributário 80 A tutela jurisdicional tem de ser adequada para tutela dos direitos 81 O processo tem de ser capaz de promover a realização do direito material O meio tem de ser idôneo à promoção do fim A adequação da tutela revela a necessidade de análise do direito material posto em causa para se estruturar a partir daí um processo dotado de técnicas processuais aderentes à situação levada a juízo 82 A igualdade material entre as pessoas e entre as situações substanciais carentes de tutela por elas titularizadas só pode ser alcançada na medida em que se possibilite tutela jurisdicional diferenciada aos direitos 83 O processo tem de ser adeguato allo scopo cui è destinato 84 a alcançar o que significa que é insopprimibile 85 do campo da tutela jurisdicional a relação entre meio e fim capaz de outorgar unidade teleológica à tutela jurisdicional dos direitos O direito à tutela jurisdicional adequada determina a previsão i de procedimentos com nível de cognição apropriado à tutela do direito pretendida 86 ii de distribuição adequada do ônus da prova inclusive com possibilidade de dinamização e inversão 87 iii de técnicas antecipatórias idôneas a distribuir isonomicamente o ônus do tempo no processo seja em face da urgência seja em face da evidência 88 iv de formas de tutela jurisdicional com executividade intrínseca 89 v de técnicas executivas idôneas 90 e vi de standards para valoração probatória pertinentes à natureza do direito material debatido em juízo 91 É dever do legislador estruturar o processo em atenção à necessidade de adequação da tutela jurisdicional É dever do juiz adaptálo concretamente a partir da legislação a fim de viabilizar tutela adequada aos direitos Não é possível ao Estado por exemplo proibir a prestação de tutela antecipatória indiscriminadamente 92 É ínsito ao Poder Judiciário o poder de prestar tutela antecipatória 93 No entanto existem significativas restrições no plano infraconstitucional à concessão da tutela antecipatória contra a Fazenda Pública art 1º da Lei 94941997 94 Essas restrições contudo não têm o condão de excluir o cabimento de antecipação de tutela contra a Fazenda Pública São inconstitucionais Frisese que o direito de ação compreendido como o direito à técnica processual adequada não depende do reconhecimento do direito material O direito de ação exige técnica antecipatória para a viabilidade do reconhecimento da probabilidade do direito e do fundado receio de ilícito ou de dano sentença idônea para a hipótese de sentença de procedência e meio executivo adequado a ambas as hipóteses Se o direito não for reconhecido como suficiente para a concessão da antecipação da tutela ou da tutela final não há sequer como pensar em tais técnicas processuais A norma do art 5º XXXV da CF ao contrário das normas constitucionais anteriores que garantiam o direito de ação afirmou que a lei além de não poder excluir lesão está proibida de excluir ameaça de lesão da apreciação jurisdicional O objetivo do art 5º XXXV da CF nesse particular foi deixar expresso que o direito de ação deve poder propiciar a tutela inibitória e ter a sua disposição técnicas processuais capazes de permitir a antecipação da tutela No STF existem três correntes em relação à interpretação do direito à tutela jurisdicional em caso de ameaça a direito A primeira delas afirmada especialmente pelos Ministros Celso de Mello e Carlos Velloso sustenta que a lei que veda a concessão de liminares viola o art 5º XXXV da CF podendo ser expressa por meio da seguinte passagem do voto do Min Celso de Mello na MC na ADIn 223DF A proteção jurisdicional imediata dispensável a situações jurídicas expostas a lesão atual ou potencial não pode ser inviabilizada por ato normativo de caráter infraconstitucional que vedando o exercício liminar da tutela jurisdicional cautelar pelo Estado enseje a aniquilação do próprio direito material 95 A segunda radicalmente oposta pode ser captada a partir dos votos do Min Moreira Alves Disse o Ministro na MC na ADIn 223DF O proibirse em certos casos por interesse público a antecipação provisória da satisfação do direito material lesado ou ameaçado não exclui evidentemente da apreciação do Poder Judiciário a lesão ou ameaça a direito pois ela se obtém normalmente na satisfação definitiva que é proporcionada pela ação principal que esta sim não pode ser vedada para privarse o lesado ou ameaçado de socorrerse do Poder Judiciário Mais tarde na MC na ADIn 1576DF o Min Moreira Alves consignou que além de a lei poder vedar a concessão de liminares a tutela antecipada não é instituto constitucional Ela foi criada pela lei Assim como foi criada a princípio sem certos limites não vejo por que não se possa limitá la 96 Por fim a terceira posição capitaneada pelo Min Sepúlveda Pertence enuncia que não é correto recusar constitucionalidade a toda e qualquer limitação legal à outorga de liminar devendo a lei restritiva ser analisada segundo um critério de razoabilidade Na já referida MC na ADIn 223DF que teve por objeto a medida provisória que proibiu a concessão de liminar nas ações cautelares e nos mandados de segurança questionadores do Plano Econômico do Governo Collor assim conclui o Min Pertence A solução estará no manejo do sistema difuso porque nele em cada caso concreto nenhuma medida provisória pode subtrair ao juiz da causa um exame da constitucionalidade inclusive sob o prisma da razoabilidade das restrições impostas ao seu poder cautelar para se entender abusiva essa restrição se a entender inconstitucional conceder a liminar deixando de dar aplicação no caso concreto à medida provisória na medida em que em relação àquele caso a julgue inconstitucional porque abusiva A posição do Min Moreira Alves não merece guarida uma vez que o direito fundamental de ação garante a efetiva tutela do direito material e por consequência a técnica antecipatória imprescindível para permitir a antecipação da tutela e dessa forma dar efetividade à tutela inibitória capaz de impedir a violação do direito e além disso evitar a prática de ilícito e a ocorrência de eventual dano Na verdade a posição do Min Moreira Alves encampa nitidamente a superada ideia de direito de ação como direito a uma sentença sobre o mérito A técnica antecipatória é imprescindível para dar proteção ao direito fundamental de ação A sua supressão ou indevida limitação assim é flagrantemente atentatória à norma do art 5º XXXV da CF Por outro lado a posição do Min Pertence não distingue direito à técnica antecipatória de direito à obtenção da antecipação da tutela É claro que não há direito à antecipação da tutela uma vez que essa depende da constatação da probabilidade do direito e do perigo de ilícito ou de dano diante do caso concreto os quais são pressupostos para a concessão da tutela antecipada com base nos arts 273 I e 461 3º do CPC O Min Pertence sustenta que a restrição à concessão de liminar pode se mostrar abusiva e aí a lei ser considerada inconstitucional em determinado caso concreto e não em outro Porém como a abusividade da restrição diria respeito às necessidades presentes no caso concreto a eventual inconstitucionalidade da lei dependeria da aferição dos próprios pressupostos à concessão da liminar ou da antecipação da tutela Acontece que quando se penetra na verificação dos pressupostos da liminar obviamente não se está perquirindo sobre a abusividade da restrição ao requerimento de liminar ou à aferição da sua concessão mas sim se analisando se a liminar é necessária para tutelar o direito material Nessa situação caso o juiz se convença de que a liminar não é imprescindível a conclusão não será de que a lei restritiva é constitucional mas sim de que a liminar não deve ser concedida em razão das particularidades da situação concreta Ocorre que para que o juiz possa chegar à conclusão de que a liminar não deve ser concedida ele necessariamente terá de admitir a inconstitucionalidade da lei O pontochave para a solução da questão está em perceber que a lei proíbe a própria aferição dos pressupostos da liminar embora se fale por comodidade de linguagem que a lei proíbe a concessão de liminar Uma lei que proíbe a aferição dos pressupostos necessários à concessão de liminar obviamente nega ao juiz a possibilidade de utilizar instrumentos imprescindíveis ao adequado exercício do seu poder E ao mesmo tempo viola o direito fundamental à viabilidade da obtenção da efetiva tutela do direito material De modo que entre as várias posições adotadas no STF está correta a liderada pelo Min Celso de Mello para quem o acesso à jurisdição proclamado na norma constitucional de garantia significa a possibilidade de irrestrita invocação da tutela jurisdicional cognitiva da tutela jurisdicional executiva e da tutela jurisdicional cautelar do Estado O direito à tutela antecipada decorre expressamente do direito fundamental à tutela jurisdicional adequada e efetiva e tem foro constitucional entre nós Pensar de modo diverso importa grave ofensa à adequação da tutela jurisdicional e à paridade de armas no processo civil arts 5º I da CF e 7º do CPC de 2015 sobre admitirse que quando ré a Fazenda Pública em processo judicial pouco interessa à ordem jurídica a lesão ou a ameaça de lesão dos direitos dos particulares lógica essa que é evidentemente contrária ao Estado Constitucional fundado na dignidade da pessoa humana art 1º III da CF e preocupado com a efetiva tutela dos direitos arts 5º XXXV da CF e 3º do CPC de 2015 A adequação da técnica executiva é imprescindível para prestação da tutela efetiva A efetiva atuabilidade da tutela do direito depende da previsão de técnicas executivas idôneas Nesse particular o direito processual civil brasileiro atual conta com um sistema atípico há previsão de atipicidade art 139 IV do CPC de 2015 regra excepcionada apenas nos casos em que a tutela do direito deve ser realizada tipicamente notadamente nos casos envolvendo a execução patrimonial contra a Fazenda Pública 97 A atipicidade da técnica executiva que mais interessa para prestação de tutela jurisdicional adequada aos direitos tem a sua maior expressão no art 139 IV do CPC de 2015 Para além da possibilidade de imposição de astreintes art 537 do CPC de 2015 98 todas as posições jurídicas podem ser tuteladas a partir das medidas necessárias busca e apreensão remoção de pessoas e coisas desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva se necessário com requisição de força policial são apenas exemplos Nada obsta ao juiz desde que justificadamente e com emprego da proporcionalidade adequação necessidade e proporcionalidade em sentido estrito que determine que outras medidas uma vez que promovam o fim sejam o menos restritivas possível e prestigiem o direito constitucionalmente mais relevante 99 Entram sem dúvida na categoria de medidas necessárias por exemplo a suspensão do direito de dirigir 100 a suspensão do direito de contratar com o Poder Público e a imposição de prisão civil O STF já decidiu pela impossibilidade de prisão civil no Brasil fora dos casos ligados à prestação alimentar Notadamente já decidiu pela impossibilidade de prisão civil do depositário infiel à luz do Pacto de São José da Costa Rica Assim Habeas corpus Prisão civil Depósito judicial Revogação da Súmula 619 do STF A questão da infidelidade depositária Convenção Americana de Direitos Humanos art 7º n 7 Natureza constitucional ou caráter de supralegalidade dos tratados internacionais de direitos humanos Pedido deferido Ilegitimidade jurídica da decretação da prisão civil do depositário infiel ainda que se cuide de depositário judicial Não mais subsiste no sistema normativo brasileiro a prisão civil por infidelidade depositária independentemente da modalidade de depósito tratese de depósito voluntário convencional ou cuidese de depósito necessário como o é o depósito judicial Precedentes Revogação da Súmula 619 do STF Tratados internacionais de direitos humanos as suas relações com o direito interno brasileiro e a questão de sua posição hierárquica A Convenção Americana sobre Direitos Humanos art 7º n 7 Caráter subordinante dos tratados internacionais em matéria de direitos humanos e o sistema de proteção dos direitos básicos da pessoa humana Relações entre o direito interno brasileiro e as convenções internacionais de direitos humanos CF art 5º e 2º e 3º Precedentes Posição hierárquica dos tratados internacionais de direitos humanos no ordenamento positivo interno do Brasil natureza constitucional ou caráter de supralegalidade Entendimento do relator Min Celso de Mello que atribui hierarquia constitucional às convenções internacionais em matéria de direitos humanos A interpretação judicial como instrumento de mutação informal da Constituição A questão dos processos informais de mutação constitucional e o papel do Poder Judiciário a interpretação judicial como instrumento juridicamente idôneo de mudança informal da Constituição A legitimidade da adequação mediante interpretação do Poder Judiciário da própria Constituição da República se e quando imperioso compatibilizála mediante exegese atualizadora com as novas exigências necessidades e transformações resultantes dos processos sociais econômicos e políticos que caracterizam em seus múltiplos e complexos aspectos a sociedade contemporânea Hermenêutica e direitos humanos a norma mais favorável como critério que deve reger a interpretação do Poder Judiciário Os magistrados e Tribunais no exercício de sua atividade interpretativa especialmente no âmbito dos tratados internacionais de direitos humanos devem observar um princípio hermenêutico básico tal como aquele proclamado no art 29 da Convenção Americana de Direitos Humanos consistente em atribuir primazia à norma que se revele mais favorável à pessoa humana em ordem a dispensarlhe a mais ampla proteção jurídica O Poder Judiciário nesse processo hermenêutico que prestigia o critério da norma mais favorável que tanto pode ser aquela prevista no tratado internacional como a que se acha positivada no próprio direito interno do Estado deverá extrair a máxima eficácia das declarações internacionais e das proclamações constitucionais de direitos como forma de viabilizar o acesso dos indivíduos e dos grupos sociais notadamente os mais vulneráveis a sistemas institucionalizados de proteção aos direitos fundamentais da pessoa humana sob pena de a liberdade a tolerância e o respeito à alteridade humana tornaremse palavras vãs Aplicação ao caso do art 7º n 7 cc o art 29 ambos da Convenção Americana de Direitos Humanos Pacto de São José da Costa Rica um caso típico de primazia da regra mais favorável à proteção efetiva do ser humano 101 É fácil perceber no entanto que a ratio decidendi do julgado não infirma a possibilidade de prisão civil como meio coercitivo ou como meio para tutela da autoridade do tribunal Seu cabimento não pode ser negado 102 Observese que o art 5º LXVII da CF refere que não haverá prisão por dívida salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel A interpretação dessa norma deve levar em consideração os direitos fundamentais Assim se é necessário vedar a prisão do devedor que não possui patrimônio e assim considerar essa vedação um direito fundamental também é absolutamente indispensável permitir o seu uso em certos casos para a técnica adequada para efetividade da tutela dos direitos Há necessidade de estabelecer uma interpretação que leve em consideração todo o contexto normativo dos direitos fundamentais Nessa perspectiva não há como deixar de interpretar a norma no sentido de que a prisão deve ser vedada quando a prestação depender da disposição de patrimônio mas permitida para a jurisdição poder evitar quando a multa coercitiva e as outras medidas para efetivação dos direitos não se mostrarem adequadas a violação de um direito Do contrário várias situações substanciais podem ficar desprovidas de tutela adequada e efetiva A prisão civil pode ser utilizada para impor um não fazer ou mesmo para impor um fazer infungível que não implique disposição de dinheiro e seja imprescindível à efetiva proteção de um direito Nesses casos ao mesmo tempo que a prisão não estará sendo usada para constranger o demandado a dispor de patrimônio ela estará viabilizando no caso em que a multa e as demais medidas para efetivação das decisões judiciais não se mostrarem idôneas a efetiva tutela do direito A prisão civil depois de descumprida a ordem judicial somente conserva caráter coercitivo no caso em que ainda se espera um fazer infungível pois no caso em que a ameaça de prisão objetiva um não fazer a efetivação da prisão evidentemente não pode ter função coercitiva Em semelhante situação a efetivação da prisão não tem caráter coercitivo nem a função de castigar o réu mas sim o objetivo de preservar a seriedade da função jurisdicional A prisão civil ordenada pelo próprio órgão jurisdicional da causa somente tem cabimento no caso em que outra modalidade de efetivação das decisões não se mostrar adequada e o cumprimento da ordem não exigir a disponibilização de patrimônio Assim deve o juiz demonstrar na sua decisão que para o caso concreto não existe nenhuma outra técnica processual capaz de dar efetividade à tutela jurisdicional além de demonstrar que o uso da prisão não importará na restrição da liberdade de quem não observou a ordem apenas por não possuir patrimônio A própria decisão que ameaça de prisão a parte deve fixar o prazo de sua duração considerando as circunstâncias do caso concreto Dentro dessas coordenadas a prisão civil estará garantindo a efetividade ao direito à tutela jurisdicional sem violar o direito daquele que por não possuir patrimônio não pode ser obrigado a cumprir a ordem judicial muito menos ser punido por não têla observado 103 A tutela jurisdicional tem de ser efetiva Tratase de imposição que respeita aos próprios fundamentos do Estado Constitucional já que é facílimo perceber que a força normativa do direito fica obviamente combalida quando esse carece de atuabilidade 104 Não por acaso a efetividade compõe o princípio da segurança jurídica um ordenamento jurídico só é seguro se há confiança na realização do direito que se conhece A efetividade da tutela jurisdicional diz respeito ao resultado do processo 105 Mais precisamente concerne à necessidade de o resultado da demanda espelhar o mais possível o direito material 106 propiciandose às partes sempre tutela específica ou tutela pelo resultado prático equivalente em detrimento da tutela pelo equivalente monetário 107 O direito à efetividade da tutela jurisdicional portanto implica necessidade i de encarar o processo a partir do direito material especialmente a partir da teoria da tutela dos direitos 108 e ii de viabilizar não só a tutela repressiva mas também e fundamentalmente a tutela preventiva aos direitos 109 É imprescindível para a prestação de tutela jurisdicional efetiva a fiel identificação da tutela do direito pretendida pela parte Vale dizer é preciso em primeiro lugar olhar para o direito material a fim de saber qual a situação jurídica substancial que se pretende proteger judicialmente Durante muito tempo foi suficiente pensar em tutelas repressivas contra o dano para prestar tutela jurisdicional 110 Ocorre que o aparecimento dos novos direitos marcados em geral pela ideia de inviolabilidade obrigou o Estado a reconhecer o direito à tutela preventiva contra o ilícito Em outras palavras determinou o reconhecimento do direito à tutela inibitória capaz de impedir a prática a continuação ou a reiteração de um ilícito 111 Essa é a razão pela qual o art 497 parágrafo único do CPC de 2015 foi inserido na legislação brasileira Daí ficou fácil à doutrina na verdade perceber a necessidade de pensar todo o processo a partir do direito material com o objetivo de promover a sua efetividade propondose a estruturação do processo como um todo a partir do direito à tutela específica dos direitos Não é possível ao Estado negar direito à tutela preventiva dos direitos isto é negar direito à tutela inibitória É inconstitucional qualquer posicionamento nesse sentido Um Estado realmente preocupado com a integridade de sua ordem jurídica tem o dever de viabilizar tutela inibitória à parte que é dela carecedora A tutela jurisdicional pode ter por objetivo a proteção contra o ilícito ou contra o dano Ato ilícito é ato contrário ao direito Fato danoso é prejuízo juridicamente relevante São conceitos que não se confundem 112 Nada obsta inclusive a que o mesmo processo viabilize tutela contra o ilícito e tutela contra o dano A tutela contra o ilícito pode ser prestada de forma preventiva tutela inibitória ou de forma repressiva tutela de remoção do ilícito também conhecida como tutela reintegratória art 497 parágrafo único do CPC de 2015 A primeira visa a impedir a prática a reiteração ou a continuação de um ilícito É uma tutela voltada para o futuro A segunda a remover a causa de um ilícito ou os seus efeitos É uma tutela voltada ao passado A tutela contra o dano é sempre repressiva Ela pressupõe a ocorrência do fato danoso Ela pode visar à reparação do dano tutela reparatória ou ao seu ressarcimento em pecúnia tutela ressarcitória Onde há um direito existe igualmente direito à sua realização Um direito é uma posição juridicamente tutelável É da sua previsão que advém o direito à sua tutela posto que o fim do direito é a sua própria realização A previsão do direito pela ordem jurídica outorga desde logo pretensão à sua proteção efetiva Se a ordem jurídica prevê direito inviolável à imagem honra intimidade e vida privada por exemplo prevê no mesmo passo direito à tutela inibitória capaz de prevenir a sua ilícita violação direito à tutela reintegratória para remover a fonte do ilícito ou seus efeitos e direito à tutela reparatória contra o dano experimentado Na lição sempre lembrada da doutrina il processo deve dare per quanto è possibile praticamente a chi ha un diritto tutto quello e proprio quello chegli ha diritto di conseguire 113 No julgamento da ADPF 130DF no entanto o STF concluiu de forma equivocada pela inexistência de direito à tutela inibitória para prevenir ilícita violação do direito envolvendo liberdade de imprensa 114 A tutela reparatória direito de resposta e atribuição de responsabilidade porque repressiva do dano e posterior à prática do ilícito obviamente não é idônea para inibir a violação dos direitos de personalidade por ato ilícito da imprensa Há gravíssima confusão entre tutela repressiva e tutela preventiva no ponto Ceifar de forma absoluta o direito à tutela inibitória diante da imprensa é o mesmo que afirmar franca violabilidade do direito à imagem honra intimidade e vida privada das pessoas em aberto conflito à inviolabilidade outorgada pela Constituição à personalidade humana 115 54 Direito fundamental à igualdade e à paridade de armas 541 Introdução O direito à igualdade perante o Estado Constitucional é pressuposto básico de toda e qualquer concepção jurídica de Estado Estado Constitucional é Estado em que há juridicidade e segurança jurídica A juridicidade todos abaixo do direito 116 remete à justiça que por seu turno remonta à igualdade 117 Natural portanto que componha o direito ao processo justo o direito à igualdade e à paridade de armas no processo Como já decidiu o STF a igualdade das partes é imanente ao procedural due process of law 118 Tratase de direito fundamental que nada obstante não previsto expressamente na Constituição para o campo do processo decorre naturalmente da ideia de Estado Constitucional e do direito fundamental à igualdade perante a ordem jurídica como um todo art 5º caput da CF 119 É por essa razão que o CPC de 2015 arrola expressamente o direito à igualdade no processo civil como uma de suas normas fundamentais art 7º 542 Âmbito de proteção A igualdade no processo tem de ser analisada sob duas perspectivas distintas Na primeira importa ter presente a distinção entre igualdade perante a legislação igualdade formal e igualdade na legislação igualdade material 120 Na segunda é preciso ressaltar a diferença entre igualdade no processo e igualdade pelo processo igualdade diante do resultado da aplicação da legislação no processo A igualdade perante a legislação determina a aplicação uniforme da lei processual O juiz tem o dever de aplicar a legislação de modo igualitário É seu dever dirigir o processo e velar pela igualdade das partes art 139 I do CPC de 2015 A propósito prover à regularidade do processo art 251 do CPP implica velar pela aplicação da legislação de modo igualitário A igualdade na legislação pressupõe a inexistência de distinções arbitrárias no seu conteúdo A distinção tem de ser feita de forma racional pelo legislador 121 É claro que a igualdade não consiste em um tratamento igual sem distinção de todos em todas as relações já que senão aquilo que é igual deve ser tratado igualmente 122 O problema da igualdade na legislação portanto está na utilização de critérios legítimos para distinção entre pessoas e situações no processo 123 É vedada em outras palavras a existência de distinções arbitrárias na legislação 124 isto é realizadas sem finalidade legítima legitimate purpose 125 O direito à igualdade processual formal e material é o suporte do direito à paridade de armas no processo Waffengleichheit parità delle armi égalité des armes 126 O processo só pode ser considerado justo se as partes dispõem das mesmas oportunidades e dos mesmos meios para dele participar Vale dizer se dispõem das mesmas armas Tratase de exigência que obviamente se projeta sobre o legislador e sobre o juiz há dever de estruturação e condução do processo de acordo com o direito à igualdade e à paridade de armas Como facilmente se percebe a igualdade e a paridade de armas nela implicada constitui pressuposto para efetiva participação das partes no processo e portanto é requisito básico para a plena realização do direito ao contraditório Campo fértil para análise do direito à igualdade no processo está no processo civil em que o Poder Público figura como parte Ressalta aí a utilização absolutamente indevida pelo legislador do processo como estratégia de poder governamental 127 A diferenciação normalmente realizada o é sem qualquer critério legítimo sendo inconstitucional por ofensa à igualdade e à paridade de armas Dois exemplos de privilégios injustificados do Poder Público no processo i dispensa de depósito para propositura de ação rescisória art 968 1º do CPC de 2015 que aliás aproveita igualmente ao Ministério Público e ii suspensão de segurança arts 15 da Lei 120162009 12 1º da Lei 73471985 16 da Lei 95071997 25 da Lei 80381990 e 4º da Lei 84371992 São exemplos de quebras de igualdade sem qualquer critério legítimo de justificação São flagrantemente inconstitucionais 128 O 1º do art 968 do CPC de 2015 confere privilégio destituído de base uma vez que a previsão do depósito de cinco por cento tem por escopo resguardar a seriedade na utilização da ação rescisória Sendo indiscutível que o objetivo do depósito é evitar ações destituídas de fundamento e voltadas a procrastinar a tutela dos direitos já reconhecidos protegidos inclusive pela coisa julgada não há razão para supor que a União o Estado o Município e o Ministério Público estão imunes a semelhante exigência A dispensa só teria cabimento se o depósito tivesse natureza de caução ou se o valor do depósito revertesse em favor do Estado Não é esse o caso já que o art 974 do CPC de 2015 deixa claro que em caso de inadmissibilidade ou de improcedência do pedido a importância do depósito reverterá a favor do réu Tendo em conta que a razão para imposição de depósito é o resguardo da seriedade da ação rescisória é inquestionável que o seu fundamento também é aplicável à União aos Estados aos Municípios e ao Ministério Público Inexiste critério legítimo na quebra da igualdade Há evidente violação da igualdade e da paridade de armas na previsão do art 968 1º do CPC de 2015 É inconstitucional 129 O legislador ao prever a suspensão de segurança como instituto ligado tão somente à defesa do Poder Público em juízo viola a igualdade e a paridade de armas no processo 130 O núcleo duro do direito à paridade de armas está em que ambas as partes têm de ter as mesmas oportunidade e dispor dos mesmos meios para obtenção da tutela jurisdicional Ao prever a suspensão de segurança como meio de tutela exclusiva do Poder Público o legislador supõe que apenas a ação do particular é capaz de promover grave lesão à ordem à saúde à segurança ou à economia É perfeitamente possível no entanto que seja necessária suspensão de segurança a favor do particular para proteção da ordem da saúde da segurança e da economia A previsão do instituto da suspensão de segurança tão somente a favor do Poder Público é inconstitucional Outro exemplo de flagrante inconstitucionalidade por ausência de paridade de armas é aquele constante do art 417 2º e 3º do CPP Militar Fere obviamente a igualdade entre as partes a possibilidade de o acusado arrolar testemunhas em número menor do que franqueado ao Ministério Público 131 O direito à igualdade e à paridade de armas para além de vincular o legislador vincula igualmente o juiz na condução do processo É inadmissível que por ato judicial as partes tenham oportunidades assimétricas ao longo do processo É o que pode ocorrer por exemplo pela aplicação equivocada das regras sobre o ônus da prova Como é amplamente sabido as regras sobre o ônus da prova possuem dupla finalidade funcionam como regra de instrução e como regra de julgamento 132 Quando o juiz inverte o ônus da prova ou o dinamiza é imprescindível que a parte onerada ex novo tenha oportunidade de desempenhálo de forma adequada sob pena de violar não só o direito à prova mas também o direito à igualdade e à paridade de armas no processo 133 O direito à igualdade em sua dupla dimensão dá lugar à igualdade no processo Mas é preciso ir além É aliás curioso que a doutrina se preocupe com a estruturação do processo a partir da igualdade mas não mostre idêntica preocupação no que tange à igualdade pelo processo 134 O processo justo visa à decisão justa E não há justiça se não há igualdade unidade na aplicação do direito pelo processo O processo tem de se estruturar com técnicas capazes de promover a igualdade de todos perante a ordem jurídica Embora esse não seja um problema ligado propriamente à igualdade no processo certamente constitui assunto de direito processual a necessidade de promoção da igualdade pelo processo Daí a igualdade pelo processo que é a igualdade diante dos resultados produzidos pelo processo determinar a adoção de um sistema de precedentes obrigatórios essa é a razão pela qual o CPC de 2015 prevê os arts 926 e 927 com a previsão de seus institutos básicos pelo legislador infraconstitucional processual ratio decidendi obter dictum distinguishing overruling 135 sem o que paradoxalmente focamos na igualdade no meio mas não na igualdade no fim atitude cuja correção lógica pode ser sem dúvida seriamente questionada Só há sentido em nos preocuparmos com a igualdade no processo se nos preocuparmos igualmente com a igualdade pelo processo o meio serve ao fim e ambos devem ser pensados na perspectiva da igualdade 55 Direito fundamental ao juiz natural e ao promotor natural 551 Introdução Diante do direito constitucional brasileiro ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente art 5º LIII da CF não havendo lugar para instalação de juízo ou tribunal de exceção art 5º XXXVII da CF Especificamente no que tange ao juiz natural no processo penal a Constituição ainda reconhece a instituição do júri com a organização que lhe der a lei assegurados a a plenitude de defesa b o sigilo das votações c a soberania dos veredictos d a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida art 5º XXXVIII da CF Nesse complexo normativo a Constituição prevê o direito ao juiz natural legale iudicium parium gesetzlicher Richter juiz legal giudice naturale juge naturel cuja tradição secular remonta ao coração 136 da Magna Carta 1215 cláusula 39 552 Âmbito de proteção Juiz natural é juiz imparcial competente e aleatório É o juiz a que é constitucionalmente atribuído o dever de prestar tutela jurisdicional e conduzir o processo de forma justa 137 Juiz natural é em primeiro lugar juiz Vale dizer não é parte É um terceiro giudice terzo e imparziale como grifa o art 111 da Constituição italiana donde a sua terzietà 138 cuja função no processo não se confunde com a das partes Como observa com razão a doutrina o juiz é dotado de impartialidade Unparteilichkeit Unbeteiligheit 139 porque suas funções são diversas daquelas atribuídas às partes no processo a doutrina francesa fala a propósito do tema em impartialité objective também conhecida como impartialité fonctionnelle 140 Além de impartial o juiz tem de ser imparcial E o pressuposto essencial da imparcialidade é a independência A independência é um statut que torna possível a vertu imparcialidade 141 A Constituição assegura a independência judicial seja na previsão de garantias aos magistrados art 95 seja na previsão de autonomia financeira e orçamentária do Poder Judiciário art 99 Do ponto de vista constitucional portanto o problema da independência judicial está ligado ao da imparcialidade A propósito por essa razão é que constitui equívoco supor que a independência impede um sistema de precedentes judiciais Pelo contrário a fiel observância da ordem jurídica nesse conceito inserindose necessariamente a interpretação judicial do direito é prova de independência E essa é condição de imparcialidade que por seu turno visa à produção de decisão justa conforme ao ordenamento jurídico cuja prolação promova a igualdade proteja a segurança e vele pela coerência Como se vê a independência judicial sustenta a necessidade de um sistema fundado também em precedentes já que visa à imparcialidade e essa à prolação de decisão justa que só o é se capaz de realizar a igualdade a segurança e a coerência fundamentos e características do direito do Estado Constitucional A imparcialidade está na ausência de interesse judicial na sorte de qualquer das partes quanto ao resultado do processo É um requisito anímico do juiz 142 Nemo iudex in re propria Tamanha a importância da imparcialidade que a doutrina a ensarta como elemento do próprio conceito de jurisdição 143 E é compreensível que assim o seja já que sem imparcialidade não há possibilidade de tratamento isonômico entre as partes 144 Nosso sistema jurídico protege a imparcialidade impondo vedações aos juízes art 95 parágrafo único da CF e prevendo a possibilidade de impugnação por impedimento ou suspeição arts 144 e 145 do CPC de 2015 arts 252 e 254 do CPP São meios de proteção infraconstitucional do direito ao juiz natural Juiz natural é juiz competente A competência para prestação da tutela jurisdicional tem de estar estabelecida constitucionalmente antes da propositura da ação Não viola o direito ao juiz natural a propósito a atração por continência ou conexão do processo do corréu ao foro por prerrogativa de função de um dos denunciados Súmula 704 do STF Tal é o significado da proibição a juízos e tribunais de exceção art 5º XXXVII da CF que é vedada ao Estado a criação de órgãos jurisdicionais ex post factum Tratase daquilo que a doutrina enxerga como cláusula de irretroatividade ínsita ao juiz natural 145 Juiz natural é juiz cuja competência é estabelecida de forma aleatória É que não é juiz natural no processo jurisdicional aquele deliberadamente escolhido pela parte A técni ca processual visa a assegurar a aleatoriedade do juiz prevendo critérios de distribuição das causas e dos recursos arts 284 285 e 930 do CPC de 2015 Tendo em conta a necessidade de aleatoriedade viola o direito ao juiz natural a formação de litisconsórcio facultativo depois de deferimento de tutela antecipada porque aí é nítido o intento de escolha do juízo pela parte 146 Na esteira da problemática inerente ao juiz natural discutese a existência de direito ao promotor natural arts 5º LIII e 128 5º I b da CF 147 Como observa a doutrina a ideia de promotor natural surgiu embrionariamente das proposições doutrinárias pela mitigação do poder de designação do ProcuradorGeral de Justiça evoluindo para significar a necessidade de haver cargos específicos com atribuição própria a ser exercida pelo Promotor de Justiça vedada a designação pura e simples arbitrária pelo Procurador Geral de Justiça 148 Para que seja atendido o promotor natural exige a presença de quatro requisitos a a investidura no cargo de Promotor de Justiça b a existência de órgão de execução c a lotação por titularidade e inamovibilidade do Promotor de Justiça no órgão de execução exceto as hipóteses legais de substituição e remoção d a definição em lei das atribuições do cargo 149 Obviamente por simetria tudo o que se disse a propósito do promotor natural aplicase igualmente ao Procurador da República de modo que é perfeitamente possível reconhecer também o direito ao Procurador da República natural O STF já teve o ensejo de reconhecer expressamente o direito ao promotor natural Assim já se decidiu que o postulado do Promotor Natural que se revela imanente ao sistema constitucional brasileiro repele a partir da vedação de designações casuísticas efetuadas pela chefia da Instituição a figura do acusador de exceção Esse princípio consagra uma garantia de ordem jurídica destinada tanto a proteger o membro do Ministério Público na medida em que lhe assegura o exercício pleno e independente do seu ofício quanto a tutelar a própria coletividade a quem se reconhece o direito de ver atuando em quaisquer causas apenas o Promotor cuja intervenção se justifique a partir de critérios abstratos e predeterminados estabelecidos em lei A matriz constitucional desse princípio assentase nas cláusulas da independência funcional e da inamovibilidade dos membros da Instituição O postulado do Promotor Natural limita por isso mesmo o poder do ProcuradorGeral que embora expressão visível da unidade institucional não deve exercer a chefia do Ministério Público de modo hegemônico e incontrastável 150 56 Direito fundamental ao contraditório 561 Introdução Previsto conjuntamente com o direito à ampla defesa art 5º LV da CF o direito ao contraditório constitui a mais óbvia condição do processo justo e é inseparável de qualquer ideia de administração organizada de Justiça 151 funcionando como verdadeiro cardine della ricerca dialettica pela justiça do caso concreto 152 Tamanha a sua importância que o próprio conceito de processo no Estado Constitucional está construído sobre sua base 153 O direito de ação como direito ao processo justo tem o seu exercício balizado pela observância do direito ao contraditório ao longo de todo o arco procedimental 154 É fácil compreender portanto a razão pela qual a doutrina nele enxerga uma verdadeira Magna Charta do processo judicial Magna Charta des gerichtlichen Verfahrens 155 562 Âmbito de proteção O direito ao contraditório rege todo e qualquer processo pouco importa se jurisdicional ou não A Constituição é expressa aliás em reconhecer a necessidade de contraditório no processo administrativo Existindo possibilidade de advir para alguém decisão desfavorável que afete negativamente sua esfera jurídica o contraditório é direito que se impõe sob pena de solapado da parte seu direito ao processo justo desde o processo penal até o processo que visa ao julgamento de contas por prefeito municipal 156 ou àquele que visa à imposição de sanção disciplinar a parlamentar 157 todo processo deve ser realizado em contraditório sob pena de nulidade Não há processo sem contraditório Em geral do ponto de vista do seu conteúdo o direito ao contraditório é identificado com a simples bilateralidade da instância dirigindose tão somente às partes Neste contexto o contraditório realizase apenas com a observância do binômio conhecimento reação Isto é uma parte tem o direito de conhecer as alegações feitas no processo pela outra e tem o direito de querendo contrariá las Semelhante faculdade estendese igualmente à produção da prova Tratase de feição do contraditório própria à cultura do Estado Liberal 158 confinando as partes no fundo no terreno das alegações de fato e da respectiva prova 159 Nessa linha o órgão jurisdicional nada teria a ver com a realização do direito ao contraditório na medida em que apenas os litigantes seriam os seus destinatários Partindo desse pressuposto o STF já chegou a decidir que a garantia constitucional do contraditório e da ampla defesa com os meios e recursos a ela inerentes tem como destinatários os litigantes em processo judicial ou administrativo e não o magistrado que no exercício de sua função jurisdicional à vista das alegações das partes e das provas colhidas e impugnadas decide fundamentadamente a lide 160 Atualmente porém a doutrina tem identificado no direito ao contraditório muito mais do que simples bilateralidade da instância Ao binômio conhecimentoreação temse oposto a ideia de cabal participação como núcleoduro do direito ao contraditório É lógico que o contraditório no processo civil do Estado Constitucional tem significado completamente diverso daquele que lhe era atribuído à época do direito liberal 161 Contraditório significa hoje conhecer e reagir mas não só Significa participar do processo e influir nos seus rumos Isto é direito de influência 162 Com essa nova dimensão o direito ao contraditório deixou de ser algo cujos destinatários são tão somente as partes e começou a gravar igualmente o juiz Daí a razão pela qual eloquentemente se observa que o juiz tem o dever não só de velar pelo contraditório entre as partes mas fundamentalmente a ele também se submeter 163 O juiz encontrase igualmente sujeito ao contraditório 164 Consequência dessa nova impostação da matéria é que a dinâmica do processo é alterada significativamente Por força dessa nova conformação da ideia de contraditório acolhida integralmente no CPC de 2015 art 10 a regra está em que todas as decisões definitivas do juízo se apoiem tão somente em questões previamente debatidas pelas partes isto é sobre matéria debatida anteriormente pelas partes Em outras palavras vedase o juízo de terza via 165 Há proibição de decisõessurpresa Verbot der Überraschungsentscheidungen 166 O direito ao contraditório promove a participação das partes em juízo tutelando a segurança jurídica do cidadão nos atos jurisdicionais do Estado Essa nova ideia de contraditório como facilmente se percebe acaba alterando a maneira como o juiz e as partes se comportam diante da ordem jurídica a interpretaraplicar no caso concreto 167 Nessa nova visão é absolutamente indispensável tenham as partes a possibilidade de pronunciarse sobre tudo que pode servir de ponto de apoio para a decisão da causa inclusive quanto àquelas questões que o juiz pode apreciar de ofício 168 Vários outros ordenamentos aliás também preveem expressamente esse dever de debate de consulta do órgão jurisdicional às partes 169 Exigir que o pronunciamento jurisdicional tenha apoio tão somente em elementos sobre os quais as partes tenham tido a oportunidade de se manifestarem significa evitar a decisãosurpresa no processo 170 Nesse sentido têm as partes de se pronunciar previamente à tomada de decisão tanto a respeito do que se convencionou chamar questões de fato e questões de direito como no que atine à eventual visão jurídica do órgão jurisdicional diversa daquela aportada por essas ao processo 171 Fora daí há evidente violação à colaboração e ao diálogo no processo art 6º do CPC de 2015 com afronta inequívoca ao dever judicial de consulta e ao contraditório arts 6º 9º e 10 do CPC de 2015 172 Semelhante exigência de um lado encontra evidente respaldo no interesse público de chegar a uma solução bem amadurecida para o caso levado a juízo não podendo ser identificada de modo nenhum como uma providência erigida no interesse exclusivo das partes 173 Consoante observa a doutrina o debate judicial amplia necessariamente o quadro de análise constrange ao cotejo de argumentos diversos atenua o perigo de opiniões préconcebidas e favorece a formação de uma decisão mais aberta e ponderada 174 Funciona pois como um evidente instrumento de democratização do processo 175 De outro conspira para reforçar a confiança do cidadão no Poder Judiciário que espera legitimamente que a decisão judicial leve em consideração apenas proposições sobre as quais pode exercer o seu direito a conformar o juízo 176 Na jurisprudência alemã o Bundesverfassungsgericht tem entendido que a Anspruch auf rechtliches Gehör art 103 Grundgesetz constitui direito a influenciar efetivamente o juízo sobre as questões da causa vedando a prolação de decisões surpresa 177 A jurisprudência de nosso STF inclinase atualmente nesse mesmo sentido 178 E levando exatamente em consideração esse caldo de cultura é que o Código de Processo Civil de 2015 acolheu o contraditório nesses exatos contornos Nessa linha o STJ vem igualmente prestigiando o direito ao contraditório como direito de influência e dever de debate Processual Civil Previdenciário Julgamento Secundum Eventum Probationis Aplicação do Art 10 do CPC2015 Proibição de DecisãoSurpresa Violação Nulidade 1 Acórdão do TRF da 4ª Região extinguiu o processo sem julgamento do mérito por insuficiência de provas sem que o fundamento adotado tenha sido previamente debatido pelas partes ou objeto de contraditório preventivo 2 O art 10 do CPC2015 estabelece que o juiz não pode decidir em grau algum de jurisdição com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício 3 Tratase de proibição da chamada decisãosurpresa também conhecida como decisão de terceira via contra julgado que rompe com o modelo de processo cooperativo instituído pelo Código de 2015 para trazer questão aventada pelo juízo e não ventilada nem pelo autor nem pelo réu 4 A partir do CPC2015 mostrase vedada decisão que inova o litígio e adota fundamento de fato ou de direito sem anterior oportunização de contraditório prévio mesmo nas matérias de ordem pública que dispensam provocação das partes Somente argumentos e fundamentos submetidos à manifestação precedente das partes podem ser aplicados pelo julgador devendo este intimar os interessados para que se pronunciem previamente sobre questão não debatida que pode eventualmente ser objeto de deliberação judicial 5 O novo sistema processual impôs aos julgadores e partes um procedimento permanentemente interacional dialético e dialógico em que a colaboração dos sujeitos processuais na formação da decisão jurisdicional é a pedra de toque do novo CPC 6 A proibição de decisãosurpresa com obediência ao princípio do contraditório assegura às partes o direito de serem ouvidas de maneira antecipada sobre todas as questões relevantes do processo ainda que passíveis de conhecimento de ofício pelo magistrado O contraditório se manifesta pela bilateralidade do binômio ciênciainfluência Um sem o outro esvazia o princípio A inovação do art 10 do CPC2015 está em tornar objetivamente obrigatória a intimação das partes para que se manifestem previamente à decisão judicial E a consequência da inobservância do dispositivo é a nulidade da decisãosurpresa ou decisão de terceira via na medida em que fere a característica fundamental do novo modelo de processualística pautado na colaboração entre as partes e no diálogo com o julgador 7 O processo judicial contemporâneo não se faz com protagonismos e protagonistas mas com equilíbrio na atuação das partes e do juiz de forma a que o feito seja conduzido cooperativamente pelos sujeitos processuais principais A cooperação processual cujo dever de consulta é uma das suas manifestações é traço característico do CPC2015 Encontrase refletida no art 10 bem como em diversos outros dispositivos espraiados pelo Código 8 Em atenção à moderna concepção de cooperação processual as partes têm o direito à legítima confiança de que o resultado do processo será alcançado mediante fundamento previamente conhecido e debatido por elas Haverá afronta à colaboração e ao necessário diálogo no processo com violação ao dever judicial de consulta e contraditório se omitida às partes a possibilidade de se pronunciarem anteriormente sobre tudo que pode servir de ponto de apoio para a decisão da causa inclusive quanto àquelas questões que o juiz pode apreciar de ofício Marinoni Luiz Guilherme Arenhart Sérgio Cruz Mitidiero Daniel Novo Código de Processo Civil Comentado São Paulo Editora Revista dos Tribunais 2015 p 209 9 Não se ignora que a aplicação desse novo paradigma decisório enfrenta resistências e causa desconforto nos operadores acostumados à sistemática anterior Nenhuma dúvida todavia quanto à responsabilidade dos tribunais em assegurarlhe efetividade não só como mecanismo de aperfeiçoamento da jurisdição como de democratização do processo e de legitimação decisória 10 Cabe ao magistrado ser sensível às circunstâncias do caso concreto e prevendo a possibilidade de utilização de fundamento não debatido permitir a manifestação das partes antes da decisão judicial sob pena de violação ao art 10 do CPC2015 e a todo o plexo estruturante do sistema processual cooperativo Tal necessidade de abrir oitiva das partes previamente à prolação da decisão judicial mesmo quando passível de atuação de ofício não é nova no direito processual brasileiro Colhemse exemplos no art 40 4º da LEF e nos Embargos de Declaração com efeitos infringentes 11 Nada há de heterodoxo ou atípico no contraditório dinâmico e preventivo exigido pelo CPC2015 Na eventual hipótese de adoção de fundamento ignorado e imprevisível a decisão judicial não pode se dar com preterição da ciência prévia das partes A negativa de efetividade ao art 10 cc art 933 do CPC2015 implica error in procedendo e nulidade do julgado devendo a intimação antecedente ser procedida na instância de origem para permitir a participação dos titulares do direito discutido em juízo na formação do convencimento do julgador e principalmente assegurar a necessária correlação ou congruência entre o âmbito do diálogo desenvolvido pelos sujeitos processuais e o conteúdo da decisão prolatada 12 In casu o Acórdão recorrido decidiu o recurso de apelação da autora mediante fundamento original não cogitado explícita ou implicitamente pelas partes Resolveu o Tribunal de origem contrariar a sentença monocrática e julgar extinto o processo sem resolução de mérito por insuficiência de prova sem que as partes tenham tido a oportunidade de exercitar sua influência na formação da convicção do julgador Por tratarse de resultado que não está previsto objetivamente no ordenamento jurídico nacional e refoge ao desdobramento natural da controvérsia considerase insuscetível de pronunciamento com desatenção à regra da proibição da decisãosurpresa posto não terem as partes obrigação de prevêlo ou adivinhálo Deve o julgado ser anulado com retorno dos autos à instância anterior para intimação das partes a se manifestarem sobre a possibilidade aventada pelo juízo no prazo de 5 cinco dias 13 Corrobora a pertinência da solução ora dada ao caso o fato de a resistência de mérito posta no Recurso Especial ser relevante e guardar potencial capacidade de alterar o julgamento prolatado A despeito da analogia realizada no julgado recorrido com precedente da Corte Especial do STJ proferido sob o rito de recurso representativo de controvérsia REsp 1352721SP Corte Especial Rel Min Napoleão Nunes Maia Filho DJ de 28042016 a extensão e o alcance da decisão utilizada como paradigma para além das circunstâncias ali analisadas e para todas as hipóteses em que se rejeita a pretensão a benefício previdenciário em decorrência de ausência ou insuficiência de lastro probatório recomenda cautela A identidade e aplicabilidade automática do referido julgado a situações outras que não aquelas diretamente enfrentadas no caso apreciado como ocorre com a controvérsia em liça merece debate oportuno e circunstanciado como exigência da cooperação processual e da confiança legítima em um julgamento sem surpresas 14 A ampliação demasiada das hipóteses de retirada da autoridade da coisa julgada fora dos casos expressamente previstos pelo legislador pode acarretar insegurança jurídica e risco de decisões contraditórias O sistema processual pátrio prevê a chamada coisa julgada secundum eventum probationis apenas para situações bastante específicas e em processos de natureza coletiva Cuidase de técnica adotada com parcimônia pelo legislador nos casos de ação popular art 18 da Lei 47171965 e de Ação Civil Pública art 16 da Lei 73471985 e art 103 I CDC Mesmo nesses casos com expressa previsão normativa não se está a tratar de extinção do processo sem julgamento do mérito mas de pedido julgado improcedente por insuficiência de provas hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento valendose de nova prova art 16 ACP 15 A diferença é significativa pois no caso de a ação coletiva ter sido julgada improcedente por deficiência de prova a própria lei que relativiza a eficácia da coisa julgada torna imutável e indiscutível a sentença no limite das provas produzidas nos autos Não impede que outros legitimados intentem nova ação com idêntico fundamento mas exige prova nova para admissibilidade initio litis da demanda coletiva 16 Não é o que se passa nas demandas individuais decidas sem resolução da lide e por isso não acobertadas pela eficácia imutável da autoridade da coisa julgada material em nenhuma extensão A extinção do processo sem julgamento do mérito opera coisa julgada meramente formal e torna inalterável o decisum sob a ótica estritamente endoprocessual Não obsta que o autor intente nova ação com as mesmas partes o mesmo pedido e a mesma causa de pedir inclusive com o mesmo conjunto probatório e ainda assim receba decisão díspar da prolatada no processo anterior A jurisdição passa a ser loteria em favor de uma das partes em detrimento da outra sem mecanismos legais de controle eficiente Por isso a solução objeto do julgamento proferido pela Corte Especial do STJ no REsp 1352721SP recomenda interpretação comedida de forma a não ampliar em demasia as causas sujeitas à instabilidade extraprocessual da preclusão máxima 17 Por derradeiro o retorno dos autos à origem para adequação do procedimento à legislação federal tida por violada sem ingresso no mérito por esta Corte com supressão ou sobreposição de instância é medida que se impõe não apenas por tecnicismo procedimental mas também pelo efeito pedagógico da observância fiel do devido processo legal de modo a conformar o direito do recorrente e o dever do julgador às novas e boas práticas estabelecidas no Digesto Processual de 2015 18 Recurso Especial provido 179 O contraditório podese realizar de diferentes maneiras no processo Como o direito ao contraditório não é o único direito fundamental que compõe o processo justo por vezes é necessário harmonizálo com os seus demais elementos estruturantes em especial com o direito à tutela adequada e efetiva dos direitos Por essa razão é perfeitamente legítimo na nossa ordem jurídica o emprego de contraditório diferido e de contraditório eventual na organização do perfil procedimental do processo Tanto o contraditório prévio como o diferido e o eventual são legítimos para a organização do processo justo Em geral no processo e em especial no processo penal o contraditório é prévio Audiatur et altera pars Primeiro o juiz ouve ambas as partes para tão somente depois decidir Pode ocorrer contudo de o órgão jurisdicional ter de decidir de forma provisória determinada questão ao longo do processo antes de ouvir uma das partes inaudita altera parte É o que ocorre por exemplo quando o juiz presta tutela de forma antecipada art 9º do CPC de 2015 O contraditório aí fica postergado diferido para depois da concessão da tutela jurisdicional A restrição ao contraditório ocorre em função da necessidade de adequação e efetividade da tutela jurisdicional Não há qualquer inconstitucionalidade na postergação do contraditório Sendo necessária a concessão de tutela antecipada antes da oitiva do demandado essa se impõe como decorrência do direito à tutela adequada dos direitos Não se trata portanto de medida excepcional verificados os seus pressupostos o juiz tem o dever de antecipar a tutela Também não há qualquer inconstitucionalidade no contraditório eventual que é aquele que se realiza em outro processo na eventualidade de o interessado propor demanda para ampliação ou exaurimento da cognição É o exemplo clássico dos processos de cognição parcial e de cognição sumária As chamadas ações possessórias ilustram bem o ponto referente à cognição parcial A proteção possessória independe da propriedade A discussão a respeito do domínio é vedada no processo possessório O interessado em debater o tema tem o ônus de propor ação para que o contraditório se instaure sobre o ponto Do contrário a discussão fica restrita não se possibilitando o contraditório sobre a questão reservada para eventualidade de outro processo O legislador infraconstitucional pode em atenção à importância do direito material carente de tutela organizar tutelas jurisdicionais diferenciadas mediante o emprego de contraditório eventual O controle da legitimidade de sua opção está na escolha de situações substanciais constitucionalmente relevantes para diferenciação da tutela pelo emprego do contraditório eventual 57 Direito fundamental à ampla defesa 571 Introdução Comumente associado ao contraditório está o direito fundamental à ampla defesa Tratase de direito tradicionalmente reconhecido pelo nosso direito constitucional nada obstante historicamente circunscrito ao âmbito processual penal 180 A Constituição de 1988 inovou estendendoa a todo e qualquer processo art 5º LV 572 Âmbito de proteção O direito à ampla defesa constitui direito do demandado É direito que respeita ao polo passivo do processo O direito de defesa é direito à resistência no processo e à luz da necessidade de paridade de armas no processo deve ser simetricamente construído a partir do direito de ação 181 O direito de defesa com os meios e recursos a ela inerentes grava todo e qualquer processo Jurisdicional ou não estatal ou não o direito de defesa se impõe como núcleo duro que contribui para a legitimação da imposição da tutela jurisdicional ao demandado O direito à ampla defesa determina i a declinação pormenorizada pelo autor da demanda das razões pelas quais pretende impor consequências jurídicas ao demandado ii a adoção de procedimento de cognição plena e exauriente como procedimento padrão para tutela dos direitos e para persecução penal iii o direito à defesa pessoal e à defesa técnica no processo penal e iv o direito à dupla cientificação da sentença penal condenatória A declinação pormenorizada pelo autor da demanda das razões pelas quais pretende impor consequências jurídicas ao demandado constitui condição para que o demandado possa compreender os motivos que levaram o autor à propositura da ação e possa elaborar de forma adequada sua defesa No processo civil o demandante tem o ônus de declinar na petição inicial as alegações de fatos essenciais juridicamente qualificadas que dão suporte ao seu pedido art 319 III do CPC de 2015 teoria da substanciação É necessário narrar os fatos essenciais e mostrar de que modo são reconduzíveis à pessoa do demandado No processo penal a imprescindibilidade de pormenorização da conduta do acusado na denúncia é ainda mais aguda haja vista a gravidade da sanção que se busca impor e o significativo custo social associado ao fato de alguém encontrarse sob persecução criminal O processo penal brasileiro é do tipo acusatório de modo que constitui inequívoco ônus do Ministério Público a adequada pormenorização e imputação do fato típico ao acusado sob pena de subvertida a lógica que o preside 182 Seja qual for o crime que se imputa ao acusado e dessa necessidade não escapam obviamente as denúncias envolvendo crimes societários e outros semelhantes em que existam maiores dificuldades na narrativa o Ministério Público tem o ônus de narrar de forma suficientemente pormenorizada os fatos típicos e de individualizálos adequadamente indicando os nexos de implicação com o acusado Fora daí a denúncia não pode suportar validamente a persecução penal Nessa linha já decidiu o STF que o processo penal de tipo acusatório repele por ofensivas à garantia da plenitude de defesa quaisquer imputações que se mostrem indeterminadas vagas contraditórias omissas ou ambíguas Existe na perspectiva dos princípios constitucionais que regem o processo penal um nexo de indiscutível vinculação entre a obrigação estatal de oferecer acusação formalmente precisa e juridicamente apta e o direito individual de que dispõe o acusado a ampla defesa A imputação penal omissa ou deficiente além de constituir transgressão do dever jurídico que se impõe ao Estado qualificase como causa de nulidade processual absoluta A denúncia enquanto instrumento formalmente consubstanciador da acusação penal constitui peça processual de indiscutível relevo jurídico Ela ao delimitar o âmbito temático da imputação penal define a própria res in judicio deducta A peça acusatória deve conter a exposição do fato delituoso em toda a sua essência e com todas as suas circunstâncias Essa narração ainda que sucinta impõese ao acusador como exigência derivada do postulado constitucional que assegura ao réu o exercício em plenitude do direito de defesa Denúncia que não descreve adequadamente o fato criminoso é denúncia inepta 183 Abordando especialmente o problema dos requisitos da denúncia nos crimes societários já decidiu igualmente o STF pela necessidade de descrição suficientemente pormenorizada da conduta dos acusados em acórdão expressivamente assim ementado Habeas corpus Crime contra o Sistema Financeiro Nacional Responsabilidade penal dos controladores e administradores de instituição financeira Lei 74921986 art 17 Denúncia que não atribui comportamento específico e individualizado aos diretores da instituição financeira Inexistência outrossim de dados probatórios mínimos que vinculem os pacientes ao evento delituoso Inépcia da denúncia Pedido deferido Processo penal acusatório Obrigação de o Ministério Público formular denúncia juridicamente apta O sistema jurídico vigente no Brasil tendo presente a natureza dialógica do processo penal acusatório hoje impregnado em sua estrutura formal de caráter essencialmente democrático impõe ao Ministério Público notadamente no denominado reato societario a obrigação de expor na denúncia de maneira precisa objetiva e individualizada a participação de cada acusado na suposta prática delituosa O ordenamento positivo brasileiro cujos fundamentos repousam entre outros expressivos vetores condicionantes da atividade de persecução estatal no postulado essencial do direito penal da culpa e no princípio constitucional do due process of law com todos os consectários que dele resultam repudia as imputações criminais genéricas e não tolera porque ineptas as acusações que não individualizam nem especificam de maneira concreta a conduta penal atribuída ao denunciado Precedentes A pessoa sob investigação penal tem o direito de não ser acusada com base em denúncia inepta A denúncia deve conter a exposição do fato delituoso descrito em toda a sua essência e narrado com todas as suas circunstâncias fundamentais Essa narração ainda que sucinta impõese ao acusador como exigência derivada do postulado constitucional que assegura ao réu o exercício em plenitude do direito de defesa Denúncia que deixa de estabelecer a necessária vinculação da conduta individual de cada agente aos eventos delituosos qualificase como denúncia inepta Precedentes Delitos contra o Sistema Financeiro Nacional Peça acusatória que não descreve quanto aos diretores de instituição financeira qualquer conduta específica que os vincule concretamente aos eventos delituosos Inépcia da denúncia A mera invocação da condição de diretor ou de administrador de instituição financeira sem a correspondente e objetiva descrição de determinado comportamento típico que o vincule concretamente à prática criminosa não constitui fator suficiente apto a legitimar a formulação de acusação estatal ou a autorizar a prolação de decreto judicial condenatório A circunstância objetiva de alguém meramente exercer cargo de direção ou de administração em instituição financeira não se revela suficiente só por si para autorizar qualquer presunção de culpa inexistente em nosso sistema jurídicopenal e menos ainda para justificar como efeito derivado dessa particular qualificação formal a correspondente persecução criminal Não existe no ordenamento positivo brasileiro ainda que se trate de práticas configuradoras de macrodelinquência ou caracterizadoras de delinquência econômica a possibilidade constitucional de incidência da responsabilidade penal objetiva Prevalece sempre em sede criminal como princípio dominante do sistema normativo o dogma da responsabilidade com culpa nullum crimen sine culpa absolutamente incompatível com a velha concepção medieval do versari in re illicita banida do domínio do direito penal da culpa Precedentes As acusações penais não se presumem provadas o ônus da prova incumbe exclusivamente a quem acusa Nenhuma acusação penal se presume provada Não compete ao réu demonstrar a sua inocência Cabe ao contrário ao Ministério Público comprovar de forma inequívoca para além de qualquer dúvida razoável a culpabilidade do acusado Já não mais prevalece em nosso sistema de direito positivo a regra que em dado momento histórico do processo político brasileiro Estado Novo criou para o réu com a falta de pudor que caracteriza os regimes autoritários a obrigação de o acusado provar a sua própria inocência DecLei 88 de 20121937 art 20 n 5 Precedentes Para o acusado exercer em plenitude a garantia do contraditório tornase indispensável que o órgão da acusação descreva de modo preciso os elementos estruturais essentialia delicti que compõem o tipo penal sob pena de se devolver ilegitimamente ao réu o ônus que sobre ele não incide de provar que é inocente Em matéria de responsabilidade penal não se registra no modelo constitucional brasileiro qualquer possibilidade de o Judiciário por simples presunção ou com fundamento em meras suspeitas reconhecer a culpa do réu Os princípios democráticos que informam o sistema jurídico nacional repelem qualquer ato estatal que transgrida o dogma de que não haverá culpa penal por presunção nem responsabilidade criminal por mera suspeita 184 Na perspectiva da conformação do procedimento a ampla defesa determina a adoção de procedimento de cognição plena e exauriente como procedimento padrão para tutela dos direitos e para persecução penal Essa é a regra Isso não quer dizer contudo que esteja o legislador impossibilitado de proceder a cortes de cognição para organização do processo De modo nenhum Na verdade em determinadas situações é imprescindível que o procedimento seja dotado de cognição parcial ou de cognição sumária seja de forma autônoma seja de forma interinal a fim de que possa tutelar de maneira adequada efetiva e tempestiva os direitos O exemplo mais marcante sem dúvida está no direito à técnica antecipatória no processo civil cuja raiz constitucional é inquestionável a partir do direito à tutela adequada e efetiva dos direitos O direito à técnica antecipatória permite decisão sob cognição sumária e difere o contraditório para depois da sua prolação O direito à cognição exauriente e à ampla defesa que o fundamenta resta restringido em face da necessidade de organização de um processo capaz de prestar tutela adequada aos direitos E é dever do legislador viabilizar o direito à técnica antecipatória para tutela das situações substanciais que dela necessitam Não o fazendo todavia dada a aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais pode o juiz viabilizálo mediante controle difuso de constitucionalidade O direito à ampla defesa no processo penal impõe o reconhecimento do direito à defesa pessoal e à defesa técnica A defesa técnica decorre da necessidade de simetria de conhecimento especializado entre acusação e defesa e é absolutamente indisponível no processo Essa é a razão pela qual constitui entendimento pacífico no âmbito do STF que no processo penal a falta de defesa constitui nulidade absoluta mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu Súmula 523 Vale dizer a ausência de defesa leva à decretação de nulidade do processo ao passo que o vício derivado de sua deficiência só levará a idêntico resultado se provado o prejuízo dela oriundo Outra não é a razão igualmente que levou o STF a decidir que é nulo o julgamento da apelação se após a manifestação nos autos da renúncia do único defensor o réu não foi previamente intimado para constituir outro Súmula 708 Para que a simetria de conhecimento especializado entre acusador e acusado possa surtir seus efeitos de forma adequada é imprescindível que a defesa tenha acesso a todos os elementos probatórios de que dispõe a acusação Daí que é direito do defensor no interesse do representado ter acesso amplo aos elementos de prova que já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária digam respeito ao exercício do direito de defesa Súmula Vinculante 14 do STF A defesa pessoal é aquela realizada pelo próprio acusado e tem a sua maior expressão no seu interrogatório A autodefesa consiste em direito de participar do processo e nele estar presente entrelaçandose aí com a necessidade de publicidade imediata do processo Como o acusado tem direito ao silêncio já que nemo tenetur se detegere arts 5º LXIII da CF e 186 do CPP o direito à autodefesa situase na esfera de sua disponibilidade Ainda no que toca ao processo penal a jurisprudência do STF exige dupla cientificação da sentença penal condenatória como decorrência do direito fundamental à ampla defesa Como a Constituição prevê direito à defesa com os meios e recursos a ela inerentes está assente na jurisprudência que com a exigência da dupla intimação impõese que o procedimento de cientificação da sentença penal condenatória tenha por destinatários o condenado e também o seu defensor constituído ou dativo A ratio subjacente à orientação jurisprudencial firmada pelo STF consiste em última análise em dar eficácia e concreção ao princípio constitucional do contraditório pois a inocorrência dessa intimação ao defensor constituído ou dativo subtrairá ao acusado a prerrogativa de exercer em plenitude o seu irrecusável direito à defesa técnica É irrelevante a ordem em que essas intimações sejam feitas Revela se essencial no entanto que o prazo recursal só se inicie a partir da última intimação 185 58 Direito fundamental à prova 581 Introdução Nossa Constituição refere que são inadmissíveis no processo as provas obtidas por meios ilícitos art 5º LVI Logo em seguida em atenção específica ao processo penal assevera que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória art 5º LVII A adequada compreensão desses dispositivos leva ao núcleo do direito fundamental à prova no processo 582 Âmbito de proteção Há direito fundamental à prova no processo 186 Tratase de elemento essencial à conformação do direito ao processo justo 187 O direito à prova impõe que o legislador e o órgão jurisdicional atentem para i a existência de relação teleológica entre prova e verdade art 369 do CPC de 2015 ii a admissibilidade da prova e dos meios de prova iii a distribuição adequada do ônus da prova art 373 do CPC de 2015 iv o momento de produção da prova e v a valoração da prova e formação do convencimento judicial A verdade é pressuposto ético do processo justo 188 Uma das fontes de legitimação da função judiciária é a verdade veritas non auctoritas facit iudicium 189 É necessariamente injusta a decisão baseada em falsa verificação das alegações de fato no processo 190 Daí existir uma relação teleológica entre prova e verdade 191 a prova visa à apuração da veracidade das alegações de fato A verdade é um problema unitário inexiste a possibilidade de separação entre verdade dentro e fora do processo 192 e pode ser satisfatoriamente definida a partir da ideia de correspondência 193 Como a verdade é ao mesmo tempo relativa e objetiva 194 só pode ser compreendida dentro e fora do processo partindose da ideia de maior probabilidade lógica possível 195 O direito fundamental à prova assegura a produção de prova admissível Notese que a Constituição ao vedar a admissão de prova ilícita art 5º LVI contrario sensu autoriza a admissão de toda e qualquer prova lícita O problema está portanto em individualizar quais são os requisitos que determinam a admissão da prova Uma prova é admissível quando a alegação de fato é controversa pertinente e relevante A alegação é controversa quando pendem nos autos duas ou mais versões a seu respeito É pertinente quando diz respeito ao mérito da causa E é relevante quando o seu esclarecimento é capaz de levar à verdade Reunindo a alegação de fato todas essas qualidades objetivas o juiz tem o dever de admitir a produção da prova 196 É preciso perceber diante dessas observações que não é possível ao órgão jurisdicional indeferir a produção da prova entendendoa como inadmissível porque já convencido a respeito da alegação do fato Confundemse aí juízo de admissibilidade e juízo de valoração da prova 197 Como é evidente só é possível valorar a prova já produzida donde os requisitos objetivos que configuram o direito à admissão da prova funcionam como verdadeira proibição à inadmissão da prova por valoração antecipada da alegação de fato O juiz só pode ter como diligências inúteis ou meramente protelatórias para fins de indeferimento da admissão de prova art 370 do CPC de 2015 aquelas que tenham por objeto a prova de alegações de fato incontroversas impertinentes ou irrelevantes Fora daí viola o direito fundamental à prova do litigante no processo O direito fundamental à prova determina igualmente a possibilidade de utilização de provas atípicas no processo 198 Todo e qualquer meio de prova previsto tipicamente na legislação ou não é idôneo para prova das alegações de fato desde que lícito e moralmente legítimo art 369 do CPC de 2015 Tratase de imposição do direito fundamental à prova para conformação do processo justo de modo que sua admissibilidade concerne tanto ao processo civil como ao processo penal Embora tradicionalmente fechado o direito à prova na tradição romanocanônica vem experimentando paulatina abertura 199 A admissão de provas atípicas é um dos elementos que autorizam essa assertiva prova emprestada comportamento processual da parte como prova e prova cibernética são exemplos de provas atípicas admissíveis perante a ordem jurídica brasileira A prova emprestada é admissível no processo desde que observadas as suas condicionantes O juiz poderá admitir a utilização de prova produzida em outro processo atribuindolhe o valor que considerar adequado observado o contraditório ou excepcionalmente devidamente ponderados os direitos em colisão O contraditório é um dos fatores de maior legitimação do uso da prova emprestada no processo Quanto à sua observância porém é preciso considerar basicamente duas situações diferentes i aquela em que a prova emprestada será utilizada perante as mesmas pessoas que participaram da sua produção anteriormente e ii aquela em que a prova emprestada será utilizada perante pessoas parcialmente coincidentes ou totalmente diferentes daquelas que participaram da sua produção originariamente 200 Quanto à primeira situação existem casos em que não há qualquer variação na prova e o contraditório pode ser observado integralmente de forma posterior É o caso da prova documental por exemplo Não há aí qualquer dificuldade em aceitar a produção da prova emprestada Basta a sua submissão ao contraditório no novo processo Existem outros casos contudo em que será necessário cogitar de novos fatos ou ler a prova a partir de novos enfoques dados aos fatos Nestas situações a admissão da prova emprestada poderá ocorrer se for viável reabrir o contraditório ou pelo menos fatiar a prova no que tange às alegações de fato originárias e às novas alegações de fato ou novos enfoques dados aos fatos Quanto à segunda situação há hipóteses em que nada obstante não tenham as partes ou pelo menos uma das partes participado da formação da prova é plenamente viável a sua submissão ao contraditório pleno no novo processo Atendido ao contraditório a prova emprestada é obviamente admissível Em outras hipóteses porém o contraditório poderá não ser realizável mas a prova emprestada pode constituir o único meio de a parte sustentar sua posição em juízo Nesse caso convém ponderar os direitos em jogo o direito ao contraditório o direito à tutela jurisdicional e eventualmente a importância da pretensão material afirmada em juízo para saber se a prova emprestada deve ou não ser admitida no processo Não são admissíveis no processo provas ilícitas Prova ilícita é toda aquela obtida de forma contrária ao direito Pouco importa se a violação concerne ao direito material ou ao direito processual em ambos os casos a prova deve ser considerada ilícita Como assevera o art 157 do CPP em proposição de caráter geral são inadmissíveis devendo ser desentranhadas do processo as provas ilícitas assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais No processo penal há proibição absoluta de emprego de prova ilícita para corroborar alegações da acusação O direito de permanecer calado nemo tenetur se detegere e a presunção de inocência denotam a proeminência constitucional do direito de liberdade do acusado em face da pretensão punitiva do Estado daí a proibição absoluta de prova ilícita em favor da acusação no processo penal 201 A favor da defesa contudo é possível pensar no emprego de prova a princípio ilícita no processo penal 202 A proeminência do direito à liberdade diante do Estado justifica a sua utilização No âmbito do processo civil é possível a utilização de provas ilícitas em casos excepcionais É que ao negar eficácia às provas ilícitas no processo nossa Constituição realizou inequívoca ponderação entre a efetividade da proteção do direito material e o direito à descoberta da verdade no processo Cumpre observar contudo que quase todos os ordenamentos jurídicos que acolheram a proibição da utilização da prova ilícita no processo foram obrigados a admitir exceções à regra geral a fim de realizarem igualmente outros valores dignos de proteção No âmbito do processo civil a ponderação realizada pela Constituição não exclui a necessidade de uma segunda ponderação entre o direito afirmado em juízo pelo autor e o direito violado pela prova ilícita haja vista os diversos bens passíveis de proteção e discussão no nosso direito processual civil Negar a necessidade dessa segunda ponderação importa em negar a priori tutela jurisdicional a uma das partes 203 Essa ponderação deve ser realizada em concreto pelo juiz para cotejar a relevância dos valores e dos interesses em jogo Gütter und Interessenabwägung a fim de aquilatar a proporcionalidade do emprego da prova para proteção do direito afirmado em juízo Verhältnismässigkeit 204 Dois critérios podem auxiliar o órgão jurisdicional nessa tarefa Em primeiro lugar é fundamental que os valores postos à ponderação sejam devidamente identificados e explicitados pelo órgão jurisdicional Em segundo saber se tinha a parte que postula a admissão da prova ilícita no processo outro meio de prova à sua disposição ou não para prova de suas alegações Vale dizer é imprescindível a análise da necessidade da prova ilícita para formação do convencimento judicial para saber se ela pode ou não ser aproveitada em juízo 205 Como a regra é a inviabilidade do uso da prova ilícita no processo sua utilização excepcional deve ser criteriosamente justificada 206 pelo órgão jurisdicional Problema correlato ao da utilização da prova ilícita no processo é o da ilicitude da prova por contaminação Como regra a prova obtida a partir de prova ilícita igualmente o é por contaminação teoria dos frutos da árvore envenenada the fruit of the poisonous tree 207 Importa saber para aplicação dessa teoria contudo quando determinada prova pode ser considerada independente Assim se a prova derivada poderia ter sido produzida independentemente da obtenção da prova ilícita não há razão para negar eficácia àquela Podendo ser oriunda de uma fonte autônoma de prova pode a prova ser utilizada no processo ainda que concretamente derivada de prova ilícita 208 Se o descobrimento da prova derivada era inevitável inevitable discovery exception 209 ou se o seu descobrimento era provavelmente independente da prova ilícita hypothetical independent source rule 210 não há razão para negar se eficácia à prova derivada que aí se desvincula da prova ilícita Se o descobrimento da prova era inevitável não há razão para reputála ineficaz Isso porque a descoberta propiciada pela prova ilícita ocorreria mais cedo ou mais tarde A lógica do salvamento da segunda prova está em que não há motivo para retirar eficácia de uma prova que trouxe uma evidência que muito provavelmente seria obtida Nesse caso quebrase a relação de antijuridicidade entre as provas Se o descobrimento da prova era provavelmente independente da prova ilícita então não há por que entendêla como derivada da primeira devendo ser tratada como uma prova provavelmente independente e assim sem qualquer nexo com a prova ilícita Rompese assim o nexo causal entre as provas O art 157 1º e 2º do CPP com nítido caráter geral confirma semelhante orientação Compõe o perfil constitucional do direito à prova a adequada distribuição de seu ônus no processo 211 As normas sobre o ônus da prova compõem o perfil constitucional do direito à prova As normas sobre o ônus da prova possuem dupla função em primeiro lugar são regras de instrução na medida em que visam a informar as partes quem suporta o risco de ausência de esclarecimento das alegações de fato no processo Em segundo lugar são regras de julgamento já que visam a possibilitar ao juiz decidir quando em estado de dúvida quanto à veracidade das alegações fáticas 212 O ônus da prova pode ser distribuído de forma estática ou dinâmica pelo legislador infraconstitucional Tanto no processo civil como no processo penal o ônus da prova é distribuído de forma estática arts 373 do CPC de 2015 e 156 do CPP No processo civil contudo há ainda possibilidade de inversão e dinamização do ônus da prova art 373 1º do CPC de 2015 213 como bem observa a doutrina compreendese que quando a medida justa da distribuição do ônus da prova é fundamental para a garantia de um direito se devam evitar teorias abstratas e apriorísticas e se imponham soluções probatórias não aniquiladoras da própria concretização dos direitos liberdades e garantias 214 No processo penal o ônus da prova é distribuído de forma estática competindo sempre à acusação a prova das alegações que descrevam o crime Esse é o conteúdo mínimo da regra da presunção de inocência prevista constitucionalmente art 5º LVII As partes têm direito à produção de prova admissível Em geral a produção da prova ocorre durante o processo que visa à prestação da tutela do direito Pode acontecer contudo de ser necessário acautelar a produção da prova ou produzila de forma imediata independentemente da existência de processo tendente à prestação de tutela jurisdicional sobre as alegações de fato a provar Compõe o direito fundamental à prova o direito à sua asseguração e à sua produção imediata seja fundada na urgência seja no simples interesse da produção da prova em si 215 Compõem o estatuto constitucional do direito à prova a regra da livre valoração da prova e a necessidade de adoção de um modelo para formação do convencimento judicial A valoração da prova é livre pelo juiz arts 370 do CPC de 2015 e 155 do CPP 216 Isso não quer dizer contudo que a formação de seu convencimento não deva obedecer a modelos compatíveis com o direito material debatido no processo 217 Valoração e convencimento são conceitos que não se confundem Enquanto o juiz é livre para valorar a prova tendo em conta que não está preso a prévalorações empreendidas pelo legislador o seu convencimento está coarctado às exigências do direito material posto em juízo obedecendo a níveis variáveis de certeza para decisão da causa Embora a teoria dos modelos de convencimento seja amplamente aplicável no campo do processo civil 218 é sem dúvida alguma no âmbito do processo penal que ganha maior relevância 219 É que sem um modelo para formação do convencimento judicial no processo penal a regra da presunção da inocência ganha contornos por demais esfumaçados não passando de um simulacro de garantia Na realidade a ausência de um standard forte para formação do convencimento judicial faz ilusória a presunção de inocência A presunção de inocência e o ônus da prova da acusação impõem que a condenação penal só possa ser prolatada se o juiz se convencer da culpa para além da dúvida razoável beyond a reasonable doubt 220 E a verificação do convencimento judicial só pode ocorrer em termos justificativos donde a imprescindibilidade de se conjugarem para observância da regra da presunção da inocência o modelo de convencimento para além da dúvida razoável e o dever de motivação das decisões judiciais Nessa linha só se poderá considerar provada a culpa do acusado para além da dúvida razoável se i a condenação for capaz de explicar todos os dados disponíveis nos autos integrando os de forma coerente e novos dados que a condenação hipoteticamente permite formular e ii forem refutadas todas as demais hipóteses plausíveis explicativas dos mesmos dados compatíveis com a sua inocência 221 Fora daí há violação da regra da presunção de inocência do modelo de convencimento para além da dúvida razoável e do dever de motivação das decisões judiciais 59 Direito fundamental à publicidade 591 Introdução A publicidade é essencial ao princípio democrático e ao princípio do Estado de Direito auf dem Demokratie und dem Rechtsstaatsprinzip 222 Tem assento portanto nos dois corações políticos que movem o Estado Constitucional 223 Por essa razão ainda que não fosse prevista constitucionalmente de forma expressa sua imprescindibilidade seria facilmente compreendida como consequência necessária do caráter democrático da administração da justiça no Estado Constitucional 224 592 Âmbito de proteção A publicidade é elemento indispensável para conformação do processo justo Conforme assevera nossa Constituição a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem art 5º LX Adiante determina que todos os julgamentos do Poder Judiciário serão públicos podendo a lei limitar a presença em determinados atos às próprias partes e a seus advogados ou somente a estes em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação art 93 IX A publicidade no processo pode ser geral ou restrita Pode ainda ser imediata ou mediata A publicidade geral é aquela em que todos têm acesso ao conteúdo dos autos allgemeine Öffentlichkeit Restrita em que apenas as partes ou seus advogados têm acesso aos autos Parteinöffentlichkeit A publicidade imediata é aquela em que é facultada ao público em geral às partes e aos seus advogados a presença no momento da prática dos atos processuais unmittelbare Öffentlichkeit Mediata aquela em que é acessível ao público às partes e aos seus advogados apenas o resultado da prática do ato processual mittelbare Öffentlichkeit 225 A regra no processo é a publicidade geral e imediata A todos são facultados acesso ao conteúdo dos autos e presença no momento da prática dos atos processuais A Constituição apenas restringe em nome da defesa da intimidade ou em função do interesse social art 5º LX Torna mediata em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação art 93 IX Em primeiro lugar é tarefa do legislador infraconstitucional densificar os casos em que é necessária restrição em nome da defesa da intimidade ou em função do interesse social exemplo art 189 do CPC de 2015 ou mediatização para proteção do direito à intimidade A destinação primária contudo não impede o juiz de concretizar excepcionalmente o regime de publicidade restrita e mediata para realização da tarefa constitucional de proteção à intimidade e ao interesse social no processo Sendo a publicidade geral e imediata só se admitindo cortes nas hipóteses constitucionais viola o direito à publicidade dos atos processuais a sonegação a seleção ou a omissão na juntada de peças processuais em qualquer espécie de investigação criminal A propósito já decidiu o STF que o procedimento investigatório instaurado pelo Ministério Público deverá conter todas as peças termos de declarações ou depoimentos laudos periciais e demais subsídios probatórios coligidos no curso da investigação não podendo o Parquet sonegar selecionar ou deixar de juntar aos autos quaisquer desses elementos de informação cujo conteúdo por referirse ao objeto da apuração penal deve ser tornado acessível tanto à pessoa sob investigação quanto ao seu advogado O regime de sigilo sempre excepcional eventualmente prevalecente no contexto da investigação penal promovida pelo Ministério Público não se revelará oponível ao investigado e ao advogado por este constituído que terão direito de acesso considerado o princípio da comunhão da prova a todos os elementos de informação que já tenham sido formalmente incorporados aos autos do respectivo procedimento investigatório 226 O processo ainda conta com várias situações de sigilo constitucional Existem situações em que o acesso restrito à informação faz parte de projeto estatal de combate a determinadas espécies de crimes É o que acontece por exemplo com a proteção à testemunha Lei 98071999 Não há nulidade por violação à publicidade na restrição de acesso à qualificação de testemunha Tratase de restrição perfeitamente legítima perante nossa ordem constitucional 227 De outro lado nos casos em que o sigilo judicial visa à proteção da intimidade da pessoa eventual quebra judicial de sigilo telefônico não está à disposição de outros órgãos estatais pertencendo tão somente ao juízo que o ordenou Lei 92961996 228 Pode ocorrer de o sigilo de determinada investigação ou processo ser violado indevidamente Pensese por exemplo na violação de sigilo de dados constantes em investigação penal que acarrete vazamento de dados sigilosos para a imprensa É claro que nessa hipótese cabe ação visando à tutela inibitória para preservação do sigilo e para impedir a divulgação na imprensa dos dados ilegalmente obtidos 229 Obviamente não pode o Estado que está obrigado ao sigilo nada fazer para impedir que a divulgação de dados sigilosos venha a público de forma indevida 510 Direito fundamental à motivação das decisões 5101 Introdução Nossa Constituição refere que todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos e fundamentadas todas as decisões sob pena de nulidade art 93 IX O dever de motivação das decisões judiciais é inerente ao Estado Constitucional 230 e constitui verdadeiro banco de prova do direito ao contraditório das partes 231 Não por acaso a doutrina liga de forma muito especial contraditório motivação e direito ao processo justo Sem motivação a decisão judicial perde duas características centrais a justificação da norma jurisdicional para o caso concreto e a capacidade de orientação de condutas sociais 232 Perde em uma palavra o seu próprio caráter jurisdicional 233 5102 Âmbito de proteção O Código de Processo Civil de 2015 menciona que são elementos essenciais da sentença os fundamentos em que o juiz analisará as questões de fato e de direito art 489 II No Código de Processo Penal consta que a sentença conterá a indicação dos motivos de fato e de direito em que se fundar a decisão art 381 III 234 Essas normas têm duas funções essenciais A uma elas possibilitam a construção de um discurso jurídico a respeito da necessidade de justificação das decisões judiciais Nesse espaço entra a teoria da motivação das decisões como direito ligado ao processo justo das partes O endereço desse discurso é o caso concreto A duas viabilizam a organização de um discurso jurídico a respeito da teoria dos precedentes judiciais obrigatórios Tratase de discurso ligado à unidade prospectiva e retrospectiva do direito no Estado Constitucional cuja missão está em orientar condutas sociais e promover a igualdade a segurança jurídica e a coerência do sistema É um discurso que não está ligado ao caso concreto mas visa à promoção da unidade do direito como um todo sendo necessariamente ultra partes Em ambos os casos a função política da motivação está presente justifica o exercício do poder e contribui para a evolução do direito 235 Interessa nesse momento a primeira função E basicamente três problemas surgem a respeito do tema i a necessidade de expressa justificação das decisões judiciais ii a extensão do dever de motivação iii a motivação das decisões diante de princípios regras e postulados de um lado e dos conceitos jurídicos indeterminados e das cláusulas gerais de outro Como a Constituição exige motivação de todos os atos jurisdicionais é óbvio que a justificação deve estar expressa em todas as decisões judiciais Diante disso alguém poderia imaginar que a sistemática do julgamento eletrônico da repercussão geral por contar com a possibilidade de reconhecimento tácito silêncio no prazo regimental poderia acarretar violação ao dever de declinar expressamente as razões da decisão judicial Semelhante violação certamente ocorreria se o silêncio levasse ao não reconhecimento da repercussão geral No entanto dada a existência de presunção legal de repercussão geral dado o quórum diferenciado para sua rejeição não há falar em inconstitucionalidade pela ausência de fundamentação pela caracterização da repercussão geral O que ocorre aí é simplesmente a aplicação da presunção favorecendo a atuação da Suprema Corte para dar unidade ao direito 236 O problema da extensão do dever de motivação das decisões judiciais tem de ser resolvido à luz do conceito de contraditório É por essa razão que o nexo entre os conceitos é radical E a razão é simples a motivação das decisões judiciais constitui o último momento de manifestação do direito ao contraditório 237 e fornece seguro parâmetro para aferição da submissão do juízo ao contraditório e ao dever de debate que dele dimana Sem contraditório e sem motivação adequados não há processo justo Ao tempo em que se entendia o contraditório como algo tão somente atinente às partes e portanto em sentido fraco afirmava se que o dever de motivação das decisões judiciais não poderia ter como parâmetro para aferição de correção a atividade desenvolvida pelas partes em juízo Bastava ao órgão jurisdicional para ter considerada como motivada sua decisão demonstrar quais as razões que fundavam o dispositivo Bastava a não contradição entre as proposições constantes da sentença Partiase de um critério intrínseco para aferição da completude do dever de motivação Existem julgados do STF que ainda hoje comungam de semelhante entendimento Assim por exemplo não é raro colher em decisões do Supremo que basta ao julgador expor de modo claro as razões de seu convencimento para ser considerada motivada a sua decisão 238 Traduzindo é desnecessário o debate com as partes partindose dos fundamentos por elas invocados em suas manifestações processuais Ocorre que entendimento dessa ordem se encontra em total descompasso com a nova visão a respeito do direito ao contraditório art 10 do CPC de 2015 Se contraditório significa direito de influir é pouco mais do que evidente que tem de ter como contrapartida dever de debate dever de consulta de diálogo inerente à estrutura cooperativa do processo art 489 1º IV do CPC de 2015 Como é de facílima intuição não é possível aferir se a influência foi efetiva se não há dever judicial de rebate aos fundamentos levantados pelas partes Não é por outra razão a propósito que já decidiu igualmente o STF que o direito ao contraditório implica dever de o órgão jurisdicional contemplar os fundamentos levantados pelas partes em juízo e considerálos séria e detidamente 239 Vale dizer partindose de uma acepção forte de contraditório o parâmetro para aferição da correção da motivação da decisão judicial deixa de ser tão somente intrínseco a inexistência de contradição lógica do julgado e a correta exposição do convencimento judicial e passa a assumir também feição extrínseca a fundamentação dos arrazoados das partes Não há falar em decisão motivada se esta não enfrenta expressamente os fundamentos arguidos pelas partes em suas manifestações processuais 240 A motivação da decisão no Estado Constitucional para que seja considerada completa e constitucionalmente adequada requer em sua articulação mínima em síntese a a enunciação das escolhas desenvolvidas pelo órgão judicial para a1 individualização das normas aplicáveis a2 acertamento das alegações de fato a3 qualificação jurídica do suporte fático a4 consequências jurídicas decorrentes da qualificação jurídica do fato b o contexto dos nexos de implicação e coerência entre tais enunciados e c a justificação dos enunciados com base em critérios que evidenciam a escolha do juiz ter sido racionalmente correta Em a devem constar necessariamente os fundamentos arguidos pelas partes art 489 1º IV do CPC de 2015 de modo que se possa aferir a consideração séria do órgão jurisdicional a respeito das razões levantadas pelas partes em suas manifestações processuais 241 Situação particular que inspira cuidado específico em termos de fundamentação das decisões judiciais está na aplicação de princípios regras e postulados normativos bem como na aplicação de cláusulas gerais e conceitos jurídicos indeterminados Como é amplamente sabido a passagem do Estado Legislativo para o Estado Constitucional ocasionou três grandes mudanças a primeira no terreno das fontes jurídicas a segunda na compreensão da natureza da interpretação jurídica a terceira na técnica legislativa 242 É fácil perceber portanto que a passagem do Estado Legislativo para o Estado Constitucional deu lugar a um deslocamento eloquentemente apontado pela doutrina da vocação do nosso tempo para a legislação e para a ciência do direito Vom Beruf unser Zeit für Gesetzgehung und Rechtswissenschaft 243 para a vocação do nosso tempo para a jurisdição vocazione del nostro tempo per la giurisdizione 244 ou melhor para o processo No terreno das fontes no Estado Legislativo pressupunhase que toda norma era sinônimo de regra Os princípios eram compreendidos como fundamentos para normas mas jamais como normas No Estado Constitucional a teoria das normas articulase em três grandes espécies as normas podem ser enquadradas em princípios regras e postulados Os princípios ganham força normativa vinculam os seus destinatários Ao lado dos princípios e das regras teorizase igualmente a partir de normas que visam a disciplinar a aplicação de outras normas os postulados normativos exemplos proporcionalidade razoabilidade concordância prática 245 Ao lado dessa mudança qualitativa no Estado Constitucional convive uma pluralidade de fontes a forma Código perde o seu caráter de plenitude próprio do Estado Legislativo e passa a desempenhar função de centralidade infraconstitucional 246 Abundam estatutos legislações especiais e instrumentos infralegais que concorrem para disciplina da vida social 247 O ordenamento jurídico adquire feição complexa 248 Somase à mudança qualitativa uma mudança quantitativa no campo das fontes No âmbito da interpretação jurídica temse a atividade jurisdicional como uma atividade de reconstrução do sentido normativo das proposições jurídicas 249 Isso quer dizer que se assume a separação entre texto e norma o legislador outorga textos não normas As normas são fruto de uma outorga de sentido aos textos pelos seus destinatários 250 É enorme portanto a diferença entre a interpretação jurídica no Estado Legislativo e no Estado Constitucional basta perceber que se pressupunha no primeiro uma unidade entre texto e norma pressupondose que o legislador outorgava não só o texto mas também a norma sendo função da jurisdição tão somente declarar a norma preexistente para solução do caso concreto 251 No campo da técnica legislativa finalmente passase de uma legislação redigida de forma casuística para uma legislação em que se misturam técnica casuística e técnica aberta No Estado Constitucional o legislador redige as suas proposições ora prevendo exatamente os casos que quer disciplinar particularizando ao máximo os termos as condutas e as consequências legais técnica casuística ora empregando termos indeterminados com ou sem previsão de consequências jurídicas na própria proposição técnica aberta Como facilmente se percebe entram no segundo grupo os conceitos jurídicos indeterminados e as cláusulas gerais os primeiros como espécies normativas em que no suporte fático há previsão de termo indeterminado e há consequências jurídicas legalmente previstas as segundas como espécies normativas em que há previsão de termo indeterminado no suporte fático e não há previsão de consequências jurídicas na própria proposição legal 252 O impacto dessa tripla mudança no campo da fundamentação das decisões judiciais é muito significativo A passagem do Estado Legislativo para o Estado Constitucional impõe fundamentação analítica para aplicação de princípios e regras mediante postulados normativos e para concretização de termos indeterminados com eventual construção de consequências jurídicas a serem imputadas aos destinatários das normas 253 Os princípios jurídicos são normas que impõem um estado ideal de coisas a alcançar Esse estado de coisas deve ser promovido mediante condutas que não são dadas desde logo pelos próprios princípios Frequentemente porém pode ocorrer de dois ou mais princípios colidirem e imporem soluções diferentes para um mesmo problema jurídico Nesse caso é preciso concretizar os princípios jurídicos com níveis diferentes de intensidade com o auxílio de outras normas mediante a utilização de postulados normativos Os princípios são aplicados concomitantemente apenas em graus diferentes Portanto para correta aplicação dos princípios jurídicos em juízo é necessário em primeiro lugar identificar quais são as finalidades que esses impõem e qual é a colisão existente Em segundo lugar é preciso identificar qual é o postulado mais adequado para solução da colisão principiológica escolha essa que obviamente exige justificação e de que maneira este postulado leva à solução do problema posto em juízo o que evidentemente também demanda justificação própria por parte do intérprete Mas não é só a aplicação de princípios jurídicos que inspira maiores cuidados no Estado Constitucional Pode igualmente ocorrer de determinada regra jurídica que é uma norma que impõe diretamente uma conduta ao seu destinatário ser superada em concreto e não ser aplicada para disciplinar um caso que a princípio deveria normatizar Posto que semelhante situação deva ser tida como excepcional na ordem jurídica é necessário ter presente a possibilidade de sua ocorrência As regras jurídicas também podem ser superadas com o auxílio de postulados normativos Assim igualmente nos casos que envolvem a superação de regras é imprescindível que se explicitem qual o postulado normativo que autoriza a sua não aplicação e quais as razões que a sustentam Depois é ainda necessário justificar quais as razões que sustentam a solução adotada para disciplinar o caso concreto As normas que contêm conceitos juridicamente indeterminados se caracterizam pela circunstância de o seu pressuposto de incidência constituir um termo indeterminado A sua consequência contudo é determinada O problema que surge em juízo portanto diz respeito à caracterização do termo indeterminado É necessário primeiro precisar o termo indeterminado para que depois a norma possa ser aplicada por subsunção Diferentemente das normas que apresentam um conceito juridicamente indeterminado as normas que contêm cláusulas gerais trazem uma dupla indeterminação o pressuposto de incidência é indeterminado e a sua consequência também é indeterminada Daí a existência de um duplo problema em juízo precisar o que significa o termo indeterminado empregado pelo legislador e delinear quais as consequências jurídicas da incidência da norma É preciso dar concreção ao termo indeterminado utilizado pelo legislador para normatizar o problema levado ao processo e delinear as consequências jurídicas que devem ser imputadas aos destinatários da norma Daí a razão pela qual o art 489 1º do CPC de 2015 afinase integralmente com o conteúdo constitucional do dever de fundamentação das decisões constitucionais Fora dessas balizas a fundamentação judicial é deficiente e passível de decretação de nulidade a decisão por ofensa ao art 93 IX da CF 511 Direito fundamental à segurança jurídica no processo 5111 Introdução Nossa Constituição não prevê o direito à segurança jurídica no processo Contudo um dos fundamentos do Estado Constitucional é a segurança jurídica 254 Além disso nosso ordenamento constitucional arrola expressamente entre os direitos fundamentais o direito à segurança jurídica art 5º caput Especificamente a Constituição refere que o legislador não pode prejudicar a coisa julgada art 5º XXXVI Daí que nada obstante não contemplado expressamente é evidente a existência de direito fundamental à segurança jurídica no processo em nossa ordem constitucional Recht auf vorhersehbares Verfahren 255 A segurança jurídica no processo é elemento central na conformação do direito ao processo justo 256 5112 Âmbito de proteção O direito à segurança jurídica no processo constitui direito à certeza à estabilidade à confiabilidade e à efetividade das situações jurídicas processuais 257 Ainda a segurança jurídica determina não só segurança no processo mas também segurança pelo processo Nessa linha o direito fundamental à segurança jurídica processual exige respeito i à preclusão ii à coisa julgada iii à forma processual em geral e iv ao precedente judicial A preclusão constitui a perda extinção ou consumação de uma posição jurídica processual em face do decurso do tempo preclusão temporal da adoção de comportamento contraditório preclusão lógica e do efetivo exercício da posição processual preclusão consumativa 258 Dirigese às partes e ao juiz A preclusão é elemento ordenador que assegura o caráter evolutivo e dinâmico do processo 259 Ao pautar o procedimento serve com ele como verdadeira espinha dorsal do formalismo processual 260 A preclusão fundamentase na segurança jurídica 261 E isso por uma razão muito simples ao precluir a prática de determinado ato ou ao se encerrar o debate a respeito de determinada questão tornase certa e estável dentro do processo a situação jurídica consolidada outorgando expectativa legítima às partes no não retrocesso do procedimento e direito à observância do resultado da preclusão Processo seguro portanto é processo em que as regras de preclusão são devidamente dimensionadas pelo legislador infraconstitucional e observadas pelo juiz na condução do processo A segurança jurídica exige respeito à coisa julgada 262 A Constituição é expressa em determinálo ao legislador infraconstitucional art 5º XXXVI Isso quer dizer que é vedado ao legislador atuar de modo a enfraquecer ou abolir a coisa julgada no Estado Constitucional A coisa julgada é uma regra de conduta 263 não é um princípio de modo que não pode ser afastada de modo nenhum por juízo de proporcionalidade 264 A coisa julgada é uma qualidade que envolve o conteúdo declaratório constante do dispositivo da decisão de mérito transitada em julgado art 502 do CPC2015 A sua fiel observância depende do atendimento ao efeito declaratório oriundo do conteúdo do dispositivo decisório que pode tanto se esgotar no passado como se projetar para o futuro O legislador tem o dever de respeitar a coisa julgada art 5º XXXVI da CF O juiz tem o dever de observar o seu conteúdo e não voltar a decidir aquilo que já foi anteriormente julgado com força de coisa julgada arts 485 V do CPC de 2015 e 95 V do CPP A fortiori o administrador está vinculado à força da coisa julgada Como discurso prático é imprescindível ao direito que os seus problemas sejam definitivamente resolvidos em determinado momento no tempo A coisa julgada portanto é uma regra que torna possível o discurso jurídico como discurso prático Não é simplesmente uma regra do discurso é uma regra sobre o discurso As formas processuais fundamentamse na necessidade de segurança jurídica Não só aliás as formas processuais são instituídas igualmente em respeito à liberdade e à igualdade no processo 265 É claro que o valor outorgado à forma e o modo de com ela trabalhar no processo é determinado como tudo mais pela cultura 266 Por essa razão um dos capítulos mais sensíveis das legislações processuais é aquele destinado a regular as invalidades processuais em que se busca um equilíbrio entre a observância da forma e a necessidade de aproveitamento dos atos processuais 267 O direito processual sofre influxo significativo do direito material também no que tange ao tratamento das invalidades processuais É claro que o conceito de invalidade processual é comum ao processo civil e ao processo penal ato inválido é aquele praticado com infração relevante à forma e devidamente decretado pelo órgão jurisdicional Pouco importam as divisões no plano do processo entre nulidades cominadas e nulidades não cominadas nulidades absolutas nulidades relativas e anulabilidades No campo do processo importa tão somente a invalidade processual sem qualquer adjetivação 268 Não é no campo conceitual portanto que reside a divergência Essa se encontra no âmbito funcional Enquanto no processo civil só será decretada a invalidade do ato processual se demonstrados o não atendimento à finalidade legal e a existência de prejuízo o ônus argumentativo é para invalidação haja vista a validade prima facie dos atos processuais civis 269 no processo penal toda violação formal leva à invalidade salvo se manifestados a inexistência de prejuízo ao réu e o atendimento à finalidade legal 270 Como o processo penal é antes de qualquer coisa anteparo contra o arbítrio do Estado há invalidade prima facie na violação à forma processual O ônus argumentativo é para o reconhecimento da validade do ato praticado com vício formal No entanto não basta obviamente estruturar o processo para que nele haja segurança Em uma perspectiva geral de bem pouco adianta um processo seguro se não houver segurança pelo processo isto é segurança no resultado da prestação jurisdicional É por essa razão imprescindível ao Estado Constitucional o respeito ao precedente judicial arts 926 e 927 do CPC de 2015 A segurança jurídica a igualdade e a necessidade de coerência da ordem jurídica impõem respeito aos precedentes judiciais Vale dizer a Constituição impõe respeito aos precedentes A tarefa do legislador infraconstitucional portanto não está em determinar a vinculação aos precedentes judiciais já que essa vinculação advém da própria Constituição mas sim em prever técnicas processuais idôneas para reconhecimento e aplicação dos precedentes judiciais em juízo A obrigação do Poder Judiciário de seguir precedentes é oriunda da natureza interpretativa do direito e da própria Constituição 271 O CPC de 2015 apenas explicita a existência do dever de seguir precedentes Tratase de imposição do Estado Constitucional O Supremo Tribunal Federal a propósito vem sendo sensível a essa exigência INGRESSO NA CARREIRA DA MAGISTRATURA ART 93 I CRFB EC 452004 TRIÊNIO DE ATIVIDADE JURÍDICA PRIVATIVA DE BACHAREL EM DIREITO REQUISITO DE EXPERIMENTAÇÃO PROFISSIONAL MOMENTO DA COMPROVAÇÃO INSCRIÇÃO DEFINITIVA CONSTITUCIONALIDADE DA EXIGÊNCIA ADI 3460 REAFIRMAÇÃO DO PRECEDENTE PELA SUPREMA CORTE PAPEL DA CORTE DE VÉRTICE UNIDADE E ESTABILIDADE DO DIREITO VINCULAÇÃO AOS SEUS PRECEDENTES STARE DECISIS PRINCÍPIOS DA SEGURANÇA JURÍDICA E DA ISONOMIA AUSÊNCIA DOS REQUISITOS DE SUPERAÇÃO TOTAL OVERRULING DO PRECEDENTE 1 A exigência de comprovação no momento da inscrição definitiva e não na posse do triênio de atividade jurídica privativa de bacharel em Direito como condição de ingresso nas carreiras da Magistratura e do Ministério Público arts 93 I e 129 3º CRFB na redação da Emenda Constitucional n 452004 foi declarada constitucional pelo STF na ADI 3460 2 Mantidas as premissas fáticas e normativas que nortearam aquele julgamento reafirmamse as conclusões ratio decidendi da Corte na referida ação declaratória 3 O papel de Corte de Vértice do Supremo Tribunal Federal impõelhe dar unidade ao direito e estabilidade aos seus precedentes 4 Conclusão corroborada pelo Novo Código de Processo Civil especialmente em seu art 926 que ratifica a adoção por nosso sistema da regra do stare decisis que densifica a segurança jurídica e promove a liberdade e a igualdade em uma ordem jurídica que se serve de uma perspectiva lógico argumentativa da interpretação MITIDIERO Daniel Precedentes da persuasão à vinculação São Paulo Revista dos Tribunais 2016 5 A vinculação vertical e horizontal decorrente do stare decisis relacionase umbilicalmente à segurança jurídica que impõe imediatamente a imprescindibilidade de o direito ser cognoscível estável confiável e efetivo mediante a formação e o respeito aos precedentes como meio geral para obtenção da tutela dos direitos MITIDIERO Daniel Cortes superiores e cortes supremas do controle à interpretação da jurisprudência ao precedente São Paulo Revista do Tribunais 2013 6 Igualmente a regra do stare decisis ou da vinculação aos precedentes judiciais é uma decorrência do próprio princípio da igualdade onde existirem as mesmas razões devem ser proferidas as mesmas decisões salvo se houver uma justificativa para a mudança de orientação a ser devidamente objeto de mais severa fundamentação Daí se dizer que os precedentes possuem uma força presumida ou subsidiária ÁVILA Humberto Segurança jurídica entre permanência mudança e realização no Direito Tributário São Paulo Malheiro 2011 7 Nessa perspectiva a superação total de precedente da Suprema Corte depende de demonstração de circunstâncias fáticas e jurídicas que indiquem que a continuidade de sua aplicação implicam ou implicarão inconstitucionalidade 8 A inocorrência desses fatores conduz inexoravelmente à manutenção do precedente já firmado 9 Tese reafirmada é constitucional a regra que exige a comprovação do triênio de atividade jurídica privativa de bacharel em Direito no momento da inscrição definitiva 10 Recurso extraordinário desprovido 272 Também nessa linha o precedente do Superior Tribunal de Justiça Tenho dito em votos justamente voltados a fazer prevalecer o entendimento consagrado no agora superado HC 84078MG que nenhum acréscimo às instituições e ao funcionamento do sistema de justiça criminal resulta da não vinculação de magistrados à clara divisão de competências entre os diversos órgãos judiciários com base na qual cabe ao Superior Tribunal de Justiça a interpretação do direito federal e ao Supremo Tribunal Federal a interpretação da Constituição da República Em verdade como acentua a doutrina mais abalizada a violação à interpretação ofertada pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça é uma insubordinação institucional da mais alta gravidade no Estado Constitucional E isso não só pelo fato de existir uma divisão de trabalho muito clara entre Cortes de Justiça e Cortes de Precedentes mas fundamentalmente pelo fato de a violação ao precedente encarnar um duplo e duro golpe no Direito a um só tempo violase autoridade da legislação consubstanciada na interpretação a ela conferida e violase a autoridade do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça como Cortes Supremas constitucionalmente encarregadas de dar a última palavra a respeito do significado da Constituição e da legislação infraconstitucional federal Nesse contexto afastarse do precedente deve ser visto como uma falta grave em relação ao dever judicial de fidelidade ao Direito Em duas palavras deve ser visto como uma evidente arbitrariedade MITIDIERO Daniel Cortes Superiores e Cortes Supremas Do controle à interpretação da jurisprudência ao precedente São Paulo Revista dos Tribunais 2013 p 9697 No mesmo sentido o juiz é uma peça no sistema de distribuição de justiça e não alguém que é investido de Poder estatal para satisfazer as suas vontades Para que esse sistema possa adequadamente funcionar cada um dos juízes deve se comportar de modo a permitir que o Judiciário possa se desincumbir do seu dever de prestar a tutela jurisdicional de forma isonômica e sem ferir a coerência do direito e a segurança jurídica Portanto a absurda e impensada ideia de dar ao juiz o poder de julgar o caso como quiser não obstante ter o Tribunal Superior já conferido os seus contornos é hoje completamente insustentável Desconsidera que as Supremas Cortes na atualidade têm a função de dar sentido ao Direito e desenvolvêlo ao lado do Legislativo MARINONI Luiz Guilherme O STJ enquanto corte de precedentes recompreensão do sistema processual da corte suprema São Paulo Revista dos Tribunais 2013 p 129130 273 512 Direito à assistência jurídica integral 5121 Introdução Para que o Estado Constitucional logre o seu intento de tutelar de maneira adequada efetiva e tempestiva os direitos de todos os que necessitem de sua proteção jurídica art 5º XXXV e LXXVIII da CF independentemente de origem raça sexo cor idade e condição social art 3º IV da CF é imprescindível que preste assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos econômicos para bem se informarem a respeito de seus direitos e para patrocinarem suas posições em juízo art 5º LXXIV da CF Vale dizer a proteção jurídica estatal deve ser pensada em uma perspectiva social 274 permeada pela preocupação com a organização de um processo democrático a todos acessível 275 Fora desse quadro há flagrante ofensa à igualdade no processo arts 5º I da CF e 7º 139 I CPC de 2015 à paridade de armas Waffengleichheit ferindose daí igualmente o direito fundamental ao processo justo procedural due process of law art 5º LIV da CF A preocupação com a assistência jurídica aos menos favorecidos economicamente apareceu pela primeira vez no direito constitucional brasileiro na Constituição de 1934 art 113 n 32 A Constituição Política do Império do Brasil de 1824 era omissa a respeito bem como a Constituição de 1891 A referência ao tema desaparece com a Constituição de 1937 ressurgindo posteriormente na Constituição de 1946 art 141 35 e na Constituição de 1967 art 153 32 A Grundgesetz alemã não prevê de maneira explícita direito fundamental à assistência jurídica gratuita nada obstante a doutrina o aponte como um elemento indissociável do direito fundamental à tutela efetiva art 19 IV GG do princípio da igualdade art 20 GG e do princípio do Estado Social art 3 I GG sendo os 114 a 127a da Zivilprozessordenung uma densificação infraconstitucional desse direito 276 Na Itália o art 24 terceira parte da Costituzione della Repubblica Italiana afirma expressamente que sono assicurati ai non abbienti con appositi istituti i mezzi per agire e difendersi davanti ad ogni giurisdizione Em Portugal o art 20 primeira e segunda partes da Constituição refere que a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios econômicos e que todos têm direito nos termos da lei à informação e consultas jurídicas ao patrocínio judiciário e a fazerse acompanhar por advogado perante qualquer autoridade Na Espanha a Constitución Española afirma que todas las personas tienen derecho a obtener la tutela judicial efectiva de los jueces y tribunales en el ejercicio de sus derechos e intereses legítimos sin que en ningún caso pueda producirse indefensión art 24 n 1 para logo em seguida complementar que la justicia será gratuita cuando así lo disponga la ley y en todo caso respecto de quienes acrediten insuficiencia de recursos para litigar art 119 277 No plano internacional a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 afirma em seu art VII que todos são iguais perante a lei e têm direito sem qualquer distinção a igual proteção de lei asseverando logo em seguida que toda pessoa tem o direito de receber dos tribunais nacionais competentes recurso efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela Constituição ou pela lei art VIII e que toda pessoa tem direito em plena igualdade a uma audiência justa e pública por parte de um tribunal independente e imparcial para decidir de seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra ela art X Explicitamente a Convenção Europeia dos Direitos Humanos de 1950 refere que todo acusado tem os seguintes direitos notadamente c defenderse pessoalmente ou ter a assistência de um defensor de sua escolha e se não tiver recursos para remunerar seu defensor poder ser assistido gratuitamente por um advogado dativo quando os interesses da justiça o exigirem art 6 n 3 No Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos de 1966 a preocupação com a organização de um processo justo capaz de outorgar tutela adequada efetiva e tempestiva aos direitos de todos sem discriminação de qualquer ordem inclusive de ordem econômica e social reaparece em várias disposições arts 2º n 1 e 3 14 e 26 278 5122 Âmbito de proteção O direito fundamental à assistência jurídica integral e gratuita é direito fundamental à prestação estatal Compreende direito à informação jurídica e direito à tutela jurisdicional adequada e efetiva mediante processo justo O direito à assistência jurídica integral outorga a todos os necessitados direito à orientação jurídica e ao benefício da gratuidade judiciária que compreende isenções das taxas judiciárias dos emolumentos e custas das despesas com publicações indispensáveis no jornal encarregado da divulgação dos atos oficiais das indenizações devidas às testemunhas dos honorários de advogado e perito das despesas com a realização do exame de código genético DNA que for requisitado pela autoridade judiciária nas ações de investigação de paternidade ou maternidade e dos depósitos para interposição de recurso ajuizamento de ação e demais atos processuais art 3º da Lei 10601950 Ainda implica obviamente direito ao patrocínio judiciário elemento inerente ao nosso processo justo 279 Nossa Constituição confia à Defensoria Pública a orientação jurídica e a defesa em todos os graus dos necessitados na forma do art 5º LXXIV art 134 da CF Nada obsta contudo a que a parte menos favorecida economicamente litigue com o benefício da gratuidade judiciária com o patrocínio de um advogado privado de sua confiança O direito fundamental à assistência jurídica integral e gratuita é multifuncional 280 Entre outras funções assume a de promover a igualdade com o que se liga imediatamente ao intento constitucional de construir uma sociedade livre justa e solidária art 3º I da CF e de reduzir as desigualdades sociais art 3º III in fine da CF Possibilita ainda um efetivo acesso à justiça mediante a organização de um processo justo que leve em consideração as reais diferenças sociais entre as pessoas Nessa linha assume as funções de prestação estatal e de não discriminação 281 Todas as pessoas físicas e jurídicas têm direito à assistência jurídica integral e gratuita Pouco importa se nacionais ou estrangeiras arts 5º da CF e 98 do CPC de 2015 Igualmente mesmo os entes despersonalizados no plano do direito material a que o processo reconhece personalidade judiciária têm direito à assistência jurídica integral e gratuita Tem direito ao benefício da gratuidade judiciária quem afirma ou afirma e prova a sua necessidade Considerase necessitado para os fins legais todo aquele cuja situação econômica não lhe permita pagar as custas do processo e os honorários de advogado sem prejuízo do sustento próprio ou da família art 98 do CPC de 2015 As pessoas físicas têm direito ao benefício da gratuidade judiciária mediante a simples afirmação de necessidade do benefício Essa afirmação goza de presunção juris tantum de veracidade art 99 3º do CPC de 2015 A jurisprudência é tranquila a respeito do ponto 282 Entretanto no que tange às pessoas jurídicas não basta afirmar a necessidade do benefício tendo a parte que provar a sua alegação Não há discrepância na jurisprudência sobre o assunto 283 O pedido de benefício da gratuidade judiciária poderá ser formulado na petição inicial ou na contestação art 99 do CPC de 2015 Nada obsta a que seja requerido posteriormente no curso do processo art 99 do CPC de 2015 A parte contrária poderá em qualquer fase do processo requerer a revogação do benefício desde que prove a inexistência ou o desaparecimento dos requisitos essenciais à sua concessão art 100 do CPC de 2015 O juiz pode igualmente revogar de ofício o benefício nesses mesmos casos atendido o direito fundamental ao contraditório arts 5º LV da CF e 8º da Lei 10601950 que permanece em vigor art 1072 III do CPC de 2015 513 Direito fundamental à duração razoável do processo 5131 Introdução Na esteira do direito comunitário europeu art 6º 1 da Convenção Europeia de Direitos do Homem e americano art 8º 1 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos e a exemplo de várias Constituições europeias art 111 segunda parte Constituição italiana art 24 segunda parte Constituição espanhola art 20 terceira parte Constituição portuguesa nossa Constituição prevê que a todos no âmbito judicial e administrativo são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação art 5º LXXVIII O Código de Processo Civil de 2015 repeteo a título de norma fundamental art 4º Tratase de direito que reflete o sentimento comum das pessoas no sentido de que justiça lenta é justiça negada sonoramente recolhido na expressão justice delayed is justice denied da tradição anglosaxônica 284 O direito ao processo com duração razoável portanto constitui peça fundamental para promover e manter a confiança social na efetividade da ordem jurídica 285 5132 Âmbito de proteção O direito fundamental à duração razoável do processo constitui princípio redigido como cláusula geral Ele impõe um estado de coisas que deve ser promovido pelo Estado a duração razoável do processo Ele prevê no seu suporte fático termo indeterminado duração razoável e não comina consequências jurídicas ao seu não atendimento Seu conteúdo mínimo está em determinar i ao legislador a adoção de técnicas processuais que viabilizem a prestação da tutela jurisdicional dos direitos em prazo razoável por exemplo previsão de tutela definitiva da parcela incontroversa da demanda no curso do processo a edição de legislação que reprima o comportamento inadequado das partes em juízo litigância de má fé e contempt of court e regulamente minimamente a responsabilidade civil do Estado por duração não razoável do processo ii ao administrador judiciário a adoção de técnicas gerenciais capazes de viabilizar o adequado fluxo dos atos processuais bem como organizar os órgãos judiciários de forma idônea número de juízes e funcionários infraestrutura e meios tecnológicos e iii ao juiz a condução do processo de modo a prestar a tutela jurisdicional em prazo razoável Os textos jurídicos internacionais e estrangeiros em geral empregam o termo razoável para qualificar a duração do processo que deve ser promovida no Estado Constitucional durata ragionevole délai raisonnable daí provavelmente a redação da nossa Constituição É certo contudo que o problema está em saber se o tempo que o processo ocupou para prestação da tutela do direito é proporcional ou não A relação que estabelece é entre meio duração do processo e fim tutela do direito Rigorosamente a questão está em saber se a duração do processo é proporcional em relação à especificidade do direito material tutelado em juízo O qualificativo razoável no entanto está consagrado e incorporado ao repertório dogmático de modo que o seu emprego vai legitimado pela tradição processual O direito à duração razoável do processo não constitui e não implica direito a processo rápido ou célere As expressões não são sinônimas 286 A própria ideia de processo já repele a instantaneidade 287 e remete ao tempo como algo inerente à fisiologia processual A natureza necessariamente temporal do processo constitui imposição democrática oriunda do direito das partes de nele participarem de forma adequada 288 donde o direito ao contraditório e os demais direitos que confluem para organização do processo justo ceifam qualquer possibilidade de compreensão do direito ao processo com duração razoável simplesmente como direito a um processo célere 289 O que a Constituição determina é a eliminação do tempo patológico a desproporcionalidade entre duração do processo e a complexidade do debate da causa que nele tem lugar Nesse sentido a expressão processo sem dilações indevidas utilizada pela Constituição espanhola art 24 segunda parte é assaz expressiva O direito ao processo justo implica sua duração em tempo justo 290 Pressuposto para aferição da duração razoável do processo é a definição do seu spatium temporis o dies a quo e o dies ad quem entre os quais o processo se desenvolve O processo deve ser avaliado para fins de aferição de sua duração levandose em consideração todo o tempo em que pendente a judicialização do conflito entre as partes Isso quer dizer que a propositura de ação visando à concessão de tutela cautelar preparatória serve para fixação do termo inicial assim como a atividade voltada à execução do direito também deve ser computada para determinação do termo final A duração razoável do processo deve levar em conta o tempo para prestação da tutela do direito caso a parte autora se sagre vencedora ou a simples prestação da tutela jurisdicional caso a parte autora sucumba ou seja prolatada decisão que extinga o processo sem resolução de mérito 291 A jurisprudência da Corte Europeia de Direitos Humanos desenvolveu critérios para aferição da duração razoável do processo Em sua primeira formulação a Corte erigiu como critérios i a complexidade da causa ii o comportamento das partes e iii o comportamento do juiz na condução do processo 292 Hoje além desses três clássicos parâmetros a Corte vem apreciando igualmente a razoabilidade da duração do processo a partir da relevância do direito reclamado em juízo para a vida do litigante prejudicado pela duração excessiva do processo critério da posta in gioco que determina redobrada atenção do Estado nos casos em que o litígio versa sobre responsabilidade civil por contágio de doenças 293 status pessoal 294 e que ameacem a liberdade pessoal do réu no processo penal 295 Vale dizer a importância da decisão da causa na vida do litigante adquire significativa importância para análise da razoabilidade da duração do processo 296 Esses parâmetros são perfeitamente aplicáveis no direito brasileiro para fins de aferição da concretização do direito ao processo sem dilações indevidas A complexidade da causa sua importância na vida do litigante o comportamento das partes e o comportamento do juiz ou de qualquer de seus auxiliares são critérios que permitem aferir racionalmente a razoabilidade da duração do processo 297 Alguém poderia imaginar que o comportamento inadequado da parte que acarrete dilação indevida não gera direito à tutela reparatória por duração não razoável do processo por ausência de nexo de causalidade entre a conduta do Estado e o dano à parte Contudo se a parte se comporta de forma inaceitável gerando incidentes procrastinatórios por exemplo há responsabilidade do Estado É preciso perceber que o juiz tem o dever de velar pela rápida solução do litígio tendo de conduzir o processo de modo a assegurar a tempestividade da tutela jurisdicional Daí que o juiz que se omite na repressão ao ato abusivo da parte contribui para dilação indevida dando azo à responsabilização estatal A violação do direito à duração razoável gera direito à tutela reparatória A responsabilidade do Estado é pela integralidade do dano experimentado pela parte prejudicada pela duração excessiva do processo medindose a reparação pela sua extensão art 944 do CC 298 Nada obsta à configuração de direito à reparação por danos patrimoniais e por danos extrapatrimoniais por exemplo por danos morais e por danos à imagem em face da excessiva duração do processo 299 A ação visando à indenização pela duração excessiva do processo segue o procedimento comum ordinário e tem de ser proposta em primeiro grau de jurisdição Pode ser proposta tanto contra a União perante a Justiça Federal art 109 I da CF se a responsabilidade pela condução do processo em que ocorreu a dilação indevida for de juízo federal comum ou especializado quanto contra o Estado perante a Justiça Estadual art 125 da CF se a responsabilidade for de juízo estadual 514 Direito fundamental ao duplo grau de jurisdição 5141 Introdução Na família processual romanocanônica a regra do duplo grau de jurisdição gozou em geral de grande prestígio tendo em conta a tradicional submissão da sentença de primeiro grau à revisão in totum pelos tribunais ordinários Nesse particular aliás residia uma das históricas diferenças estruturais mais significativas entre a organização do processo de civil law e de common law 300 Dentro do constitucionalismo brasileiro apenas a Constituição Imperial de 1824 previa expressamente o duplo grau de jurisdição art 158 As demais Constituições silenciaram a respeito cingindo se a prever competências recursais ordinárias 301 A Constituição de 1988 segue o mesmo caminho Na dimensão supranacional contudo a Convenção Interamericana de Direitos Humanos Pacto de San José da Costa Rica consagra o direito ao duplo grau de jurisdição no processo penal art 8º n 2 h 5142 Âmbito de proteção Ter direito ao duplo grau de jurisdição significa ter direito a um duplo exame de mérito por dois órgãos distintos do Poder Judiciário 302 Partindose desse conceito é evidente que a nossa Constituição não consagra o direito ao duplo grau de jurisdição no processo civil O fato de a Constituição ter previsto tribunais com competências recursais ordinárias não impede o legislador infraconstitucional de permitir por exemplo que o tribunal conheça do mérito da causa sem que o tenha feito anteriormente o juízo de primeiro grau art 1013 3º do CPC de 2015 nem impede tampouco a limitação do próprio direito ao recurso em causas de menor expressão econômica por exemplo art 34 da Lei 6830 de 1980 A mesma solução contudo não pode ser aplicada ao processo penal É que a Convenção Interamericana de Direitos do Homem prevê expressamente o direito ao duplo grau de jurisdição no processo penal de modo que é possível afirmálo como elemento essencial para conformação do processo justo no âmbito penal 303 Isso não implica contudo a inexistência de exceções ao duplo grau mesmo nesse terreno É óbvio que o direito ao duplo grau não se aplica em caso de competência penal originária do Supremo Tribunal Federal Nesse caso está suficientemente resguardado o direito ao processo justo do réu pelo simples fato de ser julgado pela mais alta Corte do País 6 AÇÕES CONSTITUCIONAIS Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero 61 Habeas corpus 611 Introdução Nossa Constituição assevera Concederseá habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção por ilegalidade ou abuso de poder art 5º LXVIII O direito ao habeas corpus que vem desde a Magna Carta 1215 cláusula 29 percorre toda a história do common law inglês Habeas Corpus Act 1679 e estuda Como tutela do direito à liberdade de locomoção o habeas corpus está intimamente ligado à prisão Isso quer dizer que essa ação tem por função prevenir ou reprimir prisões ilegais Essa é a razão pela qual já se decidiu que não cabe habeas corpus contra decisão condenatória a pena de multa ou relativo a processo em curso por infração penal a que a pena pecuniária seja a única cominada Súmula 693 do STF e que não cabe habeas corpus quando já extinta a pena privativa de liberdade Súmula 695 do STF Em ambos os casos o processo não se mostra idôneo a resultar em restrição à liberdade daí o não cabimento do habeas corpus Nossa Constituição prevê que ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar definidos em lei art 5º LXI a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada art 5º LXII o preso será informado de seus direitos entre os quais o de permanecer calado sendolhe assegurada a assistência da família e de advogado art 5º LXIII o preso tem direito à identificação dos responsáveis por sua prisão ou por seu interrogatório policial art 5º LXIV e ninguém será levado à prisão ou nela mantido quando a lei admitir a liberdade provisória com ou sem fiança art 5º LXVI Em todos os casos em que a desobediência a esses preceitos constitucionais importar ameaça ou restrição à liberdade deambulatória 305 cabe habeas corpus sendo que a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária art 5º LXV da CF O Código de Processo Penal assevera Darseá habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar na iminência de sofrer violência ou coação ilegal na sua liberdade de ir e vir salvo nos casos de punição disciplinar art 647 O dispositivo tem de ser lido na perspectiva dos arts 5º LXVIII e 142 2º da CF o que se veda em sede de habeas corpus é a revisão do mérito da punição disciplinar militar Obviamente cabe habeas corpus para controle da regularidade formal da punição que não escapa como os atos administrativos em geral ao controle jurisdicional 306 Densificando o direito ao habeas corpus o Código de Processo Penal refere que a coação considerarseá ilegal I quando não houver justa causa II quando alguém estiver preso por mais tempo do que determina a lei III quando quem ordenar a coação não tiver competência para fazêlo IV quando houver cessado o motivo que autorizou a coação V quando não for alguém admitido a prestar fiança nos casos em que a lei a autoriza VI quando o processo for manifestamente nulo VII quando extinta a punibilidade art 648 A coação não tem justa causa quando não está fundada em norma jurídica que a autorize Configura coação ilegal passível de controle por habeas corpus não só a pendência de processo penal mas também a existência de inquérito policial sem justa causa Com maior razão também se configura a coação ilegal quando decretada prisão processual sem suficiente fumus commissi delicti ou periculum libertatis A prisão processual tem de ser decretada com observância do postulado da proporcionalidade Fora daí não tem justa causa a coação 307 Quando alguém estiver preso por mais tempo que a lei determina cabe habeas corpus A interpretação dessa norma à luz do direito ao processo com duração razoável art 5º LXXVIII da CF impõe a caracterização de prisão processual como coação ilegal não só para além do tempo legal mas também para além do prazo razoável de custódia 308 O habeas corpus pode ser impetrado contra ato de particular É que não é só o Estado que pode investir arbitrariamente contra a liberdade de locomoção do indivíduo Embora menos comum não se pode ignorar a possibilidade de alguém ter a sua liberdade restringida por força de ato ilegal de estabelecimentos hospitalares de internações em clínicas para dependentes químicos ou de idosos em casas geriátricas A legalidade da restrição nem sempre é de fácil aferição A regra é que sendo evidente a ilegalidade aferível mesmo por quem não tem instrução jurídica basta a intervenção policial para fazer cessar a coação ilegal Do contrário sendo discutível a legalidade da coação o remédio correto para tutela da liberdade é o habeas corpus 309 613 Titularidade O habeas corpus pode ser impetrado por qualquer pessoa em seu favor ou de outrem bem como pelo Ministério Público art 654 caput do CPP O titular do direito ao habeas corpus é o paciente aquele que está na iminência de sofrer ou está sofrendo coação ilegal na sua liberdade Se o paciente impetra há coincidência entre o titular do direito à liberdade e o titular da ação legitimação ordinária Se qualquer pessoa ou mesmo o Ministério Público impetra a favor do paciente há dissociação entre o titular do direito material afirmado em juízo paciente e o legitimado à propositura da ação impetrante A legitimação nesse caso é extraordinária configurando caso de substituição processual 310 Obviamente como existe expressa autorização em lei para propositura de habeas corpus para tutela do direito de outrem exigir a assinatura do paciente na petição inicial constitui formalismo injustificável É indevida qualquer providência desse jaez cuja exigência configura pura e simples denegação de justiça A abertura da legitimação ad causam para impetração de habeas corpus justificase pela proeminência que o direito de liberdade tem no Estado Constitucional E é essa mesma proeminência que permite inclusive a concessão ex officio de habeas corpus art 654 2º do CPP Como semelhante amplitude na legitimação para causa pode acarretar impetração de habeas corpus em colisão com a própria vontade do paciente a solução está em o juiz consultálo caso exista dúvida a respeito do seu interesse na tutela jurisdicional para que manifeste sua vontade em prosseguir ou não com a impetração 311 614 Conformação infraconstitucional O Código de Processo Penal densifica a disciplina do habeas corpus arts 647 a 667 São questões relevantes para sua adequada compreensão i a natureza da cognição do procedimento de habeas corpus ii a possibilidade de liminar para imediata tutela do direito de liberdade iii a competência iv a eficácia da decisão e v coisa julgada É comum encontrar a caracterização do processo da ação de habeas corpus como processo sumaríssimo que por isso exige prova préconstituída 312 como ação de procedimento sumário pois a cognição é limitada 313 ou como ação que constitui um processo de cognição sumária limitada portanto em que não se permite uma ampla e plena discussão sobre a ilegalidade devendo ela ser evidente comprovada por prova préconstituída 314 Diante de afirmações dessa ordem impende distinguir as coisas O processo de habeas corpus é sumário do ponto de vista formal porque possui procedimento abreviado Do ponto de vista da cognição porém constitui processo de cognição parcial e exauriente secundum eventum probationis 315 No plano horizontal da cognição o habeas corpus tem cognição parcial por uma razão apenas as matérias que configurem coação ilegal são passíveis de discussão no seu processo A causa de pedir e a defesa são vinculadas ao corte vertical procedido pelo legislador arts 5º LXVIII da CF e 648 do CPP No plano vertical contudo a cognição é plena secundum eventum probationis O juiz conhece da causa visando à formação de juízo de certeza no limite permitido pela prova documental préconstituída A especialidade do processo no plano da cognição reside justamente no fato de o juiz não poder conhecer nada senão mediante prova préconstituída Qualquer alegação que dependa de prova diversa da documental não pode ser conhecida em habeas corpus Isso não quer dizer contudo que o habeas corpus não tenha uma fase de cognição sumária no plano vertical Afirmar a cognição parcial e exauriente secundum eventum probationis do processo como um todo não implica negar a possibilidade de tutela jurisdicional mediante cognição sumária em habeas corpus Embora o Código de Processo Penal silencie a respeito é inquestionável a possibilidade de liminar em habeas corpus para proteção imediata da liberdade individual do paciente A decisão liminar é oriunda da utilização da técnica antecipatória e como visa à satisfação do direito à liberdade de forma provisória sob cognição sumária mediante invocação de perigo na demora pode ser classificada como antecipação da tutela satisfativa fundada na urgência não se trata portanto de tutela cautelar 316 A competência para apreciação de pedido de habeas corpus está na Constituição arts 102 I d 105 I c 108 I d 109 VII 114 IV e no Código de Processo Penal art 650 Anotese que é da competência do STF julgar habeas corpus impetrado contra ato de Comissão Parlamentar de Inquérito 317 No que tange ao controle dos atos de Turma Recursal de Juizados Especiais Criminais depois de ter sumulado o tema 318 o STF superou seu precedente overruling e reconheceu competência aos Tribunais de Justiça ou aos Tribunais Regionais Federais conforme o caso para julgar habeas corpus impetrado contra decisão de Turma Recursal 319 Ainda sobre o tema há orientação assente no STF no sentido de que não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de habeas corpus impetrado contra decisão do relator que em habeas corpus requerido a tribunal superior indefere a liminar Súmula 691 Em julgamento posterior contudo o STF outorgou novo delineamento ao precedente consubstanciado na Súmula 691 320 ressalvando que é cabível o habeas corpus quando há manifesta ilegalidade no indeferimento da ordem entendendose por manifesta ilegalidade a evidente negativa de autoridade de precedente do STF sobre o assunto 321 É importante perceber que o STF considerou um novo fato material negação de autoridade de precedente constitucional no indeferimento de liminar em habeas corpus para restringir o alcance do precedente firmado na Súmula 691 O STF ao fazêlo acabou por alçar mão do overriding para dar nova feição ao precedente Não há propriamente uma distinção distinguishing Há consideração de novo fato material antes não considerado que outorga novo alcance ao precedente No fundo há verdadeira revogação implícita implied overruling de parcela do precedente da Súmula 691 do STF 322 que hoje deve ser assim compreendida não compete ao STF conhecer de habeas corpus impetrado contra decisão do relator que em habeas corpus requerido a tribunal superior indefere a liminar ressalvada hipótese de denegação da ordem em confronto com precedente do próprio STF A eficácia da sentença no habeas corpus é mandamental O objetivo é obter ordem judicial que tenha o condão de impedir ou fazer cessar a coação ilegal à liberdade do paciente O curial é que a concessão de habeas corpus impeça alguém de ir para a prisão ou determine a sua soltura Nada obsta porém conforme o direito material alegado que nele se determine a extinção do processo trancamento do processo reconheçase direito à prisão especial ou que culmine com a determinação de desconsideração de determinado ato processual inválido no processo 323 arts 651 e 652 do CPP A coisa julgada no processo de habeas corpus formase de acordo com a suficiência da prova préconstituída para estabelecimento da verdade das alegações de fato coisa julgada secundum eventum probationis A sua denegação pela impossibilidade de conhecimento da questão tão somente à luz de prova documental não implica formação de coisa julgada não impedindo nova alegação no curso do processo penal No mais nenhuma particularidade na disciplina dos limites territoriais temporais objetivos e subjetivos na coisa julgada em habeas corpus Por exemplo variando a causa de pedir não há falar em coisa julgada 62 Mandado de segurança 621 Introdução Fruto direto do rescaldo teórico da doutrina brasileira do habeas corpus em que se procurou alargar o seu âmbito de proteção para além da liberdade de locomoção o mandado de segurança aparece em nossa ordem constitucional na Constituição de 1934 art 113 n 33 324 Tratase de ação que visa à tutela de direito líquido e certo não amparado por habeas corpus ou habeas data quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público art 5º LXIX da CF Ao lado do habeas corpus constitui importante herança do antigo Estado de Direito da tradição liberal brasileira 325 Nossa Constituição prevê a possibilidade de sua impetração tanto na forma individual como na coletiva art 5º LXX A Lei 120162009 disciplina o tema no plano infraconstitucional 622 Âmbito de proteção O mandado de segurança visa à proteção de direito líquido e certo contra o ilícito ilegalidade ou abuso de poder causador ou não de dano e pode levar à concessão de tutela preventiva tutela inibitória ou tutela repressiva tutela de remoção do ilícito tutela específica do adimplemento ou tutela reparatória Protege tanto direitos individuais como direitos coletivos direitos individuais homogêneos direitos coletivos e direitos difusos ameaçados ou violados por ato de autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuição do Poder Público A tutela jurisdicional que se pode obter mediante mandado de segurança é a mandamental O que se postula é a concessão de ordem contra a autoridade coatora a fim de que se abstenha ou cesse de lesar a esfera jurídica do impetrante O mandado de segurança não se presta a obter a condenação ao pagamento de quantias pretéritas devidas ao impetrante Súmulas 269 e 271 do STF 326 nem tampouco substitui ação popular Súmula 101 do STF 327 A jurisprudência pacífica do STJ permite a impetração de mandado de segurança para obtenção da declaração do direito à compensação tributária Súmula 213 do STJ 328 Nada obstante veda a impetração para convalidar a compensação tributária realizada pelo contribuinte Súmula 460 do STJ 329 Com a impetração de mandado de segurança pode o impetrante obter tutela inibitória Vale dizer pode prevenir a prática a reiteração ou a continuação de ato ilícito O mandado de segurança constitui ação idônea para obtenção de tutela inibitória O mesmo vale para tutela de remoção do ilícito O mandado de segurança permite a remoção da causa ou dos efeitos do ato ilícito 330 Nada obsta igualmente a que preste tutela do adimplemento na forma específica Se voltado contra o dano o mandado de segurança pode prestar tutela reparatória desde que não vise à obtenção de efeitos patrimoniais pretéritos A possibilidade de impetração de mandado de segurança preventivo visando à obtenção de tutela inibitória não se confunde com a impetração de mandado de segurança contra lei em tese situação sabidamente não permitida pela jurisprudência pacífica do STF Súmula 266 331 Em primeiro lugar é importante notar que não há qualquer proibição contra impetração de mandado de segurança contra leis de efeitos concretos Quando a legislação desde logo afeta a posição jurídica do impetrante por ser a ele endereçada concretamente é perfeitamente possível a impetração de mandado de segurança 332 Em segundo lugar é preciso perceber que o mandado de segurança preventivo pode justamente visar a impedir a violação da esfera jurídica do impetrante em face da incidência de legislação de aplicação vinculada O que diferencia essa hipótese daquela não permitida pela jurisprudência do STF é justamente a descrição da ameaça na petição inicial com ligação concreta à esfera jurídica do impetrante Vale dizer o fato de a legislação ser de aplicação vinculada pelo administrador já constitui elemento suficiente para afastar a cogitação de se tratar de mandado de segurança contra lei em tese O mandado de segurança pode ser impetrado para tutela de direitos individuais ou para tutela de direitos coletivos direitos coletivos difusos e individuais homogêneos 333 Impedir a tutela de direitos difusos mediante mandado de segurança coletivo a partir de uma interpretação literal do art 21 da Lei 120162009 importa inquestionável retrocesso na proteção do direito fundamental à tutela adequada dos direitos A alusão à tutela coletiva mediante mandado de segurança revela a preocupação constitucional com a dimensão coletiva dos direitos e com isso dá azo ao reconhecimento da dignidade outorgada pela nossa Constituição aos novos direitos 334 Com isso o mandado de segurança se desloca da esfera de influência do Estado Legislativo em que sobressai a necessidade de proteção do indivíduo contra o Estado tão somente e passa a integrar os domínios do Estado Constitucional sendo veículo adequado também para prestação de tutela aos novos direitos em que a transindividualidade está normalmente presente Não cabe mandado de segurança para decisão judicial com trânsito em julgado Súmula 268 do STF O mandado de segurança não tem efeitos rescisórios de ato judicial protegido pela coisa julgada A Lei 120162009 refere que não cabe mandado de segurança i contra os atos de gestão comercial praticados pelos administradores de empresas públicas de sociedade de economia mista e de concessionárias de serviço público art 1º 2º ii contra ato do qual caiba recurso administrativo com efeito suspensivo independentemente de caução 335 art 5º I iii contra decisão judicial da qual caiba recurso com efeito suspensivo art 5º II e iv contra decisão judicial transitada em julgado art 5º III A legislação infraconstitucional deve ser interpretada de maneira conforme à Constituição e mais especialmente de maneira conforme aos direitos fundamentais 336 Essa diretriz impõe leitura constitucionalmente orientada das restrições impostas pela legislação no que tange ao cabimento do mandado de segurança Não se trata obviamente de negar a possibilidade de restrições aos direitos fundamentais mas sim de fazêlas acompanhar de justificações de ordem constitucional 337 É inconstitucional a regra que nega a possibilidade de impetração de mandado de segurança contra atos de gestão comercial praticados pelos administradores de empresas públicas de sociedade de economia mista e de concessionárias de serviço público se interpretada sem qualquer ressalva 338 Sempre que o ato praticado por tais agentes for regido pelo direito público cabe mandado de segurança para contrastar sua legalidade A restrição só concerne aos atos de gestão comercial decisões estratégicas a respeito dos rumos do negócio empreendido pelas empresas públicas sociedades de economia mista e concessionárias de serviço público As restrições indicadas nos incisos I e II do art 5º da Lei 120162009 podem ser interpretadas de forma conjunta O legislador pressupõe para restringir o cabimento do mandado de segurança a adequação a efetividade e a tempestividade da proteção despendida pelo recurso administrativo e pelo recurso judicial Tratase de presunção relativa Sendo inidônea a tutela oferecida pelo recurso administrativo ou pelo recurso judicial para afastar a ameaça de lesão ou a lesão cabe mandado de segurança mesmo quando exista recurso administrativo com efeito suspensivo independentemente de caução e quando exista recurso previsto na legislação processual com efeito suspensivo Nesses casos contudo o impetrante tem o ônus de justificar preliminarmente a inidoneidade desses expedientes para tutelar de forma eficaz a sua esfera jurídica O conceitochave para compreensão do mandado de segurança é o de direito líquido e certo Tratase de conceito processual Não se trata de conceito de direito material desde que efetivamente existentes todos os direitos são líquidos e certos 339 Pouco importa para sua caracterização igualmente a complexidade da discussão jurídica que deve ser enfrentada para o reconhecimento do direito afirmado em juízo Súmula 625 do STF 340 O direito líquido e certo é aquele que pode ser provado em juízo mediante prova pré constituída mais especificamente mediante prova documental Daí a razão pela qual corretamente se aponta o mandado de segurança como espécie de procedimento documental 341 A caracterização do direito líquido e certo obedece à especial condição da alegação de fato no processo cuja veracidade pode ser idoneamente aferida mediante prova documental préconstituída 623 Titularidade São titulares do direito à impetração de mandado de segurança individual são seus legitimados ativos todas as pessoas físicas ou jurídicas art 1º caput da Lei 120162009 pouco importando se nacionais ou estrangeiras 342 A lei expressamente permite inclusive substituição processual para impetração de mandado de segurança ao prever que quando o direito ameaçado ou violado couber a várias pessoas qualquer delas poderá requerer o mandado de segurança art 1º 3º da Lei 120162009 cuja importância teórica e pragmática vem sendo devidamente ressaltada pela doutrina 343 Constitui exemplo dessa situação a possibilidade de integrante de lista de candidatos a determinada vaga da composição de tribunal impetrar mandado de segurança para impugnar a validade da nomeação de concorrente Súmula 628 do STF 344 O mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por i partido político com representação no Congresso Nacional ii organização sindical iii entidade de classe e iv associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano em defesa dos interesses de seus membros ou associados arts 5º LXX da CF e 21 da Lei 120162009 É pacífica a jurisprudência hoje inclusive refletida na legislação infraconstitucional no sentido de que a entidade de classe tem legitimação para o mandado de segurança ainda quando a pretensão veiculada interesse apenas a uma parte da respectiva categoria Súmula 630 do STF E que a impetração de mandado de segurança coletivo por entidade de classe em favor dos associados independe da autorização destes Súmula 629 do STF O rol de legitimados para propositura de mandado de segurança coletivo não é taxativo Como observa a doutrina a previsão constitucional que trata do mandado de segurança coletivo limitase a estabelecer os legitimados para esta ação Em contraste com a legitimidade para outras ações coletivas qualquer cidadão para a ação popular e vários entes para as ações civis públicas é de se questionar se a legitimação aqui prevista é exclusiva ou seja se o rol trazido no dispositivo em questão é exaustivo Nada há que autorize esta conclusão A garantia fundamental como cediço não pode ser restringida mas nada impede aliás será muito salutar que seja ampliada Daí ser possível questionarse da possibilidade de autorizar os legitimados para as ações civis públicas a proporem mandado de segurança coletivo Partindose do pressuposto de que o mandado de segurança é apenas uma forma de procedimento mostrase impossível fugir da conclusão de que a tutela dos interesses coletivos já foi outorgada pelo texto constitucional e por diplomas infraconstitucionais a outras entidades além daquelas enumeradas no dispositivo em exame Ora se essas outras entidades já estão habilitadas à proteção desses interesses qual seria a racionalidade em negarlhes autorização para utilizar uma via processual de proteção Absolutamente nenhuma Diante disso parece bastante razoável sustentar a ampliação pelo direito infraconstitucional e também pelas normas constitucionais vg art 129 III do rol de legitimados para a impetração deste remédio constitucional de sorte que todos os autorizados para as ações coletivas também tenham à sua disposição o mandado de segurança coletivo como técnica processual para a proteção dos interesses de massa 345 A jurisprudência do STF contudo permanece tímida a respeito do ponto sustentando a taxatividade do rol de legitimados à impetração de mandado de segurança coletivo 346 624 Conformação infraconstitucional O mandado de segurança é regrado pela Lei 120162009 que prevê procedimento abreviado formalmente sumário e cognição plena e exauriente secundum eventum probationis para tutela dos direitos mediante mandado de segurança Alguns aspectos da sua disciplina merecem consideração mais detida As partes no mandado de segurança são o impetrante e a pessoa jurídica a que se encontra vinculada a autoridade coatora A autoridade coatora não é parte no processo de mandado de segurança é fonte de prova 347 A exigência de indicação na petição inicial da autoridade coatora e da pessoa jurídica art 6º caput da Lei 120162009 visa sendo o caso a facilitar a correção da autoridade coatora o que pode ocorrer inclusive de ofício pelo juiz É um equívoco determinar a extinção do processo sem resolução de mérito por equivocada indicação da autoridade coatora já que essa não é parte no processo mas simples fonte de prova Para viabilizar tutela adequada e efetiva aos direitos o processo do mandado de segurança admite a utilização de técnica antecipatória seja para satisfazer de forma imediata o direito afirmado seja para acautelálo para realização eventual e futura art 7º III da Lei 120162009 Da decisão que concede ou nega tutela antecipada cabe agravo de instrumento art 7º 1º da Lei 120162009 Denegado o mandado de segurança pela sentença ou no julgamento do agravo dela interposto fica sem efeito a liminar concedida retroagindo os efeitos da decisão contrária Súmula 405 do STF A sentença que denegar o mandado de segurança por ausência de direito líquido e certo não faz coisa julgada viabilizando a propositura de ação própria para tutela do direito 348 Vale dizer se o direito afirmado pela parte não pode ser conhecido tendo em conta as limitações probatórias do procedimento sendo insuficiente a prova documental nada obsta à propositura de outra ação para tutela do direito em que inexista limitação à prova Como observa a doutrina no mandado de segurança o juiz só conhece do que pode ser provado por documentos 349 Analisada a existência ou inexistência do direito afirmado pela parte contudo a sentença faz coisa julgada e obviamente obsta à propositura de idêntica ação O direito de requerer mandado de segurança extinguirseá em 120 dias contados da ciência pelo interessado do ato impugnado art 23 da Lei 120162009 O STF entende que é constitucional o prazo para impetração do mandado de segurança Súmula 632 350 Não cabe condenação em honorários advocatícios em mandado de segurança art 25 da Lei 120162009 63 Mandado de injunção 631 Introdução O art 5º LXXI da CF refere que se concederá mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade à soberania e à cidadania Tratase de instrumento que conjuntamente com a ação direta de inconstitucionalidade por omissão visa a tutelar a pessoa diante das omissões inconstitucionais do Estado Dada a sua estreita afinidade com a ação direta de inconstitucionalidade por omissão o seu tratamento será realizado em conjunto 64 Habeas data 641 Introdução Nossa Constituição refere que todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular ou de interesse coletivo ou geral que serão prestadas no prazo da lei sob pena de responsabilidade ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado art 5º XXXIII Na sequência por sugestão de acatada doutrina 351 a Constituição prevê direito ao habeas data no seu art 5º LXXII para proteção do direito à informação pessoal e eventuais providências correlatas No plano infraconstitucional a Lei 95071997 regula o assunto 352 642 Âmbito de proteção Concederseá habeas data para i assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público ii a retificação de dados quando não se prefira fazêlo por processo sigiloso judicial ou administrativo e iii a anotação nos assentamentos do interessado de contestação ou explicação sobre dado verdadeiro mas justificável e que esteja sob pendência judicial ou amigável arts 5º LXXII da CF e 7º da Lei 95071997 Tratase de ação que visa a determinar a liberação da informação a retificação de dados ou a complementação de informações nos assentamentos do interessado constantes de registros ou banco de dados de entidades governamentais ou de caráter público Considerase de caráter público todo registro ou banco de dados contendo informações que sejam ou que possam ser transmitidas a terceiros ou que não sejam de uso privativo do órgão ou entidade produtora ou depositária de informações art 1º parágrafo único da Lei 95071997 O habeas data serve para tutelar o direito à informação pessoal nos casos constitucional e infraconstitucionalmente assentados Não serve para obter vista de processo administrativo 353 nem tampouco para obter informações a respeito da identidade de possíveis responsáveis por agressões e denúncias feitas contra o impetrante 354 Nesses dois casos o remédio adequado para tutela do direito do impetrante é o mandado de segurança e não o habeas data Não cabe habeas data para obtenção de informações relativa a terceiros 355 ressalvada a possibilidade de impetração de habeas data para tutela do direito à informação sobre o de cujus por parte de seus herdeiros inclusive do cônjuge supérstite 356 643 Titularidade O habeas data pode ser impetrado por pessoa física ou por pessoa jurídica seja nacional ou estrangeira 357 para tutela do direito à informação que lhe diga respeito de forma direta Não há qualquer restrição na legislação a respeito Falecendo o titular do direito à informação admitese a impetração de habeas data pelos herdeiros ou sucessores da pessoa inclusive cônjuge supérstite 644 Conformação infraconstitucional O habeas data tem inquestionável ligação com o habeas corpus e com o mandado de segurança 358 Compartilha com ambos a natureza de ação que visa à prestação de tutela jurisdicional mandamental e que segue procedimento abreviado estruturado a partir de cognição plena e exauriente secundum eventum probationis Tratase de procedimento documental cuja viabilização da prestação da tutela jurisdicional está subordinada à produção de prova préconstituída A petição inicial do habeas data tem de ser instruída com prova da recusa administrativa ao acesso à informação sua retificação ou complementação art 8º parágrafo único da Lei 95071997 É essencial à configuração do interesse processual no habeas data a demonstração de prévia recusa administrativa Já se decidiu que é constitucional semelhante exigência 359 O procedimento administrativo para exercício do direito à informação e providências correlatas está encartado nos arts 2º a 4º da Lei 95071997 Pode o juiz mediante requerimento da parte alçar mão de técnica antecipatória para satisfazer desde logo o direito da parte ou acautelálo para realização eventual e futura O fato de o legislador infraconstitucional não ter previsto direito à antecipação da tutela no processo de habeas data em nada prejudica o direito da parte já que o direito fundamental à tutela jurisdicional adequada efetiva e tempestiva dos direitos implica direito à técnica antecipatória O legitimado passivo é a pessoa jurídica a que se encontra vinculado o registro ou banco de dados Pouco importa se pessoa jurídica de direito público ou de direito privado O que interessa é que o registro ou banco de dados tenha caráter público isto é que os dados possam ser transmitidos a terceiros A autoridade coatora tal como ocorre no processo de mandado de segurança é fonte de prova no processo de habeas data Não é a legitimada passiva A sentença que julgar o habeas data só fará coisa julgada se a prova documental for suficiente para permitir um juízo sobre a existência ou inexistência do direito material afirmado em juízo Do contrário o pedido de habeas data poderá ser renovado art 18 da Lei 95071997 ou poderá ser proposta ação pelo procedimento comum ordinário para obtenção da providência negada aplicase analogicamente a Súmula 304 do STF 65 Ação popular 651 Introdução Celebrada como primeiro meio para tutela de direitos transindividuais no direito brasileiro 360 a ação popular consta de nosso direito constitucional desde a Constituição de 1934 361 De lá para cá teve significativamente alargado o seu objeto e transformou se em importante instrumento para exercício da cidadania em nosso Estado Constitucional 362 A Lei 47171965 regula o assunto na legislação infraconstitucional 652 Âmbito de proteção A ação popular visa a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe à moralidade administrativa ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural arts 5º LXXIII da CF e 1º da Lei 47171965 Prestase à obtenção de tutela jurisdicional desconstitutiva e eventualmente condenatória arts 5º LXXIII da CF e 11 da Lei 47171965 Em um primeiro momento poderseia pensar que a ação popular visa à prestação de tutela jurisdicional típica sua finalidade constitucionalmente marcada delimitaria o âmbito de providências que poderiam ser obtidas mediante seu exercício É preciso contudo ir além da interpretação meramente gramatical É que a finalidade da ação popular está em tutelar a moralidade administrativa o meio ambiente e o patrimônio histórico e cultural Dessa forma todas as tutelas do direito que podem ser prestadas a esses bens jurídicos podem ser obtidas mediante ação popular É cabível por exemplo obtenção de tutela inibitória que é sabidamente preventiva e em nada se assemelha à anulação para tutela da moralidade administrativa do meio ambiente e do patrimônio histórico e cultural mediante ação popular Uma interpretação mais arejada do sistema processual civil abona semelhante solução 363 A doutrina costuma sublinhar o fato de a ação popular ter como pressuposto a afirmação de ato lesivo por parte do demandante erigindo a lesividade como elemento essencial da causa petendi Seguindo essa premissa contudo acaba obrigada a afirmar que em determinadas hipóteses art 4º da Lei 47171965 a lesividade é presumida já que o legislador a ela não faz referência específica sendo imprescindível a sua alegação e prova apenas como regra arts 2º e 3º da Lei 47171965 364 A jurisprudência por vezes igualmente alça mão da ideia de que o dano ao erário pode estar na ilegalidade em si prescindindo da sua alegação e invocação 365 Na verdade é preciso distinguir ato ilícito e fato danoso a propósito do âmbito de proteção da ação popular A ação popular visa à anulação de ato ilícito e visa à anulação de ato que ocasione fato danoso Pode igualmente visar à inibição da prática de ato ilícito ou à remoção de seus efeitos Em todos esses casos é possível propor ação popular O ato ilícito pode não causar dano O dano é consequência meramente eventual do ilícito Não é possível confundir os pressupostos de tutela contra o ato ilícito com os pressupostos para responsabilização civil Quando a ação popular visa simplesmente à anulação de ato ilícito praticado em detrimento do patrimônio público da moralidade administrativa e do patrimônio histórico e cultural basta ao autor alegar e provar o ato ilícito estando dispensado de alegação e prova do elemento subjetivo e do fato danoso Aí obviamente a sentença não pode condenar quem quer que seja à reparação de dano cingindose à decretação da nulidade do ato ilícito O mesmo se passa quando se pede simplesmente a inibição de um ato ilícito ou a remoção de seus efeitos basta ao autor alegar e provar o ato ilícito temido ou consumado De outro lado quando visa à anulação do ilícito e à reparação pelo fato danoso todos os pressupostos para a responsabilidade civil daqueles que praticaram o ato devem ser alegados e provados sob pena de improcedência do pedido de desconstituição e reparação 653 Titularidade A ação popular pode ser proposta por qualquer cidadão A prova da cidadania para ingresso em juízo será feita com o título eleitoral ou com documento que a ele corresponda art 1º 3º da Lei 47171965 Não se admite propositura de ação popular por pessoa jurídica Súmula 365 do STF 366 O Ministério Público não pode propor ação popular nada obstante possa suceder o cidadão no polo ativo art 9º da Lei 47171965 654 Conformação infraconstitucional A disciplina infraconstitucional da ação popular encontrase na Lei 47171965 Chamam mais atenção no tratamento do tema basicamente três questões i competência ii possibilidade de intervenção móvel das pessoas jurídicas de direito público ou privado e iii regime da coisa julgada Está assente na doutrina e na jurisprudência que a competência para julgamento da ação popular é do juiz de primeiro grau pouco importando se o agente a que se imputa a prática do ato ilícito goza de foro privilegiado Ressalvandose os casos de a ação popular acusar conflito entre a União e o Estado art 102 I f da CF e conflito com interesse direto ou indireto de todos os membros da magistratura ou com impedimento ou interesse de mais da metade dos membros do tribunal de origem art 102 I n da CF em que haverá competência originária do STF todos os demais devem ser julgados pela magistratura de primeiro grau 367 No processo da ação popular está prevista a possibilidade de intervenção móvel da pessoa jurídica de direito público ou de direito privado cujo ato seja objeto de impugnação art 6º 3º da Lei 47171965 Semelhante possibilidade também está prevista na Lei da Ação de Improbidade Administrativa art 17 3º da Lei 84291992 sugerindo a doutrina sua aplicabilidade a todo o microssistema do processo coletivo 368 Tratase de intervenção que parte da distinção entre interesse público primário e interesse público secundário Pela intervenção móvel reconhecese que o que determina o polo da demanda em que atuará a pessoa jurídica é o interesse público primário Vale dizer não tem a pessoa jurídica necessariamente o dever de defender a higidez de ato temido ou consumado que sabe descompassado com as exigências do Estado Constitucional A coisa julgada no processo da ação popular segue o regime jurídico próprio aos direitos transindividuais coletivos e difusos O art 18 da Lei 47171965 rege o assunto A sentença terá eficácia de coisa julgada oponível erga omnes exceto no caso de haver sido a ação julgada improcedente por deficiência de prova neste caso qualquer cidadão poderá intentar outra ação com idêntico fundamento valendose de nova prova É secundum eventum probationis vale dizer formase apenas se a prova for suficiente para adequada cognição das alegações E é ultra partes no caso de direitos coletivos e erga omnes no caso de direitos difusos 369 A extensão subjetiva da coisa julgada é secundum eventum litis e não a sua formação 370 66 Ação civil pública 661 Introdução A Constituição não arrola dentro dos direitos fundamentais a ação civil pública Formalmente portanto é possível questionar a sua fundamentalidade como instrumento para tutela dos direitos individuais homogêneos difusos e coletivos Se contudo o ângulo de apreciação do problema se desloca do formal para o material fica fácil concluir que a ação civil pública constitui direito fundamental na ordem jurídica brasileira Tratase de particularização do direito fundamental à tutela adequada efetiva e tempestiva mediante processo justo A ação civil pública que nossa Constituição menciona no art 129 III lida na perspectiva do microssistema do processo coletivo brasileiro constitui poderoso meio para prestação de tutela jurisdicional aos novos direitos 371 Sua previsão entre nós é fruto da segunda onda de reformas exigida pelo movimento do acesso à Justiça 372 e da circulação dos institutos jurídicos entre as duas grandes tradições ocidentais civil law common law 373 A ação civil pública é regida no plano infraconstitucional por um microssistema construído basicamente pelo diálogo entre a Lei 73471985 e a Lei 80781990 arts 81 a 104 374 Daí se retira a existência de um sistema integrado 375 para a disciplina do proce sso coletivo O Código de Defesa do Consumidor como observa a doutrina ao alterar a LACP atuou como verdadeiro agente unificador e harmonizador empregando e adequando à sistemática processual vigente do Código de Processo Civil e da LACP para defesa de direitos difusos coletivos e individuais no que for cabível os dispositivos do Título III da Lei 8078 de 11091990 que instituiu o Código de Defesa do Consumidor Com isso criase a novidade de um microssistema processual para as ações coletivas No que for compatível seja a ação popular a ação civil pública a ação de improbidade administrativa e mesmo o mandado de segurança coletivo aplicase o Título III do CDC Desta ordem de observações fica fácil determinar pelo menos para as finalidades práticas que se impõem que o diploma em enfoque se tornou um verdadeiro Código Brasileiro de Processos Coletivos um ordenamento processual geral para a tutela coletiva 376 Há um verdadeiro círculo de interdependência complementaridade 377 entre a legislação que visa à tutela dos direitos individuais homogêneos difusos e coletivos 662 Âmbito de proteção A ação civil pública tal como ocorre se analisarmos as class actions na perspectiva do direito comparado 378 prestase à tutela de várias situações de direito material Do ponto de vista da estrutura do direito serve para a tutela de direitos individuais homogêneos difusos e coletivos 379 Do ponto de vista da natureza do bem jurídico protegido visa à tutela do meio ambiente do consumidor dos bens e direitos de valor artístico estético histórico turístico e paisagístico da ordem econômica da ordem urbanística art 1º da Lei 73471985 das pessoas portadoras de necessidades especiais art 3º da Lei 78531989 dos titulares de direitos mobiliários e dos investidores do mercado art 1º da Lei 79131989 da infância e da adolescência art 201 V da Lei 80691990 do idoso art 74 I da Lei 107412003 e de qualquer outro direito difuso ou coletivo O art 3º da Lei 73471985 refere que a ação civil poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer Ao afirmar a condenação como forma de tutela jurisdicional passível de obtenção no processo da ação civil pública o legislador obviamente não quis circunscrever a eficácia da ação simplesmente à condenação A alusão tem de ser compreendida como um simples exemplo de modo que nada obsta à propositura de ação civil pública visando à declaração constituição mandamento ou execução Ao selecionar bens para tutela mediante ação civil pública o legislador inquestionavelmente tem de viabilizar também os meios para sua efetiva proteção 380 Além de ser possível obter quaisquer formas de tutela jurisdicional é igualmente admissível a prestação de toda e qualquer forma de tutela do direito no processo da ação civil pública Vale dizer a prestação de tutela inibitória de remoção do ilícito reparatória e ressarcitória é perfeitamente viável mediante ação civil pública 381 Enquanto a tutela jurisdicional diz respeito ao plano do direito processual a categoria da tutela do direito pertence ao plano do direito material É preciso perceber que o mandamento por exemplo é o meio pelo qual a tutela inibitória pode ser realizada é necessário conjugar os dois conceitos para boa compreensão e operação do sistema brasileiro de tutela jurisdicional dos direitos É da interação entre esses dois planos que a ação civil pública retira a possibilidade de alterar concretamente o mundo e proteger eficazmente as pessoas 663 Titularidade Tem legitimidade para propor ação civil pública i o Ministério Público ii a Defensoria Pública iii a União os Estados o Distrito Federal e os Municípios iv a autarquia empresa pública fundação ou sociedade de economia mista e v a associação que concomitantemente esteja constituída há pelo menos 1 um ano nos termos da lei civil e inclua entre suas finalidades institucionais a proteção ao meio ambiente ao consumidor à ordem econômica à livre concorrência ou ao patrimônio artístico estético histórico turístico e paisagístico art 5º da Lei 73471985 O Ministério Público se não intervier no processo como parte atuará obrigatoriamente como fiscal da lei Fica facultado ao Poder Público e a outras associações legitimadas habilitaremse como litisconsortes de qualquer das partes Nada obsta ao litisconsórcio facultativo entre os Ministérios Públicos da União do Distrito Federal e dos Estados Pode o juiz por fim dispensar o requisito da pré constituição da associação quando haja manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou característica do ilícito ou do dano ou pela relevância do bem jurídico a ser protegido Grassa na doutrina brasileira controvérsia a respeito da possibilidade de controle jurisdicional da legitimação coletiva A discussão está em saber se é possível ou não controlar a representação adequada do legitimado para condução do processo coletivo 382 A resposta é positiva Como a legitimação coletiva diz respeito à aptidão do legitimado para exercer de forma adequada todas as posições inerentes ao processo justo é preciso aferir a representação adequada e pois a legitimação para causa duplamente primeiro em abstrato a partir da legislação segundo em concreto a partir do caso concreto mediante análise justificada do juiz Todos os legitimados às ações coletivas estão submetidos ao controle jurisdicional da representação adequada inclusive o Ministério Público e a Defensoria Pública São critérios para tanto i a posição do legitimado diante do direito material defendido em juízo afinidade temática e ii a credibilidade a capacidade técnica e a capacidade financeira do legitimado A ausência de representação adequada desautoriza a condução do processo pelo simples legitimado legal 664 Conformação infraconstitucional No desenho infraconstitucional da ação civil pública duas questões chamam sobremaneira atenção i a possibilidade de utilização de técnica antecipatória arts 4º e 12 da Lei 73471985 e ii o alcance da coisa julgada arts 16 da Lei 73471985 e 103 da Lei 80781990 Como técnica processual inerente à conformação do processo justo e muito especialmente do direito à tutela jurisdicional adequada e efetiva a técnica antecipatória é essencial para realização ou acautelamento dos direitos É por essa razão que o legislador prevê de forma expressa a possibilidade de obtenção de tutela antecipada satisfativa art 12 da Lei 73471985 ou cautelar art 4º da Lei 73471985 no âmbito da ação civil pública O art 4º refere que poderá ser ajuizada ação cautelar objetivando inclusive evitar o dano O art 12 afirma que poderá o juiz conceder mandado liminar com ou sem justificação prévia A legislação como facilmente se percebe incorre em um duplo equívoco a uma porque fala em evitar o dano quando é amplamente sabido que a tutela preventiva referese ao ato ilícito e não ao fato danoso A duas pressupõe que o meio processual adequado para prestação da tutela preventiva é a ação cautelar quando é sabido que a tutela cautelar tem caráter meramente assecuratório com o que não tem o condão de evitar o ilícito visando apenas a acautelar o dano Se a parte pretende realizar desde logo o direito afirmado em juízo a técnica antecipatória prestase a antecipar a tutela satisfativa do direito Se contudo pretende apenas assegurar a possibilidade de realizálo eventualmente no futuro a técnica antecipatória possibilita a antecipação da tutela cautelar Em ambos os casos na sentença final o juiz disporá sobre a sorte da providência tomada sob cognição sumária confirmandoa ou revogandoa 383 Embora a Lei 73471985 não faça alusão à possibilidade de emprego da técnica antecipatória em face do oferecimento de defesa inconsistente pelo demandado art 311 I do CPC de 2015 nem possibilite expressamente tutela definitiva da parcela incontroversa da demanda art 356 do CPC de 2015 é absolutamente certa a possibilidade de se empregarem semelhantes técnicas processuais para promoção da adequação e da tempestividade da tutela jurisdicional Sendo o Código de Processo Civil o nosso direito processual comum a densificação com vocação mais expansiva do direito fundamental ao processo justo é natural a utilização das técnicas nele previstas para todo o direito processual civil brasileiro Encetase aí um diálogo entre as fontes do processo civil brasileiro A coisa julgada na ação civil pública segue o regime comum da coisa julgada no processo coletivo É secundum eventum probationis vale dizer formase apenas se a prova for suficiente para adequada cognição das alegações E é ultra partes no caso de direitos coletivos art 103 II da Lei 80781990 e erga omnes no caso de direitos difusos art 103 I da Lei 80781990 384 e no caso de direitos individuais homogêneos com extensão secundum eventum litis art 103 III da Lei 80781990 A extensão subjetiva da coisa julgada é secundum eventum litis e não a sua formação 385 O art 16 da Lei 73471985 prescreve que a sentença civil fará coisa julgada erga omnes na ação civil pública circunscrita contudo aos limites da competência territorial do órgão prolator A norma é flagrantemente inconstitucional por ofensa à igualdade de todos perante o direito art 5º I da CF Além disso é contrária ao espírito do processo coletivo cuja missão está em promover tratamento molecular dos litígios em detrimento da fragmentação das demandas 386 Vale dizer a coisa julgada na ação civil pública opera na exata extensão do direito litigioso desconhecendo as fronteiras artificialmente construídas para amainar a sua eficácia social Como bem observa a doutrina aceitar a constitucionalidade do art 16 da Lei 73471985 é o mesmo que aceitar que uma fruta só é vermelha em certo lugar do País 387 É um contrassenso 7 DA ORGANIZAÇÃO DO ESTADO E DA REPARTIÇÃO DE COMPETÊNCIAS Ingo Wolfgang Sarlet I DA ORGANIZAÇÃO DO ESTADO 71 O Estado Federal no âmbito da teoria e prática das formas de Estado noções gerais e introdutórias A doutrina do federalismo e a noção de um Estado Federal constituem como já tem sido repetidamente lembrado possivelmente o mais significativo aporte do constitucionalismo e do pensamento político norteamericano tanto para a teoria quanto para a prática do Estado moderno Com efeito ao tempo de sua invenção Diferentemente do Estado Unitário mesmo na forma descentralizada e da Confederação ou mesmo da União de Estados tipologias que igualmente como é o caso do próprio Estado Federal não podem ser reconduzidas a um padrão único e fechado 390 mas correspondem a modelos abertos e caracterizados por alguns traços comuns que os identificam quanto aos seus traços essenciais o Estado Federal ou simplesmente Federação apresenta características próprias e distintas Ao passo que o Estado Unitário que constitui uma forma estatal simples se caracteriza por uma estrutura de poder única mais ou menos centralizada e uma ordem jurídica visto que toda a autoridade é central a Confederação e a União de Estados formas ditas compostas ou complexas consistem sempre na reunião de Estados que seguem soberanos e independentes e que individualmente podem ser tanto Estados Unitários quanto Federações mas que se unem em torno de determinados fins e mediante pactos regidos pelo direito internacional público 391 Aspecto a ser relevado ainda no plano das distinções é que a descentralização que se verifica nos Estados do tipo unitário embora possa atingir níveis significativos não implica uma autonomia no sentido do exercício de competências reservadas e exclusivas na esfera da unidade administrativa descentralizada diferentemente do que veio a se afirmar com a introdução da Federação cuja nota distintiva dentre outros aspectos a serem ainda destacados reside precisamente no tipo de descentralização notadamente mediante a criação de unidades de poder dotadas de um particular tipo de autonomia e autoorganização como é o caso dos assim chamados estadosmembros da Federação ou estados federados e no Brasil dos Municípios e do Distrito Federal 392 De todo modo as diferenças entre os Estados Unitários e os Estados Federais não são sempre fáceis de serem devidamente identificadas seja pelos distintos níveis de descentralização e desconcentração verificados em diversos Estados convencionalmente rotulados de unitários bastaria aqui apontar para o exemplo da Espanha seja pelo fato de que também entre os Estados Federais existem diferenças importantes bastaria comparar grosseiramente o Brasil com os Estados Unidos da América ou mesmo com a nossa vizinha Argentina Por outro lado não se pode olvidar que a noção de Estado Federal é também uma noção um conceito de caráter normativo que deve ser compreendido a partir da formatação específica tomada por cada Estado Federal em sua concreta ordem constitucional ainda que existam elementos comuns que possam ser identificados como sendo determinantes para que um determinado Estado possa ser designado de Federal 393 Também por esta razão é preciso distinguir entre o Estado Federal a Federação na condição de modo concreto e constitucionalmente determinado de organização e estruturação estatal do assim chamado federalismo que é precisamente a ideologia teoria que estabelece as diretrizes gerais do modelo federativo de Estado bem como do princípio federalista ou federativo que na condição de princípio geral e estruturante de caráter jurídicoobjetivo transporta a doutrina de base do federalismo para plano constitucional 394 Com efeito é no âmbito de uma constituição determinada que mediante um conjunto de outros princípios e especialmente regras de caráter organizatório um Estado Federal em concreto assume sua particular forma e conteúdo que contudo sempre é marcado por um maior ou menor dinamismo tendo em conta que a própria configuração concreta do Estado Federal por exemplo no que toca aos ingredientes da autoorganização das unidades federativas a extensão das respectivas competências etc costuma sofrer ajustes ao longo do tempo como bem ilustram diversas reformas federativas realizadas em todo o mundo A partir das sumárias considerações precedentes renunciando se a qualquer pretensão de aqui aprofundar a própria noção de formas de Estado e a sua classificação até mesmo pelo fato de que uma classificação precisa não se revela possível 395 o que se pretende é deixar claro que as diferenças entre o Estado Federal e as demais tipologias designadamente o Estado Unitário e a Confederação serão adequadamente compreendidas mediante a identificação e apresentação dos elementos nucleares que permitem seja um determinado Estado qualificado como sendo uma Federação É o que será levado a efeito no próximo item 72 Elementos nucleares qualificadores do Estado Federal Como já referido o Estado Federal corresponde a uma forma peculiar de Estado que embora tenha assumido dimensões significativamente distintas em diversos lugares ao longo do tempo a depender da configuração concreta que lhe tem sido imprimida por cada ordem constitucional assume a condição de um modelo caracterizado por alguns elementos comuns presentes embora também com sua respectiva modulação concreta em todo e qualquer Estado que possa ostentar o adjetivo de Federal 396 Tais elementos comuns que podem ser designados de elementos nucleares ou determinantes do Estado Federal e que ademais disso correspondem ao núcleo essencial do próprio princípio federativo também permitem diferenciar o Estado Federal dos outros modelos ou tipos de formas de Estado tal como esquematicamente já esboçado no item anterior Nesse contexto e a formação do federalismo norteamericano bem o atesta é preciso iniciar enfatizando que o sentido e a natureza do princípio federativo e portanto do Estado Federal residem na preservação e garantia da diversidade regional no âmbito interno do território estatal e da pluralidade mediante descentralização do exercício do poder 397 O Estado Federal é portanto sempre um Estado descentralizado mas a sua descentralização como adiantado é distinta daquela que se verifica no caso dos assim chamados Estados unitários ou simples de modo que é preciso tomar com reservas ou pelo menos ler de forma adequada a afirmação de Hans Kelsen quando sugere que a diferença entre o Estado Federal e o Estado Unitário reside apenas no maior grau de descentralização 398 Ainda que tal assertiva possa até mesmo encontrar ressonância à vista de algumas experiências concretas existem critérios que permitem diferenciar uma tipologia da outra designadamente no âmbito dos elementos essenciais que qualificam um autêntico Estado Federal Nesse sentido calha referir a lição de Luís Roberto Barroso quando bem recorda que a distinção entre o Estado Federal e o Estado Unitário descentralizado por maior que seja esta descentralização poderíamos agregar não reside na descentralização em si mas na origem jurídica dos poderes exercidos pelas unidades federadas 399 Assim há que sublinhar que o Estado Federal é caracterizado pelo menos na sua versão clássica e que ainda hoje corresponde à regra geral 400 pela superposição de duas ordens jurídicas designadamente a federal representada pela União e a federada representada pelos Estadosmembros cujas respectivas esferas de atribuição são determinadas pelos critérios de repartição de competências constitucionalmente estabelecidos 401 O Estado Federal portanto é formado por duas ordens jurídicas parciais a da União e a dos Estadosmembros que articuladas e conjugadas constituem a ordem jurídica total ou seja o próprio Estado Federal 402 Dito de outro modo o princípio federativo e o Estado Federal a ele correspondente tem por elemento informador e aqui valemonos das palavras de Cármen Lúcia Antunes Rocha a pluralidade consorciada e coordenada de mais de uma ordem jurídica incidente sobre um mesmo território estatal posta cada qual no âmbito de competências previamente definidas 403 Cuidase nesse sentido de um pluralismo do tipo territorial levado a efeito mediante um sistema de distribuição do exercício de poder entre as unidades territoriais 404 Disso resulta o que se tem designado uma espécie de separação vertical de poderes 405 mediante a limitação recíproca estabelecida pela distinção entre a União poder central e os Estadosmembros na condição de integrantes do conjunto designado Estado Federal tudo mediante um sistema de repartição de competências e que encontra seu fundamento primeiro e vinculativo na Constituição Federal Dito de outro modo o modo de estruturação e distribuição territorial do poder no Estado Federal implica uma particular forma de limitação do poder e da autoridade 406 À vista do exposto já se pode perceber que diferentemente do que ocorre com outra forma composta de Estado a Confederação na qual também se verifica a convivência de ordens jurídicas mas no sentido da reunião de diversos Estados nacionais soberanos que se articulam inclusive por tempo indeterminado em torno de determinados fins e por vezes mediante cessões parciais em prol de outro ente dos atributos da soberania é por tal razão que a União Europeia costuma ser enquadrada nesse modelo no âmbito do Estado Federal apenas a ordem nacional a conjugação da União e dos Estados é soberana de tal sorte que as entidades parciais no caso os Estadosmembros não são soberanas embora gozem de um particular tipo de autonomia 407 Por isso é que assiste razão aos que refutam a noção vez por outra defendida na teoria constitucional de que a distribuição do poder típica do federalismo poderia ser compreendida como uma espécie de dupla soberania repartida entre a União e os Estadosmembros já que apenas o Estado Federal como um todo é soberano 408 Segue atual nesse contexto a lição de Pontes de Miranda quando afirma que o Estado a que se chama federal é por dentro união por fora unidade como todos os outros grifos do autor 409 Mas também de modo diverso do que se dá com as confederações ou outras formas de união entre Estados nas quais a sua dissolução total ou parcial mediante a retirada de um ou mais dos seus integrantes é possível o Estado Federal se caracteriza pelo menos em regra e aí um dos seus traços essenciais por uma proibição de secessão 410 Isso significa que uma vez constituída a Federação não é possível a retirada por parte das unidades federadas cuja autonomia e não soberania consoante já frisado não engloba tal possibilidade de tal sorte que a indissolubilidade do vínculo federativo é precisamente um dos seus principais elementos essenciais 411 Aliás assim bem o demonstra o caso brasileiro onde o caráter indissolúvel da Federação encontrou expressa previsão no texto constitucional e o princípio federativo assume a condição de cláusula pétrea sem prejuízo de outras garantias como é o caso do instituto da intervenção da União nos Estadosmembros aspectos que ainda serão objeto de atenção quando da análise do Estado Federal na CF Precisamente é a autonomia assegurada por uma constituição rígida no sentido de uma autonomia constitucionalmente fundada e conformada 412 e que consiste essencialmente nos poderes de auto organização incluída a autolegislação e autogoverno este abarcando a autoadministração das unidades federadas a principal nota distintiva e elemento essencial da forma federativa de Estado e sem a qual o Estado Federal deixa de existir 413 Ainda que também a autonomia e os seus respectivos ingredientes não obedeçam a um padrão uniforme muito antes pelo contrário encontram conformação muito diferenciada nos diversos Estados Federais também aqui é possível identificar alguns traços comuns e que por sua vez merecem rápida explicitação Considerando que o Estado Federal é uma forma composta complexa de Estado num certo sentido um Estado formado de Estados de tal sorte que tanto a unidade nacional soberana ou seja o Estado Federal como um todo quanto os Estadosmembros embora não da mesma maneira possuem qualidade estatal 414 uma das características distintivas da autonomia atribuída constitucionalmente aos últimos reside no que diz com a auto organização na existência de um poder constituinte habitualmente designado como de natureza decorrente e sempre derivada por parte dos Estadosmembros no sentido de elaborarem observados os limites postos pela Constituição Federal a sua própria constituição 415 Com efeito valendonos aqui do escólio de Raul Machado Horta a autonomia constitucional do Estadomembro implica uma atividade do tipo constituinte ainda que esta precisamente por se tratar de um poder limitado pela própria Constituição Federal que o institui não corresponda integralmente ao poder constituinte originário 416 Convém frisar todavia que embora a autoorganização tenha no poder constituinte estadual a sua expressão essencial nela não se esgota pois engloba o poder de legislar de modo mais amplo ou seja a existência de uma legislação estadual própria e exercida mediante e nos limites de um sistema constitucional de repartição de competências entre a União e as unidades federadas autônomas Nesse sentido o poder de autolegislação pode ser considerado um desdobramento do poder de autoorganização que é mais amplo No caso brasileiro como se verá com mais detalhes logo adiante o poder de autoorganização e de autolegislação assim como os demais elementos essenciais do Estado Federal se fazem presentes nas demais unidades federadas como é o caso dos Municípios e do Distrito Federal Ainda nesse contexto importa destacar que o poder legislativo constitucional e infraconstitucional dos Estadosmembros e das demais unidades federadas quando for o caso não implica propriamente num sistema de hierarquia entre as legislações da União e das demais entidades federativas mas sim num sistema onde os conflitos são resolvidos pelos seus próprios critérios decorrentes da repartição de competências por exemplo pelo fato de a União legislar sobre questões regionais ou locais 417 podendo todavia resultar num juízo de inconstitucionalidade precisamente por ofensa ao sistema constitucional de distribuição das competências legislativas o que neste sentido específico importa numa relação de hierarquia estabelecida entre a Constituição e a normativa infraconstitucional A capacidade de autogoverno à qual pode para facilitar a compreensão ser associada a capacidade de autoadministração também constitui elemento essencial da autonomia que caracteriza a peculiar descentralização do Estado Federal Em síntese a capacidade de autogoverno consiste na existência de órgãos governamentais próprios ao nível de cada entidade federada autônoma e que não dependem dos órgãos federais no que diz com a sua forma de seleção e investidura 418 para além de exercerem atribuições próprias de governança administração na sua respectiva esfera de suas competências Por fim a participação dos Estadosmembros na vontade federal constitui também um dos elementos essenciais do federalismo e da forma federativa de Estado de modo a assegurar tanto as partes quanto o conjunto e a integração a partir de uma Constituição Federal 419 outrossim tal participação pode se dar de diferentes maneiras mas essencialmente importa a participação na produção legislativa de âmbito nacional e na escolha do chefe do Poder Executivo A instituição do Senado Federal a exemplo do que se deu nos EUA que consiste precisamente na representação paritária dos Estadosmembros em uma das Casas do Poder Legislativo assim como ocorre com a possibilidade de os Estadosmembros apresentarem propostas de emenda à Constituição Federal são os exemplos mais tradicionais e também incorporados no caso brasileiro no que diz com tal participação O Presidente da República também é eleito por todos os brasileiros aptos a votar Calha recordar ademais que a participação por meio do Senado inclusive era considerada como cláusula pétrea em constituições brasileiras anteriores Assim em caráter de síntese é possível identificar os elementos que em regra são considerados essenciais do Estado Federal a a soberania é atributo apenas do Estado Federal considerado no seu conjunto ao passo que as unidades federadas dispõem apenas de autonomia b todo Estado Federal possui uma Constituição Federal que por sua vez estabelece quais são os entes federativos e qual a sua respectiva autonomia c o Estado Federal é portanto sempre um Estado composto formado pelo menos pela União e por EstadosMembros no sentido de uma convivência de ordens parciais mas unidas por uma Constituição Federal d as unidades da Federação são sempre dotadas de autonomia autonomia que encontra seu fundamento e seus limites na Constituição Federal e que implica tanto a capacidade de auto organização incluindo a prerrogativa dos Estadosmembros de se darem a sua própria Constituição Estadual no âmbito do poder constituinte decorrente e autolegislação quanto à capacidade de autogoverno e de autoadministração e a autonomia e os seus elementos essenciais auto organização e autogoverno implicam uma repartição de competências legislativas e administrativas constitucionalmente assegurada no âmbito da Constituição Federal f a participação dos Estadosmembros na formação e exercício da vontade federal g a proibição de dissolução da Federação mediante a vedação de um direito de secessão por parte dos entes federativos Embora em geral não versado neste contexto merece atenção outro aspecto qual seja o que diz respeito à noção de um federalismo cooperativo que nada obstante tenha sido muito difundida e correntemente utilizada para qualificar um determinado tipo de Estado Federal e não propriamente na condição de elemento essencial da Federação carece de uma breve apresentação e de alguma problematização sem que se possa à evidência aprofundar o tópico A noção de um federalismo cooperativo que tem sua origem nos EUA mas que também foi objeto de particular desenvolvimento na experiência constitucional germânica sob a égide da Lei Fundamental de 1949 tem por finalidade a atuação conjunta tanto das unidades federadas entre si União e Estadosmembros no Brasil também o DF e os Municípios quanto dos Estados entre si com o intuito de permitir um planejamento e atuação conjunto e integrado em prol da consecução de objetivos comuns do desenvolvimento e do bemestar no plano mais amplo do Estado Federal sem afetar os níveis de autonomia de cada unidade da Federação 420 Dito de outro modo o federalismo cooperativo busca compensar ou pelo menos mitigar em prol da eficiência na consecução dos objetivos estatais mediante mecanismos de cooperação e harmonização no exercício das competências legislativas e administrativas as dificuldades inerentes ao modelo de repartição de competências e do elevado grau de autonomia das unidades da Federação 421 Isso se revela ainda mais necessário no contexto de um Estado Social de caráter intervencionista e voltado à consecução de políticas públicas especialmente na área econômica e social exigindo certa unidade de planejamento e direção 422 Mas ao mesmo tempo pelo fato de que a cooperação entre os entes federados pode acarretar alguns problemas como é o caso da afetação dos níveis de participação em termos de cidadania ativa nas unidades federativas deve a cooperação se dar nos estritos limites da ordem constitucional não se devendo ademais incorrer no equívoco de ver no federalismo cooperativo uma espécie de panaceia para todos os males mas sim um instrumento de aperfeiçoamento da funcionalidade do Estado Federal 423 Tendo em conta de outra parte que os mecanismos de cooperação se estabelecem em todos os níveis no âmbito da Federação é possível distinguir uma dimensão horizontal que se dá nas relações entre os Estadosmembros ou no caso do Brasil eventualmente entre os Municípios de uma dimensão vertical do federalismo cooperativo que é a que se verifica quando em causa a cooperação entre a União e os Estadosmembros eou Municípios 424 Além disso são diversas as formas e a respectiva intensidade pelas quais se dá a cooperação em concreto entre os entes da Federação que poderão se dar tanto na esfera de pactos acordos de diversa natureza e conteúdo mediante o exercício de competências legislativas e administrativas compartilhadas intercâmbio de informações reuniões conjuntas criação de órgãos interestaduais etc tudo de acordo com o disposto na própria Constituição e na legislação infraconstitucional 425 Já por tal razão mas em especial pelas peculiaridades de cada Estado Federal inclusive no que diz com a forma e sistema de governo sistema partidário e eleitoral pois tais aspectos aqui também têm influência o federalismo cooperativo é uma ideia a ser implantada em concreto e sem que se possa aqui falar de um modelo ideal Resulta evidente que as dificuldades crescem quando se insere uma terceira esfera na estrutura federal como se deu no Brasil com os Municípios pois não apenas no plano corriqueiro da repartição de competências aumenta a complexidade como se torna mais difícil embutir mecanismos efetivos e equilibrados de cooperação A nota crítica que se pretende embutir e também a razão de inserir a questão do federalismo cooperativo nesse contexto diz com o fato de que o federalismo e o Estado Federal assim como também se dá no caso das Confederações que precisamente representam uniões de Estados em torno de determinados objetivos pressupõem e apenas fazem sentido se houver cooperação e em prol mesmo da cooperação entre as entidades federadas Assim Federação implica e impõe cooperação de tal sorte que a cooperação o mesmo se poderia dizer da subsidiariedade constitui um princípio e dever estruturante do Estado Federal podendo assumir nessa perspectiva inclusive a dimensão de um elemento essencial ao Estado Federal pois não há como existir um Estado Federal sem algum nível efetivo de cooperação Nesse sentido a expressão federalismo cooperativo representa um pleonasmo no sentido empregado por Houaiss redundância de termos no âmbito das palavras mas de emprego legítimo em certos casos pois confere maior vigor ao que está sendo expresso pois todo Estado Federal é de algum modo cooperativo pois o federalismo se caracteriza como o sistema político em que um Estado Federal compartilha as competências constitucionais com os Estadosmembros autônomos em seus próprios domínios de competência É claro que existem níveis de intensidade pelos quais se dá a cooperação como já adiantado de tal sorte que a noção de federalismo cooperativo se seguir sendo utilizada poderá fazer sentido útil quando referida a um Estado Federal no qual os níveis de cooperação inclusive e especialmente os instrumentos disponibilizados pela Constituição e pela legislação infraconstitucional se revelem particularmente intensos De todo modo tratase de temática a merecer maior reflexão e desenvolvimento Assim uma vez apresentados os traços essenciais do Estado Federal é o caso de no próximo segmento identificar e analisar a forma específica assumida pela Federação no âmbito do direito constitucional positivo brasileiro vigente 73 O Estado Federal na Constituição de 1988 731 Breve notícia histórica formas de Estado e a trajetória do Federalismo no direito constitucional brasileiro Embora a divisão do território brasileiro em doze capitanias hereditárias já tenha sido apontada equivocadamente como expressão de uma espécie de vocação federalista 426 o fato é que a primeira forma de Estado adotada pelo Brasil independente conformada juridicamente na e pela Constituição Imperial de 1824 foi a de um Estado Unitário Já durante a constituinte de 1823 logo dissolvida por Dom Pedro I o então projeto de constituição no seu art 1º solenemente previa que o Império do Brasil é Uno e Indivisível o que acabou prevalecendo também no texto outorgado em 25031824 que assumiu perfil altamente centralizador seja em virtude dos interesses econômicos e políticos da Coroa e de boa parte dos Portugueses que se estabeleceram no Brasil seja pela associação entre a figura de um Estado Unitário e a centralização com a Monarquia como forma de governo 427 Dentre outros pontos que podem ser destacados situase a circunstância de que o Imperador nomeava e removia livremente o Presidente das Províncias art 165 além da forte limitação à autonomia legislativa provincial mesmo quanto aos assuntos regionais o que acabou inclusive gerando movimentos de resistência e mesmo revoltas como foi o caso da famosa e tragicamente findada Confederação do Equador liderada entre outros por Frei Caneca 428 Mas ainda durante o período monárquico os níveis de centralização sofreram significativa alteração dando lugar especialmente após a abdicação de Pedro I a uma tendência descentralizadora inclusive cogitandose da criação de uma Monarquia Federativa resultando num fortalecimento do poder das províncias que passaram a ser dotadas de um Poder Legislativo próprio e algum poder sobre os Municípios especialmente a partir do Ato Adicional de agosto de 1834 que logo adiante acabou sendo substituído por novo movimento de centralização levado a efeito por Dom Pedro II em 1840 mediante uma reinterpretação daquela legislação Lei de Interpretação do Ato Adicional de tal sorte que a despeito de alguma alternância entre centralização e descentralização foi a primeira quem prevaleceu no período Imperial 429 Todavia a reação não deixou de se fazer presente destacando se o Manifesto Republicano de 1870 430 que pregava a adoção do modelo federativo com base na experiência norteamericana e que atribuía à centralização a pecha de um entrave ao desenvolvimento reação que acabou quase vinte anos depois no âmbito de um contexto favorável por várias razões ao republicanismo e federalismo culminando na Proclamação da República e na implantação de um Estado Federal no Brasil por meio do Dec 1 de 15111889 431 A opção federalista confirmada e conformada pela primeira Constituição Federal republicana de 1891 assumiu por motivos diversos feição muito distinta daquela que se verificou em outros locais de acordo com o que bem ilustra precisamente o caso norte americano berço do federalismo e fonte de inspiração dos constituintes de 1891 que fundaram a República dos Estados Unidos do Brasil Com efeito ao passo que o Estado Federal na América do Norte surgiu da reunião entre Estados independentes e soberanos que abdicaram de sua soberania em prol do Estado Federal no caso brasileiro a Federação foi criada a partir de uma experiência unitarista e centralizadora o que aliás é de todos conhecido refletindo ao longo da experiência republicana e das diferentes constituições desde então para além de outros aspectos na própria formatação do Estado Federal brasileiro que a exemplo de outras experiências não observou um modelo estático tanto quanto ao nível de centralização como em virtude de períodos de grave instabilidade política basta recordar entre outros as duas revoltas federalistas no Rio Grande do Sul e a Revolução de 1930 crise da democracia movimentos de forte centralização e mesmo períodos de autoritarismo aqui com destaque para a Ditadura do Estado Novo e o Regime Militar de 19641985 432 Embora o processo de centralização e de ingerência da União tenha sido tão agudo que se chegou a afirmar que o constituinte de 1988 recebeu de herança quase um Estado Unitário o ideário federalista e a correspondente opção pela forma federativa de Estado sobreviveram tendo sido objeto de recepção e importante reformatação na vigente Constituição Federal de 1988 433 A primeira mudança de impacto que de resto não deixou de receber críticas foi a inclusão dos Municípios na condição de unidades da Federação o que contudo assim como os demais aspectos relativos ao Estado Federal na atual CF será objeto de apresentação e análise logo na sequência 732 Principais novidades a inclusão do Município como ente federativo e o aperfeiçoamento do assim chamado federalismo cooperativo Como já referido a despeito da importância já assumida pelos Municípios no constitucionalismo republicano anterior a CF inovou ao erigir o Município à condição de unidade ente federativa ao lado da União dos Estados e do Distrito Federal este último com um estatuto especial como logo mais será visto Como bem leciona Gilberto Bercovici ao passo que nas Constituições federativas anteriores os Municípios tinham governo e competências próprios cabendo aos Estados o poder de criar e organizar os Municípios na Carta de 1988 os Municípios foram contemplados expressamente com o poder de autoorganização mediante a elaboração de uma Lei Orgânica tal como disposto no art 29 da CF 434 Nas palavras de Paulo Bonavides as prescrições do novo estatuto fundamental de 1988 a respeito da autonomia municipal configuram indubitavelmente o mais notável avanço de proteção e abrangência já recebido por esse instituto em todas as épocas constitucionais de nossa história 435 Muito embora tal entusiasmo não tenha por todos sido compartilhado como é o caso de José Afonso da Silva para quem dentre outras críticas não se pode genuinamente falar de uma federação de Municípios mas apenas de Estados pois nem toda autonomia constitucional implica a condição de autêntico membro de uma Federação e os Municípios seguem sendo segundo o autor divisões dos Estados que possuem a prerrogativa de legislar sobre sua criação incorporação fusão e desmembramento 436 o fato é que sem prejuízo da força argumentativa das razões em contrário a CF no já referido art 1º estabeleceu de modo vinculativo que A República Federativa do Brasil formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal constituise em Estado Democrático de Direito Mais adiante no art 18 consta que todas as quatro unidades federadas são autônomas nos termos da CF Assim além da capacidade de autoorganização municipal já destacada e isso mesmo que possa variar o número de Municípios visto que podem ser criados e mesmo extintos a figura do Município como tal assim como a sua correspondente autonomia constitucional encontrase abrangido pelo manto da indissolubilidade integrando de outra parte o conjunto dos elementos nucleares do princípio federativo na condição de cláusula pétrea não podendo tal autonomia ser suprimida e mesmo esvaziada por emenda constitucional 437 Nesse contexto correta a afirmação de Cármen Lúcia Antunes Rocha quando diz que a Federação não apenas se restaurou com a Lei Fundamental de 1988 Antes ela se recriou nessa Constituição 438 Tal recriação implicou a superação do tradicional modelo dual de Estado Federal União e Estadosmembros mediante a implantação de uma estrutura tríplice ou de três níveis precisamente em face da incorporação dos Municípios como nova dimensão básica 439 Mas os detalhes sobre o conteúdo da autonomia municipal em todas as suas dimensões bem como outros aspectos do regime jurídicoconstitucional dos Municípios e dos demais entes da Federação serão objeto de atenção mais adiante Além disso quanto ao Distrito Federal embora se trate de um quarto membro da Federação importa sublinhar que isso não significa a existência de um quarto nível no que diz respeito à estrutura federativa brasileira Isso se deve ao fato de que o Distrito Federal é dotado de um estatuto especial acumulando em diversos casos competências dos Estados e dos Municípios440 Outra novidade que contudo remanesce controversa quanto ao seu nível de efeti vidade mas que não poderia deixar de ser destacada pela sua relevância foi a aposta do Constituinte de 1987 88 no aperfeiçoamento dos instrumentos de cooperação típicos e necessários a uma Federação que mereça ostentar este título É o que como já visto se convencionou designar de um federalismo do tipo cooperativo 441 Isso se deu mediante a inserção no art 23 da CF da previsão de uma série de competências legislativas comuns entre a União Estados Distrito Federal e Municípios Todavia como bem refere Gilberto Bercovici o problema é que o parágrafo único do dispositivo citado também prevê a edição de lei complementar fixando normas para a cooperação entre os entes da Federação tendo em mente o equilíbrio do desenvolvimento e do bemestar em âmbito nacional lei complementar que até o momento não foi elaborada 442 Isso não significa que aspectos de tal modelo de cooperação não tenham sido implantados como se verifica de modo meramente ilustrativo em matéria ambiental inclusive mediante a edição de diplomas legislativos na forma de lei complementar 443 mas apenas quer dizer que o Brasil ainda está longe de realizar na dimensão desejável o projeto original do constituinte também nessa seara 733 A Federação como cláusula pétrea art 60 4 I da CF os assim chamados princípios sensíveis art 34 VII da CF e o instituto das vedações constitucionais art 19 da CF Na condição de princípio fundamental de caráter geral e estruturante o princípio federativo e a correspondente forma federativa de Estado foram seguindo a tradição constitucional pretérita incluídos de acordo com o disposto no art 60 4º I da CF no elenco dos limites materiais ao poder de reforma constitucional ou seja das assim designadas cláusulas pétreas o que significa que nem mesmo mediante uma emenda constitucional aprovada por unanimidade no Congresso Nacional poderá o Estado Federal ser extinto no Brasil Com isso como já referido alhures se está também a assegurar de modo particularmente rigoroso o caráter indissolúvel da Federação tal como enunciado já no art 1º da CF Mas a condição de cláusula pétrea como já se teve ocasião de elucidar no capítulo próprio no âmbito da teoria da constituição assegura mais do que uma proibição de abolição do instituto ou instituição previsto na CF abarcando a proibição até mesmo de medidas restritivas que embora não venham a suprimir o conteúdo protegido o afetem em seus elementos essenciais É por tal razão e o STF assim já decidiu na matéria que eventuais ajustes no esque ma federativo como por exemplo na repartição constitucional de competências não necessa riamente implicam ofensa ao princípio federativo e ao Estado Federal desde que o preservem quanto ao seu conteúdo essencial 444 Dito de outro modo o que está em definitivo subtraído à disposição do legisla dor e do poder de reforma da constituição é a essência da autonomia constitucional das unidades federadas nas modalidades de auto organização e autogoverno assim como a possibilidade de transformação do Estado Federal em um Estado Unitário ou mesmo a retirada de uma das unidades da Federação Por evidente aqui se trata apenas de um quadro geral pois eventual nível de afetação dos aspectos essenciais ao Estado Federal sempre haverá de ter em conta a particular conformação deste Estado na CF brasileira e o conteúdo concreto de cada ajuste levado a efeito Nesse contexto assumem relevo também os assim chamados princípios sensíveis da Federação que a despeito da existência de uma vinculação não se confundem com os ele mentos essenciais do Estado Federal e que corresponde por assim dizer aos seus elementos estruturantes como é o caso da autonomia dos entes federados e da proibição de secessão Notese que os princípios sensíveis da Federação correspondem essencial mente àqueles elencados no inciso VII do art 34 da CF e que em caso de sua violação en sejam a utilização do instituto da Intervenção Federal Os princípios sensíveis objetivam portanto assegurar certa unidade em termos de princípios organizativos além de indispensáveis para a preservação da identidade da Federação 445 razão pela qual tais princípios incluem entre outros a forma republicana de governo e o sistema democráticorepresentativo Não sendo o caso aqui de aprofundar o exame de tais princípios que serão novamente considerados quando do exame do instituto da intervenção cabe subli nhar que a inserção de tais princípios no conjunto das causas motivadoras da Federação bem releva que esta não se reduz a uma estrutura formal de repartição de competências mas assume pleno sentido apenas quando coordenada com outros valores e princípios Mas o constituinte foi além especialmente no que diz respeito à preservação de sua integridade do necessário equilíbrio interno e da própria paridade entre os entes federativos Foi com tal objetivo que o art 19 da CF estabeleceu um conjunto de vedações constitucionais direcionadas a todos os integrantes da Federação União Estados Municípios e DF e de observância cogente A primeira das vedações art 19 I da CF consiste essencialmente na afirmação de que a República Federativa do Brasil é um Estado Laico que embora não tenha de ser um Estado hostil ou mesmo indiferente ao fenômeno religioso 446 implica um leque de desdobramentos em parte expressamente normatizados no dispositivo referido de acordo com o qual é vedado a qualquer entidade da Federação estabelecer cultos religiosos ou igrejas subvencionálos embaraçar o seu funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança ressalvada na forma da lei a colaboração de interesse público Assim ao passo que o Estado em todos os níveis da Federação deve assumir uma postura neutra não proativa em matéria religiosa 447 não podendo ele próprio exercer atividade religiosa e nem mesmo promover mediante oferta de incentivos a criação ou manutenção de atividades de cunho religioso a vedação também abarca uma garantia da liberdade religiosa seja na dimensão institucional seja na sua perspectiva individual podemos agregar pois também é vedado aos entes federativos toda e qualquer forma de embaraço no que diz com o funcionamento das entidades religiosas o que por sua vez reflete no exercício da liberdade de culto A manutenção de relações de dependência ou aliança com entidades religiosas contudo pode ser excepcionada desde que nos termos de lei editada pela entidade federada envolvida notadamente quando a colaboração se justifica para preservação do interesse público Aqui se insere por exemplo a polêmica em torno de acordos tratados entre o poder público e entidades religiosas como é o caso da Concordata entre o Estado brasileiro e o Vaticano 448 aspecto que aqui contudo não temos como desenvolver remetendo para tanto e também no que diz com os demais aspectos envolvendo a liberdade religiosa ao item específico deste curso direitos fundamentais em espécie e à literatura especializada A segunda vedação art 19 II da CF consiste na proibição de que seja recusada fé aos documentos públicos emitidos por qualquer ente público de qualquer uma das entidades da Federação Isso com o objetivo de assegurar a necessária credibilidade de tais documentos em todo o Estado Federal de modo a estarem aptos a servirem de prova e valerem formal e materialmente perante qualquer órgão público de qualquer um dos entes federativos 449 Tal prescrição contudo ademais de garantir maior segurança aos particulares detentores ou destinatários de tais atos assegura um regime de necessária e saudável reciprocidade entre os entes da Federação e suas respectivas repartições públicas não afastando a depender do caso a possibilidade de uma verificação sumária dos requisitos essenciais extrínsecos e intrínsecos de existência e validade do documento de modo a afastar fraudes e vícios graves tudo de forma devidamente motivada 450 A última vedação expressa prevista no art 19 III da CF tem outra finalidade estando vinculada à preservação da integridade e do equilíbrio federativo mediante a garantia do tratamento isonômico tanto dos cidadãos brasileiros quanto dos entes federativos entre si De acordo com a dicção do texto do dispositivo referido é vedado às unidades da Federação criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si A primeira parte da vedação que proíbe distinções entre os brasileiros significa que a nenhum dos entes da Federação é facultada a possibilidade de criar vantagens ou encargos em favor apenas dos que nasceram ou residem em seu território ou mesmo beneficiar os que são oriundos de outros e determinados Estadosmembros ou Municípios Assim como bem explicita José Afonso da Silva a União não poderá beneficiar ou prejudicar filhos de uns Estados ou Municípios ou do Distrito Federal mais do que filhos de outros Tampouco os Municípios poderão fazêlo O ato discriminativo será nulo e a autoridade responsável por ele poderá incidir no crime previsto no art 5º XLI 451 Além dessa especial proibição de discriminação que reforça as exigências do princípio geral da igualdade consagrado pelo art 5º caput da CF na relação entre o Estado Federal e suas respectivas unidades e os indivíduos pessoas físicas e jurídicas a vedação constitucional de acordo com a segunda parte do que dispõe o art 19 III da CF tem por escopo assegurar a paridade entre os próprios entes federativos precisamente por proibir o estabelecimento de qualquer preferência seja nas relações entre a União e os Estados e os Municípios seja no âmbito das relações entre Estados entre os Municípios e entre Estados e Municípios 452 Da mesma forma a vedação constitucional significa nas palavras de Jayme Weingartner Neto que em iguais condições de capacidade ou habilitação não pode o Estado distinguir positiva ou negativamente cidadãos brasileiros no que tange ao exercício de função ofício ou profissão 453 Ainda nesse contexto calha ter presente que a vedação do art 19 III da CF articulase com outras proibições de discriminação de matriz constitucional bem como outros princípios e direitos fundamentais tudo com o mote de assegurar um federalismo isonômico em todos os níveis da relação entre os integrantes da Federação e em relação aos cidadãos Assim por exemplo pode ser relacionada com a vedação ora comentada o direito de liberdade de locomoção art 5º XV da CF o mesmo ocorrendo com a proibição de preferências e limitações discriminatórias em matéria tributária art 150 II e V da CF sem prejuízo da conexão para efeitos da interpretação do sentido e alcance da vedação com o direito geral de igualdade art 5º caput da CF 454 74 O instituto da Intervenção como garantia da integridade da Federação 741 Noções gerais O instituto político e jurídicoconstitucional da Intervenção opera a despeito de o quanto isso possa soar paradoxal como garante da integridade e do equilíbrio da Federação e portanto da respectiva autonomia que demarca a condição própria dos seus integrantes no caso brasileiro dos Estadosmembros do Distrito Federal e dos Municípios isso porque embora a intervenção implique sempre maior ou menor ingerência no ente federativo que a sofre ela ocorre para preservar o interesse maior do Estado Federal e por via de consequência dos demais entes federativos 455 Assim é possível afirmar que o instituto da intervenção cumpre função essencial à própria preservação do Estado Federal assumindo portanto a condição de defesa do interesse nacional e instrumento de garantia mútua de todos os integrantes da Federação 456 Por tal razão é que se parte da premissa de que no ato interventivo se verifica a participação de todos os demais entes federativos pois é o seu interesse parcial na condição de ente autônomo somado ao interesse geral do Estado Federal como um todo que está simultaneamente em causa Nem por isso todavia é correto afirmar que a intervenção assume a condição de elemento essencial da Federação como é o caso da autoorganização e do autogoverno pois embora o instituto encontre previsão em diversas ordens constitucionais EUA Alemanha Argentina etc a garantia da integridade e do equilíbrio da Federação pode ser obtida por outros mecanismos como dá conta o exemplo referido por Marlon Weichert da suspensão de repasses financeiros 457 No que diz com a evolução constitucional brasileira ao passo que no sistema constitucional anterior a Intervenção era limitada aos Estadosmembros ou seja a uma intervenção federal nos Estados membros com a CF o instituto foi ampliado seja para permitir a intervenção federal no Distrito Federal mas também por força da inserção do Município no esquema federativo para assegurar a intervenção dos Estadosmembros nos Municípios e mesmo da União nos Municípios tudo conforme regulado nos arts 34 a 36 da CF 458 Em qualquer caso contudo é preciso ter em conta que a intervenção implica ingerência e em certa medida afastamento maior ou menor na esfera da autonomia constitucional dos entes federativos parciais pois o princípio que preside o Estado Federal é precisamente o da não intervenção consoante aliás decorre da dicção dos arts 34 A União não intervirá e 35 O Estado não intervirá 459 Já por isso também no caso brasileiro a intervenção apresenta pelo menos três características o seu caráter excepcional o seu cunho limitado limitação que inclui aspectos de ordem espacial temporal procedimental e quanto ao objeto visto que o ato interventivo já pela sua natureza e caráter excepcional não implica uma espécie de cheque em branco passado ao interventor devendo pelo contrário obediência a critérios rígidos previstos na CF bem como a sua taxatividade ou seja o fato de que apenas e tão somente nos casos expressamente previstos na CF poderá ser autorizada a intervenção 460 A natureza da intervenção é dúplice pois embora se cuide de um ato e processo essencialmente político tese esgrimida por respeitável doutrina as suas hipóteses de cabimento portanto o seu próprio fundamento e razão de ser e o seu procedimento bem como as respectivas consequências são objeto de regulação jurídicoconstitucional inclusive desafiando controle jurisdicional de tal sorte que a natureza política convive com a natureza de um ato jurídico 461 742 A Intervenção nos Estados e no Distrito Federal 7421 Pressupostos materiais e hipóteses de cabimento De acordo com a conhecida lição de José Afonso da Silva os pressupostos da intervenção nos Estados e nos Municípios definidos de modo abrangente constituem situações críticas que põem em risco a segurança do Estado o equilíbrio federativo as finanças estaduais e a estabilidade da ordem constitucional 462 Os pressupostos de ordem material que correspondem às hipóteses de cabimento da intervenção encontramse taxativamente estabelecidas no art 34 da CF e seus respectivos incisos tudo de acordo com a sumária apresentação que segue a Manter a integridade nacional art 34 I da CF Além da proibição de secessão tendo em conta o caráter indissolúvel da Federação proclamado expressamente pela CF também existem outras formas de colocar em risco a integridade nacional como é o caso da permissão dada por uma ou algumas das unidades da Federação para o ingresso de forças estrangeiras em seu território sem a devida autorização do Congresso Nacional 463 b Repelir invasão estrangeira ou de uma unidade da Federação em outra art 34 II da CF Assim como no caso anterior manutenção da integridade nacional a presente causa autorizativa da intervenção tem por objetivo a defesa do Estado como um todo ou seja do País 464 Por invasão estrangeira compreendese não apenas o ingresso de forças armadas ou outra forma de ingerência estrangeira no âmbito do território nacional mas também a entrada de estrangeiros sem que tenham sido observados os devidos requisitos formais e materiais com ou sem a anuência no caso omissão de algum ente federativo 465 Importa sublinhar que a hipótese autorizativa já se faz presente pelo simples fato de ter ocorrido a invasão desnecessário portanto a conivência do governo da unidade federativa 466 A invasão estrangeira apresenta a peculiaridade de ensejar também a decretação do Estado de Sítio art 137 II da CF e a declaração de Guerra pelo Presidente da República art 84 XIX da CF situações que como bem lembra Walter Claudius Rothenburg não se confundem entre si e podem coexistir tendo inclusive âmbito de aplicação diferenciado o Estado de Sítio é mais amplo do que a Intervenção além de consequências em parte distintas 467 A possibilidade de invasão de uma unidade da Federação por outra também legitima a intervenção pois se trata de situação na qual está em xeque a integridade nacional ademais de se constituir em uma garantia do princípio da indissolubilidade da Federação Neste caso a intervenção poderá ocorrer tanto no Estado invasor quanto no Estado invadido ou em ambos ao mesmo tempo sem prejuízo da possibilidade de a invasão ser protagonizada por Municípios 468 Como bem agrega Enrique Ricardo Lewandowski com isso se busca impedir que alguma unidade da Federação incluídos os Municípios obtenha ganho territorial ilegítimo em detrimento de outra ou possa impor de modo unilateral a sua vontade tudo de modo a assegurar que eventuais conflitos entre os entes federados possam ser resolvidos com base na própria CF 469 c Pôr termo a grave comprometimento da ordem pública art 34 III da CF Muito embora as primeiras Constituições republicanas tenham previsto hipótese similar a exigência em geral de uma situação extremamente grave e excepcional em termos de perturbação da paz e da ordem interna a EC 11969 em pleno apogeu da Ditadura Militar mitigou tal requisito e já permitia a intervenção em casos de simples perturbação da ordem ou ameaça de sua irrupção e até mesmo no caso de corrupção do poder público estadual situação que foi revertida com a atual CF prevendo que a intervenção apenas pode ser desencadeada no caso de grave comprometimento da ordem pública 470 Assim ao passo que nem todo tumulto ou perturbação da ordem pública enseja a medida também não se faz necessário esteja configurada uma verdadeira guerra civil tal como era exigido pelas Constituições de 1934 e 1946 471 A expressão grave comprometimento da ordem pública há de ser portanto interpretada de modo a contemplar todo e qualquer distúrbio social violento continuado e em face do qual o Estadomembro ou Estados não tenha logrado ou sequer o tenha tentado resolver o impasse de modo autônomo e eficaz 472 d Garantir o livre exercício de qualquer dos poderes nas unidades da Federação art 34 IV da CF Como a capacidade de autoorganização e de autogoverno qualifica a Federação como tal pois se trata de elementos essenciais do Estado Federal bem como tendo presente que a separação de poderes é ela também um princípio fundamental estruturante e protegido na condição de cláusula pétrea resulta evidente perturbação significativa do equilíbrio entre as funções estatais em função de ingerência externa que comprometa o seu regular funcionamento ou impedindo ou dificultando o seu exercício 473 Os Municípios não se submetem a tal medida na presente hipótese mas o conceito de poderes para efeito de aplicação do instituto deve ser interpretado em sentido amplo incluindo por exemplo o Ministério Público os Conselhos Nacionais de Justiça e do MP apenas para referir os mais relevantes 474 e Reorganizar as finanças da unidade da Federação art 34 V a e b da CF Aqui são duas as hipóteses a serem consideradas Ambas dizem respeito ao equilíbrio federativo especialmente tendo em conta a interdependência entre as unidades federativas O primeiro caso consiste na suspensão por parte da unidade da Federação de dívida fundada por mais de dois anos dívida esta definida no art 98 da Lei 43201967 embora submetido à interpretação pela doutrina e jurisprudência ao longo do tempo A Lei Complementar 101 de 04052000 Lei da Responsabilidade Fiscal acabou por trazer nova definição que deve ser levada em conta na matéria mas tudo sugere que a natureza da dívida somente pode ser identificada caso a caso mediante o exame da sua destinação e tendo em conta o impacto sobre a situação patrimonial e financeira do ente público afetado 475 De qualquer sorte a intervenção também aqui medida de caráter excepcional e extrema não será justificada nos casos de força maior ainda que transcorrido prazo superior a dois anos do inadimplemento 476 Já a segunda hipótese tem por escopo a proteção dos Municípios em face de eventual constrangimento econômico provocado pela falta de repasse de recursos municipais oriundos da receita tributária administrados pelos Estadosmembros 477 De acordo com a lição de Enrique Ricardo Lewandowski tendo em conta ainda o disposto no art 160 da CF que proíbe a retenção ou qualquer restrição à entrega ou ao emprego dos recursos478 a intervenção cabe não apenas no caso de retenção dos recursos tributários mas também se o Estado estabelecer qualquer condição para a sua liberação 479 f Prover a execução de lei federal ordem ou decisão judicial art 34 VI da CF Novamente não é qualquer situação de desrespeito que justifica o recurso ao instituto da intervenção já que antes disso devem em regra ser esgotados outros meios menos gravosos especialmente a via jurisdicional hipótese na qual portanto se estará em face de descumprimento de decisão judicial que embora possa ter em sua origem a negativa de execuçãocumprimento de lei com esta situação não se confunde 480 Com efeito a intervenção para execução de lei federal diz respeito à recusa de aplicação da legislação que acarrete grave e generalizado prejuízo e que não tenha como ser resolvida pela via jurisdicional 481 Ainda nesse contexto convém recordar que nos casos de descumprimento de ordem judicial não é necessário tenha sido operada a coisa julgada entendimento que tem sido consagrado na jurisprudência do STF para o qual a expressão ordem judicial abrange em princípio toda e qualquer ordem e decisão o que aliás está expressamente previsto no art 34 VI da CF cabe agregar expedida por autoridade judiciária competente 482 o que se justifica também pelo fato de os prejuízos causados pelo descumprimento poderem atingir proporções ainda maiores caso imperativo aguardar o trânsito em julgado Situação bastante comum e que diversas vezes enseja pedidos de intervenção apreciados pelo STF é a do não pagamento de precatórios Aqui o STF tem sido extremamente contido no sentido de não autorizar a intervenção quando os recursos do Estado são limitados ou seja em face da invocação da escusa da reserva do possível e quando existem outras obrigações relevantes a serem atendidas pelo poder público como é o caso dos serviços públicos essenciais pagamento da folha salarial dos servidores entre outros 483 De acordo com lapidar voto do Ministro Gilmar Mendes pelo menos no que diz com a linha argumentativa a depender de testagem em cada caso por evidente que acabou sendo o precedente na matéria a intervenção na condição de medida excepcional e extrema deve atender aos critérios da proporcionalidade 484 g Assegurar a observância de princípios constitucionais art 34 VII da CF A presente hipótese autorizativa da intervenção tem caráter bastante abrangente e se desdobra em cinco situações que têm como elemento comum o fato de se tratar em todos eles dos assim chamados princípios constitucionais sensíveis da Federação ainda que tais princípios sensíveis como já referido não possam ser reduzidos às hipóteses do art 34 VII da CF A primeira hipótese prevista na alínea a do inciso VII do art 34 objetiva assegurar a observância da forma republicana de governo do sistema representativo e do regime democrático em suma tem por escopo assegurar a integridade do Estado Democrático de Direito consagrado pela CF Cuidase de categorias muito abertas que demandam a compreensão de cada uma individualmente na condição de princípios e decisões políticas fundamentais e estruturantes pois cada um dos princípios tem seus respectivos elementos essenciais e que receberam peculiar formatação na CF para além da articulação entre a forma republicana de governo e o sistema democráticorepresentativo Pela sua vagueza e indeterminação a tendência como de resto demonstra a evolução brasileira recente é a de uma postura restritiva no que diz com a utilização de tais justificativas para dar suporte a um pedido de intervenção A segunda hipótese art 34 VII b objetiva assegurar o respeito aos direitos da pessoa humana compreendidos aqui em sentido amplo de modo a abranger tanto os direitos humanos direitos consagrados nos tratados internacionais ratificados pelo Brasil e demais direitos vinculados à dignidade da pessoa humana quanto os direitos fundamentais como tais considerados aqueles consagrados expressa e implicitamente pela CF noção que portanto especialmente à vista da abrangência do catálogo constitucional é mais ampla e portanto mais protetiva do que a noção de direitos humanos 485 Também aqui e especialmente nessa hipótese levando em conta o número de direitos assegurados e a quantidade de casos de violação não é toda e qualquer medida comissiva ou omissiva apta a justificar a intervenção já que em geral é o caso de investir no caminho habitual do exercício da via jurisdicional ou outras medidas aptas a coibir ou mesmo prevenir as violações Assim somente em casos graves e em face da inoperância dos meios convencionais é que se fará uso da intervenção que de resto constitui um dos meios disponibilizados para tal situação a exemplo do que ocorre com o instituto de deslocamento da competência para a Justiça Federal previsto no art 109 5º da CF inserido mediante emenda constitucional EC 452004 486 No âmbito da jurisprudência do STF tal hipótese também já foi objeto de exame como dá conta caso que envolveu linchamento de presos pela população local acusandose o Poder Público de ser incapaz de assegurar condições mínimas de segurança da vida dos presos Muito embora tenha o STF reconhecido a possibilidade de uma intervenção em situação similar tendo o pedido sido inicialmente admitido ao final sobreveio juízo de improcedência à vista de medidas concretas levadas a efeito pelo Poder Público ao longo da tramitação 487 A terceira situação ensejadora de intervenção diz com a garantia da autonomia municipal art 34 VII c de tal sorte que o Distrito Federal por não estar decomposto em Municípios não poderá sofrer intervenção por tal motivo 488 A intervenção nos Estados membros poderá ser ativada portanto sempre que a ação estatal colocar em risco ou afetar diretamente a autonomia de um ou mais Municípios no que diz com sua respectiva e constitucionalmente assegurada capacidade de autoorganização e autogoverno sempre incluídas as capacidades de autoadministração e autolegislação 489 A quarta hipótese prevista no art 34 VII d da CF diz com a prestação de contas da Administração Pública direta e indireta ou seja do dever de prestação de contas estabelecido pela própria CF no seu art 70 cujo descumprimento por ação ou omissão do ente federado poderá ensejar a intervenção 490 Por derradeiro a intervenção poderá ocorrer de acordo com a previsão do art 34 VII e da CF nos casos de desrespeito no que diz com a aplicação na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde do mínimo exigido em termos de receita tributária oriunda de impostos estaduais aí compreendida a proveniente de transferências Tal hipótese incluída por meio de emenda constitucional 1996 e 2000 veio em primeira linha a corrigir distorção gerada em face da previsão da intervenção nos Municípios pela mesma razão art 35 III da CF agora estendida aos Estadosmembros e Distrito Federal 491 De certo modo a possibilidade de manejar a intervenção assume a condição de garantia adicional da previsão constitucional de investimentos mínimos em educação e saúde e na consecução dos objetivos fundamentais do art 3º da CF 7422 Aspectos de ordem formal e procedimental 74221 Iniciativa do processo interventivo No que diz com o modo pelo qual inicia o processo de intervenção esta pode ser classificada nas seguintes espécies quais sejam 492 I Espontânea Ocorre quando da verificação das hipóteses previstas no art 34 I II III e V da CF independendo de requisição de qualquer autoridade ou de alguma unidade da Federação Assim a decretação da intervenção pelo Presidente da República poderá ocorrer de ofício por iniciativa do próprio chefe do Executivo nacional mediante a verificação da ocorrência de alguma das causas autorizativas referidas No caso de intervenção espontânea inexiste fase judicial mas o Presidente da República ouvirá os Conselhos da República e da Defesa Nacional muito embora não esteja vinculado a sua decisão 493 Embora se trate de ato discricionário do Presidente da República isso não significa que não existe qualquer controle o que será objeto de atenção logo adiante II Provocada a Mediante requerimento ou solicitação quando for requerida pelo Poder Executivo ou pelo Poder Legislativo da unidade federada com o intuito de assegurar o livre exercício das atribuições dos poderes daquela unidade da Federação que estão a sofrer coação ou qualquer espécie de impedimento à sua atuação art 36 I primeira parte da CF Cuidase na espécie da ocorrência da hipótese prevista no art 34 IV CF garantir o livre exercício de qualquer um dos Poderes nas unidades da Federação Notese contudo que quando for o Poder Judiciário estadual o afetado pela coação ou impedimento a intervenção dependerá de requisição do STF art 36 I segunda parte da CF de tal sorte que não se trata da modalidade requerida ou solicitada Registrese por derradeiro que a intervenção a ser decretada pelo Presidente da República consiste em ato discricionário de tal sorte que a solicitação poderá ou não ser atendida 494 Isso não significa contudo que o Presidente da República tenha total liberdade nessa esfera pois embora possa e deva examinar a presença dos requisitos e a conveniência e oportunidade da intervenção cuidase de ato motivado e que nos casos de evidente omissão dolosa por exemplo motivada por razões pessoais ou de mero interesse políticopartidário poderá ensejar a sua responsabilização 495 Por derradeiro é de se colacionar a lição de Pontes de Miranda no sentido de que a falta de solicitação torna inconstitucional a intervenção caso venha a ser mesmo assim decretada pelo Presidente da República o que contudo poderá ser sanado mediante o posterior encaminhamento de solicitação formal por parte do órgão legitimado 496 b Mediante requisição ocorre quando a intervenção se dá mediante requisição do Poder Judiciário nas diversas hipóteses previstas na CF Ao contrário da hipótese anterior requerida ou solicitada aqui se está diante de um ato de natureza vinculada cujo não atendimento poderá ensejar responsabilização do Presidente da República por crime de responsabilidade nos termos do disposto no art 12 da Lei 10791950 497 De outra parte convém sublinhar que são diversas três ao todo as situações que podem ensejar requisição judicial buscando a decretação de intervenção havendo portanto peculiaridades a serem observadas I No primeiro caso a intervenção poderá ser requisitada pelo STF quando ocorrer coação contra o Poder Judiciário arts 34 IV e 36 I segunda parte da CF II No segundo caso a intervenção poderá ser requisitada a depender da situação concreta tanto pelo STF quanto pelo STJ ou TSE isso quando verificada desobediência à ordem ou decisão judicial arts 34 VI e 36 II da CF III Além disso a intervenção poderá ser requisitada pelo STF se e quando o tribunal der provimento à representação do ProcuradorGeral da República o que por sua vez poderá ocorrer em caso de violação dos assim chamados princípios sensíveis da Federação art 34 VII ou quando houver recusa à execução de Lei Federal tudo conforme disposto no art 36 III da CF No primeiro caso estarseá diante da assim chamada representação por inconstitucionalidade para fins interventivos ou ação direta ou representação interventiva tema versado na parte deste curso relativa ao controle de constitucionalidade No segundo caso trata se nas palavras de José Afonso da Silva de uma ação de executoriedade da lei 498 De qualquer sorte importa registrar que nas duas hipóteses o procedimento é regulado pela Lei 125622011 Uma vez julgada procedente a representação a decisão do STF vincula de modo imperativo o Presidente da República que nos termos da legislação citada terá o prazo de quinze 15 dias para darlhe o devido cumprimento 499 74222 Competência e forma do ato interventivo A Intervenção Federal consiste sempre em ato privativo do Presidente da República materializandose mediante a edição de um decreto do Executivo de acordo com o disposto no art 84 X da CF Tal decreto nos termos do 1º do art 36 da CF especificará a amplitude o prazo e as condições de execução da intervenção além de nomear quando for o caso um interventor O ato interventivo é então submetido ao crivo do Congresso Nacional no prazo de 24 horas sendo o caso de convocação extraordinária se o Congresso não estiver funcionando normalmente tudo de acordo com o art 36 1º e 2º da CF Calha recordar que no caso de intervenção espontânea da iniciativa do próprio Presidente da República este além de verificar a ocorrência das hipóteses justificadoras deverá ouvir em caráter e consulta não vinculativa os Conselhos da República e da Defesa arts 90 I e 91 1º II da CF decidindo na sequência de modo discricionário como já salientado sobre a intervenção Mas nem sempre é imperativa a manifestação dos Conselhos da República e da Defesa pois nos casos de requisição judicial se trata de ato de natureza vinculada e eventual parecer contrário seria simplesmente inócuo e desnecessário o que contudo não é o caso quando for dispensada a aprovação pelo Congresso Nacional e a opinião emitida pelos Conselhos poderá subsidiar a decisão do Presidente da República 500 74223 Amplitude prazo condições e consequências da intervenção O decreto do Presidente da República deverá seja de quem for a iniciativa do processo interventivo ser sempre motivado 501 alterandose por evidente a fundamentação de acordo com a natureza da hipótese autorizativa e suas respectivas peculiaridades De acordo com o que prescreve o art 36 1º da CF o Decreto Presidencial deverá definir a amplitude da intervenção ou seja determinar o Estado ou Município que atinge e o Poder ou Poderes nos quais se dará a intervenção 502 Também o prazo deverá estar de algum modo definido seja mediante a previsão de um termo final intervenção por prazo determinado seja condicionando o término da intervenção à consecução dos objetivos estabelecidos pelo decreto de tal sorte que não se tolera uma intervenção por prazo indeterminado fixada em termos genéricos inclusive pelo fato de que com isso estaria afetada a autonomia da unidade federada 503 Uma vez transcorrido o prazo estabelecido ou superada a situação que deu azo ao decreto interventivo art 36 4º da CF cessa a intervenção ensejando o retorno das autoridades afastadas provisoriamente ao poder 504 O decreto presidencial deverá outrossim especificar as condições da intervenção ou seja o seu detalhamento incluindo os meios a serem empregados 505 sua finalidade entre outros aspectos de acordo com a razão de ser do ato e as peculiaridades do ente ou órgão no qual se dará a intervenção Também aqui se faz imprescindível a devida fundamentação e a sua ausência tanto das condições quanto de sua motivação pois do contrário quando da submissão ao Poder Legislativo a intervenção poderá ser rechaçada liminarmente sem a apreciação do mérito propriamente dito 506 Particularmente relevante é a circunstância de que nos casos dos incisos VI e VII do art 34 da CF o decreto deverá aterse a suspender a execução do ato impugnado sempre que tal providência se revelar suficiente para fazer cessar a violação aos princípios constitucionais elencados nos dispositivos citados 507 Assim apenas quando não for esse o caso ou seja a suspensão do ato for ineficaz haverá de ser efetivada a intervenção pois não se trata de uma mera faculdade no sentido de uma discricionariedade pura mas sim de um dever que implica motivação adequada às diversas hipóteses que podem ensejar a intervenção e de acordo com as peculiaridades de cada caso intervenção espontânea ou provocada e suas respectivas modalidades 508 Uma das consequências correntes da intervenção é o afastamento de autoridades dos seus respectivos cargos afastamento de caráter sempre temporário como temporária é a intervenção de tal sorte que cessada a intervenção haverá a recondução ao cargo salvo existindo impeditivo legal art 36 4º da CF Assim é possível que as autoridades estejam impedidas de retornar ao cargo seja por força do término do respectivo mandato seja em virtude de sua cassação extinção suspensão ou perda dos direitos políticos ou mesmo em caso de renúncia ou falecimento situações que ensejam a assunção quando for o caso do substituto constitucionalmente previsto 509 74224 Do interventor e de sua responsabilidade Ressalvada a Constituição de 1891 que não previa expressamente tal figura as Constituições subsequentes passaram a prever a designação de um interventor que de acordo com a lição de José Afonso da Silva é figura constitucional e autoridade federal cujas atribuições são estabelecidas no decreto da Intervenção bem como nas demais instruções a serem fixadas pela autoridade interventora 510 O interventor é portanto nomeado pelo Presidente da República ou Governador no caso da intervenção em Município exercendo uma função de confiança na condição similar a de um delegado ou comissário 511 Mas nem sempre haverá necessidade da nomeação de um interventor o que ocorrerá apenas quando for o caso a teor do que dispõe expressamente a CF no seu art 36 1º No que diz com suas atribuições estas como já referido são estabelecidas no decreto interventivo e nas demais instruções recebidas do chefe do Executivo cuidandose de funções federais e sempre limitadas ao ato de intervenção 512 De todo modo as atribuições do interventor variam de acordo com a amplitude as condições e o prazo da intervenção podendo inclusive assumir funções legislativas e executivas quando estiver substituindo titulares de cargos legislativos e executivos 513 Assim o interventor assume a condição da autoridade substituída mas sempre de modo provisório e vinculado aos termos e objetivos da intervenção e do decreto que a instaurou A possibilidade de o interventor exercer funções típicas do Poder Judiciário ou seja privativas dos Juízes tem sido refutada pela doutrina em virtude de que se assim não fosse se estaria a fazer tábula rasa das garantias constitucionais da Magistratura 514 Por derradeiro calha agregar a lição de Enrique Ricardo Lewandowski ao lembrar que o interventor não assume poderes de natureza excepcional pois apenas exerce temporariamente as funções habituais da autoridade substituída 515 podendo ademais responder pela sua atuação Os atos praticados pelo interventor no caso de causarem prejuízo podem implicar responsabilização tanto pessoal do interventor quanto da União ou do Estado a depender do tipo de intervenção Todavia tal possibilidade de responsabilização não enseja a prática de crime de responsabilidade nos termos da Lei 10791950 pois sua investidura não lhe confere autonomia para além de a figura do interventor não ter sido prevista na legislação referida 516 A sua responsabilidade se dará na esfera criminal se praticar delito que lhe possa ser imputado ou na esfera cível Neste último caso é de se ter presente que os atos executados na condição de interventor podem ensejar a responsabilidade civil da União nos termos do art 37 6º da CF ao passo que os atos praticados no exercício normal da administração estadual ensejarão se for o caso a responsabilidade do Estadomembro 517 74225 Controle político e jurisdicional da intervenção O ato de intervenção embora privativo do Presidente da República está sujeito a dois tipos de controle o primeiro de natureza política exercido pelo Poder Legislativo o segundo de cunho jurisdicional levado a efeito pelo Poder Judiciário muito embora nem sempre ambas as modalidades se façam presentes a Controle político O controle político significa a possibilidade de o Congresso Nacional aprovar rejeitar ou suspender a intervenção de acordo aliás com o que deflui da redação do art 49 IV da CF Tal controle representa a regra de tal sorte que a aprovação da intervenção pelo Congresso Nacional somente não se faz necessária nas hipóteses constitucionalmente previstas quais sejam os casos em que se trata de mera suspensão do ato impugnado art 34 VI e VII e art 35 IV da CF não se faz necessária a aprovação do Congresso Nacional 518 No caso de requisição judicial como já frisado não poderia o Congresso por afronta ao princípio da separação de poderes obstaculizar a intervenção mas poderia suspendêla a qualquer tempo nos termos do art 49 IV da CF em ocorrendo vício formal ou desvio de finalidade 519 de tal sorte que mesmo nessa hipótese o controle político não resta completamente afastado Ainda no que diz respeito ao papel exercido pelo Poder Legislativo embora em regra a intervenção deva ser aprovada pelo Congresso Nacional ressalvadas as exceções já referidas o ato de intervenção não depende de tal aprovação para ter eficácia produzindo efeitos desde a sua edição 520 De acordo com a lição de Enrique Ricardo Lewandowski que aqui transcrevemos literalmente três são as possíveis consequências da apreciação do ato pelo Legislativo 1 os parlamentares podem aproválo autorizando a continuidade da intervenção até o atingimento de seus fins 2 podem de outro lado aproválo suspendendo de imediato a medida situação que gerará efeitos ex nunc 3 podem por fim rejeitálo integralmente suspendendo a intervenção e declarando ilegais ex tunc os atos de intervenção 521 Uma vez suspensa a intervenção pelo Congresso Nacional o ato interventivo passará a estar inquinado do vício de inconstitucionalidade devendo sua execução cessar imediatamente pena de configuração de crime de responsabilidade do chefe do Executivo art 85 II da CF 522 b Controle jurisdicional Muito embora a intervenção constitua um ato essencialmente político resultado da conjugação necessária do decreto do Presidente da República e da aprovação pelo Congresso Nacional o controle jurisdicional não resta afastado mas assume natureza diversa a depender do caso tendo por escopo essencialmente verificar se a intervenção atende aos requisitos constitucionais Assim o controle jurisdicional não incide propriamente sobre o mérito da intervenção mas sim limitase ao exame da presença dos pressupostos formais e materiais estabelecidos pela CF como se dá nos casos de requisição pelo Poder Judiciário ou quando iniciada a partir de solicitação do Poder coacto ou impedido 523 Assim por exemplo caberá controle judicial quando o Presidente da República decretar a intervenção sem a devida requisição ou solicitação o que implica violação do procedimento constitucionalmente imposto 524 Outra hipótese poderá ocorrer quando a União intervier em Município o que igualmente viola frontalmente limitações constitucionais já que a intervenção da União em Município apenas cabe quando se tratar de Município sediado em Território Federal 525 Além disso também no caso de suspensão da intervenção pelo Congresso Federal e descumprimento por parte do chefe do Executivo é possível o recurso ao Poder Judiciário pois o ato interventivo passou a ser inconstitucional sendo necessário assegurar o restabelecimento do funcionamento normal dos Poderes estaduais 526 A própria ação direta ou representação interventiva mas de modo distinto das hipóteses anteriores consiste em modalidade de controle jurisdicional da intervenção mas aqui é o próprio Poder Judiciário provocado por representação do ProcuradorGeral da República ou do ProcuradorGeral de Justiça no caso de intervenção dos Estados nos Municípios quem aprecia o mérito ou seja se houve ofensa a princípio constitucional sensível e determinada seja efetivada a intervenção passandose então para a fase em que atua o Poder Executivo decreto interventivo onde a depender da circunstância poderá haver então novo recurso ao Judiciário 743 A intervenção nos Municípios A intervenção nos Municípios encontrase regulada na CF que prevê a possibilidade de intervenção dos Estados em seus Municípios e da União nos Municípios situados nos Territórios Federais art 35 A exemplo do que ocorre com a intervenção federal também a intervenção nos Municípios consiste em medida excepcional e transitória e que apenas poderá ser instaurada nos casos taxativamente elencados no art 35 da CF 527 sem que exista a possibilidade de ampliação das hipóteses pelo poder constituinte estadual 528 As hipóteses constitucionais são as seguintes a deixar de ser paga sem motivo de força maior por dois anos consecutivos a dívida fundada b não forem prestadas contas devidas na forma da lei c não tiver sido aplicado o mínimo exigido da receita municipal na manutenção e no desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde d o Tribunal de Justiça der provimento a representação para assegurar a observância de princípios indicados na Constituição Estadual ou para prover a execução de lei de ordem ou de decisão judicial Nessa última hipótese em se tratando de intervenção estadual o legitimado ativo para esgrimir a representação será o ProcuradorGeral de Justiça Assim tal como ocorre na intervenção federal a intervenção nos Municípios poderá ser espontânea ou provocada por requisição solicitação ou representação A intervenção também se dará mediante a edição de decreto do chefe do Poder Executivo ou seja do Governador do Estado quando se cuidar de intervenção de Estado em algum dos seus Municípios ou do Presidente da República na hipótese de intervenção da União no Município de Território Federal O decreto assim como na Intervenção Federal deverá estabelecer o prazo a amplitude e as condições da intervenção e nomear interventor se for o caso devendo ademais ser submetido prazo de 24 horas ao crivo do Poder Legislativo designadamente da Assembleia Legislativa ou do Congresso Nacional a depender da hipótese Todavia assim como se dá na intervenção federal o controle legislativo é dispensado quando bastar a suspensão da execução do ato impugnado para restabelecer a normalidade na hipótese do art 35 IV da CF Isso não sendo o caso a intervenção deve ser decretada e necessária a aprovação pelo Poder Legislativo O interventor autoridade estadual ou federal a depender da iniciativa da intervenção atuará em substituição ao Prefeito do Município e praticará todos os atos de administração prestando contas dos seus atos ao Governador ou Presidente da República e no caso da administração financeira ao Tribunal de Contas do Estado ou da União a depender do caso podendo ser responsabilizado pelos excessos cometidos 529 Notese além disso que quando o interventor praticar atos de governo municipal típicos dando seguimento à administração municipal de acordo com os termos da Lei Orgânica do Município e demais leis municipais a responsabilidade por eventuais prejuízos não será pessoal do interventor mas sim do próprio Município 530 Convém frisar pela possível relevância prática da situação que o fato de um Município ter tido a sua intervenção decretada em II DA REPARTIÇÃO DE COMPETÊNCIAS 75 Noções gerais O programa políticonormativo instituído pela CF estabelece a vinculação do Estado EstadoLegislador EstadoAdministrativo e EstadoJuiz ao estrito cumprimento dos ditames constitucionais no âmbito das atribuições e competências delineadas para cada esfera federativa A questão federativa por sua vez está na essência da discussão a respeito das competências constitucionais tomando por base a estrutura organizacional do Estado brasileiro e o papel características do Estado Federal a despeito de um conjunto de elementos comuns inexiste um modelo único e cada ordem constitucional tem a prerrogativa de conformar a sua própria Federação Nesse sentido o que também já foi objeto de menção o Estado Federal instaurado pela CF apresenta a peculiaridade de ter incluído os Municípios na condição de entidade federada juntamente com a União os Estados e o Distrito Federal o que evidentemente também implica ajustes importantes no sistema constitucional de repartição de competências Além disso ainda que carente de desenvolvimento a CF apostou naquilo que a partir especialmente da tradição norteamericana e posteriormente alemã se passou a designar de um federalismo cooperativo igualmente caracterizado ao menos em parte por uma determinada forma de partição e exercício das competências Por outro lado sabese que é a forma pela qual cada ordem constitucional estabelece a repartição das competências entre os entes federativos que permite identificar qual a concepção de federalismo e de Estado Federal adotada por cada País pois o Estado Federal poderá assumir forma mais ou menos centralizada podendo ou não ser caracte rizado como um federalismo do tipo cooperativo entre outros aspectos vinculados ao sistema constitucional de competências Nesse contexto voltandonos ao caso do Brasil oportuna a lição de José Afonso da Silva no sentido de que a CF estruturou um sistema que combina competências exclusivas privativas e principiológicas com competências comuns e concorrentes buscando reconstruir o sistema federativo segundo critérios de equilíbrio ditados pela experiência histórica 533 Por isso no concernente ao sistema de repartição de competências verificase que a CF adotou um sistema complexo e híbrido que não se encaixa integralmente nos modelos considerados clássicos o que aliás também veio a ocorrer no âmbito da evolução registrada no direito comparado Nesse contexto como bem averba Fernanda Dias Menezes de Almeida a CF estruturou um sistema complexo em que convivem competências privativas repartidas horizontalmente com competências concorrentes repartidas verticalmente abrindose espaço também para a participação das ordens parciais na esfera de competências próprias da ordem central mediante delegação 534 Notase ademais que o sistema constitucional de distribuição das competências da CF está a despeito da manutenção de uma partição do tipo horizontal competências enumeradas e remanescentes também alicerçado a partir de uma lógica de verticalização o que é facilmente apreensível tanto diante do estabelecimento de competências legislativas concorrentes art 24 quanto de competências materiais comuns art 23 para todos os entes federativos Ou seja todos os entes federativos são convocados pela CF a atuarem legislativa e administrativamente nas matérias mais diversas da vida social política e econômica O art 23 parágrafo único da CF também reforça tal dimensão cooperativa ao estabelecer que leis complementares fixarão normas para a cooperação entre a União e os Estados o Distrito Federal e os Municípios tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bemestar em âmbito nacional Tudo somado é possível afirmar de acordo com expressão utilizada pelo ExMinistro do STF Carlos Ayres Britto que a CF1988 criou em especial mediante a técnica da legislação concorrente um verdadeiro condomínio legislativo federado 535 Aliás na doutrina nacional atribuise a Raul Machado Horta o pioneirismo na adoção da expressão condomínio legislativo ao definir o modelo vertical de partição de competências como aquele no qual a mesma matéria legislativa é distribuída entre os diversos entes da Federação cabendo à União estabelecer diretrizes gerais a serem observadas pelos Estadosmembros 536 Ainda no concernente aos traços gerais do sistema brasileiro calha recordar que a CF adotou o princípio da predominância do interesse segundo o qual como ensina José Afonso da Silva à União caberão aquelas matérias e questões de predominante interesse geral nacional ao passo que aos Estados tocarão as matérias e assuntos de predominante interesse regional e aos Municípios concernem os assuntos de interesse local 537 Ao Distrito Federal convém agregar em virtude de sua condição híbrida foram reservadas competências de caráter regional e local art 32 1º O princípio da predominância do interesse todavia opera mais como uma diretriz geral a nortear a compreensão do sistema como um todo do que como um critério absoluto 538 visto que a exata determinação de qual o interesse em causa geral nacional regional ou local frequentemente se revela difícil existindo zonas de imbricação que exigem uma particular atenção às circunstâncias de cada caso podendo mesmo ocorrer que exista um interesse cuja preponderância é equivalente pelo menos em termos tendenciais para mais de um Estado ou Município 539 Para facilitar a compreensão do esquema constitucional de repartição de competências na CF que será objeto de análise mais detida nos próximos itens partiremos da distinção entre a assim designada repartição horizontal e a repartição dita vertical de competências No âmbito de uma repartição do tipo horizontal de acordo com a qual os entes federados são dotados de campos específicos de competências poderes administrativas e legislativas de modo a demarcar as fronteiras normativas típicas do Estado Federal 540 a CF estabeleceu o seguinte esquema geral 541 a a União foi contemplada com um conjunto de competências enumeradas e privativas Ao passo que as competências administrativas estão dispostas no art 21 as competências legislativas foram previstas no art 22 da CF sendo estas últimas passíveis nos termos de Lei Complementar de delegação art 22 parágrafo único b os Municípios também foram dotados de competências enumeradas e privativas art 30 da CF c aos Estados foram reservadas competências residuais ou remanescentes art 25 1º da CF d ao Distrito Federal em virtude de sua natureza mista couberam competências tanto estaduais quanto municipais art 32 1º da CF Já no que diz com uma separação do tipo vertical ou seja no âmbito do condomínio legislativo ao qual já se fez referência a CF prevê o seguinte quadro a competências administrativas comuns da União dos Estados do Distrito Federal e dos Municípios art 23 da CF b competências legislativas concorrentes da União dos Estados e do Distrito Federal art 24 da CF cabendo à União legislar apenas com o objetivo de estabelecer normas gerais art 24 1º da CF e ressalvando uma competência suplementar para os Estados e o Distrito Federal art 24 2º da CF 76 Das competências administrativas materiais dos entes federativos 761 Aspectos gerais e competências exclusivas indelegáveis Competências administrativas correspondem aos poderes jurídicos de caráter não legislativo ou jurisdicional atribuídos pela CF aos diversos entes da Federação Tais competências que também costumam ser chamadas de competências materiais dizem respeito à tomada de decisões de natureza políticoadministrativa execução de políticas públicas e a gestão em geral da Administração Pública em todos os níveis federativos 542 No caso da União as suas competências administrativas encontramse enunciadas no art 21 I a XXV da CF também chamadas de competências gerais da União dentre as quais em caráter meramente ilustrativo pois o elenco é extenso a manutenção de relações com Estados estrangeiros inciso I declarar a guerra e celebrar a paz inciso II assegurar a defesa nacional inciso III decretar Estado de Sítio Estado de Defesa e a Intervenção Federal inciso V emitir moeda inciso VII entre outras Tais competências administrativas são exclusivas da União não sendo portanto passíveis de delegação ao contrário do que se verifica no âmbito das competências privativas de caráter legislativo Mas as competências materiais da União não se esgotam ao elenco contemplado no art 21 da CF pois tais competências por vezes se desdobram em outras além de serem complementadas por competências materiais adicionais previstas em outros dispositivos constitucionais como é o caso do art 164 e seus parágrafos emissão de moeda do art 177 monopólio da União sobre a pesquisa e lavra de jazidas de petróleo etc do art 184 desapropriação por interesse social do art 194 organização da seguridade social e art 198 Sistema Único de Saúde entre outros 543 Convém sublinhar nesse contexto que a diferença entre competências exclusivas e privativas de acordo com a doutrina majoritária reside precisamente no fato de que as primeiras são insuscetíveis de delegação 544 É preciso atentar contudo para o fato de que tal terminologia nem sempre é adotada pela CF pois esta por diversas vezes contempla competências indelegáveis sob o rótulo de privativas como se verifica nos casos dos arts 51 52 e 61 1º da CF 545 Com isso ao contrário do que pretendem alguns 546 não temos por inócua a distinção entre competências exclusivas e privativas pois a diferença remanesce independentemente da terminologia adotada segue havendo competências delegáveis e indelegáveis havendo de ser este portanto o critério distintivo prevalente 547 Aos demais entes federativos também foram asseguradas competências materiais ou administrativas de modo a lhes garantir sua respectiva autonomia também no campo do autogoverno e da autoadministração No caso dos Estadosmembros as competências administrativas situamse ao contrário do que ocorre com a União e os Municípios no campo das competências poderes reservadas também chamadas de remanescentes ou residuais De acordo com a expressa dicção do art 25 1º da CF são reservadas aos Estados as competências que não lhe sejam vedadas por esta Constituição Dito de outro modo isso significa adotandose a tradicional técnica da demarcação por exclusão que tudo o que não for da competência exclusiva da União e dos Municípios é competência dos Estados 548 É preciso reconhecer contudo que a atribuição por exclusão constitui regra que comporta exceção pois o próprio art 25 nos 2º e 3º prevê competências privativas enumeradas dos Estados ao que se soma a competência estabelecida no art 18 4º da CF embora neste último caso se tenha também uma competência legislativa Quanto aos Municípios suas competências estão previstas no art 30 da CF onde estão contempladas tanto competências administrativas materiais quanto legislativas que portanto devem ser distinguidas entre si sendo ambas as competências do tipo enumerado Notese ademais que as competências administrativas o mesmo se aplica às legislativas do Município podem ser tanto aquelas que dizem respeito ao interesse local no sentido de uma cláusula aberta quanto as que foram expressamente enumeradas no art 30 da CF Já no caso do Distrito Federal a CF embora tenha disposto sobre suas competências legislativas art 32 1º quedou silente no concernente às competências materiais Levando em conta todavia que o Distrito Federal assume natureza híbrida cumulando a condição de Estado e Município entendese que ao Distrito Federal foram atribuídas as mesmas competências materiais dos Estados e Municípios sendo mesmo legítimo utilizar as regras de competência legislativa para solucionar casos que digam respeito às competências administrativas mormente em virtude da conexão entre ambas as esferas legislativa e administrativa 549 762 Competências administrativas comuns concorrentes Situação a merecer considerações em destaque é a que envolve as assim designadas competências comuns a todos os entes federativos previstas expressamente no art 23 da CF Tais competências por serem comuns ou seja de cunho paralelo ou simultâneo podem ser exercidas concomitantemente pela União pelos Estados pelo Distrito Federal e pelos Municípios Por tal razão a doutrina chama a atenção para o fato de que em verdade se trata de uma modalidade de competência concorrente em virtude precisamente de uma concorrência de atuação nas matérias estabelecidas no dispositivo constitucional referido objetivando a cooperação e sinergia entre os entes federativos 550 Tratase de matérias em relação às quais o constituinte pretendeu assegurar certa simetria entre os entes federativos ademais de garantir uma ampla cobertura de atuação isenta de lacunas mediante políticas públicas e ações diversas em áreas sensíveis como é o caso apenas para ilustrar zelar pela guarda da Constituição das leis e das instituições democráticas e conservar o patrimônio público art 23 I cuidar da saúde e assistência pública da proteção e garantia das pessoas com deficiência art 23 II entre outras Mas também aqui as competências comuns a exemplo do que ocorre com as exclusivas não se limitam àquelas definidas no art 23 da CF existindo outros dispositivos constitucionais a contemplar competências materiais de exercício concomitante pelos entes da Federação como é o caso dos arts 179 180 215 e 225 CF 551 É precisamente no âmbito das competências materiais comuns concorrentes que a CF no parágrafo único do art 23 embutiu elementos de um federalismo cooperativo ao dispor na redação dada pela EC 532006 que Leis complementares fixarão normas para a cooperação entre a União e os Estados o Distrito Federal e os Municípios tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bemestar em âmbito nacional Nessa perspectiva calha referir novamente o exemplo da LC 1402011 que regulamentou o exercício das competências materiais comuns em matéria ambiental 552 Todavia é preciso observar que quando o parágrafo único do art 23 da CF se refere a leis complementares soa razoável que se trate sempre de lei complementar da União não sendo o caso de cada ente federado editar leis complementares destinadas precisamente a assegurar mecanismos de cooperação e integração entre as unidades da Federação 553 Contudo a despeito da eventual regulamentação legislativa do modo de cooperação o exercício das competências comuns frequentemente gera conflitos entre os entes federativos conflito este que na acepção de André Ramos Tavares deve ser resolvido aplicandose a orientação geral decorrente do princípio do interesse prevalente 554 cientes das limitações inerentes a tal princípio De todo modo esta tem sido também a orientação adotada pelo STF que partindo da correta premissa de que inexiste hierarquia entre os entes federativos invoca uma hierarquia de interesses a partir do interesse mais geral nacional da União no sentido de que este há de preferir ao interesse mais restrito dos Estados ou então dos Municípios 555 Outro não é o ponto de vista de Fernanda Dias Menezes de Almeida para quem as leis complementares previstas no parágrafo único do art 23 não retirarão da União o comando geral no campo das competências materiais comuns a partir do comando legislativo que lhe pertence 556 Assim ao fim e ao cabo correto desde que compreendida como espécie de orientação geral e não absoluta o entendimento de Anna Cândida da Cunha Ferraz de que a coordenação e cooperação inerente às competências materiais comuns dos entes federativos devem se dar sob a égide da legislação federal 557 É que a tendencial prevalência não em termos de hierarquia do interesse da União na condição de interesse geral e nacional poderá a depender das circunstâncias e da matéria em causa sofrer alguma correção como por exemplo em matéria de proteção ambiental seria possível usar argumento similar na área da saúde e da educação entre outras privilegiandose uma exegese sistemática e teleológica que sempre atentando aos critérios da proporcionalidade quando em choque interesses e direitos de cunho fundamental dê preferência à legislação e ação administrativa que é do que aqui se trata mais protetivo da pessoa humana e do meio ambiente no qual se insere e com o qual interage 558 Por derradeiro ainda no que diz com as competências comuns dois aspectos ainda merecem registro O primeiro objeto da orientação pacificada no STF é no sentido de que tais competências são insuscetíveis de renúncia ou mesmo de transferência por parte de qualquer um dos entes da Federação ressalvandose todavia eventual regulação promovida por lei complementar nos termos e para os fins do disposto no art 23 parágrafo único da CF 559 A segunda observação diz com a circunstância de que a previsão de competências administrativas comuns não implica de imediato competência legislativa o que todavia não significa que seja vedado aos entes federativos legislar sobre tais temas 560 desde que é claro respeitados os limites do sistema constitucional em matéria de repartição de competências legislativas o que também já foi objeto de reconhecimento por parte do STF 561 77 Das competências legislativas O exercício da competência legislativa privativa implica o exercício de tal atribuição de forma ampla pelo ente federativo razão pela qual ela se dá de forma horizontal ou seja o ente federativo competente esgota toda a amplitude normativa sobre o tema independentemente de qualquer regulamentação legislativa complementar a cargo de outro ente federativo diferentemente portanto do que ocorre no exercício da competência legislativa concorrente em que há uma espécie de exercício vertical de competências legislativas já que se impõe a cooperação e atuação coordenada dos diferentes entes federativos no seu exercício 771 Competências legislativas privativas da União e sua delegação As competências legislativas privativas da União estão arroladas no art 22 I a XXIX da CF elenco que numa primeira mirada e como refere André Ramos Tavares sugere uma relativamente forte centralização 562 Tais competências não se esgotam naquelas enunciadas no art 22 da CF podendo ser encontradas em outros dispositivos constitucionais como se verifica no caso do art 48 e seus respectivos incisos bem como em matéria de direitos e garantias fundamentais nas diversas hipóteses em que o dispositivo enuncia uma expressa reserva de lei por exemplo fixação de prestação alternativa em caso de objeção de consciência art 5º VIII regulamentação da quebra do sigilo telefônico art 5º XII entre outros ou em diversos aspectos vinculados ao sistema tributário arts 146 149 e 163 no campo da ordem econômica e financeira arts 173 174 1º 178 182 185 I e 190 assim como na ordem social arts 194 200 e 224 563 Examinandose o amplo elenco das competências previstas no art 22 da CF notase além de uma tendência centralizadora alguns inconvenientes que não passaram despercebidos pela crítica Nesse sentido referese à inadequação técnica no que diz com a inserção equivocada no art 22 de competências que deveriam estar contempladas apenas no elenco das competências legislativas concorrentes art 24 da CF gerando uma incoerência no sistema de partição de competências 564 Além disso a inclusão de uma lei na esfera das competências privativas da União frequentemente não é fácil de identificar pois diversas vezes resulta difícil classificar os temas como sendo reportados a um ou outro assunto como no caso da distinção entre direito civil e direito econômico apenas para ilustrar com um exemplo de tal sorte que são inúmeras as discussões levadas ao STF nessa seara sem que no entanto da análise das decisões proferidas pelo Tribunal se possa extrair conclusões uniformes e seguras 565 É nesse sentido que Virgílio Afonso da Silva fala de uma incerteza semântica quando trata das competências legislativas dos entes da Federação566 Como não existe hierarquia entre leis federais e as leis editadas pelos outros entes federativos eventual conflito representado pela invasão da esfera de competência legislativa privativa da União resolvese pela inconstitucionalidade da legislação que usurpa a competência a ser declarada pelo STF As únicas hipóteses nas quais será possível aos Estados e a depender do caso ao Distrito Federal legislar sobre matéria atribuída à União encontram fundamento na própria CF No primeiro caso cuidase da assim chamada competência legislativa delegada A segunda hipótese se verifica na esfera das assim chamadas competências concorrentes Ambas serão objeto de atenção na sequência iniciando pelo instituto de delegação de competências legislativas privativas da União Como já referido competências privativas não são competências exclusivas pois enquanto estas são indelegáveis as primeiras poderão ser objeto de delegação É o que dispõe o art 22 parágrafo único da CF no sentido de que Lei Complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões específicas das matérias relacionadas neste artigo A delegação não é cogente cuidandose de mera faculdade atribuída à União Outrossim caso for feito uso da delegação a lei complementar não poderá transferir integralmente a regulação de matéria de competência privativa da União pois a delegação apenas permite sejam regrados aspectos específicos 567 de tal sorte que eventual infração aos limites da delegação implica a censura de inconstitucionalidade da legislação delegada o que já foi objeto de exame pelo STF 568 Merece registro que a delegação de eventual competência sempre parcial como se percebe por parte da União não impede que esta retome a sua plena competência bastando para tanto que legisle sobre o mesmo assunto a qualquer momento já que o instituto da delegação não se confunde com renúncia à competência constitucionalmente assegurada 569 o que de resto é vedado aos entes federativos Por derradeiro como espécie de requisito implícito da delegação pode ser citado o art 19 III da CF que veda a criação de preferências entre os entes federados de tal sorte que a delegação não poderá ser feita de modo diferenciado para os Estados 570 772 Competências legislativas dos Estados Consoante já referido capítulo sobre as competências administrativas aos Estados foram reservadas as assim chamadas competências remanescentes ou residuais de acordo com o disposto no art 25 1º são reservadas aos Estados as competências que não lhe sejam vedadas por esta Constituição Além dessa cláusula geral que define a regra para os Estados verificase que o próprio art 25 nos seus 2º e 3º bem como o art 18 no seu 4º estabeleceram algumas competências enumeradas para os Estados Notese que tais vedações abarcam tanto as competências legislativas quanto as materiais a depender do caso De outra parte como bem averba Fernanda Dias Menezes de Almeida a análise específica das competências legislativas estaduais pressupõe que se identifiquem precisamente o que é vedado aos Estados a teor do disposto no já citado art 25 1º da CF 571 Tais vedações poderão ser explícitas por expressamente estabelecidas pela CF ou implícitas decorrentes do sistema constitucional 572 No primeiro grupo podem ser enquadradas em caráter meramente ilustrativo as vedações dos arts 19 I a III 150 I a VI e 152 ficando claro o objetivo do constituinte no sentido de privilegiar o equilíbrio federativo e a garantia de determinados direitos fundamentais sem prejuízo de outros aspectos a serem identificados Implicitamente vedado aos Estados é tudo o que tenha sido expressamente enumerado como sendo da competência da União e dos Municípios de acordo com o disposto nos arts 20 21 22 29 e 30 da CF 573 Disso tudo resulta na acepção autorizada de Fernanda Dias Menezes de Almeida que aqui se subscreve que pelo menos no campo das competências legislativas privativas os Estados têm sua atuação bastante limitada confirmando assim a nota crítica referente ao elevado nível de centralização do Estado Federal brasileiro pois além das competências enumeradas já mencionadas art 25 2º e 3º e art 18 4º da CF no âmbito das competências privativas não enumeradas os Estados passaram a legislar praticamente apenas sobre assuntos objeto de sua competência material mas ainda assim limitada pelas vedações e condicionamentos impostos pela CF 574 É claro que aos Estados compete legislar na esfera das competências concorrentes a serem examinadas mais adiante e por via da delegação por parte da União consoante já visto o que todavia não altera substancialmente o quadro esboçado pois o maior ou menor grau de centralização depende preponderantemente do maior ou menor número de competências privativas 773 Competências legislativas dos Municípios Na condição de integrantes do Estado Federal como autênticos entes federativos os Municípios foram dotados de capacidade de autoorganização e de autogoverno o que implica um leque de competências legislativas e administrativas próprias Assim como se deu no caso dos Estados mas de modo em parte distinto os Municípios foram contemplados com competências legislativas privativas não enumeradas implícitas podendo legislar nos termos do art 30 I da CF sobre assuntos de interesse local Paralelamente a tais competências não enumeradas a CF no art 30 incisos III a IX mas também em outros dispositivos constitucionais por exemplo a competência para a edição da Lei Orgânica art 29 caput da CF a competência tributária do art 156 da CF a edição do Plano Diretor art 182 da CF e a atuação prioritária no ensino fundamental e educação infantil art 211 2º da CF estabeleceu algumas competências exclusivas enumeradas Além disso os Municípios dispõem de uma competência legislativa suplementar art 30 II da CF A principal diretriz na seara das competências legislativas municipais é dada pelo interesse local no sistema constitucional se tratava de peculiar interesse local A exegese mais adequada de acordo com significativa doutrina é no sentido de ser prescindível a exclusividade do interesse local o que aliás se revela de difícil configuração bastando que se verifique uma preponderância predominância do interesse local entendimento afinado com o princípio geral da preponderância do interesse já referido 575 Por tal razão é que salvo as tradicionais hipóteses de interesse local que não geram controvérsia em boa parte dos casos a identificação de qual o interesse predominante de modo a verificar se é de fato o local haverá de ocorrer caso a caso 576 o que por sua vez ensejou uma série de decisões do STF na matéria 577 Mas os Municípios também exercem uma competência legislativa suplementar aqui já no âmbito diferentemente das competências exclusivas enumeradas e não enumeradas de uma repartição vertical de competências 578 Cuidase de uma possibilidade não prevista na Constituição anterior que encontra respaldo expresso no art 30 II da CF de acordo com o qual compete aos Municípios suplementar a legislação federal e estadual no que couber Tratase em verdade de uma modalidade de competência concorrente embora não expressamente inserida no art 24 da CF sendo frequentemente majoritariamente poder seá afirmar analisada a tal título pelos cursos e manuais e mesmo outras obras de direito constitucional 579 É o que aqui também se fará de tal sorte que para maiores desenvolvimentos recomendase até mesmo em face da relevância da matéria uma leitura atenta do item próprio sobre as competências legislativas concorrentes 774 Competências legislativas do Distrito Federal Ao Distrito Federal por sua natureza híbrida foram atribuídas tanto competências legislativas estaduais quanto municipais art 32 1º da CF todavia mediante alguns ajustes dada a sua condição peculiar como é o caso da competência para legislar sobre organização judiciária e o Ministério Público que é atribuída à União 580 A competência para legislar sobre a Defensoria Pública passou a ser do Distrito Federal mediante a promulgação da EC 692012 581 Além disso poderá o Distrito Federal exercer a competência para edição de sua Lei Orgânica art 32 caput da CF exercer a competência remanescente dos Estados art 25 1º da CF fazer uso da competência por via da delegação da União art 22 parágrafo único da CF legislar no âmbito das competências concorrentes suplementares dos Estados e dos Municípios art 24 2º e 3º e art 30 II todos da CF assim como exercer as competências enumeradas e não enumeradas dos Municípios art 30 da CF e outros no que couber Tendo em conta que as competências legislativas dos Estados e dos Municípios incluindo as competências concorrentes suplementares foram ou ainda serão objeto de análise mais detida aqui nos limitamos a em termos sumários apresentar o quadro geral das competências legislativas do Distrito Federal 78 As competências legislativas concorrentes 781 Considerações gerais No âmbito da competência legislativa concorrente art 24 tal como sinalizado anteriormente é exercida de forma conjunta e articulada entre os entes federativos razão pela qual costuma ser mencionada conforme já visto alhures a existência de uma espécie de condomínio legislativo Nesse contexto partese da premissa de que a competência da União limitarseá a estabelecer normas gerais art 24 1º Ou seja compete à União estabelecer a regulação normativa geral na matéria o que não exclui a competência suplementar dos Estados e do Distrito Federal art 24 2º bem como dos Municípios consoante já verificado no item relativo às competências legislativas municipais A expressão limitarseá constante do dispositivo é elucidativa a respeito da limitação da União na elaboração da norma geral com o propósito de reservar aos demais entes federativos espaço legislativo para suplementar a legislação editada no plano federal Além da arquitetura normativa estabelecida para o exercício da competência legislativa no sentido de estabelecer a atuação conjunta dos entes federativos a CF estabelece também que inexistindo lei federal sobre normas gerais os Estados e também os Municípios exercerão a competência legislativa plena para atender às suas peculiaridades art 24 3º Na hipótese de superveniência de lei federal sobre normas gerais prevê a CF a suspensão da eficácia da lei estadual no que lhe for contrária art 24 4º Registrese que o elenco das competências concorrentes não se limita ao disposto no art 24 pois também as competências previstas no art 22 IX XXI XXIV e XXVII da CF bem como as competências previstas no art 21 XX e XXI da CF permitem atividade legislativa complementar dos demais entes federativos O mesmo se verifica nos casos do art 61 1º d do art 146 e do art 236 2º todos da CF Como bem anota Fernanda Dias Menezes de Almeida a despeito da referência a normas gerais a competência decorrente do art 142 1º da CF que diz respeito às Forças Armadas não é do tipo concorrente pois se trata de competência privativa e plena da União 582 Diante do quadro geral esboçado a partir de uma primeira mirada dos dispositivos constitucionais pertinentes é possível afirmar que a CF optou pela adoção de um modelo não cumulativo ou seja vertical no âmbito das competências concorrentes pois cabe à União apenas em regra a edição de normas gerais que poderão ser objeto de complementação competência suplementar pelos Estados pelo Distrito Federal e pelos Municípios 583 A verticalidade decorre do fato de que a legislação editada em caráter complementar deverá observar o conteúdo das normas gerais editadas pela União Nesse contexto calha invocar lição de Raul Machado Horta de acordo com o qual a repartição vertical de competências conduziu à técnica da legislação federal fundamental de normas gerais e de diretrizes essenciais que recai sobre determinada matéria legislativa de eleição do constituinte federal A legislação federal é reveladora das linhas essenciais enquanto a legislação local buscará preencher os claros que lhe ficou afeiçoando a matéria reveladora na legislação de normas gerais às peculiaridades e às exigências estaduais grifos do autor 584 bem como municipais importa agregar visto que a competência concorrente abarca todos os entes da Federação Não se trata portanto também aqui e a despeito da verticalidade propriamente de uma relação hierárquica caracterizada pela subordinação no sentido próprio do termo Nesse sentido embora comentando a Constituição de 1967 Pontes de Miranda explicita que não se trata dos Estados e agora também dos Municípios diferentemente do que ocorria sob a égide da Constituição de 1967 deverem obediência às normas editadas pela União mas sim o que ocorre é uma espécie de limitação da competência da União que deverá aterse a editar normas de caráter geral no sentido de diretrizes e regras gerais não podendo de tal sorte legislar de modo exaustivo sobre os assuntos objeto das competências concorrentes 585 Tendo em conta o esquema posto pela CF nesse contexto a assim genericamente designada competência suplementar dos Estados do Distrito Federal e dos Municípios também costuma por parte mas não por toda a doutrina ser desdobrada em duas modalidades a competência complementar exercida quando existente norma geral editada pela União cabendo aos Estados eou Municípios a edição de normas específicas objetivando ajustes regulação de situações particulares e vinculadas ao interesse regional e local etc e a competência supletiva por meio da qual efetivamente os Estados eou Municípios exercem ainda que provisoriamente sua competência legislativa plena e suprem a ausência de norma geral da União 586 Outrossim considerando que a definição de normas gerais é central para a compreensão de todo o esquema das competências concorrentes é disso que nos ocuparemos no próximo item antes de na sequência adentrarmos o exame das competências suplementares dos Estados e do Distrito Federal dos Municípios e ao final tecermos algumas considerações de ordem crítica 782 Algumas notas sobre o problemático e controverso conceito de normas gerais A edição de normas gerais pela União no campo das competências concorrentes ao mesmo tempo em que poderá ensejar uma uniformização inibidora da adequada conformação das desigualdades regionais cumpre o papel de assegurar um determinado nível de homogeneidade evitando uma excessiva diversidade quando não desintegração e conflitos prejudicial ao conjunto 587 Já por tal razão para que seja possível manter um saudável equilíbrio e assegurar um mínimo de segurança e estabilidade imperioso identificar e por isso tão difícil a missão um conceito satisfatório de normas gerais Tal dificuldade assume uma dimensão histórica visto que a controvérsia sobre o que são normas gerais tem sido intensa desde a sua primeira previsão na Constituição de 1934 ensejando o derramamento de rios de tinta no seio da literatura para além de propiciar a defesa dos mais diversos critérios distintivos e conceitos o que aqui não será possível rastrear 588 Por tal razão a diferenciação entre norma geral e normas de cunho mais específico tem sido realizada mediante o contraste em cada caso da norma federal e das normas estaduais eou municipais ou seja como averba Cármen Lúcia Antunes Rocha em face de uma lei se examina se ela especializa e aprofunda questões que são de interesse predominante e tratamento possivelmente diferenciado de uma entidade federada Se nesse exame a conclusão for positiva cuidase de uma competência estadual e escapase do âmbito da norma geral 589 De qualquer sorte não obstante a experimentação constante na matéria a doutrina e a jurisprudência do STF 590 em que pese a ausência de consenso e mesmo a diversidade de entendimentos permitem pelo menos em termos de orientação basilar afirmar que normas gerais para o efeito da compreensão do sistema de competências concorrentes são normas que estabelecem princípios e diretrizes de natureza geral e aberta dotadas portanto de maior abstração sem adentrar pormenores e esgotar o assunto legislado apresentando caráter nacional e destinadas à aplicação uniforme e homogênea a todos os entes federativos de modo a não lhes violar a autonomia e efetivamente reservarlhes um espaço adequado para a atuação de sua competência suplementar 591 7821 A competência suplementar dos Estados e do Distrito Federal Tanto os Estados quanto o Distrito Federal o caso dos Municípios será objeto de atenção no item seguinte são titulares de competências concorrentes em condomínio com a União nos termos do disposto no art 24 e seus respectivos parágrafos da CF ainda que o Distrito Federal tenha sido expressamente referido apenas no caput do citado artigo Em virtude de sua natureza híbrida e como já se dá com as demais competências ressalvada eventual peculiaridade a posição do Distrito Federal nessa seara é equivalente a dos Estados Por outro lado quanto aos Estados e ao Distrito Federal não há controvérsia no sentido de que dispõe tanto da competência legislativa do tipo complementar quando existir norma geral federal quanto supletiva no caso de inexistência de norma federal pois a CF aqui foi expressa em admitir ambas as hipóteses a teor do que indica uma leitura do caput do art 24 e dos seus respectivos parágrafos Embora em regra os Estados e o Distrito Federal atuem no sentido de complementar as normas gerais da União art 24 2º da CF ou então suprir a sua ausência art 24 3º da CF lhes sendo vedada portanto a edição de normas gerais o fato é que eventual regulação em caráter geral por parte dos entes federados não implica necessariamente a sequela de sua inconstitucionalidade designadamente no caso de a unidade federada apenas reproduzir o conteúdo da norma geral federal 592 É claro que em sendo verificada tal situação necessário cuidadoso exame do caso concreto mediante criterioso contraste entre a legislação federal e a estadual ou distrital de modo a evitar efetiva usurpação de competências Situação problemática sem prejuízo da já apontada dificuldade de definir o que são normas gerais se verifica no caso da assim chamada competência supletiva ou seja quando os Estados e o Distrito Federal nos termos do art 24 3º da CF podem assumir competência legislativa plena suprindo a ausência de lei federal em determinada matéria Como bem recorda Pontes de Miranda todas as leis de algum modo apresentam algum tipo de lacuna de tal sorte que do que se trata é de saber se existe ou não legislação federal veiculando norma geral em determinada matéria que recai no domínio das competências concorrentes não sendo exigível contudo e importa sublinhar este aspecto que não exista qualquer regramento editado pela União sobre qualquer aspecto da matéria mas sim que não tenha sido editada regra jurídica federal versando sobre o ponto específico regrado pela legislação estadual 593 A ausência de norma geral federal autoriza o exercício pelos Estados e pelo Distrito Federal de sua competência legislativa plena inclusive podendo editar normas gerais pois a fixação de regras específicas pressupõe a existência de normas gerais hipótese na qual as normas gerais supletivamente editadas pelo Estado ou Distrito Federal terão vigência e eficácia apenas no respectivo âmbito territorial 594 Uma situação relevante se verifica quando existe dúvida sobre a competência legislativa quando a norma analisada tratar de mais de um tema Conforme julgamento da ADI 6066 pelo STF em tais casos é necessário adotar interpretação que não elimine a competência dos entes menores para dispor sobre a matéria inclusive com vistas à proteção de direitos fundamentais No julgamento o rel Min Edson Fachin referiu que o federalismo é um instrumento de descentralização política com o objetivo de realização de direitos fundamentais de modo que a existência de lei estadual que normatiza a prestação de atendimento e consumo não viola o princípio da igualdade permitindose que determinada matéria seja tutelada diferentemente em cada ente federativo 595 Por derradeiro o que se aplica tanto no caso de legislação complementar quanto supletiva ressalvadas as respectivas peculiaridades no caso de superveniência de legislação federal normas gerais resulta suspensa a eficácia da legislação estadual e distrital naquilo em que contrariar a lei federal art 24 4º da CF 596 Não se trata portanto de hipótese de revogação mas sim de suspensão da eficácia e aplicabilidade da legislação suplementar naquilo em que dispuser de modo contrário ao regrado na norma geral podendo a norma estadual ter sua eficácia restabelecida no caso de ulterior revogação ou mesmo declaração vinculativa de inconstitucionalidade da lei federal 597 7822 A competência suplementar dos Municípios Considerando que o art 30 II da CF não especifica os casos de exercício da competência suplementar dos Municípios correto o entendimento como é o caso da lição de Fernanda Dias Menezes de Almeida de que a competência legislativa suplementar dos Municípios surge delimitada implicitamente pela cláusula genérica do interesse local 598 Por outro lado a expressão no que couber implica que a competência suplementar não permite aos Municípios legislar sobre qualquer matéria e em qualquer caso A questão portanto é saber quando cabe a suplementação legislativa por parte do Município o que não constitui algo imune a controvérsias Uma primeira delimitação que já foi objeto de referência e encontra suporte para além do texto constitucional na doutrina é a que diz respeito ao interesse local pois em todo caso este deverá se fazer ainda que não em caráter exclusivo como já visto presente Tal limitação portanto se aplica genericamente a toda e qualquer hipótese de exercício da competência legislativa suplementar dos Municípios A suplementação de competências privativas ou exclusivas da União e dos Estados é de regra tida como vedada à exceção dos casos em que apenas caberá à União editar normas gerais como por exemplo nos casos previstos no art 22 XXI e XXVII da CF 599 Uma hipótese de atuação diz com a necessidade de legislação suplementar para atuar competências materiais privativas dos Municípios ou competências materiais comuns à União Estados Distrito Federal e Municípios No primeiro caso o exercício da competência material municipal depende de atuação normativa da União ou dos Estados exigida portanto a suplementação pelo Município que no caso da legislação federal se limitará a suprir no caso de ausência de norma geral da União ou complementar editando norma específica em face de norma geral da União normas gerais da União 600 Isso se verifica também nos casos em que o exercício da competência material privativa municipal encontrase condicionado à observância de legislação estadual como se verifica por exemplo na hipótese do art 30 IV da CF competência para criar organizar e suprimir distritos observada a legislação estadual Já no âmbito das competências materiais comuns art 23 da CF é preciso em primeira linha que essas pressuponham o exercício da competência legislativa concorrente do art 24 atentandose ademais para os seguintes aspectos a a competência legislativa dos Estados para complementar as normas gerais da União não afasta a suplementação de tais normas gerais por parte dos Municípios de tal sorte que o Município deverá observar tanto as normas gerais da União quanto as normas estaduais complementares eventualmente editadas b inexistindo normas gerais da União poderão tanto os Estados quanto os Municípios editar normas gerais para suprir a lacuna mas tendo o Estado usado de tal prerrogativa deverão os Municípios observar as normas gerais estaduais art 24 3º da CF c diante da inexistência de normas estaduais supletivas poderão os Municípios legislar livremente para fazer atuar a competência material comum embora a superveniência de normas estaduais eou federais de caráter geral venha a acarretar a suspensão da eficácia das normas municipais eventualmente colidentes 601 A despeito de nos filiarmos ao entendimento que mediante uma interpretação sistemática e amiga da autonomia de todos os entes federados admite o exercício da competência suplementar do tipo supletiva também dos Municípios como já exposto é imperioso referir a existência de respeitável posicionamento em sentido diverso no sentido de que em virtude de previsão constitucional expressa a exemplo do que se verifica no caso dos Estados e do Distrito Federal os Municípios apenas detêm a competência municipal do tipo complementar 602 Por derradeiro tendo em conta o caráter suplementar da legislação municipal em caso de conflito deve prevalecer a legislação federal ou estadual de tal sorte que a superveniência de lei estadual ou federal contrária à lei municipal suspende a eficácia da última 603 Mais uma vez invocando o magistério de Fernanda Dias Menezes de Almeida a regra a ser observada é a de que direito federal prevalece sobre direito estadual e direito municipal ao passo que o direito estadual prevalece sobre o municipal 604 7823 Considerações de natureza crítica à luz do exemplo da proteção ambiental À vista das considerações precedentes é possível acompanhar Paulo de Bessa Antunes quando averba que a centralização da federação brasileira diante do Texto de 1988 é muito mais uma obra da interpretação constitucional do que uma realidade que se apresenta clara ante a redação da norma 605 Assim tal centralização inclusive no campo das competências concorrentes seguramente em muito deve ao modo pelo qual os Tribunais especialmente o STF têm compreendido o papel da União e das entidades federadas O problema é que além das críticas que se pode endereçar à centralização de um modo geral os problemas se revelam ainda mais contundentes em algumas áreas sensíveis como é o caso da proteção do ambiente Aqui resulta evidente que a questão ambiental obteve particular destaque na CF assumindo inclusive a condição de direito e dever fundamental art 225 cc art 5º 2º Além disso a partir da análise das competências em sede ambiental é perceptível que a CF buscou favorecer o poder político legislativo dos entes federativos periféricos Estados Distrito Federal e Municípios visto que smj a competência legislativa concorrente representa a regra geral para a regulação da matéria ambiental No caso do ambiente a tendência centralizadora resulta na habitual rejeição no sentido de posição ainda prevalente na jurisprudência das iniciativas estaduais e locais naquilo em que ampliam em relação aos padrões eixados pela União os parâmetros normativos de proteção ambiental ou mesmo quando regulam a matéria integralmente na hipótese da sua ausência de Lei Federal A competência legislativa concorrente art 24 da CF consoante já referido é exercida de forma conjunta e coordenada entre os entes federativos limitandose a União a estabelecer normas gerais art 24 1º da CF o que não exclui a competência legislativa suplementar dos Estados do Distrito Federal art 24 2º da CF e dos Municípios art 30 II da CF No caso da proteção ambiental é possível sustentar que a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente Lei 69381981 606 muito embora tenha sido editada antes da CF representa um bom exemplo de norma geral quando entre outros aspectos estabelece princípios art 2º objetivos art 4º e instrumentos art 9º da Política Nacional do Meio Ambiente De igual maneira o delineamento da estruturação federativa do Sistema Nacional do Meio Ambiente art 6º exemplifica de forma bastante clara um modelo cooperativo de distribuição de competências recortando o papel de cada ente federativo com o propósito por exemplo de estabelecer a criação de órgãos administrativos ambientais especializados no âmbito de todos eles inclusive no plano municipal A partir da diretriz normativa geral traçada pela Lei 69381981 cabe a cada ente federativo exercer a sua competência legislativa suplementar na matéria adaptando a norma geral às realidades regional e local À vista disso a União acaba por estabelecer no âmbito de um quadro normativo geral também aquilo que se poderia designar de um patamar legislativo mínimo 607 em termos de proteção no caso do ambiente Tal patamar diz respeito à relação por assim dizer entre a norma geral editada pela União e a norma específica editada pelo Estado Distrito Federal ou pelo Município Conforme a lição do exMinistro do STF Carlos Ayres Britto a União em se tratando de competência legislativa concorrente tem de atuar contidamente no campo das normas gerais menos que plenas pois a legislação específica sobre o mesmo tema ou relação jurídica é titularizada por outrem cada qual dos nossos entes federados periféricos 608 O Ministro Ayres Britto segue afirmando que quanto aos Estados e o Distrito Federal estes diante da eventual edição de normas federais de caráter geral normas gerais entendase produzirão normas de tipo suplementar Mas suplementar atente se como adjetivo de significado precisamente dicionarizado acrescer alguma coisa Fornecer suplemento ou aditamento Suprir acudir inteirar com o objetivo de solver os déficits de proteção e defesa de que as normas gerais venham a padecer 609 De tal sorte entendemos que há sim espaço legislativo para os entes federativos a partir dos contextos e especificidades regionais e locais aperfeiçoarem a norma geral editada pela União no âmbito da competência legislativa concorrente Não nos parece que alguma medida de teor mais restritivo como por exemplo a proibição de determinada atividade ou comercialização de determinada substância no âmbito regional ou local implique necessariamente violação ao sistema constitucional de competências legislativas Além do mais a doutrina majoritária não admite o tratamento hierárquico da legislação editada pelos diferentes entes federativos desde que é claro sejam respeitados os espaços constitucionais estabelecidos para o exercício de cada um deles no âmbito da sua respectiva competência legislativa De acordo com tal entendimento Paulo G Gonet Branco assinala que o critério de repartição de competências adotado pela Constituição não permite que se fale em superioridade hierárquica das leis federais sobre as leis estaduais Há antes divisão de competências entre esses entes Há inconstitucionalidade tanto na invasão da competência da União pelo Estadomembro como na hipótese inversa 610 Nesse contexto poderseia imaginar a hipótese de determinadas espécies da fauna e da flora estarem ameaçadas somente em determinada região ou localidade e disso resultar alguma medida legislativa de âmbito regional ou local mais restritiva em relação ao cenário normativo nacional vigente A hipótese citada a depender do contexto e dos bens jurídicos postos em tal situação poderia ser tida como perfeitamente legítima no contexto do sistema federativo delineado na CF Do contrário ou seja rejeitando de forma absoluta qualquer medida legislativa de cunho mais restritivo editado pelos entes políticos estaduais e municipais a autonomia constitucional assegurada a tais entes federativos resultaria sobremaneira aviltada A harmonia do sistema legislativo nacional a nosso ver assimila tal compreensão sob o pretexto maior de um sistema constitucional de proteção dos direitos fundamentais e realmente legitimado a partir de uma matriz normativa de índole democráticoparticipativa Se o propósito de eventual medida legislativa editada pelo ente estadual ou mesmo pelo ente municipal é reforçar os níveis de proteção ou mesmo afastar eventual déficit ou lacuna protetiva verificada na legislação federal tal atitude legislativa por si só deve ser vista de forma positiva É obvio que tal medida deve ser devidamente contextualizada de modo a permitir a verificação se a legislação em questão ao proteger determinados bens não viola outros ou mesmo se não se incorre em usurpação de competências e distorção da própria noção de normas gerais o que ademais resulta em boa parte no mesmo Mas se constatado apenas o aprimoramento e aumento do padrão normativo de proteção notadamente quando em pauta bens jurídicos fundamentais como é o caso do direito ao ambiente não se vislumbra qualquer razão para deslegitimar tal medida com base simplesmente no fato de não haver correspondência exata com o cenário legislativo traçado no plano federal Situação diferente se verifica quando o Estado ou o Município edita medida menos protetiva mas não é disso que estamos falando O aperfeiçoamento do sistema de proteção dos direitos fundamentais seja ele normativo seja ele fático deve sempre ser considerado como algo desejável do ponto de vista do ordenamento jurídico inclusive em vista do princípio da máxima eficácia dos direitos fundamentais expresso no art 5º 1º da CF Em sinergia com tal entendimento colacionase novamente passagem do voto do Ministro Ayres Britto no âmbito do julgamento da ADI 3357RS Parecenos claro que eventual colisão normativa há de ser compreendida em termos de proteção e defesa isto é o exame das duas tipologias de leis passa pela aferição do maior ou menor teor de favorecimento de tais bens ou pela verificação de algo também passível de ocorrer as normas suplementares de matriz federativamente periférica a veicular as sobreditas proteção e defesa enquanto a norma geral de fonte legislativa federal traindo sua destinação constitucional deixa de fazêlo Ou se não deixa totalmente de fazêlo labora em nítida insuficiência protetiva e de defesa Lei Estadual que ao proibir a comercialização de produtos à base de amianto cumpre muito mais a Constituição da República no plano da proteção da saúde evitar riscos à saúde da população em geral dos trabalhadores em particular e do meio ambiente Quero dizer a legislação estadual é que está muito mais próxima do sumo princípio da eficacidade máxima da Constituição em tema de direitos fundamentais Tomando por base tais considerações nos parece difícil atribuir vício de inconstitucionalidade material à legislação estadual ou mesmo municipal mais protetiva em termos ambientais simplesmente porque diverge da norma geral editada no plano fede ral tratando de forma mais restritiva sobre determinada matéria 611 Isso em razão da legitimação democrática de tais medidas e do cenário constitucional de competências pelo prisma de um modelo de federalismo cooperativo Há nesse contexto inúmeros casos de medidas legislativas inclusive de Constituições dos Estados Federados que buscaram proibir ou restringir determinadas práticas atentatórias ao equilíbrio à qualidade e à segurança ambiental A título de exemplo podemos destacar dispositivos de legislação constitucional estadual proibindo a instalação de usinas nucleares ou restringir de algum modo atividades nucleares no território dos respectivos Estados 612 De modo similar temse as legislações estaduais e municipais mais restritivas no tocante à produção e comercialização de agrotóxicos 613 assim como a existência de legislação constitucional estadual que proíbe expressamente a caça 614 Sem adentrar o mérito dos exemplos trazidos a nossa intenção aqui é apenas elucidar a questão dos conflitos legislativos O conflito normativo por sua vez é inerente ao sistema federativo com entes dotados de autonomia e conforme o leitor pode verificar a partir dos exemplos colacionados está presente em diversas situações concretas portanto não se trata de mera especulação teórica ou acadêmica de modo que é fundamental a construção de um sistema normativo e teórico capaz de guiar os nossos Juízes e Tribunais na resolução de tais questões O centro gravitacional de tal sistema é a proteção dos direitos fundamentais e da dignidade da pessoa humana para o que devem concorrer colaborar todos os entes da Federação no âmbito do exercício de suas respectivas competências Seguindo na análise do regime constitucional de competência legislativa concorrente em matéria ambiental a CF estabelece que inexistindo lei federal sobre normas gerais os Estados e também os Municípios exercerão a competência legislativa plena para atender às suas peculiaridades art 24 3º Aqui a situação é diferente uma vez que não há a regulamentação geral estabelecida pela União tendo a norma constitucional assegurado fosse suprida a omissão ou a regulamentação insuficiente praticada pela União Todavia na hipótese de superveniência de lei federal sobre normas gerais na matéria é preciso recordar que a CF prevê a suspensão da eficácia da lei estadual e municipal no que lhe for contrária art 24 4º Quanto a tal aspecto cumpre assinalar que a nosso ver a suspensão da eficácia da lei estadual e o mesmo raciocínio também se aplica à lei municipal não alcança o conteúdo de natureza suplementar em especial naquilo em que a legislação anterior estadual ou municipal tenha estabelecido um patamar normativo de maior proteção ambiental tomando por base as razões que já alinhavamos anteriormente A cooperação legislativa proposta no âmbito da competência legislativa concorrente deve trilhar o caminho de uma maior proteção ambiental ou seja a sua operacionalização só tem sentido se servir ao objetivo de alcançar um nível maior de efetivação da legislação ambiental considerando em especial que o maior problema da legislação ambiental brasileira é o seu déficit de efetividade Sem dúvida a proteção ecológica interessará na grande maioria dos casos de poluição ambiental já em virtude do seu caráter transfonteiriço também às esferas regional e nacional e mesmo internacional mas isso não implica sobreposição da esfera local que deve ter preservada sua total autonomia para atuar em prol da defesa ambiental A previsão constante do inciso II do art 30 da CF foi precisa ao assinalar a competência legislativa do Município para suplementar a legislação federal e a estadual no que couber Aqui também não há razão para rejeitar a aplicação de tal norma à matéria ambiental de modo que está o Município autorizado constitucionalmente a legislar nessa seara seguindo os parâmetros legislativos delineados no art 24 da CF O art 30 VIII da CF também ampara tal entendimento ao tratar da legitimidade municipal para promover o adequado ordenamento territorial mediante planejamento e controle do uso do parcelamento e da ocupação do solo urbano Nessa mesma linha José A de Oliveira Baracho Júnior pontua que a ordenação territorial interfere diretamente na qualidade ambiental Se for priorizada por exemplo a expansão para local onde haja significativa vegetação ou locais que abrigam espécime representativo da fauna ou ainda para locais onde os recursos hídricos sejam abundantes não estará o Município contribuindo para a efetivação do direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado 615 No plano normativo infraconstitucional cumpre colacionar o conteúdo da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente Lei 69381981 No art 6º do diploma em análise que trata dos órgãos e entidades que compõem o Sistema Nacional do Meio Ambiente Sisnama entre eles os Municípios mais precisamente no seu 2º há previsão expressa no sentido de que os Municípios observadas as normas e os padrões federais e estaduais também poderão elaborar as normas mencionadas no parágrafo anterior o qual estabelece que os Estados na esfera de suas competências e nas áreas de sua jurisdição elaborarão normas supletivas e complementares e padrões relacionados com o meio ambiente observados os que forem estabelecidos pelo Conama 1º Ou seja também a Lei 69381981 prevê a possibilidade de o Município legislar em matéria ambiental com o objetivo de estabelecer normas supletivas e complementares àquelas provenientes da União e dos Estados reforçando o cenário normativo descrito anteriormente Na doutrina a questão é praticamente pacífica 616 A própria jurisprudência tem trilhado tal caminho muito embora a discussão a respeito dos limites de tal prática legislativa concorrente a cargo dos entes municipais prevalecendo nesse cenário uma interpretação restritiva 617 Nesse contexto Andreas J Krell sustenta que depois da promulgação da Constituição Federal de 1988 e das cartas estaduais no ano seguinte cada vez mais Municípios vieram criando as suas normas para uma proteção mais eficiente do seu ambiente e o melhoramento da qualidade de vida da sua população 618 De outra parte muito embora a discussão a respeito dos limites do exercício de tal competência o escopo do exercício da competência legislativa municipal ainda mais no campo ecológico deverá ser sempre o interesse local seguindo aqui o critério constitucional da predominância do interesse Tal diretriz é reforçada pela legitimidade democrática das instâncias políticas locais na adoção de medidas legislativas na seara ecológica somada por óbvio à autonomia constitucional assegurada aos entes políticos municipais Assim pelo que até o momento foi exposto é possível afirmar que o condomínio legislativo projetado pelo constituinte carece de contínua reflexão e aperfeiçoamento mas especialmente deveria avançar para uma dinâmica menos centralista e mais amiga da expansão controlada dos poderes local designadamente naquilo que a legislação estadual e municipal puder aperfeiçoar a proteção da dignidade da pessoa humana e dos direitos fundamentais De todo modo as observações tecidas nesse item representam pálida amostra das possibilidades de uma leitura crítica do sistema constitucional de repartição de competências formatado pela CF 8 CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE Luiz Guilherme Marinoni 1 O SURGIMENTO DO CONTROLE JUDICIAL DE CONSTITUCIONALIDADE NO DIREITO COMPARADO E A SUA EVOLUÇÃO NO DIREITO BRASILEIRO 81 O surgimento do controle judicial da constitucionalidade das leis nos Estados Unidos 811 Primeiras considerações O sistema estadunidense de controle de constitucionalidade das leis costuma ser equiparado ao dito controle difuso de constitucionalidade isto é ao sistema em que o controle de constitucionalidade das leis é deferido a todo e qualquer juiz independentemente da sua posição na estrutura do Poder Judiciário sem que para tanto seja necessária uma ação específica já que neste caso a aferição da constitucionalidade da norma é realizada no curso do raciocínio judicial tendente à resolução do litígio Estados Unidos embora não esteja previsto em sua Constituição tendo sido delineado por Hamilton nos Federalist Papers 1 e sedimentado por ocasião do caso Madison v Marbury em que o Juiz Marshall teve extraordinário papel 2 De modo que se faz necessário investigar as razões históricas e teóricas que permitiram que o controle judicial da constitucionalidade naturalmente aparecesse nos Estados Unidos Neste contexto é de se questionar o motivo pelo qual o princípio da separação de poderes em sua versão estrita não teve força suficiente para impedir que o poder judicial frutificasse de modo a frear os eventuais descontroles do Legislativo 812 A superioridade do common law sobre os atos do parlamento inglês A ideia de controle dos atos estatais inclusive do parlamento era conhecida pelo juiz da tradição do common law 3 Há aí já no início do século XVII precedente dotado de fundamentação muito parecida com aquela que veio a ser utilizada mais de um século depois no célebre caso Marbury v Madison que serviu de base para o fulgurante desenvolvimento do judicial review of legislation estadunidense 4 No final da primeira década do século XVII no igualmente célebre caso Bonham Edward Coke declarou que as leis estão submetidas a um direito superior o common law e que quando elas o desrespeitam são nulas e destituídas de eficácia Disse literalmente Coke por ocasião do julgamento do caso Bonham que em muitos casos o common law controlará os atos do parlamento e algumas vezes os julgará absolutamente nulos visto que quando um ato do parlamento for contrário a algum direito ou razão comum ou repugnante ou impossível de ser aplicado o common law irá controlálos e julgálos como sendo nulos 5 Vêse muito claramente na decisão proferida no caso Bonham um germe do controle da constitucionalidade das leis extraindose daí a noção de que o poder judicial no common law primitivo era exercido mediante uma lógica semelhante à que dirige a atuação do juiz submetido à Constituição e aos direitos fundamentais 6 813 A Revolução Gloriosa de 1688 e o significado do princípio da supremacy of the English Parliament Na Inglaterra a chamada Revolução Gloriosa de 1688 conferiu destaque à posição do parlamento Mas ao contrário do que ocorreu com a Revolução Francesa na Inglaterra o fortalecimento do parlamento não enfraqueceu ou calou o Judiciário Na verdade os legisladores e os juízes na Inglaterra uniramse contra o poder do monarca em prol dos direitos do povo Assim a noção de supremacia do parlamento inglês nada tem a ver com a ideia de supremacia do parlamento na França que traz consigo outra intenção a de calar os juízes que mesmo após a Revolução Francesa eram vistos com grande desconfiança em virtude de suas ligações espúrias com o antigo regime 7 Mauro Cappelletti em seu célebre Il controllo giudiziario di costituzionalità delle leggi nel diritto comparato afirma que a doutrina de Coke e mais especificamente a submissão do parlamento ao common law desapareceram com a Revolução de 1688 e com a instituição do princípio da supremacy of the parliament Eis o que diz Cappelletti Tal doutrina a de Coke foi abandonada na Inglaterra com a Revolução de 1688 quando então foi proclamada a doutrina contrária ainda hoje respeitada naquele país da supremacia do parlamento Porém da doutrina de Coke restaram os frutos ao menos nos Estados Unidos e estou me referindo como é óbvio aos frutos que hoje são chamados de judicial review e supremacy of the judiciary 8 É certo que a doutrina de Coke 9 no seu particular significado de doutrina que dava ao juiz apenas o poder de declarar o common law foi superada na Inglaterra pela teoria constitutiva desenvolvida sobretudo por Bentham e Austin 10 Contudo a Revolução de 1688 não fez desaparecer a noção de que o parlamento e a lei são submetidos ao common law Também não é adequado sustentar que o juiz a partir desse momento passou a estar submetido ao Legislativo nem muito menos que o direito das colônias passou a dever respeito unicamente à produção do parlamento Com a Revolução Gloriosa o parlamento venceu longa luta contra o absolutismo do rei Reiterese que para conter os arbítrios do monarca a magistratura se posicionou ao lado do parlamento chegando a com ele se misturar Não houve qualquer necessidade de afirmar a prevalência da lei como produto do Parliament sobre os juízes mas sim a força do direito comum diante do poder real Ademais a Revolução Puritana não objetivou destruir o direito antigo mas ao contrário pautouse pela afirmação do common law contra o rei A Revolução Gloriosa não edificou direito novo limitandose a impor o direito ancestral dos englishmen em face do monarca Assim os atos estatais inclusive os atos judiciários continuaram a ter como pano de fundo o common law Toda e qualquer norma elaborada pelo Legislativo teria de estar inserida no common law na busca de afirmação dos direitos e liberdades do cidadão inglês contra o rei 11 A Revolução bem por isso não teve a pretensão de elevar a lei a uma posição suprema ou a intenção de dotar o parlamento de um poder absoluto mediante a produção do direito Mais do que à lei foi necessário dar ênfase ao common law ou ao direito da história e das tradições do povo inglês para conter o poder real De modo que a ideia de supremacy of the English parliament não revela a submissão do poder real à norma produzida pelo Legislativo mas isso sim a submissão do rei ao direito inglês em sua inteireza Esse direito submetia o monarca contendo os seus excessos mas também determinava o conteúdo da produção legislativa que sem qualquer dúvida não podia ser desconforme ao common law 12 Portanto é certo que o princípio da supremacy of the English parliament não teve a menor intenção de submeter o juiz ao parlamento ou mesmo o objetivo de impedir o juiz de afirmar o common law se fosse o caso contra a própria lei O princípio inglês ao contrário do que sugere Cappelletti teve a intenção de passar a noção de supremacia do direito sobre o monarca e não o propósito de significar onipotência da lei ou absolutismo do parlamento 814 Do controle dos atos da colônia a partir do direito inglês ao judicial review estadunidense Mera inversão do princípio da supremacia do parlamento pelo princípio da supremacia do Judiciário As colônias inglesas regidas por Cartas foram proibidas de editar atos contrários ao direito inglês 13 A supremacia do parlamento inglês impunhase mediante as Cartas 14 de forma a não permitir a aplicação judicial de leis coloniais contrastantes Com a independência das colônias americanas em 1776 as Cartas foram substituídas pelas novas Constituições e como anteriormente os juízes já tinham a consciência e a prática de decretar a nulidade das leis que violassem as Cartas e a legislação do reino inglês tornouse praticamente natural controlar as leis que contrariassem as Constituições dos Estados que acabavam de adquirir independência 15 Afirmase que o princípio da supremacia do parlamento inglês ao sobrepor o direito inglês à produção legislativa das colônias acabou por fazer surgir nos Estados Unidos o seu oposto ou seja o princípio da supremacy of the Judiciary Nesse sentido o princípio da supremacia do parlamento inglês teria colaborado para o surgimento do controle judicial da constitucionalidade das leis nos Estados Unidos O princípio da supremacia do parlamento ao fundamentar o controle dos atos da colônia teria constituído os primeiros passos do controle da constitucionalidade das leis a espelhar a supremacia do Judiciário Cappelletti vê com grande curiosidade o antecedente do judicial review of the constitutionality of legislation no princípio da supremacia do parlamento inglês É que este princípio ao fundamentar o controle dos atos da colônia constituiria a pedra que deu origem aos primeiros passos para o controle da constitucionalidade das leis a espelhar a supremacia do Judiciário Chega a dizer que aí estaria presente a astúcia da história que atinge seus fins mediante caminhos contraditórios e imprevisíveis 16 Não há dúvida que o controle judicial da constitucionalidade das leis revela o princípio da supremacy of the Judiciary que assim estaria invertendo as posições do parlamento e do Judiciário Sucede que ao contrário do que parece a Cappelletti o princípio da supremacia do parlamento inglês não pode ser reduzido a uma dimensão que o torne similar ao princípio que com idêntico nome foi idealizado pela Revolução Francesa Frisese que a legislação das colônias não era verdadeiramente submetida à lei inglesa mas sim vinculada ao direito inglês Ora o controle da legitimidade das leis coloniais se dava a partir do common law até porque o parlamento como já dito estava submetido a um metadireito ou a uma metalinguagem o common law e não simplesmente escrevendo as primeiras linhas de um direito novo como aconteceu com o poder Legislativo que se instalou com a Revolução Francesa Bem vistas as coisas o controle da legitimidade dos atos da colônia a partir do direito inglês e o controle da constitucionalidade das leis com base na Constituição americana não significaram mera inversão ou troca de princípios com a substituição do princípio da supremacia do parlamento pelo princípio da supremacia do Judiciário 17 Um raciocínio tão simples e fácil apenas seria admissível caso pautado pelo significado que a supremacia do parlamento assumiu no civil law por decorrência da Revolução Francesa Acontece que este princípio na Inglaterra esteve muito longe da ideia de supremacia da lei sobre o juiz tendo significado na verdade supremacia do direito sobre o monarca e sobre as próprias leis inclusive as das colônias Nesta perspectiva quando se controlava a legitimidade da lei colonial a partir do direito inglês afirmavase o common law e não a lei nos moldes do civil law E o juiz nesta dimensão já se sobrepunha ao elaborador da lei destoante Por conseguinte o controle de constitucionalidade estadunidense significou muito mais uma continuidade que uma ruptura com o modelo inglês 18 Lembrese ademais de que a imprescindibilidade de imposição de limites ao Legislativo mediante uma lei maior já fora expressa à época em que os colonizadores da América do Norte que não tinham representantes no parlamento inglês se revoltaram contra os tributos exigidos pelo governo da metrópole mediante a alegação de que qualquer ato do parlamento contrário à equidade natural seria nulo 19 815 Os significados de supremacia do parlamento nas revoluções inglesa e francesa A supremacy of the English parliament tem significado completamente distinto dos da supremacia do Legislativo e do princípio da legalidade tais como vistos pela Revolução Francesa Como dito a afirmação do parlamento sublinhada pela Revolução inglesa de 1688 não teve o propósito de marcar o início de um novo direito O seu caráter foi conservador A Revolução inglesa não foi dotada de verdadeiro espírito revolucionário não desejou desconsiderar o passado e destruir o direito já existente mas ao contrário confirmálo e fazêlo valer contra um monarca que não o respeitava 20 Portanto em vez de pretender instituir um novo direito mediante a afirmação da superioridade na verdade absolutismo do Parliament nos moldes da Revolução Francesa a Revolução Gloriosa instituiu uma ordem em que os poderes do monarca estivessem limitados pelos direitos e liberdades do povo inglês 21 Percebase que a noção de rule of law and not of men não significou apenas o topos aristotélico do governo das leis em substituição ao governo dos homens mas sobretudo a luta históricoconcreta que o parlamento inglês travou e ganhou contra o absolutismo 22 O ordenamento da Revolução Puritana caracterizouse pela submissão do poder do monarca em seu exercício e atuação a determinadas condições assim como pela existência de critérios reguladores da relação entre ele e o parlamento Neste ordenamento tem destaque o célebre Bill of Rights editado no primeiro ano da Revolução em 1689 ao qual Guilherme de Orange foi obrigado a se submeter para ascender ao trono mediante uma espécie de acordo entre o rei e o parlamento visto como representante do povo Frisese que o Bill of Rights embora tenha entre seus princípios fundamentais a proteção da pessoa e da propriedade e determinadas garantias processuais e dimensões da liberdade política é marcado acima de tudo pela submissão do soberano à lei 23 Não obstante a Revolução inglesa tenha vencido o absolutismo com ela o parlamento não assumiu o poder absoluto como aconteceu na Revolução Francesa Como explica Zagrebelsky na tradição da Europa continental a luta contra o absolutismo significou a pretensão de substituir o rei por outro poder absoluto a Assembleia Soberana ao passo que na Inglaterra a batalha contra o absolutismo consistiu em opor às pretensões do rei os privilégios e liberdades tradicionais dos ingleses representados e defendidos pelo parlamento 24 Assim enquanto na França o legislativo se revestiu do absolutismo por meio da produção da lei na Inglaterra a lei representou além de critério de contenção do arbítrio real um elemento que se inseriu no tradicional e antigo regime do common law Como a lei era imprescindível para a realização dos escopos da Revolução Francesa e os juízes não mereciam confiança a supremacia do parlamento aí foi vista como sujeição do juiz à lei proibido que foi inclusive de interpretála para não distorcêla e deste modo frustrar os objetivos do novo regime 25 Na Inglaterra como os atos do parlamento não tinham qualquer intenção de significar direito novo mas representavam mero elemento introduzido em um direito ancestral que antes de merecer repulsa era ancorado na história e nas tradições do povo e o juiz contava com o apoio do poder que se instalara uma vez que sempre lutara misturado ao legislador contra o absolutismo do rei não houve qualquer intenção ou necessidade de submeter o magistrado à lei 26 Além de a lei jamais ter anulado o poder do juiz os próprios princípios da Revolução inglesa davamlhe condição para controlar os atos legislativos a partir do common law já que o parlamento embora supremo diante do monarca era àquele submetido 27 Sublinhese na linha de interessante ensaio de Rainer Grote que na base do acordo constitucional de 1688 o Legislativo não foi investido num governante autocrático mas constituiu um órgão eleito o que significa que o processo de lawmaking permaneceu sujeito ao controle dos diferentes grupos e interesses representados no parlamento Ademais as leis tiveram um papel de menor importância no desenvolvimento geral do direito o qual procedia especialmente dos fundamentos das decisões judiciais de interpretação do common law Os próprios direitos afirmados pelo parlamento tiveram de ser reforçados pelas Cortes que mesmo reconhecendo o seu dever de acatar a vontade do legislador interpretaram as regras positivadas de acordo com os direitos e liberdades tutelados pelos princípios do common law Portanto é indiscutível que o Judiciário sob a luz do princípio da supremacy of the English parliament não se transformou em órgão sujeito à vontade do legislador à semelhança do que ocorreu na França com a afirmação do princípio da supremacia da lei Sendo assim é contestável a relação de contrariedade que Cappelletti pretendeu estabelecer entre o princípio da supremacy of the English parliament e o princípio da supremacy of the Judiciary estadunidense Tal contrariedade só teria sentido conforme explicado se o princípio da supremacy of the English parliament tivesse o significado de submeter o juiz à lei Na verdade como tal princípio tem conteúdo oposto pois permite o controle da legitimidade dos atos do parlamento a partir do common law é possível aceitar na tese de Cappelletti apenas a porção que estabelece ligação entre o controle da legitimidade dos atos da colônia a partir do direito inglês e não apenas a partir dos atos do parlamento inglês com o controle da constitucionalidade das leis Portanto não parece exato que o precedente imediato do judicial review seja o princípio da supremacia do parlamento inglês nem mesmo que este princípio tenha inspirado o controle da constitucionalidade das leis nos Estados Unidos Tal inspiração brotou em outro lugar exatamente na submissão dos atos do parlamento a um direito maior o common law 816 O judicial review diante do princípio da separação dos poderes As Revoluções francesa e americana têm em suas raízes a separação dos poderes elaborada por Montesquieu 28 No entanto o papel dos juízes nos Estados Unidos e na França seguiu rumos tão distintos que os pais da Revolução Francesa entre eles Robespierre e Le Chapelier afirmaram que apenas a lei escrita seria válida e que o judgemade law era a mais detestável das instituições devendo ser destruído 29 Assim se a separação dos poderes está na base de ambas as revoluções é certo que diante das duas realidades apresentou configurações diversas A história do direito e da magistratura franceses é imprescindível para a compreensão da questão Os membros do Judiciário francês antes da Revolução constituíam classe aristocrática não apenas sem qualquer compromisso com os valores da igualdade da fraternidade e da liberdade mas possuíam laços visíveis e espúrios com outras classes privilegiadas especialmente com a aristocracia feudal em cujo nome atuavam sob as togas Nessa época os cargos judiciais eram comprados e herdados o que fazia supor que o cargo de magistrado deveria ser usufruído como uma propriedade particular capaz de render frutos pessoais 30 Os juízes prérevolucionários se negavam a aplicar a legislação que era contrária aos interesses dos seus protegidos e interpretavam as novas leis de modo a manter o status quo e a não permitir que as intenções progressistas dos seus elaboradores fossem atingidas Não havia qualquer isenção para julgar A preocupação em desenvolver um novo direito 31 e permitir o desabrochar de uma nova sociedade exigiu a admissão dos argumentos de Montesquieu 32 aceitandose a necessidade de separação dos poderes e impondose sobretudo uma clara distinção entre as funções do Legislativo e do Judiciário 33 Tornouse imprescindível limitar a atividade do Judiciário subordinandoo de forma rígida ao parlamento cujos habitantes deveriam representar os anseios do povo 34 De acordo com Montesquieu o poder de julgar deveria ser exercido por meio de uma atividade puramente intelectual cognitiva não produtiva de direitos novos Essa atividade não seria limitada apenas pela legislação mas também pela atividade executiva que teria o poder de executar as decisões que constituem o poder de julgar Nesse sentido o poder dos juízes ficaria limitado a afirmar o que já havia sido dito pelo Legislativo devendo o julgamento ser apenas um texto exato da lei 35 Por isso Montesquieu acabou concluindo que o poder de julgar era de qualquer modo um poder nulo em quelque façon nulle 36 Assim conferiuse o poder de criar o direito apenas ao Legislativo A prestação judicial deveria se restringir à mera declaração da lei deixandose ao Executivo a tarefa de executar as decisões judiciais 37 Para que se pudesse limitar o poder do juiz à declaração da lei a legislação deveria ser clara e capaz de dar regulação a todas as situações conflitivas Os Códigos deveriam ser claros coerentes e completos 38 O medo do arbítrio judicial derivado da experiência do Ancien Régime não apenas exigia a separação entre o poder de criar o direito e o poder de julgar como também orientava a arquitetura legislativa desejada Além disso o racionalismo exacerbado típico da época fazia acreditar que a tarefa judicial poderia ser a de apenas identificar a norma aplicável para a solução do litígio 39 É preciso atentar para a diferença entre a história do poder judicial no common law e a história do direito continental europeu em particular dos fundamentos do direito francês pósrevolucionário Na Inglaterra ao contrário do que ocorreu na França os juízes corporificaram uma força progressista preocupada em proteger o indivíduo e em pôr freios no abuso do governo como ainda desempenharam papel importante para a centralização do poder e para a superação do feudalismo Naquele país a unificação do poder se deu de forma razoavelmente rápida com a eliminação da jurisdição feudal e de outras jurisdições paralelas E os juízes colaboraram para esta unificação afirmando o direito de ancestral tradição na nação sem qualquer necessidade de rejeição à tradição jurídica do passado A Revolução Francesa porém procurou criar um direito que fosse capaz de eliminar o passado e as tradições até então herdadas de outros povos mediante não só o esquecimento do direito francês até então vigente como também a negação da autoridade do ius commune 40 O direito comum havia de ser substituído pelo direito nacional Tal direito ao contrário do inglês tinha de ser claro e completo para não permitir qualquer interferência judicial no desenvolvimento do direito e do poder governamental Não havia como confiar nos juízes que sem qualquer pudor estiveram ao lado dos senhores feudais e em forte oposição à centralização do poder De modo que o direito francês além de rejeitar o direito comum do civil law e de procurar instituir um direito nacional novo teve a necessidade de legitimálo mediante a subordinação do poder do juiz ao poder do parlamento O direito contaria com um grave e insuportável déficit democrático caso fosse interpretado pelos magistrados Ou melhor havia bom motivo para não dar aos juízes o poder de interpretar as normas traçadas pelos representantes do povo A Revolução Francesa imaginou que com uma legislação clara e completa seria possível ao juiz simplesmente aplicar a lei e dessa maneira solucionar os casos litigiosos sem a necessidade de estender ou limitar o seu alcance e sem nunca se deparar com a sua ausência ou mesmo com conflito entre as normas Na excepcionalidade de conflito obscuridade ou falta de lei o magistrado obrigatoriamente deveria apresentar a questão ao Legislativo para a realização da interpretação autorizada A Lei Revolucionária de agosto de 1790 não só afirmou que os tribunais judiciários não tomarão parte direta ou indiretamente no exercício do poder legislativo nem impedirão ou suspenderão a execução das decisões do poder legislativo Título II art 10 mas também que os tribunais reportarseão ao corpo legislativo sempre que assim considerarem necessário a fim de interpretar ou editar uma nova lei Título II art 12 41 Afirmouse que o juiz ao não poder identificar a norma aplicável à solução do caso deveria recorrer ao Legislativo Supunhase é claro que estas situações seriam raras e que depois de um tempo de consultas ao Legislativo tenderiam a desaparecer De qualquer forma pouca coisa pode expressar de forma tão marcante a pretensão revolucionária de limitar o poder judicial Algo similar aconteceu no direito prussiano O célebre Código Prussiano Allgemeines Landrechtfür die Preußischen Staaten elaborado por Federico II o Grande em 1793 continha mais de 17000 artigos revelando o intento de regular todas as situações fáticas por mais específicas que fossem Do mesmo modo que o Código Napoleão que tinha 2281 artigos o objetivo de Federico foi o de fazer um direito à prova de juízes 42 O primeiro rei da Prússia não se deu por contente com os 17000 artigos do seu Código tendo também proibido os juízes de interpretálos e na mesma senda da Lei Revolucionária Francesa de 1790 criou uma comissão legislativa a quem os juízes tinham o dever de recorrer em casos de dúvida sobre a aplicação de uma norma O juiz que caísse na tentação de interpretar o Código incidiria na grande ira de Federico e sofreria severo castigo 43 Ainda mais interessante é a história da Corte de Cassação francesa Este tribunal também foi instituído em 1790 com o nítido objetivo de limitar o poder judicial mediante a cassação das decisões que destoassem do direito criado pelo parlamento 44 É possível dizer que a Cassation foi instituída como uma válvula de escape contra a aplicação incorreta da lei e a não apresentação do caso à interpretação autorizada do Legislativo Porém talvez já se vislumbrasse a dificuldade prática em se exigir dos juízes a exposição das suas dúvidas ao Legislativo bem como o trabalho excessivo e praticamente inviável que seria submetido aos legisladores caso todas as dificuldades interpretativas lhes fossem anunciadas 45 Embora chamado de Corte esse órgão não fazia parte do Poder Judiciário constituindo instituição destinada a proteger a supremacia da lei Esta primeira natureza não jurisdicional da Cassação era compatível com a sua função de apenas cassar ou anular as decisões judiciais que dessem sentido indesejado à lei Sem obrigar o juiz a requerer a devida interpretação impediase que as decisões que não se limitassem a aplicar a lei tivessem efeitos Em vez de se utilizar o instrumento da consulta interpretativa autorizada preferiase algo mais factível isto é cassar a interpretação equivocada Frisese que a Cour de Cassation foi instituída unicamente para cassar a interpretação incorreta e não para estabelecer a interpretação correta ou para decidir em substituição à decisão prolatada pelo juiz ordinário Lembrese que ela não era sequer considerada um órgão jurisdicional e por isso mesmo não podia decidir Dessa forma a Cassation não se sobrepunha ao órgão judicial ordinário por ter o poder de proferir a última decisão mas sim por ter o poder para afirmar como a lei não deveria ser interpretada Assim controlar a legitimidade da lei seria um absurdo para um juiz despido de legitimidade e visto como inimigo do poder investido no parlamento e corporificado na lei Porém como explica John Henry Merrymann nos Estados Unidos e na Inglaterra existia um diferente tipo de tradição judicial na qual os juízes muitas vezes constituíram uma força progressiva ao lado do indivíduo contra o abuso do poder pelo governante e tiveram importante papel na centralização do poder governamental e na destruição do feudalismo O medo do lawmaking judicial e da interferência judicial na administração não existia O poder dos juízes de dar forma ao desenvolvimento do common law era uma instituição familiar e bem vinda O Judiciário americano ao contrário do francês não foi um alvo revolucionário 46 Os juízes americanos assim não sofreram as limitações do princípio da separação dos poderes como os juízes franceses 47 É que os magistrados americanos além de contarem com a confiança do povo não estavam submetidos às pressões de um poder investido no parlamento e que tinha unicamente na lei o instrumento de construção do novo regime 48 817 A matriz jusnaturalista da Constituição e os poderes constituinte e constituído Se a ideia de separação dos poderes nos moldes em que recebida pelo direito francês é avessa ao desenvolvimento do controle judicial da legitimidade das leis ainda resta saber como tal princípio se conciliou com o judicial review Deixese claro antes de mais que da Constituição de 1787 não decorria diretamente a ideia de judicial review of legislation Frise se que o princípio da separação de poderes também esteve à base da Revolução americana desencorajando contaminações recíprocas e previsões de controle de um poder sobre o outro Porém os intelectuais da Revolução americana eram conscientes de elementos teóricos que fizeram a diferença Afirmou se por detrás do movimento da independência estadunidense a matriz jusnaturalista da Constituição 49 Tinhase esta noção muito presente A Constituição foi vista como Lei Fundamental como Carta que contém os direitos fundamentais para o desenvolvimento do homem e por consequência proíbe a sua negação e violação pelo poder estatal inclusive pelo Legislativo 50 Além disso não se considerou apenas a relação entre os Três Poderes do Estado os quais foram tomados como poder constituído em oposição ao poder constituinte ou seja ao poder capaz de dar vida a uma Constituição Daí retirouse em suma a conclusão de que o Legislativo não pode modificar a Constituição ao menos mediante lei ordinária 51 Assim não obstante a separação de poderes os constituintes norteamericanos temiam o arbítrio do legislador 52 De modo que embora não tenham expressamente previsto o judicial review of legislation provavelmente apostaram na potencialidade lógica do texto da Constituição para fazer brotar no âmbito doutrinário e jurisprudencial o poder judicial de revisão da constitucionalidade das leis 53 818 O caso Marbury v Madison 54 A doutrina Marshall A Suprema Corte nasceu como órgão judiciário de última instância 55 O passar do tempo na verdade uma evolução secular é que lhe permitiu concentrar quase que exclusivamente em questões constitucionais 56 Foram necessários poucos anos para que a Suprema Corte desse o primeiro passo fundamental para a instituição de um modelo de justiça constitucional que se tornou célebre e influenciou vários sistemas no mundo 57 Isso ocorreu em 1803 quando a Suprema Corte presidida pelo Juiz John Marshall deparouse com o famoso caso Marbury v Madison no qual se apreciou questão em que determinada lei foi contraposta à Constituição 58 Neste contexto foi desenvolvido raciocínio que deu origem à tese que passou a ser conhecida como Doutrina Marshall de que todo juiz tem poder e dever de negar validade a lei que mostrandose indispensável para a solução do litígio afrontar a Constituição 59 Em 1800 no cenário político do governo americano os federalistas perderam poder por várias razões e os republicanos ganharam as eleições Ao final de 1800 o Presidente John Adams estava em vias de ser substituído por Thomas Jefferson e os federalistas queriam conservar uma parcela do seu poder político No início de 1801 o Congresso americano cuja maioria era federalista aprovou lei autorizando a nomeação de 42 juízes de paz para os Distritos de Columbia e Alexandria No dia 3 de março de 1801 um dia antes da posse de Jeferson o Senado confirmou os 42 nomes todos eles federalistas e no último dia de seu governo Adams assinou os atos de investidura que ficaram de ser entregues aos novos juízes pelo Secretário de Estado John Marshall relevante figura do partido federalista Neste momento Marshall já tinha sido indicado por Adams para Presidente da Suprema Corte e prestado compromisso em 4 de fevereiro de 1801 embora tenha permanecido como Secretário de Estado por solicitação do Presidente Adams até o fim do seu mandato 60 Marshall não teve tempo para entregar os atos de investidura a todos os juízes de paz Entre eles estava William Marbury Porém James Madison Secretário de Estado do recémempossado Thomas Jefferson negouse a entregar os atos de investidura àqueles que foram excluídos pela falta de tempo Foi por isso que Marbury ao final de 1801 propôs ação originária perante a Suprema Corte requerendo ordem de mandamus para compelir Madison a lhe entregar o ato de investidura A ação foi proposta com base no 13 do Judiciary Act de 1789 uma das primeiras leis que o Congresso recémcriado pela nova Constituição havia editado 61 O caso só veio a ser julgado pela Suprema Corte em 1803 Marshall entendeu que Marbury tinha direito à investidura no cargo Baseado no ato do Congresso que autorizou a nomeação dos juízes de paz para o Distrito de Columbia afirmou que a investidura constituía um vested legal right aproveitando assim para criticar a nova administração do Presidente Jefferson Na sequência consignou que diante do direito de Marbury necessariamente deveria haver um instrumento processual para tutelálo Raciocinou nos termos de que todo direito deve ter à sua disposição um instrumento processual para protegêlo Desde logo advertiu que isto só não aconteceria se a questão a ser decidida tivesse natureza política ou fosse daquelas deixadas à discricionariedade do Executivo Por fim passou a tratar da questão de se no caso concreto o writ of mandamus poderia ser utilizado e a Suprema Corte possuía competência para apreciálo e concedêlo Como o writ of mandamus constitui ordem para uma autoridade praticar ação específica Marshall indagou se ele poderia ser utilizado contra autoridades que fizessem parte do Executivo Marshall afirmou existirem duas classes de atos do Executivo não sujeitos à revisão judicial aqueles que em sua essência têm natureza política e os que a Constituição ou a lei colocam sob a exclusiva discricionariedade do Executivo Situação diversa existiria na hipótese em que a Constituição ou a lei lhe impõe determinado dever Neste caso afigurandose legítima a atuação do Judiciário em face de ilegalidade específica não haveria intromissão no Poder 62 Ao analisar o poder a competência da Suprema Corte para apreciar e conceder o mandamus Marbury viu conflito entre o 13 do Judiciary Act de 1789 e o art 3º da Constituição O 13 da Lei de 1789 alterou a competência originária da Suprema Corte atribuindolhe poder para apreciar e julgar outras ações originárias como a proposta por Marbury Marshall interpretou o art 3º da Constituição como norma que fixou e limitou a competência originária da Suprema Corte concluindo que o Congresso poderia alterar apenas a sua competência recursal Diante do claro conflito entre o 13 do Judiciary Act de 1789 e o art 3º da Constituição Marshall enfim chega à questão cuja solução outorgaria imprevisível valor ao precedente o problema passou a ser o de se a lei que conflita com a Constituição é válida e a Suprema Corte possui poder para invalidála ou ao menos deixar de aplicála 63 O raciocínio empregado por Marshall apresenta duas proposições alternativas ou a Constituição é a lei suprema incapaz de ser modificada mediante os meios ordinários e dessa forma a lei que lhe é contrária não é uma lei ou a Constituição está no mesmo nível das leis ordinárias e como estas pode ser modificada quando desejar o legislador Observa que se fosse verdadeira a segunda proposição as Constituições escritas não passariam de uma absurda tentativa de limitar um poder o Legislativo por sua natureza ilimitável Mas como a Constituição é a lei fundamental e suprema da nação a conclusão só pode ser a de que o ato do Legislativo que contraria a Constituição é nulo 64 Porém se a lei que contraria a Constituição é nula restava saber o que o Judiciário deve fazer diante dela Ora como a Constituição constitui a lei fundamental e suprema e incumbe ao Judiciário interpretar as leis para julgar os casos cabelhe quando a lei afronta a Constituição deixar de aplicála ao caso concreto Admitiu se assim que o Judiciário é o intérprete último da Constituição 65 Em resumo o precedente firmado em Marbury v Madison afirmou a superioridade da Constituição outorgandolhe caráter de lei que subordina todas as outras A partir daí demonstrou que o Judiciário ao se deparar com lei que contraria a Constituição deve deixar de aplicála simplesmente pela circunstância de lhe incumbir interpretar as leis e eliminar os conflitos entre elas 66 Em Marbury v Madison a Suprema Corte pela primeira vez afirmou o seu poder de controlar a constitucionalidade das leis consagrando o controle difuso de constitucionalidade É certo que muito tempo antes disso houve mostras da necessidade de controle judicial da legitimidade das leis 67 Entretanto é inegável que o precedente devido a Marshall teve o grande mérito de demonstrar a supremacia da Constituição sobre as leis atribuindolhe caráter de rigidez Com a noção de Constituição rígida desperta o sistema contemporâneo de controle judicial da constitucionalidade das leis umas das expressões mais importantes do moderno constitucionalismo 68 819 Consideração históricocrítica acerca do surgimento do sistema americano de controle difuso da constitucionalidade das leis O surgimento do controle difuso da constitucionalidade das leis nos Estados Unidos enseja reflexão especial A separação de poderes um dos fundamentos da Constituição americana não impediu que o Judiciário assumisse o poder de controlar a produção normativa do Legislativo Ao contrário do que sucedeu na França tal princípio não foi utilizado para compelir o Judiciário a aplicar a letra da lei tal como se fosse a bouche de la loi Várias razões parecem ter concorrido para tanto O common law nunca foi um direito dependente do parlamento Nunca foi limitado ou mesmo definido pela legislação O common law sempre constituiu a luz guia dos atos do parlamento inglês e depois dos atos das colônias Portanto os colonizadores já tinham consciência de que os seus atos deviam estar em conformidade com o common law da tradição inglesa O judicial review tem origem na subordinação do direito das colônias ao direito inglês compreendido é certo como common law Esta origem muito mais do que demonstrar a semente do controle judicial da legitimidade das leis tem o mérito de evidenciar a ideia de supremacia de uma lei maior em que se infiltram princípios e direitos fundamentais para uma justa organização social É como se o common law constituísse uma lei suprema e rígida à qual os atos da colônia deveriam guardar respeito sob pena de nulidade A circunstância de os colonizadores e mentores da independência norteamericana terem vivenciado e experimentado a relação entre o common law e os atos da colônia provavelmente não só contribuiu para a aceitação da ideia de que o Legislativo deveria ter limites na Constituição como facilitou a assimilação de que o Judiciário poderia controlar a constitucionalidade das leis Aliás o art 6º cláusula 2ª da Constituição americana que esteve na base do raciocínio de Marshall dispôs que a Constitution shall be the supreme Law of the Land and the judges in every State shall be bound thereby Ora esta norma deixou claro que os juízes deveriam não aplicar as leis contrárias à Constituição nos termos do que antes acontecera diante dos atos da colônia violadores do direito inglês Lembrese que na Revolução inglesa os legisladores e juízes se voltaram contra o monarca mediante a afirmação e a imposição do common law Na Revolução Francesa o poder concentrouse no parlamento dirigindose contra o monarca e também contra os juízes cuja voz se pretendeu calar É interessante ter em conta nesta dimensão a advertência de Cappelletti no sentido de que a diferente atitude dos ordenamentos estadunidense e francês no que diz respeito ao controle da constitucionalidade deriva também do diferente comportamento das suas Revoluções na direção dos poderes do Estado Enquanto a Revolução Francesa de 1789 era dirigida sobretudo contra os abusos do Executivo e dos juízes a guerra da independência americana de 1776 tinha em vista oporse in primis ao poder absoluto da autoridade legislativa 69 Partindose dessa premissa e considerandose que a decisão proferida em Marbury v Madison dista menos de dez anos da independência americana é fácil apostar que a aceitação do controle judicial da constitucionalidade das leis é um corolário desta bandeira revolucionária Fora isso a necessidade inerente ao federalismo de manter coerente a ordem jurídica também foi fundamental para antes de tudo darse à Constituição a posição de lei suprema e condutora da unidade do direito vivenciado pelos Estados e depois para dar autoridade a uma forma judicial capaz de evitar que o direito pudesse assumir nos Estados conteúdos destoantes da Constituição É interessante notar nesta dimensão que o controle judicial da constitucionalidade das leis possui intrinsecamente a força unificadora do direito não havendo racionalidade em ter controle difuso de constitucionalidade e ao mesmo tempo tribunais e juízos inferiores que possam desatender a decisões da Corte Suprema Talvez por isso nunca tenha sido preciso decidir ou teorizar no ambiente norteamericano acerca da eficácia vinculante do controle de constitucionalidade exercido pela Suprema Corte Embora se possa dizer com toda razão que o direito americano tem a seu favor a regra do stare decisis 70 o que se sustenta aqui é que mesmo que a obrigatoriedade de respeito às decisões das Cortes superiores não fosse peculiar ao common law isso não apagaria a imprescindibilidade de a voz do poder incumbido de interpretar a Constituição ser única já que em outro caso os próprios fundamentos do controle judicial da constitucionalidade das leis estariam sendo negados Assim o direito estadunidense não se inspirou na doutrina da nítida e radical separação de poderes de marca francesa mas sim no equilíbrio entre os poderes mediante recíproco controle entre eles a identificar a regra dos checks and balances 82 A evolução do controle judicial da constitucionalidade das leis na Europa 821 Primeiras considerações Seria possível sustentar que o tipo europeu de controle de constitucionalidade ou seja o controle exercido por Cortes Constitucionais criadas para tal fim deve a sua origem à ausência da regra do stare decisis nos países da Europa continental Mas bem vistas as coisas este argumento seria um exagero É certo que a falta de obrigação de respeitar os precedentes constitucionais em um país cujo sistema seja o do controle difuso constitui irracionalidade Entretanto não parece que a opção dos países europeus pelo controle concentrado em uma Corte Constitucional realmente derive deste fator ou fundamentalmente dele Na Europa continental do final do século XVIII o princípio da separação dos poderes foi compreendido como limitação dos poderes do rei e dos juízes em favor do parlamento Na França além das contingências históricas que levaram os juízes a serem vistos com desconfiança teve grande repercussão a obra de Rousseau que concebeu o parlamento como depositário da soberania nacional a refletir a vontade geral dos indivíduos nele representados e por consequência como órgão não suscetível a limitações e controle da parte de sujeitos sem legitimidade democrática 71 Ademais naquela época não se vislumbrava com nitidez a noção de Constituição rígida e assim a ideia de que os atos do parlamento têm a sua legitimidade condicionada ao conteúdo da lei maior a justificar mecanismos de controle da constitucionalidade das leis 72 Mais de um século separa o controle de constitucionalidade do tipo difuso do sistema em que o controle da constitucionalidade foi reservado a uma Corte Constitucional e o tempo é ainda mais significativo quando se consideram os sistemas europeus mais recentes como o alemão o italiano e o espanhol 73 Essa demora de mais de um século muito mais do que a falta de stare decisis efetivamente indica o caminho para o encontro da razão pela qual houve opção pelo controle concentrado mediante Corte Constitucional A proibição de qualquer interferência do juiz no Poder Legislativo constituiu o fundamento para impedir por tanto tempo o controle da constitucionalidade das leis nos países europeus Não é por acaso assim que a idealização do controle concentrado da constitucionalidade ocorrido na Áustria de 1920 tenha deferido este poder a uma Corte instituída especialmente para este fim a qual se tornou conhecida como Corte Constitucional Se a criação de Corte especial pode ter sido uma tentativa velada de dar poder ao Judiciário é inegável que por detrás da teorização do controle concentrado está presente a noção de que o juiz comum não pode desconsiderar a lei a revelar o princípio da supremacia da lei em oposição aos princípios da supremacia do Judiciário e dos checks and balances bases do sistema de controle difuso de constitucionalidade 74 822 O sistema austríaco de controle de constitucionalidade O sistema concentrado de constitucionalidade também é chamado de sistema austríaco Este sistema previsto na Constituição da Áustria de 1920 é devido ao gênio de Hans Kelsen que elaborou o seu projeto a pedido do governo 75 Kelsen ao menos nesta época tinha uma concepção formalista da Constituição vendoa como norma jurídica que se coloca no vértice do ordenamento entendido como sistema hierárquico organizado por graus ou esquematicamente como uma escala sobre a qual se colocam as diversas fontes do direito 76 Isso quer dizer que o sistema de Kelsen não foi montado sobre a ideia de Constituição como conjunto de princípios e direitos fundamentais para uma justa organização social nem teve o significado de Constituição rígida nos moldes estadunidenses 77 Kelsen entendeu ser necessário prever na Constituição um órgão competente para analisar a compatibilidade da produção legislativa com as normas constitucionais Assim a Constituição austríaca de 1920 criou uma Corte Constitucional o Verfassungsgerichtshof habilitada a realizar o controle da constitucionalidade das leis 78 Notese no entanto que o pensamento formalista de Kelsen mostrouse altamente importante para se chegar à ideia de que bastaria um único órgão para analisar a compatibilidade das leis com a norma jurídica fundamental a Constituição e inclusive para se assimilar o conceito de decisão de caráter abstrato independentemente das situações concretas e dotada de efeitos gerais Por nada ter a ver com as hipóteses concretas a decisão de inconstitucionalidade no esquema kelseniano não teria efeitos retroativos 79 A Corte Constitucional ao decidir pela inconstitucionalidade expulsaria a norma do ordenamento jurídico com eficácia ex nunc a menos que a Corte entendesse que era o caso de manter a norma em vigor por período que não poderia superar um ano Daí a Corte Constitucional ser comparada a um legislador negativo 80 Deferiuse legitimidade para pedir o controle da constitucionalidade ao governo federal e aos governos estaduais respectivamente em relação às lei estaduais e às leis federais não sendo necessário para tanto invocar qualquer violação a situação subjetiva já que coube à Corte Constitucional analisar em abstrato a constitucionalidade das leis sem qualquer vinculação aos casos concretos Embora a Corte Constitucional pudesse apreciar a constitucionalidade de lei relevante ao julgamento do mérito de processo instaurado perante ela não era possível no primitivo sistema austríaco o questionamento da constitucionalidade de lei que constituía pressuposto à resolução de litígio pendente em outros juízos ou tribunais Faltava em outras palavras o controle concreto das normas Assim logo surgiu o sentimento de que a Corte Constitucional atuava num âmbito muito limitado podendo deixar sem proteção direitos individuais que poderiam ser violados por normas inconstitucionais uma vez que os governos federal e estaduais tinham apenas a faculdade de pedir a declaração de inconstitucionalidade A reforma constitucional austríaca de 1929 conferiu à Corte Suprema e à Corte Administrativa o poder de requerer à Corte Constitucional o exame da constitucionalidade de lei cuja validade fosse prejudicial à solução de litígio levado ao seu julgamento Objetivouse com isto remediar o mal da limitação da legitimação oferecendose a possibilidade de controle de constitucionalidade de leis que por alguma razão não eram ou poderiam não ser questionadas pelos governos federal e estaduais 81 Esclareçase que as Cortes Suprema e Administrativa não podiam analisar a questão de constitucionalidade mas tão somente requerer o seu exame pela Corte Constitucional Ampliouse a legitimação mas conservouse a unicidade subjetiva do controle deferido unicamente à Corte Constitucional As Cortes Suprema e Administrativa assumiram o dever de não aplicar lei sobre a qual pairasse dúvida acerca de sua constitucionalidade Havendo dúvida eram obrigadas a requerer à Corte Constitucional a análise da constitucionalidade ficando vinculadas ao seu pronunciamento Com a legitimidade outorgada aos tribunais superiores das Justiças comum e administrativa permitiuse a análise da constitucionalidade da lei por ocasião dos casos concretos O controle da constitucionalidade embora concentrado na Corte Constitucional passou a se dar incidentalmente A ampliação do controle de constitucionalidade operada pela lei austríaca de revisão da Constituição de 1929 manteve os demais juízes afastados do controle da constitucionalidade e assim submetidos ao princípio da supremacia da lei Com exceção das Cortes Suprema e Administrativa os juízes não tinham saída senão aplicar a lei ainda que a considerassem inconstitucional 823 A manutenção do controle concentrado e a expansão do modo incidental Os Tribunais Constitucionais italiano e alemão As Constituições que seguiram a Segunda Guerra Mundial instituíram uma série de princípios materiais de justiça Inicialmente esses princípios foram atacados sob o argumento de que ao expressarem aspirações éticas e políticas mediante fórmulas não precisas constituíam normas incompatíveis com a certeza e a segurança do direito 82 Nessa mesma linha houve ainda quem atribuísse aos princípios um significado meramente político dizendo que eles somente poderiam se expressar como direito por meio das leis infraconstitucionais 83 Porém atribuindose força normativa à Constituição 84 foi necessário dar ênfase ao controle de constitucionalidade das leis A Constituição italiana de 1948 e a Constituição alemã de 1949 instituíram modelos de controle de constitucionalidade similares ao austríaco Nesses países assim como na Áustria o controle de constitucionalidade foi proibido aos juízes ordinários ficando reservado exclusivamente a uma Corte Constitucional cuja decisão tem eficácia erga omnes 85 Alegase que a adoção do modelo concentrado é fruto de particularidade dos sistemas de civil law não acostumados ao stare decisis ou à força obrigatória dos precedentes 86 Com um único Tribunal incumbido de controlar a constitucionalidade eliminase ou nem mesmo se coloca a possibilidade de um juízo inferior desrespeitar o precedente constitucional Ao contrário do austríaco que se fundou na concepção teórica kelseniana os novos modelos de controle partiram da ideia de constituição rígida a agrupar princípios e direitos fundamentais para o digno desenvolvimento do homem A Corte Constitucional neste sentido foi incumbida de zelar pela supremacia da Constituição impedindo a sobrevivência de leis que a desrespeitem 87 Ambos os modelos contam com a possibilidade de o controle da constitucionalidade ser requerido de forma direta por legitimados que não constituem órgãos do Poder Judiciário Mas além disso assim como o sistema austríaco pós1929 os modelos italiano e alemão viabilizam o controle incidental aos casos concretos Na verdade no que toca a este último ponto os sistemas italiano e alemão conferem a todos os juízes o poder e o dever de requererem à Corte Constitucional a análise de lei prejudicial à solução do litígio cuja constitucionalidade seja duvidosa Diversamente do austríaco que dá tal poder apenas às Cortes Suprema e Administrativa os sistemas italiano e alemão não obrigam qualquer juiz a aplicar lei reputada inconstitucional Retenhase o ponto nenhum juiz é obrigado a aplicar lei que entenda inconstitucional mas também nenhum juiz comum pode realizar o controle de constitucionalidade Dessa forma é certo o controle passa a ser feito de modo incidental mas os juízes não exercem o poder jurisdicional em sua plenitude ficando à espera ou na dependência da Corte Constitucional 824 Compreensão do sistema em que o juiz por não poder decidir a questão constitucional remetea para análise da Corte Constitucional A Corte Constitucional italiana atua basicamente por meio de ação direta e em caráter incidental no primeiro caso diante de requerimento estatal contra as leis regionais e de requerimento regional em face de leis estatais ou de outras regiões no segundo mediante requerimento de qualquer juiz no curso de um processo 88 A via incidental assumiu posição de proeminência seja em termos quantitativos seja em termos qualitativos Esta forma de controle da constitucionalidade é fruto da noção de que o juiz não pode ser obrigado a aplicar lei que não respeita as normas constitucionais O curioso é que embora não seja obrigado a tanto o juiz não tem poder para deixar de aplicar a norma A estratégia segue a da reforma austríaca de 1929 que atribuiu às Cortes Superior e Administrativa o dever de encaminhar norma reputada inconstitucional à análise da Corte Constitucional Como já foi dito a vantagem em relação ao modelo austríaco é que todo e qualquer juiz passou a ter este poderdever não apenas a magistratura superior No direito italiano se o juiz duvidar da legitimidade constitucional de uma norma ele pode e deve deixar de aplicála suspendendo o processo e remetendo a sua análise à Corte Constitucional É o que se chama de dubbio di costituzionalità requisito para que o juiz possa encaminhar a questão à Corte Constitucional O juiz pode atuar de ofício ou a partir de requerimento da parte No último caso poderá deixar de oferecer a questão de legitimidade constitucional se entender que o requerimento da parte é destituído de real fundamento uma vez que a questão de constitucionalidade deve ser non manifestamente infondata art 23 da Lei 8753 Com a ideia de arguição de constitucionalidade non manifestamente infondata se busca evitar que a Corte Constitucional seja indevidamente povoada por arguições destituídas de qualquer fundamento A exceção manifestamente infundada não é apenas aquela que por alguma razão não é hábil a conduzir à solução de inconstitu cionalidade mas também a exceção destituída de fundamento razoável De modo que a arguição non manifestamente infondata é aquela que não é destituída de um fundamento razoável Isso quer dizer que basta ao juiz estar de posse de razoável fundamento para que se venha a concluir pela inconstitucionalidade Porém mais do que isso não se exige nem mesmo do juiz a certeza de que um fundamento objetivamente visto como razoável possa determinar a inconstitucionalidade O juiz não precisa estar convicto ou certo da inconstitucionalidade para invocar a questão de legitimidade constitucional 89 Além disso a norma para dar origem a uma questão de legitimidade deve ser necessária e indispensável para o juiz decidir o litígio ainda que em parte É assim que se requer para se admitir a suspensão do processo e o encaminhamento da questão à Corte Constitucional que a questão de constitucionalidade seja rilevante art 23 da Lei 8753 Recente jurisprudência da Corte Constitucional definiu que o juiz antes de oferecer questão de legitimidade constitucional deve tentar interpretar a norma à luz da Constituição ou seja deve tentar compatibilizar o texto da norma com a Constituição Este requisito de admissibilidade da arguição da questão de legitimidade constitucional é de origem jurisprudencial ou melhor foi construído pela Corte Constitucional Precisamente exigese que o juiz demonstre ter tentado eliminar il dubbio di costituzionalità mediante interpretação de acordo com a Constituição antes de apresentar a questão de constitucionalidade à Corte Constitucional 90 Aí existe interpretação da Constituição e não utilização de técnica de controle da constitucionalidade Em primeiro lugar pela razão óbvia de que o juiz italiano não pode controlar a constitucionalidade mas além disso em virtude de que se procura como a exigência da Corte Constitucional encontrar uma interpretação que esteja de acordo com a Constituição antes de se chegar à solução do controle de constitucionalidade A decisão de inconstitucionalidade da Corte Constitucional tem eficácia erga omnes e incide obviamente sobre o caso que originou a questão de legitimidade que fez surgir a própria decisão de inconstitucionalidade 91 O juiz a quo tem de decidir em conformidade com a declaração da Corte Constitucional Nesse sentido se fala de efeito retroativo da decisão de inconstitucionalidade da Corte Constitucional cujo limite está na noção de relações exauridas as que estão cobertas pela coisa julgada material e as que não mais são acionáveis 92 83 História do controle judicial de constitucionalidade brasileiro 831 A Constituição Imperial A Constituição Imperial de 1824 instituiu quatro poderes Poder Legislativo Poder Judiciário Poder Executivo e Poder Moderador art 10 O art 15 VIII conferiu à Assembleia Geral a tarefa de elaborar as leis interpretálas suspendêlas e revogálas 93 Assim deuse ao Legislativo o poder de editar a lei interpretála suspendêla e revogála nos moldes dos valores que inspiraram a Revolução Francesa e a Lei Revolucionária de 1790 que proibindo a interpretação judicial da lei exigiu que o juiz diante de dúvida recorresse a uma Comissão Legislativa A Constituição de 1824 revestiase de idêntica proteção do legislador que em verdade era colocada em posição de supremacia afirmando expressamente que a função de interpretar a lei era do próprio legislativo 94 Basicamente negavase poder ao juiz para aplicando a lei pronunciar mais do que as palavras do seu texto Nessas condições não havia como é óbvio qualquer espaço para o controle judicial da constitucionalidade das leis 95 Se o juiz não podia interpretar a lei certamente não tinha como controlar a sua legitimidade Os princípios que marcaram a Constituição de 1824 como o princípio da supremacia da lei ou da nítida e radical separação de poderes ainda não abriam margem ao controle difuso nem muito menos para o controle concentrado 96 832 A Constituição de 1891 A Constituição de 1891 instituiu a Federação e a República Não houve mais espaço para o Poder Moderador apresentandose o Executivo nos moldes presidencialistas o Legislativo com duas casas o Senado e a Câmara dos Deputados e o Judiciário fortalecido com as garantias da vitaliciedade e da irredutibilidade de vencimentos e dotado do poder de controlar a constitucionalidade das leis sob a forma difusa 97 Foi grande a influência do pensamento de Rui Barbosa sobre a Constituição de 1891 que foi fortemente carregada com as tintas do direito estadunidense Assim não foi por acaso que o controle de constitucionalidade foi com ela sedimentado já que a sua semente foi lançada na Constituição Provisória da República de 1890 Dec 510 de 22061890 arts 58 98 e 59 a 99 O habeas corpus já previsto pelo Código Criminal de 1830 aparece pela primeira vez como garantia constitucional 100 Inicialmente relacionado unicamente à tutela da liberdade física foi utilizado de modo a proteger outras situações como a liberdade do exercício da profissão chegando a ser usado para dar tutela à posse de direitos pessoais o que fez surgir pelas mãos da inteligência e do espírito criativo de Ruy Barbosa a denominada doutrina brasileira do habeas corpus 101 O art 59 II da CF previu recurso ao STF das decisões dos Juízes e Tribunais Federais cuja competência era regrada pelo art 60 tendo o 1º a e b do mesmo artigo igualmente disciplinado recurso ao STF das sentenças das Justiças dos Estados em última instância a quando se questionar sobre a validade ou a aplicação de tratados e leis federais e a decisão do tribunal do Estado for contra ela e b quando se contestar a validade de leis ou de atos dos governos dos Estados em face da Constituição ou das leis federais e a decisão do tribunal do Estado considerar válidos esses atos ou essas leis impugnadas Na mesma linha de aferição da lei em face da Constituição afirmou o art 60 a que compete aos Juízes ou Tribunais Federais processar e julgar as causas em que alguma das partes fundar a ação ou a defesa em disposição da Constituição Federal 102 O texto dessas normas foi suficiente para Rui argumentar que se deu poder aos juízes para apreciar a legitimidade das leis em face da Constituição 103 Realmente parece induvidoso que se o STF pode julgar mediante recurso as decisões das Justiças Estaduais que considerem leis válidas em face da Constituição isto quer dizer que o Judiciário tem o poder de analisar a conformidade das leis com a Constituição Este o fundamento do controle difuso então admitido em face da Constituição de 1891 nos moldes do controle de constitucionalidade estadunidense Os juízes da época ainda absortos no regime anterior em que valia a plena e radical supremacia da lei não confrontavam a lei com a Constituição negandose assim a exercer o controle difuso Aliás é importante lembrar que boa parte dos juízes da mais alta Corte do Império ingressou no STF da Constituição de 1891 sendo que alguns inclusive prosseguiram usando os títulos nobiliárquicos que haviam recebido do Imperador De qualquer forma a inércia dos juízes em relação ao controle de constitucionalidade é que parece ter levado Rui ao participar da elaboração da Lei 221 de 20111894 que complementou a organização judiciária da Justiça Federal da República a propor o texto do art 13 10 cuja norma é enfática no sentido de que os juízes e tribunais apreciarão a validade das leis e regulamentos e deixarão de aplicar aos casos ocorrentes as leis manifestamente inconstitucionais e os regulamentos manifestamente incompatíveis com as leis ou com a Constituição 104 Porém se é certo que as mentes privilegiadas que influenciaram a Constituição de 1891 tinham forte pendor pelo direito estadunidense 105 tendo Rui sustentado com lógica e profundidade teórica a razão pela qual o judicial review deveria se impor no cenário brasileiro 106 bem como a necessidade da adoção de precedentes vinculantes pelo menos no que diz respeito às decisões de inconstitucionalidade emanadas do STF 107 é curioso verificar que a importância do stare decisis foi renegada no desenvolvimento do direito brasileiro até ser recentemente retomada 108 Já foi dito linhas acima que os precedentes constitucionais têm em virtude de sua particular natureza força obrigatória natural A ideia de controlar a constitucionalidade se relaciona com a necessidade de unidade do direito O controle da conformidade das leis com a Constituição cria um direito uno mediante o fio condutor das normas constitucionais permitindo a aplicação do direito de modo coerente em todo o território nacional fortalecendo a Federação É absurdo e irracional ter juízes estaduais e juízes federais aplicando as normas com base em fundamentos constitucionais díspares Isso poderia ter sido evidenciado já à época da Constituição de 1891 quando se celebrou o modelo difuso de controle da constitucionalidade É provável que se tenha imaginado sem muita reflexão que a noção de precedente vinculante não se adequaria ao sistema brasileiro Além disso é possível que se tenha raciocinado que como a questão constitucional em virtude do sistema recursal poderia chegar ao STF não existiria motivo para obrigar os tribunais inferiores a respeitar os precedentes constitucionais Mas quem sabe já houvesse algum interesse que acabou encoberto e nunca revelado de dar às Justiças ordinárias o poder de falar diferentemente do STF Seja o que for a Constituição de 1891 não obstante a inação dos juízes teve o grande mérito de ter sedimentado o controle judicial de constitucionalidade no direito brasileiro permitindo ao Judiciário aferir a legitimidade das leis em face da Constituição 833 A Constituição de 1934 Com a Constituição de 1934 a mais alta Corte do País passou a se chamar de Corte Suprema art 63 a deixandose de lado a nomenclatura STF A Corte Suprema além de competência originária passou a ter competência para julgar mediante recurso ordinário e recurso extraordinário art 76 Tinha competência para apreciar em recurso ordinário nos termos do inciso II do art 76 as causas inclusive mandado de segurança instrumento criado pela Constituição de 1934 para a proteção de direitos violados ou ameaçados de violação pelo Poder Público mas não amparados pelo habeas corpus decididas por juízes e tribunais federais as decisões do Tribunal Superior da Justiça Eleitoral que pronunciassem a nulidade ou invalidade de ato ou de lei em face da Constituição Federal e as que negassem habeas corpus art 83 1º e as decisões de última ou única instância das Justiças locais e de juízes e tribunais federais denegatórias de habeas corpus O recurso extraordinário novidade da Constituição de 1934 dava à Corte Suprema competência para julgar as causas decididas pelas Justiças locais em única ou última instância quando a decisão fosse contra literal disposição de tratado ou lei federal sobre cuja aplicação se tivesse questionado quando se questionasse sobre a vigência ou validade de lei federal em face da Constituição e a decisão do Tribunal local negasse aplicação à lei impugnada quando se contestasse a validade de lei ou ato dos Governos locais em face da Constituição ou de lei federal e a decisão do Tribunal local julgasse válido o ato ou a lei impugnada e quando ocorresse diversidade de interpretação definitiva da lei federal entre Cortes de Apelação de Estados diferentes inclusive do Distrito Federal ou dos Territórios ou entre um destes Tribunais e a Corte Suprema ou outro Tribunal Federal art 76 III a b c e d Ao lado da expressa possibilidade de a Corte Suprema conhecer da questão de legitimidade constitucional em virtude de recurso afirmouse que só por maioria absoluta de votos da totalidade dos seus juízes poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato do Poder Público art 179 objetivandose com isso outorgar maior segurança aos juízos de inconstitucionalidade Registrese que nos trabalhos anteriores ao texto definitivo da Constituição exigiase o quorum de 23 mas ao final restou a referida dicção estabelecendo a maioria absoluta A maioria deveria tomar em conta a totalidade dos juízes e não apenas os juízes presentes na sessão de julgamento Surge com o art 179 o que passou a ser denominado regra de reserva de plenário vale dizer regra que estabelece quorum mínimo para a declaração da inconstitucionalidade da lei que adentrou nos ordenamentos estaduais e regimentos internos dos tribunais lembrandose que o Código de Processo Civil brasileiro surgiu apenas em 1939 Restou estabelecido ainda o poder do Senado Federal de suspender a execução no todo ou em parte de qualquer lei ou ato deliberação ou regulamento declarados inconstitucionais pelo Poder Judiciário art 91 IV Disse o art 96 que quando a Corte Suprema declarar inconstitucional qualquer dispositivo de lei ou ato governamental o ProcuradorGeral da República comunicará a decisão ao Senado Federal para os fins do art 91 IV e bem assim à autoridade legislativa ou executiva de que tenha emanado a lei ou o ato Ao darse ao Senado Federal o poder de suspender a execução da lei declarada inconstitucional pretendeuse conferir à decisão de inconstitucionalidade efeitos para todos erga omnes É importante considerar o contexto no qual surgiu a regra da suspensão da execução da lei pelo Senado constante do art 91 IV da Carta de 1934 e reproduzida hoje no art 52 X da CF1988 até mesmo para se compreender a crítica segundo a qual se tratava de momento histórico em que medrava certa concepção da separação de Poderes há muito superada 109 A consulta aos anais da Assembleia Constituinte instalada em 15111933 permite compreender as nuances históricas subjacentes 110 Cabe atinar para duas vertentes de discussões havidas durante a Constituinte de 19331934 na medida em que o anteprojeto apresentado à Assembleia contemplou o sistema unicameral e uma espécie de eficácia erga omnes da decisão de inconstitucionalidade proferida pelo na nomenclatura do anteprojeto Supremo Tribunal depois Corte Suprema No modelo unicameral inicialmente proposto à Assembleia Constituinte integraria o Poder Legislativo Federal apenas a Câmara dos Deputados Como o Senado Federal deixaria de existir foi concebida a ideia da criação de um Conselho Federal para exercer a função de coordenação dos Poderes Paralelamente o art 57 3º do anteprojeto propunha que uma vez julgada inconstitucional qualquer lei ou ato do Executivo por 23 dos ministros do Supremo caberia a todas as pessoas que se acharem nas mesmas condições do litigante vitorioso o remédio judiciário instituído para garantia de todo direito líquido e incontestável Acirrada discussão em que os constituintes travaram interessante debate sobre os modelos de controle de constitucionalidade então vigentes 111 sucedeu a proposta terminandose por concluir que a pura e simples eficácia erga omnes da decisão de inconstitucionalidade ainda que emanada do Supremo Tribunal ofenderia o princípio da separação dos poderes A partir daí engendrouse a solução de que ao Conselho Federal exatamente por ter sido concebido como órgão de coordenação dos poderes no sistema legislativo unicameral proposto incumbiria a suspensão da execução da lei declarada inconstitucional de forma incidental pela Corte Suprema incluindo se no projeto essa competência àquele Conselho Posteriormente a corrente unicameralista perdeu força retomandose ainda que de forma moderada a ideia do bicameralismo Substituiuse assim no texto do projeto o Conselho Federal pelo Senado Federal Contudo e segundo o congressista Raul Fernandes o que se percebeu foi apenas uma mudança de nome 112 De maneira que o Senado praticamente encampou as competências ao longo da Constituinte pensadas para o Conselho Federal entre as quais a suspensão da execução da lei declarada inconstitucional pela Corte Suprema É indispensável perceber assim que o Senado assumiu a função de suspender a execução da lei apenas em razão de que no contexto histórico foi necessário conferir tal poder ao Conselho que possuía a função de coordenação dos Poderes Em outras palavras isso ocorreu em virtude de má compreensão da função do Judiciário e de disputa entre os poderes baseadas em distorcida e superada concepção de separação dos poderes que dificultaram a percepção de que a eficácia vinculante é uma decorrência absolutamente natural dos precedentes da Suprema Corte Com efeito essa breve incursão histórica permite constatar que a regra constante do art 91 IV da CF1934 ao contrário do que se pode pensar não estava impregnada da lógica do estabelecimento de uma função típica do Poder Legislativo o que demonstra o equívoco de se negar eficácia vinculante aos precedentes com base na desgastada ideia de que apenas o Senado Federal pode suspender a execução da lei declarada inconstitucional pelo STF em sede de controle difuso Por outro lado estabeleceu o art 12 V que a União não poderia intervir em negócios peculiares aos Estados salvo para assegurar a observância dos princípios constitucionais especificados nas letras a a h do art 7º I 113 e a execução das leis federais Estabeleceram os 1º e 2º do art 12 1º Na hipótese do n VI assim como para assegurar a observância dos princípios constitucionais art 7º I a intervenção será decretada por lei federal que lhe fixará a amplitude e a duração prorrogável por nova lei A Câmara dos Deputados poderá eleger o Interventor ou autorizar o Presidente da República a nomeálo 2º Ocorrendo o primeiro caso do n V a intervenção só se efetuará depois que a Corte Suprema mediante provocação do ProcuradorGeral da República tomar conhecimento da lei que a tenha decretado e lhe declarar a constitucionalidade Assim a intervenção em caso de violação dos princípios constitucionais insculpidos no art 7º I a a h dependia de lei federal de iniciativa do Senado Federal art 41 3º declarada constitucional pela Corte Suprema O processo para a declaração da constitucionalidade da lei federal interventiva era instituído perante a Corte Suprema em virtude de representação do ProcuradorGeral da República Possuía natureza objetiva não tinha relação com casos concretos É interessante notar que o processo de declaração de constitucionalidade da lei interventiva era ao mesmo tempo o processo de declaração de inconstitucionalidade da lei que ensejou a lei federal de intervenção Se a Suprema Corte declarasse a constitucionalidade da lei interventiva declararia por consequência lógica a inconstitucionalidade da lei ou ato estadual que se supunha contrário aos princípios constitucionais previstos no art 7º I a a h É possível dizer que este particular modo de compor conflitos entre a União e os Estados deu origem ao controle direto de constitucionalidade no direito brasileiro No sentido de que vistas as coisas pelo avesso em vez da declaração de constitucionalidade da lei de intervenção chegarseia à declaração de inconstitucionalidade da lei ou ato estadual 114 834 A Constituição de 1937 A Constituição de 1937 de marca centralizadora e autoritária surgiu em momento negro da história da vida política brasileira A ditadura de Getúlio Vargas além de ter negado garantias e liberdades individuais notabilizouse pela corrupção de valores e pela criação de um sistema de poder que contando com a violência institucionalizada soube empregar as forças da demagogia e do populismo para viabilizar as conquistas políticas e patrimoniais dos seus parceiros e clientes Embora falasse em Poderes Executivo Legislativo e Judiciário não havia separação de poderes na Constituição de 1937 dada a concentração de poderes nas mãos do Executivo e o enfraquecimento do Legislativo e do Judiciário É digna de nota a dicção do art 73 da Constituição a revelar a sua índole fascista e autoritária O Presidente da República autoridade suprema do Estado coordena a atividade dos órgãos representativos de grau superior dirige a política interna e externa promove ou orienta a política legislativa de interesse nacional e superintende a administração do País 115 Durante o período da vigência da Constituição de 1937 o parlamento foi emudecido e não houve eleições O poder ficou concentrado nas mãos do ditador que restou autorizado a dispor a respeito de todas as matérias mediante decretolei 116 A Constituição estabeleceu no art 96 caput que só por maioria absoluta de votos da totalidade dos seus juízes poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade da lei ou de ato do Presidente da República Por sua vez o parágrafo único do mesmo art 96 realçando o caráter autoritário da Constituição proclamou que no caso de ser declarada a inconstitucionalidade de uma lei que a juízo do Presidente da República seja necessária ao bem estar do povo à promoção ou defesa de interesse nacional de alta monta poderá o Presidente da República submetêla novamente ao exame do Parlamento se este a confirmar por dois terços de votos em cada uma das Câmaras ficará sem efeito a decisão do Tribunal A última norma toca às raias do absurdo É certo que o parlamento podia mediante a maioria nas duas casas parlamentares emendar a Constituição Porém o que a norma supõe é que o juízo do Presidente acerca do que é necessário ao bemestar do povo ou revelador do interesse nacional pode passar por cima do que é inconstitucional Na estratégia da norma o parlamento é obrigado a agir quando o Presidente reputar conveniente Assim a norma deu ao Presidente da República o poder de exigir do parlamento o controle político da constitucionalidade de norma considerando a sua conveniência e oportunidade já declarada inconstitucional pelo Judiciário Notese portanto que a eventual cassação da decisão de inconstitucionalidade não se aproximaria de emenda à Constituição pois não se toca na norma constitucional negandose apenas a invalidade da lei violadora do texto constitucional 117 835 A Constituição de 1946 Dispôs a Constituição de 1946 em seu art 7º que o Governo Federal não intervirá nos Estados salvo para entre outras coisas VII assegurar a observância dos seguintes princípios a forma republicana representativa b independência e harmonia dos poderes c temporariedade das funções eletivas limitada a duração destas à das funções federais correspondentes d proibição da reeleição de governadores e prefeitos para o período imediato e autonomia municipal f prestação de contas da administração g garantias do Poder Judiciário Logo após estabeleceu o art 8º parágrafo único que no referido caso do art 7º VII o ato arguido de inconstitucionalidade será submetido pelo ProcuradorGeral da República ao exame do Supremo Tribunal Federal e se este a declarar será decretada a intervenção Surgiu assim espécie de ação declaratória de inconstitucionalidade para intervenção 118 Releva notar porém que esta via não surgiu para permitir o controle abstrato das normas com eficácia erga omnes mas para dar à União representada pelo ProcuradorGeral da República o poder de ver resolvido conflito em face de ente federativo acusado de violação de dever imposto pela Constituição 119 A primeira e verdadeira manifestação de controle abstrato na história do direito brasileiro ocorreu mediante a EC 16 de 26111965 Esta emenda constitucional alargou a competência originária do STF tal como definida pela Constituição de 1946 conferindo nova redação à alínea k do art 101 I e assim passando a atribuir ao STF competência para processar e julgar a representação contra inconstitucionalidade de lei ou ato de natureza normativa federal ou estadual encaminhada pelo ProcuradorGeral da República Além do mais inseriu novo inciso XIII no art 124 dando ao legislador o poder de estabelecer processo de competência originária do Tribunal de Justiça para declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato de Município em conflito com a Constituição do Estado Assim estabeleceuse a previsão de controle abstrato de normas estaduais e federais e de possível instituição pelo legislador de forma para o controle de lei ou ato municipal contrário à Constituição Estadual Ademais qualquer norma estadual e não mais apenas a norma que violasse princípio constitucional sensível passou a poder ser declarada inconstitucional 120 Porém o projeto da EC 161965 propunha nova redação ao art 64 para se dar eficácia erga omnes à decisão de inconstitucionalidade do STF A norma daria ao Senado Federal a exclusiva tarefa de publicar a decisão de inconstitucionalidade de modo que a eficácia geral da decisão não dependeria da sua manifestação 121 Eis o teor da nova redação que se pretendia atribuir ao art 64 mas que restou rejeitada Art 64 Incumbe ao Presidente do Senado Federal perdida a eficácia de lei ou ato de natureza normativa art 101 3º fazer publicar no Diário Oficial e na Coleção das leis a conclusão do julgado que lhe for comunicado Restou a norma em vigor desde 1946 cujo texto era o seguinte Art 64 Incumbe ao Senado Federal suspender a execução no todo ou em parte de lei ou decreto declarados inconstitucionais por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal É interessante que o direito brasileiro só veio realmente a contar com o controle abstrato de normas no período da Revolução de 1964 a sugerir investigação da relação entre a instituição deste instrumento de precioso calibre democrático com o momento que se vivia de restrição das liberdades Se o presente momento não oportuniza tal análise ao menos uma consequência daí pode ser extraída a de que não há combinação de cores entre os institutos jurídicos e seus escopos e os ambientes dos variados momentos da história 122 836 A Constituição de 19671969 A Constituição de 1967 reafirmou o controle difuso e a ação direta para o controle abstrato de normas estaduais e federais como delineada na EC 161965 Deuse ao STF a competência para processar e julgar originariamente a representação do Procurador Geral da República por inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual art 114 I l da CF1967 Deixouse de lado a norma que dava ao legislador o poder de criar processo de competência originária do Tribunal de Justiça para declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato de Município em conflito com a Constituição do Estado art 124 XIII da CF1946 Mas em contrapartida a EC 11969 acrescentou três letras d e e f ao 3º do art 15 que então passou a ter a seguinte redação 3º A intervenção nos municípios será regulada na Constituição do Estado somente podendo ocorrer quando a se verificar impontualidade no pagamento de empréstimo garantido pelo Estado b deixar de ser paga por dois anos consecutivos dívida fundada c não forem prestados contas devidas na forma da lei d o Tribunal de Justiça do Estado der provimento a representação formulada pelo Chefe do Ministério Público local para assegurar a observância dos princípios indicados na Constituição estadual bem como para prover à execução de lei ou de ordem ou decisão judiciária limitandose o decreto do Governador a suspender o ato impugnado se essa medida bastar ao restabelecimento da normalidade e forem praticados na administração municipal atos subversivos ou de corrupção e f não tiver havido aplicação no ensino primário em cada ano de vinte por cento pelo menos da receita tributária municipal A letra d do 3º do art 15 desse modo estabeleceu a representação de inconstitucionalidade a cargo do chefe do Ministério Público local para o controle de lei municipal diante da Constituição Estadual e para prover à execução de lei ou de ordem ou decisão judiciária com fins de intervenção no Município De outra parte a Constituição de 1967 ampliou o objeto da representação de inconstitucionalidade para fins de intervenção no Estado que antes era preenchido unicamente pela tutela dos princípios constitucionais sensíveis Esta representação de inconstitucionalidade passou a assegurar além dos princípios constitucionais sensíveis a execução de lei federal ordem ou decisão judiciária art 10 VI da CF1967 Mediante a Emenda 71977 deixouse clara a possibilidade de concessão de liminar na ação direta de inconstitucionalidade Inseriuse a letra p no inciso I do art 119 conferindose ao STF o poder para apreciar e conceder medida cautelar em ação de inconstitucionalidade proposta pelo ProcuradorGeral da República Esta norma resolveu questão importante e polêmica especialmente por suas consequências relacionadas com a eficácia da decisão de inconstitucionalidade O STF ainda sob a égide da EC 11969 submetia as suas decisões de inconstitucionalidade inclusive aquelas proferidas em sede de controle abstrato ao Senado Federal para que este determinasse a suspensão da execução da lei Entendiase que a decisão do STF tomada em face de ação direta de inconstitucionalidade não era dotada por si só de eficácia contra todos erga omnes dependendo para tanto da atuação do Senado a suspender a eficácia da lei declarada inconstitucional O Senado Federal por sua vez nunca se viu obrigado a suspender a eficácia da norma declarada inconstitucional Atuava quando entendia conveniente ao ser comunicado de decisão proferida em controle difuso 123 ou de decisão tomada em sede de controle abstrato com o grave inconveniente de frequentemente vir a agir depois de passados muitos anos de a decisão ter sido proferida Na Representação de Inconstitucionalidade 933 em momento em que a questão da medida cautelar na ação direta ainda não havia sido disciplinada na Constituição discutiuse amplamente sobre o cabimento de medida cautelar no bojo do processo de inconstitucionalidade O ProcuradorGeral da República José Carlos Moreira Alves requereu na petição em que ofereceu a representação de inconstitucionalidade a suspensão da execução das normas objeto da representação O Plenário por maioria entendeu ser cabível o pleito da medida e concedeua por unanimidade tendo relevância o seguinte trecho da ementa Embora a suspensão da lei ou decreto tidos como inconstitucionais caiba ao Senado Federal nada impede que verificados os pressupostos a que se refere o art 22 IV cc o art 175 do RISTF expedidos com base na Constituição art 120 c seja ela concedida 124 Como vagamente deixa transparecer a ementa a discussão travada entre os ministros tomou em consideração i a competência do Senado Federal para suspender a execução da lei ii a natureza declaratória da decisão de inconstitucionalidade e iii a possibilidade de o Judiciário conceder medida liminar para suspender os efeitos das normas Os votos do relator Min Thompson Flores e dos Ministros Xavier de Albuquerque e Eloy da Rocha que vencidos dele divergiram são importantes para explicar este relevante momento da história da jurisprudência do STF e do desenvolvimento do sistema de controle de constitucionalidade 125 A argumentação do Min Xavier de Albuquerque pode ser sintetizada na seguinte parte do seu voto A suspensão da execução de lei declarada inconstitucional é pela Constituição prerrogativa do Senado A meu ver portanto o Supremo não pode antecipar prestação jurisdicional que não lhe compete dar em definitivo Tenho eu a impressão de que sendo a medida preventiva aqui requerida consistente na suspensão liminar da execução do ato normativo impugnado não podemos deferilo por incompatibilidade com a própria índole da representação de inconstitucionalidade 126 O Min Eloy da Rocha acompanhou o Min Xavier de Albuquerque com interrogação que bem evidencia a questão que naquele momento atormentava o STF A prestação jurisdicional na ação direta de inconstitucionalidade finda com a declaração da constitucionalidade ou inconstitucionalidade Não se concede a suspensão da execução que não cabe ao Poder Judiciário É possível em determinados casos antecipar a prestação jurisdicional Mas não é possível antecipar o que não cabe na prestação jurisdicional E não cabe porque a Constituição preceitua Art 42 Compete privativamente ao Senado Federal VI suspender a execução no todo ou em parte de lei ou decreto declarados inconstitucionais por decisão definitiva do STF É da prestação jurisdicional a declaração da inconstitucionalidade mas não a suspensão da execução Mesmo no fim da prestação quando ela se exaure quando o Tribunal declara a inconstitucionalidade não lhe é dado suspender a execução Como se há de deferir por antecipação a suspensão 127 Como está claro os votos vencidos se basearam em dois pontos i a ação direta de inconstitucionalidade culmina com a declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade não cabendo ao Judiciário nem mesmo quando profere a decisão de inconstitucionalidade suspender a execução da lei pois a competência para tanto é do Senado Federal ii consequência direta disso seria a impossibilidade de o Judiciário conceder liminar já que estaria antecipando a suspensão da execução da lei o que não pode conceder Portanto a questão que estava em pauta era a de se sendo o Senado o competente para suspender a execução da lei poderia o Judiciário antecipar uma providência que não era da sua incumbência De modo que o real problema em verdade era o do significado da atuação do Senado Se a providência do Senado constituía mera decorrência da declaração judicial de inconstitucionalidade não haveria razão para se supor que o STF estaria proibido de antecipar a suspensão da eficácia da lei Foi exatamente nesta linha que se postou o voto do Min Thompson Flores relator do acórdão que por maioria admitiu a análise do pedido de medida cautelar concedendoa por unanimidade Vale a pena registrar parte significativa do voto Recebendo a comunicação em caso como o dos autos creio que não tem o Órgão Legislativo outra alternativa do que cumprir o decisório Quando muito creio poderá perquirir se foi tomado com o quorum imposto pela Carta Maior Não poderá revêlo sob qualquer outro pretexto É que a declaração de inconstitucionalidade reservada ficou absoluta e privativamente à Magna Corte não repartindo essa prerrogativa com Poder outro qualquer Pensam alguns que poderá examinar da conveniência ou oportunidade da suspensão da lei ou do decreto apreciando o aspecto meramente político Assim não considero pois admitir o poder de revisão é abrir oportunidade a conflito entre os poderes como lamentavelmente já sucedera e o obsta o julgamento do RMS 16519 RTJ 38569 mas que a Constituição quis a toda evidência prevenir É o que decorre claramente do citado art 119 I I Penso que o art 42 VII da Carta Maior comporta exegese construtiva e racional Realmente Não são apenas das declarações de inconstitucionalidade de leis federais e estaduais oriundas de representação como a presente que a comunicação deve ser feita ao Senado Federal O preceito não distingue Compreende também aquelas declarações provenientes de procedimentos outros nos quais as disposições normativas não sejam consideradas abstratamente Para estes certo não se há de admitir a revisão do julgado mas sim a possibilidade possa ele beneficiar a terceiros os quais sem a suspensão da norma incompatível com a Constituição do decisório não se beneficiariam Poderá gerar assim seus efeitos erga omnes Todavia em tal emergência é que poderá o Poder Político do Senado ajuizar da conveniência ou oportunidade em expedir a Resolução suspensiva da norma Dessarte mesmo considerando que a representação configure procedimento complexo no qual a parte dominante cabe ao STF e a parte final ao Senado Federal e mais que a decisão seja declaratória segundo a lição de Mestre Buzaid divergindo do magistério de Pontes de Miranda que a tem como constitutiva negativa Coments à Const 1969 IV 44 ainda assim admito em tese o adiantamento da prestação jurisdicional caso se configure indispensável o atendimento da medida cautelar verificadas as hipóteses em que o Regimento Interno o exige É que sendo irrevisível a decisão que venha declarar a inconstitucionalidade e sendo compulsório o seu cumprimento pelo Senado no que pertine à suspensão não se explicaria a admissão em tal oportunidade que continuasse o preceito legal viciado a comportar execução ao menos de parte do órgão de onde promanou 128 A conclusão a que se chegou na Representação 933 admitindo se liminar no bojo da ação declaratória de inconstitucionalidade sob o fundamento de que a atuação do Senado é mera consequência da declaração de inconstitucionalidade ou é a ela inteiramente adstrita permitiu que o STF chegasse a resultado consequente admitindo que a sua decisão de inconstitucionalidade produz efeitos gerais efeitos erga omnes e que assim a comunicação ao Senado na hipótese de ação direta é desnecessária Neste exato sentido a demonstrar a desnecessidade de comunicação ao Senado no caso de ação direta o Min Moreira Alves na Representação 10163 proferiu voto que foi seguido à unanimidade Para a defesa de relações jurídicas concretas em face de leis ordinárias em desconformidade com as Constituições vigentes na época em que aquelas entraram em vigor há a declaração de inconstitucionalidade incidenter tantum que só passa em julgado para as partes em litígio consequência estritamente jurídica e que só tem eficácia erga omnes se o Senado Federal houver por bem decisão de conveniência política suspendêla no todo ou em parte Já o mesmo não ocorre com referência à declaração de inconstitucionalidade obtida em representação a qual passa em julgado erga omnes com reflexos sobre o passado a nulidade opera ex tunc independentemente de atuação do Senado por se tratar de decisão cuja conveniência política do processo de seu desencadeamento se fez a priori e que se impõe quaisquer que sejam as consequências para as relações jurídica concretas pelo interesse superior da preservação do respeito à Constituição que preside à ordem jurídica vigente 129 A emenda constitucional trouxe outra questão relevante A letra l do inciso I do art 119 passou a ter a seguinte redação A representação do ProcuradorGeral da República por inconstitucionalidade ou para interpretação de lei ou ato normativo federal ou estadual O ProcuradorGeral da República passou a poder oferecer representação ao STF para o fim de definição de interpretação de norma federal ou estadual Tratase de fórmula curiosa e de certa forma inexplicável para quem supõe que as decisões dos tribunais superiores devem ser obrigatoriamente respeitadas pelos tribunais e juízos inferiores A sua compreensão exige que se tenha em conta que as decisões do STF dando a interpretação de lei ou ato normativo federal ou estadual não eram respeitadas e portanto não definiam ou consolidavam a interpretação da norma Foi por isso que surgiu a representação para interpretação de norma apenas para permitir a criação de um precedente de caráter vinculante Algo que bem vistas as coisas deveria ter sido muito bemvindo diante da imprescindibilidade de se atribuir autoridade às decisões dos tribunais superiores A única crítica do ponto de vista teórico que poderia ter sido feita a esta forma de representação no sentido da sua desnecessidade encontraria fácil resposta na prática forense a demonstrar o desrespeito dos tribunais inferiores às decisões da Suprema Corte A EC 71977 ainda instituiu a chamada avocatória incluindo a letra o no inciso I do art 119 o as causas processadas perante quaisquer juízos ou Tribunais cuja avocação deferir a pedido do ProcuradorGeral da República quando decorrer imediato perigo de grave lesão à ordem à saúde à segurança ou às finanças públicas para que se suspendam os efeitos de decisão proferida e para que o conhecimento integral da lide lhe seja devolvido A avocatória nos moldes da norma instituída pela Emenda 71977 teve escassa utilização na prática 837 A Constituição de 1988 A Constituição Federal de 1988 dotou o cidadão de vários e sofisticados modelos de proteção aos direitos individuais difusos e coletivos O mandado de segurança foi estendido aos direitos coletivos passando a poder ser impetrado por partido político com representação no Congresso Nacional organização sindical entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano em defesa dos interesses de seus membros ou associados art 5º LXX 130 Instituiuse o mandado de injunção para proteger direito assegurado pela Constituição quando a omissão de órgão com poder normativo estiver obstaculizando a sua tutela art 5º LXXI 131 Criouse o habeas data para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público e para a retificação de dados quando não se prefira fazêlo por processo sigiloso judicial ou administrativo art 5º LXXII 132 Consagrouse a ação popular como meio destinado à proteção da coisa pública deferindose legitimidade a qualquer cidadão para a sua propositura art 5º LXXIII 133 No que diz respeito ao controle de constitucionalidade manteve se a força do controle difuso de constitucionalidade com a reserva do recurso extraordinário às questões constitucionais e ampliou se de modo significativo o sistema de controle concentrado Em consonância com a preocupação com a omissão inconstitucional estabeleceuse o controle abstrato da omissão dispondo o art 103 2º da CF que declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional será dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias e em se tratando de órgão administrativo para fazêlo em trinta dias A ação direta de inconstitucionalidade antes deferida exclusivamente ao ProcuradorGeral da República foi potencializada Passaram a ter legitimidade à propositura da ação direta de inconstitucionalidade para o controle abstrato de norma ou de omissão i o Presidente da República ii a Mesa do Senado Federal iii a Mesa da Câmara dos Deputados iv a Mesa de Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal v o Governador de Estado ou do Distrito Federal vi o Procurador Geral da República vii o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil viii partido político com representação no Congresso Nacional e ix confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional art 103 da CF Previuse ainda a arguição de descumprimento de preceito fundamental art 102 1º regulamentada pela Lei 9882 de 03121999 134 A EC 3 de 17031993 criou a ação declaratória de constitucionalidade que pode ser proposta perante o STF pelos mesmos legitimados à ação direta de inconstitucionalidade listados no art 103 A Lei 9868 de 10111999 regulamentou o processo e II FORMAS DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE E TIPOS DE INCONSTITUCIONALIDADE 84 Das formas de controle de constitucionalidade 841 Controle judicial e controle não judicial O modelo judicial é a forma clássica e bemsucedida de controle de constitucionalidade A configuração de um controle de constitucionalidade não judicial tem relação com a desconfiança no Judiciário visto como poder que deveria se manter rigorosamente afastado dos assuntos do parlamento e que por isso mesmo não deveria aferir a legitimidade das leis do mesmo ano cujo fim é realizar le contrôle de la constitutionnalité des lois 140 A aversão à interferência do Judiciário sobre o parlamento levou o direito francês a atribuir o controle de constitucionalidade a um Conselho Constitucional 141 composto por nove membros cada três nomeados respectivamente pelo Presidente da República pelo Presidente da Assembleia Nacional e pelo Presidente do Senado e pelos antigos Presidentes da República Na França quando um projeto de lei é enviado pelo parlamento Assembleia Nacional e Senado ao Presidente da República para promulgação este dispõe de 15 dias para tanto Neste prazo porém facultase ao Presidente da República ao PrimeiroMinistro ao Presidente da Assembleia Nacional ao Presidente do Senado ou a um número mínimo de 60 deputados ou senadores pedir ao Conselho Constitucional manifestação acerca da compatibilidade do projeto de lei com a Constituição Se o Conselho aprova o projeto reputandoo constitucional segue para promulgação presidencial Em caso contrário se o projeto é considerado inconstitucional não poderá ser promulgado 142 A consideração de um grupo mínimo de deputados ou senadores para que a Corte possa se pronunciar sobre a constitucionalidade do projeto de lei evidencia a intenção de dar oportunidade à minoria parlamentar de se opor aos desvios arbitrários da maioria 143 O Conseil Constitutionnel nesta dimensão atua como um corretivo do princípio democráticomajoritário contrapondose à lógica de que ao ganhar as eleições a maioria assume poder para fazer o que quiser winnertakes all como se as eleições fossem um simples jogo de tudo ou nada 144 Frisese que o Conselho Constitucional obrigatoriamente tem de se pronunciar sobre as leis orgânicas que basicamente dizem respeito à organização dos poderes públicos Além disso o Conselho não tem apenas competência para controlar a constitucionalidade das leis mas também entre outras competência para controlar a regularidade das eleições presidenciais e parlamentares Se estes fatores já seriam suficientes para apontar para a natureza não jurisdicional da função desenvolvida pelo órgão maior relevo tem a circunstância de que a atuação do Conselho Constitucional no tradicional controle de constitucionalidade francês constitui fase do processo legislativo e portanto incorpora a própria natureza política da função legislativa 145 Não obstante a função desempenhada pelo Conselho Constitucional é baseada em critérios unicamente jurídicos preservandose a competência do parlamento para apreciar a conveniência e a oportunidade da lei Difere neste aspecto da maneira como os órgãos compostos por membros de partidos políticos manipulam os instrumentos de controle de constitucionalidade no Brasil o veto e os pareceres das Comissões de Constituição e Justiça do Poder Legislativo durante o processo de elaboração das leis 146 Com o passar dos anos ocorreu significativa evolução do papel do Conselho Constitucional que de guarda da regularidade formal das leis progressivamente passou a tutelar as liberdades públicas e os direitos fundamentais 147 Recentemente a versão originária do controle de constitucionalidade instituída pela Constituição de 1958 sofreu importante mudança com a reforma constitucional implementada pela LC 724 de 23072008 que introduziu o art 61 1 148 e alterou o art 62 149 da Constituição Estabeleceuse o controle repressivo de constitucionalidade das leis mediante a chamada arguição prioritária de violação de direitos e liberdades garantidos na Constituição O art 611 da Constituição francesa introduzido com a reforma constitucional de 2008 foi regulado pela Lei Orgânica 20091523 150 de dezembro de 2009 tendo entrado em vigor em 01032010 A Lei Orgânica 20091523 de 10122009 falou em question prioritaire de constitutionnalité para deixar claro que a questão de constitucionalidade quando suscitada deve ser apreciada em regime de prioridade Qualquer parte de processo jurisdicional ou administrativo pode suscitar a questão prioritária de constitucionalidade em petição escrita devidamente motivada em que demonstre que a disposição legal vulnera direito ou liberdade garantida pela Constituição 151 A questão constitucional portanto é sempre vinculada a um caso concreto O órgão a que suscitada a questão fará a primeira análise de admissibilidade verificando se estão preenchidos os requisitos exigidos pela referida Lei Orgânica 20091523 Entendendose terem sido observados todos os requisitos legais a questão será encaminhada conforme o caso à Corte de Cassação ou ao Conselho de Estado a que incumbirá agora num exame mais aprofundado decidir se estão preenchidos os requisitos para a questão ser conhecida pelo Conselho Constitucional que frisese é o único competente para decidir sobre a questão de constitucionalidade Para que a questão constitucional possa ser conhecida pelo Conselho Constitucional estabelece a Lei Orgânica 20091523 três requisitos deve a disposição legal ser prejudicial à solução do litígio já não ter sido declarada em conformidade com a Constituição pelo Conselho Constitucional e espelhar questão nova ou revestida de seriedade Se a questão não for admitida à Corte de Cassação ou ao Conselho de Estado poderá ser objeto de recurso Mas quando a questão for rejeitada pela Corte de Cassação ou pelo Conselho de Estado não caberá qualquer forma de impugnação Admitida a questão o Conselho Constitucional julgará a constitucionalidade da lei Caso a declare inconstitucional a lei deixará de produzir efeitos a partir da publicação da decisão ou de outra data ulterior que nela for fixada em conformidade com o art 62 da Constituição francesa A alteração introduzida pela reforma de 2008 no art 62 da Constituição prescreve que o dispositivo declarado inconstitucional com base no art 611 controle repressivo deixará de produzir efeitos a partir da publicação da decisão do Conselho Constitucional ou de data posterior fixada na decisão e que o Conselho determinará as condições e os limites em que os efeitos produzidos pelo dispositivo declarado inconstitucional serão suscetíveis de reconsideração Adotouse assim a eficácia prospectiva das decisões que pronunciam a inconstitucionalidade significando que o dispositivo declarado inconstitucional apenas perderá sua condição normativa a partir da publicação da decisão ou de data posterior que nela for fixada O art 62 última frase da Constituição francesa ainda deixa claro que as decisões do Conselho Constitucional são irrecorríveis impondose a todos os poderes públicos e a todas as autoridades administrativas e jurisdicionais Atualmente diante da evolução da maneira de decidir do Conselho Constitucional e da recente introdução do controle repressivo da constitucionalidade a evidenciar a preocupação com a tutela dos direitos fundamentais há sensível aproximação entre o modo de controle de constitucionalidade francês e aquele realizado nos sistemas em que a questão de constitucionalidade suscitada perante o juiz de primeiro grau de jurisdição permite a suspensão do processo e o envio da arguição para definição do Tribunal Constitucional 152 8411 Objeto do controle judicial Qualquer lei ou ato normativo advindo do Poder Público pode ser objeto de controle de constitucionalidade 153 O órgão judicial pode deixar de aplicar por considerálo inconstitucional ato formalmente legislativo ou ato normativo emanado dos Poderes Executivo Legislativo e Judiciário ou editado nas esferas federal estadual e municipal Assim por exemplo emenda constitucional lei ordinária lei complementar medida provisória e mesmo regulamento resolução portaria e normas dos regimentos internos dos tribunais O exame de lei municipal e estadual em abstrato mediante ação direta em face da Constituição do Estado cabe ao Tribunal de Justiça 154 Ao STF incumbe o controle abstrato mediante ação direta de inconstitucionalidade ou de ação declaratória de constitucionalidade de norma estadual e federal em face da Constituição Federal 155 Por meio de arguição de descumprimento de preceito fundamental o STF também pode realizar o controle abstrato de norma municipal em face de preceito fundamental da Constituição Federal 156 Norma de Constituição Estadual parâmetro de controle em ação direta de lei estadual ou municipal ajuizada perante Tribunal de Justiça pode ser confrontada com a Constituição Federal mediante recurso extraordinário Isto pode ocorrer quando Tribunal de Justiça ao considerar a norma da Constituição Estadual decreta incidentalmente a sua inconstitucionalidade de ofício O STF na Rcl 526 declarou expressamente que o Tribunal de Justiça não usurpou a sua competência ao rejeitar alegação incidente de que determinado artigo da Constituição do Estado de São Paulo que constituía parâmetro de controle na ação direta seria inconstitucional em face da Constituição Federal 157 Por outro lado indagase se determinadas normas presentes nas Constituições Estaduais que reproduzem ou imitam normas da Constituição Federal podem constituir parâmetro para o controle de constitucionalidade no âmbito dos Tribunais de Justiça Embora o STF tenha dito que não na Rcl 370 158 sob o argumento de que a reprodução de normas constitucionais obrigatórias em todos os níveis da Federação seria ociosa em termos estritamente jurídicos e que o Tribunal de Justiça ao se deparar com normas de reprodução estaria diante de parâmetros formalmente estaduais porém substancialmente integrantes da Constituição Federal houve modificação deste entendimento na Rcl 383 em que observou o Min Moreira Alves que as normas constitucionais estaduais não são normas secundárias que correm necessariamente a sorte das normas primárias como sucede com o regulamento que caduca quando a lei regulamentada é revogada Tratandose de norma ordinária de reprodução ou de norma constitucional estadual da mesma natureza por terem eficácia no seu âmbito de atuação se a norma constitucional federal reproduzida for revogada elas por terem eficácia no seu âmbito de atuação persistem como normas jurídicas que nunca deixaram de ser Os princípios reproduzidos que enquanto vigentes se impunham obrigatoriamente por força apenas da Constituição Federal quando revogados permanecem no âmbito de aplicação das leis ordinárias federais ou constitucionais estaduais graças à eficácia delas resultante Decidiuse então pela admissibilidade da ação direta perante o Tribunal de Justiça tomando como parâmetro de controle a norma de reprodução constante na Constituição Estadual 159 Na Rcl 383 deixouse claro que a competência para a ação direta é definida por sua causa de pedir no momento em que ela evidencia o parâmetro de controle da constitucionalidade Tratando se de norma constitucional estadual ainda que de reprodução ou imitação a competência é do Tribunal de Justiça 160 A questão em face das normas remissivas foi discutida na Rcl 4432 cujos elementos servem para bem elucidar o ponto O art 69 caput da Constituição Estadual de Tocantins possui a seguinte redação Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte aplicamse ao Estado e aos Municípios as vedações ao poder de tributar previstas no art 150 da Constituição Federal Esta norma remete ao disciplinar os limites ao poder de tributar para o art 150 da CF constituindo o que se denomina norma de caráter remissivo A norma remissiva se contrapõe à norma material pois ao contrário da última não é suficiente por si para regulamentar determinada questão valendose de alusão à norma material que então aperfeiçoa a regulação da matéria Isto frequentemente ocorre no âmbito das Constituições dos Estados Na Rcl 4432 afirmouse que a norma constitucional estadual de remissão na condição de norma dependente toma de empréstimo um determinado elemento da norma constitucional federal remetida não se fazendo completa senão em combinação com este componente normativo externo ao texto da Constituição Estadual o que entretanto não retira a sua força normativa uma vez conjugada com a norma à qual se refere goza de todos os atributos de uma norma jurídica A partir da premissa de que o parâmetro de controle é constituído pela conjugação da norma remissiva com a remetida concluiuse que o controle da norma estadual ou municipal por violação a tal parâmetro é consequência da supremacia da Constituição Estadual no âmbito do Estadomembro Em outras palavras as consequências jurídicas decorrentes de eventual violação à proposição remissiva constante da Constituição Estadual derivam da própria posição hierárquiconormativa superior desta no âmbito do ordenamento jurídico do Estadomembro e não da norma da Constituição Federal a que se faz referência Assim se as proposições remissivas constantes das diversas Constituições Estaduais apesar de seu caráter dependente e incompleto mantêm sua condição de proposições jurídicas não haveria razão para se lhes negar a condição de parâmetro normativo idôneo para se proceder em face delas ao controle abstrato de normas perante os Tribunais de Justiça 161 Assim de acordo com a jurisprudência do STF as normas de reprodução imitação e remissivas presentes nas Constituições estaduais podem constituir parâmetro de controle para ação direta a ser proposta nos Tribunais de Justiça Por fim os tratados e convenções internacionais incorporados ao sistema de direito positivo também podem ter a sua constitucionalidade controlada pelo Poder Judiciário seja mediante a forma principal seja incidentalmente É que como é óbvio todo e qualquer ato de direito internacional público celebrado pelo Estado brasileiro se submete à Constituição Federal 162 Na ADIn 1480 relator o Min Celso de Mello o STF teve oportunidade de declarar que no sistema jurídico brasileiro os tratados ou convenções internacionais estão hierarquicamente subordinados à autoridade normativa da Constituição da República Em consequência nenhum valor jurídico terão os tratados internacionais que incorporados ao sistema de direito positivo interno transgredirem formal ou materialmente o texto da Carta Política O exercício do treaty making power pelo Estado brasileiro não obstante o polêmico art 46 da Convenção de Viena sobre o direito dos tratados ainda em curso de tramitação perante o Congresso Nacional está sujeito à necessária observância das limitações jurídicas impostas pelo texto constitucional O Poder Judiciário fundado na supremacia da Constituição da República dispõe de competência para quer em sede de fiscalização abstrata quer no âmbito do controle difuso efetuar o exame de constitucionalidade dos tratados ou convenções internacionais já incorporados ao sistema de direito positivo interno 163 842 Controle preventivo e controle repressivo As ideias de controle preventivo e controle repressivo costumam ser relacionadas ao momento do controle de constitucionalidade se anterior ou posterior à publicação da lei ou do ato normativo Quando anterior o controle de constitucionalidade é dito preventivo confundindose assim com o controle político É verdade que o controle preventivo visto como fase do processo legislativo confundese com o controle político 164 Porém a questão é saber se é possível falar em controle jurisdicional preventivo Deixese claro antes de tudo que não existe previsão na ordem jurídica brasileira de tal forma de controle de constitucionalidade O STF admite o controle judicial do processo legislativo em nome do direito subjetivo do parlamentar de impedir que a elaboração dos atos normativos incida em desvios inconstitucionais 165 Entendese caber mandado de segurança 166 portanto controle incidental quando a vedação constitucional se dirige ao próprio processamento da lei ou da emenda 167 Contudo é importante perceber que neste caso não há controle preventivo de constitucionalidade O que existe é controle judicial repressivo mediante mandado de segurança A norma constitucional que veda a apresentação da emenda por exemplo impede o andamento do processo legislativo 168 Há inconstitucionalidade muito antes de se chegar à deliberação o processo é por si inconstitucional Ora há nítida diferença entre afirmar violação de norma constitucional que impede o andamento de processo legislativo e pretender afirmar judicialmente inconstitucionalidade na substância de lei que está para ser editada 169 O controle repressivo realizado posteriormente à publicação da lei constitui a maneira típica e tradicional de controle da constitucionalidade Porém antes da publicação da lei em vista de inconstitucionalidade do processo legislativo também há como visto controle repressivo 843 Controle concreto e controle abstrato Há sistemas em que o controle da constitucionalidade pode ser feito diante de qualquer caso conflitivo como prejudicial à solução do litígio É o que ocorre desde os primórdios no sistema estadunidense em que se fixou o entendimento de que o juiz tendo poder para decidir possui por consequência poder para analisar a validade constitucional da lei que é prejudicial à solução do caso que lhe é submetido 170 É o que também acontece no direito brasileiro desde a Constituição de 1891 No controle concreto a análise da constitucionalidade da norma que é pressuposto à resolução da demanda se apresenta conjugada à aferição de direito subjetivo ou interesse legítimo cuja tutela jurisdicional dela depende A constitucionalidade da norma em outras palavras não é o objeto ou mesmo o fim do processo Ou seja o processo não é instaurado em virtude de dúvida acerca da legitimidade da norma nem objetiva definir a sua constitucionalidade declarandose a sua inconstitucionalidade ou constitucionalidade O controle abstrato ao contrário considera a norma em si desvinculada de direito subjetivo e de situação conflitiva concreta Buscase no controle abstrato apenas analisar a validade constitucional da norma independentemente de ser ela imprescindível ou não à tutela jurisdicional de um direito O controle abstrato ocorre em processo voltado unicamente à análise da constitucionalidade da norma fazendo surgir neste sentido um processo autônomo para o controle de constitucionalidade Este processo por não dizer respeito à solução de litígio não possui partes que antes da sua instauração estavam envolvidas num conflito de interesses Lembrese que a evolução do sistema austríaco de controle de constitucionalidade caracterizada pela reforma constitucional de 1929 conferiu à Corte Suprema e à Corte Administrativa austríacas o poder de requerer à Corte Constitucional a análise de lei cuja validade fosse prejudicial à solução de caso que deveria resolver Os tribunais superiores austríacos em caso de dúvida acerca da constitucionalidade de lei prejudicial ao julgamento de caso conflitivo passaram a ser obrigados a requerer à Corte Constitucional a definição da sua constitucionalidade vinculandose ao seu pronunciamento 171 O mesmo sistema foi implantado em outros países da Europa como Alemanha Itália e Espanha A Constituição italiana de 1948 e a Constituição alemã de 1949 instituíram modelos de controle de constitucionalidade similares ao austríaco reservandose o controle de constitucionalidade a uma Corte Constitucional Assim como o sistema austríaco os modelos alemão e italiano não apenas permitem que o controle da constitucionalidade seja requerido de forma direta como também viabilizam o controle incidental aos casos concretos permitindo que se peça à Corte Constitucional a análise de lei cuja constitucionalidade seja duvidosa Porém diversamente do austríaco que dá este poder apenas às Cortes Suprema e Administrativa os sistemas italiano e alemão dão a qualquer juiz o poder de invocar a Corte Constitucional Ressaltese que o juiz ordinário obrigado a arguir a questão de legitimidade constitucional não exerce controle de constitucionalidade mas ao menos não é obrigado a aplicar lei reputada inconstitucional 172 A alusão a estes sistemas e sobretudo a estas formas associadas incidental e concentrada de controle de constitucionalidade devese ao interesse em ressaltar que o controle de constitucionalidade ainda que reservado a um único órgão a Corte Constitucional pode ser incidental ao julgamento de um litígio e assim ter natureza concreta Notese que embora sejam separados dois juízos um em que se faz apenas a análise da constitucionalidade e outro em que se aprecia o caso concreto a partir da definição acerca da questão constitucional o caso concreto de onde brotou a arguição da questão exerce influência sobre o juízo da Corte Constitucional que definirá a legitimidade constitucional da norma Assim ainda que o controle concreto derive em regra do controle de constitucionalidade feito pelo próprio juiz incumbido de julgar o litígio ele pode decorrer do controle que se dá a partir da arguição do juiz ordinário à Corte Constitucional Há nessa última hipótese controle concreto e incidental conjugado a controle concentrado uma vez que nos sistemas de Corte Constitucional o controle de constitucionalidade é concentrado neste órgão Isso permite dissociar o controle concreto e incidental do controle difuso ou seja do controle típico aos sistemas em que o poder de controlar a constitucionalidade é distribuído a todos os órgãos do Poder Judiciário Mas se o controle concreto pode se separar do difuso assumindo a forma de concentrado é preciso verificar a sua dissociabilidade do controle incidental Ou melhor é preciso investigar a possibilidade de o controle concreto ocorrer no controle principal que se dá por via de ação endereçada ao órgão incumbido de controlar a constitucionalidade Ou será que o controle principal é reservado ao controle abstrato O controle principal que tem como contraposto o controle incidental em regra constitui controle abstrato Quando o controle de constitucionalidade se dá por intermédio de ação direta endereçada à Corte Constitucional ou à Corte Suprema ou no caso brasileiro ao STF instaurase processo autônomo para tanto desvinculado de caso concreto a ser resolvido pelo Poder Judiciário O controle por via de ação direta dito controle direto viabiliza o controle abstrato da norma impugnada Porém há casos excepcionais em que se permite mediante ação direta à Corte Constitucional ou ao STF alegação de inconstitucionalidade que leva em conta situação pessoal de direito substancial afetada pela norma reclamada É o caso do recurso constitucional alemão Verfassungsbeschwerde que pode ser dirigido à Corte Constitucional por sujeito que se diz titular de direito fundamental ou a ele assimilável afetado por ato que pode ser legislativo ou omissão do Poder Público 173 No direito brasileiro o mandado de injunção exemplifica caso de ação especialmente dirigida ao Supremo Tribunal 174 em que o controle de constitucionalidade é concreto A Constituição Federal instituiu o mandado de injunção para a situação em que a falta de norma regulamentadora tornar inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade à soberania e à cidadania art 5º LXXI reservandoo em relevantes casos à competência originária do STF art 102 I q Tratase assim de ação endereçada ao STF cujo objetivo é mediante a impugnação de inconstitucionalidade por omissão tutelar direito constitucional relacionado à situação pessoal e concreta deduzida em juízo pelo demandante Bem por isso o controle não é abstrato Lembrese ademais que o STF após ter entendido que o mandado de injunção encontrava resposta na declaração de inconstitucionalidade com ciência ao Legislativo passou a afirmar que a omissão pode ser suprida mediante a aplicação de outra lei que regule situação similar e até mesmo por meio de soluções normativojudiciais criadas no caso concreto 175 844 Controle incidental e controle principal Quando no curso de uma causa comum é arguida a inconstitucionalidade da lei que configura pressuposto à tutela jurisdicional do direito o juiz brasileiro está autorizado a tratar da questão constitucional como prejudicial à solução do litígio A questão constitucional é suscitada introduzindose no processo e no raciocínio do julgador mediante o modo incidental O objeto do processo nestes casos é um litígio entre as partes que não se confunde com a questão constitucional Tratase portanto de questão de natureza constitucional suscitada incidentalmente e ajustada como prejudicial à resolução do litígio entre as partes Quando isso ocorre falase que há por parte do juiz controle incidental de constitucionalidade 176 O contraposto do controle incidental é o controle principal No controle principal a questão constitucional não é suscitada incidentalmente nem constitui prejudicial ao julgamento do litígio que constitui objeto do processo No controle principal o objeto do processo é a própria questão constitucional O processo é instaurado em virtude e apenas em razão da própria alegação da questão de constitucionalidade não existindo litígio dependente da solução desta questão para ser dirimido O controle principal ocorre por meio de ação direta dirigida à Corte Constitucional ou ao tribunal de cúpula do Judiciário O controle incidental pode se dar quando o juiz condutor do processo instaurado em virtude de litígio entre as partes tem poder para controlar a constitucionalidade das leis como ocorre no direito brasileiro e no direito estadunidense Nos sistemas em que o controle de constitucionalidade é reservado a uma Corte Constitucional como o alemão o italiano e o espanhol o controle incidental se dá em caso de dúvida constitucional em virtude de arguição do juiz ordinário à Corte Constitucional Ora o controle é derivado de arguição feita no curso do processo a respeito da constitucionalidade de norma que constitui prejudicial ao julgamento do mérito Portanto não há dúvida que o controle de constitucionalidade neste caso constitui controle incidental O controle incidental sempre é de natureza concreta O controle principal em regra é de natureza abstrata mas pode excepcionalmente ter natureza concreta como é exemplo o mandado de injunção em que a questão de inconstitucionalidade por omissão constitui objeto da ação mas é aferida a partir da situação pessoal concreta lamentada em juízo pelo demandante É o caso também da ação direta interventiva cuja decisão favorável é requisito de admissibilidade para a intervenção federal 177 Controles principal e incidental constituem modos como a questão de constitucionalidade é levada à apreciação do Judiciário Enquanto isto os controles abstrato e concreto exprimem a maneira como a questão de constitucionalidade é apreciada e julgada pelo Judiciário Quando a questão de constitucionalidade é relacionada com uma situação pessoal e concreta há controle concreto Na hipótese em que se examina a compatibilidade da norma com a Constituição independentemente de qualquer situação concreta há controle abstrato Por fim apenas para evitar malentendido é importante rechaçar a terminologia controle por via de ação com significado de controle principal e controle por via de defesa como sinônimo de controle incidental O modo incidental não se perfaz apenas por defesa podendo advir da própria ação que pode afirmar como causa de pedir a inconstitucionalidade de lei É o que ocorre em mandado de segurança em que o impetrante alega por exemplo que a lei em que se funda o imposto que a autoridade está a exigir é inconstitucional 845 Controle difuso e controle concentrado O controle difuso tem íntima relação com o controle incidental chegando frequentemente a ser com ele confundido É que se usa o raciocínio de que a constitucionalidade da lei pode ser examinada como prejudicial à solução de qualquer litígio para então se concluir que nos sistemas em que isto é admissível o controle é difuso Da mesma forma elaborandose novamente algo que é verdadeiro apenas parcialmente afirmase que nos sistemas em que o controle da constitucionalidade é feito por uma Corte Constitucional encarregada de julgar as ações diretas o controle é concentrado Tais ideias são absolutamente corretas quando vistas isoladamente Entretanto quando analisadas na real dimensão do significado da distribuição da jurisdição carecem de consistência Quando o poder de controlar a constitucionalidade é distribuído aos órgãos do Poder Judiciário diante de todo e qualquer caso o controle de constitucionalidade pode e deve ser feito por todos os órgãos judiciais mas nas formas incidental e concreta Contudo nada impede que se outorgue à Suprema Corte no mesmo sistema em que se dá competência para o controle judicial da constitucionalidade em face de qualquer caso competência para realizar o controle de constitucionalidade na forma principal mediante ações diretas a ela endereçadas Bem vistas as coisas portanto os sistemas difuso e concentrado constituem abstrações que apenas podem ser separadas e assim ter validade conceitual quando se apresentam autonomamente Se o controle de constitucionalidade é deferido aos juízes em face de todo e qualquer caso inexistindo previsão de via direta o controle é difuso porém notese bem incidental De outra parte se o controle é conservado nas mãos da Corte Constitucional como no sistema austríaco pré1929 o controle é concentrado mas sublinhese exercido na forma principal Isso quer dizer que nos sistemas em que os juízes exercem o controle de constitucionalidade diante de qualquer caso e ao lado disso este controle também é deferido à Suprema Corte mediante a via direta há na realidade controle difuso decorrente das formas incidental e principal Misturamse portanto os modelos incidental e principal não o controle difuso com o concentrado Se existe sistema misto esse é constituído pelo modelo incidental somado ao principal os quais por sua vez permitem o controle concreto e o controle abstrato ainda que como já demonstrado a via principal possa excepcionalmente também levar ao controle concreto Na mesma perspectiva de encaminhamento do raciocínio parece certo sustentar que o sistema austríaco pós1929 com a introdução da possibilidade de arguição de inconstitucionalidade pelas Cortes Suprema e Administrativa à Corte Constitucional não só não fez surgir sistema misto como na verdade nem mesmo interferiu no modelo concentrado Percebase que ainda que se admitisse que as Cortes Suprema e Administrativa passaram a participar do controle de constitucionalidade nesta hipótese não haveria atuação de juiz de primeiro grau de jurisdição como por exemplo nos atuais sistemas italiano alemão e espanhol De qualquer forma nem as Cortes Suprema e Administrativa no sistema austríaco nem o juiz ordinário nos sistemas italiano alemão e espanhol exercem controle de constitucionalidade mas têm o seu poder limitado à arguição da questão de constitucionalidade 178 Há aí evidentemente contribuição para a força normativa da Constituição mas não controle de constitucionalidade Em tais sistemas o controle de constitucionalidade nunca deixou de ser concentrado na Corte Constitucional A arguição de inconstitucionalidade permite pensar no máximo em difusão da legitimidade à arguição de inconstitucionalidade nunca em difusão do controle da constitucionalidade Portanto quando a Corte Constitucional além de poder exercer o controle pela via principal pode atuar a partir de arguição feita por juiz não há sistema misto a conjugar o poder de controle da Corte e dos demais juízes Há igualmente neste caso mistura do controle incidental com o controle principal conduzindo ainda aos controles concreto e abstrato Deixese claro assim que o sistema brasileiro não é um sistema misto em que se associam o controle difuso e o controle concentrado 179 No Brasil há sistema difuso conjugandose isto sim os controles incidental e principal e os controles concreto e abstrato 85 As diversas faces da inconstitucionalidade 851 Inconstitucionalidade formal e inconstitucionalidade material A produção da lei exige a observância de pressupostos e requisitos procedimentais imprescindíveis para que seja constitucional A Constituição regula o modo como a lei e outros atos normativos primários previstos no art 59 180 devem ser criados estabelecendo quem tem competência para produzilos e os requisitos procedimentais que devem ser observados para a sua produção Faltas quanto à competência ou quanto ao cumprimento das formalidades procedimentais viciam o processo de formação da lei tornandoa formalmente inconstitucional 181 A inconstitucionalidade formal deriva de defeito na formação do ato normativo o qual pode estar na violação de regra de competência ou na desconsideração de requisito procedimental O procedimento para a produção de lei ordinária e de lei complementar compreende iniciativa deliberação votação sanção ou veto promulgação e publicação O art 22 outorga competência privativa para a União legislar sobre determinados assuntos arrolados em seus incisos Há vício de competência quando a Assembleia Legislativa Estadual edita norma em matéria da competência da União legislando por exemplo sobre direito processual De outra parte a Constituição também confere iniciativa privativa em relação a certos temas a determinados órgãos públicos Isso quer dizer que no que toca a certo tema a iniciativa de apresentação de projeto de lei ou seja a incoação do processo de produção da lei pode ser privativa de determinado órgão ou agente público Assim o art 93 afirma que lei complementar de iniciativa do Supremo Tribunal Federal disporá sobre o Estatuto da Magistratura Fora daí há vício de iniciativa de modo que um senador não pode apresentar projeto de lei para modificar o Estatuto da Magistratura 182 Determinadas matérias apenas podem ser reguladas por atos normativos específicos É o conhecido caso das normas gerais de direito tributário que desde a EC 161965 apenas podem ser veiculadas mediante lei complementar O art 146 III da CF diz que cabe à lei complementar estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária 183 Assim lei ordinária que tratar de norma geral de direito tributário incidirá em inconstitucionalidade formal 184 Frisese que a lei ordinária pode ser aprovada por maioria simples mas a lei complementar exige maioria absoluta arts 47 e 69 da CF Por outro lado o STF entende que as questões respeitantes à interpretação do regimento interno das Casas legislativas são interna corporis 185 e portanto insuscetíveis de controle judicial 186 No AgRg no MS 26062 de relatoria do Min Gilmar Mendes assentouse que a interpretação e a aplicação do Regimento Interno da Câmara dos Deputados constituem matéria interna corporis insuscetível de apreciação pelo Poder Judiciário 187 No AgRg no MS 25588 relator o Min Menezes Direito o STF decidiu que a sistemática interna dos procedimentos da Presidência da Câmara dos Deputados para processar os recursos dirigidos ao Plenário daquela Casa não é passível de questionamento perante o Poder Judiciário inexistente qualquer violação da disciplina constitucional 188 O STF tem assumido uma postura mais ativa no tocante ao controle dos requisitos de instalação das Comissões Parlamentares de Inquérito previstos no art 58 3º da CF 189 No MS 26441 discutiuse decisão do Plenário da Câmara dos Deputados que por ampla maioria 308 a 101 votos negou o funcionamento de uma CPI em virtude da suposta ausência de um dos requisitos o fato determinado exigidos pelo art 58 190 Neste caso a Corte rejeitou o argumento de que tal matéria em virtude de seu caráter interna corporis não poderia ser objeto de controle judicial sem que ocorresse indevida intromissão em assuntos legislativos Com fundamento no direito constitucional de oposição da minoria parlamentar o Tribunal entendeu que permitir à maioria parlamentar inviabilizar a instalação de CPI mediante a interpretação de uma de suas exigências seria o mesmo que tornar sem efeito prático a garantia constitucional prevista no art 58 191 Mas há situação diversa quando se indaga sobre violação do processo legislativo especialmente quando este é pertinente à emenda constitucional Nestas situações o STF admite o controle judicial Recentemente em ação direta em que se alegou inconstitucionalidade formal decidiuse que a Constituição Federal ao dispor regras sobre processo legislativo permite o controle judicial da regularidade do processo o que constitui exceção à jurisprudência do STF sobre a impossibilidade de revisão jurisdicional em matéria interna corporis 192 Há quase duas décadas o STF declarou que a tramitação de emenda constitucional no âmbito do Poder Legislativo é matéria interna corporis insuscetível de controle judicial salvo em caso de ofensa à Constituição ou à lei Exceto nessas hipóteses a interferência não é tolerada pelo princípio da independência e da harmonia entre os Poderes 193 Em 1997 relator o Min Maurício Corrêa o STF conheceu de mandado de segurança quanto à alegação de impossibilidade de matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada poder ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa sob o fundamento de aí estar presente questão constitucional art 60 5º da CF 194 No MS 23565 de relatoria do Min Celso de Mello firmouse o entendimento de que o processo de formação das leis ou de elaboração de emendas à Constituição revelase suscetível de controle incidental ou difuso pelo Poder Judiciário sempre que havendo possibilidade de lesão à ordem jurídicoconstitucional a impugnação vier a ser suscitada por membro do próprio Congresso Nacional pois nesse domínio somente ao parlamentar que dispõe do direito público subjetivo à correta observância das cláusulas que compõem o devido processo legislativo assiste legitimidade ativa ad causam para provocar a fiscalização jurisdicional 195 Bem vistas as coisas o problema do controle judicial do processo legislativo não poderia estar presente nos casos em que são negados requisitos constitucionais do processo de criação das leis uma vez que estas hipóteses como é pouco mais do que evidente não podem ser afastadas do controle de constitucionalidade O que se poderia e desejava evitar impedindose o controle judicial dos atos parlamentares prévios à publicação da lei era a interferência do Judiciário sobre a substância das leis ou seja sobre as leis em si mesmas nunca sobre o controle da higidez do processo de sua formação 196 Isso fica claro no leading case acerca da possibilidade do controle judicial do processo legislativo O Min Moreira Alves no MS 20257 assim enfrentou a questão Não admito mandado de segurança para impedir tramitação de projeto de lei ou proposta de emenda constitucional com base na alegação de que seu conteúdo entra em choque com algum princípio constitucional E não admito porque nesse caso a violação à Constituição só ocorrerá depois de o projeto se transformar em lei ou de a proposta de emenda vir a ser aprovada Antes disso nem o Presidente da Casa do Congresso ou deste nem a Mesa nem o Poder Legislativo estão praticando qualquer inconstitucionalidade mas estão sim exercitando seus poderes constitucionais referentes ao processamento da lei em geral A inconstitucionalidade nesse caso não será quanto ao processo da lei ou da emenda mas ao contrário será da própria lei ou da própria emenda razão por que só poderá ser atacada depois da existência de uma ou de outra Diversas porém são as hipóteses como a presente em que a vedação constitucional se dirige ao próprio processamento da lei ou da emenda vedando a sua apresentação ou a sua deliberação como na espécie Aqui a inconstitucionalidade diz respeito ao próprio andamento do processo legislativo e isso porque a Constituição não quer em face da gravidade dessas deliberações se consumadas que sequer se chegue à deliberação proibindoa taxativamente A inconstitucionalidade neste caso já existe antes de o projeto ou de a proposta se transformarem em lei ou em emenda constitucional porque o próprio processamento já desrespeita frontalmente a Constituição E cabe ao Poder Judiciário nos sistemas em que o controle da constitucionalidade lhe é outorgado impedir que se desrespeite a Constituição Na guarda da observância desta está ele acima dos demais Poderes não havendo pois que se falar a esse respeito em independência de Poderes Não fora assim e não poderia ele exercer a função que a própria Constituição para a preservação dela lhe outorga 197 A inconstitucionalidade material se relaciona com o que acaba de ser dito uma vez que tem a ver com o conteúdo da lei ou melhor com a não conformação do ato do legislador em sua substância com as regras e princípios constitucionais Há inconstitucionalidade material quando a lei não está em consonância com a disciplina valores e propósitos da Constituição A liberdade do legislador para conformar a lei deve ser exercida dentro dos limites constitucionais Dentro desses limites a lei qualquer que seja o seu conteúdo é abso lutamente legítima Veda se ao legislador porém exceder ou ficar aquém dos limites da Constituição A lei portanto deve se pautar pela regra da proporcionalidade não podendo exceder o limite do necessário à tutela dos fins almejados pela norma constitucional 198 Isso porque ao excedêlos estará ferindo direitos constitucionais limítrofes com o direito constitucional por ela tutelado Quando há dois modos para dar proteção ao direito constitucional considerase ilegítima a lei que dandolhe tutela não é a que traz a menor interferência ou restrição sobre outro direito Assim se a lei vai além do necessário há negação da cláusula de vedação de excesso 199 De outro lado o legislador não pode deixar de responder às exigências da norma constitucional ou de respondêlas de modo insuficiente deixando sem efetiva proteção o direito constitucional Se isso ocorrer a lei violará o direito fundamental na sua função de mandamento de tutela 200 Daí por que quando esta tutela inexiste ou é insuficiente há violação da cláusula de vedação de tutela insuficiente 201 Lembrese que quando se diz que direitos fundamentais incidem verticalmente sobre o Estado afirmase que eles geram um dever de proteção ao legislador assim como ao administrador e ao juiz Neste sentido se a lei permanece aquém da medida de proteção ordenada pela Constituição há violação da vedação de tutela insuficiente ClausWilhelm Canaris considerando a Lei Fundamental alemã e a jurisprudência do Tribunal Constitucional alemão afirma que em princípio a função dos direitos fundamentais de imperativo de tutela carece de sua transposição pelo direito infraconstitucional Em razão disso diz que ao legislador fica aberta uma ampla margem de manobra entre as proibições da insuficiência e do excesso Adverte contudo que a proibição de insuficiência não coincide com o dever de proteção mas tem uma função autônoma em relação a ele tratandose de dois percursos argumentativos distintos pelos quais em primeiro lugar controlase se existe um dever de proteção e depois em que termos este deve ser cumprido pelo legislador sem descer abaixo do mínimo de proteção jurídicoconstitucionalmente exigido 202 Por conseguinte o controle constitucional da insuficiência almeja investigar se a tutela normativa reconhecida como devida pelo legislador satisfaz as exigências mínimas na sua eficiência O controle judicial portanto ao detectar a insuficiência deve parar no mínimo necessário não podendo ir além A inconstitucionalidade material tem a mesma consequência da inconstitucionalidade formal ou seja a nulidade da lei exceto quando se está diante da questão da lei que se tornou incompatível com a nova Constituição Apenas quando a incompatibilidade entre a lei e a nova Constituição é de conteúdo formal ou melhor quando a matéria regulada pela lei pretérita passou a ser de outra competência ou ter de ser tratada por espécie normativa diversa é que se admite a recepção da lei Foi o que ocorreu por exemplo com os Códigos de Organização Judiciária estaduais após a Constituição Federal de 1988 Antes estes Códigos eram editados por resoluções dos Tribunais de Justiça sendo que a Constituição de 1988 exigiu lei para regular a matéria O resultado foi que os Códigos estaduais restaram válidos e eficazes mas as suas novas alterações se subordinaram à necessidade de lei 203 O mesmo não se passa entretanto quando há inconstitucionalidade material Nesse caso a lei diante da nova Constituição não encontra recepção não é recepcionada e assim obviamente não permanece válida e eficaz 204 852 Inconstitucionalidade por ação e inconstitucionalidade por omissão 8521 Primeiras considerações O fenômeno da inconstitucionalidade se manifesta tanto em virtude de ação quanto de omissão do legislador No primeiro caso existe norma que não se conforma com o texto constitucional Há ação visível do legislador Porém o fato de a inação ser à primeira vista invisível não redunda na impossibilidade da sua detecção e por consequência controle judicial 205 Por inação se quer dizer falta ou ausência de lei reputada ainda que não clara e expressamente essencial para a realização de norma constitucional ou para a satisfação de direito fundamental O STF já teve oportunidade de estabelecer a nítida separação teórica entre as duas formas de inconstitucionalidade Na ADIn 1458 em que foi relator o Min Celso de Mello assentouse que o desrespeito à Constituição tanto pode ocorrer mediante ação estatal quanto mediante inércia governamental A situação de inconstitucionalidade pode derivar de um comportamento ativo do Poder Público que age ou edita normas em desacordo com o que dispõe a Constituição ofendendolhe assim os preceitos e os princípios que nela se acham consignados Essa conduta estatal que importa em um facere atuação positiva gera a inconstitucionalidade por ação Se o Estado deixar de adotar as medidas necessárias à realização concreta dos preceitos da Constituição em ordem a tornálos efetivos operantes e exequíveis abstendose em consequência de cumprir o dever de prestação que a Constituição lhe impôs incidirá em violação negativa do texto constitucional Desse non facere ou non praestare resultará a inconstitucionalidade por omissão que pode ser total quando é nenhuma a providência adotada ou parcial quando é insuficiente a medida efetivada pelo Poder Público 206 Desde a última década do século XIX todo e qualquer juiz tem o poder e o dever de controlar a inconstitucionalidade por ação sendo que o controle por via direta foi originariamente introduzido para controlar esta espécie de inconstitucionalidade A preocupação com a omissão é recente Não obstante o certo é que o sistema brasileiro além de instrumentos destinados ao controle da constitucionalidade da lei possui modelos para o controle da inconstitucionalidade da omissão de modo que apenas por isso não há como negar a significação constitucional da falta de lei Há ação direta de inconstitucionalidade por omissão a ser dirigida ao STF para controle da omissão na forma abstrata independentemente de caso concreto art 103 2º da CF Também está preordenado o mandado de injunção art 5º LXXI cc o art 102 I q da CF voltado a permitir o controle da constitucionalidade da falta de norma indispensável a determinada situação concreta Isso porém não é suficiente para dar tutela ao cidadão diante da omissão inconstitucional do legislador O juiz em face de qualquer caso concreto pode se dar conta da falta de lei imprescindível à tutela de direito fundamental De modo que o real problema está em saber se a ausência de norma pode ser detectada por todo e qualquer juiz na forma incidental como questão prejudicial à solução de um litígio 8522 Inconstitucionalidade por ação A ação do parlamento deu origem ao controle de constitucionalidade Sua história começa com a negação da lei ilegítima Foi assim na Grécia antiga e foi este o embrião do judicial review estadunidense relacionado com o controle dos atos exorbitantes da colônia em face do direito inglês Do mesmo modo o controle de constitucionalidade do tipo europeu derivado do sistema austríaco fundado no esquema teórico kelseniano é preocupado com a validade dos atos positivos do Legislativo diante do direito maior que lhe dá sustentáculo Ao contrário da omissão inconstitucional em que o controle judicial constata que a falta de ação do legislador impede a realização de norma constitucional na inconstitucionalidade por ação o juiz vê a inconstitucionalidade no próprio produto do legislador elaborado em dissonância com o texto constitucional Tratase assim da forma tradicional e mais conhecida de inconstitucionalidade 8523 Inconstitucionalidade por omissão 85231 Instrumentos processuais para combater a omissão inconstitucional mandado de injunção e ação direta de inconstitucionalidade por omissão Determinadas normas constitucionais impõem ao legislador o dever de regulamentálas Valemse de expressões como conforme definido em lei para evidenciar que necessitam de complementação infraconstitucional Tanto as normas constitucionais ditas de organização como a do art 178 que afirma que a lei disporá sobre a ordenação dos transportes aéreo aquático e terrestre quanto as normas que propriamente definem direitos como a do art 7º XI que diz que são direitos dos trabalhadores além de outros participação nos lucros ou resultados conforme definido em lei dão origem a casos de omissão inconstitucional diante da inação do legislador Em face do mandado de injunção instrumento preordenado para a concessão de tutela jurisdicional sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade à soberania e à cidadania art 5º LXXI da CF o problema é saber o alcance da tutela jurisdicional Pensouse inicialmente que ao Tribunal caberia simplesmente declarar a mora cientificando o Legislativo A segunda solução estaria em declarar a mora e dar ao Legislativo prazo para editar a norma retirando na hipótese de não observância deste prazo uma consequência concreta A terceira seria elaborar a própria norma faltante O STF decidiu no MI 107 de relatoria do Min Moreira Alves que o mandado de injunção não abre ensejo a uma tutela jurisdicional mandamental ou constitutiva mas simplesmente a uma declaração de omissão inconstitucional Entendeu que essa declaração de omissão traz implicitamente a constatação da mora do legislador que assim deve ser a ele comunicada para que edite a norma Diante desta posição do STF a decisão que reconhece a omissão inconstitucional não tem qualquer força mandamental de impor a edição da norma ou eficácia constitutiva de criar a norma faltante A decisão é simplesmente declaratória A comunicação da declaração ao legislador portanto aproximase de uma recomendação No MI 283 relator o Min Sepúlveda Pertence o STF tratou do art 8º 3º do ADCT que diz que aos cidadãos que foram impedidos de exercer na vida civil atividade profissional específica em decorrência das Portarias Reservadas do Ministério da Aeronáutica S50GM5 de 19061964 e S285GM5 será concedida reparação de natureza econômica na forma que dispuser lei de iniciativa do Congresso Nacional e a entrar em vigor no prazo de doze meses a contar da promulgação da Constituição No caso diante da inação do Legislativo havia direito subjetivo obstaculizado pela omissão inconstitucional a legitimar o uso do mandado de injunção 207 Entretanto o STF aí não se limitou a declarar a omissão de inconstitucionalidade dando ciência ao Legislativo Dando maior amplitude a sua função a Suprema Corte julgou o pedido procedente para a declarar em mora o legislador com relação à ordem de legislar contida no art 8º 3º do ADCT comunicandoa ao Congresso Nacional e à Presidência da República b assinar o prazo de 45 dias mais 15 dias para a sanção presidencial a fim de que se ultime o processo legislativo da lei reclamada c se ultrapassado o prazo acima sem que esteja promulgada a lei reconhecer ao impetrante a faculdade de obter contra a União pela via processual adequada sentença líquida de condenação à reparação constitucional devida pelas perdas e danos que se arbitrem d declarar que prolatada a condenação a superveniência de lei não prejudicará a coisa julgada que entretanto não impedirá o impetrante de obter os benefícios da lei posterior nos pontos em que lhe for mais favorável Neste caso o STF entendeu que caso o Legislativo não viesse a atuar aquele que se dizia titular do direito à reparação poderia requerer a liquidação do seu dano mediante as disposições do direito comum reconhecendose assim em face da persistência da omissão inconstitucional a autoaplicabilidade da norma constitucional 208 Recentemente ao enfrentar a omissão relativa à norma do art 37 VII da CF que diz que o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica o STF reconheceu a omissão e ofereceulhe solução mediante a aplicação no que couber da Lei 77831989 que dispõe sobre o exercício do direito de greve na iniciativa privada 209 No MI 708 de relatoria do Min Gilmar Mendes declarouse que tendo em vista as imperiosas balizas jurídicopolíticas que demandam a concretização do direito de greve a todos os trabalhadores o STF não pode se abster de reconhecer que assim como o controle judicial deve incidir sobre a atividade do legislador é possível que a Corte Constitucional atue também nos casos de inatividade ou omissão do Legislativo A mora legislativa em questão já foi por diversas vezes declarada na ordem constitucional brasileira Por esse motivo a permanência dessa situação de ausência de regulamentação do direito de greve dos servidores públicos civis passa a invocar para si os riscos de consolidação de uma típica omissão judicial Assim prosseguiu a Corte considerada a omissão legislativa alegada na espécie seria o caso de se acolher a pretensão tão somente no sentido de que se aplique a Lei 77831989 enquanto a omissão não for devidamente regulamentada por lei específica para os servidores públicos civis CF art 37 VII Em razão dos imperativos da continuidade dos serviços públicos contudo não se pode afastar que de acordo com as peculiaridades de cada caso concreto e mediante solicitação de entidade ou órgão legítimo seja facultado ao tribunal competente impor a observância a regime de greve mais severo em razão de tratarse de serviços ou atividades essenciais nos termos do regime fixado pelos arts 9º a 11 da Lei 77831989 Isso ocorre porque não se pode deixar de cogitar dos riscos decorrentes das possibilidades de que a regulação dos serviços públicos que tenham características afins a esses serviços ou atividades essenciais seja menos severa que a disciplina dispensada aos serviços privados ditos essenciais 210 Neste caso diante da falta de lei capaz de viabilizar o exercício do direito de greve pelos funcionários públicos civis supriuse a omissão mediante o emprego da lei que regula a greve na iniciativa privada além de se prever a possibilidade de o tribunal competente impor conforme as peculiaridades do caso concreto regime de greve mais severo O MI 712 de relatoria do Min Eros Grau é ainda mais enfático ao reconhecer ao Tribunal o poder de elaborar a norma jurídica faltante Esclareceuse que a regulamentação do exercício do direito de greve pelos servidores públicos há de ser peculiar mesmo porque serviços ou atividades essenciais e necessidades inadiáveis da coletividade não se superpõem a serviços públicos e viceversa Daí por que não deve ser aplicado ao exercício do direito de greve no âmbito da Administração tão somente o disposto na Lei 77831989 A esta Corte impõese traçar os parâmetros atinentes a esse exercício 211 Tomese em conta ainda o caso da aposentadoria especial prevista no art 40 4º 212 da CF 213 Nesta situação o STF diante de mandado de injunção tem suprido a omissão constitucional no caso concreto adotando como parâmetro o sistema do regime geral de previdência social que dispõe sobre a aposentadoria especial na iniciativa privada art 57 da Lei 82131991 Neste sentido confere ao autor do mandado de injunção diante da falta da norma regulamentadora prevista no art 40 4º o direito à contagem diferenciada do tempo de serviço Assim no MI 721 de relatoria do Min Marco Aurélio decidiuse que inexistente a disciplina específica da aposentadoria especial do servidor impõese a adoção via pronunciamento judicial daquela própria aos trabalhadores em geral art 57 1º da Lei 82131991 para que o Tribunal viabilize o exercício do direito afastando as consequências da inércia do legislador 214 Notese assim que a jurisprudência do STF diante do mandado de injunção não tem resposta na mera declaração da mora em legislar com ciência ao Legislativo entendendo que a omissão pode ser suprida i mediante a adoção do próprio texto da norma constitucional como se fosse autoaplicável em caso de não observância do prazo judicial determinado para legislar ii por meio de outra lei que regule situação similar e até mesmo iii por soluções normativojudiciais criadas no caso concreto 215 Deixese claro porém que as soluções judiciais para a omissão constitucional também dependem do instrumento processual que está sendo utilizado mandado de injunção ou ação direta de inconstitucionalidade por omissão Em caso de ação direta de inconstitucionalidade não se pede a tutela de direito subjetivo que depende de norma infraconstitucional faltante mas em princípio apenas a apreciação em abstrato da questão constitucional para que se declare a omissão inconstitucional É exemplo desta situação o caso da lei complementar federal para criação de Municípios a que se refere o 4º do art 18 da CF na redação dada pela EC 151996 A criação a incorporação a fusão e o desmembramento de Municípios farseão por lei estadual dentro do período determinado por lei complementar federal e dependerão de consulta prévia mediante plebiscito às populações dos Municípios envolvidos após divulgação dos Estudos de Viabilidade Municipal apresentados e publicados na forma da lei216 O STF relator o Min Gilmar Mendes apreciou ação direta de inconstitucionalidade por omissão proposta pela Assembleia Legislativa do Estado de Mato Grosso e reconheceu a mora do Congresso Nacional em elaborar a lei complementar federal a que se refere a sobredita norma constitucional Decidiuse na ação direta que a inertia deliberandi das Casas Legislativas pode ser objeto da ação direta de inconstitucionalidade por omissão e que a omissão legislativa em relação à regulamentação do art 18 4º da CF acabou dando ensejo à conformação e à consolidação de estados de inconstitucionalidade que não podem ser ignorados pelo legislador na elaboração da lei complementar federal Assim julgouse procedente a ação para declarar o estado de mora em que se encontra o Congresso Nacional a fim de que em prazo razoável de dezoito meses adote ele todas as providências legislativas necessárias ao cumprimento do dever constitucional imposto pelo art 18 4º da CF devendo ser contempladas as situações imperfeitas decorrentes do estado de inconstitucionalidade gerado pela omissão Não se trata de impor um prazo para a atuação legislativa do Congresso Nacional mas apenas da fixação de um parâmetro temporal razoável tendo em vista o prazo de 24 meses determinado pelo Tribunal nas ADIn 2240 3316 3489 e 3689 para que as leis estaduais que criam Municípios ou alteram seus limites territoriais continuem vigendo até que a lei complementar federal seja promulgada contemplando as realidades desses Municípios 217 Assim em caso de ação direta de inconstitucionalidade por omissão a decisão em princípio limitase a declarar a omissão inconstitucional cientificandose o órgão competente para em prazo razoável editar a norma nos termos do 2º do art 103 da CF que assim reza Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional será dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias e em se tratando de órgão administrativo para fazêlo em trinta dias 85232 Omissão total e omissão parcial A omissão inconstitucional é parcial quando o legislador cumpre de modo insuficiente ou insatisfatório o seu dever de legislar em face da norma constitucional Na omissão parcial embora exista atuação legislativa nela falta algo para se dar plena satisfação ao comando constitucional 218 É possível pensar a omissão constitucional em perspectiva vertical de intensidade ou suficiência de realização da norma constitucional e em perspectiva horizontal de abrangência dos seus beneficiários Em tese a lei pode realizar em maior ou menor intensidade ou suficiência o desejo da norma constitucional É claro que desta intensidade dependerá a absolvição do legislador Se a lei não é capaz de realizar de modo adequado e assim na intensidade devida a norma constitucional ela responde à Constituição de modo parcial existindo portanto omissão inconstitucional parcial De outra parte a atuação legislativa ainda que capaz de responder ao comando constitucional em termos de intensidade pode atender apenas a parte ou parcela dos beneficiários da norma constitucional sendo correto também falar aí de omissão parcial Exemplos destas situações A lei que prevê salário mínimo em valor insuficiente à realização da norma que garante ao cidadão remuneração digna art 7º IV da CF representa omissão inconstitucional em sentido vertical uma vez que a sua previsão não é suficiente para realizar a norma constitucional ou melhor é apenas parcialmente suficiente para tanto219 Enquanto isso o caso em que a lei atenta à norma constitucional deixa de considerar grupo ou categoria que também dela é beneficiário como acontece quando a lei concede revisão de remuneração aos militares sem contemplar os civis configura hipótese de omissão inconstitucional em sentido horizontal Na ADIn 1442 relator o Min Celso de Mello o STF enfrentou o caso da insuficiência do salário mínimo chegando à conclusão de aí existir descumprimento ainda que parcial da Constituição Destacou a ementa do acórdão proferido nesta ação direta que a insuficiência do valor correspondente ao salário mínimo definido em importância que se revele incapaz de atender às necessidades vitais básicas do trabalhador e dos membros de sua família configura um claro descumprimento ainda que parcial da Constituição da Repúbli ca pois o legislador em tal hipótese longe de atuar como sujeito concretizante do postulado constitucional que garante à classe trabalhadora um piso geral de remuneração digna CF art 7º IV estará realizando de modo imperfeito porque incompleto o programa social assumido pelo Estado na ordem jurídica 220 Entendeu a Suprema Corte que a insuficiência do valor do salário mínimo diante da norma constitucional que assegura ao trabalhador remuneração capaz de atender às suas necessidades vitais básicas e de sua família 221 revela inconstitucionalidade por omissão exigindo a reprovação do Judi ciário Ressaltou o STF que a omissão do Estado que deixa de cumprir em maior ou em menor extensão a imposição ditada pelo texto constitucional qualificase como comportamento revestido da maior gravidade políticojurídica eis que mediante inércia o Poder Público também desrespeita a Constituição também compromete a eficácia da declaração constitucional de direitos e também impede por ausência de medidas concretizadoras a própria aplicabilidade dos postulados e princípios da Lei Fundamental As situações configuradoras de omissão inconstitucional ainda que se cuide de omissão parcial refletem comportamento estatal que deve ser repelido pois a inércia do Estado além de gerar a erosão da própria consciência constitucional qualificase perigosamente como um dos processos informais de mudança ilegítima da Constituição expondose por isso mesmo à censura do Poder Judiciário 222 O STF também já teve oportunidade de tratar de caso envolvendo atuação legislativa que diante de norma constitucional deixa de lado grupo ou categoria de pessoas precisamente do caso em que o Legislativo confere mediante revisão reajuste salarial aos servidores públicos militares sem outorgar o mesmo reajuste aos servidores públicos civis Na ADIn 526 de relatoria do Min Sepúlveda Pertence julgouse exatamente esta questão Reconheceuse que no quadro constitucional brasileiro constitui ofensa à isono mia a lei que à vista da erosão inflacionária do poder de compra da moeda não dá alcance universal à revisão de vencimentos destinada exclusivamente a minorála CF art 37 X ou que para cargos de atribuições iguais ou assemelhadas fixa vencimentos díspares CF art 39 1º 223 Porém não obstante a omissão inconstitucional parcial entendeuse não ser possível estender aos excluídos pela lei o benefício por ela outorgado conside randose os limites do 2º do art 103 da CF No RMS 21662 a 1ª T do STF relator o Min Celso de Mello declarou que o Poder Judiciário que não dispõe de função legislativa não pode conceder a servidores civis sob fundamento de isonomia extensão de vantagens pecuniárias que foram exclusivamente outorgadas por lei aos servidores militares 224 Em justificativa argumentou que a extensão jurisdicional em favor dos servidores preteridos do benefício pecuniário que lhes foi indevidamente negado pelo legislador encontra obstáculo no princípio da separação de poderes A disciplina jurídica da remuneração devida aos agentes públicos em geral está sujeita ao princípio da reserva legal absoluta Esse postulado constitucional submete ao domínio normativo da lei formal a veiculação das regras pertinentes ao instituto do estipêndio funcional O princípio da divisão funcional do poder impede que estando em plena vigência o ato legislativo venham os Tribunais a ampliarlhe o conteúdo normativo e a estender a sua eficácia jurídica a situações subjetivas nele não previstas ainda que a pretexto de tornar efetiva a cláusula isonômica inscrita na Constituição 225 Porém é interessante observar que no RMS 22307 relator o Min Marco Aurélio o Plenário do STF por seis votos a quatro deu provimento ao recurso para conceder em parte a segurança para o efeito de estender aos servidores públicos civis o benefício que fora outorgado por revisão aos militares 226 Neste recurso em mandado de segurança ao contrário do que sucedeu no RMS 21662 relatado pelo Min Celso de Mello também referido acima a Corte não se limitou a reconhecer a omissão inconstitucional parcial mas foi além estendendo ao grupo não atendido pela lei civis os benefícios outorgados ao outro militares É importante perceber que as questões da insuficiência da proteção normativa à norma constitucional e da indevida limitação do benefício por ela prometido poderiam levar à conclusão de que a lei nestas situações é simplesmente inconstitucional devendo assim ser declarada pelo Judiciário O problema é que declarandose a inconstitucionalidade da lei que é insuficiente à tutela da norma constitucional deixase de ter o pouco de proteção que a lei outorgou à Constituição ou passase a ter a tutela que a lei anterior revogada pela insuficiente conferia à situação constitucional O mesmo raciocínio pode ser empregado quando a lei dando a devida atenção a determinado grupo esquece outro que mereceria igual benefício de acordo com a norma constitucional tutelada Seria possível pensar que esta norma deve ser declarada inconstitucional Isso contudo apenas excluiria a proteção devida e conferida ao grupo acabando por constituir uma curiosa declaração de inconstitucionalidade a retirar de uma categoria um benefício prometido pela própria Constituição A declaração de inconstitucionalidade nessas hipóteses não constitui solução judicial adequada Há que preservar a tutela da norma constitucional ainda que insuficiente ou indevidamente limitada a determinado grupo ou categoria Daí a importância de o Judiciário responder com a inconstitucionalidade por omissão A afirmação jurisdicional de inconstitucionalidade parcial por omissão faz pensar na questão da separação dos poderes ou dos limites do Judiciário em face dos demais poderes Bem por isso mesmo nos casos em que a falta de lei impede a tutela de um direito o STF sempre teve muita cautela quanto aos limites das suas decisões conforme se demonstrou acima 85233 Norma constitucional impositiva de dever de legislar e direito fundamental carente de tutela normativa Como visto se há leis que violam normas constitucionais a falta de lei também pode agredir a Constituição Por isso não há razão para entender possível o controle da constitucionalidade da lei e julgar inviável o controle da constitucionalidade da falta de lei Se o Judiciário deve controlar a atividade legislativa analisando a sua adequação à Constituição é evidente que a sua tarefa não deve se ater apenas à lei que viola norma constitu cional mas também à ausência de lei que impede a sua realização Não há dúvida que as normas constitucionais que impõem dever de legislar como as que foram anteriormente referidas conferem ao STF o poder de controlar a omissão inconstitucional Entretanto há normas constitucionais que dependem da atuação do legislador porém não o obrigam expressamente a legislar São inúmeras as normas instituidoras de direitos fundamentais que por sua natureza carecem de tutela normativa mas nada dizem sobre eventual necessidade de o legislador editar leis É possível nestes casos pensar em omissão inconstitucional Diante de um caso concreto o juiz pode suprir a omissão inconstitucional realizando controle incidental de constitucionalidade Aqui se está diante de questões que não se confundem com as que anteriormente foram discutidas Indagase sobre a possibilidade de afirmar a inconstitucionalidade por omissão quando a norma constitucional não impôs expressamente dever de legislar Perguntase ainda sobre a viabilidade de todo e qualquer juiz realizar incidentalmente a um caso a análise da inconstitucionalidade por omissão e mais do que isso suprila mediante providência criada para a situação concreta As omissões que invalidam direitos fundamentais evidentemente não podem ser vistas como simples opções do legislador pois ou a Constituição tem força normativa ou força para impedir que o legislador desrespeite os direitos fundamentais e assim confere ao juiz o poder de controlar a lei e as omissões do legislador ou a Constituição constituirá apenas proclamação retórica e demagógica Lembrese que os direitos fundamentais atualmente são classificados em dois grupos direitos de defesa e direitos a prestações 227 Se os direitos fundamentais foram vistos à época do constitucionalismo de matriz liberalburguesa apenas como direito de defesa ou seja como o direito de o particular impedir a ingerência do Poder Público em sua esfera jurídica a evolução do Estado e da sociedade fez surgir ao lado dos direitos de defesa direitos a prestações compreendidos como direitos a prestações sociais direitos a prestações de proteção e direitos a prestações que viabilizem a participação no poder 228 Como explica Alexy todo direito a um ato positivo ou seja a uma ação do Estado é direito a uma prestação de modo que o direito a prestações é a exata contrapartida do direito de defesa sobre o qual recai todo direito a uma omissão por parte do Estado Alexy demonstra que o direito às prestações estatais é mais do que direito a prestações fáticas de natureza social englobando direitos a prestações de proteção como por exemplo a normas de direito penal e direitos a prestações que viabilizem a participação na organização e mediante procedimentos adequados 229 As prestações de proteção devidas pelo Estado em face de um direito fundamental podem ter natureza fática ou normativa Assim por exemplo diante dos direitos fundamentais ao meio ambiente e do consumidor exigese atuação concreta de fiscalização e normas de direito material e de direito processual para a sua efetiva proteção O legislador em face do direito ambiental tem o dever não só de editar normas fixando locais em que não se pode construir ou em que o lixo tóxico deve ser depositado como ainda de enunciar normas de natureza processual estabelecendo técnicas processuais aptas a conferir a devida tutela jurisdicional ao direito em caso de ameaça de violação tutela inibitória ou de violação da norma de direito material de proteção tutela de remo ção do ilícito O mesmo ocorre ainda por exemplo em relação ao direito fundamental do consumidor O legislador ao editar o Código de Defesa do Consumidor fez surgir normas de direito material de proteção do consumidor assim como normas processuais voltadas a lhe garantir a tutela específica dos seus direitos Portanto um direito fundamental pode depender de norma de direito material e processual Nessa hipótese configurandose a ausência de norma há verdadeira omissão de proteção devida pelo legislador Pois bem se todo e qualquer juiz tem poder para controlar a constitucionalidade e a falta de lei pode ser detectada em face de um caso concreto há de se admitir que diante dele o juiz possa suprir a omissão inconstitucional Como as normas constitucionais têm força vinculante não há razão para o juiz se curvar à ausência de lei permitindo que os direitos fundamentais se tornem letra morta É importante o alerta de Juan María Bilbao Ubillos no sentido de que um direito cujo reconhecimento ou existência depende do legislador não é um direito fundamental É um direito de força legal simplesmente O direito fundamental definese justamente pela indisponibilidade de seu conteúdo pelo legislador Na verdade se não há dúvida que todo e qualquer juiz pode desconsiderar a solução legal que está em desacordo com os direitos fundamentais não há qualquer razão para entender que o juiz não pode diante de caso concreto suprir a omissão legal que atenta contra estes mesmos direitos O problema que se apresenta nesta situação diz respeito à maneira como o juiz suprirá a providência decorrente da falta de lei As normas de direitos fundamentais não definem a forma o modo e a intensidade com que um particular deve ser protegido em relação ao outro Como base de tais deveres de proteção os direitos fundamentais regulam sem dúvida o se e com isso também o requisito de salvaguarda eficaz Eles entretanto nada dizem sobre o como A respeito disso ou quais providências devem ser tomadas para atender ao dever de proteção a Constituição não contém regulações ou só possui dis posições fragmentárias A decisão sobre como um dever de proteção deve ser cumprido é por isso assunto dos órgãos competentes em primeiro lugar do legislador O legislador detém espaço de discricionariedade para atuar em nome da tutela do direito fundamental não podendo apenas conferirlhe tutela excessiva ou insuficiente O juiz porém embora possa suprir a falta de tutela normativa goza de espaço bem mais restrito pois apenas pode determinar para a proteção reconhecida como devida ao direito fundamental a providência que se afigure indispensável a sua satisfação devendo esta ser a que cause a menor restrição possível à esfera jurídica da parte afetada Portanto o juiz para suprir a omissão inconstitucional em primeiro lugar deve analisar se há dever de tutela normativa a direito fundamental depois verificar se este dever não foi cumprido de outra maneira que não a pretendida pelo demandante por fim definido que há dever de tutela normativa e que o legislador não se desincumbiu legitimamente de nenhuma forma da sua obrigação deverá o juiz fixar para o caso concreto a providência que protegendo o direito fundamental constitua a de menor restrição à esfera jurídica do demandado Por outro lado a supressão da omissão da regra processual é ainda mais fácil de ser assimilada Considerandose a natureza instrumental da regra processual percebese sem dificuldade quando a sua ausência ou insuficiência impede a efetiva tutela do direito material Notese que a ausência de regra processual prevendo técnica processual idônea à tutela de uma situação de direito substancial viola o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva previsto no art 5º XXXV da CF Como o discurso processual relativo à aplicação da regra de processo recai sobre o discurso que evidencia as necessidades de direito material particularizadas no caso concreto basta concluir se o legislador processual deixou de editar regra imprescindível à tutela do direito material Em caso positivo há omissão inconstitucional ou falta de tutela normativa ao direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva 230 Percebase que se já está predeterminado qual é o direito a ser tutelado condição que é pressuposta pelo direito à efetividade da tutela jurisdicional e a discussão gira em torno apenas de qual o meio adequado para conferir efetividade a esse direito não há controvérsia ou dúvida sobre quem tem direito a quê não há problema interpretativo a ser solucionado ou situação jurídica a ser esclarecida Não há necessidade de se justificar a intervenção coercitiva do Estado na esfera jurídica do particular Isso já está feito A questão que persiste diz respeito unicamente ao modo dessa intervenção ao meio pelo qual o Estado deve agir para preservar o direito reclamado Nesse contexto a dúvida apenas se coloca quando existe mais de um meio apto a satisfazer o direito tutelado Não há aqui debate sobre meios mais e menos eficazes simplesmente porque um meio ou é plenamente eficaz e satisfaz o direito protegido ou não é plenamente eficaz e então não satisfaz o direito protegido Sendo necessário escolher entre diferentes meios aptos tendose em conta que nenhuma ação estatal pode ser arbitrária ainda mais quando acarreta um prejuízo ônus ou encargo a um particular é preciso haver critérios para tanto O critério aqui só pode ser o da menor lesividade Se existem duas formas possíveis pelas quais o Estado pode onerar um particular alcançando mediante todas elas o mesmo benefício obviamente a única forma não arbitrária de oneração entre estas é aquela que impõe o menor dano à esfera jurídica do particular 231 Como o direito fundamental à tutela efetiva incide sobre o próprio juiz seria completamente irracional dele retirar a possibilidade de dar utilidade à tarefa que lhe foi atribuída pela Constituição Bem por isso no caso de inexistência de técnica processual apta a permitir a satisfação do direito material cabe ao juiz adotar a providência que diante do caso concreto for idônea para tanto sempre limitado pela ideia de que a sua atuação corretiva deve ocorrer nos limites da regra da necessidade não podendo ser outra que não aquela que idônea à tutela do direito material traz a menor restrição à esfera jurídica da parte contrária 86 Inconstitucionalidade originária e inconstitucionalidade superveniente 861 Inconstitucionalidade superveniente ou revogação Consequências práticas É correto dizer que a lei é inconstitucional quando confronta com a Constituição vigente Porém se posteriormente à edição da lei surge novo texto constitucional é possível indagar se a lei foi revogada ou se a lei permanece constitucional cogitandose neste último caso de inconstitucionalidade superveniente Sustentar a existência de inconstitucionalidade superveniente pressupõe aceitar que a lei pode ter a sua validade aferida em face de Constituição posterior com base no princípio da supremacia da Constituição Por outro lado falar em revogação implica admitir que a superveniência de norma constitucional derroga a lei com ela incompatível circunscrevendose a questão ao âmbito do direito intertemporal Esta discussão tem consequências práticas relevantes Se o caso é de mera revogação restam de lado as formalidades peculiares ao juízo de inconstitucionalidade Qualquer Câmara ou Turma no âmbito de Tribunal pode declarar a revogação da norma Mas se a hipótese for de inconstitucionalidade a Câmara ou Turma terá de submeter a questão ao Plenário ou Órgão Especial do Tribunal para que este possa pronunciar a inconstitucionalidade E isto quando se chegar a um resultado de maioria absoluta de votos já que para a declaração de inconstitucionalidade exigese a maioria absoluta de votos dos membros do Plenário ou Órgão Especial Ademais aceitandose a hipótese como de simples revogação resta inviabilizada a ação direta de inconstitucionalidade A Constituição de 1988 nada disse a respeito do seu efeito sobre o direito pretérito O STF contudo já tratou inúmeras vezes da questão durante a vigência da atual Constituição Na ADIn 2 o STF por maioria de votos endossou a orientação que se formara sob o regime constitucional anterior declarando que a Constituição revoga o direito anterior que com ela é incompatível Nesta ocasião o Supremo Tribunal não admitiu a ação de inconstitucionalidade sob o fundamento de impossibilidade jurídica do pedido 232 A ementa do acórdão proferido nesta ação direta afirma que o vício da inconstitucionalidade é congênito à lei e há de ser apurado em face da Constituição vigente ao tempo de sua elaboração Lei anterior não pode ser inconstitucional em relação à Cons tituição superveniente nem o legislador poderia infringir Constituição futura A Constituição sobrevinda não torna inconstitucionais leis anteriores com ela conflitantes revogaas 233 O relator Min Paulo Brossard argumentou que norma anterior à Constituição pode não ser recepcionada mas não pode ser dita inconstitucional inconstitucional pode ser apenas a norma posterior à Constituição O legislador não pode se submeter a uma Constituição futura só por adivinhação poderia obedecêla O problema da norma anterior à Constituição seria de direito intertemporal não de direito constitucional De acordo com o seu voto não há como admitir ação direta de inconstitucionalidade para tratar de normas que podem estar revogadas mas não são inconstitucionais O pedido é juridicamente impossível A ação direta é para declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo não para declarar revogada tal ou qual lei por força de Constituição superveniente 234 O Min Sepúlveda Pertence divergindo da maioria não apenas ponderou que no caso nada impediria que se pensasse em inconstitucionalidade superveniente como advertiu para o mal que adviria do rigor na admissão da tese da revogabilidade qual seja a impossibilidade do uso da ação direta Reduzir o problema às dimensões da simples revogação da norma infraconstitucional pela norma constitucional posterior se é alvitre que tem por si a sedução da aparente simplicidade redunda em fecharlhe a via da ação direta E deixar em consequência que o deslinde das controvérsias suscitadas flutue durante anos ao sabor dos dissídios entre juízes e tribunais de todo o País até chegar se chegar à decisão da Alta Corte ao fim de longa caminhada pelas vias frequentemente tortuosas do sistema de recursos Perderão com tudo isso inevitavelmente não só a rapidez mas a uniformização dos resultados da tarefa jurisdicional de conformação do direito velho às novas diretrizes da Lei Fundamental com patente perda da efetividade desta e da segurança jurídica dos jurisdicionados Ao contrário se se entende que o conflito cogitado se traduz em inconstitucionalidade superveniente chamese embora de revogação à sua consequência jurídica abreselhe a via do controle abstrato hoje generosamente ampliada pela desconcentração da legitimidade ativa 235 É certo que o parâmetro para a aferição da inconstitucionalidade há de ser o texto constitucional existente à época da elaboração da norma contrastada O fato é que para se aferir a revogação do direito pretérito em face do novo texto constitucional é necessário um juízo semelhante àquele que se faz quando se está diante de lei editada posteriormente à Constituição Lembrese aliás que o Min Pertence no voto antes referido anotou que ainda que se tenha o caso como de revogação e não de inconstitucionalidade isto não exclui que se possa aí ter controle de constitucionalidade Na ADIn 3833 o STF embora afirmando que a alteração da Carta inviabiliza o contro le concentrado de constitucionalidade de norma editada quando em vigor a redação primitiva e assim não conhecendo por maioria da ação direta averbou o exaurimento da norma que fora questionada mediante a ação 236 O Min Gilmar Mendes em seu voto advertiu que a Corte deveria averbar ainda que em ação direta a caducidade ou a perda da força normativa da regra questionada tendo desta forma o Tribunal se pronunciado sobre a revogação do direito anterior em sede de controle abstrato de normas 237 De qualquer forma a Lei 98821999 que regulamenta o processo e o julgamento da arguição de descumprimento de preceito fundamental em seu art 1º parágrafo único I afirma caber arguição de descumprimento de preceito fundamental quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal estadual ou municipal incluídos os anteriores à Constituição Diante dessa norma a discussão perde muito de sua importância prática pois passa a ser possível levar diretamente ao STF a análise de norma em face de texto constitucional que lhe é posterior 238 862 Alteração dos fatos e modificação da concepção geral acerca do direito Perguntase porém se a alteração dos fatos pode tornar inconstitucional norma que em princípio apresentavase como constitucional A mutação da realidade ao se projetar sobre o texto normativo pode lhe dar outra fisionomia impondo nova interpretação e por consequência a desarmonia de determinadas normas infraconstitucionais diante da Constituição 239 Há neste sentido uma inconstitucionalização da lei derivada de um processo de mutação da realidade 240 Situação similar diz com a alteração da concepção geral do direito a conduzir a uma mutação da jurisprudência constitucional A alteração da compreensão do direito caracteriza uma nova concepção jurídica acerca de uma mesma situação fática De qualquer forma assim como a alteração dos fatos a modificação da concepção geral acerca do direito permite a revogação de precedente constitucional e assim também de precedente que considerava certa lei constitucional não importando se este gerou coisa julgada erga omnes Nas ações concretas a função da coisa julgada é dar segurança à parte permitindolhe usufruir da tutela jurisdicional que lhe foi outorgada sem medo que ela possa ser contestada ou usurpada Nas ações abstratas ao se decidir pela constitucionalidade nenhum direito ou vantagem é deferido diretamente a alguma parte O benefício da coisa julgada em tais ações teria relação com a estabilidade da ordem jurídica e com a previsibilidade Porém como os fatores que autorizam a revogação de um precedente militam em favor da própria oxigenação e do desenvolvimento da ordem jurídica a única restrição para a rediscussão de norma já declarada inconstitucional estaria no prejuízo que ela poderia trazer à previsibilidade Contudo a previsibilidade não só não é valor que pode se sobrepor à necessidade de desenvolvimento da jurisprudência da Corte como também naturalmente perde consistência diante de fatores que apontam para a provável e necessária revogação do precedente A estabilidade da ordem jurídica e a previsibilidade não podem constituir obstáculos à mutação da compreensão judicial da ordem jurídica Lembrese do que disse o Juiz Wheeler em Dwy v Connecticut Co A Corte que melhor serve ao direito é aquela que reconhece que as normas jurídicas criadas numa geração distante podem após longo tempo mostrarse insuficientes a outra geração é aquela que descarta a antiga decisão ao verificar que outra representa o que estaria de acordo com o juízo estabelecido e assente da sociedade e não concede qualquer privilégio à antiga norma por conta da confiança nela depositada Foi assim que os grandes autores que escreveram sobre o common law descobriram a fonte e o método do seu desenvolvimento e em seu desenvolvimento encontraram a saúde e a vitalidade de tal direito Ele não é nem deve ser estacionário A mudança desse atributo não deve ficar a cargo do Legislativo 241 Ademais o benefício trazido pela previsibilidade ao refletir sobre posição jurídica que se consolidou com base no precedente que se quer revogar deve ser garantido mediante a adoção de modulação adequada dos efeitos da decisão de inconstitucionalidade Existindo situações que se consolidaram sob a égide da decisão de constitucionalidade os efeitos da decisão de inconstitucionalidade não podem apanhálas devendo ser modulados em atenção à particularidade de a decisão estar declarando inconstitucional norma antes declarada constitucional Quando se compreende que as decisões do STF devem ser obrigatoriamente respeitadas pelos demais órgãos do Poder Judiciário a função da coisa julgada diante das decisões tomadas em controle abstrato perde utilidade Na verdade falar em coisa julgada neste caso é instituir falso problema para a incontestável necessidade de revogação de precedentes que uma vez perpetuados impediriam o adequado desenvolvimento da ordem constitucional 242 Ainda que a alteração da concepção geral do direito possa justificar a modificação da jurisprudência constitucional isso não permite ver a última como espécie de inconstitucionalidade superveniente Vale dizer que a nova concepção judicial acerca de uma questão constitucional mesmo que no sentido da inconstitucionalidade da norma infraconstitucional não constitui inconstitucionalidade superveniente Não é correto equiparar decisão de inconstitucionalidade revogadora de precedente com inconstitucionalidade superveniente O fenômeno da mutação jurisprudencial e da revogação dos precedentes se situa em local distinto ao daquele que é reservado ao processo de inconstitucionalização de norma 87 Inconstitucionalidade total e inconstitucionalidade parcial Uma lei pode ter um ou mais artigos inconstitucionais sendo constitucional em seu restante Do mesmo modo parte de um artigo pode ser inconstitucional e a outra constitucional Isso quer dizer que uma lei pode ter artigos constitucionais e artigos inconstitucionais assim como um artigo pode ter parte constitucional e parte inconstitucional 243 Não se deve confundir inconstitucionalidade parcial com inconstitucionalidade derivada de omissão parcial São situações nada semelhantes A inconstitucionalidade de ri vada de omissão parcial constitui defeito decorrente de inação do legislador que diante do seu dever de legislar para dar concretude à norma constitucional comete ilicitude fazendo aparecer a inconstitucionalidade A inconstitucionalidade parcial por sua vez significa que porção de uma lei ou de um artigo contém inconstitucionalidade constituindo portanto defeito da lei e assim da própria ação do legislador O STF diante de ação direta de inconstitucionalidade de um ou alguns dispositivos de uma lei ou de parcela de um dispositivo ao reconhecer a inconstitucionalidade declara a inconstitucionalidade parcial Problemática entretanto é a situação em que a supressão do dispositivo inconstitucional ou de parcela do artigo torna a lei ou o artigo sem sentido ou sem o seu sentido originário Nestes casos entende o STF que nada pode ser feito ainda que parte da lei ou do artigo seja claramente inconstitucional sob o argumento de que ao proclamar a inconstitucionalidade parcial estaria a criar outra lei assumindo a posição de legislador Conhecido é o precedente firmado na ADIn 896 de relatoria do Min Moreira Alves 244 Neste caso o Supremo Tribunal não conheceu da ação direta sob o fundamento de que não poderia declarar a inconstitucionalidade parcial pois se assim o fizesse suprimindo a parcela inconstitucional do dispositivo alteraria o seu sentido e alcance Eis o que proclamou a Corte Não só a Corte está restrita a examinar os dispositivos ou expressões deles cuja inconstitucionalidade for arguida mas também não pode ela declarar inconstitucionalidade parcial que mude o sentido e o alcance da norma impugnada quando isso ocorre a declaração de inconstitucionalidade tem de alcançar todo o dispositivo porquanto se assim não fosse a Corte se transformaria em legislador positivo uma vez que com a supressão da expressão atacada estaria modificando o sentido e o alcance da norma impugnada E o controle de constitucionalidade dos atos normativos pelo Poder Judiciário só lhe permite agir como legislador negativo Em consequência se uma das alternativas necessárias ao julgamento da presente ação direta de inconstitucionalidade a da procedência dessa ação não pode ser acolhida por esta Corte por não poder ela atuar como legislador positivo o pedido de declaração de inconstitucionalidade como posto não atende a uma das condições da ação direta que é a da sua possibilidade jurídica Ação direta de inconstitucionalidade que não se conhece por impossibilidade jurídica do pedido 245 Decidiuse na ADIn 1063 que não se revela lícito pretender em sede de controle normativo abstrato que o STF a partir da supressão seletiva de fragmentos do discurso normativo inscrito no ato estatal impugnado proceda à virtual criação de outra regra legal substancialmente divorciada do conteúdo material que lhe deu o próprio legislador 246 Na ADIn 2645 firmouse decisão no mesmo sentido I Ação direta de inconstitucionalidade da parte final do art 170 da Lei Estadual 1284TO de 17122001 Lei Orgânica do Tribunal de Contas do Estado Inadmissibilidade dado que em tese a inconstitucionalidade parcial arguida imporia a declaração de invalidade da lei em extensão maior do que a pedida II Ação direta de inconstitucionalidade parcial Incindibilidade do contexto do diploma legal Impossibilidade jurídica 1 Da declaração de inconstitucionalidade adstrita à regra de aproveitamento automático decorreria com a subsistência da parte inicial do art 170 a inversão do sentido inequívoco do pertinente conjunto normativo da Lei 12842001 Há disponibilidade dos ocupantes dos cargos extintos que a lei quis beneficiar com o aproveitamento automático e com essa disponibilidade a drástica consequência não pretendida pela lei benéfica de reduzirlhes a remuneração na razão do tempo de serviço público imposta por força do novo teor ditado pela EC 191998 ao art 41 3º da Constituição da República 2 Essa inversão do sentido inequívoco da lei de modo a fazêla prejudicial àqueles que só pretendeu beneficiar subverte a função que o poder concentrado de controle abstrato de constitucionalidade de normas outorga ao Supremo Tribunal 247 Cumpre ressaltar que a referida EC 191998 teve o seu art 31 recentemente alterado pela EC 982017 no que tange à inclusão em quadro em extinção da Administração Pública federal de servidores públicos dos exTerritórios ou dos Estados do Amapá ou de Roraima 88 Inconstitucionalidade direta e inconstitucionalidade indireta Existe inconstitucionalidade indireta também dita reflexa quando o ato viola em primeiro lugar a norma a que está subordinada e apenas indireta ou reflexamente a Constituição É o que ocorre em outras palavras quando o ato antes de negar a Constituição desrespeita a lei De outra parte quando para se chegar à conclusão de afronta à Constituição não é preciso passar pelo questionamento da compatibilidade do ato impugnado com norma infraconstitucional há inconstitucionalidade direta também chamada de frontal Existe na última hipótese contradição imediata que prescinde de mediação entre a lei e a Constituição A resolução e o regulamento constituem exemplos de atos normativos secundários que não criam direitos os quais assim devem corresponder à lei Bem por isso caso não estejam de acordo com a lei a que devem respeito antes de abrirem ensejo ao controle de constitucionalidade instauram conflito de legalidade Como consequência prática inviabilizam a ação direta de inconstitucionalidade e mesmo o controle difuso de constitucionalidade Na ADIn 996 o STF apreciou o ponto estabelecendo que se a interpretação administrativa da lei que vier a consubstanciarse em decreto executivo divergir do sentido e do conteúdo da norma legal que o ato secundário pretendeu regulamentar quer porque tenha este se projetado ultra legem quer porque tenha permanecido citra legem quer ainda porque tenha investido contra legem a questão caracterizará sempre típica crise de legalidade e não de inconstitucionalidade a inviabilizar em consequência a utilização do mecanismo processual da fiscalização normativa abstrata O eventual extravasamento pelo ato regulamentar dos limites a que materialmente deve estar adstrito poderá configurar insubordinação executiva aos comandos da lei Mesmo que a partir desse vício jurídico se possa vislumbrar num desdobramento ulterior uma potencial violação da Carta Magna ainda assim estarseá em face de uma situação de inconstitucionalidade reflexa ou oblíqua cuja apreciação não se revela possível em sede jurisdicional concentrada 248 Na ADIn 2862 cogitouse acerca de atos normativos que facultaram aos Juizados Especiais Criminais do Estado de São Paulo conhecer de atos circunstanciados lavrados por policiais militares nos termos do art 69 da Lei 90991995 Lei dos Juizados Especiais Estaduais chegandose à conclusão de que sendo o caso de atos normativos secundários estaria inviabilizada a ação direta de inconstitucionalidade Eis a ementa firmada na ocasião Ação direta de inconstitucionalidade Atos normativos estaduais que atribuem à polícia militar a possibilidade de elaborar termos circunstanciados Provimento 7582001 consolidado pelo Provimento 8062003 do Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo e Resolução SSP 4032001 prorrogada pelas Resoluções SSP 5172002 1772003 1962003 2642003 e 2922003 da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo Atos normativos secundários Ação não conhecida 1 Os atos normativos impugnados são secundários e prestamse a interpretar a norma contida no art 69 da Lei 90991995 inconstitucionalidade indireta 2 Jurisprudência do STF pacífica quanto à impossibilidade de se conhecer de ação direta de inconstitucionalidade contra ato normativo secundário Precedentes 3 Ação direta de inconstitucionalidade não conhecida 249 A ideia de inconstitucionalidade indireta ou reflexa também é importante quando se está diante do recurso extraordinário Esse recurso pressupõe afirmação de inconstitucionalidade direta ou frontal Inúmeras normas da lei processual regulam garantias constitucionais do processo especialmente o modo e a intensidade da participação das partes de forma que o juiz é costumeiramente chamado a decidir sobre elas Quando isso acontece está em jogo a interpretação de lei federal embora da adequada aplicação da norma possa depender por exemplo a efetividade do direito fundamental ao contraditório Entretanto se a decisão tratou da interpretação da lei processual não há como afirmar que ela violou diretamente a norma constitucional que garante tal direito É por isso que o STF entende que as alegações de afronta aos princípios do devido processo legal da ampla defesa e do contraditório dos limites da coisa julgada e da prestação jurisdicional se dependentes de reexame de normas infraconstitucionais podem configurar apenas ofensa indireta ou reflexa à Constituição da República 250 à lei que indispensável para a solução do litígio não for compatível com a Constituição 252 Surge com a aceitação deste raciocínio o controle incidental de constitucionalidade que originariamente também foi corretamente visto como controle difuso uma vez que o poder de realizar o controle de constitucionalidade de forma incidental isto é no curso de processo destinado a resolver um litígio conferiu este poder a todos os juízes e tribunais 810 A decisão no controle incidental No processo que é instaurado para permitir a solução de conflito de interesses a questão de constitucionalidade seja arguida pela parte terceiro Ministério Público ou ainda aferida de ofício pelo juiz é apreciada de forma incidental como prejudicial à solução do litígio entre as partes A decisão da questão de constitucionalidade assim não é a decisão da questão principal ou mais exatamente do objeto litigioso do processo mas a decisão da questão cujo exame constitui premissa indispensável para a análise da questão principal ou do mérito sobre o qual litigam as partes do processo 811 A natureza prejudicial da questão de constitucionalidade Para chegar a uma conclusão resolvendo a lide o juiz pode ter necessidade de aplicar determinada norma Porém o juiz também pode depender da constitucionalidade de uma norma para proferir decisão de natureza processual A prejudicialidade da norma é relativa à decisão seja ela de natureza material ou processual ou tenha caráter final ou incidente e não apenas ao julgamento final do mérito O juiz pode proferir decisão de natureza material ou processual para encerrar o processo e também decisão de natureza material ou processual para proferir decisão incidente Lembrese que ao apreciar requerimento de tutela antecipada em que deva analisar o mérito mediante cognição sumária o juiz decide no curso do processo sobre o mérito Quando a decisão depender de prévia definição de dúvida constitucional a solução da questão constitucional é prejudicial à decisão É neste sentido que se diz que a prejudicialidade da questão de constitucionalidade é essencial para que se tenha controle incidental de constitucionalidade 812 Legitimados a arguir a questão constitucional no controle incidental As partes assim como aqueles que podem intervir no processo na qualidade de parte ou terceiro podem arguir a inconstitucionalidade da lei Do mesmo modo o Ministério Público enquanto parte ou fiscal da lei pode assim proceder É interessante ressaltar que a arguição de inconstitucionalidade de lei outrora vista como genuína arma de defesa e dessa forma como fundamento que apenas podia ser suscitado pelo réu atualmente representa argumento utilizado com frequência pelo autor particularmente contra o Poder Público Contribuiu para tanto o mandado de segurança diante de sua excepcional idoneidade à tutela de direitos violados ou ameaçados de violação pelo Poder Público São corriqueiros mandados de segurança em que se pede ordem para que a autoridade pública se abstenha de exigir tributo sob o argumento de que a lei que o prevê é inconstitucional De outro lado a percepção de situações substanciais carentes de tutela predominantemente de conteúdo não patrimonial obrigou a doutrina de direito processual civil a elaborar dogmaticamente técnicas e procedimentos processuais adequados à realidade e aos novos direitos o que contribuiu sobremaneira para a efetividade do direito de ação Lembrese assim que antes da instituição da técnica antecipatória no Código de Processo Civil de 1973 demonstrouse a possibilidade e a necessidade de o juiz conceder tutela antecipatória sob o manto protetor da tutela cautelar 253 A técnica antecipatória como se sabe democratizou o processo civil pois passou a poder ser utilizada diante de qualquer caso conflitivo concreto afastando o tratamento diferenciado que muitas vezes sem razão plausível era conferido pelos procedimentos especiais dotados de liminar bem como a neutralização e a igualização das diferentes situações de direito substancial em decorrência da imposição do uso do procedimento comum destituído de técnica antecipatória Por sua vez a ação inibitória imprescindível para evitar a prática a repetição ou a continuação de ilícito foi idealizada no plano doutrinário a partir de norma processual de caráter aberto art 461 CPC1973 que instituiu técnicas processuais idôneas à tutela específica do direito material 254 Com isso passou a existir a possibilidade de se obter tutela jurisdicional adequada contra o Poder Público nos casos em que faltava requisito para a utilização do mandado de segurança como a observância do prazo decadencial e especialmente a disponibilidade de direito líquido e certo traduzível como é sabido em afirmação de fato que comporta elucidação mediante prova documental A necessidade de prova diferente da documental como por exemplo a pericial ao obstaculizar o mandado de segurança deixava o jurisdicionado destituído de instrumento processual idôneo à tutela de seus direitos Mas a ação inibitória na verdade tornouse mais importante em face dos sujeitos privados uma vez que o mandado de segurança jamais pôde ser utilizado contra quem não ostentasse Poder Público o que deixava o particular sem qualquer forma de tutela jurisdicional idônea em face dos privados Diante dos privados portanto a ação inibitória e as técnicas processuais aptas a propiciar tutela específica do direito material supriram lacuna muito maior 255 Frisese que a tutela inibitória e a tutela de remoção do ilícito foram claramente reguladas no CPC de 2015 nos termos do seu art 497 parágrafo único 256 que evidenciou a possibilidade de tutela jurisdicional contra o ilícito independentemente da demonstração de dano culpa ou dolo 257 De outro vértice o desenvolvimento dos temas dos direitos transindividuais e dos chamados direitos de massa igualmente propiciou a criação de técnicas processuais idôneas à tutela jurisdicional A Lei da Ação Civil Pública Lei 73471985 e o Código de Defesa do Consumidor formaram sistema apto à tutela processual adequada dos direitos difusos coletivos e individuais homogêneos Isso para não falar no mandado de segurança coletivo instituído pela Constituição Federal em seu art 5º LXX cuja redação outorga legitimidade a esta via processual a partido político com representação no Congresso Nacional e a organização sindical entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano em defesa dos interesses de seus membros ou associados Os instrumentos processuais de proteção dos direitos difusos coletivos e individuais homogêneos abriram oportunidade ao alcance de tutela jurisdicional idônea e tornaram frequente a arguição de inconstitucionalidade de lei pelos legitimados à tutela desses direitos Neste contexto é certo teve decisiva importância a transformação do significado dos direitos fundamentais que de direitos de defesa 258 assumiram a função de direitos à prestação A possibilidade de se exigirem prestações sociais e de proteção incentivou o uso de ações individuais e de ações civis públicas em face do Poder Público Exemplos disso são a ação individual em que se postula fornecimento de remédio e a ação civil pública em que se pede suprimento de falta de materiais ou de funcionários públicos para a devida proteção do direito fundamental ao meio ambiente sob a alegação de que a lei está a violar direitos fundamentais Os novos modelos processuais instituídos a partir das necessidades de tutela do direito material e do direito fundamental à tutela jurisdicional 259 e a descoberta da possibilidade de se exigirem prestações estatais potencializaram a oportunidade de se arguir a inconstitucionalidade de lei ou mesmo de falta de lei como fundamento de ação proposta contra o Poder Público ou contra o privado 813 O controle de constitucionalidade de ofício O exercício do poder jurisdicional impõe a análise da lei aplicável ao caso concreto Ora se a tarefa do juiz consiste precipuamente na aplicação da lei diante dos fatos que lhe são expostos tendo ele por consequência o poder e o dever de controlar a constitucionalidade da lei na forma incidental não há racionalidade em limitar a sua atuação à arguição de inconstitucionalidade de parte terceiro ou mesmo do Ministério Público Seria certamente equivocado pensar que a inconstitucionalidade da lei quando não invocada pelos litigantes não mais importaria ao Judiciário Raciocínio desse porte conduziria à absurda conclusão de que a constitucionalidade da lei é questão das partes e não do poder incumbido de aplicála 260 O juiz e os tribunais têm poder de declarar a inconstitucionalidade da lei ainda que as partes ou o Ministério Público calem sobre a questão Basta que a constitucionalidade da lei constitua premissa a ser resolvida para a solução do litígio O juiz de 1º grau pode declarar a inconstitucionalidade da lei em qualquer fase do processo Pela mesma razão os Tribunais Estaduais e Regionais Federais em relação à matéria que lhes é submetida mediante recurso podem suscitar o incidente de inconstitucionalidade de ofício ainda que nada tenha sido dito pelo recorrente Do mesmo modo ainda que o juízo do STJ no recurso especial seja limitado e subordinado às hipóteses previstas no art 105 III 261 da CF não há como proibir a sua atuação de ofício quanto à inconstitucionalidade da lei Como declarou o STF no AgRg no AgIn 145589 não se contesta que no sistema difuso de controle de constitucionalidade o STJ a exemplo de todos os demais órgãos jurisdicionais de qualquer instância tenha o poder de declarar incidentemente a inconstitucionalidade da lei mesmo de ofício o que não é dado àquela Corte em recurso especial é rever a decisão da mesma questão constitucional do tribunal inferior se o faz de duas uma ou usurpa a competência do STF se interposto paralelamente o extraordinário ou caso contrário ressuscita matéria preclusa 262 O STJ não pode tratar da questão constitucional decidida pelo Tribunal Estadual ou Regional Federal Porém ao conhecer do recurso especial para tratar da lei federal pode se deparar com questão de inconstitucionalidade ainda não ventilada pelas partes mas de cuja solução dependa o julgamento do especial Neste caso o STJ não estará conhecendo questão que tendo sido discutida no Tribunal Estadual ou Regional Federal ficou reservada ao STF O exercício da competência reservada ao STJ obviamente não exclui a possibilidade de a Corte se ver diante de inconstitucionalidade até então não arguida pelas partes prejudicial à solução do recurso especial Situação análoga ocorre no STF pois também se afirma que esta Suprema Corte não pode declarar a inconstitucionalidade de lei quando não previamente arguida e decidida Raciocinase mais uma vez a partir da necessidade do chamado prequestionamento para a admissibilidade do recurso O STF já disse que na instância extraordinária é de ser recebida com temperamentos a máxima de que no sistema de controle incidente o juiz de qualquer grau deve declarar de ofício a inconstitucionalidade de lei aplicável ao caso assim quando nem a decisão objeto do recurso extraordinário nem o recorrente hajam questionado a validade em face da Constituição da lei aplicada mas se hajam limitado a discutir a sua interpretação e consequente aplicabilidade ou não ao caso concreto a limitação do juízo do recurso extraordinário de um lado ao âmbito das questões constitucionais enfrentadas pelo acórdão recorrido e de outro à fundamentação do recurso impede a declaração de ofício de inconstitucionalidade da lei aplicada jamais arguida pelas partes nem cogitada pela decisão impugnada 263 Contudo é necessário perceber que o tema da impossibilidade de o STF conhecer de recurso extraordinário na ausência de prequestionamento é autônomo em relação ao da possibilidade de a Corte declarar a inconstitucionalidade de ofício Melhor explicando o STF ao conhecer o recurso extraordinário e apreciar a questão constitucional pode eventualmente se deparar com norma inconstitucional prejudicial ao julgamento do recurso De modo que o próprio prequestionamento ao abrir oportunidade para o Supremo Tribunal tratar da questão constitucional não exclui a possibilidade de a Corte reconhecer a inconstitucionalidade de lei ainda que esta jamais tenha sido arguida pelas partes ou discutida perante os tribunais que anteriormente trataram da causa Não é correto estabelecer a equação prequestionamento desnecessidade de atuação de ofício nem a de falta de prequestionamento de específica inconstitucionalidade impossibilidade de atuação de ofício Correta é a equação prequestionamento da questão constitucional possibilidade de declaração de ofício de específica inconstitucionalidade de lei prejudicial ao julgamento do recurso Não teria sentido excluir da Corte incumbida de tutelar a Constituição o poder conferido a todo e qualquer juiz Isso foi admitido pelo STF em recurso extraordinário que reconheceu ofensa em tese à garantia de paridade entre a remuneração dos aposentados e dos servidores em atividade à época prevista no art 40 4º da CF quando se observou que o direito à revisão afirmado pelos aposentados no caso concreto pressupunha a constitucionalidade da norma que instituíra a vantagem cuja extensão se buscava declarandose a norma de ofício inconstitucional Especificamente em relação ao tema da possibilidade de a Corte reconhecer de ofício inconstitucionalidade de norma antes não arguida e discutida assim declarou o Supremo Controle de constitucionalidade Possibilidade de declaração de ofício no julgamento do mérito de recurso extraordinário da inconstitucionalidade de ato normativo que o Tribunal teria de aplicar para decidir a causa posto não prequestionada a sua invalidez 1 A incidência do art 40 4º redação original da CF pressupõe a validade da lei instituidora da vantagem para os servidores em atividade que em razão da regra constitucional de paridade se teria de aplicar por extensão aos inativos 2 Em hipóteses que tais até ao STJ na instância do recurso especial seria dado declarar incidentemente e de ofício a inconstitucionalidade da lei ordinária que se válida teria de aplicar seria paradoxal que em situação similar não o pudesse fazer o Supremo Tribunal guarda da Constituição porque não prequestionada a sua invalidade 264 Lembrese contudo que embora a inconstitucionalidade possa ser reconhecida de ofício há de se dar oportunidade às partes para debater a questão de constitucionalidade exercendo o direito de influir sobre o convencimento da Corte corolário do direito fundamental ao contraditório Embora o direito de influir seja extraível da Constituição Federal está presente no Código de Processo Civil de 2015 em seu art 10 que afirma que o juiz não pode decidir em grau algum de jurisdição com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício 814 Da inexistência de preclusão É evidente que por tudo isso não há como pensar em preclusão em relação à inconstitucionalidade da lei A questão de inconstitucionalidade pode ser alegada pelas partes em qualquer momento do processo ou em qualquer tribunal inclusive por ocasião do recurso especial e do recurso extraordinário durante o processamento do especial quando a norma alegada inconstitucional é prejudicial ao enfretamento da questão que envolve a lei federal no extraordinário também pelo recorrente ou recorrido quando a norma que se reputa inconstitucional é prejudicial ao julgamento do recurso 815 Declaração incidental de inconstitucionalidade nos Tribunais Estaduais e Regionais Federais e no STJ 8151 A exigência de quorum qualificado nos Tribunais Encaminhamento e decisão da questão constitucional De acordo com o art 97 da CF somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público A norma consagra a cláusula da reserva do plenário que por sua vez espelha o princípio da presunção de constitucionalidade das leis Ou seja a lei para ser declarada inconstitucional no tribunal exige um quorum qualificado Os órgãos fracionários dos Tribunais como por exemplo Turmas não podem reconhecer a inconstitucionalidade da lei antes de esta ser declarada inconstitucional pela maioria absoluta do Tribunal ou de seu Órgão Especial 265 Porém se a inconstitucionalidade da norma é arguida por uma das partes sem que já tenha sido objeto de análise pelo Plenário ou pelo Órgão Especial o órgão fracionário não é obrigado a submeter a arguição ao Órgão Especial ou ao Plenário já que pode entendêla constitucional O órgão fracionário realiza juízo acerca da questão constitucional mas não tem poder para decidila porém apenas para encaminhála ao órgão dotado de tal poder O poder de encaminhar a questão requer juízo com ela compatível que assim não se confunde com o juízo apto a permitir a decisão de inconstitucionalidade de competência do Órgão Especial ou do Plenário Em outras palavras ao órgão fracionário é necessária percepção de estado de dúvida constitucional a legitimar a intervenção do órgão capaz de decidir a questão de constitucionalidade Este estado de dúvida deve ser objetivo fundado devendo ser adequadamente explicitado pelo órgão fracionário 8152 A Súmula Vinculante 10 A Súmula Vinculante 10 aprovada na sessão plenária do STF de 18062008 afirma que viola a cláusula de reserva de plenário CF art 97 a decisão de órgão fracionário de Tribunal que embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público afasta sua incidência no todo ou em parte A Súmula Vinculante 10 poderia ser vista como mera sobreposição à norma do art 97 da CF que submete a declaração de inconstitucionalidade à reserva de plenário Porém na prática dos tribunais eram frequentes antes da edição desta súmula decisões que deixavam de aplicar ato normativo reputandoo inconstitucional sem afirmálo expressamente A Súmula Vinculante 10 evita o escamoteamento da declaração de inconstitucionalidade ou melhor o afastamento ou a mera não aplicação de lei sem que essa seja dita expressamente inconstitucional Desejase inibir o órgão fracionário ainda que consciente da sua falta de competência para decidir a questão constitucional de imediatamente julgar o recurso sem sobrestálo e enviar a questão constitucional à decisão do Plenário ou Órgão Especial Assim impedese a violação da norma constitucional art 97 da CF que exige para a declaração de inconstitucionalidade o voto da maioria absoluta dos membros do tribunal ou de seu Órgão Especial 266 No AgRg no AgIn 472897 de relatoria do Min Celso de Mello a 2ª Turma do STF declarou que equivale à própria declaração de inconstitucionalidade a decisão de Tribunal que sem proclamála explícita e formalmente deixa de aplicar afastandolhe a incidência determinado ato estatal subjacente à controvérsia jurídica para resolvêla sob alegação de conflito com critérios resultantes do texto constitucional 267 Portanto a Súmula 10 antes de meramente reafirmar a reserva de plenário para a declaração de inconstitucionalidade adverte para a necessidade de o órgão fracionário estar atento à sua falta de poder para tratar da inconstitucionalidade da lei 268 8153 Interpretação conforme e declaração parcial de nulidade sem redução de texto Exclusividade do Pleno ou Órgão Especial De outro lado nos casos de interpretação conforme à Constituição 269 e de declaração parcial de nulidade sem redução de texto 270 a necessidade de observar a cláusula de reserva de plenário não é tão clara Existe semelhança entre as técnicas da interpretação conforme e da declaração parcial de nulidade sem redução de texto O STF chegou a equiparálas 271 De qualquer forma a Lei 98681999 art 28 parágrafo único fez referência a ambas sustentando a sua autonomia A interpretação conforme à Constituição não constitui método de interpretação mas técnica de controle de constitucionalidade Constitui técnica que impede a declaração de inconstitucionalidade da norma mediante a afirmação de que esta tem um sentido ou uma interpretação conforme à Constituição Por outro lado há casos em que uma norma pode ser utilizada em face de situações diversas uma em que se apresenta inconstitucional e outra constitucional Quando se impugna a aplicação da norma em determinada situação o Tribunal ainda que reconhecendo a inconstitucionalidade da aplicação nesta situação pode admitir a sua aplicação em outras situações Nestes casos há declaração parcial de nulidade sem redução de texto A nulidade bem vistas as coisas é da aplicação da norma na situação proposta Em caso de interpretação conforme reconhecese a inconstitucionalidade da interpretação suscitada mas se afirma que a norma pode ser interpretada de forma constitucional Na declaração de nulidade parcial sem redução de texto não se cogita da interpretação da norma reconhecese a inconstitucionalidade da norma na situação alegada admitindose a sua aplicabilidade em outras situações Assim o que diferencia tais técnicas é a circunstância de que a interpretação conforme exclui a interpretação proposta e impõe outra conforme à Constituição enquanto a declaração parcial de nulidade revela a ilegitimidade da aplicação da norma na situação proposta ressalvando a sua aplicabilidade em outras Ou melhor a distinção está em que em um caso discutese o âmbito de interpretação e no outro o âmbito de aplicação No primeiro exclui se a possibilidade de interpretação fixandose a interpretação conforme com a Constituição No segundo não se discute sequer acerca da interpretação da norma A questão diz respeito ao âmbito de sua aplicação Negase a aplicação da norma em determinado local ressalvandoa para outros Ao assim proceder o Tribunal atua de forma fundamentada e clara Não se equipara ao órgão fracionário que reconhece implicitamente a inconstitucionalidade da lei mas deixa de afirmála inconstitucional Bem por isso a competência para tanto é do Pleno ou do Órgão Especial 8154 Não cabimento do incidente de inconstitucionalidade O órgão fracionário só deve remeter a questão ao Pleno ou Órgão Especial quando houver necessidade de controle de constitucionalidade Assim se para a solução do recurso não é necessária a declaração de inconstitucionalidade nem a interpretação conforme ou a declaração parcial de nulidade sem redução de texto descabe o incidente de inconstitucionalidade Sublinhese que a interpretação conforme e a declaração parcial de nulidade sem redução de texto embora não declarem a inconstitucionalidade da lei constituem técnicas de controle de constitucionalidade 272 Portanto os mesmos motivos que excluem a possibilidade de o órgão fracionário declarar a inconstitucionalidade de lei o impedem de empregar tais técnicas de controle de constitucionalidade A interpretação conforme e a declaração parcial de nulidade estão reservadas ao Plenário ou ao Órgão Especial 273 8155 Questão constitucional já decidida pelo STF Quando o STF já decidiu a questão constitucional dispensase o seu envio ao Plenário ou Órgão Especial Melhor dizendo os órgãos fracionários e os Tribunais estão obrigados perante os precedentes constitucionais Estão proibidos de apreciar a questão já definida pelo STF não importando se este decidiu pela inconstitucionalidade ou pela constitucionalidade 274 A 2ª Turma do STF proclamou em junho de 1995 que versando a controvérsia sobre ato normativo já declarado inconstitucional pelo guardião maior da Carta Política da República o STF descabe o deslocamento previsto no art 97 do referido Diploma maior O julgamento de plano pelo órgão fracionado homenageia não só a racionalidade como também implica interpretação teleológica do art 97 em comento evitando a burocratização dos atos judiciais no que nefasta ao princípio da economia e da celeridade A razão de ser do preceito está na necessidade de evitarse que órgãos fracionados apreciem pela vez primeira a pecha de inconstitucionalidade arguida em relação a um certo ato normativo 275 De acordo com o parágrafo único do art 949 do CPC de 2015 os órgãos fracionários dos tribunais não submeterão ao plenário ou ao órgão especial a arguição de inconstitucionalidade quando já houver pronunciamento destes ou do plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a questão Essa regra reafirmando o que já estava contido no art 481 do CPC de 1973 nos moldes da Lei 97561998 deixa clara a eficácia obrigatória dos precedentes firmados em Plenário pelo STF Como é óbvio a regra não só dispensou o órgão fracionário de submeter a arguição de inconstitucionalidade ao Plenário ou ao Órgão Especial mas obrigouo a adotar o precedente constitucional As Turmas e Câmaras restaram obrigadas a aplicar os precedentes fixados pelo Supremo Tribunal em controle difuso tanto no sentido da inconstitucionalidade quanto no da constitucionalidade 8156 Questão constitucional já decidida pelo Plenário ou Órgão Especial Uma vez decidida a questão constitucional pelo Plenário ou Órgão Especial os órgãos fracionários ficam obrigados perante a decisão tomada pelo órgão qualificado O parágrafo único do art 949 do CPC de 2015 é expresso no sentido de que os órgãos fracionários não ficam obrigados apenas diante de precedente do STF mas também de decisão do Plenário ou Órgão Especial do Tribunal Não é apenas o órgão fracionário que submeteu a questão de constitucionalidade ao quorum qualificado que fica vinculado à decisão Todas as Câmaras ou Turmas ficam obrigadas perante a decisão tomada pelo Plenário ou pelo Órgão Especial Assim uma vez decidida a questão constitucional no Tribunal as Câmaras ou Turmas não mais podem submeter a arguição de inconstitucionalidade ao Plenário ou ao Órgão Especial Até porque estes estão proibidos de voltar a tratar da questão constitucional sem que presentes os requisitos hábeis a justificar a revogação de precedentes como a transformação dos valores sociais ou da concepção geral do direito ou ainda erro manifesto Aliás é improvável que a decisão do Tribunal sem ter chegado à análise do STF possa estar sujeita a tais condições 276 Advirtase que a alteração da composição do órgão julgador não é suficiente para a revogação do precedente 277 Da mesma forma os fundamentos que foram levantados quando do julgamento não podem simplesmente voltar a ser discutidos O rejulgamento é viável apenas quando se tem consciência de que a manutenção do precedente constitui a eternização de um erro ou de uma injustiça seja porque há equívoco grosseiro na decisão seja porque a evolução da sociedade e do direito está a mostrar que a decisão primitiva não mais pode prevalecer 278 Frisese que todos os juízos inclusive os de 1º grau subordinados ao Tribunal de Justiça ou Regional Federal ficam vinculados à decisão tomada pelo Plenário ou pelo Órgão Especial Ademais o julgamento monocrático pelo relator e o julgamento liminar de ação idêntica devem se pautar obviamente que na ausência de precedente de tribunal superior pelas decisões tomadas em incidente de inconstitucionalidade nos Tribunais de Justiça e Regionais Federais 8157 Declaração de inconstitucionalidade no STJ Numa análise cegamente apegada à função do STJ de tutelar a unidade do direito federal uniformizando a sua interpretação seria possível argumentar que este tribunal superior não pode controlar a constitucionalidade das leis Ocorre que se a razão de ser do STJ não é tutelar a força normativa da Constituição mas guardar a coerência da interpretação da legislação infraconstitucional isso não quer dizer evidentemente que o STJ não tenha poder para realizar o controle incidental de constitucionalidade como todo e qualquer juiz e tribunal do País O fato de o recurso especial se fundar na necessidade de definição da interpretação da lei federal não quer dizer que o STJ não possa como antecedente lógico à análise do direito federal aferir a constitucionalidade da lei em discussão O recurso especial fundandose no art 105 III da CF 279 obviamente não elimina a possibilidade e a necessidade de o STJ controlar a constitucionalidade da norma federal questionada O que não é possível ao STJ é conhecer de questão constitucional decidida pelo Tribunal de Justiça ou pelo Tribunal Regional Federal Quando o Tribunal de Justiça ou o Tribunal Regional Federal decide com base em fundamento constitucional e ao mesmo tempo com lastro em fundamento infraconstitucional que abre ensejo a recurso especial a admissibilidade do último não dá ao STJ poder para analisar a questão constitucional Num caso como este o acórdão do tribunal de origem desafia recurso especial e recurso extraordinário de modo que o interessado em discutir a questão constitucional deve desde logo interpor recurso extraordinário ao STF Ou melhor por estarem presentes dois fundamentos um de ordem infraconstitucional e outro de natureza constitucional a parte vencida deve interpor simultaneamente recurso especial e recurso extraordinário Se assim não fizer interpondo apenas recurso especial a discussão da questão constitucional restará preclusa e o recurso especial não poderá ser admitido pela circunstância de o acórdão recorrido se apoiar em fundamento bastante para sustentálo É que diante do fundamento constitucional não impugnado de nada adiantaria ter razão no recurso especial Aplicase a Súmula 126 do STJ verbis É inadmissível recurso especial quando o acórdão recorrido assenta em fundamentos constitucional e infraconstitucional qualquer deles suficiente por si só para mantêlo e a parte vencida não manifesta recurso extraordinário 280 Segundo o art 1031 do CPC de 2015 na hipótese de interposição conjunta de recurso extraordinário e recurso especial os autos serão remetidos ao STJ Porém de acordo com o 2º do art 1031 caso o relator do recurso especial considere o recurso extraordinário prejudicial deverá remeter mediante decisão irrecorrível os autos ao STF O STJ não pode tratar de questão constitucional decidida por Tribunal de Justiça ou por Tribunal Regional Federal já que isto é da incumbência do STF Porém ao depararse com questão constitucional até então não tratada mas prejudicial à solução do recurso especial deve analisála cabendo à Turma preliminarmente após acolher arguição de inconstitucionalidade remeter os autos à definição da Corte Especial já que igualmente no STJ como acontece em outros tribunais a decisão de inconstitucionalidade depende da maioria absoluta dos membros do Órgão Especial 281 Há interessante situação quando a parte alega no tribunal de origem fundamentos infraconstitucional e constitucional e o Tribunal de Justiça ou o Tribunal Regional Federal rejeita o fundamento constitucional e acata o fundamento infraconstitucional Nesta hipótese vencedora a parte restalhe inviável interpor recurso extraordinário Contudo o recurso especial interposto pela parte adversa pode ser provido entendendose por exemplo que a norma federal fora violada A perplexidade surge não apenas quando se percebe que a questão constitucional apesar de decidida pelo tribunal de origem não pôde ser impugnada mediante recurso mas especialmente quando se constata que a questão constitucional independentemente da vontade da parte pode ter a sua discussão obstaculizada perante o STF Seria possível argumentar que o vencedor na origem deveria na resposta ao recurso especial não apenas evidenciar que a norma federal não foi violada mas também deduzir a sua inconstitucionalidade e que o STJ seria obrigado ao julgar o recurso especial reconhecendo a violação da norma federal a apreciar a sua constitucionalidade ou ainda que a Turma ao reconhecer razão para a discussão da alegada questão constitucional preliminarmente deveria enviar o incidente de inconstitucionalidade para a Corte Especial definila Diante da outra solução de admitir recurso extraordinário em face do acórdão do STJ que reconheceu a violação da norma alguém poderia dizer que se estaria admitindo recurso extraordinário em face de acórdão que não decidiu a questão constitucional e que além disso seria usurpado o poder de o STJ realizar o controle incidental de constitucionalidade Bem vistas as coisas o ponto reside na circunstância de que a parte que não interpôs recurso extraordinário quando não tinha interesse de agir para tanto não pode ser impedida de discutir a questão de constitucionalidade quando isso se tornar necessário para obter resultado favorável diante do caso concreto Porém há de se ter em conta que uma vez decidida a questão constitucional na origem não cabe ao STJ julgála mas sim ao STF Bem por isso a ideia de que o vencedor na origem deve na resposta ao recurso especial deduzir a inconstitucionalidade da norma que o recorrente pretende ver aplicada não tem procedência Traz alguma dificuldade admitir recurso extraordinário diante de decisão do STJ que reconheceu a violação de norma federal mas nada disse sobre a sua constitucionalidade Porém se a parte não tem interesse de agir diante da decisão proferida na origem este resta suspenso mas obviamente não desaparece É necessário perceber que nestes casos o interesse de agir no recurso extraordinário fica em estado de paralisia durante o julgamento do recurso especial podendo aparecer com toda intensidade com a decisão do STJ O que realmente importa é que o prequestionamento da questão constitucional capaz de abrir oportunidade ao conhecimento do recurso extraordinário foi realizado no momento oportuno perante o tribunal de origem 8158 Procedimento do incidente de inconstitucionalidade nos Tribunais 81581 Procedimento prévio perante o órgão fracionário Se o recorrente ou o recorrido argumenta com a inconstitucionalidade da lei ou ato normativo de cuja legitimidade depende a solução a ser dada ao recurso cabe ao relator depois de ouvir o Ministério Público submeter a questão à turma ou à câmara de que faz parte e que é competente para julgar o recurso art 948 do CPC2015 Para o relator proceder dessa forma não é preciso que um dos recorrentes peça expressamente a instauração do incidente de inconstitucionalidade com a remessa ao Pleno ou Órgão Especial Se um dos recorrentes em sua argumentação sustenta uma conclusão que para ser atingida necessariamente depende de se ter a norma como inconstitucional o relator não apenas pode porém deve atuar de ofício dispensando requerimento no sentido de que a lei seja reconhecida inconstitucional pela maioria qualificada do órgão competente do tribunal Assim o relator de ofício convoca o Ministério Público para se manifestar submetendo a questão logo depois ao órgão fracionário de que participa Quando uma das partes pede expressamente a remessa da questão ao Pleno ou Órgão Especial o relator deve necessariamente considerar o tema em seu relatório submetendo o à análise dos seus pares Não pode deixar de propor a discussão da questão por ocasião do julgamento do recurso ainda que entenda não existir questão constitucional da qual depende a definição do recurso Quando os membros do órgão fracionário se reúnem para apreciar a questão o recurso já deve ter sido analisado pelo relator que em verdade apresentará a questão como preliminar ao eventual julgamento imediato do recurso Melhor explicando quando o relator identifica a questão constitucional tenha ou não uma das partes requerido o seu envio ao Pleno ou Órgão Especial ou mesmo na hipótese em que o relator não a identifica mas um dos litigantes expressamente requer a apreciação da questão pelo órgão competente do Tribunal o relator deve expor a questão e suscitar a sua discussão entre os membros do órgão fracionário como preliminar Os membros do órgão fracionário devem decidir se a norma é prejudicial à solução do recurso se é necessário o controle de constitucionalidade e se a norma em questão é inconstitucional Embora o órgão fracionário analise a questão de constitucionalidade ele assim o faz num juízo prévio necessário apenas para o encaminhamento da questão ao Plenário ou ao Órgão Especial Vencida a preliminar entendendose que não existe questão constitucional da qual depende o julgamento que a questão constitucional já foi resolvida pelo próprio Pleno ou pelo Órgão Especial ou ainda pelo STF ou simplesmente que a norma é constitucional a discussão deve avançar rumo à análise do recurso Em outro caso concluindo o órgão fracionário por unanimidade ou por maioria que existe questão constitucional a ser apreciada pelo Pleno ou Órgão Especial deverá ser lavrado acórdão relativo a esta decisão submetendose então a questão ao Plenário do Tribunal ou ao seu órgão Especial Com a decisão de envio da questão ao Pleno ou Órgão Especial suspendese o julgamento do recurso perante o órgão fracionário A decisão que admite o incidente de inconstitucionalidade é irrecorrível Por sua vez a decisão que não admite o incidente será recorrível se o recurso for julgado de forma desfavorável à parte que requereu a instauração do incidente A parte terá oportunidade de recorrer contra o acórdão único que contemplará conjuntamente a não admissibilidade da remessa da questão de constitucionalidade e o julgamento do recurso 81582 Procedimento perante o Pleno ou o Órgão Especial Remetida cópia do acórdão da câmara ou turma a todos os membros do Pleno ou do Órgão Especial o presidente do tribunal designará a sessão de julgamento art 950 do CPC2015 As partes litigantes no órgão fracionário têm direito de manifestação perante o Pleno ou o Órgão Especial inclusive de sustentação oral na sessão de julgamento A pluralidade da sociedade e a otimização da democracia mediante o incentivo à participação redundam na ampla possibilidade de manifestação no incidente de constitucionalidade São admitidos ao debate a pessoa jurídica de direito público responsável pela edição do ato questionado o Ministério Público os legitimados à propositura de ação direta de inconstitucionalidade e de ação declaratória de constitucionalidade perante o STF referidos no art 103 da CF 282 e considerada a relevância da matéria todos aqueles órgãos ou entidades representativos de setores sociais potencialmente atingidos pela decisão a ser tomada amicus curiae art 950 do CPC2015 Esta ampla margem deferida à participação constitui eco da ideia de construção de uma sociedade aberta dos intérpretes da Constituição O Pleno ou o Órgão Especial apenas podem tratar da questão de constitucionalidade estando proibidos de decidir sobre questões a ela paralelas postas no recurso a ser julgado pelo órgão fracionário Isso não quer dizer é claro que o julgamento da questão de constitucionalidade não constitua controle concreto de constitucionalidade ou seja controle de constitucionalidade influenciado pelas particularidades do caso concreto a ser decidido Ocorre o mesmo que sucede no sistema italiano em que a Corte Constitucional aprecia a questão de constitucionalidade a partir de arguição feita pelo juiz ordinário em cujas mãos está o caso concreto debatido pelas partes Em sistemas como este embora existam dois juízos autônomos um que suscita a questão de constitucionalidade que é prejudicial ao julgamento que está encarregado de fazer e outro que analisa somente a questão constitucional o caso concreto que dá origem à arguição da questão certamente exerce influência sobre o julgamento da questão constitucional A decisão de inconstitucionalidade somente pode ser tomada pela maioria absoluta do Plenário ou do Órgão Especial conforme exige o art 97 da CF Não basta assim o voto da maioria dos magistrados presentes na sessão de julgamento Como a questão de constitucionalidade não pode ser entregue às composições eventuais do Plenário ou do Órgão Especial exigese maioria absoluta ou seja a maioria dos votos dos membros do Plenário ou do Órgão Especial De modo que o julgamento não termina enquanto houver a possibilidade de ser alcançada a maioria absoluta mediante os votos dos membros ausentes Expliquese melhor se por exemplo existem onze votos pela inconstitucionalidade e nove contrários ao final da sessão em que estão presentes vinte dos vinte e cinco desembargadores que dão composição ao Órgão Especial o julgamento ainda não está finalizado e a decisão ainda não foi tomada É necessário suspender o julgamento à espera dos votos dos faltantes Assim se na próxima sessão comparecerem os desembargadores que não votaram bastarão apenas mais dois votos para se chegar a treze votos maioria absoluta e dessa forma a uma decisão de inconstitucionalidade É claro que se ao final da sessão treze desembargadores tivessem votado pela inconstitucionalidade ou pela constitucionalidade a decisão teria de ter sido proclamada Nessa linha o art 199 3º do RISTJ preceitua que se não for alcançada a maioria absoluta necessária à declaração de inconstitucionalidade estando ausentes Ministros em número que possa influir no julgamento este será suspenso a fim de aguardar se o comparecimento dos Ministros ausentes até que se atinja o quorum não atingido desta forma o quorum será convocado Ministro não integrante da Corte observada a ordem de antiguidade art 162 3º A decisão a respeito da constitucionalidade ou da inconstitucionalidade é irrecorrível salvo por embargos de declaração Diz expressamente a Súmula 513 do STF que a decisão que enseja a interposição de recurso ordinário ou extraordinário não é a do plenário que resolve o incidente de inconstitucionalidade mas a do órgão Câmaras Grupos ou Turmas que completa o julgamento do feito Uma vez decidida a questão constitucional o julgamento do recurso deve ser retomado no órgão fracionário Este obviamente deve julgar a partir da decisão fixada pelo Órgão Especial ou Plenário pois é obrigado a observála 816 Recurso extraordinário 8161 Recurso extraordinário De acordo com o art 102 III da CF compete ao STF julgar mediante recurso extraordinário as causas decididas em única ou última instância quando a decisão recorrida a contrariar dispositivo desta Constituição b declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal c julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição d julgar válida lei local contestada em face de lei federal Esta norma deixa bem claro que a decisão acerca de questão constitucional proferida na forma incidental em processo destinado ao exame de caso conflitivo concreto assim como a decisão proferida em ação direta de inconstitucionalidade de competência de Tribunal de Justiça podem chegar ao STF mediante o sistema recursal ou melhor mediante o recurso extraordinário No recurso extraordinário não é possível discutir matéria de fato ou pretender nova valoração da prova Diz a Súmula 279 do STF Para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário Portanto vale discutir em sede de recurso extraordinário apenas a conformidade da aplicação do direito aos fatos e não se os fatos foram ou não evidenciados Por outro lado ao contrário do recurso especial art 105 III da CF que para a sua admissibilidade requer que a decisão recorrida seja de tribunal o recurso extraordinário é cabível de decisão proferida em única ou última instância art 102 III da CF Isso quer dizer que determinadas situações cuja análise jamais poderá ser feita por segunda instância recursal caracterizada como tribunal embora não abram ensejo a recurso especial podem chegar ao STF mediante recurso extraordinário É o que se dá por exemplo no procedimento dos Juizados Especiais que embora aceite recurso inominado a um colegiado de juízes de primeiro grau não admite que a decisão do juiz singular seja questionada perante tribunal Diante da decisão proferida pelo colegiado recursal dos Juizados Especiais não cabe recurso especial mas se admite recurso extraordinário Tratase de algo que em vista de sua importância prática foi sumulado tanto pelo STF quanto pelo STJ Diz a Súmula 640 do STF É cabível recurso extraordinário contra decisão proferida por juiz de primeiro grau nas causas de alçada ou por turma recursal de juizado especial cível e criminal Por outro lado afirma a Súmula 203 do STJ Não cabe recurso especial contra decisão proferida por órgão de segundo grau dos Juizados Especiais A admissibilidade do recurso extraordinário é subordinada ao chamado esgotamento de instância Ou seja o recurso extraordinário apenas é cabível quando não existe outro recurso para impugnar a decisão perante o tribunal 283 Exigese ainda para o conhecimento do recurso extraordinário o chamado prequestionamento Ou seja a questão constitucional objeto do extraordinário já deve ter sido decidida De acordo com a Súmula 282 do STF é inadmissível o recurso extraordinário quando não ventilada na decisão recorrida a questão federal suscitada Este requisito tem base no art 102 III da CF que exige que a causa para ensejar recurso extraordinário tenha sido decidida em grau inferior O STF exige que a questão para ser considerada prequestionada tenha sido expressamente abordada pela decisão recorrida embora dispense que a norma afirmada violada tenha sido citada 284 Admitese a utilização dos embargos de declaração para o fim de provocar a manifestação do órgão jurisdicional a respeito da questão constitucional controvertida Assim se o tribunal ou juízo não se manifesta expressamente sobre a questão constitucional incumbe ao interessado na interposição do recurso extraordinário valerse dos embargos de declaração para provocálo a decidir o tema Segundo a Súmula 356 do STF o ponto omisso da decisão sobre o qual não foram opostos embargos declaratórios não pode ser objeto de recurso extraordinário por faltar o requisito do prequestionamento É importante voltar a ressaltar neste momento a lógica da impugnação das decisões finais dos Tribunais de Justiça e Regionais Federais Essas decisões podem ser questionadas mediante recurso especial art 105 III da CF e recurso extraordinário art 102 III da CF conforme se pretenda discutir interpretação de lei federal e questão constitucional Para que isso seja possível o tribunal ordinário deve ter apreciado a questão federal e a questão constitucional o que revela a necessidade de prequestionamento Assim quando o tribunal rejeita o pedido com base em fundamento de direito federal infraconstitucional e ainda com base em fundamento constitucional o vencido deve necessariamente interpor desde logo recurso especial e recurso extraordinário não podendo interpor apenas recurso especial para apenas depois do julgamento do STJ interpor o recurso extraordinário A necessária simultaneidade dos recursos especial e extraordinário é corolário de a decisão estar apoiada em dois fundamentos de ordem infraconstitucional e de natureza constitucional De modo que se for interposto apenas recurso especial a questão constitucional não mais poderá ser discutida e o recurso especial não será conhecido pela simples razão de que independentemente da sorte do especial o fundamento constitucional inatacado estará dando sustentação à decisão Daí a Súmula 126 do STJ com a seguinte dicção É inadmissível recurso especial quando o acórdão recorrido assenta em fundamentos constitucional e infraconstitucional qualquer deles suficiente por si só para mantêlo e a parte vencida não manifesta recurso extraordinário Isso não quer dizer que não caiba recurso extraordinário em face de decisão proferida pelo STJ Se a questão constitucional foi decidida pela primeira vez nesta Corte Suprema não tendo sido decidida por Tribunal de Justiça ou por Tribunal Regional Federal é certo o cabimento do recurso extraordinário Basta pensar em caso em que se alega no recurso especial violação de lei federal até então não arguida como inconstitucional no processo Arguindose a inconstitucionalidade diante do STJ caberá à Turma uma vez aprovada a arguição encaminhar os autos para decisão da Corte Especial O mesmo ocorre no caso em que o tribunal de origem entende não caber cogitar sobre a aplicação da lei arguida como inconstitucional deixando assim de se pronunciar sobre a sua constitucionalidade Se o STJ conhece do recurso especial entendendo ser a lei aplicável ao caso poderá decidir por intermédio de sua Corte Especial sobre a sua constitucionalidade O STJ deverá decidir questão constitucional toda vez que a constitucionalidade da norma logicamente subordinar o julgamento do especial Nestes casos caberá a interposição de recurso extraordinário contra a decisão do STJ Notese que o STJ nos exemplos lembrados acima julga questão constitucional não decidida pelo tribunal de origem Porém há situação em que invocada a questão constitucional perante Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal não terá a parte interesse de agir em interpor recurso extraordinário por ter alcançado êxito em virtude de questão infraconstitucional O que acontecerá contudo em caso de provimento do recurso especial Sobreleva o interesse de agir antes escondido em levar ao STF a questão constitucional levantada perante o tribunal de origem Surge assim oportunidade para a interposição do extraordinário em face da decisão do STJ 8162 Repercussão geral A EC 452004 acrescentou parágrafo 3º ao art 102 da CF nestes termos No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso nos termos da lei a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso somente podendo recusálo pela manifestação de dois terços de seus membros A norma instituiu a repercussão geral da questão constitucional discutida no caso como requisito de admissibilidade do recurso extraordinário outorgando ao mesmo tempo poder para o STF recusála por dois terços dos seus membros Em poucas palavras atribuiuse ao STF o poder de selecionar os casos que deve julgar A outorga de poder de seleção dos casos a examinar assim como a definição dos requisitos e condições em que se deve reconhecer este poder às Cortes Supremas aparece aqui e ali como assunto de permanente preocupação política revelandose atualmente como point fondamental para a organização do perfil das Cortes Supremas 285 Os países inseridos na tradição romano canônica embora tradicionalmente hostis à ideia 286 não escaparam e não escapam a esse relevante debate No Brasil antes da instituição da repercussão geral como requisito de admissibilidade do recurso extraordinário EC 452004 art 102 3º da CF experimentouse o requisito da arguição de relevância da questão afirmada para o seu conhecimento em sede extraordinária art 119 III a e d cc parágrafo único da CF1967 alterada pela EC 11969 cc arts 325 I a XI e 327 1º do RISTF com a redação dada pela Emenda Regimental 21985 Não obstante tenham a função de filtragem recursal 287 a arguição de relevância e a repercussão geral não se confundem Enquanto a arguição de relevância funcionava como um instituto que visava a possibilitar o conhecimento deste ou daquele recurso extraordinário a priori incabível funcionando como um instituto com característica central inclusiva 288 a repercussão geral visa a excluir do conhecimento do STF controvérsias que assim não se caracterizem 289 Os próprios conceitos de repercussão geral e arguição de relevância não se confundem Enquanto este está focado fundamentalmente no conceito de relevância 290 aquele exige para além da relevância da controvérsia constitucional a transcendência da questão debatida Quanto ao formalismo processual os institutos também não guardam maiores semelhanças a arguição de relevância era apreciada em sessão secreta dispensando fundamentação a análise da repercussão geral ao contrário tem de ser examinada em sessão pública com julgamento motivado art 93 IX da CF Embora possa soar evidente é importante destacar que o juízo de admissibilidade dos recursos não se confunde com o seu juízo de mérito 291 neste examinase o motivo da irresignação da parte naquele aferese a possibilidade de conhecer esse descontentamento Os requisitos que viabilizam a admissibilidade dos recursos são questões prévias ao conhecimento do mérito recursal sendo consideradas notadamente questões preliminares Vencido esse exame prévio a decisão recorrida vai substituída pela decisão proferida pelo Tribunal encarregado de julgar o recurso Os pressupostos de admissibilidade recursal reputamse intrínsecos quando concernem à existência ou não do poder de recorrer São considerados extrínsecos ao contrário quando atinem ao modo de exercer esse poder No primeiro grupo entram o cabimento o interesse recursal a legitimidade para recorrer e a inexistência de fato extintivo do direito de recorrer Acrescese a esse rol em caso de recurso extraordinário ou recurso especial o enfrentamento da questão constitucional ou federal na decisão recorrida No segundo a regularidade formal da peça recursal a tempestividade o preparo e a inexistência de fato impeditivo do direito de recorrer O art 1035 do CPC de 2015 diz que o Supremo Tribunal Federal em decisão irrecorrível não conhecerá do recurso extraordinário quando a questão constitucional nele versada não tiver repercussão geral Tratase de requisito intrínseco de admissibilidade recursal não havendo repercussão geral não existe poder de recorrer ao STF Sendo uma questão prévia preliminar tem o STF de examinála antes de adentrar na análise do mérito do recurso 292 O recurso extraordinário independentemente da matéria nele versada tem de apresentar repercussão geral sob pena de não conhecimento pelo STF 293 A fim de caracterizar a existência de repercussão geral e assim viabilizar o conhecimento do recurso extraordinário o legislador alçou mão de uma fórmula que conjuga relevância e transcendência repercussão geral relevância transcendência A questão debatida tem de ser relevante do ponto de vista econômico político social ou jurídico além de transcender o interesse subjetivo das partes na causa Tem de contribuir em outras palavras para a persecução da unidade do direito no Estado Constitucional brasileiro compatibilizando eou desenvolvendo soluções de problemas de ordem constitucional Presente o binômio caracterizada está a repercussão geral da controvérsia De acordo com o art 1035 1º do CPC de 2015 para efeito de repercussão geral será considerada a existência ou não de questões relevantes do ponto de vista econômico político social ou jurídico que ultrapassem os interesses subjetivos do processo Ressai de pronto na redação do dispositivo a utilização de conceitos jurídicos indeterminados o que aponta imediatamente para a caracterização da relevância e transcendência da questão debatida como algo a ser aquilatado em concreto nesse ou a partir desse ou daquele caso apresentado ao STF 294 Convém lembrar que os conceitos jurídicos indeterminados são compostos de um núcleo conceitual certeza do que é ou não é e por um halo conceitual dúvida do que pode ser 295 No que concerne especificamente à repercussão geral a dúvida inerente à caracterização desse halo de modo nenhum pode ser dissipada partindose tão somente de determinado ponto de vista individual não há em outras palavras discricionariedade no preenchimento desse conceito Há de se empreender um esforço de objetivação valorativa nessa tarefa 296 E uma vez caracterizadas a relevância e a transcendência da controvérsia o STF encontrase obrigado a conhecer do recurso extraordinário Não há aí espaço para livre apreciação e escolha entre duas alternativas igualmente atendíveis 297 Não há de se cogitar aí igualmente de discricionariedade no recebimento do recurso extraordinário Configurada a repercussão geral tem o Supremo de admitir o recurso e apreciálo no mérito 298 O fato de se estar diante de conceito jurídico indeterminado que carece de valoração objetiva no seu preenchimento e não de conceito que implique poder discricionário para aquele que se encontra encarregado de julgar pode permitir ademais um controle social pelas partes e demais interessados da atividade do STF mediante cotejo de casos já decididos pela própria Corte A partir de uma paulatina e natural formação de catálogo de casos pelos julgamentos do STF permitese o controle em face da própria atividade jurisdicional da Corte objetivandose cada vez mais o manejo dos conceitos de relevância e transcendência ínsitos à ideia de repercussão geral Impende notar a propósito que a própria Constituição da República apresenta uma estruturação analítica que não é lícito ao intérprete descurar no preenchimento desses conceitos vagos empregados pelo legislador infraconstitucional Evidentemente não é por acaso que o recurso extraordinário tem o seu conhecimento subordinado à alegação de questões relevantes do ponto de vista econômico político social e jurídico a própria Constituição arrola matérias por ela mesma tratada sob Títulos que trazem exclusivamente ou não explicitamente ou não epígrafes coincidentes com aqueles conceitos que autorizam o conhecimento do recurso extraordinário A Constituição trata da ordem econômica em seu Título VII Da ordem econômica e financeira 299 arts 170 a 192 no Título VIII na sequência cuida da ordem social Da ordem social arts 193 a 232 nos Títulos III e IV empresta sua atenção à organização do Estado e dos Poderes arts 18 a 135 disciplinando a vida política brasileira No Título II e no Título VI Capítulo I arts 5º a 17 e arts 145 a 162 finalmente disciplina os direitos e garantias individuais e o sistema constitucional tributário cujas normas constituem em grande parte direitos fundamentais De se notar que a disciplina aí posta é obviamente fundamental para a realização do programa constitucional brasileiro Em outras palavras as questões aí tratadas são relevantes para a República Federativa do Brasil Relevantes igualmente para efeitos de demonstração da repercussão geral no recurso extraordinário Percebase ainda que a relevância da questão debatida tem de ser aquilatada do ponto de vista econômico social político ou jurídico Não se tire daí como é evidente a exigência de que a controvérsia seja importante sob todos esses ângulos de análise basta que reste caracterizada a relevância do problema debatido em uma dessas perspectivas Impõese que a questão debatida além de se caracterizar como de relevante importe econômico social político ou jurídico ultrapasse o âmbito de interesse das partes Vale dizer tem de ser transcendente Também aqui o legislador infraconstitucional alça mão de linguagem propositadamente vaga consentindo ao STF a aferição da transcendência da questão debatida a partir do caso concreto Observese que eventuais questões envolvendo a reta observância ou a frontal violação de direitos fundamentais materiais ou processuais tendo em conta a dimensão objetiva que sói lhes reconhecer apresentam a princípio transcendência Constituindo os direitos fundamentais objetivamente considerados uma tábua mínima de valores de determinada sociedade em dado contexto histórico cujo respeito interessa a todos natural que se reconheça a transcendência de questões envolvendo por exemplo afirmações concernentes a violações ou ameaças de violações das limitações ao poder constitucional de tributar ou aos direitos fundamentais inerentes ao processo justo ao nosso devido processo legal processual O art 1035 3º do CPC de 2015 afirma que independentemente da demonstração da relevância econômica social política ou jurídica para além das partes da questão debatida haverá repercussão geral sempre que o recurso atacar decisão que i contrarie súmula ou jurisprudência dominante do STF ou ii tenha reconhecido a inconstitucionalidade de tratado ou de lei federal nos termos do art 97 da CF o inciso II deste dispositivo foi devidamente revogado pela Lei 13256 de 2016 Na primeira hipótese abrese oportunidade à afirmação do entendimento do STF na medida em que nenhum tribunal ou juiz pode contrariálo Embora se fale inadvertidamente em súmula e jurisprudência dominante hipóteses que não fazem parte da realidade e da lógica de uma Corte de Precedentes a norma deve ser compreendida em termos de reforço da eficácia obrigatória dos precedentes Note se contudo que uma decisão que nega precedente do STF não contém os elementos da repercussão geral A repercussão geral é condição para a discussão da questão constitucional pela Corte Suprema e não requisito para a reafirmação de um precedente seu Observese que a repercussão geral é motivo para a Corte Suprema discutir e decidir a questão constitucional Bem vistas as coisas há repercussão geral no caso em que em face do recurso extraordinário constatase que o precedente está desgastado e assim deve ser rediscutido para eventualmente ser revogado Na hipótese inversa em que o precedente não se revela enfraquecido basta a refutação do recurso extraordinário mediante decisão monocrática O inciso II do 3º do art 1035 do CPC revogado pela Lei 13256 de 2016 previa a existência de repercussão geral em julgamento de casos repetitivos Era evidente porém que já não então seria necessário relacionar esta circunstância com os demais requisitos para a configuração da repercussão geral A não ser assim a simples existência de casos múltiplos constituiria repercussão geral Ora não há como supor que a análise de casos de massa possa estar contida na função de desenvolvimento do direito constitucional É por essa razão que foi apropriada a revogação operada pelo legislador No caso de decisão de inconstitucionalidade de tratado ou de lei federal a função do STF de definir a inconstitucionalidade do direito federal faz brotar a necessidade da sua intervenção para dar a última palavra sobre a constitucionalidade da norma 8163 A imprescindibilidade de os precedentes da Suprema Corte obrigarem os juízos inferiores no sistema em que todo e qualquer juiz tem poder para controlar a constitucionalidade O judicial review antes de afirmar o poder do Judiciário de controlar a atividade do Legislativo fundouse na supremacia da Constituição sobre as leis na ideia de que a lei que nega a Constituição é nula e mais precisamente na constatação de que o Judiciário é o intérprete final da Constituição e assim por lhe caber pronunciar o sentido da lei também é dele o poder de dizer se a lei é contrária à Carta Magna 300 A partir da premissa de que o juiz para decidir os casos conflitivos deve analisar a relação da lei com a Constituição entendeuse que o juiz americano poderia realizar incidentalmente o controle da constitucionalidade Assim o poder de afirmação de constitucionalidade e de inconstitucionalidade da lei nos Estados Unidos sempre esteve nas mãos do juiz do caso concreto É certo que a doutrina americana demorou para individualizar os precedentes constitucionais isto é os precedentes que tratam de questões constitucionais diante dos precedentes de common law e de interpretação legal 301 É provável que isso tenha ocorrido em virtude de a jurisdição constitucional representar algo absolutamente novo para os juristas das origens do sistema judicial americano Havia experiência com os precedentes de common law mas não com os precedentes constitucionais A doutrina precisou de tempo quase um século para desenvolver uma teoria capaz de esclarecer as relações entre as diferentes espécies de precedentes 302 Não obstante o stare decisis também se impôs diante dos precedentes constitucionais 303 Aliás não haveria sentido que em um sistema fundado no direito à igualdade das decisões na segurança jurídica e na previsibilidade das decisões judiciais 304 os precedentes constitucionais não fossem respeitados 305 É intuitivo que num sistema que ignora o precedente obrigatório não há racionalidade em dar a todo e qualquer juiz o poder de controlar a constitucionalidade da lei Como corretamente adverte Cappelletti a introdução no civil law do método americano de controle de constitucionalidade conduziria à consequência de que uma lei poderia não ser aplicada por alguns juízes e tribunais que a entendessem inconstitucional mas no mesmo instante e época ser aplicada por outros juízes e tribunais que a julgassem constitucional Ademais diz o professor italiano nada impediria que o juiz que aplicasse determinada lei não a considerasse no dia seguinte ou viceversa ou ainda que se formassem verdadeiras facções jurisprudenciais nos diferentes graus de jurisdição simplesmente por uma visão distinta dos órgãos jurisdicionais inferiores em geral compostos de juízes mais jovens e assim mais propensos a ver uma lei como inconstitucional exatamente como aconteceu na Itália no período entre 1948 e 1956 Demonstra Cappelletti que dessa situação poderia advir grave situação de incerteza jurídica e de conflito entre órgãos do Judiciário 306 Além dessas obviedades não há como esquecer a falta de racionalidade em obrigar alguém a propor uma ação para se livrar dos efeitos de uma lei que em inúmeras oportunidades já foi afirmada inconstitucional pelo Judiciário 307 Notese que o sistema que admite decisões contrastantes estimula a litigiosidade e incentiva a propositura de ações pouco importando se o interesse da parte é a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade da lei Ou seja a ausência de previsibilidade como consequência da falta de vinculação aos precedentes conspira contra a racionalidade da distribuição da justiça e contra a efetividade da jurisdição Que dizer então do sistema brasileiro em que se misturam o controle incidental de competência de todo e qualquer juiz e o controle principal atribuído ao STF Nos países que não admitem o stare decisis a saída racional para o controle da constitucionalidade apenas pode estar no controle concentrado adotandose o modelo de decisão única com eficácia erga omnes ou mais corretamente com eficácia geral obrigatória ou vinculante No direito brasileiro os precedentes constitucionais inevitavelmente têm natureza obrigatória Frisese que o sistema de súmulas como única e indispensável forma para a vinculação dos juízes é contraditório com o fundamento que justifica o respeito obrigatório aos precedentes constitucionais O que impõe o respeito aos precedentes é a igualdade e a segurança jurídica De modo que um precedente firmado pelo STF não pode deixar de vincular os demais tribunais e juízes Não há razão lógica para exigir decisões reiteradas a menos que se suponha que o STF não se importa com a força de cada uma das suas decisões e não possui responsabilidade perante os casos futuros A não obrigatoriedade dos precedentes é incompatível com um sistema estruturado sob o controle difuso da constitucionalidade que necessariamente deve contar com uma Corte Suprema para garantir a força normativa da Constituição Ademais decisão tomada por maioria do Pleno do STF ainda que não de dois terços seguramente constitui decisão que não pode deixar de se impor a ele próprio Notese que a circunstância de uma Suprema Corte poder revogar os seus próprios precedentes nada tem a ver com o fato de o precedente ser oriundo de caso que se repetiu ou de a decisão ter sido tomada por maioria simples ou por maioria qualificada O que pode justificar a revogação de um precedente por exemplo é a mutação da realidade social que a Corte considerou ao decidir 308 A compreensão da necessidade de cada uma das decisões do STF obrigar a própria Corte e os demais tribunais advém da premência de se dar sentido à função da mais alta Corte brasileira diante do sistema de controle de constitucionalidade Não há racionalidade em entender que apenas algumas das suas decisões tomadas no controle difuso merecem ser respeitadas como se o jurisdicionado não devesse confiar em tais decisões antes de serem sumuladas Ora isso seria o mesmo que concluir que a segurança jurídica e a igualdade dependeriam das súmulas e por consequência que o próprio Poder Judiciário diante do sistema ao qual é submetido poderia se eximir de responder aos seus deveres e aos direitos fundamentais do cidadão perante a justiça Em acórdão paradigmático relatado pelo Min Sepúlveda Pertence entendeu a 1ª Turma do STF que a decisão declaratória da inconstitucionalidade de norma posto que incidente elide a presunção de sua constitucionalidade a partir daí podem os órgãos parciais dos outros tribunais acolhêla para fundar as decisões de casos concretos ulteriores prescindindo de submeter a questão de constitucionalidade ao seu próprio plenário 309 Lembrese que esse entendimento do STF evidenciando a tendência de enxergar eficácia vinculante nas decisões tomadas em recurso extraordinário deu origem à norma do art 481 do CPC1973 repetida no art 949 do CPC2015 Na Rcl 2986 afirmouse que o STF em recentes julgamentos vem dando mostras de que o papel do recurso extraordinário na jurisdição constitucional está em processo de redefinição de modo a conferir maior efetividade às decisões No RE 376852 decidiuse que esse novo modelo legal traduz sem dúvida um avanço na concepção vetusta que caracteriza o recurso extraordinário entre nós Tratase de orientação que os modernos sistemas de Corte Constitucional vêm conferindo ao recurso de amparo e ao recurso constitucional Essa orientação há muito se mostra dominante também no direito americano 310 Notese que o STF afirma textualmente que a atribuição de efeito vinculante à decisão tomada em controle difuso é dominante há muito também no direito americano 311 Porém é preciso esclarecer que o direito estadunidense acolheu esta ideia em virtude de adotar o sistema de controle difuso da constitucionalidade associado ao stare decisis ou à eficácia obrigatória dos precedentes enquanto o sistema alemão embora tenha chegado a resultado prático semelhante 312 assim se posicionou por dar ao juiz ordinário que se depara com lei que reputa inconstitucional o poderdever de submeter a questão ao Tribunal Constitucional cuja decisão tem eficácia erga omnes O fato de o juiz ordinário ter o poderdever de controlar a constitucionalidade obviamente não significa que ele não deve respeito às decisões do STF Este respeito decorre logicamente da adoção do sistema de controle difuso e da atribuição ao Supremo do dever de dar a última e definitiva palavra acerca da constitucionalidade da lei federal Quando se tem claro que a decisão é um mero produto do sistema judicial tornase pouco mais do que absurdo admitir a possibilidade de o juiz ordinário contrariar as decisões do STF Registrese que a eficácia vinculante derivada das decisões em controle incidental fundase unicamente na força peculiar dessas decisões oriunda do local privilegiado em que o Supremo está localizado no sistema brasileiro de distribuição de justiça Assim a eficácia vinculante das decisões do Supremo nada tem a ver com comunicação ao Senado certamente ilógica e desnecessária para tal fim A comunicação é feita apenas para permitir ao Senado em concordando com o STF suspender a execução do ato normativo A não concordância daquele em nada interfere sobre a eficácia vinculante da decisão deste Tratase de planos distintos Depois do controle incidental e da produção de efeito vinculante a lei declarada inconstitucional pode continuar a existir ainda que em estado latente Lembrese de que nos Estados Unidos existem casos em que a Suprema Corte ressuscita a lei que estava apenas on the books ou que mais precisamente era vista como dead law exatamente por já ter sido declarada inconstitucional De qualquer forma há de se responder à pergunta que não poderia deixar de ser feita a respeito da compatibilidade entre a súmula vinculante e a decisão com eficácia vinculante Melhor dizendo é preciso esclarecer a razão para se ter um procedimento específico para a criação da súmula vinculante diante da eficácia de igual teor das decisões proferidas pelo STF em sede de controle difuso O procedimento para criação da súmula esconde não apenas uma questão não percebida pela doutrina brasileira mas antes de tudo uma temática nunca estudada pela doutrina de civil law Com efeito essa tradição sempre se preocupou com a interpretação da lei porém nunca dedicou atenção à compreensão e à interpretação dos precedentes Ao se pensar em decisão com eficácia vinculante surge naturalmente a curiosidade de se saber o que diante do precedente realmente vincula assim como quem tem autoridade para identificar a porção do precedente hábil a produzir o efeito vinculante Isso se torna fundamental quando o precedente não é claro ou há dificuldade em identificar a tese que efetivamente foi proclamada pelo tribunal para a solução da questão constitucional A ratio decidendi nem sempre é imediata e facilmente extraível de um precedente e em outras situações pode exigir a consideração de várias decisões para poder ser precisada Nessas hipóteses é imprescindível uma decisão que sobrepondose às decisões já tomadas a respeito do caso individualize a ratio decidendi até então obscura e indecifrável Foi para tais situações que o constituinte derivado estabeleceu no art 103A da CF o procedimento para a criação de súmula com efeito vinculante Quando a ratio decidendi ressai de forma cristalina da decisão a súmula é absolutamente desnecessária Mas quando existem decisões de natureza complexa e obscura devese editar súmula para restar precisada a ratio decidendi 313 Não obstante decidese muitas vezes pela edição de súmula vinculante para não pairar dúvida acerca da eficácia vinculante que deflui de ratio decidendi claramente delineada em recurso extraordinário Bem vistas as coisas a súmula vinculante não seria necessária em hipótese alguma mas porque não há pleno consenso de que as decisões tomadas em recurso extraordinário têm eficácia vinculante encaminhase a questão para a edição de súmula vinculante para não sobrar dúvida acerca da obrigação de respeito à ratio decidendi elaborada no recurso extraordinário 8164 Os precedentes obrigatórios e a importância da fundamentação das decisões Na concepção tradicional do direito processual civil de civil law a fundamentação é relacionada com a necessidade de o juiz apresentar as razões que lhe permitiram chegar à conclusão isto é à decisão Em vista da sua própria estrutura a decisão tem de ter as suas razões ou os seus fundamentos Sustentase que a fundamentação permite ao vencido entender os motivos de seu insucesso e se for o caso de interpor recurso apresentar suas razões adequadamente demonstrando os equívocos da decisão Nesta mesma linha a fundamentação também possibilita ao tribunal entender os motivos que levaram o juiz de primeiro grau a decidir Em suma é induvidoso que não basta o juiz estar convencido cabelhe demonstrar as razões de seu convencimento Isso permite o controle da atividade do juiz pelas partes ou por qualquer um do povo já que a sentença deve ser o resultado de raciocínio lógico que assenta no relatório na fundamentação e no dispositivo Nessa perspectiva concluise ainda que a fundamentação é essencial à legitimação da decisão 314 Não é por outra razão aliás que constitui dever do juiz e garantia constitucional do jurisdicionado nos termos do art 93 IX da CF No entanto como os precedentes não fazem parte da tradição de civil law no sistema jurídico brasileiro não se pensa na fundamentação como material que pode revelar uma ratio decidendi Exatamente por isso enquanto a fundamentação no common law importa diretamente a todos os jurisdicionados dandolhes previsibilidade e garantia de sucesso na adoção de determinado comportamento além de outorgar estabilidade e coerência à ordem jurídica e real possibilidade de a jurisdição tratar casos similares da mesma forma no civil law a fundamentação tem importância muito mais restrita Ela interessa quase que exclusivamente às partes e muito mais em termos retóricos para dar legitimidade ao poder desempenhado pelos juízes A técnica da eficácia vinculante da fundamentação se funda na ideia de que na decisão não só o dispositivo mas também os fundamentos devem adquirir estabilidade devendo por isso ser realçados e externados com eficácia vinculante A eficácia vinculante da fundamentação indiscutivelmente essencial para o tribunal constitucional cumprir o seu papel é uma técnica jurídico processual que tem como premissa a importância de respeito aos precedentes e aos seus fundamentos 315 A extensão da eficácia vinculante aos fundamentos e não ao dispositivo revela claramente a intenção de dar eficácia obrigatória aos precedentes 316 De outra parte não há por que falar em precedente quando não se outorga valor aos seus fundamentos Assim a importância da eficácia obrigatória dos precedentes no direito contemporâneo sustenta a eficácia vinculante dos fundamentos Daí a proximidade entre os institutos da eficácia vinculante dos fundamentos e do stare decisis Em verdade o que afasta o instituto da eficácia vinculante dos fundamentos como posto na Alemanha do stare decisis não é a sua razão de ser ou seu objetivo mas a sua extensão subjetiva 317 O stare decisis se refere ao poder dos juízes ao passo que a eficácia vinculante dos fundamentos atinge na Alemanha todos os órgãos do Poder Público Notese entretanto que a extensão subjetiva da eficácia vinculante constitui opção técnica ainda que baseada em valores de Estado Nada impede que esta eficácia seja estendida ou limitada Enquanto na Alemanha e na Espanha a eficácia vinculante atinge todos os poderes públicos no Brasil são vinculados apenas os órgãos judiciários e as autoridades administrativas Ademais embora se possa dizer que norma art 103A caput da Constituição Federal brasileira exclui o STF da incidência da eficácia vinculante na Espanha há norma expressa art 13 da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional que diz que quando uma sala do tribunal constitucional considerar necessário se afastar em qualquer ponto da doutrina constitucional precedente firmada pelo tribunal a questão será submetida à decisão do Pleno 318 8165 Ratio decidendi e obiter dicta No common law a decisão vista como precedente interessa aos juízes a quem incumbe dar coerência à aplicação do direito e aos jurisdicionados que necessitam de segurança jurídica e previsibilidade para desenvolverem suas vidas e atividades O juiz e o jurisdicionado nessa dimensão têm necessidade de conhecer o significado dos precedentes Ora o melhor lugar para se buscar o significado de um precedente está na sua fundamentação ou seja nas razões pelas quais se decidiu de certa maneira ou nas razões que levaram à fixação do dispositivo É claro que a fundamentação para ser compreendida pode exigir menor ou maior atenção ao relatório e ao dispositivo Esses últimos não podem ser ignorados quando se procura o significado de um precedente O que se quer evidenciar contudo é que o significado de um precedente está essencialmente na sua fundamentação e que por isso não basta somente olhar à sua parte dispositiva A razão de decidir numa primeira perspectiva é a tese jurídica ou a interpretação da norma consagrada na decisão De modo que a razão de decidir certamente não se confunde com a fundamentação mas nela se encontra 319 Ademais a fundamentação não só pode conter várias teses jurídicas como também considerálas de modo diferenciado sem dar igual atenção a todas Além disso a decisão como é óbvio não possui em seu conteúdo apenas teses jurídicas mas igualmente abordagens periféricas irrelevantes não necessárias nem suficientes à decisão do caso 320 É preciso sublinhar que a ratio decidendi não tem correspondente no processo civil tradicionalmente adotado no Brasil pois não se confunde com a fundamentação e com o dispositivo A ratio decidendi no common law é extraída ou elaborada a partir dos elementos da decisão isto é da fundamentação do dispositivo e do relatório Assim quando relacionada aos chamados requisitos imprescindíveis da sentença ela certamente é algo mais E isso simplesmente porque na decisão do common law não se tem em foco somente a segurança jurídica das partes e assim não importa apenas a coisa julgada material mas também a segurança dos jurisdicionados em abstrato Se o dispositivo é acobertado pela coisa julgada que dá segurança à parte é a ratio decidendi que em face do stare decisis tem força obrigatória vinculando a magistratura e conferindo segurança aos jurisdicionados Não há como esquecer que a busca da definição de razões de decidir ou de ratio decidendi parte da necessidade de se evidenciar a porção do precedente que tem efeito vinculante obrigando os juízes a respeitálo nos julgamentos posteriores No common law há acordo em que a única parte do precedente que possui tal efeito é a ratio decidendi cujo conceito neste sistema sempre foi muito discutido Na verdade a dificuldade sempre esteve na sua identificação na decisão judicial Embora a doutrina do common law fale em interpretação de precedente e conhecido e importante livro até mesmo tenha o título de Interpreting precedents 321 é possível questionar se um precedente é realmente interpretado Pela ideia de interpretação do precedente não se busca revelar o conteúdo do seu texto mas identificar o significado das suas porções das quais se extraem determinados efeitos como o efeito vinculante ou obrigatório binding effect Portanto é claro que o ato de procurar o significado de um precedente ou de interpretar um precedente não se assemelha ao de interpretar a lei Quando se fala em interpretação de precedente a preocupação está centrada nos elementos que o caracterizam enquanto precedente especialmente na delimitação da sua ratio e não no conteúdo por ela expresso 322 Nessa perspectiva a tarefa da Corte é analisar a aplicação do precedente ao caso que está sob julgamento ocasião em que se vale basicamente da técnica do distinguishing 323 É por isso que essa Corte mais do que interpretar raciocina por analogia 324 Não há sinal de acordo no common law acerca de uma definição de ratio decidendi ou mesmo de um método capaz de permitir sua identificação 325 De outra parte a discussão acerca do significado de obiter dictum é absolutamente atrelada ao de ratio decidendi 326 sendo igualmente antiga 327 intensa e difícil Obiter dictum é o ponto irrelevante para a solução do caso surgido de observação feita de passagem sem amadurecimento no curso do desenvolvimento da sentença ou da discussão dos membros do órgão judicial 328 Tratase de ponto não necessário nem suficiente para se chegar à decisão 329 Não é difícil perceber a razão pela qual o common law sempre se preocupou em distinguir ratio decidendi de obiter dictum Tal distinção se deve à valorização dos fundamentos da decisão peculiar ao common law Como neste sistema importa verificar a porção do julgado que tem efeito obrigatório ou vinculante há motivo para se investigar com cuidado a fundamentação separandose o que realmente dá significado à decisão daquilo que não lhe diz respeito ou não lhe é essencial 330 No civil law ao contrário cabendo aos tribunais apenas aplicar a lei pouca importância se teria de dar à fundamentação já que esta faria apenas a ligação entre os fatos e a norma legal voltada a regular a situação litigiosa A fundamentação assim seria necessariamente breve e sucinta Uma vez que a decisão deveria apenas dar atuação à lei não haveria motivo para buscar na fundamentação o significado da decisão A decisão que se limita a aplicar a lei não tem nada que possa interessar a outros que não os litigantes É por este motivo que no civil law o que sempre preocupou em termos de segurança jurídica foi o dispositivo da sentença que aplica a regra de direito dandolhe concretude Não é por outra razão que quando neste sistema se pensa em segurança dos atos jurisdicionais aludese somente à coisa julgada e à sua função de tornar imutável e indiscutível a parte dispositiva da sentença 331 8166 A individualização dos fundamentos determinantes ou ratio decidendi Dentro da fundamentação está presente a ratio decidendi Por meio da análise da fundamentação é possível isolar a ratio decidendi ou os fundamentos determinantes Lembrese de que o art 489 1º V do CPC de 2015 afirma que o tribunal e o juiz não podem decidir com base em julgado de Corte Suprema sem identificar seus fundamentos determinantes e demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta a tais fundamentos Um fundamento embora não necessário pode ser suficiente para se alcançar a decisão O motivo suficiente porém tornase determinante apenas quando individualizado na fundamentação mostrase como premissa sem a qual não se chegaria à específica decisão Motivo determinante assim é o motivo que considerado na fundamentação mostrase imprescindível à decisão que foi tomada Este motivo por imprescindível é essencial ou melhor é determinante da decisão Constitui a ratio decidendi Contudo como a individualização dos motivos determinantes pressupõe um novo olhar sobre a fundamentação ou melhor outra valoração da fundamentação não basta simplesmente pensar em encontrar a sua essência O problema não está apenas na análise da estrutura interna da fundamentação há que se ter preocupação com a sua qualidade É certo que em regra os juízes têm cuidado com os motivos suficientes Porém especialmente quando há dois ou mais motivos suficientes à decisão é preciso verificar se todos foram ou quais foram devidamente discutidos e analisados pelos membros do colegiado Pode soar estranho falar em dois motivos suficientes Porém podem existir dois motivos suficientes e por isso não necessários a uma decisão Assim por exemplo duas infrações contratuais podem ser dois fundamentos suficientes para determinada decisão de despejo Nenhum deles é necessário mas ambos são suficientes e apenas quando considerado o raciocínio da Corte podem ser qualificados como determinantes da decisão Um dos motivos suficientes e determinantes da decisão pode não ter sido adequadamente discutido e analisado pelo tribunal Nessa hipótese aquilo que poderia ser tomado como fundamento determinante ou como ratio decidendi para efeito de vinculação de outros órgãos judiciários acaba não adquirindo tal natureza Ou melhor acaba se tornando incompatível com a eficácia obrigatória dos fundamentos Entretanto o fundamento neste caso também não pode ser dito obiter dictum ou seja fundamento não relevante para a solução do caso O fundamento não é irrelevante para a tomada de decisão Ao contrário o fundamento considerada a própria fundamentação é em termos lógicos imprescindível para se chegar à decisão Apenas carece da qualidade necessária à sua configuração como ratio decidendi A facilidade de identificação da ratio decidendi varia de caso a caso A dificuldade de individualização da ratio decidendi pode decorrer da circunstância de o caso ter de ser analisado sob argumentos não deduzidos pelas partes da complexidade da matéria de os fundamentos terem sido analisados de modo prematuro da superficialidade das discussões e da elaboração dos fundamentos da variedade e diversidade de fundamentos apresentados nos votos proferidos pelos membros do órgão judicial entre outras 8167 A eficácia vinculante dos fundamentos determinantes no STF A tese da eficácia vinculante dos motivos determinantes tem ressonância no STF O Min Gilmar Mendes um dos grandes responsáveis pelo seu desenvolvimento no âmbito da Corte demonstrou que esta eficácia está ligada à natureza da função desempenhada pelos tribunais constitucionais além de ser absolutamente necessária à tutela da força normativa da Constituição Com a expressão eficácia transcendente da motivação se pretende significar a eficácia que advinda da fundamentação recai sobre situações que contêm particularidades próprias e distintas mas que na sua integridade enquanto questão a ser resolvida são similares à já decidida e por isso reclamam as mesmas razões que foram apresentadas pelo tribunal quando da decisão Embora os casos tenham suas inafastáveis particularidades a sua substância vista como questão de direito a ser solucionada pelo tribunal é a mesma Assim se a norma x foi considerada inconstitucional em virtude das razões y a norma z porém substancialmente idêntica a x exige a aplicação das razões y A Rcl 1987 abriu ensejo à afirmação da tese Alegouse na Reclamação que a presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região ao determinar o sequestro de verba do Distrito Federal para o pagamento de precatório desrespeitou decisão proferida pelo STF na ADIn 1662 A ação direta proposta pelo Governador do Estado de São Paulo teve como objeto a IN 111997 do TST que cuidou da uniformização dos procedimentos para a expedição de precatórios e ofícios requisitórios referentes às condenações decorrentes de decisões transitadas em julgado contra a União Federal administração direta autarquias e fundações A IN 111997TST em seus itens III e XII equiparara à hipótese de preterição do direito de preferência a situação de não inclusão do débito no orçamento do ente devedor assim como a de pagamento a menor ou realizado fora do prazo permitindo nessas hipóteses o sequestro de verba pública para o pagamento de dívidas judiciais trabalhistas A ação direta voltouse exatamente contra esta autorização asseverandoa inconstitucional No curso da ação foi promulgada a EC 302000 que alterou determinadas regras relativas aos precatórios mas nada modificou quanto ao tema então em discussão Ao julgar o mérito da ação direta de inconstitucionalidade o STF advertiu que a EC 30 não trouxe qualquer alteração à disciplina do sequestro no âmbito dos precatórios trabalhistas decidindo que este somente estaria autorizado pela Constituição Federal no caso de preterição do direito de preferência sendo inadmissível em qualquer outra situação Porém a decisão da presidente do TRT10ª Reg não se ancorou na IN 111997TST mas se fundou na EC 30 Nesta situação como é óbvio a Reclamação não poderia ser julgada procedente com base no fundamento de que a decisão do TRT10ª Reg teria desrespeitado a parte dispositiva da decisão proferida na ação direta A procedência da Reclamação apenas poderia se apoiar em desrespeito aos fundamentos ou às razões que o STF adotou para pronunciar a inconstitucionalidade Portanto na Reclamação restou em jogo decidir se os motivos determinantes da decisão de inconstitucionalidade ou a sua ratio decidendi teriam força vinculante de modo a evidenciar que a decisão do TRT10ª Reg teria desrespeitado a decisão proferida na ação direta de inconstitucionalidade A Reclamação após grande discussão entre os Ministros foi julgada procedente por maioria de votos Na parte que interessa a ementa do acórdão tem a seguinte redação Ausente a existência de preterição que autorize o sequestro revelase evidente a violação ao conteúdo essencial do acórdão proferido na mencionada ação direta que possui eficácia erga omnes e efeito vinculante A decisão do Tribunal em substância teve sua autoridade desrespeitada de forma a legitimar o uso do instituto da reclamação Hipótese a justificar a transcendência sobre a parte dispositiva dos motivos que embasaram a decisão e dos princípios por ela consagrados uma vez que os fundamentos resultantes da interpretação da Constituição devem ser observados por todos os tribunais e autoridades contexto que contribui para a preservação e desenvolvimento da ordem constitucional 332 O relator da Reclamação Min Maurício Correa afirmou que o ato impugnado não apenas contrastou a decisão definitiva proferida na ADIn 1662 como essencialmente está em confronto com os seus motivos determinantes 333 Em outras palavras disse o Ministro relator que a decisão contra a qual se reclamou contrariou os motivos determinantes da decisão proferida na ação direta de inconstitucionalidade Acompanharam o Ministro relator admitindo a tese da eficácia vinculante dos motivos determinantes os Ministros Celso de Mello Cezar Peluso Gilmar Mendes e Nelson Jobim Divergiram não admitindo que os fundamentos pudessem ter efeitos vinculantes os Ministros Carlos Ayres Britto Marco Aurélio Sepúlveda Pertence e Carlos Mário Velloso sendo que este último ao que parece contraditoriamente admitiu a Reclamação O Min Carlos Velloso negou a abrangência da eficácia vinculante aos fundamentos e por isso não poderia ter admitido que a decisão do TRT10ª Reg baseada na EC 30 desconsiderou a eficácia vinculante da decisão proferida na ADIn 1662 que declarou a inconstitucionalidade de ato normativo do TST Eis o que disse o Ministro Não me oponho Sr Presidente a esse efeito vinculante que considero inerente à natureza da decisão proferida na ação direta Quando esse efeito vinculante ficou expresso na Constituição com a EC 31993 CF art 103 2º relativamente à ADC afirmei que a EC 31993 apenas explicitou algo já existente implicitamente Esse entendimento mais recentemente veio a predominar nesta Corte Deve ficar claro entretanto que o efeito vinculante está sujeito a uma limitação objetiva o ato normativo objeto da ação o dispositivo da decisão vinculante não os seus fundamentos 334 O Min Velloso embora tenha afirmado que o efeito vinculante é inerente à natureza da decisão proferida na ação direta deixa claro que na sua concepção este efeito incide sobre o dispositivo da decisão e não sobre os seus fundamentos O Min Carlos Britto ao proferir o seu voto disse que acompanharia o voto do relator mas observando o limite objetivo da reclamação 335 o que obviamente seria simplesmente não admitir a tese da eficácia vinculante já que os limites objetivos desta dada a sua própria natureza não se limitam ao dispositivo da decisão O Min Pertence mostrandose incomodado com a atribuição de eficácia vinculante aos fundamentos da decisão concluiu que não se poderia transformar em súmula vinculante qualquer premissa de uma decisão 336 revelando não estar em sintonia não só com o significado de ratio decidendi mas também com o de eficácia vinculante O Min Marco Aurélio argumentou que a atribuição de efeito vinculante à fundamentação equivaleria à admissão de coisa julgada em relação aos fundamentos da decisão 337 Há aí visível confusão entre eficácia vinculante e coisa julgada material Ainda que o CPC de 2015 permita falar em coisa julgada em relação à questão que determina a resolução do caso art 503 1º do CPC2015 e inclusive de coisa julgada em favor de terceiros art 506 do CPC2015 tal fenômeno certamente se diferencia especialmente em face dos seus objetivos da eficácia vinculante que recai sobre a ratio decidendi Reconhecidamente favorável à tese da eficácia transcendente da fundamentação o Min Gilmar Mendes lembrou a literatura alemã advertindo que embora na Alemanha exista discussão acerca dos limites objetivos dos efeitos vinculantes se abrangentes da fundamentação ou apenas do dispositivo a razão de ser do 31 338 da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional alemão teria sido a de dotar as suas decisões de uma eficácia transcendente que caso fosse limitada ao dispositivo da decisão não teria muito a acrescentar à função desempenhada pela coisa julgada material além de diminuir significativamente a contribuição que o Tribunal Constitucional pode dar à preservação e ao desenvolvimento da ordem constitucional 339 Merece destaque a lembrança do Min Gilmar Mendes à doutrina de Klaus Vogel que embora aludindo à coisa julgada disse que a sua extensão iria além do dispositivo para abranger o que designou de norma decisória concreta Essa seria a ideia jurídica subjacente à formulação contida na parte dispositiva que concebida de forma geral permite não só a decisão do caso concreto mas também a decisão de casos semelhantes 340 Na verdade Vogel está rotulando a força obrigatória das decisões peculiar ao common law de coisa julgada ou ainda mais precisamente está conferindo à fundamentação o que o common law atribui à ratio decidendi É certo que é possível impedir às partes de rediscutir os fundamentos da decisão conforme agora enfatiza o art 503 1º do CPC de 2015 Porém há que se notar que este impedimento apenas pode atingir as partes ou beneficiar aqueles que são titulares de pretensões que têm como base a mesma questão já plenamente debatida e decidida em outro processo não tendo qualquer relação com a eficácia obrigatória dos precedentes das Cortes Supremas Tratase em verdade da distinção corrente no common law entre collateral estoppel e stare decisis 341 O conceito de Vogel deve a sua originalidade à concepção de ratio decidendi Notese que assim como a ratio decidendi a norma decisória concreta está à distância do dispositivo e dos fundamentos Para permitir a decisão de casos semelhantes tanto a ratio decidendi quanto a norma decisória concreta devem constituir uma espécie de extrato significativo da fundamentação Porém não obstante a equivocada assimilação entre eficácia vinculante e coisa julgada o conceito de Vogel quando bem visto contém um plus significativo em relação à ideia de eficácia vinculante ou transcendente da fundamentação É que a ideia de norma decisória concreta diz respeito à porção da fundamentação em que se identifica o motivo pelo qual se decidiu e portanto com o isolamento de uma parte significativa da fundamentação deixadas de lado aquelas que não importam como razões de decidir que assim são obiter dicta O conceito de Vogel se aproxima do de motivos determinantes da decisão visto que o qualificativo determinante supõe o motivo como imprescindível e essencial e deste modo como não supérfluo restando em uma só dimensão guardadas as suas particularidades as ideias de ratio decidendi norma decisória concreta e motivos determinantes tragende Gründe da decisão Ao se colocarem os conceitos de norma decisória concreta e de motivos determinantes da decisão na mesma dimensão do conceito de ratio decidendi desejase apenas evidenciar a importância de se extrair da fundamentação o que realmente levou a Corte a decidir bem como a sublinhar que a não identificação desta porção da fundamentação gera incerteza colocando em sério risco a segurança jurídica e a própria missão atribuída à Corte Suprema O conceito de coisa julgada material não é relevante quando se pretende dar estabilidade às decisões das Cortes Supremas Nem mesmo a eficácia vinculante caso limitada à parte dispositiva aí teria alguma importância Nessa dimensão de qualquer forma não há por que não admitir a adoção de ratio decidendi ou da eficácia vinculante dos motivos determinantes de decisão de inconstitucionalidade em caso em que se impugne norma de conteúdo similar Vale o mesmo como é óbvio para o caso em que a decisão proferida na ação direta é de constitucionalidade Os motivos determinantes da decisão de constitucionalidade assim como aqueles que determinam a decisão de inconstitucionalidade têm caráter vinculante por identidade absoluta de razões O Min Celso de Mello ao apreciar requerimento de medida liminar na Rcl 2986 colocouse diante da questão da possibilidade de se outorgar eficácia vinculante aos motivos determinantes da decisão declaratória de constitucionalidade proferida na ADIn 2868 Argumentou o Min Celso de Mello que o ato judicial objeto da reclamação teria desrespeitado os fundamentos determinantes da decisão proferida no julgamento final da ADIn 2868 precisamente porque naquela oportunidade o Plenário da Suprema Corte reconhecera como constitucionalmente válida para efeito de definição de pequeno valor e de consequente dispensa de expedição de precatório a possibilidade de fixação pelos Estados membros de valor referencial inferior ao do art 87 do ADCT na redação dada pela EC 372002 o que foi recusado pela decisão do órgão judicial sergipano objeto da Reclamação Assim concluiu o Min Celso de Mello que o caso representaria hipótese de violação ao conteúdo essencial do acórdão consubstanciador do julgamento da ADIn 2868 caracterizando possível transgressão ao efeito transcendente dos fundamentos determinantes da decisão plenária do STF ainda que proferida em face de legislação estranha ao Estado de Sergipe autor da Reclamação em análise Diante disso deferiuse a liminar suspendendose os efeitos da decisão reclamada 342 Mas não são apenas os fundamentos determinantes das decisões proferidas em ação direta que possuem efeitos vinculantes As razões que sustentam a eficácia vinculante dos fundamentos determinantes das decisões proferidas no controle principal também se impõem no controle incidental Ou seja os fundamentos determinantes das decisões proferidas em recurso extraordinário igualmente têm eficácia vinculante Os fundamentos determinantes revelando a doutrina do Supremo Tribunal acerca de questão constitucional passam a obrigar os demais órgãos judiciais e em certa medida a própria Suprema Corte pouco importando que tenham sido fixados em decisão proferida em sede de controle incidental Neste sentido o relator da Rcl 2363 343 Min Gilmar Mendes lembrou que os Ministros do Supremo Tribunal mediante decisão monocrática vêm aplicando tese fixada em precedentes onde se discutiu a inconstitucionalidade de lei em sede de controle difuso emanada por ente federativo diverso daquele prolator da lei objeto do recurso extraordinário sob exame 344 Não obstante decisões posteriores do STF deixaram de reafirmar a tese da eficácia vinculante dos fundamentos determinantes assim por exemplo na Rcl 2475 345 e na Rcl 5082 346 8168 Eficácia temporal da revogação de precedente formado no controle incidental 81681 A questão nos Estados Unidos A revogação de um precedente overruling tem em regra efeitos retroativos nos Estados Unidos e no common law Como a revogação do precedente significa a admissão de que a tese nele enunciada vigente até o momento da decisão revogadora estava equivocada ou se tornou incompatível com os novos valores ou com o próprio direito aceitase naturalmente a ideia de que a decisão deve retroagir para apanhar as situações que lhe são anteriores tenham dado origem ou não a litígios cujos processos devem estar em curso 347 As decisões do common law são normalmente retroativas no sentido de que a nova regra estabelecida para o caso sob julgamento é aplicável às situações que ocorreram antes da decisão que as fixou bem como a todas aquelas que lhes são similares e assim estão expostas à mesma ratio decidendi Porém a prática judicial americana tem evidenciado em tempos recentes hipóteses em que é necessário não permitir a retroatividade da nova regra firmada na decisão que revogou o precedente 348 Nestas situações as Cortes mostramse particularmente preocupadas em tutelar o princípio da segurança especialmente na sua feição de garante da previsibilidade e a confiança depositada pelos jurisdicionados nos atos do Poder Público Eisenberg enfatiza que the major justification for prospective overruling is the protection of justifiable reliance 349 Há aí antes de tudo plena consciência de que a retroatividade de uma decisão que substitui precedente que por certo período de tempo pautou e orientou a conduta dos jurisdicionados é tão injusta quanto a perpetuação do precedente judicialmente declarado injusto Mas para que a não retroatividade se justifique exigese que a credibilidade do precedente não tenha sido abalada de modo a não tornar previsível a sua revogação Caso a doutrina e os tribunais já tenham advertido para o equívoco do precedente ou apontado para a sua conveniente ou provável revogação não há confiança justificável ou confiança capaz de fazer acreditar que os jurisdicionados tenham legitimamente traçado os seus comportamentos e atividades de acordo com o precedente De modo que para que o overruling não tenha efeitos retroativos as situações e relações antes estabelecidas devem ter se fundado em uma confiança qualificada que pode ser dita uma confiança justificada 350 Há casos em que o precedente pode deixar de corresponder aos valores que o inspiraram ou se tornar inconsistente e ainda assim não se mostrar razoável que a sua revogação atinja situações passadas em virtude de a confiança justificável então caracterizada sobreporse à ideia de fazer a revogação valer para trás Não obstante embora com a irretroatividade dos efeitos do overruling ou com o overruling com efeitos prospectivos se garanta o princípio da segurança e se proteja a confiança nos atos do Poder Público daí também podem advir custos ou prejuízos O prospective overruling pode gerar resultados ou decisões inconsistentes especialmente quando se está diante do overruling cujos efeitos apenas podem ser produzidos a partir de certa data ou do overruling cujos efeitos retroativos incidem apenas sobre determinado caso 351 Notese que na primeira hipótese como o overruling tem efeitos somente a partir de certa data as situações e relações que se formam depois da decisão são tratadas de modo diverso conforme tenham se estabelecido antes ou depois da data prevista na decisão ainda que esta tenha declarado a ilegitimidade do precedente De outro lado a admissão da retroatividade em relação a apenas um caso ou somente ao caso sob julgamento faz com que todos os outros casos passados sejam tratados à luz do precedente embora se declare que este não mais tem autoridade Tais situações permitem o surgimento de resultados inconsistentes Esta última situação é exemplificada pelo caso Molitor v Kaneland Community Tratase de caso em que a Corte de Illinois revogou o precedente da imunidade municipal responsabilizando o município pelos danos sofridos por Thomas Molitor em acidente de ônibus escolar Nesta hipótese decidiuse que a nova regra não seria aplicada a casos anteriores exceto o de Thomas o caso sob julgamento Contudo mais tarde a Corte percebeu que teria de aplicar a nova regra a outras sete crianças três delas irmãos de Thomas que também estavam no ônibus que se acidentara em virtude de ter reconhecido que todas as crianças que viajavam no ônibus deveriam ser tratadas de igual forma 352 Por sua vez a primeira hipótese acima referida é exemplificada por Spaniel v Mounds View School District n 621 em que a Corte de Minnesota revogou o precedente que conferia imunidade às unidades municipais como cidades e distritos estudantis recusandose a aplicar a nova regra ao caso sob julgamento e declarando que os seus efeitos deveriam ficar contidos até o final da próxima legislatura de Minnesota 353 Quando se posterga a produção de efeitos da nova regra falase em prospective prospective overruling Ademais como esclarece Eisenberg aludese a pure prospective overruling para demonstrar o que ocorre quando a Corte não aceita que a nova regra regule o próprio caso sob julgamento restando a terminologia prospective overruling para anunciar a mera irretroatividade da nova regra às situações anteriores à data da decisão 354 Há outras situações intermediárias Assim em Li v Yellow Cab Co a Suprema Corte da Califórnia revogou o precedente da contributory negligence pela regra da comparative negligence deixando claro que a nova regra não seria aplicável aos casos com julgamento em curso Em Whitinsville Plaza relacionouse a técnica do overruling prospectivo com a técnica da sinalização 355 ou seja decidiuse que a nova regra teria efeitos retroativos até a data da decisão em que ocorrera a sinalização 356 Se mediante a técnica da sinalização conquanto se deixe de revogar o precedente adverte se para a sua provável e próxima revogação pouca diferença existiria em substituir tal técnica pela revogação imediata do precedente com efeitos prospectivos a partir de certa data futura Portanto quando se revoga o precedente e sinalização anterior foi feita é coerente admitir a retroatividade da nova regra até a data da decisão sinalizadora ou até data em que se supõe que o sinal foi absorvido na comunidade jurídica Há um caso sublinhado por Eisenberg em que o prospective overruling possui grande importância para a consistência de resultados Tratase da hipótese em que a Corte possui motivos para acreditar que o overruling será revertido pelo Legislativo que dará melhor regulação à situação Nesta hipótese além de não se desejar interferência sobre o passado não se quer que a decisão atinja as situações intermediárias entre o overruling e a regra legislativa preferindose que a revogação tenha seus efeitos contidos até a data em que se presuma que o Legislativo terá criado a regra Ao se declarar que a revogação vai produzir efeitos após a possível criação legislativa os efeitos do overruling somente serão produzidos caso o Legislativo não atue Foi o que aconteceu em Massachussetts Whitney v City of Worcester em que a Corte utilizando a técnica da sinalização como substituto funcional do prospective overruling afirmou a sua intenção de abrogar o precedente da imunidade municipal no primeiro caso por ela decidido após a conclusão daquela que seria a próxima sessão do Legislativo caso este não houvesse atuado de modo a revogar o precedente 357 Neste caso é certo não houve propriamente overruling com efeitos prospectivos mas manutenção do precedente mediante a técnica da sinalização anunciandose a intenção de se proceder à revogação em caso de não atuação do Legislativo Notese porém que existe maior efetividade em revogar desde logo o precedente contendose os seus efeitos pois nesta hipótese não haverá sequer como temer que o precedente continue a produzir efeitos diante de uma eventual inação da Corte em imediatamente decidir como prometera ao fazer a sinalização De outra parte o prospective overruling pode ainda trazer outros problemas especialmente em suas feições de pure prospective overruling e de prospective prospective overruling 358 Se a nova regra não vale para o caso sob julgamento a energia despendida pela parte não lhe traz qualquer vantagem concreta ou melhor não lhe outorga o benefício almejado por todo litigante que busca a tutela jurisdicional Isso quer dizer que o uso do prospective overruling pode desestimular a propositura de ações judiciais contra determinados precedentes 359 Ademais o uso indiscriminado do pure prospective overruling e do prospective prospective overruling elimina a necessidade de os advogados analisarem como os precedentes estão sendo vistos pela doutrina e de que forma os tribunais vêm tratando de pontos correlatos com aqueles definidos na ratio decidendi do precedente Quando se atribui efeito prospectivo à nova regra impedindose a sua incidência em relação ao caso sob julgamento resta eliminada qualquer possibilidade de a parte ser surpreendida pela decisão judicial ainda que o precedente já tenha sido desautorizado pela doutrina e por decisões que embora obviamente não tenham enfrentado de forma direta a questão resolvida no precedente afirmaram soluções com ele inconsistentes Desse modo a investigação e a análise do advogado não seriam sequer necessárias já que ao jurisdicionado bastaria a mera existência do precedente pouco importando o grau da sua autoridade ou força e portanto a possibilidade ou a probabilidade da sua revogação Assim o uso inadequado do prospective overruling torna de um lado desnecessária a análise sobre se a tutela da segurança jurídica e da confiança fundamenta a não retroatividade dos efeitos do overruling e de outro constitui obstáculo ao desenvolvimento do direito jurisprudencial Na verdade dessa forma o direito deixaria de ser visto como algo em permanente construção negandose o fundamento que deve estar à base de uma teoria dos precedentes Deixese claro que a doutrina de common law entende que a revogação em regra deve ter efeitos retroativos Apenas excepcionalmente em especial quando há confiança justificada no precedente admitese dar efeitos prospectivos ao overruling E isso sem se enfatizar que as Cortes não devem supor razão para a tutela da confiança sem consideração meticulosa analisando se a questão enfrentada é daquelas em que os jurisdicionados costumam se pautar nos precedentes assim como se os tribunais já sinalizaram para a revogação do precedente ou se a doutrina já demonstrou a sua fragilidade 360 81682 Diferentes razões para tutelar a segurança jurídica decisão de inconstitucionalidade e revogação de precedente constitucional O art 27 da Lei 98681999 explicita que o STF ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo tem poder para limitar os seus efeitos retroativos ou darlhe efeitos prospectivos Diz o art 27 que ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social poderá o Supremo Tribunal Federal por maioria de dois terços de seus membros restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado O tema da eficácia temporal da decisão de inconstitucionalidade pronunciada na ação direta será mais bem aprofundado adiante quando se tratar desta ação Mas é importante neste momento anunciar esta possibilidade aludindose à ação direta de inconstitucionalidade em que o STF houve por bem atribuir efeitos prospectivos à sua decisão Isso para demonstrar que embora os efeitos retroativos também possam ser limitados no controle difuso as suas razões não se confundem com as que determinam a limitação da retroatividade ou os efeitos prospectivos no controle concentrado Na ADIn 2240 361 em que se questionou a inconstitucionalidade da lei estadual que criou o Município de Luís Eduardo Magalhães o Supremo não tinha qualquer dúvida sobre a inconstitucionalidade da lei mas temia que ao pronunciála pudesse irremediavelmente atingir todas as situações que se formaram após a edição da lei Receavase que a declaração de inconstitucionalidade não pudesse permitir a preservação das situações estabelecidas antes da decisão de inconstitucionalidade Partindose da teoria da nulidade do ato inconstitucional a preservação do que aconteceu após a edição da lei inconstitucional teria de ter sustentáculo em algo capaz de se contrapor ao princípio de que a lei inconstitucional por ser nula não produz quaisquer efeitos É curioso que o relator inicialmente embora reconhecendo a inconstitucionalidade julgou a ação improcedente E isso para preservar as situações consolidadas em nome do princípio da segurança jurídica 362 Após o voto do relator pediu vistas o Min Gilmar Mendes Em seu voto argumentou que não seria razoável deixar de julgar procedente a ação direta de inconstitucionalidade para não se atingir o passado advertindo que a preservação das situações anteriores poderia se dar ainda que a ação fosse julgada procedente Consta do voto do Min Gilmar Impressionoume a conclusão a que chegou o Min Eros Grau votou pela improcedência da ação após tecer percuciente análise sobre a realidade fática fundada na lei impugnada e o peso que possui no caso o princípio da segurança jurídica De fato há toda uma situação consolidada que não pode ser ignorada pelo Tribunal Com o surgimento no plano das normas de uma nova entidade federativa emergiu no plano dos fatos uma gama de situações decorrentes da prática de atos próprios do exercício da autonomia municipal A realidade concreta que se vincula à lei estadual impugnada já foi objeto de extensa descrição analítica no voto proferido pelo Ministro relator e não pretendo aqui retomála Creio que o Tribunal já se encontra plenamente inteirado das graves repercussões de ordem política econômica e social de uma eventual decisão de inconstitucionalidade 363 Após ter deixado claro que o Ministro relator estava preocupado em proteger as situações consolidadas argumentou o Min Gilmar que a solução do problema não pode advir da simples decisão de improcedência da ação Seria como se o Tribunal focando toda sua atenção na necessidade de se assegurarem realidades concretas que não podem mais ser desfeitas e portanto reconhecendo plena aplicabilidade ao princípio da segurança jurídica deixasse de contemplar na devida medida o princípio da nulidade da lei inconstitucional 364 Depois disso advertiu que embora não se possa negar a relevância do princípio da segurança jurídica no caso é possível primar pela otimização de ambos os princípios ou seja dos princípios da segurança jurídica e da nulidade da lei inconstitucional tentando aplicálos na maior medida possível segundo as possibilidades fáticas e jurídicas que o caso concreto pode nos apresentar 365 Mais tarde sublinhou que a falta de um instituto que permita estabelecer limites aos efeitos da declaração de inconstitucionalidade acaba por obrigar os Tribunais muitas vezes a se abster de emitir um juízo de censura declarando a constitucionalidade de leis manifestamente inconstitucionais 366 E que o perigo de uma tal atitude desmesurada de self restraint ou greater restraint pelas Cortes Constitucionais ocorre justamente nos casos em que como o presente a nulidade da lei inconstitucional pode causar uma verdadeira catástrofe para utilizar a expressão de Otto Bachof do ponto de vista político econômico e social 367 Diante disso consignou o Min Gilmar Não há dúvida portanto e todos os Ministros que aqui se encontram parecem ter plena consciência disso que o Tribunal deve adotar uma fórmula que reconhecendo a inconstitucionalidade da lei impugnada diante da vasta e consolidada jurisprudência sobre o tema resguarde na maior medida possível os efeitos por ela produzidos 368 Nesta linha o Min Gilmar Mendes que acabou sendo acompanhando pelos demais Ministros inclusive pelo Ministro relator que retificou o seu voto com exceção do Min Marco Aurélio que embora julgando procedente a ação de inconstitucionalidade pronunciava a nulidade da lei 369 votou no sentido de aplicando o art 27 da Lei 98681999 declarar a inconstitucionalidade sem a pronúncia da nulidade da lei impugnada mantendo sua vigência pelo prazo de 24 vinte e quatro meses lapso temporal razoável dentro do qual poderá o legislador estadual reapreciar o tema tendo como base os parâmetros que deverão ser fixados na lei complementar federal conforme decisão desta Corte na ADIn 3682 370 Notese que se afirmou estar sendo declarada a inconstitucionalidade mas sem a pronúncia da nulidade da lei impugnada mantendose sua vigência pelo prazo de 24 meses 371 O método utilizado embora similar não se confunde com a técnica do prospective prospective overruling empregada no direito estadunidense 372 A similaridade decorre do fato de se ter mantido a vigência da lei pelo prazo de 24 meses o que permite equiparar esta decisão àquela cujos efeitos operam somente a partir de determinada data no futuro Não há dúvida que ambas as decisões protegem a segurança jurídica É isso precisamente que permite a aproximação das situações Porém a técnica do prospective overruling tem a ver com a revogação de precedentes e não com a declaração de inconstitucionalidade Quando nada indica provável revogação de um precedente e assim os jurisdicionados nele depositam confiança justificada para pautar suas condutas entendese que em nome da proteção da confiança é possível revogar o precedente com efeitos puramente prospectivos a partir do trânsito em julgado ou mesmo com efeitos prospectivos a partir de certa data ou evento 373 Isso ocorre para que as situações que se formaram com base no precedente não sejam atingidas pela nova regra Contudo na decisão proferida pelo STF na ação direta de inconstitucionalidade do município de Luis Eduardo Magalhães não há como pensar em proteção da confiança fundada nos precedentes Lembrese que a Corte reconheceu que os seus próprios precedentes eram no sentido da inconstitucionalidade e que exatamente por conta disso não se concebia julgamento de improcedência da ação Quando não se outorga efeito retroativo à decisão de inconstitucionalidade objetivase preservar as situações que se consolidaram com base na lei inconstitucional Nessa situação entra em jogo a relação entre os princípios da nulidade da lei inconstitucional e da segurança jurídica mas certamente não importa a proteção da confiança justificada nos precedentes judiciais A segurança jurídica é deduzida para proteger situações consolidadas que se fundaram na lei declarada inconstitucional mas não para justificar ações que se pautaram em precedente revogado 81683 Efeitos inter partes e vinculantes da decisão de inconstitucionalidade no controle incidental e da decisão que revoga precedente constitucional A decisão proferida em recurso extraordinário no que diz respeito à questão constitucional envolvida possui efeitos com qualidades distintas Além de atingir as partes em litígio impedindo que voltem a discutir a questão constitucional para tentar modificar a tutela jurisdicional concedida a decisão possui efeitos vinculantes obrigando todos os juízes e tribunais a respeitála Consideramse nesta dimensão os fundamentos da decisão ou mais precisamente os seus motivos determinantes ou a sua ratio decidendi e não o seu dispositivo Ou seja os motivos determinantes em relação à tutela jurisdicional se tornam indiscutíveis às partes e obrigatórios aos demais órgãos judiciais Declarada incidentalmente a inconstitucionalidade da norma essa não produz efeitos no caso sob julgamento mas não é declarada nula A norma se torna inaplicável nos demais casos porque os juízes e os tribunais ficam vinculados aos fundamentos da decisão que determinaram a inconstitucionalidade A decisão que revoga precedente negando os seus motivos determinantes ou a sua ratio decidendi é pensada em diferentes perspectivas conforme a decisão revogadora pronuncie a inconstitucionalidade ou a constitucionalidade No primeiro caso em princípio a norma não é aplicada ao caso sob julgamento e em virtude da eficácia vinculante não deverá ser aplicada nos casos que se seguirem Na hipótese de constitucionalidade também em princípio a norma será aplicada no caso sob julgamento e em face da eficácia vinculante em todos os casos seguintes No primeiro caso a norma não é declarada nula mas os seus efeitos ficam paralisados No segundo como a norma estava em estado de letargia os seus efeitos são ressuscitados Porém o dilema que marca a revogação de precedente está exatamente na alteração do sinal de vida dos efeitos da norma Numa hipótese a norma deixa de produzir efeitos e na outra passa a produzilos Isso entretanto tem nítida interferência nas relações e situações que se pautaram no precedente revogado considerando a decisão de inconstitucionalidade ou a decisão de constitucionalidade A situação que considerando precedente constitucional afronta a decisão que o revogou merece cuidado especial A ordem jurídica composta pelas decisões judiciais especialmente as do STF gera expectativa e merece confiança tuteláveis pelo princípio da segurança jurídica Assim é preciso investigar se há confiança que pode ser dita justificada no precedente revogado Basicamente é necessário verificar se o precedente tinha suficiente força ou autoridade à época da prática da conduta ou da celebração do negócio para fazer ao envolvido crer estar atuando em conformidade com o direito Existindo confiança justificada é legítimo decidir no controle difuso de modo a preservar as situações que se pautaram no precedente Percebase que aí não há limitação da retroatividade dos efeitos da decisão de inconstitucionalidade mas modulação da eficácia vinculante da decisão anunciandose ser ela inaplicável diante das situações que justificadamente se pautaram no precedente revogado Não se pode falar em limitação da retroatividade dos efeitos da decisão de inconstitucionalidade mas sim em modulação dos efeitos vinculantes não somente porque a decisão revogadora pode ser no sentido da constitucionalidade mas também porque não se está diante de decisão que produz efeitos diretos erga omnes mas de decisão que gera efeitos inter partes Em verdade há apenas necessidade de definir em que limite temporal ou situações concretas o precedente revogador terá eficácia vinculante De qualquer forma é inegável que a modulação da eficácia vinculante em relação às situações consolidadas acaba gerando uma limitação de retroatividade do precedente 81684 Eficácia prospectiva de decisão revogadora de precedente constitucional e de decisão proferida em controle incidental Não há dúvida que as decisões proferidas em recurso extraordinário produzem eficácia vinculante em relação aos seus motivos determinantes assim como as decisões prolatadas em controle principal Como é óbvio para se admitir a eficácia vinculante no controle incidental não é preciso argumentar que a eficácia vinculante é viável no controle principal Da mesma forma a circunstância de ser possível atribuir efeito prospectivo à decisão de procedência na ação direta de inconstitucionalidade nada tem a ver com a viabilidade de se atribuírem efeitos prospectivos à decisão proferida em sede de recurso extraordinário A modulação dos efeitos das decisões proferidas em recurso extraordinário não é consequência lógica da possibilidade de se atribuírem efeitos prospectivos às decisões proferidas em ação direta de inconstitucionalidade Atribuir eficácia vinculante aos fundamentos determinantes da decisão é o mesmo que conferir autoridade aos fundamentos da decisão em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário Esses ficam vinculados ou obrigados em face dos fundamentos da decisão ou seja diante da ratio decidendi do precedente De modo que a técnica da obrigatoriedade do respeito aos fundamentos determinantes é utilizada para atribuir força ou autoridade aos precedentes judiciais e não obviamente para simplesmente reafirmar a teoria da nulidade do ato inconstitucional Igualmente a modulação dos efeitos das decisões proferidas em recurso extraordinário não é tributária da possibilidade de se modularem os efeitos das decisões de inconstitucionalidade no controle principal O poder de modular os efeitos das decisões em sede de controle incidental deriva exclusivamente do princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança justificada A declaração de inconstitucionalidade proferida em recurso extraordinário embora tenha eficácia vinculante obrigando os demais órgãos do Poder Judiciário não elimina sem a atuação do Senado Federal a norma do ordenamento jurídico que resta por assim dizer em estado latente É certamente possível que a decisão que reconheceu a inconstitucionalidade de determinada norma um dia seja contrariada pelas mesmas razões que autorizam a revogação de precedente constitucional ou dão ao STF a possibilidade de declarar inconstitucional norma que já afirmou constitucional Tratase do mesmo processo em que nos Estados Unidos a Suprema Corte ressuscita a lei que era vista como dead law por já ter sido declarada inconstitucional Na verdade em sede de controle incidental o STF sempre tem a possibilidade a partir de critérios rígidos de negar os fundamentos determinantes das suas decisões sejam elas de inconstitucionalidade ou de constitucionalidade Porém como a revogação de um precedente institui nova regra a ser observada pelos demais órgãos judiciários é pouco mais do que evidente a possibilidade de se violentarem a segurança jurídica e a confiança depositada no próprio STF Quando não há indicações de que o precedente será revogado e assim há confiança justificada não há razão para tomar de surpresa o jurisdicionado sendo o caso de atribuir efeitos prospectivos à decisão seja ela de inconstitucionalidade ou de constitucionalidade Portanto cabe analisar em determinadas situações a eficácia a ser dada à decisão que revoga precedente constitucional e assim a necessidade de limitar a retroatividade para tutelar as situações que se pautaram no precedente revogado Embora a viabilidade de outorgar efeitos prospectivos à decisão de inconstitucionalidade esteja expressa no art 27 da Lei 98681999 374 é indiscutível que esta possibilidade advém do princípio da segurança jurídica o que significa que ainda que se entendesse que tal norma se aplica apenas ao controle principal não haveria como negar a possibilidade de modular os efeitos da decisão proferida em recurso extraordinário 375 O STF já teve oportunidade de tratar desta importante questão Isto ocorreu na Rcl 2391 em que se analisou o tema do direito de recorrer em liberdade e a constitucionalidade em face do princípio da não culpabilidade dos arts 9º da Lei 90341995 e 3º da Lei 96131998 que prescrevem respectivamente que o réu não poderá apelar em liberdade nos crimes previstos nesta Lei e que os crimes disciplinados nesta Lei são insuscetíveis de fiança e liberdade provisória e em caso de sentença condenatória o juiz decidirá fundamentadamente se o réu poderá apelar em liberdade O Min Gilmar Mendes acompanhando os votos proferidos pelos Ministros Marco Aurélio e Cezar Peluso declarou incidentalmente a inconstitucionalidade do art 9º da Lei 90341995 e emprestou ao art 3º da Lei 96131998 interpretação conforme à Constituição no sentido de que o juiz na hipótese de sentença condenatória fundamente a existência ou não dos requisitos para a prisão cautelar Logo após porém considerando que com esta decisão estarseia revisando jurisprudência firmada pelo Superior Tribunal Federal amplamente divulgada e com inegáveis repercussões no plano material e processual admitiu a possibilidade da limitação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade em sede de controle difuso e assim atribuiu à sua decisão efeitos ex nunc 376 Ao se limitarem os efeitos retroativos em nome da confiança justificada não se está restringindo os efeitos diretos da decisão sobre os casos que podem ser julgados ou que estão em julgamento mas se está deixando de atribuir eficácia vinculante à decisão proferida para obrigar os órgãos judiciais diante dos casos que podem vir a dar origem a processos judiciais ou que já estão sob julgamento em processos em andamento Frisese que a necessidade de modulação no caso de revogação de precedente decorre da preocupação de não atingir as situações que com base nele se formaram e não da imprescindibilidade de proteger as situações que se consolidaram com base na lei inconstitucional Contudo no Brasil a técnica dos efeitos prospectivos foi pensada a partir da teoria da nulidade dos atos inconstitucionais vale dizer para tutelar a segurança jurídica mas em virtude do princípio da nulidade da lei inconstitucional Daí não se ter percebido por algum tempo a imprescindibilidade da adoção desta técnica em sede de controle incidental em especial quando se revoga precedente constitucional ou se altera o que ainda se chama de jurisprudência dominante O CPC de 2015 considerou tal necessidade no seu art 927 3º que dispõe que na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica Não se pensa em confiança justificada para se dar efeitos prospectivos na hipótese de decisão de inconstitucionalidade Só há razão para investigar se a confiança é justificada quando se trata de revogação de precedente É apenas aí que importa verificar se havia na academia e nos tribunais manifestações que evidenciavam o enfraquecimento do precedente ou apontavam para a probabilidade da sua revogação a eliminar a confiança justificada De modo que nesta situação tutelase o passado em nome da confiança que se depositou nas decisões judiciais enquanto no caso de decisão de inconstitucionalidade tutelamse excepcionalmente as situações que se formaram na vigência da lei declarada inconstitucional Em verdade os fundamentos para se darem efeitos prospectivos em cada um dos casos são diferentes Os fundamentos bastantes para se darem efeitos prospectivos na hipótese de revogação de precedente estão longe das razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social que justificam efeitos prospectivos em caso de decisão de inconstitucionalidade É certo que a limitação da retroatividade da revogação de precedente constitucional se funda na confiança justificada e assim não tem o mesmo fundamento dos efeitos prospectivos na ação direta de inconstitucionalidade Porém mesmo em recurso extraordinário pode haver limitação da retroatividade ou atribuição de efeito prospectivo ainda que não se esteja diante de decisão revogadora de precedente Há casos em que o STF pode declarar a inconstitucionalidade da norma e limitar a retroatividade da decisão decidindo com efeitos ex nunc ou mesmo excluir o próprio caso sob julgamento dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade à semelhança do que se faz no direito estadunidense mediante o pure prospective overruling 377 Ou ainda definir uma data a partir da qual a decisão passará a produzir efeitos como ocorre quando se aplica o prospective prospective overruling O STF já limitou a retroatividade de decisão proferida em recurso extraordinário sem relacionála à confiança justificada em jurisprudência consolidada Assim sucedeu no RE 197917 378 em que se declarou a inconstitucionalidade de norma da Lei Orgânica do Município de Mira Estrela por ofensa ao art 29 IV a da CF 379 Entendeuse no caso que o Município diante da sua população somente poderia ter nove vereadores e não onze como fixado em norma de sua Lei Orgânica Em seu voto disse o relator Min Maurício Corrêa ter bem decidido o magistrado de primeiro grau ao declarar incidenter tantum a inconstitucionalidade do parágrafo único do art 6º da Lei Orgânica em causa mas que o juiz não poderia alterar o seu conteúdo fixando de pronto o número de vereadores usurpando por isso mesmo competência constitucional específica outorgada tão só ao Poder Legislativo do Município CF art 29 caput IV Agindo dessa forma o Poder Judiciário estaria assumindo atribuições de legislador positivo que não lhe foi reservada pela Carta Federal para a hipótese Oficiado à Câmara Legislativa local acerca da inconstitucionalidade do preceito impugnado cumpre a ela tomar as providências cabíveis para tornar efetiva a decisão judicial transitada em julgado 380 O Min Gilmar Mendes concordando com o relator quanto à inconstitucionalidade da norma advertiu que no caso em tela observase que eventual declaração de inconstitucionalidade com efeito ex tunc ocasionaria repercussões em todo o sistema vigente atingindo decisões que foram tomadas em momento anterior ao pleito que resultou na atual composição da Câmara Municipal fixação do número de vereadores fixação do número de candidatos definição do quociente eleitoral Igualmente as decisões tomadas posteriormente ao pleito também seriam atingidas tal como a validade da deliberação da Câmara Municipal nos diversos projetos e leis aprovados Por conta disso declarou a inconstitucionalidade da norma da Lei Orgânica do Município de Mira Estrela explicitando que a declaração da inconstitucionalidade da lei não afeta a composição da atual legislatura da Câmara Municipal cabendo ao Legislativo Municipal estabelecer nova disciplina sobre a matéria em tempo hábil para que se regule o próximo pleito eleitoral declaração de inconstitucionalidade pro futuro 381 81685 A função do Senado Federal Embora o controle difuso da constitucionalidade tenha sido instituído no direito brasileiro com a Constituição de 1891 apenas na Constituição de 1934 previuse a comunicação ao Senado Federal acerca da decisão do STF que declara a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo Disse o art 96 da Carta de 1934 Quando a Corte Suprema declarar inconstitucional qualquer dispositivo de lei ou ato governamental o Procurador Geral da República comunicará a decisão ao Senado Federal para os fins do art 91 IV e bem assim à autoridade legislativa ou executiva de que tenha emanado a lei ou o ato O art 91 IV deu ao Senado Federal o poder de suspender a execução no todo ou em parte de qualquer lei ou ato deliberação ou regulamento declarados inconstitucionais Com a suspensão da execução da lei pretendeuse atribuir à decisão de inconstitucionalidade eficácia contra todos evitandose que ficasse restrita às partes do processo em que proferida Como as decisões de inconstitucionalidade não tinham força obrigatória ou em outras palavras como os fundamentos determinantes dessas decisões não possuíam eficácia vinculante os juízes e tribunais podiam continuar realizando o controle incidental de constitucionalidade sem respeitar o que já decidira o STF Outra razão para atribuir ao Senado Federal o poder de suspender a execução da lei foi encontrada numa visão já superada do princípio da separação dos poderes Entendiase que a suspensão da eficácia da norma em caráter geral deveria depender da manifestação do Poder incumbido de criar as leis e não apenas do Poder Judiciário Passado algum tempo e já em face do controle concentrado a elaboração teórica e jurisprudencial da coisa julgada erga omnes teve o efeito prático de outorgar eficácia geral às decisões de inconstitucionalidade Lembrese que antes da EC 31993 não existia norma legal ou constitucional a regular os efeitos derivados das decisões proferidas no controle abstrato de constitucionalidade A jurisprudência do STF construiu a tese dos efeitos erga omnes da decisão de inconstitucionalidade À luz da EC 11969 o STF inicialmente submetia a decisão de inconstitucionalidade proferida em controle abstrato ao Senado Federal para que este determinasse a suspensão da execução da lei Porém ainda antes da Constituição Federal de 1988 o STF passou a entender que as suas decisões proferidas em controle abstrato de constitucionalidade produziam coisa julgada erga omnes e por isso dispensavam a atuação do Senado Federal Assim na Representação 10163 o Min Moreira Alves proferiu voto seguido à unanimidade em que se observa a seguinte passagem Para a defesa de relações jurídicas concretas em face de leis ordinárias em desconformidade com as Constituições vigentes na época em que aquelas entraram em vigor há a declaração de inconstitucionalidade incidenter tantum que só passa em julgado para as partes em litígio consequência estritamente jurídica e que só tem eficácia erga omnes se o Senado Federal houver por bem decisão de conveniência política suspendêla no todo ou em parte Já o mesmo não ocorre com referência à declaração de inconstitucionalidade obtida em representação a qual passa em julgado erga omnes com reflexos sobre o passado a nulidade opera ex tunc independentemente de atuação do Senado por se tratar de decisão cuja conveniência política do processo de seu desencadeamento se fez a priori e que se impõe quaisquer que sejam as consequências para as relações jurídica concretas pelo interesse superior da preservação do respeito à Constituição que preside à ordem jurídica vigente 382 Assim a necessidade de atuação do Senado Federal voltou a ter relação exclusiva com as decisões de inconstitucionalidade proferidas pelo STF em controle incidental Não obstante como visto na passagem do voto do Min Moreira Alves há pouco destacada o Senado Federal quando comunicado da decisão não é obrigado a suspender a lei declarada inconstitucional 383 O Senado tem o poder de aferir a conveniência política da suspensão da execução da lei declarada inconstitucional pelo STF De modo que a previsão de comunicação ao Senado Federal hoje prevista no art 52 X da CF não constitui sequer garantia de que a decisão tomada em controle incidental terá eficácia contra todos ou melhor será observada por todos os demais órgãos judiciários Porém a percepção de que as decisões do STF constituem precedentes constitucionais que obrigatoriamente devem ser respeitados pelos demais tribunais tornou imprescindível atribuir eficácia vinculante aos motivos determinantes das suas decisões não importando se estas são proferidas em controle principal ou incidental Paradoxalmente ao contrário do que se poderia supor num primeiro instante a eficácia vinculante tem maior importância para o controle incidental do que para o controle principal já que nesse último ao menos a parte dispositiva da decisão possui eficácia geral Notese que embora a eficácia vinculante seja indispensável a qualquer precedente constitucional a eficácia erga omnes é conatural ao controle objetivo e não à decisão proferida inter partes Ora se as decisões proferidas pelo STF em controle incidental têm eficácia vinculante é completamente desnecessário reservar ao Senado Federal o poder para atribuir efeitos gerais às decisões de inconstitucionalidade Como é evidente ainda que o Senado tenha este poder o fato de esta Casa Legislativa não atuar não pode conduzir à conclusão de que a decisão do STF não produziu ou deixou de produzir eficácia vinculante A omissão do Senado não pode se contrapor à eficácia vinculante da decisão do STF Aliás seria pouco mais do que ilógico supor que a eficácia geral somente pode ser atribuída às decisões de inconstitucionalidade e não às demais decisões proferidas pelo STF A mesma razão que impõe eficácia obrigatória vinculante ou geral às decisões de inconstitucionalidade exige que se dê eficácia vinculante às decisões que se utilizam das técnicas da interpretação conforme e da declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto assim como as que se limitam a definir a interpretação de acordo com a Constituição Portanto negar eficácia vinculante aos precedentes constitucionais em virtude de o Senado Federal ter poder para suspender os efeitos de lei declarada inconstitucional além de lamentável e curiosamente impedir que as decisões do STF gozem da devida autoridade constitui equívoco fácil de ser apanhado Quando se percebe com clareza que dar eficácia vinculante a um precedente constitucional significa dar autoridade às decisões do STF e não excluir uma lei do ordenamento jurídico tornase possível ver que assim como as decisões de constitucionalidade podem ser revogadas o mesmo pode ocorrer com as decisões de inconstitucionalidade Ora nada impede que uma lei declarada inconstitucional em controle difuso seja mais tarde e a partir dos devidos pressupostos declarada constitucional pelo STF Além disso a técnica dos efeitos prospectivos tem íntima ligação com a racionalidade da eficácia vinculante dos precedentes já que obriga os demais tribunais a se comportarem como se a norma apesar de inconstitucional estivesse produzindo efeitos Notese nesta dimensão que a decisão do STF que em recurso extraordinário é modulada de forma a produzir efeitos a partir de certo instante obviamente não tem qualquer sentido se os demais juízos puderem pronunciar a inconstitucionalidade nos casos concretos que estiverem em suas mãos Em outras palavras tal técnica ao menos no controle incidental só tem sentido quando ligada à eficácia vinculante Bem vistas as coisas exigir a comunicação ao Senado Federal é admitir algo que deixou de ter razão de ser 384 Não há qualquer razão para se exigir a comunicação do Senado Federal ao menos para o efeito de se atribuir eficácia geral à decisão de inconstitucionalidade Para alguns Ministros do STF a comunicação ao Senado Federal atualmente é feita apenas para que se publique a decisão no Diário do Congresso É importante a respeito a Rcl 4335 proposta em face de decisões do Juiz de Direito da Vara de Execuções Penais da Comarca de Rio Branco Estado do Acre que indeferiram pedidos de progressão de regime em favor de condenados a penas de reclusão em regime integralmente fechado pela prática de crimes hediondos 385 Nesta Reclamação afirmouse ofensa à autoridade da decisão proferida pelo STF no HC 82959 em que se declarou incidentalmente a inconstitucionalidade do 1º do art 2º da Lei 80721990 que vedava a progressão de regime a condenados pela prática de crimes hediondos O relator Min Gilmar Mendes julgou procedente a Reclamação para cassar as decisões impugnadas sob o fundamento de que estas afrontam a decisão proferida no HC 82959 Examinou o argumento do juiz de direito no sentido de que a eficácia erga omnes da decisão proferida no HC 82959 dependeria da expedição de resolução do Senado Federal suspendendo a execução da lei CF art 52 X dizendo ser necessária atualmente a reinterpretação de institutos relacionados ao controle incidental de inconstitucionalidade em especial o da suspensão da execução da lei pelo Senado Federal Concluiu que as decisões proferidas pelo juízo reclamado desrespeitaram a eficácia vinculante da decisão proferida pelo STF no HC 82959 e que como esta decisão tem eficácia geral a fórmula relativa à suspensão de execução da lei pelo Senado há de ter simples efeito de publicidade ou seja de comunicar esta Casa Legislativa para que publique a decisão no Diário do Congresso O Min Eros Grau acompanhou o voto do relator afirmando que a decisão de inconstitucionalidade do STF ainda que proferida no controle incidental tem eficácia vinculante e que assim o art 52 X da CF atribui ao Senado Federal competência apenas para dar publicidade à decisão de inconstitucionalidade admitindo a tese da mutação constitucional sustentada pelo relator Min Gilmar Mendes O Min Sepúlveda Pertence votando logo após julgou improcedente a Reclamação porém concedeu habeas corpus de ofício para o juiz de direito examinar os demais requisitos para o deferimento da progressão Argumentou que ainda que a decisão do STF torne dispensável a reserva de plenário nos demais tribunais isso não pode servir para reduzir o papel que é atribuído ao Senado desde a Constituição de 1934 Disse que embora o mecanismo de outorga de competência ao Senado para a suspensão da execução da lei tenha se tornado obsoleto não é correto recorrer a um fundamento de mutação constitucional e interpretar o art 52 X da CF como norma que atribui ao Senado Federal competência para dar publicidade à decisão de inconstitucionalidade Advertiu que a solução para imprimir eficácia geral à decisão do STF está no instituto da súmula vinculante CF art 103A O Min Joaquim Barbosa não conheceu da Reclamação mas também concedeu habeas corpus de ofício Argumentou que a atuação do Senado não constitui obstáculo à efetividade das decisões do STF porém complemento e que o art 52 X da CF deve continuar a ser interpretado como norma que autoriza o Senado Federal a suspender a execução da lei declarada inconstitucional igualmente negando a tese de mutação constitucional Lembrou na linha do Min Pertence que a eficácia geral pode ser obtida mediante a edição de súmula vinculante O Min Ricardo Lewandowski também não admitiu a Reclamação dizendo não ser possível cogitar sobre mutação constitucional mas igualmente deferiu o habeas corpus de ofício O Min Gilmar Mendes logo depois do voto do Min Lewandowski reforçou os fundamentos do seu voto e argumentou que a Reclamação teria perdido o objeto diante da Súmula Vinculante 26 segundo a qual para efeito de progressão de regime no cumprimento de pena por crime hediondo ou equiparado o juízo da execução observará a inconstitucionalidade do art 2º da Lei 8072 de 25 de julho de 1990 sem prejuízo de avaliar se o condenado preenche ou não os requisitos objetivos e subjetivos do benefício podendo determinar para tal fim de modo fundamentado a realização de exame criminológico O Ministro Teori Zavascki por sua vez consignou que não obstante a força expansiva de diversas decisões do STF seria adequado o entendimento de que a Reclamação somente seria admissível quando proposta pelas partes na relação jurídica processual em que proferida a decisão cuja autoridade se busca preservar Limitava a legitimação mais ampla dessa forma às hipóteses expressamente previstas tais como as decorrentes de decisões tomadas em sede de controle concentrado de constitucionalidade e em violação à súmula vinculante No caso concreto reputou que a edição da Súmula Vinculante 26 consistiria em fato superveniente impondo o deferimento do pedido O Min Roberto Barroso também deferiu o pedido ressaltando que a expansão dos precedentes milita em favor da segurança jurídica da isonomia e da eficiência bem como negou a tese da mutação constitucional pois não poderia prescindir da mudança do texto da norma Desse modo o Pleno julgou procedente pedido formulado na Reclamação 817 Controle incidental na ação civil pública e na ação popular A ação civil pública na tutela dos direitos difusos almeja sentença extensível a todos ou seja com efeitos gerais Nos termos do art 103 I do CDC a coisa julgada nestes casos será erga omnes salvo quando o pedido for julgado improcedente por falta de provas O direito difuso é dito direito transindividual indivisível de titularidade indeterminada pertencente a toda a coletividade art 81 parágrafo único I do CDC Como o direito pertencente a todos ou a um complexo indeterminado e indeterminável de pessoas a sua tutela não pode deixar de beneficiálos e assim a sentença deve necessariamente ter efeitos gerais ou erga omnes Em essência não é a coisa julgada que opera efeitos erga omnes É a sentença que produz efeitos diretos em relação a todos Os sujeitos indetermináveis a quem o direito difuso pertence são atingidos diretamente pela sentença mas não têm legitimidade para requerer a tutela jurisdicional do direito já que esta é deferida aos entes descritos nos arts 5º da LACP Lei 73471985 e 82 do CDC como por exemplo as associações e o Ministério Público Para os sujeitos indetermináveis a imutabilidade da decisão não decorre da coisa julgada material mas resulta da mera impossibilidade de discussão do litígio por falta de legitimidade para agir Algo similar se passa em relação à ação popular A ação popular constitui canal aberto à participação do cidadão no poder ou melhor conduto que permite ao cidadão apontar os desvios na gestão da coisa pública Objetiva acima de tudo a tutela da cidadania e do interesse público almejando proteger a coletividade Nos regimes constitucionais anteriores a ação popular era limitada à tutela contra atos lesivos ao patrimônio de entidades públicas art 141 38 da CF1946 art 150 31 da CF1967 art 153 31 da CF1969 Diante da Constituição de 1988 a ação popular pode ser usada para a proteção do patrimônio público da moralidade administrativa do meio ambiente e do patrimônio histórico e cultural A ação portanto a par de proteger o patrimônio estatal aí incluída a moralidade administrativa agora também se destina à tutela do patrimônio público em sentido amplo isto é do patrimônio pertencente a toda a coletividade incluindo assim o meio ambiente e o patrimônio cultural e histórico A ação popular objetiva sentença que tutela a coletividade e que por isso produz efeitos em relação a todos ou erga omnes Todo e qualquer cidadão tem legitimidade para propor ação popular e a própria Lei da Ação Popular admite que outros cidadãos ingressem no curso do processo como litisconsortes do autor Assim a coisa julgada material produz efeitos em relação a todos exceto quando a sentença é de improcedência por insuficiência de provas A coletividade é atingida pela coisa julgada que assim é dita erga omnes A ação civil pública que almeja a proteção de direitos difusos e a ação popular têm em comum a tutela da coletividade e assim exigem sentenças enquanto técnicas processuais que produzem efeitos erga omnes Esses efeitos também constituem característica da sentença proferida na ação direta de inconstitucionalidade Depois de proferida a declaração de inconstitucionalidade na ação direta todos ficam submetidos a ela não podendo discutila incidentalmente em ação individual Sucede que em virtude de a decisão proferida na ação civil pública e na ação popular produzir efeitos erga omnes chegase a imaginar que a arguição de inconstitucionalidade incidentalmente a qualquer uma destas ações teria o mesmo efeito da ação direta de inconstitucionalidade Porém essa suposição deflui de uma supervalorização dos efeitos erga omnes da decisão judicial A circunstância de uma decisão tutelar a coletividade e assim produzir efeitos erga omnes é autônoma em relação a ter o juiz considerado para proferir esta decisão incidentalmente uma norma inconstitucional A definição da inconstitucionalidade incidentalmente na ação civil pública ou na ação popular além de não produzir coisa julgada material é limitada ao litígio Definida a questão constitucional na ação civil pública os sujeitos indeterminados não poderão discutila por não terem legitimidade para requerer a tutela jurisdicional de direitos difusos enquanto os demais entes legitimados não poderão utilizála para fundamentar pedido igual ao já julgado Porém qualquer um poderá voltar a discutir a questão constitucional para fundamentar outro pedido O mesmo ocorre na ação popular Definida a questão constitucional obviamente que na forma incidental nenhum outro cidadão poderá novamente utilizála para fundamentar pedido igual ao já julgado mas qualquer cidadão inclusive aquele que propôs a ação popular em que se apreciou a questão constitucional poderá utilizá la para fundamentar outro pedido É certo que ao chegar ao STF a ação civil pública e a ação popular abrem oportunidade à formação de precedente constitucional cujos motivos determinantes têm efeitos vinculantes Porém também aí não há como baralhar as coisas Todo e qualquer precedente constitucional e não apenas aquele formado em ação civil pública ou em ação popular possui efeitos vinculantes Notese que neste caso atingidos são os fundamentos determinantes da decisão e não a sua parte dispositiva como acontece em face da coisa julgada erga omnes Retenha o ponto a eficácia vinculante atinge os fundamentos determinantes da decisão proferida na ação coletiva enquanto a coisa julgada erga omnes se limita à parte dispositiva desta decisão Portanto ao contrário da coisa julgada erga omnes a eficácia vinculante beneficia todos aqueles que ainda que postulando prestação jurisdicional diversa inclusive de caráter individual pretendam se valer do fundamento determinante ratio decidendi do precedente constitucional Tudo bem visto a discussão de questão constitucional em ação cuja decisão gera efeitos erga omnes nada tem de diferente da arguição de questão constitucional em ação que almeja decisão que produz efeitos apenas em relação às partes O que não é possível em ação civil pública ou em ação popular é pretender como tutela jurisdicional a declaração de inconstitucionalidade de norma ou o controle da constitucionalidade da norma em abstrato Porém nada impede que se argua a inconstitucionalidade de norma como fundamento de pedido que recai sobre uma situação concreta que diz respeito à coletividade e que por isso é resolvido mediante decisão cujos efeitos são erga omnes Isto como é óbvio não dá ao juiz da ação civil pública ou da ação popular o poder de declarar em abstrato a inconstitucionalidade de norma De modo que não há como pensar que estas ações permitam a usurpação da competência do STF A Suprema Corte já se manifestou sobre a questão existindo jurisprudência pacífica a respeito Na Rcl 1898 de relatoria do Min Celso de Mello reafirmouse a legitimidade da utilização da ação civil pública como instrumento idôneo de fiscalização incidental de constitucionalidade pela via difusa de quaisquer leis ou atos do Poder Público mesmo quando contestados em face da Constituição da República desde que nesse processo coletivo a controvérsia constitucional longe de identificarse como objeto único da demanda qualifiquese como simples questão prejudicial indispensável à resolução do litígio principal 386 No RE 227159 discutiuse se o Ministério Público poderia questionar em ação civil pública a inconstitucionalidade de ato normativo municipal que majorara os subsídios de vereador ao pedir a restituição aos cofres públicos das quantias indevidamente recebidas A 2ª Turma deu provimento ao recurso extraordinário para determinar o regular processamento da ação civil pública cuja inicial havia sido indeferida sob o fundamento de a ação civil pública não permitir o questionamento de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo 387 Recentemente o STF voltou a afirmar que não usurpa competência do STF decisão que em ação civil pública de natureza condenatória declara incidentalmente a inconstitucionalidade de norma jurídica 388 Em ação popular que pretendeu a anulação da criação de cargos na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro entendeuse ser possível a aferição incidental da constitucionalidade sob o argumento de que o ato impugnado não era dotado de generalidade e abstração 389 818 O problema do controle incidental da inconstitucionalidade por omissão 8181 Primeiras considerações Os primeiros passos do controle de constitucionalidade por ação já eram distantes no tempo em que se passou a falar em omissão inconstitucional Os brotos da concepção de controle de inconstitucionalidade por omissão surgiram quando se percebeu que não bastava impedir o legislador de agredir a Constituição sendo também necessário garantir a efetividade das normas constitucionais e a plena realização dos direitos fundamentais De modo que a questão da omissão constitucional é corolário da compreensão de que a Constituição para ser cumprida necessita de prestações normativas ou da ação do legislador infraconstitucional Se esta percepção surgiu na doutrina de países em que o controle de constitucionalidade é entregue nas mãos de Cortes Constitucionais é natural que a questão tenha sido associada ao controle por via direta ou principal de constitucionalidade Porém tal associação não se mostra adequada à tradição brasileira em que o controle de constitucionalidade desde a última década do século XIX é difuso e realizado na forma incidental Nos países em que o controle de constitucionalidade é incidental ou é conjugado com o controle principal como no Brasil o desenvolvimento do argumento da inconstitucionalidade por omissão não precisa nem deve se manter distante da noção de que todo e qualquer juiz tem o poderdever de realizar incidentalmente o controle de constitucionalidade É certo que no Brasil o mandado de injunção de competência do STF permite o controle da omissão constitucional no caso concreto Não obstante não se cuida do problema do controle da omissão constitucional diante dos casos conflitivos concretos endereçados aos juízos e tribunais ordinários É curioso já que não se pode supor que a omissão constitucional não possa existir nestas situações Ainda que a questão possa ter sido esquecida em determinada sede a realidade forense mostra cotidianamente que os juízes de 1º grau assim como os Tribunais de Justiça e Regionais Federais realizam controle de constitucionalidade por omissão com grande frequência A gravidade disso está na ausência de método para a feitura deste controle para não dizer que bem vistas as coisas os juízes e tribunais ordinários não percebem sequer que estão a suprir a ausência de lei É como se se estivesse numa terra em que para fazer e admitir que se faça é necessário não falar e do outro lado fingir que não se ouve e vê com o agravante de que talvez ninguém mais esteja consciente da sua mudez e da sua cegueira Portanto mais do que detectar que a omissão inconstitucional está inserida no poder conferido a todo e qualquer juiz de controlar a constitucionalidade é importante perceber que este poder vem sendo exercido de forma escamoteada e que bem por isso não existe qualquer metodologia para tanto e muito menos modo de controle do raciocínio judicial Notese que se o juiz sem dizer ou muito menos justificar supre a ausência de lei ele assume um poder que ainda que possa ser dele é exercido de modo completamente arbitrário e destituído de legitimação a reclamar atenção da academia e dos tribunais 8182 O poder de controle difuso abarca o poder de controlar a omissão inconstitucional As Constituições ao instituírem direitos dependentes de prestações normativas a cargo do legislador evidenciaram que para negar a sua força e autoridade não era mais suficiente editar leis destoantes do texto constitucional A autoridade e a força da Constituição também passaram a depender de normas infraconstitucionais Nesta perspectiva não se está aludindo como é óbvio apenas às normas constitucionais que expressamente impõem mediante termos variados o dever de legislar O problema aqui diz respeito às normas de natureza impositiva ou negativa imprescindíveis à realização ou à proteção de direitos fundamentais Pois bem Não existe razão para entender que o juiz tem poder para controlar a constitucionalidade da lei quando esta é prejudicial à solução do litígio e não tem poder para controlar a falta de lei quando esta é imprescindível à tutela de um direito fundamental A constitucionalidade da lei e da falta de lei nesta dimensão constituem duas faces de uma mesma moeda O controle da omissão inconstitucional via modelo difuso será possível quando da lei faltante depender a tutela do direito fundamental pertinente ao caso conflitivo concreto Ou seja o controle da omissão constitucional por qualquer juiz ou tribunal convive com a ação direta de inconstitucionalidade por omissão 390 e mesmo com o mandado de injunção 391 8183 Situações em que a falta de lei é frequentemente suprida na prática forense São frequentes as ações coletivas em que o legitimado ao pedir a tutela de determinado direito fundamental de natureza difusa ou coletiva deduz como causa de pedir violação para cuja não ocorrência seria necessária norma de proteção ou tutela Também são comuns as ações individuais em que sob o fundamento de direito fundamental não protegido normativamente postulase prestação fática que estaria a cargo do Estado Notese que a proteção de direito fundamental pode depender de norma impositiva ou proibitiva Assim é possível que para a tutela do direito ambiental do direito do consumidor etc seja necessária norma impondo conduta positiva ou negativa ao administrado para obrigálo por exemplo a instalar norma positiva tecnologia destinada a diminuir a efusão de gases e poluentes ou a não comercializar norma negativa produto com determinada substância Além disso há caso em que a prestação estatal embora de natureza fática depende de norma atributiva de direito É o caso por exemplo dos medicamentos em que o indivíduo afirmando direito fundamental à saúde postula em face do Estado Administração determinado remédio não disciplinado na legislação de regência O que importa evidenciar neste item é que com frequência os juízes são chamados a suprir omissões normativas que impedem a tutela de direitos fundamentais postandose como se estivessem diante de um caso comum em que não se alega inconstitucionalidade por omissão Daí consequentemente os juízes não perceberem nem anunciarem sequer que estão a fazer controle de constitucionalidade ficando ao largo a necessidade de harmonização dos direitos fundamentais em choque de aplicação das regras da proporcionalidade e de justificação da decisão com perverso reflexo sobre a sua legitimidade 8184 A eficácia dos direitos fundamentais sobre os particulares e o controle incidental da omissão inconstitucional Há discussão sobre a questão da eficácia horizontal dos direitos fundamentais ou seja sobre a eficácia dos direitos fundamentais sobre as relações entre os particulares 392 Falase em eficácia imediata e mediata destes direitos sobre os sujeitos privados A eficácia mediata dependeria da mediação do Estado ao contrário da eficácia imediata que dispensaria tal intervenção Como é intuitivo a questão da eficácia dos direitos fundamentais sobre os particulares possui íntima relação com o tema do controle da omissão inconstitucional Aludese à eficácia mediata quando se diz que a força jurídica das normas constitucionais apenas pode se impor em relação aos privados por meio de normas infraconstitucionais 393 e dos princípios de direito privado Tal eficácia também existiria quando as normas constitucionais são utilizadas dentro das linhas básicas do direito privado para a concretização de cláusulas gerais e conceitos jurídicos indeterminados 394 De acordo com os adeptos da teoria da eficácia imediata ao inverso os direitos fundamentais são aplicáveis diretamente sobre as relações entre particulares Além de normas de valor teriam importância como direitos subjetivos contra entidades privadas portadoras de poderes sociais ou mesmo contra indivíduos que tenham posição de supremacia em relação a outros particulares Chegando mais longe admitese a sua incidência imediata também em relação a pessoas comuns Ou seja dispensase a intermediação do legislador e assim as regras de direito privado e se elimina a ideia de que os direitos fundamentais poderiam ser utilizados apenas para preencher as normas abertas pelo legislador ordinário 395 Porém conforme percebeu Vieira de Andrade não é feliz a expressão aplicabilidade mediata que se confunde com eficácia indireta quando o que se quer afirmar é um imperativo de adaptação e harmonização dos preceitos relativos aos direitos fundamentais na sua aplicação à esfera de relações entre indivíduos iguais tendo em conta a autonomia privada na medida em que é também constitucionalmente reconhecida 396 Os direitos fundamentais obrigam o Estado a uma prestação normativa de proteção e assim à edição de normas para proteger um particular contra o outro Quando estas normas não são observadas surge ao particular o direito de se voltar contra o particular que não as cumpriu Aliás o direito de ação do particular nessas hipóteses poderá ser exercido mesmo no caso de ameaça de violação ação inibitória Nesse caso há lei abaixo da Constituição regulando as relações entre os particulares Na hipótese de lei restritiva de direito fundamental além dos valores constitucionais que justificam a restrição deverá ser enfocado o direito limitado que deve ter o seu núcleo essencial protegido 397 O legislador obviamente não pode negar o núcleo do direito fundamental limitado 398 Porém quando não existe lei a regular a situação de forma direta não se pode pensar que os direitos fundamentais não podem ser tomados em consideração diretamente pelo juiz A lei que impede a realização dos direitos fundamentais constitui um obstáculo visível que deve ser suprimido enquanto a omissão de lei ao impedir a efetividade destes mesmos direitos não deve deixar de ser considerada apenas porque em uma primeira perspectiva aparece como invisível Tal invisibilidade é apenas aparente porque se faz concreta quando o juiz conclui que a omissão representa uma negação de proteção a um direito fundamental Nesse caso como também naquele em que atua mediante o preenchimento das cláusulas gerais o juiz deverá atentar para a necessidade de harmonização entre os direitos fundamentais pois a tutela de um direito fundamental com a supressão da omissão legal poderá atingir outro direito fundamental 399 Canaris ao abordar a questão da repercussão dos direitos fundamentais sobre os sujeitos privados propõe a observância da distinção entre eficácia imediata e vigência imediata Segundo Canaris os direitos fundamentais têm vigência imediata mas se dirigem apenas contra o legislador e o juiz 400 A construção de Canaris é preocupada com o art 1º n 3 da Lei Fundamental alemã que afirma que o direito fundamental vincula como direito imediatamente vigente o legislador e os órgãos jurisdicionais Alega o jurista alemão que os destinatários das normas dos direitos fundamentais são em princípio apenas o Estado e os seus órgãos mas não os sujeitos de direito privado 401 Nessa linha conclui que os objetos de controle segundo os direitos fundamentais são em princípio apenas regulações e atos estatais isto é sobretudo leis e decisões judiciais mas não também atos de sujeitos de direito privado ou seja e sobretudo negócios jurídicos e atos ilícitos 402 Segundo Canaris sendo o Estado o destinatário dos direitos fundamentais a atividade do legislador e do juiz não pode ser compreendida como eficácia imediata perante terceiros 403 Ou melhor nessa dimensão não se pensa em eficácia horizontal direta mas apenas na intermediação da lei e do juiz para a projeção dos direitos fundamentais Com efeito Canaris não nega que a decisão do juiz como destinatário dos direitos fundamentais produz efeitos sobre as relações entre os particulares mas afirma que isso ocorre mediatamente 404 Portanto mesmo que se aceite que apenas o legislador e o juiz são os destinatários dos direitos fundamentais obviamente não se pode negar que a decisão judicial incide sobre a esfera jurídica dos particulares Deveras como a doutrina de Canaris foi influenciada pela Lei Fundamental alemã a sua preocupação foi a de deixar claro que os direitos fundamentais vinculam o legislador e o juiz embora possam ser tomados em consideração para a definição dos litígios que envolvem os particulares Canaris adverte que os direitos fundamentais têm função de mandamento de tutela ou de proteção obrigando o legislador a proteger um cidadão diante do outro No caso de inexistência ou insuficiência dessa tutela o juiz deve tomar essa circunstância em consideração projetando o direito fundamental sobre as relações entre os sujeitos privados e assim conferindo a proteção prometida pelo direito fundamental mas esquecida pela lei Nessa linha por exemplo se o legislador não atuou de modo a proteger o empregado diante do empregador quando tal era imperioso em face do direito fundamental houve omissão de tutela ou violação do dever de proteção estatal 405 O raciocínio de Canaris está preso a uma premissa que o impede de ir além desse ponto Na visão tradicional do direito constitucional alemão compartilhada pelo autor cujo principal marco é a decisão do Tribunal Constitucional Federal no caso Lüth os direitos fundamentais só caracterizam direitos subjetivos reclamáveis por seus titulares quando aparecem como proibições de intervenção e direitos de defesa Isso não ocorre quando se trata de mandamentos de tutela e deveres de proteção Nesse último caso vislumbramse apenas e tão somente deveres objetivos do poder público aos quais não correspondem direitos subjetivos dos indivíduos Não por acaso Canaris se utiliza num caso da expressão direito direitos de defesa e no outro da expressão dever deveres de proteção Por trás dessa nomenclatura está a tese de que a Constituição garante aos indivíduos apenas direitos originários negativos de abstenção estatal e não direitos originários positivos direitos de prestação por parte do Estado Estes últimos a Constituição consagra unicamente por meio de princípios objetivos que impõem deveres ao Estado vinculando legisladores administradores e juízes sem contudo serem exigíveis por seus próprios beneficiários Assim a partir do momento em que a vinculação dos particulares aos direitos fundamentais se baseia nos mandamentos de tutela e deveres de proteção automaticamente se exclui a possibilidade de os direitos fundamentais regularem diretamente as relações privadas Bem vistas as coisas portanto o juiz não importando se os direitos fundamentais incidem diretamente sobre os particulares ou se apenas incidem sobre estes mediante a participação do Estado tem de considerar o direito fundamental e ao mesmo tempo aplicá lo de forma a não violar o direito fundamental que com ele se contrapõe utilizandose da regra da necessidade que implica a imposição do meio idôneo e que causa a menor restrição possível Notese dessa forma que para o controle da omissão inconstitucional interessa apenas saber se o direito fundamental pode ser diretamente considerado pelo juiz no momento da solução do litígio Nos termos da doutrina do dever de tutela ou proteção pouca importa para efeito de controle de constitucionalidade incidental por omissão se a eficácia horizontal sobre os sujeitos privados dos direitos fundamentais é mediata ou imediata 8185 Os limites do juiz no suprimento da falta de lei necessária à tutela de direito fundamental O controle da inconstitucionalidade por omissão como controle da insuficiência de tutela Não há dúvida que a teoria de que os direitos fundamentais têm função de mandamento de tutela ou de proteção obrigando o juiz a suprir a omissão ou a insuficiência da tutela ou da proteção outorgada pelo legislador facilita a compreensão da possibilidade de o juiz poder controlar a inconstitucionalidade por omissão Quando se tem presente dever de proteção e dessa forma que uma medida idônea deve ser instituída pelo legislador a ausência de tutela normativa ou a falta de lei pode ser levada a qualquer juiz a ele pedindose medida de proteção que supra a omissão inconstitucional Aliás quando da própria norma constitucional resulta que para que o direito fundamental seja observado o particular deve cumprir determinada prestação nada impede que dele se exija o imediato cumprimento 406 ainda que a questão possa ser apresentada ao juiz por qualquer das partes envolvidas para a definição da legitimidade da providência Porém as normas de direitos fundamentais não definem a forma o modo e a intensidade com que um particular deve ser protegido diante do outro Em outras palavras os direitos fundamentais ao gerarem dever de proteção por parte do Estado não dizem como esta tutela deve se dar Pensar em como o Estado protege os direitos fundamentais é o mesmo que considerar as providências que o Estado deve necessariamente tomar para tutelálos A Constituição possui quando muito disposições fragmentárias sobre as medidas de tutela que devem ser utilizadas à tutela dos direitos fundamentais Frisese que a decisão a respeito de como um dever de tutela deve ser cumprido é antes de tudo questão afeta ao parlamento 407 Quando o legislador viola um direito fundamental na sua função de mandamento de tutela cabe ao Judiciário assegurar o adequado grau de tutela do direito fundamental Não obstante problema de grande importância para o tema do controle da omissão inconstitucional está na circunstância de que a ação do juiz diante da falta de lei não tem a mesma elasticidade ou a mesma latitude da ação do legislador Para ser mais claro o legislador tem ampla esfera de liberdade para a definição da providência ou do meio para a tutela do direito fundamental enquanto o juiz exatamente por não ter a mesma latitude de poder do legislador deve atuar apenas para garantir que o dever de proteção satisfaça as exigências mínimas na sua eficiência Assim incumbelhe atuar de modo a impor não mais do que o mínimo necessário à proteção do direito fundamental 408 Esta postura está inserida na doutrina de Canaris já que ela não só sublinha que a função dos direitos fundamentais de imperativo de tutela carece para a sua realização da transposição pela legislação infraconstitucional e que ao legislador fica aberta ampla margem de manobra entre as proibições de insuficiência e de excesso mas especialmente que esta margem ou esta latitude de poder não é a mesma que está liberada à intervenção do Judiciário Mais do que responder a um dever de tutela o Judiciário garante o controle da insuficiência da tutela devida pelo legislador Na verdade o controle da insuficiência tem no raciocínio argumentativo judicial o dever de proteção como antecedente lógico no exato sentido de que o juiz para controlar a insuficiência e impor o meio mínimo para a satisfação do dever de proteção deve antes de tudo verificar se há dever de proteção a direito fundamental e após analisar como a legislação deve se manifestar para não descer abaixo do mínimo de proteção jurídicoconstitucional exigido Nesses termos o juiz ao suprir a omissão de tutela a direito fundamental não pode ir além do que é minimamente suficiente para garantir o dever de proteção Ir além é adentrar em espaço proibido a quem tem incumbência de apenas controlar a insuficiência de tutela ou em outros termos dar ao juiz poder igual ao do legislador 8186 Controle de inconstitucionalidade por omissão à tutela de direito fundamental de natureza processual Os direitos fundamentais porque geram dever de tutela ao Estado e ao mesmo tempo incidem sobre as relações dos privados têm respectivamente eficácias vertical e horizontal 409 Assim o legislador e o juiz têm dever de tutelar os direitos fundamentais em razão de estes terem eficácia vertical Enquanto isso a lei ou a decisão judicial regulando as relações entre os privados incidem sobre estes horizontalmente A eficácia dos direitos fundamentais mediada pela lei ou pela decisão judicial constitui eficácia horizontal mediata Algo um pouco diferente ocorre quando se pensa nos direitos fundamentais de natureza processual como o direito fundamental à efetividade da tutela jurisdicional art 5º XXXV da CF 410 Este direito fundamental é claro incide sobre o Estado Executivo Legislativo e Judiciário O legislador também aí tem dever de proteção A omissão normativa assim pode ser suprida pelo juiz na medida da suficiência mínima à proteção do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva O problema é que o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva incide sobre o juiz para permitirlhe tutelar os direitos quaisquer que sejam eles fundamentais ou não de forma efetiva ou seja para permitirlhe desempenhar função estatal de forma idônea Ou melhor o dever de controle de insuficiência neste caso imposto ao juiz não lhe dá o poder de editar decisão que regule situação substancial entre privados A relação do juiz com os direitos fundamentais deve ser vista de maneira distinta quando são considerados os direitos fundamentais materiais e os direitos fundamentais processuais especialmente o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva Quando o juiz tutela um direito fundamental material suprindo a omissão do legislador o direito fundamental tem eficácia horizontal mediada pela jurisdição Porém o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva ao incidir sobre a jurisdição objetiva conformar o seu próprio modo de atuação 411 A jurisdição toma em conta o direito fundamental material para que ele incida sobre os particulares mas considera o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva porque a sua função deve ser cumprida de modo a propiciar o alcance da tutela dos direitos sejam eles fundamentais ou não O direito fundamental material incide sobre o juiz para que possa se projetar sobre os particulares enquanto o direito fundamental à tutela jurisdicional incide sobre o juiz para regular a sua própria função A decisão jurisdicional faz a ponte entre o direito fundamental material e os particulares ao passo que os direitos fundamentais instrumentais ou processuais são dirigidos a vincular o próprio procedimento estatal No primeiro caso o direito fundamental incide mediatamente sobre os particulares ao passo que no último como o direito fundamental não é material como por exemplo o direito ambiental não se pode pensar na sua incidência nem mesmo mediata sobre os particulares Tal direito fundamental se destina unicamente a regular o modo do proceder estatal e por isso a sua única eficácia é sobre o Estado evidentemente direta e imediata Percebase que no caso de eficácia mediada pelo juiz o conteúdo da decisão a regra nela fixada que resolve o litígio incide sobre os particulares Nessa hipótese o direito fundamental se projeta sobre os sujeitos privados Tratase portanto de eficácia sobre os particulares e assim horizontal mediada pelo juiz e por isso dita mediata ou indireta No caso há eficácia vertical em relação ao juiz e eficácia horizontal mediata sobre os particulares mas eficácia vertical derivada do direito fundamental material que confere ao juiz dever de proteção e que acaba tendo repercussão horizontal quando se projeta mediante decisão sobre os privados Porém algo distinto acontece quando se pensa na incidência do direito fundamental em face dos órgãos estatais que também é eficácia vertical para o efeito de vincular o seu modo de proceder e atuar Nessa hipótese o direito fundamental ainda que tenha por objetivo vincular o modo de atuação do Estado perante o particular não tem qualquer objetivo de regular as relações entre os particulares e por isso mesmo não precisa ser mediado pelo juiz O direito fundamental à tutela jurisdicional tem eficácia apenas sobre o órgão estatal pois se presta unicamente a vincular o modo de atuação da jurisdição Frisese aliás que o direito fundamental à tutela jurisdicional exatamente porque incide sobre o juiz está preocupado com a efetividade da tutela de todos os direitos e não apenas com a proteção dos direitos fundamentais Como está claro o direito fundamental à tutela jurisdicional implica apenas na vinculação do juiz não incidindo antes ou depois da decisão sobre os sujeitos privados e por isso não pode ser confundido com os direitos fundamentais materiais que podem ser levados ao Poder Judiciário Na realidade o direito fundamental à tutela jurisdicional ao recair sobre a atividade do juiz pode repercutir lateralmente sobre o particular conforme o maior ou menor grau de agressividade da técnica processual empregada no caso concreto Mas nunca horizontalmente uma vez que esse direito não se destina conforme já explicado a regular as relações entre os sujeitos privados Nessa dimensão para se evitar a confusão entre a eficácia do direito fundamental material objeto da decisão judicial e a eficácia do direito fundamental sobre a atividade do juiz deve ser feita a distinção entre eficácia horizontal mediatizada pela decisão jurisdicional e eficácia vertical com repercussão lateral essa última própria do direito fundamental à efetividade da tutela jurisdicional Enquanto o direito fundamental material incide sobre os particulares por meio da decisão eficácia horizontal mediatizada pelo juiz o direito fundamental à tutela jurisdicional incide apenas sobre a jurisdição No primeiro caso o juiz atua porque tem o dever de proteger os direitos fundamentais materiais e assim de suprir a omissão de proteção do legislador no segundo porque tem o dever de dar tutela efetiva a qualquer tipo de direito ainda que a lei não lhe ofereça técnicas adequadas Quando o juiz não encontra técnica processual idônea à tutela do direito e assim se pode falar em omissão de regra processual ele deve suprir esta insuficiência com os olhos nas exigências do direito material que reclama proteção Como esclarece Canotilho o direito de acesso aos tribunais também reconhecido pelo autor como direito a uma proteção jurisdicional adequada é um direito fundamental formal que carece de densificação através de outros direitos fundamentais materiais 412 O que o direito à tutela jurisdicional assegura a seu titular é um poder power cujo correlativo é uma situação de sujeição liability 413 ou seja é o poder de exigir do Estado que ele o proteja perante a violação dos seus direitos Não se trata de um direito a uma ação ou omissão determinada por parte do Estado ou a um bem específico mas a um exercício de poder do Estado cujos contornos só serão definidos à luz do direito material do particular que reivindica proteção Em rigor tratase do poder de uma pessoa de provocar um órgão público para que este ponha em marcha o poder estatal de intervir coercitivamente na esfera jurídica de um terceiro de maneira adequada a assegurar o direito daquela pessoa Ora se já está predeterminado qual é o direito a ser tutelado condição que é pressuposta pelo direito à efetividade da tutela jurisdicional e a discussão gira em torno apenas de qual o meio adequado para conferir efetividade a esse direito não há controvérsia ou dúvida sobre quem tem direito a que não há problema interpretativo a ser solucionado ou situação jurídica a ser esclarecida Não há necessidade de se justificar a intervenção coercitiva do Estado na esfera jurídica do particular Isso já está feito A questão que persiste diz respeito unicamente ao modo dessa intervenção ao meio pelo qual o Estado deve agir para preservar o direito reclamado Nesse contexto a dúvida apenas se coloca quando existe mais de um meio apto a satisfazer o direito tutelado Não há aqui debate sobre meios mais e menos eficazes simplesmente porque um meio é plenamente eficaz e satisfaz o direito protegido ou não é plenamente eficaz e então não satisfaz o direito protegido Sendo necessário escolher entre diferentes meios aptos tendose em conta que nenhuma ação estatal pode ser arbitrária ainda mais quando acarreta prejuízo ônus ou encargo a um particular é preciso haver critérios para tanto O critério aqui só pode ser o da menor lesividade Se existem duas formas possíveis pelas quais o Estado pode onerar um particular alcançando mediante todas elas o mesmo benefício obviamente a única forma não arbitrária de oneração entre estas é aquela que impõe o menor dano à esfera jurídica do particular Portanto não é necessário sopesar o direito à efetividade da tutela jurisdicional e o direito de defesa Esses direitos não entram em colisão Cada um deles incide num plano distinto sem que se produza qualquer espécie de antinomia O primeiro exige a seleção de um meio idôneo para a proteção do direito reivindicado o segundo a escolha na hipótese de existirem diversos meios idôneos daquele que se mostre como o menos lesivo à esfera jurídica do particular afetado Como está claro no caso da eficácia horizontal mediatizada pela decisão jurisdicional a ponderação é feita para que o direito fundamental tenha eficácia sobre os particulares Já no caso da eficácia vertical com repercussão lateral não há falar em ponderação ou em sopesamento mas em um teste de adequação pelo motivo de que o Estado se submete diretamente ao direito fundamental à tutela jurisdicional e em um teste de necessidade ou lesividade mínima vez que essa eficácia pode se refletir ou repercutir sobre a parte e por isso a sua legitimidade tem de ser submetida à análise do direito de defesa O que realmente importa porém é que as definições de eficácia horizontal mediatizada pela jurisdição e de eficácia vertical com repercussão lateral permitem que se compreenda a possibilidade de a jurisdição suprir a omissão do legislador em proteger um direito fundamental material e em dar ao juiz os instrumentos ou as técnicas processuais capazes de conferir efetividade à proteção jurisdicional dos direitos sejam fundamentais ou não sem que com isso se retire da parte atingida pela atuação jurisdicional o direito de fazer com que os seus direitos sejam considerados diante do caso concreto 8187 Legitimidade do raciocínio decisório no suprimento de técnica processual Tratandose de omissão de regra processual ou de inexistência de técnica processual adequada ao caso concreto não bastará ao juiz apenas demonstrar a imprescindibilidade de determinada técnica processual não prevista em lei mas também argumentar considerando o direito de defesa que a técnica processual identificada como capaz de dar efetividade à tutela do direito é a que traz a menor restrição possível à esfera jurídica do réu No caso de omissão inconstitucional a identificação das necessidades dos casos concretos e o uso das técnicas processuais idôneas para lhes dar proteção obviamente devem ser precisamente justificados Na verdade o juiz deve estabelecer uma relação racional entre o significado da tutela jurisdicional no plano substancial tutela inibitória ressarcitória etc as necessidades do caso concreto e a técnica processual sentença executiva multa busca e apreensão etc Em outros termos deve demonstrar que determinada situação de direito material deve ser protegida por certo tipo de tutela jurisdicional e que para que essa modalidade de tutela jurisdicional possa ser implementada deve ser utilizada uma precisa técnica processual Antes de partir para o encontro da técnica processual adequada o juiz deve demonstrar as necessidades de direito material indicando como as encontrou no caso concreto de maneira que a argumentação relativa à técnica processual se desenvolve sobre um discurso de direito material já justificado Nesse caso existem dois discursos um primeiro sobre o direito material e outro incidente sobre o primeiro a respeito do direito processual O discurso de direito processual é um sobrediscurso ou um metadiscurso no sentido de que recai sobre um discurso que lhe serve de base para o desenvolvimento 414 O discurso jurídicoprocessual é portanto um discurso que tem a sua base em um discurso de direito material É certo que a idoneidade desses dois discursos se vale dos benefícios gerados pela realização e pela observância das regras do procedimento judicial Mas ainda assim não se pode deixar de perceber a nítida distinção entre um discurso de direito material legitimado pela observância do procedimento judicial e um discurso de direito processual que além de se beneficiar das regras do procedimento judicial se sustenta sobre outro discurso de direito material O discurso de direito processual ou mais precisamente o que identifica a necessidade de uma técnica processual não prevista na lei não representa qualquer ameaça à segurança jurídica na medida em que parte de um discurso que se apoia nos fatos e no direito material O discurso processual objetiva atender a uma situação já demonstrada pelo discurso de direito material e não pode esquecer que a técnica processual eleita deve ser a mais suave ou seja a que tutelando o direito cause a menor restrição possível ao réu A justificativa obedecendo a esses critérios dá às partes a possibilidade de controle da decisão jurisdicional A diferença é a de que em tais situações o controle da atividade do juiz é muito mais complexo e sofisticado do que aquele que ocorria com base no princípio da tipicidade quando o juiz apenas podia usar os instrumentos processuais definidos na lei Mas essa mudança na forma de pensar o controle jurisdicional é apenas reflexo da necessidade de se dar maior poder ao juiz em parte a ele já entregue pelo próprio legislador ao fixar as normas abertas e da transformação do próprio conceito de direito que submete a compreensão da lei aos direitos fundamentais IV AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 819 Primeiras considerações A ação direta de inconstitucionalidade constitui ação cujo objeto é a aferição da constitucionalidade da norma Nesta ação não há conflito de interesses entre partes O controle de constitucionalidade não é feito de modo incidental no curso do raciocínio judicial tendente à solução de um litígio mas de forma principal já que na ação direta de inconstitucionalidade se pede a declaração da inconstitucionalidade sendo pressuposto para o seu julgamento apenas a análise da constitucionalidade da norma Lembrese que no controle incidental a constitucionalidade importa apenas como prejudicial à resolução do mérito Nesse caso a constitucionalidade da norma não é o objeto da ação mas o seu exame constitui antecedente necessário ao julgamento do litígio esse sim o objeto da ação entre as partes Daí a percepção de que enquanto no controle incidental o objeto da ação é o litígio entre as partes no controle principal o objeto da ação é a própria constitucionalidade da norma A aferição da constitucionalidade da norma na ação que a tem como objeto é feita em abstrato ao contrário do que se dá quando se analisa a constitucionalidade como prejudicial à solução de litígio Na ação direta não há caso concreto que tenha como pressuposto a aplicação da norma motivo pelo qual se diz que o controle de constitucionalidade é feito em tese ou em abstrato A razão de ser de uma ação em que se pede exclusivamente declaração de inconstitucionalidade advém da necessidade de se eliminar da ordem jurídica norma que seja incompatível com a Constituição 416 Tutelase assim a ordem jurídica A decisão que declara a inconstitucionalidade produz efeitos erga omnes resultando inquestionável diante de todos e na mesma medida a norma não é mais aplicável 417 A ação direta assim é ação em que não se tem caso concreto julgamento de litígio e coisa julgada material inter partes Constitui como visto ação voltada unicamente à análise de pedido de inconstitucionalidade que deve ser feita em abstrato tendo a sua sentença efeitos erga omnes precisamente porque a constitucionalidade da norma diz respeito a todos e não a partes O controle de constitucionalidade com o caráter de principal pode ocorrer perante o STF e diante dos Tribunais de Justiça No STF o parâmetro de controle é a Constituição Federal sendo objeto de controle as leis e atos normativos federais e estaduais 418 Nos Tribunais de Justiça o parâmetro é a Constituição Estadual constituindo objeto de controle as leis e atos normativos estaduais e municipais 419 820 Legitimidade 8201 Extensão da legitimidade legitimados universais e especiais e capacidade para postular Entre 1965 quando se criou a dita ação genérica para o controle abstrato da constitucionalidade e a promulgação da Constituição de 1988 a competência para propor a ação direta de inconstitucionalidade era exclusiva do ProcuradorGeral da República na época cargo de confiança do Presidente da República Como a possibilidade de tutela da ordem objetiva é proporcional à abertura da legitimidade à instauração do controle abstrato de constitucionalidade é intuitivo que a restrição da legitimidade gera não só um déficit de participação como também uma minimização de oportunidades para o STF expulsar do sistema normas que violem a Constituição Daí por que o incremento dos legitimados à ação de inconstitucionalidade configura além de otimização da democracia participativa importante reforço à tutela da ordem jurídica e à afirmação da força normativa da Constituição 420 A Constituição de 1988 no art 103 afirma que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade o Presidente da República a Mesa do Senado Federal a Mesa da Câmara dos Deputados a Mesa de Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal o Governador de Estado ou do Distrito Federal o ProcuradorGeral da República o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil partido político com representação no Congresso Nacional e confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional dando extensão muito mais significativa à possibilidade de participação do próprio poder e da sociedade ainda que de forma indireta no controle da ordem jurídica e na fiscalização da tutela estatal dos direitos fundamentais A norma do art 103 define os legitimados à propositura da ação excluindo assim aqueles que nela não estejam contemplados mas configura notável ampliação à instauração da via de controle abstrato de constitucionalidade Deixouse de lado a ideia de que a provocação do controle abstrato deveria ser reservada ao ProcuradorGeral da República não apenas porque se descartou a suposição de que seria inoportuno atribuíla a outros mas especialmente porque se percebeu que o fortalecimento do número de legitimados seria imprescindível para a própria tutela da ordem constitucional e para a harmonia da vida democrática 421 Considerando os legitimados do art 103 da CF o STF fez distinção entre uma qualidade intrínseca aos legitimados que teve como efeito obrigar apenas alguns a demonstrar a relação de pertinência entre os seus fins e propósitos e a norma impugnada 422 Falase assim de legitimados que em virtude de seu papel institucional sempre estão autorizados a solicitar a tutela da Constituição e de legitimados que ao constituírem órgãos e entidades somente têm legitimidade para impugnar normas que diretamente afetem suas esferas jurídicas ou de seus filiados Nesta dimensão entendeuse que são legitimados universais o Presidente da República a Mesa do Senado Federal a Mesa da Câmara dos Deputados o ProcuradorGeral da República o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e partido político com representação no Congresso Nacional enquanto são legitimados especiais o Governador de Estado ou do Distrito Federal a Mesa de Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal e confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional 423 Ademais há diferença entre ter legitimidade para pedir a declaração de inconstitucionalidade de lei e ter capacidade para postular sem a mediação de advogado a tutela jurisdicional de inconstitucionalidade bem como diretamente atuar no processo jurisdicional que lhe é correspondente É inquestionável que ter legitimidade para determinada ação não significa ter capacidade de postular em juízo Em regra a circunstância de ter legitimidade não confere capacidade para postular na respectiva ação assim como capacidade de postular do advogado obviamente nada tem a ver com legitimidade para a causa Porém tratandose de ação direta entendese que os legitimados delineados entre os incisos I e VII do art 103 da CF com exceção assim de partido político com representação no Congresso Nacional e de confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional igualmente incorporam capacidade postulatória podendo postular e atuar no processo objetivo sem a dependência de advogado para tanto Neste sentido decidiu o STF na ADIn 127 que o Governador do Estado e as demais autoridades e entidades referidas no art 103 I a VII da CF além de ativamente legitimados à instauração do controle concentrado de constitucionalidade das leis e atos normativos federais e estaduais mediante ajuizamento da ação direta perante o STF possuem capacidade processual plena e dispõem ex vi da própria norma constitucional de capacidade postulatória podendo em consequência enquanto ostentarem aquela condição praticar no processo de ação direta de inconstitucionalidade quaisquer atos ordinariamente privativos de advogado 424 No julgamento da referida ADIn 127 em que se discutiu acerca da capacidade postulatória do Governador do Estado de Alagoas o Min Sepúlveda Pertence advertiu que a propositura da ação direta é o exercício de uma função estatal do órgão público competente e não de um direito subjetivo do funcionário para daí concluir que a capacidade postulatória advém da investidura no cargo somada à legitimação constitucional Nesses termos a prática pessoal dos atos de provocação à jurisdição constitucional não apenas lhe seria permitida mas em verdade seria necessária 425 Outorgase legitimidade à ação direta para se viabilizar a tutela do direito objetivo constituindo a maior ou menor extensão de legitimidade questão afeta aos limites da própria democracia participativa De modo que a atribuição de legitimidade para a correção da ordem jurídica não pode ser comparada com a legitimidade ad causam peculiar ao processo destinado à solução de conflitos entre partes Ter legitimidade à ação direta significa ter poder para postular a adequação do sistema jurídico o que traz consigo nas hipóteses entre os incisos I e VII do art 103 da CF o poder para pessoalmente apresentar a petição inicial e praticar os demais atos processuais necessários à efetivação do controle abstrato 426 Portanto a petição inicial da ação proposta pelo Governador do Estado não precisa ser assinada pelo ProcuradorGeral do Estado Notese aliás que a legitimidade do Governador do Estado nada tem a ver com poder de atuação participação ou legitimação do Estado Bem por isso não se admite ao Estado interpor recurso contra a decisão adversa ao Governador 427 Porém isso não significa que o legitimado que possui capacidade postulatória ao pessoalmente exercer o poder de instaurar o controle abstrato não possa se valer do trabalho de inestimável valor de Procurador do Estado ou de advogado privado contratado especialmente para o caso 8202 Legitimidade pertinência temática e interesse de agir O STF ao tratar das hipóteses em que Mesa de Assembleia Legislativa Governador de Estado confederação sindical e entidade de classe de âmbito nacional podem figurar como autores da ação direta estabeleceu que a legitimidade somente estará configurada quando existir relação de pertinência entre os interesses do requerente e a norma a que se atribui a marca de inconstitucionalidade Afirma a jurisprudência do Supremo Tribunal neste sentido que a legitimidade ativa da confederação sindical entidade de classe de âmbito nacional Mesas das Assembleias Legislativas e Governadores para a ação direta de inconstitucionalidade vinculase ao objeto da ação pelo que deve haver pertinência da norma impugnada com os objetivos do autor da ação 428 Cabe analisar contudo se é possível compreender o requisito da pertinência temática como sinal que quando ausente faz surgir ausência de interesse de agir 429 É certo que o interesse de agir está associado à utilidade do provimento jurisdicional reclamado Porém a falta de pertinência temática jamais excluirá o interesse de agir de alguém que tenha sido definido como detentor de legitimidade Quando se diz que um legitimado é obrigado a demonstrar a relação de pertinência entre os seus interesses e a norma impugnada existe bem vistas as coisas um aprofundamento das exigências definidas na norma para a configuração da legitimidade Bem por isso especialmente quando a legitimidade é atribuída por norma constitucional para a instauração da fiscalização abstrata de norma a limitação judicial tornase extremamente problemática 8203 Governador de Estado e Assembleia Legislativa O Governador do Estado e a Mesa da Assembleia Legislativa podem propor ação direta para o reconhecimento da inconstitucionalidade de norma que pode provir do seu próprio Estado 430 mas também pode ser originária da União ou de outro Estado da Federação Quando se afirma a inconstitucionalidade de norma emanada da União ou de outro Estado entende o STF que o autor deve demonstrar a relação de pertinência entre a impugnação que apresenta e os seus interesses Há questão julgada na ADIn 2656 que bem exemplifica o ponto Tal ação direta foi proposta pelo Governador do Estado de Goiás para ver reconhecida a inconstitucionalidade de lei editada pelo Governo do Estado de São Paulo A lei impunha restrições à comercialização de amianto crisotila cuja maior reserva natural está situada em Goiás Entendeuse que como a lei teria evidentes reflexos na economia do Estado de Goiás o seu Governador teria legitimidade para propor a ação direta de inconstitucionalidade em face da lei paulista 431 Em outro caso o Governador do Estado de Minas Gerais asseverou inconstitucional o Convênio ICMS 5100 que estabelecia disciplina relacionada com as operações com veículos automotores novos efetuadas por meio de faturamento direto para o consumidor Entendeuse que a ação direta por impugnar norma que envolvia as demais unidades federadas obrigava à demonstração dos interesses do Governador de Minas Gerais na impugnação da norma No entanto como no Convênio se fixara cláusula que afastava da incidência das normas nele existentes as operações com os veículos que se destinassem ou tivessem origem no Estado de Minas Gerais concluiuse que o Convênio teria ficado neutro em relação a Minas Gerais pelo que não se poderia assentar no campo do interesse o atendimento ao pressuposto que legitima um Estado a atacar no âmbito do controle concentrado diploma emanado de Estado diverso ou da União 432 Por conta disso a ação direta não foi conhecida por unanimidade 433 8204 Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil é legitimado universal à propositura da ação direta de inconstitucionalidade A vocação da Ordem dos Advogados para a defesa do regime democrático e para a tutela da ordem jurídica além do seu efetivo e concreto papel na vida social e política do País conferem ao Conselho Federal da Ordem dos Advogados a condição de legitimado que para atuar na defesa da Constituição não precisa demonstrar a relação de pertinência entre os seus interesses ou de seus filiados e a norma acusada de inconstitucional Assim importa deixar clara a distinção de qualidade de participação do Conselho Federal da Ordem dos Advogados em face das entidades de classe de âmbito nacional bem como a impossibilidade de outros Conselhos poderem propor a ação direta 434 Como já declarou o STF a legitimação do Conselho Federal da Ordem dos Advogados deriva expressamente da Constituição Federal daí resultando a ilegitimidade de todos os demais Conselhos 435 e a sua posição evidentemente especial em relação às entidades de classe de âmbito nacional 436 8205 Partido político A Constituição deu legitimidade ao partido político para propor ação de inconstitucionalidade e constitucionalidade exigindolhe apenas representação no Congresso Nacional A legitimidade se distancia da lógica que requer para a propositura da ação de inconstitucionalidade a conjugação de determinado número de parlamentares como também não vincula a legitimidade do partido a certo número de representantes no parlamento Assim basta que o partido político tenha um só representante para ter legitimidade à propositura da ação 437 Não se aplica aos partidos políticos a exigência da demonstração de pertinência temática A abertura da viabilidade da impugnação mediante ação direta não se relaciona ao programa do partido mas ao simples fato de ter um representante no parlamento Na ADIn 1407 o Supremo declarou que os partidos políticos com representação no Congresso Nacional podem arguir a inconstitucionalidade de atos normativos federais estaduais ou distritais independentemente de seu conteúdo material uma vez que sobre eles não incide a restrição jurisprudencial derivada do vínculo de pertinência temática 438 Decidiuse na ADIn 1528 que o partido político para propor a ação direta não pode contar apenas com a intervenção de Diretório Regional ainda que o ato impugnado tenha sua amplitude normativa limitada ao Estado ou Município do qual se originou Afirmouse neste caso que o partido político deve estar representado pelo Diretório Nacional 439 Contudo o Supremo acabou por firmar a orientação no sentido de que a intervenção de Diretório não é imprescindível bastando a decisão do presidente do partido para a propositura da ação direta 440 Discutese ainda sobre a chamada perda de legitimidade superveniente do partido político derivada do fato de o partido após a propositura da ação direta ter deixado de ter representante no Congresso Nacional Decidiuse na ADIn 2054 que a perda do último representante do partido político no Congresso geraria consequente perda superveniente de legitimidade à ação a menos que já iniciado o julgamento 441 Posteriormente considerandose a natureza objetiva da ação deixouse de lado a ideia de que a perda superveniente de representação no Congresso deveria levar à extinção do processo impedindo a realização do controle abstrato da constitucionalidade Neste sentido dada a indisponibilidade da ação derivada da natureza do controle de constitucionalidade não se poderia atribuir à perda superveniente de representação no Congresso o efeito de obstaculizar o julgamento da ação direta Em outros termos não mais se relacionou a perda de representação com a perda de legitimidade à ação ou melhor não mais se extraiu da perda de representação a impossibilidade de o Tribunal realizar o controle de constitucionalidade já que a ação ao conferir ao Supremo Tribunal tal dever continha a condição da legitimidade ad causam 442 8206 Confederação sindical e entidade de classe de âmbito nacional Entende o STF que entre as entidades sindicais apenas as confederações sindicais têm legitimação para propor ação direta de inconstitucionalidade 443 O art 535 444 da CLT foi recebido pela Constituição de 1988 exigindo que as confederações sindicais se organizem com um mínimo de três federações De modo que sindicatos e federações ainda que de âmbito nacional não são legitimados para a ação 445 Há maior dificuldade em precisar entidade de classe de âmbito nacional 446 Entidade de classe em princípio é a que em essência representa o interesse comum de de terminada categoria 447 Já disse o STF que a Central Única dos Trabalhadores CUT constituída por pessoas jurídicas de natureza vária e que representam categorias profissionais diversas não se enquadra na expressão entidade de classe de âmbito nacional uma vez que não é uma entidade que congregue os integrantes de uma determinada atividade ou categoria profissional ou econômica e que portanto represente em âmbito nacional uma classe 448 Este entendimento do STF foi mantido mesmo depois das inovações da legislação trabalhista brasileira promovidas pela Lei 116482008 Este diploma expressamente reconheceu a central sindical como entidade de representação geral dos trabalhadores art 1º caput definindoa como a entidade associativa de direito privado composta por organizações sindicais de trabalhadores parágrafo único O STF entendeu que as centrais sindicais embora reconhecidas formalmente representam interesses gerais dos trabalhadores não se confundindo com as confederações sindicais essas sim capazes de representar os interesses de categorias profissionais ou econômicas específicas 449 Também a União Nacional dos Estudantes UNE entidade representativa dos estudantes universitários brasileiros não é considerada como entidade de classe pois o STF entende que a expressão classe do art 103 IX não se refere a qualquer segmento social em geral mas especificamente a categoria profissional 450 Igualmente já afirmou o Supremo que não se qualificam como entidades de classe para fins de ajuizamento de ação direta de inconstitucionalidade aquelas que são constituídas por mera fração de determinada categoria funcional 451 Na ADIn 1486 decidiuse que há legitimidade para a causa quando a associação abarca categoria profissional ou econômica no seu todo e não quando abrange fração de uma categoria ainda que de âmbito nacional 452 Na ADIn 2713 a Min Ellen Gracie lembrou que na ADIn 159 a Corte entendeu que a Associação Nacional dos Procuradores do Estado Anape constitui entidade de classe nos termos do art 103 IX uma vez que as atividades desempenhadas pelos Procuradores dos Estados e do Distrito Federal representação judicial e consultoria jurídica das respectivas unidades federadas mereceram relevante destaque por parte da Constituição Federal Tal entendimento firmouse como exceção à orientação até então traçada que negava legitimidade ativa à associação representativa de simples segmento de servidores públicos integrantes de uma das diversas carreiras existentes no âmbito dos poderes estatais ADIn 591 e 1297 rel Min Moreira Alves A partir daí com relação às carreiras do serviço público passouse a considerar dotados de legitimação para propor o controle abstrato os organismos associativos de certas carreiras cuja identidade decorre da própria Constituição nas precisas palavras do eminente Min Sepúlveda Pertence por ocasião do julgamento da ADIn 809 453 O Supremo também não admitiu que entidade reunindo pessoas jurídicas configurando o que se denominou associação de associações tivesse legitimidade para a propositura da ação de inconstitucionalidade 454 Na ADIn 3153 entretanto entendeuse que a ação poderia ser proposta por federação integrada por associações estaduais argumentandose que o conceito de entidade de classe é dado pelo objetivo institucional classista pouco importando que a eles diretamente se filiem os membros da respectiva categoria social ou agremiações que os congreguem com a mesma finalidade em âmbito territorial mais restrito É entidade de classe de âmbito nacional como tal legitimada à propositura da ação direta de inconstitucionalidade CF art 103 IX aquela na qual se congregam associações regionais correspondentes a cada unidade da Federação a fim de perseguirem em todo o País o mesmo objetivo institucional de defesa dos interesses de uma determinada classe 455 Na ADIn 386 tocandose na questão do âmbito nacional da entidade de classe declarouse que não é entidade de classe de âmbito nacional para os efeitos do inciso IX do art 103 da Constituição a que só reúne empresas sediadas no mesmo Estado nem a que congrega outras de apenas quatro Estados da Federação 456 Como o requisito do âmbito nacional certamente não se contenta com declarações formais constantes em estatutos ou atos constitutivos e diante da dificuldade em definir com objetividade quando uma entidade de classe possui abrangência nacional concluiuse na ADIn 108 que esse requisito pressupõe além da atuação transregional da instituição a existência de associados ou membros em pelo menos nove Estados da Federação aplicandose de forma analógica a Lei Orgânica dos Partidos Políticos 457 Este critério cede como não poderia deixar de ser quando a categoria de associados existir em menos de nove Estados conforme se reconheceu na ADIn 2866 ajuizada pela Associação Brasileira dos Extratores e Refinadores de Sal contra a Lei 82992003 do Estado do Rio Grande do Norte que dispôs sobre formas de escoamento do sal marinho produzido no Rio Grande do Norte Neste caso entendeuse pela impossibilidade de aplicação do critério adotado para a definição do caráter nacional dos partidos políticos Lei 90961995 art 7º considerandose a relevância nacional da atividade dos associados e a circunstância de a produção de sal existir apenas em poucas unidades da Federação 458 Resta analisar por fim o requisito da pertinência temática exigido para configurar a legitimidade tanto das confederações quanto das entidades de classe de âmbito nacional Entende o STF que a legitimidade da confederação sindical e da entidade de classe de âmbito nacional assim como da Mesa de Assembleia Legislativa e de Governador é vinculada ao objeto da ação pelo que deve haver pertinência entre os objetivos do autor e a norma impugnada 459 Ou melhor firmouse o entendimento de que as entidades de classe e as confederações sindicais somente têm legitimidade quando a norma apontada como inconstitucional disser respeito aos interesses típicos da classe representada 460 821 Objeto 461 Diz o art 102 I a da CF que podem ser objeto de controle de constitucionalidade por intermédio de ação direta leis ou atos normativos federais ou estaduais Significa dizer que todos os atos normativos primários editados pela União e pelos Estados podem ser objeto de ação direta de inconstitucionalidade Não são passíveis de controle as normas constitucionais primárias 462 São porém as normas constitucionais secundárias vale dizer as emendas constitucionais e os tratados internacionais acerca de direitos humanos aprovados por quórum qualificado pelo Congresso Nacional nos termos do art 5º 3º da CF 463 Várias emendas constitucionais foram objeto de ação direta de inconstitucionalidade como por exemplo a EC 2 que antecipou a data do plebiscito previsto no art 2º do ADCT 464 a EC 3 que instituiu a ação direta de constitucionalidade 465 a EC 20 que tratou da proteção à gestante 466 e a EC 45 acerca da reforma do Judiciário 467 Admitese também a aferição da constitucionalidade de proposta de emenda constitucional antes de sua promulgação Lembrese de que o STF admite o controle judicial do processo legislativo em nome do direito subjetivo do parlamentar de impedir que a elaboração dos atos normativos incida em desvios inconstitucionais 468 Aceitase assim a utilização de mandado de segurança controle incidental quando a vedação constitucional se dirige ao próprio processamento da lei ou da emenda 469 Frisese que nesta hipótese não há controle preventivo de constitucionalidade mas controle judicial repressivo por intermédio de mandado de segurança Se determinada norma constitucional veda a apresentação da emenda isso obstaculiza o processo legislativo Há inconstitucionalidade muito antes de se chegar à deliberação pois a própria incoação do processo é inconstitucional Ora existe brutal distância entre alegar violação de norma constitucional que impede o andamento de processo legislativo e afirmar inconstitucionalidade decorrente de lei que ainda está por ser editada 470 Pode surgir hipótese de ação de inconstitucionalidade de lei perante emenda constitucional que o Tribunal entenda ser no respectivo processo objetivo inconstitucional concluindose dessa forma que inconstitucional é o que se apontou como parâmetro de constitucionalidade Num caso como este o problema não está propriamente em tomar em conta o direito constitucional originário como parâmetro de controle mas em ter como objeto de controle algo que não fez parte do pedido formulado mediante a ação O pedido de inconstitucionalidade é da lei e não da emenda constitucional o que impede o Tribunal de declarar a última inconstitucional De modo que se o Tribunal entender que a emenda constitucional ofertada como parâmetro é inconstitucional ele terá de julgar o pedido em face do texto constitucional primário Neste caso porém seria possível questionar se o conceito de causa de pedir aberta permite o salto do direito constitucional secundário para o direito constitucional primário Se o direito constitucional originário aparece em virtude do desaparecimento do secundário há entre eles imbricação iniludível a impor o controle a partir do direito constitucional que emerge vivo e apto para fazer inconstitucional lei que eventualmente com ele se contraponha Isso não quer dizer obviamente que a aferição do pedido a partir do direito constitucional originário deva levar a um julgamento de constitucionalidade mas que o julgamento deve ser feito para se ter a norma como constitucional ou não já que a admissão da inconstitucionalidade da emenda constitucional não é garantia da constitucionalidade da norma impugnada 471 Esclareçase ademais que no exemplo anterior a lei foi editada sob a égide da emenda constitucional donde a admissibilidade da ação direta A lei editada sob a vigência de emenda constitucional inconstitucional é passível de controle sob o direito originário São passíveis de controle de constitucionalidade leis federais de qualquer forma ou conteúdo 472 As leis complementares as leis ordinárias as leis delegadas as medidas provisórias os decretos legislativos as resoluções das Casas Legislativas os decretos presidenciais os regimentos internos dos Tribunais Superiores os atos normativos expedidos por pessoas jurídicas de direito público federal entre outros podem ser objeto de ação direta de inconstitucionalidade Menção especial merece o que se dá no aspecto procedimental em relação às medidas provisórias Como a medida provisória pode ou não ser convertida em lei é preciso que em caso de conversão em lei ou de reedição da medida provisória o requerente adite a petição inicial da ação direta 473 sendo que uma vez decorrido o prazo para a sua apreciação pelo Congresso Nacional ou na hipótese de sua expressa rejeição o processo objetivo será julgado extinto por perda de objeto da ação direta 474 Outro ponto particular é o de que a liminar ao suspender os efeitos da norma da medida provisória tem eficácia até o instante em que a medida provisória deixa de poder ser convertida em lei Igualmente se expõe ao controle de constitucionalidade o direito estadual assim as próprias Constituições estaduais leis estaduais decretos regimentos internos dos Tribunais de Justiça e Assembleias Legislativas e atos normativos editados por pessoas jurídicas de direito público estadual A Constituição Estadual deve respeito a regras e princípios encartados na Constituição Federal sujeitandose ao controle de constitucionalidade 475 Por outro lado tudo o que é correlato quando vindo do Distrito Federal art 32 1º da CF 476 pelos mesmos motivos não pode deixar de se sujeitar ao controle de constitucionalidade Assim a lei orgânica e demais leis e atos normativos distritais com exceção obviamente das normas que o Distrito Federal edita ao exercer competência legislativa municipal já que as normas municipais não se sujeitam ao controle de constitucionalidade em face da Constituição Federal 477 Diante do assunto o STF editou a Súmula 642 com o seguinte teor Não cabe ação direta de inconstitucionalidade de lei do Distrito Federal derivada da sua competência legislativa municipal Não há dúvida de que o controle abstrato não se destina a ato não dotado de abstração e generalidade O entendimento do STF é pacífico no sentido de que os atos de efeitos concretos não abrem ensejo para a ação direta de inconstitucionalidade 478 Porém afirma se que também são insuscetíveis de controle abstrato determinados atos ainda que revestidos sob a forma de lei como as leis orçamentárias Assim por exemplo decidiuse na ADIn 4041 que as leis em sentido formal como as que veiculam matéria orçamentária limitandose à previsão de receita e despesa ou ainda à abertura de créditos orçamentários não são dotadas de generalidade e abstração caracteres próprios dos atos normativos os únicos passíveis de controle de constitucionalidade pela via principal 479 Deuse uma guinada no julgamento da ADIn 820 em que se tratou do mesmo tema Declarouse que a norma impugnada embora tratando de matéria orçamentária consubstanciaria lei norma possuindo generalidade e abstração suficientes sendo seus destinatários determináveis e não determinados 480 No julgamento da ADIn 4048 chegouse à conclusão de que seria o momento de rever a jurisprudência sobre a viabilidade do controle abstrato de normas orçamentárias argumentandose que o STF deve exercer sua função precípua de fiscalização da constitucionalidade das leis e dos atos normativos quando houver um tema ou uma controvérsia constitucional suscitada em abstrato independentemente do caráter geral ou específico concreto ou abstrato de seu objeto 481 As leis revogadas não abrem margem à ação direta de inconstitucionalidade por não haver sentido em declarar inconstitucional o que não mais existe De outra parte se em princípio haveria razão para declarar a perda de interesse superveniente no caso de revogação posterior ao ajuizamento da ação 482 não há como deixar de ver que dessa forma isentamse de reprimenda os efeitos da lei Melhor explicando a revogação ao impedir a decisão de inconstitucionalidade deixa vivos e intocáveis os efeitos que pela lei foram produzidos trazendo benefícios àqueles que apostaram na agressão à Constituição Não obstante em tal caso é possível pensar na arguição de descumprimento de preceito fundamental uma vez que esta é cabível quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal estadual ou municipal art 1º parágrafo único I da Lei 98821999 Entendese que a lei anterior à Constituição não pode ser objeto de controle de constitucionalidade Lei objeto de controle é lei editada à luz do parâmetro de controle ou seja à luz da Constituição vigente Direito préconstitucional é direito que pode ser recepcionado pela Constituição Afirmase nesta linha que a lei préconstitucional não pode ser objeto de ação direta de inconstitucionalidade ou do controle abstrato 483 podendo a sua recepção pela Constituição ser objeto de análise como prejudicial à solução dos litígios Contudo a circunstância de a ação direta produzir efeitos erga omnes e vinculantes daria segurança e proporcionaria estabilidade em relação à norma editada anteriormente ao texto constitucional em vigor Bem por isso argumentouse na ADPF 33 que a possibilidade de incongruências hermenêuticas e confusões jurisprudenciais decorrentes dos pronunciamentos de múltiplos órgãos pode configurar uma ameaça a preceito fundamental pelo menos ao da segurança jurídica o que também está a recomendar uma leitura compreensiva da exigência aposta à lei da arguição de modo a admitir a propositura da ação especial toda vez que uma definição imediata da controvérsia mostrarse necessária para afastar aplicações erráticas tumultuárias ou incongruentes que comprometam gravemente o princípio da segurança jurídica e a própria ideia de prestação judicial efetiva Ademais a ausência de definição da controvérsia ou a própria decisão prolatada pelas instâncias judiciais poderá ser a concretização da lesão a preceito fundamental Em um sistema dotado de órgão de cúpula que tem a missão de guarda da Constituição a multiplicidade ou a diversidade de soluções pode constituirse por si só em uma ameaça ao princípio constitucional da segurança jurídica e por conseguinte em uma autêntica lesão a preceito fundamental Concluiuse em face desses argumentos e considerando a razoabilidade e o significado para a segurança jurídica da tese que recomenda a extensão do controle abstrato de normas também ao direito préconstitucional que não se afiguraria despropositado cogitar da revisão da jurisprudência do STF sobre a matéria observandose contudo que a questão ganhou novos contornos com a aprovação da Lei 98821999 que disciplina a arguição de descumprimento de preceito fundamental e estabelece expressamente a possibilidade de exame da compatibilidade do direito préconstitucional com norma da Constituição Federal pelo que toda vez que se configurar controvérsia relevante sobre a legitimidade do direito federal estadual ou municipal anteriores à Constituição em face de preceito fundamental da Constituição poderá qualquer dos legitimados para a propositura de ação direta de inconstitucionalidade propor arguição de descumprimento 484 Seguindose na mesma linha decidiuse na ADPF 129 que como ela é cabível para evitar ou reparar lesão a preceito fundamental resultante de ato do Poder Público ou quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal estadual ou municipal inclusive anteriores à Constituição não sendo admitida a utilização de ações diretas de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade isto é não se verificando a existência de meio apto para solver a controvérsia constitucional relevante de forma ampla geral e imediata há de se entender possível a utilização da arguição de descumprimento de preceito fundamental sob o aspecto do princípio da subsidiariedade quando a norma nela impugnada veio a lume antes da vigência da Constituição de 1988 485 822 Parâmetro de controle Parâmetro de controle é a expressão utilizada para significar a base a partir de que as leis ou os atos normativos são analisados para se chegar à conclusão acerca da sua constitucionalidade Tratase assim da matéria que serve ao controle ou da substância com que deve se compatibilizar tudo o que pode ser objeto do controle Em princípio parâmetro de controle é a Constituição vigente 486 Por consequência as emendas constitucionais igualmente constituem parâmetro de controle sejam elas fruto do art 3º do ADCT 487 ou do art 60 da CF 488 As emendas constitucionais podem ter caráter aditivo supressivo ou modificativo Podem assim acrescer dispositivo ou suprimir ou alterar disposição do texto constitucional Isso não quer dizer que todos os dispositivos de emenda constitucional tenham de ser necessariamente incorporados ao texto da Constituição acontecendo de em alguns casos isso não acontecer vindo assim a surgir parâmetro de controle de constitucionalidade formalmente externo ao texto constitucional A EC 452004 introduziu 3º 489 ao art 5º o qual afirma que os tratados e as convenções internacionais sobre direitos humanos aprovados por quórum qualificado no Congresso Nacional são equivalentes às emendas constitucionais O tratado de direitos humanos que for aprovado em cada Casa do Congresso Nacional em dois turnos por três quintos dos votos dos respectivos membros por ter força de emenda constitucional constitui parâmetro de controle de constitucionalidade Quando a alegação de inconstitucionalidade pressupõe a confrontação da norma com lei infraconstitucional entendese que a arguição de inconstitucionalidade não é direta ao texto constitucional mas apenas reflexa o que retira da Constituição a qualidade de parâmetro de controle 490 Não é possível confrontar lei com norma constitucional suprimida ou modificada Essa norma deixa de ser obviamente parâmetro de controle 491 Caso a ação direta tenha sido proposta em face de norma constitucional que no curso do processo é suprimida ou modificada 492 ainda restaria a questão de saber se a norma antes impugnada como inconstitucional diante da nova conformação da realidade constitucional foi ou não recepcionada Decidiuse na ADIn 3833 que a alteração da Carta inviabiliza o controle concentrado de constitucionalidade de norma editada quando em vigor a redação primitiva 493 Assim a Corte não conheceu da ação direta de inconstitucionalidade averbando todavia o exaurimento da norma 494 impugnada Diante disso embora não se tenha admitido o controle da norma em face de parâmetro surgido posteriormente o resultado não foi de simples extinção do processo pois se averbou que a norma objeto do primitivo controle se exaurira 823 Procedimento A ação direta de inconstitucionalidade inicia mediante a apresentação de petição inicial que deve ser apresentada em duas vias e quando subscrita por advogado ser acompanhada de procuração com poderes específicos devendo conter cópias da lei ou do ato normativo impugnado e dos documentos necessários para comprovar a impugnação art 3º parágrafo único da Lei 98681999 Os seus principais requisitos estampados nos incisos do art 3º da Lei 98681999 constituem a causa de pedir e o pedido 495 Proposta a ação direta não se admite desistência 496 art 5º da Lei 98681999 Exigese descrição da norma apontada como inconstitucional e alusão ao preceito constitucional dito violado bem como a demonstração da incompatibilidade entre uma e outro mediante a apresentação de fundamentos capazes de evidenciála 497 O inciso I do art 3º alude aos fundamentos em relação a cada uma das impugnações Se a petição inicial impugnar mais de um dispositivo cada um deles pode ter razão específica para ser dito inconstitucional Nesse caso a inicial deverá apresentar os fundamentos pelos quais cada um dos dispositivos impugnados não se amolda à ordem constitucional Caso o fundamento para a demonstração da inconstitucionalidade seja único não obstante a autonomia de cada um dos dispositivos impugnados obviamente basta deixar claro que o mesmo fundamento está sendo utilizado para demonstrar a inconstitucionalidade dos vários dispositivos alegados inconstitucionais Além disso deve ser feito o adequado pedido em princípio de pronúncia de inconstitucionalidade da lei com as cominações necessárias É exatamente neste contexto que se fala de causa de pedir aberta como requisito da ação direta A ideia de causa de pedir aberta não quer isentar o autor de apresentar os fundamentos para a demonstração da inconstitucionalidade mas somente desvincular o Tribunal da necessidade de se ater ao específico fundamento alegado na inicial Tem a Corte o poder de considerar o texto constitucional em seu todo além de qualquer fundamento constitucional relacionado à norma infraconstitucional descrita na petição inicial 498 Assim se a causa de pedir certamente não pode deixar de ser deduzida pelo autor o Tribunal é circunscrito apenas pelo pedido de inconstitucionalidade em face do parâmetro de controle que é a Constituição Federal Porém se a inicial deixa de descrever norma que no curso do processo surge evidenciada como inconstitucional o Tribunal apenas pode declarar a sua inconstitucio nalidade se for o caso por arrastamento 499 O STF utiliza a expressão arrastamento para indicar o modo como dispositivos não expressamente impugnados na petição inicial são declarados inconstitucionais A inconstitucionalidade por arrastamento ocorre quando determinada norma não descrita na inicial possui conteúdo análogo ao da que foi expressamente impugnada ou quando a inconstitucionalidade de certa norma é consequência lógica inafastável da declaração da inconstitucionalidade daquela atacada na petição inicial Nesse caso bem vistas as coisas mais do que fundamentação adequada falta pedido de declaração de inconstitucionalidade em relação à norma No caso de petição inicial inepta não fundamentada ou manifestamente improcedente diz o art 4º da Lei 98681999 o relator deve indeferila liminarmente Entendese como inepta a petição inicial que deixa de apresentar cópia da lei ou do ato normativo impugnado 500 assim como a que quando subscrita por advogado não é acompanhada de procuração com poderes específicos 501 Quando o vício for suprível o relator deve conferir prazo para o aditamento da inicial 502 A previsão de que petição inicial não pode ser não fundamentada realça a necessidade de o autor ao pedir a pronúncia de inconstitucionalidade ter de demonstrar as razões da incompatibilidade entre a lei e a Constituição Manifestamente improcedente por lógica é a petição apta fundamentada em que estão presentes a causa de pedir e o pedido e as condições para a admissibilidade da ação mas que leva o relator a concluir de imediato que o pedido é improcedente Petição manifestamente improcedente em outros termos é a que faz surgir ao relator juízo de macroscópica improcedência O STF também aplica na ação direta de inconstitucionalidade a norma do art 21 1º do seu Regimento Interno que confere ao relator poder de negar seguimento a pedido ou recurso manifestamente inadmissível improcedente ou contrário à jurisprudência dominante ou à Súmula do Tribunal deles não conhecer em caso de incompetência manifesta encaminhandose os autos ao órgão que repute competente bem como cassar ou reformar liminarmente acórdão contrário à orientação firmada Essa norma além de corrigir a impropriedade do termo petição manifestamente improcedente evidencia a possibilidade de rejeitar liminarmente mediante a expressão negar seguimento a ação manifestamente inadmissível ou o pedido manifestamente contrário a súmula ou a precedente do STF além de dar ao relator no caso de incompetência manifesta o poder de encaminhar os autos ao órgão competente Salientese que o STF já reconheceu oportunidade para indeferir liminarmente a petição inicial da ação direta nos casos de impugnação de norma constitucional originária 503 de norma municipal 504 de norma de caráter secundário 505 e de norma cuja constitucionalidade já foi declarada pelo Plenário do STF ainda que em recurso extraordinário 506 Contra a decisão que indefere a petição inicial ou nega seguimento a ação manifestamente inadmissível ou a pedido manifestamente improcedente ou contrário à jurisprudência dominante ou a Súmula do Tribunal ou ainda que reconhece incompetência manifesta cabe agravo ao Plenário art 4º parágrafo único da Lei 98681999 Não cabe agravo porém quando a ação foi inadmitida pelo Plenário e não pelo relator 507 O Estado não tem legitimidade para interpor o agravo ainda que a ação direta tenha sido proposta pelo seu Governador 508 Além disso do teor da regra não se retira a possibilidade de interpor agravo contra a decisão do relator que deixa de liminarmente rejeitar a petição inicial 509 O juízo realizado em virtude do agravo deve se limitar a analisar a existência de inépcia não fundamentação ou manifesta improcedência Isso significa que quando a petição inicial contiver os seus requisitos mínimos e o pedido não for manifestamente improcedente o Plenário por ocasião do agravo não pode manter a decisão de rejeição liminar Esclareçase ainda que a Lei 98681999 contempla a possibilidade de o autor da ação direta de inconstitucionalidade requerer medida liminar para que se suspenda a aplicação da lei enquanto não julgado definitivamente o pedido de inconstitucionalidade Na hipótese não sendo o caso de indeferimento da petição inicial o relator dará oportunidade aos órgãos ou às autoridades das quais emanou a lei ou o ato normativo impugnado para se pronunciarem no prazo de cinco dias Diante do requerimento de liminar o relator tem a faculdade de ouvir o AdvogadoGeral da União e o ProcuradorGeral da República no prazo de três dias 510 Exceto no período de recesso quando a oportunidade da tutela deve ser apreciada pelo Presidente do STF ad referendum do Plenário 511 o requerimento de medida liminar apenas poderá ser julgado quando presentes no mínimo oito Ministros 512 e deferido somente por maioria absoluta isto é pela maioria dos membros da Corte e não pela maioria dos presentes na sessão de julgamento 513 É importante a previsão do art 12 da Lei 98681999 por dar ao relator a possibilidade diante do requerimento de liminar de pedir informações e requerer a manifestação do AdvogadoGeral da União e do ProcuradorGeral da República para submeter o caso para solução definitiva do Tribunal 514 Com isso eliminase eventual mal decorrente da provisoriedade da decisão fortalecendose a segurança jurídica 515 Sumarizase em termos formais o procedimento uma vez que sem a eliminação do aprofundamento do conhecimento da matéria encurtase o tempo necessário à sua solução definitiva Não tendo sido requerida ou tendo sido concedida ou não a liminar o relator pedirá informações aos órgãos ou às autoridades das quais emanou a lei ou o ato normativo impugnado as quais deverão ser apresentadas no prazo de 30 dias contado do recebimento do pedido art 6º parágrafo único da Lei 98681999 Do mesmo modo ainda que eventualmente o AdvogadoGeral da União e o ProcuradorGeral da República já tenham sido ouvidos no prazo relativo à liminar terão novamente oportunidade para se pronunciar art 8º da Lei 98681999 516 devendo o relator após pedir dia para julgamento Proferida a decisão cabem apenas embargos declaratórios Não se admite ação rescisória De acordo com o art 26 da Lei 98681999 a decisão que declara a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo em ação direta ou em ação declaratória é irrecorrível ressalvada a interposição de embargos declaratórios não podendo igualmente ser objeto de ação rescisória A parte final desta regra foi objeto da ADIn 2154 que está sendo processada em conjunto com a ADIn 2258 para aferir a constitucionalidade de outras tantas normas da Lei 98681999 tendo o STF por votação unânime rejeitado a arguição da sua inconstitucionalidade em 14022007 Entendeuse inconsistente a alegação de ofensa ao art 5º XXXV da CF argumentandose que ao não existir norma constitucional a exigir a ação rescisória a sua vedação por lei não poderia ser reputada inconstitucional a menos que configurandose arbitrária ou desarrazoada representasse ofensa a garantias constitucionais que lhe impusessem a admissão 517 Lembrese entretanto de que o não cabimento de ação rescisória não significa que a decisão de improcedência não possa ser revista quando a alteração da realidade a modificação dos valores sociais ou a nova concepção geral acerca do direito estiverem a impor ao Tribunal a revisão do seu precedente constitucional 518 824 Procedimento sumário em sentido formal O art 12 da Lei 98681999 confere ao STF poder para a partir de critérios peculiares à situação analisada sumarizar formalmente o procedimento da ação direta de inconstitucionalidade De acordo com o art 12 o relator poderá diante de requerimento de medida liminar prestadas as informações e ouvido o AdvogadoGeral da União e o ProcuradorGeral da República submeter o processo diretamente ao Tribunal para este julgar definitivamente a ação Uma vez postulada medida liminar o Tribunal teria de conceder ou não a liminar de acordo com a regra primária do procedimento Sucede que em determinadas situações a demora na definição da constitucionalidade da lei pode trazer grave perturbação às ordens jurídica e social trazendo prejuízos à coerência do direito à estabilidade e à confiança legítima nos atos estatais Assim o que legitima a sumarização do procedimento é justamente a necessidade de definir rapidamente a questão constitucional evitandose a perpetuação da incerteza do direito É certo que a incoerência da ordem jurídica e a desconfiança do cidadão na jurisdição poderiam ser minimizadas mediante a concessão de liminar eliminandose a difusão de decisões díspares em sede de controle difuso acerca do tema Porém determinadas matérias em vista da sua particular importância para a sociedade são incompatíveis com as medidas liminares cuja função é exatamente a de manter até a solução definitiva do caso uma regra provisória de regulação Ou melhor determinadas situações devido a sua relevância não suportam o tempo da provisoriedade Ademais a abreviação do tempo ao julgamento definitivo tem o efeito de possibilitar regular aplicação dos efeitos retroativos da decisão de inconstitucionalidade Em decisão proferida na ADIn 3615 observou a Min Ellen Gracie que nas recentes ações diretas que teriam tratado do tema que estava sob julgamento normalmente propostas logo após a edição da lei impugnada fora aplicado o rito célere do art 12 da Lei 98681999 pelo que o tempo necessário para o surgimento da decisão pela inconstitucionalidade dificilmente seria desarrazoado possibilitando a regular aplicação dos efeitos ex tunc 519 O art 12 bem por isso exige como pressuposto ao imediato julgamento definitivo da ação os requisitos da relevância da matéria e do seu especial significado para a ordem social e a segurança jurídica Apenas quando presentes esses requisitos é que o relator poderá submeter o processo que em princípio esperaria a solução de requerimento de medida liminar para o julgamento definitivo da ação Tais critérios é claro constituem cláusulas abertas aptos a serem preenchidos conforme as circunstâncias do caso e a propiciarem a adequada decisão Isso não quer dizer como é óbvio que não seja preciso minimizar as fronteiras de subjetividade na sua aplicação o que é naturalmente feito pela própria força obrigatória da jurisprudência do Tribunal diante dos casos subsequentes 520 As decisões do Tribunal especialmente quando relacionadas a conceitos indeterminados têm eficácia horizontal sobre os seus próprios membros 521 Notese que a abertura do processo ao julgamento definitivo quando fora requerida medida liminar não gera qualquer prejuízo à participação de requerente requerido AdvogadoGeral da União e ProcuradorGeral da República não se podendo pensar assim em violação à participação ou do adequado debate nem mesmo em sumarização material do procedimento O art 12 cuida de deixar claro que o julgamento definitivo só é possível após a prestação das informações e a manifestação do AdvogadoGeral da União e do ProcuradorGeral da República Não há assim como pensar em juízo limitado pela participação das partes e dessa forma em julgamento mediante cognição sumária O juízo é de cognição exauriente embora tomado em espaço de tempo mais curto ao ordinariamente deferido ao julgamento definitivo Tratase do que se chama de abreviação formal ou sumarização formal do procedimento que difere da sumarização material peculiar aos juízos de cognição parcial em que se exclui determinada parcela do litígio da análise judicial e aos juízos de cognição sumária procedimentos ou tutelas que se limitam à verossimilhança Este procedimento formalmente sumário é interessante não constitui um módulo legal ou seja um procedimento previamente definido pelo legislador para determinada situação específica mas um procedimento criado para a situação concreta ou em termos mais adequados uma autocriação do procedimento adequado às particularidades da situação em juízo 825 Causa de pedir aberta Quando se alude à causa de pedir aberta não se pretende dispensar o autor de fundamentar o pedido de inconstitucionalidade 522 Ao contrário a própria Lei 98681999 em seu art 3º prevê a necessidade de a petição inicial descrever a norma impugnada e os preceitos constitucionais que lhe negam vida deduzindo o fundamento hábil a evidenciar a inconstitucionalidade Assim importa indagar as razões que conduzem à ideia de causa de pedir aberta Em primeiro lugar tal ideia se associa à necessidade de garantir ao Tribunal julgar a questão constitucional com base em qualquer fundamento O controle abstrato da constitucionalidade não pode ser prejudicado em virtude de deficiência de fundamentação máxime quando se tem consciência de que na ação direta importa sobremaneira a participação do amicus curiae Notese que a abertura à participação e ao diálogo como meio de contribuição à racional discussão da Corte ficaria extremamente limitada caso fosse possível discutir apenas o específico fundamento deduzido na inicial Na verdade a própria possibilidade de intervenção do amicus curiae quando relacionada à importância da construção da decisão de constitucionalidade a partir da consideração das diversas vozes da sociedade faz ruir a suposição de que a segurança derivada da estrita observância do fundamento da demanda não poderia ser dispensada no controle abstrato Na ação direta mais do que a segurança das partes envolvidas na ação inter partes importa a legitimidade da decisão jurisdicional para o que é fundamental o incremento da participação do diálogo e da discussão entre os membros do Tribunal a partir de um parâmetro que embora não esteja delimitado na petição inicial é conhecido e no processo objetivo deve ser debatido por todos os envolvidos Bem por isso seria melhor dizer que a causa de pedir aberta é a causa de pedir que possui como parâmetro de debate e decisão a integralidade da Constituição Dessa forma seria eliminada a desconfiança gerada pela expressão aberta visto que na generalidade dos casos a causa de pedir é determinada para promover a segurança jurídica É claro que a circunstância de a causa de pedir não estar determinada não permite ao Tribunal decidir sem oportunizar ao autor e ao requerido a discussão do preciso fundamento constitucional que se pretende utilizar para decidir Assim caso determinado fundamento constitucional apareça apenas ao final do procedimento é necessário oportunizar ao requerente e ao requerido prazo para se manifestarem Da mesma forma quando um Ministro após a prolação de votos que consideram o que já foi debatido no processo propõe um novo fundamento é preciso não só ouvir os Ministros que já votaram para novamente oportunizar a ouvida daqueles que participando do processo têm interesse na decisão No entanto é preciso salientar que o Supremo Tribunal embora aceite a noção de causa de pedir aberta tem estabelecido limites ao seu uso Assim nega que a ação de inconstitucionalidade proposta exclusivamente sob o fundamento de vício formal seja analisada também sob o aspecto de eventual inconstitucionalidade material Na ADIn 2182 523 proposta em face da Lei de Improbidade Administrativa Lei 84291992 cuja petição inicial apontava exclusivamente um suposto vício formal o Tribunal discutiu se poderia com fundamento na doutrina da causa de pedir aberta analisar a constitucionalidade material da lei questionada Por apertada maioria o Tribunal rejeitou tal possibilidade sem descartar a referida doutrina em abstrato afirmando que não se tratava de hipótese de sua aplicação 524 Ao decidir questão de ordem levantada pelo Ministro relator a Corte entendeu que não poderia analisar eventual inconstitucionalidade material sem esta ter sido alegada na petição inicial Além de se acatarem os obstáculos práticos apontados pelo Min Marco Aurélio foi lembrado que de outra forma estarseia retirando do Poder Legislativo a oportunidade de defender a lei questionada 525 o que poderia fazer surgir até mesmo espécie de ditadura da Corte Constitucional 526 Por fim outro ponto em que a ideia de causa de pedir aberta causa impacto é a de coisa julgada material ou melhor de eficácia preclusiva da coisa julgada material A eficácia preclusiva da coisa julgada também vista como o princípio do deduzido e do dedutível impede a propositura de ação com base em causa de pedir já invocada ou melhor com base em qualquer fundamento incluso na causa de pedir anteriormente articulada Porém se a causa de pedir é aberta ou seja permite a aferição da inconstitucionalidade a partir de qualquer fundamento constitucional não é possível propor após o julgamento de ação de inconstitucionalidade de determinada lei outra ação de inconstitucionalidade da mesma lei com base em fundamento não invocado já que todos estão inclusos na causa de pedir tenham ou não sido expressamente deduzidos É interessante perceber que nesta perspectiva não só se impede a propositura de posterior ação voltada a impugnar a mesma norma como também se retira da decisão de improcedência da ação de inconstitucionalidade o resultado de que a própria norma impugnada é constitucional 527 É que se nenhum outro fundamento pode ser utilizado para impugnar a norma a decisão de improcedência isto é a própria decisão que declara a constitucionalidade da norma tem eficácia vinculante sobre os juízes e tribunais inferiores impedindoos de analisar qualquer fundamento relacionado à constitucionalidade da norma O STF na medida cautelar na ADIn 18968 afirmou que é da jurisprudência do Plenário o entendimento de que na ação direta de inconstitucionalidade seu julgamento independe da causa petendi formulada na inicial ou seja dos fundamentos jurídicos nela deduzidos pois havendo nesse processo objetivo arguição de inconstitucionalidade a Corte deve considerála sob todos os aspectos em face da Constituição e não apenas diante daqueles focalizados pelo autor É de se presumir então que no precedente ao menos implicitamente hajam sido considerados quaisquer fundamentos para eventual arguição de inconstitucionalidade inclusive os apresentados na inicial da presente ação Sendo assim está prejudicado o requerimento de medida cautelar já indeferida por maioria de votos pelo Tribunal no precedente referido 528 Em sede de controle difuso o STF não conheceu do recurso extraordinário pelas mesmas razões Decidiuse no RE 3575767 que tendo o Pleno da Corte ao julgar a ADIn 2031 relatora a eminente Min Ellen Gracie dado pela improcedência da ação quanto ao art 75 1º e 2º introduzido no ADCT pela EC 211999 isso implica em virtude da causa petendi aberta em ação dessa natureza a integral constitucionalidade desses dispositivos com eficácia erga omnes 529 Frisese que se há eficácia preclusiva da coisa julgada todos os fundamentos dedutíveis desde que integrantes da causa de pedir presumemse deduzidos O princípio do deduzido e do dedutível faz precluir todos os fundamentos que fazem parte da causa de pedir invocada na ação que deu origem à decisão qualificada pela coisa julgada material Assim falar em causa de pedir aberta significa pôr de lado o princípio do deduzido e do dedutível Nesta hipótese pouco importa se determinado fundamento poderia ter sido deduzido ou era integrante da causa petendi invocada Como todos os fundamentos poderiam ser livremente analisados pelo tribunal presumese que todos tenham sido ou possam ter sido deduzidos Todavia como a ideia de causa de pedir aberta ligase à natureza específica do controle abstrato de constitucionalidade é preciso ter consciência de que o instituto da eficácia preclusiva da coisa julgada é incompatível com a ação direta 826 Medida liminar A medida liminar constitui forma de prestação jurisdicional imprescindível para proteger as situações que em virtude da demora da ação direta podem ser prejudicadas A Constituição Federal prevê expressamente a possibilidade de concessão de medida liminar na ação direta de inconstitucionalidade art 102 I p da CF 530 A Lei 98681999 possui seção específica para o tratamento da medida Seção II do Capítulo II A presunção de constitucionalidade nada tem que possa impedir a concessão de liminar 531 Ora do mesmo modo que se pode pronunciar a inconstitucionalidade da lei esta pode ter a sua eficácia suspensa Basta que exista forte fundamento de a lei ser inconstitucional aliada ao perigo de que a sua aplicação no tempo que se supõe necessário à solução da ação direta possa trazer prejuízos irreversíveis É claro que em certos casos será adequado realizar um balanceamento entre as vantagens e desvantagens de suspensão da aplicação da norma A liminar uma vez deferida terá o efeito de suspender a aplicação da lei Embora o seu requerimento em regra deva ser analisado após a ouvida dos órgãos ou das autoridades de quem emanou a lei ou o ato normativo impugnado admitese a concessão da liminar diante da mera apresentação da petição inicial desde que a aplicação da norma possa trazer prejuízos irreparáveis durante o tempo de demora para a ouvida dos requeridos art 10 3º da Lei 98681999 532 Não há como pensar em coisa julgada material em relação à decisão que aprecia requerimento de liminar A cognição sumária ou não aprofundada impede que se faça afirmação com força suficiente ao surgimento de coisa julgada material Entretanto a decisão que concede liminar tem todos os elementos para que se pense em eficácia vinculante Há eficácia vinculante dos fundamentos determinantes da decisão liminar ainda que estes estejam selados pela provisoriedade Notese assim que não há como confundir a eficácia própria da liminar de suspender os efeitos e a aplicação de uma lei com a eficácia vinculante dos fundamentos determinantes da decisão que concede a liminar ou mesmo a indefere O problema da eficácia vinculante de uma decisão fundada em cognição sumária está exatamente no menor aprofundamento dos seus fundamentos determinantes A questão portanto é idêntica à da maior ou menor autoridade dos precedentes própria ao common law Sabese que nos Estados Unidos os precedentes não têm a mesma força ou autoridade que se relacionam com vários aspectos da decisão que vão desde o número de votos que deu origem ao precedente até o prestígio dos juízes que participaram da sua formação em especial o do juiz relator Ora a decisão que concede ou nega liminar na ação direta por sua natureza deve ser analisada em tal dimensão uma vez que em regra não aprofunda os fundamentos da decisão respeitante à constitucionalidade Melhor explicando a decisão que concede ou não liminar diante de sua natureza materialmente sumária tem força vinculante diversa da decisão que julga a ação de inconstitucionalidade Enquanto pender a ação de inconstitucionalidade a decisão que analisar requerimento de liminar tem eficácia vinculante impedindo que qualquer tribunal ou juiz diante da mesma questão constitucional em exame negue os seus fundamentos determinantes Nesta perspectiva portanto pouco importa se a decisão concedeu ou não a liminar Não obstante o STF vem negando eficácia vinculante à decisão que nega liminar atribuindoa apenas à decisão concessiva 533 Argumentase simplesmente que o indeferimento da medida cautelar na ação direta de inconstitucionalidade ao contrário do que sucede na hipótese de concessão RE 168277QO rel Min Ilmar Galvão DJ 04021998 não suspende em princípio o julgamento dos processos em que incidentemente se haja de decidir a mesma questão de inconstitucionalidade 534 É de ponderar contudo que a eficácia vinculante se relaciona à decisão e assim não se confunde com a eficácia da própria liminar Aliás é de ver que não seria preciso falar em eficácia vinculante de fundamentos determinantes se o problema se resumisse à aplicação da norma cuja eficácia foi suspensa pela liminar Esta uma vez concedida suspende a eficácia da lei e portanto a sua aplicação Sucede que os juízes e tribunais inferiores durante a pendência da ação direta ficam vinculados aos fundamentos determinantes da decisão que concedeu ou não a liminar Notese que quando a decisão não concede a liminar nada há para ser cumprido uma vez que não há sequer ordem Existe entretanto pronúncia normativa da Corte que não pode ser desprezada ainda que obviamente na dimensão do juízo de cognição sumária e na perspectiva do significado de pendência do controle abstrato Não é adequado racio cinar como se a Corte por ter negado a liminar não tivesse decidido ou fundamentado a sua decisão e dessa forma nada existisse para ser observado pelos demais órgãos jurisdicionais A decisão que nega a liminar vincula os demais juízes exatamente por constituir precedente dotado de ratio decidendi a ser respeitada Não é adequado que tendo sido rejeitados os fundamentos do requerimento cautelar os juízes e tribunais inferiores na pendência do controle abstrato possam decidir de forma contrária ao STF Em verdade os tribunais e juízes inferiores não ficam vinculados à decisão que trata da liminar apenas quando esta é rejeitada por fundamentos estranhos ao fumus boni iuris ou aos fundamentos do pedido de inconstitucionalidade dela podendo se libertar mais tarde e por outra razão quando é proferida decisão de inconstitucionalidadeconstitucionalidade ou o processo objetivo é julgado extinto sem o exame do pedido Deveras questão problemática está em saber se a decisão que analisou liminar conserva eficácia vinculante quando o processo é extinto sem o exame do pedido Sublinhese que não se está a falar da eficácia da liminar mas da força obrigatória da decisão A liminar diante da extinção do processo sem apreciação do pedido de inconstitucionalidade obviamente perde a sua eficácia Porém a decisão enquanto precedente não perde o seu lugar no sistema pelo que em tese deve ter a sua autoridade e força dimensionadas em face das decisões que estão por vir Releva perceber contudo que quando a questão constitucional deixa de estar diante do STF e assim a força obrigatória da decisão não mais se prende a uma futura decisão definitiva que está sendo aguardada e ao significado da pendência do controle abstrato de constitucionalidade a eficácia vinculante apenas pode ser ligada à qualidade intrínseca da decisão enquanto precedente dotado de fundamentação Porém o precedente nesta situação por estar marcado por cognição sumária não tem força suficiente para obrigar os juízes e tribunais inferiores a respeitálo não importando mais uma vez aqui se a decisão concedeu ou não a liminar O precedente contudo terá importante força persuasiva dependendo o seu respectivo grau da maior ou menor qualidade e inteireza de sua fundamentação No que diz respeito à eficácia temporal da decisão concessiva de liminar responde a Lei 98681999 em seu art 11 que a medida cautelar dotada de eficácia contra todos será concedida com efeito ex nunc salvo se o Tribunal entender que deva concederlhe eficácia retroativa 1º 535 e que a concessão da medida cautelar torna aplicável a legislação anterior acaso existente salvo expressa manifestação em sentido contrário 2º 536 827 Amicus curiae Os tradicionais institutos relacionados à intervenção de terceiros peculiares aos litígios entre partes não se aplicam nas ações voltadas à fiscalização abstrata de constitucionalidade Nem mesmo é possível a assistência litisconsorcial ou a assistência simples uma vez que os fundamentos de ambas as formas de intervenção no processo não se relacionam com o controle objetivo 537 Na verdade o que se pensa como intervenção de terceiro no caso de ação direta limitarseia à intervenção de quem em vista de sua posição especialmente da posição social de seus representados tem interesse na preservação da norma impugnada ou na sua eliminação do sistema Neste sentido diz o art 7º da Lei 98681999 que não se admitirá intervenção de terceiros no processo de ação direta de inconstitucionalidade caput do art 7º da Lei 98681999 mas que o relator considerando a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes poderá por despacho irrecorrível admitir a manifestação de outros órgãos ou entidades 2º do art 7º da Lei 98681999 Tratase da figura do amicus curiae 538 cuja função é contribuir para a elucidação da questão constitucional por meio de informes e argumentos favorecendo a pluralização do debate e a adequada e racional discussão entre os membros da Corte com a consequente legitimação social das suas decisões 539 Atualmente em vista do 3º do art 131 do RISTF não há mais dúvida de que o amicus curiae tem direito à sustentação oral Considerandose a qualidade da participação do amicus curiae no processo objetivo entendese não ter ele legitimidade para postular medida cautelar 540 e em princípio apresentar embargos de declaração 541 Isso decorre da circunstância de a sua participação não poder suplantar a do legitimado à propositura da ação direta nem ter ele poder para atuar em seu nome Entretanto considerandose que o Tribunal possui dever de realizar a modulação dos efeitos da decisão de inconstitucionalidade art 27 da Lei 98681999 tem o amicus curiae legitimidade para apresentar embargos de declaração para este fim 542 828 Esclarecimento de matéria de fato e informações acerca da aplicação da norma impugnada Quando houver necessidade de esclarecimento de matéria ou circunstância de fato ou existir notória insuficiência das informações existentes nos autos o relator poderá requisitar informações adicionais designar perito ou comissão de peritos para que emita parecer sobre a questão ou fixar data para em audiência pública ouvir depoimentos de pessoas com experiência e autoridade na matéria 1º do art 9º da Lei 98681999 543 O relator poderá ademais solicitar informações aos Tribunais Superiores aos Tribunais federais e aos Tribunais estaduais acerca da aplicação da norma impugnada 2º do art 9º da Lei 98681999 544 Tais normas têm relevantes reflexos teóricos uma vez que evidenciam a importância dos fatos e da jurisprudência enfatizando que o controle abstrato das normas não pode se distanciar da compreensão da realidade e do sentido que os tribunais dão às normas Descartase o preconceito de que as ações voltadas ao controle objetivo não admitem instrução probatória e mais do que isso colocase em relevo a ideia de que controlar a constitucionalidade da lei ainda que em abstrato não é meramente contrapor a lei à Constituição mas também atribuir sentido ao texto legal à luz dos fatos que lhe são pertinentes 545 829 Da decisão A sessão de julgamento da ação direta de inconstitucionalidade apenas pode ser instalada com a presença de oito Ministros art 22 da Lei 98681999 A decisão pela inconstitucionalidade porém exige maioria absoluta dos membros do Tribunal ou seja o mínimo de seis votos art 23 da Lei 98681999 A presença de oito Ministros dessa forma não permite a pronúncia de inconstitucionalidade por cinco votos contra três Na verdade todas as vezes em que se puder chegar a seis votos a favor da proclamação da inconstitucionalidade o julgamento deverá ser suspenso para se aguardar o pronunciamento dos Ministros faltantes até que se chegue a uma decisão de inconstitucionalidade ou de constitucionalidade O art 23 parágrafo único da Lei 98681999 é claro neste sentido afirmando que se não for alcançada a maioria necessária à declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade estando ausentes Ministros em número que possa influir no julgamento este será suspenso a fim de aguardarse o comparecimento dos Ministros ausentes até que se atinja o número necessário para prolação da decisão num ou noutro sentido A Lei 98681999 trata a decisão acerca da ação de inconstitucionalidade como uma decisão que tem efeitos positivos em suas duas faces seja ela de procedência ou improcedência Melhor explicando a decisão de improcedência não é uma mera declaração negativa ou uma decisão que simplesmente rejeita a inconstitucionalidade mas verdadeiramente uma decisão que embora de improcedência afirma a constitucionalidade daí decorrendo efeitos de igual qualidade àqueles que defluem da decisão de procedência Tanto a decisão de procedência quanto a de improcedência têm eficácia vinculante impedindo qualquer juiz ou tribunal inferior de se opor aos seus fundamentos determi nantes além de terem obviamente eficácia de modo a impedir qualquer rediscussão acerca da norma declarada inconstitucional ou constitucional Quer isso dizer que se norma similar de Estado diverso ao daquele cuja norma foi declarada constitucional for posteriormente discutida em sede de controle difuso o juiz e os tribunais inferiores estarão vinculados ao precedente ou mais precisamente aos seus fundamentos determinantes ou a sua ratio decidendi 546 É claro que a decisão que em vez de ser de improcedência é de inadmissibilidade da ação não torna a norma impugnada imune a ataques quanto a sua constitucionalidade Ou seja ainda que nenhuma mudança ou alteração tenham ocorrido nada impede a imediata propositura de nova ação de inconstitucionalidade desde que preenchido o vício que impediu a admissibilidade da primitiva ação e o exame do pedido de inconstitucionalidade Do mesmo modo os juízes e tribunais inferiores diante de normas similares não ficam vinculados à decisão até porque esta não possui sequer fundamentos determinantes Em sede de reclamação o STF já teve oportunidade de tratar dessa questão advertindo que não há falar em declaração de constitucionalidade incidenter tantum quando o Tribunal à unanimidade não conheceu da ação por falta de pertinência temática O não conhecimento da ação direta quanto ao item impugnado não gera em nenhuma hipótese a declaração de sua constitucionalidade 547 Julgada a ação farseá comunicação à autoridade ou ao órgão responsável pela expedição do ato art 25 da Lei 98681999 Lembrese ainda de que do julgamento da ação de inconstitucionalidade só cabem embargos de declaração sendo vedada ademais a ação rescisória art 26 da Lei 98681999 Decorridos dez dias do trânsito em julgado o STF fará publicar em seção especial do Diário da Justiça e do Diário Oficial da União a parte dispositiva do acórdão art 28 da Lei 98681999 830 Revogação da norma e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade O Supremo Tribunal Federal há algum tempo firmou o entendimento de que a revogação da norma apontada como inconstitucional conduz à perda de objeto da ação de inconstitucionalidade Nesse sentido decidiu a Corte na ADIn 4620 AgR que a remanescência de efeitos concretos pretéritos à revogação do ato normativo não autoriza por si só a continuidade de processamento da ação direta de inconstitucionalidade 548 A despeito desse entendimento já se decidiu que quando a revogação da norma objetiva burlar a jurisdição constitucional da Corte o julgamento da ação de inconstitucionalidade não fica prejudicado 549 A Corte também já declarou que fogem da regra geral da perda de objeto as ações que versam sobre leis de eficácia temporária quando i houve impugnação em tempo adequado ii a ação foi incluída em pauta e iii seu julgamento foi iniciado antes do exaurimento da eficácia 550 Recentemente em caso em que a ADIn questionava três normas emanadas de diferentes órgãos do Estado de Santa Catarina houve revogação das três mas a Corte ciente da revogação de apenas duas normas declarou a inconstitucionalidade de uma das normas e a perda de objeto da ação em relação às demais Apresentados embargos de declaração o Supremo Tribunal Federal decidiu que a prejudicialidade da ação direta também deve ser afastada nas ações cujo mérito já foi decidido em especial se a revogação da lei só veio a ser arguida posteriormente em sede de embargos de declaração V AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE 831 Primeiras considerações A ação declaratória de constitucionalidade constitui outra via para o controle abstrato de constitucionalidade em que se coloca como questão autônoma a constitucionalidade de uma norma pedindose sentença que recaia unicamente sobre ela A EC 3 de 17031993 mediante a introdução de normas no texto constitucional criou a ação declaratória de constitucionalidade Diz o art 102 I a da CF que compete ao STF precipuamente a guarda da Constituição cabendolhe processar e julgar originariamente a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal O 2º do art 102 tal como instituído pela EC 31993 foi alterado pela EC 452004 tendo hoje a seguinte redação As decisões definitivas de mérito proferidas pelo Supremo Tribunal Federal nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta nas esferas federal estadual e municipal O 4º do art 103 inserido pela EC 31993 foi suprimido pela EC 452004 que alterou a redação do caput do art 103 para expandir a primitiva legitimidade para a ação que agora é conferida aos mesmos legitimados à ação direta de inconstitucionalidade Passados dez anos da promulgação da Constituição e depois de várias ações declaratórias de constitucionalidade e de decisões que desenharam importantes regras procedimentais foi editada a Lei 9868 de 10111999 que dispôs sobre o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal Diante da existência de ação direta de inconstitucionalidade em que o Tribunal pode declarar a inconstitucionalidade ou a constitucionalidade de norma conforme a sentença seja de procedência ou de improcedência poderia surgir dúvida acerca da necessidade de ação declaratória de constitucionalidade 556 Qual seria a razão para expandir o poder do Tribunal para o controle abstrato permitindolhe a declaração de constitucionalidade em virtude de uma ação inversa Para que dar aos legitimados para a ação direta de inconstitucionalidade poder para pedir a declaração de constitucionalidade Antes de tudo convém lembrar que o interesse na tutela jurisdicional pode advir de uma situação de dúvida a ser eliminada por sentença declaratória art 19 I do CPC2015 Contudo o motivo para uma ação declaratória de constitucionalidade de norma ou seja de algo que tem a presunção de ter o sentido que se quer ver judicialmente declarado tem natureza peculiar Aliás só a dúvida sobre aquilo que é presumido para justificar declaração judicial de certificação deve ter outra característica Se a dúvida pertinente a uma relação jurídica exsurge da contestação de uma das partes o mesmo certamente não pode se passar em relação a uma norma A dúvida acerca da constitucionalidade não diz respeito a participantes de uma relação jurídica ou a sujeitos previamente individualizados mas a todos aqueles que estão submetidos ao ordenamento jurídico Não é um cidadão ou qualquer legitimado à ação declaratória quem pode colocar em dúvida a constitucionalidade de uma norma Em tese a dúvida acerca da constitucionalidade apenas pode derivar de decisões reiteradas de juízes e tribunais da não aplicação da lei pela Administração e de autorizada posição difundida na academia Talvez em virtude da necessidade de objetivação da dúvida a Lei 98681999 exige que esta surja no âmbito judicial Diz o art 14 III desta Lei que a petição inicial da ação declaratória de constitucionalidade deve demonstrar a existência de controvérsia judicial relevante sobre a aplicação da disposição objeto da ação declaratória Dúvida ou controvérsia criada no Judiciário contudo não consiste em divergência acerca da constitucionalidade da norma entre os juízes e os tribunais embora ela frequentemente ocorra Simplesmente a dúvida diz respeito a ser a norma constitucional ou não Por isso não é correto pensar que a ação declaratória de constitucionalidade é subordinada à demonstração de decisões conflitantes acerca da constitucionalidade da norma Efetivamente relevantes para aparecer oportunidade à ação declaratória de constitucionalidade são decisões dos tribunais no sentido da inconstitucionalidade É a afirmação de inconstitucionalidade que contrapõe o Judiciário ao Legislativo ou evidencia a distinção entre a afirmação do Poder Legislativo e a afirmação do Poder Judiciário A dúvida se expressa na suspeita levantada pelo Judiciário quanto à constitucionalidade da norma Assim decisões reconhecendo a inconstitucionalidade oriundas de diferentes órgãos judiciais configuram dúvida ou incerteza acerca da constitucionalidade da norma ou para usar os termos do art 14 III da Lei 98681999 controvérsia judicial relevante 557 Se uma norma é posta sob suspeita por decisões judiciais isso é suficiente para o surgimento de interesse em pedir ao STF uma declaração acerca de sua constitucionalidade Isso pela razão de que decisões reconhecendo a inconstitucionalidade de norma advindas de órgãos judiciais diversos infirmam a presunção de constitucionalidade colocando sob fundada dúvida a legitimidade da tarefa do Legislativo bem como a sua eficácia De modo que a ação declaratória de constitucionalidade não se serve para dissipar alguma dúvida entre os órgãos judiciais ou por eles criada mas sim para que seja afirmada a despeito de decisões judiciais a legitimidade constitucional do produto do parlamento A importância em dar ao STF oportunidade para afirmar a constitucionalidade enquanto o controle difuso amadurece está em permitir o quanto antes a definição da inconstitucionalidade da norma a otimizar a coerência do direito e a confiança na ordem jurídica vista como ordem também formada pelas decisões judiciais bem como o desenvolvimento das relações jurídicas para o qual a estabilidade do direito é imprescindível Em um sistema em que há controle incidental e concreto combinado com controle abstrato via ação direta a relevância da ação declaratória de constitucionalidade está em viabilizar a segurança das situações jurídicas pautadas ou que pretendam se fundar em normas cuja constitucionalidade tenha sido posta em dúvida pelo Judiciário Evitamse dessa forma a insegurança na utilização de normas que possam vir a ser definidas como inconstitucionais pelo STF e especialmente a produção de efeitos e a consolidação de situações que mais tarde em virtude dos efeitos retroativos de decisão de inconstitucionalidade tenham de ser dissolvidos com graves prejuízos econômicos políticos e sociais É preciso consignar que a EC 3 que criou a ação declaratória de constitucionalidade foi objeto da ADIn 913 em que se alegou que a ação em virtude dos efeitos vinculantes de sua decisão impediria a discussão da constitucionalidade das normas infraconstitucionais perante os juízes e tribunais ordinários além de violar a separação dos Poderes o acesso ao Poder Judiciário a ampla defesa o contraditório e o devido processo legal Esta ação de inconstitucionalidade não foi conhecida por se entender que a autora a Associação dos Magistrados Brasileiros não teria legitimidade por falta de pertinência temática para propor a ação 558 Entretanto na ADC 1 tais questões foram analisadas em sede de Questão de Ordem chegandose à conclusão de que nenhuma das objeções quanto à constitucionalidade da ação possuía procedência 559 Na verdade a decisão proferida na ADC 1 além de definir a legitimidade da nova ação desenhou o seu procedimento antecipando várias das normas que mais tarde surgiram com a Lei 98681999 A ação declaratória de constitucionalidade dentro do quadro de controle de constitucionalidade instituído no Brasil é tão legítima quanto a ação direta de inconstitucionalidade A possibilidade de os juízes e tribunais ordinários realizarem o controle de constitucionalidade decorrente do modelo incidental e difuso se é afetada pela ação declaratória de constitucionalidade obviamente também o é pela ação direta de inconstitucionalidade Portanto o fato de a decisão proferida na ação declaratória de constitucionalidade ter efeitos sobre o controle incidental e difuso é absolutamente natural nada havendo para estranhar quanto a isso Ademais se a ação direta de inconstitucionalidade tem importância ao viabilizar de forma célere e mediante instrumento processual dotado de poder de dar coerência à ordem jurídica a declaração de nulidade da lei que não obstante ser inconstitucional está a produzir efeitos a ação declaratória de constitucionalidade tem efeito de igual qualidade pois permite também mediante uma única ação dotada de técnica processual amplificadora da decisão e igualmente vinculante a eliminação da incerteza que paira sobre a constitucionalidade de lei Evitase desta forma que situações sejam consolidadas e pessoas de boafé pratiquem atos a partir de norma que mais tarde possa vir a ser declarada inconstitucional com as perversas consequências daí decorrentes próprias aos efeitos ex tunc da decisão A ideia de que a ação declaratória de constitucionalidade seria desnecessária diante da existência da ação direta de inconstitucionalidade só teria sentido caso a questão da constitucionalidade fosse absolutamente excepcional a nunca pôr em lugar inseguro aqueles que necessitam se valer de norma jurídica Sucede que quando decisões judiciais estão a apontar para a inconstitucionalidade de norma é absolutamente natural que aqueles que pretendem dela se utilizar se sintam ameaçados e inseguros a impor a propositura de ação direta a qualquer legitimado para se ter declarada a constitucionalidade 560 Deixese claro porém que a ação declaratória de constitucionalidade não se funda apenas no interesse de eliminar a incerteza sobre a constitucionalidade mas antes de tudo no intuito de ver afirmada a constitucionalidade de norma A ação não se presta simplesmente a superar uma dúvida de legitimidade porém a afirmar imperativamente a constitucionalidade declarandoa com eficácia erga omnes e vinculante 832 Legitimidade A EC 31993 ao criar a ação direta de constitucionalidade conferiu legitimidade a sua propositura apenas ao Presidente da República à Mesa do Senado Federal à Mesa da Câmara dos Deputados e ao ProcuradorGeral da República CF art 103 4º Críticas à restrição da legitimidade baseadas na falta de critério para distinguir a legitimidade à ação declaratória de constitucionalidade em face da legitimidade à ação direta de inconstitucionalidade e na necessidade de a sociedade ter efetiva possibilidade de participação também mediante a primeira ação levaram a EC 452004 a alterar o caput do art 103 e a suprimir o 4º do mesmo artigo tendo atualmente estabelecido a norma constitucional que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade I o Presidente da República II a Mesa do Senado Federal III a Mesa da Câmara dos Deputados IV a Mesa de Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal V o Governador de Estado ou do Distrito Federal VI o Procurador Geral da República VII o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil VIII partido político com representação no Congresso Nacional IX confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional Assim é necessário também aqui considerar que apenas alguns dos legitimados têm necessidade de demonstrar a relação de pertinência entre os seus fins e propósitos e a norma impugnada Tais legitimados ditos especiais são diferenciados dos legitimados chamados de universais Distinguemse os legitimados especiais que apenas têm legitimidade para impugnar normas que diretamente afetem suas esferas jurídicas ou as dos filiados desses legitimados universais que diante de seu papel institucional sempre estão autorizados a pedir a proteção da ordem constitucional São legitimados universais o Presidente da República a Mesa do Senado Federal a Mesa da Câmara dos Deputados o ProcuradorGeral da República o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e partido político com representação no Congresso Nacional sendo legitimados especiais o Governador de Estado ou do Distrito Federal a Mesa de Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal e confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional Vale também no caso de ação declaratória de constitucionalidade a ideia de que apenas aqueles que estão delineados entre os incisos I e VII do art 103 têm legitimidade e capacidade postulatória ao passo que o partido político com representação no Congresso Nacional assim como a confederação sindical e a entidade de classe de âmbito nacional necessitam de advogado para propor a ação declaratória 833 Objeto e parâmetro de controle É importante ressaltar que a ação declaratória de constitucionalidade tem objeto mais limitado do que a ação direta de inconstitucionalidade A limitação decorre do art 102 I a da CF ao expressamente dispor que o STF tem competência para processar e julgar originariamente a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal Como se vê o art 102 I a é claro no sentido de que a ação direta de inconstitucionalidade tem como objeto lei ou ato normativo federal ou estadual enquanto o objeto da ação declaratória de constitucionalidade é restrito a lei ou ato normativo federal Podem ser objeto de ação declaratória de constitucionalidade as emendas constitucionais as leis complementares as leis ordinárias as medidas provisórias 561 os decretos legislativos os decretos presidenciais as resoluções do Poder Judiciário entre outros Em essência podem ser objeto de ação declaratória de constitucionalidade os mesmos atos que podem ser objeto de ação direta de inconstitucionalidade Igualmente não podem ser objeto da ação declaratória os atos normativos secundários os atos de efeitos concretos as normas préconstitucionais e as normas revogadas Enfim os mesmos atos insuscetíveis de ação direta de inconstitucionalidade remetese o leitor para o item específico que tratou do tema quando da realização acima do estudo da ação direta de inconstitucionalidade O parâmetro de controle da ação declaratória de constitucionalidade é o mesmo do da ação direta de inconstitucionalidade vale dizer a Constituição vigente Assim também constituem parâmetro de controle as emendas constitucionais sejam derivadas do art 3º do ADCT ou do art 60 da CF O 3º do art 5º introduzido pela EC 452004 afirma que os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos aprovados por quórum qualificado no Congresso Nacional são equivalentes às emendas constitucionais De modo que tais tratados e convenções igualmente constituem parâmetro de controle da ação direta de constitucionalidade 834 Petição inicial A petição inicial da ação declaratória de constitucionalidade deve indicar i o dispositivo da lei ou do ato normativo questionado e os fundamentos jurídicos do pedido ii o pedido com suas especificações e iii a existência de controvérsia judicial relevante sobre a aplicação da disposição objeto da ação declaratória art 14 I II e III da Lei 98681999 A inicial deve descrever o dispositivo da lei ou do ato normativo que se deseja ver declarado constitucional assim como os fundamentos jurídicos que evidenciam a sua constitucionalidade Embora isso seja necessário o Tribunal não fica vinculado aos fundamentos apresentados podendo tratar da questão de constitucionalidade a partir de qualquer fundamento constitucional Assim a causa de pedir também aqui é dita aberta no sentido de inclusiva de qualquer argumento constitucional não expressamente deduzido na petição inicial Ter causa de pedir aberta não corresponde apenas a libertar o Tribunal dos fundamentos apresentados pelo autor mas também a inibir a propositura de outra ação declaratória de constitucionalidade com base em fundamento não delineado na primeira Isso quer dizer que com a decisão transitada em julgado restam preclusos todos os fundamentos que poderiam ter sido deduzidos Em verdade a ação declaratória de constitucionalidade assim como a ação direta de inconstitucionalidade é definida pela norma que se pretende ver declarada constitucional ou inconstitucional 562 O pedido é de declaração de constitucionalidade do dispositivo legal ou normativo Porém se em termos de causa de pedir e pedido nada muda da ação direta de inconstitucionalidade para a ação declaratória de constitucionalidade a não ser obviamente o fato de em uma se postular inconstitucionalidade e em outra constitucionalidade há em relação à última a exigência de se demonstrar a existência de controvérsia judicial relevante sobre a aplicação da disposição objeto da ação declaratória Embora o ponto mereça ser analisado de forma individualizada como será feito a seguir é preciso salientar que se trata de requisito para a procedência do pedido de declaração de constitucionalidade e não simplesmente de requisito configurador de interesse de agir na ação declaratória Não há fundamento para julgar procedente pedido de declaração de constitucionalidade quando os juízes ou tribunais não afirmaram a inconstitucionalidade da norma uma vez que na falta disso inexiste quebra da presunção de constitucionalidade que lhe é inerente A quebra da presunção de constitucionalidade é mérito e não condição da ação 835 Controvérsia judicial relevante Controvérsia judicial relevante não significa desacordo entre os tribunais acerca da aplicação da norma Isso porque a justificativa da ação declaratória está na existência de dúvida sobre a constitucionalidade da norma A dúvida sobre a aplicação da norma é dúvida sobre a sua constitucionalidade O pressuposto da declaração de constitucionalidade não está na divergência entre os tribunais mas na divergência entre o Judiciário e o Legislativo Em outras palavras a razão de ser da declaração de constitucionalidade não está na insegurança propiciada pela incoerência das decisões mas na falta de previsibilidade acerca da validade da norma É a desconfiança na validade da norma gerada por decisões judiciais que justifica a declaração de que a norma é válida e portanto aplicável Portanto a existência de controvérsia judicial relevante reclama decisões proferidas por órgãos judiciais distintos expressando inconstitucionalidade É evidente que decisões neste sentido revelam controvérsia judicial relevante ou dúvida judicial relevante acerca da aplicação de norma É claro que a existência de decisões no sentido da inconstitucionalidade e da constitucionalidade também abre oportunidade para declaração acerca da constitucionalidade Porém tal divergência mais do que evidenciar a necessidade de superação da dúvida sobre a constitucionalidade evidencia incoerência da ordem jurídica na dimensão das decisões judiciais Ou seja põe a claro outro problema autônomo em relação ao da desconfiança na validade da norma Esse problema tem resposta em outro local precisamente na eficácia vinculante das decisões proferidas no controle direto e na força obrigatória dos precedentes constitucionais inclusive portanto os editados em sede de controle incidental Não obstante não foi este o entendimento perfilhado pelo STF na ADC 8 Neste caso chegouse a afirmar que a inexistência de divergência entre decisões de juízos diferentes acabaria por transformar a ação em instrumento de consulta sobre a validade constitucional de lei ou ato normativo federal Decidiu a Corte que o ajuizamento da ação declaratória de constitucionalidade que faz instaurar processo objetivo de controle normativo abstrato supõe a existência de efetiva controvérsia judicial em torno da legitimidade constitucional de determinada lei ou ato normativo federal Sem a observância desse pressuposto de admissibilidade tornase inviável a instauração do processo de fiscalização normativa in abstracto pois a inexistência de pronunciamentos judiciais antagônicos culminaria por converter a ação declaratória de constitucionalidade em um inadmissível instrumento de consulta sobre a validade constitucional de determinada lei ou ato normativo federal descaracterizando por completo a própria natureza jurisdicional que qualifica a atividade desenvolvida pelo STF O STF firmou orientação que exige a comprovação liminar pelo autor da ação declaratória de constitucionalidade da ocorrência em proporções relevantes de dissídio judicial cuja existência precisamente em função do antagonismo interpretativo que dele resulta faça instaurar ante a elevada incidência de decisões que consagram teses conflitantes verdadeiro estado de insegurança jurídica capaz de gerar um cenário de perplexidade social e de provocar grave incerteza quanto à validade constitucional de determinada lei ou ato normativo federal 563 A decisão frisa a necessidade de dissídio judicial antagonismo interpretativo e incidência de decisões que consagram teses conflitantes a fazer surgir verdadeiro estado de insegurança jurídica capaz de gerar um cenário de perplexidade social e de provocar grave incerteza quanto à validade constitucional de determinada lei ou ato normativo federal No entanto não importa constatar que dissídio judicial pode provocar insegurança jurídica e expressar incerteza em relação ao valor constitucional de certa norma pois não se pergunta quando se coloca a questão do cabimento da declaração sobre os efeitos da divergência entre as decisões judiciais Se é certo que a divergência judicial gera insegurança e incerteza jurídicas é incontestável que a ação declaratória não serve para eliminar a divergência judicial mas para estancar a dúvida que paira sobre a constitucionalidade de uma norma 564 Quando se analisa o pressuposto da declaração de constitucionalidade cabe saber antes de tudo o que a recomenda Ora o que exige a declaração de constitucionalidade é a incerteza sobre a validade de determinada norma motivo pelo qual é preciso não esquecer que a incerteza decorre da afirmação judicial de inconstitucionalidade a pôr em xeque a presunção de constitucionalidade Assim basta que a afirmação judicial de inconstitucionalidade seja relevante ou seja decorra de órgãos judiciais diversos para que reste caracterizado o pressuposto da declaração de constitucionalidade 836 Indeferimento da petição inicial O relator deve indeferir a petição inicial inepta não fundamentada ou manifestamente improcedente conforme o art 15 da Lei 98681999 Quando o vício capaz de gerar a inépcia for suprível como a falta de cópia do ato normativo questionado o relator deve conceder prazo para o aditamento da petição inicial 565 Indeferiuse a petição inicial com base no art 15 da Lei 98681999 na ADC 22 sob o argumento de não ser ela instrumento para se pedir a declaração de constitucionalidade de dispositivo da própria Constituição em sua redação originária 566 Também seria manifestamente improcedente a ação voltada à declaração de direito estadual ou municipal de direito pré constitucional e de norma revogada entre outros casos Contra a decisão que indefere petição inicial cabe agravo ao Plenário nos termos do parágrafo único do art 15 567 837 Participação no processo Ao contrário do que ocorre na ação direta de inconstitucionalidade em que o relator deve pedir informações aos órgãos ou às autoridades das quais emanou a lei ou o ato normativo impugnado art 6º da Lei 98681999 na ação declaratória não há requerido ou alguém que com esta qualidade possa oporse à declaração de constitucionalidade Isso não quer dizer que ninguém pode neste processo argumentar pela inconstitucionalidade da norma No processo objetivo embora não caiba a intervenção de terceiros peculiar ao processo civil em que autor e réu discutem um litígio 568 admitese a intervenção do chamado amicus curiae ente ou órgão dotado de representatividade suficiente para sustentar a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade da norma em discussão Aplicase também na ação declaratória de constitucionalidade assim o 2º do art 7º da Lei 98681999 que diz que o relator considerando a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes poderá por despacho irrecorrível admitir a manifestação de outros órgãos ou entidades 569 O amicus curiae não tem a incumbência de defender a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade cabendolhe oferecer argumentos em favor de uma ou outra titularizando os interesses dos seus representados no debate da questão constitucional que desta forma resta pluralizado O amicus curiae pode se manifestar por escrito e realizar sustentação oral conforme o 3º do art 131 do RISTF O ProcuradorGeral da República deve manifestarse ao final após a manifestação dos amici curiae de acordo com o art 19 da Lei 98681999 570 838 Esclarecimento de matéria de fato e informações acerca da aplicação da norma questionada De acordo com os 1º e 2º do art 20 da Lei 98681999 o relator poderá em caso de necessidade de esclarecimento de matéria ou circunstância de fato ou de notória insuficiência das informações existentes nos autos requisitar informações adicionais designar perito ou comissão de peritos para que emita parecer sobre a questão ou fixar data para em audiência pública ouvir depoimentos de pessoas com experiência e autoridade na matéria Poderá ainda solicitar informações aos Tribunais Superiores aos Tribunais federais e aos Tribunais estaduais acerca da aplicação da norma questionada no âmbito de sua jurisdição Como dito quando se estudou a mesma questão diante da ação direta de inconstitucionalidade tais normas demonstram que o controle abstrato não pode se distanciar da compreensão dos fatos assim como do sentido que os tribunais dão às normas Eliminase assim a ideia de que o controle abstrato não admite a produção de provas e ainda evidenciase que esta forma de controle da constitucionalidade não se limita ao mero confronto da lei com a Constituição devendo antes de tudo atribuir sentido aos textos a partir dos fatos que lhe dizem respeito Diante da ação declaratória de constitucionalidade a regra do 2º do art 20 tem significado particular É que para a declaração de constitucionalidade reclamase a demonstração da chamada controvérsia judicial relevante nos termos do art 14 III da Lei 98681999 Tratase de controvérsia judicial acerca da aplicação da norma que se quer ver declarada constitucional compreendida como existência de decisões de órgãos judiciais distintos no sentido da inconstitucionalidade a espelhar dúvida sobre a constitucionalidade da norma e confronto entre o Poder Judiciário e o Poder Legislativo com ameaça à segurança jurídica Nesta linha a regra do 2º do art 20 ao conferir ao relator poder de solicitar informações aos Tribunais Superiores aos Tribunais federais e aos Tribunais estaduais acerca da aplicação da norma questionada no âmbito de sua jurisdição viabiliza a investigação da existência de decisões de inconstitucionalidade e dessa forma da nulificação da presunção de constitucionalidade e de dúvida objetiva acerca da validade da norma 839 Medida liminar e seus efeitos A Constituição Federal não previu a possibilidade de concessão de liminar em sede de ação declaratória de constitucionalidade tendo assim tratado apenas da possibilidade de liminar na ação direta de inconstitucionalidade CF art 102 I p O STF entretanto admitiua na ADC 4 571 A Lei 98681999 em seu art 21 tratou expressamente da possibilidade de requerimento de liminar em ação declaratória de constitucionalidade prescrevendo que o Supremo Tribunal Federal por decisão da maioria absoluta de seus membros poderá deferir pedido de medida cautelar na ação declaratória de constitucionalidade consistente na determinação de que os juízes e os Tribunais suspendam o julgamento dos processos que envolvam a aplicação da lei ou do ato normativo objeto da ação até seu julgamento definitivo e ainda que concedida a medida cautelar o Supremo Tribunal Federal fará publicar em seção especial do Diário Oficial da União a parte dispositiva da decisão no prazo de dez dias devendo o Tribunal proceder ao julgamento da ação no prazo de cento e oitenta dias sob pena de perda de sua eficácia 572 De acordo com o parágrafo único do art 21 a liminar perde a eficácia quando a ação não é julgada no prazo de 180 dias depois da sua concessão É claro que o Tribunal por maioria absoluta pode prorrogar o prazo de eficácia da liminar Tratase de algo implícito no próprio poder de concedêla 573 A decisão que trata da liminar possui eficácias erga omnes e vinculante O caput do art 21 fala em concessão de liminar para que os juízes e os Tribunais suspendam o julgamento dos processos que envolvam a aplicação da lei ou do ato normativo objeto da ação até seu julgamento definitivo Esta norma definiu o escopo da liminar ou seja a suspensão dos processos 574 Em tese a determinação da suspensão dos processos é uma das consequências que podem advir da afirmação da constitucionalidade em sede liminar É possível sem dúvida que se conceda liminar apenas para suspender os processos em que se pode aplicar a norma que está sendo questionada na ação direta Porém tratase aí de função da própria liminar e não de eficácia vinculante da decisão Não há como confundir a função da liminar com a eficácia vinculante a última diz respeito à decisão que concede a primeira A eficácia vinculante pertine aos fundamentos determinantes e ao dispositivo da decisão e assim acima de tudo à própria afirmação de constitucionalidade Para se conceder a liminar com função de suspensão dos processos há que se ter fumus boni iuris vale dizer a consciência de que a norma em sede de cognição sumária é constitucional Toda decisão que concede liminar em ação declaratória de constitucionalidade supõe a constitucionalidade da norma Assim se a decisão fundamenta e afirma ainda que em sede liminar que a norma é constitucional a eficácia vinculante a princípio obrigaria aqueles que estão vinculados à decisão a julgar da mesma forma Neste sentido se o STF decide que a norma é constitucional ainda que em sede de liminar ninguém pode negála como decisão de constitucionalidade e assim proferir decisão no sentido da inconstitucionalidade Acontece que o caput do art 21 limitou a função da liminar à suspensão dos processos Portanto bem vistas as coisas o art 21 não trata simplesmente da eficácia vinculante da decisão que afirma a constitucionalidade da norma mas em verdade inibe os juízes e tribunais inferiores de decidir a questão constitucional A liminar de caráter inibitório tem eficácia erga omnes e só por isso impede todos os juízes e tribunais de aplicar a norma objeto de questionamento na ação direta O legislador portanto preferiu inibir a aplicação da norma sob questionamento na ação direta em vez de obrigar os juízes e tribunais a observar a decisão proferida no curso do processo objetivo certamente baseado na ideia de que a norma declarada constitucional em juízo sumário pode vir a ser declarada inconstitucional ao final Ao extrair da afirmação de constitucionalidade inerente à liminar a suspensão dos processos o legislador definiu os limites da liminar ou a função que esta poderia vir a ter na ação declaratória de constitucionalidade Porém os juízes e tribunais ficam impedidos de aplicar a norma objeto da ação ou de dar prosseguimento aos processos a ela respectivos simplesmente porque não podem deixar de cumprir a liminar Para que os juízes e tribunais sejam obrigados a respeitar a liminar não é preciso pensar em eficácia vinculante O que realmente tem eficácia vinculante é a decisão que ao negar a liminar apresenta fundamentos no sentido da inconstitucionalidade Quando a liminar enfrenta a questão de constitucionalidade para negar a liminar os fundamentos daí decorrentes devem ter eficácia vinculante sobre os tribunais e juízes inferiores impedindoos de aplicar a norma Notese aliás que há mais sentido em suspender a aplicação da norma dita inconstitucional pela decisão que negou a liminar do que suspender os processos quando a decisão concedendo a liminar afirmou a constitucionalidade A liminar concedida nos termos do art 21 suspende imediatamente os processos em curso não havendo razão para dizer que a decisão tem eficácia retroativa porque incide sobre processos que já iniciaram A decisão pode ter efeitos retroativos para suspender os efeitos de decisões já proferidas em processos em curso Não há razão para não suspender os efeitos das decisões que ainda não produziram coisa julgada material já que estas diante de decisão definitiva posterior na ação declaratória de constitucionalidade teriam de ser necessariamente cassadas Por fim é preciso deixar claro que toda liminar se funda em probabilidade e não em mera dúvida Porém se o que realmente se pretende com a liminar é simplesmente impedir a definição de situações que exijam a aplicação da norma o correto é evidenciar dogmaticamente que isto decorre da dúvida sobre a constitucionalidade sendo este então o verdadeiro pressuposto para a concessão da liminar Não seria a probabilidade da constitucionalidade ou da inconstitucionalidade que abriria oportunidade à liminar mas sim a dúvida acerca da constitucionalidade 840 Decisão De acordo com o art 22 da Lei 98681999 a decisão sobre a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo somente será tomada se presentes na sessão pelo menos oito Ministros Na sessão proclamarseá a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade da disposição ou da norma impugnada se num ou noutro sentido se tiverem manifestado pelo menos seis Ministros quer se trate de ação direta de inconstitucionalidade ou de ação declaratória de constitucionalidade art 23 da Lei 98681999 Assim o julgamento jamais poderá ser finalizado ou ter o seu resultado proclamado enquanto for possível chegar a seis votos no sentido da constitucionalidade tomandose os votos de ministros não presentes à sessão conforme o art 23 parágrafo único da Lei 98681999 575 A decisão que julga a ação declaratória de constitucionalidade poderá declarar a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade conforme a decisão seja de procedência ou de improcedência tendo uma e outra eficácia erga omnes e vinculante obrigando os juízes e tribunais inferiores assim como a Administração Pública 576 Frisese que a decisão de improcedência não é apenas decisão que rejeita o pedido do autor mas decisão que declara a inconstitucionalidade da norma Relevante nesse passo não é a circunstância de que a norma declarada constitucional deva ser observada pelos juízes Tribunais e Administração Pública mas sim que os fundamentos determinantes da decisão de constitucionalidade também possuem eficácia vinculante Isso significa que norma similar à declarada constitucional não pode ser considerada inconstitucional a partir da análise dos fundamentos já considerados pela Corte A decisão que não entra na análise da constitucionalidade extinguindo o processo sem julgamento do mérito obviamente não implica a inconstitucionalidade da norma Se diante de decisão de constitucionalidade a alteração da realidade social dos valores sociais e da concepção geral do direito abre oportunidade à propositura de ação direta de inconstitucionalidade em relação à mesma norma a decisão de extinção do processo sem julgamento do mérito certamente não inibe a propositura de ação de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade da mesma norma ainda que nenhuma alteração tenha ocorrido Basta obviamente que não se repita o motivo que deu azo ao julgamento de extinção do processo sem o exame do pedido A decisão que definir a ação fará comunicação à autoridade ou órgão responsável pela expedição do ato art 25 da Lei 98681999 A decisão proferida na ação declaratória de constitucionalidade apenas pode ser objeto de embargos de declaração sendo insuscetível ainda de ação rescindível art 26 da Lei 98681999 Passados dez dias do trânsito em julgado o STF fará publicar em seção especial do Diário da Justiça e do Diário Oficial da União a parte dispositiva do acórdão art 28 da Lei 98681999 VI EFEITOS DAS DECISÕES DE INCONSTITUCIONALIDADE E DE CONSTITUCIONALIDADE 841 Eficácia erga omnes 8411 Eficácia erga omnes e coisa julgada material A Constituição Federal e a Lei 98681999 quando tratam da eficácia das decisões proferidas nas ações de inconstitucionalidade e de constitucionalidade falam em eficácia erga omnes sem aludir à coisa julgada material O art 102 2º da CF afirma que as decisões definitivas de mérito proferidas pelo Supremo Tribunal Federal nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública direta e indireta nas esferas federal estadual e municipal O art 102 2º é expresso e claro no sentido de que a eficácia contra todos erga omnes deriva das decisões do STF e não da coisa julgada Por sua vez o art 28 parágrafo único da Lei 98681999 diz que a declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade inclusive a interpretação conforme a Constituição e a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto têm eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública federal estadual e municipal Notese que a Constituição Federal e a Lei 98681999 aludem apenas à eficácia contra todos e efeito vinculante e não à coisa julgada 578 Isso já é indício de que as decisões de inconstitucionalidade e constitucionalidade embora tenham efeitos contra todos não ficam acobertadas pela coisa julgada Contudo importa perceber a distinção dogmática entre os efeitos diretos da sentença e a coisa julgada material As sentenças de inconstitucionalidade e de constitucionalidade produzem efeitos contra todos pelo simples fato de terem eficácia direta contra todos e não em virtude de ficarem revestidas pela coisa julgada material A preocupação em selar tais decisões com coisa julgada material teria o objetivo de impedir o seu questionamento e a sua rediscussão judicial Acontece que a imutabilidade dessas decisões não deriva da coisa julgada material mas da falta de legitimidade ad causam de todos os representados pelos legitimados às ações de inconstitucionalidade e constitucionalidade Não é a coisa julgada que opera efeitos erga omnes mas os efeitos diretos da sentença Todos ficam submetidos à decisão pela circunstância de não poderem discutir a constitucionalidade da lei em abstrato Uma vez decidida a inconstitucionalidade da lei nada pode ser feito pelos cidadãos ou por todos os que são representados pelos legitimados ao controle abstrato Estão eles submetidos à decisão sendo impossível o seu questionamento em qualquer ação concreta Retenhase o ponto a estabilidade da decisão não deriva da impossibilidade de se voltar a questionar a constitucionalidade mas da impossibilidade em discuti la e da submissão à decisão tomada pelo Tribunal constitucionalmente legitimado a definila Seria possível pensar em impossibilidade de voltar a discutir a constitucionalidade apenas em relação aos demais legitimados para a ação Ocorre que se os legitimados às ações de inconstitucionalidade e de constitucionalidade podem discutir a constitucionalidade de lei em nome de toda a coletividade o questionamento da lei por um deles tem efeitos sobre os demais impedindoos de voltar a discutir a inconstitucionalidade definida pelo Tribunal Argumentase na antiga teoria geral do processo que a decisão de inconstitucionalidade produziria coisa julgada material erga omnes dizendose que isso seria decorrência da substituição processual levada a efeito pelo autor da ação direta Ada Pellegrini Grinover por exemplo afirma que a coisa julgada valerá erga omnes por força da própria substituição processual que se opera na pessoa do ente ou titular da ação o qual age em nome próprio mas como substituto processual da coletividade e também por força da titularidade passiva da ação que se configura no próprio órgão público do qual emanou a lei ou ato inconstitucional 579 Tratase de tentativa de transpor forçadamente conceitos do processo civil tradicional para o plano do processo constitucional de índole objetiva O instituto da substituição processual foi pensado para o processo inter partes e para as situações em que se tutela em nome próprio direito ou situação subjetiva de terceiro Ora no processo objetivo não existe direito de terceiro ou alguém que o substitui requerendo a tutela de direito subjetivo em nome próprio Há simplesmente ente a quem a Constituição atribui legitimidade para ativar o processo de controle de constitucionalidade das normas de que defluem decisões que naturalmente beneficiam os cidadãos A coisa julgada material nos processos entre partes almeja impedir que o bem da vida entregue a um dos litigantes possa ser dele retirado seja mediante o questionamento do objeto litigioso já decidido seja por meio da tentativa de reabertura da discussão da própria decisão Porém a definição da inconstitucionalidade da lei não confere qualquer tutela a direito individual ou mesmo transindividual mas tem a função de dar proteção à ordem jurídica evidenciando a sua legitimidade constitucional 580 A proibição da rediscussão da decisão de inconstitucionalidade é questão afeta à estabilidade e à coerência do direito objetivo valores obviamente incompatíveis com a abertura à mutação das decisões acerca da sua constitucionalidade Portanto tudo bem visto fica fácil perceber que a eficácia erga omnes das decisões de inconstitucionalidade decorre da circunstância de que essas decisões têm eficácia direta contra todos e não da coisa julgada material 581 8412 Decisão de constitucionalidade e possibilidade de posterior ou outra ação direta de inconstitucionalidade O fato de a eficácia erga omnes das decisões de inconstitucionalidade constituir manifestação da eficácia direta de decisão que diz respeito a todos e não da coisa julgada material não quer dizer como já esclarecido acima que tais decisões possam ser questionadas ou rediscutidas Tais decisões obviamente não podem ser questionadas ou rediscutidas por aqueles que não têm legitimidade à ação de inconstitucionalidade Ademais os legitimados extraordinários que não participaram da ação em que a decisão foi proferida não podem voltar a questionar a constitucionalidade simplesmente pela razão de que a função que lhes foi atribuída já foi desempenhada culminando na manifestação da Corte incumbida de proceder ao controle abstrato da constitucionalidade Discutese se o STF pode voltar a tratar de norma que já declarou constitucional seja mediante sentença de procedência em ação de constitucionalidade seja por meio de sentença de improcedência em ação de inconstitucionalidade Seria possível argumentar que nestes casos é possível propor outra ação de inconstitucionalidade sobre a mesma norma desde que baseada em fundamento diverso Objetarseia com a alegação de que na ação de inconstitucionalidade o Tribunal deve analisar a norma impugnada à luz da Constituição e assim não fica adstrito aos fundamentos invocados na petição inicial o que eliminaria a possibilidade de se questionar a constitucionalidade da norma com base em outro fundamento O STF na ADIn 1896 afirmou que é da jurisprudência do Plenário o entendimento de que na ação direta de inconstitucionalidade seu julgamento independe da causa petendi formulada na inicial ou seja dos fundamentos jurídicos nela deduzidos pois havendo nesse processo objetivo arguição de inconstitucionalidade a Corte deve considerála sob todos os aspectos em face da Constituição e não apenas diante daqueles focalizados pelo autor É de se presumir então que no precedente ao menos implicitamente hajam sido considerados quaisquer fundamentos para eventual arguição de inconstitucionalidade inclusive os apresentados na inicial da presente ação 582 Notese que a impossibilidade de se propor nova ação direta de inconstitucionalidade não se resume ao caso em que o Tribunal julgou procedente ação declaratória de constitucionalidade mas também diz respeito à situação em que a ação direta de inconstitucionalidade foi julgada improcedente Assim decidiuse no RE 357576 que tendo o Plenário ao julgar a ADIn 2031 dado pela improcedência da ação quanto ao art 75 1º e 2º introduzido no ADCT pela EC 211999 isso implica em virtude da causa petendi aberta em ação dessa natureza a integral constitucionalidade desses dispositivos com eficácia erga omnes 583 Cabe esclarecer que a eficácia preclusiva da coisa julgada material no processo inter partes inibe a rediscussão do objeto litigioso já decidido apenas quando o fundamento que se pretende utilizar para tanto foi deduzido ou poderia ter sido deduzido diante da causa de pedir da ação primitiva A eficácia preclusiva da coisa julgada material é explicada mediante o princípio do deduzido e do dedutível que quer dizer que tudo o que foi deduzido ou poderia ter sido deduzido em face da causa de pedir que fundou a ação não pode servir para o vencido fundar outra ação para rediscutir o litígio Em outras palavras apenas é possível propor outra ação acerca de pedido já julgado quando esta se funda em outra causa de pedir distinta daquela que fundou a primeira ação Não cabe outra ação ainda que baseada em fundamento anteriormente não deduzido de forma expressa ou discutido quando esse fundamento se insere na causa de pedir da ação primitiva e assim poderia ter sido deduzido ou discutido Se a causa de pedir das ações de inconstitucionalidade e de constitucionalidade é aberta incluindo qualquer fundamento que esteja na Constituição não há como supor que a eficácia preclusiva da decisão de inconstitucionalidade possa liberar qualquer fundamento para ensejar outra no sentido de distinta ou diversa ação de inconstitucionalidade Se todos os fundamentos constitucionais podem ser livremente analisados pela Corte ainda que não contidos em uma específica causa de pedir não há como admitir que determinado fundamento não tenha sido deduzido ou discutido na ação de inconstitucionalidade Na verdade o instituto da eficácia preclusiva da coisa julgada é incompatível com a ação direta de inconstitucionalidade não apenas porque aqui não se está diante de coisa julgada material mas também porque não se pretende com a eficácia preclusiva da decisão de constitucionalidade preservar a decisão de constitucionalidade acerca de uma lei para abrir oportunidade para outra decisão sobre a constitucionalidade da mesma lei mas sim obstaculizar qualquer outra decisão de constitucionalidade acerca da lei A eficácia preclusiva da coisa julgada impede a rediscussão de igual causa de pedir e pedido enquanto a eficácia preclusiva da decisão de constitucionalidade simplesmente obsta a rediscussão da constitucionalidade da mesma lei não importando o fundamento que se pretenda utilizar para tanto já que diante do controle abstrato não se concebe a ideia de impreclusibilidade de causa de pedir Quando um pedido pode se fundar em duas ou mais causas de pedir é possível conviver com duas ou mais decisões legítimas acerca de um mesmo pedido Porém a ação de constitucionalidade tem causa de pedir aberta e portanto obviamente não se podem conceber duas decisões acerca da constitucionalidade de uma mesma norma No entanto é preciso ver que a noção de causa de pedir aberta como não poderia deixar de ser é atrelada a um instante uma vez que engloba as várias causas de pedir que podem existir em certo momento Ou seja a ideia de causa de pedir aberta não perde algo que é essencial ao próprio conceito de causa de pedir precisamente a sua dimensão temporal concretizada mediante a lembrança de que toda causa de pedir é o reflexo de um estado jurídico e de fato que se apresenta em determinado momento histórico De modo que a causa de pedir aberta por consequência espelha todos os fundamentos constitucionais válidos em certo instante da história Como se percebe a historicidade inerente à validez dos fundamentos constitucionais deixa entrever que a decisão de constitucionalidade pode ser objeto de rediscussão na medida em que os fundamentos constitucionais bem como a sua compreensão se alteram ao longo do tempo É certo que esta leitura pressupõe que o controle abstrato das normas constitucionais não pode se desligar dos fatos sociais A transformação da realidade e dos valores sociais bem como a alteração da compreensão geral do direito 584 podem levar a norma a ter outro sentido e assim à admissão de que uma lei antes vista como constitucional pode passar a ser inconstitucional Lembrese de que a alteração da realidade social e dos valores da sociedade a evolução da tecnologia e a transformação da concepção jurídica geral acerca de determinada questão abrem oportunidade para a Suprema Corte americana realizar o overruling de precedentes constitucionais É verdade que a decisão de constitucionalidade proporciona estabilidade à ordem jurídica e previsibilidade aos jurisdicionados e não como a coisa julgada material segurança jurídica às partes Nas ações concretas em que a sentença outorga tutela jurisdicional à parte formal ou às partes em sentido material a função da coisa julgada é dar segurança ao litigante permitindolhe usufruir da tutela jurisdicional que lhe foi outorgada sem medo de que ela possa ser contestada ou usurpada Nas ações abstratas ao se decidir pela constitucionalidade nenhum direito ou vantagem é deferido diretamente a alguma parte ganhando a estabilidade da ordem jurídica e a previsibilidade de todos Acontece que a estabilidade e a previsibilidade não podem ser obstáculos à mutação da compreensão judicial da ordem jurídica Lembrese do que disse o Juiz Wheeler em Dwy v Connecticut Co A Corte que melhor serve ao direito é aquela que reconhece que as normas jurídicas criadas numa geração distante podem se mostrar após longo tempo insuficientes a outra geração é aquela que descarta a antiga decisão ao verificar que outra representa o que estaria de acordo com o juízo estabelecido e assente da sociedade e não concede qualquer privilégio à antiga norma por conta da confiança nela depositada Foi assim que os grandes autores que escreveram sobre o common law descobriram a fonte e o método do seu desenvolvimento e em seu desenvolvimento encontraram a saúde e a vitalidade de tal direito Ele não é nem deve ser estacionário 585 Como os fatores que autorizam a revogação de decisão de constitucionalidade militam em favor da própria oxigenação e do desenvolvimento da ordem jurídica a única restrição para a rediscussão de norma já declarada constitucional estaria no prejuízo que ela poderia trazer à previsibilidade Contudo a previsibilidade não só é valor que não pode se sobrepor à necessidade de desenvolvimento do direito como perde consistência diante dos próprios fatores que evidenciam o desgaste da primitiva decisão Ademais a alteração da realidade e dos valores sociais assim como da concepção geral do direito obviamente são situações posteriores que assim não infringem a eficácia preclusiva da decisão de constitucionalidade já que por sua própria natureza estão longe de poder configurar causa de pedir que estaria presente à época dessa decisão Tais circunstâncias conferem nova configuração aos fundamentos de constitucionalidade que assim abrem oportunidade a uma outra ação de inconstitucionalidade quando a primeira ação de inconstitucionalidade foi julgada improcedente ou a uma ação de inconstitucionalidade que não se limita a reproduzir os fundamentos já discutidos na anterior ação de constitucionalidade Ao admitir diante da alteração da situação de fato e das concepções jurídicas a possibilidade de a Corte declarar inconstitucional norma que antes proclamou constitucional Elival da Silva Ramos afirma que as decisões de procedência proferidas nas ações declaratórias de constitucionalidade produzem coisa julgada material apenas relativa 586 É supérfluo argumentar que há contradição em termos entre coisa julgada material e relativa O que importa verificar é se a coisa julgada material é compatível com a alteração de circunstâncias própria à revogação de precedentes Notese bem É indiscutível na melhor dogmática processual que a coisa julgada material revela estado jurídico e de fato existente no instante em que proferida a decisão pelo que a alteração do direito e dos fatos abrindo oportunidade à configuração de nova causa de pedir faz surgir outra ação diferente daquela que desembocou na coisa julgada material Quer isso dizer simplesmente que quando surgem circunstâncias configuradoras de outra causa de pedir o problema do obstáculo da coisa julgada material nem mesmo se coloca Ora a coisa julgada material obviamente não é capaz de impedir a propositura de ação fundada em outra causa de pedir Portanto vistas as coisas de forma adequada o real problema está em saber se a alteração da realidade e dos valores sociais assim como da concepção geral acerca do direito configura circunstância capaz de paralisar a eficácia da coisa julgada material ou ao contrário de simplesmente viabilizar a revogação de precedente constitucional É preciso perceber que a paralisação da eficácia da coisa julgada material em razão da alteração das circunstâncias se destina a tutelar as partes envolvidas em uma situação jurídica que se desenvolve no tempo Assim por exemplo o conhecido exemplo do dever de pagar alimentos Porém no caso de definição da legitimidade de norma em face da Constituição a questão sempre estará situada unicamente sobre a norma e por consequência sobre a atuação do próprio STF Ou seja diante da alteração dos valores da realidade social ou da concepção geral do direito desaparece a legitimidade constitucional da norma a obrigar o STF a proferir outra decisão acerca da constitucionalidade da mesma norma Percebase que a decisão de que a norma é inconstitucional não faz desaparecer a anterior decisão de constitucionalidade Ambas as decisões convivem harmonicamente uma vez que são pautadas em distintos fundamentos e têm eficácia em períodos diferentes A anterior decisão de constitucionalidade permanece válida e eficaz para a época em que foi proferida mas os efeitos da primitiva decisão deixam de operar diante da decisão de inconstitucionalidade e isso sem falar nos eventuais efeitos retroativos da última O problema é de eficácia da decisão no tempo 8413 Decisão de constitucionalidade com efeitos erga omnes e impacto das novas circunstâncias sobre o controle difuso A decisão de constitucionalidade proferida em sede de controle abstrato somente pode ser impugnada quando presentes as novas circunstâncias referidas no item anterior Fora daí impondose a decisão de constitucionalidade nada pode ser questionado Contudo quando presentes as circunstâncias que abrem oportunidade para se ter como inconstitucional norma antes proclamada constitucional importa perguntar se o jurisdicionado pode propor ação para buscar a tutela de direito que tenha como pressuposto a inconstitucionalidade da norma já declarada constitucional O problema deixa de ser o de se a decisão de constitucionalidade diante da alteração da realidade e dos valores sociais e da compreensão geral do direito pode ser modificada e passa a ser o de se outro tribunal além do STF pode aferir a presença de nova circunstância como fundamento para outra decisão acerca da questão constitucional A solução deste problema exige que seja agregada à discussão a questão da eficácia vinculante das decisões de inconstitucionalidade Embora a análise desta questão deva ser aprofundada mais à frente cabe frisar que as decisões de inconstitucionalidade têm além de eficácia erga omnes efeitos vinculantes em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública direta e indireta nas esferas federal estadual e municipal art 102 2º da CF Como se está a pensar em novas circunstâncias seria possível argumentar que os juízes e tribunais não estariam submetidos à decisão proferida na ação direta Quando se pensa a partir de outro fundamento é certo não se está diante da mesma causa ou da mesma questão constitucional de modo que é correto afirmar que alteradas as circunstâncias os demais juízes e tribunais ao se depararem com a norma já proclamada constitucional não estão diante da questão constitucional já decidida Sucede que a eficácia vinculante não se resume a obstaculizar outra decisão acerca da mesma questão jurídica mas vai além impedindo outra decisão acerca da constitucionalidade da norma não importando se novos fundamentos estão presentes Não cabe a qualquer outro órgão do Poder Judiciário dizer que uma nova circunstância é suficiente para fazer cessar a eficácia erga omnes da decisão de constitucionalidade Apenas o STF tem poder para revogar os seus precedentes Ao se admitir uma nova circunstância ainda que se passe a tratar da antiga questão em outra perspectiva afirmase que a primitiva decisão não mais serve a definila Isso significa que outro órgão do Poder Judiciário estaria a proclamar que decisão do STF em vista por exemplo da alteração da realidade social não mais prestaria a dar sentido à norma que foi proclamada constitucional Não calha argumentar que diante de nova circunstância não se revoga o precedente mas apenas se diz que o precedente não se aplica a uma nova situação Ora se é necessário dizer que o precedente não se aplica há exercício de poder deferido unicamente ao STF Realmente o fato de a eficácia vinculante incidir em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário quer dizer exatamente que apenas o STF pode revogar os seus precedentes Não obstante o fato de nenhum outro órgão judicial que não o STF poder revogar os precedentes relativos a decisões tomadas em ação direta de constitucionalidade não significa excluir a possibilidade de se impugnar a constitucionalidade da norma ao se exercer pretensão de tutela de direito em ação concreta É possível admitir a incoação do controle difuso para se chegar ao STF já que o jurisdicionado não dispõe de qualquer outro meio para fazer valer o seu direito enquanto o precedente não for revogado 587 Nesta hipótese é possível argumentar mediante recurso extraordinário que a norma antes vista como constitucional perdeu esta qualidade diante da alteração da realidade ou dos valores sociais ou da concepção geral acerca do direito Não haveria racionalidade em admitir a invocação dessas circunstâncias em nova ação de inconstitucionalidade e ao mesmo tempo impedir o STF de as enxergar ao se defrontar com recurso extraordinário 588 Lembrese aliás que não é apenas a decisão de constitucionalidade que se sujeita às chamadas novas circunstâncias mas também a decisão que proferida em recurso extraordinário reconhece a inconstitucionalidade de norma 589 A norma no caso não é retirada do ordenamento jurídico embora os motivos determinantes da decisão fiquem acobertados pela eficácia vinculante atingindo todos os outros órgãos do Poder Judiciário 590 Assim é certamente possível que a decisão que reconheceu a inconstitucionalidade de dada norma seja um dia contrariada pelas mesmas razões que autorizam a revogação de precedente constitucional ou que dão ao STF a possibilidade de declarar inconstitucional uma norma que antes pronunciou constitucional 591 8414 Efeitos temporais da revogação da decisão de constitucionalidade Porém há necessidade de não violar a segurança jurídica daquele que se comportou de acordo com a decisão de constitucionalidade Não se pode esquecer que no caso de relações continuativas a decisão opera para o futuro porque a própria ação tendo de se fundar em nova circunstância não objetiva alcançar senão as situações que estão por vir Na verdade não há como admitir ação direta de inconstitucionalidade ou ação concreta para negar situação jurídica formada com base na decisão de constitucionalidade pois isso seria violar a confiança justificada Essa apenas cede excepcionalmente quando a decisão de constitucionalidade à época em que as situações se consolidaram já deixara de ter credibilidade no seio social e no círculo jurídico hipótese em que será possível atribuir efeitos retroativos à decisão de inconstitucionalidade A confiança depositada pelo jurisdicionado no precedente não pode ser desconsiderada pelo STF 592 O responsável pela legítima expectativa criada em favor do jurisdicionado deve zelar para que as situações que se pautaram no precedente sejam efetivamente respeitadas sem deixar de considerar igualmente os fatores que possam fazer crer que a confiança no precedente já teria esmorecido Assim o Tribunal deve modular os efeitos temporais da decisão de inconstitucionalidade levando em conta a credibilidade no precedente É preciso compatibilizar a retroatividade da decisão com o momento em que os fatores que justificaram a revogação não apenas se mostraram presentes mas também fizeram crer que a antiga decisão não se sustentaria por muito tempo Assim a decisão proferida em recurso extraordinário considerando inconstitucional a norma antes afirmada constitucional poderia não ter efeitos retroativos em relação à própria situação litigiosa sob julgamento como acontece no direito do common law ao se aplicar o pure prospective overruling No direito estadunidense a prática judicial dos efeitos retroativo e prospectivo é variada Em caso de revogação de precedente caminhase entre a eficácia geral simplesmente retroativa o que comumente acontece e a eficácia geral plenamente prospectiva admitindose em determinados casos a irretroatividade da decisão em relação ao próprio caso sob julgamento pure prospective overruling 593 Não há dúvida que nesta hipótese pode haver decisão favorável sem quaisquer efeitos concretos benéficos 594 Mas isso é próprio de um sistema em que os precedentes constitucionais ainda que firmados em controle difuso têm força vinculante independentemente de suas repercussões nos casos concretos que os oportunizaram 842 Eficácia vinculante 8421 Primeiras considerações De acordo com o art 102 2º da CF as decisões definitivas de mérito proferidas pelo Supremo Tribunal Federal nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública direta e indireta nas esferas federal estadual e municipal Nesse sentido o art 28 parágrafo único da Lei 98681999 afirma que a declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade inclusive a interpretação conforme a Constituição e a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto têm eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública federal estadual e municipal As decisões de constitucionalidade e de inconstitucionalidade têm eficácia vinculante Antes de se analisar a porção da decisão extensão objetiva que é por ela coberta assim como quem são os seus destinatários eficácia subjetiva importa esclarecer a razão do fenômeno A tradição do civil law é avessa à obrigatoriedade dos precedentes Não teve sequer a possibilidade de constatar a necessidade de a ordem jurídica não se mostrar dividida com decisões díspares para casos iguais Acreditava que a lei bastaria para dar coerência ao direito Não passou muito tempo desde a sedimentação da tradição do civil law para os tribunais perceberem que realizam um trabalho de interpretação da norma legal o que fez brotar no seio do sistema jurídico a ideia de que haveria a necessidade de tribunais de uniformização inicialmente vistos como de cassação Isso contudo não conduziu àquilo que logicamente seria inevitável ou seja a um sistema em que os precedentes dos tribunais superiores têm força obrigatória ou vinculante Esqueceu se em nome de bandeiras como a de que o juiz deve ter liberdade para julgar que o Estado de Direito é incompatível com uma ordem jurídica destituída de coerência e estabilidade assim como que a sociedade não pode se desenvolver sem previsibilidade em relação às decisões dos tribunais O ambiente esteve muito escuro para se ver que decisões diferentes para casos iguais são tão ou mais nocivas do que ter leis que discriminam pessoas iguais Não obstante o fato é que a cegueira tomou conta da doutrina jurídica que por muito tempo ficou sem perceber uma necessidade inseparável da tradição do common law exatamente a de que os tribunais não podem definir questões jurídicas iguais de maneira distinta caso não queiram enfraquecer ou dissolver a legitimidade do direito e do próprio poder estatal No direito brasileiro há particularidade que torna a questão muito mais grave É que o sistema abre oportunidade ao controle difuso de constitucionalidade ou seja à possibilidade de todo e qualquer juiz ou tribunal dar a sua interpretação sobre a constitucionalidade de lei ou ato normativo Ora o controle difuso ao propiciar tantas decisões de constitucionalidade quantos forem os casos concretos levados ao Judiciário acaba por gerar a incoerência da ordem jurídica em seu ponto mais sensível o da harmonia das leis com a Constituição Recordese aliás que mesmo nos países em que o controle de constitucionalidade é reservado a um Tribunal Constitucional como na Alemanha atribuise eficácia vinculante aos fundamentos determinantes das decisões constitucionais 595 Se é nocivo ter decisões diferentes versando a interpretação de uma mesma lei federal é absurdo ter variadas decisões acerca da sua constitucionalidade Se os juízes ordinários podem e devem realizar o controle difuso esse é necessariamente prévio à decisão a respeito do STF mas no sentido de que após o Supremo ter definido a questão constitucional os juízes e tribunais inferiores não podem sequer decidila cabendolhes unicamente aplicar a decisão Isso é decorrência da lógica do sistema e da razão de ser do próprio STF A tutela da Constituição por parte do Supremo Tribunal obviamente não teria racionalidade caso os demais tribunais e juízes pudessem se opor às suas decisões Sucede que negar uma decisão do STF não equivale a simplesmente desconsiderar o seu dispositivo A unidade do direito mediante o fio condutor da Constituição exige que se leve em conta a fundamentação das decisões da Suprema Corte 596 Notese que o dispositivo da decisão de inconstitucionalidade ao afirmar que a norma X é inconstitucional pouco diz sobre a questão constitucional não sendo suficiente para servir como elemento de identificação do entendimento da Corte e de individualização daquilo que deve ser observado pelos demais tribunais e juízes A compreensão do sentido conferido à Constituição pelo Supremo Tribunal não prescinde da análise da fundamentação das suas decisões O STF fala em motivos ou fundamentos determinantes em conteúdo essencial e em eficácia transcendente As expressões motivos ou fundamentos determinantes e conteúdo essencial se referem à decisão Querem expressar os fundamentos que determinam ou são essenciais à conclusão judicial A eficácia transcendente por sua vez é aquela que transcende ao caso interferindo sobre os demais casos que embora não tratando da mesma norma configuram igual questão constitucional a ser solucionada mediante a aplicação dos mesmos fundamentos ou motivos que determinaram a decisão Assim decidiuse na Rcl 1987 que a decisão violara o conteúdo essencial do acórdão proferido na mencionada ação direta que possui eficácia erga omnes e efeito vinculante A decisão do Tribunal em substância teve sua autoridade desrespeitada de forma a legitimar o uso do instituto da reclamação Afirmouse ainda que a hipótese justificaria a transcendência sobre a parte dispositiva dos motivos que embasaram a decisão e dos princípios por ela consagrados argumentandose que os fundamentos resultantes da interpretação da Constituição devem ser observados por todos os tribunais e autoridades contexto que contribui para a preservação e desenvolvimento da ordem constitucional 597 O relator desta reclamação Min Maurício Corrêa observou que o ato impugnado não apenas contrastou a decisão definitiva proferida na ADIn 1662 como essencialmente está em confronto com os seus motivos determinantes 598 No common law a ratio decidendi identifica os fundamentos motivos ou razões determinantes ou essenciais da decisão Em verdade a preocupação com os fundamentos determinantes da decisão é a mesma que inspira a individualização da ratio decidendi Tratase de definir as razões que levaram a Corte a decidir deixandose de lado os pontos que ainda que analisados não interferem ou determinam o resultado do julgamento considerados assim obiter dicta A ratio decidendi ou os fundamentos determinantes estão inseridos na fundamentação da decisão Individualizamse a ratio decidendi ou os fundamentos determinantes olhandose para a fundamentação Se um fundamento embora não necessário pode ser suficiente para se alcançar a decisão este apenas é determinante quando constitui premissa sem a qual não se chegaria à específica conclusão acerca do caso De maneira que o fundamento determinante é o que se mostra imprescindível e assim essencial à decisão que foi proferida Por outro lado não basta concluir que os fundamentos que não foram efetivamente discutidos constituem obiter dicta Nem mesmo há como pensar que obiter dicta são apenas os fundamentos não adequadamente discutidos É preciso verificar antes de tudo se o fundamento podia ser discutido e se a decisão tomada exigia a sua discussão 599 Deixese claro que embora a eficácia vinculante tenha inescondível preocupação com a segurança jurídica o seu escopo é completamente diverso do da coisa julgada material Enquanto a última se destina a garantir a indiscutibilidade e a imutabilidade da solução dada ao litígio a primeira tem o fim de tutelar a coerência e a estabilidade da ordem jurídica assim como a confiança legítima a previsibilidade e a igualdade Se a coisa julgada material atinge apenas as partes do litígio a eficácia vinculante se presta a garantir a estabilidade da decisão judicial evitando que em qualquer caso concreto seja proferida decisão que não tome em conta os seus fundamentos determinantes Portanto a eficácia vinculante tem a mesma finalidade da eficácia obrigatória dos precedentes aproximandose assim do stare decisis No common law não é preciso falar em eficácia vinculante Basta aludir à ratio decidendi uma vez que a força obrigatória ou vinculante é inerente ao sistema de precedentes Quando se pensa em ratio decidendi admitese implícita e automaticamente a sua força obrigatória De modo que a ideia de eficácia vinculante no direito brasileiro destinase a enfatizar a força obrigatória dos fundamentos determinantes das decisões constitucionais 8422 Extensão objetiva Ainda que a eficácia vinculante seja relacionada à obrigatoriedade dos precedentes e esta dependa da individualização dos seus fundamentos determinantes discutese inclusive no STF acerca dos limites objetivos da eficácia vinculante Indagase neste sentido se a eficácia vinculante realmente se estende aos fundamentos determinantes ou se é restrita ao dispositivo da decisão Emblemático a respeito é o julgamento da Rcl 1987 Os argumentos dos ministros que neste caso limitaram a eficácia vinculante ao dispositivo da decisão proferida na ação direta de inconstitucionalidade não podem deixar de ser lembrados O voto do Min Carlos Velloso é expresso no sentido de que a eficácia vinculante apesar de inerente à natureza da decisão proferida na ação direta está sujeita a uma limitação objetiva o ato normativo objeto da ação o dispositivo da decisão vinculante não os seus fundamentos 600 O voto do Min Carlos Britto tem igual orientação pois aderiu ao voto do relator observando o limite objetivo da reclamação 601 que não permitiria a alegação de violação à autoridade dos fundamentos determinantes da decisão de inconstitucionalidade O Min Sepúlveda Pertence também foi contrário à tese de que uma decisão poderia ser objeto de reclamação ao contrariar os fundamentos determinantes da decisão de inconstitucionalidade alegando que se não fosse assim estar seia transformando em súmula vinculante qualquer premissa de uma decisão 602 O fundamento do voto do Min Marco Aurélio foi diverso mas igualmente serviu para justificar que a eficácia vinculante estaria limitada ao dispositivo da decisão De acordo com este voto a atribuição de efeito vinculante à fundamentação equivaleria à admissão de coisa julgada em relação aos fundamentos da decisão 603 Elival da Silva Ramos em tese de titularidade que versou o tema do controle de constitucionalidade fala em limites objetivos da coisa julgada material no processo objetivo Diz que no controle principal em que a questão de constitucionalidade integra o pedido formulado pelo requerente devendo ser dirimida na parte disponível do acórdão que a tanto se limita os efeitos objetivos associados à solução da pendência são resguardados pela coisa julgada formal e material A isso se denomina limite objetivo da coisa julgada apenas aos comandos contidos no dispositivo da sentença ou acórdão e que constituem os seus efeitos é atribuída definitivamente impedindo que sejam reexaminados no mesmo ou em outro processo por se tratar de matéria decidida Os elementos abordados na fundamentação da decisão que julga ação direta por mais relevantes que sejam para que se possa bem compreender o que foi decidido jamais farão coisa julgada art 504 I do CPC Destarte não se pode pretender que gozem de alguma sorte de força vinculativa as considerações feitas em sede de motivação sobre a correta maneira de interpretar as normas constitucionais paramétricas ou o próprio ato legislativo controlado De igual modo se o dispositivo do acórdão que julga ação direta consubstancia a aplicação particularizada de tese jurídica sedimentada no âmbito do STF devidamente explicitada na fundamentação do julgado não significa isso que se lhe deva prestar acatamento como se estivesse resguardada pela coisa julgada O tema dos limites objetivos da coisa julgada no controle abstrato de normas não se deveria prestar a maiores discussões na medida em que à falta de um tratamento específico no plano constitucional incide a disciplina vigente para os processos jurisdicionais em geral 604 A transcrição do argumento do ilustre constitucionalista se justifica para demonstrar que parece estar presente em importantes setores uma imprópria associação entre coisa julgada material e eficácia vinculante Notese que o professor titular da Universidade de São Paulo afirma expressamente que os elementos abordados na fundamentação da decisão que julga a ação direta por mais relevantes que sejam para que se possa bem compreender o que foi decidido jamais farão coisa julgada pelo que não se pode pretender que gozem de alguma sorte de força vinculativa as considerações feitas em sede de motivação sobre a correta maneira de interpretar as normas constitucionais paramétricas ou o próprio ato legislativo controlado 605 Ou seja pretendese fazer crer que pela circunstância de a coisa julgada material não recair sobre os fundamentos da decisão as considerações feitas em sede de fundamentação não podem ter eficácia vinculante Na verdade ainda que a coisa julgada abarque questão prejudicial à solução do caso nos termos do art 503 do CPC de 2015 não há como confundir coisa julgada sobre questão ainda que em benefício de terceiro art 506 do CPC2015 com eficácia obrigatória ou vinculante dos precedentes das Cortes Supremas Percebase que a coisa julgada material ao atingir a fundamentação fica restrita às partes e aos terceiros titulares do direito de discutir a questão decidida por ela beneficiados Ao contrário a força obrigatória ou vinculante dos fundamentos determinantes da decisão orienta a sociedade e regula os casos futuros Na realidade a necessidade de isolar os fundamentos projetandoos de modo a atingir obrigatoriamente os demais tribunais e órgãos da administração nada tem a ver com coisa julgada sobre os fundamentos A coisa julgada sobre a questão a torna indiscutível para aqueles que participaram do processo e pode beneficiar aqueles que poderiam ter discutido a questão como prejudicial de suas demandas O efeito obrigatório ou vinculante confere estabilidade aos precedentes das Cortes Supremas favorecendo a igualdade de todos perante o direito e a previsibilidade Ademais apenas na perspectiva de funcionalidade lógica dos institutos não há qualquer sentido em reservar a eficácia vinculante ao dispositivo da decisão Em primeiro lugar porque o dispositivo não é suficiente para revelar a tese ou a orientação do STF de modo que a sua força obrigatória pouco adiantaria para se outorgar unidade ao direito Depois porque ao se admitir que a força obrigatória é limitada ao dispositivo da decisão utilizase outro instituto para reprisar o que já é garantido pela coisa julgada Grosso modo sabese que a eficácia vinculante se destina a obrigar os juízes e tribunais inferiores a decidir de acordo com o STF Porém a eficácia vinculante não se destina a obrigar os órgãos judiciais a adotar o dispositivo das decisões de inconstitucionalidade Objetiva isso sim vinculálos aos fundamentos determinantes dessas decisões Como já dito não há racionalidade em supor que em virtude da eficácia vinculante os demais órgãos judiciais estão obrigados a respeitar o dispositivo das decisões de inconstitucionalidade uma vez que isso decorre da eficácia erga omnes da decisão O problema obviamente não está em fazer respeitar a decisão de que a norma X é constitucional ou inconstitucional mas sim em vincular os demais órgãos judiciais aos fundamentos utilizados para se chegar à conclusão de que a norma X é constitucional ou inconstitucional Apenas isso pode justificar a ideia de atribuir eficácia vinculante a uma decisão de inconstitucionalidade É realmente ilógico pensar em eficácia vinculante para atribuir força obrigatória ao dispositivo das decisões Estarseia negando a própria razão de ser da eficácia vinculante cuja gênese não se desliga da necessidade de atribuir força obrigatória à ratio decidendi ou aos fundamentos determinantes das decisões Lembrese que nos próprios sistemas em que o controle de constitucionalidade é reservado a Tribunal Constitucional como ocorre na Alemanha atribuise eficácia vinculante aos fundamentos determinantes das decisões Como esclarece Michael Sachs o Tribunal Constitucional alemão possui jurisprudência firme e de longa data no sentido de que a força vinculante das suas decisões vai além dos seus respectivos dispositivos isto é vai além da decisão acerca do objeto do processo para também atingir os seus fundamentos determinantes Ou seja entendese que a eficácia vinculante atinge as concepções jurídicas determinantes das decisões do Tribunal Constitucional 606 A eficácia vinculante tem o mesmo objetivo da eficácia obrigatória dos precedentes O precedente apenas é garantido com a vinculação dos órgãos judiciais Mas a parte dispositiva não é capaz de atribuir significado ao precedente este depende para adquirir conteúdo da sua fundamentação ou mais precisamente da ratio decidendi ou dos fundamentos determinantes da decisão Tudo isso contradiz a limitação da eficácia vinculante ao dispositivo da decisão Afirmar que a coisa julgada não recai sobre os fundamentos para concluir que estes não são atingidos pela eficácia vinculante é não apenas utilizar premissa falsa e chegar à conclusão equivocada É mais do que isso utilizar premissa que não tem qualquer relação lógica com a conclusão Não é possível sustentar que os fundamentos não vinculam em razão de a coisa julgada não lhes dizer respeito O raciocínio como se viu está muito malposto A coisa julgada diz respeito às questões mas não obstante isso não tem o propósito da eficácia vinculante Ora a coisa julgada sobre questão diz respeito à decisão sobre questão prejudicial ao passo que a eficácia vinculante se refere ao entendimento da Corte Suprema sobre o direito Os objetos são completamente distintos Significa que pouco importa buscar resposta à pergunta a respeito de quais são os limites objetivos da coisa julgada já que o real problema está em saber qual é a porção da decisão que revela o entendimento da Corte e portanto quais são os limites objetivos da eficácia vinculante 8423 Extensão subjetiva O art 102 2º da CF diz que o efeito vinculante incide em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública direta e indireta nas esferas federal estadual e municipal A norma constitucional diz que as decisões definitivas tomadas em ação direta de inconstitucionalidade e em ação declaratória de constitucionalidade produzem efeitos vinculantes em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário excluindo assim o próprio STF De modo que estão sujeitos à eficácia vinculante os juízes de 1º grau de jurisdição os Tribunais Estaduais e Regionais Federais e todos os demais Tribunais Superiores inclusive o STJ É claro que a intenção da norma foi vincular os órgãos judiciais às decisões do STF Ocorre diante disso o que se chama de eficácia vertical dos precedentes ou o que se pode chamar de eficácia vinculante em sentido vertical Em princípio assim as Turmas do STF assim como o seu próprio Plenário não estariam vinculados aos fundamentos determinantes das decisões de inconstitucionalidade Não obstante as razões que estão à base da eficácia vinculante em relação aos demais órgãos judiciais também se impõem para obrigar o STF e as suas Turmas A estabilidade do direito assim como a confiança justificada e a previsibilidade exigem que os fundamentos determinantes das decisões de inconstitucionalidade sejam observados pelo próprio STF Assim se restou decidido que determinada norma X de um Estado da Federação é inconstitucional em virtude da razão Y norma idêntica de outro Estado da Federação também deve ser declarada inconstitucional em virtude da mesma razão Y Os fundamentos determinantes se impõem às Turmas e ao Plenário Isso não quer dizer como é óbvio que o Plenário e as Turmas sejam absolutamente obrigados ou vinculados em face dos precedentes do STF Como explicado acima nem mesmo a parte dispositiva da decisão de constitucionalidade produz efeitos para sempre Por idênticos motivos os fundamentos determinantes de decisões de inconstitucionalidade ou de constitucionalidade podem ser revistos diante da alteração da realidade ou dos valores sociais assim como da concepção geral acerca do direito 607 Lembrese que a particularidade da eficácia absolutamente vinculante é a proibição de o Tribunal revogar a sua própria decisão mesmo que tenha bons fundamentos para tanto Isso não mais ocorre nem mesmo na Inglaterra uma vez que em 1966 um Statement afirmou que a antiga House of Lords poderia passar a revogar os seus precedentes diante de certas circunstâncias 608 Frisese que antes disso a House estava absolutamente vinculada aos seus julgados ainda que em certos casos estivesse convicta de que ao reiterálos estaria perpetuando uma decisão injusta 609 Ao se afirmar que o Supremo Tribunal também deve respeitar os seus precedentes não se quer dizer que novas posições pessoais não possam ou devam ser ouvidas ou que a composição do Tribunal não expresse vontades morais diferenciadas O que se deseja evidenciar é que para se alterar um precedente qualquer membro do Tribunal seja recente ou antigo deve expressar fundamentação capaz de evidenciar que o precedente perdeu a sua razão de ser em face da alteração da realidade social da modificação dos valores da evolução da tecnologia ou da alternância da concepção geral do direito Nesse caso o magistrado assume um ônus de evidenciar que tais motivos não só estão presentes como são consistentes e fortes o bastante para se sobreporem às razões determinantes antes adotadas Caso a maioria do Tribunal não consiga vencer o ônus de alegar e demonstrar que boas razões impõem a revogação do precedente ele deverá ser mantido Ademais a eficácia vinculante das decisões de inconstitucionalidade estendese à Administração Pública direta e indireta nas esferas federal estadual e municipal conforme claramente preceitua o art 102 2º da CF Deixese claro que a Administração está vinculada aos fundamentos determinantes da decisão de inconstitucionalidade Assim não constitui empecilho a circunstância de o órgão administrativo do Estado X não estar submetido à lei declarada inconstitucional uma vez que ele está vinculado aos fundamentos determinantes da decisão que assim a proclamou O mesmo vale como é óbvio para os órgãos municipais que devem pautar suas condutas e procedimentos com base nos fundamentos determinantes da decisão de inconstitucionalidade não importando se esta foi proferida em relação à lei de específico Município A norma do 2º do art 102 da CF ao disciplinar os limites subjetivos da eficácia vinculante não se refere ao Legislativo Isso não quer dizer que o legislador não tenha compromisso com as decisões do STF A questão de o Legislativo ter ou não poder para editar lei com substância idêntica à de lei declarada inconstitucional pelo STF nada tem a ver com a questão da eficácia vinculante das decisões Ora a eficácia vinculante pertine à aplicação da lei e não à sua elaboração e edição Saber se o Legislativo conserva poder para editar lei com substância idêntica à de lei já declarada inconstitucional pelo STF constitui problema que está em plano mais acima o da separação dos Poderes Quando se diz que a Administração Pública direta e indireta nas esferas federal estadual e municipal está vinculada às decisões do STF não se pensa sequer em violação do princípio da separação dos poderes Como é óbvio a Administração tem o dever de não aplicar norma declarada inconstitucional pelo STF Sucede que o poder de legislar não se confunde com o poder de executar ou de aplicar as normas Aliás o Legislativo ao agir enquanto Poder que está subordinado às leis não pode negar as decisões do STF Portanto o problema da autonomia para editar lei com substância já declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal é outro O Legislativo não está impedido em razão da eficácia vinculante de editar lei com conteúdo idêntico ao de lei já proclamada inconstitucional pelo STF Até porque o Legislativo pode entender que existem novas circunstâncias como a transformação da realidade ou dos valores sociais que imponham a compreensão do texto num sentido constitucional Porém isso não quer dizer que a atuação legislativa destituída de qualquer preocupação com a legitimidade constitucional do texto possa se impor simplesmente para negar os efeitos da decisão da Suprema Corte Quando inexiste como pensar em nova circunstância a justificar a atuação do legislador a lei não se sobrepõe à decisão de inconstitucionalidade Percebase que o Judiciário e a Administração Pública ainda estão vinculados à decisão do STF cabendolhes apenas distinguir se os fundamentos determinantes da decisão de inconstitucionalidade contradizem ou não o texto da nova lei 610 843 Reclamação De acordo com o art 102 I l da CF cabe reclamação ao STF para a preservação de sua competência e garantia da autoridade de suas decisões 611 A Lei 80381990 que institui normas procedimentais para os processos que especifica perante o Superior Tribunal de Justiça 612 e o Supremo Tribunal Federal regula a reclamação em seu Capítulo II estabelecendo que ao julgar procedente a reclamação o Tribunal cassará a decisão exorbitante de seu julgado ou determinará medida adequada à preservação de sua competência art 17 A Emenda 452004 ao consagrar a súmula vinculante previu a reclamação para a sua observância estabelecendo o art 103A 3º da CF que do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que julgandoa procedente anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula conforme o caso Para existir como instituto processual a reclamação não depende da eficácia vinculante A reclamação constitui forma de cassar decisão que usurpou a competência ou desrespeitou autoridade de decisão do Tribunal De modo que a reclamação tem cabimento ainda que a decisão desrespeitada não tenha eficácia vinculante Antes da EC 31993 que introduziu a ação declaratória de constitucionalidade atribuindo à sua decisão efeitos vinculantes a reclamação já era admitida não apenas em face de usurpação de competência ou de descumprimento de decisão do STF mas também diante de desobediência das decisões tomadas nos processos objetivos Porém era adstrita ao autor da ação direta e aos demais legitimados a esta ação além de limitada ao desrespeito à parte dispositiva da decisão 613 Lembrese que a EC 31993 introduziu parágrafo no art 102 da CF o qual disse que as decisões definitivas de mérito proferidas pelo Supremo Tribunal Federal nas ações declaratórias de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e ao Poder Executivo A EC 452004 deu nova redação a este parágrafo art 102 2º da CF que passou a preceituar que as decisões definitivas de mérito proferidas pelo Supremo Tribunal Federal nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública direta e indireta nas esferas federal estadual e municipal Com a EC 452004 assim tornouse claro o cabimento de reclamação também em relação às decisões definitivas proferidas na ação direta de inconstitucionalidade Na ADC 4 o STF admitiu a possibilidade de concessão de medida liminar nesta modalidade de ação 614 Atribuíramse à decisão que na ocasião concedeu a liminar efeitos vinculantes Esta decisão proferida no final da última década do século passado somada ao novo 2º EC 452004 do art 102 da CF evidencia que as decisões concessivas de medida liminar em ação declaratória de constitucionalidade e em ação direta de inconstitucionalidade produzem efeitos vinculantes abrindo ensejo por isso mesmo à reclamação Contudo admitindose que as decisões de inconstitucionalidade e de constitucionalidade ficam cobertas pela eficácia vinculante não há como limitar a reclamação ao dispositivo da decisão Se os fundamentos determinantes têm eficácia vinculante a proibição que atinge os demais órgãos judiciais e os órgãos da Administração Pública é logicamente mais extensa e a autoridade das decisões logicamente não se limita ao dispositivo Em outras palavras a proibição não é apenas de adotar a norma que foi declarada inconstitucional mas também de desrespeitar os fundamentos que levaram à decisão de inconstitucionalidade Por simples consequência não há por que restringir a reclamação aos legitimados à ação direta e ao órgão que editou a norma pois o jurisdicionado em seu respectivo caso reclama a autoridade dos fundamentos determinantes das decisões do STF em nome da coerência do direito e da segurança jurídica Notese que não está em jogo a declaração de constitucionalidade ou inconstitucionalidade de específica norma mas a força ou autoridade dos fundamentos adotados pela Corte para decidir pela constitucionalidade ou inconstitucionalidade Portanto em vista da eficácia vinculante legitimados à reclamação são o prejudicado pelo ato que negou os fundamentos determinantes e aquele que o praticou Este último infringe a autoridade da decisão do STF enquanto o primeiro por ser tutelado pelo precedente constitucional necessita da reclamação Lembrese que na Rcl 1987 o STF deixou claro o cabimento de reclamação para ressuscitar a autoridade dos fundamentos determinantes de decisão prolatada em ação direta de inconstitucionalidade 615 Na ocasião disse o relator da reclamação Min Maurício Corrêa que a questão fundamental é que o ato impugnado não apenas contrastou a decisão definitiva proferida na ADIn 1662 como essencialmente está em confronto com os seus motivos determinantes 616 Mas as razões que sustentam a eficácia vinculante dos fundamentos determinantes das decisões proferidas no controle principal também se impõem no controle incidental Os fundamentos determinantes revelando a doutrina do Supremo Tribunal acerca de determinada questão constitucional devem ter igual força obrigatória sendo irrelevante que tenham sido fixados em decisão proferida em sede de controle incidental Lembrese de que na Rcl 2363 advertiuse que os ministros do Supremo Tribunal vêm mediante decisão monocrática aplicando tese fixada em precedentes onde se discutiu a inconstitucionalidade de lei em sede de controle difuso emanada por ente federativo diverso daquele prolator da lei objeto do recurso extraordinário sob exame 617 Assim ao se admitir que os fundamentos determinantes da decisão tomada em recurso extraordinário produzem efeitos vinculantes cabe reclamação contra decisão judicial ou da Administração Pública que negou o fundamento que levou a Corte a decidir ainda que no controle incidental Frisese que a autoridade da decisão não está somente em sua parte dispositiva mas igualmente em seus fundamentos determinantes Bem vistas as coisas como a parte dispositiva é resguardada pela sua força inerente a verdadeira razão de ser da reclamação atualmente é impor respeito aos fundamentos determinantes das decisões O CPC de 2015 no seu art 988 embora tenha dito que a reclamação pode ser utilizada para i preservar a competência do tribunal ii garantir a autoridade das decisões do tribunal e iii garantir a observância de decisão do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade cometeu equívoco primário ao anunciar que pode apenas iv garantir a observância de enunciado de súmula vinculante e de precedente proferido em julgamento de casos repetitivos ou em incidente de assunção de competência Ora é pouco mais do que evidente que não são apenas os precedentes firmados em recursos extraordinário e especial repetitivos que podem obrigar os juízes e tribunais mas os devidamente elaborados em qualquer recurso extraordinário e especial O equívoco é tão perceptível que outorga maior valor à existência de múltiplos casos idênticos do que à repercussão geral Não obstante há decisões do STF em sentido diverso adotando posição que em verdade acaba por negar a razão de ser da eficácia vinculante 618 Decidiuse na Rcl 10793 rel Min Ellen Gracie não ser possível utilizar reclamação contra decisão de primeiro grau de jurisdição que tenha negado tese firmada pela Corte em repercussão geral Argumentouse a partir de raciocínio que circundou os próprios fundamentos da eficácia vinculante e da reclamação que a decisão de primeiro grau deve ser impugnada por recurso próprio e quando o Tribunal reiterar a não observância da decisão do STF a situação deve ser resolvida por meio da interposição de recurso extraordinário Disse a Ministra relatora em sua decisão que a atuação desta Corte há de ser subsidiária só se justificando quando o próprio Tribunal a quo negar observância ao leading case da repercussão geral ensejando então a interposição e a subida de recurso extraordinário para cassação ou revisão do acórdão Caso contrário o instituto da repercussão geral ao invés de desafogar esta Corte e liberála para a discussão das grandes questões constitucionais passaria a assoberbála com a solução dos casos concretos inclusive com análise de fatos e provas trabalho que é próprio e exclusivo dos Tribunais de segunda instância 619 Ocorre que a reclamação por sua função e própria natureza documental jamais poderá obrigar o STF a decidir um caso concreto ou a analisar fatos e provas Reclamação baseada em desrespeito à decisão do STF apenas pode exigir o seu confronto com tese firmada pelo órgão judicial inferior Nada mais do que isso Assim o argumento da decisão proferida na Rcl 10793 neste aspecto é equivocado Ademais tal decisão pretende transformar a imprescindível atuação do STF quando do enfraquecimento da autoridade de precedente constitucional em algo surpreendentemente subsidiário sugerindo que a técnica recursal é suficiente para resguardar a eficácia vinculante ou a força obrigatória das decisões proferidas pela Corte Suprema Com o devido respeito a função recursal nada tem a ver com o resguardo das decisões de uma Corte Suprema ou de seus precedentes O seu objetivo é permitir a tutela da parte vencida diante de determinada decisão De outra parte a autoridade dos precedentes do STF constitui a afirmação da coerência do direito e a preservação da segurança jurídica O desrespeito a precedente constitucional não constitui mera decisão equivocada mas revela negação da autoridade do STF colocando em grave risco a coerência da ordem jurídica a confiança justificada nas decisões do Poder Público e o direito fundamental à duração razoável do processo A repercussão geral não procura ou deve procurar simplesmente desafogar o STF Cabe lembrar que a sua verdadeira função é dar unidade ao direito enfatizando uma solução constitucional que deva necessariamente permear todas as decisões judiciais Se em virtude de uma cultura de desvalor à autoridade podem ser proferidas várias decisões contrárias à decisão tomada em repercussão geral não é correto abrir mão do instrumento indispensável à preservação da autoridade e da força dos precedentes constitucionais sem as quais não há coerência do direito e segurança jurídica apenas para desafogar a Corte utilizandose da dicção da decisão proferida na Rcl 10793 É equivocado imaginar que a Corte poderá se sentir liberada para a discussão das grandes questões constitucionais 620 Rcl 10793 enquanto as suas próprias decisões estiverem livres para ser afrontadas por qualquer órgão judicial inferior Afinal de nada adianta firmar precedentes constitucionais tutelandose a coerência da ordem jurídica se a base do Poder Judiciário por falta de compreensão do significado das decisões constitucionais não as atende Em suma cabe sublinhar que a reclamação está muito longe da técnica que serve para a parte impugnar decisão que lhe é insatisfatória nem mesmo constitui mero expediente de preservação da competência e de garantia do cumprimento de específica decisão Representa no contexto do processo constitucional contemporâneo importante instrumento de tutela da própria ordem jurídica constitucional Por fim releva advertir que a Lei 98821999 ao regulamentar a arguição de descumprimento de preceito fundamental previu a reclamação art 13 para resguardar as decisões nela proferidas as quais definitivas ou concessivas de liminar possuem efeitos vinculantes art 10 3º Recordese que a ação de inconstitucionalidade perante a Constituição Federal é limitada às leis e atos normativos estaduais e federais o direito municipal é objeto de ação de inconstitucionalidade diante da Constituição Estadual de competência dos Tribunais de Justiça art 125 2º da CF A impossibilidade de controle direto do direito municipal em face da Constituição Federal impede a definição imediata e com efeitos gerais da questão de constitucionalidade trazendo consequências nos planos da segurança jurídica e da unidade do direito Assim a arguição de descumprimento de preceito fundamental ao viabilizar a tutela dos preceitos fundamentais também em face de leis municipais acaba por suprir grave lacuna Porém a ideia de que a decisão proferida na arguição de descumprimento produz efeitos vinculantes somente em relação à norma municipal objeto da arguição elimina a possibilidade de se dar unidade à interpretação das leis municipais Se a decisão ainda que proferida em relação a determinada norma municipal não tem os seus fundamentos determinantes impostos em face de leis idênticas ou similares de outros municípios o propósito da própria extensão da arguição de descumprimento às leis municipais fica sem sentido Não só leis de conteúdo idêntico ou similar continuariam a gerar múltiplos litígios como as próprias teses firmadas nos precedentes constitucionais não teriam adequada e integral aplicação Fora tudo isso a não observância de decisão com eficácia vinculante caracteriza grave violação de dever funcional abrindo oportunidade para medidas de ordem administrativa criminal e civil 621 Os órgãos judiciais e autoridades administrativas vinculados obviamente não podem deixar de observar as decisões Bem por isso caso o façam devem responder por suas ações 622 Caso um órgão judicial se negue a adotar decisão com eficácia vinculante desrespeitando os seus fundamentos determinantes estará caracterizado o ilícito suficiente à propositura de ação de ressarcimento contra o Estado Neste caso dificuldade haverá apenas para se determinar a extensão do dano provocado à parte que litigando na ação concreta injustamente se submeteu à arbitrariedade do juiz ou do tribunal Igual raciocínio como é óbvio aplicase à hipótese em que a ilicitude é cometida por órgão da Administração Pública 844 Modulação dos efeitos temporais da decisão de inconstitucionalidade O Tribunal ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo poderá por maioria de dois terços de seus membros considerando razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social restringir os seus efeitos ou decidir que a eficácia provenha do trânsito em julgado ou surja a partir de outro momento a ser fixado art 27 da Lei 98681999 Tratase do que se chama de modulação dos efeitos da decisão de inconstitucionalidade 623 Partese da premissa de que a decisão de inconstitucionalidade tem efeitos ex tunc dada a ideia de que a lei declarada inconstitucional é uma lei nula O problema em verdade não seria o de se a decisão declara a nulidade da lei ou a desconstitui ou de se a decisão tem efeitos ex tunc ou ex nunc uma vez que em um ou outro caso ou seja admitindose a teoria de que há declaração de nulidade ou a de que há desconstituição sempre haveria necessidade de temperos nas suas aplicações A admissão de que a decisão não retroage sempre faria escapar situações em que a retroatividade seria vantajosa Da mesma forma a opção pela retroatividade sempre recomendaria isentar de efeitos determinadas situações passadas Melhor explicando adotada uma ou outra teoria admitindose a declaração da nulidade ou a desconstitutividade isto é os efeitos ex tunc ou os efeitos ex nunc sempre seria necessário conforme as particularidades de cada caso fazer avançar ou fazer retroagir os efeitos da decisão de inconstitucionalidade O art 27 frisa a nulidade da lei inconstitucional firmando a premissa de que a decisão tem efeitos retroativos podendo o tribunal pela maioria de dois terços dos seus membros considerando os conceitos indeterminados de segurança jurídica e de excepcional interesse social restringir os seus efeitos ou decidir que a eficácia provenha do trânsito em julgado ou surja a partir de outro momento a ser fixado Nesses termos a decisão pode isentar determinados atos ou situações dos efeitos retroativos decidir que os efeitos apenas serão produzidos com o trânsito em julgado ou ainda decidir que os efeitos apenas serão produzidos a partir de determinada data ou evento futuros Há em tais casos efeitos retroativos limitados efeitos prospectivos propriamente ditos e efeitos prospectivos a partir de determinado evento Os conceitos indeterminados referidos no art 27 têm assento constitucional A conten ção dos efeitos exige a partir de um juízo ancorado na segurança jurídica ou em outro prin cípio constitucional sob a forma de excepcional interesse social a prevalência dos interesses que seriam sacrificados pela retroatividade sobre os afetados pela lei inconstitucional 624 Vale a pena lembrar a ADIn 2240 em que se questionou a validade da lei que criou o Município de Luís Eduardo Magalhães 625 Nesta ação a Corte não tinha qualquer dúvida sobre a inconstitucionalidade da lei mas temia que ao pronunciála pudesse irremediavelmente atingir as situações que se formaram após a sua edição O relator Min Eros Grau embora reconhecendo a inconstitucionalidade inicialmente julgou improcedente a ação mas somente para preservar as situações consolidadas Após pedir vistas o Min Gilmar Mendes argumentou que não seria razoável deixar de julgar procedente a ação direta de inconstitucionalidade para não se atingir o passado uma vez que a preservação das situações anteriores poderia se dar ainda que a ação fosse julgada procedente Após deixar claro que o relator se preocupou em proteger as situações consolidadas insistiu em que a solução do problema não pode advir da simples decisão de improcedência da ação Seria como se o Tribunal focando toda a sua atenção na necessidade de se assegurarem realidades concretas que não podem mais ser desfeitas e portanto reconhecendo plena aplicabilidade ao princípio da segurança jurídica deixasse de contemplar na devida medida o princípio da nulidade da lei inconstitucional Salientou que embora não se possa negar a relevância do princípio da segurança jurídica no caso é possível primar pela otimização de ambos os princípios ou seja dos princípios da segurança jurídica e da nulidade da lei inconstitucional tentando aplicálos na maior medida possível segundo as possibilidades fáticas e jurídicas que o caso concreto pode nos apresentar Advertiu que a falta de um instituto que permita estabelecer limites aos efeitos da declaração de inconstitucionalidade acaba por obrigar os Tribunais muitas vezes a se abster de emitir um juízo de censura declarando a constitucionalidade de leis manifestamente inconstitucionais E que o perigo de uma tal atitude desmesurada de self restraint ou greater restraint pelas Cortes Constitucionais ocorre justamente nos casos em que como o presente a nulidade da lei inconstitucional pode causar uma verdadeira catástrofe para utilizar a expressão de Otto Bachof do ponto de vista político econômico e social Diante disso concluiu Não há dúvida portanto e todos os Ministros que aqui se encontram parecem ter plena consciência disso que o Tribunal deve adotar uma fórmula que reconhecendo a inconstitucionalidade da lei impugnada diante da vasta e consolidada jurisprudência sobre o tema resguarde na maior medida possível os efeitos por ela produzidos Assim decidiuse por maioria vencido o Min Marco Aurélio no sentido de aplicando o art 27 da Lei 98681999 declarar a inconstitucionalidade sem a pronúncia da nulidade da lei impugnada mantendo sua vigência pelo prazo de 24 vinte e quatro meses lapso temporal razoável dentro do qual poderá o legislador estadual reapreciar o tema tendo como base os parâmetros que deverão ser fixados na lei complementar federal conforme decisão desta Corte na ADIn 3682 O método utilizado em tal decisão não se confunde com a técnica do prospective overruling que tem a ver com a revogação de precedentes e não com a declaração de inconstitucionalidade Nos Estados Unidos quando há confiança justificada no precedente é possível atribuir efeitos prospectivos à decisão que o revoga inclusive a partir de determinada data ou evento futuro 626 Porém quando se outorga efeito prospectivo à decisão de inconstitucionalidade as situações consolidadas não são resguardas em razão de alguma confiança em precedente Quando a decisão de inconstitucionalidade não possui efeitos retroativos desejase preservar as situações que se consolidaram com base na lei inconstitucional não importando a confiança justificada em qualquer precedente judicial É somente nesta situação como é óbvio que entra em jogo a teoria da nulidade dos atos inconstitucionais e passa a ser possível questionar por consequência a relação entre os princípios da nulidade da lei inconstitucional e da segurança jurídica Lembrese ademais que o STF tem admitido a modulação dos efeitos de suas decisões também em sede de controle difuso 627 Nesta dimensão é possível perceber ainda com maior facilidade a distinção entre a questão dos efeitos prospectivos da decisão de inconstitucionalidade e o tema dos efeitos prospectivos da decisão que revoga precedente em que se deposita confiança justificada As decisões proferidas em recurso extraordinário produzem eficácia vinculante em relação aos seus motivos determinantes 628 Da mesma forma a tais decisões podem ser atribuídos efeitos prospectivos Recordese que atribuir eficácia vinculante aos fundamentos determinantes da decisão é o mesmo que conferir autoridade aos fundamentos da decisão em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário Esses ficam vinculados ou obrigados em face dos fundamentos da decisão ou seja diante da ratio decidendi do precedente De modo que a técnica da obrigatoriedade do respeito aos fundamentos determinantes é utilizada para atribuir força ou autoridade aos precedentes judiciais e não obviamente para reafirmar a teoria da nulidade do ato inconstitucional Do mesmo modo o poder de modular as decisões em sede de controle difuso deriva do princípio da proteção da confiança justificada e não da necessidade de harmonizar o prin cípio da nulidade do ato inconstitucional com a segurança jurídica A declaração de inconstitucionalidade proferida em recurso extraordinário embora obrigue os demais órgãos do Poder Judiciário não elimina a norma do ordenamento jurídico que resta em estado latente Assim como o STF pode vir a declarar inconstitucional norma que já afirmou constitucional é possível que decisão que reconheceu a inconstitucionalidade de determinada norma um dia venha a ser contrariada Isto sucede nos Estados Unidos quando se diz que a Suprema Corte ressuscita a lei que era vista como dead law por já ter sido declarada inconstitucional O STF sempre tem a possibilidade de a partir de determinados critérios negar os fundamentos determinantes das decisões que toma em recurso extraordinário sejam elas de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade Porém como a revogação de um precedente institui nova regra a ser observada pelos demais órgãos judiciais tornase evidente a possibilidade de se violentarem a segurança jurídica e a confiança depositada no próprio Tribunal Quando não há indicações de que o precedente será revogado e dessa forma há confiança justificada é preciso cautela para não tomar de surpresa o jurisdicionado revelandose apropriado atribuir efeitos prospectivos à decisão 629 Embora a viabilidade de outorgar efeitos prospectivos à decisão de inconstitucionalidade esteja garantida no art 27 da Lei 98681999 tal possibilidade advém do princípio da segurança jurídica o que significa que ainda que se entendesse que tal norma se aplica apenas ao controle concentrado não haveria como negar a possibilidade de se modular os efeitos da decisão proferida em recurso extraordinário Porém a necessidade de modulação em controle difuso decorre da preocupação em não atingir as situações que se formaram com base no precedente e não da imprescindibilidade em proteger as situações que se consolidaram com base na lei inconstitucional Entretanto a técnica dos efeitos prospectivos foi pensada no Brasil a partir da teoria da nulidade dos atos inconstitucionais ou seja para tutelar a segurança jurídica em virtude do princípio da nulidade da lei inconstitucional Daí não se ter percebido a necessidade da adoção desta técnica em sede de controle difuso O mais importante porém é que certamente não se pensa em confiança justificada para se darem efeitos prospectivos na hipótese de decisão de inconstitucionalidade Só há razão para investigar se a confiança é justificada quando se trata de revogação de precedente É apenas aí que importa verificar se havia na academia e nos tribunais manifestações que evidenciavam o enfraquecimento do precedente ou apontavam para a probabilidade da sua revogação a eliminar a confiança justificada Nesta situação tutelase o passado em nome da confiança que se depositou nas decisões judiciais enquanto no caso de decisão de inconstitucionalidade tutelamse excepcionalmente as situações que se formaram na vigência da lei declarada inconstitucional Fora tudo isso há ainda duas questões importantes em termos de modulação dos efeitos A ideia contida no art 27 da Lei 98681999 no sentido de que a decisão de inconstitucionalidade opera em princípio efeitos ex tunc deve ser vista com as ressalvas da própria Constituição Federal Além disso a modulação de efeitos constitui um poderdever do Tribunal e assim cabelhe sempre se pronunciar sobre a sua necessidade independentemente da lei que esteja sendo impugnada A primeira questão faz ver que a declaração de inconstitucionalidade por si só jamais operará efeitos sobre todas as situações pretéritas De modo que o Tribunal por isso mesmo não precisa expressamente ressalvar a coisa julgada material dos efeitos retroativos da decisão de inconstitucionalidade A essência da coisa julgada material seria claramente negada caso a decisão de inconstitucionalidade nulificasse as decisões dos juízes e tribunais Contudo a coisa julgada material por estar protegida pelo art 5º XXXVI da CF assim como pelo princípio da segurança jurídica não desaparece diante de decisão de inconstitucionalidade ou em outras palavras de decisão que declara a inconstitucionalidade da lei em que a decisão acobertada pela coisa julgada se fundou Na verdade mesmo que se deixe de lado o art 5º XXXV 630 é inegável que a coisa julgada material está protegida pelo princípio da segurança jurídica visto como alicerce do próprio Estado de Direito e desse modo não pode desaparecer em virtude de decisão proferida pelo STF ainda que em sede de ação direta de inconstitucionalidade Além de indispensável à afirmação da autoridade do Estado a coisa julgada é inerente ao Estado Constitucional 631 Assim pouco importaria se não houvesse sido resguardada de forma expressa pela Constituição Federal brasileira pois deriva do Estado de Direito e encontra base nos princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança Na Alemanha onde não há proteção constitucional expressa à coisa julgada o seu fundamento constitucional está ancorado no princípio do Estado de Direito Verfassungsstaat O Bundesverfassungsgericht foi o principal responsável por esta elaboração frisando que o princípio do Estado de Direito Verfassungsstaat tem como componente essencial a garantia da certeza do direito que exige não apenas o desenvolvimento regular do processo como também a estabilidade da sua conclusão 632 RosenbergSchwabGottwald nesta linha dizem que a coisa julgada material é uma consequência do direito à proteção legal pelos tribunais e que a sua ancoragem constitucional está no princípio do Estado de Direito 633 O Estado de Direito por ter uma ampla latitude de objetivos é um sobreprincípio que se correlaciona com vários outros princípios que incorporam os seus fins Estes princípios são reveladores do seu conteúdo e dessa forma constituem os seus fundamentos Entre estes princípios está o da segurança jurídica indispensável à concretização do Estado de Direito 634 A segurança jurídica pode ser analisada em duas dimensões uma objetiva e outra subjetiva No plano objetivo a segurança jurídica recai sobre a ordem jurídica objetivamente considerada aí importando a irretroatividade e a previsibilidade dos atos estatais assim como o ato jurídico perfeito o direito adquirido e a coisa julgada art 5º XXXVI da CF 635 Em uma perspectiva subjetiva a segurança jurídica é vista a partir do ângulo dos cidadãos em face dos atos do Poder Público Nesta última dimensão aparece o princípio da proteção da confiança como garante da confiança que os atos estatais devem proporcionar aos cidadãos titulares que são de expectativas legítimas 636 A coisa julgada como instituto jurídico tutela o princípio da segurança em suas duas dimensões Na perspectiva objetiva deixa claro que as decisões judiciais são definitivas e imodificáveis expressando a imperiosidade de estabilidade Na outra dimensão quando importa a proteção da confiança a coisa julgada garante ao cidadão que nenhum outro ato estatal poderá modificar ou violar a decisão que definiu o litígio Neste sentido sabe o cidadão que uma vez produzida a coisa julgada material nada mais será possível fazer para se alterar a decisão e assim que o ato judicial de solução do litígio merece plena confiança Na verdade a coisa julgada material é um verdadeiro signo da tutela da confiança do cidadão nos atos estatais É por assim dizer um concreto exemplo de proteção da confiança legitimamente depositada pelo cidadão nos atos de poder A coisa julgada serve à realização do princípio da segurança jurídica tutelando a ordem jurídica estatal e ao mesmo tempo a confiança dos cidadãos nas decisões judiciais Sem coisa julgada material não há ordem jurídica e possibilidade de o cidadão confiar nas decisões estatais Não há em outras palavras Estado de Direito Bem por isso o art 5º XXXVI da CF quando afirmou que a lei não prejudicará a coisa julgada quis dizer que nenhuma lei infraconstitucional pode negar ou desproteger a coisa julgada Qualquer lei que diga que uma decisão proferida em processo em que todos os argumentos e provas puderam ser apresentados pode ser revista ou desconstituída pelo Poder Judiciário não acatada pelo Poder Executivo ou alterada ou modificada pelo Poder Legislativo é uma lei inconstitucional Em suma não se pode admitir que a decisão de inconstitucionalidade por si só arraste e desfaça todas as coisas julgadas materiais instituídas como se isto fosse um efeito que automaticamente dela decorre A retroatividade da decisão de inconstitucionalidade é contida pela garantia constitucional da coisa julgada não sendo necessário por isso mesmo que o Tribunal expressamente a exclua do campo de abrangência dos efeitos retroativos Isto já foi declarado pelo STF Assim por exemplo no RE 594892 em que o Min Celso de Mello afirmou que a sentença de mérito transitada em julgado só pode ser desconstituída mediante ajuizamento de específica ação autônoma de impugnação ação rescisória que haja sido proposta na fluência do prazo decadencial previsto em lei pois com o exaurimento de referido lapso temporal estarseá diante da coisa soberanamente julgada insuscetível de ulterior modificação ainda que o ato sentencial encontre fundamento em legislação que em momento posterior tenha sido declarada inconstitucional pelo STF quer em sede de controle abstrato quer no âmbito de fiscalização incidental de constitucionalidade A decisão do STF que haja declarado inconstitucional determinado diploma legislativo em que se apoie o título judicial ainda que impregnada de eficácia ex tunc como sucede com os julgamentos proferidos em sede de fiscalização concentrada RTJ 87758 RTJ 164506509 RTJ 201765 detémse ante a autoridade da coisa julgada que traduz nesse contexto limite insuperável à força retroativa resultante dos pronunciamentos que emanam in abstracto da Suprema Corte 637 Quando muito e excepcionalmente o Tribunal poderá fazer o inverso ou seja declarar que determinados casos já submetidos à coisa julgada estão dela isentos É interessante perceber que há nesta hipótese uma modulação que importa em dar à decisão de inconstitucionalidade uma retroatividade que em princípio ela não tem Daí a razão pela qual a coisa julgada material é atingida apenas quando a Corte se posiciona expressamente a respeito Não procede o argumento de que o art 27 da Lei 98681999 fala apenas em restrição dos efeitos quando no caso da coisa julgada estar seia dando uma ultrarretroatividade aos efeitos da decisão É preciso perceber que a modulação de efeitos está preocupada com a proteção dos interesses que podem ser sacrificados em face da decisão de inconstitucionalidade Em determinados casos certamente raros e excepcionais a coisa julgada pode ser sacrificada em benefício dos interesses afetados pela lei inconstitucional como sucede quando se declara inconstitucional norma que pautou a condenação penal A segunda questão inicialmente colocada respeitante a eventual dever de o Tribunal sempre se pronunciar acerca da modulação dos efeitos vem sendo posta à luz no cotidiano da prática da Corte por meio da utilização de embargos de declaração opostos justamente quando não há menção na decisão de inconstitucionalidade à modulação dos efeitos O uso dos embargos de declaração diante da necessidade de modulação coloca várias interrogações Cabe saber se o Tribunal deve realizar a modulação dos efeitos ou assim proceder apenas quando é impulsionado Este dever se confunde com o dever de sinalização positiva ou negativa de modulação abrangendo portanto também o dever de afirmar que a modulação não é necessária Se o silêncio do Tribunal pode ser entendido como ausência de modulação qual o significado que daí pode ser extraído A não modulação ao significar silêncio dotado de significado abre oportunidade a embargos de declaração Se o tribunal tem dever e assim dispensa requerimento para realizar a modulação o seu pronunciamento deve ser antecedido pela ouvida de requerente e requerido e eventual amicus curiae Da necessidade de oportunizar o contraditório deriva a oportunidade aos embargos de declaração Neste caso é necessária a ouvida de todos os envolvidos inclusive do amicus curiae O amicus curiae tem legitimidade para apresentar embargos de declaração para que seja realizada a modulação Não há dúvida que o dever de modulação dos efeitos é corolário do poder de declarar a inconstitucionalidade da norma É irracional supor que o STF tendo poder para declarar a inconstitucionalidade necessita de requerimento para prestar a tutela jurisdicional que lhe compete de modo adequado e assim para isentar determinadas situações consolidadas dos prejuízos decorrentes dos efeitos das suas próprias decisões Tal dever é instituído com a propositura da ação de inconstitucionalidade uma vez que é esta que lhe impõe o dever de controlar a constitucionalidade da norma impugnada 638 Aliás se o Tribunal não tivesse este dever implícito ao poder de controlar a constitucionalidade a lei teria de ter imposto a alguém o ônus de requerer a modulação Entretanto não é correto pensar que o requerente ou o requerido tenham interesse em requerer a modulação dos efeitos ou possam ser gravados com o ônus correspondente Ora a modulação de efeitos é tema que obviamente não pode ser circunscrito à esfera de quem quer que seja constituindo ao revés genuíno dever do Tribunal incumbido de controlar a constitucionalidade Mas como deve ser compreendido o dever de o Tribunal modular os efeitos das suas decisões Este dever surge quando presentes as circunstâncias encartáveis em um dos conceitos indeterminados do art 27 a impor a limitação dos efeitos da decisão De modo que como não poderia deixar de ser o Tribunal é vinculado à presença de tais circunstâncias não podendo deixar de atenuar ou excluir a retroatividade dos efeitos da sua decisão ou mesmo darlhe efeitos prospectivos quando elas estiverem presentes Não obstante o ponto que requer exame em verdade está na necessidade de o Tribunal se pronunciar acerca da modulação de efeitos quando entende que não precisa realizála Nada impede que o silêncio do Tribunal seja interpretado como sinal de inexistência de vontade de modular os efeitos mas é importante constatar que isso evidentemente não significa que não tenha o dever de analisar se a modulação é ou não necessária O problema é que se o silêncio pode ter significado ele não tem grafia ou concretude e assim não pode ser totalmente apreendido De modo que a legitimidade do silêncio na modulação depende de poder ser entendido como não modulação apenas por ser silêncio Notese porém que se o silêncio do Tribunal pode ser entendido como não modulação isso constitui apenas reflexo de uma opção processual que confessa que uma lei inconstitucional pode produzir efeitos e que toda decisão que se debruça sobre o controle de constitucionalidade pode ter efeitos retroativos plenos limitados ou apenas efeitos prospectivos Diante disso seria possível pensar que diante do silêncio da Corte jamais seria viável apresentar embargos de declaração Foi o que concluiu o STF nos embargos de declaração na ADIn 2791 em que disse o relator Min Menezes Direito Eu sempre tenho entendido que se pode conhecer dos embargos de declaração mas se há de rejeitálos caso não exista a expressa indicação no julgamento de que houve pedido para modulação de efeitos porque não há como identificar a omissão estamos estabelecendo a possibilidade de por via de embargos declaratórios mesmo inexistindo omissão no que concerne à modulação dos efeitos apreciar 639 Esta decisão além de vincular a manifestação do Tribunal a pedido entendeu que a inexistência de omissão seria óbice aos embargos de declaração A vinculação da decisão do Tribunal a pedido como demonstrado não tem qualquer cabimento Vale a pena no entanto tocar no outro argumento do voto do Min Menezes Direito referente à possibilidade de se admitirem os embargos declaratórios mesmo inexistindo omissão Como já dito a referida omissão consiste em silêncio dotado de significado razão pela qual é possível saber apenas que a omissão representa não modulação mas jamais se a Corte considerou particularidades e aspectos que impõem a limitação ou a exclusão de efeitos retroativos ou mesmo a imposição de efeitos unicamente prospectivos Se o sistema retira do silêncio um sinal não exigindo sua explicação ou a motivação das razões que levaram o Tribunal a silenciar não há como excluir a possibilidade de participante do processo se valer de embargos de declaração para fazer a Corte ponderar acerca de suas razões e de justificar o raciocínio que empregou sobre elas Assim não há relação de causalidade entre inexistência de omissão derivada de desnecessidade de justificação da não modulação com descabimento de embargos de declaração como supôs a Corte nos EDcl na ADIn 2996 de relatoria do Min Sepúlveda Pertence 640 Deixese consignado no entanto que apesar dos referidos julgados recentemente o STF proferiu decisão que não apenas excluiu a necessidade de pedido para a manifestação da Corte como também entendeu que a circunstância de poder silenciar não elimina a possibilidade do uso de embargos de declaração Tratase de decisão proferida nos EDcl na ADIn 3601 de relatoria do Min Dias Toffoli que reconheceu que o art 27 da Lei 98681999 tem fundamento na própria Carta Magna e em princípios constitucionais de modo que sua efetiva aplicação quando presentes os seus requisitos garante a supremacia da Lei Maior Presentes as condições necessárias à modulação dos efeitos da decisão que proclama a inconstitucionalidade de determinado ato normativo esta Suprema Corte tem o dever constitucional de independentemente de pedido das partes aplicar o art 27 da Lei 98681999 Continua a dominar no Brasil a doutrina do princípio da nulidade da lei inconstitucional Caso o Tribunal não faça nenhuma ressalva na decisão reputase aplicado o efeito retroativo Entretanto podem as partes trazer o tema em sede de embargos de declaração Presentes não só razões de segurança jurídica mas também de excepcional interesse social preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio primado da segurança pública capazes de prevalecer sobre o postulado da nulidade da lei inconstitucional Embargos declaratórios conhecidos e providos para esclarecer que a decisão de declaração de inconstitucionalidade da Lei distrital 36422005 tem eficácia a partir da data da publicação do acórdão embargado 641 É necessário sublinhar que dispensa de justificação não se confunde com discricionariedade A Corte não tem discricionariedade mas dever de modular quando presentes os pressupostos para tanto Está apenas dispensada de declinar os motivos pelos quais deixou de modular já que importa em princípio somente o resultado da inação e não as suas razões A dispensa de justificar gera aos participantes do processo a possibilidade de apresentarem embargos de declaração quando exercem o contraditório na forma postecipada tendo então a possibilidade de apresentarem as circunstâncias que impõem a modulação Realmente a postecipação do contraditório é reflexo da usurpação da possibilidade de os participantes do processo poderem debater a questão da modulação anteriormente à decisão a ela respeitante O fato de a modulação dispensar requerimento e constituir dever da Corte não pode retirar dos participantes o poder de debater a questão da modulação até porque esta obviamente lhes interessa e a sua discussão constitui fator de legitimação do exercício da jurisdição constitucional Assim os embargos declaratórios viabilizam o exercício do contraditório ainda que postecipado bem como conferem legitimação à decisão jurisdicional Não fosse assim o procedimento necessariamente deveria abrir oportunidade ao diálogo após a decisão de inconstitucionalidade quando teriam oportunidade de falar requerente requerido e eventuais amici curiae para somente depois ser prolatada a decisão de modulação de efeitos Não há dúvida que a modulação de efeitos é uma questão autônoma independente da discussão acerca da constitucionalidade da norma impugnada na medida em que i não se abre oportunidade à sua discussão antes da decisão da ação de inconstitucionalidade ii não se grava os requeridos com o ônus de deduzir a modulação para a eventual hipótese de inconstitucionalidade e iii nem se dá aos amici curiae oportunidade de discutila antes da pronúncia da inconstitucionalidade Tratandose de questão distinta não incorporada à discussão primitiva o seu isolamento ou afetação exclusiva ao Tribunal foge dos motivos que justificam a própria participação dos amici curiae e portanto a necessidade de pluralização do debate para a legitimação democrática da justiça constitucional Bem por isso justificase a utilização dos embargos de declaração pelos amici curiae A discussão da modulação dos efeitos não pode ser vista como usurpação de poder restrito ao requerente e ao requerido muito menos com atuação incompatível com a dos principais partícipes do processo A possibilidade de o amicus debater a questão da modulação é inerente à própria razão de ser de sua participação no processo objetivo É irracional incentivar a participação do amicus curiae salientandose a sua importância para a otimização e a abertura do debate e negarlhe oportunidade de falar sobre a modulação dos efeitos da decisão algo extremamente importante no controle abstrato das normas Na verdade subordinar o amicus à participação de requerente e requerido é manter o olhar sobre o processo destinado a dirimir conflitos entre partes em que o assistente simples age apenas para coadjuvar autor ou réu Ora modular efeitos obviamente não constitui interesse exclusivo dos principais participantes do processo mas é matéria que inclusive deve ser disciplinada de ofício pelo Tribunal Sendo assim obviamente pode e deve ser discutida pelo amicus curiae Nessa linha cabe deixar claro que a possibilidade de debater e esclarecer não se resume à oportunidade de apresentar os embargos de declaração mas em verdade tem nele o palco para acontecer uma vez que opostos os declaratórios devem ser intimados o adversário do embargante e os eventuais amici curiae tornandose necessária a intimação de requerente e requerido e demais amici curiae quando os embargos forem manifestados por um dos amici Notese ademais que os embargos de declaração não constituem exclusividade da decisão que não faz a modulação mas igualmente da que a faz Também neste caso pelos mesmos motivos os amici curiae têm legitimidade para apresentar ou simples mente discutir os embargos declaratórios 845 Efeitos da decisão de inconstitucionalidade sobre a coisa julgada 8451 Lei inconstitucional e decisão baseada em lei inconstitucional efeitos da lei e efeitos da decisão judicial É conveniente advertir desde logo que a eficácia retroativa da decisão de inconstitucionalidade não diz respeito ao controle da constitucionalidade das decisões judiciais mas apenas e tão somente ao controle da constitucionalidade das leis Embora isso em princípio seja evidente a tese da retroatividade da decisão de inconstitucionalidade sobre a coisa julgada muitas vezes esquece que nesta hipótese se está diante do controle da constitucionalidade da lei e não de um meio de controle da constitucionalidade das decisões judiciais Ainda que a decisão de inconstitucionalidade declare a nulidade da lei e não a nulidade da decisão que aplicou a lei há quem argumente que a declaração da nulidade da lei fulmina por mera consequência lógica a validade da decisão baseada na lei declarada inconstitucional 642 Este raciocínio está ancorado na ideia de que a jurisdição tem a função de atuar a vontade da lei A adoção da teoria chiovendiana da jurisdição segundo a qual o juiz atua a vontade concreta da lei realmente pode conduzir à suposição de que a decisão de inconstitucionalidade deve invalidar a sentença que atuou a vontade da lei posteriormente declarada inconstitucional Lembre se que Chiovenda chegou a dizer que como a jurisdição significa a atuação da lei não pode haver sujeição à jurisdição senão onde pode haver sujeição à lei 643 É verdade que Chiovenda afirmou que a função do juiz é aplicar a vontade da lei ao caso concreto Com isso no entanto jamais desejou dizer que o juiz cria a norma individual ou a norma do caso concreto à semelhança do que fizeram Carnelutti e todos os adeptos da teoria unitária do ordenamento jurídico Para Kelsen certamente o grande projetor dessa última teoria o juiz além de aplicar a lei cria a norma individual ou a sentença 644 Chiovenda é um claro adepto da doutrina que inspirada no Iluminismo e nos valores da Revolução Francesa separava radicalmente as funções do legislador e do juiz ou melhor atribuía ao legislador a criação do direito e ao juiz a sua aplicação Recorde se que na doutrina do Estado Liberal aos juízes restava simplesmente aplicar a lei ditada pelo legislador Nessa época o direito constituía as normas gerais isto é a lei Portanto o Legislativo criava as normas gerais e o Judiciário as aplicava Enquanto o Legislativo constituía o poder político por excelência o Judiciário visto com desconfiança resumiase a um corpo de profissionais que apenas deveria pronunciar as palavras contidas na lei 645 De modo que não se pode confundir aplicação da norma geral ao caso concreto com criação da norma individual do caso concreto Quando se sustenta na linha da lição de Kelsen que o juiz cria a norma individual admitese que o direito é o conjunto das normas gerais e das normas individuais e por consequência que o direito também é criado pelo juiz 646 Porém mesmo a criação da norma individual no sentido kelseniano não significa que o juiz ao criar a norma concreta possa fazer outra coisa que não aplicar a norma geral Para Kelsen todo ato jurídico constitui em um só tempo aplicação e criação do direito com exceção da Constituição e da execução da sentença pois a primeira seria pura criação e a segunda pura aplicação do direito 647 Nessa linha o legislador aplica a Constituição e cria a norma geral e o juiz aplica a norma geral e cria a norma individual 648 Sabese que a teoria de Kelsen afirma a ideia de que toda norma tem como base uma norma superior até se chegar à norma fundamental posta no ápice do ordenamento De modo que a norma individual fixada na sentença ligase necessariamente a uma norma superior A norma individual faria parte do ordenamento ou teria natureza constitutiva apenas por individualizar a norma superior para as partes 649 No Estado Constitucional brasileiro em que o juiz tem o dever de interpretar a lei de acordo com a Constituição e de realizar o controle da constitucionalidade no caso concreto certamente não há como sustentar que a jurisdição atua a vontade da lei na linha proposta por Chiovenda ou mesmo se limita a criar a norma concreta nos termos da teoria de Kelsen e das doutrinas de Carnelutti 650 e Calamandrei 651 Nas teorias clássicas o juiz declara a lei ou cria a norma individual a partir da norma geral 652 Atualmente cabe ao juiz o deverpoder de elaborar ou construir a decisão isto é a norma jurídica do caso concreto mediante a interpretação de acordo com a Constituição e o controle da constitucionalidade A decisão transitada em julgado assim não pode ser invalidada como se constituísse mera declaração ou aplicação da lei mais tarde pronunciada inconstitucional A decisão judicial é o resultado da interpretação de um juiz dotado de dever de controlar a constitucionalidade no caso concreto e portanto não pode ser vista como uma decisão que se limita a aplicar uma lei posteriormente declarada inconstitucional Como escreve Proto Pisani é possível dizer que a coisa julgada material opera como lex specialis separando a disciplina do direito feito valer em juízo da norma geral e abstrata daí decorrendo a inoperatividade do ius superveniens retroativo sobre a fattispecie concreta de que deriva o direito objeto da coisa julgada e ainda a inoperatividade da superveniente declaração de inconstitucionalidade da norma geral e abstrata sobre a qual se decidiu 653 A sentença que produziu coisa julgada material por constituir uma norma elaborada por um juiz que tem o dever de realizar o controle difuso da constitucionalidade não pode ser invalidada por ter se fundado em lei posteriormente declarada inconstitucional Notese que isso equivaleria à nulificação do juízo de constitucionalidade e não apenas à nulificação da lei declarada inconstitucional Impedir que a lei declarada inconstitucional produza efeitos é muito diferente de negar efeitos a um juízo de constitucionalidade legitimado pela própria Constituição Proteger a coisa julgada não significa permitir que no plano substantivo um ato inconstitucional produza efeitos Sublinhese que o direito português também consagra o controle difuso da constitucionalidade Bem por isso a Constituição da República Portuguesa afirma no seu art 282 3 que diante da declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral ficam ressalvados os casos julgados salvo decisão em contrário do Tribunal Constitucional quando a norma respeitar a matéria penal disciplinar ou de ilícito de mera ordenação social e for de conteúdo menos favorável ao arguido Como esclarece Miguel Galvão Teles esta norma não está admitindo que um ato inconstitucional produza efeitos mas apenas salvaguardando juízos precedentes sobre a inconstitucionalidade diferentes do juízo que veio a prevalecer na decisão com efeito geral 654 Argumenta Galvão Teles que o respeito dos casos julgados não significa reconhecer efeitos a uma lei inconstitucional mas reconhecer efeitos a uma lei que determinado juízo teve por constitucional melhor reconhecer efeitos ao juízo da constitucionalidade Para a jurisdição o direito substantivo convertese sempre numa incógnita e a autonomia de cada decisão torna possível que essa incógnita seja resolvida de maneiras diferentes O n 3 do art 282 respeita apenas ao âmbito da eficácia geral da decisão de inconstitucionalidade 655 Paulo Otero autor de conhecida obra acerca da coisa julgada inconstitucional sustenta que o princípio da imodificabilidade do caso julgado foi pensado para decisões judiciais conformes com o Direito ou quando muito decisões meramente injustas ou ilegais em relação à legalidade ordinária 656 Assim a primeira parte do n 3 do art 282 da Constituição da República Portuguesa seria uma exceção à retroatividade da decisão de inconstitucionalidade constituindo uma derrogação do princípio de que a validade de todos os atos do Poder Público depende da sua conformidade com a Constituição princípio da constitucionalidade permitindo que passem a ser válidos casos julgados inconstitucionais desde que à data da respectiva decisão judicial a norma aplicada não tivesse sido objeto de declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral 657 É difícil admitir a conclusão de que a imodificabilidade da coisa julgada tenha sido pensada para decisões conformes com o direito Na verdade e isto é pacífico no plano da doutrina processual a proteção à coisa julgada nada tem a ver com a circunstância de a decisão estar ou não em conformidade com o direito aí compreendidas as normas infraconstitucionais e as normas constitucionais A imodificabilidade é característica da própria coisa julgada instituto imprescindível à afirmação do Poder Judiciário e do Estado Constitucional além de garantia do cidadão à estabilidade da tutela jurisdicional corolário do direito fundamental de ação e do princípio da proteção da confiança 658 Além disso a previsão da primeira parte do n 3 do art 282 da Constituição portuguesa não pode ser vista como uma norma indispensável à validade da coisa julgada inconstitucional como se a decisão fundada em lei posteriormente declarada inconstitucional não tivesse validade em si como decisão firmada por juiz que no exercício do controle difuso da constitucionalidade proferiu decisão válida e produtora de efeitos jurídicos 659 É evidente que a decisão fundada em lei mais tarde declarada inconstitucional é decisão válida produtora de efeitos jurídicos como expressão do poder de que o juiz é investido no sistema que adota o controle difuso da constitucionalidade Portanto ao contrário do que sustenta Paulo Otero o n 3 do art 282 não constitucionaliza o inconstitucional mas ressalva as interpretações judiciais legitimamente proferidas pelo juiz ordinário distintas da decisão de declaração de inconstitucionalidade Ademais a admissão do raciocínio de Otero obrigaria a aceitar a ideia de que o juiz e o tribunal embora tenham o deverpoder de realizar o controle difuso da constitucionalidade sempre têm a sua decisão condicionada a um evento imprevisível Como é óbvio exatamente porque não há como pensar em uma decisão provisoriamente estável o que seria uma contradição em termos não se pode raciocinar como se fosse possível conceber uma coisa julgada subordinada a uma não decisão de inconstitucionalidade Aliás caso isso fosse possível o controle difuso da constitucionalidade certamente seria uma ilusão para não dizer que seria uma excrescência pois a decisão tomada no caso concreto ou estaria de acordo com a decisão proferida na eventual e futura ação direta e assim teria validade ou não estaria e portanto seria nula A qualidade e a efetividade do sistema difuso estariam na capacidade de o juiz ordinário adivinhar o que seria dito no futuro Porém a fragilidade da construção de Paulo Otero fica ainda mais clara quando se analisa a sua objeção à doutrina de Miguel Galvão Teles aqui anteriormente transcrita para quem o n 3 do art 282 reconhece efeitos a uma lei que determinado juízo teve por constitucional Ao tentar rebater este argumento escreve Paulo Otero Desde logo toda a construção de Miguel Galvão Teles tem como pressuposto que a decisão inconstitucional que transitou em julgado tenha sido objeto de uma apreciação de constitucionalidade Ora pode bem suceder que sejam ressalvados casos julgados onde nunca foi suscitada ou levantada qualquer questão de inconstitucionalidade da norma aplicada de tal modo que não se possa dizer que o art 282 n 3 esteja a salvaguardar juízos precedentes sobre a inconstitucionalidade 660 A rejeição da doutrina de Galvão Teles feita por Paulo Otero centrase sobre um ponto que bem vistas as coisas apenas confirma a tese que pretendeu desacreditar Notese que Paulo Otero na passagem em que impugnou a tese de Galvão Teles não consegue negar a importância da ressalva das interpretações constitucionais diferentes da afirmada na decisão que declarou a inconstitucionalidade da lei com força geral mas afirma que pode haver coisa julgada em caso em que apesar de ter sido aplicada a lei posteriormente declarada inconstitucional não tenha sido suscitada ou levantada qualquer questão de inconstitucionalidade da norma aplicada 661 A circunstância de a questão de inconstitucionalidade não ter sido suscitada ou levantada não torna a decisão produtora de coisa julgada proferida na via incidental indiferente à questão constitucional como se o juiz ordinário não tivesse o dever de controlar a constitucionalidade da lei independentemente de arguição da parte Ora é inquestionável em um sistema de controle difuso o dever de o juiz controlar de ofício a constitucionalidade da lei Tratase de noção assente desde as origens do judicial review no Rule of Law estadunidense 662 que se encontra à base da conformação do Estado Constitucional brasileiro 663 Assim a decisão que aplicou uma lei inconstitucional mesmo que sem juízo explícito acerca da questão constitucional impede que a questão constitucional possa vir a ser suscitada para infirmar a decisão conferida ao litígio Isso é impossível à luz da eficácia preclusiva da coisa julgada material e portanto da técnica garantidora da estabilidade das decisões judiciais e da própria coisa julgada material Advirtase que a eficácia preclusiva da coisa julgada é afirmada no art 489 do CPC português de onde a doutrina lusitana extrai a máxima segundo a qual o caso julgado cobre o deduzido e o dedutível 664 Mas o que mais causa impacto é que no raciocínio de Paulo Otero não há contestação da importância da ressalva das interpretações constitucionais diversas mas apenas alegação de que poderia eventualmente ocorrer a preservação da coisa julgada sem que houvesse sido feita qualquer interpretação acerca da questão de inconstitucionalidade Acontece que a razão de ser do raciocínio de que a decisão proferida na via incidental deve prevalecer mesmo após a declaração de inconstitucionalidade com força geral obrigatória está no deverpoder judicial para o controle difuso da constitucionalidade e na circunstância de que o exercício deste poder gera uma interpretação judicial legítima que deve ser preservada A declaração de inconstitucionalidade é o resultado de uma ação voltada ao controle abstrato da constitucionalidade da lei e assim não pode nulificar as decisões que versaram explicitamente sobre a constitucionalidade da lei ou simplesmente a aplicaram uma vez que a decisão no caso concreto por ser o reflexo do deverpoder judicial de controle difuso da constitucionalidade é legítima em si independentemente da sua substância exceto quando aplica lei flagrantemente inconstitucional caso em que cabe ação rescisória ou aplica lei ou adota interpretação já declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Além disso como a decisão judicial não mais se limita a declarar ou a aplicar a lei como acontecia à época do Estado Legislativo mas constitui a norma jurídica do caso concreto fruto do dever judicial de interpretar a lei de acordo com os direitos fundamentais e de realizar o controle da constitucionalidade na via incidental não há como supor que a declaração de inconstitucionalidade da lei possa gerar por mera consequência a inconstitucionalidade da coisa julgada 665 Esta conclusão seria devedora da ideia de que o juiz é a boca da lei nos termos do ditado de Montesquieu 666 Sucede que como ressalta Rui Medeiros não é isso que se passa na ordem jurídica contemporânea pois cabe aos tribunais não apenas um poder decorrente do Legislativo o de continuar em concreto os comandos destes mas um poder próprio ius proprium Daí que quando se aceita a validade da sentença injusta a conclusão se funde no poder soberano dos tribunais e não no valor da lei que na realidade não corporiza 667 Isso não quer dizer obviamente que a decisão judicial esteja isenta de controle da sua constitucionalidade Esse controle pode ser feito mediante ação rescisória art 966 V CPC2015 em caso de aplicação de lei flagrantemente inconstitucional e de adoção de lei ou interpretação já declarada inconstitucional pelo STF assim como por meio de impugnação art 525 12 e 14 CPC2015 quando a sentença se fundou em lei ou em interpretação que no momento da sua prolação já tinha sido declarada inconstitucional pelo STF 8452 Incompatibilidade da retroatividade da decisão de inconstitucionalidade com o sistema difuso No Brasil todo e qualquer juiz tem o dever de realizar o controle de constitucionalidade que por isso mesmo é dito difuso Em outros países o controle da constitucionalidade é deferido a apenas um órgão que possui esta função como única ou principal quando o controle é concentrado Na Alemanha por exemplo o Tribunal Constitucional Federal tem entre outras funções a de realizar o controle abstrato e concreto das normas assim como a de fazer o controle da constitucionalidade a pedido do juiz ordinário durante o curso do processo comum O juiz ordinário no sistema alemão está proibido de tratar da questão constitucional embora deva ao se deparar com uma questão deste porte com uma norma que reputar inconstitucional suspender o processo e remeter a questão à apreciação do Tribunal Constitucional Diante desse quadro que é radicalmente diverso do brasileiro tornase interessante indagar como se daria a discussão acerca da retroatividade da decisão de inconstitucionalidade sobre a coisa julgada Num primeiro lançar de olhos seria possível dizer que tal discussão não teria sentido ao argumento de que o juiz e o tribunal não podem sequer decidir sobre a inconstitucionalidade Contudo se é verdade que o juiz ordinário no direito alemão está proibido de tratar da questão de inconstitucionalidade isso não quer dizer que ele não possa deixar de percebêla aplicando uma lei inconstitucional Nesta linha a questão da retroatividade da decisão de inconstitucionalidade em relação à coisa julgada surge exatamente quando se constata que o juiz e o tribunal podem aplicar uma lei que posteriormente pode ser declarada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional Federal Quer isso dizer que a questão da retroatividade da decisão de inconstitucionalidade sobre a coisa julgada também é relevante nos sistemas de controle concentrado Não obstante o problema é detectar o modo como tal questão aparece no sistema em que o controle da constitucionalidade é concentrado Ou melhor é importante pensar nas razões que estão por detrás da questão da retroatividade da decisão de inconstitucionalidade sobre a coisa julgada no sistema de controle concentrado Na Alemanha a questão da retroatividade da decisão de inconstitucionalidade ou melhor as dimensões temporais da decisão de inconstitucionalidade não estão reguladas na Constituição mas sim na Lei do Tribunal Constitucional Federal BVerfGG O 79 desta lei trata especificamente da retroatividade da declaração de inconstitucionalidade em relação às decisões pretéritas 668 Diz o 79 Efeito da decisão Contra uma sentença penal transitada em julgado que está baseada em uma norma declarada incompatível com a Lei Fundamental ou em uma norma declarada nula consoante com o 78 ou na interpretação de uma norma que foi declarada incompatível com a Lei Fundamental pelo Tribunal Constitucional Federal é admissível a reabertura do procedimento de acordo com as prescrições do Código de Processo Penal De resto salvo a prescrição do 95 alínea 2 ou de uma regulação legal especial ficam intactas as decisões que não podem mais ser impugnadas as quais estão baseadas numa norma declarada nula consoante com o 78 A execução de uma tal decisão é inadmissível Na medida em que a execução forçada consoante as prescrições do Código de Processo Civil deve ser realizada vale por analogia a prescrição do 767 do CPC Pretensões devidas a enriquecimento sem justa causa estão excluídas 669 O 79 da BVerfGG foi inspirado no temor de que se desse a uma declaração de inconstitucionalidade um efeito que destruísse a coisa julgada É por isso que por sugestão do próprio Tribunal Constitucional se adotaram medidas para privilegiar a paz e a segurança jurídicas Segundo o Superior Tribunal Federal alemão BGH o princípio central do 79 é o de que decisões não mais impugnáveis que se baseiam em uma norma que tenha sido declarada nula devem permanecer intocadas ie sua existência não deve mais ser colocada em questão Uma exceção a essa regra foi dada pelo legislador somente para o direito criminal somente pode ser quebrada a coisa julgada de uma sentença criminal cujos fundamentos são inconstitucionais 670 Como explica Friedrich Müller o 79 regulamentou matérias especialmente relevantes contra sentenças penais que se baseiam em uma norma posteriormente declarada inconstitucional ou nula cabe a retomada de um processo Mas decisões não mais impugnáveis nas outras áreas do direito remanescem intocadas por conseguinte não mais podem ser eliminadas Se a partir delas ainda não tiver sido efetuado o procedimento da execução eg no direito civil isso não poderá mais ocorrer a partir de agora E caso no passado já tenha sido realizada uma execução a partir delas essa prestação Leistung não mais poderá ser cobrada de volta pretensões resultantes de enriquecimento ilícito estão excluídas 79 II 4 Nesses casos a dimensão temporal do passado é por assim dizer sustada é bloqueada diante do futuro Uma exceção a abertura facultativa da dimensão futura só vale para o direito penal A razão é plausível pois esse ramo do direito intervém de modo especialmente cortante nas relações pessoais e porque a pena envolve um juízo de desvalor sobre o comportamento humano mas justamente com base em uma norma agora declarada inconstitucional O 79 precisava solucionar o conflito entre a justiça no caso individual e a segurança jurídica objetiva em uma constelação que abrange diversas dimensões temporais em outras palavras num caso clássico de direito intertemporal Nos casos antes citados bloqueio do passado diante do futuro o 79 decidiuse pela segurança jurídica e foi por isso elogiado pelo Tribunal Constitucional Federal A Corte extraiu do 79 até um princípio jurídico universal no sentido de que uma decisão do Tribunal Constitucional Federal que declara a nulidade de uma norma em princípio não deve produzir efeitos sobre relações jurídicas já processadas abstraindo da exceção de uma sentença penal transitada em julgado 671 Notese que independentemente de o sistema de controle da constitucionalidade ser concentrado a lei alemã segundo o próprio Tribunal Constitucional Federal fez bem em decidir pela segurança jurídica diante do conflito entre esta e a justiça no caso individual 672 O interessante é que o Tribunal Constitucional alemão ao afirmar que a declaração de inconstitucionalidade não tem efeitos retroativos sobre relações jurídicas já julgadas viu aí uma única exceção qual seja a da sentença penal transitada em julgado Nada disse sobre a segunda parte do 79 que obstaculiza a execução da sentença civil condenatória transitada em julgado nos termos do 767 do CPC alemão 673 quando esta estiver fundada em lei posteriormente declarada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional 674 Não aludir ao impedimento à execução da sentença que está fundada na lei declarada inconstitucional mas apenas à sentença penal transitada em julgado tem significado Há diferença entre permitir a retroatividade da decisão de inconstitucionalidade sobre a coisa julgada penal em virtude de razões excepcionais e específicas deste ramo do direito como dito por Friedrich Müller e obstar a execução da sentença civil transitada em julgado Neste último caso há a admissibilidade da dedução como matéria de defesa capaz de ser articulada em oposição à execução da declaração de inconstitucionalidade 675 Quando a declaração de inconstitucionalidade é invocada como matéria de oposição à execução sabese que este fundamento não se destina a invalidar um juízo legítimo sobre a questão constitucional mas sim a impedir que um juízo que ilegitimamente aplicou uma lei inconstitucional possa produzir efeitos No direito português em contrapartida todos os tribunais não importando a sua categoria ou hierarquia exercem controle da constitucionalidade art 204 da Constituição da República Portuguesa 676 apreciando e decidindo a questão constitucional 677 Embora a decisão sobre a questão constitucional possa chegar ao Tribunal Constitucional isso nem sempre acontece como também ocorre no Brasil Mas o recurso ao Tribunal Constitucional é obrigatório para o Ministério Público das decisões dos tribunais que apliquem norma anteriormente julgada inconstitucional ou ilegal pelo próprio Tribunal Constitucional art 280 5 da CRP O fato de que a lei determina a obrigatoriedade do recurso no caso em que é aplicada norma já julgada inconstitucional demonstra que para o direito português a apreciação da questão constitucional tem um valor distinto do da aplicação de norma já julgada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional Conferese aos juízes e aos tribunais o poder de controlar a constitucionalidade mas a partir da ideia de supremacia do Tribunal Constitucional obrigase o Ministério Público a interpor recurso contra as decisões que aplicam norma já dita inconstitucional pelo Tribunal Constitucional 678 Ressalvase a interpretação da questão constitucional pelo juiz ordinário a coisa julgada mas não se deixa de frisar o efeito pernicioso da decisão judicial que desatende à declaração de inconstitucionalidade da Corte Suprema A Constituição da República Portuguesa é expressa em ressalvar os casos julgados do efeito retroativo da decisão de inconstitucionalidade art 282 3 A Constituição portuguesa portanto quando os tribunais aplicam norma já declarada inconstitucional preocupase com a ideia de supremacia do Tribunal Constitucional mas quando os tribunais aplicam norma que posteriormente é declarada inconstitucional dá nítida prevalência à segurança jurídica e à autoridade dos tribunais que exercem o controle difuso Como diz Jorge Miranda garantese assim a autoridade própria dos tribunais como órgãos de soberania aos quais compete administrar a justiça em nome do povo art 202 n 1 garantese o seu poder de apreciação da constitucionalidade e da legalidade art 204 e garantese reflexamente o direito dos cidadãos a uma decisão jurisdicional em prazo razoável art 20 n 4 da Constituição e art 6º da Convenção Europeia 679 No direito português além da ressalva da coisa julgada não se admite a invocação da declaração de inconstitucionalidade em oposição à execução da sentença transitada em julgado 680 Nem se poderia admitir pois o direito português dá aos tribunais o poder de decidir a questão constitucional de modo que a admissibilidade da declaração de inconstitucionalidade como fundamento capaz de obstaculizar a execução da sentença tornaria a oposição à execução um meio de controle da constitucionalidade das decisões judiciais transitadas em julgado Notese precisamente a diferença entre a decisão que aplicou a lei sem apreciála posteriormente declarada inconstitucional e a decisão que enfrentou a questão constitucional ou melhor a distinção entre a decisão tomada pelo tribunal que está proibido de apreciar a questão constitucional e a decisão do tribunal que tem o dever de apreciála No sistema em que o juiz e o tribunal estão proibidos de tratar da questão constitucional há razoabilidade em sustentar a declaração de inconstitucionalidade da lei como fundamento para a oposição à execução mas no sistema em que o juiz e o tribunal têm o poder e o dever de tratar da questão constitucional não há como conferir à declaração de inconstitucionalidade o status de alegação obstaculizadora da execução da sentença Por derradeiro importa perceber que o controle reservado ao Tribunal Constitucional quando comparado ao controle difuso faz surgir uma diversa espécie de relação entre o juiz e a lei ou entre o Poder Judiciário e o Poder Legislativo Vale perguntar assim o que significa dizer que no controle difuso o juiz tem poder para interpretar a lei para aplicála ou não e no sistema de controle concentrado o juiz ordinário não tem poder para tratar mesmo que incidentalmente ao caso concreto da questão de constitucionalidade Isso quer dizer que no sistema de Tribunal Constitucional está presente a doutrina da supremacia da lei ou da radical separação entre os Poderes não sendo injustificado aí falar em uma verdadeira presunção de validade das leis com efeitos para todos os juízes com exceção da Corte Constitucional e em uma marcante e quase absoluta afirmação do Legislativo sobre o Judiciário 681 O CPC de 2015 considerou os referidos argumentos para alterar a norma que estava presente no CPC de 1973 art 475L 1º que admitia a dedução da decisão de inconstitucionalidade em sede de impugnação para obstaculizar a execução da sentença Nos termos dos 12 e 14 do art 525 do CPC de 2015 se a decisão de inconstitucionalidade é anterior ao trânsito em julgado da decisão exequenda a execução pode ser obstada mediante impugnação O CPC de 2015 afasta a ideia de alegação de decisão de inconstitucionalidade posterior à formação da coisa julgada ou melhor nega expressamente a tese da retroatividade da decisão de inconstitucionalidade para o efeito de obstaculizar a execução Afirmase que a decisão do Supremo Tribunal Federal deve ser anterior ao trânsito em julgado da decisão exequenda mediante uma consciente reafirmação da eficácia obrigatória dos precedentes constitucionais na linha da teoria dos precedentes das Cortes Supremas 8453 Coisa julgada e segurança jurídica No sistema de controle difuso o juiz tem o dever de realizar interpretação para chegar a um juízo a respeito da constitucionalidade da norma A decisão do juiz ordinário é tão legítima quanto a decisão da Suprema Corte já que ambos têm legitimidade constitucional para tratar da questão de constitucionalidade Assim se o juiz e os tribunais ordinários têm poder de realizar controle da constitucionalidade a admissão da retroatividade da decisão de inconstitucionalidade equivaleria a retirar as decisões judiciais do âmbito de proteção da segurança jurídica 682 O cidadão tem expectativa legítima na imutabilidade da decisão judicial sendo absurdo supor que a confiança por ele depositada no ato de resolução judicial do litígio possa ser abalada pela retroatividade da decisão de inconstitucionalidade Realmente a admissão da retroatividade da decisão de inconstitucionalidade faria com que o princípio da proteção da confiança simplesmente deixasse de existir diante das decisões judiciais que assim como as leis antes de tudo são atos de positivação do poder estatal Lembrese de que o art 282 3 da Constituição da República Portuguesa estabelece a ressalva dos casos julgados como limite à retroatividade da decisão de inconstitucionalidade com força obrigatória geral Analisando esta norma escreve Rui Medeiros em sua notável obra acerca da decisão de inconstitucionalidade que a ressalva dos casos julgados revela que a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral não constitui qualquer fundamento autônomo de revisão das sentenças firmes Idêntica conclusão vale ainda por maioria de razão para os casos em que após o trânsito em julgado surge jurisprudência clara do Tribunal Constitucional no sentido da inconstitucionalidade da norma aplicada por sentença insusceptível de reclamação ou de recurso ordinário Subjacente à regra da primeira parte do n 3 do art 282 está assim o reconhecimento pela Constituição de que o sacrifício da intangibilidade do caso julgado só deve ter lugar nos casos extremos em que imperativos de justiça o justifiquem À partida uma simples alteração no plano normativo ou hermenêutico não justifica perante situações de facto invariáveis o afastamento da decisão transitada em julgado 683 Diante disso conclui Rui Medeiros que o principal fundamento da regra do respeito pelos casos julgados regra que conforme sublinha não vale apenas em face do Poder Legislativo ou Executivo decorre de um princípio material a exigência de segurança jurídica 684 É preciso salientar que o princípio da segurança jurídica se opõe à retroatividade da decisão de inconstitucionalidade sobre a coisa julgada nos sistemas de controle difuso Mais particularmente a adoção da retroatividade da decisão de inconstitucionalidade sobre a coisa julgada faz desaparecer no sistema de controle difuso qualquer proteção à confiança do cidadão nos atos do Poder Judiciário 8454 Retroatividade da decisão de constitucionalidade sobre a coisa julgada Discutese ainda se a decisão de procedência proferida na ação declaratória de constitucionalidade que não possui sequer efeitos retroativos pode abrir oportunidade para ação rescisória impugnação ou embargos do executado em vista de anterior decisão que não aplicou a lei por reputála inconstitucional Apenas para demonstrar que a questão tem sido ventilada inclusive nos tribunais cabe lembrar que Barbosa Moreira já a enfrentou em parecer argumentando que depois da decisão definitiva de constitucionalidade os outros órgãos judiciais ficam vinculados a observar o que haja decidido a Suprema Corte não lhes será lícito contrariar o pronunciamento desta para deixar de aplicar por inconstitucionalidade a lei declarada compatível com a Constituição Mas isso apenas daí em diante Não se concebe vínculo que obrigasse um órgão judicial a observar decisão ainda não proferida O vínculo atua para o futuro não para o passado De sentença anterior ao pronunciamento do STF não seria próprio dizer que infringiu o vínculo decorrente da declaração posterior da constitucionalidade O mesmo vale para o eventual julgamento de improcedência que a Corte Suprema profira em ação declaratória de inconstitucionalidade 685 Por estes motivos segundo Barbosa Moreira a declaração de constitucionalidade não é suficiente para tornar rescindível o acórdão do tribunal que deixou de aplicar a lei 686 A sentença que deixa de aplicar uma lei reputandoa inconstitucional é uma sentença legítima se no instante da sua prolação ainda não havia declaração de constitucionalidade do STF Não obstante a decisão seja sempre um ato autônomo e desprendido da lei é importante frisar que a decisão que não aplica uma lei mais tarde declarada constitucional não pode sequer ser comparada com a decisão que aplica lei posteriormente declarada inconstitucional pelo STF A situação na hipótese de declaração de constitucionalidade é completamente distinta da de declaração de inconstitucionalidade Ou melhor na segunda hipótese se pode falar de decisão que aplica lei inconstitucional mas na primeira não há aplicação de lei inconstitucional ou violação de norma constitucional porém simplesmente não aplicação de norma infraconstitucional Na verdade para efeito de legitimidade da decisão diante de posterior declaração de constitucionalidade não importa o motivo pelo qual se deixou de aplicar a norma Se o juiz entendeu que a norma era constitucional mas não aplicável ao caso concreto a posterior declaração da sua constitucionalidade obviamente em nada poderá afetar a coisa julgada Mas se o juiz afirmou a inconstitucionalidade da norma para aplicar outra a declaração de constitucionalidade também não terá o efeito de interferir sobre o juízo antes feito que é tão legítimo quanto aquele que não aplicou a lei apenas por entendêla inaplicável ao caso concreto 8455 A impugnação fundada em decisão de inconstitucionalidade no CPC de 2015 da retroatividade à tutela da observância das decisões e dos precedentes constitucionais Os arts 475L 1º e 741 parágrafo único do CPC de 1973 davam ao executado a possibilidade de se defender respectivamente mediante impugnação e embargos do executado Fazenda Pública com base na alegação de o título executivo estar fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou ato normativo tidas pelo Supremo Tribunal Federal como incompatíveis com a Constituição Federal Tais artigos quando mal interpretados evidenciavam um atentado contra a legitimidade do juízo de constitucionalidade do juiz ordinário Representavam desconsideração do controle difuso e violação da intangibilidade da coisa julgada O CPC de 2015 no art 525 12 afirma que considerase também inexigível a obrigação reconhecida em título executivo judicial fundado em lei ou ato normativo considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou do ato normativo tido pelo Supremo Tribunal Federal como incompatível com a Constituição Federal em controle de constitucionalidade concentrado ou difuso Porém logo a seguir no 14 do mesmo art 525 deixase claro que a decisão do Supremo Tribunal Federal deve ser anterior ao trânsito em julgado da decisão exequenda Portanto não é apenas a decisão que declara a inconstitucionalidade de norma que pode obstaculizar a execução mas também as decisões proferidas com base nas técnicas da interpretação conforme e da declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto Ademais podem ser invocadas tanto as decisões em controle concentrado quanto as decisões firmadas em sede de controle difuso As decisões proferidas no controle concentrado de inconstitucionalidade têm eficácia erga omnes e por isso obviamente não podem ser negadas por qualquer juiz ou tribunal O problema é que os tribunais e juízes não estão sujeitos apenas à eficácia erga omnes que diz respeito à parte dispositiva da decisão mas também à eficácia obrigatória dos fundamentos determinantes ratio decidendi da decisão Notese que há diferença entre aplicar norma já declarada inconstitucional e aplicar norma cuja inconstitucionalidade está positivada nos fundamentos determinantes de decisão que declarou a inconstitucionalidade de outra norma Se há declaração de inconstitucionalidade de determinada norma municipal os fundamentos que determinaram a conclusão da sua inconstitucionalidade devem ser observados quando se está diante de norma de outro município mas dotada da mesma substância 687 Aliás só em casos desta espécie é que importará o tema dos precedentes obrigatórios ou da eficácia obrigatória dos fundamentos determinantes da decisão Quando se afirma que a decisão proferida em controle difuso também pode obstaculizar a execução da decisão demonstrase exatamente a importância dos fundamentos determinantes da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal Ora é evidente que o 12 do art 525 não está preocupado com a parte dispositiva da decisão proferida em recurso extraordinário uma vez que esta interessa apenas às partes que litigaram no caso que lhe deu origem Quando se diz que a decisão exequenda pode ser impugnada quando tiver se pautado em norma considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal ou se fundado em aplicação ou interpretação de norma tida pelo Supremo Tribunal Federal como incompatível com a Constituição Federal art 525 12 do CPC2015 obviamente se está a falar dos fundamentos determinantes ou da ratio decidendi da decisão do Supremo Tribunal Federal Portanto a decisão proferida em recurso extraordinário para ser invocada para obstaculizar a execução deve ter as características de um precedente constitucional em que os fundamentos determinantes ou a ratio decidendi estejam delineados 688 De modo que o CPC de 2015 quando abre oportunidade para a impugnação invocar decisão do Supremo Tribunal Federal anterior à decisão exequenda afirma claramente a eficácia obrigatória dos precedentes firmados pelo Supremo Tribunal Federal É preciso advertir porém que a adoção da lei ou da interpretação já declaradas inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal pode não ter sido essencial para a condenação É por isso que apresentada a impugnação o exequente deve ter a oportunidade de demonstrar que ainda que a decisão houvesse observado o precedente do Supremo Tribunal Federal a sentença teria sido de procedência De modo que o acolhimento da impugnação não é consequência necessária da não observância do precedente constitucional A obstaculização da execução exige juízo no sentido de que a não adoção da norma ou da interpretação declaradas inconstitucionais pelo Supremo conduziria à modificação do sinal da sentença que de procedência passaria a ser de improcedência Se o desrespeito ao precedente do Supremo Tribunal Federal não impuser a alteração da sentença mas admitir apenas a modificação da sua fundamentação não há como acolher a impugnação 8456 Da ação rescisória fundada em violação literal de lei art 485 V do CPC1973 à ação rescisória baseada em violação de norma jurídica art 966 V do CPC2015 Segundo o art 485 V do CPC de 1973 a sentença de mérito transitada em julgado pode ser rescindida quando violar literal disposição de lei Diante da incontestável necessidade de se ressalvar a coisa julgada contra a alteração da interpretação dos tribunais o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula 343 que afirma não caber ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais Em um dos acórdãos que deram origem a essa súmula frisou o seu relator o Ministro Victor Nunes Leal que a má interpretação que justifica o judicium rescindens há de ser de tal modo aberrante do texto que equivalha à sua violação literal Lembrou ainda que a Justiça nem sempre observa na prática quotidiana esse salutar princípio que entretanto devemos defender em prol da estabilidade das decisões judiciais 689 A Súmula 343 não diz o que é violação literal de lei mas deixa claro que a decisão que se funda em lei de interpretação controvertida nos tribunais não pode ser objeto de ação rescisória Isto por uma razão compreensível é que se os tribunais divergiam sobre a interpretação da norma a decisão que adotou uma das interpretações legitimamente encampadas pela jurisdição não pode ser vista como decisão que violou literalmente disposição de lei que assim é suscetível de ser desconstituída mediante ação rescisória De modo que a súmula em vez de encontrar um critério positivo para indicar quando há violação literal de lei preferiu trabalhar com um requisito capaz de evidenciar quando não há violação literal de lei Disse então que a decisão que aplica lei que tinha interpretação controvertida nos tribunais não está sujeita à ação rescisória 690 Porém o real problema da dicção da norma do art 485 V do CPC de 1973 é o de que ela é um simples reflexo de uma teoria da interpretação há muito superada Só há como pensar em violação literal de lei quando se supõe que a interpretação judicial pode declarar a norma contida na lei nos moldes do formalismo interpretativo Segundo a teoria formalista a interpretação enquanto atividade tem natureza cognitiva O juiz ao interpretar investigaria o significado do texto legal e então o descreveria 691 Haveria interpretação para afirmar o que está implicitamente gravado no texto Esse tipo de interpretação tem ao seu lado as ideias de completude e coerência do direito Portanto o juiz não atua com qualquer discricionariedade Ao decidir sempre está preso a uma norma preexistente De modo que a interpretação enquanto produto é um mero enunciado descritivo sujeito ao teste da verdade e falsidade há apenas uma interpretação correta 692 Bem por isso é possível aceitar que o juiz ao decidir pode negar a norma preexistente ou violar a lei Sucede que não mais se aceita no plano da teoria do direito a ideia de que há um significado unívoco intrínseco ao texto legal A norma não está no texto legal e não há uma relação de sinonímia entre o texto legal e o resultado obtido com a atividade interpretativa 693 Descabe imaginar que é possível investigar atividadeinterpretação para declarar a norma resultado interpretação Exatamente por isso é equivocado pensar que a interpretação pode violar a lei A lei não detém a norma essa é reconstruída pelo juiz a partir do texto de elementos extratextuais da ordem jurídica e por meio de diretivas interpretativas e valorações 694 A lei e o resultado interpretação nada mais são do que enunciados com a diferença de que a primeira é um enunciado do discurso das fontes e o segundo é um enunciado do discurso do intérprete 695 Ninguém mais acredita na correspondência biunívoca entre lei e interpretação na medida em que como adverte Guastini toda disposição legal é mais ou menos vaga e ambígua de modo que sempre tolera diversas e conflitantes atribuições de significado De uma única disposição legal podem derivar vários resultados interpretativos ou uma multiplicidade de normas sempre conforme as diversas interpretações possíveis 696 A percepção da inexistência de correspondência biunívoca entre disposição e interpretação leva como consequência lógica ao abandono dos mitos do sentido exato da lei e da garantia da unidade do direito objetivo e faz ver que a função da Corte Suprema somente pode ser a de definir o sentido do direito para garantir a igualdade perante o direito O valor constitucional tutelado pelo sistema de precedentes das Cortes Supremas não é a unidade do direito antigo mito atrás do qual se esconderam instâncias autoritárias dos mais variados gêneros porém a igualdade realizada empiricamente mediante a vinculação dos tribunais e juízes ao direito delineado pela Corte dependente da evolução da vida social aberto ao dinamismo de um sistema voltado à atuação de princípios fundamentais munidos de inesgotável carga axiológica e atento à devida percepção das diferenças 697 Isso significa que a decisão judicial só pode violar a norma que resulta da interpretação Não é por outro motivo que o art 966 V do CPC de 2015 deixou de lado a ideia de violação a literal disposição de lei art 485 V CPC1973 e fala em violação de norma jurídica Uma decisão pode violar norma definida em precedente de Corte Suprema ou norma que deriva de texto legal que não suscita dúvida interpretativa Quando há disputa ou controvérsia sobre a interpretação ou a respeito da norma que se deve extrair do texto só se pode pensar em ação rescisória após a Corte Suprema ter definido a norma válida ou a interpretação adequada Antes disso há interpretação controvertida nos tribunais de modo que não há racionalidade em sancionar a decisão que adotou um ou outro resultadointerpretação ou norma Lembrese de que há muito tempo foi estendido o significado de violação literal de lei demonstrandose que a própria razão para a rescisória em caso de violação literal de lei infraconstitucional não poderia excluir a admissão da rescisória em caso de violação literal de norma constitucional Portanto o raciocínio antes desenvolvido se aplica à hipótese em que se pretende rescindir decisão que interpretou norma constitucional O que torna a questão problemática e interessante é que os tribunais inclusive o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal após terem passado a admitir a rescisória em caso de violação literal de norma constitucional enxergaram uma diferença qualitativa na violação da norma constitucional diante da violação da norma infraconstitucional ou melhor uma diferença de natureza entre a interpretação da norma constitucional e a interpretação da norma infraconstitucional como se a norma constitucional apenas admitisse uma única interpretação ou exigisse uma interpretação correta ao contrário da norma infraconstitucional que abriria oportunidade a várias interpretações ou a interpretações razoáveis Porém não existe motivo para supor que apenas uma dada qualidade de norma a norma constitucional pode exigir uma única interpretação O ponto tem grande relevância a interpretação é sempre uma compreensão e uma reconstrução normativa Não há qualquer razão para entender que a interpretação constitucional seja diversa da interpretação infraconstitucional no que tange aos seus resultados A necessidade de coerência impõe essa observação ou há interpretação correta da Constituição e da legislação infraconstitucional porque ao fim e ao cabo temse aí sempre um interpretar ou não há possibilidade de uma única interpretação correta em qualquer desses planos normativos Sustentarse a necessidade de interpretação correta no plano constitucional e de interpretação razoável no plano infraconstitucional constitui evidente contradictio in terminis porque o ato de interpretar é um só no que tange à compreensão de normas jurídicas 8457 A tese de que não há interpretação controvertida de norma constitucional O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça já decidiram no sentido de que a Súmula 343 somente se aplica aos casos em que a decisão se fundou em lei infraconstitucional Afirma se que a lei constitucional não é uma lei qualquer mas a lei fundamental do sistema que não pode gerar duas ou mais interpretações razoáveis porém apenas uma interpretação juridicamente correta 698 Contudo equiparase interpretação correta à interpretação proferida pelo Supremo Tribunal Federal Nesta linha toda e qualquer decisão que adote interpretação posteriormente contrariada por pronunciamento do Supremo Tribunal Federal ainda que prolatado em recurso extraordinário é decisão que para o efeito de ação rescisória viola norma constitucional e assim deve ser inapelavelmente desconstituída As decisões que admitiram a desconstituição da coisa julgada mediante o exercício de ação rescisória baseada em pronunciamento do Supremo Tribunal Federal contêm fundamentação não convincente Assim por exemplo acórdão relatado pelo Ministro Moreira Alves que diz inexistir ofensa ao art 5º XXXVI da Constituição Federal sob o ângulo da coisa julgada e da não aplicação da Súmula 343 pela singela razão de que o enunciado dessa súmula se situa exclusivamente no plano da interpretação da legislação processual infraconstitucional STF Ag no AI 3055920 1ª T j 20022001 rel Min Moreira Alves 699 Em outro caso o Supremo Tribunal Federal chegou à seguinte decisão 4 Ação rescisória Matéria constitucional Inaplicabilidade da Súmula 343STF 5 A manutenção de decisões das instâncias ordinárias divergentes da interpretação adotada pelo STF revelase afrontosa à força normativa da Constituição e ao princípio da máxima efetividade da norma constitucional 6 Cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição constitucional ainda que a decisão rescindenda tenha se baseado em interpretação controvertida ou seja anterior à orientação fixada pelo Supremo Tribunal Federal 7 Embargos de declaração rejeitados mantida a conclusão da 2ª Turma para que o Tribunal a quo aprecie a ação rescisória STF REED 328812 2ª T rel Min Gilmar Mendes DJ 02052008 Sustentase que a existência de interpretações divergentes diante de norma constitucional não é óbice à ação rescisória Ou melhor entendese que pronunciamento do Supremo Tribunal Federal é apto à desconstituição das decisões transitadas em julgado que lhe são contrárias pouco importando se a respeito da interpretação da questão constitucional havia controvérsia nos tribunais Diz o Ministro Gilmar Mendes no acórdão referido por último que não é a mesma coisa vedar a rescisória para rever uma interpretação razoável de lei ordinária que tenha sido formulada por um juiz em confronto com outras interpretações de outros juízes e vedar a rescisória para rever uma interpretação de lei que é contrária àquela fixada pelo Supremo Tribunal Federal em questão constitucional STF REED 328812 2ª T rel Min Gilmar Mendes DJ 02052008 Nesta passagem resta ainda mais claro que não há preocupação com a negação da existência de interpretações divergentes Partese da premissa de que decisão do Supremo Tribunal Federal é por si só demonstrativo suficiente de violação literal de norma constitucional O fundamento da rescisória está na força da decisão do Supremo Tribunal Federal pouco importando se havia dúvida nos tribunais sobre a constitucionalidade da norma Não há dúvida que a interpretação do Supremo Tribunal Federal deve prevalecer submetendo os demais juízes Não há racionalidade em admitir que um juiz ordinário possa atribuir a uma questão constitucional interpretação diversa da que lhe tenha dado o Supremo Tribunal Federal Daí a importância da vinculação dos órgãos judiciais às decisões do Supremo Tribunal Federal 700 Aliás a racionalidade do controle difuso depende do adequado emprego da técnica vinculante nos moldes do stare decisis estadunidense 701 para o que é imprescindível o desfazimento da confusão entre poder para controlar a constitucionalidade e poder para decidir de forma indiferente aos pronunciamentos do Supremo Tribunal Federal Se é verdade que todo e qualquer juiz tem o dever poder de controlar a constitucionalidade é inegável que este poder só pode ser exercido de forma racional quando submetido ao entendimento do Supremo Tribunal Federal 702 Porém isto não quer dizer que a interpretação do Supremo Tribunal Federal possa ou deva se impor sobre as demais interpretações judiciais pretéritas operando a destruição ou a nulificação de decisões já transitadas em julgado Sublinhese que o Supremo Tribunal Federal BGH alemão já declarou com amparo em decisões do próprio Tribunal Constitucional Federal BVerfG que uma alteração na interpretação do direito não serve de fundamento para a rescisão da coisa julgada BVerfGE 2 380 395 405 BGH Urteil vom 11 März 1953 II ZR 18052 BB 1953 273 BAG AP Nr 1 zu 580 ZPO BFHE 123 310 311 f 703 Não obstante a decisão relatada pelo Ministro Gilmar Mendes há pouco mencionada confere à interpretação do Supremo Tribunal Federal a força de alcançar as decisões judiciais transitadas em julgado que lhe são distintas O Ministro Gilmar Mendes em seu voto afirma que se ao Supremo Tribunal Federal compete precipuamente a guarda da Constituição Federal é certo que a sua interpretação do texto constitucional deve ser acompanhada pelos demais Tribunais em decorrência do efeito definitivo absoluto outorgado à sua decisão Não estou afastando obviamente o prazo das rescisórias que deverá ser observado Há um limite portanto associado à segurança jurídica Mas não parece admissível que esta Corte aceite diminuir a eficácia de suas decisões com a manutenção de decisões diretamente divergentes à interpretação constitucional aqui formulada Assim se somente por meio do controle difuso de constitucionalidade portanto anos após as questões terem sido decididas pelos Tribunais ordinários é que o Supremo Tribunal Federal veio a apreciálas é a ação rescisória com fundamento em violação de literal disposição de lei instrumento adequado para a superação de decisão divergente STF REED 328812 2ª T rel Min Gilmar Mendes DJ 02052008 O Supremo Tribunal Federal na passagem acima descrita afirma claramente a retroatividade dos seus pronunciamentos tomados em controle difuso mediante recurso extraordinário por exemplo sobre a coisa julgada sob o argumento de que as questões submetidas ao controle difuso da constitucionalidade somente chegam ao Supremo Tribunal Federal depois de muito tempo quando algumas decisões proferidas pelos tribunais interpretando a questão constitucional já transitaram em julgado Contudo a circunstância de uma questão constitucional chegar ao Supremo Tribunal Federal após o trânsito em julgado de decisões sobre a mesma questão certamente não é motivo para a admissão da retroatividade do pronunciamento do Supremo Tribunal Federal sobre a coisa julgada As decisões que transitaram em julgado tratando da questão constitucional posteriormente interpretada de outra maneira pelo Supremo Tribunal Federal expressam um juízo legítimo sobre a constitucionalidade Este juízo nada mais é do que resultado do deverpoder judicial de realizar o controle da constitucionalidade Ademais o fato de a decisão transitar em julgado antes de a questão chegar à análise do Supremo Tribunal Federal é mera consequência do sistema de controle da constitucionalidade brasileiro A admissão da força de pronunciamento do Supremo Tribunal Federal sobre a coisa julgada ao fundamento da sua natural e insuprimível demora em se manifestar sobre a questão constitucional significa a negação do sistema de controle difuso da constitucionalidade Em vez da retroatividade das decisões do Supremo Tribunal Federal seria efetiva e praticamente mais conveniente obviamente se isso fosse juridicamente possível e conveniente no sistema brasileiro o que evidentemente não é 704 suprimir a possibilidade de o juiz ordinário realizar o controle da constitucionalidade 705 Notese além disto que a aceitação da retroatividade do pronunciamento do Supremo Tribunal Federal sobre as decisões proferidas pelos tribunais significa colocar a coisa julgada sob condição ou em estado de provisoriedade o que é absolutamente incompatí vel com o conceito e com a razão de ser da coisa julgada 706 Ora este estado de indefinição nega o fundamento que está à base da coisa julgada material isto é os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança Aliás a coisa julgada não é apenas condição para a proteção destes princípios como também necessidade indispensável para a existência de discurso jurídico e portanto de processo jurisdicional 707 Assim é até mesmo difícil para não se dizer contrário aos fundamentos do direito definir a natureza do procedimento que culmina em decisão que fica sob a condição de o Supremo Tribunal Federal não a contrariar Esta decisão por não ser dotada do devido recrudescimento não configura verdadeira decisão final mas sim mero juízo provisório Estarseia diante de um processo jurisdicional autônomo pois não destinado a dar segurança a outra tutela ou situação tutelável 708 mas cuja tutela jurisdicional apesar de satisfativa seria suscetível de revogação 709 No Superior Tribunal de Justiça também existem decisões no sentido de que pronunciamento do Supremo Tribunal Federal constitui fundamento para a rescisão da coisa julgada Em acórdão proferido por estreita maioria concluiu o Superior Tribunal Justiça que em matéria constitucional não há de se cogitar de interpretação razoável mas sim de interpretação correta STJ EDiv no REsp 608122 1ª Seção rel Min Teori Zavascki j 09052007 Porém o que o Superior Tribunal de Justiça quer significar quando fala em interpretação correta é que a interpretação correta é a que vem do Supremo Tribunal Federal Ou seja sinônimo de interpretação correta é interpretação do Supremo Tribunal Federal Assim uma vez proferida a decisão correta todas as outras que não lhe são conformes são incorretas e assim sujeitamse à ação rescisória A ideia de interpretação correta infiltrada no mencionado acórdão do Superior Tribunal de Justiça é esclarecida no voto do Ministro Teori Zavascki particularmente na parte que frisa que contrariar o precedente tem o mesmo significado o mesmo alcance em termos pragmáticos que o de violar a Constituição É nessa perspectiva pois que se deve aquilatar o peso institucional dos pronunciamentos do Supremo Tribunal Federal mesmo em controle difuso Nisso reside a justificação para se deixar de aplicar na seara constitucional o parâmetro negativo da Súmula 343 substituindose pelo parâmetro positivo da autoridade do precedente E a consequência prática disso é que independentemente de haver divergência jurisprudencial sobre o tema o enunciado da Súmula 343 não será empecilho ao cabimento da ação rescisória juízo de admissibilidade Mais que cabível é procedente por violar a Constituição o pedido de rescisão da sentença juízo rescindente sendo que o novo julgamento da causa juízo rescisório como corolário lógico e necessário terá de se ajustar ao procedimento da Suprema Corte STJ EDiv no REsp 608122 1ª Seção j 09052007 rel Min Teori Zavascki Na realidade quando se admite que não há diferença entre contrariar precedente constitucional que não existia à época em que a decisão foi proferida e violar a Constituição cometese um equívoco que está na base da teoria da interpretação que seria potencializado mediante a suposição de que a única interpretação capaz de fazer ver a Constituição é a do Supremo Tribunal Federal como se não houvesse controle difuso Ora a assimilação de precedente constitucional com norma constitucional revela falta de distinção entre enunciado do discurso do intérprete e enunciado do discurso das fontes Não há correspondência biunívoca entre Constituição e precedente constitucional como clara e concretamente demonstra a possibilidade de revogação de precedente constitucional inclusive de precedente que declarou a inconstitucionalidade de lei 710 Um precedente do Supremo Tribunal Federal não declara a norma que sempre esteve contida na Constituição ou que sempre preexistiu à interpretação judicial O precedente constitucional atribui sentido à Constituição ou o desenvolve de acordo com a evolução da sociedade e dos seus valores Daí se poder falar em norma constitucional ou precedente constitucional como enunciados situados em planos diversos afastandose a crença falaz de que existiria uma correspondência biunívoca entre Constituição e interpretação do Supremo Tribunal Federal única que poderia fazer supor que uma decisão legitimamente proferida por juiz incumbido de realizar controle difuso de constitucionalidade pode ser invalidada em virtude de ulterior decisão do Supremo Tribunal Federal que teria o efeito de declarar a inconstitucionalidade da lei em que a anterior decisão se fundou Não fosse isso se ulterior precedente torna a coisa julgada rescindível não há decisão tomada em controle difuso de constitucionalidade por juiz ordinário que tenha alguma utilidade Sempre importará a decisão do Supremo Tribunal Federal A decisão proferida em controle difuso embora possa produzir efeitos desde logo sempre colocará o jurisdicionado em estado de espera sujeitandoo a uma decisão mais do que inútil submetendoo a uma decisão que ao invés de resolver o litígio e criar uma confiança legítima amplifica a litigiosidade latente e potencializa os males e as angústias decorrentes da pendência da ação deixando perceptível que o processo que se desenvolveu com custos de todos os matizes talvez fosse desnecessário Percebase que tal raciocínio leva à conclusão de que uma decisão que produz coisa julgada material e é legitimamente proferida pelo juiz não gera qualquer proteção à confiança nela depositada Ora admitir esta conclusão significa colocar o jurisdicionado na posição de alguém que pode ser legitimamente surpreendido depois de ter obtido decisão jurisdicional favorável transitada em julgado Não é preciso dizer que isto viola de forma escancarada a segurança jurídica princípio concretizador do Estado de Direito Por outro lado deixandose o plano subjetivo do jurisdicionado é imperioso frisar que não há decisão estatal legítima que possa ser desfeita pelo próprio Estado A decisão em controle difuso de constitucionalidade é tão legítima quanto a decisão do Supremo Tribunal Federal Ambas provêm do Poder Judiciário e são legitimadas pela Constituição O equívoco não expresso porém contido nas decisões que admitem o desfazimento da coisa julgada em virtude de ulterior precedente do Supremo Tribunal Federal está em não perceber que admitir uma decisão fundada em lei posteriormente declarada inconstitucional não é o mesmo que admitir eficácia a uma lei declarada inconstitucional 711 Lembrese que conforme bem adverte Galvão Teles respeitar a coisa julgada não significa reconhecer efeitos a uma lei inconstitucional mas reconhecer efeitos a um juízo precedente sobre a inconstitucionalidade diferente do juízo posteriormente feito na decisão de inconstitucionalidade do Tribunal Constitucional 712 Também não há como aceitar o argumento de que a retroatividade do pronunciamento do Supremo Tribunal Federal sobre a coisa julgada é imprescindível para fazer valer a plenitude da Constituição Não se pense que a rescisão da coisa julgada fundada em lei declarada inconstitucional constitui a afirmação da constitucionalidade sobre a inconstitucionalidade Não fosse assim não haveria sequer como admitir o prazo de dois anos para a propositura da ação rescisória A decisão ainda que fundada em lei inconstitucional é constitucional A decisão mesmo que fundada em lei posteriormente declarada inconstitucional é manifestação legítima do Poder Judiciário 713 A coisa julgada que cobre esta decisão é imprescindível à tutela da segurança jurídica e à proteção do sistema de controle difuso da constitucionalidade que não pode ser usurpado do Poder Judiciário Assim é equivocado relacionar afirmação da constitucionalidade com relativização da coisa julgada uma vez que a coisa julgada é inegavelmente uma afirmação da Constituição 714 Na realidade bem vistas as coisas o problema não está na opção entre privilegiar a plenitude da Constituição ou ao invés a certeza do direito declarado judicialmente porquanto a certeza do direito declarado judicialmente ainda que inconstitucional é ela própria uma das formas de que se reveste a certeza constitucional Portanto como conclui Rui Medeiros a ressalva da coisa julgada também constitui uma forma de assegurar a primazia da ordem constitucional 715 Encontrar fundamento para a ação rescisória em pronunciamento do Supremo Tribunal Federal significaria mais do que a instituição de um controle da constitucionalidade da decisão transitada em julgado significaria a reserva da autoridade para a interpretação constitucional destituindose os juízes ordinários deste poder Se o Supremo Tribunal Federal deve zelar pela uniformidade da interpretação da Constituição isto obviamente não quer dizer que a sua interpretação tenha o poder para dissolver a coisa julgada material Aliás se a interpretação do Supremo Tribunal Federal pudesse implicar desconsideração da coisa julgada o mesmo deveria acontecer quando a interpretação da lei federal se consolidasse no Superior Tribunal de Justiça Não se diga que a diferença entre as duas situações está em que no caso da declaração de inconstitucionalidade a coisa julgada se funda em lei inválida enquanto uma decisão contra a lei ou que lhe negue vigência supõe lei válida 716 Ora como já foi dito não admitir a rescisória a partir de pronunciamento do Supremo Tribunal Federal não significa atribuir efeitos a uma lei inconstitucional mas sim ressalvar os efeitos de um juízo constitucional que aplicou uma lei posteriormente declarada inconstitucional pela Corte Suprema Chegase assim ao momento propício para se desnudar o equívoco Se a ação rescisória é proposta com base em precedente do Supremo Tribunal Federal o seu fundamento não é violação de norma constitucional O fundamento encontrado mas não expressamente revelado é ius superveniens ou direito superveniente Porém como é curial o ius superveniens não pode ter efeito retroativo sobre a coisa julgada Portanto a Súmula 343 também deve ser aplicada nos casos de resolução de questão constitucional A tentativa de eliminar a coisa julgada que resultou de uma dúvida de constitucionalidade não só elimina o mínimo que o cidadão pode esperar do Poder Judiciário que é a estabilização da sua vida após o encerramento do processo como também coloca em xeque a legitimidade dos juízes e tribunais para o controle difuso da constitucionalidade 8458 Não há distinção entre decisão proferida em controle concentrado e controle difuso para efeito de rescindibilidade de coisa julgada Como é evidente não há qualquer razão para distinguir decisão proferida em ação direta de inconstitucionalidade de decisão tomada em recurso extraordinário quando se pensa na possibilidade de rescindibilidade de coisa julgada com base em ulterior pronunciamento do Supremo Tribunal Federal A decisão proferida no controle concentrado assim como a decisão proferida no controle difuso não pode negar a coisa julgada Ambas são interpretações judiciais ulteriores à coisa julgada embora a decisão proferida no controle difuso não tenha eficácia erga omnes mas apenas eficácia obrigatória ou vinculante em relação aos seus fundamentos determinantes Sucede que isso não tem qualquer importância para o efeito de se ter como inválida uma decisão antecedente revestida por coisa julgada material A decisão de inconstitucionalidade proferida no controle concentrado não obstante tenha eficácia erga omnes obviamente não tem eficácia retroativa A diferenciação das decisões proferidas nos controles concentrado e difuso para efeito de rescindibilidade da coisa julgada faria supor que a decisão de inconstitucionalidade é algo distinto de uma decisão judicial ou de uma decisão interpretativa de uma questão constitucional A decisão de inconstitucionalidade proferida em ação direta nada mais é do que um juízo sobre a constitucionalidade que por isso mesmo não pode se sobrepor a um anterior juízo também legítimo sobre a constitucionalidade tutelado pela coisa julgada Não é possível negar a coisa julgada sob a equivocada desculpa de se ter encontrado uma norma verdadeira ou uma interpretação correta que jamais poderia ter sido negada para não se violar a Constituição Como já dito a rescisão da coisa julgada fundada em lei posteriormente declarada inconstitucional não constitui afirmação da constitucionalidade sobre a inconstitucionalidade já que a certeza do direito declarado judicialmente ainda que inconstitucional é uma das formas de que se reveste a certeza constitucional 717 8459 A previsão de hipótese de rescisória baseada em ulterior decisão de inconstitucionalidade no CPC de 2015 De acordo com o 15 do art 525 do CPC de 2015 se a decisão referida no 12 for proferida após o trânsito em julgado da decisão exequenda caberá ação rescisória cujo prazo será contado do trânsito em julgado da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal A norma do novo CPC merece muita atenção pois ela é irremediavelmente inconstitucional Notese que se o 14 do art 525 corretamente exclui a possibilidade de superveniente decisão de inconstitucionalidade obstaculizar a execução da sentença o 15 admite a sua invocação como sustentáculo de ação rescisória Tratase de duas normas claramente contraditórias de modo que a segunda só pode ser compreendida como resultado de uma inserção descuidada dessas que são feitas em uma lei de grande amplitude no apagar das luzes da discussão parlamentar Ora a admissibilidade de alegação de decisão de inconstitucionalidade posterior à formação da coisa julgada é uma exceção à sua intangibilidade pouco importando se a alegação é admitida para inibir a execução ou para fundamentar a ação rescisória Obstaculizar a executabilidade da sentença é negar o título executivo ou a coisa julgada que a sustenta Recordese que a coisa julgada sempre foi considerada um fundamento lógicojurídico da execução definitiva 718 Da mesma forma como ainda é mais evidente ação rescisória com base em posterior declaração de inconstitucionalidade é uma macroexceção à intangibilidade da coisa julgada material Portanto haveria racionalidade na admissão da alegação de posterior decisão de inconstitucionalidade apenas se isso não constituísse exceção à intangibilidade da coisa julgada material Assim exatamente porque não se estaria a afetar a coisa julgada material em qualquer dos casos a admissão da dedução da posterior decisão de inconstitucionalidade em ação rescisória e não em impugnação seria mera opção legislativa Não obstante como tanto a obstaculização da execução quanto a rescindibilidade com base em ulterior decisão do Supremo Tribunal Federal obviamente constituem exceção à intangibilidade da coisa julgada material exigirseia outra resposta do legislador Seria necessário argumentar como única saída para a legitimação da norma do 15 que a intangibilidade da coisa julgada se coloca apenas no plano processual não estando garantida pela Constituição Federal Esse raciocínio é ainda mais absurdo do que o antecedente A coisa julgada está claramente garantida no art 5º XXXVI da Constituição Federal Nenhuma lei pode dar ao juiz poder para desconsiderar a coisa julgada material até porque nenhum juiz pode negar decisão de membro do Poder Judiciário A intangibilidade da coisa julgada material é essencial para a tutela da segurança jurídica sem a qual não há Estado de Direito ou melhor sem a qual nenhuma pessoa pode se desenvolver e a economia não pode frutificar Nem se diga nessa altura que a alegação de decisão de inconstitucionalidade constituiria uma exceção constitucionalmente legítima à intangibilidade da coisa julgada argumentandose que a rescisão da coisa julgada fundada em lei posteriormente declarada inconstitucional seria uma afirmação da constitucionalidade sobre a inconstitucionalidade É sempre importante advertir que a garantia da coisa julgada não resguarda os efeitos de uma lei inconstitucional porém ressalva os efeitos de um juízo constitucional que aplicou uma lei posteriormente declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal Tudo isso significa que os juízes e tribunais não devem aplicar o 15 do art 525 do CPC de 2015 dada a sua inescondível e insuperável inconstitucionalidade Aliás como será visto a seguir o Supremo Tribunal Federal recentemente declarou a impossibilidade de ação rescisória baseada em ulterior precedente da sua lavra exatamente sob o fundamento de que isso configuraria violação da garantia constitucional da coisa julgada material 84510 O caso Metabel v União Federal a não admissão de ação rescisória baseada em ulterior precedente do Supremo Tribunal Federal mediante a afirmação da garantia constitucional da coisa julgada material O Supremo Tribunal Federal recentemente julgou recurso extraordinário que definiu a questão do cabimento de ação rescisória fundada em precedente do Supremo Tribunal Federal posterior à decisão rescindenda 719 Decidiuse expressamente sobre a aplicação da Súmula 343 do STF 720 em ação rescisória fundada em violação de norma constitucional e sobre se a admissão da ação rescisória baseada em posterior precedente do Supremo Tribunal Federal é compatível com a tutela da coisa julgada material O precedente firmado neste recurso extraordinário revogou o entendimento que até então prevalecia no Supremo Tribunal Federal 721 declarando que decisão do Supremo Tribunal Federal ulterior ao trânsito em julgado da decisão não pode servir de fundamento para a ação rescisória Declarouse ainda que a Súmula 343 é aplicável em ação rescisória fundada em violação de norma constitucional de modo que quando há divergência interpretativa à época da prolação da decisão rescindenda a ação rescisória não é viável Decidiuse ademais que a invocação de precedente constitucional ulterior à formação da coisa julgada para o efeito de rescindila é incompatível com a garantia constitucional da coisa julgada material Ou seja não só se ressalvou a coisa julgada em face de precedente constitucional em sentido diverso como ainda afirmouse que a coisa julgada é garantida pela Constituição Federal O recurso extraordinário foi provido por sete votos a dois Os Ministros Marco Aurélio Celso de Mello Luiz Fux Rosa Weber e Ricardo Lewandowski adotaram o fundamento de que novo entendimento ou precedente do Supremo Tribunal Federal não pode constituir base para a rescisão de decisão que com ele confronta A Ministra Cármen Lúcia disse que a decisão rescindenda por ter se pautado em entendimento que prevalecia no Supremo Tribunal Federal na época em que proferida não poderia ser rescindida O Ministro Toffoli reconheceu a decadência da ação rescisória e não se manifestou sobre a questão da possibilidade da desconstituição de decisão com base em precedente ulterior do Supremo Tribunal Federal Os Ministros Gilmar e Teori dissentiram do fundamento da maioria reafirmando as suas antigas posições 722 Disse o relator Ministro Marco Aurélio A rescisória deve ser reservada a situações excepcionalíssimas ante a natureza de cláusula pétrea conferida pelo constituinte ao instituto da coisa julgada Disso decorre a necessária interpretação e aplicação estrita dos casos previstos no art 485 do Código de Processo Civil incluído o constante do inciso V abordado neste processo Diante da razão de ser do verbete Súmula 343STF não se trata de defender o afastamento da medida instrumental a rescisória presente qualquer grau de divergência jurisprudencial mas de prestigiar a coisa julgada se quando formada o teor da solução do litígio dividia a interpretação dos Tribunais pátrios ou com maior razão se contava com óptica do próprio Supremo favorável à tese adotada Assim deve ser indiferentemente quanto a ato legal ou constitucional porque em ambos existe distinção ontológica entre texto normativo e norma jurídica Essa passagem deixa clara a aplicabilidade da Súmula 343 mesmo em caso de interpretação de norma constitucional Aplicandose a Súmula 343 decidiuse que não cabe ação rescisória fundada em violação de norma constitucional quando à época em que a decisão foi proferida havia controvérsia sobre a interpretação da norma Mas o Supremo Tribunal Federal ao firmar o precedente não só tratou da aplicabilidade da Súmula 343 Ao enfatizar que novo entendimento do Supremo Tribunal Federal não pode ser visto como fundamento de ação rescisória a Corte Suprema também declarou a tutela constitucional da coisa julgada material Nas palavras do Ministro relator Não posso admitir sob pena de desprezo à garantia constitucional da coisa julgada a recusa apriorística do mencionado verbete Súmula 343STF como se a rescisória pudesse conformar os pronunciamentos dos tribunais brasileiros com a jurisprudência de último momento do Supremo mesmo considerada a interpretação da norma constitucional 723 A ementa do acórdão consignou que o verbete 343 da Súmula do Supremo deve ser observado em situação jurídica na qual inexistente controle concentrado de constitucionalidade haja entendimentos diversos sobre o alcance da norma mormente quando o Supremo tenha sinalizado num primeiro passo óptica coincidente com a revelada na decisão rescindenda 724 Ou seja a ementa ressalvou a possibilidade de a ação rescisória ser utilizada com base em decisão proferida em controle concentrado Porém não obstante a circunstância de o próprio relator ter abordado esta questão de passagem sem definila a questão de se a decisão proferida em controle concentrado constitui base para ação rescisória não foi posta para julgamento ou ainda não constituía fundamento suficiente para se decidir se precedente do Supremo Tribunal Federal firmado em sede de controle incidental pode determinar a desconstituição da coisa julgada Sublinhese o que disse o próprio relator Ministro Marco Aurélio Na origem o acórdão foi rescindido para conformálo à decisão deste Tribunal no sentido de o alcance do princípio da não cumulatividade não autorizar o lançamento de créditos do Imposto sobre Produtos Industrializados IPI em decorrência da aquisição de insumos isentos não tributados ou sujeitos à alíquota zero Vê se não se tratar de referência a ato por meio do qual o Supremo assentou com eficácia maior a inconstitucionalidade de norma Estivesse envolvida declaração da espécie poderia até cogitar com muitas reservas do afastamento do verbete em favor do manejo da rescisória apenas para evitar a vinda à balha indiscriminada de decisão judicial transitada em julgado fundada em norma proclamada inconstitucional nula de pleno direito Mas não é este o caso ora examinado Pretendese na realidade utilizar a ação rescisória como mecanismo de uniformização da interpretação da Carta particularmente do princípio constitucional da não cumulatividade no tocante ao Imposto sobre Produtos Industrializados IPI olvidandose a garantia constitucional da coisa julgada material 725 O relator foi incisivo ao dizer que não estava envolvida decisão proferida em controle concentrado e mais do que isso que caso estivesse envolvida a cogitação sobre ação rescisória poderia ser feita com muitas reservas Ora se uma questão é reconhecida como fora do julgamento estivesse envolvida e é admitida como não decidida poderia até cogitar com muitas reservas ela certamente constitui obiter dictum De qualquer forma as mesmas razões que impedem a retroatividade da decisão proferida em recurso extraordinário sobre a coisa julgada impedem a retroatividade da decisão proferida em controle concentrado Ora se ulterior decisão de inconstitucionalidade ainda que proferida em ação direta tornar a coisa julgada rescindível não haverá decisão tomada em controle difuso de constitucionalidade dotada de alguma utilidade a coisa julgada sempre será provisória e sujeita à condição resolutiva o que é uma contradição em termos Lembrese que a decisão judicial mesmo que fundada em lei posteriormente declarada inconstitucional é manifestação legítima do Poder Judiciário e que a coisa julgada que cobre esta decisão é imprescindível à tutela da segurança jurídica e à proteção do sistema de controle difuso da constitucionalidade 84511 Casos em que se admite ação rescisória baseada em violação de norma constitucional A ação rescisória tem pleno cabimento em caso de manifesta violação de norma jurídica art 966 V do CPC2015 Diante da dissociação entre texto legal e norma e da função contemporânea do Supremo Tribunal Federal de definir o sentido do direito constitucional federal norma jurídica é além da decisão firmada em ação direta precedente constitucional Significa que cabe ação rescisória quando a decisão nega decisão proferida em ação direta ou precedente constitucional tenham estes afirmado a inconstitucionalidade ou a constitucionalidade A decisão que se nega a adotar precedente ou decisão do Supremo Tribunal Federal que afirmou a constitucionalidade também é decisão que viola manifestamente norma jurídica e assim sujeitase à ação rescisória Notese que quando se nega decisão proferida em ação direta precedente ou ainda súmula do Supremo Tribunal Federal é possível falar em violação de norma o que certamente não ocorre quando é realizado juízo sobre a questão de constitucionalidade e após o encerramento do processo o Supremo Tribunal Federal fixa norma em sentido contrário Como se vê cabe ação rescisória quando há negação de norma dotada de efeito vinculante o que obviamente não poderia ser outra coisa que não violação manifesta de norma jurídica Não há como negar que nessas hipóteses violase uma norma que vincula o conteúdo da decisão do juiz O juiz ou o tribunal que apesar do pronunciamento vinculante do Supremo decide em sentido contrário profere decisão que viola manifestamente o sentido que a Corte Suprema atribuiu ao direito Porém há também violação manifesta de norma jurídica nos termos do art 966 V do CPC de 2015 quando a interpretação do texto é tão fácil e simples que a violação da norma jurídica quase que se confunde com a negação do texto Não se pretende retomar aqui a discussão plantada por Hart sobre os enunciados que no texto legal estão em zonas de penumbra e de luz 726 Afirmase em determinada concepção teórica que em todo texto legal há enunciados que estão na zona de luz e enunciados que estão na zona de penumbra sendo que somente os últimos reclamam valoração e decisão ao passo que os primeiros são normas predefinidas que podem ser simplesmente descritas Não obstante como demonstra Wróblewski os problemas penumbrais são uma instância de dúvidas interpretativas que não podem escapar da valoração do intérprete 727 Assim a solução da questão sobre se a norma é clara ou duvidosa também depende de valoração constituindo uma fase do raciocínio interpretativo que uma vez superada dá ao intérprete a possibilidade de chegar a um resultado que advém imediatamente do texto ou conferelhe a oportunidade de mediante nova valoração decidir sobre o seu sentido 728 A clareza obviamente não é algo que deflui objetivamente do texto Não é um predicado do texto mas o fruto do entendimento daquele que o lê Clareza ou obscuridade são sentidos atribuídos a um texto legal pelo intérprete 729 Contudo se atribuir clareza é valoração de modo que o resultadointerpretação nunca é apenas descrição mas sempre norma jurídica ao contrário do que supõem os teóricos da zona de luz não há como negar que determinados textos não suscitam controvérsia nos tribunais Não se discute acerca da norma que deflui destes textos Quando isso ocorre ou melhor quando não há controvérsia nos tribunais sobre a interpretação de uma disposição a decisão que lhe confere interpretação contrária pode ser submetida à ação rescisória sob o fundamento de violar manifestamente norma jurídica art 966 V do CPC2015 84512 Modulação de efeitos e coisa julgada Como é óbvio não importa que a ressalva da coisa julgada diante da decisão de inconstitucionalidade não esteja expressamente afirmada pela Constituição brasileira à semelhança do que ocorre no art 282 3 da Constituição da República Portuguesa Recordese que segundo o art 282 3 da Constituição portuguesa diante da declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral ficam ressalvados os casos julgados salvo decisão em contrário do Tribunal Constitucional quando a norma respeitar a matéria penal disciplinar ou de ilícito de mera ordenação social e for de conteúdo menos favorável ao arguido Como observa Rui Medeiros a Constituição portuguesa art 282 3 primeira parte reconhece que o sacrifício da intangibilidade do caso julgado só deve ter lugar nos casos extremos em que imperativos de justiça o justifiquem À partida uma simples alteração no plano normativo ou hermenêutico não justifica perante situações de fato invariáveis o afastamento da decisão transitada em julgado 730 Frisese que a coisa julgada é instituto imprescindível à afirmação do Poder Judiciário e do Estado de Direito além de garantia do cidadão à estabilidade da tutela jurisdicional corolário do direito fundamental de ação e do princípio da proteção da confiança 731 Portanto o n 3 do art 282 da Constituição de Portugal não precisaria sequer existir para que a coisa julgada fosse ressalvada diante da declaração de inconstitucionalidade De qualquer forma no direito brasileiro a intangibilidade da coisa julgada está expressa no art 5º XXXVI da Constituição Federal 732 E mesmo que aí não fosse encontrada não poderia deixar de ser vista como corolário do Estado de Direito e expressão concreta do princípio da segurança jurídica De modo que no direito brasileiro assim como acontece no direito português em vez de ter de ser necessariamente ressalvada em toda e qualquer decisão de inconstitucionalidade a coisa julgada para ser atingida tem de ter a sua força constitucional expressamente renegada diante de outro valor merecedor de excepcional proteção Como esclarece Canotilho a exceção ao princípio da intangibilidade do caso julgado não opera automaticamente como mero corolário lógico da declaração de inconstitucionalidade A revisão de sentenças transitadas em julgado deve ser expressamente decidida pelo Tribunal em que se declare a inconstitucionalidade da norma 733 Percebase que nesta dimensão o Supremo Tribunal Federal tem um poder maior do que o Tribunal Constitucional português uma vez que esse último em princípio não pode fazer a sua decisão retroagir sobre a coisa julgada exceto quando a norma respeitar a matéria penal disciplinar ou de ilícito de mera ordenação social e for de conteúdo menos favorável ao arguido No direito brasileiro portanto o próprio poder de atribuir à decisão de inconstitucionalidade o efeito excepcional de retroagir sobre a coisa julgada já constitui algo que poderia ser questionado o que significa que a retroatividade da decisão de inconstitucionalidade sobre a coisa julgada além de não ser uma decorrência desta decisão ao ser aceita como possível constitui uma excepcionalidade admissível tão somente quando o seu desfazimento for necessário para tutelar valor imprescindível ao Estado Constitucional que na hipótese concreta tenha justificado motivo para prevalecer sobre a coisa julgada Se a coisa julgada pudesse desaparecer diante da decisão do Supremo Tribunal Federal não só inexistiria razão para se dar ao juiz e aos tribunais o poder de controlar a constitucionalidade como também se estaria conferindo ao jurisdicionado uma coisa julgada sob condição negativa imprevisível sob a condição de o Supremo Tribunal Federal não declarar a inconstitucionalidade da norma que fundou a decisão Além de negar a razão de ser da coisa julgada e os princípios da segurança e da proteção da confiança isso significaria ainda evidente lesão ao direito fundamental de ação que tem como corolário o direito a uma decisão imutável e indiscutível Dar à decisão de inconstitucionalidade o efeito automático e imediato de desfazer a coisa julgada significa não ver que a circunstância de uma lei inconstitucional não produzir efeitos válidos não interfere sobre a eficácia da decisão que a teve por constitucional e além disso que a coisa julgada é tutelada pela Constituição Porém o Supremo Tribunal Federal pode permitir o alcance da coisa julgada Tal pode ocorrer por exemplo no caso em que se declara a inconstitucionalidade de um tributo Em um caso como esse a declaração de inconstitucionalidade retira da Fazenda Pública o poder de cobrar os tributos não pagos ainda que o contribuinte não os tenha questionado na esfera administrativa ou na judicial Nos processos que tiverem sido instaurados diante da vinculação dos juízes e tribunais à decisão do Supremo Tribunal Federal as decisões terão de ser necessariamente favoráveis ao contribuinte Assim no caso de ação para não pagar ficará o contribuinte isento do pagamento e na hipótese de ação de repetição receberá os valores pagos de volta Nessa situação certamente surgiria a preocupação com os contribuintes que já receberam decisões desfavoráveis transitadas em julgado Mas os juízes e os tribunais não podem questionar a coisa julgada sob o argumento de o Supremo Tribunal Federal ter declarado a inconstitucionalidade da lei A decisão de desafirmação da coisa julgada é atributo exclusivo do Supremo Tribunal Federal O Supremo Tribunal Federal não tem motivo para limitar os efeitos da decisão de inconstitucionalidade para que a coisa julgada seja preservada mas excepcionalmente considerando relevante valor constitucional que diante das circunstâncias concretas sobrepõese pode decidir de modo a desfazêla Se por modular efeitos não se tem apenas que limitar efeitos mas também potencializar os efeitos outorgandolhes força que em princípio não têm é possível usar a oportunidade conferida pela técnica da modulação de efeitos para em casos excepcionalíssimos extrair da decisão de inconstitucionalidade o efeito de atingir a coisa julgada É certo que nesse caso não se está regulando os efeitos da decisão de inconstitucionalidade no tempo mas conferindose determinada qualidade a esses efeitos Porém não importa O que realmente releva é que isso é importante para o adequado exercício da jurisdição constitucional De outra parte diante desse grande poder é absolutamente necessário estabelecer critérios em nome da segurança jurídica Esses critérios podem ser definidos em lei ou no próprio regimento interno do Supremo Tribunal Federal Por enquanto a ideia de balanceamento tem pautado as decisões do Supremo como a tomada por ocasião do julgamento dos RE 556664 559882 559943 e 560626 734 Porém não há razão para se admitir uma decisão fundada em uma argumentação muito difícil de ser racionalizada quando se podem instituir critérios seguros para decidir O balanceamento é um critério ou método de decisão a ser adotado à falta de outros que permitam uma decisão mais segura Portanto se não existem indicações normativas mostrase imperioso construir um sistema de autocontrole dos juízos relativos à modulação dos efeitos Assim o Supremo ao decidir e fixar os critérios para a modulação dos efeitos estará se autovinculando para os casos futuros Os julgados do Supremo Tribunal Federal obrigam e vinculam as futuras decisões da própria Corte mantendoa atrelada aos critérios que foram anteriormente utilizados e explicitados em situações similares Em outros termos o trabalho do próprio Supremo na construção dos seus precedentes mais uma vez representará a melhor forma de controle e de racionalização das suas decisões No caso de decisão que autoriza o alcance da coisa julgada o Supremo Tribunal Federal deverá explicitar as razões da adoção desse drástico efeito esclarecendo os motivos para se deixar de lado o valor da coisa julgada Esses motivos vinculam o Supremo impedindoo de deles se libertar em decisões futuras a respeito do tema Essa vinculação somente poderá cessar caso a Corte demonstre que os motivos já adotados não devem ser reprisados diante das especificidades de um novo caso Recai sobre o Supremo um forte ônus argumentativo Somente a superação deste ônus permitirá à Corte se libertar dos critérios que antes utilizou efeitos retroativos ao momento em que o seu objeto foi instituído mas ainda assim deixa escapar certos efeitos A alternativa teórica a isso seria considerar que a lei inconstitucional é anulável tendo a sentença que reconhece a inconstitucionalidade e anula a lei natureza constitutiva negativa ou desconstitutiva Desse modo seriam preservados todos os efeitos decorrentes da lei inconstitucional já que a pronúncia de inconstitucionalidade com a desconstituição da lei operaria apenas para o futuro Afinal dirseia são palpáveis os efeitos no seio social de uma lei que vem a ser dita inconstitucional bastandose ter em conta a variedade de atos que com base nela são praticados A norma enquanto não é judicialmente pronunciada inconstitucional vincula condutas gerando efeitos 737 A tese seria sedutora àqueles que olham o problema a partir do ângulo dos afetados pela norma pronunciada inconstitucional ou ainda na perspectiva da segurança jurídica Em não poucos casos não há racionalidade em riscar do mapa situações derivadas de normas inconstitucionais Ocorre que não se pode esquecer o outro lado da moeda isto é os efeitos perversos que podem ser gerados ao se admitir como regra teórica a ideia de que a decisão de inconstitucionalidade não pode retroagir devendose preservar todos os efeitos produzidos pela norma reconhecida inconstitucional Desde logo é visível que a preservação dos efeitos de lei inconstitucional faria com que a ordem jurídica ainda que em determinado período deixasse de estar inserida no quadro da Constituição Ou estarseia admitindo que norma constitucional poderia ficar em virtude de atuação indevida do legislador fora da própria ordem jurídica A norma constitucional teria a sua eficácia suspensa pelo legislador ficando a Corte Suprema com a incumbência de restaurarlhe a plenitude com a pronúncia da inconstitucionalidade Ora isso é suficiente para mostrar a gravidade da insistência na tese dos efeitos para o futuro ou prospectivos da decisão de inconstitucionalidade Ademais a simples admissão da manutenção dos efeitos de algo que se sabe indevido ou ilícito como é intuitivo tornao compensador Lembrese que a crítica da tutela ressarcitória como única forma de tutela jurisdicional contra o ilícito assentase na ideia de que ao não se evitar a prática de ato contrário ao direito abrese oportunidade para a lícita prática do ilícito Porém se não é possível impedir que a lei produza efeitos embora aí tenha grande importância a liminar na ação de inconstitucionalidade os efeitos retroativos da decisão final de inconstitucionalidade são imprescindíveis para se evitar situação semelhante Assim diante da falibilidade das duas teses passouse a entender que a saída estaria em se dar à Corte Suprema a possibilidade de modular os efeitos da decisão de inconstitucionalidade Tomandose a nulidade da lei inconstitucional como algo arraigado na própria Constituição reafirmouse a natureza declaratória da decisão de inconstitucionalidade que então em princípio apagaria todos os efeitos produzidos pela norma assim declarada dandose à Corte contudo a possibilidade de restringir os efeitos retroativos ou admitir a validade de determinados efeitos ou de certas situações decorrentes da lei inconstitucional O art 27 738 da Lei 98681999 consagrou a modulação de efeitos deixando claro que o STF assim pode proceder em nome da segurança jurídica ou de excepcional interesse social conceitos que têm base constitucional A decisão que restringe ou limita os efeitos retroativos requer quórum qualificado maioria de dois terços e a superação do ônus argumentativo de que a segurança jurídica ou outro princípio constitucional sob a forma de excepcional interesse social justificam no caso a prevalência dos interesses que seriam sacrificados pela retroatividade sobre os afetados pela lei inconstitucional Nesta perspectiva é possível que se atribua à decisão de inconstitucionalidade i efeitos retroativos limitados preservandose determinados efeitos da lei inconstitucional ii efeitos a partir do seu trânsito em julgado ou mesmo iii efeitos a partir de determinado evento ou data no futuro A preservação dos efeitos de lei reconhecida inconstitucional se mostrou relevante no caso de lei insuficiente omissão parcial à tutela de norma constitucional Assim por exemplo aquela que fixa o valor do salário mínimo em valor insuficiente ou a que exclui determinado grupo de servidores públicos do reajuste de salário Nestes casos ainda que a lei não cumpra a Constituição a suspensão dos seus efeitos pode acarretarlhe maiores prejuízos Situação similar se verifica na hipótese em que se reconhece que a lei ainda é constitucional como aconteceu no caso da Defensoria Pública em que diante do questionamento da constitucionalidade da norma que definia prazo diferenciado para a interposição de recurso entendeuse que enquanto não devidamente estruturada e aparelhada a Defensoria a norma deveria continuar a produzir efeitos Notese que neste caso não se reconhece a inconstitucionalidade da norma no momento do julgamento aludindose a uma passagem ou a um trânsito para a inconstitucionalidade Na mesma dimensão se colocam as técnicas de controle de constitucionalidade conhecidas como interpretação conforme e declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto A interpretação conforme em essência define determinada interpretação compatível com a Constituição evitando com isso a declaração de inconstitucionalidade que decorreria da adoção da interpretação ou do sentido delimitados na petição inicial da ação de inconstitucionalidade A decisão excluindo o sentido proposto na petição inicial declara a interpretação mediante a qual a norma é válida dita conforme à Constituição A decisão assim incide sobre o âmbito de interpretação da norma A declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto não incide sobre a interpretação da norma mas sobre o seu âmbito de aplicação Trata de texto legal que em determinada situação é inegavelmente inconstitucional embora possa e deva ser aplicado em outras hipóteses A decisão que adota esta técnica assim declara a inconstitucionalidade da norma para certas situações preservandoa para ser aplicada em outras Exemplo é a lei tributária que aumenta ou cria tributo que não pode ser aplicada no mesmo exercício financeiro A despeito da inconstitucionalidade quando considerado o mesmo exercício financeiro a necessidade de não redução do texto deriva do fato de a norma poder ser aplicada sem qualquer contestação no exercício financeiro seguinte Determinada aplicação da norma é definida inconstitucional mas o seu texto é preservado 739 847 Declaração de inconstitucionalidade total e declaração de inconstitucionalidade parcial Em determinados casos a inconstitucionalidade recai sobre a totalidade da lei Isso acontece significativamente nos casos em que a inconstitucionalidade se encontra no processo de formação da lei ou melhor quando estão presentes os chamados vícios de inconstitucionalidade que sob o aspecto formal impedem que se reconheça a constitucionalidade da lei assim nos casos de vícios de competência ou relativos à iniciativa legislativa Fora desses casos quando a parte principal da lei se revela inconstitucional é preciso analisar a possibilidade de manutenção dos demais dispositivos No caso em que a integração entre os vários dispositivos legais não permite ter os demais sem o reconhecido como inconstitucional há indivisibilidade da lei devendo igualmente ser declarada a sua inconstitucionalidade total Também será impossível preservar o restante da lei quando a declaração de inconstitucionalidade de determinado dispositivo fizer surgir realidade normativa disforme do próprio sentido ou função da lei Contudo quando a inconstitucionalidade não recai sobre a totalidade da lei ou quando a inconstitucionalidade de determinado dispositivo não retira a autonomia de outros ou o próprio sentido ou função originalmente atribuído à lei há necessariamente de se preservar as demais normas Pontuese que a regra é a da divisibilidade da lei uma vez que a nulidade apenas fulmina a parte da lei que é inconstitucional ou as partes da lei que são manchadas pela inconstitucionalidade seja por serem destituídas de autonomia seja pelo fato de ao serem vistas isoladamente despirem o sentido ou a função originalmente outorgado à lei Portanto a teoria da divisibilidade da lei fruto da necessidade de preservar o que é constitucional faz surgir a necessidade de o Tribunal declarar a nulidade de forma parcial 848 Inconstitucionalidade por arrastamento Nos casos em que a inconstitucionalidade de parte da lei contamina outros preceitos ou outra parcela da lei impedindo a sua preservação surge problema relacionado com o princípio da congruência da sentença com o pedido Pedindose na ação direta a declaração de inconstitucionalidade de norma que por consequência afeta outros dispositivos não se poderia diante de determinada leitura do princípio de que a sentença deve se ater ao pedido declarar a inconstitucionalidade dos demais dispositivos Porém caso fosse assim a Corte ficaria entre as alternativas de declarar inconstitucional apenas a norma delimitada na petição inicial deixando de se pronunciar sobre o restante da lei e não admitir a ação de inconstitucionalidade diante da inadequação do pedido formulado na inicial incapaz de afastar a inconstitucionalidade narrada na causa de pedir ou decorrente da causa de pedir aberta Tais soluções são obviamente inadequadas Por isso passou o STF a adotar a técnica da inconstitucionalidade por arrastamento que em resumo permite arrastar a declaração de inconstitucionalidade do dispositivo especificamente impugnado até os contaminados pela inconstitucionalidade Como a técnica da decisão da inconstitucionalidade por arrastamento objetiva eliminar o obstáculo do princípio da congruência entre o pedido e a sentença o STF já enfatizou que quando determinado dispositivo não é dependente do expressamente impugnado e declarado inconstitucional não há de se decidir por arrastamento Assim por exemplo na ADIn 2895 argumentouse que não obstante de constitucionalidade duvidosa a primeira parte do mencionado art 74 ocorre no caso a impossibilidade de sua apreciação em obséquio ao princípio do pedido e por não ocorrer na hipótese o fenômeno da inconstitucionalidade por arrastamento ou atração já que o citado dispositivo legal não é dependente da norma declarada inconstitucional 740 Por sua vez no AgRg no RE 4591153 que declarou a inconstitucionalidade do alargamento da base de cálculo da Cofins art 3º 1º da Lei 97181998 decidiuse que esta declaração de inconstitucionalidade não acarretou a inocuidade de outros parágrafos do art 3º uma vez que não fora expressamente afirmada declaração de inconstitucionalidade por arrastamento 741 Inconstitucionalidade por arrastamento assim não constitui tipo ou categoria de inconstitucionalidade mas mera forma ou técnica de decisão da ação de inconstitucionalidade 849 Pronúncia de inconstitucionalidade sem declaração de nulidade Na ação direta de inconstitucionalidade em que se impugnou a lei que criou o Município de Luís Eduardo Magalhães a Corte a despeito de já ter declarado a inconstitucionalidade de outras leis municipais em casos absolutamente idênticos tinha o receio de que a retroatividade da decisão declaratória pudesse afetar gravemente as situações já formadas Nesta ação direta declarouse a inconstitucionalidade sem a pronúncia da nulidade da lei impugnada mantendose sua vigência pelo prazo de 24 vinte e quatro meses lapso temporal razoável dentro do qual poderá o legislador estadual reapreciar o tema tendo como base os parâmetros que deverão ser fixados na lei complementar federal conforme decisão desta Corte na ADIn 3682 Adotouse uma técnica peculiar de decisão em que se reconhece a inconstitucionalidade da lei mas não se declara a sua nulidade Isto como é óbvio apenas para se ressalvar os seus efeitos Eis aí o ponto efeitos de uma lei inconstitucional Sabese que em termos exatos a nulidade é decorrência da inconstitucionalidade Porém a decisão proferida no caso de Luis Eduardo Magalhães entendeu que a norma era inconstitucional mas ao mesmo tempo que os seus efeitos deveriam ser preservados Assim declarou a inconstitucionalidade sem declarar a nulidade embora o juízo de inconstitucionalidade em princípio imponha necessariamente a nulidade De modo que a decisão do caso de Luis Eduardo Magalhães revela o problema da árdua compatibilização entre inconstitucionalidade e produção de efeitos Notese que no caso de Luis Eduardo Magalhães não só foram preservados os efeitos passados como a vigência da lei foi mantida pelo prazo de vinte e quatro meses Se nos casos em que se pretende preservar efeitos passados utilizase a técnica da restrição dos efeitos retroativos quando se deseja manter os efeitos da lei não se declara a sua nulidade ainda que se pronuncie a sua inconstitucionalidade Isso ocorre quando é imprescindível tutelar por determinado período relevantes situações já formadas ou mesmo quando se quer evitar o reaparecimento do direito antigo ou o surgimento de vácuo no sistema Portanto a pronúncia de inconstitucionalidade sem a declaração de nulidade nada mais é do que técnica de decisão destinada a preservar os efeitos de uma lei que se sabe e reconhece inconstitucional Importante sem dúvida quando a retroatividade da lei inconstitucional puder afetar gravemente a segurança jurídica 742 ou outro princípio constitucional sob a forma de relevante interesse social749 850 Omissão parcial pronúncia de inconstitucionalidade e isolamento de determinados efeitos 743 A não declaração de nulidade da lei apesar do reconhecimento da sua inconstitucionalidade também é importante quando se tem lei que não obstante seja insuficiente à realização de norma constitucional ou excludente de grupo ou parcela de pessoas por ela tutelados ainda assim é relevante à satisfação da Constituição e à proteção dos cidadãos ainda que parcialmente Exemplos desta situação estão na lei que prevê salário mínimo em valor insuficiente à realização da norma que garante remuneração digna ao cidadão art 7º IV da CF 744 e na lei que concede revisão de remuneração aos militares sem contemplar os civis excluindo grupo protegido pela norma constitucional arts 37 X e 39 1º da CF 745 Ambas as hipóteses representam omissão parcial de inconstitucionalidade ou norma inconstitucional por omissão parcial Nesses casos como a norma além de omissa em parte produz efeitos que satisfazem a Constituição não há racionalidade em suprimir a sua eficácia declarandose a nulidade Isso eliminaria o pouco de proteção que foi conferido pela lei ou a tutela que foi dada apenas a determinado grupo Sem dúvida a declaração de nulidade não constitui solução judicial adequada uma vez que é necessário preservar o benefício outorgado pela lei ainda que insuficiente ou indevidamente limitado a determinado grupo ou categoria A solução há de ser a de comunicar a omissão ao legislador conferindolhe prazo para suprila Mas do mesmo modo que não há como declarar a nulidade da norma não há lógica em suspender a totalidade dos seus efeitos até que escoado o prazo para a atuação legislativa O aparente paradoxo deve ser assimilado e compreendido pois não há lógica em invocar insuficiência de tutela para suprimir o que embora pouco em intensidade ou extensão é devido pelo legislador perante a Constituição É certo que o juízo de inconstitucionalidade exige em princípio a suspensão dos efeitos da norma e dos processos em que se discute a sua aplicação Contudo a norma deve continuar a ser aplicada quando incidindo em omissão parcial de inconstitucionalidade é imprescindível à realização dos desígnios constitucionais Vale dizer que como a norma é inconstitucional os seus efeitos devem ser suspensos mas numa perspectiva diferenciada e especial sem poder prejudicar aqueles que por ela foram legitimamente tutelados Nesse sentido a omissão parcial permite que sejam isolados da contaminação da inconstitucionalidade determinados efeitos da lei especificamente aqueles que servem à realização da própria Constituição 851 Norma em trânsito para a inconstitucionalidade Há outras hipóteses em que se questiona norma que diante da situação concreta em que deve ser aplicada afigurase constitucional mas que diante da evolução dos fatos tornarseá inconstitucional Aqui não se trata de preservar os efeitos de norma reconhecida inconstitucional Na presente hipótese a norma é constitucional embora a transformação dos fatos a situe na dimensão da inconstitucionalidade Em outras palavras os fatos ainda caracterizam a norma como constitucional embora esteja ela em trânsito para a inconstitucionalidade Esta técnica de decisão identificase com o caso das Defensorias Públicas celebrizado na discussão da constitucionalidade do 5º do art 5º da Lei 10601950 acrescentado pela Lei 78711989 que estabeleceu prazo em dobro para recurso as Defensorias Públicas No HC 70514 de relatoria do Min Sydney Sanches entendeuse que não era de ser reconhecida a inconstitucionalidade do 5º do art 5º da Lei 1060 de 05021950 acrescentado pela Lei 7871 de 08111989 no ponto em que confere prazo em dobro para recurso às Defensorias Públicas ao menos até que sua organização nos Estados alcance o nível de organização do respectivo Ministério Público que é a parte adversa como órgão de acusação no processo da ação penal pública 746 A relevância da decisão está em dois pontos Para afirmar a constitucionalidade a decisão considerou a então organização e estrutura da Defensoria Pública ou seja a realidade sobre a qual a norma estaria a incidir De modo que se declarou a constitucionalidade da norma naquela situação de fato admitindose que a sua transformação poderia gerar outro juízo sobre a norma Além disso advertiuse que diante da provável organização e estruturação da Defensoria Pública vale dizer da transformação da realidade fática tal norma se configuraria como inconstitucional Notese que neste caso a norma não é inconstitucional no momento do julgamento podendo isto sim vir a se tornar inconstitucional De modo que se não pretende preservar a aplicação de norma reconhecida inconstitucional como ocorre no caso de pronúncia de inconstitucionalidade sem declaração de nulidade Ao contrário a norma é reconhecida em face da situação em que deve ser aplicada constitucional não existindo nem mesmo intenção de preservála para aplicação no futuro Afirmouse expressamente no acórdão prolatado no referido HC 70514 que a norma ainda era constitucional 747 O Min Sydney Sanches relator disse não ter ainda por inconstitucional o prazo em dobro para recurso dos Defensores Públicos nos Estados Ao menos enquanto as respectivas instituições não se colocam em matéria de organização em pé de igualdade com o respectivo Ministério Público que é a parte adversa como órgão de acusação no processo da ação penal pública Na mesma linha ponderou o Min Moreira Alves A única justificativa que encontro para esse tratamento desigual em favor da Defensoria Pública em face do Ministério Público é a de caráter temporário a circunstância de as Defensorias Públicas ainda não estarem por sua recente implantação devidamente aparelhadas como se acha o Ministério Público Por isso para casos como este pareceme deva adotarse a construção da Corte Constitucional alemã no sentido de considerar que uma lei em virtude das circunstâncias de fato pode vir a ser inconstitucional não o sendo porém enquanto essas circunstâncias de fato não se apresentarem com a intensidade necessária para que se tornem inconstitucionais Assim a lei em causa será constitucional enquanto a Defensoria Pública concretamente não estiver organizada com a estrutura que lhe possibilite atuar em posição de igualdade com o Ministério Público tornandose inconstitucional porém quando essa circunstância de fato não mais se verificar 748 Admitiuse que uma norma constitucional pode vir a se tornar inconstitucional diante da transformação da realidade Na verdade não apenas a transformação dos fatos mas também a dos valores e a da própria compreensão geral do direito podem levar a que se declare inconstitucional norma antes vista como constitucional É possível supor que a decisão que adverte ser a norma ainda constitucional aproximase em certo aspecto da técnica da sinalização utilizada no direito estadunidense quando há de se preservar o precedente reconhecido como equivocado em nome da tutela da confiança justificada nele depositada 749 Mediante esta técnica sinalizase para a provável revogação do precedente no próximo caso similar a ser apreciado pelo Tribunal dandose ciência ao corpo dos advogados de que o precedente se encontra desgastado desprovido de força e autoridade não merecendo confiança da classe profissional nem dos litigantes 750 Porém se o que fundamenta a técnica da sinalização é especialmente a proteção da confiança justificada depositada no precedente que está a merecer revogação a razão pela qual não se declarou a inconstitucionalidade da norma no caso da Defensoria esteve circunscrita a uma circunstância fática que ainda exigia o prazo em dobro para a interposição de recurso Admitiuse que ter prazo em dobro para interpor recurso seria em tese inconstitucional mas que como a Defensoria Pública não podia atuar de outra forma em razão da sua má estrutura material não haveria como não se admitir a aplicação da norma Assim em um caso há norma que se pretende inconstitucional e em outro precedente que se deseja revogar A aplicação da norma no caso da Defensoria obviamente não se fundou na confiança que se depositara no poder de interpor o recurso em prazo dobrado Neste caso a norma simplesmente não era inconstitucional diante da realidade a que submetida a Defensoria De modo que nada apontava para a necessidade de dar efeitos prospectivos à decisão ou mesmo de utilizar a técnica da sinalização como instrumento destinado a evitar surpresa injusta diante de decisão de inconstitucionalidade Seria possível isso sim sinalizar para decisão de inconstitucionalidade em vista da transformação da estrutura da Defensoria Pública Isso não quer dizer como é óbvio que a decisão do caso do prazo em dobro não poderia dizer que em virtude da alteração das circunstâncias fáticas a Corte poderia vir a declarar a inconstitucionalidade da norma Basta perceber que não se estaria diante de técnica destinada a proteger a confiança mas de afirmação fundada na constatação da natureza eminentemente transitória do direito Evidenciase que decisões podem declarar uma mesma norma constitucional e inconstitucional conforme as circunstâncias de fato com ela envolvidas Notese portanto que mediante a técnica da decisão da lei ainda constitucional admitese a possibilidade de inconstitucionalização da norma com o passar do tempo bem como sinalizase que a norma será declarada inconstitucional diante de nova realidade 852 Interpretação conforme à Constituição A interpretação conforme à Constituição ao contrário do que pode fazer supor o seu nome não constitui método de interpretação mas técnica de controle de constitucionalidade Constitui técnica que impede a declaração de inconstitucionalidade da norma mediante a afirmação de que esta tem um sentido ou uma interpretação conforme à Constituição 751752 Assim alegandose na petição inicial a inconstitucionalidade de uma norma a ação de inconstitucionalidade é julgada improcedente quando o Tribunal verifica que esta norma tem sentido conforme à Constituição Este sentido evidenciado na fundamentação é delineado no dispositivo de modo a se fixar regra que evidencie a constitucionalidade da norma O resultado da decisão que realiza interpretação conforme portanto não apenas expressamente exclui o sentido ou a interpretação sugerido para a norma pelo autor da ação de inconstitucionalidade mas declara que mediante determinada interpretação a norma é constitucional Demonstrase que a norma não tem o sentido proposto na ação de inconstitucionalidade mas que quando adequadamente compreendida tem sentido que é conforme à Constituição Tratase desse modo de limitação das possibilidades do texto legal que fica restrito à interpretação definida na decisão Se uma norma não abre oportunidade a interpretações diversas excluise a possibilidade de interpretação conforme Nesse sentido na ADIn 3510 de relatoria do Min Ayres Britto afastouse o uso desta técnica para a feitura de sentença de caráter aditivo que tencione conferir à Lei de Biossegurança exuberância regratória ou restrições tendentes a inviabilizar as pesquisas com célulastronco embrionárias Argumentouse não estarem presentes os pressupostos para a aplicação da técnica da interpretação conforme à Constituição uma vez que a norma impugnada não padecia de polissemia ou de plurissignificatividade 753 Na mesma linha declarouse na ADIn 1344 existir impossibilidade na espécie de se dar interpretação conforme à Constituição pois essa técnica só é utilizável quando a norma impugnada admite entre as várias interpretações possíveis uma que a compatibilize com a Carta Magna e não quando o sentido da norma é unívoco 754 Quando a norma tem apenas um sentido visivelmente inconstitucional não há lugar para interpretação conforme Ademais a interpretação conforme não pode ser utilizada para conferir à norma resultado distinto do desejado pelo legislador ou uma regulação diversa Portanto dois são os requisitos da interpretação conforme respeito à expressão literal do texto legal e respeito ao fim buscado pelo legislador Quando a interpretação conforme requer diante da interpretação proposta na ação de inconstitucionalidade a exclusão ou a inclusão de significado este decréscimo ou acréscimo só tem validade quando estiver de acordo com o objetivo da norma à luz da Constituição 853 Declaração parcial de nulidade sem redução de texto Há casos em que a norma pode ser utilizada em face de situações diversas uma em que se apresenta inconstitucional e outra constitucional Quando a ação de inconstitucionalidade impugna a aplicação da norma em determinada situação o Tribunal ainda que reconhecendo a inconstitucionalidade da aplicação nesta situação pode preservála por admitir a sua aplicação em outras situações Nesses casos há declaração parcial de nulidade sem redução de texto A nulidade bem vistas as coisas é da aplicação da norma na situação proposta sendo por isso necessário preservar o texto diante da aplicabilidade da norma em situações diversas Exemplo claro de aplicabilidade da técnica da declaração parcial de nulidade sem redução de texto se dá nos casos de leis que criam ou aumentam tributo Tais leis diante do princípio da anterioridade de matriz constitucional art 150 III b da CF não podem ser aplicadas no mesmo exercício financeiro embora possam e devam ser aplicadas no exercício financeiro seguinte Frisese que não se reduz a validade do dispositivo que resta com plena força normativa mas o seu âmbito de aplicação Quando se afirma na ação de inconstitucionalidade a invalidade da norma em relação a certa situação o Tribunal pode reconhecêla afirmandoa mas ao mesmo tempo reconhecer a sua aplicabilidade a situações diversas e por isso mesmo preservar o seu texto Notese que no caso de interpretação conforme admitese a inconstitucionalidade da interpretação proposta mas se afirma que a norma pode ser interpretada de forma constitucional Na declaração de nulidade parcial sem redução de texto não se cogita da interpretação da norma excluindose a proposta na ação e definindose outra em consonância com a Constituição mas se admite a inconstitucionalidade da norma na situação proposta preservandose a sua aplicação em outras situações Há semelhança entre as técnicas da interpretação conforme e da declaração parcial de nulidade sem redução de texto O STF chegou a equiparálas 755 O art 28 parágrafo único da Lei 98681999 fez referência a ambas sustentando a sua autonomia Em ambas as hipóteses não há declaração de nulidade da norma A norma continua válida em ambos os casos O que as diferencia como já dito é a circunstância de que a interpretação conforme exclui a interpretação proposta e impõe outra conforme à Constituição enquanto a declaração parcial de nulidade revela a A lei inconstitucional é considerada lei nula Nesta perspectiva a lei não produz efeitos válidos A decisão de procedência declara a nulidade tendo então efeitos retroativos Sucede que determinados efeitos da lei inconstitucional sempre foram excepcionados preservandose inclusive a decisão judicial que proferida com base em lei inconstitucional encontrase revestida pela coisa julgada material A própria prática constitucional viu surgir paulatinamente a necessidade de validar determinadas situações criadas a partir de leis inconstitucionais em vista da segurança jurídica ou de relevante interesse social mecanismo que permite a fiscalização concreta da inconstitucionalidade por omissão Enquanto isso como será mais bem explicado no próximo capítulo a ação direta de inconstitucionalidade é instrumento de tutela do direito objetivo em que há fiscalização abstrata da inconstitucionalidade por omissão Basicamente a diferença entre um e outro está em que no mandado de injunção há tutela do direito carente da atuação do legislador e na ação direta há tutela em abstrato da norma constitucional atacandose a inconstitucionalidade em tese Existem no texto da Constituição Federal quatro normas acerca da competência para o mandado de injunção 757 Objetivase com tais normas limitar o trato do mandado de injunção aos Tribunais certamente a partir da ideia de que seria dessa forma mais fácil racionalizar a aplicação das normas judiciais elaboradas para suprir a inércia do Legislativo O mandado de injunção em sua história jurisprudencial teve vários alcances nem sempre coincidentes com o que é almejado pela norma constitucional A diversidade de alcances outorgada pelo STF ao mandado de injunção reflete sobre a compreensão do instituto e assim sobre os conceitos e pressupostos que estão ao seu redor A Lei n 13300 de 23062016 disciplinou o processo e o julgamento do mandado de injunção individual e coletivo nos termos do inciso LXXI do art 5º da Constituição Federal A lei não só tem importância para sedimentar posições relevantes para o uso da ação constitucional dela também derivam relevantes questões de direito processual constitucional 855 História do mandado de injunção no STF É possível iniciar a história do percurso do mandado de injunção no STF com o julgamento dos MI 168 e 107 relatados respectivamente pelo Min Sepúlveda Pertence e pelo Min Moreira Alves O MI 168 julgado à unanimidade exemplifica a limitação que se dava ao instrumento processualconstitucional quando ele começou a ser utilizado Neste caso o STF afirmou que o mandado de injunção não dá ao Judiciário o poder de emitir a norma faltante nem lhe confere o poder de tutelar o direito que da norma depende Com a intenção de definir a natureza do instituto declarouse que o mandado de injunção nem autoriza o Judiciário a suprir a omissão legislativa ou regulamentar editando o ato normativo omitido nem menos ainda lhe permite ordenar de imediato ato concreto de satisfação do direito reclamado A prestação jurisdicional possível segundo a Corte seria a de declaração de inconstitucionalidade da omissão normativa com ciência ao órgão competente para que a supra 758 O julgamento do MI 107 é considerado um marco na história do instituto Neste mandado de injunção decidiuse em questão de ordem a respeito da própria autoaplicabilidade da norma constitucional que instituiu o mandado de injunção firmandose como premissa o alcance da ação Em face dos textos da Constituição Federal relativos ao mandado de injunção é ele ação outorgada ao titular de direito garantia ou prerrogativa a que alude o art 5º LXXI dos quais o exercício está inviabilizado pela falta de norma regulamentadora e ação que visa a obter do Poder Judiciário a declaração de inconstitucionalidade dessa omissão se estiver caracterizada a mora em regulamentar por parte do Poder órgão entidade ou autoridade de que ela dependa com a finalidade de que se lhe dê ciência dessa declaração para que adote as providências necessárias à semelhança do que ocorre com a ação direta de inconstitucionalidade por omissão art 103 2º da Carta Magna e de que se determine quando se tratar de direito constitucional oponível contra o Estado a suspensão dos processos judiciais ou administrativos de que possa advir para o impetrante dano que não ocorreria se não houvesse a omissão inconstitucional Assim fixada a natureza desse mandado é ele no âmbito da competência desta Corte que está devidamente definida pelo art 102 I q autoexecutável uma vez que para ser utilizado não depende de norma jurídica que o regulamente inclusive quanto ao procedimento aplicável que lhe é analogicamente o procedimento do mandado de segurança no que couber 759 Reafirmouse aí o entendimento de que o mandado de injunção permite apenas a declaração de inconstitucionalidade da omissão daí cientificandose o Poder órgão entidade ou autoridade dessa declaração No julgamento do MI 107 além desta fundamental conclusão firmaram se ainda as de que i a norma que instituiu o mandado de injunção é autoaplicável ii o mandado de injunção tanto pode dizer respeito a uma omissão total quanto a uma omissão parcial do legislador iii o STF tem competência para no mandado de injunção determinar a suspensão de processos administrativos ou judiciais com o objetivo de assegurar a possibilidade de o autor ser contemplado por norma mais benéfica ou que lhe assegure o direito constitucional iv o STF está legitimado em face do mandado de injunção a determinar outras medidas necessárias a garantir o direito do autor até a expedição da norma pelo legislador Notese que até aí não se outorgava sequer prazo para o legislador editar a norma faltante reputandose admissível apenas a sua cientificação Pouco tempo depois no MI 283 relator o Min Sepúlveda Pertence deuse passo largo em relação à efetividade do instrumento Embora o mandado de injunção tenha sido compreendido como remédio de natureza mandamental e aí digase de passagem se tenha ignorado o correto significado da natureza mandamental de um instrumento processual supondose que mandamental é o remédio processual utilizado contra o Estado admitiuse que ainda que o autor tenha formulado pedido de natureza constitutiva ou de natureza condenatória que no entender do STF seria impossível nele está contido o pedido de atendimento possível de declaração de inconstitucionalidade da omissão normativa com ciência ao órgão competente para que a supra 760 Entendeuse ser possível ao Judiciário ao deferir a injunção somar aos seus efeitos mandamentais típicos o provimento necessário a acautelar o interessado contra a eventualidade de não se ultimar o processo legislativo no prazo razoável que fixar de modo a facultarlhe quanto possível a satisfação provisória do seu direito Assim deferiuse o mandado de injunção para i declarar em mora o legislador com relação à ordem de legislar contida no art 8º 3º do ADCT 761 co municando o Congresso Nacional e a Presidência da República e para ii assinar o prazo de 45 dias mais 15 dias para a sanção presidencial a fim de que se ultime o processo legislativo da lei reclamada deixandose ainda expresso que iii caso ultrapassado o prazo acima sem que esteja promulgada a lei passa o impetrante a gozar da faculdade de obter contra a União pela via processual adequada sentença líquida de condenação à reparação constitucional devida pelas perdas e danos que se arbitrem 762 Neste caso impôsse prazo para o cumprimento do dever de legislar retirandose consequência concreta benéfica ao impetrante do seu descumprimento Em mandado de injunção dotado de igual fundamento respeitante ao dever de legislar contido no art 8º 3º do ADCT entendeu o STF que em virtude de ter escoado o prazo imposto no MI 283 não seria necessário outro mandado de injunção tendo o interessado o poder de propor imediatamente ação de perdas e danos Diz a ementa proferida neste mandado de injunção que reconhecido o estado de mora inconstitucional do Congresso Nacional único destinatário do comando para satisfazer no caso a prestação legislativa reclamada e considerando que embora previamente cientificado no MI 283 rel Min Sepúlveda Pertence abstevese de adimplir a obrigação que lhe foi constitucionalmente imposta tornase prescindível nova comunicação à instituição parlamentar assegurandose aos impetrantes desde logo a possibilidade de ajuizarem imediatamente nos termos do direito comum ou ordinário a ação de reparação de natureza econômica instituída em seu favor pelo preceito transitório 763 No mesmo ano agora no MI 232 de relatoria do Min Moreira Alves o Supremo Tribunal declarou ao tratar da falta de regulamentação do disposto no 7º do art 195 764 da CF e diante do art 59 do ADCT 765 a mora do Congresso Nacional a fim de que no prazo de seis meses adote ele as providências legislativas que se impõem para o cumprimento da obrigação de legislar decorrente do art 195 7º da Constituição sob pena de vencido esse prazo sem que essa obrigação se cumpra passar o requerente a gozar da imunidade requerida 766 Retirouse do não cumprimento do prazo pelo legislador a sa tisfação do direito almejado pelo autor em verdadeira sentença substitutiva da vontade do devedor da prestação normativa O STF ainda no começo da década de 1990 julgou mandado de injunção impetrado unicamente contra particular responsável pela prestação decorrente da observância do dever de legislar Neste caso o mandado de injunção que afirmou falta de regulação do art 7º XXI 767 da CF relativo ao aviso prévio foi dirigido apenas contra a exempregadora do impetrante Porém o Tribunal ao afirmar a natureza mandamental do mandado de injunção declarou ter se firmado no STF o entendimento segundo o qual o mandado de injunção há de dirigirse contra o Poder órgão entidade ou autoridade que tem o dever de regulamentar a norma constitucional não se legitimando ad causam passivamente em princípio quem não estiver obrigado a editar a regulamentação respectiva Não é viável dar curso a mandado de injunção por ilegitimidade passiva ad causam da exempregadora do requerente única que se indica como demandada na inicial 768 Em outro caso o STF viuse diante de mandado de injunção que objetivava compelir o Congresso Nacional a regulamentar o revogado 3º do art 192 769 da CF relativo à limitação das taxas de juros reais em doze por cento ao ano cuja impetração se deu não apenas em face do Congresso Nacional mas também contra o banco credor Contudo evidenciando posição restritiva quanto ao alcance da ação o Supremo entendeu que o banco não tinha legitimidade passiva para figurar no processo nem mesmo como litisconsorte passivo Nesta ocasião afirmou o Supremo que somente pessoas estatais podem figurar no polo passivo da relação processual instaurada com a impetração do mandado de injunção eis que apenas a elas é imputável o dever jurídico de emanação de provimentos normativos 770 Assim concluiu o Tribunal por ter o mandado de injunção a natureza jurídicoprocessual de ação judicial de índole mandamental estaria inviabilizada em função de seu próprio objeto a formação de litisconsórcio passivo necessário ou facultativo entre particulares e entes estatais 771 A doutrina da impossibilidade de o mandado de injunção ser dirigido contra o particular foi reiterada pelo STF no MI 513 relator o Min Maurício Corrêa 772 A questão voltou a ser discutida no MI 507 ocasião em que a Corte declarou que no MI 513 com as mesmas partes mesma causa de pedir e mesmo pedido ficara decidido que instituições financeiras não integram a relação jurídica processual como litisconsortes passivos necessários 773 É interessante que sob o argumento de que o Poder Público em casos como os dos mandados de injunção que objetivaram regular a norma que limitava as taxas de juros reais em 12 ao ano não era o sujeito passivo da relação de direito material derivada da norma constitucional o STF concluiu que não seria cabível a estipulação de prazo para o Congresso Nacional suprir a omissão em que incidira na regulamentação do preceito constitucional Isso apenas seria possível segundo a Corte quando o Poder Público ao lado do seu dever de legislar fosse também o devedor da tutela do direito emergente da norma constitucional 774 Em essência foi o que se decidiu no MI 361 em que se declarou não caber fixar prazo para o suprimento da omissão inconstitucional quando o Estado não é o sujeito passivo do direito constitucional de exercício obstado pela ausência da norma regulamentadora já que aí não seria possível cominar consequências a sua continuidade após o término final da dilação assinada 775 Novo e significativo avanço verificouse no julgamento do MI 670 que objetivou a edição de norma para dar eficácia ao art 37 VII 776 da CF que versa sobre o direito de greve dos servidores públicos civis Esta questão já havia sido apreciada pelo Supremo Tribunal em várias oportunidades estabelecendose inicialmente o entendimento de que se deveria apenas declarar a existência da mora legislativa na edição da norma legislativa 777 embora em diversas ocasiões fosse levantada a possibilidade de aplicação da Lei 77831989 que disciplina a greve no setor privado aos servidores públicos civis 778 Contudo no MI 670 o STF foi mais longe Após lembrar que a mora legislativa em relação à questão da greve dos servidores públicos civis já havia sido declarada em diversas vezes a Corte reconheceu que a manutenção dessa situação apontaria para o risco de consolidação de uma típica omissão judicial 779 Admitiuse que seria possível pensar em princípio na aplicação da Lei 77831989 enquanto a omissão não fosse devidamente regulamentada por lei específica para os servidores públicos civis Porém em virtude do princípio da continuidade dos serviços públicos declarou a Corte que não se poderia obstar de acordo com as peculiaridades de cada caso concreto e mediante solicitação de entidade ou órgão legítimo que fosse facultado ao tribunal competente impor a observância a regime de greve mais severo em razão de se tratar de serviços ou atividades essenciais nos termos do regime fixado pelos arts 9º a 11 da Lei 77831989 780 Estabeleceuse ainda que diante da singularidade do debate constitucional do direito de greve dos servidores públicos civis sob pena de injustificada e inadmissível negativa de prestação jurisdicional nos âmbitos federal estadual e municipal devemse fixar também os parâmetros institucionais e constitucionais de definição de competência provisória e ampliativa para a apreciação de dissídios de greve instaurados entre o Poder Público e os servidores públicos civis No plano procedimental afigurase recomendável aplicar ao caso concreto a disciplina da Lei 77011988 que versa sobre especialização das turmas dos Tribunais do Trabalho em processos coletivos no que tange à competência para apreciar e julgar eventuais conflitos judiciais referentes à greve de servidores públicos que sejam suscitados até o momento de colmatação legislativa específica da lacuna ora declarada nos termos do inciso VII do art 37 da CF 781 Ao final após fixarse o prazo de 60 dias para o Congresso Nacional legislar sobre a matéria determinouse a aplicação das Leis 77011988 e 77831989 aos conflitos e às ações judiciais que envolvam a interpretação do direito de greve dos servidores públicos civis 782 Foi no MI 712 porém que o STF pronunciou de modo mais claro a função que anteriormente já se lhe tentava imprimir Neste caso a Corte não apenas retirou consequências práticas da não observância de uma decisão que impõe prazo para legislar mas disse expressamente que possui ao decidir o mandado de injunção o poder de editar norma jurídica em substituição à devida pelo legislador sem que isso possa representar violação à independência e harmonia entre os Poderes art 2º da CF e à separação dos Poderes art 60 4º III da CF 783 Este mandado de injunção voltou a tratar da norma constitucional que garantiu aos servidores públicos civis o exercício do direito de greve nos termos e nos limites definidos em lei art 37 VII da CF Concluiuse que a norma do art 37 VII da CF exige regulamentação a fim de que seja adequadamente assegurada a coesão social A regulamentação do exercício do direito de greve pelos servidores públicos há de ser peculiar mesmo porque serviços ou atividades essenciais e necessidades inadiáveis da coletividade não se superpõem a serviços públicos e viceversa Daí por que não deve ser aplicado ao exercício do direito de greve no âmbito da Administração tão somente o disposto na Lei 77831989 A esta Corte impõese traçar os parâmetros atinentes a esse exercício 784 Neste mandado de injunção a Corte não hesitou em declarar que o argumento de que a Corte estaria a legislar o que se afiguraria inconcebível por ferir a independência e harmonia entre os Poderes art 2º da CF e a separação dos Poderes art 60 4º III da CF é insubsistente uma vez que o Poder Judiciário está vinculado pelo deverpoder de no mandado de injunção formular supletivamente a norma regulamentadora de que carece o ordenamento jurídico norma esta que não seria norma de decisão mas o texto normativo que faltava para no caso tornar viável o exercício do direito de greve dos servidores públicos 785 Contudo o que mais importa é que o Tribunal em face da referida fundamentação permitiu ao mandado de injunção alcançar resultado que merece relevo Julgouse o mandado de injunção procedente para remover o obstáculo decorrente da omissão legislativa e supletivamente tornar viável o exercício do direito consagrado no art 37 VII da Constituição do Brasil 786 Ao assim julgar o STF não se limitou a declarar a mora legislativa ou mesmo a impor ao legislador a observância do dever de legislar nem mesmo se restringiu a retirar consequência da inércia do Legislativo A Corte editou a norma faltante em nítida substituição à vontade do legislador e por consequência tornou viável o exercício do direito de greve 787 Neste caso portanto a Suprema Corte aproximouse da verdadeira razão de ser do mandado de injunção viabilizar o exercício de direito dependente de norma faltante 788 856 Escopo do mandado de injunção De acordo com o art 8º da Lei 133002016 reconhecido o estado de mora legislativa será deferida a injunção para i determinar prazo razoável para que o impetrado promova a edição da norma regulamentadora ii estabelecer as condições em que se dará o exercício dos direitos das liberdades ou das prerrogativas reclamados ou se for o caso as condições em que poderá o interessado promover ação própria visando a exercêlos caso não seja suprida a mora legislativa no prazo determinado A decisão não precisará conceder prazo quando o impetrado já tiver deixado de obedecer decisão que determinou a edição da norma em anterior mandado de injunção parágrafo único art 8º Lei 133002016 Notese que se o Judiciário deve apenas declarar a mora do legislador dela o cientificando o escopo do mandado de injunção é limitado à declaração da mora em legislar art 8º I da Lei 133002016 Porém se o mandado de injunção confere ao Judiciário o poder de suprir a omissão do legislador para tornar exercitável e tutelável jurisdicionalmente o direito que da norma depende o escopo do remédio constitucional é suprir a falta de norma imprescindível à realização do direito e à sua tutela jurisdicional Mas é possível também admitir que o mandado de injunção possa ao suprir a norma faltante tutelar o direito que dela depende art 8º II Lei 133002016 A segunda e a terceira opções diferem essencialmente em um ponto na circunstância de o direito dependente da norma faltante poder ser exercido sem obstaculização da parte devedora da tutela do direito Quando o devedor da norma é o Congresso Nacional e a devedora da tutela do direito a União Federal o problema é eliminado em virtude de a União que até então resistia em virtude da omissão legislativa não ter mais como se opor ao pleito da parte Tratase do caso em que o STF ao suprir a falta da lei exigida pela Constituição determina por exemplo que a autoridade administrativa analise pedido de aposentadoria especial de servidor público portador de deficiência física como ocorreu no MI 1967 monocraticamente decidido pelo Min Celso de Mello 789 Percebase que em um caso como este a autoridade administrativa se rende à norma criada pelo Judiciário pelo que nem mesmo seria preciso ordenarlhe analisar o pedido de aposentadoria sob o temor de que poderia não analisálo voluntariamente 790 Ademais há situações em que a mera supressão da omissão inconstitucional seja mediante a imposição de resultado pela não observância do prazo para legislar seja por meio da edição judicial da norma jurídica por si só tutela o direito da parte Lembrese como exemplo da primeira hipótese o caso da imunidade das entidades beneficentes de assistência social quando o STF no MI 232 determinou ao Congresso Nacional a observância do seu dever de legislar decorrente do art 195 7º da Constituição sob pena de vencido esse prazo passar a parte a gozar da imunidade requerida São exemplos do segundo caso os MI 670 708 e 712 em que normas foram editadas pelo STF para viabilizar o exercício do direito de greve Notese que estes mandados de injunção são efetivos à tutela ou ao exercício do direito em virtude de uma e outro não dependerem de prestação de quem quer que seja o Estado ou o particular Contudo isso nem sempre ocorre Pensese por exemplo no MI 232 que objetivando a regulamentação do art 7º XXI da CF relativo ao aviso prévio foi dirigido apenas contra a ex empregadora do impetrante e exatamente por conta disso não foi conhecido É que em um caso como este para que o direito seja tutelado não basta editar a norma faltante em face do Congresso Nacional é necessária uma prestação do particular Se no mandado de injunção o Judiciário pode criar a norma faltante e conferir a tutela ao direito prometida pela Constituição o legislador deveria ser chamado ao processo apenas para contestar a imprescindibilidade de norma infraconstitucional ou para negar a sua mora devendo também participar do processo na qualidade de litisconsorte passivo o devedor da prestação decorrente da remoção da omissão inconstitucional Quem deve resistir à pretensão de tutela do direito que depende da norma não é apenas o legislador mas também e especialmente o adversário do titular da tutela de direito que se ressente da norma legislativa inexistente Assim a despeito do art 3º da Lei 133002016 não há razão para não admitir o mandado de injunção em face do particular que então deve figurar como litisconsorte passivo necessário 791 Entretanto se o uso do mandado de injunção contra o particular não é adequado em razão de princípios utilitaristas melhor seria deixar a prática forense regular a situação admitindose com consciência e clareza a supressão da omissão inconstitucional em face de quem quer que seja mediante qualquer ação jurisdicional e por qualquer juiz 857 Natureza mandamental Afirmase em alguns julgados do STF que o mandado de injunção é instrumento de natureza mandamental Assim por exemplo nos MI 168 107 e 283 No MI 168 alegouse que o pedido em mandado de injunção não pode ser de emissão de ato normativo nem de ordem para a realização do direito mas apenas de declaração de inconstitucionalidade da omissão normativa com ciência ao órgão competente para que a supra 792 No MI 107 considerandose a mesma espécie de prestação jurisdicional declaratória voltouse a atribuir natureza mandamental ao instrumento 793 No MI 283 por fim reafirmouse que o autor está proibido de realizar pedido de natureza condenatória ou constitutiva mas que se pode retirar de pedidos desta natureza inadequadamente formulados o pedido de atendimento possível de declaração de inconstitucionalidade da omissão normativa com ciência ao órgão competente para que a supra 794 E aí mais uma vez atribuiuse natureza mandamental ao instrumento Como está claro jamais se considerou para definir a natureza do mandado de injunção a espécie de sentença de procedência a ser prestada Muito embora se tenha dito no MI 283 que não seria possível realizar pedido condenatório ou pedido constitutivo não se tomou em conta a espécie de sentença prolatada ao se concluir que se poderia obter declaração de inconstitucionalidade da omissão normativa com ciência ao órgão competente Também neste caso insistiuse para a natureza mandamental do instrumento embora fosse de esperar que diante da contraposição do mandado de injunção com as sentenças condenatória e constitutiva a definição da natureza do instituto houvesse de ser buscada na natureza da sentença que declara a omissão inconstitucional e dá ciência ao órgão competente Sentença desta espécie é inescondivelmente declaratória já que ciência à parte demandada como é óbvio nada agrega de significativo a qualquer sentença Na verdade admitindose a premissa sustentada nos referidos mandados de injunção de que ao Judiciário só se permite declarar a omissão inconstitucional com ciência ao órgão competente jamais seria possível atribuir à sentença de procedência do mandado de injunção outra natureza que não a declaratória Ressaltese nunca jamais mandamental A ciência dada ao órgão competente como é evidente não se equipara a uma ordem exatamente por ser destituída de coerção Ao discutir a questão da sentença mandamental parte da doutrina estabeleceu uma ligação entre a teoria da sentença mandamental e a sentença do mandado de segurança ou o que é pior entre a sentença mandamental e o seu único destinatário que seria apenas o agente público Assim por exemplo após anunciar que as denominadas ações mandamentais não têm tido aceitação na doutrina Frederico Marques sem qualquer sustentação teórica mais adequada declarou Para Goldschmidt a ação de mandamento teria por objeto conseguir ou obter mandado dirigido a outro órgão do Estado através de sentença judicial Mas como ressaltou A Schönke não há razão para essa nova espécie de ações Esses casos não devem ser reunidos para formar um novo grupo de ações porque não se trata de uma diversificação no conteúdo mas tão só nos efeitos Realmente proposta uma ação de reparação de dano contra pessoa jurídica de direito público a sentença proferida contra a ré será condenatória O mandado contra o órgão estatal que deva cumprir a sentença é efeito da condenação ou da execução desta não havendo motivo portanto de se qualificar a ação proposta como de mandamento 795 É certo que a doutrina alemã advertiu que a sentença em alguns casos poderia ser dirigida contra outro órgão estatal e não contra o vencido e nessas hipóteses a sentença teria características próprias em relação à condenatória Sucede que a doutrina alemã estava preocupada em conceituar a sentença que proferida contra o vencido é dirigida contra órgão do Estado Não foi despendida qualquer atenção à sentença que não se limita a declarar nem condenar mas incide sobre o vencido mediante coerção indireta constrangendoo a cumprir a ordem judicial Melhor explicando a mencionada doutrina alemã nada tem a ver com a conceituação da sentença ligada à coerção indireta coerção patrimonial ou coerção pessoal É equivocado pensar em uma quarta espécie de sentença mandamental em razão de o seu destinatário ser outro órgão estatal ainda que estranho ao processo como desejava a doutrina alemã Porém se isso não deve gerar a conceituação de nova espécie de sentença não é razoável negar que a sentença que se liga à coerção indireta que não pode ser misturada com aquela correlacionada com a execução forçada condenatória 796 ou com a que se limita a declarar 797 não deva abrir oportunidade a uma nova classificação De modo que se a natureza mandamental tem a ver com a espécie de sentença de procedência ao mandado de injunção não pode ser atribuída natureza mandamental A menos que se extraia a natureza mandamental da circunstância de a sentença ser dirigida a órgão do Estado A sentença que é dirigida a órgão estatal mas tem em sua substância declaração ou constituição é simplesmente declaratória ou constitutiva pois notificar ou dar ciência a órgão do Estado não tem o condão de alterar a substância ou forma de ser da sentença nem de modificar a maneira como a tutela jurisdicional do direito é prestada Notese que com isso não se está afirmando que as formas de execução não interferem na conceituação da sentença é que as formas de execução são necessárias quando a tutela do direito material exige prestação do vencido o que não acontece quando a sentença é apenas dirigida contra órgão do Estado De qualquer forma apesar de não ser adequado definir a natureza de qualquer sentença técnica processual em razão da especial qualidade do sujeito contra quem é dirigida pior ainda é tomar em conta tal circunstância para delimitar o conteúdo da prestação jurisdicional Ou seja é errôneo sustentar que o Judiciário apenas pode declarar a omissão inconstitucional dela cientificando o órgão competente em virtude de o mandado de injunção ter natureza mandamental ou pelo fato de o legislador ter de ser cientificado da sentença O que se pode dizer ao inverso é que o mandado de injunção tem esta ou aquela natureza em virtude de o Judiciário apenas poder declarar a omissão inconstitucional criar a norma ou ainda ordenar ao demandado alguma providência Nesta dimensão o mandado de injunção pode ter respectivamente naturezas declaratória constitutiva e mandamental Assim enquanto em suas primeiras decisões o mandado de injunção possuía natureza declaratória atualmente considerandose as decisões proferidas nos MI 670 798 708 799 e 712 800 o mandado de injunção possui natureza constitutiva haja vista que o Judiciário está aí precipuamente criando a norma jurídica 858 Legitimidade Convém analisar em primeiro lugar a legitimidade passiva haja vista a sua estreita ligação com o objeto do mandado de injunção e com a natureza de sua sentença de procedência Se o escopo do mandado de injunção é a edição da norma judicial em substituição à norma faltante legitimado passivo é o órgão legislativo competente Se o mandado de injunção vai além tendo o fim de tutelar o direito dependente da norma criada é legitimado passivo além do órgão legislativo competente aquele que se opõe à tutela do direito perseguida pelo autor que assim deve figurar como litisconsorte passivo necessário Esclareçase no entanto que o STF em diversos casos não admitiu a participação do particular conforme se pode verificar por exemplo nos acórdãos decorrentes dos MI 335 e 352 No MI 335 o STF raciocinou a partir da premissa de que como somente os órgãos estatais têm dever de legislar apenas eles podem figurar no polo passivo 801 No MI 352 concluiuse que o mandado de injunção há de se dirigir contra o Poder órgão entidade ou autoridade que tem o dever de regulamentar a norma constitucional não tendo legitimidade em princípio quem não tem dever de editar a regulamentação respectiva 802 A Lei 133002016 em seu art 3º apenas declara que é legitimado para figurar como impetrado no mandado de injunção o Poder o órgão ou a autoridade com atribuição para editar a norma regulamentadora Logo a seguir acrescentase que a petição inicial deve indicar além do órgão impetrado a pessoa jurídica que ele integra ou aquela a que está vinculado art 4º Lei 133002016 Segundo o art 3º da Lei 133002016 são legitimados ativos as pessoas naturais ou jurídicas que se afirmam titulares dos direitos das liberdades ou das prerrogativas inerentes à nacionalidade à soberania e à cidadania Porém de acordo com o art 12 o mandado de segurança coletivo pode ser proposto i pelo Ministério Público quando a tutela requerida for especialmente relevante para a defesa da ordem jurídica do regime democrático ou dos interesses sociais ou individuais indisponíveis ii por partido político com representação no Congresso Nacional para assegurar o exercício de direitos liberdades e prerrogativas de seus integrantes ou relacionados com a finalidade partidária iii por organização sindical entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos 1 um ano para assegurar o exercício de direitos liberdades e prerrogativas em favor da totalidade ou de parte de seus membros ou associados na forma de seus estatutos e desde que pertinentes a suas finalidades dispensada para tanto autorização especial iv pela Defensoria Pública quando a tutela requerida for especialmente relevante para a promoção dos direitos humanos e a defesa dos direitos individuais e coletivos dos necessitados na forma do inciso LXXIV do art 5º da Constituição Federal O parágrafo único do art 12 esclarece que os direitos as liberdades e as prerrogativas protegidos por mandado de injunção coletivo são os pertencentes indistintamente a uma coletividade indeterminada de pessoas ou determinada por grupo classe ou categoria O Supremo há muito tempo entende que as entidades sindicais dispõem de legitimidade ativa para a impetração de mandado de injunção coletivo argumentando que este se destina a viabilizar em favor dos integrantes das categorias que essas instituições representam o exercício de liberdades prerrogativas e direitos assegurados pelo ordenamento constitucional 803 No MI 361 entendeuse que entidade sindical de pequenas e médias empresas notoriamente dependentes do crédito bancário com interesse comum na eficácia do art 192 3º revogado da Constituição que fixou limites aos juros reais possui legitimidade ao mandado de injunção coletivo aplicandose analogicamente o art 5º LXX da CF 804 No MI 20 de relatoria do Min Celso de Mello declarouse que a jurisprudência do STF se firmara no sentido de admitir a utilização pelos organismos sindicais e pelas entidades de classe do mandado de injunção coletivo com a finalidade de viabilizar em favor dos membros ou associados dessas instituições o exercício de direitos assegurados pela Constituição 805 A Lei 133002016 além de se referir à legitimidade de organização sindical entidade de classe e associação enfatiza a legitimidade do Ministério Público 806 do partido político com representação no Congresso Nacional e da Defensoria Pública É importante sublinhar que o inciso IV do art 12 é expresso no sentido de que a Defensoria Pública tem legitimidade para o mandado de injunção quando a tutela requerida for relevante para a promoção dos direitos humanos e a defesa de direitos individuais e coletivos dos necessitados 859 Medida liminar O STF entende ser incabível medida liminar em mandado de injunção conforme decisões proferidas nos MI 283 rel Min Sepúlveda Pertence DJ 25101990 MI 313 rel Min Moreira Alves DJ 14051991 MI 335 Pleno rel Min Celso de Mello DJ 09081991 MI 323 Pleno rel Min Moreira Alves DJ 31101991 MI 542 rel Min Celso de Mello DJ 05111996 MI 621 rel Min Maurício Corrêa DJ 14032000 MI 636 rel Min Maurício Corrêa DJ 07032001 MI 647 rel Min Ilmar Galvão DJ 21082001 MI 652 rel Min Ellen Gracie DJ 26102001 MI 659 rel Min Celso de Mello DJ 04022002 MI 712 rel Min Eros Grau DJ 29042004 e MI 768 rel Min Joaquim Barbosa DJ 21082007 Todas essas decisões podem ser exemplificadas mediante a proferida no MI 631 de relatoria do Min Ilmar Galvão no seguinte sentido Tratase de mandado de injunção impetrado pelo Sindicato dos Servidores do Poder Judiciário do Estado do Mato Grosso do Sul SindijusMS contra o Congresso Nacional por meio do qual requer seja garantido a seus filiados o direito de greve previsto no art 37 VII da CF Pede ademais concessão de medida liminar para determinar que o TJMS se abstenha da abertura de processos administrativos do desconto nos vencimentos dos servidores dos dias de paralisação na greve ocorrida entre 29 de maio e 14 de junho de 2000 A jurisprudência do STF é firme quanto ao descabimento de medida liminar em mandado de injunção conforme o decidido no MI 283 rel Min Sepúlveda Pertence DJ 25101990 e no MI 313 rel Min Moreira Alves DJ 14051991 Dessa forma o pedido nesta parte fica desde logo indeferido 807 Não obstante é certo que a viabilidade da liminar depende do que se admite poder ser feito pelo Judiciário mediante o mandado de injunção Ou melhor para se pensar no cabimento de liminar é necessário antes individualizar a tutela jurisdicional final da ação de injunção Assim se a tutela final se resume à declaração da omissão inconstitucional seguida de cientificação do legislador não se pode admitir uma norma judicial provisória nos moldes de uma tutela antecipada Contudo as coisas mudam totalmente de figura quando se parte da premissa de que o Judiciário pode retirar do descumprimento do dever de legislar determinada consequência concreta ou editar a norma jurídica faltante e mais ainda quando se admite que o Tribunal pode tutelar o direito dependente da norma até então ausente 808 Pensese por exemplo no caso da imunidade das entidades beneficentes de assistência social a depender da regulamentação do disposto no 7º do art 195 da CF em que o Supremo Tribunal declarou no MI 232 a mora do Congresso Nacional a fim de que no prazo de seis meses fossem adotadas as providências legislativas que se impunham para o cumprimento da obrigação de legislar sob pena de uma vez vencido o prazo sem o cumprimento da obrigação passasse o requerente a gozar da imunidade requerida 809 Mais emblemático ainda é o MI 712 já que nesta hipótese a própria norma faltante foi elaborada pelo Judiciário Aí o Tribunal não apenas retirou consequências da não observância de decisão mas expressamente assumiu o poder de editar norma jurídica em substituição à devida pelo legislador salientando que isso não representa violação à independência e harmonia entre os Poderes art 2º da CF e à separação dos Poderes art 60 4º III da CF 810 A decisão nestes dois casos tem natureza constitutiva No MI 232 a decisão substitui a vontade do legislador ou melhor vale como se fosse a norma legislativa não editada Tratase de decisão que por sua natureza jurídicoprocessual assemelhase à do art 501 do CPC de 2015 Essa regra processual diz que a sentença ao reconhecer o dever de o réu emitir declaração de vontade produz após transitar em julgado todos os efeitos da declaração não emitida Embora se possa dizer que sentença deste porte tem natureza executiva e não constitutiva é indiscutível que tanto a sentença do art 501 do CPC quanto a decisão final que retira da não observância do dever de legislar a própria situação de vantagem que se teria caso a norma houvesse sido editada pelo legislador têm conteúdo constitutivo já que criam uma situação jurídica Sendo assim importa verificar se é possível liminar em face de decisão final de conteúdo constitutivo É fora de dúvida que se admite provimento assecuratório de natureza cautelar diante de decisão final de natureza constitutiva Tratase de assegurar o direito que depende da constituição final Há maior dificuldade teórica quando se pensa em liminar de cunho antecipatório Vozes autorizadas tanto no direito italiano 811 quanto no direito brasileiro 812 não admitem a antecipação de uma constituição vale dizer uma constituição baseada em cognição sumária Porém o verdadeiro problema não está na pergunta acerca da possibilidade de uma constituição fundada em cognição sumária mas sim em saber se é possível obstar uma conduta ou autorizar um comportamento cuja legitimidade depende da constituição A questão está em saber se é possível antecipar o exercício de um direito que ainda depende de uma decisão ou melhor se é viável antecipar o exercício das faculdades que estão contidas no direito a ser constituído Esta antecipação como é evidente não é uma simples constituição provisória Realmente nada pode impedir em tese ordem que proíba a imposição de sanções contra a entidade beneficente que gozaria de imunidade caso a decisão final do mandado de injunção já houvesse sido proferida 813 Do mesmo modo é claramente possível em sede de liminar ordem para que a autoridade administrativa se abstenha de impor sanções àquele que estaria usufruindo do direito caso a decisão final já houvesse sido pronunciada situação que sucedeu no MI 631 em que se requereu liminar não admitida para que o TJMS se abstivesse da abertura de processos administrativos para o desconto nos vencimentos dos servidores dos dias de paralisação na greve 814 860 Pressupostos para a concessão do mandado de injunção 8601 Dever de legislar O dever de legislar é visto como pressuposto do mandado de injunção 815 É claro que importa saber neste contexto o significado deste dever O STF entende que o dever de legislar é a posição que responde ao direito à emanação da lei imprescindível à regulamentação da norma constitucional mas adverte que para o aparecimento dessas posições jurídicas o próprio texto constitucional deve exigir a tomada de providências legislativas apenas aí surgindo o dever de o legislador atuar Melhor explicando só há dever de legislar nesta dimensão quando a própria norma constitucional carente de regulamentação prevê a atuação do legislador O acórdão proferido no MI 642 é elucidativo Discutiuse neste caso sobre a admissibilidade de pretensão à edição de norma relacionada ao art 135 do CPC de 1973 equivalente ao art 145 1º do CPC2015 que dispunha sobre a possibilidade de o juiz declararse suspeito por motivo de foro íntimo Requereuse mediante o mandado de injunção a edição de lei para impor ao juiz o dever de declarar o motivo da natureza da suspeição criando lhe a obrigação de fundamentar esse juízo e de comprovar as razões que lhe dão suporte 816 Neste caso ainda que se pudesse supor que se estava diante de falta de lei para justificar a inação do juiz e assim que tal ausência significava uma negação de tutela normativa ao direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva art 5º XXXV da CF o que realmente importa é que o STF deixou claro que para o cabimento do mandado de injunção é necessário que a norma constitucional que fundamenta a alegação de ausência de lei preveja expressamente a atuação do legislador Justificou o acórdão que é preciso ter presente que o direito à legislação só pode ser invocado pelo interessado quando também existir simultaneamente imposta pelo próprio texto constitucional a previsão do dever estatal de emanar normas legais Desse modo e para que possa atuar a norma pertinente ao instituto do mandado de injunção revelase essencial que se estabeleça a necessária correlação entre a imposição constitucional de legislar de um lado e o consequente reconhecimento do direito público subjetivo à legislação de outro de tal forma que ausente a obrigação jurídico constitucional de emanar provimentos legislativos não se tornará possível imputar comportamento moroso ao Estado nem pretender acesso legítimo à via injuncional MI 463 rel Min Celso de Mello 817 Sublinhou o acórdão nesta linha não ter o impetrante demonstrado a existência no texto constitucional de regra que ao prever a edição de norma regulamentadora instituísse desde logo em favor do particular o direito deste a ver revelados por juiz que se declare suspeito por razões de foro íntimo os motivos que fundamentaram tal decisão 818 Discutiuse caso similar no MI 633 em que se sustentou que a norma do art 10 da Lei 98411999 819 apesar de exonerar as microempresas e as empresas de pequeno porte do recolhimento de 30 do valor apurado pela fiscalização para fins de interposição de recurso administrativo estaria a depender da ação do legislador para ser aplicável ao impetrante Esse argumentou que a falta de lei configuraria ofensa às normas constitucionais que consagram a isonomia CF art 150 II e a ampla defesa CF art 5º LV postulando a extensão do favor legal em seu benefício 820 O mandado de injunção teve o seu seguimento denegado mediante decisão monocrática Afirmou o Min Celso de Mello que o impetrante não demonstrou a existência no texto constitucional de regra que ao prever a edição de norma regulamentadora instituísse desde logo em favor do particular o direito deste à legislação estatal concernente ao benefício legal da dispensa de recolhimento para efeitos recursais administrativos do depósito prévio de 30 do valor apurado pela fiscalização 821 Percebase efetivamente que no MI 633 não se alegou falta de lei destinada a regulamentar norma constitucional que instituiu direito mas sim omissão na proteção normativa do direito fundamental à ampla defesa Ainda que se possam enxergar entraves para a admissão de omissão de tutela normativa neste caso o certo é que se tentou demonstrar que a falta de lei não precisa decorrer de expressa previsão constitucional Portanto considerandose o modo como o STF compreende o dever de legislar restam excluídas as normas constitucionais que ainda que carentes de tutela normativa não preveem a atuação do legislador 8602 Mora do legislador O STF exige ainda a caracterização da mora do legislador para conceder o mandado de injunção Quer isso dizer que o dever de legislar apenas não basta para a procedência do mandado de injunção Quando não é estabelecido na própria norma constitucional prazo para legislar o retardo ou atraso deve ser gravado de significado ou melhor deve revelar a não intenção de legislar Lembrese de que o art 8º 3º do ADCT objeto dos MI 283 e 284 afirma que aos cidadãos que foram impedidos de exercer na vida civil atividade profissional específica em decorrência das Portarias Reservadas do Ministério da Aeronáutica n S50GM5 de 19061964 e n S285GM5 será concedida reparação de natureza econômica na forma que dispuser lei de iniciativa do Congresso Nacional e a entrar em vigor no prazo de doze meses a contar da promulgação da Constituição No MI 232 considerouse o art 59 do ADCT cuja redação define prazo para a apresentação de projetos de lei e prazo para sua apreciação pelo Congresso Nacional Os projetos de lei relativos à organização da seguridade social e aos planos de custeio e de benefício serão apresentados no prazo máximo de seis meses da promulgação da Constituição ao Congresso Nacional que terá seis meses para apreciálos Quando a norma constitucional define prazo para a regulamentação a mora é mera decorrência da superação do prazo fixado tornandose desnecessário investigar se a demora é excessiva ou foge do razoável A ideia de superação de prazo razoável como critério de caracterização da mora só é aplicável quando a norma constitucional embora prevendo necessidade de regulamentação deixa de estabelecer prazo para a edição das providências legislativas Ou seja só é preciso investigar se a demora é excessiva quando prazo inexiste Nesse caso por haver dever de legislar mas não existir prazo para o exercício desse dever indagase diante das peculiaridades da situação concreta se o tempo de demora do legislador foge do razoável 822 O Supremo alude à superação de prazo razoável para a edição do ato legislativo Assim por exemplo afirmouse no MI 361 que a mora que é pressuposto da declaração de inconstitucionalidade da omissão legislativa é de ser reconhecida em cada caso quando dado o tempo corrido da promulgação da norma constitucional invocada e o relevo da matéria se deva considerar superado o prazo razoável para a edição do ato legislativo necessário à efetividade da lei fundamental Ao julgar este caso acrescentou a Corte que vencido o tempo razoável nem a inexistência de prazo constitucional para o adimplemento do dever de legislar nem a pendência de projetos de lei tendentes a cumprilo podem descaracterizar a evidência da inconstitucionalidade da persistente omissão de legislar 823 A decisão proferida no MI 715 824 fala em superação excessiva de prazo razoável como critério de configuração do estado de inércia legiferante demonstrando de forma minudente as razões que justificariam no caso a não superação do prazo razoável 825 Porém ao contrário do que se declarou no MI 361 entendeuse que a circunstância de projetos de lei terem sido enviados ao Congresso também descaracterizaria a mora legislativa 826 O encaminhamento de projeto de lei não constitui álibi do devedor da norma Somente tem o efeito de isentálo de culpa quando não existe outro elemento que indique a mora em legislar como a demora excessiva das Casas Legislativas para deliberar e aprovar a norma 8603 Norma insuficiente e omissão parcial Em caso de norma insuficiente compreendida como norma incapaz de regulamentar a norma constitucional cabe mandado de injunção ao contrário do que se poderia supor É que norma insuficiente neste caso significa falta de norma necessária a dar regulação ao preceito constitucional e não obviamente norma que tendo plena e formalmente regulado a norma constitucional pode conter alguma impropriedade em sua substância que não seja de índole constitucional Ou seja o legislador não se desincumbe do seu dever ao editar qualquer norma ou ao instituir norma que regula apenas parcialmente a norma constitucional A Lei 133002016 deixou isso claro Diz o art 2º que o mandado de injunção é cabível em caso de falta total ou parcial de norma regulamentadora esclarecendo o seu parágrafo único que considerase parcial a regulamentação quando forem insuficientes as normas editadas pelo órgão legislador competente Lembrese que se pode falar em omissão parcial em perspectivas vertical e horizontal É certo que em tese uma lei pode regulamentar com maior ou menor intensidade a norma constitucional Mas se a lei não é capaz de realizar na intensidade devida a norma constitucional ela responde à Constituição de modo parcial no sentido vertical Porém a lei ainda que capaz de responder à norma constitucional em termos de intensidade pode atender apenas a parcela dos seus beneficiários quando há omissão parcial em sentido horizontal Assim a lei que prevê salário mínimo em valor insuficiente à realização da norma que garante ao cidadão remuneração digna art 7º IV da CF representa omissão inconstitucional em sentido vertical uma vez que a sua previsão é apenas parcialmente suficiente para realizar a norma constitucional Contudo se a lei não considera grupo ou categoria que é beneficiário da norma constitucional existe omissão inconstitucional em sentido horizontal 827 A insuficiência da lei para dar conta da norma constitucional poderia fazer pensar em lei simplesmente inconstitucional Não obstante ao se declarar a inconstitucionalidade da lei que é insuficiente à tutela da norma constitucional deixase de ter o pouco de proteção que a lei outorgou à Constituição O mesmo ocorre quando a lei dando a devida atenção a determinado grupo esquece outro que mereceria igual benefício de acordo com a norma constitucional tutelada A declaração de inconstitucionalidade excluiria a proteção devida e conferida ao grupo reduzindose a uma curiosa declaração de inconstitucionalidade cuja função seria apenas retirar de uma categoria um benefício que lhe foi outorgado pela Constituição De modo que a declaração de inconstitucionalidade nessas hipóteses não constitui solução judicial adequada Há que se preservar a tutela da norma constitucional ainda que insuficiente ou indevidamente limitada a determinado grupo ou categoria devendo o Judiciário aí ver inconstitucionalidade por omissão e admitir quando for o caso o emprego do mandado de injunção Advirtase porém que o STF no MI 81 não admitiu o uso do mandado de injunção em caso em que havia lei que protegia insuficientemente norma constitucional vendo aí inconstitucionalidade por ação a repelir a utilização do mandado de injunção Declarou a Corte neste caso que o mandado de injunção não constitui dada a sua precípua função jurídicoprocessual sucedâneo de ação judicial que objetive mediante alteração de lei já existente a majoração de vencimentos devidos a servidores públicos uma vez que refoge ao âmbito de sua finalidade corrigir eventual inconstitucionalidade que infirme a validade de ato estatal em vigor 828 8604 Norma não autoaplicável Parece evidente que a norma constitucional para dar ensejo ao uso da ação de injunção não pode ser autoaplicável 829 Ao ser dotada desta condição não há razão para se reclamar providência legislativa e assim se ajuizar mandado de injunção por manifesta carência de interesse de agir Como é óbvio a circunstância de alguém particular ou autoridade estatal resistir à aplicação da norma não a torna não autoaplicável Isso significa que diante de norma constitucional autoaplicável não aplicada o interessado não pode propor mandado de injunção 830 mas apenas e se for o caso mandado de segurança Assim no MI 97 o Supremo Tribunal decidiu que a norma do art 47 do ADCT ao instituir direito à anistia da correção monetária de dívida de microempresa não depende de norma regulamentadora capaz de viabilizar o seu exercício e assim não abre ensejo para mandado de injunção 831 8605 Norma recepcionada pela Constituição edição superveniente da norma e encaminhamento de projeto de lei Além de inexistir interesse de agir quando a norma é autoaplicável há outras situações em que tal forma de interesse também não está presente Suponhase assim que após o ajuizamento do mandado de injunção o STF reconheça que determinada lei que regulamenta situação posta em norma constitucional foi recepcionada pela Constituição Em uma situação de tal porte há perda superveniente do interesse de agir 832 Há situação similar no caso em que após a propositura do mandado de injunção editase norma 833 que viabiliza o exercício do direito Além disso já proclamou o STF que se o Executivo encaminha mensagem com projeto de lei ao Congresso ou é apresentado projeto de lei ao Senado ou à Câmara não cabe mandado de injunção Porém recentemente ao julgar a ADO 3682 afirmou a Corte ao tratar da regulamentação do art 18 4º da CF que apesar de existirem no Congresso Nacional diversos projetos de lei apresentados visando à regulamentação da norma é possível constatar a omissão inconstitucional quanto à efetiva deliberação e aprovação da lei complementar em referência As peculiaridades da atividade parlamentar que afetam inexoravelmente o processo legislativo não justificam uma conduta manifestamente negligente ou desidiosa das Casas Legislativas conduta esta que pode pôr em risco a própria ordem constitucional A inertia deliberandi das Casas Legislativas pode ser objeto da ação direta de inconstitucionalidade por omissão 834 Isso significa que o encaminhamento de projeto de lei não pode ser visto como mecanismo de desculpabilidade do legislador A apresentação de projeto de lei somente tem o efeito de desculpar o legislador quando não há nada que indique de outra parte a falta de intenção ou a inércia em legislar como a demora excessiva da Casa legislativa para deliberar inertia deliberandi 835 861 Coisa julgada nos mandados de injunção individual e coletivo A decisão proferida no mandado de injunção individual produz coisa julgada para as partes art 9º Lei 133002016 Isso é mera decorrência de a parte nesse mandado de injunção pedir a tutela de posição jurídica individual No mandado de injunção coletivo porém a sentença fará coisa julgada limitadamente às pessoas integrantes da coletividade do grupo da classe ou da categoria substituídos pelo impetrante art 13 Lei 133002016 O impetrante do mandado de injunção individual não será beneficiado pela sentença proferida no mandado de injunção coletivo caso não requeira a desistência da sua ação no prazo de trinta dias contado da ciência comprovada da propositura do mandado coletivo parágrafo único art 13 Lei 133002016 Significa que não há litispendência entre mandado de injunção coletivo e individual mas que o autor da ação individual para poder se beneficiar da coisa julgada formada no mandado coletivo deve desistir da sua ação ao ter ciência da propositura da ação coletiva À semelhança do que ocorre na ação coletiva regulada pela Lei da Ação Civil e pelo Código de Defesa do Consumidor no mandado de injunção a decisão de improcedência por insuficiência de provas não impede a renovação da impetração com base em outros elementos probatórios Como se vê quando outra prova pode permitir decisão favorável nenhum legitimado coletivo ou individual apesar da decisão da improcedência fica obstado de propor o mesmo mandado de injunção 862 Revisão da decisão A questão dos efeitos temporais da coisa julgada Afirma o art 10 da Lei 133002016 que sem prejuízo dos efeitos já produzidos a decisão poderá ser revista a pedido de qualquer interessado quando sobrevierem relevantes modificações das circunstâncias de fato ou de direito Como é sabido novas circunstâncias de fato ou de direito alteram a causa de pedir da ação que passa a ser outra A coisa julgada anterior por refletir situação de fato e de direito pertencente à ação que lhe diz respeito jamais obstaculiza a propositura de ação pautada em novos fatos ou direito ou o que é o mesmo em relevantes modificações das circunstâncias de fato ou de direito Modificação dos fatos ou do direito dá origem a outra ação que simplesmente por isso nada deve à coisa julgada que se formou na ação cujos fatos e direito foram modificados Embora o art 10 fale em revisão e em ação de revisão da decisão não há propriamente revisão da decisão na medida em que revisão é repetição de juízo acerca do mesmo objeto litigioso Quando sobrevieram relevantes modificações das circunstâncias de fato ou de direito que aliás autorizam a dita ação de revisão certamente não há repetição de juízo sobre o mesmo objeto há isso sim novo ou outro juízo acerca de outro objeto De qualquer forma o art 10 aponta para o caráter transitório da decisão proferida em mandado de injunção evidenciando que a modificação dos fatos e do direito pode dar ensejo a outro mandado de injunção É claro e isso não precisaria estar escrito na lei art 10 primeira parte Lei 133002016 que a decisão proferida na ação de revisão não pode retroagir sobre a coisa julgada ou afetar as situações que se consolidaram em decorrência da decisão anterior Na realidade a coisa julgada formada anteriormente que espelha a situação jurídica e de fato que exista à época da decisão assim como a sua projeção ultra partes ou erga omnes bem como os efeitos concretos que daí resultaram não podem ser atingidos pela nova decisão tomada na ação de revisão A decisão proferida na ação de revisão apenas faz cessar os efeitos temporais da coisa julgada que reveste a decisão revista 863 Retroatividade apenas para beneficiar De acordo com o art 11 da mesma lei a norma regulamentadora superveniente produzirá efeitos ex nunc em relação aos beneficiados por decisão transitada em julgado salvo se a aplicação da norma editada lhes for mais favorável Essa norma igualmente resguarda a coisa julgada eliminando qualquer cogitação acerca da possibilidade de a decisão proferida no mandado de injunção retroagir para prejudicar aqueles que já obtiveram decisões transitadas em julgado A norma regulamentadora superveniente só pode retroagir quando for mais favorável Notese porém que aí não se está a pensar em efeitos temporais da coisa julgada Toda e qualquer decisão diante de novos fatos ou direito ocupa o lugar da coisa julgada anterior isso deriva da estrutura marcadamente temporal do direito Quando se fala que a decisão pode retroagir quando for mais favorável admite se que a coisa julgada não pode prevalecer para tornar intangível uma situação jurídica que se formou em proveito daquele se omitiu em seu dever de legislar 864 Eficácia natural da coisa julgada De outra parte diz o 1º do art 9º que poderá ser conferida eficácia ultra partes ou erga omnes à decisão quando isso for inerente ou indispensável ao exercício do direito da liberdade ou da prerrogativa objeto da impetração A norma obviamente está falando de situação em que a coisa julgada não é erga omnes ou ultra partes Tratase de hipótese em que a coisa julgada é formada em mandado de injunção individual em que a coisa julgada é limitada às partes Admitese porém que a própria decisão tomada na ação individual invistase de eficácia ultra partes ou erga omnes quando isso for inerente ou indispensável ao exercício do direito da liberdade ou da prerrogativa objeto da impetração Em outras palavras afirmase que a coisa julgada naturalmente deve se estender a terceiros quando a norma estabelecida para tutelar o impetrante tiver que necessariamente tutelar outras pessoas na mesma situação 865 Eficácia dos precedentes O 2º do art 9º embaixo da norma do caput que afirma que a coisa julgada é limitada às partes diz que transitada em julgado a decisão seus efeitos poderão ser estendidos aos casos análogos por decisão monocrática do relator Se o mandado de injunção é individual não houve representação adequada por meio de legitimado coletivo obviamente não há coisa julgada erga omnes ou ultra partes Portanto é possível pensar que o 2º está aludindo à extensão da coisa julgada em benefício de terceiro nos termos dos arts 503 e 506 do Código de Processo Civil Porém como a norma fala em casos análogos e em poderão ser estendidos o que não é exato para quem raciocina em termos de coisa julgada é melhor entender que a norma está a se referir ao fenômeno relativo aos precedentes Se há precedente que determina prazo para a edição da norma ou define as condições para o exercício do direito ou para a sua tutela jurisdicional todos aqueles que estão na mesma situação em que a norma reguladora é indispensável devem ter os seus casos solucionados mediante a aplicação do precedente Daí o motivo pelo qual o relator mediante decisão monocrática pode aplicar o precedente ao caso sob julgamento Frisese qua a decisão proferida pelo Supremo Tribunal em mandado de injunção como toda e qualquer decisão por ele proferida em controle difuso obviamente constitui precedente Ora o simples fato de ser precedente da Corte incumbida de tutelar a Constituição outorgalhe a chamada eficácia vinculante já que nenhuma decisão da Suprema Corte por mera lógica pode ser desrespeitada por tribunal ou juízo Pouco importa assim que nada se diga no plano normativo acerca da eficácia vinculante da decisão injuncional até porque isso equivaleria a superdimensionar algo que é simples e óbvio Os fundamentos e o dispositivo da decisão irmanados para formar a ratio decidendi ou os motivos determinantes contribuem para evidenciar de que forma se dá a obrigatoriedade de respeito ao precedente De acordo com a atual jurisprudência do STF a decisão de procedência no mandado de injunção a partir da norma constitucional que se alega carente de regulamentação declara o dever de legislar e a mora do legislador e constitui a norma faltante Assim não só constituem motivo determinante da decisão o dever de legislar e a mora em relação à norma constitucional do art X mas também a própria norma elaborada pela Corte Isso significa que nos próximos mandados de injunção envolvendo a necessidade de regulação da mesma norma o Supremo estará obrigado em face de sua decisão pretérita Porém a norma elaborada pelo Supremo no mandado de injunção Y respeitante a partes determinadas deverá ser utilizada pelos demais juízos e tribunais sempre que se reclamar num caso conflitivo concreto contra a não regulamentação da mesma norma constitucional Há aí eficácia vinculante vertical a obstar consideração diversa Notese portanto que aquele que se resguarda em norma constitucional para exercer direito pode e deve se valer da norma judicial elaborada no precedente constitucional que a regulamentou como fundamento de ação direta proposta em face daquele que é sujeito passivo da relação substancial Assim por exemplo no caso de aposentadoria especial de servidor público portador de deficiência física é possível em caso de resistência da autoridade administrativa propor ação em primeiro grau de jurisdição em face da autoridade responsável pela aplicação da norma sendo irracional pensar não apenas que o juiz de primeiro grau não observará o precedente constitucional mas também que é necessário outro mandado de injunção no STF A situação bem vistas as coisas é similar à do MI 284 em que o Supremo Tribunal observou que em virtude de se ter escoado o prazo imposto no MI 283 tem o interessado o poder de propor sem a necessidade de outro mandado de injunção ação de perdas e danos Registrouse na ocasião que embora previamente cientificado no MI 283 o Congresso Nacional se absteve de adimplir a obrigação que lhe foi constitucionalmente imposta o que torna prescindível nova comunicação ao legislador e assegura a possibilidade de ajuizamento nos termos do direito comum ou ordinário da ação de reparação de natureza econômica instituída em seu favor pelo preceito transitório 836 866 O mandado de injunção diante da possibilidade de a falta de lei ser suprida no caso conflitivo concreto É completamente equivocado supor que uma Constituição possa carecer de norma infraconstitucional apenas quando determinadas normas constitucionais se lembraram de assim prever O legislador tem dever de tutelar e concretizar os direitos fundamentais As prestações normativas nem sempre se exaurem como prestações de proteção pois a norma também pode constituir autorização para prestações fáticas realizadoras de direitos sociais ou mesmo representar a instituição de prestações de participação na coisa pública Percebase respectivamente que uma norma infraconstitucional pode i impedir a construção de edifícios à margem dos rios ii autorizar a entrega de determinados remédios à população necessitada e ainda iii instituir condutos procedimentos e cargos para a participação popular nas universidades públicas Nessas hipóteses o Estado se manifesta para se desincumbir de i prestação de proteção de ii prestação fática de cunho social e de iii prestação de participação embora todas essas prestações em um sentido largo possam ser vistas como decorrentes do dever estatal de editar normas 837 Assim não há como pensar que o dever de legislar decorre unicamente da presença em determinadas normas constitucionais da imposição de regulamentação É certo que tanto as normas constitucionais ditas de organização como a do art 178 lei disporá sobre a ordenação dos transportes aéreo aquático e terrestre quanto as normas que propriamente definem direitos como a do art 7º XI são direitos dos trabalhadores além de outros participação nos lucros ou resultados conforme definido em lei dão origem a casos de omissão inconstitucional diante da inação do legislador mas certamente não são apenas estas situações que exigem do Judiciário providências diante da falta de atuação legislativa Porém há aí não apenas a falta de percepção de que outras normas constitucionais que não as impositivas de dever de legislar carecem de providências legislativas mas também a não atenção à circunstância de que o mandado de injunção objetiva garantir o exercício de direito dependente de norma reguladora ao passo que os direitos fundamentais podem necessitar de normas infraconstitucionais voltadas especialmente a impor condutas negativas ou positivas Do mesmo modo que o direito fundamental à saúde impõe a edição de norma autorizadora da entrega de remédios à população carente gerando direito à obtenção desses remédios o direito fundamental ao meio ambiente exige normas que imponham condutas negativas ou positivas para que o meio ambiente seja preservado fazendo surgir aos sujeitos privados dever de observálas Se não há dúvida que a falta de lei não tem exclusiva relação de causalidade com a expressa imposição constitucional de dever de legislar e que o mandado de injunção não é suficiente para dar tutela às variadas situações carentes de norma infraconstitucional há uma gama de situações que ficariam no limbo caso não se admitisse aos juízes e tribunais ordinários suprirem a omissão inconstitucional no caso concreto que lhes é apresentado exercendo nítido controle incidental da inconstitucionalidade por omissão Assim a única questão que deve preocupar a esta altura é saber se as situações tuteláveis via mandado de injunção também podem ser tuteladas mediante ação proposta em face do outro sujeito da relação substancial que carece da atuação legislativa Ou melhor indagase se o titular do direito que para ser exercido depende de norma nos termos de previsão constitucional e que é tutelável mediante mandado de injunção pode propor ação em face daquele que tem dever decorrente da edição da norma faltante Em junho de 2011 o Plenário do STF suspendeu o julgamento dos MI 943 1010 1074 e 1090 que objetivam a satisfação do direito assegurado pelo art 7º XXI 838 da CF aviso prévio proporcional ao tempo de serviço A suspensão do julgamento se deu para a Corte elaborar a norma faltante 839 dandose assim continuidade ao pensamento que se afirmou nos MI 670 708 e 712 840 No MI 943 a Companhia Vale do Rio Doce figura como litisconsorte passivo do Poder gravado com o dever de legislar Caso a decisão no mandado de injunção não possa superar o limite da elaboração judicial da norma não tendo condições de viabilizar o alcance da tutela do direito material não há razão para não admitir a propositura de ação direta em face daquele que resiste à pretensão à tutela do direito material requerendose assim o controle da inconstitucionalidade por omissão na forma incidental à solução do caso litigioso 841 Nessas condições o mandado de injunção em termos de funcionalidade prática perde vigor Porém resta digno como meio alternativo a quem deseja apenas a emissão da norma judicial reguladora ou prefere se socorrer desde logo do STF Aliás o mandado de injunção em vista da tese de que o precedente constitucional se impõe aos demais juízes e tribunais possui efeito prático distinto daquele que pode ser obtido mediante ação comum em que se busca a tutela do direito material A decisão proferida no mandado de injunção por ter efeitos vinculantes obrigará desde O fenômeno da inconstitucionalidade por omissão como já ressaltado deriva da tomada de consciência de que a força e o vigor da Constituição dependem da densificação das normas constitucionais Isso porque uma Constituição que afirma direitos fundamentais garantindoos aos cidadãos e impondo deveres aos sujeitos privados e especialmente ao Estado obviamente não pode conviver com a falta de atuação do legislador Sabese que sem a atuação do legislador infraconstitucional os direitos fundamentais muitas vezes carecem de tutela normativa de proteção e em outras da própria ramificação necessária para lhes dar vida e efetividade Esta conclusão por si só legitima a supressão da omissão inconstitucional pelo Judiciário Não obstante a Constituição Federal teve o cuidado de instituir formas para o Judiciário tratar da inconstitucionalidade por omissão Mediante o mandado de injunção art 5º LXXI da CF objetivou permitir a tutela de direito fundamental não regulamentado e segundo a atual jurisprudência do Supremo Tribunal confere à Corte o poder de elaborar a norma considerada faltante Ao lado do mandado de injunção previu a Constituição ação para a fiscalização abstrata da inconstitucionalidade por omissão art 103 2º da CF a dita ação direta de inconstitucionalidade por omissão que segundo o Supremo Tribunal não viabilizaria outra coisa que não a declaração da inconstitucionalidade por omissão e conforme o caso a ciência ao Poder incumbido de editar a norma ou ordem para a autoridade administrativa tomar as providências necessárias Interessa agora esta última a ação voltada à efetividade da norma constitucional ou à tutela do direito objetivo mediante a qual o STF faz fiscalização abstrata Nesta ação não se examina litígio entre partes ou caso conflitivo concreto não se falando por conta disso em sentença com efeitos para as partes a sentença opera exclusivamente no plano normativo possuindo efeitos erga omnes ou para todos Deixese claro que a ação direta de inconstitucionalidade por omissão e a ação dire ta de inconstitucionalidade por ação almejam dar plena força normativa à Constituição corrigindo manifestações de vontade omissivas ou comissivas com ela incompatíveis Embora tais ações obviamente almejem resultados distintos 844 uma a inconstitucionalidade de norma e outra a inconstitucionalidade por falta de norma entendese que ambas têm base no art 102 I a da CF 845 868 Escopo da ação direta de inconstitucionalidade por omissão Diz o art 103 2º da CF que declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional será dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias e em se tratando de órgão administrativo para fazêlo em trinta dias Portanto nos termos da norma constitucional a ação direta objetiva o alcance de sentença que declare a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional A declaração de inconstitucionalidade por omissão tem implícita a pronúncia da mora do Poder ou órgão competente O momento da mora porém nem sempre é o da prolação da sentença de inconstitucionalidade por omissão podendo ser a ele anterior como por exemplo no caso em que findou muito antes da propositura da ação direta o prazo fixado em norma constitucional para legislar Aliás se nos casos em que não há norma constitucional estabelecendo prazo é difícil extrair a mora do comportamento do órgão estatal ou da própria situação em que tal comportamento se inseriu isso não permite fixar a regra válida para todos os casos de que a mora apenas pode produzir efeitos a partir do momento em que a sentença que reconhece a omissão é proferida ou pior ainda do exaurimento do prazo judicial sem deliberação do órgão gravado com o dever Dúvida pode surgir quando se liga a declaração de inconstitucionalidade com a ciência ao Poder competente para produzir a norma ou com a ordem ao órgão administrativo para tomar as devidas providências no prazo de 30 dias A ciência ao Poder competente não altera a natureza declaratória da decisão uma vez que não tem carga executiva alguma capaz de impor cumprimento Tal ciência em termos de técnica processual nada significa já que não altera o conteúdo e a forma de manifestação da sentença A sentença não é mandamental simplesmente por não poder conter ordem A diferença entre ordenar e cientificar está em que a sentença que ordena constrange ao cumprimento enquanto a sentença de que é cientificado o sujeito que se encontra no polo passivo não contém sequer comunicação em seu conteúdo e forma a ciência é mero ato externo posterior à prolação da sentença utilizado para comunicar o demandado acerca do conteúdo da sentença e não para constrangêlo a observála Isso significa que apenas quando a ação se dirige contra órgão administrativo e assim a sentença de procedência pode lhe ordenar a prática das providências necessárias no prazo de 30 dias é que a sentença assume natureza mandamental Notese que neste caso o não cumprimento da sentença é sancionado 846 De qualquer forma na ação em cujo polo passivo se coloca o Poder responsável pela prática do ato a sentença de procedência é simplesmente declaratória da omissão inconstitucional e dessa forma completamente incapaz de dar efetividade à norma constitucional e de adequadamente defender a ordem jurídica O problema portanto é saber se a jurisdição deve se render à compreensão de que a decisão de procedência pode apenas declarar a omissão inconstitucional ou ao invés deve tomar em conta que a tutela da Constituição não pode deixar a força da norma constitucional entregue à discrição do parlamento sob pena de se ter em vez deste submetido à Constituição essa na dependência da boa vontade do legislador Retornarseá ao ponto ao final deste capítulo item 869 869 Objeto da omissão inconstitucional A letra do 2º do art 103 da CF deixa claro que o objeto da omissão inconstitucional não é apenas o produto do Legislativo mas igualmente os atos que deixaram de ser praticados pelos órgãos administrativos A omissão inconstitucional objeto da ação direta de inconstitucionalidade é em princípio normativa É a falta da edição de norma cuja incumbência é em regra do Legislativo mas que também pode ser do Executivo e até mesmo do Judiciário que abre oportunidade à propositura da ação Neste sentido pode ser objeto da ação a ausência de ato de caráter geral abstrato e obrigatório Assim a ação não permite questionar apenas a ausência de atos normativos primários mas também a falta de atos normativos secundários como os regulamentos de competência do Executivo e eventualmente até mesmo a inexistência de atos normativos cabíveis ao Judiciário No caso em que a lei não contém os elementos que lhe dão condição de aplicabilidade a falta de regulamento é empecilho evidente para a efetividade da norma constitucional Porém a falta de ato de caráter não normativo inclusive por poder ser enquadrado na previsão do art 103 2º da CF que remete à ciência 847 para a adoção de providências necessárias igualmente pode ser objeto de omissão inconstitucional e da correspondente ação direta Pensese por exemplo na falta de organização do Judiciário ou na insuficiência de estruturação da saúde pública 848 É possível falar nessas hipóteses de falta de tutela fáticoconcreta aos direitos fundamentais que como é óbvio não sofrem apenas com a carência de tutela normativa mas também com a ausência de tutela fática de natureza administrativa Portanto a omissão inconstitucional objeto da ação não decorre necessariamente de previsão de legislar contida em norma constitucional mas pode advir da falta ou da insuficiência de norma ou de prestação fáticoadministrativa para proteger ou viabilizar a realização de um direito fundamental Evidenciase neste momento que o legislador não tem dever apenas quando a norma constitucional expressamente lhe impõe a edição de lei mas também quando um direito fundamental carece em vista da sua natureza e estrutura de norma infraconstitucional especialmente para lhe outorgar tutela de proteção 849 870 Legitimidade De acordo com o art 103 da CF podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade I o Presidente da República II a Mesa do Senado Federal III a Mesa da Câmara dos Deputados IV a Mesa de Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal V o Governador de Estado ou do Distrito Federal VI o Procurador Geral da República VII o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil VIII partido político com representação no Congresso Nacional IX confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional Segundo o art 12A da Lei 98681999 podem propor a ação direta de inconstitucionalidade por omissão os legitimados à propositura da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade Dispõem de direito de iniciativa legislativa no plano federal o Presidente da República a Mesa do Senado Federal e a Mesa da Câmara dos Deputados art 61 da CF Têm eles também legitimidade ativa para a ação direta de inconstitucionalidade por omissão Todavia esses órgãos enquanto legitimados à ação sofrem óbvia e inevitável restrição quando o estado de omissão inconstitucional é de sua responsabilidade ou corresponsabilidade Notese que embora na ação direta de inconstitucionalidade de lei possa eventualmente haver uma aparente confusão entre o legitimado para a ação e o legitimado passivo uma vez que nada impede por exemplo que o Presidente da República proponha ação para ver declarada a inconstitucionalidade de ato de seu antecessor o mesmo não ocorre na ação de inconstitucionalidade por omissão diante da possibilidade de a própria autoridade suprir o estado de omissão inconstitucional Entendese de outra parte que a Mesa de Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal o Governador de Estado ou do Distrito Federal e a confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional têm legitimidade para a ação apenas quando presente a denominada pertinência temática Tratase de relação entre as áreas de atuação e atribuições dos autores e a substância da omissão constitucional que se coloca em juízo O STF tem afirmado que as entidades de classe e as confederações sindicais somente podem lançar mão das ações de controle concentrado quando mirarem normas jurídicas que digam respeito aos interesses típicos da classe representada cf ADIn 3906AgRg rel Min Menezes Direito DJe 05092008 850 Também já disse a Suprema Corte que associação de classe de âmbito nacional há de comprovar a pertinência temática ou seja o interesse considerado o respectivo estatuto e a norma que se pretenda fulminada 851 Ainda no que concerne à legitimação das associações de classe já declarou o Supremo que não constitui entidade de classe para legitimarse à ação direta de inconstitucionalidade CF art 103 IX associação civil Associação Brasileira de Defesa do Cidadão voltada à finalidade altruísta de promoção e defesa de aspirações cívicas de toda a cidadania 852 e em outra ocasião que não é entidade de classe de âmbito nacional para os efeitos do inciso IX do art 103 da CF a que só reúne empresas sediadas no mesmo Estado nem a que congrega outras de apenas quatro Estados da Federação 853 Acerca da noção de confederação sindical legitimada o Supremo Tribunal firmou o entendimento no sentido de que das entidades sindicais apenas as confederações sindicais art 103 IX da CF têm legitimação para propor ação direta de inconstitucionalidade advertindo que foi recebido pela Constituição o art 535 da CLT que ao dispor sobre a estrutura das confederações sindicais exige que se organizem com um mínimo de três federações 854 No que diz respeito à legitimidade passiva esta é da pessoa ou órgão responsável pela edição do ato faltante Tratandose de iniciativa reservada legitimado passivo é o responsável pelo desencadeamento do processo legislativo 855 Assim por exemplo a ADO 2061 respeitante ao art 37 X da CF que diz que a remuneração dos servidores públicos e o subsídio de que trata o 4º do art 39 somente poderão ser fixados ou alterados por lei específica observada a iniciativa privativa em cada caso assegurada revisão geral anual sempre na mesma data e sem distinção de índices foi dirigida contra o Presidente da República sob o argumento de constituir seu dever o de desencadear o processo de elaboração da lei anual de revisão geral da remuneração dos servidores da União nos termos do art 61 1º II a da CF 856 871 Procedimento A Lei 120632009 introduziu na Lei 98681999 um Capítulo II A para tratar da ação direta de inconstitucionalidade por omissão A petição inicial da ação de inconstitucionalidade por omissão de acordo com o art 12B da Lei 98681999 deve indicar i a omissão inconstitucional total ou parcial quanto ao cumprimento de dever constitucional de legislar ou quanto à adoção de providência de índole administrativa e ii o pedido com suas especificações É certo que o autor na petição inicial deve invocar a norma constitucional que expressamente impõe o dever de legislar Porém como a ação de inconstitucionalidade por omissão não tem como objeto apenas a falta de atendimento da norma constitucional que expressamente obriga o legislador mas também a falta de lei imprescindível à proteção normativa de direito fundamental é necessário compreender o dever constitucional de legislar previsto no inciso I do art 12B como dever de editar normas para dar plena efetividade e proteção aos direitos constitucionais tomandose as previsões de legislar constantes das normas constitucionais como imposições não necessárias ao surgimento da obrigação legislativa No caso em que o dever de legislar não decorre de imposição expressa constante de norma constitucional o autor deve argumentar na petição inicial que há direito fundamental que depende de lei Assim deve demonstrar que o direito fundamental para não ser violado exige norma que imponha conduta de fazer ou de não fazer ou que o direito fundamental para ser usufruído depende de norma que autorize prestações fáticas estatais Por outro lado a falta do administrador pode ser de natureza normativa ou fáticoadministrativa Omissão normativa assim tem significado mais amplo que omissão legislativa É possível questionar mediante a ação de inconstitucionalidade por omissão a ausência de atos normativos secundários de competência do Executivo como os regulamentos e até mesmo a falta de atos normativos devidos pelo Judiciário Além disso a negação de prestações fáticas por parte do administrador também pode obstaculizar a proteção ou a realização de direitos constitucionais Assim por exemplo é imprescindível a atuação do administrador na organização dos serviços da Defensoria Pública necessária para propiciar assistência jurídica integral a todos Portanto nos casos de falta do administrador a petição inicial deve demonstrar que o direito constitucional depende de providência do administrador seja ela de natureza normativa ou fática É preciso ademais tratandose de norma infraconstitucional que protege de modo insuficiente ou parcial um direito constitucional que o autor evidencie na inicial o direito que foi insuficiente ou parcialmente tutelado assim como as razões pelas quais se entende que a norma editada é incapaz de atendêlo Adiantese v a seguir item 872 que um direito constitucional pode ser insuficientemente tutelado ou tutelado de modo a atender apenas a uma parcela dos beneficiários da norma constitucional É possível exemplificar respectivamente com o salário mínimo fixado em valor insuficiente a atender às necessidades mínimas do cidadão e com a ausência de reajuste de salário dos servidores civis não obstante o reajuste do salário dos militares É requisito da inicial ainda o pedido com as suas especificações Como o ideal em termos de tutela jurisdicional na ação de inconstitucionalidade por omissão é a elaboração da norma faltante ou a extensão da norma ao grupo excluído caso de omissão parcial o autor deve realizar tal pedido descrevendo na inicial espécie de projeto da norma que deve ser judicialmente editada Deve ainda o autor formular pedido a ser conhecido na hipótese de entenderse que o pedido de elaboração da norma não pode ser atendido de declaração da inconstitucionalidade por omissão total ou parcial requerendo a comunicação do Poder competente para tomar as devidas providências em prazo razoável 857 No caso de falta do administrador há duas alternativas pois o caso pode ser de omissão normativa ou de omissão de prestação fática Em caso de omissão normativa vale o mesmo que foi dito em relação à omissão do Legislativo Diante de ausência de prestação fática a petição inicial deve delimitar em detalhes a providência faltante requerendo a declaração da inconstitucionalidade por omissão e a ciência do órgão administrativo para tomar as providências definidas A circunstância de o art 103 2º da CF ter fixado o prazo de 30 dias para o administrador e não ter estabelecido prazo para o Legislativo não impede o autor e o Tribunal respectivamente de requererem e determinarem prazo para o Legislativo atuar atendendose às especificidades da situação De outra parte a fixação do prazo de 30 dias para o órgão administrativo não impede que o autor solicite e a Corte fixe prazo diverso desde que devidamente justificado Notese que para determinadas providências materiais o prazo de 30 dias pode ser demasiadamente exíguo A petição inicial quando o caso exigir deve vir acompanhada dos documentos necessários a demonstrar a omissão conforme o parágrafo único do art 12B 858 Uma vez proposta a ação de inconstitucionalidade por omissão o autor dela não pode desistir 859 Tratase de norma que evidencia a óbvia indisponibilidade da questão de omissão inconstitucional 860 Não obstante diz o art 12C que a petição inicial inepta não fundamentada e a manifestamente improcedente serão liminarmente indeferidas pelo relator É liminarmente indeferida a petição inicial que é rejeitada no nascedouro do processo O art 12C ao elencar as hipóteses em que a petição inicial deve ser liminarmente indeferida pelo relator ao lado da inépcia acrescenta a falta de fundamentação A falta de fundamentação entretanto pode ser vista como ausência de causa de pedir Porém especialmente em consideração à natureza da ação direta de inconstitucionalidade a alegação suficiente para indicar a causa de pedir ou o fundamento da ação deve bastar para o julgamento do pedido O art 12C ainda estabelece como causa de indeferimento liminar da petição inicial a manifesta improcedência Percebase que existirá falta de interesse de agir se o autor admitir a existência de lei sem nada dizer sobre a sua insuficiência assim como haverá impossibilidade jurídica do pedido se o autor requerer por exemplo a elaboração de norma constitucional De modo que a manifesta improcedência tem de admitir como antecedentes lógicos o interesse de agir e a possibilidade jurídica do pedido Nesse sentido o autor deve alegar falta de norma infraconstitucional ou de prestação fática que inviabilize a realização de norma constitucional Assim haverá manifesta improcedência quando a existência de norma ou de prestação fática apesar do afirmado em contrário for imediatamente perceptível ou quando for evidente que o Poder ou o órgão administrativo ainda não dispuseram de tempo razoável para cumprir o dever que lhes foi atribuído pela Constituição Notese que há diferença entre admitir a existência de lei e nada falar sobre a sua insuficiência caso de falta de interesse de agir e afirmar a falta de lei quando a sua presença é imediatamente perceptível manifesta improcedência Também se distingue a ação em que se busca a supressão de omissão inconstitucional antes de o prazo para legislar ter esgotado falta de interesse de agir da ação cuja fundamentação considera ter passado tempo suficiente para fazer surgir situação de inércia não obstante o relator chegue desde logo a conclusão contrária manifesta improcedência Indeferida liminarmente a petição inicial o parágrafo único do art 12C da Lei 98681999 faculta ao autor a interposição de agravo ao Pleno do STF 861 Embora exista jurisprudência do STF negando a possibilidade de liminar na ação de inconstitucionalidade por omissão com base no argumento de que se nenhuma providência concreta pode ser concedida como tutela jurisdicional final não haveria como conceder liminar o art 12F da Lei 98681999 consignou expressamente a viabilidade de liminar em caso de omissão inconstitucional A Seção II do Capítulo IIA introduzido pela Lei 120632009 da Lei 98681999 trata unicamente da medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade por omissão 862 de forma que a própria Lei 98681999 ao regular o processo e o julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal atualmente regula com detalhes a concessão de medida liminar na ação direta de inconstitucionalidade por omissão O art 12F 1º teve o cuidado de estabelecer que a medida liminar pode consistir na suspensão da aplicação da lei ou do ato normativo questionado no caso de omissão parcial bem como na suspensão de processos judiciais ou de procedimentos administrativos ou ainda em outra providência a ser fixada pelo Tribunal Na hipótese de omissão parcial admitese a suspensão da norma tomandose em conta para efeito de liminar assim a ação positiva do legislador que se mostra incapaz de atender à Constituição Acontece que como se verá adiante item 868 a liminar também pode ser concedida quando se pensa somente na omissão já que a falta de norma também pode trazer prejuízos graves como intuiu o Min Sepúlveda Pertence na ADIn 361 863 Após a audiência dos órgãos ou responsáveis pela omissão inconstitucional a medida liminar pode ser concedida mediante maioria absoluta dos membros do Tribunal devendo estar presentes à sessão ao menos oito Ministros observada a necessidade de se suspender o processo quando havendo Ministros ausentes ainda existir possibilidade de se obterem seis votos em favor da concessão da medida arts 12F caput e 22 da Lei 98681999 É importante a regra 3º do art 12F que faculta a sustentação oral quando do julgamento do requerimento de liminar aos representantes judiciais do requerente e das autoridades ou órgãos responsáveis pela omissão inconstitucional Isso porque além de constituir previsão não usual para os casos em que se julga acerca da necessidade desta imprescindível forma de tutela jurisdicional representa relevante mecanismo para o aperfeiçoamento do contraditório mediante a efetiva e adequada participação dos interessados com consequente e oportuna colaboração para a formação do juízo da Corte O art 6º da Lei 98681999 em princípio relacionado à ação direta de inconstitucionalidade de lei afirma que o relator pedirá informações aos órgãos ou às autoridades das quais emanou a lei ou o ato normativo impugnado que devem ser prestadas em 30 dias Isso quer dizer que em princípio não pode haver dúvida sobre a necessidade da ouvida de quem elaborou a norma insuficiente ou incapaz em parte de atender à Constituição Contudo bem vistas as coisas a mesma razão que impõe a ouvida daquele de quem emanou a norma suficiente ou não exige a audiência do responsável pela não edição da norma que se reputa necessária Além disso afirma o art 12E 1º que no mesmo prazo atribuído à prestação de informações qualquer um dos legitimados à ação de inconstitucionalidade por omissão arts 2º e 12A da Lei 98681999 poderá manifestarse por escrito sobre o objeto da ação e pedir a juntada de documentos reputados úteis para o exame da matéria bem como apresentar memoriais Decorrido o prazo das informações serão ouvidos o Advogado Geral da União e o ProcuradorGeral da República quando não for autor contando cada um sucessivamente com o prazo de 15 dias para se pronunciar 2º e 3º do art 12E da Lei 98681999 Não há razão para excluir a possibilidade de manifestação do AdvogadoGeral da União apenas por não haver norma a ser defendida ou mesmo limitála à hipótese de omissão parcial 864 Não se admite a intervenção de terceiros nos moldes do Código de Processo Civil art 7º da Lei 98681999 As formas de intervenção de terceiro são completamente inadequadas e inservíveis às ações diretas de inconstitucionalidade 865 Algo completamente diverso é a chamada intervenção do amicus curiae quando o Tribunal considerando as particularidades da matéria em discussão e a representatividade do órgão ou entidade que deseja se manifestar 866 admite a sua participação em prol da otimização do debate da questão constitucional art 7º 2º da Lei 98681999 867 Por fim 868 quanto à decisão proferida na ação de inconstitucionalidade por omissão cabe dizer que a decisão de procedência exige maioria absoluta dos membros do Tribunal devendo estar presentes na sessão de julgamento ao menos oito Ministros Assim não haverá maioria absoluta quando presentes oito Ministros cinco votarem a favor e três contra Em uma situação como esta o julgamento será suspenso para que os Ministros ausentes se pronunciem em sessão próxima até que se forme maioria absoluta 869 872 Omissão parcial de inconstitucionalidade A norma pode ser insuficiente para responder ao desejo constitucional tendo baixa intensidade de proteção ou de satisfação da norma constitucional quando há omissão parcial no plano vertical ou ainda conferir a vantagem albergada na norma constitucional apenas a grupo ou parcela de pessoas esquecendo se mediante violação à igualdade da universalidade dos seus beneficiários hipótese de omissão parcial no plano horizontal A lei que prevê salário mínimo em valor insuficiente à realização da norma que garante remuneração digna ao cidadão art 7º IV da CF representa omissão parcial em sentido vertical uma vez que a sua previsão é apenas parcialmente suficiente para tanto ao passo que a lei que concede revisão de remuneração aos militares sem contemplar os civis excluindo grupo beneficiário da norma constitucional CF arts 37 X e 39 1º configura hipótese de omissão inconstitucional em sentido horizontal Decidiu o STF na ADIn 1442 que a definição do valor do salário mínimo em importância incapaz de atender às necessidades vitais básicas do trabalhador e dos membros de sua família configura claro descumprimento ainda que parcial da Constituição Federal uma vez que o legislador nesta hipótese longe de atuar como sujeito concretizante do postulado constitucional que garante à classe trabalhadora um piso geral de remuneração digna CF art 7º IV realiza de modo imperfeito e incompleto o programa social assumido pelo Estado na ordem jurídica 870 O STF também já teve oportunidade de tratar de caso envolvendo lei que deixa de lado grupo ou categoria de pessoas particularmente do caso em que o legislador confere reajuste salarial aos servidores públicos militares sem outorgar o mesmo reajuste aos servidores públicos civis Decidiuse na ADIn 526 que ofende a isonomia a lei que à vista da erosão inflacionária do poder de compra da moeda não dá alcance universal à revisão de vencimentos destinada exclusivamente a minorála CF art 37 X ou que para cargos de atribuições iguais ou assemelhadas fixa vencimentos díspares CF art 39 1º 871 Porém o verdadeiro problema nesta sede é saber o que fazer com a lei marcada pela omissão parcial 872 Diante da ação direta de inconstitucionalidade por omissão a lei gravada por tal circunstância i deve ser declarada inconstitucional ii ter a sua aplicação suspensa até deliberação do legislador ou iii continuar a ser aplicada uma vez que o problema de inconstitucionalidade em termos concretos está na omissão e não na norma que de forma insuficiente respondeu ao dever legislativo e à Constituição Como a norma é inconstitucional por omissão parcial a declaração da sua inconstitucionalidade retiraria o pouco de proteção que foi conferido pela lei ou a proteção que embora prometida pela Constituição em maior extensão foi deferida apenas a determinado grupo Neste sentido a declaração de inconstitucionalidade não constitui solução judicial adequada uma vez que é necessário preservar o benefício outorgado pela lei ainda que insuficiente ou indevidamente limitado a determinado grupo ou categoria É certo que embora a declaração de inconstitucionalidade não seja adequada há juízo de reprovação da norma De modo que seria possível sustentar que se o Judiciário não pode corrigir a norma v não obstante abaixo item 869 essa por ser inconstitucional deveria ter a sua aplicação suspensa dandose ao legislador prazo razoável e adequado para corrigila Porém como a norma neste caso responde em parte à Constituição o raciocínio deve caminhar no sentido inverso admitindose a sua aplicação até que o legislador supra o seu defeito O aparente paradoxo deve ser assimilado e compreendido já que não existe lógica em invocar insuficiência de tutela para suprimir o que embora pouco em intensidade ou extensão é devido pelo legislador perante a Constituição Ademais no caso de omissão parcial em sentido horizontal exclusão de grupo da inobservância do legislador ao prazo fixado na decisão seria possível pensar em extrair os benefícios que deveriam ter sido conferidos pela lei ao grupo excluído Neste caso a decisão não estaria limitada à declaração de omissão inconstitucional mas faria surgir mediante conhecida e velha técnica processual respeitante às sentenças a própria norma faltante assumindo conteúdo constitutivopositivo 873 Medida liminar O STF entende não ser possível liminar em ação direta de inconstitucionalidade por omissão A conclusão decorre de raciocínio que se funda na premissa de que nesta ação direta a decisão final apenas pode declarar a mora do Legislativo dela cientificandoo Na ADO 267 de relatoria do Min Celso de Mello a Corte declarou que a ausência dessa lei complementar vacuum juris que constitui o necessário instrumento normativo de integração não pode ser suprida por outro ato estatal qualquer especialmente um provimento de caráter jurisdicional ainda que emanado desta Corte A suspensão liminar de eficácia de atos normativos questionados em sede de controle concentrado não se revela compatível com a natureza e a finalidade da ação direta de inconstitucionalidade por omissão eis que nesta a única consequência políticojurídica possível traduzse na mera comunicação formal ao órgão estatal inadimplente de que está em mora constitucional 873 Deixandose de lado por enquanto a questão de que em caso de omissão de órgão administrativo a sentença de procedência possui natureza mandamental bem como o tema da omissão parcial cabe raciocinar acerca da possibilidade de liminar em ação declaratória ou melhor sobre a utilidade de liminar em ação meramente declaratória Na verdade em face da sentença que se limita a declarar a omissão inconstitucional não é preciso raciocinar em termos de liminar como se o juiz apenas pudesse socorrer a situação de perigo mediante uma antecipação da declaração de omissão inconstitucional ou ainda por meio de uma declaração sumária da omissão inconstitucional 874 É sabido que o Judiciário para evitar dano pode extrair da declaração sumária do direito que o autor pretende ver ao final declarado com a marca da certeza especialmente ordens de inibição de condutas 875 Nesta dimensão tornase importante lembrar a advertência do Min Sepúlveda Pertence diante de requerimento de liminar na ADIn 361 Neste caso embora votando pela negação da liminar o Min Sepúlveda observou que caso no futuro se apresente outra ação tendo como pedido de liminar não a antecipação de efeitos positivos da futura lei reclamada mas um pedido cautelar negativo inibitório de um risco causado pela falta de regulamentação a matéria poderá ter outra solução 876 Havendo probabilidade de a decisão final declarar o direito para evitar dano irreparável não é preciso cogitar em declarar como técnica de tutela de urgência a omissão inconstitucional no curso do processo Como dito da declaração é possível extrair efeitos mandamentais para se convencer o demandado a não fazer ou a fazer Assim existindo forte probabilidade de omissão constitucional não é preciso nem adequado declarar sumariamente essa omissão ou mesmo elaborar uma norma provisória para se tutelar a situação de perigo bastando extrair da declaração efeitos mandamentais O que se poderia dizer é que mesmo a sentença declaratória da omissão por apenas declarar a mora dela cientificando o legislador não teria eficácia para impedir dano que pudesse advir da falta da norma e assim não seria possível à Corte mediante liminar obstaculizar dano decorrente da ausência normativa No entanto ainda que se aceite a tese de que a única possibilidade em termos de tutela jurisdicional final na ação direta de inconstitucionalidade por omissão é a declaração da omissão inconstitucional v não obstante abaixo item 869 isto não pode significar que o Supremo Tribunal tenha sido obrigado a assistir calado aos danos e aos prejuízos que podem advir da falta de atuação do legislador Ora se a Suprema Corte reconhece a omissão inconstitucional ou em juízo liminar a sua forte probabilidade a sua impotência diante da proliferação dos danos derivados da inércia do parlamento faria necessariamente admitir que a rebeldia do legislador tem maior eficácia do que a Constituição que a inércia legislativa vincula contra a força das normas constitucionais e a razão de ser do próprio STF Ou melhor o fato de a Corte não poder elaborar a norma faltante mas apenas declarar a mora em legislar não quer dizer que não tenha poder para inibir prejuízo que não ocorreria não fosse a inércia do legislador Nesta hipótese a sentença de procedência reafirmará com carga de cognição exauriente o conteúdo da decisão liminar e neste sentido abarcará a tênue carga declaratória da primeira decisão podendo então a Corte ao declarar a omissão inconstitucional outorgar eficácia executiva à sentença para evitar prejuízos às situações carentes da norma faltante Percebase aliás que mesmo quando a Corte não deferiu liminar poderá agregar efeito executivo à sentença de procedência quando diante da evidência da omissão inconstitucional vir presente fundado receio de prejuízo Quando se considera a ação direta de inconstitucionalidade dirigida contra o órgão administrativo tudo fica mais simples É que nessa hipótese a norma do art 103 2º conferiu expressamente ao Supremo o poder de ordenar a tomada das providências necessárias no prazo de 30 dias para que a norma constitucional seja efetivada Nesse caso a sentença de procedência tem natureza mandamental pois atua sobre a vontade da autoridade que tem consciência de que em caso de descumprimento sofrerá a devida sanção Se a sentença pode ordenar as providências necessárias não há motivo para que a decisão liminar ao reconhecer a forte probabilidade de omissão constitucional e o receio de dano não possa assim também atuar Percebase aliás que diante da falta de tutela fáticoadministrativa aos direitos fundamentais também não há como conceber a inefetividade da liminar Por fim resta pensar nos casos em que a omissão é parcial seja por contemplar apenas um dos grupos ou parcela das pessoas que em vista da igualdade deveriam ser beneficiados seja por não tutelar com suficiência ou com a devida intensidade o direito constitucional É o que se tem chamado neste livro de omissão parcial no plano horizontal e omissão parcial no plano vertical existindo nesta última hipótese baixa intensidade ou insuficiência de proteção ou de realização do direito constitucional Se a omissão não está na ausência formal da lei mas sim na incapacidade legislativa em atender à Constituição a lei ainda que existente pode ser acometida por inconstitucionalidade por omissão desfazendose o equívoco de se supor que simplesmente por haver lei apenas se pode cogitar de inconstitucionalidade por ação A norma gravada por omissão parcial embora não deva deixar de continuar a propiciar proteção ainda que restrita pode ter a sua aplicação suspensa para não trazer prejuízos àqueles que por ela não foram contemplados Portanto não é impossível pensar em suspender liminarmente a eficácia de uma lei que se tem marcada por omissão parcial de inconstitucionalidade Assim quando o caso requer juízo de inconstitucionalidade por omissão parcial pode o Tribunal uma vez presentes os pressupostos para tanto art 12F da Lei 98691999 conceder a liminar Porém retenhase o ponto a liminar só tem cabimento para inibir prejuízos e nunca para suspender benefícios 874 Da decisão na ação de inconstitucionalidade por omissão Crítica Raciocinouse até aqui como se a decisão na ação de inconstitucionalidade estivesse limitada à declaração da omissão inconstitucional com a sua comunicação ao Poder para a tomada das providências necessárias posição do STF Porém é evidente que esta decisão não é adequada do ponto de vista da efetividade do processo e da tutela da ordem constitucional já que outorga a quem tem o dever de legislar a possibilidade de se omitir deixando ao desamparo os direitos e as normas constitucionais Isto é assim porque ao se comunicar o dever de editar a norma não se espera sanção pelo descumprimento ou mesmo se extrai o preceito faltante da inércia do legislador É preciso indagar assim se é correto dar ao Judiciário o poder de elaborar a norma descurada pelo Legislativo e após se a própria Constituição especialmente na norma do art 103 2º não proibiu o Judiciário de atuar além da mera declaração da omissão inconstitucional Ao não se conceber a elaboração da norma faltante ao Judiciário conferese ao Legislativo implicitamente o poder de anular a Constituição retornandose assim ao tempo em que a Constituição dependia da boa vontade do legislador Ora não há como compatibilizar o princípio da supremacia da Constituição com a ideia de que esta pode vir a falhar em virtude da não atuação legislativa Isso seria bem vistas as coisas dar ao legislador o poder de fazer a Constituição desaparecer Ademais admitir que o Judiciário nada pode fazer quando o Legislativo se nega a tutelar as normas constitucionais é não perceber que o dever de tutela da Constituição é acometido ao Estado e não apenas ao Legislativo Quando o Legislativo não atua um Tribunal Supremo ou uma Corte Constitucional têm inescondível dever de proteger a Constituição Assim se é a norma legislativa que falta para dar efetividade à Constituição cabe ao Judiciário sem qualquer dúvida elaborála evitando assim a desintegração da ordem constitucional O princípio da separação dos poderes confere ao Legislativo o poder de elaborar as leis mas evidentemente não lhe dá o poder de inviabilizar a normatividade da Constituição Aliás tal poder certamente não é nem poderia ser absoluto ou imune Bem por isso nos casos em que a Constituição depende de lei ou tutela infraconstitucional a inação do Legislativo exatamente por não ser vista como discricionariedade ou manifestação de liberdade e sim como violação de dever deve ser suprida pelo Judiciário mediante a elaboração da norma que deixou de ser editada Notese aliás que há contradição em admitir a nulificação judicial de norma legislativa e não aceitar a elaboração judicial da norma que o Legislativo deixou de editar Sem dúvida há maior censura quando se nulifica o ato do legislador do que quando se supre a sua inação a menos que se imagine em total descompasso com o constitucionalismo contemporâneo que o legislador apenas pode descurar da Constituição ao agir e não ao deixar de agir De outra parte é preciso muito cuidado para não confundir dificuldade ou determinada impossibilidade em elaborar judicialmente a norma com vedação de edição judicial da norma Argumentase que o Judiciário não poderia elaborar determinada norma ou teria dificuldade em relação a outra para fazer acreditar em coisa distinta isto é que ele estaria proibido de elaborar a norma cuja falta revela o descaso do legislador com a Constituição É certo que diante da ação de inconstitucionalidade por omissão o Judiciário não poderá elaborar as normas que demandam insubstituível intervenção do legislador e que portanto são insupríveis Mas daí como é óbvio não se pode retirar o argumento de que o Judiciário não pode suprir a omissão legislativa Pois bem se o Estado tem dever de tutelar a Constituição e o Judiciário de suprir a inação do Legislativo resta verificar se o texto do art 103 2º da CF ao dizer que declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional será dada ciência ao Poder competente proíbe a elaboração da norma judicial Não há dúvida que caso a Constituição Federal falasse em supressão de omissão inconstitucional e nada dissesse acerca da natureza do provimento judicial se declaratório etc o Judiciário poderia se valer do provimento que entendesse adequado Porém a circunstância de se ter previsto o provimento declaratório para definir a ação de inconstitucionalidade por omissão não o impede de proferir um provimento de natureza constitutiva quando consciente da inefetividade da mera declaração Ou seja tratandose de tutela da ordem constitucional foge do razoável admitir que a falta de efetividade do provimento é destituída de importância Melhor explicando as sentenças e os meios executivos sempre devem ser pensados à luz do princípio da tutela jurisdicional efetiva art 5º XXXV da CF o que significa dizer que especialmente diante da tutela da ordem constitucional o Judiciário mais do que em qualquer outro lugar não pode renunciar ao seu dever em razão da falta de efetividade de determinada espécie de sentença Assim se o prazo conferido ao Legislativo não é cumprido e portanto a declaração judicial da omissão inconstitucional não surte efeito isso não permite ao Judiciário parar por aí como se o seu dever não fosse o de remediar a ausência de tutela normativa bastandolhe declarála Lembrese que o Judiciário tem o dever de suprir a falta de tutela do Legislativo e não o de simplesmente pronunciála Portanto do não atendimento do prazo o Judiciário pode extrair consequência de modo a fazer surgir a norma como no caso em que há norma legal para situação idêntica conforme ocorre na hipótese de omissão parcial no sentido horizontal em que se deixa de beneficiar grupo em violação ao princípio da igualdade Quando a norma não exigir a atuação insubstituível do legislador o não cumprimento do prazo pelo Legislativo abre ao Judiciário como regra geral a possibilidade de elaborar a norma faltante para suprir a inércia do legislador evitando que o seu desprezo à Constituição gere um estado consolidado e permanente de inconstitucionalidade com o qual o Estado de Direito não pode conviver 877 A norma judicial não deve ir além do necessário à tutela da norma constitucional e ademais disso terá eficácia temporal até o pronunciamento do legislador De modo que o Judiciário obviamente não está usurpando o poder do legislador nem agredindo o princípio da separação dos poderes Está isto sim proferindo decisão imprescindível para o próprio Estado se desincumbir do seu grave dever de tutelar a ordem constitucional Ora este dever não é apenas do legislador ou do administrador mas do Estado tendo aí o Judiciário a função exata de atuar para suprir a omissão daqueles a que prioritariamente é cometido o dever de dar tutela às normas constitucionais Deixese claro por fim que ao elaborar a norma que faltava a decisão judicial assume natureza constitutiva permitindo ver com maior facilidade a possibilidade de liminar 875 Efeitos da decisão proferida na ação direta de inconstitucionalidade por omissão Responsabilidade do Estado por omissão inconstitucional A decisão proferida na ação direta tem efeitos gerais Todos devem respeito à decisão da ação de inconstitucionalidade por omissão seja ela de procedência ou improcedência Ademais todos os juízes e tribunais assim como os órgãos administrativos são obrigados a adotála No caso de omissão parcial a decisão de procedência ao dar prazo para o legislador suprir o defeito da norma suspende os processos judiciais e administrativos em que o beneficiário da norma constitucional pode ser prejudicado Não obstante o efeito vinculante terá maior importância quando a Corte elaborar a norma ou em caso de omissão parcial extrair da não observância do prazo judicial pelo legislador a norma faltante ao grupo excluído Quando se pensa nos efeitos temporais surge o grande problema Esse se relaciona com a questão da responsabilidade do Estado por omissão legislativa O que pode importar em relação ao passado da declaração de inconstitucionalidade por omissão não está nos atos que eventualmente foram constituídos mas sim nos prejuízos que foram impostos em razão da lei faltante Pensese nos direitos que deixaram de ser satisfeitos e efetivados e nos danos ocorridos por falta de tutela normativa a direitos fundamentais Se um servidor público portador de deficiência física não pôde obter aposentadoria especial em virtude de falta de lei é evidente que a supressão da omissão torna possível a aposentadoria Mas não é racional deixar de pagarlhe os valores que não pôde perceber em razão da omissão ou da falta grave do Estadolegislador Do mesmo modo se o direito fundamental ao meio ambiente deixou de ser tutelado mediante prestação fáticoadministrativa a decisão de inconstitucionalidade por omissão produzindo efeitos para o futuro resolverá o problema da omissão inconstitucional mas nada responderá aos danos ambientais Portanto olhar para o passado da decisão de inconstitucionalidade por omissão tem importância quando se está frente aos prejuízos derivados da falta de lei que inviabilizou o exercício de direito constitucional ou da ausência de proteção normativa a direito fundamental 878 A omissão do legislador em editar lei imprescindível à realização de direito albergado em norma constitucional ou para a proteção de direito fundamental ao constituir inconstitucionalidade representa igualmente ilicitude 879 Reafirmandose a ideia de que o legislador tem nestes casos dever de legislar surge naturalmente a conclusão de que o Estado não pode ser visto como irresponsável pelas omissões inconstitucionais Superase com isso o dogma da irresponsabilidade do legislador e complementase a estrutura técnicoprocessual de controle da inconstitucionalidade por omissão dandose àqueles que tiveram as suas esferas jurídicas atingidas pela falta de lei o poder de responsabilizar o Estado que diante desta ameaça passa a prestar maior atenção ao seu dever de legislar Dessa forma a responsabilização do Estado constitui complemento do sistema jurisdicional de controle da omissão inconstitucional 880 A ilicitude enquanto omissão inconstitucional requer a presença de específico dever jurídico de agir o dever de legislar Sucede que este dever para ser descumprido requer a caracterização da mora em legislar cuja ausência elimina a própria inconstitucionalidade ou ilicitude O STF quando realiza o controle da inconstitucionalidade por omissão sempre procura identificar o dever de legislar e a mora legislativa Na ADO 2492 881 que questionou omissão em face da EC 19 de 04061998 que deu nova redação ao art 37 X da CF deixouse claro que esta norma é dirigida entre outros aos Governadores de Estado que devem observála na forma da iniciativa privativa prevista no art 61 1º II a da CF independentemente de previsão análoga nas Constituições Estaduais Entendeuse assim que o art 37 X da CF estabelece obrigatoriedade de revisão geral anual da remuneração dos servidores públicos o que implica a edição de lei específica de iniciativa do chefe do Executivo que portanto tem o dever de enviar ao Poder Legislativo a cada ano projeto de lei tratando da matéria Na decisão consignouse que embora mais de três anos tenham decorrido desde a edição da EC 191998 e consequentemente da categórica norma do art 37 X e não obstante o fenômeno da inflação se tenha feito sentir ininterruptamente durante todo o período não se registrou o necessário desfecho de parte do Governo do Estado de nenhum processo legislativo destinado a tornar efetiva a indispensável revisão geral dos vencimentos dos servidores estaduais Patente assim a alegada mora legislativa de responsabilidade do Governo do Estado que justificou o ajuizamento da presente ação direta de inconstitucionalidade por omissão 882 Na ementa do acórdão proferido nesta ação de inconstitucionalidade declarouse que o Governador do Estado de São Paulo estava em mora desde junho de 1999 quando transcorridos os primeiros doze meses da data da edição da referida EC 191998 883 Exatamente a mesma constatação em relação à mora diante do art 37 X da CF foi feita na ADIn 2061 em que foi requerido o Presidente da República Declarouse que o Presidente da República também estava em mora desde junho de 1999 momento em que já teriam passado doze meses desde a data da edição da EC 191998 884 Como se vê os requisitos da inconstitucionalidade por omissão dever de legislar e mora do legislador são definidos na decisão proferida na ação direta de inconstitucionalidade por omissão Porém deixase claro que a mora não é constituída ou passa a existir com a comunicação do legislador Declarase a mora no passado ou melhor declarase que a mora existe desde determinado momento passado considerandose o prazo que o legislador tinha para editar a lei É certo que a inconstitucionalidade por omissão não é suficiente para que o Estado tenha de indenizar A inconstitucionalidade por omissão ao englobar os requisitos do dever de legislar e da mora legislativa constitui ilicitude mas essa para gerar dever de indenizar pressupõe dano e nexo de causalidade entre a falta de lei e o dano No caso de omissão inconstitucional o legislador tem sempre a possibilidade de reduzir ou mesmo eliminar os danos provocados por sua omissão mediante a edição da lei faltante O reparo do legislador pode ser integral quando atribui à lei na medida do possível eficácia retroativa eliminando os prejuízos passados 885 O nexo de causalidade por sua vez está na relação entre a falta de lei e o dano sofrido De modo que há nexo de causalidade quando se demonstra que se lei houvesse prejuízo não teria ocorrido Para a responsabilização do Estado assim são necessários omissão inconstitucional dever de legislar e mora legislativa dano e nexo de causalidade entre a falta de lei e o dano Ocorre que enquanto a omissão inconstitucional a ilicitude é caracterizada na decisão proferida na ação direta de inconstitucionalidade por omissão o dano e o nexo de causalidade dependem da propositura de ação individual em que se peça o ressarcimento contra o Estado Quer isso dizer que a caracterização da ilicitude deve ficar reservada ao STF A possibilidade de ação ressarcitória contra o Estado com base em omissão inconstitucional foi discutida no RE 424584 886 Tratou se neste caso exatamente da possibilidade de ressarcimento a servidores públicos federais em virtude da ausência de regulamentação da revisão geral anual assegurada pelo art 37 X da CF Pediuse ressarcimento relativo ao período entre a data da entrada em vigor da EC 191998 e o termo inicial da vigência da Lei 10331 de 18122001 que estabeleceu a revisão ao funcionalismo público O relator Min Carlos Velloso reconheceu a existência de dano provocado pela omissão em legislar do Presidente da República entendendo assim estarem presentes direito a indenização e dever estatal de ressarcimento O Min Joaquim Barbosa abrindo a divergência afirmou não estar presente no caso a especialidade do dano e que além disso a responsabilidade do Estado foi concebida em princípio como voltada à reparação de atos lesivos praticados pelo Executivo sendo a responsabilidade civil do Estado em razão de ato legislativo excepcionalíssima que se conta nos dedos em direito comparado 887 O Min Gilmar Mendes por sua vez fez as seguintes ponderações Neste recurso extraordinário a discussão está centrada na seguinte questão cabe indenização em face da omissão do Estado ao dever de legislar É possível falarse em responsabilidade civil do Estado por atos legislativos Os recorrentes servidores da Universidade Federal de Viçosa pretendem a indenização pelos prejuízos materiais resultantes da mora legislativa concernente a período determinado Alegamse lesão a direito pelo descumprimento do disposto no inciso X do art 37 da CF bem como certeza do dano sobretudo porque direcionado a período pretérito Enfim não se trata de dano simplesmente possível ou eventual Esclarecer esses aspectos porém não basta É fundamental para o caso em tela considerarmos o julgamento da ADIn 2061DF rel Min Ilmar Galvão DJ 29062001 no qual o Plenário desta Corte atestou a mora legislativa Ocorre que a decisão embora tenha caracterizado a mora por parte do chefe do Poder Executivo quanto à observância do preceito constitucional não aplicou o disposto no art 103 2º in fine Diante da fixação da mora diversas ações visando à responsabilidade civil do Estado foram propostas Os respectivos recursos foram julgados por esta Suprema Corte no sentido do não cabimento de indenização especialmente pelo fato de que não fora fixado nos autos da mencionada ADIn 2061 o prazo para que o chefe do Executivo encaminhasse o projeto de lei sobre a revisão geral anual Não obstante insisto na reflexão sobre se o reconhecimento da mora legislativa tornase ineficaz para efeito de responsabilização civil pelo fato de não ter sido fixado prazo para que o chefe do Executivo encaminhasse o projeto de lei Daí a necessidade de em primeiro lugar declaração da mora para que se possa em segundo lugar a partir desta data verificar a razoabilidade do período de inadimplência do órgão declarado omisso Em síntese a meu ver o reconhecimento da mora preenche o primeiro requisito para a responsabilização do Estado pela omissão legislativa O segundo deve aterse à permanência da omissão considerando o decurso do prazo a partir da constituição em mora O julgamento da ADIn 2061DF foi suficiente para o preenchimento da primeira condição reconhecimento da mora A segunda permanência da mora porém não se verifica Conforme está demonstrado nos autos a União editou a Lei 103312001 pouco tempo após a constituição em mora ou seja pouco tempo após o julgamento da referida ADIn Por conseguinte descabe falar em responsabilidade civil por omissão legislativa Não comungo da tese de que seria prescindível a constituição em mora do Estado porquanto o art 37 X já teria per se fixado um prazo para a atuação estatal ao indicar que a revisão deve ser anual Por se tratar de omissão é indispensável a fixação da mora visto que razões plausíveis podem justificar a inação estatal Imaginemos que não tenha ocorrido inflação em determinado ano ou ainda que tenha ocorrido deflação além de eventual procedência da denominada tese da reserva do possível Fazse necessário portanto o manejo dos instrumentos constitucionais para a fixação da omissão legislativa do Estado Conforme destaquei no caso em apreço após esta Corte constituir em mora o Estado foi publicada lei sobre a revisão geral anual portanto não está demonstrada a permanência da inadimplência Assim caminho para a solução apresentada pela divergência porém com fundamento distinto na medida em que não afasto a tese de cabimento da responsabilidade civil do Estado por omissão legislativa mas apenas não verifico a presença dos requisitos necessários para tanto 888 A mesma questão voltou a ser discutida no RE 565089 Neste recurso após o voto do Min Marco Aurélio dandolhe provimento para reconhecer o direito de os autores serem indenizados por não terem recebido revisão geral anual em seus vencimentos a Ministra Cármen Lúcia pediu vista dos autos aguardandose no presente momento a continuação do julgamento A conclusão do voto do Min Marco Aurélio foi a de impor ao Estado de São Paulo a obrigação de indenizar os autores em razão do descompasso entre os reajustes porventura implementados e a inflação dos períodos 889 afeiçoandose assim à tese do voto do Min Carlos Velloso proferido no RE 424584 890 No caso em que o Tribunal declara a omissão não há razão para transferir os efeitos da decisão de inconstitucionalidade para o momento da edição da lei como se a decisão não tivesse efeito algum Os efeitos da lei não devem ser confundidos com os efeitos da decisão de inconstitucionalidade por omissão Do mesmo modo a definição da mora não pode deixar de ser fixada pela decisão que na ação direta reconhecer a inconstitucionalidade por omissão A mora do legislador quando fixada a partir de data no passado admite que o legislador está a praticar ato ilícito a partir da mesma data Ou seja a partir da caracterização da mora está aberta a fonte de que podem brotar danos e prejuízos Nesse sentido não parece que se possa deixar de frisar a distinção entre retardo culposo na elaboração legislativa e inércia no atendimento da decisão judicial que comunicou o dever de legislar É a primeira que constitui requisito da inconstitucionalidade por omissão e do dever estatal de indenizar Aqui não se adota assim o argumento do Min Gilmar Mendes no sentido de que além do reconhecimento da mora é preciso a sua permanência para justificar o dever de indenizar Isso porque o que distingue a inércia do legislador tal como aferida para se declarar a inconstitucionalidade por omissão da sua inação após ser comunicado judicialmente da necessidade do seu agir é apenas a natureza da culpa que recai sobre cada uma delas Na primeira hipótese a culpa do legislador omisso terá em regra a forma de negligência É claro que a demonstração do dano e da relação de causalidade há de ser feita na ação de ressarcimento quando aquele que se diz prejudicado deve demonstrar a extensão do seu dano e a relação de causalidade entre a lei faltante e o prejuízo sofrido Ocorre que os prejuízos indenizáveis serão sempre aqueles que ocorreram no período que inicia a partir da data em que a decisão de inconstitucionalidade declarou ter o legislador passado a incidir em mora Rui Medeiros ao tratar da responsabilidade civil do Estado por atos legislativos depois de observar que a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral produz efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional e determina a repristinação das normas que ela eventualmente haja revogado adverte que o problema que interessa resolver é o de saber se haverá e em que medida efeitos danosos da lei inconstitucional que não sejam destruídos pela retroactividade da declaração de inconstitucionalidade 891 Ora transportado o argumento para a hipótese de inconstitucionalidade por omissão interessa perguntar se a decisão de inconstitucionalidade não deve se preocupar com os danos provocados pela omissão legislativa A extensão do período coberto pela inconstitucionalidade por omissão não deve ser discutida na ação de ressarcimento Essa em verdade quando se parte da premissa de que a decisão de inconstitucionalidade fixa o dever de indenizar constitui ação de liquidação do dano ou do valor devido Se o STF reconhece que a mora está caracterizada a partir de determinada data tornase importante esclarecer se o Estado tem dever de indenizar e a partir de que data como também a espécie e a natureza do dano indenizável além dos termos e limites em que este deve ser indenizado Percebase que caso tivesse sido fixado na decisão de inconstitucionalidade proferida na ADIn 2061 892 o dever de indenizar do Estado desde junho de 1999 momento em que já tinham passado doze meses desde a data da edição da EC 191998 bastaria ao servidor público propor ação para liquidar o valor devido sem ter de discutir o dever de o Estado ressarcir Isso não quer dizer que quando o STF deixa de fixar o dever de indenizar esse não possa ser alegado e discutido na ação de ressarcimento Notese aliás que mediante a ação de ressarcimento chegase ao controle da omissão inconstitucional no caso concreto demonstrandose a sua possibilidade e necessidade Entretanto não é adequado deixar a definição do dever de indenizar e dos elementos que lhe são correlacionados para a ação do prejudicado O dever de indenizar do Estado é consequência da inconstitucionalidade por omissão e portanto objeto da cognição do STF na ação direta Como observa João Caupers no direito português toda vez que o Tribunal Constitucional verifica a existência de uma omissão inconstitucional pode muito bem entenderse que sobre o Estado recai a obrigação de indenizar os danos causados aos cidadãos pela falta de norma legal 893 Portanto a decisão de inconstitucionalidade por omissão ao pôr em destaque situação de inconstitucionalidade que perdurou no passado pode ter efeitos retroativos em relação aos prejuízos sofridos por aqueles que não puderam exercer os seus direitos assim como aos danos provocados a direitos em virtude de falta de proteção a direitos fundamentais Assim no caso em que há falta de prestação imprescindível à realização de direito consagrado em norma constitucional ou à inibição de dano a direito fundamental a decisão ao retroagir traz com ela a fixação do dever de ressarcir Daí decorre a possibilidade de qualquer beneficiado exigir o ressarcimento do seu direito bem como a viabilidade de qualquer ofendido ou mesmo legitimado à tutela de direitos transindividuais pedir o ressarcimento dos danos produzidos no período em que as proteções normativas ou fáticoadministrativas foram negadas Fica claro dessa forma que dar efeitos retroativos à decisão para fixar o dever de indenizar nada mais é do que otimizar o sistema de controle da inconstitucionalidade por omissão Para se dar efeito retroativo à decisão não importa se esta elaborou ou não a norma faltante mas apenas se há dever de ressarcir como decorrência da omissão inconstitucional O Estado tem dever de ressarcir os danos que não teriam acontecido caso não tivesse se mantido inerte Sublinhese que esta inércia nada mais é do que a mora vale dizer o retardo estatal culposo Ressaltese que ao se definir a mora como retardo estatal culposo levase em conta a necessidade de análise acerca da razoabilidade do transcurso do lapso temporal em relação à complexidade da norma a ser elaborada assim como da dificuldade na implementação da prestação fáticoadministrativa Em síntese há omissão do Estado quando este devia e podia ter aprovado as normas legais ou tomado as providências administrativas indispensáveis 894 876 Primeiras considerações 895 Estabeleceu o art 102 1º da CF que a arguição de descumprimento de preceito fundamental decorrente desta Constituição será apreciada pelo Supremo Tribunal Federal na forma da lei A arguição de descumprimento de preceito fundamental foi regulamentada pela Lei 9882 de 03121999 que dispôs sobre o seu processo e julgamento 896 Tratase de ação que intensifica o poder de controle de constitucionalidade do STF Diz o art 1º da Lei 98821999 que a arguição prevista no 1º do art 102 da Constituição Federal será proposta perante o Supremo Tribunal Federal e terá por objeto evitar ou reparar lesão a preceito fundamental resultante de ato do Poder Público grifamos Em complemento dispõe o parágrafo único do art 1º que caberá também arguição de descumprimento de preceito fundamental I quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal estadual ou municipal incluídos os anteriores à Constituição grifamos Esta ação colocase ao lado das demais ações do controle concentrado tendo o objetivo de suprir as necessidades de controle abstrato de constitucionalidade Assim por exemplo possui relevante função diante do direito préconstitucional e do direito municipal uma vez que no primeiro caso a ação direta de inconstitucionalidade não é admitida pelo STF em vista da ideia de ser contraditório declarar inconstitucional norma que foi não recepcionada por incompatibilidade com o novo texto constitucional e no segundo a constitucionalidade tem como parâmetro de controle somente a Constituição Estadual art 125 2º da CF 897 877 Modalidades A arguição de descumprimento tal como tratada pela Lei 98821999 pode ser autônoma e incidental No primeiro caso a questão constitucional é dirigida ao STF independentemente de caso concreto em que tenha surgido questão constitucional relevante O controle de constitucionalidade assim é feito mediante ação absolutamente autônoma desvinculada de ação concreta levada diretamente ao STF que então faz controle principal da constitucionalidade No outro caso a questão constitucional para dar origem à arguição de descumprimento tem de não apenas brotar em caso concreto em curso como ainda ter fundamento relevante nos aspectos econômico político social ou jurídico Notese ademais que enquanto a arguição autônoma pode questionar qualquer ato do Poder Público a arguição incidental é restrita à lei ou ao ato normativo cuja definição da constitucionalidade é imprescindível à resolução do mérito da ação concreta A arguição autônoma gera controle principal ao passo que a arguição incidental faz surgir controle incidental diferido a exemplo do que ocorre diante do controle incidental nos tribunais em que se suscita o incidente de inconstitucionalidade na pendência do julgamento perante Câmara ou Turma para se ter a questão constitucional resolvida pelo Órgão Especial ou Plenário do Tribunal nos termos do art 97 da CF A diferença neste aspecto está em que no incidente de inconstitucionalidade nos tribunais reservase ao próprio Tribunal que está a julgar o litígio a competência para definir a questão constitucional o que não ocorre na arguição incidental em que a questão constitucional provém de órgão judicial inferior e é resolvida pelo STF A cisão funcional num caso é horizontal e no outro vertical Entretanto a arguição incidental a despeito do seu nome e de identificar controle que se realiza em face de um caso concreto constitui ação própria dirigida a viabilizar o controle de constitucionalidade com eficácia erga omnes e vinculante por parte do STF Não pode ser assimilada como mero incidente de inconstitucionalidade já que não pode ser suscitada nem pelas partes nem pelo órgão judicial de ofício no processo que lhe deu origem Salientese que a arguição incidental não é realizada no processo mas sim em face dele e perante o STF Uma vez admitida a arguição incidental pelo STF devese suspender a ação que lhe deu origem até o pronunciamento definitivo deste Tribunal 878 Requisitos da arguição de descumprimento de preceito fundamental 8781 Ausência de outro meio processual capaz de sanar a lesividade de modo eficaz Diz o art 4º 1º da Lei 98821999 que não será admitida arguição de descumprimento de preceito fundamental quando houver qualquer outro meio eficaz de sanar a lesividade Discute se a partir dessa norma quando existe meio eficaz de sanar a lesividade a impedir o uso da arguição de descumprimento Vale dizer que a arguição se submete à regra da subsidiariedade no sentido de a sua utilização depender da inexistência de outro meio capaz de sanar de modo eficaz a lesividade ao preceito fundamental 898 Considerandose que existe um grande arsenal de instrumentos processuais voltados à tutela dos direitos é natural que se pense em confrontálos com a arguição de descumprimento à luz da regra da subsidiariedade plantada no 1º do art 4º da Lei 98821999 É de se ver contudo que a arguição de descumprimento se insere no sistema de controle abstrato de constitucionalidade hábil não só a tutelar o direito objetivo ou a ordem jurídica mas também a gerar decisões que produzem efeitos gerais e vinculantes a revelar sua aptidão para tutelar de forma pronta e ampla as questões ou controvérsias constitucionais Apenas isso parece suficiente para esclarecer que os demais meios capazes de tutelar com efetividade os preceitos fundamentais não podem estar entre os instrumentos destinados a tutelar direitos subjetivos 899 A arguição de descumprimento apenas é excluída quando existe meio capaz de tutelar o direito objetivo mediante decisão dotada de efeitos gerais e vinculantes ou seja por meio de ação que se destina ao controle abstrato de constitucionalidade como as ações de inconstitucionalidade e de constitucionalidade 900 Notese assim que o espaço da arguição está exatamente no lugar em que se apresenta a necessidade de tutela pronta e geral em face da Constituição Federal de direito préconstitucional de direito municipal e de norma secundária bem como de declaração de constitucionalidade diante da Constituição Federal dos direitos municipal e estadual 8782 Relevância do fundamento de controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal estadual ou municipal incluídos os anteriores à Constituição O art 1º parágrafo único I da Lei 98821999 também admite a arguição de descumprimento quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal estadual ou municipal incluídos os anteriores à Constituição grifamos O art 3º V da mesma lei afirma que a petição inicial da arguição de descumprimento deve conter a comprovação da existência de controvérsia judicial relevante sobre a aplicação do preceito fundamental que se considera violado grifamos Por controvérsia judicial seria possível entender discórdia entre órgãos judiciais acerca da constitucionalidade de lei ou ato normativo Contudo bastam decisões oriundas de órgãos judiciais diversos no sentido da inconstitucionalidade para que se estabeleça controvérsia judicial sobre a aplicação da lei Não parece necessária realmente a discórdia entre órgãos judiciais para surgir dúvida acerca da constitucionalidade de norma Sucede que o referido art 1º parágrafo único I fala em relevância do fundamento da controvérsia constitucional e não em controvérsia judicial relevante como o fazem o art 14 III da Lei 98681999 ação declaratória de constitucionalidade e o art 3º V da própria Lei 98821999 Nesta perspectiva para abrir ensejo à arguição de descumprimento basta que a controvérsia constitucional tenha fundamento relevante apresentandose a hipótese como similar à que constitui pressuposto da repercussão geral Recordese que há repercussão geral no recurso extraordinário quando a causa constitucional debatida apresenta relevância e transcendência art 1035 1º CPC2015 A relevância da causa deve ser aquilatada do ponto de vista econômico político social ou jurídico Há relevância sob o ponto de vista jurídico por exemplo quando o acórdão recorrido toma por inconstitucional determinada norma infraconstitucional A transcendência da controvérsia constitucional pode ser caracterizada tanto em perspectiva qualitativa quanto quantitativa Na primeira interessa para individualização da transcendência o importe da questão debatida para a sistematização e desenvolvimento do direito na segunda o número de pessoas suscetíveis de alcance atual ou futuro pela decisão daquela questão pelo Supremo e bem assim a natureza do direito posto em causa Observese que eventuais questões envolvendo a reta observância ou a frontal violação de direitos fundamentais materiais ou processuais tendo em conta a dimensão objetiva destes apresentam a princípio transcendência Constituindo os direitos fundamentais objetivamente considerados uma tábua mínima de valores de determinada sociedade em dado contexto histórico cujo respeito interessa a todos natural que se reconheça num primeiro momento a transcendência de questões envolvendo por exemplo afirmações concernentes a violações ou ameaças de violações das limitações ao poder constitucional de tributar ou aos direitos fundamentais inerentes ao processo justo A lógica da arguição incidental é a de viabilizar de forma pronta e geral a solução de controvérsia constitucional que tem condições de chegar ao STF mediante recurso extraordinário De modo que não há razão para equiparar o requisito da dúvida sobre a constitucionalidade da lei específica da ação declaratória de constitucionalidade com a relevância do fundamento da controvérsia constitucional própria ao cabimento da arguição na forma incidental A existência de várias decisões de inconstitucionalidade é pressuposto que se coloca apenas diante da arguição de descumprimento que tem por objetivo a declaração de constitucionalidade de norma estadual ou municipal em face da Constituição 879 Legitimidade A questão da legitimidade para a arguição de descumprimento ficou reservada ao art 2º da Lei 98821999 O inciso I deste artigo diz que os legitimados para a ação direta de inconstitucionalidade art 103 da CF 901 podem propor arguição de descumprimento de preceito fundamental São eles legitimados para a arguição na forma autônoma e incidental Esses legitimados como ocorre na ação direta de inconstitucionalidade podem ser ditos universais e especiais Recordese que o STF fez distinção entre uma qualidade intrínseca aos legitimados para a ação direta de inconstitucionalidade 902 Alguns em virtude de seu papel institucional sempre estão autorizados a solicitar a tutela da Constituição outros constituindo órgãos e entidades têm legitimidade para impugnar normas que diretamente afetem suas esferas jurídicas ou de seus filiados Os últimos são obrigados a demonstrar relação de pertinência entre os seus fins e propósitos e a norma impugnada Essa distinção entre os legitimados também se aplica à arguição de descumprimento de preceito fundamental 903 O inciso II que conferia legitimidade 904 a qualquer pessoa lesada ou ameaçada por ato do Poder Público foi vetado pelo chefe do Poder Executivo 905 O veto impossibilitou a arguição de descumprimento às partes do processo em que presente a discussão da questão constitucional Assim ainda que a arguição incidental possa ser apresentada por qualquer dos legitimados à ação direta de inconstitucionalidade e à ação declaratória de constitucionalidade art 2º I da Lei 98821999 e qualquer interessado mediante representação possa solicitar a propositura da arguição ao ProcuradorGeral da República 906 art 2º 1º da Lei 98821999 a sua importância foi minimizada já que a arguição de descumprimento quando proposta na forma autônoma submete se a requisitos menos rígidos descartando a exigência de relevância do fundamento da controvérsia constitucional além de poder ser utilizada em face de qualquer ato do Poder Público e não apenas como ocorre na arguição incidental em relação a leis ou atos normativos art 1º parágrafo único I da Lei 98821999 A legitimidade passiva por sua vez cabe ao órgão ou agente acusado da violação ao preceito fundamental 880 Parâmetro de controle O art 1º da Lei 98821999 afirma claramente que a arguição de descumprimento objetiva tutelar preceito fundamental em face de ato do Poder Público O significado de ato do Poder Público será esmiuçado no próximo item ao se estudar o objeto da arguição de descumprimento O que agora interessa é o conceito de preceito fundamental 907 que constitui o parâmetro de controle dos atos do Poder Público que podem ser impugnados mediante a arguição de descumprimento Não há na doutrina e na jurisprudência do STF inequívoca definição do que seja preceito fundamental Temse como certo apenas que nem toda norma constitucional corresponde a preceito fundamental e que determinadas normas em vista do seu conteúdo que consagram os princípios fundamentais arts 1º a 4º e direitos fundamentais art 5º e ss bem como as que abrigam cláusulas pétreas art 60 4º e contemplam os princípios constitucionais sensíveis art 34 VII merecem proteção sob o rótulo de preceitos fundamentais 908 São significativas a respeito do ponto duas decisões Já na ADPF 1 disse o Min Néri da Silveira que compete ao STF o juízo acerca do que se há de compreender no sistema constitucional brasileiro como preceito fundamental 909 Na ADPF 33 o Min Gilmar Mendes advertiu que é muito difícil indicar a priori os preceitos fundamentais da Constituição passíveis de lesão tão grave que justifique o processo e o julgamento da arguição de descumprimento Não há dúvida que alguns desses preceitos estão enunciados de forma explícita no texto constitucional Assim ninguém poderá negar a qualidade de preceitos fundamentais da ordem constitucional aos direitos e garantias individuais art 5º entre outros Da mesma forma não se poderá deixar de atribuir essa qualificação aos demais princípios protegidos pela cláusula pétrea do art 60 4º da CF quais sejam a forma federativa de Estado a separação de Poderes e o voto direto secreto universal e periódico Por outro lado a própria Constituição explicita os chamados princípios sensíveis cuja violação pode dar ensejo à decretação de intervenção federal nos Estadosmembros art 34 VII É fácil ver que a amplitude conferida às cláusulas pétreas e a ideia de unidade da Constituição Einheit der Verfassung acabam por colocar parte significativa da Constituição sob a proteção dessas garantias O efetivo conteúdo das garantias de eternidade somente será obtido mediante esforço hermenêutico Apenas essa atividade poderá revelar os princípios constitucionais que ainda que não contemplados expressamente nas cláusulas pétreas guardam estreita vinculação com os princípios por elas protegidos e estão por isso cobertos pela garantia de imutabilidade que delas dimana Os princípios merecedores de proteção tal como enunciados normalmente nas chamadas cláusulas pétreas parecem despidos de conteúdo específico Essa orientação consagrada por esta Corte para os chamados princípios sensíveis há de se aplicar à concretização das cláusulas pétreas e também dos chamados preceitos fundamentais É o estudo da ordem constitucional no seu contexto normativo e nas suas relações de interdependência que permite identificar as disposições essenciais para a preservação dos princípios basilares dos preceitos fundamentais em um determinado sistema Destarte um juízo mais ou menos seguro sobre a lesão de preceito fundamental consistente nos princípios da divisão de Poderes da forma federativa do Estado ou dos direitos e garantias individuais exige preliminarmente a identificação do conteúdo dessas categorias na ordem constitucional e especialmente das suas relações de interdependência Nessa linha de entendimento a lesão a preceito fundamental não se configurará apenas quando se verificar possível afronta a um princípio fundamental tal como assente na ordem constitucional mas também a disposições que confiram densidade normativa ou significado específico a esse princípio Tendo em vista as interconexões e interdependências dos princípios e regras talvez não seja recomendável procederse a uma distinção entre essas duas categorias fixandose um conceito extensivo de preceito fundamental abrangente das normas básicas contidas no texto constitucional 910 881 Objeto 8811 Introdução Como já dito a arguição conforme o art 1º da Lei 98821999 tem o objetivo de evitar ou reparar lesão a preceito fundamental resultante de ato do Poder Público Assim pode tutelar preceito fundamental diante de qualquer ato do Poder Público Entretanto diferente do objetivo ou mesmo da função do instrumento é o seu objeto Em princípio objeto da arguição é ato do Poder Público O inciso I do parágrafo único do art 1º da Lei 98821999 referese à possibilidade de arguição quando relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal estadual ou municipal incluídos os anteriores à Constituição Assim temse desde logo a possibilidade de arguição autônoma em relação a qualquer ato do Poder Público e de arguição incidental em relação à lei ou ato normativo federal estadual ou municipal mesmo que préconstitucionais Portanto já num primeiro momento é possível concluir que qualquer das formas de arguição de descumprimento pode atacar ato normativo ou lei federal estadual ou municipal inclusive anteriores à Constituição e que a arguição na forma autônoma pode se voltar contra qualquer ato do Poder Público assim os normativos inclusive anteriores à Constituição administrativos e jurisdicionais Diante disso é fácil perceber que a arguição de descumprimento se coloca no sistema brasileiro de controle de constitucionalidade como instrumento capaz de atuar em locais imunes à ação direta de inconstitucionalidade e à ação declaratória de constitucionalidade como por exemplo o direito préconstitucional e o direito municipal 8812 Atos do Poder Público Como o caput do art 1º da Lei 98821999 fala em lesão resultante de ato do Poder Público parece conveniente tratar em primeiro lugar do significado de ato do Poder Público no contexto da arguição de descumprimento de preceito fundamental Não há dúvida que são passíveis de arguição de descumprimento os atos normativos inclusive anteriores à Constituição sejam federais estaduais ou municipais Além destes podem ser objeto de arguição de descumprimento na forma autônoma os atos administrativos e jurisdicionais Tem relevo ao se considerar a abrangência de ato do Poder Público questionar a possibilidade de se compreendêlo na arguição de descumprimento como no mandado de segurança Sabese que é admissível mandado de segurança contra ato praticado por entidade privada que atua por delegação do Poder Público Assim por exemplo os atos de concessionários de serviços públicos que exprimem exercício de competência pública Atos praticados por privados no desempenho de competência pública não têm motivo para não ser abarcados pela arguição de descumprimento de preceito fundamental 911 8813 Direito préconstitucional 912 A Constituição de 1988 não se pronunciou acerca do seu efeito sobre o direito pretérito Mas na vigência da atual Constituição o STF já tratou várias vezes da questão Assim na ADIn 2 reafirmou a orientação que se formara sob o regime constitucional antecedente decidindo que a Constituição revoga o direito anterior que com ela é incompatível recusandose assim sob o fundamento de impossibilidade jurídica do pedido a admitir a ação de inconstitucionalidade 913 Nesta ocasião afirmouse que o vício da inconstitucionalidade é congênito à lei e há de ser apurado em face da Constituição vigente ao tempo de sua elaboração Lei anterior não pode ser inconstitucional em relação à Constituição superveniente nem o legislador poderia infringir Constituição futura A Constituição sobrevinda não torna inconstitucionais leis anteriores com ela conflitantes revogaas 914 O Min Sepúlveda Pertence ao divergir da maioria advertiu para o mal que adviria do rigor na admissão da tese da revogabilidade qual seja a impossibilidade do uso da ação direta Reduzir o problema às dimensões da simples revogação da norma infraconstitucional pela norma constitucional posterior se é alvitre que tem por si a sedução da aparente simplicidade redunda em fecharlhe a via da ação direta E deixar em consequência que o deslinde das controvérsias suscitadas flutue durante anos ao sabor dos dissídios entre juízes e tribunais de todo o País até chegar se chegar à decisão da Alta Corte ao fim de longa caminhada pelas vias frequentemente tortuosas do sistema de recursos Perderão com tudo isso inevitavelmente não só a rapidez mas a uniformização dos resultados da tarefa jurisdicional de conformação do direito velho às novas diretrizes da Lei Fundamental com patente perda da efetividade desta e da segurança jurídica dos jurisdicionados Ao contrário se se entende que o conflito cogitado se traduz em inconstitucionalidade superveniente chamese embora de revogação à sua consequência jurídica abreselhe a via do controle abstrato hoje generosamente ampliada pela desconcentração da legitimidade ativa 915 Como está claro o grande problema do direito préconstitucional estava na impossibilidade de submetêlo ao controle abstrato mediante a ação direta de inconstitucionalidade 916 Isso porém foi resolvido com a Lei 98821999 que no art 1º parágrafo único expressamente previu a possibilidade de utilização da arguição de descumprimento de preceito fundamental para questionar lei ou ato normativo federal estadual ou municipal incluídos os anteriores à Constituição 8814 Declaração de inconstitucionalidade de direito municipal 917 A ação direta de inconstitucionalidade perante a Constituição Federal é restrita às leis e atos normativos estaduais e federais O direito municipal é objeto de ação de inconstitucionalidade apenas em face da Constituição Estadual a ser proposta perante os Tribunais de Justiça art 125 2º da CF A impossibilidade de controle direto do direito municipal traz grave consequência nos planos da previsibilidade e da unidade das decisões judiciais pois impede a definição imediata e com efeitos gerais da questão de constitucionalidade como se apenas o direito federal e o direito estadual pudessem gerar decisões conflitantes quando contrapostos à Constituição Federal A importância de decisão com eficácia vinculante em relação a normas que não podem ser questionadas mediante ação direta de inconstitucionalidade e ação declaratória de constitucionalidade foi objeto de consideração na ADPF 33 ocasião em que o Min Gilmar Mendes ressaltou que a possibilidade de incongruências hermenêuticas e confusões jurisprudenciais decorrentes dos pronunciamentos de múltiplos órgãos pode configurar uma ameaça a preceito fundamental pelo menos ao da segurança jurídica o que também está a recomendar uma leitura compreensiva da exigência aposta à lei da arguição de modo a admitir a propositura da ação especial toda vez que uma definição imediata da controvérsia mostrarse necessária para afastar aplicações erráticas tumultuárias ou incongruentes que comprometam gravemente o princípio da segurança jurídica e a própria ideia de prestação judicial efetiva 918 Notese que o argumento de que a decisão ainda que tomada no controle concentrado apenas produz efeitos em relação à norma municipal objeto da arguição poderia comprometer a própria inspiração do uso da arguição de descumprimento de preceito fundamental em relação às normas municipais É que a prevalecer esta ideia todas as outras normas de conteúdo idêntico à norma municipal especificamente impugnada na arguição de descumprimento continuariam a gerar litígios nos vários cantos do País comprometendo a previsibilidade em relação às decisões judiciais e a coerência da ordem jurídica Sucede que a eficácia vinculante não guarda relação de exclusividade com o dispositivo das decisões de inconstitucionalidade Ao contrário a eficácia vinculante recai sobre o entendimento ou a tese que o STF firmou ao julgar a questão constitucional e assim tem em conta especialmente os fundamentos da decisão ou melhor os fundamentos determinantes da decisão São estes os fundamentos que devidamente analisados no julgamento foram adotados pela maioria dos membros do colegiado e guardam relação de causa e efeito com a conclusão tomada É fácil perceber o motivo pelo qual a eficácia vinculante pertine aos fundamentos determinantes A eficácia vinculante ou obrigatória tem o objetivo de consolidar o sentido que o STF empresta à Constituição Ora é pouco mais do que evidente que este sentido não pode ser transmitido pela parte dispositiva da decisão Esta na verdade jamais teve este intuito ou pretensão já que pode apenas expressar os limites da coisa julgada às partes de um litígio Diante do grande número de leis municipais que podem expressar idêntico conteúdo é completamente irracional supor que a decisão do STF que atribui sentido constitucional a controvérsia envolvendo específica norma de determinado Município materialmente idêntica a inúmeras outras de Municípios diversos possa se dar ao luxo de ficar restrita apenas e tão somente à decisão tomada É preciso constatar que em relação à norma específica a decisão é única mas no que tange à questão constitucional controvertida os seus fundamentos determinantes expressam o entendimento da Corte Constitucional 8815 Declaração de constitucionalidade dos direitos municipal e estadual A mesma linha de argumentação se aplica à declaração de constitucionalidade dos direitos municipal e estadual Em face da Constituição Federal cabe ação de constitucionalidade apenas de lei ou ato normativo federal excluindose assim inclusive as normas estaduais art 102 I a e 2º da CF Porém a arguição de descumprimento de preceito fundamental permite que se declare se norma municipal ou estadual viola preceito fundamental art 1º da Lei 98821999 A declaração de constitucionalidade acerca de suposta violação de preceito fundamental por parte de direito municipal ou estadual é fundamental para a definição imediata e plena com eficácia vinculante da validade normativa posta em dúvida por decisões oriundas de diversos órgãos judiciais Diz o art 14 III da Lei 98681999 que a petição inicial da ação declaratória de constitucionalidade deve demonstrar a existência de controvérsia judicial relevante sobre a aplicação da disposição objeto da ação declaratória Reclamase assim controvérsia dúvida ou incerteza judicial sobre a constitucionalidade da norma Este estado decorre da afirmação judicial de inconstitucionalidade a pôr em xeque a presunção de constitucionalidade Basta que a afirmação judicial de inconstitucionalidade seja relevante ou seja decorra de órgãos judiciais diversos para que reste caracterizado o pressuposto da declaração de constitucionalidade Do mesmo modo se há controvérsia manifestada por órgãos judiciais acerca da compatibilidade de norma municipal ou estadual com preceito fundamental cabe arguição de descumprimento de preceito fundamental 919 Evitase dessa forma a perpetuação de uma grave situação que ademais gera falta de previsibilidade a comprometer a harmonia do desenvolvimento das relações sociais Portanto dáse ênfase ao compromisso do STF com a tutela da coerência da ordem jurídica a partir do fio condutor da Constituição 8816 Controle de ato legislativo em fase de formação O art 1º da Lei 98821999 afirma que por meio da arguição de descumprimento é possível evitar ou reparar lesão a preceito fundamental resultante de ato do Poder Público A norma é expressa no sentido de que a via permite evitar lesão a preceito fundamental que seja decorrente de ato do Poder Público É certo que quando a ação de inconstitucionalidade ou a ação de constitucionalidade não é capaz de adequadamente tutelar a Constituição diante de ato do Poder Público a arguição de descumprimento pode ser chamada a suprir a lacuna Assim por exemplo no caso de lei municipal incompatível com a Constituição Federal Bem longe daí contudo está a possibilidade de se utilizar a arguição de descumprimento para impugnar o ato legislativo em fase de formação como o projeto de lei ou a proposta de emenda constitucional Na ordem jurídica brasileira inexiste previsão dessa forma de controle de constitucionalidade O STF admite o controle do processo legislativo em nome do direito subjetivo do parlamentar de impedir que a elaboração dos atos normativos incida em desvios inconstitucionais entendendose caber mandado de segurança e dessa forma o controle incidental quando a vedação constitucional se dirige ao próprio processamento da lei ou da emenda 920 Nesta hipótese em verdade não há controle preventivo de constitucionalidade Há controle judicial repressivo mediante mandado de segurança A norma constitucional que veda a apresentação da emenda impede o andamento do processo legislativo Há inconstitucionalidade muito antes de se chegar à deliberação o processo é por si inconstitucional 921 Existe distinção entre afirmar violação de norma constitucional que impede o andamento de processo legislativo e asseverar inconstitucionalidade decorrente de lei que será editada Ademais disposições da própria Lei 98821999 que previam a possibilidade de uso da arguição de descumprimento de preceito fundamental para controle do processo legislativo foram vetadas pelo chefe do Poder Executivo sob o fundamento de que não se pode admitir a interferência do STF em questões do Poder Legislativo 922 O STF já teve oportunidade de analisar a possibilidade do uso da arguição de descumprimento de preceito fundamental em face de projeto de emenda constitucional A Corte negou provimento a agravo regimental interposto contra decisão que negou seguimento a arguição de descumprimento de preceito fundamental sob o argumento de que à luz da Lei 98821999 esta deve recair sobre ato do Poder Público não mais suscetível de alterações Advertiu se que a proposta de emenda à Constituição não se insere na condição de ato do Poder Público pronto e acabado porque ainda não ultimado o seu ciclo de formação e ainda que o STF tem sinalizado no sentido de que a arguição de descumprimento de preceito fundamental veio a completar o sistema de controle objetivo de constitucionalidade deixandose consignado que a impugnação de ato com tramitação ainda em aberto possui nítida feição de controle preventivo e abstrato de constitucionalidade o qual não encontra suporte em norma constitucionalpositiva 923 8817 Norma de caráter secundário O STF não admite ação de inconstitucionalidade para impugnar norma de caráter secundário regulamentos resoluções etc 924 Basicamente pela razão de que a norma de caráter secundário deve respeito à norma que lhe confere imediato fundamento de validade de modo que perante a Constituição caberia apenas o controle da última O problema da norma secundária em outras palavras seria sempre de legalidade e não de inconstitucionalidade A questão já foi igualmente enfrentada pelo STF em arguição de descumprimento de preceito fundamental 925 Entretanto a ideia de que tais normas não podem ser objeto de controle direto de constitucionalidade é questionada uma vez que além de poderem violar a Constituição ressentemse da necessidade de decisão dotada de efeitos gerais e vinculantes Assim adverte Clèmerson Merlin Clève que o regulamento pode violar a Constituição não apenas na hipótese de edição de normativa autônoma mas também quando o exercente da atribuição regulamentar deixa de observar os princípios da reserva legal da supremacia da lei e da separação dos Poderes o que o levou a concluir que a falta de controle judicial expedito nestas situações pode tornar também flexível o princípio da divisão dos Poderes permitindo assim afetar uma decisão fundamental do constituinte 926 O ponto com as suas repercussões foi objeto de análise na MC na ADPF 87 que se voltou contra o Provimento 6121998 do Conselho Superior da Magistratura do Estado de São Paulo que estabeleceu as regras para a realização dos concursos para a outorga de delegações de notas e de registro do Estado Ao analisar o pedido de medida cautelar o Min Gilmar Mendes abordando o tema no direito alemão lembrou que de acordo com a doutrina de Christian Pestalozza Verfassungsprozessrecht 2 ed Munique 1982 p 105106 configuramse hipóteses de afronta ao direito geral de liberdade Lei Fundamental alemã art 2º I ou a outra garantia constitucional expressa a a não observância pelo regulamento dos limites estabelecidos em lei Lei Fundamental art 80 I b a lei promulgada com inobservância das regras constitucionais de competência c a lei que estabelece restrições incompatíveis com o princípio da proporcionalidade BVerfGE 38288 298 927 Ao final concluiu que no direito brasileiro não há óbice para que se analise em condições especiais a constitucionalidade de atos regulamentares em face da Constituição pois a questão constitucional muitas vezes é posta de forma tal que se afigura possível a ofensa aos postulados da legalidade e da independência e da separação de poderes os quais merecem proteção da Corte Suprema Consignou porém que o tema revelase complexo especialmente em face dos limites ainda não precisamente definidos da arguição de descumprimento de preceito fundamental acabando por indeferir a liminar pleiteada 928 Portanto é importante considerar também na presente hipótese a viabilidade do uso da arguição de descumprimento de preceito fundamental 8818 Decisões judiciais e arguição de descumprimento de preceito fundamental Como a arguição de descumprimento de preceito fundamental é cabível diante de violação de preceito fundamental decorrente de ato do Poder Público é possível questionar a possibilidade da sua utilização em face de decisão judicial Gilmar Mendes em sede doutrinária admite expressamente a hipótese argumentando que um preceito fundamental pode ser violado em virtude de determinada interpretação judicial do texto constitucional assim como no caso em que a decisão é desprovida de base legal Na primeira hipótese a decisão estaria a violar preceito fundamental Na segunda hipótese ao faltar base legal à decisão judicial haveria violação de algum direito individual específico ao menos na dimensão do princípio da legalidade 929 A admissibilidade da arguição de descumprimento de preceito fundamental em face de decisão judicial deve ser colocada em duas perspectivas considerando as decisões judiciais anteriores ao trânsito em julgado e aquelas que pela coisa julgada material já estão protegidas Ademais diante da regra de que a arguição de descumprimento apenas pode ser aplicada subsidiariamente isto é nos casos em que não exista meio processual capaz de adequadamente proteger a situação seria possível supor que aí jamais haveria lugar para a arguição uma vez que sempre estariam à disposição do prejudicado os recursos e a ação rescisória respectivamente para as decisões anteriores ao trânsito em julgado e para as decisões já acobertadas pela coisa julgada material O óbice da existência de recursos e meios processuais idôneos a afastar a violação foi lembrado na ADPF 157 Neste caso ao se indeferir a petição inicial da arguição argumentouse que em vista das circunstâncias não era possível afastar a regra da subsidiariedade Disse o Min Joaquim Barbosa Inicialmente não foi afastada a existência de outros instrumentos judiciais eficazes para reparar a situação tida por lesiva ao preceito fundamental Observo nesse sentido que pende o julgamento de agravo regimental no AgIn 707204 rel Min Ricardo Lewandowski recurso destinado a assegurar o conhecimento de recurso extraordinário que versa sobre a matéria de fundo Há registro também da propositura de medida de jurisdição cautelar art 21 IV e V do RISTF que embora não acolhida por decisão monocrática encontrase sob o crivo da Corte em agravo regimental AC 1976 AgRgAgRg rel Min Ricardo Lewandowski Em sentido semelhante lêse no site do Tribunal Superior Eleitoral que os interessados intentaram medida destinada a sobrestar o julgamento do RCED 671 Posto que a mesma referência indique que o relator do mandado de segurança Min Félix Fischer não acolheu a pretensão dos interessados não há registro do trânsito em julgado da referida decisão Por se voltar contra uma única decisão proferida em processo de natureza subjetiva enquanto ainda pendente o julgamento do agravo de instrumento em agravo regimental e de medida cautelar relativa ao recurso extraordinário em agravo regimental esta arguição de descumprimento de preceito fundamental opera neste momento como verdadeiro sucedâneo de tais recursos ou das medidas tendentes a conferir lhes tutela recursal Ante o exposto com base no art 4º 1º da Lei 98821999 indefiro a petição inicial desta arguição de descumprimento de preceito fundamental 930 A existência de coisa julgada material foi lembrada como obstáculo na ADPF 134 Subli nhese parte da decisão do Min Ricardo Lewandowski O presente caso objetiva a desconstituição de decisões judiciais entre as quais muitas já transitadas em julgado que aplicaram índice de reajuste coletivo de trabalho definido pelos Decretos Municipais 71531985 71821985 71831985 72511985 71441985 78091988 e 78531988 bem como pela Lei Municipal 60901986 todos do Município de FortalezaCE Este instituto de controle concentrado de constitucionalidade não tem como função desconstituir coisa julgada A argui ção de descumprimento de preceito fundamental é regida pelo princípio da subsidiariedade a significar que a admissibilidade desta ação constitucional pressupõe a inexistência de qualquer outro meio juridicamente apto a sanar com efetividade real o estado de lesividade do ato impugnado A ação tem como objeto normas que não se encontram mais em vigência A ofensa à Constituição Federal consubstanciada na vinculação da remuneração ao salário mínimo não persiste nas normas que estão atualmente em vigência Precedentes A admissão da presente ação afrontaria o princípio da segurança jurídica 931 A existência de recursos e meios aptos a tutelar a parte no caso concreto não elimina a eventual necessidade de se eliminar de forma rápida e com eficácia vinculante violação de preceito fundamental por parte de decisão destituída de base legal ou discrepante do texto constitucional A possibilidade de reiteração de decisões destituídas de base legal ou com conteúdo que viola literalmente preceito fundamental a provocar a negação da Constituição e grave comprometimento da ordem e da segurança jurídicas faz ver a necessidade de ação constitucional capaz de eliminar de forma pronta e com eficácia obrigatória o ato judicial violador Pensese por exemplo em decisões proferidas em determinado Estado da Federação que na fase de cumprimento da sentença condenatória a ser executada de acordo com a Constituição mediante precatório determinam a Municípios o imediato pagamento de quantia em dinheiro sujeitandoos à penhora dos seus bens É indiscutível que nessas hipóteses seria possível chegar mediante recurso extraordinário no STF Notese que a mesma razão pela qual se impõe em determinados casos a pronta e geral eliminação do estado de incerteza quanto à constitucionalidade de norma obriga em outros a eficaz revogação da decisão ou decisões judiciais para se restaurar a coerência do direito e a segurança jurídica evitandose que situações subjetivas similares fiquem expostas à ruptura constitucional Portanto não é exatamente a existência de recursos ou medidas cautelares que pode obstaculizar a arguição Não há razão para a arguição quando a decisão tem repercussão apenas sobre a situação conflitiva concreta Mas se a decisão transcende ao caso concreto atingindo a todos aqueles que por algum motivo podem se deparar com decisões de igual conteúdo tornase necessária a arguição de descumprimento para restabelecer a legitimidade das decisões e a segurança jurídica Por outro lado se a ação rescisória responde adequadamente à necessidade de desconstituição de decisões acobertadas pela coisa julgada material passado o prazo decadencial para o seu exercício é possível que subsista decisão destituída de base legal ou com violação literal a preceito constitucional Nada impede que se alargue o prazo para desconstituição de decisão violadora de preceito fundamental nem muito menos que se estabeleça ação constitucional destinada a impugnála Assim tudo se resume à análise de se o art 102 1º da CF abriu oportunidade para ação que permite tutelar preceito fundamental violado por decisão transitada em julgado há mais de dois anos Se a tutela de preceito fundamental pode consistir na declaração judicial de que uma norma o violou um preceito fundamental também é tutelado quando são desconstituídas as decisões transitadas em julgado que o agrediram A arguição de descumprimento não se destina a tutelar direito subjetivo lesado ou a afastar a coisa julgada que se formou em detrimento de determinado sujeito ou grupo de pessoas mas a tutelar a ordem jurídica ou o direito objetivo Neste caso ao contrário do que ocorre na ação voltada a declarar a nulidade de norma editada em contraposição à Constituição no lugar da norma está a decisão judicial porém ambas quando violam preceito fundamental têm o mesmo efeito perverso Realmente quando se pensa no uso da arguição contra decisão judicial a violação ao direito não está na norma aplicada mas na própria decisão que por isso mesmo tem de ser arbitrária ou destituída de qualquer base legal ou ainda dotada de dicção que viola grosseira e literalmente preceito fundamental Retenhase o ponto não se trata de impugnar decisão que interpretou norma de forma racional mas de decisão que não é ancorada no direito ou de decisão que claramente nega preceito fundamental violandoo de forma literal e grosseira Aliás não seria constitucional em face do princípio da segurança jurídica eternizar a possibilidade da discussão acerca da adequada interpretação de questão constitucional ou de preceito fundamental Quando a interpretação do texto constitucional é controvertida ou este racionalmente permite que se chegue a determinada decisão a decisão de inconstitucionalidade do STF não tem o efeito de nulificar as decisões anteriores Em nome da segurança jurídica é preciso salvaguardar os juízos precedentes sobre a questão constitucional ainda que distintos daquele que veio a prevalecer na decisão do STF Se não for assim a decisão judicial decorrente do deverpoder de realizar o controle difuso da constitucionalidade sempre será condicionada a um evento imprevisível Pelo mesmo motivo que não se concebe uma decisão provisoriamente estável o que seria uma contradição em termos não se pode raciocinar como se fosse possível admitir uma coisa julgada subordinada a uma não decisão de inconstitucionalidade Contudo é preciso bem distinguir O juízo firmado a partir de questão constitucional que pode ser controvertida ou aberta à discussão é muito diferente do juízo arbitrário que viola clara e literalmente preceito constitucional É apenas neste último caso que se pode pensar na utilização da arguição de descumprimento de preceito fundamental 8819 A questão da omissão parcial Como já foi explicado determinadas normas podem ser acusadas de insuficientes para tutelar adequadamente a norma constitucional ou para atender a todas as pessoas ou grupos que dela são beneficiários Ou melhor determinada lei pode ter baixa intensidade de proteção ou de satisfação da norma constitucional ou ainda conferir a vantagem albergada na norma constitucional apenas a grupo ou parcela de pessoas negando a universalidade dos seus beneficiários Enquadramse respectivamente nestas hipóteses por exemplo a lei que prevê salário mínimo em valor insuficiente à realização da norma que garante remuneração digna ao cidadão art 7º IV da CF 932 e a lei que concede revisão de remuneração aos militares sem contemplar os civis CF art 37 X e art 39 1º 933 É possível pensar nesses casos dependendo do ângulo a partir de que se olha em inconstitucionalidade da lei e em inconstitucionalidade por omissão Sucede que a declaração de nulidade da lei ou apenas a declaração de mora legislativa obviamente não resolvem o problema podendo em verdade agraválo caso se retire o benefício já gerado pela lei a alguns Bem vistas as coisas quando se reconhece a incompletude da atuação legislativa a questão é apenas a de se é possível e de que modo suprir a falta do legislador Conforme argumentamos no item 874 Da decisão na ação de inconstitucionalidade por omissão Crítica do capítulo que tratou da Ação direta de inconstitucionalidade por omissão o princípio da separação dos Poderes confere ao Legislativo o poder de elaborar as leis mas não lhe outorga poder para inviabilizar a normatividade da Constituição Aliás tal poder certamente não é absoluto ou imune Bem por isso nos casos em que a Constituição depende de lei ou tutela infraconstitucional a inação do Legislativo exatamente por não ser vista como discricionariedade ou manifestação de liberdade e sim como violação de dever deve ser suprida pelo Judiciário mediante a elaboração da norma que deixou de ser editada É necessário cautela para não confundir dificuldade em elaborar judicialmente a norma com vedação à elaboração judicial da norma Argumentase que o Judiciário não poderia elaborar determinada norma ou teria dificuldade em relação a outra para tentar fazer acreditar que ele estaria proibido de elaborar a norma ainda que esta revele descaso do legislador com a Constituição É certo que diante da ação de inconstitucionalidade por omissão o Judiciário não poderá elaborar as normas que demandam insubstituível intervenção do legislador e que portanto são insupríveis Mas daí não se pode retirar o argumento de que o Judiciário não pode suprir a omissão legislativa Portanto se o prazo conferido ao Legislativo não é cumprido e assim a declaração judicial da omissão inconstitucional não surte efeito isso não permite ao Judiciário parar por aí como se o seu dever não fosse o de remediar a ausência de tutela normativa O Judiciário tem o dever de suprir a falta de tutela do Legislativo e não o de simplesmente pronunciála De modo que quando a norma não exigir a atuação insubstituível do legislador o não cumprimento do prazo pelo Legislativo abre ao Judiciário como regra geral a possibilidade de elaborar a norma faltante para suprir a inércia do legislador evitando que o seu desprezo à Constituição gere um estado consolidado e permanente de inconstitucionalidade com o qual o Estado de Direito não pode conviver Porém o entendimento de que a ação de inconstitucionalidade por omissão impede a elaboração judicial da norma que incumbia ao legislador permite investigar como alternativa a possibilidade do uso da arguição de descumprimento de preceito fundamental Esta possibilidade que então teria a anuência da regra da subsidiariedade conta com a aplicação do art 10 da Lei 98821999 que dispõe que julgada a ação farseá comunicação às autoridades ou órgãos responsáveis pela prática dos atos questionados fixandose as condições e o modo de interpretação e aplicação do preceito fundamental O STF na ADPF 4 teve oportunidade de discutir a questão da admissibilidade do uso da arguição em caso de omissão parcial Tal arguição foi ajuizada contra a MedProv 20192000 que fixou o valor do salário mínimo Chegouse num primeiro momento a empate de cinco a cinco na votação Os Ministros Octavio Gallotti relator Nelson Jobim Maurício Corrêa Sydney Sanches e Moreira Alves aludindo ao 1º do art 4º da Lei 98821999 Não será admitida arguição de descumprimento de preceito fundamental quando houver qualquer outro meio eficaz de sanar a lesividade não conheceram da arguição tendo em vista a existência de outro meio eficaz para sanar a alegada lesividade precisamente a ação direta de inconstitucionalidade por omissão Enquanto isso os Ministros Celso de Mello Marco Aurélio Sepúlveda Pertence Ilmar Galvão e Carlos Velloso conheceram da arguição entendendo que a ação direta de inconstitucionalidade por omissão não seria em princípio eficaz para sanar a alegada lesividade À vista do empate na votação o julgamento foi adiado sobrevindo voto do Min Néri da Silveira que conheceu da arguição entendendo que não sendo a ação direta de inconstitucionalidade por omissão adequada ao caso não se aplicaria o 1º do art 4º da Lei 98821999 934 882 Procedimento 935 A petição inicial da arguição de descumprimento deve conter i a indicação do preceito fundamental que se considera violado ii a indicação do ato questionado iii a prova da violação do preceito fundamental iv o pedido com suas especificações e se for o caso v a comprovação da existência de controvérsia judicial relevante sobre a aplicação do preceito fundamental que se considera violado art 3º da Lei 98821999 936 Como acontece com as demais ações voltadas ao controle abstrato de constitucionalidade a causa de pedir da arguição de descumprimento é aberta de modo que a especificação de determinado fundamento não impede que a Corte julgue com base em outro desde que pertinente a preceito fundamental 937 Indeferida liminarmente a petição inicial pelo relator 938 quando for inepta lhe faltar requisito legal ou não for caso de arguição de descumprimento de preceito fundamental cabe agravo regimental no prazo de cinco dias art 4º caput e 2º da Lei 98821999 Admitese expressamente o cabimento de medida liminar art 5º da Lei 98821999 A liminar poderá ser concedida pelo relator ad referendum 939 do Tribunal Pleno em caso de extrema urgência ou de perigo de lesão grave ou ainda em período de recesso art 5º 1º O relator poderá ouvir os órgãos ou autoridades responsáveis pelo ato questionado bem como o AdvogadoGeral da União ou o ProcuradorGeral da República no prazo comum de cinco dias art 5º 2º Levado o pedido ao exame do Plenário a liminar poderá ser deferida por decisão da maioria absoluta dos seus membros art 5º Apreciado o pedido de liminar o relator solicitará informações às autoridades responsáveis pela prática do ato questionado no prazo de dez dias art 6º Entendendo necessário poderá ouvir as partes nos processos que ensejaram a arguição 940 requisitar informações adicionais designar perito ou comissão de peritos para que emita parecer sobre a questão ou ainda fixar data para declarações em audiência pública de pessoas com experiência e autoridade na matéria art 6º 1º Embora a Lei 98821999 não preveja a intervenção do amicus curiae o STF a tem admitido também na arguição de descumprimento de preceito fundamental invocando para tanto as razões que abrem oportunidade para tal forma de intervenção na ação direta de inconstitucionalidade marcadamente o 2º do art 7º da Lei 98681999 941 Temse entendido que o amicus curiae embora em princípio deva intervir até o prazo das informações pode se manifestar fora deste prazo 942 por escrito ou mediante sustentação oral Sustentase também que o próprio 2º do art 6º da Lei 98821999 ao dispor que poderão ser autorizadas a critério do relator sustentação oral e juntada de memoriais por requerimento dos interessados no processo legitimaria uma espécie de amicus curiae que não necessitaria sequer demonstrar o requisito da representatividade bastandolhe evidenciar interesse no processo 943 Porém isso tem procedência apenas em relação àqueles que participam dos processos em que se discute a questão constitucional Como é óbvio a qualidade que justifica essa intervenção nada tem a ver com aquela que em nome da pluralização do debate e da democratização do processo constitucional deve expressar interesses gerais da coletividade ou os valores essenciais e relevantes de grupos classes ou estratos sociais 944 O Ministério Público nas arguições que não houver formulado terá vista do processo por cinco dias após o decurso do prazo para informações art 7º parágrafo único Frisese que não se admite a desistência da ação dada a natureza da arguição de descumprimento de preceito fundamental embora previsão neste sentido não esteja expressa na Lei 98821999 Após tudo isso o relator lançará o relatório com cópia a todos os Ministros e pedirá dia para julgamento art 7º Para a tomada da decisão deverão estar presentes na sessão pelo menos dois terços dos membros do Tribunal art 8º A decisão de procedência ou de improcedência requer maioria absoluta como acontece para se declarar a inconstitucionalidade ou a constitucionalidade de norma 945 Lembrese que as sessões de julgamento das ações de inconstitucionalidade e de constitucionalidade apenas podem ser instaladas com a presença de oito Ministros art 22 da Lei 98681999 exigindo a decisão em qualquer dos casos maioria absoluta dos membros do Tribunal ou seja o mínimo de seis votos art 23 da Lei 98681999 O art 23 parágrafo único da Lei 98681999 ainda esclarece que se não for alcançada a maioria necessária à declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade estando ausentes Ministros em número que possa influir no julgamento este será suspenso a fim de aguardar se o comparecimento dos Ministros ausentes até que se atinja o número necessário para prolação da decisão num ou noutro sentido Proferida a decisão comunicarseá o responsável pelo ato praticado devendo o Presidente do Tribunal determinar o seu imediato cumprimento lavrandose o acórdão posteriormente Dentro do prazo de dez dias contado a partir do trânsito em julgado da decisão sua parte dispositiva será publicada em seção especial do Diário da Justiça e do Diário Oficial da União art 10 1º e 2º da Lei 98821999 A decisão é irrecorrível e não pode ser objeto de ação rescisória art 12 da Lei 98821999 Caso a decisão proferida na arguição venha a ser desrespeitada por autoridade a ela vinculada caberá reclamação ao STF art 13 da Lei 98821999 883 Medida liminar Diz o 3º do art 5º da Lei 98821999 que a liminar poderá consistir na determinação de que juízes e tribunais suspendam o andamento de processo ou os efeitos de decisões judiciais ou de qualquer outra medida que apresente relação com a matéria objeto da arguição de descumprimento de preceito fundamental salvo se decorrentes da coisa julgada Tratase de suspensão de todos os processos em que se discuta a questão submetida ao STF 946 A suspensão se dá em homenagem à uniformidade do tratamento dos litígios e à coerência da ordem jurídica que reclama decisões iguais para casos iguais e objetiva evitar que eventual decisão de órgão judicial inferior distinta da do STF possa causar prejuízos irreparáveis à parte Em vista da norma do referido 3º podem ser suspensos os efeitos das decisões ou de qualquer outra medida que apresente relação com a matéria objeto da arguição de descumprimento de preceito fundamental salvo se decorrentes da coisa julgada Assim pode ser suspensa a execução provisória de sentença ou a execução de decisão concessiva de tutela antecipatória ou cautelar Em razão da intangibilidade da coisa julgada a norma deixou claro que a liminar concedida na arguição de descumprimento de preceito fundamental não pode interferir sobre decisão por ela já acobertada e protegida Em decisão proferida na MC na ADPF 67 o Min Cezar Peluso realçou a inteligência da norma do 3º do art 5º ao afirmar ser expressa a disposição que ressalva do alcance de eventual liminar os efeitos de decisão judicial coberta por res iudicata que como garantia constitucional é invulnerável até a lei superveniente art 5º XXXVI da Constituição da República e a fortiori a outra decisão jurisdicional tirante em matéria civil a hipótese de rescisória É aliás o que já decidiu a Corte em cautelar na ADPF 10 com base no art 5º 1º da Lei 98821999 defiro ad referendum do Tribunal Pleno o pedido de cautelar e ordeno seja sustado o andamento de todas as reclamações ora em tramitação naquela Corte e demais decisões que envolvam a aplicação dos preceitos ora suspensos e que não tenham ainda transitado em julgado até o final desta arguição rel Min Maurício Corrêa DJ 13092001 No caso o arguente pede suspensão liminar da eficácia de decisões recobertas pela qualidade da coisa julgada como se colhe do sítio eletrônico da Justiça paraibana de modo que não pode ser ouvido a respeito E quanto à suspensão de qualquer outra medida em tramitação na Justiça paraibana que apresente relação com a matéria objeto desta arguição de descumprimento de preceito fundamental não se lhe encontram neste juízo prévio e sumário os requisitos indispensáveis à concessão de tutela provisória 947 Além da suspensão dos processos é possível a suspensão dos efeitos do próprio ato impugnado Na ADPF 54 que trata da questão do aborto de fetos anencefálicos o Min Marco Aurélio concedeu liminar para além de suspender os processos autorizar o parto terapêutico 948 A decisão que concedeu a liminar em relação ao último ponto foi revogada pelo Plenário mantendose apenas a suspensão dos processos 949 De qualquer forma independentemente do mérito do referido caso não há razão para em tese admitir liminar apenas para suspender os processos ou o ato impugnado uma vez que em algumas hipóteses a tutela de preceito fundamental pode depender da imediata e impostergável autorização para a prática de um ato ou de determinada conduta positiva 884 Decisão e efeitos 950 A decisão definirá a legitimidade do ato impugnado podendo declarálo nulo e impedir a sua aplicação bem como se necessário determinar medida idônea à tutela do preceito fundamental Diz o art 10 da Lei 98821999 que a decisão fixará as condições e o modo de interpretação e aplicação do preceito fundamental o que é importante especialmente ao se admitir a arguição de descumprimento em caso de norma insuficiente ou omissão parcial Tal fixação ainda que realizada ao lado da declaração de nulidade do ato tem o objetivo de dirigir a atuação futura do Poder Público evitandose a prática de atos que possam voltar a violar o preceito fundamental Quando o ato impugnado consistir em decisão judicial poderá ser necessário dar ao juiz da causa oportunidade para voltar a decidir com observância das condições e modo de interpretação e aplicação fixados A decisão por sua natureza tem efeitos gerais e vinculantes art 10 da Lei 98821999 Esclareçase porém que os limites objetivos da eficácia vinculante não se restringem ao dispositivo da decisão abarcando a fundamentação os fundamentos determinantes que permitiu a conclusão do Tribunal Por conta disso cabe reclamação não apenas contra decisão que tratando do A Lei 98821999 trata de maneira específica dos efeitos temporais da decisão de procedência afirmando o seu art 11 que ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo no processo de arguição de descumprimento de preceito fundamental e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social poderá o Supremo Tribunal Federal por maioria de dois terços de seus membros restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado reorganizar as finanças da unidade da Federação que a suspender o pagamento da dívida fundada por mais de dois anos consecutivos salvo motivo de força maior b deixar de entregar aos Municípios receitas tributárias fixadas nesta Constituição dentro dos prazos estabelecidos em lei VI prover a execução de lei federal ordem ou decisão judicial VII assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais a forma republicana sistema representativo e regime democrático b direitos da pessoa humana c autonomia municipal d prestação de contas da Administração Pública direta e indireta e aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais compreendida a proveniente de transferências na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde Por sua vez afirma o art 36 da CF que a decretação da intervenção dependerá I no caso do art 34 IV de solicitação do Poder Legislativo ou do Poder Executivo coacto ou impedido ou de requisição do Supremo Tribunal Federal se a coação for exercida contra o Poder Judiciário II no caso de desobediência a ordem ou decisão judiciária de requisição do Supremo Tribunal Federal do Superior Tribunal de Justiça ou do Tribunal Superior Eleitoral III de provimento pelo Supremo Tribunal Federal de representação do ProcuradorGeral da República na hipótese do art 34 VII e no caso de recusa à execução de lei federal IV revogado pela EC 452004 1º O decreto de intervenção que especificará a amplitude o prazo e as condições de execução e que se couber nomeará o interventor será submetido à apreciação do Congresso Nacional ou da Assembleia Legislativa do Estado no prazo de vinte e quatro horas 2º Se não estiver funcionando o Congresso Nacional ou a Assembleia Legislativa farseá convocação extraordinária no mesmo prazo de vinte e quatro horas 3º Nos casos do art 34 VI e VII ou do art 35 IV dispensada a apreciação pelo Congresso Nacional ou pela Assembleia Legislativa o decreto limitarseá a suspender a execução do ato impugnado se essa medida bastar ao restabelecimento da normalidade 4º Cessados os motivos da intervenção as autoridades afastadas de seus cargos a estes voltarão salvo impedimento legal A intervenção da União nos Estados para assegurar a execução de lei federal ou a observância dos denominados princípios constitucionais sensíveis art 34 VII da CF depende de provimento pelo STF de representação do ProcuradorGeral da República art 36 III da CF art 2º da Lei 125622011 A Constituição Federal no quadro do Estado Federal impõe deveres aos Estadosmembros Estes quando não observados abrem ensejo à representação interventiva deferida ao Procurador Geral da República A representação assim almeja proteger o pacto federativo e a base constitucional em que se assenta o Estado Democrático de Direito A representação interventiva tem como pressuposto a violação de dever constitucional por Estado componente da Federação e é assim espécie de conflito entre a União e Estadomembro Nessa linha a presença do ProcuradorGeral da República como legitimado ao seu exercício faz ver o interesse da própria União na observância dos deveres atribuídos aos Estados A Constituição concede ao Supremo Tribunal o poder de realizar juízo acerca dos pressupostos para a intervenção substituindo nesse sentido aquele que nas outras hipóteses de intervenção é conferido ao Presidente da República Tal juízo se apresenta como antecedente lógico ao provimento da representação interventiva recaindo sobre a recusa à execução de lei federal ou sobre a lesão aos princípios sensíveis e dessa forma constituindo conclusão ainda que incidental no processo acerca de alegada violação da Constituição Federal O controle da constitucionalidade portanto é concreto realizandose incidentalmente ao julgamento da representação interventiva a espelhar conflito entre a União e o Estadomembro A representação visa propriamente resolver conflito entre a União e o Estadomembro e assim afastase do controle abstrato de normas em que se objetiva apenas tutelar em abstrato a legitimidade da ordem jurídica 952 Cabe ao Supremo para julgar procedente a representação interventiva reconhecer a violação de dever constitucional Ou seja a intervenção requer pronunciamento positivo ou declaração do STF O Tribunal faz juízo quanto a pressuposto autorizador de intervenção federal e quando o reconhece presente declarao vinculando o chefe do Poder Executivo que mediante decreto realiza a intervenção A procedência do pedido de intervenção não constitui a intervenção propriamente dita mas declara a sua necessidade Representa em essência de um lado pressuposto para a intervenção a ser decretada pelo chefe do Poder Executivo e de outro espécie de mandamento para que o Presidente a decrete Nessa linha afirma o art 11 da Lei 12562 de 23122011 que se a decisão final for pela procedência do pedido formulado na representação interventiva o Presidente do Supremo Tribunal Federal publicado o acórdão leváloá ao conhecimento do Presidente da República para no prazo improrrogável de até 15 dias dar cumprimento aos 1º e 3º do art 36 da Constituição Federal Advirtase entretanto que se a representação interventiva importa para a tutela do pacto federativo e dos fundamentos em que se baseia o próprio Estado de Direito sem dúvida é figura excepcional dado o seu impacto sobre a autonomia dos Estados membros 953 Aliás além de ter sido pouco utilizada nos regimes anteriores a representação interventiva tem papel limitado no atual regime de controle de constitucionalidade bastando lembrar que cabe ação direta de inconstitucionalidade de legitimidade fluida inclusive do ProcuradorGeral da República para eliminar da ordem jurídica leis estaduais que confrontem a Constituição Federal 886 Legitimidade Discutese sobre a natureza da legitimidade ativa atribuída ao ProcuradorGeral da República 954 Em obra clássica Da ação de declaração de inconstitucionalidade no direito brasileiro afirmou Buzaid que o ProcuradorGeral da República é o autor da ação e opera como substituto processual isto é age em nome próprio mas por interesse alheio Não o move um interesse pessoal ele representa toda a coletividade empenhada em expurgar da ordem jurídica os atos políticos manifestamente inconstitucionais e capazes de pôr em risco a estrutura do Estado 955 O instituto da substituição processual foi pensado para o processo inter partes e para as situações em que se tutela em nome próprio direito ou situação subjetiva de terceiro No processo objetivo simplesmente não existe direito de terceiro ou alguém que o substitui requerendo a tutela de direito subjetivo em nome próprio Há claramente ente a quem a Constituição atribui legitimidade para instaurar o processo de controle de constitucionalidade das normas de que defluem decisões que naturalmente beneficiam os cidadãos Portanto dizer que o legitimado à ação de inconstitucionalidade é substituto processual representa tentativa de transpor forçadamente conceito do processo civil tradicional para o plano do processo constitucional de índole objetiva Pior ainda é supor que na representação interventiva que não configura ação voltada ao controle abstrato de constitucionalidade o ProcuradorGeral da República aparece como substituto processual da coletividade O ProcuradorGeral da República aqui não atua como substituto processual nem como legitimado ao controle abstrato de constitucionalidade Como a ação de representação interventiva pressupõe conflito entre a União e o Estadomembro o ProcuradorGeral da República atua para tutelar o pacto federativo e a ordem jurídica constitucional A posição do ProcuradorGeral da República na ação interventiva é sui generis uma vez que não é de substituto processual de legitimado ao controle abstrato de constitucionalidade ou de simples Advogado da União 956 Bem vistas as coisas o ProcuradorGeral da República funciona como legitimado à ação de representação interventiva em virtude da outorga constitucional que lhe foi feita pelo art 36 III da CF não podendo recusar a propositura da ação quando presentes estiverem os pressupostos para tanto mas não estando obrigado a propôla apenas porque o Presidente da República a deseja O Procurador Geral atua excepcionalmente para tutelar o equilíbrio federativo e a ordem jurídica constitucional e mesmo que esteja atuando em nome de interesses da União na proteção dos princípios federativos faz presente o interesse na proteção da ordem jurídica constitucional o que revela inexistência de contradição em estar também agindo como chefe do Ministério Público Federal em nome da União Embora a violação derive em regra do Poder Executivo nada impede em tese que a lesão advenha do Poder Legislativo ou do Poder Judiciário Seja qual for o caso legitimado passivo é o Estadomembro a que se atribui a violação recaindo a defesa do ente federativo sobre o respectivo ProcuradorGeral do Estado art 132 da CF 887 Objeto O objeto da representação interventiva é a existência de recusa à execução de lei federal ou de lesão aos princípios constitucionais sensíveis ao passo que o seu objetivo é decisão do STF que declare a existência ou não de pressuposto para a intervenção federal Retenhase o ponto não se declara ao final a nulidade de lei ou ato normativo estadual podendose afirmar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo estadual incidentalmente para ao final se declarar presente pressuposto para a intervenção federal Ao ser promulgada a Constituição Federal deferia ao STJ competência para julgar a representação interventiva contra recusa à execução de lei federal Supõese que isso ocorreu porque ao se dar ao STJ competência para tratar da interpretação e da aplicação da lei federal entendeuse que seria correto igualmente deferir a esta Corte competência para analisar eventual recusa à execução de lei federal Sucede que a recusa à execução de lei federal por Estado membro configura conflito entre a União e o Estado além de violação de dever constitucional art 34 VI da CF ensejador de intervenção Bem por isso a EC 452004 alterando o art 36 da CF atribui ao STF também a competência de julgar a representação interventiva por recusa à execução de lei federal Assim o Supremo Tribunal possui hoje competência para julgar não apenas a representação interventiva em caso de violação dos princípios sensíveis mas também na hipótese de recusa à execução de lei federal Até recentemente entendiase que a violação dos princípios sensíveis apenas poderia se dar mediante a edição de ato normativo qualquer que fosse a sua hierarquia Contribuiu para isso além do regime da Constituição de 1934 a dicção da Constituição de 1946 ao falar em depois que o STF mediante representação do ProcuradorGeral da República julgar inconstitucional o ato impugnado O que se vislumbra como é intuitivo é a possibilidade de representação interventiva em razão de atos materiais inclusive omissivos que configurem agressão aos princípios constitucionais sensíveis Tratase da questão que foi posta no Pedido de Intervenção 114 957 do Estado de Mato Grosso o qual fez surgir acórdão emblemático sobre o tema na medida em que imprimiu outro significado ao conceito de ato de violação de princípio sensível e à própria função da representação interventiva Afirmouse no pedido de intervenção que determinadas pessoas foram retiradas do poder da polícia e linchadas e assassinadas por populares na cidade de Matupá Estado do Mato Grosso tendo o Estado faltado ao seu dever de proteção à pessoa humana ao não conter a população Embora tenha sido lembrado o argumento de que a representação exige a prática de ato normativo Ministros Celso de Mello e Moreira Alves 958 a Corte acabou admitindo o pedido de intervenção mediante o voto condutor do Min Sepúlveda Pertence que sob o fundamento de que a Constituição de 1988 afirma que a intervenção depende apenas de provimento pelo STF de representação do ProcuradorGeral da República art 36 III da CF concluiu que seria possível agora entender que a violação dos princípios sensíveis pode se dar por meio de ato material inclusive omissivo do Estado 959 O pedido conhecido foi julgado improcedente mas o que importa neste caso é exatamente a revelação de nova postura para a configuração do uso em tese da representação interventiva A ementa do julgado dada a importância e a novidade da tese nele trilhada e também por ser esclarecedora do tema vale a pena ser lembrada Intervenção federal 2 Representação do ProcuradorGeral da República pleiteando intervenção federal no Estado de Mato Grosso para assegurar a observância dos direitos da pessoa humana em face de fato criminoso praticado com extrema crueldade a indicar a inexistência de condição mínima no Estado para assegurar o respeito ao primordial direito da pessoa humana que é o direito à vida Fato ocorrido em Matupá localidade distante cerca de 700 km de Cuiabá 3 Constituição arts 34 VII b e 36 III 4 Representação que merece conhecida por seu fundamento alegação de inobservância pelo Estadomembro do princípio constitucional sensível previsto no art 34 VII b da CF1988 quanto aos direitos da pessoa humana Legitimidade ativa do ProcuradorGeral da República CF art 36 III 5 Hipótese em que estão em causa direitos da pessoa humana em sua compreensão mais ampla revelandose impotentes as autoridades policiais locais para manter a segurança de três presos que acabaram subtraídos de sua proteção por populares revoltados pelo crime que lhes era imputado sendo mortos com requintes de crueldade 6 Intervenção federal e restrição à autonomia do Estadomembro Princípio federativo Excepcionalidade da medida interventiva 7 No caso concreto o Estado de Mato Grosso segundo as informações está procedendo à apuração do crime Instaurouse de imediato inquérito policial cujos autos foram encaminhados à autoridade judiciária estadual competente que os devolveu a pedido do Delegado de Polícia para o prosseguimento das diligências e averiguações 8 Embora a extrema gravidade dos fatos e o repúdio que sempre merecem atos de violência e crueldade não se trata porém de situação concreta que por si só possa configurar causa bastante a decretarse intervenção federal no Estado tendo em conta também as providências já adotadas pelas autoridades locais para a apuração do ilícito 9 Hipótese em que não é por igual de determinarse intervenha a Polícia Federal na apuração dos fatos em substituição à Polícia Civil de Mato Grosso Autonomia do Estadomembro na organização dos serviços de justiça e segurança de sua competência CF arts 25 1º 125 e 144 4º 10 Representação conhecida mas julgada improcedente 960 Entendeuse no caso que a representação interventiva na Constituição de 1988 não é refém de atos normativos também podendo ser utilizada em face de atos administrativos atos concretos e atos omissivos estatais 961 Sensível a isso a Lei 125622011 que regulamenta o inciso III do art 36 da CF para dispor sobre o processo e julgamento da representação interventiva perante o Supremo Tribunal Federal estabeleceu como requisito da petição inicial a indicação do ato normativo do ato administrativo do ato concreto ou da omissão questionados art 3º II 888 Compreensão dos princípios sensíveis como parâmetro para a decretação da intervenção Os princípios sensíveis cuja violação pode dar lugar à decretação de intervenção federal nos Estadosmembros são taxativamente enumerados no inciso VII do art 34 a forma republicana sistema representativo e regime democrático b direitos da pessoa humana c autonomia municipal d prestação de contas da Administração Pública direta e indireta e aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais compreendida a proveniente de transferências na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde Os princípios são fixados de modo taxativo ou em numerus clausus inadmitindose assim interpretação tendente a introduzir outro princípio no elenco Porém a circunstância de não ser possível pensar em princípio não expresso não elimina a necessidade de se interpretar a essência de cada princípio no quadro da Constituição Portanto não há dúvida que o olhar sobre os princípios em face de sua limitação aos elencados de forma taxativa é por assim dizer restritivo mas para que se possa definir quando os Estado membros estão a cometer ilicitudes ou a violar dever que lhes foi imposto é preciso ter em conta o conteúdo e a extensão do preceito que os subordina Na visualização dos princípios sensíveis importa ter em conta os seus conteúdos na Constituição assim como suas relações de interdependência considerandose os dispositivos que lhes outorgam densidade normativa e significado 962 Importa perceber especialmente diante da extensão da admissibilidade da representação interventiva perante atos concretos inclusive de conteúdo omissivo como demonstrado no item precedente quando lembrado o Pedido de Intervenção 114 do Estado de Mato Grosso que é imprescindível bem situar mediante critérios racionalizados e definidos em precedentes dotados de autoridade sobre o próprio Supremo Tribunal que os edita quando determinado princípio sensível realmente está sendo violado Para tanto é necessário delimitar não apenas o conteúdo e a relação de interdependência do princípio como também a força ou a intensidade dos atos de responsabilidade do Estado que uma vez praticados podem dar margem à decretação de intervenção 889 Procedimento Sob o império do art 119 3º da CF19671969 o Regimento Interno do STF estabeleceu procedimento único para a representação de inconstitucionalidade em abstrato e para a representação interventiva arts 169175 do RISTF Após a Lei 98681999 que passou a regular a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade o procedimento do Regimento Interno do STF ficou restrito à representação interventiva No final de 2011 o procedimento da representação interventiva foi regulamentado pela Lei 12562 de 23122011 A Lei 125622011 em seu art 3º estabeleceu os requisitos da petição inicial I a indicação do princípio constitucional que se considera violado ou se for o caso de recusa à aplicação de lei federal das disposições questionadas II a indicação do ato normativo do ato administrativo do ato concreto ou da omissão questionados III a prova da violação do princípio constitucional ou da recusa de execução de lei federal IV o pedido com suas especificações O inciso II deixa claro que a representação interventiva não se limita aos atos normativos mas pode ser utilizada na linha do que já decidira o STF na IF 114 963 diante de atos administrativos atos concretos e atos omissivos estatais Lembrese que diante da Constituição de 1988 não há razão para subordinar a representação a ato normativo A prova não é limitada à documental Esclarece o art 7º da Lei 125622011 que se entender necessário poderá o relator requisitar informações adicionais designar perito ou comissão de peritos para que elabore laudo sobre a questão ou ainda fixar data para declarações em audiência pública de pessoas com experiência e autoridade na matéria podendo ainda ser autorizadas a critério do relator a manifestação e a juntada de documentos por parte de interessados no processo parágrafo único art 7º Assim diante das particularidades de cada caso podem ser produzidas prova documental testemunhal e pericial bem como a ouvida de especialistas na matéria Aliás o caput do art 7º confere ao relator o poder de atuar de ofício seja para requisitar informações complementares seja para determinar perícia ou fixar data para a ouvida de especialistas O pedido é de declaração de condição para a intervenção federal Pedese a declaração da presença de requisito que no processo político de intervenção é indispensável para a sua ocorrência requerendose ainda que uma vez declarado o pressuposto para a intervenção seja o acórdão levado ao conhecimento do Presidente da República para no prazo improrrogável de até 15 dias expedirse decreto de intervenção nos termos dos 1º e 3º do art 36 da CF art 11 da Lei 125622011 A declaração assim gera dever e responsabilidade não constituindo mera recomendação 964 Se a petição inicial for inepta se não for caso de representação interventiva ou se faltar requisito para seu processamento o relator deve liminarmente indeferir a petição inicial daí cabendo agravo ao Plenário no prazo de cinco dias art 4º da Lei 125622011 Requerida liminar o relator poderá ouvir os órgãos ou autoridades responsáveis pelo ato questionado bem como o AdvogadoGeral da União ou o ProcuradorGeral da República no prazo comum de cinco dias art 5º 1º da Lei 125622011 Não tendo sido requerida liminar ou após a sua apreciação 965 o relator solicitará informações à autoridade responsável pela prática do ato impugnado a qual terá o prazo de dez dias para prestálas Após devem ser ouvidos sucessivamente o AdvogadoGeral da União e o ProcuradorGeral da República contando cada um com o prazo de 10 dias para se manifestar art 6º 1º da Lei 125622011 O 2º do art 6º confere ao relator importante poder processual Tem este o poder de utilizar os meios que julgar necessários na forma do RISTF para resolver o conflito que deu origem à representação interventiva O relator tem o dever de assim agir após a petição inicial ter sido recebida seja para evitar perturbação política e social durante o tempo de processamento da representação seja para encontrar elementos que permitam a acomodação da situação de forma menos desgastante aos envolvidos Após requisitadas ou não outras informações adicionais perícia ou ouvida de especialistas art 7º da Lei 125622011 o relator lançará o relatório com cópia para todos os Ministros e pedirá dia para julgamento art 8º da Lei 125622011 que se fará em sessão em que devem estar presentes no mínimo oito Ministros art 9º da Lei 125622011 890 Medida liminar Sempre houve resistência à admissibilidade de medida liminar na representação interventiva 966 Alegavase basicamente que a decisão final tem natureza declaratória e que esta não elimina o ato que deu ensejo à ação mas apenas abre oportunidade para que seja decretada a intervenção Nada impede que se conceda tutela provisória em ação declaratória seja para obstar ou autorizar a prática de atos que não poderiam ou poderiam ser legitimamente praticados caso a declaração já houvesse sido proferida O problema no caso de intervenção não está na natureza declaratória da decisão mas na peculiaridade de que a decisão não declara algo que não deve ser feito pelo réu ou meramente autoriza ato que pode ser praticado pelo autor Isso precisamente porque a declaração no caso é pressuposto para a intervenção e não mera declaração de que o autor pode praticar ato Na ação interventiva a declaração não serve para eliminar situação de incerteza jurídica e assim para apenas legitimar o ato que não fosse a incerteza criada já teria sido praticado A declaração judicial interventiva é condição imposta pela Constituição CF art 36 III para que o chefe do Poder Executivo decrete a intervenção gerando dever e responsabilidade 967 Nesse sentido o óbice para a concessão da medida liminar estaria na circunstância de que o Judiciário apenas declara o pressuposto para o chefe do Poder Executivo agir Mais claramente esta situação faz brotar a indagação sobre se o Judiciário pode determinar medida concreta em caso em que a sua decisão final é pressuposto para a atuação do Executivo Notese entretanto que a pergunta que se impõe é a de se o Judiciário fica no processo interventivo limitado a declarar ao final nada podendo fazer em situações de urgência Ou melhor o fato de a intervenção depender de decisão final declaratória retira do Judiciário o poder de acautelar as situações concretas marcadas por perigo de dano A resposta é negativa O Judiciário por ter poder para declarar presente pressuposto para a intervenção deve agir ao se deparar com circunstância concreta reveladora de atuação estatal urgente Pensar de forma contrária é simplesmente negar a realidade como se esta não devesse ser levada em consideração antes da decisão declaratória Seria possível dizer ainda que a suspensão dos efeitos do ato normativo apontado como violador geraria resultado que apenas pode ser obtido mediante a ação direta de inconstitucionalidade enquanto a ação interventiva se limita a declarar pressuposto para a intervenção federal É certo que a suspensão dos efeitos de ato normativo estadual pode ser obtida por meio de liminar em ação direta de inconstitucionalidade Ocorre que a ação interventiva ao ter como pressuposto a prática de ato contrário a princípio constitucional sensível abre oportunidade para que o chefe do Poder Executivo decrete a intervenção sustandose o ato praticado pelo Estadomembro Assim embora a decisão final da ação interventiva não declare a nulidade do ato nada impede que se suspenda por meio de medida liminar o ato que é dependente da declaração jurisdicional Nem mesmo se pode alegar que o Estado membro não está defendendo o ato praticado pois este é o elemento cuja presença é alegada para legitimar a intervenção Na verdade o real problema da medida liminar na ação interventiva está em sua potencialidade de afetar a autonomia dos Estadosmembros Se a intervenção decretada após a declaração jurisdicional constitui figura excepcional e de notável gravidade é preciso grande cuidado na valoração dos pressupostos da medida cautelar Essa apenas deve ser concedida quando imprescindível para eliminar situação que traga perigo à sociedade ao pacto federativo ou ao Estado Democrático de Direito Isso porém nada tem a ver com o cabimento em tese da medida liminar mas com a presença em concreto dos seus requisitos autorizadores Aliás não se pode negar a utilização de técnica processual sob o argumento de que razões de mérito podem dificultar o deferimento da tutela jurisdicional Tratase de planos distintos A Lei 125622011 estabelece em seu art 5º que o Supremo Tribunal Federal por decisão da maioria absoluta de seus membros poderá deferir pedido de medida liminar na representação interventiva De acordo com o 2º do art 5º a liminar poderá consistir na determinação de que se suspenda o andamento de processo ou os efeitos de decisões judiciais ou administrativas ou de qualquer outra medida que apresente relação com a matéria objeto da representação interventiva Portanto a partir de dezembro de 2011 não há mais dúvida quanto ao cabimento de liminar na representação interventiva Dúvida pode haver a partir de agora acerca de o conteúdo da liminar ter de sempre observar uma das hipóteses traçadas no 2º do art 5º Embora tais hipóteses de liminar devam em regra constituir tutela jurisdicional adequada isso não quer dizer que em casos particulares necessidades específicas não possam exigir e justificar liminar com conteúdo diverso A fundamentação da decisão então terá de ser capaz de justificar que em face das peculiaridades do caso as hipóteses do 2º do art 5º não se mostram idôneas devendo ser deferida liminar de diversa feição 891 Decisão e efeitos A decisão assim como as decisões de inconstitucionalidade e de constitucionalidade depende de sessão em que devem estar presentes no mínimo oito Ministros art 9º da Lei 125622011 Para se declarar a presença ou não de pressuposto para a intervenção ou seja recusa à execução de lei federal ou violação de princípio constitucional sensível são necessários no mínimo seis votos ou seja mais da metade dos votos dos Ministros do Tribunal art 10 da Lei 125622011 Quando na sessão não estão presentes Ministros cujos votos importam para a tomada da decisão o julgamento será suspenso à espera dos votos dos Ministros faltantes até que o julgamento seja proclamado pela maioria de seis votos art 10 parágrafo único da Lei 125622011 A decisão não é declaratória da nulidade da norma impugnada como o é a decisão de inconstitucionalidade Igualmente a decisão não condena a fazer ou a não fazer A decisão apenas declara a presença de pressuposto para intervenção O ato impugnado é afirmado inconstitucional no curso do raciocínio que resulta na conclusão declaratória de condição para intervenção A decisão não elimina a eficácia do ato que afirma inconstitucional Este após a decisão subsiste Em suma almejase mediante a ação declaração da presença de condição que no processo político de intervenção é indispensável à sua realização A decisão de improcedência por outro lado declara a inexistência de pressuposto para a intervenção vale dizer a inexistência de indevida recusa à execução de lei federal ou de De acordo com o art 125 2º da CF cabe aos Estados a instituição de representação de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais em face da Constituição Estadual vedada a atribuição da legitimidade para agir a um único órgão As Constituições estaduais em maior ou menor medida disciplinaram o controle abstrato de constitucionalidade de leis e atos normativos municipais e estaduais restando os Tribunais de Justiça com a competência para julgar as ações diretas Algumas Constituições estaduais além de instituírem a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo erigiram a ação direta de inconstitucionalidade por omissão e algumas poucas a arguição de descumprimento de preceito fundamental Temse aí assim ao lado da jurisdição constitucional exercida pelo STF a jurisdição constitucional desempenhada pelos Tribunais de Justiça Enquanto o controle de constitucionalidade no âmbito do STF recai sobre lei ou ato normativo federal e estadual o objeto do controle perante os Tribunais de Justiça é a lei ou o ato normativo estadual ou municipal Além disso as duas formas de controle tomam em consideração parâmetros de controle distintos O controle de constitucionalidade no STF tem como parâmetro a Constituição Federal ao passo que o parâmetro de controle nos Tribunais de Justiça é a Constituição Estadual 893 Norma estadual e duplicidade de controle de constitucionalidade Como se vê tratandose de norma estadual há duas possibilidades de controle de constitucionalidade uma vez que a norma estadual pode ser confrontada com a Constituição Estadual e com a Constituição Federal Há assim uma duplicidade de tutela ou proteção jurisdicional Quando os parâmetros de controle tratandose de uma mesma norma são substancialmente distintos não há sequer por que questionar a possibilidade de se ter o controle de constitucionalidade no STF e no Tribunal de Justiça Determinada lei estadual pode ser considerada congruente com a Constituição Federal porém ser incompatível com a Constituição Estadual Assim quando os parâmetros de controle são distintos é obviamente possível haver duas ações de inconstitucionalidade Daí por que o julgamento de improcedência de uma das ações em nada afeta a outra Do mesmo modo a eventual concessão de medida liminar numa ação direta não interfere sobre o desenvolvimento da outra Quando uma ação direta é julgada procedente declarandose a nulidade da norma impugnada não há propriamente interferência do resultado de uma ação em outra mas sim perda de objeto da ação ainda em desenvolvimento O problema surge quando os parâmetros de controle são substancialmente idênticos O denominado poder constituinte decorrente dos Estadosmembros é um poder subordinado e limitado à Constituição Federal devendo neste sentido não apenas não contrariar como também concretizar as suas normas De modo que as Constituições Estaduais possuem várias normas que reprisam e enfatizam as normas da Constituição Federal ou mesmo a elas remetem Determinadas normas das Constituições estaduais reproduzem imitam ou fazem remissão às normas da Constituição Federal Nessa perspectiva é natural que surja a questão respeitante à possibilidade de haver normas estaduais deste porte como parâmetro de controle de constitucionalidade É que nestes casos se poderia estar conferindo ao Tribunal de Justiça competência para confrontar lei municipal ou estadual diretamente com a Constituição Federal 970 O STF chegou a decidir que a reprodução de normas constitucionais obrigatórias em todos os níveis da Federação seria ociosa em termos estritamente jurídicos e que por consequência o Tribunal de Justiça não teria competência para conhecer de representação de inconstitucionalidade de lei estadual ou municipal em face de parâmetros formalmente estaduais porém substancialmente integrantes da Constituição Federal 971 A decisão foi tomada no julgamento da Rcl 370 apresentada pela Assembleia Legislativa do Estado do Mato Grosso e pelo Fundo de Assistência Parlamentar FAP diante de representação de inconstitucionalidade proposta perante o TJMT O Min Octavio Gallotti relator da Reclamação julgoua procedente sob o fundamento de que os preceitos da Constituição Estadual invocados na representação de inconstitucionalidade seriam despidos de conteúdo jurídico autônomo Em suas palavras Nenhum dos dispositivos da Constituição de Mato Grosso invocados pelo Partido dos Trabalhadores possui portanto conteúdo próprio ou autônomo suscetível de dissociarse da Constituição Federal de que são todos eles de imediata e servil consequência Verificase então sem maior esforço que a verdadeira causa de pedir é a incompatibilidade do ato normativo estadual perante a Constituição Federal o que em sede de ação direta só se inscreve na competência do Supremo Tribunal CF art 102 I a e p não na consentida aos Tribunais estaduais art 125 2º 972 O Min Sepúlveda Pertence ao acompanhar o relator advertiu que a coincidência de umas com as outras não decorreu de simples imitação autonomamente decidida de regras constitucionais da União pela Constituição do Estado mas sim da reprodução nesta de normas e princípios daquela que reproduzidos ou não no texto constitucional local seriam de absorção necessária pelo ordenamento jurídico do Estadomembro 973 Assim frisou a distinção entre normas de imitação que seriam aquelas derivadas da autonomia do Estadomembro como cópias das normas superiores por influência destas e por isso consideradas para todos os efeitos normas constitucionais estaduais e normas de reprodução que não retratariam normas de imitação por vontade do Estadomembro mas sim normas ociosas de reprodução das normas constitucionais federais as quais reproduzidas ou não pela Constituição Estadual incidiriam com a mesma força sobre a ordem jurídica local Disse o Min Sepúlveda que essas normas de reprodução que talvez fosse melhor chamar de normas federais de absorção compulsória não são sob o prisma jurídico preceitos estaduais e consequentemente a violação delas não apenas pelo constituinte local mas também por todas as instâncias locais de criação ou execução normativas traduz ofensa à Constituição Federal da qual e unicamente da qual deriva a vinculação direta e imediata ao seu conteúdo de todos os órgãos do ordenamento estadual razões estas que determinam a competência do STF para o conhecimento da controvérsia constitucional 974 Tal entendimento foi superado na Rcl 383 de relatoria do Min Moreira Alves que não participara do julgamento da Rcl 370 Afirmou o Min Moreira Alves constituir petição de princípio dizerse que as normas das Constituições estaduais que reproduzem formal ou materialmente princípios constitucionais federais obrigatórios para todos os níveis de governo na Federação são inócuas e por isso mesmo não são normas jurídicas estaduais até por não serem jurídicas já que jurídicas e por isso eficazes são as normas da Constituição Federal reproduzidas razão por que não se pode julgar com base nelas no âmbito estadual ação direta de inconstitucionalidade inclusive por identidade de razão a que tenha finalidade interventiva 975 Advertiu o Ministro que as normas constitucionais estaduais não são normas secundárias que correm necessariamente a sorte das normas primárias como sucede com o regulamento que caduca quando a lei regulamentada é revogada Tratandose de norma ordinária de reprodução ou de norma constitucional estadual da mesma natureza por terem eficácia no seu âmbito de atuação se a norma constitucional federal reproduzida for revogada elas por terem eficácia no seu âmbito de atuação persistem como normas jurídicas que nunca deixaram de ser Os princípios reproduzidos que enquanto vigentes se impunham obrigatoriamente por força apenas da Constituição Federal quando revogados permanecem no âmbito de aplicação das leis ordinárias federais ou constitucionais estaduais graças à eficácia delas resultante 976 O precedente firmado na Rcl 383 deixou clara a autonomia dos parâmetros de controle federal e estadual De modo que se a inconstitucionalidade é invocada diante do parâmetro federal competente é o STF ocorrendo o inverso quando o parâmetro é estadual hipótese em que a competência é do Tribunal de Justiça Entendese em outras palavras que a competência que se define pela causa de pedir da ação direta de inconstitucionalidade no exato momento em que se deduz o parâmetro para o controle de constitucionalidade 977 Tal raciocínio se aplica tanto às normas constitucionais federais de observância obrigatória reproduzidas nas Constituições estaduais ditas normas de reprodução quanto às normas constitucionais federais não obrigatórias imitadas pelas Constituições estaduais chamadas de normas de imitação Quanto às normas remissivas cabe lembrar a Rcl 4432 em que se discutiu a constitucionalidade de normas do Município de Palmas em face do art 69 caput da Constituição Estadual de Tocantins cuja redação é a seguinte Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte aplicamse ao Estado e aos Municípios as vedações ao poder de tributar previstas no art 150 da CF Esta norma é exatamente o que se denomina norma de caráter remissivo Remete ao disciplinar os limites ao poder de tributar para o art 150 da CF A norma remissiva se contrapõe à norma material pois ao contrário da última não é suficiente por si para regulamentar determinada questão tendo que na verdade aludir à norma material que então define ou aperfeiçoa a regulação da matéria Isso frequentemente ocorre no âmbito das Constituições dos Estados Na Rcl 4432 o Min Gilmar Mendes indagou se as normas remissas constantes das Constituições estaduais configurariam parâmetro normativo idôneo para o efeito de se proceder ao controle de leis estaduais ou municipais diante dos Tribunais de Justiça Lembrou referindose à autorizada doutrina que a norma constitucional estadual de remissão na condição de norma dependente toma de empréstimo um determinado elemento da norma constitucional federal remetida não se fazendo completa senão em combinação com este componente normativo externo ao texto da Constituição Estadual o que entretanto não retira a sua força normativa que uma vez conjugada com a norma à qual se refere goza de todos os atributos de uma norma jurídica 978 Ainda aludindo à doutrina de Leo Leoncy Controle de constitucionalidade estadual deixou claro que se uma norma estadual ou municipal viola ou não uma proposição constitucional estadual remissiva é circunstância que apenas se saberá após a combinação entre norma remissiva e norma remetida que é o que vai determinar o alcance normativo do parâmetro de controle a ser adotado Entretanto uma vez determinado esse alcance a anulação da norma estadual ou municipal por violação a tal parâmetro nada mais é do que uma consequência da supremacia da Constituição Estadual no âmbito do Estadomembro Em outras palavras as consequências jurídicas decorrentes de eventual violação à proposição remissiva constante da Constituição Estadual derivam da própria posição hierárquiconormativa superior desta no âmbito do ordenamento jurídico do Estadomembro e não da norma da Constituição Federal a que se faz referência Assim se as proposições remissivas constantes das diversas Constituições Estaduais apesar de seu caráter dependente e incompleto mantêm sua condição de proposições jurídicas não haveria razão para se lhes negar a condição de parâmetro normativo idôneo para se proceder em face delas ao controle abstrato de normas perante os Tribunais de Justiça 979 Existem dois parâmetros de controle a Constituição Estadual e a Constituição Federal das leis e atos normativos estaduais O fato de uma norma constitucional estadual ter a mesma substância de norma constitucional federal não retira a qualidade de parâmetro de constitucionalidade da norma estadual ou elimina a possibilidade de se requerer o controle de constitucionalidade em face da Constituição Estadual Retenhase o ponto a Constituição Federal art 125 2º instituiu uma dupla forma de controle da lei ou do ato normativo estadual Pouco importa assim se a norma constitucional estadual reproduz ou imita norma constitucional federal Portanto assim como ocorre nos casos em que os parâmetros de controle são distintos é possível propor ação direta de inconstitucionalidade no Tribunal de Justiça e no STF No caso de improcedência em um dos Tribunais a ação direta ainda poderá ser proposta no outro Na hipótese de procedência declarandose a nulidade da norma a outra ação perde o seu objeto e quando ainda não proposta fica obstada por ausência de interesse de agir Quando as ações coexistem no Tribunal de Justiça e no STF certamente não há como pensar em litispendência Neste caso tem se entendido que o processo que está no Tribunal de Justiça deve ser suspenso como ocorreu na ADIn 1423 Tratase de questão complexa dada a admissibilidade de que os parâmetros de constitucionalidade são autônomos Na verdade a suspensão é aceitação implícita de que a decisão do STF se sobrepõe à decisão do Tribunal de Justiça Nesta linha importa questionar com maior atenção a qualidade da eficácia da decisão de improcedência no STF ou seja se esta vincula e em que medida o Tribunal estadual que se confronta com a mesma norma objeto em face da Constituição Estadual A decisão de improcedência afirma a constitucionalidade da norma em face de parâmetro autônomo Bem por isso como já dito tal decisão não obsta à propositura de ação direta relativa à mesma norma em face de outro parâmetro de constitucionalidade Sucede que tratandose de parâmetros substancialmente idênticos os fundamentos da decisão que reconhece a constitucionalidade perante a Constituição Federal são obviamente relevantes quando o Tribunal de Justiça se depara com a mesma lei São em verdade fundamentos imprescindíveis para o Tribunal de Justiça concluir e decidir qualificandose assim como ratio decidendi ou fundamentos determinantes da decisão A decisão de improcedência afirmando a constitucionalidade obviamente constitui precedente constitucional possuindo como não poderia deixar de ser fundamentos determinantes É o bastante para vincular os Tribunais inferiores diante de questão constitucional substancialmente idêntica Não há dúvida que a questão constitucional posta perante o Tribunal de Justiça a partir de parâmetro de controle substancialmente idêntico é a mesma que foi colocada sob julgamento no STF A circunstância de o parâmetro de controle ser formalmente distinto impede que se alegue coisa julgada material como óbice à ação direta a ser proposta no Tribunal de Justiça mas não impede que se argua o efeito vinculante dos motivos determinantes da decisão proferida no STF O efeito vinculante dos motivos determinantes tem a ver com a substância do parâmetro de controle 894 Decisão de inconstitucionalidade de norma constitucional estadual em face da Constituição Federal em ação direta de inconstitucionalidade proposta perante o Tribunal de Justiça Na ação direta de inconstitucionalidade proposta perante o Tribunal de Justiça há que se tomar em consideração necessariamente a Constituição Estadual Entretanto o problema para decidir pode não ficar restrito à valoração da norma impugnada diante da Constituição mas exigir a análise da constitucionalidade do próprio parâmetro de controle ou seja da norma constitucional estadual perante a Constituição Federal O Tribunal de Justiça durante o curso da ação direta de inconstitucionalidade pode examinar de ofício a constitucionalidade da norma constitucional estadual invocada como parâmetro de controle Ao decidir estará julgando à luz da Constituição Federal e por isso caberia a alegação de estar usurpando a competência do STF que como se sabe tem a incumbência de realizar o controle de constitucionalidade em face da Constituição Federal Na Rcl 526 o STF decidiu que o Tribunal de Justiça pode apreciar em caráter incidental em representação de inconstitucionalidade de sua competência a constitucionalidade de norma da Constituição Estadual em face da Constituição Federal Entendeuse não ter ocorrido usurpação da competência do Supremo ao ter o TJSP rejeitado a alegação incidente de que determinado artigo da Constituição do Estado de São Paulo seria inconstitucional em face da Constituição Federal Admitiuse assim em representação de inconstitucionalidade ajuizada perante Tribunal de Justiça o controle incidental de norma estadual em face da Constituição Federal 980 Se o Tribunal de Justiça reconhecer a constitucionalidade do parâmetro de constitucionalidade deverá prosseguir no julgamento decidindo sobre a constitucionalidade da norma impugnada pela ação direta Em caso contrário o Tribunal de Justiça reconhecerá que a norma constitucional estadual é incompatível com a Constituição Federal e portanto que a norma impugnada não pode ser objeto de controle perante ela Em hipóteses como esta reconheçase a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade do direito constitucional estadual perante a Constituição Federal cabe recurso extraordinário ao STF 895 Norma constitucional de reprodução e interpretação incompatível com a Constituição Federal Cabimento de recurso extraordinário Na ação direta proposta em face de norma constitucional estadual de reprodução o Tribunal de Justiça como é evidente corre o risco de realizar interpretação em desacordo com a Constituição Federal Dessa forma cabe recurso extraordinário para se postular ao STF a análise da legitimidade perante a Constituição Federal do sentido atribuído à norma estadual Proposta ação direta perante Tribunal de Justiça pedindose a declaração de inconstitucionalidade de lei municipal ou estadual em face de norma estadual de reprodução poderá o Tribunal ao reconhecer a inconstitucionalidade da lei outorgar à norma estadual sentido incompatível com a norma da Constituição Federal Em outras palavras o Tribunal de Justiça ao julgar a ação direta em face de norma de reprodução poderá violar a norma da Constituição Federal reproduzida Daí a necessidade de recurso extraordinário interposto em ação direta de inconstitucionalidade de lei municipal ou estadual 981 896 Ação de inconstitucionalidade por omissão nos Estados membros Lembrese de que segundo o art 125 2º da CF cabe aos Estados a instituição de representação de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais em face da Constituição Estadual vedada a atribuição da legitimação para agir a um único órgão A norma constitucional fala clara e expressamente em leis ou atos normativos Nesta perspectiva cabe perguntar se ainda assim os Estadosmembros estão autorizados a instituir ação de inconstitucionalidade por omissão conforme aliás já fizeram vários Estados em suas Constituições Como já dito uma norma pode ser insuficiente para responder ao desejo constitucional seja por ter baixa intensidade de proteção ou de satisfação da norma constitucional quando há omissão parcial no plano vertical seja ainda por conferir a vantagem albergada na norma constitucional apenas a um grupo ou parcela de pessoas esquecendose mediante violação à igualdade da universalidade dos seus beneficiários hipótese de omissão parcial no plano horizontal Quando há omissão parcial ao mesmo tempo que se vê inadequada proteção ou ausência de tutela enxergase deficiência na própria norma É possível ver conforme o ângulo de que se olha inconstitucionalidade por omissão e inconstitucionalidade por ação Tratase por assim dizer de duas faces de uma mesma moeda Decorrência disso é que se pode pensar em afirmar a inconstitucionalidade da norma ou a inconstitucionalidade da insuficiência da norma Estandose atento à norma do art 125 2º da CF que diz caber aos Estados a instituição de representação de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais em face da Constituição Estadual correto é admitir que da mesma forma que é possível instituir ação de inconstitucionalidade de lei insuficiente viável é instituir ação de inconstitucionalidade por omissão ou por falta de proteção legislativa 982 897 Ação direta de constitucionalidade nos Estadosmembros Se o art 125 2º da CF afirma que cabe aos Estados a instituição de representação de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais em face da Constituição Estadual há de se indagar se os Estados têm autorização para instituir ação direta de constitucionalidade em face da Constituição Estadual de leis ou atos normativos estaduais ou municipais Na ação direta de inconstitucionalidade o Tribunal pode declarar a inconstitucionalidade ou a constitucionalidade de norma conforme a sentença seja de procedência ou de improcedência A sentença de improcedência ao afirmar a constitucionalidade também produz efeitos vinculantes De modo que ao se autorizar a criação de ação de inconstitucionalidade admitese ao Judiciário prestar tutelas jurisdicionais de declaração de inconstitucionalidade e de declaração de constitucionalidade Isso portanto é o bastante para se entender que os Estados podem a partir do art 125 2º da CF instituir ação de constitucionalidade É verdade que a razão para a ação declaratória de constitucionalidade agrega um complicador já que para tanto é necessário haver dúvida ou incerteza sobre o que é presumido ou seja sobre a constitucionalidade da norma Bem por isso o art 14 III da Lei 98681999 exige para o cabimento da ação controvérsia judicial relevante Se determinada norma é posta sob suspeita por decisões judiciais advindas de órgãos judiciais diversos surge interesse em pedir declaração acerca da sua constitucionalidade Tais decisões infirmam a presunção de constitucionalidade colocando sob fundada dúvida a legitimidade e a eficácia da lei e trazendo por consequência grave insegurança jurídica Assim a ação declaratória de constitucionalidade objetiva deixar fora de dúvida a legitimidade constitucional do produto do parlamento Portanto se a ação direta de inconstitucionalidade permite a declaração de forma imediata e ampla de nulidade de lei que não obstante ser inconstitucional está a produzir efeitos a ação declaratória de constitucionalidade possui a mesma qualidade pois dotada de técnica processual amplificadora da decisão e também vinculante viabiliza a eliminação da incerteza que paira sobre a constitucionalidade de lei impedindo que situações sejam consolidadas e pessoas de boafé pratiquem atos a partir de norma que mais tarde possa vir a ser declarada inconstitucional com as perversas consequências daí decorrentes próprias aos efeitos ex tunc da decisão 898 Efeitos da decisão proferida em sede de ação direta de âmbito estadual A decisão proferida na ação direta de inconstitucionalidade proposta perante Tribunal de Justiça produz efeitos erga omnes Não é exato dizer que a decisão proferida na ação direta que questiona norma perante determinada Constituição Estadual tenha eficácia geral ou erga omnes limitada ao âmbito do respectivo Estado A eficácia erga omnes nada tem a ver com o território do Estado da Constituição que constituiu parâmetro de controle ou em que está sediado o Tribunal de Justiça Eficácia erga omnes ou geral é eficácia que diz respeito a todos os potenciais sujeitos da norma que foi questionada mediante a ação direta Portanto a eficácia erga omnes se estende a todos aqueles que possam se ver diante da norma objeto da ação direta proposta no Tribunal de Justiça do Estado Assim quanto à coletividade a eficácia erga omnes é antes de tudo eficácia natural decorrente da decisão prolatada na ação de inconstitucionalidade Isso não quer dizer como é óbvio que a eficácia erga omnes de decisão proferida em ação direta de inconstitucionalidade respeitante a lei confrontada diante de determinada Constituição Estadual tenha eficácia erga omnes diante de lei e norma de reprodução idêntica de outro Estado da Federação A eficácia erga omnes diz respeito à específica lei objeto da ação direta de inconstitucionalidade Sucede que conforme antes dito a decisão proferida na ação direta de inconstitucionalidade pode ser impugnada mediante recurso extraordinário ao STF sob a alegação de ter atribuído à norma de reprodução sentido que viola a norma reproduzida contida na Constituição Federal Neste caso o STF para decidir terá de sobrepor a norma federal à norma estadual e assim realizar juízo sobre a norma da Constituição Federal atribuindolhe sentido Assim a decisão embora tomada em recurso extraordinário que diz respeito a norma estadual específica analisará a questão constitucional federal ou seja o sentido da própria norma da Constituição Federal Portanto a decisão embora continue a produzir efeitos erga omnes em relação à norma estadual específica confrontada com a respectiva Constituição produz eficácia vinculante diante de leis e normas constitucionais formalmente distintas em relação a todos os juízes e tribunais do País Em face de leis e normas de reprodução substancialmente idênticas ainda que oriundas de outro Estado da Federação valem os fundamentos determinantes da decisão do STF Possuem eles eficácia vinculante em relação aos demais juízes e tribunais que possam se deparar com normas de reprodução substancialmente idênticas Os fundamentos determinantes da decisão do STF relativos à norma federal reproduzida vinculam a interpretação de todas as normas estaduais de reprodução O STF já teve oportunidade de abordar a questão Isso ocorreu no RE 187142 interposto em representação de inconstitucionalidade proposta perante o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro em que foi pronunciada a inconstitucionalidade de normas do Ato das Disposições Transitórias da Lei Orgânica do Município do Rio de Janeiro 983 Ao dar provimento ao recurso extraordinário para declarar a inconstitucionalidade das normas municipais argumentou o STF que a sua decisão estava a substituir a decisão do Tribunal de Justiça proferida em sede de controle concentrado Afirmouse que embora a questão tivesse chegado ao Supremo Tribunal mediante recurso extraordinário o processo não tinha perdido a sua natureza objetiva e o controle de constitucionalidade ainda possuía caráter concentrado advertindo se que como estava em questão norma da Constituição Estadual que reproduzia norma da Constituição Federal e a decisão assim tinha repercussão no âmbito federal a extensão da eficácia erga omnes seria nacional e não apenas estadual 984 Chegouse à eficácia erga omnes quando na verdade se estava diante da eficácia vinculante dos fundamentos determinantes Se o objeto da ação direta é determinada lei local confrontada com Constituição Estadual e a decisão de inconstitucionalidade como é óbvio é da lei local específica a eficácia erga omnes pertine a esta lei nada tendo a ver com o sentido atribuído à norma da Constituição Federal que deve ser reproduzida nas Constituições estaduais O sentido da norma da Constituição Federal não está no dispositivo da decisão de que defluem os efeitos erga omnes No dispositivo está isso sim a inconstitucionalidade da específica lei local O sentido da norma da Constituição Federal ou seja a solução da questão constitucional que envolve a lei local declarada inconstitucional encontrase nos fundamentos determinantes da decisão São os fundamentos determinantes da decisão de inconstitucionalidade de lei local em face de norma de reprodução que podem dirigir e assim vincular o raciocínio dos demais tribunais estaduais que se confrontarem com norma de reprodução idêntica Isso porque bem vistas as coisas o STF trata nos fundamentos da decisão de inconstitucionalidade da lei local da questão constitucional que empresta sentido à norma de reprodução XIII CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE 899 Introdução Hierarquia normativa dos tratados internacionais dos direitos humanos Tem importância diante da jurisdição do Estado contemporâneo investigar a possibilidade de controle jurisdicional da lei a partir dos tratados ou convenções internacionais de direitos humanos É evidente que essa investigação requer a prévia análise do status normativo dos tratados de direitos humanos em face da ordem jurídica brasileira Caso o direito internacional dos direitos humanos seja equiparado à lei ordinária obviamente não há como pensar em alçalo ao patamar de parâmetro de controle Não obstante especialmente diante da decisão tomada pelo STF no RE 466343 em que se discutiu a legitimidade da prisão civil do depositário infiel em face do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos Pacto de San José da Costa Rica é importante considerar duas posições que elevam o direito internacional dos direitos humanos a um patamar superior dandolhe a condição de direito que permite o controle de legitimidade da lei ordinária A posição que restou majoritária no julgamento do recurso extraordinário capitaneada pelo Min Gilmar Mendes atribuiu aos tratados internacionais de direitos humanos um status normativo supralegal enquanto a posição liderada pelo Min Celso de Mello conferiulhes estatura constitucional Ao lado dessas posições cabe ressaltar também a que sustenta a supraconstitucionalidade desses tratados internacionais O STF manteve por bom período de tempo o entendimento de que os tratados internacionais aí incluídos os de direitos humanos têm simples valor de direito ordinário Decidiuse no RE 80004 que embora a Convenção de Genebra ao instituir lei uniforme sobre letras de câmbio e notas promissórias tenha aplicabilidade no direito brasileiro ela não se sobrepõe às leis do País daí decorrendo a constitucionalidade e a consequente validade do Dec Lei 4271969 que previu o registro obrigatório da nota promissória em repartição fazendária sob pena de nulidade do título 988 Em 1995 no HC 72131 relator o Min Moreira Alves declarouse que o n 7 do art 7º da Convenção de San José da Costa Rica não interfere sobre a prisão civil do depositário infiel uma vez que ressalvada na parte final do art 5º LXVII da CF 989 Conferir aos tratados internacionais de direitos humanos o status de direito ordinário não só legitima o Estado signatário a descumprir unilateralmente acordo internacional como ainda afronta a ideia de Estado Constitucional Cooperativo e inviabiliza a tutela dos direitos humanos em nível supranacional 990 Ademais a própria Constituição faz ver a superioridade dos tratados internacionais sobre a legislação infraconstitucional 991 Diz a Constituição Federal que a República Federativa do Brasil buscará a integração econômica política social e cultural dos povos da América Latina visando à formação de uma comunidade latino americana de nações art 4º parágrafo único que os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte art 5º 2º que os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados em cada Casa do Congresso Nacional em dois turnos por três quintos dos votos dos respectivos membros serão equivalentes às emendas constitucionais art 5º 3º e que o Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado adesão art 5º 4º Assim a própria Constituição enfatiza a dignidade dos tratados internacionais dos direitos humanos reconhecendo a sua prevalência sobre o direito ordinário Frisese que o 3º do art 5º assim como o 4º foi inserido pela EC 452004 deixando claro que a atribuição da qualidade de emenda constitucional aos tratados requer aprovação em cada Casa do Congresso Nacional em dois turnos por três quintos dos votos dos respectivos membros De modo que a própria Constituição previu condição específica para os tratados internacionais de direitos humanos assumirem a estatura de norma constitucional Não obstante argumentouse quando do julgamento do referido RE 466343 992 que os tratados internacionais de direitos humanos teriam status constitucional independentemente de terem sido aprovados antes da EC 452004 Conclui o Min Celso de Mello neste julgamento que as convenções internacionais em matéria de direitos humanos celebradas pelo Brasil antes do advento da EC 452004 como ocorre com o Pacto de San José da Costa Rica se revestem de caráter materialmente constitucional compondo sob tal perspectiva a noção conceitual de bloco de constitucionalidade A tese da constitucionalidade dos tratados repousa sobre o 2º do art 5º da CF A lógica é a de que esta norma recepciona os direitos consagrados nos tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo País 993 Ao afirmar que os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem os direitos dos tratados internacionais de que o Brasil é parte o 2º do art 5º estaria lhes conferindo o status de norma constitucional O 2º do art 5º constituindo uma cláusula aberta admitiria o ingresso dos tratados internacionais de direitos humanos na mesma condição hierárquica das normas constitucionais e não com outro status normativo 994 Contudo a tese que prevaleceu no julgamento do RE 466343 como já dito foi a da supralegalidade do direito internacional dos direitos humanos Entendeuse em suma que a referência por parte da Constituição a tratados internacionais de direitos humanos embora não tenha sido casual ou neutra do ponto de vista jurídico normativo não conferiu a estes tratados a hierarquia de norma constitucional O Min Gilmar Mendes em seu voto observou que a tese da supralegalidade pugna pelo argumento de que os tratados sobre direitos humanos seriam infraconstitucionais porém diante de seu caráter especial em relação aos demais atos normativos internacionais também seriam dotados de um atributo de supralegalidade Em outros termos os tratados sobre direitos humanos não poderiam afrontar a supremacia da Constituição mas teriam lugar especial reservado no ordenamento jurídico Equipará los à legislação ordinária seria subestimar o seu valor especial no contexto do sistema de proteção dos direitos da pessoa humana 995 Neste sentido os tratados internacionais de direitos humanos aprovados em conformidade aos ditames do 3º do art 5º da CF são equivalentes às emendas constitucionais os demais tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil constituem direito supralegal e os tratados internacionais que não tratam de direitos humanos têm valor legal 996 8100 Significado de supralegalidade dos tratados internacionais Os tratados internacionais quando qualificados como direito supralegal obviamente são colocados em grau de hierarquia normativa superior à da legislação infraconstitucional embora inferior à da Constituição O acórdão proferido no RE 466343 ao reconhecer a ilegitimidade da legislação infraconstitucional que trata da prisão civil do depositário infiel em face do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos Pacto de San José da Costa Rica enfatizou que diante do inequívoco caráter especial dos tratados internacionais que cuidam da proteção dos direitos humanos não é difícil entender que a sua internalização no ordenamento jurídico por meio do procedimento de ratificação previsto na Constituição tem o condão de paralisar a eficácia jurídica de toda e qualquer disciplina normativa infraconstitucional com ela conflitante 997 Vale dizer que a legislação infraconstitucional para produzir efeitos não deve apenas estar em consonância com a Constituição Federal mas também com os tratados internacionais dos direitos humanos Nessa perspectiva existem dois parâmetros de controle e dois programas de validação do direito ordinário além da Constituição o direito supralegal está a condicionar e a controlar a validade da lei Isso significa que a lei nesta dimensão está submetida a novos limites materiais postos nos direitos humanos albergados nos tratados internacionais o que revela que o Estado contemporâneo que se relaciona em recíproca colaboração com outros Estados constitucionais inseridos numa comunidade tem capacidade de controlar a legitimidade da lei em face dos direitos humanos tutelados no País e na comunidade latinoamericana 8101 Modos de controle da convencionalidade no direito brasileiro O controle da compatibilidade da lei com os tratados internacionais de direitos humanos pode ser feito mediante ação direta perante o STF quando o tratado foi aprovado de acordo com o 3º do art 5º da CF Obviamente esses tratados também constituem base ao controle difuso No atual sistema normativo brasileiro os tratados que possuem status normativo supralegal apenas abrem oportunidade ao controle difuso O exercício do controle da compatibilidade das normas internas com as convencionais é um dever do juiz nacional podendo ser feito a requerimento da parte ou mesmo de ofício 998 Lembrese neste sentido a decisão proferida pela Corte Interamericana no caso Trabajadores Cesados del Congreso Aguado Alfaro y otros v Peru Cuando un Estado ha ratificado un tratado internacional como la Convención Americana sus jueces también están sometidos a ella lo que les obliga a velar porque el efecto útil de la Convención no se vea mermado o anulado por la aplicación de leyes contrarias a sus disposiciones objeto y fin En otras palabras los órganos del Poder Judicial deben ejercer no sólo un control de constitucionalidad sino también de convencionalidad ex officio entre las normas internas y la Convención Americana evidentemente en el marco de sus respectivas competencias y de las regulaciones procesales correspondientes Esta función no debe quedar limitada exclusivamente por las manifestaciones o actos de los accionantes en cada caso concreto aunque tampoco implica que esa revisión deba ejercese siempre sin considerar otros presupuestos formales y materiales de admisibilidad y procedencia de ese tipo de acciones 999 Questão interessante se relaciona com a oportunidade de o STF realizar controle difuso em face de direito supralegal mediante recurso extraordinário É que se poderia argumentar em primeiro lugar que tratado não constitui norma constitucional e depois que violação de direito supralegal não abre oportunidade à interposição de recurso extraordinário art 102 da CF É óbvio que tratado não se confunde com norma constitucional podendo assumir este status quando aprovado mediante o quorum qualificado do 3º do art 5º da CF Sucede que também certamente não se equipara na qualidade de direito supralegal com direito federal cuja alegação de violação abre ensejo ao recurso especial art 105 da CF Lembre se que o STF admitiu e julgou recurso extraordinário em que se alegou violação de direito reconhecido como supralegal exatamente quando enfrentou a questão da legitimidade da prisão civil do depositário infiel RE 466343 8102 Controle de supraconstitucionalidade Há quem sustente a supraconstitucionalidade da convenção ou seja a invalidade da norma constitucional que contraria a convenção Afirmase como visto que a convenção pode paralisar 1000 a eficácia das normas infraconstitucionais que sejam com ela conflitantes Lembrese que no RE 466343 concluiuse que a previsão constitucional da prisão civil do depositário infiel art 5º LXVII diante da supremacia da Constituição sobre os atos normativos internacionais não poderia ser revogada pelo ato de adesão do Brasil ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos art 11 e à Convenção Americana sobre Direitos Humanos Pacto de San José da Costa Rica art 7º n 7 tendo deixado de ter aplicabilidade diante do efeito paralisante desses tratados em relação à legislação infraconstitucional que disciplina a matéria 1001 Porém seria possível argumentar que quando a norma necessita ser controlada pela convenção ela já passou pelo filtro do controle de constitucionalidade de modo que o controle de convencionalidade implica a negação da própria constitucionalidade Na verdade este problema da supraconstitucionalidade da convenção tornase mais evidente quando a própria dicção da norma constitucional contraria a convenção 1002 Néstor Pedro Sagués ao ferir o ponto sustenta que se o Estado deve cumprir a convenção e não pode invocar a sua Constituição para descumprir os tratados internacionais de direitos humanos isso significa como resultado concreto final que o tratado está juridicamente acima da Constituição Assim a consequência do controle de convencionalidade seria o de que a norma constitucional que viola o tratado não pode ser aplicada No entender de Sagués é a própria norma constitucional e não a lei infraconstitucional que resta paralisada Se de acordo com o controle de convencionalidade a Constituição não pode validamente violar o tratado ou a convenção isso seria suficiente para evidenciar a superioridade da convenção sobre a Constituição 1003 Notese ainda que é possível supor lei inconstitucional mas em conformidade com a convenção Sagués faz referência a hipotética norma constitucional que negue o direito de réplica retificação ou resposta expressamente garantido na Convenção art 14 1004 Adverte que lei que regulamentasse esta norma do Pacto seria inconstitucional porém convencional A norma constitucional ao negar o direito expresso no Pacto de San José seria inconvencional enquanto a lei regulamentadora seria válida e não inconstitucional ou nula por la superioridad del Pacto sobre la Constitución conforme la doctrina del controle de convencionalidad 1005 A questão do controle de convencionalidade das normas constitucionais foi debatida no caso La Última Tentación de Cristo em que a Corte Interamericana ordenou ao Chile a alteração da sua Constituição Eis o que se declarou nesta ocasião 72 Esta Corte entiende que la responsabilidad internacional del Estado puede generarse por actos u omisiones de cualquier poder u órgano de éste independientemente de su jerarquía que violen la Convención Americana Es decir todo acto u omisión imputable al Estado en violación de las normas del Derecho Internacional de los Derechos Humanos compromete la responsabilidad internacional del Estado En el presente caso ésta se generó en virtud de que el artículo 19 número 12 de la Constitución establece la censura previa en la producción cinematográfica y por lo tanto determina los actos de los Poderes Ejecutivo Legislativo y Judicial 85 La Corte ha señalado que el deber general del Estado establecido en el artículo 2 de la Convención incluye la adopción de medidas para suprimir las normas y prácticas de cualquier naturaleza que impliquen una violación a las garantías previstas en la Convención así como la expedición de normas y el desarrollo de prácticas conducentes a la observancia efectiva de dichas garantías 88 En el presente caso al mantener la censura cinematográfica en el ordenamiento jurídico chileno art 19 n 12 de la Constitución Política y Decreto Ley 679 el Estado está incumpliendo con el deber de adecuar su derecho interno a la Convención de modo a hacer efectivos los derechos consagrados en la misma como lo establecen los arts 2 y 11 de la Convención 1006 8103 O controle de convencionalidade pela Corte Interamericana de Direitos Humanos Como visto os juízes nacionais têm dever de realizar o controle de convencionalidade 1007 Porém a Corte Interamericana também realiza o controle das normas internas em face do Pacto 1008 De acordo com a Convenção são competentes para conhecer das questões relacionadas ao cumprimento de suas normas pelos Estadospartes a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a Corte Interamericana de Direitos Humanos art 33 A Comissão possui entre outras funções a de atuar diante de petições e comunicações que lhe forem apresentadas em conformidade com os arts 44 a 51 da Convenção O art 44 estabelece que qualquer pessoa ou grupo de pessoas ou entidade não governamental legalmente reconhecida em um ou mais Estadosmembros da Organização pode apresentar à Comissão petições que contenham denúncias ou queixas de violação à Convenção por Estadoparte De lado situação de urgência 1009 a Comissão ao reconhecer a admissibilidade da petição ou comunicação de violação de direitos solicitará informações ao Governo do Estado a que pertença a autoridade acusada de responsável pela violação Ao receber as informações ou depois de exaurido o prazo sem manifestação a Comissão verificará se existem ou subsistem os motivos da petição ou comunicação podendo determinar o arquivamento ou declarar a inadmissibilidade ou improcedência Não sendo estas as hipóteses a Comissão realizará o exame dos fatos com o conhecimento das partes Poderá pedir ao Estado interessado qualquer informação pertinente colocandose à disposição das partes interessadas para tentar chegar a uma solução amistosa art 48 Na falta de solução consensual a Comissão redigirá relatório em que exporá os fatos e suas conclusões agregandose a ele as exposições verbais ou escritas feitas pelos interessados Em seu relatório a Comissão poderá formular as proposições e recomendações que julgar adequadas art 50 Caso no prazo de três meses a questão não tenha sido solucionada ou submetida a decisão da Corte pela Comissão ou por Estado interessado a Comissão poderá emitir pela maioria absoluta dos votos dos seus membros sua opinião e conclusões sobre a questão submetida a sua análise A Comissão fará as recomendações pertinentes e fixará um prazo dentro do qual o Estado deve tomar as medidas que lhe incumbam para remediar a situação examinada Transcorrido o prazo fixado a Comissão decidirá pela maioria absoluta dos votos dos seus membros se o Estado tomou ou não as medidas adequadas e se publica ou não seu informe art 51 Enquanto isso a Corte Interamericana somente pode ser provocada pelos Estadospartes e pela própria Comissão e além disso apenas poderá conhecer de qualquer caso após esgotadas a fase preliminar de admissibilidade a instrução do caso e a tentativa de solução amistosa perante a Comissão com a expedição de seu relatório nos termos do art 50 da Convenção A Corte entendeu num primeiro momento que apenas poderia realizar controle sobre norma já submetida a determinado caso Disse não ter competência para realizar controle em abstrato relacionando este com uma função consultiva Nesta linha assim decidiu a Corte En relación con el incumplimento por parte del Gobierno del artículo 2 de la Convención Americana por la aplicación de los decretos 991 y 600 esta Corte manifestó que la jurisdicción militar no viola per se la Convención y con respecto a la alegada aplicación de algunas de las disposiciones de dichos decretos que pudieren ser contrarias a la Convención ya se determinó que en el presente caso no fueron aplicadas En consecuencia la Corte no emite pronunciamiento sobre la compatibilidad de estos artículos con la Convención ya que proceder en otra forma constituirá un análisis en abstracto y fuera de las funciones de esta Corte 1010 Este entendimento foi superado no caso Suárez Rosero v Equador em que a Corte reconheceu sua competência para declarar a inconvencionalidade de norma que violara o art 2º da Convenção independentemente de a norma ter sido aplicada em caso concreto ou ter causado algum prejuízo A decisão tem o seguinte fundamento 97 Como la Corte ha sostenido los Estados Partes en la Convención no pueden dictar medidas que violen los derechos y libertades reconocidos en ella Aunque las dos primeras disposiciones del artículo 114 del Código Penal Ecuatoriano asignan a las personas detenidas el derecho de ser liberadas cuando existan las condiciones indicadas el último párrafo del mismo artículo contiene una excepción a dicho derecho 98 La Corte considera que esta excepción despoja una parte de la población carcelaria de un derecho fundamental en virtud del delito imputado en su contra y por ende lesiona intrísecamente a todos los miembros de dicha categoría de inculpados En el caso concreto del señor Suárez Rosero esa norma ha sido aplicada y le ha producido un perjuicio indebido La Corte hace anotar además que a su juicio esa norma per se viola el art 2 de la Convención Americana independentemente de que haya sido aplicada en el presente caso lo resaltado fuera del texto 1011 Para exemplificar a atuação da Comissão e da Corte no controle da convencionalidade das leis é oportuna a consideração do caso Barrios Altos No Peru lei anistiou os militares policiais e civis que cometeram violações a direitos humanos Esta lei foi editada após denúncia contra pessoas que integrariam um grupo paramilitar chamado Grupo Colina que teria assassinado 15 pessoas no local denominado Barrios Altos em Lima A juíza que recebera a denúncia decidiu que o art 1º da Lei de Anistia violava garantias constitucionais e obrigações do Estado diante do Sistema Interamericano Após alguns incidentes processuais foi aprovada nova lei que declarou que a primeira lei não poderia ser objeto de revisão pelo Poder Judiciário Em 14071995 a Corte Superior de Justiça de Lima decidiu arquivar definitivamente o processo Assim o caso Barrios Altos foi levado por meio de petição à Comissão Interamericana de Direitos Humanos onde tramitou de 1995 até 2000 quando foi submetido à Corte A Comissão solicitou à Corte além das providências pertinentes à continuidade da investigação e à reparação de danos que revogasse ou tornasse sem efeito a lei de anistia Em seu voto o Juiz brasileiro Cançado Trindade afirmou a incompatibilidade das leis de autoanistia com o direito internacional dos direitos humanos concluindo serem elas destituídas de validade jurídica no plano do direito internacional dos direitos humanos A Corte entendeu haver incompatibilidade da lei de anistia com a Convenção já que a lei excluía a responsabilidade e permitia o impedimento da investigação e punição de pessoas ditas responsáveis por violações de direitos humanos culminando por decidir pela sua inconvencionalidade declarando a não aplicação das normas internas com efeitos erga omnes para todos os poderes públicos 1012 O descumprimento de decisão da Corte Interamericana gera ao Estado responsabilidade internacional Não obstante alguns Estados não se constrangem em descumprir as decisões da Corte como exemplifica recente decisão do Tribunal Supremo de Justiça da Venezuela que simplesmente declarou ser inexecutável a sentença proferida no caso López Mendoza v Venezuela Neste caso a Corte determinou a anulação das resoluções que cassaram os direitos políticos de López Mendonza opositor de Hugo Chavéz nas eleições presidenciais de 2012 considerando o Estado venezuelano responsável por violação dos direitos à fundamentação e à defesa nos procedimentos administrativos que acarretaram a imposição das sanções de inabilitação bem como responsável por violação dos direitos à tutela judicial e de ser eleito todos garantidos na Convenção Diante disso vem naturalmente à tona a questão da legitimidade da Corte Interamericana para interferir sobre as decisões dos Estados O problema do déficit de legitimidade democrática dos juízes é mais grave no cenário da justiça transnacional Notese que se a autonomia dos direitos humanos importa para a consolidação de um Estado de Direito também interfere nos processos ordinários de autodeterminação coletiva Nessa linha argumenta Owen Fiss que o elemento consensual inerente ao processo de elaboração dos tratados não dá aos tribunais internacionais uma base democrática Os processos internos de ratificação de um tratado não são necessariamente democráticos A ratificação de um tratado pela China representaria ato de consentimento entre os seus cidadãos Mesmo nos Estados Unidos a ratificação dos tratados repousa nas mãos do Senado que não está constituído de acordo com os princípios democráticos sendo que a forma de consentimento peculiar a esta Casa Legislativa não é adequada em termos de política democrática 1013 Como resultado prossegue Fiss os tribunais internacionais recentemente estabelecidos para proteger os direitos humanos permanecem sem responsabilidade diante dos cidadãos do mundo organizados de acordo com princípios democráticos e dessa forma devem ser vistos como uma perda para a democracia não obstante importantes para a justiça 1014 Pensese em pronunciamento da Corte que afeta a autodeterminação do povo de Estadoparte a exemplo do que ocorreu no caso Gelman v Uruguai 1015 em que se negou a validade da lei de anistia Lei de Caducidad uruguaia mesmo que legitimada mediante a via da participação direta em duas ocasiões Ao decidir afirmou a Corte que el hecho de que la Ley de Caducidad haya sido aprobada en un régimen democrático y aún ratificada o respaldada por la ciudadanía en dos ocasiones no le concede automáticamente ni por sí sola legitimidad ante el Derecho Internacional La participación de la ciudadanía con respecto a dicha Ley utilizando procedimientos de ejercicio directo de la democracia recurso de referéndum párrafo 2º del artículo 79 de la Constitución del Uruguay en 1989 y plebiscito literal A del artículo 331 de la Constitución del Uruguay sobre un proyecto de reforma constitucional por el que se habrían declarado nulos los artículos 1 a 4 de la Ley el 25 de octubre del año 2009 se debe considerar entonces como hecho atribuible al Estado y generador por tanto de la responsabilidad internacional de aquél La sola existencia de un régimen democrático no garantiza per se el permanente respeto del Derecho Internacional incluyendo al Derecho Internacional de los Derechos Humanos lo cual ha sido así considerado incluso por la propia Carta Democrática Interamericana la protección de los derechos humanos constituye un límite infranqueable a la regla de mayorías es decir a la esfera de lo susceptible de ser decidido por parte de las mayorías em instancias democráticas en las cuales también debe primar un control de convencionalidad 1016 Os atos praticados por ditaduras militares em detrimento de direitos humanos são reprováveis e merecedores de severa condenação Tratase de obviedade O problema é que a Corte sem questionar a qualidade democrática das formas de participação direta que deram base à lei uruguaia disse serem elas insuficientes para legitimar a lei perante o direito internacional A Corte para decidir simplesmente alegou que la protección de los derechos humanos constituye un límite infranqueable a la regla de la mayoría Argumentouse que a inconvencionalidade da lei de anistia não deriva da ilegitimidade do processo que a fez surgir ou da autoridade que a editou mas sim da circunstância de deixar os atos de violação aos direitos humanos sem punição A inconvencionalidade afirmou a Corte decorre de um aspecto material e não de uma questão formal como a sua origem A ideia de que a participação popular direta constitui uma questão formal sem importância diante da inegável imprescindibilidade de proteção aos direitos humanos requer meditação 1017 Os direitos humanos não são incompatíveis com a democracia 1018 Ambos convivem e por isso esta relação deve ser mediada por uma interpretação democrática 1019 A Corte não está dispensada de legitimar suas decisões confrontando os direitos humanos com a vontade da maioria de um país Diante disso terá de evidenciar quando não é possível deliberar e especialmente quando uma decisão majoritária apesar de formalmente tomada não expressa a vontade real de um povo por ter sido elaborada sem adequada discussão ou com a exclusão real ou virtual de parte da população 1020 Assim caberia à Corte demonstrar de forma racional ou que a vontade do povo é incompatível com a extinção da punibilidade de crimes contra os direitos humanos ou que a decisão majoritária carece de base democrática Sucede que a demonstração de incompatibilidade entre democracia e direitos humanos não se faz com uma frase impositiva em que simplesmente se afirma o que se deve evidenciar Dizer que a vontade da maioria não é compatível com os direitos humanos nada significa É preciso evidenciar mediante argumentação racional que determinados direitos humanos são inconciliáveis já que vários certamente o são 1021 com a democracia Frisese que não se está dizendo que a extinção da punibilidade o seja até porque não é este aspecto da decisão que aqui importa mas que faltou à Corte legitimar a sua decisão assim evidenciado O ponto como já dito nada tem a ver com a essência perversa dos atos praticados pelas ditaduras militares mas sim com o questionamento da legitimidade de uma Corte composta de homens de notável saber para negar a legitimidade de uma decisão majoritária sem precisar se preocupar com a sua qualidade democrática a expressar a vontade de um povo 1022 8104 Objeto e parâmetro do controle de convencionalidade na Corte Interamericana Como visto a Corte Interamericana entende que o controle de convencionalidade não é restrito às normas infraconstitucionais recaindo isso sim sobre as normas de direito interno aí presentes as normas constitucionais Nesses termos qualquer ato normativo interno seja infraconstitucional lei decreto regulamento resolução ou de caráter constitucional está sujeito ao controle de convencionalidade pela Corte Enquanto isso também segundo a Corte Interamericana o material normativo de controle ou seja o bloco de convencionalidade 1023 é integrado pela Convenção pelos demais tratados ou convenções de direitos humanos sob a tutela da Corte bem como pelos seus precedentes 1024 8105 Os efeitos das decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos A decisão da Corte determina ao Estadoparte a modificação da sua ordem jurídica a fim de compatibilizála com a Convenção Americana A decisão de inconvencionalidade é obrigatória ao Estadoparte nos termos dos arts 623 e 681 da Convenção impondoselhe a reforma da sua legislação ou mesmo da sua Constituição conforme aconteceu nos casos La Última Tentación de Cristo e Caesar v Trinidad y Tobago O descumprimento da decisão gera responsabilidade internacional arts 11 e 2 da Convenção Portanto a decisão da Corte não nulifica ou derroga as normas internas Porém em casos em que se discutem crimes contra a humanidade a Corte tem declarado a não aplicação das normas internas com efeitos erga omnes para todos os poderes públicos Assim ocorreu nos casos Barrios Altos 1025 Tribunal Constitucional de Peru 1026 e La Cantuta 1027 De outro lado a Corte Interamericana vem afirmando a força obrigatória dos seus precedentes 1028 isto é a eficácia vinculante dos fundamentos determinantes das suas decisões Em 2004 ao julgar Tibi v Ecuador a Corte advertiu que un tribunal internacional de derechos humanos no aspira mucho menos todavía que el órgano nacional a resolver un gran número de litigios en lo que se reproduzcan violaciones previamente sometidas a su jurisdicción y acerca de cuyos temas esenciales ya ha dictado sentencias que expresan su criterio como intérprete natural de las normas que está llamado a aplicar esto es las disposiciones del tratado internacional que invocan los litigantes Este designio que pone de manifiesto una función de la Corte sugiere también las características que pueden tener los asuntos llevados a su conocimiento 1029 Em 2006 no caso Almonacid Arellano e outros v Chile a Corte Interamericana novamente enfatizou a força obrigatória das suas decisões ao lembrar que quando um Estado ratifica um tratado os seus juízes também estão submetidos a ele lo que les obliga a velar para que los efectos de la Convención no se vean mermados por la aplicación de normas jurídicas contrarias a su objeto y fin En esta tarea el Poder Judicial debe tener en cuenta no solamente el Tratado sino también la interpretación que del mismo ha hecho la Corte IDH intérprete última de la Convención 1030 A Suprema Corte argentina no caso Mazzeo ao reconhecer a legitimidade do controle de convencionalidade declarou que cuando un Estado ha ratificado un tratado internacional como la Convención Americana sus jueces como parte del aparato del Estado también están sometidos a ella lo que les obliga a velar porque los efectos de las disposiciones de la Convención no se vean mermadas por la aplicación de leyes contrarias a su objeto y fin y que desde un inicio carecen de efectos jurídicos En otras palabras el Poder Judicial debe ejercer una especie de control de convencionalidad entre las normas jurídicas internas que aplican en los casos concretos y la Convención Americana sobre Derechos Humanos 1031 Neste caso ao lado de admitir a necessidade do controle de convencionalidade a Suprema Corte argentina afirmou estar submetida à interpretação conferida ao direito convencional pela Corte Interamericana Ou seja a Corte deixou claro que ao realizar o controle de convencionalidade deve observar o sentido outorgado à Convenção pela Corte Interamericana Así la Corte Suprema de Argentina aplica la pauta de interpretación que del mismo ha hecho la Corte interamericana interpretación conforme a la Convención Americana como estándar mínimo de respeto de derechos humanos como asimismo el respeto y resguardo de la jurisprudencia de la Corte Interamericana de Derechos Humanos 1032 O Tribunal Constitucional da Bolívia também já declarou estar vinculado aos precedentes da Corte Interamericana El cumplimiento de estos requisitos que hacen al Juez natural permite garantizar la correcta determinación de los derechos y obligaciones de las personas de ahí que la Corte Interamericana de Derechos Humanos cuya jurisprudencia es vinculante para la jurisdicción interna en su Sentencia de 31 de enero de 2001 caso Tribunal Constitucional de Peru párrafo 77 ha establecido que toda persona sujeta a juicio de cualquier naturaleza ante un órgano del Estado deberá contar con la garantía de que dicho órgano sea competente independiente e imparcial 1033 Embora a questão ainda não tenha sido bem analisada pela Corte Interamericana e pelos Tribunais nacionais compreendese a partir de decisões já proferidas que se tenta atribuir eficácia vinculante à ratio decidendi ou aos fundamentos determinantes das decisões de modo a obrigar os Tribunais nacionais a adotar o sentido atribuído à norma convencional pela Corte Interamericana Seria possível argumentar que a Convenção diz apenas que os Estadospartes comprometemse a cumprir a decisão da Corte em todo caso em que forem partes art 68 o que significaria apenas obrigatoriedade de respeito às decisões tomadas em processos em que o Estado participou como parte uma espécie de coisa julgada a impedir a negação da decisão e a rediscussão do caso Porém a obrigatoriedade de respeito à fundamentação determinante de uma decisão nada tem a ver com a participação como parte no processo em que proferida A parte como é óbvio é sujeita ao dispositivo da decisão não podendo dela fugir Sucede que os fundamentos determinantes ou a ratio decidendi expressam uma tese jurídica ou o sentido atribuído a uma norma diante de determinada realidade fática Esta tese ou sentido por revelarem o entendimento da Corte acerca de como a Convenção deve ser compreendida em face de certa situação certamente devem ser observados por todos aqueles que estão obrigados perante a Convenção 1034 Como é evidente a vinculação aos fundamentos determinantes das decisões da Corte apenas reforça a sua autoridade atribuindo força aos preceitos da Convenção De modo que o problema não está nos precedentes vinculantes necessários para a coerência do direito mas na necessária elaboração e utilização de dogmática capaz de evidenciar a adequada operação com os precedentes evitandose a sua perpetuação equivocada assim como a aplicação a casos substancialmente distintos REFERÊNCIAS ABOUD Georges NERY JR Nelson CAMPOS Ricardo Coord Fake News e Regulação São Paulo Revista dos Tribunais 2018 ABRAHAM Henry J The judicial process An introductory analysis of the courts of the United States England and France 6 ed New York Oxford University Press 1993 ABRAHÃO Marcela As restrições a direitos fundamentais por Ato Normativo do Poder Executivo Coimbra Almedina 2018 ABRAMOVICH Victor COURTIS Christian Los derechos sociales como derechos exigibles Madrid Trotta 2002 ABREU Joana Rita de Sousa Covelo de Inconstitucionalidade por omissão 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2019 Tutela antecipatória julgamento antecipado e execução imediata da sentença São Paulo Revista dos Tribunais 1996 Tutela cautelar e tutela antecipatória São Paulo Revista dos Tribunais 1992 Tutela contra o ilícito São Paulo Revista dos Tribunais 2015 Tutela inibitória 2 ed São Paulo Revista dos Tribunais 2000 4 ed São Paulo Revista dos Tribunais 2006 Die Wirksamkeit der Entscheidung über die VerfassungsmäBigkeit in welchen Fällen ist ihre gerichtliche Überprüfung möglich ZZPInt Zeitschrift für Zivilprozes International Jahrbuch dês Internationalen Zivilprozessrechts v 18 2014 El precedente interpretativo como respuesta a la transformación del civil law In Debatiendo con Taruffo Madrid Marcial Pons 2016 Il diritto alla tutela giurisdizionale effetiva nella prospettiva della teoria dei diritti fondamentali Studi in onore di Giuseppe Tarzia Milano Giuffrè 2005 Julgamento nas Cortes Supremas São Paulo Revista dos Tribunais 2015 Novo Código de Processo Civil comentado São Paulo Revista dos Tribunais 2015 coautoria com Sérgio Arenhart e Daniel Mitidiero Novo curso de processo civil Teoria do processo civil São Paulo Revista dos Tribunais 2015 v 1 coautoria com Sérgio Arenhart e Daniel Mitidiero Novo curso de processo civil Tutela dos direitos mediante procedimento comum São Paulo Revista dos Tribunais 2015 v 2 coautoria com Sérgio Arenhart e Daniel Mitidiero Novo curso de processo civil Tutela dos direitos mediante procedimentos diferenciados São Paulo Revista dos Tribunais 2015 v 3 coautoria com Sérgio Arenhart e Daniel Mitidiero O STJ enquanto Corte de Precedentes 2 ed São Paulo Revista dos Tribunais 2014 Prueba Santiago Thomson Reuters 2015 coautoria com Sérgio Cruz Arenhart Tutela inhibitoria Madrid Marcial Pons 2014 Abuso de defesa e parte incontroversa da demanda 2 ed São Paulo Revista dos Tribunais 2011 Abuso de defensa y parte incontrovertida de la demanda Lima Ara Editores 2007 Antecipação da tutela 12 ed São Paulo Revista dos Tribunais 2011 Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo 5 ed São Paulo Revista dos Tribunais 2013 coautoria com Daniel Mitidiero Coisa julgada inconstitucional 2 ed São Paulo Revista dos Tribunais 2010 Comentários ao Código de Processo Civil do processo de conhecimento Arts 332 a 341 2 ed rev atual e ampl São Paulo Revista dos Tribunais 2005 v 5 t I coautoria com Sérgio Cruz Arenhart coord Ovídio A Baptista da Silva Comentários ao Código de Processo Civil do processo de conhecimento Arts 342 a 443 2 ed rev atual e ampl São Paulo Revista dos Tribunais 2005 v 5 t II coautoria com Sérgio Cruz Arenhart coord Ovídio A Baptista da Silva Curso de processo civil Teoria Geral do Processo 7 ed São Paulo Revista dos Tribunais 2013 v 1 Curso de processo civil Processo de Conhecimento 10 ed São Paulo Revista dos Tribunais 2012 v 2 coautoria com Sérgio Cruz Arenhart Curso de processo civil Execução 5 ed São Paulo Revista dos Tribunais 2013 v 3 coautoria com Sérgio Cruz Arenhart Curso de processo civil Processo Cautelar 3 ed São Paulo Revista dos Tribunais 2011 v 4 coautoria com Sérgio Cruz Arenhart Curso de processo civil Procedimentos Especiais 2 ed São Paulo Revista dos Tribunais 2011 v 5 coautoria com Sérgio Cruz Arenhart Decisión de inconstitucionalidad y cosa juzgada Lima Communitas 2008 Derecho fundamental a la tutela jurisdiccional efectiva Lima Palestra 2007 Efetividade do processo e tutela de urgência Porto Alegre Sergio Antonio Fabris Editor 1995 Fundamentos del processo civil Santiago Abeledo Perrot 2010 coautoria com Alvaro Perez Ragone Novas linhas do processo civil 4 ed São Paulo Malheiros 2000 O projeto do CPC Críticas e propostas São Paulo Revista dos Tribunais 2010 Precedentes obrigatórios 4 ed São Paulo Revista dos Tribunais 2015 Prova 2 ed São Paulo Revista dos Tribunais 2011 coautoria com Sérgio Cruz Arenhart Questões do novo direito processual civil brasileiro Curitiba Juruá 1999 Repercussão geral no recurso extraordinário 2 ed São Paulo Revista dos Tribunais 2008 coautoria com Daniel Mitidiero Soluções práticas de direito Pareceres São Paulo Revista dos Tribunais 2011 v 1 e v 2 Técnica processual e tutela dos direitos 3 ed São Paulo Revista dos Tribunais 2010 Anticipazione della tutela Dalla tutela cautelare alla tecnica anticipatoria 2013 tradução de Lorenza Bianchi e Gabriele Molinaro Torino Giappichelli 2016 Código de Processo Civil comentado de 1973 artigo por artigo 2008 6 ed São Paulo Revista dos Tribunais 2014 coautoria com Luiz Guilherme Marinoni Colaboração no processo civil Pressupostos sociais lógicos e éticos 2009 2 ed São Paulo Revista dos Tribunais 2015 Colaboración en el proceso civil Presupuestos sociales lógicos y éticos 2009 tradução de Juan José Monroy Palacios Lima Communitas 2009 Comentários ao Código de Processo Civil São Paulo Revista dos Tribunais 2016 v I com Luiz Guilherme Marinoni Comentários ao Código de Processo Civil São Paulo Revista dos Tribunais 2016 v XV com Luiz Guilherme Marinoni Comentários ao Código de Processo Civil São Paulo Revista dos Tribunais 2016 v XVI com Luiz Guilherme Marinoni Comentários ao Código de Processo Civil de 1973 São Paulo Memória Jurídica 2004 t I arts 1 a 153 Comentários ao Código de Processo Civil de 1973 São Paulo Memória Jurídica 2005 t II arts 154 a 269 Comentários ao Código de Processo Civil de 1973 São Paulo Memória Jurídica 2006 t III arts 270 a 331 Cortes Superiores e Cortes Supremas Do controle à interpretação da jurisprudência ao precedente 2013 2 ed São Paulo Revista dos Tribunais 2014 Curso de processo civil Código de Processo Civil de 1973 2010 2 ed São Paulo Atlas 2013 v I coautoria com Alvaro de Oliveira Curso de processo civil Código de Processo Civil de 1973 São Paulo Atlas 2012 v II coautoria com Alvaro de Oliveira Elementos para uma teoria contemporânea do processo civil brasileiro Porto Alegre Livraria do Advogado 2005 Introdução ao estudo do processo civil Primeiras linhas de um paradigma emergente Porto Alegre Sergio Antonio Fabris Editor 2004 coautoria com Hermes Zaneti Júnior La justicia civil en el estado constitucional Diálogos para un diagnóstico tradução de Renzo Cavani e Christian Delgado Lima Palestra 2016 Novo Código de Processo Civil comentado de 2015 2 ed São Paulo Revista dos Tribunais 2016 coautoria com Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart Novo curso de processo civil Código de Processo Civil de 2015 2 ed São Paulo Revista dos Tribunais 2016 v I coautoria com Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart Novo curso de processo civil Código de Processo Civil de 2015 2 ed São Paulo Revista dos Tribunais 2016 v II coautoria com Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart Novo curso de processo civil Código de Processo Civil de 2015 2 ed São Paulo Revista dos Tribunais 2016 v III coautoria com Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart O novo processo civil 2015 2 ed São Paulo Revista dos Tribunais 2016 coautoria com Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart O Projeto do CPC Crítica e propostas São Paulo Revista dos Tribunais 2010 coautoria com Luiz Guilherme Marinoni Precedentes Da persuasão à vinculação São Paulo Revista dos Tribunais 2016 Processo civil e estado constitucional Porto Alegre Livraria do Advogado 2007 Repercussão geral no recurso extraordinário 2007 3 ed São Paulo Revista dos Tribunais 2012 coautoria com Luiz Guilherme Marinoni b Traduções A motivação da sentença civil de Michele Taruffo tradução de Daniel Mitidiero Rafael Abreu e Vitor de Paula Ramos São Paulo Marcial Pons 2015 Processo civil comparado Ensaios de Michele Taruffo tradução de Daniel Mitidiero São Paulo Marcial Pons 2013 O problema da efetividade das normas constitucionais e da força normativa da Constituição O problema da efetividade das normas constitucionais e da força normativa da Constituição Estado do Rio Grande do Sul a obrigação de disponibilizar num prazo de 30 trinta dias aos alunos matriculados com até 18 anos de idade na Rede Estadual de Ensino Médio no Município de Lajeado o fornecimento de passagem escolar ou a prestação do serviço de transporte escolar gratuito permanente e contínuo como forma de assegurar o acesso desses adolescentes à escola e à própria educação especialmente no período noturno e para aqueles que residem a mais de 3 km de distância da escola Esse dever decorreria entre outros da Constituição Federal arts 23 205 e 208 VI do Estatuto da Criança e do Adolescente Lei 80691990 ECA e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Lei 93941996 LDB A decisão ainda destacou a dimensão objetiva dos direitos fundamentais à educação e à proteção da criança e do adolescente que impõe ao Estado a obrigação constitucional de criar condições objetivas que possibilitem de maneira concreta a efetiva proteção de direitos constitucionalmente assegurados Na STA 175CE julgada em março de 2010 rel Min Gilmar Mendes foi mantida decisão impondo fornecimento de medicamento novo ainda não incluído na lista elaborada pelo Ministério da Saúde de alto custo inclusive mediante invocação do direito à vida e do mínimo existencial Tal orientação em termos gerais no que diz com a excepcionalidade da imposição ao poder público de prestações em especial medicamentos não previstas no sistema de políticas públicas já praticadas com destaque para a legislação do SUS tem sido mantida pelo STF que segue sendo constantemente provocado a se posicionar sobre o tema Todavia importa consignar que no âmbito do RE 566471RN rel Min Marco Aurélio ainda pendente de julgamento mas com voto já prolatado pelo Relator julgamento suspenso em virtude de pedido de vista bem como no RE 657718MG igualmente relatado pelo Ministro Marco Aurélio também com julgamento suspenso em virtude de pedido de vista é possível que o STF ajuste ao menos em alguns pontos o seu entendimento designadamente para enrijecer os critérios para o reconhecimento de um direito subjetivo a prestações de saúde Em ambos os casos o voto do Relator foi pelo reconhecimento do pedido do autor da ação na origem e desprovimento do Recurso Extraordinário No primeiro caso RE 566471 o Relator considerou que presentes os requisitos da indispensabilidade do medicamento e da incapacidade financeira do autor e de sua família pois há de ser demonstrado que em causa está a garantia do mínimo existencial e demonstrada a efetiva necessidade e impossibilidade de custeio pelo requerente ou familiares em termos analógicos ao da obrigação alimentar civil em homenagem ao princípio e dever de solidariedade o que resultou atendido no caso concreto em regra todavia devendo ser mínima e excepcional a intervenção do Poder Judiciário na esfera das políticas públicas Já o Ministro Roberto Barroso em votovista desproveu o recurso pelo fato de no curso da ação o medicamento ter sido aprovado pela ANVISA e incorporado à lista de medicamentos do SUS mas frisou que no caso de medicamentos não incorporados ao sistema deverá ser observado rigorosamente para manter o caráter excepcional de tal tipo de situação um conjunto de critérios materiais e procedimentais Por sua vez o Min Edson Fachin deu parcial provimento ao RE entendendo ser procedente a alegação do Estadomembro no sentido de que não poderia contemporânea com destaque para o caso da autonomia universitária da contribuição de André Trindade e Edval Luiz Mazzari Junior p 66 e ss V sobre o tema o julgamento da ADPF 548DF rel Min Cármen Lúcia j em 15052020 em que por unanimidade o STF declarou nulas as decisões da Justiça Eleitoral em cinco Estados que impuseram a interrupção de manifestações públicas de apreço ou reprovação a candidatos em ambiente virtual ou físico de universidades às vésperas do segundo turno da eleição de 2018 tendo dentre os fundamentos a não violação do princípio constitucional da autonomia universitária e da autonomia dos espaços de ensinar e aprender Cf decisão de 25101989 prolatada na ADIn 51RJ tendo como relator o Min Paulo Brossard RTJ 1483 e ss 1995 Ressaltese que no caso concreto se tratava de universidade federal que mediante ato normativo interno e em afronta à lei federal estabeleceu regras sobre a indicação e forma de provimento do cargo de reitor A íntima vinculação entre este dispositivo e o direito à educação foi objeto de destaque no voto do Min Celso de Mello RTJ 148911 1995 No mesmo sentido v a ADIn 51RJ DJ 17091993 especialmente o voto do então Min Sepúlveda Pertence afirmando que a autonomia universitária constitui garantia institucional RTJ 14814 1995 cujo núcleo essencial não pode ser destruído pelo legislador ordinário ainda que esteja habilitado a regulamentar o dispositivo constitucional De outra parte restou destacado que a autonomia universitária não corresponde a um direito subjetivo absoluto de autorregulamentação das universidades Nesse sentido no âmbito da jurisprudência mais recente do STF v a decisão proferida na ADPF 759DF rel Min Edson Fachin j06022021 que reconheceu liminarmente a constitucionalidade do ato do Chefe do Poder Executivo relativo à escolha dentre os integrantes da respectiva lista tríplice do reitor de Universidade Federal não sendo cogente a escolha do candidato mais votado inexistindo no caso violação da autonomia universitária Na ADI 5946RR rel Min Gilmar Mendes j 21052021 por sua vez foi reconhecida a inconstitucionalidade de Emenda à Constituição do Estado de Roraima pelo fato de ter ampliado a autonomia universitária para além dos parâmetros assegurados pelo art 207 CF no caso pelo fato de a referida Emenda ter conferido à Universidade Estadual autonomia administrativa financeira e orçamentária própria de órgão de poder e entes da Federação A garantia institucional da autonomia universitária também se encontra prevista apenas a título ilustrativo na Constituição da Espanha art 2710 e na Constituição portuguesa art 76 n 2 Entre as Constituições do Mercosul foi contemplada também na Constituição do Paraguai art 79 não tendo sido prevista nas Constituições da Argentina e do Uruguai Ainda quanto ao direito geral à educação podese mencionar decisão proferida no âmbito da ADPF 699 rel Min Gilmar Mendes j em 24062020 onde foi evidenciada a existência de uma relação entre as posições fundamentais concernentes ao direito à educação e o acesso igualitário à educação mediante a política de cotas de modo que reduzir ou inciso III da Lei dos Partidos Políticos Lei n 90961995 Válido porém mencionar a divergência não vencedora aberta pelo Ministro Edson Fachin o qual embora tenha reconhecido a existência de legislação específica sobre o tema entendeu que a suspensão do registro nessas hipóteses decorre da própria Constituição que prevê a prestação de contas pelos partidos políticos art 17 inciso III Cf ADI 6032 rel Min Gilmar Mendes j em 05122019 Cumpre destacar que na ADI 5922 foi questionada a redação do art 47 3º da Lei n 95041997 requerendose sua interpretação conforme a CF com a finalidade de que fossem consideradas na repartição do tempo de propaganda eleitoral no rádio e na televisão as alterações de filiação partidária ocorridas durante a legislatura A questão porém foi considerada prejudicada em razão da ausência de impugnação da totalidade do complexo normativo que rege a matéria razão pela qual se entendeu por haver vício processual que comprometeu o interesse de agir em sede de controle abstrato de constitucionalidade Cf Ag Reg na ADI 5922 rel Min Luiz Fux j em 14022020 STF Representação de Inconstitucionalidade 933 Pleno j 05061975 rel Min Thompson Flores Idem Idem STF Representação de Inconstitucionalidade 10163 Pleno j 20091979 rel Min Moreira Alves CF1988 art 5º LXX o mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por a partido político com representação no Congresso Nacional b organização sindical entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano em defesa dos interesses de seus membros ou associados CF1988 art 5º LXXI concederseá mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade à soberania e à cidadania CF1988 art 5º LXXII concederseá habeas data a para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público b para a retificação de dados quando não se prefira fazêlo por processo sigiloso judicial ou administrativo CF1988 art 5º LXXIII qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe à moralidade administrativa ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural ficando o autor salvo comprovada máfé isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência CF1988 art 102 1º A arguição de descumprimento de preceito fundamental decorrente desta Constituição será apreciada pelo Supremo Tribunal Federal na forma da lei Lei 98821999 art 1º A arguição prevista no 1º do art 102 da Constituição Federal será proposta perante o Supremo Tribunal Federal e terá por objeto evitar ou reparar lesão a preceito fundamental resultante de ato do Poder Público CF1988 art 36 A decretação da intervenção dependerá III de provimento pelo Supremo Tribunal Federal de representação do ProcuradorGeral da República na hipótese do art 34 VII e no caso de recusa à execução de lei federal Redação dada pela EC 452004 CF1988 art 125 2º Cabe aos Estados a instituição de representação de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais em face da Constituição Estadual vedada a atribuição da legitimação para agir a um único órgão Constitutional review is an expression of the priority or superiority of constitutional rights over and against parliamentary legislation Its logical basis is the concept of contradiction The declaration of a statute as unconstitutional implies that it contradicts at least one norm of the constitution This contradiction at the level of norms is accompanied by a injuridicidade de qualquer proposição será esta considerada rejeitada e arquivada definitivamente por despacho do Presidente do Senado salvo não sendo unânime o parecer recurso interposto nos termos do art 254 Por fim também o poder de veto do Presidente da República pode ser exercido com fundamento no controle de constitucionalidade do projeto de lei CF1988 art 66 1º Se o Presidente da República considerar o projeto no todo ou em parte inconstitucional vetáloá total ou parcialmente Sendo esse o contexto examino inicialmente questão pertinente à legitimidade ativa dos ilustres deputados federais impetrantes do presente mandado de segurança E ao fazêlo reconheço na linha do magistério jurisprudencial desta Suprema Corte MS 23334RJ rel Min Celso de Mello vg que os membros do Congresso Nacional dispõem de legitimidade ativa ad causam para provocar a instauração do controle jurisdicional sobre o processo de formação das leis e das emendas à Constituição assistindolhes sob tal perspectiva irrecusável direito subjetivo de impedir que a elaboração dos atos normativos pelo Poder Legislativo incida em desvios inconstitucionais É por essa razão que o STF tem reiteradamente proclamado em favor dos congressistas e apenas destes o reconhecimento desse direito público subjetivo à correta elaboração das emendas à Constituição das leis e das demais espécies normativas referidas no art 59 da Constituição O processo de formação das leis ou de elaboração de emendas à Constituição revelase suscetível de controle incidental ou difuso pelo Poder Judiciário sempre que havendo possibilidade de lesão à ordem jurídicoconstitucional a impugnação vier a ser suscitada por membro do próprio Congresso Nacional pois nesse domínio somente ao parlamentar que dispõe do direito público subjetivo à correta observância das cláusulas que compõem o devido processo legislativo assiste legitimidade ativa ad causam para provocar a fiscalização jurisdicional MS 23565DF rel Min Celso de Mello MS 27931 rel Min Celso de Mello DJe 01042009 Em recente decisão monocrática proferida no MS 27971 o Min Celso de Mello extinguiu o processo sem julgar o mérito em virtude da perda superveniente da condição de parlamentar do impetrante do mandado de segurança Informativo 647 de 07 a 11112011 STF MS 20257 Pleno rel Min Moreira Alves j 08101980 RTJ 991040 Observese que a Constituição Federal de 1988 ao disciplinar o poder de reforma constitucional pela via de emendas à Constituição no art 60 4º estabeleceu que não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir as chamadas cláusulas pétreas Portanto a rigor o que o referido dispositivo parece proibir é até mesmo a deliberação de uma proposta de emenda e não apenas a anulação de emendas já aprovadas Notese que se pode extrair esta conclusão da própria decisão tomada no MS 20257 da lavra do Min Moreira Alves Não admito mandado de segurança para impedir tramitação embriaguez na condução de veículo automotor Cf também STF RE 573540 j 14042010 rel Min Gilmar Mendes considerando inconstitucional a cobrança de contribuição destinada ao custeio de serviços de saúde pública devida por servidor público sob argumento de que apenas a União tem competência para instituição de tal tributo Ainda no mesmo sentido STF AgIn 740823AgRg rel Min Joaquim Barbosa j 04102011 Cf STF ADIn 3566 j 15022007 rel Min Joaquim Barbosa Magistratura Tribunal Membros dos órgãos diretivos Presidente vicepresidente e corregedorgeral Eleição Universo dos magistrados elegíveis Previsão regimental de elegibilidade de todos os integrantes do Órgão Especial Inadmissibilidade Temática institucional Matéria de competência legislativa reservada à Lei Orgânica da Magistratura e ao Estatuto da Magistratura Ofensa ao art 93 caput da CF Inteligência do art 96 I a da CF Recepção e vigência do art 102 da LC federal 35 de 14031979 Loman Ação direta de inconstitucionalidade julgada por unanimidade prejudicada quanto ao 1º e improcedente quanto ao caput ambos do art 4º da Lei 77271989 Ação julgada procedente contra o voto do relator sorteado quanto aos arts 3º caput e 11 I a do Regimento Interno do TRF3ª Reg São inconstitucionais as normas de Regimento Interno de tribunal que disponham sobre o universo dos magistrados elegíveis para seus órgãos de direção No mesmo sentido as ADI 6766RO e ADI 6779DF rel Min Alexandre de Moraes j 30082021 que reconheceram a inconstitucionalidade de norma que regulamente critérios para progressão de carreira na magistratura Art 146 Cabe à lei complementar III estabelecer normas gerais em matéria de legislação tribu tária especialmente sobre a definição de tributos e de suas espécies bem como em relação aos impostos discriminados nesta Constituição a dos respectivos fatos geradores bases de cálculo e contribuintes b obrigação lançamento crédito prescrição e decadência tributários c adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas d definição de tra tamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte inclusive regimes especiais ou simplificados no caso do imposto previsto no art 155 II das contribuições previstas no art 195 I e 12 e 13 e da contribuição a que se refere o art 239 STF RE 502648AgRg rel Min Joaquim Barbosa j 19082008 Viola a reserva de lei complementar para dispor sobre normas gerais em matéria tributária art 146 III b da CF lei ordinária da União que disponha sobre prescrição e decadência De acordo com José Adércio Leite Sampaio os atos interna corporis são aqueles adotados por quem tenha a competência nos limites fixados pela Constituição ou pelas leis destinados a produzir efeitos no âmbito do órgão entidade ou setor de onde emanado o que abrangeria por exemplo as decisões típicas de política legislativa como a elaboração do Regimento Interno das Casas do Congresso e o mérito das decisões das Mesas e do Plenário do Congresso acerca dos trabalhos parlamentares Seriam assim 10791950 4 A interpretação e a aplicação do Regimento Interno da Câmara dos Deputados constituem matéria interna corporis insuscetível de apreciação pelo Poder Judiciário 5 Agravo regimental improvido STF AgRg no MS 26062 Pleno rel Min Gilmar Mendes DJe 04042008 Agravo regimental Mandado de segurança Questão interna corporis Atos do Poder Legislativo Controle judicial Precedente da Suprema Corte 1 A sistemática interna dos procedimentos da Presidência da Câmara dos Deputados para processar os recursos dirigidos ao Plenário daquela Casa não é passível de questionamento perante o Poder Judiciário inexistente qualquer violação da disciplina constitucional 2 Agravo regimental desprovido STF AgRg no MS 25588 Pleno rel Min Menezes Direito DJe 08052009 CF1988 art 58 3º As comissões parlamentares de inquérito que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal em conjunto ou separadamente mediante requerimento de um terço de seus membros para a apuração de fato determinado e por prazo certo sendo suas conclusões se for o caso encaminhadas ao Ministério Público para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores Tratavase da chamada CPI do Caos Aéreo O fato determinado indicado no requerimento de instalação consistia na investigação das causas consequências e responsáveis pela crise do sistema de trafego aéreo brasileiro chamada de apagão aéreo desencadeada após o acidente ocorrido no dia 29092006 envolvendo um Boeing 737800 e um jato Legacy com mais de uma centena de vítimas Câmara dos Deputados Requerimento 012007 O Supremo reconheceu no art 58 3º da CF um verdadeiro estatuto constitucional das minorias parlamentares cujas prerrogativas notadamente aquelas pertinentes ao direito de investigar devem ser preservadas pelo Poder Judiciário A norma inscrita no art 58 3º da Constituição da República destinase a ensejar a participação ativa das minorias parlamentares no processo de investigação legislativa sem que para tanto mostrese necessária a concordância das agremiações que compõem a maioria parlamentar A maioria legislativa não pode frustrar o exercício pelos grupos minoritários que atuam no Congresso Nacional do direito público subjetivo que lhes é assegurado pelo art 58 3º da Constituição A rejeição de ato de criação de Comissão Parlamentar de Inquérito pelo Plenário da Câmara dos Deputados ainda que por expressiva votação majoritária proferida em sede de recurso interposto por líder de partido político que compõe a maioria congressual não tem o condão de justificar a frustração do direito de investigar que a própria Constituição da República outorga às minorias que atuam nas Casas do Congresso Nacional MS 26441 rel Min Celso de Mello j 25042007 Ação direta de inconstitucionalidade Alegação de inconstitucionalidade formal Processo legislativo Medida provisória Trancamento de pauta Art 62 6º da CF Preliminar de prejudicialidade dispositivo de norma cuja eficácia foi limitada até 31122005 Inclusão em pauta do processo antes do exaurimento da eficácia da norma temporária impugnada Julgamento posterior ao exaurimento Circunstâncias do caso afastam a aplicação da jurisprudência do STF sobre a prejudicialidade da ação visto que o requerente impugnou a norma em tempo adequado Conhecimento da ação A Constituição Federal ao dispor regras sobre processo legislativo permite o controle judicial da regularidade do processo Exceção à jurisprudência do STF sobre a impossibilidade de revisão jurisdicional em matéria interna corporis Precedente Alegação de inconstitucionalidade formal nulidade do processo legislativo em que foi aprovado projeto de lei enquanto pendente a leitura de medida provisória numa das Casas do Congresso Nacional para os efeitos do sobrestamento a que se refere o art 62 6º da CF Medida provisória que trancaria a pauta lida após a aprovação do projeto que resultou na lei atacada Ausência de demonstração de abuso ante as circunstâncias do caso Ação direta conhecida mas julgada improcedente STF ADIn 3146 Pleno rel Min Joaquim Barbosa DJ 19122006 Sustentação oral Princípio da ampla defesa Art 5º LV da CF Art 131 2º do RISTF Suspensão de segurança Agravo regimental matéria deste Tramitação de emenda constitucional Questão interna corporis do Poder Legislativo Princípio da independência e harmonia dos Poderes 1 A sustentação oral é ato facultativo no processo não absolutamente necessário à defesa O art 131 2º do RISTF não permite sustentação oral em agravo regimental e não foi revogado pelo art 5º LV da CF 2 A tramitação de emenda constitucional no âmbito do Poder Legislativo é matéria interna corporis insuscetível de controle judicial salvo em caso de ofensa à Constituição ou à lei Exceto nessas hipóteses a interferência não é tolerada pelo princípio da independência e da harmonia entre os Poderes 3 Ao agravar regimentalmente contra a decisão suspensiva de segurança fundada no art 4º da Lei 4348 de 26061964 ou no art 297 do RISTF deve o agravante impugnar os fundamentos da decisão agravada e não simplesmente questionar o modo pelo qual vinha sendo cumprida a liminar que fora por ela suspensa Agravo regimental improvido STF AgRg na Suspensão de Segurança 327 Pleno rel Min Sydney Sanches DJ 05061992 Mandado de segurança impetrado contra ato do presidente da Câmara dos Deputados relativo à tramitação de emenda constitucional Alegação de violação de diversas normas do regimento interno e do art 60 5º da CF Preliminar impetração não conhecida quanto aos fundamentos regimentais por se tratar de matéria interna corporis que só pode encontrar solução no âmbito do Poder Legislativo não sujeita à apreciação do Poder Judiciário Conhecimento quanto ao fundamento constitucional Mérito reapresentação na mesma sessão legislativa de proposta de emenda constitucional do Poder Executivo que modifica o sistema de previdência social estabelece normas de transição e dá outras providências PEC 33A de 1995 I Preliminar 1 Impugnação de ato do Presidente da Câmara dos Deputados que submeteu a discussão e votação emenda aglutinativa com alegação de que além de ofender ao parágrafo único do art 43 e ao 3º do art 118 estava prejudicada nos termos do inciso VI do art 163 e que deveria ter sido declarada prejudicada a teor do que dispõe o n 1 do inciso I do art 17 todos do Regimento Interno lesando o direito dos impetrantes de terem assegurados os princípios da legalidade e moralidade durante o processo de elaboração legislativa A alegação contrariada pelas informações de impedimento do relator matéria de fato e de que a emenda aglutinativa inova e aproveita matérias prejudicada e rejeitada para reputála inadmissível de apreciação é questão interna corporis do Poder Legislativo não sujeita à reapreciação pelo Poder Judiciário Mandado de segurança não conhecido nesta parte 2 Entretanto ainda que a inicial não se refira ao 5º do art 60 da Constituição ela menciona dispositivo regimental com a mesma regra assim interpretada chegase à conclusão que nela há ínsita uma questão constitucional esta sim sujeita ao controle jurisdicional Mandado de segurança conhecido quanto à alegação de impossibilidade de matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada poder ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa II Mérito 1 Não ocorre contrariedade ao 5º do art 60 da Constituição na medida em que o Presidente da Câmara dos Deputados autoridade coatora aplica dispositivo regimental adequado e declara prejudicada a proposição que tiver substitutivo aprovado e não rejeitado ressalvados os destaques art 163 V 2 É de verse pois que tendo a Câmara dos Deputados apenas rejeitado o substitutivo e não o projeto que veio por mensagem do Poder Executivo não se cuida de aplicar a norma do art 60 5º da Constituição Por isso mesmo afastada a rejeição do substitutivo nada impede que se prossiga na votação do projeto originário O que não pode ser votado na mesma sessão legislativa é a emenda rejeitada ou havida por prejudicada e não o substitutivo que é uma subespécie do projeto originariamente proposto 3 Mandado de segurança conhecido em parte e nesta parte indeferido STF MS 22503 Pleno rel p o acórdão Min Maurício Corrêa DJ 06061997 STF MS 23565 Pleno rel Min Celso de Mello DJ 17111999 No mesmo sentido Constitucional Processo legislativo controle judicial Mandado de segurança I O parlamentar tem legitimidade ativa para impetrar mandado de segurança com a finalidade de coibir atos praticados no processo de aprovação de leis e emendas constitucionais que não se compatibilizam com o processo legislativo constitucional Legitimidade ativa do parlamentar apenas II Precedentes do STF MS 20257DF Min Moreira Alves leading case RTJ 991031 MS 21642DF Min Celso de Mello RDA 191200 MS 21303 AgRgDF Min Octavio Gallotti RTJ 139783 MS 24356DF Min Carlos Velloso DJ 12092003 STF MS 24642 Pleno rel Min Carlos Velloso DJ 18062004 Lembrese aliás que de acordo com a clássica tese de John Hart Ely o Tribunal Constitucional deve aterse à guarda das condições do processo de representação política especialmente quando estão em jogo minorias políticas e não das preferências apenas por princípios ou diretivas gerais a atividade do legislador negativo da jurisdição constitucional é absolutamente determinada pela Constituição E é precisamente nisso que a sua função se parece com a de qualquer outro tribunal em geral ela é principalmente aplicação e somente em pequena medida criação do direito É por conseguinte efetivamente jurisdicional p 153 Lembrese que de acordo com Kelsen a diferença entre função jurisdicional e função legislativa consiste em que esta cria normas gerais enquanto aquela cria unicamente normas individuais STF ADIn 1458 Pleno rel Min Celso de Mello DJ 20091996 STF MI 283 Pleno rel Min Sepúlveda Pertence DJ 14111991 Idem MI 670 rel orig Min Maurício Corrêa rel p o acórdão Min Gilmar Mendes DJe 31102008 MI 708 rel Min Gilmar Mendes DJe 31102008 MI 712 rel Min Eros Grau DJe 31102008 STF MI 708 Pleno rel Min Gilmar Mendes DJe 31102008 O que deve ser regulado na hipótese dos autos é a coerência entre o exercício do direito de greve pelo servidor público e as condições necessárias à coesão e interdependência social que a prestação continuada dos serviços públicos assegura 13 O argumento de que a Corte estaria então a legislar o que se afiguraria inconcebível por ferir a independência e harmonia entre os poderes art 2º da Constituição do Brasil e a separação dos poderes art 60 4º III é insubsistente 14 O Poder Judiciário está vinculado pelo deverpoder de no mandado de injunção formular supletivamente a norma regulamentadora de que carece o ordenamento jurídico 15 No mandado de injunção o Poder Judiciário não define norma de decisão mas enuncia o texto normativo que faltava para no caso tornar viável o exercício do direito de greve dos servidores públicos 16 Mandado de injunção julgado procedente para remover o obstáculo decorrente da omissão legislativa e supletivamente tornar viável o exercício do direito consagrado no art 37 VII da Constituição do Brasil STF MI 712 Pleno rel Min Eros Grau DJe 31102008 Art 40 Aos servidores titulares de cargos efetivos da União dos Estados do Distrito Federal e dos Municípios incluídas suas autarquias e fundações é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário mediante contribuição do respectivo ente público dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo 4º É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos abrangidos pelo regime de que trata este artigo ressalvados nos termos definidos em leis complementares os casos de servidores I portadores de deficiência II que exerçam atividades de risco III cujas atividades sejam exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física Art 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais além de outros que visem à melhoria de sua condição social IV salário mínimo fixado em lei nacionalmente unificado capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia alimentação educação saúde lazer vestuário higiene transporte e previdência social com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo sendo vedada sua vinculação para qualquer fim STF Pleno ADIn 1442 rel Min Celso de Mello DJ 29042005 V também STF ADIn 1458 Pleno rel Min Celso de Mello DJ 20091996 STF Pleno ADIn 526 rel Min Sepúlveda Pertence DJ 05031993 STF 1ª T RMS 21662 rel Min Celso de Mello DJ 05041994 Mandado de segurança Reajuste de vencimentos concedido aos servidores militares Pretendida extensão jurisdicional desse reajuste a servidores civis Princípio da legalidade e atividade estatal Subsistência da Súmula 339 do STF Remuneração dos servidores públicos e princípio da reserva de lei formal Inconstitucionalidade por omissão parcial da lei Exclusão de benefício e ofensa ao princípio da isonomia Doutrina Inadequação do mandado de segurança Recurso ordinário não provido Não se conhece de mandado de segurança quando este é impetrado em face de autoridade estatal que nenhum poder de decisão detém sobre a matéria objeto da controvérsia mandamental O impetrante é carecedor do writ constitucional se as medidas postuladas em sede de mandado de segurança revelamse estranhas à esfera de atribuições da autoridade impetrada O Poder Judiciário que não dispõe de função legislativa não pode conceder a servidores civis sob fundamento de isonomia extensão de vantagens pecuniárias que foram exclusivamente outorgadas por lei aos servidores militares A Súmula 339 do STF que consagra na jurisprudência desta Corte uma específica projeção do princípio da separação de poderes foi recebida pela Carta Política de 1988 Revestese em consequência de plena eficácia e de integral aplicabilidade sob a vigente ordem constitucional O mandado de segurança não se qualifica como instrumento processualmente adequado à arguição da inconstitucionalidade da lei por omissão parcial quando resultando esta da exclusão discriminatória de benefício de natureza pecuniária vem o ato normativo estatal a ofender o princípio da isonomia A extensão jurisdicional em favor dos servidores preteridos do benefício pecuniário que lhes foi indevidamente negado pelo legislador encontra obstáculo no princípio da separação de poderes A disciplina jurídica da remuneração devida aos agentes públicos em geral está sujeita ao princípio da reserva legal absoluta Esse postulado constitucional submete ao domínio normativo da lei formal a veiculação das regras pertinentes ao instituto do estipêndio funcional O princípio da divisão funcional do poder impede que estando em plena vigência o ato legislativo venham os Tribunais a ampliarlhe o conteúdo normativo e a estender a sua eficácia jurídica a situações subjetivas nele não previstas ainda que a pretexto de tornar efetiva a cláusula isonômica inscrita na Constituição STF 1ª T RMS 21662 rel Min Celso de Mello DJ 05041994 Recurso ordinário Prazo Mandado de segurança STF O silêncio da legislação sobre o prazo referente ao recurso ordinário contra decisões denegatórias de segurança ou a estas equivalentes como é o caso da que tenha implicado a extinção do processo sem julgamento do mérito MS 211121PR AgRg relatado pelo Min Celso de Mello perante o Plenário cujo acórdão foi publicado no DJ 29061990 p 6220 é conducente à aplicação analógica do art 33 da Lei 80381990 A oportunidade do citado recurso submetese à dilação de quinze dias Revisão de vencimentos Isonomia A revisão geral de remuneração dos servidores públicos sem distinção de índices entre servidores públicos civis e militares farseá sempre na mesma data inciso X sendo irredutíveis sob o ângulo não simplesmente da forma valor nominal mas real poder aquisitivo os vencimentos dos servidores públicos civis e militares inciso XV ambos do art 37 da CF STF RMS 22307 Pleno rel Min Marco Aurélio DJ 13061997 Canotilho divide o grupo dos direitos a prestações inicialmente em direitos ao acesso e utilização de prestações do Estado Esses são divididos em direitos originários a prestações e direitos derivados a prestações Aludindo ao direito originário a prestações explica Canotilho Afirmase a existência de direitos originários a prestações quando 1 a partir da garantia constitucional de certos direitos 2 se reconhece simultaneamente o dever do Estado na criação dos pressupostos materiais indispensáveis ao exercício efectivo desses direitos 3 e a faculdade de o cidadão exigir de forma imediata as prestações constitutivas desses direitos Exemplos i a partir do direito ao trabalho pode derivarse o dever do Estado na criação de postos de trabalho e a pretensão dos cidadãos a um posto de trabalho ii com base no direito de expressão é legítimo derivar o dever do Estado em criar meios de informação e de os colocar à disposição dos cidadãos reconhecendose a estes o direito de exigir a sua criação Ao tratar dos direitos derivados a prestações Canotilho esclarece que à medida que o Estado vai concretizando as suas responsabilidades no sentido de assegurar prestações existenciais dos cidadãos é o fenômeno que a doutrina alemã designa por Daseinsvorsorge resulta de forma imediata para os cidadãos o direito de igual acesso obtenção e utilização de todas as instituições públicas criadas pelos poderes públicos exemplos igual acesso às instituições de ensino igual acesso aos serviços de saúde igual acesso à utilização das vias e transportes públicos o direito de igual quotaparte participação nas prestações fornecidas por estes serviços ou instituições à comunidade exemplo direito de quotaparte às prestações de saúde às prestações escolares às prestações de reforma e invalidez Portanto os direitos derivados são aqueles que pressupõem o cumprimento das prestações originárias Isso fica bem claro no escrito de Canotilho a partir de referência a julgado que em Portugal declarou inconstitucional norma que pretendeu revogar parte da lei que criou o Serviço Nacional de Saúde A partir do momento em que o Estado cumpre total ou parcialmente as tarefas constitucionalmente impostas para realizar um direito social o respeito constitucional desse deixa de consistir ou deixa de consistir apenas numa obrigação positiva para se transformar ou passar também a ser uma obrigação negativa O Exemplificando STF RE 562276 rel Min Ellen Gracie j 03112010 declarando incidentalmente a inconstitucionalidade do art 13 da Lei 86201993 apenas na parte em que estabeleceu que os sócios das empresas por cotas de responsabilidade limitada respondem solidariamente com seus bens pessoais pelos débitos junto à Seguridade Social STF ADIn 4426 e ADIn 4356 rel Min Dias Toffoli declarando a inconstitucionalidade apenas de alguns dispositivos da Lei 145062009 do Estado do Ceará que fixou limites de despesa com a folha de pagamento dos servidores estaduais do Poder Executivo do Poder Legislativo do Poder Judiciário e do Ministério Público estadual para o exercício de 2010 De modo similar também o poder de veto do Presidente da República pode ser exercido de modo apenas parcial CF art 66 2º O veto parcial somente abrangerá texto integral de artigo de parágrafo de inciso ou de alínea ADIn 896 Pleno rel Min Moreira Alves DJ 16021996 ADIn 896 Pleno rel Min Moreira Alves DJ 16021996 ADIn 1063 Pleno rel Min Celso de Mello DJ 27042001 ADIn 2645 Pleno rel Min Sepúlveda Pertence DJ 29092006 ADIn 996 Pleno rel Min Celso de Mello DJ 06051994 ADIn 2862 Pleno rel Min Cármen Lúcia DJe 09052008 No mesmo sentido ver ADIn 2398 Pleno rel Min Cezar Peluso DJ 31082007 ADIn 2792 Pleno rel Min Carlos Velloso DJ 12032004 ADIn 2489 Pleno rel Min Carlos Velloso DJ 10102003 ADIn 1670 Pleno rel Min Ellen Gracie DJ 08112002 ADIn 2413 Pleno rel Min Carlos Velloso DJ 16082002 ADIn 561 Pleno rel Min Celso de Mello DJ 23032001 ADIn 1258 Pleno rel Min Néri da Silveira DJ 20061997 ADIn 589 Pleno rel Min Carlos Velloso DJ 18101991 ADIn 365 Pleno rel Min Celso de Mello DJ 15031991 Agravo regimental no agravo de instrumento Prequestionamento Ausência Contraditório e ampla defesa Ofensa reflexa Reexame de fatos e provas Incidência da Súmula 279 do STF Precedentes 1 Não se admite o recurso extraordinário quando os dispositivos constitucionais que nele se alegam violados não estão devidamente prequestionados Incidência das Súmulas 282 e 356 do STF 2 As alegações de afronta aos princípios do devido processo legal da ampla defesa e do contraditório dos limites da coisa julgada e da prestação jurisdicional se dependentes de reexame de normas infraconstitucionais podem configurar apenas ofensa indireta ou reflexa à Constituição da República 3 O recurso extraordinário não se presta ao reexame da legislação infraconstitucional e dos fatos e provas dos autos Incidência das Súmulas 636 e 279 do STF 4 Agravo regimental desprovido com aplicação da multa prevista no art 557 2º do CPC STF AgRg no AgIn 735283 1ª T rel Min Dias Toffoli DJe 14052010 Marbury v Madison 5 US 1 Cranch 137 1803 por lei se concedessem aumentos reais aos ganhos do pessoal inativo nem particularmente que a eles a lei estendesse caso a caso aumentos ou vantagens novas concedidas ao funcionalismo ativo precedentes O que não se admitia no regime decaído por força do art 98 parágrafo único da Carta era que a lei pudesse em abstrato equiparar proventos a vencimentos ou estender aos primeiros quaisquer melhorias futuras de remuneração da atividade à falta de prequestionamento na instância ordinária e de arguição pelo recorrente de inconstitucionalidade do diploma local que assim dispunha o tema não pode ser enfrentado neste recurso extraordinário Igualmente não é o recurso extraordinário a via adequada para aferir da violação do mesmo art 98 parágrafo único sob o único prisma em que a suscitou o recorrente saber se a legislação estadual estendera ou não a gratificação postulada a outras categorias policiais que não as integrantes da carreira de delegado de polícia é questão de direito local Súmula 280 RE 117805 1ª T rel Min Sepúlveda Pertence DJ 27081993 Proventos Revisão para assegurar paridade com a remuneração dos servidores em atividade aumentada por força de vantagem genericamente outorgada à categoria posteriormente à aposentada Pressupostos do direito à revisão 1 O tratamento menos favorável dado aos aposentados anteriormente à vigência do decreto que disciplinou o cálculo de gratificação discutida concedida genericamente à categoria tanto que não condicionada ao efetivo exercício da função ofende em tese a garantia de paridade do primitivo art 40 4º da CF hoje reproduzido no que interessa no art 40 8º cf EC 191998 2 No entanto o direito à revisão pressupõe a constitucionalidade da norma que haja instituído a vantagem cuja extensão aos proventos se reivindica o que não ocorre no caso II Servidores públicos Aumento de vencimentos Reserva de lei e delegação ao Executivo Submetida a concessão de aumento da remuneração dos servidores públicos à reserva de lei formal CF art 61 1º II a a essa não é dado cingirse à instituição e denominação de uma vantagem e delegar ao Poder Executivo livre de quaisquer parâmetros legais a definição de todos os demais aspectos de sua disciplina incluídos aspectos essenciais à sua quantificação III Controle de constitucionalidade Possibilidade de declaração de ofício no julgamento do mérito de RE da inconstitucionalidade de ato normativo que o Tribunal teria de aplicar para decidir a causa posto não prequestionada a sua invalidez 1 A incidência do art 40 4º redação original da Constituição pressupõe a validade da lei instituidora da vantagem para os servidores em atividade que em razão da regra constitucional de paridade se teria de aplicar por extensão aos inativos 2 Em hipóteses que tais até ao STJ na instância do recurso especial seria dado declarar incidentemente e de ofício a inconstitucionalidade da lei ordinária que se válida teria de aplicar seria paradoxal que em situação similar não o pudesse fazer o Supremo Tribunal guarda da Constituição porque não prequestionada a sua invalidade RE 264289 Pleno rel Min Sepúlveda Pertence DJ 14122001 De acordo com o art 93 XI da CF nos tribunais com número superior a vinte e cinco julgadores poderá ser constituído órgão especial com o mínimo de onze e o máximo de vinte e cinco membros para o exercício das atribuições administrativas e jurisdicionais delegadas da competência do tribunal pleno provendose metade das vagas por antiguidade e a outra metade por eleição pelo tribunal pleno redação dada pela EC 452004 Como já decidiu o STJ se o tribunal não submete o tema ao plenário ou ao Órgão Especial o acórdão que reconhece a inconstitucionalidade é nulo por violação aos arts 480482 do CPC STJ REsp 619860 1ª T rel Min Teori Zavascki DJ 17052007 Agravo de instrumento Sociedade civil de prestação de serviços profissionais relativos ao exercício de profissão legalmente regulamentada Cofins Modalidade de contribuição social Discussão em torno da possibilidade constitucional de a isenção outorgada por lei complementar LC 701991 ser revogada por mera lei ordinária Lei 94301996 Exame da questão concernente às relações entre a lei complementar e a lei ordinária Existência de matéria constitucional Questão prejudicial de constitucionalidade CPC arts 480 a 482 Postulado da reserva de plenário CF art 97 Inobservância na espécie da cláusula constitucional do full bench Consequente nulidade do julgamento efetuado por órgão meramente fracionário Recurso de agravo improvido Declaração de inconstitucionalidade e postulado da reserva de plenário A estrita observância pelos Tribunais em geral do postulado da reserva de plenário inscrito no art 97 da Constituição atua como pressuposto de validade e de eficácia jurídicas da própria declaração jurisdicional de inconstitucionalidade dos atos do Poder Público Doutrina Jurisprudência A inconstitucionalidade de leis ou de outros atos estatais somente pode ser declarada quer em sede de fiscalização abstrata método concentrado quer em sede de controle incidental método difuso pelo voto da maioria absoluta dos membros integrantes do Tribunal reunidos em sessão plenária ou onde houver no respectivo órgão especial Precedentes Nenhum órgão fracionário de qualquer Tribunal em consequência dispõe de competência no sistema jurídico brasileiro para declarar a inconstitucionalidade de leis ou atos emanados do Poder Público Essa magna prerrogativa jurisdicional foi atribuída em grau de absoluta exclusividade ao Plenário dos Tribunais ou onde houver ao respectivo Órgão Especial Essa extraordinária competência dos Tribunais é regida pelo princípio da reserva de plenário inscrito no art 97 da Constituição da República Suscitada a questão prejudicial de constitucionalidade perante órgão meramente fracionário de Tribunal Câmaras Grupos Turmas ou Seções a este competirá em acolhendo a alegação submeter a controvérsia jurídica ao Tribunal Pleno Equivalência para os fins do art 97 da Constituição entre a declaração de inconstitucionalidade e o julgamento que sem proclamála explicitamente recusa aplicabilidade a ato do Poder Público sob alegação de conflito com critérios resultantes do texto constitucional Equivale à própria declaração de inconstitucionalidade a decisão de Tribunal que sem proclamála explícita e formalmente deixa de aplicar afastandolhe a incidência determinado ato estatal subjacente à controvérsia jurídica para resolvêla sob alegação de conflito com critérios resultantes do Michigan Supreme Courts practice of overruling precedent 19982002 Albany Law Review vol 66 n 871 2003 Art 105 Compete ao Superior Tribunal de Justiça III julgar em recurso especial as causas decididas em única ou última instância pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos Tribunais dos Estados do Distrito Federal e Territórios quando a decisão recorrida a contrariar tratado ou lei federal ou negarlhes vigência b julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal c der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal Agravo regimental no recurso extraordinário Acórdão do Tribunal de segundo grau Não interposição do recurso extraordinário no momento próprio Acórdão do STJ Preclusão da questão constitucional 2 O STF fixou jurisprudência no sentido de que no atual sistema constitucional que prevê o cabimento simultâneo de recurso extraordinário e recurso especial contra o mesmo acórdão dos tribunais de segundo grau decorre que da decisão do STJ no recurso especial só se admitirá recurso extraordinário se a questão constitucional objeto do último for diversa da que já tiver sido resolvida pela instância ordinária Precedentes 3 A questão constitucional que serviu de fundamento ao acórdão do Tribunal de segundo grau deve ser atacada no momento próprio sob pena de preclusão Agravo regimental a que se nega provimento STF RE 518257 2ª T rel Min Eros Grau DJe 30042008 RISTJ Título VI Da declaração de inconstitucionalidade de lei ou de ato normativo do Poder Público Art 199 Se por ocasião do julgamento perante a Corte Especial for arguida a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público suspenderseá o julgamento a fim de ser tomado o parecer do Ministério Público no prazo de quinze dias 1º Devolvidos os autos e lançado o relatório serão eles encaminhados ao Presidente da Corte Especial para designar a sessão de julgamento A Secretaria distribuirá cópias autenticadas do relatório aos Ministros 2º Proclamarseá a inconstitucionalidade ou a constitucionalidade do preceito ou ato impugnado se num ou noutro sentido se tiver manifestado a maioria absoluta dos membros da Corte Especial 3º Se não for alcançada a maioria absoluta necessária à declaração de inconstitucionalidade estando ausentes Ministros em número que possa influir no julgamento este será suspenso a fim de aguardarse o comparecimento dos Ministros ausentes até que se atinja o quorum não atingido desta forma o quorum será convocado Ministro não integrante da Corte observada a ordem de antiguidade art 162 3º 4º Cópia do acórdão será no prazo para sua publicação remetida à Comissão de Jurisprudência que após registrálo ordenará a sua publicação na Revista do Tribunal Art 200 A Seção ou a Turma remeterá o feito ao julgamento da Corte Especial quando a maioria acolher arguição de inconstitucionalidade por ela ainda não decidida 1º Acolhida a arguição será publicado o acórdão ouvido em seguida o representante do Ministério Público em quinze dias 2º Devolvidos os autos observarseá o disposto nos 1º e 3º do artigo anterior 3º O seis anos como ente federativo 2 Existência de fato do Município decorrente da decisão política que importou na sua instalação como ente federativo dotado de autonomia Situação excepcional consolidada de caráter institucional político Hipótese que consubstancia reconhecimento e acolhimento da força normativa dos fatos 3 Esta Corte não pode limitarse à prática de mero exercício de subsunção A situação de exceção situação consolidada embora ainda não jurídica não pode ser desconsiderada 4 A exceção resulta de omissão do Poder Legislativo visto que o impedimento de criação incorporação fusão e desmembramento de Municípios desde a promulgação da EC 15 em 12091996 devese à ausência de lei complementar federal 5 Omissão do Congresso Nacional que inviabiliza o que a Constituição autoriza a criação de Município A não edição da lei complementar dentro de um prazo razoável consubstancia autêntica violação da ordem constitucional 6 A criação do Município de Luís Eduardo Magalhães importa tal como se deu uma situação excepcional não prevista pelo direito positivo 7 O estado de exceção é uma zona de indiferença entre o caos e o estado da normalidade Não é a exceção que se subtrai à norma mas a norma que suspendendose dá lugar à exceção apenas desse modo ela se constitui como regra mantendose em relação com a exceção 8 Ao STF incumbe decidir regulando também essas situações de exceção Não se afasta do ordenamento ao fazêlo eis que aplica a norma à exceção desaplicandoa isto é retirandoa da exceção 9 Cumpre verificar o que menos compromete a força normativa futura da Constituição e sua função de estabilização No aparente conflito de inconstitucionalidades imporseia o reconhecimento da existência válida do Município a fim de que se afaste a agressão à federação 10 O princípio da segurança jurídica prospera em benefício da preservação do Município 11 Princípio da continuidade do Estado 12 Julgamento no qual foi considerada a decisão desta Corte no MI 725 quando determinado que o Congresso Nacional no prazo de dezoito meses ao editar a lei complementar federal referida no 4º do art 18 da CF considere reconhecendoa a existência consolidada do Município de Luís Eduardo Magalhães Declaração de inconstitucionalidade da lei estadual sem pronúncia de sua nulidade 13 Ação direta julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade mas não pronunciar a nulidade pelo prazo de 24 meses da Lei 7619 de 30032000 do Estado da Bahia STF Pleno ADIn 2240 rel Min Eros Grau DJe 03082007 Parte final do voto do Min relator Eros Grau Permitome observar ainda que no caso está em pauta o princípio da continuidade do Estado não o princípio da continuidade do serviço público Os serviços públicos prestados pelo Município de Luís Eduardo Magalhães passariam a ser imediatamente prestados se declarada a inconstitucionalidade da lei de sua criação pelo Município de Barreiras de cuja área foi destacado Mas não é disso que aqui se cuida senão da necessária imprescindível afirmação por esta Corte do sentido normativo veiculado pelo art 1º da CF a República Federativa do Brasil é formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal É o princípio da continuidade do Estado que está em pauta na presente ADIn incumbindonos recusar o fiat justitia pereat mundus Por certo que a afirmação da improcedência da ADIn não servirá de estímulo à criação de novos municípios indiscriminadamente Antes pelo contrário há de expressar como que um apelo ao Poder Legislativo no sentido de que supra a omissão constitucional que vem sendo reiteradamente consumada Concluído retornarei à observação de Konrad Hesse também cumpre a esta Corte fazer tudo aquilo que seja necessário para impedir o nascimento de realidades inconstitucionais mas indispensável há de ser quando isso seja possível que esta mesma Corte tudo faça para pôla essa realidade novamente em concordância com a Constituição As circunstâncias da realidade concreta do Município de Luis Eduardo Magalhães impõem seja julgada improcedente a ADIn STF Pleno ADIn 2240 rel Min Eros Grau DJe 03082007 Idem Idem Idem Idem Idem Idem Voto do Min Marco Aurélio Presidente peço vênia para cingirme à concepção que tenho sobre as normas de regência da matéria ao alcance que dou ao art 18 4º da CF e ao art 27 da Lei 98681999 não estabelecendo solução prática pouco importando o Município fora desses mesmos parâmetros Hoje há autorização e sob esse preceito foi criado o Município que não se torna efetiva ante a inexistência de atividade legiferante do Congresso quanto à lei complementar que fixaria as balizas temporais afastando quem sabe o ano das eleições segundo memorial recebido esse Município foi criado em ano de eleições e também os requisitos a serem atendidos Portanto julgo procedente o pedido formulado idem Idem Na ADIn 3615 tratando de caso semelhante a Corte julgou procedente a ação direta atribuindo à decisão de inconstitucionalidade efeitos ex nunc Ação direta de inconstitucionalidade Art 51 do ADCT do Estado da Paraíba Redefinição dos limites territoriais do Município do Conde Desmembramento de parte de município e incorporação da área separada ao território da municipalidade limítrofe tudo sem a prévia consulta mediante plebiscito das populações de ambas as localidades Ofensa ao art 18 4º da CF 1 Para a averiguação da violação apontada pelo requerente qual seja o desrespeito pelo legislador constituinte paraibano das exigências de consulta prévia e de edição de lei estadual para o desmembramento de município não foi a norma contida no art 18 4º da CF substancialmente alterada uma vez que tais requisitos já existentes no seu texto primitivo permaneceram inalterados após a edição da EC 151996 Precedentes ADIn sem redução de texto nos quais se explicita que um significado normativo é inconstitucional sem que a expressão literal sofra qualquer alteração Também nessas hipóteses a suspensão de execução da lei ou do ato normativo pelo Senado revelase problemática porque não se cuida de afastar a incidência de disposições do ato impugnado mas tão somente de um de seus significados normativos Não é preciso dizer que a suspensão de execução pelo Senado não tem qualquer aplicação naqueles casos nos quais o Tribunal limitase a rejeitar a arguição de inconstitucionalidade Nessas hipóteses a decisão vale per se Da mesma forma o vetusto instituto não tem qualquer serventia para reforçar ou ampliar os efeitos da decisão do Tribunal naquelas matérias nas quais a Corte ao prover ou não um dado recurso fixa uma interpretação da Constituição Da mesma forma a suspensão da execução da lei inconstitucional não se aplica à declaração de não recepção da lei préconstitucional levada a efeito pelo Supremo Tribunal Portanto das decisões possíveis em sede de controle a suspensão de execução pelo Senado está restrita aos casos de declaração de inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo STF Rcl 4335 Pleno rel Min Gilmar Mendes DJe 21102014 Idem Rcl 1898 rel Min Celso de Mello DJ 19022004 Antes disso em caso semelhante o Min Celso de Mello já rejeitara liminarmente reclamação em decisão assim ementada Ação civil pública Controle incidental de constitucionalidade Questão prejudicial Possibilidade Inocorrência de usurpação da competência do STF O STF tem reconhecido a legitimidade da utilização da ação civil pública como instrumento idôneo de fiscalização incidental de constitucionalidade pela via difusa de quaisquer leis ou atos do Poder Público mesmo quando contestados em face da Constituição da República desde que nesse processo coletivo a controvérsia constitucional longe de identificarse como objeto único da demanda qualifiquese como simples questão prejudicial indispensável à resolução do litígio principal Precedentes Doutrina Rcl 1733 rel Min Celso de Mello DJ 01122000 V ainda Rcl 600 Pleno rel Min Néri da Silveira DJ 05122003 Rcl 602 Pleno rel Ilmar Galvão DJ 14022003 Rcl 1733 rel Min Celso de Mello DJ 12032003 RE 411156 rel Min Celso de Mello DJe 03122009 REx 227159 2ª T rel Min Néri da Silveira DJ 17052002 1 Contrato bancário Juros Capitalização em período inferior a um ano Inadmissibilidade Art 5º da MedProv 2087292001 editada como MedProv 214034 Inconstitucionalidade reconhecida incidentalmente Controle difuso de constitucionalidade exercido em ação civil pública Não usurpação de competência do Supremo Reclamação julgada improcedente Agravo improvido Inteligência do art 102 I a da CF Não usurpa competência do STF decisão que em ação civil pública de natureza condenatória declara incidentalmente a inconstitucionalidade de norma jurídica 2 Recurso Agravo regimental Reclamação Inconsistente Inexistência de razões novas Rejeição É de rejeitar agravo regimental que consubstanciados em textos constitucionais estaduais traduz medida cautelar cuja concretização deriva do grave exercício de um poder jurídico que a Constituição da República deferiu ao STF A excepcionalidade dessa providência cautelar impõe por isso mesmo a constatação hic et nunc da cumulativa satisfação de determinados requisitos a plausibilidade jurídica da tese exposta e a situação configuradora do periculum in mora Precedente ADIn 969RO medida liminar DJ 10111989 ADIn 127MCQO Pleno rel Min Celso de Mello DJ 04121992 V ADIn 120 Pleno rel Min Moreira Alves DJ 26041996 ADIn 127MCQO Pleno rel Min Celso de Mello DJ 04121992 O STF admite o aditamento da petição inicial antes da requisição das informações para a correção da legitimidade para a propositura da ação direta Ação direta Petição inicial Ilegitimidade ativa para a causa Correção Aditamento anterior à requisição das informações Admissibilidade Precedentes É lícito em ação direta de inconstitucionalidade aditamento à petição inicial anterior à requisição das informações ADIn 3103 Pleno rel Min Cezar Peluso DJ 25082006 V ADIn 4073 rel Min Celso de Mello decisão monocrática DJe 17082009 O Estadomembro não dispõe de legitimidade para interpor recurso em sede de controle normativo abstrato ainda que a ação direta de inconstitucionalidade tenha sido ajuizada pelo respectivo Governador ADIn 2130 Pleno rel Min Celso de Mello DJ 14122001 Alguns precedentes STF ADIn 138MC rel Min Sydney Sanchez j 14021990 Tem a Associação dos Magistrados Brasileiros entidade de classe de âmbito nacional legitimidade para propor ação direta de inconstitucionalidade de lei que vincule vencimentos de membros de certas carreiras aos tetos dos integrantes dos três Poderes do Estado dentre os quais o Judiciário integrados por seus filiados pois há pertinência entre seu objetivo estatutário e a preocupação política de defesa do tratamento que em matéria de vencimentos lhe pareça adequado à magistratura em face do ordenamento constitucional STF ADIn 305 rel Min Maurício Corrêa j 10102002 reconhecendo a pertinência temática da AMB para impugnar leis estaduais que promovem equiparação salarial entre o Ministério Público e a magistratura estaduais STF ADIn 1151 rel p acórdão Min Marco Aurélio j 11111994 afirmando a pertinência temática da Confederação dos Servidores Públicos do Brasil para contestar dispositivo de lei estadual que afrontava o art 150 6º da CF1988 Qualquer subsídio ou isenção relativos a impostos taxas ou contribuições só poderá ser concedido mediante lei específica federal estadual ou municipal que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas uma vez que os interesses corporativos dos servidores públicos estão relacionados à saúde financeira do Estado fonte de sua remuneração e condicionamento do seu quantum Min Sepúlveda Pertence p 12 do acórdão STF ADIn 1464 rel Min Moreira Alves j 26091996 No caso falta um dos requisitos da ação direta de inconstitucionalidade que é o da pertinência entre a classe que a autora representa a dos Delegados de Polícia e o diploma legal impugnado que a essa classe não diz respeito Com efeito para que haja essa pertinência é necessário que as normas impugnadas se apliquem direta ou indiretamente à classe representada pela entidade autora Ora no caso isso não ocorre questionava lei estadual que dispunha sobre exercício da função de vigilância privada por servidores das polícias civil e militar STF ADIn 1507MCAgRg Pleno rel Min Carlos Velloso j 03021997 A legitimidade ativa da confederação sindical entidade de classe de âmbito nacional Mesas das Assembleias Legislativas e Governadores para a ação direta de inconstitucionalidade vinculase ao objeto da ação pelo que deve haver pertinência da norma impugnada com os objetivos do autor da ação STF ADIn 3413 rel Min Marco Aurélio j 01062011 O fato de a associação requerente congregar diversos segmentos existentes no mercado não a descredencia para a propositura da ação direta de inconstitucionalidade Surge a pertinência temática presente ajuizamento de ação direta de inconstitucionalidade por associação quando esta congrega setor econômico que é alcançado em termos de tributo pela norma atacada STF ADIn 4375 rel Min Dias Toffoli j 02032011 A exigência de pertinência temática não impede o amplo conhecimento da ação com a declaração de inconstitucionalidade da norma para além do âmbito dos indivíduos representados pela entidade requerente quando o vício de inconstitucionalidade for idêntico para todos os seus destinatários Preliminar rejeitada Num dos primeiros precedentes nos quais o STF fixou a necessidade da pertinência temática o Min Sepúlveda Pertence embora favorável a tal exigência alertou essa relação de pertinência a meu ver não se há de equiparar à estrita relação subjetiva que é o substrato da legitimatio ad causam do processo comum Do contrário terseia convertido o processo objetivo de controle de constitucionalidade que tem forma jurisdicional mas é em verdade o exercício de uma função política do STF num processo jurisdicional ainda que como o novo processo civil conhece cada dia mais de postulação de interesses coletivos ou difusos STF ADIn 138MC rel Min Sydney Sanches j 14021990 p 17 do acórdão 1 A ação direta de inconstitucionalidade pode ser proposta pela Mesa da Assembleia Legislativa ainda que impugne lei ou ato normativo do Poder por ela integrado e dirigido em face do que conjugadamente dispõem os arts 102 I a e 103 IV da CF sendo certo que este último não excepciona a hipótese em que a lei ou o ato normativo emanam da própria Assembleia 2 De resto não se pode negar ao órgão diretor dos trabalhos do Poder Legislativo interesse legítimo em ver declarados inconstitucionais atos deste que de alguma forma violem a Constituição Até porque também esse órgão diretor dos trabalhos da Casa tem o dever de zelar pela inocorrência de vícios dessa natureza na elaboração de seus atos normativos ADIn 91 Pleno rel Min Sydney Sanches DJ 23032001 Lei editada pelo Governo do Estado de São Paulo Ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Governador do Estado de Goiás Amianto crisotila Restrições à sua comercialização imposta pela legislação paulista com evidentes reflexos na economia de Goiás Estado onde está localizada a maior reserva natural do minério Legitimidade ativa do Governador de Goiás para iniciar o processo de controle concentrado de constitucionalidade e pertinência temática ADIn 2656 Pleno rel Min Maurício Corrêa DJ 01082003 Legitimidade Governador de Estado Lei do Estado Ato normativo abrangente Interesse das demais Unidades da Federação Pertinência temática Tratandose de impugnação a diploma normativo a envolver outras Unidades da Federação o Governador há de demonstrar a pertinência temática ou seja a repercussão do ato considerados os interesses do Estado ADIn 2747 Pleno rel Min Marco Aurélio DJ 17082007 Lembrese ademais que o STF entende que aquele que em princípio teria legitimidade para propor a ação direta não pode interpor recurso como terceiro prejudicado Recurso interposto por terceiro prejudicado Não cabimento Precedentes Embargos de declaração opostos pela Ordem dos Advogados do Brasil Legitimidade Questão de ordem resolvida no sentido de que é incabível a interposição de qualquer espécie de recurso por quem embora legitimado para a propositura da ação direta nela não figure como requerente ou requerido ADIn 1105MCEDQO Pleno rel Min Maurício Corrêa DJ 23082001 Os denominados Conselhos compreendidos no gênero autarquia e tidos como a consubstanciar a espécie corporativista não se enquadram na previsão constitucional relativa às entidades de classe de âmbito nacional ADIn 641 Pleno rel Min Marco Aurélio DJ 12031993 Da Lei Básica Federal exsurge a legitimação de conselho único ou seja o Federal da Ordem dos Advogados do Brasil Daí a ilegitimidade ad causam do Conselho Federal de Farmácia e de todos os demais que tenham idêntica personalidade jurídica de direito público ADIn 641 Pleno rel Min Marco Aurélio j 11121991 DJ 12031993 Proposta a presente ação em 12101988 quando já estava em vigor a atual Constituição tem o requerente legitimação para propôla em face do disposto no inciso VII do art 103 da Carta Magna Por outro lado tratandose do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil sua colocação no elenco que se encontra no mencionado artigo e que a distingue das demais entidades de classe de âmbito nacional deve ser interpretada como feita para lhe permitir na defesa da ordem jurídica com o primado da Constituição Federal a propositura de ação direta de inconstitucionalidade contra qualquer ato normativo que possa ser objeto dessa ação independentemente do requisito da pertinência entre o seu conteúdo e o interesse dos advogados como tais de que a Ordem é entidade de classe ADIn 3 Pleno rel Min Moreira Alves j 07021992 DJ 18091992 Exemplos de exigência dessa natureza podem ser encontrados nas Constituições portuguesa art 281 n 2 Podem requerer ao Tribunal Constitucional a declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade com força obrigatória geral f um décimo dos Deputados à Assembleia da República e espanhola art 162 1 Están legitimados a sentido de que na esfera das entidades sindicais apenas as confederações possuem legitimação para o ajuizamento de ações que tratem do controle abstrato de constitucionalidade ADPF 220 rel Min Gilmar Mendes decisão monocrática DJe 12112010 Art 535 As Confederações organizarseão com o mínimo de 3 três federações e terão sede na Capital da República 1º As confederações formadas por federações de sindicatos de empregadores denominarseão Confederação Nacional da Indústria Confederação Nacional do Comércio Confederação Nacional de Transportes Marítimos Fluviais e Aéreos Confederação Nacional de Transportes Terrestres Confederação Nacional de Comunicações e Publicidade Confederação Nacional das Empresas de Crédito e Confederação Nacional de Educação e Cultura 2º As confederações formadas por federações de sindicatos de empregados terão a denominação de Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes Marítimos Fluviais e Aéreos Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes Terrestres Confederação Nacional dos Trabalhadores em Comunicações e Publicidade Confederação Nacional dos Trabalhadores nas Empresas de Crédito e Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Educação e Cultura 3º Denominarseá Confederação Nacional das Profissões Liberais a reunião das respectivas federações 4º As associações sindicais de grau superior da Agricultura e Pecuária serão organizadas na conformidade do que dispuser a lei que regular a sindicalização dessas atividades ou profissões ADIn 505 Pleno rel Min Moreira Alves DJ 02081991 ADIn 706AgRg Pleno rel Min Carlos Velloso DJ 04091992 Acerca da necessidade do caráter nacional e da representatividade da classe manifestou se recentemente o Pleno do STF na ADIn 4967PA Da ementa 1 A Federação Nacional de Entidades de Oficiais Militares Estaduais FENEME não ostenta legitimidade ativa ad causam para ajuizar ação direta de inconstitucionalidade questionando o sistema previdenciário aplicável a todos os servidores militares do Estado do Pará uma vez que sua representatividade da categoria é apenas parcial Precedente do STF ADIn 4733 rel Min Dias Toffoli Plenário DJe de 31072012 2 O Clube dos Oficiais da Polícia Militar do Pará COPMPA o Clube dos Oficiais do Corpo de Bombeiros Militar do Pará COCB a Associação dos Cabos e Soldados da Polícia Militar do Pará ASSUBSAR e o Instituto de Defesa dos Servidores Públicos Civis e Militares do Estado do Pará INDESPCMEPA são entidades com atuação limitada ao Estado do Pará de modo que não apresentam caráter nacional necessário ao enquadramento no art 103 IX da Constituição da República consoante pacífica jurisprudência do STF cf dentre outros ADIn 108DFQO rel Min Celso de Mello DJ 05061992 ADIn 3381DF rel Min Cármen Lúcia Pleno DJ 29062007 ADIAgR 3606DF rel Min Gilmar Mendes Pleno DJ 27102006 STF ADIn 4967 Pleno rel Min Luiz Fux DJe 09042015 A jurisprudência desta Corte tem salientado ainda que pessoas jurídicas de direito privado que reúnam como membros integrantes associações de natureza civil e organismos de caráter sindical desqualificamse precisamente em função do hibridismo dessa composição como instituições de classe cuja noção conceitual reclama a participação nelas dos próprios indivíduos integrantes de determinada categoria e não apenas das entidades privadas constituídas para representálos Precedentes Entidades internacionais que possuam uma Seção Brasileira domiciliada em território nacional incumbida de representálas no Brasil não se qualificam para os efeitos do art 103 da Constituição como instituições de classe A composição heterogênea de associação que reúna em função de explícita previsão estatutária pessoas vinculadas a categorias radicalmente distintas atua como elemento descaracterizador da sua representatividade Não se configuram em consequência como entidades de classe aquelas instituições que são integradas por membros vinculados a estratos sociais profissionais ou econômicos diversificados cujos objetivos individualmente considerados revelamse contrastantes Falta a essas entidades na realidade a presença de um elemento unificador que fundado na essencial homogeneidade comunhão e identidade de valores constitui o fator necessário de conexão apto a identificar os associados que as compõem como membros efetivamente pertencentes a uma determinada classe ADIn 108 Pleno rel Min Celso de Mello DJ 05061992 Central Única dos Trabalhadores CUT Falta de legitimação ativa Sendo a autora constituída por pessoas jurídicas de natureza vária e que representam categorias profissionais diversas não se enquadra ela na expressão entidade de classe de âmbito nacional a que alude o art 103 da Constituição contrapondose às confederações sindicais porquanto não é uma entidade que congregue os integrantes de uma determinada atividade ou categoria profissional ou econômica e que portanto represente em âmbito nacional uma classe Por outro lado não é a autora nem ela própria se enquadra nesta qualificação uma confederação sindical tipo de associação sindical de grau superior devidamente previsto em lei CLT arts 533 e 535 o qual ocupa o cimo da hierarquia de nossa estrutura sindical e ao qual inequivocamente alude a primeira parte do inciso IX do art 103 da Constituição ADIn 271MC Pleno rel Min Moreira Alves j 24091992 DJ 06092001 STF ADIn 4224AgRg rel Min Dias Toffoli j 01082011 Da ementa Muito embora ocorrido o reconhecimento formal das centrais sindicais com a edição da Lei 116482008 a norma não teve o condão de equiparálas às confederações de modo a sobreleválas a um patamar hierárquico superior na estrutura sindical Ao contrário criouse um modelo paralelo de representação figurando as centrais sindicais como patrocinadoras dos interesses gerais dos trabalhadores e permanecendo as confederações como mandatárias máximas de uma determinada categoria profissional ou econômica 3 A fórmula alternativa prevista no art 103 IX do Texto Magno impede que determinada entidade considerada de natureza sindical não enquadrável no conceito de confederação venha a se utilizar do rótulo de entidade de classe de âmbito nacional para fins de legitimação STF ADIn 894 MC rel Min Néri da Silveira j 18111993 A União Nacional dos Estudantes como entidade associativa dos estudantes universitários brasileiros tem participado ativamente ao longo do tempo de movimentos cívicos nacionais na defesa das liberdades públicas ao lado de outras organizações da sociedade e insuscetível de dúvida sua posição de entidade de âmbito nacional na defesa de interesses estudantis e mais particularmente da juventude universitária Não se reveste entretanto da condição de entidade de classe de âmbito nacional para os fins previstos no inciso IX segunda parte do art 103 da Constituição 3 Enquanto se empresta à cláusula constitucional em exame ao lado da cláusula confederação sindical constante da primeira parte do dispositivo maior em referência conteúdo imediatamente dirigido a ideia de profissão entendendose classe no sentido não de simples segmento social de classe social mas de categoria profissional não cabe reconhecer à UNE enquadramento na regra constitucional aludida Ação direta de inconstitucionalidade Legitimidade ativa ad causam CF1988 art 103 Rol taxativo Entidade de classe Representação institucional de mera fração de determinada categoria funcional Descaracterização da autora como entidade de classe Ação direta não conhecida A Constituição da República ao disciplinar o tema concernente a quem pode ativar mediante ação direta a jurisdição constitucional concentrada do STF ampliou significativamente o rol sempre taxativo dos que dispõem da titularidade de agir em sede de controle normativo abstrato Não se qualificam como entidades de classe para fins de ajuizamento de ação direta de inconstitucionalidade aquelas que são constituídas por mera fração de determinada categoria funcional Precedentes ADIn 1875AgRg Pleno rel Min Celso de Mello j 20062001 DJe 12122008 Tratase de uma associação que não congrega as empresas jornalísticas em geral mas apenas uma fração delas ou seja as situadas em município do interior dos Estados membros Ora esta Corte em casos análogos tem entendido que há entidade de classe quando a associação abarca uma categoria profissional ou econômica no seu todo e não quando apenas abrange ainda que tenha âmbito nacional uma fração de uma dessas categorias assim a título exemplificativo nas ADIn 846 e 1297 com referência à entidade que abarcava fração de categoria funcional e na ADIn 1295 relativa à associação de concessionárias ligadas pelo interesse contingente de terem concessão comercial de um produtor de veículos automotores ADIn 1486MC Pleno rel Min Moreira Alves DJ 13121996 ADIn 2713 voto da Min Ellen Gracie j 18122002 DJ 07032003 O STF tem salientado em sucessivos pronunciamentos a propósito do tema que não se qualificam como entidades de classe aquelas que congregando pessoas jurídicas apresentamse como verdadeiras associações de associações Em tais hipóteses temse lhes negado a qualidade reclamada pelo texto constitucional pois pessoas jurídicas ainda que coletivamente representativas de categorias profissionais ou econômicas não formam classe alguma ADIn 108 Pleno rel Min Celso de Mello DJ 05061992 Ação direta de inconstitucionalidade Legitimidade ativa ad processum e ad causam Confederação Democrática dos Trabalhadores do Serviço Público Federal CONDSEF 1 Não tendo a autora regularizado sua representação no processo não pode ser conhecida a ação que propôs 2 Mesmo que superada essa questão faltaria à proponente legitimidade ativa ad causam por não ser confederação sindical mas sim entidade civil que não pode ser considerada entidade de classe para os efeitos do art 103 IX da CF por não ter como associados os próprios servidores públicos federais mas sim as pessoas jurídicas que os representam correspondendo pois a uma associação de associações Precedente Ação não conhecida prejudicado o requerimento de medida cautelar Votação unânime ADIn 914 Pleno rel Min Sydney Sanches DJ 11031994 Ação direta de inconstitucionalidade Legitimação ativa Entidade de classe de âmbito nacional Compreensão da associação de associações de classe Revisão da jurisprudência do Supremo Tribunal O conceito de entidade de classe é dado pelo objetivo institucional classista pouco importando que a eles diretamente se filiem os membros da respectiva categoria social ou agremiações que os congreguem com a mesma finalidade em âmbito territorial mais restrito É entidade de classe de âmbito nacional como tal legitimada à propositura da ação direta de inconstitucionalidade CF art 103 IX aquela na qual se congregam associações regionais correspondentes a cada unidade da Federação a fim de perseguirem em todo o País o mesmo objetivo institucional de defesa dos interesses de uma determinada classe Nesse sentido altera o Supremo Tribunal sua jurisprudência de modo a admitir a legitimação das associações de associações de classe de âmbito nacional para a ação direta de inconstitucionalidade ADIn 3153AgRg Pleno rel Min Sepúlveda Pertence DJ 09092005 Entidade de classe de âmbito nacional art 103 IX da CF Não é entidade de classe de âmbito nacional para os efeitos do inciso IX do art 103 da Constituição a que só reúne empresas sediadas no mesmo Estado nem a que congrega outras de apenas quatro Estados da Federação ADIn 386 Pleno rel Min Sydney Sanches DJ 28061991 A jurisprudência do STF tem consignado no que concerne ao requisito da espacialidade que o caráter nacional da entidade de classe não decorre de mera declaração formal consubstanciada em seus estatutos ou atos constitutivos Essa particular característica de índole espacial pressupõe além da atuação transregional da instituição a existência de associados ou membros em pelo menos nove Estados da Federação Tratase de critério objetivo fundado na aplicação analógica da Lei Orgânica dos Partidos Políticos que supõe ordinariamente atividades econômicas ou profissionais amplamente disseminadas no território nacional ADIn 108 Pleno rel Min Celso de Mello DJ 05061992 Ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pela Associação Brasileira dos Extratores e Refinadores de Sal Abersal contra a Lei Estadual 8299 de 29012003 do Estado do Rio Grande do Norte que dispõe sobre formas de escoamento do sal marinho produzido no Rio Grande do Norte e dá outras providências 2 Legitimidade ativa 3 Inaplicabilidade no caso do critério adotado para a definição do caráter nacional dos partidos políticos Lei 9096 de 19091995 art 7º haja vista a relevância nacional da atividade dos associados da Abersal não obstante a produção de sal ocorrer em poucas unidades da Federação 4 Plausibilidade da arguição de inconstitucionalidade 5 Competência da União para legislar sobre comércio art 22 VIII da Constituição Precedentes ADIn 280 rel Min Rezek DJ 17061994 ADIMC 349 rel Min Marco Aurélio DJ 26101990 e ADIn 2656 rel Min Maurício Corrêa DJ 01082003 6 Conveniência da suspensão do dispositivo haja vista a expressiva participação do Estado do Rio Grande do Norte na produção nacional de sal marinho 7 Concessão unilateral de incentivos fiscais 8 Aparente ofensa à regra do art 155 2º XII g 9 Liminar deferida para suspender o art 6º caput e 4º o art 7º e o art 9º da Lei estadual impugnada ADIn 2866MC Pleno rel Min Gilmar Mendes DJ 17102003 ADIn 1507MCAgRg Pleno rel Min Carlos Velloso DJ 06061997 Com efeito esta Corte tem sido firme na compreensão de que as entidades de classe e as confederações sindicais somente podem lançar mão das ações de controle concentrado quando mirarem normas jurídicas que digam respeito aos interesses típicos da classe representada cf ADIn 3906AgRgDF rel Min Menezes Direito DJe 05092008 A exigência da pertinência temática é verdadeira projeção do interesse de agir no processo objetivo que se traduz na necessidade de que exista uma estreita relação entre o objeto do controle e os direitos da classe representada pela entidade requerente ADIn 4426MC rel Min Dias Toffoli decisão monocrática DJe 01022011 Two centuries after Marbury v Madison there remains a deep confusion about quite what a court is reviewing when it engages in judicial review Conventional wisdom has it that judicial review is the review of certain legal objects statutes regulations But strictly speaking this is not quite right The Constitution prohibits not objects but actions Judicial review is the review of such actions And actions require actors verbs require subjects So before judicial review focuses on verbs let alone objects it should begin at the beginning with subjects Every constitutional inquiry should begin with a basic question that has been almost universally overlooked The fundamental question from which all else follows is the who question who has violated the Constitution As judicial review is practiced today courts skip over this bedrock question to get to the more familiar question how was the Constitution violated But it makes no sense to ask how until there is an answer to who Indeed in countless muddled lines of doctrine puzzlement about the predicates of constitutional violation follows directly from more fundamental confusion about the subjects This fundamental confusion like most confusion in law stems from insufficient attention to text Individual words are important of course but equally important is textual structure The ADIn 913 rel Min Moreira Alves DJ 23081993 ADIn 1946 rel Min Sydney Sanches DJ 14092001 ADIn 3367 rel Min Cezar Peluso DJ 12032006 reconheço na linha do magistério jurisprudencial desta Suprema Corte MS 23334RJ rel Min Celso de Mello vg que os membros do Congresso Nacional dispõem de legitimidade ativa ad causam para provocar a instauração do controle jurisdicional sobre o processo de formação das leis e das emendas à Constituição assistindolhes sob tal perspectiva irrecusável direito subjetivo de impedir que a elaboração dos atos normativos pelo Poder Legislativo incida em desvios inconstitucionais É por essa razão que o STF tem reiteradamente proclamado em favor dos congressistas e apenas destes o reconhecimento desse direito público subjetivo à correta elaboração das emendas à Constituição das leis e das demais espécies normativas referidas no art 59 da Constituição O processo de formação das leis ou de elaboração de emendas à Constituição revelase suscetível de controle incidental ou difuso pelo Poder Judiciário sempre que havendo possibilidade de lesão à ordem jurídico constitucional a impugnação vier a ser suscitada por membro do próprio Congresso Nacional pois nesse domínio somente ao parlamentar que dispõe do direito público subjetivo à correta observância das cláusulas que compõem o devido processo legislativo assiste legitimidade ativa ad causam para provocar a fiscalização jurisdicional MS 23565DF rel Min Celso de Mello MS 27931 rel Min Celso de Mello DJe 01042009 STF MS 20257 Pleno rel Min Moreira Alves j 08101980 RTJ 991040 Esta conclusão está no voto do Min Moreira Alves no MS 20257 Não admito mandado de segurança para impedir tramitação de projeto de lei ou proposta de emenda constitucional com base na alegação de que seu conteúdo entra em choque com algum princípio constitucional E não admito porque nesse caso a violação à Constituição só ocorrerá depois de o projeto se transformar em lei ou de a proposta de emenda vir a ser aprovada Antes disso nem o Presidente da Casa do Congresso ou deste nem a Mesa nem o Poder Legislativo estão praticando qualquer inconstitucionalidade mas estão sim exercitando seus poderes constitucionais referentes ao processamento da lei em geral A inconstitucionalidade nesse caso não será quanto ao processo da lei ou da emenda mas ao contrário será da própria lei ou da própria emenda razão por que só poderá ser atacada depois da existência de uma ou de outra Diversas porém são as hipóteses como a presente em que a vedação constitucional se dirige ao próprio processamento da lei ou da emenda vedando a sua apresentação ou a sua deliberação como na espécie Aqui a inconstitucionalidade diz respeito ao próprio andamento do processo legislativo e isso porque a Constituição não quer em face da gravidade dessas deliberações se consumadas que sequer se chegue à deliberação proibindoa taxativamente A inconstitucionalidade neste caso já existe antes de o projeto ou de a proposta se transformarem em lei ou em emenda constitucional porque o próprio processamento já desrespeita frontalmente a Constituição STF MS 20257 Pleno rel Min Moreira Alves j 08101980 RTJ 991040 De acordo com o STF ADIn 1896MC rel Min Sydney Sanches j 18021999 na ação direta de inconstitucionalidade seu julgamento independe da causa petendi formulada na inicial ou seja dos fundamentos jurídicos nela deduzidos pois havendo nesse processo objetivo arguição de inconstitucionalidade a Corte deve considerála sob todos os aspectos em face da Constituição e não apenas diante daqueles focalizados pelo autor Art 59 O processo legislativo compreende a elaboração de I emendas à Constituição II leis complementares III leis ordinárias IV leis delegadas V medidas provisórias VI decretos legislativos VII resoluções Parágrafo único Lei complementar disporá sobre a elaboração redação alteração e consolidação das leis A jurisprudência predominante do STF tem assentado o entendimento de que a falta de aditamento da inicial diante de reedição da medida provisória impugnada ou de sua conversão em lei enseja a extinção do processo sem julgamento de mérito ADIn 3957 rel Min Ricardo Lewandowski decisão monocrática DJe 08052008 Ação direta de inconstitucionalidade da MedProv 198419 de 29062000 Falta de aditamento da inicial pelo partido autor da ação para impugnar as últimas reedições da medida provisória ocorridas no curso do processo Não cabe à AdvocaciaGeral da União suprir essa falta ADIn 2251MC rel Min Sydney Sanches DJ 24102003 Ação direta de inconstitucionalidade e reedição de medidas provisórias Evolução da jurisprudência Aditamento da petição inicial Pressuposto de identidade substancial das normas A possibilidade do aditamento da ação direta de inconstitucionalidade de modo a que continue contra a medida provisória reeditada o processo instaurado contra a sua edição original pressupõe necessariamente a identidade substancial de ambas se a norma reeditada é não apenas formal mas também substancialmente distinta da originalmente impugnada impõese a propositura de nova ação direta ADIn 1753QO rel Min Sepúlveda Pertence DJ 23101998 Ação direta de inconstitucionalidade MedProv 1901990 Perda de eficácia por falta de apreciação oportuna pelo Congresso Nacional CF art 62 parágrafo único Prejudicialidade da ação direta A medida provisória constitui espécie normativa juridicamente instável Esse ato estatal dispõe em função das notas de transitoriedade e de precariedade que o qualificam de eficácia temporal limitada na medida em que não convertido em lei despojase desde o momento de sua edição da aptidão para inovar o ordenamento positivo A perda retroativa de eficácia jurídica da medida provisória ocorre tanto na hipótese de explícita rejeição do projeto de sua conversão em lei quanto no caso de ausência de deliberação parlamentar no prazo constitucional de trinta 30 dias Uma vez cessada a vigência da medida provisória pelo decurso in albis do prazo constitucional operase ante a superveniente perda de objeto a extinção anômala do processo de ação direta de inconstitucionalidade ADIn 293 Pleno rel Min Celso de Mello DJ 18061993 Art 25 Os Estados organizamse e regemse pelas Constituições e leis que adotarem observados os princípios desta Constituição 1º São reservadas aos Estados as competências que não lhes sejam vedadas por esta Constituição 2º Cabe aos Estados explorar diretamente ou mediante concessão os serviços locais de gás canalizado na forma da lei vedada a edição de medida provisória para a sua regulamentação 3º Os Estados poderão mediante lei complementar instituir regiões metropolitanas aglomerações urbanas e microrregiões constituídas por agrupamentos de municípios limítrofes para integrar a organização o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum Art 34 A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal exceto para VII assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais a forma republicana sistema representativo e regime democrático b direitos da pessoa humana c autonomia municipal d prestação de contas da administração pública direta e indireta e aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais compreendida a proveniente de transferências na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde Art 32 O Distrito Federal vedada sua divisão em Municípios regerseá por lei orgânica votada em dois turnos com interstício mínimo de dez dias e aprovada por dois terços da Câmara Legislativa que a promulgará atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição 1º Ao Distrito Federal são atribuídas as competências legislativas reservadas aos Estados e Municípios 8 É que falta possibilidade jurídica à ação proposta matéria não examinada no referido aresto E o exame dessa condição da ação deve preceder o da relativa à legitimidade ativa ad causam Se a ação é juridicamente impossível não há necessidade de se perquirir quem pode propôla Em outras palavras se a ação não pode ser proposta por ninguém exatamente porque inadmissível tornase dispensável a verificação de sua titularidade 9 E tanto as informações do Governador do Distrito Federal quanto as manifestações da Advocacia Geral da União e da Procuradoria Geral da República demonstraram que a ação direta de inconstitucionalidade é juridicamente impossível no caso pois objetiva em controle concentrado de constitucionalidade a declaração de inconstitucionalidade de lei do Distrito Federal que todavia tem natureza de lei local mais precisamente municipal E não federal ou estadual 10 Com efeito a competência do STF em ação direta de inconstitucionalidade é a de declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual como está expresso no art 102 I a da CF quando afrontada esta última E não de lei de natureza municipal 11 Tratandose de lei municipal o controle de constitucionalidade se faz pelo sistema difuso e não concentrado ou seja apenas no julgamento de casos concretos com eficácia inter partes e não erga omnes quando confrontado o ato normativo local com a Constituição Federal 12 O controle de constitucionalidade concentrado nesse caso somente será possível em face da Constituição dos Estados se ocorrente a hipótese prevista no 2º do art 125 da CF 13 Não é porém o caso dos autos pois o que se pretende é que o STF em ação direta de inconstitucionalidade declare a inconstitucionalidade de lei que embora aprovada pelo Senado Federal no âmbito da competência residual prevista no art 16 do ADCT e sancionada pelo Governador do Distrito Federal que tivera iniciativa de propôla tem o mesmo âmbito de uma lei municipal reguladora do parcelamento e aproveitamento do solo urbano em face do que dispõem os arts 29 30 VIII 32 1º da CF Se a lei na hipótese excedeu ou não os limites da competência de um Município e consequentemente do Distrito Federal é matéria de mérito O que importa porém até aqui é que a Constituição Federal não admite ação direta de inconstitucionalidade perante o STF de lei de natureza municipal mediante confronto com a própria Carta Magna ADIn 209 rel Min Sydney Sanches DJ 11091998 Controle abstrato de constitucionalidade de leis locais CF art 125 2º Cabimento restrito à fiscalização da validade de leis ou atos normativos locais sejam estaduais ou municipais em face da Constituição estadual Invalidade da disposição constitucional estadual que outorga competência ao respectivo Tribunal de Justiça para processar e julgar ação direta de inconstitucionalidade de normas municipais em face também da Constituição Federal Precedentes ADIn 409 rel Min Sepúlveda Pertence DJ 26042002 ADIn 2057MC rel Min Maurício Corrêa DJ 31032000 O ato impugnado na presente ADIn é mera deliberação administrativa sem nenhum caráter normativo não passando seus considerandos de simples motivação Se esse ato é inconstitucional ou ilegal é questão que se não pode resolver no âmbito de uma ação direta de inconstitucionalidade perante esta Corte pois nesta só se há de impugnar ato normativo federal ou estadual nos termos do art 102 I a da CF Afora isso o controle de constitucionalidade ou legalidade de ato administrativo é feito nas instâncias próprias pelo sistema difuso ADIn 2071AgRg rel Min Sydney Sanches DJ 09112001 A portaria conquanto seja ato de natureza administrativa pode ser objeto de ação direta se como no caso vem a estabelecer prescrição em caráter genérico e abstrato ADIn 962MC rel Min Ilmar Galvão DJ 11021994 O STF reafirmou esse entendimento conforme noticiado no Informativo 734 de 06032014 O Plenário julgou procedente pedido formulado em ação direta para declarar a inconstitucionalidade de decisão proferida por tribunal de justiça local nos autos de processo administrativo em que reconhecido o direito à gratificação de 100 aos interessados servidores daquele tribunal e estendida essa gratificação aos demais servidores do órgão em situação análoga Preliminarmente por maioria conheceu se da ação No ponto o Ministro Roberto Barroso salientou que a decisão da Corte de origem teria conteúdo normativo com generalidade e abstração porque estendera os efeitos da concessão de gratificação a um número expressivamente maior de pessoas em comparação às diretamente interessadas no procedimento administrativo Desse modo ponderou cabível o controle abstrato de constitucionalidade Preliminarmente por maioria conheceuse da ação No ponto o Ministro Roberto Barroso salientou que a decisão da Corte de origem teria conteúdo normativo com generalidade e abstração porque estendera os efeitos da concessão de gratificação a um número expressivamente maior de pessoas em comparação às diretamente interessadas no procedimento administrativo Desse modo ponderou cabível o controle abstrato de constitucionalidade A Ministra Rosa Weber destacou que esse caráter de generalidade seria aferível a partir da indeterminação subjetiva das pessoas eventualmente atingidas pela decisão discutida O Ministro Ricardo Lewandowski constatou que os servidores beneficiados com a decisão favorável no tocante à gratificação serviriam como paradigmas a partir dos quais o mesmo benefício seria estendido a outros servidores em número indeterminado Ademais registrou que a decisão em comento fundarseia diretamente na Constituição porque invocado o princípio da isonomia Vencida quanto à preliminar a Ministra Cármen Lúcia relatora que não conhecia da ação por considerar inadequada a via eleita STF ADIn 3202 Pleno rel Min Cármen Lúcia DJe 20052014 A hipótese é de não cabimento da ação direta pois conforme a jurisprudência pacífica deste Tribunal as leis que veiculam matéria orçamentária limitandose à previsão de receita e despesa ou ainda à abertura de créditos orçamentários configuram leis unicamente em sentido formal não sendo dotadas de generalidade e abstração caracteres próprios dos atos normativos os únicos passíveis de controle de constitucionalidade pela via principal ADIn 4041 rel Min Menezes Direito decisão monocrática DJe 27032008 Art 202 da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul Lei estadual 9723 Manutenção e desenvolvimento do ensino público Aplicação mínima de 35 trinta e cinco por cento da receita resultante de impostos Destinação de 10 dez por cento desses recursos à manutenção e conservação das escolas públicas estaduais Vício formal Matéria orçamentária Iniciativa privativa do chefe do Poder Executivo Afronta ao disposto nos arts 165 III e 167 IV da CF Preliminar de inviabilidade do controle de constitucionalidade abstrato Alegação de que os atos impugnados seriam dotados de efeito concreto em razão da possibilidade de determinação de seus destinatários Preliminar rejeitada Esta Corte fixou que a determinabilidade dos destinatários da norma não se confunde com a sua individualização que esta sim poderia convertêlo em ato de efeitos concretos embora plúrimos ADIn 2137MC rel Min Sepúlveda Pertence DJ 12052000 A lei estadual impugnada consubstancia leinorma Possui generalidade e abstração suficientes Seus destinatários são determináveis e não determinados sendo possível a análise desse texto normativo pela via da ação direta A lei não contém necessariamente uma norma a norma não é necessariamente emanada mediante uma lei assim temos três combinações possíveis a leinorma a lei não norma e a norma não lei Às normas que não são lei correspondem leismedida Massnahmegesetze que configuram ato administrativo apenas completável por agente da Administração portando em si mesmas o resultado específico ao qual se dirigem São leis apenas em sentido formal não o sendo contudo em sentido material ADIn 820 rel Min Eros Grau DJe 29022008 Controle abstrato de constitucionalidade de normas orçamentárias Revisão de jurisprudência O STF deve exercer sua função precípua de fiscalização da constitucionalidade das leis e dos atos normativos quando houver um tema ou uma controvérsia constitucional suscitada em abstrato independentemente do caráter geral ou específico concreto ou abstrato de seu objeto Possibilidade de submissão das normas orçamentárias ao controle abstrato de constitucionalidade Medida cautelar deferida Suspensão da vigência da Lei 116582008 desde a sua publicação ocorrida em 22042008 ADIn 4048MC rel Min Gilmar Mendes DJe 22082008 Ação direta de inconstitucionalidade e revogação superveniente do ato estatal impugnado A revogação superveniente do ato estatal impugnado faz instaurar situação de prejudicialidade que provoca a extinção anômala do processo de fiscalização abstrata de constitucionalidade eis que a abrogação do diploma normativo questionado opera quanto a este a sua exclusão do sistema de direito positivo causando desse modo a perda ulterior de objeto da própria ação direta independentemente da ocorrência ou não de efeitos residuais concretos ADIn 1442 rel Min Celso de Mello DJ 29042005 revogada a lei arguida de inconstitucional a ação direta a ela relativa perde o seu objeto independentemente da ocorrência de efeitos concretos que dela hajam decorrido Ação direta de inconstitucionalidade que não se conhece por estar prejudicada em virtude da perda de seu objeto ADIn 221 rel Min Moreira Alves DJ 22101993 A questão referente ao controle de constitucionalidade de atos normativos anteriores à Constituição foi exaustivamente debatida por esta Corte no julgamento da ADIn 2 Naquela oportunidade o Min Paulo Brossard relator sustentou que a teoria da inconstitucionalidade supõe sempre e necessariamente que a legislação sobre cuja constitucionalidade se questiona seja posterior à Constituição Porque tudo estará em saber se o legislador ordinário agiu dentro de sua esfera de competência ou fora dela se era competente ou incompetente para editar a lei que tenha editado Quando se trata de antagonismo existente entre Constituição e lei a ela anterior a questão é de distinta natureza obviamente não é de hierarquia de leis não é nem pode ser exatamente porque a lei maior é posterior à lei menor e por conseguinte não poderia limitar a competência do Poder Legislativo que a editou Num caso o problema será de direito constitucional noutro de direito intertemporal Se a lei anterior é contrariada pela lei posterior tratarseá de revogação pouco importando que a lei posterior seja ordinária complementar ou constitucional Em síntese a lei posterior à Constituição se a contrariar será inconstitucional a lei anterior à Constituição se a contrariar será por ela revogada como aconteceria com qualquer lei que a sucedesse Como ficou dito e vale ser repetido num caso o problema é de direito constitucional noutro é de direito intertemporal O vício da inconstitucionalidade é congênito à lei e há de ser apurado em face da Constituição vigente ao tempo de sua elaboração Lei anterior não pode ser inconstitucional em relação à Constituição superveniente nem o legislador poderia infringir Constituição futura A Constituição sobrevinda não torna inconstitucionais leis anteriores com ela conflitantes revogaas Pelo fato de ser superior a Constituição não deixa de produzir efeitos revogatórios Seria ilógico que a lei fundamental por ser suprema não revogasse ao ser promulgada leis ordinárias A lei maior valeria menos que a lei ordinária Nestes termos ficou assentado que não cabe a ação direta quando a norma atacada for anterior à Constituição já que se for com ela incompatível é tida como revogada e caso contrário como recebida E o mesmo raciocínio há de ser aplicado em relação às emendas constitucionais que passam a integrar a ordem jurídica com o mesmo status dos preceitos originários Vale dizer todo ato legislativo que contenha disposição incompatível com a ordem instaurada pela emenda à Constituição deve ser considerado revogado Nesse sentido a observação do Min Celso de Mello ao dispor Tornase necessário enfatizar no entanto que a jurisprudência firmada pelo STF tratandose de fiscalização abstrata de constitucionalidade apenas admite como objeto idôneo de controle concentrado as leis e os atos normativos que emanados da União dos Estadosmembros e do Distrito Federal tenham sido editados sob a égide de texto constitucional ainda vigente ADIn 2971 DJ 18052004 A respeito do tema esta Corte tem decidido que nos casos em que o texto da Constituição do Brasil foi substancialmente modificado em decorrência de emenda superveniente a ação direta de inconstitucionalidade fica prejudicada visto que o controle concentrado de constitucionalidade é feito com base no texto constitucional em vigor e não no que vigorava anteriormente ADIn 1717MC DJ 25022000 ADIn 2197 DJ 02042004 ADIn 2531AgRg DJ 12092003 ADIn 1691 DJ 04042003 ADIn 1143 DJ 06092001 e ADIn 799 DJ 17092002 ADIn 888 rel Min Eros Grau DJ 10062005 ADPF 33MC voto do rel Min Gilmar Mendes DJ 06082004 Tratase de arguição de descumprimento de preceito fundamental com pedido de medida liminar proposta pelo Partido Popular Socialista PPS objetivando que esta Corte declare que não foi recepcionado pela Constituição de 1988 o art 86 do Declei 200 de 25021967 Preliminarmente reconheço a legitimidade ativa ad causam da agremiação partidária que assina a inicial Depois anoto que é cabível a arguição de descumprimento de preceito fundamental para evitar ou reparar lesão a preceito fundamental resultante de ato do Poder Público ou quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal estadual ou municipal inclusive anteriores à Constituição não sendo admitida a utilização de ações diretas de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade isto é não se verificando a existência de meio apto para solver a controvérsia constitucional relevante de forma ampla geral e imediata há de se entender possível a utilização da arguição de descumprimento de preceito fundamental Assim numa primeira análise dos autos reconheço que se afigura admissível a utilização da presente arguição de descumprimento de preceito fundamental sob o aspecto do princípio da subsidiariedade vez que a norma nela impugnada veio a lume antes da vigência da Constituição de 1988 No que concerne ao pedido de medida liminar todavia verifico que não se mostram presentes os requisitos autorizadores de sua concessão quais sejam o fumus boni iuris e o periculum in mora Com efeito observo que o dispositivo atacado estabeleceu que a tomada de contas referentes à movimentação dos créditos destinados à realização de despesas reservadas ou confidenciais será feita em caráter sigiloso Ocorre porém que o princípio da publicidade na Administração Pública não é absoluto porquanto a própria Constituição Federal em seu art 5º XXXIII in fine restringiu o acesso público a informações cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado Em outras palavras tanto o dispositivo contestado na presente ação quanto o art 5º XXXIII da Lei Maior ressalvaram o caráter sigiloso de determinadas informações relativas à Administração Pública Não considero portanto suficientemente caracterizado o fumus boni iuris seja porque o sigilo dos dados e informações da Administração Pública ao menos numa primeira análise da questão encontra guarida na própria Carta Magna seja porque ele não é decretado arbitrariamente mas determinado segundo regras legais preestabelecidas ADPF 129MC rel Min Ricardo Lewandowski decisão monocrática DJe 22022008 Art 102 Compete ao Supremo Tribunal Federal precipuamente a guarda da Constituição cabendolhe I processar e julgar originariamente a a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal ADCT art 3º A revisão constitucional será realizada após cinco anos contados da promulgação da Constituição pelo voto da maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional em sessão unicameral Art 60 A Constituição poderá ser emendada mediante proposta I de um terço no mínimo dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal II do Presidente da República III de mais da metade das Assembleias Legislativas das unidades da Federação manifestandose cada uma delas pela maioria relativa de seus membros 1º A Constituição não poderá ser emendada na vigência de intervenção federal de estado de defesa ou de estado de sítio 2º A proposta será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional em dois turnos considerandose aprovada se obtiver em ambos três quintos dos votos dos respectivos membros 3º A emenda à Constituição será promulgada pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal com o respectivo número de ordem 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir I a forma federativa de Estado II o voto direto secreto universal e periódico III a separação dos Poderes IV os direitos e garantias individuais 5º A matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa Art 5º 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados em cada Casa do Congresso Nacional em dois turnos por três quintos dos votos dos respectivos membros serão equivalentes às emendas constitucionais Ação direta de inconstitucionalidade Cabimento Inexistência de inconstitucionalidade reflexa Temse inconstitucionalidade reflexa a cuja verificação não se presta a ação direta quando o vício de ilegitimidade irrogado a um ato normativo é o desrespeito à lei fundamental por haver violado norma infraconstitucional interposta a cuja observância estaria vinculado pela Constituição não é o caso presente onde a ilegitimidade da lei estadual não se pretende extrair de sua conformidade com a lei federal relativa ao processo de execução contra a Fazenda Pública mas sim diretamente com as normas constitucionais que o preordenam afora outros princípios e garantias do texto fundamental ADIn 2535MC rel Min Sepúlveda Pertence DJ 21112003 Ação direta de inconstitucionalidade Instrumento de afirmação da supremacia da ordem constitucional O papel do STF como legislador negativo A noção de constitucionalidadeinconstitucionalidade como conceito de relação A questão pertinente ao bloco de constitucionalidade Posições doutrinárias divergentes em torno do seu conteúdo O significado do bloco de constitucionalidade como fator determinante do caráter constitucional ou não dos atos estatais Necessidade da vigência atual em sede de controle abstrato do paradigma constitucional alegadamente violado Superveniente modificaçãosupressão do parâmetro de confronto Prejudicialidade da ação direta A definição do significado de bloco de constitucionalidade independentemente da abrangência material que se lhe reconheça revestese de fundamental importância no processo de fiscalização normativa abstrata pois a exata qualificação conceitual dessa categoria jurídica projetase como fator determinante do caráter constitucional ou não dos atos estatais contestados em face da Carta Política A superveniente alteraçãosupressão das normas valores e princípios que se subsumem à noção conceitual de bloco de constitucionalidade por importar em descaracterização do parâmetro constitucional de confronto faz instaurar em sede de controle abstrato situação configuradora de prejudicialidade da ação direta legitimando desse modo ainda que mediante decisão monocrática do relator da causa RTJ 13967 a extinção anômala do processo de fiscalização concentrada de constitucionalidade ADIn 1120 rel Min Celso de Mello decisão monocrática DJ 07032002 STF ADIn 3833MC rel Min Carlos Britto rel p o acórdão Min Marco Aurélio j 19122006 A alteração da Carta inviabiliza o controle concentrado de constitucionalidade de norma editada quando em vigor a redação primitiva Porém o STF atualmente discute essa matéria na ADIn 5090 ainda em julgamento Nesta ação o tribunal acolheu questão de ordem para afirmar que a revogação ou alteração superveniente de parâmetro de controle não impede o conhecimento da ação em relação à norma constitucional em vigor quando da propositura da ação Caso a norma ordinária impugnada venha a ser declarada inconstitucional o processo estaria integralmente concluído Se porém a lei questionada viesse a ser reconhecida como constitucional temse indagação relevante a prosseguese no julgamento da ADIn em face do parâmetro de controle superveniente b encerrase o processo de controle abstrato por impossibilidade de exame da questão de ordem pré constitucional em face de norma constitucional superveniente ou c examinase a questão em sede de ADIn mas com características de controle incidental para averbar a recepção Necessário lembrar que a Lei 9868 de 10111999 preconiza que a peça inaugural das ações diretas indicará o dispositivo da lei ou do ato normativo atacado e os fundamentos jurídicos do pedido em relação a cada uma das impugnações art 3º Por não observar essa determinação legal o requerente deixa de obedecer à técnica imprescindível ao conhecimento da ação A inicial não se reveste das formalidades a ela inerentes Enseja a declaração da inépcia da peça por faltarlhe requisitos essenciais No caso específico a exordial não foi elaborada segundo as regras e o estilo constantes em lei própria destinada a disciplinar o processo e julgamento das ações diretas de inconstitucionalidade Ao contrário temse pedido genérico e inespecífico ADIn 2561 rel Min Eros Grau decisão monocrática DJ 01022005 A cognição do Tribunal em sede de ação direta de inconstitucionalidade é ampla O Plenário não fica adstrito aos fundamentos e dispositivos constitucionais trazidos na petição inicial realizando o cotejo da norma impugnada com todo o texto constitucional Não há falar portanto em argumentos não analisados pelo Plenário desta Corte que no citado julgamento esgotou a questão AgIn 413210AgRgEDclEDcl rel Min Ellen Gracie DJ 10122004 É da jurisprudência do Plenário o entendimento de que na ação direta de inconstitucionalidade seu julgamento independe da causa petendi formulada na inicial ou seja dos fundamentos jurídicos nela deduzidos pois havendo nesse processo objetivo arguição de inconstitucionalidade a Corte deve considerála sob todos os aspectos em face da Constituição e não apenas diante daqueles focalizados pelo autor É de se presumir então que no precedente ao menos implicitamente hajam sido considerados quaisquer fundamentos para eventual arguição de inconstitucionalidade inclusive os apresentados na inicial da presente ação ADIn 1896MC rel Min Sydney Sanches DJ 28051999 Extensão da declaração de inconstitucionalidade a dispositivos não impugnados expressamente na inicial Inconstitucionalidade por arrastamento ADIn 2982QO rel Min Gilmar Mendes DJ 12112004 A declaração de inconstitucionalidade dos arts 2º e 3º da lei atacada implica seu esvaziamento A declaração de inconstitucionalidade dos seus demais preceitos dáse por arrastamento ADIn 1144 rel Min Eros Grau DJ 08092006 Ação direta de inconstitucionalidade Transcrição literal do texto impugnado na inicial Juntada da publicação da lei no Diário Oficial na contracapa dos autos Inépcia Inexistência Não há falarse em inépcia da inicial da ação direta de inconstitucionalidade quando transcrito literalmente o texto legal impugnado anexada a cópia do Diário Oficial à contracapa dos autos ADIn 1991 rel Min Eros Grau DJ 03122004 É de exigirse em ação direta de inconstitucionalidade a apresentação pelo proponente de instrumento de procuração ao advogado subscritor da inicial com poderes específicos para atacar a norma impugnada ADIn 2187QO rel Min Octavio Gallotti j 24052002 DJ 12122003 No mesmo sentido ADIn 2461 rel Min Gilmar Mendes j 12052005 DJ 07102005 Não tendo sido apresentada cópia do teor do dispositivo impugnado com a inicial como exige o art 3º da Lei 9868 de 10111999 nem tendo sido essa falta suprida dentro do prazo que para isso foi concedido à requerente indefiro a petição inicial da presente ação direta de inconstitucionalidade ADIn 2388MC rel Min Moreira Alves decisão monocrática j 16032001 DJ 26032001 Ação direta de inconstitucionalidade ADIn Inadmissibilidade Art 14 4º da CF Norma constitucional originária Objeto nomológico insuscetível de controle de constitucionalidade Princípio da unidade hierárquiconormativa e caráter rígido da Constituição brasileira Doutrina Precedentes Carência da ação Inépcia reconhecida Indeferimento da petição inicial Agravo improvido Não se admite controle concentrado ou difuso de constitucionalidade de normas produzidas pelo poder constituinte originário ADIn 4097 AgRg rel Min Cezar Peluso DJe 07112008 Por outro lado não se inclui na competência desta Corte o controle da constitucionalidade em abstrato de atos normativos municipais em face da Carta Federal ADIn 611 Pertence DJ 11121992 e ADIn 911 Celso de Mello DJ 06081993 entre outros Vêse pois que a inicial não atende aos requisitos do art 4º da Lei 9868 de 10111999 segundo o qual a petição inicial inepta não fundamentada e a manifestamente improcedente serão liminarmente indeferida pelo relator ADIn 2767 rel Min Maurício Corrêa decisão monocrática DJ 17122002 por ocasião do julgamento da ADIn 4224 proposta pela União Geral dos Trabalhadores contra o mesmo ato normativo objeto desta ação direta o Min Menezes Direito indeferiu a petição inicial aduzindo como um dos fundamentos exatamente a inviabilidade de controle abstrato de constitucionalidade sobre norma de caráter secundário Ante o exposto indefiro a petição inicial o que faço com fundamento no art 4º da Lei 98681999 e no 1º do art 21 do RISTF ADIn 4255 rel Min Carlos Britto decisão monocrática DJe 09092009 Tratandose de norma de caráter secundário inviável o seu controle isolado dissociado da lei ordinária que lhe empresta imediato fundamento de validade no âmbito da ação direta de inconstitucionalidade Nesse sentido entre inúmeros outros precedentes a ADInAgRg 264 rel Min Celso de Mello DJ 08041994 ADIn 4176 rel Min Menezes Direito decisão monocrática j 03032009 DJe 12032009 É manifestamente improcedente a ação direta de inconstitucionalidade que verse sobre norma art 56 da Lei 94301996 cuja constitucionalidade foi expressamente declarada pelo Plenário do STF mesmo que em recurso extraordinário Aplicação do art 4º da Lei 98681999 A alteração da jurisprudência pressupõe a ocorrência de significativas modificações de ordem jurídica social ou econômica ou quando muito a superveniência de argumentos nitidamente mais relevantes do que aqueles antes prevalecentes o que não se verifica no caso ADIn 4071AgRg Pleno rel Min Menezes Direito DJe 16102009 Tratandose de decisão do Pleno desta Corte que não conhece de ação direta de inconstitucionalidade não é cabível o agravo a que alude o parágrafo único do art 4º da Lei 98681999 que só é admissível contra despacho do relator que liminarmente indefere petição inicial de ação dessa natureza ADIn 2073AgRQO rel Min Moreira Alves DJ 24112000 O Estadomembro não dispõe de legitimidade para interpor recurso em sede de controle normativo abstrato ainda que a ação direta de inconstitucionalidade tenha sido ajuizada pelo respectivo Governador a quem assiste a prerrogativa legal de recorrer contra as decisões proferidas pelo relator da causa Lei 98681999 art 4º parágrafo único ou excepcionalmente contra aquelas emanadas do próprio Plenário do STF Lei 98681999 art 26 ADIn 2130AgRg rel Min Celso de Mello DJ 14122001 Capacidade que nas ações da espécie é diretamente reconhecida aos legitimados ativos arrolados no art 103 da CF e não aos órgãos requeridos que apesar de prestarem informações não podem recorrer sem a regular representação processual Circunstância inviabilizadora da pretensão do agravante TRT 19ª Reg que manifestou embargos de declaração e agravo regimental por meio de petições firmadas por sua juízapresidente ADIn 2098EDclAgRg rel Min Ilmar Galvão DJ 19042002 Art 10 Salvo no período de recesso a medida cautelar na ação direta será concedida por decisão da maioria absoluta dos membros do Tribunal observado o disposto no art 22 após a audiência dos órgãos ou autoridades dos quais emanou a lei ou ato normativo impugnado que deverão pronunciarse no prazo de cinco dias 1º O relator julgando indispensável ouvirá o AdvogadoGeral da União e o ProcuradorGeral da República no prazo de três dias 2º No julgamento do pedido de medida cautelar será facultada sustentação oral aos representantes judiciais do requerente e das autoridades ou órgãos responsáveis pela expedição do ato na forma estabelecida no Regimento do Tribunal 3º Em caso de excepcional urgência o Tribunal poderá deferir a medida cautelar sem a audiência dos órgãos ou das autoridades das quais emanou a lei ou o ato normativo impugnado RISTF art 13 São atribuições do Presidente VIII decidir questões urgentes nos períodos de recesso ou de férias Art 22 A decisão sobre a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo somente será tomada se presentes na sessão pelo menos oito Ministros Art 23 Efetuado o julgamento proclamarseá a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade da disposição ou da norma impugnada se num ou noutro sentido se tiverem manifestado pelo menos seis Ministros quer se trate de ação direta de inconstitucionalidade ou de ação declaratória de constitucionalidade Parágrafo único Se não for alcançada a maioria necessária à declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade estando ausentes Ministros em número que possa influir no julgamento este será suspenso a fim de aguardarse o comparecimento dos Ministros ausentes até que se atinja o número necessário para prolação da decisão num ou noutro sentido Art 12 Havendo pedido de medida cautelar o relator em face da relevância da matéria e de seu especial significado para a ordem social e a segurança jurídica poderá após a prestação das informações no prazo de dez dias e a manifestação do AdvogadoGeral da União e do ProcuradorGeral da República sucessivamente no prazo de cinco dias submeter o processo diretamente ao Tribunal que terá a faculdade de julgar definitivamente a ação a natureza e a relevância da matéria reclamam rápida e definitiva solução a evitar que a pendência do processo sejam quais forem as decisões cautelares liminarmente tomadas além de prorrogar o período de incerteza jurídica possa vir a obstruir o andamento de outros processos objetivos ou subjetivos quiçá urgentes Valhome pois da alternativa aberta pelo art 12 da mesma Lei 98681999 este não questionado para pedir o parecer do Sr ProcuradorGeral da República no prazo legal de modo a propiciar o julgamento definitivo da ações ADIn 2154 rel Min Sepúlveda Pertence decisão monocrática DJ 02102001 No sistema de controle difuso de constitucionalidade de ato normativo vigora indiscutivelmente o princípio da presunção da constitucionalidade do ato normativo impugnado como inconstitucional princípio esse que as nossas Constituições têm consagrado com a regra de que a declaração de inconstitucionalidade pelos tribunais só pode ser feita com o voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial nesse sentido ainda agora o art 97 da Constituição Com o 3º do art 103 inequivocamente se estendeu esse princípio à ação direta de inconstitucionalidade dandose à presunção de constitucionalidade do ato normativo e ela existe quer quanto à norma federal quer quanto à norma estadual um curador especial que assim nesse processo objetivo tem papel diverso do da ProcuradoriaGeral da República embora ambos defendam relevantes interesses públicos De feito o AdvogadoGeral da União como curador especial defende a presunção de constitucionalidade do ato normativo ao passo que o ProcuradorGeral da República defende a rigorosa observância da Constituição ainda que como fiscal da aplicação da lei tenha que manifestarse pela inconstitucionalidade do ato normativo objeto da ação direta E notese essa posição de imparcialidade do fiscal da aplicação da lei que é o ProcuradorGeral da República está preservada ainda quando é ele o autor da ação direta certo como é que mesmo ocupando essa posição nesse processo objetivo pode ele afinal manifestarse contra a inconstitucionalidade que arguiu na inicial Ademais houve por bem a Constituição atual dar esse curador especial à presunção de constitucionalidade do ato normativo impugnado porque não raras vezes o legitimado passivamente não assume a defesa da constitucionalidade desse ato adstringindose a prestar informações objetivas de andamento do processo de sua elaboração ou o que vez por outra ocorre se desinteressa de sua defesa ou até sustenta sua inconstitucionalidade por motivos políticos de mudança de governo ADIn 97QO voto do rel Min Moreira Alves DJ 30031990 O munus a que se refere o imperativo constitucional CF art 103 3º deve ser entendido com temperamentos O AdvogadoGeral da União não está obrigado a defender tese jurídica se sobre ela esta Corte já fixou entendimento pela sua inconstitucionalidade ADIn 1616 rel Min Maurício Corrêa DJ 24082001 o Tribunal rejeitou a arguição de inconstitucionalidade da parte final do art 26 da Lei 98681999 que veda que as decisões tomadas em ADIn ou ADC sejam objeto de ação rescisória Salientandose a inconsistência da alegação de ofensa ao art 5º XXXV da CF aduziuse que adstritos os preceitos constitucionais pertinentes à competência para julgar a ação rescisória CF arts 102 I j 105 I e e 108 I b a extensão e os pressupostos de sua admissibilidade constituem matéria da legislação processual ordinária razão por que não existindo imposição constitucional a admitila a vedação por lei especial à ação rescisória da decisão de determinados processos não poderia ser reputada inconstitucional a não ser que por ser arbitrária ou desarrazoada pudesse a exclusão ser considerada ofensiva a garantias constitucionais que lhe impusessem a admissão Asseverouse ademais que as decisões de mérito da ADIn ou da ADC ações dúplices por sua própria natureza repelem a desconstituição por ação rescisória delas podendo resultar tanto a declaração de inconstitucionalidade quanto de constitucionalidade Esclareceuse que no caso de se declarar a inconstitucionalidade a desconstituição dessa decisão restabeleceria a força da lei antes eliminada o que geraria insegurança jurídica Por sua vez na hipótese de declaração de constitucionalidade a segurança jurídica também estaria comprometida se essa decisão vinculante de todos os demais órgãos da jurisdição e da Administração Pública pudesse ser desconstituída por força de simples variações na composição do STF sem mudança relevante do contexto histórico e das concepções jurídicas subjacentes ao julgado rescindido ADIn 2154 e ADIn 2258 rel Min Sepúlveda Pertence j 14022007 Informativo 456 Afirma Melvin Eisenberg que um precedente está em condições de ser revogado quando deixa de corresponder aos padrões de congruência social e consistência sistêmica e ao mesmo tempo os valores que sustentam a estabilidade basicamente os da isonomia da confiança justificada e da vedação da surpresa injusta mais fundamentam a sua revogação do que a sua preservação Um precedente deixa de corresponder aos padrões de congruência social quando passa a negar proposições morais políticas ou de experiência Essas proposições aparecem no raciocínio do common law exatamente quando se mostram relevantes para a elaboração para a aplicação ou para a mudança de um precedente As proposições morais determinam uma conduta como certa ou errada a partir do consenso moral geral da comunidade as proposições políticas caracterizam uma situação como boa ou má em face do bemestar geral e as proposições de experiência pelo autor da ação direta Tal circunstância no entanto não suprime à parte o dever processual de motivar o pedido e de identificar na Constituição em obséquio ao princípio da especificação das normas os dispositivos alegadamente violados pelo ato normativo que pretende impugnar Impõese ao autor no processo de controle concentrado de constitucionalidade sob pena de não conhecimento da ação direta indicar as normas de referência que são aquelas inerentes ao ordenamento constitucional e que se revestem por isso mesmo de parametricidade em ordem a viabilizar a aferição da conformidade vertical dos atos normativos infraconstitucionais ADIn 561MC rel Min Celso de Mello DJ 23032001 STF ADIn 2182 rel Min Marco Aurélio j 02052010 Indago não havendo a exploração do vício material na peça primeira da ação é dado ao Tribunal atuar de ofício e então partir para o exame de todos os dispositivos da lei A resposta para mim é desenganadamente negativa Não estou aqui a desconhecer os reiterados pronunciamentos no sentido de que a causa de pedir no controle concentrado é aberta Estou sim a levar em conta e por isso trouxe voto versando apenas o vício formal o objeto da própria ação direta de inconstitucionalidade Não tenho uma vírgula na inicial a revelar ataque à lei sob o ângulo material Não tenho a abordagem do conflito sob o ângulo material da lei com qualquer texto da Constituição Se o Tribunal me compelir a examinar a ação sob o ângulo material o que terei de fazer Terei de cotejar sem provocação do requerente artigo por artigo dessa Lei e aqui a Lei não tem o número de artigos do Código Civil ainda bem porque senão passaria o resto da vida examinando esta ação direta de inconstitucionalidade com todos os artigos da Constituição Federal E como fica a jurisprudência no sentido da inépcia da inicial quando não há abordagem quando o requerente não enfoca em que estaria o conflito do artigo com o texto constitucional STF ADIn 2182 Min Marco Aurélio p 6567 do acórdão Cf o Min Ayres Britto para quem a aceitação da doutrina da causa de pedir aberta possui dois limites o primeiro é quanto ao próprio princípio do pedido é preciso que a Corte se atenha ao objeto do pedido formalmente feito o segundo limite é exatamente a separação entre o exame formal e o exame material de inconstitucionalidade No caso não se arguiu em nenhum momento qualquer vício material da lei em nenhuma passagem da petição inicial É preciso em homenagem ao princípio da separação de poderes que o legislador ordinário tenha apontado na petição inicial cada qual das inadequações de inconstitucionalidade em que ocorreu seja do ponto de vista formal seja do ponto de vista material ADIn 2182 p 7677 do acórdão Nas palavras do Min Sepúlveda Pertence exigência de um mínimo de fundamentação sob pena de instaurarse um grande risco uma grande objeção ao controle abstrato de constitucionalidade que é a ditadura da corte constitucional um verdadeiro exame de ofício da inconstitucionalidade material de uma lei quando só se STF a defere RTJ 12480 Excepcionalmente no entanto e para que não se frustrem os seus objetivos a medida cautelar poderá projetarse com eficácia ex tunc em caráter retroativo com repercussão sobre situações pretéritas RTJ 13886 Para que se outorgue eficácia ex tunc ao provimento cautelar em sede de ação direta de inconstitucionalidade impõese que o STF assim o determine expressamente na decisão que conceder essa medida extraordinária ADIn 2105MC rel Min Celso de Mello DJ 28042000 O 2º do art 11 da Lei 98681999 é objeto da ADIn 2258 pendente de julgamento O pedido em questão não tem cabimento em sede de ação direta de inconstitucionalidade eis que terceiros como os servidores públicos eventualmente atingidos pela suspensão cautelar de eficácia da regra estatal impugnada não dispõem de legitimidade para intervir no processo de controle normativo abstrato É que o instituto da oposição CPC arts 56 61 por restringirse ao plano exclusivo dos processos subjetivos em cujo âmbito discutemse situações individuais e interesses concretos não se estende nem se aplica ao processo de fiscalização abstrata de constitucionalidade que se qualifica como típico processo de caráter objetivo sine contradictores destinado a viabilizar o julgamento não de uma relação jurídica concreta mas de validade de lei em tese RTJ 95999 rel Min Moreira Alves ADIn 1350 rel Min Celso de Mello decisão monocrática j 27071996 DJ 13081996 A natureza eminentemente objetiva do processo de controle abstrato de constitucionalidade não dá lugar a ingresso na relação processual de particular voltado à defesa de interesse subjetivo sendo restrita aos órgãos estatais de que emanou o ato normativo impugnado a formação litisconsorcial passiva nas ações da espécie ADIn 1286AgRg rel Min Ilmar Galvão j 06091995 Plenário DJ 06102005 A admissão de amici curiae como mecanismo para permitir a maior interferência de uma pluralidade de sujeitos argumentos e visões no processo constitucional ainda que em processos de cunho subjetivo como o mandado de segurança foi reafirmada em recente decisão monocrática do Min Gilmar Mendes mantida pelo Pleno do STF ao negar provimento a agravos regimentais da União STF MS 32033 rel Min Gilmar Mendes DJe 18022014 A intervenção de terceiros no processo da ação direta de inconstitucionalidade é regra excepcional prevista no art 7º 2º da Lei 98681999 que visa a permitir que terceiros desde que investidos de representatividade adequada possam ser admitidos na relação processual para efeito de manifestação sobre a questão de direito subjacente à própria controvérsia constitucional A admissão de terceiro na condição de amicus curiae no processo objetivo de controle normativo abstrato qualificase como fator de legitimação social das decisões da Suprema Corte enquanto Tribunal Constitucional pois viabiliza em obséquio ao postulado democrático a abertura do processo de fiscalização concentrada de constitucionalidade em ordem a permitir que nele se realize sempre sob uma perspectiva eminentemente pluralística a possibilidade de participação formal de entidades e de instituições que efetivamente representem os interesses gerais da coletividade ou que expressem os valores essenciais e relevantes de grupos classes ou estratos sociais Em suma a regra inscrita no art 7º 2º da Lei 98681999 que contém a base normativa legitimadora da intervenção processual do amicus curiae tem por precípua finalidade pluralizar o debate constitucional ADIn 2130MC rel Min Celso de Mello DJ 02022001 Vêse portanto que a admissão de terceiro na qualidade de amicus curiae traz ínsita a necessidade de que o interessado pluralize o debate constitucional apresentando informações documentos ou quaisquer elementos importantes para o julgamento da ação direta de inconstitucionalidade ADIn 3921 rel Min Joaquim Barbosa decisão monocrática DJ 31102007 O que o amicus curiae requer a toda evidência é providência de natureza cautelar a qual dada a posição que assumiu nos autos de defesa da validade da norma impugnada adquire os contornos de uma cautela típica da ação declaratória de constitucionalidade prevista no art 21 da Lei 98681999 o qual autoriza a suspensão do julgamento dos processos que envolvam a aplicação da lei ou do ato normativo objeto da ação até seu julgamento definitivo Faltalhe contudo legitimidade para requerer o deferimento de medida cautelar na ação direta ADIn 2904 rel Min Menezes Direito decisão monocrática DJe 06062008 O Plenário negou provimento a agravo regimental em que discutida a admissibilidade da intervenção na qualidade de amicus curiae de instituição financeira em ação direta de inconstitucionalidade Preliminarmente o Colegiado conheceu do recurso No ponto a jurisprudência da Corte reconheceria legitimidade recursal àquele que desejasse ingressar na relação processual como amicus curiae e tivesse sua pretensão recusada Por outro lado não se conheceria de recursos interpostos por amicus curiae já admitido nos quais se intentasse impugnar acórdão proferido em sede de controle concentrado de constitucionalidade No mérito o Plenário entendeu que não se justificaria a intervenção de instituição financeira para discutir situações concretas e individuais no caso a situação particular que desaguara na decretação de liquidação extrajudicial da instituição Sob esse aspecto a tutela jurisdicional de situações individuais deveria ser obtida pela via do controle difuso por qualquer pessoa com interesse e legitimidade O propósito do amicus curiae seria o de pluralizar o debate constitucional e conferir maior legitimidade ao julgamento do STF tendo em conta a colaboração emprestada pelo terceiro interveniente Este deveria possuir interesse de índole institucional bem assim a legítima representação de um grupo de pessoas sem qualquer interesse particular Na espécie a instituição agravante careceria de legitimidade uma vez não possuir representatividade adequada Informativo 772 de 03022015 STF ADIn 5022AgR Pleno rel Min Celso de Mello DJe 06032015 Embargos de declaração Legitimidade recursal limitada às partes Não cabimento de recurso interposto por amici curiae Embargos de declaração opostos pelo Procurador Geral da República conhecidos Alegação de contradição Alteração da ementa do julgado Restrição Embargos providos Embargos de declaração opostos pelo ProcuradorGeral da República pelo Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor Brasilcon e pelo STF ADCMC 4 rel Min Sydney Sanches j 11021998 Pode a Corte conceder medida cautelar que assegure temporariamente tal força e eficácia à futura decisão de mérito E assim é mesmo sem expressa previsão constitucional de medida cautelar na ADC pois o poder de acautelar é imanente ao de julgar A constitucionalidade deste dispositivo é questionada na ADIn 2258 pendente de julgamento proposta pelo Conselho Federal da OAB em julho de 2000 sob o fundamento de ofensa aos princípios constitucionais do devido processo legal CF art 5º LIV e do juiz natural CF art 5º XXXVII STF ADPF 130MC rel Min Carlos Britto j 27022008 Lei de Imprensa Referendo da medida liminar Expiração do prazo de 180 cento e oitenta dias Tendo em vista o encerramento do prazo de 180 cento e oitenta dias fixado pelo Plenário para o julgamento de mérito da causa resolvese a Questão de Ordem para estender esse prazo por mais 180 cento e oitenta dias STF Rcl 9123MC rel Min Ricardo Lewandowski decisão monocrática j 02102009 Tratase de reclamação constitucional com pedido de medida liminar ajuizada pela União contra ato praticado pelo Juízo da 10ª Vara do Trabalho de Porto Alegre que teria ofendido a autoridade da decisão desta Corte nos autos da ADC 11DF rel Min Cezar Peluso Constato que esse é o caso em comento Entretanto entendo que o pedido formulado para a concessão da medida liminar em um juízo de cognição sumária é demasiado amplo porquanto pleiteia a reclamante a suspensão do processo e não apenas o recebimento dos embargos opostos nos autos da execução trabalhista Isso posto defiro o pedido liminar apenas para determinar que a autoridade reclamada receba os embargos opostos pela Reclamante nos autos da execução da Reclamação Trabalhista Lei 98681999 art 23 parágrafo único Se não for alcançada a maioria necessária à declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade estando ausentes Ministros em número que possa influir no julgamento este será suspenso a fim de aguardarse o comparecimento dos Ministros ausentes até que se atinja o número necessário para prolação da decisão num ou noutro sentido Lei 98681999 art 28 parágrafo único A declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade inclusive a interpretação conforme a Constituição e a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto têm eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública federal estadual e municipal Rcl 5914AgRg rel Min Ricardo Lewandowski DJe 15082008 Antes da EC 31993 não existia norma a regular os efeitos derivados das decisões proferidas no controle abstrato de constitucionalidade Foi a jurisprudência do STF que paulatinamente construiu a tese dos efeitos erga omnes da decisão de atrasadas E tudo sem o precatório exigido pelo art 100 da CF e ainda sob as ameaças noticiadas na inicial e demonstradas com os documentos que a instruíram 8 Medida cautelar deferida em parte por maioria de votos para se suspender ex nunc e com efeito vinculante até o julgamento final da ação a concessão de tutela antecipada contra a Fazenda Pública que tenha por pressuposto a constitucionalidade ou inconstitucionalidade do art 1º da Lei 9494 de 10091997 sustandose igualmente ex nunc os efeitos futuros das decisões já proferidas nesse sentido ADC 4 rel Min Sydney Sanches j 11021998 DJ 21051999 Ausente a existência de preterição que autorize o sequestro revelase evidente a violação ao conteúdo essencial do acórdão proferido na mencionada ação direta que possui eficácia erga omnes e efeito vinculante A decisão do Tribunal em substância teve sua autoridade desrespeitada de forma a legitimar o uso do instituto da reclamação Hipótese a justificar a transcendência sobre a parte dispositiva dos motivos que embasaram a decisão e dos princípios por ela consagrados uma vez que os fundamentos resultantes da interpretação da Constituição devem ser observados por todos os tribunais e autoridades contexto que contribui para a preservação e desenvolvimento da ordem constitucional STF Pleno Rcl 1987 rel Min Maurício Corrêa DJ 21052004 STF Pleno Rcl 1987 rel Min Maurício Corrêa DJ 21052004 Rcl 2363 Pleno rel Min Gilmar Mendes DJ 01042005 A Rcl 4219 também abordou o assunto Nesta Reclamação existiam nove votos tratando da questão quando em virtude do falecimento do reclamante julgouse prejudicado o pedido Tinham votado pela admissibilidade da Reclamação os Ministros Eros Grau Cezar Peluzo Gilmar Mendes e Celso de Mello Em sentido contrário votaram os Ministros Joaquim Barbosa relator Sepúlveda Pertence Ricardo Lewandowski Carlos Brito e Cármen Lúcia Restavam os votos dos Ministros Ellen Gracie e Marco Aurélio Rcl 4219 rel Min Joaquim Barbosa Na Rcl 1987 o STF reconheceu a autoridade vinculante dos fundamentos determinantes da decisão Rcl 1987 Pleno rel Min Maurício Côrrea DJ 21052004 A tese porém deixou de ser reafirmada na Rcl 2475 Rcl 2475AgRgMG Pleno rel p o acórdão Min Marco Aurélio DJe 3112008 Lembrese porém que há visível divergência entre os ministros do Tribunal acerca do ponto Rcl 10793 rel Min Ellen Gracie j 13042011 STF Rcl 10793 rel Min Ellen Gracie j 13042011 Do voto da relatora p 9 Cabe aos juízes e desembargadores respeitar a autoridade da decisão do STF tomada em sede de repercussão geral assegurando a racionalidade e eficiência ao sistema judiciário e concretizando a certeza jurídica sobre o tema Se assim não for admitidas decisões díspares do entendimento firmado pelo STF em processos com repercussão geral haverá gradativamente o enfraquecimento de toda a sistemática estabelecida pelo Congresso Nacional inexistência de direito dos candidatos à prova de segunda chamada nos testes de aptidão física salvo contrária disposição editalícia em razão de circunstâncias pessoais ainda que de caráter fisiológico ou de força maior e ii assegurar a validade das provas de segunda chamada realizadas até a data de conclusão do julgamento em nome da segurança jurídica Advertiuse que por não se tratar de declaração de inconstitucionalidade em controle abstrato mas de nova interpretação do texto constitucional e de substancial mudança de jurisprudência não se poderia suscitar a modulação dos efeitos da decisão mediante a aplicação do art 27 da Lei 98681999 mas que caberia à Corte em virtude de razões de segurança jurídica a tarefa de proceder a ponderação das consequências e o devido ajuste do resultado para adotar a técnica de decisão que possa melhor traduzir a mutação constitucional operada O Min Gilmar Mendes ao concluir o seu voto declarou que mudanças radicais na interpretação da Constituição devem ser acompanhadas da devida e cuidadosa reflexão sobre suas consequências tendo em vista o postulado da segurança jurídica como subprincípio do Estado de Direito STF Pleno RE 630733 rel Min Gilmar Mendes DJe 19112013 Aceitar que a decisão firmada em sede de recurso extraordinário pode ter os seus efeitos temporais modulados em nome da segurança jurídica implica reconhecer a existência de precedente constitucional com eficácia vinculante Só uma decisão com efeitos vinculantes pode exigir modulação dos seus efeitos temporais Retenhase o ponto quando se percebe que o verdadeiro problema é saber se a decisão proferida em recurso extraordinário tem eficácia vinculante importa pouco se o recurso foi interposto anteriormente à instituição do regime da repercussão geral Ainda que esse regime não existisse na época da interposição do recurso não se poderia negar a um precedente constitucional eficácia vinculante A inexistência do regime tem a ver com o funcionamento da Corte com a necessidade de um filtro recursal e não com a eficácia das suas decisões Ademais embora no caso se tenha falado de tutela da confiança não se discutiu de maneira adequada se a confiança era realmente justificada como deve acontecer quando se indaga sobre a eficácia temporal de uma decisão que revoga precedente Finalmente a Corte não deveria ter negado provimento ao recurso extraordinário Não é correto negar provimento a um recurso quando se firma entendimento oposto ao da decisão recorrida Notese que nada impede que se dê provimento ao recurso e se reconheça que os efeitos da decisão do mesmo modo que não podem apanhar as situações que se formaram até então não podem atingir o próprio caso sob julgamento Bem vistas as coisas quando se nega que os efeitos da decisão podem atingir as situações que se consolidaram até o momento do julgamento obviamente não há como pensar em projeção de efeitos sobre o caso sob julgamento Isso para não falar na impropriedade de se pensar em efeitos de uma decisão que não deu provimento a um recurso e assim não teria se sobreposto a outra Em Portugal João Calvão da Silva adverte que mesmo que a Constituição portuguesa não protegesse a coisa julgada material igual resultado seria atingido através do recurso às regras gerais do caso julgado e sua razão de ser Isso porque como observa o jurista o econômica na forma que dispuser lei de iniciativa do Congresso Nacional e a entrar em vigor no prazo de doze meses a contar da promulgação da Constituição grifamos MI 283 Pleno rel Min Sepúlveda Pertence DJ 14111991 MI 284 Pleno rel p o acórdão Min Celso de Mello DJ 26061992 CF art 195 A seguridade social será financiada por toda a sociedade de forma direta e indireta nos termos da lei mediante recursos provenientes dos orçamentos da União dos Estados do Distrito Federal e dos Municípios e das seguintes contribuições sociais 7º São isentas de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei ADCT art 59 Os projetos de lei relativos à organização da seguridade social e aos planos de custeio e de benefício serão apresentados no prazo máximo de seis meses da promulgação da Constituição ao Congresso Nacional que terá seis meses para apreciá los Parágrafo único Aprovados pelo Congresso Nacional os planos serão implantados progressivamente nos dezoito meses seguintes MI 232 Pleno rel Min Moreira Alves DJ 27031992 Art 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais além de outros que visem à melhoria de sua condição social XXI aviso prévio proporcional ao tempo de serviço sendo no mínimo de trinta dias nos termos da lei Mandado de injunção Aviso prévio proporcional CF art 7º XXI Mandado de injunção ajuizado por empregado despedido exclusivamente contra a exempregadora Natureza do mandado de injunção Firmouse no STF o entendimento segundo o qual o mandado de injunção há de dirigirse contra o Poder órgão entidade ou autoridade que tem o dever de regulamentar a norma constitucional não se legitimando ad causam passivamente em princípio quem não estiver obrigado a editar a regulamentação respectiva Não é viável dar curso a mandado de injunção por ilegitimidade passiva ad causam da exempregadora do requerente única que se indica como demandada na inicial Mandado de injunção não conhecido MI 352 Pleno rel Min Néri da Silveira j 04091991 DJ 12121997 CF art 192 3º As taxas de juros reais nelas incluídas comissões e quaisquer outras remunerações direta ou indiretamente referidas à concessão de crédito não poderão ser superiores a doze por cento ao ano a cobrança acima deste limite será conceituada como crime de usura punido em todas as suas modalidades nos termos que a lei determinar revogado MI 335 Pleno rel Min Celso de Mello DJ 09081991 Mandado de injunção Limite da taxa de juros reais CF art 192 3º Congresso Nacional e instituição financeira privada Litisconsórcio passivo incabível Ação judicial de cobrança executiva Suspensão cautelar indeferida Decisão inapreciável em sede de agravo regimental A jurisprudência do STF firmouse no sentido do descabimento de agravo regimental contra despacho do relator que aprecia medida liminar em sede de mandado de injunção Somente pessoas estatais podem figurar no polo passivo da relação processual instaurada com a impetração do mandado de injunção eis que apenas a elas é imputável o dever jurídico de emanação de provimentos normativos A natureza jurídico processual do instituto do mandado de injunção ação judicial de índole mandamental inviabiliza em função de seu próprio objeto a formação de litisconsórcio passivo necessário ou facultativo entre particulares e entes estatais MI 335 Pleno rel Min Celso de Mello DJ 09081991 MI 513 Pleno rel Min Maurício Corrêa DJ 19041996 Mandado de injunção Companhia Teperman de Estofamentos Objetivando compelir o Congresso Nacional a regulamentar o 3º do art 192 da Carta Magna Limite de 12 ao ano das taxas de juros reais Sustentação de estar sujeita a iminente cobrança judicial bancária caso inocorra a regulamentação pretendida 2 Cautelar indeferida Ilegitimidade passiva do Banco credor ao mandado de injunção 3 Informações prestadas Regulamentação questionada encontrandose em tramitação no Congresso Nacional 4 Parecer da ProcuradoriaGeral da República pelo não conhecimento 5 Coisa julgada Precedente MI 5133 com as mesmas partes mesma causa de pedir e mesmo pedido em que ficou decidido que instituições financeiras não integram a relação jurídica processual como litisconsortes passivos necessários Deferido parcialmente para comunicar ao Poder Legislativo sobre a mora em que se encontra 6 Mandado de injunção não conhecido MI 507 Pleno rel Min Néri da Silveira j 26051997 DJ 06042001 Mandado de injunção coletivo Impetração deduzida por confederação sindical Possibilidade Natureza jurídica do writ injuncional Taxa de juros reais CF art 192 3º Omissão do Congresso Nacional Fixação de prazo para legislar Descabimento no caso Writ deferido Mandado de injunção coletivo Admissibilidade Entidades sindicais dispõem de legitimidade ativa para a impetração do mandado de injunção coletivo que constitui instrumento de atuação processual destinado a viabilizar em favor dos integrantes das categorias que essas instituições representam o exercício de liberdades prerrogativas e direitos assegurados pelo ordenamento constitucional Precedentes sobre a admissibilidade do mandado de injunção coletivo MI 20 rel Min Celso de Mello MI 342 rel Min Moreira Alves e MI 361 rel p o acórdão Min Sepúlveda Pertence Inércia do Congresso Nacional e desprestígio da Constituição A regra inscrita no art 192 3º da CF por não se revestir de suficiente densidade normativa reclama para efeito de sua integral aplicabilidade a necessária intervenção concretizadora do Poder Legislativo da União Inércia legiferante do Congresso Nacional O desprestígio da Constituição por inércia de órgãos meramente constituídos representa um dos mais tormentosos aspectos do processo de desvalorização funcional da Lei Fundamental da República ao mesmo tempo que estimulando gravemente a erosão da consciência constitucional evidencia o inaceitável desprezo dos direitos básicos e das liberdades públicas pelos poderes do Estado O inadimplemento do dever constitucional de legislar quando configure causa inviabilizadora do exercício de liberdades prerrogativas e direitos proclamados pela própria Constituição justifica a utilização do mandado de injunção Mandado de injunção e estipulação judicial de prazo para o adimplemento da obrigação constitucional Não se revela cabível a estipulação de prazo para o Congresso Nacional suprir a omissão em que ele próprio incidiu na regulamentação da norma inscrita no art 192 3º da Carta Política eis que essa providência excepcional só se justificaria se o próprio Poder Público para além do seu dever de editar o provimento normativo faltante fosse também o sujeito passivo da relação de direito material emergente do preceito constitucional em questão Precedentes MI 472 Pleno rel Min Celso de Mello j 06091995 DJ 02032001 MI 361 Pleno rel p o acórdão Min Sepúlveda Pertence DJ 17061994 CF art 37 VII O direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica grifamos MI 20 Pleno rel Min Celso de Mello DJ 22111996 O preceito constitucional que reconheceu o direito de greve ao servidor público civil constitui norma de eficácia meramente limitada desprovida em consequência de autoaplicabilidade razão pela qual para atuar plenamente depende da edição da lei complementar exigida pelo próprio texto da Constituição A mera outorga constitucional do direito de greve ao servidor público civil não basta ante a ausência de autoaplicabilidade da norma constante do art 37 VII da Constituição para justificar o seu imediato exercício O exercício do direito público subjetivo de greve outorgado aos servidores civis só se revelará possível depois da edição da lei complementar reclamada pela Carta Política A lei complementar referida que vai definir os termos e os limites do exercício do direito de greve no serviço público constitui requisito de aplicabilidade e de operatividade da norma inscrita no art 37 VII do texto constitucional Essa situação de lacuna técnica precisamente por inviabilizar o exercício do direito de greve justifica a utilização e o deferimento do mandado de injunção A inércia estatal configurase objetivamente quando o excessivo e irrazoável retardamento na efetivação da prestação legislativa não obstante a ausência na Constituição de prazo préfixado para a edição da necessária norma regulamentadora vem a comprometer e a nulificar a situação subjetiva de vantagem criada pelo texto constitucional em favor dos seus bene ficiários MI 585 Pleno rel Min Ilmar Galvão DJ 02082002 Configurada a mora do Congresso Nacional na regulamentação do direito sob enfoque impõese o parcial deferimento do writ para que tal situação seja comunicada ao referido órgão MI 485 Pleno rel Min Maurício Corrêa DJ 23082002 Servidor público Exercício do direito público subjetivo de greve Necessidade de integralização da norma prevista no art 37 VII da CF mediante edição de lei complementar para definir os termos e os limites do exercício do direito de greve no serviço público Mandado de injunção conhecido em parte e nessa parte deferido para declarar a omissão legislativa Tese defendida pelo Min Carlos Velloso e rejeitada pelo Tribunal cf por exemplo o MI 631 Pleno rel Min Ilmar Galvão DJ 02082002 MI 670 Pleno rel p o acórdão Min Gilmar Mendes DJe 31102008 Idem MI 670 Pleno rel p o acórdão Min Gilmar Mendes DJe 31102008 Idem A mesma solução com idênticos fundamentos encontrase no acórdão proferido no MI 708 Pleno rel Min Gilmar Mendes DJe 31102008 MI 712 Pleno rel Min Eros Grau DJ 31102008 Idem Idem Idem Em maio de 2011 o Min Celso de Mello em decisão monocrática no MI 1967 salientou que não se pode dizer que o STF ao colmatar uma evidente e lesiva omissão inconstitucional do aparelho de Estado estarseia transformando em anômalo legislador É que ao suprir lacunas normativas provocadas por injustificável inércia do Estado esta Suprema Corte nada mais faz senão desempenhar o papel que lhe foi outorgado pela própria Constituição da República valendose para tanto de ins trumento que concebido pela Assembleia Nacional Constituinte foi por ela instituído com a precípua finalidade de impedir que a inércia governamental como a que se registra no caso ora em exame culminasse por degradar a autoridade e a supremacia da Lei Fundamental Neste caso decidiuse que o servidor público portador de deficiência física tem direito de ter seu pedido de aposentadoria especial analisado pela autoridade administrativa equiparandose a sua situação com a dos servidores públicos que exercem atividades insalubres ou perigosas MI 1967 rel Min Celso de Mello DJ 27052011 Nessa linha o STF reconheceu o exercício do direito à aposentadoria especial de servidor público em decorrência de atividade em trabalho insalubre prevista no 4º do art 40 da CF adotando como parâmetro o sistema do regime geral de previdência social disciplinado no art 57 da Lei 82131991 que dispõe sobre a aposentadoria especial na iniciativa privada V MI 788DF rel Min Carlos Britto DJ 08052009 MI 795DF rel Min Cármen Lúcia DJ 22052009 MI 796DF rel Min Carlos Britto DJ 08052009 MI 797DF rel Min Cármen Lúcia DJ 22052009 MI 808DF rel Min Carlos Britto DJ 08052009 MI 809DF rel Min Cármen Lúcia DJ 22052009 MI 815DF rel Min Carlos Britto DJ 08052009 MI 825DF rel Min Carlos Britto DJ 08052009 MI 828DF rel Min Cármen Lúcia DJ 22052009 MI 841DF rel Min Cármen Lúcia DJ 22052009 MI 850DF rel Min Cármen Lúcia DJ 22052009 MI 879DF rel Min Cármen Lúcia DJ 22052009 MI 905DF rel Min Cármen Lúcia DJ 22052009 MI 927DF rel Min Cármen Lúcia DJ 22052009 MI 938DF rel Min Cármen Lúcia DJ 22052009 MI 962DF rel Min Cármen Lúcia DJ 22052009 MI 998DF rel Min Cármen Lúcia DJ 22052009 MI 835DF rel Min Marco Aurélio DJ 24092010 MI 885DF rel Min Marco Aurélio DJ 24092010 MI 923DF rel Min Marco Aurélio DJ 24092010 MI 957DF rel Min Marco Aurélio DJ 24092010 MI 975DF rel Min Marco Aurélio DJ 24092010 MI 991DF rel Min Marco Aurélio DJ 24092010 MI 1083DF rel Min Marco Aurélio DJ 24092010 MI 1128DF rel Min Marco Aurélio DJ 24092010 MI 1152DF rel Min Marco Aurélio DJ 24092010 MI 1182DF rel Min Marco Aurélio DJ 24092010 MI 1270DF rel Min Marco Aurélio DJ 24092010 MI 1440DF rel Min Marco Aurélio DJ 24092010 MI 1660DF rel Min Marco Aurélio DJ 24092010 MI 1681DF rel Min Marco Aurélio DJ 24092010 MI 1682DF rel Min Marco Aurélio DJ 24092010 MI 1700DF rel Min Marco Aurélio DJ 24092010 MI 1747DF rel Min Marco Aurélio DJ 24092010 MI 1797DF rel Min Marco Aurélio DJ 24092010 MI 1800DF rel Min Marco Aurélio DJ 24092010 MI 1835DF rel Min Marco Aurélio DJ 24092010 Verificase a atuação da Corte no sentido de realizar a integração normativa necessária ao exercício do direito constitucional pendente de disciplina legislativa conferindo aos direitos do cidadão adequada tutela contra as omissões legislativas Advirtase que no julgamento do MI 795 que tratou da omissão inconstitucional relativa à fruição do direito à aposentadoria especial por servidor público restou resolvida questão de ordem suscitada pelo Min Joaquim Barbosa no sentido de autorizar ao relator a faculdade de julgar monocraticamente os processos idênticos MI 795 Pleno rel Min Cármen Lúcia DJ 22042009 O STF decidiu no MI 3162 EDDF que para ser cabível mandado de injunção não é suficiente a existência tão somente de obstáculo ao exercício de direito ou liberdade constitucional diante de omissão legislativa mas a total e concreta impossibilidade de sua fruição pelo seu titular Dessa forma o mandado de injunção não seria via adequada para que servidor público requeresse a verificação de contagem de prazo diferenciado de serviço exercido em condições prejudiciais à saúde e à integridade física devendo ser comprovada a titularidade do direito no caso o direito à aposentadoria e a sua inviabilidade concreta pela ausência de norma regulamentadora STF MI 3162 ED Pleno rel Min Cármen Lúcia DJe 29102014 Nos MI 943 1010 1074 e 1090 impetrados em face da Presidência da República e da Companhia Vale do Rio Doce a Corte reconheceu a ilegitimidade da companhia porém a manteve no feito na qualidade de interessada Embargos de declaração nos mandados de injunção 943 1010 1074 e 1090 2 Aviso prévio proporcional ao tempo de serviço 3 Advento da Lei 125062011 no curso do julgamento 4 Aplicação de parâmetros similares aos da referida lei 5 Alegação de omissão quanto ao pedido de exclusão da embargante Companhia Vale do Rio Doce do polo passivo dos writs 6 Argumentação de perda superveniente do objeto das impetrações em razão do advento da norma regulamentadora Rejeição da tese pelo Plenário que decidiu dar continuidade no julgamento dos MI impetrados antes da publicação da Lei 125062011 7 Embargos parcialmente acolhidos ED 943 1010 1074 e 1090 apenas para reconhecer a ilegitimidade passiva da Companhia Vale do Rio Doce todavia a manter no feito na qualidade de interessada STF MI 472 Pleno rel Min Celso de Mello j 06091995 DJ 02032001 STF MI 712 rel Min Eros Grau j 27102007 do voto do relator p 7 A legitimidade ativa ad causam do ora impetrante entidade sindical é reconhecida em consolidada jurisprudência do STF Essa orientação jurisprudencial tem prestigiado a doutrina que considera irrelevante para o efeito de justificar a admissibilidade da ação coletiva o fato de inexistir previsão constitucional a respeito Sendo assim é processualmente viável o acesso de entidades de classe desde que legalmente constituídas e em funcionamento há pelo menos um ano à via do mandado de injunção coletivo STF MI 361 Pleno rel p o acórdão Min Sepúlveda Pertence j 08041994 DJ 17061994 Da ementa I Mandado de injunção coletivo Admissibilidade por aplicação analógica do art 5º LXX da CF Legitimidade no caso de entidade sindical de pequenas e médias empresas as quais notoriamente dependentes do crédito bancário têm interesse comum na eficácia do art 192 3º revogado da CF que fixou limites aos juros reais MI 20 Pleno rel Min Celso de Mello j 19051994 DJ 22111996 V ainda Mandado de injunção coletivo Impetração deduzida por confederação sindical Possibilidade Natureza jurídica do writ injuncional Taxa de juros reais CF art 192 3º revogado Omissão do Congresso Nacional Fixação de prazo para legislar Descabimento no caso Writ deferido Mandado de injunção coletivo Admissibilidade Entidades sindicais dispõem de legitimidade ativa para a impetração do mandado de injunção coletivo que constitui instrumento de atuação processual destinado a viabilizar em favor dos integrantes das categorias que essas instituições representam o exercício de liberdades prerrogativas e direitos assegurados pelo ordenamento constitucional MI 472 Pleno rel Min Celso de Mello j 060995 DJ 02032001 LC 751993 que dispõe sobre a organização as atribuições e o estatuto do Ministério Público da União Art 6º Compete ao Ministério Público da União VIII promover outras ações nelas incluído o mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade à soberania e à cidadania quando difusos os interesses a serem protegidos MI 631 rel Min Ilmar Galvão DJ 22082000 No MI 712 o Min Cezar Peluso em voto vencido assim argumentou p 185186 do acórdão estou de acordo em que antecipemos uma medida liminar Tratase de garantia em tese de antecipação de tutela de tutela provisória Até para que não se prolongue a falta de condições de exercício de direito MI 232 Pleno rel Min Moreira Alves DJ 27031992 MI 712 Pleno rel Min Eros Grau DJ 31102008 31122004 a Câmara dos Deputados e o Senado Federal ainda se achavam como já referido em período de recesso por efeito de expressa determinação constitucional CF art 57 caput MI 715 rel Min Celso de Mello DJ 22062005 Registrese novamente a argumentação do Min Celso de Mello Tornase necessário reconhecer ainda que em razão do mencionado Pacto de Estado foram encaminhadas ao Congresso Nacional pelo Senhor Presidente da República as seguintes proposições legislativas todas elas visando a tornar real e efetiva a desejada celeridade na tramitação dos processos a o PL 47232004 que dispõe sobre a uniformização de jurisprudência no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais b o PL 47242004 que altera artigos do Código de Processo Civil relativamente à forma de interposição de recursos c o PL 47252004 que altera dispositivos da Lei 58691973 possibilitando a realização do inventário partilha separação consensual e divórcio consensual por via administrativa d o PL 47262004 que altera artigos do Código de Processo Civil concernentes à incompetência relativa meios eletrônicos prescrição distribuição por dependência exceção de incompetência revelia carta precatória e rogatória ação rescisória e vista dos autos e o PL 47272004 que dá nova redação a artigos do Código de Processo Civil relativos ao agravo de instrumento e ao agravo retido f o PL 47282004 que dispõe sobre a racionalização do julgamento de processos repetitivos g o PL 47292004 relativo ao julgamento de agravos e h os PL 47302004 47312004 47322004 47332004 47342004 e 47352004 que introduzem modificações na CLT em ordem a conferir celeridade à tramitação dos processos trabalhistas Vêse portanto que não se apresenta configurada qualquer situação de omissão abusiva ou de superação excessiva de tempo razoável por parte do Congresso Nacional no que concerne à adoção de medidas destinadas a viabilizar instrumentalmente a plena incidência do inciso LXXVIII do art 5º da Constituição da República MI 715 rel Min Celso de Mello DJ 22062005 ADIn 1442 Pleno rel Min Celso de Mello DJ 29042005 Mandado de injunção Situação de lacuna técnica Pressuposto essencial de sua admissibilidade Pretendida majoração de vencimentos devidos a servidores públicos Alteração de lei já existente Inviabilidade Agravo regimental improvido A estrutura constitucional do mandado de injunção impõe como um dos pressupostos essenciais de sua admissibilidade a ausência de norma regulamentadora Essa situação de lacuna técnica que se traduz na existência de um nexo causal entre o vacuum juris e a impossibilidade do exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes a nacionalidade a soberania e a cidadania constitui requisito necessário que condiciona a própria impetrabilidade desse novo remédio instituído pela Constituição de 1988 O mandado de injunção não constitui dada a sua precípua função jurídico processual sucedâneo de ação judicial que objetive mediante alteração de lei já existente a majoração de vencimentos devidos a servidores públicos Refoge ao âmbito de sua finalidade corrigir eventual inconstitucionalidade que infirme a validade de ato estatal em vigor MI 81 Pleno rel Min Celso de Mello DJ 25051990 No mesmo sentido MI 78 Mandado de injunção Substituição tributária ICMS Após a impetração do presente mandado de injunção foi editada a LC 87 de 13091996 que nos arts 5º a 10 disciplina com normas gerais a substituição tributária com relação ao ICMS Está pois prejudicada a presente impetração por perda de objeto Mandado de injunção julgado prejudicado MI 539 Pleno rel Min Moreira Alves DJ 06021998 Mandado de injunção Art 7º XI da CF Superveniente implementação do dispositivo constitucional Tendo em vista a edição superveniente ao ajuizamento do presente mandado de injunção da MedProv 1136 de 26091995 que dispõe sobre a participação dos trabalhadores nos lucros ou resultados da empresa e dá outras providências verificase a perda de objeto da impetração Mandado de injunção que se tem por prejudicado MI 426 Pleno rel Min Ilmar Galvão DJ 16021996 Ação direta de inconstitucionalidade por omissão Inatividade do legislador quanto ao dever de elaborar a lei complementar a que se refere o 4º do art 18 da CF na redação dada pela EC 151996 Ação julgada procedente 1 A EC 15 que alterou a redação do 4º do art 18 da Constituição foi publicada no dia 13091996 Passados mais de 10 dez anos não foi editada a lei complementar federal definidora do período dentro do qual poderão tramitar os procedimentos tendentes à criação incorporação desmembramento e fusão de municípios Existência de notório lapso temporal a demonstrar a inatividade do legislador em relação ao cumprimento de inequívoco dever constitucional de legislar decorrente do comando do art 18 4º da Constituição 2 Apesar de existirem no Congresso Nacional diversos projetos de lei apresentados visando à regulamentação do art 18 4º da CF é possível constatar a omissão inconstitucional quanto à efetiva deliberação e aprovação da lei complementar em referência As peculiaridades da atividade parlamentar que afetam inexoravelmente o processo legislativo não justificam uma conduta manifestamente negligente ou desidiosa das Casas Legislativas conduta esta que pode pôr em risco a própria ordem constitucional A inertia deliberandi das Casas Legislativas pode ser objeto da ação direta de inconstitucionalidade por omissão 3 A omissão legislativa em relação à regulamentação do art 18 4º da CF acabou dando ensejo à conformação e à consolidação de estados de inconstitucionalidade que não podem ser ignorados pelo legislador na elaboração da lei complementar federal 4 Ação julgada procedente para declarar o estado de mora em que se encontra o Congresso Nacional a fim de que em prazo razoável de 18 dezoito meses adote ele todas as providências legislativas necessárias ao cumprimento do dever constitucional imposto pelo art 18 4º da CF devendo ser contempladas as situações imperfeitas decorrentes do estado de inconstitucionalidade gerado pela omissão Não se trata de impor um prazo para a atuação legislativa do Congresso Nacional mas apenas da fixação de um parâmetro temporal razoável tendo em vista o prazo de 24 meses determinado pelo Tribunal nas ADIn 2240 3316 3489 e 3689 para que as leis estaduais que criam municípios ou alteram seus limites territoriais continuem vigendo até que a lei complementar federal seja defesa de aspirações cívicas de toda a cidadania ADIn 61QO rel Min Sepúlveda Pertence j 29081990 DJ 28091990 Entidade de classe de âmbito nacional art 103 IX da CF Não é entidade de classe de âmbito nacional para os efeitos do inciso IX do art 103 da CF a que só reúne empresas sediadas no mesmo Estado nem a que congrega outras de apenas quatro Estados da Federação ADIn 386 rel Min Sydney Sanches j 04041991 DJ 28061991 Já firmou esta Corte o entendimento de que das entidades sindicais apenas as confederações sindicais art 103 IX da CF têm legitimação para propor ação direta de inconstitucionalidade Por outro lado foi recebido pela Carta Magna vigente o art 535 da CLT que dispõe sobre a estrutura das confederações sindicais exigindo inclusive que se organizem com um mínimo de três federações ADIn 505 rel Min Moreira Alves j 20061992 DJ 02081991 No mesmo sentido ADIn 706AgRg rel Min Carlos Velloso j 24061992 DJ 04091992 Tratase de arguição de descumprimento de preceito fundamental proposta pela Federação das Entidades Representativas dos Oficiais de Justiça Estaduais do Brasil Fojebra A arguente não possui legitimidade ativa para propor a presente ação direta de inconstitucionalidade nos termos do art 103 da CF1988 e do art 2º I da Lei 98821999 cc o art 2º da Lei 98681999 A jurisprudência deste Tribunal é pacífica no sentido de que na esfera das entidades sindicais apenas as confederações possuem legitimação para o ajuizamento de ações que tratem do controle abstrato de constitucionalidade ADPF 220 rel Min Gilmar Mendes decisão monocrática j 08112010 DJe 12112010 Preliminarmente não tenho como legitimadas à ação as federações sindicais autoras Federação Nacional dos Estivadores Federação Nacional de Conferentes e Consertadores de Carga e Descarga Vigias Portuários Trabalhadores de Bloco e Arrumadores e Federação dos Portuários Cuidase de entidades sindicais que não atendem ao requisito do inciso IX do art 103 da CF porque seu nível não é de confederação sindical São entidades sindicais de segundo grau Nesse sentido as decisões do Plenário nas ADIn 433DF 8536DF 8684DF ADIn 929MC voto do rel Min Néri da Silveira j 13101998 DJ 20061997 É parte legítima para propor ação direta de inconstitucionalidade a federação nacional de categoria específica mesmo compreendida na categoria mais ampla de uma confederação existente art 103 IX da CF ADIn 209MC rel Min Octavio Gallotti j 29061990 DJ 09121994 CF art 61 A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados do Senado Federal ou do Congresso Nacional ao Presidente da República ao Supremo Tribunal Federal aos Tribunais Superiores ao ProcuradorGeral da República e aos cidadãos na forma e nos casos previstos nesta Constituição 1º São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que I fixem ou modifiquem os efetivos das Forças Armadas II disponham sobre a criação de cargos funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração b organização administrativa e judiciária matéria tributária e orçamentária serviços públicos e pessoal da administração dos Territórios c servidores públicos da União e Territórios seu regime jurídico provimento de cargos estabilidade e aposentadoria d organização do Ministério Público e da Defensoria Pública da União bem como normas gerais para a organização do Ministério Público e da Defensoria Pública dos Estados do Distrito Federal e dos Territórios e criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública observado o disposto no art 84 VI f militares das Forças Armadas seu regime jurídico provimento de cargos promoções estabilidade remuneração reforma e transferência para a reserva CF art 93 Lei complementar de iniciativa do Supremo Tribunal Federal disporá sobre o Estatuto da Magistratura observados os seguintes princípios grifamos CF art 96 Compete privativamente II ao Supremo Tribunal Federal aos Tribunais Superiores e aos Tribunais de Justiça propor ao Poder Legislativo respectivo observado o disposto no art 169 a a alteração do número de membros dos tribunais inferiores b a criação e a extinção de cargos e a remuneração dos seus serviços auxiliares e dos juízos que lhes forem vinculados bem como a fixação do subsídio de seus membros e dos juízes inclusive dos tribunais inferiores onde houver c a criação ou extinção dos tribunais inferiores d a alteração da organização e da divisão judiciárias Ação direta de inconstitucionalidade por omissão Art 37 X da CF redação da EC 19 de 04061998 Norma constitucional que impõe ao Presidente da República o dever de desencadear o processo de elaboração da lei anual de revisão geral da remuneração dos servidores da União prevista no dispositivo constitucional em destaque na qualidade de titular exclusivo da competência para iniciativa da espécie na forma prevista no art 61 1º II a da CF Mora que no caso se tem por verificada quanto à observância do preceito constitucional desde junho1999 quando transcorridos os primeiros doze meses da data da edição da referida EC 191998 Não se compreende a providência nas atribuições de natureza administrativa do Chefe do Poder Executivo não havendo cogitar por isso da aplicação no caso da norma do art 103 2º in fine que prevê a fixação de prazo para o mister Procedência parcial da ação ADIn 2061 Pleno rel Min Ilmar Galvão DJ 29062001 Em outra ação direta de inconstitucionalidade por omissão que tomou em conta a mesma norma constitucional colocouse no polo passivo o Governador do Estado do Rio Grande de Norte Ação direta de inconstitucionalidade por omissão Art 37 X da CF redação da EC 19 de 04061998 Estado do Rio Grande do Norte Norma constitucional que impõe ao Governador do Estado o dever de desencadear o processo de elaboração da lei anual de revisão geral da remuneração dos servidores estaduais prevista no dispositivo constitucional em destaque na qualidade de titular exclusivo da competência para iniciativa da espécie na forma prevista no art 61 1º II a da Carta da República Mora que no caso se tem por verificada quanto à observância do preceito constitucional desde junho de 1999 quando transcorridos os primeiros doze meses da data da edição da referida EC 191998 Não se compreende a providência nas atribuições de natureza administrativa do chefe do Poder Executivo não havendo cogitar por isso da aplicação no caso da norma do art 103 2º in fine que prevê a fixação de prazo para o mister Procedência parcial da ação ADIn 2947 Pleno rel Min Ilmar Galvão DJ 15032002 CF art 103 2º Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional será dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias e em se tratando de órgão administrativo para fazêlo em trinta dias Art 12B A petição indicará I a omissão inconstitucional total ou parcial quanto ao cumprimento de dever constitucional de legislar ou quanto à adoção de providência de índole administrativa II o pedido com suas especificações Parágrafo único A petição inicial acompanhada de instrumento de procuração se for o caso será apresentada em 2 duas vias devendo conter cópias dos documentos necessários para comprovar a alegação de omissão Art 12D Proposta a ação direta de inconstitucionalidade por omissão não se admitirá desistência O princípio da indisponibilidade norteia o processo de controle concentrado de constitucionalidade conforme ressalta o STF O processo de controle normativo abstrato regese pelo princípio da indisponibilidade A questão pertinente à controvérsia constitucional revestese de tamanha magnitude que uma vez instaurada a fiscalização concentrada de constitucionalidade tornase inviável a extinção desse processo objetivo pela só e unilateral manifestação de vontade do autor Tenho para mim que as mesmas razões que afastam a possibilidade da desistência em ação direta justificam a vedação a que o autor uma vez formulado o pedido de medida liminar venha a reconsiderar a postulação deduzida initio litis ADIn 892MC voto do rel Min Celso de Mello j 27101994 DJ 07111997 O princípio da indisponibilidade que rege o processo de controle concentrado de constitucionalidade impede a desistência da ação direta já ajuizada O art 169 1º do RISTF80 que veda ao ProcuradorGeral da República essa desistência aplicase extensivamente a todas as autoridades e órgãos legitimados pela Constituição de 1988 para a instauração do controle concentrado de constitucionalidade art 103 ADIn 387MC rel Min Celso de Mello j 1º031991 DJ 11101991 Ainda ADIn 4125 rel Min Cármen Lúcia j 10062010 Plenário DJe 15022011 Art 12C A petição inicial inepta não fundamentada e a manifestamente improcedente serão liminarmente indeferidas pelo relator Parágrafo único Cabe agravo da decisão que indeferir a petição inicial Seção II Da medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade por omissão Art 12F Em caso de excepcional urgência e relevância da matéria o Tribunal por decisão da maioria absoluta de seus membros observado o disposto no art 22 poderá conceder medida cautelar após a audiência dos órgãos ou autoridades responsáveis pela omissão inconstitucional que deverão pronunciarse no prazo de 5 cinco dias 1º A medida cautelar poderá consistir na suspensão da aplicação da lei ou do ato normativo questionado no caso de omissão parcial bem como na suspensão de processos judiciais ou de procedimentos administrativos ou ainda em outra providência a ser fixada pelo Tribunal 2º O relator julgando indispensável ouvirá o ProcuradorGeral da República no prazo de 3 três dias 3º No julgamento do pedido de medida cautelar será facultada sustentação oral aos representantes judiciais do requerente e das autoridades ou órgãos responsáveis pela omissão inconstitucional na forma estabelecida no Regimento do Tribunal Art 12G Concedida a medida cautelar o Supremo Tribunal Federal fará publicar em seção especial do Diário Oficial da União e do Diário da Justiça da União a parte dispositiva da decisão no prazo de 10 dez dias devendo solicitar as informações à autoridade ou ao órgão responsável pela omissão inconstitucional observandose no que couber o procedimento estabelecido na Seção I do Capítulo II desta Lei Nesta ação não obstante negando a liminar o Ministro advertiu que caso no futuro se apresente outra ação tendo como pedido de liminar não a antecipação de efeitos positivos da futura lei reclamada mas um pedido cautelar negativo inibitório de um risco causado pela falta de regulamentação a matéria poderá ter outra solução ADIn 361 Pleno rel Min Marco Aurélio RTJ 133569 Não obstante em julgamento de outubro de 1994 decidiuse na ADIn 480 que não é necessária a manifestação do AdvogadoGeral da União art 103 3º da Constituição em ação direta de inconstitucionalidade por omissão ADIn 480 rel Min Paulo Brossard j 13101994 DJ 25111994 A natureza eminentemente objetiva do processo de controle abstrato de constitucionalidade não dá lugar a ingresso na relação processual de particular voltado à defesa de interesse subjetivo sendo restrita aos órgãos estatais de que emanou o ato normativo impugnado a formação litisconsorcial passiva nas ações da espécie ADIn 1286AgRg rel Min Ilmar Galvão j 06091995 Plenário DJ 06102005 Acrescentese ainda que a impossibilidade da intervenção processual de entidade privada em sede da ação direta não traduz qualquer ofensa à garantia constitucional do contraditório O postulado do contraditório no processo de controle abstrato de constitucionalidade vê se atendido de um lado com a possibilidade de o órgão estatal defender objetivamente o próprio ato que editou e de outro com a intervenção do AdvogadoGeral da União que em atuação processual plenamente vinculada deve assumir na condição de garante e curador da presunção de constitucionalidade a defesa irrestrita da validade jurídica da norma impugnada ADIn 1434MC rel Min Celso de Mello j 20081996 DJ 22111996 Nos termos do art 7º 2º da Lei 98681999 compete ao relator considerando a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes por meio de despacho irrecorrível admitir ou não pedidos de intervenção de interessados na condição de amicus curiae No presente caso resta clara a relevância da matéria que discute normas estaduais que criam o novo cargo de AuditorFiscal da Receita Estadual no quadro da Secretaria da Fazenda do Estado de Tocantins e extinguem os cargos de Agente de Fiscalização e Arrecadação aproveitando os seus ocupantes na nova carreira As finalidades institucionais do Sindifisco Nacional encontramse definidas no art 3º de seu Estatuto e demonstram a sua representatividade e interesse na presente demanda que versa sobre carreira estadual de auditor fiscal ADIn 4214 rel Min Dias Toffoli decisão monocrática j 17122009 DJe 01022010 Não assis te razão ao pleito de que requerem admissão na condição de amici curiae É que os requerentes são pessoas físicas terceiros concretamente interessados no feito carecendo do requisito de representatividade inerente à intervenção prevista pelo art 7º 2º da Lei 9868 de 10111999 o qual aliás é explícito ao admitir somente a manifestação de outros órgãos ou entidades como medida excepcional aos processos objetivos de controle de constitucionalidade ADIn 4178 rel Min Cezar Peluso decisão monocrática j 07102009 DJe 16102009 Vêse portanto que a admissão de terceiros na qualidade de amicus curiae traz ínsita a necessidade de que o interessado pluralize o debate constitucional apresentando informações documentos ou quaisquer elementos importantes para o julgamento da ação direta de inconstitucionalidade Calcado em tais parâmetros admito a manifestação dos postulantes Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino Contee Sindicato dos Servidores do Magistério Municipal de Curitiba e Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação porquanto entidades representativas do grupo social que será diretamente afetado pela norma cuja validade se encontra sob o crivo do STF Em relação aos demais postulantes observo que a negativa de admissão à participação na instrução da ação direta de inconstitucionalidade não impede que as respectivas razões sejam consideradas pela Corte por ocasião do julgamento Também não impede que tais entidades ofereçam coletivamente subsídios de dados aos demais interessados e à própria Corte via memoriais No caso em exame a postulação dos demais interessados é coletiva de modo que sua inadmissão não interfere na representatividade ou na apreciação da argumentação apresentada Por outro lado pende o exame da medida cautelar requerida e é iminente o início do exercício financeiro no qual as obrigações tornarseão exigíveis circunstância que recomenda ao menos no momento a ordenação do processo de molde a preservar a celeridade sem a perda da representação já noticiada Portanto deixo de admitir a participação dos demais postulantes pessoas jurídicas Por fim também deixo de admitir a participação dos postulantes pessoas naturais dado que o art 7º 2º da Lei 98681999 é expresso em se referir a órgãos ou entidades ADIn 4167 rel Min Joaquim Barbosa decisão monocrática j 10122008 DJe 17122008 A entidade que participa na qualidade de amicus curiae dos processos objetivos de controle de constitucionalidade aportando aos autos informações relevantes ou dados técnicos confere ao processo caráter pluralista Pode contribuir de forma significativa com esta Corte Na hipótese dos autos contudo a petição em que é postulada a participação como amicus curiae foi protocolada na data de instrumento substituto Afirmou que dúvida razoável sobre o caráter autônomo de atos infralegais impugnados como decretos resoluções e portarias e alteração superveniente da norma constitucional dita violada legitimariam a Corte a adotar a fungibilidade em uma direção ou em outra a depender do quadro normativo envolvido Ressaltou porém que essa excepcionalidade não estaria presente na espécie O recorrente incorrera naquilo que a doutrina processual denominaria de erro grosseiro ao escolher o instrumento formalizado ante a falta de elementos considerados os preceitos legais impugnados que pudessem viabilizar a arguição No caso ainda que a arguição de descumprimento de preceito fundamental tivesse sido objeto de dissenso no STF quanto à extensão da cláusula da subsidiariedade nunca houvera dúvida no tocante à inadequação da medida quando o ato pudesse ser atacado mediante ação direta de inconstitucionalidade Por se tratar de impugnação de lei ordinária federal pósconstitucional propor a arguição em vez de ação direta longe de envolver dúvida objetiva encerraria incontestável erro grosseiro por configurar atuação contrária ao disposto no 1º do art 4º da Lei 98821999 Os Ministros Roberto Barroso Gilmar Mendes e Cármen Lúcia negaram provimento ao agravo por outro fundamento Consideraram que o requerente Sindicato Nacional das Empresas de Medicina de Grupo por não ser uma confederação sindical não preencheria o requisito da legitimação ativa ad causam Informativo 771 de 18122014 STF ADPF 314 AgR Pleno rel Min Marco Aurélio DJe 18022015 O diploma legislativo em questão tal como tem sido reconhecido por esta Suprema Corte RTJ 189395397 vg consagra o princípio da subsidiariedade que rege a instauração do processo objetivo de arguição de descumprimento de preceito fundamental condicionando o ajuizamento dessa especial ação de índole constitucional à ausência de qualquer outro meio processual apto a sanar de modo eficaz a situação de lesividade indicada pelo autor O exame do precedente que venho de referir RTJ 184373374 rel Min Celso de Mello revela que o princípio da subsidiariedade não pode nem deve ser invocado para impedir o exercício da ação constitucional de arguição de descumprimento de preceito fundamental eis que esse instrumento está vocacionado a viabilizar numa dimensão estritamente objetiva a realização jurisdicional de direitos básicos de valores essenciais e de preceitos fundamentais contemplados no texto da Constituição da República Daí a prudência com que o STF deve interpretar a regra inscrita no art 4º 1º da Lei 98821999 em ordem a permitir que a utilização dessa nova ação constitucional possa efetivamente prevenir ou reparar lesão a preceito fundamental causada por ato do Poder Público Não é por outra razão que esta Suprema Corte vem entendendo que a invocação do princípio da subsidiariedade para não conflitar com o caráter objetivo de que se reveste a arguição de descumprimento de preceito fundamental supõe a impossibilidade de utilização em cada caso dos demais instrumentos de controle normativo abstrato A pretensão ora deduzida nesta sede processual que tem por objeto normas legais de caráter préconstitucional exatamente por se revelar insuscetível de conhecimento em sede de ação direta de inconstitucionalidade ato normativo impugnado pois nesse caso a denominada inconstitucionalidade superveniente se traduz em revogação No caso o fundamento jurídico do pedido é juridicamente impossível porquanto quando o texto originário da Constituição que é anterior ao ato normativo atacado e foi posteriormente alterado por emenda constitucional se o desta somente derrogou aquele o ato normativo posterior à Constituição originário mas anterior à modificação desta deve ser atacado para terse como cabível a ação direta de inconstitucionalidade proposta quando já se deu tal alteração em face do texto originário com a demonstração de que na parte que interessa ele continua em vigor Essa direção do ataque e essa demonstração da não revogação cabem ao autor e não ao Tribunal STF ADIn 2501 Pleno rel Min Moreira Alves DJ 06062003 STF ADIn 2 Pleno j 06021992 rel Min Paulo Brossard A respeito da viabilidade de modulação de efeitos em caso de não recepção importa considerar a decisão proferida no AgIn 631533 rel Min Gilmar Mendes No AgRgRE 395902 relatado por Celso de Mello em decisão prolatada junto à 2ª Turma decidiuse que o caso seria de não recepção de norma préconstitucional e que consequentemente não se aplicaria a regra do art 27 da Lei 98681999 Naquela ocasião determinouse a inaplicabilidade ao caso em exame da técnica de modulação dos efeitos por tratarse de diploma legislativo que editado em 1984 não foi recepcionado no ponto concernente à norma questionada pelo vigente ordenamento constitucional Acompanho Celso de Mello porém quero deixar consignado que no meu entender a técnica de modulação dos efeitos pode ser aplicada em âmbito de não recepção O dogma da nulidade da lei inconstitucional pertence à tradição do direito brasileiro A teoria da nulidade tem sido sustentada por importantes constitucionalistas Fundada na antiga doutrina americana segundo a qual the inconstitutional statute is not law at all significativa parcela da doutrina brasileira posicionouse pela equiparação entre inconstitucionalidade e nulidade Afirmavase em favor dessa tese que o reconhecimento de qualquer efeito a uma lei inconstitucional importaria na suspensão provisória ou parcial da Constituição Razões de segurança jurídica podem revelarse no entanto aptas a justificar a não aplicação do princípio da nulidade da lei inconstitucional Configurado eventual conflito entre os princípios da nulidade e da segurança jurídica que entre nós tem status constitucional a solução da questão há de ser igualmente levada a efeito em processo de complexa ponderação O princípio da nulidade continua a ser a regra também O afastamento de sua incidência dependerá de severo juízo de ponderação que tendo em vista análise fundada no princípio da proporcionalidade faça prevalecer a ideia de segurança jurídica ou outro princípio constitucionalmente relevante manifestado sob a forma de interesse social preponderante Assim aqui a não aplicação do princípio da nulidade não se há de basear em consideração de política judiciária mas em fundamento constitucional próprio No caso presente não se cuida de inconstitucionalidade originária decorrente do confronto entre a Constituição e norma superveniente mas de contraste entre lei anterior e norma constitucional posterior circunstância que a jurisprudência do STF classifica como de não Constituição só ocorrerá depois de o projeto se transformar em lei ou de a proposta de emenda vir a ser aprovada Antes disso nem o Presidente da Casa do Congresso ou deste nem a Mesa nem o Poder Legislativo estão praticando qualquer inconstitucionalidade mas estão sim exercitando seus poderes constitucionais referentes ao processamento da lei em geral A inconstitucionalidade nesse caso não será quanto ao processo da lei ou da emenda mas ao contrário será da própria lei ou da própria emenda razão por que só poderá ser atacada depois da existência de uma ou de outra Diversas porém são as hipóteses como a presente em que a vedação constitucional se dirige ao próprio processamento da lei ou da emenda vedando a sua apresentação ou a sua deliberação como na espécie Aqui a inconstitucionalidade diz respeito ao próprio andamento do processo legislativo e isso porque a Constituição não quer em face da gravidade dessas deliberações se consumadas que sequer se chegue à deliberação proibindoa taxativamente A inconstitucionalidade neste caso já existe antes de o projeto ou de a proposta se transformarem em lei ou em emenda constitucional porque o próprio processamento já desrespeita frontalmente a Constituição MS 20257 Pleno rel Min Moreira Alves RTJ 991040 Foram vetados os seguintes dispositivos Art 1º Parágrafo único II em face de interpretação ou aplicação dos regimentos internos das respectivas Casas ou regimento comum do Congresso Nacional no processo legislativo de elaboração das normas previstas no art 59 da Constituição Federal Art 5º 4º Se necessário para evitar lesão à ordem constitucional ou dano irreparável ao processo de produção da norma jurídica o Supremo Tribunal Federal poderá na forma do caput ordenar a suspensão do ato impugnado ou do processo legislativo a que se refira ou ainda da promulgação ou publicação do ato legislativo dele decorrente Art 9º Julgando procedente a arguição o Tribunal cassará o ato ou decisão exorbitante e conforme o caso anulará os atos processuais legislativos subsequentes suspenderá os efeitos do ato ou da norma jurídica decorrente do processo legislativo impugnado ou determinará medida adequada à preservação do preceito fundamental decorrente da Constituição As razões do veto foram as seguintes Impõese o veto das disposições acima referidas por inconstitucionalidade Não se faculta ao Egrégio STF a intervenção ilimitada e genérica em questões afetas à interpretação ou aplicação dos regimentos internos das respectivas casas ou regimento comum do Congresso Nacional prevista no inciso II do parágrafo único do art 1º Tais questões constituem antes matéria interna corporis do Congresso Nacional A intervenção autorizada ao STF no âmbito das normas constantes de regimentos internos do Poder Legislativo restringese àquelas em que se reproduzem normas constitucionais Essa orientação restou assentada pelo STF no julgamento do MS 22503DF rel p o acórdão Min Maurício Corrêa DJ 06061997 p 24872 Do mesmo modo no julgamento do MS 22183DF rel Min Marco Aurélio o STF assentou 3 Decisão fundada exclusivamente em norma regimental referente à composição da Mesa e indicação de candidaturas para seus cargos art 8º 31 O fundamento regimental por ser matéria interna corporis só pode encontrar solução no âmbito do Poder Legislativo não ficando sujeito à apreciação do Poder Judiciário 32 Inexistência de fundamento constitucional art 58 1º caso em que a questão poderia ser submetida ao Judiciário DJ 12121997 p 65569 Dito isso impõese o veto da referida disposição por transcender o âmbito constitucionalmente autorizado de intervenção do STF em matéria interna corporis do Congresso Nacional No que toca à intervenção constitucionalmente adequada do STF seria oportuno considerar a colmatação de eventual lacuna relativa a sua admissão tratandose da estrita fiscalização da observância das normas constitucionais relativas a processo legislativo A seu turno impõese o veto do 4º do art 5º pelas mesmas razões aduzidas para vetarse o inciso II do parágrafo único do art 1º consubstanciadas fundamentalmente em intervenção excessiva da jurisdição constitucional no processo legislativo nos termos da mencionada jurisprudência do STF O art 9º de modo análogo confere ao STF intervenção excessiva em questão interna corporis do Poder Legislativo tal como asseverado no veto oposto ao inciso II do parágrafo único do art 1º Com efeito a disposição encontrase vinculada à admissão da ampla intervenção do STF nos processos legislativos in genere Assim opostos vetos às disposições insertas no inciso II do parágrafo único do art 1º e ao 4º do art 5º tornase imperativo seja vetado também o art 9º Agravo regimental adversando decisão que negou seguimento a arguição de descumprimento de preceito fundamental uma vez que à luz da Lei 98821999 esta deve recair sobre ato do Poder Público não mais suscetível de alterações A proposta de emenda à Constituição não se insere na condição de ato do Poder Público pronto e acabado porque ainda não ultimado o seu ciclo de formação Ademais o STF tem sinalizado no sentido de que a arguição de descumprimento de preceito fundamental veio a completar o sistema de controle objetivo de constitucionalidade Assim a impugnação de ato com tramitação ainda em aberto possui nítida feição de controle preventivo e abstrato de constitucionalidade o qual não encontra suporte em norma constitucionalpositiva Agravo regimental desprovido ADPF 43AgRg Pleno rel Min Carlos Britto DJ 19122003 No processo legislativo o ato de vetar por motivo de inconstitucionalidade ou de contrariedade ao interesse público e a deliberação legislativa de manter ou recusar o veto qualquer seja o motivo desse juízo compõem procedimentos que se hão de reservar à esfera de independência dos poderes políticos em apreço Não é assim enquadrável em princípio o veto devidamente fundamentado pendente de deliberação política do Poder Legislativo que pode sempre mantêlo ou recusálo no conceito de ato do Poder Público para os fins do art 1º da Lei 98821999 Impossibilidade de intervenção antecipada do Judiciário eis que o projeto de lei na parte vetada não é lei nem ato normativo poder que a ordem jurídica na espécie não confere ao STF em via de controle concentrado Arguição de descumprimento de preceito fundamental não conhecida porque não admissível no caso concreto em face da natureza do ato do Poder Público impugnado ADPF 1QO rel Min Néri da Silveira j 03022000 DJ 07112003 Tratandose de norma de caráter secundário inviável o seu controle isolado dissociado da lei ordinária que lhe empresta imediato fundamento de validade no âmbito da ação direta de inconsti tucionalidade Nesse sentido dentre inúmeros outros precedentes a ADInAgRg 264 rel Min Celso de Mello DJ 08041994 ADIn 4176 rel Min Menezes Direito decisão monocrática j 03032009 DJe 12032009 Por ocasião do julgamento da ADIn 4224 proposta pela União Geral dos Trabalhadores contra o mesmo ato normativo objeto desta ação direta o Min Menezes Direito indeferiu a petição inicial aduzindo como um dos fundamentos exatamente a inviabilidade de controle abstrato de constitucionalidade sobre norma de caráter secundário Ante o exposto indefiro a petição inicial o que faço com fundamento no art 4º da Lei 98681999 e no 1º do art 21 do RISTF ADIn 4255 decisão monocrática rel Min Carlos Britto DJe 09092009 Na espécie observo que a questão discutida nos autos referese a ter o Dec 66202008 extrapolado o conteúdo da Lei 86301993 Assim não se trata de controle de constitucionalidade mas de verificação de ilegalidade do ato regulamentar Nesse sentido a remansosa jurisprudência desta Suprema Corte não reconhece a possibilidade de controle concentrado de atos que consubstanciam mera ofensa reflexa à Constituição tais como o ato regulamentar consubstanciado no Decreto Presidencial ora impugnado conforme se verifica da ementa da ADIn 589DF rel Min Carlos Velloso a seguir transcrita Constitucional Administrativo Decreto regulamentar Controle de constitucionalidade concentrado Se o ato regulamentar vai além do contéudo da lei pratica ilegalidade Neste caso não há falar em inconstitucionalidade Somente na hipótese de não existir lei que preceda o ato regulamentar é que poderia este ser acoimado de inconstitucional assim sujeito ao controle de constitucionalidade Ato normativo de natureza regulamentar que ultrapassa o conteúdo da lei não está sujeito à jurisdição constitucional concentrada Precedentes do STF ADIn 311DF e ADIn 536DF Ação direta de inconstitucionalidade não conhecida Isso posto não conheço da presente ação prejudicada pois a apreciação do pedido de liminar ADPF 169 decisão monocrática j 08052009 rel Min Ricardo Lewandowski DJe 14052009 No mesmo sentido ADPF 93 Pleno rel Min Ricardo Lewandowski DJe 07082009 ADPF 192 decisão monocrática j 09022010 rel Min Eros Grau DJe 22022010 Não se admite ação direta de inconstitucionalidade contra regulamento ou atos normativos que desbordam dos parâmetros da lei Falase aqui de hipótese de ilegalidade inconstitucionalidade indireta e não de inconstitucionalidade segundo o STF Excetuam se porém os regulamentos autônomos quando invadem esfera reservada à lei A posição da Suprema Corte desafia questionamento É que com efeito o regulamento pode ofender a Constituição não apenas na hipótese de edição de normativa autônoma mas também quando o exercente da atribuição regulamentar atue inobservando os princípios da reserva legal da supremacia da lei e mesmo o da separação dos Poderes É incompreensível que o maior grupo de normas existente num Estado caracterizado como social e interventor fique a salvo do contraste vantajoso operado por via de fiscalização abstrata Não seria que dispõe assiste ao Ministrorelator competência plena para exercer monocraticamente o controle das ações pedidos ou recursos dirigidos ao STF legitimandose em consequência os atos decisórios que nessa condição venha a praticar Cumpre acentuar por oportuno que o Pleno do STF reconheceu a inteira validade constitucional da norma legal que inclui na esfera de atribuições do relator a competência para negar trânsito em decisão monocrática a recursos pedidos ou ações quando incabíveis estranhos à competência desta Corte intempestivos sem objeto ou que veiculem pretensão incompatível com a jurisprudência predominante do Tribunal RTJ 13953 RTJ 168174175 Cabe enfatizar por necessário que esse entendimento jurisprudencial é também aplicável aos processos de controle normativo abstrato de constitucionalidade qualquer que seja a sua modalidade ADIn 563DF rel Min Paulo Brossard ADIn 593GO rel Min Marco Aurélio ADIn 2060RJ rel Min Celso de Mello ADIn 2207AL rel Min Celso de Mello ADIn 2215PE rel Min Celso de Mello vg eis que tal como já assentou o Plenário do STF o ordenamento positivo brasileiro não subtrai ao relator da causa o poder de efetuar enquanto responsável pela ordenação e direção do processo RISTF art 21 I o controle prévio dos requisitos formais da fiscalização normativa abstrata RTJ 13967 rel Min Celso de Mello ADPF 45 rel Min Celso de Mello decisão monocrática DJ 04052004 Recurso Agravo regimental Interposição contra decisão liminar sujeita a referendo Admissibilidade Interesse recursal reconhecido Agravo conhecido Votos vencidos É admissível agravo regimental contra decisão monocrática sujeita a referendo do órgão colegiado ADPF 79 rel Min Cezar Peluso DJ 17082007 A Lei 98821999 põe à disposição do relator a faculdade de ouvir as partes nos processos que ensejaram a arguição art 6º 1º observandose as cautelas necessárias para que tal ato não tumultue ou interfira no regular prosseguimento dos autos ADPF 101 rel Min Cármen Lúcia decisão monocrática DJe 01082008 ADPF 33 rel Min Gilmar Mendes ADPF 46 rel Min Marco Aurélio ADPF 73 rel Min Eros Grau Não obstante o 1º do art 7º da Lei 98681999 haver sido vetado a regra é segundo entendimento deste STF a de se admitir a intervenção de terceiros até o prazo das informações Sucede que a própria jurisprudência desta nossa Corte vem relativizando esse prazo Nas palavras do Min Gilmar Mendes especialmente diante da relevância do caso ou ainda em face da notória contribuição que a manifestação possa trazer para o julgamento da causa é possível cogitar de hipóteses de admissão de amicus curiae ainda que fora desse prazo o das informações ADIn 3614 rel Min Gilmar Mendes Nesse sentido foi também a decisão proferida pelo Min Gilmar Mendes na ADPF 97 ADPF 183 rel Min Carlos Britto decisão monocrática DJe 07122009 Quanto à empresa A A SA Distribuidor de Peças entretanto não possui qualquer representatividade Somente pode postular direitos próprios Na petição desta empresa O Min Carlos Velloso acompanhando o voto do relator observou que se o Tribunal de Justiça Estadual decidindo a ação direta que lhe foi apresentada expede uma certa decisão a respeito com efeitos erga omnes haverá de cercear a competência do STF porque no fundo o conflito é mesmo com a Constituição Federal E o STF haverá nesse ponto de construir sob pena de a Constituição Federal receber indiretamente reflexamente diversas interpretações nos diversos Estadosmembros de forma definitiva Rcl 370 Pleno rel Min Octavio Gallotti j 09041992 DJ 29062001 Rcl 370 Pleno rel Min Octavio Gallotti j 09041992 DJ 29062001 Idem Reclamação com fundamento na preservação da competência do STF Ação direta de inconstitucionalidade proposta perante Tribunal de Justiça na qual se impugna lei municipal sob a alegação de ofensa a dispositivos constitucionais estaduais que reproduzem dispositivos constitucionais federais de observância obrigatória pelos Estados Eficácia jurídica desses dispositivos constitucionais estaduais Jurisdição constitucional dos Estadosmembros Admissão da propositura da ação direta de inconstitucionalidade perante o Tribunal de Justiça local com possibilidade de recurso extraordinário se a interpretação da norma constitucional estadual que reproduz a norma constitucional federal de observância obrigatória pelos Estados contrariar o sentido e o alcance desta Reclamação conhecida mas julgada improcedente Rcl 383 Pleno rel Min Moreira Alves DJ 21051993 Rcl 383 Pleno rel Min Moreira Alves DJ 21051993 Rcl 588 Pleno rel Min Marco Aurélio DJ 04041997 V ainda RE 650898 Pleno rel Min Marco Aurélio Redator Min Roberto Barroso Tribunais de Justiça podem exercer controle abstrato de constitucionalidade de leis municipais utilizando como parâmetro normas da Constituição Federal desde que se trate de normas de reprodução obrigatória pelos Estados Rcl 4432 rel Min Gilmar Mendes decisão monocrática de improcedência DJ 10102006 Idem Reclamação Inexistência de atentado à autoridade do julgado desta Corte na ADIn 347 porquanto no caso a ação direta de inconstitucionalidade foi proposta com a arguição de ofensa à Constituição Estadual e não à Federal e julgada procedente por ofensa ao art 180 VII da Carta Magna do Estado de São Paulo Não ocorrência de usurpação da competência desta Corte por ter o Tribunal de Justiça rejeitado a alegação incidente de que o citado artigo da Constituição do Estado de São Paulo seria incons titucional em face da Carta Magna Federal Controle difuso de constitucionalidade em ação direta de inconstitucionalidade Competência do Tribunal de Justiça Reclamação improcedente Rcl 526 Pleno rel Min Moreira Alves DJ 04041997 Habeas corpus Alienação fiduciária em garantia Prisão civil do devedor como depositário infiel Sendo o devedor na alienação fiduciária em garantia depositário necessário por força de disposição legal que não desfigura essa caracterização sua prisão civil em caso de infidelidade se enquadra na ressalva contida na parte final do art 5º LXVII da CF1988 Nada interfere na questão do depositário infiel em matéria de alienação fiduciária o disposto no n 7 do art 7º da Convenção de San José da Costa Rica Habeas corpus indeferido cassada a liminar concedida HC 72131RJ Pleno rel Min Moreira Alves DJ 1º082003 Registrese passagem do voto do Min Gilmar Mendes no RE 466343 É preciso ponderar no entanto se no contexto atual em que se pode observar a abertura cada vez maior do Estado Constitucional a ordens jurídicas supranacionais de proteção de direitos humanos essa jurisprudência não teria se tornado completamente defasada Não se pode perder de vista que hoje vivemos em um Estado Constitucional Cooperativo identificado pelo Professor Peter Häberle como aquele que não mais se apresenta como um Estado Constitucional voltado para si mesmo mas que se disponibiliza como referência para os outros Estados Constitucionais membros de uma comunidade e no qual ganha relevo o papel dos direitos humanos e fundamentais Para Häberle ainda que numa perspectiva internacional muitas vezes a cooperação entre os Estados ocupe o lugar de mera coordenação e de simples ordenamento para a coexistência pacífica ou seja de mera delimitação dos âmbitos das soberanias nacionais no campo do direito constitucional nacional tal fenômeno por si só pode induzir ao menos a tendências que apontem para um enfraquecimento dos limites entre o interno e o externo gerando uma concepção que faz prevalecer o direito comunitário sobre o direito interno Nesse contexto mesmo conscientes de que os motivos que conduzem à concepção de um Estado Constitucional Cooperativo são complexos é preciso reconhecer os aspectos sociológicoeconômico e idealmoral como os mais evidentes E no que se refere ao aspecto idealmoral não se pode deixar de considerar a proteção aos direitos humanos como a fórmula mais concreta de que dispõe o sistema constitucional a exigir dos atores da vida sociopolítica do Estado uma contribuição positiva para a máxima eficácia das normas das Constituições modernas que protegem a cooperação internacional amistosa como princípio vetor das relações entre os Estados nacionais e a proteção dos direitos humanos como corolário da própria garantia da dignidade da pessoa humana voto do Min Gilmar Mendes no RE 466343 Pleno rel Min Cezar Peluso DJe 05062009 Em matéria tributária o tema da supralegalidade dos tratados está sendo debatido no STF O entendimento do Min Gilmar Mendes no RE 460320PR foi veiculado no Informativo 638 do STF O Plenário iniciou julgamento de recursos extraordinários em que discutida a obrigatoriedade ou não da retenção na fonte e do recolhimento de imposto de renda no anobase de 1993 quanto a dividendos enviados por pessoa jurídica brasileira a sócio residente na Suécia Na espécie não obstante a existência de convenção internacional firmada entre o Brasil e aquele Estado a qual assegura tratamento não discriminatório entre ambos os países adviera legislação infraconstitucional que permitira essa tributação Lei 83831991 art 77 e Regulamento do Imposto de Renda de 1994 RIR94 isentando apenas os lucros recebidos por sócios residentes ou domiciliados no Brasil Lei 83831991 art 75 A pessoa jurídica pleiteara na origem a concessão de tratamento isonômico entre os residentes ou domiciliados nos mencionados Estados com a concessão da benesse Alegara ainda que nos termos do art 98 do CTN o legislador interno não poderia revogar isonomia prevista em acordo internacional Ocorre que o pleito fora julgado improcedente sentença esta mantida em sede recursal o que ensejara a interposição de recursos especial e extraordinário Com o provimento do recurso pelo STJ a União também interpusera recurso extraordinário em que defende a mantença da tributação aos contribuintes residentes ou domiciliados fora do Brasil Sustenta para tanto ofensa ao art 97 da CF pois aquela Corte ao afastar a aplicação dos preceitos legais referidos teria declarado por órgão fracionário sua inconstitucionalidade Argumenta que a incidência do art 98 do CTN na situação em apreço ao conferir superioridade hierárquica aos tratados internacionais em relação à lei ordinária transgredira os arts 2º 5º II e 2º 49 I 84 VIII todos da CF Por fim aduz inexistir violação ao princípio da isonomia dado que tanto o nacional sueco quanto o brasileiro têm direito a isenção disposta no art 75 da Lei 83831991 desde que residentes ou domiciliados no Brasil O Min Gilmar Mendes relator proveu o recurso extraordinário da União e afastou a concessão da isenção de imposto de renda retido na fonte para os não residentes Julgou ademais improcedente o pedido formulado na ação declaratória assentando o prejuízo do apelo extremo da sociedade empresária Ante a prejudicialidade da matéria apreciou inicialmente o recurso interposto pela União admitindoo Assinalou o cabimento de recurso extraordinário contra decisão proferida pelo STJ apenas nas hipóteses de questões novas lá originariamente surgidas Além disso apontou que tratandose de recurso da parte vencedora no segundo grau de jurisdição a recorribilidade extraordinária a partir do pronunciamento do STJ seria ampla observados os requisitos gerais pertinentes No tocante ao art 97 da CF consignou que o acórdão recorrido não afastara a aplicação do art 77 da Lei 83831991 em face de disposições constitucionais mas sim de outras normas infraconstitucionais sobretudo o art 24 da Convenção entre o Brasil e a Suécia para Evitar a Dupla Tributação em Matéria de Impostos sobre a Renda e o art 98 do CTN Isso porque essa inaplicabilidade não equivaleria à declaração de inconstitucionalidade nem demandaria reserva de plenário Quanto à suposta afronta aos arts 2º 5º II e 2º 49 I 84 VIII todos da CF após digressão evolutiva da jurisprudência do STF relativamente à aplicação de acordos internacionais em cotejo com a legislação interna infraconstitucional asseverou que recentemente esta Corte afirmara que as convenções internacionais de direitos humanos têm status supralegal e que prevalecem sobre a legislação interna submetendose somente à Constituição Salientou que no âmbito tributário a cooperação internacional viabilizaria a expansão das operações transnacionais que impulsionam o desenvolvimento econômico o combate à dupla tributação internacional e à evasão fiscal internacional e contribuiria para o estreitamento das relações culturais
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INGO WOLFGANG SARLET LUIZ GUILHERME MARINONI DANIEL MITIDIEIRO CURSO DE DIREITO CONSTITUCIONAL 11ª edição revista e atualizada 2022 saraiava jur Av Paulista 901 3º andar Bela Vista São Paulo SP CEP 01311100 SAC sacsetssaraivaeducacaocombr Direção executiva Flávia Alves Bravin Direção editorial Ana Paula Santos Matos Gerência editorial e de projetos Fernando Penteado Novos projetos Dalila Costa de Oliveira Gerência editorial Isabella Sánchez de Souza Edição Deborah Caetano de Freitas Viadana Produção editorial Daniele Debora de Souza coord Cintia Aparecida dos Santos Rosana Peroni Fazolari Arte e digital Mônica Landi coord Camilla Felix Cianelli Chaves Claudirene de Moura Santos Silva Deborah Mattos Guilherme H M Salvador Tiago Dela Rosa Projetos e serviços editoriais Daniela Maria Chaves Carvalho Emily Larissa Ferreira da Silva Kelli Priscila Pinto Klariene Andrielly Giraldi Diagramação Desígnios Editoriais Revisão Silvana Cobucci Capa Deborah Mattos SUMÁRIO Sobre os autores Nota à 11ª edição Apresentação Primeira Parte Teoria da Constituição e do Direito Constitucional 1 A Constituição em perspectiva históricoevolutiva Dos antecedentes à afirmação do constitucionalismo moderno e do assim chamado Estado Constitucional Ingo Wolfgang Sarlet 11 Considerações introdutórias 12 O caso da Inglaterra e suas peculiaridades 13 Os Estados Unidos da América a viragem de Copérnico da evolução constitucional 14 O legado da experiência constitucional na França 15 A ampliação do constitucionalismo pelo mundo ocidental rumo ao modelo do Estado Constitucional como paradigma universal Produção do Epub Guilherme Henrique Martins Salvador ISBN 9786553620490 DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO CIP S245c Sarlet Ingo Wolfgang Curso de Direito Constitucional Ingo Wolfgang Sarlet Luiz Guilherme Marinoni Daniel Mitidiero 11 ed São Paulo SaraivaJur 2022 EPUB 1592 p ISBN 9786553621824 Impresso 1 Direito 2 Direito Constitucional I Marinoni Luiz Guilherme II Mitidiero Daniel III Título 202213 CDD 342 CDU 342 Índices para catálogo sistemático 1 Direito constitucional 342 2 Direito constitucional 342 Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem a prévia autorização da Saraiva Educação A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na Lei n 961098 e punido pelo art 184 do Código Penal Data de fechamento da edição 1022022 SOBRE OS AUTORES Ingo Wolfgang Sarlet é Professor Titular da Escola de Direito da PUCRS e Coordenador do Programa de PósGraduação em Direito da PUCRS Doutor em Direito pela Universidade de Munique Estudos em nível de PósDoutorado nas Universidades de Munique bolsista DAAD Georgetown e Instituto MaxPlanck de Direito Social Estrangeiro e Internacional Munique como bolsista do Instituto onde também atua como representante brasileiro e correspondente científico desde 2000 Foi pesquisador visitante na Harvard Law School 2008 e Fellow do STIAS Stellenbosch Institute for Advanced Studies África do Sul 2011 Foi também pesquisador visitante como bolsista do Instituto MaxPlanck de Direito Privado de Hamburgo Alemanha 2017 e no mesmo Instituto com fomento do DAAD 2018 Pesquisador visitante no Instituto MaxPlanck de Direito Social e Política Social como bolsista em janeiro de 2019 e fevereiro de 2020 Foi professor visitante do Doutorado em Direitos Humanos da Universidade Pablo de Olavide professor visitante bolsista do Programa Erasmus Mundus da União Europeia da Universidade Católica Portuguesa Lisboa 2009 bem como da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa 2012 Foi também professor visitante no Mestrado de Direito Constitucional Europeu da Universidade de Granada Espanha e da Universidade de Hamburgo 2020 Pesquisador destaque FAPERGS 2011 na área de humanidades Detentor da Ordem do Mérito Judiciário do TST grau de Comendador É membro catedrático da Academia Brasileira de Direito Constitucional Olá Você acaba de adquirir uma obra da Saraiva Educação no formato ePub Nossa equipe preparou algumas dicas muito legais para tornar sua experiência de leitura ainda melhor Então caso seja seu primero livro digital aproveite e leia esse pequeno resumo É muito fácil acessar os recursos toque no meio ou no topo da tela de seu appereader e as opções vão aparecer Veja alguns recursos que indicamos Consultar o sumário O sumário pode ser acessado a qualquer momento Para isso use o sumário externo No ícone é possível acessar todos os capítulos sem precisar voltar para as páginas iniciais do livro Alterar fonte Um dos melhores recursos do epub é a alteração da fonte Tocando no ícone você poderá escolher uma fonte de sua preferência além de aumentar ou diminuir o tamanho deixando a leitura mais confortável Alterar layout e luminosidade Ainda no menu de fonte temos as opções de mudança de layout e luminosidade No layout é possível alterar as margens do livro o espaçamento do texto e o alinhamento dos parágrafos Já na luminosidade alteramos o brilho possibilitando a leitura mesmo 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161 Precedentes e o desmantelamento da ordem constitucional pretérita por força da ditadura nacionalsocialista 162 Elaboração conteúdo e afirmação da Lei Fundamental de 1949 163 A queda do muro a reunificação e a adoção da Lei Fundamental de 1949 como Constituição Federal da Alemanha 2 Classificação das constituições Ingo Wolfgang Sarlet 3 Estrutura funções e conteúdo das constituições Ingo Wolfgang Sarlet 31 As constituições e sua estrutura 311 Considerações de caráter geral 312 O preâmbulo das constituições com destaque para o problema de sua força jurídica na Constituição Federal de 1988 313 Disposições constitucionais permanentes 314 Disposições constitucionais transitórias 32 As funções da Constituição 33 O problema do conteúdo das constituições 4 Conceito e características do direito constitucional Ingo Wolfgang Sarlet 5 Do poder constituinte e da mudança reforma e mutação constitucional Ingo Wolfgang Sarlet I Do poder constituinte 51 Notas introdutórias 52 O que é o poder constituinte 521 Generalidades 522 A natureza do poder constituinte 523 Distinção entre poder constituinte formal e poder constituinte material 524 Características do poder constituinte 53 Quem é o titular do poder constituinte O problema da legitimidade do poder constituinte e da Constituição 54 Formas de manifestação expressão ou exercício do poder constituinte 541 Aspectos introdutórios 542 As formas democráticas de exercício do poder constituinte 543 A revolução como forma da manifestação do poder constituinte 55 Limites e condicionamentos do poder constituinte II Teoria da mudança constitucional A reforma e a mutação constitucional 56 Generalidades e distinção entre as diversas formas de mudança constitucional processos formais e informais mutação constitucional 57 O poder de reforma da Constituição 571 Questões terminológicas 572 Natureza características e funções do poder de reforma constitucional 573 O poder de reforma na Constituição Federal de 1988 5731 A distinção entre revisão e emendas como modalidades de reforma da Constituição 574 Os limites da reforma constitucional 5741 Considerações gerais 5742 Limites formais 5743 Limites circunstanciais 5744 O problema dos limites materiais as assim chamadas cláusulas pétreas 58 A assim chamada mutação constitucional e suas formas de manifestação algumas aproximações 581 Considerações gerais conceito e modalidades de mutação constitucional 582 Mecanismos modos de mutação constitucional 583 Limites da mutação constitucional o problema das mutações inconstitucionais 6 Eficácia e aplicabilidade das normas constitucionais Ingo Wolfgang Sarlet 61 Alguns aspectos terminológicos e conceituais 62 Apresentação e discussão das principais classificações das normas constitucionais quanto à sua eficácia e aplicabilidade adotadas no Brasil 621 As posições clássicas e a sua gradual superação 63 Apreciação crítica das diferentes posições 64 Síntese conclusiva 7 O problema da efetividade das normas constitucionais e da força normativa da Constituição Ingo Wolfgang Sarlet 8 A norma constitucional no tempo Relações entre a Constituição e a ordem jurídica anterior Ingo Wolfgang Sarlet 81 Considerações gerais 82 A Constituição e o direito constitucional anterior 821 A Constituição originária e a Constituição anterior 822 As emendas constitucionais e o direito constitucional originário anterior 83 A Constituição e o direito infraconstitucional anterior 9 A Constituição e as relações com o direito estrangeiro e internacional O problema da aplicação das normas constitucionais no espaço Ingo Wolfgang Sarlet 91 Considerações introdutórias 92 Relações entre o direito estrangeiro e a Constituição 93 O direito internacional e a Constituição Federal de 1988 10 Linhas mestras da interpretação constitucional Ingo Wolfgang Sarlet 101 Noções gerais 102 Princípios da interpretação constitucional 1021 O princípio da unidade da Constituição 10211 Princípio do efeito integrador 10212 O princípio da concordância prática ou da harmonização 10213 A assim chamada ponderação ou balanceamento no campo da interpretação e aplicação da Constituição 10214 Proporcionalidade e razoabilidade como princípios e critérios de interpretação constitucional 1022 O princípio da supremacia da Constituição 10221 O princípio da máxima eficácia e efetividade da Constituição 10222 O princípio da força normativa da Constituição 10223 O princípio da interpretação das leis conforme à Constituição 1023 O princípio da divisão de poderes e o correlato princípio dever da conformidade funcional o problema da autorrestrição por parte da jurisdição constitucional e as assim chamadas capacidades institucionais Segunda Parte O Sistema Constitucional Brasileiro 1 O constitucionalismo brasileiro em perspectiva histórico evolutiva Da Constituição Imperial de 1824 à assim chamada ConstituiçãoCidadã de 1988 Ingo Wolfgang Sarlet 11 Os primórdios e a Carta Imperial de 1824623 12 A Proclamação da República e a implantação da Federação a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1891 13 A Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1934 14 O Estado Novo e a Carta de 1937 a Constituição Polaca 15 A Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1946 16 A Constituição do Brasil de 1967 e a EC 11969 17 Breves notas sobre a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 2 Dos princípios fundamentais Ingo Wolfgang Sarlet I Notas introdutórias função classificação e eficácia dos princípios constitucionais fundamentais II Princípios gerais estruturantes e constitucionalmente conformadores da ordem jurídico constitucional 21 Princípio da dignidade da pessoa humana 211 Considerações gerais 212 Breves notas sobre a forma de positivação reconhecimento da dignidade da pessoa humana na Constituição Federal 213 Funções da dignidade da pessoa humana na arquitetura jurídicoconstitucional 22 Princípio do Estado Democrático e Socioambiental de Direito 221 Noções gerais 222 O princípio democrático e a soberania popular 223 O princípio do pluralismo político 224 O princípio do Estado de Direito 225 O princípio do Estado Socioambiental a conjugação da justiça social da realização dos direitos humanos e fundamentais sociais e da proteção do ambiente792 226 Princípio republicano 227 O princípio federativo 228 O princípio da sustentabilidade ou desenvolvimento sustentável823 III Os objetivos fundamentais do Estado Democrático e Socioambientalecológico de Direito IV Princípios que regem as relações internacionais 3 Teoria geral dos direitos fundamentais Ingo Wolfgang Sarlet 31 Considerações gerais 311 Aspectos terminológicos direitos humanos eou direitos fundamentais 32 Os direitos fundamentais em perspectiva histórico evolutiva e as assim designadas dimensões ou gerações de direitos fundamentais 321 Considerações preliminares 322 A préhistória dos direitos fundamentais dos primórdios à noção de direitos naturais inatos e inalienáveis do homem 323 O reconhecimento dos direitos fundamentais na esfera do direito positivo 3231 Antecedentes o período pré constitucional 324 As assim chamadas dimensões gerações dos direitos fundamentais a trajetória evolutiva dos direitos fundamentais do Estado Liberal ao Estado Constitucional Socioambiental 3241 Os direitos fundamentais no âmbito do Estado Liberal a assim chamada primeira dimensão 3242 O advento do Estado Social e os direitos econômicos sociais e culturais a assim chamada segunda dimensão 325 A titularidade transindividual e os assim chamados direitos da terceira dimensão 326 Existem direitos fundamentais de quarta quinta e sexta dimensão 327 As dimensões gerações dos direitos em perspectiva crítica 33 O conceito de direitos fundamentais no sistema constitucional brasileiro 331 A dupla fundamentalidade em sentido formal e material 332 A abertura expansividade do catálogo constitucional dos direitos fundamentais significado e alcance da norma contida no art 5º 2º da CF 3321 Noções preliminares 3322 Classificação dos direitos fundamentais com base no critério da abertura material do catálogo constitucional 3323 Direitos previstos no Título II da CF 3324 Direitos fundamentais dispersos no texto constitucional 3325 Direitos sediados nos tratados internacionais de direitos humanos 34 A dupla dimensão objetiva e subjetiva a multifuncionalidade e a classificação dos direitos e garantias fundamentais 341 Os direitos fundamentais e sua dimensão subjetiva 342 A assim chamada dimensão objetiva dos direitos fundamentais 343 Multifuncionalidade e classificação dos direitos fundamentais na ordem constitucional 35 A titularidade dos direitos e garantias fundamentais quem é o sujeito dos direitos 351 Considerações gerais 352 A pessoa natural como titular de direitos fundamentais a titularidade universal e sua interpretação na Constituição Federal 353 O problema da titularidade de direitos fundamentais por parte dos estrangeiros e a relevância da distinção entre estrangeiro residente e não residente 354 O problema da titularidade de direitos fundamentais nos limites da vida 355 Pessoas jurídicas como titulares de direitos fundamentais 356 Direitos fundamentais da natureza em especial a titularidade de direitos por parte dos animais não humanos 36 A aplicabilidade imediata das normas de direitos e garantias fundamentais significado e alcance do art 5º 1º da CF 37 Destinatários dos direitos e garantias fundamentais 38 Particulares como destinatários dos direitos fundamentais o problema da eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas 39 Limites e restrições de direitos fundamentais 391 Considerações introdutórias 392 O âmbito de proteção dos direitos e garantias fundamentais 393 Os limites dos direitos fundamentais 394 Limites aos limites dos direitos fundamentais 3941 Noções preliminares 3942 A reserva legal e suas exigências 3943 Proporcionalidade e razoabilidade como limites dos limites 3944 A assim chamada garantia do núcleo essencial dos direitos fundamentais 4 Direitos fundamentais em espécie Ingo Wolfgang Sarlet 41 O direito à vida 411 Breve histórico da noção de direito natural à consagração como direito humano e fundamental 412 Âmbito de proteção do direito à vida o conceito de vida para efeitos da tutela jurídica 413 Relação do direito à vida com outros direitos fundamentais 414 A titularidade do direito à vida e o problema do início e fim da proteção jurídicoconstitucional da vida humana 415 Destinatários sujeitos passivos órgãos estatais e particulares 416 O direito à vida e sua dupla dimensão objetiva e subjetiva como dever de proteção e complexo de posições subjetivas de conteú do negativo e positivo 4161 Considerações gerais 4162 Dimensões subjetiva e objetiva do direito à vida 417 Limites das intervenções no direito à vida uma análise a partir de alguns exemplos 4171 Considerações gerais 4172 Existe um direito de matar O caso da pena de morte e de outras intervenções similares 4173 A discussão em torno da legitimidade constitucional da interrupção da gravidez 4174 O problema de um direito ao suicídio e a discussão em torno das possibilidades e limites da eutanásia 42 O direito à integridade física e psíquica 421 Considerações gerais 422 Direito constitucional estrangeiro e direito internacional dos direitos humanos 423 O direito à integridade física e psíquica na Constituição Federal 4231 Observações gerais e relação com outros direitos fundamentais 4232 A dupla dimensão subjetiva negativa e positiva e objetiva do direito à integridade física e psíquica 4233 Titulares e destinatários 4234 Intervenções no direito à integridade corporal limites e restrições a controvérsia em torno de um direito à disposição do próprio corpo 4235 O caso da proibição da tortura de todo e qualquer tratamento desumano e degradante incluindo a proibição das penas cruéis 43 Demais direitos à identidade e integridade pessoal O direito ao livre desenvolvimento da personalidade e os direitos especiais de personalidade 431 Os direitos fundamentais vinculados à proteção da personalidade e os contornos de seu regime jurídicoconstitucional 4311 Considerações gerais 4312 Direito internacional dos direitos humanos e constituições estrangeiras 44 O direito ao livre desenvolvimento da personalidade sua função como cláusula geral e sua relação com os direitos especiais de personalidade 45 Contornos do regime jurídicoconstitucional dos direitos de personalidade 46 O direito à vida privada privacidade e intimidade 461 Considerações gerais 462 Conteúdo âmbito de proteção do direito à vida privada 463 Limites e restrições 47 A salvaguarda do sigilo fiscal e bancário 48 Inviolabilidade do domicílio 481 Notícia histórica e generalidades 482 Direito internacional dos direitos humanos e evolução constitucional brasileira anterior à Constituição Federal 483 Conteúdo e limites do direito à inviolabilidade do domicílio na Constituição Federal 49 A inviolabilidade da correspondência e o sigilo das comunicações em geral 410 Proteção dos dados pessoais 411 Os direitos à honra e à imagem 4111 Considerações gerais 4112 O direito à honra 4113 O direito à própria imagem 412 Direitos de liberdade 4121 Algumas notas sobre um direito geral de liberdade na Constituição Federal e o sistema constitucional das liberdades fundamentais306 4122 Liberdade de expressão 41221 Notas introdutórias breve mirada sobre a evolução constitucional brasileira pretérita e o direito internacional 41222 A liberdade de expressão na Constituição Federal 4123 Liberdade de consciência e de crença liberdade religiosa 41231 Notas introdutórias e breve mirada sobre a evolução no âmbito do direito internacional direito constitucional estrangeiro e evolução constitucional brasileira 41232 A liberdade religiosa e a liberdade de consciência na Constituição Federal de 1988 4124 Liberdade de locomoção 41241 Considerações gerais e reconhecimento no plano do direito internacional e direito constitucional estrangeiro 41242 A liberdade de locomoção na evolução constitucional brasileira pretérita 4125 A liberdade de locomoção na Constituição Federal 41251 Considerações gerais 41252 Âmbito de proteção da liberdade de locomoção sua dimensão objetiva e subjetiva 41253 Titulares e destinatários 41254 Limites da liberdade de locomoção 4126 O direito à informação e o direito de acesso à informação 41261 Considerações iniciais 41262 Conteúdo e alcance do direito à informação 4127 As garantias constitucionais relativas à prisão o caso da prisão civil 41271 Generalidades 41272 A prisão civil possibilidade e limites na Constituição Federal456 413 Direitos de igualdade direito geral de igualdade cláusulas especiais de igualdade e políticas orientadas para a igualdade 4131 Considerações introdutórias 4132 Da igualdade formal à igualdade material 4133 Breves notas a respeito da relação entre dignidade liberdade e igualdade 4134 Conteúdo e significado do princípio da igualdade e dos direitos de igualdade na Constituição Federal de 1988 41341 Generalidades 41342 Âmbito de proteção conteúdo e alcance do princípio e do direito geral de igualdade 41343 Metódica de aplicação do princípio direito da igualdade e efeitos de sua violação na condição de direito subjetivo 41344 Igualdade diferença e as assim chamadas ações afirmativas como promotoras da igualdade material e de políticas de inclusão e reconhecimento 414 Dos direitos fundamentais sociais664 4141 Aspectos gerais relativos aos direitos sociais como direitos fundamentais 41411 Generalidades os direitos sociais no quadro da evolução constitucional brasileira 4142 Breves notas sobre os direitos sociais no âmbito do direito constitucional estrangeiro 4143 Os direitos sociais como direitos fundamentais e seu regime jurídico na Constituição Federal 41431 Aspectos gerais 41432 Titulares e destinatários dos direitos sociais 41433 O problema da eficácia e efetividade das normas de direitos sociais com destaque para a controvérsia acerca da exigibilidade dos direitos sociais como direitos a prestações 41434 O problema da proteção dos direitos sociais e o assim designado princípio da proibição de retrocesso 41435 Algumas notas acerca do problema do financiamento dos direitos sociais das cláusulas pétreas e as EC 94 e 95 de 2016 415 Dos direitos sociais em espécie 4151 Considerações preliminares 4152 O direito ao e a garantia do mínimo existencial como espécie de categoria transversal 4153 O direito à proteção e promoção da saúde 4154 O direito à alimentação 4155 O direito à moradia 4156 O direito à educação 4157 O direito ao trabalho 4158 O direito ao lazer 4159 O direito à segurança social previdência e assistência aos desamparados 41510 O direito à proteção da maternidade da infância da juventude e do idoso 41511 O direito ao transporte 41512 O direitodever fundamental de proteção e promoção de um meio ambiente saudável 41513 O direito de acesso à Internet 416 Nacionalidade 4161 Considerações introdutórias 4162 A nacionalidade no âmbito do direito internacional com destaque para o sistema de reconhecimento e proteção dos direitos humanos 4163 A nacionalidade no direito constitucional estrangeiro 4164 A nacionalidade no âmbito da evolução constitucional brasileira 4165 O regime da nacionalidade na Constituição Federal de 1988 41651 Considerações gerais a nacionalidade como direito e garantia fundamental 41652 Espécies de nacionalidade 41653 Distinções entre os brasileiros natos e os naturalizados 41654 Perda e reaquisição da nacionalidade brasileira 41655 O problema da assim chamada dupla nacionalidade 41656 Um caso especial a condição jurídico constitucional dos cidadãos portugueses a assim chamada quase nacionalidade 41657 O regime jurídico do estrangeiro na Constituição Federal 41658 As hipóteses de asilo e refúgio 417 Direitos políticos 4171 Considerações gerais o significado jurídico da democracia e sua relação com os direitos políticos e os direitos fundamentais em geral 4172 Os direitos políticos como direitos humanos e fundamentais 41721 Considerações gerais 41722 Os direitos políticos no plano supranacional internacional e regional 4173 Os direitos políticos no constitucionalismo brasileiro 41731 Constituições anteriores 41732 Os direitos políticos na Constituição Federal de 1988 418 Dos partidos políticos 4181 Considerações gerais posição e função dos partidos políticos no Estado Democrático de Direito 4182 As dimensões da liberdade partidária e seus elementos estruturantes e consequências 4183 Os partidos políticos no direito constitucional brasileiro pretérito 4184 Os partidos políticos na Constituição Federal de 1988 41841 Anotações preliminares 41842 Personalidade jurídica dos partidos políticos sua autonomia e liberdade na CF 41843 O problema da fidelidade partidária e da correlata perda do mandato 4185 A igualdade de oportunidades entre os partidos políticos 41851 Aspectos gerais 41852 Do financiamento dos partidos 41853 Da propaganda eleitoral e do acesso aos meios de comunicação 5 Direitos fundamentais processuais Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero 51 Direito fundamental ao processo justo 511 Introdução 512 Âmbito de proteção 513 Titularidade e destinatários 514 Eficácia 515 Conformação infraconstitucional 52 Direito fundamental à colaboração no processo 521 Introdução 522 Âmbito de proteção 53 Direito fundamental à tutela adequada e efetiva 531 Introdução 532 Âmbito de proteção 54 Direito fundamental à igualdade e à paridade de armas 541 Introdução 542 Âmbito de proteção 55 Direito fundamental ao juiz natural e ao promotor natural 551 Introdução 552 Âmbito de proteção 56 Direito fundamental ao contraditório 561 Introdução 562 Âmbito de proteção 57 Direito fundamental à ampla defesa 571 Introdução 572 Âmbito de proteção 58 Direito fundamental à prova 581 Introdução 582 Âmbito de proteção 59 Direito fundamental à publicidade 591 Introdução 592 Âmbito de proteção 510 Direito fundamental à motivação das decisões 5101 Introdução 5102 Âmbito de proteção 511 Direito fundamental à segurança jurídica no processo 5111 Introdução 5112 Âmbito de proteção 512 Direito à assistência jurídica integral 5121 Introdução 5122 Âmbito de proteção 513 Direito fundamental à duração razoável do processo 5131 Introdução 5132 Âmbito de proteção 514 Direito fundamental ao duplo grau de jurisdição 5141 Introdução 5142 Âmbito de proteção 6 Ações constitucionais Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero 61 Habeas corpus 611 Introdução 612 Âmbito de proteção 613 Titularidade 614 Conformação infraconstitucional 62 Mandado de segurança 621 Introdução 622 Âmbito de proteção 623 Titularidade 624 Conformação infraconstitucional 63 Mandado de injunção 631 Introdução 64 Habeas data 641 Introdução 642 Âmbito de proteção 643 Titularidade 644 Conformação infraconstitucional 65 Ação popular 651 Introdução 652 Âmbito de proteção 653 Titularidade 654 Conformação infraconstitucional 66 Ação civil pública 661 Introdução 662 Âmbito de proteção 663 Titularidade 664 Conformação infraconstitucional 7 Da organização do Estado e da repartição de competências Ingo Wolfgang Sarlet I Da organização do Estado 71 O Estado Federal no âmbito da teoria e prática das formas de Estado noções gerais e introdutórias 72 Elementos nucleares qualificadores do Estado Federal 73 O Estado Federal na Constituição de 1988 731 Breve notícia histórica formas de Estado e a trajetória do Federalismo no direito constitucional brasileiro 732 Principais novidades a inclusão do Município como ente federativo e o aperfeiçoamento do assim chamado federalismo cooperativo 733 A Federação como cláusula pétrea art 60 4 I da CF os assim chamados princípios sensíveis art 34 VII da CF e o instituto das vedações constitucionais art 19 da CF 74 O instituto da Intervenção como garantia da integridade da Federação 741 Noções gerais 742 A Intervenção nos Estados e no Distrito Federal 7421 Pressupostos materiais e hipóteses de cabimento 7422 Aspectos de ordem formal e procedimental 743 A intervenção nos Municípios II Da repartição de competências 75 Noções gerais 76 Das competências administrativas materiais dos entes federativos 761 Aspectos gerais e competências exclusivas indelegáveis 762 Competências administrativas comuns concorrentes 77 Das competências legislativas 771 Competências legislativas privativas da União e sua delegação 772 Competências legislativas dos Estados 773 Competências legislativas dos Municípios 774 Competências legislativas do Distrito Federal 78 As competências legislativas concorrentes 781 Considerações gerais 782 Algumas notas sobre o problemático e controverso conceito de normas gerais 7821 A competência suplementar dos Estados e do Distrito Federal 7822 A competência suplementar dos Municípios 7823 Considerações de natureza crítica à luz do exemplo da proteção ambiental 8 Controle de constitucionalidade Luiz Guilherme Marinoni I O surgimento do controle judicial de constitucionalidade no direito comparado e a sua evolução no direito brasileiro 81 O surgimento do controle judicial da constitucionalidade das leis nos Estados Unidos 811 Primeiras considerações 812 A superioridade do common law sobre os atos do parlamento inglês 813 A Revolução Gloriosa de 1688 e o significado do princípio da supremacy of the English Parliament 814 Do controle dos atos da colônia a partir do direito inglês ao judicial review estadunidense Mera inversão do princípio da supremacia do parlamento pelo princípio da supremacia do Judiciário 815 Os significados de supremacia do parlamento nas revoluções inglesa e francesa 816 O judicial review diante do princípio da separação dos poderes 817 A matriz jusnaturalista da Constituição e os poderes constituinte e constituído 818 O caso Marbury v Madison54 A doutrina Marshall 819 Consideração históricocrítica acerca do surgimento do sistema americano de controle difuso da constitucionalidade das leis 82 A evolução do controle judicial da constitucionalidade das leis na Europa 821 Primeiras considerações 822 O sistema austríaco de controle de constitucionalidade 823 A manutenção do controle concentrado e a expansão do modo incidental Os Tribunais Constitucionais italiano e alemão 824 Compreensão do sistema em que o juiz por não poder decidir a questão constitucional remetea para análise da Corte Constitucional 83 História do controle judicial de constitucionalidade brasileiro 831 A Constituição Imperial 832 A Constituição de 1891 833 A Constituição de 1934 834 A Constituição de 1937 835 A Constituição de 1946 836 A Constituição de 19671969 837 A Constituição de 1988 II Formas de controle de constitucionalidade e tipos de inconstitucionalidade 84 Das formas de controle de constitucionalidade 841 Controle judicial e controle não judicial 8411 Objeto do controle judicial 842 Controle preventivo e controle repressivo 843 Controle concreto e controle abstrato 844 Controle incidental e controle principal 845 Controle difuso e controle concentrado 85 As diversas faces da inconstitucionalidade 851 Inconstitucionalidade formal e inconstitucionalidade material 852 Inconstitucionalidade por ação e inconstitucionalidade por omissão 8521 Primeiras considerações 8522 Inconstitucionalidade por ação 8523 Inconstitucionalidade por omissão 86 Inconstitucionalidade originária e inconstitucionalidade superveniente 861 Inconstitucionalidade superveniente ou revogação Consequências práticas 862 Alteração dos fatos e modificação da concepção geral acerca do direito 87 Inconstitucionalidade total e inconstitucionalidade parcial 88 Inconstitucionalidade direta e inconstitucionalidade indireta III Controle difuso de constitucionalidade 89 A questão constitucional no processo comum 810 A decisão no controle incidental 811 A natureza prejudicial da questão de constitucionalidade 812 Legitimados a arguir a questão constitucional no controle incidental 813 O controle de constitucionalidade de ofício 814 Da inexistência de preclusão 815 Declaração incidental de inconstitucionalidade nos Tribunais Estaduais e Regionais Federais e no STJ 8151 A exigência de quorum qualificado nos Tribunais Encaminhamento e decisão da questão constitucional 8152 A Súmula Vinculante 10 8153 Interpretação conforme e declaração parcial de nulidade sem redução de texto Exclusividade do Pleno ou Órgão Especial 8154 Não cabimento do incidente de inconstitucionalidade 8155 Questão constitucional já decidida pelo STF 8156 Questão constitucional já decidida pelo Plenário ou Órgão Especial 8157 Declaração de inconstitucionalidade no STJ 8158 Procedimento do incidente de inconstitucionalidade nos Tribunais 81581 Procedimento prévio perante o órgão fracionário 81582 Procedimento perante o Pleno ou o Órgão Especial 816 Recurso extraordinário 8161 Recurso extraordinário 8162 Repercussão geral 8163 A imprescindibilidade de os precedentes da Suprema Corte obrigarem os juízos inferiores no sistema em que todo e qualquer juiz tem poder para controlar a constitucionalidade 8164 Os precedentes obrigatórios e a importância da fundamentação das decisões 8165 Ratio decidendi e obiter dicta 8166 A individualização dos fundamentos determinantes ou ratio decidendi 8167 A eficácia vinculante dos fundamentos determinantes no STF 8168 Eficácia temporal da revogação de precedente formado no controle incidental 81681 A questão nos Estados Unidos 81682 Diferentes razões para tutelar a segurança jurídica decisão de inconstitucionalidade e revogação de precedente constitucional 81683 Efeitos inter partes e vinculantes da decisão de inconstitucionalidade no controle incidental e da decisão que revoga precedente constitucional 81684 Eficácia prospectiva de decisão revogadora de precedente constitucional e de decisão proferida em controle incidental 81685 A função do Senado Federal 817 Controle incidental na ação civil pública e na ação popular 818 O problema do controle incidental da inconstitucionalidade por omissão 8181 Primeiras considerações 8182 O poder de controle difuso abarca o poder de controlar a omissão inconstitucional 8183 Situações em que a falta de lei é frequentemente suprida na prática forense 8184 A eficácia dos direitos fundamentais sobre os particulares e o controle incidental da omissão inconstitucional 8185 Os limites do juiz no suprimento da falta de lei necessária à tutela de direito fundamental O controle da inconstitucionalidade por omissão como controle da insuficiência de tutela 8186 Controle de inconstitucionalidade por omissão à tutela de direito fundamental de natureza processual 8187 Legitimidade do raciocínio decisório no suprimento de técnica processual IV Ação direta de inconstitucionalidade 819 Primeiras considerações 820 Legitimidade 8201 Extensão da legitimidade legitimados universais e especiais e capacidade para postular 8202 Legitimidade pertinência temática e interesse de agir 8203 Governador de Estado e Assembleia Legislativa 8204 Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil 8205 Partido político 8206 Confederação sindical e entidade de classe de âmbito nacional 821 Objeto461 822 Parâmetro de controle 823 Procedimento 824 Procedimento sumário em sentido formal 825 Causa de pedir aberta 826 Medida liminar 827 Amicus curiae 828 Esclarecimento de matéria de fato e informações acerca da aplicação da norma impugnada 829 Da decisão 830 Revogação da norma e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade V Ação declaratória de constitucionalidade 831 Primeiras considerações 832 Legitimidade 833 Objeto e parâmetro de controle 834 Petição inicial 835 Controvérsia judicial relevante 836 Indeferimento da petição inicial 837 Participação no processo 838 Esclarecimento de matéria de fato e informações acerca da aplicação da norma questionada 839 Medida liminar e seus efeitos 840 Decisão VI Efeitos das decisões de inconstitucionalidade e de constitucionalidade 841 Eficácia erga omnes 8411 Eficácia erga omnes e coisa julgada material 8412 Decisão de constitucionalidade e possibilidade de posterior ou outra ação direta de inconstitucionalidade 8413 Decisão de constitucionalidade com efeitos erga omnes e impacto das novas circunstâncias sobre o controle difuso 8414 Efeitos temporais da revogação da decisão de constitucionalidade 842 Eficácia vinculante 8421 Primeiras considerações 8422 Extensão objetiva 8423 Extensão subjetiva 843 Reclamação 844 Modulação dos efeitos temporais da decisão de inconstitucionalidade 845 Efeitos da decisão de inconstitucionalidade sobre a coisa julgada 8451 Lei inconstitucional e decisão baseada em lei inconstitucional efeitos da lei e efeitos da decisão judicial 8452 Incompatibilidade da retroatividade da decisão de inconstitucionalidade com o sistema difuso 8453 Coisa julgada e segurança jurídica 8454 Retroatividade da decisão de constitucionalidade sobre a coisa julgada 8455 A impugnação fundada em decisão de inconstitucionalidade no CPC de 2015 da retroatividade à tutela da observância das decisões e dos precedentes constitucionais 8456 Da ação rescisória fundada em violação literal de lei art 485 V do CPC1973 à ação rescisória baseada em violação de norma jurídica art 966 V do CPC2015 8457 A tese de que não há interpretação controvertida de norma constitucional 8458 Não há distinção entre decisão proferida em controle concentrado e controle difuso para efeito de rescindibilidade de coisa julgada 8459 A previsão de hipótese de rescisória baseada em ulterior decisão de inconstitucionalidade no CPC de 2015 84510 O caso Metabel v União Federal a não admissão de ação rescisória baseada em ulterior precedente do Supremo Tribunal Federal mediante a afirmação da garantia constitucional da coisa julgada material 84511 Casos em que se admite ação rescisória baseada em violação de norma constitucional 84512 Modulação de efeitos e coisa julgada VII Técnicas de decisão 846 Inconstitucionalidade nulidade decisão declaratória e produção de efeitos 847 Declaração de inconstitucionalidade total e declaração de inconstitucionalidade parcial 848 Inconstitucionalidade por arrastamento 849 Pronúncia de inconstitucionalidade sem declaração de nulidade 850 Omissão parcial pronúncia de inconstitucionalidade e isolamento de determinados efeitos 851 Norma em trânsito para a inconstitucionalidade 852 Interpretação conforme à Constituição 853 Declaração parcial de nulidade sem redução de texto VIII Mandado de injunção 854 Primeiras considerações 855 História do mandado de injunção no STF 856 Escopo do mandado de injunção 857 Natureza mandamental 858 Legitimidade 859 Medida liminar 860 Pressupostos para a concessão do mandado de injunção 8601 Dever de legislar 8602 Mora do legislador 8603 Norma insuficiente e omissão parcial 8604 Norma não autoaplicável 8605 Norma recepcionada pela Constituição edição superveniente da norma e encaminhamento de projeto de lei 861 Coisa julgada nos mandados de injunção individual e coletivo 862 Revisão da decisão A questão dos efeitos temporais da coisa julgada 863 Retroatividade apenas para beneficiar 864 Eficácia natural da coisa julgada 865 Eficácia dos precedentes 866 O mandado de injunção diante da possibilidade de a falta de lei ser suprida no caso conflitivo concreto IX Ação direta de inconstitucionalidade por omissão 867 Primeiras considerações 868 Escopo da ação direta de inconstitucionalidade por omissão 869 Objeto da omissão inconstitucional 870 Legitimidade 871 Procedimento 872 Omissão parcial de inconstitucionalidade 873 Medida liminar 874 Da decisão na ação de inconstitucionalidade por omissão Crítica 875 Efeitos da decisão proferida na ação direta de inconstitucionalidade por omissão Responsabilidade do Estado por omissão inconstitucional X Arguição de descumprimento de preceito fundamental 876 Primeiras considerações 877 Modalidades 878 Requisitos da arguição de descumprimento de preceito fundamental 8781 Ausência de outro meio processual capaz de sanar a lesividade de modo eficaz 8782 Relevância do fundamento de controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal estadual ou municipal incluídos os anteriores à Constituição 879 Legitimidade 880 Parâmetro de controle 881 Objeto 8811 Introdução 8812 Atos do Poder Público 8813 Direito préconstitucional 8814 Declaração de inconstitucionalidade de direito municipal 8815 Declaração de constitucionalidade dos direitos municipal e estadual 8816 Controle de ato legislativo em fase de formação 8817 Norma de caráter secundário 8818 Decisões judiciais e arguição de descumprimento de preceito fundamental 8819 A questão da omissão parcial 882 Procedimento 883 Medida liminar 884 Decisão e efeitos XI Representação interventiva 885 Introdução 886 Legitimidade 887 Objeto 888 Compreensão dos princípios sensíveis como parâmetro para a decretação da intervenção 889 Procedimento 890 Medida liminar 891 Decisão e efeitos XII Controle de constitucionalidade dos direitos estadual e municipal 892 Primeiras considerações 893 Norma estadual e duplicidade de controle de constitucionalidade 894 Decisão de inconstitucionalidade de norma constitucional estadual em face da Constituição Federal em ação direta de inconstitucionalidade proposta perante o Tribunal de Justiça 895 Norma constitucional de reprodução e interpretação incompatível com a Constituição Federal Cabimento de recurso extraordinário 896 Ação de inconstitucionalidade por omissão nos Estadosmembros 897 Ação direta de constitucionalidade nos Estadosmembros 898 Efeitos da decisão proferida em sede de ação direta de âmbito estadual XIII Controle de convencionalidade 899 Introdução Hierarquia normativa dos tratados internacionais dos direitos humanos 8100 Significado de supralegalidade dos tratados internacionais 8101 Modos de controle da convencionalidade no direito brasileiro 8102 Controle de supraconstitucionalidade 8103 O controle de convencionalidade pela Corte Interamericana de Direitos Humanos 8104 Objeto e parâmetro do controle de convencionalidade na Corte Interamericana 8105 Os efeitos das decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos Referências Outras obras dos autores ABDCONST Tem proferido conferências apresentado trabalhos e publicado em várias línguas livros capítulos de livros e periódicos científicos no Brasil e em outros países tais como Alemanha África do Sul Argentina Áustria Bélgica Chile Espanha Itália EUA México Peru Portugal Suíça É ainda Desembargador Aposentado do TJRS Advogado e Consultor Jurídico Luiz Guilherme Marinoni é Professor Titular com defesa de tese da UFPR Mestre e Doutor em Direito pela PUCSP fez estudos de PósDoutorado na Universidade de Milão Visiting Scholar na Columbia University e na Fordham University Professor visitante em várias Universidades da Europa e da América Latina Além de muitos livros publicados no Brasil tem mais de vinte livros publicados fora do país assim como vários artigos publicados em revistas estrangeiras como por exemplo Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile Rivista di Diritto Processuale ZZPInt Zeitschrift für Zivilprozess International Journal of Procedural Law Studia Prawnicze Revista de Derecho Procesal On Civil Procedure e Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra É VicePresidente da International Association of Procedural Law e Presidente da Associação Brasileira de Direito Processual Constitucional Recebeu o Prêmio Jabuti em 2010 e 2017 tendo sido indicado ao mesmo prêmio em três outras ocasiões Ex Procurador da República Advogado e parecerista com intensa atuação nos Tribunais e nas Cortes Supremas Daniel Mitidiero é Professor Associado de Direito Processual Civil nos Cursos de Graduação Mestrado e Doutorado da Faculdade de Direito da UFRGS PósDoutor em Direito pela Università degli Studi di Pavia Itália Doutor em Direito pela UFRGS Publicou 30 livros três deles no exterior e diversos artigos em revistas especializadas nacionais e estrangeiras entre as quais a Zeitschrift für Zivilprozess International e o International Journal of Procedural Law Membro da International Association of Procedural Law do Instituto Iberoamericano de Derecho Procesal da Asociación Argentina de Derecho Procesal da Associação Brasileira de Direito Processual Constitucional do Instituto de Processo Comparado e do Instituto Brasileiro de Direito Processual IBDP Recebeu o Prêmio Jabuti em 2009 e em 2017 Advogado Para Gabrielle Bezerra Sales Sarlet meu amor e minha parceira numa luminosa jornada dedico a parte que me toca nessa obra em construção Ingo Wolfgang Sarlet NOTA À 11ª EDIÇÃO Tendo em conta a contínua receptividade do presente curso também esta nova edição não foi objeto de maior ampliação mas sim de uma revisão designadamente de uma atualização legislativa jurisprudencial e bibliográfica sendo motivo de particular alegria que a obra tenha chegado à sua décima primeira edição no ritmo de uma edição anual o que indica uma boa receptividade pelo público e um contínuo voto de confiança em relação ao trabalho dos autores Destacamse no concernente às atualizações a inserção no art 5º CF de um direito fundamental à proteção de dados pessoais aprovada pelo Senado Federal em segundo turno de votação mas à época da redação dessas notas preliminares ainda não promulgada Além disso a presente edição é enriquecida na parte destinada aos direitos fundamentais em espécie designadamente os direitos sociais de um item destinado ao direito fundamental de acesso à Internet Assim há que formular um especial agradecimento aos nossos leitores e a todos os que seguem nos prestigiando seja na esfera acadêmica seja no plano judiciário com citações e indicações mas também com críticas que muitas vezes permitem a ampliação do contraditório mas também ajustes e aperfeiçoamentos Além disso expressamos o nosso muito obrigado a todos que de algum modo colaboraram para que a presente reedição se tornasse possível Nesse sentido aqui em nome do autor Ingo Sarlet se externa a gratidão para com Andressa de Bittencourt Siqueira da Silva Doutoranda em Direito pela PUCRS bolsista em tempo integral pela Capes Beatriz Castro Mulazzani Graduanda em Direito pela PUCRS bolsista de Iniciação Científica Bibiana da Cunda Ataídes Graduanda em Direito pela PUCRS bolsista de Iniciação Científica Manuela Ithamar Lima Mestre em Direito pela PUCRS e Pedro Agão Seabra Filter Doutorando em Direito pela PUCRS pela sua valiosa contribuição no que diz com o levantamento da jurisprudência do STF Especial agradecimento há de ser formulado em nome dos autores à equipe da Editora Saraiva aqui representada por Aline Darcy Flôr de Souza e Deborah Caetano de Freitas Viadana que mais uma vez se mostraram incansáveis no sentido de agilizar os processos e pelo seu sempre pronto contato com os autores Por fim o que almejamos é que também esta edição seja bem recebida e possa contribuir para a formação e atuação de estudantes de todos os níveis professores e profissionais de todas as áreas do Direito Porto Alegre e Curitiba novembro de 2021 Ingo Wolfgang Sarlet Luiz Guilherme Marinoni Daniel Mitidiero APRESENTAÇÃO A missão de escrever um Curso que possa ostentar essa designação não se revela de fácil execução Por um lado é preciso assumir o compromisso de conciliar uma dosagem suficiente de conteúdo e densidade oferecendo ao leitor informação relativamente acessível e atualizada que possa orientálo na sua trajetória acadêmica no plano da formação pessoal mas também na sua atividade profissional Por outro importa selecionar de forma adequada os assuntos que interessam mais de perto para compreensão do direito constitucional brasileiro Por mais completo que seja o programa da obra dificilmente considerada a abrangência do texto constitucional brasileiro poderá ser mantida a mesma densidade quanto ao tratamento da matéria Essa contingência se deve ao fato de os conteúdos que extrapolam os domínios convencionais do direito constitucional em que inequivocamente se inserem a teoria da constituição dos princípios e dos direitos fundamentais da organização do Estado e dos poderes articulemse fortemente com subsistemas temáticos em que costumam ser mais desenvolvidos Dito de outro modo um curso de direito constitucional não poderá pretender ser simultaneamente um curso de direito tributário direito administrativo direito econômico direito previdenciário ou mesmo um curso completo sobre os direitos fundamentais em espécie Deverá no entanto ser um referencial adequado para quem quiser ir além também nesses domínios Essas considerações abriram espaço para duas peculiaridades que marcam o nosso Curso A primeira delas diz respeito à seleção do conteúdo Com efeito a exemplo do que se verifica em outros casos a presente obra não nasceu completa e mesmo considerando a atualização e ampliação a cada reedição e a presente edição não se revela uma exceção não se pretende completa Cuidase isso sim de um trabalho projetado para um permanente processo de ampliação e reconstrução cuja primeira edição surgiu contemplando na primeira parte alguns dos aspectos centrais da teoria da constituição e do direito constitucional deixando a apresentação e a análise do sistema constitucional brasileiro aquilo que se costuma também designar de direito constitucional positivo para a segunda parte Além disso convém frisar que segue sendo nossa intenção por ocasião de cada nova edição não apenas aperfeiçoar e atualizar os tópicos ora versados mas incluir gradativamente novos pontos de modo a buscar a almejada completude ainda que se saiba que esta seja mais um ideal do que uma realidade possível Que o destaque e isso já na primeira edição vai para os temas centrais da teoria da constituição e do direito constitucional e os direitos fundamentais e a efetividade da constituição essa também a razão de ser de uma alentada parte sobre o controle de constitucionalidade e das ações constitucionais não representam algo aleatório mas constituem um dos aspectos diferenciais mediante os quais se pretende que o presente Curso de algum modo possa contribuir para auxiliar no aprendizado e manejo do direito constitucional no Brasil A segunda observação concerne à autoria Como projeção da nossa preocupação em apresentar à comunidade acadêmica um texto suficientemente sólido não só na área da teoria constitucional mas com particular foco na efetividade da Constituição nos pareceu conveniente conjugar esforços de modo a poder enfrentar com propriedade todos esses aspectos do problema Daí surgiu nossa parceria com o intento de outorgar tratamento adequado e específico tanto aos problemas de direito material quanto àqueles de direito processual que a Constituição brasileira apresenta A propósito para preservar a identidade de cada autor e da sua respectiva colaboração para a obra todos os capítulos têm gravados os nomes de seus autores assegurando a pronta identificação da responsabilidade pelo texto pelo públicoleitor Apresentar no caso reapresentar um Curso à comunidade acadêmica brasileira dado o nível de excelência de boa parte da nossa produção constitucional não constitui tarefa que se possa assumir de modo leviano Pelo contrário isso só se justifica pela possibilidade de poder colaborar com o debate a fim de que nossas instituições se fortaleçam e o Estado Constitucional viceje forte para além das contingências políticas Por outro lado isso é claro só se justifica se tivermos presente que a doutrina tem uma missão para além das especialidades a de formar em um espírito de Universidade pessoas preocupadas com o sentido constitucional que perpassa todo o Direito no Estado Constitucional É o único objetivo razoável que se pode assinalar a um Curso de Direito Constitucional realmente centrado na preocupação com a promoção da Constituição e de sua efetividade Porto Alegre RS e Curitiba PR novembro de 2021 Ingo Wolfgang Sarlet Luiz Guilherme Marinoni Daniel Mitidiero PRIMEIRA PARTE Teoria da Constituição e do Direito Constitucional A CONSTITUIÇÃO EM PERSPECTIVA HISTÓRICOEVOLUTIVA Dos antecedentes à afirmação do constitucionalismo moderno e do assim chamado Estado Constitucional Ingo Wolfgang Sarlet 11 Considerações introdutórias Embora a noção de constituição compreendida em sentido material ou seja como o modo de organização da sociedade política seja bem mais antiga o fato é que a ideia de uma constituição formal no sentido de uma constituição jurídica ou normativa portanto como expressão de um poder constituinte formal encontrou sua afirmação teórica e prática apenas a partir do final do século XVIII É precisamente nessa perspectiva que já se afirmou que o fato de cada unidade política estar em uma constituição ou ser uma constituição não significa que ela de fato tenha uma constituição formal no sentido de uma constituição normativa de tal sorte que o termo constituição cobre ambas as realidades que contudo não são equivalentes em toda a sua extensão visto que na primeira acepção que coincide com a de constituição material se trata de um conceito empírico ou descritivo de constituição ao passo que no segundo sentido cuidase de um conceito normativo ou prescritivo de constituição 1 Com isso não se está a sustentar todavia que antes da afirmação e consolidação da noção moderna de constituição formal jurídica não existissem documentos jurídicos de cunho constitucional embora em larga medida distintos do que viriam a ser as constituições escritas no sentido moderno consoante aliás demonstra de forma emblemática a experiência constitucional inglesa Já por tal razão mas também por ainda constituir uma via diferenciada no contexto mais amplo da evolução constitucional o modelo inglês também será considerado neste capítulo juntamente com as experiências norteamericana e francesa que como é amplamente aceito constituem os dois pilares do constitucionalismo na sua versão moderna o qual em seus traços essenciais segue marcando o constitucionalismo contemporâneo embora em processo de permanente reconstrução a ponto de se chegar a afirmar que a despeito das muitas e relevantes contribuições encontradas na literatura a história do constitucionalismo moderno ainda está sendo escrita e portanto está por ser escrita 2 Em sentido similar buscando destacar que a Constituição e o constitucionalismo se caracterizam como um processo evolutivo há quem diga que a Constituição pode ser compreendida como uma espécie de aquisição evolutiva 3 ou mesmo de uma aquisição evolutiva do sistema social global 4 Nada obstante a existência antes do surgimento das constituições jurídicas modernas de regras jurídicas inclusive consolidadas em documentos regulando as relações de poder político e mesmo vinculando os titulares do exercício do poder tais regras ainda que integrantes de uma constituição material não correspondem à noção moderna de constituição normativa nascida no final do século XVIII razão pela qual como adverte Dieter Grimm não há que confundir os fenômenos da juridificação e da constitucionalização a Constituição no sentido moderno do termo constitui uma forma peculiar de juridificação do poder e da dominação política vinculada a determinadas condições históricas que nem sempre estiveram presentes e que podem voltar a faltar 5 De fato se alguns documentos jurídicos mais antigos como é o caso da Magna Carta Inglesa 1215 mas especialmente das declarações de direitos inglesas do século XVII têm sido considerados antecedentes de uma constituição jurídica no sentido moderno no caso peculiar da Inglaterra até mesmo integrando ainda hoje a própria constituição histórica juntamente com outros regramentos certamente eram em muito distintos da noção de uma constituição compreendida como lei fundamental de uma comunidade política dotada entre outras características da qualidade de norma hierarquicamente superior 6 Já por tal razão importa ter sempre presente que embora as Revoluções Americana 1776 e Francesa 1789 tenham demarcado o momento inicial do constitucionalismo moderno 7 cuja história por sua vez está intrinsecamente ligada à limitação normativa do poder político e à garantia de direitos individuais e indisponíveis livres de intervenção estatal o fato é que as vertentes do constitucionalismo inclusive da noção de constituição jurídica são mais remotas podendo ser encontradas já no período medieval embora com amplo destaque para o constitucionalismo histórico e o pensamento político e filosófico inglês Com efeito em que pese o constitucionalismo tenha se consolidado a partir das grandes revoluções dos séculos XVII e XVIII formando três modelos que ressalvadas as diferenças entre si asseguraram as bases das experiências constitucionais posteriores no caso os modelos inglês norteamericano e francês os dois últimos definidores do assim designado constitucionalismo moderno foi no período medieval por meio da afirmação dos costumes e tradições portanto pelo direito costumeiro que foram estabelecidas regras gerais de organização política já a partir do século V 8 O próprio termo constituição que já aparecia na obra de Aristóteles 9 era relacionado na época a uma noção empírica não normativa que resultou da simples transposição da descrição natural do processo de dominação dos territórios e de seus habitantes e do desenvolvimento histórico das relações de poder para a linguagem jurídica e política onde passou a constituir um conceito também normativo do dever ser 10 Ademais a utilização do termo constituição nos escritos políticos da Antiguidade e mesmo na fase seguinte do Medievo costumava em muitos casos designar um modo de organização política ideal da sociedade como dão conta as obras do próprio Aristóteles ao identificar e propor uma tipologia das formas de governo mas especialmente a ficção da República de Platão a Cidade de Deus de Agostinho entre outras 11 Com a derrocada gradual do modo de produção e de organização da sociedade típicos do período medieval geralmente identificado com o sistema feudal embora as diferenças importantes registradas de lugar para lugar e ao longo do tempo surge especialmente ao longo dos séculos XV XVI e XVII mas com experiências anteriores como dá conta o caso de Portugal que assumiu os contornos de uma unidade estatal centralizada em um território e com o exercício do poder concentrado nas mãos de um monarca já no século XIII o assim chamado Estado moderno o poder político antes fragmentado em diversos centros de poder tornase centralizado indivisível e absoluto depositado nas mãos do monarca cuja soberania era legitimada segundo uma série de teorias pelo direito divino 12 Com a ascensão das correntes filosóficas que iriam forjar o ambiente do Iluminismo com destaque para os escritos de Thomas Hobbes John Locke JeanJacques Rousseau e Immanuel Kant 13 a legitimação e o exercício do poder foram enquadrados em esquemas racionalistas de modo que especialmente a partir do século XVIII algumas das consequências desse movimento já se mostravam claras no cenário jurídico e político europeu inclusive migrando para o cenário das colônias inglesas na América em que acabou eclodindo o processo que levou ao surgimento das primeiras constituições escritas no sentido moderno do termo Dentre tantos outros aspectos dignos de nota enfatizase aqui a afirmação do primado da lei em detrimento do costume como fonte do direito movimento de codificação além da alteração da concepção até então vigente de soberania como centrada na figura do príncipe para um conceito de soberania nacional onde a lei era concebida como a expressão máxima da vontade geral 14 Com o incremento do capitalismo como modo de produção primeiramente com o incremento e expansão das relações comerciais a partir do final da Idade Média e depois por via de seu modelo industrial oriundo da revolução econômica na Inglaterra a burguesia revelase como o setor mais avançado e dinâmico da sociedade avultando cada vez mais o contraste entre sua posição econômica e a ausência de sua participação no poder político Assim inevitável o choque de interesses findando na eclosão de movimentos revolucionários que iriam contestar os privilégios da monarquia do antigo regime inclusive em termos de movimentos de secessão por parte das colônias não apenas nos Estados Unidos 17761783 e na França 17891799 seguramente as duas mais importantes para o constitucionalismo mas também na Irlanda 17831784 na Bélgica 17871790 na Holanda 17831787 e inclusive na Inglaterra 1779 que já havia passado por um período de intensa agitação políticoinstitucional inclusive por uma guerra civil ao longo do século XVII Embora integrante do ciclo revolucionário do século XVIII não tendo portanto sido um evento isolado no contexto da época a Revolução Francesa eclodida em 1789 foi sem dúvida o mais profundo e impactante consideradas as suas proporções e repercussão entre os movimentos revolucionários Além de ter sido uma revolução social de massa mais radical do que as que a precederam e que a seguiram exceção feita aos movimentos revolucionários ocorridos na Rússia e na China no século XX foi a única de caráter ecumênico é dizer seus ideais foram concebidos para revolucionar o mundo diferentemente da revolução norte americana cujo acontecimento centrouse nos Estados Unidos e nos países nela envolvidos 15 Consoante anota Horst Dippel ainda que as consequências políticas e jurídicas da Revolução Francesa tenham adquirido proporções mundiais não foi na França que se deu a origem do que hoje entendemos por constitucionalismo moderno mas sim nos Estados Unidos da América mediante ainda numa primeira fase a promulgação da Declaração dos Direitos da Virgínia em 1776 Tal documento jurídico diferentemente do Bill of Rights da Inglaterra 1689 embora em boa parte por influência daquele foi o primeiro a consagrar uma declaração de direitos estabelecida pelos representantes do povo reunidos numa convenção plena e livre direitos que foram compreendidos como constituindo a base e o fundamento do governo 16 Ainda com Dippel a Declaração de Direitos da Virgínia pelo menos em seus traços essenciais serviu de modelo para a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão promulgada na França em 16 de agosto de 1789 de modo que indiretamente o constitucionalismo norteamericano influenciou textos constitucionais em escala global 17 Nesse mesmo contexto calha relembrar a lição de Thomas Paine um dos intelectuais norteamericanos embora nascido na Inglaterra mais destacados do período revolucionário no sentido de que uma constituição não é um ato de governo mas de um povo constituindo um governo Governo sem constituição é poder sem direito 18 Tal afirmação por sua vez reforça a noção de que com a Declaração da Virgínia de 1776 mais especialmente com a promulgação da Constituição dos Estados Unidos da América de 1787 algo de substancialmente novo estava a surgir No que consistem os traços característicos do constitucionalismo moderno e dos três grandes modelos que se afirmaram ao longo dos séculos XVII e XVIII Inglaterra Estados Unidos da América e França será objeto de atenção logo na sequência ainda que existam outras experiências e tradições constitucionais que especialmente ao longo do século XX influenciaram a noção contemporânea de constitucionalismo 19 De outra parte importa enfatizar que a inclusão da experiência constitucional inglesa resulta imperiosa já pelo fato de que o constitucionalismo se tomado em sentido mais amplo abarca o processo histórico marcado pelo desenvolvimento da noção de limitação jurídica do poder político que teve precursores e uma tradição importante na Inglaterra ainda que não mediante a adoção de uma constituição escrita tal como ocorreu na América do Norte e na França 20 mas também pelo fato de que na Inglaterra radicam elementos teóricos importantes que auxiliaram a pavimentar o terreno para a edificação do constitucionalismo moderno Muito embora não se verifique um consenso quanto a este aspecto também é digno de nota que para muitos o Instrumento de Governo Instrument of Government imposto durante a ditadura de Oliver Cromwell em 1653 período no qual a monarquia estava alijada do poder a despeito de sua transitoriedade pode ser considerado como o documento mais próximo das funções de uma constituição escrita no sentido moderno do termo além de ter sido a única constituição escrita que a Inglaterra teve 21 tudo a reforçar a importância da inclusão da matriz inglesa no contexto da evolução do constitucionalismo moderno 12 O caso da Inglaterra e suas peculiaridades Não há até hoje uma constituição escrita na Inglaterra pelo menos no sentido das constituições escritas que a partir do final do século XVIII passaram a caracterizar o constitucionalismo moderno Nada obstante a Inglaterra já possuía os elementos essenciais de um moderno Estado constitucional mesmo antes da declaração de independência dos Estados Unidos da América e da promulgação das Constituições dos Estados Unidos da França e da Polônia todas no final do século XVIII visto que na Inglaterra já vigorava um sistema de limites ao poder um devido processo legislativo formal um regime parlamentar dotado de uma representação popular e mesmo existia um conjunto de garantias e liberdades civis assegurado por meio de documentos jurídicos quase constitucionais ainda que distinto dos direitos fundamentais no sentido atual do termo 22 Segundo Dieter Grimm são dois os motivos principais para que a Inglaterra país que do ponto de vista econômico e político era o mais liberal do antigo regime acabasse prescindindo de uma constituição formal Um primeiro motivo apontado pelo autor reside no fato de não ter sido necessária uma ruptura revolucionária para a consolidação das relações civis em face da dominação tradicional absolutista já que à época do sistema feudal em contraposição ao que se passava no continente os limites entre a aristocracia e a burguesia eram significativamente mais tênues de modo que havia tanto o enobrecimento de cidadãos honrados quanto o exercício da atividade empresarial por segmentos da aristocracia Além disso ainda de acordo com o autor referido a Reforma na Inglaterra não se fez em direção ao fortalecimento do poder monárquico mas sim conduziu a uma gradativa valorização do Parlamento já no século VI quando Henrique VIII tentou assegurar o apoio do Parlamento mediante sua ruptura com Roma ou seja com a Igreja Católica Romana 23 O processo constitucional inglês de caráter cumulativo e evolutivo transmitido de geração para geração principiou com o desenvolvimento das instituições feudais que numa primeira fase resultou no fortalecimento do poder político dos barões mediante a imposição ao Rei João SemTerra da Magna Charta Libertatum em 1215 documento que todavia veio posteriormente a influenciar a consolidação do Parlamento ainda que controlado pelo rei 24 Cumpre averbar na esteira da lição de Dieter Grimm que diversamente do que passou a ocorrer no continente onde o absolutismo monárquico dominou o cenário especialmente ao longo dos séculos XVI e XVII na Inglaterra a convivência de uma representação da burguesia e da nobreza no âmbito do Parlamento demarcou um modelo de evolução peculiar visto que ambos os setores não apenas apresentavam interesses em parte comuns como detinham uma representação política 25 O embate entre o Parlamento e o poder monárquico que de certo modo marcou a evolução políticoinstitucional inglesa de forma crescente muito embora variável ganhou contornos mais intensos no século XVII resultando em 1628 na assim chamada Petição de Direitos Petiton of Rights uma declaração de direitos que estabelecia limitações substanciais ao poder do Rei Carlos I Este a despeito dos compromissos assumidos por força da petição de direitos dissolve diversos Parlamentos impõe impostos sem a prévia aprovação pelo Parlamento o que resulta na criação de um exército pelo Parlamento e no confronto com as forças reais tudo a desembocar numa guerra civil que levou à vitória das forças parlamentares e à decapitação do rei em 1649 Todavia uma vez instaurada a República o comandante do exército que derrotou as forças monárquicas Oliver Cromwell dissolveu o Parlamento 1652 e iniciou uma espécie de absolutismo ou ditadura republicano além de promulgar um documento que costuma ser considerado como a primeira versão de uma espécie de constituição escrita que tal como já apontado na parte introdutória foi a única que a Inglaterra jamais teve o assim chamado Instrument of Government de 1653 e que esteve em vigor por pouco tempo tendo em vista a morte de Cromwell 1658 e a restauração da monarquia em 1660 com o retorno do exílio de Carlos II filho de Carlos I 26 O caráter efêmero da peculiar experiência inglesa de uma constituição escrita encontra explicação no fato de que com a morte de Cromwell a nova ordem logo começou a soçobrar e o Parlamento em junção com outras forças políticas e sociais optou pela restauração da monarquia justamente a forma de governo que havia sido derrubada pela Constituição de Cromwell 27 Embora restabelecida a monarquia e a Câmara dos Lordes que havia sido dissolvida durante a ditadura de Cromwell o contexto já era completamente diferente marcado já pela crescente supremacia do Parlamento onde o monarca gozava de poderes significativamente limitados ainda mais a partir da edição da Declaração de Direitos Bill of Rights em 1689 28 Com efeito o assim chamado Modelo Westminster como era designada a forma de governo inglesa teve seu ponto culminante no período compreendido entre 1688 e 1689 quando foram estabelecidas mudanças políticas e institucionais como a consolidação da supremacia do Parlamento em relação ao rei e à superioridade da Câmara dos Comuns sobre a Câmara dos Lordes 29 Notese todavia que a Declaração de Direitos pactuada entre o Parlamento e a Coroa diversamente da revolução americana e especialmente da francesa foi o resultado de um movimento conservador da ordem estabelecida resultando na confirmação dos antigos direitos e imunidades que já integravam a tradição inglesa 30 Por outro lado a despeito de tais circunstâncias a Declaração de Direitos de 1689 como ponto culminante da assim chamada revolução gloriosa pode ser considerada como um dos principais momentos constitucionais da Inglaterra visto que representou a necessidade de estabelecer demarcar e limitar inclusive mediante um texto escrito os poderes da legislatura e do monarca 31 Tal evolução por sua vez naquilo que legou ao mundo o modelo parlamentar e um primeiro sistema de liberdades civis e políticas pode ser considerada como a grande contribuição inglesa ao constitucionalismo e para a história das instituições políticas muito embora aqui não se possa adentrar nos detalhes de tal modelo e seus diversos desdobramentos seja para a Inglaterra seja para outras ordens constitucionais 32 A despeito de sua relevância para a evolução do constitucionalismo e pelo fato de na Inglaterra ter sido engendrado o primeiro Estado de feição liberal o modelo inglês constitui uma via peculiar visto que além de não ter sido baseado na distinção entre poder constituinte e poderes constituídos não contempla o princípio da supremacia da Constituição inexistindo portanto um controle de constitucionalidade dos atos legislativos notadamente por força da adoção do princípio da supremacia parlamentar Ainda assim ao longo dos tempos importantes mudanças foram desenvolvidas no âmbito da configuração institucional do Poder Judiciário como órgão independente da atuação parlamentar o que pode ser ilustrado mediante referência à aprovação em 1998 pelo Parlamento da incorporação ao direito interno da Convenção Europeia de Direitos Humanos o assim chamado Human Rights Act que opera como parâmetro para a legislação ordinária e pode ensejar uma declaração de incompatibilidade em concreto pelo Poder Judiciário 33 Além disso em 2005 foi aprovado o Constitutional Reform Act reorganizando o Poder Judiciário inglês mediante o qual foi estabelecida uma separação orgânica entre o Poder Judiciário e o Parlamento esvaziando as funções judiciais da Câmara dos Lordes e transferindo funções para uma nova Suprema Corte 34 Assim muito embora aqui se tenha apresentado o constitucionalismo inglês de maneira muito esquemática o que se percebe é que também se cuida de um modelo em permanente reconstrução o qual embora siga substancialmente distinto da tradição de um constitucionalismo escrito pelo menos no sentido de uma codificação de normas formalmente constitucionais e hierarquicamente superiores às demais 35 contempla elementos importantes do moderno Estado constitucional e está além do mais pelo menos quanto a alguns aspectos como dá conta entre outros exemplos o caso da Convenção Europeia de Direitos Humanos e o Human Rights Act em processo de gradativa aproximação dos demais modelos o que em muito se deve à integração europeia para além de outros fatores que são externos à matriz original inglesa incluindo a globalização da economia aspectos que contudo aqui não serão desenvolvidos 13 Os Estados Unidos da América a viragem de Copérnico da evolução constitucional Na América do Norte mediante a Declaração de Independência das antigas treze colônias inglesas e a posterior fundação do Estado Federal com a promulgação da Constituição de 1787 a formação do constitucionalismo moderno adquiriu feições paradigmáticas 36 Uma das peculiaridades que marca o estágio inicial da evolução constitucional norteamericana reside na circunstância de que a criação da Constituição a primeira constituição escrita no sentido moderno do termo coincidiu com a própria formação do país como nação independente O constitucionalismo republicano dos Estados Unidos fundou um novo sistema político apto a garantir a independência das treze antigas colônias inglesas estabelecendo regras gerais de atuação política e consagrando direitos naturais da pessoa humana especialmente com ênfase na eliminação dos entraves às atividades econômicas que caracterizavam a época de tutela colonial britânica 37 Todavia embora apenas o documento elaborado pela Convenção da Filadélfia em 1787 possa ser considerado como a primeira Constituição dos Estados Unidos da América e ostente mesmo o título de primeira constituição moderna os constituintes puderam recorrer a precedentes oriundos da própria realidade norte americana inclusive da fase colonial visto que as colônias aderindo ao movimento que se manifestava na Inglaterra elaboraram documentos que a exemplo da Declaração de Direitos e outros documentos constitucionais ingleses podem ser considerados como antecedentes da constituição escrita como foi o caso das assim chamadas cartas coloniais Colonial Charters ou Colonial Forms of Government 38 Tais documentos todavia embora tenham preparado o terreno para as diversas constituições aprovadas pelos Estados originários das excolônias a contar de 1776 mas especialmente para a Constituição de 1787 não podem ser equiparados a uma constituição já pelo simples fato de as colônias serem dependentes da Inglaterra e não constituírem Estados soberanos Quando em 4 de julho de 1776 é assinada a Declaração de Independência das antigas colônias da Inglaterra na América do Norte tais colônias constituíram Estados independentes soberanos Pouco tempo depois cientes da necessidade de fortalecer a união para enfrentar o inimigo comum visto que a guerra contra a Inglaterra ainda não estava vencida os Estados independentes ratificaram em 1781 os famosos Articles of Confederation estabelecendo uma confederação formada pelos treze estados soberanos originados das antigas colônias que portanto representou uma forma composta de Estados mas não uma Federação como veio a ser criada logo mais adiante Foi entre outras razões com a intenção de imprimir unidade e estabilidade ao sistema mediante a criação especialmente de um Poder Executivo apto a gerenciar a disputa interna que foi convocada a Convenção da Filadélfia que em 1787 aprovou a primeira Constituição jurídica e escrita no sentido moderno do termo aliás a primeira e única Constituição escrita que os Estados Unidos da América como nação independente e soberana já tiveram 39 Além disso também por força do pacto constituinte de 1787 foi criada a primeira República Federativa e Presidencialista no âmbito da evolução política e institucional da humanidade Apesar disso fica o registro de que a Constituição de 1787 não foi o resultado de uma decisão prévia e planejada mas sim a forma encontrada pelos integrantes da Convenção da Filadélfia para resolver um problema concreto e imediato qual seja o da estruturação e organização interna do poder 40 Considerando que o texto aprovado pela Convenção de 1787 foi antes de entrar em vigor o que veio a ocorrer em julho de 1788 submetido a um processo de ratificação pelos Estados que integravam a antiga Confederação e que portanto renunciaram à sua soberania é necessário destacar a importância para tal ratificação dos escritos de Alexander Hamilton James Madison e John Jay publicados na imprensa de Nova York entre outubro de 1787 e maio de 1788 sob o título de O Federalista e que juntamente com outras contribuições de relevo ajudaram a formar no seu conjunto não apenas o substrato e a justificação teórica da nova ordem constitucional mas também a evolução constitucional posterior 41 Importa notar todavia que embora o título de primeira constituição moderna seja atribuído ao documento elaborado em 1787 já desde a Declaração de Independência em 1776 quando as antigas colônias constituíram Estados independentes a noção de constituição em sentido moderno e com ela a própria noção de um poder constituinte já se faziam presentes precisamente pelo fato de que os novos Estados originários das colônias experimentaram um processo de formação constitucional que apresentava as características que depois vieram a se consolidar quando da aprovação da Constituição de 1787 Em geral os novos Estados independentes mediante processo constituinte democrático elaboraram sua própria constituição eou declaração de direitos prevalecendo em regra a noção de que é a Constituição que precede o governo e constitui além disso a base e medida da legislação tendo mesmo as declarações de direitos sido ou inseridas no texto constitucional ou então incorporadas por remissão embora constantes em documento apartado como foi o caso por exemplo da famosa Declaração da Virgínia de 1776 tudo a indicar que a concepção de constituição moderna ou seja o modelo embrionário de uma ordem constitucional republicana dotada de constituição escrita pode ser reconduzida a tal momento embora como já frisado consolidada logo adiante quando da formação dos Estados Unidos da América como Estado Constitucional 42 Tudo isso revela que a construção da Constituição americana se deu mediante um processo que vai pelo menos de 1776 Declaração de Independência até 1791 incorporação de uma declaração de direitos ao texto da Constituição de 1787 43 Tal processo veio a ser consolidado posteriormente mediante entre outros aspectos a consolidação da noção de supremacia da Constituição que será objeto de atenção logo adiante Fundada e justificada na e pela noção de soberania popular emblematicamente expressa já no Preâmbulo mediante a famosa expressão Nós o Povo We the People a Constituição de 1787 como já sinalado foi a primeira constituição escrita a consagrar uma República Federativa além de estabelecer um Executivo unipessoal nos dois planos federativos federal e estadual exercido por um Presidente da República na esfera do governo da União bem como colocando em prática a separação de poderes idealizada por Montesquieu e afirmando a supremacia da lei rule of the law 44 Muito embora o texto original não tivesse previsto um rol de direitos e garantias que somente viriam a ser incorporados em 1791 por meio das primeiras dez emendas à Constituição denominadas Bill of Rights a relevância de tais direitos e garantias para a futura evolução constitucional e a afirmação dos direitos fundamentais da pessoa no mundo ocidental não pode ser suficientemente enfatizada ainda mais quando qualificada pela noção de supremacia da Constituição isto sem falar no impacto de tais direitos especialmente mediante a sua interpretação pela Suprema Corte para a vida social econômica e política dos Estados Unidos da América bastando aqui referir em caráter ilustrativo a compreensão da cláusula da equal protection para a superação ainda que não total das graves distorções na esfera da discriminação racial Evidentemente o elenco de direitos e garantias integrado ao texto constitucional direitos à vida e à propriedade liberdade de expressão igualdade liberdade religiosa devido processo legal entre outros apresentava caráter eminentemente liberal sendo resultado do Zeitgeist iluminista e liberalburguês vigente na época da formação constitucional norteamericana e que ainda que com alguma variação definiu as linhas mestras da primeira grande fase do constitucionalismo moderno O hoje ainda praticamente intocado dogma da supremacia da Constituição teve nos Estados Unidos da América a sua máxima expressão notadamente a partir da incorporação ao constitucionalismo norteamericano e de lá para o mundo da doutrina e prática do controle judicial de constitucionalidade das leis prática que costuma ser reconduzida à famosa decisão da Suprema Corte no caso Marbury vs Madison de 1803 em função do célebre voto do Chief Justice John Marshall ao afirmar a competência da Corte para com base na Constituição controlar e mesmo fulminar atos dos demais poderes da República 45 Em síntese oferecendo uma sumária radiografia das principais diretrizes do modelo constitucional norteamericano incorporadas logo após o desfecho do movimento de separação da metrópole inglesa e mediante a aprovação da Constituição de 1787 e das emendas de 1791 é possível tomando por empréstimo a seleção efetuada por Hartmut Maurer elencar os seguintes aspectos a soberania popular como fundamento do Poder do Estado b a garantia dos direitos fundamentais para a salvaguarda da liberdade e igualdade das pessoas diante do poder estatal c a separação dos poderes limitados e controlados entre si d a Federação consubstanciada na criação de um Estado comum mas com a manutenção do formato anterior de Estados individuais com a repartição de tarefas estatais entre a União e os Estados federados 46 O desenvolvimento posterior do constitucionalismo norteamericano importa agregar encontrase por sua vez atrelado à atuação marcante de sua Suprema Corte que embora as diversas fases mais ou menos conservadoras ou progressistas foi decisiva para a reconstrução permanente da ordem constitucional além de influenciar o papel de outras cortes constitucionais no mundo inteiro 14 O legado da experiência constitucional na França A era do constitucionalismo moderno desde o paradigma das constituições escritas elaboradas pelos Estados norteamericanos culminando na Constituição Federal de 1787 atingiria o início de sua escalada quando da promulgação na França da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão 47 em 1789 cujo famoso art 16 esboçava o novo conceito de constituição ao estipular em tom solene que um Estado que não garantisse a separação dos poderes e não assegurasse os direitos individuais não teria uma constituição As exigências do ideário liberalburguês foram delineadas na Declaração de Direitos documento jurídico que representava ao mesmo tempo um manifesto contra a sociedade hierárquica e os privilégios da nobreza muito embora estivesse longe de poder ser considerado um libelo em prol de uma sociedade democrática e igualitária 48 O ideal era a formação de um Estado secular que assegurasse as liberdades civis e as garantias para a empresa privada e de um governo de contribuintes e proprietários elevando se a propriedade privada à condição de direito natural sagrado inalienável e inviolável A célebre frase de Luís XIV identificando o Estado com a pessoa do monarca LÉtat cest moi e que representava a quintessência do absolutismo monárquico foi extirpada do vocabulário constitucional francês no âmbito de um processo que de certo modo deu novo significado ao termo Revolução Por outro lado é preciso destacar que o desenvolvimento do constitucionalismo no continente europeu inicia com a Revolução Francesa de 1789 ainda que não se possa desprezar a influência da experiência norteamericana especialmente para o momento inaugural do constitucionalismo moderno na Europa assim como no decorrer da evolução posterior o que contudo aqui não será abordado Em apertada síntese é possível afirmar que o primeiro impulso rumo a uma primeira constituição escrita na França ocorreu com a convocação pelo Rei Luís XVI dos Estados Gerais uma assembleia reunida no dia 5 de maio de 1789 integrada por representantes das três ordens da sociedade francesa no caso a nobreza o clero e o povo comum que representavam o assim chamado Terceiro Estado e cuja pauta de reivindicações incluía a elaboração de uma constituição escrita por força da influência norteamericana Mediante pressão do Terceiro Estado foi instaurada uma Assembleia Nacional Constituinte a partir de 17 de junho de 1789 que elegeu um comitê encarregado de elaborar um projeto de constituição 6 de julho de 1789 o qual em princípio mantinha a monarquia hereditária Todavia em função da rebelião popular e da assim chamada queda da Bastilha fortaleza e prisão real 14 de julho de 1789 e em virtude da expansão do movimento a Assembleia Constituinte deixando de lado neste momento o projeto de constituição dedicouse a elaborar uma Declaração de Direitos que veio a ser aprovada em 26 de outubro de 1789 nela além da consagração da noção de direitos naturais e imprescritíveis do homem representados pelos direitos de liberdade propriedade segurança e resistência à opressão art 2º o já referido conceito de constituição formulado no art 16 da Declaração 49 Registrese que uma das peculiaridades do desenvolvimento constitucional francês especialmente quando confrontado com o norteamericano reside nas características do Poder Constituinte Contrariamente ao que sucedeu nos Estados Unidos a Assembleia Nacional Constituinte na França significava uma ruptura com o passado no sentido não apenas da fundação de um Estado mas de uma nova ordem estatal e social afetando profundamente até o âmbito mais elementar da sociedade Nesse sentido a declaração de direitos fundamentais não objetivava apenas a limitação do poder do Estado mas também e sobretudo a extinção do direito feudal e dos privilégios da aristocracia 50 Curial destacar a partir da experiência constitucional francesa que a simples denominação de Estado Constitucional não é garantia de per si do respeito aos elementos essenciais do chamado constitucionalismo moderno De fato os dois primeiros textos constitucionais franceses não dispunham sobre a independência do Poder Judiciário o governo limitado e a proteção da Constituição Tais elementos só foram incorporados ao longo do tempo especialmente após a instauração da Quinta República em 1958 Ademais com a promulgação da Constituição do ano VIII 1799 foram retirados traços essenciais do constitucionalismo moderno de modo a concentrar excessivamente o poder nas mãos do PrimeiroCônsul que o exerceu como um ditador sob o rótulo do Estado Constitucional 51 O Poder Judiciário objeto de desconfiança dos revolucionários e que se reflete de certo modo até os dias atuais foi relegado a mero aplicador do direito legislado de tal sorte que para a concretização da máxima de Rousseau segundo a qual a lei é a expressão da vontade geral apenas ao Poder Legislativo era dada a competência de explicitar o sentido das suas próprias prescrições o que por sua vez contribuiu para que apenas já no último quartel do século XX o Conselho Constitucional órgão a que incumbe na França o controle de constitucionalidade das leis passasse a assumir um papel mais efetivo e mais próximo de uma autêntica jurisdição constitucional capaz de assegurar a supremacia da Constituição em relação ao direito infraconstitucional o que também é aspecto que constitui uma diferença essencial em relação à tradição do constitucionalismo norteamericano e mesmo na fase posterior à Segunda Guerra Mundial da experiência da maioria dos Estados que apostaram na criação de Tribunais Constitucionais de perfil jurisdicional como foi o caso da Alemanha 52 De qualquer sorte a despeito do período de domínio napoleônico a contar de 1799 e depois da derrota final de Napoleão em Waterloo 1815 da restauração da monarquia a matriz constitucional francesa engendrada no período revolucionário deixou um legado permanente para o constitucionalismo moderno até mesmo de modo indireto visto que o pensamento político francês também teve repercussão nos Estados Unidos onde algumas ideias tiveram recepção e realização prática em parte distinta da que ocorreu na França como é o caso apenas para mencionar um exemplo célebre do princípio da separação de poderes que reconstruído nos Estados Unidos foi incorporado à gramática constitucional de uma série de Estados que aderiram ao movimento constitucional 15 A ampliação do constitucionalismo pelo mundo ocidental rumo ao modelo do Estado Constitucional como paradigma universal Uma breve observação a respeito do significado das três experiências constitucionais inaugurais do constitucionalismo moderno com destaque para a norteamericana e a francesa mas sem olvidar que parte das premissas teóricas e mesmo parte das instituições que passaram a integrar a noção de um Estado Constitucional são oriundas da tradição constitucional inglesa como por exemplo a própria doutrina da rule of law que no direito constitucional continental recebeu sentido em parte diverso revela que todas foram determinantes para a afirmação no cenário jurídicoconstitucional e político do final do século XVIII dos contornos da noção de um Estado Constitucional compreendido como um Estado de Direito na perspectiva da limitação jurídica do poder e lançaram as bases da evolução posterior Todavia o processo de afirmação e reconstrução do Estado Constitucional de Direito que nasceu como um Estado Liberal de Direito revela que se trata de uma trajetória gradual marcada pelo surgimento de outras experiências constitucionais que exerceram sua influência e são dignas de nota seja pelas suas peculiaridades seja pela influência gerada no que diz com a reconstrução do próprio constitucionalismo que ao longo do século XIX vivenciou um processo de significativa ampliação inclusive na América do Sul e Central Por outro lado especialmente na Europa da primeira metade do século XIX as constituições que começaram a ser elaboradas nem sempre refletiam os elementos essenciais do constitucionalismo de matriz norteamericana e da experiência francesa revolucionária prénapoleônica Já antes da elaboração da primeira Constituição francesa em 3 de maio de 1791 a Polônia promulgou a primeira Constituição escrita em solo europeu seguida na esteira das guerras napoleônicas de uma série de constituições na Alemanha Suíça Itália Holanda e Espanha de modo que a partir de então o movimento constitucional passou a ser um fenômeno em processo de expansão ainda que de modo diferenciado em muitos casos da vertente original 53 Aqui também em homenagem ao papel representado mais adiante no contexto do constitucionalismo em geral pela Constituição da República de Weimar 1919 e pela Lei Fundamental da Alemanha de 1949 é de se destacar a evolução constitucional alemã desde o primeiro quartel do século XIX período no qual contudo as diversas constituições dos Estados alemães inclusive a Constituição Imperial da Alemanha Unificada a monarquia seguiu sendo a forma de governo por excelência marcada por um cunho mais ou menos autoritário embora em gradativa sintonia com o paradigma liberal principalmente a contar dos movimentos liberais que agitaram especialmente a França e a Alemanha em meados do século XIX 54 Diversamente das matrizes norteamericana e francesa pelo menos na sua versão original as Constituições alemãs da época não foram elaboradas por uma Assembleia Constituinte mas em geral outorgadas pelos monarcas dos diversos Estados alemães na primeira fase inspiradas pela Carta Constitucional editada por Luís XVIII na França em 1814 Em síntese durante muito tempo a noção de supremacia da constituição em relação aos poderes constituídos a falta de um controle judicial das leis em face da constituição a pouca relevância dos direitos e garantias individuais a falta ou pouca relevância da representação popular dos direitos políticos foram dentre outros elementos característicos do período 55 Sem que se pretenda e possa aqui apresentar mais detalhes da evolução constitucional alemã e em geral no mundo ocidental ao longo do século XIX notadamente na Europa e nas Américas onde a contar da independência das colônias espanholas e portuguesa os novos Estados independentes passaram a elaborar suas constituições a maioria republicana uma das exceções foi a Constituição Imperial do Brasil de 1824 o fato é que as bases do moderno Estado Constitucional estavam sendo erigidas ainda que tal processo não se tenha dado exatamente da mesma forma em todos os lugares e ao mesmo tempo Por outro lado convém alertar que sob o rótulo de Estados Constitucionais é possível identificar determinados modelos que em termos gerais e de acordo com difundida tipologia podem ser reunidos em pelo menos três grupos designadamente o Estado Constitucional Liberal Estado Liberal de Direito o Estado Constitucional Social o Estado Social de Direito e o Estado Democrático de Direito que na versão aqui privilegiada assume a feição de um Estado também Social e Ambiental que pode mediante uma fórmulasíntese ser também designado como um Estado Socioambiental ou mesmo um Estado Socioambiental e Democrático de Direito Tais modelos quanto aos seus contornos gerais serão objeto de análise em outro momento Todavia tendo em conta sua peculiaridade e sua relevância para a formatação do constitucionalismo democrático contemporâneo e para o assim designado neoconstitucionalismo que também não será aqui ainda abordado sabendose da controvérsia que gravita em torno da própria designação seguem algumas linhas sobre a Lei Fundamental da Alemanha seguramente a principal experiência constitucional que seguiu o final da Segunda Grande Guerra Mundial 16 A Lei Fundamental da Alemanha 1949 notas sobre sua formação evolução e conteúdo 56 161 Precedentes e o desmantelamento da ordem constitucional pretérita por força da ditadura nacional socialista Muito embora a história das constituições escritas tenha início com o processo de independência das colônias inglesas na América do Norte que resultou em 1787 na promulgação da Constituição Federal dos Estados Unidos da América bem como com a Revolução Francesa cuja primeira Constituição no sentido moderno do termo data de 1791 a afirmação do constitucionalismo foi relativamente lenta e muito heterogênea mesmo no âmbito do Ocidente e ainda que limitada ao espaço físico da Europa Ocidental e das Américas No espaço que passou a ser ocupado pelo Império da Alemanha após o processo de unificação protagonizado pela Prússia 1871 o conjunto de Estados autônomos de língua e cultura alemã passou a adotar gradativamente a contar de 1810 a ideia de uma constituição escrita resultado principalmente das campanhas napoleônicas muito embora não se tratasse durante o século XIX de constituições oriundas de um processo democrático de refundação do Estado mas sim de documentos que assumiram o papel de uma espécie de contrato entre a monarquia que passou a ser constitucional e os súditos 57 A malograda tentativa de estabelecer uma ordem constitucional democrática para toda a Alemanha representada pela Revolução de 18481849 e pela elaboração da Constituição da Igreja de São Paulo Paulskirchenverfassung de cunho democráticoliberal e dotada de um moderno catálogo de direitos fundamentais sucedida pela unificação políticoterritorial e formação do assim chamado primeiro Reich Império alemão governado por Guilherme I e pelo Chanceler de Ferro Otto von Bismarck e dotado de uma constituição escrita própria 1871 58 acabou fazendo com que apenas a derrocada da monarquia e a instauração da república na sequência da Primeira Grande Guerra Mundial permitissem a promulgação de uma primeira e até o advento da Lei Fundamental de 1949 única Constituição Democrática para a Alemanha a tão citada Constituição da República de Weimar de 1919 também conhecida como modelo do constitucionalismo democrático e social contemporâneo Ainda que do ponto de vista de sua concepção e de seu conteúdo a Constituição de Weimar não possa ser seriamente questionada quanto às suas virtudes democráticas e no que diz com a sua relevância para o desenvolvimento das instituições políticas sociais e jurídicas alemãs o contexto definitivamente não lhe era favorável logo tendo sido embora formalmente em vigor durante mais tempo superado pela fúria nacionalsocialista e pela gradativa mas rápida instalação de um regime totalitário apenas rivalizado na época pelo vizinho totalitarismo implantado na União Soviética por Josef Stalin A trajetória instável vivenciada pelas instituições político democráticas sob a égide da Constituição de Weimar minada desde cedo pela resistência reacionária e pela pressão exercida pelos radicalismos protagonizados especialmente pelos partidos nacional socialista e comunista acabou permitindo que Adolf Hitler por força de uma coalizão partidária fosse nomeado chanceler e logo passasse a reivindicar e obter poderes de cunho excepcional assegurandolhe em pouco tempo o total controle mediante a eliminação de toda e qualquer oposição uma reforma legislativa garantiu o monopólio por parte do Partido NacionalSocialista a NSDAP inclusive mediante recurso à força amparado em documentos legais para além da abolição da Federação e instalação de um Estado Unitário e Centralizado Hitler passou após a morte do Presidente Hindenburg a concentrar a Chefia de Estado e de Governo culminando por meio do que se chegou a chamar de revolução legal 59 na afirmação de um Estado do Führer Führerstaat 60 Assim embora ainda formalmente em vigor a Constituição de Weimar valia e era aplicada apenas e na exata medida em que não entrasse em conflito com a normativa em rigor com o que se pode designar de direito constitucional em sentido material nacionalsocialista imposta pelo regime totalitário Com a eclosão da Segunda Grande Guerra o totalitarismo chegou ao seu ápice mas logo vieram a derrota e a completa destruição do Estado NacionalSocialista e da própria Alemanha visto que com a ocupação aliada e com a divisão do território do antigo Reich a própria identidade alemã como um Estado soberano entrou em um período de suspensão O próprio Hans Kelsen chegou a afirmar em 1945 que a Alemanha havia deixado de existir como um Estado Soberano 61 De fato é de se reconhecer que os aliados Inglaterra EUA França e URSS não apenas assumiram o poder mas sim a integralidade do poder estatal e com isso também as correspondentes funções da soberania 62 muito embora nem todos concordem com a tese do desaparecimento temporário do Estado alemão como tal inclusive de acordo com entendimento expressado bem mais tarde pelo Tribunal Constitucional Federal da Alemanha 63 O ressurgimento do Estado ainda assim em um contexto e sob condições peculiares acabou ocorrendo com a entrada em vigor da Lei Fundamental de 1949 pelo menos no caso da então Alemanha Ocidental Acompanhando Hans Vorländer é possível afirmar que a República Federal da Alemanha foi a despeito do perfil da Lei Fundamental na percepção de seus próprios autores é possível agregar o resultado de uma decisão constituinte 64 É sobre tal processo de reconstitucionalização que iremos nos debruçar no próximo segmento Por outro lado antes de avançarmos é preciso enfatizar que evidentemente a República Democrática Alemã DDR Deutsche Demokratische Republik também passou por um processo similar constituindose em um novo Estado conhecido como Alemanha Oriental e com uma constituição própria promulgada em 07101949 igualmente submetida a aprovação pelas forças de ocupação soviéticas mas que foi posteriormente substituída por duas novas constituições respectivamente em 06041968 e 07101974 Sem prejuízo da importância da evolução constitucional para a assim chamada Alemanha Oriental aqui não será o caso de adentrarmos no seu exame 65 seja em virtude da falta de espaço para algum desenvolvimento seja especialmente em virtude da adoção quando da reunificação alemã da Lei Fundamental de Bonn como sendo a constituição da Alemanha unificada o que por sua vez constitui o foco da presente abordagem 162 Elaboração conteúdo e afirmação da Lei Fundamental de 1949 A Lei Fundamental da República Federal da Alemanha Grundgesetz entrou em vigor em 24051949 apenas quatro anos após a rendição incondicional das forças armadas alemãs que por sua vez formalizou a derrocada da ditadura nacionalsocialista que tanto mal causou a tantas pessoas em tantos lugares inclusive ao próprio povo alemão Não foi à toa portanto que já no Preâmbulo da Lei Fundamental foi consignada tanto a consciência da responsabilidade perante Deus e os seres humanos quanto a vontade de servir à Paz Mundial Igualmente emblemática e vinculada ao contexto histórico além de sem precedentes no constitucionalismo pretérito à exceção de algumas manifestações isoladas mas situadas em outras partes da Constituição e com outra expressão literal a afirmação consignada já no primeiro artigo da Lei Fundamental da intangibilidade da dignidade da pessoa humana acompanhada do comprometimento do povo alemão com os direitos inalienáveis e invioláveis da pessoa humana Tal afirmação de resto foi também manejada como resposta a um determinado modelo de positivismo jurídico buscando resgatar a importância de uma ordem de valores não necessariamente adstrita ao direito formalmente positivado sem prejuízo de uma referência assumida ao jusnaturalismo ainda que a adesão ao positivismo jurídico e o seu peso para a tentativa de justificação de atos praticados no âmbito do sistema jurídico e judiciário sob a égide da ditadura nazista especialmente a escusa da mera aplicação da lei sejam bastante controversos aspecto que aqui não será objeto de exame 66 Curiosamente embora em certo sentido de modo compreensível não foram os políticos alemães da época os protagonistas do processo constituinte mas sim os governos de ocupação aliados com destaque para os EUA que no lado ocidental e em virtude da crescente polarização em relação à União Soviética que havia assumido o controle do lado oriental o qual como apontado seguiu seu próprio caminho inclusive em matéria constitucional que julgavam ser imprescindível a criação de um Estado alemão ocidental o que por sua vez implicava a necessidade da elaboração de uma constituição 67 Certamente um dos fatores que determinou a resistência pelo menos inicial ao projeto do governo de ocupação em promover a elaboração de uma Constituição foi precisamente o receio de que com isso se estaria chancelando a divisão da Alemanha o que de fato veio a acontecer embora se saiba que tal divisão não teria sido evitada por si só com a recusa em elaborar uma nova Constituição Tirante este aspecto assume relevo em termos de apreciação da evolução histórica que mesmo antes da aprovação da Lei Fundamental foram criados já a partir de 1945 e por iniciativa dos governos militares de ocupação inclusive na zona de ocupação soviética os Estados da futura Federação instaurada pela Lei Fundamental tendo os Estados sido dotados de Governo Poder Legislativo e de uma Constituição própria aprovada mediante processo democrático A elaboração de uma Constituição e a fundação de um Estado alemão ocidental foram decididas por ocasião de conferência realizada em Londres reunindo GrãBretanha França Estados Unidos da América mas também Bélgica Luxemburgo e Holanda em 06031948 Os MinistrosPresidentes dos diversos Estados foram reunidos e instados a convocar uma Assembleia Nacional com o objetivo de elaborar uma nova Constituição Inicialmente foi convocada uma comissão de especialistas que em agosto de 1948 na ilha Bávara de Herrenchiemsee elaborou o anteprojeto que na etapa seguinte foi apreciado e aperfeiçoado pelo Conselho Parlamentar composto de 65 representantes eleitos pelas assembleias estaduais dos Estados da zona ocidental de ocupação instalado em 01091948 e que veio a elaborar e aprovar o texto daquilo que viria a ser uma das ordens constitucionais mais estáveis e influentes de todos os tempos Também de forma altamente significativa foi em 08051949 data da rendição alemã que o Conselho Parlamentar aprovou o texto da Lei Fundamental tendo a autorização para sua promulgação sido concedida por parte do governo de ocupação quatro dias depois ao passo que a publicação e entrada em vigor se deram respectivamente em 23051949 e 24051949 68 No que diz com a elaboração da Lei Fundamental há aspectos que ainda mais se levada em conta a trajetória exitosa subsequente chamam a atenção e merecem pelo menos breve registro O primeiro diz respeito à pergunta que não raras vezes foi formulada em relação ao quanto os governos de ocupação podem e mesmo devem ser incluídos no rol dos pais da Lei Fundamental Nesse particular além da provocação do processo constituinte e da dependência da aprovação do texto final por parte das forças de ocupação algumas diretrizes foram estabelecidas notadamente a adoção da forma federativa de Estado é curioso que especialmente França e Inglaterra ambas Estados unitários insistiram neste ponto pois um Estado federal segundo sua concepção seria a garantia de um Estado mais fraco do regime democrático e da garantia das liberdades fundamentais Por outro lado a despeito das diretrizes genéricas não houve interferência direta na elaboração do texto ao contrário do que ocorreu no caso do Japão onde o texto da Constituição foi literalmente imposto aos japoneses pelos EUA O outro ponto a ser destacado diz com a ideia assumida pelos autores da Lei Fundamental de que se tratava de um documento provisório no sentido de que assim que viesse a ocorrer a reunificação alemã haveria então de ser elaborada a verdadeira Constituição Foi precisamente por tal razão que o documento aprovado em 08051949 pelo Conselho Parlamentar não foi designado de Constituição mas de Lei Fundamental além da previsão no art 146 de que a Lei Fundamental deixaria de vigorar tão logo fosse substituída por uma Constituição aprovada pelo conjunto do povo alemão Não foi contudo esse o destino da provisória Lei Fundamental ainda que ao tempo da sua elaboração praticamente ninguém imaginasse outra coisa pois prevalecia a opinião de que na Alemanha dividida não havia condições para a criação de uma Constituição para todo o país 69 Todavia o contexto econômico social político e cultural o conteúdo mas especialmente as próprias instituições criadas pela Lei Fundamental que portanto integram o seu conteúdo em pouco tempo levaram à afirmação e aceitação do documento aprovado pelo Conselho Parlamentar Quanto ao conteúdo merece destaque até mesmo por se tratar de um dos principais aspectos aos quais se deve o prestígio da Lei Fundamental no âmbito do constitucionalismo contemporâneo a afirmação da dignidade humana e o dever do Estado de considerála e protegêla seguida de um catálogo de direitos fundamentais bem estruturado especialmente em torno da mais ampla proteção das liberdades pessoais Tanto a forma de positivação da dignidade humana na condição de princípio estruturante e acompanhada de um dever expresso de proteção estatal quanto a proibição sem exceção da pena de morte dão conta do quanto os autores da Lei Fundamental quiseram colocar o ser humano no centro da ordem estatal relembrese aqui a afirmação do socialdemocrata Carlo Schmidt no sentido de que a razão de ser do novo Estado deveria ser o homem e não o homem a razão de ser do Estado 70 refutando toda e qualquer funcionalização do humano em prol do Estado Cumpre lembrar que no âmbito da Convenção Europeia dos Direitos do Homem aprovada dois anos depois da Lei Fundamental a pena de morte foi banida totalmente apenas em 2003 Os direitos fundamentais da Lei Fundamental por sua vez não deveriam ser reduzidos a normas de caráter programático direitos apenas na medida da lei como havia ocorrido na República de Weimar razão pela qual foram expressamente gravados de cunho diretamente vinculante como direitos exigíveis em juízo inclusive contra o legislador art 1 III Todavia foi a criação de um Tribunal Constitucional Federal que passou a funcionar em 1951 regulado e organizado por lei própria dotado de competência concentrada e vinculativa para afirmar a supremacia da Lei Fundamental mas especialmente para atuar como guardião da dignidade humana e dos direitos fundamentais por meio da criação da assim chamada reclamação constitucional Verfassungsbeschwerde que assegura o acesso direto do cidadão violado nos seus direitos fundamentais por ato do poder público que imprimiu à Lei Fundamental não apenas sua plena normatividade na condição de Constituição da Alemanha como também propiciou uma evolução significativa do próprio direito constitucional e da dogmática constitucional na Alemanha e para além das fronteiras alemãs Para ilustrar o fenômeno basta aqui referir a importância do princípio da proporcionalidade para a solução de conflitos entre direitos fundamentais ainda que não se cuide de noção imune a controvérsias especialmente quanto ao modo de seu manejo pela jurisdição constitucional Na condição de órgão constitucional externo às três funções clássicas estatais e pelas peculiaridades quanto a sua composição com destaque para o recrutamento dos seus integrantes competências e atuação é de se endossar que o Tribunal Constitucional Federal Alemão Bundesverfassungsgericht passou a constituir uma espécie de terceira via da jurisdição constitucional em relação aos modelos norteamericano e austríaco que lhe são anteriores 71 Os princípios estruturantes da dignidade humana democracia federalismo assim como do Estado de Direito e do Estado Social foram guindados à condição de limites materiais à reforma constitucional formando portanto o núcleo essencial intangível no sentido da própria identidade da nova ordem jurídicoestatal constituída pela Lei Fundamental assegurandolhe juntamente com a garantia da rigidez constitucional exigência de processo agravado para alteração do texto da Constituição e da previsão de um controle de constitucionalidade das leis a desejada e desejável estabilidade e supremacia normativa para a qual também tem concorrido de modo decisivo e não apenas em matéria de proteção de direitos fundamentais como já referido o Tribunal Constitucional Federal O conteúdo da Lei Fundamental aqui apresentado de modo sumaríssimo em linhas gerais não foi objeto de alterações significativas pelo menos não no sentido de uma revisão substancial que pudesse colocar em xeque a identidade do texto original ainda mais no concernente aos seus princípios estruturantes e no tocante aos direitos fundamentais As já bem mais de 50 leis de alteração da Constituição equivalentes às emendas constitucionais nos sistemas norteamericano e brasileiro lograram êxito em sua maioria foram poucos os casos em que uma emenda constitucional chegou a ser questionada perante o Tribunal Constitucional no sentido de promover ajustes necessários e adequarem a Lei Fundamental ao processo de mudança da realidade sem violar a essência da Constituição como uma ordem voltada à proteção e promoção da dignidade da liberdade e dos direitos fundamentais Apenas para destacar alguns momentos relevantes em que foram realizadas mudanças constitucionais significativas em termos quantitativos e qualitativos convém lembrar a questão do rearmamento e da participação alemã em conflitos armados no âmbito de sua integração ao pacto da OTAN e posição na Guerra Fria 1956 o combate ao terrorismo e ao crime organizado e a defesa da ordem democrática 1968 e novamente na sequência dos episódios do 11 de setembro de 2001 a inserção e abertura para a Europa incluindo a transferência de prerrogativas de soberania para a União Europeia as reformas na estrutura federativa mas também e de modo especial os ajustes promovidos em função da reunificação alemã 72 posterior à queda do muro em Berlim tópico que será objeto de maior atenção logo a seguir 163 A queda do muro a reunificação e a adoção da Lei Fundamental de 1949 como Constituição Federal da Alemanha Quarenta anos depois de promulgada a Lei Fundamental para a então República Federal da Alemanha Ocidental caiu o muro de Berlim e as fronteiras que para muitos já eram tidas como definitivas deram lugar ao processo de reunificação A Lei Fundamental outrora vista como símbolo da própria divisão seguiu em vigor assumindo agora o papel de Constituição da Alemanha unificada muito embora tal processo tenha sido objeto de alguma controvérsia visto que não faltaram vozes clamando pela convocação de uma Assembleia Constituinte ou pelo menos propondo a realização de uma consulta popular De qualquer sorte é preciso recordar que a própria Lei Fundamental previa expressamente dois caminhos pois ao passo que no art 23 estava prevista a possibilidade de adesão de novos Estados à Federação o já lembrado art 146 permitia a substituição da Lei Fundamental por uma nova Constituição por meio da decisão livre e soberana do povo alemão simultânea à formação de um novo e unificado Estado ainda que o segundo caminho embora tenha levado até mesmo à apresentação de um Projeto de Constituição por parte de um grupo de professores e intelectuais não apresentasse a mínima viabilidade política 73 Nesse contexto é possível aderir ao pensamento de Christoph Möllers quando afirma que a Lei Fundamental acabou exercendo um papel duplo e peculiar no processo da unificação alemã pois tanto operou como marco regulatório de tal processo quanto serviu de argumento político visto que o próprio Tribunal Constitucional compreendia a unificação como constituindo uma meta política irrenunciável mais especialmente pelo fato de que a Lei Fundamental e aqui a essência do argumento político já havia a tal altura da evolução logrado plena afirmação como uma Constituição muito bemsucedida de tal sorte que os antigos integrantes do Conselho Parlamentar que consideravam provisória a condição jurídica da Alemanha dividida mas não provisório o conteúdo da Lei Fundamental tinham mesmo razão 74 Por outro lado ainda que o caminho trilhado tenha sido o do desaparecimento como Estado da antiga República Democrática da Alemanha DDR e a adesão dos Estados alemães orientais à República Federal da Alemanha sob a égide da Lei Fundamental a unificação como processo fundado na e regulado pela e com base na ordem constitucional vigente da Lei Fundamental ensejou algumas discussões importantes do ponto de vista político constitucional e também exigiu algumas alterações relevantes do texto constitucional no âmbito de uma revisão constitucional engendrada por diversas leis de alteração da Lei Fundamental Do ponto de vista jurídicopolítico a reunificação acabou sendo efetivada mediante um contrato uma espécie de pacto entre duas partes o que por sua vez não quedou imune a críticas pois apesar do argumento de que uma nova Constituição não teria tido o condão de alterar substancialmente o processo também é de se ponderar que isso demonstra o quanto era fraca a intenção dos envolvidos de criar uma nova e realmente conjunta ordem política 75 As condições estipuladas pelo contrato de unificação Einigungsvertrag de 31081990 foram convertidas em direito constitucional positivo por meio da 36ª Lei de Alteração da Lei Fundamental de 23091990 ajustandose o Preâmbulo e revogandose a antiga formulação do art 23 tendo o processo de unificação sido concluído na noite do dia 2 para o dia 3 de outubro de 1990 Pelo lado da Alemanha Oriental a desconstituição do Estado e a adesão à República Federal da Alemanha sob a égide da Lei Fundamental de 1949 foi decidida mediante um processo protagonizado pela Câmara Popular Volkskammer da DDR por meio de Resolução de 23081990 seguida de uma lei aprovada por maioria qualificada a maioria exigida para aprovação de emendas constitucionais pela Câmara Popular e pelas duas casas do Parlamento 21091990 que ratificou a decisão Nesse sentido como bem observa Hans Vorländer o Pacto de Unificação teve natureza desconstitutiva para a República Democrática Alemã embora paralelamente tenham sido constituídos cinco novos Estados no território que antes correspondia ao espaço físico do Estado da Alemanha Oriental Estados que logo após a unificação receberam suas respectivas constituições elaboradas pela primeira legislatura estadual eleita em 14101990 76 Na sequência do processo de unificação e já sob a égide da Lei Fundamental por força de uma comissão constitucional conjunta composta de integrantes das duas casas do Parlamento Federal convocada por força do artigo 5º do Contrato de Unificação foram promovidas outras alterações da Lei Fundamental como foi o caso do dever estatal de promover a igualdade de condições para homens e mulheres a proibição de discriminação das pessoas com deficiência a inclusão no artigo 20 do objetivo estatal de proteger as bases naturais da vida proteção ambiental além de alterações no estatuto organizatório 77 A tentativa de inserir alguns direitos sociais ou pelo menos normas impositivas de tarefas em matéria de moradia trabalho saúde etc por sua vez não logrou sucesso no âmbito do debate político muito embora vários dos então novos Estados alemães contemplassem e passassem a contemplar tais normas e mesmos direitos fundamentais sociais nas suas respectivas Constituições Estaduais o que aqui todavia não poderá ser desenvolvido A trajetória existencial da Lei Fundamental que hoje ocupa papel de destaque inquestionável e incensurável no panorama constitucional contemporâneo revela entre outras virtudes uma legitimidade sem precedentes ao menos para o caso alemão mas é também exemplar em termos comparativos o que por sua vez demonstra que até mesmo alguma deficiência evidente em termos de legitimação democrática originária considerados os padrões tidos como ideais pode a depender das circunstâncias vir a ser amplamente compensada mediante um processo de permanente reconstrução da legitimidade De outra parte constatase a oportunidade das lições de Peter Häberle quando nos fala da necessidade de contínua reafirmação do Estado Constitucional 78 o que à evidência se revela como mais fácil quando se atingem níveis expressivos de confiança da população no projeto constitucional e nas instituições que devem atuar na sua concretização especialmente quando se instaura aquilo que de acordo com a terminologia cunhada na própria Alemanha passou a ser designado de patriotismo constitucional 79 ainda que nem todos comunguem do entendimento de que de fato se possa falar num tal patriotismo embora tal negativa não coloque necessariamente em causa a legitimidade democrática da ordem constitucional 80 Mas se é correto afirmar que um bom texto suficientemente aberto e representativo dos projetos e anseios de determinada sociedade política constitui uma das garantias para o sucesso de uma ordem constitucional também é correto afirmar que sem a correspondente vontade de Constituição Hesse e sem o labor fecundo dos órgãos constitucionais com destaque para a jurisdição constitucional sem que aqui se esteja a desconsiderar o peso da estabilidade econômica e institucional bem como do processo político o texto constitucional tende a se tornar obsoleto ou mesmo acaba destituído de normatividade efetiva É portanto um conjunto de diversos fatores que explica o sucesso ou fracasso de uma ordem constitucional razão pela qual se assume aqui o ônus da simplificação O sucesso da Lei Fundamental não se afere todavia apenas pelo seu significado para o Estado e para o povo da Alemanha ainda que se queira discutir o quanto é possível falar em um autêntico patriotismo constitucional alemão mas adquire um sentido mais abrangente quando se avalia a influência do constitucionalismo alemão contemporâneo sobre outras ordens jurídicas nesse particular sem prejuízo da evidente importância da Lei Fundamental para um expressivo número de outros Estados Constitucionais o que se identifica tanto em termos de direito constitucional positivo quanto em termos doutrinários e jurisprudenciais de tal sorte que juntamente com o constitucionalismo norteamericano a Lei Fundamental de 1949 pode ser tida hoje como uma das Constituições mais influentes em termos de direito comparado no âmbito da evolução constitucional contemporânea influência que se fez e faz sentir também no caso do direito constitucional brasileiro CLASSIFICAÇÃO DAS CONSTITUIÇÕES Ingo Wolfgang Sarlet Os critérios de classificação das constituições são diversos sendo em parte complementares de modo que determinada constituição pode ser enquadrada em mais de uma das tipologias identificadas a depender dos critérios que sustentam a classificação Na doutrina nem sempre a nomenclatura utilizada é uniforme nem todos os autores adotam todos os critérios de classificação Assim até mesmo por se tratar de tópico que não reclama tanta dedicação especialmente pelo fato de que as principais tipologias aqui referidas serão retomadas e aprofundadas em outros momentos da obra seguem alguns dos critérios mais conhecidos e que de resto guardam relação com outros pontos relevantes da teoria e do direito constitucional Muito embora a constituição na sua versão moderna e atualmente amplamente predominante seja a constituição escrita nem todas embora quase todas as constituições assumem tal forma sendo precisamente a forma de veiculação das normas constitucionais o primeiro critério a ser apresentado Nesse sentido é possível distinguir dois grandes modelos a Constituições escritas também chamadas de constituições dogmáticas que são as constituições veiculadas por um texto normativo de modo que as normas constitucionais são sistematizadas em um documento designado de constituição 81 como é o caso da Constituição norteamericana de 1787 e da absoluta maioria das constituições atualmente em vigor b Constituições não escritas também chamadas de históricas ou costumeiras que são aquelas constituições que não estão contidas em um único documento mas sim em textos diversos eou costumes e precedentes judiciais que no seu conjunto formam a constituição e resultam em geral de um processo de sedimentação histórica tal como revela o exemplo da Constituição inglesa 82 Notese contudo que a despeito da ampla difusão da distinção entre constituições escritas e não escritas que desde que bem compreendida é legítima existe uma classificação alternativa que soa tecnicamente mais acurada que diferencia as constituições codificadas das não codificadas Segundo este critério as constituições codificadas são aquelas elaboradas em determinado momento histórico e consignadas por escrito e de forma sistemática em determinado documento ao passo que as constituições não codificadas são as que assumem a condição de um conceito no sentido de que são compostas por um conjunto de documentos normativos costumes e práticas políticas e decisões judiciais como é o caso da constituição do Reino Unido 83 Uma segunda classificação importante que já pressupõe que se cuide de uma constituição escrita e que arranca da distinção entre poder constituinte e poderes constituídos é a que diz respeito à origem da constituição ou seja o modo pelo qual a constituição é elaborada critério portanto que diz respeito ao modo de exercício do poder constituinte Neste sentido as constituições podem ser a Constituições democráticas ou promulgadas também chamadas de constituições populares ou votadas são as constituições que resultam na sua origem de um processo democrático no que diz com a sua elaboração e aprovação sendo portanto resultado da expressão da vontade popular exercida por meio da formação de uma assembleia constituinte livremente eleita e autônoma b Constituições não democráticas outorgadas ou cesaristas são aquelas que não decorrem de um processo democrático mas sim de um ato autoritário traduzido mediante a imposição de uma nova constituição escrita por uma pessoa que exerce o poder político ou um grupo No caso das constituições outorgadas ocorre uma imposição unilateral sem qualquer consulta popular por parte dos detentores do poder Na história constitucional brasileira é o caso da Carta Imperial de 1824 da Constituição do Estado Novo de 1937 bem como da EC 11969 muito embora a qualidade de não democrática seja também atribuída à Constituição aprovada em 1967 Uma modalidade especial de constituição não democrática embora não propriamente outorgada é a assim chamada constituição cesarista que se caracteriza pelo fato de que o detentor despótico do poder exercido de modo unipessoal por um ditador ou monarca ou por determinado grupo hegemônico submete a constituição por ele ou a seu comando elaborada à aprovação popular manipulando e induzindo a opinião pública tal como ocorreu no caso da Constituição francesa de 1852 84 c Constituições pactuadas são aquelas que exprimem um compromisso entre a mo narquia debilitada e outras forças sociais e políticas como é o caso da burguesia e da nobreza resultando numa relação de equilíbrio precário de modo que se trata de constituições em geral instáveis em que se buscam resguardar determinados direitos e privilégios 85 Ainda que se possam compreender as razões que levam parte da doutrina a considerar tal modelo como um tipo distinto das constituições democráticas e não democráticas outorgadas o fato é que também as constituições democráticas envolvem uma solução compromissária entre forças oponentes não raro resultando em fortes tensões mesmo após a promulgação da constituição Um terceiro critério diz respeito à estabilidade do texto constitucional no sentido do maior ou menor grau de dificuldade no tocante à alteração do texto da Constituição Tal classificação foi teorizada inicialmente por James Bryce a partir da comparação do modelo inglês e em geral de ordens jurídicas pertencentes a common law com o modelo das constituições escritas e parte das relações entre a constituição e as leis ordinárias e com a autoridade que as elabora e modifica 86 Nesse contexto tomando como critério o procedimento mais ou menos rigoroso para mudança do texto constitucional as constituições podem ser classificadas em três grupos sendo o primeiro o absolutamente predominante no constitucionalismo contemporâneo a Constituições rígidas são as constituições cujo texto apenas pode ser alterado mediante procedimento mais rigoroso mais exigente do que aquele procedimento estabelecido para a alteração da legislação ordinária infraconstitucional noção que foi cunhada por James Bryce autor da distinção entre constituições rígidas e flexíveis para o qual a característica distintiva das constituições do tipo rígido é a sua superioridade sobre as demais formas legislativas não podendo tais constituições ser modificadas pelo mesmo procedimento adotado para as demais leis 87 Como se percebe a noção de rigidez constitucional é fortemente vinculada à noção de constituição formal escrita bem como guarda relação com a diferença entre direito constitucional e direito ordinário resultando na supremacia formal das normas constitucionais sobre o direito infraconstitucional 88 aspectos que serão mais desenvolvidos em itens apartados e que além disso guardam relação com diferentes questões centrais para o direito constitucional e a teoria da constituição b Constituições flexíveis também chamadas de constituições legais 89 ou mesmo plásticas 90 são as constituições cujo texto pode ser alterado pela legislatura ordinária mediante procedimento idêntico ao utilizado para alteração das leis 91 Daí resulta que a hierarquia formal entre constituição e legislação ordinária deixa de existir pois o próprio legislador ordinário está autorizado a alterar o texto constitucional 92 Importa anotar que a noção de uma constituição plástica melhor formulado a ideia de plasticidade da constituição foi também referida por Raul Machado Horta mas já em outro sentido qual seja o de que a constituição deixou ao legislador infraconstitucional diversas matérias a regular viabilizando ao legislador a adaptação do texto constitucional à realidade 93 Cumpre anotar todavia que a noção de constituição plástica sugerida por Raul Machado Horta não se confunde com a noção de constituições flexíveis de acordo com o critério da maior ou menor dificuldade de alteração do texto constitucional além de não constituir como tal um tipo particular de constituição visto que todas as constituições em maior ou menor medida são abertas ao tempo e não apenas remetem ao legislador infraconstitucional como também sempre exigem a sua permanente concretização pela legislação ordinária aspecto que será objeto de atenção em apartado c Constituições semirrígidas são aquelas raras ao longo da história das constituições escritas que possuem uma parte rígida e uma parte flexível ou seja parte do texto constitucional está submetida a um procedimento agravado mais rigoroso de alteração ao passo que o restante do texto pode ser alterado mediante o mesmo procedimento previsto para a legislação infraconstitucional No âmbito da evolução constitucional brasileira o único exemplo de constituição semirrígida foi o da Constituição Imperial do Brasil 1824 cujo art 178 dispunha É só constitucional o que diz respeito aos limites e attribuições respectivos dos poderes políticos e aos direitos políticos e individuaes dos cidadãos tudo o que não é Constitucional póde ser alterado sem as formalidades referidas pelas legislaturas ordinárias Um aspecto relevante a ser considerado é que a distinção entre constituições rígidas semirrígidas ou semiflexíveis e flexíveis tal qual apresentada tem como ponto de partida o critério da maior ou menor dificuldade de alteração do texto constitucional Já por outro critério todas as constituições sejam elas escritas ou não são em maior ou menor medida flexíveis Por um lado a flexibilidade constitucional se faz possível tanto nas constituições costumeiras não escritas quanto nas constituições escritas sendo equivocada a noção de que toda constituição não escrita seja flexível noção associada habitualmente ao modelo constitucional inglês 94 Com efeito a circunstância de uma constituição não ser escrita pelo menos não na sua integralidade ou de modo predominante como bem demonstra o caso da Inglaterra não significa que não se verifique um considerável nível de estabilidade constitucional notadamente pelo fato de o direito costumeiro ser consagrado em geral pela tradição e por um suporte cultural considerável de tal sorte que objeto de pouca ou mesmo nenhuma alteração significativa durante longos períodos de tempo 95 Um quarto critério diz com a maior ou menor extensão do texto constitucional ou seja com a maior ou menor quantidade de dispositivos constitucionais classificação que sempre volta a ser referida quando se trata das funções da constituição da interpretação constitucional dentre outros Assim falase em a Constituições sintéticas também chamadas de concisas breves ou sucintas são constituições compostas de um número relativamente reduzido de dispositivos limitandose a estabelecer alguns princípios e regras básicas sobre a organização do Estado e do poder e da relação do Estado com os cidadãos contemplando em geral uma parte orgânica e um catálogo relativamente conciso de direitos e garantias fundamentais 96 tratandose portanto de constituições que no plano formal documental contemplam a matéria constitucional em sentido estrito 97 Dentre os possíveis exemplos de uma constituição sintética recorrese pelo seu caráter paradigmático ao caso da Constituição norteamericana de 1787 composta na sua versão original de apenas sete artigos mas logo acrescida de uma série de emendas constitucionais 27 ao todo das quais 10 promulgadas em 1791 As virtudes de tal modelo costumam ser reconduzidas ao perfil mais principiológi co de tais constituições permitindo uma maior adequação à realidade em transformação mediante a atuação do legislador e mesmo da interpretação constitucional b Constituições analíticas também chamadas de prolixas ou extensas são aquelas que são formadas por textos longos minuciosos dotados além de disposições normativas de caráter principiológico de muitas regras mais ou menos estritas As constituições do tipo analítico como é o caso da Constituição Federal de 1988 além de retirarem da disposição do legislador ordinário um conjunto bem maior de matérias em geral são também mais frequentemente reformadas pois quanto mais regras contemplam mais se torna difícil a atualização da constituição mediante o processo legislativo ordinário e a interpretação A título de exemplo basta apontar novamente a experiência constitucional brasileira que indica uma média de mais de três emendas constitucionais computadas as emendas de revisão por ano desde a promulgação da Constituição Por outro lado as constituições analíticas traduzem certa desconfiança em relação aos poderes constituídos limitando a sua liberdade de conformação e sua discricionariedade bem como evidenciam a preocupação de assegurar maior proteção a determinados institutos e bens jurídicos 98 Já a relação no que diz respeito à maior ou menor proximidade entre o programa normativo constitucional e a realidade dos processos de poder registrase importante classificação proposta por Karl Loewenstein 99 que distingue no contexto do que designa de uma classificação ontológica das constituições entre a Constituições normativas seriam aquelas perfeitamente adaptadas à realidade social pois além de juridicamente válidas estariam em total consonância com o processo político e social no sentido de uma adaptação e submissão do poder político à constituição escrita Tais constituições foram comparadas pelo autor a uma roupa que veste e que assenta bem 100 b Constituições nominais são aquelas que embora sejam juridicamente válidas carecem de eficácia e efetividade pois a dinâmica do processo político e social não está adaptada às suas normas Tais constituições contudo possuem uma função educativa pois aspiram a se transformar no futuro em constituições normativas O autor compara tais constituições a uma roupa guardada no armário à espera do crescimento do corpo 101 c Constituições semânticas encontramse submetidas ao poder político dominante cuidandose de um documento formal que embora aplicado foi criado para beneficiar os detentores do poder que dispõem do aparato coercitivo do Estado Em vez de servirem como instrumento de limitação do poder tais constituições acabam operando como instrumentos para estabilizar e mesmo eternizar o domínio dos detentores do poder O autor compara tais constituições a uma roupa que aparentemente veste bem mas serve apenas como disfarce 102 As constituições ainda podem ser classificadas em constituições em sentido formal e constituições em sentido material distinção que guarda relação com a diferenciação entre direito constitucional em sentido formal e direito constitucional em sentido material Todavia a distinção entre constituição formal e material não significa que ambas as manifestações não possam conviver e que a absoluta maioria das constituições modernas não sejam ao mesmo tempo e em maior ou menor medida ambas as coisas a Constituição e direito constitucional em sentido formal é o conjunto das normas com forma de constituição no sentido das normas elaboradas pelo poder constituinte e agregadas pelo poder de reforma constitucional dotadas de hierarquia constitucional 103 A constituição em sentido formal é portanto direito constitucional legislado mas produzido não pelas instâncias legislativas ordinárias pelo poder legislativo na condição de poder criado e regulado pela constituição mas por uma instância especial no caso o poder constituinte cuja prerrogativa e razão de ser consiste justamente na elaboração da constituição escrita na condição de lei fundamental de uma ordem estatal 104 O que define a constituição formal não é portanto e em primeira linha determinado conteúdo o fato de contemplar determinados institutos ou valores mas o modo de sua elaboração e a forma pela qual as normas constitucionais são veiculadas ainda que a própria noção de constituição formal guarde relação direta e tenha sido mesmo a expressão de determinado modelo de constituição material no caso o paradigma do Estado Liberal ao final do século XVIII Por outro lado uma constituição em sentido formal não é uma constituição pelo fato de ser assim designada pelo simples rótulo mas sim por ter forma constitucional e ter sido elaborada como tal mediante um processo especial diferenciado das leis e qualificado 105 Assim independentemente do conteúdo das normas constitucionais pelo simples fato de terem sido contempladas na constituição formal ou seja terem sido produzidas com forma e valor jurídico de constituição todas as normas veiculadas no texto constitucional com forma constitucional serão parte integrante da constituição 106 De acordo com o magistério de Jorge Miranda as normas formalmente constitucionais que compõem a constituição formal decorrem da conjugação de três fatores que por sua vez constituem os elementos da noção de constituição em sentido formal a as normas formalmente constitucionais são normas legisladas portanto de fonte legal direito positivo e pressupõem um processo específico de formação b as normas formalmente constitucionais formam um conjunto sistemático e situamse no ápice da estrutura normativa positiva estatal c as normas formalmente constitucionais gozam de um regime jurídico especial decorrente do seu modo de produção e de sua função na ordem jurídica 107 Impende observar e mesmo colocar em destaque que a constituição em sentido formal por sua vez se distingue da constituição instrumental embora esta seja umbilicalmente vinculada à noção de constituição formal da qual de certo modo constitui um subproduto visto que diz respeito ao instrumento documento que veicula a constituição formal que não se apresenta de uma única maneira 108 De acordo com Jorge Miranda são quatro as maneiras pelas quais se apresenta a constituição formal na perspectiva de suas relações com a assim chamada constituição instrumental a as normas formalmente constitucionais podem constar de um único texto chamado constituição b podem constar de uma pluralidade de textos constitucionais simultânea ou sucessivamente elaborados c podem constar de um texto elaborado como a constituição acrescido de textos posteriormente elaborados como de estatura constitucional e agregados ao corpo da constituição formal no sentido de formarem uma unidade d podem constar de um texto promulgado como a Constituição mas ao qual se somam textos anteriores sejam eles textos constitucionais mantidos em vigor como tais por força da nova constituição sejam eles textos legais que passaram por um processo de constitucionalização 109 b Constituição e direito constitucional em sentido material a constituição em sentido material abrange não apenas as normas ancoradas na constituição formal portanto veiculadas expressa ou implicitamente pela constituição escrita tal como elaborada pelo poder constituinte formal e mediante a reforma constitucional mas vai além incluindo normas apenas materialmente constitucionais 110 Assim sendo o conceito material de constituição não se identifica por completo com o da constituição formal de modo que é possível falar de direito constitucional apenas em sentido material embora nem sempre haja clareza e consenso a respeito do que integra a noção de constituição material A constituição material além disso não depende sequer necessariamente de uma constituição formal já pelo fato de que em sentido material pelo menos de acordo com determinada forma de conceber a constituição material todo e qualquer Estado possui e sempre teve uma constituição no sentido de um conjunto de regras escritas ou não sobre o modo de estruturação organização e exercício do poder político e da vida social no sentido de uma institucionalização jurídica do poder 111 Por outro lado é possível afirmar que a mera existência de um documento chamado de constituição e elaborado com tal propósito a depender de seu conteúdo poderá não corresponder a uma constituição material pelo menos de acordo com determinada concepção de constituição em sentido material Nesse contexto costuma ser evocado o famoso art 16 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 dispondo que uma sociedade em que não esteja estabelecida a separação dos poderes nem assegurados os direitos individuais não tem uma constituição A partir de então notadamente com o advento da constituição em sentido formal portanto de uma constituição escrita tal qual surgida ao final do século XVIII com amplo destaque para o caso dos Estados Unidos da América do Norte 1787 e da França 1791 as noções de constituição em sentido material e de constituição em sentido formal passaram a andar abraçadas visto que as constituições escritas buscaram precisamente incorporar e assegurar os dois elementos nucleares da concepção material liberal de constituição A identificação de uma matéria propriamente constitucional por outro lado é tarefa complexa e tem sido amplamente debatida especialmente no que diz com a amplitude da constituição material Certo é que se verifica algum consenso a respeito de que a constituição material esteja ou não regulada num texto constitucional é composta a pelas normas fundamentais a respeito da estruturação organização e exercício do poder b pelos direitos e garantias fundamentais c pelas normas sobre a garantia da constituição De qualquer sorte a própria constituição material pode variar consoante as peculiaridades de determinada sociedade da noção de justiça e de direito dominante com o que se pretende aqui substituir o recurso à noção de uma ideologia dominante bem como outros fatores dentre os quais se pode destacar a formação de uma cultura constitucional que salvo algumas distinções reconhece como essenciais alguns conteúdos c Direito constitucional em sentido apenas formal Controversa segue sendo a existência no plano da constituição formal de normas que não integram a constituição material ou seja normas que seriam apenas formalmente constitucionais pois inseridas no texto constitucional pelo poder constituinte e que todavia por não serem materialmente constitucionais poderiam ou mesmo deveriam segundo setores da literatura ter sido previstas na legislação infraconstitucional cuidandose até mesmo de acordo com entendimento bastante difundido de um fator de fragilização da força normativa da constituição e de esvaziamento de seu sentido próprio As normas apenas formalmente constitucionais seriam constitucionais apenas em virtude de integrarem o texto da constituição escrita mas não em virtude da matéria a respeito da qual dispõem 112 ESTRUTURA FUNÇÕES E CONTEÚDO DAS CONSTITUIÇÕES Ingo Wolfgang Sarlet 31 As constituições e sua estrutura 311 Considerações de caráter geral Muito embora não exista um padrão rígido as constituições escritas costumam adotar determinada estrutura que pelo menos em regra é comum ainda que com alguma variação Tal estrutura em termos gerais guarda afinidade com a função das normas constitucionais e a relevância que possam ter no conjunto da constituição Assim é possível afirmar que as constituições costumam ter suas disposições agrupadas pelo menos em três partes a um Preâmbulo b um conjunto de disposições permanentes c disposições de cunho transitório ressaltandose que tanto o Preâmbulo quanto as disposições transitórias nem sempre se fazem presentes nos textos constitucionais Embora nem todas as constituições contenham um preâmbulo visto que não se trata de um elemento obrigatório para que as constituições possam gerar efeitos e cumprir suas funções 114 é comum que os textos constitucionais sejam precedidos de uma espécie de texto preparatório que assume a função de uma espécie de introdução solene ao texto constitucional 115 De fato uma breve mirada sobre a evolução constitucional permite que se verifique que os preâmbulos constitucionais têm sido uma presença constante desde os primórdios do constitucionalismo moderno a começar pelas Constituições dos Estados formados pelas excolônias inglesas na América com destaque para a Constituição da Virgínia de 1776 passando pela Constituição norteamericana de 1787 e pela Constituição francesa de 1791 apenas para ilustrar com as constituições que precisamente serviram de modelo à noção de constituição escrita desde então No caso do constitucionalismo brasileiro todas as Constituições foram dotadas de um preâmbulo o que voltará a ser objeto de atenção logo adiante No que diz com sua origem etimológica a palavra preâmbulo vem do latim formada a partir da junção do prefixo pre e do verbo ambulare 116 Assim o termo preâmbulo do latim praeambulus que significa o que caminha na frente ou que precede 117 pode em linguagem não jurídica ser também definido como um conjunto de frases que introduz um texto principal 118 De acordo com Jorge Bacelar Gouveia os preâmbulos constitucionais como os preâmbulos de qualquer obra literária ou artística estão antes e por isso não fazem parte do enredo que se vai relatar 119 A relativamente alta incidência no que diz com a utilização de um preâmbulo pelas constituições revela por outro lado que sua função não é pelo menos não em todos os casos meramente simbólica ainda que não se atribua às disposições do preâmbulo força normativa própria pois como dão conta os exemplos já referidos aos quais se poderiam somar muitos outros poderá se tratar de um momento privilegiado para o constituinte formular uma espécie de síntese e mesmo expressar quais os valores eou a noção de direito e de justiça subjacentes ao texto constitucional 120 Embora o conteúdo dos preâmbulos varie de constituição para constituição uma das características comuns que pode ser detectada na maioria dos textos introdutórios é a formulação de posturas valorativas convicções motivações de modo que se pode mesmo falar de uma espécie de profissão de fé por parte das respectivas comunidades políticas verdadeiros fragmentos de uma religião civil como com acuidade leciona Peter Häberle 121 Nessa perspectiva os preâmbulos também costumam esclarecer as circunstâncias e razões que envolvem e justificam a elaboração da constituição mas também as motivações que asseguram a sua legitimidade além de situarem a constituição no contexto da tradição constitucional nacional enunciando objetivos e promessas 122 No caso do Preâmbulo da Constituição Federal especialmente no que concerne ao seu conteúdo tais elementos também se fazem presentes Além de explicitar a legitimação democrática do processo constituinte mediante o uso da fórmula Nós representantes do povo brasileiro reunidos em Assembleia Nacional Constituinte também a finalidade precípua e razão de ser do ato constituinte designadamente a instituição de um Estado Democrático de Direito foi objeto de solene referência Este Estado por sua vez como também foi expressamente enunciado no Preâmbulo tem como pauta de valores e principais objetivos assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais a liberdade a segurança o bemestar o desenvolvimento a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna pluralista e sem preconceitos Tal Estado Democrático de Direito é por sua vez fundado na harmonia social e assume o compromisso na ordem interna e internacional com a solução pacífica das controvérsias Fechando o texto do Preâmbulo encontrase a invocação de Deus sob a proteção de Deus que à exceção das Constituições de 1891 e 1937 sempre e de algum modo se fez presente nos Preâmbulos das Constituições brasileiras Ao passo que na frase de abertura do Preâmbulo da Carta Imperial de 1824 ficou consignado que Dom Pedro I promulgou a Constituição por graça de Deus na Constituição de 1934 foi referida a confiança em Deus mas a própria origem do ato constituinte e de seu sujeito titular não foi atribuída a Deus O mesmo ocorreu nas Constituições de 1946 e 19671969 visto que os constituintes no caso o povo reunido em Assembleia Constituinte invocou a proteção de Deus Ainda no que diz respeito à invocação de Deus seria possível nela identificar uma contradição em relação ao texto constitucional que institui um Estado laico fundado na separação entre Igreja e Estado Isso contudo não tem sido considerado um problema relevante desde que se perceba na invocação de Deus um traço eminentemente cultural além do fato de que o Deus invocado é ou pelo menos assim se haverá de interpretar tal chamamento um Deus ecumênico e não confessional 123 Além disso a invocação de Deus embora quanto ao restante do preâmbulo se possa afirmar o oposto representa um texto um enunciado semântico que não formula nem enuncia nenhuma norma jurídica não apresentando cunho vinculante e que tenha salvo melhor juízo eficácia que possa afetar a ampla liberdade religiosa e de culto e esvaziar o princípio do Estado laico Por outro lado há quem vislumbre na invocação de Deus aqui compreendida em sentido amplo como a referência a Deus aspectos positivos desde que tal invocação não resulte na erosão do Estado laico e no tratamento preferencial de uma confissão religiosa ou mesmo na prática ou tolerância de discriminações em função da religião visto que o vínculo com Deus aponta para uma consciência e reconhecimento de que o Estado sendo obra humana é limitado quanto ao seu poder e que todo o poder e atuação estatal têm por objetivo o próprio ser humano e sua realização existencial 124 Especialmente relevante é a indagação a respeito da força jurídica das disposições contidas nos preâmbulos não sendo possível apontar no âmbito da evolução constitucional e do direito constitucional comparado para uma única resposta sendo diversas as alternativas Nesse sentido as possibilidades vão desde a irrelevância jurídica ou seja do reconhecimento de um valor meramente político simbólico ao preâmbulo até a atribuição de uma eficácia jurídica direta e mesmo similar à das demais normas constitucionais do corpo permanente da constituição De acordo com a primeira alternativa o preâmbulo possuiria valor meramente político ou mesmo moral assumindo uma função de cunho propedêutico de simples declaração mas sem implicar qualquer vinculação no plano jurídico cuidandose dito de outro modo de um conjunto de textos sem conteúdo normativo A despeito de tal modo de compreensão a tendência que se verifica é a de atribuição de alguma força jurídica aos preâmbulos destacandose neste contexto três alternativas a força jurídica meramente legal portanto inferior à da constituição b força jurídica constitucional direta c força jurídicoconstitucional indireta 125 muito embora apenas as duas últimas eficácia direta e autônoma ou eficácia indireta sejam realmente representativas no plano do direito constitucional comparado além da tese da irrelevância jurídica Nesse sentido em termos de direito comparado é possível referir dentre outros os casos da Alemanha e da França Na Alemanha embora o Preâmbulo da Constituição de Weimar 1919 não tenha tido por força da orientação então dominante sua relevância jurídica reconhecida 126 no âmbito da Lei Fundamental de 1949 o Tribunal Constitucional Federal e expressiva doutrina atribuem ao Preâmbulo como texto integrante da Constituição uma eficácia jurídica direta todavia não no sentido de operar como fundamento autônomo para a dedução de posições jurídicas deveres concretos ou direitos subjetivos mas sim como parâmetro para a interpretação e aplicação do direito infraconstitucional e para o controle de constitucionalidade 127 No caso da França o Preâmbulo é considerado parte integrante do texto constitucional e do assim chamado bloco de constitucionalidade juntamente com outros documentos tais como a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 e do Preâmbulo da Constituição de 1946 operando de acordo com a orientação imprimida pelo Conselho Constitucional a partir de um emblemático julgamento de 1971 como parâmetro para o controle de constitucionalidade das leis 128 No Brasil a controvérsia a respeito do valor jurídico do Preâmbulo segue mobilizando a doutrina embora na esfera jurisprudencial o STF tenha negado tal valor refutando relevância jurídica autônoma ao Preâmbulo no sentido de que suas disposições não têm caráter normativo e força obrigatória 129 Em síntese a decisão do STF partiu da premissa de que apenas os princípios contidos no corpo permanente da Constituição Federal detêm força normativa própria Em julgado mais recente 130 todavia o próprio STF reconheceu embora sem formular uma doutrina propriamente dita sobre a matéria que no âmbito da interpretação e aplicação do direito os valores e objetivos expressos no Preâmbulo podem ser invocados como reforço argumentativo para justificar determinada decisão mediante uma leitura articulada e sistemática mas sempre em conjunção com preceitos normativos do texto principal da Constituição Federal 131 Assim correta a observação de Ana Paula de Barcellos e Luís Roberto Barroso no sentido de que o caráter pontual dos julgados do STF exige cautela quanto a qualquer tendência de caráter generalizante 132 Em síntese o que se pode afirmar é que tanto a doutrina dominante quanto a jurisprudência do STF mais recente ainda que não atribuam ao Preâmbulo caráter meramente político e programático no sentido de lhe refutar qualquer tipo de expressão normativa negam às disposições do Preâmbulo força jurídica autônoma e direta de modo que o Preâmbulo não poderá servir de parâmetro para o controle de constitucionalidade nem opera como fundamento autônomo de direitos e obrigações Assim como já se teve oportunidade de constatar a orientação majoritária na doutrina e atualmente em vigor no STF admite que o Preâmbulo tenha eficácia normativa indireta e não autônoma como parâmetro auxiliar para a interpretação e aplicação do direito e argumento adicional para a fundamentação de decisões judiciais 133 No que concerne à posição pessoal adotada partilhamos do ponto de vista de que o valor normativo das disposições do Preâmbulo não pode ser pura e simplesmente enquadrado em um único modelo considerando a própria heterogeneidade dos seus enunciados seja no que diz com sua função seja no tocante à sua maior ou menor densidade normativa 134 Assim embora se possa reconhecer que a invocação de Deus a despeito de sua já apontada possível relevância não tenha sequer o caráter de uma disposição de cunho normativo tal qual decidido pelo STF no caso já referido no Preâmbulo existem diversos princípios valores e objetivos formulados pelo constituinte ainda que em grande parte reproduzidos direta ou indiretamente no corpo principal do texto constitucional que são dotados de pelo menos similar normatividade do que aquela atribuída a princípios contidos na parte permanente da Constituição O caráter de certa forma subsidiário desses princípios decorrente especialmente do fator topográfico de estarem sediados no Preâmbulo e não no corpo do texto constitucional não poderia por si só retirarlhes força jurídica inclusive como parâmetro do controle de constitucionalidade e mesmo com eficácia derrogatória de norma anterior e manifestamente incompatível com seu sentido 135 Notese ainda neste contexto que o fato de não se admitir que de disposição do Preâmbulo se possam direta e autonomamente extrair posições subjetivas individuais ou obrigações concretas não equivale importa enfatizar necessariamente a negar alguma força jurídica direta a pelo menos algumas de tais disposições 136 já que a própria possibilidade de se declarar a inconstitucionalidade de disposição legal com base no Preâmbulo implica a extração de efeitos por parte dos órgãos jurisdicionais Por outro lado a experiência na esfera do direito comparado e os casos da Alemanha e da França são apenas uma pálida amostra revela que não existe um modelo único Há que diferenciar entre uma perspectiva pautada pela teoria da constituição e do direito constitucional e uma abordagem centrada no direito constitucional positivo de determinada ordem jurídicoconstitucional No caso brasileiro considerando o caráter analítico da Constituição Federal e o fato de praticamente todas as disposições do preâmbulo especialmente os valores e objetivos nelas contidos encontrarem reprodução direta ou indireta no corpo da constituição verificase que uma posição mais contida que reserve ao Preâmbulo um papel menos central é sustentável mas ainda assim como já afirmado não constitui a única alternativa disponível 313 Disposições constitucionais permanentes O assim chamado corpo das disposições constitucionais permanentes que constitui de fato o núcleo da constituição normativa sem o qual não haveria sequer como falar em constituição escrita também costuma ser decomposto em partes títulos eou capítulos de modo que para muitos é possível falar em uma parte dogmática e uma parte orgânica das constituições a primeira integrada pelos princípios estruturantes e pelos direitos e garantias fundamentais mas também quando for o caso por uma parte dedicada à constituição econômica financeira tributária e social a segunda composta pelas disposições de caráter orgânico abrangendo as normas criadoras de órgãos constitucionais as normas de competência e as normas procedimentais A divisão interna da parte permanente quando fundada em uma sistematização criteriosa e consistente assume relevância não apenas no que diz respeito a uma adequada compreensão do conjunto da constituição de suas funções e até mesmo do valor atribuído pelo constituinte a determinados dispositivos mas e isso é o mais importante auxilia na interpretação e aplicação das normas constitucionais reduzindo e mesmo evitando déficits de compreensão assim como contradições Todavia o contrário também pode ocorrer Há casos em que não apenas a falta de uma sistematização criteriosa assim como a ausência de rigor terminológico pode gerar problemas relativamente sérios para os órgãos encarregados de concretizar o projeto constitucional além de dificultar o conhecimento e compreensão por parte da população A falta de clareza e sistematicidade assim como de coerência e consistência poderão até mesmo e em certo sentido contribuir para afetar a força normativa da constituição aspecto que aqui não será desenvolvido Convém registrar que especialmente a partir da Segunda Grande Guerra buscando enfatizar o papel privilegiado dos princípios estruturantes princípios fundamentais e dos direitos e garantias fundamentais a maioria das constituições passou a situar tais disposições na parte inicial do texto constitucional e não como ocorria em muitos casos inclusive no Brasil até a Constituição Federal de 1988 depois da assim chamada parte orgânica que versa sobre a estrutura e organização do Estado e dos Poderes Mediante tal técnica e em termos gerais pelo menos três coisas passaram a ficar bem definidas no âmbito do constitucionalismo contemporâneo a é o Estado que existe para o ser humano e não o ser humano para o Estado b os princípios fundamentais eou os assim chamados valores superiores e os direitos e garantias fundamentais embora não tenham primazia normativa formal no sentido de permitirem a declaração de inconstitucionalidade de outros dispositivos da constituição merecem uma proteção e uma normatividade reforçada e servem de critérios materiais para a interpretação e aplicação das demais normas constitucionais e em especial infraconstitucionais É precisamente por tal razão que alguns princípios fundamentais inclusive os que dispõem sobre as decisões políticas fundamentais como a forma de governo a forma de Estado a separação de poderes o regime democrático etc e os direitos fundamentais ainda que nem todos e nem sempre da mesma forma em muitas ordens constitucionais são acompanhados de garantias especiais como é o caso das assim chamadas cláusulas pétreas da aplicabilidade imediata e da vinculação direta de todos os órgãos estatais aos direitos fundamentais determinados instrumentos processuais para sua proteção na esfera judiciária entre outros c as constituições em maior ou menor medida explicitam uma ordem preferencial de valores No que diz com eventuais diferenças entre as diversas partes que compõem as constituições preâmbulo disposições permanentes e disposições transitórias bem como e em especial no tocante à sua função peculiar e regime jurídico seguem algumas observações sobre os preâmbulos das constituições e as disposições de caráter transitório Quanto ao corpo permanente este será objeto de atenção detida na parte deste Curso reservada ao direito constitucional positivo brasileiro mediante remissão no que for o caso aos tópicos abordados na parte da teoria da constituição tal como no que diz com a mudança reforma e mutação constitucional as funções e estrutura as normas constitucionais eficácia aplicabilidade interpretação etc 314 Disposições constitucionais transitórias Disposições constitucionais transitórias são normas constitucionais que disciplinam situações provisórias com o objetivo de regular a transição do ordenamento jurídicoconstitucional anterior para o novo 137 embora também possam regular situações transitórias quando da alteração do texto constitucional mediante emendas constitucionais tanto é que novas disposições transitórias podem ser agregadas às estabelecidas quando da promulgação da constituição 138 A previsão de disposições transitórias embora relativamente frequente e representativa da tradição constitucional brasileira desde 1891 a Carta Imperial de 1824 não as contemplava não obedece a um padrão comum e tal como ocorre no caso dos preâmbulos não é cogente 139 No caso da CF as disposições transitórias se situam fora do corpo do texto constitucional de modo que tal como ocorre com o Preâmbulo formam um conjunto textual à parte designado de Ato das Disposições Constitucionais Transitórias ADCT Em geral pela sua função as disposições transitórias possuem ou deveriam possuir vigência e eficácia temporalmente limitadas É o caso por exemplo dos arts 2º e 4º ambos do ADCT o primeiro prevendo a realização de um plebiscito sobre a forma e o sistema de governo disposição que foi alterada por emenda constitucional antecipando a realização da consulta popular que veio a ocorrer em 1993 o segundo dispondo sobre a duração do mandato do então Presidente da República Por outro lado também existem disposições transitórias que regulam situações estabelecidas como é o caso por exemplo do art 19 do ADCT que assegura a estabilidade dos servidores públicos civis com cinco anos de continuado exercício 140 Considerando o número de emendas constitucionais já promulgadas verificase no Brasil um fenômeno no mínimo curioso visto que o número de disposições transitórias aumentou ao longo do tempo quando da promulgação da CF eram 70 número que chegou a 114 quando do fechamento da presente edição o que todavia não pode levar ao equívoco de se achar que tais disposições estejam todas em vigor e gerando efeitos já que expressiva parte esgotou suas funções e já não se aplica mais Em síntese quanto ao conteúdo do ADCT é possível afirmar que este inclui tanto disposições estabelecidas pelo poder constituinte quanto pelo poder de reforma constitucional Tais disposições podem atender pelo menos a três objetivos a operar como direito transitório regulando situações em caráter provisório e viabilizando a transição de um regime jurídico para outro b excepcionar alguma regra geral do corpo permanente da Constituição c regular temas concretos por prazo determinado portanto sem a pretensão de permanência das normas contidas no corpo permanente 141 Tópico relevante diz respeito ao valor jurídico atribuído às disposições constitucionais transitórias Diversamente do que ocorre no caso do Preâmbulo tanto a doutrina 142 quanto o STF 143 reconhecem que no caso das disposições transitórias tratase de normas constitucionais dotadas de eficácia jurídica e de supremacia normativa servindo de parâmetro para o controle de constitucionalidade Por outro lado a alteração ou inclusão de uma disposição transitória somente poderá ser efetuada mediante emenda constitucional 144 No que diz com a relação entre as disposições transitórias e as normas do corpo permanente da CF não se verifica nenhuma relação de hierarquia pois todas elas integram o conjunto da Constituição formal dotadas de supremacia em face da legislação infraconstitucional 145 Aspecto relevante que se apresenta no caso de algumas das disposições transitórias foi apontado com acuidade por Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco ao lembrarem que nos casos em que mediante regulação no ADCT o constituinte teve a intenção de excepcionar hipóteses concretas de incidência de uma norma geral do corpo permanente da Constituição Federal ou mesmo estabelecer um regime jurídico especial ou determinadas vantagens para categorias específicas de pessoas tal como ocorreu nos casos dos arts 8º anistia concedida pelo constituinte e 19 estabilidade para servidores que quando da promulgação da Constituição Federal se encontravam no cargo há mais de cinco anos não se revela legítimo que uma emenda constitucional superveniente pena de ofensa ao princípio da segurança jurídica e mesmo de uma fraude à vontade do constituinte venha a subtrair ou restringir tal regime ou benefícios 146 Embora não se trate em si de normativa que tenha inserido dispositivo no ADCT é possível incluir nesse contexto num sentido alargado a EC 1062020 que institui regime extraordinário fiscal financeiro e de contratações para enfrentamento de calamidade pública nacional decorrente de pandemia posto que a teor de seu art 11 ficou estabelecido que a sua entrada em vigor se daria na data de sua publicação revogandose automaticamente na data do encerramento do estado de calamidade pública reconhecido pelo Congresso Nacional Ao fim e ao cabo o que se verifica é que o poder de reforma constitucional produziu uma emenda constitucional excepcional e transitória não incluída no ADCT o que pelo menos desde a promulgação da CF88 representa uma novidade 32 As funções da Constituição As constituições como já se pode verificar na parte do Curso sobre a origem e evolução do constitucionalismo não surgiram do nada nem foram criadas para coisa nenhuma As constituições e portanto também sempre determinada constituição cumprem determinados papéis funções no contexto de cada ordem estatal mas também e cada vez mais no plano das relações dos Estados constitucionais entre si Muito embora um inventário das funções da constituição não possa aspirar à completude e se efetuado pelo prisma da teoria da constituição nem sempre corresponda integralmente às funções de uma ordem constitucional concreta é possível identificar um conjunto de funções comuns às constituições de modo geral Assim partindose dessa perspectiva genérica serão arroladas e sumariamente explicadas as principais funções das constituições em geral sem deixar quando for o caso de apontar as eventuais peculiaridades da Constituição Federal de 1988 ilustrando as funções mediante exemplos dela extraídos De outra parte importa consignar que as funções da constituição podem ser decompostas em outras funções além de muitas vezes guardarem relação entre si Ademais disso as fronteiras entre uma função e outra da constituição nem sempre são claramente demarcadas Sem qualquer preocupação de observar uma ordem cronológica ou hierárquica que de resto desde logo se revela questionável é possível identificar as seguintes funções das constituições elenco inspirado nos catálogos de funções propostos por Klaus Stern 147 Gomes Canotilho 148 e Otto Depenheuer 149 mas submetido a alguns ajustes a limitação jurídica e controle do poder b ordem e ordenação c organização e estruturação do poder d legitimidade e legitimação da ordem jurídicoconstitucional e estabilidade f garantia e afirmação da identidade política g reconhecimento e garantia proteção da liberdade e dos direitos fundamentais h imposição de programas fins e tarefas estatais função impositiva ou dirigente a Uma das primeiras e mais importantes funções da constituição diz com o fato de ela operar como instrumento estatuto de limitação e controle do poder Nessa perspectiva não se deve olvidar que o Estado Constitucional moderno se formou em virtude da luta contra o absolutismo sendo que as constituições tinham por objetivo servir de fundamento e instrumento da limitação jurídica do poder político 150 Já pelo fato de a constituição pressupondose sua legitimidade democrática resultar de um consenso cristalizado num documento ou conjunto de documentos contendo os princípios e regras sobre a estrutura organização e exercício do poder verifica se que o ideal da racionalização e limitação do poder encontra na noção de constituição formal normativa sua possibilidade de realização Por força de sua supremacia hierárquica e da diferença entre poder constituinte e poderes constituídos limitados e condicionados pelo primeiro possível também assegurar de forma relativamente eficaz o cumprimento da função de limitação do poder A limitação jurídica do poder se dá por meio de pelo menos duas formas designadamente mediante uma separação divisão de poderes e por meio da garantia de direitos fundamentais A separação dos poderes como se sabe constitui elemento essencial à própria noção de constituição no sentido moderno tal como solenemente afirmado no art 16 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 A separação dos poderes todavia pode ser compreendida em três sentidos uma separação horizontal uma separação vertical e uma separação temporal do poder 151 Por separação horizontal do poder se está a designar a desconcentração ou divisão do poder mediante a garantia da divisão e limitação recíproca e da equiparação igual posição hierárquica das funções no esquema do poder estatal entre as diversas funções estatais legislativa executiva e judiciária os assim chamados poderes estatais Em outras palavras aqui está em causa o princípio da separação divisão de poderes tal como engendrado na esfera da doutrina que radica na base das constituições modernas e que constitui um de seus elementos essenciais embora também a forma concreta da noção de separação de poderes não tenha seguido um padrão uniforme apresentando variações mais ou menos significativas ao longo do tempo e de constituição para constituição Por separação vertical de poder se costuma designar a distribuição do poder mediante a desconcentração descentralização no plano territorial típica do modelo federativo onde embora uma esfera própria e reservada de poder as competências dos órgãos federativos administrativas legislativas e judiciárias aqui novamente no sentido de uma separação horizontal encontram seu fundamento e limite na constituição federal A ordem federal contudo corresponde a uma ordenação hierarquizada e não uma equiparação entre União e Estados membros ou mesmo Municípios como se dá no caso brasileiro possível até mesmo a intervenção federal nos Estados eou Municípios Importa agregar que mesmo em Estados unitários existem níveis significativos de descentralização administrativa que por sua vez também contribuem para uma hierarquizada racionalização e limitação do poder A assim chamada separação temporal do poder guarda relação com o princípio democrático mas também em certo sentido com a forma republicana de governo no sentido de garantia efetiva da alternância no exercício do poder alternância que opera como modo de limitação e controle do poder além de contribuir para assegurar a legitimidade do seu exercício O poder estatal e social também encontra limites mediante o reconhecimento e garantia de direitos fundamentais que operam tanto como esferas livres ou parcialmente livres de intervenção do Estado e de terceiros quanto asseguram numa perspectiva positiva a exigência de ações prestações Aqui a noção amplamente difundida de que direitos fundamentais são em certo sentido trunfos contra a maioria Ronald Dworkin e Jorge Reis Novais traduz a ideia de que mediante o exercício dos direitos fundamentais se está também a limitar poder b A constituição não apenas limita o poder mas também cumpre uma função de ordem e ordenação o que dito de outro modo significa que a constituição assume a condição função de ordem fundamental do Estado pois a constituição conforma configura jurídicopoliticamente o Estado complexo institucional e o modo de sua atuação pelo direito que está plasmado na constituição além de operar como fundamento de validade e eficácia das demais normas que integram o ordenamento jurídico 152 Ainda nesse contexto é preciso enfatizar que a ordem instaurada e regulada pela constituição não é uma ordem fechada mas sim uma ordem complexa plural e aberta 153 cada vez mais caracterizada por seu caráter inclusivo e multicultural 154 c A constituição cumpre também a função de estatuto da organização do poder o que abarca tanto a criação de órgãos constitucionais quanto a fixação de suas respectivas competências e o estabelecimento dos princípios estruturantes da organização do poder político 155 Da mesma forma é possível reconduzir a tal função os princípios e regras de caráter procedimental que regulam precisamente o modo pelo qual os órgãos constitucionais cumprem suas respectivas funções no âmbito das competências que lhes foram conferidas É também nesse contexto que Konrad Hesse nos fala que a constituição organiza e delimita o processo de formação de unidade política e da atuação do Estado tanto no plano da criação de órgãos quanto da fixação de competências e procedimentos buscando assegurar a coordenação a responsabilidade e o controle no âmbito das funções estatais e do seu exercício 156 d Legitimidade e legitimação da ordem jurídica estatal Tais funções que se complementam guardam relação com o fato de que uma constituição não se legitima pelo simples fato de se tratar de um conjunto de normas juridicamente superiores e elaboradas por uma instância de poder capaz de fazêlo de modo vinculativo no caso o poder constituinte mas sim pelo fato de a constituição guardar conformidade com uma ideia de direito e com os valores substanciais de um povo em determinado momento histórico 157 Juntamente com tal função de legitimidade a constituição também cumpre uma função de legitimação do poder pois a constituição opera simultaneamente como fundamento regulação e limite do poder político 158 A constituição portanto não apenas é o fundamento de validade e eficácia do restante da ordem jurídica mas também o fundamento e parâmetro de sua legitimidade e A constituição embora possa ser superada e substituída por uma nova ordem constitucional cumpre uma função de estabilidade pois em termos ideais se cuida de uma ordem fundamental de caráter duradouro 159 A estabilidade que por sua vez assegura a durabilidade da ordem constitucional não significa todavia que as constituições não sejam submetidas a processos de mudança seja pela via da reforma constitucional seja pela assim chamada mutação constitucional que serão objeto de análise em item próprio Mediante especialmente o estabelecimento de limites formais e materiais ao poder de reforma constitucional é que o próprio constituinte busca assegurar de modo simultâneo a estabilidade e a durabilidade sem bloquear as necessárias mudanças f A necessária estabilidade do texto constitucional assegurada especialmente pela previsão de limites formais e materiais à reforma constitucional guarda relação com outra função relevante das constituições designadamente a de ser simultaneamente símbolo garantia e instrumento de afirmação da identidade da ordem jurídica e política instaurada mediante o processo constituinte Nesse contexto é preciso ter em conta que na e por meio da sua constituição as sociedades politicamente organizadas alcançam determinada identidade que as distingue entre si identidade que por sua vez é assegurada enquanto a constituição estiver em vigor e na medida em que forem respeitados os limites materiais explícitos e mesmo implícitos à reforma constitucional 160 O quanto a CF que não contempla como de resto ocorre com a maioria das constituições instrumentos como a declaração da perda de direitos fundamentais e a dissolução compulsória de partidos políticos com programa manifestamente contrário à ordem constitucional cumpre a função de autoafirmação da sua identidade constitucional viabilizando uma efetiva defesa contra a sua própria destruição 161 fica aqui em aberto mas nem por isso deixa de ser um tema a merecer maior desenvolvimento seja em virtude das constantes e relativamente amplas reformas constitucionais seja em função dos desafios postos pelo desenvolvimento tecnológico pela criminalidade organizada erosão do Estado Social dentre tantos aspectos que poderiam ser citados g O reconhecimento e a garantia proteção de direitos fundamentais e com isso da liberdade e autonomia individuais que também operam como modo de limitação jurídica do poder estatal representam juntamente com a função de organização do poder a mais importante função desempenhada pelas constituições modernas não sendo demais lembrar que de acordo com o famoso e já referido art 16 da Declaração francesa de 1789 um Estado que não reconhece e protege os direitos individuais não possui sequer constituição 162 h As constituições embora não todas e não da mesma forma cumprem também o que se pode designar de função dirigente ou impositiva mediante o estabelecimento de programas fins e tarefas que em alguma medida vinculam os poderes constituídos Por mais que se tenha de certo modo decretado o fim do constitucionalismo dirigente pelo menos na acepção originalmente cunhada no constitucionalismo lusófono por Gomes Canotilho 163 é certo que muitas constituições contêm normas impositivas de fins tarefas e programas aquilo que outros chamam de normas do tipo programático ou normasobjetivo normas que a depender do caso e da tradição constitucional específica são reconhecidas como tendo pelo menos alguma eficácia e aplicabilidade No caso da Constituição Federal de 1988 na esteira da tradição inaugurada com a Constituição de 1934 a negação de tal função equivaleria a não levar em conta a significativa gama de normas constitucionais do tipo impositivo a começar pelos objetivos fundamentais do art 3º da CF passando pelo dever de proteção do consumidor na forma da lei sem prejuízo de outros que possam ser identificados mesmo no catálogo dos direitos fundamentais e pelos princípios impositivos sediados na ordem econômica e social A questão portanto não está em negar que a constituição pode como o faz a Constituição Federal cumprir tal função mas sim em determinar como tal função se concretiza e qual a eficácia aplicabilidade e efetividade possível das respectivas normas constitucionais 164 33 O problema do conteúdo das constituições A pergunta sobre qual o conteúdo da constituição assim como se deu no caso das funções da constituição não apresenta uma resposta única Considerando que cada constituição possui determinada identidade por mais que as constituições apresentem semelhanças estruturais e de conteúdo também aqui há que partir do pressuposto de uma maior ou menor diversidade Por outro lado o conteúdo das constituições aqui ainda não focando na ordem constitucional brasileira guarda relação com as suas funções pois para cumprir sua função de estatuto da organização e estruturação do poder a constituição necessita ter no seu texto normas orgânicas normas de competência e mesmo normas procedimentais Da mesma forma uma constituição do tipo dirigente ou impositivo contém normas definidoras de fins tarefas e programas estatais o mesmo se verificando no caso da função de limitação e racionalização do poder que em geral guarda relação com disposições sobre a separação dos poderes e a organização do poder 165 e os direitos fundamentais apenas para ilustrar melhor a assertiva inicial O problema do conteúdo das constituições por outro lado conectase ao problema da distinção entre constituição material e formal especialmente à discussão a respeito da existência de normas que pelo seu conteúdo integram a noção de constituição embora não tenham assento no texto constitucional como é o caso do costume constitucional da existência de determinados diplomas legislativos que versam sobre matéria constitucional e que em alguns lugares integram o assim chamado bloco de constitucionalidade No caso do Brasil considerando o caráter analítico e relativamente atual da Constituição de 1988 bem como o fato de o constituinte não ter feito expressa referência a eventual estatuto constitucional de determinadas leis como poderia ser o caso do estatuto dos partidos políticos da legislação que regulamenta o controle de constitucionalidade apenas para referir exemplos do direito comparado o espaço para um direito constitucional material externo à constituição formal é relativamente diminuto mas um bom exemplo pode ser visualizado no caso dos tratados internacionais de direitos humanos embora a querela sobre o seu valor jurídico na ordem interna que será objeto de atenção na parte relativa aos direitos fundamentais na segunda parte do presente Curso sem prejuízo de algumas considerações tecidas na parte relativa à norma constitucional Além disso colocase a pergunta sobre a existência ou não de um conteúdo obrigatório para as constituições ou seja se no âmbito do processo constituinte existiria uma vinculação a determinados conteúdos que não poderiam deixar de ser contemplados pena de não se tratar propriamente de uma constituição mas sim de outro instituto Tal indagação por sua vez guarda relação com a discussão a respeito da existência de limites ao poder constituinte originário no sentido de que este poderia estar vinculado a determinados parâmetros estabelecidos pela ordem constitucional anterior do Estado ao qual se refere a constituição ou mesmo pela tradição constitucional em geral ou por força de outras determinantes como por exemplo do direito internacional Responder às indagações formuladas e a outras que lhes são correlatas não é tarefa simples e reclama uma dose elevada de generalização e abertura à diferenciação pois a evo lução constitucional e o quadro atual que se apresenta no que diz com a estrutura o con teúdo e as funções das constituições vigentes especialmente no âmbito do constitucionalismo ocidental americano mas especialmente no caso da Europa revela a existência de uma concepção mista de constituição que opera tanto como uma ordem quadro quanto como ordem de valores cumprindo uma diversidade de funções e sendo resultado por sua vez de um processo constituinte democrático e plural de perfil nitidamente compromissário 166 De qualquer sorte ainda que constituições de Estados não democráticos possam ter um conteúdo e estrutura similar v por exemplo o caso da Constituição brasileira de 19671969 às constituições democráticas uma concepção generalizável e metodologicamente adequada a respeito do conteúdo das constituições pressupõe que se parta de determinado tipo de constituição no caso a constituição do modelo de Estado Constitucional Democrático que radica numa tradição comum no âmbito da qual as diversas constituições a despeito de suas peculiaridades apresentam elementos normativos e procedimentais como é o caso da noção de um poder constituinte democraticamente formado e exercido assim como da supremacia normativa e do caráter vinculante das normas constitucionais e materiais aqui no sentido dos valores e princípios comuns 167 De todo modo é possível concluir em caráter de síntese que não se pode falar de uma reserva absoluta de constituição especialmente no sentido de se afastar de plano a possibilidade de determinadas matérias serem previstas e mesmo reguladas em nível constitucional 168 Assim como existem peculiaridades históricas culturais geográficas etc que justificam a inclusão de determinada matéria na constituição formal como é o caso por exemplo da proteção dos índios e da proteção dos assim chamados quilombos questões que uma constituição europeia de modo geral não terá de considerar a decisão política fundamental do constituinte poderá também inserir na constituição matérias usualmente delegadas ao legislador infraconstitucional por vezes com a deliberada intenção de subtrair tais questões à livre disposição das legislaturas ordinárias Que eventual omissão ou excesso por parte do constituinte histórico pois sempre se trata de uma decisão tomada por alguém e suas circunstâncias quanto ao conteúdo do texto constitucional há de ter suas consequências não é contraditório em relação à noção de que inexiste uma matéria tipicamente constitucional ou um conteúdo padronizado A desconsideração da realidade constitucional e um engessamento demasiado mediante uma hiperregulação costumam levar a um número maior de reformas constitucionais o que aliás acabou ocorrendo no caso brasileiro tendo em conta que a Constituição Federal de 1988 já foi alterada somandose as emendas constitucionais de revisão às emendas ordinárias mais de cem vezes Um déficit de efetividade e mesmo de legitimidade é outra sequela possível e que não surpreende sendo tanto maior quanto mais profundo o descompasso entre o texto e a realidade o que também remete ao problema da força normativa da constituição a ser sumariamente analisado no capítulo sobre a teoria da norma constitucional O problema do conteúdo da constituição por sua vez guarda relação mas não se sobrepõe integralmente com a noção de uma identidade constitucional que embora em processo de permanente reconstrução aqui cai bem a figura de uma constituição viva 169 permite vislumbrar uma espécie de fio condutor mínimo formado pelos assim chamados elementos constitucionais essenciais que de resto também não pode ser galvanizado como um rol fechado em relação ao câmbio da realidade 170 de premissas que se forem afastadas ou mesmo a depender do caso afetadas significativamente podem comprometer precisamente tal identidade razão pela qual se previu entre outros mecanismos a existência das assim chamadas cláusulas pétreas que têm por objeto precisamente a preservação da identidade da constituição Que para efeitos da proteção por conta de limites materiais ao poder de reforma constitucional o conteúdo da constituição no seu conjunto não se confunde com a identidade constitucional assim como esta última não necessariamente se limita aos conteúdos expressamente salvaguardados pelos limites materiais à reforma do texto não será aqui aprofundado mas assume relevância quando se trata de definir a identidade da constituição e estabelecer os limites de incidência das assim chamadas cláusulas pétreas por exemplo em que medida se haverá de admitir limites materiais implícitos não expressamente estabelecidos no texto constitucional originário que aliás serão objeto de análise mais adiante na parte sobre o poder de reforma da constituição CONCEITO E CARACTERÍSTICAS DO DIREITO CONSTITUCIONAL Ingo Wolfgang Sarlet A partir das considerações precedentes inclusive sobre a origem e evolução das constituições é possível verificar que uma verdadeira constituição não é apenas um documento assim designado mas um corpo de normas jurídicas regras e princípios qualificado pelo seu conteúdo e por sua função as quais estando ou não corporificadas em um documento ou conjunto de documentos assumem uma posição diferenciada e privilegiada em relação às demais normas jurídicas portanto às normas que não são constitucionais Assim evitando adotar um conceito de direito constitucional adstrito a uma ou outra concepção fechada de constituição presa a determinados conteúdos e funções consideramos ser possível definilo como o conjunto das normas jurídicoconstitucionais estejam elas ou não contidas na constituição formal no documento elaborado e promulgado como constituição pelo poder constituinte mas que constituem parte integrante da constituição normativa inclusive quando for o caso na condição de normas apenas materialmente constitucionais Mas o direito constitucional e nisso já reside uma de suas características se distingue em parte das demais normas jurídicas que não integram a assim chamada constituição normativa Muito embora se trate também em sentido amplo de uma lei daí a conhecida qualificação como Lei Fundamental ou Lei Maior a constituição e o correspondente direito constitucional as normas constitucionais se distinguem pelas suas peculiaridades das demais leis que compõem a ordem jurídica estatal 172 De acordo com a precisa lição de Konrad Hesse tal distinção se dá não apenas pelo objeto e funções da constituição e do direito constitucional já examinados mas também pela sua hierarquia a natureza de seus preceitos e as condições de sua eficácia e efetividade que no seu conjunto determinam as características que asseguram a peculiaridade do direito constitucional no quadro normativo estatal 173 A primeira e principal característica do direito constitucional reside na sua supremacia hierárquica no sentido de que as normas constitucionais prevalecem em relação a toda e qualquer forma normativa incluídas as leis elaboradas pelo Poder Legislativo e todo e qualquer ato jurídico na esfera interna da ordem estatal 174 Tal característica corresponde ao postulado da supremacia da constituição e de que esta é a expressão da vontade de um poder constituinte já que as normas constitucionais encontram seu fundamento de validade na própria constituição razão pela qual se aqui fala em uma autoprimazia normativa e não em alguma outra fonte normativa que lhes seja externa e superior do que resulta não apenas a distinção entre direito constitucional e direito ordinário mas também o postulado da constitucionalidade das leis e atos normativos infraconstitucionais que não poderão portanto estar em desconformidade com a constituição 175 Assim tal supremacia hierárquiconormativa é o pressuposto da função da constituição como ordem jurídica fundamental e implica que o direito constitucional não poderá em hipótese alguma ser revogado ou alterado pelas normas infraconstitucionais 176 Uma segunda característica reside no caráter autogarantista do direito constitucional ou seja no fato de que o direito constitucional diversamente do que ocorre com os demais ramos do direito infraconstitucional não possui uma instância que lhe seja superior e externa no sentido de um órgão supraestatal e que possa assegurar a sua eficácia e efetividade pois é a própria constituição mediante o direito constitucional suas regras e princípios que deve assegurarse estando portanto limitada às suas próprias forças e garantias 177 O procedimento agravado estabelecido para a alteração do seu texto ou seja a rigidez constitucional a previsão de limites materiais ao poder de reforma a separação dos poderes a criação de uma jurisdição constitucional capaz de zelar pela conformidade do direito ordinário e demais atos jurídicos em relação às normas constitucionais entre outras garantias constituem exemplos correntes de como as constituições se asseguram a si próprias Por outro lado é certo que a usurpação das funções atribuídas pela constituição não é jamais vedada de forma plena pois nem sempre os órgãos encarregados pelo constituinte para nos limites da competência estabelecida zelar pela integridade e supremacia da constituição observam os seus limites como se dá por exemplo quando a jurisdição constitucional julgar contrariando o sentido literal do texto da constituição ou nos casos de ruptura da ordem constitucional Como bem lembra Konrad Hesse a supremacia da constituição depende em termos gerais da voluntária submissão dos órgãos constituídos ao caráter vinculante do direito constitucional e de que todos os órgãos e agentes estatais reconheçam e efetivamente assumam a responsabilidade de fazer valer a constituição 178 temática que por sua vez guarda relação com o problema da força normativa da constituição que será objeto de alguma atenção no capítulo sobre a norma constitucional Ainda neste contexto convém registrar que diferentemente daqueles que preferem vislumbrar na sua rigidez uma das características distintivas do direito constitucional 179 preferimos integrar tal aspecto no âmbito das garantias estabelecidas pela própria Constituição DO PODER CONSTITUINTE E DA MUDANÇA REFORMA E MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL Ingo Wolfgang Sarlet I DO PODER CONSTITUINTE 51 Notas introdutórias Considerando que o constitucionalismo moderno identificado com a figura de uma constituição escrita se encontra umbilicalmente associado à noção de um poder constituinte ou seja de uma instância de poder que elabora a constituição na condição de norma jurídica fundamental do Estado a teoria e prática do poder constituinte é parte indispensável de toda e qualquer teoria da constituição mas também é crucial para a compreensão de determinada ordem constitucional concreta evidentemente podem ser desdobradas em outras e dialogam com uma série de questões de alta relevância para a teoria política e para o direito constitucional algumas das quais serão ainda que em caráter sumário objeto de consideração neste capítulo 52 O que é o poder constituinte 521 Generalidades A noção de uma constituição escrita assim leciona Javier Pérez Royo está unida à noção de um poder constituinte visto que tanto de um ponto de vista lógico quanto de uma perspectiva histórica o poder constituinte é uma necessidade para a constituição escrita 182 Com efeito a história constitucional moderna pelo menos desde o surgimento das primeiras constituições escritas segue comprometida embora uma série de mudanças verificadas ao longo do tempo com a distinção traçada em primeira linha pelo Abade Emmanuel Sieyès um dos intelectuais mais destacados na Revolução Francesa 183 e que chegou a ser chamado de descobridor científico da noção de poder constituinte 184 entre as noções de um poder constituinte o poder de elaborar uma nova constituição e os assim chamados poderes constituídos no sentido de instituídos regulados e limitados em maior ou menor medida pelo primeiro 185 Assim sendo diversamente do poder constituinte o poder de reforma eou revisão constitucional compreendido como poder de alterar o texto da constituição e que será examinado mais adiante é por definição um poder constituído integrando a noção daquilo que muitos designam de um poder constituinte derivado O habitualmente assim chamado poder constituinte derivado além do poder de reforma da constituição abrange o assim chamado poder constituinte decorrente ou complementar segundo alguns que consiste no poder constituinte dos Estadosmembros de uma Federação igualmente instituído e regulado em maior ou menor medida pelo poder constituinte originário 186 As distinções entre o poder constituinte originário e os poderes constituídos ou poder constituinte derivado como ainda preferem alguns serão esclarecidas ao longo do presente capítulo a começar pela análise do poder constituinte compreendido como o poder de determinada sociedade comunidade política elaborar sua constituição Como ponto de partida convém averbar na esteira de Paulo Bonavides que não se deve confundir o poder constituinte propriamente dito com a sua teorização já que como fenômeno social e político ou seja no sentido material em sintonia com a noção de constituição em sentido material portanto no sentido de uma constituição histórica o poder constituinte sempre existiu em todas as sociedades politicamente organizadas mas a sua formulação teórica e vinculação com a noção moderna de uma constituição escrita ou constituição jurídica é obra do pensamento iluminista do final do século XVIII especialmente do já lembrado Abade Sieyès 187 A constituição ao contrário do que ocorre com as normas infraconstitucionais não extrai o seu fundamento de validade de uma ordem jurídica formal superior mas se estabelece e alcança autoridade jurídica superior em relação às demais esferas normativas internas do Estado em função da vontade das forças determinantes e representativas da sociedade na qual surge a constituição 188 É neste sentido que o poder constituinte acaba assumindo a feição de uma categoria préconstitucional capaz de por força de seu poder e de sua autoridade elaborar e fazer valer uma nova constituição 189 Por isso com razão ErnstWolfgang Böckenförde ao afirmar que a pergunta sobre o conteúdo e significado da noção de poder constituinte abarca o questionamento sobre a origem e o fundamento de validade da própria constituição 190 O processo constituinte de fundação de uma nova ordem constitucional é portanto sempre e de certa forma um novo começo visto que não se encontra na dependência pelo menos não no sentido jurídicoformal no plano de uma hierarquia normativa das regras constitucionais anteriores ou mesmo de outra fonte normativa superior e externa razão pela qual à expressão poder constituinte se costuma agregar o qualificativo originário 191 Com isso não se está a dizer que o poder constituinte não possa recepcionar aproveitar no todo ou em parte normas constitucionais anteriores ou mesmo outras normas jurídicas mas sim que não está obrigado a isso e que mesmo que assim o faça em todo caso se trata de uma nova ordem constitucional visto que tais normas mediante sua recepção ganham um novo fundamento de validade e de legitimidade Valendonos das palavras de Manoel Gonçalves Ferreira Filho o fato de a constituição como resultado da atuação do poder constituinte ser o ponto de partida de uma nova ordem jurídica significa não apenas que o direito positivo se cria com base e segundo a constituição como também e o que é mais importante e nem sempre é bem percebido que a partir de uma nova constituição o direito positivo anterior que não conflita com essa constituição passa a valer por um fundamento novo que é a nova constituição 192 522 A natureza do poder constituinte Nesse contexto quando se indaga sobre a natureza do poder constituinte originário prevalece a tese de que não se trata propriamente de um poder jurídico mas sim especialmente considerando a relação entre soberania e poder constituinte de um poder político portanto préjurídico e mesmo extrajurídico 193 O poder constituinte pode ser definido como uma potência no sentido de uma força em virtude da qual determinada sociedade política se dá uma nova constituição e com isso recria eou modifica a estrutura jurídica e política de um Estado 194 Como já lecionava Carl Schmitt o poder constituinte é a vontade política cujo poder ou autoridade é capaz de tomar a decisão concreta sobre o tipo e a forma da própria existência política ou seja de determinar na sua integralidade a existência da unidade política 195 Assim na sua condição de potência pertencente ao mundo do ser e não do dever ser o poder constituinte atua de modo desatrelado de processos jurídicos anteriores assumindo portanto a função de criador da própria ordem jurídica estatal mas situandose fora desta mesma ordem jurídica 196 Afinado com tal linha de entendimento Nelson Saldanha define o poder constituinte como um poderparaação uma potência constituinte no sentido de um poderparaconstituição 197 Nessa perspectiva como bem averba ErnstWolfgang Böckenförde do ponto de vista da teoria e da dogmática constitucional o poder constituinte não pode ser reduzido como pretendem alguns à noção de uma norma hipotética fundamental como no caso da teorização de Hans Kelsen ou mesmo reconduzido a um fundamento de direito natural já que o poder constituinte há de ser compreendido pelo menos também como uma grandeza política real que fundamenta a força normativa jurídica da constituição razão pela qual o poder constituinte não pode existir no interior ou mesmo com base numa constituição como se fosse um órgão criado pela constituição mas preexiste cria e limita a própria constituição e os poderes constituídos 198 Em sentido em parte diverso José Joaquim Gomes Canotilho sustenta que embora o poder constituinte não possa ser efetivamente concebido como um poder juridicamente regulado ele não deixa de ser política e juridicamente relevante especialmente pelo fato de que o poder constituinte convoca irrecusavelmente a força bruta que constitui uma ordem jurídica para o terreno problemático da legitimação e legitimidade grifos do autor 199 A dimensão jurídica do poder constituinte portanto guarda relação com o fato de que é o poder constituinte como expressão do princípio democrático se e quando for o caso que assegura a legitimidade da constituição consistindo numa espécie de autorização jurídica para a elaboração de uma constituição pelo menos de acordo com a tese esgrimida por Udo Steiner 200 A noção de que o poder constituinte é simultaneamente um poder político e jurídico acaba contudo assumindo um viés reducionista especialmente por condicionar ou pelo menos vincular fortemente a dimensão jurídica ao princípio democrático quando embora seja possível questionar a legitimação e a legitimidade de determinada ordem constitucional em função de sua origem na perspectiva de quem elaborou a constituição e de como foi elaborado o texto constitucional seja mais difícil recusar a tal ordem a qualidade de constitucional visto que constitutiva e vinculativa de um novo Estado e de uma nova ainda que eivada de um déficit de legitimidade democrática ordem jurídicopositiva É também por esta razão que aqui se enfatiza neste ponto filiando nos à posição ao que tudo indica prevalente que o poder constituinte como manifestação da soberania é um poder histórico um poder de fato que embora tenha uma relevância repercussão jurídica não pode ser definido como sendo um poder jurídico 201 523 Distinção entre poder constituinte formal e poder constituinte material À vista das considerações precedentes e no sentido de assegurar uma melhor compreensão da noção de poder constituinte dada a sua complexidade acompanhase a distinção que costuma ser traçada entre um poder constituinte material e um poder constituinte formal distinção que guarda relação com a diferenciação entre as noções de constituição em sentido material e em sentido formal já abordada Nesse sentido colacionase a lição de Jorge Miranda para quem o poder constituinte material corresponde a um poder de autoconformação do Estado segundo determinada ideia de direito ao passo que o poder constituinte formal corresponde a um poder de edição de normas com forma e força jurídica próprias das normas constitucionais notadamente a sua supremacia normativa no âmbito interno das fronteiras estatais 202 O poder constituinte formal portanto de acordo com Carlos Blanco de Morais diz respeito à natureza e ao tipo de procedimento adotado para a aprovação de uma constituição 203 Ainda segundo Jorge Miranda tratase de dois momentos complementares e que guardam íntima relação embora o poder constituinte material sempre preceda o formal o que se deve a dois fatores a a ideia de direito ou o surgimento de determinado regime precede as regras jurídicas b a existência de dois tempos no processo constituinte o primeiro que corresponde ao triunfo de determinada ideia de direito ou de um regime o segundo marcado pela formalização da noção de direito vitorioso mediante sua inserção na constituição formal constituição jurídica o que por sua vez confere estabilidade permanência e supremacia hierárquica aos princípios valores e decisões políticas fundamentais contidos na Constituição 204 É precisamente a noção de um poder constituinte formal na condição de momento específico do processo constituinte que sempre arranca da manifestação de ruptura e de criação de uma nova ordem estatal próprias do poder constituinte material a grande novidade e também um dos elementos centrais da verdadeira viragem de Copérnico representada pelo constitucionalismo moderno ao final do século XVIII e concretizada mediante as primeiras grandes experiências constitucionais no sentido atual do termo quais sejam a norteamericana e a francesa 524 Características do poder constituinte Embora as considerações precedentes não tenham evidentemente exaurido o tema já é possível identificar com base nelas mas especialmente a partir da vinculação entre poder constituinte e soberania as principais características do poder constituinte amplamente difundidas ainda que nem sempre da mesma forma e com o mesmo rótulo no âmbito da literatura dedicada à teoria constitucional quais sejam a O poder constituinte é um poder inicial e anterior características aliás que guardam estreita relação com o adjetivo originário Nesta perspectiva o poder constituinte como já sinalado é concebido como marco criador inicial da nova ordem jurídica estatal implicando um rompimento com a ordem anterior e a inauguração de uma nova ordem jurídica Muito embora em geral não se verifique mais o fenômeno de uma ruptura revolucionária radical com a ordem estatal e jurídica anterior consoante ocorreu na França revolucionária de Sieyès em grande parte dos casos novas constituições elaboradas por novas assembleias constituintes ou mesmo outorgadas por diferentes grupos de poder substituem constituições precedentes sem contudo descaracterizar a noção de que a nova constituição ainda que mantenha em grande parte as estruturas de poder e do direito anteriores sempre são o marco inicial de uma nova ordem estatal revelando um traço fundacional ainda que no âmbito de um processo histórico que congrega como bem apontam Cláudio Pereira de Souza Neto e Daniel Sarmento elementos do presente do passado e em certo sentido mesmo do futuro 205 b O poder constituinte é um poder autônomo e exclusivo visto que não se concebe a coexistência de dois poderes constituintes no âmbito de uma mesma comunidade estatal assim como não se concebe a coexistência de duas soberanias Cada ordem estatal embora possível a outorga parcial de prerrogativas inerentes à soberania sem renúncia à própria como ocorre por exemplo no plano da União Europeia 206 poderá ter apenas uma constituição fruto da atuação do poder constituinte originário c O poder constituinte é um poder superior e em certo sentido juridicamente ilimitado e incondicionado Com efeito já de acordo com a doutrina do próprio Abade Sieyès sustentada perante o Comitê Constitucional da Assembleia Geral em plena Revolução no dia 20071789 o poder constituinte tudo pode e não se encontra de antemão submetido a nenhuma constituição de modo que para exercer sua função ele deve estar livre de toda forma e de todo e qualquer controle salvo os que ele próprio venha a adotar 207 Nessa perspectiva a exemplo da soberania que assume a qualidade de poder supremo superior no âmbito interno da comunidade política estatal também e por via de consequência o poder constituinte é superior aos demais poderes e em relação à ordem jurídica interna Aliás é dessa característica do poder constituinte que também embora não exclusivamente decorre a supremacia da constituição no esquema da hierarquia das fontes normativas tema que será objeto de desenvolvimento próprio neste Curso Da mesma forma o poder constituinte é também aqui em determinado sentido um poder incondicionado visto que sua organização o poder constituinte se autoorganiza e sua atuação não podem ser submetidas a termos ou condições previamente estabelecidos De qualquer modo importa averbar que esta última característica poderia como de fato se verifica no caso de alguns autores ser inserida na figura mais ampla do caráter ilimitado do poder constituinte Assim sintetizando o tópico o poder constituinte como fato político ou seja como força material e social não está vinculado a normas jurídicas anteriores pelo menos não no sentido de uma subordinação resultante de uma superioridade hierárquica na acepção jurídicoformal o que todavia não quer dizer que se trate de um poder absoluto ilimitado e incondicionado em sua integralidade de modo que não se pode afirmar que se cuida de um poder completamente livre do direito 208 Como o problema de eventuais limites ao poder constituinte será abordado em segmento próprio ainda no âmbito deste capítulo do Curso deixaremos por ora de aprofundar o exame da questão d O poder constituinte é um poder permanente e inalienável A qualidade da permanência prendese ao fato de que o poder constituinte não desaparece com a entrada em vigor da constituição Portanto ao contrário da assembleia constituinte ou de quem exerça em concreto a função constituinte cuja atuação se exaure com a promulgação da constituição o poder constituinte segue presente em estado latente pois sua titularidade não se confunde com a condição de quem em caráter eventual e provisório exerça a tarefa de elaborar uma nova constituição Por outro lado o caráter permanente do poder constituinte guarda relação com outra característica habitualmente referida que pode ser reconduzida à primeira teorização relevante e influente sobre o tema designadamente a obra do Abade Emmanuel Sieyés qual seja a de que o poder constituinte é inalienável 209 É precisamente nesta perspectiva que o poder constituinte pode vir a se manifestar a qualquer momento visto que ao povo como titular do poder constituinte cabe sempre decidir sobre a manutenção alteração e mesmo substituição de determinada ordem constitucional vigente 210 razão pela qual já se utilizou a imagem em relação ao fato de que o poder constituinte não desaparece de um vulcão adormecido no sentido de que há períodos não constituintes portanto sem atividade vulcânica 211 Apresentadas as principais características do poder constituinte há que enfrentar o problema de sua titularidade respondendo à indagação sobre quem é o sujeito de tal poder 53 Quem é o titular do poder constituinte O problema da legitimidade do poder constituinte e da Constituição A definição da titularidade do poder constituinte ou seja a quem pertence quem é o sujeito tal poder revelase como tema de grande controvérsia cuja complexidade aumenta quando vinculada à questão de sua legitimidade 212 Importa sublinhar desde logo que a discussão em torno da titularidade do poder constituinte guarda relação com a discussão a respeito da soberania estatal e de seu respectivo titular 213 de tal sorte que o que está em causa é identificar quem detém o poder de criar e impor para uma comunidade política uma nova constituição inaugurando uma nova ordem jurídica e estatal Por isso não há como dissociar ainda que as noções não sejam equivalentes a titularidade do poder constituinte da noção de soberania e do problema da legitimidade de uma dada ordem constitucional Mesmo uma superficial observação do curso da história política das nações revela que a noção de soberania inicialmente não era vinculada à noção de um poder constituinte visto que esta como já referido é produto da fase final da Idade Moderna ou seja do final do século XVIII Com efeito embora a noção de soberania desde a Idade Média pelo menos desde o século XIII tenha relação com a ideia de poder de dominação o conteúdo da noção de soberania sofreu significativas transformações ao longo do tempo acompanhando as próprias modificações das estruturas e sistemas de poder político registrandose além disso divergências importantes no plano da justificação e da atribuição de conteúdo à noção de soberania na esfera das teorias políticas 214 Por muito tempo a noção de soberania foi vinculada a Deus visto que durante expressivo lapso temporal predominou a teoria da origem divina do poder político e da soberania especialmente dos monarcas sendo que apenas posteriormente foi atribuída à nação com o triunfo da Revolução Francesa e finalmente ao povo conforme apenas para ilustrar se depreende da conhecida fórmula We the people nós o Povo inscrita no preâmbulo do texto constitucional norteamericano de 1787 215 Já por tal razão é possível afirmar que a determinação do titular do poder constituinte como poder concreto e factual se dá com base nas circunstâncias históricas e sempre será por elas condicionado 216 Assim sendo é possível concordar com Georges Burdeau quando este sustentava que não há como falar em um poder constituinte abstrato visto que tal poder encontrase sempre referido a um indivíduo como no caso da concentração da soberania na pessoa do monarca à época do absolutismo monárquico um grupo ou um povo 217 A relação da titularidade com a legitimidade do poder constituinte por sua vez diz respeito ao fato de que diferentemente das normas infraconstitucionais que se submetem ao controle de validade diante do texto constitucional vigente a atuação do poder constituinte e portanto o próprio conteúdo de sua obra a constituição não se legitima por critérios jurídicos preexistentes pelo menos no sentido da existência de uma normativa formal anterior e diretamente vinculativa 218 Cuidase portanto de uma legitimação que não se confunde como de resto já ocorre embora não exatamente nos mesmos termos com a legitimidade da ordem jurídica infraconstitucional com a noção de legalidade e de validade de uma ordem jurídica em virtude de sua conformidade formal e material com uma normativa anterior e superior mas sim o que está em causa é em linhas gerais uma legitimidade que está atrelada a basicamente dois fenômenos quais sejam a forma de elaboração das constituições em outras palavras aquilo que se tem designado de legitimidade quanto ao procedimento e por outro lado a legitimidade no que toca ao conteúdo da decisão constituinte isto é da observância de determinados valores que justifiquem a autoridade no âmbito da coletividade política O problema da titularidade do poder constituinte situase precisamente neste contexto de modo que é preciso ainda que de modo sumário apresentar as duas principais concepções que marcaram a evolução constitucional quanto a tal aspecto designadamente a teoria da soberania nacional e a teoria da soberania popular 219 iniciandose pela já referida doutrina do Abade Sieyès para quem o titular absoluto do poder constituinte era a nação razão pela qual também a soberania somente podia ser compreendida como uma soberania nacional 220 Para o autor francês a nação não significava os interesses de um conjunto de homens que a compunha em determinado momento histórico mas sim a expressão dos interesses permanentes de uma comunidade de tal sorte que poderia haver inclusive contradições entre as duas ordens de interesses 221 O poder constituinte que está concentrado na nação opera todavia mediante delegação a um corpo de representantes extraordinários como os designava o próprio Sieyès representação esta que se reúne exclusivamente e apenas por certo tempo para o propósito de elaboração e aprovação da constituição distinguindose tal corpo de representantes da legislatura ordinária 222 De outra parte para a doutrina constitucional norteamericana cuja generalização se verificou na maioria dos países que aderiram à democracia constitucional 223 o titular do poder constituinte é o povo concepção vinculada à noção de soberania popular que passa a operar como fundamento de legitimidade do próprio exercício do poder constituinte e que pode ser reconduzida especialmente ressalvadas importantes diferenças à doutrina de John Locke na Inglaterra e de JeanJacques Rousseau na França 224 A identificação do povo contudo depende da concepção jurídica e política predominante em determinado momento histórico bastando referir ao longo do tempo experiências como as que eram comuns durante a primeira fase do constitucionalismo liberal onde a possibilidade de votar e de ser votado era dentre outras limitações como por exemplo a exclusão por muito tempo das mulheres vinculada a determinados requisitos de natureza econômica tal como ocorreu com o assim chamado voto censitário praticado inclusive no Brasil sob a égide da Carta Imperial de 1824 A gradativa extensão dos direitos políticos contexto no qual se destacam a tardia inclusão das mulheres bem como a inserção em vários casos de mecanismos de democracia direta por ocasião do exercício do poder constituinte a exemplo da possibilidade de apresentação de emendas populares durante o processo de deliberação bem como a submissão do projeto de constituição aprovado na assembleia constituinte ao crivo do povo mediante referendo mostra que a noção de povo igualmente se encontra em permanente processo de reconstrução 225 54 Formas de manifestação expressão ou exercício do poder constituinte 541 Aspectos introdutórios As formas de manifestação do poder constituinte são diversas não podendo ser reduzidas a um único modelo ou fórmula Como bem descreve Gomes Canotilho é possível resumir com três palavras revelar dizer e criar os traços característicos das três principais experiências constituintes que estão na base do constitucionalismo contemporâneo a inglesa a americana e a francesa Ainda segundo Gomes Canotilho em passagem que aqui reproduzimos com alguma liberdade os ingleses compreendem o poder constituinte como um processo histórico de revelação da sua constituição os americanos dizem num texto escrito produzido por um poder constituinte em que consiste o direito fundamental da nação ao passo que os franceses criam uma nova ordem jurídica e política por meio da destruição do antigo regime e sua substituição por uma nova ordem expressa por meio de um texto escrito a constituição 226 O primeiro modelo representado pela experiência constitucional inglesa mas que não se limitava especialmente no que diz com um constitucionalismo no sentido material ao exemplo inglês é típico de um constitucionalismo histórico avesso à noção de um poder constituinte portanto de uma instância de poder capaz de por si só inaugurar um novo Estado e de instituir uma nova ordem jurídica e política 227 Com efeito a trajetória constitucional inglesa demonstrou que a reconstrução da ordem constitucional é permanente razão pela qual a noção de constituição em sentido formal e a noção de um poder constituinte em sentido formal acabaram não encontrando repercussão no ambiente constitucional inglês Não é por acaso portanto que a Constituição Inglesa no sentido do conjunto de documentos legislativos constitucionais como dentre outros a Declaração de Direitos de 1689 costumes e precedentes jurisprudenciais de natureza constitucional é reconduzida como já visto na parte sobre a classificação das constituições à categoria de uma constituição histórica Diversamente da Inglaterra e de outras atualmente poucas experiências similares 228 tanto a experiência norteamericana quanto a francesa amplamente secundadas na evolução constitucional posterior pelo menos no mundo ocidental têm em comum o fato de atribuírem centralidade à noção de poder constituinte Todavia as diferenças são significativas e não podem simplesmente ser desconsideradas Para os americanos tratase no caso do poder constituinte de um momento fundacional de criação da nova ordem constitucional ordem esta que assume a função de assegurar os direitos e garantias dos americanos e de limitar o poder de modo que o poder constituinte diversamente do que ocorreu no caso da França assume a condição de instrumento para o estabelecimento da nova ordem 229 Já no caso da França notadamente em face do contexto no qual a própria construção teórica do poder constituinte e da soberania nacional foi formulada a vinculação na doutrina de Sieyès das noções de poder constituinte e de nação fez com que a ideia motriz fosse em parte distinta A este respeito como bem formula Gomes Canotilho os franceses criam uma nova ordem jurídicopolítica por meio da destruição do antigo e da construção do novo traçando a arquitectura da nova cidade política num texto escrito a constituição 230 Mas as diferenças não terminam aí Outro diferencial importante que tem origem na teorização de Sieyès foi o recurso à ideia de soberania nacional em substituição à noção de soberania popular já que a nação como entidade abstrata distinta do povo tornou necessária a inserção da figura da representação de tal sorte que o poder constituinte não é mais exercido diretamente pelo povo mas sim pelas assembleias eleitas pelo povo 231 Ainda no que diz com as formas de expressão manifestação do poder constituinte é preciso atentar para o fato de que no que diz com o poder constituinte é possível distinguir entre formas democráticas e não democráticas de exercício expressão do poder constituinte No primeiro caso a fórmula habitualmente utilizada portanto referimonos às hipóteses mais comuns e que correspondem à ampla maioria consiste na eleição portanto mediante um processo democrático de uma assembleia constituinte na condição de órgão encarregado da elaboração do novo texto constitucional 542 As formas democráticas de exercício do poder constituinte No âmbito das assim chamadas formas democráticas de exercício do poder constituinte é comum que se estabeleça uma distinção entre dois modelos básicos que por sua vez podem ser desdobrados em outros dois Assim é possível identificar uma assembleia constituinte soberana que poderá ser exclusiva ou não e uma assembleia constituinte não soberana que igualmente poderá ser ou não exclusiva No primeiro caso da assembleia soberana cuidase de um órgão eleito com a finalidade de elaborar e aprovar a constituição excluída qualquer participação adicional do povo seja por meio de plebiscito seja por meio de referendo Já a assembleia não soberana é eleita apenas com a finalidade de elaborar e discutir o projeto de constituição mas a entrada em vigor do texto constitucional se dá apenas após a sua aprovação pelo povo mediante referendo 232 Neste caso ou em casos similares como ocorreu quando da elaboração da Constituição norte americana em 1787 233 a palavra final é devolvida ao povo para sua direta manifestação como titular propriamente dito do poder constituinte As duas modalidades assembleia soberana e não soberana por sua vez podem ser formadas com a finalidade e competência exclusiva de elaboração da constituição aqui se fala em assembleia constituinte exclusiva ou acumular atribuições notadamente a de seguir mesmo enquanto atuando como assembleia constituinte operando como Poder Legislativo a assim chamada assembleia constituinte não exclusiva Na história constitucional brasileira a tradição se mostra mais afinada com a instauração de assembleias não exclusivas excetuandose a assembleia constituinte de 1933 234 No que tange à assim chamada assembleia constituinte soberana ou seja aquela que prescinde de ratificação popular do texto elaborado pela assembleia é possível arrolar as Constituintes de 18901891 de 19331934 de 1946 de 1967 e por fim a de 19871988 Registre se que no caso da Constituição de 1937 havia a previsão de uma consulta popular que todavia nunca foi realizada No que diz com a Constituição Federal de 1988 esta chegou a ser criticada precisamente pelo fato de não ter sido elaborada por uma assembleia constituinte exclusiva o que todavia não é suficiente por si só para lhe retirar sua legitimidade democrática visto que esta não está atrelada a determinado tipo de procedimento democrático de elaboração da constituição Por outro lado embora as modalidades referidas desde que a noção de uma assembleia constituinte seja compreendida em sentido elástico possam ser aceitas como corretas é preciso observar que nem todas as experiências constitucionais reconhecidas como democráticas podem ser reconduzidas a alguns modelos fixos As possibilidades quanto ao modo de exercício incluindo o modo de convocar estruturar e regulamentar a atuação de uma assembleia constituinte são múltiplas Apenas para citar um importante exemplo vejase o caso da Lei Fundamental da Alemanha de 1949 cujo texto resultou de um processo estruturado em várias etapas sob a supervisão e posterior aprovação pelas forças de ocupação aliadas Num primeiro momento foi convocada uma conferência dos presidentes dos Estados alemães que por sua vez organizou um comitê responsável pela elaboração de um projeto de constituição Na sequência tal projeto foi objeto de apreciação deliberação e aprovação pelo Conselho Parlamentar Parlamentarischer Rat integrado por 65 representantes eleitos pelas assembleias estaduais da Alemanha Ocidental Finalmente após a aprovação pelas forças de ocupação o documento aprovado pelo Conselho Parlamentar passou pela aprovação era exigida a aprovação por 23 dos Estados dos Estados o que ocorreu mediante votação no âmbito das assembleias estaduais procedimento que substitui o referendo popular inicialmente exigido pelas forças de ocupação 235 Notese portanto que não houve eleição direta pelo povo dos integrantes nem da comissão que elaborou o anteprojeto nem do Conselho Parlamentar e além da necessidade de submissão do texto à aprovação prévia por parte dos representantes das forças de ocupação aliadas EUA Inglaterra e França da região que veio a se tornar a antiga República Federal da Alemanha Alemanha Ocidental o texto na sua versão final também não foi submetido à consulta popular direta Ainda assim nem o diferenciado modo de exercício do poder constituinte mas tampouco o fato de a Lei Fundamental ter sido elaborada em caráter provisório enquanto não ocorresse a reunificação alemã mas também a circunstância de que mesmo quando esta sobreveio em 1989 não tenha sido realizada consulta popular a respeito da manutenção da Lei Fundamental elaborada em 1949 conduziram a despeito de algumas críticas a uma negação da legitimidade democrática da Lei Fundamental além do fato de esta ser considerada a Constituição da Alemanha hoje unificada Outro exemplo digno de nota nos vem dos EUA pois é de se recordar que os representantes dos Estados que integravam a Confederação estabelecida no decurso da luta pela independência também não haviam sido eleitos para a Convenção da Filadélfia que passou a ser conhecida como Convenção Constitucional com mandato para a elaboração da Constituição mas sim para revisar os Artigos da Confederação tendo inclusive sido formulada a acusação de uma usurpação do mandato original ainda que posteriormente o documento aprovado em 1787 na Filadélfia tivesse sido submetido à aprovação no âmbito do Congresso de representantes igualmente não eleito com a finalidade específica e exclusiva de aprovar o texto inicial antes de ser então submetido à ratificação pelos Estados 236 Com tais exemplos que poderiam ser multiplicados mas que são por si sós emblemáticos o intento é demonstrar que as modalidades acima apresentadas não correspondem a um esquema fechado e revelam que não podem ademais ser tomadas como indicativos exclusivos de aferição de maior ou menor legitimidade de uma deter minada constituição 543 A revolução como forma da manifestação do poder constituinte Há casos contudo em que o caráter democrático do processo constituinte é de ser refutado muito embora exista uma constituição normativa e essa igualmente não tenha surgido de um processo de geração espontânea Assim há que reconhecer que não se pode pura e simplesmente desconsiderar a existência de formas não democráticas portanto em determinado sentido ilegítimas de expressão do poder constituinte como é o caso da outorga de uma nova constituição por parte de um ditador determinado grupo que assume o poder político etc como ocorre no caso das constituições outorgadas Considerandose apenas o povo como titular do poder constituinte a própria referência a um modo não democrático de manifestação exercício do poder constituinte se revela como contraditória mas a experiência histórica segue demonstrando a existência de casos de constituições que não foram o resultado direto de um processo democrático e cuja elaboração não se deu nos moldes das variações acima referidas A própria Constituição Imperial de 1824 a Constituição do Estado Novo e a forma pela qual foi imposta a Emenda 1 à Constituição de 1967 apenas para ficarmos na evolução constitucional brasileira são mostras disso O fato de se poder em certo sentido dizer que se trata de outra coisa e não de verdadeiras constituições não altera a circunstância de que tais Constituições estiveram em vigor e como tais vincularam os poderes constituídos Nesse contexto oportuna a referência ao assim chamado poder constituinte revolucionário em outras palavras à revolução como forma de manifestação expressão do poder constituinte situação que de resto radica na base de um expressivo número de constituições ao longo da história constitucional 237 Tratase aqui da mais radical das formas de expressão do poder constituinte originário 238 visto que a revolução consiste muitas vezes no único remédio contra o arbítrio e a ilegalidade quando falharem todos os processos constitucionais e legais criados para impedilos ou mesmo quando se trate de movimentos destinados a reinstaurar a própria ideia de direito e justiça numa sociedade 239 como dão conta entre outros os emblemáticos casos da Revolução Francesa e da Revolução Bolchevista na Rússia embora haja evidentes diferenças entre elas inclusive no que diz com a matriz constitucional implantada Antes contudo de seguirmos com a apresentação dos contornos do poder constituinte revolucionário é preciso explicitar o próprio conceito de revolução Nesse sentido é possível de modo simplificado falar de um conceito sociológico e de um conceito jurídico de revolução Na primeira acepção ou seja num sentido sociológico revolução é um processo de mudanças rápidas e profundas da estrutura de uma sociedade e de seu sistema de poder geralmente acompanhado de muita violência ao passo que no seu sentido jurídico a revolução consiste na ruptura de um ordenamento jurídico e a instauração de um novo mediante processo não regulado pelo ordenamento anterior 240 A revolução no sentido sociológico ou revolução propriamente dita não pode portanto ser confundida com um mero golpe de Estado pois este não implica transformação profunda nas estruturas da sociedade mas se caracteriza pela alteração na estrutura de dominação política por meios inconstitucionais como no caso da revolução brasileira ocorreu com a ditadura do Estado Novo e o golpe militar de 1964 que tiveram inclusive especialmente no caso do segundo caráter reacionário Por outro lado um golpe de Estado implica uma revolução no sentido jurídico em virtude da ruptura da ordem jurídica que justamente se caracteriza por uma ruptura que opera tanto no plano material substituição de uma ordem constitucional por outra diferente quanto ao conteúdo quanto na esfera formal definida pelo fato de a substituição ter ocorrido em desacordo com os procedimentos constitucionais precedentes 241 Assim é correto afirmar que uma revolução em sentido sociológico implica uma revolução em sentido jurídico a mudança nas estruturas sociais e políticas exige uma substituição da ordem jurídica mas uma revolução em sentido apenas jurídico que pode advir por exemplo até mesmo de um golpe de Estado não será uma revolução em sentido sociológico Explorando o elo entre a revolução e o poder constituinte Antonio Negri sustenta que o poder constituinte opera como uma força que interrompe e desfaz todo o equilíbrio preexistente e toda a continuidade possível de tal sorte a poder ser definido como um procedimento de caráter absoluto e ilimitado razão pela qual a constituição em sentido político é a própria revolução 242 O vínculo entre a revolução e o poder constituinte consiste precisamente no fato de que quando se manifesta a revolução o poder constituinte cuja atuação permanece sustada como se estivesse num estágio de hibernação enquanto os poderes constituídos funcionam regularmente volta a operar até a entrada em vigor de uma nova constituição que venha a substituir a ordem jurídicoconstitucional anterior 243 Por tal razão o assim chamado ciclo revolucionário se caracteriza por duas etapas nomeadamente uma fase na qual se dá a ruptura com a ordem anterior de maneira abrupta ou gradual e um segundo momento por ocasião do qual é instaurada mediante a promulgação de uma nova constituição uma nova ordem jurídica 244 Importa agregar para melhor explicitação de como se processa no seu conjunto o ciclo revolucionário no qual atua o assim chamado poder constituinte revolucionário que ambas as etapas podem ocorrer de modo bastante diferenciado não seguindo um padrão uniforme Com efeito basta recorrer à experiência brasileira para constatar que em 1937 o golpe do Estado Novo acompanhado pela outorga de uma nova Constituição praticamente substituiu de um momento para outro a ordem jurídica anterior O mesmo não ocorreu em 1964 visto que embora iniciada a ruptura o poder constituinte revolucionário mediante a produção de atos normativos do comando revolucionário os conhecidos atos institucionais entre outros acabou apenas revogando em parte a então vigente Constituição de 1946 que seguiu vigorando em grande medida até sua completa substituição em 1967 Durante o tempo que se situa entre a ruptura constitucional e a reconstitucionalização período este que costuma ser designado hiato constitucional 245 verificase o estabelecimento do que se designou de uma ditadura soberana para utilizar a fórmula proposta por Carl Schmitt 246 que produz uma espécie de direito constitucional material provisório consistente de atos normativos editados pelas lideranças revolucionárias e destinados a regular provisoriamente a situação Tais atos normativos caracterizamse por seu caráter provisório e por serem atos que uma vez emanados em função da atuação do poder constituinte revolucionário são cogentes e superiores até mesmo em relação ao direito constitucional anterior Também aqui a experiência histórica brasileira é prenhe de exemplos que ilustram o modus operandi do poder constituinte revolucionário inclusive no que diz com a produção de um direito constitucional provisório como dão conta entre outros o Dec 1 de 15111889 que instituiu o governo provisório da Primeira República bem como o Dec 19308 de 11111930 que criou o governo provisório da assim chamada Segunda República documentos que tiveram o condão de revogar a ordem constitucional anterior e regular a vida política até a promulgação de uma nova constituição O mesmo pode ser dito ainda no caso brasileiro em relação ao Ato Institucional 1 de 09041964 que entre tantos outros atos do governo militar acabou por revogar em boa parte a Constituição de 1946 247 Uma vez compreendido em termos gerais no que consiste a fase da ruptura e a etapa subsequente é preciso enfatizar que a reconstitucionalização como segunda etapa da atuação do poder constituinte revolucionário implica como já frisado a instauração de uma nova ordem constitucional mediante a entrada em vigor de uma nova constituição O fato de a ruptura ter sido mais ou menos violenta de ter operado mais ou menos transformações nas estruturas econômicas sociais e políticas não impede que a nova ordem jurídicoconstitucional seja instaurada de forma democrática A revolução muitas vezes já sustentada pelo povo ver os casos da Revolução Francesa Mexicana Bolchevista Chinesa Cubana dentre tantas outras pode passar e é bastante frequente que assim seja por um processo de legitimação democrática que no concernente à instauração de uma nova ordem constitucional passa pela via democrática de elaboração e aprovação da nova constituição escrita A assim chamada reconstitucionalização pode portanto ocorrer de forma não democrática mediante a outorga de uma constituição no Brasil é o caso da Constituição de 1937 ou pode recorrer às diversas modalidades democráticas de elaboração de uma constituição seja por meio de consulta popular direta seja pela eleição de uma assembleia constituinte 248 Evidentemente há que examinar em outro plano se a constituição resultante do processo é legítima ou não o que guarda relação com o modo democrático de exercício do poder constituinte Por outro lado seja qual for a forma de expressão do poder constituinte democrática ou não é certo que a atuação de uma assembleia constituinte ou mesmo a outorga de uma constituição não surgem do nada mas são a consequência de um conjunto de fatores e decisões políticas anteriores É nesta perspectiva que se fala também em um impulso constituinte numa situação constituinte ou mesmo de modo mais preciso de decisões pré constituintes 249 que se situam numa fase que pode ser também designada de préconstituinte mas que de algum modo já integra o processo constituinte no seu conjunto Cuidase de situações em geral complexas e bastante diversificadas a depender da realidade concreta de onde se manifestam e que acabam envolvendo tanto decisões políticas no sentido da elaboração de uma nova constituição como a edição de leis constitucionais de caráter provisório que além de regularem em caráter precário a organização e exercício do poder buscam estabelecer os contornos do regramento jurídico do processo constituinte 250 Nesse sentido percebese que uma nova constituição pode ter e muitas vezes teve e ainda tem um processo revolucionário na sua origem processo que pode terminar de modo democrático mediante convocação e eleição de uma assembleia constituinte Se isso é possível também a circunstância de que a assembleia constituinte tenha sido convocada pelo próprio Poder Legislativo na condição de poder constituído conforme aliás ocorreu precisamente com a atual Constituição Federal visto que a assembleia constituinte que elaborou a nossa atual Carta Constitucional foi convocada por meio da EC 26 de 27 de novembro de 1985 não implica por si só a ilegitimidade da nova ordem constitucional 55 Limites e condicionamentos do poder constituinte A teoria originalmente elaborada por Emmanuel Sieyès foi marcada pela influência da doutrina do direito natural que dominava ao final do século XVIII de modo que para o autor francês o poder constituinte apenas seria condicionado pelo direito natural 251 Como instância anterior e superior ao direito positivo o poder constituinte não se encontraria portanto subordinado a qualquer espécie de limite ou condição imposto por norma jurídica anterior ou superior de modo a se falar mesmo de uma onipotência do poder constituinte 252 Tal compreensão ainda que eventualmente reproduzida em alguma literatura não corresponde mais ao entendimento prevalente na quadra atual da evolução e de resto sempre encontrou resistência Muito embora se possa afirmar que o poder constituinte seja ilimitado livre e autônomo na sua condição de força social e política especialmente em relação a uma ordem jurídico constitucional formal anterior no sentido de vinculado no âmbito de um esquema normativo hierarquizado isso não significa que se trate de um poder totalmente ilimitado e portanto completamente livre do direito já que seu exercício encontrase condicionado tanto pela realidade fática quanto por determinados valores civilizatórios pelos direitos humanos e pela justiça 253 Dito de outro modo acompanhando Virgílio Afonso da Silva o poder constituinte não é ilimitado no sentido de poder criar qualquer constituição 254 Como bem averba Gomes Canotilho este sujeito constituinte este povo ou nação é estruturado e obedece a padrões e modelos de conduta espirituais culturais éticos e sociais radicados na consciência jurídica geral da comunidade e nesta medida considerados como vontade do povo ao que se soma a observância de determinados princípios de justiça bem como a necessária sintonia com os princípios gerais e estruturantes do direito internacional 255 muito embora haja polêmica em torno não apenas da vinculação em si do poder constituinte ao direito internacional mas também da forma pela qual se processa tal vinculação 256 tema aliás de crescente relevância considerando a tendência de afirmação de uma ordem constitucional global e transnacional De outra parte quando se fala em limites jurídicos do poder constituinte há que reconduzir tais limites à noção mais ampliada de limites historicamente construídos que incluem limitações de ordem religiosa moral econômica dentre outros que poderiam ser referidos 257 Nessa perspectiva assumindose como correta a premissa de que o poder constituinte não é por inteiro um poder ilimitado inclusive e de certo modo no sentido jurídico é possível falar de condicionamentos de caráter préconstituinte e pósconstituinte 258 Tais condicionamentos como já referido poderão ser de natureza não jurídica ou jurídica envolvendo aspectos heterônomos externos e limites internos que assumem a feição de uma autorregulação e ao mesmo tempo de uma autolimitação da função constituinte 259 No que diz com os limites anteriores à elaboração do texto constitucional situamse aspectos envolvendo o ato convocatório da assembleia constituinte o processo de escolha dos membros constituintes e o próprio procedimento de deliberação de tal sorte que se trata de normas que disciplinam o procedimento e a participação na elaboração do texto constitucional mas que são resultado já da própria atuação do poder constituinte no plano de sua autorregulação 260 Como elementos condicionantes pósconstituintes é possível elencar a eventual ratificação popular da constituição embora isso não se verifique em todos os casos 261 Ademais na esfera dos fatores externos assume especial relevância a já referida vinculação do poder constituinte aos valores sociais e políticos que levaram à sua convocação destacandose neste contexto a ética a dignidade da pessoa humana a liberdade e a ideia geral de igualdade bem como a noção de direitos humanos fundamentais que como demonstra a evolução constitucional marca presença em praticamente todos os documentos constitucionais modernos pelo menos no que diz com sua previsão textual ainda que bastante diversificada no respeitante à sua formulação Mesmo que se admita a ideia de uma vinculação do poder constituinte a determinados princípios supranacionais de justiça é questionável que aqui se trate de uma inconstitucionalidade originária caso determinada constituição venha a contrariar tais princípios e chancelar situações de grave injustiça de descaso com os direitos humanos 262 O problema no nosso sentir situase mais no plano da legitimidade da constituição e mesmo do ponto de vista jurídicoformal de eventual violação do direito internacional que poderia levar até mesmo ao afastamento da aplicação da norma constitucional ofensiva a tais princípios superiores discussão que aqui contudo não pretendemos ao menos por ora desenvolver Ainda no que diz com o problema dos limites do poder constituinte verificase que a partir do estabelecimento de uma primeira constituição formal constituição normativa determinado Estado e a regra no âmbito do constitucionalismo moderno é mesmo esta costuma ter mais de uma constituição de modo que se justifica a indagação em torno da circunstância de que o novo constituinte encontrase vinculado a determinada tradição constitucional como se o que existisse não fosse propriamente a elaboração de uma nova constituição mas sim de uma espécie de revisão ampla por vezes nem tão ampla da constituição anterior ainda que formalmente se fale em uma nova ordem constitucional originária Até mesmo a previsão em determinada constituição de cláusulas pétreas limites materiais à reforma constitucional apenas vincula os poderes constituídos designadamente o poder de reforma mas não é de observância obrigatória pelo poder constituinte superveniente de modo que também nesse caso se cuida de conteúdos que também se encontram sob uma reserva de poder constituinte 263 A identidade e sua continuidade e afirmação constitucional que se busca salvaguardar mediante a previsão de tais limites materiais é sempre a daquela determinada constituição e não necessariamente de todas as constituições de determinado Estado por mais que haja uma identificação entre os diversos textos constitucionais TEORIA DA MUDANÇA CONSTITUCIONAL A REFORMA E A MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL 56 Generalidades e distinção entre as diversas formas de mudança constitucional processos formais e informais mutação constitucional Constitui noção amplamente difundida e aceita no âmbito da evolução do constitucionalismo moderno que uma das funções da constituição é a de assegurar um nível adequado de estabilidade às instituições políticas e jurídicas Não apenas por isso mas também por tal razão a rigidez constitucional traduzida pela dificuldade maior de alteração do texto constitucional em relação ao processo legislativo ordinário serve ao propósito de garantir a permanência e a estabilidade embora não a imutabilidade da constituição O que se percebe todavia é que as constituições ainda que de modo bastante diversificado entre si regulam as garantias de sua própria estabilidade e permanência mas também reservam espaço para a possibilidade de mudança de seu próprio texto e portanto de seu próprio conteúdo Justamente para que a constituição permaneça em vigor não apenas simbolicamente como uma mera folha de papel Ferdinand Lassale 264 e cumpra sua função estabilizadora é preciso que ela seja sempre também um projeto em permanente reconstrução aberto ao tempo e ao câmbio da realidade de tal sorte que permanência estabilidade e mudança não são incompatíveis entre si mas pelo contrário constituem exigências recíprocas e que se retroalimentam desde que guardado o necessário equilíbrio Mas o fenômeno da mudança não se limite aos instrumentos previamente regulados de alteração textual da constituição escrita incluindo outras possibilidades e mecanismos de mudança Assim de acordo com a lição de Jorge Miranda se a modificação das constituições representa um fenômeno inelutável da vida jurídica e que mais do que modificáveis as constituições são modificadas também é verdade que são variáveis a frequência a extensão e os modos como se processam as modificações 265 Considerando portanto que a mudança constitucional é algo que integra a própria natureza do constitucionalismo e do direito constitucional é preciso identificar num primeiro momento quais as modalidades mecanismos de mudança constitucional que podem ser encontradas na literatura e na experiência concreta do constitucionalismo Nessa perspectiva num ambiente marcado pela absoluta prevalência de um modelo de constituições rígidas é possível distinguir entre duas formas de mudança constitucional os mecanismos formais de mudança constitucional e os assim chamados mecanismos informais também conhecidos como mutações constitucionais ou mudanças tácitas Quanto aos meios mecanismos ou instrumentos formais cuida se da alteração do texto constitucional por meio da atuação do poder de reforma constitucional o que se verifica mediante um processo previamente pelo menos quanto aos seus aspectos nucleares estabelecido pelo poder constituinte o qual também determina quais os limites formais e materiais impostos ao poder de reforma o que será objeto de exame mais detalhado logo a seguir No âmbito da chamada mudança informal não há a rigor alteração do texto normativo mas sim alteração no que diz com a aplicação concreta de seu conteúdo a situações fáticas que se modificam no tempo geralmente pela via da interpretação constitucional fenômeno designado como já referido de mutação constitucional no sentido de uma mudança constitucional que embora altere o sentido e alcance da constituição mantém o texto constitucional intacto Importante antes de adentrarmos no exame de cada uma das duas modalidades mudança formal e informal é que se compreenda que a mudança formal é assim designada pelo menos de acordo com o entendimento amplamente majoritário não pelo fato de ser promovida por um órgão formalmente instituído e regulado na constituição mas sim por se tratar de um processo de mudança que implica alteração do texto constitucional ou seja da constituição formal e instrumental 266 Neste contexto não se deve olvidar que a mutação constitucional no sentido da mudança promovida sem alteração textual pode ocorrer pela via da interpretação ou seja pela atuação de um órgão criado pela constituição portanto neste sentido poderia também ser designada de uma mudança formal mas não é neste sentido que consoante já explicitado se compreendem as mudanças informais mutações mas sim pelo fato de não implicarem alteração do texto da constituição 267 Iniciaremos pelo mecanismo habitual da mudança formal que se manifesta por meio do exercício da competência poder de reforma constitucional para mais adiante voltarmos ao problema dos mecanismos informais no âmbito da noção de mutação constitucional 57 O poder de reforma da Constituição 571 Questões terminológicas No que diz com o plano terminológico é preciso formular acordo semântico já que na literatura podem ser encontradas diversas expressões por vezes utilizadas como sinônimas todavia nem sempre com o necessário rigor eventualmente gerando até mesmo alguma incompreensão quanto ao seu correto significado Nesse sentido as expressões do poder constituinte derivado ou mesmo poder constituinte instituído secundário ou de segundo grau poder constituinte reformador ou poder de reforma ou revisão constitucional aqui apenas elencadas algumas das mais habituais exigem uma nota explicativa Considerando a distinção entre o poder constituinte originário ou simplesmente poder constituinte e o poder de reforma constitucional que em verdade é sempre instituído regulado e limitado pela constituição originária ou seja pelo poder constituinte de modo a não constituir propriamente a ordem estatal cada vez mais autores têm abandonado a expressão poder constituinte derivado mediante o argumento de que se tal expressão do poder constituinte é derivada não há falar propriamente em poder constituinte 268 Por tais razões aqui apresentadas de forma sumária é que se opta pela terminologia poder de reforma constitucional ou simplesmente poder de reforma ou poder reformador O mesmo se aplica ao assim chamado poder constituinte decorrente que para muitos assume a condição de manifestação especial do assim chamado poder constituinte derivado já que igualmente instituído e limitado pelo poder constituinte originário 269 Tratase no caso do poder constituinte dos Estados integrantes de uma Federação que todavia será objeto de análise mais detida no capítulo destinado à organização do Estado em que o princípio federativo e de consequência a constituição dos Estadosmembros da Federação ocupam um lugar de destaque Assim sendo em apertada síntese para que daqui em diante possamos padronizar a terminologia adotamos o esquema que segue 1 poder constituinte 2 poder de reforma ou poder de reforma constitucional 3 poder constituinte dos Estadosmembros 572 Natureza características e funções do poder de reforma constitucional Diversamente do poder constituinte que precisamente em virtude de sua natureza pré ou mesmo metajurídica por ser como visto acima um poder de natureza fática e política expressão da soberania costuma ser emblematicamente caracterizado na esteira de Carl Schmitt como uma potência o poder reformador assume a feição de uma competência já que juridicamente vinculado às normas de competência organização e procedimento ditadas pelo primeiro a potência 270 É justamente a existência de normas limitativas da reforma constitucional que demonstra o fato de que mesmo após a entrada em vigor da constituição o poder constituinte segue presente e portanto ativo já que do contrário poderia vir a depender dos órgãos legislativos instituídos e limitados pelo constituinte o que implicaria contradição insuperável pelo menos levandose a sério a tradição constitucional ainda vigente 271 Importa ter sempre presente de outra parte a noção de que também no direito constitucional brasileiro o legislador ao proceder à reforma da Constituição não dispõe de liberdade de conformação irrestrita encontrandose sujeito a um sistema de limitações que objetiva não apenas a manutenção da identidade da Constituição mas também a preservação da sua posição hierárquica decorrente de sua supremacia no âmbito da ordem jurídica de modo especial para evitar a elaboração de uma nova Constituição pela via da reforma constitucional 272 A natureza e configuração concreta dos limites à reforma constitucional embora se possa observar certa uniformidade pelo menos no que diz com alguns elementos essenciais comuns às principais técnicas de limitação do exercício do poder de reforma há de ser analisada sempre à luz do direito constitucional positivo de cada Estado pois é na constituição de cada país que são definidos os limites ao poder de reforma e qual o seu alcance Por essa razão sem prejuízo de referências ao direito comparado é no âmbito da reforma constitucional no sistema constitucional brasileiro logo abaixo que serão apresentados e analisados os limites à reforma constitucional No que diz com as funções do poder de reforma é preciso destacar que embora a reforma constitucional seja também fonte de direito constitucional ela constitui uma fonte peculiar distinta por definição do poder constituinte que assume uma natureza dúplice visto que ao mesmo tempo em que as leis de reforma no caso brasileiro as emendas estão submetidas quando de sua elaboração aos requisitos estabelecidos pelo constituinte uma vez incorporadas ao texto constitucional elas passam a ser parte integrante com a mesma hierarquia normativa desta mesma constituição portanto tornamse constituição 273 Antes contudo importa destacar mais um aspecto terminológico e conceitual que diz respeito à possível distinção entre as noções de reforma revisão e emendas constitucionais bem como a exemplo do que se verifica em diversos países no que diz com o uso das expressões leis de revisão ou leis de alteração da constituição Quanto ao primeiro ponto ou seja sobre a distinção entre os conceitos reforma revisão e emenda constitucional há que registrar desde logo que tais noções não podem ou ao menos não deveriam de acordo com a sistemática adotada pela Constituição Federal de 1988 ser confundidas Em verdade embora não se registre unanimidade no que diz com o seu conteúdo e significado a posição majoritária na doutrina brasileira é de que a expressão reforma da Constituição designa o gênero ao passo que os outros dois termos revisão e emendas se referem a manifestações particulares da reforma 274 Assim a expressão reforma referese neste sentido a toda e qualquer alteração formal isto é de acordo com os parâmetros preestabelecidos da Constituição independentemente de sua abrangência Uma revisão constitucional ao menos para os que comungam deste ponto de vista constitui por sua vez modificação relativamente ampla do texto constitucional ao passo que uma emenda se destina de regra a ajustes e alterações de natureza mais específica 275 Já para outros as expressões revisão e reforma se distinguem no sentido de que a revisão se refere a alterações gerais ou parciais da constituição sobre temas previamente estabelecidos pelo poder constituinte ao passo que as modificações no âmbito da reforma constitucional não foram antecipadamente definidas de tal sorte que ambas revisão e reforma podem ser consideradas mecanismos formais típicos de alteração da constituição assumindo a emenda o papel de instrumento para realização da reforma ou revisão 276 Também quanto a este aspecto necessário não perder de vista o direito constitucional positivo ou seja as peculiaridades de cada ordem constitucional concretamente considerada o que será objeto de análise no próximo segmento 573 O poder de reforma na Constituição Federal de 1988 5731 A distinção entre revisão e emendas como modalidades de reforma da Constituição Também na evolução constitucional brasileira constatase que as expressões revisão reforma e emenda foram utilizadas de forma diversificada Na Constituição de 1824 o procedimento da reforma constitucional foi regulamentado nos arts 174 a 178 não tendo sido feita qualquer referência aos termos revisão e emenda o que persistiu em nossa primeira Constituição da República de 1891 de acordo com o disposto no seu art 90 A Constituição de 1934 afastouse pela primeira vez dessa tradição prevendo expressamente tanto a possibilidade de uma revisão quanto de emendas à Consti tuição estabelecendo requisitos distintos para cada uma das modalidades de reforma da Constituição art 178 As Constituições de 1937 de 1946 e de 1967 1969 por sua vez contemplaram respectivamente nos seus arts 174 217 e 47 apenas as emendas como mecanismo de modificação do texto constitucional de tal sorte que somente na atual Constituição 1988 foi novamente traçada uma distinção expressa entre as modalidades revisão art 3º do ADCT e emenda arts 59 e 60 Já por tal razão e mesmo que se possa como se verá a seguir argumentar que a possibilidade de revisão constitucional pelo menos tal como prevista originariamente no ADCT não mais subsiste no ordenamento constitucional vigente correta a posição de acordo com a qual à luz do direito constitucional positivo brasileiro o constituinte de 1988 pelo menos no que diz com a sua proposta originária distinguiu as emendas à Constituição e a revisão como duas modalidades específicas e portanto substancialmente diferenciadas de reforma constitucional 277 Aspecto mais controverso todavia diz com a identificação das diferenças propriamente ditas entre a revisão e as emendas Tal discussão por sua vez guarda relação com outra polêmica que embora em parte relativamente pacificada no âmbito da doutrina constitucional brasileira segue em aberto e que poderá especialmente na esfera do processo políticolegislativo e mesmo com suporte em setores da literatura especializada ter importantes desdobramentos Aqui se está a tratar justamente da discussão a respeito da manutenção no sistema constitucional vigente da possibilidade de levar a efeito uma revisão constitucional seja pelo rito estabelecido originariamente no art 3º do ADCT seja por meio do procedimento mais qualificado das emendas constitucionais ou mesmo de outro procedimento que venha a ser estabelecido inclusive por meio de uma reforma constitucional Nesse sentido importa em primeiro lugar destacar quais as diferenças entre a revisão constitucional e as emendas à Constituição tal como originariamente previstas pelo constituinte a enquanto as emendas foram previstas e regulamentadas no corpo da Constituição constituindo mecanismo permanente e ordinário de reforma a revisão foi objeto de previsão apenas no Ato das Disposições Transitórias art 3º revelando salvo melhor juízo ser modalidade excepcional de reforma b o procedimento previsto para ambas as modalidades de reforma da Constituição é distinto ressaltandose a existência de um procedimento mais rígido art 60 para as emendas ao passo que a revisão ao menos de acordo com a expressa previsão do art 3º do ADCT estaria sujeita a um procedimento bem menos rigoroso e simplificado c enquanto não há limitação no que tange ao número de emendas afora a impossibilidade de reapresentação do projeto no mesmo ano legislativo a revisão estava destinada pelo menos esta a tese aqui adotada a realizarse apenas uma vez transcorridos cinco anos da promulgação da Constituição art 3º do ADCT isto é depois de realizado o plebiscito sobre eventual alteração da forma monarquia ou república ou do sistema de governo presidencialismo ou parlamentarismo inicialmente previsto para setembro de 1993 mas posteriormente antecipado art 2º do ADCT d por derradeiro é de destacarse a amplitude da revisão destinada tão somente à finalidade de adaptar a Constituição ao resultado do plebiscito já que uma alteração na forma eou no sistema de governo vigente implicaria uma série de modificações de modo especial na parte relativa à organização do Estado e dos Poderes ao passo que as emendas podem ter por objeto qualquer alteração no texto constitucional desde que respeitem os limites materiais expressos e implícitos à reforma da Constituição 278 Embora as distinções elencadas decorram da própria arquitetura constitucional e correspondam ao teor literal dos respectivos dispositivos arts 60 da CF e 3º do ADCT o Congresso Nacional quando das discussões sobre a revisão constitucional mais precisamente entre 01031994 e 07061994 acabou optando por promulgar as assim designadas emendas constitucionais de revisão em número de seis O que há de ser destacado é que tais emendas que receberam inclusive uma designação e numeração distinta foram aprovadas pelo Congresso mediante observância dos mesmos limites formais e materiais previstos para as emendas e não pelo rito simplificado previsto no art 3º do ADCT o que resultou numa virtual equiparação dos institutos 279 Nesse contexto merece ser destacada a posição adotada pelo STF que muito embora a ausência de referência expressa no texto constitucional transitório sublinhou a necessidade de observância no âmbito das emendas de revisão dos limites materiais estabelecidos no art 60 4º da CF 280 Tudo isso contribui para que a prática da aprovação das assim chamadas emendas constitucionais de revisão fosse abandonada ainda em 1994 e não mais restabelecida o que apenas reforça a tese do caráter transitório e excepcional da figura da revisão constitucional subsistindo apenas a modalidade de reforma mediante emendas à constituição O que se percebe todavia é que várias das emendas constitucionais promulgadas desde então levaram a efeito alterações significativas do texto constitucional algumas resultando até mesmo em supressão alteração e acréscimo em dezenas no caso da EC 452004 que veiculou a reforma do Poder Judiciário mais de uma centena de dispositivos da Constituição foram afetados de artigos do texto originário alterando substancialmente capítulos e mesmo títulos inteiros da obra do constituinte de 1988 Assim considerando que as emendas constitucionais deveriam servir apenas para promover alterações mais ou menos pontuais do texto constitucional há quem diga que o Congresso Nacional acabou realizando verdadeiras revisões constitucionais valendose para tanto e de forma ilegítima do mecanismo das emendas 281 Outro tema polêmico é o que diz respeito à possibilidade de criação mediante emenda constitucional de uma nova modalidade de revisão inclusive para efeitos de supressão de conteúdos considerados pétreos portanto insuscetíveis de abolição pelo constituinte originário o que todavia será objeto de consideração logo mais adiante no contexto dos limites à reforma constitucional De qualquer modo fazse o registro de que uma revisão ampla e ilimitada da Constituição é no mínimo polêmica visto que aceitandose tal possibilidade estarseia em verdade autorizando como sustentava dentre outros Geraldo Ataliba a substituição da Constituição por uma nova para o que o legislador efetivamente não se encontra legitimado 282 574 Os limites da reforma constitucional 5741 Considerações gerais Também a controvérsia em torno dos limites à reforma da Constituição radica na distinção acima traçada entre o poder constituinte e o poder de reforma constitucional Com efeito sendo o poder reformador por definição um poder juridicamente limitado distinguindose pelo seu caráter derivado e condicionado sujeito portanto aos limites estabelecidos pelo próprio constituinte a identificação de quais são os limites à reforma constitucional e qual o seu sentido e alcance depende a despeito de uma série de elementos comuns e que correspondem consoante igualmente já se teve oportunidade de sinalar em maior ou menor medida à tradição já enraizada no âmbito do constitucionalismo contemporâneo do direito constitucional positivo de cada Estado visto que a opção poderá ser por um sistema mais ou menos complexo e diferenciado de limitações No caso do sistema constitucional brasileiro a previsão de limites à reforma constitucional se faz presente desde a Constituição Imperial de 1824 que ainda que enquadrada na categoria de uma constituição semirrígida estipulava um quórum qualificado para a alteração de algumas matérias específicas da Constituição designadamente a que se referia aos limites e atribuições dos poderes políticos assim como à garantia dos direitos individuais dos cidadãos art 178 da Constituição do Império A primeira Constituição republicana de 1891 além de limitações formais consagrava como elemento material imutável a forma republicano federativa ou a igualdade de representação dos Estados no Senado Federal art 90 4º A Constituição de 1934 dispunha como cláusulas de eternidade além da forma republicana e federativa de Estado a organização ou a competência dos poderes da soberania incluindo a coordenação dos poderes na organização federal a declaração de direitos e a autorização do Poder Legislativo para declarar estado de sítio além do próprio artigo que dispunha sobre a emenda e a revisão constitucional art 178 caput No que diz com os limites formais a iniciativa do projeto de emenda era reservada a pelo menos um quarto dos membros da Câmara ou do Senado Federal ou de mais da metade dos Estados manifestandose cada uma das unidades federativas pela maioria da respectiva assembleia A aprovação se dava pela maioria absoluta dos membros da Câmara dos Deputados e do Senado Federal em dois turnos de discussão A Constituição de 1946 manteve tanto o quórum qualificado para a alteração da Constituição como a impossibilidade de projeto de emenda tendente a abolir a Federação e a República art 217 6º A Carta de 1967 com redação amplamente reformada pela EC 11969 previa tão somente a república e a federação como limites materiais à reforma constitucional A Constituição Federal de 1988 por sua vez pode ser considerada pelo menos no contexto da evolução brasileira a que instituiu um leque de limites mais amplo e exigente especialmente no plano dos assim chamados limites materiais que serão objeto de exame mais detido logo adiante Com efeito além dos já referidos limites materiais convencionalmente designados de cláusulas pétreas existem os limites de ordem formal de caráter precipuamente procedimental bem como os limites circunstanciais e os chamados limites temporais Considerando que os limites formais possuem um caráter geral visto que se aplicam a toda e qualquer alteração de uma constituição rígida serão eles os primeiros a serem apresentados em detalhe 5742 Limites formais Na esfera dos limites formais que dizem respeito ao procedimento da reforma iniciativa deliberação aprovação etc a nossa Constituição optou por adotar um modelo relativamente severo enfatizando assim ainda mais o seu caráter rígido 283 Além de regras mais rigorosas sobre a iniciativa das emendas art 60 I a III cumpre destacar a necessidade de uma aprovação em dois turnos por maioria de 35 em ambas as Casas do Congresso art 60 2º impondose também a promulgação das emendas com a indicação de seu respectivo número de ordem art 60 3º sendo vedada ademais a reapresentação na mesma sessão legislativa de proposta de emenda nela rejeitada ou tida por prejudicada art 60 5º Tais regras limitativas da reforma da Constituição se referem em primeira linha à noção de constituição em sentido formal que dentre outros aspectos pode ser caracterizada justamente com base na nota de sua rigidez 284 Isso como é sabido não exclui a existência das assim denominadas mutações constitucionais informais isto é o desenvolvimento não escrito do direito constitucional no sentido material ao longo do tempo principalmente por meio da interpretação judicial legislativa e administrativa e do costume constitucional que também entre nós é reconhecido pela doutrina majoritária desde que se mantenha no âmbito dos limites traçados pelo possível sentido textual da Constituição que não pode ser extrapolado 285 temática que em que pese sua importância aqui não será objeto de maior desenvolvimento visto já ter sido enfrentada Até que ponto é possível sustentar também entre nós a proibição de emendas à Constituição que não façam expressa menção ao dispositivo constitucional modificado ou ampliado postulado da alteração textual é passível de discussão já que o constituinte de 1988 não previu norma semelhante à contida no art 79 I da Lei Fundamental da Alemanha de acordo com o qual a Lei Fundamental somente poderá ser modificada mediante uma lei que altere ou amplie expressamente o seu sentido literal dispositivo com o qual se objetivou a garantia da supremacia do direito constitucional formal já que o conteúdo do direito constitucional deve ser em primeira linha extraído do documento no qual foi positivado 286 Assim as emendas à Constituição que dela se afastam e que não alteram o texto constitucional deverão ser tidas como inconstitucionais ainda que elaboradas de acordo com o procedimento próprio e aprovadas pela maioria qualificada no caso da Alemanha de 23 prevista na Constituição de tal sorte que a alteração pura e simples do conteúdo da Constituição se encontra vedada 287 Com tal restrição de cunho formal os pais da Lei Fundamental de 1949 tiveram a intenção de evitar as graves consequências do sistema adotado sob a égide da Constituição de Weimar 1919 no qual alterações da Constituição sem a respectiva modificação de seu texto eram toleradas ainda que frontalmente colidentes com os dispositivos constitucionais desde que aprovadas pela maioria qualificada exigida para as reformas da Constituição 288 Entre nós ainda que a Constituição não contenha dispositivo similar é de se registrar no âmbito dos limites formais a necessidade de que a emenda seja promulgada pelas Mesas da Câmara e do Senado Federal com o respectivo número de ordem art 60 3º Quanto ao primeiro grupo dos limites formais no caso os limites relacionados à iniciativa da reforma constitucional os assim chamados limites formais subjetivos 289 que dizem respeito aos legitimados para impulsionar o processo as regras estabelecidas no art 60 I a III da CF não deixam em geral maior margem a dúvidas Com efeito dispõe o citado dispositivo que a Constituição só poderá ser emendada mediante proposta I de um terço no mínimo dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal II do Presidente da República e III de mais da metade das Assembleias Legislativas das unidades da Federação manifestandose cada uma delas pela maioria relativa de seus membros Todavia muito embora quanto aos três casos elencados não se verifiquem maiores problemas é possível controverter em torno do caráter taxativo ou apenas exemplificativo do elenco de atores aptos a encaminhar um projeto de emenda constitucional A hipótese mais discutida gira em torno da possibilidade de o povo por meio da iniciativa popular apresentar uma proposta de emenda à Constituição Posicionandose em sentido contrário situase a corrente majoritária que atrelada ao texto literal da Constituição não admite a possibilidade de estender a legitimidade popular legislativa relativamente à propositura de emendas constitucionais 290 Já para José Afonso da Silva a iniciativa popular para proposta de emenda constitucional pode ser reconhecida a partir de uma interpretação sistemática a partir da combinação do art 1º parágrafo único e dos arts 14 e 61 2º da CF articulada com normas gerais e princípios fundamentais da Constituição especialmente no que diz com o fundamento popular para a legitimidade do poder apesar de tal tipo de iniciativa popular estar disciplinado apenas em relação às leis ordinárias art 61 2º da CF 291 A argumentação favorável à propositura de projetos de emenda constitucional mediante iniciativa popular poderia encontrar reforço no fato de que os mecanismos de democracia direta inseridos no texto constitucional constituem também modos de invocar a manifestação do próprio titular do poder constituinte reforçando por conseguinte a própria legitimidade democrática do processo de emenda constitucional e por sua vez a legitimidade das alterações de conteúdo promovidas ainda mais que as emendas inclusive as eventualmente propostas mediante iniciativa popular segue submetida a um conjunto de limitações de ordem formal material e circunstancial De qualquer sorte reiterese tratase de tópico polêmico que aqui poderá apenas ser tangenciado No que tange aos limites formais de caráter objetivo estes abarcam os requisitos estabelecidos no art 60 2º 3º e 5º da CF Seguramente os limites mais importantes são os que dispõem sobre o processo de deliberação das emendas constitucionais no âmbito do Congresso Nacional Com efeito de acordo com o art 60 2º da CF a proposta de emenda constitucional será discutida e votada em cada casa do Congresso Nacional em dois turnos considerandose aprovada se obtiver em ambos três quintos dos votos dos respectivos membros Todavia muito embora a aparente clareza do texto constitucional existem alguns aspectos dignos de atenção e que de resto têm gerado alguma controvérsia doutrinária e mesmo jurisprudencial Uma primeira observação que deve ser feita prendese ao fato de que não se admite uma alternância entre as duas Casas do Congresso isto é se a emenda for apresentada na Câmara dos Deputados lá deve ser submetida a dois turnos de votação e somente em sendo aprovada por maioria de 35 dos respectivos membros da Câmara dos Deputados em cada turno de votação portanto a maioria qualificada deverá ser obtida em cada Casa em cada um dos dois turnos será remetida ao Senado para lá então ser submetida ao mesmo rito Outro ponto controvertido e que tem ocupado vez por outra o STF diz respeito a eventual fraude em relação ao procedimento acima relatado especialmente quando no âmbito de uma mesma Casa do Congresso ou mesmo quando da votação na outra Casa são inseridas alterações no texto original do projeto de emenda constitucional Nesse sentido para que o procedimento não seja eivado de inconstitucionalidade é necessário que em ocorrendo modificação do texto em uma das Casas Legislativas a proposta de emenda retorne à outra para votação Nada obstante o Supremo Tribunal Federal já decidiu no sentido de que apenas quando há alteração substancial do texto ou seja uma reforma que modifique o conteúdo da proposta o projeto deverá retornar à Casa de origem 292 Quanto ao disposto no art 60 3º da CF já referido em outro contexto cuidase novamente de regra bastante singela mas que agrega rigor ao processo de reforma constitucional permitindo de resto maior controle do fluxo das emendas além de assegurar maior independência do Congresso Nacional em relação ao Poder Executivo De acordo com a expressão literal do citado dispositivo a emenda à Constituição será promulgada pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal com o respectivo número de ordem A previsão de que a emenda será promulgada pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal indica desde logo que o Presidente da República não participa do ato visto que não dispõe nem da prerrogativa de sancionar as emendas constitucionais nem da possibilidade de opor o seu veto apenas sendo dotado da legitimidade ativa ou seja da possibilidade de apresentar um projeto de emenda constitucional Além disso a aprovação das emendas pelo Congresso Nacional ocorre apenas mediante sessão conjunta da Câmara dos Deputados e do Senado portanto por meio das Mesas de ambas as Casas e não da Mesa do Congresso Nacional Assim sendo percebese que os requisitos formais estabelecidos no art 60 I a III bem como nos 2º e 3º implicam uma legitimidade democrática reforçada e por outro lado uma maior autonomia do Poder Legislativo em relação ao chefe do Poder Executivo cuja capacidade de intervenção no processo legislativo é limitada em relação ao que ocorre no âmbito das demais formas legislativas onde não apenas há necessidade da sanção presidencial como existe a possibilidade de um veto por parte do Presidente da República aspectos que serão devidamente aprofundados na parte deste curso sobre o Poder Legislativo Para além dos limites formais procedimentais apresentados há que se registrar o fato de que a Constituição Federal não estabelece restrições nem no que tange ao número de emendas a serem editadas nem quanto ao prazo de sua elaboração o que deflui exatamente da ausência de um limite expressamente fixado quanto a tais aspectos Todavia de acordo com o disposto no art 60 5º da CF a matéria constante de proposta de emenda constitucional rejeitada ou havida ou tida como prejudicada não poderá ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa Assim considerando a dicção do art 60 5º da CF colocase o problema de saber se tal dispositivo prevê um limite de natureza temporal ou se tal limitação se enquadra na categoria dos limites formais Para José Afonso da Silva tal limitação ao poder de reforma se enquadraria no âmbito dos limites formais haja vista a não previsão de limites temporais na Constituição de 1988 293 Já Luís Roberto Barroso advoga que a norma contida no art 60 5º da CF constitui uma limitação temporal peremptória com o fito de racionalizar o processo legislativo 294 Independentemente de tal controvérsia que não nos parece deve ser superestimada o que importa fixar é que com tal expediente se buscou evitar um abuso quanto ao número de emendas constitucionais e reduzir a instabilidade gerada pela reapresentação sucessiva de emendas com o mesmo conteúdo Além disso importa recordar que a sessão legislativa não guarda coincidência com o ano do calendário 1º de janeiro a 31 de dezembro visto que a teor do art 57 da CF o Congresso Nacional estará reunido de regra ressalvadas convocações extraordinárias entre 2 de fevereiro e 17 de julho e entre 1º de agosto e 22 de dezembro de cada ano de tal sorte que o mês de janeiro integra o ano legislativo anterior Por derradeiro ainda no que concerne ao art 60 5º calha referir precedente do STF no âmbito do qual foi afirmada a existência de direito público subjetivo no sentido de não serem os congressistas obrigados a votar proposta de emenda constitucional que tiver violado o citado dispositivo 295 Por derradeiro de grande relevância especialmente no direito brasileiro visto que no direito comparado são poucas as experiências concretas de controle judicial de reformas constitucionais é a circunstância de que a desconsideração dos limites formais à reforma implica possibilidade de intervenção judicial registrandose inclusive alguns casos em que tal matéria foi submetida ao crivo do STF além de discutida na esfera doutrinária De fato o STF já se pronunciou diversas vezes afirmando a possibilidade de controle constitucional do processo de tramitação de emendas constitucionais não se tratando pura e simplesmente de procedimento regimental interno do Poder Legislativo 296 Além disso é preciso levar em conta que sem a possibilidade de controle jurisdicional no que diz com o cumprimento das exigências decorrentes dos limites à reforma tais limitações sejam elas de caráter formal sejam elas de natureza material ou circunstancial embora impostas pelo poder constituinte teriam sua relevância prática significativamente afetada 297 Tal controle jurisdicional como também dá conta a evolução da jurisprudência constitucional brasileira poderá a depender do caso ser pela via do controle concreto de regra incidental e difuso e pela via do controle abstrato portanto concentrado questões que serão objeto de exame mais detido no capítulo sobre o objeto do controle de constitucionalidade 5743 Limites circunstanciais Além de todo o complexo de limitações de ordem formal já apresentadas o constituinte de 1988 vedou a realização de emendas à Constituição durante intervenção federal nos Estados membros da Federação bem como na vigência dos estados de defesa ou de sítio art 60 1º o que se justifica principalmente pelo fato de que nestas situações anômalas caracterizadas por um maior ou menor grau de intranquilidade institucional poderia ficar perturbada a livre manifestação dos órgãos incumbidos da reforma e em decorrência a própria legitimidade das alterações 298 Exemplo típico dessa modalidade de limitação era o art 94 da Constituição francesa de 1946 proibindo qualquer espécie de revisão constitucional em caso de ocupação do território nacional influenciada inequivocamente pelo período histórico de ocupação nazista e da consequente instauração do governo colaboracionista de Vichy 299 Uma observação importante diz respeito à situação das emendas constitucionais em tramitação no Congresso Nacional quando da instauração de uma das situações referidas no art 60 1º da CF quais sejam a intervenção federal o estado de sítio ou o estado de defesa Da mesma forma há que indagar sobre a possibilidade de iniciar o processo legislativo isto é de encaminhar um projeto de emenda constitucional durante a vigência de uma das hipóteses e apenas postergar aguardando o término do estado de exceção constitucional a votação do projeto Há que considerar para tanto que a teor do art 60 1º da CF a Constituição não poderá ser emendada na vigência de intervenção federal de estado de defesa ou estado de sítio redação que não afasta pelo menos não expressamente a possibilidade de a iniciativa apresentação da proposta ocorrer na pendência das circunstâncias elencadas no referido dispositivo visto que este poderseá sustentar veda apenas que as emendas sejam aprovadas e promulgadas neste período mas não outros atos relacionados ao trâmite da emenda 300 Todavia em que pese tal linha argumentativa não esteja em conflito direto com o teor literal do art 60 1º da CF entendemos que a melhor alternativa é a que veda a realização de qualquer ato que envolva desde a iniciativa o processo legislativo reformador salvo quando já iniciado hipótese na qual a tramitação da emenda deverá ser imediatamente suspensa aguardandose o final do período de exceção Tal exegese salvo melhor juízo é a que mais se harmoniza com o maior nível de proteção da ordem constitucional e portanto da própria ordem democrática Ainda que boa parte da doutrina como já referido prefira incluir essas normas no grupo dos limites circunstanciais entendemos que seu enquadramento na categoria dos limites temporais não se revela incorreto já que estes tomados num sentido mais abrangente dizem com a fixação de prazos e oportunidades para a reforma 301 De qualquer modo parecenos que tal divergência não assume maior relevância prática de tal sorte que renunciamos desde já a um exame mais detalhado deste aspecto O que poderá sim assumir relevância teórica e prática é a discussão em torno da possibilidade de se reconhecer limites circunstanciais implícitos à reforma constitucional tópico que não tem sido desenvolvido na doutrina mas que se revela particularmente atual quando se examina o quadro de crise político institucional e econômica vivenciado tanto pelo Brasil quanto por outros Estados Em sintonia com o que já tivemos oportunidade de sugerir e discutir em ocasião anterior embora sem maior aprofundamento 302 é de no mínimo considerar que em casos de aguda crise políticoinstitucional marcada por expressiva instabilidade e desprestígio das instituições e crise de confiança nos atores estatais somada por vezes a uma crise econômica e pressão de atores econômicos poderosos emendas constitucionais de maior expressão notadamente que impliquem reformas que afetam setores inteiros da população impacto sobre direitos fundamentais ou mesmo ajustes importantes no desenho estrutural e organizatório do Estado não devem ser objeto de deliberação pelo Congresso Com efeito quadros dessa natureza por exemplo governo com baixíssimo índice de aprovação popular expressiva parte dos integrantes do Poder Legislativo e mesmo do Executivo investigados e processados criminalmente impeachment e chefia do Executivo exercida em caráter precário aguardando novas eleições 303 revelamse em regra mais gravosos que a figura da intervenção federal um dos limites circunstanciais enunciados no art 61 da CF pois esta poderá ocorrer em situações que não têm o condão de interferir e eventualmente perturbar processos de alteração da constituição como é o caso da intervenção em virtude da falta de cumprimento de decisões judiciais entre outras É claro e isso não se deixa de reconhecer que a tese da existência de limites circunstanciais implícitos não é fácil de agasalhar do ponto de vista jurídicoconstitucional pois ela mesma poderá ser impugnada por inibidora da deliberação democrática no caso de reformas constitucionais efetivamente necessárias Além disso correse sério risco de transferir ainda mais poder à Jurisdição Constitucional para definir em concreto quando se estará em face de um limite circunstancial implícito e qual o seu período de vigência Assim se a hipótese de se reconhecer em casos pontuais e excepcionais limites circunstanciais implícitos de fato é questionável embora atrativa quanto ao seu desiderato o mínimo que se pode esperar é uma postura de autocontenção self restraint por parte do Congresso Nacional no que diz com reformas substanciais da CF em períodos de notória crise de estabilidade e políticoinstitucional Pelo menos é de se apostar na utilização das figuras do Plebiscito ou do Referendo art 14 da CF garantias políticas fundamentais de participação direta do cidadão de modo que as reformas sejam submetidas ao crivo da cidadania e objeto de amplo debate na esfera pública muito embora também aqui as circunstâncias poderiam justificar a objeção do uso plebiscitário populista e oportunista de tais mecanismos participativos De outra parte se na pendência dos estados de exceção constitucional expressamente estabelecidos é inviável entre nós promover qualquer reforma constitucional na hipótese de se admitir limites circunstanciais implícitos faz sentido inclusive em homenagem ao primado da soberania popular que a depender do caso possam ser permitidas emendas pontuais absolutamente indispensáveis para resolver problemas de largo impacto em especial para a proteção de direitos e garantias fundamentais mas sempre em caráter temporário destinadas a perder a eficácia uma vez superado o período de exceção que as motivou eventualmente passíveis de chancela posterior observados os rigores limites formal e materiais legitimadores de uma emenda constitucional Para ilustrar a afirmação com exemplo extraído da prática política brasileira é possível invocar a EC 1062020 que instituiu um regime financeiro além de orçamentário e de contratações extraordinário limitando sua vigência ao tempo de manutenção do estado de calamidade pública decretado pelo Congresso Nacional Ainda assim a regra a ser observada deverá sempre ser a de interditar emendas constitucionais oportunistas e que coloquem em risco a ordem constitucional democrática o que exige ainda maior atenção em estados de instabilidade e anormalidade político institucionaleconômicosocial durante os quais o risco de aprovação de uma reforma da CF que não seria aprovada em condições de normalidade é real e mesmo elevado 304 De todo modo não se trata aqui de desenvolver uma posição conclusiva sobre o ponto que demandaria muito maior digressão e fundamentação mas de contribuir para a reflexão sobre o tema e sobre as possibilidades e os limites políticos e jurídicos de promover mudanças constitucionais significativas em determinadas circunstâncias não expressamente elencadas no rol do art 61 da CF 5744 O problema dos limites materiais as assim chamadas cláusulas pétreas 57441 Natureza e significado dos limites materiais Os assim chamados limites materiais à reforma da Constituição objetivam assegurar a permanência de determinados conteúdos da Constituição em virtude de sua relevância para a própria identidade da ordem constitucional conteúdos que na formulação de John Rawls constituem os elementos constitucionais essenciais 305 Nesse sentido já se observou que em virtude da ausência de uma fonte jurídicopositiva em suma de uma norma superior que lhe sirva de fundamento de validade a vedação de certas alterações da Constituição tem os seus olhos sempre voltados para o futuro já que o núcleo da Constituição atual de certa forma adquirindo permanência passa a ser vigente também no futuro 306 Nesse contexto e tomandose o sistema jurídico como uma rede hierarquizada de princípios e regras em cujo centro encontra se a Constituição verificase na esteira do magistério de Alexandre Pasqualini que todo sistema jurídico sem prejuízo de sua simultânea abertura material e estabilidade reclama um núcleo de constante fixidez cláusulas pétreas capaz de governar os rumos legislativos e hermenêuticos não apenas dos poderes constituídos mas da própria sociedade como um todo 307 A existência de limites materiais justificase portanto em face da necessidade de preservar as decisões fundamentais do constituinte evitando que uma reforma ampla e ilimitada possa desembocar na destruição da ordem constitucional de tal sorte que por detrás da previsão desses limites materiais se encontra a tensão dialética e dinâmica que caracteriza a relação entre a necessidade de preservação da Constituição e os reclamos no sentido de sua alteração 308 Em termos gerais o reconhecimento de limitações de cunho material significa que o conteúdo da Constituição não se encontra à disposição plena do legislador mesmo que este atue por meio de uma maioria qualificada sendo necessário por um lado que se impeça uma vinculação inexorável e definitiva das futuras gerações às concepções do constituinte ao mesmo tempo em que se garanta às constituições a realização de seus fins 309 Tal constatação aliás não representa nenhuma novidade e já era sustentada ao tempo do surgimento das primeiras constituições e das teorias a respeito do poder constituinte Com efeito nos Estados Unidos da América Thomas Jefferson e Thomas Paine pregavam a impossibilidade de os mortos poderem por intermédio da Constituição impor sua vontade aos vivos Na França o art 28 da efêmera mas mesmo assim paradigmática Constituição de 1793 estabelecia que um povo sempre tem o direito de revisar reformar e alterar sua Constituição Uma geração não pode submeter as gerações futuras às suas leis 310 Que dessas assertivas não há como deduzir que a Constituição possa ser suprimida pelas legislaturas ordinárias mesmo mediante o procedimento agravado da reforma nos parece elementar Com efeito de acordo com o magistério sempre atual de Konrad Hesse se é certo que uma ordem constitucional não pode continuar em vigor por meio da vedação de determinadas reformas caso ela já tenha perdido a sua força normativa também é verdade que ela não poderá alcançar as suas metas caso esteja à disposição plena dos poderes constituídos 311 Verificase portanto que o problema dos limites materiais à reforma constitucional passa inexoravelmente pelo equacionamento de duas variáveis quais sejam a permanência e a mudança da Constituição Com efeito se a imutabilidade da Constituição acarreta o risco de uma ruptura da ordem constitucional em virtude do inevitável aprofundamento do descompasso em relação à realidade social econômica política e cultural a garantia de certos conteúdos essenciais protege a Constituição contra os casuísmos da política e o absolutismo das maiorias mesmo qualificadas parlamentares Nesse contexto verificase que já estas sumárias considerações evidenciam o quanto o problema dos limites à reforma constitucional mais especialmente a questão da existência conteúdo e alcance eficácia dos assim designados limites materiais cláusulas pétreas guarda íntima conexão e implica uma forte tensão relativamente ao princípio democrático o que todavia aqui não será objeto de desenvolvimento mas nem por isso deixa de ser absolutamente relevante 312 Os limites à reforma constitucional de modo especial os de cunho material traçam neste sentido a distinção entre o desenvolvimento constitucional e a ruptura da ordem constitucional por métodos ilegítimos não tendo porém o condão de impedir mas de evitar a frustração da vontade da Constituição nem o de proibir o recurso à revolução podendo em todo caso retirarlhe à revolução a máscara da legalidade 313 Nesse contexto sustentase também no âmbito da doutrina brasileira que uma reforma constitucional não poderá jamais ameaçar a identidade e a continuidade da Constituição de tal sorte que a existência de limites materiais expressos exerce função de proteção obstaculizando não apenas a destruição da ordem constitucional mas além disso vedando também a reforma de seus elementos essenciais 314 A prova da íntima relação entre os limites materiais à reforma constitucional e a identidade 315 da Constituição reside no fato de que de regra os princípios fundamentais os direitos fundamentais bem como a forma de Estado e de governo se encontram sob o manto desta especial proteção contra sua alteração e esvaziamento por parte do poder constituinte reformador 316 o que também ocorre na Constituição Federal de 1988 317 De acordo com Gilmar Mendes o fato de o constituinte poder constituinte originário ter considerado certos conteúdos tão relevantes a ponto de colocálos sob a proteção das cláusulas pétreas leva à constatação de que justamente nestes dispositivos se encontram ancorados os elementos e princípios essenciais da ordem constitucional 318 Daí a razão de se distinguir entre limites expressos explícitos à reforma constitucional e limites implícitos ponto a ser examinado logo a seguir 57442 Espécies de limitações materiais ao poder de reforma a Limites explícitos expressos Quanto à abrangência do rol dos limites materiais explícitos art 60 4º da CF verificase como já ressaltado um avanço relativamente ao direito constitucional pátrio anterior já que significativo o número de princípios e decisões fundamentais protegidos princípio federativo democrático separação de poderes e direitos e garantias fundamentais Notese neste contexto a ausência de uma hierarquia predeterminada entre estes valores essenciais da nossa ordem constitucional o que não afasta a possibilidade de concorrências e colisões que à luz do caso concreto deverão ser solvidas mediante as regras aplicáveis nestas hipóteses buscandose sempre um equilíbrio entre os valores em pauta 319 Por outro lado a existência de limites materiais expressamente previstos na Constituição habitualmente denominados cláusulas pétreas ou garantias de eternidade não exclui por sua vez pelo menos não necessariamente outras limitações desta natureza que por não consagradas no texto constitucional costumam ser qualificadas como limites materiais implícitos não escritos tópico que pela sua relevância será objeto de exame em segmento distinto logo na sequência 320 Os limites materiais expressos no sentido daqueles dispositivos e conteúdos que por decisão expressamente inscrita no texto constitucional originário não podem ser objeto de supressão pelo poder de reforma correspondem como já frisado a uma decisão prévia e vinculante por parte do constituinte no sentido de demarcar a identidade constitucional estabelecendo em seu favor uma garantia de permanência enquanto viger a ordem constitucional No caso da Constituição Federal os limites materiais expressos foram enunciados no art 60 4º I a IV quais sejam a a forma federativa de Estado b o voto direto secreto universal e periódico c a separação de poderes d os direitos e garantias individuais A simples leitura dos incisos do art 60 4º da CF já revela que cada uma das cláusulas pétreas ainda que individualmente considerada diz respeito a um conjunto mais abrangente de dispositivos e normas da Constituição o que resulta ainda mais evidente quando se está em face de uma emenda constitucional concreta que ao alterar o texto da Constituição poderá afetar mesmo sem referência direta a uma das cláusulas pétreas algum ou alguns dos limites materiais Levando em conta que quanto ao seu conceito e conteúdo os conteúdos blindados por conta dos limites materiais já foram eou serão objeto de explicitação ao longo deste Curso o que aqui importa enfatizar é precisamente o fato de que os limites materiais protegem tomando como exemplo a forma federativa de Estado não apenas o dispositivo constitucional que enuncia a Federação art 1º da CF mas todo o complexo de dispositivos e normas correspondentes que dão à forma federativa de Estado os seus contornos nucleares Assim deixaremos aqui de adentrar no plano conceitual até mesmo pelo fato de os aspectos mais polêmicos serem tratados no plano da amplitude da proteção efetivamente assegurada por conta dos limites materiais aspecto a ser enfrentado logo adiante Antes todavia algumas notas sobre os limites materiais implícitos b Os assim chamados limites materiais implícitos Também no Brasil a doutrina majoritária reconhece a existência para além dos limites expressamente positivados na Constituição de limites materiais implícitos à reforma constitucional não se registrando contudo unanimidade a respeito de quais sejam exatamente estes limites 321 Nessa perspectiva Manoel Gonçalves Ferreira Filho refere as lições dos constitucionalistas norte americanos Joseph Story e Thomas Cooley ambos do século XIX salientando que o primeiro sustentava que a Federação não poderia ser abolida por meio de uma reforma constitucional ao passo que o segundo além de desenvolver esta mesma ideia advogava o ponto de vista de acordo com o qual o espírito da Constituição traçava certos limites implícitos às alterações da Constituição 322 A elaboração doutrinária dos limites implícitos costuma também ser reconduzida ao pensamento de Carl Schmitt já que este entendia ser desnecessária a declaração expressa da inalterabilidade de determinados princípios na medida em que a identidade da Constituição jamais poderia vir a ser destruída por uma reforma constitucional 323 Outro argumento em favor do reconhecimento dos limites implícitos é esgrimido por Gomes Canotilho que chama a atenção para o risco de as constituições especialmente as que não contêm limitações expressas cláusulas pétreas se transformarem em constituições provisórias verdadeiras constituições em branco à mercê da discricionariedade do poder reformador 324 Todavia se as razões em favor da existência de limites implícitos devem prevalecer também há que dar razão aos que sustentam que a construção de uma teoria dos limites implícitos à reforma constitucional apenas pode ser efetuada à luz de determinada ordem constitucional isto é do direito constitucional positivo no sentido de que as limitações implícitas deveriam ser deduzidas diretamente da constituição considerandose especialmente os princípios cuja abolição ou restrição poderia implicar a ruptura da própria ordem constitucional 325 Nesta perspectiva Karl Loewenstein que neste mesmo contexto prefere falar em limites tácitos ou imanentes destaca que nessas hipóteses a proibição da reforma decorre do espírito do telos da constituição independentemente de uma proclamação expressa 326 Por outro lado importa sublinhar pelo fato de serem diretamente extraídos de uma constituição concreta aos limites materiais implícitos pode ser atribuída a mesma força jurídica dos limites expressos razão pela qual asseguram à constituição ao menos em princípio o mesmo nível de proteção 327 Entre os limites implícitos que harmonizam com o direito constitucional positivo brasileiro há que destacar em primeiro plano a impossibilidade de procederse a uma reforma total ou pelo menos que tenha por objeto a supressão dos princípios fundamentais de nossa ordem constitucional 328 Aliás aplicandose efetivamente este princípio inalterabilidade da identidade da Constituição até mesmo a existência de limites expressos parece dispensável já que os princípios e direitos fundamentais assim como as decisões essenciais sobre a forma de Estado e de governo fatalmente não poderiam ser objeto de abolição ou esvaziamento Poderseá sustentar na esteira deste entendimento que os princípios fundamentais do Título I da nossa Constituição integram pelo menos em parte o elenco dos limites materiais implícitos ressaltandose todavia que boa parte deles já foi contemplada no rol das cláusulas pétreas do art 60 4º da CF Com efeito não se afigura razoável o entendimento de que a Federação e o princípio da separação dos poderes encontramse protegidos contra o poder reformador mas que o princípio da dignidade da pessoa humana não tenha sido subtraído à disposição do legislador Com efeito a inclusão do princípio da dignidade da pessoa humana no rol dos limites materiais à reforma constitucional não apenas constitui exigência de seu lugar privilegiado no âmbito dos princípios fundamentais e estruturantes do Estado Democrático de Direito mas também se justifica em virtude de sua relação com os direitos e garantias fundamentais aspecto que ainda será objeto de atenção adicional Também a tese amplamente aceita em favor da impossibilidade de supressão ou esvaziamento da forma republicana de governo e mesmo do sistema presidencialista é de ser levada a sério e merece acolhida de modo especial no que diz com a República Neste sentido argumentase que a partir da consulta popular efetuada em abril de 1993 a República e o Presidencialismo mas especialmente a primeira passaram a corresponder à vontade expressa e diretamente manifestada do titular do poder constituinte não se encontrando portanto à disposição do poder de reforma da Constituição 329 Ressaltese neste contexto que a decisão tomada pelo constituinte no sentido de não enquadrar estas decisões fundamentais no rol das cláusulas pétreas art 60 4º somada à previsão de um plebiscito sobre esta matéria autoriza a conclusão de que se pretendeu conscientemente deixar para o povo titular do poder constituinte esta opção 330 Já no que diz com os direitos e garantias fundamentais que atualmente constituem limite material expresso art 60 4º IV da CF não subsistem em princípio razões para continuar a considerálos pelo menos não em toda a sua extensão limites implícitos a exemplo do que ocorria no constitucionalismo pretérito 331 Isso não afasta todavia a controvérsia relativamente acirrada entre nós notadamente na esfera doutrinária em torno do fato de que todos os direitos fundamentais ou apenas uma parte desses direitos são limites materiais expressos ou mesmo implícitos à reforma destacandose aqui o problema dos direitos sociais que de acordo com parte da doutrina não comungam de tal condição não integrando nem os limites expressos direitos e garantias individuais nem podendo ser enquadrados na condição de limites implícitos Todavia para evitar repetições desnecessárias e considerando a relevância da controvérsia em termos teóricos e práticos o problema de até que ponto os direitos fundamentais constituem limites materiais à reforma constitucional será versado em apartado logo adiante c O problema da assim chamada dupla revisão ou dupla reforma constitucional Aspecto que assume relevo no âmbito dos assim denominados limites materiais implícitos diz com a possibilidade ou não de se alterarem e até mesmo de se eliminarem por meio de uma reforma constitucional as próprias disposições da Constituição que versam sobre a reforma especialmente mas não exclusivamente as que estabelecem os limites materiais Cuidase em suma daquilo que boa parte da doutrina convencionou denominar tese da dupla revisão e que Vital Moreira preferiu chamar de teoria da revisibilidade das cláusulas proibitivas de revisão 332 Como se pretende demonstrar ainda que de modo sumário a tese da assim chamada dupla revisão é nas palavras de Pedro de Vega tão engenhosa quanto insustentável 333 Com efeito a despeito de não se registrar um consenso a respeito verificase que ao menos no Brasil a doutrina majoritária se posiciona a favor do reconhecimento de um limite implícito imposto à competência reformadora impedindo alterações substanciais nas normas que estabelecem os limites à reforma de nossa Lei Fundamental 334 Os defensores desta concepção partem da premissa de que em sendo possibilitada a reforma dos limites expressos de modo especial no que diz com as cláusulas pétreas se acabaria por autorizar a realização pelo legislador de uma reforma global que por sua vez poderia conduzir a uma destruição da identidade da ordem constitucional razão pela qual há quem se pergunte até que ponto é possível ao legislador investido do poder de reformar a Constituição alterar ou abolir algo expressamente tido por intangível pelo constituinte 335 Para uma melhor compreensão da figura da dupla revisão é possível invocar o seguinte exemplo hipotético considerando que o voto secreto é expressamente protegido como limite material à reforma no art 60 4º II da CF poderseia imaginar a propositura de uma emenda constitucional que tivesse por objeto a exclusão do voto secreto do elenco das cláusulas pétreas Uma vez levada a efeito tal alteração mediante uma segunda emenda constitucional o voto secreto seria suprimido do texto constitucional já que não mais protegido na condição de limite material à reforma É precisamente por tal razão que a dupla revisão tem sido considerada também uma modalidade de fraude à Constituição e uma forma de permitir que a competência ou seja o poder de reforma altere os limites que expressamente lhe estabeleceu o constituinte O poder de reforma na condição de poder constituído não pode alterar as normas que definem os limites de sua competência sob pena de se guindar ilegitimamente à posição do poder constituinte ressalvadas evidentemente as hipóteses nas quais a Constituição autoriza expressamente a modificação eou supressão das cláusulas sobre os limites da reforma o que também se aplica aos limites formais e temporais circunstanciais em face do risco de uma flexibilização da rigidez constitucional 336 Além disso sustenta se que a imutabilidade das normas sobre os limites da reforma constitucional corresponde a uma exigência da lógica normativa no sentido de que não apenas os princípios erigidos expressamente à condição de limites materiais mas também as próprias cláusulas pétreas não podem ser objeto de alteração ou abolição de tal sorte que as cláusulas pétreas além de assegurarem a identidade da Constituição podem ser elas próprias consideradas parte integrante desta identidade 337 Ainda neste contexto cumpre destacar a lição de Gomes Canotilho para quem as normas de revisão pelo fato de atestarem a superioridade do Constituinte podem ser qua lificadas como normas superconstitucionais cuja violação acaba por situarse nos limites de uma ruptura constitucional 338 Para formular a questão de um modo mais drástico aceitar a tese da dupla revisão equivaleria a reconhecer que a própria Constituição caso admitisse a sua autossubversão estaria admitindo sua destruição portanto e de certo modo dando margem ao seu suicídio 339 Em que pese a doutrina majoritária ter adotado a tese da inalterabilidade ou pelo menos da impossibilidade de supressão ou esvaziamento das cláusulas sobre os limites da reforma constitucional não faltam argumentos em sentido contrário Com efeito já sob a égide da Constituição Federal houve até mesmo quem sustentasse a possibilidade de uma dupla revisão alteração das normas sobre os limites à reforma constitucional e posterior modificação ou abolição dos princípios originalmente protegidos argumentando que a Constituição de 1988 nada mais é do que uma reforma abrangente da Constituição de 19671969 já que elaborada pelo Congresso Nacional e não por uma Assembleia Nacional Constituinte autônoma e exclusiva 340 Este último argumento salvo melhor juízo não merece acolhida já que não leva em consideração o fato de que o Congresso Constituinte de 19871988 além de direta e livremente eleito para a elaboração ainda que não em caráter exclusivo de uma nova Constituição não esteve sujeito a outras pressões ou condicionamentos que não os inerentes ao amplo debate e discussão que caracterizaram o nosso processo constituinte 341 Embora a assim chamada dupla revisão esteja vedada à vista dos argumentos colacionados e de acordo com a doutrina dominante resta contudo a pertinente preocupação com a petrificação da ordem constitucional justificando a elaboração de propostas de cunho conciliatório sustentando que as cláusulas pétreas não podem ser compreendidas como limites absolutos à reforma da Constituição já que é necessário alcançarse certo equilíbrio entre a indispensável estabilidade constitucional e a necessária adaptabilidade da Constituição à realidade não sendo exigível que as gerações futuras fiquem eternamente vinculadas a determinados princípios e valores consagrados pelo constituinte em determinado momento histórico o que em outras palavras significaria chancelar os já referidos temores de Thomas Jefferson no sentido de que os mortos de certa forma possam impor sua vontade aos vivos 342 Nesse contexto houve quem se posicionasse a favor da revisibilidade das cláusulas sobre os limites à reforma constitucional desde que fosse viabilizada a participação direta do povo na condição de titular do poder constituinte no processo outorgando às reformas certo grau de legitimação 343 Todavia cremos que também esta alternativa é questionável isto sem falar na ausência de previsão expressa a respeito na nossa Constituição a despeito das sugestões formuladas por ocasião da discussão da revisão constitucional 344 Com efeito como bem lembra Vital Moreira também o argumento da soberania popular revelase falho já que num Estado Democrático de Direito a soberania popular é de fato soberania constitucional exercida exatamente nos termos da Constituição que justamente existe para regular o processo democrático e o próprio exercício da soberania popular 345 Além disso é preciso ter em conta que a necessária adaptabilidade da Constituição pode ser suficientemente assegurada por meio de uma adequada exegese do alcance das cláusulas pétreas o que por sua vez reconduz ao problema de qual efetivamente a proteção outorgada aos princípios e direitos fundamentais por elas abrangidos aspecto a ser analisado logo adiante Em síntese importa sublinhar que a assim designada dupla revisão encontrase vedada no Brasil no sentido de que o poder de reforma não pode a mediante alteração das regras sobre os limites formais e procedimentais afastar a rigidez constitucional dito de outro modo por meio de uma emenda à Constituição não se pode tornar o processo de alteração do texto constitucional igual ao processo de alteração da legislação ordinária e complementar b os limites materiais expressos no caso elencados nos incisos I a IV do art 60 4º da CF não poderão ser suprimidos no todo ou em parte c uma emenda constitucional não poderá permitir que a Constituição seja alterada na vigência das hipóteses ora previstas no art 60 1º da CF muito embora no que diz com esta última situação não se registre maior preocupação da doutrina que em geral ao cuidar da assim chamada dupla revisão concentrase no problema seguramente mais grave da superação dos limites materiais e na erosão da rigidez constitucional d a controvérsia em torno dos direitos fundamentais como limites materiais ao poder de reforma O fato de o art 60 4º IV da CF ter feito referência expressa aos direitos e garantias individuais deu ensejo a uma considerável controvérsia no seio da doutrina constitucional brasileira Com efeito discutese por exemplo se os direitos sociais foram ou não contemplados com a proteção inerente às cláusulas pétreas debate que abrange também os direitos dos trabalhadores Mas também outros direitos a depender da definição adotada de direitos e garantias individuais poderiam em tese ser excluídos por exemplo no campo da nacionalidade dos direitos políticos à exceção do direito de voto já coberto pelos limites materiais expressos ou mesmo dos direitos dispersos pelo texto constitucional ainda que nem todas as hipóteses de exclusão guardem relação direta com a expressão utilizada pelo constituinte quando da redação do citado dispositivo constitucional Por outro lado considerando o impacto da controvérsia em sede doutrinária a discussão no âmbito do STF não tem revelado a mesma intensidade não existindo posição conclusiva no sentido de uma doutrina sedimentada que possa ser referida muito embora salvo alguma controvérsia que pode ser extraída dos votos de alguns ministros 346 o que voltará a ser objeto de atenção logo adiante Antes de adentrarmos com maior ênfase no tema da abrangência das cláusulas pétreas em matéria de direitos fundamentais é possível registrar ao menos de acordo com a evolução doutrinária e jurisprudencial dominante no Brasil que em princípio não apenas os direitos fundamentais expressamente elencados no Título II da CF mas também os direitos dispersos pelo texto constitucional encontramse blindados em face do poder de reforma constitucional como dá conta o paradigmático julgamento proferido pelo STF quando da impugnação da constitucionalidade do art 2º da EC 31993 ocasião na qual além do reconhecimento de que as limitações ao poder de tributar estabelecidas no art 150 III da CF correspondem no plano subjetivo a direitos e garantias fundamentais do contribuinte também foi reconhecido que tais direitos e garantias não poderiam ser pura e simplesmente abolidos ou desconsiderados pelo poder reformador 347 A despeito da orientação noticiada que em princípio aponta para uma exegese extensiva do conceito de direitos e garantias fundamentais segue indispensável o enfrentamento de um problema que tem chamado ao debate segmentos expressivos da doutrina constitucional brasileira Já numa primeira aproximação resulta problemático saber se a noção de direitos e garantias individuais pode ser compreendida como equivalente à noção de direitos e garantias fundamentais de tal sorte que todos os direitos fundamentais estariam cobertos já no âmbito dos limites materiais expressamente fixados pelo constituinte ou se os demais direitos fundamentais que não se enquadram na noção de direitos individuais poderiam ser contemplados pela proteção reforçada das cláusulas pétreas na condição de limites materiais implícitos Além disso como já adiantado segue sendo necessário discutir se todos os direitos fundamentais seja por conta de uma compreensão elástica da noção de direitos individuais seja na condição de limites implícitos ou apenas uma parte integram o elenco dos limites materiais à reforma constitucional Desde logo tomandose como ponto de partida o enunciado literal do art 60 4º IV da CF poderseia afirmar e de fato há quem sustente tal ponto de vista que apenas os direitos e garantias individuais art 5º da CF se encontram incluídos no rol das cláusulas pétreas de nossa Constituição Tal exegese restritiva caso levada ao extremo implicaria a exclusão do rol de limites materiais não apenas dos direitos sociais mas também dos direitos de nacionalidade bem como de parte dos direitos políticos incluindo a liberdade de associação partidária à exceção todavia do direito dever do voto secreto universal e periódico art 60 4º II Aliás por uma questão de coerência nem mesmo os direitos coletivos de expressão coletiva constantes no rol do art 5º seriam merecedores desta proteção de tal sorte que já esta simples constatação indica que tal interpretação dificilmente poderá prevalecer Caso assim fosse os direitos essenciais de participação política art 14 a liberdade sindical art 8º e o direito de greve art 9º apenas para citar alguns exemplos encontrarseiam em condição inferior à dos demais direitos fundamentais não compartilhando o mesmo regime jurídico reforçado ao menos não na sua plenitude Neste contexto sustentouse que a expressão direitos e garantias individuais utilizada no art 60 4º IV da CF não se encontra reproduzida em nenhum outro dispositivo da Constituição razão pela qual mesmo com base numa interpretação literal não se poderiam confundir esses direitos individuais com os direitos individuais e coletivos do art 5º da CF 348 Para os que advogam uma interpretação restritiva do art 60 4º IV da CF abrese uma alternativa argumentativa Com efeito é possível sustentar que a expressão direitos e garantias individuais deve ser interpretada no sentido de que apenas os direitos fundamentais equiparáveis aos direitos individuais do art 5º sejam considerados cláusulas pétreas A viabilidade desta concepção esbarra na difícil tarefa de traçar as distinções entre os direitos individuais e os não individuais Caso considerássemos como individuais apenas os direitos fundamentais que se caracterizam por sua função defensiva especialmente os direitos de liberdade na acepção de direitos a não intervenção no seu âmbito de proteção teríamos de identificar nos outros capítulos do Título II os direitos e garantias passíveis de serem equiparados aos direitos de defesa de tal sorte que as liberdades sociais direitos sociais de caráter negativo como é o caso do direito de greve e da liberdade de associação sindical também se encontrariam ao abrigo das cláusulas pétreas Solução semelhante foi adotada no constitucionalismo português no qual há disposição expressa estabelecendo que os direitos análogos aos direitos liberdades e garantias se encontram sujeitos ao mesmo regime jurídico art 17 da CRP destacandose neste particular a sua condição de limites materiais ao poder de revisão da Constituição art 288 da CRP No Brasil à míngua de um regime jurídico diferenciado expressamente previsto na Constituição tal entendimento não poderá prevalecer já que não encontramos pelo menos esta a posição adotada justificativa sólida para uma distinção entre os direitos fundamentais no que diz com seu regime jurídico Todavia há quem sustente também no direito brasileiro que os direitos sociais não podem integrar as cláusulas pétreas da Constituição pelo fato de não poderem ao menos na condição de direitos a prestações ser equiparados aos direitos de liberdade do art 5º Além disso argumentase que se o constituinte efetivamente tivesse tido a intenção de gravar os direitos sociais com a cláusula da intangibilidade ele o teria feito ou nominando expressamente esta categoria de direitos no art 60 4º IV da CF ou referindose de forma genérica a todos os direitos e garantias fundamentais mas não apenas aos direitos e garantias individuais 349 Tal concepção e todas aquelas que lhe podem ser equiparadas esbarram contudo nos seguintes argumentos a a Constituição brasileira não contempla diferença substancial entre os direitos de liberdade defesa e os direitos sociais inclusive no que diz com eventual primazia dos primeiros sobre os segundos b os partidários de uma exegese restritiva em regra partem da premissa de que todos os direitos sociais podem ser conceituados como direitos a prestações estatais quando como já lembrado boa parte dos direitos sociais são no que diz com sua função precípua e estrutura jurídica equiparáveis aos direitos de defesa c além disso relembramos que uma interpretação que limita o alcance das cláusulas pétreas aos direitos fundamentais elencados no art 5º da CF acaba por excluir também os direitos de nacionalidade e os direitos políticos que igualmente não foram expressamente previstos no art 60 4º IV de nossa lei Fundamental 350 Todas estas considerações revelam que apenas por meio de uma interpretação sistemática se poderá encontrar uma resposta satisfatória no que concerne ao problema da abrangência do art 60 4º IV da CF Que uma exegese restritiva notadamente quando cingida à expressão literal do referido dispositivo constitucional não pode prevalecer parece ser evidente ainda mais quando consideradas as distorções já apontadas Como a inclusão dos direitos sociais e demais direitos fundamentais no rol das cláusulas pétreas pode ser justificada à luz do direito constitucional positivo é questão que merece análise um pouco mais detida Já no Preâmbulo da Constituição Federal encontramos referência expressa no sentido de que a garantia dos direitos individuais e sociais da igualdade e da justiça constitui objetivo permanente de nosso Estado Além disso não há como negligenciar o fato de que nossa Constituição consagra a ideia de que constituímos um Estado Democrático e Social de Direito o que transparece claramente em boa parte dos princípios fundamentais com destaque para os arts 1º I a III e 3º I III e IV Com base nestas breves considerações verificase desde já a íntima vinculação dos direitos fundamentais sociais com a concepção de Estado da nossa Constituição 351 Não resta portanto qualquer dúvida de que o princípio do Estado Social e os direitos fundamentais sociais integram os elementos essenciais isto é a identidade de nossa Constituição razão pela qual já se sustentou que os direitos sociais assim como os princípios fundamentais poderiam ser considerados mesmo não estando expressamente previstos no rol das cláusulas pétreas autênticos limites materiais implícitos à reforma constitucional 352 Poderseá argumentar ainda que a expressa previsão de um extenso rol de direitos sociais no título dos direitos fundamentais seria na verdade destituída de sentido caso o constituinte tivesse outorgado a tais direitos proteção diminuída transformandoos em direitos de segunda classe Além do exposto verificase que todos os direitos fundamentais consagrados na Constituição Federal mesmo os que não integram o Título II são em última análise direitos de titularidade individual ainda que alguns sejam de expressão coletiva e sem prejuízo de uma correlata dimensão transindividual mais ou menos relevante a depender do direito em causa É o indivíduo que tem assegurado o direito de voto assim como é o indivíduo que tem direito à saúde assistência social aposentadoria etc Até mesmo o direito a um meio ambiente saudável e equilibrado art 225 da CF em que pese seu habitual enquadramento entre os direitos da terceira dimensão pode ser reconduzido a uma dimensão individual pois mesmo um dano ambiental que venha a atingir um grupo dificilmente quantificável e delimitável de pessoas indivíduos gera um direito à reparação para cada prejudicado inclusive viabilizando execução individualizada ainda que no bojo de uma ação coletiva Ainda que não se queira compartilhar tal entendimento não há como negar que nesses casos de direitos coletivos propriamente ditos nos encontramos diante de uma situação de cunho notoriamente excepcional que em hipótese alguma afasta a regra geral da titularidade individual da absoluta maioria dos direitos fundamentais Os direitos e garantias individuais referidos no art 60 4º IV da nossa Lei Fundamental incluem portanto os direitos sociais e os direitos da nacionalidade e cidadania direitos políticos 353 Contestando essa linha argumentativa Gustavo Costa e Silva sustenta que a dualidade entre direitos individuais e sociais nada tem a ver com a titularidade remetendo em verdade à vinculação de uns e outros a diferentes estágios da formação do ethos do Estado constitucional no caso na circunstância de que os direitos individuais estão vinculados ao paradigma do Estado Liberal individualista e não ao Estado Social de cunho solidário 354 Todavia ainda que se reconheça a inteligência da crítica parecenos que a resposta já foi fornecida designadamente quando apontamos para o fato de que não é possível extrair da Constituição Federal um regime diferenciado no sentido de um regime jurídico próprio entre os direitos de liberdade direitos individuais e os direitos sociais mesmo que entre ambos os grupos de direitos especialmente entre a sua dimensão negativa e positiva existam diferenças no que diz com o seu objeto e função desempenhada na ordem jurídicoconstitucional Além disso o argumento da titularidade individual de todos os direitos como fundamento de uma compreensão ampliada das cláusulas pétreas tal como aqui sustentada é apenas mais um argumento entre outros Outro argumento utilizado pelos que advogam uma interpretação restritiva das cláusulas pétreas diz com a existência de diversas posições jurídicas constantes no Título II da CF que não são merecedoras do status peculiar aos verdadeiros direitos fundamentais razão pela qual há quem admita até mesmo a sua supressão por meio de uma emenda constitucional 355 Muito embora não de modo igual Oscar Vilhena Vieira prefere trilhar caminho similar ao sustentar em síntese que apenas as cláusulas superconstitucionais isto é os princípios e direitos fundamentais que constituem a reserva de justiça constitucional de um sistema encontramse imunes à supressão pelo poder reformador não advogando de tal sorte a exclusão prévia de qualquer direito ou princípio do elenco dos limites materiais mas admitindo que nem todos os direitos fundamentais sejam individuais ou não estão abrangidos 356 Argumentação similar tem sido adotada aliás por outros autores que têm produzido contribuições monográficas importantes sobre o tema no âmbito da doutrina nacional É o caso por exemplo de Rodrigo Brandão 357 e Luísa Cristina Pinto e Netto 358 que ressalvadas importantes distinções entre o enfoque das respectivas abordagens e embora não tenham adotado na sua integralidade a tese advogada por Oscar Vilhena Vieira privilegiam o que se poderia dizer de uma concepção intermediária e fortemente vinculada a uma concepção material de direitos fundamentais Com efeito ambos os autores ao sustentarem neste ponto com razão que a função dos limites materiais é a proteção da identidade constitucional e portanto do sistema dos direitos fundamentais e seu núcleo essencial como um todo proteção esta que em termos gerais abrange os direitos fundamentais sociais admitem todavia que direitos sociais assegurados por dispositivos constitucionais isolados podem ser eventualmente não apenas restringidos com o que se concorda já que em princípio direitos fundamentais são passíveis de restrição mesmo por lei ordinária e até em hipóteses onde não há sequer autorização constitucional expressa para tanto mas até suprimidos designadamente quando não guardam relação direta com a dignidade da pessoa humana e outros valores materialmente fundamentais como a igualdade a liberdade a democracia entre outros Em que pese o cunho sedutor de tal linha argumentativa tal tese apenas poderia prevalecer caso partíssemos da premissa de que existem direitos apenas formalmente fundamentais de modo que os últimos justamente por serem fundamentais em sentido meramente formal poderiam ser suprimidos mediante emenda constitucional o que não corresponde consoante já assinalado à concepção de acordo com a qual todos os direitos fundamentais são fundamentais tanto no sentido formal quanto no material tal como desenvolvido no capítulo da parte geral dos direitos fundamentais De qualquer modo é no mínimo necessário questionar a possibilidade de qualquer um dos poderes constituídos decidir qual direito é ou não formal e materialmente fundamental Tal decisão em última análise poderia importar em afronta à vontade do poder constituinte que salvo melhor juízo detém o privilégio de deliberar sobre tal matéria e que expressamente incluiu todas as categorias de direitos no Título II da Constituição Federal Além disso correrseia o sério risco de supressão de direitos autenticamente fundamentais inclusive de direitos previstos no art 5º da Constituição visto que com base em determinados critérios materiais substanciais sempre seria possível argumentar e sempre poderia ser formada uma maioria simpática a tal entendimento no STF que a propriedade intelectual não constitui direito fundamental em sentido material ou mesmo a função social da propriedade ou proteção do consumidor o que salvo melhor juízo já deveria desrecomendar a adoção desse ponto de vista Reforçando a argumentação aqui privilegiada é preciso levar em conta que a circunstância de que os limites materiais à reforma constitucional têm por função principal a preservação da identidade da ordem constitucional não se pode confundir com a noção de que cada direito fundamental expressa e implicitamente positivado tem o que se costuma designar de um núcleo essencial que embora não se confunda necessariamente com um conteúdo em dignidade da pessoa humana visto ser diferenciada a relação entre a dignidade e os direitos fundamentais encontrase necessariamente protegido contra uma afetação pelos poderes constituídos De outra parte cada direito fundamental por ser fundamental precisamente em função da opção neste sentido tomada pelo constituinte e não necessariamente ou mesmo exclusivamente pela sua vinculação direta com a dignidade da pessoa humana acaba portanto sendo parte integrante da identidade do sistema constitucional o que reiterase não impede ajustes e restrições mas impede a supressão de direitos fundamentais como tais consagrados pelo constituinte Assim muito embora a correta percepção tal qual advogada também por Luís Roberto Barroso de que o vínculo com a dignidade da pessoa humana é relevante para a determinação da fundamentalidade em sentido material e portanto também opera como argumento privilegiado para justificar a inclusão de direitos fundamentais não contemplados no art 5º da CF no elenco dos limites materiais à reforma 359 não se poderá exclusivamente por tal razão visto que por mais que pontifique entre os valores e princípios constitucionais a identidade material da Constituição e dos direitos fundamentais nela não se esgota negar a outros direitos fundamentais uma proteção privilegiada até mesmo pelo fato de com isso se estar por via oblíqua consagrando uma hierarquia entre direitos fundamentais que não foi salvo melhor juízo prevista pelo constituinte Além disso o argumento da dignidade da pessoa humana por mais relevante que seja e por mais que possa em grande parte dos casos ser manejado de forma adequada não afasta pelo contrário de certo modo potencializa os riscos de uma arbitrária e não menos perigosa manipulação da noção de fundamentalidade em sentido material para eventualmente justificar a supressão de determinados direitos do texto constitucional tal como aliás já registrado Tudo isso aponta para a circunstância de que os direitos fundamentais expressa eou implicitamente reconhecidos pelo constituinte de 1988 estejam situados no Título II ou em outras partes do texto constitucional constituem sempre limites materiais expressos ou implícitos à reforma constitucional 360 O argumento da titularidade individual de acordo com o qual todos os direitos fundamentais por serem sempre também individuais integram o elenco dos limites materiais à reforma constitucional não implica divergência substancial em relação aos que sustentam a tese de que os direitos sociais ou mesmo outros não constantes do art 5º da Constituição representam em verdade limites implícitos ao poder de reforma constitucional Convém recordar nesta quadra que os próprios direitos designados como individuais vinham sendo reconhecidos como cláusulas pétreas no sistema constitucional anterior onde não integravam tal como a república por exemplo na atual Constituição o elenco dos limites materiais expressos até mesmo pelo fato de prevalecer o entendimento de que não há diferença no que diz com a qualidade da proteção em ambos os casos é vedada uma supressão efetiva ou tendencial entre os bens constitucionais implícita e expressamente protegidos pelo manto das cláusulas pétreas Por certo não há como negar que uma interpretação restritiva das cláusulas pétreas tem por objetivo impedir uma petrificação de toda a Constituição o que não pode prevalecer diante de uma exegese sistemática que tenha sempre presente a necessidade de preservar os seus elementos essenciais insuscetíveis de supressão ou esvaziamento hipó teses que se equivalem pela atuação do poder de reforma constitucional 361 Constituindo os direitos sociais assim como os políticos valores basilares de um Estado Social e Democrático de Direito sua abolição acabaria por redundar na própria destruição da identidade da nossa ordem constitucional o que por evidente se encontra em flagrante contradição com a finalidade precípua das cláusulas pétreas Quanto ao risco de uma indesejável galvanização da Constituição é preciso considerar que apenas uma efetiva ou tendencial abolição das decisões fundamentais tomadas pelo constituinte está vedada ao poder de reforma constitucional não se vislumbrando portanto obstáculo significativo no que diz com sua eventual adaptação às exigências de um mundo em constante transformação Mas tal tópico vinculado ao problema da intensidade da proteção com base nas cláusulas pétreas será objeto de análise mais detida logo adiante d1 O problema dos direitos fundamentais inseridos mediante emenda constitucional Controvérsia digna de referência até mesmo pelos exemplos registrados no direito brasileiro gira em torno da possibilidade de enquadrar direitos fundamentais inseridos no texto constitucional via emenda constitucional portanto pelo poder de reforma e não pelo constituinte no rol das cláusulas pétreas Especialmente a recente evolução constitucional mostra que se cuida de problema de relevância teórica e prática dada a incorporação ao catálogo dos direitos fundamentais dos direitos sociais à moradia e à alimentação bem como do direito à razoável duração do processo judicial e administrativo Para expressivos setores da doutrina considerando que apenas o poder constituinte originário está em condições de limitar o poder de reforma constitucional na condição de competência reformadora e não o contrário mesmo quando se trata de direitos fundamentais tais direitos caso incorporados mediante emendas à Constituição não poderiam integrar os limites materiais à reforma pois se trata sempre de limites postos ainda que implicitamente pelo poder constituinte ressalvandose contudo as hipóteses nas quais o direito ainda que não previsto no texto constitucional de modo explícito já estava consagrado no sistema constitucional 362 O quanto tal linha argumentativa a despeito de sua força de fato inviabiliza uma equiparação também para efeitos de proteção contra reformas constitucionais entre direitos expressamente previstos pelo poder constituinte e direitos inseridos mediante reforma constitucional é no mínimo carente de maior reflexão Considerando que a abertura material do catálogo constitucional de direitos art 5º 2º da CF corresponde ela própria a uma decisão fundamental do constituinte além de igualmente protegida contra uma supressão por ação do poder reformador a inclusão de direitos originaria mente não previstos não poderia resultar salvo melhor juízo em proteção diminuída no sentido de que mediante apenas a observância dos requisitos formais o direito à moradia apenas para ilustrar pudesse ser pura e simplesmente suprimido do texto da Constituição De outra parte se admitida como de resto corresponde ao entendimento majoritário no Brasil a existência de limites implícitos ao poder de reforma constitucional a inserção de direitos fundamentais por via de emenda constitucional especialmente quando se trata de guindar à condição de direitos expressamente positivados direitos que já poderiam e mesmo já o vinham sendo ser considerados como implicitamente consagrados pela ordem constitucional não poderia por sua vez resultar em desprestígio a tais direitos no que diz com o seu regime jurídico constitucional em termos de proteção Aliás a expressa consagração apenas reforçaria e teria ainda a vantagem de bloquear entendimentos em sentido contrário ao reconhecimento de tais direitos o status de tais direitos como direitos fundamentais que mesmo sem expressa previsão já estavam implicitamente tutelados 363 À vista do exposto verificase que pelo menos nos exemplos colacionados moradia alimentação e razoável duração do processo manifesta está a umbilical ligação de tais direitos não apenas e isto já seria suficiente com a dignidade da pessoa humana mas também no que diz com a sintonia com o sistema internacional de direitos humanos para além de um crescente reconhecimento na esfera doutrinária e jurisprudencial Para complementar o elenco ainda que sumariamente exposto de razões em prol da condição de cláusulas pétreas importa enfatizar que a distinção entre direitos fundamentais originários e direitos criados por emenda constitucional acaba por consagrar uma no mínimo questionável divisão dos direitos em duas classes uma sujeita a um regime de proteção reforçado a outra disponível ao poder de reforma constitucional 364 d2 Direitos fundamentais consagrados em tratados internacionais integram os limites materiais à reforma Tópico que passou a ser mais discutido especialmente a partir da inserção mediante a EC 452004 do 3º no art 5º da CF diz com o fato de os direitos fundamentais sediados em tratados de direitos humanos ratificados pelo Brasil serem ou não cobertos pela proteção das cláusulas pétreas Muito embora se possa concordar com a tese que reconhece hierarquia constitucional a todos os tratados em matéria de direitos humanos regularmente incorporados ao direito interno seja antes seja depois da inserção do 3º no art 5º da CF já por força do disposto no art 5º 2º da CF que aqui não será objeto de análise mais detida o fato é que a controvérsia sobre serem tais tratados notadamente os direitos humanos e fundamentais neles consagrados objeto de proteção por conta dos limites materiais à reforma constitucional depende de outros fatores para um adequado equacionamento Em primeiro lugar há que considerar que enquanto não incorporados ao texto constitucional como é o caso dos tratados não aprovados mediante o rito qualificado estabelecido no art 5º 3º os direitos neles consagrados muito embora integrem a ordem jurídicoconstitucional interna não constituem direito constitucional em sentido formal já que consagrados de acordo com a tradição brasileira por decreto legislativo Assim quando muito e apenas para os que reconhecem a hierarquia constitucional como é o nosso caso é possível falar em direito constitucional material numa perspectiva ampliada de bloco de constitucionalidade A partir disso já se verifica uma primei ra dificuldade a ser levada a sério qual seja a de que a emenda e mesmo a revisão constitucional constitui mecanismo de mudança formal da Constituição ou seja implica sempre alteração do texto constitucional Formulado de outro modo isso quer dizer que a emenda constitucional não será instrumento próprio para uma alteração de tratado internacional Por outro lado se todavia o direito consagrado em nível internacional estiver também como ocorre na grande maioria dos casos embora não em todos previsto no texto constitucional no caso de reforma constitucional que venha a afetar suprimir ou restringir o direito incidirá a proteção decorrente da condição de cláusula pétrea mas não por força do direito internacional mas sim em virtude de se tratar de direito fundamental contemplado na Constituição formal Todavia como o entendimento dominante no STF é no sentido da hierarquia apenas supralegal dos tratados de direitos humanos eles pelo menos para o STF não integram a Constituição Mesmo nas hipóteses em que a aprovação do tratado se der em conformidade com o disposto no art 5º 3º da CF é preciso levar em conta que tal tratado será considerado equivalente a uma emenda constitucional embora de fato não o seja visto que também aqui não estará alterando diretamente o texto constitucional mas apenas agregandose à Constituição formal compreendida num sentido ampliado visto que a Constituição formal poderá ser veiculada por mais de um documento constitucional A circunstância de que um tratado seja aprovado pelo Congresso Nacional observado o rito do art 5º 3º da CF não significa que a aprovação tenha ocorrido por emenda constitucional como aliás dá conta o Dec Leg 1862008 que aprovou a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência Por outro lado se efetivamente aprovado por emenda constitucional e integrado à Constituição formal é possível admitir no plano do direito interno e de acordo com o ponto de vista adotado e já exposto mais acima a proteção com base na condição de cláusula pétrea Somase a isso o fato de os tratados estarem sujeitos de acordo com as regras do direito internacional público a uma denúncia por parte dos países pactuantes de tal sorte que pelo menos de acordo com importante argumento a não ser nos casos em que a possibilidade de denúncia fosse expressamente ressalvada quando da aprovação do tratado pelo Congresso Nacional não haveria como impedila nem mesmo com base na condição de cláusula pétrea dos direitos ou do direito consagrados no tratado internacional e incorporados ao direito interno 365 De qualquer sorte a despeito das observações precedentes há quem sustente que os direitos sediados em tratados de direitos humanos ratificados pelo Brasil são sempre beneficiários da proteção reforçada inerente às cláusulas pétreas não podendo ser suprimidos mediante reforma constitucional 366 As dificuldades apontadas acima contudo não desaparecem à vista de tal afirmação peremptória nem mesmo invocando o art 5º 2º como aliás já referido Uma linha argumentativa que todavia deve ser considerada é a de que no caso de o tratado vir a ser aprovado pelo rito do art 5º 3º da CF ele não mais poderia ser objeto de denúncia proteção que seria em sendo adotado tal entendimento similar àquela outorgada pelos limites materiais ao poder de reforma 367 Também aqui se trata de questão controversa que aguarda manifestação do STF e que também na esfera doutrinária segue discutida À vista do exposto verificase que uma proteção por via dos limites materiais à reforma constitucional esbarra em algumas perplexidades especialmente quando se trata de tratados não incorporados pelo rito do art 5º 3º da CF o que não significa que os direitos consagrados em tais tratados não possam ser protegidos em sintonia com a privilegiada posição dos direitos fundamentais na arquitetura constitucional A vedação de denúncia tal como sustentada por vários autores ou mesmo a aplicação à hipótese no que for cabível da lógica inerente ao assim denominado princípio da proibição de regressividade ou de retrocesso como conhecido no âmbito do direito internacional poderão ser formas entre outras de retirar aos poderes constituídos inclusive ao poder de reforma constitucional a possibilidade de livremente disporem sobre os direitos humanos e fundamentais consagrados nos tratados de direitos humanos já ratificados pelo Brasil e Alcance da proteção com base nas cláusulas pétreas proibição de abolição e de afetação do núcleo essencial mas não vedação de toda e qualquer restrição Voltandonos agora ao problema do alcance da proteção outorgada pelos limites materiais expressos e implícitos à reforma constitucional há que atentar desde logo para o fato de que o enunciado da norma contida no art 60 4º da nossa Constituição não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir deixa antever duas diretrizes a não apenas as alterações da Constituição que objetivam a supressão dos princípios guindados à condição de cláusula pétrea mas também as que revelam uma tendência à sua supressão se encontram vedadas b os projetos de emenda que atentam contra esses mandamentos não poderão sequer ser apreciados e votados pelo Congresso de tal sorte que mesmo antes de sua promulgação se viabiliza o controle jurisdicional de sua constitucionalidade 368 O que importa ressaltar à vista dos elementos normativos referidos é que também no direito constitucional brasileiro as cláusulas pétreas não implicam absoluta imutabilidade dos conteúdos por elas assegurados Por outro lado não é de fácil determinação o momento no qual determinada emenda à Constituição efetivamente tende a abolir o conteúdo protegido Tal aferição apenas poderá ocorrer à luz do caso concreto cotejandose o conteúdo da emenda com a decisão fundamental integrante do rol das cláusulas pétreas o que igualmente vale enfatizar se impõe na hipótese de incidir alguma limitação material implícita Além disso verificase que uma abolição efetiva para efeitos do controle da constitucionalidade da reforma pode ser equiparada a uma abolição tendencial já que ambas as hipóteses foram expressamente vedadas pelo constituinte A garantia de determinados conteúdos da Constituição por meio da previsão das assim denominadas cláusulas pétreas assume desde logo uma dúplice função visto que protege os conteúdos que compõem a identidade a essência da Constituição embora tal proteção tenha o condão apenas de assegurar esses conteúdos quanto aos seus elementos nucleares não excluindo desenvolvimentos ou modificações desde que preservem os princípios naqueles contidos 369 De acordo com a lição da doutrina majoritária as cláusulas pétreas de uma constituição não objetivam a proteção dos dispositivos constitucionais em si mas sim dos princípios e regras neles plasmados não podendo eles ser esvaziados por uma reforma constitucional 370 Nesse sentido é possível sustentar que as cláusulas pétreas contêm em regra uma proibição de ruptura de determinados princípios constitucionais 371 Mera modificação no enunciado do dispositivo não conduz portanto necessariamente a uma inconstitucionalidade desde que preservado o sentido do preceito e não afetada a essência do princípio objeto da proteção 372 De qualquer modo é possível comungar do entendimento de que a proteção imprimida pelas cláusulas pétreas não implica a absoluta intangibilidade do bem constitucional protegido 373 Na linha do exposto situase a lição de Flávio Novelli no sentido de que as cláusulas pétreas estando a serviço da proteção do cerne constitucional intangível Pontes de Miranda isto é do âmbito nuclear da estatalidade constitucional Klaus Stern repelem toda e qualquer emenda que intente a supressão ou a alteração substancial dos direitos fundamentais ou dos princípios fundamentais da Constituição incluídos no rol dos limites materiais à reforma da Constituição 374 Por núcleo essencial dos direitos e dos princípios fundamentais estruturantes poderão ser considerados de acordo com o entendimento de Klaus Stern recolhido por Flávio Novelli os elementos que constituem a própria substância os fundamentos os elementos ou componentes deles inseparáveis eles verdadeiramente inerentes por isso que integrantes de sua estrutura e do seu tipo conforme os define a Constituição isto é seus elementos essenciais e não meramente acidentais 375 Constatase portanto que não apenas uma emenda constitucional que efetivamente venha a abolir suprimir um direito fundamental mas também alguma que venha a atingilo de forma equivalente tendendo à abolição isto é ferindo o seu conteúdo essencial se encontra inequivocamente vedada pela nossa Constituição O núcleo do bem constitucional protegido é de acordo com este ponto de vista constituído pela essência do princípio ou direito não por seus elementos circunstanciais cuidandose neste sentido daqueles elementos que não podem ser suprimidos sem acarretar alteração substancial no seu conteúdo e estrutura 376 Nesse contexto afirmouse que a constatação de uma efetiva agressão ao núcleo essencial do princípio protegido depende de uma ponderação tópica mediante a qual se deverá verificar se a alteração constitucional afeta apenas aspectos ou posições marginais da norma ou se pelo contrário investe contra o próprio núcleo do prin cípio em questão 377 o que remete por sua vez à complexa e controversa relação entre a categoria do núcleo essencial e o princípio da proporcionalidade que todavia aqui não será explorada remetendose à parte geral dos direitos fundamentais capítulo sobre limites e restrições Assim em sintonia com tal entendimento e tomando como parâmetro o direito constitucional brasileiro o problema do alcance da proteção com base nas cláusulas pétreas pode ser perfeitamente ilustrado mediante recurso a alguns dos princípios integrantes do rol do art 60 4º de nossa Constituição Com efeito quando o constituinte incluiu a forma federativa de Estado e o correlato princípio federativo no elenco dos limites materiais à reforma art 60 4º I da CF tal proteção não se limitou ao art 1º da Constituição de acordo com o qual o Estado Federal brasileiro se compõe da união indissolúvel da União dos Estados do Distrito Federal e dos Municípios mas estendeuse a todos os elementos essenciais da Federação Levandose em conta que o princípio federativo se manifesta em diversos outros dispositivos da Constituição verificase que também estes se encontram ao abrigo da proteção das cláusulas pétreas 378 As normas versando sobre a distribuição de competência entre os diversos entes da Federação arts 21 a 24 da CF a autoorganização e autonomia dos Estados arts 25 a 28 da CF e dos Municípios arts 29 29A e 30 da CF constituem apenas alguns exemplos inequívocos no sentido de que também estas normas dada a sua particular relevância para a caracterização de uma efetiva Federação se encontram imunes à atuação erosiva de uma reforma constitucional Com efeito não restam dúvidas de que no caso da supressão da competência legislativa privativa dos Estados e Municípios o Estado Federal ficaria atingido em um de seus elementos essenciais Raciocínio semelhante pode ser aplicado ao princípio da separação dos poderes que igualmente se encontra ao abrigo das cláusulas pétreas art 60 4º III da CF Se a autonomia e a independência do Poder Judiciário vierem a ser restringidas de tal forma que fiquem virtualmente inoperantes poderseá sustentar uma inequívoca afronta ao princípio da separação dos poderes 379 Tal orientação pelo menos assim o revela a evolução mais recente encontrase afinada com a jurisprudência do nosso STF que em julgamento ocorrido no dia 08101980 mesmo tendo julgado improcedente a ação entendeu que a mera ampliação do mandato dos prefeitos por mais de dois anos não poderia ser considerada uma abolição nem mesmo tendencial da nossa República já que o postulado republicano da limitação temporal dos mandatos políticos ficou preservado de tal sorte que também aqui transparece a ideia de que o objeto da proteção e neste sentido da intangibilidade é o conteúdo essencial do direito princípio fundamental 380 No mesmo sentido já na vigência da Constituição Federal de 1988 o STF manifestandose sobre a constitucionalidade de emenda versando sobre a reforma previdenciária entendeu que a forma federativa de Estado elevada à condição de princípio intangível por todas as Constituições brasileiras não pode ser conceituada a partir de um modelo ideal de Federação mas sim daquele concretamente adotado pelo constituinte originário Além disso ainda de acordo com o STF as limitações materiais ao poder de reforma constitucional não significam uma intangibilidade literal mas apenas a proteção do núcleo essencial dos princípios e institutos cuja preservação é assegurada pelas cláusulas pétreas 381 Não foi outro aliás o entendimento vitorioso quando do julgamento do MS 23047MC publicado no DJ 14112003 relatado pelo Min Sepúlveda Pertence para quem as limitações materiais ao poder constituinte de reforma que o art 60 4º da Lei Fundamental enumera não significam a intangibilidade literal da respectiva disciplina na Constituição originária mas apenas a proteção do núcleo essencial dos princípios e institutos cuja preservação nelas se protegem Mais recentemente versando sobre o núcleo essencial do princípio da separação dos poderes calha referir a decisão do STF proferida na ADIn 5316DF relatada pelo Ministro Luiz Fux que declarou inconstitucional em parte a EC 882015 oriunda da assim chamada PEC da Bengala naquilo em que condicionava a permanência dos Ministros dos Tribunais Superiores após terem atingido os 70 anos segundo a referida emenda a aposentadoria compulsória passa a ocorrer aos 75 anos de idade a uma nova sabatina pelo Senado Federal No mesmo sentido embora não reconhecendo violação do núcleo essencial de conteúdos considerados pétreos calha colacionar as decisões prolatadas no MS 34518 j 28112016 rel Min Luiz Fux decisão monocrática e no julgamento da medida cautelar na ADIn 5296MCDF rel Min Rosa Weber de 18052016 No primeiro caso embora conhecido o Mandado de Segurança impetrado contra a tramitação da PEC 502016 que tinha por escopo acrescer um 7º ao art 225 da CF para assegurar a possibilidade de regulamentação legal de práticas desportivas e culturais como a assim chamada vaquejada e outras o Relator entendeu não ser o caso de conceder a medida liminar pleiteada entendendo não configurada flagrante violação de clásula superconstitucional aqui valemonos da terminologia usada pelo Relator que pudesse implicar a intervenção já nessa fase do Poder Judiciário no processo de deliberação legislativa 382 No segundo caso invocouse tanto ofensa a limites formais vício de iniciativa porquanto a EC 742013 que assegurou autonomia funcional e administrativa e de iniciativa de sua proposta orçamentária à Defensoria Pública deveria segundo os proponentes ter sido encaminhada pelo Poder Executivo quanto violação do princípio da separação dos poderes limite material estabelecido no art 60 4º III da CF As duas teses foram contudo rechaçadas pelo STF quando do julgamento da medida cautelar destacandose aqui o argumento relacionado com a extensão da proteção com base nas cláusulas pétreas Quanto a esse ponto entendeu o STF que o dispositivo referido art 60 4º III não impede ao poder de reforma constitucional ajustar e aprimorar o desenho institucional dos entes instituídos pela CF em especial pelo fato de a autonomia das Defensorias Públicas corresponder não apenas à motivação do constituinte quando de sua instituição e formatação mas também por se tratar de exigência de sua atuação funcional livre em favor do amplo acesso à Justiça e concretização dos direitos fundamentais Noutro caso digno de nota designadamente a ADI 5935DF rel Ministro Edson Fachin j em 22052020 entendeu o STF na esteira do voto do relator que a edição da EC n 982017 não implicou afronta ao núcleo essencial do princípio da isonomia ademais de não ter abolido nem de modo tendencial o princípio do concurso público criando apenas uma exceção temporária e prazo de validade definido Em 26 de fevereiro de 2021 o STF voltou a se pronunciar sobre a matéria no MS 37721DF rel Min Roberto Barroso Neste caso o que estava em causa era a tentativa de impugnação no curso do processo legislativo da PEC 032021 designada de PEC da impunidade porquanto tem por escopo a alteração do art 53 CF que versa sobre a imunidade prisão de parlamentares e outras medidas A liminar requerida foi negada pelo Relator argumentando aqui em apertada síntese que além de ser legítima a expectativa do aperfeiçoamento da proposta de emenda constitucional ao longo de sua tramitação no Congresso Nacional o Poder Judiciário somente poderá interferir em casos excepcionais e extremos visto que uma possível inconstitucionalidade poderá ser apenas aferida depois da aprovação da versão final da proposta Além disso o Relator destacou que eventual violação de cláusula pétrea no caso em análise a separação de poderes somente ocorrerá se invadido o núcleo essencial do princípio eou direito fundamental reforçando de tal sorte o entendimento consolidado do STF nesse sentido Para fechar o tópico importa colacionar um argumento adicional qual seja o de que não parece plausível extrair da Constituição uma proteção contra o poder de reforma constitucional que não está assegurada sequer em face do legislador ordinário Com efeito se um direito fundamental pode ser objeto de restrições por lei e mesmo com base em lei resulta difícil aceitar a tese de que o legislador reformador munido de maior legitimidade democrática à vista dos limites formais não possa mediante emenda à Constituição impor alguma restrição aos conteúdos protegidos Do contrário estarseia assegurando maior força à lei do que à própria emenda constitucional algo que definitivamente não parece estar consagrado pelo art 60 4º da CF tal como suficientemente demonstrado 58 A assim chamada mutação constitucional e suas formas de manifestação algumas aproximações 581 Considerações gerais conceito e modalidades de mutação constitucional A problemática da assim chamada mutação constitucional situase no âmbito mais alargado do fenômeno da mudança constitucional 383 pois ao lado das competências formais de alteração constitucional no âmbito da reforma constitucional existe a possibilidade de mudança do conteúdo e do alcance das normas constitucionais pela via informal isto é sem que seja alterado o texto da Constituição 384 Tal processo foi originalmente identificado pela doutrina alemã sob o rótulo de Verfassungswandlung especialmente por intermédio dos trabalhos desenvolvidos pelos publicistas Paul Laband 385 e Georg Jellinek 386 bem como mais adiante por Hsü DauLin 387 embora Jellinek tenha sido o primeiro a adotar o conceito em contraposição ao de reforma constitucional no âmbito mais amplo da mudança da e na constituição 388 O termo foi traduzido posteriormente no âmbito da literatura jurídica espanhola como mutación de la constitución por Manuel García Pelayo tendo sido amplamente acolhido na doutrina iberoamericana 389 A noção de mutação constitucional assim como a de reforma constitucional guarda relação com a concepção de que em determinado sentido uma constituição é um organismo vivo submetido à dinâmica da realidade social e que portanto não se esgota por meio de fórmulas fixas e predeterminadas 390 Consoante Hsü DauLin imprimindo um sentido ampliado à noção de mutação constitucional esta consiste na modificação do conteúdo das normas constitucionais sem alteração do texto constitucional em virtude da incongruência entre a constituição escrita e a realidade constitucional 391 Em sentido similar na acepção cunhada por Karl Loewenstein a mutação constitucional pode ser conceituada como uma transformação no âmbito da realidade da configuração do poder político da estrutura social ou do equilíbrio de interesses sem que tal atualização encontre previsão no texto constitucional que permanece intocado 392 Tendo em conta que a mutação constitucional diz respeito essencialmente ao hiato entre texto normativo e realidade mas também guarda conexão com a distinção entre texto e norma 393 e a mudança de sentido de uma norma jurídica é possível perceber que a mudança de sentido de uma norma jurídica não é um problema exclusivamente constitucional pois o déficit de sinergia de um texto normativo com a realidade fática que busca captar e regular não se revela apenas ao nível do direito constitucional tratandose pelo contrário de um problema científico do direito como um todo embora no caso da mutação constitucional tenha alcançado uma dimensão particularmente relevante e dotada de aspectos peculiares em função da especial posição hierárquica e função da constituição na ordem jurídica 394 Em virtude de a mutação constitucional guardar relação com a atualização e modificação da constituição em virtude do câmbio na esfera da realidade fática social econômica cultural etc ela diversamente da reforma constitucional não representa de regra um acontecimento pontual mas sim resulta de um processo mais ou menos longo por exemplo por força de uma prática interpretativa reiterada e sedimentada ao longo do tempo 395 A problemática da mutação constitucional por outro lado assume especial relevância no contexto das constituições rígidas ou seja as constituições cujo texto apenas pode ser modificado mediante processo de alteração mais agravado mais difícil e não pelo simples procedimento da legislação ordinária visto que com isso se abre maior espaço para o desenvolvimento do direito constitucional pela via da interpretação 396 Além disso a maior abertura e indeterminação em geral das disposições constitucionais do texto constitucional mas também o fato de a constituição reservar aos órgãos encarregados da concretização de seu projeto normativo uma relativamente ampla liberdade de ação contribuem para uma maior possibilidade de participação criativa dos órgãos jurisdicionais e de todos os que operam no plano da concretização da constituição Em monografia dedicada ao tema Anna Cândida da Cunha Ferraz distingue no âmbito mais amplo dos modos informais de mudança constitucional entre mutações constitucionais que não violam o texto constitucional e mutações inconstitucionais que implicam em violação da Constituição ainda que possam subsistir na prática 397 A existência de mutações inconstitucionais significa que as mutações constitucionais para serem consideradas legítimas devem respeitar determinados limites que por sua vez devem ser reconduzidos à própria constituição projetada pelo poder constituinte 398 A existência de mutações inconstitucionais assim como a existência de leis ou atos admi nistrativos que contrariam a constituição não significa que tais mutações que violam a ordem constitucional devam ser toleradas como juridicamente válidas razão pela qual devem ser refutadas pelos órgãos estatais competentes ainda que nem sempre seja possível conter os processos de mudança o que poderá resultar até mesmo a depender das circunstâncias na destruição da ordem constitucional por meio de uma revolução 399 582 Mecanismos modos de mutação constitucional Já no que diz com os modos ou mecanismos de manifestação das mutações constitucionais incluindo eventuais mutações inconstitucionais destacamse três modalidades a a mutação por meio da interpretação em especial mas não exclusivamente por meio da atuação dos órgãos jurisdicionais b a mutação mediante o costume c a mutação constitucional por obra da legislação infraconstitucional 400 Especialmente relevantes portanto são as mutações constitucionais pela via da interpretação que ocorrem sempre que se alteram o significado e o alcance do texto constitucional sem que se efetue qualquer alteração textual 401 Ao longo do tempo podem ser identificadas em diversas ordens constitucionais Exemplo habitualmente citado na doutrina é o famoso caso Marbury v Madison julgado pela Suprema Corte norteamericana em 1803 precedente que introduziu no sistema jurídico norteamericano o controle judicial de constitucionalidade das leis nada obstante a ausência de previsão normativa no texto da Constituição Ainda no âmbito da evolução constitucional norte americana Luís Roberto Barroso identifica dois momentos que atesta ram inequivocamente a ocorrência de uma mutação constitucional Tratase da jurisprudên cia formada a partir do chamado New Deal que rompeu com o paradigma constitucional em voga durante a Era Lochner 402 passando a admitir um conjunto de leis trabalhistas e sociais Outro exemplo significativo diz respeito à reconstrução do princípio da igualdade especialmente no campo da discriminação racial como ocorreu em 1954 com o caso Brown v Board of Education quando a Suprema Corte reviu o entendimento ratificado deste no final do século XIX no caso a assim chamada doutrina dos iguais mas separados Desde então tornouse inconstitucional a segregação racial entre negros e brancos em escolas públicas dos Estados Unidos Em ambos os casos assim também o afirma Luís Roberto Barroso ocorreu um câmbio do sentido outorgado a normas constitucionais sem que tivesse havido alteração do texto o que faz com que a mutação constitucional pela interpretação não possa ser confundida com o que se costuma designar de interpretação evolutiva ou interpretação construtiva pois a mutação constitucional implica alteração de sentido da norma em relação à compreensão anterior 403 No Brasil também podem ser encontrados exemplos de mutação constitucional pela via da interpretação judicial destacandose já sob a égide da atual Constituição Federal o sentido atribuído pelo STF ao dispositivo art 52 X da CF que determina a comunicação pelo STF de decisão que declarar a inconstitucionalidade de lei de modo que o Senado Federal suspenda no todo ou em parte os efeitos da norma No caso o STF passou a entender que o efeito da comunicação pelo STF é apenas o de dar publicidade à decisão pois a eficácia geral erga omnes da decisão já decorre do próprio sistema constitucional e da natureza da decisão do STF em matéria de controle de constitucionalidade ainda mais em face entre outros aspectos dignos de nota das alterações introduzidas pela EC 452004 e da legislação sobre ADIn ADC e ADPF alterando significativamente o perfil do sistema brasileiro de controle de constitucionalidade 404 Outro exemplo possível de ser enquadrado na categoria das mutações constitucionais pela via interpretativa pode ser vislumbrado no julgamento do STF sobre a exegese do dispositivo constitucional que trata da união estável entre homem e mulher que a despeito do texto foi estendido às uniões estáveis entre pessoas do mesmo sexo inclusive para efeitos de interpretação conforme à Constituição ao novo sentido atribuído ao texto constitucional do Código Civil 405 Além dos casos referidos outro exemplo é de ser mencionado Tratase do julgamento do HC 168052SP rel Min Gilmar Mendes j em 11062019 que concedeu liminarmente a ordem para anular as provas obtidas mediante acesso indevido ao aplicativo WhatsApp que havia sido apreendido sem prévia autorização judicial mas cujo teor mensagens trocadas acabou levando a autoridade policial a ingressar no domicílio do paciente onde foram encontradas drogas e armas De acordo com o relator a modificação das circunstâncias fáticas e jurídicas a promulgação de leis posteriores e o desenvolvimento das tecnologias da comunicação tráfego de dados e uso dos smartphones impõem solução diversa da que vinha sendo praticada pelo STF e patrocinada pela doutrina dominante qual seja a de não aplicarse a inviolabilidade das comunicações aos dados registrados Por tal razão entendeu o relator que se estaria com a alteração daquela orientação promovendo uma mutação constitucional pela via da interpretação Além da mutação por meio da interpretação a mudança informal como já referido poderá ocorrer por força de um costume constitucional que por sua vez constitui fonte de direito constitucional em sentido material No âmbito de uma constituição analítica e relativamente recente como é o caso da Constituição Federal o papel possível do costume constitucional é muito mais limitado do que em outras ordens constitucionais Além disso problemática é a possibilidade de reconhecimento de um costume contrário ao sentido literal da Constituição o que todavia há de ser analisado no item sobre os limites da mutação constitucional Em caráter meramente ilustrativo podem ser citados alguns exemplos possíveis de costume constitucional no Brasil como é o caso do reconhecimento da possibilidade de o chefe do Executivo negar aplicação à lei manifestamente inconstitucional ou a aprovação de projeto de lei mediante acordo entre as lideranças partidárias no Congresso 406 Também mudanças processadas ao nível da legislação infraconstitucional podem levar a uma mutação constitucional mas apenas quando a medida legislativa implicar alteração da compreensão do sentido e aplicação de norma constitucional sem alteração do texto da constituição 407 de tal sorte que aqui se poderá mesmo falar em certo sentido em uma espécie de interpretação da constituição conforme à lei pois ao regular as situações da vida o legislador poderá estar como primeiro intérprete influindo no próprio sentido da norma constitucional por ele regulamentada especialmente quando a nova interpretação legislativa encontrar ressonância no meio dos juízes e for chancelada pelo Poder Judiciário De qualquer sorte é controverso até que ponto a legislação infraconstitucional é o mecanismo propriamente dito da mutação ou o fator que impulsiona a mudança informal da constituição por parte do intérprete ou seja mediante a ação dos órgãos do Poder Judiciário incumbidos da guarda da constituição Além disso considerando a distinção entre poder constituinte e constituído e a hierarquia das fontes problemática é a própria noção de uma mutação constitucional legislativa que inclusive pode até mesmo soar como contraditória De qualquer sorte cuidase de tópico altamente polêmico e que aqui não será objeto de maior desenvolvimento 408 583 Limites da mutação constitucional o problema das mutações inconstitucionais A mutação constitucional poderá eventualmente ocorrer de modo a violar o sentido literal da constituição escrita ou seja tanto pela interpretação judicial quanto pela atuação do legislador infraconstitucional e por meio de um costume ou prática por parte dos Poderes constituídos é possível nesse sentido falar em uma mutação inconstitucional A despeito de tais mudanças serem inconstitucionais por ofensa à constituição escrita cuja supremacia formal e material há de ser assegurada o fato é que na prática mudanças manifestamente inconstitucionais pelo menos no sentido reiterese de violação da constituição escrita podem ainda assim prevalecer seja pela falta de controle especialmente no âmbito do controle de constitucionalidade de tais mudanças seja pelo fato de tal controle ser mesmo inviável em algumas hipóteses 409 Especialmente quando se trata de mutação por via da interpretação judicial verificase que os limites da interpretação são em certo sentido também limites da própria mutação visto que como poder constituído embora a atribuição para interpretar e aplicar de forma vinculante o direito constitucional o Poder Judiciário não está autorizado o que não significa que isso não possa vir a ocorrer na prática a julgar contra disposição constitucional expressa ou seja a mutação não pode justificar alterações que contrariem o texto constitucional devendo respeitar as possibilidades interpretativas que decorrem e encontram seu limite nesse mesmo texto constitucional 410 Valendonos da lição de Konrad Hesse embora haja possibilidade de uma mutação constitucional pela interpretação a quebra da ordem constitucional encontrase vedada pois onde o intérprete se coloca acima da constituição não se trata mais de interpretação mas sim de alteração ou mesmo violação da constituição 411 Por outro lado como destaca Gomes Canotilho as mutações constitucionais devem ser consideradas admissíveis quando não se pretenda simplesmente constitucionalizar fatos de modo a ensejar uma leitura contrária ao próprio texto constitucional o que ao fim e ao cabo acabaria por representar uma leitura constitucional de baixo para cima corrosiva até mesmo da força normativa da constituição 412 O quanto tais diretrizes que buscam conciliar a mudança portanto uma possível e mesmo desejável interpretação evolutiva com a necessária estabilidade da constituição e o respeito aos seus limites textuais têm sido observadas na prática da jurisprudência constitucional com destaque para a atuação do STF é difícil de responder e o tópico tem sido objeto de acirrado debate em virtude de algumas decisões de grande importância e repercussão Bastaria referir aqui o caso ainda pendente de julgamento final da superação por seu caráter obsoleto tese defendida por exemplo pelos Ministros Gilmar Ferreira Mendes e Eros Roberto Grau da necessidade de o STF comunicar o teor da decisão que declarar a inconstitucionalidade de lei ao Senado Federal que nos termos do formalmente ainda em vigor art 52 X da CF poderá suspender a execução no todo ou em parte de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal mediante o argumento de que a única interpretação afinada com o atual modelo de controle de constitucionalidade especialmente desde a previsão do efeito vinculante em matéria de ADIn ADC e ADPF seria a de que a comunicação ao Senado teria apenas o sentido de viabilizar a publicação portanto dar ciência da decisão pela inconstitucionalidade mas sem qualquer efeito adicional Não é preciso maior esforço para perceber que embora as razões esgrimidas esbarrem em argumentos contrários já pelo fato de o dispositivo constitucional indicar que o Senado poderá e não deverá suspender e ainda por cima o poderá fazer em caráter parcial a execução da lei entre outras razões que aqui se poderiam esgrimir 413 Outra decisão esta sim amplamente aplaudida especialmente no que diz com seu desiderato diz com a extensão pelo STF da proteção com base no instituto da união estável às uniões homoafetivas muito embora a expressa previsão no texto constitucional de que somente será considerada para efeitos da proteção estatal a união entre o homem e a mulher art 226 3º da CF cujo sentido foi relido pelo STF para num segundo passo considerar em desconformidade com o texto em verdade o sentido atribuído a um texto que expressamente assegura algo distinto no caso a união entre homens e mulheres uma fórmula prevista na legislação ordinária Código Civil que em si apenas reproduziu o texto constitucional 414 Sem querer polemizar sobre a bondade evidente da causa agasalhada pelo STF pois dificilmente alguém poderá na atual quadra negar a necessidade de assegurar a livre orientação sexual e de promover a igualdade e coibir a discriminação também nessa seara não se poderá por outro lado desconsiderar pura e simplesmente as razões daqueles que preocupados com os efeitos colaterais da metódica adotada pela nossa Corte constitucional que em face da ausência de ajuste legislativo no caso uma emenda constitucional seria o meio mais legítimo para corrigir o anacronismo do texto original da Constituição Federal estaria dentre outros argumentos relevantes usurpando função que não lhe é própria 415 Apoiando a tese de que nesse caso teria havido uma legítima mutação constitucional Claudio Pereira de Souza Neto e Daniel Sarmento aduzem que não teria havido violação do texto constitucional pois embora o art 226 3º da CF mencione união estável entre homem e mulher não veda expressamente que a união entre pessoas do mesmo sexo seja reconhecida como equivalente em termos de proteção jurídica recorrendose para tanto a uma interpretação extensiva em sintonia com os princípios fundamentais dignidade igualdade etc da própria Constituição Federal 416 Outro tema de alta repercussão e caráter polêmico é o da possibilidade ou não da execução provisória da pena depois de ocorrido o julgamento condenatório em sede do Segundo Grau de Jurisdição mesmo antes do trânsito em julgado Aqui o STF depois de ter vedado tal possibilidade quando do julgamento do HC 84078MG 2009 alterou o seu entendimento passando a admitir no âmbito do controle abstrato de constitucionalidade a execução provisória da sentença condenatória por apertada maioria de votos Notese que no tocante ao presente ponto e de acordo com o voto do Ministro Roberto Barroso no HC 152752 Relator Ministro Edson Fachin julgado em 04042018 cuidase de autêntica hipótese de mutação constitucional relativamente ao disposto no artigo 5º LVII CF que segundo ele justifica a mudança de entendimento em prol da execução provisória da pena em virtude da alteração da interpretação do princípio da presunção de inocência pelo STF Para o Ministro Roberto Barroso a assim chamada mutação constitucional pode ocorrer em três hipóteses a mudança relevante da realidade social b mudança na compreensão do Direito e c ocorrência de impactos negativos decorrentes de determinada interpretação Nesse contexto ainda nos termos do voto do Ministro Roberto Barroso a decisão tomada pelo STF em 2009 acima referida que vedou a execução da pena privativa de liberdade antes do trânsito em julgado da sentença condenatória produziu três impactos negativos a incentivo à interposição de recursos de caráter procrastinatório b aumento da seletividade do sistema punitivo brasileiro que atinge na massiva maioria dos casos apenas as camadas mais pobres da população e c descrédito do sistema de Justiça penal junto à sociedade À vista de tais implicações a interpretação anteriormente praticada carece de modificação sem que com isso reste afetado o teor literal da CF A orientação do STF sobre o tema da assim chamada execução provisória da pena contudo foi objeto de ulteriores ajustes e acabou sendo em grande medida revertida novamente por uma maioria muito enxuta Com efeito em 2019 no julgamento das Ações Diretas de Constitucionalidade 43 44 e 53 onde se discutiu a constitucionalidade do art 283 do CPP todas relatadas pelo Ministro Marco Aurélio o STF por apertada maioria 6 x 5 votos modificando o seu entendimento voltou a considerar vedada a assim chamada execução provisória da pena antes do trânsito em julgado da decisão condenatória de tal sorte que o recolhimento do réu mesmo condenado já em Segunda Instância à prisão antes desse momento somente poderá ocorrer quando presentes os requisitos que autorizam o decreto da prisão preventiva art 312 CPP Tendo em conta os exemplos referidos extraídos da jurisprudência do STF percebese que o instituto da mutação constitucional pela via interpretativa tem sido manejado ora para ampliar o elenco de direitos fundamentais ora para lhes impor restrições Além disso o quanto nos casos colacionados se verifica uma autêntica mutação e em que medida essa não esbarra nos seus limites designadamente a vedação da mutação inconstitucional por ofensa ao sentido mínimo do texto constitucional resulta par ticularmente controverso e demanda maior reflexão do que aqui se poderá levar a efeito 6 Eficácia e aplicabilidade das normas constitucionais Ingo Wolfgang Sarlet 61 Alguns aspectos terminológicos e conceituais Os termos eficácia aplicabilidade e efetividade englobam múltiplos aspectos constituindo além disso ponto nevrálgico para a teoria do direito e para o direito constitucional em especial pois o que está em causa é mesmo o problema da força jurídica das normas constitucionais que por sua vez possuem uma normatividade qualificada pela supremacia da constituição no âmbito da ordem jurídica de um Estado Constitucional Antes de avançarmos porém tornase imperiosa certa uniformização nas searas terminológica e conceitual visto que também neste plano não se registra consenso Desde logo é possível afirmar que a doutrina brasileira tem distinguido as noções de vigência e eficácia situandoas em planos diferenciados Mesmo aqui contudo as opiniões nem sempre são coincidentes Tomandose por exemplo a conhecida lição de José Afonso da Silva a vigência consiste na qualidade da norma que a faz existir juridicamente após regular promulgação e publicação tornandoa de observância obrigatória de tal sorte que a vigência constitui verdadeiro pressuposto da eficácia na medida em que apenas a norma vigente pode vir a ser eficaz 419 Para Luís Roberto Barroso por sua vez há que se partir da distinção entre existência compreendida como a presença dos elementos constitutivos do ato normativo quais sejam agente forma e objeto que configuram seus pressupostos materiais de incidência e validade sendo esta última definida como a conformação do ato normativo aos requisitos estabelecidos pelo ordenamento jurídico no que concerne à competência adequação da forma bem como à licitude e possibilidade de seu objeto noção esta que segundo sustenta o autor referido não se confunde com a vigência de uma norma que se traduz na sua existência jurídica e aplicabilidade 420 Não sendo o caso dada a natureza da obra de aqui aprofundar o tema optamos por identificar a noção de existência da norma com a de sua vigência ressaltando todavia que a vigência necessariamente não se confunde com a validade conformidade com os requisitos estabelecidos pelo ordenamento no que concerne à produção da norma já que independentemente de sua validade a norma pode ter entrado em vigor e neste sentido ter integrado a ordem jurídica ter existido especialmente se considerarmos que mesmo no caso de uma superveniente declaração de inconstitucionalidade nem sempre daí resulta uma pronúncia de nulidade isso sem falar na controvérsia a respeito do fato de a declaração de inconstitucionalidade operar no plano da validade ou da existência da norma infraconstitucional aspectos que serão objeto de detalhado enfrentamento na parte reservada ao controle de constitucionalidade Aspecto a respeito do qual se verifica certo consenso pelo menos na doutrina brasileira diz com a distinção entre a vigência existência eou validade e a eficácia seja qual for o sentido que a esta última se vá atribuir de modo que cabe agora clarificar o sentido atribuído às noções de eficácia e de aplicabilidade De acordo com a concepção de José Afonso da Silva nada obstante a íntima conexão entre ambos os conceitos há que distinguir entre a eficácia social da norma sua aplicação no plano dos fatos e a sua eficácia jurídica Com efeito de acordo com as palavras de José Afonso da Silva aqui reproduzidas a eficácia jurídica designa a qualidade de produzir em maior ou menor grau efeitos jurídicos ao regular desde logo as situações relações e comportamentos nela indicados nesse sentido a eficácia diz respeito à aplicabilidade exigibilidade ou executoriedade da norma como possibilidade de sua apli cação jurídica Possibilidade e não efetividade 421 Constatase portanto que de acordo com esta concepção a eficácia social se confunde com o fenômeno que para muitos é designado como o da efetividade da norma De acordo com o que leciona Luís Roberto Barroso a efetividade aqui compreendida como equivalente à noção de eficácia social adotada por José Afonso da Silva significa a realização do direito o desempenho concreto de sua função social no sentido da materialização no mundo dos fatos dos preceitos normativos e representando a aproximação entre o programa normativo e o ser da realidade social 422 Para esta mesma corrente doutrinária não há como dissociar por outro lado a noção de eficácia jurídica da correlata noção de aplicabilidade das normas jurídicas na medida em que a eficácia jurídica consiste justamente na possibilidade de aplicação da norma aos casos concretos com a consequente geração dos efeitos jurídicos que lhe são inerentes Como leciona José Afonso da Silva eficácia e aplicabilidade são fenômenos conexos aspectos talvez do mesmo fenômeno encarados por prismas diferentes aquela como potencialidade esta como realizabilidade praticidade Se a norma não dispõe de todos os requisitos para sua aplicação aos casos concretos faltalhe eficácia não dispõe de aplicabilidade Esta se revela assim como a possibilidade de aplicação Para que haja esta possibilidade a norma há que ser capaz de produzir efeitos jurídicos 423 Em sentido próximo aderindo à distinção entre eficácia e aplicabilidade registrase a posição de Virgílio Afonso da Silva advogando que embora haja uma conexidade evidente entre ambos os conceitos não se trata de uma relação de pressuposição visto ser possível que uma norma dotada de eficácia não tenha aplicabilidade especialmente em função de a aptidão para a produção de efeitos ser algo definido em plano diverso do qual se discute o problema da aplicação Mais adiante o autor agrega que a aplicabilidade ao contrário da eficácia é um conceito que envolve uma dimensão fática pois guarda relação com a conexão entre a norma jurídica de um lado e fatos atos e posições jurídicas de outro 424 de tal sorte que mediante tal linha argumentativa e a despeito de reconhecer a distinção acaba por se afastar da posição advogada por José Afonso da Silva Sem que se pretenda aqui aprofundar a discussão optamos por aderir no que parecem estar de acordo entre si José Afonso da Silva e Virgílio Afonso da Silva à distinção entre eficácia e aplicabilidade embora o façamos de um modo mais afinado com a justificação habitual portanto privilegiando neste particular a linha argumentativa de José Afonso da Silva já sumariamente apresentada Com efeito partimos da premissa de que eficácia e aplicabilidade são noções conexas como em simplificada comparação as duas faces de uma mesma moeda não sendo possível falar de norma eficaz e destituída de aplicabilidade o que não quer dizer que em sendo aplicável a norma venha a ser aplicada ou mesmo que com isso esteja resolvida a forma como se dará a aplicação se direta ou indireta De tal sorte quando se fizer referência ao termo eficácia jurídica ou simplesmente eficácia estarseá abrangendo a noção de aplicabilidade visto que esta se trata de categoria indissociável de acordo com a compreensão adotada da eficácia ainda que não exista uma identidade entre ambas as noções Mais próximos talvez de José Afonso da Silva quanto a este aspecto consideramos que uma norma eficaz é sempre aplicável mas poderá não ser aplicada portanto poderá não alcançar eficácia social ou efetividade o que já nos remete a outra distinção cada vez mais polemizada Ainda que as considerações tecidas correspondam ao que se pode ainda denominar de opinião preponderante no seio de nossa doutrina há que fazer referência à posição crítica de Eros Roberto Grau que propõe uma revisão e reformulação da noção de eficácia e efetividade à luz da Constituição de 1988 partindo do pressuposto de que a decisão pela aplicação do direito no caso concreto constitui na verdade uma decisão pela sua execução isto é pela sua efetivação 425 Para além dessa constatação o referido autor tende a se afastar dos posicionamentos mais tradicionais adotados no Brasil quando advoga o ponto de vista de que a eficácia social para utilizar a expressão habitual não se situa no plano da aplicação da norma como leciona José Afonso da Silva mas que se manifesta ou não após o momento da aplicação já que nada garante que as decisões normas individuais de conduta tomadas pelo Judiciário como instância primordialmente incumbida do poder dever de realizar o direito aplicandoo aos casos concretos sejam efetivamente cumpridas pelos seus destinatários tampouco garantindo que sejam realizados os fins buscados por elas 426 À luz dessas considerações há como sustentar a íntima vinculação entre as noções de eficácia jurídica e de eficácia social efetividade a primeira constituindo pressuposto da segunda sem que por outro lado se possam desconsiderar as evidentes distinções entre uma e outra Além disso independentemente da terminologia adotada há que retomar aqui a já referida e perspicaz ponderação de Eros Roberto Grau que apontou para a circunstância de que a decisão pela aplicação do direito constitui em última análise uma opção pela sua efetivação que não se pode confundir com o fato de que uma vez tornado efetivo o direito isto é aplicado ao caso concreto este venha a ser executado pelos destinatários atingindo a finalidade prevista na norma Em sentido diverso mas igualmente crítico em relação à distinção traçada por José Afonso da Silva entre as noções de eficácia jurídica e eficácia social ou eficácia e efetividade das normas constitucionais importa colacionar em apertada síntese as objeções apresentadas por Virgílio Afonso da Silva para o qual não há como sufragar um conceito estritamente jurídico de eficácia visto que a produção de efeitos de uma norma depende sempre de outras variáveis que não apenas e somente o dispositivo constitucional e legal inclusive por serem sempre passíveis de restrição ou regulamentação 427 A despeito das ponderações levadas a efeito por Eros Grau e Virgílio Afonso da Silva ambas criticando por razões diversas a concepção de eficácia jurídica de José Afonso da Silva entendemos ser possível com as devidas ressalvas manter para efeitos de um acordo semântico uma distinção entre eficácia jurídica e eficácia social ou efetividade Em primeiro lugar cuidase de eficácia e aplicabilidade de normas constitucionais e não de textos dispositivos constitucionais pura e simplesmente de tal sorte que levando em conta que a norma não se confunde com o texto e é resultado sempre de uma operação externa ao texto ainda que mais ou menos referida a um ou mesmo vários textos no sentido de dispositivos constitucionais no caso na concepção de eficácia jurídica aqui adotada a noção de que se cuida da aptidão de uma norma para gerar efeitos não é única e exclusivamente dependente do texto dos dispositivos constitucional ou legal De outra parte assumese como correta a interface entre eficácia jurídica e eficácia social efetividade de tal sorte que a diferenciação traçada e aqui tida como viável inclusive para efeitos didáticos não pretende simplesmente muito antes pelo contrário desconsiderar a relevância de fatores externos ao texto normativo De qualquer modo a aptidão em caráter potencial portanto da norma para gerar efeitos e ser aplicada segue sendo distinta do ato concreto de aplicação no sentido da realização efetiva do programa normativo não importa aqui sem prejuízo de outras possibilidades se por meio da atuação do legislador restringindo ou regulamentando ou do juiz O que importa portanto é que tenhamos sempre presentes essas premissas ao efetuarmos a distinção entre eficácia jurídica e social Mantendose portanto a terminologia usual e já consagrada em nosso meio há que compreendêla contudo de forma ligeiramente diversa Assim sendo em termos de síntese podemos definir a eficácia jurídica como a possibilidade no sentido de aptidão de a norma vigente juridicamente existente ser aplicada aos casos concretos e de na medida de sua aplicabilidade gerar efeitos jurídicos ao passo que a eficácia social ou efetividade pode ser considerada como englobando tanto a decisão pela efetiva aplicação da norma juridicamente eficaz quanto o resultado concreto decorrente ou não desta aplicação O que não se pode esquecer é que o problema da eficácia do direito engloba tanto a eficácia jurídica quanto a assim designada eficácia social ou efetividade aqui tomadas como equivalentes Ambas a exemplo do que ocorre com a eficácia e a aplicabilidade representam facetas diversas do mesmo fenômeno já que situadas em planos distintos o do dever ser e o do ser mas que se encontram intimamente ligadas entre si na medida em que ambas servem e são indispensáveis à realização integral do direito Assim uma vez definidos os conceitos e escolhidos os termos passaremos a apresentar e discutir algumas das principais classificações e posições a respeito da eficácia e aplicabilidade das normas constitucionais no Brasil 62 Apresentação e discussão das principais classificações das normas constitucionais quanto à sua eficácia e aplicabilidade adotadas no Brasil 621 As posições clássicas e a sua gradual superação O tema da eficácia das normas constitucionais tem ocupado lugar de destaque na doutrina brasileira de modo especial a partir da Constituição de 1891 Desde então podese afirmar que ao menos até a década de 1960 prevaleceu e não apenas no que diz com a eficácia das normas constitucionais o entendimento adotado e difundido por Ruy Barbosa um dos idealizadores da ordem constitucional republicana Pela importância da obra de Ruy Barbosa e pela influência que boa parte de suas ideias ainda hoje exerce cumpre relembrar alguns aspectos essenciais dessa concepção Importa ressaltar neste contexto que Ruy Barbosa entusiasta do modelo norteamericano inspirouse preponderantemente nas obras dos grandes clássicos do direito constitucional estadunidense bem como nas decisões da Suprema Corte e outros importantes tribunais daquele país acolhendo a distinção entre normas autoaplicáveis ou autoexecutáveis e normas não autoaplicáveis ou não autoexecutáveis denominadas pela doutrina americana respectivamente normas selfexecuting selfacting ou selfenforcing por um lado e normas not self executing not selfacting ou not selfenforcing por outro No que diz com o primeiro grupo o das normas autoaplicáveis ou autoexecutáveis Ruy Barbosa firmou posição no sentido de que normas autoaplicáveis seriam aquelas que estariam aptas a gerar seus efeitos independentemente de qualquer atuação do legislador já que seu conteúdo se encontra devidamente determinado Nas palavras do próprio Ruy baseado em lição de George Tucker executáveis por si mesmas são portanto as determinações para executar as quaes não se haja mister de constituir ou designar uma autoridade nem criar ou indicar um processo especial e aquellas onde o direito instituído se ache armado por si mesmo pela sua própria natureza dos meios de execução e preservação 428 Em outra passagem citando posição da Suprema Corte norteamericana Ruy Barbosa sustenta que uma disposição constitucional é executável por si mesma quando completa no que determina lhe é supérfluo o auxílio suppletivo da lei para exprimir tudo o que intenta e realizar tudo o que exprime 429 Já no que concerne às normas não autoaplicáveis ou não autoexecutáveis Ruy Barbosa aqui também valendose das lições do mesmo George Tucker salienta que muitas normas constitucionais requerem uma ação do legislador para tornar efetivos os seus preceitos visto que não revestem dos meios de acção essenciaes ao seu exercício os direitos que outorgam ou os encargos que impõem estabelecem competências atribuições poderes cujo uso tem de aguardar que a Legislatura segundo o seu criterio os habilite a se exercerem 430 Com base nessas distinções Ruy Barbosa conclui citando passagem extraída da obra de Thomas Cooley para quem podese dizer que uma disposição constitucional é autoexecutável selfexecuting quando nos fornece uma regra mediante a qual se possa fruir e resguardar o direito outorgado ou executar o dever imposto e que não é autoaplicável quando meramente indica princípios sem estabelecer normas por cujo meio se logre dar a esses princípios vigor de lei 431 Há que ressaltar ainda que Ruy Barbosa no âmbito de sua teoria sobre as normas constitucionais reconheceu que é com base na formulação da norma isto é da expressão literal de seu enunciado e de seu conteúdo que se logrará perceber se determinado preceito constitucional é dirigido ao legislador ou se pode ser objeto de aplicação pelo Judiciário o que em última análise depende da circunstância de a norma exigir ou não uma concretização em nível legislativo de acordo com a sua possibilidade por si só de gerar efeitos jurídicos ou do fato de conter apenas princípios de cunho genérico 432 Com base neste entendimento Ruy Barbosa chegou à conclusão de que cada norma constitucional apenas é autoaplicável na medida em que efetivamente permite a sua aplicação o que por sua vez se encontra na dependência direta de seu grau de completude 433 Por outro lado como bem anota Luís Roberto Barroso embora a importância atribuída ao tema no Brasil no direito constitucional norteamericano a problemática da eficácia e aplicabilidade das normas constitucionais não chegou a ser um tema central e crucial em virtude da peculiar tradição de um direito judicial 434 mas também é possível agregar em função do deslocamento do debate teórico da força normativa da constituição para o campo da interpretação constitucional Além disso o próprio Ruy Barbosa percebeu as deficiências da classificação então dominante no meio jurídicoconstitucional norteamericano ao apontar para o fato de que não há numa constituição normas que tenham o valor de meros conselhos ou avisos pois todas têm força imperativa 435 Outro jurista nacional de extrema importância também nessa matéria foi Pontes de Miranda que apesar de seguir em parte não irrelevante o esquema geral proposto por Ruy Barbosa sugeriu a utilização de uma terminologia diferenciada além de ter desenvolvido alguns aspectos inovadores de tal sorte que também neste campo trouxe contribuição marcada pela sua habitual originalidade Neste sentido Pontes de Miranda cuja terminologia apresenta o mérito de ressaltar com maior precisão o critério com base no qual pauta a distinção entre as normas no que concerne à sua eficácia e aplicabilidade também sustentava a classificação das normas em dois grupos dependendo de seu grau de completude notadamente as normas bastantes em si mesmas que independem de concretização legislativa para alcançarem sua plena eficácia bem como de normas incompletas isto é não bastantes em si mesmas e que por este motivo reclamam atuação do legislador infraconstitucional 436 Cumpre salientar que diversamente de Ruy Barbosa Pontes de Miranda que já formulou sua teorização sob a égide da Constituição de 1934 de forte conteúdo social parte do pressuposto da existência de normas constitucionais programáticas que constituem expressão do fracasso do modelo liberal de Estado reconhecendo contudo que tais normas praticamente não disponíveis no constitucionalismo liberal no qual se abeberou Ruy Barbosa possuem alguma ainda que limitada carga vinculativa no sentido de implicarem o cerceamento da atividade do legislador que não pode contrariar o programa estabelecido pela Constituição 437 Assim verificase que Pontes de Miranda começou a preparar o terreno para uma revisão crítica da classificação de inspiração norte americana difundida por Ruy Barbosa e neste sentido abriu caminho para as novas concepções que passaram também no Brasil a ser formuladas nesta área o que no Brasil passou a ocorrer com cada vez maior intensidade a partir de meados do século XX coincidindo com a afirmação do constitucionalismo de matriz social Com efeito a teoria de Ruy Barbosa em que pese sua inegável importância passou a ser objeto de acirrada crítica especialmente pelo fato de não mais corresponder ao modelo preponderante no âmbito de nossa doutrina além de ser em boa parte incompatível com o direito constitucional positivo brasileiro pelo menos desde a Constituição de 1934 de cunho notadamente social e que teve como uma de suas fontes de inspiração a Constituição alemã de 1919 a famosa Constituição de Weimar A revisão das concepções sobre a eficácia e aplicabilidade das normas constitucionais ocorreu principalmente com base no pensamento de alguns dos principais constitucionalistas italianos do segundo pósguerra mas é correto afirmar que foram as lições de alguns importantes juristas alemães da época de Weimar que prepararam o terreno para tal reformulação ainda que o pensamento dominante na Alemanha admitisse a falta de eficácia das normas de tipo programático Enquanto a concepção usual partia da premissa de que a maior parte das normas constitucionais não era diretamente aplicável sem a intervenção do legislador infraconstitucional a doutrina brasileira passou a admitir que todas as normas constitucionais são dotadas de eficácia e são pelo menos e mesmo assim apenas em parte visto que boa parte das normas é diretamente aplicável indiretamente aplicáveis 438 A classificação das normas constitucionais em autoaplicáveis e não autoaplicáveis foi objeto de crítica já no que tange ao aspecto terminológico na medida em que a expressão autoaplicável transmite a falsa impressão de que estas normas não podem sofrer qualquer tipo de regulamentação legislativa quando pelo contrário não se controverte a respeito da possibilidade de regulamentação das normas diretamente aplicáveis para que possam ter maior executoriedade ou com o objetivo de serem adaptadas às transformações e às circunstâncias vigentes na esfera social e econômica 439 Nesta mesma linha de raciocínio situase a crítica dos que se opõem à concepção clássica de inspiração norteamericana quando consideram insustentável o entendimento de que as normas denominadas não autoaplicáveis ou não autoexecutáveis não produzem efeito algum uma vez que completamente destituídas de aplicabilidade direta argumentando que inexiste norma constitucional destituída de eficácia na medida em que toda e qualquer norma da Constituição sempre é capaz de gerar algum tipo de efeito jurídico 440 Verificouse portanto lição que permanece atual para a maioria dos autores brasileiros que uma norma usualmente designada de não autoaplicável portanto mesmo tendo a função de uma norma impositiva de programas fins e tarefas ou quando se trata de uma norma contendo princípios de natureza geral no mínimo estabelece alguns parâmetros para o legislador no exercício de sua competência concretizadora 441 É preciso destacar ainda neste contexto que mesmo na doutrina e na jurisprudência constitucional norteamericana houve alguma evolução na matéria Neste sentido oportuna a transcrição da seguinte passagem extraída de decisão proferida pela Suprema Corte em 1958 caso Trop v Dulles Os preceitos da Constituição não são adágios gastos pelo tempo ou contrassenhas destituídas de sentido São princípios vitais e vivos que autorizam e limitam os poderes governamentais em nossa nação Eles são regras de governo Quando a constitucionalidade de um ato do Congresso é questionada perante este Tribunal devemos aplicar estas regras Se não o fizermos as palavras da Constituição nada mais serão do que bons conselhos 442 Outra crítica diz com a utilização do critério da completude do conteúdo como parâmetro para a classificação das normas constitucionais em normas autoaplicáveis e não autoaplicáveis Com apoio nas lições de Crisafulli sustentouse entre nós que cada norma constitucional é em certa medida incompleta já que quando de sua aplicação aos casos concretos reclama em virtude de seu grau de abstração e generalidade uma atividade exegética o que ocorre mesmo com as normas diretamente aplicáveis que igualmente podem conter conceitos vagos e imprecisos de tal sorte que é possível falar em normais mais ou menos completas isto é em graus de completude normativa 443 Por outro lado tal como observa Meirelles Teixeira esta crítica não deveria ser encarada de forma por demais severa pois quando se fala em norma completa tal conceito se refere a uma aptidão da norma para significar e produzir seus efeitos essenciais não todos os efeitos possíveis 444 Dentre as concepções doutrinárias que partindo das críticas sumariamente referidas contribuíram para uma reformulação da doutrina e prática dominante na seara da eficácia e aplicabilidade das normas constitucionais no Brasil podemos iniciar com a que pode ser considerada a primeira e talvez uma das mais originais qual seja a de José Horácio Meirelles Teixeira Para este autor toda e qualquer norma constitucional alcança algum tipo de eficácia de tal sorte que a eficácia das normas constitucionais pode ser considerada de natureza gradual isto é variando entre um mínimo e um máximo 445 Com base nesta constatação Meirelles Teixeira sugeriu uma classificação das normas constitucionais em dois grupos quais sejam normas de eficácia plena e normas de eficácia limitada ou reduzida sendo que o primeiro grupo ou seja das normas de eficácia plena corresponde às normas que valendo nos da formulação do autor produzem desde o momento de sua promulgação todos os seus efeitos essenciais isto é todos os objetivos especialmente visados pelo legislador constituinte porque este criou desde logo uma normatividade para isso suficiente incidindo direta e imediatamente sobre a matéria que lhes constitui objeto 446 Já por normas de eficácia limitada ou reduzida Meirelles Teixeira concebe aquelas normas que não produzem logo ao serem promulgadas todos os seus efeitos essenciais porque não se estabeleceu sobre a matéria uma normatividade para isso suficiente deixando total ou parcialmente essa tarefa ao legislador ordinário 447 Esclarece ainda Meirelles Teixeira que as normas de eficácia plena não se caracterizam por uma completa exaustão no que diz com seus efeitos mas sim pelo fato de gerarem desde logo os seus efeitos essenciais no sentido de especialmente visados pelo constituinte podendo neste sentido ser consideradas como dotadas de normatividade suficiente ao passo que as normas de eficácia limitada não se encontram em condições pela sua insuficiente normatividade de produzir desde logo e por si sós isto é independentemente da intervenção do legislador seus principais efeitos 448 Sem que se vá aqui adentrar na análise efetuada por Meirelles Teixeira no que diz com os diversos efeitos que podem ser gerados pelas normas constitucionais seja de eficácia plena seja de eficácia limitada até porque tais aspectos serão oportunamente retomados na medida do necessário importa consignar ainda que o autor divide as normas de eficácia limitada em dois grupos que respectivamente denomina normas programáticas e de legislação as primeiras versando sobre matéria de natureza eminente mente ética e social constituindo verdadeiros programas de ação destinados ao legislador ordinário enquanto as normas de legislação como por exemplo as normas organizacionais e de competência destituídas do caráter éticosocial das normas programáticas dependem para alcançar sua eficácia plena de legislação que concretize o programa normativo em virtude de uma necessidade de natureza técnica instrumental já que em princípio regulam de forma direta a matéria que constitui seu objeto sendo contudo insuscetíveis de aplicação imediata por reclamarem normas legislativas instrumentais às quais se acham condicionadas 449 A próxima tentativa de sistematização do problema da eficácia e da aplicabilidade das normas constitucionais no Brasil e a que teve seguramente a maior adesão é da autoria de José Afonso da Silva autor da já citada monografia sobre a Aplicabilidade das normas constitucionais 450 que segundo consta pela primeira vez formulou entre nós uma teoria tricotômica da eficácia 451 Segundo José Afonso da Silva as normas constitucionais podem ser divididas em três grupos quais sejam normas de eficácia plena normas de eficácia contida e normas de eficácia limitada Normas de eficácia plena seriam aquelas que por serem dotadas de aplicabilidade direta imediata e integral não dependem da atuação do legislador ordinário para que alcancem sua plena operatividade já que desde a entrada em vigor da Constituição produzem ou têm possibilidade de produzir todos os efeitos essenciais relativamente aos interesses comportamentos e situações que o legislador constituinte direta ou indiretamente quis regular 452 Já as normas de eficácia contida dotadas de aplicabilidade direta imediata mas possivelmente não integral são aquelas em que o legislador constituinte regulou suficientemente os interesses relativos a determinada matéria mas deixou margem à atuação restritiva por parte da competência discricionária do Poder Público nos termos que a lei estabelecer ou nos termos de conceitos gerais nelas enunciados 453 As normas de eficácia limitada por sua vez caracterizamse essencialmente pela sua aplicabilidade indireta e reduzida não tendo recebido do legislador constituinte a normatividade suficiente para por si sós e desde logo serem aplicáveis e gerarem seus principais efeitos reclamando por este motivo a intervenção legislativa Ressaltese que as normas de eficácia limitada englobam tanto as normas declaratórias de princípios programáticos quanto as normas declaratórias de princípios institutivos e organizatórios que definem a estrutura e as funções de determinados órgãos e instituições cuja formatação definitiva contudo se encontra na dependência do legislador ordinário 454 Outra classificação que não pode deixar de ser referida foi proposta por Celso Ribeiro Bastos e Carlos Ayres Britto que igualmente imprimiram à matéria um toque original Diversamente de seus antecessores os autores partem de outro critério para formular sua proposta de classificação e sistematização das normas constitucionais no caso o modo de incidência das normas constitucionais a maneira pela qual a norma regula a matéria sobre a qual incide considerando este como pressuposto da eficácia já que esta supõe um mínimo de aptidão normativa para atuar no plano fático 455 De acordo com este critério bem como em face da possibilidade ou não de o legislador interferir na regulamentação da matéria pela Constituição as normas constitucionais podem ser divididas em normas inintegráveis ou de mera aplicação que de acordo com a formulação dos autores encerram uma formulação jurídica de núcleo inelástico ou impermeável a outro querer normativo de grau hierárquico menor 456 bem como em normas integráveis ou de integração que podem ser definidas como regras vocacionadas para um consórcio com a vontade legislativa inferior 457 abrangendo as normas restringíveis e as completáveis pela atuação do legislador ordinário No que tange à sua eficácia as normas constitucionais igualmente podem por sua vez ser classificadas em normas de eficácia parcial que corresponderiam às normas de integração completáveis bem como em normas de eficácia plena que correspondem tanto às normas inintegráveis quanto às normas de integração meramente restringíveis 458 Após a vigência da Constituição de 1988 a primeira proposta diferenciada focada no critério da eficácia e da aplicabilidade foi apresentada por Maria Helena Diniz sustentando uma classificação em quatro grupos a normas com eficácia absoluta que por insuscetíveis de alteração até mesmo mediante emenda à Constituição seriam intangíveis e portanto com eficácia reforçada em relação às normas de eficácia plena b normas com eficácia plena que a exemplo das normas de eficácia absoluta independem de atuação do legislador ordinário para gerar seus efeitos incidindo diretamente sobre a matéria que constitui seu objeto e criando desde logo direitos subjetivos sendo contudo suscetíveis de emenda constitucional c normas com eficácia relativa restringível que sendo de aplicabilidade direta ou imediata têm a possibilidade de gerar todos os efeitos jurídicos nelas previstos sujeitas contudo a restrições previstas na legislação ordinária ou dependendo de regulamentação ulterior que pode vir a reduzir sua aplicabilidade d normas com eficácia relativa complementável ou dependente de complementação legislativa de aplicação apenas mediata indireta já que não dotadas de normatividade suficiente para tanto não sendo portanto suscetíveis de gerar desde logo todos os seus efeitos abrangendo as normas de princípios institutivos e as normas programáticas 459 Além das propostas classificatórias já referidas que apresentam diversos elementos em comum de modo especial sua íntima vinculação com o critério da aplicabilidade e eficácia das normas constitucionais para Celso R Bastos e Carlos A Britto também o seu modo de incidência há que fazer referência entre outras 460 às sistematizações formuladas por Celso Antonio Bandeira de Mello e Luís Roberto Barroso Embora a primeira seja anterior à de Celso Bastos e Carlos Britto bem como de Maria Helena Diniz ela será objeto de apresentação apenas neste momento na medida em que toma por referência critério diverso qual seja o da consistência e amplitude dos direitos imediatamente resultantes da norma constitucional para os administrados 461 Com efeito para Celso Antonio Bandeira de Mello as normas constitucionais de acordo com o critério utilizado classificamse em a normas concessivas de poderes jurídicos que desde logo e sem o concurso de outras vontades isto é independentemente de atuação alheia conferem a um sujeito o poder de fruir do bem deferido criando para os administrados uma posição jurídica imediata uma utilidade concreta e a possibilidade de exigila em caso de embaraço ou perturbação por parte de terceiros que não depende de normação ulterior b normas concessivas de direitos que por indicarem quem é o obrigado e caracterizarem de forma suficiente a conduta devida geram uma utilidade concreta e imediata para o administrado suscetível de fruição mediante desfrute positivo e que consiste em um direito propriamente dito isto é num bem jurídico que depende de uma prestação alheia c normas meramente indicadoras de uma finalidade a ser atingida normas que por não indicarem as condutas específicas necessárias para a satisfação do bem jurídico reconhecido geram para os administrados posições jurídicas menos consistentes na medida em que não conferem nenhum tipo de fruição imediata não permitindo além disso que se exija o desfrute de algo limitandose a oferecer a possibilidade de oposição judicial aos comportamentos contrários aos fins previstos na norma bem como ensejando a necessidade de uma interpretação que se paute pelo sentido e direção nela preconizados Ressaltese ainda que para Celso Antônio Bandeira de Mello as normas concessivas de poderes jurídicos e de direitos podem ser de natureza restringível ou irrestringível pelo legislador infraconstitucional 462 Por derradeiro há que fazer referência à sistematização proposta por Luís Roberto Barroso que a exemplo de Celso A Bandeira de Mello norteou sua classificação em função da consistência da situação jurídica dos indivíduos em face dos preceitos constitucionais embora não da mesma maneira 463 Para tanto formulou uma tipologia das normas constitucionais de acordo com a sua função no âmbito da Constituição de tal sorte que a verificação da posição jurídica individual dependeria em última análise das características peculiares a cada grupo da tipologia proposta De acordo com esta formulação as normas constitucionais podem ser divididas em três grupos a as normas constitucionais de organização que têm por objeto organizar o exercício do poder político também denominadas normas de estrutura ou de competência e que se caracterizam de acordo com lição de Miguel Reale por estabelecerem uma obrigação objetiva de algo que deve ser feito sem que o dever enunciado fique subordinado à ocorrência de um fato previsto do qual possam ou não resultar determinadas consequências Tais normas por sua vez podem ser basicamente de quatro espécies quais sejam as que veiculam decisões políticas fundamentais as que definem as competências dos órgãos constitucionais as que criam órgãos públicos e as que estabelecem normas processuais ou procedimentais b as normas constitucionais definidoras de direitos que têm por objeto fixar os direitos fundamentais dos indivíduos centrandose o autor na ideia de direito subjetivo entendido como o poder de ação assente no direito objetivo e destinado à satisfação de certo interesse estas normas geram situações jurídicas para os particulares as quais podem por sua vez ser distribuídas em três grupos 1 situações prontamente desfrutáveis dependentes apenas de uma abstenção 2 situações que ensejam a exigibilidade de prestações positivas do Estado e 3 normas que contemplam interesses cuja realização depende da edição de norma infraconstitucional integradora c normas constitucionais programáticas que têm por objeto traçar os fins públicos a serem alcançados pelo Estado 464 63 Apreciação crítica das diferentes posições A despeito de importantes diferenças entre as concepções sumariamente apresentadas e até mesmo a diversidade de critérios nas quais se baseiam constatamse pelo menos dois aspectos a respeito dos quais todas as formulações guardam identidade Nesse sentido todos os autores citados mesmo Ruy Barbosa considerandose sua nota crítica em relação ao modelo norte americano das normas não autoaplicáveis partem da premissa de que inexiste norma constitucional completamente destituída de eficácia sendo possível sustentarse em última análise uma graduação da eficácia das normas constitucionais visto que a eficácia não é necessariamente a mesma em todos os casos 465 Todas as propostas reconhecem contudo que determinadas normas da Constituição em virtude da ausência de normatividade suficiente não estão em condições de gerar de forma imediata seus principais efeitos dependendo para tanto de uma atuação complementar por parte do legislador ordinário razão pela qual também costumam ser denominadas normas de eficácia limitada ou reduzida 466 Procedendose a uma comparação ainda que superficial entre as propostas de Meirelles Teixeira José Afonso da Silva Celso Bastos e Carlos A Britto e Maria Helena Diniz verificase que tais modelos em que pesem suas diferenças não chegam a ser incompatíveis entre si Além disso em todas as classificações se destacam dois grupos de normas quais sejam aquelas que dependem da intervenção do legislador infraconstitucional para gerarem seus principais efeitos e aquelas que desde logo por apresentarem suficiente normatividade estão aptas a gerar seus efeitos dispensando pelo menos no que diz com sua aplicabilidade imediata uma interpositio legislatoris Isso ocorre mesmo no caso das propostas de José Afonso da Silva e de Maria Helena Diniz apesar de terem respectivamente sugerido uma classificação em três e quatro categorias De acordo com José Afonso da Silva ao lado das normas de eficácia plena situamse as normas de eficácia contida que a exemplo das primeiras se encontram aptas a produzir desde logo a plenitude de seus efeitos encontrandose contudo sujeitas a ulterior restrição pelo legislador Desde logo importa destacar como já sustentamos há muito tempo que as normas de eficácia contida tal como definidas por José Afonso da Silva são em verdade normas em relação às quais a Constituição estabelece uma expressa reserva legal em matéria de restrição dos efeitos de tal sorte que não está afastada a possibilidade de se estabelecerem restrições a direitos fundamentais que não foram colocados pelo constituinte sob uma expressa reserva legal já que ao menos em princípio inexiste direito fundamental mesmo que veiculado em norma de eficácia plena na concepção de José Afonso completamente imune a toda e qualquer limitação 467 Aqui basta remeter à noção de limites implícitos indiretos ou mediatos especialmente em face da necessidade de resolver as hipóteses de conflitos entre direitos fundamentais que em regra implicam restrições recíprocas tema que a despeito de sua relevância aqui não será contemplado sendo referido apenas para fundamentar a nossa argumentação no sentido de demonstrar que a possibilidade de restrição dos efeitos não se constitui em privilégio exclusivo das normas de eficácia contida ou de eficácia restringível terminologia preferida entre outros por Maria Helena Diniz que também discorreu sobre o assunto 468 Seguindo com a nossa avaliação das classificações percebese que as três primeiras categorias elencadas por Maria Helena Diniz têm como elemento comum a possibilidade de imediata e plena geração de seus efeitos uma vez que dotadas de suficiente normatividade para tanto não dependendo de concretização em nível legislativo O que para a citada autora efetivamente distingue as normas de eficácia absoluta e as de eficácia relativa e restringível das normas de eficácia plena é portanto a circunstância de serem as normas de eficácia absoluta insuscetíveis de restrição até mesmo por meio de emenda à Constituição ao passo que as normas de eficácia relativa e restringível que correspondem virtualmente às normas de eficácia contida de acordo com a terminologia de José Afonso da Silva se encontram sujeitas à possibilidade de restrição pelo legislador ordinário 469 Cumpre ressaltar neste contexto que o critério da ulterior restringibilidade que para Maria Helena Diniz e José Afonso da Silva justificam a criação de um grupo distinto de normas constitucionais bem como o da proteção reforçada das normas incluídas no rol das assim denominadas cláusulas pétreas da Constituição Maria Helena Diniz não deixam de ter relevância para outros efeitos mas em nada alteram o fato de que relativamente à eficácia jurídica sob o aspecto de aptidão para gerar efeitos e no que concerne à necessidade ou não de uma atuação do legislador infraconstitucional para viabilizar a geração da plenitude dos efeitos peculiares a cada norma se pode constatar a existência de dois grupos de normas constitucionais razão pela qual preferível pelo menos se a opção for a de escolher uma das classificações apresentadas adotar uma classificação das normas constitucionais quanto ao critério da sua eficácia jurídica e aplicabilidade em dois grupos a exemplo do modelo de Meirelles Teixeira No que tange à terminologia utilizada há que chegar igualmente a um consenso levandose em conta contudo as críticas tecidas relativamente às concepções clássicas de inspiração norte americana bem como a constatação aqui endossada de que inexiste norma constitucional completamente destituída de eficácia Tendo em vista que em todas as sistematizações propostas subjaz a ideia de que uma norma é capaz de gerar os seus efeitos essenciais em tendo por si mesma normatividade suficiente para tanto não há como desconsiderar a íntima vinculação da noção de densidade normativa com a da eficácia e aplicabilidade da norma Aliás uma análise mais detida de todas as formulações referidas fatalmente revela que o conteúdo do dispositivo é de suma relevância para a determinação de sua normatividade noção esta que em última análise pode ser reconduzida com as devidas ressalvas críticas ao entendimento já advogado por Ruy Barbosa de que a completude da norma assume feições de verdadeiro pressuposto pelo menos em parte para sua aplicabilidade e eficácia Em face do exposto pode falarse em normas constitucionais de alta densidade normativa que dotadas de suficiente normatividade se encontram aptas diretamente e sem a intervenção do legislador ordinário a gerar os seus efeitos essenciais independentemente de uma ulterior restringibilidade bem como em normas constitucionais de baixa densidade normativa ou como prefere Meirelles Teixeira normas de eficácia reduzida que não possuem normatividade suficiente para de forma direta e sem uma complementação por parte do legislador infraconstitucional gerar todos os seus possíveis efeitos ressaltandose que em virtude de uma normatividade mínima presente em todas as normas constitucionais sempre apresentam certo grau de eficácia jurídica Esta terminologia além de contornar as pertinentes críticas tecidas em relação às concepções clássicas normas autoaplicáveis e não autoaplicáveis ressalta justamente o critério da densidade normativa como fator decisivo muito embora como se verá não em caráter exclusivo para a graduação da eficácia das normas constitucionais 470 Imperioso destacar nesta quadra que reputamos descabida salvo melhor juízo a nota crítica que nos foi endereçada por Virgílio Afonso da Silva reputando como equivocada a nossa opção pela classificação das normas constitucionais em dois grupos no caso normas de eficácia plena e normas de eficácia limitada 471 Em primeiro lugar aspecto que pelo visto não foi devidamente considerado deixamos claro que a nossa preferência justamente por algumas imperfeições que se podem apontar especialmente em relação às assim designadas normas de eficácia contida é no sentido de adotarse outra classificação normas de alta e baixa densidade ou mesmo outra terminologia que possa ser mais adequada mas que no caso de se optar entre a classificação de José Afonso da Silva e a classificação de Meirelles Teixeira deveria ser dada preferência a este último autor com os aperfeiçoamentos e significativos desenvolvimentos promovidos por José Afonso da Silva Por outro lado o fato de ser equivocada também no nosso entender a classificação de José Afonso da Silva especialmente quando sustenta a existência de normas de eficácia contida não leva de modo cogente a uma refutação integral de sua teoria ainda mais quando o autor não se baseia pelo menos não como critério determinante e único na possível restrição dos efeitos por obra do legislador infraconstitucional mas radica essencialmente assim nos parece na existência ou não embora sempre parcial da necessidade de uma intermediação legislativa para o reconhecimento dos efeitos jurídicos da norma constitucional bem como na distinção embora a íntima conexão entre a aplicabilidade e a eficácia jurídica 472 Tratase portanto de outro critério visto que a posterior restringibilidade foi utilizada por José Afonso da Silva como critério para distinguir dois tipos de normas de eficácia plena e aplicabilidade direta já que as normas de eficácia contida são normas de eficácia plena e aplicabilidade direta mas sujeitas de acordo com o texto constitucional a uma reserva legal no sentido de uma autorização constitucional expressa para restrições pelo legislador Além disso como já tivemos oportunidade de frisar a classificação das normas constitucionais com base no critério da sua eficácia e aplicabilidade não necessariamente e nisto insistimos ainda que por ora sem maior desenvolvimento se revela inconciliável com a distinção das normas em princípios e regras mas não será aqui que teremos condições de ampliar este debate De qualquer modo feitas algumas notas críticas em relação às objeções tão bem lançadas por Virgílio Afonso da Silva remetemos o leitor às respostas oferecidas pelo próprio José Afonso da Silva em edição recente de seu clássico sobre as normas constitucionais 473 Importa sinalar neste contexto que nenhuma tentativa de classificação das normas constitucionais terá o condão de abranger todas as manifestações possíveis de eficácia e aplicabilidade assumindo em verdade função preponderante didática e operacional Além do mais convém relembrar todas as normas constitucionais sendo dotadas sempre de um mínimo de eficácia podem também ser consideradas em certa medida normas diretamente aplicáveis sempre nos limites de sua eficácia e normatividade Na verdade em que pesem as especificidades de cada concepção outra não é a conclusão a que chegou a nossa doutrina Com efeito registrase ampla dose de consenso quanto ao fato de que cada norma constitucional possui um mínimo de eficácia e aplicabilidade dependente por sua vez de sua suficiente normatividade Nesse sentido todas as normas constitucionais são sempre eficazes e na medida de sua eficácia variável de acordo com cada norma imediatamente aplicáveis Isso significa que até mesmo as assim denominadas normas de eficácia limitada ou reduzida são nesse sentido imediatamente aplicáveis Basta lembrar para ilustrar a assertiva que o juiz ao considerar revogada uma norma legal anterior e contrária ao disposto na Constituição nada mais estará a fazer do que aplicando a norma constitucional e afastando com base nela o disposto na lei É claro convém frisálo que tal constatação parte da premissa de que todas as normas são eficazes afastandose a existência de normas não autoaplicáveis pelo menos no sentido da doutrina norteamericana clássica tal como difundida no Brasil por Ruy Barbosa Para reforçar a linha argumentativa adotada aproveitamos para referir a abalizada lição de García de Enterría que partindo de uma concepção substancial da Constituição e reconhecendo o caráter vinculante reforçado e geral das suas normas sustenta que na Lei Fundamental não existem declarações sejam elas oportunas ou inoportunas felizes ou desafortunadas precisas ou indeterminadas destituídas de conteúdo normativo sendo que apenas o conteúdo concreto de cada norma poderá precisar em cada caso qual o alcance específico de sua eficácia 474 Atentase para aos trabalhos de Celso A Bandeira de Mello e Luís Roberto Barroso que todavia partem de outro ângulo de abordagem enquanto o primeiro norteou sua classificação pelo critério da posição jurídica na qual é investido o particular em face de determinada norma o segundo sistematizou as normas constitucionais de acordo com o seu objeto organizatórias definidoras de direitos ou programáticas para então investigar quais os efeitos jurídicos que delas decorrem Ambos os autores reconhecem contudo que suas propostas por formuladas com base em critérios distintos não excluem as demais assumindo natureza complementar na medida em que estas recepcionaram as concepções sobre eficácia e aplicabilidade que a estas subjazem desenvolvendoas sob o ângulo da efetividade É justamente aqui que se manifesta a pertinência da crítica de Celso A Bandeira de Mello no que concerne à teoria de José Afonso da Silva já que esta não declina os motivos pelos quais certas normas de eficácia plena por vezes outorgam aos particulares a posição jurídica mais frágil como pode ocorrer com as normas de competência de tal sorte que não há como traçar um paralelismo exato e necessário entre cada tipo normativo de acordo com a classificação de José A da Silva e a posição jurídica que gera para os particulares 475 Esta crítica que não retira o mérito das demais classificações aplicase sem dúvida às demais propostas que tomaram como critério referencial a eficácia jurídica e a aplicabilidade Todavia se por um lado é variável a posição jurídica dos particulares frente às normas não é menos certo que a ausência de um paralelismo tal como sustentado por Celso A Bandeira de Mello não significa em hipótese alguma a inexistência de correlação entre o problema da eficácia jurídica e os direitos eou poderes outorgados pela norma na medida em que estes em última análise são uma consequência daquela Portanto desde que se considerem devidamente estes aspectos é por meio do exame da eficácia jurídica dos efeitos potencialmente gerados dos direitos fundamentais que iremos enfrentar oportunamente e de forma mais detida o problema específico das diversas posições jurídicas individuais ou transindividuais bem como dos diferentes efeitos delas resultantes 64 Síntese conclusiva Para efeitos de síntese e para demarcar a posição adotada no que diz com a eficácia e a aplicabilidade das normas constitucionais seguem alguns enunciados a A eficácia e a aplicabilidade das normas princípios e regras constitucionais respectivamente a possibilidade de uma norma vigente e válida gerar seus efeitos jurídicos e a qualidade de tais normas serem aplicáveis se distinguem embora a relação entre os fenômenos de sua eficácia social ou efetividade compreendida como a concreta realização do programa normativo na esfera dos fatos da realidade b Todas as normas jurídicas o que se aplica também às normas constitucionais possuem em alguma medida eficácia jurídica sendo na medida desta eficácia diretamente aplicáveis aptas a ser aplicadas pelos órgãos do Poder Judiciário incumbidos também da fiscalização da constitucionalidade da ação e da omissão do legislador Assim superada a noção de que existem normas constitucionais não autoaplicáveis que ao fim e ao cabo seriam normas de eficácia diferida sempre dependente de uma posterior regulamentação posição que seguramente é hegemônica no cenário brasileiro representando portanto o ponto de vista dominante c Por outro lado é preciso ter cuidado Com efeito embora amplamente dominante a tese de que todas as normas constitucionais são dotadas de eficácia e aplicabilidade verificase que ainda se faz vez por outra seja na doutrina seja na jurisprudência referência à noção de normas autoaplicáveis e não autoaplicáveis destacandose duas possibilidades A primeira é de que tal menção é meramente formal nominal no sentido de que embora se utilizem as expressões não se lhes atribui o conteúdo convencional visto que por normas autoaplicáveis buscase identificar normas de eficácia plena e diretamente aplicáveis e por normas não autoaplicáveis se identificam como se fossem sinônimas as normas de eficácia limitada que embora de aplicabilidade em parte mediata indireta estão aptas consoante já verificado a gerar alguns efeitos A outra possibilidade igualmente ainda presente é quando realmente se utiliza o termo não autoaplicáveis no sentido original que lhes era atribuído na doutrina de Ruy Barbosa isto é de normas destituídas de qualquer eficácia e aplicabilidade enquanto não regulamentadas normas que de tal sorte formariam uma categoria em separado não coincidente com as demais categorias eficácia plena contida e limitada convivendo com as normas de eficácia plena e limitada ou mesmo contida pois nesses casos se trata sempre de normas dotadas de eficácia jurídica d Considerando que a eficácia a aplicabilidade e mesmo a efetividade é da norma e não propriamente do dispositivo texto constitucional a decisão a respeito de qual a eficácia de determinada norma constitucional constitui uma decisão que a despeito da necessidade de levar em conta sempre as pistas e limites textuais é uma decisão do intérprete e aplicador da norma constitucional Em caráter ilustrativo referese o exemplo do direito à saúde que durante muito tempo foi considerado por expressiva jurisprudência como assegurado por norma de eficácia limitada mas que passou a ter sua eficácia plena e aplicabilidade direta reconhecidas a ponto de se chegar mesmo a admitir como o tem chancelado o STF brasileiro que com base no direito à saúde tal como consagrado na CF especialmente em função da redação do art 196 é possível deduzir direitos subjetivos a prestações de saúde inclusive quando não contempladas por política pública preexistente Tendo em conta que não existem de regra normas com eficácia absoluta no sentido de absolutamente imunes a limites eou restrições é de ser afastada ou pelo menos devidamente compreendida ressalvada a classificação de José Afonso da Silva especialmente naquilo que propõe a existência de normas de eficácia contida Por tal razão preferível adotar classificação que ao mesmo tempo em que evita tais incorreções reflete a noção de que todas as normas constitucionais possuem alguma eficácia e aplicabilidade bem como considera o fato de que há casos em que a própria Constituição pelo menos para alguns efeitos exige o concurso da ação do legislador infraconstitucional e Por tais razões as classificações apresentadas acima não são necessariamente incompatíveis pelo menos não em toda a sua extensão e desde que bem compreendidas Particularmente útil poderá ser a conjugação de aspectos das classificações de Meirelles Teixeira e José Afonso da Silva com as classificações propostas por Celso A Bandeira de Mello e Luís Roberto Barroso visto que a eficácia jurídica das normas constitucionais sejam elas princípios ou regras implica o reconhecimento ou não de determinadas posições jurídicas f Da mesma forma relevantes a particular forma de positivação no texto constitucional e a função da norma constitucional permitem identificar pelo menos em termos gerais eventual dependência que não afasta por si só uma eficácia da norma constitucional ainda que mais reduzida do que em outros casos da atuação do legislador infraconstitucional e mesmo as suas possibilidades e limites g Tomese por exemplo a tipologia das normas definidoras de direitos e garantias fundamentais às quais se refere o art 5º 1º da CF que justamente afirma que se trata de normas de aplicação imediata No caso dos direitos fundamentais o que poderá ainda ocorrer é que se esteja diante de direitos fundamentais sob reserva expressa de lei que na classificação de José Afonso da Silva integram o grupo das normas de eficácia contida ou restringível como preferem outros autores ou de normas de direitos fundamentais às quais não corresponde uma expressa reserva legal Para ilustrar como integrando o primeiro grupo é possível citar a garantia da inviolabilidade do sigilo das comunicações telefônicas em relação ao qual a Constituição art 5º XII desde logo autoriza que o legislador estabeleça e regulamente hipóteses de restrição assim como o direito ao livre exercício de qualquer trabalho ou profissão onde também se encontra expressa remissão à lei art 5º XIII Como exemplos do segundo grupo temos a inviolabilidade da intimidade da vida privada da honra e da imagem art 5º X em que a Constituição não remeteu expressamente a uma regulamentação legal mas que nem por isso como já explicitado constituem hipóteses de direitos absolutos no sentido de insuscetíveis de qualquer intervenção restritiva h Já no caso das normas de cunho organizacional que abarcam as normas orgânicas que criam órgãos no plano constitucional as normas de competência e as normas procedimentais é possível afirmar que as normas procedimentais em geral com estrutura de regras embora a existência de princípios de cunho procedimental podem ser reconduzidas à categoria das normas de eficácia plena visto que a sua aplicação imediata e a extração de seus principais efeitos não se encontram na dependência de uma regulamentação legal Como exemplo é possível mencionar as regras que estabelecem o procedimento de aprovação das emendas constitucionais art 60 I a II e 1º 2º 3º e 5º mas também em certo sentido o 4º assim como as regras com conteúdo e função similar entre tantas outras Aqui resulta evidente que não há necessidade de lei para reconhecer que uma emenda que não foi aprovada pelo procedimento fixado na Constituição é inconstitucional No caso das normas de competência o que temos são normas constitucionais que delimitam o âmbito de atuação dos entes da Federação e de órgãos constitucionais Poder Legislativo Executivo etc o que também significa que em geral não há necessidade de prévia regulamentação legal para que se dê aplicação e se extraiam os respectivos efeitos de tais normas da Constituição No caso das normas orgânicas que numa formulação ampla criam órgãos vejase o caso da criação pela Constituição do Superior Tribunal de Justiça em substituição ao antigo Tribunal Federal de Recursos em geral há necessidade de medidas legislativas e administrativas que complementem o mandamento constitucional pois tais medidas são indispensáveis para o regular funcionamento de tais órgãos o que contudo não significa que tais normas sejam destituídas de eficácia e aplicabilidade visto que podem implicar inconstitucionalidade por omissão entre outros efeitos úteis i Tratandose de normas constitucionais impositivas de programas fins e tarefas normas do tipo programático como ainda preferem alguns se está de regra recorrendo à terminologia habitual diante de normas de eficácia limitada ou reduzida situação na qual não há como dispensar em regra e para determinados efeitos uma atuação do legislador infraconstitucional ou mesmo outras providências a exemplo do que ocorre quando no art 3º a CF enuncia entre outros o objetivo de erradicar a pobreza Também nesses casos a circunstância de que não se pode dispensar para que tais normas cumpram sua função uma atuação do legislador infraconstitucional mas também dos demais órgãos estatais não afastam a eficácia jurídica e em certo sentido a aplicabilidade de tais normas como se poderá ver a partir da análise da listagem de efeitos das normas constitucionais a seguir enunciada j Por derradeiro segue um elenco de efeitos poderseá falar também em cargas eficaciais típicos das normas constitucionais que de algum modo serão objeto de maior atenção e desenvolvimento em diversos momentos do presente Curso Além disso o catálogo de possíveis efeitos a seguir apresentado representa por outro lado e em certo sentido a ponte que une o universo da eficácia e da aplicabilidade ao mundo da realidade dos fatos ou seja da realização do programa normativo da Constituição o que será sumariamente avaliado no próximo item Segue pois o anunciado inventário dos principais efeitos jurídicos gerados pelas normas constitucionais 1 No âmbito do que se costuma chamar de uma eficácia derrogatória as normas constitucionais acarretam a revogação ou não recepção dos atos normativos anteriores e contrários ao seu conteúdo e via de consequência sua não aplicação independentemente de uma declaração de inconstitucionalidade 476 ressaltandose que no Brasil o STF consagrou a tese da revogação em detrimento da assim chamada inconstitucionalidade superveniente muito embora possíveis exceções como no caso da ADPF arguição de descumprimento de preceito fundamental 2 As normas constitucionais contêm imposições que vinculam permanentemente o legislador no sentido de que este tem o dever de concretizar programas tarefas fins e ordens mais ou menos concretos estabelecidos pela Constituição implicando inclusive declaração de inconstitucionalidade por omissão ou eventual responsabilização do Estado em virtude dos danos causados pela omissão 477 Se uma norma considerada de eficácia plena por exemplo uma regra de procedimento ou uma norma definidora de direito fundamental pode ensejar por conta de um dever de legislar uma situação típica de omissão inconstitucional é controverso e costuma de acordo com a orientação dominante no Brasil ser afastado pelo menos no que diz com a admissibilidade do mandado de injunção e da ação direta de inconstitucionalidade por omissão o que será objeto de atenção na parte do Curso reservada ao controle de constitucionalidade Por outro lado a hipótese assume relevância no âmbito dos deveres de proteção de direitos fundamentais mas daí já se poderia falar na existência de uma outra norma a norma que impõe um dever de atuação do Estado no sentido da proteção de um direito fundamental 3 Implicam a declaração de inconstitucionalidade por ação de todos os atos normativos infraconstitucionais incluídas até mesmo as emendas constitucionais editados após a vigência da Constituição e que violem os princípios e regras constitucionais 478 4 Constituem parâmetro para a interpretação integração e aplicação das demais normas jurídicas influenciando nesse sentido toda a ordem jurídica ademais de implicarem um dever de interpretação conforme à Constituição 479 5 Geram algum tipo de posição jurídicosubjetiva tomandose tal noção em sentido amplo como possibilidade de impugnação pela via jurisdicional das ações e omissões que violam a Constituição de tal sorte que neste contexto se admite que toda e qualquer norma constitucional mesmo quando se tratar de normas de eficácia limitada ou reduzida gera pelo menos um direito subjetivo de cunho negativo no sentido de que o particular poderá sempre exigir do Estado que se abstenha de atuar em sentido contrário ao disposto na Constituição 480 Convém destacar que o assim chamado direito subjetivo negativo abrange o fenômeno habitualmente rotulado de proibição de retrocesso pois aqui também está em causa a possibilidade de impugnar medidas legislativas e administrativas que tenham por objetivo abolir ou reduzir determinados níveis de proteção e promoção de direitos fundamentais destacandose aqui a problemática de uma proibição de retrocesso social 481 Por outro lado das normas constitucionais especialmente no caso das normas de direitos fundamentais decorrem também direitos subjetivos de cunho positivo no sentido de posições subjetivas que têm por objeto prestações fáticas e normativas o que contudo depende das peculiaridades de cada direito fundamental bem como dos eventuais limites aos quais se encontra sujeito além de outros fatores que serão apresentados e desenvolvidos tanto na parte geral dos direitos fundamentais item que trata da aplicabilidade imediata das normas de direitos fundamentais quanto na parte relativa aos direitos sociais 7 O problema da efetividade das normas constitucionais e da força normativa da Constituição Ingo Wolfgang Sarlet Embora se possam distinguir como também o fazemos as esferas da eficácia jurídica e da aplicabilidade e da efetividade ou eficácia social a primeira operando no domínio do dever ser a segunda no plano do ser ou seja da realização concreta no mundo fático dos efeitos das normas jurídicoconstitucionais pois tanto é possível abordar o tópico pelo prisma da ciência jurídica e não da sociologia jurídica quanto é preciso reconhecer que o fato de uma norma ser aplicável e apta a gerar efeitos jurídicos não significa que ela venha a ser aplicada e que tais efeitos se concretizem uma abordagem da problemática da efetividade das normas constitucionais não dispensa a perspectiva da eficácia jurídica Ambas as dimensões eficácia e efetividade não apenas guardam relação entre si como se complementam e de certo modo se condicionam pois a decisão sobre quais os efeitos potenciais de uma norma constitucional já no plano da eficácia jurídica e a medida de sua aplicabilidade influencia a decisão sobre o se e o como da efetiva aplicação do programa normativo e portanto de sua efetivação Para ilustrar a afirmação tomemos três exemplos todos extraídos da teoria e prática constitucionais brasileiras No primeiro caso tratase do direito à saúde reconhecido e definido quanto aos seus contornos gerais nos arts 6º e 196 da CF Enquanto e na medida em que pois ainda há quem defenda tal ponto de vista doutrina e jurisprudência negam a tal direito no caso às normas que o definem e asseguram sua eficácia jurídica e aplicabilidade ou apenas admitem que se trata de norma de eficácia limitada a consequência será a decisão de não reconhecer pela via judicial um direito subjetivo a qualquer prestação em matéria de saúde que não tenha já sido objeto de previsão legal e para alguns inclusive de previsão orçamentária Se contudo como atualmente corresponde ao pensamento majoritário se reconhece a eficácia jurídica e aplicabilidade imediata direta de tais normas um possível efeito jurídico e concreto do direito à saúde será até mesmo o reconhecimento de um direito subjetivo originário a prestações ainda que não previstas em legislação infraconstitucional já por força da normativa constitucional Outro caso dentre tantos que poderiam ser acessados diz respeito ao direito de greve dos servidores públicos visto que enquanto a maioria dos ministros do STF ainda entendia que se tratava de norma de eficácia limitada admitiase a propositura de mandado de injunção mas para efeito apenas de declarar em abstrato a inconstitucionalidade por omissão e remeter a questão ao Congresso Nacional 483 Assim que a posição sobre a eficácia da norma e os meios para a sua realização mudaram o STF não apenas reconheceu um direito subjetivo ao exercício da greve por parte dos servidores mas alterou seu entendimento sobre o modo pela qual em termos práticos se poderia assegurar a fruição do direito e salvaguardar interesses e direitos de terceiros no caso determinando entre outros aspectos a aplicação do estatuto legal que rege a greve no setor privado 484 A terceira situação toca o direito à moradia Ao passo que para o STF o direito à moradia é direito fundamental não lhe tendo sido negada a direta aplicabilidade mas sim tendo sido admitida a sua restrição em função de bens constitucionais conflitantes além de outros fatores 485 há juízes como já ilustrado que preferem o entendimento de que se trata de direito assegurado por norma não autoaplicável que sequer está apto a derrogar norma infraconstitucional anterior e manifestamente incompatível com o direito à moradia 486 Assim enfatizase que a decisão por determinada eficácia jurídica e aplicabilidade é sempre também uma decisão que afeta o plano da efetividade Afinal apenas é possível aplicar e possível de resto cobrar tal aplicação aquilo que é aplicável e dotado de alguma eficácia Como já tivemos oportunidade de registrar por ocasião de uma de nossas primeiras incursões pelo tema ao tratarmos da eficácia jurídica dos direitos fundamentais das normas constitucionais situamonos numa espécie de antessala de sua efetivação razão pela qual o adequado enfrentamento dos problemas suscitados naquela esfera da eficácia pode facilitar em muito o trabalho dos que buscam soluções para a efetiva realização das normas da Constituição 487 A preocupação com um adequado manejo do problema teórico e prático reiterese da eficácia e aplicabilidade das normas constitucionais é sempre também uma preocupação com a sua efetividade bem como com a sua força normativa visto que como bem lembra Luís Roberto Barroso o direito existe para realizarse e a verificação do cumprimento ou não de sua função social não pode ser estranha ao seu objeto e interesse de estudo 488 A efetividade das normas constitucionais diz respeito portanto à pretensão de máxima realização no plano da vida real do programa normativo abstratamente estabelecido embora tal programa normativo seja ele próprio fruto de uma articulação com o mundo dos fatos da economia dos movimentos sociais etc em outras palavras como também pontua Luís Roberto Barroso ao processo de migração do dever ser normativo para o do plano do ser da realidade social 489 Tal processo de efetividade das normas constitucionais encontrase na dependência de uma série diferenciada e complexa de fatores dos quais boa parte é mesmo exterior ao próprio domínio do direito constitucional Para efeitos do presente tópico iremos agrupar tais fatores sob o título da força normativa da Constituição embora sem a pretensão de apresentar um inventário exaustivo e muito menos com a intenção de explorálos com a desejável profundidade No âmbito da interpretação constitucional o princípio da força normativa da Constituição significa a pretensão de prevalência dos pressupostos da Constituição na solução dos problemas jurídico constitucionais garantindo sua eficácia e permanência 490 Já numa perspectiva mais estruturante que dialoga com a interpretação constitucional mas lhe é mesmo anterior e determinante a noção da força normativa da Constituição na acepção de Konrad Hesse parte da premissa de que a Constituição embora de forma mais ou menos limitada contém sempre uma força própria capaz de motivar e ordenar a vida do Estado e da sociedade um poder de ordenação e conformação que não se reduz às forças políticas e sociais 491 Ainda segundo Hesse para uma adequada teoria da Constituição devese levar em conta não apenas as relações fáticas de poder dominantes da sociedade que acabam por resultar inevitavelmente numa realidade esvaziada de qualquer elemento normativo nem tampouco dar ênfase excessiva a uma normatividade autista despida de qualquer elemento da realidade mas sim encontrar um meiotermo ou seja um caminho que leve à superação da separação radical no plano constitucional entre ser e dever ser 492 A Constituição segue Hesse é dotada de uma pretensão de eficácia ou seja de que a situação por ela regulada pretende ser concretizada na realidade pretensão de eficácia que por sua vez não pode estar dissociada das condições históricas de sua realização contemplando aqui as condições naturais técnicas econômicas e sociais pois somente dessa forma a Constituição e sua pretensão de eficácia lograrão imprimir ordem e conformação à realidade política e social 493 A força normativa da Constituição sua pretensão de eficácia e efetividade é assegurada mediante os assim chamados pressupostos realizáveis dentre os quais os mais importantes são os que dizem respeito ao conteúdo da Constituição no sentido de tentar corresponder à natureza singular do presente à interpretação constitucional que deve pretender dar realização ótima aos preceitos da Constituição e como pressuposto fundamental uma práxis constitucional voltada à vontade de Constituição prática que deve ser partilhada por todos os partícipes da vida constitucional especialmente pelos atores responsáveis pela ordem jurídica 494 É a partir da realização de tais pressupostos que a Constituição adquire a possibilidade de converterse em força ativa influindo e determinando a realidade concreta da sociedade 495 Percebese portanto que são vários os mecanismos que amparam e viabilizam a força normativa da Constituição cuidando se tanto de fatores externos quanto de fatores internos ou seja previstos e regulados pela própria Constituição Da mesma forma a força normativa de uma constituição é sempre a de determinada Constituição e da sua peculiar articulação com a realidade social política cultural e econômica mas também com os demais subsistemas daquela concreta ordem jurídica ainda que também nessa seara se possa falar em elementos comuns às ordens constitucionais em geral Assim é correto afirmar que o problema da força normativa é um problema de todas as constituições mas como ele se manifesta e como ele se resolve é sempre algo que não pode ser reconduzido pura e simplesmente a uma teorização abstrata e genérica Dentre os fatores externos ao texto constitucional temos a pressão da dinâmica social e econômica mas também os impulsos por parte do processo político por mais que a própria política seja também regulada constitucionalmente Uma sociedade fragilizada com uma economia dependente e em crise dificilmente assegura os pressupostos para que os direitos sociais previstos no texto constitucional tenham eficácia e efetividade em termos sequer próximos dos ideais Estruturas sociais conservadoras podem obstaculizar a concretização de imposições constitucionais e mesmo de direitos fundamentais Da mesma forma atores sociais e políticos incluindo aqui os agentes do Poder Judiciário como agentes políticos comprometidos e capacitados para transformar a vontade em realidade são indispensáveis Já no caso dos elementos internos cuidase das garantias e instrumentos que a própria Constituição oferece para assegurar a sua própria preservação e afirmação seja em nível de controle de constitucionalidade dos atos dos poderes constituídos e da criação de uma jurisdição constitucional forte ou mesmo no concernente a outras garantias como a previsão de limites formais e materiais ao poder de reforma constitucional ações constitucionais de proteção dos direitos fundamentais a regulação de estados de exceção vg estado de sítio entre outros fatores que aqui poderiam ser referidos Nesse contexto visto que relacionado em larga medida aos aspectos mencionados é de destacar o papel da interpretação constitucional tópico do qual nos ocuparemos a seguir As assim chamadas ações constitucionais e o controle de constitucionalidade que igualmente servem à afirmação da ordem constitucional serão também versados em capítulo próprio nesta obra 8 A norma constitucional no tempo Relações entre a Constituição e a ordem jurídica anterior Ingo Wolfgang Sarlet 81 Considerações gerais O problema das relações intertemporais das normas jurídicas constituições leis e atos normativos em geral ou seja da sucessão de normas no tempo guarda direta relação com o princípiodireito à segurança jurídica em especial no que diz respeito ao seu equacionamento com a necessidade de mudança e atualização do Direito à vista das mudanças no plano fático Outrossim a relação entre a Constituição e as normas jurídicas constitucionais ou infraconstitucionais anteriores é complexa e não pode ser reduzida a um único fenômeno além de implicar importantes e diferenciados efeitos Nesse sentido como bem aponta Jorge Miranda há que levar em conta tanto o fato de se tratar de uma nova ordem constitucional uma constituição originária quanto de uma reforma constitucional que venha a se manifestar em relação ao direito constitucional originário ou mesmo em relação à legislação infraconstitucional 82 A Constituição e o direito constitucional anterior 821 A Constituição originária e a Constituição anterior Considerando que somente pode existir uma constituição em cada Estado a entrada em vigor de uma nova constituição tem por efeito a revogação global da constituição anterior pois uma ordem constitucional substitui integralmente a precedente o que se dá já em virtude do caráter originário e inicial de cada nova constituição 498 Não se deve olvidar que o poder constituinte expressão da soberania é autônomo e exclusivo o que por sua vez se aplica à constituição Como a nova constituição constitui a nova ordem jurídica e estatal a revogação da anterior constituição corresponde a uma revogação global de modo que não cabe questionar sequer da compatibilidade entre normas constitucionais anteriores e as normas da constituição nova 499 Embora a regra seja mesmo a da substituição integral por força da revogação global da constituição antiga pela nova nem sempre é assim havendo casos em que partes da constituição anterior podem seguir em vigor Isso se manifesta de pelo menos dois modos a a recepção de partes da constituição anterior pela nova constituição b a recepção embora com força de lei norma infraconstitucional de partes da constituição anterior fenômeno também conhecido como desconstitucionalização 500 No primeiro caso a nova constituição expressamente mantém em vigor com status de norma constitucional preceitos do ordenamento constitucional anterior que assim sendo se incorporam à constituição nova embora mediante remissão ao respectivo texto da constituição revogada quanto ao que não foi expressamente recepcionado 501 Um exemplo digno de nota é o da Lei Fundamental da Alemanha que no seu art 140 expressamente recepciona como integrantes da Lei Fundamental de 1949 os arts 136 137 138 139 e 141 da Constituição da República de Weimar de 1919 No que diz com a Constituição Federal ainda que se trate de norma de caráter provisório temporário é possível citar o art 34 do ADCT de acordo com o qual até a entrada em vigor do sistema tributário criado e regulado pela CF o que se deu a partir do primeiro dia do quinto mês seguinte ao da promulgação da CF permaneceria como de fato permaneceu em vigor o sistema tributário da CF19671969 O fenômeno da assim chamada desconstitucionalização precisamente a segunda hipótese de manutenção em vigor de normas da constituição anterior já é mais controverso e nem sempre é aceito A tese da desconstitucionalização que como lembra Luís Roberto Barroso pode ser reconduzida a Carl Schmitt e Esmein parte da premissa de que as normas apenas formalmente constitucionais ou seja aquelas que poderiam ter sido pura e simplesmente relegadas ao legislador ordinário seguem em vigor mas perdem o seu caráter de norma constitucional portanto deixam de fazer parte da constituição e são recepcionadas como se direito ordinário fossem podendo de tal sorte ser alteradas como qualquer lei infraconstitucional 502 No Brasil a despeito da existência de defensores da tese da desconstitucionalização 503 a posição dominante na doutrina a refuta mediante o argumento de que isso apenas seria possível se houvesse disposição constitucional na constituição nova expressa no sentido da recepção com força de lei ordinária de preceitos constitucionais anteriores de tal sorte que prevalece a noção de que a nova constituição substitui integralmente a anterior e revoga todas as suas normas que não mais subsistem na ordem jurídica seja na condição de normas constitucionais seja na condição de direito ordinário 504 Também o STF embora sem referência explícita ao fenômeno da desconstitucionalização refuta tal possibilidade aderindo ao entendimento de que a vigência e a eficácia de uma nova Constituição implicam a supressão da existência perda de validade e cessação da eficácia da ordem constitucional anterior no sentido de uma revogação global ou sistêmica não sendo admissível a recepção de preceitos da Constituição anterior 505 822 As emendas constitucionais e o direito constitucional originário anterior Já no que diz com o efeito das emendas constitucionais sobre o direito constitucional anterior não se opera uma revogação global mas apenas os dispositivos da Constituição vigente incompatíveis com as emendas constitucionais supervenientes são revogados Assim sempre que a emenda constitucional estiver em sintonia com os limites formais circunstanciais materiais e temporais estabelecidos na Constituição Federal portanto sendo a emenda formal e materialmente válida ela alcança vigência imediata e revoga as normas constitucionais precedentes naquilo que com ela emenda forem incompatíveis 506 Em sendo a emenda promulgada em desacordo com os limites postos pelo constituinte originário no caso da CF os limites previstos no art 60 a emenda será passível de ser declarada inconstitucional o que todavia não será objeto de análise no âmbito do presente tópico 83 A Constituição e o direito infraconstitucional anterior Levando em conta a supremacia hierárquica da constituição ao menos no plano interno de cada Estado mas também tendo presente a necessária continuidade da ordem jurídica tem prevalecido o entendimento que chegou a ser expressamente consagrado nas Constituições brasileiras de 1891 e 1934 de que as normas legais infraconstitucionais anteriores sigam em vigor considerandose as recepcionadas 507 Assim ainda que a nova constituição seja o fundamento de uma nova ordem jurídica de tal sorte que as normas anteriores perdem o fundamento de validade que lhes dava a constituição anterior tais normas recebem pela entrada em vigor da nova constituição um novo fundamento de validade o que pode ocorrer de modo expresso quando a nova constituição assim o prevê no seu texto ou de modo tácito 508 Com efeito de acordo com a lição de José Afonso da Silva o princípio da continuidade da ordem jurídica opera mesmo quando a nova constituição não confirme expressamente as normas compatíveis como é o caso da atual Constituição Federal 509 Tal entendimento por sua vez pode ser em larga medida reconduzido à doutrina de Hans Kelsen que todavia observa que não se trata de uma criação inteiramente nova de direito mas sim da recepção de normas de uma ordem jurídica por outra de tal sorte que embora o conteúdo das normas anteriores siga sendo o mesmo mudou o seu respectivo fundamento de validade assim como mudou o fundamento de validade de toda a ordem jurídica 510 Pressuposto da manutenção em vigor e da geração de efeitos das normas infraconstitucionais anteriores é a sua compatibilidade com a nova constituição o que significa que a existência de vício anterior ou seja eventual inconformidade em sentido formal e material com a constituição anterior não é relevante para a recepção pela nova ordem constitucional do direito anterior mas apenas a conformidade com a nova constituição 511 Com efeito o controle de constitucionalidade se verifica apenas e sempre em relação aos parâmetros materiais e formais postos pela constituição em vigor de tal sorte que o que importa ao fim e ao cabo é que a norma anterior guarde sintonia com a constituição vigente não com a revogada Todavia importa registrar que embora as normas infraconstitucionais anteriores quando compatíveis com a nova constituição sigam em vigor por terem sido recepcionadas a circunstância de receberem um novo fundamento de validade implica em determinado sentido uma verdadeira recriação de seu sentido 512 Nesse contexto irretocável a lição de Jorge Miranda para quem tal fenômeno mais do que uma mera recepção representa uma novação do direito ordinário anterior visto que as normas infraconstitucionais recebidas sob a égide da nova constituição sujeitamse aos princípios materiais da ordem constitucional superveniente 513 Tal ideia de recriação ou novação ainda de acordo com Jorge Miranda apresenta três consequências principais 514 a os princípios gerais de toda a ordem jurídica passam a ser os constantes direta ou indiretamente da nova constituição b as normas infraconstitucionais vigentes quando da entrada em vigor da nova constituição devem ser objeto de reinterpretação e apenas seguem em vigor se e na medida em que em conformidade com a nova ordem constitucional c as normas infraconstitucionais que estejam em desacordo com a nova constituição deixam de subsistir não sendo portando recepcionadas À luz de tais considerações acompanhase a exortação de Luís Roberto Barroso no sentido de que o aspecto mais relevante decorrente do fenômeno da recepção novação ou recriação do direito ordinário anterior é o da necessária reinterpretação das normas infraconstitucionais e a necessidade via de consequência de não se aplicar de modo automático e acrítico a jurisprudência produzida sob a égide da constituição anterior 515 Tal cuidado se impõe mesmo que o texto constitucional novo seja na parte que esteja em causa idêntico ao da constituição revogada situação relativamente comum o que se verifica inclusive quando se comparam partes da atual Constituição Federal com a Constituição de 19671969 Notese que a identidade textual não afasta a necessidade de contextualização tampouco a de se proceder a uma interpretação que leve em conta os aspectos históricos que são da nova constituição teleológicos e principalmente sistemáticos que podem exigir uma mudança na interpretação Ainda que parte do texto constitucional seja igual ao da constituição anterior no seu conjunto o texto não é o mesmo e já daí decorreria um dever de testagem da interpretação anteriormente praticada Um exemplo que poderia ser citado precisamente pela controvérsia que acabou gerando diz com a hierarquia dos tratados de direitos humanos no sistema interno pois a mesma regra insculpida na Constituição anterior art 114 III b da CF1967 516 acabou sendo prevista na CF art 102 III b qual seja a que refere caber recurso extraordinário de decisão que julgar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal Ora ainda mais em face do contido no art 4º II que dispõe sobre a prevalência dos direitos humanos e de acordo com o que reza o art 5º 2º da CF expressiva doutrina preconizava que a regra do art 102 III b da CF não poderia justificar a manutenção do entendimento em prol da hierarquia meramente legal dos tratados internacionais tal como formado sob a égide da Constituição anterior na qual não havia norma expressa reconhecendo os direitos constantes dos tratados de direitos humanos ratificados pelo Brasil como também integrantes do catálogo constitucional mas havia dispositivo similar ao atual art 102 III b Aspecto que segue polêmico embora pacificado no âmbito da jurisprudência do STF é o que diz com a configuração do vício da inconstitucionalidade por força da incompatibilidade de direito ordinário anterior com a constituição nova Cuidandose de matéria também afeta ao capítulo relativo ao controle da constitucionalidade deixaremos aqui de abordar o tópico De qualquer sorte registrase que a posição ainda dominante no STF não admite a assim chamada inconstitucionalidade superveniente a norma de direito ordinário passa a ser inconstitucional por violar a constituição nova superveniente pelo menos para efeito de controle abstrato de constitucionalidade via ação direta de inconstitucionalidade 517 Por se tratar de exceção à regra válida para a ADI e ADC é de se registrar que por meio do manejo da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental ADPF nos termos do disposto na Lei n 98821999 é possível impugnar a constitucionalidade de leis ou atos normativos federais estaduais e municipais em sede de controle concentrado presentes os pressupostos de admissibilidade da ação constitucional Outro ponto a ser considerado diz com os efeitos de emenda constitucional sobre o direito ordinário anterior Nessa hipótese como bem averba Jorge Miranda não se opera o fenômeno da novação pois não se trata de dar ao direito anterior um novo fundamento de validade 518 A própria emenda constitucional deve observar os requisitos e limites postos pela constituição originária assim como deve ocorrer com o direito ordinário de tal sorte que a alteração da constituição mediante emenda ou mesmo revisão constitucional quando não afetar a norma infraconstitucional não gera efeito algum sobre o direito ordinário que simplesmente segue em vigor como tal Se contudo a norma infraconstitucional já ofendia a constituição antes de a emenda constitucional ser promulgada o vício da inconstitucionalidade não será sanado mesmo por força da emenda constitucional superveniente 519 Além disso importa averbar que de acordo com a precisa lição de Ana Paula de Barcellos as normas infraconstitucionais válidas em face da Constituição originárias tornamse inconstitucionais caso conflitem com emendas que lhes sejam posteriores vício que se opera apenas com a promulgação da emenda tratandose portanto de uma inconstitucionalidade do tipo superveniente 520 A CONSTITUIÇÃO E AS RELAÇÕES COM O DIREITO ESTRANGEIRO E INTERNACIONAL O problema da aplicação das normas constitucionais no espaço Ingo Wolfgang Sarlet 91 Considerações introdutórias A constituição e suas normas situase num contexto mais amplo estando em contato com outras fontes de produção do direito portanto com outros sistemas normativos Assim embora a constituição seja a fonte primária e referencial do direito na órbita interna dos Estados a própria constituição não representa uma ordem hermética e precisa dialogar direta ou indiretamente com outras ordens jurídicas Nesse contexto é comum que os Estados firmem compromissos internacionais e estejam em maior ou menor medida integrados ao sistema jurídico internacional seja no plano universal sistema da ONU seja no plano regional como é o caso da Organização dos Estados Americanos OEA do Mercosul ou da União Europeia apenas para referir alguns exemplos Da mesma forma são relativamente frequentes as hipóteses nas quais se trata de aplicar direito estrangeiro a situações fáticas ocorridas em outro país Ocorre que nem sempre as relações entre a ordem jurídica interna e a externa se desenvolvem de forma harmoniosa isenta de tensões e mesmo antinomias pois o direito internacional pode conflitar com os princípios e regras constitucionais mas também o direito estrangeiro portanto o direito de outros países constitucional ou infraconstitucional pode quando em causa a sua aplicação conflitar com as normas constitucionais No caso de se verificarem tais conflitos há que resolvêlos mediante recurso às técnicas disponíveis inclusive e especialmente pelos critérios que regem a solução de antinomias Como se trata de antinomias que envolvem a constituição inclusive de outro país existem peculiaridades a serem observadas e que serão analisadas logo a seguir Por outro lado percebese que a problemática revela duas faces bem distintas embora ambas tenham em comum a circunstância de que se trata de conciliar fazer conviver ordens jurídicas diversas e que não podem ser aplicadas integralmente ao mesmo tempo Num caso tratase de verificar como se estabelece a relação entre o direito estrangeiro e ordem jurídicoconstitucional interna no outro o que está em causa são as peculiaridades que dizem respeito à relação entre o direito internacional e o interno Ambas seguirão sendo atuais e relevantes desafiando doutrina e jurisprudência e serão apresentadas e analisadas sinteticamente a seguir sempre na perspectiva do direito constitucional positivo brasileiro de onde serão também extraídos os exemplos 92 Relações entre o direito estrangeiro e a Constituição Quanto a este aspecto são duas as possibilidades a serem examinadas a as relações entre o direito estrangeiro e a constituição do mesmo país constituição de origem b as relações entre o direito estrangeiro e a constituição de outro Estado no caso o Brasil A pergunta que se coloca entre outras é saber até que ponto o juiz de determinado Estado no caso o Brasil poderá aplicar o direito estrangeiro mas especialmente saber o que em caso de conflito o juiz brasileiro poderá fazer para solucionar a antinomia Como a matéria diz respeito em grande medida ao direito internacional privado 521 não se trata aqui de desenvolver o tópico com maior minúcia mas apenas de tratar dos aspectos mais relevantes em termos de eventuais conflitos da norma jurídica estrangeira com a Constituição Em termos gerais e dada a relevância do ponto para a adequada compreensão do problema prevalece o entendimento de que quando o juiz ou órgão jurisdicional colegiado brasileiro aplicar a lei estrangeira esta deve ser aplicada como no país de origem Da mesma forma há que sublinhar que ao aplicar o direito estrangeiro o juiz brasileiro deverá aplicar todo o direito inclusive o direito constitucional pois constituição e normativa infraconstitucional formam uma unidade hierarquizada o que não pode ser desconsiderado pelo aplicador do direito estrangeiro no Brasil o mesmo em princípio valerá se a aplicação se der em outro país Quanto a tais alternativas e a forma de sua solução na ordem jurídica brasileira verificase certa tranquilidade e convergência de opiniões na doutrina e jurisprudência brasileiras Iniciemos portanto pela primeira hipótese da relação entre o direito estrangeiro e a constituição do mesmo país ou seja o país de origem Nessa hipótese tanto a doutrina quanto o STF têm entendido que qualquer juiz pode na solução do caso concreto declarar a inconstitucionalidade de norma estrangeira em face da constituição estrangeira Dito de outro modo isso significa que na prática não se aplica a lei estrangeira se esta for conflitante com a constituição estrangeira ou seja do mesmo país ao qual se refere a lei Notese todavia que este controle de constitucionalidade da lei estrangeira em face da constituição daquele país somente se dá nos casos em que o Poder Judiciário do país de origem seja competente para tal controle bem como quando se trata de controle incidental resultando apenas na não aplicação da lei ao caso mas jamais na declaração de inconstitucionalidade da lei em tese ou seja na esfera do controle abstrato de constitucionalidade que implica de regra e quando acompanhado de pronúncia de nulidade afetação do próprio ato normativo e enseja ingerência na esfera da soberania estatal 522 Tomando por empréstimo as palavras de Luís Roberto Barroso no Brasil tudo o que se pode pretender é negar eficácia à norma estrangeira sem que isso afete sua validade e sua vigência 523 No âmbito da jurisprudência do STF onde tal orientação hoje é consolidada nem sempre foi assim Com efeito embora se cuide de caso anterior à vigência da Constituição Federal convém colacionar o exemplo representado pela Extradição 417 524 processo no qual a Argentina requereu a extradição de Mario Eduardo Firmenich antigo líder do grupo Montoneros em virtude da prática de uma série de delitos e que se encontrava com sua prisão cautelar já determinada pela Justiça argentina No centro das discussões estavam a vigência e a validade da Lei de Anistia Argentina que foi posteriormente revogada com efeitos retroativos ensejando um no caso alegado conflito com a Constituição da Argentina A defesa do extraditando arguiu duas inconstitucionalidades em face da Constituição argentina a primeira no sentido de que a Lei de Anistia não poderia ter sido revogada com efeitos retroativos a segunda alegando que de acordo com a Constituição argentina a anistia teria de ter caráter geral de tal sorte que a lei não poderia ter excluído o extraditando do benefício A despeito da argumentação o Pleno do STF concedeu a extradição embora não por unanimidade ficaram vencidos três ministros Com relação ao julgamento Luís Roberto Barroso bem averba que a decisão acabou sendo contraditória pois embora a maioria dos ministros tenha refutado na ocasião a possibilidade de exercer controle de constitucionalidade da norma legal estrangeira o STF terminou por não considerar aplicável a lei que revogara a anistia para os crimes políticos 525 Tal orientação acabou sendo alterada quando do julgamento da Extradição 541 526 já sob a égide da Constituição Federal de 1988 processo no qual o governo da Itália requereu extradição de brasileiro naturalizado Neste caso o STF negou a extradição com base na argumentação do relator para o acórdão Min Sepúlveda Pertence Entre os fundamentos esgrimidos destacase precisamente o argumento de acordo com o qual o art 26 da Constituição italiana veda a extradição em virtude de crimes políticos além de autorizar a extradição apenas nos casos expressamente previstos nas convenções internacionais Assim com base em tais disposições da Constituição italiana o STF entendeu que a promessa de reciprocidade oferecida pelo governo italiano não tinha qualquer eficácia no ordenamento jurídico constitucional italiano de tal sorte que em virtude de sua inconstitucionalidade não poderia também ser aplicada para embasar o julgamento no Brasil Em síntese a orientação que ora prevalece na doutrina e na jurisprudência do STF a partir do julgamento da Extradição 541 é no sentido de que os órgãos jurisdicionais brasileiros ao aplicarem direito estrangeiro aplicam o direito no seu conjunto podendo reconhecer uma inconstitucionalidade no contraste da lei estrangeira com a sua respectiva constituição deixando de aplicar a norma infraconstitucional por força de sua inconstitucionalidade mas sem declarar a nulidade do próprio ato normativo apenas negandolhe a aplicação ao caso concreto 527 Já no que diz com a segunda hipótese ou seja quando se trata de conflito entre o direito estrangeiro e a Constituição de outro Estado no caso do Brasil a solução será distinta Considerando que uma declaração de inconstitucionalidade pressupõe uma relação entre ato normativo inferior e superior no caso a Constituição de um mesmo Estado visto que determinada constituição opera como fundamento de validade apenas da ordem jurídica à qual se refere não haveria como declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo estrangeiro quando em conflito com a nossa ordem constitucional A relação de constitucionalidade ou inconstitucionalidade se refere sempre a normas de um mesmo sistema jurídico O fundamento da solução de eventual conflito portanto terá de ser distinto Muito embora a hipótese de conflito entre direito estrangeiro e a Constituição brasileira não se confunda inteiramente com as hipóteses previstas na Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro designadamente no seu art 17 de acordo com o qual as leis atos e sentenças de outro país bem como quaisquer declarações de vontade não terão eficácia no Brasil quando ofenderem a soberania nacional a ordem pública e os bons costumes visto que tais situações vão bem além da relação entre ato normativo estrangeiro e constituição o entendimento que passou a prevalecer é no sentido de que qualquer ato normativo estrangeiro que for contrário a qualquer disposição constitucional brasileira implica violação da nossa ordem pública Formulado de outro modo isso significa que embora a ordem pública não se restrinja ao disposto na Constituição visto existirem outras disposições de ordem pública a Constituição integra e compõe mesmo o elemento central da ordem pública brasileira de tal sorte que todo e qualquer ato normativo estrangeiro assim como qualquer ato jurídico que estiver violando a Constituição estará violando também e por consequência a ordem pública não podendo gerar efeitos na ordem jurídica interna brasileira 528 Tal entendimento aliás segue sendo adotado pelo STF na sua jurisprudência sobre a matéria destacando em caráter ilustrativo julgado de 03042018 RE 634595 rel Min Dias Toffoli no bojo do qual se assegurou a possibilidade de concessão de exequatur de carta rogatória por decisão monocrática mediante o argumento de que o STJ limitase a analisar os requisitos formais estabelecidos pela Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro sendo portanto vedada a revisão do mérito do ato processual salvo se houver ofensa à soberania nacional à dignidade da pessoa humana ou à ordem pública 529 A utilização da noção de ordem pública que em termos gerais corresponde a uma pretensão de preservação dos valores jurídicos morais e econômicos de determinada sociedade se revela mais adequada e controlável embora sua indeterminação do que as noções de soberania e bons costumes até mesmo pelo fato de se tratar de princípios e regras que se situam no patamar superior de determinada ordem jurídica Registre que de acordo com o assim chamado Código Bustamante convenção internacional ratificada pelo Brasil mediante o Dec 188711929 uma ofensa à Constituição é uma ofensa à ordem pública Com efeito de acordo com o art 4º do citado diploma os preceitos constitucionais são de ordem pública internacional de tal sorte que como já referido uma ofensa à Constituição é sempre uma ofensa à ordem pública 530 Ainda no campo dos conflitos entre direito estrangeiro e Constituição importa referir o caso especial expressamente regulado pela própria CF designadamente no art 5º XXXI dispondo que a sucessão de bens de estrangeiros situados no País será regulada pela lei brasileira em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros sempre que não lhes seja mais favorável a lei pessoal do de cujus Em síntese isso significa que aos órgãos jurisdicionais brasileiros não é dado no caso concreto aplicar a norma estrangeira se esta conflitar com o direito constitucional brasileiro Muito embora não se trate como já explicitado de um juízo sobre a constitucionalidade da norma estrangeira os efeitos práticos são similares implicando a não aplicação da lei estrangeira ao caso naquilo em que estiver contrariando a Constituição Federal De todo o exposto e acompanhando o magistério de Luís Roberto Barroso podem ser articuladas duas conclusões a quando for caso de aplicação de lei estrangeira o juiz ou tribunal brasileiro deverá aplicála como fariam as autoridades judiciárias do país de origem se o ordenamento jurídicoconstitucional estrangeiro admite a pronúncia de inconstitucionalidade de uma lei o juiz brasileiro poderá fazêlo deixando de aplicar no caso concreto a norma estrangeira incompatível com a constituição estrangeira b juízes e tribunais devem negar aplicação à norma estrangeira que esteja em desacordo com a Constituição Federal de 1988 isso porque as normas constitucionais são tidas como de ordem pública 531 93 O direito internacional e a Constituição Federal de 1988 No que diz respeito às relações entre o direito internacional e a ordem jurídicoconstitucional ou seja o direito interno dos Estados são duas as principais teorias que dividem o cenário muito embora existam variações importantes em relação a cada uma delas mas que aqui considerando os propósitos mais limitados deste capítulo não serão inventariadas e analisadas Assim segue sendo possível distinguir entre as teorias do dualismo jurídico e do monismo jurídico De acordo com a primeira corrente dualismo não se pode falar propriamente em conflito entre a ordem jurídica interna e a internacional pois são esferas que não se tocam de tal sorte que o ato internacional só opera efeitos se incorporado à ordem interna 532 Já para o monismo jurídico o direito é unitário forma um todo sistêmico de tal sorte que tanto o direito internacional público quanto o direito interno integram o sistema jurídico 533 No âmbito do monismo verificase uma disputa entre os que sustentam a tese de que no caso de conflito prevalecerá a ordem interna ao passo que outros defendem a ideia de que eventual conflito deverá ser resolvido em favor da ordem internacional Neste contexto importa destacar que a doutrina brasileira majoritária sustenta a tese do monismo jurídico com primazia do direito internacional ou seja de que o tratado internacional direito internacional prevaleceria sobre o direito interno 534 Entre as consequências da afirmação de um monismo com prevalência do direito internacional situamse duas a o tratado internacional altera a lei interna anterior eou a revoga quando for o caso b o tratado internacional não pode ser alterado por lei superveniente No Brasil tal entendimento corresponde em matéria tributária ao disposto no art 98 do CTN Os tratados e as convenções internacionais revogam ou modificam a legislação tributária interna e serão observados pela que lhes sobrevenha Todavia a despeito do entendimento dominante na esfera doutrinária a posição adotada pelo STF consolidada a partir do RE 80004SE julgado em 1977 535 situase na linha do que se pode designar de um dualismo moderado no sentido de que existe paridade hierárquica entre os tratados internacionais regularmente ratificados pelo Brasil e a legislação infraconstitucional 536 Também de acordo com jurisprudência consolidada afinada com a prática política nesta seara a regular incorporação dos tratados para o direito interno ocorre mediante um ato complexo que abrange a celebração pelo Poder Executivo a aprovação pelo Congresso Nacional mediante decreto legislativo seguida por decreto do Executivo 537 A paridade entre tratado internacional e lei ordinária interna foi a tese adotada pelo STF durante muito tempo praticamente por duas décadas o que gerou acirrada crítica por parte da doutrina especialmente pelo fato de o STF não ter feito qualquer distinção entre os diversos tipos de tratados nem mesmo os tratados de direitos humanos que a despeito do disposto no art 5º 2º da CF ou seja da inclusão dos direitos constantes dos tratados internacionais ratificados pelo Brasil no elenco dos direitos e garantias fundamentais da Constituição também foram submetidos à regra da paridade No caso emblemático da prisão civil do depositário infiel que se transformou no foco principal da controvérsia sobre o valor jurídico dos tratados a partir da promulgação da Constituição Federal o STF chegou a sustentar no contexto da tese da paridade entre tratado e lei que os tratados de direitos humanos que proibiam a prisão por dívida a não ser nos casos de dívida alimentar como é o caso do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e da Convenção de São José da Costa Rica ambos ratificados pelo Brasil embora incorporados posteriormente não poderiam prevalecer em face da legislação anterior permissiva da prisão nesses casos visto que nesta hipótese aplicável o critério da especialidade ou seja a lei especial a legislação permissiva da prisão prevalece em face de lei geral tratados ainda que esta seja posterior 538 Em suma o STF que poderia em homenagem ao especial significado do disposto no art 5º 2º da CF ter reconhecido a prevalência da lei posterior em face da anterior sem abrir mão portanto da tese da paridade entre tratado e lei preferiu atribuir aos direitos consagrados nos tratados estatura jurídica legal e ainda assim fragilizada em face da legislação interna Por outro lado impende frisar que a tese da paridade entre lei e tratado mesmo nos casos de tratados de direitos humanos foi sufragada pelo STF também com base no argumento de que uma vez cabível recurso extraordinário de decisão que declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal art 102 III b da CF e considerando que a declaração de inconstitucionalidade pressupõe que o tratado esteja situado em plano inferior ao da Constituição Federal a hierarquia dos tratados internacionais devia ser a de lei ordinária ainda mais em sendo os tratados aprovados por decreto legislativo o que levou o Ministro Sepúlveda Pertence a sugerir a adoção da tese da hierarquia supralegal mas infraconstitucional tal como veio a prevalecer mais tarde 539 Tendo em conta a inserção por meio da EC 452004 de um 3º no art 5º da CF dispondo que os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados em cada Casa do Congresso Nacional em dois turnos por três quintos dos votos dos respectivos membros serão equivalentes às emendas constitucionais dispositivo que causou e ainda causa acirrada controvérsia quanto a diversos aspectos o STF retomando o julgamento a respeito da legitimidade jurídica da prisão civil do depositário infiel acabou alterando seu posicionamento e passou a reconhecer na esteira de argumentação que já havia sido sustentada pelo Min Sepúlveda Pertence embora vencido nos julgamentos que os tratados de direitos humanos regularmente ratificados pelo Brasil têm hierarquia supralegal prevalecendo portanto sobre qualquer ato normativo interno mas cedendo em face de disposição constitucional 540 A partir de tal julgamento é possível afirmar que as relações entre tratados internacionais e a ordem jurídica interna no que diz respeito à hierarquia dos tratados em relação ao direito interno uma vez ratificados obedecem no Brasil às seguintes diretrizes a os tratados em geral possuem hierarquia de lei ordinária prevalecendo a tese da paridade entre tratado e lei b todavia há hipóteses nas quais não se aplica a regra geral da paridade 1 os tratados internacionais em matéria tributária prevalecem sobre as leis a teor do disposto no art 98 do CTN que é expresso neste sentido 2 os tratados em matéria de direitos humanos ratificados antes da EC 45 eou não aprovados pelo rito do art 5º 3º da CF possuem de acordo com a atual orientação do STF hierarquia supralegal 3 os tratados em matéria de direitos humanos aprovados pelo rito qualificado estabelecido no art 5º 3º da CF serão equivalentes às emendas constitucionais de tal sorte que terão hierarquia de direito constitucional derivado cabendo no máximo sua declaração de inconstitucionalidade por violação dos requisitos formais procedimento do 3º do art 5º ou eventualmente a prevalecer tal entendimento por violação das cláusulas pétreas da Constituição Federal Além das exceções mencionadas podem ser identificadas outras designadamente nos casos de extradição em face do disposto no art 82 2º e 3º da Lei 68151980 considerase que a lei interna cede em face do tratado de extradição bem como as hipóteses extraídas do art 178 da CF com a redação que lhe foi dada pela EC 71995 dispondo sobre o respeito ao acordo internacional sobre ordenação do transporte internacional assim como do art 34 da Lei de Arbitragem Lei 93071996 dispondo que a sentença arbitral estrangeira será executada no Brasil de acordo com os tratados internacionais 541 Considerando que o problema do modo de incorporação e da hierarquia dos tratados de direitos humanos integra a problemática da assim chamada abertura material do catálogo dos direitos fundamentais deixaremos aqui de investir mais no tema limitando nos a estabelecer as linhas gerais visto que a matéria será analisada com mais vagar na parte geral dos direitos fundamentais Por outro lado a discussão sobre a hierarquia do direito internacional em relação ao direito interno não assume relevância apenas no que diz respeito aos tratados internacionais muito embora nesta esfera se situe a maior parte das questões Com efeito é preciso levar em conta que existem outras fontes de direito internacional destacandose o direito internacional comum os princípios gerais de direito internacional e mesmo o costume internacional Mas tais aspectos serão na medida do possível objeto de análise em outro momento 542 LINHAS MESTRAS DA INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL Ingo Wolfgang Sarlet 101 Noções gerais Tal como o direito em geral a constituição não se compreende por si só como algo autoevidente mas quer e precisa ser compreendida Também por essa razão mas não apenas por isso a interpretação das normas constitucionais situase no contexto mais amplo da interpretação das normas jurídicas de modo que desde logo se coloca a indagação a respeito da existência de peculiaridades da interpretação constitucional ou mesmo de métodos e princípios diferenciados de interpretação Muito embora se deva refutar uma autonomia da interpretação constitucional até mesmo por exigência da unidade do sistema jurídico integrado pelas normas constitucionais também é verdade que a posição ocupada pela constituição na ordem jurídica no plano da hierarquia das fontes do direito por si só já indica que a interpretação constitucional implica uma atenção especial Além disso como bem aponta Konrad Hesse a importância da interpretação no campo do direito constitucional da interpretação constitucional é mais elevada do que ocorre em âmbitos do direito onde em geral a normatização é mais detalhada notadamente em virtude da abertura e amplitude da constituição bem como nos casos em que se atribui a uma jurisdição constitucional a tarefa de estabelecer de modo vinculativo para o cidadão e demais órgãos estatais o sentido e alcance das normas constitucionais 544 Com efeito tanto as já referidas características do direito constitucional em especial a sua supremacia hierárquica quanto as funções desempenhadas pela constituição na ordem jurídica indicam que embora a interpretação constitucional seja essencialmente interpretação jurídica submetida a métodos princípios e critérios comuns é possível identificar determinadas peculiaridades e mesmo alguns princípios eou critérios que dizem mais de perto com a interpretação das normas constitucionais ou que interagem com a interpretaçãoaplicação de outras normas jurídicas 545 Considerando que aqui não se pretende revisitar todos os conceitos e métodos da interpretação jurídica nem adentrar nos meandros de uma hermenêutica constitucional de matriz filosófica 546 a nossa atenção será voltada sem prejuízo de futuro aprofundamento e ampliação dos aspectos versados para algumas questões básicas e recorrentes mas ainda assim não menos centrais para a interpretação e aplicação das normas constitucionais a começar pela própria definição de interpretação constitucional Neste contexto recolhese a lição de José Joaquim Gomes Canotilho para quem a interpretação constitucional consiste em atribuir um significado a um ou vários símbolos linguísticos na constituição com o fim de se obter uma decisão de problemas práticos normativoconstitucionalmente fundada 547 Segundo o mesmo autor a interpretação constitucional assume pelo menos três dimensões relevantes e que se articulam entre si a interpretar a constituição significa procurar o direito contido nas normas constitucionais b a interpretação constitucional consiste em atividade complexa que se traduz na adscrição de um significado a determinado enunciado texto normativo c a interpretação constitucional portanto o atoatividade de interpretar tem como produto o significado atribuído ao texto 548 A interpretação constitucional não se confunde a despeito da relação que se estabelece entre os fenômenos com a assim chamada concretização constitucional concretização da constituição que consiste na construção de uma norma jurídica mediante um processo de densificação de princípios e regras constitucionais a partir do texto enunciado para uma norma jurídica concreta processo que se complementa apenas quando da descoberta da norma de decisão que dá solução aos casos problemas jurídicoconstitucionais 549 Por outro lado interpretação e concretização ainda que não sejam categorias coincidentes entre si não podem ser completamente dissociadas de tal sorte que em determinado sentido a interpretação constitucional é também concretização da constituição visto que o conteúdo da norma interpretada se completa mediante a interpretação que assim adquire uma feição criativa do direito 550 Importa destacar nesta quadra que também a interpretação constitucional se revela como orientada à aplicação e solução de problemas jurídicoconstitucionais processo no qual assume relevância tanto o conteúdo dos textos normativos quanto dos elementos e circunstâncias do caso problema concreto que se busca resolver de tal sorte que o ato de interpretar e a criação da norma implica consideração dos dois mundos do dever ser e do ser 551 Vale frisar que para a dogmática constitucional contemporânea não faz mais sentido a separação estrita entre as categorias interpretação e aplicação à vista da inexorável conexão existente entre a atribuição de sentidos aos enunciados normativos e a realidade factual subjacente 552 Além disso é preciso ter presente que também para as normas constitucionais vale o pressuposto já destacado na parte introdutória da teoria da norma constitucional de que texto e norma não são idênticos de modo que a norma é sempre resultado já em maior ou menor articulação com um ou mais textos de um ato de interpretação A natureza da relação que se estabelece entre texto e norma assim como a relevância atribuída aos textos serão objeto de atenção na parte relativa aos limites da interpretação constitucional De qualquer sorte já é possível compreender a esta altura a razão pela qual Peter Häberle sublinha que não existe norma jurídica senão norma jurídica interpretada 553 já pelo fato de que a norma jurídica não resulta de uma decisão prévia mas é aplicada no tempo e integrada na realidade pública por intermédio do ato interpretativo no âmbito do que o mesmo Peter Häberle designou de uma interpretação necessariamente contextualizada 554 Assim tanto pelo fato de os textos normativos não serem unívocos ou evidentes quanto pelo fato de serem destinados à aplicação em determinado contexto é de refutar ainda mais em matéria de interpretação constitucional a noção de que diante de um texto claro evidente quanto ao seu sentido não há falar em interpretação pois para que possa ser considerada clara a norma deve ser interpretada 555 Já no que diz com o que pode ser considerado como a principal função da interpretação constitucional calha recorrer à lição de Konrad Hesse para quem a tarefa da interpretação constitucional consiste em identificar e estabelecer o resultado constitucionalmente correto mediante um procedimento racional e controlável motivando tal resultado de modo igualmente racional e controlável e com isso assegurar a previsibilidade e certeza jurídica 556 Como chegar ao resultado ou resposta constitucionalmente correta depende entre outros aspectos dos atores ou seja dos sujeitos aos quais incumbe a interpretação mas também dos métodos técnicas e princípios ou critérios dos quais se valem os agentes do processo interpretativo Iniciemos com os sujeitos atores da interpretação constitucional sendo desde logo possível aderir à lição de Gomes Canotilho no sentido de que interpretar a constituição é uma tarefa que se impõe metodicamente a todos os aplicadores das normas constitucionais legislador administração tribunais 557 cada qual cabe acrescentar operando no âmbito de suas competências e funções Propondo uma ampliação do espectro dos sujeitos da interpretação constitucional assume cada vez mais destaque também no Brasil a noção projetada por Peter Häberle de uma sociedade aberta dos intérpretes da constituição no sentido de que a interpretação constitucional não se restringe a uma competência dos órgãos jurisdicionais mas sim que se trata de tarefa cometida a todos os órgãos estatais sem prejuízo da participação dos cidadãos considerados individualmente ou mediante sua integração em grupos de tal sorte que inexiste um círculo fechado de intérpretes da constituição 558 Com isso todavia não se está a refutar a noção de que no Estado constitucional contemporâneo a posição de ator privilegiado da interpretação constitucional não siga sendo reservada em boa parte mediante um processo de autoatribuição de tal papel pelos órgãos jurisdicionais à jurisdição constitucional aqui compreendida em sentido amplo especialmente em virtude de sua prerrogativa funcional de revisar e mesmo substituir a interpretação promovida pelos outros atores o que contudo aqui não será desenvolvido Como os atores da interpretação constitucional com destaque aqui para os integrantes da assim chamada jurisdição constitucional interpretam aplicam e concretizam a constituição e chegam a dar respostas constitucionalmente adequadas aos problemas jurídico constitucionais implica levar a sério especialmente a existência de um conjunto de princípios da interpretação constitucional 102 Princípios da interpretação constitucional Sob o rótulo princípios da interpretação constitucional cuidase de elencar um catálogo do que se poderia designar de técnicas e diretrizes para assegurar uma metódica racional e controlável ao processo de interpretação e aplicação da constituição e de suas normas princípios e regras portanto auxiliar na construção de respostas constitucionalmente adequadas para os problemas jurídicoconstitucionais Na dicção de Gomes Canotilho a elaboração de um catálogo de princípios da interpretação constitucional está relacionada com a necessidade de encontrar princípios tópicos auxiliares relevantes para a solução do problema prático enfrentado mas que sejam ao mesmo tempo metodicamente operativos e constitucionalmente praticáveis 559 O elenco de princípios interpretativos a seguir enunciados foi originalmente proposto por Konrad Hesse 560 tendo sido revisitado ajustado e posteriormente difundido na doutrina constitucional de língua portuguesa por José Joaquim Gomes Canotilho 561 Também aqui não deixaremos de fazer a despeito da substancial fidelidade aos modelos invocados parcial ajuste e reestruturação De qualquer sorte tais princípios não esgotam o elenco dos princípios e critérios de interpretação não guardam hierarquia entre si e devem ser compreendidos como bem salienta Paulo Gustavo Gonet Branco com uma necessária dose de relativização 562 1021 O princípio da unidade da Constituição O princípio da unidade da constituição implica que no âmbito da interpretação constitucional cada norma constitucional deve ser interpretada e aplicada de modo a considerar a circunstância de que a constituição representa uma unidade um todo indivisível 563 Como bem disse Eros Roberto Grau tratase de levar a sério a noção de que a constituição o que se aplica ao direito em geral não pode ser pura e simplesmente lida em tiras aos pedaços isolados 564 Assim o que está em causa é em primeira linha evitar contradições e superar eventuais antinomias normativas mediante uma interpretação global da constituição em que o intérprete procurará harmonizar os espaços de tensão existentes entre as normas constitucionais no âmbito de sua concretização 565 Conforme leciona Luís Roberto Barroso o ponto nodal da efetivação do princípio da unidade da constituição radica na dificuldade em solucionar as tensões que se estabelecem dentro da própria constituição já que esta é sobretudo um documento dialético instrumento jurídico de composição das forças políticas de determinado Estado 566 Somase a isso a inexistência de hierarquia jurídica entre normas constitucionais de tal modo que a princípio não se cogita da existência de normas constitucionais inconstitucionais tal como já decidido também pelo STF 567 Além disso a afirmação do princípio da unidade da constituição que também dialoga com a produção de uma unidade política deve ser equacionada no âmbito de uma teoria democrática da interpretação constitucional aberta a várias concepções e posicionamentos inclusive àqueles que não estão formalmente legitimados a exercêla 568 Independentemente do já exposto é preciso ter em conta que o princípio da unidade da constituição representa talvez menos um autêntico princípio da interpretação do que um objetivo da interpretação visto que implica uma obrigação por parte dos intérpretes da constituição que por sua vez se valem dos métodos e princípios de interpretação no sentido de interpretar as normas constitucionais isoladas de modo a afastar contradições 569 De qualquer modo sem adentrar aqui na querela sobre se a unidade da constituição opera como princípio ou objetivo ou mesmo ambos da interpretação o fato é que a unidade da constituição somente poderá ser considerada na prática quando articulada com métodos e princípios da interpretação tal como o método sistemático e os princípios do efeito integrador da concordância prática ou da harmonização e da ponderação sopesamento ou hierarquização como preferem outros apenas para referir os mais evidentes e relevantes 10211 Princípio do efeito integrador O princípio do efeito integrador tem uma ligação estrita com o da unidade da constituição por justamente significar a primazia da integração política e social como critério fundamental na resolução dos problemas jurídicoconstitucionais o que posto de outro modo implica que se deve dar preferência aos critérios ou pontos de vista que favoreçam a integração política e social e o reforço da unidade política 570 Todavia há que levar a sério a advertência de Konrad Hesse de que mediante recurso ao princípio do efeito integrador não se poderão ultrapassar os limites da interpretação constitucional é dizer não se legitima resultado obtido por meio de caminhos que não sejam condizentes com os parâmetros estabelecidos pela própria constituição 571 10212 O princípio da concordância prática ou da harmonização O princípio da concordância prática que também dialoga com o princípio da unidade da constituição impõe conforme a doutrina de Gomes Canotilho a coordenação e combinação dos bens jurídicos em conflito de forma a evitar o sacrifício total de uns em relação aos outros 572 Também designado pela doutrina germânica de princípio da harmonização o princípio da concordância prática implica que bens jurídicos reconhecidos e protegidos constitucionalmente precisam ser ordenados de tal forma que notadamente onde existirem colisões um não se realize às custas do outro seja pela ponderação apressada de bens seja pela ponderação de valores em abstrato 573 O princípio da unidade da constituição impõe de acordo com a conhecida lição de Konrad Hesse a realização ótima otimização dos bens em conflito o que somente é alcançado mediante uma delimitação recíproca à luz das peculiaridades do caso concreto e por meio da observância dos critérios da proporcionalidade de modo que as delimitações não devem ir além do necessário para produzir a concordância entre ambos os bens jurídicos 574 No que diz com o seu campo de aplicação mais frequente o princípio da concordância prática ou da harmonização pontifica no âmbito da teoria dos direitos fundamentais tanto no que se refere à colisão entre direitos fundamentais quanto na colisão entre estes e outros bens jurídicos constitucionalmente tutelados 575 A constituição não estabelece critérios para a harmonização já que se arranca do pressuposto de que inexiste hierarquia entre as normas constitucionais de tal sorte que na sua realização a noção de concordância prática harmonização não se concretiza senão mediante avaliações mais ou menos subjetivas do intérprete quando do ato da interpretação e aplicação 576 Este princípio não deve ser aplicado isoladamente mas socorrerse dos demais princípios instrumentais e materiais de aplicação da constituição pois impõe uma necessária e saudável coordenação e harmonização dos bens jurídicos constitucionais em conflito evitandose o perecimento de uns para satisfazer outros isto é o princípio da concordância prática impõe o estabelecimento de limites e condicionamentos recíprocos in concreto 577 Por outro lado não se configura uma concordância prática quando a própria constituição explicitamente limita ou excepciona determinada norma constitucional 578 o que todavia não quer dizer que também nessa hipótese não se possam colocar problemas de interpretação e aplicação O que se percebe é que o princípio da concordância prática busca atender no contexto da unidade da constituição e da ordem jurídica às exigências de coerência e racionalidade do sistema constitucional e se concretiza no âmbito da assim chamada ponderação de bens direitos princípios etc e mediante a observância dentre outros dos critérios da proporcionalidade 579 10213 A assim chamada ponderação ou balanceamento no campo da interpretação e aplicação da Constituição Como bem pontua Gomes Canotilho as noções de ponderação ou de balanceamento de acordo com as terminologias preferidas na tradição alemã Abwägung e angloamericana balancing são utilizadas sempre que surge a necessidade de encontrar o direito para resolver casos de tensão em especial de colisões entre bens juridicamente protegidos situações que têm sido cada vez mais frequentes no campo do direito e da interpretação constitucional 580 a ponto de se chegar a designar inclusive com tom crítico o Estado constitucional contemporâneo como um Estado da ponderação Abwägungstaat 581 Geralmente atrelada à colisão de direitos fundamentais a técnica da ponderação de bens surge a partir da insuficiência da subsunção como técnica de aplicação do direito quando da resolução de determinados problemas jurídico constitucionais em especial de casos concretos 582 Que o recurso à ponderação ou balanceamento não corresponde a um mero capricho dos cultores do direito constitucional decorre de acordo com a explicação de Gomes Canotilho de pelo menos três fatores a a inexistência de uma ordenação hierarquizada e abstrata de bens constitucionais b a estrutura de princípio de muitas normas constitucionais que por sua vez implica a refutação de uma lógica do tudo ou nada e portanto exige a otimização e harmonização de tais princípios especialmente nos casos de conflito c a possibilidade de uma diversidade de leituras dos conflitos de bens constitucionais em face de uma ausência de unidade de valores no âmbito da comunidade política impondo cuidadosa análise dos bens em causa e uma rigorosa fundamentação no âmbito da resolução dos conflitos 583 Ainda segundo a doutrina de Gomes Canotilho que busca demonstrar a falta de identidade entre a interpretação e a ponderação muito embora a ponderação integre o processo de interpretação e aplicação compreendido em sentido amplo a função da assim chamada ponderação de bens não consiste propriamente na atribuição de significado normativo ao texto da norma mas na obtenção de equilíbrio e na ordenação de bens em conflito ou tensão por ocasião de determinado caso concreto Assim ao passo que a interpretação busca reconstruir e qualificar os interesses ou bens conflitantes atribuindo um sentido aos textos normativos aplicados a ponderação balanceamento cuida dos critérios de ordenação concreta e da solução do conflito de bens 584 Por outro lado a assim chamada ponderação ou balanceamento expressões que reiterese aqui são utilizadas como sinônimas nem sempre se faz necessária e deve mesmo ser utilizada de modo comedido e mediante o atendimento de determinados critérios além de se tratar de operação que reclama particular atenção em termos de uma adequada fundamentação Quando todavia a própria constituição tiver estabelecido regras abstratas de prevalência ou seja quando a constituição exigir seja dada preferência a determinado bem jurídico ou interesse o conflito deverá ser resolvido mediante observância da ponderação em abstrato feita pelo constituinte e que vincula o intérprete e aplicador 585 Quanto ao modo pelo qual se processa a ponderação ou seja os parâmetros pelos quais se pauta o intérprete quando confrontado com a necessidade de resolver conflito cuja solução exige a utilização da ponderação remetese à literatura especializada e ao tópico seguinte que cuida precisamente da proporcionalidade e da razoabilidade cuja relação com o instituto da ponderação é inequívoca muito embora quanto ao detalhe do como se dá tal relação aqui não será destinada maior atenção 10214 Proporcionalidade e razoabilidade como princípios e critérios de interpretação constitucional Proporcionalidade e razoabilidade são noções que assumiram um papel de destaque no direito constitucional contemporâneo Sua relação com os princípios da concordância prática e da ponderação harmonização é notória e como tal aqui não será particularmente justificada além de ter sido introduzida no item anterior De qualquer modo muito embora ambas as noções encontrem talvez o mais importante momento de sua aplicação no campo das restrições aos direitos fundamentais e de modo especial quando se cuida de colisões entre direitos e princípios sua repercussão não se limita a tais situações Com efeito proporcionalidade e razoabilidade guardam uma forte relação com as noções de justiça equidade isonomia moderação prudência além de traduzirem a ideia de que o Estado de Direito é o Estado do não arbítrio Por outro lado apenas na aplicação desses princípios e critérios é que se logra obter a construção de seu significado legitimação e alcance pois a cada situação solucionada ampliase o âmbito de sua incidência 586 Originário do direito administrativo prussiano o princípio da proporcionalidade assim como na tradição angloamericana a noção de razoabilidade reasonableness na sua forma inicial e até hoje reconhecida embora reconstruída ao longo do tempo guarda íntima vinculação com a ideia de um controle dos atos do Poder Público buscando precisamente coibir excessos de intervenção na esfera dos direitos dos cidadãos evoluindo todavia para servir de critério de aferição também da legitimidade constitucional dos atos legislativos e mesmo de decisões judiciais 587 Não é à toa portanto que se fala em uma evolução da reserva legal para uma reserva de lei proporcional no sentido de que o próprio legislador está vinculado pelo dever de proporcionalidade e com base neste pode ser controlado 588 No seu conjunto tal evolução que compreende os princípios da proporcionalidade e em certa medida da razoabilidade como critérios de controle do poder inicialmente sobre os atos do Poder Executivo implicou uma aproximação cada vez maior de uma dimensão material da constituição guindando o indivíduo a uma posição que o habilite a contestar determinados atos do Estado ofensivos ou restritivos a seus direitos fundamentais 589 Na sua versão mais difundida e vinculada especialmente à função dos direitos fundamentais como direitos de defesa contra intervenções por parte dos órgãos estatais o princípio da proporcionalidade compreendido em sentido amplo opera como um limite à possibilidade de intervenção no âmbito de proteção dos direitos fundamentais implicando nos termos da metódica praticada pelo Tribunal Constitucional Federal da Alemanha e posteriormente recepcionada em grande parte das Cortes constitucionais e mesmo dos tribunais supranacionais destaquemse aqui o Tribunal de Justiça da União Europeia e o Tribunal Europeu de Direitos Humanos uma estrutura de controle em três níveis de acordo com os critérios da adequação ou da conformidade a medida interventiva deve ser apropriada no sentido de tecnicamente idônea a promover os fins pretendidos da necessidade ou da exigibilidade a medida deve ser dentre as disponíveis a menos restritiva possível e da assim chamada proporcionalidade em sentido estrito onde se processa a ponderação propriamente dita ou seja a verificação de se a medida embora adequada e exigível é mesmo proporcional e preserva uma relação de justa medida entre os meios utilizados e o fim almejado 590 Tais desenvolvimentos a despeito de certa falta de clareza e da existência de importante controvérsia quanto ao adequado manejo dos critérios da proporcionalidade e da natureza de sua relação ou mesmo eventual identificação com a razoabilidade correspondem também ao atual estágio da doutrina e jurisprudência constitucional brasileira onde o princípio da proporcionalidade não encontrou a exemplo de outras ordens constitucionais previsão expressa no texto da constituição Muito embora a existência de autores de alto quilate como Luís Roberto Barroso que concebem os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade como conceitos fungíveis reduzindo eventual diferença entre ambos a uma questão mais nominal e vinculada à origem dos institutos razoabilidade como produto da common law e proporcionalidade como estrutura desenvolvida na Alemanha de modo que na sua essência ambos os princípios teriam fundamento nas ideias de devido processo legal substantivo e de justiça revelandose um valioso instrumento de controle dos atos do Poder Público na proteção da concretização dos direitos fundamentais 591 o fato é que proporcionalidade e razoabilidade a despeito dos pontos de contato não podem ser equiparadas A simples afirmação da fungibilidade dos dois princípios e mesmo o fato de especialmente na esfera jurisprudencial se verificar maior ou menor confusão a respeito não significam que razoabilidade e proporcionalidade de acordo com a tradição angloamericana e alemã sejam de fato a mesma coisa A estruturação da metódica de aplicação da proporcionalidade em três níveis adequação necessidade e proporcionalidade em sentido estrito tal como desenvolvida na Alemanha e amplamente recepcionada não se confunde com o raciocínio embora haja pontos de contato utilizado quando da aplicação da razoabilidade 592 Paralelamente à difundida função da proporcionalidade como proibição de excesso e como decorrência da noção de deveres de proteção do Estado desenvolveuse a ideia de que o Estado também está vinculado por um dever de proteção suficiente no sentido de dotado de alguma eficácia Deveres de proteção podem ser e são violados quando o titular do dever nada faz para proteger determinado direito fundamental ou ao fazer algo falha por atuar de modo insuficiente Daí se falar tal como já se fez também no Brasil de uma dupla face do princípio da proporcionalidade 593 que passa a atuar como critério de controle da legitimidade constitucional de medidas restritivas de direitos do âmbito de proteção dos direitos fundamentais bem como para o controle da omissão ou atuação insuficiente do Estado no cumprimento de seus deveres de proteção 594 O sentido mais comum da proibição de excesso é o de evitar cargas excessivas ou atos de ingerência desmedidos na esfera jurídica dos particulares Contudo o defeito de proteção uma forma de excesso inverso ocorrerá quando as entidades sobre as quais recai um dever de proteção não adotarem medidas suficientes para garantir uma proteção efetiva e adequada dos direitos fundamentais Assim este controle da insuficiência de proteção pressupõe a verificação a respeito do grau mínimo necessário para satisfazer determinado direito isoladamente considerado e se a proteção de determinado direito não afeta em demasia outros direitos contrapostos 595 Ambas as dimensões da proporcionalidade implicam controle da ação ou omissão do Poder Público não existindo como já referido uma resposta prévia e desde logo correta em matéria de aplicação tanto da proibição de excesso quanto da proibição de proteção insuficiente Cuidase de limitar atos dos poderes públicos que no caso do Poder Legislativo dispõe de relativamente ampla margem de manobra razão pela qual a utilização da técnica da proporcionalidade implica também uma maior possibilidade de intervenção do intérprete constitucional que nem sempre poderá ser saudada quando se trata de encargo desproporcional para o princípio democrático e mesmo da separação de poderes De qualquer modo como aqui se buscou apenas tecer alguns rápidos comentários sobre o papel do princípio da proporcionalidade é o caso de remeter o leitor ao capítulo próprio da parte geral dos direitos fundamentais item sobre limites e restrições e à literatura especializada onde os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade são apresentados e analisados de forma mais detalhada 596 1022 O princípio da supremacia da Constituição O princípio da supremacia da constituição se traduz no fato de que as normas constitucionais dada a sua origem e em virtude da distinção entre poder constituinte e poderes constituídos ocupam posição hierárquica superior em relação a toda e qualquer norma ou ato oriundo dos assim chamados poderes constituídos portanto em relação às demais normas do sistema jurídico 597 Em outros termos o princípio da supremacia da constituição significa que a constituição e em especial os direitos fundamentais nela consagrados situamse no topo da hierarquia do sistema normativo de tal sorte que todos os demais atos normativos assim como os atos do Poder Executivo e do Poder Judiciário mas também e de certo modo todo e qualquer ato jurídico devem ter como critério de medida a constituição e os direitos fundamentais 598 Por outro lado há que ter em mente que a supremacia da constituição não se esgota na hierarquia das normas jurídicas mas também diz respeito à arquitetura institucional ou seja à relação entre órgãos constitucionais pois a supremacia da constituição implica o caráter secundário dependente e subordinado da legislação e do legislador 599 Guardam relação mas não se confundem com o princípio da supremacia da constituição do qual decorre o princípio da constitucionalidade e a partir do qual se estrutura todo um sistema de hierarquia das fontes normativas pelo menos três importantes princípios da interpretação constitucional o princípio da máxima eficácia e efetividade das normas constitucionais o princípio da força normativa da constituição e o princípio da interpretação conforme à constituição que serão objeto de sumária apresentação a seguir 10221 O princípio da máxima eficácia e efetividade da Constituição O tema da eficácia e efetividade da constituição relacionase com o plano da concretização constitucional no sentido da busca da aproximação tão íntima quanto possível entre o deverser normativo e o ser da realidade social 600 Nessa perspectiva o princípio da máxima eficácia e efetividade também chamado de princípio da eficiência implica o dever do intérpre te e aplicador de atribuir o sentido que assegure maior eficácia às normas constitucionais 601 602 Assim verificase que a interpretação pode servir de instrumento para assegurar a otimização da eficácia e da efetividade e portanto também da força normativa da constituição 603 10222 O princípio da força normativa da Constituição O princípio da força normativa da constituição de acordo com a definição de Gomes Canotilho implica que na solução dos problemas jurídicoconstitucionais se dê primazia às soluções que possibilitam a atualização normativa da constituição e ao mesmo tempo garantam a sua eficácia e permanência 604 O princípio da força normativa da constituição portanto guarda relação com o da máxima eficácia e efetividade da constituição mas não se confunde integralmente com ele pois o que está em causa não é apenas a ótima realização do programa normativo assegurando a sua máxima realização no plano dos fatos mas sim como leciona Konrad Hesse mediante a devida consideração das possibi lidades históricas e condições em processo de câmbio permanente assegurar a atualização da constituição sem prejuízo de lhe imprimir a sua máxima concretização e força jurídica eficácia e efetividade 605 10223 O princípio da interpretação das leis conforme à Constituição O princípio da interpretação das leis conforme à constituição embora não pressuponha a existência de uma jurisdição constitucional acabou alcançando relevância prática e desenvolvimento essencialmente no âmbito da estruturação e atuação de uma justiça constitucional com destaque para a evolução que se processou na Alemanha com a jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal 606 Muito embora a forte influência da doutrina e jurisprudência constitucional alemã e a particular formatação que lá recebeu o instituto o princípio da interpretação conforme à constituição não nasceu propriamente na Alemanha além de ter alcançado uma difusão que transcende as fronteiras da Europa já pelo fato de estar fundado na noção da supremacia da constituição e da sua estreita relação com o controle de constitucionalidade das leis 607 Assim não causa surpresa que também no Brasil a interpretação conforme a constituição tenha sido recepcionada e transformada mesmo em técnica decisória do controle de constitucionalidade expressamente consagrada em documento legislativo 608 em que pese a sua recepção e desenvolvimento tenham como em outros lugares matriz jurisprudencial por conta da atuação do STF 609 Por outro lado como se trata de uma interpretação das leis em conformidade com a constituição 610 há quem sustente que o dever de interpretação conforme à constituição não consiste propriamente em um princípio de interpretação constitucional das normas constitucionais mas sim em uma interpretação constitucionalmente orientada guiada de normas infraconstitucionais 611 Ainda assim embora essencialmente se trate da atribuição de um sentido às leis que seja conforme à constituição tal operação exige do intérprete que até mesmo para estabelecer um juízo de conformidade simultaneamente atribua sentido às normas constitucionais de modo que em sentido amplo se trata de um princípio da interpretação constitucional Da mesma forma é preciso que se tenha cuidado com o que se compreende por interpretação conforme à constituição Com efeito uma coisa é em sentido alargado falar de uma eficácia irradiante das normas constitucionais em especial no âmbito da dimensão objetiva dos princípios e direitos fundamentais de acordo com o qual toda a ordem jurídica deve ser interpretada e aplicada em sintonia com os princípios e regras da constituição outra é já no contexto mais restrito da assim chamada interpretação das leis conforme a constituição quando mediante a utilização dos diversos métodos de inter pretação não for possível em função da existência de várias possibilidades de interpretação obter um sentido inequívoco optandose neste caso pelo sentido que for mais compatível com o texto constitucional Em termos conceituais e no sentido estrito referido a interpretação das leis conforme à constituição consiste portanto na técnica de acordo com a qual em face da existência de mais de uma alternativa possível de interpretação de determinado dispositivo legal das quais uma ou mesmo várias implicaria a inconstitucionalidade da disposição normativa em causa há que se optar pela alternativa de interpretação que ao mesmo tempo em que preserva a integridade do dispositivo legal lhe atribui um sentido compatível com a constituição 612 Assim quando não se tratar da metódica referida não se estará diante de uma interpretação conforme à constituição em sentido estrito mas de outra coisa que consoante sinalado poderá até ser reconduzida à noção ampla de uma interpretação conforme à constituição Com lastro na doutrina de Gomes Canotilho o procedimento da interpretação conforme à constituição resulta da conjugação de pelo menos três aspectos a o princípio da prevalência supremacia da constituição de acordo com o qual deve ser escolhida uma interpretação que não seja contrária ao texto e ao programa da norma constitucional b o princípio da conservação de normas que traduz a ideia de que a norma não deve ser declarada inconstitucional quando verificadas suas finalidades ela puder ser interpretada em conformidade com a constituição c o princípio da exclusão da interpretação conforme à constituição mas que seja contrária ao sentido literal da lei de acordo com o qual mesmo uma interpretação em conformidade com a constituição deve ser afastada quando tal interpretação implicar violação do sentido literal da norma infraconstitucional inexistência de interpretação conforme à constituição mas seja contra legem 613 A interpretação conforme à constituição extrai sua justificativa de vários elementos designadamente a supremacia da constituição a presunção de que em caso de dúvida o legislador teria desejado que dentre as opções disponíveis fosse escolhida aquela mais compatível com o texto constitucional bem como a noção de que se deve optar pela deci são que mais tiver condições de preservar o ato legal 614 No âmbito do controle de constitucionalidade das leis a interpretação opera de certo modo como instrumento de autocontenção self restraint da jurisdição constitucional em relação aos atos legislativos visto que a disposição legal só será declarada inconstitucional quando tal inconstitucionalidade for manifesta e não houver como dar uma atribuição de sentido à norma legal que por um lado não venha a distorcer e reescrever o texto legal mediante uma interpretação conforme não se deve substituir o conteúdo do regramento legal por um regramento substancialmente novo e produzido pelo Poder Judiciário 615 e por outro lado evite a declaração de inconstitucionalidade O quanto tal orientação é observada e em que medida atual como limite da interpretação resulta controverso e não será aqui examinado Cuidandose de técnica de decisão no âmbito do controle de constitucionalidade das leis e atos normativos deixaremos de aqui aprofundar o tema remetendo desde logo ao item correspondente na esfera do controle de constitucionalidade onde a interpretação conforme também é diferenciada de outras técnicas correlatas como é o caso da inconstitucionalidade parcial sem redução de texto 1023 O princípio da divisão de poderes e o correlato princípio dever da conformidade funcional o problema da autorrestrição por parte da jurisdição constitucional e as assim chamadas capacidades institucionais Vinculado ao princípio fundamental e pétreo da separação divisão de poderes o assim chamado princípio e o dele decorrente dever da conformidade funcional de acordo com a lição de Gomes Canotilho significa em termos gerais que o resultado da interpretação não pode subverter ou perturbar o esquema organizatóriofuncional constitucionalmente estabelecido 616 O respeito pela esfera de competência dos demais órgãos estatais assume nesse contexto a dimensão não apenas da condição de um dever elementar mas sim a de um imperativo constitucional 617 Assim os limites e o alcance da atuação dos poderes constituídos em especial no que concerne à posição do Poder Judiciário em relação aos Poderes Legislativo e Executivo devem ser determinados a partir da noção de que o princípio da separação dos poderes implica uma posição de deferência em relação aos demais órgãos estatais e no que diz com a postura adotada pelo Poder Judiciário até mesmo uma espécie de autorrestrição na linha do assim chamado judicial self restraint praticado nos Estados Unidos da América 618 De acordo com Konrad Hesse tal princípio de interpretação constitucional vale especialmente para as relações entre o legislador e a jurisdição constitucional de modo que a esta incumbe apenas uma função de controle da legislação não podendo chegar ao ponto de subtrair ou mesmo limitar a liberdade de conformação do legislador para além dos limites impostos pela constituição 619 De qualquer sorte importa sublinhar que o princípio da autorrestrição não implica a redução das competências de controle da justiça constitucional ainda mais quando se trata de seu órgão máximo no caso brasileiro do STF consistindo apenas na renúncia à prática da política pelos órgãos jurisdicionais de tal sorte que a autocontenção não poderá constituir uma estratégia generalizada de um órgão cuja função precípua é de controlar o poder e proteger os direitos fundamentais do cidadão 620 Os níveis de autorrestrição ou deferência por parte dos órgãos judiciais por outro lado não podem ser abstratamente definidos seja em homenagem às peculiaridades de cada ordem constitucional concreta e da posição ocupada pelos órgãos estatais em especial os três poderes convencionais na arquitetura jurídico constitucional quanto aos problemas verificados em termos de cumprimento pelos órgãos legislativos e administrativos das disposições constitucionais Da mesma forma relevante o grau de independência do Poder Judiciário e os mecanismos de controle dos atos dos demais poderes que lhe foram colocados à disposição A interpretação conforme à constituição como técnica destinada em primeira linha a salvaguardar o texto legal mas também a maior ou menor consideração pelos assim chamados atos políticos eou interna corporis são indicativos concretos e viáveis mas carentes de cuidadosa definição e manejo para aferir o quanto em conformidade funcional se está a realizar embora aqui salvo a sumária apresentação da interpretação conforme não tenhamos condições de aprofundar o ponto Embora não se confunda com a interpretação conforme à constituição nem haja uma superposição em relação à doutrina da autorrestrição judicial assume relevo no presente contexto da conformidade funcional e também em boa parte no campo da autocontenção judicial por força especialmente da recepção promovida no Brasil mediante o labor de atualizada literatura a assim chamada teoria doutrina das capacidades institucionais que em apertadíssima síntese busca cobrar do Poder Judiciário de modo especial em área sensíveis como a do controle de políticas públicas e que envolvem uma grande exigência de conhecimentos técnicos estranhos ao mundo jurídico um maior grau de deferência em relação às opções e decisões levadas a efeito pelo legislador e pelo administrador no sentido de uma valorização recíproca das capacidades institucionais de cada esfera estatal e mesmo propondo um produtivo diálogo institucional 621 Por outro lado tendo em conta o exposto convém pelo menos atentar para o assim chamado fenômeno da judicialização da política ou do ativismo judicial por mais que se possa discutir a respeito da correção dos termos e sobre o quanto são adequadamente utilizados no Brasil para que se verifique o quanto cada vez mais aparentemente menos se leva em conta o princípio da conformidade funcional especialmente no que diz com a ampla intervenção do Poder Judiciário na esfera da atividade legislativa e em relação aos atos e omissões do Poder Executivo Com isso por sua vez não se está a fazer um juízo de valor negativo ou positivo mas apenas afirmando que os limites funcionais aparentemente se revelam cada vez mais fluidos e relativos o que se percebe com particular ênfase no Brasil pós1988 à vista do número de casos que foram levados ao STF e que segundo muitos indicam uma crescente intervenção do Poder Judiciário na esfera reservada aos demais poderes 622 SEGUNDA PARTE O Sistema Constitucional Brasileiro O CONSTITUCIONALISMO BRASILEIRO EM PERSPECTIVA HISTÓRICOEVOLUTIVA Da Constituição Imperial de 1824 à assim chamada ConstituiçãoCidadã de 1988 Ingo Wolfgang Sarlet 11 Os primórdios e a Carta Imperial de 1824 A evolução constitucional brasileira embora sua origem possa ser reconduzida ao período colonial inicia com a independência de Portugal marcando o desenvolvimento políticoinstitucional do Brasil como Estado e nação politicamente independente Marcada pelo contexto eminentemente liberalburgues mas especialmente impregnada pela matriz constitucional francesa a primeira Assembleia Constituinte do Brasil sob a presidência do Bispo CapelãoMor D José Caetano da Silva Coutinho e com a participação decisiva do assim chamado artífice da independência José Bonifácio de Andrade e Silva foi instalada em 3 de maio de 1823 transcorrido menos de um ano da declaração da independência por Dom Pedro I muito embora a convocação para a realização das eleições para a Assembleia Constituinte convém registrar tenha ocorrido ainda antes da declaração de independência mediante decreto expedido em 03061822 ufanismo democráticoliberal contudo logo foi freado pelo autoritarismo que ainda marcava a vida políticoinstitucional resultando na dissolução da Assembleia Constituinte pelo Imperador D Pedro I em 12111823 que desconfiava do projeto de racionalização e limitação dos seus poderes imperiais seguida da convocação com a tarefa de elaborar um projeto de constituição de um Conselho de Estado integrado por dez membros nomeados pelo Imperador que então resultou na outorga do primeiro texto constitucional brasileiro a Constituição do Império do Brasil oferecida e jurada por Sua Majestade o Imperador em 25 de março de 1824 instituindo um governo monárquico constitucional e representativo 626 Consoante registra José Antônio Pimenta Bueno tratavase de uma Constituição que delegava ao Imperador o exercício precípuo do controle de todos os demais Poderes tanto sobre o seu exercício próprio quanto sobre suas relações recíprocas por meio do chamado Poder Moderador o órgão político mais ativo e influente do Império 627 Com efeito a criação pela Carta Imperial do Poder Moderador como um quarto poder no âmbito do esquema de separação dos poderes preconizado pelo ideário iluminista resultou de uma desvirtuada interpretação da teoria de Benjamin Constant 628 cuidandose no que diz com o exercício do poder político seguramente do elemento distintivo da primeira ordem constitucional brasileira Disciplinado nos arts 98 a 101 da Constituição Imperial no âmbito do Poder Moderador foram atribuídas competências ao Imperador que caracterizaram um modelo político centralizado permitindo que o monarca pudesse intervir fortemente na esfera dos demais Poderes estatais Para ilustrar tal circunstância bastaria aqui colacionar alguns exemplos Com efeito cabia ao Imperador a competência exclusiva de nomear os senadores a possibilidade de convocar em caráter extraordinário a Assembleia Geral a aprovação e suspensão interina das resoluções dos Conselhos Provinciais a dissolução da Câmara dos Deputados a suspensão dos magistrados por queixas feitas contra eles embora após prévia audiência e ouvido o Conselho de Estado além da prerrogativa de perdoar e moderar as penas impostas aos réus condenados por sentença assim como a concessão de anistia em caso de urgência Foi apenas por ocasião do período regencial que a Constituição começou a se legitimar materialmente como texto constitucional que concedia liberdades e limitava poderes mais especificamente a partir da abdicação do Imperador em 7 de abril de 1831 e da institucionalização da primeira reforma constitucional levada a efeito pelo ato adicional veiculado pela Lei 16 de 12081834 629 Tal reforma constitucional impulsionada pela Câmara dos Deputados designadamente a Câmara Baixa representante do pensamento liberal da época trouxe avanços significativos como a extinção do Conselho de Estado a institucionalização da Regência Una e a criação das Assembleias Legislativas Provinciais consideravelmente autônomas para a conjuntura política da época 630 Nada obstante com o advento da chamada Lei de Interpretação de 12 de maio de 1840 o conteúdo liberal das reformas foi corrigido retrocedendo em prol das forças reacionárias do Império especialmente mediante a restrição significativa dos poderes das Câmaras Provinciais No que diz com os seus traços essenciais para além da instituição do já referido Poder Moderador e da respectiva centralização do poder político nas mãos do monarca 631 a Constituição de 1824 apresentava a particularidade única na história constitucional brasileira de ser uma constituição do tipo semirrígido ou semiflexível visto que definia em que consistia a matéria constitucional propriamente dita sujeita a um processo mais rigoroso de alteração mediante o estabelecimento de limites formais à reforma constitucional ao passo que o restante do texto poderia ser alterado por meio do processo legislativo ordinário Com efeito de acordo com o teor literal do art 178 é só Constitucional o que diz respeito aos limites e atribuições respectivas dos Poderes Políticos e aos Direitos Políticos e individuais dos Cidadãos Tudo o que não é Constitucional pode ser alterado sem as formalidades referidas pelas Legislaturas ordinárias O controle de constitucionalidade das leis por sua vez era eminentemente político tendo sido conferido ao Poder Legislativo a que de resto incumbia também a prerrogativa de interpretar as leis Notase portanto que no concernente à organização dos Poderes a Carta Imperial aderiu ao modelo constitucional francês revolucionário extremamente cauteloso e mesmo resistente em relação ao poder dos juízes que em geral deveriam se limitar a atuar como a boca da lei de acordo com a visão privilegiada por Montesquieu A posição do Poder Judiciário no âmbito da arquitetura políticoinstitucional era portanto bastante distinta daquela que vinha sendo engendrada na esfera do constitucionalismo norteamericano especialmente quando a Suprema Corte assumiu a prerrogativa do controle de constitucionalidade das leis situação que veio a ser superada ainda assim de modo gradual apenas a contar da proclamação da República Outra importante característica a ser registrada é a de que a despeito de ter sido outorgada a Carta Imperial de 1824 contemplava um elenco significativo de direitos e garantias individuais designadamente nos incisos do art 179 Embora o foco nos direitos civis e políticos típico do constitucionalismo liberal o texto constitucional a exemplo da fugaz experiência francesa continha direitos sociais como dão conta os exemplos do direito aos socorros públicos assistência social em saúde da instrução primária gratuita a todos os cidadãos assim como dos colégios e universidades para o ensino das ciências belasartes e letras respectivamente disciplinados nos incisos XXXI XXXII e XXXIII do art 179 do Título 8º da Constituição Imperial 632 Afastandonos já da perspectiva dogmáticonormativa verificase que uma das marcas do constitucionalismo imperial de resto presente embora com outras feições nas Constituições posteriores é o abismo entre a abstração normativa e a realidade social e institucional de então já que apesar de positivar um extenso elenco de direitos civis e políticos dentre os quais a garantia da isonomia a Constituição Política do Império do Brasil vigeu por mais de setenta anos admitindo os privilégios da nobreza o voto censitário e o regime escravocrata 633 Ademais ao longo do período imperial especialmente no período da Regência 18311840 o Estado brasileiro conviveu com fortes instabilidades políticas e sociais na tensa oposição entre os movimentos contrários ao regime de inspiração liberal e a manutenção da ordem monárquica que veio a ser deposta pelo golpe de 15 de novembro de 1889 634 Apesar disso a Constituição de 1824 é tida como um documento político significativo que logrou absorver e superar as tensões entre o absolutismo e o liberalismo marcantes no seu nascimento para se constituir afinal no texto fundador da nacionalidade e no ponto de partida para a nossa maioridade constitucional 635 Ainda que tal julgamento possa soar um tanto generoso a Carta Imperial especialmente considerando o momento no qual foi forjada e o comparativamente largo período de tempo durante o qual esteve em vigor pouco mais de sessenta e cinco anos assume um lugar de destaque na história constitucional do século XIX pelo menos no âmbito da evolução constitucional americana 12 A Proclamação da República e a implantação da Federação a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1891 A Proclamação da República em 15111889 formalizada mediante a edição do Dec 1 redigido por Ruy Barbosa pelo Governo Provisório liderado pelo Marechal Deodoro da Fonseca foi o ponto de partida jurídicopolítico da primeira República Federativa do Brasil É preciso registrar outrossim que tanto a República quanto a forma federativa de Estado já vinham sendo objeto de expressivas reivindicações 636 Com efeito de acordo com a lição de Paulo Bonavides e Paes de Andrade a República não foi o resultado apenas das intenções isoladas de um grupo militar mas foi a consequência de um conjunto mais amplo de causas políticas econômicas e socioculturais que vinham se materializando ao longo do Segundo Reinado 637 Por determinação do Governo Provisório foi instituída a chamada Comissão dos Cinco encarregada da redação do anteprojeto da Constituição presidida por Joaquim Saldanha Marinho 638 O anteprojeto elaborado pela Comissão passou pela redação final de Ruy Barbosa então Ministro da Fazenda tendo sido submetido ao crivo da Assembleia Constituinte instalada em 15 de novembro de 1890 onde foi aprovado quase em sua integralidade pelos deputados e senadores constituintes A forte influência norteamericana em especial devida a Ruy Barbosa marcou profundamente o primeiro texto constitucional republicano não tendo sido por acaso que passamos a nos chamar de República dos Estados Unidos do Brasil muito embora as importantes diferenças no tocante à formatação da estrutura federativa norte americana e brasileira 639 Durante o processo constituinte o tema que suscitou maiores controvérsias foi o federalismo vencendo a corrente chamada de unionista liderada por Ruy Barbosa que defendia o predomínio da União na gestão do poder da República 640 Tal posicionamento consentâneo com a tradição centralizadora do período monárquico brasileiro não refletia a experiência histórica do federalismo norte americano produto de unidades regionais bem estabelecidas as antigas colônias inglesas que dispunham inclusive de regimes jurídicos próprios unindose em torno de uma Confederação ratificada primeiramente pelos Articles of Confederation em 1781 para num segundo momento adotarem a forma federativa de Estado sob a Constituição de 1787 641 A adoção do modelo norteamericano especialmente no que diz com a forma de importação do federalismo não restou imune a objeções destacandose neste contexto a abalizada crítica contumaz assacada por Paulo Bonavides e Paes de Andrade seja no sentido da falta de correspondência entre a realidade histórica e social brasileira e o texto constitucional de 1891 seja no que diz respeito à adoção de um federalismo centralizado que acabou transformando o Presidente da República numa espécie de rei sem trono ou de um monarca eletivo que se substituía a cada quatriênio precisamente o contrário do que esperavam os adversários da Monarquia e do modelo unitário de Estado precedente 642 No que diz com a ideologia subjacente a Constituição de 24 de fevereiro de 1891 foi um grande monumento à teoria liberal consagrando além da fórmula da separação de poderes a periodicidade dos mandatos políticos e estabelecendo um Estado Federal com ampla autonomia para os novos Estadosmembros que substituíram as antigas Províncias 643 Além disso diversamente da Carta Imperial tratavase de uma Constituição rígida visto que a alteração de seu texto apenas poderia ser levada a efeito mediante procedimento qualificado distinto da alteração de uma lei 644 Igualmente por força da influência norteamericana foi adotado o sistema presidencialista de governo bem como consagrada a adoção de um Estado laico daí a laicização do ensino nos estabelecimentos públicos caracterizado pela separação entre o Estado e a Igreja No campo dos direitos e garantias fundamentais assume papel de destaque a figura da ação de habeas corpus art 72 22 que na época por não ter sido criado ainda o mandado de segurança era o principal instrumento para a defesa dos direitos individuais frente a ilegalidades e abusos de poder Ademais disso pela primeira vez no constitucionalismo pátrio foi estabelecida expressamente no texto da Constituição a abertura material do catálogo dos direitos e garantias nomeadamente no seu art 78 ao dispor que a declaração de direitos não excluía outras garantias e direitos não enumerados mas resultantes da forma de governo que ela estabelece e dos princípios que consigna 645 De matriz marcadamente liberal foram excluídos do texto constitucional os direitos de cunho social presentes na Carta Imperial quais sejam o direito à assistência social socorros públicos o direito à instrução primária gratuita assim como o acesso a colégios e universidades para o ensino das ciências belasartes e letras previstos nos incisos XXXI XXXII e XXXIII do art 179 do Título 8º da Constituição do Império Outro ponto a ser destacado além do natural abandono do Poder Moderador incompatível com o projeto liberal republicano diz com o papel do Poder Judiciário no esquema da separação de poderes A criação do STF cujos magistrados eram livremente nomeados pelo Presidente da República além de sabatinados pelo Senado Federal somada à implantação da figura do judicial review norteamericano no sentido da possibilidade de cada juiz ou tribunal mediante possibilidade de recurso ao STF em caráter extraordinário não aplicar lei ou ato normativo contrário à Constituição provocou o rompimento definitivo com a tradição de um controle político exercido pelo próprio Legislativo Apesar do avanço normativo inegável em relação ao texto de 1824 a conjuntura promíscua da política oligárquica dominou os espaços da vida institucional brasileira ao longo de todo o período da chamada República Velha colapsada com o movimento revolucionário de 1930 que resultou na promulgação da Constituição de 1934 Com efeito desde a dissolução do Congresso por Deodoro da Fonseca em 3 de novembro de 1891 e da não convocação de novas eleições por Floriano Peixoto 646 quando da renúncia precoce do primeiro Presidente da República o novo regime constitucional já dava sinais concretos de inoperância frente aos fatores reais de poder Nesta perspectiva a assim designada política do café com leite introduzida a partir da sucessão do governo de Prudente de Morais por Campos Sales viria a aviltar o processo democrático brasileiro com a institucionalização da fraude eleitoral e do pacto oligárquico entre os cafeicultores paulistas e os pecuaristas mineiros dando margem ao surgimento do assim chamado coronelismo que ao fim e ao cabo acabou transformando a cidadania brasileira em maior ou menor medida em uma espécie de rebanho eleitoral 647 Os anseios reformistas acabaram resultando em 1926 na única reforma do texto constitucional de 1891 Dentre as alterações as mais significativas foram as que trataram da intervenção nos Estados aumentando a autoridade do Presidente da República bem como da determinação da competência federal para legislar sobre as relações de trabalho A emenda constitucional inovou ainda com a proibição da reeleição de presidentes e governadores dos Estados com a proibição das caudas orçamentárias com a restrição à teoria ampliativa do habeas corpus e com a instituição do veto parcial 648 A Constituição de 1891 não dispunha à evidência de força normativa suficiente para coordenar o processo políticoinstitucional faltando sintonia com a base social econômica e cultural o que levou ao surgimento de insatisfações generalizadas 649 A Constituição de 1891 não resistiu à transformação social e política brasileira designadamente com o avanço da industrialização e do operariado urbano e a formação de movimentos reivindicatórios ancorados na questão social aqui representada em caráter ilustrativo pela fundação em 1922 do Partido Comunista do Brasil 650 Tudo isso acabou resultando na superação da ordem vigente pela Revolução de 1930 capitaneada pelos governadores de Minas Gerais do Rio Grande do Sul e da Paraíba que depuseram o presidente Washington Luiz e entregaram o governo transitoriamente a uma Junta Militar que o exerceu até o dia 3 de novembro daquele ano quando assumiu em caráter definitivo o então governador do Rio Grande do Sul Getúlio Vargas líder civil do movimento revolucionário 651 Devese em primeira linha à atuação de Getúlio Vargas na condição de Presidente da República a transição para uma nova ordem constitucional Com efeito foi dado início a uma política de intervenção nos Estados aniquilandose com a chamada Política dos Governadores acompanhada do afastamento em termos significativos da influência dos coronéis instituise a Justiça Eleitoral mediante a promulgação em 3 de fevereiro de 1932 do Código Eleitoral que entre outros avanços significativos institui o voto feminino e transferiu das Assembleias políticas para o Poder Judiciário a competência para julgar a validade das eleições e de proclamar os eleitos 652 Após dominada a Revolução Constitucionalista de 1932 eclodida em São Paulo que buscava a reconstitucionalização e redemocratização do País foi instaurada a Assembleia Constituinte que resultou na promulgação da segunda Constituição da República em 1934 Apesar de toda a crise política e institucional ocorrida ao longo da chamada República Velha foi neste período que se vislumbraram as primeiras medidas legislativas em torno da questão da seguridade social como dão conta a primeira Lei de Acidentes do Trabalho de 1919 e a Lei Eloy Chaves que criou o primeiro instituto de aposentadoria o dos ferroviários em 1924 653 Uma avaliação sumária da primeira Constituição republicana permite afirmar que a despeito do considerável tempo de vigência da Constituição de 24021891 até 11111930 o descompasso entre o texto constitucional e a realidade social econômica política e cultural brasileira acabou sendo uma das marcas características desse período Por outro lado há quem seja mais generoso com a nossa primeira fase republicana e a Carta de 1891 admitindo que a despeito de todos os percalços vivenciados a Constituição ainda assim possibilitou a consolidação das instituições nacionais e do Estado brasileiro 654 13 A Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1934 A Constituição promulgada em 16071934 é fruto do movimento de 1930 e da Revolução Constitucionalista de 1932 e pode ser considerada como o momento constitucional que marcou a introdução do constitucionalismo social no Brasil Embora sua vigência tenha sido efêmera considerando a sua superação pelo texto de 1937 resultado do golpe do Estado Novo já se disse que a segunda Constituição da República foi a mais criativa das Constituições republicanas 655 Aspecto a ser destacado é que a Constituição de 1934 foi fortemente influenciada pelo corporativismo fascista o que de resto acabou por se constituir em marca indelével da chamada Era Vargas 19301945 mas não se podem subestimar muito antes pelo contrário os estímulos oriundos da Constituição espanhola de 1931 da Carta austríaca de 1920 e especialmente no tocante ao constitucionalismo social a influência exercida pelas Constituições mexicana 1917 alemã Constituição da República de Weimar 1919 e também pelo texto constitucional soviético de 1918 656 Nesse contexto embora não se possa aqui desenvolver o ponto é de sublinhar o fato de que como bem demonstra Luís Rosenfield o Brasil experimentou de 19301945 aquilo que pode ser designado de uma revolução conservadora 657 No que diz com as principais características da Carta de 1934 a manutenção da estrutura organizacional da Constituição anterior no caso da República da Federação do postulado da separação de poderes do sistema presidencialista e do regime democrático representativo foi acompanhada de algumas inovações dignas de nota como é o caso da instituição ao lado do Ministério Público e do Tribunal de Contas dos Conselhos Técnicos e dos órgãos cooperativos nas atividades governamentais 658 Além disso foi fortalecido o Poder Executivo ampliandose as possibilidades da decretação do estado de sítio mantevese o mandato de quatro anos para o Presidente porém impedida sua reeleição e foi abolida a figura do VicePresidente A criação da Justiça do Trabalho também se deveu ao novo texto constitucional apta a dirimir litígios entre empregados e empregadores No campo dos direitos e garantias do cidadão muito embora a existência na Carta Imperial de 1824 de algumas posições jurídicas isoladas e pontuais atinentes à categoria dos direitos sociais foi apenas na Constituição de 1934 que o comprometimento ao menos formal com a noção de um Estado Social e com a ideia de direitos sociais passou a ser incorporada de forma perene ao constitucionalismo brasileiro 659 Tal processo teve seu ponto de partida com a formação da assim chamada Subcomissão do Itamarati encarregada de dar início aos trabalhos de confecção do anteprojeto da Constituição de 1934 composta dentre outros de diversos ministros do governo provisório como o Ministro das Relações Exteriores Afrânio de Melo Franco presidente além de Temístocles Brandão Cavalcante secretáriogeral Assis Brasil Osvaldo Aranha José Américo de Almeida Carlos Maximiliano Antonio Carlos de Andrade Arthur Ribeiro Prudente de Moraes Filho Agenor de Rouer João Mangabeira Oliveira Viana e Góis Monteiro 660 com o que o País deu seu primeiro passo no sentido da constitucionalização de um extenso rol de direitos sociais 661 Dentre o elenco dos direitos sociais destacamse os estabelecidos em dois títulos inexistentes relativamente à primeira Constituição Republicana quais sejam o da ordem econômica e social e o da família educação e cultura A ordem econômica consoante o art 115 deveria ser pautada pelos princípios da justiça possibilitando a todos uma existência condigna foi garantido o amparo à maternidade e à infância incumbindo ao Poder Público a adoção de medidas legislativas tendentes a restringir a mortalidade e a morbidade infantis art 138 além de toda a produção legislativa na seara laboral decorrente dos preceitos estipulados no art 121 como os referentes ao salário mínimo à jornada máxima de oito horas de trabalho ao repouso semanal às férias anuais remuneradas à indenização para o trabalhador pela dispensa sem justa causa à assistência médica ao trabalhador e à gestante e ao reconhecimento das convenções coletivas de trabalho 662 Mas também no campo dos direitos civis e políticos o texto constitucional de 1934 trouxe grandes inovações como o instituto do mandado de segurança a ser ministrado toda vez que houvesse direito certo e incontestável ameaçado ou violado por ato manifestamente inconstitucional ou ilegal de qualquer autoridade 663 O projeto constitucional todavia por mais progressista que tenha sido especialmente em matéria de direitos sociais praticamente não teve chance de se afirmar na vida cotidiana política social e econômica do Brasil visto que em virtude de golpe desferido em 10 de novembro de 1937 pelo próprio líder do movimento revolucionário que esteve na base do texto de 1934 acabou sendo substituída de forma autoritária dando lugar ao Estado Novo pouco mais de três anos após sua entrada em vigor Sua derrocada precoce pode ser reportada ainda que não exclusivamente ao fato de estar permeada por princípios antagônicos é dizer apesar de seu brilhantismo jurídico não era possível identificar um projeto político hegemônico para o País 664 14 O Estado Novo e a Carta de 1937 a Constituição Polaca A década de 1930 havia iniciado de modo agitado já com as Revoluções de 1930 e 1932 que resultaram na Constituição de 1934 Todavia as turbulências seguiram e como já destacado no item anterior não asseguraram suficiente estabilidade político institucional para a afirmação da nova ordem constitucional O fato é que também no Brasil se faziam sentir de modo intenso as agitações ideológicas de perfil extremista que vicejavam na Europa notadamente as diversas correntes do fascismo até mesmo o nacionalsocialismo embora de forma mais tímida alcançou o Brasil e do socialismo e comunismo tudo potencializado pela crise da economia mundial especialmente em função das consequências desastrosas da crise de 1929 Com efeito foi neste período que sob a liderança de Plínio Salgado surgiu a Ação Integralista Brasileira de inspiração fascista assim como foi nesta época que ocorreu a reorganização do Partido Comunista no Brasil sob o comando de Luís Carlos Prestes sujeito de resto à disciplina estrita do Comitê Central Soviético culminando com o malogro da chamada Intentona Comunista de 1935 Tal cenário de certo modo facilitou sobremaneira as coisas para que Getúlio Vargas mediante argumentos de manutenção da ordem dissolvesse a Câmara e o Senado outorgando a Constituição de 10111937 Mediante a imposição de um novo texto constitucional destituído de qualquer legitimação democrática apenas foi assegurada uma roupagem constitucional para a ditadura do Estado Novo O perfil profundamente autoritário e controlador especialmente em relação à dissidência política aos meios de comunicação e às organizações sindicais foi assegurado entre outros aspectos por meio da implementação da polícia política com seus órgãos institucionais como o Departamento de Imprensa e Propaganda DIP o Tribunal de Segurança Nacional a Delegacia Especial de Segurança Pública e Social DESPS e o Departamento de Ordem Política e Social DOPS articulados com a finalidade de perseguição política e de uniformizar as massas mediante a doutrina ideológica do regime 665 No que diz com suas principais características a Carta de 1937 redigida por Francisco Campos e também designada de A Polaca em virtude de ter sido inspirada fortemente na Constituição da Polônia de 23041935 fortaleceu sobremaneira o Poder Executivo atribuindo a este uma intervenção mais ampla na elaboração das leis designa damente assegurando a possibilidade da expedição de decretosleis em todas as matérias de competência da União enquanto não fosse reunido o Congresso Nacional conforme preceitua seu art 13 no título destinado à organização nacional Outra marca autoritária e centralizadora pode ser identificada no campo do controle da constitucionalidade declarada inconstitucional uma lei que a juízo do Presidente da República fosse necessária ao bem comum à promoção ou à defesa de interesse nacional poderia esta ser submetida novamente ao exame do Parlamento podendo ser declarada constitucional por maioria de dois terços dos votos em cada uma das Casas art 96 parágrafo único 666 Aliás ficou expressamente vedado conforme o art 94 o conhecimento pelo Poder Judiciário de questão exclusivamente política abrindo uma margem significativamente arbitrária de controle externo do Judiciário Ademais tal autoritarismo era conspícuo na dicção do art 99 transformando o chefe do Ministério Público Federal em mero fâmulo do Presidente da República Além disso a Constituição apresentava um cunho fortemente estatizante e nacionalista pois outorgava ao Estado a função precípua de coordenar a economia nacional como por exemplo na exploração das minas e demais riquezas do subsolo art 143 Além disso a Carta de 1937 levava a cabo a nacionalização de determinadas atividades econômicas tendo como base jurídica o estipulado no art 144 que se referia à nacionalização progressiva das minas jazidas minerais e quedas dágua ou outras fontes de energia assim como das indústrias consideradas básicas ou essenciais à defesa econômica ou militar da Nação No que diz com os direitos e garantias individuais deveriam ser exercidos nos limites do bem público das necessidades da defesa do bemestar da paz e da ordem coletiva bem como das exigências da segurança da Nação e do Estado art 123 Ainda neste contexto e com especial destaque negativo está o art 139 que estipula que a greve é recurso antissocial nocivo ao trabalho e ao capital e incompatível com os superiores interesses da produção nacional Para além dessas notas sobre o seu conteúdo importa registrar que em determinada perspectiva a Carta de 1937 não entrou sequer em vigor visto que previa no seu art 187 a necessidade de sua aprovação em Plebiscito que nunca veio a ocorrer o que foi admitido mesmo pelo seu autor Francisco Campos em entrevista concedida já na fase final do Estado Novo em março de 1945 667 Aliás neste sentido também o magistério de Pontes de Miranda para quem a Constituição de 1937 foi solapada logo depois pelos seus próprios autores Não se realizou não foi respeitada quase toda nem sequer existiu 668 No plano político a fase final do Estado Novo foi entre outros aspectos marcada pelas tentativas envidadas por Getúlio Vargas no sentido de promover uma gradual abertura política especialmente por meio da edição da LC 9 de 18021945 anunciando a convocação de eleições gerais para assegurar o efetivo funcionamento dos órgãos representativos previstos na Constituição de 1937 mas impedidos de atuar pelo próprio ditador Tais expedientes contudo não impediram a deposição de Getúlio pelas Forças Armadas em 29 de outubro de 1945 e a instalação de um governo provisório liderado pelo Ministro José Linhares então Presidente do STF que exerceu a chefia do governo até a eleição do Marechal e ExMinistro da Guerra do Estado Novo Eurico Gaspar Dutra empossado em 31011946 Aliás a escolha do nome de Eurico Gaspar Dutra no Brasil ilustra um ambiente favorável às eleições e consequente inserção no processo político dos heróis militares da Segunda Grande Guerra dos quais vários foram guindados em boa parte dos casos pelo voto popular à condição de Chefes de Governo ou outros cargos de relevo no Executivo e Legislativo como dão conta dentre outros os exemplos de um Dwight D Eisenhower nos EUA e de um Charles de Gaulle na França 15 A Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1946 A posse de Gaspar Dutra foi sucedida pela imediata instalação de uma Assembleia Constituinte aos 2 de fevereiro de 1946 eleita em 2 de dezembro de 1945 integrada por representantes da direita do centrodemocrático progressistas socialistas e comunistas com certo predomínio dos primeiros Em 18 de setembro do mesmo ano foi após um período relativamente curto de debates aprovada a nova Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil que ao contrário das demais Constituições prescindiu de um projeto pré elaborado mas adotou como textobase a Constituição de 1934 o que contribuiu para um trâmite expedito do processo constituinte 669 No que atine ao sistema normativo tratavase de uma Constituição que se assemelhava muito à Constituição de 1934 mediante a distribuição de poderes entre a União Estados e Municípios traçando diretrizes gerais da ordem econômica e social prevendo os direitos políticos e sociais outorgando estabilidade no Brasil até os fatos que eclodiram em 1961 670 Em termos de novidades em relação aos textos anteriores especialmente em face da Carta ditatorial imposta pelo regime de Vargas é possível destacar no campo organizatório a tentativa de restauração do federalismo nos moldes clássicos da tradição republicana de 1891 e a reinserção do Senado como segunda Câmara Legislativa na estrutura do Congresso Nacional Embora com um tom menos incisivo relativamente à Constituição de 1934 os direitos sociais foram objeto de proteção especialmente no campo trabalhista onde foi por fim reafirmado o direito de greve No campo da garantia dos direitos individuais situase a incorporação ao ordenamento jurídico brasileiro da inafastabilidade do controle jurisdicional A lei não poderá excluir da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão de direito individual art 141 4º e na ordem social e econômica foi estabelecido um plano de recuperação e especial proteção da região Amazônica e do Nordeste especialmente pelos problemas socioeconômicos advindos dos períodos de secas mediante a aplicação de percentuais do orçamento tributário da União art 199 671 O texto constitucional todavia também apresentava aspectos considerados problemáticos Neste sentido Miguel Reale a despeito de louvar diversos pontos da obra do constituinte de 1946 apontava para aquilo que designou de quatro graves equívocos consubstanciados no exacerbado enfraquecimento do Executivo frente à estrutura do Poder Legislativo na redução do quadro normativo às figuras da lei constitucional e da lei ordinário no qual se encontrava o Legislativo na dificuldade engendrada pela Constituição no tocante à intervenção do Estado no domínio econômico especialmente diante de uma sociedade industrial emergente e na adoção ilimitada do pluralismo partidário oportunizando o surgimento de partidos políticos de fachada 672 Por outro lado não foram poucas as crises institucionais registradas sob a égide da Carta de 1946 que ao final levaram à revogação gradativa da ordem constitucional por força do golpe militar de 1964 No que diz com as reformas constitucionais levadas a efeito a mais significativa embora efêmera e de questionável legitimidade resultou na instauração pela primeira vez no regime republicano brasileiro do parlamentarismo como sistema de governo mediante a EC 4 de 2 de setembro de 1961 votada às pressas por ocasião da renúncia de Jânio Quadros e em face da resistência por parte dos setores reacionários da política nacional ao nome do então VicePresidente João Goulart Rapidamente rejeitado por ocasião de consulta plebiscitária o parlamentarismo foi relegado ao esquecimento e a sucessão de percalços vivenciados durante o governo de João Goulart acabaram levando ao ocaso da ordem democrática quando em 1º de abril de 1964 assume o poder um Comando Militar Revolucionário destituindo o poder civil e instaurando a ditadura militar que perduraria até o ano de 1985 impulsionada pelos sucessivos Atos Institucionais bem como em virtude das possibilidades oferecidas pela própria Constituição de 1967 e sua Emenda 11969 que serão comentadas logo a seguir 16 A Constituição do Brasil de 1967 e a EC 11969 Após a eleição pelo Congresso Nacional do Marechal Humberto Castelo Branco como Presidente da República em consonância com o disposto pelo Ato Adicional 1 e pela desfiguração da Constituição de 1946 mediante a ingente produção legiferante da Junta Militar decidiuse pela formulação de uma nova Constituição mais afeita ao novo regime de governo O Congresso Nacional foi convocado às pressas a votar o Projeto de Constituição elaborado pelo então Ministro da Justiça Carlos Medeiros Silva pelo Ato Institucional 4 de 07121966 A despeito de ter sido votada pelo Congresso Nacional o que ocorreu de fato em virtude da convocação autoritária e da fixação de um prazo fatal exíguo para votação do projeto encaminhado pelo governo militar foi uma mera homologação congressual de tal sorte que em termos técnicos a Carta de 1967 deve ser compreendida como outorgada ainda que com o beneplácito do Legislativo 673 Nessa perspectiva não é à toa que se chegou a falar considerando o somatório dos vícios de formação e de conteúdo no aleijão constitucional de 1967 674 A Carta Constitucional de 1967 entrou em vigor em 15031967 antes mesmo da posse do Marechal Arthur da Costa e Silva sendo fortemente influenciada pela Carta Política de 1937 cujas características essenciais foram incorporadas 675 Ao longo de todo o texto constitucional evitouse falar de democracia sendo esta substituída pela expressão regime representativo 676 Dentre suas disposições mais importantes estão a exacerbação do poder centralizado na União e na figura do Presidente da República a eleição indireta para a escolha do Presidente da República a redução da autonomia individual permitindo a suspensão de direitos e garantias constitucionais a aprovação de leis por decurso de prazo resquício do período autoritário do Estado Novo brasileiro a prerrogativa do Presidente da República para expedir decretosleis sobre segurança nacional e finanças públicas e o recrudescimento do regime no que tange à limitação do direito de propriedade autorizando para fins de reforma agrária a desapropriação mediante pagamento de indenização em títulos da dívida pública 677 Se havia alguma esperança de retorno à normalidade institucional democrática esta foi por água abaixo com a decretação em 13121968 do Ato Institucional 5 secundado pelo recesso do Congresso Nacional O novo edito ditatorial previa dentre outras questões a possibilidade de o Poder Executivo suspender direitos políticos e cassar mandatos eletivos em todas as esferas legislativas e de governo a suspensão do habeas corpus nos casos de crimes políticos o afastamento da apreciação judicial dos atos praticados com base no ato institucional e a competência do Executivo para legislar no período de recesso do legislativo 678 A ditadura toma forma no seu estágio mais avançado perseguindo e torturando presos políticos censurando a imprensa e reprimindo a atividade políticopartidária 679 Na percuciente análise de Pontes de Miranda estava em curso um período históricoinstitucional em que não havia mais a distinção entre o ato político ou administrativo e o ato legislativo ou seja quando o ato político já é lei no sentido de que não havia mais o rito do Poder Legislativo em transformar o ato político em ato legislativo consubstanciando um governo autocrático 680 Com a doença do Presidente Costa e Silva assumem o Poder Executivo os Ministros da Marinha de Guerra do Exército e da Aeronáutica que prepararam um novo texto constitucional consubstanciado na EC 1 promulgada aos 17101969 Considerando a amplitude das reformas e a consolidação da ditadura militar com um reforço significativo dos poderes de exceção entre outros aspectos costuma atribuirse à Emenda 11969 a condição de uma nova Constituição e não apenas de uma simples emenda à Constituição de 1967 Com efeito e para além deste aspecto a emenda apenas serviu como mecanismo de outorga de um novo texto constitucional que na prática passou a reger a ordem jurídicoestatal brasileira 681 Além disso como bem destacou Ruy Ruben Ruschel o movimento militar praticamente confessou quando da emissão do Ato Institucional 5 de 13121968 a origem ditatorial da Carta de 1967 visto que no quarto considerando daquele edito autoritário ficou consignado textualmente que a Revolução vitoriosa outorgou à Nação os instrumentos jurídicos exteriorizados na Carta 682 De qualquer modo não é caso de dar valor demasiado à discussão sobre se a EC 11969 foi uma nova Constituição substituindo por completo a Constituição de 1967 posição que parece gozar da preferência no âmbito da doutrina ou se é possível reunir ambos os documentos ainda mais em virtude de a vigência de ambos ter sido acompanhada pela vigência dos editos ditatoriais com destaque para os atos institucionais de tal sorte que o que o Brasil experimentou no período de 1964 até a promulgação da CF de 1988 foi um processo complexo de ruptura ascensão auge e distensão de uma ditadura seguida de uma reconstitucionalização democrática e pacífica que viabilizou uma nova ordem constitucional capaz de assegurar estabilidade institucional ao País como se verá logo a seguir 17 Breves notas sobre a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 As origens do movimento que culminou na edição da EC 261985 e da correlata convocação da Assembleia Nacional Constituinte de 19871988 remontam à transição do regime ditatorial de 1964 em direção à abertura política iniciada ainda no Governo Ernesto Geisel e consolidada durante o Governo do General João Batista de Figueiredo que propiciou a abertura do sistema partidário e promoveu a aprovação da Lei de Anistia num contexto social e político marcado por um crescimento das reivindicações dos diversos setores da sociedade e uma articulação da sociedade civil sob a direção de instituições representativas tais como a OAB a CNBB e as principais entidades sindicais 683 A querela jurídica em torno da impossibilidade formal da instituição de um poder constituinte originário ilimitado mediante emenda constitucional 684 acabou não vingando especialmente pelo fato de que materialmente tal emenda constituiuse em ato político destinado a pôr cobro ao regime constitucional pretérito e não a manter a Constituição emendada 685 De qualquer modo como discutido no capítulo sobre o poder constituinte o que se pode designar de um impulso constituinte ou seja o modo pelo qual se inicia o processo constituinte por si só não retira a plena legitimidade da nova ordem constitucional desde que esta possa ser reconduzida a uma Assembleia Constituinte livre e soberana embora não exclusiva como aliás era a preferência de muitos marcada por uma participação popular e por um processo de deliberação sem precedentes na história brasileira e mesmo digna de nota no contexto internacional Ainda no âmbito de uma fase que se pode designar de preparatória da Assembleia Constituinte o então Presidente José Sarney criou e nomeou sob a presidência de Afonso Arinos de Mello Franco uma Comissão Provisória de Estudos Constitucionais a assim chamada Comissão dos Notáveis formada por 50 personalidades ilustres e ligadas às mais diversas áreas da vida econômica social política e cultural portanto não integrada apenas por juristas revelando um perfil inquestionavelmente plural e heterogêneo inclusive em termos de orientação ideológica com o intuito de elaborar um anteprojeto de Constituição O texto que resultou dos trabalhos da Comissão era analítico 436 artigos no corpo permanente revelando um tom progressista comprometido com uma noção de Estado Social e Democrático de Direito e propunha a adoção do sistema parlamentarista de governo o que segundo consta acabou influenciando na decisão do Presidente Sarney no sentido de não enviar o anteprojeto à Constituinte o que todavia considerando a divulgação e repercussão do anteprojeto Afonso Arinos não impediu que viesse a influenciar de maneira decisiva em diversos aspectos o processo de elaboração da Constituição Federal de 1988 686 A Assembleia Nacional Constituinte foi instalada no dia 1º de fevereiro de 1987 na sede do Congresso Nacional sob a presidência do Min José Carlos Moreira Alves que na época presidia o STF tendo sido composta de 559 membros 487 deputados federais e 72 senadores dos quais 23 eram ainda oriundos do quadro de senadores eleitos de modo indireto em 1982 os assim chamados senadores biônicos com mandato até 1990 registrandose além disso que os integrantes da Assembleia Constituinte receberam nas eleições de 1986 mandato cumulativo pois além das funções constituintes de caráter transitório seguiram exercendo as atribuições ordinárias do Congresso Nacional Sem prejuízo de outros aspectos relevantes no que diz com a composição da Assembleia Constituinte quanto ao perfil político ideológico dos seus integrantes é possível afirmar que a despeito do forte pluralismo predominava a ala do assim chamado Centro ou Centrão como também se costumava dizer com ligeira inclinação para a chamada centrodireita visto que os partidos efetivamente identificados com a esquerda PDT PT PCB PC do B e PSB totalizavam apenas 50 constituintes ou seja 9 do total registrandose ademais um percentual relativamente alto de troca de partidos aproximadamente 15 dos constituintes trocaram de sigla partidária ao longo do processo além do surgimento do PSDB em junho de 1988 absorvendo um número importante de dissidentes do PMDB mantida todavia a orientação do Centro que foi decisiva para o formato final da Constituição 687 No que diz com os trabalhos propriamente ditos no âmbito da Assembleia Constituinte uma vez superada questão de ordem envolvendo a legitimidade dos assim chamados senadores biônicos e eleito pela própria Assembleia o seu presidente com vitória esmagadora do Deputado Ulysses Guimarães do PMDB a primeira fase das atividades mais de dois meses foi destinada à elaboração do regimento interno decidindose para além de uma série de outras questões relevantes que a Constituinte se limitaria à função de elaborar uma nova Constituição e não no sentido de também promover modificações na ordem constitucional vigente refutandose ainda qualquer recurso oficial a um anteprojeto seja o elaborado pela Comissão Afonso Arinos seja algum projeto elaborado por uma comissão interna formada por um grupo menor de constituintes Assim todos os integrantes da Assembleia foram envolvidos no processo participando das 24 subcomissões temáticas reunidas em torno de oito comissões temáticas que na sequência enviariam os seus respectivos projetos a uma Comissão de Sistematização o que para alguns contribuiu decisivamente para o caráter analítico da Constituição de 1988 688 Após ampla participação de um considerável número de representantes da sociedade civil seja por meio de audiências públicas realizadas na esfera das subcomissões temáticas bem como e de modo especial por meio da apresentação de emendas apenas na fase das comissões temáticas foram recebidas 14911 propostas com destaque para a apresentação de 122 emendas populares reunindo ao todo mais de doze milhões de assinaturas 689 um exaustivo trabalho e intenso debate no âmbito da Comissão de Sistematização resultou no envio ao Plenário da Assembleia Constituinte em 24111987 do Projeto de Constituição aprovado pela Comissão de Sistematização sob a presidência do Deputado Bernardo Cabral 690 Na sequência em função de uma suspensão dos trabalhos no texto constitucional em virtude de uma acirrada disputa em torno de uma alteração do regimento interno da Constituinte patrocinada pelo bloco interpartidário conhecido como Centrão 691 foi retomado o processo propriamente dito seguindo se dois turnos de votação com posterior remessa do texto aprovado em segundo turno para uma Comissão de Redação presidida por Ulysses Guimarães e integrada por 28 componentes que embora não fosse esta a sua função já que a Comissão de Redação deveria apenas cuidar de aspectos linguísticos e de técnica legislativa acabou ainda promovendo ajustes de conteúdo no texto cuja versão final após mais de vinte meses de intenso trabalho foi aprovada por 474 votos contra 15 sem contar as 6 abstenções e promulgada no dia 05101988 692 O texto da Constituição da República Federativa do Brasil promulgado em 05101988 surge com 245 artigos no corpo permanente distribuídos em nove títulos a princípios fundamentais b direitos e garantias fundamentais c organização do Estado d organização dos poderes e defesa do Estado e instituições democráticas f tributação e orçamento g ordem econômica e financeira h ordem social i disposições gerais Somase ao corpo permanente um Ato das Disposições Constitucionais Transitórias com 70 artigos número de dispositivos que chegou a aumentar em virtude de sucessivas e algumas mesmo abrangentes reformas constitucionais sendo pelo menos curioso e digno de nota que mais de duas décadas depois de sua promulgação o próprio Ato das Disposições Transitórias tenha crescido no que diz com o número de artigos Cuidase portanto de um texto que sem prejuízo de suas virtudes surge de acordo com a crítica de Luís Roberto Barroso como um texto que mais do que analítico era casuístico prolixo e corporativo 693 De qualquer modo a despeito de seus aspectos menos virtuosos a assim chamada Constituição Cidadã a evolução subsequente veio a demonstrálo consiste em texto constitucional sem precedentes na história do Brasil seja quanto a sua amplitude seja no que diz com o seu conteúdo não sendo desapropriado afirmar que se trata também de um contributo jurídicopolítico brasileiro para o constitucionalismo mundial seja em virtude da forte recepção das modernas tendências na esfera do direito constitucional seja pelas peculiaridades do texto brasileiro Antes de adentrarmos em seus traços gerais nas linhas mestras que caracterizam a Constituição Federal importa lembrar que o texto promulgado pela Assembleia Constituinte desde logo contemplava a possibilidade de uma ampla revisão constitucional que a depender da evolução poderia inclusive chegar ao ponto de assumir feições constituintes Com efeito mediante a introdução de dois artigos no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias determinouse a realização de um plebiscito para a definição da forma e do sistema de governo art 2º bem como a realização de uma revisão constitucional transcorridos cinco anos da promulgação da Constituição art 3º O plebiscito que acabou sendo antecipado por alguns meses confirmou a opção pela República e pelo sistema presidencialista de governo o que para alguns por si só já afastaria até mesmo a possibilidade de uma revisão constitucional Esta última em que pese uma relativamente acirrada controvérsia sobre as possibilidades e limites de tal revisão acabou não logrando êxito de tal sorte que apenas seis alterações constitucionais foram levadas a efeito por meio das assim chamadas emendas constitucionais de revisão 694 Ainda assim considerando o número de emendas constitucionais ordinárias ou seja processadas e aprovadas nos termos do art 60 da CF mas especialmente à vista da amplitude das alterações levadas a efeito bastaria apontar para as reformas administrativa previdenciária e do Poder Judiciário não faltou quem dissesse e não sem razão que a revisão constitucional acabou sendo transformada em algo permanente e que as emendas constitucionais destinadas a promover na condição de espécies do gênero reforma que inclui tanto a revisão quanto as emendas mudanças pontuais isoladas no texto constitucional se transmutaram em mecanismos de revisão da Constituição Como dedicaremos maior atenção ao tema na parte relativa à mudança constitucional reforma aqui basta que se faça referência ao problema considerada a sua relevância para apresentar as linhas mestras da Constituição de 1988 e a sua trajetória desde a promulgação No que diz com as suas principais características além do seu perfil analítico e casuístico já referido a Constituição Federal de 1988 pode ser considerada como a mais democrática e avançada em nossa história constitucional seja em virtude do seu processo de elaboração seja em função da experiência acumulada em relação aos acontecimentos constitucionais pretéritos tendo contribuído em muito para assegurar a estabilidade institucional que tem sido experimentada desde então no Brasil 695 Não se poderá desprezar mesmo em termos de direito comparado que tanto os períodos de relativamente grave instabilidade econômica quanto uma sucessão de episódios de alto teor explosivo na esfera política como foram entre outros os casos de impedimento do Presidente Fernando Collor de Mello e da Presidente Dilma Roussef bem como os sucessivos escândalos envolvendo práticas corruptivas vg Mensalão e Operação Lava Jato não chegaram a impactar o desempenho da Constituição Pelo contrário tais vicissitudes foram e têm sido enfrentadas e em parte superadas no âmbito do marco normativo constitucional o que não quer dizer que especialmente para a vida econômica o texto constitucional não tenha sido causador de algumas dificuldades mas também essas pelo menos em boa parte foram afastadas ou minimizadas mediante a possibilidade disponibilizada pelo próprio constituinte de alteração do texto da Constituição por meio de emendas constitucionais dentre as quais podemos situar a reforma da administração pública a reforma da previdência social ajustes importantes na esfera da ordem econômica a redução do forte cunho nacionalista e estatizante do texto original assim como a reforma do Poder Judiciário apenas para citar algumas das mais importantes No que diz com o seu conteúdo cuidase de documento acentuadamente compromissário plural e comprometido com a transformação da realidade assumindo portanto um caráter fortemente dirigente pelo menos quando se toma como critério o conjunto de normas impositivas de objetivos e tarefas em matéria econômica social cultural e ambiental contidos no texto constitucional para o que bastaria ilustrar com o exemplo dos assim chamados objetivos fundamentais elencados no art 3º Tanto o Preâmbulo quanto o título dos Princípios Fundamentais são indicativos de uma ordem constitucional voltada ao ser humano e ao pleno desenvolvimento da sua personalidade bastando lembrar que a dignidade da pessoa humana pela primeira vez na história constitucional brasileira foi expressamente guindada art 1º III da CF à condição de fundamento do Estado Democrático de Direito brasileiro por sua vez também como tal criado e consagrado no texto constitucional Não é à toa portanto que o então Presidente da Assembleia Nacional Constituinte Deputado Ulysses Guimarães por ocasião da solenidade de promulgação da Constituição batizou a Constituição de 1988 de Constituição Coragem e Constituição Cidadã lembrando que diferentemente das Constituições anteriores a Constituição inicia com o ser humano Outro aspecto digno de nota que diz respeito ao título dos Princípios Fundamentais é a ênfase dada pelo menos no plano textual à integração na comunidade internacional afirmandose no plano das relações internacionais a prevalência dos direitos humanos art 4º II e assumindose como tarefa a busca da integração econômica política social e cultural dos povos da América Latina e a formação de uma comunidade latinoamericana art 4º parágrafo único é igualmente sem precedentes e foi acompanhada ao longo da evolução subsequente de um conjunto significativo de ações nesse sentido inclusive a ratificação de expressivo número de tratados internacionais Particular atenção merece o título dos Direitos e Garantias Fundamentais pela sua atualidade visto que recepcionou a maioria dos direitos consagrados até então no plano internacional mesmo antes da ratificação em definitivo dos principais tratados de direitos humanos e amplitude pois contempla tanto os direitos e garantias individuais clássicos ou seja os direitos de liberdade quanto os direitos sociais incluindo um extenso rol de direitos trabalhistas bem como o direito de nacionalidade e os direitos políticos Em função da abertura do sistema de direitos fundamentais são também acolhidos direitos dispersos ao longo do texto constitucional e direitos decorrentes do regime e dos princípios da Constituição além da pioneira referência aos direitos constantes dos tratados internacionais ratificados pelo Brasil embora aqui seja necessário registrar que durante muito tempo o STF não atribuía aos tratados de direitos humanos mais do que a hierarquia de lei ordinária o que contudo foi objeto de superação recente Também no que toca ao regime jurídico privilegiado assegurado pela Constituição Federal aos direitos fundamentais o texto constitucional de 1988 assumiu uma relevância ímpar embora não se possa menosprezar muito antes pelo contrário o labor da jurisprudência nesse contexto Assim além da expressa previsão da aplicabilidade imediata das normas de direitos fundamentais art 5º 1º e da proteção contra o poder de reforma constitucional art 60 4º importa mencionar um conjunto expressivo de garantias e instrumentos processuais sem prejuízo das funções desempenhadas pelo Poder Judiciário com destaque para o papel do STF na condição de guardião da Constituição e pelo Ministério Público dentre outros aspectos dignos de nota em termos do acesso à Justiça não há como olvidar a criação da Defensoria Pública como função essencial que receberam incumbências meios e autonomia para enfrentar mesmo os demais órgãos estatais na defesa da ordem constitucional Por outro lado a generosa inclusão de direitos e garantias no texto constitucional notadamente no âmbito dos direitos sociais e dos direitos dos trabalhadores complementada na parte relativa à administração pública e à ordem social por um expressivo número de disposições assegurando direitos e prerrogativas ao servidor público e mesmo aos cidadãos em geral a crítica reiterada de que aos servidores foi reservado um regime privilegiado especialmente em termos de estabilidade e segurança social se insere neste contexto também não deixou de receber importantes críticas por exemplo no sentido de que teria havido uma prodigalidade irresponsável da parte dos constituintes que prometeram mais do que se poderia cumprir gerando expectativas por exemplo no que diz com a efetividade dos direitos sociais que estariam desde logo fadadas à frustração 696 De todo modo tal é a importância dos direitos e garantias fundamentais bem como dos mecanismos de sua efetivação no direito constitucional brasileiro contemporâneo que este Curso não poderia deixar de assegurar um espaço privilegiado para o exame da matéria como dá conta a alentada parte destinada aos direitos fundamentais às ações constitucionais e ao controle de constitucionalidade No que diz com a sua inserção no esquema classificatório das constituições a CF pode ser integrada como já referido ao grupo das constituições escritas democráticas analíticas e rígidas De qualquer sorte como as peculiaridades do direito constitucional positivo vigente portanto das características do texto constitucional de 1988 serão objeto de apresentação e análise mais detalhada ao longo do presente Curso não é o caso de aqui seguir com um inventário das notas distintivas da atual Constituição Federal DOS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS I NOTAS INTRODUTÓRIAS FUNÇÃO CLASSIFICAÇÃO E EFICÁCIA DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS FUNDAMENTAIS Considerando que tanto a definição dos princípios na condição de normas jurídicoconstitucionais inclusive a sua diferenciação das regras quanto as questões atinentes à eficácia e aplicabilidade das normas constitucionais portanto dos princípios e das regras já foram objeto de capítulo próprio integrante da parte reservada à teoria da norma constitucional aqui nos limitaremos a traçar uma breve apresentação do Título I da CF Dos Princípios Fundamentais buscando explicitar não apenas a sua heterogeneidade e complexidade dada a quantidade e diversidade em matéria de princípios expressamente consagrados pelo constituinte mas também indicar possíveis formas de classificação de tais princípios Em relação ao constitucionalismo brasileiro anterior verificase que foi apenas na CF de 1988 que o constituinte optou por concentrar já na abertura do corpo permanente da constituição e não apenas em sede preambular um conjunto de princípios desde logo rotulados como fundamentais muito embora nas constituições anteriores especialmente a contar da Constituição de 1891 constassem disposições com estrutura de princípios no texto constitucional dentre os quais dispositivos definindo a forma e o sistema de governo a separação de poderes entre outros que atualmente integram o título dos princípios fundamentais Com isso não se está a dizer que na atual CF as normasprincípio estejam todas concentradas no Título I visto que expressivo o número de princípios dispersos ao longo da constituição bastaria aqui apontar para grande parte das normas de direitos fundamentais e os princípios da ordem econômica e social como exemplos emblemáticos tampouco se está a afirmar que não existam princípios fundamentais sediados em outras partes do texto da constituição como é o caso também aqui de normas de direitos fundamentais com estrutura de princípios Os princípios fundamentais do Título II da CF correspondem a uma decisão fundamental do constituinte que pelo seu cunho estruturante e informador da ordem estatal é constitutiva da própria identidade constitucional Assim ainda que parte desses princípios com destaque para a dignidade da pessoa humana a República o Estado Democrático e Socioambiental de Direito não integre expressamente o elenco das assim chamadas cláusulas pétreas embora essas contemplem alguns princípios como é o caso especialmente da separação dos poderes do sufrágio e dos direitos fundamentais a teor do art 60 4º CF assume no nosso entender e salvo melhor juízo a condição de limite material implícito à reforma constitucional Disso resulta a proibição de uma supressão textual e mesmo de uma superação esvaziamento de seus elementos essenciais ainda que se possa polemizar a respeito de tal afirmação especialmente no que concerne aos limites da proteção oferecida por conta da condição de cláusula pétrea que de acordo com a orientação dominante no STF se restringe a uma proibição da quebra de princípios e salvaguarda do núcleo essencial do princípio ou direito protegido para o que contudo remetemos ao item próprio do presente Curso Mas o tema da reforma constitucional e dos seus limites constitui objeto de capítulo específico da presente obra ao qual aqui remetemos para maior desenvolvimento Os princípios em geral não apenas os princípios fundamentais são espécie do gênero normas jurídicas distinguindose de acordo com entendimento consagrado no seio da doutrina constitucional e mesmo e antes disso na teoria geral do Direito de outras espécies normativas em especial as regras Assim independentemente da existência de outras possibilidades de enquadramento dos princípios quanto à sua condição normativa é possível numa primeira aproximação afirmar que princípios correspondem a normas dotadas de um significativo grau de abstração vagueza e indeterminação diversamente das regras que ostentam caráter mais determinado e menos vago e abstrato diferença que baseada no critério da generalidade e abstração por si só não é suficiente e que tem sido designada de um critério fraco de distinção entre as duas espécies normativas 697 Além disso as regras assumem cunho mais instrumental e descritivo ao passo que os princípios apresentam caráter eminentemente finalístico seja por enunciarem diretamente uma finalidade proteção do consumidor redução das desigualdades etc seja por expressarem um conteúdo desejado no sentido de um estado ideal a ser alcançado moralidade dignidade da pessoa humana pluralismo político etc 698 Nessa perspectiva cientes da aguda discussão em torno do tema e sem a pretensão de aqui desenvolver o tema nada obsta a que se adote de modo compatível com as indicações anteriores a síntese de Gomes Canotilho que em termos gerais adere à conhecida formulação de Robert Alexy para afirmar que regras são normas que uma vez verificados certos pressupostos são prescrições imperativas de conduta exigem proíbem ou permitem algo em termos definitivos ao passo que os princípios são normas que exigem a realização de algo da melhor forma possível de acordo com as possibilidades fáticas e jurídicas não prescrevendo ou exigindo determinado comportamento mas sim impondo a otimização de um direito ou bem jurídico 699 Os princípios fundamentais na condição de espécie das normas constitucionais são dotados portanto de eficácia e aplicabilidade sendo normas jurídicas vinculativas ainda que sua força jurídica não seja igual em todos os aspectos à das regras ou mesmo das normas de direitos fundamentais que a despeito de terem uma dimensão objetiva e quanto a tal ponto se aproximam dos princípios essencialmente objetivos como é o caso dos princípios fundamentais aqui versados assumem a condição de direitos subjetivos Dentre os principais efeitos jurídicos dos princípios fundamentais está a assim chamada eficácia negativa que se manifesta de diversas maneiras Num primeiro sentido ela enseja a revogação ou a não recepção de normas infraconstitucionais editadas antes da entrada em vigor da CF que deixam de ser aplicadas naquilo em que frontalmente contrastam com o conteúdo da constituição 700 Numa segunda acepção a eficácia negativa diz com a declaração de inconstitucionalidade em sede de controle difuso ou concentrado das normas infraconstitucionais posteriores quando em desacordo com a constituição Ainda no plano de uma eficácia do tipo negativo embora salvo melhor juízo já avançando em direção a uma eficácia do tipo positivo temos o que talvez seja o efeito mais relevante e próprio dos princípios fundamentais qual seja o de servirem como critério material para a interpretação e integração do direito infraconstitucional mas também especialmente no caso dos princípios fundamentais para a interpretação da própria constituição Nesse sentido o intérpreteaplicador no âmbito de suas respectivas limitações funcionais deverá sempre privilegiar uma interpretação o mais conforme possível aos princípios fundamentais afastando as opções interpretativas incompatíveis No caso de se verificarem lacunas na esfera infraconstitucional serão os princípios constitucionais com destaque para os princípios fundamentais acessados para a sua adequada superação o que de resto corresponde ao que estabelece também a lei geral de introdução às normas Mas também a depender das circunstâncias a omissão reiterada por parte do legislador e no sistema brasileiro também dos demais órgãos estatais quando em causa a omissão quanto à regulamentação poderá ensejar um juízo de reprovação declarandose a inconstitucionalidade por omissão De todo modo tais cargas de eficácia dos princípios mesmo que no plano objetivo bem demonstram que os princípios fundamentais podem exercer mesmo na condição de direito objetivo importantes efeitos jurídicos temática que todavia aqui não será mais desenvolvida remetendo se ao capítulo que versa sobre a eficácia e aplicabilidade das normas constitucionais em que também se encontram fartas referências bibliográficas sobre o tópico Convém agregar nessa toada que a doutrina tem alertado corretamente para o que se poderia designar de uma hipertrofia dos princípios fenômeno que se verifica em pelo menos dois níveis Numa primeira acepção que autores do porte de Lenio Streck têm rotulado como representando uma espécie de panprincipialismo está em causa não apenas o recurso por vezes desnecessário aos princípios em detrimento das regras mas inclusive a criação doutrinária e jurisprudencial de novos princípios sem a necessária sustentação no sistema jurídicoconstitucional ou mesmo a transmutação em princípios de normas que em rigor assumem a estrutura normativa de regras Outro problema possivelmente até mais grave igualmente apontado entre outros por Lenio Streck reside na aplicação desnecessária de princípios para a solução de problemas jurídicos e na atribuição de efeitos aos princípios que são incompatíveis com sua estrutura normativa resultando em muitos casos numa manipulação decisionista dos princípios 701 muito embora o assim chamado decisionismo não seja um problema que se verifica apenas em sede de aplicação de princípios temática que extrapola os limites do presente texto Quanto à sua classificação os princípios constitucionais fundamentais notese que a condição de fundamentais resultante de expressa opção do constituinte é o elo entre os princípios aqui versados podem ser designados de princípios gerais e setoriais especiais conquanto operem como critérios materiais informadores de toda a ordem jurídicoconstitucional gerais ou se refiram a setores maiores ou menores do ordenamento setoriais Como exemplos do primeiro grupo podemos referir os princípios estruturantes Estado Democrático de Direito separação dos Poderes República ou outros princípios gerais dignidade da pessoa humana ao passo que bons exemplos da segunda categoria são os princípios que regem a ordem econômica art 170 da CF e a ordem social art 193 e ss da CF sem que com isso reste desfigurada a generalidade e elevado grau de abstração e indeterminação que caracterizam todos os princípios na sua condição de espécie do gênero normas jurídicas Mas os princípios fundamentais como de resto os princípios em geral podem ser também classificados a partir de outro critério assumindo a condição ou de princípios expressamente positivados no sentido de terem sido objeto de previsão textual pelo constituinte separação de poderes dignidade da pessoa humana etc ou de princípios implicitamente positivados subentendidos e derivados de outros princípios e do sistema jurídicoconstitucional como é o caso dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade Uma possibilidade alternativa de classificação é oferecida por Gomes Canotilho 702 para quem existem três espécies de princípios constitucionais designadamente a princípios políticos constitucionalmente conformadores são aqueles que veiculam e explicitam decisões valorações políticas fundamentais do poder constituinte e que incluem os princípios habitualmente chamados de estruturantes pois dizem respeito à forma e estrutura do Estado ao regime político e aos princípios que caracterizam a forma de governo b princípios constitucionais impositivos que impõem aos órgãos estatais a realização de determinados fins e tarefas usualmente também chamados de normas definidoras de fins estatais especialmente na doutrina alemã como dão conta no caso brasileiro precisamente os objetivos enunciados no art 3º da CF entre outros tantos que poderiam ser citados c princípios garantia que têm por escopo a instituição de uma garantia para os cidadãos e que em geral também assumem a condição de direitos garantias fundamentais como é o caso dos princípios da legalidade penal e tributária da presunção de inocência entre outros De qualquer sorte seja qual for o critério adotado é de se sublinhar que em todo caso é o direito constitucional vigente o fato determinante para identificar os diversos princípios fundamentais de tal sorte que também nessa seara o que vale para um Estado constitucional não necessariamente se aplica a outro ainda que alguns princípios cada vez mais estejam a assumir caráter universal como é o caso mais uma vez dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade da dignidade humana ou da pessoa humana apenas para citar alguns dos mais ilustres sem aqui considerar os princípios relativos a direitos humanos e fundamentais liberdade igualdade etc Por outro lado é preciso frisar que as classificações referidas não são incompatíveis entre si mas complementares pois podemos ter princípios gerais expressos e conformadores estruturantes e princípios gerais implícitos sem prejuízo de outras classificações baseadas em critérios distintos Assim não sendo a nossa intenção esgotar as possibilidades de classificação dos princípios nem de comentar um a um os diversos parágrafos e incisos do Título II da CF em parte pelo fato de que alguns princípios designadamente o princípio federativo e os princípios da proporcionalidade e razoabilidade serão analisados em outro contexto em parte pelo fato de que buscaremos agregar vários dispositivos em torno de determinados eixos temáticos ou mesmo de determinado princípio fundamental estruturante como é o caso por exemplo do princípio do Estado Democrático de Direito do princípio da dignidade da pessoa humana do princípio do Estado Socioambiental dos objetivos fundamentais art 3º e dos princípios que regem o Brasil na ordem internacional art 4º Iniciaremos pelo princípio e valor que simultaneamente assume a condição ainda que não isolada de acordo com o nosso direito constitucional positivo de fundamento do Estado Democrático e SocioambientalEcológico de Direito a dignidade da pessoa humana II PRINCÍPIOS GERAIS ESTRUTURANTES E CONSTITUCIONALMENTE CONFORMADORES DA ORDEM JURÍDICOCONSTITUCIONAL 21 Princípio da dignidade da pessoa humana 211 Considerações gerais Assim como ocorreu no âmbito da evolução constitucional em geral também no direito constitucional positivo brasileiro a dignidade da pessoa humana tardou a ser objeto de reconhecimento muito embora o Brasil em comparação com a absoluta maioria das demais ordens constitucionais tenha inserido a dignidade de maneira relativamente precoce em um texto constitucional De fato embora apenas na CF 5 de outubro de 1988 a dignidade da pessoa humana tenha passado a figurar no primeiro Título do texto constitucional art 1 III a sua primeira aparição em um texto constitucional brasileiro ocorreu em 1934 Em virtude da forte influência exercida pela Constituição de Weimar de 1919 sobre o nosso processo constituinte de então a dignidade humana se fez presente justamente no âmbito dos princípios da ordem econômica e social mais precisamente no art 115 o qual dispunha que a ordem econômica deve ser organizada conforme os princípios da justiça e as necessidades da vida nacional de modo que possibilite a todos uma existência digna Dentro desses limites é garantida a liberdade econômica indicando que o constituinte da época atribuiu à dignidade uma função de fundamento mas também de limite da liberdade econômica Verificase assim que juntamente com a Constituição de Weimar 1919 a Constituição portuguesa de 1933 e a Constituição da Irlanda 1937 a Constituição brasileira de 1934 se situa entre as poucas que fizeram expressa referência à dignidade da pessoa humana antes da viragem provocada pela Segunda Guerra Mundial quando como reação às graves e inolvidáveis atrocidades cometidas especialmente pelos regimes totalitários tanto a Declaração dos Direitos Humanos da ONU 1948 quanto uma série de constituições nacionais com destaque para a Lei Fundamental da Alemanha 1949 passaram a proclamar e garantir a dignidade da pessoa humana incluindo a Constituição Federal brasileira de 1988 que justamente constitui o objeto da presente análise Por outro lado assim como a dignidade humana ganhou em representatividade e importância no cenário constitucional e internacional portanto numa perspectiva tanto quantitativa quanto qualitativa também se verificou no plano da literatura e não apenas no campo do direito e da jurisprudência uma crescente tendência no sentido de enfatizar a existência de uma íntima e por assim dizer indissociável ligação entre dignidade da pessoa humana e os direitos humanos e fundamentais reconhecidos e protegidos na esfera do direito internacional e do direito constitucional muito embora não exista precisamente em virtude do relativamente recente reconhecimento da dignidade humana como valor de matriz constitucional na perspectiva da evolução histórica do constitucionalismo uma relação necessária entre direitos fundamentais e a dignidade da pessoa humana 703 Por tal razão também é verdadeiro que na quadra atual da trajetória do Estado Constitucional o reconhecimento da íntima e indissociável vinculação entre a dignidade da pessoa humana os direitos humanos e fundamentais e a própria Democracia na condição de eixos estruturantes deste mesmo Estado Constitucional constitui um dos esteios nos quais se assenta tanto o direito constitucional quanto o direito internacional dos direitos humanos 704 Nessa perspectiva tal a expansão e a trajetória vitoriosa da dignidade humana no âmbito da gramática jurídicoconstitucional contemporânea que chegou ao ponto de afirmar que o Estado Constitucional Democrático da atualidade é um Estado de abertura constitucional radicado no princípio da dignidade do ser humano 705 Tal abertura mas também e de certo modo o diálogo propiciado pelo amplo reconhecimento da dignidade como princípio jurídico fundamental guarda relação com a expansão universal de uma verdadeira crença na dignidade da pessoa humana que por sua vez também pode ser vinculada aos efeitos positivos de uma globalização jurídica 706 Todavia quando se busca definir o conteúdo normativo da dignidade da pessoa humana seja como princípio valor autônomo seja quando está em causa a natureza e intensidade da sua relação com os direitos humanos e fundamentais percebese que os níveis de consenso registrados de uma ordem constitucional para outra e mesmo no âmbito interno de cada Estado são muito diferenciados e muitas vezes até frágeis Já no que diz com a própria compreensão do conteúdo e significado da dignidade da pessoa humana na e para a ordem jurídica considerada em seu conjunto mas especialmente no tocante à sua relação com os direitos fundamentais segue também no Brasil farta a discussão em nível doutrinário e jurisprudencial 707 De qualquer sorte como aqui se trata apenas de apresentar quanto aos seus contornos gerais e principais funções a dignidade da pessoa humana na condição de princípio geral e fundamental questões mais específicas relativas à sua estrutura normativa bem como concernentes à sua relação com os direitos e garantias fundamentais aqui serão apenas marginalmente apresentadas 212 Breves notas sobre a forma de positivação reconhecimento da dignidade da pessoa humana na Constituição Federal Como já registrado na introdução a CF inovou ao inserir a dignidade da pessoa humana no elenco dos fundamentos do Estado Democrático de Direito brasileiro art 1º III portanto situandoa no âmbito dos princípios fundamentais e estruturantes logo após o Preâmbulo Mas a dignidade da pessoa humana ou dignidade humana expressões que aqui usaremos em sentido alargado e como sinônimas também foi objeto de previsão expressa em outras partes do texto constitucional seja a exemplo da tradição inaugurada com a Constituição de 1934 já referida quando no título da ordem econômica o art 170 caput dispõe que a ordem econômica tem por finalidade assegurar a todos uma existência digna seja quando na esfera da ordem social fundou o planejamento familiar nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável art 226 6º além de assegurar à criança e ao adolescente o direito à dignidade art 227 caput Mais adiante em outra passagem do texto constitucional art 230 ficou consignado que a família a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas assegurando sua participação na comunidade defendendo sua dignidade e bemestar e garantindolhes o direito à vida Nessa perspectiva consagrando expressamente no título dos princípios fundamentais a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito art 1º III da CF a CF a exemplo do que ocorreu pela primeira vez e de modo particularmente significativo na Lei Fundamental da Alemanha 1949 além de ter tomado uma decisão fundamental a respeito do sentido da finalidade e da justificação do exercício do poder estatal e do próprio Estado 708 reconheceu categoricamente que é o Estado que existe em função da pessoa humana e não o contrário já que o ser humano constitui a finalidade precípua e não meio da atividade estatal Em outras palavras no momento em que a dignidade é guindada à condição de princípio estruturante e fundamento do Estado Democrático de Direito é o Estado que passa a servir como instrumento para a garantia e promoção da dignidade das pessoas individual e coletivamente consideradas 709 No que diz respeito ao status jurídiconormativo no âmbito da ordem constitucional notadamente se a dignidade da pessoa humana assume simultaneamente a condição de valor princípio eou regra além de operar como direito fundamental importa destacar alguns aspectos Numa primeira perspectiva não excludente das demais a dignidade da pessoa humana na acepção de Miguel Reale consiste em uma espécie de valorfonte o que também foi objeto de reconhecimento pelo STF alinhado com a tradição consagrada no direito constitucional contemporâneo para quem a dignidade da pessoa humana constitui verdadeiro valorfonte que conforma e inspira todo o ordenamento constitucional vigente em nosso País e que traduz de modo expressivo um dos fundamentos em que se assenta entre nós a ordem republicana e democrática consagrada pelo sistema de direito constitucional positivo 710 Na sua dimensão jurídica contudo não é líquido se a dignidade assume a condição de princípio ou regra ou mesmo se opera apenas como princípio de caráter objetivo ou se assume a função também de direito fundamental Se em outras ordens constitucionais onde igualmente a dignidade da pessoa humana foi objeto de expressa previsão nem sempre houve clareza quanto ao seu correto enquadramento tal não ocorre ao menos aparentemente entre nós pelo menos em se levando em conta a relativa falta de preocupação com tal ponto Com efeito considerando tanto a formulação utilizada quanto a localização visto que sediada no Título I dos Princípios Fundamentais verificase que o constituinte de 1988 preferiu não incluir a dignidade da pessoa humana no rol dos direitos e garantias fundamentais guindandoa pela primeira vez consoante já frisado à condição de princípio e valor fundamental Aliás a positivação na condição de princípio jurídicoconstitucional fundamental é por sua vez a que melhor afina com a tradição dominante no pensamento jurídico constitucional brasileiro lusitano 711 e espanhol 712 apenas para mencionar os modelos mais recentes que ao lado e em permanente diálogo com o paradigma germânico têm exercido significativa influência sobre a nossa própria ordem jurídica O fato de a dignidade da pessoa humana assumir em primeira linha a condição de princípio fundamental não afasta a circunstância de que possa operar como regra não só mas também pelo fato de que as próprias normas de direitos fundamentais igualmente assumem a dúplice condição de princípios e regras 713 Para ilustrar tal afirmação bastaria lembrar que a regra que proíbe a tortura e todo e qualquer tratamento desumano e degradante art 5º III da CF constitui regra diretamente deduzida do princípio da dignidade da pessoa humana ainda que inexistisse previsão de tal proibição no texto constitucional Da mesma forma a dignidade da pessoa humana assume em certo sentido a condição de norma de direito fundamental o que não se confunde pelo menos não necessariamente com a noção de que os direitos fundamentais expressamente consagrados na Constituição encontram pelo menos em regra seu fundamento na dignidade da pessoa humana mas sim se traduz na ideia amplamente difundida de que do princípio da dignidade da pessoa podem e até mesmo devem ser deduzidas posições subjetivas fundamentais e deveres ainda que não expressamente positivados de tal sorte que neste sentido é possível aceitar que se trata de uma norma de direito fundamental muito embora daí não decorra pelo menos não necessariamente que existe um direito fundamental à dignidade 714 Tal aspecto aliás chegou a ser objeto de lúcida referência feita pelo Tribunal Federal Constitucional da Alemanha ao considerar que a dignidade da pessoa não poderá ser negada a qualquer ser humano muito embora seja violável a pretensão de respeito e proteção que dela da dignidade decorre 715 Assim quando se fala em direito à dignidade se está em verdade a considerar o direito a reconhecimento respeito proteção e até mesmo promoção e desenvolvimento da dignidade sem prejuízo de outros sentidos que se possa atribuir aos direitos fundamentais relativos à dignidade da pessoa A sua inserção no Título dos Princípios Fundamentais e não no Preâmbulo é indicativa de sua eficácia e aplicabilidade ou seja da sua condição de norma jurídica ademais de valor Num primeiro momento convém frisálo a qualificação da dignidade da pessoa humana como princípio fundamental traduz a certeza de que o art 1º III de nossa Lei Fundamental não contém apenas embora também e acima de tudo uma declaração de conteúdo ético e moral mas constitui norma jurídicopositiva dotada em sua plenitude de status constitucional formal e material e como tal inequivocamente dotado de eficácia e aplicabilidade alcançando portanto também a condição de valor jurídico fundamental da comunidade 716 Com relação às críticas de que a opção pelo enquadramento como princípio fundamental importaria em reduzir a amplitude e magnitude da noção de dignidade da pessoa vale lembrar que o reconhecimento da condição normativa da dignidade assumindo feição de princípio e até mesmo como regra constitucional fundamental não afasta o seu papel como valor fundamental geral para toda a ordem jurídica e não apenas para esta mas pelo contrário outorga a este valor uma maior pretensão de eficácia e efetividade 213 Funções da dignidade da pessoa humana na arquitetura jurídicoconstitucional Uma primeira função aqui vinculada à sua condição de valor e princípio diz com o fato de a dignidade da pessoa humana ser considerada elemento que confere unidade de sentido e legitimidade a uma determinada ordem constitucional De acordo com Jorge Miranda aqui representando expressiva parcela da doutrina constitucional contemporânea a Constituição ao reconhecer e proteger a dignidade da pessoa humana confere uma unidade de sentido de valor e de concordância prática ao sistema de direitos fundamentais e ao sistema constitucional 717 o que implica um dever de interpretação de toda a ordem jurídica em conformidade com tais fundamentos 718 O princípio da dignidade da pessoa humana tal como advoga Daniel Sarmento inspirado em Peter Häberle opera portanto fundamento da ordem jurídica e da comunidade política o que corresponde precisamente ao modo pelo qual tal princípio foi consagrado no art 1º III da Constituição Federal 719 Precisamente nesse contexto verificase que a dignidade da pessoa humana é figura amplamente presente no processo decisório judicial inclusive e cada vez mais no âmbito da jurisprudência do STF em que a dignidade atua como critério de interpretação e aplicação do direito constitucional e infraconstitucional com particular destaque mas não exclusividade para casos envolvendo a proteção e promoção dos direitos fundamentais 720 A dignidade da pessoa humana nessa quadra revela particular importância prática a partir da constatação de que ela a dignidade da pessoa humana é simultaneamente limite e tarefa dos poderes estatais e da comunidade em geral portanto de todos e de cada um condição que também aponta para uma paralela e conexa dimensão defensiva negativa ou prestacional positiva da dignidade Com efeito verificase que na sua atuação como limite a dignidade implica não apenas que a pessoa não pode ser reduzida à condição de mero objeto da ação própria e de terceiros mas também o fato de que a dignidade constitui o fundamento e conteúdo de direitos fundamentais negativos contra atos que a violem ou a exponham a ameaças e riscos no sentido de posições subjetivas que têm por objeto a não intervenção por parte do Estado e de terceiros no âmbito de proteção da dignidade 721 Como tarefa o reconhecimento jurídicoconstitucional da dignidade da pessoa humana implica deveres concretos de tutela por parte dos órgãos estatais no sentido de proteger a dignidade de todos assegurando lhe também por meio de medidas positivas prestações 722 o devido respeito e promoção sem prejuízo da existência de deveres fundamentais da pessoa humana para com o Estado e os seus semelhantes 723 Assim também a dimensão objetiva da dignidade da pessoa humana implica deveres de proteção estatais contra o próprio Estado e contra ações de atores privados o que tem sido objeto de reconhecimento pelo STF destacandose no âmbito da jurisprudência da nossa Suprema Corte a decisão na Medida Cautelar na ADPF 347DF relatada pelo Ministro Marco Aurélio julgada em 09092015 na qual foram reconhecidas a violação massiva de direitos fundamentais e a configuração de condições desumanas e afrontosas à dignidade da pessoa humana caracterizando o que foi designado de um estado de coisas inconstitucional que levou o Tribunal a impor ao Poder Público uma série de medidas de caráter estruturante mas que aqui não poderão ser examinadas A dignidade da pessoa humana como já adiantado guarda uma maior ou menor relação com as normas definidoras de direitos e garantias fundamentais Nesse sentido é possível afirmar que a dignidade opera tanto como fundamento quanto como conteúdo dos direitos mas não necessariamente de todos os direitos e em sendo o caso não da mesma forma Assim embora princípio estruturante de todo o sistema constitucional portanto também de todos os direitos fundamentais isso não significa que todos os direitos individualmente consagrados no texto da CF possam ser diretamente reconduzidos à dignidade da pessoa humana nem quer dizer como se terá oportunidade de verificar com maior clareza na parte geral dos direitos fundamentais que um direito apenas será fundamental na perspectiva da ordem constitucional brasileira se e na medida em que tiver um conteúdo determinado em dignidade Da mesma forma mesmo evidente um conteúdo em dignidade dos direitos tal conteúdo será variável em amplitude não havendo aqui como reconhecer uma simetria quanto a este aspecto O princípio da dignidade da pessoa humana como já restou evidenciado quando da rápida apresentação de sua dupla função como limite e tarefa assume também funções mais diretamente relacionadas com os direitos fundamentais que passamos a elencar sumariamente em boa parte também à luz de decisões extraídas da jurisprudência do STF No contexto de uma interpretação conforme a dignidade da pessoa humana doutrina e jurisprudência majoritária sustentam uma leitura extensiva do art 5º caput da CF naquilo que define os titulares dos direitos fundamentais visto que do princípio da dignidade da pessoa humana decorre o princípio da titularidade universal pelo menos daqueles direitos cujo reconhecimento e proteção constitui uma exigência direta da dignidade tópico que será objeto de maior atenção no âmbito da parte geral dos direitos fundamentais Também a importância do princípio da dignidade da pessoa humana como critério material para a identificação de posições fundamentais direitos situados em outras partes do texto constitucional ou mesmo para a justificação de posições subjetivas fundamentais implícitas no contexto mais amplo da assim chamada abertura material do catálogo de direitos fundamentais consagrada no art 5º 2º da CF merece ser destacada embora também constitua ponto a ser desenvolvido mais adiante parte geral dos direitos fundamentais Apenas para já aqui referir um exemplo colacionase precedente do STF da seara dos direitos de personalidade e na qual o vínculo com a dignidade se manifesta com especial agudeza reconhecendo tanto um direito fundamental ao nome 724 quanto ao estado de filiação mediante o argumento de que o direito ao nome inserese no conceito de dignidade da pessoa humana e traduz a sua identidade a origem de sua ancestralidade o reconhecimento da família razão pela qual o estado de filiação é direito indisponível 725 No mesmo sentido pode ser colacionada decisão na qual o STF reconheceu a partir da dignidade da pessoa humana da privacidade e intimidade da autodeterminação informativa e da necessidade de concretizar permanentemente o compromisso com a renovação da força normativa da constituição em face dos riscos gerados pelo avanço tecnológico um direito fundamental autônomo à proteção dos dados pessoais 726 Por derradeiro a dignidade opera simultaneamente como limite e limite dos limites na seara dos direitos fundamentais o que em apertada síntese significa que na condição de limite com fundamento na dignidade da pessoa humana ou seja em virtude da necessidade de sua proteção não só é possível como poderá ser necessário impor restrições a outros direitos fundamentais como ocorreu em caráter ilustrativo no caso da interrupção da gravidez em casos de anencefalia fetal quando o STF privilegiou a dignidade e autonomia dos pais em detrimento da salvaguarda ainda que por pouco tempo da vida do feto Por outro lado e aqui a função de limite dos limites uma restrição de direito fundamental ainda que justificada pela proteção da dignidade não poderá implicar a completa desconsideração da dignidade de quem tem o seu direito restringido de tal sorte que o conteúdo em dignidade dos direitos estará subtraído de regra a alguma intervenção restritiva Nesse contexto é que se torna palpitante o problema que envolve o caráter relativo ou absoluto da dignidade da pessoa humana adotandose em termos gerais a tese de Robert Alexy no sentido de que na condição de princípio a dignidade em situações excepcionais poderá ser contrastada com outros princípios e ou direitos utilizandose a técnica e os correspondentes critérios da proporcionalidade ao passo que na sua condição de regra como se dá no caso da proibição absoluta da tortura e de tratamentos de cunho desumano e degradante da proibição de penas cruéis e desumanas da proibição de trabalhos forçados ou da utilização de trabalho escravo 727 entre outras situações a dignidade não mais poderá ser ponderada com outros direitos aplicandose algo como a lógica do tudo ou nada afastandose portanto a ponderação com outros direitos e princípios ou bens de estatura constitucional 728 22 Princípio do Estado Democrático e Socioambiental de Direito 221 Noções gerais Diversamente de outras ordens constitucionais a CF acabou não consagrando de modo distinto as noções e correspondentes princípios do Estado Democrático do Estado Social e do Estado de Direito Quanto ao Estado Social aliás sequer há referência expressa e direta no direito constitucional positivo quanto ao seu reconhecimento o mesmo ocorrendo em relação ao Estado Ecológico Ambiental que aqui por razões que serão devidamente apresentadas logo adiante no item dedicado ao Estado Socioambiental o que contudo não significa que o Estado Democrático de Direito projetado pela CF não possa ser designado também como um Estado Social e Ambiental ou mesmo Socioambiental de acordo com a opção terminológica e conceitual aqui adotada o que dentre outros fatores pode ser inferido facilmente e assim também o tem sido no âmbito da doutrina e jurisprudência mediante uma breve mirada sobre os objetivos fundamentais do art 3º da CF dentre os quais a erradicação da pobreza a redução das desigualdades um extenso catálogo de direitos sociais e dos trabalhadores arts 6º e 7º e ss os princípios da ordem econômica com destaque para a justiça social e a garantia e promoção do mínimo para uma existência digna a teor do art 170 caput da CF bem como a conformação do sistema constitucional de seguridade social e da ordem social no seu conjunto O mesmo se aplica ao ambiente tendo em conta a forte e detalhada constitucionalização inclusive na condição de direito e dever fundamental da proteção do ambiente tal como evidencia o art 225 da CF Muito embora como bem demonstram Lenio Streck e José Luís Bolzan de Morais o Estado Democrático de Direito represente um avanço em relação ao clássico modelo do Estado Liberal de Direito e mesmo em relação ao Estado Social 729 que nem sempre assumiu a forma de um Estado Democrático e de Direito como se deu apenas para citar exemplos notórios na Alemanha Nacional Socialista na Itália Fascista e no Brasil do Estado Novo nas suas primeiras manifestações o fato é que a coordenação de Democracia Estado de Direito e como aqui preferimos inserir das noções de Estado Social e Ambiental corresponde à fórmula adotada pelo constituinte de 1988 ainda que se possa discutir sobre a terminologia mais adequada De qualquer sorte dada a estreita vinculação entre tais noções ainda que cada uma guarde relativa e substancial autonomia os princípios estruturantes que conformam o Estado Democrático e Socioambiental de Direito serão agrupados nesse item apresentados em separado mas de modo a compor um conjunto articulado e interdependente permitindo uma exposição e compreensão mais sistemática de seu conteúdo e significado inclusive para que de modo esquemático possam ser identificados os seus respectivos subprincípios ou elementos como é o caso por exemplo da supremacia do Direito da legalidade e da segurança jurídica que dão forma e conteúdo ao princípio do Estado de Direito Além disso convém sublinhar que a perspectiva de abordagem é centrada numa compreensão constitucionalmente adequada dos princípios aqui versados ainda que com alguma referência a aspectos conceituais mais abrangentes 222 O princípio democrático e a soberania popular O Estado Constitucional que merece ostentar tal qualificação é sempre como já frisado um Estado Democrático de Direito razão pela qual aqui tomaremos as expressões como equivalentes 730 Cuidase portanto de um Estado onde o poder seja na sua origem seja quanto ao seu modo de exercício deve ser legitimamente adquirido e exercido legitimação que deve poder ser reconduzida a uma justificação e fundamentação democrática do poder e a um exercício democrático das diversas formas de sua manifestação e exercício 731 Em que pese a democracia na condição de regime político e forma de exercício do poder estatal não se constituir em conceito estritamente jurídico baseandose em um conjunto de pressupostos anteriores à própria constituição 732 no âmbito da evolução do constitucionalismo moderno resulta evidente que a despeito de elementos em comum o conceito de democracia é também e na perspectiva do Estado Constitucional em primeira linha um conceito jurídicoconstitucional reclamando uma compreensão constitucionalmente adequada já pelo fato de que no contexto de cada ordem constitucional positiva a noção de democracia e seus diversos elementos adquire feições particulares como se verifica por exemplo na opção ou não pela inserção de mecanismos de democracia direta ou participativa da escolha do sistema eleitoral e da configuração dos direitos políticos apenas para referir alguns dos mais importantes Assim com razão Konrad Hesse quando leciona que em vista da diversidade de compreensões sobre o que é democracia o significado jurídicoconstitucional de democracia apenas pode ser obtido a partir da concreta conformação levada a efeito por determinada constituição ainda que em geral a constituição não contenha uma regulamentação completa e compreensiva de um modelo de democracia mas apenas estabeleça determinados princípios e regras mediante os quais assegura constitucionalmente seus fundamentos e estruturas básicas 733 o que todavia encontra uma concreta formatação em cada ordem constitucional positiva 734 Mas a democracia não se traduz apenas em um conjunto de princípios e regras de cunho organizatório e procedimental guardando na sua dimensão material íntima relação com a dignidade da pessoa humana e com os direitos fundamentais em geral com destaque para os direitos políticos e os direitos de liberdade designadamente as liberdades de expressão reunião e manifestação para além dos direitos políticos e de nacionalidade Consoante bem sintetiza Hartmut Maurer do respeito e proteção da dignidade humana decorre que os seres humanos portanto o povo formam o elemento dominante do e no Estado ao passo que liberdade e igualdade e os direitos fundamentais correlatos exigem que todos possam em condições de igualdade influir na vida estatal 735 Assim também o princípio democrático na condição de princípio normativo estruturante apresenta uma dimensão material e uma dimensão organizatória e procedimental que se conjugam complementam e retroalimentam assegurando uma legitimidade simultaneamente procedimental e substancial da ordem jurídico política estatal 736 No âmbito da CF mormente tendo em conta o período e circunstâncias de sua elaboração e promulgação o compromisso com a democracia ficou particularmente bem destacado tanto no Preâmbulo quanto no primeiro artigo do corpo da CF em que além da consagração do Estado Democrático de Direito o constituinte erigiu a cidadania e o pluralismo político à condição de princípios fundamentais além de no parágrafo único enfatizar a soberania popular como fonte do poder estatal firmando ademais compromisso com a democracia representativa combinada com mecanismos de participação direta do cidadão art 14 modelo que tem sido também designado de semidireto 737 O postulado liberaldemocrático de que todo o poder emana do povo e em seu nome deve ser exercido ou na acepção atribuída a Abraham Lincoln de que a democracia é o governo do povo pelo povo e para o povo acabou assumindo portanto também na CF uma feição particularmente reforçada mediante a ampliação dos espaços da assim chamada democracia participativa no texto constitucional assegurandolhes ademais a condição de direitos políticos fundamentais designadamente o plebiscito o referendum e a iniciativa popular legislativa de modo que se pode de fato falar como o faz Paulo Bonavides em um direito à democracia e mesmo um direito à democracia participativa na condição de direito subjetivo 738 sem prejuízo da dimensão objetiva que caracteriza o princípio democrático e o da soberania popular na condição de princípios estruturantes Por outro lado já pelo seu caráter complexo como tal qualificado pela coexistência do modelo representativo com o da participação direta do cidadão a ordem democrática consagrada pela CF não pode ser reconduzida a uma noção clássica liberalindividualista de democracia mas sim guarda sintonia com uma concepção dinâmica de democracia típico de uma sociedade aberta ativa e inclusiva que busca assegurar aos cidadãos um desenvolvimento integral das personalidades individuais no âmbito de uma sociedade livre justa e solidária art 3º I da CF e num ambiente marcado pela justiça social art 170 da CF 739 Já por tal razão se percebe que a despeito de se tratar de princípio autônomo que diz com a legitimação do poder e de seu exercício o princípio democrático tal como já anunciado há de ser compreendido de modo articulado com outros princípios estruturantes em especial os da dignidade da pessoa humana do Estado de Direito e do Estado Socioambiental com os fundamentos e objetivos da ordem constitucional o sistema de direitos fundamentais e a organização do Estado e dos Poderes Tendo em conta que democracia e soberania popular são também na CF umbilicalmente vinculadas a noção de povo acaba assumindo uma particular e determinante relevância para a compreensão do conceito constitucionalmente adequado de democracia Mas a própria noção de povo na condição de conceito jurídicoconstitucional que é necessita ser devidamente elucidada especialmente mediante a sua diferenciação de outras formas de titularidade do poder estatal ou mesmo de noções correlatas como o de população e cidadania Em primeiro lugar a noção de povo como titular da soberania guarda relação com a própria noção de poder constituinte já que não apenas a constituição como tal deve consagrar e assegurar um regime político democrático e um modo democraticamente legitimado de exercício do poder democracia como princípio estruturante de determinada constituição quanto a própria constituição deve ser o produto de uma vontade constituinte democraticamente formada e exercida aspecto já desenvolvido no capítulo próprio do presente Curso sobre o poder constituinte A soberania popular deve ser compreendida então nessa dupla perspectiva significando em síntese que tanto a titularidade quanto o exercício do poder estatal incluindo a assunção de tarefas e fins pelo Estado e a realização das tarefas estatais podem sempre ser reconduzidas concretamente ao povo no sentido de uma legitimação democrática efetiva 740 Para efeitos de sua delimitação verificase que a noção de povo em sentido jurídico na condição de um dos clássicos elementos da própria noção de Estado sofreu significativa evolução ao longo da trajetória constitucional desde a primeira fase do Estado liberal burguês do final do Século XVIII e grande parte do Século XIX De qualquer sorte o conceito jurídico de povo não se confunde com o de população que corresponde à soma de todos os indivíduos que se encontram no território estatal e que estão sujeitos ao direito estatal inclusive na condição de titulares de direitos mas sim ainda que numa perspectiva atualmente ampliada e inclusiva compreende o conjunto dos cidadãos ou seja daqueles que por força do próprio direito estatal são titulares de um vínculo jurídico com determinado Estado que assegure a participação na formação da vontade estatal mediante um conjunto de direitos e obrigações com destaque para a titularidade de direitos de participação política 741 Também no caso da CF a condição de cidadão para o efeito referido decorre em regra da nacionalidade ou seja da circunstância de o indivíduo ser brasileiro nato ou naturalizado aspecto que também é objeto de capítulo específico no presente curso ao qual aqui remetemos Todavia embora em geral a condição de cidadão e nacional seja coincidente nem sempre a cidadania pressupõe a nacionalidade já que a cidadania numa perspectiva mais ampliada que não diz apenas com a titularidade e exercício dos direitos políticos em sentido estrito para o efeito da concretização da soberania popular do sufrágio ativo e passivo mas engloba outras formas de participação efetiva na esfera pública ou mesmo pela atribuição da titularidade de direitos de participação política a estrangeiros o que de resto já se verifica em diversos Estados 742 Por outro lado o conceito jurídico de povo como o conjunto dos cidadãos de regra como no caso brasileiro dos nacionais não se confunde mas guarda relação com a noção de cidadania na condição de princípio fundamental inserida que foi juntamente com a soberania a dignidade da pessoa humana a livreiniciativa e os valores sociais do trabalho bem como o pluralismo político no primeiro artigo da CF assumindo simultaneamente a condição de fundamento do Estado Democrático de Direito A cidadania compreendida não estritamente como o status de ser cidadão portanto de ter reconhecido e assegurado um vínculo jurídico com determinada ordem estatal e de fruir de direitos em relação a ela inclusive e especialmente de direitos políticos mas compreendida como fundamento e princípio indica que o Estado Democrático é fundado e mesmo pressupõe a noção de cidadania o que não significa que a cidadania numa perspectiva atual e mais ampla possa ser confundida com a noção de democracia especialmente se esta for tomada em sentido apenas formal mas aponta para uma concepção de cidadania ativa e responsável em sintonia com a dignidade da pessoa humana e de democracia material e cada vez menos restrita ao ambiente fechado do território nacional de modo a se transformar numa espécie de cidadania aberta inclusive e tendencialmente global 743 A conhecida definição de Hannah Arendt de que a cidadania assume a condição de um direito a ter direitos alcança uma dimensão ampliada pelo fato de que o indivíduo não mais é titular de direitos apenas na esfera do Estado do qual é cidadão em sentido estrito mas também é titular de um conjunto de direitos humanos que são ou pelo menos aspiram a ser direitos de todos em todos os lugares Mas essa é uma questão que aqui não poderá ser desenvolvida A concepção de democracia característica do Estado Democrático de Direito tal como formatado também na CF funda se no que diz com a legitimação democrática em sintonia com a noção de soberania popular na busca da construção de consensos Considerando todavia que o consenso numa ordem política democrática e plural em regra não equivale a uma unanimidade quanto mais controverso o tema objeto da deliberação mais o consenso corresponde a uma decisão tomada livremente por uma maioria resultando na sequência em um regramento vinculativo para toda a comunidade política Mas a exemplo do que adverte Konrad Hesse tendo em conta que um consenso habitualmente apenas encerra o mínimo em relação ao qual todos os envolvidos na deliberação manifestam a sua concordância a exigência de um consenso absoluto ou mesmo tendencialmente absoluto esbarraria em indesejável imobilismo ou compromissos meramente formais razão pela qual se adotou o princípio da maioria ou princípio majoritário 744 cabendo em geral ao constituinte estabelecer quando necessária a depender da matéria uma maioria qualificada como no caso brasileiro para aprovação de uma emenda constitucional ou de uma lei complementar ou apenas uma maioria simples como no caso entre outros das leis ordinárias Por outro lado democracia não pode resultar em arbítrio de maiorias sobre minorias as assim chamadas ditaduras majoritárias inclusive mas não apenas por isso pelo fato de que em grande parte dos casos as maiorias obtidas são bastante exíguas o que se agrava ainda mais quando se trata de maioria simples Por isso o princípio democrático pressupõe e impõe o respeito pelas minorias e mesmo a sua proteção e promoção A proteção das minorias não se limita portanto ao mero fato de poderem participar do processo deliberativo e sendo derrotadas resignarse a uma mera submissão à vontade majoritária e ao consenso sempre relativo daí resultante Em primeiro lugar as maiorias e os consensos e decisões dela resultantes encontramse submetidas a limites postos pelo princípio do Estado de Direito resultantes da própria constituição como dão conta os princípios da vinculação ao Direito com destaque para o primado da constituição a segurança jurídica a proporcionalidade e o respeito e proteção dos direitos fundamentais 745 Os direitos fundamentais por sua vez constituem não apenas parâmetro para a legitimidade material da ordem constitucional mas representam a essência da proteção das minorias visto que uma violação de um direito fundamental na condição de direito subjetivo individual poderá justificar a impugnação pelos meios postos à disposição pelo Estado de Direito de atos que resultam da deliberação das maiorias razão pela qual os direitos fundamentais costumam ser também chamados Dworkin de trunfos contra a maioria Também a promoção dos direitos interesses das minorias poderá ser imposta expressa ou implicitamente pela ordem constitucional especialmente para superar níveis intoleráveis de exclusão social política econômica e mesmo cultural o que assume um caráter ainda mais cogente no âmbito de um Estado Social ou Socioambiental como preferimos designar mas também poderá ser exigência do Estado Democrático e de Direito como se verifica por exemplo na previsão de diversas modalidades de ações afirmativas incluindo políticas de quotas como se verifica no caso brasileiro com as quotas de gênero para o exercício de cargos públicos representativos mas também objetivando apostar na compensação de desigualdades fáticas de quotas de cunho racial quotas para indígenas entre outras Dentre os instrumentos colocados à disposição das minorias encontramse além da possibilidade de bloquear determinadas deliberações especialmente quando exigindo maioria qualificada como no caso das reformas constitucionais garantias de cunho processual como é o caso da possibilidade de movimentar o controle abstrato e concentrado de constitucionalidade que no caso brasileiro tem como legitimados ativos os partidos políticos de representação nacional ainda que o partido tenha apenas um representante no Congresso Nacional A necessidade de ouvir e dar espaço efetivo mediante garantias de manifestação participação e controle às minorias por seu turno evidencia a importância do papel político exercido pela oposição no ambiente parlamentar e eleitoral em geral 746 o que entre outros aspectos remete à necessidade de se garantir um sistema preferencialmente pluripartidário e um efetivo pluralismo político o que aliás corresponde à opção do constituinte brasileiro Nessa mesma perspectiva os direitos fundamentais não apenas os direitos políticos em sentido estrito mas também outros direitos e garantias fundamentais designadamente os direitos de caráter comunicativo liberdade de expressão reunião manifestação informação a ação popular entre outros constituem instrumento indispensável para dar voz e possibilidade de participação e controle às minorias À vista de todo o exposto e buscando sintetizar os elementos essenciais do princípio democrático na CF calha recorrer ao magistério de Marcelo Cattoni para quem o princípio da democracia constitucional garantese especialmente mas não exclusivamente pelo seguinte a pelo reconhecimento do direito fundamental de oposição e pelos direitos políticos das minorias b por meio das diversas formas de participação e representação política dos diversos setores da sociedade c pelos mecanismos participativos e representativos de fiscalização e controle do poder 747 d por meio da garantia de direitos processuais de participação nos processos coletivos de deliberação e pelo reconhecimento de identidades coletivas sociais e culturais f por meio de políticas de reconhecimento e ações afirmativas inclusivas e compensatórias de desigualdades fáticas 748 Tal elenco poderia ser acrescido sem com isso esgotar as possibilidades do reconhecimento e garantia de direitos fundamentais com destaque para as liberdades de expressão reunião manifestação e associação ademais de um conjunto de direitos sociais que asseguram a capacidade para a liberdade 223 O princípio do pluralismo político O pluralismo político ainda que consagrado de modo autônomo no elenco dos fundamentos da República Federativa do Brasil art 1º V da CF guarda intrínseca relação com o princípio democrático ainda que com este não se confunda pois o pluralismo é aspecto essencial mas não exclusivo da democracia no Estado Democrático de Direito contemporâneo 749 O pluralismo político que é também econômico e cultural permite e assegura a livre mas respeitosa e regulada convivência e interação entre convicções ideais e projetos de vida individuais e compartilhados por grupos mais ou menos representativos de segmentos da sociedade de tal sorte que o pluralismo político simultaneamente significa uma abertura para posições políticas distintas e a possibilidade efetiva de participação política por parte de todos os integrantes do corpo da cidadania inclusive mediante a formação eou participação em partidos políticos 750 Especialmente na sociedade complexa atual caracterizada por uma crescente diferenciação entre os múltiplos subsistemas inclusive no sentido de uma autonomização das diversas esferas normativas dentre as quais o Direito o pluralismo deve ser compreendido como um pluralismo razoável tal como proposto por John Rawls caracterizado pela convivência de formas de vida e visões de mundo não fundamentalistas e numa ambiência marcada pela tolerância e abertura que acabam por determinar a própria concepção do Estado Democrático de Direito 751 Como bem destaca Martonio M Barreto Lima o sentido do pluralismo político cons titucionalmente positivado no Brasil alcança as diversas esferas da vida política e social do País assumindo uma dimensão principiológica e necessariamente integrada com outros princípios e direitos e garantias fundamentais que no seu conjunto formam e conformam a concepção de democracia consagrada na CF 752 Que o Estado Democrático de Direito da CF corresponde ao menos formalmente no plano do direito constitucional positivo a tal modelo resulta evidenciado não apenas pelo elenco dos princípios fundamentais consagrados no Título I dentre os quais o próprio pluralismo e a dignidade da pessoa humana quanto pela integração com o direito internacional dos direitos humanos os objetivos do art 3º alcançar uma sociedade livre justa e solidária o amplo catálogo de direitos fundamentais e sua abertura material art 5º 2º dentre outras pistas que aqui poderiam ser referidas 224 O princípio do Estado de Direito A noção de Estado de Direito que em sua formulação embrionária quanto a tal aspecto ainda atual pode ser reconduzida à conhecida ideia de um governo das leis e não dos homens já encontrada até nos escritos de Platão e Aristóteles bem como em outras manifestações inclusive na Idade Média e Moderna envolvendo formulações teóricas e tentativas práticas mais ou menos bemsucedidas de limitação jurídica do poder acabou gradualmente especialmente ao longo da evolução do constitucionalismo assumindo a função de princípio fundamental estruturante arrancando numa primeira fase de uma concepção eminentemente formal muitas vezes também designada de Estado legal ou formal de Direito no mais das vezes identificado com o Estado liberal burguês especialmente na compreensão que dominou o século XIX para uma noção que congrega tanto elementos formais quanto materiais resultando na consagração do que se entende atualmente pelo menos no âmbito dos Estados constitucionais tidos como democráticos de um Estado material de Direito 753 Como bem pontua Javier Pérez Royo tal processo evolutivo foi marcado por um desenvolvimento progressivo e cumulativo até resultar na afirmação da moderna noção de Estado Democrático de Direito de tal sorte que Estado de Direito e Estado Democrático passam a ser idênticos 754 Além do mais o compromisso com o Estado de Direito atingiu tal difusão e relevância que mesmo no plano do Direito Internacional o Estado de Direito assumiu a condição de elemento essencial da comunidade de Estados tanto no plano regional como revela o exemplo da União Europeia quanto na esfera do sistema da ONU como por sua vez bem demonstra a Resolução 66102 adotada em 09122011 sobre a Rule of Law no plano internacional e nacional afirmando que os Direitos Humanos o Estado de Direito e a Democracia estão interligados e se reforçam mutuamente pertencendo aos princípios e valores universais e indivisíveis e nucleares das Nações Unidas 755 O Estado de Direito também tal como consagrado na CF é portanto sempre um Es ta do Constitucional e um Estado Democrático para além de constituir no caso brasileiro um Estado Social e Ambiental ou mesmo Social e Ecológico 756 como aqui assumido Todavia embora a articulação entre todas as dimensões os princípios democrático e do Estado Socioambiental para melhor compreensão serão abordados em separado de tal sorte que aqui seguiremos tratando dos aspectos essenciais ao princípio do Estado de Direito Além disso importa sublinhar que embora tendo como ponto de partida alguns elementos comuns dentre os quais se destacam a supremacia do Direito e a correlata limitação jurídica do poder bem como a garantia da autonomia e liberdade individuais por meio do reconhecimento de direitos e garantias fundamentais o caminho percorrido pelo Estado do Direito na sua trajetória evolutiva levou à formação de modelos mais ou menos distintos entre si Assim a título de ilustração a assim chamada rule of law da tradição anglo americana não se confunde com o Estado de Direito Rechtstaat alemão apenas para referir duas das principais tradições nessa seara 757 A conformação do Estado de Direito portanto para a sua adequada compreensão demanda uma reconstrução de sua trajetória evolutiva mas especialmente reclama uma análise constitucionalmente adequada à luz das especificidades de uma ordem jurídicoconstitucional concreta Por tal razão e considerando se as limitações da presente abordagem e do seu contexto o que se pretende aqui é apresentar os contornos gerais da noção e do correspondente princípio do Estado de Direito no contexto do direito constitucional positivo brasileiro bem como identificar os seus principais elementos Levando em conta que em diversos casos haverá fortes pontos de contato e mesmo superposição com aspec tos que dizem respeito a outros princípios constitucionais eventualmente se utilizará o recurso de remeter aos conteúdos analisados em outros momentos Numa primeira aproximação cabe tomar emprestada a lição de Gomes Canotilho que se aplica também ao caso brasileiro no sentido de que o princípio do Estado de Direito é um princípio constitutivo de natureza material procedimental e formal que visa dar resposta ao problema do conteúdo extensão e modo de proceder da actividade do Estado 758 Assim convém sublinhar que o Estado de Direito o é tanto em sentido formal quanto material já que os dois esteios se fazem indispensáveis e se complementam e reforçam mutuamente O Estado formal de Direito ou em sentido formal já se configura mediante a previsão e garantia de uma divisão separação de poderes a legalidade da Administração Pública a garantia de acesso à Justiça e independência judicial no plano do controle dos atos administrativos bem como a pretensão por parte do particular de ser indenizado quando de uma intervenção estatal indevida no âmbito de sua esfera patrimonial 759 Tais características permitem perceber que tal Estado formal de Direito aqui no sentido de um Estado apenas formal de Direito não necessariamente guarda harmonia com uma noção de Direito que vai além da estrita legalidade e que corresponde a critérios de justiça e legitimidade material e não meramente procedimental e funcional resulta evidente e aqui não carece de maior desenvolvimento Por outro lado a noção de Estado material de Direito ou em sentido material exige que a legalidade esteja orientada e vinculada por parâmetros materiais superiores e que informam a ordem jurídica e a ação estatal papel que é exercido por princípios jurídicos gerais e estruturantes e pela vinculação do Poder Público dos agentes e dos seus atos a um conjunto de direitos e garantias fundamentais de tal sorte que como bem expressa Schmidt Assmann o Estado material de Direito não é o oposto do Estado formal de Direito mas um Estado que unifica e concilia ambas as dimensões 760 Por tais razões o Estado de Direito em sentido material e formal é como já adiantado sempre um Estado Constitucional e Democrático de Direito que também pode ser designado de um Estado da Justiça e dos Direitos Fundamentais Dito de outro modo e acompanhando Konrad Hesse a decisão constitucional tal qual tomada pela CF pelo Estado de Direito formal e material consiste em uma decisão fundamental em prol de uma forma de vida estatal e social que se estrutura e atua na medida e de acordo com o Direito 761 Para a sua melhor compreensão os principais elementos que integram e qualificam o Estado de Direito como tal serão objeto de sumária apresentação A O primado do direito O Estado de Direito caracterizase em primeira linha pela vinculação do poder estatal ao direito e pelo objetivo atribuído aos órgãos estatais de realizar a justiça material 762 Tal primado do direito como explica Hesse não significa uma espécie de normatização totalizante e absoluta da vida estatal pelo direito mas sim a afirmação do princípio da supremacia da Constituição de acordo com o qual nenhum ato estatal poderá estar em desconformidade com a Constituição combinado com o princípio da primazia da lei em que todos os atos editados em forma legislativa assumem uma condição preferencial em face de outros atos e os atos legislativos existentes e em vigor deverão ser seguidos pelos poderes estatais 763 Assim o primado do direito é formado pela convivência e articulação dos princípios da constitucionalidade e da legalidade incluindo a reserva legal implicando uma vinculação direta do legislador à Constituição e uma dupla vinculação direta e indireta dos poderes Judiciário e Executivo à Constituição e às leis 764 A vinculação isenta de lacunas do poder público aos princípios e direitos fundamentais é por sua vez manifestação particular da mais abrangente noção de supremacia da Cons tituição além de representar precisamente um dos eixos da noção de Estado material de Direito 765 Cabe sublinhar outrossim que a articulação da supremacia da Constituição e da supremacia da lei não implica uma aplicação meramente subsidiária das leis pois apenas na hipótese de conflito é que tal supremacia se fará relevante de tal sorte que cabe ao Administrador e ao Judiciário aplicar em primeira linha a norma incidente que per tence ao nível hierárquico mais baixo aferindo sempre sua respectiva legalidade em se tratando de atos normativos infralegais eou constitucionalidade o que se revela par ticularmente relevante para o Poder Executivo cuja atuação está diretamente submetida ao princípio da legalidade 766 1 O princípio da reserva legal O princípio da reserva legal de acordo com seu sentido convencional consiste na exigência de que a Administração Pública apenas poderá intervir em algum caso concreto se tiver sido autorizada por lei ou pelo menos com base em lei 767 Do ponto de vista dogmático a doutrina da reserva legal ou reserva de lei busca dar resposta à indagação de em quais domínios a Administração Pública depende necessita para sua atuação de um fundamento uma autorização legal e onde não pode atuar sem tal autorização 768 O princípio da reserva legal portanto corresponde a particular e especial manifestação do princípio da legalidade como expressão da supremacia da lei em relação aos atos da Administração Pública embora com este não se confunda dada a maior abrangência do último Com efeito ao passo que de acordo com o princípio da supremacia da lei um ato administrativo apenas é ilícito se afronta alguma disposição legal no caso da reserva de lei o ato administrativo já é ilícito quando inexiste disposição legal a amparar a ação administrativa 769 Especialmente relevante é a reserva legal em matéria de direitos fundamentais no sentido de que toda e qualquer restrição pelo menos em se tratando de uma intervenção restritiva de direitos fundamentais deve ser veiculada por lei ou pelo menos pode ser diretamente reconduzida a uma disposição legal Além disso importa sublinhar que a reserva legal poderá ser simples ou qualificada a depender numa primeira hipótese de a Constituição Federal exigir regulação por lei complementar qualificada ou ordinária simples Com base em outro critério simples será a reserva legal que não estabelece do ponto de vista constitucional nenhuma exigência prévia ao legislador infraconstitucional sendo qualificada a reserva legal que limita de antemão a atuação legislativa pelo fato de prever alguns requisitos já no texto constitucional como se dá no Brasil com o exemplo do sigilo das comunicações telefônicas art 5º XII da CF em que a Constituição Federal defere apenas ao Poder Judiciário a possibilidade de determinar em casos especiais também previstos no texto constitucional a quebra do sigilo Calha sublinhar que a reserva legal não se confunde com a assim chamada reserva de parlamento de acordo com a qual determinadas matérias apenas poderiam ser tratadas reguladas pelo Poder Legislativo de modo a assegurar a correspondente legitimidade democrática Com efeito como bem leciona Gilmar Ferreira Mendes a reserva legal não deve ser reduzida a uma reserva de parlamento pois não está em causa apenas a fonte da norma o órgão da qual emana mas também o seu conteúdo de tal sorte que se trata também para além de um problema democrático de uma questão de limitação funcional do poder e de inserção no quadro de um Estado de Direito 770 No caso brasileiro como bem demonstra a evolução jurisprudencial no STF a reserva de lei e com isso o próprio princípio da legalidade tem sido objeto de algum esvaziamento e se verifica mediante breve referência à chancela do assim chamado decreto autônomo e pela tolerância com o poder normativo da Administração Pública inclusive em relação a atos normativos que implicam restrições a direitos e garantias fundamentais Mas isso não é um tema que aqui se pretenda desenvolver 2 O princípio da reserva da Constituição Na síntese de Gomes Canotilho é concretizado essencialmente pelo princípio da tipicidade constitucional de competências de acordo com o qual todas as funções e competências dos órgãos constitucionais devem ter fundamento na Constituição em outras palavras os órgãos do Estado apenas têm competência para fazer o que a Constituição lhes permite bem como pelo princípio da constitucionalidade da restrição dos direitos e garantias fundamentais de modo que todas as restrições de direitos devem ser estabelecidas pela própria Constituição ou serem levadas a efeito pelo legislador com fundamento em autorização constitucional 771 B Reconhecimento e proteção de direitos e garantias fundamentais A principal manifestação do Estado de Direito como Estado material de Direito são os direitos e garantias fundamentais pois são eles que concretizam o Estado de Direito nas suas diversas dimensões inclusive na sua condição de Estado Social e Democrático e na condição de posições subjetivas direitos exigíveis em face do Estado o tornam capaz de se afirmar 772 Por tal razão reafirmase aqui que o Estado de Direito é sempre em primeira linha um Estado de direitos fundamentais pois e aqui valemonos da lição de Pérez Luño existe um estreito nexo de interdependência genético e funcional entre o Estado de Direito e os direitos fundamentais uma vez que o Estado de Direito exige e implica para sêlo a garantia dos direitos fundamentais ao passo que estes exigem e implicam para sua realização o reconhecimento e a garantia do Estado de Direito 773 Nesse contexto assume relevo o princípio da vinculação sem lacunas dos órgãos estatais aos direitos e garantias fundamentais e a criação de um sistema efetivo de proteção com destaque para a proteção judiciária de tais direitos o que todavia será objeto de desenvolvimento na parte deste curso relativa aos direitos fundamentais parte material e ao processo constitucional e controle de constitucionalidade C O princípio da separação de poderes O princípio da separação ou divisão dos poderes que assume papel central desde a origem do constitucionalismo tendo sido erigido à condição de elemento essencial e determinante da própria noção de Constituição mediante o famoso art 16 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 se a divisão dos poderes não estiver assegurada e não forem respeitados os direitos individuais não haverá Constituição tem por escopo na esteira do ideário iluminista e liberalburguês dominante na época com destaque para as concepções de John Locke e especialmente Montesquieu que nos legou a formulação ainda atual em seus contornos gerais a limitação jurídica do poder estatal mediante a desconcentração divisão e racionalização das suas respectivas funções 774 Na precisa descrição de Konrad Hesse no sentido da divisão de poderes são criadas funções e órgãos estatais que por sua vez devem levar a efeito tais funções nos limites de suas respectivas competências constitucionalmente estabelecidas e mediante regras de procedimento vinculativas e suficientemente claras 775 De todo modo em rigor cuidase de uma distribuição eou divisão entre as funções típicas do poder estatal visto que o poder do Estado como tal é uno e indivisível assim como é una e indivisível a soberania Por outro lado tal como ocorreu com o próprio Estado de Direito e suas demais manifestações princípios eou elementos também o princípio da divisão de poderes a despeito de importantes aspectos em comum não foi objeto de idêntica recepção e concretização em cada ordem jurídicoconstitucional devendo portanto ser apresentado e analisado no devido contexto de cada Estado Democrático de Direito o que já na origem do Estado Constitucional pode ser aferido considerando as distinções entre a tradição francesa mais fiel a um modelo de separação forte e estrita e a tradição norteamericana que preferiu edificar e aperfeiçoar um sistema conhecido como de freios e contrapesos checks and balances De qualquer sorte ressalvadas experiências isoladas divergentes como se deu no Brasil imperial mediante a previsão de um quarto poder o assim chamado Poder Moderador em regra até segue atual o sistema clássico protagonizado por Montesquieu de uma divisão horizontal de poderes de desconcentração e recíproca limitação funcional entre órgãos estatais entre os poderes funções legislativo executivo e judiciário cuja horizontalidade decorre da circunstância de inexistir qualquer hierarquia entre os respectivos órgãos e funções do poder estatal todos operando na esfera de suas competências constitucionalmente estabelecidas No caso brasileiro especialmente desde a primeira Constituição da República 1891 mas de modo especialmente estruturado na atual Constituição Federal o sistema de divisão chamado pelo constituinte de separação de poderes fortemente inspirado pela tradição norteamericana e próximo também do modelo adotado pela Lei Fundamental da Alemanha 1949 se identifica pelo fato de que os três poderes órgãos e funções estatais se caracterizam por uma atuação conjunta e voltada à consecução dos objetivos constitucionais atuação que se dá de forma desconcentrada racional e juridicamente limitada por esferas de competência próprias e mecanismos de controle recíprocos Assim em caráter de síntese o princípio da separação dos poderes tem como objetivo o controle do poder pelo poder num esquema de fiscalização recíproca que se materializa por um conjunto diferenciado de técnicas e instrumentos como é o caso do direito de veto do chefe do Poder Executivo a própria possibilidade de edição de atos normativos pelo Executivo a aprovação pelo Legislativo do orçamento dos demais órgãos estatais o controle judicial dos atos dos demais Poderes entre outros 776 Tendo em conta contudo a relevância da separação de poderes o correspondente princípio será objeto de maior desenvolvimento no capítulo do presente Curso dedicado à organização dos Poderes D O princípio geral da segurança jurídica Embora como tal não expressamente previsto na Constituição Federal o princípio da segurança jurídica constitui elemento essencial da noção de Estado de Direito estando de outra parte expressa e implicitamente normatizado do ponto de vista constitucional por meio de um conjunto de princípios e regras como é o caso da proteção da confiança implicitamente assegurado bem como das figuras do ato jurídico perfeito dos direitos adquiridos e da coisa julgada e de garantias contra a retroatividade de determinados atos jurídicos como em matéria penal e tributária entre outras manifestações que aqui não serão especificamente analisados 777 Convém anotar de outra parte que a segurança jurídica como já indiciado assume também a condição de direito e garantia fundamental o que reforça a sua dupla dimensão objetiva e subjetiva Mas a vinculação multidimensional do princípio da segurança jurídica com o Estado formal e material de Direito não significa que tal vinculação seja exclusiva dito de outro modo a segurança jurídica não encontra no Estado de Direito um fundamento único devendo ser reconduzida a outros princípios como é o caso por exemplo do princípio democrático do princípio do Estado Social do princípio da separação de poderes do princípio da igualdade do princípio da liberdade e da própria digni dade da pessoa humana 778 De acordo com a lição de Hartmut Maurer a segurança jurídica pode ser compreendida em sentido dúplice pois se por um lado ela se refere à função do direito visando assegurar segurança por meio do direito no sentido de que o direito deve criar uma ordem consistente e segura por outro ela forma um princípio estruturante que diz com a clareza e determinação do próprio conteúdo das normas de modo a assegurar a segurança do direito 779 Na feliz síntese de Gomes Canotilho na sua dimensão objetiva do direito objetivo a segurança jurídica aponta para a garantia da estabilidade de ordem jurídica ao passo que do ponto de vista subjetivo exige que o cidadão indivíduo possa confiar nos atos do Poder Público no sentido da calculabilidade e previsibilidade dos seus dos atos do Poder Público respectivos efeitos jurídicos 780 o que por sua vez remete à noção de proteção da confiança legítima como expressão essencial da segurança jurídica no Estado de Direito 781 E A responsabilidade do Estado A responsabilidade do Estado e de seus agentes por atos comissivos ou omissivos ilícitos e que afetam o patrimônio e posições jurídicas do cidadão é outra característica central do Estado de Direito 782 Por tal razão de acordo com a lição de Gomes Canotilho tal responsabilidade implica não somente a existência de um sistema jurídicopúblico de responsabilidade estatal implicando um dever de reparação dos prejuízos causados pelos órgãos estatais mas também um dever de indenização de determinados sacrifícios impostos aos cidadãos como é o caso da previsão de uma indenização justa por conta de expropriações levadas a efeito pelo Poder Público 783 Tal responsabilidade seu fundamento e abrangência bem como os meios de controle e suas respectivas consequências encontrase regulada na própria Constituição Federal e no plano da legislação infraconstitucional com destaque para a consagração da responsabilidade objetiva do Estado como regra no texto constitucional de 1988 que ademais contempla expressamente a responsabilidade por erro judiciário ademais de normas dispondo sobre a desapropriação e correspondente indenização sendo particularmente problemática a responsabilidade do Estado por conta da omissão legislativa esta última assumindo caráter excepcional 784 Também a indenização por erro judiciário assume relevância nesse contexto estando todavia sujeita a um regime jurídico próprio que apresenta algumas particularidades especialmente quando em causa eventual responsabilização por ato de natureza jurisdicional tendo a Constituição Federal inclusive assegurado um direito fundamental específico para a hipótese de erro judiciário em caso de condenação e mesmo quando alguém quedar preso por tempo superior ao determinado na sentença condenatória art 5º LXXV da CF 785 Por outro lado a adoção irrestrita da teoria de responsabilidade objetiva do Estado e do assim chamado risco integral deve ser compreendida e aplicada de modo responsável e não absoluto especialmente quando se tratar de danos decorrentes de fenômenos da natureza ou por fato de terceiros Nessa perspectiva e de acordo com orientação dominante na doutrina e jurisprudência do STF a responsabilidade objetiva do Estado depende da satisfação de três requisitos uma ação ou eventualmente omissão atribuível ao Estado um dano causado a terceiros e a presença do respectivo nexo de causalidade 786 De todo modo o princípio do Estado de Direito estabelece apenas uma moldura no âmbito do qual se há de mover todo o esquema que estrutura e regula a responsabilidade do Estado 787 Ademais maior detalhamento da matéria há de se dar no capítulo da Administração Pública bem como dos Poderes Legislativo e Judiciário além de se remeter à literatura especializada F A garantia da proteção judiciária acesso à justiça efetiva A proteção jurídica e judiciária do cidadão especialmente contra atos estatais ilícitos por meio de Juízes e Tribunais independentes representa um dos esteios e exigências centrais do Estado de Direito ademais de na acepção de Carlos Blanco de Morais poder ser identificado como um direito sobre direitos visto que além de operar como direito subjetivo de natureza individual assume uma condição de garantia transversal de todos os direitos fundamentais pois é mediante tal garantia que se assegura a proteção dos demais direitos 788 O Estado de Direito não deve portanto limitarse a ser um Estado que reconhece um sistema de direitos fundamentais como de ser um Estado no âmbito do qual os direitos são efetivos inclusive em face e contra o próprio poder estatal Tal proteção jurídicojudiciária individual que deve ser assegurada a todos os cidadãosindivíduos há de ser como bem lembra Gomes Canotilho isenta de lacunas e assegurada por um conjunto de garantias processuais e procedimentais de natureza judiciária e administrativa como é o caso das garantias processuais cíveis penais e do processo administrativo e por medidas de cunho organizatório como é o caso da criação e organização da estrutura judiciária e de um sistema de acesso à justiça efetivo incluindo aqui a assistência judiciária 789 No caso da Constituição Federal tal manifestação do Estado de Direito foi particularmente valorizada seja pela independência e garantias asseguradas ao Poder Judiciário e seus agentes seja pela consagração da regra da inafastabilidade do controle judicial em caso de violação ou ameaça de violação de direitos mas também pela garantia ampla de assistência judiciária inserção da Advocacia Pública e Privada bem como do Ministério Público na condição de funções essenciais à Justiça acompanhada igualmente de garantias além de um amplo conjunto de direitos e garantias processuais na condição de direitos fundamentais De todo modo como tais aspectos são abordados com amplo desenvolvimento nos capítulos relativos especialmente aos direitos e garantias processuais aqui deixaremos de adentrar no seu exame mais detalhado G Proibição de arbítrio como proibição de excesso de intervenção e insuficiência de proteção proporcionalidade e razoabilidade dos atos do Poder Público Oriundo do direito administrativo na condição de critério de aferição da legitimidade jurídica de atos administrativos interventivos na seara dos direitos do cidadão com destaque para o poder de polícia o princípio da proporcionalidade foi erigido especialmente a partir da segunda metade do século XX à condição de princípio de matriz constitucional e passou a balizar na condição de critério material de controle todos os atos do Poder Público incluindo os atos legislativos e os de natureza judicial 790 Atualmente o princípio da proporcionalidade que guarda forte conexão com a noção anglo americana de razoabilidade mas com esta não se confunde não apenas se transformou em princípio amplamente difundido na Europa quanto carrega uma aspiração de universalidade visto que é cada vez mais aceito e utilizado na esfera da jurisdição constitucional em diversos países inclusive no Brasil A partir da experiência do Tribunal Constitucional Federal da Alemanha o teste de proporcionalidade como é também amplamente conhecido e praticado embora nem sempre de modo correto entre nós desdobrase em três etapas a a adequação de acordo com a qual a medida estatal há de ser apta a assegurar o resultado pretendido com a restrição do direito do particular b a necessidade menor sacrifício ou ingerência que exige que em face de mais de uma medida adequada se opte pela que menos intervém na esfera jurídica c a assim chamada proporcionalidade em sentido estrito que sendo afirmativa a resposta aos dois quesitos anteriores exige uma ponderação que coloque na balança os meios e os fins no caso concreto razão pela qual é nesse nível que se situa a maior parte das anotações críticas ao princípio Importa recordar que no sentido apontado a proporcionalidade opera como critério de aferição da legitimidade constitucional de medidas interventivas do Poder Público no âmbito de proteção dos direitos fundamentais na condição de direitos de defesa direitos negativos Todavia a partir da consagração pelo menos no caso da Alemanha e sistemas que recepcionaram tal orientação da noção de deveres de proteção estatais em matéria de direitos fundamentais acabou também sendo reconhecida a existência de um dever de proteção suficiente a garantia de um patamar mínimo de proteção que por sua vez implica uma proibição de proteção insuficiente ou deficiente Tal proibição de proteção insuficiente tem sido em geral considerada como sendo uma outra dimensão da proporcionalidade na condição de proibição de excesso de intervenção ensejando um teste similar em três níveis de análise para a sua verificação em casos de omissão ou atuação insuficiente do Poder Público 791 De qualquer sorte o que importa aqui sublinhar é que a noção de proporcionalidade guarda íntima relação com a ideia de que os fins ainda que legítimos ou seja amparados na CF não justificam o recurso a todo e qualquer meio apto para a sua consecução o que de outra banda nos remete novamente à vedação do arbítrio que qualifica o Estado de Direito como tal Por fim considerando que aqui também é possível remeter ao capítulo que trata dos direitos fundamentais onde os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade foram objeto de maior desenvolvimento renunciamos a outras digressões e mesmo a referências bibliográficas específicas 225 O princípio do Estado Socioambiental a conjugação da justiça social da realização dos direitos humanos e fundamentais sociais e da proteção do ambiente 792 O princípio do Estado Democrático de Direito nas suas diferentes dimensões é consoante já visto um dos princípios fundamentais do constitucionalismo contemporâneo Mas o Estado Democrático de Direito assumiu e tem assumido diferentes configurações ao longo da evolução do constitucionalismo Assim tendo em conta os novos desafios gerados pela crise ecológica e pela sociedade tecnológica e industrial a configuração de um novo modelo superando os paradigmas antecedentes respectivamente do Estado Liberal e do Estado Social passou a assumir um lugar de destaque Entre outras denominações registramse as seguintes nomenclaturas para designar a nova roupagem ecológica incorporada pelo Estado Democrático de Direito na atualidade especialmente no âmbito ocidental e tal qual também consagrado pela Constituição Federal de 1988 Estado Póssocial 793 Estado Constitucional Ecológico 794 Estado de Direito Ambiental 795 Estado de Direito Ecológico 796 Estado Socioambiental 797 Estado do Ambiente 798 Estado Ambiental 799 Estado de BemEstar Ambiental 800 Estado Verde 801 Estado de Prevenção 802 e Estado Sustentável 803 A opção aqui assumida em sintonia aliás com produção acadêmica anterior pela nomenclatura Estado Socioambiental 804 busca enfatizar a necessária e urgente convergência das agendas social e ambiental num mesmo projeto jurídicopolítico para o desenvolvimento humano 805 Como se pode perceber a miséria e a pobreza como projeções da falta de acesso aos direitos sociais básicos como saúde saneamento básico educação moradia alimentação renda mínima etc caminham juntas com a degradação e poluição ambiental expondo a vida das populações de baixa renda e violando por duas vias distintas a sua dignidade Dentre outros aspectos assume particular relevo a proposta de uma proteção e promoção compartilhada e integrada dos direitos sociais e dos direitos ecológicos agrupados sob o rótulo genérico de direitos fundamentais socioambientais ou direitos econômicos sociais culturais e ambientais DESCA assegurando as condições mínimas para a preservação da qualidade de vida aquém das quais poderá ainda haver vida mas essa não será digna de ser vivida A compreensão integrada e interdependente dos direitos sociais e da proteção do ambiente mediante a formatação dos direitos fundamentais socioambientais constitui um dos esteios da noção de desenvolvimento sustentável no âmbito do Estado Socioambiental de Direito de tal sorte que o desenvolvimento sustentável e o correspondente princípio da sustentabilidade tem assumido a condição de princípio constitucional de caráter geral razão pela qual será desenvolvido em separado logo na sequência A partir de tal premissa devese ter em conta a existência tanto de uma dimensão social quanto de uma dimensão ecológica da dignidade da pessoa humana sendo que somente um projeto que contemple ambas as dimensões normativas para além da clássica e sempre presente dimensão da liberdadeautonomia se revela como constitucionalmente adequado O Estado Democrático de Direito com o propósito de promover a tutela da dignidade humana em face dos novos riscos ambientais e da insegurança gerados pela sociedade tecnológica contemporânea deve ser capaz de conjugar os valores fundamentais que emergem das relações sociais e por meio das suas instituições democráticas e adequada regulação jurídica garantir aos cidadãos a segurança necessária à manutenção e proteção da vida com qualidade ambiental vislumbrando inclusive as consequências futuras resultantes da adoção de determinadas tecnologias É precisamente nesse contexto que assume importância o reconhecimento dos deveres de proteção do Estado em especial a partir da assim chamada dimensão objetiva dos direitos fundamentais incluindo aqui os deveres de prevenção e precaução que deixam de ser aplicados apenas na esfera ambiental como se verifica claramente no caso da saúde da segurança alimentar etc 806 ampliando o seu espectro de incidência para outros domínios designadamente dos direitos sociais Não é por acaso que se fala atualmente até mesmo na transformação do Estado Constitucional em um Estado de Prevenção Präventionsstaat 807 o que contudo aqui não será objeto de desenvolvimento Nesse contexto é de se saudar a afirmação de Häberle sobre a necessidade de um desenvolvimento mais reforçado de deveres e obrigações decorrentes da dignidade humana em vista do futuro humano o que se justifica especialmente nas dimensões comunitária e ecológica da dignidade humana Como refere o constitucionalista alemão tal afirmativa já foi contemplada no âmbito constitucional alemão art 20a da Lei Fundamental de 1949 que reconhecendo os limites do crescimento do Estado Social de Direito tornou necessária a proteção do ambiente como um reforço da proteção da dignidade humana 808 Essa perspectiva também está contemplada na ordem constitucional brasileira conforme dá conta o disposto nos arts 170 caput e inciso VI 186 inciso II e 225 todos da Constituição Federal de 1988 implicando um modelo jurídicopolíticoeconômico em sintonia com o princípio e dever do desenvolvimento sustentável Mas a integração da agenda ambiental com as demais agendas salvaguarda das liberdades e proteção e promoção de direitos sociais demanda uma série de medidas de articulação e coordenação assim como de harmonização dos objetivos princípios e direitos em pauta Nesse contexto José Manuel Pureza refere que o modelo de Estado de Direito Ambiental Socioambiental revela a incorporação de uma nova dimensão para completar o elenco dos objetivos fundamentais do Estado de Direito contemporâneo qual seja a proteção do ambiente que se articula dialeticamente com as outras dimensões já plenamente consagradas ao longo do percurso histórico do Estado de Direito designadamente a proteção dos direitos fundamentais a realização de uma democracia política participativa a disciplina e regulação da atividade econômica pelo poder político democrático e a realização de objetivos de justiça social 809 Assim é possível adotar a premissa de que o Estado Socioambiental a forma atualmente adotada pelo Estado Democrático de Direito apresenta de acordo com a lição de Canotilho as seguintes dimensões fundamentais juridicidade democracia sociabilidade e sustentabilidade 810 de modo que a qualificação de um Estado como Estado Ambiental traduzse em pelo menos duas dimensões jurídicopolíticas relevantes a a obrigação do Estado em cooperação com outros Estados e cidadãos ou grupos da sociedade civil de promover políticas públicas econômicas educativas de ordenamento pautadas pelas exigências da sustentabilidade ecológica e b o dever de adoção de comportamentos públicos e privados amigos do ambiente dando expressão concreta à assunção da responsabilidade dos Poderes Públicos perante as gerações futuras 811 mas sem descurar da necessária partilha de responsabilidades entre o Estado 812 e os atores privados na consecução do objetivo constitucional de tutela do ambiente consoante aliás anunciado expressamente no art 225 caput da nossa Lei Fundamental Considerando a perspectiva aqui trilhada seria possível contudo agregar um terceiro eixo às duas dimensões propostas por Canotilho notadamente o dever do Estado em relação de difícil equilíbrio com os demais vetores acima enunciados de promover políticas sociais que assegurem igualmente de modo sustentável mas progressivo a toda a população as condições para uma vida condigna na perspectiva da garantia de um mínimo existencial não apenas fisiológico vital mas sociocultural e ambiental Esse entendimento guarda sintonia fina com a tese ora assumida como correta da indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos e fundamentais As dimensões dos direitos humanos e fundamentais reclamam portanto uma compreensão integrada desde logo incompatível com um sistema de preferências no que diz com a prevalência em tese de determinados direitos em relação a outros Nessa perspectiva o princípio do Estado Socioambiental assume a condição de princípio constitucional geral e estruturante assegurando uma integração e articulação sem que se possa falar em hierarquia entre pilares da Democracia do Estado de Direito do Estado Social e da proteção do ambiente Em outras palavras a proteção e promoção do ambiente como tarefa essencial do Estado e da sociedade deve se dar de modo a preservar e mesmo reforçar a partir da noção de democracia participativa como se verá mais adiante o princípio democrático Além disso a proteção ambiental não poderá ocorrer à custa da realização dos direitos sociais econômicos e culturais pelo menos no que diz com a salvaguarda de um mínimo existencial muito menos violar as exigências básicas do Estado de Direito como a legalidade no sentido de uma legalidade constitucional a proporcionalidade a segurança jurídica entre outras 813 O princípio do Estado Socioambiental por outro lado se decodifica em outros princípios de ordem geral e especial como é o caso do princípio da dignidade da pessoa humana e da vida em geral da exigência da salvaguarda de um mínimo existencial socioambiental portanto incluindo um mínimo existencial ecológico dos princípios da solidariedade e da subsidiariedade do desenvolvimento sustentável que contudo aqui à exceção do último não poderão ser desenvolvidos remetendose à literatura especializada 226 Princípio republicano Após a experiência monarquista que marcou o período de vigência da primeira Constituição brasileira a Carta Imperial de 1824 veio a Proclamação da República que se afirmou como forma de governo desde 1891 inclusive tendo sido objeto de concreta possibilidade de alteração em virtude da opção do constituinte de 1988 no sentido da realização de um plebiscito portanto de uma consulta direta à população a respeito de sua manutenção ou substituição pela Monarquia consulta que acabou sufragando a opção do constituinte originário A combinação das razões quais sejam República como decisão política fundamental e estruturante a tradição constitucional brasileira pretérita de acordo com a qual a República era tida como limite material expresso bem como a circunstância de que a República corresponde à opção diretamente manifestada pelo próprio titular do poder constituinte o povo levaram ao entendimento hoje dominante no cenário constitucional pátrio de que a República assumiu a condição de limite material implícito imune portanto a uma abolição efetiva ou mesmo tendencial por parte do poder de reforma constitucional o que todavia foi objeto da devida atenção no capítulo sobre o poder de reforma da Constituição A exemplo do que se verifica com a democracia e com as noções de Estado de Direito e de Estado Social no caso brasileiro e de acordo com a opção aqui assumida de um Estado Socioambiental também a República na condição de forma de governo embora apresente alguns elementos essenciais que assumiram em maior ou menor medida um caráter comum ou seja que obedece a um determinado padrão de acordo com a tradição republicana encontra a sua particular formatação no direito constitucional positivo de um determinado Estado Também por isso há que distinguir a despeito de seus importantes pontos de contato e a exemplo do que ocorre com o Estado Federal e o federalismo entre a República como forma de governo e o republicanismo ou princípio republicano como conjunto de valores e princípios que norteiam a República em seus traços essenciais Por outro lado a República assume lugar de destaque nas teorizações sobre as formas de governo desde o período clássico grecoromano ressaltando a experiência concreta da República Romana por mais conturbada que tenha sido o período correspondente Não sendo o caso de adentrar aqui tal seara da evolução histórica da teoria e da prática republicanas do ideário republicano e de sua manifestação concreta como forma de governo 814 o que nos importa é identificar e apresentar os contornos gerais do conceito de República e da sua conformação na atual CF Em linhas gerais a República se caracteriza pela sua absoluta incompatibilidade com a forma monárquica de governo como governo exercido monocraticamente e pelos correspondentes privilégios de cunho nobiliárquico e hereditário de tal sorte que a República passou a ser identificada com a eletividade dos que exercem o governo e a temporariedade dos mandados o que revela que a República se aproxima e mesmo identifica em grande medida com a própria Democracia e a noção de soberania popular 815 Todavia se por um lado considerarmos que as assim chamadas monarquias constitucionais contemporâneas se caracterizam por atribuir um papel meramente representativo ao monarca e essencialmente assumem o modelo democrático e mesmo seguem as diretrizes de um Estado de Direito ao passo que por outro lado diversos Estados que se denominam inclusive na esfera do direito constitucional positivo repúblicas são caracterizados por um regime ditatorial e tirânico é possível compreender os motivos pelos quais já se disse que o princípio republicano se transformou em verdadeiro fóssil jurídico constitucional Josef Isensee 816 Mas não deverá ser a imbricação da República do republicanismo com outros princípios a razão para se abrir mão da noção pois como a essência da República reside no repúdio à tirania e na garantia das liberdades e da cidadania 817 o que importa para definir um determinado Estado como Republicano é a correspondente adoção expressa ou implícita de tal forma de governo bem como a observância das características nucleares da República isto é a eletividade a temporariedade dos mandados e a responsabilidade dos governantes 818 Assim na esteira de Gomes Canotilho a forma republicana de governo não é em primeira linha embora também o seja uma forma democrática de governo mas sim uma estrutura político organizatória que garante as liberdades fundamentais e assegura o controle pelo poder 819 Com efeito muito embora os intensos pontos de contato a República não se confunde com a Democracia pois a República na condição de princípio geral e estruturante opera como um mandado de otimização no sentido de buscar a realização do melhor equilíbrio possível entre liberdade e ordem na concretização do bem comum já que a República consiste no exercício do poder e do governo para o povo que deve ser diferenciado do paradigma democrático do governo pelo povo e no princípio da responsabilidade dos governantes 820 Tais características eletividade 821 temporariedade responsabilidade uma ordem baseada na liberdade e na igualdade 822 também se fazem presentes na tradição republicana brasileira desde 1891 mas atingiram sua forma mais plena na atual ordem constitucional no bojo da qual importa relembrar o constituinte delegou ao conjunto dos cidadãos a decisão sobre a forma de governo de tal sorte que tal opção veiculada pelo Plebiscito de 1993 atribuiu à República Federativa do Brasil uma base de legitimação reforçada e nunca dantes experimentada na história constitucional pátria 227 O princípio federativo O princípio federativo e a forma federativa de Estado o assim chamado Estado Federal constituem a exemplo da República e do Presidencialismo elementos essenciais da identidade constitucional brasileira desde 1891 tendo passado por ajustes importantes desde então até receberem os contornos atuais na vigente CF que inovou ao consagrar o Município como ente federativo Com efeito a exemplo do que se passa com as noções de Democracia Estado de Direito República e mesmo a opção ou não por um Estado Socioambiental a noção de Estado Federal também não encontra apenas uma alternativa válida devendo ser compreendida no contexto de cada ordem constitucional pois é esta que lhe atribui os contornos próprios Além disso importa distinguir a noção de Estado Federal ou Federação do federalismo pois este último corresponde à teoria doutrina que estabelece as diretrizes gerais do modelo federativo de Estado Da mesma forma o Estado Federal como estrutura organizacional não se confunde com o princípio federalista ou princípio federativo na condição de princípio estruturante de caráter objetivo De todo modo tendo em conta a circunstância de que o Estado Federal será objeto de capítulo específico do presente Curso a respeito da organização do Estado é para lá que remetemos o leitor que queira desenvolver mais o tópico 228 O princípio da sustentabilidade ou desenvolvimento sustentável 823 A noção de desenvolvimento sustentável que consoante já visto guarda conexão direta com o princípio do Estado Socioambiental foi objeto de reconhecimento internacional no âmbito da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento das Nações Unidas designadamente por meio do Relatório Nosso Futuro Comum 1987 tendo sido definida como sendo aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem a suas próprias necessidades Incorporando o conceito adotado pela assim chamada Comissão Bruntland o Princípio n 4 da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992 veio a estabelecer que a fim de alcançar o desenvolvimento sustentável a proteção do ambiente deverá constituirse como parte integrante do processo de desenvolvimento e não poderá ser considerada de forma isolada A ideia de sustentabilidade 824 encontrase portanto numa primeira fase mais diretamente vinculada à proteção do ambiente já que manter e em alguns casos recuperar o equilíbrio ambiental implica o uso racional e harmônico dos recursos naturais de modo a por meio de sua degradação também não os esgotar tudo de modo a assegurar a sobrevivência e qualidade de vida das futuras gerações No plano normativo nacional a noção de sustentabilidade encontrou ressonância já na legislação editada antes da constitucionalização da questão ambiental como dá conta entre outros exemplos a Lei 69381981 que no seu art 4º entre os objetivos da Política Nacional do Meio Ambiente destaca a compatibilização do desenvolvimento econômicosocial com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico inciso I e a preservação e restauração dos recursos ambientais com vistas à sua utilização racional e disponibilidade permanente concorrendo para a manutenção do equilíbrio ecológico propício à vida inciso VI Mais recentemente a despeito de uma série de outros diplomas legislativos contemplando a noção o novo Código Florestal Lei 126512012 também consagrou o desenvolvimento sustentável como o objetivo central do regime jurídico de proteção florestal art 1º parágrafo único Assim em termos gerais conforme se pode apreender dos exemplos destacados a legislação ambiental brasileira incorporou o princípio do desenvolvimento sustentável e lhe deu vida ainda que com isso não esteja resolvida a questão da eficácia social efetividade da legislação Para além da regulação do princípio do desenvolvimento sustentável ou simplesmente sustentabilidade importa sublinhar que existe uma tensão dialética permanente entre o objetivo da proteção ambiental e o desenvolvimento socioeconômico de modo que a opção por uma perspectiva integrada socioambiental implica ainda maior e também mais complexa e tensionada articulação com uma concepção de constituição econômica que portanto não pode ser concebida como um núcleo isolado no contexto mais amplo da ordem constitucional 825 Com efeito o Estado Socioambiental de Direito conforme já sinalizamos em tópico anterior longe de ser um Estado Mínimo que apenas assegura o livre jogo dos atores econômicos e do mercado deve ser um Estado regulador da atividade econômica capaz de dirigila e ajustála aos valores e princípios constitucionais objetivando o desenvolvimento humano e social de forma ambientalmente sustentável 826 Nessa perspectiva por mais que se possa e deva reconhecer os câmbios ocorridos na esfera da teoria e prática da Constituição Dirigente na perspectiva de um dirigismo mas não totalitarismo ecológico aspectos que todavia aqui não poderão ser aprofundados resulta evidente que especialmente na esfera ambiental uma vez reconhecida a vinculação jurídica e mesmo judicialmente controlável dos órgãos estatais com destaque para o Legislativo e Executivo às imposições constitucionais ainda mais à vista do perfil adotado pelo direito constitucional brasileiro não é possível desconsiderar ou mesmo minimizar a noção de Constituição Dirigente e sua articulação com a Constituição Econômica e o problema do desenvolvimento 827 A ordem econômica constitucionalizada a partir dos princípios diretivos do art 170 da CF1988 mas também e essencialmente com base nos demais fundamentos e objetivos constitucionais que a informam por exemplo os objetivos fundamentais da República elencados no art 3º da CF1988 expressa uma opção pelo que se poderia designar de um capitalismo ambiental ou socioambiental ou economia socioambiental de mercado capaz de compatibilizar a livreiniciativa a autonomia e a propriedade privada com a proteção ambiental e a justiça social e também justiça ambiental tendo como norte normativo nada menos do que a proteção e promoção de uma vida humana digna e saudável e portanto com qualidade equilíbrio e segurança ambiental para todos os membros da comunidade estatal Por tal razão entre outras que aqui se poderia invocar o princípio da sustentabilidade opera como um princípio estruturante de caráter multidimensional e que de acordo com a lição de Wolfgang Kahl assume a condição de um conceito composto de natureza complexa relacional além de dependente de uma compreensão contextualizada a demandar uma compreensão abrangente e carecente de integração pelo legislador e órgãos estatais em geral especialmente no plano da organização e do procedimento informando não apenas a seara ambiental em sentido estrito ainda que adotado um conceito amplo de ambiente mas também as esferas econômica e social designadamente pela função de articulação e coordenação de tais dimensões no âmbito do Estado Socioambiental de Direito III Os objetivos fundamentais do Estado Democrático e Socioambientalecológico de Direito Mediante a expressa previsão no art 3 de objetivos de caráter fundamental a serem levados a efeito pelos órgãos estatais não há como refutar do ponto de vista do direito constitucional positivo vigente a circunstância de que o constituinte de 1988 consagrou sim um modelo de Constituição do tipo dirigente muito embora elementos de dirigismo constitucional se façam presentes em diversas partes do texto da CF inclusive e especialmente nos títulos da ordem econômica e social Com efeito as normasprincípio contidas nos diversos dispositivos do art 3º cumprem a função de princípios objetivos que instituem programas fins e tarefas que vinculam os Poderes Públicos e que implicam uma atuação voltada à realização dos objetivos constitucionalmente enunciados 831 Cuida se de normas que na terminologia de Eros Grau assumem a condição de normasobjetivo 832 mas que nem por isso e daí precisamente o cunho dirigente deixam de ser juridicamente vinculativas ainda que se possa em regra afastar a possibilidade de reconhecimento de um direito subjetivo à realização do programa normativo Dito de outro modo embora não se possa em regra admitir um direito subjetivo à erradicação da pobreza atribuído a algum indivíduo em particular o que não afasta um direito fundamental ao mínimo existencial do indivíduo ou mesmo de um direito a assistência social os Poderes Públicos estão positivamente vinculados a encetar passos concretos na esfera de suas competências e atribuições na direção da realização dos objetivos constitucionalmente estabelecidos ainda que a CF não disponha exatamente sobre os modos de realização de tais objetivos Por outro lado a omissão estatal poderá configurar uma violação dos deveres de atuação impostos aos órgãos estatais assim como poderá ser impugnado inclusive pela via jurisdicional eventual desvio das finalidades constitucionais A circunstância de que o controle judicial por mais limitado que seja é não apenas viável mas necessário em determinados casos por si só já demonstra que mesmo os princípios que instituem objetivos a serem alcançados pelos órgãos estatais apresentam uma reflexa dimensão subjetiva já que a alguém ou algum órgão ou instituição é atribuída a titularidade de invocação em juízo mormente no plano da inconstitucionalidade de algum vício por atuação ou por omissão Aspecto que merece destaque diz com a diferenciação entre os princípiosobjetivo do art 3º da CF e as normas impositivas de legislação ou ordens de legislar pois ao passo que as primeiras não enunciam nem como o Poder Público deve realizar os objetivos constitucionais nem logram determinar o conteúdo específico da ação estatal por exemplo a instituição e ampliação do Bolsa Família para erradicar a pobreza e reduzir desigualdades regionais em outros casos a CF já define quem deverá em primeira linha atender ao comando constitucional como se dá quando o texto da CF estatui que O Estado promoverá na forma da lei a defesa do consumidor art 5º XXXII Aqui o objetivo proteção do consumidor é acompanhado da imposição ao legislador e mediante ato legislativo A diferença se torna ainda mais evidente se considerarmos que a não edição da lei especificamente prevista no art 5º XXXII da CF ensejaria uma inconstitucionalidade por omissão que pressupõe uma ordem de legislar e o seu descumprimento Já no caso do objetivo de erradicação da pobreza e das desigualdades regionais a inexistência de lei criando o que foi previsto não gerará de pronto uma inconstitucionalidade por omissão pois existe um amplo leque de alternativas à disposição dos Poderes Públicos desde que tais alternativas se revelam aptas a alcançar o resultado pretendido A ausência de um programa como o do Bolsa Família não seria por si só inconstitucional assim como não o seria a substituição daquele programa por outro que atinja resultados equivalentes desde que existam programas políticas que tenham por objeto a realização dos objetivos estabelecidos pela CF e que os executem de maneira satisfatória Assim verificase que os objetivos fundamentais também implicam a adoção pelos órgãos estatais aqui com destaque para os Poderes Legislativo e Executivo de um conjunto de políticas de Estado e de governo que busquem realizar tais objetivos pena de desvio de finalidade ou omissão total ou parcial a depender do caso cabendo ao Poder Judiciário no âmbito de suas limitações uma intervenção indutiva eou corretiva IV PRINCÍPIOS QUE REGEM AS RELAÇÕES INTERNACIONAIS Dentro os princípios fundamentais a CF também investiu de modo pioneiro na seara das relações internacionais e da integração com outros Estados sendo a despeito da previsão de dispositivos sobre a matéria nas constituições anteriores a primeira na evolução constitucional brasileira a contemplar um capítulo específico sobre as relações internacionais abarcando os respectivos preceitos a condição de princípios fundamentais com os princípios estruturantes e os objetivos fundamentais O art 4 da CF consagra nessa perspectiva um conjunto de princípios que têm por escopo balizar a atuação do Brasil na condição de membro integrado em uma comunidade internacional Tais princípios em parte correspondem mesmo a princípios já consolidados do próprio direito internacional público recepcionados pela CF e assumidos como sendo também princípios fundamentais de direito interno De acordo com a lição de Celso Lafer os princípios contidos no art 4 representam um marco normativo que assume também a condição de diretriz da política externa brasileira no sentido mesmo de uma política jurídica exterior de Estado e não de governos vinculando essencialmente o Poder Executivo mas também o Legislativ Ademais disso também como bem anota Guilherme Massaú os princípios atinentes às relações internacionais são a exemplo dos demais princípios fundamentais veiculados por normas dotadas de eficácia e aplicabilidade vinculando os poderes estatais internos ademais de carecerem de uma interpretação integrada com outros princípios e regras constitucionais 835 A independência nacional art 4º I da CF guarda relação direta com a própria noção de soberania que por sua vez assume a função de fundamento do Estado Democrático de Direito brasileiro e simultaneamente opera como princípio fundamental art 1º I de tal sorte que a independência há de ser compreendida nessa perspectiva como dimensão externa internacional da soberania 836 Não se trata contudo de uma soberania excludente e arrogante portanto mas sim de uma noção de independência voltada à integração na comunidade internacional baseada no respeito igualdade e reciprocidade tal como evidenciam outros dispositivos constitucionais O próprio art 4º contempla em seus incisos a prevalência dos direitos humanos II a autodeterminação dos povos III o princípio da não intervenção IV a igualdade entre os Estados V a defesa da paz a solução pacífica dos conflitos e o repúdio ao terrorismo VI VII e VIII cooperação entre os povos IX e a busca da integração latinoamericana parágrafo único O princípio da prevalência dos direitos humanos art 4º II da CF não apenas consagra a relevância dos direitos humanos como critério material da legitimidade da própria ordem constitucional nas suas relações com a comunidade internacional mas também da Constituição na condição de Lei Fundamental no plano doméstico inclusive para o efeito de iluminar a própria interpretação e aplicação do direito interno no sentido de uma interpretação conforme os direitos humanos e de uma abertura da ordem nacional ao sistema internacional de reconhecimento e proteção dos direitos humanos 837 Tal princípio que salvo melhor juízo por si só já deveria implicar a adesão aos tratados internacionais universais e regionais de direitos humanos guarda forte conexão com a abertura material do catálogo constitucional de direitos fundamentais a teor do disposto no art 5º 2º da CF de acordo com o qual os direitos expressamente consagrados no texto constitucional não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios bem como os que estiverem previstos em tratados internacionais ratificados pelo Brasil o que foi de certo modo reforçado mediante a inserção de um procedimento qualificado de aprovação dos tratados de direitos humanos pelo Congresso Nacional previsto no art 5º 3º da CF bem como por meio da criação pela mesma reforma constitucional do incidente de deslocamento de competência da seara estadual para a federal nos casos de grave violação dos direitos humanos art 109 5º da CF Mas o princípio da prevalência dos direitos humanos não resultou ao menos por ora no reconhecimento generalizado de uma hierarquia supraconstitucional ou mesmo constitucional dos tratados de direitos humanos visto que o STF embora já tendo abandonado a tese da paridade entre qualquer lei interna e os tratados segue reconhecendo a tais tratados à exceção dos que forem aprovados pelo rito do art 5º 3º da CF hierarquia supralegal ou seja inferior à CF mas superior à legislação aspecto que contudo será desenvolvido em capítulo próprio deste Curso na parte geral dos direitos fundamentais A integração latinoamericana constitui uma meta e mesmo um ideal que remonta à origem dos movimentos de independência dos países que integram a América Latina movimentos que marcaram a formação dos respectivos Estados nacionais mas que nunca passaram de movimentos esparsos e efêmeros passando a assumir uma dimensão mais forte apenas na segunda metade do século XX especialmente a partir da assinatura do Tratado de Montevidéu que instituiu a ALALC Associação LatinoAmericana de Livre Comércio 1960 posteriormente substituída pela ALADI Associação LatinoAmericana de Integração sem descurar do papel exercido nesse contexto pela CEPAL Comissão Econômica para a América Latina e Caribe criada pela ONU em 1948 bem como dada a sua importância pelo MERCOSUL instituído pelo Tratado de Assunção de 1991 muito embora se cuide de uma integração de abrangência territorial mais limitada 838 A integração latinoamericana assume na dicção do parágrafo único do art 4º da CF a condição de objetivo do Estado Democrático de Direito a República Federativa do Brasil buscará a integração econômica política social e cultural dos povos da América Latina visando à formação de uma comunidade latino americana de nações Com isso resta evidenciado que a integração transcende em muito a dimensão econômica e política o que deverá também informar a condução das políticas de cooperação e reciprocidade adotadas pelo Estado brasileiro Um aspecto jurídicoconstitucional de alta relevância diz com a necessidade ou não de reforma constitucional para efeitos de transferência em prol de entidades supranacionais de direitos de soberania A posição que aqui também se endossa advoga ser dispensável uma autorização constitucional expressa e que demandaria uma emenda constitucional pois a própria previsão da integração e da formação de uma comunidade de nações prevista no art 4º parágrafo único da CF implicitamente autoriza uma integração efetiva e pressupõe transferência de direitos de soberania e não a mera participação em entidades de cunho associativo 839 Mas como aponta com acuidade Marcos Maliska há que distinguir a exigência de autorização para a integração que está implícita da regulamentação da efetiva participação e mesmo sujeição a organismos supranacionais que sim exige emenda constitucional e carece de específica e substancial legitimação democrática 840 3 TEORIA GERAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS Ingo Wolfgang Sarlet 31 Considerações gerais 841 Uma teoria geral dos direitos fundamentais na concepção aqui adotada busca ser em primeira linha uma teoria geral constitucionalmente adequada portanto atenta às peculiaridades do direito constitucional positivo brasileiro ainda que inspirada em categorias dogmáticas produzidas em outros ambientes constitucionais mas que pela sua forte recepção ainda que sempre filtrada na esfera do direito constitucional comparado e pela sua capacidade de adaptação e articulação dialogam com a ordem jurídicoconstitucional brasileira Por outro lado a teoria geral aqui esboçada busca apresentar e sintetizar os aspectos centrais de uma dogmática constitucional unificada dos direitos fundamentais de um modo geral servindo para a devida compreensão e manejo dos diversos direitos fundamentais em espécie positivados na Constituição Federal evitando inclusive repetições desnecessárias visto que na parte especial dos direitos fundamentais salvo para enfatizar alguns aspectos será feita remissão às questões versadas na parte geral e que de regra se aplicam a todos os direitos fundamentais Iniciaremos nossa trajetória com uma breve apresentação e discussão dos aspectos conceituais e terminológicos 311 Aspectos terminológicos direitos humanos eou direitos fundamentais Uma breve mirada sobre a evolução constitucional brasileira 842 mostra que a Constituição Federal foi a primeira a utilizar a expressão Direitos e Garantias Fundamentais como abrangendo as diversas espécies de direitos que de acordo com a terminologia e classificação consagrada no direito constitucional positivo brasileiro vigente são os assim chamados direitos e deveres individuais e coletivos os direitos sociais incluindo os direitos dos trabalhadores os direitos de nacionalidade e os direitos políticos os quais abarcam o estatuto constitucional dos partidos políticos e a liberdade de associação partidária Com isso considerando os direitos e garantias fundamentais como gênero e as demais categorias referidas como espécies o direito constitucional brasileiro acabou aderindo ao que se pode reconhecer como a tendência dominante no âmbito do direito comparado especialmente a partir da Lei Fundamental da Alemanha de 1949 843 Por outro lado embora a terminologia adotada em sintonia com o texto constitucional também é verdade que seguem sendo utilizadas outras expressões tais como direitos humanos direitos do homem direitos subjetivos públicos liberdades públicas direitos individuais liberdades fundamentais e direitos humanos fundamentais apenas para referir algumas das mais importantes mas que correspondem salvo no caso da expressão direitos humanos a categorias em geral mais limitadas do que o complexo mais amplo representado pelos direitos fundamentais 844 Não é portanto por acaso que a doutrina tem alertado para a heterogeneidade ambiguidade e ausência de um consenso na esfera conceitual e terminológica inclusive no que diz com o significado e conteúdo de cada termo utilizado 845 o que apenas reforça a necessidade de se adotar uma terminologia e de um correspondente conceito única e além disso constitucionalmente adequada no caso a de direitos e garantias fundamentais Por outro lado ao passo que no âmbito da filosofia política e das ciências sociais de um modo geral bem como no plano do direito internacional a expressão mais utilizada siga sendo direitos humanos no domínio do direito constitucional e portanto para a finalidade do presente Curso a opção terminológica pelos direitos fundamentais acaba sendo a mais afinada com o significado e conteúdo de tais direitos na Constituição para além do fato já referido de que se cuida da terminologia adotada pelo próprio constituinte brasileiro Assim pela especial relevância da questão e por se tratar seguramente das duas expressões mais utilizadas e aceitas é preciso dedicar alguma atenção ao problema da possível a depender do critério distinção entre os assim chamados direitos humanos e os direitos fundamentais distinção que desde logo é aqui assumida como correta Muito embora existam os que sustentam a equivalência entre as duas noções considerando até mesmo irrelevante a discussão em torno da eventual diferença ou identidade entre direitos humanos e direitos fundamentais 846 o fato é que as diferenças especialmente quando se tiverem bem presentes os critérios para tanto são evidentes e têm sido reconhecidas por ampla doutrina e mesmo em caráter jurisprudencial ainda que não se possa falar aqui em uma posição uníssona no direito brasileiro Se não há dúvida que os direitos fundamentais de certa forma são também sempre direitos humanos no sentido de que seu titular sempre será o ser humano ainda que representado por entes coletivos grupos povos nações Estado também é certo que não é esse o motivo pelo qual a distinção se faz necessária ainda mais no contexto do direito constitucional positivo De acordo com o critério aqui adotado o termo direitos fundamentais se aplica àqueles direitos em geral atribuídos à pessoa humana reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de determinado Estado 847 ao passo que a expressão direitos humanos guarda relação com os documentos de direito internacional por referirse àquelas posições jurídicas que se reconhecem ao ser humano como tal independentemente de sua vinculação com determinada ordem constitucional e que portanto aspiram à validade universal para todos os povos e em todos os lugares de tal sorte que revelam um caráter supranacional internacional e universal 848 Neste contexto vale lembrar a lição de Antonio E Pérez Luño para quem o termo direitos humanos acabou tendo contornos mais amplos e imprecisos que a noção de direitos fundamentais de tal sorte que estes possuem sentido mais preciso e restrito na medida em que constituem o conjunto de direitos e liberdades institucionalmente reconhecidos e garantidos pelo direito positivo de determinado Estado tratandose portanto de direitos delimitados espacial e temporalmente cuja denominação se deve ao seu caráter básico e fundamentador do sistema jurídico do Estado de Direito 849 Assim ao menos sob certo aspecto parece correto afirmar na esteira de Pedro Cruz Villalon que os direitos fundamentais nascem e acabam com as constituições 850 resultando de tal sorte da confluência entre a noção cultivada especialmente no âmbito da tradição filosófica jusnaturalista de direitos naturais do homem e da própria ideia de constituição 851 Por outro lado a noção ainda advogada por setores da literatura de que a expressão direitos humanos pode ser equiparada a direitos naturais 852 não nos parece correta uma vez que a própria positivação em normas de direito internacional de acordo com a lição de Norberto Bobbio já revelou de forma incontestável a dimensão histórica e relativa dos direitos humanos que assim se desprenderam ao menos em parte da ideia de um direito natural 853 É preciso enfatizar todavia que com isso não se está a desconsiderar que na sua vertente histórica os direitos humanos reconhecidos na esfera internacional e os direitos fundamentais positivados no plano constitucional radicam no reconhecimento pelo direito positivo de uma série de direitos antes concebidos como direitos naturais da pessoa humana direitos estes que assumem uma dimensão préestatal e para alguns até mesmo supraestatal 854 Em face dessas constatações verificase que as expressões direitos fundamentais e direitos humanos em que pese sua habitual utilização como sinônimas se reportam por várias razões a significados em parte distintos No mínimo para os que preferem a expressão direitos humanos há que referir sob pena de se correr o risco de gerar uma série de equívocos se eles estão sendo analisados pelo prisma do direito internacional ou na sua dimensão constitucional positiva Reconhecer a diferença contudo não significa desconsiderar a íntima relação entre os direitos humanos e os direitos fundamentais uma vez que a maior parte das constituições do segundo pósguerra se inspirou tanto na Declaração Universal de 1948 quanto nos diversos documentos internacionais e regionais que a sucederam de tal sorte que no que diz com o conteúdo das declarações internacionais e dos textos constitucionais está ocorrendo um processo de aproximação e harmonização rumo ao que já está sendo denominado não exclusivamente embora principalmente no campo dos direitos humanos e fundamentais um direito constitucional internacional 855 Fechando o tópico importa deixar aqui devidamente consignado o sentido que atribuímos às expressões direitos humanos ou direitos humanos fundamentais compreendidos como direitos da pessoa humana reconhecidos pela ordem jurídica internacional e com pretensão de validade universal e direitos fundamentais concebidos como aqueles direitos dentre os quais se destacam os direitos humanos reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional Da mesma forma registrase que não se cuida de noções reciprocamente excludentes ou incompatíveis mas sim de dimensões cada vez mais relacionadas entre si o que não afasta a circunstância de se cuidar de expressões reportadas a esferas distintas de positivação cujas consequências práticas não podem ser desconsideradas 32 Os direitos fundamentais em perspectiva históricoevolutiva e as assim designadas dimensões ou gerações de direitos fundamentais 321 Considerações preliminares A perspectiva histórica evidentemente não apenas no que diz com a trajetória evolutiva dos direitos fundamentais assume relevo não apenas como mecanismo hermenêutico mas principalmente pela circunstância de que a história dos direitos fundamentais é também uma história que desemboca no surgimento do moderno Estado Constitucional cuja essência e razão de ser residem justamente no reconhecimento e na proteção da dignidade da pessoa humana e dos direitos fundamentais do homem 856 Neste contexto há que dar razão aos que ponderam que a história dos direitos fundamentais de certa forma e em parte poderíamos acrescentar é também a história da limitação do poder ainda mais se considerarmos o vínculo dos direitos fundamentais com a história do constitucionalismo e do que passou a ser designado de Estado Constitucional 857 Num primeiro momento é possível destacar no âmbito de uma fase préconstitucional no sentido de anterior ao surgimento das constituições modernas algumas concepções doutrinárias e formas jurídicas que antecederam e influenciaram o reconhecimento em nível do direito constitucional positivo dos direitos fundamentais no final do século XVIII até a sua consagração ao longo do século XX Buscando sintetizar tal trajetória quanto aos seus principais momentos Klaus Stern identifica três etapas a uma préhistória que se estende até o século XVI b uma fase intermediária que corresponde ao período de elaboração da doutrina jusnaturalista e da afirmação dos direitos naturais do homem c a fase da constitucionalização iniciada em 1776 com as sucessivas declarações de direitos dos novos Estados americanos 858 Além disso importa considerar que consoante lição de Antonio E Perez Luño a positivação dos direitos fundamentais é o produto de uma dialética constante entre o progressivo desenvolvimento das técnicas de seu reconhecimento na esfera do direito positivo e a paulatina afirmação no terreno ideológico das ideias da liberdade e da dignidade humana 859 Para facilitar a compreensão dividimos a exposição em duas etapas a primeira voltada à evolução da ideia de direitos da pessoa humana no âmbito do pensamento filosófico e político ao passo que a segunda contempla a trajetória jurídico positiva 322 A préhistória dos direitos fundamentais dos primórdios à noção de direitos naturais inatos e inalienáveis do homem Embora os direitos fundamentais não tenham surgido no mundo antigo é correto afirmar que a antiguidade foi o berço de algumas ideias essenciais para o reconhecimento dos direitos humanos aqui compreendidos como direitos inerentes à condição humana e posteriormente dos direitos fundamentais De modo especial os valores da dignidade da pessoa humana da liberdade e da igualdade dos homens encontram suas raízes na filosofia clássica especialmente no pensamento grecoromano e na tradição judaico cristã Salientese aqui a circunstância de que a democracia ateniense constituía um modelo político fundado na figura do homem livre e dotado de individua lidade 860 Do Antigo Testamento herdamos a ideia de que o ser humano representa o ponto culminante da criação divina tendo sido feito à imagem e semelhança de Deus Da doutrina estoica grecoromana e do cristianismo advieram por sua vez as teses da unidade da humanidade e da igualdade de todos os homens em dignidade para os cristãos perante Deus 861 Na Idade Média houve quem propagasse a ideia da existência de postulados de cunho suprapositivo que por orientarem e limitarem o poder atuariam como critérios de legitimação do seu exercício 862 De particular relevância foi o pensamento de Santo Tomás de Aquino que além da já referida concepção cristã da igualdade dos homens perante Deus professava a existência de duas ordens distintas formadas respectivamente pelo direito natural como expressão da natureza racional do homem e pelo direito positivo sustentando que a desobediência ao direito natural por parte dos governantes poderia em casos extremos justificar até mesmo o exercício do direito de resistência da população 863 A partir do século XVI a doutrina do direito natural começa a avançar na seara do pensamento filosófico europeu com destaque no que diz com as primeiras formulações a respeito de direitos da pessoa humana para os teólogos espanhóis Vitoria y las Casas Vázquez de Menchaca Francisco Suárez e Gabriel Vázquez que pugnaram pelo reconhecimento de direitos naturais aos indivíduos deduzidos do direito natural e tidos como expressão da liberdade e dignidade da pessoa humana 864 Já no século XVII a ideia de direitos naturais inalienáveis do homem e da submissão da autoridade aos ditames do direito natural encontrou eco e elaborada formulação nas obras do holandês Hugo Grócio 15831645 do alemão Samuel Pufendorf 16321694 bem como dos ingleses John Milton 16081674 e Thomas Hobbes 15881679 Ao passo que Milton reivindicou o reconhecimento dos direitos de autodeterminação do homem de tolerância religiosa da liberdade de manifestação oral e de imprensa bem como a supressão da censura Hobbes atribuiu ao homem a titularidade de determinados direitos naturais que no entanto alcançavam validade apenas no estado da natureza encontrandose no mais à disposição do soberano 865 Ainda neste contexto há que referir o pensamento de Lord Edward Coke 15521634 sustentando a existência de fundamental rights dos cidadãos ingleses principalmente no que diz com a proteção da liberdade pessoal contra a prisão arbitrária e o reconhecimento do direito de propriedade 866 Decisiva inclusive pela influência de sua obra sobre os autores iluministas de modo especial franceses alemães e americanos do século XVIII foi também a contribuição doutrinária de John Locke 16321704 primeiro a reconhecer aos direitos naturais e inalienáveis do homem vida liberdade propriedade e resistência uma eficácia oponível inclusive aos detentores do poder este por sua vez baseado no contrato social ressaltandose todavia a circunstância de que para Locke apenas os cidadãos e proprietários já que identifica ambas as situações poderiam valer se do direito de resistência sendo verdadeiros sujeitos e não meros objetos do governo 867 Foi contudo no século XVIII principalmente com Rousseau 17121778 na França Thomas Paine 17371809 na América e Kant 17241804 na Alemanha Prússia que o processo de elaboração doutrinária do contratualismo e da teoria dos direitos naturais atingiu seu ponto culminante tendo sido Thomas Paine o autor responsável pela difusão da expressão direitos do homem como substitutiva do termo direitos naturais 868 Contudo tal qual sinala Norberto Bobbio o marco conclusivo dessa fase da história dos direitos humanos pode ser encontrado na doutrina do alemão Immanuel Kant 869 Para Kant todos os direitos estão abrangidos pelo direito de liberdade direito natural por excelência que cabe a todo homem em virtude de sua própria humanidade encontrando se limitado apenas pela liberdade coexistente dos demais homens concepção que fez escola na tradição filosófica política e jurídica ocidental 870 É evidente que a teorização a respeito dos direitos da pessoa humana especialmente no que diz com sua fundamentação e seu conteúdo não pode ser reconduzida apenas aos autores referidos aqui apenas muito ligeiramente apresentados Da mesma forma na trajetória do pensamento filosófico subsequente ao longo dos séculos XIX e XX também podem ser identificadas concepções relevantes Tais concepções embora nem todas afinadas com uma perspectiva jusnaturalista em boa parte dialogam com os autores acima referidos como é o caso apenas para ilustrar das elaborações mais recentes de John Rawls Jürgen Habermas Otfried Höffe Ernst Tugenhadt Martha Nussbaum e Amartya Sen dentre tantos outros que poderiam ser mencionados mas que aqui considerando o objetivo da presente abordagem não serão considerados em particular 323 O reconhecimento dos direitos fundamentais na esfera do direito positivo 3231 Antecedentes o período préconstitucional É na Inglaterra da Idade Média mais especificamente no século XIII que encontramos o principal documento referido por todos que se dedicam ao estudo da evolução dos direitos humanos e dos direitos fundamentais Tratase da Magna Charta Libertatum pacto firmado em 1215 pelo Rei João SemTerra e pelos bispos e barões ingleses Este documento embora elaborado para garantir aos nobres ingleses alguns privilégios feudais excluindo em princípio a população em geral do acesso aos direitos consagrados no pacto serviu como ponto de referência para alguns direitos e liberdades civis clássicos tais como o habeas corpus o devido processo legal e a garantia da propriedade 871 Todavia em que pese possa ser considerado o mais importante documento da época a Magna Charta não foi nem o único nem o primeiro destacandose já nos séculos XII e XIII as assim chamadas cartas de franquia e os forais outorgados pelos reis portugueses e espanhóis 872 Desde já há que descartar o caráter de autênticos direitos fundamentais desses direitos e privilégios reconhecidos na época medieval uma vez que outorgados pela autoridade real num contexto social e econômico marcado pela desigualdade cuidando se mais propriamente de direitos de cunho estamental atribuídos a certas castas nas quais se estratificava a sociedade medieval alijando grande parcela da população do seu gozo 873 Ainda assim impende não negligenciar a importância desses pactos de modo especial as liberdades constantes da Magna Charta para o ulterior desenvolvimento e reconhecimento dos direitos fundamentais nas constituições ainda mais quando é justamente neste documento que se identifica pelo menos de acordo com a maioria dos autores a origem desses direitos precisamente no que diz com a garantia da liberdade de locomoção e sua proteção contra a prisão arbitrária tendo em conta o argumento de que a liberdade constitui o pressuposto necessário ao exercício das demais liberdades inclusive da liberdade de culto e religião 874 De suma importância para a evolução que conduziu ao nascimento dos direitos fundamentais foi a Reforma Protestante que levou à reivindicação e ao gradativo reconhecimento da liberdade de opção religiosa e de culto em diversos países da Europa como foi o caso do Édito de Nantes promulgado por Henrique IV da França em 1598 e depois revogado por Luís XIV em 1685 Neste contexto também podem ser enquadrados o conhecido Toleration Act da colônia de Maryland 1649 e seu similar da colônia de Rhode Island de 1663 875 ambas colônias inglesas na América do Norte Como próxima etapa aproximandose cada vez mais do modelo que viria a ser inaugurado com as primeiras constituições escritas do século XVIII importa citar as Declarações de Direitos da Inglaterra século XVII nomeadamente a assim chamada Petição de Direitos Petition of Rights de 1628 firmada por Carlos I e o Ato de Habeas Corpus Habeas Corpus Act de 1679 subscrito por Carlos II bem como a Declaração de Direitos Bill of Rights de 1689 promulgada pelo Parlamento e que entrou em vigor já no reinado de Guilherme dOrange como resultado da assim denominada Revolução Gloriosa de 1688 876 Nesses documentos os direitos e liberdades reconhecidos aos cidadãos ingleses tais como o princípio da legalidade penal a proibição de prisões arbitrárias e o habeas corpus o direito de petição e alguma liberdade de expressão surgem conforme referiu Vieira de Andrade como enunciações gerais de direito costumeiro 877 resultando da progressiva limitação do poder monárquico e da afirmação do Parlamento perante a Coroa inglesa 878 Importa consignar aqui que as declarações inglesas do século XVII significaram a evolução das liberdades e privilégios estamentais medievais e corporativos para liberdades genéricas no plano do direito público implicando expressiva ampliação tanto no que diz com o conteúdo das liberdades reconhecidas quanto no que toca à extensão da sua titularidade à totalidade dos cidadãos ingleses 879 Embora tais documentos no caso da Inglaterra tenham passado a integrar a tradição constitucional inglesa os direitos neles reconhecidos não podem ser equiparados ainda mais no que diz com o estado de coisas dos séculos XVII e XVIII aos direitos fundamentais atualmente consagrados nas constituições A despeito do dissídio doutrinário sobre a paternidade dos direitos fundamentais disputada entre a Declaração de Direitos do Povo da Virgínia de 1776 e a Declaração Francesa de 1789 foram os direitos consagrados nas primeiras emendas incorporadas à Constituição norteamericana a partir de 1791 que vieram a marcar a transição dos direitos de liberdade legais ingleses para os direitos fundamentais constitucionais 880 Com efeito a nota distintiva da supremacia normativa no sentido da vinculação do próprio Estado às cláusulas constitucionais acompanhada logo a seguir da garantia do controle judicial da constitucionalidade das leis e atos do poder estatal por meio da Suprema Corte 881 acabou resultando muito embora tal processo tenha sido lento e diferenciado de país para país na consagração da noção de direitos fundamentais como direitos de hierarquia constitucional oponíveis pelo cidadão ao Estado 882 Além do legado norteamericano e em certo sentido especialmente pela sua ampla difusão e influência há que destacar a relevância da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 fruto da revolução que provocou a derrocada do Antigo Regime e a instauração da ordem liberalburguesa na França Apesar das importantes convergências especialmente no que diz com a inspiração iluminista e a doutrina do direito natural é preciso contudo apontar para algumas diferenças relevantes entre a Declaração de 1789 e os direitos e liberdades consagrados pelo constitucionalismo americano Assim sustentase que o maior conteúdo democrático e social das declarações francesas é o que caracteriza a via francesa do processo revolucionário e constitucional 883 Atentese neste contexto ao fato de que a preocupação com o social e com o princípio da igualdade transparece não apenas na Declaração de 1789 mas também na Constituição de 1791 bem como e principalmente na Constituição Jacobina de 1793 inspirada na obra de Rousseau na qual chegaram a ser reconhecidos os direitos ao trabalho à instrução e à assistência aos desamparados 884 Quanto ao significado e importância do legado norteamericano e francês do final do século XVIII no contexto do momento inaugural da trajetória do Estado Constitucional oportuna a lição de Martin Kriele que de forma sintética e marcante traduz a relevância de ambas as Declarações para a consagração dos direitos fundamentais afirmando que enquanto os americanos tinham apenas direitos fundamentais a França legou ao mundo os direitos humanos 885 324 As assim chamadas dimensões gerações dos direitos fundamentais a trajetória evolutiva dos direitos fundamentais do Estado Liberal ao Estado Constitucional Socioambiental Desde o seu reconhecimento nas primeiras constituições os direitos fundamentais passaram por diversas transformações tanto no que diz com o seu conteúdo quanto no que concerne à sua titularidade eficácia e efetivação razão pela qual se fala como é o caso de Antonio E Pérez Luño até mesmo num processo de autêntica mutação histórica vivenciado pelos direitos fundamentais 886 Por outro lado com o objetivo de ilustrar tal processo passou a ser difundida por meio da voz de Karel Vasak a partir de conferência proferida em 1979 no Instituto Internacional de Direitos Humanos em Estrasburgo a ideia de que a evolução dos direitos humanos e fundamentais poderia ser compreendida mediante a identificação de três gerações de direitos 887 havendo quem defenda a existência de uma quarta e até mesmo de uma quinta e sexta geração de direitos humanos e fundamentais 888 Num primeiro momento é de se ressaltar as fundadas críticas que vêm sendo dirigidas contra o próprio termo gerações já que o reconhecimento progressivo de novos direitos fundamentais tem o caráter de um processo cumulativo de complementaridade 889 e não de alternância de tal sorte que o uso da expressão gerações pode ensejar a falsa impressão da substituição gradativa de uma geração por outra razão pela qual há quem prefira o termo dimensões dos direitos fundamentais posição esta que aqui optamos por perfilhar na esteira da mais moderna doutrina 890 Deixando de lado a questão terminológica verificase crescente convergência de opiniões no que concerne ao conteúdo pelo menos das três primeiras dimensões dos direitos fundamentais desde que tais direitos passaram a integrar a trajetória das constituições a começar pelas primeiras constituições de matriz liberalburguesa a partir do final do século XVIII Por outro lado tanto as constituições quanto os direitos nelas consagrados se encontram em constante processo de transformação culminando com a recepção nos catálogos constitucionais e na seara do direito internacional de múltiplas e diferenciadas posições jurídicas cujo conteúdo é tão variável quanto as transformações ocorridas na realidade social política cultural e econômica ao longo dos tempos 891 Assim sendo a teoria dimensional dos direitos fundamentais não aponta tão somente para o caráter cumulativo do processo evolutivo e para a natureza complementar de todos os direitos fundamentais mas afirma para além disso sua unidade e indivisibilidade no contexto do direito constitucional interno e de modo especial na esfera do moderno direito internacional dos direitos humanos 892 Além disso assim como não se pode falar em modelos uniformes de Estado e constituição visto que se trata de categorias de conteúdo muito variável e que não experimentaram um processo evolutivo linear por exemplo muitos Estados em pleno século XXI ainda não vivenciaram o Estado Social embora o possam e mesmo assim várias vezes nem isso ter consagrado formalmente nos textos constitucionais também a evolução do reconhecimento jurídicopositivo dos direitos humanos e fundamentais não se revela uniforme Com efeito segue havendo constituições que não contemplam uma série de direitos fundamentais notadamente os assim chamados direitos sociais da segunda dimensão ao passo que outros diplomas constitucionais já asseguram direitos até mesmo à vida não humana Já no plano internacional percebese que partindo da Declaração da ONU de 1948 que já recolhia toda a experiência acumulada até então contendo inclusive direitos sociais o reconhecimento de direitos civis e políticos habitualmente enquadrados na primeira dimensão ocorreu na mesma época aliás no mesmo ano 1966 que o reconhecimento dos direitos sociais econômicos e culturais presentes até mesmo direitos correntemente atribuídos a uma terceira dimensão tudo a demonstrar a ausência de linearidade neste campo Por outro lado em face de sua utilidade desde que consideradas as ressalvas já efetuadas e cientes das justificadas críticas endereçadas às classificações desta natureza para uma adequada visualização do conteúdo e das funções dos direitos fundamentais na atualidade passaremos a tecer algumas considerações sobre as principais características de cada uma das dimensões dos direitos fundamentais encerrando com algumas considerações sumárias de natureza crítica a respeito desta matéria cientes de que se trata apenas de um modo de apresentação da trajetória evolutiva que não afasta a integração e interdependência entre todos os direitos humanos e fundamentais 3241 Os direitos fundamentais no âmbito do Estado Liberal a assim chamada primeira dimensão Os direitos fundamentais ao menos no âmbito de seu reconhecimento nas primeiras constituições escritas são o produto peculiar ressalvado certo conteúdo social característico do constitucionalismo francês do pensamento liberalburguês do século XVIII caracterizados por um cunho fortemente individualista concebidos como direitos do indivíduo perante o Estado mais especificamente como direitos de defesa demarcando uma zona de não intervenção do Estado e uma esfera de autonomia individual em face de seu poder 893 São por este motivo apresentados como direitos de cunho negativo uma vez que dirigidos a uma abstenção e não a uma conduta positiva por parte dos poderes públicos sendo neste sentido direitos de resistência ou de oposição perante o Estado 894 Nesse contexto assumem particular relevo os direitos à vida à liberdade à propriedade e à igualdade perante a lei posteriormente complementados por um leque de liberdades incluindo as assim denominadas liberdades de expressão coletiva liberdades de expressão imprensa manifestação reunião associação etc e pelos direitos de participação política tais como o direito de voto e a capacidade eleitoral passiva revelando de tal sorte a íntima correlação entre os direitos fundamentais e a democracia 895 Algumas garantias processuais devido processo legal habeas corpus direito de petição também se enquadram nesta categoria que em termos gerais como bem aponta Paulo Bonavides correspondem aos assim chamados direitos civis e políticos que em sua maioria correspondem à fase inicial do constitucionalismo ocidental 896 mas que seguem integrando os catálogos das constituições no limiar do terceiro milênio na condição de conquistas incorporadas ao programa do moderno Estado Democrático de Direito ainda que mesmo tais direitos e garantias sigam enfrentando maior ou menor déficit de efetivação 3242 O advento do Estado Social e os direitos econômicos sociais e culturais a assim chamada segunda dimensão O impacto da industrialização e os graves problemas sociais e econômicos que a acompanharam as doutrinas socialistas e a constatação de que a consagração formal de liberdade e igualdade não gerava a garantia do seu efetivo gozo acabaram já no decorrer do século XIX gerando amplos movimentos reivindicatórios e o reconhecimento progressivo de direitos atribuindo ao Estado comportamento ativo na realização da justiça social A nota distintiva destes direitos é a sua dimensão positiva uma vez que se cuida não mais de evitar a intervenção do Estado na esfera da liberdade individual mas sim na lapidar formulação de Celso Lafer de propiciar um direito de participar do bemestar social 897 Tais direitos fundamentais que embrionária e isoladamente já haviam sido contemplados nas Constituições francesas de 1793 e 1848 na Constituição brasileira de 1824 e na Constituição alemã de 1849 que não chegou a entrar efetivamente em vigor 898 caracterizamse ainda hoje por assegurarem ao indivíduo direitos a prestações sociais por parte do Estado tais como prestações de assistência social saúde educação trabalho etc revelando uma transição das liberdades formais abstratas para as liberdades materiais concretas utilizandose a formulação preferida na doutrina francesa É contudo no século XX de modo especial nas constituições do segundo pósguerra que estes novos direitos fundamentais acabaram sendo consagrados em um número significativo de constituições além de constituírem o objeto de diversos pactos internacionais Como oportunamente observa Paulo Bonavides esses direitos fundamentais é possível exprimir nasceram abraçados ao princípio da igualdade 899 compreendido em sentido material e não meramente formal É evidente que ao longo da afirmação do assim chamado Estado Social nas suas mais diversas manifestações o reconhecimento de direitos a prestações sociais ocorreu de modo heterogêneo da mesma forma como é preciso destacar que nem todos os Estados constitucionais que podem ser enquadrados na moldura de um Estado Social reconheceram pelo menos no plano constitucional e como direitos subjetivos a prestações embasados na constituição tais direitos embora os tenham em vários casos previsto no plano da legislação infraconstitucional como foi o caso dentre outros da Alemanha especialmente quando da promulgação da sua atual Lei Fundamental em 1949 Ainda na esfera dos direitos da assim chamada segunda dimensão há que atentar para a circunstância de que tal dimensão não engloba apenas direitos de cunho positivo mas também as assim denominadas liberdades sociais como bem mostram os exemplos da liberdade de sindicalização do direito de greve bem como o reconhecimento de direitos fundamentais aos trabalhadores tais como o direito a férias e ao repouso semanal remunerado a garantia de um salário mínimo a limitação da jornada de trabalho apenas para citar alguns dos mais representativos A segunda dimensão dos direitos fundamentais abrange portanto mais do que os direitos a prestações nada obstante o cunho positivo possa ser considerado como o marco distintivo desta nova fase na evolução dos direitos fundamentais 325 A titularidade transindividual e os assim chamados direitos da terceira dimensão Os direitos fundamentais da terceira dimensão também denominados direitos de fraternidade ou de solidariedade trazem como nota distintiva o fato de se desprenderem em princípio da figura do homemindivíduo como seu titular destinandose à proteção de grupos humanos povo nação caracterizandose consequentemente como direitos de titularidade transindividual coletiva ou difusa 900 Para outros os direitos da terceira dimensão têm por destinatário precípuo o gênero humano mesmo num momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de existencialidade concreta 901 Dentre os direitos fundamentais da terceira dimensão mais citados cumpre referir os direitos à paz à autodeterminação dos povos ao desenvolvimento ao meio ambiente e qualidade de vida bem como o direito à conservação e utilização do patrimônio histórico e cultural e o direito de comunicação 902 Cuidase na verdade do resultado de novas reivindicações fundamentais do ser humano geradas dentre outros fatores pelo impacto tecnológico pelo estado crônico de beligerância bem como pelo processo de descolonização do segundo pósguerra e suas contundentes consequências acarretando profundos reflexos na esfera dos direitos fundamentais A nota distintiva destes direitos da terceira dimensão reside basicamente na sua titularidade transindividual ou metaindividual muitas vezes indefinida e indeterminável o que se revela a título de exemplo especialmente no direito ao meio ambiente e qualidade de vida o qual em que pese ficar preservada sua dimensão individual reclama novas técnicas de garantia e proteção A atribuição da titularidade de direitos fundamentais ao próprio Estado e à Nação direitos à autodeterminação paz e desenvolvimento tem suscitado sérias dúvidas no que concerne à própria qualificação de grande parte destas reivindicações como autênticos direitos fundamentais 903 Compreendese portanto porque os direitos da terceira dimensão são denominados usualmente como direitos de solidariedade ou fraternidade de modo especial em face de sua implicação transindividual ou mesmo universal transnacional e por exigirem esforços e responsabilidades em escala até mesmo mundial para sua efetivação Em caráter alternativo há quem inclua na terceira dimensão dos direitos humanos e fundamentais posições jurídicas vinculadas ao uso das assim chamadas novas tecnologias especialmente a partir do final do século XX como é o caso em especial dos direitos reprodutivos acesso às novas tecnologias reprodutivas e de planejamento familiar da proteção da identidade genética do ser humano do acesso à informática e da proteção dos dados pessoais no âmbito da sociedade tecnológica 904 Uma crítica que se poderia formular em relação a tal perspectiva de abordagem reside no fato de inserir na terceira dimensão direitos que dizem respeito na sua essência a bens jurídicos e valores já reconhecidos e tutelados na esfera das três dimensões referidas posto que não se trata de direitos propriamente novos na medida em que relacionados à tutela e promoção da dignidade da pessoa humana da liberdade proteção da privacidade e intimidade entre outros aspectos que aqui poderiam ser mencionados 326 Existem direitos fundamentais de quarta quinta e sexta dimensão A controvérsia que se estabelece em torno do reconhecimento de novas dimensões de direitos humanos e fundamentais para além das três dimensões já tematizadas merece um enfrentamento particularizado considerando especialmente as perplexidades e dúvidas que suscita Sem que se vá ainda avaliar de modo crítico reflexivo tal fenômeno é de se referir a existência limitandonos aqui a contribuições de autores brasileiros de teorizações que sugerem a existência não só de uma quarta 905 mas também de uma quinta 906 e até mesmo de uma sexta dimensão em matéria de direitos fundamentais 907 Assim impõese examinar num primeiro momento o questionamento da efetiva possibilidade de se sustentar a existência de uma nova dimensão dos direitos fundamentais ao menos nos dias atuais de modo especial diante das incertezas que o futuro nos reserva 908 Além do mais não nos parece impertinente a ideia de que na sua essência todas as demandas na esfera dos direitos fundamentais gravitam direta ou indiretamente em torno dos tradicionais e perenes valores da vida liberdade igualdade e fraternidade solidariedade tendo na sua base o princípio maior da dignidade da pessoa Contudo há que referir a posição de Paulo Bonavides que com a sua peculiar originalidade se posiciona favoravelmente ao reconhecimento da existência de uma quarta dimensão sustentando que esta é o resultado da globalização dos direitos fundamentais no sentido de uma universalização no plano institucional que corresponde à derradeira fase de institucionalização do Estado Social Para o ilustre constitucionalista cearense esta quarta dimensão é composta pelos direitos à democracia no caso a democracia direta 909 e à informação assim como pelo direito ao pluralismo 910 A proposta de Paulo Bonavides comparada com as posições que arrolam os direitos contra a manipulação genética informática mudança de sexo etc como integrando a quarta geração oferece a nítida vantagem de constituir de fato uma nova fase no reconhecimento dos direitos fundamentais qualitativamente diversa das anteriores já que não se cuida apenas de vestir com roupagem nova reivindicações deduzidas em sua maior parte dos clássicos e sempre atuais desde que devidamente contextualizados e reconstruídos direitos de liberdade Contudo também a dimensão da globalização dos direitos fundamentais como formulada por Paulo Bonavides longe está de obter o devido reconhecimento no direito positivo interno ressalvandose algumas iniciativas ainda isoladas de participação popular direta no processo decisório como ocorre com os Conselhos Tutelares no âmbito da proteção da infância e da juventude e especialmente com as experiências no plano do orçamento participativo apenas para citar alguns exemplos e internacional não passando por ora de justa e saudável esperança com relação a um futuro melhor para a humanidade revelando de tal sorte sua dimensão ainda eminentemente profética embora não necessariamente utópica o que aliás se depreende das palavras do próprio autor citado para quem os direitos de quarta dimensão compendiam o futuro da cidadania e o porvir da liberdade de todos os povos Tão somente com eles será legítima e possível a globalização política 911 Considerações similares dizem respeito ao direito à paz que na concepção de Karel Vasak integra a assim designada terceira dimensão dos direitos humanos e fundamentais mas que de acordo com a proposta de Paulo Bonavides movida pelo intento de assegurar ao direito à paz um lugar de destaque superando um tratamento incompleto e teoricamente lacunoso de tal sorte a resgatar a sua indispensável relevância no contexto multidimensional que marca a trajetória e o perfil dos direitos humanos e fundamentais reclama uma reclassificação mediante sua inserção em uma dimensão nova e autônoma 912 Sem que aqui possamos aprofundar a matéria verificase como bem aponta o mesmo Paulo Bonavides uma tendência de o direito à paz consagrado como princípio fundamental no art 4º VI da Constituição Federal de 1988 ainda que de modo isolado e carente de um desenvolvimento por parte da doutrina ser invocado na esfera das relações internacionais mas também em decisões de tribunais nacionais como foi o caso de processo apreciado pela Sala Constitucional da Suprema Corte de Justiça da Costa Rica 913 Notese que para além da qualificação jurídicodogmática da paz como direito fundamental na ordem constitucional aspecto que merece maior desenvolvimento o que importa e quanto a este ponto absolutamente precisa e oportuna a sua revalorização é a percepção de que a paz interna e externa não reduzida à ausência de guerra entre as nações ou de ausência de guerra civil interna é condição para a democracia o desenvolvimento e o progresso social econômico e cultural pressuposto portanto embora não exclusivo para a efetividade dos direitos humanos e fundamentais de um modo geral Mas também quanto ao conteúdo de uma quinta dimensão dos direitos humanos e fundamentais não se verifica consenso Ao passo que para José Alcebíades de Oliveira Júnior e Antonio Wolkmer tal dimensão trata dos direitos vinculados aos desafios da sociedade tecnológica e da informação do ciberespaço da Internet e da realidade virtual em geral 914 para José Adércio Sampaio a quinta dimensão abarca o dever de cuidado amor e respeito para com todas as formas de vida bem como direitos de defesa contra as formas de dominação biofísica geradoras de toda sorte de preconceitos 915 Além disso existe fixandonos na literatura brasileira até mesmo quem defenda a existência de uma sexta dimensão representada pelo direito humano e fundamental de acesso à água potável como deflui da proposta de Zulmar Fachin e Deise Marcelino da Silva 916 baseandose especialmente na gradual consagração de tal direito no cenário do direito internacional dos direitos humanos e do direito constitucional comparado ademais da relevância inequívoca da água potável para a vida a saúde e mesmo o desenvolvimento humano O que se percebe todavia é que tanto a ausência de consenso sobre o conteúdo da quarta quinta e sexta dimensão dos direitos quanto a circunstância de que se trata em todos os casos e mesmo em todas as propostas aqui sumariamente elencadas de direitos que já poderiam ser reconduzidos partindose do pressuposto por si só controverso de que faz algum sentido falarse em dimensões dos direitos humanos e fundamentais na acepção ora apresentada e discutida de algum modo às três primeiras dimensões exigem que no próximo segmento se proceda a uma avaliação crítica da teoria das dimensões e de sua possível correção e aptidão para a compreensão do conteúdo e significado dos direitos humanos e fundamentais 327 As dimensões gerações dos direitos em perspectiva crítica Embora correta a ponderação de Paulo de T Brandão no sentido de que a divisibilidade dos direitos em dimensões ou gerações assim como as demais tipologias elaboradas relativamente aos direitos fundamentais não logram por si sós explicar de modo satisfatório toda a complexidade do processo de formação histórica e social dos direitos 917 tal perspectiva de abordagem além da função didática permitir uma visualização abrangente do processo de reconhecimento dos direitos e a identificação de algumas importantes convergências eou diferenças de conteúdo apresenta a virtude de viabilizar a compreensão de que a trajetória evolutiva no plano do reconhecimento e proteção jurídica dos direitos humanos e fundamentais é de cunho essencialmente dinâmico e dialético visto que marcada por avanços retrocessos e mesmo contradições 918 Além disso tal forma de apresentação da trajetória evolutiva dos direitos humanos e dos direitos fundamentais coloca em saudável evidência a sua dimensão histórica e relativa de modo que tais direitos na sua essência assumem a condição de autênticos produtos culturais 919 Por outro lado percebese a atualidade da obra de Norberto Bobbio ao sustentar justamente com base nas transformações ocorridas na seara dos direitos fundamentais e reveladas plasticamente pela teoria das gerações de direitos a ausência de um fundamento absoluto dos direitos fundamentais 920 Nesta perspectiva não sendo possível aqui adentrar no exame das principais teorias sobre a justificação e fundamentação dos direitos importa destacar que os direitos fundamentais como categoria histórica e materialmente aberta são acima de tudo fruto de reivindicações concretas geradas por situações de injustiça eou de agressão a bens fundamentais e elementares do ser humano 921 Outra crítica desta feita formulada por Álvaro Ricardo de Souza Cruz parte do argumento de que a noção da existência de gerações de direitos tal qual concebida originalmente por Karel Vasak não passa de uma forma acadêmica de facilitar a reconstrução histórica da luta pela concretização dos direitos fundamentais 922 Também neste caso embora a crítica e outras similares deva ser levada a sério naquilo em que desnuda certo deslumbramento com a classificação dimensional ou geracional dos direitos humanos e dos direitos fundamentais também é correto afirmar que com isso não se deslegitima a sua função desde que bem compreendida didáticopedagógica tal como aliás utilizada na presente obra 33 O conceito de direitos fundamentais no sistema constitucional brasileiro 331 A dupla fundamentalidade em sentido formal e material Afinados com a opção terminológica já feita numa primeira aproximação conceitual direitos fundamentais são posições jurídicas reconhecidas e protegidas na perspectiva do direito constitucional interno dos Estados Nesse sentido José Joaquim Gomes Canotilho aponta para a especial dignidade e protecção dos direitos num sentido formal e num sentido material 923 É neste sentido que se afirma que a nota distintiva da fundamentalidade em outras palavras aquilo que qualifica um direito como fundamental é precisamente a circunstância de que esta fundamentalidade é simultaneamente formal e material A fundamentalidade formal encontrase ligada ao direito constitucional positivo no sentido de um regime jurídico definido a partir da própria constituição seja de forma expressa seja de forma implícita e composto em especial pelos seguintes elementos a como parte integrante da constituição escrita os direitos fundamentais situamse no ápice de todo o ordenamento jurídico gozando da supremacia hierárquica das normas constitucionais 924 b na qualidade de normas constitucionais encontramse submetidos aos limites formais procedimento agravado e materiais cláusulas pétreas da reforma constitucional art 60 da CF 925 muito embora se possa controverter a respeito dos limites da proteção outorgada pelo constituinte aspecto desenvolvido no capítulo sobre o poder de reforma constitucional c além disso as normas de direitos fundamentais são diretamente aplicáveis e vinculam de forma imediata as entidades públicas e mediante as necessárias ressalvas e ajustes também os atores privados art 5º 1º da CF o que igualmente será aprofundado mais adiante No seu conjunto como se percebe tais elementos apontam para um regime jurídico qualificado no sentido de reforçado e diferenciado em relação ao que se verifica no caso de outras normas da constituição que por exemplo não são pelo menos não todas e não da mesma forma diretamente aplicáveis e não são de regra protegidas na condição de limites materiais ao poder de reforma constitucional Da mesma forma importa frisar que o regime jurídico dos direitos fundamentais abrange outros aspectos igualmente decorrentes do sistema de direito constitucional positivo portanto integrantes da noção de fundamentalidade em sentido formal compreendida num sentido mais alargado como por exemplo no que diz com os limites às restrições de direitos fundamentais com destaque aqui para as exigências da proporcionalidade a garantia do núcleo essencial temática que todavia aqui não será desenvolvida por constituir objeto de item próprio Da mesma forma a previsão de determinadas ações constitucionais de proteção dos direitos fundamentais tais como o habeas corpus o habeas data e o mandado de injunção para tutela dos direitos ainda que não de todos contribui para uma proteção reforçada dos direitos fundamentais tudo a enfatizar a especial dignidade de tais direitos no âmbito da arquitetura constitucional A fundamentalidade material ou em sentido material por sua vez implica análise do conteúdo dos direitos isto é da circunstância de conterem ou não decisões fundamentais sobre a estrutura do Estado e da sociedade de modo especial porém no que diz com a posição nestes ocupada pela pessoa humana É portanto evidente que uma conceituação meramente formal no sentido de serem direitos fundamentais aqueles que como tais foram reconhecidos na constituição revela sua insuficiência também para o caso brasileiro uma vez que a Constituição Federal como já referido e previsto no art 5º 2º admite expressamente a existência de outros direitos fundamentais que não os integrantes do catálogo Título II da CF com ou sem assento na Constituição além da circunstância de que tal conceituação estritamente formal nada revela sobre o conteúdo isto é a matéria propriamente dita dos direitos fundamentais 926 Qualquer conceituação de direitos fundamentais que busque abranger de modo completo o conteúdo material dos direitos fundamentais está fadada no mínimo a certo grau de dissociação da realidade de cada ordem constitucional individualmente considerada É preciso ter em mente portanto que um conceito satisfatório somente poderia ser obtido com relação a uma ordem constitucional concreta o que apenas vem a confirmar a correção da afirmação feita por Javier Jiménez Campo ao sustentar que uma conceituação de direitos fundamentais exige tanto uma determinação hermenêutica quanto uma construção dogmática vinculada ao contexto constitucional vigente 927 Com efeito o que é fundamental para determinado Estado pode não ser para outro ou não sêlo da mesma forma muito embora a existência de categorias universais e consensuais no que diz com o reconhecimento de sua fundamentalidade tais como os valores da vida da liberdade da igualdade e da dignidade humana Contudo mesmo aqui é imprescindível uma contextualização já que igualmente nessa seara se cuida de questões suscetíveis de uma valoração distinta e condicionada pela realidade social e cultural concreta Nesta perspectiva é preciso enfatizar que no sentido jurídico constitucional determinado direito é fundamental não apenas pela relevância do bem jurídico tutelado considerado em si mesmo por mais importante que seja mas especialmente pela relevância daquele bem jurídico na perspectiva das opções do constituinte acompanhada da atribuição da hierarquia normativa correspondente e do regime jurídicoconstitucional assegurado pelo constituinte às normas de direitos fundamentais 928 É por esta razão que apenas para citar um exemplo o direito à saúde assim como os demais direitos sociais do art 6º é um direito fundamental na Constituição brasileira de 1988 mas não o é a despeito de ninguém questionar a fundamentalidade da saúde para a vida e dignidade da pessoa na Constituição espanhola de 1978 pois naquela ordem constitucional não lhe é assegurado o regime jurídico equivalente ao dos direitos fundamentais típicos Pela mesma razão apenas para ilustrar com mais um exemplo há constituições como novamente é o caso da brasileira que asseguram a determinados direitos dos trabalhadores a condição de direitos fundamentais embora se saiba que assim não ocorre em outras constituições Assim sendo para que se possa fechar este item com um conceito de direitos fundamentais compatível com as peculiaridades da ordem constitucional brasileira é possível definir direitos fundamentais como todas as posições jurídicas concernentes às pessoas naturais ou jurídicas consideradas na perspectiva individual ou transindividual que do ponto de vista do direito constitucional positivo foram expressa ou implicitamente integradas à constituição e retiradas da esfera de disponibilidade dos poderes constituídos bem como todas as posições jurídicas que por seu conteúdo e significado possam lhes ser equiparadas tendo ou não assento na constituição formal 929 Tal conceito inspirado na proposta formulada por Robert Alexy 930 embora submetido a algum ajuste reflete por um lado a dupla fundamentalidade formal e material e por outro contempla a noção de uma abertura material do catálogo de direitos fundamentais no sentido de um elenco inclusivo tal como consagrado no art 5º 2º da CF tópico do qual nos ocuparemos na sequência Muito embora se vá avançar relativamente ao tema logo na sequência em especial quando se tratar dos direitos consagrados no Título II da CF é crucial enfatizar desde logo que todos os Direitos definidos na Constituição de 1988 como sendo direitos fundamentais são direitos fundamentais e gozam em virtude de tal condição em termos substanciais do mesmo regime jurídico constitucional 931 332 A abertura expansividade do catálogo constitucional dos direitos fundamentais significado e alcance da norma contida no art 5º 2º da CF 3321 Noções preliminares A norma contida no art 5º 2º da CF segue ainda que com alguma variação ao longo do tempo quanto ao seu conteúdo e alcance a tradição do nosso direito constitucional desde a Constituição de fevereiro de 1891 932 Inspirada na IX Emenda da Constituição dos EUA a citada norma traduz o entendimento de que para além do conceito formal de constituição e de direitos fundamentais há um conceito material no sentido de existirem direitos que por seu conteúdo por sua substância pertencem ao corpo fundamental da constituição de um Estado mesmo não constando expressamente no catálogo originalmente definido pelo constituinte 933 Numa primeira aproximação portanto o tema guarda relação com uma possível diferenciação entre direitos fundamentais em sentido formal e direitos fundamentais em sentido material distinção que por sua vez encontra reciprocidade na distinção entre direito constitucional em sentido formal e direito constitucional em sentido material Neste contexto importa destacar na esteira da doutrina de Jorge Miranda que o reconhecimento da diferença entre direitos formal e materialmente fundamentais traduz a ideia de que o direito constitucional brasileiro assim como o lusitano aderiu a certa ordem de valores e de princípios que por sua vez não se encontra necessariamente na dependência do constituinte mas que também encontra respaldo na ideia dominante de constituição e no senso jurídico coletivo 934 Assim é preciso ter em conta que a construção de um conceito material de direitos fundamentais assim como da própria constituição somente pode ser exitosa quando se considera a ordem de valores dominante no sentido de consensualmente aceita pela maioria bem como as circunstâncias sociais políticas econômicas e culturais de uma dada ordem constitucional 935 A distinção entre direitos fundamentais em sentido formal e direitos fundamentais em sentido material não tem sido objeto de muitos estudos e grandes divergências doutrinárias pelo menos no âmbito da literatura lusobrasileira De modo geral os direitos fundamentais em sentido formal podem acompanhando Konrad Hesse ser definidos como aquelas posições jurídicas da pessoa na sua dimensão individual ou coletiva que por decisão expressa do legisladorconstituinte foram consagradas no catálogo dos direitos fundamentais 936 Por outro lado direitos fundamentais em sentido material são aqueles que apesar de se encontrarem fora do catálogo por seu conteúdo e por sua importância podem ser equiparados aos direitos formalmente e materialmente fundamentais 937 Assim sendo e em princípio com base no entendimento subjacente ao art 5º 2º da CF podemos desde logo cogitar de duas espécies de direitos fundamentais a direitos formal e materialmente fundamentais portanto sempre ancorados ainda que implicitamente na constituição formal b direitos apenas materialmente fundamentais no sentido de direitos que não estão sediados no texto constitucional Embora esta seja a distinção adotada é preciso referir a respeitável doutrina que advoga a existência de uma terceira categoria a dos direitos apenas formalmente fundamentais que embora previstos no texto constitucional não teriam relação direta com a dignidade da pessoa humana e outros bens e valores fundamentais compartilhados pela sociedade brasileira e pela comunidade internacional 938 Ainda que não se possa aprofundar o tema é de se referir que a doutrina não se encontra completamente pacificada no que diz com a posição assumida pelos direitos materialmente fundamentais de modo especial os que não encontram assento na constituição formal com relação aos direitos do catálogo isto é se podem ou não e em caso afirmativo de que maneira ser equiparados no que tange ao seu regime jurídico Para que a nossa posição fique desde logo consignada com o intuito de afastar qualquer incompreensão partiremos do pressuposto de que a abertura material do sistema dos direitos fundamentais que de resto reclama a identificação de um conceito material de direitos fundamentais exige um regime jurídicoconstitucional privilegiado e em princípio equivalente ao regime dos direitos fundamentais expressamente consagrados como tais pelo constituinte 939 Dito de modo mais resumido é possível partir do pressuposto de que pelo menos em princípio o regime jurídico dos direitos fundamentais estejam ou não sediados no Título II da CF é o mesmo presente portanto a dupla fundamentalidade em sentido formal e material que não se confunde embora a conexão entre as noções com a distinção entre direitos formalmente e materialmente constitucionais Já no que diz com a abrangência da assim chamada abertura material do catálogo verificase que tanto a doutrina majoritária quanto a jurisprudência com destaque aqui para as decisões proferidas pelo STF admitem que a expansividade do catálogo constitucional não se limita ao reconhecimento da existência de direitos e garantias de cunho individual equiparáveis aos direitos contemplados no art 5º da CF e seus respectivos incisos mas abarca também os direitos políticos e mesmo os direitos sociais econômicos culturais e ambientais 940 Tal interpretação encontra respaldo em uma série de argumentos em primeiro lugar há que considerar a expressão literal do art 5º 2º da CF que menciona de forma genérica os direitos e garantias expressos nesta Constituição sem qualquer limitação quanto à sua posição no texto Em segundo lugar mas não em segundo plano inequívoco o compromisso da Constituição Federal com os direitos sociais inseridos no título relativo aos direitos fundamentais apenas regrados em outro capítulo Além disso é evidente que a mera localização topográfica do dispositivo no Capítulo I do Título II não pode prevalecer diante de uma interpretação que leva em conta a finalidade do dispositivo e as peculiaridades do subsistema dos direitos fundamentais considerado no seu conjunto Além disso verificase que a regra do art 7º cujos incisos especificam os direitos fundamentais dos trabalhadores prevê expressamente em seu caput São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais além de outros que visem à melhoria de sua condição social a abertura a outros direitos similares Por derradeiro registrese que na doutrina brasileira tem prevalecido o entendimento de que tanto o rol dos direitos sociais do art 6º quanto o elenco dos direitos sociais dos trabalhadores art 7º são meramente exemplificativos 941 de tal sorte que ambos os preceitos podem ser perfeitamente qualificados como cláusulas especiais de abertura É precisamente nesta perspectiva e aderindo à tradição constitucional republicana brasileira ainda mais em virtude das peculiaridades do texto da atual Constituição Federal ao incluir diversamente das Constituições anteriores os tratados internacionais de direitos humanos que se pode falar a exemplo do que atualmente também sustenta Juarez Freitas que o art 5º 2º da CF encerra uma autêntica norma geral inclusiva 942 Nesta perspectiva tal como sublinha Menelick de Carvalho Netto por força do disposto no citado preceito constitucional a Constituição Federal se apresenta como a moldura de um processo de permanente aquisição de novos direitos fundamentais 943 Aliás o processo dinâmico e aberto de reconhecimento de direitos fundamentais no âmbito do sistema constitucional atua como uma espécie de força motriz para uma sociedade também sempre aberta e plural aspecto que todavia aqui não será desenvolvido 3322 Classificação dos direitos fundamentais com base no critério da abertura material do catálogo constitucional A partir das diretrizes textuais do art 5º 2º da CF bem como mediante diálogo com as noções já traçadas especialmente no que diz com a existência de direitos fundamentais em sentido formal e material e em sentido material bem como no concernente à amplitude do conceito materialmente aberto consagrado pela Constituição Federal é possível classificar os direitos fundamentais em dois grandes grupos a direitos expressamente positivados seja na Constituição seja em outros diplomas jurídiconormativos de natureza constitucional b direitos implicitamente positivados no sentido de direitos fundamentais decorrentes do regime e dos princípios constitucionais ou direitos subentendidos nas normas de direitos fundamentais expressamente positivadas em suma direitos que não encontram respaldo textual direto podendo também ser designados de direitos não escritos 944 Ambos os grupos de direitos por sua vez exigem alguma explicitação quanto ao seu conteúdo e aos seus respectivos problemas teóricopráticos além de abarcarem subgrupos que podem ser bem definidos Iniciemos pelo primeiro grupo qual seja dos direitos expressamente positivados Quanto aos direitos expressamente positivados é preciso distinguir por sua vez três subgrupos a os direitos previstos no Título II da CF que cuida precisamente dos direitos e garantias fundamentais b os direitos sediados em outras partes do texto constitucional dispersos pelo texto constitucional c os direitos expressamente consagrados em tratados internacionais de direitos humanos Um problema à parte guarda relação com a indagação a respeito da existência de direitos fundamentais sediados na legislação infraconstitucional isto é se haveria ainda um quarto grupo de direitos expressamente positivados Quanto a este ponto reiteramos aqui a necessidade de cautela ainda que existam autores que defendam tal possibilidade qual seja a de direitos fundamentais terem assento formal em textos legais 945 Em primeiro lugar o texto do art 5º 2º da CF ao contrário do art 161 da Constituição portuguesa não utiliza a expressão lei Além disso o que parece ser a interpretação mais razoável é que ao legislador infraconstitucional cabe em primeira linha o papel de concretizar e regulamentar eventualmente restringir os direitos fundamentais positivados na Constituição Por outro lado também a tradição sem qualquer exceção do nosso direito constitucional aponta para uma exclusão da legislação infraconstitucional como fonte de direitos materialmente fundamentais até mesmo pelo fato de nunca ter havido qualquer referência à lei nos dispositivos que consagraram a abertura de nosso catálogo de direitos de tal sorte que nos posicionamos em princípio pela inadmissibilidade dessa espécie de direitos fundamentais em nossa ordem constitucional 946 Todavia a despeito deste entendimento não nos parece de todo desarrazoada uma interpretação de cunho extensivo que venha a admitir uma abertura do catálogo dos direitos fundamentais também para posições jurídicas reveladas expressamente antes pela legislação infraconstitucional já que por vezes é ao legislador ordinário que se pode atribuir o pioneirismo de recolher valores fundamentais para determinada sociedade e assegurálos juridicamente antes mesmo de uma constitucionalização 947 Ainda sobre o tópico importa registrar que aquilo que para muitos pode ser considerado um direito fundamental fundado na legislação infraconstitucional em verdade nada mais é cuidando se convém frisar de direitos fundamentais do que a explicitação mediante ato legislativo de direitos implícitos ou mesmo decorrentes do regime e dos princípios desde logo originariamente fundados na Constituição 948 Tal ocorre por exemplo com o direito fundamental constitucional aos alimentos consoante aliás já reconhecido por alguma doutrina 949 em que em última análise está em causa um direito fundamental a prestações de caráter existencial que independentemente de previsão legal ou constitucional que acabou ocorrendo por força da EC 642010 já poderia ser deduzido do direito à vida com dignidade 950 Ao legislador civil coube neste caso a tarefa de reconhecer no plano legal a obrigação definindo parâmetros sujeitos passivos e ativos bem como dispondo sobre questões processuais entre outros aspectos O mesmo se poderá afirmar em relação aos direitos de personalidade consagrados no atual Código Civil visto que já poderiam também ser deduzidos de uma cláusula geral de tutela da personalidade ancorada no direito geral de liberdade e no princípio da dignidade da pessoa humana 951 como de resto ocorre com o direito ao nome já consagrado pelo próprio STF 952 Já no que diz com os assim denominados direitos implícitos no sentido de implicitamente positivados é preciso atentar para a possibilidade de compreender tal rótulo de forma mais abrangente ou restrita como inclusivo dos direitos decorrentes do regime e dos princípios ou distinguindo esta categoria dos direitos implícitos propriamente ditos no caso considerados como direitos subentendidos nas normas de direitos fundamentais expressamente positivadas Notese que a abertura do sistema de direitos fundamentais nas palavras de José de Melo Alexandrino abrange tanto a previsão expressa de uma abertura a direitos não enumerados quanto a dedução de posições jusfundamentais por meio da delimitação do âmbito de proteção dos direitos fundamentais a inclusão dos direitos de matriz internacional bem como a dedução de normas de direitos fundamentais de outras normas constitucionais 953 tudo a demonstrar que as possibilidades da abertura do catálogo constitucional de direitos fundamentais são múltiplas e complexas Neste contexto optamos aqui por uma compreensão ampliada da noção de direitos decorrentes do regime e dos princípios como inclusiva de posições jurídicas que correspondem por subentendidos ao âmbito de proteção de direitos expressamente positivados situação que corresponde aos assim chamados direitos implícitos Ainda neste contexto importa considerar o significado do termo implícito que no sentido etimológico corresponde àquilo que está subentendido o que está envolvido mas não de modo claro 954 Neste sentido verificase que a categoria dos direitos implícitos pode corresponder também além da possibilidade de dedução de um novo direito fundamental com base nos constantes do catálogo a uma extensão mediante o recurso à hermenêutica do âmbito de proteção 955 de determinado direito fundamental expressamente positivado cuidandose nesta hipótese não tanto da criação jurisprudencial de um novo direito fundamental mas sim da redefinição do campo de incidência de determinado direito fundamental já expressamente positivado 956 Seja qual for o critério utilizado o fato é que o art 5º 2º no que diz com a dedução de posições jurídicas fundamentais assume para efeitos de reconhecimento de direitos implícitos caráter essencialmente declaratório pelo menos se considerarmos que implícito é o que já está subentendido tratandose neste sentido como se percebe em várias situações de uma reconstrução interpretativa do âmbito de proteção de um direito fundamental já consagrado por exemplo quando se afirma que a liberdade de contratar está já abrangida pelo direito geral de liberdade ou que a proteção dos dados pessoais informatizados está incluída no âmbito de proteção da privacidade ou intimidade a depender do caso De outra parte e neste ponto não há como desconsiderar a relevância da previsão no texto constitucional de direitos decorrentes do regime e dos princípios também é certo recordar que o dispositivo constitucional citado além de atuar como uma espécie de autorização expressa e permanente lembrete para o reconhecimento de direitos implícitos em sentido amplo na condição de direitos não expressamente positivados legitima e até mesmo vincula positivamente a atuação dos órgãos jurisdicionais nesta seara que nesta perspectiva não poderiam deixar de reconhecer um direito implícito no mínimo quando tal reconhecimento corresponder em face das circunstâncias às exigências do sistema constitucional No campo dos direitos implícitos eou decorrentes do regime e dos princípios vale mencionar alguns exemplos que têm sido citados na doutrina mas que também já encontraram aceitação na esfera jurisprudencial ainda que se esteja longe de alcançar um consenso especialmente mas não exclusivamente importa destacar no concernente ao conteúdo e alcance destes direitos Assim verificase que na doutrina mais recente voltou a ser referido o direito de resistência 957 ou o direito à desobediência civil 958 que embora também possam ser tratados como equivalentes desde que haja concordância em termos conceituais têm sido apresentados com traços distintos pela doutrina nacional Também o direito à identidade genética da pessoa humana 959 o direito à identidade pessoal 960 as garantias do sigilo fiscal e bancário em geral deduzidas por expressiva parcela da doutrina e jurisprudência nacional do direito à privacidade 961 o direito do apenado à progressão de regime e a garantia da sua gradual reinserção na sociedade 962 um direito à boa administração pública 963 bem como mais recentemente as referências a despeito da polêmica que se trava a respeito a um direito à felicidade 964 um direito individual à exe cução humanizada da pena 965 bem como um direito fundamental implícito autônomo à proteção dos dados pessoais 966 a inserção do direito no art 5º CF em inciso próprio foi aprovada pelo Congresso Nacional em 20102021 revelam não apenas o quanto já tem sido feito nesta esfera mas também as possibilidades de desenvolvimento da abertura material do catálogo também no que diz com os direitos não expressamente positivados Feita uma breve apresentação dos dois grandes grupos de direitos fundamentais e sua possível decomposição em subgrupos seguese uma análise um pouco mais detida de cada uma das categorias iniciando pelos direitos expressamente positivados no Título II da CF 3323 Direitos previstos no Título II da CF Quanto aos direitos fundamentais expressamente positivados no Título II da CF colocase pelo menos para setores da doutrina o problema sobre se em todos os casos portanto no que diz com a todas as normas definidoras de direitos e garantias ali previstas se trata de normas de direitos e garantias fundamentais ou pelo contrário se nem todos os direitos do Título II são realmente direitos fundamentais apesar de assim designados pelo constituinte De fato embora a maioria da doutrina e a jurisprudência do STF visivelmente assim também o indica parta do pressuposto também por nós compartilhado de que todos os direitos fundamentais como tais expressamente designados portanto todos os que integram o Título II da CF são direitos fundamentais 967 há quem divirja de tal entendimento sustentando que nem todos os direitos pelo simples fato de terem sido previstos no Título II são direitos fundamentais Em geral a refutação da condição de direitos fundamentais focase nos direitos sociais pelo menos em parte em especial no que diz com os direitos dos trabalhadores 968 Embora não se possa aprofundar o tópico importa registrar que a negação da funda mentalidade pelo menos assim o revela mesmo um rápido exame dos principais defensores da tese em termos gerais prendese ao argumento de que se todos os direitos fossem fundamentais pelo simples fato de previstos no Título II da CF estar seia adotando conceito eminentemente formal de direitos fundamentais 969 Por outro lado argumentase que a nota da fundamentalidade está vinculada ao conteúdo em outras palavras ao grau de relevância do bem jurídico tutelado de tal sorte que direitos fundamentais seriam independentemente de sua previsão textual apenas posições materialmente fundamentais como no caso dos direitos sociais aqui em caráter apenas exemplificativo aqueles direitos diretamente relacionados ao mínimo existencial 970 A sustentação da fundamentalidade de todos os direitos assim designados no texto constitucional portanto pelo menos daqueles direitos previstos no Título II Dos Direitos e Garantias Fundamentais título que inclui os direitos sociais do art 6º e os assim designados direitos dos trabalhadores por sua vez implica reconhecer pelo menos a presunção em favor da fundamentalidade também material desses direitos e garantias 971 ainda que se possam colacionar a depender da orientação ideológica ou concepção filosófica professada boas razões para questionar tal fundamentalidade Mesmo para os direitos do Título II que reiterese já por força do art 5º 2º da CF não excluem outros a posição adotada não está dissociada de critérios de ordem material já que sem dúvida se cuida de posições que independentemente de outras razões de ordem substancial já de partida receberam por ocasião do pacto constitucional fundante a proteção reforçada peculiar dos direitos fundamentais pela relevância de tais bens jurídicos na perspectiva dos pais da Constituição o que aliás aponta para uma legitimação democrática procedimental e deliberativa mas também substancial 972 decisão esta que não pode pura e simplesmente ser desconsiderada pelos que na condição de poderes constituídos devem por estar diretamente vinculados assegurar a esses direitos fundamentais a sua máxima eficácia e efetividade Aliás a própria orientação adotada pelo STF em matéria de direitos sociais tem sido sensível neste particular ao reconhecimento de que os direitos sociais são direitos fundamentais o que também demonstra a relevância da atuação do Poder Judiciário nesta matéria já que a negação da fundamentalidade na esfera jurisprudencial acabaria por esvaziar o texto constitucional a despeito da expressa previsão de que os direitos sociais como aliás todos os direitos previstos no Título II são direitos fundamentais 3324 Direitos fundamentais dispersos no texto constitucional Já no que diz respeito aos direitos fundamentais expressamente positivados em outras partes do texto constitucional portanto fora do Título II colocamse outros desafios dogmáticometodológicos e práticos Em primeiro lugar há que identificar tais direitos o que reclama uma carga argumentativa no sentido da justificação de tal condi ção Com efeito se no tocante aos direitos do Título II a fundamentalidade por força da opção prévia e expressa feita pelo constituinte em princípio é de ser acatada pelos poderes constituintes presumindose a fundamentalidade material no caso dos direitos dispersos há que recorrer a critérios materiais para demonstrar que se trata de direitos fundamentais Além disso colocase a questão de se os direitos fundamentais dispersos compartilham do regime jurídico constitucional pleno dos direitos fundamentais entre outros aspectos se estão protegidos na condição de limites materiais ao poder de reforma constitucional e se as normas que os asseguram são diretamente aplicáveis Quanto ao primeiro problema relativo aos critérios de justificação da fundamentalidade de direitos dispersos no texto constitucional é possível numa primeira aproximação recorrer a um critério geral segundo o qual os direitos fundamentais fora do catálogo somente poderão ser os que constem ou não do texto constitucional por seu conteúdo e importância possam ser equiparados aos integrantes do rol elencado no Título II de nossa Lei Fundamental Ambos os critérios substância e relevância se encontram agregados entre si e são imprescindíveis para o conceito materialmente aberto de direitos fundamentais Na identificação dos direitos fundamentais fora do catálogo para além dos direitos expressamente positivados no Título II e isto convém seja novamente frisado importa portanto que se tenha sempre presente o critério da importân cia atentandose para além dos parâmetros extraídos do próprio sistema constitucional para a efetiva correspondência com o sentido jurídico dominante cuja avaliação dependerá sem dúvida da sensibilidade do intérprete De qualquer modo a busca do referencial material para a identificação de direitos fundamentais deverá guardar sintonia com os critérios estabelecidos ainda que não diretamente pela própria Constituição como por exemplo quando no art 5º 2º da CF se faz referência a direitos decorrentes do regime e dos princípios Nesta perspectiva embora os direitos decorrentes do regime e dos princípios possam em sendo compreendidos como direitos não expressamente positivados ser reconduzidos a uma categoria autônoma também parece correto afirmar que direitos fundamentais dispersos na Constituição devem guardar relação com os princípios fundamentais que orientam a ordem constitucional Neste contexto basta apontar para alguns exemplos para verificarmos esta estreita vinculação entre os direitos e os princípios fundamentais Assim não há como negar que os direitos à vida bem como os direitos de liberdade e de igualdade correspondem diretamente às exigências mais elementares da dignidade da pessoa humana Da mesma forma os direitos políticos de modo especial o sufrágio o voto e a possibilidade de concorrer a cargos públicos eletivos são manifestações do princípio democrático e da soberania popular Igualmente percebese desde logo que boa parte dos direitos sociais radica tanto no princípio da dignidade da pessoa humana saúde educação etc quanto nos prin cípios que entre nós consagram o Estado Social de Direito À vista do exposto percebese que dentre os princípios constitucionais o princípio da dignidade da pessoa humana assume especial relevância como critério material para identificação de direitos fundamentais visto que tratandose de uma exigência da digni dade da pessoa humana não se haverá de questionar a fundamentalidade No direito lusitano proposta similar foi formulada pelo Professor Vieira de Andrade da Universidade de Coimbra que entre outros aspectos a serem analisados identifica os direitos fundamentais por seu conteúdo comum baseado no princípio da dignidade da pessoa humana 973 o qual segundo sustenta é concretizado pelo reconhecimento e positivação de direitos e garantias fundamentais 974 Embora não tenhamos a intenção de aqui avançar com uma análise do princípio da dignidade da pessoa humana há que apontar no mínimo para a circunstância de que a tese de Vieira de Andrade no sentido de que todos os direitos fundamentais encontram sua vertente no princípio da dignidade da pessoa humana merece ser encarada ao menos de início com certa reserva Em primeiro lugar parece oportuna a menção de modo especial à luz de nosso direito constitucional positivo de que se revela no mínimo passível de discussão a qualificação do princípio da dignidade da pessoa humana considerado em si mesmo como um autêntico direito fundamental autônomo em que pese sua importante função seja como elemento referencial para a aplicação e inter pretação dos direitos fundamentais mas não só destes 975 seja na condição de fundamento para a dedução de direitos fundamentais decorrentes 976 De outra parte e aqui centramos a nossa crítica basta um breve olhar sobre o nosso extenso catálogo dos direitos fundamentais para que tenhamos dúvidas fundadas a respeito da alegação de que todas as posições jurídicas ali reconhecidas possuem necessariamente um conteúdo diretamente fundado no valor maior da dignidade da pessoa humana muito embora se trate de direitos fundamentais assim considerados pelo constituinte Não pretendendo polemizar especificadamente as diversas hipóteses que aqui podem ser referidas reportamonos a título meramente exemplificativo ao art 5º XVIII XXI XXV XXVIII XXIX XXXI e XXXVIII bem como ao art 7º XI XXVI e XXIX sem mencionar outros exemplos que poderiam facilmente ser garimpados no catálogo constitucional dos direitos fundamentais 977 O que se pretende com os argumentos ora esgrimidos é demonstrar que o princípio da dignidade da pessoa humana pode desde que não utilizado de forma inflacionária ser tido como critério basilar mas não exclusivo para a construção de um conceito material de direitos fundamentais assumindo de tal sorte de acordo com a sugestiva formulação de Carlos R Siqueira Castro a função de elemento proliferador de direitos fundamentais ao longo dos tempos 978 Além disso abstraindose por ora os demais referenciais a serem analisados é preciso ter sempre em mente que determinada posição jurídica fora do catálogo para que efetivamente possa ser considerada equivalente por seu conteúdo e importância aos direitos fundamentais do catálogo deve necessariamente guardar vínculo direto com a dignidade da pessoa humana Neste contexto há que questionar a respeito da possibilidade de existirem direitos fundamentais fora do catálogo que não possuam necessariamente um conteúdo diretamente fundado no princípio da dignidade da pessoa humana já que este salvo melhor juízo não constitui elemento comum no mínimo não igualmente comum a todos os direitos fundamentais do catálogo 979 À vista do exposto é possível elencar alguns exemplos de direitos fundamentais sediados em outras partes do texto constitucional sem prejuízo de outros que poderiam ser incluídos na listagem o direito de igual acesso aos cargos públicos art 37 I os direitos de associação sindical e de greve dos servidores públicos art 37 VI e VII assim como o direito dos servidores públicos à estabilidade no cargo art 41 que ademais constitui verdadeira garantia da cidadania Poderseia cogitar ainda da legitimação ativa para a iniciativa popular legislativa art 61 2º que agregado ao art 14 III pode ser considerado como autêntico direito de participação política Da mesma forma ocorre com a garantia da publicidade e fundamentação das decisões judiciais art 93 IX bem como com as limitações constitucionais ao poder de tributar art 150 I a VI 980 No âmbito do direito à educação arts 6º e 205 é possível mencionar as dimensões mais específicas da liberdade de ensino e pesquisa art 206 e o direito subjetivo ao ensino público fundamental obrigatório e gratuito art 208 I seguido da garantia do exercício dos direitos culturais art 215 Também o direito à proteção do meio ambiente art 225 já encontrou ampla acolhida na doutrina e jurisprudência brasileira 981 Ainda na esfera da ordem social assumem relevo os exemplos da igualdade de direitos e obrigações entre os cônjuges art 226 5º o direito dos filhos a tratamento igualitário e não discriminatório art 227 6º o direito ao planejamento familiar incentivado pelo Estado art 226 7º o direito à proteção da entidade familiar art 226 bem como o direito à proteção das crianças e dos adolescentes art 227 3325 Direitos sediados nos tratados internacionais de direitos humanos 33251 Generalidades No que diz com os direitos fundamentais sediados em tratados internacionais de direitos humanos cumpre ressaltar que se trata de aspecto central para a compreensão das relações entre os direitos humanos de matriz internacional e os direitos fundamentais constitucionais Observese neste contexto que a nossa Constituição de acordo com a redação do art 5º 2º refere apenas os tratados internacionais não mencionando as convenções ou outras espécies de regras internacionais Neste particular um olhar para o direito comparado no caso para o sistema constitucional português revela que a Constituição Federal foi numa primeira leitura mais restritiva visto que o art 161 da Constituição da República Portuguesa dispõe que os direitos fundamentais consagrados na Constituição não excluem outros constantes das leis e regras aplicáveis de direito internacional grifei A despeito da falta de precisão terminológica e da diversidade de expressões encontradas no direito constitucional positivo no qual não se verifica critério uniforme de distinção entre as diversas espécies de normas internacionais 982 existe certa unanimidade no seio da doutrina no sentido de que a expressão tratados internacionais engloba diversos tipos de instrumentos internacionais cuidandose portanto de expressão genérica em relação à qual as convenções e os pactos apenas para citar alguns dos mais importantes são espécies uma vez que de acordo com o seu conteúdo concreto e sua finalidade os tratados são rotulados diversamente o que aliás decorre da própria Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados que considera tratado um termo genérico significando um acordo internacional independentemente de sua designação particular 983 Na definição de José Francisco Rezek tratado é o acordo formal concluído entre sujeitos de direito internacional público e destinado a produzir efeitos jurídicos de modo que o elemento essencial está ligado à natureza do documento mas não ao seu rótulo 984 Por outro lado uma interpretação ampla do conceito de tratados internacionais de direitos humanos é indispensável para evitar um esvaziamento do sentido da norma contida no art 5º 2º da CF que à evidência abarca entre outros documentos bastante diversos quanto à sua designação como é o caso dos Pactos Internacionais da ONU sobre direitos civis e políticos e sobre os direitos econômicos sociais e culturais ambos de 1966 bem como da Convenção Americana sobre Direitos Humanos da OEA 1969 apenas para citar alguns dos mais relevantes e mais próximos de nós nesta matéria Mais delicada contudo é a inclusão das regras de direito internacional comum no âmbito de abertura propiciado pelo art 5º 2º da nossa Carta Nesse particular fica evidente que a Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU adotada na forma de uma resolução não se enquadra na categoria dos tratados internacionais ao menos não no sentido que lhes imprimiu a Convenção de Viena consoante já frisado 985 Ainda que existam documentos que apesar de levarem o rótulo de Declarações são na verdade autênticos tratados 986 o fato é que a Declaração de Direitos da ONU não possui tais características não podendo ser enquadrada na categoria dos tratados ou convenções de direitos humanos Todavia a despeito de uma resolução da ONU não ser dotada em regra de efeito vinculante parte dos direitos constantes da Declaração de 1948 de acordo com orientação posterior acabou sendo considerada como integrante do direito internacional consuetudinário portanto dos costumes internacionais que por sua vez fazem parte do sistema de fontes do direito internacional e por tal via passam a vincular os Estados e demais sujeitos de direito internacional 987 Considerando o papel da Declaração da ONU no quadro normativo internacional bem como levando em conta a ratio e o telos da norma contida no art 5º 2º da CF não nos parece razoável excluir ao menos em princípio os direitos fundamentais consagrados pela Declaração de Direitos da ONU ainda mais quando se leva em conta que a maior parte das Constituições que a sucederam nela e nos diversos pactos e convenções que integram o sistema internacional dos direitos humanos buscaram inspiração quando da elaboração de seu próprio catálogo de direitos fundamentais De qualquer modo cuidase de tema a merecer maior desenvolvimento do que o que se revela viável neste contexto Tecidas algumas considerações preliminares importa enfrentar ainda que de modo sumário os dois mais importantes problemas jurídicoconstitucionais no que diz com a relação dos tratados internacionais de direitos humanos e a ordem constitucional interna brasileira quais sejam a a forma pela qual se dá a incorporação dos tratados ao direito interno b a força normativa hierarquia dos tratados de direitos humanos no Brasil 33252 O procedimento de incorporação dos tratados de direitos humanos na perspectiva da Constituição Federal Quanto a este aspecto ou seja quanto ao modo pelo qual os tratados de direitos humanos ingressam na ordem interna para que nela possam gerar efeitos há que apontar a inexistência de preceito expresso na Constituição dispondo de forma favorável à recepção automática Ao contrário de diversas Constituições recentes 988 a regra tradicio nalmente adotada em nosso direito constitucional tem sido a da necessidade de procedimento formal de incorporação o qual resulta da interação entre ato do Poder Executivo a celebração propriamente dita do tratado e ato do Poder Legislativo que em virtude de disposição constitucional expressa tem a atribuição de aprovar a celebração do tratado conforme estabelecido pelos arts 84 VIII e 49 I ambos da CF acrescidos por força de emenda constitucional do 3º do art 5º da CF que se refere especificamente aos tratados em matéria de direitos humanos Considerando que o art 5º 2º da CF refere expressamente os tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte grifei tudo somado aos dispositivos já citados que demonstram a necessidade da intervenção do Congresso Nacional verificase que pelo menos na atual quadra da evolução constitucional a incorporação de um tratado internacional seja de que natureza for pressupõe consoante também advoga a doutrina dominante a sua ratificação 989 O procedimento portanto é complexo abrangendo a participação do Poder Executivo assinatura do tratado pelo Pre sidente da República e posterior envio pelo chefe do Executivo ao Congresso Nacional e do Poder Legislativo aprovação pelo Congresso Nacional habitualmente de acordo com a tradição constitucional brasileira mediante o instrumento do decreto legislativo que constitui ato da competência exclusiva do Congresso Nacional portanto não sujeito à sanção presidencial Uma vez aprovado pelo Legislativo volta a atuar o Poder Executivo cabendo então ao Presidente da República concluir a celebração do tratado mediante a sua ratificação Além disso apenas após a edição de um decreto de execução por parte do Presidente da República é que o procedimento terá sido completado passando o tratado a vincular tanto na esfera interna quanto na esfera internacional 990 Embora o procedimento habitual seja o mencionado no caso dos tratados internacionais de direitos humanos consoante referido operouse importante alteração no texto constitucional mediante a inserção pela EC 45 de dezembro de 2004 doravante simplesmente EC 45 de um 3º ao art 5º da nossa Constituição Segundo este dispositivo os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados em cada Casa do Congresso Nacional em dois turnos por três quintos dos votos dos respectivos membros serão equivalentes às emendas constitucionais Tal preceito interpretado em sintonia com o art 5º 2º pode ser compreendido numa primeira aproximação como assegurando em princípio e em sendo adotado tal procedimento a condição de direitos formal e materialmente constitucionais e fundamentais aos direitos consagrados no plano das convenções internacionais Todavia considerando que a absoluta maioria dos tratados internacionais ratificados pelo Brasil foi incorporada antes da entrada em vigor da EC 452004 é de se indagar se os tratados de direitos humanos anteriores por força da EC 452004 passaram a ser equivalentes às emendas constitucionais A resposta em que pesem entendimentos neste sentido é negativa e isto por várias razões Em primeiro lugar parece evidente que não há como aplicar neste caso o argumento da recepção 991 visto se tratar de procedimentos legislativos distintos ainda que haja compatibilidade material como se fosse possível transmutar um decreto legislativo aprovado pela maioria simples do Congresso Nacional em emenda constitucional que exige uma maioria reforçada de três quintos dos votos sem considerar os demais limites formais das emendas à Constituição maioria qualificada aliás reclamada pelo próprio art 5º 3º da CF Além disso a desnecessidade de se recorrer a tal expediente argumentativo frágil na sua concepção decorre do fato de que uma hierarquia privilegiada dos tratados de direitos humanos pode ser fundamentada já com base na norma contida no art 5º 2º da CF como bem demonstra a doutrina que sustentava muito antes da inserção do 3º do art 5º a hierarquia constitucional dos tratados de direitos humanos 992 doutrina esta que pelo menos em boa parte se posiciona de forma bastante crítica em relação ao dispo sitivo referido 993 Nessa mesma linha aliás situase o atual posicionamento majoritário no STF que assegurou mesmo aos tratados incorporados até dezembro de 2004 hierarquia supralegal mas não status equivalente a emenda constitucional 994 Assim sendo na esfera dos tratados de direitos humanos que uma vez ratificados operam como fonte de direitos fundamentais na ordem interna brasileira a teor do disposto no art 5º 2º da CF há que distinguir os tratados ratificados antes da entrada em vigor da EC 452004 ou mesmo os tratados posteriores que porventura não tenham sido aprovados mediante o procedimento qualificado previsto no art 5º 3º da CF dos tratados aprovados mediante recurso ao procedimento estabelecido pelo art 5º 3º da CF Com efeito importa consignar que o art 5º 3º da CF em momento algum exige que sejam observados como já referido todos os requisitos formais circunstanciais e temporais quanto aos materiais impõese maior cuidado no exame da questão atinentes ao procedimento regular ordinário das emendas constitucionais Aliás é preciso enfatizar que a aprovação do tratado de direitos humanos para os efeitos do disposto no art 5º 3º não necessita ser levada a efeito por meio de emenda constitucional ou seja de projeto de emenda que siga desde o seu nascedouro a integralidade do rito próprio estabelecido no art 60 da CF pois basta que a aprovação observe o disposto no art 60 2º da CF votação em dois turnos nas duas Casas do Congresso com maioria de 35 em cada Casa e turno de votação para que o tratado seja considerado equivalente a uma emenda constitucional Ora equivalente não é necessariamente igual visto que os demais requisitos do processo de emenda constitucional não foram previstos no art 5º 3º Assim sendo nada obsta que seja eleita outra espécie legislativa para a aprovação do tratado hipótese na qual desde que preenchidos os requisitos do art 5º 3º este uma vez aprovado gozará da mesma hierarquia das emendas constitucionais e agregarseá à Constituição formal Além disso por força justamente dos aspectos já referidos verificase que quando se trata de emenda constitucional cujos requisitos são distintos em sua maior parte dos previstos no art 5º 3º da CF a iniciativa da emenda não será exclusiva do Presidente da República 995 O fato de o chefe do Executivo ser obrigado pela sistemática vigente a remeter o tratado internacional ao Congresso cuja chancela é indispensável não afasta pelo menos assim parece a possibilidade de outro legitimado ativo caso isso não tenha sido feito pelo Presidente da República quando da remessa do tratado ao Congresso apresentar um projeto de emenda constitucional que então seguiria o rito convencional do art 60 observando todos os requisitos ali previstos De qualquer sorte embora uma coisa não exclua a outra tudo leva a crer que o Congresso tenderá a optar pela via do art 5º 3º da CF já que a garantia da equivalência a emenda constitucional sugere que se utilize a forma menos complexa e que ao mesmo tempo assegura aos tratados uma condição privilegiada ainda pelo menos enquanto não se passar a adotar a tese da paridade entre tratado de direitos humanos e Constituição que distinta daquela gozada pelos direitos fundamentais originariamente positivados pelo constituinte Do exposto como se poderá perceber sem muito esforço argumentativo decorre pelo menos em tese já que não vislumbramos fundamento constitucional impeditivo que os tratados de direitos humanos tanto poderão ser aprovados por meio de uma emenda constitucional convencional isto é que siga o rito do art 60 da CF em sua plenitude quanto mediante outra figura legislativa observado neste caso o previsto no art 5º 3º da CF Indicativo de que tal será na esfera da prática políticolegislativa a orientação a ser seguida é a circunstância de que o Congresso Nacional valendose da figura do decreto legislativo mas observando os requisitos do art 5º 3º aprovou o texto da Convenção sobre os Direitos das Pessoas Portadoras de Deficiência Dec Legislativo 1862008 De todo modo resulta evidente que o Congresso Nacional desde que tal orientação seja observada pelos legitimados para a propositura de projeto de emenda constitucional poderá a partir deste primeiro caso seguir utilizando apenas a figura do decreto legislativo para a aprovação dos tratados internacionais observando no caso de tratados de direitos humanos os parâmetros do art 5º 3º da CF deixando de lado a possibilidade de aprovar os tratados pelo procedimento das emendas à Constituição 33253 O problema da hierarquia dos tratados de direitos fundamentais na ordem jurídica interna brasileira direitos fundamentais sem hierarquia constitucional No que diz com a posição hierárquica do direito internacional mais abrangente do que os tratados que formam apenas parte da produção normativa internacional em geral com relação ao direito infraconstitucional interno a doutrina brasileira segue dividida Ao passo que uma corrente sustenta a supremacia do direito internacional outros adotam a teoria da paridade entre as normas internacionais e a legislação interna sob o argumento de que em face da ausência de uma disposição constitucional expressa que consagre a supremacia do direito internacional deve prevalecer no caso de conflito entre tratados internacionais e leis internas o princípio do lex posterior derogat priori ressalvada a possibilidade de responsabilização do Estado no plano internacional o que inclusive vem sendo consagrado pelo STF desde o julgamento do RE 80004 em 1977 muito embora a mudança de rumo quanto aos tratados de direitos humanos Com efeito no que diz com a hipótese específica dos direitos previstos em tratados internacionais de direitos humanos que por via da abertura propiciada pelo art 5º 2º da CF passam a integrar o catálogo constitucional de direitos fundamentais não importando aqui se de forma automática ou não o problema da força normativa no plano interno tem sido objeto de intensa discussão doutrinária e mesmo jurisprudencial Numa primeira aproximação parece viável concluir que os direitos desde logo materialmente fundamentais oriundos das regras internacionais embora não tenham sido formalmente consagrados no texto da Constituição se aglutinam à Constituição material e por esta razão acabam tendo status equivalente Caso contrário a regra do art 5º 2º também neste ponto teria o seu sentido parcialmente desvirtuado Não fosse assim virtualmente não haveria diferença ao menos sob o aspecto da hierarquia das normas entre qualquer outra regra de direito internacional incorporada ao direito nacional e os direitos fundamentais do homem consagrados nos textos internacionais Outrossim na esteira do que sustenta Flávia Piovesan é de se considerar como argumento adicional que os tratados sobre direitos humanos integram um universo de princípios com a especial força obrigatória de um autêntico jus cogens que os coloca em posição hierarquicamente superior em relação aos demais tratados internacionais justificando assim a diferença de tratamento também na ordem jurídica interna 996 Assim à luz dos argumentos sumariamente esgrimidos e de acordo com prevalente orientação doutrinária verificase que a tese da equiparação por força do disposto no art 5º 2º da CF entre os direitos humanos localizados em tratados internacionais uma vez ratificados e os direitos fundamentais sediados na Constituição formal é a que mais se harmoniza com a especial dignidade jurídica e axiológica dos direitos fundamentais na ordem jurídica interna e internacional constituindo ademais pressuposto indispensável à construção e consolidação de um autêntico direito constitucional internacional dos direitos humanos resultado da interpenetração cada vez maior entre os direitos fundamentais constitucionais e os direitos humanos dos instrumentos jurídicos internacionais 997 Reafirmese neste particular que a abertura propiciada pelo art 5º 2º da CF aponta para a expansividade do catálogo dos direitos fundamentais sendo no mínimo questionável o fato de se poder cogitar de direitos fundamentais de menor estatura normativa por não estarem no plano da hierarquia das normas ao mesmo nível dos direitos fundamentais positivados no texto constitucional ou mesmo dos direitos implicitamente positivados ou decorrentes do regime e dos princípios da Constituição Federal Contudo muito embora o pleito em prol do reconhecimento da hierarquia constitucional paridade entre tratado de direitos humanos e a Constituição Federal não é este o entendimento dominante no STF a despeito da evolução ocorrida neste particular Com efeito se é verdade que durante muito tempo mesmo após a promulgação da Constituição Federal o STF ainda sustentava ainda que não de modo unânime a paridade entre tratados de direitos humanos e legislação ordinária equiparando de regra todos os tratados quanto a este aspecto após a inserção do 3º no art 5º da CF o Tribunal revisitou o tema e passou a assegurar novamente sem alcançar a unanimidade entre os julgadores hierarquia supralegal aos tratados de direitos humanos 998 Embora alguns ministros tenham votado em favor da hierarquia constitucional esta foi afastada em parte em virtude do argumento de que tal hierarquia levaria a um indesejável e incontrolável processo de ampliação do bloco de constitucionalidade além do problema da adequada definição de quais são realmente os tratados de direitos humanos e do que terá hierarquia constitucional todo o tratado ou apenas as disposições que consagram direitos o que deflui basicamente do voto do Min Gilmar Mendes em que também restou mantida a tese de que tratados no ordenamento interno poderão ser declarados inconstitucionais de modo que para tanto não podem ter hierarquia igual à da Constituição 999 Todavia embora a consagração pelo STF da hierarquia supralegal a posição adotada pelo mesmo Tribunal no caso da prisão civil do depositário infiel revela que a questão é bem mais complexa e polêmica Com efeito ao editar a Súmula Vinculante 252009 proibindo a prisão do depositário infiel a qualquer título o STF acabou notadamente ao vedar qualquer hipótese de prisão de depositário infiel dando neste caso pelo menos e no que diz com os efeitos da decisão maior valor ao tratado que à Constituição já que a previsão no art 5º LXVII da CF da hipótese de prisão do depositário infiel resultou letra morta vedada pelo STF até mesmo a criação por lei de nova modalidade de prisão civil pelo menos a prevalecer o entendimento atual Já no que diz respeito à função do 3º do art 5º da CF1988 neste contexto é preciso verificar se a equivalência em relação às emendas constitucionais nele assegurada evidentemente apenas para os tratados aprovados na forma do citado dispositivo corresponde ao critério da supra legalidade aprovado pelo STF para todos os tratados de direitos humanos ratificados antes da entrada em vigor da EC 452004 ou se a hierarquia de emenda constitucional representa uma condição normativa distinta eventualmente reforçada o que ao que tudo indica corresponde à posição atualmente dominante no STF que não assegurou força de emenda aos tratados anteriores e portanto aceita um regime distinto Assim se é certo que comungamos do entendimento de que talvez melhor tivesse sido que o reformador constitucional tivesse renunciado a inserir um 3º no art 5º ou que o que evidentemente teria sido bem melhor em entendendo de modo diverso tivesse se limitado a expressamente chancelar a incorporação automática após prévia ratificação e com hierarquia constitucional de todos os tratados em matéria de direitos humanos com a ressalva de que no caso de eventual conflito com direitos previstos pelo constituinte de 1988 sempre deveria prevalecer a disposição mais benéfica para o indivíduo apurada mediante os critérios da proporcionalidade e no âmbito de uma ponderação 1000 também é correto que vislumbramos no dispositivo ora analisado um potencial positivo no sentido de viabilizar alguns avanços concretos em relação à práxis ora vigente entre nós Que uma posterior alteração do próprio 3º por força de nova emenda constitucional resta sempre aberta ainda mais se for para reforçar a proteção dos direitos fundamentais oriundos dos tratados internacionais de direitos humanos justamente nos parece servir de estímulo para um esforço hermenêutico construtivo também nesta seara Em síntese é possível elencar os seguintes enunciados a Os tratados internacionais de direitos humanos dependem de ratificação pelo Brasil sendo incorporados mediante um processo complexo de atribuição do Presidente da República e do Congresso Nacional b A aprovação pelo Congresso Nacional de um tratado de direitos humanos em obediência ao rito estabelecido no art 5º 3º da CF não dispensa a ratificação do tratado c A hierarquia dos tratados de direitos humanos na ordem jurídica interna brasileira de acordo com a atual orientação do STF é diferenciada de acordo com a forma de incorporação Com efeito os tratados incorporados antes da inserção do 3º no art 5º da CF possuem hierarquia supralegal prevalecendo portanto sobre toda e qualquer norma infraconstitucional interna mas cedendo em face da CF 1001 Por sua vez os tratados aprovados pelo Congresso Nacional na forma do art 5º 3º da CF possuem hierarquia e força normativa equivalentes às emendas constitucionais d Os demais tratados internacionais que não versam sobre direitos humanos salvo exceções expressamente estabelecidas como é o caso dos tratados em matéria tributária seguem tendo hierarquia de lei ordinária e Um tratado de direitos humanos quando contemplar expressamente a possibilidade de denúncia não poderá de acordo com importante doutrina ser denunciado pelo Presidente da República sem prévia autorização pelo Congresso e sem que se faça um controle rigoroso no que diz com a piora em termos de proteção dos direitos humanos 1002 Todavia se tal entendimento também será o majoritário no STF ainda pende de decisão por parte de nossa Suprema Corte 1003 ao passo que na doutrina encontram se defensores da tese de que uma vez aprovado na forma do art 5º 3º da CF um tratado não mais poderá ser denunciado nem mesmo mediante aprovação prévia pelo Congresso Nacional 1004 Nesse contexto relevante agregar que desde a inserção do 3º no art 5º CF em dezembro de 2004 o Congresso Nacional aprovou todos os tratados de direitos humanos celebrados pelo Brasil mediante recurso ao instrumento do Decreto Legislativo mantendo de tal sorte quanto a este aspecto sua práxis habitual no concernente à aprovação de tratados e atos internacionais mas o fez desde então observando o rito mais rigoroso previsto no citado dispositivo ou seja com maioria de 35 em dois turnos de votação nas duas casas do Congresso de tal sorte que todos esses tratados passaram a vigorar no plano doméstico com hierarquia equivalente à das emendas constitucionais 1005 Precisamente com o julgamento do STF sobre a prisão civil do depositário infiel e o reconhecimento de uma supremacia hierárquica dos tratados de direitos humanos ratificados pelo Brasil em relação ao restante do direito infraconstitucional interno assume relevo a prática do assim designado controle de convencionalidade ou seja a fiscalização pelos órgãos do Poder Judiciário da compatibilidade entre os parâmetros do direito internacional dos direitos humanos e o direito interno temática que contudo será desenvolvida no capítulo próprio no âmbito do controle de constitucionalidade 1006 Ainda nesse contexto calha observar que a evolução no concernente a uma maior valorização dos tratados internacionais de direitos humanos e ainda que em menor escala da jurisprudência da Corte Interamericana guarda sintonia com o cenário geral na América Latina à vista não apenas da gradual e disseminada inserção de uma cláusula expressa de abertura aos tratados de direitos humanos pelas constituições em vigor como também da maior receptividade de Juízes e Tribunais latinoamericanos relativamente aos precedentes da Corte de São José da Costa Rica 1007 Nesse mesmo contexto é de ser sublinhada a necessidade do desenvolvimento e fortalecimento daquilo que se tem designado de um diálogo entre Juízes e Tribunais tema que aqui não poderá ser enfrentado 1008 34 A dupla dimensão objetiva e subjetiva a multifuncionalidade e a classificação dos direitos e garantias fundamentais 341 Os direitos fundamentais e sua dimensão subjetiva Considerando a complexidade do tema e os múltiplos sentidos atribuídos à noção de direito subjetivo o que se pretende neste tópico é arriscar algumas considerações gerais sobre o que se compreende por uma assim chamada dimensão ou perspectiva subjetiva dos direitos fundamentais de modo especial em virtude da circunstância de que a própria noção de direitos fundamentais desde a sua origem esteve atrelada ainda que nem sempre da mesma forma pelos mesmos fundamentos à noção de direitos subjetivos atribuídos ao indivíduo como pessoa e nesta condição como sujeito de direitos Portanto a despeito de toda sorte de críticas e controvérsias em torno de seu conteúdo e significado a noção de direito subjetivo segue sendo essencial para o direito e para os direitos fundamentais 1009 Deixando de lado qualquer pretensão de aprofundamento da matéria o que demandaria uma longa análise da evolução da noção de direito subjetivo o que se pretende é traçar em breves linhas em que consiste especialmente no contexto da Constituição Federal de 1988 e no âmbito do atual estágio da teoria dos direitos fundamentais a assim chamada dimensão ou perspectiva subjetiva Observandose a evolução doutrinária e jurisprudencial é possível identificar um gradual abandono no que diz com a utilização da expressão direitos subjetivos públicos tão cara a tantos e durante tanto tempo embora se trate de designação anacrônica e não mais correta na sua inteireza especialmente considerando o marco constitucional brasileiro Por outro lado há que enfatizar que falar em direito subjetivo público é remeter a uma concepção que radica no positivismo e liberalismo do século XIX e que mais adiante aplicada ao universo dos direitos fundamentais passou a significar que o indivíduo teria direitos subjetivos portanto direitos exigíveis perante o Estado 1010 Aliás deveria bastar aqui a referência à eficácia dos direitos fundamentais em geral nas relações privadas bem como a existência de normas de direitos fundamentais que têm por destinatário entidades privadas como dão conta entre nós os direitos dos trabalhadores para que se possa afastar uma equivalência entre a noção mais abrangente dos direitos fundamentais e os assim chamados direitos subjetivos públicos que de resto não se limitam a poderes jurídicos do cidadão em face do Estado assegurados em nível constitucional De modo geral quando nos referimos aos direitos fundamentais como direitos subjetivos temos em mente a noção de que ao titular de um direito fundamental é aberta a possibilidade de impor judicialmente seus interesses juridicamente tutelados perante o destinatário obrigado Desde logo transparece a ideia de que o direito subjetivo consagrado por uma norma de direito fundamental se manifesta por meio de uma relação trilateral formada entre o titular o objeto e o destinatário do direito 1011 Neste sentido o reconhecimento de um direito subjetivo de acordo com a formulação de Vieira de Andrade está atrelado à proteção de uma determinada esfera de autorregulamentação ou de um espaço de decisão individual tal como é associado a um certo poder de exigir ou pretender comportamentos ou de produzir autonomamente efeitos jurídicos 1012 Que a amplitude de tal poder jurídico atribuído ao titular do direito pela ordem jurídica objetiva especialmente na esfera dos direitos fundamentais não pode ser compreendida de acordo com uma acepção estrita peculiar ao direito privado de onde se origina a própria noção de direito subjetivo resulta evidente e constitui um dos pressupostos aqui assumidos Assim sem adentrarmos aqui ainda no exame das diversas constelações que podem constituir o objeto de um direito subjetivo fundamental importa consignar por ora que tomamos este em sentido amplo na medida em que para o titular de um direito fundamental se abre um leque de possibilidades que se encontram condicionadas à conformação concreta da norma que o consagra De modo geral é possível afirmar que este espectro de variações no que concerne ao objeto do direito subjetivo fundamental se encontra vinculado aos seguintes fatores a o espaço de liberdade da pessoa individual não se encontra garantido de maneira uniforme b a existência de inequívocas distinções no que tange ao grau de exigibilidade dos direitos individualmente considerados de modo especial considerandose os direitos a prestações sociais materiais c os direitos fundamentais constituem posições jurídicas complexas no sentido de poderem conter direitos liberdades pretensões e poderes da mais diversa natureza e até mesmo pelo fato de poderem dirigirse contra diferentes destinatários 1013 Neste contexto cumpre frisar que os direitos fundamentais mesmo na sua condição de direito subjetivo não se reduzem aos clássicos direitos de liberdade ainda que nestes a nota da subjetividade no sentido de sua exigibilidade transpareça de regra da forma mais acentuada De outra banda é de destacarse a circunstância de que a referida complexidade dos direitos fundamentais na sua perspectiva jurídicosubjetiva remete à conclusão de que se cuida de um feixe de posições estruturalmente diferenciadas 1014 não só no que diz com a forma de positivação seu conteúdo e alcance mas também no que concerne às diferentes funções que desempenham no âmbito do conjunto dos direitos fundamentais o que de acordo com o que veremos mais adiante por sua vez acarreta importantes consequências para uma proposta de classificação destes direitos Neste contexto ainda que não seja nosso objetivo apresentar todas as variantes apontadas na doutrina sobre as possibilidades ligadas à noção de direito fundamental na condição de direito subjetivo ressalvada além disso a existência de acirrada controvérsia nesta seara tornase indispensável referir proposta que em termos gerais guarda relação com a arquitetura constitucional brasileira e é suficientemente elástica para adaptarse à noção de direito subjetivo em sentido amplo que aqui sustentamos Cuidase da proposta formulada por Robert Alexy que edifica sua concepção de direitos fundamentais o que chamou de sistema das posições jurídicas fundamentais com base na seguinte tríade de posições fundamentais que em princípio pode integrar um direito fundamental na condição de direito subjetivo a direitos a qualquer coisa que englobariam os direitos a ações negativas e positivas do Estado eou particulares e portanto os clássicos direitos de defesa e os direitos a prestações b liberdades no sentido de negação de exigências e proibições e c poderes competências ou autorizações 1015 O que importa frisar é que seja compreendida em sentido mais amplo como aqui se admite seja visualizada em sentido mais estrito a noção de uma perspectiva subjetiva dos direitos fundamentais engloba a possibilidade de o titular do direito fazer valer judicialmente os poderes as liberdades ou mesmo o direito à ação ou às ações negativas ou positivas que lhe foram outorgadas pela norma consagradora do direito fundamental em questão ainda que tal exigibilidade seja muito variável e careça de uma apreciação à luz de cada direito fundamental em causa dos seus limites entre outros aspectos a serem considerados 1016 Em virtude da relevância da perspectiva subjetiva mesmo em face da assim chamada dimensão ou perspectiva objetiva dos direitos fundamentais é possível invocar a lição de J J Gomes Canotilho no sentido de que os direitos fundamentais são em primeira linha mas não exclusivamente convém agregar direitos individuais do que resulta a constatação de que encontrandose constitucionalmente protegidos como direitos individuais esta proteção darseá sob a forma de direito subjetivo 1017 342 A assim chamada dimensão objetiva dos direitos fundamentais No âmbito da teoria constitucional dos direitos fundamentais também no Brasil tem sido recepcionada a noção de que a função dos direitos fundamentais não se limita a serem direitos subjetivos já que também representam decisões valorativas de natureza jurídicoobjetiva da Constituição que se projetam em todo o ordenamento jurídico Em outras palavras os direitos fundamentais passaram a apresentarse no âmbito da ordem constitucional como um conjunto de valores objetivos básicos e fins diretivos da ação positiva dos poderes públicos e não apenas garantias negativas e positivas dos interesses individuais 1018 Em termos gerais a dimensão objetiva dos direitos fundamentais significa que às normas que preveem direitos subjetivos é outorgada função autônoma que transcende a perspectiva subjetiva 1019 implicando além disso o reconhecimento de conteúdos normativos e portanto de funções distintas aos direitos fundamentais 1020 É por isso que a doutrina costuma apontar para a perspectiva objetiva como representando também naqueles aspectos que se agregaram às funções tradicionalmente reconhecidas aos direitos fundamentais um reforço da juridicidade das normas de direitos fundamentais 1021 que por sua vez pode ser aferido por meio das diversas categorias funcionais desenvolvidas na doutrina e na jurisprudência que passaram a integrar a assim denominada perspectiva objetiva da dignidade da pessoa humana e dos direitos fundamentais o que por si só já aponta para uma multifuncionalidade dos direitos fundamentais na ordem constitucional Como um dos mais importantes desdobramentos da força jurídica objetiva dos direitos fundamentais costuma apontarse para o que boa parte da doutrina e da jurisprudência constitucional na Alemanha denominou eficácia irradiante ou efeito de irradiação dos direitos fundamentais no sentido de que estes na sua condição de direito objetivo fornecem impulsos e diretrizes para a aplicação e interpretação do direito infraconstitucional implicando uma interpretação conforme aos direitos fundamentais de todo o ordenamento jurídico Associado a este efeito mas não exclusivamente decorrente do reconhecimento da dimensão objetiva visto que o papel principal neste processo foi desempenhado pela afirmação da supremacia normativa da constituição e o controle de constitucionalidade das leis está o assim designado fenômeno da constitucionalização do direito incluindo a questão da eficácia dos direitos fundamentais na esfera nas relações entre particulares que será objeto de análise em separado mais adiante Outra função que tem sido reconduzida à dimensão objetiva está vinculada ao reconhecimento de que os direitos fundamentais implicam deveres de proteção do Estado impondo aos órgãos estatais a obrigação permanente de inclusive preventivamente zelar pela proteção dos direitos fundamentais dos indivíduos não somente contra os poderes públicos mas também contra agressões por parte de particulares e até mesmo por parte de outros Estados 1022 Isto não significa contudo que não se possa a despeito da forte resistência neste sentido falar em deveres de proteção de particulares o que contudo diz mais de perto com o item dos deveres fundamentais bem como com o tópico da vinculação dos particulares aos direitos fundamentais Tais deveres de proteção parte dos quais expressamente previstos nas constituições podem ser também reconduzidos ao princípio do Estado de Direito na medida em que o Estado é o detentor do monopólio tanto da aplicação da força quanto no âmbito da solução dos litígios entre os particulares 1023 Por força dos deveres de proteção aos órgãos estatais incumbe assegurar níveis eficientes de proteção para os diversos bens fundamentais o que implica não apenas a vedação de omissões mas também a proibição de uma proteção manifestamente insuficiente tudo sujeito a controle por parte dos órgãos estatais inclusive por parte do Poder Judiciário 1024 Assim os deveres de proteção implicam deveres de atuação prestação do Estado e no plano da dimensão subjetiva na condição de direitos à proteção inseremse no conceito de direitos a prestações direitos à proteção estatais Uma terceira função igualmente vinculada à dimensão objetiva e que além disso demonstra que todas as funções dos direitos fundamentais tanto na perspectiva jurídicoobjetiva quanto na dimensão subjetiva guardam direta conexão entre si e se complementam reciprocamente embora a existência de conflitos pode ser genericamente designada de função organizatória e procedimental Neste sentido sustentase que a partir do conteúdo das normas de direitos fundamentais é possível extrair consequências para a aplicação e interpretação das normas procedimentais mas também para uma formatação do direito organizacional e procedimental que auxilie na efetivação da proteção aos direitos fundamentais evitandose os riscos de uma redução do seu significado e conteúdo material 1025 Neste contexto há que considerar a íntima vinculação entre direitos fundamentais organização e procedimento no sentido de que os direitos fundamentais são ao mesmo tempo e de certa forma dependentes da organização e do procedimento no mínimo sofrem uma influência da parte destes mas simultaneamente também atuam sobre o direito procedimental e as estruturas organizacionais 1026 Tendo em vista que os deveres de proteção do Estado em muitos casos se concretizam por meio de normas dispondo sobre o procedimento administrativo ou judicial inclusive criando e aperfeiçoando técnicas de tutela dos direitos 1027 bem como pela criação de órgãos incumbidos da tutela e promoção de direitos constatase desde já a conexão que pode existir entre estas duas facetas da perspectiva jurídicoobjetiva dos direitos fundamentais no caso entre os deveres de proteção e a dimensão organizatória e procedimental Já na perspectiva das posições subjetivas das quais é investido o titular de direitos fundamentais consolidouse a noção de que se trata de espécie do gênero direitos a prestações visto que seu objeto é o de assegurar ao indivíduo a execução implementação de procedimentos ou organizações em geral ou mesmo a possibilidade de participação em procedimentos ou estruturas organizacionais já existentes 1028 Por outro lado isso não significa é bom frisar que a dimensão procedimental e organizatória no que diz com o plano subjetivo possa ser limitada à condição dos direitos fundamentais como direitos a prestações Em síntese o que importa sublinhar nesta quadra é que a fruição de diversos direitos fundamentais não se revela possível ou no mínimo perde em efetividade sem que sejam colocadas à disposição prestações estatais na esfera organizacional e procedimental 1029 As funções vinculadas à dimensão objetiva dos direitos fundamentais por sua vez influenciaram a dimensão subjetiva isto é a noção de direitos fundamentais como direitos subjetivos contribuindo para o seu alargamento de modo a se falar até mesmo numa espécie de hipertrofia dos direitos fundamentais 1030 De qualquer modo é certo que a di mensão objetiva encontra ressonância na perspectiva subjetiva falase inclusive de direitos à proteção e direitos à organização e procedimento visto que os efeitos jurídicos inerentes à dimensão objetiva implicam em maior ou menor medida a possibilidade de invocar tais efeitos perante o Poder Judiciário por meio dos diversos mecanismos disponíveis tópico que todavia aqui não será desenvolvido por dizer respeito mais diretamente ao tema da eficácia das normas de direitos fundamentais 343 Multifuncionalidade e classificação dos direitos fundamentais na ordem constitucional Na quadra atual da evolução da teoria dos direitos fundamentais é voz corrente que a circunstância de os direitos fundamentais apresentarem uma dupla dimensão subjetiva como posições subjetivas isto é direitos subjetivos atribuídas aos seus titulares e obje tiva implica uma multiplicidade de funções dos direitos fundamentais na ordem jurídicoconstitucional Tal fenômeno traduzido por uma assim chamada multifuncionalidade dos direitos fundamentais guarda relação também com o fato de que no Estado Constitucional contemporâneo o que à evidência vale para o caso brasileiro notadamente no marco da Constituição Federal os direitos fundamentais não correspondem a uma teoria de base não se podendo falar pelo menos não em termos gerais e tomando como parâmetro a maioria dos países em uma concepção estritamente liberal socialista ou institucional para além de outras concepções que poderiam ser invocadas dos direitos fundamentais 1031 Por outro lado a noção de que os direitos fundamentais cumprem papéis diversificados na ordem constitucional pode ser tributada no que diz com sua origem remota ao publicista alemão Georg Jellinek tendo sido formulada no final do século XIX portanto ainda fortemente impregnada de elementos do Estado Liberal mas que mesmo assim foi precursora da evolução posterior De maneira sumária para Jellinek designadamente a partir de sua obra intitulada Sistema dos direitos subjetivos públicos System der subjektiv öffentlichen Rechte o indivíduo como vinculado a determinado Estado encontra sua posição relativamente a este cunhada por quatro espécies de situações jurídicas status seja como sujeitos de deveres seja como titular de direitos No âmbito do status passivo status subjectionis o indivíduo estaria subordinado aos poderes estatais sendo neste contexto meramente detentor de deveres de modo que o Estado possui a competência de vincular o cidadão juridicamente por meio de mandamentos e proibições O status negativus consiste numa esfera individual de liberdade imune ao jus imperii do Estado que na verdade é poder juridicamente limitado O terceiro status referido por Jellinek é o assim denominado status positivus ou status civitatis no qual ao indivíduo é assegurada juridicamente a possibilidade de utilizarse das instituições estatais e de exigir do Estado determinadas ações positivas Por fim encontrase o chamado status activus no qual o cidadão passa a ser considerado titular de competências que lhe garantem a possibilidade de participar ativamente da formação da vontade estatal como por exemplo pelo direito de voto 1032 O reconhecimento da multifuncionalidade dos direitos fundamentais evidentemente contextualizado mediante a indispensável filtragem constitucional auxilia por sua vez na eleição de uma forma adequada de classificação dos direitos fundamentais Neste sentido embora haja diversas formas de classificar os direitos fundamentais nem sempre incompatíveis entre si pois fundadas em critérios distintos a Constituição Federal no seu Título II preferiu classificar os direitos fundamentais de uma forma não necessariamente sistemática e operacional além de em alguns aspectos até mesmo anacrônica ou pelo menos terminologicamente questionável pois dividiu o título dos direitos e garantias fundamentais e a distinção entre direitos e garantias já é uma forma de classificação em cinco capítulos o primeiro versando sobre os direitos e deveres individuais e coletivos embora os deveres não sejam direitos ainda que em parte diretamente conexos a direitos o segundo cuidando dos direitos sociais o terceiro dispondo sobre nacionalidade o quarto sobre os direitos políticos e o último sobre os partidos políticos A própria distinção entre direitos e garantias por sua vez não pode mascarar a circunstância de que em termos gerais as garantias embora evidentemente tenham uma função de natureza assecuratória e nesta perspectiva instrumental 1033 atuam também como direitos tanto na dimensão subjetiva quanto na dimensão objetiva pois investem o seu titular de uma posição subjetiva no sentido de invocar a garantia em seu favor É por esta razão que muitos preferem utilizar opção aqui considerada correta as expressões direitosgarantia ou princípiosgarantia 1034 Sem que aqui se vá aprofundar este aspecto importa ter presente que os direitos fundamentais sejam eles direitos ou garantias individuais ou sociais de nacionalidade ou direitos políticos em geral abrangem um complexo de posições jurídicas que seguindo a prestigiada fórmula de Robert Alexy assumem condição negativa defensiva e positiva prestacional 1035 Em outras palavras especialmente levando em conta a posição subjetiva atribuída ao titular do direito os direitos fundamentais atuam em muitos casos simultaneamente tanto como direitos de defesa compreendidos como direitos a não intervenção no âmbito de proteção do direito por parte do Estado ou outros particulares quanto como direitos a prestações incluindo tanto prestações de cunho normativo quanto material fático Tal classificação a despeito das críticas que têm recebido não é incompatível com o fato de que também os direitos de liberdade assim como os direitos negativos de um modo geral dependem de um sistema de prestações guardando portanto direta relação com os assim designados direitos positivos prestacionais Assim a classificação adotada refuta qualquer compreensão dicotômica a respeito dos direitos fundamentais como direitos de defesa negativos e a prestações positivos já que ambas se complementam e a despeito de eventualmente entrarem em conflito como de resto há conflitos dos direitos negativos entre si como dá conta o clássico embate entre liberdade de expressão e a proteção da vida imagem e da honra acabam por se reforçar mutuamente O que não se deve esquecer é que em matéria de direitos fundamentais como direitos subjetivos em verdade o que temos é um complexo heterogêneo de posições jurídicosubjetivas fundamentais que no âmbito das diversas funções exercidas pelos direitos fundamentais podem assumir tanto uma dimensão positiva quanto negativa 1036 Para melhor compreensão da proposta de classificação conveniente partir da premissa de que existe um direito fundamental em sentido amplo o direito fundamental considerado como um todo ou seja o direito compreendido como complexo de posições jurídicas Todavia consideradas de modo individualizado tais posições jurídicas assumem a condição de direitos subjetivos cujo objeto é neste sentido mais determinado e poderá ser tanto negativo quanto positivo É possível ilustrar a afirmativa mediante recurso ao exemplo do direito à saúde Este não é propriamente um direito apenas visto que na condição de um direito fundamental como um todo abrange tanto para além dos efeitos na perspectiva objetiva posições subjetivas negativas atuando portanto como direito de defesa quanto posições positivas na condição de direito a prestações Com efeito o direito à saúde opera como direito de defesa quando se trata da possibilidade de impugnar medidas que venham a afetar a saúde de alguém ou mesmo interferir nos níveis de proteção da saúde já concretizados pelo Estado Por outro lado como direito positivo o direito à saúde pode ter como objeto a exigibilidade de prestações estatais em matéria de saúde como medicamentos internação hospitalar etc ou medidas de caráter normativo por exemplo a regulamentação da EC 29 no que diz com a garantia de recursos para financiar o sistema de saúde É precisamente neste sentido que é possível falar não em um mas em vários direitos à saúde assim como em vários direitos à educação garantia da gratuidade do ensino público direito de acesso ao ensino fundamental liberdade de ensino e pesquisa etc visto que tal esquema ainda que com importantes variações aplica se de modo generalizado Em síntese afinados neste particular com a sistematização apresentada por Robert Alexy 1037 embora ligeiramente adaptada é possível afirmar que considerados em sentido amplo na condição de um direito como um todo os direitos fundamentais cumprem em regra uma dupla função abarcando um viés dimensão simultaneamente negativo e positivo Todavia de acordo com o objeto de cada posição subjetiva atribuída ao titular do direito os direitos fundamentais podem ser classificados em 1 direitos de defesa direitos negativos no sentido de proibições de intervenção exigências de abstençãoomissão 2 direitos a prestações direitos positivos no sentido de direitos a ações positivas que exigem do destinatário uma atuação em nível de prestações fáticas materiais ou normativas jurídicas incluindo neste caso o dever de emitir normas de proteção organização e procedimento 35 A titularidade dos direitos e garantias fundamentais quem é o sujeito dos direitos 351 Considerações gerais Embora a existência no Brasil de considerável doutrina utilizando o termo destinatário no sentido de destinatário da proteção ou tutela do direito como sinônimo de titular de direitos fundamentais 1038 é preciso enfatizar que a terminologia que corresponde à tendência dominante no cenário constitucional contemporâneo é a de titular de direitos fundamentais Em apertada síntese titular do direito é o sujeito do direito ou seja é quem figura como sujeito ativo da relação de direito subjetivo ao passo que destinatário do direito é a pessoa física ou mesmo jurídica ou ente despersonalizado em face da qual o titular pode exigir o respeito a proteção ou a promoção do seu direito Aspecto que segue gerando polêmica diz respeito à distinção entre a titularidade de direitos fundamentais e a capacidade jurídica regulada pelo Código Civil sendo a titularidade para alguns efeitos seguramente mais ampla que a capacidade jurídica Com efeito no plano do direito constitucional registrase a tendência de superação da distinção entre capacidade de gozo e capacidade de exercício de direitos a primeira identificada com a titularidade pois como dá conta a lição de Jorge Miranda a titularidade de um direito portanto a condição de sujeito de direitos fundamentais abrange sempre a correspondente capacidade de exercício 1039 Na mesma linha de entendimento enfatizando a ausência de utilidade da distinção entre capacidade de direito e de exercício colacionase a lição de José Joaquim Gomes Canotilho para quem uma aplicação direta e generalizada da capacidade de fato exercício em matéria de direitos fundamentais poderia resultar numa restrição indevida de tais direitos de modo que notadamente quanto aos direitos que prescindem de determinado grau de maturidade para serem exercidos não haveria razão para reconhecer a distinção entre capacidade de direito e de fato 1040 A partir das considerações tecidas resulta necessário sempre identificar de qual direito fundamental se trata em cada caso pois diversas as manifestações em termos de capacidade de direito e capacidade de fato ou de exercício como por exemplo no caso de menores e incapazes em geral Assim resulta correto afirmar que a determinação da titularidade independentemente da distinção entre titularidade e capacidade jurídica de direitos fundamentais não pode ocorrer de modo prévio para os direitos fundamentais em geral mas reclama identificação individualizada à luz de cada norma de direito fundamental e das circunstâncias do caso concreto e de quem figura nos polos da relação jurídica 1041 352 A pessoa natural como titular de direitos fundamentais a titularidade universal e sua interpretação na Constituição Federal A despeito de a Constituição Federal ter atribuído a titularidade dos direitos e garantias fundamentais aos brasileiros e estrangeiros residentes no País art 5º caput também no direito constitucional positivo brasileiro encontrou abrigo o princípio da universalidade Tal princípio embora sempre vinculado ao princípio da igualdade com este não se confunde Aliás não é à toa que o constituinte no mesmo dispositivo enunciou que todos são iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza e logo na sequência atribuiu a titularidade dos direitos fundamentais aos brasileiros e estrangeiros residentes no País Assim embora diversamente do que estabeleceu por exemplo a Constituição portuguesa de 1976 art 12 no sentido de que todos os cidadãos gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres consignados na Constituição uma interpretação sistemática não deixa margem a maiores dúvidas no tocante à recepção do princípio da universalidade ainda que de forma mitigada em relação a outras ordens constitucionais no direito constitucional positivo brasileiro 1042 De acordo com o princípio da universalidade todas as pessoas pelo fato de serem pessoas são titulares de direitos e deveres fundamentais o que por sua vez não significa que não possa haver diferenças a serem consideradas inclusive em alguns casos por força do próprio princípio da igualdade além de exceções expressamente estabelecidas pela Constituição como dá conta a distinção entre brasileiro nato e naturalizado algumas distinções relativas aos estrangeiros entre outras Como bem leciona Gomes Canotilho a universalidade será alargada ou restringida de acordo com a postura do legislador constituinte sempre respeitando o núcleo essencial de direitos fundamentais que é intangível por qualquer discricionariedade núcleo que pode ser alargado pela atuação e concretização judicial dos direitos 1043 É preciso enfatizar por outro lado que o princípio da universalidade não é incompatível com o fato de que nem mesmo os brasileiros e os estrangeiros residentes no País são titulares de todos os direitos sem qualquer distinção já que direitos há que são atribuídos apenas a determinadas categorias de pessoas Assim ocorre por exemplo com os direitos dos cônjuges dos pais dos filhos dos trabalhadores dos apenados dos consumidores tudo a demonstrar que há diversos fatores permanentes ou vinculados a determinadas situações ou circunstâncias como é o caso da situação familiar da condição econômica das condições físicas ou mentais da idade etc que determinam a definição de cada uma dessas categorias Em suma o que importa para efeitos de aplicação do princípio da universalidade é que toda e qualquer pessoa que se encontre inserida em cada uma dessas categorias seja em princípio titular dos respectivos direitos 1044 O princípio da universalidade por sua vez diz respeito em primeira linha à pessoa natural pessoa física 1045 A Constituição Federal no caput do seu art 5º reconhece como titular de direitos fundamentais orientada pelo princípio da dignidade humana art 1º III e pelos conexos princípios da isonomia e universalidade toda e qualquer pessoa seja ela brasileira ou estrangeira residente no País Contudo a própria dicção do texto constitucional que precisa ser considerada exige que algumas distinções entre nacionais e estrangeiros devam ser observadas designadamente no que diz com a cidadania e a nacionalidade pois como bem anotou Gilmar Mendes a nacionalidade configura vínculo político e pessoal que se estabelece entre o Estado e o indivíduo fazendo com que este integre uma dada comunidade política o que faz com que o Estado distinga o nacional do estrangeiro para diversos fins 1046 Quando no seu art 5º caput a Constituição Federal se refere a brasileiros tal expressão é de ser interpretada como abrangendo todas as pessoas que possuem a nacionalidade brasileira independentemente da forma de aquisição da nacionalidade ou seja independentemente de serem brasileiros natos ou naturalizados ressalvadas algumas exceções previstas na própria Constituição que reservam aos brasileiros natos alguns direitos De outra parte o gozo da titularidade de direitos fundamentais por parte dos brasileiros evidentemente não depende da efetiva residência em território brasileiro pois a titularidade depende exclusivamente do vínculo jurídico da nacionalidade 1047 Entre os direitos reservados aos nacionais e que portanto não são assegurados ao estrangeiro residente no País destacamse os direitos políticos embora precisamente quanto a estes existam restrições em relação aos brasileiros naturalizados Com efeito apenas para ilustrar por força do art 12 2º e 3º da CF são privativos dos brasileiros natos os cargos de Presidente e Vice Presidente da República de Presidente da Câmara dos Deputados de Presidente do Senado Federal de Ministro do STF da carreira diplomática de oficial das Forças Armadas e de Ministro de Estado da Defesa Aos estrangeiros naturalizados é assegurado o exercício dos cargos não reservados constitucionalmente aos brasileiros natos impondose especial atenção aos casos em que haja reciprocidade de tratamento como o do acordo bilateral entre Brasil e Portugal Dec 3927 de 19092001 Caso especial do reconhecimento de direito fundamental de acesso a cargos e empregos públicos remunerados aos estrangeiros está previsto por exemplo no inciso I do art 37 assim como no 1º do art 207 da CF com a redação imprimida pelas Emendas Constitucionais 191998 e 111996 respectivamente Por sua vez há direitos fundamentais cuja titularidade é reservada aos estrangeiros como é o caso do direito ao asilo político e a invocação da condição de refugiado e das prerrogativas que lhe são inerentes direitos que pela sua natureza não são dos brasileiros 353 O problema da titularidade de direitos fundamentais por parte dos estrangeiros e a relevância da distinção entre estrangeiro residente e não residente O fato de a Constituição Federal ter feito expressa referência aos estrangeiros residentes acabou colocando em pauta a discussão a respeito da extensão da titularidade de direitos fundamentais aos estrangeiros não residentes no Brasil bem como sobre a própria definição do que sejam estrangeiros residentes para sendo o caso justificar eventual recusa da titularidade de direitos aos demais estrangeiros não residentes Aliás neste particular severas as críticas endereçadas ao constituinte de 1988 por estar aferrado a uma tradição que remonta à primeira Constituição da República 1891 na qual já se fazia a distinção entre estrangeiros residentes e demais estrangeiros excluindo estes da tutela constitucional dos direitos fundamentais 1048 Por outro lado a distinção entre estrangeiros residentes e não residentes por ter sido expressamente estabelecida na Constituição Federal não pode ser pura e simplesmente desconsiderada podendo contudo ser interpretada de modo mais ou menos restritivo sempre guiada pelos princípios da dignidade da pessoa humana e da correlata noção de titularidade universal dos direitos humanos e fundamentais Uma primeira alternativa de interpretação mais extensiva guarda relação com a definição de estrangeiro residente e não residente de tal sorte que em homenagem aos princípios da dignidade da pessoa humana isonomia e universalidade fundamento aqui adotado seja adotada a interpretação mais favorável ao indivíduo Assim estrangeiros residentes são considerados todos os que não sendo brasileiros natos ou naturalizados se encontram pelo menos temporariamente no País guardando portanto algum vínculo com certa duração 1049 Este é o caso por exemplo do estrangeiro que trabalha no Brasil resida com familiares ou mesmo aquele beneficiado com visto de duração superior à do turista ou de outra pessoa que apenas ingresse no País de forma eventual por exemplo para visitar amigos ou parentes para atividades profissionais de curta duração entre outras Tal entendimento ademais disso corresponde à jurisprudência tranquila do STF inclusive em matéria de direitos sociais 1050 Hipótese distinta é a da extensão da titularidade de direitos fundamentais a qualquer estrangeiro ainda que não residente mesmo nos casos em que tal não decorre diretamente de disposição constitucional expressa Neste contexto há que invocar o princípio da universalidade que fortemente ancorado no princípio da dignidade da pessoa humana e no âmbito de sua assim designada função interpretativa na dúvida implica uma presunção de que a titularidade de um direito fundamental é atribuída a todas as pessoas 1051 Além disso a recusa da titularidade de direitos fundamentais aos estrangeiros não residentes que salvo nas hipóteses expressamente estabelecidas pela Constituição poderiam contar apenas com uma tutela legal portanto dependente do legislador infraconstitucional viola frontalmente o disposto no art 4º II da CF que com relação à atuação do Brasil no plano das relações internacionais preconiza seja assegurada a prevalência dos direitos humanos posição que inclusive encontra respaldo em diversos julgados do STF 1052 Ainda neste contexto por se cuidar de aspecto relativo aos estrangeiros de um modo geral é preciso destacar que eventual ilegalidade da permanência no Brasil por si só não afasta a titularidade de direitos fundamentais embora não impeça respeitados os direitos inclusive o do devido processo legal eventuais sanções incluindo a deportação ou mesmo a extradição 1053 Em síntese são pelo menos três os critérios para determinação de quais são os direitos fundamentais que na perspectiva da Constituição Federal podem ter sua titularidade atribuída mesmo a estrangeiros não residentes no Brasil a por força do princípio da universalidade combinado com o princípio da dignidade da pessoa humana todos os direitos que guardam relação direta com a dignidade da pessoa humana no sentido de constituírem exigência desta mesma dignidade isto é direitos cuja violação e supressão implicam também violação da dignidade da pessoa humana são necessariamente direitos de todos brasileiros e estrangeiros sejam eles residentes ou não b a própria Constituição Federal ao enunciar os direitos fundamentais em diversos casos faz referência expressa textual a um alargamento da titularidade o que se depreende já da redação do próprio art 5º caput todos são iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza que antecede a referência a brasileiros e estrangeiros residentes no país 1054 ainda mais quando tal critério for complementar em relação ao parâmetro da universalidade e dignidade da pessoa humana Para ilustrar tal afirmação tomese por exemplo o caso do art 5º III segundo o qual ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante A expressão ninguém ainda mais no caso em exame dificilmente poderia ser interpretada como excluindo do âmbito de proteção da norma no caso uma regra que densifica o princípio da dignidade da pessoa humana os estrangeiros não residentes Assim quando a Constituição Federal expressamente se refere a ninguém todos etc em homenagem ao princípio da universalidade a titularidade deve ser interpretada como sendo de todos c um terceiro critério poderia ser utilizado no caso recorrendo se à noção de abertura material do catálogo de direitos fundamentais consagrada no art 5º 2º da CF quando este faz referência a direitos previstos nos tratados internacionais dos quais o Brasil seja parte Com efeito tal dispositivo somado ao critério da universalidade e ao princípio da prevalência dos direitos humanos art 4º II da CF indica que quando se tratar de direitos consagrados em tratados ratificados pelo Brasil ainda mais mas não necessariamente apenas neste caso quando também constantes do texto constitucional tais direitos devem ter sua titularidade atribuída em princípio a qualquer pessoa ressalvadas hipóteses excepcionais em que incidem outros critérios de matriz jurídicoconstitucional ou mesmo oriundas do direito internacional dos direitos humanos O critério ora esboçado encontrase por certo sujeito a controvérsia como por exemplo a discussão em torno da hierarquia dos tratados no direito interno Cuidandose apenas de hierarquia supralegal como atualmente sustentado no STF tais direitos e portanto sua titularidade estariam em plano diverso dos direitos previstos na Constituição e sempre alguém poderia argumentar que a regra do art 5º caput da CF deveria prevalecer Mas isso todavia apenas seria uma objeção em tese oponível aos direitos dos tratados que simultaneamente não constem expressa ou implicitamente na CF pois quanto a esses precisamente por já estarem constitucionalizados o argumento da extensão aos estrangeiros não residentes acima vertido se aplica sem exceção De qualquer modo cuidase de tópico a merecer maior reflexão e que considerando a necessidade de maior integração na esfera internacional bem como uma interpretação sistemática da Constituição Federal poderia ser adotado em caráter pelo menos complementar aos dois critérios anteriores 354 O problema da titularidade de direitos fundamentais nos limites da vida Caso difícil em termos de atribuição de titularidade dos direitos fundamentais é aquele da condição de embrião humano e do nascituro Desde logo designadamente quanto aos embriões impõese uma distinção a a dos embriões implantados no útero materno b a dos que se encontram no ambiente laboratorial aguardando o seu destino Em ambos os casos a questão está centrada no direito à vida e mesmo na atribuição de dignidade humana a esta vida assim como no reconhecimento de direitos fundamentais correspondentes No caso dos embriões e fetos em fase gestacional com vida uterina nítida é a titu laridade de direitos fundamentais especialmente no que concerne à proteção da conservação de suas vidas e onde já se pode inclusive reconhecer como imanentes os direitos da personalidade assim como em alguns casos direitos de natureza patrimonial embora tais aspectos sigam sendo discutidos em várias esferas Na seara da proteção penal de bens fundamentais situase por exemplo a proibição ainda que não absoluta do aborto embora já se registrem muitas iniciativas no direito estrangeiro no sentido da descriminalização Por outro lado segue intenso o debate sobre os limites da proteção da vida antes do nascimento como dá conta entre nós a controvérsia a respeito da interrupção da gravidez nos casos de anencefalia já apreciada pelo STF 1055 e mesmo a liberdade de opção da mulher no sentido de praticar o abortamento nas primeiras doze semanas da gravidez também submetida ao crivo do STF 1056 ademais da já declarada constitucionalidade da utilização de embriões excedentes obtidos a partir de reprodução assistida extrauterina 1057 Para os embriões que ainda não se encontram em fase gestacional portanto com vida extrauterina caso por exemplo dos embriões excedentes dos préimplantados ou concepturos a questão é mais delicada e merece especial reflexão o que dados os limites do presente tópico aqui não poderá ser objeto de maior desenvolvimento Tomandose como referência no plano do direito estrangeiro a doutrina e a jurisprudência da Alemanha que em termos gerais reconhecem de há muito a tutela constitucional da vida e da dignidade antes do nascimento 1058 resulta evidente que não se pode reconhecer simultaneamente o direito à vida como algo intrínseco ao ser humano e não dispensar a todos os seres humanos igual proteção das suas vidas numa nítida menção à humanidade do embrião e com ainda maior razão à condição humana do nascituro Tal entendimento a despeito de importantes variações na doutrina tem sido majoritariamente consagrado na doutrina brasileira 1059 que igualmente assegura uma tutela constitucional e jusfundamental à vida não nascida intrauterina mas também reconhece em termos gerais uma ainda que diferenciada proteção à vida embrionária extrauterina 1060 Já no que diz com o reconhecimento ao embrião e ao nascituro da condição de pessoa para efeitos do regulado pelo Código Civil brasileiro art 2º a situação já se revela diversa não faltando quem a despeito de reconhecer uma tutela constitucional da vida nesta fase recuse a personalidade jurídica 1061 Sobre o ponto é preciso destacar que de acordo com a jurisprudência do STF especialmente a partir dos precedentes ora referidos pesquisas com célulastronco interrupção da gravidez em casos de anencefalia e habeas corpus sobre a legitimidade do aborto nas primeiras doze semanas de gravidez embora não se possa extrair uma posição sólida e conclusiva sobre a matéria tendo em conta os poucos votos que adentraram a discussão da titularidade propriamente dita é possível afirmar especialmente com base no voto vencedor do Ministro Carlos Ayres Britto no caso das pesquisas com célulastronco que o Tribunal consagrou a tese natalista ou seja de que a titularidade de direitos fundamentais apenas se dá com o nascimento com vida com a aquisição portanto da personalidade jurídica Por outro lado não nos parece correto afirmar que daí se possa extrair a conclusão de que eventual proteção jurídica da fase anterior da vida humana se verifica apenas do ponto de vista do direito infraconstitucional 1062 pois o próprio Carlos Ayres Britto na ocasião referiu a existência de uma projeção objetiva da dignidade humana nesse domínio Além disso é conhecida a distinção entre a condição de indivíduo e a de pessoa ou como prefere Jürgen Habermas entre a dignidade da vida humana e a dignidade da pessoa humana esta última atribuída ao nascido com vida ambas as fases cobertas pela proteção jurídicoconstitucional embora de modo distinto visto que a vida do nascituro por não ostentar a condição de pessoa e de sujeito de direitos subjetivos será sim obje to da proteção constitucional na perspectiva objetiva por conta dos deveres de proteção estatais para com a vida e dignidade humana Aliás a própria Convenção Americana de Direitos Humanos bem invocada pelo Ministro Ricardo Lewandowski nos dois precedentes citados do STF dispõe que a vida humana será protegida desde a concepção o que todavia não implica por si só o reconhecimento de uma pessoa como titular de direitos mas pelo menos indica aqui também um dever de proteção daquela vida humana ainda não nascida Nesse contexto calha referir o entendimento de Virgílio Afonso da Silva para quem o início da titularidade se dá com o nascimento com vida sendo equivocada a associação que alguns fazem entre o dever de proteger determinados bens jurídicos e interesses e a existência de um direito complementando seu argumento mediante invocação do fato de que o art 5º caput da CF define como titulares os brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil destacando que a condição de brasileiro nacionalidade e de estrangeiro nacional de outro país só se adquire com o nascimento com vida 1063 De qualquer sorte seja qual for a teoria que se pretenda adotar nessa matéria o que nos parece inafastável é a circunstância de que a vida humana antes do nascimento é destinatária da proteção jurídicoconstitucional de tal sorte que o legislador infraconstitucional se encontra também sempre e de algum modo vinculado a tal mister ainda que possa variar o nível de proteção efetiva a depender da posição adotada De todo modo levando em conta por outro lado que tal discussão guarda conexão com inúmeros problemas teóricos e práticos abrangendo desde a antiga discussão sobre as possibilidades e limites da interrupção da gravidez até os diversos aspectos que envolvem as terapias gênicas e processos reprodutivos artificiais aqui são indicados apenas os contornos da problemática que demanda maior aprofundamento mediante acesso à literatura especializada Outra hipótese especial a ser brevemente analisada diz com a possível titularidade post mortem dos direitos fundamentais especialmente considerando os efeitos daí decorrentes sejam individuais ou patrimoniais inclusive quanto aos reflexos em universalidades de direito como é o caso da sucessão No direito constitucional comparado sempre volta a ser mencionada a assim designada sentença Mefisto do Tribunal Constitucional Federal da Alemanha 1064 em que se estabeleceu que a obrigação por parte do Estado de tutelar a dignidade da pessoa humana assim como os direitos de personalidade que lhe são inerentes não cessa com a morte Nesse contexto situamse por exemplo os direitos ao bom nome à privacidade à honra bem como o dever e direito de respeito ao cadáver a discussão sobre a possibilidade de disposição de órgãos entre outros 1065 É certo que a própria definição de quando ocorre o evento morte pressuposto lógico para eventual reconhecimento da titularidade de direitos fundamentais nesta fase segue sendo objeto de discussão em diversas áreas do conhecimento inclusive no campo do direito basta apontar para as questões ligadas ao transplante de órgãos a interrupção do uso de equipamentos médicos a determinação da abertura da sucessão entre tantas outras não sendo todavia objeto de atenção neste comentário 355 Pessoas jurídicas como titulares de direitos fundamentais Diversamente de outras Constituições como é o caso da Lei Fundamental da Alemanha art 19 III e da Constituição da República Portuguesa de 1976 art 122 a Constituição Federal não contém cláusula expressa assegurando a titularidade de direitos fundamentais às pessoas jurídicas ou entes coletivos como preferem alguns o que todavia não impediu doutrina e jurisprudência de reconhecerem de forma tranquila tal possibilidade 1066 ressalvada alguma discussão pontual sobre determinadas hipóteses e eventuais limitações decorrentes da condição de pessoa jurídica Com efeito como bem pontua Walter Claudius Rothenburg as pessoas jurídicas são sujeitos de direitos fundamentais pois são projeções de pessoas físicas ainda que coletivamente consideradas as pessoas físicas constituem fazem parte da estrutura das pessoas jurídicas e atingir estas implica atingir necessariamente também os indivíduos que a compõem 1067 Da mesma forma foi recepcionada no direito constitucional brasileiro a tese de que as pessoas jurídicas ao contrário das pessoas naturais físicas ou singulares não são titulares de todos os direitos mas apenas daqueles direitos que lhes são aplicáveis por serem compatíveis com a sua natureza peculiar de pessoa jurídica além de relacionados aos fins da pessoa jurídica o que todavia há de ser verificado caso a caso 1068 Neste particular também ao direito constitucional brasileiro é aplicável segundo o entendimento aqui adotado a lição de Jorge Miranda no sentido da inexistência de uma equiparação entre pessoas jurídicas e naturais 1069 visto que se trata em verdade de uma espécie de cláusula no caso brasileiro de uma cláusula implícita de limitação designadamente de limitação da titularidade aos direitos compatíveis com a condição de pessoa jurídica 1070 Ainda no que diz com o tópico ora versado verificase não serem muitos os casos em que a Constituição Federal expressamente atribuiu a titularidade de direitos fundamentais às pessoas jurídicas arts 5º XXI 8º III 17 especialmente 1º e 3º 170 IX 207 entre outros havendo mesmo quem propõe uma interpretação mais restritiva e apegada ao texto constitucional no sentido de que na falta de previsão constitucional expressa os direitos da pessoa jurídica embora reconhecidos por lei não gozam de proteção constitucional podendo o legislador infraconstitucional introduzir as limitações que considerar necessárias inclusive diferenciando o tratamento das pessoas jurídicas e físicas 1071 Tal posição mais restritiva não corresponde contudo ao que parece ser a orientação majoritária aqui também adotada inclusive por parte do STF 1072 prevalecendo a regra geral de que em havendo compatibilidade entre o direito fundamental e a natureza e os fins da pessoa jurídica em princípio prima facie reconhecese a proteção constitucional o que por outro lado não impede que o legislador estabeleça determinadas distinções ou limitações sujeitas contudo ao necessário controle de constitucionalidade Convém não esquecer nesta perspectiva que a extensão da titularidade de direitos fundamentais às pessoas jurídicas tem por finalidade maior a de proteger os direitos das pessoas físicas além do que em muitos casos é mediante a tutela da pessoa jurídica que se alcança uma melhor proteção dos indivíduos 1073 Questão bem mais controversa diz com a atribuição de titularidade às pessoas jurídicas de direito público visto que em regra consideradas destinatárias da vinculação dos direitos fundamentais na condição de sujeitos passivos da obrigação de tutela e promoção dos direitos fundamentais de tal sorte que em termos gerais as pessoas jurídicas de direito público têm tido recusada a condição de titulares de direitos fundamentais Todavia considerando especialmente quando se trata de um Estado Democrático de Direito tal qual consagrado pela nossa Constituição que o Estado e a sociedade não são setores isolados da existência sociojurídica sendo precisamente no amplo espaço do público que o indivíduo logra desenvolver livremente sua personalidade designadamente por meio de sua participação comunitária viabilizada em especial por meio dos direitos políticos e dos direitos de comunicação e expressão não há como deixar de reconhecer às pessoas jurídicas de direito público evidentemente consideradas as peculiaridades do caso a titularidade de determinados direitos fundamentais 1074 Com efeito a exemplo do que tem sido reconhecido no âmbito do direito comparado em que o tema tem alcançado certa relevância também no direito constitucional brasileiro é possível identificar algumas hipóteses atribuindo a titularidade de direitos fundamentais às pessoas jurídicas de direito público o que se verifica especialmente na esfera dos direitos de cunho processual como o direito de ser ouvido em juízo o direito à igualdade de armas este já consagrado no STF e o direito à ampla defesa 1075 mas também alcança certos direitos de cunho material como é o caso das universidades v a autonomia universitária assegurada no art 207 da CF dos órgãos de comunicação social televisão rádio etc das corporações profissionais autarquias e até mesmo fundações que podem a depender das circunstâncias ser titulares do direito de propriedade de posições defensivas em relação a intervenções indevidas na sua esfera de autonomia liberdades comunicativas entre outros Ainda que não de modo generalizado e a despeito da controvérsia registrada a respeito deste ponto especialmente no direito constitucional comparado também aos entes despersonalizados e a determinadas universalidades é de ser atribuída a titularidade de determinados direitos fundamentais como dão conta os casos da sucessão da família entre outros Da mesma forma digno de nota é o caso do povo judeu ou mesmo outros povos e nações curdos armênios etc aos quais é possível atribuir a titularidade de direitos fundamentais como o direito à honra e a sua reparação 356 Direitos fundamentais da natureza em especial a titularidade de direitos por parte dos animais não humanos Ainda que não se trate de um tema em si novo a querela em torno da atribuição de direitos à natureza mas com particular ênfase aos animais não humanos acabou tendo cada vez maior destaque Além do debate na esfera acadêmica onde se registra já uma série de vozes em sentido favorável à titularidade de direitos pelos animais também no direito positivo tanto constitucional quanto infraconstitucional e na jurisprudência encontrase crescente receptividade em relação a tal ponto Embora não se possa e nem se pretenda aqui desenvolver o tema importa contudo tecer algumas considerações a respeito Nessa perspectiva convém lembrar que a CF não prevê que os animais são titulares de direitos fundamentais mas e isso é crucial para o deslinde do problema estabeleceu no art 225 1º VII ser dever do Estado proteger a fauna e a flora vedando expressamente todas as práticas que possam colocar em risco sua função ecológica que provoquem a extinção de espécies e que submetam os animais à crueldade Assim é pelo menos legítimo e é a posição que advogamos há tempo que da vedação da crueldade com os animais e o constituinte de 1988 1076 se pode depreender a chancela constitucional de uma dignidade da vida não humana que aliás embora no caso dos animais seja a nosso sentir algo incontestável não se confundindo é claro com a dignidade da pessoa humana e nem a da vida humana também tem sido atribuída à vida não humana em geral chegando mesmo a existir ordens jurídicas que já reconhecem direitos da natureza como um todo como é o caso da Constituição do Equador 1077 Notese que no caso dos animais a vedação de tratamento cruel implica ao fim e ao cabo o reconhecimento de sua condição pelo menos em determinado sentido não meramente instrumental ou seja não meramente funcionalizada já que práticas cruéis por si sós nem sempre levam se não levarem à extinção de espécies ou ao desequilíbrio quanto ao número de animais a um impacto ambiental Reconhecida uma particular dignidade dos animais e mesmo que se encontrem outros fundamentos na literatura especializada o fato é que com base nisso também para nós não resulta difícil muito antes pelo contrário reconhecer que na perspectiva do direito e aqui com foco no direito constitucional os animais sejam titulares de direitos fundamentais e não apenas como seguem sendo destinatários de deveres de proteção estatais tal como expressamente estabelecidos pela CF 1078 A circunstância de que aos animais ou à natureza falta capacidade jurídica e processual não afasta a exemplo do que ocorre com pessoas jurídicas e pessoas naturais incapazes a possibilidade de uma representação Diferentemente contudo não nos soa viável e refutamos tal possibilidade smj a atribuição de direitos humanos à vida não humana Mas não é aqui que iremos desenvolver o ponto Na esfera jurisprudencial a discussão em torno de uma dignidade da vida não humana animal e mesmo acerca do reconhecimento de direitos fundamentais dos animais já chegou aos Tribunais No caso do Brasil limitandonos aqui à jurisprudência do STF calha invocar os julgamentos nos quais foram proscritas as práticas por cruéis da farra do boi 1079 da rinha de galo 1080 da vaquejada 1081 de abate de animais apreendidos em situação de maustratos 1082 bem como a declaração de constitucionalidade de medidas legais tendentes a proibir a utilização de animais em experimentos e testes 1083 embora tenha o STF entendido pela permissão do sacrifício de animais para efeitos de rituais religiosos 1084 Importa consignar que embora nos referidos julgamentos o fundamento determinante no sentido de compartilhado pela maioria dos Ministros não tenha sido o do reconhecimento de uma dimensão ecológica da dignidade humana ou de uma dignidade da vida não humana dos animais não humanos bem como de direitos dos animais alguns Ministros invocaram tal linha de argumentação Com efeito por ocasião do segundo caso envolvendo a proibição da rinha de galo 2011 o Ministro Ricardo Lewandowski referiu que a vedação de crueldade com os animais coloca em causa e viola a própria dignidade da pessoa humana No julgamento que resultou na proscrição da assim chamada vaquejada 2016 a questão foi ventilada nos votos dos Ministros Roberto Barroso valor moral e autônomo dos animais sencientes Ricardo Lewandowski propondo uma interpretação biocêntrica do art 225 da CF e Rosa Weber afirmando a existência de uma dignidade da vida não humana 1085 Além disso a atribuição de uma especial dignidade e direitos aos animais não humanos sejam eles senscientes ou não não exclui para os que a refutam o que se pode designar de uma dimensão ecológica da dignidade da pessoa humana no sentido da integração dos animais humanos na teia da vida e do reconhecimento de deveres para com a vida não humana 1086 A dimensão ecológica da dignidade da pessoa humana por sua vez não se confunde embora se comunique mediante o reconhecimento de deveres de proteção e promoção por exemplo com a noção de um mínimo existencial ecológico ou ambiental 1087 36 A aplicabilidade imediata das normas de direitos e garantias fundamentais significado e alcance do art 5º 1º da CF Embora a aplicabilidade imediata das normas de direitos e garantias fundamentais esteja inserida necessariamente no contexto mais amplo da eficácia e aplicabilidade das normas constitucionais em geral das quais as normas que definem direitos e garantias são espécie há por certo razões suficientes para uma abordagem em separado do tópico já pela relevância da norma contida no art 5º 1º da CF no quadro mais amplo do regime jurídicoconstitucional dos direitos fundamentais Com efeito um dos esteios da própria fundamentalidade consiste como já demonstrado na força jurídica privilegiada das normas de direitos fundamentais da qual o art 5º 1º da CF é justamente um dos mais importantes indicadores No que diz com a origem do referido dispositivo verificase que nas Constituições brasileiras anteriores não houve previsão de dispositivo similar cuidandose de inovação trazida pela Constituição Federal de 1988 Todavia já no anteprojeto elaborado pela Comissão Provisória de Estudos Constitucionais a assim designada Comissão Afonso Arinos 1088 a questão da força normativa dos direitos fundamentais foi contemplada visto que o art 10 do anteprojeto dispunha que os direitos e garantias constantes desta Constituição têm aplicação imediata teor que praticamente corresponde ao adotado pela atual CF com a ressalva de que esta se refere aos direitos e garantias fundamentais A despeito de alguma divergência 1089 a doutrina e a jurisprudência 1090 reconhecem em termos gerais que o mandamento da imediata aplicabilidade alcança todas as normas de direitos fundamentais independentemente de sua localização no texto constitucional o que além disso guarda sintonia com o teor literal do art 5º 1º da CF visto que este expressamente faz referência às normas definidoras de direitos e garantias fundamentais e não apenas aos direitos individuais constantes do art 5º A Constituição Federal não estabeleceu neste ponto distinção expressa entre os direitos de liberdade os assim chamados direitos civis e políticos e os direitos sociais como por exemplo fez o constituinte português notadamente ao traçar um regime jurídico em parte visto que existe um regime em parte comum distinto para os direitos liberdades e garantias de um lado e os direitos sociais econômicos e culturais de outro 1091 Assim pelo menos naquilo que corresponde ao entendimento dominante no Brasil todas as normas de direitos fundamentais estão sujeitas em princípio ao mesmo regime jurídico Isso não significa dizer por outro lado que todas as normas constitucionais já por não fruírem do regime reforçado dos direitos fundamentais tenham aplicabilidade direta em toda a sua extensão no sentido de serem todas de eficácia plena visto que não raras vezes há necessidade de interposição do legislador para alguns efeitos Com efeito a distinção entre norma definidora de direito e garantia fundamental e outras normas constitucionais de cunho impositivo de deveres de legislar por exemplo não foi superada pelo contrário acabou sendo realçada pelo tratamento privilegiado assegurado pelo constituinte às normas de direitos fundamentais De outra parte como é amplamente reconhecido e já foi objeto de consideração no capítulo sobre a eficácia e aplicabilidade das normas constitucionais mesmo normas de cunho impositivo que impõem programas de ação fins e tarefas aos poderes públicos não deixam de ter por isso eficácia jurídica e na medida de sua eficácia alguma possibilidade de aplicação portanto aplicabilidade por exemplo implicando a revogação de normas anteriores em sentido contrário ou mesmo a inconstitucionalidade de normas posteriores que contrariem os parâmetros constitucionais É preciso sempre levar em conta que a Constituição consiste em um sistema aberto de regras e princípios Gomes Canotilho 1092 de tal sorte que a possível eficácia e aplicabilidade das normas que sempre envolvem uma decisão do intérprete seguindo o entendimento de que norma e texto dispositivo não se confundem Lenio Streck 1093 também guardam relação com a estrutura normativa e com os vínculos impostos pelo texto constitucional O fato de todas as normas de direitos e garantias fundamentais terem reconhecida sua direta aplicabilidade não corresponde a afirmar que a eficácia jurídica que não se confunde com a eficácia social ou efetividade de tais normas seja idêntica a multifuncionalidade dos direitos fundamentais e o fato de estes abrangerem um conjunto heterogêneo e complexo de normas e posições jurídicas por si só já sustenta esta afirmativa 1094 Além disso há que levar em conta ser diverso o âmbito de proteção dos direitos fundamentais assim como diversos os limites aos quais estão sujeitos tudo a interferir na determinação dos efeitos jurídicos e da sua exata extensão De outra parte se é correto afirmar que a aplicabilidade direta afirmada pelo art 5º 1º da CF afasta em geral a necessidade de uma interposição legislativa pelo menos naquilo em que tal intervenção possa ser considerada um obstáculo à aplicação judicial das normas de direitos fundamentais 1095 também é certo que mesmo se tratando de normas de eficácia plena e de aplicabilidade direta as normas de direitos fundamentais estão sujeitas a regulamentação assim como estão expostas a eventuais restrições e limitações Com efeito crucial relevar que a aplicabilidade imediata não significa em hipótese alguma irrelevância da legislação infraconstitucional 1096 que aliás dá vida e concretude aos direitos fundamentais mas sim como já frisado que a ausência eventual de lei não pode servir de obstáculo absoluto à aplicação da norma de direito fundamental e da extração de efeitos úteis cuja extensão sobretudo no que diz com a dedução de posições subjetivas irá depender de qual é o direito em causa e de seus limites fáticos e jurídicos Verificase portanto que a partir do disposto no art 5º 1º da CF é possível sustentar a existência ao lado de um dever de aplicação imediata de um dever por parte dos órgãos estatais mas com ênfase nos órgãos jurisdicionais a que incumbe inclusive a revisão dos atos dos demais entes estatais nos casos de violação da Constituição de atribuição da máxima eficácia e efetividade possível às normas de direitos fundamentais 1097 o que corresponde também à orientação sedimentada na jurisprudência do STF sobre o tema 1098 Nesta perspectiva por terem direta aplicabilidade as normas de direitos fundamentais terão a seu favor pelo menos uma presunção de serem sempre também de eficácia plena portanto de acordo pelo menos com a convencional definição de normas de eficácia plena ainda prevalente no Brasil 1099 de não serem completamente dependentes de uma prévia regulamentação legal para gerarem desde logo seus principais efeitos o que à evidência não afasta eventual exceção nos casos em que a própria Constituição Federal expressamente assim o estabelece 1100 O dever de outorgar às normas de direitos fundamentais sua máxima eficácia e efetividade convive por sua vez com o dever de aplicação imediata de tais normas razão pela qual se fala neste ponto com razão no que diz com a aplicabilidade imediata em uma regra que enuncia tal dever 1101 Em termos pragmáticos o que importa destacar neste contexto é o fato de que um direito fundamental não poderá ter sua proteção e fruição negadas pura e simplesmente por conta do argumento de que se trata de direito positivado como norma programática e de eficácia meramente limitada pelo menos não no sentido de que o reconhecimento de uma posição subjetiva se encontra na completa dependência de uma interposição legislativa Para que os direitos fundamentais possam ser efetivamente trunfos contra a maioria 1102 também é preciso que se atente para a correção da já clássica formulação de Herbert Krüger no sentido de que é a lei que se move no âmbito dos direitos fundamentais e não o oposto 1103 Que tais premissas como já apontado haverão de ser consideradas sempre à luz das circunstâncias concretas e de cada norma de direito fundamental resulta evidente Assim no tocante aos direitos de liberdade de conteúdo prevalentemente mas não exclusivamente negativo ou defensivo a direta aplicabilidade e plena eficácia dificilmente geram maior discussão pelo menos não no que diz com a possibilidade em si de tais direitos serem reconhecidos mesmo sem prévia regulamentação legal no campo dos direitos sociais especialmente quando em causa a sua dimensão positiva a controvérsia segue sendo bem maior Com efeito embora o entendimento dominante afirmando a eficácia plena de todas as normas de direitos fundamentais há quem recuse aos direitos sociais a prestações assim como aos direitos a prestações em geral a sua aplicabilidade direta refutando por via de consequência a possibilidade do reconhecimento judicial de prestações que não tenham sido previamente estabelecidas e definidas pelo legislador o que aqui não será desenvolvido tanto pelo fato de haver capítulo específico sobre os direitos sociais quanto em função da circunstância de que é no contexto de cada direito fundamental que tais questões acabam sendo avaliadas Embora a existência de julgados invocando o art 5º 1º da CF o fato é que a aplicabilidade imediata das normas de direitos fundamentais ao que tudo indica não tem sido invocada com muita frequência de modo expresso na esfera das decisões judiciais inclusive no STF o que todavia não significa dizer que o STF assim como outros tribunais e juízes não tenha seguido o comando constitucional aplicando diretamente as normas de direitos fundamentais muito embora não de modo uniforme mas que não o leva em conta diretamente e não produziu a respeito uma interpretação clara e uniforme 1104 Sem que se vá aqui apresentar um inventário completo da jurisprudência é possível contudo indicar alguns exemplos demonstrando como em termos gerais a aplicabilidade imediata das normas de direitos fundamentais tem sido manejada pelo STF Nesta perspectiva verificase que o STF tem reconhecido que o disposto no art 5º 1º da CF se aplica de regra a todas as normas de direitos fundamentais pelo menos no sentido de que determinados grupos categorias de direitos como em especial os direitos sociais não estão de plano excluídos muito embora a heterogeneidade das decisões e dos casos apreciados 1105 De modo geral verificase que a jurisprudência do STF tem assumido a premissa de que a aplicabilidade direta das normas de direitos fundamentais é absolutamente incompatível com sua mera programaticidade de modo que das normas de direitos fundamentais não só podem como devem ser extraídas consequências no que diz com sua eficácia e efetividade ainda que o legislador quede omisso Dentre outros exemplos que poderiam ser colacionados possivelmente o mais importante inclusive em termos de direito comparado é o caso do direito de greve dos servidores públicos assegurado pelo STF ainda que inexistente previsão legislativa neste sentido 1106 Em termos de síntese articulando algumas diretrizes a respeito do significado da norma contida no art 5º 1º da CF é possível enunciar o que segue a Do disposto no art 5º 1º da CF é possível extrair tanto um dever de maximização otimização da eficácia e efetividade das normas de direitos fundamentais quanto uma regra impositiva de um dever de aplicação imediata de tais normas dimensões que não se excluem b Daí decorre também uma exclusão do caráter meramente programático das normas de direitos fundamentais que não podem ser reduzidas à condição de normas não autoaplicáveis no sentido de normas destituídas de qualquer eficácia ou aplicabilidade c Assim quando se afirma que em favor das normas de direitos fundamentais é possível estabelecer uma presunção de que se trata de acordo com a terminologia mais difundida no Brasil de normas de eficácia plena o que se pretende é enfatizar que a ausência de lei não poderá em regra operar como elemento impeditivo da aplicação da norma de direito fundamental pena de esvaziar a condição dos direitos fundamentais como trunfos contra a maioria ou seja a condição de normas subtraídas à plena disposição por parte dos poderes constituídos d A eficácia e a aplicabilidade que de fato cada norma de direito fundamental apresenta irão depender do exame de cada direito fundamental e das diversas posições jurídicas que o integram sejam de cunho negativo defensivo sejam de cunho positivo prestacional e O fato de o dever de aplicação imediata não excluir de plano qualquer tipo de direito fundamental pois todas as normas de direitos fundamentais estão abrangidas já por força da literalidade do texto do art 5º 1º não significa que não haja diferenças importantes entre as normas de direitos fundamentais e mesmo exceções previstas na própria Constituição Federal 1107 exceções que todavia não implicam como já frisado ausência de qualquer possibilidade de aplicação e extração de efeitos ainda que seja como ocorre com as demais normas constitucionais para efeitos de declarar a inconstitucionalidade de atos estatais contrários e reconhecer a inconstitucionalidade por omissão Fechando o presente tópico lembramos que a eficácia jurídica das normas de direitos fundamentais está por outro lado diretamente conectada com a necessária vinculação sempre direta de todos os órgãos estatais aos direitos fundamentais na condição de destinatários sujeitos passivos Da mesma forma assume relevância o problema da vinculação dos particulares pessoas físicas e jurídicas aos direitos fundamentais em que segue havendo maior controvérsia especialmente em função da ausência de qualquer menção expressa na Constituição Federal Outro ponto que guarda direta relação com a temática aqui versada diz respeito aos limites e às restrições dos direitos fundamentais que assim como a vinculação do Poder Público e dos particulares são tópicos que serão abordados logo adiante 37 Destinatários dos direitos e garantias fundamentais Destinatários dos direitos e garantias fundamentais são em contraposição aos titulares os sujeitos passivos da relação jurídica em outras palavras as pessoas físicas ou jurídicas de direito público ou privado que estão vinculadas pelas normas de direitos fundamentais Embora se trate de temática também relacionada à eficácia e aplicabilidade das normas de direitos fundamentais é aqui que serão delineadas algumas considerações a respeito do tema Na medida em que o mandamento da aplicação imediata art 5º 1º da CF diz respeito em princípio a todas as normas de direitos fundamentais independentemente de sua função direitos a prestações ou direitos de defesa e da forma de sua positivação o problema da eficácia vinculativa será abordado de forma genérica considerandose todavia as especificidades das diversas categorias de direitos fundamentais De outra parte em que pese uma série de convergências seguirseá a convencional distinção entre o Poder Público e os particulares na condição de destinatários dos direitos fundamentais Diversamente do que enuncia o art 181 da Constituição portuguesa que expressamente prevê a vinculação das entidades públicas e privadas aos direitos fundamentais a Constituição Federal de 1988 foi omissa neste particular Tal omissão não significa todavia que os poderes públicos assim como os particulares não estejam vinculados pelos direitos fundamentais Com efeito ao art 5º 1º da CF tem sido atribuído significado similar ao outorgado por exemplo ao art 181 da Constituição da República Portuguesa e ao art 1º III da Lei Fundamental da Alemanha o que em última análise significa de acordo com a lição de Jorge Miranda que cada ato qualquer ato dos poderes públicos deve tomar os direitos fundamentais como baliza e referencial 1108 Importante ainda é a constatação de que o preceito em exame fundamenta uma vinculação isenta de lacunas dos órgãos e funções estatais aos direitos fundamentais independentemente da forma jurídica mediante a qual são exercidas estas funções razão pela qual como assevera Gomes Canotilho inexiste ato de entidade pública que seja livre dos direitos fundamentais 1109 Assim se de acordo com um critério formal e institucional os detentores do poder estatal formalmente considerados os órgãos dos Poderes Legislativo Executivo e Judiciário se encontram obrigados pelos direitos fundamentais também num sentido material e funcional todas as funções exercidas pelos órgãos estatais o são 1110 Além disso importa destacar que de tal vinculação decorre num sentido negativo que os direitos fundamentais não se encontram na esfera de disponibilidade dos poderes públicos ressaltandose contudo que numa acepção positiva os órgãos estatais se encontram na obrigação de tudo fazer no sentido de realizar os direitos fundamentais 1111 No concernente aos órgãos legislativos notadamente em função da substituição da plena soberania do Parlamento pela soberania da Constituição verificase desde logo que a vinculação aos direitos fundamentais significa para o legislador uma limitação material de sua liberdade de conformação no que diz com sua tarefa de regulamentar e concretizar a Constituição 1112 especialmente gerando uma limitação das possibilidades de intervenção restritiva no âmbito de proteção dos direitos fundamentais 1113 Ainda neste contexto há que acolher a lição de Gomes Canotilho ao ressaltar a dupla dimensão da vinculação do legislador aos direitos fundamentais Assim num sentido negativo ou proibitivo ocorre a proibição da edição de atos legislativos contrários às normas de direitos fundamentais que sob este ângulo atuam como normas de competência negativas Na sua acepção positiva a vinculação do legislador implica um dever de conformação de acordo com os parâmetros fornecidos pelas normas de direitos fundamentais e neste sentido um dever de concretização dos direitos fundamentais que no âmbito de sua faceta jurídicoobjetiva também assumem a função de princípios informadores de toda a ordem jurídica 1114 Também a vinculação dos órgãos da administração estatal aos direitos fundamentais é reconhecida entre nós registrandose contudo falta de consenso no tocante a determinados aspectos especialmente no que concerne à forma e ao alcance da vinculação a exemplo aliás do que ocorre no direito alienígena questões que aqui não serão desenvolvidas Esclareçase desde logo que destinatárias dos direitos fundamentais não são apenas as pessoas jurídicas de direito público mas também as pessoas jurídicas de direito privado que nas suas relações com os particulares dispõem de atribuições de natureza pública assim como pessoas jurídicas de direito público que atuam na esfera privada 1115 o que revela importante ponto de contato entre a vinculação do Poder Público e a vinculação dos particulares aos direitos fundamentais O que se pretende com esta interpretação ampliada é justamente evitar que os órgãos da administração venham a se furtar à vinculação aos direitos fundamentais por meio de uma atuação nas formas do direito privado 1116 resultando naquilo que os autores alemães costumam denominar uma fuga para o direito privado Flucht in das Privatrecht 1117 O que importa portanto é a constatação de que os direitos fundamentais vinculam os órgãos administrativos em todas as suas formas de manifestação e atividades na medida em que atuam no interesse público no sentido de um guardião e gestor da coletividade 1118 No que diz com a relação entre os órgãos da administração e os direitos fundamentais na qual vigora o princípio da constitucionalidade imediata da administração a vinculação aos direitos fundamentais significa que os órgãos administrativos devem executar apenas as leis que àqueles sejam conformes bem como executar estas leis de forma constitucional isto é aplicandoas e interpretandoas em conformidade com os direitos fundamentais 1119 A não observância destes postulados poderá por outro lado levar à invalidação judicial dos atos administrativos contrários aos direitos fundamentais 1120 problema que diz com o controle jurisdicional dos atos administrativos que não temos condições de desenvolver nesta oportunidade e a respeito do qual encontramos obras de inestimável valor na bibliografia pátria 1121 A vinculação dos órgãos judiciais aos direitos fundamentais de acordo com a lição de Gomes Canotilho manifestase por um lado por intermédio de uma constitucionalização da própria organização dos tribunais e do procedimento judicial que além de deverem ser compreendidos à luz dos direitos fundamentais por estes são influenciados expressandose de outra parte na vinculação do conteúdo dos atos jurisdicionais aos direitos fundamentais que neste sentido atuam como autênticas medidas de decisão material determinando e direcionando as decisões judiciais 1122 No que diz com sua amplitude também aqui é de se enfatizar que a totalidade dos órgãos jurisdicionais estatais bem como os atos por estes praticados no exercício de suas funções assume a condição de destinatária dos direitos fundamentais De outra parte há que ressaltar a particular relevância da função exercida pelos órgãos do Poder Judiciário na medida em que não apenas se encontram eles próprios também vinculados à Constituição e aos direitos fundamentais mas exercem para além disso e em função disso o controle da constitucionalidade dos atos dos demais órgãos estatais de tal sorte que os tribunais dispõem consoante já se assinalou em outro contex to simultaneamente do poder e do dever de não aplicar os atos contrários à Constituição de modo especial os ofensivos aos direitos fundamentais inclusive declarandolhes a inconstitucionalidade 1123 Paralelamente a esta dimensão negativa da vinculação do Poder Judiciário aos direitos fundamentais Jorge Miranda aponta a existência de uma faceta positiva no sentido de que os juízes e tribunais estão obrigados por meio da aplicação interpretação e integração a outorgar às normas de direitos fundamentais a maior eficácia possível no âmbito do sistema jurídico 1124 aspecto que por sua vez remete ao sentido e alcance do art 5º 1º da CF objeto de análise em separado item 36 supra 38 Particulares como destinatários dos direitos fundamentais o problema da eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas Além dos órgãos estatais na acepção ampla aqui utilizada também os particulares na condição de destinatários estão sujeitos à força vinculante dos direitos fundamentais temática habitualmente versada sob o rótulo da constitucionalização do direito privado ou de modo mais preciso da eficácia dos direitos fundamentais na esfera das relações privadas Diversamente do direito constitucional português no qual existe referência expressa à vinculação das entidades privadas aos direitos fundamentais na CF1988 a exemplo do que ocorreu com o Poder Público o texto constitucional nada dispôs sobre os particulares como destinatários dos direitos fundamentais Mesmo assim tanto na doutrina quanto na jurisprudência a possibilidade de os particulares serem também destinatários dos direitos nunca foi como tal seriamente questionada Todavia e a evolução doutrinária nos últimos anos bem o atesta a problemática dos limites e possibilidades de uma eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas passou a ocupar um lugar de destaque na agenda acadêmica brasileira 1125 Com efeito ainda que não se questione pelo menos não em termos gerais ressalva feita a posições isoladas na doutrina 1126 a possibilidade em si de os particulares serem destinatários dos direitos fundamentais quanto ao modo pelo qual se opera tal vinculação assim como em relação aos efeitos daí decorrentes também no Brasil registrase alguma controvérsia Além das hipóteses em que uma vinculação direta imediata dos particulares resulta inequivocamente do enunciado textual da norma de direito fundamental controvertese a respeito da forma como se dá esta vinculação Neste particular a doutrina oscila entre os que advogam a tese da eficácia mediata indireta e os que sustentam uma vinculação imediata direta ressaltandose a existência de posicionamentos que assumem feição mais temperada em relação aos modelos básicos referidos situandose por assim dizer numa esfera intermediária Sem adentrar especificamente no mérito destas concepções e das variantes surgidas no seio da doutrina constitucional é possível constatar a exemplo do que sustenta Vieira de Andrade uma substancial convergência de opiniões no que diz com o fato de que também na esfera privada ocorrem situações de desigualdade geradas pelo exercício de um maior ou menor poder social razão pela qual não podem ser toleradas discriminações ou agressões à liberdade individual que atentem contra o conteúdo em dignidade da pessoa humana dos direitos fundamentais zelandose de qualquer modo pelo equilíbrio entre estes valores e os princípios da autonomia privada e da liberdade negocial e geral que por sua vez não podem ser completamente destruídos 1127 Ainda neste contexto sustentouse acertadamente que em qualquer caso e independentemente do modo pelo qual se dá a vinculação dos particulares aos direitos fundamentais isto é se de forma imediata ou mediata se verifica entre as normas constitucionais e o direito privado não o estabelecimento de um abismo mas uma relação pautada por um contínuo fluir de tal sorte que ao aplicarse uma norma de direito privado também se está a aplicar a própria Constituição 1128 É justamente por esta razão que para muitos o problema da vinculação dos particulares aos direitos fundamentais constitui em verdade mais propriamente um problema relativo à conciliação dos direitos fundamentais com os princípios basilares do direito privado 1129 De qualquer modo para além dessas e de outras considerações que aqui poderiam ser tecidas constatase que no direito constitucional brasileiro tem prevalecido a tese de que 1130 em princípio os direitos fundamentais geram uma eficácia direta prima facie na esfera das relações privadas 1131 sem se deixar de reconhecer todavia que o modo pelo qual se opera a aplicação dos direitos fundamentais às relações jurídicas entre particulares não é uniforme reclamando soluções diferenciadas 1132 Além disso calha averbar que resulta evidente a existência de uma confluência portanto de um diálogo permanente entre a vinculação dos órgãos estatais especialmente do Poder Legislativo e do Poder Judiciário pois é o legislador que em primeira linha regula a composição de conflitos na esfera privada e são os órgãos jurisdicionais os que aplicam a lei ou extraem os efeitos das normas de direitos fundamentais e a vinculação dos particulares Tal circunstância por sua vez não se contrapõe ao fato de que no âmbito da problemática da vinculação dos particulares as hipóteses de um conflito entre os direitos fundamentais e entre estes e o princípio da autonomia privada reclamam sempre uma análise calcada nas circunstâncias específicas do caso concreto devendo ser tratada de forma similar às colisões entre direitos fundamentais de diversos titulares isto é buscandose uma solução norteada quando for o caso pela ponderação almejando obter um equilíbrio e uma concordância prática caracterizados em última análise pelo não sacrifício completo dos direitos fundamentais em pauta bem como pela preservação na medida do possível do seu conteúdo essencial 1133 Tal modo de compreender o fenômeno da vinculação dos particulares aos direitos fundamentais pelo menos assim o demonstra a evolução jurisprudencial de um modo geral corresponde ao entendimento prevalente dos órgãos jurisdicionais brasileiros destacandose aqui a despeito da existência de importantes decisões do STJ e de outros tribunais o papel do STF que em vários casos acabou reconhecendo a existência de uma eficácia até mesmo direta dos direitos fundamentais na esfera das relações privadas 1134 Embora não se possa falar na existência por ora de uma espécie de doutrina jurisprudencial consistente e dominante a exemplo da que foi desenvolvida pela Suprema Corte norteamericana no caso da assim designada state action doctrine ou pelo Tribunal Constitucional Federal da Alemanha ainda que neste caso adotando a tese da eficácia indireta ou mediata é preciso registrar ter ocorrido significativa evolução especialmente na esfera do STF 1135 Em decisão relativamente recente em especial no que diz com o alentado voto proferido pelo Min Gilmar Mendes a partir de aportes dogmáticos tanto de inspiração norteamericana quanto alemã bem como com sustentação na doutrina nacional o STF por maioria reconheceu na esteira de decisão similar anterior a incidência em relação a uma entidade privada do princípiogarantia do devido processo legal e da ampla defesa precisamente no que diz respeito ao afastamento compulsório de associado da entidade 1136 Além disso é de se enfatizar que também os direitos sociais geram efeitos em relação a entidades privadas muito embora a necessidade de uma maior cautela no que diz com a natureza de tais efeitos e o modo de sua manifestação em cada situação concreta temática que aqui igualmente não cabe desenvolver mas que a despeito de algumas importantes divergências tem encontrado ressonância na jurisprudência e na doutrina 1137 Aliás cada vez mais é preciso admitir que o problema da vinculação dos particulares e da eficácia dos direitos fundamentais na esfera das relações privadas acaba alcançando em termos gerais alguma relevância seja qual for o direito fundamental em causa ainda que consoante já frisado se deva avaliar como se dá tal eficácia em cada caso 1138 39 Limites e restrições de direitos fundamentais 1139 391 Considerações introdutórias A prática constitucional contemporânea apresenta características comuns dotadas de especial importância para a realização normativa dos direitos fundamentais Entre essas destacamse três que de acordo com a tradição constitucional de matriz germânica amplamente difundida encontram correspondência nas seguintes categorias dogmáticas âmbito de proteção limites e limites aos limites dos direitos fundamentais Tal esquema aplicável aos direitos fundamentais de um modo geral acabou sendo recepcionado ainda que nem sempre com a mesma terminologia em outras ordens constitucionais inclusive a brasileira como demonstra farta e atualizada doutrina bem como atesta uma série de decisões judiciais mesmo que muitas vezes tal recepção tenha ocorrido sem qualquer referência expressa ao esquema acima exposto Certo é que todo direito fundamental possui um âmbito de proteção um campo de incidência normativa ou suporte fático como preferem outros e todo direito fundamental ao menos em princípio está sujeito a intervenções neste âmbito de proteção Especialmente a problemática dos limites e restrições em matéria de direitos fundamentais não dispensa em primeira linha um exame do âmbito de proteção dos direitos primeiro tópico a ser versado 392 O âmbito de proteção dos direitos e garantias fundamentais O âmbito de proteção de um direito fundamental abrange os diferentes pressupostos fáticos instituídos pela respectiva norma jurídica 1140 Tratase com outras palavras do bem jurídico protegido ou seja do objeto tutelado 1141 que nem sempre se afigura de fácil identificação especialmente em decorrência das indeterminações semânticas invariavelmente presentes nos textos que contemplam direitos fundamentais Por outro lado considerando que nenhuma ordem jurídica pode proteger os direitos fundamentais de maneira ilimitada a ideia de que os direitos fundamentais não são absolutos não tem oferecido maiores dificuldades e tem sido amplamente aceita no direito constitucional contemporâneo Posto de outro modo direitos fundamentais são de regra direitos submetidos a limites e suscetíveis de serem restringidos Assim para a adequada discussão sobre a restringibilidade dos direitos e seus respectivos limites incontornável a análise ainda que sumária da contraposição entre as assim designadas teoria interna e teoria externa dos limites aos direitos fundamentais visto que a opção por uma destas teorias acaba por repercutir no próprio modo de compreender a maior ou menor amplitude do âmbito de proteção dos direitos fundamentais 1142 Segundo a teoria interna 1143 um direito fundamental existe desde sempre com seu conteúdo determinado afirmandose mesmo que o direito já nasce com os seus limites 1144 Neste sentido falase na existência de limites imanentes 1145 que consistem em fronteiras implícitas de natureza apriorística que não se deixam confundir com autênticas restrições pois estas são em geral compreendidas para a teoria externa como desvantagens normativas impostas externamente a estes direitos 1146 inadmitidas pela teoria interna visto que para esta o direito tem o seu alcance definido de antemão de tal sorte que sua restrição se revela desnecessária e até mesmo impossível do ponto de vista lógico 1147 Assim correta a afirmação de que para a teoria interna o processo de definição dos limites do direito é algo interno a ele 1148 Por outro lado a ausência por parte da teoria interna de separação entre o âmbito de proteção e os limites dos direitos fundamentais permite que sejam incluídas considerações relativas a outros bens dignos de proteção por exemplo interesses coletivos ou estatais no próprio âmbito de proteção destes direitos o que aumenta o risco de restrições arbitrárias da liberdade 1149 A teoria externa 1150 por sua vez distingue os direitos fundamentais das restrições a eles eventualmente impostas daí a necessidade de uma precisa identificação dos contornos de cada direito Recorrendo novamente à didática formulação de Virgílio Afonso da Silva ao contrário da teoria interna que pressupõe a existência de apenas um objeto o direito e seus limites imanentes a teoria externa divide este objeto em dois há em primeiro lugar o direito em si e destacadas dele as suas restrições 1151 Assim de acordo com a teoria externa existe inicialmente um direito em si ilimitado 1152 que mediante a imposição de eventuais restrições se converte em um direito limitado Tal construção parte do pressuposto de que existe uma distinção entre posição prima facie e posição definitiva a primeira correspondendo ao direito antes de sua limitação a segunda equivalente ao direito já limitado Tal distinção contudo não afasta a possibilidade de direitos sem restrições visto não haver uma relação necessária entre o conceito de direito e o de restrição 1153 sendo tal relação estabelecida pela necessidade de compatibilizar diferentes bens jurídicos Em virtude de ser pautada pela referida distinção entre posições jurídicas prima facie e definitivas a teoria externa acaba sendo mais apta a propiciar a reconstrução argumentativa das colisões de direitos fundamentais tendo em conta a necessidade da imposição de limites a tais direitos para que possa ser assegurada a convivência harmônica entre seus respectivos titulares no âmbito da realidade social 1154 Nesta perspectiva as limitações impostas a estes direitos deverão observar por sua vez outros limites que têm sido designados de limites dos limites que serão analisados mais adiante Precisar se determinado bem objeto ou conduta se encontra compreendido no âmbito de proteção de determinado direito fundamental não é conforme referido tarefa simples Na linha de que não apenas se interpretam os textos legais mas também os fatos a que estes se encontram referidos há que se proceder a uma cuidadosa investigação acerca de quais realidades da vida se encontram afetas ao âmbito de proteção do direito fundamental examinado Em suma o que se busca identificar com base sobretudo mas não exclusivamente é bom enfatizar na literalidade do dispositivo é se a esfera normativa do preceito abrange ou não uma certa situação ou modo de exercício Há casos em que o próprio preceito constitucional não comporta certa conduta ou modo de exercício de tal sorte que existem determinadas situações que não integram o âmbito de proteção do direito fundamental Nada obstante salvo hipóteses em que tais situações estejam manifestamente situadas fora do âmbito de proteção de um direito afigurase preferível examinar tais hipóteses no plano dos limites dos direitos fundamentais Neste contexto calha referir a lição de Sérvulo Correia ao sustentar que o âmbito de proteção de um direito não resulta apenas da tipificação de dados prénormativos mas guarda relação com determinadas finalidades constitucionalmente ancoradas e vinculadas a determinados valores evidenciando a complexidade do processo da identificação e mesmo reconstrução do âmbito de proteção dos direitos fundamentais visto que mesmo quando se trata do perfil prima facie do direito fundamental que ainda não leva em conta as restrições legítimas há um perfil normativamente prédeterminado a ser respeitado 1155 Tomese como exemplo o direito fundamental à inviolabilidade de correspondência previsto no art 5º XII da CF1988 O STF considerou a interceptação de cartas de presidiários pela administração penitenciária medida excepcional enquadrandoa como restrição aos direitos fundamentais dos presos na linha do art 41 da Lei de Execução Penal em vez de considerar o envio de cartas com propósitos criminosos não incluído no âmbito de proteção do direito fundamental 1156 Percebese desde logo que tal distinção entre âmbito de proteção e limites oferece significativas vantagens em termos de operacionalidade jurídicodogmática correspondendo à exigência de transparência metodológica especialmente por não misturar interesses divergentes 1157 além de implicar que o ônus da justificação de uma restrição recaia sobre o intérprete que a invoca o que apenas reforça a tese de que os fins não podem jamais justificar os meios visto que não apenas o resultado mas sobretudo o caminho percorrido da conversão de uma posição prima facie âmbito de proteção em um direito ou garantia definitivo afigurase decisivo e viabiliza um controle de todo o procedimento 393 Os limites dos direitos fundamentais A identificação dos limites dos direitos fundamentais constitui condição para que se possa controlar o seu desenvolvimento normativo partilhado com o legislador ordinário 1158 A ideia de que existem limites ou restrições a um direito que com este não se confundem embora possa parecer trivial à primeira vista oculta todavia uma série de problemas resultantes por um lado da determinação do significado destes limites por outro da distinção do que sejam uma limitação e outras atividades normativas 1159 Limites aos direitos fundamentais em termos sumários podem ser definidos como ações ou omissões dos poderes públicos Legislativo Executivo e Judiciário ou de particulares que dificultem reduzam ou eliminem o acesso ao bem jurídico protegido afetando o seu exercício aspecto subjetivo eou diminuindo deveres estatais de garantia e promoção aspecto objetivo que resultem dos direitos fundamentais 1160 Todavia como é cediço nem toda a disciplina normativa dos direitos fundamentais pode ser caracterizada como constituindo uma limitação Muitas vezes as normas legais se limitam a detalhar tais direitos a fim de possibilitar o seu exercício situações que correspondem aos termos configurar conformar completar regular densificar ou concretizar habitualmente utilizados para caracterizar este fenômeno 1161 Algo distinto contudo se dá com as limitações de direitos fundamentais que como visto reduzem o alcance de conteúdos prima facie conferidos a posições de direitos fundamentais mediante a imposição de cargas coativas 1162 Além disso há que distinguir as normas que limitam bens jurídicos protegidos prima facie das que fundamentam a competência estatal para realizar essas limitações Com efeito enquanto as primeiras as limitações propriamente ditas consistem em mandados ou proibições dirigidos aos cidadãos titulares de direitos fundamentais as últimas chamadas de reservas legais não configuram limitações na acepção mais rigorosa do termo e sim autorizações constitucionais que fundamentam a possibilidade de o legislador restringir direitos fundamentais 1163 No que diz respeito às espécies de limitações registrase substancial consenso quanto ao fato de que os direitos fundamentais podem ser restringidos tanto por expressa disposição constitucional como por norma legal promulgada com fundamento na Constituição Da mesma forma há quem inclua uma terceira alternativa vinculada à possibilidade de se estabelecerem restrições a direitos por força de colisões entre direitos fundamentais mesmo inexistindo limitação expressa ou autorização expressa assegurando a possibilidade de restrição pelo legislador Embora tal hipótese possa ser subsumida na segunda alternativa considerase que a distinção entre os três tipos de limites referidos torna mais visível e acessível o procedimento de controle da atividade restritiva em cada caso Além disso verificase como já demonstram as três espécies de limitações referidas que em qualquer caso uma restrição de direito fundamental exige seja direta seja indiretamente um fundamento constitucional 1164 Importa destacar na esfera dos limites diretamente estabelecidos pela Constituição que a ideia de que existem limites no interior dos direitos fundamentais para os partidários da teoria interna tal hipótese equivaleria a uma situação de não direito ou seja algo que constitui o próprio âmbito de proteção do direito fica sob certo aspecto absorvida pela ideia das limitações diretamente constitucionais visto que as cláusulas restritivas constitucionais expressas na prática convertem uma posição jurídica prima facie em um não direito definitivo 1165 A título de exemplo citase novamente o direito fundamental à inviolabilidade de correspondência art 5º XII da CF visto que apesar de previsto como não sujeito a restrição no dispositivo referido a inviolabilidade em princípio assegurada poderá ser temporária e excepcionalmente condicionada nas hipóteses de estado de defesa e de estado de sítio art 136 1º I b art 139 III expressamente previstas na Constituição Já no campo das assim designadas restrições indiretas isto é das restrições estabelecidas por lei em sentido formal incluídas as medidas provisórias por força do art 62 caput da CF1988 com fundamento em autorizações constitucionais há que enfrentar a problemática das reservas legais 1166 que em termos gerais podem ser definidas como disposições constitucionais que autorizam o legislador a intervir no âmbito de proteção dos direitos fundamentais As reservas legais costumam ser por sua vez classificadas em dois grupos as reservas legais simples e as reservas legais qualificadas As reservas do primeiro grupo reservas legais simples distinguemse por autorizarem o legislador a intervir no âmbito de proteção de um direito fundamental sem estabelecerem pressupostos eou objetivos específicos a serem observados implicando portanto a atribuição de uma competência mais ampla de restrição Como exemplo citase o art 5º LVIII da CF1988 O civilmente identificado não será submetido a identificação criminal salvo nas hipóteses previstas em lei Já as reservas legais qualificadas têm como traço distintivo o fato de estabelecerem pressupostos eou objetivos a serem atendidos pelo legislador ordinário para limitar os direitos fundamentais como bem demonstra o clássico exemplo do sigilo das comunicações telefônicas 5º XII da CF É inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas de dados e das comunicações telefônicas salvo no último caso por ordem judicial nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal 1167 Desde logo sem que se vá aqui avançar no ponto é preciso ter presente que o regime jurídicoconstitucional das reservas legais sujeitase a rigoroso controle e que há uma série de exigências daí decorrentes parte das quais será versada na parte relativa aos limites dos limites dos direitos fundamentais De outra parte como já anunciado afiguramse possíveis limitações decorrentes da colisão de um direito fundamental com outros direitos fundamentais ou bens jurídicoconstitucionais o que legitima o estabelecimento de restrições ainda que não expressamente autorizadas pela Constituição 1168 Em outras palavras direitos fundamentais formalmente ilimitados isto é desprovidos de reserva podem ser restringidos caso isso se revele imprescindível para a garantia de outros direitos constitucionais 1169 de tal sorte que há mesmo quem tenha chegado a sustentar a existência de uma verdadeira reserva geral imanente de ponderação 1170 Tais hipóteses exigem no entanto cautela redobrada por parte dos poderes públicos especialmente no caso da imposição por decisão judicial de restrições ao exercício de direitos fundamentais 1171 Como é fácil reconhecer não é possível ao Constituinte e tampouco ao legislador ordinário prever e regular todas as colisões de direitos fundamentais 1172 Tendo em vista a caracterização dos direitos fundamentais como posições jurídicas prima facie não raro encontramse eles sujeitos a ponderações em face de situações concretas de colisão nas quais a realização de um direito se dá à custa do outro 1173 Situações de colisão de direitos fundamentais afiguramse cada vez mais frequentes na prática jurídica brasileira devido ao alargamento do âmbito e da intensidade de proteção dos direitos fundamentais levado a cabo pela Constituição Federal de 1988 notadamente em função do já referido caráter analítico do catálogo constitucional de direitos Muito embora as situações de conflito tenham em sua ampla maioria sido regulamentadas pela legislação ordinária há casos em que a ausência de regulação esbarra na necessidade de resolver o conflito decorrente da simultânea tutela constitucional de valores ou bens que se apresentam em contradição concreta A solução desse impasse como é corrente não poderá se dar com recurso à ideia de uma ordem hierárquica abstrata dos valores constitucionais não sendo lícito por outro lado sacrificar pura e simplesmente um desses valores ou bens em favor do outro Com efeito a solução amplamente preconizada afirma a necessidade de se respeitar a proteção constitucional dos diferentes direitos no quadro da unidade da Constituição buscando harmonizar preceitos que apontam para resultados diferentes muitas vezes contraditórios Hipótese clássica diz respeito à liberdade de expressão prevista no art 5º IX da CF é livre a expressão da atividade intelectual artística científica e de comunicação independentemente de censura ou licença que a despeito de não sujeita à reserva legal pode entrar em rota de colisão com outros direitos fundamentais como por exemplo os direitos à intimidade à vida privada à honra e à imagem art 5º X da CF igualmente não sujeitos a uma reserva de lei Pelo fato de as normas constitucionais não deverem ser aplicadas mediante a simples exaltação dos valores aos quais se acham referidas como se tais valores fossem por si sós evidentes no que diz com seu conteúdo e alcance basta ver em caráter ilustrativo o que ocorre no que diz com o uso retórico e mesmo panfletário da dignidade da pessoa humana e da própria proporcionalidade sendo sempre necessária uma fundamentação intersubjetivamente controlável não basta somente identificar os valores em jogo mas construir e lançar mão de critérios que permitam aplicálos racionalmente 1174 cabendo ao intérpreteaplicador dos direitos fundamentais conferir importância distinta aos valores por eles densificados sempre atento às circunstâncias do caso concreto mas também igualmente receptivo às hierarquizações axiológicas levadas a cabo pelo legislador democraticamente legitimado Também nesta esfera mais ainda do que nas hipóteses decorrentes de expressa reserva legal em que o constituinte autorizou previamente a restrição por parte do legislador incidem os limites aos limites dos direitos fundamentais tópico a ser examinado logo na sequência 394 Limites aos limites dos direitos fundamentais 3941 Noções preliminares Até meados do século XX por conta de uma tradição fortemente vinculada à postura reverencial em relação ao legislador os direitos fundamentais não raras vezes tinham sua eficácia esvaziada pela atuação erosiva dos poderes constituídos Ao longo da evolução dogmática e jurisprudencial todavia especialmente a partir do labor da doutrina e da jurisprudência constitucional germânica foi desenvolvida uma série de instrumentos destinados a controlar as ingerências exercidas sobre os direitos fundamentais evitando ao máximo a sua fragilização Em síntese o que importa destacar nesta quadra é que eventuais limitações dos direitos fundamentais somente serão tidas como justificadas se guardarem compatibilidade formal e material com a Constituição Sob perspectiva formal partese da posição de primazia ocupada pela Constituição na estrutura do ordenamento jurídico no sentido de que suas normas na qualidade de decisões do poder constituinte representam atos de autovinculação fundamentaldemocrática que encabeçam a hierarquia normativa imanente ao sistema No que diz com a perspectiva material parte se da premissa de que a Constituição não se restringe a regulamentar formalmente uma série de competências mas estabelece paralelamente uma ordem de princípios substanciais calcados essencialmente nos valores da dignidade da pessoa humana e na proteção dos direitos fundamentais que lhe são inerentes 1175 O controle da constitucionalidade formal e material dos limites aos direitos fundamentais implica no plano formal a investigação da competência do procedimento e da forma adotados pela autoridade estatal Já o controle material diz essencialmente com a observância da proteção do núcleo ou conteúdo essencial destes direitos bem como com o atendimento das exigências da proporcionalidade e da razoabilidade mas também do que se tem convencionado designar de proibição de retrocesso categorias que neste sentido assumem a função de limites aos limites dos direitos fundamentais Os limites aos limites dos direitos fundamentais portanto funcionam como verdadeiras barreiras à restrição desses direitos sendo nesta perspectiva garantes da eficácia dos direitos fundamentais nas suas múltiplas dimensões e funções No Brasil diferentemente de outros países como é o caso da Alemanha art 19 II da Lei Fundamental de 1949 e Portugal art 18 II e III da Constituição de 1976 não há previsão constitucional expressa a respeito dos limites aos limites dos direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988 A tradição doutrinária e jurisprudencial brasileira todavia ainda que nem sempre da mesma forma acabou por recepcionar tal noção objeto de farta análise doutrinária e expressiva embora muitas vezes extremamente controversa prática jurisdicional 1176 Em síntese os principais limites aos limites que serão apresentados e analisados logo adiante são a a observância das exigências da reserva legal b a proporcionalidade da medida restritiva c a salvaguarda do núcleo essencial do direito objeto da restrição Notese que mesmo no caso de direitos fundamentais não contemplados com uma expressa reserva legal e em se tratando de restrições veiculadas por ação ou omissão do Poder Executivo ou por decisão judicial sem prejuízo de outras possibilidades se aplica a depender do caso o teste de proporcionalidade e se impõe a preservação do núcleo essencial dos direitos fundamentais 3942 A reserva legal e suas exigências Como acima adiantado a existência ou não de uma expressa reserva legal simples ou qualificada no texto constitucional acompanhando um direito fundamental implica algumas diferenças de tratamento da matéria relativa às restrições de direitos fundamentais e seu controle em relação aos direitos desacompanhados de tal reserva No caso da existência de uma expressa reserva legal a possibilidade de uma intervenção restritiva por parte do legislador encontrase desde logo assegurada o que contudo não significa que tais medidas pelo simples fato de autorizadas previamente não devam observar uma série de critérios e exigências de modo a assegurar a sua legitimidade constitucional No tocante às suas modalidades as quais por sua vez costumam ser indicativas da amplitude da liberdade do legislador quanto a esse propósito falase na esteira do que já antecipado em reservas de lei simples e qualificadas As primeiras autorizam processos restritivos sem fazer quaisquer condicionamentos em relação aos fins ou aos meios de empreendêlas como ocorre por exemplo no caso dos direitos à prestação de assistência religiosa art 5º VIII do direito à liberdade de locomoção art 5º XV e do direito à individualização da pena art 5º XLVI Já as reservas qualificadas são aquelas em que a autorização para a intervenção legislativa restritiva é acompanhada de um ou alguns critérios exigências ou mesmo meios específicos a serem considerados no momento de elaboração da lei restritiva a exemplo do que ocorre nas previsões normativas dos direitos à liberdade de profissão art 5º XIII à inviolabilidade do sigilo das correspondências art 5º XII e à publicidade dos atos processuais art 5º LX Além disso também se considera uma reserva legal qualificada a situação na qual o constituinte exige a edição de lei complementar A constatação de que parte dos direitos fundamentais amparados na Constituição brasileira de modo não dessemelhante do que ocorre também em outros países é desprovida de reservas de lei tem conduzido à conclusão de que tais reservas se prestam apenas em caráter limitado para fundamentar a atuação restritiva dos direitos fundamentais por parte do legislador além do fato por vezes esquecido de que a ausência de uma expressa reserva legal não implica o caráter absoluto de um direito fundamental no sentido de absolutamente imune a restrições 1177 Notese assim que ao fim e ao cabo as colisões de direitos fundamentais ou de direitos fundamentais e outros bens jurídico constitucionais operam como fundamento constitucional que legitima o estabelecimento de restrições ainda que não expressamente autorizadas pela Constituição 1178 Em outras palavras direitos fundamentais formalmente ilimitados isto é desprovidos de reserva de lei podem ser restringidos caso isso se revele imprescindível para a garantia de outros direitos constitucionais 1179 de tal sorte que há mesmo quem tenha chegado a sustentar a existência de uma verdadeira reserva geral imanente de ponderação 1180 Seja como for a previsão de reservas legais ao mesmo tempo que traz à superfície a possibilidade de restringir direitos fundamentais compreende uma limitação sobre cujo sentido e alcance se instaura uma controvérsia Tratase da extensão do sentido de lei nesse contexto Assim há que definir se quando a Constituição reserva à lei a competência de restringir o conteúdo de um direito fundamental devese considerar exclusivamente a lei em sentido formal oriunda do Poder Legislativo pelo que as reservas legais equivaleriam a reservas ao Parlamento ou se numa interpretação mais afrouxada a expressão comportaria também a emissão de atos de matiz normativa oriundos dos demais poderes a saber atos administrativos e decisões judiciais originalmente restritivos A compreensão estrita conforme a qual na lição de Jorge Miranda a previsão de reservas legais veda qualquer interferência pelo menos à maneira principal e inaugural por parte da Administração e da Jurisdição 1181 encontra cobertura na jurisprudência do STF Assim servem à maneira ilustrativa as seguintes decisões organizadas em ordem cronológica da mais recente à mais antiga Ninguém pode ignorar consoante adverte autorizado magistério doutrinário que existe reserva de lei quando a Constituição prescreve que o regime jurídico de determinada matéria seja regulado por lei e só por lei com exclusão de outras fontes normativas J J GOMES CANOTILHO Direito Constitucional e Teoria da Constituição p 633 1998 Almedina grifei Não constitui demasia observar ainda a propósito da reserva de lei consoante adverte JORGE MIRANDA Manual de Direito Constitucional tomo V217220 item n 62 2 ed 2000 Coimbra Editora que se trata de postulado revestido de função excludente de caráter negativo que veda nas matérias a ela sujeitas quaisquer intervenções a título primário de órgãos estatais não legislativos e cuja incidência também reforça positivamente o princípio que impõe à administração e à jurisdição a necessária submissão aos comandos fundados em norma legal de tal modo que conforme acentua o ilustre Professor da Universidade de Lisboa quaisquer intervenções tenham conteúdo normativo ou não normativo de órgãos administrativos ou jurisdicionais só podem darse a título secundário derivado ou executivo nunca com critérios próprios ou autônomos de decisão 1182 grifamos O princípio constitucional da reserva de lei formal traduz limitação ao exercício das atividades administrativas e jurisdicionais do Estado A reserva de lei analisada sob tal perspectiva constitui postulado revestido de função excludente de caráter negativo pois veda nas matérias a ela sujeitas quaisquer intervenções normativas a título primário de órgãos estatais não legislativos Essa cláusula constitucional por sua vez projetase em uma dimensão positiva eis que a sua incidência reforça o princípio que fundado na autoridade da Constituição impõe à administração e à jurisdição a necessária submissão aos comandos estatais emanados exclusivamente do legislador Não cabe ao Poder Executivo em tema regido pelo postulado da reserva de lei atuar na anômala e inconstitucional condição de legislador para em assim agindo proceder à imposição de seus próprios critérios afastando desse modo os fatores que no âmbito de nosso sistema constitucional só podem ser legitimamente definidos pelo Parlamento É que se tal fosse possível o Poder Executivo passaria a desempenhar atribuição que lhe é institucionalmente estranha a de legislador usurpando desse modo no contexto de um sistema de poderes essencialmente limitados competência que não lhe pertence com evidente transgressão ao princípio constitucional da separação de poderes 1183 grifamos Uma atenta observação da abordagem jurisprudencial conduz à conclusão de que o entendimento encampado pelo STF se insere num meiotermo entre a integral negativa da possibilidade de direitos fundamentais serem restringidos por atos normativos que não sejam lei em sentido formal aqueles previstos no art 59 CF e a sua absoluta e irrestrita permissão A bem dizer é o caso de considerar que em determinadas circunstâncias é legítimo e constitucional que um ato administrativo por exemplo restrinja um direito fundamental desde que acoplado numa cadeia de fundamentação da qual decorra para o Executivo uma competência que advém em primeira linha da Constituição e em seguida da lei em sentido formal como se dá por exemplo no caso das leis delegadas art 68 CF Na doutrina é o que se encontra na posição ponderada de Gustavo Binenbojm Levar as reservas constitucionais de lei a sério não significa fechar os olhos para a imprescindível necessidade prática de atuação administrativa concreta ou normativa que envolva alguma margem de inovação Mesmo na seara das restrições a direitos fundamentais devese exigir a máxima determinabilidade possível das normas legislativas mas ao mesmo tempo a abertura para o mínimo incomprimível de margem de livre decisão ou apreciação da Administração Tal medida de prudência é especialmente relevante no campo do poder de polícia em que as prognoses de perigo envolvem não raro avaliações técnicas e lastreadas na experiência dos administradores públicos Com efeito a ordenação sistêmica dos direitos fundamentais suscita em certas situações a necessidade imperiosa de a Administração compor colisões não constitucionalmente previstas e não integralmente reguladas pela lei entre bens constitucionais sobretudo em hipóteses de conflitos entre direitos fundamentais Em qualquer caso legisladores e administradores devem pautarse por juízos de ponderação proporcional que viabilizem o desfrute de direitos fundamentais e o seu convívio em concordância prática com outros direitos fundamentais e com interesses e aspirações coletivas democraticamente estabelecidos 1184 grifamos Ainda nesse contexto calha agregar a lição de Leonardo Martins e Dimitri Dimoulis no sentido de que a Constituição no caso as normas de direitos fundamentais faz referência à lei de modo negativo e positivo ou proibindo a edição de intervenção restritiva veiculada por lei por exemplo o art 5º XXXVI que veda que a lei prejudique a coisa julgada ou então autorizando o legislador a restringir o direito situação na qual se está diante das típicas reservas legais já acima apresentadas 1185 Um critério que poderia ser também adotado no sistema jurídico constitucional brasileiro feitas as indispensáveis adequações é o desenvolvido na Alemanha sob o rótulo de teoria da essencialidade de acordo com a qual a deleção ao Poder Executivo da possibilidade de restringir direitos fundamentais deve observar três exigências a existência de uma lei que preveja a delegação e que esteja de acordo com a Constituição b as decisões essenciais em especial as que versam sobre os pressupostos contextos e consequências das restrições devem ser reguladas pelo legislador democraticamente legitimado c a essencialidade das intervenções restritivas é aferida a partir do critério da intensidade da restrição ou seja do seu impacto sobre o âmbito de proteção dos direitos fundamentais atingidos 1186 Importa sublinhar mais uma vez que mesmo nos casos em que a lei ou o ato normativo aqui no sentido de lei apenas em sentido material atendam rigorosamente os requisitos das reservas legais isso não garante por si só a legitimidade constitucional das restrições impostas porquanto ainda se faz necessário observar as exigências da proporcionalidade e assegurar a integridade do núcleo essencial dos direitos alvos das restrições 3943 Proporcionalidade e razoabilidade como limites dos limites a Do princípio da proporcionalidade e sua dupla função como proibição de excesso e proibição de proteção insuficiente Embora as ideias de proporção e de razoabilidade vinculadas à própria noção de justiça e equidade sempre tenham estado presentes no âmbito do fenômeno jurídico permeando em termos gerais o direito contemporâneo 1187 nem todas as manifestações suscitadas pela ideia de proporção dizem respeito ao princípio da proporcionalidade em seu sentido técnicojurídico 1188 tal qual desenvolvido no direito público alemão 1189 Da mesma forma segue existindo acirrada controvérsia doutrinária e jurisprudencial sobre o conteúdo jurídico e o significado da proporcionalidade e da razoabilidade Embora não se pretenda sobrevalorizar a identificação de um fundamento constitucional para os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade no ordenamento jurídico brasileiro em termos gerais é possível reconduzir ambos os princípios a um ou mais dispositivos constitucionais Assim de acordo com a vertente germânica o ponto de referência é o princípio do Estado de Direito art 1º da CF notadamente naquilo que veda o arbítrio o excesso de poder entre outros desdobramentos Já para quem segue a orientação do direito norteamericano a proporcionalidade guarda relação com o art 5º LIV da CF no que assegura um devido processo legal substantivo 1190 No plano da legislação infraconstitucional por sua vez os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade foram positivados em vários momentos destacandose o art 2º da Lei 97841999 que regulamenta o processo administrativo no âmbito da Administração Federal direta e indireta É bom frisar contudo que independentemente de sua expressa previsão em textos constitucionais ou legais o que importa é a constatação amplamente difundida de que a aplicabilidade dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade não está excluída de qualquer matéria jurídica o que aliás tem sido recorrentemente reconhecido pelo STF 1191 O princípio da proporcionalidade que constitui um dos pilares do Estado Democrático de Direito brasileiro 1192 desponta como instrumento metódico de controle dos atos tanto comissivos quanto omissivos dos poderes públicos sem prejuízo de sua eventual aplicação a atos de sujeitos privados Neste contexto assume relevância a conhecida e já referida distinção entre as dimensões negativa e positiva dos direitos fundamentais com destaque para a atuação dos direitos fundamentais como deveres de proteção ou im perativos de tutela implicando uma atuação positiva do Estado obrigandoo a intervir tanto preventiva quanto repressivamente inclusive quando se trata de agressões oriundas de particulares Para a efetivação de seus deveres de proteção corre o Estado por meio de seus órgãos ou agentes o risco de afetar de modo desproporcional outros direitos fundamentalis inclusive os direitos de quem esteja sendo acusado de violar direitos fundamentais de terceiros Esta hipótese corresponde às aplicações correntes do princípio da proporcionalidade como critério de controle de constitucionalidade das medidas restritivas de direitos fundamentais atuantes nesta perspectiva como direitos de defesa O princípio da proporcionalidade atua aqui no plano da proibição de excesso como um dos principais limites às limitações dos direitos fundamentais Por outro lado poderá o Estado frustrar seus deveres de proteção atuando de modo insuficiente isto é ficando aquém dos níveis mínimos de proteção constitucionalmente exigidos ou mesmo deixando de atuar hipótese por sua vez vinculada ao menos em boa parte à problemática das omissões inconstitucionais É neste sentido como contraponto à assim designada proibição de excesso que expressiva doutrina e inclusive jurisprudência têm admitido a existência daquilo que se convencionou chamar de proibição de insuficiência no sentido de insuficiente implementação dos deveres de proteção do Estado e como tradução livre do alemão Untermaßverbot 1193 É por tal razão que também a doutrina brasileira e em alguns casos a própria jurisprudência em que pese não ser pequena a discussão a respeito em geral já aceita a ideia de que o princípio da proporcionalidade possui como que uma dupla face atuando simultaneamente como critério para o controle da legitimidade constitucional de medidas restritivas do âmbito de proteção de direitos fundamentais 1194 bem como para o controle da omissão ou atuação insuficiente do Estado no cumprimento dos seus deveres de proteção Em suma desproporções para mais ou para menos caracterizam violações ao princípio em apreço e portanto antijuridicidade no sentido de uma inconstitucionalidade da ação estatal 1195 De acordo com a posição corrente e amplamente recepcionada pela doutrina e também acolhida em sede jurisprudencial embora nem sempre corretamente aplicada na sua função como critério de controle da legitimidade constitucional de medidas restritivas do âmbito de proteção dos direitos fundamentais o princípio da proporcionalidade costuma ser desdobrado em três elementos subcritérios ou subprincípios constitutivos como prefere Gomes Canotilho a adequação ou conformidade no sentido de um controle da viabilidade isto é da idoneidade técnica de que seja em princípio possível alcançar o fim almejado por aqueles determinados meios muito embora para alguns para que seja atendido o critério bastaria que o Poder Público mediante a ação restritiva cumprisse com o dever de fomentar o fim almejado 1196 b necessidade ou exigibilidade em outras palavras a opção pelo meio restritivo menos gravoso para o direito objeto da restrição exame que envolve duas etapas de investigação o exame da igualdade de adequação dos meios a fim de verificar se os meios alternativos promovem igualmente o fim e em segundo lugar o exame do meio menos restritivo com vista a verificar se os meios alternativos restringem em menor medida os direitos fundamentais afetados 1197 Como bem destaca Humberto Ávila o exame da necessidade envolve duas fases iniciando pela aferição da igualdade de adequação dos meios visto que alguns meios promovem mais do que outros os fins almejados e seguindo com o exame do meio menos restritivo 1198 c proporcionalidade em sentido estrito que exige a manutenção de um equilíbrio proporção e portanto de uma análise comparativa entre os meios utilizados e os fins colimados no sentido do que por muitos têm sido também chamado de razoabilidade ou justa medida 1199 já que mesmo uma medida adequada e necessária poderá ser desproporcional 1200 É nesse plano que se realiza a comparação entre a importância da realização do fim e a intensidade da restrição dos direitos fundamentais pois o que se busca é responder à pergunta sobre se as vantagens causadas pela promoção de determinado fim ou fins são proporcionais às desvantagens causadas pela adoção do meio ou seja as restrições impostas aos direitos fundamentais 1201 Cumpre anotar neste contexto que embora não se trate propriamente de um critério interno a aferição da proporcionalidade de uma medida restritiva há de partir do pressuposto de que a compressão de um direito encontra sua razão de ser na tutela de outro bem jurídico constitucionalmente relevante não necessariamente outro direito fundamental ou seja a restrição deve ter uma finalidade constitucionalmente legítima 1202 De outra parte há quem questione a utilização da terceira exigência interna qual seja a da proporcionalidade em sentido estrito sob o argumento central aqui apresentado em apertada síntese e de modo simplificado de que as etapas da adequação e da necessidade são suficientes para assegurar a aplicação da proporcionalidade e que justamente a terceira fase na qual se daria segundo Alexy a ponderação propriamente dita é responsável pelos excessos de subjetivismo cometidos por conta da proporcionalidade expondoa neste sentido justificadamente aos seus críticos 1203 Sem que se possa aprofundar o debate parecenos que tal proposta a despeito de apontar com razão para os riscos inerentes ao terceiro momento o da proporcionalidade em sentido estrito acaba subestimando o fato de que a ponderação seja qual for o nome que se atribua ao procedimento de sopesamento dos bens e alternativas em pauta apenas acaba sendo deslocada e concentrada nas primeiras duas etapas visto que a supressão do exame da relação entre os meios e os fins ínsita ao terceiro momento da proporcionalidade em sentido estrito poderá resultar na própria violação do princípio da razoabilidade que não se confunde com o da proporcionalidade mas com este guarda íntima relação Há de se levar em conta neste contexto que resta enfrentar o problema de até que ponto medidas adequadas e necessárias podem ainda assim resultar em compressão excessiva do bem afetado pela restrição sendo questionável se a categoria do núcleo essencial por si só pode dar conta do problema Além disso a aceitação de que os direitos fundamentais possuem um núcleo essencial remete novamente ao problema de saber se este núcleo é o que resulta do processo de ponderação para o que fica difícil a dispensa da proporcionalidade em sentido estrito ou outro nome que se atribua a esta terceira fase a exemplo do que em linhas gerais preconiza Alexy e entre nós Virgílio Afonso da Silva 1204 Cuidase sem dúvida de debate a ser aprofundado revelando que também a dogmática constitucional brasileira está engajada em avançar quanto a este ponto de tal sorte que aqui nos limitamos a referir a controvérsia dada a sua relevância visto que o que se busca é aprimorar os mecanismos de controle das restrições e reduzir os níveis de subjetivismo e irracionalidade na aplicação da proporcionalidade A aplicação da proporcionalidade como proibição de proteção insuficiente ou deficiente como preferem outros utilizase em termos gerais da mesma análise trifásica em três níveis ou etapas já de todos conhecida aplicada no âmbito da proibição de excesso guardadas é claro as peculiaridades que decorrem da finalidade do exame do devido cumprimento dos deveres de proteção Valendonos aqui das lições de Christian Calliess 1205 que sustenta uma distinção dogmática e funcional entre proibição de excesso e insuficiência uma vez determinada a existência de um dever de proteção e o seu respectivo objeto o que constitui um pressuposto de toda a análise posterior é possível descrever as três etapas da seguinte maneira a no que diz com o exame da adequação ou idoneidade é necessário verificar se as medidas e a própria concepção de proteção adotadas ou mesmo previstas para a tutela do direito fundamental ésão aptas a proteger de modo eficaz o bem protegido b em sendo afirmativa a primeira resposta cuidase de averiguar se existe uma concepção de segurança proteção mais eficaz sem que com isso se esteja a intervir de modo mais rigoroso em bens fundamentais de terceiros ou interesses da coletividade Em outras palavras existem meios de proteção mais eficientes mas pelo menos tão pouco interventivos em bens de terceiros Ainda anota o autor referido que se torna possível controlar medidas isoladas no âmbito de uma concepção mais abrangente de proteção por exemplo quando esta envolve uma política pública ou um conjunto de políticas públicas c no âmbito da terceira etapa que corresponde ao exame da proporcionalidade em sentido estrito ou razoabilidade como preferem alguns é preciso investigar se o impacto das ameaças e riscos remanescentes após a efetivação das medidas de proteção é de ser tolerado em face de uma ponderação com a necessidade de preservar outros direitos e bens fundamentais pessoais ou coletivos É justamente aqui aliás que segundo o autor se verifica a confluência entre as proibições de excesso e de insuficiência já que no âmbito das duas primeiras etapas é necessário efetuar o controle considerando as peculiaridades de cada instituto embora as etapas em si adequação ou idoneidade e necessidade ou exigibilidade sejam as mesmas ao passo que na terceira etapa é que no quadro de uma argumentação e de uma relação jurídica multipolar é necessário proceder a uma ponderação que leve em conta o quadro global ou seja tanto as exigências do dever de proteção quanto os níveis de intervenção em direitos de defesa de terceiros ou outros interesses coletivos sociais demonstrando a necessidade de se estabelecer uma espécie de concordância prática multipolar 1206 b Da relação entre proporcionalidade e razoabilidade e da possível distinção entre ambas Importa registrar neste ponto a discussão doutrinária a respeito da fungibilidade dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade especialmente a existência de fortes posições que também entre nós sustentam a ausência de identidade entre ambos notadamente quanto ao fato de que o princípio da proporcionalidade tal como desenvolvido dogmaticamente na Alemanha embora também lá não de modo completamente uniforme e incontroverso quanto a uma série de aspectos não equivale pura e simplesmente à razoabilidade dos americanos 1207 possuindo portanto sentido e conteúdo distintos pelo menos parcialmente considerando especialmente as noções de proporcionalidade em sentido amplo e em sentido estrito dos alemães 1208 Vale referir ademais haver quem atribua ao critério da proporcionalidade em sentido estrito inclusive com base na prática jurisprudencial do Tribunal Constitucional Federal da Alemanha significado mais teórico do que prático sustentando que em geral é no plano do exame da necessidade da medida restritiva que se situa a maior parte dos problemas pois é neste nível que se dá o teste decisivo da constitucionalidade da restrição 1209 aspecto que reclama uma digressão calcada na análise sistemática da jurisprudência constitucional e que aqui não será desenvolvida Retomando a controvérsia a respeito da relação entre proporcionalidade e razoabilidade convém lembrar que no campo da proporcionalidade em sentido estrito exigese a comparação entre a importância da realização do fim e a intensidade da restrição aos direitos fundamentais examinando em síntese se as vantagens produzidas pela adoção do meio superam as desvantagens advindas da sua utilização 1210 Precisamente quanto a este ponto assume relevo a conexão dos princípios da proporcionalidade em sentido estrito e da razoabilidade com o método da ponderação de bens 1211 Tendo em conta que o juízo de ponderação se verifica com toda a sua extensão no assim designado terceiro nível da aplicação da proporcionalidade seguindose a metódica trifásica da proporcionalidade o fato é que mesmo a ponderação sendo considerada simplesmente como coincidente com o raciocínio requisitado pelo princípio da razoabilidade como parâmetro da atuação normativa estatal é este seguramente o ponto de contato mais importante entre a proporcionalidade e a razoabilidade É por esta razão que a razoabilidade é também identificada com a proporcionalidade em sentido estrito o que todavia não significa necessariamente que se trate de noções integralmente fungíveis e que não tenham uma aplicação autônoma Sem que se possa aqui adentrar o terreno conceitual avaliando todas as possíveis diferenças e semelhanças assim como eventuais distinções conceituais entre proporcionalidade e razoabilidade é certo que se a proporcionalidade não for aplicada na sua integralidade mediante consideração ainda que sumária de seus três elementos critérios não será a proporcionalidade que estará efetivamente em causa A razoabilidade por sua vez não reclama tal procedimento trifásico e é assim que tem sido aplicada É preciso ter em conta que a utilização indistinta das expressões proporcionalidade e razoabilidade como se as noções fossem coincidentes não pode ser justificada pelo simples fato de que isso corresponde a uma prática usual visto que a reiterada prática de um equívoco não o torna necessariamente menos equivocado Notese que o uso equivalente dos termos apenas encontraria explicação eficiente se de fato existisse a por alguns reclamada equivalência substancial entre os dois princípios O que de fato ocorre e a jurisprudência brasileira bem o atesta é que em muitos casos por não ser aplicada a análise trifásica exigida pela proporcionalidade a ponderação ocorre essencialmente no plano da mera razoabilidade o que justamente constitui prova evidente de que a despeito do importante elo comum razoabilidade e proporcionalidade em sentido estrito não se trata de grandezas idênticas em toda a sua extensão A técnica da ponderação aqui não se fará sequer a tentativa de distinção em relação a outros termos de uso corrente como a hierarquização o sopesamento entre outras tanto no âmbito do direito público quanto na seara do direito privado a despeito das toneladas de papel e dos verdadeiros oceanos de tinta gastos com o tema não chega a apresentar maiores novidades visto que com o passar do tempo consolidou sua posição como instrumento apto a determinar a solução juridicamente correta em cada caso com destaque para a solução dos conflitos entre direitos e princípios fundamentais embora não se aplique exclusivamente nesta esfera Isso não afasta contudo a necessidade de serem encontradas vias por meio das quais sejam mitigados ou evitados os perigos e excessos que tradicionalmente são imputados à ponderação 1212 com o intuito de lhe conferir suporte racional e disciplinado renunciando todavia à sua redução a uma fórmula matemática esta sim seguramente condenada ao fracasso 1213 Assim a despeito da existência de uma série de teorizações a respeito dos meios de controle da utilização não abusiva da própria proporcionalidade e da razoabilidade assim como dos princípios em geral não é aqui que tais questões serão desenvolvidas 3944 A assim chamada garantia do núcleo essencial dos direitos fundamentais A garantia de proteção do núcleo essencial dos direitos fundamentais aponta para a parcela do conteúdo de um direito sem a qual ele perde a sua mínima eficácia deixando com isso de ser reconhecível como um direito fundamental 1214 A ideia fundamental deste requisito é a de que existem conteúdos invioláveis dos direitos fundamentais que se reconduzem a posições indisponíveis às intervenções dos poderes estatais mas que também podem ser opostas a particulares embora quanto a este último aspecto exista divergência doutrinária relevante Mesmo quando o legislador está constitucionalmente autorizado a editar normas restritivas ele permanece vinculado à salvaguarda do núcleo essencial dos direitos restringidos 1215 Não cabe aqui avaliar se o núcleo essencial seria ou não determinado com base num processo de ponderação dando origem a duas teorias sobre o núcleo essencial a absoluta e a relativa 1216 Na primeira hipótese o respeito ao núcleo intangível dos direitos fundamentais poderia desempenhar o papel de um filtro muitas vezes subsidiário ao exame de proporcionalidade na segunda estaria muito provavelmente fadado a ser absorvido por este exame 1217 Cumpre no entanto ressaltar o objetivo comum que ambas as teorias mesmo que por caminhos diversos se esforçam em alcançar a garantia de uma maior proteção dos direitos fundamentais 1218 Daí referir Peter Lerche que não obstante os posicionamentos não se encaixem bem uns com os outros do ponto de vista formal permanecem avizinhados no que toca aos seus efeitos práticos 1219 No direito constitucional brasileiro em termos gerais segue correta a observação de que a despeito de importantes contribuições doutrinárias não existem salvo exceções 1220 trabalhos mais extensos exclusivamente dedicados ao tema o que ainda mais considerando a frequência com que a garantia do núcleo essencial tem sido referida na jurisprudência com destaque para o STF não deixa de causar espécie como aliás bem apontou Virgílio Afonso da Silva autor da mais importante obra brasileira sobre o tema 1221 Diversamente de outras ordens constitucionais como é o caso da Alemanha da Grécia de Portugal e da Espanha para referir apenas as que mais influenciaram o nosso constituinte a Constituição Federal de 1988 não agasalhou expressamente uma garantia do núcleo essencial o que pelo perfil eminentemente declaratório de tais cláusulas expressas nunca impediu nem teria como o reconhecimento entre nós de tal garantia 1222 Neste contexto vale realçar que a ideia de núcleo essencial tem sido utilizada pelo STF por exemplo para interpretar as limitações materiais ao poder constituinte de reforma enumeradas pelo art 60 4º da CF1988 1223 Por ocasião da arguição da inconstitucionalidade de preceito supostamente tendente a abolir a forma federativa de Estado CF art 60 4º I firmouse o entendimento de que as limitações materiais ao poder constituinte de reforma não significam a intangibilidade literal da respectiva disciplina na Constituição originária mas apenas a proteção do núcleo essencial dos princípios e institutos cuja preservação nelas se protege 1224 Embora nós mesmos tenhamos lançado mão de tal linha argumentativa no sentido de que a dicção do art 60 4º da CF dispondo que não será objeto de deliberação proposta de emenda constitucional tendente a abolir grifo nosso implica uma manifestação constitucional em prol da tutela do núcleo essencial no sentido de que também restrições que possam ser consideradas equivalentes a uma efetiva supressão encontramse vedadas 1225 parece correto que o significado da tutela assegurada por conta de uma garantia implícita do núcleo essencial não pode ser simplesmente equiparado à função dos limites materiais do poder de reforma constitucional o que não impede a aplicação da noção de núcleo essencial assim nos parece nesta seara ainda que a prevalecer esta tese no contexto da tutela contra emendas constitucionais se esteja em princípio em face da dimensão objetiva da garantia do núcleo essencial onde se busca impedir restrições que tornem o direito tutelado sem significado para a vida social como um todo 1226 Para além de outras considerações insistimos aqui na tese de que o núcleo essencial dos direitos fundamentais não se confunde com o maior ou menor conteúdo em dignidade da pessoa humana dos direitos fundamentais assim como também a assim designada garantia do mínimo existencial mesmo no caso dos direitos sociais não pode ser pura e simplesmente identificada com o núcleo essencial de tais direitos pelo menos não no sentido de que se trata de categorias absolutamente idênticas o que todavia não significa que não haja uma relação entre tais figuras jurídicas 1227 Por outro lado é preciso enfatizar que a garantia do conteúdo ou núcleo essencial não equivale pelo menos não necessariamente a uma salvaguarda de um conteúdo mínimo em outras palavras como bem averba Ignacio Villaverde Menéndez a qualificação do conteúdo protegido em face das restrições se dá precipuamente não pelo fato de ser um conteúdo mínimo mas sim pela circunstância de que está imune à ação do Poder Público e portanto segue à disposição do titular do direito 1228 De qualquer sorte reafirmando o intento de não aprofundarmos aqui o debate colocamos em destaque algumas assertivas de crucial relevância para o tema e o seu adequado tratamento doutrinário e jurisprudencial que a se considerar a ausência especialmente de uma jurisprudência pelo menos tendencialmente uniforme pelo menos no que diz com a adoção da teoria absoluta ou relativa do núcleo essencial deverão ainda ser objeto de acirrada controvérsia Com efeito resulta elementar que a exata determinação de qual o núcleo essencial de um direito dificilmente poderá ser estabelecida em abstrato e previamente de tal sorte que ainda que se possa controverter sobre aspectos importantes de sua formulação doutrinária a razão de fato parece estar com Virgílio Afonso da Silva ao afirmar que o conteúdo essencial dos direitos fundamentais é definido a partir da relação entre diversas variáveis e de todos os problemas que as cercam como o suporte fático dos direitos fundamentais amplo ou restrito e a relação entre os direitos e suas restrições teorias externa ou interna 4 DIREITOS FUNDAMENTAIS EM ESPÉCIE Ingo Wolfgang Sarlet 41 O direito à vida 1 411 Breve histórico da noção de direito natural à consagração como direito humano e fundamental A vida já por força do instinto de sobrevivência sempre foi um bem caro para o ser humano no contexto de sua organização social política e jurídica tanto é que a proteção da vida e da integridade física do ser humano foi considerada um dos fins essenciais do Estado e razão de sua existência o que por exemplo se constata na obra de Thomas Hobbes 15881679 Além disso a noção de um direito à vida foi e ainda é muitas vezes associada à noção de um direito natural no sentido de um direito inato e inalienável do ser humano como bem ilustra a obra de John Locke 16321704 2 O reconhecimento na perspectiva do direito positivo de um direito à vida como direito humano e fundamental todavia não pode ser confundido com a noção de necessidades ou mesmo de instintos inclusive o de defesa e de sobrevivência que recebem proteção jurídica mas não justificam necessariamente por isso ou apenas por isso uma concepção de direitos naturais Por outro lado não sendo o nosso intento desenvolver a digressão na perspectiva de uma doutrina do direito natural especialmente considerando o foco da presente obra o fato é que no plano do direito constitucional positivo e do direito internacional dos direitos humanos o reconhecimento de um direito à vida remonta aos primórdios do constitucionalismo moderno O primeiro documento a consagrar um direito à vida numa acepção que já pode ser considerada próxima da moderna noção de direitos humanos e fundamentais foi a Declaração de Direitos da Virgínia de 1776 que no seu art 1º incluía a vida no rol dos direitos inerentes à pessoa humana A Constituição Federal norte americana de 1787 por sua vez não contemplava um catálogo de direitos e garantias tendo sido apenas mediante a aprovação da Quinta Emenda de 1791 que o direito à vida passou a assumir a condição de direito fundamental na ordem jurídicoconstitucional dos Estados Unidos da América de resto a primeira consagração do direito à vida como direito fundamental de matriz constitucional da pessoa humana na história constitucional De acordo com a dicção da Quinta Emenda nenhuma pessoa será desprovida de sua vida liberdade ou propriedade sem o devido processo legal Ainda no contexto da fase inaugural do constitucionalismo moderno importa anotar que as constituições da Revolução Francesa bem como a posterior Carta Constitucional de 1814 não faziam menção explícita ao direito à vida utilizando apenas o conceito de uma garantia da segurança Desde então ressalvadas algumas exceções o direito à vida acabou não merecendo durante muito tempo um reconhecimento no plano do direito constitucional positivo da maior parte dos Estados o que apenas acabou com a viragem provocada pela II Grande Guerra Mundial que não apenas alterou a ordem mundial mas também afetou profundamente o próprio conteúdo e em parte também o papel das constituições além da influência gerada pela Declaração dos Direitos Humanos da ONU 1948 e dos posteriores pactos internacionais para proteção dos direitos humanos com destaque numa primeira fase para o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos de 1966 sobre as constituições promulgadas na segunda metade do século XX Neste período destacase a Lei Fundamental da Alemanha de 1949 que não apenas reconheceu o direito à vida como direito fundamental mas também foi a primeira a vedar completamente em qualquer hipótese a pena de morte No plano internacional a partir da sua consagração na Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948 no artigo III toda pessoa tem o direito à vida à liberdade e à segurança pessoal diversos outros documentos internacionais positivaram um direito específico à vida como dá conta num primeiro momento o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos de 1966 quando no seu art 6º 1 dispõe que o direito à vida é inerente à pessoa humana Este direito deverá ser protegido pela lei Ninguém poderá ser arbitrariamente privado de sua vida além de prever uma série de limitações à imposição da pena de morte tais como a previsão da pena de morte apenas para os crimes mais graves mediante sentença judicial final a previsão da possibilidade de indulto ou comutação da pena a vedação da pena de morte para menores de 18 anos de idade e para mulheres grávidas art 6º 2 a 6 Importa sublinhar que mediante o Segundo Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos de 1989 foi aprovada a abolição da pena de morte pelos Estados aderentes à exceção dos casos de punição militar em períodos de guerra documento que foi ratificado pelo Brasil em 2003 mas cujo teor já tinha sido incorporado pelo texto da Constituição Federal Já na esfera regional assumem relevo dentre outros instrumentos que poderiam ser colacionados a Convenção Americana de Direitos Humanos 1969 que no seu art 4º 1 dispõe que toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida Esse direito deve ser protegido pela lei e em geral desde o momento da concepção Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente Além disso o Pacto de São José da Costa Rica assegura que nos países onde a pena de morte não foi abolida ela apenas poderá ser aplicada a delitos mais graves com base em sentença judicial final e nos termos da lei art 4º 2 bem como veda a reintrodução da pena de morte em países onde foi abolida art 4º 3 O Protocolo Adicional à Convenção Americana de Direitos Humanos de 1990 estabelece a abolição da pena de morte ressalvada a possibilidade de exceções em caso de guerra aditivo ratificado pelo Brasil em 1998 No plano europeu contudo a vedação da pena de morte ganhou contornos ainda mais incisivos embora na sua versão inicial a Convenção Europeia dos Direitos Humanos 1950 não tivesse proibido a pena de morte registrese apenas para ilustrar que a França ainda se valia do método da decapitação pela guilhotina até meados da década de 1950 e a Inglaterra na ocasião ainda praticava a pena de morte mediante enforcamento isso veio a ser alterado gradativamente Numa primeira etapa por força do 6º Protocolo Adicional de 1983 a pena de morte passou a ser permitida apenas nos casos de guerra externa ou de atos praticados nos casos de iminente ameaça de guerra tendo sido somente mediante a aprovação do 13º Protocolo Adicional à Convenção Europeia de Direitos Humanos em vigor desde 2003 que a pena de morte foi proscrita em qualquer circunstância No âmbito da evolução constitucional brasileira verificase que na Constituição de 1824 a exemplo do paradigma da França de então não havia previsão de um direito à vida mas apenas de um direito à segurança individual o mesmo ocorrendo com a Constituição de 1891 Na Constituição de 1934 embora o direito à vida não tenha sido expressamente agasalhado a pena de morte salvo em caso de guerra com país estrangeiro e nos termos da legislação militar foi abolida art 113 29 Também na Constituição de 1937 o direito à vida não foi contemplado ampliandose além disso as hipóteses de aplicação da pena de morte art 122 13 Foi apenas na Constituição de 1946 que o direito à vida mereceu reconhecimento e proteção como direito individual art 141 caput retomandose a técnica da Constituição de 1934 no que diz com o banimento da pena de morte salvo nos casos de guerra com nação estrangeira e nos termos da legislação militar o que foi mantido na Constituição de 1967 art 150 caput e 11 com a ressalva de que o texto constitucional se refere ao caso de guerra externa e não de guerra com outro país embora a equivalência das situações o que por sua vez foi reproduzido no texto resultante da alteração promovida pela EC 11969 art 153 caput e 11 Na Constituição Federal de 1988 o direito à vida foi expressamente contemplado no elenco do art 5º caput na condição mesma a teor do texto constitucional de direito inviolável Além da proteção genérica já referida a vida encontrou proteção constitucional adicional mediante a proibição da pena de morte salvo em caso de guerra declarada art 5º XLVII a guardando portanto sintonia textual com o sistema internacional Pacto de Direitos Civis e Políticos e Protocolo Adicional e regional interamericano de proteção dos direitos humanos Em termos de direito constitucional comparado a fórmula utilizada pela Constituição Federal todavia diferenciase de outras Constituições mesmo anteriores tal como ilustra o caso da Constituição portuguesa de 1976 que no seu art 24 afirma solenemente que a vida humana é inviolável e veda categoricamente qualquer modalidade de pena de morte vedação esta que já constava na versão original da Lei Fundamental da Alemanha art 102 que neste particular ainda que como reação ao passado recente marcado pela barbárie nacionalsocialista e seu descaso com a vida humana foi pioneira no âmbito do constitucionalismo ocidental 3 Dada a sua formulação genérica além de considerada sua relevância o conteúdo do direito à vida como direito fundamental e o alcance de sua proteção jurídicoconstitucional incluindo a vedação da pena de morte assim como em linhas gerais a sua relação com outros direitos fundamentais serão objeto de atenção ao longo dos próximos itens iniciandose pelo âmbito de proteção do direito à vida 412 Âmbito de proteção do direito à vida o conceito de vida para efeitos da tutela jurídica O conceito de vida para efeitos da proteção jusfundamental é aquele de existência física Cuidase portanto de critério meramente biológico sendo considerada vida humana toda aquela baseada no código genético humano Em apertada síntese é possível afirmar que o direito à vida consiste no direito de todos os seres humanos de viverem abarcando a existência corporal no sentido da existência biológica e fisiológica do ser humano 4 Com isso buscase afastar toda e qualquer concepção de ordem moral social política religiosa ou racial acerca da vida humana especialmente aquelas que pretendem uma diferenciação entre uma vida digna e a vida indigna de ser vivida e neste sentido reconhecida e protegida pela ordem jurídica 5 A noção de vida digna que pode assumir uma feição positiva como se verá mais adiante portanto não poderá servir de fundamento para a imposição de uma condição de inferioridade a determinados indivíduos tal qual ocorreu em tempos mais recentes sob a égide da ideologia nacionalsocialista mas que já era praticada em diversos ambientes bem antes da instauração do nazismo guardando além disso relação com a existência de práticas eugênicas já na Antiguidade bastaria lembrar a eliminação dos recémnascidos defeituosos em Esparta tidos como imprestáveis para assumir seu papel na sociedade e que ainda seriam encontradas mesmo na Europa após a Segunda Grande Guerra O que importa sublinhar no contexto é que a noção de uma vida indigna deve ser tida como completamente dissociada da ordem constitucional 6 De qualquer sorte sem que se possa aqui aprofundar a questão pelo menos merece referência o fato de que no campo da proteção da vida intrauterina e da reprodução assistida apenas para ilustrar com os exemplos mais emblemáticos na atualidade mas também no que concerne à discussão sobre a eutanásia o problema ético e jurídico da eugenia segue tendo relevância ainda que evidentemente de modo muito distinto das práticas eugênicas baseadas em critérios de pureza racial ou similares Com tal valoração negativa da vida humana não se confunde à evidência a noção de um direito a uma vida digna que resulta da ligação mas não confusão entre o direito à vida e a dignidade da pessoa humana e diz respeito ademais às obrigações positivas do Estado e da sociedade para com o indivíduo inclusive no campo da garantia de um mínimo existencial aspectos que voltarão a ser referidos Certo é que o direito à vida opera para além de sua condição de direito fundamental autônomo como pressuposto fundante de todos os demais direitos fundamentais 7 verdadeiro prérequisito da existência dos demais direitos consagrados constitucionalmente 8 ou como enfatizado pelo Tribunal Constitucional Federal da Alemanha como base vital da própria dignidade da pessoa humana 9 Além e independentemente disso a relação entre o direito à vida e os outros direitos fundamentais é diversificada e evidentemente não se verifica em todos os casos o que será objeto de sumária análise logo a seguir 413 Relação do direito à vida com outros direitos fundamentais A relação mais forte como já foi possível verificar é a que se estabelece entre o direito à vida e a dignidade da pessoa humana precisamente em função do valor da vida para a pessoa e para a ordem jurídica ademais do fato de que a vida é o substrato fisiológico existencial no sentido biológico da própria dignidade mas também de acordo com a premissa de que toda vida humana é digna de ser vivida 10 Todavia é preciso enfa tizar que por mais forte que seja a conexão dignidade e vida não se confundem Cuidase de direitos humanos e fundamentais autônomos que além disso podem estar em relação de tensão e mesmo de eventual conflito por exemplo quando se cuida de em nome da dignidade da pessoa humana autorizar a interrupção da gravidez ou mesmo a eutanásia tópicos que serão objeto de abordagem específica mais adiante De qualquer sorte a necessária diferenciação entre o direito à vida e a dignidade da pessoa humana também serve ao propósito de se evitarem os riscos de uma biologização da dignidade 11 o que assume relevo especialmente quando em causa a proteção da vida e da dignidade nos limites da vida Importante é que se deixe assente que vida e dignidade são grandezas valores princípios direitos que não podem ser hierarquizados em abstrato respeitandose ademais a sua pelo menos parcial autonomia no que diz com seus respectivos âmbitos de proteção 12 Para ilustrar bastaria recordar que a dignidade da pessoa humana não exige necessariamente uma proteção absoluta do direito à vida 13 Outro direito fundamental fortemente conectado com o direito à vida é o direito à integridade física corporal e psíquica o qual diversamente do direito à vida protege a integridade corporal e psíquica proteção esta que se agrega à proteção da existência física direito de viver mas com esta não se confunde O direito à integridade física e psíquica tem desenvolvimento histórico similar ao do direito à vida de tal sorte que a doutrina aponta uma quase identidade desses dois direitos e dos seus âmbitos de proteção muito embora também aqui se trate de direitos autônomos Nessa perspectiva a violação do direito à vida sempre abrange uma afetação da integridade física e corporal ao passo que uma intervenção nesta muitas vezes coloca em risco a vida e em outros casos leva à morte muito embora o direito à integridade física e corporal também abarque intervenções que não geram risco à vida 14 O direito à saúde que igualmente será objeto de item próprio na parte relativa aos direitos sociais embora também apresente uma forte ligação com o direito à vida com este não se confunde Com efeito o direito à vida não pode ser lido de forma a abranger a ampla proteção da saúde o que é relevante especialmente em ordens constitucionais como a alemã ou a norteamericana em que apesar de estar consagrado o direito à vida não há menção explícita a um direito à saúde Por outro lado a ligação cresce em importância quando diante da ausência de previsão de um direito à saúde o direito à vida naquilo que evidentemente guarda relação com o direito à saúde opera como fundamento para o reconhecimento de obrigações com a saúde Isso ocorre por exemplo no âmbito da Convenção Europeia de Direitos Humanos quando com base no direito à vida e no direito à integridade física consubstanciado na proibição de tortura o Tribunal Europeu de Direitos Humanos reconhece obrigações de cuidados médicos por parte do Estado em determinadas circunstâncias Em síntese isso significa que a partir do direito à vida o mesmo no caso do direito à integridade corporal são deduzidos deveres estatais de proteção e promoção da saúde 15 Apenas em caráter ilustrativo podem ser colacionados dois casos apreciados pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos A Corte sustentou em casos envolvendo alegações de más práticas médicas que o Estado tem uma obrigação positiva de proteção à vida que inclui o requisito de que hospitais tenham regulamentações no sentido de proteger a vida dos pacientes Além disso considerou que colocar a vida de um paciente em risco por negar acesso a tratamento médico que deve ser disponível para a população em geral importa na violação do direito à vida 16 Embora os países disponham de liberdade para decidir como configurar seu respectivo sistema de saúde a falta de uma proteção mínima todavia viola o direito à vida 17 Já no caso Anguelova v Bulgária 2002 foi ressaltado que o Estado tem uma obrigação de fornecer tratamento médico aos seus apenados por força do direito à vida hipótese que voltou a ser objeto de reconhecimento pelo Tribunal em julgamentos mais recentes 18 Neste mesmo contexto a doutrina alemã entende que a partir do direito à vida e do princípio do Estado Social pode ser reconhecida a obrigação estatal de estabelecer um sistema de saúde pública muito embora o espaço de conformação do legislador seja tão amplo a ponto de não ser possível reconhecer um direito originário posição individual subjetiva sem prévia interposição legislativa a prestações de saúde 19 Assim pelo Tribunal Federal Constitucional Federal alemão apenas de forma isolada são reconhecidas certas pretensões relacionadas ao direito à saúde com base no direito fundamental à vida como por exemplo o direito a um tratamento não convencional em caso de doença letal e para a qual não há tratamento médico amplamente reconhecido 20 O que se constata a partir das situações relatadas é que o direito à vida assim como o direito à integridade corporal pode em virtude de sua relação com a proteção e promoção da saúde assumir um papel de destaque também na seara dos direitos sociais o que aliás tem sido o caso em diversos ambientes mesmo onde os direitos sociais não foram expressamente previstos na Constituição como dá conta por exemplo a experiência euro peia em que nem todas as constituições albergaram direitos sociais 21 Aqui assume relevância a noção de um mínimo existencial ou seja o Estado tem a obrigação de assegurar a todos as condições materiais mínimas para uma vida com dignidade aspecto que também diz respeito às relações entre o direito à vida e a dignidade da pessoa humana mas também aos direitos sociais dentre os quais o já referido direito à saúde além de implicar obrigações positivas para o Estado relacionadas com a vida humana22 Esse ponto contudo será objeto de maior atenção no item destinado à dupla dimensão objetiva e subjetiva do direito à vida No contexto da proteção ambiental o direito à vida impõe também medidas de proteção contra a degradação ambiental notadamente quando colocada em risco de forma imediata a vida dos indivíduos de modo que também aqui na relação entre direito à vida e proteção ambiental há fortes pontos de contato ainda que se trate de direitos e deveres autônomos entre si 23 Já outras formas de poluição ainda que não coloquem a vida em risco direto violam a integridade física e o direito à saúde deslocando a relação para outra esfera Ainda que se pudesse ampliar o leque de direitos que guardam maior ou menor relação com o direito à vida os exemplos referidos bem ilustram a transversalidade do direito à vida e sua relevância para o sistema de direitos humanos e fundamentais marcado por zonas de convergência superposição inquestionáveis mas ao mesmo tempo indicam a necessidade de uma rigorosa observância de algumas fronteiras de modo a não se dissolver o direito à vida no conjunto mais amplo dos direitos fundamentais nem se retirar do direito à vida a sua integridade como direito fundamental autônomo com um âmbito particular de proteção 414 A titularidade do direito à vida e o problema do início e fim da proteção jurídicoconstitucional da vida humana A titularidade do direito à vida é a mais ampla possível e é assegurada a qualquer pessoa natural portanto qualquer ser humano independentemente de ser nacional ou estrangeiro visto que se trata de direito cuja titularidade inequivocamente se rege pelo princípio da universalidade e não pode ser reservada apenas aos brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil 24 Sem que aqui se vá aprofundar o ponto pelo que remetemos ao tópico correspondente da parte geral dos direitos fundamentais o direito à vida constitui exemplo evidente de que o enunciado do art 5º caput da CF1988 no que dispõe sobre a titularidade dos direitos fundamentais não pode ser lido de modo literal e restritivo A tutela da vida a correlata proibição da pena de morte assim como a tutela da dignidade da pessoa humana são evidentemente asseguradas na condição de direitos fundamentais aos estrangeiros não residentes no País Em razão da absoluta incompatibilidade não são titulares do direito à vida as pessoas jurídicas Questões relacionadas à proteção de sua existência como pessoas jurídicas estão abrangidas pelo direito de associação ou outros direitos que asseguram as pessoas jurídicas contra sua extinção arbitrária 25 Embora haja consenso acerca do fato de que o direito à vida abrange a vida humana durante o lapso temporal que medeia o início da vida humana até a morte segue sendo problemática a definição de quando inicia e termina a vida humana e atrelada a isso a decisão sobre quando começa e cessa a proteção jurídico constitucional da vida humana É neste contexto que se coloca por exemplo a pergunta sobre se o feto ou mesmo o embrião são titulares sujeitos ativos do direito à vida eou se existe uma correspondência entre a existência de vida por exemplo na questão das célulastronco e a titularidade do direito à vida como direito humano e fundamental Consoante já referido na parte geral dos direitos fundamentais no item relativo aos titulares dos direitos fundamentais a questão segue polêmica já pelo fato de que a Constituição Federal assim como ocorre em outras ordens jurídicas não dispõe expressamente sobre o início da proteção da vida humana notadamente se esta abarca o nascituro No Brasil de acordo com o STF a depender do voto do Min Carlos Britto na ADIn 3510 versando sobre os dispositivos da Lei de Biossegurança que tratam da pesquisa com célulastronco e o uso de embriões não haveria titularidade de um direito à vida antes do nascimento com vida Com efeito ao que tudo indica o STF visto que a maioria dos ministros acompanhou o voto do relator parte do pressuposto de que a Constituição não faz de todo e qualquer estágio da vida humana um bem jurídico autônomo assegurado na condição de direito subjetivo fundamental mas da vida que já é própria de uma concreta pessoa porquanto nascida com vida de tal sorte que a inviolabilidade da qual trata o art 5º caput diz respeito exclusivamente a um indivíduo já personalizado 26 Por outro lado é possível extrair da decisão referida que a proteção jurídicoconstitucional da vida intrauterina portanto da vida antes do nascimento se dá por conta da extensão do âmbito subjetivo pessoal de proteção da dignidade da pessoa humana no sentido de que embora não se possa falar de uma pessoa na condição de sujeito de direitos fundamentais existe uma proteção que atinge todo o processo vital compreendido como um processo indivisível de formação do ser humano que deságua no indivíduo pessoa resultante do nascimento com vida Já os embriões derivados de uma fertilização artificial extrauterina dos quais tratam os dispositivos questionados da Lei de Biossegurança não se inserem no âmbito da proteção legal que incrimina o aborto visto que tal proteção abrange apenas um organismo ou entidade pré natal sempre no interior do corpo feminino Se o embrião humano de que trata o art 5º da Lei da Biossegurança é um ente absolutamente incapaz de qualquer resquício de vida encefálica a afirmação de incompatibilidade daquele diploma legal com a Constituição haveria então de ser afastada conforme o entendimento majoritário formado no STF quando do julgamento da ADIn 3510 já referido Também o direito ao livre planejamento familiar ancorado no art 226 7º da CF foi esgrimido como argumento contrário a uma obrigação de aproveitamento de todos os embriões resultantes da tentativa de engravidar por parte dos pretensos pais o mesmo valendo para o direito à saúde que estaria sendo promovido mediante a autorização das pesquisas com célulastronco e o direito à livre expressão da atividade científica A partir do exposto verificase que o reconhecimento da titularidade do direito à vida antes do nascimento com vida segue sujeito a controvérsia não sendo o caso aqui de aprofundar tal debate ainda mais que a titularidade dos direitos fundamentais constitui objeto de item próprio no âmbito da parte geral dos direitos fundamentais Tal controvérsia se reveste de grande atualidade também no caso brasileiro especialmente para os casos de interrupção voluntária da gravidez abortamento igualmente submetidos ao crivo do STF que como já referido no capítulo sobre a titularidade dos direitos fundamentais pelas pessoas naturais embora tenha chancelado a prática do aborto nos casos de anencenfalia quando do julgamento da ADPF 54 em abril de 2012 também aqui não adotou posição conclusiva sobre o tema o mesmo ocorrendo no julgamento do habeas corpus 124306RJ em 09082016 quando foi reconhecida a possibilidade do abortamento livre durante as doze primeiras semanas de gravidez De qualquer modo mesmo que se parta do pressuposto de que a titularidade do direito à vida na condição de um direito subjetivo inicia apenas com o nascimento com vida isso não significa ausência de proteção constitucional da vida antes do nascimento visto que tal proteção poderá ocorrer no âmbito de uma proteção objetiva por meio da figura dos deveres de proteção estatais solução que de resto tem sido também bastante prestigiada no âmbito da jurisprudência constitucional estrangeira com destaque para a problemática da interrupção da gravidez e mesmo de outras formas de intervenção na vida e mesmo dignidade humana Como tais questões serão objeto de análise em separado aqui não serão mais desenvolvidas No que diz respeito ao fim da proteção constitucional o direito à vida cessa com a morte de seu titular muito embora a definição precisa do evento morte seja também objeto de alguma controvérsia considerandose a ausência de critérios uniformes muito embora o reconhecimento do critério da morte cerebral que permite a utilização dos órgãos do falecido para efeitos de transplantes O critério de morte cerebral para o estabelecimento do final da vida adotado pelo legislador tanto no Brasil 27 quanto apenas para ilustrar em Portugal e na Alemanha é constitucionalmente adequado Embora existam outros critérios e a despeito das críticas veiculadas em relação ao critério da morte cerebral 28 tal opção situase dentro dos limites da liberdade de conformação legislativa situandose entre as fronteiras da proibição de proteção insuficiente e da proibição de intervenção excessiva visto que o critério da morte cerebral como já frisado ao mesmo tempo em que permite aferir a cessação da possibilidade de vida autônoma a morte cerebral implica a completa e irreversível cessação da atividade cerebral permite a utilização dos órgãos para salvar vidas de terceiros Critérios mais restritivos para o reconhecimento do final da vida não podem ou não poderiam de qualquer forma emanar de resoluções de conselhos médicos ou outras fontes normativas que não uma lei em sentido formal e material temática que todavia aqui não temos como desenvolver Por outro lado a opção pelo critério da morte cerebral há de vir acompanhada aqui também por força do dever de proteção estatal da vida humana de regulamentação adequada das técnicas e do procedimento para a fixação da morte cerebral e da sua respectiva segurança Já no que diz respeito à proteção do cadáver do corpo humano sem vida esta se dá não mais no âmbito do direito à vida mas sim na esfera da dimensão objetiva da dignidade da pessoa humana ou do direito à imagem e à honra o que será examinado no tópico relativo aos direitos de personalidade 415 Destinatários sujeitos passivos órgãos estatais e particulares Destinatário direto e inquestionável do direito fundamental à vida é o Estado em todas as suas formas de atuação no sentido do que se chamou na parte geral dos direitos fundamentais de uma vinculação isenta de lacunas que alcança os órgãos as funções os agentes e os atos ainda que o Estado atue mediante delegação Mas a vinculação sempre direta do Estado exclui a vinculação direta ou indireta dos particulares A dignidade da pessoa e o direito à vida são a base estrutural de toda comunidade humana e devem ser respeitados também pelos demais sujeitos de direito O que se revela controverso é como os particulares figuram no polo passivo do direito à vida ou seja se tal vinculação opera apenas por meio da dimensão objetiva dos direitos fundamentais no sentido de que o Estado deve criar normas de sanção e proibição endereçadas a particulares ou se além disso ocorre uma vinculação direta Como a vinculação dos particulares aos direitos fundamentais integra o respectivo tópico na parte geral dos direitos fundamentais aqui deixaremos de desenvolver o ponto destacando todavia que uma vinculação direta ou indireta a depender do caso dos particulares é de ser afirmada 416 O direito à vida e sua dupla dimensão objetiva e subjetiva como dever de proteção e complexo de posições subjetivas de conteú do negativo e positivo 4161 Considerações gerais Assim como ocorre com a dignidade da pessoa humana e mesmo com o direito à saúde sem prejuízo de outros que poderiam ser lembrados a utilização da fórmula de um direito à vida há de ser devidamente compreendida visto que não se cogita de um direito à vida no sentido de um direito a viver por força de uma prestação de alguém destinatário sujeito passivo do direito mas sim de não ter sua vida interrompida e portanto o direito de ter a sua vida respeitada direito de não ser morto assim como o direito de ter a sua vida protegida pelo Estado tratandose de intervenções por parte de terceiros29 ou mesmo contra o Estado30 como no caso da proibição da pena de morte Assim o mais apropriado será falar não de um direito à vida mas sim de um direito ao respeito e à proteção da vida humana Tais dimensões respeito e proteção por sua vez guardam relação com as posições jurídicas negativas e positivas vinculadas às dimensões subjetiva e objetiva do direito à vida e dos direitos fundamentais de um modo geral de tal sorte que serão desenvolvidas a seguir 4162 Dimensões subjetiva e objetiva do direito à vida Na condição de direito subjetivo o direito à vida situase no âmbito da clássica formulação dos direitos fundamentais como posições jurídicas subjetivas atribuídas a um titular no caso a pessoa física a exigir determinadas abstenções ou prestações fáticas ou jurídicas de um destinatário que em regra é o Estado não excluindo a vinculação indireta eou direta dos particulares Assim compreendido como um direito fundamental em sentido amplo também o direito à vida abrange um complexo de posições subjetivas de cunho negativo defensivo e positivo prestacional Nessa perspectiva o direito à vida tem uma dimensão negativa quando assume a condição de direito de defesa cujo objeto é uma obrigação de abstenção por parte do Estado e dos particulares gerando portanto uma obrigação de respeito e de não intervenção no âmbito do direito à vida muito embora o objeto do direito de defesa inclua também situações de ameaça e mesmo riscos para a vida 31 Mas o direito à vida também apresenta uma dimensão positiva de um direito a prestações fáticas ou normativas implicando a obrigação por parte do Estado e mesmo de particulares a depender do caso de medidas ativas de proteção da vida como se verá quando da decodificação dos deveres de proteção estatal e dos correspondentes direitos à proteção logo a seguir Já na dimensão objetiva o direito à vida representa um valor um bem jurídico também objetivamente reconhecido e protegido donde decorrem efeitos jurídicos autônomos que por sua vez refletem na própria esfera subjetiva ampliando as possibilidades de proteção e promoção dos direitos fundamentais Com efeito os deveres de proteção do Estado em relação à vida projetamse muito além da simples proibição direta de violação impondo diversas obrigações de agir positivo que por sua vez especialmente no caso da ordem constitucional brasileira correspondem na esfera subjetiva e em diversas hipóteses a direitos subjetivos a prestações As obrigações estatais derivadas do dever de proteção abrangem 32 a o dever de proteção da vida por meio de medidas positivas como por exemplo em situações nas quais a vida dos cidadãos está submetida a ameaças de violação por parte de terceiros muito embora ao Poder Público seja reservada uma ampla margem de liberdade para determinação de quais os meios a serem utilizados para a proteção da vida Tal margem de liberdade para os órgãos estatais é tanto mais reduzida quanto mais as alternativas de uma proteção eficaz da vida forem também reduzidas 33 b dever de amparo financeiro em espécie ou bens e serviços como é o caso de prestações para garantia da sobrevivência física 34 ou mesmo na esfera mais ampliada de um mínimo existencial ou no caso de assegurar tratamentos de saúde imprescindíveis à salvaguarda da vida muito embora neste caso a previsão de um direito à saúde na Constituição Federal já pudesse cobrir tais hipóteses c estabelecimento de normas de direito organizacional e processual Tal obrigação implica que o Estado ofereça uma adequada proteção da vida dos indivíduos ao estabelecer normas processuais Exemplo disso é a garantia de proteção de testemunhas cujo depoimento implica grave ameaça à sua vida ou mesmo a obrigação de garantir a devida proteção do réu no processo criminal 35 Mais especificamente no caso de estrangeiros o Estado brasileiro não extradita indivíduos que em seu país de origem serão ou já foram sentenciados com a pena de morte de acordo com reiterada jurisprudência do STF 36 d deveres de criminalização e responsabilidade civil e administrativa Uma das principais modalidades de o Estado levar a efeito o seu dever de proteção com a vida humana reside no papel direcionado aqui ao legislador de criminalização de condutas atentatórias ao direito à vida ainda que também aqui o Estado Legislador detenha ampla margem de conformação no que diz com aspectos específicos como por exemplo o montante da pena Também a responsabilidade civil e administrativa a depender do caso do Estado é decorrência da violação de seus deveres de proteção o que se manifesta de forma particularmente aguda quando se trata de pessoas sujeitas sem alternativa à custódia direta estatal como ocorre no caso dos presos Nesse sentido aliás colacionase julgado do STF RE 841526 rel Min Luiz Fux j 30032016 de acordo com o qual na hipótese de violação do seu dever específico de proteção previsto no art 5º XLIX da Constituição Federal o Estado é responsável civilmente pela morte do detento e proibições e sanções estatais direcionadas aos particulares no âmbito das quais o Estado tem a obrigação de uma prestação jurídica no sentido de vincular por meio da legislação entes particulares ao respeito ao direito à vida Nessa seara se enquadram a tipificação no direito penal de condutas que trazem dano ou ameaça de dano à vida como por exemplo a proibição da interrupção da gravidez da eutanásia bem como as normas de responsabilidade civil extracontratual 37 Importa frisar ainda que tais manifestações decorrentes do dever de proteção estatal da vida humana não representam um catálogo fechado de alternativas Além disso o controle da legitimidade constitucional das omissões e ações estatais nessa seara deverá observar sempre o balanceamento entre o excesso de intervenção na esfera de direitos e garantias fundamentais e com particular relevância para os deveres de proteção a assim chamada proibição de proteção insuficiente ou deficiente que aqui não será tematizada porquanto abordada na parte geral dos direitos fundamentais 417 Limites das intervenções no direito à vida uma análise a partir de alguns exemplos 4171 Considerações gerais A despeito de ter sido consagrado no art 5º caput no qual lhe foi solenemente assegurada inviolabilidade não se poderá reconhecer que o direito à vida assume a condição de um direito absoluto no sentido de absolutamente imune a intervenções legítimas sob o ponto de vista jurídicoconstitucional Diversamente do que ocorreu na Alemanha onde a Lei Fundamental estabeleceu uma expressa reserva legal a Constituição Federal como já frisado assegurou uma proteção aparentemente mais forte ao direito à vida o que todavia não procede visto que bastaria apontar para a exceção prevista na própria Constituição de que em caso de guerra declarada nos casos regulamentados pela legislação infraconstitucional cabível a aplicação da pena de morte Da mesma forma a mera previsão ainda que de modo limitado de hipóteses legais admitindo a interrupção da gravidez igualmente demonstra que a ordem jurídica reconhece situações nas quais a supressão da vida de um ser humano sem prejuízo no caso da interrupção da gravidez da discussão sobre a existência de um direito à vida e mesmo de um dever objetivo de proteção da vida nesta fase é pelo menos tolerada no sentido de não implicar sanção o mesmo ocorrendo nos casos de legítima defesa exercício regular de um direito etc em que a ilicitude do ato de matar é afastada O exemplo do direito à vida diversamente da generalidade dos direitos fundamentais revela também que a assim chamada garantia do núcleo essencial poderá coincidir com o próprio conteúdo do direito visto que qualquer intervenção no direito à vida implica a morte de seu titular Por outro lado também são classificadas como intervenções no direito à vida hipóteses de grave ameaça e risco para a vida que em sendo ultimadas levariam à morte e portanto teriam caráter irreversível 38 A questão portanto não é a de discutir a legitimidade de intervenções restritivas no sentido próprio do termo mas sim a de verificar a consistência jurídicoconstitucional de medidas que para a proteção de bens fundamentais individuais ou coletivos de terceiros ou mesmo no caso da eutanásia para a salvaguarda da dignidade do titular do direito à vida implicam a cessação da vida No que se verifica substancial consenso é no sentido de que embora não se trate de um direito absoluto propriamente dito intervenções no direito à vida somente poderão ser juridicamente justificadas em caráter excepcional e mediante requisitos materiais e formais rigorosos e sujeitos a forte controle Passemos a analisar alguns casos mais frequentes e que seguem gerando intensa discussão em sede doutrinária legislativa e jurisprudencial 4172 Existe um direito de matar O caso da pena de morte e de outras intervenções similares No caso do direito constitucional brasileiro a pena de morte salvo em caso de guerra declarada é expressamente vedada de tal sorte que mesmo mediante emenda constitucional não seria possível introduzir a pena de morte no ordenamento nacional visto que a sua proibição integra o conjunto dos limites materiais à reforma constitucional O quanto a própria exceção à vedação isto é a possibilidade de aplicação da pena de morte em caso de guerra declarada pode passar por um crivo com base na Constituição depende em última análise do conteúdo da sua regulação infraconstitucional pois embora a pena de morte não seja inconstitucional nessa hipótese poderá ser inconstitucional a forma de sua aplicação Ao prever a pena de morte em caso de guerra declarada a Constituição Federal consoante sinalado encontrase em harmonia com o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e a Convenção de São José da Costa Rica que também reconhecem a possibilidade da pena de morte nessa circunstância De qualquer sorte à luz tanto da evolução do entendimento sobre o tema na esfera internacional quanto das diretrizes da Constituição Federal os fundamentos para a imposição no caso de guerra externa declarada de uma pena de morte os destinatários de tal pena e os meios de execução da pena eventualmente aplicada podem e devem passar por um rigoroso teste quanto à sua consistência constitucional o que inclui o exame dos critérios da proporcionalidade impondose em qualquer caso uma interpretação restritiva quanto a tal possibilidade Nesse contexto vale conferir o alerta de Virgílio Afonso da Silva relativamente ao fato de que o Código Penal Militar do Brasil prevê a possibilidade de aplicação da pena de morte em mais de trinta situações além de estabelecer que a pena em todos os casos deve ser executada mediante fuzilamento39 forma de execução que é de se recordar nos EUA foi de há muito proscrita pela Suprema Corte ao menos para os casos envolvendo civis Que mediante uma reforma constitucional possa vir a ser suprimida tal exceção não apenas se revela como algo viável mas acima de tudo desejável a exemplo do que ocorreu no âmbito europeu A proibição da pena de morte contudo não implica que o direito à vida tenha um caráter absoluto nem impede que em determinadas circunstâncias a vida de alguém seja tomada sem que daí resulte uma sanção da ordem jurídica Assim o soldado em tempo de guerra que em situação de combate vem a tirar a vida de alguém não pratica crime salvo se o fizer mediante violação de alguma regra em particular Também o cidadão que obra em legítima defesa ou em estado de necessidade sem prejuízo de outras excludentes da ilicitude portanto atendendo aos critérios estabelecidos pela legislação penal não comete crime e não poderá ser punido pela morte que causou embora não seja propriamente o caso de se aceitar aqui a ideia de um direito fundamental de matar alguém Situações relativamente corriqueiras especialmente no Brasil dizem respeito aos casos em que integrantes das forças policiais quando em ação no combate ao crime tiram a vida de alguém ou o colocam gravemente em risco As estatísticas brasileiras são altamente preocupantes considerando o número de mortos civis pela ação da polícia Tirante os casos de legítima defesa própria que recaem sob o manto da excludente específica e universalizável de ilicitude é controverso o que significa o exercício regular de um direito ou mesmo a legítima defesa de terceiro nesse contexto notadamente quando se trata de o Estado por meio de seus órgãos e agentes cumprir com os seus deveres de proteção da vida humana Hipótese bastante comum e que encontra suporte na ordem jurídica é a da morte pela autoridade policial de um sequestrador para salvamento do sequestrado desde que o evento morte do sequestrador seja o único meio para salvar a vida do refém 40 O quanto todavia é exigível do Poder Público que liberte presos especialmente quando acusados ou mesmo já condenados pela prática de crimes graves homicídio terrorismo etc ou tome determinadas providências para assegurar a libertação de pessoa sequestrada diz respeito à maior ou menor margem de liberdade dos órgãos e agentes estatais no cumprimento de seu dever de proteção da vida humana problema que pode assumir dimensões dramáticas a depender das circunstâncias Particularmente controversos são os casos nos quais se discute se a morte de pessoas inocentes ou a colocação em risco de vida de inocentes se justifica como medida para salvar a vida de outros inocentes Dois exemplos extraídos da jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal da Alemanha são altamente elucidativos e podem contribuir para o desenvolvimento compreensão e mesmo solução do problema No primeiro caso julgado em 1977 o famoso caso Schleyer 41 no qual se analisou a obrigação por força do dever estatal de proteção da vida do Poder Público autoridade policial alemã no sentido de libertar um grupo de terroristas que haviam sido presos pela polícia como pagamento do resgate exigido para libertação do industrial HansMartin Schleyer que havia sido sequestrado pelo grupo ao qual pertenciam os presos cuja libertação era exigida No caso o Tribunal entendeu que a autoridade policial não poderia ser obrigada a libertar criminosos que uma vez postos em liberdade poderiam novamente colocar em risco a vida de inocentes e que a existência de um dever de proteção da vida do industrial sequestrado não leva necessariamente ao dever do Estado de tomar uma medida determinada de tal sorte que não deixou de haver uma espécie de contraposição entre o direito à vida do sequestrado e de terceiros Por ocasião de um julgamento mais recente no âmbito de um conjunto de decisões a respeito da legitimidade constitucional de medidas estatais destinadas ao combate do terrorismo e do crime organizado o Tribunal Constitucional Federal alemão teve de apreciar se o abatimento de um avião sequestrado por terroristas e destinado a ser utilizado como arma para ceifar a vida de inocentes implica violação da dignidade da pessoa humana eou de direitos fundamentais Aqui o Tribunal entendeu que a vida não poderia pura e simplesmente ser ponderada com outras vidas humanas de tal sorte que configurada além de uma violação do direito à vida uma ofensa à dignidade da pessoa humana dos reféns e mesmo dos sequestradores já que reduzidos a mero objeto da ação estatal ainda que voltada à salvaguarda da vida de terceiros 42 A decisão não deixou de ser alvo de críticas pois houve quem argumentasse que os passageiros não seriam no caso intencionalmente mortos visto que sua morte seria a consequência obrigatória e indesejada da ação estatal voltada à proteção da vida de terceiros Além do mais os passageiros perderiam suas vidas de qualquer forma na sequência pelas mãos dos terroristas caso o avião realmente fosse jogado contra um alvo em terra Por outro lado o uso do critério da coisificação da vida humana nesse caso tornaria o Estado inapto a proteger a vida de terceiros sem contudo trazer qualquer benefício aos passageiros já que esses seriam mortos de qualquer modo Todavia por mais que as críticas ao julgado do Tribunal Constitucional possam soar racionais e razoáveis o fato é que a morte certa de inocentes no caso dos reféns para salvar a vida de terceiros que apenas perderiam sua vida se o avião efetivamente fosse projetado contra um alvo e atingisse inocentes portanto para além da por si só já controversa ponderação entre vidas humanas o dilema morte certa por morte duvidosa por si só já fragiliza o argumento dos críticos Ainda no tocante aos deveres de proteção da vida humana calha referir julgado do STF no âmbito do qual foram suspensas decisão exarada pelo Ministro Edson Fachin com o intuito de proteção da vida e da integridade da população operações policiais em comunidades do Rio de Janeiro durante a pandemia do coronavírus exceto em casos excepcionais devidamente justificados por escrito pela autoridade competente e comunicados ao Ministério Público estadual órgão responsável pelo controle externo da atividade policial com especiais cuidados para não colocar em risco ainda maior a população a prestação de serviços públicos sanitários e o desempenho de atividades de ajuda humanitária 43 4173 A discussão em torno da legitimidade constitucional da interrupção da gravidez A discussão sobre a descriminalização da prática do aborto ou seja da interrupção voluntária da gravidez ou mesmo a controvérsia sobre a existência de um direito fundamental à interrupção da gravidez segue polarizando as opiniões na esfera doutrinária legislativa e jurisprudencial No Brasil onde para efeitos da legislação infraconstitucional à míngua de decisão expressa do constituinte sobre a matéria a prática voluntária do aborto salvo nos casos em que se verifique risco de vida para a mãe ou que esta tenha sido vítima de delito sexual estupro segue sendo crime o problema está longe de ser equacionado mesmo com a decisão do STF na ADPF 54 em que foi considerada legítima a interrupção da gravidez nos casos de anencefalia fetal Muito embora o STF como se depreende do já referido julgamento sobre as pesquisas com célulastronco entenda que a vida intrauterina esteja protegida pela legislação em razão da dimensão objetiva do princípio da dignidade da pessoa humana ainda não houve uma tomada de posição conclusiva acerca da obrigatoriedade resultante dessa dimensão objetiva de determinado nível de proteção como por exemplo a necessidade de que tal proteção seja efetuada mediante a criminalização de determinadas condutas no caso da interrupção da gravidez No âmbito do direito comparado diferentemente da solução adotada pela Suprema Corte dos Estados Unidos que reconheceu um direito da mulher à prática do aborto nos primeiros meses de gestação 44 o Tribunal Constitucional Federal alemão afirmou que a proteção da dimensão objetiva do direito à vida não requer que o Estado efetue a salvaguarda da vida intrauterina por meio do direito penal pois a decisão específica relativa ao como proteger a vida humana e não apenas nessa fase estaria reservada ao legislador no âmbito de sua liberdade democrática de conformação 45 No plano do direito internacional dos direitos humanos é preciso atentar para o fato de que embora a Convenção Americana dos Direitos Humanos Pacto de São José da Costa Rica disponha que a vida humana é protegida desde a concepção disso não resulta necessariamente que tal proteção se dá na forma de um direito subjetivo do nascituro podendo portanto ser justificada no plano da dimensão objetiva De qualquer sorte a dimensão objetiva não determina a maneira específica como o Estado deve realizar essa proteção nem implica necessariamente que a vida tenha exatamente o mesmo grau de proteção em todas as suas fases Independentemente de qual venha a ser a posição adotada pelo STF que ainda não se pronunciou de modo conclusivo sobre o tema entendemos ser difícil sustentar no caso brasileiro a existência de um direito fundamental ao aborto o que por sua vez não significa que a prática do aborto deva necessariamente ser sancionada na esfera criminal Mesmo para quem entende que existe um direito ao aborto é preciso considerar que no plano da colisão da liberdade individual da mulher com outros direitos eou bens jurídicoconstitucionais notadamente a vida do nascituro tal direito não se revela absoluto Em qualquer caso a descriminalização da interrupção da gravidez deverá guardar sintonia com os critérios da proporcionalidade e da razoabilidade inclusive no que diz respeito a uma proibição de proteção insuficiente da vida humana ainda mais quando a capacidade de autoproteção é inexistente de modo que a supressão da proteção pela via do direito penal deve ser compensada de algum modo com alguma eficácia por outros tipos de medidas de proteção que tenham por escopo a redução tanto dos casos de interrupção de gravidez quanto de seus riscos colaterais inclusive para as mulheres que decidem pelo aborto tal como se deu na Alemanha e em Portugal Por derradeiro sem que se pretenda aqui aprofundar o debate verificase que nem mesmo a decisão tomada pelo STF no caso da interrupção da gravidez em casos de anencefalia fetal 46 resolveu em definitivo o debate visto que se trata de situação peculiar que não implica a descriminalização de toda e qualquer hipótese de interrupção da gravidez voluntária no Brasil muito embora já tenha sido reconhecida tal possibilidade abortamento livre no decurso das doze primeiras semanas da gestação em decisão proferida no âmbito de controle difuso a partir de caso concreto 47 Além disso embora a ADPF na qual se discutira a possibilidade de legitimação do aborto nos casos de microcefalia tenha sido julgada prejudicada por perda de seu objeto ainda segue aguardando julgamento a descriminalização da interrupção voluntária da gravidez nas doze primeiras semanas da gestação 48 de modo que a depender do resultado deste julgamento caso reconhecido o direito à interrupção da gravidez nessa fase o STF estará incluindo para além do modelo de indicações estupro risco de vida e anencefalia o modelo de prazos 12 semanas de gravidez mesmo sem uma decisão do legislador nesse sentido Voltandonos ao caso da anencefalia fetal importa destacar que uma vez diagnosticada e de acordo com o voto do relator do caso Min Marco Aurélio não se trataria sequer de uma hipótese típica de aborto mas sim de uma antecipação terapêutica do parto pois em virtude da inviabilidade da sobrevivência do feto após o nascimento ainda que possa viver por algum tempo o que ocorre é uma morte certa que não pode merecer maior proteção do que a dignidade e a liberdade de opção da mãe ou dos pais agregando entre outros argumentos que se a ponderação entre os direitos da mulher e os de um feto saudável já é chancelada pela ordem jurídica casos de estupro e risco de vida para a mulher deverá ser também nos casos de anencefalia Em sentido parcialmente diverso o Min Gilmar Mendes embora tendo votado pela procedência da ação e acompanhado o relator considerou tratarse de hipótese de abortamento mas incluída no elenco das exclusões de ilicitude previstas no Código Penal Dos demais ministros seis votaram pela possibilidade de interrupção da gravidez no caso de anencefalia diagnosticada ao passo que dois nomeadamente os Ministros Ricardo Lewandowski e Cezar Peluso votaram pela improcedência da ADPF argumentando em síntese que a matéria deveria ser decidida na esfera do processo legislativo dada a sua magnitude e a existência de amplo dissídio no âmbito de opinião pública enfatizando tratar se sim de uma hipótese de aborto e alertando para o risco da ampliação dos casos de interrupção da gravidez muito embora tenha a Ministra Cármen Lúcia referido em seu voto que o STF não estaria introduzindo um direito ao aborto no Brasil nem estendendo a possibilidade de interrupção da gravidez a todo e qualquer caso de anomalia fetal Dentre os diversos tópicos que poderiam ser destacados assume relevo a circunstância de que boa parte dos ministros valendose dos critérios da morte cerebral entendeu que não estaria propriamente em causa o direito à vida do feto pois destinado à morte por falta de massa encefálica suficiente para lograr desenvolvimento autônomo Tal circunstância contudo merece um contraponto Com efeito a existência de resolução do Conselho Federal de Medicina em especial a de n 1949 de 2010 que disciplinava que os critérios da morte cerebral seriam inaplicáveis ao feto anencéfalo pois os fetos e recémnascidos com anencefalia embora a ausência de estruturas cerebrais apresentam partes do cérebro em funcionamento sugere que tal linha argumentativa a de que não haveria vida viável não é a melhor para deslindar a questão De todo modo o julgamento do STF que aqui não poderá ser mais analisado desafia uma reflexão crítica não tanto quanto à decisão em si que assegurou nos estritos e bem documentados casos de anencefalia a possibilidade de uma interrupção voluntária da gravidez mas sim no concernente à consistência de alguns dos argumentos esgrimidos vg o critério da morte cerebral e até mesmo a nem sempre adequada utilização de argumentos juridicamente não qualificados que acabaram conferindo certo ar retórico ao julgado que nem sempre contribui para a legitimação das decisões judiciais 4174 O problema de um direito ao suicídio e a discussão em torno das possibilidades e limites da eutanásia O reconhecimento de um direito fundamental ao suicídio tem sido objeto de acirrada controvérsia Muito embora a doutrina majoritária entenda que o direito à vida não abrange um direito de sua livre disposição no sentido de um direito ao suicídio 49 há quem sustente que o direito geral de liberdade e especialmente o direito geral da personalidade incluem um direito a tomar a própria vida que portanto não seria um bem absolutamente indisponível ao seu titular De acordo com a lição de Klaus Stern por exemplo restrições legislativas a esse direito não podem ser legitimadas a impor uma vida contra a vontade de um titular de direitos fundamentais caso este esteja de posse de sua sanidade mental e tome a decisão acerca de sua morte de forma livre e responsável independentemente de interesses sociais alheios a sua pessoa de tal sorte que a dimensão objetiva do direito à vida não pode ser oposta a isso e justificar a supressão da vontade individual ou seja da dimensão subjetiva do direito fundamental 50 De qualquer sorte tratese ou não de um direito fundamental a ordem jurídica por razões que resultam elementares já que o evento morte acarreta a extinção da punibilidade não sanciona criminalmente o autor de sua própria morte salvo eventualmente nos casos de tentativa de suicídio de modo que apenas se pode considerar a criminalização de atos ações ou omissões praticados por terceiros e que tenham contribuído para o evento morte tal como a instigação ao suicídio o auxílio prestado ao suicida etc consoante aliás ocorre no direito brasileiro 51 Associada ao problema de um direito ao suicídio situase a controvérsia em torno da assim chamada eutanásia Por eutanásia termo que tem sido utilizado de forma genérica compreendemse as situações que abarcam tanto condutas omissivas quanto comissivas nas quais se recorre a um auxílio médico para alcançar a morte de um paciente que já se encontra em processo de sofrimento e cujo estado de saúde é tão precário que o levará inevitavelmente à morte pelo menos de acordo com os conhecimentos da ciência médica naquele momento e com base em um prognóstico médico sendo que esse auxílio médico determinará uma diminuição do tempo de vida do paciente 52 Para reforçar a complexidade do problema não existe clareza sobre as diversas modalidades de eutanásia e sua diferenciação inclusive no que diz com os seus respectivos efeitos jurídicos o que se torna ainda mais problemático em virtude de certa confusão terminológica que se verifica também nessa seara 53 De qualquer sorte uma primeira distinção importante diz respeito à diferenciação entre a assim chamada distanásia que consiste na tentativa de retardar a morte o máximo possível utilizandose para tanto todos os meios disponíveis no sentido mesmo de um prolongamento artificial da vida humana sem consideração do eventual sofrimento causado situação que guarda conexão com os assim chamados obstinação terapêutica e tratamento fútil 54 No caso da eutanásia ainda considerada em sentido amplo a despeito de a diferença entre ambas as suas modalidades não ser totalmente precisa segue sendo possível distinguir entre duas formas básicas de eutanásia ao passo que a assim chamada eutanásia ativa ou eutanásia em sentido estrito consiste na ação deliberada de matar por exemplo ministrando algum medicamento ou mediante a supressão de um tratamento já iniciado tomando em qualquer caso providências diretas para encurtar a vida do paciente a eutanásia passiva consiste na omissão de algum tratamento que poderia assegurar a continuidade da vida caso ministrado No caso da eutanásia ativa é preciso ainda distinguir entre as modalidades direta consistente na utilização de meios eficazes para produzir a morte de doente terminal e indireta também designada de ortotanásia mediante a qual se utiliza tratamento com o intuito de aliviar a dor e o sofrimento do paciente sabendose que com isso se abrevia a sua vida 55 Se na esfera da eutanásia passiva ou mesmo a depender das circunstâncias da eutanásia ativa indireta ortotanásia já se tem admitido especialmente no plano do direito comparado e internacional dos direitos humanos a legitimidade jurídica de sua prática desde que voluntária isto é quando puder ser reconduzida à vontade do paciente nas hipóteses da eutanásia ativa direta a situação se revela mais complexa ainda que presente um pedido livre e informado da pessoa no sentido de que terceiros lhe provoquem a morte situação também designada de homicídio a pedido da vítima A Constituição Federal não estabelece qualquer parâmetro direto quanto a tais aspectos mas em homenagem ao princípio da dignidade da pessoa humana e da liberdade individual o reconhecimento do direito de morrer com dignidade ou de um direito de organizar a própria morte 56 não pode ser pura e simplesmente desconsiderado Do contrário o direito à vida resultaria transformado em um dever de viver sob qualquer circunstância e a sua condição de direito subjetivo restaria funcionalizada em detrimento de sua dimensão objetiva Por outro lado o direito à vida e dever de viver prevaleceria sempre sobre a própria autonomia e dignidade da pessoa humana notadamente em situações em que as pessoas pela sua vulnerabilidade encontram se submetidas integralmente às decisões de terceiros 57 O embate que se estabelece entre a dignidade humana como autonomia pessoal e a dignidade como heteronomia ou seja entre o que cada pessoa entende corresponder à sua própria dignidade e o que fazer ou deixar de fazer em relação ao desenvolvimento e proteção de sua vida e personalidade e o que o Estado e seus agentes ou mesmo terceiros entendam seja uma exigência da dignidade alheia revelase particularmente agudo também nesse contexto demandando um equacionamento que não pode ser resolvido com base na lógica do tudo ou nada e portanto não pode conduzir a uma anulação do âmbito da autonomia individual tema que aqui não poderá ser desenvolvido 58 Além disso o problema da criminalização de todas as formas de eutanásia mesmo que se trate da ativa indireta e da passiva é de que tal criminalização a pretexto de salvaguardar um caráter absoluto do direito à vida esbarra em algumas contradições que inclusive são de ordem lógica e prática Assim para ilustrar o argumento verificase que mesmo que não exista melhor formulado que não se reconheça um direito ao suicídio quem estiver em condições de causar a sua própria morte uma vez que assim o queira não pode ser impedido ao passo que alguém que em virtude de seu sofrimento e desespero queira pôr fim à sua vida mas por estar enfermo e se encontrar na dependência de terceiros não pode por sua própria força chegar ao resultado resta obrigado a se submeter sem qualquer alternativa ao que o Estado a família e os médicos consideram seja o mais adequado Em suma se dignidade e vida são valores e direitos autônomos em que pese a conexão entre ambos e se não há hierarquia entre os mesmos dificilmente se poderá justificar que até mesmo a eutanásia passiva voluntária seja criminalizada ainda mais mediante recurso ao argumento de que aqui se faz necessário proteger a pessoa contra si própria Independentemente de um desenvolvimento mais detalhado da matéria que aqui não poderemos empreender o que resulta importante destacar é que a Constituição Federal ao consagrar tanto o direito à vida quanto a dignidade da pessoa humana assegura como tem sido reconhecido em diversos países ao longo do tempo59 ao legislador e mesmo aos demais órgãos encarregados da interpretação e aplicação do direito suficiente margem de liberdade para definir quais as possibilidades e os limites da eutanásia desde que tal prática não tenha qualquer finalidade eugênica mas se restrinja a assegurar aos indivíduos sob determinadas circunstâncias pelo menos nos casos de ortotanásia e de eutanásia passiva voluntárias e com estrita observância de critérios de segurança e responsabilidade a possibilidade de uma morte com dignidade 42 O direito à integridade física e psíquica 421 Considerações gerais Embora forte a sua conexão com o direito à vida o direito à integridade pessoal como já sinalado quando da abordagem do direito à vida com aquele não se confunde sendo ademais desdobrado em diversas manifestações Por outro lado diferentemente de outras constituições a Constituição Federal não contemplou expressamente nem um direito à integridade pessoal nem um direito à integridade física ou corporal o que não significa que a integridade e mesmo identidade pessoal com destaque aqui para a integridade corporal física não tenha sido objeto de reconhecimento e proteção pelo constituinte mas indica a necessidade de se recorrer a uma análise sistemática que considere o conjunto dos dispositivos constitucionais relacionados com a integridade pessoal e o bloco de constitucionalidade incluindo os tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil De outra parte considerando a sua relevância para a proteção da dignidade da pessoa humana e da integridade e identidade pessoais justificase a opção de se adotar uma perspectiva mais ampliada Assim embora em item apartado será também abordada a proibição da tortura e de todo e qualquer tratamento desumano ou degradante assim como a proibição de penas cruéis Na medida em que houver dispositivos constitucionais específicos protegendo a integridade física e psíquica é o caso por exemplo do direito dos presos ao respeito de sua integridade física e moral assegurado no art 5º XLIX da CF serão tidos como abrangidos pelo presente comentário 422 Direito constitucional estrangeiro e direito internacional dos direitos humanos O direito à integridade física corporal passou a constar em um número expressivo de constituições especialmente a partir da Segunda Grande Guerra Mundial e por força do seu reconhecimento na esfera do direito internacional dos direitos humanos A primeira constituição a consagrar de forma expressa o direito foi a Lei Fundamental da Alemanha de 1949 que no seu art 2º assegura a qualquer pessoa o direito à vida e à integridade corporal A Constituição da República Portuguesa de 1976 no âmbito do direito à integridade pessoal dispõe que a integridade moral e física das pessoas é inviolável art 25 1 o que também se verifica no caso da Constituição da Espanha de 1978 assegurando a todos o direito à vida e à integridade física e moral proibindo categoricamente a tortura e todo e qualquer tratamento desumano e degradante art 15 No âmbito latinoamericano calha referir o exemplo da Constituição chilena cujo art 19 n 1 assegura a todas as pessoas o direito à vida e à integridade física e psíquica No plano internacional a Declaração dos Direitos Humanos da ONU de 1948 embora não contemple expressamente um direito à integridade física e psíquica estabelece que ninguém será submetido a tortura nem a tratamento ou castigo cruel desumano ou degradante art V O Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos de 1966 igualmente não contempla expressamente o direito à integridade física e psíquica mas foi mais além do que a Declaração da ONU ao vedar não apenas a tortura e penas e tratamentos cruéis desumanos e degradantes mas também proibindo no mesmo dispositivo que as pessoas sejam submetidas sem o seu consentimento a experiências médicas ou científicas art 7º Ainda no plano internacional sem prejuízo de outros documentos e da relação de diversos outros direitos com a integridade física e psíquica por exemplo a proibição da escravidão dos trabalhos forçados a intimidade o direito à saúde entre outros assume relevância a Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis Desumanos ou Degradantes 1984 No que diz com os sistemas regionais a Convenção Americana sobre Direitos Humanos de 1969 no seu art 5º afirma que toda pessoa tem o direito a que se respeite sua integridade física psíquica e moral além de estabelecer que ninguém será submetido a torturas ou penas e tratos cruéis desumanos ou degradantes Mais minuciosa porquanto mais recente e já afinada com uma série de desafios postos pelo avanço tecnológico e pelo assim chamado biodireito é a Carta de Direitos Fundamentais da Europa do ano 2000 cujo art 3º assegura o direito à integridade do ser humano nos seguintes termos 1 Todas as pessoas têm direito ao respeito pela sua integridade física e mental 2 No domínio da medicina e da biologia devem ser respeitados designadamente a o consentimento livre e esclarecido da pessoa nos termos da lei b a proibição das práticas eugênicas nomeadamente das que têm por finalidade a selecção das pessoas c a proibição de transformar o corpo humano ou as suas partes enquanto tais numa fonte de lucro d a proibição da clonagem reprodutiva dos seres humanos 423 O direito à integridade física e psíquica na Constituição Federal 4231 Observações gerais e relação com outros direitos fundamentais Conforme já referido a Constituição Federal não reconheceu de modo expresso e direto um direito à integridade física ou corporal como direito autônomo muito embora não se questione que na condição de elemento essencial à dignidade da pessoa humana e identidade e integridade pessoal a proteção da integridade corporal física e psíquica assume a condição de direito fundamental da mais alta significação Considerando que o direito à integridade corporal não se confunde com o direito à vida embora a relação de complementaridade entre ambos não é no direito à vida que se achará smj o fundamento constitucional adequado para um direito fundamental à integridade corporal até mesmo pelo fato de o direito à integridade corporal cobrir precisamente as situações que dizem respeito a intervenções na estrutura física e psíquica da pessoa humana que não têm por consequência a morte ou que não colocam efetivamente em risco a vida no sentido da sobrevivência física 60 Numa perspectiva diferente é possível traçar uma distinção entre o direito à vida e o direito à integridade física na perspectiva de sua dimensão subjetiva visto que as pessoas de acordo com a lição de Javier Pérez Royo são titulares do direito à vida independentemente de sua própria vontade ao passo que o direito à integridade física protege a inviolabilidade da pessoa contra toda e qualquer intervenção que careça de consentimento do titular do direito 61 Por sua vez ainda que particularmente intensa a relação com a proibição da tortura de tratamentos desumanos e degradantes e mesmo de penas cruéis mas também com outros direitos fundamentais expressamente contemplados em dispositivo constitucional específico como é o caso do direito à segurança direito à intimidade e do direito à saúde para referir os mais relevantes cuidase como já sinalizado de direito autônomo objeto mesmo de um regime de proteção particular mas que há de ser articulado na sua compreensão e aplicação com um conjunto de outros direitos fundamentais designadamente os que foram objeto de referência 62 Em síntese antes de avançarmos quanto ao conteúdo âmbito de proteção do direito fundamental o direito à integridade física corporal e psíquica abarca a proteção da integridade externa pessoal ou seja a esfera corporal no sentido biológico bem como a integri dade pessoal interna no que diz com o funcionamento da esfera psíquica incluindo a sensibilidade à dor e ao sofrimento físico e psíquico 63 Assim o direito à integridade física e psíquica possui em parte o mesmo objeto do direito à saúde do qual nesse sentido acaba sendo mais próximo do que o é em relação ao próprio direito à vida embora também com o direito à saúde não se confunda pois nem toda intervenção na integridade física resulta em dano para a saúde 64 A relação íntima entre o direito à integridade corporal e psíquica e o direito à saúde já se vislumbra na circunstância de que uma intervenção médica no corpo humano por exemplo uma cirurgia a injeção de um medicamento etc é sempre embora requerida e justificada à luz do direito à saúde uma intervenção ainda que em geral legítima no direito à integridade corporal do que voltaremos a nos ocupar logo adiante no contexto dos limites e restrições Por derradeiro é preciso distinguir o direito à integridade física e psíquica do direito à integridade moral que juntamente com as duas primeiras manifestações compõe o direito à integridade pessoal mas será objeto de tratamento em separado quando do exame dos direitos à honra e imagem a despeito dos fortes pontos de contato entre as diversas dimensões da integridade pessoal 4232 A dupla dimensão subjetiva negativa e positiva e objetiva do direito à integridade física e psíquica Na condição de direito subjetivo o direito à integridade física e psíquica opera em primeira linha como direito de defesa no sentido de um direito a não ser agredido ou ofendido em termos de integridade física e psíquica ou seja assume a condição de um direito à não intervenção por parte do Estado e de terceiros na esfera do bem jurídico protegido 65 Considerando que o livre consentimento do titular do direito justifica intervenções na esfera corporal por exemplo realizadas por médicos o corte de cabelo a colocação de brincos e piercings tatuagens etc é possível sustentar que o espectro das posições subjetivas abarcado pelo direito na sua face negativa defensiva inclui também em certo sentido a liberdade de decidir sobre tais intervenções e portanto sobre a própria integridade corporal e psíquica O quanto se pode admitir a existência de um direito a dispor sobre o próprio corpo e o quanto há como sustentar um dever de conduzir uma vida saudável são questões controversas que serão abordadas mais adiante Por outro lado a dimensão positiva do direito ou seja a existência de um direito subjetivo a prestações estatais revelase mais difícil de apresentar e equacionar Com efeito pela sua interface com o direito à saúde em geral um direito a prestações destinadas a assegurar a integridade corporal e psíquica será sempre também um direito a prestações derivadas e mesmo originárias de saúde bens e serviços que constitui direito autônomo Mas a dimensão positiva do direito que guarda vínculo com a sua dimensão objetiva abarca a existência de um dever de prestações normativas com destaque para a organização e o procedimento como meios de garantir os direitos fundamentais de modo a assegurar a efetiva proteção material do direito 66 Apenas para indicar um exemplo a legislação dispondo sobre os transplantes e as doações de órgãos é um meio de o Estado regular a proteção do direito à integridade corporal assim como do próprio direito à vida e de estabelecer procedimentos e critérios para resguardar os envolvidos no processo A proteção na esfera penal mediante a criminalização de condutas atentatórias à integridade física e psíquica por exemplo a figura típica da lesão corporal constitui via importante de o Estado cumprir com seu dever de proteção embora a controvérsia sobre os limites e possibilidades da criminalização nessa seara 67 Ainda quanto aos deveres de proteção estatal no âmbito dos quais os órgãos estatais estão obrigados a proteger e promover o direito especialmente em face de intervenções ilícitas por parte de terceiros é preciso acrescentar que a exemplo do que ocorre com o direito à vida não é apenas nas hipóteses de violação do direito intervenção efetiva no bem jurídico mas também nos casos de ameaça e risco de afetação da integridade física e psíquica que o Estado estará vinculado na esfera do seu dever de proteção 68 De qualquer sorte também aqui vale a premissa de que o Estado possui ampla liberdade de conformação especialmente quando se trata do legislador na concretização dos deveres de proteção estando todavia sujeito a um controle com base nos critérios da proporcionalidade em especial da proibição de proteção insuficiente cujos contornos foram abordados na parte geral dos direitos fundamentais69 Calha agregar que no caso da jurisprudência constitucional brasileira muito embora não focada apenas no direito à integridade física e psíquica por ter sido invocada também violação da dignidade da pessoa humana e do direito à saúde o STF em paradigmática decisão envolvendo as condições de execução da pena privativa de liberdade na grande maioria das prisões brasileiras reconheceu a existência de um estado de coisas inconstitucional e chegou mesmo numa decisão do tipo estruturante a determinar ao poder público a adoção e o controle de um conjunto de medidas concretas 70 4233 Titulares e destinatários Dada a sua natureza de direito personalíssimo e fundado na própria dignidade da pessoa humana a titularidade do direito à integridade física é universal de modo a abranger brasileiros e estrangeiros sejam ou não residentes no Brasil Pelas suas peculiaridades apenas pessoas naturais podem ser titulares do direito incluindose o nascituro muito embora também aqui devam ser consideradas as observações feitas sobre a titularidade do direito à vida no item respectivo No que diz respeito ao início e fim da titularidade do direito na condição de direito subjetivo remetemo nos aqui às observações feitas no capítulo sobre o direito à vida em geral aplicáveis à integridade corporal com a ressalva de que não se pode falar em intervenção na integridade física e corporal de uma pessoa morta mas sim em eventual violação da dignidade humana e de projeções da personalidade 71 Destinatários do direito são tanto os órgãos estatais quanto os particulares pois a proteção da integridade física e psíquica é também objeto de concretização pela legislação cível como na esfera dos direitos de personalidade muito embora na esfera das relações privadas uma eficácia direta portanto sem a mediação legislativa careça de cuidadoso equacionamento de acordo com as circunstâncias do caso temática que aqui não será aprofundada remetendose à parte geral dos direitos fundamentais nesta obra 4234 Intervenções no direito à integridade corporal limites e restrições a controvérsia em torno de um direito à disposição do próprio corpo São consideradas intervenções no direito à integridade física e psíquica todas as formas de afetação normativa fática direta ou indireta do bem jurídico protegido portanto toda ação estatal e de terceiros que afete de algum modo a integridade física e psíquica que resulte em dano efetivo ou risco à saúde física e psíquica ou que pelo menos inflija dor e sofrimento físico eou psíquico 72 A extração de sangue e material para testes genéticos a colocação de sondas para lavagem estomacal entre outros exemplos que poderiam ser citados constituem portanto intervenções na integridade corporal mas não o corte temporário de cabelo ou da barba para fins de identificação policial e muito menos para fins estéticos 73 Embora para setores da doutrina os tratamentos médicos devidamente consentidos não constituam sequer uma intervenção no âmbito de proteção do direito 74 tal entendimento é pelo menos questionável pois se trata de compreensão que não assegura os melhores níveis de proteção do direito afetado visto que dispensaria o controle da legitimidade constitucional da intervenção em tais hipóteses Toda e qualquer intervenção consentida ou não é uma intervenção na esfera da integridade corporal de tal sorte que o consentimento tem o condão de afastar em geral e atendidos os seus requisitos pois nem sempre o consentimento é aceitável a ilicitude da intervenção mas não deixa de ser em princípio uma intervenção 75 O problema que se coloca neste contexto é o de distinguir quando uma intervenção no direito será constitucionalmente legítima e quando se trata de uma violação do direito Nesse sentido de acordo com a concepção dominante o direito à integridade física e psíquica na condição de direito personalíssimo e refração da dignidade da pessoa humana embora seja de regra irrenunciável poderá eventualmente ser objeto de autolimitação especialmente nos casos em que for cabível o consentimento por parte do titular do direito por exemplo para a colocação de piercings brincos a realização de tatuagens ou para efeitos de intervenção médica 76 Precisamente aqui se situa como já sinalizado um dos aspectos mais polêmicos em matéria do direito à integridade corporal qual seja o que concerne ao debate em torno da existência de um direito à disposição do próprio corpo 77 Dadas as limitações do presente tópico nos limitaremos a afirmar a existência de tal direito muito embora também o direito de qualquer pessoa capaz de dar seu consentimento de modo livre e informado encontre limites na dignidade do próprio titular do direito no sen tido de um dever de proteção por parte do Estado que pode limitar a autonomia individual e em interesses da coletividade De qualquer sorte ressalvadas exceções em que nem mesmo a vontade do titular do direito é aceitável ou pelo menos se pode discutir a questão como no caso das automutilações de caráter permanente com auxílio de terceiros é amplamente aceito em sede doutrinária e jurisprudencial que o consentimento do titular do direito desde que consciente e livre além de adequadamente informado quando necessário afasta em princípio a ilegitimidade da intervenção 78 Sem o consentimento do titular do direito eventuais intervenções apenas são admissíveis em caráter excepcional quando o paciente na hipótese de um tratamento médico se en contra em estado de inconsciência e é possível recorrer de acordo com as circunstâncias a uma legítima presunção do seu consentimento 79 Além de intervenções legitimadas pelo consentimento livre e informado do titular do direito existem intervenções impostas pelo legislador e mesmo por ato administrativo no exercício do poder de polícia e judicial que nem sempre contam com a concordân cia de quem é afetado por tais intervenções na integridade física e psíquica Situamse nessa hipótese a extração compulsória de sangue ou líquido da coluna ou mesmo de outro tecido corporal para fins de produção de prova em processos judiciais ou administrativos ou mesmo para efeitos de tratamento médico não consentido pelo titular do direito caso da transfusão de sangue de integrantes da congregação religiosa Testemunhas de Jeová bem como a vacinação compulsória80 apenas para citar alguns exemplos Como também o direito à integridade física e corporal embora sua estreita conexão com a dignidade da pessoa humana e em se tratando de um direito personalíssimo não é um direito absoluto por mais excepcionais que devam ser eventuais intervenções não consentidas pelo titular do direito não se poderá afastar por completo tal possibilidade o que contudo demanda um controle rigoroso da proporcionalidade da intervenção e apenas se justifica quando imprescindíveis à proteção de direitos fundamentais individuais e coletivos da mesma estatura como se dá com os casos de grave ameaça para a saúde pública 81 De qualquer sorte a regra há de ser que eventual dever do cidadão de se submeter a intervenção na esfera corporal não poderá resultar no caráter compulsório do procedimento no sentido de sua imposição forçada contra a vontade do titular do direito sem prejuízo das sanções previstas na esfera administrativa e mesmo penal 82 Em tal situação se enquadra por exemplo a discussão a respeito da obrigação de alguém se submeter ao exame do bafômetro embora questionável que considerando a natureza da intervenção se trate de afetação do âmbito de proteção do direito à integridade física e psíquica ou como já foi objeto de julgamento pelo STF a condução coercitiva para a realização de exame de DNA mediante extração compulsória de sangue para fins de obter prova em processo judicial 83 Tal orientação se justifica já pelo fato de o direito à integridade física e psíquica ter um conteúdo bastante visível em dignidade da pessoa humana revelando extrema sensibilidade diante de eventuais intervenções 84 Por outro lado há que diferenciar as situações especiais nas quais se podem encontrar determinadas pessoas em que por força dos deveres de proteção estatal e mesmo dos deveres de guarda e cuidado por parte de particulares impõese maior nível de intervenção protetiva mesmo eventualmente sem o consentimento do titular do direito o que se verifica nos casos de menores de idade pessoas com deficiência internos em estabelecimento prisional e toda e qualquer circunstância que reduza a capacidade de uma defesa pessoal e de consentir de modo livre de forma a legitimar a intervenção O exemplo da transfusão de sangue levada a efeito em crianças para salvarlhes a vida mesmo contra a vontade dos pais testemunhas de Jeová contrastado com a hipótese da decisão de uma pessoa maior e plenamente capaz que a despeito de orientada sobre as consequências de sua recusa prefere ainda assim não se submeter à transfusão é digno de registro muito embora aqui não se possa desenvolver o tema Nessa linha de entendimento calha referir uma situação que envolve tanto um assim chamado direito à disposição do próprio corpo quanto a liberdade de expressão ambos sujeitos a determinadas restrições num contexto marcado pelas também assim designadas relações especiais de poder 85 Tal problema foi enfrentado pelo STF ao decidir pela legitimidade constitucional da exclusão de concurso público para a polícia militar de candidatos ostentando tatuagens sejam elas expostas ou não No âmbito do RE 898450 julgado em 17082016 tendo como relator o Ministro Luiz Fux o STF por unanimidade entendeu ser inconstitucional a imposição nos editais de concurso público de restrições a candidatos com tatuagem salvo em situações excepcionais em razão do conteúdo das tatuagens na medida em que representarem afronta a valores constitucionais pois se trata de legítima forma de expressão do indivíduo Afirmou ainda o Relator que em se tratando de tatuagens que expressem conteúdos racistas discriminatórios ofensivos e que incitem ao ódio e à violência apologia ao crime ou de organizações criminosas por exemplo essas tatuagens podem ser coibidas o que se revela ainda mais importante quando se trata de agentes públicos Notese contudo que embora em termos gerais a decisão mereça aplausos tanto na perspectiva de um direito à livre disposição do corpo quanto o que acabou sendo o aspecto destacado no julgado no que diz com a liberdade de expressão não se poderá afastar algum risco de manipulação do limite posto pelo STF ao afirmar que devem ser coibidas tatuagens cujo teor atente contra valores constitucionais atribuindo assim relativamente grande margem de discricionariedade quando da confecção dos editais de concurso e especialmente quando da apreciação pela autoridade responsável do atendimento de tais requisitos o que foi objeto de referência por parte do Ministro Edson Fachin em seu voto concorrente A proteção da vida saúde e integridade física foi também objeto de um número significativo de decisões do STF em casos relacionados ao combate da pandemia da Covid19 Além dos julgados até o momento referidos vale destacar pela polêmica gerada não somente no Brasil mas no mundo todo onde se verificaram muitos julgamentos sobre o tema as decisões proferidas sobre a legitimidade constitucional da vacinação compulsória contra o assim chamado coronavírus Nesse sentido destacase a decisão proferida nas ADIs 6586 e 6587 julgamento conjunto rel Min Ricardo Lewandowski julgadas em 17122020 De acordo com trecho extraído da ementa a vacinação compulsória não significa vacinação forçada por exigir sempre o consentimento do usuário podendo contudo ser implementada por meio de medidas indiretas as quais compreendem dentre outras a restrição ao exercício de certas atividades ou à frequência de determinados lugares desde que previstas em lei ou dela decorrentes e i tenham como base evidências científicas e análises estratégicas pertinentes ii venham acompanhadas de ampla informação sobre a eficácia segurança e contraindicações dos imunizantes iii respeitem a dignidade humana e os direitos fundamentais das pessoas iv atendam aos critérios de razoabilidade e proporcionalidade e v sejam as vacinas distribuídas universal e gratuitamente e B tais medidas com as limitações acima expostas podem ser implementadas tanto pela União como pelos Estados Distrito Federal e Municípios respeitadas as respectivas esferas de competência Por derradeiro importa frisar que a possibilidade de eventuais restrições ao direito à integridade corporal e psíquica não legitima a prática da tortura nem a imposição de tratamentos desumanos e degradantes ou penas cruéis o que tendo sido objeto de previsão específica na Constituição Federal será analisado na sequência 4235 O caso da proibição da tortura de todo e qualquer tratamento desumano e degradante incluindo a proibição das penas cruéis Muito embora a proibição da tortura e de todo e qualquer tratamento desumano e degradante art 5º III da CF assim como a proibição de penas cruéis art 5º XLVII e da CF tenham sido objeto de expressa previsão constitucional cuidase de manifestações especiais e intrinsecamente relacionadas com as exigências do respeito e proteção da dignidade da pessoa humana e do direito à segurança e integridade pessoal que consoante já visto abarca a integridade física a integridade psíquica e mesmo a integridade moral Assim mesmo que não houvesse dispositivo na Constituição Federal específico a respeito tais regras proibitivas a exemplo do que ocorreu em outros países poderiam ser diretamente deduzidas do princípio da dignidade da pessoa humana e mesmo do direito à integridade corporal psíquica e moral Especialmente desde a Segunda Grande Guerra a proibição da tortura e dos tratamentos desumanos e degradantes incluindo penas cruéis tem estado presente no direito internacional dos direitos humanos e em várias constituições 86 tendo sido mesmo objeto de convenção internacional específica 87 igualmente ratificada pelo Brasil de modo que a Constituição Federal apenas e de modo correto incorporou tais proibições ao seu texto com o especial cuidado de inserilas no título dos direitos e garantias fundamentais No que diz com a estrutura normativa é correto afirmar que nas hipóteses do art 5º III e XLVII da CF se está diante de regras e não de princípios que em função de sua natureza demandariam uma otimização de sua eficácia e efetividade admitindo níveis diferenciados de realização aptos a serem ponderados Ainda assim a Constituição Federal não define o que entende por tortura tratamento desumano ou degradante e mesmo o que considera ser uma pena cruel de modo a deixar esta decisão para os poderes constituídos com destaque para o legislador e o Poder Judiciário o que posto de outro modo implica delegar a definição do que viola e do que não viola a dignidade da pessoa humana Por tal razão a vedação da tortura e de todo e qualquer tratamento desumano e degradante a exemplo de outros direitos veiculados e assegurados por normas do tipo regras tem sido também considerada um direito de caráter absoluto não passível de sopesamento ponderação com outros direitos e bens de estatura constitucional88 Com isso contudo não se está a admitir que a tortura ou a proibição de tratamentos desumanos degradantes e cruéis esteja à livre disposição de legisladores administradores e juízes pois em qualquer caso inadmissível que em prol da proteção da dignidade e de direitos fundamentais de terceiros se venha a ter como justificados comportamentos categoricamente vedados pelo Estado Embora não se trate de situações idênticas daí por que referidas em separado no plano fático em termos jurídicoconstitucionais as situações tortura tratamento desumano e degradante e penas cruéis são tidas como equivalentes pois em qualquer caso se trata de provocar um sofrimento físico ou psíquico consistente na humilhação da vítima diante de terceiros ou de si própria ou obrigandoa a atuar contra a sua vontade e consciência sendo a tortura apenas o nível mais grave e cruel de todo e qualquer tipo de tratamento desumano ou degradante 89 O exemplo da vedação da tortura bem ilustra a já referida função da dignidade da pessoa humana como cláusula ética e jurídica de barreira que fundamenta uma espécie de sinal de pare inclusive no sentido de operar como um tabu no sentido de não ter sua validade absoluta condicionada a qualquer justificativa de matriz dogmática não estar sujeito a uma ponderação e dela não necessitar para efeitos de ter sua eficácia jurídica e de regulação reconhecida 90 a estabelecer um território proibido onde o Estado não pode intervir e onde além disso lhe incumbe assegurar a proteção da pessoa e sua dignidade contra terceiros A proibição da tortura e de tratamentos desumanos e degradantes incluindo a proibição de penas cruéis corresponde no plano jurídicoconstitucional ao imperativo categórico kantiano de que o ser humano é um fim em si mesmo e jamais simples meio mero objeto na esfera das relações pessoais noção que na jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal da Alemanha passou a ser conhecida como a fórmula objeto linha de entendimento que embora nem sempre mediante referência à jurisprudência alemã foi também consagrada pelo STF Dentre as decisões posteriores ao advento da Constituição Federal colacionase julgado relatado pelo Ministro Celso de Mello no qual estava em causa a prática de tortura contra criança e adolescente por parte de policiais e onde restou consignada a absoluta vedação da tortura na ordem jurídicoconstitucional brasileira 91 Da ementa da decisão colacionada extraise a afirmação de que a tortura constitui prática inaceitável de ofensa à dignidade da pessoa além de se tratar de negação arbitrária dos direitos humanos pois reflete enquanto prática ilegítima imoral e abusiva um inaceitável ensaio de atuação estatal tendente a asfixiar e até mesmo a suprimir a dignidade a autonomia e a liberdade com que o indivíduo foi dotado de maneira indisponível pelo ordenamento positivo Da jurisprudência internacional destacamos um dos julgamentos da Corte Europeia de Direitos Humanos designadamente o caso Selmouni contra a França 28071999 no qual em que pese ter a Corte se declarado incompetente para o efeito de estabelecer uma indenização pelos danos causados foi reconhecido que o uso da força por ocasião de um interrogatório especialmente mas não exclusivamente quando caracterizada a tortura é manifestamente incompatível com a vedação estabelecida pelo art 3º da Convenção Europeia de Direitos Humanos que proíbe a tortura e qualquer tratamento desumano ou degradante assim como se trata de ato incompatível com a dignidade da pessoa humana 92 Também o Tribunal Constitucional Federal da Alemanha desde o início de sua profícua judicatura situa a hipótese da tortura e do tratamento desumano e degradante inclusive mediante referência reiterada aos métodos utilizados no período nacionalsocialista como absolutamente vedada com base na dignidade da pessoa humana Nesse sentido colacionase em caráter ilustrativo decisão mais recente onde estava em causa a prática de tortura na esfera de investigação policial o conhecido caso Daschner no qual o Tribunal afirmou que a utilização da tortura reduz a pessoa inquirida à condição de mero objeto do combate ao crime representando violação de sua pretensão de respeito e consideração constitucionalmente tutelada além de destruir pressupostos fundamentais da existência individual e social do ser humano 93 Assim importa firmar posição que não é de se admitir o recurso à ponderação e portanto a utilização da proporcionalidade para no conflito entre a proibição da tortura e de tratamentos desumanos e degradantes e outros direitos fundamentais e bens constitucionalmente assegurados admitir eventual relativização de tal proibição pois esta assume caráter absoluto tendo em conta assegurar o núcleo essencial do direito à integridade pessoal o que não significa que o legislador infraconstitucional no âmbito da valoração concreta das condutas não possa estabelecer diferenças quanto a eventual qualificação do fato e sua respectiva sanção 94 como se verifica no caso brasileiro com a hipótese de maus tratos Da mesma forma nem sempre é líquido o que se entende por tortura e tratamento desumano ou degradante ou mesmo quais as penas que são passíveis de serem consideradas cruéis o que especialmente na esfera da criminalização de tais condutas pode levar a uma erosão a depender da abertura do tipo penal do princípio da legalidade estrita Aqui assume por outro lado particular relevo a Convenção contra a Tortura e outras Penas ou Tratamentos Cruéis Desumanos e Degradantes ratificada pelo Brasil que incorporada ao direito interno e hoje com hierarquia supralegal deve servir de referencial aos órgãos estatais brasileiros seja para a definição legal de tais condutas seja para a interpretação e aplicação pelos órgãos jurisdicionais de tais proibições nos casos concretos Por fim no que diz com sua titularidade portanto o sujeito do direito a não ser torturado submetido a tratamento desumano ou degradante ou à imposição de penas cruéis cuidase de toda e qualquer pessoa humana viva por ser direito de titularidade universal já pelo fato de se tratar de projeção essencial à própria dignidade humana Quanto aos destinatários ao passo que a proibição de penas cruéis tem por destinatário exclusivo o Estado a proibição de tortura e tratamentos desumanos e degradantes embora em primeira linha destinada a proteger a integridade individual em face do Estado também se projeta nas relações entre particulares pois se cuida de comportamentos que não são reservados aos agentes do Poder Público de tal sorte que a eficácia nas relações privadas é essencial para assegurar uma proteção o mais ampla possível e eficaz Por outro lado resulta evidente que é o caso concreto que permitirá à luz das circunstâncias uma solução adequada 43 Demais direitos à identidade e integridade pessoal O direito ao livre desenvolvimento da personalidade e os direitos especiais de personalidade 431 Os direitos fundamentais vinculados à proteção da personalidade e os contornos de seu regime jurídico constitucional 4311 Considerações gerais Embora os direitos fundamentais sejam sempre direitos atribuídos à pessoa humana ressalvada a controvérsia sobre a atribuição de direitos subjetivos à natureza não humana corresponde ao entendimento dominante que embora muitos direitos fundamentais sejam direitos de personalidade nem todos os direitos fundamentais são direitos de personalidade 95 como é o caso entre outros da propriedade da proteção dos direitos adquiridos da garantia da razoável duração do processo 96 Se todos os assim chamados direitos de personalidade na medida em que correspondem a exigências da proteção e promoção da dignidade da pessoa humana e do livre desenvolvimento da personalidade são direitos fundamentais segue sendo objeto de alguma discussão pois a despeito da existência de significativas zonas de coincidência direitos fundamentais e direitos de personalidade não são de todo assimiláveis 97 Considerando contudo o fundamento e a função dos direitos de personalidade sem que se tome por referência o critério do seu plano de reconhecimento expresso pelo direito positivo parece acertado afirmar que os direitos pessoais ou de personalidade utilizandose aqui os termos como sinônimos são sempre direitos fundamentais embora nem todo direito fundamental como já sinalado seja um direito de personalidade Por outro lado ainda que não se possa aqui desenvolver o ponto é preciso enfatizar que no plano constitucional a utilização da designação direitos de personalidade não é comum tendo sido inicialmente consagrada na esfera do direito civil o que não impede que aqui ao nos referirmos aos direitos pessoais positivados expressa e implicitamente como direitos fundamentais ao nível da Constituição Federal estejamos a utilizar as expressões direitos fundamentais pessoais e direitos de personalidade como sinônimas até mesmo pelo fato de que todos os direitos de personalidade reconhecidos pela legislação civil brasileira encontram correspondente direto e expresso na Constituição Federal vida integridade corporal privacidade intimidade honra e imagem ou dela podem ser deduzidos como direitos implicitamente positivados como é o caso em caráter ilustrativo do direito ao nome e à identidade de gênero consoante aliás já decidiu o STF 98 bem como o assim chamado direito ao esquecimento amplamente sufragado na doutrina brasileira ainda que com uma série de ressalvas por parte de diversos autores e já admitido em diversos casos na jurisprudência do STJ No âmbito do STF contudo foi reconhecida a repercussão geral da matéria e depois de um longo percurso que incluiu realização de audiência pública sobreveio julgamento de mérito afastando a possibilidade do reconhecimento de tal direito na ordem jurídica brasileira o que ainda se terá ocasião de comentar mais adiante 99 No plano da evolução do direito constitucional positivo bem como do direito internacional dos direitos humanos os direitos que atualmente costumam ser enquadrados no elenco dos direitos pessoais ou de personalidade foram objeto de relativamente tardia recepção ao menos na condição de direitos direta e expressamente positivados muito embora a existência de importantes exemplos já quando do surgimento do constitucionalismo moderno Nas primeiras grandes declarações de direitos como é o caso das declarações inglesas do século XVII da Declaração da Virgínia de 1776 e da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 afora a referência à liberdade incluindo a liberdade religiosa e de imprensa e à segurança ou mesmo o direito à vida numa perspectiva ainda aferrada à doutrina do direito natural de direitos inatos e inalienáveis do ser humano os demais direitos pessoais ou de personalidade não foram como tais reconhecidos o que à evidência não significa que a proteção da pessoa e de sua digni dade não estivesse subja cente ao discurso das primeiras declarações de direitos e das primeiras constituições com destaque para a Constituição norteamericana de 1787 e suas respectivas emendas que integraram um conjunto de direitos fundamentais ao texto constitucional direitos que mais tarde fariam parte do conjunto dos assim chamados direitos de personalidade Foi na esfera do direito civil já no século XIX mas especialmente no decurso do século XX que tanto a teorização inclusive da noção de direitos de personalidade quanto a concreta regulação da proteção da personalidade mediante inclusive o reconhecimento de dimensões específicas da personalidade na forma de direitos subjetivos privados teve o seu principal impulso e desenvolvimento 100 passando a dialogar cada vez mais com o plano constitucional até resultar após a Segunda Grande Guerra Mundial 1945 na incorporação gradativa de cláusulas gerais de proteção e promoção da personalidade nas constituições e de direitos especiais de personalidade nos textos constitucionais e tratados internacionais de direitos humanos sem prejuízo da evolução no plano infraconstitucional 101 Além disso é preciso registrar que os direitos de personalidade são considerados como constituindo o principal ponto de contato entre o direito constitucional e o direito civil direito privado 102 não só mas também por serem o correspondente privatístico dos direitos pessoais previstos nas constituições 103 Convém enfatizar neste contexto que mesmo no caso de apenas terem sido previstos expressamente na legislação infraconstitucional os direitos de personalidade seriam direitos materialmente fundamentais já que radicados na dignidade da pessoa humana e essenciais ao livre desenvolvimento da personalidade cuidandose nesse sentido sempre e pelo menos de direitos fundamentais e portanto de matriz constitucional implícitos 104 Por outro lado independentemente de terem sido designados de direitos de personalidade ou inseridos em eventual dispositivo ou capítulo destinado a tais direitos os direitos de personalidade na condição de direitos fundamentais qualificamse pelo seu conteúdo ou seja pelo seu âmbito de proteção Além disso a sua previsão nos textos constitucionais e internacionais se revela bastante diversificada pois nem todos os direitos de personalidade foram objeto de positivação e quando o foram nem sempre da mesma forma O reconhecimento no plano internacional e constitucional por sua vez convive com uma positivação na esfera infraconstitucional onde por vezes são assegurados direitos que não constam do texto da constituição e viceversa como aliás se dá no caso brasileiro visto que foi apenas no Código Civil de 2002 que os direitos de personalidade ganharam um espaço de reconhecimento direto em nível de legislação ordinária 105 mas o elenco de direitos ali reconhecidos de qualquer modo em caráter ilustrativo contempla direitos não expressamente nominados na Constituição Federal 106 Importante é que se tenha sempre presente que a despeito de sua quantidade e diversidade os direitos de personalidade apresentam como aspecto comum o fato de estarem todos vinculados com a proteção da esfera nuclear da personalidade dignidade e liberdade humanas 107 o que permite colocar lado a lado tanto os direitos à vida e integridade física e psíquica que considerada a sua relevância foram tratados em item apartado quanto os demais direitos de caráter pessoal livre desenvolvimento da personalidade privacidade intimidade honra e imagem nome etc de modo a demarcar um regime jurídicoconstitucional comum muito embora algumas distinções importantes que precisam ser consideradas Tendo em conta tal diversidade e considerando que os direitos à vida e integridade corporal já foram versados em item próprio ao passo que os principais direitos especiais de liberdade que a exemplo da liberdade de consciência e de religião manifestação do pensamento entre outros situamse na esfera da proteção da personalidade em um sentido mais amplo bem como o direito de igualdade e as proibições de discriminação serão igualmente abordadas em item específico optamos por aqui discorrer sobre o direito ao livre desenvolvimento da personalidade sua função como cláusula geral e interface com os demais direitos de personalidade para na sequência uma vez apresentados os contornos gerais do regime jurídico dos direitos de personalidade abordar os principais direitos especiais de personalidade nomeadamente os direitos à privacidade e intimidade honra e imagem inviolabilidade do domicílio sigilo da correspondência e das comunicações sigilos fiscal e bancário e proteção de dados pessoais Ainda nesse contexto importa sublinhar que ao se excluírem para efeitos de identificação dos direitos de caráter pessoal direitos à integridade e identidade pessoal o direito geral de liberdade e os respectivos direitos especiais de liberdade assim como os direitos de igualdade e mesmo o direito de nacionalidade e os direitos sociais em geral está se adotando uma noção mais estrita de direitos pessoais de personalidade 4312 Direito internacional dos direitos humanos e constituições estrangeiras No plano do direito internacional o reconhecimento e proteção dos direitos vinculados à identidade e integridade pessoal os assim chamados direitos de personalidade coincidem com o próprio surgimento e a trajetória evolutiva da proteção internacional dos direitos humanos Em termos cronológicos o primeiro documento digno de nota é a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem abril de 1948 cujo art V dispõe que toda pessoa tem direito à proteção da lei contra os ataques abusivos à sua honra à sua reputação e à sua vida particular e familiar Logo na sequência dezembro de 1948 a Declaração Universal dos Direitos Humanos preceitua art XII que ninguém será sujeito a interferências na sua vida privada na sua família no seu lar ou na sua correspondência nem a ataques à sua honra e reputação Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques A Convenção Europeia de Direitos Humanos abril de 1950 no seu art 8º n 1 assegura a qualquer pessoa o direito ao respeito da sua vida privada e familiar do seu domicílio e da sua correspondência Já o art 17 n 1 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos dezembro de 1966 dispõe que ninguém poderá ser objeto de ingerências arbitrárias ou ilegais em sua vida privada em sua família em seu domicílio ou em sua correspondência nem de ofensas ilegais à sua honra e reputação Por sua vez a Convenção Americana de Direitos Humanos Pacto de São José da Costa Rica novembro de 1969 assegura no seu art 11 n 1 e 2 que toda pessoa tem direito ao respeito da sua honra e ao reconhecimento de sua dignidade e que ninguém pode ser objeto de ingerências arbitrárias ou abusivas em sua vida privada em sua família em seu domicílio ou em sua correspondência nem de ofensas ilegais à sua honra ou reputação Por fim assume relevo a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia 2000 incorporada ao Tratado de Lisboa 2009 que no art 7º enuncia o direito de todas as pessoas ao respeito pela sua vida privada e familiar pelo seu domicílio e pelas suas comunicações prevendo também a proteção dos dados pessoais no seu art 8º Nas constituições estrangeiras os direitos de personalidade também passaram a ser objeto de crescente reconhecimento e proteção A Lei Fundamental da Alemanha ao que consta foi a primeira a reconhecer no seu art 2º um direito ao livre desenvolvimento da personalidade A Constituição da República Portuguesa no art 26 refere outros direitos pessoais tais como o direito à identidade pessoal à imagem e à palavra A Constituição da Espanha de 1978 no art 10 1 dispõe que la dignidad de la persona los derechos inviolables que le son inherentes el libre desarrollo de la personalidad el respeto a la Ley y a los derechos de los demás son fundamento del orden político y de la paz social No art 16 da Constituição da Colômbia também é garantido o direito ao livre desenvolvimento da personalidade após assegurar a proteção de diversos direitos pessoais como é o caso do direito à intimidade pessoal e familiar e o direito ao nome art 15 Também a Constituição do Chile contempla um direito geral de personalidade art 19 proteção da personalidade que no caso da Argentina é prevista no Preâmbulo da Constituição 44 O direito ao livre desenvolvimento da personalidade sua função como cláusula geral e sua relação com os direitos especiais de personalidade Muito embora a inexistência na Constituição Federal de expressa menção a um direito geral de personalidade no sentido de uma cláusula geral inclusiva de todas as manifestações particulares da personalidade humana tanto a doutrina quanto a jurisprudência têm recorrido ao princípio da dignidade da pessoa humana como principal fundamento de um direito implícito geral de personalidade no ordenamento jurídicoconstitucional brasileiro 108 Em outras ordens constitucionais como é o caso da Alemanha da Espanha e de Portugal aqui mediante inserção via revisão constitucional o direito geral de personalidade nem sempre foi previsto da mesma forma ao menos não quanto ao teor literal do texto constitucional No caso da Alemanha o texto da Lei Fundamental art 2º referese a um direito ao livre desenvolvimento da personalidade do qual foi desenvolvido pela doutrina e jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal um direito geral de personalidade 109 A Constituição espanhola no seu art 10 assegura o direito ao livre desenvolvimento da personalidade logo após mas no mesmo dispositivo ter consagrado a dignidade da pessoa humana Já o art 26 da Constituição da República Portuguesa na versão resultante da quarta revisão constitucional refere um direito ao desenvolvimento da personalidade sem contudo repetir na íntegra a fórmula alemã e espanhola mas também com o intuito de assegurar mediante uma cláusula geral uma proteção da personalidade isenta de lacunas 110 Não é por outro lado à toa que nas experiências constitucionais referidas enfatizase o nexo entre o direito de liberdade pessoal e a proteção da personalidade posto que o direito de personalidade embora tenha por objeto a proteção contra intervenções na esfera pessoal é também um direito de liberdade no sentido de um direito de qualquer pessoa a não ser impedida de desenvolver sua própria personalidade e de se determinar de acordo com suas opções Em síntese é possível afirmar que o direito geral de personalidade ou direito ao livre desenvolvimento da personalidade implica uma proteção abrangente em relação a toda e qualquer forma de violação dos bens da personalidade estejam eles ou não expressa e diretamente reconhecidos ao nível da constituição 111 É portanto em virtude da existência de uma cláusula geral e aberta de proteção e promoção da personalidade que no caso brasileiro tem sido fundada especialmente no princípio da dignidade da pessoa humana que se adota o entendimento de que o rol de direitos especiais de personalidade sejam eles previstos na legislação infraconstitucional sejam eles objeto de reconhecimento expresso na Constituição Federal não é de cunho taxativo 112 Tal a importância do direito geral de personalidade especialmente em ordens constitucionais que não dispõem de uma cláusula geral inclusiva em matéria de direitos fundamentais a exemplo da contida no art 5º 2º da CF que ele costuma operar como cláusula de abertura a direitos fundamentais não expressamente positivados o que pode ser bem ilustrado mediante recurso ao exemplo do direito ao livre desenvolvimento da personalidade na Alemanha 113 em torno da qual se aglutinou uma série de posições jusfundamentais mas também ocorreu no direito constitucional norteamericano no que diz com o direito à privacidade ela própria como tal não expressamente positivada como se verá logo adiante A existência de uma série de direitos especiais de personalidade consagrados textualmente e de forma autônoma no texto constitucional vg no caso da Constituição Federal os direitos à privacidade intimidade honra imagem não faz com que a cláusula geral de proteção da personalidade tenha um caráter meramente complementar ou até mesmo simbólico pois muito antes pelo contrário assume a condição de direito fundamental autônomo destinado a assegurar a livre formação e desenvolvimento da personalidade a proteção da liberdade de ação individual e a proteção da integridade pessoal em sentido integral e não reduzida às refrações particulares que representam o âmbito de proteção dos direitos especiais de personalidade 114 Por outro lado tendo em conta que uma série de dimensões essenciais à dignidade pessoal não foi contemplada direta e expressamente no texto constitucional é preciso ter presente que o direito ao livre desenvolvimento da personalidade e o direito geral de personalidade que dele resulta sendo expressão direta do postulado básico da dignidade humana 115 abarcam toda manifestação essencial à personalidade de modo especial o direito à identidade pessoal e moral que por sua vez inclui o direito à identidade genética do ser humano o direito ao nome o direito ao conhecimento da paternidade o assim chamado direito à identidade e autodeterminação sexual 116 entre outros de tal sorte que embora sempre presentes zonas maiores ou menores de confluência com os direitos especiais de personalidade o direito geral de personalidade como já referido segue sendo um direito autônomo e indispensável à proteção integral e sem lacunas da personalidade Ainda nesse contexto vem portanto a calhar a lição de Paulo Mota Pinto ao afirmar que o direito geral de personalidade é neste sentido também aberto sincrônica e diacronicamente permitindo a tutela de novos bens e face a renovadas ameaças à pessoa humana sempre tendo como referente o respeito pela personalidade quer numa perspectiva estática quer na sua dimensão dinâmica de realização e desenvolvimento 117 No plano da metódica jurídicoconstitucional isso significa em primeira linha que se haverá em sendo o caso de invocar um direito especial de personalidade visto que se estará diante de um recorte prévio e mais ou menos consolidado na tradição jurídica no que diz com aspectos essenciais da personalidade Além disso normalmente já terá havido maior delimitação em nível infraconstitucional pelo legislador e pela jurisprudência de modo que o recurso ao direito geral de personalidade será necessário apenas quando não incidente um direito especial ou para uma adequada interpretação e aplicação da manifestação particular da personalidade que estiver em causa 118 No caso da Constituição Federal diferentemente do que se dá na Alemanha a existência de diversos direitos especiais de personalidade positivados no plano constitucional reforça ainda mais tal entendimento de modo a preservar ao máximo as potencialidades de cada direito em espécie sem prejuízo da autonomia não havendo direito especial do direito ao livre desenvolvimento da personalidade 45 Contornos do regime jurídicoconstitucional dos direitos de personalidade Como direitos fundamentais tanto o direito ao livre desenvolvimento da personalidade quanto os direitos especiais de personalidade encontramse em geral submetidos ao mesmo regime jurídico que se aplica aos demais direitos fundamentais com destaque para os aspectos relacionados com sua titularidade destinatários e proteção contra intervenções por parte do Estado e de terceiros de tal sorte que aqui se remete essencialmente ao que foi versado na parte geral dos direitos fundamentais quanto a tais aspectos Todavia dadas algumas peculiaridades seguem algumas notas acerca de aspectos de particular relevância para os direitos de personalidade No que diz respeito aos seus titulares os direitos de personalidade já por sua íntima conexão com a vida e a dignidade humana são direitos de todos e de qualquer um portanto de titularidade universal o que inclui os estrangeiros não residentes mas também toda e qualquer pessoa nascida com vida independentemente de seu estado físico ou mental e mesmo não tendo completado a maioridade civil 119 Mais complexa é a questão relativa ao início e fim da titularidade pois como se trata de direitos personalíssimos a condição de sujeito de tais direitos estaria vinculada pelo menos na condição de direitos subjetivos à existência de tal sujeito no caso um ser humano pessoa o que para muitos identificaria a condição de titular dos direitos de personalidade com a personalidade jurídica tal como conferida e reconhecida nos termos da legislação civil ou seja com o nascimento com vida De qualquer sorte por força de seu conteúdo em dignidade humana no mínimo se haverá de reconhecer pelo menos quando for o caso uma proteção a partir da dimensão objetiva dos direitos fundamentais no âmbito do período anterior ao nascimento com vida o mesmo se verificando quanto ao fim da titularidade que de regra se dá com o evento morte ressalvadas contudo eventuais projeções após a morte tal como admitidas na esfera doutrinária e jurisprudencial como também já analisado na parte geral dos direitos fundamentais para onde remetemos o leitor Já no que diz com a titularidade de pessoas jurídicas 120 esta de regra precisamente por se tratar de direitos diretamente relacionados com esferas da vida pessoal é afastada muito embora a existência de exceções como se verifica no caso do direito à honra e à imagem com a ressalva de que no direito brasileiro se optou por distinguir entre honra objetiva e subjetiva de tal sorte que apenas a primeira é assegurada na condição de direito fundamental às pessoas jurídicas matéria inclusive sumulada no STJ 121 registrandose convém frisar importantes críticas quanto a tal solução 122 Destinatários dos direitos de personalidade são em primeira linha os órgãos estatais mas nessa seara a vinculação dos particulares se revela especialmente relevante pois tais direitos são também altamente expostos à violação e ameaça de violação na esfera das relações privadas Além das considerações já tecidas na parte geral dos direitos fundamentais convém registrar neste contexto que por serem em regra irrenunciáveis os direitos de personalidade implicariam segundo importantes representantes da doutrina uma vinculação direta dos particulares apenas naquilo que diz respeito precisamente ao seu conteúdo irrenunciável ou seja seu conteúdo em dignidade humana de modo que quanto às suas demais manifestações se verificaria apenas uma eficácia indireta 123 Independentemente do acerto dessa tese para o caso brasileiro visto que há de ser recebida com cautela pelo menos naquilo em que nega uma eficácia direta prima facie remetese aqui também à parte geral dos direitos fundamentais o fato é que não há como desconsiderar que em vista de suas características em especial o seu caráter irrenunciável os direitos de personalidade devem ter uma especial projeção nas relações privadas e atrair um controle extremamente rigoroso quando se cuida de lhes impor limites e restrições Assim necessária uma estrita observância dos critérios da proporcionalidade além da cuidadosa salvaguarda do núcleo essencial dos direitos de personalidade que somente poderão ser limitados em circunstâncias especiais embora o rigor do controle das restrições seja tanto maior quanto mais próximo o direito se situar da dignidade humana Quanto às características habitualmente atribuídas aos direitos de personalidade mas nem sempre ou pelo menos não da mesma forma aos demais direitos fundamentais podem ser elencadas quatro que em termos gerais têm sido objeto de substancial consenso a a universalidade b o seu caráter absoluto c o seu caráter extrapatrimonial d a sua indisponibilidade 124 Sem qualquer pretensão de aprofundar o exame de cada atributo dos direitos de personalidade a universalidade diz respeito aos sujeitos titulares de tais direitos no sentido já referido ou seja de que se trata de direitos de toda e qualquer pessoa natural e a depender do caso de pessoas jurídicas coletivas Quanto ao seu caráter absoluto o que está em causa é a circunstância de que se cuida de direitos oponíveis a todos isto é tanto aos órgãos estatais quanto em relação a particulares oponibilidade erga omnes valendo aqui as ressalvas feitas quando da abordagem dos destinatários dos direitos fundamentais em geral e dos direitos de personalidade em especial naquilo que está em causa a eficácia de tais direitos nas relações privadas portanto num ambiente marcado pela convivência e colisão de direitos aspecto que também guarda relação com o problema dos limites e restrições aos direitos fundamentais e a sua disponibilidade pelo seu respectivo titular Já o caráter extrapatrimonial dos direitos de personalidade diz respeito ao seu respectivo objeto que diferentemente do que ocorre com o direito de propriedade não é um bem patrimonial economicamente apreciável mas sim um valor bem ou interesse ligado à subjetividade de cada pessoa ainda que a lesão do direito seja reparável economicamente no sentido de se admitirem reflexos patrimoniais econômicos dos direitos pessoais 125 De mais difícil compreensão e aplicação prática é sem dúvida a característica da indisponibilidade dos direitos de personalidade Em síntese afirmase que se cuida de direitos irrenunciáveis no sentido de indisponíveis ao próprio titular do direito já que quanto à possibilidade de restrições por meio de ato do Poder Público se cuida como em geral se verifica com os direitos fundamentais de direitos que são em princípio submetidos a limites e restrições temática versada na parte geral dos direitos fundamentais para a qual aqui remetemos Para um adequado enfrentamento do problema é preciso distinguir com precisão as diversas situações que podem se oferecer pois a renúncia ao direito não se confunde nem com a possibilidade legítima de se transferirem seus efeitos patrimoniais nem com a possibilidade igualmente chancelada pela ordem jurídicoconstitucional brasileira de uma autolimitação que também pode ser designada de renúncia parcial ou de uma espécie de indisponibilidade relativa Com efeito assumese aqui como correta a premissa de que a titularidade de um direito abrange tal como sugere Jorge Reis Novais e na esfera do que se designa de renúncia a direitos fundamentais o poder de disposição sobre as diversas possibilidades que envolvem o exercício do direito 126 Assim há que distinguir a renúncia ao próprio direito renúncia total e irrevogável em relação a qualquer forma de exercício do direito da renúncia disposição sobre aspectos relativos ao exercício do direito no âmbito da dimensão subjetiva do direito fundamental que portanto assume feição sempre mais ou menos parcial podendo de resto ser revogada pelo próprio titular do direito 127 Também para o caso dos direitos fundamentais de personalidade vida integridade corporal e demais direitos pessoais como a privacidade a honra e a imagem o direito ao nome entre outros vale em princípio a premissa de que não é possível em termos abstratos e genéricos afirmar a sua disponibilidade ou indisponibilidade pois essa depende de um conjunto de circunstâncias e pressupostos objetivos e subjetivos inclusive e especialmente a repercussão do ato individual de renúncia em relação a interesses e direitos fundamentais de terceiros ou mesmo interesses coletivos 128 Assim como existem casos em que a própria Constituição Federal impede a plena disposição do direito fundamental existem outros em que a disponibilidade depende não apenas da natureza do direito em causa mas também de outros fatores Em caráter de síntese pois em relação a cada direito em espécie se haverá de considerar suas peculiaridades e mesmo as circunstâncias da situação concreta é possível afirmar que além de a renúncia no plano subjetivo pressupor a capacidade do titular e o seu livre consentimento inclusive informado quando for o caso uma renúncia a direito fundamental encontra limites especialmente para além de sua prévia interdição pela ordem jurídicoconstitucional objetiva na dignidade da pessoa humana e no conteúdo essencial do direito renunciado além da necessária satisfação das exigências da proporcionalidade e da razoabilidade mormente quando afetar bens e interesses jusfundamentais de terceiros 129 Convém sublinhar ademais disso que a dignidade da pessoa humana na sua dimensão autonômica constitui por um lado o próprio fundamento da possibilidade de renúncia a pessoa que deseja se submeter a uma operação de mudança de sexo ou a uma esterilização para não ter mais filhos mas por outro também opera como seu limite a exemplo do que se verificaria na hipótese de uma voluntária submissão a trabalho escravo ou tortura pelo Estado o que não afasta o problema de o quanto a decisão sobre o que viola ou não a dignidade da pessoa humana pode ser transferida aos órgãos estatais ou mesmo a terceiros no sentido de uma decisão heterônoma implicando de certo modo um dever de dignidade que legitima a proteção da pessoa contra si própria 130 controvérsia em que aqui não temos condições de adentrar Uma vez estabelecidos os contornos gerais da noção de direitos pessoais de personalidade como direitos fundamentais assim como seu respectivo regime jurídico seguem algumas notas sobre os principais direitos pessoais que além dos direitos à vida e à integridade física e psíquica compõem o leque abrangente e diferenciado de direitos fundamentais destinados à proteção e promoção dos diversos aspectos da personalidade humana 46 O direito à vida privada privacidade e intimidade 461 Considerações gerais Dos direitos fundamentais que dizem respeito à proteção da dignidade e personalidade humanas o direito à privacidade ou vida privada é um dos mais relevantes embora nem sempre tenha sido contemplado nas constituições ao menos não expressamente 131 É o caso por exemplo do direito constitucional norteamericano em que a despeito de inexistir referência expressa ao termo privacidade no texto da Constituição e das subsequentes emendas contendo os diversos direitos e garantias fundamentais o direito à privacidade na acepção cunhada pelo então Juiz da Suprema Corte Louis Brandeis seria o mais abrangente e valioso de todos os direitos para o homem civilizado 132 No caso da evolução constitucional brasileira foi apenas na CF que a proteção da vida privada e da intimidade foi objeto de reconhecimento de modo expresso Por outro lado o direito à vida privada articulase com outros direitos fundamentais como é o caso para efeitos do presente comentário da proteção da intimidade vida íntima e também da inviolabilidade do domicílio que é o espaço onde se desenvolve a vida privada Também tais direitos em especial a intimidade nem sempre são expressamente positivados nos textos constitucionais e internacionais pois em geral a intimidade constitui uma dimensão esfera da privacidade Na CF todavia embora ambas as dimensões privacidade e intimidade tenham sido expressamente referidas haverão de ser analisadas em conjunto pois se cuida de esferas níveis do direito à vida privada Dada a sua relação íntima com aspectos da vida privada também serão comentados neste capítulo a proteção do domicílio o sigilo fiscal e o sigilo bancário Por outro lado muito embora também exista uma forte conexão com os direitos à honra e à imagem esses dizem mais de perto com a identidade e integridade moral da pessoa humana razão pela qual serão versados em item apartado Já os sigilos da correspondência e das comunicações assim como a proteção de dados pessoais dada a sua importância e maior autonomia em relação à intimidade e à vida privada igualmente serão analisados em separado De qualquer sorte os pontos de contato entre o direito à privacidade e os demais direitos ora referidos não afastam importantes conexões entre a privacidade e outros direitos fundamentais 133 462 Conteúdo âmbito de proteção do direito à vida privada Como já referido diversamente de outras ordens constitucionais a Constituição Federal não reconheceu apenas um genérico direito à privacidade ou vida privada mas optou por referir tanto a proteção da privacidade quanto da intimidade como bens autônomos tal como no caso da honra e da imagem Todavia o fato de a esfera da vida íntima intimidade ser mais restrita que a da privacidade cuidandose de dimensões que não podem pura e simplesmente ser dissociadas recomenda um tratamento conjunto de ambas as situações Por outro lado é preciso reconhecer que dadas as peculiaridades da ordem constitucional brasileira especialmente à vista do reconhecimento de outros direitos pessoais no plano constitucional e da cláusula geral representada pela dignidade da pessoa humana o direito à privacidade a exemplo do que ocorre também em Portugal não merece a abrangência que lhe foi dada no direito constitucional norte americano em que assumiu a função equivalente a um direito geral de personalidade 134 Com isso todavia não se lhe está a negar relevância notadamente pelos já referidos pontos de contato com outros direitos fundamentais mas em especial com a dignidade da pessoa humana pois é líquido que a preservação de uma esfera da vida privada é essencial à própria saúde mental do ser humano e lhe assegura as condições para o livre desenvolvimento de sua personalidade 135 Embora exista quem no direito constitucional brasileiro e em virtude do texto da CF busque traçar uma distinção entre o direito à privacidade e o direito à intimidade de tal sorte que o primeiro trataria de reserva sobre comportamentos e acontecimentos atinentes aos relacionamentos pessoais em geral incluindo as relações comerciais e profissionais ao passo que o segundo guardaria relação com a proteção de uma esfera mais íntima da vida do indivíduo envolvendo suas relações familiares e suas amizades etc 136 tal distinção é difícil de sustentar especialmente em virtude da fluidez entre as diversas esferas da vida privada incluindo a intimidade de modo que também aqui adotaremos uma noção abrangente incluindo a intimidade no âmbito de proteção mais amplo do direito à vida privada privacidade 137 A noção desenvolvida por setores da doutrina e pela jurisprudência constitucional alemã de que se podem no âmbito do direito à privacidade distinguir três esferas a assim chamada teoria das esferas uma esfera íntima que constitui o núcleo essencial e intangível do direito à intimidade e privacidade uma esfera privada que diz com aspectos não sigilosos ou restritos da vida familiar profissional e comercial do indivíduo sendo passível de uma ponderação em relação a outros bens jurídicos e uma esfera social em que se situam os direitos à imagem e à palavra mas não mais à intimidade e à privacidade tem sido criticada como insuficiente para dar conta da diversidade de casos que envolvem a proteção da vida privada 138 por mais que possa servir de referencial importante mas não rígido para a distinção das diversas situações concretas e seu enquadramento no âmbito de proteção do direito De qualquer sorte é preciso levar em conta a dificuldade que se enfrenta quando se busca reduzir a privacidade a um sentido bem definido pois não raras vezes a privacidade se presta a certa manipulação pelo próprio ordenamento sendo até mesmo utilizada para suprir algumas de suas necessidades estruturais assumindo sentidos diversos em função das características de um ordenamento e dificultando ainda mais a identificação de um sentido comum 139 Assim a despeito da existência de parâmetros já bastante consolidados e de ser possível visualizar âmbitos mais íntimos e mais abertos da vida privada tal como sugerido pela teoria das esferas o fato é que uma violação do direito à privacidade somente poderá ser adequadamente aferida à luz das circunstâncias do caso concreto 140 As considerações precedentes apenas reforçam a tese de que não se logrou até o momento definir com precisão em que consiste o direito à privacidade e intimidade 141 e que se deve refutar toda e qualquer catalogação prévia e fechada de situações que possam se enquadrar no seu âmbito de proteção Com isso contudo não se afasta como já referido a possibilidade de identificar alguns parâmetros e elementos do direito que tem sido objeto de ampla aceitação seja no direito estrangeiro seja no âmbito do direito brasileiro além de reconhecidos ao nível do direito internacional dos direitos humanos Assim não se coloca em causa que o direito à vida privada consiste a exemplo do que emblematicamente já se disse no direito norteamericano no direito de se estar só e de se ser deixado só the right to be let alone 142 no sentido portanto de um direito a viver sem ser molestado pelo Estado e por terceiros no que toca aos aspectos da vida pessoal afetiva sexual etc e familiar 143 Em causa portanto está o controle por parte do indivíduo sobre as informações que em princípio apenas lhe dizem respeito por se tratar de informações a respeito de sua vida pessoal de modo que se poderá mesmo dizer que se trata de um direito individual ao anonimato 144 Dito de outro modo o direito à privacidade consiste num direito a ser deixado em paz ou seja na proteção de uma esfera autônoma da vida privada na qual o indivíduo pode desenvolver a sua individualidade inclusive e especialmente no sentido da garantia de um espaço para seu recolhimento e reflexão sem que ele seja compelido a determinados comportamentos socialmente esperados 145 À vista do exposto é possível acompanhar a lição de J J Canotilho e Vital Moreira quando sustentam em passagem aqui transcrita que o direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar analisase principalmente em dois direitos menores a o direito a impedir o acesso de estranhos a informações sobre a vida privada e familiar e b o direito a que ninguém divulgue as informações que tenha sobre a vida privada e familiar de outrem Alguns outros direitos fundamentais funcionam como garantias deste é o caso do direito à inviolabilidade do domicílio e da correspondência da proibição de tratamento informático de dados referentes à vida privada Instrumentos jurídicos privilegiados de garantia deste direito são igualmente o sigilo profissional e o dever de reserva das cartas confidenciais e demais papéis pessoais 146 Não sendo fácil como em geral admitido distinguir os diversos níveis de proteção do direito à privacidade em especial o âmbito que diz respeito ao campo mais reservado da intimidade da vida pessoal e familiar aquilo que em princípio não interessa ao Estado e às demais pessoas da esfera mais aberta ou seja que diz com a inserção social do indivíduo e desde logo reforçando a tese da insuficiência de qualquer categorização fechada é possível contudo distinguir um âmbito que ao menos em princípio é já pela sua conexão com a dignidade da pessoa humana absolutamente protegido insuscetível portanto de intervenção estatal e uma esfera mais aberta em que a pessoa se encontra entre pessoas e com elas interage que por sua vez é passível de intervenção desde que mediante estrita observância dos critérios da proporcionalidade e para salvaguardar outros direitos fundamentais ou bens e interesses constitucionalmente assegurados 147 Por outro lado sendo possível distinguir dados informações que dizem respeito em primeira linha a situações pessoais tais como a orientação e as preferências sexuais anotações em diários entre outras de informações em princípio mais triviais necessário que não se sucumba à tentação de considerar os dados de forma isolada mas sim a partir de uma perspectiva integrada que perceba os dados pessoais a partir da relação que possa existir entre eles pois há casos em que dados informações aparentemente triviais podem no âmbito de uma combinação de dados aparentemente aleatórios implicar uma lesão do direito à privacidade 148 Por derradeiro é de se adotar o entendimento de que o critério principal de determinação do âmbito de proteção do direito à privacidade deverá ser material e não formal Com efeito ao passo que numa perspectiva estritamente formal privado ou íntimo seria tudo aquilo que uma pessoa decide excluir do conhecimento alheio de tal sorte que o âmbito de proteção da privacidade seria variável consoante a particular visão do titular do direito de um ponto de vista material o direito à privacidade cobre os aspectos da vida pessoal que de acordo com as pautas sociais vigentes costuma ser tido como reservado e indisponível ao legítimo interesse do Estado e de terceiros especialmente tudo que tiver de ficar oculto para assegurar ao indivíduo uma vida com um mínimo de qualidade 149 Que tal orientação não dispensa uma cuidadosa avaliação das circunstâncias de cada caso convém seja aqui relembrado Dada a sua dupla dimensão objetiva e subjetiva o direito à privacidade opera na condição de direito subjetivo em primeira linha como direito de defesa portanto como direito à não intervenção por parte do Estado e de terceiros no respectivo âmbito de proteção do direito 150 e como expressão também da liberdade pessoal como direito a não ser impedido de levar sua vida privada conforme seu projeto existencial pessoal e de dispor livremente das informações sobre os aspectos que dizem respeito ao domínio da vida pessoal e que não interferem em direitos de terceiros Assim o direito à privacidade é também direito de autodeterminação do indivíduo Por sua vez da perspectiva objetiva decorre além da assim chamada eficácia irradiante e interpretação da legislação civil notadamente no campo dos direitos de personalidade em sintonia com os parâmetros normativos dos direitos fundamentais um dever de proteção estatal no sentido tanto da proteção da privacidade na esfera das relações privadas ou seja contra intervenções de terceiros quanto no que diz com a garantia das condições constitutivas da fruição da vida privada 151 Em sinergia com a decisão proferida na ADI 6387DF que suspendeu a eficácia da Medida Provisória n 9542020 editada em decorrência da pandemia da COVID19 e que determinou ao IBGE que se abstivesse de requerer a disponibilização de dados objeto da referida medida provisória cumpre ainda diferenciar o direito à vida privada quanto à privacidade e à intimidade do direito à proteção de dados Enquanto a proteção de dados se destina a garantir a salvaguarda sem lacunas de todas as dimensões que envolvem a coleta armazenamento tratamento utilização e transmissão de dados pessoais inclusive com vistas ao livre desenvolvimento da personalidade do indivíduo na proteção à vida privada quando se trata da manipulação de dados pessoais digitalizados existe a imposição de limites constitucionais constantes em cláusulas assecuratórias da liberdade individual art 5º caput da CF da privacidade e do livre desenvolvimento da personalidade art 5º X e XII também da CF De acordo com o colegiado por não prever exigência alguma quanto a mecanismos e procedimentos para assegurar o sigilo a higidez e o anonimato dos dados compartilhados a Medida Provisória n 9542020 não satisfez as exigências que exsurgem do texto constitucional no tocante à efetiva proteção de direitos fundamentais dos brasileiros Apesar de vencido vale reportar o voto vencido do Ministro Marco Aurélio que manteve hígida a medida provisória sob o fundamento de que esta serve como solução ante as dificuldades de coleta de dados pela impossibilidade de circulação de pessoas durante a pandemia do novo coronavírus além de referir se tratar a medida provisória de ato precário e efêmero passível de análise pelo Congresso Nacional 463 Limites e restrições Assim como os demais direitos pessoais também o direito à privacidade não se revela ilimitado e imune a intervenções restritivas Todavia ao não prever para a privacidade e intimidade uma expressa reserva legal além de afirmar que se cuida de direitos invioláveis há que reconhecer que a Constituição Federal atribuiu a tais direitos um elevado grau de proteção de tal sorte que uma restrição apenas se justifica quando necessária a assegurar a proteção de outros direitos fundamentais ou bens constitucionais relevantes no caso portanto de uma restrição implicitamente autorizada pela Constituição Federal de modo que é em geral na esfera dos conflitos com outros direitos que se pode em cada caso avaliar a legitimidade constitucional da restrição De outra parte no que diz com a possibilidade de renúncia total ou parcial remetese aqui às considerações já tecidas quando do estabelecimento dos contornos gerais do regime jurídico dos direitos pessoais De qualquer sorte impende consignar que o quanto a vida privada é em cada caso protegida também guarda relação com o próprio modo de vida individual pessoas com vida pública tais como artistas e políticos naturalmente estão mais expostas de modo que é possível aceitar em determinadas circunstâncias uma redução mas jamais uma anulação dos níveis de proteção individual na esfera da privacidade e intimidade 152 Uma garantia adicional do direito à privacidade o direito à indenização pelo dano material eou moral decorrente de sua violação foi expressamente assegurado pela Constituição Federal no mesmo dispositivo art 5º X remetendose aqui para o desenvolvimento do ponto às considerações tecidas quando do exame da liberdade de expressão Por outro lado não se desconhece nem se desconsidera o quanto cada vez mais parece confirmarse a tese amplamente difundida de que estamos vivenciando o fim da privacidade seja por conta da constante e intensa auto exposição nas mídias sociais na comunicação eletrônica em geral na utilização de aplicativos diversos por meio dos quais permitimos o acesso a um conjunto de dados informações pessoais de toda natureza isso sem falar na ampliação dos mecanismos de vigilância e monitoramento da vida individual e coletiva ainda que motivada por razões de segurança acesso a toda uma gama de bens serviços e informações entre outros aspectos a serem considerados Assim por evidente que se há de reconhecer que se está a experimentar um gradual esvaziamento da privacidade especialmente das possibilidades efetivas de sua real proteção o que não significa que não continuem existindo espaços de maior blindagem e ao menos ainda que corriqueiras as intervenções na esfera privada mecanismos de reparação a posteriori 47 A salvaguarda do sigilo fiscal e bancário O sigilo em relação às operações bancárias empréstimo e guarda de dinheiro já integra desde a Antiguidade mas especialmente a partir da Idade Média um expressivo número de ordens jurídicas alcançando inclusive embora não de forma generalizada e não da mesma forma relevância constitucional mas em geral não mediante expressa previsão no texto constitucional o que também se deu no caso brasileiro 153 No caso da Constituição Federal a proteção do sigilo fiscal e bancário de acordo com a voz majoritária no direito brasileiro foi deduzida dos direitos à privacidade e à intimidade constituindo uma particular manifestação destes 154 em que pese alguma controvérsia inicial sobre a sede mais adequada de tais direitos 155 A própria discussão sobre o caráter fundamental do sigilo fiscal e bancário discussão que se legitima pelo fato de não se tratar de direito expressamente consagrado no texto constitucional 156 coloca algumas questões dignas de nota pois há quem encare com reservas o fato de se incluir na esfera dos direitos pessoais além de um direito ao segredo de ser também um direito ao segredo de ter ainda mais em virtude da magnitude dos direitos e interesses especialmente públicos colidentes com tal segredo em matéria patrimonial fiscal e bancária o que não afetaria os casos de sigilo profissional médicos psiquiatras psicoterapeutas advogados etc que guardam relação com a privacidade de quem deposita legítima e mesmo necessária confiança em tal segredo 157 Independentemente das possíveis objeções ao reconhecimento de um direito garantia fundamental ao sigilo fiscal e bancário doutrina e jurisprudência como já sinalado como tal o consagraram na ordem constitucional brasileira Considerando todavia as expressivas limitações estabelecidas a tais sigilos bem como a relativa facilidade com que são determinadas quebras de sigilo fiscal e bancário no Brasil é mesmo de se indagar o quanto de fato é possível falar aqui de direitos fundamentais De qualquer sorte cuidase de uma dimensão relativamente mais fraca da proteção da vida privada visto que se tem admitido uma ampla possibilidade de intervenções legítimas Quanto ao âmbito de proteção do sigilo fiscal e bancário não se efetua em princípio diferença entre os diversos dados informações constantes nos cadastros fiscais e bancários de tal sorte que é em regra a integralidade de tais dados que se encontra protegida Aqui contudo é possível aventar a conveniência de se diferenciar quando de eventual intervenção restritiva entre a qualidade das informações requisitadas especialmente quando por meio de registros fiscais e bancários se tem acesso a outras informações que dizem respeito à esfera da intimidade pessoal e familiar De qualquer sorte doutrina e jurisprudência do STF 158 reconhecem que o direito ao sigilo bancário e fiscal não tem caráter absoluto tendo estabelecido alguns parâmetros para o controle da legitimidade constitucional da quebra do sigilo fiscal e bancário 159 Uma primeira diretriz diz respeito ao caráter excepcional da restrição que a exemplo das demais intervenções em direitos fundamentais deve ser justificável a partir da necessidade de salvaguarda de outro direito fundamental ou interesse coletivo constitucionalmente assegurado 160 devendo além disso observar o devido processo legal e os requisitos da razoabilidade e da proporcionalidade 161 Na prática contudo especialmente observando a jurisprudência das instâncias ordinárias é possível questionar o quanto tal excepcionalidade tem sido observada dada a relativa facilidade com que se autoriza a quebra do sigilo fiscal e bancário mesmo na esfera judicial pois a motivação não se prende como no caso do sigilo das comunicações a garantir uma investigação criminal Outro aspecto relevante guarda relação com a existência ou não de uma reserva de jurisdição para efeitos de autorizar a quebra do sigilo Por um lado é possível afirmar que a inclusão do sigilo fiscal e bancário no âmbito de proteção mais alargado do direito à privacidade afasta a incidência da reserva legal qualificada que foi expressamente prevista para o sigilo das comunicações art 5º XII por exemplo a exigência de autorização judicial para toda e qualquer medida interventiva no direito por outro lado o STF assim como de modo geral a doutrina tem sido resistente no que diz com a liberação geral da possibilidade de determinar a quebra do sigilo a outros órgãos e agentes estatais exigindo de regra seja requerida autorização judicial 162 e que se cuide de hipótese regulada por lei 163 Em geral portanto dispensase autorização judicial apenas nas seguintes situações a quando a quebra do sigilo é requisitada devidamente motivada por comissão parlamentar de inquérito no âmbito do seu poder de investigação 164 b pela autoridade fiscal nos termos da LC 1052001 embora a controvérsia estabelecida em torno da legitimidade constitucional de dispositivos da referida lei por alegada ofensa ao sigilo fiscal e bancário 165 tendo o STF reiteradamente reconhecido a possibilidade de a administração tributária requisitar observados os requisitos objetivos previstos em lei informações às instituições financeiras 166 A possibilidade de o Ministério Público requisitar diretamente informações bancárias e fiscais tem sido em geral refutada pelo STF 167 a despeito de precedente isolado que autorizava tal requisição envolvendo recursos públicos 168 Um dos principais motivos do afastamento da legitimidade do Ministério Público residiria no fato de que não tem ele o dever da imparcialidade e atua como parte 169 argumento que todavia não tem convencido a todos pois há quem entenda que o que se haveria de exigir seria o atendimento dos requisitos da impessoalidade e não da imparcialidade 170 Importa destacar contudo que de acordo com o art 9º da LC 1052001 se o Banco Central do Brasil ou a Comissão de Valores Mobiliários no exercício de suas atribuições verificarem a ocorrência de crime definido em lei como de ação pública ou constatarem indícios da prática de tais crimes deverão informar o Ministério Público 171 Além disso em sendo a prova utilizada pelo Ministério Público este deverá ter obtido a informação de comissão parlamentar de inquérito ou por força de autorização judicial 172 Ainda de acordo com o entendimento do STF consolidado ao longo de uma intensa prática decisória a autoridade policial o Banco Central 173 outros órgãos do Poder Executivo bem como os Tribunais de Contas 174 não estão legitimados a quebrar o sigilo fiscal e bancário e devem acessar a autoridade judiciária competente Tal quadro como se pode perceber revela que o STF acabou na prática consagrando uma espécie de reserva de jurisdição relativa objetivando um maior controle e rigor no campo das intervenções na esfera do sigilo fiscal e bancário Além dos requisitos já expostos o STF tem estabelecido critérios adicionais ligados ao próprio procedimento da quebra do sigilo fiscal e bancário entre os quais assume destaque a criteriosa fundamentação da decisão seja qual for a autoridade competente Ademais como se extrai de decisão relatada pelo Min Celso de Mello A quebra de sigilo não pode ser manipulada de modo arbitrário pelo Poder Público ou por seus agentes É que se assim não fosse a quebra de sigilo converterseia ilegitimamente em instrumento de busca generalizada e de devassa indiscriminada da esfera de intimidade das pessoas o que daria ao Estado em desconformidade com os postulados que informam o regime democrático o poder absoluto de vasculhar sem quaisquer limitações registros sigilosos alheios Doutrina Precedentes Para que a medida excepcional da quebra de sigilo bancário não se descaracterize em sua finalidade legítima tornase imprescindível que o ato estatal que a decrete além de adequadamente fundamentado também indique de modo preciso dentre outros dados essenciais os elementos de identificação do correntista notadamente o número de sua inscrição no CPF e o lapso temporal abrangido pela ordem de ruptura dos registros sigilosos mantidos por instituição financeira 175 Da mesma forma deve a decisão requisitória seja emanada por CPI seja de autoridade judicial especificar os dados que pretende obter de modo a minimizar o impacto da decisão pois em sendo necessário apenas o endereço não cabe por exemplo obter a decla ração de bens da pessoa investigada 176 A preservação da manutenção do sigilo em relação às pessoas estranhas à investigação e a utilização restrita dos dados obtidos para a finalidade da investigação que deu causa à quebra do sigilo são exigências adicionais a serem consideradas de modo a assegurar o devido processo da intervenção restritiva no direito 177 Cuidandose de medida restritiva de direito fundamental há que efetuar rigoroso controle com base nas exigências da proporcionalidade Com efeito recolhendose aqui lição de Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco que tomamos a liberdade de transcrever o sigilo haverá de ser quebrado em havendo necessidade de preservar um outro valor com status constitucional que se sobreponha ao interesse na manutenção do sigilo Além disso deve estar caracterizada a adequação da medida ao fim pretendido bem como a sua efetiva necessidade ie não se antever outro meio menos constritivo para alcançar o mesmo fim 178 Ao critério da adequação e da necessidade somase o critério da proporcionalidade em sentido estrito especialmente quando por meio da quebra do sigilo fiscal e bancário se possam colocar em causa elementos nucleares do direito à privacidade situação que embora possa ser considerada rara não deveria ser descartada de plano Por outro lado a natureza dos dados acessados deve ser tal de modo a preservar ao máximo a esfera privada Assim se é possível admitir maior flexibilidade quanto a informações sobre a renda e a declaração de bens dados sobre as despesas realizadas especialmente quando dizem respeito a operações de caráter particular deveriam ter sua abertura condicionada a situações excepcionais e indispensáveis à investigação criminal ou quando tal informação se revelar a única forma de assegurar direito conflitante Impõese ainda o registro de que a pendência do julgamento de algumas ações diretas de inconstitucionalidade e mesmo a existência de alguma instabilidade verificada em relação ao posicionamento do STF sobre alguns dos aspectos que envolvem especialmente as possibilidades e limites das restrições ao sigilo fiscal e bancário 179 não permitem que se formulem em geral juízos de valor conclusivos sobre a matéria que dada a sua relevância e dinamicidade se encontra em processo de definição De qualquer sorte à vista das características do sigilo fiscal e bancário assume ares exagerados a exigência generalizada de autorização judicial criandose como está a fazer o STF uma reserva de jurisdição onde ela não foi sequer prevista pela Constituição Federal Por outro lado não está em princípio vedado ao legislador como já sinalado estabelecer hipóteses de quebra do sigilo fiscal e bancário por autoridade não judicial desde que assegurada a impessoalidade da medida e observadas as exigências da segurança jurídica e da proporcionalidade portanto de um procedimento constitucionalmente adequado Com isso por sua vez estará atendido ao dever de proteção estatal na esfera dos deveres em matéria de organização e procedimento Sobre os limites do sigilo bancário assume relevância decisão do STF MS 23168DF AgR Relatora Ministra Rosa Weber julgado em 28062019 de acordo com a qual em caso de requisição do Tribunal de Contas da União ao Banco do Brasil tal sigilo não se aplica a dados de sociedade de economia mista porquanto sendo entidade integrante da administração pública indireta De acordo com a Corte quando o alvo da investigação auditoria são apenas dados operacionais da sociedade de economia mista no caso operações de crédito que envolvam recursos públicos sem identificação de dados pessoais ou de movimentações individuais dos correntistas não há que falar em sigilo bancário como razão legítima para a recusa ao fornecimento dos documentos de auditoria interna requisitados pelo TCU Com isso é possível conciliar no âmbito de uma concordância prática Hesse a proteção dos dados individuais dos correntistas acobertados pela garantia do sigilo bancário ao mesmo tempo em que se assegura a constitucionalmente imposta transparência e publicidade dos dados inerentes à atuação operacional e aos recursos de titularidade da sociedade de economia mista Além disso o plenário do STF decidiu ser legítimo o compartilhamento com o Ministério Público e as autoridades policiais para fins de investigação criminal da integralidade de dados bancários e fiscais de contribuintes obtidos pela Receita Federal e pela Unidade de Inteligência Financeira sem a necessidade de autorização prévia pelo Poder Judiciário Na ocasião prevaleceu o voto do Ministro Alexandre de Moraes segundo o qual embora a regra constitucional seja a proteção à inviolabilidade da intimidade e da vida privada art 5º X bem como à inviolabilidade de dados art 5º XII que incluem os dados financeiros sigilos bancário e fiscal tal norma não é absoluta Deste modo entendeuse não haver inconstitucionalidade ou ilegalidade no compartilhamento entre Receita e Ministério Público das provas e dados imprescindíveis à conformação e ao lançamento do tributo assim como no compartilhamento pela UIF dos seus relatórios com os órgãos de persecução penal para fins criminais Foram vencidos os Ministros Marco Aurélio e Celso de Mello ambos sendo favoráveis à cláusula de reserva de jurisdição 180 Mais recentemente igualmente versando sobre hipóteses de compartilhamento de dados bancários o STF no bojo da ADI 5729 rel Min Roberto Barroso j em 08032021 decidiu serem constitucionais os 1º e 2º do art 7º da Lei n 132542016 que versa sobre a repatriação de recursos De acordo com a decisão o legislador ao proibir o compartilhamento de informações prestadas pelos aderentes ao Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária RERCT entre os órgãos intervenientes e com os Estados e Municípios agiu no âmbito de sua liberdade de conformação criando restrição pontual e específica que ademais envolve informações sensíveis que caso necessário podem ser fornecidas mediante ordem judicial 48 Inviolabilidade do domicílio 481 Notícia histórica e generalidades A conhecida imagem de que a casa de alguém é o seu castelo my home is my castle como de há muito dizem ingleses e americanos dá conta da importância da inviolabilidade do domicílio para a dignidade e o livre desenvolvimento da pessoa humana Com efeito a íntima conexão da garantia da inviolabilidade do domicílio com a esfera da vida privada e familiar lhe assegura um lugar de honra na esfera dos assim chamados direitos da integridade pessoal Já por tal razão não é de surpreender que a proteção do domicílio foi ainda que nem sempre da mesma forma e na amplitude atual um dos primeiros direitos assegurados no plano das declarações de direitos e dos primeiros catálogos constitucionais A proteção contra ordens gerais de buscas domiciliares já constava da Declaração dos Direitos do Homem da Virgínia de 1776 art X e na Constituição americana 4ª Emenda à Constituição de 1791 Embora a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 não contivesse garantia do domicílio ou equivalente a primeira Constituição da França de 1791 já contemplava uma prescrição de acordo com a qual as forças militares e policiais apenas poderiam adentrar na casa de algum cidadão mediante ordem expedida pela autoridade civil competente Título Primeiro A certidão de nascimento de uma expressa garantia da inviolabilidade do domicílio tal como difundida pelas constituições da atualidade teria sido passada pela Constituição belga de 1831 que no seu art 10 solenemente declarava que le domicile est inviolable 181 muito embora ainda que sem referência ao termo domicílio tal proteção já tenha sido prevista na Carta Imperial brasileira de 1824 onde se falava na casa como asilo inviolável do indivíduo De lá para cá o direito à inviolabilidade do domicílio passou a ser presença constante nos catálogos constitucionais de direitos fundamentais e mesmo do direito internacional dos direitos humanos como se verá logo a seguir 482 Direito internacional dos direitos humanos e evolução constitucional brasileira anterior à Constituição Federal No plano do direito internacional dos direitos humanos a primeira previsão a respeito de um direito à inviolabilidade do domicílio foi inserida na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem maio de 1948 cujo art IX dispõe que toda pessoa tem direito à inviolabilidade do seu domicílio Na Declaração Universal dos Direitos Humanos 10111948 a proteção do domicílio foi reconhecida juntamente com outros direitos pessoais ligados à vida privada e familiar como dá conta o art XII de acordo com o qual ninguém será sujeito a interferências na sua vida privada na sua família no seu lar ou na sua correspondência nem a ataques à sua honra e reputação Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques O mesmo ocorreu no caso da Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais a assim chamada Convenção Europeia de Direitos Humanos 04111950 cujo art 8º que versa sobre o direito ao respeito pela vida privada e familiar e dispõe que 1 qualquer pessoa tem direito ao respeito da sua vida privada e familiar do seu domicílio e da sua correspondência e que 2 não pode haver ingerência da autoridade pública no exercício deste direito senão quando esta ingerência estiver prevista na lei e constituir uma providência que numa sociedade democrática seja necessária para a segurança nacional para a segurança pública para o bemestar econômico do país a defesa da ordem e a prevenção das infrações penais a proteção da saúde ou da moral ou a proteção dos direitos e das liberdades de terceiros O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos 19121966 ratificado pelo Brasil Dec 592 de 06071992 estabelece no art 17 n 1 e 2 que ninguém poderá ser objetivo de ingerências arbitrárias ou ilegais em sua vida privada em sua família em seu domicílio ou em sua correspondência nem de ofensas ilegais às suas honra e reputação e que toda pessoa terá direito à proteção da lei contra essas ingerências ou ofensas Redação similar foi adotada pela Convenção Americana sobre Direitos Humanos Pacto de São José 22111969 ratificada pelo Brasil pelo Dec 678 de 06111992 De acordo com o art 11 n 2 e 3 da Convenção Americana ninguém pode ser objeto de ingerências arbitrárias ou abusivas em sua vida privada em sua família em seu domicílio ou em sua correspondência nem de ofensas ilegais à sua honra ou reputação e toda pessoa tem direito à proteção da lei contra tais ingerências ou tais ofensas Por derradeiro assume relevo a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia 2000 que também reconheceu um direito à proteção do domicílio tal como dispõe o seu art 7º de acordo com o qual todas as pessoas têm direito ao respeito pela sua vida privada e familiar pelo seu domicílio e pelas suas comunicações No que diz com a evolução constitucional brasileira cabe destacar que já na Carta Imperial de 1824 havia previsão na esfera dos direitos civis e políticos dos brasileiros art 179 VII que todo o Cidadão tem em sua casa um asylo inviolavel De noite não se poderá entrar nella senão por seu consentimento ou para o defender de incendio ou inundação e de dia só será franqueada a sua entrada nos casos e pela maneira que a Lei determinar Na primeira constituição republicana de 1891 repetiramse em linhas gerais os termos da Carta de 1824 pois de acordo com o art 72 11 da Constituição de 1891 a casa é o asilo inviolável do indivíduo ninguém pode aí penetrar de noite sem consentimento do morador senão para acudir as vítimas de crimes ou desastres nem de dia senão nos casos e pela forma prescritos na lei O mesmo sucedeu com a Constituição de 1934 art 113 n 16 de acordo com o qual a casa é o asilo inviolável do indivíduo Nela ninguém poderá penetrar de noite sem consentimento do morador senão para acudir a vítimas de crimes ou desastres nem de dia senão nos casos e pela forma prescritos na lei Tal situação contudo mudou significativamente com o advento da Constituição do Estado Novo de 1937 cujo art 122 n 6 embora tenha assegurado a inviolabilidade do domicílio juntamente com o sigilo da correspondência o fez de modo genérico sem proibir o ingresso durante o período noturno e deixando para o legislador regulamentar as hipóteses que autorizavam a intervenção no direito mesmo sem o consentimento do seu titular Com efeito de acordo com o referido dispositivo a constituição assegura a inviolabilidade do domicílio e de correspondência salvas as exceções expressas em lei Com a redemocratização a proteção do domicílio novamente foi objeto de reforço de tal sorte que a Constituição de 1946 a exemplo da tradição anterior a 1937 no seu art 141 15 dispôs que a casa é o asilo inviolável do indivíduo Ninguém poderá nela penetrar à noite sem consentimento do morador a não ser para acudir a vítimas de crime ou desastre nem durante o dia fora dos casos e pela forma que a lei estabelecer Mesmo elaboradas na época do regime militar a Constituição de 1967 art 150 10 e a Emenda n 1 de 1969 art 153 10 mantiveram em geral os termos da proteção assegurada pela Carta de 1946 pois ambos os dispositivos referidos 1967 e 1969 dispunham que a casa é o asilo inviolável do indivíduo ninguém pode penetrar nela à noite sem con sentimento do morador a não ser em caso de crime ou desastre nem durante o dia fora dos casos e na forma que a lei estabelecer Que a previsão constitucional como costuma ocorrer em períodos de exceção nem sempre foi levada a sério pelas autoridades policiais judiciárias e administrativas é aspecto que aqui não temos como desenvolver 483 Conteúdo e limites do direito à inviolabilidade do domicílio na Constituição Federal A evolução da proteção do domicílio na esfera do direito constitucional e comparado acabou influenciando significativamente o constituinte de 1988 De acordo com o art 5º XI da CF a casa é asilo inviolável do indivíduo ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador salvo em caso de flagrante delito ou desastre ou para prestar socorro ou durante o dia por determinação judicial Muito embora a Constituição Federal não tenha utilizado a expressão domicílio substituindoa por casa os termos hão de ser tomados como equivalentes pois a proteção do domicílio em que pese alguma variação encontrada no direito comparado no que diz com sua amplitude e eventuais pressupostos para sua restrição é tomada em sentido amplo e não guarda relação necessária com a propriedade mas sim com a posse para efeitos de residência e a depender das circunstâncias até mesmo não de forma exclusiva para fins residenciais Dentre os diversos problemas interpretativos que se colocam à vista da fórmula adotada pela Constituição Federal se situam basicamente os seguintes a qual o conceito de domicílio para efeito da proteção constitucional b quais os titulares e destinatários do direito c quais os seus limites e restrições incluída aqui pois não se trata apenas disso a compreensão adequada das exceções previstas pela própria Constituição Federal quais sejam o consentimento do morador em caso de desastre ou flagrante delito para prestação de socorro ou durante o dia por ordem judicial 182 Quanto ao primeiro ponto ou seja qual o conceito de domicílio para efeitos da delimitação da proteção com base no art 5º XI da CF há que retomar a vinculação da inviolabilidade do domicílio com a proteção da vida privada e garantia do livre desenvolvimento da personalidade A inviolabilidade do domicílio constitui direito fundamental atribuído às pessoas em consideração à sua dignidade e com o intuito de lhes assegurar um espaço elementar para o livre desenvolvimento de sua personalidade além de garantir o seu direito de serem deixadas em paz de tal sorte que a proteção não diz respeito ao direito de posse ou propriedade mas com a esfera espacial na qual se desenrola e desenvolve a vida privada 183 Por tal razão o direito do domicílio isto é a garantia de sua inviolabilidade não implica um direito ao domicílio 184 Tal noção corresponde em termos gerais ao entendimento dominante na esfera tanto do direito internacional dos direitos humanos quanto ao que se pratica no direito constitucional comparado pelo menos cuidandose de autênticos Estados Democráticos de Direito Assim apenas em caráter ilustrativo doutrina e jurisprudência constitucional espanhola afirmam a existência de um nexo indissolúvel entre a inviolabilidade do domicílio e o direito à intimidade que implica em princípio um conceito constitucional mais ampliado de domicílio que o convencional conceito jurídicoprivado ou mesmo jurídico administrativo 185 o que também se constata no caso do direito português e alemão sempre a privilegiar um conceito amplo de domicílio e destacando sua conexão com a garantia da dignidade humana e de um espaço indevassável para a fruição da vida privada 186 No Brasil ainda mais em face dos abusos praticados especialmente mas lamentavelmente não só nos períodos autoritários que antecederam a Constituição Federal não haveria de ser diferente e a expressão casa utilizada como substitutiva de domicílio tem sido compreendida tanto pela doutrina quanto pela jurisprudência do STF em sentido amplo como abrangendo o espaço físico onde o indivíduo deve poder fruir de sua privacidade nas suas diversas manifestações 187 Assim a casa domicílio que constitui o objeto de proteção da garantia da inviolabilidade consagrada pelo art 5º XI da CF é todo aquele espaço local delimitado e separado que alguém ocupa com exclusividade seja para fins de residência seja para fins profissionais de modo que mesmo um quarto de hotel o escritório qualquer dependência de casa mais ampla desde que utilizada para fins pessoais aposento de habitação coletiva são considerados abrangidos pela proteção constitucional 188 O caráter temporário e mesmo provisório da ocupação desde que preservada a exclusividade no sentido de sua privacidade não afasta a proteção constitucional pois esta como já frisado busca em primeira linha assegurar o direito à vida privada 189 O STF também tem adotado um conceito amplo de casa domicílio nele incluindo qualquer compartimento habitado mesmo que integrando habitação coletiva pensão hotel etc e qualquer compartimento privado onde alguém exerce profissão ou qualquer outra atividade pessoal 190 com direito próprio e de maneira exclusiva ainda que não o seja em caráter definitivo ou habitual 191 Assim é possível afirmar que também no direito constitucional brasileiro tratase de um conceito funcional de domicílio casa que serve a uma dupla finalidade de proteção a como espaço de fruição da esfera privada o domicílio abrange não apenas habitações fixas mas também espaços móveis que servem ao recolhimento à privacidade como uma barraca num acampamento um barco ou um trailer b a noção de domicílio também protege um espaço livre de intervenção que diz respeito à ocupação mediante exclusão de terceiros e da autoridade estatal para o exercício de atividades profissionais ou outras atividades lícitas 192 Por outro lado o fato de escritórios profissionais serem abrangidos pela proteção da inviolabilidade do domicílio não faz com que tal garantia a despeito da conexão existente se confunda com a preservação do sigilo profissional tutelada por outra norma de direito fundamental art 5º XIV da CF o que por sua vez traz consequências relevantes no que diz com as peculiaridades das autorizações judiciais para a realização de buscas e apreensões entre outros aspectos mas que aqui não serão desenvolvidos 193 Titulares portanto sujeitos do direito da garantia da inviolabilidade são em princípio tanto as pessoas físicas nacionais e estrangeiros quanto as pessoas jurídicas visto que se cuida de direito compatível com a sua condição 194 No caso das pessoas físicas a titularidade estendese a todos os membros da família que residem no local assim como em geral toda e qualquer pessoa que habita ou exerce sua atividade no local alcançando até mesmo presos e internados nos limites de seu local de internação ressalvadas eventuais intervenções previstas em lei 195 Importa destacar que a titularidade do direito à inviolabilidade do domicílio não depende da condição de proprietário pois basta a posse provisória como no caso do quarto de hotel da barraca instalada num camping etc Por outro lado existem casos de titularidade compartida múltipla pois todos os residentes de determinada casa estão em princípio aptos a autorizar o ingresso de terceiros sendo maiores e capazes de tal sorte que em caso de conflito a palavra final sobre a autorização do ingresso na casa cabe ao respectivo chefe da casa tanto o homem quanto a mulher ou representante legal da entidade cabendo aos dependentes e subordinados a garantia da inviolabilidade das dependências que lhes são destinadas ressalvado o direito do chefe da casa ou superior de negar o ingresso de terceiros na residência ou estabelecimento 196 No que toca às pessoas jurídicas impõese um registro adicional Considerando que em primeira linha a proteção do domicílio busca assegurar o direito à privacidade no caso das pessoas jurídicas a inviolabilidade alcança apenas os espaços físicos indispensáveis ao desenvolvimento das atividades essenciais da pessoa jurídica sem estar sujeita a intromissões de terceiros portanto apenas os espaços físicos onde se situam os centros de direção da sociedade e onde são guardados documentos e outros bens que são afastados do conhecimento de outras pessoas físicas e jurídicas 197 De qualquer sorte parece adequado que uma noção necessariamente ampliada de casa domicílio destinada a assegurar níveis mais eficazes de proteção inclua as pessoas jurídicas dadas as circunstâncias no rol dos titulares do direito No que concerne aos destinatários muito embora se cuide em primeira linha de norma que busca proteger o indivíduo da ação estatal também os particulares são abrangidos pelo elenco dos vinculados pelo direito fundamental sendolhes vedado o ingresso na casa sem o consentimento do titular possuidor ou ocupante sem prejuízo da criminalização de tal conduta representada pelo delito de violação do domicílio além da possibilidade de uso do desforço próprio e ações civis para afastar o intruso No que diz com as intervenções no âmbito de proteção da inviolabilidade do domicílio este não é apenas violado quando se ingressa na moradia ou escritório de alguém sem o seu consentimento mas também quando é o caso de invasão promovida mediante a utilização de recursos tecnológicos como na hipótese da escuta ambiental ou mesmo filmagens com as quais se acessam as conversas e a vida privada dos moradores excluindo se todavia perturbações provocadas por poluição sonora ou de outra natureza ou quando se tiram fotografias da casa e se controla o ingresso dos moradores e visitantes visto que tais situações são cobertas por outros direitos fundamentais 198 Por outro lado uma intervenção no âmbito de proteção é desde logo afastada na hipótese em que o ingresso no domicílio moradia ou escritório se deu com o livre consentimento do respectivo titular ou mesmo nas hipóteses de alienação do imóvel ou rescisão do contrato de locação ou arrendamento se for o caso De qualquer modo presente o livre e pessoal consentimento do titular do direito não há falar em violação do domicílio independentemente de o ingresso ocorrer no horário diurno ou noturno O consentimento além disso não necessita ser expresso podendo portanto ser tácito nem por escrito mas há de ser prévio e inequívoco 199 Já pelo fato de ser exigido o consentimento livre e prévio do titular do direito eventual recusa em permitir o ingresso de autoridade estatal policial ou administrativa a não ser no caso das hipóteses excepcionais previstas no art 5º XI da CF flagrante delito desastre prestação de socorro ou ordem judicial afasta a configuração do delito de resistência ou desobediência 200 Além das hipóteses em que se verifica o prévio e livre consentimento do titular apenas é possível ingressar no domicílio casa escritório ou equivalente nos casos expressamente previstos pela Constituição Federal quais sejam flagrante delito desastre prestação de socorro ou durante o dia mediante ordem judicial No primeiro caso embora as hipóteses de flagrante delito estejam definidas na legislação o ingresso no domicílio se legitima apenas quando e se configurada a figura do flagrante nem todas as situações se revelam tão claras e reclamam contextualização e adequada interpretação Possivelmente a hipótese mais recorrente seja a da configuração da flagrância nos casos dos assim chamados crimes permanentes como se dá no tráfico de drogas quando o estado de flagrância se protrai no tempo Aqui o STF consolidou o entendimento de que embora o flagrante delito legitime o ingresso sem mandado judicial e a qualquer hora no domicílio há que ocorrer o controle jurisdicional posterior sem o qual restaria esvaziada a correspondente garantia constitucional Assim os agentes estatais devem demonstrar a ocorrência de elementos mínimos caracterizadores do flagrante de modo a justificar a medida no caso fundadas razões de que no interior da casa esteja ocorrendo um flagrante delito 201 Importa agregar que embora tal orientação esteja afinada em termos gerais com entendimento já advogado pelo signatário em outra publicação 202 é preciso reforçar a necessidade de cautela e acurado exame das circunstâncias fáticas que configuram as razões invocadas pela autoridade policial de modo a evitar a erosão substancial da garantia e do direito à inviolabilidade do domicílio Já as hipóteses de desastre e prestação de socorro são de definição mais difícil não havendo parâmetro normativo fechado para sua devida compreensão e aplicação É certo que por desastre se deve ter acontecimento acidente humano ou natural que efetivamente coloque em risco a vida e saúde de quem se encontra na casa sendo o ingresso a única forma de evitar o dano Algo semelhante se passa no caso da prestação de socorro em que a entrada no domicílio apenas se justifica quando alguém no seu interior está correndo sério risco e não haja como obter a autorização prévia 203 Em tais situações importa frisar o ingresso no domicílio poderá ocorrer também no período da noite 204 Além das hipóteses referidas a Constituição Federal apenas permite uma intervenção do direito na inviolabilidade do domicílio mediante ordem judicial restringindo tal possibilidade ao período diurno Cuidase portanto de uma reserva absoluta de jurisdição que impede seja atribuída a qualquer outra autoridade pública a possibilidade de determinar o ingresso na esfera domiciliar o que por sua vez corresponde ao entendimento dominante na seara da doutrina e na jurisprudência do STF 205 de modo que outras hipóteses ainda que previstas em lei que permitam o ingresso no domicílio mesmo quando se trata de agentes sanitários ou não foram recepcionadas pela Constituição Federal sendo anteriores ou serão inconstitucionais 206 Por outro lado vale ressaltar que a Constituição Federal não limitou a determinação judicial de quebra da inviolabilidade de domicílio aos processos criminais de tal sorte que também para outros fins o Poder Judiciário desde que mediante decisão fundamentada poderá determinar a entrada no domicílio 207 Tendo em conta que a própria Constituição Federal restringe inclusive a atuação do Poder Judiciário no que diz com a autorização da quebra da inviolabilidade do domicílio assume relevo a discussão em torno de qual o período que pode ser considerado como diurno Quanto a tal aspecto contudo doutrina e jurisprudência não oferecem resposta unânime havendo quem diga que o ingresso por ordem judicial somente poderá ocorrer entre as 6 e 18 horas 208 ao passo que para outros se trata do período entre o nascer e o pôr do sol 209 Em caráter alternativo argumentase que o período diurno não poderá ultrapassar doze horas metade do total de horas que compõem um dia ainda que exista luminosidade evitandose a insegurança e as arbitrariedades que daí podem decorrer 210 de um controle baseado no critério da luminosidade solar portanto do nascer e do pôr do sol 211 Tendo em conta o critério da máxima proteção do direito e da segurança jurídica que de resto constitui direito fundamental autônomo a adoção do critério das 6 às 18 horas de resto adequada às variações provocadas pelo assim chamado horário de verão ou fuso horário ou outro parâmetro uniforme que a lei venha a estabelecer desde que preservado o espírito da Constituição Federal de que o ingresso deve ocorrer durante o dia se revela como o mais adequado Mas o próprio Poder Judiciário tem revelado preocupação quanto ao rigor procedimental que deve atender mesmo aos casos nos quais o ingresso domiciliar se dá com base em decisão judicial Nesse sentido transcrevemse trechos de decisão do STF que bem expressam a preocupação que de modo geral tem sido veiculada em outros julgados De que vale declarar a Constituição que a casa é asilo inviolável do indivíduo art 5º XI se moradias são invadidas por policiais munidos de mandados que consubstanciem verdadeiras cartas brancas mandados com poderes de a tudo devassar só porque o habitante é suspeito de um crime Mandados expedidos sem justa causa isto é sem especificar o que se deve buscar e sem que a decisão que determina sua expedição seja precedida de perquirição quanto à possibilidade de adoção de meio menos gravoso para chegarse ao mesmo fim A polícia é autorizada largamente a apreender tudo quanto possa vir a consubstanciar prova de qualquer crime objeto ou não da investigação Eis aí o que se pode chamar de autêntica devassa Esses mandados ordinariamente autorizam a apreensão de computadores nos quais fica indelevelmente gravado tudo quanto respeite à intimidade das pessoas e possa vir a ser quando e se oportuno no futuro usado contra quem se pretenda atingir HC 95009 j 06112008 rel Min Eros Grau Situação particularmente delicada diz respeito aos mandados de busca e apreensão domiciliar coletivos eou genéricos que se revelam altamente controversos porquanto por vezes abarcam bairros ou regiões inteiras estigmatizando toda a população como potencialmente suspeita e submetida ao ingresso da autoridade policial ou judiciária no domicílio212 Importante consequência resultante do desatendimento dos critérios estabelecidos pela Constituição Federal é que prova obtida em situação que configure violação do domicílio tem sido considerada como irremediavelmente contaminada e ilícita não podendo ser utilizada ainda que o Poder Público não tenha participado do ato da invasão 213 Todavia muito embora este seja o entendimento dominante há que registrar a existência de caso apreciado pelo STF em que na hipótese de ingresso durante o período noturno e de instalação de instrumento de captação acústica em escritório de advocacia com o intuito de obter prova de crime atribuído ao próprio titular do escritório portanto titular do direito à inviolabilidade do domicílio acabou mediante recurso aos critérios da concordância prática e da proporcionalidade sendo autorizada a utilização da prova obtida 214 Tal precedente somado à falta de uma expressa reserva legal no texto do art 5º XI da CF alimenta a discussão sobre a possibilidade de restrições não expressamente autorizadas no âmbito de proteção da garantia da inviolabilidade do domicílio a exemplo do que ocorre no caso dos direitos à privacidade intimidade honra e imagem discussão que aqui não iremos desenvolver 49 A inviolabilidade da correspondência e o sigilo das comunicações em geral A inviolabilidade do sigilo da correspondência já na fase inaugural do constitucionalismo e mais recentemente considerando a evolução tecnológica a inviolabilidade das comunicações telegráficas telefônicas e de dados constitui direito fundamental vinculado à proteção da privacidade e intimidade Por outro lado o sigilo segredo das comunicações é instrumental em relação à liberdade de expressão e comunicação pois se garante o segredo das comunicações para que elas possam se realizar com a indispensável liberdade 215 No caso da Constituição Federal o sigilo das comunicações está protegido expressamente pelo art 5º XII de acordo com o qual é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas de dados e das comunicações telefônicas salvo no último caso por ordem judicial nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal216 Assim também para o caso brasileiro é possível afirmar dada a amplitude do dispositivo constitucional referido que a proteção abrange todas as espécies de comunicação pessoal seja ela escrita ou oral cobrindo tanto o conteúdo quanto o próprio meio instrumento da comunicação portanto a espécie a hora a duração etc mas também a identidade dos comunicantes 217 Além disso embora a proteção seja mais elevada quando se cuida de informações relacionadas com a esfera íntima dos comunicantes o que se protege constitucionalmente é em primeira linha o processo comunicativo intersubjetivo no sentido da reserva das comunicações pessoais em face do conhecimento pelo Estado ou por terceiros independentemente da maior ou menor importância do conteúdo da comunicação 218 A noção de sigilo segredo das comunicações assume portanto um caráter eminentemente formal partindose de uma presunção absoluta de que o objeto da comunicação é sigiloso 219 o que parece corresponder pelo menos quanto a alguns aspectos ao entendimento consagrado no direito brasileiro seja na doutrina 220 seja no âmbito da jurisprudência do STF 221 Por outro lado cuidandose essencialmente de um direito de liberdade em vista de sua relevância para a liberdade de comunicação e expressão o âmbito de proteção do direito deve ser interpretado de modo extensivo restringindose em contrapartida as possibilidades de sua limitação 222 No que diz com as posições subjetivas asseguradas com base no sigilo das comunicações tratase tanto de um direito a que ninguém o Estado ou terceiros viole tal sigilo mas também do direito a que quem tenha acesso ao conteúdo das comunicações não as divulgue implicando portanto um dever de sigilo 223 Cumpre sublinhar contudo que apenas a comunicação indireta ou seja a utilização de algum meio técnico postal telefônico etc integra o âmbito de proteção do direito pois a comunicação verbal ou não verbal direta que depende essencialmente dos próprios participantes da comunicação no sentido de impedir a intervenção de terceiros é coberta pelo direito à privacidade e intimidade 224 Da mesma forma tendo em conta que o objetivo da proteção é precisamente o de impedir que o Estado ou terceiros tenham acesso ao conteúdo da mensagem eventual utilização da comunicação pelos próprios comunicantes por exemplo a gravação da conversa telefônica por um dos interlocutores não implica violação do direito ao sigilo das comunicações embora possa violar outro direito como é o caso do direito à privacidade 225 Embora se trate de um direito em primeira linha de caráter defensivo negativo que gera uma pretensão de respeito e não intervenção cabe ao Estado no âmbito do seu dever de proteção dos direitos fundamentais assegurar por meio da organização e procedimento e também no campo da responsabilidade civil e penal níveis eficazes de proteção do sigilo das comunicações Titulares do direito ao sigilo são tanto pessoas físicas nacionais e estrangeiros quanto pessoas jurídicas pois a proteção do sigilo como já visto não se dá em primeira linha como garantia da intimidade Na condição de destinatários figura em primeira linha o Poder Público pois os órgãos estatais estão desde logo diretamente vinculados pela norma de direito fundamental A vinculação dos particulares será a depender do caso direta ou indireta mas considerando a crescente relevância do sigilo das comunicações também em relação ao poder privado por exemplo nas relações de trabalho há que diferenciar as situações de modo a assegurar níveis eficazes de proteção do direito também na esfera das relações privadas É possível falar em uma violação do sigilo das comunicações quando forem divulgadas informações sobre a forma ou conteúdo da comunicação sobre a pessoa do emissário ou do receptor ou mesmo sobre detalhes relativos ao envio da mensagem ou correspondência e também quando se cuida de à distância vigiar gravar e acessar informações transmitidas pelos meios de comunicação 226 como se dá nos casos de escutas telefônicas busca e apreensão e leitura de cartas monitoramento de emails etc Também o segredo das comunicações não se revela como absoluto Embora a Constituição Federal no art 5º XII apenas tenha expressamente previsto a quebra do sigilo das comunicações telefônicas nos limites aliás de uma reserva legal qualificada isso não significa que nas demais modalidades de comunicação correspondência dados telegráficas não se possa legitimar do ponto de vista constitucional o rompimento do sigilo o que todavia implica uma análise um pouco mais detida e diferenciada Em primeiro lugar importa frisar que a reserva legal qualificada do art 5º XII da CF diz respeito às comunicações telefônicas para as quais foram fixados já no plano constitucional dois requisitos a a necessidade de ordem judicial uma reserva de jurisdição b que a quebra do sigilo tenha por escopo fornecer elementos para a investigação criminal ou instrução processual penal Assim não se admite que mesmo mediante prévia autorização judicial seja quebrado o sigilo das comunicações telefônicas para finalidade não prevista no art 5º XII da CF como por exemplo para instruir processo cível ou administrativo muito embora em situações excepcionais e considerada a relevância da causa o STF tenha admitido o traslado da prova obtida por meio de interceptação telefônica em sede de investigação criminal para ser utilizada em procedimento administrativo 227 Além disso tratandose de conversa gravada por um dos interlocutores ainda que sem autorização judicial o STF tem afastado a ilicitude da prova obtida mediante a interceptação telefônica especialmente quando se trata de gravação realizada em sede de legítima defesa designadamente quando o autor da gravação partícipe direto da comunicação interceptada na condição de interlocutor esteja sendo vítima de ameaça extorsão chantagem ou outro tipo de ato ilícito 228 ou mesmo também quando se tratar de interceptação realizada por um dos comunicantes com o intuito de documentação futura para o caso de negativa da conversa ou de seu teor por parte do outro interlocutor 229 Ainda a esse respeito registrese que de modo geral a gravação clandestina realizada por um dos interlocutores sem o conhecimento do outro vinha sendo considerada como constituindo prova ilícita pelo STF exceção feita aos casos de legítima defesa mas tal orientação sofreu alteração reconhecendose inclusive a repercussão geral da matéria argumentandose que a prova consistente em gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem o conhecimento do outro inexistindo causa legal específica de sigilo ou de reserva da conversação é licita especialmente quando destinada a fazer prova em favor de quem efetuou a gravação 230 Relacionada à proibição do anonimato estabelecida pela CF em relação ao direito à livre manifestação do pensamento art 5º IV o STF tem entendido que a quebra do sigilo das comunicações telefônicas exclusivamente a partir de denúncia anônima implica a ilicitude da prova assim produzida e obtida Também merece referência que de acordo com o STF em se tratando de interceptação telefônica realizada por autoridade judicial incompetente são ilícitas também as provas derivadas da interceptação ilicitamente realizada sendo contudo válida a prova encontrada fortuitamente durante a investigação criminal salvo se for comprovado vício ensejador de sua nulidade 231 Tendo a Constituição Federal art 5º XII deferido a regulamentação para efeito de definição do devido processo da interceptação telefônica nos casos de autorização judicial ao legislador infraconstitucional foi editada a Lei 92961996 de acordo com a qual somente será admitida a interceptação quando houver indícios razoáveis de autoria ou participação em infração penal quando a prova não puder ser feita por outros meios disponíveis e quando o fato investigado constituir crime punido com pena de reclusão o que demonstra a sintonia com as exigências da proporcionalidade já embutidas na própria regulamentação legal Com efeito a existência de expressa reserva legal ou seja de uma autorização constitucional para a regulação de restrições a direito fundamental não dispensa a lei do atendimento de outros requisitos na esfera dos assim chamados limites aos limites dos direitos fundamentais com destaque para a proporcionalidade e razoabilidade Além disso no que diz com o devido processo da interceptação telefônica assume importância a Res 59 do Conselho Nacional de Justiça CNJ editada em 09092008 que disciplina e uniformiza o procedimento judicial em casos de quebra do sigilo criando de resto um sistema nacional de monitoramento e controle de tais atos judiciais Os requisitos para a interceptação telefônica aplicamse nos termos do art 1º parágrafo único da Lei 92961996 para a interceptação das comunicações em sistemas de informática e telemática o que considerando o escopo da proteção constitucional do sigilo das comunicações e a natureza das demais modalidades de comunicação incluídas na previsão legal além das comunicações telefônicas se revela como o entendimento constitucionalmente adequado afastandose por via de consequência a inconstitucionalidade da lei neste particular 232 ainda que exista embora se cuide cada vez mais de vozes isoladas quem sustente a inconstitucionalidade argumentando que a comunicação de dados e portanto informática e telemática estaria excluída do permissivo constitucional 233 Há que distinguir contudo a quebra interceptação da comunicação de dados comunicação informática e telemática da apreensão da base física computador HD na qual se encontram armazenados os dados 234 situação na qual ao contrário da comunicação que se enquadra nas hipóteses do art 5º XII da CF incide a proteção se e quando for o caso com base no direito à privacidade e intimidade pois aqui se cuida da proteção de dados e não do sigilo das comunicações Se no caso das comunicações telefônicas incluindo a comunicação de dados e também o acesso direto pela autoridade policial aos dados e conversas por WhatsApp em celulares apreendidos em princípio não se admite exceção ao requisito de que a interceptação apenas poderá ser determinada por autoridade judicial e ainda assim nos limites da legislação específica 235 mediante as ressalvas relativas à gravação por um dos interlocutores a assim chamada gravação clandestina e de excepcional empréstimo da prova obtida para fins não penais 236 para os demais tipos de comunicação quais sejam a comunicação telegráfica cartas e escritos de qualquer natureza a controvérsia quanto a alguns aspectos essenciais é mais intensa e não se pode falar em um entendimento uníssono e pacificado em sede doutrinária e jurisprudencial Relativamente à jurisprudência do STF sobre a matéria calha referir a decisão proferida no MS 38242 MC rel Min Roberto Barroso j em 19102021 no qual a Corte se pronunciou sobre a legitimidade constitucional de determinação de Comissão Parlamentar de Inquérito no sentido da transferência dos sigilos fiscal bancário telefônico e telemático de empresário e sociedade supostamente envolvidos em atos ilícitos que teriam ocorrido no âmbito de contratações realizadas com o Ministério da Saúde no contexto da pandemia da Covid19 No entendimento do relator que decidiu de modo monocrático embora em geral devidamente justificada a necessidade e o alcance das intervenções restritivas quanto ao seu limite temporal a exigência da CPI não se revela como sendo consistente do ponto de vista constitucional visto que a investigação diz respeito a eventuais ilícitos ocorridos durante a pandemia de modo que as informações a serem acessadas devem se restringir ao período de abril de 2020 em diante Situação que se distingue da interceptação telefônica ou da gravação de comunicação telefônica por um dos interlocutores gravação clandestina é a da assim chamada escuta ou interceptação ambiental que também pode ser captada por um dos envolvidos na comunicação ou ser realizada por terceiros Nesse caso contudo não se trata de conversa telefônica mas sim de comunicação verbal entre pessoas que se encontram em determinado local A interceptação ambiental foi regulamentada pelo art 2º da Lei 90341995 revogada pela Lei 128502013 a assim chamada Lei de Combate ao Crime Organizado que no seu inciso IV mencionava a captação e interceptação de sinais eletromagnéticos óticos ou acústicos bem como o seu registro e análise mediante circunstanciada autorização judicial Assim constatase que nos casos da interceptação ambiental ainda que não por força de expressa previsão constitucional que não se refere a tal modalidade o diploma legal que regulamentou tal procedimento exige a exemplo da interceptação telefônica uma autorização judicial ampliando portanto a reserva de jurisdição para tal hipótese Por outro lado tal como já decidiu o STF não se considera ilícita a instalação de equipamento de filmagem nas dependências do próprio imóvel quando a gravação do som e da imagem não é levada a efeito com o intuito de devassar a vida privada de terceiros mas sim com a intenção de prevenir eou identificar a autoria de danos criminosos ou outros delitos contra a pessoa e patrimônio do autor da gravação 237 aplicandose portanto o mesmo raciocínio utilizado nos casos de gravação telefônica clandestina realizada por um dos interlocutores 238 Uma situação especial diz com a possibilidade de interceptação e abertura da correspondência e do sigilo das comunicações em geral entre os reclusos de estabelecimento prisional e entre os reclusos e o mundo exterior Tanto no Brasil com base em previsão da Lei de Execução Penal 239 cuja constitucionalidade foi reconhecida pelo STF 240 quanto em outras ordens jurídicas admitese que dada a natureza da situação a intervenção na comunicação não é vedada à autoridade penitenciária mas há de ser devidamente motivada e comunicada ao preso e autoridade judiciária responsável pela execução penal além de não poder se tratar de uma medida de caráter geral e sim tópica e individualmente justificada e aplicada 241 Especialmente quando se trata de comunicações por escrito cartas impressos emails telegramas etc verificase que a proteção constitucional é em geral menos robusta do que no caso das comunicações telefônicas ou mesmo para efeitos da assim chamada escuta ambiental pois a Constituição Federal ao menos não expressamente não estabeleceu uma reserva de jurisdição Todavia tratandose de apreensão de cartas em cumprimento de mandado judicial de busca domiciliar o STF exige que haja previsão de determinação específica no mandado no sentido de que cartas e outras correspondências sejam apreendidas ou que a correspondência apreendida tenha relação com o crime objeto da investigação 242 Por outro lado especialmente nos casos de cartões postais ou outras formas de comunicação de caráter mais exposto em que o acesso ao conteúdo é praticamente franqueado a terceiros sem que se tenha de devassar o instrumento da comunicação abertura da carta etc é mesmo questionável que se possa falar em sigilo da comunicação pois hão de ser consideradas as legítimas expectativas em termos de reserva em relação ao conteúdo da comunicação a depender do meio técnico utilizado 243 Embora se trate de hipótese excepcional é preciso lembrar que a Constituição Federal também prevê a possibilidade de suspensão do sigilo das comunicações de correspondência telefônica etc durante a vigência de estado de defesa art 136 1º I b e c e de estado de sítio art 139 III sem que se tenha feito qualquer distinção em relação aos meios de comunicação Com a sofisticação das tecnologias de informação e comunicação uma série de novas situações a serem equacionadas do ponto de vista jurídicoconstitucional também tem surgido e gerado uma série de perplexidades Se por um lado é correto o entendimento de que a circunstância de que algumas modalidades de comunicação como é o caso dos fluxos informacionais em sistemas de telemática e informática não se encontram previstas expressamente na Constituição não torna por isso só por isso inconstitucionais eventuais intervenções restritivas também é certo por outro lado que tais medidas devem observar as exigências constitucionais para uma restrição legítima e serem aferidas com particular rigor244 Consequência da violação do sigilo das comunicações seja de correspondência seja das demais modalidades de comunicação será sem prejuízo da eventual responsabilização na esfera cível eou criminal dos autores da interceptação ilegítima a ilicitude de eventual prova obtida mediante a quebra indevida do sigilo o que todavia não implica necessariamente a nulidade de todo o processo no caso da existência de provas autônomas que sejam independentes em relação à prova obtida de forma ilícita 245 ressalvadas ainda as hipóteses de interceptação feita em legítima defesa já referidas Que os aspectos aqui ventilados se tornam ainda mais complexos quando se cuida da comunicação digital notadamente no ambiente da rede internet não será aqui ainda objeto de desenvolvimento mas cuidase de tema do qual já se tem ocupado intensamente também a doutrina e a jurisprudência brasileiras 246 410 Proteção dos dados pessoais A proteção dos dados pessoais alcançou uma dimensão sem precedentes no âmbito da sociedade tecnológica notadamente a partir da introdução do uso da tecnologia da informática Embora a proteção dos dados não se restrinja aos dados armazenados processados e transmitidos na esfera da informática pois em princípio ela alcança a proteção de todo e qualquer dado pessoal independentemente do local banco de dados e do modo pelo qual é armazenado cada vez mais os dados disponíveis são inseridos em bancos de dados informatizados A facilidade de acesso aos dados pessoais somada à velocidade do acesso da transmissão e do cruzamento de tais dados potencializa as possibilidades de afetação de direitos fundamentais das pessoas mediante o conhecimento e o controle de informações sobre a sua vida pessoal privada e social 247 A Constituição Federal como ainda ocorre com grande parte das constituições em vigor 248 embora faça referência no art 5º XII ao sigilo das comunicações de dados além do sigilo da correspondência das comunicações telefônicas e telegráficas não contemplou na sua versão original expressamente um direito fundamental à proteção e livre disposição dos dados pelo seu respectivo titular A proteção dos dados pessoais por outro lado encontrou salvaguarda parcial e indireta mediante a previsão da ação de habeas data art 5º LXXII da CF ação constitucional com status de direitogarantia fundamental autônomo que precisamente busca assegurar ao indivíduo o conhecimento e mesmo a possibilidade de buscar a retificação de dados constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público Contudo na medida em que o habeas data será objeto de desenvolvimento na parte deste curso destinada às ações constitucionais deixaremos aqui de aprofundar o tópico pois o que aqui está em causa é a fundamentação jurídicoconstitucional de um direito à proteção dos dados e a definição do seu âmbito de proteção À míngua de expressa previsão de tal direito no texto da Constituição Federal e a exemplo do que ocorreu em outras ordens constitucionais o direito à proteção dos dados pessoais passou a ser associado ao direito à privacidade no sentido de uma intimidade informática 249 e ao direito ao livre desenvolvimento da personalidade que inclui o direito à livre disposição sobre os dados pessoais de tal sorte que não se trata apenas de uma proteção dos dados contra o conhecimento e uso por parte de terceiros razão pela qual a exemplo do que se deu no direito alemão e espanhol se fala em um direito à autodeterminação informativa 250 Em conhecida e influente decisão sobre a constitucionalidade de aspectos ligados ao censo populacional o Tribunal Constitucional Federal da Alemanha em 1983 afirmou ser incompatível com a dignidade humana e o direito ao livre desenvolvimento da personalidade que o indivíduo não seja protegido contra uma ilimitada coleta armazenamento aproveitamento transferência e divulgação de seus dados pessoais 251 Considerando contudo as limitações decorrentes do uso da expressão autodeterminação informativa e mesmo as críticas direcionadas ao conceito 252 opta se por falar apenas em um direito fundamental à proteção dos dados pessoais designação que além disso guarda maior sintonia com a ordem jurídicoconstitucional brasileira dando conta pela sua abrangência tanto da essencial vinculação de tal proteção com salvaguarda da privacidade e da intimidade de onde em termos gerais foi deduzida a proteção de dados pessoais na seara da jurisprudência e da doutrina 253 quanto de sua conexão com o direito ao livre desenvolvimento da personalidade sem descurar do fato de que o direito à proteção de dados pessoais guarda uma condição autônoma tendo um seu próprio núcleo essencial A doutrina especializada brasileira a exemplo e por influência do que se deu em outras ordens jurídicas também já vinha de há muito tempo e com crescente intensidade advogando a necessidade de mediante uma leitura harmônica e sistemática do texto constitucional de 1988 se reconhecer um direito fundamental autônomo implicitamente positivado à proteção de dados pessoais 254 o que veio a ser confirmado em abril e maio de 2020 pelo STF em histórico e paradigmático julgado tal como já referido No citado julgamento da ADI 6387DF Relatora Ministra Rosa Weber foi discutida a constitucionalidade da Medida Provisória n 954 de 17042020 da Presidência da República que atribuiu às empresas de telecomunicações fixas e móveis o dever de disponibilizar os nomes completos endereços e números de telefone dos usuários PN e PJ para o IBGE durante a pandemia do COVID 19 para efeitos de uso direto e exclusivo de produção de estatísticas oficiais mediante entrevistas domiciliares O STF acolhendo a tese da inconstitucionalidade da exigência feita pela Medida Provisória impugnada reconheceu a ocorrência de violação pela desproporcionalidade da medida do direito fundamental à proteção de dados pessoais na condição de direito autônomo implicitamente positivado seguindo no que diz respeito à fundamentação a orientação geral protagonizada pela doutrina jurídica acima referida De acordo com a redação dada pela PEC 172019 promulgada pelo Congresso Nacional pela EC n 1152022 o caput do art 5º da CF passa a vigorar acrescido do seguinte inciso LXXIX é assegurado nos termos da lei o direito à proteção dos dados pessoais inclusive nos meios digitais No que diz respeito ao sistema de repartição de competências o caput do art 21 da Constituição Federal passa a vigorar acrescido do seguinte inciso XXVI organizar e fiscalizar a proteção e o tratamento de dados pessoais nos termos da lei ao passo que o caput do art 22 da Constituição Federal passa a vigorar acrescido do seguinte inciso XXX proteção e tratamento de dados pessoais Com a aprovação da PEC 172019 em 20102021 posterior promulgação pelo Congresso Nacional pela EC n 1152022 em 10022022 e a inserção de um direito fundamental autônomo inclusive diversamente da redação inicial da PEC contemplandoo com um inciso próprio acrescido ao art 5º da CF a própria decisão do STF acabou sendo não somente chancelada mas também saiu fortalecida pela expressiva legitimação democrática de uma emenda constitucional Outrossim independentemente aqui de se aprofundar a discussão sobre a conveniência necessidade e bondade intrínseca de uma consagração textual de um direito fundamental autônomo à proteção de dados na CF ou mesmo adentrar a querela sobre se tratar ou não de um direito novo o fato é que a opção do Congresso Nacional deve ser saudada Dentre as razões que aqui poderiam ser colacionadas destacamse a a despeito das interseções e articulações com outros direitos fica assegurada do ponto de vista também formal textual à proteção de dados a condição de direito fundamental autônomo com âmbito de proteção próprio b ao direito à proteção de dados passa a ser atribuído de modo inquestionável o pleno regime jurídicoconstitucional relativo ao seu perfil de direito fundamental em sentido material e formal já consagradas no texto da CF bem como na doutrina e na jurisprudência constitucional brasileira ou seja 1 como parte integrante da constituição formal os direitos fundamentais possuem status normativo superior em relação a todo o restante do ordenamento jurídico nacional 2 na condição de direito fundamental assume a condição de limite material à reforma constitucional devendo ademais disso serem observados os assim chamados limites formais circunstanciais e temporais nos termos do art 60 1º a 4º da CF 255 3 também as normas relativas ao direito à proteção de dados são nos termos do art 5º 1º CF dotadas de aplicabilidade imediata direta e vinculam diretamente todos os atores públicos bem como sopesadas as devidas ressalvas os atores privados À vista disso é de se acompanhar o entendimento de Carlos Alberto Molinaro e Gabrielle Bezerra S Sarlet no sentido de que a proteção de dados pessoais e o reconhecimento de um direito fundamental correspondente de certo modo confere um novo e atual sentido à proteção da pessoa humana e da dignidade da autonomia e das esferas de liberdade que lhes são inerentes256 Dada a sua proximidade 257 e mesmo a depender do caso a parcial superposição com o âmbito de proteção de outros direitos fundamentais a determinação da esfera autônoma de incidência do direito à proteção dos dados nem sempre é fácil pois a utilização de determinados dados pode violar simultaneamente mais de um direito 258 De modo a assegurar uma proteção sem lacunas de todas as dimensões que envolvem a coleta armazenamento tratamento utilização e transmissão de dados pessoais é possível afirmar que o âmbito de proteção do direito à proteção dos dados pessoais abarca as seguintes posições jurídicas a o direito ao acesso e ao conhecimento dos dados pessoais existentes em registros bancos de dados públicos ou privados b o direito ao não conhecimento tratamento e utilização e difusão de determinados dados pessoais pelo Estado ou por terceiros aqui incluído um direito de sigilo quanto aos dados pessoais c o direito ao conhecimento da identidade dos responsáveis pela coleta armazenamento tratamento e utilização dos dados d o direito ao conhecimento da finalidade da coleta e da eventual utilização dos dados e o direito à retificação e a depender do caso à exclusão de dados pessoais armazenados em bancos de dados 259 Além da dimensão negativa do direito à proteção dos dados assume relevo especialmente considerando o impacto da utilização da tecnologia informática e a crescente necessidade de proteção dos dados pessoais contra acesso e uso por meio de terceiros a circunstância de que ao Estado incumbe um dever de proteção a ser concretizado mediante prestações normativas e fáticas notadamente por meio da regulação infraconstitucional dos diversos aspectos relacionados às posições jusfundamentais referidas asseguran dolhes a devida efetividade A própria previsão de uma ação de habeas data assegura sob o ponto de vista procedimental via importante de realização da proteção consti tucional notadamente do acesso conhecimento e mesmo retificação de dados pessoais que de resto já foi devidamente regulamentada pelo legislador A criação e estruturação de uma agência órgão independente para a vigilância do sistema de proteção de dados igualmente é medida que tanto no plano da organização quanto do procedimento assume particular relevo para a efetivação do direito Titulares do direito são em primeira linha as pessoas físicas mas também as pessoas jurídicas e entes sem personalidade jurídica desde que nos dois últimos casos o acesso conhecimento utilização e difusão dos dados que tenham sido armazenados possam afetar direitos e interesses de terceiros no caso de pessoas físicas 260 mas há quem prefira proteger os dados da pessoa jurídica por conta do segredo empresarial 261 Destinatários do direito vinculados pelo direito são tanto o Estado quanto os particulares pois a devassa da vida privada incluindo o acesso e utilização de dados pessoais é algo que atualmente decorre tanto de ações ou a depender do caso de omissões de órgãos e agentes estatais quanto das de entidades privadas ou pessoas físicas Ainda sobre a dupla dimensão subjetiva e objetiva do direito fundamental à proteção de dados pessoais calha mencionar decisão proferida pelo Ministro Gilmar Mendes no âmbito da ADPF 695 sustentando que a dimensão subjetiva do referido direito importa na proteção do indivíduo contra riscos que ameacem sua personalidade em face da coleta processamento utilização e circulação de dados pessoas ao passo que a dimensão objetiva implica a atribuição ao indivíduo da garantia de controlar o fluxo de seus dados 262 Quanto aos limites e restrições toda e qualquer captação levantamento armazenamento utilização e transmissão de dados pessoais em princípio constitui uma intervenção no âmbito de proteção do direito que portanto não prescinde de adequada justificação 263 Embora não se trate de direito absoluto o direito à proteção dos dados especialmente na medida de sua conexão com a dignidade humana revelase como um direito bastante sensível tanto mais sensível quanto mais a sua restrição afeta a intimidade e pode implicar violação da dignidade da pessoa humana Por evidente de outra parte que a necessidade de assegurar a proteção de outros direitos fundamentais ou interesses da coletividade poderá justificar seja por lei seja mediante decisão judicial eventual restrição do direito à proteção de dados sendo especialmente relevante nesse contexto a preservação da segurança pública A estrita observância dos critérios da proporcionalidade e da salvaguarda do núcleo essencial do direito são aspectos que não podem ser desconsiderados cuidese de intervenção legislativa cuidese de restrição levada a efeito pelo administrador ou pelo juiz Neste contexto das restrições ao direito à proteção dos dados pessoais assume relevo a distinção entre dados considerados sensíveis que dizem mais de perto com aspectos da vida íntima dados sobre a orientação sexual religiosa a opção política vida familiar entre outros e dados mais distantes desse núcleo mais sensível como é o caso de informações sobre nome filiação endereço CPF etc 264 Cuidandose de dados relativos ao sigilo profissional ou mesmo dados fiscais e bancários importa levar em conta as diretrizes existentes para tais situações submetidas como direitos fundamentais autônomos a um regime próprio em que pese um conjunto de aspectos comuns Ainda no contexto do direito à privacidade da proteção dos dados pessoais e seus respectivos limites assume crescente relevo o problema da colisão de tais direitos com outros direitos fundamentais notadamente no âmbito da assim chamada sociedade de vigilância e no ambiente da internet bem como em face do direito de acesso às informações especialmente quando se cuida de informações detidas pelo poder público e quando referentes aos atos e agentes estatais Aqui se situa por exemplo a problemática do assim chamado direito ao esquecimento que a despeito de encontrar raízes no clássico conflito entre liberdade de expressão e informação e proteção da vida privada adquire contornos especiais na esfera da internet em que o acesso às informações é facilitado de modo exponencial tanto quantitativa quanto qualitativamente No Brasil embora o entendimento majoritariamente favorável por parte da doutrina o STF no RE 1010606RJ rel Min Dias Toffoli j 11022021 depois de já ter reconhecido a repercussão geral da matéria no julgamento de mérito ocorrido na data referida entendeu por maioria que o direito ao esquecimento é incompatível com a Constituição Federal Na concepção da corte a proteção ao esquecimento seria uma clara restrição às liberdades de expressão manifestação de pensamento e ao direito à informação O fato e isso deve ser aqui sublinhado é que o STF não decidiu sobre todos os aspectos e formas de manifestações do assim chamado direito ao esquecimento como é o caso de um direito a desindexação dos mecanismos de busca na internet ademais de ter deixado expressamente e isso foi reiterado nos votos dos Ministros que situações que envolvam violações da lei e de direitos fundamentais devem ser examinadas e equacionadas com base nas alternativas disponibilizadas pela ordem jurídicoconstitucional brasileira Assim o que se pode dizer em apertada síntese é que o STF no julgamento colacionado decidiu basicamente pela negativa do rótulo direito ao esquecimento do que pela impossibilidade de eventuais restrições à liberdade de expressão e de informação Além disso a prevalecer o entendimento de que em hipótese alguma informações verídicas não possam ter sua publicação negada ou restringida a própria Lei Geral de Proteção de Dados assim como o Marco Civil da Internet seriam inconstitucionais naquilo em que asseguram um direito a requerer a retificação e exclusão de dados ou mesmo seria inconstitucional o Código de Defesa do Consumidor que impõe a retirada de informações negativas dos cadastros públicos entre outras situações que poderiam ser aqui referidas Por tais razões o que se divisa é que o STF ainda terá de se pronunciar e mais de uma vez sobre a matéria No plano internacional a decisão mais relevante a ser colacionada por ser um leading case prolatada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia no caso Google vs Agência Espanhola de Proteção de Dados e Mario C González julgado em 13052014 no qual foi reconhecida a responsabilidade do Google como promotor dos motores de busca e não mero intermediário das informações inseridas nas páginas de origem da internet pelo fato de a criação de mecanismos de busca mediante algoritmos criados pelo Google constituir um processo independente de manipulação de dados já que não apenas ordena as informações mas também facilita o acesso a elas aplicandose portanto as diretivas da União Europeia na matéria Além disso embora não tenha sido reconhecido o direito de retirada de informações no caso informações sobre a alienação forçada de imóvel em virtude de dívidas com a seguridade social de cidadão espanhol da página on line original de órgão de imprensa foi assegurada a exclusão do acesso à página com tais informações dos mecanismos de busca do GoogleResearch de modo a dificultar o acesso às informações e propiciar com isso o seu esquecimento Por evidente tal decisão como outras já tomadas em sentido similar tem sido objeto de ampla polêmica especialmente por se estar ampliando as possibilidades de restrição da liberdade de informação e do acesso à informação especialmente como no caso relatado Google de informações verdadeiras situação que por outro lado não se confunde com a prerrogativa de quem forneceu determinadas informações requerer a sua exclusão de determinados bancos de dados como previsto na legislação brasileira Lei do Marco Civil da Internet e LGPD Já no embate entre direito de acesso a informações de caráter público e em poder de órgãos públicos objeto de regulação no Brasil pela Lei 125272011 embora prevista a salvaguarda dos dados pessoais sensíveis ligados à privacidade a conjugação do direito de acesso à informação com os princípios constitucionais da publicidade e da transparência levou o STF a reconhecer que a proteção da privacidade dos servidores públicos é menor do que a do cidadão comum de modo a considerar constitucionalmente legítima proporcional a divulgação nominal e individualizada dos seus vencimentos e benefícios 265 Outra importante decisão sobre a matéria foi a proferida na ADPF 509 rel Min Marco Aurélio j 16092020 que reconheceu a constitucionalidade da chamada lista suja do trabalho escravo uma vez que os autos de infração de auditores fiscais são públicos conferindo publicidade às decisões definitivas com a finalidade de garantir o acesso à informação sobre as políticas de combate ao trabalho escravo não sendo de natureza sancionatória a publicidade de atos administrativos de inequívoco interesse público Como contraponto ou seja caso no qual o STF considerou inconstitucional a restrição do direito fundamental à proteção de dados pessoais vale invocar o acima já citado julgamento da ADI 6387 que entendeu pela desproporcionalidade da determinação do compartilhamento pelas empresas de telecomunicação fixa e móvel dos contados de pessoas naturais e jurídicas com o IBGE Noutro caso apreciado pela Suprema Corte brasileira Rcl 48529 AgR rel Min Ricardo Lewandowski julgado em 09102021 a questão de fundo estava ligada ao vazamento de dados da Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde investigada na CPI da Covid19 De acordo com a tese esgrimida na reclamação teria ocorrido violação do disposto no MS 37963DF no qual se decidiu sobre a necessidade de nos casos de quebra de sigilo ser preservada a confidencialidade do material para o grande público protegendose os dados coletados No caso ora referido contudo Rcl 48529 AgR o relator que votou acompanhado dos demais integrantes da Segunda Turma sublinhou o fato de que os documentos que vieram a público não têm caráter privado pelo fato de terem relação com suposta violação pela reclamante de seus deveres éticos e profissionais Dada a sua grande relevância para a proteção de dados pessoais não há como deixar de referir o julgamento do mérito da ADI 6529 rel Min Cármen Lúcia j em 11102021 De acordo com trecho da ementa do Acórdão aqui transcrita a ADI foi julgada parcialmente procedente para confirmandose o julgado cautelar dar interpretação conforme ao parágrafo único do art 4º da Lei n 98831999 estabelecendose que a os órgãos componentes do Sistema Brasileiro de Inteligência somente podem fornecer dados e conhecimentos específicos à ABIN quando comprovado o interesse público da medida afastada qualquer possibilidade de o fornecimento desses dados atender a interesses pessoais ou privados b qualquer solicitação de dados deverá ser devidamente motivada para eventual controle de legalidade pelo Poder Judiciário c mesmo presente interesse público os dados referentes às comunicações telefônicas ou dados sujeitos à reserva de jurisdição não podem ser compartilhados na forma do dispositivo legal decorrente do imperativo de respeito aos direitos fundamentais d nas hipóteses cabíveis de fornecimento de informações e dados à ABIN são imprescindíveis procedimento formalmente instaurado e existência de sistemas eletrônicos de segurança e registro de acesso inclusive para efeito de responsabilização em caso de eventual omissão desvio ou abuso Mediante tal decisão o STF reafirma não apenas a jusfundamentalidade do direito à proteção de dados pessoais como agrega importantes critérios e diretrizes para a sua compreensão e aplicação em especial no que diz com o controle judicial das medidas restritivas e dos seus respectivos requisitos 411 Os direitos à honra e à imagem 4111 Considerações gerais Os direitos à honra à imagem juntamente com o direito à privacidade o direito à palavra o direito ao nome o direito ao conhecimento da paternidade origem entre outros ocupam lugar de destaque na constelação dos direitos pessoais ou de personalidade mas a despeito dos pontos de contato com outros direitos fundamentais distinguemse pelo fato de dizerem respeito mais propriamente à integridade e identidade moral da pessoa não tendo portanto âmbito de proteção coincidente com os direitos à privacidade e à intimidade 266 Além disso convém lembrar pois não se trata de aspecto irrelevante mesmo para uma perspectiva constitucional que os direitos à honra e à imagem foram previstos no capítulo do Código Civil relativo aos direitos de personalidade art 20 caput Por outro lado como as expressões honra e imagem não são sinônimas não se tratando também de um mesmo direito fundamental a despeito do elo em comum ambos os direitos serão abordados em item próprio lhes aplicando pelo menos em regra o regime geral dos direitos de personalidade ressalvadas algumas peculiaridades que serão devidamente consideradas 4112 O direito à honra A honra de uma pessoa tal qual protegida como direito fundamental pelo art 5º X da CF consiste num bem tipicamente imaterial vinculado à noção de dignidade da pessoa humana pois diz respeito ao bom nome e à reputação dos indivíduos A esse propósito convém relembrar a exemplo do que se deu de modo geral com os direitos de personalidade que o direito à honra na condição de direito fundamental expressamente positivado não constituiu durante muito tempo figura amplamente representada nos catálogos constitucionais de direitos o que se deu mesmo no plano internacional onde para além da Declaração Universal da ONU art 12 e do art 17 do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos o direito à honra nem sempre se faz presente visto ser comum que os textos constitucionais e documentos internacionais se refiram quando é o caso ao direito ao bom nome eou à reputação Assim quando aqui se falar em honra estarseá fazendoo nessa perspectiva de um direito ao bom nome e reputação que contudo não se confunde como frisado com o direito à imagem e o direito ao nome aqui compreendidos como o direito a portar um nome e o direito a uma identidade pessoal Por outro lado há que ter em conta que o conceito de honra na sua origem e durante muito tempo e de certo modo ainda hoje guarda uma forte relação com uma organização e uma estrutura aristocrática da sociedade não tendo um caráter igualitário visto que se prestava pelo contrário assim como também ocorria com a dignidade da pessoa humana para destacar alguns membros do corpo social os honrados tais como os nobres de outros menos ou mesmo não honrados 267 Com a evolução da noção de dignidade da pessoa humana não se deve olvidar que especialmente no período clássico dignidade e honra como valor social do indivíduo era a versão prevalente e sua definição como atributo de todos os seres humanos o direito à honra foi universalizado e passou a ser considerado como elemento importante da igual dignidade de todas as pessoas afastandose na quadra atual do Estado Constitucional toda e qualquer interpretação reducionista e de cunho nobiliárquico que restrinja o direito à honra aos que são mais dignos do que outros 268 A vinculação com a dignidade da pessoa humana por outro lado não afasta pelo contrário reforça a dificuldade de se definir com alguma precisão e em abstrato o conteúdo do direito à honra já que se cuida de uma noção marcada por forte dose de subjetividade 269 O direito à honra à defesa do bom nome e à reputação inserese no âmbito da assim chamada integridade e inviolabilidade moral 270 Se em um sentido objetivo o bem jurídico protegido pelo direito à honra é o apreço social a boa fama e a reputação do indivíduo ou seja seu merecimento aos olhos dos demais 271 o que se costuma designar de honra objetiva o conceito social sobre o indivíduo de um ponto de vista subjetivo que à evidência guarda relação com a face objetiva a honra guarda relação com o sentimento pessoal de autoestima ou seja do respeito de cada um por si próprio e por seus atributos físicos morais e intelectuais 272 Ainda que se possa aceitar tal distinção parece certo que uma concepção fática de honra seja na vertente subjetiva de autoestima ou objetiva consideração social de que goza uma pessoa se revela insuficiente sendo de se privilegiar um conceito normativopessoal de honra cuja pretensão de respeito radica na personalidade de cada indivíduo 273 O direito à honra protege nessa perspectiva a reputação da pessoa e a consideração de sua integridade como ser humano por terceiros e pelo próprio titular do direito honra subjetiva destinandose a salvaguardar o indivíduo de expressões ou outras formas de intervenção no direito que possam afetar o crédito e o sentimento de estima e inserção social de alguém 274 A partir daí também se percebe a razão pela qual o direito à honra não se sobrepõe ao direito à intimidade ou mesmo aos direitos mais próximos à imagem e ao nome pois a violação da intimidade que assegura um âmbito reservado ao indivíduo e o direito à não intromissão por terceiros nem sempre implica ofensa a honra a imagem e ao nome nem a ofensa a honra constitui sempre uma violação do direito ao nome e à imagem 275 Também o direito à honra em função da sua dupla dimensão subjetiva e objetiva opera tanto como direito de defesa direito negativo quanto como direito a prestações direito positivo em que pese a prevalência do perfil negativo visto que em primeira linha o direito à honra como direito subjetivo implica o poder jurídico de se opor a toda e qualquer afetação intervenção ilegítima na esfera do bem jurídico protegido Dito de outro modo cuidase do direito a não ser ofendido ou lesado na sua honra276 dignidade ou consideração social mediante imputação feita por terceiros bem como do direito de defenderse em relação a tais ofensas e obter a competente reparação 277 que de acordo com a ordem jurídica brasileira abrange tanto a reparação na esfera criminal por conta em especial dos delitos de calúnia injúria e difamação tipificados no Código Penal quanto em sede cível de vez que o próprio art 5º X da CF que assegura o direito à honra também contempla o direito à indenização pelo dano material e moral decorrente de sua violação Uma face positiva do direito à honra encontra fundamento no dever de proteção estatal em relação à dignidade da pessoa humana e aos direitos à integridade pessoal e moral que lhe são correspondentes embora não seja líquido que daí decorra um dever de criminalização de tal sorte que uma descriminalização ou despenalização pelo menos não necessariamente existindo outros meios de proteção da honra incorreria em uma violação do dever de proteção suficiente do Estado De qualquer modo é pelo menos questionável se a opção do legislador no sentido de criminalizar ofensas a honra é inconstitucional 278 Todavia independentemente da criminalização de condutas ofensivas a honra certo é que ao Estado incumbe mediante organização e procedimento assegurar a efetividade da proteção da honra e dos direitos pessoais Titulares do direito à honra são em primeira linha os indivíduos ou seja as pessoas físicas cuidandose também de um direito de titularidade universal portanto atribuído aos brasileiros e estrangeiros ainda que não residentes no Brasil já por força de seu vínculo com a dignidade da pessoa humana A titularidade post mortem é reconhecida especialmente quando afetadas a dignidade e a honra dos descendentes e demais legitimados 279 O quanto as pessoas jurídicas podem ser titulares de um direito à honra é discutível e não é objeto de igual aceitação no direito comparado pois é comum que o direito à honra seja reservado às pessoas físicas embora a pessoa jurídica possa ter um direito à reputação 280 De qualquer sorte no direito brasileiro em função da distinção entre honra subjetiva e objetiva consolidouse o entendimento de que a pessoa jurídica é titular de um direito à proteção da honra objetiva incluindo o direito à respectiva indenização por dano moral 281 Destinatários são tanto os órgãos estatais quanto os particulares admissível a eficácia direta especialmente naquilo em que reconhecido um direito a indenização por dano moral que consagrado por norma constitucional diretamente aplicável não dependeria para o reconhecimento do direito em caso de violação da honra e demais direitos previstos no art 5º X da CF de legislação específica cuidandose de norma evidentemente voltada a todo e qualquer agente que possa ofender o direito à honra O direito à honra no quadro dos limites aos direitos fundamentais também não se reveste de caráter absoluto 282 mas desempenha papel relevante na condição de limite ao exercício de outros direitos fundamentais em especial das liberdades de expressão informação imprensa manifestação do pensamento 283 Embora no plano do direito à honra diferentemente do que se dá com o direito à privacidade não se justifique uma proteção em princípio menos intensa do direito à honra na esfera política do que na esfera pessoal 284 o direito à informação favorece uma interpretação generosa sempre à luz do caso concreto em relação à liberdade de expressão Há quem diga contudo que tal questão estaria mal colocada na medida em que a possibilidade de excluir a ilicitude da ofensa à honra resultaria do interesse público na questão revelada e não no caráter público da pessoa atingida ou de sua exposição na esfera pública 285 No limite mesmo que a mensagem divulgada possa ser ofensiva especialmente na ótica do titular do direito à honra se os termos empregados na divulgação tida como ofensiva forem condizentes com o intuito de informar assunto de interesse público há de prevalecer a liberdade de expressão 286 Todavia quando a opinião emitida não apresentar interesse público além de ter caráter manifestamente ofensivo e violador da dignidade da pessoa humana do ofendido o direito à honra se transforma em limite da liberdade de expressão e dá ensejo à responsabilização civil e mesmo penal atendidos os pressupostos legais dos autores da ofensa 287 No âmbito da jurisprudência do STF contudo observase uma relativamente forte adesão à doutrina da preferência da liberdade de expressão e certa condescendência com manifestações que sejam ofensivas à honra pessoal quando o ofendido for agente estatal 288 De qualquer modo embora a condição de agente estatal possa de acordo com o STF até mesmo servir de fundamento para atenuar o grau de reprovabilidade da conduta do autor das ofensas à honra acusações graves e infundadas desacompanhadas de prova de sua veracidade configuram dano moral indenizável 289 Além disso conforme decisão do RE 685493 na esteira do voto do relator Min Marco Aurélio entendeu o STF que os servidores públicos têm permissão constitucional para se pronunciarem sobre fatos relacionados ao exercício da função pública com um campo de imunidade relativa relacionada à liberdade de expressão prevalecendo o interesse coletivo ante os direitos de terceiros à honra 290 No que diz com a jurisprudência do STF é de se agregar aqui a decisão na ADPF 779 rel Min Dias Toffoli j 15032021 que enfatizou a ilegitimidade constitucional da assim chamada legítima defesa da honra instituto tido por muitos como fonte de perpetuação especialmente da violência contra a mulher e do feminicídio por buscar justificar o adultério como uma agressão injusta à honra e portanto autorizar a tese da legítima de fesa para afastar a ilicitude da conduta homicídio ou outra forma de violência tipificada como delito na esfera criminal 4113 O direito à própria imagem O direito à imagem integra juntamente com o direito à honra o direito ao nome e o direito à palavra sem prejuízo de outras dimensões da personalidade o direito à identidade pessoal 291 tendo a exemplo dos demais direitos referidos forte conexão com o direito à intimidade e a dignidade da pessoa humana sem no entanto perder sua condição de direito autônomo 292 No âmbito da Constituição Federal o direito à imagem no sentido de um direito à própria imagem foi consagrado no art 5º X mas encontra expressa referência também no art 5º V onde está assegurado um direito a indenização por dano material moral ou à imagem e no art 5º XXVIII a em que está prevista a proteção contra a reprodução da imagem e da voz humana O direito à imagem na condição de direito de personalidade encontrou também proteção na esfera infraconstitucional com destaque aqui para o art 20 do CC Por sua vez o próprio regramento legal do direito à imagem dá conta como já adiantado de que se trata de um direito com âmbito de proteção autônomo Com efeito mesmo que mediante a captação e reprodução da imagem de alguém se possa simultaneamente violar sua honra e intimidade a peculiaridade do direito à própria imagem reside na proteção contra a reprodução da imagem ainda que não necessariamente com isso se tenha afetado o bom nome ou a reputação ou divulgado aspectos da vida íntima da pessoa 293 O direito à imagem portanto não tem por objeto a proteção da honra reputação ou intimidade pessoal mas sim a proteção da imagem física da pessoa e de suas diversas manifestações seja em conjunto seja quanto a aspectos particulares contra atos que a reproduzam ou representem indevidamente 294 Quanto ao seu conteúdo âmbito de proteção o direito à imagem abrange para efeitos da proteção constitucional tanto o direito de definir e determinar a autoexposição pessoal ou seja o direito de não ser fotografado ou de ter o seu retrato exposto em público sem o devido consentimento quanto o direito de não ver a imagem pessoal representada e difundida em forma gráfica ou montagem ofensiva ou mesmo distorcida no sentido do que se pode designar de uma falsificação da personalidade 295 o que implica um direito e correspondente dever de divulgação da imagem com rigor e autenticidade 296 À vista do exposto o que está em causa é essencialmente a proteção da assim chamada ima gem retrato mas não da imagematributo pois esta está ligada à imagem social da pessoa sua imagem como chefe de família pai profissional etc portanto aspectos vinculados à noção de honra 297 Diferentemente do direito à honra onde a exposição pública não afasta por si só a proteção do direito à honra o direito à imagem quando em causa o direito de não ser fotografado ou retratado sem o devido consentimento não é digno em princípio da mesma proteção constitucional quando se trata de pessoa ocupante de cargo ou função ou que exerça atividade pública no sentido de uma atividade em que a publicidade seja algo essencial pois em tais situações se presume um acordo tácito no sentido de um consentimento implícito o que deve ser levado em consideração especialmente no plano da colisão entre direitos fundamentais 298 Mesmo quando se trata da legítima retratação de pessoas em veículos de comunicação em situações de exposição pública em eventos abertos ou mesmo em eventos privados mas em espaços públicos hipóteses nas quais se dispensa prévia e expressa autorização a imagem estará protegida contra a sua divulgação distorcida ou descontextualizada salvo que tal veiculação conte com a aprovação do titular do direito 299 Com isso já se verifica por outro lado que o direito à imagem é protegido não apenas contra a divulgação sem autorização do titular para fins comerciais mas envolve uma proteção bem mais ampla digna de seu enquadramento na esfera dos direitos de personalidade Também para o direito à imagem se aplica a noção de que se cuida simultaneamente de um direito negativo tanto no sentido do direito a coibir e se proteger contra o uso indevido da imagem pessoal direito a não intervenção ou afetação quanto na faculdade liberdade do titular do direito no sentido de autorizar ou não a captação e veiculação inclusive de modo descontextualizado e distorcido da própria imagem Na sua dimensão positiva o direito à imagem implica prestações de proteção por parte do Estado especialmente na esfera da organização e procedimento o que se pode dar mediante uma proteção penal ou cível além da proteção judiciária No plano constitucional a expressa previsão de um direito à indenização por danos morais e materiais art 5º V X o dever constitucional de proteção contido no art 5º XXVIII a somado ao complexo legislativo infraconstitucional com destaque aqui para a tutela penal e na esfera do Código Civil são exemplos de como se dá tal proteção Até que ponto para além da indenização por dados causados é possível deduzir do direito à imagem um direito a prestações materiais é contudo de mais difícil fundamentação A titularidade do direito à imagem naquilo em que está em causa a representação da figura física de alguém da assim chamada imagemretrato é exclusiva das pessoas físicas 300 Em termos gerais uma titularidade post mortem do direito à imagem assim como no caso da honra é admitida no sentido de uma proteção da personalidade após a morte por força da dignidade da pessoa humana especialmente quando também são afetados direitos próprios dos herdeiros Além disso o Código Civil brasileiro no seu art 20 parágrafo único expressamente dispõe sobre a legitimidade de cônjuge ascendentes ou descendentes para buscarem indenização pelos danos causados à imagem de pessoa falecida Por sua vez no que diz com as pessoas jurídicas para os que admitem uma proteção autônoma de uma imagem social e mesmo de uma imagem autoral 301 no sentido de um âmbito de proteção não coincidente com os direitos à honra ou mesmo intimidade ou de um direito à identidade pessoal a depender das circunstâncias também será possível atribuir a titularidade do direito à imagem às pessoas jurídicas o que contudo não se revela plausível quando se tratar do direito à imagem física O direito à imagem como já visto pode ser violado pela captação sem a devida autorização da imagem física de alguém bem como pela veiculação desautorizada ou injustificada da imagem seja ela integral ou parcial mas também pela distorção e mesmo falsificação da imagem quando de sua veiculação O direito à imagem por sua vez também não é absoluto e frequentemente entra em linha de colisão com outros direitos fundamentais com destaque da mesma forma como se verifica com o direito à honra para a liberdade de expressão Nesse sentido já se viu também que quando se trata de pessoas públicas em local público ou mesmo de pessoas que estão em local privado mas de acesso público é possível presumir uma autorização implícita que em sendo o caso afasta a ilicitude cível e penal do uso da imagem desde que não de modo distorcido Na mesma linha resolvendo a colisão entre o direito à imagem mas também os direitos à honra intimidade e privacidade e a liberdade de expressão em favor desta colacionase decisão do STF no ARE 892127 AgRSP Relatora Ministra Cármen Lúcia julgamento em 23102018 que desacolheu pedido de indenização por danos morais formulado por familiares de pessoa morta em tiroteio ocorrido em via pública No caso concreto tratavase de ação de indenização movida pelos familiares da vítima contra empresa jornalística pelo fato de ter divulgado a fotografia do local da cena do crime bem como da imagem da vítima ensanguentada em seu veículo sem os devidos cuidados de edição Embora na primeira instância a ação tenha sido julgada procedente o STF entendeu que o juiz realizou censura da imprensa Além disso a inocorrência do fato não foi demonstrada e o que se discutiu foi apenas o não sombreamento que teria sido necessário na análise subjetiva do julgador Ainda mesmo eventual distorção da imagem mediante uma caricatura veiculada em órgão de imprensa apenas para citar um exemplo comum poderá ser justificada e não gerar nenhum direito a indenização nem ensejar a responsabilização na esfera penal 302 Especialmente no direito comparado podem ser encontradas decisões sobre a publicação de caricaturas com o propósito claro de expressar de modo irônico críticas sociais e políticas situação que deve ser distinguida da publicação de charges com intuito voltado à comercialização ou mesmo com a intenção evidente de difamação ou injúria 303 Por derradeiro é preciso avaliar criteriosamente o quanto eventuais restrições ao direito à imagem ainda que reguladas na esfera da legislação infraconstitucional são dotadas de consistência constitucional ou seja não correspondem a violações do direito É o caso por exemplo da possibilidade regrada no art 20 do CC de divulgação da imagem alheia quando necessário à administração da justiça e da ordem pública que são termos de extrema indeterminação e que se prestam para justificar uma no mínimo perigosa flexibilização do uso da imagem 304 Por outro lado vale mencionar decisão proferida no RE 638360 onde ao analisar os limites da liberdade de informação jornalística com relação ao direito à imagem dentre outras balizas como o direito à intimidade à vida privada e à honra entendeu o STF que não detém a imprensa legitimidade para veicular informações sigilosas que foram obtidas ilicitamente 305 De qualquer sorte o que importa sublinhar é que eventuais restrições ao direito à imagem sejam elas estabelecidas por decisão judicial no caso concreto sejam elas veiculadas pelo legislador mas sempre justificadas com base na proteção de outro direito fundamental ou bem jurídico de estatura constitucional devem ser examinadas à míngua de uma expressa reserva legal com base nos critérios da proporcionalidade e da razoabilidade a depender do caso visto que ambas as noções não se confundem atentandose em todo e qualquer caso para a salvaguarda da dignidade da pessoa humana 412 Direitos de liberdade 4121 Algumas notas sobre um direito geral de liberdade na Constituição Federal e o sistema constitucional das liberdades fundamentais 306 De acordo com o que se verifica a partir da dicção do art 5º caput da CF a liberdade constitui juntamente com a vida a igualdade a propriedade e a segurança um conjunto de direitos fundamentais que assume particular relevância no sistema constitucional brasileiro Tendo em conta que o atual texto constitucional aderiu em termos gerais ao que já vinha sendo parte integrante da tradição do constitucionalismo brasileiro verificase que também para o caso do Brasil é possível afirmar a existência não apenas de um elenco de direitos de liberdade específicos ou direitos especiais de liberdade como é o caso das liberdades de expressão liberdades de reunião e manifestação entre outras mas também de um direito geral de liberdade Assim verificase que o destaque outorgado à liberdade e aos demais direitos tidos como invioláveis no art 5º caput da CF traduz uma aproximação evidente com o espírito que orientou já no seu nascedouro as primeiras declarações de direitos bem como reproduz o catálogo de direitos da pessoa humana difundidos pela literatura política e filosófica de matriz liberal A Constituição Federal é portanto também e em primeira linha uma constituição da liberdade Por outro lado é possível afirmar que o reconhecimento de um direito geral de liberdade não corresponde a uma tendência uníssona e uniforme nos diversos ordenamentos constitucionais A Constituição portuguesa por exemplo não garante um direito geral de liberdade mas apenas consagra as principais liberdades em espécie 307 Em algumas ordens jurídicas por sua vez o reconhecimento de um direito geral de liberdade não decorre da positivação no texto constitucional mas da interpretação de outros direitos fundamentais pelos tribunais constitucionais como se verificou na Alemanha onde o Tribunal Constitucional Federal ao decidir o famoso caso Elfes identificou um direito à liberdade geral de ação allgemeine Handlungsfreiheit a partir do art 2º da Lei Fundamental o qual assegura o direito ao livre desenvolvimento da personalidade 308 Todavia mesmo diante de uma já sólida jurisprudência construída e aplicada pelo Tribunal Constitucional a ideia de um direito geral de liberdade segue sendo objeto de contestações por parte de alguns juristas alemães pois pelo menos é este um dos principais argumentos esgrimidos ele constituiria um direito vazio de conteúdo dito de outro modo um direito sem suporte fático determinável 309 Em sentido similar situase a nota crítica de Ronald Dworkin para quem uma concepção forte de direitos individuais não pode aceitar a noção de um direito geral de liberdade mas apenas a de liberdades específicas ou concretas pois a ideia de um direito abstrato à liberdade em geral estaria em conflito permanente com o direito à igual consideração e respeito que constitui a base de uma teoria deontológica dos direitos 310 Além disso é possível questionar a necessidade de positivação no texto constitucional de uma ideia que decorre da própria instituição do Estado de Direito e que seria dispensável para a efetiva proteção das liberdades em espécie Apesar das controvérsias em torno do significado do direito geral de liberdade sua positivação em todas as Constituições brasileiras não tem sido objeto de contestação podendo ser vista como uma vantagem institucional que tem o condão de reforçar a proteção das liberdades ao oferecer um apoio normativo sólido em nível constitucional Uma breve mirada sobre o elenco das liberdades especiais positivadas ao longo dos incisos do art 5º da CF evidencia que o constituinte brasileiro agasalhou um catálogo minucioso de liberdades incluindo a liberdade de ir e vir art 5º XV que a exemplo do que ocorre em Portugal e mesmo na Alemanha costuma ser reconduzida ao dispositivo que consagra o direito de liberdade de forma mais genérica especialmente quando não admitida a existência de um direito geral de liberdade propriamente dito Por outro lado a exemplo do que ocorre com a dignidade da pessoa humana que tem na liberdade assim como na igualdade um de seus elementos centrais para muitos liberdade e dignidade praticamente convergem especialmente quando se reduz a dignidade ao princípio da autonomia o direito geral de liberdade atua como critério material para a identificação de outras posições jurídicas fundamentais em especial como parâmetro para a dedução de liberdades específicas que não foram objeto de direta e expressa previsão pelo constituinte Nessa perspectiva o direito geral de liberdade pode ser interpretado em conjunto com o 2º do art 5º da CF o qual estabelece um sistema aberto de direitos e garantias fundamentais consagrando outros direitos não previstos de forma explícita no texto constitucional Dessa forma o direito geral de liberdade ou liberdade geral também está aberto à integração com outras liberdades previstas nas declarações de direitos no plano internacional além de guardar sintonia com a ideia de liberdades implícitas Apenas para ilustrar a afirmação é possível relacionar por exemplo a liberdade de utilização da informática o livre e igual acesso à rede de comunicação a livre disposição dos dados pessoais para os alemães o direito à autodeterminação informativa entre outros que poderiam ser nominados e que não encontram previsão direta e expressa no texto constitucional O direito geral de liberdade nesse contexto atua como uma espécie de cláusula de abertura constitucional para liberdades fundamentais especiais não nominadas Dito de outro modo o direito geral de liberdade funciona como um princípio geral de interpretação e integração das liberdades em espécie e de identificação de liberdades implícitas na ordem constitucional Assim sendo para reforçar a linha argumentativa já lançada a positivação de um direito geral de liberdade tem a vantagem de introduzir no ordenamento jurídico uma cláusula geral que permite dela derivar por meio de interpretação extensiva outras liberdades não expressamente consagradas no texto constitucional Com efeito a liberdade como faculdade genérica de ação ou de omissão concede ao indivíduo um amplíssimo leque de possibilidades de manifestação de suas vontades e preferências e de expressão de sua autonomia pessoal que não pode ser apreendido por meio de liberdades específicas previstas em textos normativos Quanto a tal função do direito geral de liberdade compreendido como cláusula de abertura material importa registrar contudo que metodologicamente não se haverá de recorrer ao direito geral de liberdade quando se tratar da aplicação de uma cláusula especial já consagrada no texto constitucional inclusive para a necessária salvaguarda do âmbito de proteção de cada liberdade 311 Em síntese o direito geral de liberdade assume relevância jurídico constitucional para efeitos de aplicação às situações da vida quando e na medida em que não esteja em causa o âmbito de proteção de uma liberdade em espécie 312 O direito geral de liberdade também cumpre portanto a função de assegurar uma proteção isenta de lacunas da liberdade e das liberdades 313 De qualquer sorte considerando que os direitos especiais de liberdade serão objeto de comentário próprio aqui se busca apenas tecer algumas considerações de ordem geral com destaque para a demonstração do sentido de um direito geral de liberdade no esquema constitucional e a sua articulação com as cláusulas especiais de liberdade No que diz com sua vertente constitucional mais importante e remota o direito fundamental de liberdade tem origem na ideia de liberdade geral contida no art 4º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 A liberdade consiste em poder fazer tudo o que não prejudica ao outro O preceito consagra a ideia liberal originariamente presente no pensamento dos autores clássicos do liberalismo segundo a qual todo ser humano possui uma área ou esfera de liberdade pessoal que não pode ser de qualquer modo violada e na qual pode desenvolver suas faculdades e vontades naturais livres de qualquer interferência externa Já no âmbito do constitucionalismo brasileiro nos comentários ao art 72 caput da Constituição de 1891 Carlos Maximiliano conceituava a liberdade como o direito que tem o homem de usar suas faculdades naturais ou adquiridas pelo modo que melhor convenha ao mais amplo desenvolvimento da personalidade própria sem outro limite senão o respeito ao direito idêntico atribuído aos seus semelhantes 314 Feito o registro e sem que se vá aqui recorrer a outros conceitos antigos ou mais recentes o fato é que a noção de um direito geral de liberdade guarda íntima relação com a ideia de um direito ao livre desenvolvimento da personalidade por sua vez também compreendido nos ordenamentos que o consagram como é o caso de Alemanha Portugal Espanha entre outros como uma cláusula geral que permite a dedução de direitos especiais de personalidade tudo tendo a dignidade da pessoa humana como fio condutor Tal direito em que pese sua forte articulação com o direito geral de liberdade será objeto de comentário específico na parte dedicada aos direitos de caráter pessoal direitos de personalidade Na esteira das considerações precedentes percebese também o lugar de destaque que a liberdade na condição de valor princípio e direito mas também como dever ocupa na arquitetura jurídico constitucional e política brasileira construída em torno e com base da noção de um Estado Democrático de Direito com o qual guardam conexão direta o direito geral de liberdade os direitos especiais de liberdade incluindo as liberdades políticas e sociais e os demais direitos fundamentais No que diz respeito ao conteúdo do direito geral de liberdade especialmente no que concerne a sua relação com os direitos especiais de liberdade remetese aqui aos comentários das liberdades fundamentais em espécie evitando assim desnecessária superposição O mesmo vale para o conjunto de questões que dizem com a teoria geral dos direitos fundamentais notadamente a dimensão subjetiva e objetiva dos direitos fundamentais a titularidade os destinatários a eficácia e aplicabilidade e o problema dos limites e restrições visto que em termos gerais também se aplicam ao direito geral de liberdade Em termos gerais no que diz com os seus contornos dogmáticos o direito geral de liberdade pode ser descrito recorrendose à formulação de Robert Alexy que aqui vai transcrita A liberdade geral de ação é uma liberdade de se fazer ou deixar de fazer o que se quer De um lado a cada um é prima facie ou seja caso nenhuma restrição ocorra permitido fazer ou deixar de fazer o que quiser norma permissiva De outro cada um tem prima facie ou seja caso nenhuma restrição ocorra o direito em face do Estado a que este não embarace sua ação ou sua abstenção ou seja a que o Estado nelas não intervenha norma de direitos 315 Nessa perspectiva a assim designada liberdade negativa implica para o sujeito titular do direito de liberdade a prerrogativa de não fazer algo sem que lhe seja imposto em princípio tal conduta positiva ou de fazer algo sem que lhe seja imposto um impedimento Embora tal definição tenha sido formulada a partir do dispositivo que consagra uma liberdade geral de ação o direito ao livre desenvolvimento da personalidade na Lei Fundamental da Alemanha art 2º 1º ela pode ser em princípio trasladada para o ambiente constitucional brasileiro visto que de modo ainda mais explícito do que ocorreu no caso da Alemanha a Constituição Federal consagrou como já visto um direito geral de liberdade Por outro lado quanto aos aspectos relacionados com a definição do âmbito de proteção limites e restrições no âmbito do direito geral de liberdade já foi feita remissão a outros comentários de modo que o que aqui deve ser sublinhado é que também para a ordem jurídico constitucional brasileira importa reconhecer que o direito geral de liberdade abarca uma liberdade negativa e uma liberdade positiva que por sua vez implica um complexo de posições jurídicas que dialogam com cada uma das duas dimensões Sem que se possa aqui aprofundar tais aspectos é de se registrar contudo que as duas dimensões da liberdade em geral negativa e positiva acabam funcionando como vetores interpretativos do conteúdo das posições jurídicas protegidas pelas liberdades específicas O direito fundamental de associação por exemplo visto como expressão do direito geral de liberdade inclui primordialmente dois âmbitos ou faces que podem ser assim divididos liberdade positiva de associação consistente no direito de constituir e organizar novas associações assim como de ingressar e participar de associações já existentes art 5º XVII liberdade negativa de associação que se expressa no direito de não se associar e de abandonar a associação da qual se é membro art 5º XX Essa aliás a interpretação do direito fundamental de associação acolhida pelo STF que leva em conta as duas dimensões negativa e positiva da liberdade e que aqui vai colacionada como exemplo para o sistema das liberdades em geral 316 Também assume relevância a circunstância de que além da liberdade formal existe uma liberdade material pois apenas o reconhecimento e a proteção de ambas as dimensões da liberdade correspondem na íntegra às exigências da dignidade da pessoa humana tal como compreendida no sistema constitucional brasileiro onde de resto opera como fundamento do Estado Democrático de Direito Com efeito a liberdade formal assume a feição de uma liberdade jurídica no sentido de uma liberdade de matriz liberal ou seja quando nas palavras de Robert Alexy é permitido tanto fazer algo quanto deixar de fazêlo isso ocorre exatamente quando algo não é nem obrigatório nem proibido Ainda para Alexy a liberdade material por sua vez além da liberdade liberal liberdade formal ou jurídica abarca uma liberdade econômicosocial que implica a ausência de barreiras econômicas que tenham por consequência o embaraço e mesmo o impedimento do exercício de alternativas de ação 317 Outra relação crucial é a que se estabelece entre liberdade e legalidade A Constituição Federal torna explícita a intrínseca relação entre legalidade e liberdade designadamente no art 5º II ao estabelecer que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei dispositivo aliás objeto de comentário específico A lei é o instrumento por excelência de que dispõe o Estado de Direito para garantir e ao mesmo tempo regular a liberdade Incorporase assim a ideia de liberdade oriunda do ideário liberalburguês do século XVIII com destaque para a Revolução Francesa traduzida de modo emblemático e solene no art 4º da Declaração de Direitos de 1789 A liberdade consiste em poder fazer tudo o que não prejudica o outro O exercício dos direitos naturais de cada homem não tem mais limites que os que asseguram a outros membros da sociedade o gozo desses mesmos direitos Estes limites somente podem ser estabelecidos pela lei A legalidade também representa a existência e a permanência da ordem jurídica do Estado edificada por um corpo coeso de normas organismos e procedimentos que funcionam como garantias constitucionais da liberdade dos cidadãos No Estado de Direito a liberdade somente é assegurada mediante uma série de garantias constitucionais calcadas na organização política e administrativa dos poderes de acordo com as leis e a Constituição A ordem jurídicoconstitucional dessa forma tornase condição necessária da possibilidade de pleno exercício da liberdade Portanto o direito de liberdade garantido pelo art 5º caput deve ser interpretado em conjunto sistematicamente com o princípio da legalidade assegurado pelo inciso II do mesmo artigo que contém a tradicional fórmula garantidora da liberdade Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei O princípio da legalidade constitui portanto uma garantia fundamental constitucional da liberdade Por outro lado considerando que a lei é o instrumento por excelência de limitação ou restrição da liberdade ao mesmo tempo ela representa uma permanente ameaça a essa mesma liberdade de forma que a ordem constitucional deve prever mecanismos de controle da constitucionalidade da lei A garantia da fiscalização formal e material da lei em face da Constituição mais especialmente no que diz com a afetação de direitos fundamentais veio a complementar o conjunto de garantias constitucionais da liberdade avançando no processo de racionalização do poder especialmente a partir da Revolução Francesa e no que diz com o controle de constitucionalidade do constitucionalismo norteamericano fruto do mesmo espírito no que diz respeito à proteção das liberdades constitucionalmente asseguradas Tais questões do controle de constitucionalidade e mesmo dos limites e restrições a direitos fundamentais são contudo versadas em capítulo próprio na presente obra de modo que aqui não serão desenvolvidas Em síntese o que importa para a apresentação do sistema das liberdades fundamentais da Constituição Federal é que o direito geral de liberdade não esvazia pelo contrário reforça o conjunto dos direitos de liberdade em espécie que representam direitos fundamentais autônomos com seu respectivo âmbito de proteção Iniciaremos a parte relativa às liberdades em espécie com a liberdade de expressão 4122 Liberdade de expressão 41221 Notas introdutórias breve mirada sobre a evolução constitucional brasileira pretérita e o direito internacional Ao contrário de outras ordens constitucionais 318 a Constituição Federal de 1988 não adotou o termo liberdade de expressão como o gênero que abarca as diversas manifestações específicas tais como a livre manifestação do pensamento a liberdade de consciência e de crença a liberdade de comunicação incluindo a liberdade de imprensa a livre expressão artística intelectual e científica muito embora se possa considerar a livre manifestação do pensamento como assumindo tal condição visto que a manifestação do pensamento poderá ocorrer na esfera da comunicação social no exercício da atividade intelectual ou artística ou mesmo dizer respeito à livre manifestação das opções religiosas Assim tendo em conta o desiderato do presente texto bem como a necessidade de guardar sintonia com as peculiaridades do direito positivo seguirseão o esquema e a terminologia consagrados no texto constitucional atentando contudo para a circunstância de que o que está em causa é a liberdade de expressão compreendida em sentido amplo e que se decodifica em uma série de liberdades especiais Embora se possa afirmar que foi apenas sob a égide da atual Constituição Federal que as liberdades de expressão encontraram o ambiente propício para a sua efetivação 319 é preciso registrar que tais liberdades se fazem presentes na trajetória constitucional brasileira desde a Carta Imperial de 1824 Com efeito de acordo com o art 179 IV daquela Constituição todos podem communicar os seus pensamentos por palavras escriptos e publicalos pela Imprensa sem dependencia de censura com tanto que hajam de responder pelos abusos que commetterem no exercicio deste Direito nos casos e pela fórma que a Lei determinar Na Constituição de 1891 art 72 12 constava que em qualquer assunto é livre a manifestação do pensamento pela imprensa ou pela tribuna sem dependência de censura respondendo cada um pelos abusos que cometer nos casos e pela forma que a lei determinar Não é permitido o anonimato O texto da Constituição de 1934 todavia foi mais detalhado como se percebe da redação do art 113 n 9 Em qualquer assunto é livre a manifestação do pensamento sem dependência de censura salvo quanto a espetáculos e diversões públicas respondendo cada um pelos abusos que cometer nos casos e pela forma que a lei determinar Não é permitido o anonimato É assegurado o direito de resposta A publicação de livros e periódicos independe de licença do Poder Público Não será porém tolerada propaganda de guerra ou de processos violentos para subverter a ordem política ou social Inserido no contexto da assim chamada ditadura do Estado Novo o texto da Constituição de 1937 já reflete uma ideologia menos liberal estabelecendo fortes limitações ao exercício da liberdade de expressão como se percebe da redação do art 122 n 15 e alíneas a b e c de acordo com o qual todo cidadão tem o direito de manifestar o seu pensamento oralmente por escrito impresso ou por imagens mediante as condições e nos limites prescritos em lei A lei pode prescrever a com o fim de garantir a paz a ordem e a segurança pública a censura prévia da imprensa do teatro do cinematógrafo da radiodifusão facultando à autoridade competente proibir a circulação a difusão ou a representação b medidas para impedir as manifestações contrárias à moralidade pública e aos bons costumes assim como as especialmente destinadas à proteção da infância e da juventude c providências destinadas à proteção do interesse público bemestar do povo e segurança do Estado Fruto da derrocada do período autoritário anterior mas ainda assim estabelecendo algumas limitações ao exercício da liberdade de expressão a Constituição de 1946 no seu art 141 5º estabelecia que é livre a manifestação do pensamento sem que dependa de censura salvo quanto a espetáculos e diversões públicas respondendo cada um nos casos e na forma que a lei preceituar pelos abusos que cometer Não é permitido o anonimato É assegurado o direito de resposta A publicação de livros e periódicos não dependerá de licença do Poder Público Não será porém tolerada propaganda de guerra de processos violentos para subverter a ordem política e social ou de preconceitos de raça ou de classe Tal fórmula foi seguida quase que integralmente pela Constituição de 1967 como se verifica mediante a leitura do art 150 8º É livre a manifestação de pensamento de convicção política ou filosófica e a prestação de informação sem sujeição a censura salvo quanto a espetáculos e diversões públicas respondendo cada um nos termos da lei pelos abusos que cometer É assegurado o direito de resposta A publicação de livros jornais e periódicos independe de licença da autoridade Não será porém tolerada a propaganda de guerra de subversão da ordem ou de preconceitos de raça ou de classe Por fim mediante alteração introduzida pela EC 11969 o art 153 8º antigo art 150 passou a ser redigido da seguinte maneira É livre a manifestação de pensamento de convicção política ou filosófica bem como a prestação de informação independentemente de censura salvo quanto a diversões e espetáculos públicos respondendo cada um nos termos da lei pelos abusos que cometer É assegurado o direito de resposta A publicação de livros jornais e periódicos não depende de licença da autoridade Não serão porém toleradas a propaganda de guerra de subversão da ordem ou de preconceitos de religião de raça ou de classe e as publicações e exteriorizações contrárias à moral e aos bons costumes Embora não seja o caso de aqui explorarmos tal vereda importa destacar que ressalvadas eventuais peculiaridades também no que diz com a liberdade de pensamento e de expressão a Constituição Federal de 1988 guarda sintonia com a evolução registrada notadamente a contar da Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU de 1948 no âmbito do direito internacional dos direitos humanos Assim apenas para referir os documentos mais importantes com ênfase além da Declaração Universal nos principais tratados ratificados pelo Brasil verificase que de acordo com o art 19 da Declaração toda pessoa tem direito à liberdade de opinião e expressão este direito inclui a liberdade de sem interferência ter opiniões e de procurar receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras Já o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos de 1966 ratificado pelo Brasil mediante sua incorporação ao direito interno em 1992 dispõe no seu art 191 que ninguém poderá ser molestado por suas opiniões 2 Toda pessoa terá direito à liberdade de expressão esse direito incluirá a liberdade de procurar receber e difundir informações e ideias de qualquer natureza independentemente de considerações de fronteiras verbalmente ou por escrito em forma impressa ou artística ou qualquer outro meio de sua escolha Por derradeiro citase o art 131 da Convenção Americana de Direitos Humanos Pacto de São José da Costa Rica igualmente ratificada pelo Brasil de acordo com o qual toda pessoa tem o direito à liberdade de pensamento e de expressão Esse direito inclui a liberdade de procurar receber e difundir informações e ideias de qualquer natureza sem considerações de fronteiras verbalmente ou por escrito ou em forma impressa ou artística ou por qualquer meio de sua escolha 320 Também no plano europeu embora não se trate de uma normativa vinculante para o caso brasileiro registrase uma forte proteção da liberdade de expressão e de manifestação com uma preferência evidente pela fórmula genérica da liberdade de expressão como dá conta o art 101 da Convenção Europeia de Direitos Humanos Qualquer pessoa tem direito à liberdade de expressão Este direito compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber ou de transmitir informações ou ideias sem que possa haver ingerência de quaisquer autoridades públicas e sem considerações de fronteiras bem como o art 111 da Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia Todas as pessoas têm direito à liberdade de expressão Este direito compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber e de transmitir informações ou ideias sem que possa haver ingerência de quaisquer poderes públicos e sem consideração de fronteiras que por força da entrada em vigor do Tratado de Lisboa o qual integra na condição de catálogo europeu de direitos fundamentais passou a vincular os países integrantes da União Europeia 41222 A liberdade de expressão na Constituição Federal a Aspectos gerais No âmbito da Constituição Federal de 1988 as liberdades de expressão foram não apenas objeto de mais detalhada positivação mas também passaram a corresponder pelo menos de acordo com texto constitucional ao patamar de reconhecimento e proteção compatível com um autêntico Estado Democrático de Direito Com efeito apenas para ilustrar tal assertiva mediante a indicação dos principais dispositivos constitucionais sobre o tema já no art 5º IV foi solenemente enunciado que é livre a manifestação do pensamento sendo vedado o anonimato Tal dispositivo que é possível arriscar faz as vezes no caso brasileiro de uma espécie de cláusula geral foi complementado e guarda relação direta com uma série de outros dispositivos da Constituição os quais no seu conjunto formam o arcabouço jurídicoconstitucional que reconhece e protege a liberdade de expressão nas suas diversas manifestações Assim logo no dispositivo seguinte art 5º V é assegurado o direito de resposta proporcional ao agravo além da indenização por dano material moral ou à imagem No inciso VI do mesmo artigo consta que é inviolável a liberdade de consciência e de crença sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida na forma da lei a proteção aos locais de culto e a suas liturgias 321 De alta relevância para a liberdade de expressão é o art 5º IX de acordo com o qual é livre a expressão da atividade intelectual artística científica e de comunicação independentemente de censura ou licença Dentre os dispositivos diretamente relacionados com a liberdade de expressão situamse diversos enunciados dispersos na Constituição alguns formulados de modo a assegurar expressamente direitos de liberdade da pessoa humana É o caso por exemplo do art 206 II que dispõe sobre a liberdade de aprender ensinar pesquisar e divulgar o pensamento a arte e o saber no âmbito das diretrizes do ensino Já no art 220 no capítulo da comunicação social está consignado que a manifestação do pensamento a criação a expressão e a informação sob qualquer forma processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição observado o disposto nesta Constituição Tais exemplos não esgotam o elenco de disposições constitucionais relacionadas com a liberdade de expressão 322 mas já demonstram o lugar de destaque e o alto nível de proteção que tais liberdades experimentam na atual Constituição Federal devendo ser objeto de referência e algum desenvolvimento no momento oportuno quando for o caso Por outro lado considerando algumas peculiaridades da liberdade de consciência e de crença tais direitos serão abordados em item próprio b Conteúdo âmbito de proteção da liberdade de expressão uma definição inclusiva Como ponto de partida importa destacar que a ausência de uma terminologia uniforme na Constituição Federal que fala tanto em livre manifestação do pensamento quanto em liberdade de expressão não impede uma abordagem conjunta de tais liberdades que como em outras ordens constitucionais compõem um complexo de liberdades comunicativas e que mediante a devida ressalva das peculiaridades relativas às diversas manifestações da liberdade de expressão podem e é mesmo recomendável que assim seja em virtude de uma melhor sistematização e articulação ser tratadas em bloco Por outro lado optamos por utilizar o termo genérico liberdade de expressão como noção que abrange tanto a livre manifestação do pensamento prevista no art 5º IV da CF quanto as demais dimensões da liberdade de expressão já referidas acima e que serão objeto de nossa análise mais detida na sequência A liberdade de expressão portanto tal como o sugeriu Jónatas Machado será aqui tratada como uma espécie de direito mãe 323 refutandose uma abordagem compartimentada tal como alguns costumam estabelecer entre as liberdades de comunicação e de expressão como sugere parte da literatura especializada 324 muito embora existam diferenças seja no que diz respeito ao âmbito de proteção seja no concernente aos limites e restrições entre as diversas manifestações da liberdade de expressão consideradas especificamente como é o caso da liberdade de expressão artística científica liberdade de imprensa liberdade de informação entre outras Por isso como já se disse rela ti vamente ao direito constitucional alemão as diversas posições jusfundamentais vinculadas à liberdade de expressão serão analisadas não como um mero conglomerado mas como partes interligadas de uma concepção geral que reclama uma abordagem sistemática e integrada preservadas todavia as peculiaridades de cada direito fundamental em espécie 325 o que será considerado nos desenvolvimentos posteriores quando serão examinados em destaque após uma parte geral da liberdade de expressão os aspectos mais relevantes de cada liberdade direito em particular Para uma compreensão geral das liberdades em espécie que podem ser reconduzidas à liberdade de expressão gênero e considerando as peculiaridades do direito cons titucional positivo brasileiro é possível apresentar o seguinte esquema a liberdade de manifestação do pensamento incluindo a liberdade de opinião b liberdade de expressão artística c liberdade de ensino e pesquisa 326 d liberdade de comunicação e de informação liberdade de imprensa e liberdade de expressão religiosa 327 É amplamente reconhecido que a liberdade de manifestação do pensamento e a liberdade de expressão compreendidas aqui em conjunto constituem um dos direitos fundamentais mais preciosos e correspondem a uma das mais antigas exigências humanas de tal sorte que integram os catálogos constitucionais desde a primeira fase do constitucionalismo moderno 328 Assim como a liberdade de expressão e manifestação do pensamento encontra um dos seus principais fundamentos e objetivos na dignidade da pessoa humana naquilo que diz respeito à autonomia e ao livre desenvolvimento da personalidade do indivíduo ela também guarda relação numa dimensão social e política com as condições e a garantia da democracia e do pluralismo político assegurando uma espécie de livre mercado das ideias assumindo neste sentido a qualidade de um direito político e revelando ter também uma dimensão nitidamente transindividual 329 já que a liberdade de expressão e os seus respectivos limites operam essencialmente na esfera das relações de comunicação e da vida social Quanto a este aspecto embora não seja o caso aqui de aprofundar a questão importa sublinhar que a relação entre democracia e liberdade de expressão é de um recíproco condicionamento e assume um caráter complementar dialético e dinâmico de modo que embora mais democracia possa muitas vezes significar mais liberdade de expressão e viceversa mais liberdade de expressão indica mais democracia também é correto que a liberdade de expressão pode acarretar riscos para a democracia e que a democracia pode colocar em risco a liberdade de expressão 330 Já pelas razões articuladas para que a liberdade de expressão possa cumprir com sua função numa ordem democrática e plural é de se sublinhar que quanto ao seu âmbito de proteção a liberdade de expressão abarca um conjunto diferenciado de situações cobrindo em princípio uma série de liberdades faculdades de conteúdo espiritual incluindo expressões não verbais como é o caso da expressão musical da comunicação pelas artes plásticas entre outras 331 A liberdade de expressão consiste mais precisamente na liberdade de exprimir opiniões portanto juízos de valor a respeito de fatos ideias portanto juízos de valor sobre opiniões de terceiros etc 332 Assim é a liberdade de opinião que se encontra na base de todas as modalidades da liberdade de expressão 333 de modo que o conceito de opinião que na linguagem da Constituição Federal acabou sendo equiparado ao de pensamento há de ser compreendido em sentido amplo de forma inclusiva abarcando também apenas para deixar mais claro manifestações a respeito de fatos e não apenas juízos de valor 334 Importa acrescentar que além da proteção do conteúdo ou seja do objeto da expressão também estão protegidos os meios de expressão cuidandose em qualquer caso de uma noção aberta portanto inclusiva de novas modalidades como é o caso da comunicação eletrônica 335 Para assegurar a sua máxima proteção e sua posição de destaque no âmbito das liberdades fundamentais o âmbito de proteção da liberdade de expressão deve ser interpretado como o mais extenso possível englobando tanto a manifestação de opiniões quanto de ideias pontos de vista convicções críticas juízos de valor sobre qualquer matéria ou assunto e mesmo proposições a respeito de fatos 336 Neste sentido em princípio todas as formas de manifestação desde que não violentas estão protegidas pela liberdade de expressão incluindo gestos sinais movimentos mensagens orais e escritas representações teatrais sons imagens bem como as manifestações veiculadas pelos modernos meios de comunicação como as mensagens de páginas de relacionamento blogs etc 337 Uma compreensão elástica do âmbito de proteção esbarra todavia em algumas questões polêmicas como por exemplo a negativa de fatos históricos ou mesmo no que diz com a existência de um dever de verdade quanto aos fatos bem como no tocante aos assim chamados delitos de opinião visto que nesses casos verificase maior controvérsia sobre a sua inclusão no âmbito de proteção da liberdade de expressão Quanto a tais questões adotase aqui a linha de entendimento sustentada por J J Gomes Canotilho e Vital Moreira naquilo em que negam a existência de um dever de verdade quanto aos fatos assim como afastam em princípio qualquer tipo de delito de opinião ainda que se cuide de opiniões que veiculem posições contrárias à ordem constitucional democrática ressalvando contudo que eventuais distorções dos fatos e manifestações que atinjam direitos fundamentais e interesses de terceiros e que representem incitação ao crime devem ser avaliadas quando da solução dos conflitos entre normas de direitos fundamentais 338 Ainda quanto ao conteúdo âmbito de proteção da liberdade de expressão importa destacar alguns aspectos como por exemplo o da inclusão da publicidade comercial Neste sentido argumentase que assim como o debate político é essencial para a ordem democrática a publicidade comercial é relevante para a ordem econômica não se justificando uma divisão estrita entre tais esferas 339 Embora se trate de questão controvertida seja no direito norteamericano seja na Europa o fato é que a publicidade comercial tem sido em várias situações incluída no espectro de proteção da liberdade de expressão como por exemplo ocorreu no caso Casado Coca v Espanha julgado em 1994 em que o Tribunal Europeu de Direitos Humanos entendeu que não haveria motivos para tal exclusão somente pelo mero fato de a expressão estar motivada pelo interesse de lucro 340 De qualquer modo tal como ocorre em outras esferas a publicidade comercial é submetida a um conjunto de restrições destacandose as medidas de proteção do consumidor v o caso da proibição legal da publicidade abusiva ou enganosa bem como as restrições impostas pela própria Constituição Federal art 220 4º para a publicidade do tabaco e outros produtos do gênero que possam afetar a saúde pública 341 A liberdade de expressão nas suas diversas manifestações engloba tanto o direito faculdade de a pessoa se exprimir quanto o de não se expressar ou mesmo de não se informar 342 Assim em primeira linha a liberdade de expressão assume a condição precípua de direito de defesa direito negativo operando como direito da pessoa de não ser impedida de exprimir eou divulgar suas ideias e opiniões sem prejuízo todavia de uma correlata dimensão positiva visto que a liberdade de expressão implica um direito de acesso aos meios de expressão o que não significa necessariamente um direito de acesso livre aos meios de comunicação social 343 muito embora tal componente também tenha adquirido uma crescente relevância em vários momentos no caso brasileiro por exemplo o acesso dos partidos políticos aos meios de comunicação para efeitos de divulgação de seus programas candidatos etc o que será objeto de alguma atenção logo adiante especialmente no que diz respeito à dimensão objetiva da liberdade de expressão Com efeito também em relação à liberdade de expressão importa enfatizar que ela apre senta uma dupla dimensão subjetiva e objetiva ou seja operando como direito subje tivo individual e mesmo coletivo a depender do caso tanto de matriz negativa implicando deveres de abstenção ou seja de não impedimento de ações como já frisado e a depender do caso direitos subjetivos a prestações por sua vez fortemente vinculados à dimensão objetiva que importa em deveres estatais de proteção em parte satisfeitos mediante a edição de normas de cunho procedimental e criação e regulamentação de instituições órgãos que atuam na proteção e promoção dos direitos como é o caso por exemplo da criação no plano constitucional do Conselho de Comunicação Social art 224 da CF Tais deveres de proteção todavia também vinculam os órgãos judiciais aos quais incumbe não apenas zelar para devida consideração dos direitos e interesses postos em causa concretamente no âmbito das relações entre sujeitos privados mas também controlar a constitucionalidade dos atos estatais que interferem na liberdade de expressão Ainda no que diz com a sua dimensão objetiva a liberdade de expressão para além de um direito individual na condição de direito subjetivo representa como já frisado um valor central para um Estado Democrático de Direito e para a própria dignidade humana na qual como já visto encontra um dos seus principais fundamentos senão o seu principal fundamento Assim em função de tal circunstância cuidase de um valor da comunidade política como um todo e nesta perspectiva a liberdade de expressão adquire uma dimensão transindividual como de resto já se verificou ocorre em termos gerais com os direitos fundamentais na sua perspectiva objetiva No que diz com a jurisprudência do STF é possível associar à dimensão objetiva da liberdade de expressão a fixação da responsabilidade objetiva do Estado pelos danos causados a profissionais de imprensa feridos por policiais quando da realização de cobertura jornalística de reuniões e manifestações públicas e nas quais ocorram tumultos eou conflitos desde que os jornalistas eventualmente lesados não tenham descumprido advertências ostensivas e claras por parte da autoridade pública no que diz com o acesso a áreas definidas como sendo de grave risco para as suas respectivas integridades físicas hipótese na qual resta afastada a responsabilidade estatal por culpa exclusiva da vítima344 c Titulares e destinatários da liberdade de expressão Titular das liberdades de expressão é em primeira linha a pessoa natural o indivíduo não sendo o caso de limitar o exercício da liberdade de expressão aos brasileiros e estrangeiros residentes no País em virtude do princípio da universalidade consoante desenvolvido na parte geral dos direitos fundamentais De outra parte cuidase de direitos compatíveis com a condição de pessoas jurídicas inclusive de direito público Quanto aos destinatários sujeitos passivos verificase a possibilidade para além da vinculação direta de todos os poderes públicos de uma eficácia direta ou indireta a depender do caso nas relações entre particulares cujo alcance aqui não será examinado pois igualmente analisado em capítulo próprio da parte geral dos direitos fundamentais Especialmente os direitos de resposta e de indenização por dano imaterial causado pelo uso abusivo da liberdade de expressão constituem exemplos de refrações da liberdade de expressão na esfera das relações privadas Outra situação na qual se coloca o problema diz respeito às relações internas das empresas órgãos de comunicação social notadamente quando se verifica dissenso entre a orientação dos órgãos diretivos da empresa e o jornalista responsável pela matéria o que pelo menos poderá implicar por parte do jornalista um motivado rompimento do contrato a depender das circunstâncias 345 d Limitações à liberdade de expressão e conflitos colisões com outros direitos fundamentais 1 Aspectos gerais Dada a sua relevância para a democracia e o pluralismo político a liberdade de expressão pelo menos de acordo com significativa doutrina assume uma espécie de posição preferencial preferred position quando da resolução de conflitos com outros princípios constitucionais e direitos fundamentais 346 o que tem sido em regra confirmado pelo STF em especial a partir do julgamento da ADPF 130 no qual foi declarado que a Lei de Imprensa editada no período da ditadura militar não foi recepcionada pela CF De qualquer modo não se trata de atribuir à liberdade de expressão em qualquer uma de suas manifestações particulares a condição de direito absolutamente imune a qualquer limite e restrição nem de estabelecer uma espécie de hierarquia prévia entre as normas constitucionais 347 Assim quando se fala de uma posição preferencial pelo menos no sentido em que aqui se admite tal condição temse a finalidade de reconhecer à liberdade de expressão uma posição de vantagem no caso de conflitos com outros bens fundamentais no que diz com a hierarquização das posições conflitantes no caso concreto de tal sorte que também nessa esfera da solução para eventual conflito entre a liberdade de expressão e outros bens fundamentais individuais e coletivos não há como deixar de considerar as exigências da proporcionalidade e de outros critérios aplicáveis a tais situações Embora seja inviável esgotar todas as possibilidades algumas hipóteses envolvendo o problema dos limites e restrições à liberdade de expressão serão analisadas na sequência A primeira e sem dúvida mais relevante é a que diz respeito ao problema da possibilidade de censura prévia ou de outra modalidade de controle da liberdade de expressão 2 Vedação absoluta da censura mas existência de limites e restrições que justificam o controle do abuso da liberdade de expressão Uma primeira questão diz respeito à impossibilidade do estabelecimento de qualquer tipo de censura proibição expressamente prevista no art 5º IX da CF associada à livre expressão da atividade intelectual artística científica e de comunicação proibição que representa uma forte reação do constituinte ao passado recente nomeadamente aos excessos praticados durante o período da ditadura militar proibição reiterada no art 220 2º da CF de acordo com o qual é vedada toda e qualquer censura de natureza política ideológica e artística De qualquer sorte é preciso reconhecer que a despeito de a censura já ter sido objeto de vedação constitucional anterior isso não impediu que viesse a ser amplamente praticada como também ocorreu na vigência da assim chamada ditadura do Estado Novo 1937 1945 348 A proibição da censura é de tal sorte relevante para a liberdade de expressão que de acordo com o noticiado por Jónatas Machado a liberdade de imprensa é historicamente a liberdade perante a censura prévia 349 A absoluta vedação da censura que se infere da Constituição Federal não dispensa uma definição do que seja censura até mesmo para que seja possível diferenciar as situações à luz do ordenamento jurídicoconstitucional Numa primeira aproximação por se tratar de uma noção amplamente compartilhada e em relação à qual existe um alto grau de consenso a censura que se pode ter como absolutamente vedada pela Constituição Federal de plano e em qualquer caso consiste de acordo com a lição de Jónatas Machado na restrição prévia à liberdade de expressão realizada pela autoridade administrativa e que resulta na proibição da veiculação de determinado conteúdo 350 O quanto outras intervenções prévias por exemplo as estabelecidas por conta da proteção de outros bens fundamentais no caso de uma colisão entre estes e a liberdade de expressão se enquadram na noção de censura e em que medida podem ser ou não constitucionalmente legítimas tem sido objeto de acirrado debate prevalecendo o entendimento de que para assegurar a proteção das liberdade de expressão a proibição de censura e de licença deve ser compreendida em sentido amplo de modo a abarcar não apenas a típica censura administrativa mas também outras hipóteses de proibição ou limitação da livre expressão e circulação de informações e de ideias 351 O problema de uma definição demasiadamente ampla de censura como abarcando toda e qualquer restrição à liberdade de expressão é de que ela acabaria por transformar a liberdade de expressão em direito absoluto o que não se revela como sustentável pelo prisma da equivalência substancial e formal entre a liberdade de expressão e outros bens fundamentais pelo menos a dignidade da pessoa humana e os direitos de personalidade Por outro lado tomandose também a liberdade de expressão como abarcando as diversas manifestações que lhe são próprias a liberdade de manifestação do pensamento a liberdade de comunicação e de informação relacionadas com a liberdade de imprensa a liberdade de expressão artística apenas para citar as mais importantes verificase que uma distinção entre censura e outras modalidades de restrição que poderão a depender do caso ser constitucionalmente justificadas é necessária até mesmo para preservar as peculiaridades de cada modalidade da liberdade de expressão De qualquer modo na esteira do que entre nós lembra Daniel Sarmento uma orientação geral importante a ser observada é a de que apenas em hipóteses absolutamente excepcionais são admissíveis restrições prévias ao exercício da liberdade de expressão quando em causa a proteção de direitos ou outros bens jurídicos contrapostos visto que a regra geral que se infere da Constituição Federal é a de que os eventuais abusos e lesões a direitos devem ser sancionados e compensados posteriormente 352 Logo adiante teremos ocasião de desenvolver um pouco mais o tópico quando da abordagem de alguns casos de colisão entre a liberdade de expressão e outros direitos fundamentais Por ora considerado o contexto e por se tratar de situação corriqueira e prevista na Constituição Federal convém destacar que a classificação indicativa de espetáculos e diversões públicas pela autoridade pública não se confunde com a censura Com efeito basta a leitura do texto constitucional para que se perceba que este não abre margem para a proibição de um espetáculo ainda que com o objetivo de proteção de crianças e adolescentes visto que a teor do art 220 3º I da CF apenas é conferida competência às autoridades responsáveis para que indiquem a faixa etária adequada para cada espetáculo sugerindo horários e locais para sua apresentação 353 Depois de longo embate e tramitação o STF acabou por decidir sobre o ponto que a classificação etária assume caráter meramente indicativo portanto não obrigatório Com efeito por ocasião do julgamento da ADIn 24042001 rel Min Dias Toffoli o STF julgou procedente a ação direta para declarar a inconstitucionalidade da expressão em horário diverso do autorizado contida no art 254 do ECA que estabelecia uma punição para a transmissão de espetáculo em horário diverso do autorizado ou seja contrariando a classificação indicativa do espetáculo ou programa De qualquer modo considerando a prioridade absoluta assegurada pela Constituição Federal aos interesses e direitos das crianças e dos adolescentes e o fato de inexistir direito de caráter absoluto há que levar a sério a possibilidade de se limitar mediante lei e observados com todo o rigor os critérios da proporcionalidade e salvaguarda do núcleo essencial a liberdade de expressão ao nível do controle posterior 354 sem que tal restrição motivada por força de conflito com outros direitos fundamentais de alta densidade axiológica venha a configurar a hipótese de censura prévia esta sim categoricamente vedada Ainda no caso da limitação da liberdade de expressão por conta da salvaguarda de direitos das crianças e adolescentes verificase que o STF tem admitido restrições legais à liberdade de expressão como por exemplo a proibição de divulgação de nome ou fotografia de adolescente infrator mas no âmbito de uma ponderação pautada pela proporcionalidade coibindo portanto excessos na intervenção na liberdade de expressão 355 Noutro julgado que coloca em evidência o dissídio sobre o que constitui ou não censura prévia designadamente na Rcl 28747PR Relator Ministro Alexandre de Moraes redator para o Acórdão Ministro Luiz Fux julgamento em 05062018 a Primeira Turma do STF por maioria deu provimento a agravo regimental para julgar procedente a reclamação ajuizada fulminando decisão que em sede de medida cautelar determinou a retirada de matéria de blog jornalístico bem como proibiu novas publicações em virtude do fato de que tal notícia seria ofensiva à honra de delegado da Polícia Federal Além de o colegiado ter chancelado a possibilidade de se manejar o julgado da ADPF 130DF não recepção da assim chamada Lei de Imprensa pela CF como parâmetro para reclamações que versem sobre conflitos entre a liberdade de expressão e de informação e os direitos de personalidade no mérito reconheceu que a decisão reclamada ao determinar retirada de matéria jornalística afrontou a liberdade de expressão e constitui uma espécie de censura prévia Notese todavia que a decisão foi por maioria tendo sido vencidos os Ministros Alexandre de Moraes Relator e Marco Aurélio que negaram provimento ao agravo pelo fato de ser inadmissível a Reclamação por falta de estrita aderência entre a decisão impugnada e a ADPF 130 ademais de ter inexistido cerceamento da liberdade de expressão Ainda no que diz com a liberdade de informação jornalística é de destacar que o STF decidiu ser possível controle judicial que garanta o sigilo das comunicações telefônicas quando verificada ofensa à liberdade de comunicação alheia de modo que a liberdade de informação jornalística não legitima a utilização de informações sigilosas obtidas por meios ilícitos 356 3 A vedação do anonimato A vedação do anonimato foi prevista no texto constitucional associada ao direito à livre manifestação do pensamento art 5º IV da CF mas aplicase às liberdades de expressão em geral Do contrário como já decidiu o STF eventual responsabilização civil ou penal do autor de alguma manifestação ofensiva ou apócrifa poderia ficar inviabilizada 357 Que a vedação do anonimato não exclui o sigilo da fonte art 5º XIV da CF e com tal garantia igualmente fundamental da atividade dos jornalistas e agentes da comunicação social deve ser harmonizada resulta evidente mas nem sempre é de fácil realização na prática Muito embora as situações não sejam idênticas a hipótese da denúncia anônima como base para a investigação criminal e mesmo como prova em processo criminal tem sido corretamente associada à proibição do anonimato de tal sorte que o STF com base no art 5º IV da CF decidiu que escritos ou notícias sem identificação da fonte portanto de caráter anônimo não podem por si sós ou seja desacompanhados de outros elementos justificar a persecução criminal a não ser quando se trata de documentos produzidos pelo próprio acusado ou quando os documentos representarem eles próprios o corpo de delito 358 Por outro lado entendeu o STF que a denúncia anônima pode justificar medidas informais que por sua vez ao resultarem na coleta de outras informações podem atestar a verossimilhança do conteúdo da delação anônima 359 4 O direito de resposta proporcional ao agravo Ao mesmo tempo em que a Constituição Federal reconhece e protege a liberdade de expressão ela assegura art 5º V um direito de resposta proporcional ao agravo de tal sorte que manifestações que venham a afetar bens jurídicos e direitos fundamentais de terceiros geram para o prejudicado o direito de apresentar as suas razões De acordo com J J Gomes Canotilho e Vital Moreira o direito de resposta consiste no instrumento de defesa das pessoas contra qualquer opinião ou imputação de caráter pessoal ofensiva ou prejudicial ou contra qualquer notícia ou referência pessoal inverídica ou inexacta e é independente quer do possível direito à indemnização dos danos sofridos quer da eventual responsabilidade envolvida 360 Nessa perspectiva o direito de resposta constitui meio de assegurar o contraditório no processo público da comunicação e atua portanto também como garante da democracia 361 de tal sorte que o direito de resposta para além de sua dimensão individual possui também um forte componente transindividual operando neste contexto a serviço da dimensão objetiva da liberdade de expressão 362 Como frisa Jónatas Machado ainda que o direito de resposta restrinja a liberdade editorial dos agentes da comunicação social 363 ele encontra uma forte justificação no princípio liberal de que as lesões resultantes do discurso devem ser combatidas preferencialmente com mais discurso 364 A despeito de o STF na ADPF 130 ter decidido pela não recepção da Lei de Imprensa que regulamentava o direito de resposta o direito de resposta encontrase consagrado como direito fundamental na Constituição Federal cuidandose de norma de aplicação imediata de tal sorte que a falta de legislação específica que o regulamente não pode servir de obstáculo ao seu exercício ainda mais que se cuida de meio de exercer a liberdade de expressão entendimento aliás que já foi objeto de acolhida no próprio STF em decisão posterior ao julgamento da ADPF 130 365 De qualquer sorte como o direito de resposta foi objeto de previsão em tratado internacional ratificado pelo Brasil no caso o art 14 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos o assim chamado Pacto de São José da Costa Rica cuja hierarquia supralegal foi reconhecida pelo STF também as diretrizes constantes de tal diploma normativo desde que harmonizadas com o disposto no art 5º V da CF servem de parâmetro ao intérprete nacional sem prejuízo de utilização da legislação eleitoral que igualmente dispõe sobre o tema Lei 95041997 mas que também há de ser aplicada de modo compatível com o parâmetro estabelecido pela Constituição Federal e pela Convenção Americana de Direitos Humanos que lhe são hierarquicamente superiores No que diz com sua abrangência tanto a Constituição Federal quanto o Pacto de São José da Costa Rica indicam que o direito de resposta há de ser interpretado de forma ampla aplicandose a toda e qualquer ofensa e manifestação que tenha como efeito a distorção de fatos opiniões etc o que já se justifica pela própria amplitude atribuída à liberdade de expressão 366 Em qualquer caso o critério principal estabelecido pela Constituição Federal e que haveria de ser observado ainda que assim não fosse o caso é o da proporcionalidade do direito de resposta O fato de que o direito de resposta deva ser proporcional ao agravo não significa que o desagravo deva ser necessariamente veiculado na principal página ou programa do órgão de comunicação que divulgou a notícia original nem implica automaticamente a publicação na íntegra da sentença que reconheceu o direito de resposta Isso se verifica pelo fato de que a proporcionalidade não se estabelece apenas em relação ao agravo mas também deve ser aferida no plano das consequências do exercício do direito de resposta pois a depender do caso poderá tal direito gerar o tolhimento da liberdade de expressão se os encargos impostos pelo exercício da resposta forem também desproporcionais Importante é destacar que em qualquer hipótese o direito de resposta não poderá cobrir ilícitos de modo a converter o ofendido em ofensor Outro princípio que informa o regime jurídico do direito de resposta é o da imediaticidade pois para preservar a sua utilidade a divulgação da resposta deve ser realizada com a maior brevidade possível 367 o que considerando a evolução tecnológica e a utilização por exemplo da internet para o exercício da liberdade de expressão demanda uma capacidade de reação e adaptação dificilmente compatível com os limites de um processo judicial por mais ágil que este seja Explicitando o conteúdo e alcance do direito de resposta colacionase da jurisprudên cia recente do STF sobre a matéria a decisão proferida quando do julgamento conjunto das ADIs 5414DF 5418DF e 5436DF todas de relatoria do Ministro Dias Toffoli e julgadas em 11032021 a retratação ou retificação espontânea e proporcional não impede o exercício do direito de resposta nem prejudica a ação de reparação por ano moral Além disso a Corte decidiu que o efeito suspensivo do recurso em sede de direito de resposta pode ser estabelecido em decisão monocrática tornando inconstitucional o dispositivo do art 10 da Lei n 131882015 Quanto à sua titularidade também o direito de resposta tem como sujeito toda e qualquer pessoa física nacional ou estrangeira de modo a guardar a necessária simetria com a liberdade de expressão devendo ser também atribuído às pessoas jurídicas coletivas 368 5 O direito fundamental à indenização por danos materiais e imateriais causados com base no exercício da liberdade de expressão Em sentido amplo a previsão no art 5º V da CF juntamente com o direito de resposta de um direito à indenização por dano material moral ou à imagem opera como um limite à liberdade de expressão embora não impeça o seu exercício A fixação na esfera de demandas judiciais de valores altos a título de indenização poderá não apenas inibir a liberdade de expressão como mesmo levar em situaçõeslimite à sua inviabilidade de tal sorte que também nessa esfera há que respeitar os critérios da proporcionalidade e razoabilidade O direito à indenização neste contexto há de ser reconhecido com prudência sob pena de apesar de posterior à veiculação do discurso ofensivo se transformar em limitação ilegítima da liberdade de expressão o que aliás corresponde à orientação dominante no STF que condiciona a indenização aos critérios da proporcionalidade 369 Quanto aos seus titulares cuidase de direito cuja titularidade é universal direito de todos e de qualquer um sendo mesmo deferido às pessoas jurídicas quando violados sua imagem e bom nome comercial ou mesmo a sua honra objetiva tal como amplamente consagrado no ordenamento jurídico brasileiro No que diz com seus destinatários o direito fundamental e autônomo à indenização pelos abusos no exercício da liberdade de expressão é em geral oponível diretamente nas relações privadas inclusive por se tratar de direito consagrado em norma diretamente aplicável e que independe de regulamentação legal para a sua incidência nos casos concretos Nesse sentido o STF já havia reconhecido a não recepção da limitação estabelecida na Lei de Imprensa que também acabou sendo considerada como não recepcionada em face da Constituição Federal pelo STF em julgamento posterior na ADPF 130 já referida quanto ao montante da indenização por dano moral 370 Por outro lado o STF tem adotado postura cautelosa no que diz com o reconhecimento de um direito a indenização valorizando a doutrina da posição preferencial da liberdade de expressão mormente no caso da liberdade de informação nos meios de comunicação social 371 Importa destacar dada a relevância do tópico na esteira do que sustenta Daniel Sarmento que a responsabilidade pelo exercício da liberdade de expressão ainda mais no âmbito da liberdade de comunicação e de informação jornalística há de ser uma responsabilidade subjetiva focada na análise sobre a existência de dolo ou culpa na ação do agente causador do dano o que por sua vez implica a consideração de diversos fatores tais como a posição da vítima por exemplo se é ou não uma personalidade pública hipótese em que só ensejará responsabilidade a culpa grave a intenção e a diligência empregadas por quem apurou os fatos quando o caso envolver a divulgação de notícias inverídicas a existência de algum interesse social na questão quando a hipótese resvalar no direito de privacidade bem como a intensidade da lesão aos direitos fundamentais do ofendido 372 6 Limitações não expressamente autorizadas pela Constituição Federal a liberdade de expressão e a proteção de direitos e bens jurídicos fundamentais conflitantes Que também a liberdade de expressão incluindo a liberdade de informação e de imprensa comunicação social não é absoluta e encontra limites no exercício de outros direitos fundamentais e salvaguarda mesmo na dimensão objetiva por via dos deveres de proteção estatal de outros bens jurídicoconstitucionais praticamente não é contestada no plano do direito constitucional contemporâneo e mesmo no âmbito do direito internacional dos direitos humanos Contudo a controvérsia a respeito de quais são tais limites e de como e em que medida se pode intervir na liberdade de expressão segue intensa e representa um dos maiores desafios especialmente para o legislador mas também para os órgãos do Poder Judiciário a quem compete no caso concreto e mesmo na esfera do controle abstrato de constitucionalidade e da legalidade decidir a respeito Embora expressamente vedada a censura de cunho ideológico político e artístico o que em hipótese alguma aqui se coloca em causa a própria definição do que é censura para efeitos da vedação constitucional já levanta problemas que não são fáceis de equacionar Mesmo que se adote uma noção ampliada de censura não há como deixar de admitir que a censura por mais que constitua uma forte e proibida intervenção na liberdade de expressão não equivale em termos gerais à noção de limites e restrições Controle do abuso da liberdade de expressão e censura são portanto noções que devem ser cuidadosamente diferenciadas De acordo com precisa e oportuna síntese de Daniel Sarmento muito embora a posição adotada pelo Min Carlos Ayres de Britto no julgamento da ADPF 130 quando sustentou que nenhum limite legal poderia ser instituído em relação à liberdade de expressão pois as limitações existentes seriam apenas aquelas já contempladas no texto constitucional cabendo tão somente ao Poder Judiciário fazer as ponderações pertinentes em caso de tensões com outros direitos o Min Gilmar Ferreira Mendes no voto condutor que proferiu no RE 511961SP observou que as restrições à liberdade de expressão em sede legal são admissíveis desde que visem a promover outros valores e interesses constitucionais também relevantes e respeitem o princípio da proporcionalidade 373 Com efeito ainda que excepcionais restrições legislativas não expressamente autorizadas mas que podem ser reconduzidas à Constituição Federal pelo fato de terem por fundamento a proteção de outros bens constitucionais relevantes não podem pelo menos não de plano ser afastadas sob o argumento de que são sempre constitucionalmente ilegítimas O mesmo se verifica e a prática nacional estrangeira e internacional o tem demonstrado no caso de restrições impostas por decisões judiciais que normalmente na solução de conflitos em concreto buscam promover a concordância prática harmonização entre os direitos e princípios conflitantes aplicandose sempre a noção dos limites aos limites dos direitos fundamentais e os critérios daí decorrentes para o que contudo se remete ao item próprio da parte geral dos direitos fundamentais De particular relevância no contexto da liberdade de expressão é a prática do assim chamado discurso do ódio ou de incitação ao ódio hate speech 374 Sem que aqui se possa adentrar nos detalhes da problemática e rastrear as diversas formas de enfrentamento doutrinário e jurisprudencial do tema no direito comparado e internacional corresponde ao entendimento dominante no Brasil e em geral no direito comparado que a liberdade de expressão encontra limites na dignidade da pessoa humana de todas as pessoas e grupos afetados quando utilizada para veicular mensagens de teor discriminatório e destinadas a incitar o ódio e até mesmo a violência No âmbito do STF o julgamento mais relevante e que gerou acirrada discussão no próprio tribunal foi o famoso caso Ellwanger no qual se avaliou a possibilidade mesmo em face da liberdade de expressão de condenar editor de obras de teor antissemita pela prática do crime de racismo 375 O paciente do habeas corpus julgado pelo STF alegava entre outros argumentos que eventual antissemitismo não poderia ser qualificado como racismo pois de raça não se trata no caso do povo e da religião judaicas De acordo com o entendimento prevalente a condenação criminal imposta ao paciente do habeas corpus impetrado perante o STF teria sido legítima O voto do relator Min Maurício Corrêa entre outros aspectos buscou desconstruir a noção convencional de raça humana propondo a adoção de um conceito mais amplo de matriz sociológica etnológica antropológica e cultural Para o Min Gilmar Mendes cuidase de uma hipótese de colisão entre direitos e princípios tendo sido atendidos os critérios da proporcionalidade De acordo com outra linha argumentativa a liberdade de expressão não abarca manifestações que configuram ato ilícito penal não sendo o caso de uma ponderação entre princípios conflitantes Min Celso de Mello Divergindo da posição majoritária destacamse os votos do Min Carlos Britto para quem a obra a despeito de defender a causa da Alemanha não pregou a superioridade racial alemã nem a inferioridade do povo judeu e do Min Marco Aurélio para quem a liberdade de expressão não protegeria manifestações agressivas e que pudessem incitar ao ódio e preconceito o que não se verificava no caso das obras editadas pelo paciente de modo a prevalecer a liberdade de expressão sendo pelo contrário desproporcional a condenação criminal Em julgado mais recente embora também e mesmo essencialmente vinculado ao âmbito de proteção das liberdades de reunião e manifestação o STF no caso conhecido como a marcha da maconha 376 ao apreciar a configuração de ilícito penal em virtude de a liberdade de expressão coletiva mediante reunião e manifestação ter sido utilizada para buscar mediante sensibilização da opinião pública a descriminalização do uso de drogas leves para consumo próprio afastou a figura típica da apologia de crime por considerar tal manifestação como coberta pelas liberdades de expressão reunião e manifestação não se podendo confundir como decorre da fundamentação da decisão manifestação pública em prol da descriminalização de determinado comportamento com a incitação à prática de tal ato que por sua vez poderia sim configurar uma hipótese de discurso do ódio ou incitação ao crime não coberta pela liberdade de expressão De qualquer sorte ainda que se possa controverter como dá conta produção bibliográfica que se produziu sobre o julgado a respeito dos acertos e dos equívocos da decisão no caso concreto 377 o fato é que o julgado do STF aponta e quanto a isso de modo correto no sentido da ilegitimidade constitucional do discurso do ódio e da incitação à violência preconceito e discriminação considerando que a liberdade de expressão não contempla manifestações de conteúdo imoral que implicam ilicitude penal 378 desde que é claro devidamente configuradas Como bem pontua Paulo Gustavo Gonet Branco em passagem que tomamos a liberdade de transcrever contra o discurso de ódio e também contra a ideia de que a pornografia possa estar incluída no âmbito normativo da liberdade de expressão há de se considerar ainda mais o efeito inibidor dessas práticas à plena participação dos grupos discriminados em diversas atividades da sociedade civil A contumaz desqualificação que o discurso de ódio provoca tende a reduzir a autoridade dessas vítimas nas discussões de que participam ferindo a finalidade democrática que inspira a liberdade de expressão 379 Se quanto ao discurso do ódio e a manifestações de cunho claramente antidiscriminatório se verifica ressalvada evidentemente controvérsia sobre quando configuradas tais manifestações substancial consenso no sentido de admitir restrições mais fortes na liberdade de expressão outras hipóteses em que a liberdade de expressão entra em conflito com direitos fundamentais de terceiros e outros bens constitucionais individuais e coletivos são de mais difícil equacionamento Dentre as situações mais corriqueiras e que já geraram farta jurisprudência no Brasil e no exterior incluindo a atuação dos Tribunais Internacionais está a proibição de manifestações publicações filmes etc de cunho pornográfico e de manifestações culturais e artísticas consideradas ofensivas à moral aos bons costumes e mesmo à dignidade da pessoa humana e direitos de personalidade de terceiros Ao passo que cláusulas gerais como a moral e os bons costumes se revelam como extremamente perigosas para justificar restrições à liberdade de expressão salvo eventualmente no campo das indicações das faixas etárias a título de recomendação aos pais de crianças e adolescentes em geral não se coloca em questão o fato de que a dignidade da pessoa humana como princípio e direito fundamental bem como a afetação desproporcional de direitos fundamentais de terceiros especialmente quando se trata de direitos de personalidade hão de ser sempre consideradas na esfera de uma ponderação à luz das circunstâncias do caso Ainda assim o risco por conta da abertura e polissemia da noção de dignidade da pessoa humana de nela serem embutidas valorações de ordem moral religiosa e ideológica nem sempre compartilhadas no âmbito do corpo social por exemplo quando se trata de distinguir o lixo cultural da verdadeira e saudável cultura não é insignificante pois pelo contrário não raro se percebe na prática jurisprudencial e mesmo na doutrina uma hipertrofia da dignidade 380 Assim em homenagem à liberdade de expressão ela própria uma das mais elementares manifestações da dignidade da pessoa humana e da democracia na condição de pressuposto e ao mesmo tempo de garantia política estrutural e procedimental da dignidade e dos direitos fundamentais também nessa seara como já indicado ha verá de se respeitar a posição preferencial embora não absoluta da liberdade de expressão Avaliandose neste contexto a jurisprudência do STF verificase que este em geral tem sido adequadamente deferente à liberdade de expressão admitindo intervenções em situações excepcionais e em regra constitucionalmente justificadas o que não significa que não se possa questionar o acerto de alguns julgados ou avaliar criticamente os fundamentos das decisões Com efeito apenas para referir alguns exemplos têm sido aceitas manifestações eventualmente impopulares e que podem mesmo ofender o senso comum na esfera da opinião pública como se deu no caso da marcha da maconha 381 assim como admitidas manifestações de cunho humorístico e crítico charges publicidade literatura em geral 382 Até mesmo manifestações que em outro contexto vg na via pública em meio a crianças poderiam ser tidas como ilícitas por seu tom obsceno eou pornográfico devem ser abarcadas pela liberdade de expressão ainda que na perspectiva dominante pudessem ser no mínimo rotuladas como impróprias ou de mau gosto 383 Diferente contudo é o caso em que a liberdade de expressão é utilizada com o objetivo de atacar e até mesmo derrubar as estruturas do Estado Democrático de Direito conforme decidiu o STF ao julgar improcedente a ADPF 572 que tinha por objeto a Portaria n 692019 da Presidência do STF que havia determinado a instauração de inquérito INQ 4781 para investigar a existência de notícias fraudulentas fake news denunciações caluniosas e ameaças contra a Corte seus ministros e familiares Vale destacar o voto do Ministro Celso de Mello segundo o qual não haveria sentido em retirar do Tribunal os instrumentam que viabilizam de forma efetiva proteger a ordem democrática o Estado Democrático de Direito e a própria instituição Ainda segundo o Ministro a incitação ao ódio público e a propagação de ofensas e ameaças não estão abrangidas pela cláusula constitucional que protege a liberdade de expressão e do pensamento 384 Situações particularmente relevantes e que envolvem corriqueiro embate entre a liberdade de expressão e outros direitos fundamentais dizem com os direitos à honra imagem intimidade e vida privada 385 No que dizem com os direitos à honra e à imagem incluindo a reputação direitos personalíssimos cuja violação inclusive configura ilícito penal distinguemse de plano os casos que envolvem personalidades públicas como o de artistas famosos políticos e outras pessoas cuja atividade e modo de se portar na esfera pública v os casos de pessoas que se expõem inclusive quanto a aspectos de sua vida íntima reiterada e voluntariamente nos meios de comunicação diferem das demais pessoas de modo a serem assegurados também níveis diferenciados de proteção da personalidade a depender do caso concreto de quem é atingido pelo exercício da liberdade de expressão e de como é atingido 386 Por isso onde houver maior interesse legítimo da opinião pública sobre informações a respeito das ações e da vida privada de alguém ou mesmo como já frisado o próprio titular dos direitos de personalidade tenha já voluntariamente exposto sua vida privada justificase uma menor proteção mas não supressão da honra da imagem e da vida ín tima e privada e um maior espaço para a liberdade de informação e expressão 387 Questão altamente polêmica como de resto costuma ser o caso em matéria de limites à liberdade de expressão relacionase com a proibição da divulgação de dados sobre o conteúdo de processo judicial envolvendo políticos ou personalidades públicas Quanto a isso em que pesem as afirmações contundentes em prol do caráter absolutamente prevalente da liberdade de expressão por ocasião do julgamento da ADPF 130 pelo menos no que diz com a maioria dos ministros o STF acabou admitindo que no plano da atuação jurisdicional fosse a depender do caso proibida a divulgação de dados constantes em processo judicial prejudiciais à honra e imagem das partes do processo 388 Ainda nesse contexto calha invocar julgado do STF no âmbito do qual foi destacada a relevância para o efeito de uma solução constitucionalmente adequada do conflito de qual a posição de quem está exercendo a liberdade de expressão bem como sob que circunstâncias poderá prevalecer a liberdade de expressão do agente político em defesa da coisa pública ainda que afetando o direito à honra de terceiros Nesse sentido a Corte Suprema no âmbito do RE 685493SP de acordo com o relator Min Marco Aurélio entendeu que a Constituição Federal permite reconhecer aos servidores públicos ao se pronunciarem sobre fatos relacionados ao exercício da função pública um campo de imunidade relativa relativamente ao exercício da liberdade de expressão 389 Evolução mais recente na jurisprudência do STF diz respeito ao tema da liberdade de expressão artística designadamente em relação à veiculação de sátiras manifestações de humor no período da propaganda eleitoral Com efeito em 2021062018 mediante decisão proferida por unanimidade pelo plenário do STF por ocasião do julgamento da ADIn 4451DF rel Min Alexandre de Moraes foi afastada por inconstitucional a vedação legal imposta às emissoras de rádio e televisão de veicular programas de humor envolvendo candidatos partidos e coligações nos três meses anteriores ao pleito como forma de evitar que sejam ridicularizados ou satirizados A teor do voto do Ministro Alexandre de Moraes relator a CF proíbe toda e qualquer forma de censura à liberdade de expressão e de informação incluindo aqui a liberdade de criação liberdade artística destacando ainda inexistir permissão que possa ser deduzida do texto constitucional para o efeito de limitar preventivamente o conteúdo do debate público por conta de conjecturas em torno de eventuais efeitos que a divulgação de determinados conteúdos possa vir a ter na esfera pública Ainda para o relator a liberdade de crítica deve ser plena e irrestrita abarcando também manifestações de caráter humorístico e satírico inclusive mediante a utilização de trucagem montagem ou outros recursos de áudio e vídeo não havendo razão para que tais práticas sejam interrompidas no período eleitoral até mesmo pelo fato de que eventuais abusos serão sempre passíveis de eventual responsabilização cível ou mesmo criminal por terem cunho injurioso difamatório ou mesmo configurarem calúnia Particularmente enfáticas foram as palavras do Ministro Celso de Mello que no seu voto este já disponibilizado afirmou que Nenhuma autoridade mesmo a autoridade judiciária pode prescrever o que será ortodoxo em política ou em outras questões que envolvam temas de natureza filosófica ideológica ou confessional nem estabelecer padrões de conduta cuja observância implique restrição aos meios de divulgação do pensamento Para o Decano do STF O riso por isso mesmo deve ser levado a sério pois constitui entre as várias funções que desempenha o papel de poderoso instrumento de reação popular e de resistência social a práticas que caracterizam ensaios de dominação governamental de opressão do poder político de abuso de direito ou de desrespeito aos direitos dos cidadãos O recurso à derrisão no âmbito políticoeleitoral constitui na perspectiva de uma dialética do humor verdadeira antítese ao que é grotesco ao que é desonesto ao que é fraudulento ao que é abusivo ao que é enganador Em uma palavra o riso e o humor são expressões de estímulo à prática consciente da cidadania e ao livre exercício da participação política enquanto configuram eles próprios manifestações de criação artística O riso e o humor por isso mesmo são transformadores são renovadores são saudavelmente subversivos são esclarecedores são reveladores É por isso que são temidos pelos detentores do poder ou por aqueles que buscam ascender por meios desonestos na hierarquia governamental Importa ainda acrescentar que o Ministro Gilmar Mendes aderindo ao voto do relator destacou que é no caso concreto que os juízes eleitorais devem aferir a ocorrência de abusos passíveis de sanção posto que não se estaria a permitir uma espécie de vale tudo o que ao fim e ao cabo guarda sintonia com a posição do relator quando sublinha a possibilidade de uma responsabilização por eventuais abusos Da mesma forma há que frisar a distinção traçada pelo Ministro Luiz Fux entre o exercício legítimo da liberdade de expressão que abarca a veiculação de opiniões e críticas mediante charges e sátiras do falseamento doloso da verdade que causa danos graves e mesmo irreversíveis aos candidatos e ao próprio processo eleitoral as assim designadas fake news que devem ser repudiadas e combatidas pela Justiça Eleitoral Muito embora seja de se aplaudir a decisão à medida que libera manifestações de humor e ao menos de acordo com alguns votos proscreve as assim chamadas fake news há que atentar para alguns aspectos que carecem de maior equacionamento Um dos problemas nesse contexto é traçar de modo relativamente seguro uma linha distintiva entre a sátira eou charge legítima e a abusiva e que portanto venha a configurar uma típica calúnia injúria ou difamação Particularmente difícil se revela a situação em que embora se possa compreender interpretar determinada sátira como tendo caráter ofensivo ela simultaneamente veicula crítica legítima e portanto protegida do ponto de vista da liberdade de expressão Muito embora a distinção entre uma manifestação artística que tenha um teor crítico legítimo e uma que não passe de uma mera ofensa seja muito difícil de ser traçada soa intuitivo que em sendo evidente o teor ofensivo é possível em princípio acionar os mecanismos de responsabilização previstos na própria CF e na legislação infraconstitucional Por outro lado precisamente a dificuldade de se distinguir o que pode ser considerado uma mera ofensa pessoal e não mais uma crítica reforça a necessidade de se receber com muita reserva tal critério que deve ser utilizado com extrema parcimônia não desvirtuando o mandamento constitucional de que restrições a direitos fundamentais devem ser interpretadas de forma restritiva ademais de seu caráter excepcional o que assume ainda maior relevância quando se trata de crítica de natureza política porquanto em causa diretamente a salvaguarda do processo democrático Mais apropriada do que a distinção entre uma crítica e uma mera ofensa para efeitos do processo políticoeleitoral nos parece que é de fato a já referida diferenciação entre sátiras e manifestações de humor de um modo geral e distorções evidentes e dolosas da realidade as assim chamadas fake news com potencial efetivo de violação da isonomia no embate eleitoral o critério que deve prevalecer ainda que também aqui isso apenas possa ser verificado caso a caso e sempre de modo deferente para com a posição tendencialmente preferencial da liberdade de expressão À vista de mais este julgado o que se pode afirmar em caráter de síntese e retomando a perspectiva adotada já na parte inicial deste item é que doutrina e jurisprudência notadamente o STF embora adotem a tese da posição preferencial da liberdade de expressão admitem não se tratar de direito absolutamente infenso a limites e res trições desde que eventual restrição tenha caráter excepcional seja promovida por lei eou decisão judicial visto que vedada toda e qualquer censura administrativa e tenha por fundamento a salvaguarda da dignidade da pessoa humana que aqui opera simultaneamente como limite e limite aos limites de direitos fundamentais e de direitos e bens jurídicoconstitucionais individuais e coletivos fundamentais observados os critérios da proporcionalidade e da preservação do núcleo essencial dos direitos em conflito 390 Isso também se verifica em relação ao julgamento do STF na ADIn 4815 junho de 2015 rel Min Cármen Lúcia em que se deu interpretação conforme à constituição aos arts 20 e 21 do Código Civil para o efeito de afastar a exigência de autorização prévia para biografias de pessoas com vida ressalvandose contudo eventuais conflitos com outros direitos fundamentais que poderiam em caso de uso abusivo da liberdade de expressão ensejar reparação na esfera cível ou penal a depender das circunstâncias 391 Ainda sobre a liberdade de expressão artística temse como válido mencionar a tu te la de urgência deferida pelo então Presidente do STF Min Dias Toffoli na Rcl 38782RJ que suspendeu a decisão de Desembargador do TJRJ que havia determinado a censura da exibição do especial de Natal do programa Porta dos Fundos na plataforma de streaming Netflix Na ocasião o Presidente da Suprema Corte brasileira referiu ser a liberdade de expressão uma condição inerente à racionalidade humana como direito fundamental do indivíduo e corolário do regime democrático Além disso salientouse que a democracia somente se firma e progride em ambiente no qual diferentes convicções e visões de mundo possam ser expostas defendidas e confrontadas umas com as outras no âmbito de um debate rico plural e resolutivo 392 Tal decisão foi mantida por ocasião do julgamento do mérito da Reclamação em 03112020 tendo como relator o Ministro Gilmar Mendes agregandose aqui o argumento esgrimido pela Corte no sentido da prevalência da liberdade de expressão quando se trata da circulação de produto audiovisual em plataforma de streaming que desagrade parcela da população ou mesmo seja tida majoritariamente inconveniente uma vez que o acesso ao conteúdo é voluntário e controlado pelo próprio usuário Aspecto que assume cada vez maior relevância já evidenciado por alguns dos julgados do STF acima referidos é o da regulação dos abusos discursivos no contexto da assim chamada era digital inclusive no que diz respeito às possibilidades e limites do controle judicial destacandose aqui dentre outros os desafios relativos à disseminação do discurso do ódio e das assim chamadas fake news em especial na esfera das plataformas sociais online393 Ao fim e ao cabo o que se pode afirmar à vista da evolução jurisprudencial e doutrinária nos últimos dez anos em especial é que no tocante aos limites da liberdade de expressão dada a sua posição preferencial ainda que mitigada caso comparada com o modelo norteamericano na arquitetura constitucional em qualquer caso existindo dúvida a respeito da legitimidade constitucional da restrição é de se privilegiar a liberdade de expressão 4123 Liberdade de consciência e de crença liberdade religiosa 41231 Notas introdutórias e breve mirada sobre a evolução no âmbito do direito internacional direito constitucional estrangeiro e evolução constitucional brasileira As liberdades de consciência de crença e de culto as duas últimas usualmente abrangidas pela expressão genérica liberdade religiosa constituem uma das mais antigas e fortes reivindicações do indivíduo e levando em conta o seu caráter sensível e mesmo a sua exploração política sem falar nas perseguições e mesmo atrocidades cometidas em nome da religião e por conta da intolerância religiosa ao longo dos tempos a liberdade religiosa foi uma das primeiras liberdades asseguradas nas declarações de direitos e a alcançar a condição de direito humano e fundamental consagrado na esfera do direito internacional dos direitos humanos e nos catálogos constitucionais de direitos Não é à toa que um autor do porte de um Georg Jellinek em famoso estudo sobre a origem da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão 1789 chegou a sustentar que a liberdade religiosa especialmente tal como reconhecida nas declarações de direitos das excolônias inglesas na América do Norte foi a primeira expressão da ideia de um direito universal e fundamental da pessoa humana 394 Independentemente de a posição de Jellinek estar ou não correta em toda a sua extensão o fato é que a proteção das opiniões e cultos de expressão religiosa que guarda direta relação com a espiritualidade e o modo de conduzir a vida dos indivíduos e mesmo de comunidades inteiras sempre esteve na pauta preferencial das agendas nacionais e supranacionais em matéria de direitos humanos e fundamentais Todavia o modo pelo qual a liberdade de consciência e a liberdade religiosa foram reconhecidas e protegidas nos documentos internacionais e nas constituições ao longo do tempo é bastante variável especialmente no que diz com o conteúdo e os limites de tais liberdades Bastaria para tanto elencar alguns exemplos que dizem respeito aos documentos supranacionais De acordo com a Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948 no seu art XVIII toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento consciência e religião este direito implica a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença pelo ensino pela prática pelo culto e pela observância isolada ou coletivamente em público ou em particular O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos de 1966 por sua vez embora tenha reproduzido em termos gerais o texto da Declaração de 1948 foi mais além como dá conta a redação do art 18 1 Toda pessoa terá direito à liberdade de pensamento de consciência e de religião Esse direito implicará a liberdade de ter ou adotar uma religião ou crença de sua escolha e a liberdade de professar sua religião ou crença individual ou coletivamente tanto pública como privadamente por meio do culto da celebração de ritos de práticas e do ensino 2 Ninguém poderá ser submetido a medidas coercitivas que possam restringir sua liberdade de ter ou de adotar uma religião ou crença de sua escolha 3 A liberdade de manifestar a própria religião ou crença estará sujeita apenas às limitações previstas em lei e que se façam necessárias para proteger a segurança a ordem a saúde ou a moral pública ou os direitos e as liberdades das demais pessoas 4 Os Estadospartes no presente Pacto comprometemse a respeitar a liberdade dos pais e quando for o caso dos tutores legais de assegurar aos filhos a educação religiosa e moral que esteja de acordo com suas próprias convicções A fórmula nos seus traços essenciais foi retomada no plano regional pela Convenção Americana de Direitos Humanos Pacto de São José da Costa Rica de 1969 cujo art 12 dispõe 1 Toda pessoa tem direito à liberdade de consciência e de religião Esse direito implica a liberdade de conservar sua religião ou suas crenças ou de mudar de religião ou de crenças bem como a liberdade de professar e divulgar sua religião ou suas crenças individual ou coletivamente tanto em público como em privado 2 Ninguém pode ser submetido a medidas restritivas que possam limitar sua liberdade de conservar sua religião ou suas crenças ou de mudar de religião ou de crenças 3 A liberdade de manifestar a própria religião e as próprias crenças está sujeita apenas às limitações previstas em lei e que se façam necessárias para proteger a segurança a ordem a saúde ou a moral pública ou os direitos e as liberdades das demais pessoas 4 Os pais e quando for o caso os tutores têm direito a que seus filhos e pupilos recebam a educação religiosa e moral que esteja de acordo com suas próprias convicções Traçando uma rápida comparação com outro documento de abrangência regional mais antigo no caso a Convenção Europeia de Direitos Humanos de 1950 verificase que esta não foi tão detalhada quanto o documento americano que já é posterior ao Pacto Internacional de 1966 portanto já tomou este como parâmetro Com efeito de acordo com o art 9º da Convenção Europeia 1 Qualquer pessoa tem direito à liberdade de pensamento de consciência e de religião este direito implica a liberdade de mudar de religião ou de crença assim como a liberdade de manifestar a sua religião ou a sua crença individual ou coletivamente em público e em privado por meio do culto do ensino de práticas e da celebração de ritos 2 A liberdade de manifestar a sua religião ou convicções individual ou coletivamente não pode ser objeto de outras restrições senão as que previstas na lei constituírem disposições necessárias numa sociedade democrática à segurança pública à proteção da ordem da saúde e moral públicas ou à proteção dos direitos e liberdades de outrem Bem mais sintética é a Carta Africana de Direitos Humanos e dos Povos de 1981 em matéria de liberdade religiosa visto que a teor do art 8º a liberdade de consciência a profissão e a prática livre da religião são garantidas Sob reserva da ordem pública ninguém pode ser objeto de medidas de constrangimento que visem restringir a manifestação dessas liberdades Por derradeiro merece registro a Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia de 2000 cujo art 10 dispõe 1 Todas as pessoas têm direito à liberdade de pensamento de consciência e de religião Este direito implica a liberdade de mudar de religião ou de convicção bem como a liberdade de manifestar a sua religião ou a sua convicção individual ou coletivamente em público ou em privado por meio do culto do ensino de práticas e da celebração de ritos 2 O direito à objeção de consciência é reconhecido pelas legislações nacionais que regem o respectivo exercício Importa no âmbito do sistema internacional referir que a liberdade religiosa foi objeto de proteção por meio de um documento específico designadamente da Declaração da ONU sobre a eliminação de todas as formas de intolerância e discriminação baseadas na religião ou na convicção proclamada pela Assembleia Geral em 1981 mediante a Res 3655 Embora os fortes elementos em comum também na esfera dos textos constitucionais se registram significativas diferenças quanto ao modo de positivação da liberdade religiosa A Constituição dos Estados Unidos da América Primeira Emenda 1791 é a mais antiga em vigor limitandose a afirmar que o Congresso não pode editar lei dispondo sobre estabelecimentos religiosos e proibindo o livre exercício da liberdade religiosa Congress shall make no law respecting an establishment of religion or prohibiting the free exercise thereof Já na Constituição Política dos Estados Unidos Mexicanos de 1917 art 24 consta que todo hombre es libre para profesar la creencia religiosa que más le agrade y para practicar las ceremonias devociones o actos del culto respectivo siempre que no constituyan un delito o falta penados por la ley El Congreso no puede dictar leyes que establezcan o prohiban religión alguna Los actos religiosos de culto público se celebrarán ordinariamente en los templos Los que extraordinariamente se celebren fuera de éstos se sujetarán a la ley reglamentaria Dentre as constituições do Segundo PósGuerra que já se situam num contexto marcado por uma exigência maior de tolerância e respeito às diferenças destacase a Lei Fundamental da República Federal da Alemanha de 1949 cujo art 4º dispõe em síntese que a liberdade de crença de consciência e a liberdade de convicção religiosa são invioláveis sendo assegurado o exercício da religião livre de perturbações além da garantia de que ninguém pode ser obrigado a prestar serviço militar armado contra a sua consciência Pela proximidade com a ordem constitucional brasileira convém referir o exemplo da Constituição da República Portuguesa de 1976 cujo art 41º assim dispõe 1 A liberdade de consciência de religião e de culto é inviolável 2 Ninguém pode ser perseguido privado de direitos ou isento de obrigações ou deveres cívicos por causa das suas convicções ou prática religiosa 3 Ninguém pode ser perguntado por qualquer autoridade acerca das suas convicções ou prática religiosa salvo para recolha de dados estatísticos não individualmente identificáveis nem ser prejudicado por se recusar a responder A Constituição espanhola de 1978 ao contrário da Carta Constitucional Portuguesa já não afirma o caráter inviolável da liberdade religiosa embora garanta o direito como fundamental a teor do disposto no art 16 1º e 2º Se garantiza la libertad ideológica religiosa y de culto de los individuos y las comunidades sin más limitación en sus manifestaciones que la necesaria para el mantenimiento del orden público protegido por la Ley 2 Nadie podrá ser obligado a declarar sobre su ideología religión o creencias Tal quadro meramente ilustrativo apenas revela que são várias as diferenças a serem consideradas e que cabe ao labor da legislação infraconstitucional e em grande medida ao papel exercido pelos juízes e tribunais a tarefa de determinar o efetivo e sempre atual conteúdo e alcance da liberdade religiosa e de consciência com significativa margem de liberdade em cada região ou ordem estatal individualmente considerada o que também se verifica no caso brasileiro onde a liberdade religiosa também foi objeto de regulação constitucional bastante distinta quanto a alguns aspectos Com efeito no âmbito da evolução constitucional brasileira pretérita a liberdade religiosa se faz presente desde a Carta Imperial de 1824 mais precisamente no art 179 V de acordo com o qual ninguem póde ser perseguido por motivo de Religião uma vez que respeite a do Estado e não offenda a Moral Publica não tendo sido feita referência expressa à liberdade de consciência ou mesmo à objeção de consciência A Constituição de 1891 art 72 3º dispunha que todos os indivíduos e confissões religiosas podem exercer pública e livremente o seu culto associandose para esse fim e adquirindo bens observadas as disposições do direito comum contendo todavia uma série de outros dispositivos que versavam sobre o reconhecimento apenas do casamento civil art 72 4º o caráter secular dos cemitérios e a garantia do acesso para os cultos de todas as ordens religiosas art 72 5º a proibição de subvenções oficiais públicas para igrejas ou cultos art 72 7º Embora a Constituição de 1891 não tenha feito uso da expressão liberdade de consciência ou objeção de consciência ela previa que nenhum cidadão poderia ser privado de seus direitos civis e políticos nem se eximir do cumprimento de qualquer dever cívico por motivo de crença ou função religiosa art 72 28 além de impor a perda dos direitos políticos por parte daqueles que alegassem motivos de crença religiosa para se eximir do cumprimento de obrigação imposta pelas leis da República art 72 29 A Constituição de 1934 manteve a previsão do caráter secular dos cemitérios agregando todavia que as associações religiosas poderiam manter cemitérios particulares sujeitos a controle pelo Poder Público art 113 n 7 Quanto ao direito à liberdade religiosa este foi enunciado no art 113 n 5 onde consta que é inviolável a liberdade de consciência e de crença e garantido o livre exercício dos cultos religiosos desde que não contravenham à ordem pública e aos bons costumes As associações religiosas adquirem personalidade jurídica nos termos da lei civil de modo que pela primeira vez foi feita referência à liberdade de consciência Já de acordo com o art 122 n 4 da Constituição de 1937 todos os indivíduos e confissões religiosas podem exercer pública e livremente o seu culto associandose para esse fim e adquirindo bens observadas as disposições do direito comum as exigências da ordem pública e dos bons costumes novamente não havendo menção expressa à liberdade de consciência Esta voltou a ser contemplada na Constituição de 1946 no art 141 7º que dispunha ser inviolável a liberdade de consciência e de crença e assegurado o livre exercício dos cultos religiosos salvo o dos que contrariem a ordem pública ou os bons costumes As associações religiosas adquirirão personalidade jurídica na forma da lei civil fórmula que em termos gerais foi retomada na Constituição de 1967 cujo art 150 5º dispunha que é plena a liberdade de consciência e fica assegurado aos crentes o exercício dos cultos religiosos que não contrariem a ordem pública e os bons costumes texto mantido na íntegra na EC 11969 art 153 5º 41232 A liberdade religiosa e a liberdade de consciência na Constituição Federal de 1988 a Aspectos textuais A liberdade religiosa e a liberdade de consciência foram contempladas em três dispositivos no âmbito do título Dos direitos e garantias fundamentais Art 5º VI É inviolável a liberdade de consciência e de crença sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida na forma da lei a proteção aos locais de culto e a suas liturgias Art 5º VII É assegurada nos termos da lei a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva Art 5º VIII Ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política salvo se as invocar para eximirse de obrigação legal a todos imposta e recusar se a cumprir prestação alternativa fixada em lei Dentre os dispositivos constitucionais diretamente relacionados assumem destaque os seguintes Art 19 É vedado à União aos Estados ao Distrito Federal e aos Municípios I estabelecer cultos religiosos ou igrejas subvencionálos embaraçarlhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança ressalvada na forma da lei a colaboração de interesse público Art 143 O serviço militar é obrigatório nos termos da lei 1º Às Forças Armadas compete na forma da lei atribuir serviço alternativo aos que em tempo de paz após alistados alegarem imperativo de consciência entendendose como tal o decorrente de crença religiosa e de convicção filosófica ou política para se eximirem de atividades de caráter essencialmente militar Art 15 É vedada a cassação de direitos políticos cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de IV recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa nos termos do art 5º VIII Art 210 Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental de maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos nacionais e regionais 1º O ensino religioso de matrícula facultativa constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental Art 226 A família base da sociedade tem especial proteção do Estado 2º O casamento religioso tem efeito civil nos termos da lei b Notas a respeito da distinção entre liberdade de consciência e liberdade religiosa Embora a liberdade de consciência tenha forte vínculo com a liberdade religiosa ambas não se confundem e apresentam dimensões autônomas A liberdade de consciência assume de plano uma dimensão mais ampla considerando que as hipóteses de objeção de consciência apenas para ilustrar com um exemplo abarcam hipóteses que não têm relação direta com opções religiosas de crença e de culto 395 Bastaria aqui citar o exemplo daqueles que se recusam a prestar serviço militar em virtude de sua convicção não necessariamente fundada em razões religiosas de participar de conflitos armados e eventualmente vir a matar alguém Outro caso aliás relativamente frequente diz com a recusa de médicos a praticarem a interrupção da gravidez e determinados procedimentos igualmente nem sempre por força de motivação religiosa Assim amparados na lição de Konrad Hesse é possível afirmar que a liberdade de crença e de confissão religiosa e ideológica aparece como uma manifestação particular do direito fundamental mais geral da liberdade de consciência que por sua vez não se restringe à liberdade de formação da consciência o foro interno mas abarca a liberdade de atuação da consciência protegendo de tal sorte para efeitos externos a decisão fundada na consciência inclusive quando não motivada religiosa ou ideologicamente 396 Ainda de acordo com Konrad Hesse é nisso que se corporifica a negação pela ordem constitucional de uma intervenção estatal no que diz com a definição do que é verdadeiro ou correto de modo a assegurar a cada indivíduo a proteção da sua personalidade espiritual e moral e garantir a livre discussão e formação do consenso sobre o que é certo ou errado 397 Considerada em separado a liberdade de consciência pode ser definida com Jayme Weingartner Neto como a faculdade individual de autodeterminação no que diz com os padrões éticos e existenciais das condutas próprias e alheias e a total liberdade de autopercepção em nível racional ou míticosimbólico ao passo que a liberdade religiosa ou de religião engloba no seu núcleo essencial tanto a liberdade de ter quanto a de não ter ou deixar de ter uma religião desdobrandose em diversas outras posições fundamentais que serão pelo menos em parte objeto de atenção logo adiante 398 Para efeitos de proteção da liberdade religiosa e mesmo para a diferenciação entre esta e a liberdade de consciência assume relevo a própria definição do que se considera uma religião Desde logo há que reconhecer o acerto da lição de Erwin Chemerensky para quem parece impossível formular uma definição de religião que englobe a ampla gama de crenças espirituais e práticas que se fazem presentes em uma sociedade plural como é a do Brasil o autor se refere aos Estados Unidos mas a afirmação ainda que talvez não na mesma dimensão aplicase ao Brasil pois não há uma característica particular ou um plexo de características que todas as religiões tenham em comum a fim de que seja possível definilas como religiãoões definição ampla que se revela particularmente importante para maximizar a proteção das manifestações religiosas 399 c A dupla dimensão objetiva e subjetiva das liberdades de consciência e de religião Tanto a liberdade de consciência quanto a liberdade religiosa tal como os demais direitos fundamentais apresentam uma dupla dimensão subjetiva e objetiva Na condição de direitos subjetivos elas aqui ainda em termos muito gerais asseguram tanto a liberdade de confessar ou não uma fé ou ideologia quanto geram direitos à proteção contra perturbações ou qualquer tipo de coação oriunda do Estado ou de particulares 400 Já como elementos fundamentais da ordem jurídicoestatal objetiva tais liberdades fundamentam a neutralidade religiosa e ideológica do Estado como pressuposto de um processo político livre e como base do Estado Democrático de Direito 401 Dessa dupla dimensão subjetiva e objetiva decorrem tanto direitos subjetivos tendo como titulares tanto pessoas físicas quanto jurídicas neste caso apenas a liberdade religiosa e não todos os seus aspectos quanto princípios deveres de proteção e garantias institucionais que guardam relação com a dimensão objetiva 402 tudo conforme ainda será objeto de maior desenvolvimento Por outro lado no que diz especificamente com a neutralidade religiosa e ideológica do Estado 403 esta se constitui especialmente no tocante ao aspecto religioso em elemento central das ordens constitucionais contemporâneas mas com raízes na vertente do constitucionalismo especialmente de matriz francesa o que foi incorporado à tradição brasileira a contar da Constituição Federal de 1891 Na Constituição Federal de 1988 tal opção do Estado laico encontra sua previsão expressa no já referido art 19 que veda aos entes da Federação que estabeleçam subvencionem ou embaracem o funcionamento de cultos religiosos ou igrejas A referência feita a Deus no Preâmbulo além de não ter caráter normativo não compromete o princípio da neutralidade religiosa do Estado 404 que por sua vez não implica ainda mais se consideradas as peculiaridades da ordem constitucional brasileira um total distanciamento por parte do Estado da religião distanciamento que na acepção de André Ramos Tavares que aqui se partilha não se revela sequer como desejável 405 Com efeito como bem pontua Jorge Miranda há que distinguir entre laicidade e separação no sentido de independência entre Estado e Igreja e comunidades religiosas em geral de laicismo e de uma postura de menosprezo e desconsideração do fenômeno religioso das religiões e das entidades religiosas por parte do Estado pois uma coisa é o Estado não professar nenhuma religião e não assumir fins religiosos mantendo uma posição equidistante e neutra406 outra coisa é assumir uma posição hostil em relação à religião e mesmo proibitiva da religiosidade 407 Importa destacar que o laicismo e toda e qualquer postura oficial estatal hostil em relação à religião revelamse incompatíveis tanto com o pluralismo afirmado no Preâmbulo da Constituição Federal quanto com uma noção inclusive de dignidade da pessoa humana e liberdade de consciência e de manifestação do pensamento de modo que a necessária neutralidade se assegura por outros meios tal como bem o demonstra o disposto no art 19 I bem como um conjunto de limites e restrições à liberdade religiosa aspecto que aqui não será desenvolvido Outras manifestações que podem ser extraídas da Constituição Federal no sentido de uma postura aberta e sensível para com as religiões sem assumir qualquer compromisso com determinada religião e igreja podem ser ilustradas com os exemplos da previsão ainda que em caráter facultativo de ensino religioso em escolas públicas de ensino fundamental art 210 1º e a possibilidade de reconhecimento de efeitos civis ao casamento religioso art 226 1º e 2º d Conteúdo da liberdade religiosa como direito fundamental em sentido amplo direito de defesa e direito a prestações Também a liberdade religiosa deve ser compreendida como um direito fundamental em sentido amplo que se decodifica no âmbito de sua dimensão subjetiva e objetiva em um complexo diferenciado de efeitos jurídicos objetivos e de posições jurídicas subjetivas 408 Como direito subjetivo a liberdade religiosa opera tanto como direito de defesa portanto de cunho negativo quanto como direito a prestações direito positivo fáticas e jurídicas muito embora como já frisado a dimensão subjetiva não possa ser reduzida a um único tipo de posições negativas ou positivas Aqui não teremos condição senão de selecionar alguns exemplos notadamente os que têm assumido maior relevância em termos teóricos e práticos na ordem constitucional brasileira remetendo para uma análise mais minuciosa à literatura especializada 409 Na sua condição de direito negativo a liberdade religiosa desdobrase numa primeira aproximação quanto ao seu conteúdo em uma liberdade de crença que diz com a faculdade individual de optar por uma religião ou de mudar de religião ou de crença ao passo que a liberdade de culto que guarda relação com a exteriorização da crença diz com os ritos cerimônias locais e outros aspectos essenciais ao exercício da liberdade de religião e de crença 410 Também a liberdade de organização religiosa encontrase incluída no âmbito de proteção da liberdade religiosa de tal sorte que ao Estado é vedado em princípio interferir na esfera interna das associações religiosas 411 Na sua condição de direito positivo podem também ser destacadas várias manifestações Assim em caráter ilustrativo verificase que o art 5º VII da CF assegura nos termos da lei a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva Quanto a tal aspecto entendese que o Estado não pode impor aos internos sob sua responsabilidade nessas entidades o atendimento a serviços religiosos o que violaria a liberdade de professar uma religião e de participar ou não dos respectivos cultos mas deve sim colocar à disposição o acesso efetivo ao exercício da liberdade de culto e de crença aos que assim desejarem 412 No sentido da existência de deveres de natureza prestacional associados à liberdade de expressão calha referir em caráter ilustrativo as decisões proferidas pelo STF no RE 611874DF rel Min Dias Toffoli j 09112020 e no ARE 1099099SP rel Min Edson Fachin j 19112020 reconhecendo o dever do Estado de implementar prestações positivas que assegurem a plena liberdade religiosa devendo adequar a atividade administrativa a horários alternativos permitindo que o indivíduo mediante exercício da escusa de consciência por motivo de crença religiosa possa realizar certame público ou exercer os deveres funcionais inerentes de seu cargo público A liberdade religiosa engloba tanto direitos individuais como direitos coletivos de liberdade religiosa pois além dos direitos individuais de ter não ter deixar de ter escolher uma religião entre outras manifestações de caráter individual existem direitos coletivos cuja titularidade é das Igrejas e organizações religiosas direitos que dizem com a autoorganização a autodeterminação direito de prestar ensino e assistência religiosa entre outros 413 aspectos que por sua vez são relacionados ao problema da titularidade e dos destinatários do direito fundamental e Titulares e destinatários Titulares da liberdade religiosa são em primeira linha as pessoas físicas incluindo os estrangeiros não residentes pois dada a sua conexão com a liberdade de consciência e dignidade da pessoa humana aplicase aqui o princípio da universalidade Como a liberdade religiosa contempla uma dimensão institucional e abarca a liberdade de organização religiosa naquilo que for compatível cuidase também de direito das pessoas jurídicas ainda que as pessoas jurídicas não sejam titulares por exemplo do direito de professar ou não uma religião 414 Quanto aos destinatários em que pese seja também aqui o Estado o principal destinatário vinculado que está diretamente às normas de direitos fundamentais e mesmo aos deveres de proteção estabelecidos pela Constituição Federal o direito de liberdade religiosa projetase nas relações privadas o que se pode dar de maneira direta e indireta Apenas em caráter ilustrativo bastaria aqui recordar o ambiente de trabalho e escolar onde também o empregador os professores e a direção devem absterse de intervir no âmbito da livre opção religiosa salvo para assegurar o exercício do mesmo direito por parte de outros trabalhadores ou alunos estudantes ou mesmo para a proteção de outros direitos A liberdade de consciência e a liberdade religiosa podem portanto operar como limites ao poder de direção do empregador e da empresa dos professores e escolas e mesmo em outras situações nas quais se coloca o problema f Limites e restrições Embora sua forte conexão com a dignidade da pessoa humana a liberdade religiosa mas também a liberdade de consciência notadamente naquilo em que se projeta para o exterior da pessoa 415 mediante atos que afetam terceiros ou levem ainda que em situação extrema a um dever de proteção estatal da pessoa contra si própria como no caso de uma greve de fome por razões de consciência ou a recusa de tomar vacina por convicções filosóficas ou políticas416 são como os demais direitos fundamentais limitados e portanto sujeitos a algum tipo de restrição Modalidade que é da liberdade de expressão manifestação do pensamento e especialmente da liberdade de consciência que é mais ampla a liberdade religiosa embora como tal não submetida a expressa reserva legal no art 5º VI a CF estabelece ser inviolável a liberdade de consciência e de crença sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos encontra limites em outros direitos fundamentais e na dignidade da pessoa humana o que implica em caso de conflito cuidadosa ponderação e atenção entre outros aspectos aos critérios da proporcionalidade Já a proteção aos locais de culto como dever estatal que é e a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva são nos termos da Constituição Federal sujeitos a regulamentação legal v para a prestação de assistência religiosa o caso das Leis 69231981 e 99822000 mas a legislação deverá de qualquer modo atender aos critérios da proporcionalidade e não poderá em hipótese alguma afetar o núcleo essencial do direito de liberdade religiosa e esvaziar a garantia da organização religiosa 417 Por outro lado a própria Carta Magna estabelece limites para a liberdade religiosa e de consciência quando no art 5º VIII dispõe que ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política salvo se as invocar para eximirse de obrigação legal a todos imposta e recusarse a cumprir prestação alternativa fixada em lei O princípio do Estado laico por sua vez também interfere no exercício da liberdade religiosa pois o Poder Público não poderá privilegiar determinada orientação religiosa ainda que majoritária como por exemplo se verifica na discussão em torno da colocação ou não de crucifixo em escolas e repartições públicas que tem dividido a doutrina Os conflitos da liberdade religiosa com outros direitos fundamentais e bens jurídicoconstitucionais são múltiplos Assim podem ser justificadas a depender do caso restrições quanto ao uso da liberdade religiosa para fins de prática do curandeirismo e exploração da credulidade pública especialmente quando com isso se estiver incorrendo em prática de crime ou afetando direitos de terceiros ou interesse coletivo 418 Situação que já mereceu atenção da doutrina e jurisprudência no plano nacional e internacional diz respeito aos possíveis conflitos entre a liberdade de consciência e de crença com os direitos à vida e à saúde como se verifica de forma particularmente aguda no caso dos integrantes da comunidade religiosa das Testemunhas de Jeová cujo credo proíbe transfusões de sangue mas também foi evidenciado no contexto da pandemia da Covid19 em diversas situações Nesse contexto calha atentar para o fato de que se para o caso de menores de idade se revela legítima a intervenção estatal para em havendo manifestação contrária dos pais ou responsáveis determinar o procedimento médico quando tido como indispensável no que se verifica substancial consenso é pelo menos questionável que se queira impor a pessoas maiores e capazes algo que seja profundamente contrário às suas convicções por mais que tais convicções sejam resultado de um processo de formação que se inicia na mais tenra idade De qualquer sorte quanto ao caso das pessoas maiores e capazes não existe uma orientação definida havendo entendimentos em ambos os sentidos 419 Ainda no que diz com o problema relativo à recusa de transfusões de sangue é de se consignar que o STF reconheceu sua Repercussão Geral mas a matéria ainda aguarda uma decisão final 420 Todavia no que diz ainda com a Repercussão Geral trata se de hipótese na qual o que está em causa é a obrigação do Poder Público no sentido de custear procedimento cirúrgico indisponível na rede pública em virtude de o paciente recusar o método convencional por implicar transfusão de sangue incompatível com sua convicção religiosa Como já adiantado durante a pandemia da Covid19 as situações nas quais se pôde verificar a existência de um conflito entre a liberdade religiosa e os direitos à vida integridade corporal e saúde se multiplicaram Nesse sentido invocase decisão do STF que julgou a constitucionalidade de decreto do estado de São Paulo que restringiu temporariamente a realização presencial de cultos missas e demais atividades religiosas de caráter coletivo em virtude do elevado risco ambiental de contágio considerando a medida como sendo compatível com as exigências da proporcionalidade APDF 811SP rel Min Gilmar Mendes j 25062021 Outro tema de relativo impacto no direito estrangeiro mas com importantes reflexos no Brasil é o que trata do conflito entre liberdade religiosa e a proteção dos animais Ainda que não se atribua aos animais a titularidade de direitos subjetivos o fato é que existe um dever constitucional de proteção da fauna e uma vedação expressa de crueldade com os animais que pelo menos em princípio poderá justificar restrições ao exercício de direitos fundamentais incluindo a liberdade religiosa Para ilustrar a questão vale citar o exemplo da Alemanha onde o Tribunal Constitucional Federal entendeu que deveria prevalecer a liberdade de profissão em combinação com a liberdade religiosa tendo em conta que se tratava de caso envolvendo açougueiro turco adepto do ramo sunita do islamismo que teve o seu estabelecimento interditado pela autoridade administrativa por estar abatendo animais para consumo sem a prévia sedação 421 No Brasil a hipótese seguramente mais frequente é a que envolve os rituais afrobrasileiros do candomblé e da umbanda 422 em que também são sacrificados animais A respeito de tal prática encontrase decisão do STF RE 494601RS Relator orig Ministro Marco Aurélio redator para o Acórdão Ministro Edson Fachin julgado em 28032019 que reconheceu mantendo assim julgado do TJRS a legitimidade constitucional de lei estadual que admite a prática do abate para fins religiosos desde que mediante consideração dos aspectos levando em conta a saúde pública e a proibição de crueldade com os animais 423 No caso a Suprema Corte julgando improcedente o recurso oposto pelo Ministério Público do RS refutou tanto a alegação de inconstitucionalidade formal vício de iniciativa quanto de incompatibilidade material com a CF Para melhor compreender os argumentos principais colacionados quando do julgamento calha transcrever o teor do dispositivo da Lei objeto da irresignação veiculada pela Procuradoria Geral de Justiça do Rio Grande do Sul mediante o RE ora comentado em relação à decisão do TJRS que havia por maioria dos votos dos integrantes do seu Órgão Especial reconhecido a constitucionalidade da legislação Assim a teor do art 2º da Lei 119152003 do estado do RGS É vedado I ofender ou agredir fisicamente os animais sujeitando os a qualquer tipo de experiência capaz de causar sofrimento ou dano bem como as que criem condições inaceitáveis de existência II manter animais em local completamente desprovido de asseio ou que lhes impeçam a movimentação o descanso ou os privem de ar e luminosidade III obrigar animais a trabalhos exorbitantes ou que ultrapassem sua força IV não dar morte rápida e indolor a todo animal cujo extermínio seja necessário para consumo V exercer a venda ambulante de animais para menores desacompanhados por responsável legal VI enclausurar animais com outros que os molestem ou aterrorizem VII sacrificar animais com venenos ou outros métodos não preconizados pela Organização Mundial da Saúde OMS nos programas de profilaxia da raiva Parágrafo único objeto precípuo da controvérsia judicializada Não se enquadra nessa vedação o livre exercício dos cultos e liturgias das religiões de matriz africana grifo nosso Como bem pontuado no julgamento tratase de mais uma hipótese como se verificou guardadas as relevantes diferenças de uma situação de conflito entre o dever estatal de proteção do ambiente em particular para o caso da proteção dos animais e correlata proibição de crueldade para com os mesmos art 225 1º VII CF desta feita não apenas com os deveres e direitos gerais relativos à proteção e promoção do pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes de cultura nacional ademais do dever de apoio incentivo e difusão das manifestações culturais art 215 caput CF mas de modo especial com o dever do Estado no sentido de 1º CF proteger as manifestações das culturas populares indígenas e afrobrasileiras e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional Além disso diferentemente do que se deu nos julgamentos emblemáticos da Farra do Boi da Rinha de Galo e da Vaquejada nos quais o STF reconheceu a ilegitimidade constitucional das respectivas práticas e manifestações de natureza cultural e desportiva no presente caso o que estava em causa é e por isso o particular destaque a ser dado ao julgamento a proteçãogarantia da liberdade religiosa plenamente assegurada pela CF no seu art 5º VI a teor do qual é inviolável a liberdade de consciência e de crença sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida na forma da lei a proteção aos locais de culto e a suas liturgias grifo nosso Notese ainda que a decisão ora comentada como já adiantado apresenta outro diferencial de relevo em relação aos referidos precedentes qual seja o elemento étnicoracial e a correspondente proibição constitucional de toda e qualquer forma de discriminação art 5º caput e nessa mesma toada a proteção e promoção de particular manifestação e prática religiosacultural de matriz africana ainda que não exercida apenas por integrantes da comunidade afrobrasileira Em linhas centrais e aqui sumariamente apresentadas importa sublinhar que o STF estruturou seu entendimento em prol da constitucionalidade material da exceção inserida pela Lei Gaúcha em torno de alguns eixos argumentativos sem que aqui se possa reproduzir todos e nem adentrar em diversas das peculiaridades envolvendo os votos de todos os Ministros a maior parte exceção de três ainda não liberada para o público Numa primeira aproximação é de se destacar o peso atribuído pelo STF ao princípio e dever de laicidade implicitamente porquanto não expressamente previsto estabelecido pela CF e à posição da liberdade religiosa incluindo a de culto e de ritos na arquitetura constitucional brasileira Vinculando outrossim o dever de laicidade com o princípio geral da igualdade e o dever de neutralidade em matéria religiosa consubstanciado principalmente entre outros aspectos pelo dever de abstenção e independência estatal nessa seara e de tratamento paritário e sem privilégios de toda e qualquer manifestação religiosa art 19 I CF a Corte considerou também não existir inconstitucionalidade com base nesse fundamento Nesse contexto os julgadores pontuaram que a proteção legal acrescentese o dever constitucional de proteção assegurada às manifestações religiosas de matriz africana não representa uma modalidade de privilégio mas sim encontra suporte não apenas na liber dade religiosa como tal mas em especial no 1º do art 225 da CF acima referido proteção das culturas populares das populações indígenas e afrobrasileiras Ainda nessa senda foi sublinhado pelos Ministros o alto nível de preconceito e estigmatização que atinge a população afrobrasileira o que deve ser computado no conjunto de argumentos a indicarem que se trata de cultos e rituais a merecerem particular atenção e proteção Outrossim possivelmente a parte mais delicada e de difícil equacionamento diz respeito ao juízo de ponderação levado a efeito pelo STF ao colocar na balança em relação à proteção da liberdade religiosa o dever constitucional de proteção da fauna e a proibição de crueldade com os animais Para a corte novamente em apertada síntese a negação da constitucionalidade da lei estadual RioGrandense permitindo sacrifício de animais em rituais religiosos implicaria uma afetação desproporcional da liberdade religiosa quando se trata de um rito central de uma cultura e tradição religiosa ainda mais quando o abate de animais para fins de consumo da carne é em regra atendidos parâmetros legais permitida Além disso o que também foi objeto de referência na decisão outro ingrediente de alto impacto e que imprime contornos diferenciados ao problema e ao seu equacionamento é o da discriminação de natureza étnicoracial associado aos níveis sabidamente muito mais elevados de estigmatização das manifestações religiosas de matriz africana em relação a outras orientações religiosas Pior do que isso de acordo com dados publicados pela revista IstoÉ de 17102018 entre 2011 e 2016 houve um crescimento de 4960 no que diz com registros de casos de intolerância religiosa no Brasil dos quais 63 envolvendo religiões afrobrasileiras 424 sinalizando que a questão se transformou em agenda atual e urgente a ser equacionada Tendo sido pontuado pela Corte que a decisão pela constitucionalidade da Lei Gaúcha inclui a necessidade de respeito à proibição constitucional de crueldade com os animais e de salvaguardar a saúde pública o Tribunal não abriu mão de sua posição consolidada na matéria promovendo uma sustentável na perspectiva dos critérios da proporcionalidade concordância prática entre os direitos e bens jurídicos em causa Ademais disso questões tão profundamente enraizadas em manifestações e práticas culturais e no caso religiosas centenárias e mesmo milenares exigem uma particular posição prudencial e equilibrada pelo Estado e mesmo pela sociedade civil quanto à sua regulamentação e equacionamento de eventuais tensões e mesmo conflitos com outras manifestações de natureza similar ou mesmo outros interesses direitos e bens jurídicos A liberdade religiosa incluindo a liberdade de culto e de organização religiosa também pode entrar em conflito com a própria liberdade de expressão e comunicação inclusive a liberdade artística como se verifica no caso de charges ofensivas a determinada orientação ou prática religiosa ou mesmo obras literárias e outras formas de expressão 425 Problemas como o proselitismo no ambiente do trabalho ou mesmo o assédio religioso 426 a possibilidade de distribuição de panfletos e outros meios de divulgação da crença em espaços públicos a possibilidade do uso do véu ou outros símbolos religiosos em estabelecimentos de ensino ou no local de trabalho a legitimidade constitucional dos feriados religiosos e a discussão em torno do quanto a objeção de consciência especialmente por motivos religiosos deve assegurar a realização de provas e concursos públicos em horário apartado são apenas alguns dos conflitos e problemas de interpretação que se tem oferecido ao debate na esfera da política e do direito resultando em decisões judiciais nem sempre simétricas quando se observa o cenário internacional Também os limites da liberdade religiosa no que diz com a justificação de manifestações públicas por representantes de instituições religiosas em especial ministros de Igrejas de caráter discriminatório inclusive em relação a outras correntes religiosas envolvem questões sensíveis destacandose aqui decisão do STF entendendo pelo trancamento de ação penal na qual foi imputada a sacerdote da Igreja Católica a prática de crime de racismo em virtude de publicação de obra que teria veiculado conteúdo discriminatório contra a doutrina espírita Em apertadíssima síntese entendeu o STF decisão da Primeira Turma 427 que a mensagem religiosa não pode ser tratada da mesma forma que a não religiosa devendo ser levada em conta a existência de doutrinas religiosas de caráter universalista que buscam converter o maior número de pessoas possível mediante inclusive a afirmação da superioridade de sua religião em face das demais de modo que para tais religiões como é o caso do Cristianismo e do Catolicismo a prática do proselitismo é elemento essencial da liberdade de expressão religiosa desde que não configuradas manifestações e atos de caráter notadamente discriminatório e ofensivo No caso concreto considerou o STF que a publicação se dedica à pregação da fé católica mas sem que se possa dela inferir a intenção de ofender os adeptos da doutrina espírita mas sim orientar a população católica sobre a impossibilidade de conciliar o credo católico com o espírita Todavia não sendo o caso de aqui desenvolver tais questões remetese à literatura especializada 428 Discursos de natureza proselistista e persuasória contudo tal como decidiu o STF no RHC 146303RJ rel Min Edson Fachin e Redator para o acórdão Min Dias Toffoli j em 06032018 não se confundem com manifestações de caráter eminentemente ofensivo e discriminatório de tal sorte que a liberdade de expressão incluindo e no caso é o que se destaca a liberdade de expressão religiosa não pode servir para veicular o assim chamado discurso do ódio incitações à violência e práticas intolerantes A restrição da liberdade religiosa por conta da salvaguarda do interesse público incluindo a segurança pública e outros interesses e bens jurídicoconstitucionais de feição coletiva e transindividual também ocupa a pauta da doutrina e da jurisprudência como se verifica no já citado caso do crucifixo neutralidade do Estado em matéria religiosa da saúde pública testemunhas de Jeová e sacrifício de animais entre outros Isso se revelou de grande importância no contexto da pandemia da COVID19 onde foram editadas medidas legislativas e administrativas em todos os níveis da Federação no sentido de restringir o acesso aos locais de culto e igrejas em virtude do isolamento social imposto para o combate ao coronavírus e salvaguarda da saúde e da vida das pessoas numa perspectiva comunitária 429 Questão importante diz respeito ao uso de hábito religioso cobrindo no todo ou em parte a cabeça ou rosto em fotografia de documento de habilitação e identificação civil Sobre o tópico pende de julgamento o RE RERG 859376PR rel Min Roberto Barroso no qual o STF 29062017 reconheceu a repercussão geral da matéria porquanto se trata de recurso de decisão das instâncias ordinárias que afastou norma administrativa que veda o uso de hábitos religiosos nesses casos fotografia em documento de identidade ou habilitação Em suma o que está sendo objeto da controvérsia é decidir se é possível por conta do direito à liberdade religiosa afastar obrigação geral relativa à identificação civil Aqui cuidase da possível colisão entre o exercício da liberdade de crença e de religião com as exigências da segurança pública problema aliás que se tem feito agudo em muitos outros países e contextos como apenas para ilustrar o caso da proibição do uso da Burka por mulheres de religião islâmica na França querela que alcança outros Estados europeus chancelada pela Corte Europeia de Direitos Humanos 4124 Liberdade de locomoção 41241 Considerações gerais e reconhecimento no plano do direito internacional e direito constitucional estrangeiro A liberdade de locomoção também chamada de liberdade de ir e vir sempre foi uma figura central para o sistema das liberdades fundamentais de tal sorte que se constitui em presença constante desde a fase inaugural do constitucionalismo e mesmo na esfera de declarações de direitos anteriores que a asseguravam como já o fazia a Magna Carta Inglesa de 1215 mediante a garantia do habeas corpus Após a Segunda Grande Guerra a liberdade de locomoção passou a ser objeto de consagração também no plano do direito internacional Assim já a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 dispõe no seu art XIII que toda pessoa tem direito à liberdade de locomoção e residência dentro das fronteiras dos Estados assegurando inclusive o direito das pessoas de deixar qualquer país inclusive o seu bem como o direito de regresso A Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951 contempla a liberdade de locomoção e circulação dispondo no art 26 que cada Estado Contratante dará aos refugiados que se encontrem no seu território o direito de nele escolher o local de sua residência e de nele circular livremente com as reservas instituídas pela regulamentação aplicável aos estrangeiros em geral nas mesmas circunstâncias O Pacto de Direitos Civis e Políticos de 1966 por sua vez assegura a liberdade de locomoção e residência bem como a de sair e retornar ao seu país no art 12 No plano regional a Convenção Americana sobre Direitos Humanos no art 22 assegura o direito de circulação e de residência nos seguintes termos 1 Toda pessoa que se encontre legalmente no território de um Estado tem o direito de nele livremente circular e de nele residir em conformidade com as disposições legais 2 Toda pessoa terá o direito de sair livremente de qualquer país inclusive de seu próprio país 3 O exercício dos direitos supracitados não pode ser restringido senão em virtude de lei na medida indispensável em uma sociedade democrática para prevenir infrações penais ou para proteger a segurança nacional a segurança ou a ordem públicas a moral ou a saúde públicas ou os direitos e liberdades das demais pessoas 4 O exercício dos direitos reconhecidos no inciso 1 pode também ser restringido pela lei em zonas determinadas por motivo de interesse público 5 Ninguém pode ser expulso do território do Estado do qual for nacional e nem ser privado do direito de nele entrar 6 O estrangeiro que se encontre legalmente no território de um Estadoparte na presente Convenção só poderá dele ser expulso em decorrência de decisão adotada em conformidade com a lei 7 Toda pessoa tem o direito de buscar e receber asilo em território estrangeiro em caso de perseguição por delitos políticos ou comuns conexos com delitos políticos de acordo com a legislação de cada Estado e com as Convenções internacionais 8 Em nenhum caso o estrangeiro pode ser expulso ou entregue a outro país seja ou não de origem onde seu direito à vida ou à liberdade pessoal esteja em risco de violação em virtude de sua raça nacionalidade religião condição social ou de suas opiniões políticas 9 É proibida a expulsão coletiva de estrangeiros A Convenção Europeia dos Direitos do Homem 1950 no art 2º igualmente contempla a liberdade de circulação 1 Qualquer pessoa que se encontra em situação regular em território de um Estado tem direito a nele circular livremente e a escolher livremente a sua residência 2 Toda pessoa é livre de deixar um país qualquer incluindo o seu próprio 3 O exercício destes direitos não pode ser objeto de outras restrições senão as que previstas pela lei constituem providências necessárias numa sociedade democrática para a segurança nacional a segurança pública a manutenção da ordem pública a prevenção de infrações penais a proteção da saúde ou da moral ou a salvaguarda dos direitos e liberdades de terceiros 4 Os direitos reconhecidos no 1º podem igualmente em certas zonas determinadas ser objeto de restrições que previstas pela lei se justifiquem pelo interesse público numa sociedade democrática Em sentido similar ao disposto na Convenção Europeia e na Convenção Americana também a Carta de Banjul 1981 art 12 reconhece e assegura o direito de circulação o mesmo se verificando no caso da Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia de 2000 art 45 No âmbito do direito constitucional estrangeiro a liberdade de circulação é assegurada por exemplo pela Constituição italiana 1947 art 16 assegurando a livre circulação no território da República bem como pela Lei Fundamental da Alemanha de 1949 no seu art 11 que igualmente assegura a livre circulação em todo o território do país A Constituição da República Portuguesa 1976 contempla a liberdade de locomoção no art 44 que dispõe sobre o direito de deslocação e de emigração 1 A todos os cidadãos é garantido o direito de se deslocarem e fixarem livremente em qualquer parte do território nacional 2 A todos é garantido o direito de emigrar ou de sair do território nacional e o direito de regressar A Constituição da Espanha 1978 por sua vez no art 19 assegura que los españoles tienen derecho a elegir libremente su residencia y a circular por el territorio nacional Asimismo tienen derecho a entrar y salir libremente de España en los términos que la Ley establezca Este derecho no podrá ser limitado por motivos políticos o ideológicos 41242 A liberdade de locomoção na evolução constitucional brasileira pretérita Aderindo ao modelo do constitucionalismo liberal a Constituição Política do Império do Brasil de 1824 art 179 VI dispunha que qualquer póde conservarse ou sahir do Imperio como lhe convenha levando comsigo os seus bens guardados os Regulamentos policiaes e salvo o prejuizo de terceiro Na Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1891 a liberdade de locomoção estava consagrada no art 72 10 Em tempo de paz qualquer pode entrar no território nacional ou dele sair com a sua fortuna e bens quando e como lhe convier independentemente de passaporte A Constituição de 1934 art 113 n 14 preceituava Em tempo de paz salvas as exigências de passaporte quanto à entrada de estrangeiros e as restrições da lei qualquer pode entrar no território nacional nele fixar residência ou dele sair O texto constitucional de 1946 por sua vez reconheceu o direito no art 142 Em tempo de paz qualquer pessoa poderá com os seus bens entrar no território nacional nele permanecer ou dele sair respeitados os preceitos da lei A fórmula foi mantida pela Constituição de 1967 art 150 26 Em tempo de paz qualquer pessoa poderá entrar com seus bens no território nacional nele permanecer ou dele sair respeitados os preceitos da lei O mesmo se deu com a redação dada pela EC 11969 art 153 26 Em tempo de paz qualquer pessoa poderá entrar com seus bens no território nacional nele permanecer ou dele sair respeitados os preceitos da lei muito embora no plano da realidade do regime militar a liberdade de locomoção não tenha sido propriamente respeitada em sua plenitude o que contudo aqui não será objeto de desenvolvimento 4125 A liberdade de locomoção na Constituição Federal 41251 Considerações gerais De acordo com o art 5º XV da CF é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz podendo qualquer pessoa nos termos da lei nele entrar permanecer ou dele sair com seus bens Tal dispositivo a exemplo do que ocorreu nas Constituições anteriores consagra no plano do direito constitucional positivo brasileiro uma das mais elementares e importantes liberdades individuais que representa além disso uma manifestação essencial da liberdade geral assegurada pela Constituição Federal a qualquer pessoa art 5º caput A sua relevância para o exercício da liberdade pessoal e para os demais direitos fundamentais é de tal ordem que mesmo se não houvesse disposição constitucional expressa que a garantisse como direito fundamental a liberdade de ir e vir como também é designada a liberdade de locomoção estaria abarcada pelo âmbito de proteção do direito geral de liberdade que como visto no item respectivo opera como cláusula geral e de abertura para o sistema das liberdades fundamentais 430 Por outro lado diversamente de outras ordens constitucionais em que a liberdade de locomoção é decomposta em diversas posições fundamentais como o direito de sair e entrar no território nacional a livre circulação econômica entre outros a Constituição Federal acabou por consagrar o direito de modo genérico compreendendo portanto todas as possíveis manifestações da liberdade de ir e vir 431 Com efeito especialmente no âmbito do constitucionalismo europeu verificase que o direito geral de liberdade e o direito de não ser detido ou preso arbitrariamente são assegurados em dispositivo próprio ao passo que as liberdades de circulação locomoção de bens e pessoas e de residência são contempladas em outros dispositivos 432 Por outro lado importa ter presente que a liberdade de locomoção articulase com outros direitos e garantias fundamentais e outros dispositivos da Constituição Federal que tanto se destinam à sua proteção é o caso por exemplo do instituto do habeas corpus e das limitações constitucionais da prisão quanto a depender do caso atuam como limites da própria liberdade de locomoção ou autorizam o legislador a restringir tal liberdade o que será objeto de atenção logo mais adiante no item reservado aos limites da liberdade de locomoção O caráter abrangente da liberdade de locomoção na Constituição Federal por sua vez não nos parece conciliável com uma definição fechada no sentido do direito de toda e qualquer pessoa a não ser presa ou detida arbitra riamente a não ser que também tal fórmula seja compreendida em sentido aberto ainda mais em face da existência de dispositivos específicos no título Dos direitos e garantias fundamentais assegurando a pessoa contra prisões arbitrárias 41252 Âmbito de proteção da liberdade de locomoção sua dimensão objetiva e subjetiva Na sua dimensão subjetiva ou seja como direito subjetivo individual a liberdade de locomoção como em geral se dá com os demais direitos fundamentais constitui um direito fundamental em sentido amplo que abarca e protege em princípio um feixe complexo e diferenciado de posições subjetivas consistentes em faculdades e ações A despeito de ter também uma dimensão positiva a liberdade de locomoção opera em primeira linha como um direito de defesa de conteúdo negativo que tem por objeto precisamente a abstenção por parte do Estado e de terceiros em relação à livre circulação das pessoas no território nacional Assim a liberdade de locomoção compreende desde logo o direito faculdade de qualquer pessoa em tempo de paz como decorre já do teor do art 5º XV da CF de se deslocar livremente sem embaraços em todo o território nacional ou seja sem que seja imposta qualquer restrição no âmbito interno das fronteiras territoriais brasileiras A liberdade de locomoção à míngua de dispositivo específico que proteja tal dimensão abrange também a livre permanência no território nacional e o direito de nele fixar residência em caráter definitivo ou temporário assim como contempla o direito de qualquer pessoa sair ingressar e retornar ao território nacional inclusive o direito de emigração e imigração A livre circulação de bens de que qualquer pessoa possa circular no território nacional dele sair e nele ingressar com seus próprios bens por sua vez também costuma ser reconduzida ao âmbito de proteção da liberdade de locomoção 433 A dimensão positiva portanto a sua função como direito a prestações da liberdade de locomoção está intimamente associada à sua dimensão objetiva de onde decorre que ao Estado no âmbito de seu dever de proteção dos direitos fundamentais incumbe não apenas uma abstenção de intervenção obrigação de respeitar a liberdade de locomoção mas sim um conjunto de obrigações de atuação representadas por prestações de caráter normativo e mesmo fático as quais em boa parte dizem respeito a outros direitos e deveres fundamentais como o direito à segurança apenas para referir um dos mais importantes Além da proteção da liberdade de locomoção em relação ao próprio Estado mais especialmente no que diz com a proteção na esfera das relações privadas cabe ao Poder Público assegurar as condições materiais do exercício de tal liberdade especialmente na esfera da organização e do procedimento como dão conta em caráter ilustrativo toda a regulamentação do trânsito nacional e internacional de pessoas e bens as regras e princípios em matéria de prisão e detenção boa parte das quais foi objeto de previsão constitucional específica apenas para referir algumas A própria disponibilização de transporte público inclusive de modo subsidiado como no caso dos idosos e outras hipóteses a criação e manutenção de vias públicas de deslocamento situamse no âmbito de tais medidas que asseguram o efetivo exercício da liberdade de locomoção dada a sua relevância para o exercício e fruição de outros direitos 434 41253 Titulares e destinatários Toda e qualquer pessoa física é titular sujeito ativo da liberdade de locomoção o que abarca tanto os brasileiros natos ou naturalizados quanto os estrangeiros ainda que não residentes no Brasil muito embora para os estrangeiros a liberdade de locomoção esteja sujeita a condições e limites em parte diferenciados e previstos em legislação própria com destaque para a Lei 68151980 435 A titularidade do direito portanto é universal o que pode ser creditado à relevância da liberdade de locomoção para o exercício das liberdades em geral e para a própria dignidade da pessoa humana Pessoas jurídicas estão por absoluta incompatibilidade excluídas do rol dos titulares do direito De qualquer sorte cuidase de questões já desenvolvidas na parte geral dos direitos fundamentais sendo que no tocante aos limites e restrições ainda teremos ocasião de nos manifestar Destinatários sujeitos passivos da liberdade de locomoção são em primeira linha os órgãos e agentes estatais mas considerando que intervenções na liberdade de locomoção são frequentemente levadas a efeito por particulares pessoas jurídicas e naturais também a liberdade de locomoção gera efeitos diretos ou indiretos a depender do caso nas relações privadas 41254 Limites da liberdade de locomoção Como qualquer outro direito fundamental notadamente no campo das liberdades também a liberdade de locomoção não constitui um direito absoluto no sentido de imune a limites e restrições Alguns limites já se encontram estabelecidos no plano constitucional ao passo que outros são impostos pelos poderes constituídos com destaque para a ação do legislador Uma primeira indagação que se faz necessária é a de saber se o fato de a Constituição Federal no art 5º XV fazer referência a que o direito será exercido em tempos de paz afasta por si só a possibilidade de invocar tal liberdade em tempos de guerra Com o devido respeito a eventual entendimento divergente a liberdade de locomoção não deixa de ser fundamental em caso de guerra mas o seu exercício poderá enquanto perdurar tal estado sofrer limitações mais rigorosas e se tornar até mesmo faticamente inviabilizado De qualquer modo assim como em tempo de paz o Poder Público poderá sempre autorizar a livre locomoção em território nacional e até mesmo a entrada e saída do País durante a ocorrência de um conflito armado Considerando que a hipótese de guerra externa constitui uma das situações que ensejam o estado de sítio há que resolver o problema da maior ou menor limitação da liberdade de locomoção mediante uma interpretação sistemática que articule o disposto no art 5º XV da CF com o conjunto de disposições constitucionais que estabelecem limites ou autorizam limites à liberdade de locomoção Com efeito na vigência de estado de sítio regularmente decretado a Constituição Federal art 139 I e II autoriza uma série de medidas que afetam diretamente a liberdade de locomoção dos indivíduos obrigação de permanecer em local determinado e detenção em edifício não destinado a acusados ou condenados por crimes comuns mas em nenhum momento mesmo na pendência de estado de sítio a Constituição prevê a completa suspensão da liberdade de locomoção 436 As restrições cabíveis no caso de estado de sítio que abrange a hipótese de um estado de guerra externa são todavia excepcionais e se justificam apenas na vigência de tal estado de exceção Há ainda um leque significativo de restrições das mais variadas naturezas e que não assumem tal feição excepcional Um conjunto de restrições decorre da necessidade de salvaguardar outros direitos fundamentais ou mesmo bens jurídico constitucionais como é o caso do direito de propriedade visto que a liberdade de locomoção não abrange o direito de livre ingresso na propriedade particular notadamente em se tratando da residência de alguém situação que chega a configurar ilícito penal 437 mas também existem restrições fundadas e justificadas na necessidade de salvaguardar a saúde como se verificou de modo particularmente frequente e intenso durante a pandemia da Covid 19 a segurança e a ordem públicas impondose a ressalva de que em qualquer caso a legitimidade constitucional de tais restrições está condicionada à satisfação das exigências da proporcionalidade eou da razoabilidade já pelo fato de que a teor do art 5º LIV da CF ninguém será privado de sua liberdade sem o devido processo legal 438 Tal entendimento corresponde em linhas gerais à orientação adotada pelo STF que ao mesmo tempo em que reconhece que a liberdade de locomoção não é absoluta tem sido muito exigente no que diz com o controle da legitimidade constitucional das restrições inclusive quanto à possibilidade de restrição da liberdade nas hipóteses previstas em lei com destaque para os casos de prisão 439 A possibilidade de condução coercitiva de testemunhas ou mesmo a internação compulsória para tratamento médico inclusive psiquiátrico esta última objeto de acirrada controvérsia também representam restrições da liberdade de locomoção o mesmo se podendo falar da exigência de passaporte para o exercício da liberdade de deixar o País ou nele ingressar a cobrança de pedágio para uso de estradas mantidas pelo Poder Público art 150 V da CF dentre tantos outros exemplos que poderiam ser colacionados A respeito da condução coercitiva prática que passou a ser reiteradamente utilizada no Brasil e que ganhou destaque nos últimos anos em virtude dos diversos casos em que pessoas de certa expressão social políticos empresários dentre outros foram alvo de medidas dessa natureza o STF proferiu julgamento de grande impacto e que dividiu a Corte designadamente no bojo da ADPF 395DF e ADPF 444DF rel Min Gilmar Mendes julgado em 14062018 Em apertada síntese a Corte por maioria julgou procedente a ADPF para o efeito de pronunciar como não recepcionada pela CF a expressão para o interrogatório constante do art 260 do CPP e declarar a incompatibilidade com a Constituição Federal da condução coercitiva de investigados ou de réus para interrogatório sob pena de responsabilidade disciplinar civil e penal do agente ou da autoridade e de ilicitude das provas obtidas sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado A querela posta no julgamento é altamente controversa mas em regra conduções dessa natureza ainda mais sem prévia intimação e recusa de comparecimento de fato não soam constitucionalmente legítimas quando se tratar de interrogatório do preso na fase jurisdicional de processo criminal visto que ao acusado é dado o direito de nada declarar e responder por isso o argumento de que se trataria de ofensa ao direito à não autoincriminação não parece ser o mais robusto Na fase inquisitorial e para eventual reconhecimento ou outra medida que seja indispensável para a coleta da prova e instrução do processo a condução coercitiva contudo tomadas as devidas precauções por exemplo respeito à integridade física e moral do conduzido incluindo a sua exposição desnecessária e em caráter excepcional e devidamente fundamentado há de ser admitida Quanto ao estrangeiro inclusive o não residente no Brasil embora seja ele titular da liberdade de locomoção encontrase submetido a um status jurídico em parte diferenciado também quanto à sua liberdade de ir e vir e de fixar residência e atuar profissionalmente mas isso diz respeito essencialmente aos limites da liberdade de locomoção não excluindo a sua titularidade propriamente dita No que diz com os instrumentos de garantia da liberdade de locomoção muito embora a Constituição Federal na esteira da tradição constitucional brasileira pretérita tenha previsto uma ação constitucional própria para tal finalidade designadamente a ação de habeas corpus art 5º LXVIII que além disso independe do pagamento de custas judiciais art 5º LXXVII e obedece a um rito extremante informal a abrangência da liberdade de locomoção na ordem jurídicoconstitucional brasileira que engloba até mesmo a liberdade de residência implica que a ação de habeas corpus não seja a única via processual de defesa da liberdade de locomoção De qualquer modo como a ação de habeas corpus será analisada no capítulo das ações constitucionais aqui basta sua referência no contexto da liberdade de locomoção Dada a sua relevância para a liberdade de locomoção a problemática da prisão como modo de intervenção nesta liberdade visto que a prisão constitui pena e mesmo medida na esfera cível expressamente prevista na Constituição Federal será analisada em item próprio logo a seguir 4126 O direito à informação e o direito de acesso à informação 41261 Considerações iniciais O direito à informação no sentido de direito a ser informado que inclui o direito de acesso à informação a prerrogativa de poder acessar informações não se confunde com a liberdade de informação o direito de informar embora tenha com ela fortes pontos de contato e corresponda a uma particular dimensão desta última As três figuras se fazem presentes atualmente tanto nos catálogos de direitos e fundamentais das constituições democráticas e encontram previsão no sistema internacional de reconhecimento dos direitos humanos Embora não tenham sido expressamente previstos no Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos 1966 a liberdade de informação e o direito à informação são considerados como implicitamente abrangidos pela liberdade de expressão em sede regional em particular na Europa Convenção Europeia de Direitos Humanos e Carta Europeia dos Direitos Fundamentais 440 e na América Convenção Interamericana de Direitos Humanos 441 o direito à informação foi objeto de consagração textual Além disso o direito de acesso à informação acabou sendo contemplado em documentos internacionais especiais com destaque aqui para o direito à informação na esfera ambiental 442 O direito à informação aqui na perspectiva do direito de ser informado e do acesso à informação passou outrossim a operar como elemento central de um Estado Democrático de Direito seja pelo fato de permitir o exercício consciente e responsável da cidadania e dos direitos políticos seja como meio de assegurar o controle social e a transparência e publicidade por parte do poder público e dos seus atos Na trajetória constitucional brasileira pretérita muito embora o reconhecimento da liberdade de expressão desde 1824 o direito de acesso à informação e a garantia do sigilo das fontes não foram expressamente previstos nos textos constitucionais anteriores ao da atual CF onde o direito à informação foi expressamente contemplado no art 5º em dois momentos distintos nos incisos XIV e XXXIII Com efeito ao passo que no inciso XIV cujo teor reza que é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte quando necessário ao exercício profissional o inciso XXXIII garante que todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular ou de interesse coletivo ou geral que serão prestadas no prazo de lei sob pena de responsabilidade ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado Isso evidencia o fato de que na CF o direito de acesso à informação assume a condição de um direito fundamental autônomo submetido em parte a regime jurídicoconstitucional próprio que será objeto de atenção logo mais adiante Ainda do ponto de vista do direito constitucional positivo há que lembrar do assim chamado habeas data instituído pelo art 5º LXXII da CF que corresponde a uma ação constitucional mediante a qual as pessoas titulares do direito à informação têm assegurada a possibilidade de obter informações relativas aos seus interesses particulares pessoais que constem em bancos de dados mantidos por entidades governamentais ou bancos de dados de caráter público O conteúdo e o alcance portanto também os limites do direito à informação na CF apenas poderão ser devidamente compreendidos mediante uma análise sistemática que deve levar em conta também sua articulação com outros direitos e princípios fundamentais Além disso não se poderá dispensar um olhar ainda que limitado sobre a sua concretização legislativa e jurisprudencial em especial a Lei Federal de Acesso à Informação Lei 125272011 443 Importante todavia é sublinhar que neste item não será objeto de análise a liberdade de informação no sentido de um direito a informar seja individual seja no campo da liberdade de informação jornalística ou liberdade de comunicação em geral mas sim apenas o direito à informação de receber e acessar informações 41262 Conteúdo e alcance do direito à informação 412621 Anotações gerais sobre o objeto do direito à informação O direito à informação aqui compreendido como direito a ser informado e o direito de acesso à informação que constituem a face positiva do direito de se informar abarcam nas suas diversas refrações subjetivas um direito de não ser impedido de se informar seja no que diz com a liberdade individual de recolher informações seja no que diz respeito à liberdade de busca e escolha das fontes de informação 444 Importa destacar ainda nesse contexto que embora a CF não defina especificamente o que seja informação para efeitos da determinação do objeto do direito e correspondente dever de acesso à informação direto de ser informado a melhor exegese é a que advoga uma concepção alargada que inclui toda e qualquer informação 445 incluindo todas as modalidades cobertas pela liberdade de expressão em geral assim como o direito de acesso às informações em poder do Estado e entidades públicas ou como definido pela legislação específica que regula o acesso a tais informações desde que não importe em restrição ilegítima sob o ponto de vista constitucional do objeto do direito Isso por outro lado não quer dizer que a legislação não possa estabelecer distinções entre o direito de ser informado em termos gerais que se relaciona diretamente com a liberdade de expressão e informação no sentido de liberdade de informar e o direito de acesso à informações detidas pelo Estado e de interesse público o que contudo será objeto de anotação logo mais adiante 412622 Titulares e destinatários Titulares do direito à informação são tanto pessoas naturais incluindo os estrangeiros 446 quanto pessoas jurídicas o que não significa que não possam ser estabelecidas eventuais restrições também quanto a titularidade em determinadas situações em especial quando se trata de acesso a informações em poder dos órgãos estatais Cuidase portanto de um direito de titularidade universal assim como se dá com as liberdades fundamentais em geral a teor do entendimento já consagrado pela doutrina e jurisprudência dominante tanto no Brasil quanto em nível de direito constitucional estrangeiro e internacional de tal sorte que aqui se remete ao item próprio na parte geral dos direitos fundamentais Notese ademais disso que a legislação nacional em especial a Lei de Acesso à Informação já referida não estabelece restrição particular quanto à qualidade do titular do direito subjetivo de acesso à informação Destinatários do direito de acesso à informação portanto do direito de ser informado em sentido amplo são tanto particulares quanto órgãos estatais muito embora distinto o nível de vinculação de acordo com a natureza do destinatário o que decorre em parte já do próprio texto constitucional arts 5º XXXIII e 139 III assim como da legislação infraconstitucional e da jurisprudência destacandose aqui o fato de a Lei de Acesso à Informação Lei 125272011 dispor que o dever de disponibilizar e prestar informações abarca todos os órgãos públicos da administração direta e indireta de todos os níveis da Federação de todos os órgãos estatais empresas públicas fundações sociedades de economia mista assim como entidades privadas que de algum modo tenham recebido ou recebam recursos públicos neste caso apenas no que diz respeito às informações relativas aos recursos recebidos arts 1º e 2º Com isso ainda que de modo mediato por intermédio da legislação ordinária também os particulares encontramse vinculados como destinatários sujeitos passivos ao direito de acesso à informação 412623 Dimensão objetiva e subjetiva negativa e positiva Assim como os direitos fundamentais em geral também o direito à informação tem uma dupla dimensão objetiva e subjetiva Na perspectiva da sua dimensão objetiva o direito à informação densifica no plano constitucional e dos direitos fundamentais um valor essencial de natureza coletiva porquanto indispensável a um Estado Democrático de Direito para o qual a publicidade e a transparência dos atos dos órgãos estatais viabilizam o controle social e uma cidadania ativa e consciente assim como o papel social da liberdade de informação em geral igualmente estruturante para a Democracia Ademais disso cuidase de direito essencial à garantia do pluralismo político 447 Ademais disso o direito de acesso à informação implica na perspectiva objetiva tanto a existência de um dever de proteção estatal e correlatos deveres na seara organizatória e procedimental traduzindo aqui também a função de um dever de natureza prestacional Isso significa que o Estado como garante do direito geral de ser informado e do direito de acesso à informação deve assegurar um sistema informacional funcional de modo que cada cidadão possa efetivamente ter condições de se informar sobre os assuntos essenciais para o Estado Democrático 448 Dito de modo e numa perspectiva constitucionalmente adequados associada ao dever de publicidade da administração que se estende aos poderes estatais em geral no que é compatível é possível sustentar na CF a existência de um dever constitucional de gestão transparente da informação 449 Ademais disso calha sublinhar que o dever constitucional de transparência publicidade e informação além de permitir o controle social imprescindível a um Estado Democrático de Direito assegura ou facilita a fruição e proteção de outros direitos fundamentais não apenas mas em especial os direitos de participação política e de crítica e também os direitos sociais pois o acesso a informações atuais corretas e completas por exemplo em matéria orçamentária permite fiscalizar a destinação de recursos para os fins constitucionalmente previstos como é o caso dos direitos à saúde e à educação os quais inclusive têm assegurado investimento mínimo de recursos públicos Com os recursos cada vez mais desenvolvidos e eficazes das tecnologias de informação já há algum tempo se fala no estabelecimento de uma espécie de cibercidadania que permite que mais pessoas possam de modo mais eficaz e mesmo mais simples e econômico exercer um controle social da administração 450 Do ponto de vista da assim chamada dimensão subjetiva o direito à informação na condição de um direito fundamental em sentido amplo decodificase em um conjunto de posições subjetivas de natureza negativa defensiva como é o caso do direito de não ser impedido de se informar e a faculdade de não se informar como também um direito de caráter positivo no sentido de um direito a prestações de natureza informativa e um direito à proteção e mesmo participação na organização e no procedimento visto que também o direito à informação pode ser incluído no conjunto de direitos e deveres que formatam o que Peter Häberle designou de um status activus processualis ou seja uma cidadania ativa processual visto que viabiliza um controle social indispensável a um Estado Democrático de Direito e a possibilidade de exercício consciente e informado da liberdade de crítica e participação política 412624 Limites e restrições do direito de acesso à informação Assim como os demais direitos fundamentais também o direito geral de ser informado e o direito de acesso à informação não são imunes a limites e restrições de natureza diversa pois não raras vezes entram em processo de tensão e mesmo colisão com outros princípios direitos assim como com outros bens jurídicos de estatura constitucional Tendo em conta que a problemática em si dos limites e restrições a direitos fundamentais foi objeto de capítulo próprio na parte dedicada à teoria geral dos direitos fundamentais iremos focar aqui apenas nas peculiaridades dos limites específicos do direito à informação Nesse contexto há que destacar em primeiro plano os limites diretamente expressamente estabelecidos pelo constituinte originário designadamente a salvaguarda do sigilo profissional art 5º XIV CF a garantia de sigilo imprescindível à segurança da sociedade e do Estado art 5º XXXIII CF bem como a possibilidade de restrições excepcionais por força do Estado de Sítio art 139 III CF neste caso contudo pelo legislador ordinário no âmbito de uma reserva legal simples estabelecida no dispositivo constitucional referido Além disso assumem relevo outras restrições veiculadas pela legislação ordinária como é o caso entre outros diplomas da Lei de Acesso à Informação e mesmo de natureza jurisprudencial que em geral devem ser passíveis de recondução a limites constitucionais de natureza implícita indispensáveis ao estabelecimento de uma concordância prática entre direitos e outros bens constitucionais Ocupemonos ainda que sumariamente das principais A salvaguarda do sigilo da fonte quando necessário ao exercício profissional art 5º XIV CF é uma restrição importante mas que se revela indispensável ao próprio exercício da liberdade de expressão comunicação socialliberdade de imprensa quanto em outros casos que envolvem a preservação da privacidade necessária ao exercício profissional como é o caso entre outros especialmente de médicos psicólogos advogados No que diz com a liberdade de expressão jornalística comunicação social a jurisprudência do STF tem assegurado de modo particularmente robusto a garantia da salvaguarda do sigilo da fonte destacandose o precedente do Inquérito n 870RJ julgado em 08041996 tendo como relator o Min Celso de Mello que destacou ser desautorizada qualquer medida que venha a pressionar ou constranger o jornalista a revelar a fonte da informação utilizada como base de matéria divulgada Outra situação que envolve uma restrição quanto ao acesso a informações encontrase estabelecida no art 93 IX CF que dispõe sobre o assim chamado segredo de Justiça Reza o citado preceito que todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos e fundamentadas todas as decisões sob pena de nulidade podendo a lei limitar a presença em determinados atos às próprias partes e a seus advogados ou somente a estes em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação Como tal tema integra o capítulo dedicado ao Poder Judiciário aqui não será objeto de exame detido Notese apenas que a extensão do segredo de justiça é objeto de regulação infraconstitucional e desenvolvimento jurisprudencial como por exemplo o art 143 do Estatuto da Criança e do Adolescente que dispõe não serem passíveis de divulgação atos judiciais policiais e administrativos relativos a crianças e adolescentes a quem é atribuída a autoria de ato infracional vedada ainda a identificação da criança adolescente sobre a qual seja veiculada notícia Em caso de Estado de Sítio a CF no seu art 139 III prevê que na forma da lei reserva legal simples portanto por meio de lei ordinária com ampla margem de conformação poderão ser estabelecidas restrições tanto ao sigilo das comunicações e à liberdade de imprensa quanto ao direito à prestação de informações Cuidase é claro de hipótese de natureza excepcional e que pressupõe a regular decretação do Estado de Sítio nos termos da própria CF Ademais disso as restrições legais eventualmente impostas nessas circunstâncias nem por isso quedam imunes ao controle jurisdicional de sua constitucionalidade devendo atender aos critérios da proporcionalidade e salvaguardar o núcleo essencial dos direitos afetados O direito de acesso a informações detidas pelo Poder Público art 5º XXXIII CF seja na perspectiva imediatamente constitucional um direito originário a prestações de natureza informativa seja com apoio na legislação infraconstitucional embora em si chancelado pelo STF ainda carece de maior desenvolvimento doutrinário e jurisprudencial inclusive no que diz com o exame da constitucionalidade de dispositivos da Lei de Acesso à Informação e do decreto que a regulamentou Todavia importantes avanços podem ser apontados Nessa perspectiva colacionase julgado do STF Rcl 11949RJ datado de 15032017 e relatado pela Ministra Cármen Lúcia reafirmando em sede de Reclamação a autoridade de decisão anterior RMS 23036RJ de 2006 que havia determinado ordem concedida em Mandado de Segurança fosse assegurado o acesso dos então impetrantes a registros documentais de sessões de julgamento do Superior Tribunal Militar realizadas na década de 1970 acesso que embora determinado pelo STF não foi assegurado de modo amplo pela Corte Militar que liberou apenas documentos e arquivos fonográficos relacionados às sessões públicas Importa frisar ainda que de acordo com o STF o conhecimento da verdade histórica integra o patrimônio jurídico de qualquer cidadão e implica um correspondente dever do Estado ressalvandose apenas as informações indispensáveis ao resguardo do interesse público legítimo e da intimidade assim como para a proteção da sociedade e do Estado o que todavia deverá ser objeto de motivação detalhada viabilizando o controle judicial da recusa Ainda no que diz com a jurisprudência embora já existam algumas decisões importantes do STJ 451 no caso do STF parco é ainda o número de julgados sobre a matéria Um importante mas também polêmico julgamento trata do dever de publicação dos vencimentos dos servidores públicos de todos os quadros acompanhado do respectivo nome do servidor Cuidase do ARE 652777SP tendo como rel Min Teori Zavascki julgado em 23042015 onde se consignou não apenas ser legítima como devida do ponto de vista jurídicoconstitucional a publicação nominal dos vencimentos dos servidores públicos não importando tal obrigação uma intervenção desproporcional na esfera da vida privada e íntima A polêmica em apertada síntese gravitou em torno da argumentação de que para atender o legítimo interesse público de ser informado e ao mesmo tempo preservar a privacidade dos servidores bastaria publicar de modo completo e acessível todos os vencimentos e benefícios inerentes a cada cargo sem contudo revelar o nome do servidor atendendose assim aos critérios da proporcionalidade em especial ao requisito da necessidade De todo modo ao menos por ora prevalece a decisão do STF embora ainda carente de ser implantada em todos os setores e sempre passível de eventual aperfeiçoamento Noutro julgamento relevante sobre o tema designadamente no RE 865401MG rel Min Dias Toffoli julgado em 25042018 Pleno em sede de Repercussão Geral estabeleceuse que O parlamentar na condição de cidadão pode exercer plenamente seu direito fundamental de acesso a informações de interesse pessoal ou coletivo nos termos do art 5º XXXIII da CF e das normas de regência desse direito Tal direito segundo o entendimento da SC não pode ter cerceado o seu exercício devendo o parlamentar ter acesso via requerimento administrativo ou judicial a documentos e informações sobre a gestão pública desde que não estejam excepcionalmente sob regime de sigilo ou sujeitos à aprovação de Comissão Parlamentar de Inquérito CPI Aduz a Corte que o fato de as Casas Legislativas em determinadas situações agirem de forma colegiada por intermédio de seus órgãos não afasta tampouco restringe os direitos fundamentais no caso o direito de acesso à informação assegurados ao parlamentar como indivíduo Vale mencionar também a decisão proferida na ADPF 129 na qual o STF julgou inconstitucional o art 86 do Decretolei n 2001967 que tratava de despesas confidenciais por conter termos genéricos e insuficientes para amparar a restrição ao direito de acesso à informação 452 Ainda nesse contexto é de se referir a decisão proferida na ADPF 669DF com relação à pandemia do novo coronavírus que ao mesmo tempo representa importante precedente sobre o dever dos entes públicos de prestarem informações verdadeiras e baseadas em evidências O relator Min Roberto Barroso decidiu cautelarmente pela vedação da produção e circulação por qualquer meio de qualquer campanha que pregue que O Brasil Não Pode Parar ou que sugira que a população deve retornar às suas atividades plenas ou que expresse que a pandemia constitui evento de diminuta gravidade para a saúde e a vida da população Segundo o Ministro Barroso a campanha publicitária não era informativa educativa ou de orientação social e portanto não estava em concordância com o art 37 1º da CF 453 Na seara das restrições impostas pelo legislador ordinário há que focar na Lei de Acesso à Informação Lei n 125272011 e no decreto que a regulamentou Decreto n 77242012 posto que ambos veiculam uma série de intervenções restritivas importantes mas em parte questionáveis quanto à sua legitimidade jurídico constitucional Aliás é de se sublinhar que o decreto chegou mesmo a criar restrições sequer previstas na lei desbordando assim em parte do seu espaço legal de regulação A Lei de Acesso à Informação como já adiantado estabelece determinadas restrições ao direito de acesso à informação Destacamse aqui as informações classificadas como sigilosas elencadas no art 23 tais como informações que colocam em risco a soberania nacional a condução de negociações internacionais a vida e a saúde da população entre outras informações que de acordo com a sua relevância nos termos da lei podem ser classificadas em três categorias ultrassecretas secretas ou reservadas cada qual com um regime próprio e prazo diferenciado para liberação do acesso para o público art 24 Tratase de restrições que têm por objetivo assegurar diversas dimensões do interesse público e que segundo abalizada doutrina correspondem a rol de natureza taxativa 454 muito embora a lei não esteja a afastar expressamente a possibilidade da criação pela via legislativa de outras hipóteses nem mesmo se possa afastar de plano uma intervenção judiciária seja corrigindo ou mesmo fulminando as opções legislativas mas também eventualmente estabelecendo novas restrições por força da existência de colisões entre direitos fundamentais e outros bens constitucionais o que por ora não se verifica Ainda no tocante às restrições estabelecidas ao acesso à informação há que conside rar por fim que tais exceções devem ser compreendidas de modo restritivo principalmente considerando o direito de acesso à informação como sendo um importante instrumento de controle social Neste sentido mencionase como exemplo decisão proferida no âmbito da ADPF 690 em que o Ministro Alexandre de Moraes determinou ao Ministro da Saúde que mantivesse em sua integralidade a divulgação diária dos dados epidemiológicos relativos à pandemia do novo coronavírus inclusive no sítio do Ministério da Saúde e com os números acumulados de ocorrências fundamentando sua decisão no grave risco de uma interrupção abrupta da coleta e divulgação de importantes dados epidemiológicos imprescindíveis para a manutenção da análise da série histórica de evolução da pandemia 455 4127 As garantias constitucionais relativas à prisão o caso da prisão civil 41271 Generalidades Dentre as garantias da liberdade de locomoção assumem relevo as garantias da pessoa em face de detenções e prisões impostas pelo Estado ou mesmo da privação da liberdade por parte de terceiros Conquanto a imposição de medidas restritivas da liberdade não seja por si só considerada ilegítima na perspectiva do direito constitucional e do sistema internacional de proteção dos direitos humanos tanto no plano constitucional quanto no direito internacional existe uma série de restrições ao estabelecimento de medidas privativas da liberdade de locomoção Assim ao longo da evolução do constitucionalismo e de um direito internacional dos direitos humanos um conjunto de garantias fundamentais da pessoa contra medidas privativas da liberdade foi sendo construído Tais garantias ou melhor direitosgarantia englobam tanto limitações quanto ao agente competente para determinar a privação da liberdade quanto ao fundamento de tal privação e o seu procedimento No caso da Constituição Federal importa distinguir os casos de prisão em matéria penal e cível que receberam tratamento distinto do constituinte Para efeitos deste capítulo analisaremos por ora apenas o caso da prisão civil 41272 A prisão civil possibilidade e limites na Constituição Federal 456 412721 Generalidades e evolução constitucional pretérita A teor do disposto no art 5º LXVII da CF é vedada a prisão civil por dívida ressal vadas duas hipóteses a a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia b do depositário infiel A despeito de ser em geral proibida a possibilidade em alguns casos da prisão civil corresponde de certo modo a uma tradição no ordenamento jurídicoconstitucional brasileiro que já há muito tempo admite a prisão civil especialmente nas hipóteses de depositário infiel e suas variações Embora as duas primeiras Constituições 1824 1891 assim como a Constituição de 1937 não tenham disposto sobre o tema a legislação vigente na época assegurava a possibilidade da prisão acrescida posteriormente da prisão por dívida de natureza alimentar Assim por exemplo o antigo Código Comercial de 1850 art 20 prisão de comerciante para apresentação de livros em juízo art 90 prisão de trapicheiros e administradores de armazéns de depósito art 284 prisão de depositário intimado que não entrega a coisa depositada bem como o Código Civil de 1916 art 1287 prisão civil do depositário No plano constitucional a proibição de prisão civil por dívida foi consagrada pela primeira vez no Brasil na Constituição de 1934 art 113 n 30 Não haverá prisão por dívidas multas ou custas de 1946 art 141 32 Não haverá prisão civil por dívida multa ou custas salvo o caso do depositário infiel e o de inadimplemento de obrigação alimentar na forma da lei dispositivo que foi reproduzido pela Constituição de 1967 art 150 17 assim como pela EC 11969 art 153 17 até que se chegasse à formula atualmente consagrada já referida No direito constitucional estrangeiro não se pode afirmar que exista uma tendência uniforme visto que diversas constituições não se referem expressamente à prisão civil como é o caso no âmbito sulamericano da Constituição da Argentina art 19 da Constituição chilena art 19 7º b e da Constituição da Venezuela art 60 2 em que a privação da liberdade está mais estreitamente vinculada ao princípio da legalidade No âmbito europeu ao passo que a Constituição da Suíça aboliu expressamente a prisão por dívida art 59 3 em outros países a possibilidade de restrição das liberdades independentemente de ser ou não na esfera civil é reconhecida somente nos casos e na forma previstas em lei Esse é o caso por exemplo das Constituições da Espanha art 17 1 da Constituição portuguesa art 27 2 da Constituição alemã art 22 e da Constituição italiana art 13 Já no plano do direito internacional dos direitos humanos as limitações postas em relação à prisão civil especialmente no caso da prisão por dívidas são mais contundentes O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos de 1966 veda que alguém seja preso ape nas por não poder cumprir com uma obrigação contratual art 11 ao passo que a Convenção Americana sobre Direitos Humanos Pacto de São José da Costa Rica de 1969 no seu art 7º n 7 dispõe que ninguém deve ser detido por dívidas ressalvando os casos de prisão por dívida alimentar devidamente decretados por autoridade judiciária competente A Convenção Europeia dos Direitos Humanos art 1º do Protocolo 4 por sua vez a exemplo do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos afirma que ninguém pode ser privado da sua liberdade pela única razão de não poder cumprir uma obrigação contratual A partir do exposto é possível perceber que embora a tendência de uma generalizada proscrição dos casos de prisão por dívida salvo de caráter alimentar e com base em disposição contratual a prisão civil que abarca toda e qualquer modalidade de prisão que não tenha natureza penal ou administrativa como ocorre na esfera da hierarquia militar não foi completamente afastada sequer com base no sistema internacional de direitos humanos Como o nosso intento é o de comentar de modo sumário o que diz a Constituição Federal a respeito do tópico é com base no direito brasileiro com destaque para a perspectiva constitucional que iremos abordar o assunto 412722 Conteúdo e âmbito de proteção da proibição da prisão civil na Constituição Federal Segundo a norma contida no inciso LXVII do art 5º não haverá prisão civil por dívida salvo nos casos expressamente autorizados pela própria Constituição que por sua vez não tendo caráter de pena constituem meio processual excepcional e de cunho coercitivo destinado a cumprir duas finalidades a obrigar o devedor de alimentos a cumprir com a sua obrigação alimentar b compelir o depositário infiel a entregar o bem que lhe foi confiado ou em caráter alternativo efetuar a sua substituição por outro ou pelo seu equivalente em espécie Na perspectiva da dupla dimensão defensiva e prestacional dos direitos fundamentais a vedação da prisão civil em primeira linha consiste no direito de qualquer pessoa de não ser privado da liberdade em virtude do descumprimento de obrigação direito este que exige uma posição de respeito e de abstenção do Estado e dos particulares Assim como direito de defesa a proibição de prisão civil opera como uma barreira invalidando todos os atos atentatórios a esta garantia constitucional independentemente da natureza pública ou privada destes atos sejam eles normativos ou não A dimensão defensiva negativa como é sabido não dispensa uma postura ativa do Estado justamente para proteger a liberdade da pessoa impedindo que esta seja violada inclusive pelo próprio Estado ou por iniciativa de particulares com destaque para o dever de tutela jurisdicional mas também por meio de prestações jurídicas normativas ou mesmo por meio de outras formas de tutela da liberdade pessoal e meios alternativos de proteção dos direitos que se pretendeu tutelar com a possibilidade da prisão No que diz com o conteúdo literal e portanto neste sentido previamente determinado da incidência da proibição da prisão cuidase de norma regra tipicamente proibitiva e que em princípio admite apenas duas exceções a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentar e a do depositário infiel Ambas as hipóteses inclusive por serem por sua vez instrumentos de tutela de outros bens eou direitos com assento constitucional direto ou indireto vinham sendo objeto de acirrada discussão doutrinária e jurisprudencial inclusive no que diz com a manutenção da possibilidade da prisão civil no sistema constitucional brasileiro especialmente no caso da prisão do depositário infiel Todavia com a edição da Súmula Vinculante 25 do STF pelo menos no que diz com a posição dos tribunais o debate praticamente se limita a uma ou outra voz crítica inclusive refutando o alcance da decisão do STF o que voltará a ser objeto de atenção nos próximos itens que dizem respeito aos mais importantes aspectos envolvendo ambas as exceções previstas pelo menos textualmente pela Constituição 412723 A prisão civil no caso de inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentar As exceções à norma constitucional proibitiva da prisão civil enquadramse dentro de uma tipologia das restrições aos direitos fundamentais no âmbito das restrições diretamente estabelecidas pela Constituição Federal muito embora caiba ao legislador infraconstitucional concretizar tais hipóteses No caso específico da prisão civil por inadimplemento de dívida de alimentos o corpo legislativo que regulamenta as hipóteses e o procedimento da prisão civil abarca tanto os diversos tratados internacionais ratificados pelo Brasil e incorporados ao direito interno com destaque para o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e a Convenção de São José da Costa Rica quanto dispositivos previstos no Código Civil Código de Processo Civil e Lei de Alimentos Um aspecto digno de nota relacionase com o fato de que no caso da prisão do devedor de alimentos a Constituição Federal diferentemente dos tratados internacionais foi mais restritiva e protetiva do devedor já que limitou a liberdade de conformação do legislador infraconstitucional para regular a matéria ao dispor que a prisão do devedor de alimentos somente será legítima se a dívida for voluntária e inescusável ao passo que os tratados internacionais deixaram uma maior margem de liberdade aos legisladores nacionais A respeito da possibilidade de se utilizar a prisão civil como meio coercitivo excepcional nas hipóteses de inadimplemento de dívidas trabalhistas já que o salário tem natureza alimentar e é um bem jurídico que goza de especial proteção constitucional art 7º X bem como em outras situações como no caso de créditos indenizatórios decorrentes de acidente de trabalho benefícios previdenciários honorários profissionais dentre outras é preciso enfatizar que em termos gerais a resposta majoritária tem sido negativa especialmente quando mesmo evidente a natureza alimentar não há previsão legal expressa admitindo a prisão exigência que decorre do disposto no inciso II do art 5º da CF É preciso destacar nesse contexto que pelo não pagamento por parte dos entes federativos dos precatórios de natureza alimentar art 100 1º e 5º da CF não cabe decretação da prisão civil do governante já que há de ser observada também a ordem de pagamento dos precatórios alimentares Assim ainda que se possa controverter sobre a natureza alimentar da obrigação a prisão civil como medida restritiva de liberdade excepcionalmente autorizada pela Constituição não pode ter pelo menos segundo o entendimento dominante o seu âmbito alargado sem prévia norma infraconstitucional que venha a lhe dar exata conformação Aliás a própria edição de legislação ampliando as hipóteses de prisão civil teria de ser rigorosamente controlada à luz dos parâmetros que regem as limitações dos direitos fundamentais designadamente os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade bem como a garantia da salvaguarda no núcleo essencial dos direitos fundamentais visto que o legislador não está autorizado a transfor mar a norma constitucional proibitiva de prisão civil em letra morta Evidentemente tal argumentação não afasta por si só e de modo categórico a controvérsia visto que sempre seria possível argumentar que à míngua de alternativas plausíveis eventual conflito entre a restrição da liberdade pessoal e a satisfação de obrigação de caráter inequivocamente alimentar poderia justificar à luz da proporcionalidade uma superação excepcional da exigência prévia de lei o que pelo menos em função dos limites do presente comentário aqui vai referido apenas em caráter meramente argumentativo Muito embora quanto ao cabimento em si da prisão civil por inadimplemento voluntário e inescusável de dívida alimentar não paire controvérsia existem questões que têm merecido a atenção da doutrina e da jurisprudência No que diz com a jurisprudência do STF a grande massa das decisões é dada a natureza da matéria concentrada nas instâncias ordinárias e no STJ verificase que em termos gerais tem sido afirmada a inadequa ção do habeas corpus para rediscutir o binômio necessidadepossibilidade e o cabimento da reiteração do mandado de prisão civil quando configurado novo descumprimento da obrigação alimentícia 457 Já com relação ao acúmulo de parcelas vencidas o entendimento da Suprema Corte é de que cabe a ordem de prisão civil quando o acúmulo de parcelas não se deu por inércia do credor 458 sendo inadequada esta via quando o acúmulo de parcelas se deu por inércia do alimentando por longo tempo 459 Por outro lado superada a divergência em torno de saber se o rito da prisão civil aplicarseia no ordenamento jurídico brasileiro apenas aos alimentos provisionais aqueles deferidos em sede da ação cautelar de alimentos provisionais arts 852 a 854 do CPC ou também aos alimentos provisórios e aos alimentos definitivos em prol da admissibilidade para quaisquer dessas espécies do gênero alimentos sejam eles deferidos provisória ou definitivamente 460 aplicase o prazo de 60 dias aos alimentos definitivos conforme a lei especial art 19 da Lei 54781968 e o prazo de 1 um a 3 três meses aos alimentos provisórios conforme a lei processual civil art 733 1º do CPC tendo em vista a natureza da obrigação alimentar e sua vinculação direta com a proteção dos direitos fundamentais Importa destacar que o direito e correspondente dever fundamental de assistência familiar constitui um bem jurídico que goza de tutela penal art 244 do CP podendo a sua violação configurar delito de abandono material o que apenas reforça a necessidade de se analisar todo o complexo de questões vinculadas ao tema à luz de um sistema de direitos fundamentais que prioriza a promoção e proteção da dignidade da pessoa humana ainda mais naquilo que diz respeito às crianças e aos idosos em face de sua maior vulnerabilidade nestas fases da vida Questão relevante sob a perspectiva constitucional diz com o regime prisional da prisão civil do devedor de alimentos Muito embora as regras contidas na Lei de Execução Penal Lei 7210 de 11071984 não se apliquem à prisão civil já que não se trata de pena admitese a possibilidade de que excepcionalmente em virtude das circunstâncias do caso concreto o regime da prisão civil possa ser o aberto prisão albergue e até mesmo a prisão domiciliar ainda que a regra pelo fundamento diverso deva ser o regime comum no caso o regime fechado Nesse sentido mesmo que o STJ 461 tenha reconhecido que idosos de idade avançada e gravemente enfermos podem cumprir a prisão civil em regime domiciliar se cumpridos os requisitos legais contidos na Lei de Execução Penal embora a prisão civil deva em regra ser executada em regime fechado 462 o STF 463464 argumentando a partir do caráter constritivo da prisão civil não admite o seu cumprimento em regime domiciliar nem mesmo o seu cumprimento em regime de prisãoalbergue assegurando ao paciente o cumprimento da prisão civil em cela separada Quanto às divergências apontadas há que considerar no exame de cada caso concreto que outros direitos fundamentais estão em jogo o que poderá justificar inclusive o cumprimento da prisão civil pelo regime da prisão domiciliar ainda que a sua natureza não seja a de uma pena Além disso examinandose a questão à luz do princípio da proporcionalidade dentre outros argumentos que poderiam ser esgrimidos verificase que o cumprimento da prisão civil em regime aberto admitido sempre o trabalho externo mesmo informal desde que plausivelmente justificado deveria ser a regra e não mera exceção ainda mais que o impedimento de atividade laboral até mesmo a procura por um trabalho pode acarretar a impossibilidade do alimentante de prestar os alimentos 465 Importa considerar ainda que o objetivo da prisão justamente por não ser pena é o de compelir o devedor à satisfação dos créditos alimentares e não impedilo de efetuar o pagamento Assim a não ser em caso de reincidência mesmo assim com o exame do caso concreto quando se pode partir da premissa de que a prisão em regime aberto não logrou ser um meio apto a cumprir sua finalidade a aplicação do meio constritivo da liberdade pessoal em regime fechado mas sempre em instituição prisional adequada à prisão civil poderia ser cogitada 412724 A controvérsia em torno da prisão civil do depositário infiel Como já referido a prisão civil do depositário infiel é a segunda exceção constitucional expressa à norma que proíbe a prisão civil por dívida mas o STF especialmente após ter sumulado a matéria passou a chancelar o entendimento de que nem mesmo nos casos de depósito judicial seria possível a legislação infraconstitucional prever a prisão civil do depositário A matéria contudo foi objeto de longo e acalorado debate na doutrina e na jurisprudência Com efeito é preciso recordar que de acordo com a orientação consagrada pelo STF até há pouco tempo em que pesem alguns votos dissidentes o Declei 9111969 teria sido recepcionado pela nova ordem constitucional e a equiparação do devedor fiduciário ao depositário infiel não afrontaria a Constituição autorizando a expedição de decreto de prisão civil no caso da alienação fiduciária em garantia tendo o STF inclusive cassado decisões proferidas pelo STJ que consideravam descabida a prisão 466 Tal orientação já foi reavaliada pelo Plenário do STF no âmbito do julgamento dos Recursos Extraordinários 466343SP e 349703RS no sentido de reconhecer a inconstitucionalidade da prisão civil no que diz respeito aos contratos de alienação fiduciária em garantia inclusive alterando a orientação anteriormente vigente sobre a hierarquia dos tratados internacionais de direitos humanos no sentido de passar a afirmar a prevalência dos tratados sobre qualquer diploma legal interno cedendo apenas em face da Constituição o que também foi discutido no julgamento dos Habeas Corpus 87585TO e 92566SP Em apertada síntese eis os fundamentos para a nova orientação do STF a inconstitucionalidade da prisão civil do devedor fiduciante por violação dos princípios da proporcionalidade e da reserva legal proporcional b a superação da anacrônica tese da legalidade ordinária dos tratados internacionais incompatível com a tendência do constitucionalismo contemporâneo em prol da proteção e promoção da pessoa humana mediante a adoção da tese da supralegalidade dos tratados internacionais que versem sobre direitos humanos c a autorização constitucional para prisão civil do depositário infiel não foi revogada pelos tratados internacionais mas deixa de ter aplicabilidade paralisando todos os efeitos da legislação infraconstitucional em sentido contrário de modo que não subsiste base legal para que seja decretada a prisão civil do depositário d além disso de acordo com o ventilado nos julgamentos independentemente da existência dos tratados proibindo a prisão por dívida nos casos de alienação fiduciária inexiste a figura do depositário o que por si só implica o descabimento da prisão Na sequência de tal decisão e após uma série de outros julgados tanto o STF Súmula Vinculante 25 de 16122009 quanto o STJ Súmula 419 de 03032010 sumularam a matéria no sentido de ter por vedada qualquer modalidade de prisão de depositário infiel na ordem jurídica brasileira inclusive em caso de depósito judicial aspecto que pelas suas peculiaridades será analisado a seguir já que a decisão do STF não se revela de todo imune a controvérsias Com efeito se é possível aceitar a bondade intrínseca e correção da tese da inconstitucionalidade da prisão civil nos casos de alienação fiduciária em garantia ou hipóteses similares o mesmo já não pode ser afirmado pelo menos não sem alguma reflexão adicional em relação aos casos do depositário judicial infiel Não é demais lembrar que durante muito tempo e mesmo após o reconhecimento da ilegitimidade da prisão civil nos casos de alienação fiduciária existiam julgados atualmente superados no sentido de que a proibição de prisão civil constante no Pacto de São José da Costa Rica não se aplica ao depositário judicial infiel Os motivos que levam ao questionamento da nova orientação do STF pelo menos quanto a alguns aspectos são vários Por um lado resulta evidente que no caso do depósito judicial não se trata de uma prisão decorrente pelo menos não diretamente e em parte das situações de uma obrigação contratual o que afasta em princípio quaisquer digressões quanto à violação do Dec Legislativo 2261991 art 11 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos argumentos que todavia não podem ser esgrimidos com relação ao Decreto Legislativo 271992 art 7 n 7 do Pacto de São José da Costa Rica É preciso recordar neste contexto que a jurisprudência tanto do STJ quanto do próprio STF 467 vinha sustentando que a obrigação do depositário judicial não decorre de uma relação contratual depósito voluntário e sim do exercício de um encargo público depósito necessário já que o depositário judicial como auxiliar da autoridade judiciária que está prestando jurisdição tem a obrigação de guardar com zelo o bem que lhe foi confiado em depósito Em segundo lugar verificase manifesto conflito entre a liberdade pessoal do depositário judicial infiel sujeita a restrição pela prisão civil e a garantia de efetividade do processo assim como com o próprio direito deduzido judicialmente que encontra na constrição e depósito de determinado bem muitas vezes a única garantia de que após longos anos de disputa judicial seja satisfeita a obrigação reclamada De outra parte resulta pelo menos questionável o entendimento de que aqui se trate de típica prisão por dívida visto que o que se busca coibir é uma forma de fraude à efetividade do processo ainda mais ausentes outras formas de execução e evidentemente preservado o contraditório e a possibilidade de demonstração da ausência de responsabilidade pelo perecimento do bem depositado Aliás cabe retomar aqui a discussão em torno da própria definição de prisão civil que consoante já adiantado não se confunde com a figura da prisão por dívida de tal sorte que diversos países igualmente signatários do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e de outras convenções internacionais pactos que não vedam de modo genérico a prisão civil mas apenas a prisão por dívida e a prisão com base em disposição contratual mantêm a possibilidade da prisão civil nos seus ordenamentos Embora não seja possível avançar com a análise cuidase de discussão a ser aprofundada à luz de outras variáveis a serem consideradas Apenas para ilustrar há que enfrentar o problema de em sendo completamente banida a prisão civil ser criado algum tipo de garantia para que as pessoas que ainda buscam solver na esfera judicial os seus conflitos tenham o direito efetivado pois do contrário o dever de proteção do Estado poderá estar pendendo em favor apenas de um dos interesses em causa Além disso o argumento corrente de que se trata da contraposição entre meros interesses patrimoniais da parte credora e a dignidade do devedordepositário igualmente merece ser mais bem debatido A tese da integral convergência entre o direito de liberdade e a dignidade da pessoa humana faria com que qualquer restrição da liberdade mesmo de cunho penal sempre representasse uma violação da dignidade da pessoa humana quando em verdade apenas a prisão perpétua e a execução da restrição da liberdade em condições indignas este sim fenômeno comum entre nós costumam ser consideradas ofensivas à dignidade ou mesmo ao núcleo essencial do direito de liberdade Da mesma forma não é apenas o interesse nem sempre meramente patrimonial do credor que está em causa basta apontar para o exemplo de dívidas de cunho alimentar ou existencial não enquadradas nas hipóteses legais que admitem a prisão civil mas que resultaram em penhora e depósito judicial mas como já referido a dimensão objetiva da garantia fundamental do direito a ter direitos efetivos que se não puder ser em caráter excepcional assegurada mediante a aplicação da prisão civil deveria pelo menos encontrar outra forma de satisfação por parte do Estado a quem incumbe o dever de proteção eficiente dos direitos fundamentais questão que desafia maior investimento e se situa na esfera do problema mais amplo do acesso efetivo à Justiça 412725 Liberdade de profissão 1 Considerações gerais A liberdade de exercício de profissão é uma das liberdades fundamentais mais importantes do catálogo constitucional brasileiro dada a sua conexão com uma série de outros princípios e direitos fundamentais Já no período inaugural do constitucionalismo moderno fortemente marcado pelo iluminismo a liberdade de escolha e exercício profissional era considerada como um meio essencial para a autorrealização do homem e tida especialmente para os grandes economistas da época como era o caso de Adam Smith como condição essencial para a economia e a realização do bem comum 468 Mesmo na quadra atual é possível afirmar que a liberdade de exercício profissional diz respeito ao desenvolvimento da personalidade na perspectiva econômica muito embora a maior ou menor intensidade da faceta econômica e do lado existencial dependam de cada ordem jurídicoconstitucional 469 É recorrendo às lições de Konrad Hesse que se pode compreender melhor tal caráter dúplice da liberdade de exercício profissional Com efeito de acordo com o festejado constitucionalista alemão no que diz com a sua dimensão pessoal a liberdade de profissão é sempre um aspecto essencial da livre formatação da própria existência sem a qual o livre desenvolvimento da personalidade não seria sequer concebível por outro lado na perspectiva econômica a liberdade de profissão constitui elemento essencial de uma ordem social e econômica livre 470 Tendo em conta que também a ordem constitucional brasileira tem por fundamento a dignidade da pessoa humana mas também os valores sociais do trabalho e da livreiniciativa numa perspectiva simétrica é possível recolher as diretrizes cunhadas pelo Tribunal Constitucional Federal da Alemanha no sentido de que a liberdade de escolha do exercício profissional guarda forte relação com o direito ao desenvolvimento da personalidade pelo fato de que se trata tanto de uma finalidade quanto de um fundamento da vida pessoal ao mesmo tempo viabilizando que o indivíduo possa contribuir para a vida social como um todo 471 O fato é que ao longo da evolução constitucional a liberdade de exercício profissional foi não apenas ganhando importância difundindose entre as constituições mas sendo também integrada ao sistema internacional dos direitos humanos Além disso seu objeto e seus limites foram sendo articulados com outros direitos e bens jurídico constitucionais implicando um câmbio tanto qualitativo quanto quantitativo de modo que também a liberdade de exercício profissional assume atualmente a feição de um direito fundamental complexo e multidimensional o que será desenvolvido logo adiante após breves notícias sobre o seu reconhecimento no direito constitucional positivo e nos documentos internacionais 2 A liberdade de profissão o direito internacional dos direitos humanos e o constitucionalismo estrangeiro Já tendo sido reconhecida em diversas Constituições nacionais a liberdade de profissão acabou sendo agasalhada também na esfera do direito internacional dos direitos humanos a começar pela Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU de 1948 cujo art XXIII n 1 dispõe que toda pessoa tem direito ao trabalho à livre escolha de emprego a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego O Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos Sociais e Culturais de 1966 por sua vez traz no art 6º o reconhecimento dos EstadosMembros do direito de toda pessoa de ter a possibilidade de ganhar a vida mediante um trabalho livremente escolhido ou aceito A Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos de 1981 dispõe Art 8º A liberdade de consciência a profissão e a prática livre da religião são garantidas Sob reserva da ordem pública ninguém pode ser objeto de medidas de constrangimento que visem restringir a manifestação dessas liberdades Por fim mas não menos importante no âmbito da União Europeia a Carta de Direitos Humanos 2000 também incorpora a liberdade profissional e o direito de trabalhar assegurando a todas as pessoas o direito de trabalhar e exercer uma profissão livremente escolhida ou aceite e ainda dispõe que todos os cidadãos da UE têm a liberdade de procurar emprego de trabalhar de se estabelecer ou de prestar serviços em qualquer EstadoMembro Constituição portuguesa Art 47º Liberdade de escolha de profissão e acesso à função pública 1 Todos têm o direito de escolher livremente a profissão ou o género de trabalho salvas as restrições legais impostas pelo interesse colectivo ou inerentes à sua própria capacidade 2 Todos os cidadãos têm o direito de acesso à função pública em condições de igualdade e liberdade em regra por via de concurso Constituição espanhola Art 35 1 Todos los españoles tienen el deber de trabajar y el derecho al trabajo a la libre elección de profesión u oficio a la promoción a través del trabajo y a una remuneración suficiente para satisfacer sus necesidades y las de su familia sin que en ningún caso pueda hacerse discriminación por razón de sexo 3 La Ley regulará un Estatuto de los Trabajadores Lei Fundamental Alemã Art 12 1 Alle Deutschen haben das Recht Beruf Arbeitsplatz und Ausbildungsstätte frei zu wählen Die Berufsausübung kann durch Gesetz oder auf Grund eines Gesetzes geregelt werden 2 Niemand darf zu einer bestimmten Arbeit gezwungen werden außer im Rahmen einer herkömmlichen allgemeinen für alle gleichen öffentlichen Dienstleistungspflicht 3 Zwangsarbeit ist nur bei einer gerichtlich angeordneten Freiheitsentziehung zulässig Constituição mexicana Art 5º A ninguna persona podrá impedirse que se dedique a la profesión industria comercio o trabajo que le acomode siendo lícitos El ejercicio de esta libertad sólo podrá vedarse por determinación judicial cuando se ataquen los derechos de tercero o por resolución gubernativa dictada en los términos que marque la ley cuando se ofendan los derechos de la sociedad Nadie puede ser privado del producto de su trabajo sino por resolución judicial Constituição italiana Art 4 La Repubblica riconosce a tutti i cittadini il diritto al lavoro e promuove le condizioni che rendano effettivo questo diritto Ogni cittadino ha il dovere di svolgere secondo le proprie possibilità e la propria scelta una attività o una funzione che concorra al progresso materiale o spirituale della società Constituição chilena Art 19 16º La libertad de trabajo y su protección Toda persona tiene derecho a la libre contratación y a la libre elección del trabajo con una justa retribución 3 Direito constitucional brasileiro anterior Pela sua importância para a liberdade individual e mesmo para a ordem econômica do liberalismo a liberdade de profissão já se fazia presente na primeira Constituição brasileira de 1824 que no seu art 179 XXIV dispunha que nenhum genero de trabalho de cultura industria ou commercio póde ser prohibido uma vez que não se opponha aos costumes publicos á segurança e saude dos Cidadãos A primeira Constituição da República de 1891 no seu art 72 24 preceituava É garantido o livre exercício de qualquer profissão moral intelectual e industrial O texto constitucional de 1934 por sua vez que já se enquadrava nos moldes de um constitucionalismo social reconheceu a liberdade de profissão mas a condicionou ao interesse público Com efeito de acordo com o art 113 n 13 da Carta de 1934 é livre o exercício de qualquer profissão observadas as condições de capacidade técnica e outras que a lei estabelecer ditadas pelo interesse público A mesma constituição no seu art 133 reservou salvo exceções o exercício de profissões liberais aos brasileiros natos e naturalizados que tenham prestado serviço militar no Brasil o que em linhas gerais foi mantido no texto constitucional do Estado Novo de 1937 cujo art 122 n 8 garantia a liberdade de escolha de profissão ou do gênero de trabalho indústria ou comércio observadas as condições de capacidade e as restrições impostas pelo bem público nos termos da lei mantida também a restrição do exercício de profissões liberais aos brasileiros natos e naturalizados art 150 A Constituição Federal de 1946 por sua vez no seu art 141 14 dispunha ser livre o exercício de qualquer profissão observadas as condições de capacidade que a lei estabelecer ao passo que a Constituição de 1967 art 150 23 assegurava ser livre o exercício de qualquer trabalho ofício ou profissão observadas as condições de capacidade que a lei estabelecer texto que foi mantido na versão da Constituição alterada pela EC 1 de 17101969 no art 153 23 412726 A liberdade de profissão na Constituição Federal 1 Considerações gerais De acordo com o disposto no art 5º XIII da CF é livre o exercício de qualquer trabalho ofício ou profissão atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer enunciado textual que como ocorre em muitas outras situações diz menos diretamente do que de fato corresponde ao conteúdo e alcance do direito fundamental já pelo simples fato de a liberdade de exercício profissional abarcar de plano aqui ainda desconsiderados outros aspectos também a liberdade de escolha de determinada profissão razão pela qual em diversos lugares como é o caso da Alemanha não se fala em liberdade de exercício de profissão mas sim tal como disposto no art 12 da Lei Fundamental genericamente em liberdade de profissão ou liberdade profissional Berufsfreiheit Em sentido diverso a Constituição portuguesa de 1976 contempla no plano textual uma liberdade de escolha da profissão art 47 que todavia abrange a liberdade de exercício da profissão escolhida sendo por sua vez considerada uma componente da liberdade de trabalho mais ampla mas que não encontrou previsão expressa e autônoma no texto constitucional português 472 Considerando o caráter amplo da liberdade de exercício da profissão na Constituição Federal a despeito da terminologia adotada pelo constituinte passaremos a utilizar a expressão mais genérica liberdade de profissão 473 Ainda neste contexto preliminar importa enfatizar que a liberdade de profissão não se confunde com a livreiniciativa art 1º IV e art 170 caput da CF nem com a liberdade de exercício de qualquer atividade econômica art 170 parágrafo único da CF 474 embora a existência de pontos de contato que aqui não serão explorados 2 Conteúdo e âmbito de proteção Como já referido na parte introdutória também a liberdade de profissão é um direito fundamental complexo abarcando uma dupla dimensão objetiva e subjetiva 475 além de ter tanto uma função defensiva negativa quanto positiva prestacional 476 Assim o âmbito de proteção da liberdade de profissão há de ser tomado em sentido amplo compreendendo na condição de direito de defesa direito negativo a liberdade de não ser impedido de escolher e exercer qualquer profissão para a qual se tenham atendido os requisitos necessários mas também o direito de não ser compelido forçado a escolher e exercer determinada profissão 477 No âmbito da sua função defensiva o que está em causa portanto é assegurar ao indivíduo a possibilidade de uma realização autônoma das condições materiais de sua própria existência e desenvolvimento mediante uma blindagem contra uma intervenção e regulação indevida e desnecessária por parte do Estado 478 Embora se possa partir da premissa de que a liberdade de profissão é também uma liberdade negativa que tem por objeto a prerrogativa de se optar por não exercer uma profissão e de prover a existência por outros meios lícitos por exemplo a manutenção por terceiros ou viver de rendimentos do patrimônio o reconhecimento de um direito à preguiça é no mínimo controverso especialmente em ordens jurídicas onde a vadiagem é sancionada até mesmo na esfera criminal por mais questionável que seja por sua vez tal criminalização De qualquer modo é certo que a liberdade negativa de profissão implica também um direito humano e fundamental no sentido de um direito de todos e de qualquer um a não ser forçado ao trabalho 479 visto que proibida qualquer hipótese de trabalho forçado ou escravo inclusive como penalidade imposta por força de condenação criminal de acordo no caso brasileiro com o disposto no art 5º XLVII c da CF proibição que já poderia ser deduzida da própria dignidade da pessoa humana Numa perspectiva positiva a liberdade de profissão guarda relação com o direito ao trabalho e o direito à educação no sentido de um direito à obtenção dos requisitos legais para o exercício profissional e de um direito de igualdade de condições no que diz com o acesso às profissões 480 O quanto se pode deduzir da liberdade de profissão posições subjetivas positivas originárias como é o caso de subsídios para a preparação profissional cursos estágios etc é no mínimo discutível embora se possa também aqui falar em um direito no sentido de um direito derivado a prestações de igual acesso às prestações disponibilizadas nesta seara 481 É de se excluir a possibilidade de deduzir o que já corresponde ao entendimento em relação ao próprio direito ao trabalho da liber dade de profissão um direito subjetivo a um lugar de trabalho 482 até mesmo pelo fato de na Constituição Federal o reconhecimento de um direito específico ao trabalho exigir a despeito da existência de pontos de contato um tratamento autônomo dos respectivos âmbitos de proteção dos dois direitos fundamentais Muito embora a liberdade de profissão não se confunda com o direito ao trabalho é preciso considerar que é para que as pessoas possam trabalhar e assegurar sua subsistência que se garante a liberdade de escolher uma profissão ou ocupação de tal sorte que o direito ao trabalho não pode implicar o esvaziamento da liberdade de profissão ou seja o Estado não pode impor ou impedir determinada atividade apenas com base no pretexto da realização do direito ao trabalho 483 Se o princípio da igualdade na condição de proibição de discriminação opera como direito de defesa na sua dimensão positiva é possível vincular ao tópico a discussão em torno da existência de um direito a medidas de discriminação inversa positiva no sentido de políticas de ações afirmativas que tenham por escopo fomentar a integração mediante acesso a determinadas profissões ou ao mercado de trabalho em geral inclusive na esfera do serviço público de determinadas categorias de pessoas mulheres pessoas com deficiência negros etc especialmente quando se cuida da reserva de cotas 484 Tais aspectos contudo aqui não serão desenvolvidos dizendo mais de perto com o princípio da igualdade objeto de capítulo próprio Como em matéria de liberdade de profissão também se faz presente um dever de proteção estatal deduzido da respectiva dimensão objetiva do direito fundamental que implica ações positivas que incluem medidas na esfera da organização e procedimento a exemplo do estabelecimento de provas no momento do acesso ao exercício de uma profissão 485 verificase que a dimensão positiva do direito resulta ampliada ainda que se possa discutir sobre a existência de autênticas posições subjetivas a tais medidas aspecto que aqui não será enfrentado e que diz respeito ao debate sobre os direitos a prestações como direitos subjetivos A liberdade de profissão especialmente à vista do texto constitucional brasileiro que se refere também à liberdade de exercício de ofício e trabalho abrange qualquer modalidade de trabalho profissão e ocupação suscetível de constituir ocupação ou modo de vida considerando a categoria profissão em sentido aberto incluindo profissões atípicas profissões livres e até mesmo o direito de criação de novas profissões 486 Por outro lado que apenas ocupações profissões e trabalhos lícitos estão cobertos pela liberdade de profissão corresponde ao que tudo indica ao entendimento dominante muito embora a noção de ocupação lícita como toda e qualquer ocupação não reprovada pela ordem jurídica demande uma explicitação especialmente considerando algumas hipóteses controversas como é o caso da prostituição 487 Em síntese é possível afirmar que a liberdade de profissão tanto na perspectiva negativa quanto positiva abrange em termos gerais e não exaustivos a a possibilidade de escolher ou não qualquer profissão trabalho ou ocupação b a garantia do livre exercício da profissão trabalho ou ocupação escolhido c igualdade de condições de acesso à profissão escolhida desde que preenchidos os requisitos legais 488 3 Titularidade e destinatários Titular da liberdade de profissão é em primeira linha a pessoa natural o indivíduo mas também as pessoas jurídicas podem ser titulares da liberdade de profissão no caso das últimas na medida em que a atividade possa ser exercida por uma pessoa jurídica 489 Até que ponto estrangeiros não residentes no Brasil podem ser titulares da liberdade de profissão já demanda maior atenção embora a resposta pelo menos em princípio deva ser afirmativa especialmente considerando que o conteúdo da liberdade de profissão envolve a possibilidade de exercer e mesmo não exercer qualquer ocupação lícita ou seja não apenas um trabalho emprego no sentido formal Pelo menos o direito de não exercer uma profissão e não ser forçado a tanto embora aqui se pudesse questionar a incidência de outro direito fundamental notadamente por se tratar aqui de uma exigência da própria dignidade da pessoa humana há de ser assegurado também ao estrangeiro não residente Quanto aos destinatários além da vinculação sempre direta dos órgãos estatais a liberdade de profissão projetase no plano das relações privadas podendo aqui se distinguir entre uma vinculação direta e indireta aspectos que aqui não serão desenvolvidos remetendose ao tópico respectivo da parte geral dos direitos fundamentais 4 Limites e restrições A liberdade de profissão nos termos do art 5º XIII da CF encontrase submetida a uma expressa reserva legal simples pois atribui ao legislador a possibilidade de estabelecer as exigências para o exercício da profissão sem qualquer diretriz ou condicionamento adicional razão pela qual a norma que a consagra costuma ser enquadrada na categoria das habitualmente embora de forma equivocada no nosso sentir assim chamadas normas de eficácia contida 490 Cuidase portanto de um direito restringível por lei sem que para tanto o legislador careça de especial justificação embora quanto ao conteúdo e alcance da restrição se imponha um exame de sua legitimidade constitucional Antes contudo de avançarmos no que diz com as restrições à liberdade de profissão e seus respectivos limites é preciso indagar até que ponto é possível aceitar a ideia de limitações imanentes notadamente quando se cuida de avaliar se desde logo a ilicitude da ocupação trabalho ou profissão resta afastada do âmbito de proteção do direito Assim embora a Constituição Federal não tenha feito referência explícita a tal requisito a licitude da atividade profissional ainda que se trate de uma categoria aberta e inclusiva que exige uma interpretação em sentido amplo constitui uma exigência imanente soando mesmo contraditório que se pudesse falar em um direito a exercer ocupação vedada pelo legislador e mesmo cuja prática seja tipificada como crime ou contravenção o que de resto já foi objeto de referência na parte relativa ao âmbito de proteção da liberdade de profissão 491 Na esfera das intervenções restritivas mediante atuação do legislador ou mesmo mediante atos do Poder Executivo ou do Poder Judiciário aqui em especial por força da colisão com outros direitos fundamentais ou bens de hierarquia constitucional é preciso diferenciar as situações pois não se trata da mesma coisa interferir na escolha de determinada profissão e estabelecer regras relativas ao seu exercício seja no concernente aos requisitos para o acesso à profissão seja no que diz com o exercício propriamente dito de tal sorte que é possível falar em uma graduação no que diz com a intensidade das restrições 492 Assim ao passo que no tocante à escolha profissional ou seja a opção de cada um de ser policial juiz médico ou professor a decisão pessoal e autônoma de cada indivíduo encontrase em regra blindada contra uma decisão heterônoma seja do Poder Público seja da comunidade família ou outros indivíduos cuidando se aqui daquela esfera que diz respeito também à própria dignidade da pessoa humana no que diz com a regulamentação dos critérios para o exercício da atividade seja quanto ao acesso seja quanto ao exercício propriamente dito a Constituição Federal desde logo autorizou o legislador a cuidar da matéria de modo que o que poderá estar em causa é apenas em que medida o legislador atuou de modo constitucionalmente legítimo Por outro lado é preciso considerar que no plano dos pressupostos sociais econômicos culturais educacionais e mesmo físicos e psíquicos a própria liberdade de opção escolha profissional encontrase mais ou menos submetida a limites seara que também em certa medida está submetida a alguma influência regulação por parte do legislador e outras medidas como por exemplo a amplamente praticada orientação vocacional e profissional inclusive mediante testes especializados dentre outras que aqui poderiam ser mencionadas Também a exigência de determinados requisitos para o acesso e exercício profissional opera no plano da opção por uma ou outra profissão de tal sorte que parece exagero falar mesmo no caso da liberdade de escolha de um direito inviolável 493 Uma inviolabilidade no sentido jurídico compreendida como blindagem contra intervenções restritivas somente poderia ser aceita se ela significar que no plano da liberdade de opção escolha se está diante do núcleo essencial da liberdade em sentido amplo de profissão 494 Ainda assim por mais que se tenha a liberdade de escolha como o âmbito mais reforçado mais protegido da liberdade de profissão é preciso ter em conta a possibilidade de alguma restrição justificada por força de direitos e bens constitucionais colidentes mesmo que aqui se trate de hipótese mais excepcional 495 De qualquer sorte percebese que mesmo uma regulamentação no plano do acesso e exercício profissional interfere na esfera da opção por determinada profissão visto que a falta do preenchimento de determinados pressupostos impede na perspectiva objetiva que determinada motivação subjetiva pessoal de optar por uma profissão ou trabalho se concretize Além disso a opção por uma profissão ou ocupação ilícita igualmente resta afastada desde logo visto que não integra sequer o âmbito de proteção da liberdade Por outro lado ainda no que diz com a justificação de medidas restritivas é preciso ter presente que se a reserva de lei simples enunciada no art 5º XIII da CF for compreendida como abrangendo a liberdade de profissão como um todo a própria liberdade de escolha e não apenas a de exercício poderá ser restringida pelo legislador infraconstitucional de modo que uma maior ou menor contenção do legislador apenas poderá ocorrer por força da compreensão a cada caso dos limites dos limites ou seja dos critérios da proporcionalidade razoabilidade proibição de excesso bem como a proteção do assim chamado núcleo essencial apenas para referir os mais importantes 496 No que diz com as restrições estabelecidas ao acesso e exercício profissional tais restrições especialmente considerando a reserva legal do art 5º XIII da CF deverão ser veiculadas por lei no sentido de lei em sentido formal e material muito embora não haja necessidade de que se trate de lei complementar 497 Portanto restrições não poderão de regra ser impostas por meio de lei apenas em sentido material ou seja atos normativos editados pelo Executivo ou mesmo atos emanados de outros órgãos como é o caso dos conselhos profissionais vg OAB OMB ou similares 498 Embora se registrem julgados do STF nesse sentido pela exigência de lei em sentido formal e material 499 percebese como aliás em uma série de outras situações que envolvem restrições a direitos fundamentais que o STF por vezes tem tolerado que requisitos para o exercício profissional sejam estabelecidos por atos que não são emanados do legislador como é o caso vg de resoluções do CNJ e do CNMP notadamente no que diz com a fixação do que se considera atividade jurídica para efeitos de realização de concurso de ingresso na Magistratura e Ministério Público 500 Nesse contexto oportuno referir a decisão do STF quando da apreciação do Tema 969 de repercussão geral do RE 902261SP rel Min Marco Aurélio j 22092020 em que foi fixada a tese de que a Comissão de Valores Mobiliários CVM pode regulamentar mediante restrições que guardem sintonia com as exigências da proporcionalidade e da razoabilidade o exercício da atividade de auditoria independente501 Considerando a finalidade da autorização constitucional para a restrição da liberdade de profissão a fixação de exigências e qualificações profissionais502 evidentemente deverá guardar relação com a peculiaridade das funções a serem desempenhadas não se tolerando de resto condições de caráter discriminatório 503 Tal também parece ser a linha de entendimento adotada pelo STF já desde a ordem constitucional anterior como dá conta importante caso julgado em 05051976 tendo como relator o Min Rodrigues Alckmin RP 930DF onde se entendeu ser inconstitucional lei que restrinja o exercício de profissão que não pressupõe determinadas condições de capacidade pois na hipótese a legislação declarada inconstitucional Lei 41161962 havia exigido que todos os corretores de imóveis fizessem sua inscrição no Conselho Regional de Corretores de Imóveis Creci 504 Já sob a égide da Constituição Federal a noção de que a legislação apenas poderá estabelecer condições de capacidade que mantenham um nexo lógico com as funções a serem exercidas vedado portanto o estabelecimento de requisitos abusivos colacionase decisão no AgRg no AgIn 134449SP rel Min Sepúlveda Pertence DJU 21091990 No mesmo sentido situamse os julgados do STF que consideram inconstitucional a exigência de que o exercício da atividade como músico pressuponha a inscrição na Ordem dos Músicos do Brasil Com efeito no RE 414426SC julgado em 17112009 rel Min Ellen Gracie ficou estabelecido que a atividade de músico independe de registro ou licença não podendo a sua livre expressão e exercício ser impedidos por interesses dos órgãos de classe especialmente quando a cobrança de anuidades devidas poderá ocorrer por outro meios que não a proibição do exercício da profissão 505 Notese que no caso o STF acabou por considerar as exigências da proporcionalidade designadamente o critério da necessidade que impõe seja refutado determinado meio de alcançar o resultado a cobrança da anuidade caso disponível alternativa menos gravosa Um dos casos que mais atenção despertaram nos meios de comunicação possivelmente pelo fato de estar em causa a atividade dos próprios profissionais da área jornalistas foi a discussão a respeito da legitimidade constitucional da exigência prevista no DecLei 9721969 que estabelecia ser necessária a conclusão de curso superior de jornalismo para o exercício da respectiva profissão No RE 511961 rel Min Gilmar Mendes julgado em 17062009 o STF inclusive invocando o precedente já referido da Representação 930 julgada quando ainda em vigor a Constituição anterior além de precedente da Corte Interamericana de Direitos Humanos de São José da Costa Rica chegou à conclusão de que tal exigência é inconstitucional Dada a importância do julgado transcrevemse os trechos que seguem extraídos da ementa do acórdão 4 Âmbito de proteção da liberdade de exercício profissional art 5º XIII da CF Identificação das restrições e conformações legais constitucionalmente permitidas Reserva legal qualificada Proporcionalidade A Constituição de 1988 ao assegurar a liberdade profissional art 5º XIII segue um modelo de reserva legal qualificada presente nas Constituições anteriores as quais prescreviam à lei a definição das condições de capacidade como condicionantes para o exercício profissional No âmbito do modelo de reserva legal qualificada presente na formulação do art 5º XIII da CF1988 paira uma imanente questão constitucional quanto à razoabilidade e proporcionalidade das leis restritivas especificamente das leis que disciplinam as qualificações profissionais como condicionantes do livre exercício das profissões Jurisprudência do STF Representação 930 redator p o acórdão Min Rodrigues Alckmin DJ 02091977 A reserva legal estabelecida pelo art 5º XIII não confere ao legislador o poder de restringir o exercício da liberdade profissional a ponto de atingir o seu próprio núcleo essencial 5 Jornalismo e liberdades de expressão e de informação Interpretação do art 5º XIII em conjunto com os preceitos do art 5º IV IX XIV e do art 220 da CF O jornalismo é uma profissão diferenciada por sua estreita vinculação ao pleno exercício das liberdades de expressão e de informação O jornalismo é a própria manifestação e difusão do pensamento e da informação de forma contínua profissional e remunerada Os jornalistas são aquelas pessoas que se dedicam profissionalmente ao exercício pleno da liberdade de expressão O jornalismo e a liberdade de expressão portanto são atividades que estão imbricadas por sua própria natureza e não podem ser pensadas e tratadas de forma separada Isso implica logicamente que a interpretação do art 5º XIII da CF na hipótese da profissão de jornalista se faça impreterivelmente em conjunto com os preceitos do art 5º IV IX XIV e do art 220 da CF que asseguram as liberdades de expressão de informação e de comunicação em geral 6 Diploma de curso superior como exigência para o exercício da profissão de jornalista Restrição inconstitucional às liberdades de expressão e de informação As liberdades de expressão e de informação e especificamente a liberdade de imprensa somente podem ser restringidas pela lei em hipóteses excepcionais sempre em razão da proteção de outros valores e interesses constitucionais igualmente relevantes como os direitos à honra à imagem à privacidade e à personalidade em geral Precedente do STF ADPF 130 rel Min Carlos Britto A ordem constitucional apenas admite a definição legal das qualificações profissionais na hipótese em que sejam elas estabelecidas para proteger efetivar e reforçar o exercício profissional das liberdades de expressão e de informação por parte dos jornalistas Fora desse quadro há patente inconstitucionalidade da lei A exigência de diploma de curso superior para a prática do jornalismo o qual em sua essência é o desenvolvimento profissional das liberdades de expressão e de informação não está autorizada pela ordem constitucional pois constitui uma restrição um impedimento uma verdadeira supressão do pleno incondicionado e efetivo exercício da liberdade jornalística expressamente proibido pelo art 220 1º da CF 7 Profissão de jornalista Acesso e exercício Controle estatal vedado pela ordem constitucional Proibição constitucional quanto à criação de ordens ou conselhos de fiscalização profissional No campo da profissão de jornalista não há espaço para a regulação estatal quanto às qualificações profissionais O art 5º IV IX XIV e o art 220 não autorizam o controle por parte do Estado quanto ao acesso e exercício da profissão de jornalista Qualquer tipo de controle desse tipo que interfira na liberdade profissional no momento do próprio acesso à atividade jornalística configura ao fim e ao cabo controle prévio que em verdade caracteriza censura prévia das liberdades de expressão e de informação expressamente vedada pelo art 5º IX da CF A impossibilidade do estabelecimento de controles estatais sobre a profissão jornalística leva à conclusão de que não pode o Estado criar uma ordem ou um conselho profissional autarquia para a fiscalização desse tipo de profissão O exercício do poder de polícia do Estado é vedado nesse campo em que imperam as liberdades de expressão e de informação Jurisprudência do STF Representação 930 redator p o acórdão Min Rodrigues Alckmin DJ 02091977 8 Jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos Posição da Organização dos Estados Americanos OEA A Corte Interamericana de Direitos Humanos proferiu decisão no dia 13111985 declarando que a obrigatoriedade do diploma universitário e da inscrição em ordem profissional para o exercício da profissão de jornalista viola o art 13 da Convenção Americana de Direitos Humanos que protege a liberdade de expressão em sentido amplo caso La colegiación obligatoria de periodistas Opinião Consultiva OC585 de 13111985 Também a Organização dos Estados Americanos OEA por meio da Comissão Interamericana de Direitos Humanos entende que a exigência de diploma universitário em jornalismo como condição obrigatória para o exercício dessa profissão viola o direito à liberdade de expressão Informe Anual da Comissão Interamericana de Direitos Humanos de 25022009 Outro caso que gerou intensa polêmica e acabou sendo julgado pelo STF envolve a discussão sobre a constitucionalidade da exigência do exame de ordem isto é da submissão por parte dos graduados em direito a um exame específico regulamentado pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil A exigência da realização de tal exame de cuja aprovação depende a concessão do registro profissional condição de possibilidade do exercício da advocacia foi objeto de impugnação judicial Argumentam os adversários do exame que esse serviria apenas como reserva de mercado de trabalho que somente a instituição de ensino poderia certificar sobre a aptidão dos bacharéis entre outros argumentos No entanto o STF em decisão de relatoria do Min Marco Aurélio julgou a matéria e se posicionou pela constitucionalidade do exame O Plenário desproveu recurso extraordinário em que discutida a constitucionalidade dos arts 8º IV e 1º e 44 II ambos da Lei 89061994 que versam sobre o Exame da Ordem dos Advogados do Brasil OAB No tocante à proporcionalidade e compatibilidade entre o exame de conhecimentos jurídicos e a garantia do livre exercício profissional inicialmente reputouse que a fim de assegurar a liberdade de ofício imporseia ao Estado o dever de colocar à disposição dos indivíduos em condições equitativas de acesso os meios para que aquela fosse alcançada Destacouse que esse dever entrelaçarseia sistematicamente com a previsão do art 205 caput da CF Frisouse que a obrigação estatal seria a de não opor embaraços irrazoáveis ou desproporcionais ao exercício de determinada profissão e que existiria o direito de se obterem as habilitações previstas em lei para a prática do ofício observadas condições equitativas e qualificações técnicas previstas também na legislação Sublinhouse que essa garantia constitucional não se esgotaria na perspectiva do indivíduo mas teria relevância social CF art 1º IV Assim nas hipóteses em que o exercício da profissão resultasse em risco predominantemente individual como por exemplo mergulhadores e técnicos de rede elétrica o sistema jurídico buscaria compensar danos à saúde com vantagens pecuniárias adicional de insalubridade de periculosidade ou adiantarlhesia a inativação Essas vantagens entretanto não feririam o princípio da isonomia Quando por outro lado o risco suportado pela atividade profissional fosse coletivo hipótese em que incluída a advocacia caberia ao Estado limitar o acesso à profissão e o respectivo exercício CF art 5º XIII Nesse sentido o exame de suficiência discutido seria compatível com o juízo de proporcionalidade e não alcançaria o núcleo essencial da liberdade de ofício No concernente à adequação do exame à finalidade prevista na Constituição assegurar que as atividades de risco sejam desempenhadas por pessoas com conhecimento técnico suficiente de modo a evitar danos à coletividade aduziuse que a aprovação do candidato seria elemento a qualificálo para o exercício profissional 506 Mais recentemente foi submetida ao crivo do STF outra questão relativa aos limites da liberdade de exercício profissional designadamente a polêmica em torno da proibição ou restrição da atividade de transporte privado individual por motorista cadastrado em aplicativo questionada na ADPF 449DF Relator Ministro Luiz Fux e no RE 1054110SP Relator Ministro Roberto Barroso ambos julgados em 08 e 09052019 No âmbito do RE 1054110SP a Corte Suprema reconheceu a repercussão geral da questão e fixou a seguinte tese 1 A proibição ou restrição da atividade de transporte privado individual por motorista cadastrado em aplicativo é inconstitucional por violação aos princípios da livre iniciativa e da livre concorrência e 2 No exercício de sua competência para regulamentação e fiscalização do transporte privado individual de passageiros os Municípios e o Distrito Federal não podem contrariar os parâmetros fixados pelo legislador federal CF1988 art 22 XI nos termos do voto do Relator vencido o Ministro Marco Aurélio Presidência do Ministro Dias Toffoli Plenário 09052019 Dos argumentos esgrimidos pelos Ministros que participaram do julgamento vale colacionar parte do sustentado pelo Ministro Luiz Fux em seu voto De acordo com o seu entendimento o motorista particular é protegido em sua atividade laboral pela liberdade de exercício profissional assegurada no art 5º XIII da CF e se submete apenas à regulação proporcionalmente definida em lei federal Para o Ministro o art 3º VIII da Lei 129652014 Marco Civil da Internet e a Lei 125872012 garantem a operação por aplicativo de serviços remunerados de transporte de passageiros Além disso a necessidade de regular e aperfeiçoar o funcionamento e uso das vias públicas não pode implicar a criação de oligopólios em prejuízo tanto de consumidores quanto de outros prestadores de serviço no setor de transportes em especial quando da existência de alternativas para que se possa atingir a mesma finalidade Em que pese legítima a intervenção reguladora do poder público não podem os Municípios valendose da competência que lhes foi constitucionalmente atribuída para regulamentar e fiscalizar o transporte e trânsito valerse de tal prerrogativa para direta ou indiretamente proibir ou o que dá no mesmo impedir na prática a prestação de tais serviços Outra questão relevante e polêmica trata da possibilidade de cancelamento automático de registro profissional ou de pessoa jurídica em casos de inadimplência de anuidade sem a prévia oitiva do associado A esse respeito conforme decidido pelo STF no RE 808424PR foi declarada a inconstitucionalidade do art 64 da Lei n 51941966 que previa o cancelamento automático de inscrição em razão da inadimplência da anuidade por dois anos consecutivos do registro em conselho profissional sem a prévia manifestação do profissional ou da pessoa jurídica por haver violação do direitogarantia ao devido processo legal 507 Da jurisprudência mais recente do STF sobre as intervenções restritivas na liberdade de profissão destacase a ADI 5235DF rel Min Rosa Weber j 11062021 no bojo da qual foi reconhecida a constitucionalidade dada a observância das exigências da proporcionalidade e da razoabilidade das restrições ao exercício da Advocacia aos servidores do Poder Judiciário e do Ministério Público mesmo que em causa própria ou em nível de consultoria jurídica Para a Corte a medida é razoável e proporcional com o texto constitucional Noutro julgado de grande relevância o STF considerou constitucionalmente legítima por ser compatível com o disposto no art 5º XIII CF a exigência de garantia fiança para o exercício da profissão de leiloeiro prevista nos arts 6º a 8º do Decreto n 2198132 visto que os leiloeiros lidam diuturnamente com o patrimônio de terceiros e a prestação de fiança tem por escopo mitigar os riscos de danos aos proprietários dos bens leiloados RE 1263641 rel Min Marco Aurélio j em 13102020 412727 Liberdade de associação I Notas introdutórias As associações são instituições e formas de organização antigas que podem ser reconduzidas pelo menos ao medievo especialmente as grandes companhias de mercadores corporações de ofício entre outras As associações sob a forma de cooperativas por sua vez têm história mais recente tendo surgido ao que tudo indica na Inglaterra ainda na primeira metade do século XIX notadamente por influência do pensamento de Robert Owen 1771 1858 que nos anos 1820 a 1830 imprimiu à cooperação e à forma cooperativa de sociedade uma ideologia sistemática e que serviu de inspiração ao modelo das cooperativas que vieram a se formar na sequência seja na Inglaterra seja na França ou na Alemanha onde a primeira cooperativa foi fundada em 1848 no caso uma cooperativa de sapateiros passando a partir de então a se expandir pelo mundo afora até chegar ao Brasil já no final do século XIX quando foram criadas as primeiras associações cooperativas 508 II A liberdade de associação nos textos de direito internacional de direitos humanos nas constituições estrangeiras e nos textos constitucionais brasileiros No plano do direito internacional dos direitos humanos a liberdade de associação foi consagrada no art XXII da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem 1948 no art XX da Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948 e em outros muitos tratados e convenções internacionais tais como e a listagem não é exaustiva nos arts 21 e 22 do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos 1966 no art 8º do Pacto Internacional de Direitos Econômicos Sociais e Culturais 1966 nos arts 15 e 16 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos 1969 e no art 12 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia atualmente integrada ao Tratado de Lisboa Particularmente relevante para a ordem jurídica brasileira é a Convenção Americana sobre Direitos Humanos Pacto de São José incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro pelo Dec 678 de 1992 No plano do direito constitucional positivo ressalvada a experiência inglesa e norte americana 509 o reconhecimento da liberdade de associação na condição de direito fundamental é mais recente sendo em geral ressalvadas algumas exceções um fenômeno do século XX notadamente a partir da Segunda Grande Guerra Atualmente a liberdade de associação é amplamente reconhecida tanto na esfera internacional quanto na esfera constitucional Importante frisar dada a crescente relevância da matéria que a liberdade de associação cooperativa embora seja uma manifestação da própria liberdade de associação passou a receber tratamento em parte distinto em diversas ordens constitucionais Merece destaque neste contexto o exemplo da Constituição mexicana de 1917 que embora não tenha cláusula prevendo expressamente o direito à liberdade de associação prevê no seu art 25 as organizações cooperativas como forma de associação livre destacando a sua importância para o conjunto da sociedade designando sua essencialidade para a atividade econômica bem como seu caráter de agente de inclusão social Também a Constituição italiana de 1947 além de reconhecer a liberdade geral de associação no seu art 18 agasalha em dispositivo distinto art 45 a forma de associação cooperativa de caráter mutualístico distinta de outras formas de união cooperativa destacando a função social da cooperação Na Constituição de Espanha de 1978 a liberdade de associação está inscrita no art 22 e o art 129 disciplina o dever de fomento às cooperativas no âmbito da previdência social A Constituição da República Portuguesa 1976 por sua vez igualmente reconhece a liberdade de associação art 46 e o direito à livre constituição de cooperativas art 61 A Constituição da Venezuela de 1999 ainda que não se refira à liberdade de associação como tal a garante por meio do art 112 que afirma a liberdade de trabalho empresa comércio e indústria fazendo especial referência nos arts 70 118 184 à importância das associações cooperativistas em todas as suas formas inclusive as de crédito e comunitárias na gestão da cooperação e da solidariedade impondo inclusive ao Estado o dever de fomentá las a teor do art 308 sob o regime de propriedade coletiva com o fim específico de fortalecer o desenvolvimento econômico do país Ainda a Lei Fundamental alemã de 1949 no art 9º garante o direito de constituição de associações e sociedades III Liberdade de associação na Constituição Federal de 1988 1 Considerações gerais Na esfera da evolução constitucional brasileira a partir da Primeira República todas as Constituições asseguraram a liberdade de associação a Constituição de 1891 510 art 72 3º e 8º b Constituição de 1934 511 art 113 n 5 7 e 12 c Constituição de 1937 512 art 122 n 3 e 9 d Constituição de 1946 513 art 141 7º 10 12 e 13 e Constituição de 1967 514 art 150 28 f EC 11969 515 art 153 28 Na atual Constituição Federal a liberdade de associação alcançou um reconhecimento e uma proteção particularmente generosos já à vista do que dispõe o texto constitucional que sem contar os dispositivos sediados em outros capítulos apenas no art 5º contempla cinco incisos XVII É plena a liberdade de associação para fins lícitos vedada a de caráter paramilitar XVIII A criação de associações e na forma da lei a de cooperativas independem de autorização sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento XIX As associações só poderão ser compulsoriamente dissolvidas ou ter suas atividades suspensas por decisão judicial exigindose no primeiro caso o trânsito em julgado XX Ninguém poderá ser compelido a associarse ou a permanecer associado XXI As entidades associativas quando expressamente autorizadas têm legitimidade para representar seus filiados judicial e extrajudicialmente Já no que diz com as associações cooperativas a Constituição Federal foi a primeira a contemplar tal modalidade associativa assegurando além disso não apenas uma genérica liberdade de criação e participação de cooperativas mas também prevendo para as cooperativas um regime constitucional diferenciado e em determinados aspectos privilegiado o qual compreende a tratamento tributário adequado para os atos cooperativos praticados pelas sociedades cooperativas art 146 c a ser disciplinado por lei complementar b atribuição ao Estado do dever fundamental de apoiar e estimular o cooperativismo e outras formas de associativismo art 174 2º c fomento do desenvolvimento das atividades garimpeiras na forma de cooperativas com o objetivo de promover a promoção socioeconômica dos garimpeiros inclusive atribuindolhes prioridade de tratamento na autorização ou concessão para pesquisa e lavra dos recursos e jazidas de minerais garimpáveis bem como evitar que o exercício das suas atividades extrativas venha a degradar o meio ambiente art 174 3º e 4º d no art 187 que dispõe sobre a política agrícola seu planejamento e execução é imposta especial atenção ao cooperativismo dentre outros fatores inciso VI e no art 192 integra as cooperativas de crédito ao sistema financeiro nacional f também no ADCT conjunto normativo transitório STF garantidor do espaço de transição do regime constitucional as cooperativas foram contempladas no seu art 47 que dispôs sobre o tratamento favorecido às cooperativas de crédito relativamente à incidência da correção monetária sobre suas operações flagelo bem conhecido daqueles que viveram sobre o jugo inflacionário A partir da simples leitura do texto constitucional é possível perceber a relevância das cooperativas como particular modo de organização social e meio de exercer a liberdade de associação Todavia cuidandose de uma modalidade especial da liberdade de associação a liberdade de criação e participação de cooperativas ressalvadas as suas peculiaridades tais como as que formam o regime jurídico acima referido será abordada no contexto mais amplo da liberdade geral de associação da qual também são modalidades particulares a livre associação sindical art 8º e a liberdade de criação e participação em partidos políticos art 17 mas que dadas as suas notas específicas e o fato de terem sido previstas em capítulo próprio não serão aqui consideradas 516 2 Conteúdo da liberdade de associação A liberdade de associação da qual é espécie a liberdade de criação e participação de cooperativas é reconhecida e protegida na condição de um direito fundamental sendolhe aplicável o regime jurídico reforçado dos direitos e garantias fundamentais Assim de acordo com o que já foi examinado na parte geral dos direitos fundamentais cuidase de direito mais precisamente de normas diretamente aplicável no sentido de que a ausência de lei não impede a proteção do direito de livre associação além de a abolição da liberdade de associação incluindo a criação de cooperativas estar protegida na condição de cláusula pétrea contra o poder de reforma constitucional sem prejuízo das demais garantias com destaque para os critérios de controle de constitucionalidade de medidas restritivas do direito de livre associação É precisamente nessa esfera a dos limites e restrições ao direito que a Constituição Federal traçou uma diferença entre o direito de associação cooperativa e a liberdade associativa em geral visto que pelo menos se considerado o texto constitucional art 5º XVIII o direito de criação de cooperativas diversamente do que ocorre com a liberdade de associação em geral está submetido a uma expressa reserva legal traduzida pela expressão na forma da lei o que implicaria em sendo levada a sério a distinção um regime em parte diferenciado no que diz com as restrições ao direito já que a liberdade de associação em geral quando não se tratar de cooperativas apenas estaria submetida a limites por força de eventual colisão com outros bens constitucionais relevantes no âmbito das assim chamadas restrições não expressamente autorizadas a direitos fundamentais Embora os fortes elementos de contato com o direito de reunião a liberdade de associação com este não se confunde já pelo fato de que no caso do direito de reunião se cuida do direito ao encontro físico de diversas pessoas encontro de caráter mais ou menos transitório ao passo que no caso da liberdade de associação o que está em causa é a reunião de pessoas em torno de fins comuns e de modo estável mediante a criação de um ente coletivo que é a pessoa jurídica a associação 517 Por outro lado há que destacar a vinculação da liberdade de associação de outros direitos de liberdade 518 Com efeito de acordo com a lição de J J Gomes Canotilho e Vital Moreira a expressão mais qualificada da liberdade de organização coletiva privada é portanto também um instrumento de garantia da liberdade política religiosa de fruição cultural entre outras o que por sua vez indica o seu valor para uma ordem democrática 519 Aliás é no seu significado para a democracia que a liberdade de associação alcança a sua maior repercussão notadamente na esfera não estritamente individual Mediante a possibilidade de as pessoas formarem agregados interpessoais de interesses para a consecução na condição de entes coletivos de objetivos comuns a liberdade de associação tal como propõe Miguel Carbonell assume um papel essencial na conformação das democracias modernas 520 Importante é que se tenha presente que a liberdade de associação abarca toda e qualquer forma associativa incluindo além das cooperativas expressamente contempladas pelo texto constitucional as sociedades comerciais de natureza cultural esportiva etc não importando a nomenclatura de modo a assegurar uma proteção mais ampla possível da liberdade 521 Os elementos constitutivos da liberdade de associação são essencialmente três a a associação deve ser espontânea portanto ser o resultado da livre opção de criar uma associação ou dela participar b a associação serve a uma finalidade ou a finalidades em comum c a associação reúne várias pessoas físicas ou jurídicas mediante certa estabilidade temporal e organizatória resultado de uma manifestação de vontade e de um regramento escrito ou não escrito em comum 522 Há que sublinhar fazendo coro com Paulo Gonet Branco que embora não exista um número mínimo de pessoas para constituir uma associação resulta impossível falar de associação unipessoal assim como não há modo de considerar as fundações como associações visto que são apenas patrimônios dotados de personalidade jurídica faltando no caso a união de pessoas 523 3 Titularidade a dupla dimensão individual e coletiva Este direito como direito subjetivo e no que diz com sua titularidade apresenta duas dimensões uma de natureza individual e outra de natureza coletiva Na primeira dimensão o que se observa diz com o direito de associação da pessoa membro de uma associação a titularidade que lhe corresponde na qualidade de pessoa natural mas também de pessoas jurídicas que por sua vez também podem criar e integrar uma associação 524 Cuidandose de uma manifestação essencial da liberdade pessoal a titularidade da liberdade de associação há de ser interpretada em sentido extensivo podendo em princípio ser atribuída até mesmo forte no princípio da universalidade ao estrangeiro não residente sem prejuízo de eventuais limitações compatíveis com a Constituição Federal Na segunda dimensão tratase do direito de associação da associação isto é da associação enquanto pessoa jurídica situação na qual titular do direito fundamental é a própria associação como pessoa jurídica Neste sentido é possível também falar em uma garantia institucional tendo em conta a relevância da figura das associações para a ordem social econômica e política do Estado Constitucional Democrático 525 Já em outro sentido a liberdade de associação constitui o que se costuma designar de direito individual de expressão coletiva 526 visto que uma associação como pressuposto de sua própria existência exige o concurso de vontades individuais Em síntese para além de ser em primeira linha direito individual embora de expressão coletiva da pessoa natural a titularidade da liberdade de associação inclui as pessoas jurídicas como é o caso por exemplo das confederações sindicais 527 4 Destinatários órgãos estatais e particulares Sujeitos passivos portanto destinatários da liberdade de associação são em primeira linha os órgãos estatais mas também os particulares Se em geral os direitos fundamentais geram efeitos nas relações privadas direta ou indiretamente no caso da liberdade de associação tal eficácia há de ser particularmente acentuada Posto de outro modo as associações são tanto titulares quanto destinatárias de direitos fundamentais Aliás no caso da liberdade de associação sindical como manifestação especial da liberdade geral de associação mesmo no caso da Alemanha onde prevalece a teoria da eficácia indireta dos direitos fundamentais nas relações privadas a eficácia é direta gerando uma vinculação direta dos particulares 528 No caso brasileiro o principal precedente julgado pelo STF admitindo uma eficácia direta dos direitos fundamentais nas relações privadas foi precisamente um caso envolvendo a liberdade de associação e seus limites Com efeito no julgamento do RE 201819 julgado em 11102005 e tendo como relator para o acórdão o Min Gilmar Mendes o STF por ampla maioria reconheceu a necessária observância no âmbito de uma associação privada União Brasileira de Compositores das garantias do contraditório da ampla defesa e do devido processo legal sufragando no caso a tese da eficácia direta na hipótese de tais direitos fundamentais nas relações privadas notadamente considerando se tratar de uma associação com finalidade de defesa dos interesses econômicos dos associados Neste contexto é possível acompanhar o entendimento de que quanto menos privada for a associação ou seja quanto mais a sua finalidade for a de atender também ao interesse público e social mais sujeita à intervenção legislativa e judicial será a liberdade de associação e maior será a eficácia dos direitos fundamentais de terceiros em relação aos direitos da associação e dos associados 529 O que se constata é que quando se trata de associações com finalidade social que buscam representar interesses de seus associados cresce a intensidade de controle sobre o afastamento de associados e eventuais exigências estabelecidas para o seu ingresso na associação ou seja aumenta em intensidade a eficácia de determinados direitos fundamentais nas relações privadas Há casos todavia em que a possibilidade de afastamento de associados pode ser limitada a um controle de natureza mais procedimental como por exemplo na hipótese de uma sociedade religiosa católica que esteja a afastar um religioso que publicamente se posicione favoravelmente ao casamento dos membros da associação 530 5 A dupla dimensão negativa e positiva da liberdade de associação Desde logo à vista já do conjunto de dispositivos previstos na Constituição Federal a liberdade de associação e o direito de criação de cooperativas é também um direito fundamental complexo que considerado em sentido amplo abrange na condição de direito subjetivo um conjunto de posições jurídicas subjetivas exigíveis pelos titulares em face dos destinatários e implica um conjunto diferenciado de efeitos jurídicos objetivos 531 É nesse sentido que se fala também de múltiplas dimensões da liberdade de associação notadamente do seu âmbito de proteção que implica um balanceamento da dimensão objetiva e subjetiva de modo a não afastar a dimensão subjetiva e os seus efeitos o que por sua vez também reflete numa ampliação da dimensão subjetiva naquilo em que à dimensão objetiva correspondem também direitos subjetivos como é o caso de direitos à proteção e participação na organização e procedimento 532 Assim o âmbito de proteção do direito deve ser interpretado em sentido alargado tornando ao máximo produtivo o seu âmbito de proteção subjetivo titulares e o seu conteúdo Como direito negativo de defesa a liberdade de associação abarca posições subjetivas que têm por objeto a não afetação intervenção de posições o não impedimento de faculdades de agir ou não agir e até mesmo a não eliminação de posições jurídicas que a despeito de serem habitualmente decompostas em quatro faculdades liberdades 533 podem ser ampliadas de acordo com a listagem a seguir a direito de constituir associações e cooperativas aqui compreendidas em sentido amplo de qualquer sociedade civil e comercial b direto de não constituir uma associação c direito de ingressar ou seja de pertencer a uma associação d direito de não ingressar e de retirarse e direito de manter a condição de associado o que corresponde ao direito a não ser excluído arbitrariamente da condição de associado f direito de gozar dos direitos derivados da lei ou das normas estatutárias da condição de associado ou ainda de membro de uma associação g proibição de afetar a autonomia a autogestão e a auto organização da associação direito este da associação como pessoa jurídica mas não da pessoa natural associado Importa averbar que a liberdade de autoorganização e de autogestão não prejudica a fixação normativa de regras gerais de organização e gestão desde que não afetem substancialmente a liberdade de associação nomeadamente os requisitos mínimos de uma organização democrática interna 534 h direito à não dissolução arbitrária da própria associação de modo que a dissolução poderá ocorrer apenas por força de decisão judicial quando não for voluntária donde se falar em um direito da associação à garantia de sua existência na condição de associação i é possível também falar de um direito de aquisição da personalidade jurídica como pessoa coletiva mas no sentido de um direito condicionado pela legislação que fixa requisitos para a criação de pessoas jurídicas desde que tal legislação não afete a consecução dos fins sociais lícitos e não deixe a criação da pessoa jurídica recair no âmbito da discricionariedade arbitrária 535 A liberdade de associação incluindo as cooperativas tem também uma face positiva e em certo sentido assume a condição de um direito a prestações direito positivo especialmente de cunho normativo A dimensão positiva se revela particularmente relevante no contexto dos assim chamados deveres de proteção do Estado mas particularmente no campo dos deveres e direitos a organização e procedimento visto que também a liberdade de associação depende pelo menos em parte de normas que disciplinam o direito de sociedade regulam as relações dos associados mas especialmente dizem respeito às relações da associação com outras instituições apenas para mencionar os aspectos mais relevantes 536 A existência de obrigações positivas vinculadas à liberdade de associação foi objeto de reconhecimento também pela Corte Interamericana da Costa Rica que vela pela aplicação no âmbito interno dos Estados da Convenção Americana de Direitos Humanos Precisamente num caso envolvendo o Brasil a Corte entendeu que tais obrigações positivas englobam a prevenção de atentados contra o direito de associação a proteção daqueles que exercem a liberdade associativa bem como a investigação incluindo a imposição de eventual sanção dos que violam a liberdade de associação 537 6 Limites e restrições da liberdade de associação A Constituição Federal ao mesmo tempo em que reconhece e protege uma ampla liberdade de associação desde logo estabelece dois limites quais sejam a vedação de associações com finalidade ilícita e a proibição de associações de caráter paramilitar Os fins ilícitos abarcam em primeira linha qualquer finalidade ou atuação ofensiva da legislação criminal mas também incluem fins e atos contrários aos bons costumes e mesmo ofensivos à ordem pública visto que a ilicitude vai tomada em sentido mais amplo como contrariedade ao direito devendo o controle da licitude incidir tanto sobre os documentos constitutivos da associação quanto sobre as atividades desenvolvidas por ela o mesmo valendo para a vedação de associações de caráter paramilitar sendo que tal caráter poderá ser aferido com base no modo de atuação e desenvolvimento das associações 538 Notese que para a caracterização das atividades de cunho paramilitar basta que se trate de uma estrutura hierarquizada marcada pelo dever de obediência e por manter treinamento não sendo necessário o uso de armas ou mesmo de uniformes 539 A utilização dos critérios dos bons costumes e da ordem pública todavia deve ser feita com cautela em situações especiais e muito bem caracterizadas assumindo de resto caráter residual em virtude do considerável risco de estar a se esvaziar com base em tais argumentos a liberdade de associação por conta de uma constitucionalmente injustificada e desproporcional compressão da liberdade 540 Uma das questões mais comuns em matéria de restrições à liberdade de associação diz com a exigência legal de formalização da inscrição e do registro da entidade associativa para o seu regular funcionamento e exercício legítimo do direito de associação Em termos gerais a exigência da inscrição não constitui por si só uma restrição ilegítima da liberdade de associação embora o controle pela autoridade responsável deva estar restrito a um exame da legalidade externa ou seja da documentação acostada sem apreciar o mérito dos aspectos alheios aos requisitos formais 541 Notese que a criação em si de uma associação independe nos termos da Constituição Federal de autorização prévia de modo que a exigência legal de inscrição para efeitos de legitimidade da associação e de representar os seus associados não se confunde com a figura da autorização prévia Outro problema constantemente debatido diz respeito à dimensão negativa da liberdade de associação mais precisamente da possibilidade de a lei exigir que os integrantes de algumas categorias se vinculem a determinadas entidades setoriais por exemplo os Conselhos de Medicina Odontologia Engenharia Advogados etc mas o pressuposto para a legitimidade constitucional de tal exigência é de que a associação exerça uma função pública para cujo cumprimento a filiação constitui exigência 542 Por outro lado a lei poderá conferir prerrogativas a apenas algumas associações 543 como é o caso do Ecad o que também corresponde ao entendimento do STF de considerar legítimo o sistema de gestão coletiva de arrecadação e distribuição de direitos autorais por meio de um escritório único de arrecadação no caso o próprio Ecad 544 Ainda no que diz respeito aos limites da liberdade de associação é de se referir a decisão proferida pelo STF quando do julgamento do RE 695911SP rel Min Dias Toffoli j 15122020 ocasião na qual restou assentado que o princípio da legalidade funciona como instrumento de contrapeso ao princípio da liberdade de associação no sentido de vedar às associações de moradores que possam cobrar taxas de manutenção e conservação de loteamento imobiliário urbano de proprietário não associado até a data do advento da Lei n 124652017 Na linha do exposto é de se invocar importante precedente da Corte Interamericana de Direitos Humanos designadamente a decisão proferida na Opinião Consultiva 585 onde estava em causa a exigência legal de associação compulsória para todos os que quisessem exercer a profissão de jornalista incluindo a função de repórter No caso a Corte entendeu que tal exigência acabaria por afetar a própria liberdade de expressão e comunicação dos jornalistas e repórteres que neste contexto por se tratar de assegurar a mais ampla liberdade de expressão devem também ser submetidos a um regime mais aberto e não ter sua atuação embaraçada de modo desproporcional Além disso a situação dos jornalistas e repórteres não se confunde por exemplo com a dos profissionais do direito ou da medicina que por sua vez não são atividades especificamente asseguradas pela Convenção Americana de Direitos Humanos 545 412728 Liberdade de reunião I Considerações gerais e introdutórias A liberdade de reunião guarda relação forte com a liberdade de expressão Neste contexto Konrad Hesse destaca a relevância da liberdade de reunião para uma ordem jurídicoconstitucional democrática pois a formação da opinião e mesmo a formação da vontade política pressupõem uma comunicação que em grande parte se processa mediante reuniões 546 Além disso é por meio de reuniões que o exercício coletivo da liberdade de expressão e manifestação do pensamento pode servir como instrumento eficiente para a luta política e assegurar a possibilidade de influenciar o processo político de tal sorte que a liberdade de reunião representa um elemento de democracia direta 547 A liberdade de reunião também fortalece o direito de expressão das minorias e o exercício da oposição no embate político democrático 548 Assim o direito de reunião bem como os direitos de manifestação e de associação integram o conjunto dos assim chamados direitos fundamentais democráticos cuidandose nesse sentido de um direito de liberdade tipicamente comunicativo que tanto serve ao livre desenvolvimento da personalidade que pressupõe e exige o interagir com os outros como opera como garante de outros direitos fundamentais tais como a liberdade política a liberdade sindical a liberdade religiosa e a liberdade de associação 549 Por tais razões não surpreende que a liberdade de reunião tenha sido precocemente contemplada nos textos de algumas das principais declarações de direitos e das constituições da primeira fase do constitucionalismo embora sua proscrição ou compressão em períodos autoritários que em maior ou menor medida sempre se fez presente Já a Primeira Emenda da Constituição norte americana de 1791 previa o direito do cidadão de se reunir pacificamente o que também constou da Constituição francesa de 1791 De lá para cá a liberdade de reunião em vários casos em combinação com o direito de manifestação passou a ser figura presente nas constituições e textos internacionais em matéria de direitos humanos o que será objeto de atenção no próximo segmento II Direito internacional dos direitos humanos A Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948 no art 20 traz o direito de toda pessoa à liberdade de reunião e associação pacíficas Por outro lado isto é em nível regional a Convenção Europeia de 1950 no art 11 também traz o direito a essa liberdade na seguinte disposição 1 Qualquer pessoa tem direito à liberdade de reunião pacífica e à liberdade de associação incluindo o direito de com outrem fundar e filiarse em sindicatos para a defesa dos seus interesses 2 O exercício deste direito só pode ser objeto de restrições que sendo previstas na lei constituírem disposições necessárias numa sociedade democrática para a segurança nacional a segurança pública a defesa da ordem e a prevenção do crime a proteção da saúde ou da moral ou a proteção dos direitos e das liberdades de terceiros O presente artigo não proíbe que sejam impostas restrições legítimas ao exercício destes direitos aos membros das forças armadas da polícia ou da administração do Estado Entre nós ainda a Convenção Americana dispõe no art 15 que é reconhecido o direito de reunião pacífica e sem armas O exercício desse direito só pode estar sujeito às restrições previstas em lei e que se façam necessárias em uma sociedade democrática ao interesse da segurança nacional da segurança ou da ordem públicas ou para proteger a saúde ou a moral pública ou os direitos e as liberdades das demais pessoas Já no sistema de proteção da região africana a Carta de Banjul de 1981 conhecida como Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos dispõe que toda pessoa tem direito de se reunir livremente com outras pessoas Este direito exercese sob a única reserva das restrições necessárias estabelecidas pelas leis e regulamentos nomeadamente no interesse da segurança nacional da segurança de outrem da saúde da moral ou dos direitos e liberdades das pessoas No âmbito da União Europeia a Carta de Direitos Humanos de 2000 e hoje incorporada ao direito comunitário traz no art 12 o seguinte Todas as pessoas têm direito à liberdade de reunião pacífica e à liberdade de associação em todos os níveis nomeadamente nos domínios político sindical e cívico o que implica o direito de com outrem fundarem sindicatos e de a eles se filiarem para a defesa dos seus interesses III A liberdade de reunião na Constituição Federal 1 Aspectos gerais conceito e elementos da noção de reunião para efeitos da proteção constitucional De acordo com o art 5º XVI da CF todos podem reunirse pacificamente sem armas em locais abertos ao público independentemente de autorização desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente Diferentemente do que ocorreu em Portugal art 45 da Constituição da República Portuguesa de 1976 a Constituição Federal não contemplou a liberdade de reunião juntamente com a liberdade direito de manifestação tal como se verifica na maior parte dos textos constitucionais como é o caso em caráter ilustrativo da Alemanha art 8º da Lei Fundamental de 1949 e da Espanha art 21 da Constituição de 1978 dispondo apenas sobre o direito de reunião Muito embora sua conexão com outras liberdades comunicativas e democráticas como é o caso dos direitos de manifestação e associação o direito de reunião com esses não se confunde assumindo importante dimensão autônoma 550 Ao passo que o direito de reunião assim como o de associação é sempre de ação coletiva no sentido de um direito individual de exercício coletivo podendo ser de exercício privado ou público e não exigindo a expressão de uma mensagem dirigida a terceiros o direito de manifestação pode ser exercido individualmente e se reveste necessariamente de um caráter público pois tem por objeto o exercício da liberdade de expressão com a finalidade de dirigir uma mensagem contra ou em direção a terceiros de tal sorte que uma manifestação é quase sempre uma reunião mas uma reunião nem sempre é uma típica manifestação 551 A distinção traçada por sua vez revela que o direito de manifestação não se confunde integralmente com a liberdade de manifestação do pensamento Por outro lado o direito de reunião não é idêntico ao direito de associação pois este pressupõe a coligação entre pes soas em caráter estável sob uma direção comum 552 ao passo que reuniões são encontros de duas ou mais pessoas em caráter não estável e não necessariamente voltados à criação de uma entidade comum que é a associação que assume a feição de uma pessoa coletiva O exercício do direito de reunião por sua vez embora implique em geral a manifestação do pensamento liberdade de expressão e seja mesmo um instrumento de garantia dessa mesma liberdade de expressão na sua forma coletiva igualmente com ela não se confunde pois são diferentes os âmbitos de proteção do direito de tal sorte que o con teúdo da expressão veiculada por ocasião de uma reunião será avaliado a partir dos parâmetros da liberdade de expressão o que significa dito de outro modo que o direito de reunião não oferece uma proteção adicional à liberdade de expressão pelo simples fato de se tratar do exercício coletivo do direito 553 Outra diferença reside na circunstância de que enquanto a liberdade de expressão costuma ser exercida de modo individual a manifestação de opiniões e qualquer outra modalidade de expressão que resulte de uma reunião são necessariamente de exercício coletivo 554 Uma primeira dificuldade reside na definição de reunião para o propósito da proteção constitucional Por isso necessário distinguir a reunião de um mero aglomerado fortuito de pessoas em um mesmo local como é o caso da frequência coletiva a um cinema restaurante ou qualquer outro tipo de espetáculo artístico e esportivo ou mesmo a reunião de curiosos quando de um acidente de trânsito 555 Assim à míngua de diretrizes constitucionais expressas sobre o conceito de reunião doutrina e jurisprudência sem prejuízo de legislação regulamentadora que pode definir em que consiste uma reunião 556 passaram a desenvolver alguns critérios que permitem identificar os elementos que determinam uma reunião e a distinguem de outros fenômenos de junção de pessoas Dentre tais elementos é possível colacionar os que seguem por encontrarem ampla aceitação ressalvado algum aspecto objeto de controvérsia Um primeiro elemento é de caráter subjetivo pois uma reunião não passa ao fim e ao cabo de um agrupamento de pessoas que decidem reunirse para algum fim de modo que existe uma manifestação coletiva e prévia na base de qualquer reunião 557 Há que existir portanto um vínculo interno consubstanciado por uma finalidade ou finalidades em comum 558 Dito de outro modo uma reunião exige uma consciência e uma vontade coletiva de reunião bem como um laço comum entre os seus respectivos participantes 559 O quanto a finalidade deverá envolver sempre o propósito de uma manifestação coletiva portanto de uma reunião voltada à comunicação na esfera pública é algo que merece uma atenção especial e se revela controverso 560 Uma reunião portanto apresenta um elemento teleológico ou finalista 561 pois envolve alguma finalidade em comum 562 A tais elementos agregase uma dimensão temporal pois a reunião ao contrário da liberdade de associação que é de natureza duradoura é necessariamente transitória de duração limitada e caráter episódico 563 Além disso como já se depreende dos demais elementos sendo direito individual de exercício coletivo a reunião exige sempre um agrupamento de pessoas ou seja a pluralidade de agentes 564 A tais elementos se soma um elemento espacial pois a reunião se desenvolve sempre em local determinado 565 Todavia é preciso ter presente que o direito de reunião envolve tanto manifestações de natureza estática ou seja confinadas a determinado ambiente quanto de natureza dinâmica quando se verifica o deslocamento das pessoas envolvidas por vias públicas podendo além do mais se dar tanto em locais fechados quanto abertos 566 Por derradeiro existe um elemento de natureza objetiva ou formal vinculado ao modo de exercício do direito de reunião pois a Constituição Federal a exemplo do que em geral ocorre no direito internacional e comparado exige que a reunião seja pacífica e sem o uso de armas o que será objeto de maior desenvolvimento logo adiante ao discorrermos sobre os limites do direito de reunião Aqui também é possível enquadrar o requisito da exclusividade pois a Constituição Federal veda que uma reunião frustre outra previamente convocada para o mesmo local de modo que o elemento espacial diz também com um espaço territorial que em caráter transitório enquanto durar a reunião será usado de modo exclusivo para tal finalidade o que todavia não exclui necessariamente a presença de outras pessoas no local Da mesma forma a Constituição Federal exige aviso prévio à autoridade competente o que todavia há de ser examinado com mais atenção considerando algumas peculiaridades das reuniões Tais elementos requisitos que configuram uma reunião como tal admitida e protegida pela Constituição são em geral admitidos pela absoluta maioria da doutrina não havendo maior divergência quanto a eles salvo em relação a aspectos internos de cada um dos elementos 567 2 Âmbito de proteção do direito de reunião Na sua condição de direito subjetivo o direito de reunião liberdade de reunião é em primeira linha um direito negativo no sentido de um direito de defesa voltado ao não impedimento por parte do Estado e de terceiros de uma ação a reunião e a manifestação que lhe é inerente portanto de uma faculdade atribuída aos titulares do direito 568 No âmbito de sua função como direito negativo o direito de reunião abarca um direito à não intervenção do Estado tanto na fase preparatória incluindo a convocação para a reunião quanto no seu exercício 569 Também a assim chamada liberdade negativa é incluída no âmbito de proteção do direito no caso a faculdade de não participar de uma reunião e o direito de não ser forçado à participação vedada portanto toda e qualquer modalidade de coação pública ou privada 570 A dimensão negativa do direito liberdade de reunião pode ser sintetizada da seguinte forma a direito de reunirse com outrem sem impedimento b direito de convocar uma reunião c direito de participar de uma reunião d direito de não participar de uma reunião e direito de não ser perturbado por outrem no exercício da liberdade de reunião 571 Uma função positiva do direito de reunião guarda relação com a assim chamada dimensão objetiva dos direitos fundamentais consubstanciandose nos deveres de proteção estatais que envolvem prestações de segurança para o exercício do direito de reunião bem como aspectos de cunho organizacional e procedimental O dever de proteção estatal envolve mesmo a segurança do exercício da reunião devendo o Poder Público assegurar aos participantes da reunião o livre exercício e sem perturbações do seu direito o que envolve a proteção contra grupos de oposição manifestações e reuniões contrárias evitando sejam os participantes da reunião agredidos ou submetidos a riscos bem como protegendo contra a perturbação da reunião 572 o que por sua vez implica uma projeção do direito de reunião na esfera das relações privadas Com efeito o dever de proteção é voltado em primeira linha contra intervenções por parte de terceiros havendo mesmo o direito dos participantes de uma reunião de excluir outras pessoas que não comungam dos mesmos objetivos 573 No âmbito dos deveres estatais de proteção falase também em um princípio da simpatia de uma postura ou atitude amistosa para com a reunião Grundsatz der Versammlungsfreundlichkeit que abarca um dever de cooperação entre autoridade pública especialmente no exercício do poder de polícia e os manifestantes 574 Por outro lado o direito de reunião abrange ainda na sua dimensão positiva um direito de acesso a lugares públicos para viabilizar a realização da reunião e manifestação ainda que possa existir alguma limitação quanto a tal direito de acesso já que não se cuida de direito ilimitado 575 Quanto ao âmbito de proteção subjetivo ou seja no que concerne aos titulares do direito cuidase de direito assegurado em primeira linha às pessoas físicas nacionais e estrangeiras não sendo excluída a titularidade por parte de estrangeiros não residentes pois se trata de direito como é o caso da liberdade de expressão fortemente associado ao princípio da dignidade da pessoa humana e ao direito geral de liberdade 576 Em caráter ilustrativo vale referir decisão do Tribunal Constitucional da Espanha que declarou a inconstitucionalidade de dispositivos legais que por exemplo condicionavam a participação de estrangeiros em reuniões e manifestações à prévia autorização de estada ou residência na Espanha 577 Ainda no que diz com os estrangeiros há quem embora admitindo a titularidade efetue a ressalva de que podem existir limites quando tendo em conta o objeto e a finalidade da reunião houver regra restritiva à participação no estatuto jurídico dos estrangeiros 578 As pessoas jurídicas também podem ser titulares do direito de reunião participando de sua convocação promoção direção e organização mas quanto à participação ainda que em princípio possível por meio de representantes em geral não se admite a titularidade por parte de pessoas jurídicas pois a participação como tal seria incompatível com a natureza das pessoas coletivas 579 Quanto aos destinatários a liberdade de reunião vincula tanto o Poder Público órgãos estatais quanto os particulares pois se volta também à não intervenção por parte de terceiros nas diversas fases que envolvem o exercício do direito convocação publicidade organização exercício sendo todavia controverso o quanto a vinculação dos particulares é direta ou apenas indireta por força e na medida apenas dos deveres de proteção estatal tal como já sinalizado acima No caso brasileiro considerando o déficit de regulamentação legal do direito de reunião a tese de uma eficácia direta prima facie acaba ganhando mais força mas aqui se cuida de temática desenvolvida na parte geral dos direitos fundamentais à qual remetemos 3 Limites do direito de reunião Também o direito de reunião está submetido a limites e pode ser objeto de intervenções restritivas Além dos limites já estabelecidos pela própria Constituição Federal é possível cogitar de restrições impostas pela lei e mesmo por decisão judicial no caso de colisão com outros direitos fundamentais Iniciaremos a análise com uma breve abordagem dos limites e requisitos previstos no texto constitucional Os primeiros dois limites que assumem a condição também de elementos do direito de reunião é o de que a reunião deverá ter caráter pacífico não sendo admitido o uso de armas o que se aplica a qualquer tipo de reunião ou manifestação Embora os dois elementos não sejam idênticos pois a reunião poderá ocorrer sem o uso de armas e ao mesmo tempo não ser pacífica desde que haja atos de violência moral ou física o nexo resulta evidente pois a proibição do uso de armas é instrumental em relação ao caráter pacífico que deverá ter a reunião para merecer a proteção constitucional Assim uma reunião de pessoas armadas desde logo será tida como não pacífica 580 Ao referirse a reuniões armadas a Constituição Federal não fez menção expressa ao tipo de armas de modo que em geral a doutrina e a jurisprudência interpretam o conceito de armas em sentido amplo abrangendo além de típicas armas de fogo e armas brancas facas lanças etc todo e qualquer instrumento que possa ser utilizado como meio de agressão 581 Já o uso de instrumentos destinados à proteção tais como elmos escudos máscaras que objetivam em primeira linha resguardar os participantes da reunião e não são utilizados para fins de agressão não se enquadra na noção de armas e não desnatura o caráter pacífico de uma reunião 582 Todavia em que pese o uso de máscaras e elmos ou capacetes ou véus e outros modos de cobertura do rosto por parte dos integrantes de uma reunião ou manifestação não poder ser enquadrada no conceito mesmo alargado de armas e mesmo não inquinando por si só o caráter pacífico da reunião a questão apresenta relevância constitucional Com efeito questionase se o uso de máscaras não poderá ser vedado pelo fato de permitir o anonimato constitucionalmente vedado no Brasil e impedir ou pelo menos dificultar a identificação de indivíduos que sozinhos mas normalmente atuando em grupos vejase o fenômeno dos black blocks aproveitamse disso para a prática de violência física contra pessoas ou patrimônio público e privado ou moral inclusive o discurso do ódio No Brasil considerandose especialmente a contar de junho de 2015 o aumento do número de incidentes dessa natureza dispersos por todo o território nacional a discussão sobre o ponto aumentou gerando iniciativas legislativas e chegando ao STF que no ARE 905149 RGRJ no Rio de Janeiro foi aprovada lei proibindo o uso de máscaras rel Min Roberto Barroso j 25082016 foi reconhecida a Repercussão Geral da matéria ainda pendente de julgamento em caráter definitivo pelo Plenário Quanto ao caráter pacífico que é em geral exigido no direito internacional e comparado entendese por reunião pacífica toda aquela que além de não ser exercida por pessoas armadas não envolve atos de violência física e moral contra terceiros Se com relação ao uso de armas não existem ressalvas quanto à não configuração do caráter pacífico o mesmo valendo para atos de violência física contra terceiros é preciso considerar todavia que a mera previsão pelas autoridades de que possam ocorrer atos de violência ou tumultos não basta para legitimar a proibição da reunião sendo necessário que existam atos de violência que caracterizem a reunião como tal e que não advenham de uma minoria de participantes 583 Por outro lado cuidandose de atos de violência praticados por terceiros que não integram a reunião não se justifica a sua proibição pois não é violenta a reunião que atrai uma reação violenta de outrem 584 Mais problemática é a definição de quando o caráter pacífico é afastado por conta de agressões de cunho moral e ideológico pois ao passo que para alguns mesmo a violência moral portanto manifestações que buscam a intimidação de terceiros que incitem atos de violência ou tenham teor ofensivo justificaria a proibição da reunião ou a declaração de sua ilegitimidade outros entendem que o teor ofensivo da manifestação coletiva e mesmo a incitação à violência não são por si só impeditivos da proteção constitucional do direito de reunião585 Aqui partilhamos do entendimento de que a eventual ilicitude penal ou ilegalidade dos atos dos participantes da reunião não resulta necessariamente em violação do requisito do seu caráter pacífico pois reações com resistência passiva bloqueios com manifestantes sentados podem ser sancionados na esfera criminal mas não ao menos não necessariamente desvirtuam o direito de reunião como tal 586 Assim uma determinação do Poder Público no sentido de proibir ou suspender a reunião inclusive mediante o uso da força policial deverá sempre ter caráter excepcional e apenas se justifica quando os atos praticados durante a reunião afetem direitos fundamentais de terceiros de modo significativo ou coloquem em risco a ordem pública sem que contudo se interprete a noção de ordem pública de modo genérico Apenas a clara indicação de que a reunião está afetando concretamente a segurança pública poderá justificar as restrições mais gravosas do direito de reunião como é o caso da proibição e da dissolução 587 Nesse contexto situamse hipóteses de concorrência entre o direito de reunião e a liberdade de expressão como nos casos em que a liberdade de reunião implica como já referido a expressão de opiniões e afirmações que tenham caráter ofensivo e mesmo possam ser enquadradas no assim chamado discurso do ódio O problema não encontra resposta uniforme no direito comparado e envolve por exemplo a discussão sobre o quanto devem ser admitidas reuniões e manifestações de caráter racista xenófobo ou mesmo como se deu recentemente no Brasil discursos que se situam na linha limítrofe da instigação ao crime o que foi apreciado pelo STF no assim chamado julgamento da marcha da maconha 588 Por ocasião desse julgamento que opera como importante leading case para o direito brasileiro o STF considerou mediante provocação do ProcuradorGeral da República legítima e não sancionável na esfera penal passeata destinada a sensibilizar as autoridades públicas no sentido de obter a descriminalização do consumo de drogas leves como é o caso especialmente da maconha concluindo pela interpretação conforme à Constituição do art 287 do CP que deve ser compreendido de modo a não impedir manifestações públicas em defesa da legalização de drogas De acordo com a decisão do STF a mera proposta de descriminalização de uma conduta não se confunde com a incitação à prática delitiva nem configura apologia de crime sublinhandose o que se verifica no voto do relator Min Celso de Mello e de diversos outros ministros que o acompanharam que os movimentos conhecidos como marcha da maconha são movimentos sociais espontâneos e que mediante a livre expressão do pensamento e da opinião reivindicam o debate público e democrático a respeito da criminalização do consumo de drogas Chama a atenção ainda quanto ao referido julgamento a ênfase colocada na combinação do direito de reunião com a liberdade de expressão pois vários ministros justificaram a decisão com base no livre exercício do direito de expressão Aliás a própria inicial da ADPF invocou tanto uma violação da liberdade de expressão quanto da liberdade de reunião o que também ilustra a hipótese de uma concorrência de direitos e de que determinadas intervenções podem afetar simultaneamente mais de um direito fundamental Embora a Constituição Federal não exija autorização prévia ainda que a reunião se realize em espaço aberto o texto constitucional refere a necessidade de aviso prévio à autoridade competente por parte dos promotores da reunião Tal aviso não apenas cumpre a função de assegurar o direito de preferência quanto ao local de realização da reunião já que o direito de uns não pode afetar reunião já previamente agendada para o mesmo local de acordo com a própria Constituição 589 mas também permite que se venha a assegurar de maneira mais eficaz os direitos de terceiros e mesmo que o Estado possa melhor cumprir com o seu dever de proteção em relação ao próprio direito de reunião De acordo com o entendimento dominante na doutrina a ausência do aviso prévio por si só não justifica a dissolução da reunião sem prejuízo de eventual responsabilização cível ou mesmo criminal dos responsáveis especialmente quando a reunião é pacífica em homenagem aos critérios da proporcionalidade e mesmo de razoabilidade 590 Ainda com relação ao requisito do aviso prévio importa frisar que o STF reconheceu a repercussão geral da matéria no bojo do Recurso Extraordinário 806339SE rel Min Marco Aurélio j 18102015 Quando do julgamento do mérito em 15122020 Redator do Acórdão Min Edson Fachin a Corte reconhecendo a legitimidade constitucional de reuniões e manifestações espontâneas assentou que a exigência constitucional de aviso prévio relativamente ao direito de reunião é satisfeita com a veiculação de informação que permita ao poder público zelar para que seu exercício se dê de forma pacífica ou para que não frustre outra reunião no mesmo local Por outro lado embora a Constituição Federal não tenha traçado expressamente a distinção entre reuniões em locais abertos vias públicas praças etc e fechados a exigência do aviso prévio se revelará como no mínimo questionável quando se tratar de reuniões fechadas em espaços privados já que em princípio não poderá ocorrer colisão de reuniões no mesmo espaço privado e também interesses de terceiros estarão salvaguardados 591 Uma intervenção nesses casos por sua vez terá necessariamente caráter ainda mais excepcional do que quando se tratar de reuniões em locais abertos A exigência do aviso prévio que não equivale em hipótese alguma a uma prévia autorização assume função de dar publicidade ao ato e de assegurar medidas de proteção ou mesmo permitir em casos justificados uma interdição da reunião mas não constitui requisito autônomo impeditivo da reunião Tendo em conta que a norma constitucional que exige o aviso prévio é de eficácia plena portanto diretamente aplicável não se faz necessária edição de lei regulamentando tal exigência ainda que a lei possa contribuir em muito para o adequado exercício do direito de reunião Por outro lado o fato de se tratar de norma constitucional de aplicação imediata direta não acarreta por si só a revogação de toda e qualquer norma legal ou infralegal anterior pois isso somente ocorrerá quando a legislação anterior for manifestamente incompatível com o teor da Constituição nova Assim muito embora se possa considerar revogado o art 3º da Lei 12071950 que atribuía à autoridade de maior categoria do Distrito Federal e das cidades fixar ao começo de cada ano as praças destinadas aos comícios 592 isso não significa que toda a lei tenha sido revogada pois a revogação apenas se dá convém reiterar nos casos de incompatibilidade com as exigências da Constituição em vigor que não proíbe a regulamentação do aviso prévio nem de aspectos relativos ao direito de reunião 593 Quanto à incidência no caso de reuniões em vias públicas e que causem transtornos para o fluxo de veículos e de pessoas da prescrição contida no art 95 do Código Brasileiro de Trânsito que refere a necessidade de permissão prévia por parte do órgão ou entidade de trânsito com circunscrição sobre a respectiva via pública deve ser interpretada em sentido compatível com a Constituição Federal afastandose a exigência de autorização prévia nos casos mas apenas nesses em que se configurar uma reunião 594 Limitações quanto ao modo de exercício do direito de reunião ressalvada é claro a proibição do uso de armas e o seu caráter pacífico são em princípio ilegítimas sob o ponto de vista constitucional Nesse sentido situase por exemplo decisão do STF que considerou inconstitucional decreto expedido pelo Governador do Distrito Federal que proibia a realização de reuniões na área da Praça dos Três Poderes com o uso de carros de som 595 O uso de máscaras por parte dos manifestantes no contexto de uma reunião e manifestação constitui como já destacado acima situação altamente polêmica inclusive ensejando o reconhecimento de sua repercussão geral pelo STF como igualmente referido e que se situa numa zona limítrofe visto que como regra também aqui não se vislumbra ser legítima uma proibição prévia e generalizada seja pelo fato de que o uso de máscara não impede a abordagem para identificação de eventual autor de excessos seja pelo fato de que a depender da manifestação a máscara pode assumir o papel de veículo de determinadas formas de expressão 596 Nesse contexto vale colacionar o julgamento no STF da ADIn 5136 que teve por objeto impugnação do 1º do art 28 da Lei 126632012 Lei Geral da Copa quando foi destacado que a liberdade de expressão aqui no âmbito da liberdade de manifestação não é absoluta sendo necessário caso a caso um exame criterioso dos direitos e interesses em conflito à luz dos critérios da proporcionalidade 597 Caso de alta repercussão e relevância diz respeito a intervenção da autoridade policial e de servidores do Poder Judiciário na esfera de reuniões e manifestações acompanhadas de protestos de natureza política durante período de campanha eleitoral inclusive mediante o ingresso em Universidades e estabelecimentos de ensino em geral Embora se trate de situação que diga respeito a diversos direitos e garantias fundamentais vg liberdade de expressão autonomia universitária liberdade acadêmica buscas e apreensões ilegítimas cumprimento da legislação eleitoral etc é no contexto da liberdade de reunião e manifestação que se fará referência ao caso mais emblemático julgado pelo STF nesse domínio nos últimos anos Cuidase do julgamento da ADPF 548 MCRefDF Relator Ministra Cármen Lúcia ocorrido em 31102018 Por ocasião do julgamento e de acordo com transcrição de trecho do Informativo n 922 do STF O Plenário referendou com efeito vinculante e eficácia contra todos decisão monocrática que em arguição de descumprimento de preceito fundamental ADPF suspendeu os efeitos de atos judiciais ou administrativos emanados de autoridade pública que possibilitem determinem ou promovam o ingresso de agentes públicos em universidades públicas e privadas o recolhimento de documentos a interrupção de aulas debates ou manifestações de docentes e discentes universitários a atividade disciplinar docente e discente e a coleta irregular de depoimentos desses cidadãos pela prática de manifestação livre de ideias e divulgação do pensamento em ambientes universitários ou em equipamentos sob a administração de universidades públicas e privadas e serventes a seus fins e desempenhos Mediante o manejo da ADP foram impugnadas decisões proferidas por juízes eleitorais que determinaram a busca e apreensão de panfletos e materiais de campanha eleitoral em universidades e nas dependências das sedes de associações de docentes bem como decisões que proibiram aulas com temática eleitoral e reuniões e assembleias de natureza política impondo a interrupção de manifestações públicas de apreço ou reprovação a candidatos nas eleições gerais de 2018 em ambiente virtual ou físico de universidades federais e estaduais Em alguns casos policiais executaram tais ações sem comprovação da respectiva autorização judicial que o respaldasse No mérito o Plenário entendeu que os atos impugnados violam os princípios constitucionais assecuratórios da liberdade de manifestação do pensamento ademais de violarem a autonomia universitária Além disso afirmou a necessidade de interpretação e aplicação das normas eleitorais de modo a não transgredir princípios fundamentais e assegurar a livre manifestação de pensamento e de expressão porquanto o escopo do disposto no art 37 da Lei 95041997 que regulamenta a propaganda eleitoral e proíbe alguns comportamentos durante o processo eleitoral é o de impedir o abuso de poder econômico e assegurar a isonomia dos candidatos no pleito de tal sorte que tudo o que extrapolar tal finalidade constitucional e limitar a liberdade de expressão constitui abuso por parte da autoridade pública Embora a em regra necessária interpretação restritiva das intervenções restritivas na liberdade de reunião também este direito fundamental assim como ocorre em relação a outros direitos fundamentais está sujeito a depender das circunstâncias a restrições mais fortes inclusive a possibilidade de suspensão temporária do exercício do direito nos casos excepcionais em que configurado o estado de defesa art 136 1º I a da CF ou o estado de sítio art 139 IV da CF Por derradeiro no que diz com os instrumentos processuais adequados à salvaguarda do direito de reunião prevalece tanto na esfera da jurisprudência do STF quanto em sede doutrinária o entendimento de que a ação constitucional própria é o mandado de segurança e não o habeas corpus pois no caso do direito de reunião a liberdade de locomoção eventualmente afetada é apenas um meio para o exercício do direito de reunião 598 a menos contudo que a ação das autoridades públicas importe ameaças de prisão e não apenas a dissolução da reunião ou outras sanções 599 413 Direitos de igualdade direito geral de igualdade cláusulas especiais de igualdade e políticas orientadas para a igualdade 4131 Considerações introdutórias Igualdade e justiça são noções que guardam uma conexão íntima que pode ser reconduzida no plano filosófico ao pensamento grego clássico com destaque para o pensamento de Aristóteles quando este associa justiça e igualdade e sugere que os iguais devem ser tratados de modo igual ao passo que os diferentes devem ser tratados de modo desigual 600 muito embora convém lembrar a justiça não se esgote na igualdade nem com ela se confunda 601 Desde então o princípio da igualdade e a noção de isonomia guarda relação íntima com a noção de justiça e com as mais diversas teorizações sobre a justiça posto que além de outras razões que podem ser invocadas para justificar tal conexão a justiça é sempre algo que o indivíduo vivencia em primeira linha de forma intersubjetiva e relativa ou seja na sua relação com outros indivíduos e na forma como ele próprio e os demais são tratados 602 Além disso mas também por isso mesmo a igualdade passou a constituir valor central para o direito constitucional contemporâneo representando verdadeira pedra angular do constitucionalismo moderno 603 porquanto parte integrante da tradição constitucional inaugurada com as primeiras declarações de direitos e sua incorporação aos catálogos constitucionais desde o constitucionalismo de matriz liberalburguesa Desde então e cada vez mais embora os importantes câmbios na compreensão e aplicação da noção de igualdade ao longo do tempo de acordo com a oportuna dicção de José Joaquim Gomes Canotilho e Vital Moreira o princípio da igualdade é um dos princípios estruturantes do sistema constitucional global conjugando dialecticamente as dimensões liberais democráticas e sociais inerentes ao conceito de Estado de direito democrático e social 604 tal como também o é o Estado projetado pela Constituição Federal brasileira de 1988 Já no que se pode designar de momento da fundação do constitucionalismo moderno a igualdade passou a figurar nas declarações de direitos e primeiras constituições mas o destaque vai para a Declaração dos Direitos da Virgínia de 1776 cujo primeiro artigo afirmava que todos os homens nascem igualmente livres e independentes bem como a Declaração francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 de acordo com a qual os homens nascem e são livres e iguais em direitos art 1º Embora a Declaração em si mesma antes de ser integrada ao bloco de constitucionalidade não fosse uma constituição a sua relevância para a evolução constitucional como já demonstrado na parte sobre a história do constitucionalismo e para o reconhecimento da igualdade no campo do direito positivo é inquestionável Aliás a igualdade também foi contemplada em outra passagem da Declaração mais precisamente na relação com o postulado da generalidade da lei Com efeito de acordo com o art 6º da Declaração a lei é a expressão da vontade geral Ela deve ser a mesma para todos seja para proteger seja para punir enunciado que expressa a superação da sociedade de privilégios hereditários e estamentais que caracterizava o assim chamado Antigo Regime na França prérevolucionária 605 A partir de então a igualdade perante a lei embora nem sempre a dicção dos textos constitucionais tenha sido idêntica e a noção de que em princípio direitos e vantagens devem beneficiar a todos e os deveres e encargos devem impender sobre todos 606 passou a constar gradativamente nos textos constitucionais presença que alcançou sua máxima expansão em termos quantitativos e qualitativos no constitucionalismo do Segundo PósGuerra e com a inserção do princípio da igualdade e dos direitos de igualdade no sistema internacional de proteção dos direitos humanos 607 a começar pela própria Declaração da ONU de 1948 quando no seu art I solenemente a exemplo do que havia feito a Declaração francesa praticamente 150 anos antes afirma que todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos para no art VII declarar numa perspectiva já afinada com o que se convencionou designar de igualdade material que todos são iguais perante a lei e têm direito sem qualquer distinção a igual proteção da lei Todos têm direito a igual proteção contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação Ainda no plano do direito internacional verificouse um processo de amplo reconhecimento de direitos de igualdade mediante sua incorporação em diversos tratados ou convenções sejam eles de amplitude universal como no caso art 26 do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos de 1966 de acordo com o qual todas as pessoas são iguais perante a lei e têm direito sem discriminação alguma a igual proteção da lei sejam eles de abrangência regional como é o caso da Convenção Americana de Direitos Humanos 1969 cujo art 24 de modo quase idêntico ao disposto no Pacto de Direitos Civis e Políticos preceitua que todas as pessoais são iguais perante a lei Por conseguinte têm direito sem discriminação alguma à igual proteção da lei Tais documentos supranacionais que uma vez ratificados pelos Estados não é o caso portanto da Declaração da ONU de 1948 que contudo integra o conjunto dos princípios do direito internacional assumem a condição de normas de caráter vinculante além de preverem cláusulas gerais em parte também preveem cláusulas especiais de igualdade ou foram complementados por outros documentos destinados a combater as mais diversas modalidades de discriminação como é o caso das Convenções sobre a eliminação de todas as formas de discriminação racial 1965 e da mulher 1979 bem como mais recentemente da Convenção sobre pessoas com deficiência apenas para citar os exemplos mais conhecidos No plano do constitucionalismo o Brasil como se sabe não configura exceção à regra visto que a Carta Imperial de 1824 no seu art 179 XIII replicando o enunciado da Declaração francesa dispunha que a Lei será igual para todos quer proteja quer castigue e recompensará em proporção dos merecimentos de cada um Já no dispositivo seguinte art 179 XIV a Constituição assegurava que todo o Cidadão pode ser admitido aos cargos públicos civis políticos ou militares sem outra diferença que não seja dos seus talentos e virtudes vinculando a igualdade a determinados critérios de justiça e merecimento Desde então todas as Constituições brasileiras contemplaram a igualdade perante a lei além de outras referências à igualdade No caso da Constituição de 1891 o art 72 2º dispunha que todos são iguais perante a lei além de banir todo e qualquer privilégio de nascimento títulos nobiliárquicos ordens honoríficas expressão do momento inaugural da República no Brasil Já a Constituição de 1934 no art 113 n 1 dispunha que todos são iguais perante a lei Não haverá privilégios nem distinções por motivo de nascimento sexo raça profissões próprias ou dos pais classe social riqueza crenças religiosas ou ideias políticas avançando portanto no que diz com a proscrição das discriminações e já traduzindo uma compreensão mais complexa e avançada do princípio da igualdade Na seara da ordem econômica e social ao versar sobre os direitos dos trabalhadores a Constituição de 1934 vedou diferenciação de salário para o mesmo trabalho em função da idade sexo nacionalidade ou estado civil art 121 1º a A Constituição de 1937 outorgada por Getúlio Vargas limitavase a contemplar a igualdade perante a lei em termos genéricos art 122 n 1 e assegurar o igual acesso aos cargos públicos art 122 n 3 fórmula que acabou sendo repetida pela Constituição de 1946 quando no seu art 141 1º enuncia que todos são iguais perante a lei mas quando trata dos direitos dos trabalhadores a exemplo do que já dispunha a Constituição de 1934 veda diferenças de salário em virtude da idade sexo nacionalidade ou estado civil art 157 II A Constituição de 19671969 promulgada e emendada substancialmente sob a égide do regime militar assegurava a igualdade de todos perante a lei sem distinção de sexo raça trabalho credo religioso e convicções políticas além de prever a punição pela lei do preconceito racial art 153 1º de modo que pelo menos no que diz com o texto constitucional houve avanços em relação à função impeditiva de discriminações exercida pelo princípio e pelo direito de igualdade No campo das relações de trabalho além da proibição de diferenciação salarial também foi prevista a proibição de diferenciação quanto aos critérios de admissão art 158 III A Constituição de 1988 por sua vez avançou significativamente no que diz com o princípio e os direitos de igualdade o que será objeto de exame logo adiante Por outro lado embora não seja o caso de mapear todos os textos constitucionais e internacionais importante é que se perceba que o princípio da igualdade e o direito de igualdade sofreram uma significativa mutação quanto ao seu significado e alcance especialmente quanto ao trânsito de uma concepção estritamente formal de igualdade para uma noção material muito embora tal mudança não se tenha processado da mesma forma em todos os lugares Nesta perspectiva é possível para efeitos de compreensão da evolução acima apontada identificar três fases que representam a mudança quanto ao entendimento sobre o princípio da igualdade quais sejam a a igualdade compreendida como igualdade de todos perante a lei onde a igualdade também implica a afirmação da prevalência da lei b a igualdade compreendida como proibição de discriminação de qualquer natureza c a igualdade como igualdade da própria lei portanto uma igualdade na lei 608 As três fases serão tratadas doravante no âmbito da distinção entre igualdade formal e igualdade material distinção que segue sendo central para a compreensão no seu conjunto do princípio da igualdade e do direito de igualdade na condição de direito e garantia humana e fundamental De qualquer sorte como bem lembra Oscar Vilhena Vieira a afirmação de que todos são iguais perante a lei não pode ser compreendida como uma proposição de fato mas sim como uma reivindicação de natureza moral de modo que a igualdade constitui uma reivindicação social e politicamente construída que no plano jurídico se traduz em um dever ser um dever de igual tratamento de igual respeito e consideração 609 É nessa perspectiva à vista da amplitude e transformação também ao longo da evolução jurídicoconstitucional que buscaremos apresentar e analisar embora de forma sumária o modo pelo qual o princípio e direito fundamental de igualdade opera como instrumento para a concretização dessa promessa moral a começar pela distinção convencional entre uma igualdade formal e uma igualdade material 4132 Da igualdade formal à igualdade material Na sua primeira fase de reconhecimento o princípio da igualdade como já anunciado correspondia à noção de que todos os homens são iguais compreendida no sentido de uma igualdade absoluta em termos jurídicos correspondendo ao direito de toda e qualquer pessoa estar sujeita ao mesmo tratamento previsto na lei independentemente do conteúdo do tratamento dispensado e das condições e circunstâncias pessoais razão pela qual nesta perspectiva o princípio da igualdade de certo modo correspondia à exigência da generalidade e prevalência da lei típica do Estado constitucional de matriz liberal 610 A igualdade perante a lei que corresponde à igualdade formal habitualmente veiculada pela expressão todos são iguais perante a lei 611 é de acordo com Pontes de Miranda em primeira linha destinada ao legislador estabelecendo uma proibição de tratamentos diferenciados o que todavia embora sirva para coibir desigualdades no futuro não é suficiente para destruir as causas da desigualdade numa sociedade 612 A igualdade formal portanto como postulado da racionalidade prática e universal que exige que todos que se encontram numa mesma situação recebam idêntico tratamento portanto compreendida como igualdade na aplicação da lei passou a ser complementada pela assim chamada igualdade material embora se deva anotar que as noções de igualdade formal e material não são sempre compreendidas do mesmo modo 613 Com efeito a circunstância de que a lei deveria ser a mesma para todos não era na primeira fase do reconhecimento do princípio da igualdade tida como incompatível com a desigualdade em matéria de direitos e obrigações decorrente de desigualdades sociais e econômicas como bem ilustra o exemplo das limitações impostas na esfera dos direitos políticos visto que durante considerável período de tempo era difundida a prática de se exigir tanto para votar quanto para concorrer a cargos eletivos a demonstração de deter minado patrimônio eou rendimento 614 Também a chancela legal da escravidão tal como ocorreu mesmo após a promulgação da Constituição nos Estados Unidos da América embora a peculiar formulação da igualdade na Décima Quarta Emenda integrada à declaração de direitos gradativamente ampliada a partir da sua primeira formatação em 1791 e no Brasil a despeito do conteúdo da declaração de direitos inserta na Carta Imperial de 1824 se revelava por algum tempo e lamentavelmente para não poucos compatível com a igualdade de todos cidadãos não escravos pois apenas os libertos detinham então o status da cidadania perante a lei até vir a ser proscrita bem mais tarde A atribuição de um sentido material à igualdade que não deixou de ser também uma igualdade de todos perante a lei foi uma reação precisamente à percepção de que a igualdade formal não afastava por si só situações de injustiça além de se afirmar a exigência de que o próprio conteúdo da lei deveria ser igualitário de modo que de uma igualdade perante a lei e na aplicação da lei se migrou para uma igualdade também na lei 615 Igualdade em sentido material além disso significa proibição de tratamento arbitrário ou seja a vedação da utilização para o efeito de estabelecer as relações de igualdade e desigualdade de critérios intrinsecamente injustos e violadores da dignidade da pessoa humana de tal sorte que a igualdade já agora na segunda fase de sua compreensão na seara jurídicoconstitucional opera como exigência de critérios razoáveis e justos para determinados tratamentos desiguais 616 A compreensão material da igualdade por sua vez na terceira fase que caracteriza a evolução do princípio no âmbito do constitucionalismo moderno passou a ser referida a um dever de compensação das desigualdades sociais econômicas e culturais portanto no sentido do que se convenciona chamar de uma igualdade social ou de fato 617 embora também tais termos nem sempre sejam compreendidos da mesma forma De qualquer sorte considerando que tais dimensões formal e material serão analisadas com mais detalhamento quando do exame do significado e alcance do princípio da igualdade e dos direitos de igualdade na Constituição Federal de 1988 importa ainda registrar nesta quadra que as três dimensões da igualdade e que inte gram a igualdade formal e material levaram a uma reconstrução da noção de igualdade e de seu significado e alcance em termos jurídicoconstitucionais Particularmente relevante para tal evolução foi o modo pelo qual passou a ser compreendida a relação entre a igualdade e os valores princípios e direitos da dignidade da pessoa humana e da liberdade 4133 Breves notas a respeito da relação entre dignidade liberdade e igualdade Liberdade e igualdade andam abraçadas pelo menos desde que ambas as noções foram objeto de expresso reconhecimento pelo movimento revolucionário francês 1789 sendo que na evolução subsequente a relação entre liberdade e igualdade passou a ser considerada como de certo modo indissociável e constitutiva do constitucionalismo moderno Embora a relação entre ambas as noções e princípios igualdade e liberdade assim como os direitos de igualdade e direitos de liberdade que lhes são correlatos tal relação não é isenta de tensões visto que por um lado a liberdade e os direitos de liberdade assegura ao indivíduo uma liberdade para a diferença e para a desigualdade gerando um potencial conflito entre a pretensão de liberdade na esfera da vida social por um lado e por outro uma exigência de igualdade social 618 Dito de outro modo a exigência política da maior liberdade social possível conflita com a exigência política de maior igualdade social possível visto que a liberdade social também é a liberdade do mais forte e a igualdade social é justamente a igualdade de oportunidades por parte do mais fraco 619 Todavia quando se trata de assegurar ambos os valores na condição de direitos fundamentais da pessoa humana ambos fundados na noção da igual dignidade de todos os seres humanos tal como emblematicamente enunciado também na Declaração dos Direitos Humanos da ONU que no seu art 1º enuncia que todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e em direitos é possível partir do pressuposto de que igualdade e liberdade não conflitam necessariamente entre si mas se complementam e implicam um equilíbrio entre as posições fundamentais de todos os indivíduos Com efeito de acordo com a lição de José Joaquim Gomes Canotilho o princípio da igualdade está intrinsecamente ligado à liberdade individual visto que constitui pressuposto para a uniformização dos regimes das liberdades individuais a favor de todos os sujeitos de determinado ordenamento jurídico 620 Por outro lado a proibição de qualquer tipo de discriminação arbitrária e contrária à igual dignidade de cada ser humano e a pretensão de igual respeito e consideração inclusive de suas qualidades e circunstâncias pessoais indicam como o princípio da dignidade da pessoa humana passou a integrar a própria concepção de igualdade constitucional operando como critério material de valoração notadamente no que diz com a definição das discriminações materialmente não razoáveis ou seja a proibição de tratamentos diferenciados com base em critérios que violam a dignidade da pessoa humana 621 Que com isso não se está a esgotar o papel da dignidade da pessoa humana para a compreensão do princípio da igualdade e dos direitos de igualdade resulta evidente devendo ser objeto de alguma atenção adicional logo adiante em especial no contexto das proibições de discriminação 4134 Conteúdo e significado do princípio da igualdade e dos direitos de igualdade na Constituição Federal de 1988 41341 Generalidades Na Constituição Federal de 1988 objeto imediato de nossa atenção a igualdade obteve lugar de acentuado destaque em várias passagens do texto constitucional a começar pelo Preâmbulo onde a igualdade ao lado da justiça e o valor de uma sociedade pluralista e sem preconceitos integram os valores centrais da ordem jurídicoconstitucional Além disso a igualdade se apresenta no texto constitucional tanto como princípio estruturante do próprio Estado Democrático de Direito quanto na condição de norma impositiva de tarefas para o Estado bastando neste contexto referir o disposto no art 3º que no âmbito dos objetivos fundamentais com destaque para os incisos III e IV elenca a redução das desigualdades regionais e a promoção do bem de todos sem preconceitos de origem raça sexo cor idade e quaisquer outras formas de discriminação Além disso a igualdade constitui uma peçachave no catálogo constitucional dos direitos fundamentais Assim como se deu em outras ordens constitucionais contemporâneas também a Constituição Federal não se limitou a enunciar um direito geral de igualdade como ocorreu no art 5º caput todos são iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza mas sim estabelece ao longo do texto uma série de disposições impositivas de um tratamento igualitário e proibitivas de discriminação como é o caso da igualdade entre homens e mulheres art 5º I da proibição de diferença de salários de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo idade cor ou estado civil art 7º XXX proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência art 7º XXXI igualdade de direitos entre o trabalhador com vínculo empregatício permanente e o trabalhador avulso art 7º XXXIV acesso igualitário e universal aos bens e serviços em matéria de saúde art 196 caput igualdade de condições para o acesso e permanência na escola art 206 I igualdade de direitos e deveres entre os cônjuges art 226 5º proibição de discriminação em razão da filiação art 227 6º Da mesma forma já no plano constitucional presente o dever de promover políticas de ações afirmativas como é o caso em caráter ilustrativo do art 37 VIII estipulando que a lei deverá reservar percentual dos cargos e empregos públicos para pessoas com deficiência Portanto também no caso brasileiro há que diferenciar no que couber uma cláusula geral de igualdade no sentido de um direito geral de igualdade de manifestações especiais que dizem respeito a determinados grupos de pessoas determinadas circunstâncias entre outros como é o caso da igualdade entre homens e mulheres entre os filhos havidos na e fora da constância do casamento proibições especiais de discriminação nas relações de trabalho igualdade de acesso e permanência na escola ou mesmo de normas impositivas de políticas de ações afirmativas com o fito de compensar desigualdades fáticas apenas para referir as mais comuns tudo a revelar a complexidade da matéria e a necessidade de uma abordagem afinada com as peculiaridades do direito constitucional positivo Por outro lado tendo em conta a conexão entre o direito geral e as cláusulas especiais de igualdade o nosso intento é o de tratar do tópico igualdade na perspectiva dos direitos fundamentais de modo concentrado e sistemático sem contudo deixar de apontar para as peculiaridades das cláusulas ou direitos especiais de igualdade visto que apresentam uma dimensão em parte diferenciada ainda que articulada com a noção geral de igualdade reservando por fim alguma atenção para o problema das assim chamadas ações afirmativas que operam no contexto de uma compensação das desigualdades fáticas correspondentes ao terceiro ciclo ou dimensão que caracteriza tal como sumariamente noticiado na parte introdutória do presente texto a evolução no tocante à compreensão do princípio da igualdade 41342 Âmbito de proteção conteúdo e alcance do princípio e do direito geral de igualdade Desde logo merece destaque a circunstância de que a estrutura dogmática dos direitos de liberdade compreendidos como faculdades de agir ou não agir e de não ser impedido salvo nos limites da ordem jurídicoconstitucional no exercício dessas faculdades não se deixa transpor de modo direto para os direitos de igualdade pois a proteção concreta com base no direito de igualdade por implicar um juízo relacional não se encontra predeterminada na esfera constitucional a não ser no sentido de que a Constituição exige um tratamento igual em situações substancialmente iguais proibindo discriminações arbitrárias de tal sorte que uma intervenção no direito de igualdade se verifica apenas quando se estiver diante de um tratamento igual de situações essencialmente desiguais ou de um tratamento desigual de situações essencialmente iguais 622 Nessa perspectiva mas considerando a arquitetura constitucional positiva brasileira já delineada é possível afirmar que também no Brasil o princípio e direito da igualdade abrange pelo menos três dimensões a proibição do arbítrio de modo que tanto se encontram vedadas diferenciações destituídas de justificação razoável com base na pauta de valores constitucional quanto proibido tratamento igual para situações manifestamente desiguais b proibição de discriminação portanto de diferenciações que tenham por base categorias meramente subjetivas c obrigação de tratamento diferenciado com vistas à compensação de uma desigualdade de oportunidades o que pressupõe a eliminação pelo Poder Público de desigualdades de natureza social econômica e cultural 623 De modo similar mas não coincidente Jorge Miranda e Rui Medeiros referem um sentido negativo do princípio da igualdade no que implica a proibição de privilégios e discriminações ao passo que o sentido positivo segundo os autores está entre outros aspectos atrelado ao dever de tratamento igual em situações desiguais ou tratamento semelhante em situações semelhantes e de tratamento desigual para situações desiguais situações substancial e objetivamente desiguais bem como numa perspectiva prospectiva um tratamento das situações não apenas como existem mas como devem existir no sentido portanto de uma igualdade mediante a lei 624 Nas próximas linhas tentaremos decodificar tais dimensões e explicitar o seu conteúdo e alcance sempre buscando manter a sintonia com o direito constitucional positivo brasileiro muito embora sem descurar da interação com outras culturas constitucionais visto que o princípio da igualdade assim como as proibições de discriminação e as imposições de políticas de igualdade e de ações afirmativas integram já de há muito uma gramática universal do direito constitucional da dogmática dos direitos fundamentais e do direito internacional dos direitos humanos Desde logo é preciso atentar para o fato de que também o direito de igualdade apresenta uma dupla dimensão objetiva e subjetiva e no âmbito desta última portanto na condição de direito subjetivo compreende uma face negativa defensiva e positiva prestacional No âmbito da dimensão objetiva a igualdade como já anunciado constitui valor e princípio estruturante do Estado Constitucional na condição de Estado Democrático e Social de Direito muito embora controversa a possibilidade de dedução diretamente do princípio da igualdade de deveres de proteção dos órgãos estatais 625 Ainda que se possam compreender as reservas com relação à dedução de deveres de proteção do princípio da igualdade especialmente no que concerne à liberdade de conformação do legislador a existência de um dever estatal de proteção das pessoas inclusive vinculado ao princípio da dignidade da pessoa humana contra atos de discriminação inclusive na esfera penal guarda consonância com o direito constitucional positivo brasileiro que não apenas proíbe discriminações mas impõe ao legislador a sua punição de acordo com o art 5º XLI a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais inclusive em sede criminal chegando mesmo ao ponto de afirmar o caráter imprescritível dos delitos de discriminação racial além de limitar o legislador penal na esfera da fixação da pena predeterminando que tais delitos sejam sancionados com pena de reclusão art 5º XLII Na condição de direito subjetivo o direito de igualdade opera como fundamento de posições individuais e mesmo coletivas que tem por objeto na perspectiva negativa defensiva a proibição de tratamentos encargos em desacordo com as exigências da igualdade ao passo que na perspectiva positiva ele opera como fundamento de direitos derivados a prestações isto é de igual acesso às prestações bens serviços subvenções etc disponibilizados pelo Poder Público ou por entidades privadas na medida em que vinculadas ao princípio e direito de igualdade 626 Também a exigência de medidas que afastem desigualdades de fato e promovam a sua compensação ou seja de políticas de igualdade e mesmo de políticas de ações afirmativas pode ser reconduzida à função positiva prestacional da igualdade que implica um dever de atuação estatal seja na esfera normativa seja na esfera fática de modo que é possível falar em uma imposição constitucional de uma igualdade de oportunidades 627 Titulares do direito são tanto pessoas físicas quanto jurídicas evidentemente quanto a essas de acordo com as circunstâncias e naquilo em que houver compatibilidade com a condição de pessoa jurídica o que especialmente no caso das proibições de discriminação entre os filhos por motivo de sexo raça idade deficiências etc não é o caso 628 Também os estrangeiros não residentes considerando o teor do art 5º caput da CF e a sua interpretação extensiva inclusiva privilegiada pela doutrina e jurisprudência brasileiras são titulares do direito de igualdade em especial do direito a não serem arbitrariamente discriminados ou seja quando se cuida de situações que implicam violação da dignidade humana sem prejuízo de serem levadas em conta peculiaridades relativas à sua condição jurídica de estrangeiros Destinatários são em primeira linha os órgãos estatais visto que a igualdade perante a lei implica um dever de aplicação igual do direito para os órgãos jurisdicionais e administrativos mas também uma igualdade na lei e pela lei que por sua vez vincula os órgãos legislativos De qualquer sorte os direitos fundamentais portanto também os direitos de igualdade terão plena eficácia e aplicabilidade apenas se vincularem diretamente todos os órgãos funções e ações estatais 629 Todavia é preciso considerar que a vinculação dos órgãos estatais se verifica apenas no âmbito da sua respectiva e concreta esfera de competências eou atribuições visto que o princípio da igualdade deve guardar sintonia com a arquitetura constitucional federativa como se dá também no âmbito da Constituição Federal 630 Tal premissa por sua vez articulase com o disposto no art 19 III da CF que veda à União aos Estados ao Distrito Federal e aos Municípios a criação de distinções entre brasileiros ou preferências entre si Tal concepção tem encontrado guarida na jurisprudência do STF que além de reconhecer a vinculação de todos os entes estatais ao princípio da igualdade consagrou a noção de que este abrange duas manifestações quais sejam a igualdade na lei no sentido de exigência em relação ao legislador que não poderá criar fatores de discriminação ilegítimos e a igualdade perante a lei que diz respeito à sua aplicação pelos demais órgãos estatais que não poderão quando da aplicação da lei utilizar critérios de cunho seletivo ou discriminatório 631 No que diz com a vinculação dos particulares seja na condição de pessoas naturais seja na condição de pessoas jurídicas não se pode deixar de ter presentes as peculiaridades das relações privadas onde embora de modo não absoluto vige o princípio da autonomia privada e da liberdade contratual Em princípio a projeção do direito geral de igualdade e mesmo das cláusulas especiais de igualdade na esfera das relações privadas será mediada pelo legislador pois é este quem regula tais relações inclusive na esfera de um direito contra a discriminação Assim na condição de princípio objetivo da ordem jurídica o princípio da igualdade informa também toda a ordem jurídica privada impondo uma igualdade de tratamento e impedindo toda e qualquer discriminação por parte do legislador mas também por parte de atores privados dotados de poder social e que por tal razão encontramse em situação de vantagem desigualdade econômica e social na sua relação com outros particulares vinculando também particulares que explorem serviços ou estabelecimentos abertos ao público como é o caso de farmácias táxis escolas restaurantes hotéis etc 632 O quanto contudo o direito geral de igualdade e as proibições de discriminação vinculam diretamente as relações entre particulares que não se enquadram nas categorias mencionadas projetandose também em relação a atos jurídicos praticados por particulares e que tenham caráter discriminatório constitui aspecto relativamente controverso Assim à míngua de uma legislação que regule o dever constitucional de igual tratamento e a proibição de discriminações pois é esta que será aplicada aos atos praticados pelos particulares uma eficácia direta dos direitos de igualdade nas relações privadas se dará apenas em casos de evidente violação das proibições constitucionais de discriminação visto que por conta do princípio da igualdade não se poderá esvaziar por completo a autonomia privada 633 Na esfera das relações de trabalho onde vigem cláusulas especiais proibitivas de discriminação por exemplo art 7º XXX e XXXI mas também por força de um desnível ainda que nem sempre igual de poder econômico uma eficácia direta especialmente tendo em conta que o empregador é o sujeito passivo principal do direito subjetivo é em princípio de ser reconhecida O próprio STF em precedente muito citado e sem que se vá aqui adentrar no mérito da querela em torno de uma eficácia direta ou indireta nas relações privadas chancelou a aplicação do princípio da igualdade quando em causa uma diferenciação de tratamento entre empregados brasileiros e estrangeiros de determinada empresa multinacional tendo considerado inconstitucional a não extensão ao empregado brasileiro de vantagens previstas no estatuto de pessoal da empresa Air France e que eram concedidas apenas aos empregados estrangeiros 634 No mesmo sentido embora se trate mais propriamente de um caso da assim chamada eficácia indireta dos direitos fundamentais na esfera das relações privadas situase decisão do STF ADIn 5357MCRefEDDF rel Min Edson Fachin j 17022017 referendo da medida cautelar entendendo ser constitucional a exigência legal estatuto das pessoas com deficiência resultante da conversão ao direito interno da respectiva convenção internacional da ONU de adequação dos estabelecimentos de ensino privados às exigências legais em termos de acessibilidade sem possibilidade de repasse dos custos para as mensalidades escolares Outro caso que diz respeito à repercussão do princípio da igualdade aqui compreendido como proibição de discriminação arbitrária foi apreciado pelo STF no RE 646721RS Repercussão Geral rel Min Marco Aurélio e relator para o Acórdão Min Roberto Barroso julgado em 10052017 pelo Tribunal Pleno De acordo com a nossa SC reconhecendo a Repercussão Geral da matéria No sistema constitucional vigente é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros devendo ser aplicado em ambos os casos o regime estabelecido no art 1829 do CC2002 Por outro lado compreendemse as razões pelas quais não é necessariamente vedado a um hotel destinado ao repouso de pessoas idosas sem ser por isso chamado à responsabilização em nome da igualdade se recusar a hospedar crianças quando existente alternativa efetiva em local próximo e que não resulta em encargo desproporcional para terceiros eventualmente afetados Da mesma forma não se poderá impedir que alguém deixe de vender seu imóvel para alguém pelo preço inicialmente proposto alienando o a outrem por valor menor desde que não configurada conduta eminentemente discriminatória sem prejuízo de eventual impacto desproporcional sobre direitos e interesses coletivos e de terceiros Outro ponto de cimeira relevância no que diz com a vedação de discriminações de qualquer natureza é o fato de esta cláusula operar como fundamento para a concretização legislativa e da interpretação judicial de proibições específicas de discriminação não expressamente elencadas no catálogo constitucional de direitos Isso se pode dar tanto com base no direito geral de igualdade como também e de modo mais consistente em combinação daquele com outros princípios e direitos fundamentais inclusive outras cláusulas especiais de proibição de discriminação eou impositivas de ações afirmativas Exemplo disso são os casos julgados pelo STF no sentido de reconhecer a equiparação das uniões homoafetivas com as existentes entre homens e mulheres para efeito de consideralas como representando uma entidade familiar ADI 4277DF e ADPF 132 Relator Ministro Ayres Britto julgadas em 0405052011 e a decisão em prol da extensão do tipo penal da discriminação racial para as condutas homofóbicas MI 4733DF Relator Ministro Edson Fachin julgamento em 13 e 14022019 e ADODF 26 Relator Ministro Celso de Mello também julgada em 1314022019 635 No primeiro caso relativo a união homoafetiva o STF decidiu por atribuir interpretação conforme a CF para o efeito de excluir qualquer significado do art 1723 do Código Civil que impeça o reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar O ministro Ayres Britto argumentou que o art 3º IV da CF veda qualquer discriminação em virtude de sexo raça cor e que nesse sentido ninguém pode ser diminuído ou discriminado em função de sua preferência sexual Além do argumento referido é de se destacar o fato de que corretamente no nosso entender foi trazida à colação o princípio da dignidade da pessoa humana seja na sua articulação com o princípiodireito de igualdade já naquilo em que implica um dever de tolerância e de reconhecimento Já no caso do MI 4733DF versando sobre a criminalização da homofobia o STF por maioria vencidos o Ministro Marco Aurélio que não entendia adequado na hipótese a via do mandado de injunção e os Ministros Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli que acolheram o pedido em menor extensão conheceu e julgou procedente nos termos do voto do Relator Ministro Edson Fachin o mandado de injunção reconhecendo a omissão legislativa e a mora do Congresso Nacional determinando a aplicação com efeitos prospectivos e até o momento de regulação pelo Congresso da Lei n 771689 para o efeito de estender a tipificação prevista para os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça cor etnia religião ou procedência nacional à discriminação por orientação sexual ou identidade de gênero Na ADO 26DF Relator Ministro Celso de Mello julgada na mesma ocasião em 13 e 14022019 o STF conheceu parcialmente a ação e por maioria na extensão do conhecimento a julgou procedente para a reconhecer o estado de mora inconstitucional do Congresso Nacional na implementação da prestação legislativa destinada a cumprir o mandado de incriminação a que se referem os incisos XLI e XLII do art 5º da Constituição para efeito de proteção penal aos integrantes do grupo LGBT b declarar em consequência a existência de omissão normativa inconstitucional do Poder Legislativo da União e determinar seja o Congresso Nacional cientificado para os fins e efeitos a que se refere o art 103 2º da Constituição cc o art 12H caput da Lei n 986899 c dar interpretação conforme à CF em face dos mandados constitucionais de criminalização contidos nos incisos XLI e XLII do art 5º da CF para enquadrar a homofobia e a transfobia qualquer que seja a forma de sua manifestação nos diversos tipos penais definidos na Lei n 771689 até que sobrevenha legislação autônoma editada pelo Congresso Nacional d declarar que os efeitos da interpretação conforme somente se aplicarão a partir da data da conclusão do julgamento É de se sublinhar que quando do julgamento a Plenário o STF aprovou algumas teses aqui apresentadas em caráter sumário Em primeiro lugar como já referido a Corte decidiu pelo enquadramento enquanto perdurar a mora legislativa das condutas homofóbicas e transfóbicas reais ou supostas que envolvem aversão odiosa à orientação sexual ou à identidade de gênero de alguém por traduzirem expressões de racismo compreendido este em sua dimensão social nas condutas típicas definidas na Lei n 7716 de 08011989 constituindo também na hipótese de homicídio doloso circunstância que o qualifica por configurar motivo torpe Código Penal art 121 2º I in fine Além disso foi decidido que a criminalização da homotransfobia não se aplica e não restringe o exercício da liberdade religiosa seja qual for a orientação adotada de tal sorte que aos respectivos fiéis e ministrosclérigos é assegurado o direito de pregar e de divulgar livremente pela palavra pela imagem ou por qualquer outro meio o seu pensamento e de externar suas convicções de acordo com o que se contiver em seus livros e códigos sagrados bem assim o de ensinar segundo sua orientação doutrinária eou teológica desde que tais manifestações não configurem discurso de ódio assim entendidas aquelas exteriorizações que incitem a discriminação a hostilidade ou a violência contra pessoas em razão de sua orientação sexual ou de sua identidade de gênero Outrossim reafirmou o STF a adoção de um conceito de racismo compreendido em sua dimensão social que se projeta para além de aspectos estritamente biológicos ou fenotípicos porquanto resultante na condição de típica manifestação de poder de uma construção de índole históricocultural motivada pelo objetivo de justificar a desigualdade e destinada ao controle ideológico à dominação política à subjugação social e à negação da alteridade da dignidade e da humanidade das pessoas que integram o grupo vulnerável LGBTI De particular relevância no que diz com a fundamentação da decisão é a consideração invocada no julgamento da necessidade de proteção daqueles que por não pertencerem ao estamento social que detém posição hegemônica são considerados estranhos e diferentes degradados à condição de marginais do ordenamento jurídico expostos em consequência de odiosa inferiorização e de perversa estigmatização a uma injusta e lesiva situação de exclusão do sistema geral de proteção do Direito Notese que também no caso da criminalização da homofobia e a despeito de compreensível querela em torno da legitimidade do Poder Judiciário para criminalizar condutas não tipificadas expressamente à revelia do Poder Legislativo o STF empreendeu um esforço hermenêutico no sentido de aplicar o princípio geral da igualdade mediante uma interpretação sistemática articulando igualdade proibição de discriminação de qualquer natureza com o princípio da dignidade da pessoa humana Com isso se está também reafirmando a dimensão material do princípio e direito de igualdade no contexto de um direito antidiscriminatório 41343 Metódica de aplicação do princípio direito da igualdade e efeitos de sua violação na condição de direito subjetivo Também no que diz com a aplicação do princípio da igualdade é preciso partir da premissa de que igualdade é um conceito relacional e comparativo pois toda afirmação de uma igualdade ou desigualdade pressupõe uma comparação 636 Por mais que se considere correta a noção aristotélica de tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais a proposição em si mesma é insuficiente para que se possa responder à indagação sobre quais sujeitos deverão ser tratados desigualmente ou e sendo o caso de modo igual 637 Assim na esteira do que sugere Celso Antonio Bandeira de Mello para que se possa alcançar a prática efetiva da igualdade é necessário que se considere que o princípio da igualdade estabelece em primeira linha uma proibição de tratamento diferenciado aos cidadãos tanto frente ao legislador quanto ao aplicador da lei o que dito de outro modo significa que toda e qualquer distinção que não aquela contida na própria norma é em princípio proibida de tal sorte que se torna indispensável perquirir o que deve ser considerado uma discriminação juridicamente intolerável sobretudo porque a função precípua da própria lei segundo o autor é criar tratamentos desiguais na medida das desigualdades das situações de vida e das pessoas às quais se destina o regramento legal 638 À vista do exposto é possível afirmar que o princípio da igualdade encerra tanto um dever jurídico de tratamento igual do que é igual quanto um dever jurídico de tratamento desigual do que é desigual Tais deveres na acepção de Robert Alexy implicam um ônus argumentativo no sentido de uma justificação na perspectiva jurídicoconstitucional de eventual tratamento desigual visto que o que é vedado como já sinalado é toda e qualquer desigualdade de caráter arbitrário portanto não justificável já que o princípio da igualdade não exige que o legislador deva tratar todos da mesma maneira ou que todos devam ser iguais em todos os aspectos Assim ainda para Alexy o princípio geral da igualdade pode ser estruturado com base nos seguintes enunciados a se não houver razão suficiente que permita um tratamento desigual o tratamento igual é obrigatório b se não houver razão suficiente para permitir um tratamento igual o tratamento desigual será obrigatório 639 Com isso todavia não está respondida a pergunta em relação ao que configura uma razão suficiente no entendimento de Celso Antonio Bandeira de Mello necessário um fundamento lógico uma justificativa racional 640 para afastar o caráter arbitrário e nesse sentido intolerável do ponto de vista jurídicoconstitucional de eventual tratamento desigual isto é de tratar os iguais de forma desigual e os desiguais de forma igual Para uma resposta constitucionalmente adequada é preciso entre outros fatores diferenciar entre o princípio e direito geral de igualdade e as assim chamadas cláusulas especiais de igualdade pois a intensidade de vinculação dos órgãos estatais especialmente do legislador é mais intensa no caso das proibições especiais de discriminação do que a partir do parâmetro do direito geral de igualdade implicando uma maior limitação da liberdade de conformação legislativa 641 Ao proibir diferença salarial com base na diferença de gênero por exemplo a Constituição Federal não deixa margem de liberdade que eventualmente se poderia buscar em termos de uma tentativa de justificar um tratamento distinto por conta por exemplo de eventual diferença biológica ou outro argumento Convém registrar que as cláusulas especiais de igualdade justamente foram uma resposta ao modelo da igualdade formal no sentido de uma mera igualdade perante a lei Além disso tais cláusulas especiais cumprem a função de afastar os argumentos daqueles que buscavam mediante uma demonstração da desigualdade entre diversas categorias de pessoas filhos ilegítimos e filhos legítimos homens e mulheres negros e brancos adeptos de determinada religião e os demais não adeptos nacionais e estrangeiros etc justificar como juridicamente legítima toda sorte de tratamentos desiguais pois uma vez proibida constitucionalmente a adoção do critério de discriminação em princípio este já não poderá mais ser invocado como razão suficiente ou como motivo lógico ou racional seja qual for a fórmula que se preferir adotar para designar um motivo que afaste a inconstitucionalidade do tratamento desigual Importa registrar que também para efeitos de uma adequada metódica de aplicação dos direitos de igualdade em princípio é de se examinar se for o caso a situação concreta a partir das exigências mais rigorosas do direito especial de igualdade assumindo o direito geral um papel complementar a exemplo do que ocorre com os direitos de liberdade e de personalidade em relação ao direito geral de liberdade e ao direito ao livre desenvolvimento da personalidade Se uma metódica embasada na diferença entre o direito geral de igualdade e as cláusulas especiais se revela consistente e útil ao mesmo tempo não se poderá afirmar que a proibição de diferenciação com base em determinado critério idade gênero orientação religiosa etc impede de modo absoluto que algum tratamento desigual seja justificado sendo até mesmo exigido a depender do caso Assim se em geral sobre qualquer diferença estabelecida entre homens e mulheres paira desde logo uma forte suspeita de inconstitucionalidade isso não significa que não possam existir razões suficientes também a justificar alguma diferença de tratamento nesse âmbito como por exemplo a proibição da mulher de exercer durante a gravidez determinadas funções que possam colocar em risco a vida do nascituro ou a sua própria Da mesma forma não se pretenderá ter como ilegítima eventual diferenciação entre pessoas com deficiência quando a natureza do problema físico ou psíquico impede o exercício de determinada atividade como é o caso do cego que não poderá ser piloto de uma aeronave Nos casos das cláusulas especiais de igualdade o que se verifica é que o ônus argumentativo portanto a consistência das razões para justificação do tratamento desigual deverá ser muito mais elevado de modo que eventual diferenciação terá caráter ainda mais excepcional Nesse sentido há que atentar para o fato de que o elemento discriminatório como em geral se dá na metódica de aplicação da igualdade não é autônomo em face da finalidade do ato finalidade que deve ser sempre constitucionalmente legítima e justificada do qual resulta um tratamento desigual de modo que se deverá guardar uma relação lógica e racional com a finalidade como por exemplo no caso de edital de concurso público para as funções de salvavidas que exigem destreza em termos de natação e determinado nível de vigor atlético 642 No que diz com a jurisprudência do STF que especialmente no período anterior à CF ainda se mantinha mais preso embora a evolução registrada ao longo do tempo a critérios de igualdade formal a adoção de uma concepção material de igualdade de uma igualdade justa como chegou a sugerir o Min Gilmar Mendes em determinado julgamento 643 marca a sua trajetória na fase posterior a 1988 644 Nessa perspectiva e em síntese é possível afirmar que o STF tem adotado o entendimento de que o princípio da igualdade exige uma relação de razoabilidade e congruência para justificar um tratamento desigual banindo toda e qualquer diferenciação arbitrária exigindo portanto no âmbito de um controle mais rigoroso a demonstração da congruência lógica entre o fator de discrímen e a discriminação questionada em juízo como violadora da igualdade no sentido de uma justificação suficiente do fator de desigualdade em face do objetivo almejado e a compatibilidade do objetivo com a ordem jurídicoconstitucional ao passo que na esfera de uma modalidade menos intensa de controle é necessário que a violação do princípio da igualdade seja flagrante ou seja basta a inexistência de flagrante desigualdade para legitimar o tratamento desigual 645 Ainda no âmbito de uma concepção material e mesmo positiva de igualdade registrase que o princípio da igualdade também pode operar como exigência de uma igualdade de oportunidades ou igualdade de chances 646 com o intuito de assegurar uma concorrência livre e equilibrada não apenas na esfera da vida política em que o princípio da igualdade assume uma relevância particular como por exemplo o tratamento isonômico de partidos políticos candidatos e eleitores 647 mas também para a vida social e econômica como se dá no campo da tributação da intervenção no domínio econômico e da liberdade empresarial 648 ressaltandose que uma consideração da igualdade de oportunidades não implica um abandono da igualdade jurídica em prol de uma igualdade eminentemente fática posto que a igualdade material apenas para enfatizar não se confunde com a noção de igualdade de fato de modo que igualdade jurídica e igualdade fática devem ser conciliadas mediante uma relação complexa e diferenciada de consideração recíproca e adequada ponderação 649 No tocante à condição da igualdade como direito subjetivo é possível afirmar que en quanto no caso dos direitos de liberdade uma intervenção ilegítima tem por consequência uma pretensão de que tal intervenção seja interrompida e de que o titular do direito possa fruir das faculdades que lhe são asseguradas com base no direito fundamental tratandose de um tratamento desigual constitucionalmente ilegítimo as consequências são diferentes pois nesse caso a pessoa ou grupo atingido pelo tratamento desigual que pode consistir em um encargo imposto a um e não aos demais ou mesmo na negação de um benefício concedido a outrem terá três alternativas para ver corrigida a situação a que a pessoa ou grupo seja tratada como a outra pessoa ou o outro grupo b que a outra pessoa ou grupo seja tratada como o primeiro c que ambos os grupos ou pessoas sejam tratados igualmente mas de uma forma diferente da que é tida como ilegítima pela ótica do direito de igualdade 650 No âmbito da jurisprudência mais recente do STF sobre o tema calha referir a decisão proferida no RE 659424RS rel Min Celso de Mello j 09102020 em que no que diz respeito à igualdade entre homens e mulheres julgouse inconstitucional a exigência de requisitos que comprovem a invalidez e a dependência econômica do cônjuge varão supérstite não exigidos à mulher ou companheira por se entender tratarse de afronta ao princípio da isonomia entre homens e mulheres a já ultrapassada presunção de exclusiva dependência econômica de mulheres Ainda no campo da igualdade de gênero o STF assentou em sede de Repercussão Geral no RE 639138 rel Min Gilmar Mendes rel para o Acórdão Min Edson Fachin j em 18082020 a tese de que é inconstitucional por ofensa ao princípio da igualdade cláusula de contrato de previdência privada complementar que ao prever regras distintas entre homens e mulheres venha a estabelecer benefício em valor inferior para as mulheres tendo em conta o menor tempo de contribuição Tema que tem sido igualmente submetido com frequência ao crivo do STF é o que diz respeito ao estatuto jurídicoconstitucional das pessoas com deficiência em especial em face de tratamentos discriminatórios Nesse sentido no julgamento da ADI 6590DF rel Min Dias Toffoli j 11122020 a 18122020 o STF referendou a medida cautelar deferida pelo Relator para o efeito de reconhecer a inconstitucionalidade da Política Nacional de Educação Especial Equitativa Inclusiva e com Aprendizado ao Longo da Vida Decreto n 105022020 por ser contrária aos princípios estabelecidos pela Constituição e pela Convenção Internacional sobre Direitos das Pessoas com Deficiência em especial ao direito das pessoas com deficiência à educação livre de discriminações e segregações e à igualdade própria de um sistema educacional inclusivo Ainda sobre o estatuto das pessoas com deficiência registrase a decisão proferida pelo STF na ADI 5583DF rel Min Marco Aurélio j 14052021 no sentido de que quando da apuração do imposto sobre a renda de pessoa física IRPF a pessoa com deficiência que supere o limite etário e seja capacitada para o trabalho pode ser considerada como dependente para efeitos fiscais desde que a sua remuneração não seja superior às deduções autorizadas por Lei Por último não há como deixar de consignar que na ADI 6476 rel Min Roberto Barroso j em 08092021 a Suprema Corte brasileira entendeu ser inconstitucional interpretação que exclua o direito de candidatos com deficiência à adaptação razoável em provas físicas de concursos públicos vedada a submissão genérica de candidatos com ou sem deficiência aos mesmos critérios quando da realização de provas físicas sem que seja demonstrada a sua necessidade para o exercício da função pública Já em outro contexto o STF na ADI 5358PA rel Min Roberto Barroso j 30112020 julgou inconstitucional Lei do estado do Pará por violação dos princípios da isonomia e da impessoalidade que estabeleceu preferência classificatória em concursos públicos em favor de candidatos já pertencentes ao serviço público Outro grupo vulnerável o das pessoas LGBT obteve no STF na ADPF 527 MC rel Min Roberto Barroso j em 18032021 em demanda proposta pela Associação Brasileira de Lésbicas Gays Bissexuais Travestis e Transexuais ALGBT decisão no sentido de assegurar o direito às pessoas presas transgênero e travestis de optar pelo cumprimento das respectivas penas em presídios masculinos ou femininos com a ressalva de que no caso de pessoas presas travestis a prisão deverá se dar em área do estabelecimento prisional reservada para tal finalidade como garantia da segurança pessoal do optante Tal configuração também revela a razão pela qual as consequências de um tratamento desigual constitucionalmente ilegítimo geram dificuldades no que diz com os modos de sua superação correção especialmente nas hipóteses onde se cuida não de afastar um encargo ilegítimo mas sim de estender a alguém pessoa física ou grupo um benefício do qual foi arbitrariamente excluído embora concedido a outro grupo ou grupos Assim não se verifica maior dificuldade em reconhecer que qualquer ato legislativo que impuser um encargo em violação do princípio da igualdade será inconstitucional podendo a depender do caso notadamente na esfera do controle abstrato ser declarado nulo cassandose também o encargo imposto e repondo a situação no seu devido lugar No caso da exclusão arbitrária de um benefício contudo colocase o problema de se o Poder Judiciário sem prévia decisão legislativa e mesmo previsão orçamentária fonte de financiamento pode obrigar o Estado a conceder o benefício aos que inicialmente dele tinham sido excluídos considerando que o benefício como tal é legítimo mas ilegítima foi a exclusão de alguém em violação do direito de igualdade do círculo dos beneficiários A declaração de inconstitucionalidade acompanhada da pronúncia de nulidade não apenas não beneficiará quem tiver sido ilegitimamente excluído como causará prejuízo a quem tiver recebido um benefício constitucionalmente legítimo 651 A extensão do benefício ou da vantagem a quem não o recebeu e por razões de igualdade deveria têlo recebido gera o problema não apenas de um Poder Judiciário que opera como legislador positivo mas poderá implicar a já referida afetação de outros princípios e direitos fundamentais No âmbito da jurisprudência do STF que aqui se inspirou muito na prática decisória do Tribunal Constitucional Federal da Alemanha tratando se de benefício legítimo e de cuja fruição algum grupo ou categoria foi inconstitucionalmente por ofensa ao princípio da igualdade excluído a solução habitual tem sido o reconhecimento de violação do princípio da igualdade mas sem que seja pronunciada a nulidade do ato normativo declarado inconstitucional apelandose ao legislador para que mediante regulação própria venha a corrigir o estado de coisas estendendo o benefício ou vantagem a quem foi ilegitimamente excluído na esteira da Súmula 339 de 1963 do STF de acordo com a qual não cabe ao Poder Judiciário majorar vencimentos em virtude de ofensa ao princípio da isonomia 652 Com a vigência da Constituição Federal que ademais afirma a aplicabilidade imediata das normas de direitos fundamentais e tendo em conta o conteúdo material do princípio da igualdade é possível sustentar na esteira da lição de Roger Raupp Rios que houve uma recepção do enunciado literal da Súmula 339 em consideração aos princípios da separação dos poderes e da reserva legal mas sem prejuízo de uma necessária aplicação da dimensão material da igualdade em algumas hipóteses como tem sido o caso da solução preconizada pelo STF em determinados julgados especialmente quando existente comando constitucional expresso quanto à revisão geral de vencimento no caso o art 37 X da CF ainda mais quando se cuida de ato legislativo que viola preceito constitucional cogente e que também se revela como corolário e exigência do próprio princípio da igualdade 653 41344 Igualdade diferença e as assim chamadas ações afirmativas como promotoras da igualdade material e de políticas de inclusão e reconhecimento A relação entre igualdade jurídica e igualdade fática assume particular relevância no campo das atualmente disseminadas embora em maior ou menor medida controversas políticas de ações afirmativas Neste contexto tem sido amplamente aceita a distinção entre uma modalidade direta de discriminação e os casos da assim chamada discriminação indireta no sentido de que ambas as formas de discriminação são quando não justificáveis do ponto de vista constitucional ofensivas ao princípio da igualdade No caso da discriminação indireta o que se verifica é que de medidas aparentemente neutras sob o ponto de vista discriminatório quando de sua aplicação resultam efeitos nocivos e particularmente desproporcionais para determinadas categorias de pessoas 654 Desenvolvida no âmbito da jurisprudência norteamericana a assim chamada teoria do impacto desproporcional levou à adoção gradativa de políticas de ações afirmativas de modo especial na esfera da discriminação racial ao passo que em outros ambientes como foi o caso da Europa se desenvolveu particularmente no campo da discriminação em razão do gênero passando a ser adotada em outras áreas em que se registra o fenômeno O que importa ao fim e ao cabo é que independentemente da demonstração da intenção de discriminar o impacto real de medidas em si neutras não venha a prejudicar de modo desproporcional determinados grupos colocandoos em situação de efetiva desvantagem em relação aos demais segmentos sociais pena de tais medidas serem consideradas incompatíveis com o princípio da igualdade 655 Na esfera da jurisprudência do STF a noção da discriminação indireta e a sua incompatibilidade com o princípio isonômico já foi objeto de consideração destacandose a decisão proferida na ADIn 1946DF na qual ao examinar a constitucionalidade da incidência do limite estabelecido para os benefícios previdenciários pela EC 20 sobre o saláriomaternidade o Tribunal entendeu que em virtude da aplicação do referido teto quem passaria a arcar com a diferença salarial seria o empregador o que por sua vez levaria a uma redução da oferta de empregos ou seja a um impacto desproporcional para mulheres Em outras palavras levaria a um aumento da discriminação contra a mulher no mercado de trabalho 656 À vista do exposto a CF em vários momentos impõe ao Poder Público a promoção de medidas normativas e fáticas com vistas à redução das desigualdades ou seja o que dito de outro modo implica um dever de adotar políticas de ações afirmativas no sentido de uma imposição constitucional cujo descumprimento poderá levar a um estado de omissão inconstitucional 657 Como revela a evolução brasileira nessa seara que abarca desde a promo ção da igualdade de gênero por orientação sexual pessoas com deficiência em função da idade mas especialmente consideradas determinadas peculiaridades em virtude de discriminação racial raça tomada aqui como conceito normativo uma série de políticas de ações afirmativas ou de discriminação positiva ou inversa como também se costuma designar tais medidas tem sido levada a efeito vez por outra gerando alguma querela em sede judicial particularmente no caso das políticas de cotas para afrodescendentes já implantadas em dezenas de universidades públicas e mesmo privadas ou por força de legislação federal como se deu no caso do Programa Universidade para Todos o conhecido ProUni Diversas dessas medidas foram impugnadas mas em geral não se discute em si a pos sibilidade de serem adotadas ações afirmativas ou seja o se mas sim o modo e especialmente os critérios utilizados para aferir o rol de beneficiários de tais medidas pois é notório que a adoção de cotas isso é a destinação de determinado percentual de vagas para mulheres pessoas com deficiência afrodescendentes em escolas universidades no serviço público em empresas privadas etc não constitui a única modalidade do gênero ações afirmativas Convém registrar ainda que a matéria já chegou ao STF que inclusive após realização de audiência pública sobre o tema propiciando amplo e representativo debate julgou improcedentes as demandas veiculadas contra algumas das principais políticas de ações afirmativas no campo do acesso ao ensino superior designa damente o Programa Universidade para Todos ProUni 658 e políticas de cotas implantadas por universidades públicas 659 Tendo em conta o caráter temporário que costumam ter tais políticas de ações afirmativas e o processo de gradual ajuste ampliação e avaliação a que têm sido submetidas também no Brasil cuidase de um debate sempre atual pelo menos enquanto a questão da compensação de desigualdades fáticas e da discriminação indireta for relevante e que revela o quanto o princípio da igualdade e os direitos de igualdade seguem exigindo dada a sua complexidade e impacto mas também em virtude de sua relação com outros princípios e direitos fundamentais uma teoria e prática comprometidas com a causa da justiça 660 Ainda no contexto das políticas de ações afirmativas na modalidade de cotas para o efeito de reserva de vagas assume posição de destaque a exigência constitucional e legal de reserva de vagas para o preenchimento de cargos assegurados para pessoas com deficiência tanto no setor público quanto na iniciativa privada Aliás tratase da única hipótese prevista expressamente no texto constitucional mas que nem por isso deixa de trazer algumas dificuldades e ainda carece de aperfeiçoamento quanto aos seus níveis de eficácia social Além disso já quanto ao parâmetro a ser considerado pelos órgãos estatais brasilei ros na matéria na esfera de suas respectivas competências e atribuições cabe recordar que a Convenção das Pessoas com Deficiência ratificada pelo Brasil foi aprovada pelo Congresso Nacional mediante o procedimento previsto no 3º do art 5º da CF cuidandose de estatuto normativo com hierarquia equivalente ao das emendas constitucionais servindo por conseguinte de parâmetro para o controle da constitucionalidade e convencionalidade da normativa infraconstitucional Isso significa que o próprio conceito de pessoa com deficiência a ser observado é o estabelecido na referida convenção até mesmo pelo fato de a CF não veicular ela própria nenhuma definição Nesse sentido o STF já reconheceu que na interpretação da legislação interna deve pelas razões citadas prevalecer a que torne mais efetiva a proteção das pessoas e dos grupos vulneráveis 661 Na evolução subsequente o STF tem seguido com sua tendência de chancelar as políticas de ações afirmativas em diversos ambientes em especial no que diz com a inclusão das pessoas com deficiência e em matéria das assim chamadas cotas raciais visto que o conceito de raça é normativo e não biológico que no Brasil destinamse em particular aos afrodescendentes negros e pardos e aos indígenas Como mostra disso calha invocar em caráter ilustrativo a já referida decisão sobre a aplicação das exigências de acessibilidade do estatuto e respectiva Convenção das pessoas com deficiência a estabelecimentos privados de ensino ADIn 5357 rel Min Edson Fachin 662 e a decisão na ADC 41DF rel Min Roberto Barroso j 08062017 na qual se declarou a constitucionalidade da reserva por exigência da Lei Federal 129902014 de 20 das vagas em concursos públicos para candidatos autodeclarados negros ou pardos entendendo em síntese que tal exigência inclusive o critério da autodeclaração atende os reclamos da igualdade formal e material bem como a necessidade da inclusão em termos de políticas de reconhecimento e proporcional representação nas diversas esferas da vida social política econômica e cultural do grupo das pessoas afrodescendentes inclusive no que diz com o impacto proporcional da reserva de vagas também no que diz com o atendimento de vagas para pessoas com deficiência Ainda quanto às política públicas de ações afirmativas chanceladas pelo STF calha mencionar a decisão cautelar referendada na ADPF 738 663 em que o rel Min Ricardo Lewandowksi determinou a imediata aplicação dos incentivos para candidatos afrodescendentes de modo a ser observada já nas eleições municipais de 2020 a decisão do TSE Consulta TSE 60030647 originalmente obrigatória a partir das eleições gerais de 2022 que definiu o direito dos candidatos afrodescendentes a distribuição de verbas públicas e tempo de propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão em patamares mínimos e proporcionais Dentre a jurisprudência mais recente do STF sobre o tema destacase a ADPF 787DF rel Min Gilmar Mendes j em 28062021 em que em sede de decisão monocrática e por ocasião do julgamento da medida cautelar requerida foi concedida liminar para no concernente ao sistema para agendamento de tratamentos médicos pela pessoa transexual determinando que o Ministério da Saúde no prazo de 30 trinta dias proceda a todas as alterações necessárias nos sistemas de informação do SUS para que marcações de consultas e de exames de todas as especialidades médicas sejam realizadas independentemente do registro do sexo biológico ib Ordenar ao Ministério da Saúde que também no prazo de 30 trinta dias informe se os Sistemas de Informação do SUS Sistema Informações Hos pitalares do SUS SIHSUS Sistema de Informações Ambulatoriais do SUS SIASUS Sistema de Informações em Saúde da Atenção Básica SISAB eSUS 2131 e o Sistema de Gerenciamento da Tabela de Procedimentos Medicamentos e OPM do SUSSIGTA devidamente adaptados e atualizados para garantir o acesso a tratamentos médicos com base na autodeclaração de gênero dos pacientes ii Quanto à Declaração de Nascido Vivo iia Determinar ao Ministério da Saúde por meio da Secretaria de Vigilância da Saúde SVSMS que no prazo de 30 trinta dias proceda à alteração do layout da DNV para que faça constar da declaração a categoria parturiente independente dos nomes dos genitores de acordo com sua identidade de gênero Isso possibilitará ao mesmo tempo o recolhimento de dados para a formulação de políticas públicas pertinentes e o respeito à autodeclaração de gênero dos ascendentes iib Ordenar ao Ministério da Saúde que no prazo de 30 trinta dias estabeleça diretrizes para em conjunto com as Secretarias de Estado da Saúde e com as Secretarias Municipais de Saúde gestoras estaduais do SIM e do SINASC orientar as unidades notificadoras a alimentarem os registros pertinentes considerando a categoria parturiente independente dos nomes dos genitores de acordo com sua identidade de gênero Com tal decisão que ao fim e ao cabo determinou o cumprimento de decisões pretéritas ainda pendente de julgamento do mérito o STF deu mais um passo importante no que diz com a proteção de minorias e grupos vulneráveis assegurando a fruição de direitos fundamentais às pessoas integrantes do grupo populacional LGBTQIA 414 Dos direitos fundamentais sociais 664 4141 Aspectos gerais relativos aos direitos sociais como direitos fundamentais 41411 Generalidades os direitos sociais no quadro da evolução constitucional brasileira A Constituição Federal consoante já referido foi a primeira na história constitucional brasileira a prever um título específico para os chamados direitos e garantias fundamentais Título II onde foram também consagrados direitos sociais básicos e de caráter mais geral bem como foi previsto um extenso elenco de direitos dos trabalhadores igualmente sediado no capítulo dos direitos sociais Embora na evolução constitucional precedente já houvesse previsão de algumas normas especialmente no âmbito da ordem social e econômica da Constituição versando sobre justiça social e mesmo de alguns direitos sociais com destaque para os direitos dos trabalhadores foi apenas no texto promulgado em 05101988 que os direitos sociais foram efetivamente positivados na condição de direitos fundamentais pelo menos de acordo com expressa previsão do texto constitucional já que na doutrina como já referido no âmbito da parte geral dos direitos fundamentais registrase alguma divergência sobre a fundamentalidade de alguns dos direitos previstos no Título II de modo especial no que diz respeito aos direitos sociais aspecto que será objeto de atenção logo adiante No que diz com a evolução constitucional pretérita brasileira observase que em geral as Constituições anteriores faziam referência a alguns direitos sociais assistência jurídica proteção à maternidade e à infância direito à educação entre outros mediante dispositivos esparsos geralmente elencados no catálogo dos direitos individuais ou por meio de preceitos inseridos nos títulos da ordem econômica e social Feita essa ressalva é possível identificar já na nossa Carta Imperial de 1824 o art 179 que assegurava respectivamente a garantia dos socorros públicos e o direito à instrução primária gratuita incisos XXXI e XXXII uma precoce manifestação da influência do constitucionalismo francês revolucionário com destaque para a Constituição de 1793 665 Em virtude de seu caráter eminentemente liberal a Constituição de 1891 não contemplava direitos sociais tendo sido apenas com a promulgação da Constituição de 1934 fortemente influenciada pelas primeiras constituições do Estado Social com destaque para a Constituição de Weimar que os direitos sociais e em geral as normas definidoras de fins e tarefas do Estado em matéria social foram inseridos na tradição constitucional brasileira Com efeito a Constituição de 1934 contemplava dentre outros a inviolabilidade do direito à subsistência art 113 caput bem como os direitos à assistência judiciária gratuita n 32 direitos ao trabalho e à assistência dos indigentes n 34 além de afirmar a existência digna como objetivo da ordem econômica art 115 e dispor sobre assistência social e saúde pública art 138 proteção à maternidade e à infância art 141 e o direito à educação art 149 A Constituição do Estado Novo de 1937 contemplava por sua vez dentre outros o dever de educação dos filhos art 125 a proteção da infância e da juventude art 127 a gratuidade e obrigatoriedade do ensino primário art 130 o dever social do trabalho e o direito à subsistência mediante o trabalho art 136 A Constituição de 1946 representativa do constitucionalismo do Segundo PósGuerra mas ainda assim afinada com a nossa evolução anterior assegurava dentre outros exemplos o direito dos necessitados à assistência judiciária art 141 35 estabelecendo a justiça social como objetivo da ordem econômica art 145 além de prever o direito ao trabalho art 145 parágrafo único a assistência à maternidade e à infância art 164 e o direito à educação art 166 A Constituição de 1967 promulgada em pleno regime militar manteve contudo o conteúdo social dos textos anteriores ainda que com algumas variações como demonstram os exemplos do art 150 32 direito dos necessitados à assistência judiciária art 157 caput justiça social como objetivo da ordem econômica art 157 II valorização do trabalho como condição da dignidade humana e art 168 que tratava do direito à educação Tais direitos e objetivos sociais foram ainda que alterada a localização no texto constitucional mantidos pela EC 11969 Voltandonos ao texto da Constituição Federal 1988 é facilmente perceptível que o art 6º onde estão sediados os direitos sociais básicos sem prejuízo dos direitos específicos dos trabalhadores e outros direitos sociais inserese num contexto mais amplo no plano constitucional Com efeito o Preâmbulo já evidencia o forte compromisso com a justiça social comprometimento este reforçado pelos princípios fundamentais elencados no Título I da CF dentre os quais se destaca a dignidade da pessoa humana art 1º III positivada como fundamento do próprio Estado Democrático de Direito Tal princípio para além de outros aspectos dignos de nota atua como verdadeiro fio condutor relativamente aos diversos direitos fundamentais reforçando a existência de uma recíproca complementaridade entre os direitos civis e políticos por muitos designados de direitos individuais ou direitos de liberdade e os direitos sociais na medida em que os direitos fundamentais ainda que não todos e não da mesma forma expressam parcelas do conteúdo e dimensões do princípio da dignidade humana 666 Além disso a busca da justiça social portanto o compromisso com a realização dos direitos sociais guarda sintonia com os objetivos fundamentais da República elencados no art 3º da CF que estabelece como norte dentre outros a construção de uma sociedade livre justa e solidária assim como a erradicação da pobreza e da marginalização além da redução das desigualdades sociais O mesmo ideário consta do art 170 que explicita a valorização do trabalho humano e a livreiniciativa como fundamentos da ordem econômica vinculando esta última à garantia de uma existência digna para todos conformada aos ditames da justiça social de tal sorte que se pode afirmar que a dignidade da pessoa humana é também o fundamento e o fim da ordem econômica na Constituição 667 Muito embora os direitos fundamentais sociais não estejam apenas sediados no art 6º da CF é neste dispositivo que foram concentrados os direitos fundamentais sociais básicos educação saúde alimentação trabalho moradia lazer segurança previdência social proteção à maternidade e à infância e assistência aos desamparados sendo de registrar que o direito à moradia foi incorporado ao texto original apenas posteriormente por meio da EC 26 de 14022000 ao passo que o direito à alimentação foi inserido por meio da EC 64 de 04022010 tudo a demonstrar uma cada vez maior sinergia do direito constitucional positivo brasileiro com a agenda do direito internacional seja no plano regional seja no plano universal dos direitos humanos onde os direitos humanos à moradia e à alimentação já se faziam presentes antes de serem incorporados ao texto da Constituição Federal 668 Além disso convém relevar que boa parte dos direitos sociais consagrados em termos gerais no art 6º da CF foi objeto de densificação por meio de dispositivos diversos ao longo do texto constitucional especialmente nos títulos que tratam da ordem econômica por exemplo no que diz com aspectos ligados à função social da propriedade urbana e rural e da ordem social normas sobre o sistema de seguridade social designadamente saúde assistência e previdência social bens culturais família proteção do idoso meio ambiente educação etc destacandose os diversos direitos dos trabalhadores enunciados nos arts 7º a 11 que constituem um conjunto de direitos e garantias que concretizam o direito geral ao trabalho e à proteção do trabalhador contemplado no art 6º em condição de igualdade em relação aos demais direitos sociais especialmente no sentido de imposição dos deveres de promoção e proteção do trabalho e dos trabalhadores além de uma série de garantias específicas Feita esta primeira apresentação é preciso enfatizar que os direitos sociais somente podem ser compreendidos e aplicados de modo adequado a partir de uma análise conjunta e sistemática de todas as normas constitucionais que direta e indiretamente a eles se vinculam bem como à luz de toda a legislação infraconstitucional e da jurisprudência que os concretiza Além disso na sua condição de direitos fundamentais pelo menos esta é a perspectiva adotada os direitos sociais exigem uma abordagem que esteja em permanente diálogo com a teoria geral dos direitos fundamentais Assim sendo fica desde logo esclarecido que a despeito da opção por uma abordagem para efeitos didáticos e em homenagem à opção do constituinte no que diz com a distribuição dos direitos fundamentais no Título II em separado dos direitos sociais a circunstância de que a Constituição Federal contempla pelo menos de acordo com a perspectiva adotada e o entendimento dominante no Brasil um regime comum embora não idêntico em todos os seus aspectos para os direitos fundamentais 669 justifica seja feita remissão frequente a outras partes da presente obra com destaque para a parte geral dos direitos e garantias fundamentais na qual afinal também ainda que com algumas peculiaridades se inserem os direitos sociais Antes contudo de adentrarmos no exame do regime jurídicoconstitucional dos direitos sociais como direitos fundamentais na Constituição Federal e apresentar em síntese os principais direitos sociais em espécie calha lançar um breve olhar sobre o panorama que se apresenta no direito estrangeiro 4142 Breves notas sobre os direitos sociais no âmbito do direito constitucional estrangeiro Uma análise comparativa entre o direito brasileiro e outros ordenamentos constitucionais especialmente no que concerne aos direitos sociais revela de certo modo uma posição de vanguarda da Constituição Federal de 1988 que ao consagrar os direitos sociais como direitos fundamentais na perspectiva aqui adotada lhes assegurou supremacia normativa decorrente exatamente desta positivação no texto constitucional o que resultou na tendência de se reconhecer aos direitos sociais pelo menos em termos gerais o mesmo regime jurídicoconstitucional estabelecido para os demais direitos fundamentais observadas as peculiaridades de cada direito tópico que ainda será mais desenvolvido Esse regime jurídico reforçado que corresponde à compreensão dominante no cenário jurídicoconstitucional brasileiro é todavia bastante distinto do quadro normativo vigente em outros países onde ainda que contemplados no texto constitucional tais direitos são vistos como tendo no que diz com a força jurídica das normas que os consagram uma eficácia bastante mais restrita e em outros casos chegase mesmo a lhes negar o caráter de autênticos direitos fundamentais ou mesmo atribuir a tais dispositivos constitucionais a função de normas impositivas de fins e tarefas estatais Essa limitação da eficácia das normas de direitos sociais tal como tem sido amplamente sustentado em boa parte dos sistemas constitucionais decorreria principalmente de uma densidade normativa alegadamente mais baixa dos preceitos que dispõem sobre direitos sociais no sentido de que tais normas exigiriam uma prévia atuação do legislador para alcançarem sua eficácia especialmente no sentido de posições subjetivas exigíveis em face do Estado Em outras palavras a conformação do âmbito de proteção dos direitos sociais estaria segundo tal orientação em sua maior medida nas mãos do legislador infraconstitucional 670 Em países como Alemanha França Portugal Espanha e Itália e tal perfil pode ser ampliado para a grande maioria dos países europeus isso tem impedido de modo geral e ressalvadas exceções a admissão de uma aplicabilidade direta das normas constitucionais de direitos sociais o que pelo menos em regra os torna exigíveis na condição de direitos subjetivos apenas na forma e de acordo com os limites da legislação ordinária conformadora Em termos de eficácia imediata e originária verifica se que as principais funções atribuídas aos direitos sociais no direito comparado direcionamse em dois sentidos quais sejam a operarem como limites aos demais direitos fundamentais ou não implicando restrições ao âmbito de proteção de outros direitos demarcandolhes concretamente a eficácia e atuando por conseguinte num sentido eminentemente negativo e b incidirem já numa acepção objetiva como parâmetro de avaliação da inconsti tucionalidade de atos normativos por fixarem um standard mínimo a ser observado no sentido de uma eficácia dirigente que vincula e limita em maior ou menor medida a discricionariedade do legislador e da própria administração pública É nessa perspectiva que por exemplo a Constituição da República Portuguesa de 1976 não outorgou de acordo com a orientação ainda prevalente na doutrina e jurisprudência constitucional lusitana aos direitos econômicos sociais e culturais o mesmo regime jurídico traçado para a tutela dos direitos liberdades e garantias visto que apenas os direitos liberdades e garantias assim como os direitos análogos são diretamente aplicáveis e vinculam os órgãos estatais e mesmo as entidades privadas art 18º estando portanto sujeitos a um regime reforçado em relação ao dos direitos sociais 671 De modo semelhante a Constituição do Reino de Espanha de 1978 não estendeu o regime jurídico de proteção reforçada do art 531 aos direitos sociais exceção feita ao direito à educação explicitado no art 27 bem como a algumas liberdades sociais como é o caso do direito de livre associação sindical mas em vez de reconhecer direitos sociais optou por positivar expressamente os assim chamados principios rectores de la política social y económica art 39 e ss cuja garantia dependerá sempre da legislação conformadora inclusive quanto à respectiva exigibilidade judicial art 533 672 No âmbito do direito francês os direitos sociais atualmente não se encontram no corpo principal do texto constitucional visto que a Constituição da República Francesa de 1958 remete a matéria relativa aos direitos sociais em geral ao Preâmbulo da Constituição de 1946 e aos princípios econômicos e sociais ali consagrados 673 Por meio da identificação dos denominados objetivos de valor constitucional o Conselho Constitucional francês admite a existência de direitos sociais porém os restringe a uma função objetiva no sentido de atuarem como limites aos demais direitos sem a capacidade de geração de direitos subjetivos exceção feita à garantia de condições materiais mínimas de sobrevivência expressamente outorgada 674 Na Itália os direitos sociais também se apresentam precipuamente sob a forma objetiva encontrando seu fundamento no art 3º n 2 da Constituição da República Italiana de 1947 que impõe ao Poder Público o dever de afastar os obstáculos de ordem econômica e social que impedem o pleno desenvolvimento das pessoas Em termos gerais também na Itália os direitos sociais não dão origem em princípio e sem a prévia interposição do legislador a posições subjetivas exigíveis judicialmente sendo tutelados na esfera do contencioso administrativo na condição de interesses legítimos 675 Já a Lei Fundamental da República Federal da Alemanha de 1949 com exceção do disposto no art 6 4 direito à proteção da maternidade e da garantia da liberdade sindical art 9º não previu expressamente direitos fundamentais sociais motivo pelo qual a jurisprudência tem exercido um papel essencial de modo especial mediante interpretação da cláusula do Estado Social art 20 1 do princípio da dignidade da pessoa humana art 1 1 e do direito ao livre desenvolvimento da personalidade art 2 1 dos quais foram deduzidos verdadeiros direitos sociais com destaque para o direito a um mínimo existencial o direito ao trabalho o direito a uma habitação adequada o direito de acesso dos socialmente débeis a possibilidades de desenvolvimento social e cultural o direito à seguridade social abrangido aqui um direito à assistência social muito embora altamente controversa a força jurídica de tais direitos sociais pelo menos na condição de direitos de matriz constitucional já que o princípio do Estado Social foi objeto de intensa concretização no plano infraconstitucional 676 Por outro lado é preciso enfatizar que também na Alemanha o reconhecimento de posições subjetivas originárias no sentido de deduzidas direta e autonomamente da Constituição tendo por objeto prestações materiais por parte do Poder Público é limitado a situações excepcionais visto que mesmo no caso da garantia do mínimo existencial é deferida ao legislador a primazia e uma ampla liberdade no que diz com a sua delimitação 677 Ainda no que diz com o cenário europeu é preciso destacar que para além da grande diversidade registrada entre as várias Constituições nacionais refiramse especialmente as novas Constituições do ciclo que sucedeu o término da Guerra Fria e a dissolução da União Soviética e de sua forte e relativamente hermética área de influência seja quanto ao número dos direitos sociais reconhecidos seja quanto a sua forma de positivação e regime jurídico também nessa seara da justiça social e dos direitos sociais tem sido crescente a relevância da normativa supranacional com destaque para a dimensão regional visto que a despeito de uma forte autonomia dos Estados no que toca ao modo e níveis de concretização da justiça e segurança social verificase a formação mediante a articulação entre o direito interno e a legislação supranacional assim como com a jurisprudência das instâncias judiciárias comunitárias de uma espécie de ordem social europeia o que se percebe já em função do conteúdo social do Tratado de Lisboa que da mesma forma que a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia que também contém disposições em matéria de segurança social e de direitos sociais alcançou força vinculativa Quanto às demais regiões do Planeta a expansão do constitucionalismo em geral e dos direitos sociais em particular também se fez sentir especialmente ao longo do último quartel do século XX processo em muito influenciado pela consagração no plano do sistema internacional de proteção dos direitos humanos do Pacto Internacional de Direitos Sociais Econômicos e Culturais 1966 com evidentes reflexos em perspectiva regional como dá conta o exemplo no ambiente americano do Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos Sociais e Culturais Protocolo de San Salvador Independentemente do valor jurídico atribuído a tais documentos supranacionais no âmbito interno e sem considerar aqui a questão da efetividade dos direitos sociais o fato é que atualmente grande parte das Constituições contempla em maior ou menor medida direitos sociais nos seus textos processo que encontrou sua maior expansão a partir das décadas de 1980 e 1990 mesmo após a derrocada do regime socialista na União Soviética ou seja após o marco da Queda do Muro Berlim 1989 como é o caso em caráter ilustrativo das Constituições da Colômbia da Venezuela da Bolívia do Equador no caso do continente sulamericano ou para referir um exemplo amplamente citado e analisado na literatura da Constituição da África do Sul 1996 Importa agregar que a força jurídica emprestada aos direitos sociais em tais ordens constitucionais inclusive a sua exigibilidade pela via judicial tem sido bem mais intensa do que no caso dos exemplos referidos para a Europa Alemanha Espanha Portugal França etc 678 No Brasil a inserção de um leque de direitos sociais no título dos direitos fundamentais somada ao regime jurídicoconstitucional dos direitos fundamentais ainda mais em face de seu desenvolvimento doutrinário e jurisprudencial asseguraram aos direitos sociais um lugar de destaque na agenda jurídica e política Embora seja inviável desenvolver de modo minucioso todos os aspectos ligados aos direitos sociais seguem algumas observações sobre o seu conceito e o seu regime jurídico na Constituição Federal 4143 Os direitos sociais como direitos fundamentais e seu regime jurídico na Constituição Federal 41431 Aspectos gerais Partindo do pressuposto de que na Constituição Federal a despeito de alguma resistência por parte de setores da doutrina e da jurisprudência os direitos sociais são direitos fundamentais estando em princípio sujeitos ao mesmo regime jurídico dos demais direitos fundamentais ainda que não necessariamente de modo igual quanto ao detalhe e em alguns casos é preciso numa primeira aproximação destacar que o elenco dos direitos sociais termo que aqui é utilizado como gênero não se resume ao rol enunciado no art 6º da CF abrangendo também nos termos do art 5º 2º da CF direitos e garantias de caráter implícito bem como direitos positivados em outras partes do texto constitucional portanto fora do Título II e ainda direitos previstos em tratados internacionais temática que aqui não será desenvolvida visto que o sentido e alcance da cláusula de abertura material consagrada pelo dispositivo citado já foi objeto de detalhado exame no âmbito da parte geral dos direitos fundamentais679 Aos direitos sociais também se aplica consoante já sinalado na parte geral dos direitos fundamentais o disposto no art 5º 1º da CF de tal sorte que a exemplo das demais normas de direitos fundamentais as normas consagradoras de direitos sociais possuem aplicabilidade direta ainda que o alcance de sua eficácia deva ser avaliado sempre no contexto de cada direito social e em harmonia com outros direitos fundamentais sociais ou não princípios e mesmo interesses públicos e privados680 Assim ainda que se possa falar no caso de alguns direitos sociais especialmente em virtude do modo de sua positivação no texto constitucional em uma maior relevância de uma concretização legislativa essa peculiaridade não afasta o dever de se atribuir também às normas de direitos sociais uma máxima eficácia e efetividade obrigação cometida a todos os órgãos estatais no âmbito de suas respectivas competências dever ao qual se soma o dever de aplicação direta de tais normas por parte dos órgãos do Poder Judiciário Tal aspecto contudo não pode ser confundido com a existência de limites fáticos e jurídicos aos direitos sociais limites que de resto atingem os direitos fundamentais de um modo geral já que em princípio inexiste direito fundamental imune a qualquer tipo de restrição ou limite Por outro lado a maior ou menor abertura semântica indeterminação do conteúdo e mesmo eventual remissão expressa à lei não poderão consistir portanto em obstáculo intransponível à sua aplicação imediata e exigibilidade judicial ainda que os efeitos concretos a serem extraídos das normas de direitos sociais possam em alguns casos ser bem mais modestos De qualquer modo para um maior desenvolvimento quanto ao sentido e alcance da norma contida no art 5º 1º da CF remetemos aqui também ao item correspondente da parte geral teoria geral dos direitos fundamentais 681 Outro tópico que diz respeito ao regime jurídico dos direitos sociais na condição de direitos fundamentais é o de sua proteção contra o poder de reforma constitucional e contra intervenções restritivas por parte dos órgãos estatais Tendo em conta que tais questões foram tratadas no capítulo sobre a reforma constitucional no âmbito dos limites materiais e no item sobre os limites e restrições a direitos fundamentais parte geral dos direitos fundamentais deixaremos aqui de enfrentar o tema apenas enfatizando que também quanto a tais aspectos adotamos a posição segundo a qual os direitos fundamentais sociais estejam eles sediados no Título II da CF estejam localizados em outras partes do texto constitucional ou mesmo tenham sido incorporados à Constituição mediante emendas não podem ser objeto de abolição efetiva ou tendencial aplicandose aos direitos sociais também ressalvadas eventuais peculiaridades o sistema constitucional de limites e limites dos limites Todavia levando em conta que na seara dos direitos fundamentais sociais passou a ganhar espaço especialmente em sede doutrinária a ideia de uma proibição de retrocesso ou proibição de regressividade não deixaremos de tecer algumas considerações sobre a tal garantia implícita dos direitos sociais logo mais adiante em item próprio Ainda no concernente ao regime jurídico dos direitos sociais importa destacar que sob o rótulo genérico de direitos sociais a Constituição Federal abrange uma gama variada de direitos fundamentais que numa perspectiva mais ampla integrando o Título II com as demais partes da Carta Magna correspondem aos direitos econômicos sociais culturais e ambientais o que contribui ainda mais para uma necessária cautela no que diz com uma aplicação demasiado rigorosa embora correta em termos gerais da unicidade de regime jurídicoconstitucional em matéria de direitos fundamentais o que deverá ser objeto de atenção quando da análise dos direitos sociais em espécie Além disso como ocorre com os direitos fundamentais em geral também os direitos sociais apresentam uma dupla dimensão subjetiva e objetiva No que diz com a primeira ou seja quando os direitos sociais operam como direitos subjetivos está em causa a possibilidade de serem exigíveis em favor de seus respectivos titulares em face de seus destinatários A despeito das dificuldades e objeções que se registram nessa esfera vg menor densidade das normas definidoras de direitos sociais limites ao controle judicial das políticas públicas dependência da disponibilidade de recursos em outras palavras do impacto da assim chamada reserva do possível constatase no caso brasileiro uma forte tendência doutrinária e jurisprudencial com destaque aqui para a jurisprudência do STF no sentido do reconhecimento de um direito subjetivo definitivo portanto gerador de uma obrigação de prestação por parte do destinatário pelo menos no plano do mínimo existencial concebido como garantia fundamental das condições materiais mínimas para uma vida com dignidade o que em termos de maior incidência se verifica especialmente nos casos do direito à saúde e à educação 682 Já a perspectiva objetiva das normas de direitos sociais reflete o estreito liame desses direitos com o sistema de fins e valores constitucionais a serem respeitados e concretizados por toda a sociedade princípio da dignidade da pessoa humana superação das desigualdades sociais e regionais construção de uma sociedade livre justa e solidária683 Nesta esfera como já sinalado na parte geral dos direitos fundamentais também as normas de direitos sociais sendo normas de direitos fundamentais possuem uma eficácia dirigente ou irradiante decorrente da perspectiva objetiva que impõe ao Estado o dever de permanente realização dos direitos sociais além de permitir às normas de direitos sociais operarem como parâmetro tanto para a aplicação e interpretação do direito infra constitucional quanto para a criação e o desenvolvimento de instituições organizações e procedimentos voltados à proteção e promoção dos direitos sociais Daí também resulta entre outros aspectos a eficácia dos direitos fundamentais sociais nas relações privadas e em termos mais amplos a interpretação do ordenamento jurídico de acordo com o marco dos direitos fundamentais incluindo os direitos sociais Além disso não se pode olvidar que também em matéria de direitos sociais assumem relevo os deveres de proteção que vinculam os órgãos estatais inclusive no que diz com uma atuação em caráter preventivo e que ensejam um dever de proteção suficiente pena de violação da assim chamada proibição de insuficiência de proteção isto sem falar na existência de deveres fundamentais sociais dos particulares Finalmente a perspectiva objetiva permite a tutela das garantias institucionais ou seja a proteção de determinadas instituições de direito público e institutos de direito privado sem desconsiderar aqui que o público e o privado se conectam e não constituem esferas isoladas que por sua relevância necessitam ser protegidos contra a ação erosiva do legislador como dão conta entre outros os exemplos do Sistema Único de Saúde SUS e da autonomia universitária 684 muito embora esta última individualmente considerada não costume ser enquadrada na noção de direitos sociais apesar de ter sido incluída no contexto mais amplo do direito à educação e integrar o título da ordem social Ainda no que diz com a inserção dos direitos sociais no marco de um regime comum aos direitos fundamentais é possível apontar para uma dupla dimensão negativa defensiva e positiva prestacional também no caso das normas de direitos sociais abrangendo portanto um leque diferenciado de posições jurídico subjetivas que podem estar vinculadas a um mesmo direito fundamental social compreendido em sentido amplo 685 Neste contexto convém sublinhar que os direitos sociais embora habitualmente referidos ao princípio da igualdade na sua vertente substantiva não se limitam à função de direitos a prestações materiais de tal sorte que também para os direitos sociais vale a premissa de que todos os direitos fundamentais apresentam uma perspectiva ou dimensão positiva e negativa686 Assim nada obstante sua evidente importância a função dos direitos sociais como direitos a prestações materiais é somente uma das espécies no âmbito das possíveis posições subjetivas decorrentes das normas de direitos sociais visto que também assumem uma nítida função defensiva negativa atuando como proibições de intervenção além de implicarem prestações do tipo normativo prestações jurídicas inclusive de feição organizacional e procedimental como já sinalado 687 Valendonos do exemplo do direito à saúde este apresenta uma evidente dimensão defensiva no sentido de gerar um dever de não interferência ou seja uma vedação a atos estatais e privados que possam causar dano ou ameaçar a saúde da pessoa sem prejuízo de sua simultânea função prestacional positiva pois ao Estado incumbe a criação de todo um aparato de proteção vg as normas penais que vedam lesões corporais morte charlatanismo etc assim como a criação de uma série de instituições organizações e procedimentos dirigidos à prevenção e promoção da saúde campanhas de vacinação pública atuação da vigilância sanitária controle de fronteiras participação nos conselhos e conferências de saúde entre outros além do dever estatal de fornecimento de prestações no campo da assistência médicohospitalar medicamentos entre outras 688 Em síntese os direitos sociais na condição de direitos subjetivos operam como direitos de defesa e direitos a prestações que podem ser tanto direitos a prestações fáticas quanto direitos a prestações normativas de caráter organizatório e procedimental Uma vez compreendida esta dúplice função negativa e positiva também dos direitos sociais é preciso levar em conta outra distinção oriunda da dogmática constitucional alemã que refere a existência no plano da dimensão positiva prestacional de duas categorias de direitos subjetivos a prestações materiais do Estado quais sejam os direitos derivados a prestações e os direitos originários a prestações 689 De acordo com tal distinção direitos derivados a prestações seriam posições jurídicas que asseguram ao indivíduo o direito de participação igual no sistema de prestações sociais públicas já concretizado portanto direitos já assegurados em nível de legislação e de políticas públicas ao passo que direitos originários a prestações correspondem ao direito de exigir do Estado o fornecimento de prestações diretamente deduzidas do plano constitucional ainda que não tenham sido objeto de regulação infraconstitucional 690 41432 Titulares e destinatários dos direitos sociais Em princípio toda pessoa pode ser titular de direitos sociais o que não significa a inexistência de restrições como aquelas impostas em função de específicas condições do titular do direito caso dos direitos dos trabalhadores dirigidos a determinado grupo de pessoas ou em decorrência de condicionamentos fáticos e jurídicos contrapostos à eficácia dos próprios direitos sociais caso da limitação da gratuidade de prestações apenas às pessoas comprovadamente carentes De modo geral como já sinalado na parte geral dos direitos fundamentais vige o princípio da universalidade de acordo com o qual ainda mais quando se trata de direitos com forte vínculo com a dignidade da pessoa humana e com o direito à vida todas as pessoas são na condição de pessoas humanas titulares dos direitos sociais Ainda no que diz com a titularidade importa frisar que os direitos sociais não se confundem com a figura dos direitos coletivos pelo menos não podem ser identificados apenas com a figura de direitos coletivos A partir justamente da dimensão sempre em primeira linha individual da dignidade da pessoa humana e do próprio mínimo existencial os direitos sociais têm por titular a pessoa individual o que todavia não afasta uma dimensão transindividual conforme aliás também tem sido destacado em diversas decisões do STF especialmente mas não exclusivamente no caso do direito à saúde 691 Eventual preferência por uma tutela processual coletiva não pode servir de argumento para refutar a titularidade individual dos direitos sociais visto que não se pode confundir a condição de titular sujeito de direitos fundamentais com a técnica processual de sua efetivação 692 Além disso importa sublinhar que a titularidade de direitos sociais também deve ao menos em determinados casos destaque aqui para os direitos à saúde assistência social educação e direitos trabalhistas ser reconhecida aos estrangeiros embora polêmica a delimitação do conteúdo de tais direitos em concreto e os requisitos para tanto o que aqui não será objeto de aprofundamento Em termos gerais considerase que tal reconhecimento deverá se dar pelo menos quando em causa o comprometimento em concreto do direito à vida e do mínimo existencial 693 Quanto aos destinatários não se questiona que os direitos sociais vinculam e obrigam os órgãos estatais no sentido de uma vinculação isenta de lacunas que de resto como já salientado no item próprio da parte geral dos direitos fundamentais se verifica no caso de todos os direitos fundamentais ainda que existam variações quanto a aspectos específicos e no que concerne a peculiaridades da função legislativa judiciária e executiva o que aqui não será objeto de desenvolvimento Neste contexto registra se que tem sido particularmente intenso também no Brasil o debate sobre a legitimidade a competência as possibilidades e os limites do controle do se mas especialmente do como os órgãos estatais se desincumbem de seus deveres e tarefas em matéria de direitos sociais bem como quais os limites de tal controle notadamente quando se trata do controle judicial das ações e omissões por parte dos demais órgãos estatais mas tais aspectos serão ainda que de modo sumário examinados no contexto do problema da exigibilidade dos direitos sociais logo adiante Por outro lado ainda na esfera dos destinatários das normas de direitos sociais conquanto se admita que as normas de direitos sociais incidam nas relações entre particulares doutrina e jurisprudência ainda debatem se realmente há uma vinculação e em caso afirmativo como esta opera notadamente quando se cuida da dimensão positiva dos direitos sociais compreendidos como direitos a prestações 694 Ressalvese que tal controvérsia deve levar em conta as diferenças evidentes que se verificam quando se trata de direitos sociais que por sua natureza têm por destinatário precípuo os órgãos estatais direitos à assistência social e à previdência social por exemplo assim como quando em causa os direitos sociais que se dirigem essencialmente ainda que não de modo exclusivo aos particulares direitos dos trabalhadores eg Retomando aqui as ponderações já tecidas com relação à dupla dimensão negativa defensiva e positiva prestacional dos direitos fundamentais sociais importa destacar que se parte do pressuposto de que em ambas as dimensões os direitos sociais geram efeitos nas relações entre particulares Nesse sentido na primeira ocasião em que tivemos a oportunidade de nos pronunciar a respeito restou consignado que todos os direitos fundamentais inclusive de cunho prestacional são eficazes vinculantes no âmbito das relações entre particulares inexistindo em princípio distinção entre os direitos de cunho defensivo e os prestacionais em que pese o seu objeto diverso e a circunstância de que os direitos fundamentais do último grupo possam até vincular na condição de obrigados em primeira linha os órgãos estatais 695 Tal posição foi compartilhada desenvolvida e reforçada especialmente por Daniel Sarmento que avançou significativamente na discussão 696 da mesma forma como também tivemos a ocasião em momento posterior de enfrentar o tema de modo mais detido 697 A eficácia direta ainda que não absoluta dos direitos sociais na esfera das relações privadas notadamente no que diz com a dimensão prestacional foi contudo alvo de críticas bem articuladas por Wilson Steinmetz que a despeito de adotar posição divergente contribuiu para o enriquecimento do debate no âmbito da doutrina brasileira 698 Assim é de se aproveitar o ensejo para à luz dos argumentos esgrimidos especialmente pelos autores citados mas também por outros doutrinadores bem como com base em algumas situações concretas analisadas também a partir de alguma jurisprudência enfrentar as críticas e demonstrar a razão pela qual também as normas de direitos sociais seja de modo direto seja indiretamente geram efeitos nas relações privadas Para tanto há que retomar a distinção entre os direitos fundamentais sociais como direitos negativos e positivos lembrando que a problemática da vinculação e portanto da eficácia dos direitos sociais na esfera privada necessariamente haverá de considerar os aspectos peculiares de cada uma das dimensões É de recordar ainda que os direitos sociais podem assumir tanto a condição de liberdades sociais como é o caso dos direitos de greve e de associação sindical por exemplo quanto a forma de direitos a prestações como é o caso do direito à saúde à educação à moradia ou de alguns direitos dos trabalhadores como a garantia do salário mínimo a remuneração das férias entre outros sem prejuízo também nesses casos de uma dimensão defensiva negativa Além disso importa reafirmar que ambas as dimensões negativa e positiva pressupõem deveres de proteção do Estado que por sua vez na condição de direitos à proteção assumem a feição de direitos a prestações em geral de cunho normativo organizatório e procedimental mas também prestações de caráter fático Levando em conta que mesmo a vinculação dos órgãos estatais carece de diferenciação a depender do direito fundamental em causa e que a eficácia e a aplicabilidade das normas de direitos fundamentais são variáveis também para as normas de direitos sociais há de valer o que se afirmou no tocante ao problema da eficácia dos direitos fundamentais em geral nas relações entre particulares isto é que tal eficácia reclama a adoção de uma metódica diferenciadora que assume tanto aspectos de uma eficácia vertical e horizontal quanto de uma eficácia direta e indireta de tal sorte que diferenciações não são apenas possíveis mas necessárias 699 Nesta mesma linha de entendimento quando se afirma que todos os direitos fundamentais vinculam de algum modo os particulares e geram também de algum modo efeitos diretamente nas relações entre agentes privados e em relação aos atos por estes praticados evidentemente se há de tomar tal afirmação no sentido de uma eficácia direta prima facie isto é como em princípio aplicável já que existem direitos fundamentais cujo destinatário principal é o Estado e outros direcionados diretamente e em primeira linha o que não quer necessariamente dizer de modo exclusivo aos particulares o que ocorre por exemplo com os direitos dos trabalhadores consoante aliás já referido O fato de se reconhecer com Daniel Sarmento a necessidade de elevada dose de prudência no reconhecimento de direitos subjetivos a prestações tendo por destinatários particulares 700 isso não poderá por sua vez levar à negação total de tais posições jurídicas como oponíveis entre atores privados Ademais a eficácia inclusive a depender do caso direta das normas de direitos fundamentais sociais na esfera das relações entre particulares não se resume nem poderia ao reconhecimento de posições jurídico subjetivas de cunho prestacional como de resto igualmente demonstrou Daniel Sarmento referindose entre outras possibilidades a efeitos negativos como ocorre com a aplicação do princípio da proibição de retrocesso aqui citada apenas para ilustrar a assertiva 701 Para efeitos de uma possível eficácia direta dos direitos sociais nas relações entre particulares assume relevo a figura do mínimo existencial que também nesta seara se revela como importante critério material a ser aplicado Se uma eficácia prestacional já é possível até mesmo fora do âmbito do que tem sido considerado o mínimo existencial poderseá aqui citar o exemplo atual da disponibilização ainda que cogente por imposta pelo Poder Público de vagas portanto de um acesso a prestações no campo do direito à educação também por instituições particulares de ensino superior o que não dizer quando estiverem em causa prestações indispensáveis à satisfação das condições mínimas para uma vida com dignidade com apoio também mas como argumento adicional tão somente no princípio da solidariedade que à evidência não vincula apenas aos órgãos estatais mas a sociedade como um todo como de resto bem destacou Daniel Sarmento ao explorar este aspecto 702 No caso do direito à saúde citado por Wilson Steinmetz quando da sua já referida crítica também já se registram casos de uma imposição inclusive na esfera jurisdicional de prestações materiais a entidades privadas em favor de outros particulares Isto se verifica com certa frequência e é claro em determinadas circunstâncias e sob determinados pressupostos em hipóteses envolvendo empresas mantenedoras de planos de saúde que mesmo alegando não haver cobertura contratual são obrigadas com base nos direitos fundamentais à proteção do consumidor e à saúde a arcar com as despesas médico hospitalares relativas a seus segurados 703 Por outro lado importante reenfatizar que o reconhecimento especialmente quando efetuado diretamente e portanto sem mediação legislativa de direitos subjetivos a prestações sociais contra entidades privadas deve ser encarado com cautela e passar por um rigoroso controle no que diz com os critérios que presidem a solução de conflitos de direitos Justamente em virtude dessa necessidade importa construir critérios materiais robustos para uma adequada ponderação à luz do caso concreto com destaque para as exigências da proporcionalidade o que de resto corresponde ao entendimento seguramente dominante na literatura brasileira 704 41433 O problema da eficácia e efetividade das normas de direitos sociais com destaque para a controvérsia acerca da exigibilidade dos direitos sociais como direitos a prestações O fato de que em princípio é possível partir do pressuposto de que os direitos sociais na condição de direitos fundamentais estão sujeitos ao regime do art 5º 1º da CF ou seja de que também as normas constitucionais que enunciam direitos sociais são normas diretamente imediatamente aplicáveis não afasta por si só e de plano uma série de questões controversas amplamente debatidas nas esferas doutrinária e jurisprudencial Dada a heterogeneidade das normas de direitos sociais aspecto aliás comum aos direitos fundamentais em geral resulta ainda mais evidente a necessidade de considerar tal diversidade especialmente quando da aplicação aos direitos sociais notadamente quando compreendidos na sua dimensão positiva como direitos subjetivos a prestações estatais da noção de que as normas de direitos fundamentais são de acordo com a terminologia mais difundida no Brasil normas de eficácia plena no sentido de que por mais relevante que seja o papel do legislador infraconstitucional o que no caso dos direitos sociais é de ser ainda mais enfatizado não se poderá deixar a decisão sobre o conteúdo dos direitos sociais na esfera plena e ilimitada de atuação do legislador Dito de outro modo também os direitos sociais não podem ter sua eficácia e efetividade mesmo como direitos a prestações integralmente portanto exclusivamente condicionadas por uma interposição legislativa cuidandose nesta perspectiva também de autênticos trunfos contra a maioria 705 Assim também para os direitos sociais por força do disposto no art 5º 1º da CF vale a premissa de que não é possível reduzir as normas que os consagram a normas programáticas de eficácia diferida dependente sempre e integralmente da atuação complementar do legislador infraconstitucional O problema da exigibilidade dos direitos sociais contudo se revela especialmente delicado e a controvérsia na doutrina e mesmo em nível da jurisprudência assim o atesta quando se trata de avaliar em que medida é possível por intermédio do Poder Judiciário impor ao Poder Público uma prestação diretamente fundada na Constituição isto é quando se cuida de verificar a exigibilidade dos direitos sociais na condição de direitos originários a prestações ou seja de uma prestação não previamente assegurada por lei infraconstitucional eou já disponibilizada no sistema de bens e serviços por força de políticas públicas já existentes Com efeito é de se reiterar nesta quadra que a situação na qual se busca a manifestação do Poder Judiciário para impor ao Poder Público uma prestação que não pode ser reconduzida a uma prévia opção legislativa ou mesmo a uma política pública ou medida administrativa incorporada ao sistema de políticas públicas hipótese que corresponde aos assim chamados direitos derivados a prestações não é idêntica embora haja questões polêmicas e de difícil equacionamento em cada uma das categorias direitos derivados e direitos originários a prestações A objeção mais comum embora atualmente menos utilizada diz respeito ao argumento de que as normas de direitos sociais especialmente na sua condição de direitos a prestações seriam normas de cunho meramente programático ou quando muito normas impositivas de programas fins ou tarefas que diversamente das normas meramente programáticas teriam alguma eficácia vinculativa mas não poderiam sem prévia manifestação legislativa servir de fundamento para a dedução direta da Constituição de deveres cogentes de prestação por parte do Estado e um correspondente direito originário a prestação Tal linha argumentativa especialmente no que exclui qualquer possibilidade de dedução em juízo de um direito subjetivo originário a prestações notadamente no caso das prestações de caráter material não pode subsistir seja em face do teor literal e compreensão dominante da norma contida no art 5º 1º da CF seja pelo fato de que os direitos sociais perderiam a sua condição de direitos fundamentais caso seu objeto e a decisão sobre sua eficácia e efetividade ficassem integralmente ainda que se reconheça o papel prioritário e indispensável do legislador para a efetividade dos direitos sociais subordinados ao legislador transformandose tais direitos em direitos apenas na medida da lei Além disso ainda que observada uma série de aspectos não se deve perder de vista que aos direitos sociais se aplica o disposto no art 5º 1º da CF o que a despeito de uma possível concomitante mas não reciprocamente excludente dimensão programática no sentido de impositiva de tarefas e deveres vinculantes dos direitos sociais faz com que não se possa afastar a condição de um direito subjetivo a prestações por mais que tal direito subjetivo esteja submetido a limites decorrentes de outros princípios e direitos em nível constitucional e mesmo restrições que sempre têm por base uma justificação constitucional pelo legislador O ponto possivelmente mais polêmico em termos de exigibilidade dos direitos sociais como direitos subjetivos e fundamento para o controle jurisdicional de políticas públicas ambas as situações apesar de seus pontos de contato não se confundem diz respeito à assim chamada reserva do possível ou seja com a dimensão economicamente relevante dos direitos sociais embora já se reconheça que tal relevância econômica não é apenas dos direitos sociais na condição de direitos a prestações estatais de modo especial naquilo que guardam relação com a destinação criação e redistribuição de recursos materiais e humanos com destaque para os aspectos econômicos financeiros e tributários que dizem respeito à efetividade dos direito sociais 706 Conquanto se reconheça que todos os direitos sempre acarretam custos para sua efetivação e proteção sejam direitos civis sejam direitos políticos ou sociais 707 o fato é que em termos de exigibilidade judicial o apontado fator custo nunca constituiu elemento impeditivo de efetivação da dimensão negativa função de defesa dos direitos sociais pelo menos não no sentido de se advogar a impossibilidade de provimento judicial com base nos direitos civis e políticos pelo menos quando não em causa pretensões de objeto positivo ou seja implicando prestações estatais A concessão de uma ordem de habeas corpus por exemplo não é colocada na dependência do fato de que há poucos juízes disponíveis ou pouco investimento em segurança pública ou seja o reconhecimento da pretensão e do direito subjetivo negativo fundada na liberdade de locomoção embora também dependa em parte de pressupostos de ordem fática entre outros não é obstado em virtude de tal circunstância e não se questiona também a aplicabilidade imediata e eficácia plena da norma que assegura a liberdade de locomoção Diversamente o custo das prestações materiais assume uma importância crescente na análise da eficácia e efetividade dos direitos sociais na condição de direitos a prestações sustentando parte da doutrina que se a alocação de recursos públicos é sempre necessária para assegurar o fornecimento das prestações materiais a efetividade dos direitos sociais se mostraria então dependente da conjuntura econômica o que deslocaria o debate para o problema da possibilidade ou não de o Poder Judiciário impor aos demais atores estatais a satisfação das prestações reclamadas aspecto possibilidade de controle judicial do qual nos ocuparemos logo a seguir Por outro lado a assim chamada reserva do possível também poderá impactar na esfera dos direitos derivados a prestações ou seja quando se cuida de assegurar o fornecimento de bens e serviços que integram o esquema já regulado de políticas públicas por exemplo o acesso universal aos serviços de saúde oficialmente disponibilizados pelo SUS o acesso à educação em estabelecimentos públicos pelo menos de forma universal na esfera do ensino fundamental apenas para mencionar os casos mais correntes Nesses casos embora a prestação a ser alcançada ao particular esteja prevista na legislação o problema segue sendo o de que mesmo a lei tendo definido claramente o conteúdo das prestações pode o acesso a tais bens e serviços ser interrompido reduzido ou mesmo negado em função da alegação da efetiva indisponibilidade situações de resto muito comuns e que têm abarrotado os tribunais brasileiros Conquanto em tais casos o argumento da falta de competência e de legitimidade dos juízes para definirem o conteúdo do direito bem como a própria separação dos poderes se revele mais frágil a problemática da escassez e de sua gestão segue relevante ainda eventualmente não da mesma forma como no caso dos direitos originários a prestações A assim chamada limitação objeção da reserva do possível abarca uma série de aspectos de cunho fático e jurídico Numa primeira perspectiva a escassez de recursos assume relevo na sua dimensão fática ou seja vinculada ao problema da falta efetiva em maior ou menor medida de recursos econômicos mas também de outros recursos por exemplo recursos humanos e técnicos muito embora tais recursos possam novamente ser reconduzidos em grande medida ao aspecto econômicofinanceiro Por outro lado a escassez considerada na sua feição fática envolve aspectos jurídicoconstitucionais convivendo com uma forte dimensão jurídica da assim chamada reserva do possível a exigir que o destinatário das normas de direitos sociais tenha a capacidade jurídica e o poder de disposição isto é a competência sem os quais de nada adiantam os recursos existentes o que por sua vez remete tanto ao problema da gestão e definição das prioridades na esfera do gasto público como a questões vinculadas a conflitos com outros direitos fundamentais aspectos orçamentários financeiros e tributários apenas para referir alguns Neste contexto argumenta parte da doutrina que estando em causa a opção quanto à afetação de recursos públicos no contexto da conjuntura socioeconômica geral e diante da ausência ou insuficiência de critérios preestabelecidos pela Constituição o exercício dessa competência caberia aos órgãos políticos sobretudo ao legislador 708 motivo pelo qual a realização dos direitos sociais na condição de direitos subjetivos a prestações materiais implicaria sempre um problema de competências constitucionais como expõe Gomes Canotilho 709 Em vista tanto da dimensão fática quando da faceta jurídica da reserva do possível passouse a sustentar que os direitos sociais a prestações materiais estariam sob uma re serva do possível caracterizada por uma tríplice dimensão a saber a a real disponibili dade fática dos recursos para a efetivação dos direitos sociais b a disponibilidade jurídica dos recursos materiais e humanos que guarda conexão com a distribuição das receitas e competências tributárias orçamentárias legislativas e administrativas e em países como o Brasil ainda reclama equacionamento em termos de sistema federativo e c o problema da proporcionalidade da prestação em especial quanto à sua exigibilidade e razoabilidade no que concerne à perspectiva própria e peculiar do titular do direito 710 Todos esses aspectos vinculamse entre si e além disso guardam relação com outros princípios e regras constitucionais exigindo assim uma solução sistemática e constitucionalmente adequada para que na perspectiva do princípio da máxima eficácia e efetividade de todos os direitos fundamentais não sirvam como barreira instransponível mas como instrumentário que se soma às demais garantias de proteção dos direitos fundamentais e sociais como na hipótese de conflito de direitos em que se tiver a invocação e desde que observados os critérios da proporcionalidade e da garantia do mínimo existencial da indisponibilidade de recursos com o intuito de salvaguardar o núcleo essencial de outro direito fundamental Por tudo isso é possível sustentar a existência de uma obrigação por parte dos órgãos estatais e dos agentes políticos de maximizarem os recursos e minimizarem o impacto da reserva do possível naquilo que serve de obstáculo à efetividade dos direitos sociais A reserva do possível portanto não poderá ser esgrimida como obstáculo intransponível à realização dos direitos sociais pela esfera judicial 711 devendo além disso ser encarada com reservas 712 Também é certo que as limitações vinculadas à reserva do possível não são em si mesmas uma falácia o que de fato é falaciosa é a forma pela qual o argumento tem sido por vezes utilizado entre nós como óbice à intervenção judicial e desculpa genérica para uma eventual omissão estatal no campo da efetivação dos direitos fundamentais especialmente daqueles de cunho social 713 Ainda nessa perspectiva a prática jurisprudencial brasileira ainda que se possa controverter a respeito do acerto das decisões em cada caso de certo modo busca implan tar a noção de que também em matéria de direitos sociais a prestações designadamente quando na sua perspectiva subjetiva não há como adotar uma lógica pautada pelo tudo ou nada de modo que para os direitos sociais é possível reconhecer como sustentado por Jorge Reis Novais uma reserva geral de ponderação 714 muito embora a necessária reserva com que também tal reserva assim como ocorre com a reserva do possível deve ser compreendida o que todavia aqui não será desenvolvido Além disso tal como bem observa Walter Claudius Rothenburg recuperando com felicidade particular lição de Luigi Ferrajoli os direitos sociais embora impliquem alocação de expressivos recursos ao mesmo tempo custam menos do que a indigência provocada por sua ausência ou presença e falta de efetividade é possível agregar e além disso asseguram a capacidade produtiva das pessoas715 Assim o que importa ser enfatizado neste contexto é que direitos sociais não são também direitos absolutos submetendose a um sistema de limites e limites dos limites no âmbito do qual a assim chamada reserva do possível e suas manifestações assim como a reserva legal e os critérios da proporcionalidade e razoabilidade ocupam um lugar de destaque Outro argumento habitualmente assacado contra a exigibilidade dos direitos sociais como direitos subjetivos a prestações especialmente de direitos originários a prestações diz com a alegação da impossibilidade do controle judicial das políticas públicas destinadas a garantir a efetividade desses direitos visto que tais políticas e decisões da Administra ção e do Legislativo constituiriam matéria afeta à discricionariedade administrativa eou liberdade de conformação do legislador portanto sujeitas apenas a critérios de conveniência e oportunidade sobre os quais não caberia intervenção judicial Conquanto não se vá aqui adentrar no exame da problemática da legitimidade da atuação do Judiciário importa assinalar contudo que a consagração da garantia fundamental da inafastabilidade da jurisdição CF art 5º XXXV por si só bastaria para fragilizar o argumento da inviabilidade de controle judicial das políticas públicas mais ainda quando se trata de dar eficácia e efetividade à perspectiva objetiva dos direitos sociais Neste contexto reiterase a lição de Jorge Reis Novais no sentido de que também os direitos fundamentais sociais configuram trunfos contra a maioria pois num Estado fundado na dignidade da pessoa humana como é o caso de Portugal e também do Brasil cada pessoa tem a si assegurada uma esfera de autonomia e liberdade individual que não pode ser comprimida nem restringida pelo só fato de um ato normativo ou política pública ser decorrente de uma decisão majoritária 716 Ainda no que diz com a controvérsia sobre se e como os direitos sociais operam como direitos subjetivos a prestações oponíveis ao Poder Público e exigíveis pela via judicial é possível afirmar que ao longo dos anos a doutrina e a jurisprudência passaram a desenvolver critérios para a solução dos diferentes problemas relacionados aos casos que envolvem o acesso ao Poder Judiciário em matéria de efetivação dos direitos sociais Assim sem que se pretenda aqui esgotar o elenco seguem algumas diretrizes que têm encontrado cada vez maior receptividade seja na esfera doutrinária 717 seja na esfera jurisprudencial com destaque aqui para as decisões do STF De acordo com reiterada jurisprudência o STF aponta para a circunstância de que se deve distinguir a maioria expressiva dos casos levados a juízo nos quais se busca apenas coibir omissões do Poder Legislativo e Executivo ou exigir o cumprimento de legislação e políticas públicas já existentes hipótese na qual se enquadra a noção de direitos derivados a prestações das situações nas quais está em causa a exigência de prestações originárias Com efeito importa considerar que pelo menos no primeiro caso não se pode falar sequer de uma judicialização da política propriamente dita tampouco de uma afetação do princípio da separação dos poderes ou do princípio democrático 718 No que diz com a assim chamada reserva do possível que vinha sendo considerada no mais das vezes como mero entrave burocrático a evolução mais recente tende a reverter este quadro admitindose que os direitos sociais encontramse submetidos a limites fáticos e jurídicos mas ao mesmo tempo se afirmando que a impossibilidade de atendimento da demanda de fornecimento das prestações deve ser demonstrada pelo Poder Público a quem incumbe o ônus da prova 719 Outro critério que segue tendo relevância diz respeito à utilização da noção de uma garantia do mínimo existencial pois são inúmeras as decisões judiciais que deferem pleitos de caráter prestacional mediante o argumento de que quando em causa o direito à vida e o mínimo existencial não podem prevalecer as objeções habituais da reserva do possível bem como da separação dos poderes tudo a demonstrar que o direito à vida e o mínimo existencial assumem a condição de critério material de ponderação ainda que a definição do alcance da noção de mínimo existencial não tenha encontrado uma resposta unívoca e não resolva pelo menos em parte as dificuldades que se verificam quando se trata de exigir pela via judicial a satisfação dos direitos sociais e mesmo do mínimo existencial 720 Mesmo que se restrinja a exigibilidade dos direitos sociais a um mínimo existencial mediante o argumento de que nesses casos estando em causa a vida e a dignidade humana as objeções fundadas no argumento da distribuição de competências e da reserva do possível entre outros teriam de ceder prevalecendo a posição jurídica do indivíduo tal solução que pode ser reconduzida à obra de Robert Alexy quando este fala em um direito definitivo a prestações 721 não afasta contudo pelo menos três questões a merecerem maior atenção A primeira diz respeito ao fato notado pelo próprio Alexy de que mesmo prestações na esfera de um mínimo existencial podem implicar alto investimento público e afetar outras posições dos cidadãos A segunda guarda relação com os riscos que decorrem de uma superposição do núcleo essencial dos direitos sociais e do mínimo existencial especialmente quando se leva em conta o amplo leque de direitos sociais positivados na Constituição Federal Outro aspecto problemático envolve a própria definição do conteúdo do mínimo existencial que remete novamente ao problema da distribuição das competências visto que também na esfera de um mínimo existencial se coloca o problema de qual o papel reservado aos órgãos judiciais Embora se trate de tópico controverso outro critério digno de nota é o que aposta na valorização do princípio da subsidiariedade no sentido de que o acesso aos bens sociais por intermédio da ação judicial deve ser reservado a quem faltam os meios materiais necessários para a obtenção por esforço próprio dos bens e serviços sociais essenciais Todavia importa ter em conta não apenas a complexidade do tema mas também a necessidade de dialogar com as peculiaridades que se verificam no âmbito de cada direito social em espécie como por exemplo é o caso dos direitos à saúde e à educação onde no primeiro caso o texto constitucional fala em acesso universal e igualitário e no segundo estabelece a gratuidade do ensino público independentemente da condição financeira do usuário dos serviços públicos O problema especialmente à vista do texto constitucional demanda maior digressão e eventualmente uma reforma constitucional e legislativa não sendo o caso de se desenvolver aqui o ponto De qualquer modo uma equação mais justa na distribuição das responsabilidades entre setor público e privado entre Estado e indivíduos constitui temática central e desafio até mesmo em termos de uma sustentabilidade intra e intergeneracional 722 A aplicação como pauta de solução do caso da assim chamada dupla face do princípio da proporcionalidade e de suas exigências critérios compreendida como impeditiva de intervenções excessivas na esfera dos direitos fundamentais mas também como proibitiva de ações insuficientes por parte dos órgãos estatais na sua tarefa de assegurar direitos sociais efetivos igualmente tem sido enfatizada embora a falta em diversos casos de uma cuidadosa e bem motivada utilização de tais categorias pela jurisprudência o que por sua vez poderá levar a uma maior intervenção judicial na esfera da liberdade de conformação legislativa 723 De qualquer sorte considerando a evolução mais recente verificase que a noção de que ao Estado também na esfera da proteção social notadamente no caso do mínimo existencial incumbe um dever de proteção suficiente tem sido objeto de reconhecimento pelo STF 724 Dentre os demais aspectos apontados no campo da realização dos direitos a prestações situase a alegada necessidade de um diálogo institucional fundado por um lado na noção de um déficit em termos de capacidade institucional técnica por parte do Poder Judiciário o mesmo se aplica aos demais agentes da esfera jurídica como é o caso do Ministério Público da Defensoria Pública entre outros no sentido de lidar de forma proficiente com certas demandas mas que também pode além disso ser reconduzido à noção de uma necessidade de cooperação produtiva entre os órgãos poderes estatais 725 Por outro lado ainda na perspectiva dos instrumentos mecanismos de realização dos direitos fundamentais aqui com destaque para os direitos sociais importa saudar uma crescente aposta nos deveres de informação na transparência das ações dos órgãos estatais 726 e nos mecanismos de controle social das políticas públicas do orçamento e dos investimentos estatais 727 medidas que embora também envolvam por um lado intervenção pela via judicial de longo a ela não se restringem e apontam para uma perspectiva mais ampla da própria noção de exigibilidade dos direitos sociais Relevante ainda nesse contexto ainda que não se possa desenvolver o tema é o problema dos modos de em sendo o caso de acessar o Poder Judiciário efetivar os direitos sociais ou seja a natureza das medidas e os seus possíveis efeitos do ponto de vista processual Nisso se inclui tanto a querela em torno do recurso a ações individuais e coletivas existindo os que refutam a primeira alternativa ao passo que outros advogam a prioridade da tutela coletiva como a utilização de ações das quais emanem decisões que imponham medidas de caráter estruturante de caráter mandamental e acompanhadas de mecanismos de controle e sanções de natureza diversificada 728 Por derradeiro as questões postas que seguem atuais tornam se ainda mais agudas e de difícil equacionamento não apenas político e econômico foro por excelência de sua deliberação formatação e execução mas também jurídicoconstitucional em tempos de crise crise que cada vez mais se torna onipresente e mesmo de cunho quase permanente embora significativas oscilações temporais e espaciais inclusive quanto ao efetivo papel que o Direito particularmente o direito constitucional e a teoria dos direitos fundamentais pode exercer nesse contexto 729 41434 O problema da proteção dos direitos sociais e o assim designado princípio da proibição de retrocesso A opção por um regime geral e em princípio unificado para os direitos fundamentais implica a aplicação aos direitos fundamentais sociais das categorias dogmáticas dos limites e restrições apresentada na parte geral dos direitos fundamentais ainda que sem desenvolvimento específico para os direitos sociais Com efeito também os direitos sociais estão submetidos a medidas restritivas que os afetam tanto na perspectiva objetiva quanto subjetiva de tal sorte que também para os direitos sociais se impõe a necessidade de controlar a legitimidade constitucional de tais restrições com base nos critérios já inte grados à prática doutrinária e jurisprudencial como é o caso dentre outros da observância das exigências da proporcionalidade Também neste contexto da proteção dos direitos sociais já se discorreu sobre a inclusão de tais direitos juntamente com os demais direitos fundamentais no âmbito dos limites materiais à reforma constitucional portanto das assim chamadas cláusulas pétreas de tal sorte que quanto a tal aspecto remetemos para o capítulo relativo ao poder de reforma da Constituição Todavia o fato é que para a proteção dos direitos sociais especialmente em face do legislador mas também diante de atos administrativos ganhou notoriedade inclusive e de modo particularmente intensivo no Brasil a noção de uma proibição jurídicoconstitucional de retrocesso como mecanismo de controle para coibir eou corrigir medidas restritivas ou mesmo supressivas de direitos sociais Com efeito no que diz com as garantias dos direitos sociais contra ingerências por parte de atores públicos e privados importa salientar que tanto a doutrina quanto ainda que muito paulatinamente a juris prudência 730 vêm reconhecendo a vigência como garantia constitucional implícita do princípio da vedação de retrocesso social a coibir medidas que mediante a revogação ou alteração da legislação infraconstitucional apenas para citar uma forma de intervenção nos direitos sociais venham a desconstituir ou afetar gravemente o grau de concretização já atribuído a determinado direito fundamental e social o que equivaleria a uma violação da própria Constituição Federal e de direitos fundamentais nela consagrados 731 No que diz com sua justificação e fundamentação jurídico constitucional apresentada aqui de modo sumário 732 a proibição de retrocesso social costuma ser vinculada tam bém ao dever de realização progressiva dos direitos sociais tal como previsto no art 2º do Pacto Internacional de Direitos Econômicos Sociais e Culturais de 1966 ratificado pelo Brasil Além disso a proibição de retrocesso social guarda relação com o princípio da segurança jurídica consagrado entre outros no Preâmbulo da Constituição Federal e no caput dos arts 5º e 6º e assim com os princípios do Estado Democrático e Social de Direito e da proteção da confiança na medida em que tutela a proteção da confiança do indivíduo e da sociedade na ordem jurídica e de modo especial na ordem constitucional enquanto resguardo de certa estabilidade e continuidade do direito notadamente quanto à preservação do núcleo essencial dos direitos sociais Ao mesmo tempo a proibição de medidas retrocessivas reconduzse ao princípio da máxima eficácia e efetividade das normas definidoras de direitos e garantias fundamentais art 5º 1º da CF assim como numa perspectiva defensiva do princípio da dignidade da pessoa humana objetiva impedir a afetação dos níveis de proteção já concretizados das normas de direitos sociais sobretudo no que concerne às garantias mínimas de existência digna Destaquese aliás que o conjunto de prestações básicas especialmente aquelas que densificam o princípio da dignidade da pessoa humana e correspondem ao mínimo existencial não poderá ser suprimido nem reduzido mesmo se ressalvados os direitos adquiridos já que a violação de medidas de concretização do núcleo essencial da dignidade humana é injus tificável sob o ponto de vista da ordem jurídica e social A necessidade de adaptação dos sistemas de prestações sociais às constantes transformações da realidade não justifica o descompasso entre os níveis de proteção já alcançados às prestações que compõem o mínimo existencial e a legislação reguladora superveniente que os comprometa suprimindo ou reduzindo posições sociais existentes pois em sendo este o caso poderá ser considerada inconstitucional vindo a ser assim declarada pelo Poder Judiciário como já se deu também no STF733 Nesse contexto como um dos critérios a ser manejado para avaliar a ocorrência de um retrocesso portanto de uma restrição constitucionalmente ilegítima de direitos sociais é possível agregar a necessária demonstração da ocorrência numa perspectiva coletiva atrelada à dimensão objetiva dos direitos de efetivo e significativo risco social não suscetível de ser compensado por outras medidas 734 Tal critério é claro há de ser associado e aferido juntamente com outros como a salvaguarda do mínimo existencial proporcionalidade etc ademais de sua cuidadosa verificação em cada caso De qualquer sorte independentemente do reconhecimento ou não de uma proibição de retrocesso social já que há quem critique a utilização de tal expressão o fato é que na condição de direitos fundamentais os direitos sociais não se encontram à disposição plena dos poderes constituídos Embora não sejam assim como os demais direitos fundamentais direitos absolutos visto que passíveis de restrição os direitos sociais encontramse todavia submetidos ao regime dos limites e dos limites aos limites dos direitos fundamentais ou seja dos critérios que devem observar as medidas restritivas de direitos fundamentais guardadas as peculiaridades especialmente no que concerne aos limites da liberdade de conformação legislativa além de estarem no sentido adotado neste Curso albergados contra o poder de reforma constitucional consoante já frisado Com base no exposto percebese que no âmbito daquilo que tem sido rotulado de uma proibição de retrocesso mas que se insere no contexto de um conjunto de princípios regras e critérios em matéria de limitação dos direitos sociais e seu controle a primeira consequência relevante é a de que toda e qualquer medida que suprima ou restrinja o âmbito de proteção de um direito social é de plano considerada suspeita de implicar uma violação do direito devendo ser submetida ao crivo de um controle de legitimidade constitucional 735 Admitida a possibilidade de limitações em matéria de direitos sociais é por outro lado corrente a compreensão de que eventuais restrições haverão de observar em termos gerais o sistema de limites aos limites o que pode ser traduzido em caráter sumário do seguinte modo a a medida estatal que eventualmente restringe ou suprime um bem eou serviço protegido com base em direito social fundamental deve buscar atender finalidade constitucionalmente legítima portanto ter por objetivo a proteção ou promoção de outro direito fundamental ou a salvaguarda de interesse constitucionalmente relevante b a medida restritiva não poderá afetar o núcleo essencial do direito social núcleo que compreende o conjunto de elementos essenciais à configuração de um direito como tal insuscetíveis de supressão ou alteração sem que com isso ocorra a descaracterização do conteúdo eou estrutura do direito 736 Importa frisar que no contexto do sistema pátrio não há como sustentar uma absoluta identidade entre o núcleo essencial e o conteúdo em dignidade humana dos direitos fundamentais pena de uma perda de autonomia dos direitos fundamentais em geral e dos direitos sociais em particular de sorte que se todos os direitos sociais têm um núcleo essencial tal conteúdo não pode ser reconduzido pelo menos não exclusivamente ao princípio da dignidade da pessoa humana Outrossim se o desenho definitivo do que seja o núcleo essencial somente ocorre no caso concreto diante de um juízo de ponderação envolvendo a avaliação da natureza das restrições especialmente se não incorrem numa vedação do excesso ou da insuficiência das medidas de efetivação em relação ao âmbito de proteção resguardado pela norma jusfundamental também é verdade que a garantia do núcleo essencial não se reduz a uma análise da proporcionalidade 737 Cabe destacar por fim que a garantia de condições materiais mínimas à vida com dignidade e certa qualidade pode ser indicada como um primeiro parâmetro material mas não único a ser utilizado na definição do núcleo essencial de cada direito fundamental social pois evidentemente congruente ao sistema de princípios valores e fins explicitados pela Constituição Federal c da mesma forma ainda no campo dos limites aos limites indispensável a observância das exigências da proporcionalidade tanto no que proíbe excessos quanto naquilo que veda a proteção insuficiente e da razoabilidade assim como elementar para o que se remete ao capítulo específico constante da parte geral dos direitos fundamentais neste Curso d quando couber necessário ainda controlar o respeito às reservas legais e ao conteúdo do princípio da segurança jurídica e das respectivas garantias da coisa julgada do ato jurídico perfeito e do direito adquirido mas também aos requisitos da proteção à confiança legítima 41435 Algumas notas acerca do problema do financiamento dos direitos sociais das cláusulas pétreas e as EC 94 e 95 de 2016 Os direitos sociais assim como os direitos fundamentais de um modo geral são dependentes para efeitos de sua efetividade da alocação de recursos materiais e humanos assumindo portanto significativa maior ou menor a depender do direito em causa relevância econômicofinanceira O financiamento dos direitos sociais é portanto aspecto central para assegurar a tais direitos níveis adequados de efetividade de tal sorte que a sua previsão no orçamento público e cobertura pelo sistema tributário mediante a arrecadação de tributos taxas eou contribuições sociais ocupa um papel de destaque nas agendas dos diversos Estados ademais de adquirir maior ou menor relevância constitucional No caso do Brasil a CF além de dispor sobre o orçamento e as finanças em termos gerais prevê no título Da Ordem Social regras específicas para o financiamento da Seguridade Social bem como um piso constitucional de gastos públicos para a saúde e a educação A previsão de investimentos mínimos em saúde e educação para os três níveis da Federação União Estados e Municípios apesar de constituir para alguns uma particula ridade da CF considerando a ausência de paralelos ao menos de acordo com o que se sabe no âmbito do constitucionalismo contemporâneo revela o quanto o constituinte de 1988 apostou na saúde e na educação como meios para realizar os objetivos fundamentais do Estado Democrático brasileiro tal como enunciado no art 3º da CF dentre os quais construir uma sociedade justa e solidária erradicar a pobreza e as desigualdades Por tal razão é possível afirmar que saúde e educação são direitos sociais que assumem uma posição preferencial no ordenamento constitucional brasileiro o que há de ser considerado quando da discussão de medidas que tenham como fim estabelecer limites a tais direitos inclusive mediante eventual relativização dos pisos de gasto público que ao fim e ao cabo assumem a condição de garantias dos direitos à saúde e à educação Com a promulgação e publicação da EC 95 respectivamente em 15 e 16122016 que veio a estabelecer e regular um teto de gastos para o poder público além de acrescer diversos artigos ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias arts 106 a 114 do ADCT tornase ainda mais atual o debate em torno do tema em especial pelo fato de setores da doutrina especializada mas também comentaristas na mídia e setores da sociedade estarem desde a tramitação da EC 95 no Congresso mobilizando argumentos em prol de sua inconstitucionalidade ao menos parcial Com efeito ao menos do ponto de vista dos direitos sociais com destaque para a Saúde e a Educação mas com reflexos também para outros direitos fundamentais há quem argumente no sentido de advogar a inconstitucionalidade da EC 95 em virtude de violar tanto cláusulas pétreas por afetar o núcleo essencial dos direitos à saúde e à educação quanto da assim chamada proibição de retrocesso figuras que embora não se confundam guardam afinidade entre si e que foram desenvolvidas em itens próprios deste Curso para os quais remetemos para melhor compreensão por parte do leitor Possivelmente um dos principais argumentos defendido entre outros com impactante sustentação por Élida Graziane Pinto em diversas colunas do Conjur ao longo de 2016 vai no sentido de que ainda que a saúde e a educação não tenham sido diretamente formalmente afetadas tendo em conta a expressa disposição na EC 95 de que os pisos constitucionais devem ser respeitados eventual congelamento dos gastos por até vinte anos o mesmo poderá ocorrer com a reformatação do montante das receitas sobre as quais incidem os percentuais mínimos indica claramente um movimento regressivo ou melhor dizendo retrocessivo visto que o aumento da demanda e dos custos fatalmente em pouco tempo implicará redução dos investimentos do ponto de vista real Segundo a autora é essencial preservar pelo menos os investimentos em saúde e em educação do ponto de vista material Por outro lado consoante já foi objeto de nossa atenção quando falamos da proteção dos direitos sociais em face do legislador incluído aqui o poder de reforma da Constituição direitos sociais assim como os direitos fundamentais em termos gerais não são absolutos no sentido de blindados contra toda e qualquer limitação O problema portanto é aferir se e em que medida determinada limitação pode ou não ser tolerada do ponto de vista constitucional De acordo com a jurisprudência do STF uma restrição imposta por emenda constitucional necessariamente deverá manter a salvo o núcleo essencial do direito ou princípio objeto da restrição Ora de acordo com tal entendimento é possível sustentar que em sendo o caso de se configurar uma progressiva diminuição nos investimentos em saúde e educação em virtude da aplicação das regras veiculadas pela EC 95 os direitos à educação e à saúde poderão vir a ter o seu núcleo essencial colocado em sério risco visto que enquanto não atingidos os patamares minimamente suficientes para assegurar a todos pelo menos o mínimo existencial e uma posição competitiva em termos internacionais vale lembrar a péssima posição ocupada pelo Brasil nas diversas pesquisas o congelamento dos gastos e mesmo a proibição de seu aumento devem ser censurados por inconstitucionais O que chama a atenção ademais disso é a exclusão do teto de uma série de itens como é o caso de diversas empresas públicas gastos com a dívida pública entre outros Da mesma forma causa espécie a falta de implantação de medidas alternativas mais justas no que diz com a distribuição dos encargos pela população em especial para o financiamento de políticas de Estado impostas pela CF Tais medidas incluem a criação e regulamentação do imposto sobre grandes fortunas da tributação de lucros e dividendos de impostos progressivos e mais altos sobre a herança como ocorre nas grandes democracias inclusive nos EUA do corte das renúncias fiscais dentre tantas outras Isso por sua vez indica que naquilo em que poderá estrangular e mesmo condenar à redução de fato os gastos com saúde e educação portanto vindo assim a fraudar os respectivos pisos constitucionais de gastos a EC 95 viola também as exigências da proporcionalidade dada a existência de meios alternativos de promover o financiamento e controlar os gastos públicos sem com isso deixar de atender ao dever de progressividade em matéria de efetividade dos direitos econômicos sociais e culturais de acordo com o previsto no respectivo pacto da ONU ratificado pelo Brasil ao menos contudo sem deixar de respeitar a proibição de regressividade retrocesso que opera como garantia dos direitos sociais em face do legislador De todo modo os rumos tomados quanto aos pontos sumariamente elencados demonstram que o Estado Social e Democrático de Direito projetado e formatado pela CF de 1988 não tem sido levado a sério em especial pelos Poderes Legislativo e Executivo dada a manutenção e mesmo o agravamento dos níveis de desigualdade econômica e social especialmente quando disponíveis e mesmo constitucionalmente exigidas medidas e políticas que venham a corrigir tal estado de coisas Ademais disso não se poderia deixar de referir que mesmo os adeptos de uma interpretação liberal do ponto de vista econômico da CF em geral valemse de exemplos alienígenas de modo distorcido em especial considerando que mesmo países assumidamente liberais praticam uma política tributária mais justa como aliás já referido Já a EC 94 promulgada e publicada nas mesmas datas veio a alterar dispositivos constitucionais que versam sobre os precatórios chamando a atenção para o fato de que de acordo com a nova redação do art 100 2º as dívidas de caráter alimentar serão pagas com prioridade o que embora não necessariamente implique a indispensável rapidez no pagamento ao menos faz jus à necessária posição preferencial da garantia do mínimo existencial tal como afirmado na CF art 170 caput ao dispor que a ordem econômica tem por objetivo assegurar a todos uma vida com dignidade Por outro lado o instituto do precatório segue sendo um mecanismo burocratizado e lento e que deveria ser substituído ao menos para as dívidas de caráter alimentar que se enquadram na noção de direitos sociais em sentido ampliado por alternativas mais ágeis e eficazes por exemplo a instituição de um fundo gerido pelo Poder Judiciário para o repasse uma vez transitada em julgado a decisão dos recursos correspondentes De qualquer sorte as EC 94 e 95 particularmente a última seguirão sendo objeto de intensa polêmica tanto é que já está sendo mobilizada por ora no caso da EC 95 a propositura de ações diretas de inconstitucionalidade O que já se pode anunciar portanto é que mais uma vez caberá ao STF se pronunciar a respeito sem que se possa por ora antever eventual resultado mesmo à luz de precedentes daquela Corte Insta salientar que dispositivos incluídos pela referida EC 942016 foram recentemente alterados pela EC 992017 para instituir novo regime especial de pagamento de precatórios 415 Dos direitos sociais em espécie 4151 Considerações preliminares Tendo em conta o extenso leque de direitos sociais cumpre advertir que uma análise detalhada dos diversos direitos sociais consagrados no art 6º da CF não será aqui levada a efeito O objetivo pelo contrário é em traços gerais apresentar os principais aspectos relacionados à teoria e prática de cada direito social individualmente considerado com destaque para os direitos mais discutidos no que diz com o seu regime jurídicoconstitucional sem prejuízo da ampliação do leque de direitos individualmente comentados em futuras edições da obra Assim apenas serão apresentados alguns aspectos centrais relativos aos principais direitos sociais no caso os direitos à saúde à educação à moradia à alimentação ao lazer ao trabalho à assistência social e à previdência social Antes contudo importa lançar pelo menos algumas linhas sobre o que tem sido concebido como uma espécie de fio condutor da problemática dos direitos sociais no caso a garantia de um mínimo existencial 4152 O direito ao e a garantia do mínimo existencial como espécie de categoria transversal A vinculação dos direitos fundamentais sociais com o que se designou de uma garantia do mínimo existencial é considerada na atual quadra da evolução algo evidente embora a natureza e o grau de tal relação sejam objeto de controvérsia doutrinária e jurisprudencial No Brasil contudo a recepção da figura de um mínimo existencial na condição de direito e garantia fundamental ainda pode ser considerada relativamente recente conquanto o objetivo de uma existência digna já tenha sido precocemente consagrado no plano do direito constitucional positivo 738 A noção de um direito fundamental e portanto de uma garantia fundamental às condições materiais para uma vida com dignidade teve sua primeira importante elaboração dogmática na Alemanha do Segundo PósGuerra com Otto Bachof 739 para quem o princípio da dignidade da pessoa humana não reclamaria somente a garantia da liberdade mas também um mínimo de segurança social já que sem os recursos materiais para uma existência digna a própria dignidade ficaria sacrificada A tese foi inicialmente acolhida pelo Tribunal Federal Administrativo 740 e mais tarde pelo Tribunal Constitucional Federal consagrandose então um direito fundamental à garantia das condições mínimas para uma existência digna 741 Atualmente a doutrina alemã compreende que a garantia integra o conteúdo essencial do princípio do Estado Social de Direito constituindo uma de suas principais tarefas e obrigações 742 De outra parte o conteúdo do mínimo existencial é limitado por condições de espaço e tempo bem como implica diálogo com o padrão socioeconômico vigente 743 De qualquer modo a garantia efetiva de uma existência digna abrange de acordo com a compreensão prevalente mais do que a garantia da mera sobrevivência física situandose portanto além do limite da pobreza absoluta e não se reduzindo à mera existência física ou seja aquilo que alguns designam como mínimo existencial fisiológico mas alcançando também a garantia de um mínimo de integração social bem como acesso aos bens culturais e participação na vida política aspectos que dizem respeito a um mínimo existencial sociocultural 744 Tal linha de argumentação também tem sido privilegiada no direito brasileiro excetuada alguma controvérsia em termos de fundamentação liberal ou social do mínimo de existência e em relação a problemas quanto à determinação do seu conteúdo 745 Assim muito embora também na doutrina e jurisprudência constitucional brasileira não se possa falar da existência de unanimidade no que diz com a noção de um mínimo existencial a tendência amplamente majoritária converge no sentido de afirmar que o conteúdo do mínimo existencial ultrapassa a noção de um mínimo meramente vital ou de sobrevivência para resguardar não só a vida humana em si mas uma vida saudável 746 portanto uma vida com certa qualidade 747 Não se pode negligenciar que o princípio da dignidade da pessoa humana também implica uma dimensão sociocultural que não pode ser desconsiderada mas que constitui elemento nuclear a ser respeitado e promovido 748 razão pela qual determinadas prestações em termos de direitos culturais notadamente embora não de modo exclusivo no caso da educação fundamental deverão integrar o conteúdo do mínimo existencial 749 Em termos de fundamentação constitucional a ausência de explicitação da garantia e do direito ao mínimo existencial pela Constituição Federal é superada pela inserção da garantia de existência digna dentre os princípios e objetivos da ordem constitucional econômica art 170 caput da CF assim como pela via da proteção à vida e à dignidade da pessoa humana revelando a similaridade neste particular com o direito constitucional alemão e a fundamentação lá desenvolvida e acima referida De outra parte verificase que os direitos sociais em espécie como a assistência social a saúde a moradia a previdência social o salário mínimo acabam por abarcar certas dimensões do mínimo existencial ainda que não se reduzam a meras concretizações do mínimo existencial como aliás parece sustentar parcela da doutrina 750 Quanto a este ponto importa sublinhar que comungamos do ponto de vista de que os direitos fundamentais sociais não se reduzem ao mínimo existencial ou à dignidade humana conquanto as dimensões que densificam o mínimo existencial certamente guardem maior ou menor relação com o núcleo essencial de grande parte dos direitos sociais ainda mais se consideradas as peculiaridades e a extensão com que foram positivados pela Constituição Federal Em síntese embora o mínimo existencial esteja em contato com os diversos direitos sociais individualmente considerados e existam zonas de convergência quanto aos respectivos conteúdos âmbitos de proteção não se pode afirmar que o mínimo existencial equivale isto é se confunde com ao conteúdo essencial dos direitos sociais Aliás aplicase aqui embora as peculiaridades dos direitos sociais linha de argumentação similar à que se utiliza para a relação da dignidade da pessoa humana com o conteúdo essencial dos direitos fundamentais ambos guardam maior ou menor relação por vezes nenhuma mas não se confundem Aspecto digno de nota diz respeito ao questionamento sobre se a existência no âmbito da Constituição Federal de um extenso catálogo de direitos sociais em espécie que em geral cobre o conteúdo que usualmente se atribui ao mínimo existencial ainda mais quando se trata de uma compreensão ampliada na perspectiva de um mínimo existencial que abrange a dimensão sociocultural não torna este último desnecessário pelo menos no sentido de um direito social autônomo deduzido do regime e dos princípios assim como dos direitos fundamentais sociais expressamente positivados Não se pode olvidar neste contexto que na Alemanha onde o mínimo existencial foi objeto de construção e desenvolvimento doutrinário e jurisprudencial os direitos sociais não foram contemplados no texto da Lei Fundamental o que apenas serve para realçar ainda mais o questionamento A resposta a tal pergunta embora aqui não possa ser aprofundada pode ser formulada nos seguintes termos e desdobrada em dois argumentos principais por um lado assim como a dignidade da pessoa humana não se torna desnecessária e não deixa de ter autonomia em função da positivação de um extenso catálogo de direitos fundamentais também o mínimo existencial que como visto convive mas não se confunde com os direitos sociais não perde sua possível autonomia na arquitetura constitucional Além disso a noção de um mínimo existencial pode servir e tem servido de parâmetro para definir o alcance do objeto dos direitos sociais inclusive para a determinação de seu conteúdo exigível fornecendo portanto critérios materiais importantes para o intérprete e para o processo de concretização dos direitos sociais De qualquer modo percebese que a relação entre o mínimo existencial como aliás a própria noção de mínimo existencial e os direitos sociais exige permanente atenção e desenvolvimento por parte da doutrina e da jurisprudência constitucional Por outro lado assim como ocorre com os direitos fundamentais em geral também o direito ao mínimo existencial apresenta uma dupla dimensão defensiva e prestacional Nesse sentido o conteúdo do mínimo existencial deve compreender o conjunto de garantias materiais para uma vida condigna no sentido de algo que o Estado não pode subtrair ao indivíduo dimensão negativa e ao mesmo tempo algo que cumpre ao Estado assegurar mediante prestações de natureza material dimensão positiva Já no que concerne à forma de realização do mínimo existencial sobremodo quanto ao conteúdo das prestações materiais a doutrina e a jurisprudência estrangeiras afirmam que se trataria de incumbência precípua do legislador o estabelecimento da forma da prestação seu montante as condições para sua fruição etc restando aos tribunais decidir sobre o padrão existencial mínimo nos casos de omissão ou desvio de finalidade por parte dos órgãos legislativos muitas vezes sob o argumento de um direito deà igual proteção 751 Ao mesmo tempo consentem que a garantia de condições materiais mínimas à vida digna atua como limite à atividade legislativa conformadora vedando inclusive medidas normativas aquém desta fronteira 752 No que diz com a recepção do mínimo existencial no âmbito da jurisprudência brasileira destacase também aqui a atuação do STF que reconhece proteção ao mínimo existencial tanto na perspectiva de um direito de defesa quanto no que toca à sua vocação prestacional Como exemplo da primeira função ou seja de um direito à não afetação não intervenção podem ser referidas decisões relativas à proibição de confisco atos com efeito confiscatório 753 Embora não se trate da posição majoritária importa consignar a emblemática manifestação dos Ministros Eros Grau Celso de Mello e Carlos Britto quando por ocasião do julgamento do RE 4076888SP em 08022006 divergiram da maioria dos seus pares ao sustentar que a moradia é necessidade vital do trabalhador e de sua família cuidandose portanto de direito indisponível e não sujeito a expropriação via penhora embasada em contrato de fiança Já no que diz respeito à assim chamada dimensão positiva prestacional do direito ao mínimo existencial o STF tem consolidado o entendimento de que nesta seara incumbe ao Estado em primeira linha o dever de assegurar as prestações indispensáveis ao mínimo existencial de tal sorte que em favor do cidadão há que reconhecer um direito subjetivo portanto judicialmente exigível à satisfação das necessidades vinculadas ao mínimo existencial e portanto à dignidade da pessoa humana Sem que se tenha aqui a pretensão de avaliar se e em que medida o STF tem julgado de modo uniforme e mesmo coerente tais questões o fato é que pelo menos no que diz com o direito à saúde e o direito à educação no caso do direito à moradia não se registra julgado assegurando um direito subjetivo à construção de uma moradia digna por parte do Estado já são várias as decisões reconhecendo um dever de prestação inclusive em caráter originário ou seja não necessariamente dependente de prévia política pública ou previsão legal Nesse sentido adotando linha argumentativa similar e em parte idêntica à que foi esgrimida no bojo da conhecida ADPF 45 754 podem ser referidas em caráter meramente ilustrativo decisões que asseguram às crianças com menos de seis anos de idade o acesso gratuito a creches mantidas pelo Poder Público bem como entre outras uma série significativa de decisões assegurando prestações na área da saúde relativizando em favor da vida e da dignidade limitações de ordem organizacional orçamentária 755 Ainda sobre o conteúdo da garantia assinalese a impossibilidade de se determinar de forma prévia e de modo taxativo portanto no sentido de um rol fechado as posições subjetivas negativas e positivas correspondentes ao mínimo existencial O que compõe o mínimo existencial reclama portanto uma análise ou pelo menos a viabilidade de uma averiguação à luz das necessidades de cada pessoa e de seu núcleo familiar quando for o caso o que não afasta a possibilidade de se inventariar todo um conjunto de conquistas já sedimentadas e que em princípio e sem excluírem outras possibilidades servem como uma espécie de roteiro a guiar o intérprete e de modo geral os órgãos vinculados à concretização da garantia do mínimo existencial 756 O mínimo existencial como já sublinhado guarda relação com outros direitos sociais ainda que não necessariamente com todos e não da mesma forma 757 Por outro lado um direito ao mínimo existencial não tem o condão de substituir os direitos sociais expressamente positivados e constantes do elenco sem prejuízo de outros do art 6º da CF Somase a isso na esteira de posição que sustentamos já de há muito e já exposta acima que o mínimo existencial não poderá ser sequer equiparado ao núcleo essencial dos direitos fundamentais sociais pena de na prática correrse o risco de esvaziar a sua dos direitos em espécie autonomia e mesmo relevância embora possa servir de critério material para auxiliar na concretização do núcleo essencial que em maior ou menor medida guarda convergência com o mínimo essencial embora não sempre e para justificar decisões que imponham ao Estado obrigações positivas e negativas na esfera dos direitos sociais tal como já ilustrado acima É por tais razões que na sequência é dos direitos sociais em espécie que nos ocuparemos individualmente Pela sua relevância e pelo impacto no campo da produção doutrinária e jurisprudencial iniciamos pelo direito à saúde 4153 O direito à proteção e promoção da saúde É no âmbito do direito à saúde 758 que se manifesta de forma mais contundente a vinculação do seu respectivo objeto no caso da dimensão positiva tratase de prestações materiais na esfera da assistência médica hospitalar etc com o direito à vida e o princípio da dignidade da pessoa humana A despeito do reconhecimento de certos efeitos decorrentes da dignidade da pessoa humana mesmo após a sua morte o fato é que a dignidade atribuída ao ser humano é essencialmente da pessoa humana viva O direito à vida e no que se verifica a conexão também o direito à saúde assume no âmbito desta perspectiva a condição de verdadeiro direito a ter direitos constituindo além disso précondição da própria dignidade da pessoa humana 759 Para além da vinculação com o direito à vida o direito à saúde aqui considerado num sentido amplo encontrase umbilicalmente atrelado à proteção da integridade física corporal e psíquica do ser humano igualmente posições jurídicas de fundamentalidade indiscutível Em face do exposto já se vislumbra a razão pela qual precisamente no caso do direito à saúde merece tanto destaque a circunstância comum em termos gerais mas com significativas variações a outros direitos fundamentais como é o caso da moradia do ambiente dentre tantos tão bem lembrada por João Loureiro no sentido de que a saúde é um bem fortemente marcado pela interdependência com outros bens e direitos fundamentais apresentando de tal sorte zonas de sobreposição com esferas que são autonomamente protegidas como é o caso da vida integridade física e psíquica privacidade educação ambiente moradia alimentação trabalho dentre outras 760 Consagrado no art 6º de nossa Constituição é no art 196 e ss que o direito à saúde encontrou sua maior concretização em nível normativoconstitucional para além de uma significativa e abrangente regulamentação normativa na esfera infraconstitucional com destaque para as leis que dispõem sobre a organização e os benefícios do SUS e o fornecimento de medicamentos 761 Mesmo assim basta uma leitura superficial dos dispositivos pertinentes arts 196 a 200 para que se perceba que nos encontramos em verdade no que diz com a forma de positivação tanto em face de uma norma definidora de direito direito à saúde como direito subjetivo de todos portanto de titularidade universal quanto diante de normas de cunho impositivo de deveres e tarefas pois o art 196 enuncia que a saúde é direito de todos e dever do Estado além de impor aos poderes públicos uma série de tarefas nesta seara como a de promover políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos além de estabelecer o acesso universal e igualitário às ações e prestações nesta esfera 762 Num segundo momento a Constituição remete a regulamentação das ações e serviços de saúde ao legislador art 197 além de criar e fixar as diretrizes do sistema único de saúde art 198 oportunizando a participação em nível complementar da iniciativa privada na prestação da assistência à saúde art 199 bem como estabelecendo em caráter exemplificativo as atribuições nos termos da lei que competem ao sistema único de saúde art 200 Uma das grandes dificuldades com as quais nos deparamos diz respeito à tarefa de identificar quais os efeitos que podem ser extraídos das normas constitucionais que conformam o direito à saúde Além disso resulta problemático estabelecer os contornos do que constitui o objeto do direito à saúde e os seus limites objetivos e subjetivos Especialmente controversa embora a farta jurisprudência nesta seara segue sendo a discussão em torno da possibilidade do reconhecimento de um direito subjetivo individual ou coletivo a prestações na área da saúde Além disso assume relevo também aqui o questionamento a respeito do limite da prestação reclamada do particular perante o Estado Em outras palavras cuidase de saber se os poderes públicos são devedores de um atendimento global toda e qualquer prestação na área da saúde e independentemente deste aspecto qual o nível dos serviços a serem prestados Em suma perguntase se o particular qualquer um ou apenas os que comprovarem carência de recursos para manutenção de um plano de saúde privado poderá ter acesso por exemplo além de aos serviços essenciais na esfera médica a atendimento odontológico psicológico serviços de fisioterapia etc Ademais será o Estado obrigado a prestar saúde de acordo com padrões mínimos suficientes em qualquer caso para assegurar a eficácia das prestações ou terão os particulares direito a serviços gratuitos da melhor qualidade equipamento de última geração quarto privativo em hospitais etc Cuidase também neste particular do clássico dilema do Estado Social no que concerne às suas funções precípuas isto é se deve limitarse à tarefa de assegurar um patamar mínimo em prestações materiais destinadas a promover a igualdade material no sentido de uma igualdade de oportunidades ajuda para a autoajuda ou se deve a despeito da efetiva possibilidade de alcançar tal objetivo almejar um padrão ótimo nesta seara 763 Por mais que os poderes públicos como destinatários precípuos de um direito à saúde venham a opor além da já clássica alegação de que o direito à saúde a exemplo dos direitos sociais prestacionais em geral foi positivado como norma de eficácia limitada os habituais argumentos da ausência de recursos e da incompetência dos órgãos judiciários para decidirem sobre a alocação e destinação de recursos públicos não nos parece que esta solução possa prevalecer ainda mais nas hipóteses em que está em jogo a preservação do bem maior da vida humana O que se pretende realçar por ora é que principalmente no caso do direito à saúde o reconhecimento de um direito originário a prestações no sentido de um direito subjetivo individual ou mesmo coletivo a depender do caso a prestações materiais ainda que limitadas ao estritamente necessário para a proteção da vida humana diretamente deduzido da Constituição constitui exigência inarredável da própria condição do direito à saúde como direito fundamental ou seja como trunfo contra a maioria muito embora com isso não se esteja a sustentar que o direito à saúde possa ser considerado como um direito ilimitado a qualquer tipo de prestação estatal 764 Considerando o exposto convém registrar que se a posição adotada é de fato em prol do reconhecimento no caso concreto e a depender das circunstâncias até mesmo de um direito originário a prestações na esfera da saúde não se está a chancelar aqui pelo menos não automaticamente a tese da gratuidade absoluta dos serviços públicos de saúde no sentido de uma impossibilidade de qualquer tipo de cobrança pelo uso do sistema público de saúde Ao contrário do que pretende expressiva doutrina 765 não há como deduzir pelo menos não de modo cogente do princípio da universalidade um princípio da gratuidade do acesso visto que acesso igualitário e universal como expressamente enuncia o art 196 da CF não se confunde pelo menos não necessariamente com um acesso totalmente gratuito e isso por mais de uma razão Em primeiro plano a garantia do direito à saúde para todos universalidade e em igualdade de condições acesso igualitário não se identifica com os benefícios no âmbito da assistência social prestação completamente desvinculada de qualquer contraprestação específica por parte do beneficiário nos termos expressos pela Constituição Federal Além disso o que a Constituição assegura é que todos tenham em princípio as mesmas condições de acessar o sistema público de saúde mas não que qualquer pessoa em qualquer circunstância tenha um direito subjetivo definitivo a qualquer prestação oferecida pelo Estado ou mesmo a qualquer prestação que envolva a proteção de sua saúde Considerando que a própria Constituição autoriza a existência de sistemas privados de prestação de serviços de saúde pagos diretamente pelas pessoas que a estes sistemas resolvem aderir além do fato de cada vez mais vozes sustentarem que o particular que contribui para plano de saúde privado não poderá ser atendido pelo SUS já se vislumbra que a gratuidade em qualquer caso se revela como questionável 766 Seguindo esta linha argumentativa não se poderá olvidar que o princípio da proporcionalidade também opera nesta esfera de modo que se pode questionar o quanto se afigura como proporcional e até mesmo razoável que um particular que disponha de recursos suficientes para financiar um bom plano de saúde privado sem o comprometimento de um padrão digno de vida para si e sua família e sem prejuízo portanto do acesso a outros bens fundamentais como educação moradia etc possa acessar sem qualquer tipo de limitação ou condição o sistema público de saúde nas mesmas condições que alguém que não esteja apto a prover com recursos próprios a sua saúde pessoal O simples argumento de que quem contribui impostos já está a pagar pelo acesso à saúde pública não pode vingar no contexto de uma sociedade acentuadamente desigual e onde a maioria da população se encontra na faixa isenta de imposto sobre a renda Em termos de direitos sociais e neste caso existenciais básicos a efetiva necessidade haverá de ser um parâmetro a ser levado a sério juntamente com os princípios da solidariedade e da proporcionalidade Assim a conexão entre o princípio da isonomia que impõe um tratamento desigual aos desiguais compreendido por óbvio na sua perspec tiva substancial e o princípio da proporcionalidade operante não apenas pelo prisma do Estado e da sociedade mas também pelo prisma do indivíduo no sentido daquilo que este pode esperar do Estado revela que no mínimo o tema da gratuidade do acesso à saúde que não constitui a regra no direito comparado merece ser cada vez mais discutido como de resto já vem ocorrendo em parte da doutrina e até mesmo na esfera jurisprudencial 767 Ainda nessa perspectiva e para ilustrar vale lembrar que no concernente ao fornecimento de medicamentos pelo Poder Público embora não se cuide de matéria afeta ao SUS a própria legislação que à evidência sempre poderá ser questionada quanto à sua legitimidade constitucional já exige a prova prévia da carência no sentido socioeconômico por parte do cidadão como pressuposto para a concessão da prestação almejada como dá conta no plano estadual a Lei 9908 de 16061993 do Rio Grande do Sul que dispõe sobre o fornecimento gratuito de medicamentos excepcionais àqueles que demonstrarem a insuficiência de recursos para aquisição dos medicamentos 768 Além disso importa registrar que o tópico ora problematizado que diz com a legitimidade para pleitear em face do Estado uma prestação de natureza social na condição de direito subjetivo positivo assume relevo também no caso de outros direitos sociais como é o caso da assistência social que independe de uma direta contraprestação do beneficiário e do direito ao ensino público gratuito apenas para ficar nos exemplos mais corriqueiros Ainda no concernente à questão da gratuidade das prestações sociais não se desconhece a objeção de Flávio Galdino no sentido de que inexiste de fato direito gratuito 769 já que todos os direitos fundamentais possuem um custo Todavia se é verdade que não existe direito propriamente gratuito já que toda e qualquer prestação de natureza pública mesmo fornecida por delegação pressupõe o financiamento pela sociedade isso não significa que se haverá de impor um ônus direto e específico a todo aquele que pretender usufruir uma prestação pena de uma negativa de prestação até mesmo pelo fato de que em regra terá havido contraprestação pessoal no mínimo por meio de tributos indiretos ou à luz do princípio da solidariedade e da distribuição proporcional dos benefícios e encargos um financiamento por parte de terceiros o que nos remete ao tema correlato da justiça fiscal e do modo de financiamento do sistema de prestações sociais e portanto em larga medida dos direitos sociais temática que refoge aos limites da presente investigação 770 De qualquer sorte saudável a preocupação do autor também compartilhada neste ponto com a eficiente e proba prestação estatal e com a necessidade de maximizar os recursos para melhor atender às necessidades da população Neste contexto é possível referir que existem situações drásticas que exigem em prol do direito fundamental à saúde medidas excepcionais em relação aos gastos públicos como ocorreu mediante a edição da Emenda Constitucional n 1062020 que instituiu um regime extraordinário fiscal financeiro e de contratações para enfrentamento da calamidade pública decorrente da pandemia do novo coronavírus De qualquer sorte sabese que o tema é complexo e apresenta diversas variáveis a serem consideradas e equacionadas já que à evidência embora não se trate de exigência constitucional direta e expressa a opção legislativa pela gratuidade do acesso ao SUS não poderá ser tida como inconstitucional O que está em causa é a busca pelo aperfeiçoamento do modelo adotado para tornálo mais eficaz para o maior número de pessoas Além disso não se pode desprezar a objeção de muitos quanto a uma eventual participação direta do cidadão a depender da renda e do serviço no financiamento do SUS de que se corre o risco de criar um sistema público discriminatório entre os que pagam e os que não pagam De qualquer sorte tais questões demandam atenção que aqui não poderá ser dada e em primeira linha devem ser decididas na esfera política Isso não significa contudo que mesmo nessa seara já não se registrem casos levados ao Judiciário envolvendo até mesmo as relações entre o SUS e os planos de saúde privados como se verifica na hipótese da assim chamada diferença de classe em que o STF no Recurso Extraordinário 581488 rel Min Dias Toffoli j 03122015 decidiu ser constitucional a regra que veda ao paciente internado pelo SUS a possibilidade de melhora do tipo de acomodação recebida mas também atendimento médico mediante o pagamento de alguma diferença Outro ponto crucial vinculado ao direito à saúde mas também a outras prestações na esfera do que se pode designar de um mínimo existencial é o do fornecimento de bens e serviços essenciais pelo Poder Público ou por sua delegação como é o caso do saneamento básico incluindo especialmente o acesso às fontes de água potável 771 e do fornecimento de energia elétrica772 de resto crucial ponto de contato entre o direito público e privado do que dá conta especialmente a inserção da matéria no Código de Defesa do Consumidor 773 Que se cuida de prestações indispensáveis para qualquer pessoa resulta inquestionável de tal sorte que não se deveria em princípio questionar que se está diante de bens jusfundamentais assegurados direta ou indiretamente pela ordem constitucional De outra parte também no que diz com tal tipo de prestações assumem relevo as objeções já apontadas em relação à eficácia dos direitos sociais como direitos subjetivos a prestações e portanto sua exigibilidade judicial o que inclui o igualmente referido problema da gratuidade destas prestações e da garantia como ocorre no caso de vários medicamentos e serviços na área de saúde da sua continuidade por mais que se trate de prestações que envolvem uma contraprestação por parte do beneficiário A despeito das considerações já referidas na parte geral dos direitos sociais onde desenvolvemos o tópico de sua eficácia e efetividade quanto ao direito à saúde e sua exigibilidade pela via judicial importa frisar que após uma postura inicial mais contida mesmo os Tribunais Superiores com destaque aqui para o STF passaram a reconhecer a saúde como direito subjetivo e fundamental exigível em juízo e não mais como direito enunciado de modo eminentemente programático 774 Embora o Brasil juntamente com a Colômbia e alguns outros países ocupe seguramente uma posição de destaque no que diz com o número e a diversidade de ações judiciais na área do direito à saúde e mesmo em termos do número de condenações impostas ao Poder Público a assim chamada judicialização da saúde representa fenômeno em escala mundial o que convém seja registrado ainda que aqui não se possa adentrar no exame de outras experiências nessa seara 775 Não sendo o caso aqui de apresentar um inventário minucioso da jurisprudência do STF sobre o direito à saúde e o sistema de saúde como um todo aproveitamos contudo para referir em caráter ilustrativo mas representativo da orientação atualmente prevalente o julgamento da STA 175 em março de 2010 776 Neste caso embora não se tenha tratado de decisão final já que proferido em sede de suspensão de tutela antecipada confirmando decisão precária das instâncias ordinárias foram revisitados agregados e sistematizados importantes argumentos e critérios no que diz com a exigibilidade do direito à saúde como direito subjetivo Em síntese podem ser destacados os seguintes pontos a o direito à saúde na condição de direito subjetivo assume uma dupla dimensão individual e coletiva transindividual cabível portanto sua tutela jurisdicional individual inclusive mediante ação proposta pelo Ministério Público cuidandose de direito individual indisponível b a responsabilidade do Estado é solidária abrangendo todos os entes da Federação 777 c embora em regra o objeto do direito à saúde deva ser estabelecido pelos órgãos politicamente legitimados Legislativo e Executivo no sentido de que aos cidadãos é assegurado um acesso igualitário e universal às prestações disponibilizadas pelo SUS em caráter excepcional notadamente quando em causa o direito à vida com dignidade o Estado tem o dever de disponibilizar os bens e serviços correspondentes d a desproporcional afetação do sistema de saúde e o comprometimento da ordem pública inclusive das diversas dimensões da reserva do possível devem ser demonstrados pelo Poder Público e há que distinguir entre medicamento novo e experimental no sentido de que novo é o medicamento já liberado para comercialização e devidamente testado no país de origem ao passo que medicamentos experimentais são os que ainda se encontram em fase de testes protocolos de pesquisa e não liberados para venda A partir de tal distinção o STF entendeu que o medicamento novo ainda que não tenha sido aprovado pela Anvisa ou inserido na lista pelas autoridades da área da saúde nacionais poderá em caráter excepcional v item c supra ser concedido mediante ação judicial vedada todavia a imposição do fornecimento de medicamento experimental até mesmo pelo fato de não haver certeza quanto à segurança para o próprio autor da demanda Aliás especialmente quanto ao critério acima referido distinção entre medicamento novo e experimental e à necessidade em regra de análise e autorização pela ANVISA calha invocar recente e paradigmática decisão do STF ADI 5501 MCDF rel Min Marco Aurélio medida liminar julgada em 19052016 e confirmada quando do julgamento do mérito em 26102020 suspendendo em sede de liminar e por maioria de votos a eficácia da Lei 132692016 que autoriza o uso do medicamento fosfoetanolamina a assim chamada pílula do câncer como ficou difundido pelos meios de comunicação por pacientes diagnosticados com neoplasia maligna a despeito da inexistência de estudos conclusivos no tocante aos efeitos colaterais em seres humanos bem como da ausência de registro sanitário perante o órgão competente No caso o medicamento referido quando de sua dispensação anterior com base em decisão monocrática anterior do STF e uma série de decisões judiciais nas instâncias ordinárias sequer estava sendo testado com base nos protocolos oficiais para pesquisas em seres humanos e de certo modo não poderia ser designado propriamente de experimental no sentido técnico do termo contrariando de tal sorte os próprios precedentes do STF designadamente a STA 175 já referida Convém sublinhar que tal orientação em termos gerais no que diz com a excepcionalidade da imposição ao Poder Público de prestações em especial medicamentos não previstas no sistema de políticas públicas já praticadas com destaque para a legislação do SUS tem sido mantida pelo STF que segue sendo constantemente provocado a se posicionar sobre o tema como dão conta os julgamentos do RE 566471RN Relator Ministro Marco Aurélio bem como do RE 657718MG igualmente relatado pelo Ministro Marco Aurélio Em ambos os casos foi reconhecida a Repercussão Geral das matérias discutidas designadamente a possibilidade de se obrigar o Poder Público pela via judicial a dispensar medicamentos de alto custo para doenças raras não incorporadas à lista correspondente elaborada pelo Ministério da Saúde e veiculada mediante Portaria RE 566471RN e medicamentos não aprovados e registrados pela ANVISA RE 657718MG No primeiro recurso RE 566471 cujo julgamento ainda não foi concluído o Relator Ministro Marco Aurélio considerou que de modo a ser possível obrigar o Poder Público a prover medicamentos de alto custo não incorporados ao sistema do SUS devem estar presentes os requisitos da indispensabilidade do medicamento e da incapacidade financeira do autor e de sua família pois há de ser demonstrado que em causa está a garantia do mínimo existencial o que exige além disso a demonstração da efetiva necessidade e impossibilidade de custeio pelo requerente ou familiares em termos analógicos ao da obrigação alimentar civil em homenagem ao princípio e dever de solidariedade Ainda de acordo com o Relator no caso concreto tais requisitos foram atendidos mas ressaltou que em regra a intervenção do Poder Judiciário nas políticas públicas deve ser mínima e excepcional Já o Ministro Roberto Barroso em votovista desproveu o recurso pelo fato de no curso da ação o medicamento ter sido aprovado pela ANVISA e incorporado à lista de medicamentos do SUS mas frisou que no caso de medicamentos não incorporados ao sistema deverá ser observado rigorosamente para manter o caráter excepcional de tal tipo de situações um conjunto de critérios materiais e procedimentais Por sua vez o Ministro Edson Fachin deu parcial provimento ao RE entendendo ser procedente a alegação do Estadomembro no sentido de que não poderia ser condenado a custear sozinho o medicamento sendo necessário que a União integre o polo passivo Ademais disso além de sugerir critérios em parte distintos e complementares daqueles sugeridos pelos Ministros que o antecederam propôs que fossem preservados os efeitos das decisões prolatadas pelas instâncias ordinárias que versem sobre questão constitucional submetida à Repercussão Geral inclusive as sobrestadas até a data do respectivo julgamento do mérito ainda não concluído Já no julgamento do RE 657718MG Relator originário Ministro Marco Aurélio Redator Ministro Roberto Barroso julgado em 22052019 esteve em causa a possibilidade de o Poder Público ser compelido ao fornecimento de medicamentos não previamente aprovados pela ANVISA Em apertada síntese por maioria de votos 778 o STF decidiu que 1 O Estado não pode ser obrigado a fornecer medicamentos experimentais 2 A ausência de registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária Anvisa impede como regra geral o fornecimento de medicamento por decisão judicial 3 É possível excepcionalmente a concessão judicial de medicamento sem registro sanitário em caso de mora irrazoável da Anvisa em apreciar o pedido prazo superior ao previsto na Lei 134112016 quando preenchidos três requisitos i a existência de pedido de registro do medicamento no Brasil salvo no caso de medicamentos órfãos para doenças raras e ultrarraras ii a existência de registro do medicamento em renomadas agências de regulação no exterior e iii a inexistência de substituto terapêutico com registro no Brasil 4 As ações que demandem fornecimento de medicamentos sem registro na Anvisa deverão necessariamente ser propostas em face da União Notese ainda que de acordo com o STF no mesmo julgamento em se tratando de doenças raras e ultrarraras é possível em caráter excepcional que o Estado seja com pelido a fornecer o medicamento independentemente do registro porquanto tam bém se verifica em muitos casos que o laboratório não tem interesse comercial em pedir o registro No mesmo sentido calha ainda referir a decisão proferida no RE 1165959SP rel Min Marco Aurélio j 08072021 no qual restou fixada a seguinte tese Cabe ao Estado fornecer em termos excepcionais medicamento que embora não possua registro na ANVISA tem a sua importação autorizada pela agência de vigilância sanitária desde que comprovada a incapacidade econômica do paciente a imprescindibilidade clínica do tratamento e a impossibilidade de substituição por outro similar constante das listas oficiais de dispensação de medicamentos e os protocolos de intervenção terapêutica do SUS À vista do exposto verificase consoante já sinalizado que mesmo com os avanços já alcançados no concernente a uma especificação maior e mesmo alguma sofisticação dos critérios adotados na esfera das decisões judiciais no Brasil quando em causa a exigibilidade pela via judicial de prestações estatais em matéria de saúde existem outros parâmetros propostos na esfera doutrinária para o que se remete à parte geral dos direitos sociais Por outro lado é no campo do direito à saúde em função da natureza do próprio direito e de sua relevância para a vida e dignidade humana mas especialmente em virtude do impacto das decisões sobre o sistema de políticas públicas e o orçamento público sem prejuízo de outros aspectos de relevo que se verifica ser mais aguda a controvérsia em torno da exigibilidade dos direitos sociais e de sua dupla dimensão obje tiva e subjetiva notadamente quanto aos efeitos jurídicos que dela decorrem Ainda nesse contexto importa consignar que os critérios que têm sido estabelecidos pelo STF assegurando em princípio uma orientação mais sólida para os demais Juízes e Tribunais tornando suas decisões em geral mais solidamente fundamentadas previsíveis e controláveis o que por si só já representa um ganho substancial não necessariamente implicam redução do número de ações e mesmo afastam a correção de parte das críticas que têm sido esgrimida em relação à assim chamada judicialização da saúde Assim apenas para ilustrar o ponto é possível afirmar que o manejo do parâmetro do mínimo existencial ainda deixa em aberto a pergunta sobre quem é o ator estatal legitimado para decidir sobre o seu conteúdo em especial quando se cuida de conceito tão aberto De outra parte não fica resolvido o problema do impacto econômico do financiamento de medicamentos de alto custo que representa mais do que 80 do volume de recursos investidos com demandas judiciais em matéria de prestações de saúde que têm por objeto o fornecimento de fármacos Mesmo que não se eleve tal circunstância a uma barreira intransponível para a atuação do Poder Judiciário o que se considera correto em primeira linha ainda é de se ter em conta o fato de que o aumento da desigualdade de renda e queda de poder aquisitivo eventual queda na arrecadação de recursos pelo Estado a ausência de incorporação de medicamentos de eficácia superior aos constantes da lista do Ministério da Saúde entre outros fatores não necessariamente diminuirão o número de ações judiciais Portanto não apenas é possível como soa até provável que em se aplicando os critérios acima colacionados o que deveria ser segundo o STF a exceção possa vir a ser menos excepcional Registrese ainda que as objeçõescríticas referidas não afastam segundo o nosso entendimento a possibilidade de se pleitear em Juízo a satisfação de bens e serviços destinados a salvaguardar o direito à saúde mesmo nos casos de medicamentos não incorporados ao SUS eou não aprovados pela ANVISA mas apontam para a necessidade de contínua reflexão e aperfeiçoamento de critérios e instrumentos De especial relevância são medidas de todos os atores públicos mas também da sociedade civil destinadas a combater a má governança incluindo a corrupção o desperdício a falta de racionalização e de planejamento o adequado financiamento a falta de informações adequadas e de transparência entre outros fatores sem o que uma efetividade desejável do direito à saúde aliás de todos os direitos fundamentais não será jamais com ou sem atuação do Poder Judiciário alcançada 4154 O direito à alimentação O direito à alimentação foi recentemente incorporado ao caput do art 6º da CF por intermédio da EC 64 de 04022010 Tal inovação constitucional sedimentou o reconhecimento do direito à alimentação como direito fundamental social integrante do nosso sistema constitucional Do ponto de vista material mesmo antes da positivação formal do direito à alimentação no art 6º da CF já seria adequado o seu reconhecimento como integrante do nosso catálogo de direitos fundamentais por força da indivisibilidade dos direitos fundamentais da abertura material do catálogo de direitos prevista no art 5º 2º da CF na condição de direito humano consagrado em tratado internacional ratificado pelo Brasil é o caso do Pacto Internacional de Direitos Econômicos Sociais e Culturais de 1966 Ainda no que diz com a justificação constitucional do direito à alimentação esse já constava no texto da CF como parte das necessidades a serem atendidas pelo salário mínimo art 7º IV da CF ou seja das necessidades vitais básicas ao lado da moradia educação saúde lazer vestuário higiene transporte e previdência social Portanto a inserção do direito à alimentação no art 6º da CF resultou na incorporação apenas formal de tal direito ao nosso texto constitucional uma vez que materialmente ele já tinha sede constitucional como direito fundamental decorrente do regime e dos princípios da Constituição Federal designadamente do direito à vida direito à saúde dignidade da pessoa humana e da noção de uma garantia do mínimo existencial Ainda no tocante à perspectiva da indivisibilidade e interdependência dos direitos fundamentais não restam dúvidas a respeito da impossibilidade de o indivíduo desfrutar dos seus direitos fundamentais civis políticos sociais e culturais sem o acesso à alimentação adequada na sua jornada de vida cotidiana Talvez o exemplo mais elucidativo do que se está a afirmar esteja na merenda escolar servida às crianças e adolescentes nos estabelecimentos de ensino público Sem uma refeição nutritiva o aprendizado delas resultará sobremaneira limitado senão mesmo inviabilizado e por consequência toda a cadeia de direitos fundamentais restará comprometida e violada O mesmo ocorreria em questões envolvendo situações de subnutrição e mesmo de fome crônica implicando violação do direito à saúde e do direito à integridade física Em casos mais extremos a ausência ou precariedade da alimentação coloca em risco o próprio direito à vida Por tal razão o acesso à alimentação adequada como direito do indivíduo e da coletividade e dever do Estado conforma de modo bastante expressivo a ideia em torno da interde pendência e indivisibilidade dos direitos fundamentais e humanos sendo pré requisito para o desfrute de uma vida digna e saudável 779 No âmbito do direito internacional dos direitos humanos o direito à alimentação 780 tomou assento definitivo desde a Declaração Universal dos Direitos Humanos 1948 resultando consignado no seu art XXV n 1 ao dispor que toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bemestar inclusive alimentação vestuário habitação cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis o direito à segurança em caso de desemprego doença invalidez viuvez velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência fora de seu controle Também o art 11 n 1 do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos Sociais e Culturais 1966 reproduzindo em parte o dispositivo da Declaração da ONU já citado consagrou o direito à alimentação ao delinear o direito a um nível de vida adequado asseverando que os Estadospartes no presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa a um nível de vida adequado para si próprio e para sua família inclusive à alimentação vestimenta e moradia adequadas assim como uma melhoria contínua de suas condições de vida Os Estadospartes tomarão medidas apropriadas para assegurar a consecução desse direito reconhecendo nesse sentido a importância essencial da cooperação internacional fundada no livre consentimento Ainda na perspectiva do Sistema Global de Proteção dos Direitos Humanos registrase a Convenção sobre os Direitos das Crianças 1989 notadamente sobre a responsabilidade dos Estados de tomar medidas para combater a desnutrição infantil e assegurar o direito à saúde das crianças Sobre o tema dispõe o seu art 24 n 2 c como dever estatal combater as doenças e a desnutrição dentro do contexto dos cuidados básicos de saúde mediante inter alia a aplicação de tecnologia disponível e o fornecimento de alimentos nutritivos e de água potável tendo em vista os perigos e riscos da poluição ambiental 781 No Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos o principal diploma normativo a tratar da questão é o Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos Sociais e Culturais 1989 Protocolo de San Salvador ao consagrar em dispositivo específico sobre o direito à alimentação art 12 1 Toda pessoa tem direito a uma nutrição adequada que assegure a possibilidade de gozar do mais alto nível de desenvolvimento físico emocional e intelectual 2 A fim de tornar efetivo esse direito e de eliminar a desnutrição os Estadospartes comprometemse a aperfeiçoar os métodos de produção abastecimento e distribuição de alimentos para o que se comprometem a promover maior cooperação internacional com vistas a apoiar as políticas nacionais sobre o tema Há de tal sorte um regime normativo internacional tanto sob o plano global quanto regional interamericano 782 consolidado gradativamente após a Segunda Guerra Mundial o que serviu sobremaneira como fonte para que os sistemas constitucionais acompanhassem tal evolução norma tiva e incorporassem o direito à alimentação nas suas legislações nacionais como o fez recentemente a Constituição Federal No plano infraconstitucional merece registro a Lei 11346 de 15092006 que cria o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional com vistas a assegurar o direito humano à alimentação adequada É importante ressaltar que tal diploma legislativo antecipou a própria modificação constitucional ocorrida somente em 2010 reconhecendo no seu texto o direito à alimentação adequada como direito fundamental De acordo com o art 2º da referida lei a alimentação adequada é direito fundamental do ser humano inerente à dignidade da pessoa humana e indispensável à realização dos direitos consagrados na Constituição Federal devendo o Poder Público adotar as políticas e ações que se façam necessárias para promover e garantir a segurança alimentar e nutricional da população De modo a complementar tal conceito merece registro o disposto no art 3º ao pontuar que a segurança alimentar e nutricional consiste na realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade em quantidade suficiente sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental cultural econômica e socialmente sustentáveis O último dispositivo analisado aponta para a questão da qualidade e da quantidade dos alimentos de modo a atender satisfatoriamente às necessidades básicas do indivíduo e em última instância proporcionar condições para o seu pleno desenvolvimento em um quadrante normativo de dignidade e salubridade Outro aspecto importante contido no texto normativo analisado diz respeito à abordagem da matéria sob a perspectiva da indivisibilidade dos direitos fundamentais liberais sociais e ecológicos inclusive como já destacado anteriormente o que pode ser facilmente identificado no art 2º 1º do mesmo diploma ao dispor que a adoção dessas políticas e ações deverá levar em conta as dimensões ambientais culturais econômicas regionais e sociais Importa destacar ainda no que diz com o estatuto legislativo aqui sumariamente apresentado a previsão de deveres de proteção do Estado em matéria alimentar Com efeito de acordo com o art 2º 2º é dever do Poder Público respeitar proteger promover prover informar monitorar fiscalizar e avaliar a realização do direito humano à alimentação adequada bem como garantir os mecanismos para sua exigibilidade Tal dispositivo em sintonia com o regime jurí dicoconstitucional dispensado aos direitos fundamentais em geral mais especialmente na perspectiva dos direitos sociais aponta para o imperativo estatal de promover políticas públicas suficientes em matéria alimentar de modo a assegurar o desfrute do direito em questão erradicando a fome e garantindo o acesso de todos a alimentos adequados ao seu desenvolvimento saudável e bemestar No tocante à eficácia do direito à alimentação cumpre salientar que a sua intensidade normativa se verifica de modo contundente nas situações de extrema pobreza e vulnerabilidade social o que ocorre por exemplo em situações de subnutrição infantil ainda hoje verificada em várias regiões do País Como referido anteriormente é a dignidade e a vida de tais indivíduos que se encontram em situação de violação dado ser a alimentação adequada elementar a tais direitos Por tal razão cabível o controle judicial de políticas públicas voltadas a assegurar aos indivíduos e grupos sociais vulneráveis o acesso à alimentação adequada bem como no limite até mesmo a possibilidade de reconhecer posições subjetivas originárias Com efeito não se questiona seriamente que o direito à alimentação integra o conteúdo do direitogarantia ao mínimo existencial integrando por assim dizer o núcleo intangível da dignidade da pessoa humana 783 Como se percebe a partir da teia normativa internacional constitucional e legal apresentada em caráter sumário o direito à alimentação como direito humano e fundamental integra o catálogo constitucional compartilhando com particular intensidade à vista da relevância de uma alimentação saudável para a própria vida humana do pleno regime jurídico dos direitos fundamentais inclusive a sua condição de direitos exigíveis no âmbito da dimensão subjetiva dos direitos fundamentais sociais 4155 O direito à moradia Nada obstante anteriores referências ao longo do texto constitucional na sua redação original o direito à moradia só veio a ser positivado expressamente com a EC 26 de 14022000 transcorridos pois doze anos da promulgação da Constituição Federal o que em parte é atribuído às resistências do Brasil em relação a diversos aspectos regulados pelos instrumentos internacionais concernentes à moradia 784 Isso não impediu que já se viesse defendendo o reconhecimento de um direito fundamental implícito à moradia como consequência da proteção à vida e à dignidade humana já que vinculado à garantia das condições materiais básicas para uma vida com dignidade e com certo padrão de qualidade consoante aliás ocorreu por parte do Conselho Constitucional da França 785 Hoje contudo não há mais dúvidas de que o direito à moradia é um direito fundamental autônomo de forte conteúdo existencial considerado por alguns até mesmo um direito de personalidade pelo menos naquilo em que vinculado à dignidade da pessoa humana e às condições para o pleno desenvolvimento da personalidade 786 não se confundindo com o direito à e de propriedade já que se trata de direitos distintos 787 Se o texto constitucional não traz parâmetros explícitos quanto à definição do conteúdo do direito à moradia cumpre registrar o esforço legislativo e jurisprudencial no sentido de recepcionar e em alguns casos adequar ao contexto interno os critérios materiais desenvolvidos no âmbito do sistema internacional como dão conta os exemplos da segurança jurídica da posse a disponibilidade de infraestrutura básica capaz de assegurar condições de habitabilidade o acesso a serviços essenciais e o respeito às peculiaridades locais inclusive em termos de identidade e diversidade cultural da população como propõem os órgãos da Organização das Nações Unidas ONU 788 De qualquer sorte a definição do conteúdo concreto do direito à moradia não poderá prescindir da relação estreita com o princípio da dignidade humana e com a garantia de padrões qualitativos mínimos a uma vida saudável tudo a revelar a importância também neste contexto dos critérios vinculados ao mínimo existencial numa perspectiva afinada com os parâmetros internacionais 789 Como os demais direitos fundamentais o direito social à moradia abrange um complexo de posições jurídicas objetivas e subjetivas de natureza negativa direito de defesa e positiva direito a prestações Na condição de direito de defesa negativo o direito à moradia impede que a pessoa seja privada arbitrariamente e sem alternativas de uma moradia digna por ato do Estado ou de outros particulares Nesse contexto destacase a legislação que proíbe a penhora do chamado bem de família como tal considerado o imóvel que serve de moradia ao devedor e sua família Lei 80091990 art 3º a cujo respeito existem inúmeras decisões judiciais inclusive no âmbito do Superior Tribunal de Justiça das quais boa parte favorável à proteção do direito à moradia 790 Nessa seara um caso bastante polêmico muito embora a existência de decisão do STF sobre o ponto ainda não sumulada é o que envolve a constitucionalidade das exceções legais à regra geral da impenhorabilidade do único imóvel residencial com destaque para o imóvel de propriedade do fiador em contrato de locação pois apesar da tendência anterior no sentido da inconstitucionalidade da previsão legal que permite a penhora do imóvel do fiador em contratos de locação o STF em decisão de fevereiro de 2006 reconheceu a compatibilidade da penhora com a salvaguarda do direito à moradia afirmando a necessidade de assegurarse o acesso à moradia por meio da oferta de imóveis para serem alugados mesmo que se venha a penhorar o único imóvel do fiador ainda mais quando este tenha dado livremente o bem em garantia 791 As críticas que se podem tecer à decisão foram em boa parte formuladas nos votos divergentes onde se apontou para a violação da dignidade da pessoa humana e mesmo quebra de isonomia em relação à situação do devedor principal ademais da problemática por não demonstrada utilização de critérios baseados em supostas evidências do mercado imobiliário 792 Por outro lado não se cuidando de matéria sumulada e dada a relevância do impacto da expropriação do único imóvel para a vida do fiador ou devedor e de sua família não se afastam desenvolvimentos que venham a temperar uma interpretação fechada e mitigar a orientação aparentemente consolidada no STF ainda que em casos similares 793 Foi isso aliás que se deu na evolução jurisprudencial mais recente sobre o direito à moradia aqui novamente na sua condição de direito de defesa negativo porquanto o STF decisão da 1ª Turma em sessão realizada no dia 12062018 quando da conclusão do julgamento do RE 605709 iniciado em outubro de 2014 tendo como relator o Ministro Dias Toffoli então ainda integrante da Turma decidiu por maioria de votos 32 pela impenhorabilidade do bem de família do fiador em contrato de locação comercial 794 No caso concreto de acordo com o noticiário do STF 15062018 o recorrente invocava a nulidade da arrematação de sua casa em virtude de se tratar de sua única propriedade e ser ele responsável pelo sustento da família Para o Ministro Dias Toffoli relator bem como para o Ministro Luís Roberto Barroso aplicase à penhora do bem de família em contratos de locação o entendimento pacificado no STF no sentido da penhorabilidade do bem de família do fiador no contrato de locação residencial porquanto embora não esteja em causa o direito à moradia dos locatários envolve restrição à livreiniciativa que também é protegida constitucionalmente Da mesma forma a possibilidade de penhora do único imóvel do fiador que o oferece voluntariamente em garantia do débito tem o efeito de estimular o empreendedorismo viabilizando a celebração de contratos em termos mais favoráveis Todavia acabou por prevalecer a divergência aberta pela Ministra Rosa Weber acompanhada pelos Ministros Marco Aurélio e Luiz Fux no sentido de que além de ser necessária a manifestação de vontade do fiador tanto na locação residencial quanto na comercial a legislação não distingue entre as duas modalidades de locação quanto à impenhorabilidade do bem de família e que o direito à moradia como direito social fundamental e no caso protegido para beneficiar a família não pode ser sacrificado em prol da potencialização da livreiniciativa Além disso e isso aqui assume particular importância com o julgamento concluído no dia 12062018 e vindo a prevalecer a orientação adotada pela maioria dos Ministros da 1ª Turma o STF poderá protagonizar ao menos em parte substancial uma revisão da sua jurisprudência sobre o tema até então consolidada Recurso Extraordinário 4076888 rel Min Cezar Peluso j 08022006 que sem ressalva de alguma exceção vinha entendendo ser constitucional a penhora do único imóvel e bem de família do fiador em contrato de locação residencial tal como previsto no art 3º VII da Lei 80091990 de acordo com o qual A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil fiscal previdenciária trabalhista ou de outra natureza salvo se movido VII por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação De qualquer sorte mesmo que no caso da penhora do único imóvel do fiador o STF tenha admitido como legítima tal possibilidade penhora como um limite imposto em determinadas circunstâncias também importa destacar que o STF reconheceu na mesma decisão não apenas o fato de o direito à moradia ser um direito fundamental como a circunstância de que tal direito não se confunde com o direito de propriedade o que aliás foi um dos argumentos justificadores da decisão além de afirmar neste ponto ainda de modo afinado com as recomendações dos organismos internacionais e a sua interpretação do conteúdo e alcance do direito à moradia que existem diversas possibilidades legítimas na perspectiva constitucional de o Estado assegurar o acesso à moradia condigna Por sua vez em termos de efetivação da dimensão prestacional do direito à moradia é preciso relembrar que na condição de direito positivo também o direito à moradia abrange prestações fáticas e normativas que se traduzem em medidas de proteção e de caráter organizatório e procedimental 795 Um bom exemplo disso é o assim chamado Estatuto da Cidade que representou apesar do lapso temporal bastante longo uma resposta do legislador ao dever prestação de legislar nessa matéria com fundamento na Constituição Federal Com a edição do Estatuto da Cidade Lei 10257 de 10072001 cuja principal meta é dar efetividade às diretrizes constitucionais sobre política urbana estando a contribuir para a difusão de um verdadeiro direito à cidade foi dado um passo significativo para dar vida efetiva ao direito a uma moradia condigna no Brasil Além de uma série de princípios o Estatuto da Cidade é rico em instrumentos que objetivam a realização prática do direito à moradia destacandose os seguintes a operações urbanas consorciadas em que Poder Público e particulares atuam de forma conjunta com o objetivo de alcançar em uma área transformações urbanísticas estruturais melhorias sociais e valorização ambiental b Estudo de Impacto de Vizinhança EIV cujo conteúdo mínimo é previsto pelo art 37 da Lei que tem por meta verificar os aspectos positivos e negativos do empreendimento ou atividade que se pretenda implementar sobre a qualidade de vida da população residente na área e nas proximidades ficando à disposição para consulta de qualquer interessado junto ao órgão municipal competente c usucapião coletivo das áreas urbanas ocupadas por população de baixa renda e nas quais não seja possível a individualização dos terrenos sendo declarada judicialmente e constituindo a partir de então condomínio indivisível com estabelecimento da propriedade de uma fração para cada indivíduo Também guarda relação com uma dimensão positiva do direito à moradia a previsão já no plano constitucional o instituto do usucapião especial urbano onde o que está em causa na sua essência é um direito à obtenção do título de propriedade por parte do detentor da posse para fins de moradia a teor do disposto no art 183 da CF bem como nos termos da regulamentação infraconstitucional do instituto especialmente pela Lei 102572001 arts 4º V j e 9º a 14 bem como pelo Código Civil Lei 104062002 art 1240 796 No que diz com a regulamentação pelo Código Civil vale destacar também a previsão em termos similares ao usucapião especial ou constitucional urbano do usuca pião especial rural conforme se pode apreender do seu art 1239 797 Mais recentemente também com forte expressão em termos de assegurar a moradia na perspectiva familiar o Código Civil inovou por intermédio da Lei 12424 de 16062011 ao assegurar no seu art 1240A que aquele que exercer por 2 dois anos ininterruptamente e sem oposição posse direta com exclusividade sobre imóvel urbano de até 250 m² duzentos e cinquenta metros quadrados cuja propriedade divida com excônjuge ou ex companheiro que abandonou o lar utilizandoo para sua moradia ou de sua família adquirirlheá o domínio integral desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural À vista do exposto verificase que todo o elenco de usucapiões especiais tem por objetivo e reflete diretamente na proteção do direito à moradia Em que medida o direito à moradia se traduz em direito subjetivo à construção pelo Poder Público de uma moradia digna ainda que não na condição de propriedade ou em caráter alternativo em direito exigível de fornecimento de recursos para tanto ou para por exemplo obras que assegurem à moradia sua condição de habitabilidade sem prejuízo de todo um leque de aspectos a serem exploradas na seara do direito à moradia na perspectiva de sua função de direito a prestações é seguramente algo longe de estar bem sedimentado na doutrina 798 e na jurisprudência 799 Notese contudo que o STF não tem afastado pelo contrário afirmado que em determinados casos o Poder Público poderá ser compelido sem que com isso reste configurada ofensa ao princípio da separação de poderes a promover medidas emergências de natura positiva portanto em termos de políticas públicas relativas aos direitos à segurança e à moradia 800 De qualquer modo não é nossa intenção dados os limites da abordagem aprofundar tal tópico 4156 O direito à educação Também o direito fundamental à educação obteve reconhecimento expresso no art 6º da CF 801 integrando portanto o catálogo dos direitos fundamentais e sujeito ao regime jurídico reforçado que lhes foi atribuído pelo constituinte especialmente art 5º 1º e art 60 4º IV Relembrese que a educação foi merecedora de expressa previsão constitucional já na Carta Imperial de 1824 que no seu art 179 XXXII previa o direito à instrução primária e gratuita para todos os cidadãos Embora a supressão de tal direito do texto constitucional em 1891 a contar de 1934 o direito à educação passou a figurar de forma contínua e progressiva em termos quantitativos e qualitativos nas demais Constituições ainda que com alguma variação até alcançar pelo menos em termos de quadro evolutivo nacional o máximo nível de regulação constitucional na atual Constituição Federal Com efeito além da previsão como direito fundamental básico e de caráter geral no art 6º da CF a educação como complexo de deveres e direitos foi objeto de regulamentação mais detalhada no Capítulo III arts 205 a 214 razão pela qual também aqui se coloca a questão preliminar de quais os dispositivos que efetivamente podem ser considerados como fundamentais à luz do disposto no art 5º 2º de nossa Carta Não há como deixar de considerar que a problemática da eficácia e efetividade do direito social à educação depende em boa parte de uma opção a respeito do regime jurídico atribuível aos diversos preceitos constitucionais que integram o capítulo da educação especialmente se está a se tratar de normas de direitos fundamentais ou não Em suma cuidase de saber qual o complexo de normas que constituem o núcleo essencial do direito à educação aqui tido no seu sentido amplo Por esta razão partiremos aqui da análise dos quatro primeiros dispositivos do Capítulo III da ordem social arts 205 a 208 já que entendemos que quanto a eles não se verifica maior dificuldade em considerálos como integrantes do que se poderá designar de complexo normativo constitucional essencial nesta matéria Quanto aos demais dispositivos poderseá sustentar que pelo menos em geral uma exceção digna de nota poderá ser a previsão de um percentual mínimo de investimento público na seara da educação e da garantia da participação da iniciativa privada constituem normas de cunho organizacional e procedimental com status jurídicopositivo idêntico ao das demais normas constitucionais assegurada portanto sua primazia em face do direito infraconstitucional Com efeito constatase que os arts 209 a 211 estabelecem as condições organização e estrutura das instituições públicas e privadas no âmbito do sistema nacional educacional ao passo que no art 212 se encontram regras sobre a participação dos diversos entes federativos no financiamento do sistema de ensino O mesmo art 212 assim como o art 213 contém normas estabelecendo metas prioridades e diretrizes para a aplicação e distribuição dos recursos públicos na esfera educacional enquanto no art 214 se encontram previstos a instituição do plano nacional de educação e seus objetivos Além disso é de se referir a letra A inserida junto ao art 212 pela Emenda Constitucional n 1082020 que ampliou o alcance e tornou permanente o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação Fundeb ademais de dentre outras novidades incluir o aumento gradativo da participação da União no Fundeb estabelecendo novos critérios de distribuição dos recursos do Fundo Ainda que nem todas as normas integrantes do capítulo da ordem social apenas pelo fato de guardarem relação direta com determinado direito fundamental social passem a integrar os elementos essenciais de determinado direito fundamental no caso do direito à educação isso não significa que os níveis de eficácia e efetividade de tais normas constitucionais sejam baixos Será possível por exemplo sustentar que nem mesmo uma reforma constitucional poderá pura e simplesmente suprimir o dispositivo que assegura à iniciativa privada a possibilidade de participação na educação art 209 ou a previsão de um percentual mínimo da receita em matéria de impostos a ser aplicada em educação pela União Distrito Federal Estados e Municípios art 212 seja por força da proibição de regressividade retrocesso em matéria de proteção e promoção de direitos fundamentais seja por força dentre outros aspectos das exigências da proporcionalidade mas em especial se estiverem sendo afetados de modo indireto não pela supressão direta de dispositivo constitucional aspectos relativos ao núcleo essencial do direito à educação considerado como um direito em sentido amplo O art 6º da CF tal como ocorreu com os demais direitos ali enunciados apenas se limita a enunciar que a educação é um direito fundamental social e nada mais acrescenta que possa elucidar o conteúdo e alcance do direito o que como já sinalado demanda uma interface com o disposto especialmente nos arts 205 a 208 onde adotandose o critério referido encontramse delineados os contornos essenciais deste direito fundamental à educação Basta lançar um breve olhar sobre estes dispositivos para que se percebam as contundentes distinções no que concerne à sua técnica de positivação à sua função como direitos fundamentais bem como por consequência à sua eficácia O art 205 ao dispor que a educação direito de todos e dever do Estado e da família será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade assume de plano uma dupla dimensão pois tanto reconhece e define um direito fundamental de titularidade universal de todos quanto possui um cunho impositivo na condição de norma impositiva de deveres que dadas as suas características e sem prejuízo de a educação ser em primeira linha um direito fundamental exigível como tal situase na esfera das normas de eficácia limitada ou dependentes de complementação já que estabelece fins genéricos a serem alcançados e diretrizes a serem respeitadas pelo Estado e pela comunidade na realização do direito à educação quais sejam o pleno desenvolvimento da pessoa seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho Por outro lado tais parâmetros podem servir de critérios para a definição do conteúdo do direito à educação como direito subjetivo demonstrando que dimensão subjetiva e dimensão objetiva se retroalimentam Em contrapartida vislumbrase que o art 207 se caracteriza como típica garantia institucional fundamental assegurando a autonomia universitária 802 o que já foi objeto de reconhecimento até mesmo pelo STF 803 não obstante tenha ficado claro que esta autonomia não assegura às universidades uma absoluta independência em face do Estado de modo especial no que diz com a possibilidade da edição de atos normativos autônomos 804 Vê se pois que enquanto o art 205 também assume a feição de norma impositiva de tarefas e objetivos aos órgãos públicos e em especial ao legislador servindo além disso como parâmetro obrigatório para a aplicação e interpretação das demais normas jurídicas a garantia institucional contida no art 207 que a toda evidência constitui norma plenamente eficaz e diretamente aplicável atua como limite expresso contra atos que coloquem em risco o conteúdo essencial da autonomia da instituição protegida atuando assim como direito fundamental de natureza defensiva 805 Já no art 206 da nossa Constituição que contém normas sobre os princípios que embasam o ensino encontramse diversos dispositivos que são diretamente aplicáveis e dotados de plena eficácia É o caso por exemplo da garantia da igualdade de condições para o acesso e permanência na escola art 206 I que constitui concretização do princípio da isonomia ainda que se possa mesmo sem esta norma cogitar de um direito social derivado de igual acesso às instituições e ao sistema de ensino deduzido com base no direito geral de igualdade art 5º caput 806 No mesmo contexto pode ser citado o art 206 II que consagra a liberdade de aprendizado de ensino de pesquisa e de divulgação do pensamento da arte e do saber que por tratarse de autêntico direito de liberdade gera desde já direitos subjetivos para os particulares 807 Também a norma contida no art 206 IV que prevê a gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais não reclama qualquer ato de mediação legislativa gerando um direito subjetivo à gratuidade não cobrança do ensino público Todavia no tocante à garantia da gratuidade do ensino público instalouse controvérsia que aportou no STF RE 597854GO rel Min Edson Fachin j 26042017 envolvendo a possibilidade de cobrança de taxas mensalidades para frequência de cursos de especialização oferecidos por Instituições Públicas de Ensino Superior tendo o STF chancelado tal possibilidade considerando numa primeira linha de fundamentação que existe um espaço de conformação assegurado pelo constituinte porquanto impossível afirmar com base numa leitura estrita da CF que as atividades em nível de pósgraduação estejam abrangidas pelo conceito de manutenção e desenvolvimento do ensino para efeitos da destinação com exclusividade de recursos públicos devendo ser avaliado se a garantia da gratuidade se aplica também aos cursos de pós graduação Segundo o STF há margem para que as Universidades no âmbito de sua autonomia constitucional possam decidir quais cursos se destinam à manutenção do desenvolvimento do ensino ademais de não ser vedada em princípio a captação de recursos privados sendo deferido às Universidades na esfera de sua autonomia didáticocientífica sempre em harmonia com a legislação vigente as atividades de extensão passíveis de instituição de taxas mensalidades Percebese portanto que no âmbito de um direito geral à educação compreendido como um direito em sentido amplo coexistem diversas posições fundamentais de natureza jurídico objetiva e subjetiva ainda que se possa discutir em que medida se trata de direitos originários a prestações ou apenas de direitos derivados ou seja de igual acesso às prestações em matéria educacional disponibilizadas pelo Poder Público Para a assim chamada dimensão positiva do direito à educação ou seja educação como direito a prestações indispensável um rápido exame do disposto no art 208 da CF Desde logo se impõe a observação de que também aqui não se podem descurar dos parâmetros postos nos arts 205 e 206 no âmbito de uma interpretação sistemática Enquanto o art 205 enuncia que a educação é um direito de todos e obrigação do Estado e da família o art 206 em seus diversos incisos estabelece uma série de diretrizes que devem ser observadas pelo Estado e pela família na realização do direito à educação dentre as quais destacamos a já citada gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais assim como a garantia da igualdade de condições para o acesso e permanência na escola que nada mais consagra do que o dever específico de garantir a igualdade de oportunidades nesta seara norma que seguramente apresenta também uma dimensão impositiva de condutas ativas por parte do Estado da sociedade e da família Tal aspecto guarda relação com as assim chamadas políticas de ações afirmativas que a exemplo do que ocorreu em outros países com destaque para o precedente dos EUA também foram implantadas no Brasil e têm sido objeto de acirrada controvérsia inclusive na esfera jurisdicional resultando em decisões do STF reconhecendo a legitimidade constitucional do Programa Universidade para Todos ProUni 808 e de algumas políticas de cotas criadas em universidades públicas 809 Em virtude de sua relação com o princípio da igualdade na sua vertente material aqui não será desenvolvido o tema Por sua vez verificase que no art 208 o constituinte cuidou de estabelecer certos mecanismos e diretrizes a serem adotados na efetivação de seu dever com a educação salientandose a garantia do ensino fundamental obrigatório e gratuito inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria art 208 I Além disso o art 208 em seu 1º contém a inequívoca declaração de que o acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo Cumpre referir também a norma que estabelece a possibilidade de responsabilização da autoridade competente pelo não oferecimento ou pela oferta irregular deste ensino obrigatório gratuito art 208 2º É justamente com apoio nesta constelação normativa que na doutrina não se verifica maior controvérsia quanto ao reconhecimento de um direito subjetivo individual a uma vaga em estabelecimento oficial no âmbito do ensino obrigatório e gratuito 810 Levandose em conta por um lado a obrigatoriedade do ensino fundamental e por outro ao mesmo tempo a garantia expressa de se tratar de um direito subjetivo público a este ensino obrigatório e gratuito outra conclusão não parece sequer possível Aliás bastaria o caráter compulsório para que se pudesse deduzir ainda mais em face do dever da família com a educação art 227 um correspondente direito subjetivo A própria regra da gratuidade ao menos para os que comprovadamente não dispõem de recursos do ensino fundamental obrigatório pode ser tida como implícita nestas circunstâncias Além do mais é preciso ressaltar que esta obrigação geral da família da sociedade e do Estado com a educação foi novamente enunciada no art 227 caput da CF Mais adiante no art 227 3º I e III no âmbito do direito fundamental à proteção especial por parte da criança e do adolescente bem como no art 229 dever dos pais de criar e educar os filhos menores esta obrigação do Estado e da família e dos pais foi alvo de especial atenção pela Constituição Federal Assim se atentarmos para a regra que estipula em 14 anos a idade mínima para admissão ao trabalho ressalvada a hipótese do art 7º XXXIII da CF além das normas infraconstitucionais com destaque para o avançado Estatuto da Criança e do Adolescente que preveem a possibilidade de responsabilização civil e penal a das autoridades como se viu tem até mesmo base constitucional dos pais e responsáveis que deixarem de zelar pelo acesso de seus filhos ao ensino fundamental não resta a menor dúvida que existe sim um direito fundamental originário e subjetivo à prestação estatal do ensino fundamental gratuito em estabelecimentos oficiais A habitual ponderação relativa à ausência de recursos limite da reserva do possível assim como a ausência de competência dos tribunais para decidir sobre destinação de recursos públicos aqui se revelam de ainda mais difícil aceitação Notese que de acordo com o art 212 da Constituição a União não poderá aplicar menos de 18 e os Estados o Distrito Federal e os Municípios menos de 25 da receita resultante dos impostos na manutenção e desenvolvimento do ensino O montante da verba orçamentária mínima o legislador poderá estabelecer valores superiores seguramente representando a maior fatia do orçamento público demonstra a importância atribuída à educação No 3º do mesmo artigo encontrase por sua vez regra que prioriza a distribuição dos recursos para o ensino obrigatório fundamental Já considerada a alteração resultante da EC n 532006 o art 212 5º ressaltando a prioridade da educação básica pública prevê que ele contará como fonte adicional de financiamento com os recursos decorrentes da contribuição social do salárioeducação Também merecem destaque outros dispositivos que ressaltam a especial relevância do ensino público fundamental Assim o art 211 2º e 3º prevê que os Municípios e Estados deverão ambos atuar prioritariamente no ensino fundamental cabendo aos Municípios operar no plano da educação fundamental e aos Estados no ensino médio Tudo isso demonstra que as competências na esfera do ensino a origem e a destinação das verbas bem como as prioridades e metas da política de ensino já estão definidas em nível constitucional de tal sorte que tais aspectos não podem ser invocados como objeções ao reconhecimento de um direito subjetivo à educação fundamental Com apoio na argumentação desenvolvida é possível admitir tal como sugerido por Luís Roberto Barroso que na hipótese de não ser possível o reconhecimento de um direito de acesso ao ensino fundamental público gratuito no caso de inexistentes ou comprovadamente insuficientes os recursos materiais disponíveis escolas salas de aula vagas professores etc o Poder Público numa demanda de natureza cominatória possa ser condenado a uma obrigação de fazer por exemplo determinandose a construção de uma escola ou mesmo a matrícula em escola particular às expensas do Poder Público restando ainda a insatisfatória possibilidade de exigirse do Estado o pagamento de uma indenização pela omissão que no entanto como bem reconhece o autor não tem o condão de substituir adequadamente a falta de estudo 811 Além dos argumentos já colacionados verificase que um direito subjetivo inclusive originário a prestações em matéria educacional especialmente no campo do ensino fundamental situase na esfera da garantia do mínimo existencial 812 especialmente naquilo em que este como já sinalado no capítulo próprio abrange uma dimensão sociocultural e não se limita a um mínimo vital fundamentação amplamente prestigiada na doutrina e jurisprudência inclusive do STF situações que abrangem o reconhecimento de um direito subjetivo de acesso à educação infantil em creches disponibilizadas pelo Poder Público para crianças de até cinco anos de idade 813 Ainda no contexto mais amplo de um direito à educação como direito a prestações situase a problemática do acesso ao ensino médio e superior Diversamente dos casos do ensino fundamental e do direito à educação infantil a Constituição Federal no art 208 II previu a garantia da progressiva universalização do ensino médio gratuito além de assegurar o acesso aos níveis mais elevados do ensino da pesquisa e da criação artística segundo a capacidade de cada um art 208 V Assim pelo menos não expressamente a Constituição Federal não consagra um direito subjetivo a uma vaga no ensino médio gratuito em estabelecimento oficial de ensino muito menos o direito a uma vaga em instituição de ensino superior mantida pelo Poder Público O quanto os argumentos esgrimidos em favor de um direito subjetivo inclusive originário de acesso ao ensino infantil e fundamental podem ser transportados para a seara do ensino médio e superior ainda mais considerando as peculiaridades do texto constitucional art 208 II e V se revela no mínimo digno de maior reflexão O mesmo vale para a invocação como fundamento de um direito subjetivo do direito e garantia do mínimo existencial já que por mais alargada que possa vir a ser sua compreensão é dificilmente compatível com a inclusão de um direito definitivo a uma vaga no ensino superior pelo menos quando se tomam como referenciais os desenvolvimentos mais recentes em nível de direito comparado No caso do ensino médio dada a sua relevância para o ingresso no mercado profissional e o próprio acesso aos níveis superiores bem como considerando as crescentes demandas em termos de formação num mundo complexo e marcado pela utilização da tecnologia a sua relevância para o exercício efetivo do direito ao livre desenvolvimento da personalidade e garantia de níveis de autonomia significativos para o indivíduo não pode ser desconsiderada De outra parte o dever de progressividade não poderá ser estendido ad infinitum de tal sorte que ante um descumprimento injustificado da meta da progressiva universalização do ensino médio gratuito o reconhecimento de um direito subjetivo a uma vaga na rede pública ou de cursar o ensino médio em entidade de ensino privada mediante custeio pelo Poder Público tal como no caso do ensino fundamental há de ser saudado pelo menos como alternativa a ser levada a sério No âmbito do ensino fundamental e médio é possível sustentar também um dever do Poder Público no sentido de assegurar condições efetivas de acessibilidade dos respectivos usuários às instalações de ensino escolas mediante garantia de adequado transporte público o que tem aliás sido objeto de reconhecimento reiterado pelo STF em diversas decisões 814 Com isso se consolida o entendimento de que o direito à educação engloba um conjunto de deveres para o Poder Público que correspondem na dimensão subjetiva a direitos subjetivos e portanto exigíveis pelo cidadão inclusive pela via judiciária embora aqui também assumam relevância as diversas objeções ao reconhecimento de direitos subjetivos a prestações sociais que contudo já foram levadas em conta na parte geral dos direitos sociais O caso do ensino superior todavia merece um exame mais detido valendo a pena lançar um olhar sobre o direito comparado Apenas para referir um precedente ilustre calha recordar a discussão que se travou na Alemanha já no início dos anos 1970 sobre um direito de acesso ao ensino superior debate que aliás forneceu importantes subsídios para a controvérsia em torno dos direitos sociais como direitos a prestações Na sua afamada e inúmeras vezes citada decisão numerus clausus o Tribunal Constitucional Federal com base na constatação de que a liberdade fundamental de escolha da profissão não teria valor algum caso não existissem as condições fáticas para a sua fruição entendeu que este direito fundamental tem por escopo assegurar também o livre acesso às instituições de ensino 815 De fato acabou o Tribunal da Alemanha reconhecendo que a partir da criação de instituições de ensino pelo Estado de modo especial em setores onde o Poder Público exerce um monopólio e onde a participação em prestações estatais constitui pressuposto para a efetiva fruição de direitos fundamentais a garantia da liberdade de escolha de profissão art 12 I da LF combinada com o princípio geral da igualdade art 3º I e com o postulado do Estado Social art 20 garante um direito de acesso ao ensino superior de sua escolha a todos os que preencherem os requisitos subjetivos para tanto 816 Remanesceu em aberto contudo eventual possibilidade de se admitir um direito fundamental originário a prestações isto é não apenas o tratamento igualitário no que tange ao acesso mas também o direito a uma vaga no âmbito do ensino superior Tal hipótese foi aventada pelo Tribunal Federal Constitucional que mesmo sem posicionarse de forma conclusiva a respeito da matéria admitiu que os direitos a prestações não se limitam ao previamente existente embora o Tribunal tenha condicionado esse direito de acesso ao limite da reserva do possível 817 A doutrina majoritária em que pese a argumentação referida optou por se posicionar contrariamente a um direito originário a prestações limitandose a acolher um direito fundamental derivado e portanto relativo consistente na garantia de igual acesso ao ensino superior na medida das instituições e vagas existentes 818 De qualquer modo para além do reconhecimento de um direito derivado a prestações houve quem atribuísse manifesto efeito didático à decisão do Tribunal Federal Constitucional nesta seara uma vez que resultou em medidas concretas objetivando a ampliação das capacidades existentes na esfera do ensino superior 819 além de atuar numa dimensão jurídicoobjetiva como apelo às instâncias políticas para atuarem concretamente na realização do direito ao ensino superior 820 Calcada em linha semelhante de argumentação situase a solução proposta na doutrina lusitana por Gomes Canotilho que referindose às Constituições portuguesa art 74 e espanhola art 27 desenvolveu a concepção de um direito subjetivo ao ensino na sua dimensão específica de um direito de acesso ao ensino universitário com base na noção oriunda da doutrina alemã de que determinada posição jurídica prestacional pode estar abrangida pelo âmbito normativo de um direito liberdade e garantia já que um direito a prestações na esfera da educação e do ensino se destina a assegurar o pleno exercício por exemplo da liberdade de escolha de profissão e da liberdade de aprender 821 Argumenta o mestre de Coimbra que tanto a Constituição portuguesa quanto a espanhola ao estabelecerem que ao Poder Público cabe garantir o acesso ao ensino estão conferindo ao Estado uma competência poder de atuar no campo do acesso ao ensino superior no caso à qual corresponde um dever não relacional do Estado no sentido de criar condições de acesso ao ensino superior Para os particulares emerge por sua vez não um direito subjetivo definitivo como no caso das condições mínimas existenciais mas sim um direito subjetivo prima facie a norma justifica um direito a prestações mas não tem por resultado obrigatório uma decisão individual já que em virtude do limite da reserva do possível e da necessária ponderação por parte dos poderes públicos quanto ao modo de realizar o direito o problema do acesso à universidade não pode ainda consoante Gomes Canotilho resolverse em termos de tudo ou nada 822 À vista dos casos da Alemanha e de Portugal especialmente considerando os argumentos colacionados entendemos contudo que a solução preconizada à luz do direito constitucional positivo pátrio oferece uma base e parâmetros bem mais sólidos quando se trata de reconhecer um direito fundamental originário ao ensino fundamental obrigatório público e gratuito 823 Já para o ensino médio para além do dever do Estado no sentido de em ritmo progressivo assegurar de forma universal o ensino médio gratuito em estabelecimentos oficiais de ensino ou mediante um sistema de bolsas de estudo ou outro mecanismo com efeitos similares no mínimo se poderá sustentar a existência de um direito subjetivo derivado de igual acesso às vagas disponibilizadas sem prejuízo da evolução para um direito subjetivo a uma vaga no ensino médio tal como sugerido acima No caso do ensino superior a despeito da ausência de previsão expressa na Constituição Federal mas em sintonia com o dever de progressiva realização dos direitos sociais econômicos e culturais dentre outros argumentos é possível sustentar além do direito subjetivo de igual acesso às vagas já disponibilizadas um dever constitucional de progressiva criação de cursos e vagas ou da criação de outros meios de acesso efetivo ao ensino superior como dá conta por exemplo considerando o seu impacto positivo em termos quantitativos e qualitativos a experiência com o ProUni Programa Universidade para Todos Tema que se insere na problemática mais ampla do direito à educação e se manifesta do ponto de vista tanto da dimensão objetiva quanto da dimensão subjetiva ademais de defensiva e prestacional é o de que não basta assegurar um direito de igual acesso à educação de modo a cobrir ao menos na esfera do ensino fundamental e médio todos os possíveis e necessários beneficiários sem prejuízo do dever de progressividade também no ensino superior e também o da qualidade do ensino e da pesquisa crucial não apenas para impedir a saída de analfabetos funcionais do sistema de ensino público e privado mas para garantir um nível de formação suficiente para uma inserção eficaz e produtiva na vida profissional política social econômica e cultural no sentido de uma cidadania ativa qualificada Dito de outro modo o direito à educação deverá sempre ser ou buscar sêlo um direito subjetivo à educação de qualidade ademais de na perspectiva objetiva um dever do Estado e da sociedade de prover políticas e arranjos institucionais e organizacionais incluindo a provisão de recursos financeiros e humanos para tanto 824 Nesse mesmo contexto embora com peculiaridades a serem consideradas situase o problema do controle judicial das opções políticas no que diz com a regulação estatal dos requisitos de acesso ao ensino educação e mesmo dentre outros aspectos do conteúdo programático Para ilustrar o ponto colacionase decisão do STF proferida em julgamento conjunto da ADPF 292DF e da ADC 17DF respectivamente relatadas pelos Ministros Luiz Fux e Edson Fachin em 25052018 no bojo das quais se discutia a idade mínima para o ingresso na educação infantil e ensino fundamental Em suma foi por maioria declarada a constitucionalidade de Resolução do CNE Conselho Nacional de Educação que estabelece que a criança deve ter completado seis anos até o dia 31 de março para ser admitida o que segundo a Corte corresponderia segundo parecer do Conselho Federal de Psicologia ao melhor interesse da criança e além disso considera a capacidade institucional do Poder Executivo em regular a matéria de modo adequado e isonômico apenas para citar alguns dos argumentos invocados pelos Ministros que participaram do julgamento Além disso especificamente digno de nota que de acordo com o Ministro Roberto Barroso intervenção judiciária de modo a permitir o ingresso de crianças com cinco anos e não seis implicaria alteração de toda a base nacional comum curricular ademais do problema da identificação e equacionamento de casos nos quais foi demonstrada a falta de capacidade emocional de aprendizado e avaliação Assim a partir do caso sumariamente retratado é possível afirmar que a despeito de ser julgada improcedente a demanda o problema da eficácia e efetividade do direito à educação em sentido amplo inclui também a possibilidade de controle da própria regulação e portanto da execução adequada pelo Estado das medidas para tanto Tema polêmico apreciado pelo STF no RE 888815RS Relator Ministro Roberto Barroso Redator para o Acórdão Ministro Alexandre de Moraes em julgamento realizado em 06092019 diz respeito a existência de um direito subjetivo ao ensino domiciliar tendo a Corte entendido por maioria não ser absolutamente vedada tal possibilidade em se procedendo a uma interpretação sistemática da CF no tocante aos preceitos que tratam da família da criança do adolescente e do jovem em combinação com os dispositivos relativos que versam sobre a educação De acordo com voto do Ministro Alexandre de Moraes acompanhado pela maioria dos seus pares 825 o próprio texto constitucional permite a coexistência de instituições públicas e privadas como um dos princípios regentes do ensino art 206 III 7 ademais de estabelecer uma parceria obrigatória entre a família e o Estado na esfera educacional desde que observados os requisitos constitucionais cogentes na matéria o que por sua vez independe da modalidade de ensino como é o caso do ensino básico obrigatório a existência de um núcleo curricular mínimo e a convivência familiar e comunitária Assim embora resulte evidente que a CF veda algumas espécies de ensino domiciliar a desescolarização e o ensino domiciliar puro o mesmo não ocorre com o assim chamado homeschooling ou ensino domiciliar utilitarista que pode ser estabelecido e regulado pelo Congresso Nacional Assim ainda segundo o Ministro Alexandre de Moraes o ensino domiciliar exige regulamentação prévia pelo legislador prevendo os modos de avaliação e fiscalização indispensáveis ao cumprimento das exigências e princípios constitucionais correspondentes Independentemente de se concordar ou não com a decisão do STF sobre ensino domiciliar tratase de matéria de particular relevância e atualidade e que guarda relação com diversos aspectos do direito à educação mas também com outros princípios e direitos fundamentais De todo modo para não deixar de pelo menos esboçar uma posição pessoal a proibição absoluta de alguma modalidade de ensino domiciliar não soa legítima do ponto de vista constitucional carecendo todavia conforme aliás bem pontuado nos votos dos Ministros Alexandre de Moraes e Roberto Barroso pois ambos se posicionaram nesse sentido a despeito das substanciais diferenças da consideração e atendimento de determinados pressupostos critérios e condições dentre as quais o cumprimento das exigências em termos de currículo conteúdos e avaliações 4157 O direito ao trabalho O direito fundamental ao trabalho como direito social básico e formulado em termos amplos está sediado no Capítulo II Dos direitos sociais da CF no caput do art 6º A esse enunciado geral somase um rol significativo de disposições constitucionais igualmente sediado no título dos direitos fundamentais versando sobre aspectos mais ou menos específicos da proteção ao trabalhador e de direitos dos trabalhadores com destaque para o art 7º contemplando um extenso elenco de direitos e garantias dos trabalhadores urbanos e rurais e que em combinação com os arts 8º a 11 liberdade sindical direito de greve e participação dos trabalhadores na gestão da empresa formam no seu conjunto as linhas mestras do regime constitucional do direito fundamental ao trabalho 826 De modo exemplificativo podemse citar os seguintes direitos e garantias assegurados ao trabalhador no art 7º da CF proteção contra despedida arbitrária ou sem justa causa I seguro desemprego em caso de desemprego involuntário II irredutibilidade do salário VI décimo terceiro salário VIII remuneração do trabalho noturno superior à do diurno IX participação nos lucros ou resultados desvinculada da remuneração e excepcionalmente participação na gestão da empresa XI saláriofamília pago em razão do dependente do trabalhador de baixa renda XII duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais XIII repouso semanal remunerado XV gozo de férias anuais remuneradas XVII licença à gestante sem prejuízo do emprego e do salário com a duração de cento e vinte dias XVIII licença paternidade XIX proteção do mercado de trabalho da mulher mediante incentivos específicos XX aviso prévio proporcional ao tempo de serviço sendo no mínimo de trinta dias XXI redução dos riscos inerentes ao trabalho por meio de normas de saúde higiene e segurança XXII adicional de remuneração para as atividades penosas insalubres ou perigosas XXIII aposentadoria XXIV seguro contra acidentes de trabalho XXVIII proibição de diferença de salários de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo idade cor ou estado civil XXX proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência XXXI proibição de trabalho noturno perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos salvo na condição de aprendiz a partir de quatorze anos XXXIII Convém recordar na perspectiva do direito constitucional positivo brasileiro que normas constitucionais dispondo sobre o direito ao trabalho e a proteção do trabalhador já podem ser encontradas no âmbito da evolução constitucional anterior pelo menos desde a Constituição de 1934 muito embora em termos quantitativos e qualitativos ou seja no que diz com o número de posições fundamentais atribuídas ao trabalhador e no concernente à intensidade da proteção constitucional a Constituição Federal de 1988 até mesmo por ter incluído os direitos dos trabalhadores no título dos direitos fundamentais inovou e avançou significativamente ainda que aos olhos de muitos o constituinte tenha aqui também pecado pelo excesso aspectos que não serão objeto de nossa atenção No plano do direito internacional dos direitos humanos o direito ao trabalho aparece consagrado nos arts XXIII e XXIV da Declaração Universal dos Direitos Humanos 1948 ao dispor Art XXIII 1 Toda pessoa tem direito ao trabalho à livre escolha de emprego a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego 2 Toda pessoa sem qualquer distinção tem direito a igual remuneração por igual trabalho 3 Toda pessoa que trabalha tem direito a uma remuneração justa e satisfatória que lhe assegure assim como à sua família uma existência compatível com a dignidade humana e a que se acrescentarão se necessário outros meios de proteção social 4 Toda pessoa tem direito a organizar sindicatos e a neles ingressar para a proteção de seus interesses Art XXIV Toda pessoa tem direito a repouso e lazer inclusive a limitação razoável das horas de trabalho e a férias remuneradas periódicas A Declaração Universal é precisa ao reconhecer em favor do trabalhador o direito a uma remuneração justa e satisfatória que lhe assegure assim como à sua família uma existência compatível com a dignidade humana ou seja deve ser garantido ao trabalhador e tal norma voltase tanto ao empregador particular quanto ao Estado um padrão remuneratório que atenda às suas necessidades básicas Na Declaração Universal há por certo nítida preocupação com a proteção do trabalhador em face de práticas abusivas e degradantes Tal standard normativo foi seguido no âmbito do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos Sociais e Culturais PIDESC de 1966 827 bem como na Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem 1948 828 e no Protocolo de San Salvador Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos Sociais e Culturais 1988 829 sem prejuízo de outros diplomas como por exemplo a Carta Social Europeia e a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia apenas para referir alguns exemplos Mas é na esfera da Organização Internacional do Trabalho OIT que é inclusive anterior à Declaração da ONU que se localiza a maior e mais eficaz fonte normativa de matriz internacional para o direito ao trabalho e a proteção do trabalhador visto que se cuida do subsistema em nível internacional dedicado à produção de normas vinculantes diretrizes e um conjunto de critérios e sanções em termos do controle do cumprimento do teor das convenções por parte dos Estados aderentes 830 Nessa seara dada a hierarquia supralegal das Convenções da OIT considerandoas como sendo de direitos humanos além da aplicação de tais convenções uma vez incorporadas ao direito interno como direito federal vigente válido e eficaz também importa realizar um controle de convencionalidade dos atos normativos internos nacionais de modo a assegurar a observância das convenções e a não aplicação ou interpretação conforme em caso de incompatibilidade Um exemplo disso embora ainda não apreciado pelo STF é o reconhecimento do caráter cumulativo dos adicionais previstos na CF no capítulo dos direitos fundamentais dos trabalhadores de insalubridade e periculosidade por parte do TST Ademais disso forte nos arts 5º 2º e 7º caput da CF as convenções da OIT e demais tratados internacionais de direitos humanos aplicáveis às relações de trabalho integram o conjunto dos direitos fundamentais da CF no âmbito da assim chamada abertura material do catálogo aspecto que aqui contudo não será mais desenvolvido 831 Também no caso do direito ao trabalho é possível identificar a forte conexão com outros direitos fundamentais reforçando a tese da interdependência e indivisibilidade dos direitos fundamentais Exemplo digno de nota é o que pode ser vislumbrado no art 7º IV da CF de acordo com o qual deve ser assegurado ao trabalhador salário capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia alimentação educação saúde lazer vestuário higiene transporte e previdência social Isso significa que o salário percebido pelo trabalhador aqui estabelecido um patamar mínimo deve ser suficiente para assegurar condições mínimas de bemestar ao trabalhador e sua família de modo a garantir o acesso aos bens sociais descritos no dispositivo citado acima O vínculo com o direitogarantia ao mínimo existencial resulta evidente assim como não se pode desprezar o quanto a garantia da possibilidade de trabalhar e com isso assegurar seu próprio sustento e dos seus dependentes constitui dimensão relevante para um direito ao livre desenvolvimento da personalidade e da própria noção de autonomia do ser humano construtor de seu próprio destino Não é à toa que o direito ao trabalho e a proteção do trabalhador estão entre as pautas de reivindicação mais antigas da sociedade e no campo da definição dos catálogos constitucionais de direitos e do sistema internacional já podem ser encontrados quando da fase inicial do constitucionalismo e ao longo do século XIX ainda mais a partir da difusão da ideologia socialista da organização do movimento operário entre tantos outros fatores até a sua consagração durante o século XX O direito ao trabalho compreendido como um direito fundamental em sentido amplo é dotado de dupla dimensão objetiva e subjetiva também assume tal como os demais direitos fundamentais uma função negativa e positiva Na sua função positiva o direito ao trabalho poderá não implicar um direito subjetivo a um lugar de trabalho um emprego remunerado na iniciativa privada ou disponibilizado pelo Poder Público mas certamente se traduz na exigência no dever constitucional de promover políticas de fomento da criação de empregos postos de trabalho de formação profissional e qualificação do trabalhador entre outras tantas que poderiam ser referidas e que são veiculadas por lei ou programas governamentais ou mesmo no setor privado Por outro lado o direito à proteção do trabalho e do trabalhador se decompõe como já referido em um leque de normas atributivas de direitos liberdades e garantias do trabalhador bem como por meio de um conjunto de princípios e regras de cunho organizacional e procedimental como é o caso do direito a um salário mínimo da garantia de determinada duração da jornada de trabalho proibições de discriminação liberdade sindical e direito de greve que no seu conjunto asseguram um direito ao trabalho em condições dignas 832 Quanto à eficácia e efetividade das normas constitucionais definidoras de direitos e garantias do trabalhador dada a heterogeneidade do catálogo de direitos dos trabalhadores remetemos ao comentário geral da parte introdutória dos direitos sociais notadamente no que diz com o seu regime jurídico constitucional em termos de aplicabilidade eficácia e proteção Embora em termos gerais se possa partir das mesmas premissas é preciso reconhecer que na esfera dos direitos dos trabalhadores situamse exemplos extremamente controversos e que nos últimos anos passaram a receber atenção cada vez maior por parte da doutrina e da jurisprudência inclusive do STF 833 Cuidase em geral de situações nas quais a Constituição Federal remete expressamente ao legislador infraconstitucional e onde o reconhecimento de uma aplicabilidade imediata em especial para atribuição de posições subjetivas não previstas em lei e que ultrapassem eventuais patamares mínimos expressamente estabelecidos no plano constitucional encontra forte resistência inclusive pelos riscos em termos de segurança jurídica e tratamento isonômico além dos impactos sobre a economia pública e privada Dentre tais situações destacamse o direito de greve dos servidores públicos o aviso prévio proporcional e a proteção contra a despedida arbitrária onde a contumaz omissão legislativa ora superada ainda que em parte controversa a solução adotada pelo legislador durante anos foi tida como obstáculo à fruição plena dos direitos constitucionalmente assegurados Todavia é também em relação aos casos referidos dentre outros que se verificaram expressiva produção e dissídio doutrinário e jurisprudencial desembocando mais recentemente em decisões impactantes do STF em sede de mandado de injunção atribuindolhe efeitos concretos a despeito da omissão legislativa 834 De qualquer modo não será aqui que teremos condições de desenvolver o ponto remetendo como já frisado à parte geral dos direitos fundamentais e dos direitos sociais e à literatura especializada 835 4158 O direito ao lazer O direito ao lazer à semelhança do que acontece com outros direitos sociais não teve seu conteúdo definido no texto constitucional ainda que deste possam ser extraídas algumas diretrizes Com efeito na sua articulação com outros princípios e direitos consagrados na Constituição Federal por exemplo a referência ao lazer como um dos elementos a ser assegurado pela prestação do salário mínimo bem como a garantia do pagamento de um terço sobre o valor das férias o repouso remunerado a limitação da jornada de trabalho etc é possível identificar já no plano da Constituição um corpo normativo que em alguma medida objetiva assegurar a toda e qualquer pessoa um mínimo de fruição do lazer impondo ao Poder Público o dever de assegurar as condições por prestações materiais e normativas que viabilizem o acesso e o exercício de atividades de lazer pela população Nesse sentido verificase que a jurisprudência tem entendido 836 que o direito ao lazer estaria vinculado aos direitos à cultura e ao desporto seja na efetivação do direito à educação ao permitir uma formação mais ampla das crianças e adolescentes seja na concretização de políticas públicas de garantia de qualidade de vida ao idoso O direito ao lazer por outro lado dialoga com o conceito de saúde como estado de completo bemestar físico mental e social OMS justificando por isso que possa integrar o conteúdo do mínimo existencial e da própria vida com dignidade já que essencial à vida com alguma qualidade pois se cuida de exigência para o próprio desenvolvimento com plenitude da personalidade humana 837 Convém enfatizar que a garantia de lazer aqui compreendida como direito fundamental por vezes desprezado quando não ridicularizado assume dimensão essencial para a construção da personalidade humana e na esteira do que já foi referido integra a noção de um mínimo existencial sociocultural ainda que seja deferida ao Estado ampla margem de discricionariedade quanto ao modo de dar concretude ao direito ao lazer 838 A dupla dimensão objetiva e subjetiva do direito ao lazer também há de ser enfatizada muito embora no plano da exigibilidade na condição de direito subjetivo há que ter a devida cautela ainda mais quando se trata de um direito subjetivo individual e originário a prestações pois é na condição de um direito de igual acesso a prestações públicas direito derivado a prestações e na sua dimensão transindividual que na esfera objetiva implica um dever estatal de criação e acesso a estruturas e práticas de lazer que a exigibilidade do direito ao lazer como direito subjetivo se revela mais produtiva 839 De qualquer modo ressalvadas as peculiaridades do direito ao lazer remetese também aqui quanto ao problema da eficácia e efetividade dos direitos fundamentais em geral e dos direitos sociais em particular às observações feitas na parte geral dos direitos fundamentais e aos apontamentos acerca do regime jurídico dos direitos sociais 4159 O direito à segurança social previdência e assistência aos desamparados A Constituição Federal além de inserir a assistência e previdência social no elenco dos direitos fundamentais sociais do art 6º tratou de consagrar em seu texto um regime constitucional da seguridade social arts 194 a 204 que abarca os três eixos da saúde da previdência social e da assistência social Numa perspectiva ampliada há até mesmo quem sustente a existência de um direito fundamental à seguridade social que abarca as três dimensões referidas e arranca de um regime comum em termos de princípios e regras na esfera constitucional 840 Assim na esteira da evolução constitucional anterior mas com muito maior amplitude a Constituição Federal consolidou um regime constitucional para a seguridade social formatado para atender a padrões adequados de bemestar social e acima de tudo com o nítido objetivo de assegurar a todos uma vida digna e saudável Tal panorama constitucional guarda sintonia com o direito internacional dos direitos humanos mais precisamente com a Declaração Universal dos Direitos Humanos 1948 841 o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos Sociais e Culturais 1966 842 assim como no âmbito do Sistema Regional Interamericano a Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem 1948 843 e o Protocolo de San Salvador Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos Sociais e Culturais 1988 844 sem prejuízo de outros documentos de matriz internacional inclusive naquilo em que aplicáveis as Convenções da OIT Diferentemente do que ocorre em relação à assistência social e à saúde que em virtude de sua relevância mas especialmente dadas as suas peculiaridades foram abordadas em item apartado neste mesmo capítulo o direito fundamental à previdência social obedece a uma dinâmica e concepção próprias 845 Em especial é preciso registrar que o sistema da previdência social é regido pela exigência de contribuição previdenciária para que se possa fazer jus a tal direito inclusive na perspectiva de assegurar o equilíbrio financeiro e atuarial Sobre a questão Gilmar Ferreira Mendes Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco em passagem que tomamos a liberdade de transcrever lecionam que ligado direta e imediatamente ao princípio da responsabilidade grifo nosso do qual em verdade é uma decorrência o princípio do equilíbrio financeiro e atuarial aponta para a necessária correlação entre benefícios e serviços da previdência social como sistema seguro e as respectivas fontes de custeio em ordem a lhe garantir continuidade e certeza de longo alcance Noutras palavras à luz desse princípio ou equilibramos receitasdespesas do sistema previdenciário para tanto exigindo mais rigor nos cálculos atuariais e corrigindo as gritantes distorções em matéria de benefícios como a concessão de aposentadorias que além de precoces à vista da crescente expectativa de vida dos segurados ainda são pagas sobre tudo no setor público em quantias superiores ao valor das contribuições recolhidas para custeálas ou inviabilizaremos a nossa mais extensa rede de proteção social com efeitos que não podem ser antevistos nem pelos mais clarividentes cientistas sociais 846 Assim a previdência social conforme dispõe o art 201 da CF será organizada sob a forma de regime geral de caráter contributivo e de filiação obrigatória observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e atenderá nos termos da lei a I cobertura dos eventos de doença invalidez morte e idade avançada II proteção à maternidade especialmente à gestante III proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário IV saláriofamília e auxílioreclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda V pensão por morte do segurado homem ou mulher ao cônjuge ou companheiro e dependentes observado o disposto no 2º Juntamente com o caráter contributivo e de filiação obrigatória bem como o fato de o sistema previdenciário ser norteado com base no princípio do equilíbrio financeiro e atuarial o dispositivo em questão arrola diversas situações de proteção contra riscos sociais como por exemplo doença invalidez morte entre outras Muito embora a aplicabilidade direta de diversas das normas constitucionais que regem o sistema de previdência social e definem os contornos do próprio direito à previdência social a concessão de determinadas prestações previdenciárias benefícios se dá nos limites da previsão legal portanto predominantemente no âmbito do que se convencionou designar de direitos derivados a prestações tal como adiantado na parte geral dos direitos sociais Por outro lado a doutrina e a jurisprudência 847 têm contribuído para uma reconstrução do direito à previdência social que como os demais direitos fundamentais abarca um complexo de posições subjetivas além de ter uma forte dimensão objetiva Ao longo do tempo e para além das reformas legislativas e constitucionais é possível destacar uma ampliação do rol dos beneficiários para o que a jurisprudência concorreu fortemente destacandose aqui a inclusão dos companheiros no caso das uniões estáveis entre homens e mulheres e mais recentemente entre pessoas do mesmo sexo o que aqui contudo não será objeto de maior desenvolvimento Quanto ao regime constitucional de assistência social ou assistência aos desamparados configurase como a expressão máxima do princípio da solidariedade e mesmo do respeito à dignidade da pessoa humana porquanto representa proteção políticojurídica especial destinada a indivíduos e grupos sociais vulneráveis ou necessitados cuidandose ademais disso de direito titularizado por nacionais e estrangeiros De tal sorte o art 203 da CF dispõe que a assistência social será prestada a quem dela necessitar independentemente de contribuição à seguridade social e tem por objetivos I a proteção à família à maternidade à infância à adolescência e à velhice II o amparo às crianças e adolescentes carentes III a promoção da integração ao mercado de trabalho IV a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária V a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de têla provida por sua família conforme dispuser a lei Com base nas hipóteses listadas pelo dispositivo constitucional é possível verificar a preocupação por parte do constituinte com a proteção da criança do adolescente do idoso das pessoas portadoras de deficiência ao que se soma especialmente a situação de carência socioeconômica Além disso como destacado no texto constitucional a obrigação estatal de prestar assistência social independe de contribuição à seguridade social daí o caráter solidário e redistributivo de tal prática No plano infraconstitucional os dispositivos constitucionais sobre assistência social foram regulamentados entre outras pela Lei 8742 de 07121993 que dispõe sobre a organização da Assistência Social e regulamentou o art 203 da CF especialmente dispondo sobre a concessão de um benefício assistencial no valor de um salário mínimo aos idosos e pessoas com deficiência que comprovem não possuir os meios para assegurar a sua própria subsistência ou de têla provida por suas famílias Embora se trate do principal benefício assistencial de prestação continuada o sistema da Assistência Social compreende no seu conjunto uma rede de políticas públicas de ações e de serviços e benefícios como é o caso apenas para ilustrar do Programa Bolsa Família e do mais recente Programa Brasil Carinhoso desenvolvido a partir do Programa Brasil sem Misé ria dentre tantos que poderiam ser colacionados e que podem ser facilmente identificados mediante rápida consulta à página da internet do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome Assim como no caso dos direitos à saúde e previdência social o direito à assistência social depende em grande medida de uma complexa regulamentação infraconstitucional que naquilo em que assegura as condições para uma existência digna o que em virtude de se tratar de benefícios de baixo valor mantém o direito à assistência social mais próximo da noção de um mínimo vital passa a integrar e formatar o próprio núcleo essencial legislativamente concretizado do direito à assistência social e que opera como direito de defesa direito negativo em relação aos poderes públicos Na sua dimensão positiva como direito a prestações muito embora se deva partir da premissa amplamente consagrada na esfera jurisprudencial de que em regra os benefícios pleiteados pelo cidadão devem estar previstos em lei portanto de que se trata em primeira linha de direitos derivados a prestações registrase interessante evolução quanto a algum conteúdo originário designadamente por força da jurisprudência inclusive no âmbito do STF Ademais o principal conjunto de casos apreciados na esfera jurisprudencial diz respeito à legitimidade constitucional dos critérios estabelecidos pela legislação Lei 87421993 para a percepção do benefício mensal de um salário mínimo atribuído aos idosos e pessoas com deficiência enquadrados nos critérios legais por força do disposto no art 203 V da CF Tanto no que diz com os requisitos objetivos definição da condição de idoso e de pessoa com deficiência tal qual disposto no art 20 caput e 2º da Lei 87421993 quanto no tocante aos critérios para a comprovação da incapacidade da família para prover a manutenção do idoso ou pessoa com deficiência art 20 3º da Lei 87421993 o STF por ocasião do julgamento da ADIn 12321DF rel Min Ilmar Galvão DJ 01062001 reconheceu a constitucionalidade dos critérios legais impugnados mediante o argumento de que a própria Constituição Federal remeteu a questão ao legislador Todavia em virtude de um número significativo de decisões das instâncias ordinárias flexibilizando os critérios alguns ministros do STF em decisões monocráticas passaram a negar seguimento às reclamações do INSS argumentando que a reclamação não seria a via adequada para avaliar e reexaminar o conjunto probatório e as circunstâncias fáticas nas quais se louvou a decisão impugnada para o efeito de conceder o benefício o que somado aos novos critérios introduzidos na ordem jurídica para a concessão de outros benefícios assistenciais mas também à vista da profunda alteração do quadro econômico nacional evidencia que os critérios originais notadamente naquilo que excluem outros parâmetros para aferição no caso concreto da condição de miserabilidade tudo a atestar de acordo com a voz de Gilmar Mendes o processo de inconstitucionalização por que tem passado o 3º do art 20 da LOAS Lei 87421993 processo este que abarca a verificação de um estado de inconstitucionalidade por omissão parcial e um dever constitucional do legislador no sentido de corrigir tal estado 848 Em sintonia com a argumentação e tendência acima referida o STF acabou finalmente alterando o entendimento adotado na ADIn 12321DF e na linha de decisões monocráticas corretivas dos critérios legais objetivos estritos de modo a permitir sejam considerados outros referenciais tudo no sentido de assegurar uma aplicação mais afinada com o direito à assistência social previsto na CF Nesse sentido o STF acabou por declarar a inconstitucionalidade parcial sem redução de texto do art 20 3º da Lei 87421993 em sede de Repercussão Geral 849 No que diz respeito ao direito fundamental à assistência social é de se fazer referência especial ao caso da renda básica de cidadania instituída pela Lei n 10835 de 2004 que concedeu a todos os brasileiros residentes no país e estrangeiros residentes há pelo menos 5 cinco anos no Brasil independentemente de sua condição socioeconômica o direito de receberem anualmente um benefício monetário art 1º caput que deverá ser pago igualmente a todos sendo o valor definido pelo Poder Executivo de acordo com os arts 16 e 17 da Lei Complementar n 1012000 a Lei de Responsabilidade Fiscal art 2º e suficiente para satisfazer às necessidades mínimas com alimentação educação e saúde em parcelas iguais e mensais art 1º 2º De acordo com a norma a medida deveria ter sido executada em 2005 em etapas priorizando as camadas mais necessitadas da população art 1º 1º Contudo sua implementação nunca se concretizou por omissão do Presidente da República em editar a norma regulamentadora Entretanto em 27042021 com o julgamento do MI 7300DF rel Min Marco Aurélio o STF reconheceu a inconstitucionalidade por omissão por parte do Poder Executivo Federal sublinhando seu impacto negativo sobre a cidadania a dignidade da pessoa humana e o combate à extrema pobreza decidindo que a norma federal seja implementada no exercício fiscal seguinte ao da conclusão do julgamento no ano de 2022 prazo suficiente para que as contas públicas não sejam comprometidas apenas relativamente às pessoas em situação de vulnerabilidade socioeconômica de pobreza e extrema pobreza com renda per capita inferior a R 178 e R 89 uma vez que a Constituição Federal não determina a universalização da distribuição de renda a todos os brasileiros No que diz respeito à previdência social é de se mencionar a aprovação da Emenda Constitucional n 1032019 que alterou o sistema de previdência social e estabeleceu regras de transição Dentre as mudanças havidas podese citar como principais aquelas referentes à idade mínima e ao tempo de contribuição ao cálculo dos benefícios à instituição das alíquotas progressivas e às novas regras para pensão por morte Em vista da quantidade de alterações e seu caráter polêmico diversos processos foram levados ao STF seja envolvendo o regime previdenciário dos servidores públicos seja no tocante ao regime geral do INSS ações que contudo ainda se encontram pendentes de julgamento razão pela qual aqui não serão por ora tecidas mais considerações sobre o tema 41510 O direito à proteção da maternidade da infância da juventude e do idoso O direito fundamental social à proteção à maternidade e à infância encontrase consagrado no art 6º caput da CF 850 Uma adequada compreensão do âmbito de proteção do direito considerado no seu conjunto apenas se revela possível quando se leva a sério a relação com outros direitos fundamentais como é o caso do direito à saúde bem como do regime jurídicoconstitucional de proteção dos direitos fundamentais da criança e do adolescente art 227 da CF 851 apenas para ilustrar com alguns exemplos Tem se como parâmetro para a caracterização do âmbito normativo de tal direito todo o período compreendido entre a concepção gestação por exemplo atendimento prénatal nascimento e primeiros anos de vida da criança tanto sob a perspectiva da mulher quanto da criança de modo a assegurar a proteção de todos os direitos fundamentais que permeiam a relação mãefilho e o bemestar de ambos tudo no sentido de uma exegese compreensiva de todas as dimensões relacionadas à maternidade 852 Por outro lado muito embora aqui já não se possa mais falar propriamente em proteção à maternidade no caso da proteção à infância o período há de abarcar a fase da adolescência em virtude precisamente de uma leitura conjugada do art 6º e do art 227 ambos da CF São titulares do direito à proteção à maternidade e à infância tanto a mulher gestante e mãe quanto o nascituro e a criança que de qualquer modo poderão ser representados por terceiros inclusive pelo Ministério Público quando for o caso por exemplo na ausência dos pais ou em casos de conflito Destinatários são tanto órgãos estatais quanto particulares aplicandose no mais as diretrizes apresentadas no item sobre a vinculação dos particulares aos direitos fundamentais seja na parte geral seja na parte dedicada à eficácia dos direitos sociais na esfera das relações privadas No caso do direito à proteção da maternidade verificase que já no plano constitucional tal direito articulase com outros direitos fundamentais como no caso da proteção do trabalhador da assistência social dentre outros Com efeito a licençamaternidade consagrada no art 7º XVIII 853 da CF como direitogarantia da mulher trabalhadora urbana ou rural expressa concretização do direito à proteção à maternidade e à infância dado a importância do acompanhamento e contato materno nos primeiros meses de vida para o pleno desenvolvimento da criança 854 A Constituição Federal prevê inclusive no art 10 II b do ADCT a vedação de dispensa arbitrária ou sem justa causa da empregada gestante desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto 855 Também o art 201 II da CF dispõe que no âmbito do regime constitucional dispensado à previdência social deverá ser assegurada a proteção à maternidade especialmente à gestante bem como o art 203 I especificamente no tocante à assistência social consagra que ela tem por objetivos a proteção à família à maternidade O tema como já visto tem sido levado ao crivo do STF envolvendo seguidamente de modo simultâneo a proteção da maternidade e da infância No julgamento da ADI 5938DF Relator Ministro Alexandre de Moraes julgado de 29052019 856 o Plenário por maioria ratificou medida cautelar deferida pelo Relator e julgou parcialmente procedente o pedido formulado no sentido de declarar inconstitucional a expressão quando apresentar atestado de saúde emitido por médico de confiança da mulher que recomende o afastamento contida nos incisos II e III do art 394A da Consolidação das Leis do Trabalho CLT inseridos pelo art 1º da Lei 134672017 Notese que na redação anterior o dispositivo legal estabelecia que a empregada gestante ou lactante seria afastada enquanto durasse a gestação e a lactação de quaisquer atividades operações ou locais insalubres e deveria exercer suas atividades em local salubre Com a alteração implementada pela Lei 134672017 que promoveu a Reforma Trabalhista de 2017 o art 394A passou a permitir que a mulher gestante continuasse a realizar suas atividades mesmo em condições insalubres em grau mínimo ou médio Pior do que isso a nova versão do preceito legal impugnado e declarado inconstitucional previa que mesmo no caso da lactação ela permanecesse a desempenhar as atividades inclusive no caso de grau máximo de insalubridade Além disso a reforma legal impôs à gestante ou à lactante o ônus da apresentação de atestado de saúde emitido por médico de sua confiança que certificasse a necessidade do afastamento expondo tais trabalhadoras a atividades insalubres Sublinhese ainda que na fundamentação do julgado o STF assinalou que o direito social à proteção da maternidade em combinação com o princípio da dignidade da pessoa humana informa diversos outros direitos sociais de caráter instrumental como é o caso entre outros da licençagestante da proteção da gestante contra dispensa sem justa causa e da redução dos riscos inerentes ao trabalho Por tais razões a proteção da mulher grávida ou lactante caracterizase como direitogarantia tanto da mulher quanto da criança guardando relação também com o mandamento constitucional da prioridade absoluta da criança que abarca o dever de proteção integral inclusive do nascituro e do recémnascido lactente A proteção da infância por sua vez tal como expressamente referida no art 6º deve ser compreendida em sentido ampliado pois a proteção constitucional abarca tanto crianças quanto adolescentes como se verifica a partir do disposto no art 227 inserido no Capítulo VII da CF Da família da criança do adolescente do jovem e do idoso que dispõe no sentido dos deveres de proteção do Estado e da prioridade do atendimento aos direitos da criança bem como no 1º I que o Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da criança com aplicação de percentual dos recursos públicos destinados à saúde na assistência maternoinfantil onde novamente se verifica a vinculação entre o direito à proteção da maternidade e da criança O conjunto das disposições constitucionais específicas sobre a maternidade a criança e os adolescentes articulado com outros princípios e direitos fundamentais forma o arcabouço e fundamento constitucional do sistema de proteção e promoção da maternidade e da infância crianças e adolescentes 857 No que diz com a concretização no plano infraconstitucional o destaque vai para o Estatuto da Criança e do Adolescente Lei 80691990 que dá contornos normativos precisos ao direito à proteção à maternidade e à infância em alguns dos seus dispositivos No art 9º do diploma em questão temse consagrado que o Poder Público as instituições e os empregadores propiciarão condições adequadas ao aleitamento materno inclusive aos filhos de mães submetidas a medida privativa de liberdade Também no art 10 da mesma lei há previsão de que os hospitais e demais estabelecimentos de atenção à saúde de gestantes públicos e particulares são obrigados a I manter registro das atividades desenvolvidas através de prontuários individuais pelo prazo de 18 dezoito anos II identificar o recémnascido mediante o registro de sua impressão plantar e digital e da impressão digital da mãe sem prejuízo de outras formas normatizadas pela autoridade administrativa competente III proceder a exames visando ao diagnóstico e terapêutica de anormalidades no metabolismo do recémnascido bem como prestar orientação aos pais IV fornecer declaração de nascimento onde constem necessariamente as intercorrências do parto e do desenvolvimento do neonato V manter alojamento conjunto possibilitando ao neonato a permanência junto à mãe Tais medidas arroladas no âmbito infraconstitucional dão guarida normativa e concretizam o direito fundamental à proteção à maternidade e à infância Por fim na perspectiva da eficácia do direito fundamental social à proteção à maternidade e à infância há inclusive como atrelar medidas normativas e fáticas vinculadas à concretização de tal direito ao direitogarantia ao mínimo existencial como ocorreria por exemplo em situações envolvendo atendimento médico materno infantil art 227 1º I da CF 858 A sobreposição parcial de tais direitos com outros como no caso do direito à saúde e educação vejase o caso do acesso a creches disponibilizadas pelo Poder Público desde que bem compreendida e dogmaticamente consistente mais do que uma desvantagem constitui mesmo um reforço em termos de proteção especialmente em virtude da aplicação aos direitos à proteção da maternidade e da infância do regime jurídico dos direitos fundamentais inclusive e especialmente no que diz respeito à sua eficácia e efetividade 859 Situandose numa zona de interface entre a proteção da maternidade e da infância calha referir a jurisprudência em matéria criminal com amparo em decisões também do STF ademais da previsão em sede legislativa infraconstitucional da possibilidade de o Poder Judiciário deferir às mulheres com filhos menores de doze anos crianças portanto o cumprimento da prisão preventiva em regime de prisão domiciliar o que deverá ser verificado no caso em concreto tratase de ato judicial discricionário mediante o exame da conduta e personalidade do agente e em especial a preservação do melhor interesse da criança de tal sorte que se esses requisitos não se fizerem presentes o benefício poderá e mesmo deverá ser negado ainda mais quando a convivência com a mãe se verifica danosa para os filhos 860 Outro exemplo digno de nota é o da ADI 6039RJ Relator Ministro Edson Fachin medida cautelar julgada em 13032019 no bojo da qual se discutiu a constitucionalidade de lei do estado do Rio de Janeiro Lei n 80082018 que exige em caso de estupro praticado contra menor do sexo feminino que o respectivo exame seja realizado por perito legista mulher No caso deferindo a cautelar pleiteada além de refutar a tese de inconstitucionalidade formal por violação do esquema de competências federativo o Plenário afirmou à luz da exigência de igualdade material da doutrina da proteção integral e da prioridade absoluta a constitucionalidade material e deferiu a medida cautelar para determinar que as vítimas de violência sexual do sexo feminino e menores de idade sejam submetidas a perícia médica realizada por mulheres restando preservadas eventuais perícias porventura realizadas por profissionais do sexo masculino Em outra decisão mais recente proferida na ADI 3446DF Relator Ministro Gilmar Mendes julgada em 08082019 julgada improcedente pelo Plenário do STF foram impugnados diversos dispositivos do Estatuto da Criança e do Adolescente Dentre os diversos pontos discutidos na ação destacamse três pela sua relevância para a compreensão do objetivo conteúdo e alcance do marco jurídicoconstitucional brasileiro vigente no que diz respeito à proteção da infância e juventude O primeiro aspecto a ser referido é o da impugnação da constitucionalidade do art 16 I do ECA que consagra a liberdade de locomoção da criança e do adolescente ressalvadas as restrições legais Para o STF tal preceito guarda sintonia com a doutrina da proteção integral consagrada no art 227 da CF que assegura o direito à dignidade ao respeito e à liberdade das pessoas em desenvolvimento proibindo toda e qualquer forma de negligência discriminação violência crueldade e opressão razão pela qual inexiste a inconstitucionalidade apontada na ADI Além disso ainda segundo a decisão em pauta o dispositivo legal questionado encontrase em consonância com a normativa internacional relativa à proteção de crianças e adolescentes designadamente a proibição de interferências ilegítimas e arbitrárias na vida particular das crianças prevista no art 16 da Convenção sobre Menores da ONU com o dever de proteção integral estabelecido no art 19 da Convenção Americana de Direitos Humanos e com as Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça de Menores Por tal razão as privações sofridas pelos menores que habitam as ruas não podem ser corrigidas mediante novas restrições a direitos e a antiga doutrina menorista que não reconhecia a condição de sujeitos de direitos mas sim tratava tais pessoas como meros objetos da intervenção estatal Da mesma forma não foi acolhido o pedido de declaração de inconstitucionalidade da previsão legal no sentido de criminalizar detenções arbitrárias de crianças e adolescentes pois tal opção legislativa dá cumprimento ao mandado de criminalização constante do art 227 4º da CF que impõe ao legislador o dever de punir severamente atos de violência praticados contra crianças e adolescentes Para o STF a declaração de inconstitucionalidade do referido tipo penal representaria verdadeiro cheque em branco para que detenções arbitrárias restrições indevidas à liberdade dos menores e violências de todo tipo pudessem ser livremente praticadas Quanto à impugnação da decisão do legislador no sentido da exclusividade das medidas de proteção e para afastar medidas mais severas a Corte pontuou que tal orientação faz jus ao fato de que a criança é um ser em desenvolvimento e mais vulnerável dispondo o legislador de considerável liberdade de conformação para definir qual o tratamento mais adequado a ser dispensado às crianças em situação de risco criado por seu próprio comportamento não sendo desproporcional a opção pela exclusividade das medidas protetivas Por derradeiro o STF afastou a alegação de que a atuação do conselho tutelar nos casos de atos infracionais praticados por crianças viola a CF e a garantia da inafastabilidade da jurisdição porquanto se trata de órgão que permite e mesmo exige poderíamos agregar a participação direta da sociedade na implementação das políticas públicas definidas no art 227 da CF voltadas para a promoção e proteção da infância em consonância com as mais atuais teorias de justiça democracia e participação popular direta O que se percebe também e especialmente à vista da decisão colacionada é que o STF tem mantido e mesmo aperfeiçoado a sua orientação já consolidada de zelar pela efetividade do marco normativo que consagra a doutrina da proteção integral da criança como também se verifica no caso dos adolescentes e do princípiodever de privilegiar o seu melhor interesse e sua posição prioritária em termos de proteção 861 Já no concernente à proteção do idoso a Constituição Federal consagra um dever especial de amparo das pessoas idosas por parte da família e da sociedade com o intuito de garantir o direito à vida e defender a dignidade dos idosos bem como de assegurar lhes a participação na vida comunitária art 230 caput Além disso a Carta Magna determina que os programas de amparo aos idosos serão executados preferencialmente em seus lares garantindo ainda a gratuidade dos transportes públicos urbanos aos maiores de 65 anos respectivamente art 230 1º e 2º da CF Os preceitos referidos importa frisar articulamse com outros dispositivos constitucionais especialmente no campo dos direitos sociais e da ordem social como dão conta os direitos à saúde previdência e assistência social os dois últimos inclusive com particular aplicação aos idosos Por outro lado tal como ocorre com os demais direitos sociais e com os deveres de proteção estatal é mediante uma rede de políticas públicas e portanto por meio de um conjunto de ações legislativas e administrativas que a proteção dos idosos de matriz constitucional se concretiza no plano da vida O exemplo mais emblemático notadamente pela sua abrangência é o da Lei 107412003 o assim chamado Estatuto do Idoso que não apenas realiza o programa constitucional no que diz com os aspectos acima referidos art 230 da CF como avança e cumpre um papel inclusive promocional ademais de concretizar ressalvado um ou outro ponto carente de maior reflexão e aprimoramento uma justiça entre gerações 862 Também no campo da proteção do idoso assume relevo o papel do Poder Judiciário provocado pelos agentes legitimados com destaque a exemplo do que ocorre na esfera da infância e da juventude para o Ministério Público e a Defensoria Pública no sentido de velar pela consistência constitucional das ações dos órgãos estatais e mesmo da esfera privada o que em caráter meramente ilustrativo pode ser demonstrado mediante referência ao já discutido caso da assistência social que tem os idosos ao lado das pessoas com deficiência como destinatários como no caso da garantia constitucional e legal do transporte coletivo sobre o que também já existe manifestação do STF 863 Por derradeiro sem que se possa aqui aprofundar o tópico cumpre registrar na esteira do que sugere Paulo Roberto Barbosa Ramos que o programa constitucional de proteção e promoção do idoso é abrangente e carece de uma interpretação e concretização que dê conta do caráter heterogêneo da velhice das diversas velhices que existem no Brasil visto que a diversidade e as desigualdades sociais econômicas e culturais para além de outros aspectos impactam fortemente na condição das pessoas idosas e reclamam políticas públicas e uma rede de ações diferenciada 864 Por outro lado precisamente em virtude do quadro diferenciado que se apresenta na vida real como é possível detectar em algumas situações é necessário indagar se não se está por conta de um legítimo objetivo de proteção de pessoas em condição de vulnerabilidade eventualmente sem a devida diferenciação das situações promovendo uma espécie de paternalismo jurídico constitucional preocupação que à evidência não vale apenas para os idosos ou mesmo correndo o risco de romper com parâmetros de justiça o caso dos ingressos parcialmente subsidiados para espetáculos públicos ou mesmo a isenção de tarifa de transporte público para idosos de classe média alta ou mes mo alta é nessa perspectiva pelo menos digno de reflexão Tal preocupação contudo não infirma a bondade do programa constitucional de proteção do idoso e de qualquer pessoa ou grupo de pessoas em situação de efetiva vulnerabilidade muito antes pelo contrário apenas reforça a necessidade de se levar a sério tais situações e corrigir eventuais distorções que possam levar a algum desequilíbrio 41511 O direito ao transporte Com a promulgação da EC 90 resultante da PEC 902011 de autoria da Deputada Luiza Erundina SP foi inserido mais um direito fundamental social no já significativo elenco de direitos consagrado no art 6º da Constituição Federal de 1988 CF totalizando agora doze direitos sociais designadamente educação saúde trabalho lazer segurança previdência social proteção à maternidade proteção à infância e assistência aos desamparados que já constavam do catálogo original de 1988 bem como os direitos à moradia alimentação e ao transporte respectivamente incorporados em 2000 2010 e 2015 Que a inserção de um direito ao transporte guarda sintonia com o objetivo de assegurar a todos uma efetiva fruição de direitos fundamentais ou não mediante a garantia do acesso ao local de trabalho bem como aos estabelecimentos de ensino ainda mais no contexto da proteção das crianças e adolescentes e formação dos jovens serviços de saúde e outros serviços essenciais assim como ao lazer e mesmo ao exercício dos direitos políticos sem falar na especial consideração das pessoas com deficiência objeto de previsão específica no art 227 2º da CF e dos idosos resulta evidente e insere o transporte no rol dos direitos e deveres associados ao mínimo existencial no sentido das condições materiais indispensáveis à fruição de uma vida com dignidade Quanto à sua fundamentalidade substancial portanto poucos teriam razões para questionar nessa perspectiva o reconhecimento desse novo direito social Aliás em se tratando de dimensão do mínimo essencial a própria positivação textual poderia ser dispensada justificandose o reconhecimento do direito ao transporte na condição de direito fundamental implícito o que aqui não será mais desenvolvido mas terá reflexos em outro nível como logo se verá Mas se quanto a tal ponto a questão ao menos aparentemente soa mais singela a situação se revela mais complexa quando se trata de aplicar ao direito ao transporte o regime jurídico constitucional dos direitos fundamentais sem o qual a própria condição de direito fundamental restaria esvaziada Da mesma forma resta em aberto qual afinal o âmbito de proteção e respectivos limites do direito ao transporte e como se poderá tornar operativo na dupla perspectiva objetiva e subjetiva assim como quanto à sua titularidade aspectos que guardam conexão entre si e que igualmente dizem respeito ao regime jurídico dos direitos fundamentais Ora se a premissa há muito assumida por nós ademais de correspondente ao entendimento majoritário no Brasil atualmente é a de que os direitos fundamentais encontramse submetidos a um regime jurídicoconstitucional unificado que lhes imprime uma força jurídica diferenciada e qualificada na arquitetura constitucional não havendo quanto a tal aspecto e ressalvada alguma matização diferenças substanciais quanto aos direitos sociais e os demais direitos fundamentais aparentemente não haveria quanto a tal ponto maior problema que aqui pudesse ser levantado Mas o fato é que a existência de um eixo comum não explica por si só as conse quências propriamente ditas do referido regime jurídico nem dispensa considerações adicionais Com efeito tendo em conta que os elementos centrais da assim chamada fundamentalidade em sentido formal que se soma ao viés material residem na aplicabilidade imediata das normas de direitos fundamentais e na proteção privilegiada contra intervenções por parte do Poder Público mas também se consubstancia no fato de que os direitos fundamentais assumem a condição de limites materiais ao poder de reforma constitucional resta avaliar como isso poderá se aplicar ao direito ao transporte evitando portanto que se transforme em mais uma promessa constitucional carente em grande medida de efetividade Quanto ao primeiro aspecto o da aplicabilidade imediata está em causa a vinculação direta dos atores estatais e em certa medida sempre também dos atores privados ao direito ao transporte que devem em todos os seus níveis de atuação e respeitadas as limitações quanto à competência assegurarlhe a máxima eficácia e efetividade De particular relevo nesse contexto é a discussão em torno da viabilidade de se assegurar de modo individual eou transindividual ao cidadão um direito subjetivo originário ao transporte gratuito mesmo sem regulamentação legal ou política pública promovida pelo Poder Executivo ou apenas limitar tal direito na condição de posição subjetiva e exigível pela via jurisdicional a um direito derivado a prestações no sentido de um direito de igual acesso ao sistema de transporte já disponibilizado ou mesmo um direito a promoção pelo Poder Público de políticas de inclusão em matéria de transporte público seja mediante subsídios alcançados a empresas particulares concessionárias seja por meio de empresas públicas de transporte coletivo em ambos os casos com tarifas diferenciadas e mesmo em caráter gratuito para determinados segmentos a exemplo do que já se passa em sede do assim chamado passe livre para idosos e pessoas com deficiência etc 865 Aliás a discussão em torno da universalização do transporte público gratuito remete a outros dilemas porquanto mais do que conhecido o caso do Sistema Único de Saúde projetado como de acesso universal e gratuito gratuidade estabelecida por lei a despeito de não exigida constitucionalmente de tal modo com níveis de atendimento muito diferenciados e cada vez mais comprometidos no seu conjunto ademais de um número impressionante de usuários dos planos de saúde privados que já não mais suportam a qualidade do atendimento integral dispensado pelo SUS e buscam mediante paga e encargos por vezes desproporcionais considerando a renda familiar assegurar as mínimas condições para prevenção e tratamento em termos de saúde Se atentarmos ao fato de que saúde e educação ao menos foram dotados já do ponto de vista constitucional de um percentual mínimo de investimento público o restante da receita ainda que as fontes e montantes sejam variáveis caso a caso há de ser distribuída entre todos os demais direitos sociais o que inevitavelmente poderá tensionar ainda mais os conflitos que se estabelecem nessa seara mormente se o direito ao transporte for divulgado como sendo direito de todos o transporte público gratuito em todos os meios de transporte arcando o Estado integralmente com os encargos que à evidência não tem logrado atender Por outro lado impor aos particulares tal ônus sem contrapartida que assegure a manutenção da empresa a aquisição e manutenção dos meios de transporte pagamento de pessoal demais despesas incidentes igualmente não se revela solução compatível com o ordenamento constitucional e de qualquer sorte resultaria no abandono completo dessa via negocial com graves consequências para a acessibilidade diuturna dos cidadãos Com isso já se percebe que a situação é mais complexa e demanda uma abordagem sistêmica e que não dispensa um conjunto de ações coordenadas de caráter legislativo e administrativo bem como uma articulação em nível federativo ademais de equacionamento no plano tributário orçamentário e financeiro Um direito subjetivo originário portanto há de ter caráter excepcional e vinculado ao mínimo existencial eventualmente ante a falta ou insuficiência da ação estatal Por outro turno a concessão judicial de transporte gratuito diretamente imposta a empresas privadas para além da regulação existente ademais de harmônica com custos previamente calculados e pactuados deverá levar em conta como já se sugeriu no caso de compra de vagas pelo Poder Público junto ao ensino privado eventual compensação por parte do Estado visto que do contrário nem mais combustível poderá ser adquirido para acionar os motores que asseguram o acesso rápido aos bens e serviços Em suma aos que bradam contra a assim chamada no nosso sentir de modo um tanto inadequado judicialização da política e contra o ativismo judicial outro termo que soa desconfortável a inclusão de mais um direito social certamente fornecerá muito material e poderá levar a mais uma enxurrada de ações no Poder Judiciário Por outro lado na esfera da assim chamada dimensão negativa dos direitos fundamentais o novo direito ao transporte também não deixa de atrair questões interessantes e nem sempre de fácil equacionamento designadamente quando em causa a supressão de políticas inclusivas ou de subsídios aplicadas ao sistema de transporte público e coletivo entre outras que podem ser impugnadas pela via judicial Além do problema do estabelecimento dos limites de tal direito que evidentemente não é simples e convoca as categorias da reserva legal do núcleo essencial e da proporcionalidade ao menos para citar as mais relevantes exsurge a indagação se o novo direito ao transporte ocupa a condição de limite material à reforma constitucional Também aqui as opiniões são fortemente diferenciadas Como se trata de direito fundamental introduzido mediante emenda constitucional as posições vão desde os que negam categoricamente tal condição até os que a afirmam com toda a sua plenitude sobressaindo aqui o entendimento de que em se tratando de direito que já poderia ser considerado implicitamente positivado de modo que a previsão textual apenas a chancela afastando toda e qualquer recusa por parte dos poderes públicos de dar cumprimento ao comando constitucional o que nos faz remeter ao capítulo dedicado ao poder de reforma constitucional De qualquer sorte em sua formatação mais modesta a inserção de um direito fundamental ao transporte considerando a sua condição de direito fundamental deveria pelo menos servir de fundamento para ações judiciais impugnando toda e qualquer medida não justificada e desproporcional que tenha por escopo reduzir os níveis de acesso ao transporte Assim à luz do exposto percebese que são inúmeros os desafios e grande a chance de também essa nova promessa desaguar no já antigo problema da falta de efetividade das promessas constitucionais Em suma perguntase se o direito ao transporte será apenas mais um caso de frustração constitucional ou quem sabe ocupará um papel relevante para assegurar a todos uma vida com mais dignidade pelo menos aos que necessitam de tal transporte 41512 O direitodever fundamental de proteção e promoção de um meio ambiente saudável A inserção de um direito humano e fundamental à proteção do ambiente num texto constitucional brasileiro ocorreu apenas na CF que contudo situase entre as primeiras a consagrarem expressamente tal direito na esteira do que já havia ocorrido em Portugal 1976 e Espanha 1978 Com efeito dispõe o art 225 caput da CF Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida impondose ao Poder Público e à coletividade o dever de defendêlo e preserválo para as presentes e futuras gerações 1º Para assegurar a efetividade desse direito incumbe ao Poder Público I preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas II preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético III definir em todas as unidades da Federação espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção IV exigir na forma da lei para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente estudo prévio de impacto ambiental a que se dará publicidade V controlar a produção a comercialização e o emprego de técnicas métodos e substâncias que comportem risco para a vida a qualidade de vida e o meio ambiente VI promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente VII proteger a fauna e a flora vedadas na forma da lei as práticas que coloquem em risco sua função ecológica provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade 866 2º Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente na forma da lei 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores pessoas físicas ou jurídicas a sanções penais e administrativas independentemente da obrigação de reparar os danos causados 4º A Floresta Amazônica brasileira a Mata Atlântica a Serra do Mar o Pantanal MatoGrossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional e sua utilização farseá na forma da lei dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente inclusive quanto ao uso dos recursos naturais 5º São indisponíveis as terras devolutas ou arrecadadas pelos Estados por ações discriminatórias necessárias à proteção dos ecossistemas naturais 6º As usinas que operem com reator nuclear deverão ter sua localização definida em lei federal sem o que não poderão ser instaladas Por fim registrese a inclusão mediante a EC 96 de 2017 de um 7º no art 225 com a seguinte redação Para fins do disposto na parte final do inciso VII do 1º deste artigo não se consideram cruéis as práticas desportivas que utilizem animais desde que sejam manifestações culturais conforme o 1º do art 215 desta Constituição Federal registradas como bem de natureza imaterial integrante do patrimônio cultural brasileiro devendo ser regulamentadas por lei específica que assegure o bemestar dos animais envolvidos A transcrição literal e integral do art 225 com seus respectivos incisos e parágrafos muito embora não se vá aqui comentar um a um tem por objetivo demonstrar que o direito à proteção do meio ambiente compreendido como um direito em sentido amplo decodificase em um conjunto diversificado e heterogêneo de posições jurídicas inclusive e particularmente impondo uma série de medidas tarefasobjetivos aos poderes públicos traduzindose portanto em um dever geral objetivo de proteção do ambiente e um correlato leque de deveres específicos a ser tematizado logo adiante ademais de algumas outras garantias Ademais disso os preceitos que integram o art 225 veiculam ainda que não de modo direto os mais importantes princípios e deveres em matéria da proteção e promoção ambiental consagrados na normativa internacional e em boa parte objeto de regulamentação legal doméstica tais como os deveres de precaução e prevenção sustentabilidade poluidorpagador entre outros 867 A célebre e ainda atual querela entre os defensores do posicionamento que advoga a existência de um direito subjetivo individual e transindividual fundamental à proteção do ambiente e os que advogam a sua condição de exclusivo dever de proteção objetivo e norma definidora de fins estatais não deve ser hipertrofiada mas carece de alguma anotação Ao passo que no direito estrangeiro o debate perdura como no caso entre outros de Alemanha Portugal e Espanha em particular nesta última onde sequer a proteção do ambiente é tida como representando um direito fundamental propriamente dito 868 o fato é que na doutrina e na jurisprudência brasileira inclusive no STF consolidouse o entendimento de que se cuida em primeira linha de um direito subjetivo portanto dotado da correspondente exigibilidade até mesmo pela via judiciária sem prejuízo de uma robusta dimensão objetiva que implica um conjunto de deveres 869 Assim na perspectiva subjetiva afirmouse a posição da existência na CF de um direito à proteção e promoção de um meio ambiente equilibrado e saudável no sentido de um direito fundamental em sentido amplo ao qual se encontram associados um conjunto diferenciado e complexo de posições subjetivas específicas de natureza prestacional positiva e defensiva negativa No que diz com a sua condição de dever reiterese que a CF também consagrou um dever geral e uma série de deveres especiais ademais de tarefas impostos ao Poder Público mas também direcionados de modo imediato ou mediato aos particulares Com efeito a teor do que dispõe o caput do art 225 da CF1988 incumbe ao Poder Público e à coletividade o dever de defender e preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações tudo indica que também os particulares estão juridicamente vinculados ao dever de proteção ambiental Assim importa consignar que nessa perspectiva são atribuídos aos particulares tanto direitos quanto deveres fundamentais em matéria ambiental deveres que por sua vez não se confundem com os deveres de proteção e promoção ambiental do Estado 870 que também encontram supedâneo expresso ou implícito no texto constitucional art 225 caput e 1º Ao fazer isso conforme pontua Benjamin além de ditar o que o Estado não deve fazer dever negativo ou o que lhe cabe empreender dever positivo a norma constitucional estende seus tentáculos a todos os cidadãos parceiros do pacto democrático convencida de que só assim chegará à sustentabilidade ecológica 871 Tal cenário jurídicoconstitucional especialmente naquilo em que está delineado para a tutela ecológica encontra forte justificação no e guarda íntima relação com o princípio e dever constitucional de solidariedade sem prejuízo das possibilidades no campo da assim designada eficácia do direito mais propriamente do complexo de direitos e deveres fundamental à proteção e à promoção do ambiente nas relações entre particulares o que no seu conjunto e diante do quadro de risco existencial imposto pela degradação ecológica impõe maior carga de responsabilidade no que diz com as ações e omissões dos particulares pessoas físicas e jurídicas que de alguma forma possam mesmo que potencialmente em face da aplicação do princípio e dever de precaução comprometer o equilíbrio ecológico Temse portanto a superação do paradigma liberalindividual em razão inicialmente da afirmação históricoconstitucional dos direitos fundamentais sociais e ecológicos que acabam por fortalecer a dimensão dos deveres fundamentais e limitar os direitos de cunho liberal De acordo com Nabais o panorama liberalclássico vai alterarse significativamente à medida que os direitos fundamentais deixam de ser apenas os clássicos direitos de liberdade camada ou geração liberal e passam a integrar também os direitos de participação política camada ou geração democrática os direitos as prestações sociais camada ou geração social e os direitos ecológicos camada ou geração ecológica Ora todos estes direitos se por um lado como direitos que são exprimem exigências do indivíduo face ao Estado assim alargando e densificando a esfera jurídica fundamental do cidadão por outro lado também limitam de algum modo essa mesma esfera através da convocação de deveres que lhes andam associados ou coligados 872 De acordo com Gomes o cidadão é simultaneamente credor e devedor da tutela ambiental devendo colaborar ativamente com os poderes públicos na preservação de um conjunto de bens essencial para a sobrevivência e desenvolvimento equilibrado dos membros da comunidade 873 Nesse ponto merece referência a formulação de Canotilho que compartilhando de tal entendimento afirma à luz da temática ambiental o necessário deslocamento do problema dos direitos fundamentais do campo dos direitos para o terreno dos deveres o que implica a necessidade de se ultrapassar a euforia do individualismo dos direitos fundamentais e de se radicar uma comunidade de responsabilidade de cidadãos e entes políticos perante os problemas ecológicos e ambientais 874 À luz de tal contexto Bosselmann destaca a influência recíproca entre direitos e deveres refletidos na realidade ambiental em razão de que o ser humano ao mesmo tempo que necessita explorar os recursos naturais é completamente dependente deles o que torna necessária uma autolimitação do comportamento humano não apenas em termos práticos mas também em termos normativos 875 O exercício de direitos em face dos recursos naturais e da qualidade do ambiente deve ser limitado por restrições ecológicas sendo necessária a configuração de um dever fundamental para prevenir o dano ambiental Para o jurista alemão direitos ambientais sem deveres deveria ser algo do nosso passado insustentável 876 Os assim chamados direitos de solidariedade encontramse atrelados à ideia de direitosdeveres de modo a reestruturar e reconstruir o tratamento normativo dispensado aos deveres fundamentais em face dos direitos fundamentais com destaque neste contexto ao direito e dever de proteção e promoção do ambiente A responsabilidade pela tutela ecológica portanto não incumbe apenas ao Estado mas também aos particulares pessoas físicas e jurídicas os quais possuiriam para além do direito a viver em um ambiente sadio deveres para com a manutenção do equilíbrio ecológico Com efeito vale colacionar a lição de Nabais que refere a designação de direitos boomerang ou de direitos com efeito boomerang atribuída aos direitos ecológicos o que se dá justamente em razão da sua estrutura de direitodever ou seja se por um lado eles constituem direitos por outro eles constituem deveres para o respectivo titular e de certo modo acabam por se voltar contra os próprios titulares 877 limitando seus direitos subjetivos a fim de ajustar o seu exercício ao comando constitucional de proteção do ambiente Os deveres fundamentais de proteção do ambiente de tal sorte são expressões da solidariedade política econômica social e ecológica enquanto valor ou bem constitucional legitimador de compressões ou restrições em face dos demais direitos fundamentais No mesmo prisma Mateo destaca a transcendência individual dos direitos ambientais que constituiriam mais fontes de deveres e responsabilidades do que propriamente de direitos subjetivos 878 A Carta da Terra The Earth Charter 879 por sua vez destaca a existência de deveres e limitações de cunho ecológico impostos ao exercício de direitos Reconhece o seu texto a respeito dos deveres e limitações ambientais que todos os seres vivos são interdependentes e cada forma de vida tem valor independentemente de sua utilidade para os seres humanos Princípio 1 a que com o direito de possuir administrar e usar os recursos naturais vem o dever de impedir o dano causado ao meio ambiente e de proteger os direitos das pessoas Princípio 2 a bem como que se deve impor o ônus da prova àqueles que afirmarem que a atividade proposta não causará dano significativo e fazer com que os grupos sejam responsabilizados pelo dano ambiental Princípio 6 b Mais recentemente também na perspectiva do direitodever inerente à tutela do ambiente a Convenção de Aarhus sobre Acesso à Informação Participação Pública na Tomada de Decisões e Acesso à Justiça em Matéria Ambiental 2001 880 reconheceu no plano internacional que todos os indivíduos têm o direito de viver num ambiente propício à sua saúde e bemestar e o dever quer individualmente quer em associação com outros indivíduos de proteger e melhorar o ambiente em benefício das gerações presentes e futuras bem como que para poderem exercer esse direito e cumprir esse dever os cidadãos devem ter acesso à informação poder participar no processo de tomada de decisões e ter acesso à justiça no domínio do ambiente e reconhecendo que neste contexto os cidadãos podem necessitar de assistência para poderem exercer os seus direitos Tal contexto normativo internacional caminha alinhado com o tratamento constitucional de direitodever empregado pela CF1988 à proteção do ambiente Nesse ponto é oportuno traçar a distinção entre deveres conexos ou correlatos aos direitos e os deveres autônomos Tal diferença reside justamente no fato de que os últimos não estão relacionados ao menos diretamente à conformação de nenhum direito subjetivo ao passo que os primeiros tomam forma a partir do direito fundamental a que estão atrelados materialmente O direito fundamental ao ambiente e o direito fundamental à saúde são exemplos típicos de direitosdeveres o que significa posto de outra maneira que os deveres fundamentais de proteção do ambiente e de promoção da saúde estão vinculados de forma direta aos preceitos constitucionais que consagram tais direitos fundamentais conforme deflui respectivamente já do enunciado semântico literal dos dispositivos normativos do art 225 caput e do art 196 caput ambos da CF1988 No caso da proteção do ambiente como pontua Canotilho tem se um dever fundamental conexo ou relacionado com o direito fundamental ao ambiente da mesma forma como ocorre com o dever de defesa e promoção da saúde associado ao direito à proteção da saúde o dever de escolaridade básica associado ao direito ao ensino o dever de defesa do patrimônio relacionado com o direito à fruição e criação cultural etc e não um dever propriamente autônomo como ocorre com o dever fundamental de pagar impostos dever de colaborar na administração eleitoral dever de serviço militar dever de exploração da terra etc 881 Assim à luz dos desenvolvimentos precedentes embora sumários é possível identificar as primeiras diretrizes do regime jurídicoconstitucional dos deveres fundamentais de proteção do ambiente notadamente em relação à sua característica de ser um dever conexo ou associado ao direito fundamental ao ambiente atentandose a partir de agora para o aspecto da sua dupla fundamentalidade formal e material Central para uma dogmática constitucionalmente adequada em matéria de deveres fundamentais notadamente quando se trata de ter para além de direitos deveres efetivos é a determinação de qual o regime jurídicoconstitucional dos deveres fundamentais Cuidase por certo de tema difícil e que não se tem a pretensão de aprofundar a não ser no que diz com a identificação de alguns problemas e diretrizes Desde logo convém salientar que a transposição do regime jurídico dos direitos fundamentais para a seara dos deveres deve ser realizada com a máxima cautela seja em virtude da necessidade de se observar algumas peculiaridades dos deveres seja o que de resto também vale para os direitos em homenagem ao contexto jurídicoconstitucional brasileiro que não é exatamente igual ao de outros Estados Constitucionais por mais influentes que sejam na condição de parâmetros para a evolução constitucional A partir de tal enfoque é possível afirmar que aos deveres fundamentais se aplica tal qual aos direitos a noção de uma dupla fundamentalidade formal e material que se traduz por sua vez em regime jurídico qualificado e diferenciado no contexto da ordem constitucional Com efeito quanto ao reconhecimento de uma fundamentalidade material substancial do dever de proteção ambiental não se verifica controvérsia no Brasil o que corresponde ao entendimento amplamente majoritário e consolidado na esfera doutrinária 882 bem como já foi objeto de reiterado reconhecimento por parte da jurispru dência Aliás tal exegese guarda sintonia com o art 225 da CF1988 especialmente em relação ao texto do seu caput que dispõe de forma expressa a respeito do dever de defender e preservar o ambiente para as presentes e futuras gerações O Supremo Tribunal Federal especialmente no âmbito de voto prolatado pelo Ministro Celso de Mello destacou o dever de solidariedade projetado a partir do direito fundamental ao ambiente implicando para toda a coletividade ou seja entidades privadas e particulares um dever de tutela do ambiente Com efeito de acordo com o STF a proteção constitucional do ambiente enseja especial obrigação que incumbe ao Estado e à própria coletividade de defendêlo e de preserválo em benefício das presentes e futuras gerações evitandose desse modo que irrompam no seio da comunhão social os graves conflitos intergeneracionais marcados pelo desrespeito ao dever de solidariedade na proteção da integridade desse bem essencial de uso comum de todos quantos compõem o grupo social 883 Se a justificação da fundamentalidade material da proteção ambiental resulta tranquila a noção de uma abertura material do sistema constitucional de deveres fundamentais por sua vez poderá merecer maior investimento argumentativo Basta neste contexto colacionar o magistério de Nabais para o qual a consagração de deveres fundamentais pode darse de forma expressa ou implícita no texto constitucional 884 obedecendo no entanto ao princípio da tipicidade numerus clausus diferentemente do que ocorre com os direitos fundamentais 885 No caso do direito fundamental ao ambiente com base no texto constitucional brasileiro tais considerações seriam facilmente superadas para a configuração do dever fundamental de proteção ambiental já que se encontra consagrado de forma expressa no caput do art 225 podendose inclusive destacar a existência de uma espécie de cláusula geral contida no referido dispositivo no sentido de um dever fundamental geral de proteção do ambiente Os deveres ecológicos a partir de tal compreensão tomam as mais diversas formas tanto de natureza defensiva não fazer quanto prestacional fazer de acordo com as exigências de uma tutela ampla e isenta de lacunas pelo menos em termos de proteção jurídicoconstitucional do ambiente 886 inclusive no que diz respeito à sua tutela preventiva especialmente por meio da aplicação do princípio e dever da precaução 887 Há portanto a partir da força normativa da cláusula geral citada a possibilidade de caracterização de diversas formas de deveres ecológicos inclusive de justificação mediante a sua verificação a partir do caso concreto de violação ao bem jurídico ambiental Haveria espaço de acordo com tal entendimento até mesmo para o reconhecimento jurisprudencial de novas manifestações concretas do dever fundamental de proteção do ambiente desde que em sintonia com o sistema constitucional notadamente no que diz com a observância das exigências do Estado de Direito e se a situação concreta de agressão ao ambiente de fato justifique que tal medida se imponha É bem verdade todavia que tal linha de entendimento reclama maior desenvolvimento e reflexão de tal sorte que aqui vai enunciada de modo propositivo e afinada com a perspectiva adotada Há que considerar ainda a partir da perspectiva da fundamentalidade material e formal dos deveres fundamentais de proteção do ambiente que no que concerne ao seu núcleo essencial tais direitos e deveres encontramse protegidos em face de reformas constitucionais ou legislativas que objetivem a supressão ou esvaziamento do seu conteúdo Sob uma perspectiva material houve uma decisão tomada pelo constituinte brasileiro ao consolidar o direito subjetivo e o correlato dever fundamental dos indivíduos e da coletividade a viverem em um e não qualquer ambiente ecologicamente equilibrado considerando ser ele essencial à sadia qualidade de vida art 225 caput da CF1988 Ao declarar ser a qualidade ambiental essencial a uma vida humana saudável e digna o constituinte consignou no pacto constitucional sua escolha de incluir a proteção ambiental entre os valores permanentes e fundamentais da República brasileira Portanto eventual medida de caráter retrocessivo ou seja que resulte em limitação da proteção ambiental há de passar por rigoroso exame no que diz com a sua legitimidade constitucional Conforme a lição de Silva em razão da conexão entre o direito ao ambiente e o direito à vida verificase a contaminação da proteção ambiental com uma qualidade que impede sua eliminação por via de emenda constitucional 888 estando por via de consequência inserido materialmente no rol das matérias componentes dos limites materiais ao poder de reforma art 60 4º da CF1988 de modo a conferir ao direito fundamental ao ambiente o status de cláusula pétrea Como referido acima o dever fundamental ou os deveres fundamentais de proteção do ambiente devem ainda que eventualmente com intensidade variável dispor do mesmo regime jurídicoconstitucional dos direitos fundamentais notadamente em relação à sua proteção contra os poderes de reforma constitucional Outra não poderia ser a interpretação constitucional dada ao direitodever de proteção do ambiente em vista da consagração da sua jusfundamentalidade Mediante o reconhecimento da proteção ambiental como cláusula pétrea a Constituição brasileira na esteira da lição de Benjamin conferiu um valioso atributo de durabilidade à proteção ambiental no âmbito de ordenamento jurídicoconstitucional brasileiro o qual funciona como barreira à desregulamentação e a alterações ao sabor de crises e emergências momentâneas artificiais ou não 889 O reforço em termos de tutela constitucional que se pretende conferir ao dever e correspondente direito fundamental de proteção e promoção do ambiente por meio de seu reconhecimento como cláusula pétrea guarda afinidade ainda com a garantia constitucional de proibição de retrocesso socioambiental já que tal instituto jurídicoconstitucional objetiva preservar e até certo ponto blindar o bloco normativo jurídicoconstitucional em matéria socioambiental em face de eventuais retrocessos especialmente no tocante à proteção conferida aos direitos fundamentais e à dignidade da pessoa humana assim como no plano ecológico em face da redução dos níveis de proteção ambiental Aliás o princípio da vedação de retrocesso em matéria ambiental já tem sido objeto de reiterado reconhecimento pelo STF como dá conta entre outros exemplos que poderiam ser colacionados as decisões proferidas na ADIn 4717DF rel Ministra Cármen Lúcia julgada em 05042018 890 onde foi declarada a inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade da Medida Provisória 5582012 convertida na Lei 126782012 no que concerne a alterações de limites de parques e florestas nacionais e de unidades de conservação promovidas com o escopo da construção de usinas hidrelétricas Segundo a Corte as alterações nos níveis de proteção afetaram o núcleo essencial do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado visto que os empreendimentos hidrelétricos que segundo a MP justificariam os ajustes ainda dependiam à época de licenciamento ambiental Mais recentemente o STF voltou a tratar do tema em matéria envolvendo o exercício da competência legislativa concorrente por parte de ente federativo estadual no julgamento da ADI 5016BA sob a relatoria do Ministro Alexandre de Moraes 891 No julgamento a Corte entendeu que ao disciplinar regra de dispensa de outorga de direito de uso de recursos hídricos o art 18 5º da Lei n 116122009 do Estado da Bahia com a redação dada pela Lei n 123772011 usurpou a competência da União prevista no art 21 XIX da CF1988 para definir critérios e regramento na matéria Segundo o STF a dispensa de outorga de direito de uso de recursos hídricos para perfuração de poços tubulares afronta a incumbência do poder público de controlar o emprego de técnicas métodos e substâncias que comportem risco para a vida a qualidade de vida e o meio ambiente em desacordo com o que dispõe o art 225 1º V da CF1988 Também segundo a Corte os arts 19 VI e 46 XI XVIII e XXI da lei estadual baiana atacada ao dispensarem a manifestação prévia dos Comitês de Bacia Hidrográfica para a atuação do Conselho Estadual de Recursos Hídricos CONERH e portanto reduzirem a participação da coletividade na gestão dos recursos hídricos violam o princípio democrático art 1º da CF1988 Da mesma maneira o art 21 da lei impugnada suprime condicionantes à outorga preventiva de uso de recursos hídricos resultantes de participação popular ferindo segundo entendimento da Corte não apenas o princípio democrático mas também o princípio da vedação do retrocesso social É importante pontuar sobre o tema que a abrangência dada ao princípio da proibição de retrocesso pelo STF não se limita à sua tradicional vertente social como alguns poderiam pressupor na leitura apenas da ementa do julgado Da mesma forma a compreensão do referido princípio pela nossa Corte Constitucional também implica o reconhecimento do correlato dever de progressividade em matéria ambiental Para não deixar pairar qualquer dúvida a respeito de tal entendimento registrase passagem do votorelator do Min Alexandre de Moraes ao assinalar que a lei atacada resultou em afronta ao princípio da vedação do retrocesso que impossibilita qualquer supressão ou limitação de direitos fundamentais já adquiridos Tal garantia se coaduna com os princípios da dignidade da pessoa humana e da segurança jurídica estabelecendo um dever de progressividade em matérias sociais econômicas culturais e ambientais Outro ponto importante que se pode extrair da fundamentação do votorelator diz respeito à aplicação tanto do princípio da proibição de retrocesso quanto do seu correlato dever de progressividade não apenas ao legislador em matéria ambiental mas também à esfera administrativa conforme se pode observar de passagem doutrinária citada no referido voto reforçando a tese aqui sustentada A decisão do STF assim colocase em perfeito alinhamento com a recente consagração tanto do princípio da vedação de retrocesso quanto do dever de progressividade em matéria ambiental consagrados expressamente no art 3 c do Acordo de Escazú 2018 revelando por assim dizer o necessário diálogo de fontes normativas na temática ecológica Ainda sobre a competência legislativa concorrente dos Estados no âmbito da proteção ambiental calha referir o julgamento do STF na ADI 5312 no qual se entendeu que a competência dos entes federativos na proteção ambiental não implica na possibilidade de que Estadomembro viabilize uma proteção deficiente do direito fundamental ao meio ambiente Com base neste entendimento foi declarada a inconstitucionalidade do art 10 da Lei Estadual n 27132013 do Tocantins que dispensava de licenciamento a realização de atividades agrossilvipastoris independentemente do potencial de degradação e com a consequente dispensa do prévio estudo de impacto ambiental 892 Nessa senda calha colacionar o entendimento de Morato Leite pontuando que o direito fundamental ao ambiente não admite retrocesso ecológico pois está inserido como norma e garantia fundamental de todos tendo aplicabilidade imediata consoante art 5º 1º e 2º da Constituição Além do que o art 60 4º IV também da Carta Magna proíbe proposta de abolir o direito fundamental ambiental nesse sentido considerado cláusula pétrea devido à sua relevância para o sistema constitucional brasileiro 893 Assim constituindo os direitos e os deveres sociais e ecológicos assim como os direitos civis e políticos valores basilares de um Estado Socioambiental e Democrático de Direito sua abolição acabaria por redundar na própria destruição da identidade da nossa ordem constitucional o que por evidente se encontra em flagrante contradição com a finalidade precípua das cláusulas pétreas Por outro lado está certo Vieira de Andrade ao acentuar que os deveres fundamentais mesmo aqueles aparentemente associados ou conexos a direitos constituem na maioria dos casos uma realidade autônoma e exterior ao direito subjetivo embora na me dida em que são explicitações de valores comunitários possam fundamentar a limitação dos direitos fundamentais em geral 894 o que se aplica também aos deveres em matéria ambiental 41513 O direito de acesso à Internet 895 Ainda que os debates sobre o reconhecimento do direito de acesso à Internet não sejam mais novidade há de se notar que os reveses enfrentados ao longo da pandemia de covid19 lançaram novos holofotes sobre a questão e evidenciaram novos desafios e mesmo caminhos a serem trilhados As dificuldades enfrentadas no Mundo todo em maior ou menor medida especialmente mas não só no campo do acesso ao ensino da proteção e promoção da saúde no mundo do trabalho colocaram o tema do acesso a uma Internet de qualidade segura e estável num novo patamar em termos de relevância e urgência No concernente à regulação da matéria na esfera internacional já são cinco os documentos elaborados no âmbito do Sistema ONU sobre o direito de acesso à Internet 896 nos quais é apontada a relevância da conectividade à Internet para a promoção de direitos humanos e fundamentais já reconhecidos como é o caso das liberdades de expressão e de informação bem como do direito de acesso à informação Dentre tais documentos destacase a versão final da General Conference 38 C53 realizada pela UNESCO em 2015 no bojo da qual se apoiou em termos gerais a universalização da Internet Da mesma forma devem ser referidos os Relatórios das Relatorias Especiais para a Liberdade de Expressão da Assembleia Geral da ONU de 2011 em nível global e da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA de 2013 em nível regional nos quais se defendeu a necessidade de manterse a Internet aberta sem obstáculos tecno lógicos a fim de proteger e promover a liberdade de expressão e o livre acesso à informação dos usuários da rede Mais recentemente agora lançando o olhar sobre o que se passa em outras ordens jurídicas nacionais chamou a atenção em todo Mundo importante decisão da Suprema Corte da Índia que em janeiro de 2020 no julgamento do caso Anuradha Bhasin v Índia conferiu proteção constitucional ao uso da Internet no País a fim de viabilizar a efetividade de direitos fundamentais online especialmente a liberdade de expressão No caso da Índia o que foi também objeto de referência na decisão os problemas relacionados às dificuldades com o acesso à Internet tem sido frequentes e agudos tendo em vista os frequentes apagões na Internet por sua vez decorrentes do vasto número de usuários da rede no País que atinge 624 milhões de pessoas equivalendo a 45 da população estimada em 139 bilhões tudo de acordo com pesquisa publicada em janeiro de 2021 pela HootSuite em parceria com o We Are Social 897 A decisão da Suprema Corte indiana definiu que em caso de suspensão do serviço de internet tendo em vista que tal medida implica a restrição de direitos fundamentais deve ser seguido um procedimento específico além de a suspensão ser temporária e aplicada tãosomente em circunstâncias excepcionais ela deve ser notificada com razoável antecedência de modo a permitir a sua discussão perante os Tribunais Todavia apesar dos avanços protagonizados pela decisão da Suprema Corte as suspensões do acesso à Internet na Índia seguem ocorrendo com frequência evidenciando as dificuldades enfrentadas para o cumprimento e implementação das decisões da Suprema Corte no contexto indiano conforme Tanmay Singh Anandita Mishra e Krishnesh Bapat sublinham em coluna publicada no Verfassungsblog no último dia 26 de outubro 898 Levando em conta os entraves para implementação da decisão em dezembro de 2020 foi submetido um novo pedido para o seu cumprimento perante a Suprema Corte indiana que por ora ainda não foi analisado 899 Vale referir que as suspensões afetam os usuários de internet móvel que correspondem principalmente aos usuários de baixa renda os quais por sua vez não possuem condições financeiras para arcar com os serviços de internet banda larga No caso do Brasil sabese que os problemas e desafios relacionados ao acesso à Internet não têm sido de baixa monta tendo sido agudizados nos últimos anos em especial assim como em outros lugares no contexto da pandemia do Covid19 Apenas para ilustrar com alguns dados o que se passa no Brasil estimase existirem 160 milhões de usuários da Internet que correspondem a 75 da população estimada em 2133 milhões percentual superior ao da Índia igualmente de acordo com pesquisa publicada em janeiro 2021 pela HootSuite em parceria com o We Are Social Na perspectiva do Direito chama a atenção que no Brasil já foram propostas quatro emendas à Constituição com o intuito de incluir um direito de acesso à internet no rol de direitos fundamentais previsto na Constituição Federal de 1988 CF A primeira PEC n 62011 já foi arquivada e pretendia inserir o direito de acesso à internet entre os direitos sociais previstos no art 6º CF A segunda de iniciativa da Câmara dos Deputados desarquivada em 2019 e em tramitação no Congresso Nacional a PEC n 1852015 busca acrescentar o inciso LXXIX ao art 5º da Constituição Federal para assegurar a todos o acesso universal a Internet entre os direitos fundamentais do cidadão A terceira PEC n 82020 de iniciativa do Senado Federal foi proposta em março de 2020 também tem o condão de inserir o direito de acesso à internet no rol previsto no art 5º A quarta PEC n 352020 também originada no Senado Federal por sua vez visa alterar os arts 5º 6º e 215 da CF88 a fim de inserir o direito de acesso à internet no rol de direitos sociais assim como o dever de assegurar acesso à internet a todos os residentes no País tendo sido encaminhada ao Plenário do Senado ainda em 2020 Na esfera infraconstitucional registramse os avanços já protagonizados pelo Marco Civil da Internet Lei n 129652014 que reconhece de modo expresso o direito de acesso à Internet a todos dentre os objetivos do uso da Internet no Brasil art 4º inc I do Marco Civil da Internet No que diz com a atuação do Poder Judiciário nessa matéria até o presente momento não houve decisão Supremo Tribunal Federal quanto ao reconhecimento de um direito fundamental de acesso à internet no ordenamento jurídicoconstitucional brasileiro podendo ser extraídos apenas posicionamentos esparsos de Ministros em julgamentos já realizados sobre a relevância democrática dos direitos comunicativos sobretudo a liberdade de expressão e de informação Ainda nesse contexto vale mencionar também apesar de mais diretamente associada à repartição constitucional de competências dos entes federativos decisão proferida pelo Plenário da Suprema Corte brasileira que por maioria julgou pela inconstitucionalidade formal de lei cearense que determinava a vedação de bloqueio de acesso à Internet quando esgotada a franquia de dados por invadir a competência privativa da União para legislar sobre telecomunicações ADI 6089 rel Min Marco Aurélio rel para o acórdão Min Dias Toffoli j 08022021 Embora não se trate de casos onde esteja em causa um direito geral de acesso à Internet não se poderia deixar de referir aqui no que diz com a esfera jurisdicional a ADPF 403 decisão da Presidência Min Ricardo Lewandowski j 19072016 em sede de decisão monocrática foi concedida liminar reestabelecendo o serviço do WhatsApp que havia sido suspenso no Brasil pela decisão do Juiz da Vara Criminal de Lagarto SE que apesar de não mencionar a relevância do acesso à internet em si sustentou os indícios de violação ao direito fundamental da liberdade de expressão Quanto à análise de mérito em sessões plenárias realizadas em 27 e 28052020 o relator Min Edson Fachin votou no sentido de declarar a inconstitucionalidade parcial sem redução de texto dos incisos II e III do art 7º do Marco Civil da Internet que foram utilizados como fundamento para a suspensão do aplicativo a fim de que não sejam admitas quaisquer ordens judiciais no sentido de exigir acesso excepcional a mensagens que estejam protegidas mediante criptografia em contexto que justifique a suspensão dos serviços no País Na mesma ocasião a Min Rosa Weber acompanhou o Ministro relator conferindo a seu turno interpretação conforme à Constituição a esses dispositivos e o Min Alexandre de Moraes pediu vista dos autos Da mesma forma relembrase aqui da existência da ADI 5527 rel Min Rosa Weber que igualmente trata da legitimidade constitucional do bloqueio do WhatsApp em que não houve decisão liminar mas que já teve seu julgamento de mérito iniciado juntamente com a ADPF 403 De todo modo mirandose aqui os fatores que a pandemia agregou à questão a conectividade e o acesso a uma Internet estável segura e de qualidade tornouse uma necessidade cada vez mais premente impactando um conjunto significativo de outros direitos humanos e fundamentais bastando aqui em caráter ilustrativo referir o direito à proteção da saúde e o acesso aos bens e serviços nessa seara incluindo o incremento da telemedicina assim como o direito à educação especialmente no respeitante à continuidade do ensino nas escolas de ensino fundamental e médio e no ensino superior o que se revelou de forma particularmente aguda na esfera do ensino público Tanto a exclusão total do acesso à Internet por ainda cerca de 25 da população brasileira quanto os inúmeros problemas registrados em termos de qualidade do acesso dificultando e mesmo impedindo a fruição de uma grande gama de direitos demonstram o quanto também nessa esfera o Brasil apenas tem experimentado aumentar os catastróficos níveis de desigualdade social e econômica com tudo o que implica em termos de impactos sobre o desenvolvimento humano e econômico Isso tudo se dá em um cenário marcado pela falta de isonomia no que diz respeito a oferta dos serviços de acesso à Internet correndose concreto risco de agravamento do problema com o início da oferta e implantação da rede 5G nas capitais brasileiras até julho de 2022 Se por um lado abremse inúmeras possibilidades por outro saltam aos olhos casos como o do Município Gaúcho de Herveiras que tem a pior cobertura de rede de telefonia móvel em zonas urbanas do Brasil cujos habitantes encontram obstáculos até para acessar serviços públicos básicos como ambulância hospitalar e serviço policial Tais situações dada a falta de universalização e condições de acesso igualitário também quanto aos serviços da rede 5G no Brasil pelo menos em se mantendo o prognóstico de sua instalação e oferta apenas nos grandes centros urbanos apenas tendem a se agravar À vista das sumárias considerações acima tecidas bem como tendo em conta a ausência por ora de uma política pública de Estado não somente de Governo ampla e efetiva no sentido de assegurar um acesso universal e igualitário a uma Internet segura e de qualidade a necessidade de se retomar e alavancar o debate sobre o reconhecimento de um correspondente direito fundamental tornase cada vez mais premente 900 O reconhecimento de um direito fundamental de acesso à internet por sua vez embora idealmente devesse ocorrer mediante sua inclusão no texto da CF por força de emenda constitucional também poderá darse na condição de direito implicitamente positivado tal como por algum tempo ocorreu com o direito fundamental à proteção de dados pessoais ADI 6387 MCRef rel Min Rosa Weber j 07052020 bastando aqui um pronunciamento do STF nesse sentido Aliás nada impede que como se deu no caso da Alemanha 901 o direito de acesso à Internet seja reconduzido ao direito a um mínimo existencial 902 ou seja de um direito a um conjunto de prestações materiais que assegurem a cada pessoa a possibilidade real de uma vida condigna A inclusão do direito fundamental de acesso à Internet na parte da obra destinada aos direitos fundamentais sociais decorre de sua natureza pelo menos quanto a sua função central de direito a prestações materiais compensatórias de desigualdades fáticas que por sua vez impactam os níveis de acesso necessários tanto à fruição de direitos civis e políticos quanto o acesso à fruição de determinados direitos sociais como é o caso dos já lembrados direitos à educação e saúde além do acesso a uma gama imensa de bens e serviços indispensáveis para uma adequada inserção na vida política social econômica e cultural À vista do avanço avalassador das tecnologias de informação e comunicação e dos processos de digitalização assegurar um acesso igualitário e universal à Internet é de certo modo garantir o estar e atuar das pessoas no Mundo A exclusão digital como já se tem percebido em ampla escala apenas tem feito acelerar e aumentar os níveis gerais de desigualdade 416 Nacionalidade 903 4161 Considerações introdutórias A nacionalidade é qualificada como um direito fundamental da pessoa humana cuja outorga cabe ao Estado soberano não se excluindo mediante determinados pressupostos e circunstâncias a possibilidade de o indivíduo optar por outra nacionalidade nem a dimensão do direito do indivíduo à sua nacionalidade Apesar de se considerar que o tema da nacionalidade é mais afeito ao direito público interno que ao direito internacional público anotase que existem instrumentos internacionais a exemplo da Convenção de Haia sobre Conflitos de Nacionalidade de 12 de abril de 1930 da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 bem como de outros documentos supranacionais dispondo sobre a matéria não existindo portanto uma liberdade ilimitada por parte dos Estados quanto ao estabelecimento das regras sobre nacionalidade 904 É considerada como vínculo político e pessoal que se estabelece entre o Estado e o indivíduo fazendo com que este integre uma dada comunidade política o que faz com que o Estado distinga o nacional do estrangeiro para diversos fins 905 Nesse sentido nas palavras de Pontes de Miranda é o laço que une juridicamente o indivíduo ao Estado e até certo ponto o Estado ao indivíduo 906 Assim é em determinado sentido correta a afirmação de que em face do Estado todo indivíduo ou é nacional ou estrangeiro 907 o que por evidente não significa que o estrangeiro não seja titular até mesmo de determinados direitos fundamentais em relação aos Estados o que aqui não será objeto de atenção remetendose ao capítulo sobre a titularidade dos direitos fundamentais integrante da parte relativa à teoria geral dos direitos fundamentais Já em outra perspectiva a nacionalidade compreendida como vínculo jurídicopolítico que une indivíduos estabelecidos sobre dado território e sob um governo independente diz respeito ao elemento pessoal do Estado qual seja o povo muito embora a necessária distinção entre as noções de povo e de população mas também a diferenciação entre tais conceitos e o da Nação tão relevantes para a teoria do Estado mas que aqui não poderão ser desenvolvidas 908 O povo como conjunto dos indivíduos que detêm a nacionalidade em relação a determinado Estado sendo portanto natos ou naturalizados por sua vez não se confunde pelo menos não necessariamente com a noção de cidadania Esta muito embora em regra vinculada à condição da nacionalidade nem sempre a pressupõe Com efeito considerando que a cidadania diz com os aspectos relacionados à participação do indivíduo no processo do poder e à garantia de acesso ao espaço público do que são exemplos o desempenho de funções públicas ou de atividades comerciais ou empresariais o exercício do voto a participação na vida pública ou na sociedade civil prerrogativas em regra conferidas aos nacionais nem sempre exclui os estrangeiros 909 Além disso é preciso sublinhar que a nacionalidade por constituir um critério relevante para o reconhecimento de direitos fundamentais no âmbito da ordem jurídica interna reclama pelo menos assim também o entendemos uma interpretação inclusiva do seu âmbito de aplicação de modo a assegurar uma maior fruição de direitos fundamentais por um maior número de pessoas 910 o que será objeto de maior atenção mais adiante quando das anotações em relação ao estatuto do estrangeiro e os modos de aquisição da nacionalidade 4162 A nacionalidade no âmbito do direito internacional com destaque para o sistema de reconhecimento e proteção dos direitos humanos A nacionalidade passou a ser reconhecida como direito humano na Declaração Universal dos Direitos Humanos 1948 que dispõe sobre o direito do indivíduo a ter uma nacionalidade e de não poder ser dela arbitrariamente privado assim como o direito de alterar sua nacionalidade art XV O Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos estabelece que toda criança tem o direito de adquirir uma nacionalidade art 24 n 3 O Pacto de São José da Costa Rica 1969 a exemplo da Declaração Universal dos Direitos Humanos 1948 e do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos dispõe que toda pessoa tem direito a uma nacionalidade art 20 n 1 Dispõe igualmente que toda pessoa tem direito à nacionalidade do Estado em cujo território houver nascido se não tiver direito a outra art 20 n 2 No que diz respeito a documentos internacionais específicos vale citar o Estatuto do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados 1950 e a Convenção de Genebra relativa ao Estatuto dos Refugiados 1951 este último documento com vistas em síntese a alargar a aplicação de instrumentos anteriores e à proteção dos refugiados A esse respeito também é de se referir o Protocolo sobre o Estatuto dos Refugiados 1966 que dá interpretação mais ampla ao termo refugiados utilizado na Convenção de 1951 conforme se depreende da leitura do art 1º assim como a Declaração sobre Asilo Territorial de 1967 Com relação ao problema da apatria ou apatridia importa mencionar a Convenção sobre o Estatuto dos Apátridas de 1954 que dentre as suas disposições estabelece no art 32 que os EstadosMembros devem facilitar a assimilação e a naturalização dos apátridas além de prever alguns casos em que os apátridas devem ter tratamento igual ao dos nacionais cf art 20 racionamento art 22 1º ensino fundamental art 23 assistência e auxílio público art 24 1º temas relativos à legislação do trabalho e seguros sociais art 29 tributos A Convenção para a Redução dos Casos de Apatridia 1961 estabelece no seu art 1º n 1 que o Estado Contratante deve atribuir sua nacionalidade à pessoa que nasceu em seu território e que de outro modo seria apátrida Relacionada ao tema existe ainda a Convenção sobre a Nacionalidade da Mulher Casada 1958 que busca fazer frente aos conflitos que surgem entre leis e práticas com relação à perda e aquisição da nacionalidade da mulher em decorrência do matrimônio sua dissolução ou a mudança da nacionalidade do marido durante o matrimônio Por derradeiro ainda no âmbito do sistema internacional assume relevo a Declaração sobre os direitos humanos dos indivíduos que não são nacionais do país em que vivem 1985 que surgiu como reação ao fato de que cada vez mais as pessoas vivem em país do qual não são nacionais e de que também a elas devem ser garantidos os direitos humanos e as liberdades fundamentais reconhecidas pela Declaração da ONU e demais tratados que a concretizam Por outro lado por força dos processos de integração supranacional ou por força de acordos bilaterais ou multilaterais entre os países verificase uma gradativa extensão de direitos e prerrogativas outrora assegurados apenas aos nacionais de um Estado a determinados não nacionais em determinadas hipóteses Nesse contexto é possível destacar a noção de uma cidadania supranacional tal como prevista por exemplo no art 9º do Tratado da União Europeia 1992 que atribui certos direitos tradicionalmente vinculados à cidadania estatal tais como os direitos de circular e permanecer livremente no território dos EstadosMembros direito de sufrágio direito à proteção diplomática e consular direito de petição O mesmo ocorre com determinadas constituições nacionais que em sintonia com a ampliação da noção de cidadania asseguram direitos típicos de cidadania a não nacionais A título ilustrativo a Constituição da República Portuguesa de 1976 reformada para tal efeito em 2001 que defere aos cidadãos dos Estados de língua portuguesa com residência permanente em Portugal direitos em regra não conferidos a estrangeiros dentre eles alguns direitos políticos 911 Assim também se dá com a atual Constituição do Brasil que no seu art 12 1º defere aos portugueses desde que mediante reciprocidade direitos privativos dos brasileiros nacionais 4163 A nacionalidade no direito constitucional estrangeiro Como exemplo de ordem jurídica que não constitucionalizou o tema da nacionalidade podese citar a dos Estados Unidos da América embora haja disposição apontando para a competência do Congresso no que se refere à regulação da naturalização art I Seção 8 para questões relativas à elegibilidade para o posto de Presidente art II Seção 1 para a reafirmação de que os nascidos ou naturalizados nos Estados Unidos são cidadãos não podendo em síntese haver restrição de garantias previstas XIV Emenda 1868 Seção 1 A Constituição da África do Sul 1996 dispõe sobre a cidadania estabelecendo que lei nacional deve prever sua aquisição perda e reaquisição item 3 3 e que a criança tem o direito a uma nacionalidade item 28 1 a A Constituição espanhola 1978 igual mente apesar de possuir disposições relacionadas à nacionalidade remete à lei o aspecto mais central que diz respeito a como adquirila conservála ou perdêla A regulação e proteção constitucional da nacionalidade tem sido contudo expressiva A Constituição argentina de 1853 com última reforma em 1994 contempla o tema da nacionalidade com maior minúcia dispondo por exemplo que se obtém a naturalização residindose por dois anos contínuos no país e que os estrangeiros gozam de todos os direitos civis do cidadão art 20 além de prever que se fomente e não se restrinja a imigração europeia que tenha por finalidade cultivar a terra melhorar a indústria introduzir e ensinar as ciências e as artes art 25 No caso da Constituição portuguesa 1976 apesar de remeter à lei ou à convenção internacional a atribuição da cidadania portuguesa art 4º percebese uma forte constitucionalização do tema a começar pela atribuição de alguns direitos que em princípio seriam reconhecidos apenas aos nacionais conforme já comentado na seção anterior Além disso a Constituição portuguesa prevê garantias relativas à expulsão art 33 itens 1 e 2 à extradição art 33 itens 3 4 6 7 ao asilo art 33 8 A Constituição da Colômbia 1991 apenas para citar uma experiência constitucional mais recente e próxima da brasileira igualmente regula de modo particularmente minucioso a matéria mediante previsão de garantias relativas à extradição art 35 ao reconhecimento do asilo nos termos da lei art 36 além de reconhecer um direito fundamental das crianças à nacionalidade art 44 e dispor sobre as formas de aquisição da nacionalidade art 96 No mais a Constituição colombiana prevê também que os estrangeiros gozarão das garantias concedidas aos nacionais salvo as limitações presentes na Constituição e na lei destacandose aqui a possibilidade de estender aos estrangeiros alguns direitos políticos art 100 4164 A nacionalidade no âmbito da evolução constitucional brasileira O tema da nacionalidade também no âmbito da evolução constitucional brasileira tem assumido particular relevância isso já desde a Carta Imperial de 1824 sendo que desde a Constituição de 1934 com exceção da Carta de 1937 912 passou a constar no título da declaração de direitos o que também se verifica na atual Constituição bastando para tanto uma breve mirada sobre o texto de nossas Constituições Antes de nos debruçarmos sobre a nacionalidade na Constituição Federal de 1988 seguem algumas notas sobre as Constituições anteriores A Carta Imperial de 1824 no que diz com os critérios de fixação da condição de nacional adotou tanto o critério do jus soli quanto o do jus sanguinis art 6º I e II destacandose que foram considerados brasileiros os que embora nascidos no exterior eram filhos de pai brasileiro se viessem a domiciliarse no Brasil art 6º II Quanto aos dois critérios de aquisição da nacionalidade originária percebese que a Constituição Imperial comportou uma exceção designadamente a dos filhos de pai brasileiro que estivesse em país estrangeiro a serviço do Império embora não viessem depois a estabelecer domicílio no País art 6º III hipótese que com variações terminológicas se manteve nas diversas Constituições A nacionalidade também era atribuída aos nascidos em Portugal e suas possessões residentes no Brasil à época da proclamação da independência e que às províncias aderiram expressa ou tacitamente pela continuação da residência art 6º IV Por derradeiro a Carta de 1824 também previu a possibilidade de naturalização por parte dos estrangeiros remetendo à lei quanto às condições art 6º V Já o art 7º regulava as hipóteses de perda dos direitos de cidadania brasileira previsão que salvo aspectos isolados se manteve praticamente inalterada até Constituição de 1967 com Emenda de 1969 No que diz com a Constituição de 1891 um dos pontos de destaque reside na previsão da naturalização dos estrangeiros que se achavam no Brasil em 15 de novembro de 1889 e que não declararam dentro de seis meses da entrada em vigor da Constituição o ânimo de conservar a nacionalidade de origem art 69 4º o que foi designado pela doutrina como a grande naturalização 913 Ademais foram considerados cidadãos brasileiros os estrangeiros que possuíam bens imóveis no Brasil e os que eram casados com brasileiros ou tinham filhos brasileiros mediante a condição de que residissem no Brasil salvo se tivessem manifestado a intenção de não mudar de nacionalidade art 69 5º A Constituição de 1934 por sua vez previu como hipótese de perda de nacionalidade o cancelamento da naturalização devido ao exercício de atividade social ou política nociva ao interesse nacional provado o fato por via judiciária com todas as garantias de defesa art 107 c Além disso modificou o regime dos nascidos em país estrangeiro filhos de brasileiro ou de brasileira assegurandose a opção pela nacionalidade brasileira quando alcançada a maioridade art 106 b A Constituição de 1937 trouxe regra prevendo perda da nacionalidade devido ao cancelamento da naturalização em decorrência do exercício de atividade social ou política nociva art 116 c afastandose a garantia de apreciação judicial mediante a utilização no texto constitucional da expressão processo adequado A Constituição de 1946 nesse ponto como reação ao caráter autoritário do regramento do Estado Novo retomou a previsão expressa de que era necessária sentença judicial para a perda da nacionalidade em decorrência de cancelamento da naturalização devido à atividade nociva art 130 III o que embora algum ajuste textual foi mantido inclusive na atual Constituição Também foi inserida modificação prevendo que para efeitos de aquisição da nacionalidade houvesse a fixação de residência no Brasil e uma vez atingida a maioridade que a opção pela nacionalidade brasileira fosse realizada dentro de quatro anos art 129 II Além disso no que diz com a aquisição da nacionalidade mediante naturalização a Carta de 1946 previa no caso dos portugueses apenas a comprovação da residência no Brasil por um ano ininterrupto bem como a certificação da idoneidade moral e da saúde física art 129 IV A Constituição de 1967 introduziu nova modificação no concernente à opção pela nacionalidade exigindo o registro na repartição brasileira competente no exterior ou a fixação de residência no Brasil antes de atingida a maioridade além da exigência de que uma vez alcançada esta fosse realizada a opção pela nacionalidade dentro de quatro anos art 140 I c Previram se igualmente hipóteses concretas de naturalização na forma da lei como no caso dos admitidos em território nacional durante os primeiros cinco anos de vida e radicados definitivamente no território os que faziam curso superior em estabelecimento nacional art 140 II n 2 além da naturalização dos portugueses em relação aos quais foram mantidas as regras da Constituição anterior Com a promulgação da EC 1 de 1969 sobreveio o aumento do número de cargos privativos de brasileiro nato art 145 parágrafo único a eliminação da previsão que estabelecia que além das restrições previstas na Constituição nenhuma outra seria feita a brasileiro em virtude da condição de nascimento acrescentandose ainda a previsão de anulação por decreto do Presidente da República da aquisição de nacionalidade obtida em fraude contra a lei art 146 parágrafo único 4165 O regime da nacionalidade na Constituição Federal de 1988 41651 Considerações gerais a nacionalidade como direito e garantia fundamental A relevância da nacionalidade no que diz com a própria condição de titular de direitos fundamentais no âmbito da ordem jurídico constitucional interna e para efeitos também da proteção na perspectiva do direito internacional dos direitos humanos especialmente no que diz respeito ao exercício de prerrogativas reconhecidas por tratados de direitos humanos ratificados pelos Estados fez com que a condição de nacional passasse a ser ela própria como já verificado considerada um direito humano e fundamental o que não foi diferente no caso da atual Constituição Federal Cuidandose em primeira linha de direito individual a nacionalidade de cada indivíduo como tal considerado não existem maiores dúvidas quanto a se tratar não apenas de cláusula pétrea limite material ao poder de reforma da Constituição na forma do art 60 4º IV da CF quanto também de norma submetida ao regime da aplicabilidade imediata previsto para as normas definidoras de direitos e garantias fundamentais art 5º 1º da CF Na sua condição de direito e garantia fundamental a nacionalidade apresenta também uma dupla dimensão subjetiva e objetiva ou seja a ela tanto correspondem posições subjetivas em parte definidas na própria Constituição em parte reguladas pela legislação infraconstitucional quanto uma forte dimensão objetiva que além de deveres de proteção estatal e deveres de organização e procedimento abarca a condição de garantia institucional de modo que a sua proteção do ponto de vista constitucional abrange também os aspectos essenciais de seu regime jurídico legislativamente concretizado Esses aspectos serão objeto da análise mais detalhada que segue 41652 Espécies de nacionalidade De acordo com doutrina consolidada a nacionalidade poderá ser primária ou secundária A nacionalidade primária também conhecida como nacionalidade originária ou pelo nascimento é atribuída em razão do nascimento podendo ser atribuída de acordo com o direito interno de cada Estado por meio de critérios sanguíneos ou seja determinados pelo nascimento e descendência biológica o assim chamado jus sanguinis territoriais isto é vinculados ao local do nascimento o assim designado jus soli ou mesmo critérios mistos 914 Embora tradicionalmente os Estados tenham optado pela adoção de apenas um critério a depender de sua vocação como se deu nos EUA para a imigração jus soli ou emigração jus sanguinis como é o caso dos exemplos referidos pela sua particular relevância para o Brasil da Alemanha e Itália a tendência contemporânea tem sido a da adoção de modelos mistos o que também se verifica no caso brasileiro O que se percebe é que a adoção de um ou outro critério obedece a aspectos estratégicos definidos na esfera política o que também se deu no caso brasileiro onde se optou já no século XIX em regra pelo critério territorial notadamente com o objetivo de atrair imigrantes europeus atribuindose a nacionalidade brasileira aos filhos de estrangeiros nascidos em território brasileiro 915 Como também no caso do direito constitucional positivo brasileiro a nacionalidade poderá ser tanto primária quanto secundária passaremos a analisar cada espécie em separado 416521 A nacionalidade primária o brasileiro nato As atuais previsões constitucionais que caracterizam os brasileiros natos estão no art 12 I que dispõe serem brasileiros natos a os nascidos na República Federativa do Brasil ainda que de pais estrangeiros desde que estes não estejam a serviço de seu país b os nascidos no estrangeiro de pai brasileiro ou mãe brasileira desde que qualquer deles esteja a serviço da República Federativa do Brasil c os nascidos no estrangeiro de pai brasileiro ou de mãe brasileira desde que sejam registrados em repartição brasileira competente ou venham a residir na República Federativa do Brasil e optem em qualquer tempo depois de atingida a maioridade pela nacionalidade brasileira Assim à vista do texto constitucional percebese a adoção de um modelo misto pois não mais se exige a fixação de residência no Brasil antes da maioridade Para facilitar a compreensão as hipóteses do art 12 I da CF serão apresentadas e analisadas em separado A primeira alternativa do art 12 I da CF prevista na sua alínea a corresponde à adoção do critério territorial 916 abarcando todos os que forem nascidos em território brasileiro inclusive os filhos de pais estrangeiros excluindo apenas os casos em que os pais estejam no Brasil a serviço de seu país de origem o que se verifica por exemplo nos casos de filhos de diplomatas ou outros agentes de Estado estrangeiros 917 Nesta última hipótese o que se percebe é que a Constituição estabeleceu uma exceção ao critério territorial pois ainda que nascidos no Brasil os filhos de estrangeiros a serviço de seu país não adquirem a nacionalidade brasileira Para que reste configurada a situação exigese que ambos os pais sejam estrangeiros e que pelo menos um se encontre em território brasileiro a serviço de seu país de origem 918 Se contudo um dos pais estrangeiros estiver a serviço de outro país que não o seu o filho nascido no Brasil de acordo agora com o critério territorial será considerado nacional nos termos da Constituição 919 Importa acrescentar que se um dos pais for brasileiro sendo o outro estrangeiro o filho nascido no Brasil terá em regra salvo se assim não o admitir a legislação do Estado estrangeiro do qual um dos pais é nacional a dupla nacionalidade a brasileira pois nascido em território brasileiro e a do Estado a que pertence o pai ou a mãe estrangeiro 920 A segunda hipótese art 12 I b da CF diz respeito aos nascidos no estrangeiro de pai brasileiro ou mãe brasileira desde que qualquer deles esteja a serviço da República Federativa do Brasil Aqui o critério predominante é o da descendência ou seja o do jus sanguinis combinado com um critério de natureza funcional pois não basta que se cuide de filho de pai ou mãe brasileira mas é necessário que um deles esteja exercendo função pública compreendida esta no sentido amplo de serviço público independentemente de sua natureza desde que prestado a qualquer um dos entes federados brasileiros seja no nível da administração centralizada ou da administração descentralizada 921 Já a terceira hipótese contemplada na alínea c do art 12 I da CF teve sua redação atribuída pela EC 542007 sendo oportuno lançar algumas notas sobre a evolução precedente dada a sua relevância Com efeito a redação anterior nos termos da ECR 31994 dispunha que eram brasileiros natos os nascidos no estrangeiro de pai brasileiro ou de mãe brasileira desde que venham a residir na República Federativa do Brasil e optem em qualquer tempo pela nacionalidade brasileira ao passo que a disposição originária tal como prevista no texto constitucional promulgado em 05101988 atribuía a condição de brasileiro nato nos seguintes termos os nascidos no estrangeiro de pai brasileiro ou de mãe brasileira desde que sejam registrados em repartição brasileira competente ou venham a residir na República Federativa do Brasil antes da maioridade e alcançada esta optem em qualquer tempo pela nacionalidade brasileira Notase ademais que houve um período em que foi suprimida a possibilidade de registro do nascido no exterior de modo a eliminar desde logo a possibilidade de garantir a condição de brasileiro nato Aqui assume relevo o problema da apatria a condição do apátrida gerado pela privação da nacionalidade brasileira em relação aos nascidos em países que adotam a regra do jus sanguinis situação que pode ser tida como intolerável frente à previsão da Declaração Universal dos Direitos Humanos de que todos têm direito a uma nacionalidade art XV 922 ao que se soma o problema do grande dispêndio de recursos para vir ao Brasil e aqui propor ação para a obtenção da nacionalidade originária 923 Assim para reger a situação transitória que se estabeleceu no período entre a ECR 03 de 1994 de 0707 e a EC 54 de 2007 de 2009 que introduziu a redação atualmente em vigor o art 95 do ADCT dispôs que os nascidos no estrangeiro entre 7 de junho de 1994 e a data da promulgação da Emenda de 2007 em sendo filhos de pai brasileiro ou mãe brasileira poderão ser registrados em repartição diplomática ou consular brasileira competente ou em ofício de registro se vierem a residir na República Federativa do Brasil Com isso se buscou afastar o prejuízo para todos os que nasceram no exterior filhos de pai ou mãe brasileiros e que não vieram para o Brasil e não obtiveram a nacionalidade brasileira Além disso o modo pelo qual a Constituição regula a matéria no art 12 I c revela que se está diante de um requisito meramente formal pois de acordo com a nova redação dada ao dispositivo pela EC 542007 a Constituição passou a exigir para a atribuição da nacionalidade originária aos filhos de pai ou mãe brasileiros nascidos no estrangeiro o simples registro na repartição brasileira competente com o que também restou afastada nessa hipótese a regra do jus soli 924 A partir do exposto e em caráter de síntese retornando ao que dispõe atualmente o item c do art 12 I da CF constatase que este prevê duas possibilidades para atribuição da nacionalidade originária ou seja a condição de brasileiro nato a o registro em repartição brasileira competente com efeitos equivalentes ao registro de nascimento efetuado em cartório do Registro Civil no Brasil b a opção pela nacionalidade após a maioridade no caso de o indivíduo filho de pai ou mãe brasileira nascido no estrangeiro vir a residir no Brasil hipótese na qual a opção pela nacionalidade brasileira poderá ser exercida a qualquer tempo 925 Nesse caso uma vez exercido o direito de opção o Estado não pode negar o reconhecimento 926 No que diz com a interpretação dada pelo STF aos diversos casos que lhe são submetidos envolvendo a atribuição da nacionalidade originária com base no art 12 I da CF convém referir alguns julgamentos relevantes em caráter ilustrativo É o caso do RE 418096 927 que trata de recurso extraordinário interposto pelo Ministério Público Federal contra decisão que manteve a extinção do processo sem resolução de mérito art 267 IV do CPC porque a ação foi ajuizada por menores impúberes sendo que deveria ter sido ajuizada pelos pais A decisão recorrida considerou também que a opção pela nacionalidade seria personalíssima exigindo capacidade plena e portanto a maioridade não obstante a falta de previsão constitucional negandose de forma unânime provimento ao recurso Segundo esse julgado vindo o menor a residir no Brasil passa a ser considerado brasileiro nato Atingida a maioridade enquanto não manifestada a opção esta passa a constituirse em condição suspensiva da nacionalidade brasileira A doutrina contudo questiona se semelhante raciocínio não poderia ser realizado com relação a menor que continue a residir no exterior sendo que de acordo com o STF é de ser privilegiado o caráter protetivo e não restritivo da norma levandose em conta precisamente os efeitos severos da apatria de forma que se recomenda reconhecer a nacionalidade brasileira com eficácia plena até chegar a maioridade quando então poderão ser decididas todas as questões pertinentes 928 Já no RE 415957 929 em situação semelhante o STF decidiu no mesmo sentido e também reconheceu a viabilidade do registro provisório nos termos da Lei de Registros Públicos art 32 2º Aqui a situação incongruente encontrada pela doutrina é a de que tais julgamentos ocorreram antes da Emenda 542007 em um período em que não mais existia a possibilidade de registro na repartição brasileira competente Com o surgimento da referida emenda mudou o panorama porque novamente foi prevista tal possibilidade ao lado do direito de opção Nesse sentido entendese que se os pais podem fazer operar desde logo a nacionalidade dos filhos registrandoos em repartição brasileira competente no exterior não faria sentido impedilos de assim proceder quando de volta ao Brasil 930 Ainda no contexto da evolução na regulação do tema é de se recordar que na Constituição de 1967 o art 140 I c previa a necessidade de o indivíduo vir a residir no Brasil antes de atingir a maioridade devendo além disso a opção pela nacionalidade ser realizada antes de quatro anos depois de atingida a maioridade O indivíduo era então considerado brasileiro nato sob condição resolutiva 931 Levando em conta a atual previsão que suprimiu o prazo a jurisprudência tem entendido que a opção pela nacionalidade brasileira foi liberada do termo final e passou a ganhar desde que a maioridade a faça possível a eficácia de condição suspensiva da nacionalidade brasileira sem prejuízo de gerar efeitos ex tunc 932 Tal situação por sua vez guarda conexão com o instituto da extradição porque se entendeu que na pendência da homologação judicial da opção já manifestada suspendese eventual processo de extradição o que também encontra justificativa no âmbito de uma interpretação mais favorável à proteção da integridade pessoal 933 Hipótese diversa se verifica no caso de eventual adoção à qual não são aplicáveis as situações previstas no art 12 I da CF Dito de outro modo a adoção não constitui critério juridicamente legítimo pelo menos de acordo com a literalidade do texto constitucional de atribuição da nacionalidade originária Assim de acordo com uma linha de entendimento o estrangeiro adotado por brasileiro apenas poderá adquirir a nacionalidade brasileira mediante processo de naturalização 934 Em sentido diverso contudo há quem proponha uma interpretação sistemática e é possível acrescentar pautada pelo critério da exegese mais inclusiva consoante já noticiado na parte introdutória do presente capítulo sugerindo que por força do disposto no art 227 3º da CF também para efeitos de atribuição da nacionalidade originária os filhos adotivos terão os mesmos direitos que os outros filhos 935 416522 A nacionalidade secundária a naturalização como forma de aquisição da nacionalidade A nacionalidade secundária caracterizase como aquela que é adquirida em virtude de um ato de vontade do indivíduo portanto não decorre de um fato natural como se dá com o nascimento seja em virtude de seu local seja em virtude da descendência 936 A naturalização tal como também se verifica na evolução constitucional brasileira poderá ser expressa ou tácita mas em ambos os casos envolve um ato de vontade individual 937 A assim chamada naturalização tácita costuma ser uma opção do Estado que busca aumentar de forma significativa o número de nacionais 938 No caso do Brasil isso se deu com a Carta Imperial de 1824 que estendeu a nacionalidade brasileira a todos os portugueses residentes no Brasil à época da proclamação da independência bem como com a Constituição de 1891 cujo art 69 4º e 5º atribuiu a nacionalidade brasileira a todos os estrangeiros que se encontravam no Brasil em 15 de novembro de 1889 caso não declarassem no prazo de seis meses da entrada em vigor da Constituição a intenção de preservar a nacionalidade de origem 4º assegurando também a nacionalidade brasileira aos estrangeiros que possuíssem bens imóveis no Brasil e fossem casados com brasileiros ou tivessem filhos brasileiros desde que residissem no Brasil e que não manifestassem expressamente a intenção de mudar a sua nacionalidade originária 5º Importa destacar que tal espécie de naturalização de natureza tácita não mais existe no ordenamento brasileiro já que a atual Constituição Federal apenas contempla a modalidade expressa De qualquer sorte o fato é que em termos de naturalização ou nacionalidade secundária não pode haver imposição mas apenas aceitação e concessão por parte do Estado de acordo com o direito interno da nacionalidade brasileira em substituição à nacionalidade originária De outro lado a concessão pelo Estado é discricionária mesmo com o cumprimento de todos os requisitos pode haver recusa e não há obrigação de fundamentála 939 Como restou destacado em decisão do STF sobre o tema as hipóteses de outorga da nacionalidade brasileira quer se trate de nacionalidade primária ou originária da qual emana a condição de brasileiro nato quer se cuide de nacionalidade secundária ou derivada da qual resulta o status de brasileiro naturalizado decorrem exclusivamente em função de sua natureza mesma do texto constitucional pois a questão da nacionalidade traduz matéria que se sujeita unicamente quanto à sua definição ao poder soberano do Estado brasileiro 940 De qualquer sorte tal entendimento não afasta a conveniência e mesmo a necessidade de se refletir sobre os limites dessa discricionariedade pelo menos os demarcados pelos critérios estabelecidos pela Constituição Federal Considerando que a Constituição prevê apenas a modalidade expressa de naturalização no sentido de que a atribuição da nacionalidade brasileira a um estrangeiro ou mesmo apátrida depende de prévia manifestação requerimento do indivíduo interessado são atualmente quatro as espécies contempladas no direito brasileiro todas reguladas por lei de acordo com o que estabelece o art 12 II a primeira parte da CF Com efeito de acordo com o art 64 da Lei de Imigração Lei 13445 de 24052017 e que substituiu o antigo Estatuto do Estrangeiro 941 a naturalização pode ser 1 ordinária 2 extraordinária 3 especial ou 4 provisória É preciso chamar a atenção desde logo para a distinção traçada pela Constituição entre os estrangeiros em geral aos quais se aplica o disposto na primeira parte do art 12 II a na forma regulamentada pela Lei de Imigração e os estrangeiros oriundos de países de língua portuguesa para os quais a segunda parte do mesmo dispositivo constitucional apenas exige residência por um ano ininterrupto e idoneidade moral Já os portugueses com residência permanente no Brasil encontramse submetidos a outro regime de aquisição da nacionalidade brasileira pois nesse caso em havendo reciprocidade a Constituição prevê a atribuição dos direitos inerentes ao brasileiro naturalizado sem prejuízo da manutenção da nacionalidade portuguesa art 12 1º da CF hipótese também designada pela doutrina de quase nacionalidade 942 o que voltará a ser objeto de atenção logo adiante No que diz com as condições legais relativas às quatro espécies de naturalização no regime do Estatuto anterior eram apenas duas a ordinária e a especial calha em regime sumário incorporar aqui os respectivos dispositivos da Lei de Imigração Para o caso da assim chamada naturalização ordinária o art 65 da lei exige o preenchimento dos seguintes requisitos 1 ser civilmente capaz segundo a lei brasileira 2 residência em território nacional pelo prazo mínimo de 4 quatro anos 3 comunicarse em língua portuguesa consideradas as condições do naturalizando e 4 não possuir condenação penal ou estar reabilitado nos termos da lei Todavia a teor do art 66 do mesmo diploma legal o prazo de residência fixado no inciso II do caput do art 65 será reduzido para no mínimo 1 um ano se o naturalizando preencher quaisquer das seguintes condições 1 ter filho brasileiro 2 ter cônjuge ou companheiro brasileiro e não estar dele separado legalmente ou de fato no momento de concessão da naturalização 3 haver prestado ou poder prestar serviço relevante ao Brasil ou 4 a naturalização ser recomendada por sua capacidade profissional científica ou artística No caso da modalidade extraordinária esta encontra previsão no art 12 II b da CF que dispõe serem brasileiros naturalizados os estrangeiros de qualquer nacionalidade residentes na República Federativa do Brasil há mais de quinze anos ininterruptos e sem condenação penal desde que requeiram a nacionalidade brasileira No que diz com esta modalidade a doutrina refere inclusive a existência de um direito subjetivo à natura lização porque se trata de hipótese prevista diretamente pela Constituição o que limita a discricionariedade 943 Além disso é de se adotar o entendimento de que a lei não poderá ampliar as exigências previstas pela Constituição Federal 944 Aliás é precisamente por tal razão que o art 67 da Lei de Imigração de certa forma apenas reproduz o texto constitucional quando trata da extradição extraordinária À vista do exposto o que se constata é que diferentemente da naturalização ordinária que prevê certa margem de discricionariedade que como visto também encontra limites na Constituição e na própria legislação a naturalização pela via extraordinária uma vez preenchidos os requisitos por parte do requerente seria de reconhecimento cogente por parte do Estado brasileiro A jurisprudência do STF também já enfrentou o tema da naturalização extraordinária no RE 264848 945 que tratou do caso de uma chilena que impetrou mandado de segurança contra ato que declarou nula a sua posse no cargo efetivo de enfermeira da Secretaria de Saúde do Estado de Tocantins que havia conquistado mediante concurso O Tribunal de Tocantins concedeu a ordem e o Estado recorreu dessa decisão por inadmitir nos seus quadros pessoa estrangeira que não tenha reconhecida a naturalização brasileira embora formalmente requerida A Suprema Corte entendeu na ocasião que o requerimento de aquisição de nacionalidade brasileira previsto no dispositivo constitucional antes citado seria suficiente para assegurar a posse no cargo quando o requerente contar com quinze anos ininterruptos de residência fixa no Brasil sem condenação penal Entendeu igualmente que a portaria de formal reconhecimento da naturalização expedida pelo Ministro de Estado da Justiça é de caráter meramente declaratório Pelo que seus efeitos hão de retroagir à data do requerimento do interessado Já no que diz com a naturalização especial também prevista no revogado Estatuto do Estrangeiro poderá de acordo com o art 68 da Lei de Imigração ser atribuída ao estrangeiro que se encontrar em uma das seguintes situações 1 seja cônjuge ou companheiro há mais de 5 cinco anos de integrante do Serviço Exterior Brasileiro em atividade ou de pessoa a serviço do Estado brasileiro no exterior ou 2 seja ou tenha sido empregado em missão diplomática ou em repartição consular do Brasil por mais de 10 dez anos ininterruptos Importa destacar nesta quadra que a exemplo do que já vigorava no regime legal anterior do Estatuto do Estrangeiro o casamento eou a união estável seguem não sendo em regra reconhecidos como critério para a aquisição da nacionalidade pela ordem jurídicoconstitucional o que também é chancelado pelo STF 946 Assim eventual casamento ou união estável de estrangeiroa com brasileirao não representa motivo para a atribuição da nacionalidade salvo precisamente no caso da assim chamada naturalização especial tal como regulada pela Lei de Imigração Notese ainda que também para a hipótese da naturalização especial a Lei de Imigração impõe determinados requisitos designadamente aqueles estabelecidos no seu art 69 e que salvo no concernente à naturalização recomendada em virtude da capacidade profissional esportiva ou artística do requerente coincidem com os da naturalização ordinária 1 ter capacidade civil segundo a lei brasileira 2 comunicarse em língua portuguesa consideradas as condições do naturalizando e 3 não possuir condenação penal ou estar reabilitado nos termos da lei No caso da quarta modalidade a assim chamada naturalização provisória art 70 da Lei de Imigração esta poderá ser concedida aos migrantes que forem crianças ou adolescentes e que tenham fixado residência em território brasileiro antes de completar 10 dez anos de idade devendo a naturalização ser requerida por intermédio de seu representante legal Além disso de acordo com o parágrafo único do citado dispositivo legal a naturalização em caráter provisório poderá ser convertida em definitiva caso isso seja requerido expressamente pelo naturalizando no prazo de dois anos após atingir a maioridade No que diz com o papel exercido pelo STF é perceptível que tem auxiliado na recons trução numa perspectiva mais inclusiva dos critérios para atribuição na nacionalidade secundária naturalização e portanto assegurado um controle da discricionariedade também administrativa nessa seara visto que o processo de naturalização é em primeira linha um processo de natureza administrativa 947 Todavia há que sublinhar que de acordo com o STF as hipóteses de outorga aquisição e perda da nacionalidade brasileira quer de caráter primário quer de natureza secundária naturalização decorrem exclusivamente do texto constitucional Assim nem mediante lei nem por meio de tratados ou convenções internacionais à exceção do disposto no 3º do art 5º da CF ou seja quando se cuidar de tratado equivalente a emenda constitucional será possível inovar no tema seja para ampliar seja para restringir ou mesmo modificar as hipóteses que justificam o acesso à nacionalidade brasileira 948 41653 Distinções entre os brasileiros natos e os naturalizados De acordo com a regra geral prevista no art 12 2º da CF a lei não poderá estabelecer distinção entre brasileiros natos e naturalizados salvo nos casos nela previstos Assim embora afirmada como regra a paridade entre brasileiros natos e naturalizados a própria Constituição prevê algumas diferenças sendo tido como vedadas outras diferen ciações sejam elas contempladas em lei sejam elas deduzidas no sentido de diferenças constitucionais implícitas da Constituição Federal 949 Ao todo são quatro as hipóteses de tratamento diferenciado previstas expressamente na Constituição ligadas a ao exercício de determinados cargos b ao exercício de determinadas funções c em matéria de extradição d no que diz com a propriedade de empresa jornalística e de radiodifusão sonora e de sons e imagens Com efeito o art 12 3º da CF estabelece de forma categórica um elenco fechado de cargos privativos de brasileiro nato quais sejam de Presidente e VicePresidente da República de Presidente da Câmara dos Deputados de Presidente do Senado Federal de Ministro do Supremo Tribunal Federal da carreira diplomática de oficial das Forças Armadas de Ministro de Estado da Defesa Quanto ao exercício de determinada função o art 89 VII da CF determina que dentre os membros do Conselho da República haverá seis brasileiros natos No que se refere à propriedade de empresa jornalística e de radiodifusão por sua vez a Constituição Federal art 222 prevê que no caso dos brasileiros naturalizados há uma restrição temporal pois condiciona a aquisição de tal propriedade a um lapso temporal de 10 anos contados da naturalização A última hipótese já referida diz respeito aos casos de extradição pois de acordo com a Constituição art 5º LI o brasileiro nato não poderá ser extraditado o que não se aplica ao brasileiro naturalizado Convém anotar contudo que de acordo com o STF quem opta pela nacionalidade originária brasileira na forma do art 12 I c da CF detém a condição de brasileiro nato não podendo ser extraditado 950 Em outro julgado o STF afirmou a impossibilidade de a paciente do habeas corpus ser extraditada para Portugal por ser qualificada constitucionalmente como brasileira nata e que o impedimento absoluto de extradição nesses casos não resta afastado pela circunstância de que o extraditando tenha também a nacionalidade do país de origem no caso a portuguesa o que não impede de o Estado brasileiro mediante aplicação extraterritorial de sua lei penal fazer instaurar a persecução criminal cabível com o intuito de impedir a impunidade 951 41654 Perda e reaquisição da nacionalidade brasileira De acordo com lição uníssona na doutrina 952 e na jurisprudência 953 a perda da nacionalidade apenas se dará nos casos expressamente previstos na Constituição Esta no art 12 4º estabelece apenas duas hipóteses ao dispor que será declarada a perda da nacionalidade do brasileiro que I tiver cancelada sua naturalização por sentença judicial em virtude de atividade nociva ao interesse nacional II adquirir outra nacionalidade salvo nos casos a de reconhecimento de nacionalidade originária pela lei estrangeira b de imposição de naturalização pela norma estrangeira ao brasileiro residente em Estado estrangeiro como condição para permanência em seu território ou para o exercício de direitos civis Tais hipóteses serão a seguir objeto de consideração em particular A primeira hipótese contemplada na Constituição diz com a perda da nacionalidade em virtude do cancelamento por decisão judicial da naturalização em determinadas circunstâncias Assim o art 12 4º I da CF veicula uma modalidade de perda da nacio nalidade em caráter punitivo uma espécie de perdapunição 954 que teve sua primeira previsão na Constituição de 1934 com previsão nas Constituições posteriores destacandose que na Constituição de 1937 foi retirada a garantia de um processo judicial tendo esta sido restabelecida em 1946 Que os destinatários de tal hipótese são apenas os brasileiros naturalizados resulta evidente dispensando maiores comentários O que contudo merece maior atenção são as situações que justificam de acordo com a Constituição a imposição de tal medida pois o texto constitucional de modo genérico refere a prática pelo brasileiro naturalizado de atividade nociva ao interesse nacional que segundo alguns pode ser traduzida em ações contrárias à ordem pública ou à segurança nacional 955 Nesse sentido importa colacionar a crítica da doutrina quanto ao fato de que as expressões atividade nociva e interesse nacional são expressões abertas e de conteúdo variável dando margem inclusive a injustiças e perseguições argumentandose ainda que o cancelamento da naturalização não é uma arma por meio da qual o governo possa manifestar seu desagrado em relação à conduta de determinado cidadão 956 Devese observar que essas expressões abertas requerem do legislador e do juiz observância dos parâmetros do Estado Democrático de Direito porque se trata de restrição de direito fundamental 957 Importa acrescentar que a naturalização somente poderá ser cancelada mediante processo iniciado pelo Ministério Público Federal 958 por meio de sentença judicial transitada em julgado decisão que não terá efeitos retroativos 959 cuidandose além disso de perda de caráter personalíssimo atingindo portanto apenas a pessoa que respondeu o respectivo processo judicial não afetando a posição jurídica de eventual cônjuge ou mesmo dos filhos 960 Por derradeiro é de se registrar que em tal hipótese é vedada a reaquisição da nacionalidade perdida em função do cancelamento judicial exceto se tal cancelamento for desfeito por meio de ação rescisória de acordo com os respectivos pressupostos legais 961 Já a segunda hipótese de perda da nacionalidade pode atingir brasileiros natos e naturalizados De acordo com o já referido art 12 4º II da CF tratase da perda da nacionalidade brasileira em virtude da aquisição voluntária de outra nacionalidade A hipótese como referido pela doutrina costuma ser designada um caso de perdamudança 962 Aqui ao contrário do que ocorre na perda em virtude de cancelamento não se faz necessário processo judicial pois a perda será decretada na esfera de processo administrativo e formalizada mediante decreto do Presidente da República garantida ampla defesa 963 Uma hipótese distinta ao menos em parte embora mais próxima da segunda das duas já comentadas foi objeto de reconhecimento pelo STF em caso de extradição deferida para os Estados Unidos da América No caso concreto a extraditanda havia tido a sua nacionalidade brasileira cancelada por decreto do Ministério da Justiça decreto chancelado pelo próprio STF em demanda anterior A extraditanda já detinha muito tempo antes de 1999 quando requereu a nacionalidade norteamericana o assim denominado green card documento que assegura um visto de permanência inclusive para o efeito de trabalho de tal sorte que desnecessária a obtenção da nacionalidade norteamericana Por tal razão entendeu o STF que mediante tal ato a extraditanda manifestou a expressa intenção de se integrar à comunidade norte americana preenchendo assim os requisitos estabelecidos pela CF para a perda da nacionalidade brasileira tendo sido tal critério mantido hígido pela EC 31994 que introduziu as exceções previstas nas alíneas a e b do 4º do inciso II do art 12 da CF 964 A perda da nacionalidade não ocorre contudo nos termos do disposto no art 12 4º II quando a despeito da aquisição de outra nacionalidade se verificarem as seguintes situações a o reconhecimento de nacionalidade originária pela lei estrangeira b a imposição de naturalização pela norma estrangeira ao brasileiro residente em Estado estrangeiro como condição para permanência em seu território ou para o exercício de direitos civis Esta última hipótese aliás tem sido considerada equiparada à aquisição automática em virtude de casamento de outra nacionalidade que não implicaria a perda da nacionalidade brasileira pois a aquisição da outra nacionalidade não seria propriamente voluntária 965 Já no que diz com a alínea b costuma ser invocado que muitos países exigem a naturalização para que estrangeiros trabalhem em seu território 966 Ademais e isso se verifica especialmente no caso da exceção da alínea a que se trata de situações em virtude das quais o vínculo com o Brasil não fica prejudicado 967 De qualquer sorte não é com o mero requerimento de aquisição de outra nacionalidade que se poderá deflagrar o processo administrativo da perda no Brasil pois este somente poderá ser iniciado depois de formalizada a aquisição voluntária da outra nacionalidade 968 Como decorrência da perda o que se aplica tanto ao cancelamento quanto à perda por aquisição voluntária de outra nacionalidade uma vez que esta tenha sido oficializada haverá comunicação ao TSE para efeitos de efetivação automática da perda dos direitos políticos 969 Por fim merece destaque a discussão em torno de eventual possibilidade de reaquisição da nacionalidade brasileira uma vez que tenha havido a perda em virtude de alguma das hipóteses constitucionalmente estabelecidas A esse respeito já se averbou que em sendo a perda decorrente de ação de cancelamento da naturalização portanto por força de decreto judicial a nacionalidade brasileira somente poderá ser readquirida por meio de ação rescisória Caso a perda tenha sido decorrente da aquisição voluntária de outra nacionalidade em princípio nada obsta a que a reaquisição se opere por meio de novo processo de naturalização devendo para tanto o postulante estar domiciliado no Brasil formalizada a reaquisição por novo decreto do Presidente da República Aqui se trata de caso de nacionalidade derivada o que se aplica inclusive ao brasileiro nato atingido pela perda 970 Um dos argumentos centrais esgrimidos para dar suporte a tal entendimento é o de que a perda da nacionalidade se opera sempre com efeitos ex nunc de modo que não se aplicam mais os critérios do jus soli ou do jus sanguinis utilizados para a determinação da condição de brasileiro nato mas sim que se cuida em verdade de uma naturalização facilitada mediante imposição de requisitos menos rigorosos que o antigo nacional tenha domicílio definitivo no Brasil 971 Todavia importa registrar a existência de posição no sentido de que é possível readquirir o status de brasileiro nato 972 O quanto a negação da reaquisição da nacionalidade na modalidade originária pode ser afastada com base no argumento de que os efeitos da perda são prospectivos é de todo modo sujeito a controvérsia pois não se vislumbra smj correlação lógicodeterminista entre uma situação e outra De outra parte a tese de que se cuida nessa hipótese de uma espécie de renaturalização não se aplica ao brasileiro nato pois este não era naturalizado como quanto a este aspecto já sustentava Pontes de Miranda registrandose contudo que o prestigiado jurista era contrário à reaquisição da condição de brasileiro nato 973 Além do mais a equiparação salvo nos casos previstos na Constituição entre brasileiros natos e naturalizados bem como a noção de que a restrição de um direito tão relevante como o da nacionalidade deve ser interpretada de modo o mais restritivo possível igualmente nos animam a ver com simpatia a segunda posição que não recusa o retorno à condição de brasileiro nato daquele que embora a perda por ato voluntário voluntariamente readquire a nacionalidade De qualquer sorte cuidase de problema a exigir maior reflexão do que aqui se poderá desenvolver 41655 O problema da assim chamada dupla nacionalidade A diversidade de critérios acaba por gerar inúmeros conflitos normativos tornando possível que um indivíduo nasça sem nacionalidade apátrida ou com mais de uma nacionalidade dupla nacionalidade 974 O problema da assim chamada dupla nacionalidade por outro lado tem sido objeto de atenção também na esfera jurisprudencial Em caráter ilustrativo referese decisão do STF no HC 83450 975 em que se discutiu o conflito ao menos aparente entre a dupla nacionalidade e a proteção dos nacionais natos de um lado e o critério da nacionalidade efetiva do outro Na hipótese tratavase de um habeas corpus preventivo no bojo do qual foi invocada em favor do paciente a condição de brasileiro nato pois se tratava de filho de brasileira registrado na embaixada do Brasil O paciente afirmava ter conhecimento da intenção do governo da Itália de pedir a sua extradição tendo em conta prisão preventiva originária da Justiça de Milão O relator levando em conta a condição de brasileiro nato do paciente e latente o risco à liberdade concedeu salvoconduto em relação ao instituto da extradição Todavia o Min Nelson Jobim após pedir vista suscitou a matéria relativa à dupla nacionalidade pois a petição informava a cidadania italiana e a condição de filho de brasileira registrado na embaixada do Brasil No seu voto o Min Nelson Jobim após apontar que a Emenda de Revisão 3 de 1994 quebrou a tradição e passou a admitir a dupla nacionalidade invocou precedente da Corte Internacional de Justiça caso Nottebohm envolvendo litígio entre Liechtenstein e Guatemala julgado em 6 de abril de 1955 em que se concluiu que em caso de dupla nacionalidade haveria uma mais efetiva confirmada pelos laços fáticos No caso apreciado pelo STF embora configurada a hipótese de dupla nacionalidade não havia segundo o Min Nelson Jobim elementos suficientes a apurar a existência de laços fáticos fortes quer com o Brasil quer com a Itália Por outro lado embora a alegação de risco de pedido de extradição transcorreram quase dois anos sem que tenha chegado ao tribunal pedido de prisão preventiva Assim em face da ausência de comprovação efetiva da causa do temor não conheceu do habeas corpus o que foi confirmado pela maioria vencido o relator O que se constata a partir do exame da decisão do STF é que a dupla nacionalidade pode assumir relevância na discussão em torno do impedimento ou não da extradição Dito de outro modo é de se indagar se a proibição de extradição de brasileiro nato pode ser afastada em caso de dupla nacionalidade O problema acabou sendo apreciado pelo STF no HC 83113 976 que versava sobre o caso de uma mulher que era brasileira nata porque nasceu no Brasil e portuguesa porque era filha de portugueses tendo estabelecido residência em Portugal aos dois anos de idade nunca mais retornando ao Brasil a não ser após ser processada em Portugal por crimes contra o patrimônio público quando fugiu para o Brasil e alegou não poder ser extraditada por ser brasileira nata 977 De qualquer sorte o habeas corpus foi julgado prejudicado em virtude da perda superveniente de seu objeto de modo que não houve quanto ao mérito posição adotada pelo STF A motivação da perda de objeto foi a informação de que o Ministério das Relações Exteriores cientificou a Missão Diplomática da República Portuguesa da impossibilidade jurídicoconstitucional de extraditar a paciente tendo em vista a condição de brasileira nata Embora o STF não tenha decidido o mérito tendo em vista o que resolveu o Governo do Brasil já na fase administrativa do processo de extradição o relator considerou que o brasileiro nato não pode ser extraditado em nenhuma circunstância pois a vedação constitucional não comporta exceção contendo um impedimento absoluto Agregou ademais que isso não é alterado pelo fato de um Estado estrangeiro também reconhecer o indivíduo como titular de nacionalidade originária de seu país dupla nacionalidade Por fim aponta que o Estado brasileiro pode mediante aplicação extraterritorial de sua lei penal fazer instaurar a persecução criminal cabível com o escopo de impedir a impunidade 41656 Um caso especial a condição jurídicoconstitucional dos cidadãos portugueses a assim chamada quase nacionalidade De acordo com o art 12 1º da CF aos portugueses com residência permanente no País se houver reciprocidade em favor de brasileiros devem ser atribuídos os direitos inerentes ao brasileiro salvo os casos nela previstos 978 A disposição anterior à redação atual que foi dada pela ECR 31994 contemplava a expressão direitos inerentes ao brasi leiro nato de tal sorte que o termo nato acabou sendo suprimido na versão atualmente em vigor A doutrina 979 assim como a jurisprudência do STF 980 em termos gerais sustentam que nesse caso em que o cidadão português mantém a sua nacionalidade de origem e não adquire a brasileira mas lhe é atribuído um status privilegiado se está diante de uma hipótese excepcional de quase nacionalidade de tal sorte que a norma não opera de modo imediato já que se faz necessário o pronunciamento aquiescente do Estado brasileiro fundado na sua soberania dependente de requerimento do interessado que deve preencher os requisitos da convenção sobre igualdade de direitos e deveres entre brasileiros e portugueses 981 Essa convenção firmada em 1971 foi substituída pelo Tratado de Amizade Cooperação e Consulta entre a República Federativa do Brasil e a República Portuguesa celebrado em Porto Seguro em 22 de abril de 2000 O tratado foi promulgado no Brasil pelo Dec 3927 de 19092001 O Título II item 2 do Tratado consagra o Estatuto da Igualdade entre Brasileiros e Portugueses destacandose que são contemplados dois âmbitos a igualdade de direitos e de obrigações e a igualdade de direitos civis No caso de direitos e de obrigações civis deverá o interessado mediante requerimento dirigido ao Ministro da Justiça munido de prova da sua nacionalidade capacidade civil e admissão no Brasil em caráter permanente pleitear a fruição desses direitos 982 No caso dos direitos políticos deverá haver prova do seu gozo em Portugal e da residência no Brasil há pelo menos três anos 983 O exercício dos direitos políticos no Estado de residência acarreta a suspensão do exercício de tais direitos no Estado de nacionalidade 984 O reconhecimento da igualdade plena assegura o direito de votar e de ser votado e também o acesso aos cargos públicos com exceção dos assegurados aos brasileiros natos o que no Brasil engloba o dever relativo à obrigação de votar 985 O benefício é extinto se o indivíduo perder sua nacionalidade e se cessar a autorização para permanecer no Estado de residência Se houver privação de direitos políticos no Estado de nacionalidade haverá igualmente no de residência Caso se ausente do Estado de residência o beneficiário terá direito à proteção diplomática apenas do Estado da nacionalidade 986 41657 O regime jurídico do estrangeiro na Constituição Federal 416571 Aspectos gerais Em termos conceituais estrangeiro é todo aquele que não é nacional nato ou naturalizado de acordo com os parâmetros da ordem jurídica brasileira encontrandose em caráter provisório ou definitivo no território brasileiro incluindose as pessoas sem nacionalidade determinada ou seja os assim chamados apátridas 987 A distinção entre nacionais e estrangeiros tem como consequência a previsão na Constituição e na legislação de uma gama variada de diferenciações no que diz com o regime jurídico dos estrangeiros em relação ao dos nacionais Todavia especialmente quando se trata de direitos e garantias fundamentais a tendência dominante é a de assegurar também aos estrangeiros um leque pelo menos mínimo de direitos Nesse sentido a previsão do caput do art 5º da CF no sentido de garantir tanto aos brasileiros quanto aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida à liberdade à igualdade à segurança e à propriedade nos termos do dispositivo constitucional já revela que a Constituição Federal quanto à titularidade de direitos fundamentais não estabelece pelo menos não de modo generalizado pois ela própria prevê exceções a exclusão dos estrangeiros residentes Um ponto particularmente importante aqui é que mesmo com relação aos estrangeiros não residentes não pode haver exclusão generalizada da proteção de direitos fundamentais tópico que foi objeto de maior atenção no capítulo próprio integrante da parte geral dos direitos fundamentais razão pela qual aqui não será mais desenvolvido 988 No que diz com as disposições constitucionais relativas aos estrangeiros seguem as principais referências não sendo o caso aqui de adentrar no exame pormenorizado do estatuto jurídico do estrangeiro especialmente no que diz com a sua regulação infraconstitucional 989 Assim os estrangeiros não podem se alistar como eleitores art 14 2º compete privativamente à União legislar sobre emigração e imigração entrada extradição e expulsão de estrangeiros art 22 XV é facultado às universidades e às instituições de pesquisa científica e tecnológica admitir professores técnicos e cientistas estrangeiros na forma da lei art 207 1º e 2º os cargos empregos e funções públicas são acessíveis aos estrangeiros na forma da lei art 37 I a lei deverá regular e limitar a aquisição ou o arrendamento de propriedade rural por pessoa física ou jurídica estrangeira e estabelecer os casos que dependerão de autorização do Congresso Nacional art 190 há limitação quanto ao direito de propriedade por parte de estrangeiros no que se refere a empresas jornalísticas e de radiodifusão posto que pelo menos 70 do capital total e do capital votante dessas empresas deverá pertencer direta ou indiretamente a brasileiros natos ou naturalizados há mais de 10 anos que exercerão obrigatoriamente a gestão das atividades e estabelecerão o conteúdo da programação art 222 caput e 1º a lei deve disciplinar os investimentos de capital estrangeiro e a remessa de lucros art 172 lei estabelecerá casos e condições para a efetivação da adoção por parte de estrangeiros art 227 5º a pesquisa e a lavra de recursos minerais e o aproveitamento dos potenciais de energia hidráulica somente poderão ser efetuados por brasileiros ou empresa constituída sob as leis brasileiras e que tenha sede e administração no País art 176 1º 416572 A exclusão do estrangeiro por iniciativa estatal as hipóteses de deportação expulsão e extradição A retirada forçada não voluntária do estrangeiro do País pode ocorrer em três hipóteses às quais correspondem três institutos jurídicos a deportação a expulsão e a extradição Nas duas primeiras situações que são sanções administrativas aplicadas ao estrangeiro cuidase de iniciativa das autoridades locais onde se encontra o estrangeiro que se pretende afastar ao passo que a hipótese de extradição ocorre quando um estrangeiro que se encontra em território brasileiro é afastado do País mediante requerimento formulado pelas autoridades de outro Estado 990 4165721 A deportação se apresenta como forma de exclusão do território nacional do estrangeiro que nele entrou de forma irregular entrada clandestina ou cuja permanência se tornou irregular em razão de excesso de prazo ou de exercício de trabalho remunerado pelo turista 991 A deportação por sua vez uma vez voltando a estar em situação regular não impede o futuro retorno do estrangeiro ao País 992 Por outro lado a deportação não se confunde com o impedimento do ingresso do estrangeiro no País por ausência de preenchimento dos requisitos válidos como ocorre no caso de não ter visto válido ou não estar munido de documento essencial como o passaporte O instituto da deportação o que vale também para a expulsão não se aplica aos brasileiros pois do contrário estaria configurada a hipótese do banimento expressamente vedada pela Constituição art 5º XLVII d 993 Por outro lado importa destacar que não se procederá à deportação caso ela implique extradição não admitida pela ordem jurídica brasileira consoante aliás expressamente estatuído no art 63 do Estatuto do Estrangeiro 994 Tal vedação ademais decorre de uma vedação constitucional implícita 4165722 A expulsão de estrangeiro configura uma medida políticoadministrativa mas que possui um caráter repressivo Diferentemente do que ocorre no caso da deportação a expulsão assume o caráter de reação a condutas ilícitas ou inconvenientes praticadas em território brasileiro pelo estrangeiro Em substituição ao revogado art 65 do Estatuto do Estrangeiro a Lei de Migração Lei 134452017 no caput do art 54 define o instituto da expulsão como a medida administrativa de retirada compulsória de migrante ou visitante do território nacional conjugada com o impedimento de reingresso por prazo determinado O mesmo dispositivo legal no seu 1º estabelece novas causas à expulsão preceituando que Poderá dar causa à expulsão a condenação com sentença transitada em julgado relativa à prática de I crime de genocídio crime contra a humanidade crime de guerra ou crime de agressão nos termos definidos pelo Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional de 1998 promulgado pelo Decreto 4388 de 25 de setembro de 2002 ou II crime comum doloso passível de pena privativa de liberdade consideradas a gravidade e as possibilidades de ressocialização em território nacional A possibilidade de expulsão contudo encontra limites regulados pelo art 55 da Lei de Migração de acordo com o qual não se procederá à expulsão quando I a medida configurar extradição inadmitida pela legislação brasileira II o expulsando a tiver filho brasileiro que esteja sob sua guarda ou dependência econômica ou socioafetiva ou tiver pessoa brasileira sob sua tutela b tiver cônjuge ou companheiro residente no Brasil sem discriminação alguma reconhecido judicial ou legalmente c tiver ingressado no Brasil até os 12 doze anos de idade residindo desde então no País d for pessoa com mais de 70 setenta anos que resida no País há mais de 10 dez anos considerados a gravidade e o fundamento da expulsão Aqui impõese o registro de que não foi incluído na Lei de Migração o disposto nos 1º e 2º do art 75 do já revogado estatuto do estrangeiro que previam respectivamente que a adoção ou o reconhecimento de filho brasileiro supervenientes ao fato que o motivar não teriam o condão de impedir a expulsão 1º e que uma vez verificado o abandono do filho o divórcio ou a separação de fato ou de direito a expulsão poderia efetivarse a qualquer tempo 2º 995 Tais disposições eram fortemente criticadas por setores significativos da doutrina brasileira como é o caso de Valério de Oliveira Mazzuoli para quem os filhos havidos depois da causa que dá ensejo à expulsão também deveriam obstar a sua efetivação desde que comprovada a dependência econômica e em atenção à proteção da identidade convivência familiar e assistência pelos pais 996 No concernente ao entendimento prevalente no STF antes da entrada em vigor da Lei de Imigração a existência de filho brasileiro somente obstaculiza a expulsão quando compro vadamente esteja sob a guarda e dependência do estrangeiro 997 Outrossim calha frisar que o eventual reconhecimento da paternidade de filho por parte de estrangeiro após a expedição do decreto de expulsão não configurava no regime jurídico anterior impedimento ao ato expulsório 998 Todavia como era de se esperar o STF alterou o seu entendimento destacandose aqui a decisão proferida em sede de Tribunal Pleno no RHC 123891 AgRDF rel Min Rosa Weber j em 23022021 no sentido de ser inadmissível a expulsão de estrangeiro que possua filho brasileiro dependente econômico ou socioafetivo ainda que o crime ensejador da expulsão tenha ocorrido em data anterior ao reconhecimento ou adoção do filho No que concerne aos limites do controle judicial do processo de expulsão o que também se aplica aos casos de deportação smj é preciso levar em conta que se por um lado não cabe ao Poder Judiciário intervir no mérito da decisão em razão de certa liberdade dada ao Executivo cuidase de ato de natureza discricionária para avaliar a conveniência e a oportunidade da expulsão por outro não se trata de um ato que possa ser arbitrário seja pelo fato de estar adstrito às hipóteses da lei seja pela circunstância de que não pode resultar em violação de direitos fundamentais 999 A respeito desse ponto dispõe o art 54 da Lei de Imigração que à autoridade competente incumbe resolver sobre a expulsão a duração do impedimento de reingresso e a suspensão ou a revogação de seus efeitos Tal orientação aliás corresponde ao entendimento consolidado do STF no sentido de que a expulsão consiste em ato discricionário do Estado brasileiro de tal sorte que o controle jurisdicional se limita à aferição da legitimidade jurídica do ato designadamente a fiscalização da presença dos pressupostos legais da proibição de expulsão 1000 4165723 A extradição ocorre mediante requerimento de outro país não necessariamente o da nacionalidade do estrangeiro O Estado que recebe o pedido caso o atenda realizará o ato de extraditar que consiste na entrega de indivíduo à Justiça repressiva do Estado requerente para que possa ser julgado criminalmente ou cumpra pena já imposta Do processo de extradição participa necessariamente o Poder Judiciário o que no caso do Brasil cabe ao STF de acordo com o previsto no art 102 I g da CF 1001 Diversamente da expulsão e da deportação o instituto da extradição se aplica somente na esfera penal sendo condições básicas para a concessão da medida que haja processo penal em andamento no Estado que requer a extradição que o fato imputado ao extraditando seja tipificado tanto na lei local do Brasil quanto na do Estado postulante e que o Estado seja competente para processar e julgar o caso 1002 O instituto é aplicado aos crimes comuns e não alcança os crimes políticos Apontase igualmente a necessidade de um mínimo de gravidade e de que não esteja extinta a punibilidade por decurso de tempo seja pela lei do requerente seja pela brasileira 1003 A CF no art 5º LI e LII dispõe que nenhum brasileiro será extraditado salvo o naturalizado em caso de crime comum praticado antes da naturalização ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins na forma da lei e que não será concedida extradição de estrangeiro por crime político ou de opinião 1004 Com relação à vedação de extradição de brasileiro nato convém apontar a ressalva feita no HC 83113 1005 já referido no sentido de que nos casos de vedação o Brasil pode realizar a persecução criminal Além do que dispõe a Constituição a extradição é regulada pela legislação infraconstitucional no caso a Lei de Imigração que revogou o antigo Estatuto do Estrangeiro mas as suas condições e limites são em boa parte determinados pela jurisprudência do STF sobre a matéria Nessa senda a teor do que prevê o art 82 da Lei de Imigração a extradição não será concedida quando I o indivíduo cuja extradição é solicitada ao Brasil for brasileiro nato II o fato que motivar o pedido não for considerado crime no Brasil ou no Estado requerente III o Brasil for competente segundo suas leis para julgar o crime imputado ao extraditando IV a lei brasileira impuser ao crime pena de prisão inferior a 2 dois anos V o extraditando estiver respondendo a processo ou já houver sido condenado ou absolvido no Brasil pelo mesmo fato em que se fundar o pedido VI a punibilidade estiver extinta pela prescrição segundo a lei brasileira ou a do Estado requerente VII o fato constituir crime político ou de opinião VIII o extraditando tiver de responder no Estado requerente perante tribunal ou juízo de exceção IX o extraditando for beneficiário de refúgio nos termos da Lei 9474 de 22 de julho de 1997 ou de asilo territorial 1006 Mas a própria Lei de Imigração estabelece algumas exceções relacionadas às hipóteses acima colacionadas Com efeito de acordo com o 1º do mesmo art 82 a previsão constante do inciso VII não impede a extradição quando o fato constituir principalmente infração à lei penal comum ou quando o crime comum conexo ao delito político constituir o fato principal cabendo agora consoante disposto no 2º à autoridade judiciária competente a apreciação do caráter da infração De outra parte em se tratando de pedido de extradição de brasileiro nato dispõe o 3º do art 82 que para efeitos da determinação da incidência dessa hipótese deverá ser observada nos casos de aquisição de outra nacionalidade pela via da naturalização a anterioridade do fato gerador da extradição Já de acordo com o 4º do citado preceito da Lei de Imigração o STF poderá deixar de considerar crime político o atentado contra chefe de Estado ou quaisquer autoridades bem como crime contra a humanidade crime de guerra crime de genocídio e terrorismo Embora não se trate de um caso de não concessão da extradição calha referir nesse contexto que do ponto de vista processual a eventual interposição de pedido de refúgio implica a suspensão nos termos do art 34 da Lei 94741997 que regulamenta o instituto do refúgio até decisão definitiva qualquer processo de extradição pendente seja na esfera administrativa seja na jurisdicional desde que o processo de extradição seja baseado nos fatos que fundamentam o pedido de refúgio Esse é aliás o entendimento do STF v Ext 1424 Questão de Ordem rel Min Dias Toffoli j em 27062017 sobre a matéria sendo que também de acordo com a nossa Suprema Corte nem mesmo o deferimento da extradição obsta a suspensão do respectivo processo desde que o pedido de refúgio tenha sido formulado antes do trânsito em julgado da decisão que deferiu a extradição Ainda de acordo com a Lei de Migração que regula a matéria a teor do que dispõe o art 83 São condições para concessão da extradição I ter sido o crime cometido no território do Estado requerente ou serem aplicáveis ao extraditando as leis penais desse Estado e II estar o extraditando respondendo a processo investigatório ou a processo penal ou ter sido condenado pelas autoridades judiciárias do Estado requerente a pena privativa de liberdade Outro aspecto de suma relevância no que diz com a regulamentação da extradição diz respeito às hipóteses em que mesmo ela sendo admissível a entrega do extraditando ao Estado requerente poderá ser recusada Nesse sentido de acordo com o art 96 da Lei de Imigração não será efetivada a entrega do extraditando sem que o Estado requerente assuma o compromisso de I não submeter o extraditando a prisão ou processo por fato anterior ao pedido de extradição II computar o tempo da prisão que no Brasil foi imposta por força da extradição III comutar a pena corporal perpétua ou de morte em pena privativa de liberdade respeitado o limite máximo de cumprimento de 30 trinta anos IV não en tregar o extraditando sem consentimento do Brasil a outro Estado que o reclame V não considerar qualquer motivo político para agravar a pena e VI não submeter o extraditando a tortura ou a outros tratamentos ou penas cruéis desumanos ou degradantes Nesse contexto importante notar que a Constituição veda tanto a pena de morte quanto a de caráter perpétuo além de proscrever a imposição de trabalhos forçados a tortura e tratamentos desumanos e degradantes Com base em tais premissas registrase significativa evolução no que diz com a jurisprudência do STF sobre a matéria 1007 Ainda sob a égide da CF1967 designadamente no julgamento da Extradição 426 1008 ficou assen tado que a restrição legal relativa à não efetivação da entrega do extraditando se restringe aos casos de pena de morte e outras penas corporais não estando previstas na lei especial ressalvas quanto à prisão perpétua Após a promulgação da atual Constituição houve alteração importante no entendimento do STF na matéria tornando bem mais rígidas as restrições no campo da extradição Aqui é de ser destacado o julgamento da Extradição 855 1009 que condicionou a efetivação da extradição a prévio compromisso diplomático de comutação das penas inclusive nas hipóteses de cominação de prisão perpétua no Estado requerente tendo em vista que a prisão perpétua é inadmissível na nossa ordem constitucional A extradição por sua vez não encontra obstáculo na circunstância de que o extraditando se encontra em processo de naturalização desde que presentes por óbvio os demais requisitos o que encontra respaldo na jurisprudência do STF como dá conta o julgamento da Ext 1500DF rel Ministro Roberto Barroso ocorrido em 31102017 No mesmo julgado a Corte repisou que também o estado de saúde do extraditando não constitui impedimento ao deferimento do pedido mas poderia operar como óbice à entrega caso comprovado que a efetivação da medida pudesse colocar em risco a sua vida Ainda no que diz com a jurisprudência do STF na matéria é perceptível que este tem efetuado um controle em geral rigoroso dos requisitos da extradição e privilegiado no mais das vezes o direito de liberdade e a maior proteção possível da dignidade do extraditando Dentre os julgados que aqui poderiam ser colacionados assume relevo a Extradição 1121 1010 no bojo da qual embora deferido em parte o pedido o STF considerou que uma vez consumada a prescrição penal seja em face da legislação do Estado requerente seja à luz do ordenamento brasileiro impõese o desatendimento da extradição pois não satisfeito o princípio da dupla punibilidade 1011 Além disso na mesma ocasião foi reafirmado que deve ser observado o critério da eficácia ultrativa da norma penal mais benéfica ao extraditando seja no Brasil seja no Estado requerente A respeito desse ponto prescrição como critério impeditivo da extradição importa seja referido importante julgado do STF Ext 1362DF rel Min Edson Fachin j 06102016 no qual embora tenha sido por maioria seis votos contra cinco indeferido o pedido precisamente pelo fato de ter sido implementado o lapso temporal da pres crição de acordo com a lei brasileira porquanto em causa estava a alegação por parte do Estado requerente Argentina de crimes contra a humanidade o extraditando seria integrante de grupo terrorista envolvido em assassinatos e sequestro de cidadãos contrários ao regime militar que seriam segundo o Código Penal da Argentina imprescritíveis assim como também previsto na legislação internacional Convenção da ONU sobre crimes de guerra e crimes contra a humanidade O Estado requerente ainda argumentou que outra interpretação implicaria transformar o Brasil num abrigo de imunidade para autores das piores violações de direitos humanos violando além disso jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos e o sentido do princípio da prevalência dos direitos humanos contido no art 4º II da CF Notese que de acordo com o voto do rel Min Edson Fachin o pedido deveria ser deferido dada a inexistência de um direito constitucional à prescrição a submissão do Brasil à jurisdição do Tribunal Penal Internacional cujo Estatuto prevê a imprescritibilidade dos crimes contra direitos humanos bem como em face da necessária obediência à jurisprudência da Corte Interamericana e do disposto na Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados que afirma a nulidade de tratado que conflite com norma imperativa do direito internacional sendo vedado ao Estado que tenha ratificado a Convenção invocar limitações do direito nacional para justificar o não adimplemento de obrigações internacionais art 27 da Convenção de Viena Tal entendimento foi acompanhado pelos Ministros Roberto Barroso Rosa Maria Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia A posição que contudo acabou vencedora no sentido do indeferimento da extradição fundouse em síntese nos seguintes argumentos em especial esgrimidos no voto do Ministro Teori Zavascki a a necessidade de cumprimento do art 77 VI do Estatuto do Estrangeiro e do próprio tratado de extradição entre o Brasil e a Argentina que veda a extradição quando extinta a punibilidade pela prescrição b que a natureza dos crimes imputados ao extraditando não tem o condão de afastar a incidência do regramento referido c a aplicação do precedente da ADPF 153DF no sentido da não incidência no Brasil da imprescritibilidade de crimes contra a humanidade por não ter o Brasil aderido à Convenção sobre Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e Crimes contra a Humanidade d o fato de que apenas a lei nacional interna pode regular as hipóteses de prescrição ou imprescritibilidade da pretensão punitiva estatal e que não houve reprodução no direito interno da norma de direito internacional no sentido da imprescritibilidade de crimes contra a humanidade f que o Estatuto de Roma tem natureza de norma supralegal não elide a força normativa do art 5º XV da CF que veda a retroatividade da lei penal salvo quando para beneficiar o réu g por derradeiro não verificada ofensa ao art 27 da Convenção de Viena visto que não se trata de invocar limitações de direito interno para justificar o seu descumprimento mas sim a ocorrência de simples limitação prevista no Tratado de Extradição firmado pelo Brasil e pela Argentina Como se pode verificar tratase de caso complexo e delicado de harmonização entre o direito interno inclusive constitucional e o direito internacional dos direitos humanos Há de se considerar ainda sem que com isso se esteja a tomar partido de uma das duas correntes representadas na decisão do STF que a proibição de retroatividade em prejuízo do réu constitui cláusula pétrea na ordem constitucional brasileira sendo que a submissão à jurisdição do Tribunal Penal Internacional foi inserida no texto da CF pelo poder de reforma da Constituição o que também se aplica a condição de cláusula pétrea a proibição da pena de prisão perpétua igualmente admitida pelo Estatuto do Tribunal Penal Internacional A distinção sugerida entre extradição e entrega aqui com base na normativa internacional parece frágil do ponto de vista jurídico embora recebida com bastante simpatia por setores importantes da doutrina embora não invocada nos votos vencidos De todo modo cuidase de tema de significativa relevância e que merece toda a atenção da literatura especializada Além disso considerando a apertada maioria formada quando do julgamento não está afastada a possibilidade concreta de superação do entendimento que prevaleceu na decisão em casos futuros Notase ademais disso que o STF tem recorrentemente privilegiado uma interpretação extensiva das hipóteses legais que impedem a extradição como dá conta entre outros julgados a Extradição n 1428DF Relator Ministro Gilmar Mendes julgada em 07052019 1012 1013 Neste caso tratavase de pedido de extradição formulado pelo Governo da República Popular da China de nacional acusada do crime de absorção ilegal de fundos públicos previsto no art 176 da Lei Criminal da República Popular da China correspondente ao delito de fazer operar sem a devida autorização ou com autorização obtida mediante declaração falsa instituição financeira inclusive de distribuição de valores imobiliários ou de câmbio constante do art 16 da Lei n 74921986 2 O pedido foi indeferido em virtude do risco de não serem observados requisitos legais e constitucionais em especial direitos humanos e fundamentais dos extraditandos por conta da abertura demasiada dos tipos penais e pela possibilidade de imposição das penas de prisão perpétua ou de morte inexistindo garantia da viabilidade da fiscalização e monitoramento da comutação da pena por parte do Estado brasileiro 41658 As hipóteses de asilo e refúgio O asilo e o refúgio são dois institutos contemplados pelo direito internacional e pelo direito interno e que têm em comum entre outros aspectos o fato de terem como objetivo assegurar a possibilidade de acolhimento e permanência no território de determinado Estado de estrangeiros e apátridas em determinadas circunstâncias Considerando que os institutos não se confundem entre si apresentando características distintas e mesmo obedecendo a um regramento distinto ambos serão apresentados e brevemente analisados em separado 416581 O asilo O instituto jurídico do asilo é regulado em primeira linha pelo direito internacional público designadamente a Convenção sobre Asilo Territorial assinada em Caracas em 28031954 1014 Tal Convenção concretizou e tornou vinculante para os Estados signatários o que já dispunha a Declaração Universal dos Direitos da ONU 1948 que no seu art 14 reconhece a toda pessoa o direito de pedir asilo e de se beneficiar de asilo em outros países quando vítima de perseguição No plano do direito constitucional positivo brasileiro a concessão de asilo político é um dos princípios fundamentais que regem o Brasil nas suas relações internacionais art 4º X da CF Em nível da legislação doméstica é também a Lei de Imigração que regula a matéria todavia de modo significativamente distinto do que o fazia o já revogado Estatuto do Estrangeiro De acordo com o antigo Estatuto o estrangeiro admitido no território nacional na condição de asilado político estava sujeito além dos deveres impostos pelo direito internacional a cumprir as disposições da legislação vigente e as que o Governo brasileiro eventualmente lhe viesse a fixar art 28EE Além disso a teor do art 29 do Estatuto revogado o asilado não podia sair do País sem prévia autorização do Governo brasileiro E mais eventual inobservância da determinação anterior importaria na renúncia ao asilo e impediria o reingresso nessa condição art 29 parágrafo único Conforme a atual Lei de Migração contudo o cenário passou a ser totalmente distinto Com efeito logo no art 27 a lei define que o asilo político que constitui ato discricionário do Estado poderá ser diplomático ou territorial e será outorgado como instrumento de proteção à pessoa Ainda no parágrafo único estabelece que o regulamento disporá sobre as condições para a concessão e a manutenção de asilo Assim segue atual a definição de asilo político em sentido genérico consagrada na melhor doutrina que se desmembra nas modalidades asilo territorial e asilo diplomático 1015 Por meio do asilo político o Estado admite estrangeiro perseguido em seu país de origem por razões ligadas a questões políticas delitos de opinião ou crimes concernentes à segurança do Estado ou outros atos que não configurem quebra do direito penal comum 1016 É possível vislumbrar esse princípio como obrigatoriedade e como concessão de asilo político sem quaisquer restrições 1017 Na ordem jurídicoconstitucional brasileira prevalece o entendimento de que embora possa haver recusa esta deverá estar apenas fundada na inocorrência da hipótese prevista podendo haver controle judicial 1018 Pouco tempo depois de promulgada a atual Constituição o STF se debruçou sobre o tema no julgamento da Extradição 524 rel Min Celso de Mello DJ 08031991 que envolveu o Governo do Paraguai e o extraditando Gustavo Adolfo Stroessner Mora quando o Tribunal concluiu pela ocorrência de uma extradição política disfarçada Nesse caso o Tribunal reconheceu existir frente à proibição de extraditar por motivo de crime político ou de opinião um direito subjetivo público do cidadão estrangeiro de modo a configurar uma limitação jurídica insuperável do poder de extraditar Com relação ao julgado e em geral no que diz respeito ao asilo político relevante a conclusão de que não há contradição absoluta entre os institutos do asilo político e da extradição não havendo vinculação do Poder Judiciário frente ao pronunciamento do Executivo de tal sorte que a concessão de asilo não impede mais adiante eventual extradição desde que presentes os requisitos de modo que apenas haverá impedimento se configurado crime político ou de opinião 1019 Convém frisar que o precedente é importante porque será retomado em julgados posteriores em diálogo com o instituto do refúgio em que pesem as distinções existentes entre os institutos como se verá logo a seguir Por derradeiro importa destacar que afinada com o 4º do art 5º da CF e mesmo com os princípios que regem as relações do Brasil na esfera internacional art 4º a Lei de Migração estabelece uma limitação na concessão de asilo não se concederá asilo a quem tenha cometido crime de genocídio crime contra a humanidade crime de guerra ou crime de agressão nos termos do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional de 1998 promulgado pelo Decreto 4388 de 25 de setembro de 2002 art 28 416582 O refúgio A proteção dos refugiados encontra regulamentação no plano internacional na Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951 promulgada no Brasil pelo Dec 50215 de 1961 e pelo seu Protocolo Adicional de 1966 promulgado no Brasil pelo Dec 70946 de 1972 Na versão original da Convenção consta uma limitação temporal no sentido de abarcar somente fatos ocorridos até 1º de janeiro de 1951 além de uma delimitação geográfica que permitia somente às pessoas provenientes da Europa pedir refúgio limitações que foram retiradas pelo Protocolo de 1966 Importa sublinhar que o instituto do refúgio pode ser objeto de ampliação no que diz com os motivos de concessão no âmbito regional o que pode ser ilustrado recorrendose aos exemplos da Convenção Relativa aos Aspectos Específicos dos Refugiados Africanos de 1969 e da Declaração de Cartagena sobre os Refugiados de 1984 no âmbito da OEA 1020 O instituto acabou recebendo contornos mais amplos do que os que justificam a concessão de asilo pois aplicável também a situações de guerra e de graves perturbações internacionais que precisamente estimularam a elaboração da normativa internacional 1021 No Brasil a CF não contempla o instituto do refúgio de tal sorte que a matéria foi objeto de regulamentação no plano infraconstitucional designadamente pela Lei 94741997 cuja vigência não foi afetada pela Lei de Migração Ademais disso é de se sublinhar que o art 121 da Lei de Migração dispõe que a aplicação desta Lei de Migração não impede o tratamento mais favorável assegurado por tratado em que a República Federativa do Brasil seja parte A concessão de refúgio se opera pela via administrativa e a decisão é do Poder Executivo por meio do Comitê Nacional para os Refugiados CONARE órgão vinculado ao Ministério da Justiça que analisa os pedidos e decide sobre as solicitações de refúgio inclusive no que diz com a sua cessação A concessão do refúgio assegura ao beneficiário o respectivo status e proteção nos termos da lei interna e diplomas internacionais aplicáveis1022 Uma das principais consequências do reconhecimento da condição de refugiado nos termos do art 33 da Lei 94741997 é a de que resulta obstado o seguimento de qualquer pedido de extradição baseado nos fatos que fundamentaram a concessão de refúgio Todavia como também a decisão sobre o refúgio não está imune ao controle jurisdicional caberá aqui também ao STF se pronunciar sobre a matéria especialmente para o efeito de aferir a legalidade do ato administrativo que poderá vir a ser declarado nulo quando então poderá ocorrer a extradição de quem solicitou o refúgio cuja análise estará a cargo do STF 1023 Aliás importa sublinhar que na esfera jurisprudencial houve oscilação significativa no que diz com a orientação adotada pelo STF na matéria Assim ao passo que na Extra dição 785 1024 o STF entendeu que a decisão de reconhecimento da condição de refugiado seria causa absoluta de prejudicialidade das extradições fundadas nos mesmos fatos tal entendimento foi objeto de alteração quando do julgamento das Extradições 1008 e 1085 Com efeito na Extradição 1008 1025 o Min Gilmar Mendes submeteu ao Plenário questão de ordem relativa à aplicabilidade ou não do art 33 da lei antes referida De acordo com o ministro tratavase do primeiro caso em que houve concessão administrativa de refúgio a extraditando Apontou ainda que a Constituição atribui ao STF competência originária para apreciar pedido de extradição e a vedação constitucional de extradição em decorrência de crimes políticos ou de opinião invocando igualmente disposições do Estatuto do Estrangeiro no sentido de que compete ao STF avaliar o caráter da infração além da existência de casos previstos no Estatuto em que o Tribunal pode deixar de considerar o delito como crime político Concluiu que cabe ao STF avaliar a natureza política do delito imputado ao extraditando Levando em conta a dinâmica de separação dos poderes sugeriu o ministro fosse adotada a mesma posição praticada no caso de asilo político para que a decisão administrativa a respeito da concessão de refúgio não obstasse de forma absoluta e generalizada qualquer pedido de extradição apresentado à Suprema Corte Entendeu na linha de precedente do Min Celso de Mello referente a asilo que a extradição somente estará impedida se os fatos que a motivarem forem qualificados como crimes políticos ou de opinião ou se as circunstâncias indicarem que se trata de extradição política disfarçada Em sentido diverso o Min Sepúlveda Pertence entendeu válido o art 33 da Lei dos Refugiados que dentre outros elementos indica ser de competência do Executivo a qualificação como crime político No mesmo sentido se posicionou o Min Joaquim Barbosa que não vê proeminência do Judiciário nas relações internacionais afirmando que a judicialização vem em benefício do extraditando Já o Min Cezar Peluso em síntese não vislumbrou óbice a que a lei estabeleça condições de admissibilidade da extradição o caso em exame seria uma delas e que não viu pertinência quanto ao argumento da separação dos poderes A Ministra Cármen Lúcia sublinhou a possibilidade de o Executivo não remeter sequer a extradição ao STF e que caso já enviada o tribunal teria de julgar prejudicada a extradição por ausência de objeto Também os Ministros Ricardo Lewandowski Eros Grau Carlos Britto Marco Aurélio e Celso de Mello divergiram do relator que restou vencido Já na Extradição 1085 1026 que trata do famoso Caso Battisti o desfecho foi diferente Por maioria foi reconhecida ilegalidade no ato de concessão de refúgio ao extraditando pelo Ministro da Justiça Também por maioria foi deferido o pedido de extradição e foi reconhecido que o deferimento não vincula o Presidente da República Dentre os diversos aspectos que podem ser extraídos desse julgado é possível destacar a conclusão de que não houve configuração de crime político e de que houve homicídio praticado por membro de organização revolucionária clandestina em plena normalidade institucional de Estado Democrático de Direito sem nenhum propósito político imediato ou conotação de reação legítima a regime opressivo Independentemente de uma tomada de posição a respeito do acerto ou equívoco por parte do STF a evolução aqui sumariamente retratada indica que se cuida de matéria altamente polêmica e que acarreta repercussão relevante inclusive em nível internacional podendo até mesmo abalar as relações entre o Brasil e outros Estados De qualquer sorte é preciso enfatizar que eventual controle jurisdicional da decisão sobre o refúgio deverá ser excepcional e limitarse consoante já referido a um estrito controle da legalidade do ato do Poder Executivo A responsabilidade pela concessão do refúgio e portanto pela não viabilidade da extradição deverá ser assumida por quem detém também a prerrogativa de conduzir o Brasil no plano das relações internacionais No caso de negativa do refúgio poderá então o STF como guardião das liberdades fundamentais avaliar criteriosamente se eventual pedido de extradição é cabível e compatível com a sua jurisprudência que privilegia a proteção da liberdade e da dignidade individual 417 Direitos políticos 4171 Considerações gerais o significado jurídico da democracia e sua relação com os direitos políticos e os direitos fundamentais em geral Se a nacionalidade representa o vínculo jurídicopolítico do indivíduo com o Estado e sua respectiva ordem jurídica a cidadania que em regra pressupõe a nacionalidade mas não necessariamente bem como os direitos e deveres fundamentais que lhe são correlatos guarda estreita relação com o assim designado status activus da cidadania do indivíduo ou seja com os seus direitos competências de participação ativa na formação da vontade política estatal e nesse sentido do processo democrático e decisório 1027 Precisamente quanto a tal aspecto assume relevo a vinculação entre a democracia e os direitos políticos e a dignidade humana pois de acordo com a lição de Peter Häberle a democracia é a garantia organizacional e política da dignidade da pessoa humana e do pluralismo ao passo que esta assume a condição de premissa e pressuposto antropológico do Estado Democrático de Direito 1028 Afinal é mediante a fruição de direitos de participação política ativos e passivos que o indivíduo não será reduzido à condição de mero objeto da vontade estatal mero súdito mas terá assegurada a sua con dição de sujeito do processo de decisão sobre a sua própria vida e a da comunidade que integra Assim os direitos políticos ainda mais quando assumem a condição de direitos fundamentais vinculando os órgãos estatais incluindo o Poder Legislativo exercem nesse contexto dúplice função pois se por um lado são elementos essenciais e garantes da democracia no Estado Constitucional aqui se destaca a função democrática dos direitos fundamentais por outro representam limites à própria maioria parlamentar já que esta no campo de suas opções políticas há de respeitar os direitos fundamentais e os parâmetros estabelecidos pelos direitos políticos 1029 de tal sorte que entre os direitos políticos e os direitos fundamentais em geral e a democracia se verifica uma relação de reciprocidade e interdependência 1030 caracterizada por uma permanente e recíproca implicação e tensão 1031 Considerando ademais que no Estado Constitucional no Brasil definido e formatado como um Estado Democrático de Direito a relação entre democracia e direitos políticos está em primeira linha definida pela própria Constituição necessário reconhecer que a democracia é um conceito jurídicoconstitucional cujo conteúdo e alcance devem ser compreendidos avaliados e aplicados com um olhar voltado para as peculiaridades do sistema de direito constitucional positivo vigente de modo a privilegiar uma concepção constitucionalmente adequada 1032 Assim é com base no sistema constitucional de modo especial a partir dos direitos políticos do modelo adotado com relação aos partidos políticos na configuração do sistema eleitoral na maior ou menor deferência em relação aos mecanismos de participação direta no processo político entre outros indicadores que se poderá encontrar uma definição constitucional de democracia Mas a democracia como se sabe não é apenas forma ou seja um processo de legiti mação da aquisição e exercício do poder estatal com base na noção de soberania popular muito embora tal dimensão siga sendo imprescindível e seja mesmo constitutiva da própria democracia 1033 Somase a isso uma dimensão material pois no contexto de um Estado Democrático de Direito a própria democracia se descaracteriza sem o reconhecimento respeito proteção e promoção de determinados princípios e valores e direitos fundamentais pois do contrário o governo do povo e pelo povo poderá eventualmente não ser um governo para o povo 1034 Aliás não é à toa que um Bertold Brecht se perguntava Numa democracia todo o poder emana do povo mas para onde mesmo ele vai 1035 Em todo caso o que aqui está em pauta é que a democracia constitucional não poderá ser apenas formal mas acima de tudo substancial pois a própria democracia deve se relegitimar permanentemente pois o governo democrático não deve ser legítimo apenas uma vez quando de algum ponto de partida 1036 Vale frisar que à assim chamada legitimação pelo título origem e pelo procedimento sempre deverá ser acrescida uma legitimação pelo conteúdo sendo nesse plano que os princípios fundamentais com destaque para a separação dos poderes a dignidade da pessoa humana a soberania a cidadania o pluralismo político no Brasil expressamente elencados no art 1º da CF não podem ser dissociados da compreensão concreta da democracia assim como se dá com os direitos humanos e fundamentais em geral 1037 Igualmente relevantes para uma democracia efetiva se revelam os princípios da constitucionalidade e da legalidade a responsabilidade política dos detentores de poder a independência do Poder Judiciário precisamente para fazer valer os princípios e direitos fundamentais incluindo os direitos políticos o que tudo somado e devidamente articulado assegura que se possa falar em autêntico Estado Democrático de Direito 1038 4172 Os direitos políticos como direitos humanos e fundamentais 41721 Considerações gerais Os direitos políticos integram os catálogos constitucionais de direitos há muito tempo sendo além disso reconhecidos e protegidos no âmbito do sistema internacional dos direitos humanos Por outro lado é preciso lembrar que assim como se deu com outros direitos fundamentais os direitos políticos experimentaram importante processo de mutação em termos quantitativos e qualitativos como se pode verificar em caráter ilustrativo a partir do exemplo da gradativa extensão do sufrágio portanto com a ampliação de sua titularidade a um círculo maior de pessoas bem como com a ampliação das suas garantias o aperfeiçoamento das condições de elegibilidade o papel dos partidos políticos e a própria liberdade de associação partidária entre outros que poderiam ser colacionados Por outro lado os direitos políticos dizem respeito em primeira linha ao processo político interno dos Estados de tal sorte que esses possuem uma relativamente grande margem de ação no que diz com a formatação mediante o direito constitucional positivo e a legislação e jurisprudência nacional de seu respectivo modelo democrático e do conteúdo e alcance dos respectivos direitos políticos Assim diversamente do que ocorre em outros setores no que concerne aos direitos políticos e a sua formatação concreta o direito internacional dos direitos humanos limitase ao estabelecimento de algumas pautas mínimas voltadas especialmente à garantia do direito de sufrágio à isonomia no processo eleitoral etc O fenômeno ora relatado se manifesta de forma particularmente clara no caso brasileiro pois também na seara dos direitos políticos e dos partidos políticos a Constituição Federal foi relativamente minuciosa e incluiu regras bastante precisas inclusive no concernente às condições de elegibilidade etc muito embora tal modelo não tenha sido incorporado pela expressiva maioria dos países De qualquer sorte para que se possa pelo menos visualizar com base em alguns exemplos como os direitos políticos foram reconhecidos no plano supranacional e no direito constitucional estrangeiro seguem algumas informações 41722 Os direitos políticos no plano supranacional internacional e regional Muito embora seja na esfera interna de cada Estado que os direitos políticos encontram sua formatação concreta o valor da democracia para a comunidade internacional e a relevância da participação individual nos processos de decisão sobre os destinos da comunidade para cada pessoa e a afirmação de sua dignidade também o direito internacional dos direitos humanos acabou consagrando uma pauta mínima em matéria de direitos políticos a começar pela Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 cujo art XXI dispõe 1 Toda pessoa tem o direito de tomar parte no governo de seu país diretamente ou por intermédio de representantes livremente escolhidos 2 Toda pessoa tem igual direito de acesso ao serviço público do seu país 3 A vontade do povo será a base da autoridade do governo esta vontade será expressa em eleições periódicas e legítimas por sufrágio universal por voto secreto ou processo equivalente que assegure a liberdade de voto Nos tratados internacionais posteriores no âmbito do sistema da ONU e dos subsistemas regionais tais diretrizes foram retomadas e reafirmadas na sua essência Assim por exemplo o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos 1966 no seu art 3º dispõe que os Estadospartes no presente Pacto comprometemse a assegurar a homens e mulheres igualdade no gozo de todos os direitos civis e políticos enunciados no presente Pacto sendo que no art 25 consagra especificamente tais direitos políticos enunciando que todo cidadão terá o direito e a possibilidade sem qualquer das formas de discriminação mencionadas no art 2º e sem restrições infundadas a de participar da condução dos assuntos públicos diretamente ou por meio de representantes livremente escolhidos b de votar e ser eleito em eleições periódicas autênticas realizadas por sufrágio universal e igualitário e por voto secreto que garantam a manifestação da vontade dos eleitores c de ter acesso em condições gerais de igualdade às funções públicas de seu país O Pacto de São José da Costa Rica 1969 por sua vez no seu art 23 1 enuncia que todos os cidadãos devem gozar dos seguintes direitos e oportunidades a de participar da condução dos assuntos públicos diretamente ou por meio de representantes livremente eleitos b de votar e serem eleitos em eleições periódicas autênticas realizadas por sufrágio universal e igualitário e por voto secreto que garantam a livre expressão da vontade dos eleitores e c de terem acesso em condições gerais de igualdade às funções públicas de seu país acrescentando relevante regra geral sobre a regulamentação e restrição de tais direitos pois no item 2 do mesmo art 23 o Pacto de São José da Costa Rica dispõe que a lei pode regular o exercício dos direitos e oportunidades a que se refere o inciso anterior exclusivamente por motivo de idade nacionalidade residência idioma instrução capacidade civil ou mental ou condenação por juiz com petente em processo penal Por derradeiro sem prejuízo de outros documentos que poderiam ainda ser colacionados convém referir a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia 2000 cujo art 39 assegura o direito de eleger e ser eleito nas eleições para o Parlamento Europeu nos seguintes termos 1 Todos os cidadãos da União gozam do direito de eleger e de serem eleitos para o Parlamento Europeu no EstadoMembro de residência nas mesmas condições que os nacionais desse Estado 2 Os membros do Parlamento Europeu são eleitos por sufrágio universal direto livre e secreto Já no art 40 da Carta encontrase enunciado o direito de eleger e de ser eleito nas eleições municipais no sentido de que todos os cidadãos da União gozam do direito de eleger e de serem eleitos nas eleições municipais do EstadoMembro de residência nas mesmas condições que os nacionais desse Estado O que se percebe no caso da Europa é o reconhecimento de uma cidadania europeia supranacional que implica um direito ao sufrágio ativo e passivo sem prejuízo dos direitos políticos assegurados no plano interno de cada Estado integrante da União assunto que embora a necessária sinergia com o plano europeu é regulado pelas Constituições e pela legislação dos Estados integrantes da União 4173 Os direitos políticos no constitucionalismo brasileiro 41731 Constituições anteriores A Carta Imperial de 1824 tratou da perda e da suspensão dos direitos políticos nos seus arts 7º e 8º ao passo que os arts 90 a 97 situados no Título IV Do Poder Legislativo trataram das eleições destacandose a previsão como habitual naquela quadra da evolução constitucional mundial de limitações de renda tanto para ser eleitor quanto para ser eleito arts 92 V 93 e 95 I além da própria característica de as eleições serem indiretas art 90 A Constituição de 1891 nos seus arts 26 e ss estabeleceu condições de elegibilidade para o Congresso Nacional e para o Poder Executivo art 47 A definição dos eleitores e as limitações quanto ao alistamento bem como as inelegibilidades foram reguladas no art 70 ao passo que os casos de perda e suspensão dos direitos políticos foram regrados no art 71 Importa frisar que embora tenha sido afastado o assim chamado voto censitário a Constituição de 1891 estabeleceu a vedação do alistamento como eleitores com relação aos mendigos e aos analfabetos art 70 1º A Constituição de 1934 embora tenha mantido a vedação do alistamento dos mendigos e analfabetos atribuiu o direito de sufrágio às mulheres sendo quanto a isso a primeira na evolução constitucional brasileira mas em sentido mais restritivo previu expressivo número de hipóteses de inelegibilidade art 112 Em termos gerais exceção feita ao elenco mais variável no tempo das hipóteses de inelegibilidade a Constituição de 1937 ressalvadas as limitações fortes ao processo democrático aos partidos políticos etc contemplava em geral idênticos direitos políticos ativos e passivos o mesmo ocorrendo com as Constituições de 1946 e 19671969 neste último caso novamente presentes o caráter autoritário e uma série de restrições ao exercício dos direitos políticos e à atividade partidária Particular destaque mas em sentido não positivo do ponto de vista dos direitos fundamentais merece o art 151 da Constituição de 1967 que previu a suspensão dos direitos políticos quando do seu exercício abusivo Outro aspecto de relevo é que até a entrada em vigor da EC 25 de 1985 os analfabetos estavam excluídos do alistamento eleitoral no âmbito do constitucionalismo brasileiro 41732 Os direitos políticos na Constituição Federal de 1988 417321 Considerações gerais o regime jurídicoconstitucional dos direitos políticos na condição de direitos fundamentais Os direitos políticos como de resto os direitos fundamentais em geral tiveram uma posição de destaque na Constituição Federal Os direitos políticos em sentido estrito no sentido de direitos e garantias diretamente destinados a assegurar uma livre e eficaz participação do cidadão nos processos de tomada de decisão política na esfera estatal foram contemplados pela CF nos arts 14 a 16 ao passo que o regime jurídicoconstitucional dos partidos políticos foi objeto de previsão no art 17 ainda no Título Dos direitos e garantias fundamentais Assim embora previstos em capítulo apartado os partidos políticos integram o conjunto dos direitos políticos em especial a liberdade de criação e de associação partidária essencial à concepção de democracia representativa e partidária que é predominante na Constituição Além disso ninguém poderá eleger alguém que não esteja vinculado a partido político sendo tal vinculação condição de exercício dos direitos políticos passivos Ainda assim pela sua relevância e pelas peculiaridades do regime jurídico dos partidos políticos estes serão abordados em separado A circunstância de que os direitos políticos são em primeira linha direitos fundamen tais é de crucial relevância em diversos aspectos já que da condição de direitos fundamentais como já desenvolvido na parte dedicada à teoria geral dos direitos fundamentais na Constituição decorre uma série de consequências Antes contudo de avançarmos quanto ao regime jurídico constitucional dos direitos políticos convém firmar posição quanto a um ponto preliminar de importância não secundária Com efeito a afirmação de que os direitos políticos são direitos fundamentais poderá ser até mesmo questionada pois a CF nos arts 14 a 16 contempla dispositivos que não foram previstos em outras Constituições não constam dos tratados de direitos humanos e não necessariamente como ocorre em outros países carecem de previsão constitucional podendo ser até mesmo regulados no plano da legislação complementar ou ordinária a depender da matéria A indagação já faria sentido pelo fato de que no art 60 4º da CF onde se encontram enunciados os limites materiais expressos ao poder de reforma constitucional os direitos políticos ao menos como categoria geral não foram referidos assim como os partidos políticos Pelo contrário apenas o voto e seus elementos essenciais lá foram expressamente considerados Assim tendo em conta que os direitos e garantias individuais também foram previs tos no elenco das cláusulas pétreas do art 60 4º não seria de se afastar de plano uma argumentação restritiva pois em não sendo protegidos contra a reforma constitucional na condição de limites fundamentais é plausível que alguém possa justificar uma concepção mais estrita de direitos políticos no sentido de que apenas o direito de voto direto secreto universal e periódico seria um verdadeiro direito fundamental ao passo que os demais direitos políticos teriam status meramente constitucional A posição aqui adotada contudo busca manter coerência com a concepção alargada de direitos fundamentais apresentada no capítulo da respectiva teoria geral Aliás nem mesmo eventual afastamento da condição de limites materiais ao poder de reforma com o que não concordamos por si só seria suficiente no entender de alguns para justificar a exclusão de parte dos dispositivos dos arts 1416 da CF mas também do art 17 do grupo dos direitos fundamentais até mesmo pelo fato de que tal condição não é necessariamente incompatível com um regime jurídico em parte distinto como ocorre por exemplo em Portugal e na Espanha muito embora não no concernente aos direitos políticos Em caráter de síntese afirmase portanto que todos os direitos e garantias contemplados nos arts 1416 da CF são direitos fundamentais dotados em regra de aplicabilidade imediata art 5º 1º vinculando diretamente os atores estatais e além disso gozando da condição de cláusulas pétreas seja por se tratar em geral de direitos e garantias individuais seja pela possível invocação da noção de limites materiais implícitos consoante reconhecido pelo próprio STF por exemplo quando do julgamento sobre a aplicação da assim chamada Lei da Ficha Limpa onde foi invocada a garantia estabelecida pelo art 16 da CF e sustentado se tratar de limite à reforma constitucional 1039 Por outro lado a condição de serem todos os direitos políticos direitos fundamentais pelo menos aqueles previstos no Título II da CF não afasta importantes diferenças de tratamento que dependem por um lado da própria estrutura normativa princípios eou regras de limitações ou mesmo exceções estabelecidas pela própria Constituição da maior ou menor liberdade de conformação deferida ao legislador infraconstitucional dos assim chamados limites aos limites entre outros que aqui poderiam ser mencionados o que voltará a ser considerado no momento oportuno Por ora antes de avançarmos em caráter de síntese parcial é o caso de apresentar mos seis diretrizes que reputamos centrais para um modo constitucionalmente adequado de compreender o que são os direitos políticos como direitos fundamentais inclusive e mesmo em especial no que diz com as consequências que daí se hão de extrair 1 Todos os direitos políticos previstos no Título II da CF têm igual dignidade constitucional na condição de direitos fundamentais 2 Como direitos fundamentais todos os direitos políticos devem ser submetidos em termos substanciais ao mesmo regime jurídico constitucional com destaque para a aplicabilidade imediata de suas normas art 5º 1º da CF a vinculação direta e isenta de lacunas dos órgãos estatais a condição de cláusulas pétreas e a aplicação do regime do controle das restrições em matéria de direitos fundamentais com destaque para a observância das reservas legais simples e qualificadas os critérios da proporcionalidade e a salvaguarda do núcleo essencial para referir os mais relevantes 3 Como integrantes de um sistema de direitos fundamentais com os quais estão em relação de coordenação e articulação os direitos políticos não têm a priori peso maior ou menor que os demais direitos e garantias fundamentais devendo ser aplicados de modo sistemático e harmônico 1040 mediante o estabelecimento da maior concordância prática Hesse possível tanto quando em relação de tensão com outros direitos fundamentais quanto no caso de conflito com outros bens constitucionais 4 Os direitos políticos na sua condição de direitos fundamentais reúnem dois aspectos que definem tal condição Ao passo que na perspectiva material está em causa a sua posição de destaque para a dignidade da pessoa humana e a democracia mas também para a fruição dos demais direitos fundamentais no plano formal tal condição de direito fundamental se traduz como já antecipado num conjunto de garantias ou seja num regime jurídicoconstitucional privilegiado e que assegura que tais direitos possam cumprir com as suas funções no Estado Constitucional 5 Como direitos fundamentais também os direitos políticos cumprem múltiplas funções no sistema constitucional o que como já se averbou na parte relativa à teoria geral dos direitos fundamentais guarda relação com a circunstância de os direitos políticos possuírem tanto uma dimensão subjetiva quanto uma dimensão objetiva implicando um complexo de direitos posições subjetivas de caráter negativo e positivo e de deveres vinculados à dimensão objetiva o que contudo será objeto de maior atenção a seguir 6 Embora o elenco de direitos políticos previsto na CF seja bem mais amplo que os consagrados nos tratados internacionais de direitos humanos existem aspectos previstos no direito internacional que não encontram referência na nossa ordem constitucional inclusive no que diz respeito às causas de inelegibilidade Ademais disso os parâmetros postos pelo sistema internacional devem ser objeto de observância pelo legislador e pelos órgãos judiciários internos no contexto do assim chamado controle de convencionalidade ainda e exatamente pelo fato de o direito internacional assumir o papel de um piso mínimo vinculante para o direito interno1041 Retomando aqui a questão da dupla dimensão subjetiva e objetiva dos direitos políticos na condição de direitos fundamentais é convencional iniciar pela primeira Com efeito também os direitos políticos são em primeira linha direitos fundamentais ou seja direitos subjetivos dotados de um regime particularmente reforçado do ponto de vista constitucional que abarcam um conjunto diferenciado de posições jurídicas de titularidade individual eou coletiva atribuídas ao cidadão muito embora e aqui um aspecto vinculado à dimensão objetiva a Constituição Federal tenha tornado obrigatório o alistamento eleitoral e o voto entre os 18 e os 70 anos de idade razão pela qual aqui se fala numa figura híbrida de um direitodever o que será examinado mais adiante No que diz com a sua assim chamada dimensão objetiva para além e independentemente de sua condição de direitos subjetivos os direitos políticos além de serem parâmetros vinculantes para a interpretação e aplicação do direito infraconstitucional no âmbito de um dever de interpretação conforme à Constituição poderão quando isso não for possível gerar a declaração de inconstitucionalidade das normas infraconstitucionais Além disso os direitos políticos poderão em determinadas hipóteses vincular não apenas os órgãos estatais que são sempre diretamente vinculados aos direitos fundamentais mas também gerar consequências jurídicas para os atores privados com destaque aqui para os partidos políticos que são pessoas jurídicas de direito privado não sendo o caso de adentrar na discussão sobre se tal eficácia dos direitos políticos nas relações privadas é imediata ou mediata para o que também remetemos às considerações tecidas na parte relativa à teoria geral dos direitos fundamentais De qualquer sorte apenas com o intuito de ilustrar a relevância prática do problema da eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas valemonos do exemplo colacionado por Néviton Guedes para quem não obstante a Justiça Eleitoral e a Lei Eleitoral costumem conferir maior liberdade à imprensa escrita empresas privadas em relação às empresas de rádio e televisão no que tange à propaganda eleitoral não se afigura possível que à luz da Constituição Federal e uma vez atendidas as limitações legais art 43 da Lei 95041997 um jornal impresso possa quando veicula propaganda eleitoral em suas páginas negar a publicação de propaganda paga por determinado candidato partido ou coligação sob a alegação de não concordar com suas propostas e perfil ideológico pois isso implicaria violação do princípio da igualdade que também nessa esfera alcança plena eficácia 1042 Por outro lado impende agregar que também os direitos políticos geram para os órgãos estatais deveres de proteção que por sua vez implicam deveres de atuação na esfera normativa deveres de legislar e fática assim como deveres no campo da organização e do procedimento por exemplo a disponibilização de estruturas organizacionais a Justiça Eleitoral e procedimentais inclusive de técnicas processuais aptas a assegurar a fruição dos direitos políticos e evitar ou reprimir intervenções ilegítimas por parte do Estado e de terceiros mas ao mesmo tempo salvaguardar os interesses e direitos fundamentais de terceiros e bens comunitários Assim como se verifica com os direitos fundamentais em geral também os direitos políticos reclamam seja estabelecida uma equação proporcional entre excesso de intervenção em seu respectivo âmbito de proteção e insuficiência de proteção Até mesmo a criminalização de condutas que violam os direitos políticos como modo de realizar o dever de proteção estatal mas também a proibição de descriminalização notadamente quando ausentes mecanismos alternativos e eficazes para assegurar o exercício dos direitos políticos assumem relevo nesse contexto o que aqui contudo não poderá ser objeto de maior desenvolvimento A dimensão objetiva dos direitos políticos guarda relação com uma ampliação do espaço da dimensão subjetiva pois a exemplo do que foi versado na parte geral dos direitos fundamentais deste Curso para além de direitos de defesa direitos negativos no sentido de posições subjetivas que têm por objeto bloquear a intervenção no âmbito de proteção do direito no sentido de proibições de intervenção ou a depender do caso assegurar o não impedimento de ações ou omissões por parte do seu titular os direitos políticos assumem a condição de direitos a prestações que por sua vez abarcam tanto prestações em sentido amplo incluindo prestações normativas quanto direitos a prestações materiais por exemplo que sejam colocadas à disposição dos eleitores as condições fáticas para o exercício de seu direitodever Assim é possível perceber que assiste razão a Klaus Stern ao apontar que os direitos políticos não podem ser desvinculados dos demais direitos de liberdade constituindo juntamente com esses uma espécie de status global e abrangente da liberdade Gesamtfreiheitstatus o que se manifesta especialmente em virtude do estreito vínculo entre os direitos políticos e as liberdades de associação reunião informação e comunicação em geral igualmente fundamentais para a ordem democrática 1043 Por derradeiro ainda na esfera das considerações gerais o regime jurídicoconstitucional dos direitos políticos inclui além da condição de limites materiais à reforma constitucional a proteção reforçada de tais direitos em relação às intervenções restritivas do legislador infraconstitucional mas também dos demais atores estatais Eventuais limi tes além dos expressamente previstos no próprio texto constitucional devem observar quando for o caso as exigências da reserva legal simples ou qualificada a exigência por exemplo de lei complementar em determinadas situações portanto operar nos limites da autorização constitucional para a imposição de restrições por meio da lei Além disso a legislação restritiva do âmbito de proteção dos direitos políticos mas também as restrições veiculadas por ato administrativo com ou sem caráter normativo ou mesmo decisão judicial devem ser submetidas a rigoroso controle quanto à sua legitimidade constitucional incluindo a observância dos critérios da proporcionalidade da segurança jurídica com destaque para a proteção da confiança legítima assim como a salvaguarda do núcleo essencial do direito Em todo caso cuidandose de intervenções restritivas não expressamente autorizadas pela Constituição Federal a restrição do direito político para além dos aspectos colacionados apenas será legítima quando justificada pela necessidade de proteger outros direitos fundamentais ou bens de hierarquia constitucional Tais questões no que diz com a dogmática dos limites e restrições em geral podem ser conferidas no respectivo item da teoria geral dos direitos fundamentais sem prejuízo de alguma anotação específica no contexto particular dos direitos políticos que venha a ser feita 417322 O sufrágio e o direito de voto De acordo com o disposto no art 14 da CF a soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto com valor igual para todos Aliás nunca é demais frisar que no âmbito de um Estado Democrático o direito fundamental ao voto sufrágio é de relevância central contemplado nas Declarações de Direitos desde o século XVII quando de sua incorporação no Bill of Rights na Inglaterra em 1689 assegu rando a livre eleição dos membros do Parlamento 1044 Como bem alerta Néviton Guedes embora no Brasil seja relativamente comum mesmo no campo da literatura especializada que os termos voto e sufrágio sejam utilizados como sinônimos a Constituição especialmente no art 14 lhes atribuiu sentidos diversos pois ao passo que o sufrágio consiste na essência do direito político subjetivo podendo como tal ser ativo ou passivo sendo ainda segundo o texto constitucional universal igual livre e direto o voto conquanto seja uma das condutas abarcadas pelo âmbito de proteção do sufrágio de forma alguma é a única expressão ou conduta protegida pela norma que protege o sufrágio pois o voto secreto é a forma pela qual o cidadão irá exercer o seu direito ao sufrágio consistindo dito de outro modo no exercício propriamente dito do direito de sufrágio 1045 Assim o sufrágio vai além do exercício do voto no âmbito da democracia representativa abarcando nos termos da CF no seu art 14 as modalidades do plebiscito do referendo e da iniciativa popular 1046 institutos que não serão aqui enfrentados Já por tal razão pela maior amplitude do sufrágio as garantias conferidas ao voto pela CF art 14 devem ser estendidas ao sufrágio que inclui o direito de voto 1047 Além disso de acordo com o disposto no art 60 4º II da CF tanto o sufrágio universal quanto o voto direto e secreto foram contemplados no elenco dos limites materiais explícitos à reforma constitucional estando assim equiparados em termos de proteção jurídicoconstitucional Certo é que como se dá em outras ordens jurídicas também no direito constitucional brasileiro o sufrágio na condição de direito subjetivo engloba o direito de votar o assim chamado direito eleitoral ativo e o direito de ser votado de modo a poder participar da formação e do exercício do poder estatal direito eleitoral passivo 1048 Considerando justamente a sua finalidade e amplitude o direito de sufrágio implica a garantia jusfundamental de todo o processo eleitoral sem o que a integridade do sufrágio poderia ficar comprometida de tal sorte que o âmbito de proteção do sufrágio ativo e passivo abrange desde o alistamento eleitoral até as eleições propriamente ditas incluindo a divisão dos cargos 1049 Antes de adentrarmos nos aspectos mais específicos do direito eleitoral ou capacidade eleitoral ativo e passivo importa em caráter sumário identificar e definir as principais características do sufrágio incluindo o voto A universalidade ou generalidade do sufrágio a noção de que o sufrágio há de ser universal corresponde ao fato de que em princípio todo e qualquer cidadão está apto a votar e ser votado independentemente de distinções fundadas na sua classe social econômica gênero orientação sexual raça orientação religiosa e mesmo na sua capacidade in telectual o que corresponde ao modelo adotado pelo art 14 da CF O sufrágio universal portanto distinguese do sufrágio restrito hipótese na qual a possibilidade de votar eou ser votado é deferida apenas aos que detêm determinada condição econômica o assim chamado voto censitário capacidade intelectual determinado nível de formação por exemplo ou mesmo a exclusão da capacidade eleitoral em razão do gênero ou outro critério pertença a uma minoria religiosa a exclusão dos escravos e negros em determinada época 1050 O fato é que ao longo da evolução do Estado Constitucional houve significativo avanço nessa seara pois a noção do sufrágio universal levou tempo considerável para ser afirmada na prática inclusive no Brasil pois sob a égide da Carta Imperial de 1824 ainda se praticava o voto censitário e os escravos e mulheres eram excluídos da cidadania política tendo as mulheres sido incluídas apenas por ocasião da aprovação do Código Eleitoral de 1932 o que foi confirmado pela Constituição de 1934 Importa sublinhar todavia que a existência de determinados requisitos tais como o alistamento eleitoral a nacionalidade e a idade mínima não é tida como incompatível com a universalidade do sufrágio que nesse sentido é sempre uma universalidade relativa 1051 A universalidade do sufrágio portanto guarda relação com a dimensão substancial do princípio da igualdade sendo ademais uma particular dimensão da igualdade eleitoral o que em apertada síntese significa em regra todos os que preenchem os pres supostos constitucionais e legais desde que com isso não se esteja a recusar a alguém a capacidade eleitoral ativa e passiva em virtude de determinadas qualidades pessoais e de forma arbitrária discriminatória 1052 O caráter direto do sufrágio e do voto é a exigência constitucional de que o sufrágio e o seu exercício mediante o voto devem ser diretos o que em síntese significa que o titular da capacidade eleitoral ativa escolhe diretamente sem intermediários mediante o seu voto o detentor do cargo eletivo ou de modo direto se manifesta quando da realização de um plebiscito ou de um referendo ou adere a uma iniciativa popular legislativa que de resto constituem manifestações da democracia participativa O voto portanto é atribuído a um determinado candidato ou partido sem que haja intermediários o que corresponde ao princípio da imediatidade do voto 1053 A eleição não perde o caráter de direta em virtude da adoção do sistema proporcional como se dá no caso das eleições para a Câmara dos Deputados pois o que é decisivo para a configuração da imediatidade é que o voto seja sempre concedido a um determinado candidato ainda que venha depois a beneficiar terceiros 1054 Com isso contudo não se está a emitir um juízo de valor sobre o modelo atualmente praticado no Brasil não se desconhecendo suas imperfeições que de resto têm tido ampla repercussão na jurisprudência mas especialmente na literatura especializada 1055 Mas a regra da imediatidade não assume caráter absoluto tendo sido excepcionada pela própria Constituição que no seu art 81 1º prevê que a eleição para Presidente da República será indireta mediante a intermediação de um Colégio Eleitoral integrado por deputados federais e senadores caso ocorra a vacância do cargo nos últimos dois anos do mandato 1056 Quanto ao tópico convém agregar lição de Néviton Guedes no sentido de que o princípio da imediatidade exige elevada dose de cautela quando se trata de decisão judicial que venha a alterar o resultado das eleições pois uma medida dessa natureza apenas encontra justificativa na preservação de outros bens e interesses constitucionais como no caso da Constituição dispõe o art 14 9º 10 e 11 devendo portanto ser excepcional 1057 No que diz respeito à jurisprudência do STF relativamente ao ponto calha referir o julgamento da ADI 1057BA rel Min Dias Toffoli j 16082021 em que se reconheceu a constitucionalidade de Lei do Estado da Bahia que previa a aplicação das regras estabelecidas no art 81 1º da CF no caso de dupla vacância dos cargos de Governador e Vice Para a Corte a reprodução do modelo em nível estadual é legítima do ponto de vista constitucional porém não obrigatória não ocorrendo nesse caso invasão da competência da União por parte dos Estadosmembros do Distrito Federal e dos Municípios O caráter secreto do voto o que em primeira linha significa que o eleitor poderá manter em sigilo a sua manifestação e assume também a função de garantia de que o eleitor no momento de exercer sua vontade política não estará sujeito a constrangimentos e pressões ou seja poderá escolher ou não determinado candidato ou se manifestar de determinada maneira quando de um plebiscito ou referendo 1058 Como tal sigilo e portanto o segredo do voto são assegurados em concreto dependem contudo de um conjunto de medidas de natureza fática e normativa como por exemplo o isolamento físico quando do ato da votação a utilização de cabines indevassáveis nos termos da legislação eleitoral mecanismos de segurança quanto às cédulas de votação e urnas atualmente substituídas no Brasil pelas assim chamadas urnas eletrônicas que por sua vez demandam outros tipos de instrumentos para a preservação do sigilo da opção do eleitor A liberdade do sufrágio no ato de votar guarda importante relação mas não se confunde com o voto secreto Com efeito é curial a afirmação de que a garantia do sigilo é também modo eficaz de assegurar a liberdade de opção do eleitor seja ela qual for além do que eleições livres pressupõem ausência de pressões e constrangimentos impostos aos eleitores e candidatos 1059 Numa outra perspectiva quando aqui se sublinha a noção de um sufrágio livre e de uma liberdade de votar é preciso compreender que a obrigatoriedade do alistamento eleitoral e mesmo a existência de um dever de votar não se revelam inconciliáveis com a noção de liberdade nesse contexto Assim embora o eleitor tenha o dever de se alistar quando preenchidos os requisitos do alistamento eleitoral obrigatório tendo ainda o dever de comparecimento no dia das eleições à sua circunscrição eleitoral quando deverá exercer o seu voto e lançar sua assinatura no respectivo relatório ata de comparecimento pena de eventual sanção administrativa e mesmo criminal a depender do caso e nos termos da legislação eleitoral 1060 o fato é que não lhe pode ser imposta a sua opção em termos de em quem votar liberdade de escolha do candidato e programa partidário podendo mesmo votar em branco ou anular o seu voto Já por tal razão se justifica a opção terminológica por um direito dever de votar que por sua vez encerra uma dimensão de liberdade significativa Além disso a noção de um sufrágio livre estendese à sua modalidade passiva pois a liberdade de convencimento e manifestação conferida aos eleitores é complementada pela liberdade dos candidatos no sentido de transmitir suas ideias e propostas tudo no âmbito de um processo eleitoral livre aberto e igualitário 1061 Que liberdade e igualdade podem entrar em relação de tensão verificandose ademais conflitos significativos entre a liberdade de opção e a manifestação do pensamento no que diz com o sufrágio inclusive em relação a outros direitos fundamentais há de ser considerado e devidamente avaliado quando da sua configuração como dão conta as discussões em torno da fidelidade partidária da propaganda eleitoral entre outros aspectos A assim chamada igualdade de sufrágio como bem pontua Néviton Guedes não pode ser pura e simplesmente reconduzida ao direito geral de igualdade pois assim como ocorre com as demais cláusulas especiais de igualdade no âmbito dos direitos políticos a igualdade assume um caráter formal e substancial mais estreito e reforçado conferindo ao legislador uma margem muito menor de atuação do que a daquela que dispõe quando em causa o princípio geral da igualdade 1062 Mas o significado do princípio da igualdade no âmbito dos direitos políticos apenas poderá ser compreendido mediante as devidas diferenciações observadas as peculiaridades especialmente no que diz com o sufrágio ativo e passivo No caso do primeiro da assim chamada capacidade política ativa é habitual se falar na esteira de conhecido slogan aparentemente desenvolvido nos EUA na fórmula one person one vote isto é uma pessoa um voto o que dito de outro modo significa que os votos de todos os eleitores de cada um deles têm em princípio o mesmo peso e assim devem ser considerados para efeitos de sua contabilização no processo eleitoral Em função disso os votos devem ter tanto igual valor numérico quanto igual valor no resultado visto que a igualdade de sufrágio não admite qualquer forma de discriminação seja quanto ao eleitor propriamente dito e ao valor individual de seu voto seja quanto à própria eficácia de sua par ticipação que se traduz na observância paritária dos votos no momento da distribuição dos mandatos 1063 Já no campo do sufrágio passivo o princípio da igualdade assume relevância no sentido de uma exigência de igualdade de chances oportunidades entre todos os compe tidores do processo eleitoral o que abarca tanto os candidatos quanto os partidos políticos Para os candidatos isso quer dizer que os votos por eles recebidos devem ser computados em igualdade de condições ou seja com o mesmo peso dos votos atribuídos aos demais candidatos mas também significa igualdade de chances no que diz com a apresentação de propostas e participação em termos de propaganda política 1064 O direito de sufrágio é um direito personalíssimo de tal sorte que não se admite o seu exercício por representação procuração de terceiro sendo em geral vedado até mesmo o seu exercício por meio de correspondência 1065 Aqui contudo cabem algumas observações pois o exercício do voto por meio de correspondência não necessariamente afasta o seu caráter personalíssimo desde que assegurado que o voto é mesmo do eleitor que enviou a correspondência o que contudo não afasta outros problemas relacionados por exemplo com o sigilo da votação Por outro lado há que considerar as hipóteses de pessoas com deficiência que a depender das circunstâncias e para não verem frustrado seu direito de sufrágio em igualdade de condições poderiam exercer o seu direito até mesmo por meio de representação cuidandose aqui de um problema a merecer maior reflexão ainda mais em virtude da aprovação com força jurídica de emenda constitucional da Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência aprovada no plano interno pelo Decreto Legislativo 186 de 09072008 e promulgada pelo Decreto 6949 de 25082009 destacandose o art 29 da Convenção especialmente item a 1066 417323 A titularidade dos direitos políticos Titulares dos direitos políticos na perspectiva da Constituição Federal são em regra os nacionais ou seja os brasileiros natos e naturalizados A titularidade contudo varia em se tratando de direitos políticos ativos e passivos de acordo com o que dispõe a própria CF nos termos de seu art 14 que no concernente à capacidade eleitoral ativa estabelece que todos os brasileiros acima de 16 anos são titulares de direitos políticos art 14 1º A possibilidade de exercício do direito de sufrágio ativo assim como do passivo pressupõe todavia o alistamento eleitoral que é obrigatório para os maiores de 18 anos e facultativo para os analfabetos os maiores de 70 anos e os maiores de 16 e menores de 18 anos art 14 1º I e II da CF de tal sorte que em se cuidando da hipótese de alistamento facultativo o eleitor ainda que tenha optado pelo alistamento não pode ser compelido a votar nem ser penalizado por não participar do processo eleitoral 1067 Por sua vez de acordo com o 2º do art 14 da CF além dos estrangeiros que em regra encontramse sempre alijados da condição de titulares dos direitos políticos vedado inclusive seu alistamento eleitoral 1068 também os brasileiros que estão cumprindo serviço militar obrigatório e os conscritos que incluem os que são engajados para atuar nas Forças Armadas na condição de médicos enfermeiros engenheiros etc não exercem neste caso enquanto vigorar a sua condição seus direitos políticos estando impedidos de participar de um processo eleitoral Nesses casos todavia pode surgir uma situação peculiar pois em se tratando de alguém que tenha efetuado o alistamento militar aos 16 anos mas posteriormente sido incorporado ao serviço militar ou engajado há quem entenda que o título de eleitor não poderá perder sua validade ficando suspenso até o término do serviço militar ou período de engajamento 1069 Além disso particular atenção há de ser dada às situações que dizem respeito às pessoas com deficiência e aos indígenas Na primeira hipótese das pessoas com deficiência a doutrina e o Tribunal Superior Eleitoral TSE 1070 têm entendido que em se tratando de deficiência que torne impossível ou demasiadamente oneroso o cumprimento das obrigações eleitorais seja quanto ao alistamento mas em especial no que toca ao voto o que abarca a ausência de condições adequadas de acesso para o deficiente há de ser aplicada a mesma regra válida para os maiores de 70 anos que ficam dispensados do alistamento ou em optando por ele não serão sancionados caso não compareçam e votem No caso dos indígenas o TSE tendo em conta a existência de lacuna na legislação considerou exigível a comprovação da quitação do serviço militar para fins de alistamento eleitoral apenas por parte dos indígenas considerados integrados excluindo tal exigência para os isolados ou em vias de integração 1071 No concernente aos direitos políticos passivos devem ser atendidas as condições de elegibilidade previstas no art 14 3º da CF condições que podem ser divididas em gerais e especiais No caso das condições gerais tratase de requisitos a serem observados em todos os casos seja qual for o cargo eletivo almejado no âmbito do sufrágio passivo designadamente o pleno exercício dos direitos políticos o alistamento eleitoral o domicílio eleitoral na circunscrição e a filiação partidária No que diz com as condições especiais a Constituição Federal estabelece determinados requisitos de acordo com o cargo eletivo Assim de acordo com o art 14 3º VI podem candidatarse para vereador os que alcançaram a idade de 18 anos letra d mas para concorrer a deputado federal deputado estadual ou distrital prefeito viceprefeito e juiz de paz exigese idade de 21 anos completos letra c Já para concorrer aos cargos de governador vicegovernador de Estado e do Distrito Federal necessário ter completado 30 anos letra b ao passo que a possibilidade de disputar a Presidência e VicePresidência da República ou o cargo de senador pressupõe que o candidato tenha alcançado a idade mínima de 35 anos É por tal razão que André Ramos Tavares refere a existência de uma espécie de escala constitucional progressiva no que diz com a aquisição dos direitos políticos que arranca a possibilidade do alistamento eleitoral e do voto facultativo aos 16 anos de idade até chegar na plena capacidade eleitoral passiva 1072 Embora a capacidade eleitoral ativa e passiva seja em regra reservada aos nacionais brasileiros natos e naturalizados assume relevância neste contexto disposição constitucional relacionada com o tema da nacionalidade Com efeito de acordo com o que reza o art 12 1º da CF aos portugueses com residência permanente no País se houver reciprocidade em favor de brasileiros serão atribuídos os direitos ineren tes ao brasileiro salvo os casos previstos na Constituição Tais direitos incluem a titularidade de direitos políticos ativos e passivos salvo quando se cuidar de cargos reservados apenas aos brasileiros natos como se dá com a Presidência e VicePresidência da República A partir do exposto contudo impõese uma advertência visto que a condição de titular ou seja de sujeito de direitos fundamentais sejam eles direitos políticos ou não não se pode confundir com a capacidade de exercício dos direitos como aliás foi objeto de atenção na parte sobre a teoria geral dos direitos fundamentais Assim no que diz respeito aos direitos políticos é de se invocar a lição de Néviton Guedes no sentido de que a exigência do alistamento eleitoral requisito formal não pode ser confundida com o próprio direito político o sufrágio pois o alistamento constitui apenas uma restrição formal prevista no texto constitucional a título de pressuposto formal de matriz procedimental do exercício do direito político podendo ser considerada em termos meramente aproximativos espécie de condição suspensiva do exercício da cidadania 1073 Além disso como sustenta o autor citado embora se trate de condição formal necessária para o exercício dos direitos políticos o alistamento não é nem causa única nem causa suficiente para o seu regular exercício ou mesmo para a sua aquisição de tal sorte que incorreta a afirmação de que é o alistamento que faz nascer a cidadania ativa o que também corresponde ao entendimento consagrado no âmbito do TSE que chega a tratar o alistamento como simples exigência cartorária 1074 417324 O sufrágio passivo condições de elegibilidade O exercício do sufrágio passivo ou seja da efetiva possibilidade de se lançar candidato no âmbito do processo eleitoral objetivando ocupar e exercer cargo eletivo está condicionado num primeiro plano pelo atendimento de determinados requisitos as assim chamadas condições de elegibilidade impostas pela CF no art 14 3º Tais condições de elegibilidade não se confundem e apresentam notas distintivas das causas de inelegibilidade estabelecidas pela CF no art 14 4º a 7º e 9º distinções que têm significativa repercussão no plano das consequências jurídicas de ambos os institutos e que serão devidamente destacadas na sequência Iniciemos pois pelas condições de elegibilidade As condições de elegibilidade estão em primeira linha previstas no art 14 3º da CF mas podem ser objeto de regulamentação mediante lei ordinária As condições de elegibilidade não se confundem com a elegibilidade como tal pois ao passo que esta elegibilidade consiste no direito de postular um cargo eletivo a condição de elegibilidade consiste no requisito positivo exigido pela ordem jurídica e que deve ser preenchido para que o cidadão possa exercer o seu direito de se candidatar para concorrer a um cargo eletivo 1075 Já as causas de inelegibilidade consistem em pressupostos ou condições negativas que quando configuradas impedem o exercício do sufrágio passivo pois o cidadão não poderá ser escolhido para ocupar cargo eletivo por meio do processo políticoeleitoral 1076 Assim de acordo com a lição de Néviton Guedes tanto as condições de elegibilidade quanto as causas de inelegibilidade operam como limites da capacidade eleitoral passiva mas ao passo que no caso das condições de elegibilidade o suporte fático deve estar preenchido para que o cidadão possa ser candidato daí a noção de requisitos positivos no caso das causas de inelegibilidade uma vez preenchido o seu respectivo suporte fático resta impedida a candidatura por isso se cuida de requisitos ou limites negativos 1077 A primeira condição de elegibilidade art 14 3º I consiste em ser nacional nato ou naturalizado ou no caso dos nacionais de Portugal ter consoante já visto status equiparado ao dos brasileiros ressalvandose ainda a exigência para alguns cargos da condição de brasileiro nato nos termos do disposto no art 12 3º da CF O pleno exercício dos direitos políticos nos termos do que preceitua o art 14 3º II da CF significa que não pode exercer a sua capacidade eleitoral passiva aquele que tiver tido suspensos seus direitos políticos ou tiver tido a perda de seus direitos políticos decretada Nesse caso aliás tanto a capacidade eleitoral ativa quanto a passiva não poderão ser exercidas Considerando todavia a relevância e a complexidade da matéria objeto de algum dissídio doutrinário e jurisprudencial remetemos para maiores detalhes ao item sobre perda e suspensão dos direitos políticos Também é condição de elegibilidade ter havido o regular alistamento eleitoral do candidato art 14 3º III da CF condição aliás que se estende ao sufrágio ativo pois não havendo capacidade de votar também não haverá para ser votado O alistamento eleitoral deverá ser comprovado mediante a inscrição eleitoral obtida perante a Justiça Eleitoral do domicílio do alistando e por parte do candidato mediante apresentação do seu título de eleitor Quanto às restrições constitucionais e legais relativas ao requisito do alistamento eleitoral militares etc remetemos ao item próprio onde já foram objeto de análise A quarta condição constitucional diz com a exigência art 14 3º IV da CF do domicílio eleitoral na circunscrição eleitoral onde o candidato pretenda concorrer Importa sublinhar que o conceito de domicílio eleitoral não se confunde com o domicílio da pessoa natural tal qual previsto na legislação civil art 70 do CC que é o local de residência da pessoa natural com ânimo definitivo pois para a configuração do domicílio eleitoral os critérios são mais flexíveis e adequados ao propósito e natureza do processo eleitoral podendo o domicílio recair no local indicado pelo eleitor e com o qual mantém vínculos de ordem afetiva ou material comerciais políticos etc não mais sendo exigida a prova do local onde a pessoa reside 1078 Assim uma vez configurados tais vínculos que devem ser indicados pelo eleitor candidato prevalece o entendimento com destaque aqui para a jurisprudência do TSE de que o conceito e os requisitos mais estritos da legislação eleitoral quanto ao domicílio devem ser objeto de maior flexibilidade 1079 A filiação partidária é outra condição de elegibilidade imposta pela CF art 14 3º V nos termos do disposto na legislação infraconstitucional no caso os arts 18 e ss da Lei Orgânica dos Partidos Políticos Lei 90961995 de tal sorte que no sistema brasileiro não se admitem candidaturas avulsas 1080 pois ao contrário do que ocorre em outros países no Brasil os partidos políticos detêm o monopólio das candidaturas 1081 Notese contudo que a admissibilidade de candidaturas avulsas tem sido objeto de intenso debate no Brasil tendo o STF inclusive reconhecido a repercussão da matéria no ARE 1052290QORJ rel Min Roberto Barroso julgado em 05102017 embora o julgamento do mérito em si siga pendente 1082 O prazo de filiação está regulado pelo art 18 da Lei 90961995 devendo a filiação ocorrer até um ano antes do pleito como tal considerada a data fixada para as eleições e não a data do registro da candidatura ou da posse 1083 Importa sublinhar além disso que os partidos poderão estabelecer prazo maior para a filiação art 20 da Lei 90961995 não sendo ademais admitida a dupla filiação pois uma vez verificada tal situação a legislação art 22 parágrafo único da Lei 90961995 prevê o cancelamento das duas filiações Em se tratando de filiados que ingressam na carreira militar ou assumem cargos na magistratura Ministério Público e Tribunais de Contas ocorre perda automática da filiação partidária Quanto aos membros do Ministério Público contudo registrase precedente do STF no qual foi reconhecido em caráter excepcional e em virtude da peculiaridade do caso direito de integrante do Ministério Público licenciada se recandidatar ao cargo de prefeito municipal pelo fato de já haver sido eleita prefeita antes da publicação da EC 452004 1084 Como última condição de elegibilidade prevista na CF art 14 3º VI está a exigência de ter o candidato completado uma idade mínima a depender do cargo eletivo para o qual pretenda concorrer no caso 18 anos para vereador 21 anos para deputado federal deputado estadual ou distrital prefeito viceprefeito e juiz de paz 30 anos para governador do Estado ou do Distrito Federal e 35 anos para Presidente da República VicePresidente e senador Nos termos da legislação o requisito da idade mínima deverá estar preenchido na data da posse art 11 2º da Lei 95041997 Muito embora no âmbito da doutrina mas também em precedentes do TSE tenha sido apontado que o critério legal é equivocado pois em se tratando de condição de elegibilidade a idade mínima deveria ser aferida quando do registro da candidatura o TSE mais recentemente pronunciouse pela observância da legislação eleitoral de tal sorte que em caráter de síntese no caso da idade mínima se verifica uma exceção já que as demais condições de elegibilidade são aferidas quando do registro da candidatura 1085 Além disso inadmissível que a exigência constitucional da idade mínima seja afastada por força de eventual emancipação pois não se pode afastar exigência constitucional por meio de norma de direito ordinário 1086 Por derradeiro merece registro que a idade mínima é condição de elegibilidade de tal sorte que não implica impedimento de alguém eleito vereador estando no exercício da presidência da Casa e não tendo ainda completado 21 anos assumir temporariamente o cargo de prefeito o mesmo sendo aplicável a hipóteses similares 1087 417325 Ainda o sufrágio passivo as causas de inelegibilidade As causas de inelegibilidade como já adiantado distinguemse das condições de elegibilidade pois em vez de serem requisitos positivos que devem estar satisfeitos para o exercício da capacidade eleitoral passiva as causas de inelegibilidade consistem em situações que uma vez configuradas impedem o exercício do sufrágio passivo São em síntese hipóteses que resultam na restrição da capacidade eleitoral passiva Por tal razão as causas de inelegibilidade assim como as hipóteses de perda e suspensão dos direitos políticos por vezes são designadas de direitos políticos negativos 1088 terminologia que smj entendemos ser inadequada pois não se trata de direitos mas sim como já adiantado de restrições a direitos quem incorre numa das causas de inelegibilidade justamente não poderá concorrer a cargo eletivo As inelegibilidades ou são de origem constitucional sendo nesse caso chamadas de inelegibilidades constitucionais art 14 4º a 7º da CF ou são estabelecidas por lei nesse caso chamadas de infraconstitucionais ou legais nos termos aliás do que prevê a própria CF art 14 9º muito embora nesse caso a Constituição tenha estabelecido uma reserva legal qualificada já que outras causas de elegibilidade poderão ser criadas apenas por meio de lei complementar Uma distinção importante entre ambas as espécies de inelegibilidades reside na circunstância de que no caso das constitucionais elas poderão ser apontadas a qualquer momento ao passo que em se tratando de causas criadas por lei complementar deverão ser apontadas até o momento do registro da candidatura pena de preclusão 1089 As causas de inelegibilidade previstas no texto constitucional art 14 4º e ss foram consagradas em normas constitucionais de eficácia plena portanto normas imediatamente aplicáveis não carecendo para o seu reconhecimento de específica regulamentação legal 1090 Outrossim ainda em sede preliminar importa registrar que as inelegibilidades podem ser classificadas em dois grupos quanto ao seu caráter absoluto ou relativo No primeiro caso das inelegibilidades absolutas cuidase de hipóteses taxativamente previstas na CF art 14 4º e que dizem respeito a qualquer pessoa eleição ou cargo eletivo de modo que quem nelas incorrer estará impedido de exercer em qualquer situação sua capacidade eleitoral passiva Já as inelegibilidades relativas previstas tanto na Constituição Federal quando em lei complementar restringem a capacidade eleitoral passiva de forma apenas parcial guardando relação com o pleito ou o cargo a ser preenchido nas eleições não impedindo de forma generalizada o exercício da capacidade eleitoral passiva 1091 Absolutamente inelegíveis nos termos do art 14 4º da CF são os inalistáveis e os analfabetos No que diz com a primeira hipótese são inalistáveis os estrangeiros salvo os portugueses quando equiparados aos nacionais os conscritos durante o período do serviço militar obrigatório os menores de 16 anos os que se encontrarem temporária ou definitivamente privados de seus direitos políticos e os absolutamente incapazes tratandose aqui de hipóteses que também dizem respeito à capacidade eleitoral ativa pois quem não pode votar também não poderá ser eleito Embora aqui possamos remeter às observações já tecidas quando se tratou da capacidade eleitoral ativa vale acrescentar quanto aos militares que a restrição se aplica apenas aos que prestam serviço militar obrigatório pois os demais devem alistarse como eleitores e poderão mesmo concorrer a cargos eletivos muito embora devam para esse efeito cumprir determinados requisitos previstos na própria CF art 14 8º que são de observância cogente Um tanto quanto mais complicada é a situação dos analfabetos Muito embora a Constituição não deixe margem para dúvidas ao considerar os analfabetos embora tenham a capacidade eleitoral ativa assegurada como inelegíveis a determinação e comprovação da condição de alfabetizado tem gerado alguma controvérsia pois carente de interpretação Com efeito a depender do nível de escolaridade exigido e dos meios de sua comprovação será possível limitar mais ou menos a capacidade eleitoral passiva dos analfabetos Por tal razão tratandose de restrição a direito fundamental doutrina e jurisprudência têm sido flexíveis na matéria admitindose tanto comprovantes de escolaridade sem consideração do tempo efetivo de escolaridade quanto declarações de próprio punho Além disso a depender do caso poderá o juiz eleitoral realizar teste individual em caráter reservado vedada a realização de testes coletivos ou abertos ao público e que possam submeter o candidato a constrangimento e humilhação 1092 As inelegibilidades de caráter relativo como já frisado não impedem o cidadão que preencha as condições de elegibilidade de concorrer a todo e qualquer cargo mas dizem respeito a determinadas hipóteses A primeira das inelegibilidades relativas está prevista no art 14 5º da CF que dispõe que o Presidente da República o Governador e o Prefeito poderão se reeleger apenas uma vez vedada portanto a reeleição para um terceiro mandato consecutivo Lembrese que todas as Constituições brasileiras republicanas inclusive a Constituição Federal na sua versão original proibiam a reeleição dos detentores de cargos do Executivo para um segundo mandato consecutivo tendo tal vedação sido levantada pela EC 16 de 04061997 Impende sublinhar que não fica vedada a possibilidade de reeleição por diversas vezes da mesma pessoa para o mesmo cargo mas apenas a sua reeleição para mais de dois mandatos consecutivos ou seja dito de modo mais explícito a condição de inelegibilidade permite a reeleição para um único período subsequente 1093 A reeleição portanto será permitida quando respeitado um intervalo correspondente a um período equivalente ao exercício do mandato1094 Por outro lado a despeito da singeleza da redação do texto constitucional tal hipótese que configura uma inelegibilidade relativa do tipo funcional tem merecido a atenção da doutrina e da jurisprudência Assim no caso do Presidente do Governador e do Prefeito que estiverem já no exercício do segundo mandato eletivo não poderão eles concorrer a um terceiro mandato caso renunciem antes do término do segundo pois ao assumirem o novo mandato estariam de fato assumindo pela terceira vez consecutiva o mesmo se veri fi cando se estiverem concorrendo na terceira vez ao cargo de VicePresidente ViceGovernador ou VicePrefeito já que poderiam vir a substituir o titular e com isso passariam a ocupar o cargo ainda que em caráter temporário pela terceira vez consecutiva 1095 Outra situação peculiar igualmente bloqueada pela Justiça Eleitoral é a do assim chamado Prefeito Itinerante dada a tentativa de alguns Prefeitos eleitos para um segundo mandato consecutivo buscarem a reeleição para a Prefeitura de outro Município 1096 Em síntese a regra ora comentada implica vedação de toda e qualquer tentativa por parte daquele que tenha sido titular de cargo de chefia do Executivo de buscar o exercício seja mediante reeleição ao mesmo cargo seja por pretender suceder o novo chefe do Executivo 1097 A próxima inelegibilidade relativa a ser examinada diz com determinadas incompatibilidades e com a desincompatibilização dos que exercem determinados cargos empregos ou funções públicas Com efeito de acordo com o disposto no art 14 6º da CF para concorrerem a outros cargos o Presidente da República os Governadores de Estado e do Distrito Federal e os Prefeitos devem renunciar aos respectivos mandatos até seis meses antes do pleito Assim o fato de um dos detentores dos cargos nominados no dispositivo constitucional não levar a efeito a sua desincompatibilização no prazo estipulado ou seja caso não renuncie tempestivamente o torna inelegível Desde logo resulta evidente um aspecto nem sempre bem visto pela doutrina pois de acordo com a regra do art 14 5º da CF com a redação dada pela EC 161997 não foi exigida ao titular de mandato executivo a necessidade de renunciar ou de afastarse temporariamente do cargo para que possa concorrer a sua própria reeleição aparentemente em virtude da continuidade administrativa 1098 Quanto a isso tem prevalecido o entendimento de que a opção do legislador de reforma foi consciente e clara inexistindo tanto a possibilidade de aplicação do disposto no 6º do art 14 da CF à hipótese pois se cuida de outra inelegibilidade relativa quanto a alternativa de mediante legislação complementar prever a desincompatibilização também nesses casos pois de acordo com o art 14 9º da CF a lei complementar poderá estabelecer outros casos de inelegibilidade relativa 1099 A partir do exposto e nos termos do então disposto no art 14 6º da CF a desincompatibilização dos que ocupam cargo de chefe do Executivo no Brasil apenas é exigida como requisito positivo para que se possam candidatar a outros cargos pois no caso de concorrerem ao mesmo cargo atendendo é claro aos requisitos do art 14 5º da CF não terão de se desincompatibilizar Em se tratando de detentores do cargo de VicePresidente Vice Governador ou VicePrefeito contudo tem sido admitido que eles não são obrigados a renunciar no prazo de seis meses antes da eleição caso não tenham sucedido ou substituído o titular nesse mesmo período Outra causa constitucional de inelegibilidade relativa encontrase prevista no art 14 7º da CF De acordo com este preceito são inelegíveis no território de jurisdição do titular o cônjuge e os parentes consanguíneos ou afins até o segundo grau ou por adoção do Presidente da República de Governador de Estado ou Território do Distrito Federal de Prefeito ou de quem os haja substituído dentro dos seis meses anteriores ao pleito salvo se já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição No entender da doutrina cuidase de uma inelegibilidade indireta ou reflexa pois relacionada com outras pessoas e que portanto apenas de modo indireto diz respeito àqueles a quem a causa de inelegibilidade se aplica 1100 Uma primeira constatação diz respeito ao âmbito de aplicação espacial da regra que expressamente se refere ao território de jurisdição do titular ou seja no caso do Prefeito a circunscrição municipal no caso do Governador o território do seu Estado ou do Distrito Federal ao passo que no caso do Presidente da República se trata de todo o território brasileiro Tal causa de inelegibilidade como já foi objeto de manifestação em julgado do STF tem por escopo impedir o monopólio do poder político por grupos hegemônicos ligados por laços familiares 1101 Nesse sentido consoante orientação pacífica no TSE e no STF Súmula 18 nem mesmo a separação judicial e o divórcio caso verificados no curso do mandato afastam a inelegibilidade do cônjuge para o mesmo cargo mas o STF em caso excepcional entendeu que tal princípio poderá ser relativizado caso se comprove evidente animosidade entre os que antes eram unidos por laços familiares no caso concreto se cuidava de exsogro e candidato 1102 Hipótese que foi levada ao crivo do Poder Judiciário envolve a aplicação da inelegibilidade aos companheiros ou seja aos casos de união estável incluindose aqui as uniões entre pessoas do mesmo sexo o que tem sido objeto de amplo reconhecimento tanto pelo TSE quanto pela doutrina Com efeito por decisão proferida em recurso especial o TSE definiu que também no caso de configurada união entre pessoas do mesmo sexo é aplicável a causa de inelegibilidade 1103 Dito de outro modo tanto o casamento quanto a configuração de união estável entre pessoas do mesmo ou de outro sexo impedem a candi datura Pela mesma razão em homenagem ao dever de simetria os parentes do companheiro ou companheira nos limites do previsto pelo 7º do art 14 da CF são considerados parentes afins do titular do mandato não sendo portanto elegíveis 1104 No que diz respeito aos casos de adoção que igualmente geram uma inelegibilidade reflexa tal inelegibilidade se estende aos filhos de criação desde que comprovada a relação socioafetiva correspondente 1105 Outro aspecto digno de nota ainda no que diz com a inelegibilidade relativa do art 14 7º da CF é o de que o dispositivo abre a exceção de que o parente que eventualmente seria atingido pela norma impeditiva escapa da inelegibilidade quando já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição de tal sorte que em caráter ilustrativo a esposa do Prefeito se já ocupava o cargo de vereadora no Município poderá candidatarse ao mesmo cargo sem qualquer impedimento 1106 Nesse mesmo contexto é de se recordar que a Súmula 6 do TSE havia estabelecido que o cônjuge e os parentes do titular do mandato são inelegíveis para o cargo de Prefeito mesmo que este tenha renunciado no prazo de seis meses antes das eleições previsão que se aplicava apenas para a hipótese de eleição para o mesmo cargo de chefe do Executivo entendimento que todavia foi alterado pelo próprio TSE que passou a permitir que o cônjuge e os parentes afins até segundo grau do chefe do Executivo caso este venha a renunciar no prazo de seis meses antes do pleito poderão candidatarse a todo e qualquer cargo eletivo inclusive pleiteando a chefia do Executivo desde que o candidato possa concorrer à sua própria reeleição 1107 A nova orientação do TSE como se pode perceber guarda relação com as alterações promovidas pela EC 161997 razão pela qual no caso de o chefe do Poder Executivo estar exercendo o seu segundo mandato consecutivo por força de sua reeleição a sua renúncia no prazo de seis meses antes do pleito apenas afastará a inelegibilidade do cônjuge dos que são unidos estavelmente dos parentes ou afins até o segundo grau pois esses então poderão concorrer a outros cargos eletivos vedada todavia a sua candidatura ao mesmo cargo do titular na chefia do Executivo 1108 Em caráter complementar merece referência o fato de que o TSE aplica a causa de inelegibilidade nos casos de cônjuge de chefe do Executivo em primeiro mandato que não exerceu o segundo mandato para o qual foi reeleito por força de cassação do seu diploma pois o objetivo da inelegibilidade é precisamente o de impedir a continuidade no âmbito familiar 1109 A última causa de inelegibilidade relativa diretamente prevista na Constituição Federal encontrase no art 14 8º que diz respeito aos militares que embora não alistáveis nos casos de serviço militar obrigatório e demais hipóteses já referidas engajamento podem votar e mesmo ser eleitos fruindo portanto ainda que com limitações do seu direito de sufrágio ativo e passivo Considerando que o art 142 3º da CF veda aos membros das Forças Armadas enquanto em atividade a filiação partidária proibição que se aplica também aos militares dos Estados do Distrito Federal e dos Territórios nos termos do art 42 1º da CF criase uma situação de conflito pois ao mesmo tempo em que o militar pode ser candidato devendo para tanto ter filiação partidária a Constituição estabelece uma proibição de filiação partidária em relação aos militares em atividade O conflito todavia não se revela insuperável tendo sido objeto de pronunciamento por parte da Justiça Eleitoral TSE 1110 e também pelo STF 1111 no sentido de que o militar quando alistável será elegível desde que atendidas as seguintes condições a caso conte menos de 10 anos de serviço deverá afastarse em caráter definitivo de suas atividades b caso tenha menos de 10 anos de serviço será mantido na condição de agregado temporariamente afastado pela autoridade que lhe é superior e em sendo eleito passará automaticamente para a inatividade quando da diplomação 1112 Ainda quanto a tal aspecto convém acrescentar que a condição de agregado do militar da ativa se implementa apenas com o registro de sua candidatura As assim chamadas causas relativas de inelegibilidade poderão nos termos da autorização contida no art 14 9º da CF ser veiculadas por lei complementar Com efeito de acordo com o texto do referido dispositivo constitucional lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação a fim de proteger a probidade administrativa a moralidade para exercício do mandato considerada a vida pregressa do candidato e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função cargo ou emprego na administração direta ou indireta Diferentemente do que ocorre no caso das causas constitucionais de inelegibilidade que podem ser apontadas a qualquer momento as causas previstas na legislação infraconstitucional deverão ser apontadas até o momento do registro da candidatura pena de preclusão o que também corresponde ao disposto no art 11 10 da Lei 95041997 1113 Além disso importa relembrar que se está diante de uma reserva legal qualificada pela exigência de lei complementar de tal sorte que inadmissível a criação de causas de inelegibilidade mediante lei ordinária ou outros atos normativos infraconstitucionais 1114 As inelegibilidades previstas na legislação complementar foram criadas e reguladas pela LC 64 de 1990 na versão fortemente alterada por meio da LC 135 de 2010 também conhecida como Lei da Ficha Limpa fruto de iniciativa popular legislativa que contava com mais de um milhão e seiscentas mil assinaturas de eleitores Dentre as principais inovações introduzidas pela LC 1352010 destacamse a inelegibilidade de candidatos que tiverem sido condenados por órgão colegiado ainda que pendente recurso tratandose de condenação em sede criminal eleitoral ou por improbidade administrativa além da ampliação do prazo da inelegibilidade de três para oito anos após o cumprimento da pena relativa aos crimes referidos pela própria lei No que toca ao novo regramento legal das inelegibilidades uma das discussões travadas no Poder Judiciário tanto no TSE quanto no STF dizia respeito à controvérsia sobre a aplicabilidade imediata das causas de inelegibilidade previstas na LC 1352010 matéria que ensejou importante discussão e resultou em decisão definida pelo Presidente do STF à vista do empate na votação mantendose a inelegibilidade reconhecida pelo TSE 1115 Além disso é preciso enfatizar que a LC 1352010 introduziu hipóteses de inelegibilidade sem exigência do trânsito em julgado da decisão judicial da qual decorrer a causa de inelegibilidade prevendo inclusive inelegibilidades decorrentes de decisão em processo administrativo o que segundo bem aponta Néviton Guedes ensejou compreensível querela doutrinária com reflexos em inúmeros processos judiciais inclusive e principalmente perante o TSE e o STF a respeito de eventual inconstitucionalidade de tais restrições à capacidade eleitoral passiva ainda mais quando veiculadas por decisões não transitadas em julgado 1116 O ponto nodal da controvérsia gira em torno de dois aspectos o primeiro que já foi objeto de referência relacionado com a possibilidade de aplicação imediata das novas causas de inelegibilidade para as eleições realizadas no mesmo ano da entrada em vigor da respectiva legislação A segunda discussão que igualmente teve ampla repercussão inclusive nos meios de comunicação gira em torno da eventual inconstitucionalidade de tais restrições à capacidade eleitoral passiva em virtude de violação da regra sobre a anterioridade anualidade eleitoral tal como estabelecido no art 16 da CF Em todo caso há que ser salientado que em se tratando de causas infraconstitucionais de inelegi bilidade indispensável a observância além da exigência de lei complementar de requisitos adicionais que ensejam um rigoroso controle de constitucionalidade de tais restrições à incapacidade eleitoral passiva como se dá por exemplo com a regra da anualidade ou anterioridade com situações previstas em outros dispositivos constitucionais e com a observância dos critérios da proporcionalidade Quanto ao argumento da violação da presunção de inocência é de se recordar que num primeiro importante julgamento no âmbito da ADPF 144DF o STF provocado pela AMB Associação dos Magistrados Brasileiros afirmou que apenas o trânsito em julgado da sentença condenatória teria o condão de acarretar a suspensão dos direitos políticos do cidadão gerando por consequência a sua inelegibilidade 1117 Na discussão sobre eventual violação da presunção de inocência por parte de dispositivos previstos na LC 1352010 o TSE decidiu pela constitucionalidade dos dispositivos impugnados invocando no âmbito de uma ponderação entre os valores e princípios envolvidos com destaque para a presunção de inocência e a moralidade administrativa pela prevalência do segundo 1118 No âmbito do STF contudo a discussão foi acirrada e se desenvolveu especialmente em dois importantes casos julgados pelo Tribunal No primeiro o assim chamado caso Joaquim Roriz 1119 o STF apreciou a legitimidade constitucional do indeferimento pelo STE do registro de candidatura a Governador do DF reconhecendo a repercussão geral formandose dois blocos divergentes no transcorrer do julgamento pois ao passo em que o relator e os Ministros Cármen Lúcia Ricardo Lewandowski Joaquim Barbosa e Ellen Gracie votaram pelo desprovimento do recurso de modo a manter o indeferimento da candidatura os Ministros Dias Toffoli Gilmar Mendes Marco Aurélio Celso de Mello e Cezar Peluso então Presidente do STF votaram embora mediante argumentos com amplitude em parte distintos pelo provimento do recurso e pela inaplicação no caso da causa de inelegibilidade por força do disposto no art 16 da CF mas também pelo fato de que com a renúncia do primeiro recorrente ao cargo de parlamentar de acordo com a legislação vigente na época a situação não poderia ser alcançada pela LC 1352010 Todavia ocorrendo empate na votação e não tendo sido o caso de recurso aos critérios de desempate regimentais o julgamento não foi concluído resultando mais adiante e em virtude da renúncia do candidato Joaquim Roriz de concorrer ao cargo de Governador em julgamento de extinção pela perda de seu objeto 1120 O segundo caso levado ao STF foi o igualmente conhecido caso Jader Barbalho julgado em 27102010 onde estava em causa decisão do TSE que havia decidido pela inelegibilidade do senador eleito Jader Barbalho para as eleições de 2010 Nas suas razões o recorrente invocou tanto a ofensa ao disposto no art 16 da CF quanto aos princípios da segurança jurídica da irretroatividade das leis assim como a violação dos termos do art 14 9º da CF e dos princípios da presunção de inocência e da não culpabilidade Neste caso o relator Min Joaquim Barbosa reiterando os termos de seu voto proferido no RE 630147 novamente se posicionou pelo desprovimento do recurso tendo sido acompanhado pelos Ministros Cármen Lúcia Ricardo Lewandowski Carlos Britto e Ellen Gracie que em síntese argumentaram que a legislação sobre inelegibilidades não se enquadra na categoria de legislação sobre processo eleitoral razão pela qual não incide o disposto no art 16 da CF não sendo o caso ainda de prevalecer a presunção de inocência pois não se trata de pena ou punição mas sim de uma reprovação prévia e prejudicial às eleições pautada pelo princípio da moralidade nos termos portanto do que consagrou o art 14 9º da CF Já os Ministros Dias Toffoli Gilmar Mendes Marco Aurélio Celso de Mello e Cezar Peluso novamente votaram em sentido divergente reiterando em termos substanciais suas razões vertidas nos votos que proferiram quando do julgamento do RE 630147 aduzindo em apertado resumo que uma lei posterior não poderia incidir sobre fato pretérito e dele extrair consequências para o presente quando daí resulta uma restrição a direito fundamental aduzindo ademais que o recorrente após ter renunciado ao cargo de senador teve sua candidatura a deputado federal deferida duas vezes e obtido ampla votação não podendo agora ser tido como inelegível em virtude de renúncia que antes não impediu fosse candidato e eleito deputado federal Por fim entenderam que a decisão do TSE afrontou não apenas o disposto no art 16 da CF mas também as exigências da segurança jurídica Apesar de novamente ter ocorrido empate na votação o STF acabou decidindo o recurso ao utilizar uma das alternativas regimentais previstas para tal hipótese precisamente a de que fosse mantida a decisão recorrida 1121 Mas a inconstitucionalidade de dispositivos da assim chamada Lei da Ficha Limpa voltou a ser apreciada pelo STF Um dos julgados decidiu por maioria de seis votos contra cinco que a LC 1352010 não poderia ser aplicada às eleições gerais de 2010 tendo sido rejeitada a tese de que a lei teria sido publicada antes das convenções partidárias pois esta seria a data na qual se iniciaria o processo eleitoral prevalecendo portanto a posição sustentada pelo relator Min Gilmar Mendes que considerava que havia sim ocorrido violação do princípio da anterioridade eleitoral consagrado pelo art 16 da CF pois a legislação impugnada teria afetado o processo eleitoral na sua fase preliminar ou seja pré eleitoral que inicia com a escolha e a apresentação das candidaturas na esfera políticopartidária 1122 Todavia em julgamento posterior o STF acabou chancelando a constitucionalidade dos dispositivos da LC 1352010 que foram impugnados em sede de controle abstrato de normas por ofensa tanto ao princípio da irretroatividade quanto por violação da garantia da presunção de inocência entendendo a maioria que a lei que deveria ser avaliada pelo Poder Judiciário com particular deferência por ter origem em iniciativa legislativa popular é aplicável mesmo aos condenados ou aos que renunciaram antes de sua vigência mas também no âmbito de uma ponderação considerou que a existência de condenação por órgão colegiado embora ainda pendente recurso não impacta de modo desproporcional a presunção de inocência além do que nos casos de condenação por improbidade administrativa não se trata de condenação criminal a exigir a consideração da presunção de inocência apenas para em caráter de apertadíssima síntese indicar alguns dos argumentos esgrimidos pelos votos vencedores 1123 Em termos de tomada de posição pessoal sem qualquer pretensão de ampliar o debate é possível compreender a tendência de se buscar a depuração moral do processo eleitoral e mesmo aceitar que também a presunção de inocência não assume a condição de direitogarantia de cunho absoluto no sentido de absolutamente imune a limitações estando essas a serviço da salvaguarda de outros bens constitucionais relevantes Dito isso contudo o problema está em estabelecer critérios rigorosos para justificar constitucionalmente eventual restrição Nesse sentido a alegação de que a presunção de inocência não se aplica aos casos de condenação por improbidade administrativa o mesmo se aplicaria às condenações em sede eleitoral corresponde a uma leitura estrita da presunção de inocência na condição de regra apenas aplicável na seara criminal não dando no nosso sentir suficiente peso à gravidade das sequelas oriundas de uma condenação por improbidade Ainda que assim fosse e mesmo afastando no caso e em caráter argumentativo a incidência da presunção de inocência o estabelecimento de uma causa de inelegibilidade sempre corresponde a uma forte restrição de direitos políticos e nesse sentido do próprio princípio democrático de modo a implicar forte teste da proporcionalidade de tal restrição e mesmo um exame da não afetação do núcleo essencial do direito político atingido pela medida Outrossim embora a alegação sustentada pela posição dominante no STF de que não há falar em violação da proporcionalidade tal exame não poderá apenas ser efetuado tendo como parâmetro a presunção de inocência mas reiterese o próprio direito político no caso o sufrágio passivo na condição de direito fundamental visto que uma mesma medida restritiva poderá afetar simultaneamente mais de um direito fundamental A própria diferenciação entre uma condenação em sede criminal e as condenações por improbidade e em sede eleitoral embora arroladas como equivalentes pela LC 1352010 deveria ser considerada no contexto do problema Assim para além da questão atinente à incidência do art 16 da CF em relação ao que partilhamos do ponto de vista de que eventual alteração legislativa ainda mais agregando gravame da condição dos candidatos e interferindo no seu direito de sufrágio somente poderá ser aplicada para as eleições futuras no que diz com a proporcionalidade das novas causas de inelegibilidade e não apenas da hipótese de condenação por órgão colegiado ainda que não transitada em julgado a decisão importa avançar no debate sobre o quanto é prudente e benéfico para o aperfeiçoamento do processo democrático limitar dessa maneira e a tal ponto os direitos políticos passivos De qualquer sorte reconhecese que existem sólidos argumentos esgrimidos por ambos os lados que se formaram no STF mas considerando a apertada maioria 6 x 5 e a alteração da composição do STF designadamente com as aposentadorias dos Ministros Cezar Peluso e Carlos Ayres Britto ambos em 2012 é de se esperar que ocorram novas e acirradas rodadas de discussão no STF podendo até mesmo ocorrer uma guinada quanto ao atual posicionamento Outro aspecto digno de nota e que começa a chamar a atenção da doutrina brasileira diz respeito à compatibilidade entre diversas das hipóteses previstas na assim chamada Lei da Ficha Limpa e os Tratados Internacionais de Direitos Humanos ratificados pelo Brasil especialmente o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e a Convenção Americana de Direitos Humanos Pacto de San José da Costa Rica Tais diplomas normativos já incorporados ao direito interno gozam de supremacia hierárquica em relação a toda e qualquer legislação infraconstitucional incluindo as leis complementares tendo em conta a posição do STF em prol da hierarquia supralegal de tais tratados Por isso no âmbito de um controle judicial da convencionalidade da legislação doméstica e considerando que a Convenção Americana no seu art 232 dispõe que eventuais restrições ao sufrágio ativo e passivo somente poderão se dar e a Convenção usa o termo exclusivamente por motivos de idade nacionalidade residência idioma instrução capacidade civil ou mental ou condenação por juiz competente em processo penal Por tal razão há quem sustente que grande parte das inelegilibidades criadas pela Lei da Ficha Limpa infringe o disposto na Convenção Americana sendo portanto inaplicável especialmente naquilo que guardam relação com problemas de probidade administrativa prestação de contas entre outras 1124 Nessa perspectiva somada ao postulado de que restrições a direitos devem ser interpretadas restritivamente urge que o legislador brasileiro se disponha a revisar a Lei da Ficha Limpa e em não o fazendo que os órgãos do Poder Judiciário especialmente o TSE e o STF exerçam o seu poderdever quanto ao controle de convencionalidade e constitucionalidade da legislação restritiva até mesmo pelo fato já anunciado acima de que também do ponto de vista da proporcionalidade e da razoabilidade é possível questionar seriamente diversas das hipóteses previstas atualmente na nossa ordem jurídica 417326 Os casos de perda suspensão e reaquisição dos direitos políticos 4173261 Considerações gerais De acordo com o que dispõe o art 15 da CF é vedada a cassação de direitos políticos cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de I cancelamento da naturalização por sentença transitada em julgado II incapacidade civil absoluta III condenação criminal transitada em julgado enquanto durarem seus efeitos IV recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa nos termos do art 5º VIII V improbidade administrativa nos termos do art 37 4º Ao contrário do que se dá com as inelegibilidades que afetam a capacidade eleitoral passiva as hipóteses de perda e suspensão dos direitos políticos atingem tanto o direito de votar quanto o de ser votado tendo portanto repercussão mais ampla sobre o estatuto jurídico da cidadania do indivíduo 1125 Embora a Constituição proíba a cassação dos direitos políticos ela admite as hipóteses tanto de perda como de suspensão sendo habitual a distinção doutrinária entre os institutos No que diz com a cassação esta se distingue da perda pelo fato de que enquanto a cassação implica o decreto da perda dos direitos por ato de autoridade nos casos de perda constitucionalmente previstos a decisão não objetiva diretamente a perda dos direitos políticos como sanção mas sim que por força de decisão judicial podem ser atingidos os pressupostos do exercício dos direitos políticos implicando indiretamente a sua perda como se dá em caráter ilustrativo no caso do cancelamento da naturalização por sentença transitada em julgado já que a perda dos direitos é a consequência da decisão que cancela a naturalização mas não constitui o objeto propriamente dito da decisão 1126 Já a distinção entre a perda e a suspensão se verifica em outro plano Com efeito enquanto a perda assume um caráter em princípio definitivo de tal sorte que a única hipótese de voltar o indivíduo a fruir dos seus direitos políticos se dá por meio da reaquisição nos casos de suspensão o indivíduo fica temporariamente alijado da fruição dos seus direitos políticos voltando a gozálos assim que superados os motivos que ensejaram a suspensão de tal sorte que a suspensão ocorre sempre em caráter temporário 1127 Por outro lado muito embora no plano conceitual os institutos da perda e da suspensão sejam facilmente diferenciados é de se registrar que a Constituição não distinguiu entre as diferentes hipóteses enunciadas no art 15 pois ao contrário do que se verificou no constitucionalismo pretérito contemplou os casos em conjunto o que aliás tem sido objeto de crítica na esfera doutrinária 1128 Diante da ausência de uma distinção expressamente estabelecida pela Constituição Federal doutrina e jurisprudência levando em conta a natureza das hipóteses constitucionais têm entendido que a perda dos direitos políticos se dá nos casos de cancelamento da naturalização por sentença transitada em julgado de invocação da escusa de consciência para não cumprir obrigação alternativa nos termos do disposto no art 5º VIII da CF assim como na hipótese de perda da nacionalidade por aquisição voluntária de outra ou de anulação mediante sentença transitada em julgado do processo de naturalização Já a suspensão dos direitos políticos poderá ocorrer em virtude de condenação criminal transitada em julgado incapacidade civil absoluta e condenação por improbidade administrativa Tanto os casos de perda quanto os de suspensão ora elencados serão objeto de atenção individualizada na sequência Vale acrescentar que comum às duas situações perda e suspensão é a circunstância de que ambas somente poderão resultar de decisão judicial competente para proferir nos diversos casos o decreto de perda da nacionalidade a incapacidade civil absoluta a condenação criminal ou por improbidade administrativa ou mesmo o decreto de perda dos direitos políticos por não cumprimento de obrigação alternativa 4173262 Perda dos direitos políticos A primeira hipótese de perda dos direitos políticos tal como estabelecida no art 15 I da CF decorre do cancelamento da naturalização caso configurada a hipótese prevista no art 12 4º I da CF por sentença transitada em julgado pois salvo sobrevenha sentença anulando o cancelamento a perda será definitiva Como já frisado nas considerações gerais a perda dos direitos políticos é a consequência atrelada ao cancelamento da naturalização pois é esta que deve ser promovida mediante sentença transitada em julgado desnecessário até mesmo que na sentença tenha havido menção à perda dos direitos políticos pois retornando o indivíduo à condição de estrangeiro perde ele a condição de eleitor não atendendo mais às condições constitucionais de elegibilidade tal como disposto respectivamente no art 14 2º e 3º I da CF 1129 Tal situação embora neste caso não prevista expressamente na Constituição dentre as hipóteses de perda dos direitos políticos se verifica também no caso de perda da nacionalidade brasileira designadamente quando da aquisição voluntária de outra nacionalidade nos termos do art 12 4º II da CF o que apenas não se dará em caso de se fazerem presentes as exceções estatuídas no art 12 4º II a e b da CF Pela sua substancial equivalência no que diz com a perda da nacionalidade também eventual anulação do processo de naturalização ensejará a privação dos direitos políticos 1130 Em ambos os casos aquisição voluntária de outra nacionalidade e anulação da naturalização a exemplo do que ocorre com o cancelamento da naturalização é desnecessário decreto específico da perda dos direitos políticos A outra hipótese de perda dos direitos políticos foi prevista no art 15 IV da CF incidindo nos casos de recusa por parte do indivíduo de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa nos termos do art 5º VIII da CF De acordo com este último dispositivo constitucional ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política salvo se as invocar para eximirse de obrigação legal a todos imposta e recusarse a cumprir prestação alternativa fixada em lei A tal respeito como bem esclarece Néviton Guedes embora a Constituição Federal garanta a todos o livre exercício de suas crenças de natureza filosófica religiosa ou política ela ao mesmo tempo não permite que alguém se exima de cumprir obrigação legal a todos imposta designadamente em situação na qual a própria lei prevê prestação alternativa que lhe permitiria demonstrar obediência à lei sem prejuízo dos seus credos ou convicções 1131 O exemplo habitualmente referido e de fato o mais expressivo de prestação alternativa é o que concerne ao serviço militar obrigatório tal como previsto no art 143 1º da CF que atribui às Forças Armadas competência na forma da lei para estabelecer serviço alternativo aos que em tempo de paz e uma vez alistados alegarem imperativo de consciência de matriz religiosa filosófica ou política com o intuito de se eximirem das atividades de caráter essencialmente militar Tal preceito constitucional foi regulamentado pela Lei 82391991 que no seu art 4º prevê a possibilidade da suspensão dos direitos políticos a quem se recuse a prestar o serviço militar alternativo Com relação a tal hipótese contudo convém agregar algumas observações A primeira consideração diz com a circunstância de que a perda dos direitos políticos se dará apenas em caso de obrigação alternativa prevista e regulamentada por lei de tal sorte que na falta de previsão legal não poderá ocorrer a privação dos direitos políticos 1132 Além disso cuidandose de forte intervenção nos direitos políticos também aqui se impõe uma interpretação restritiva de modo que a simples recusa de cumprir obrigação geral não poderá ensejar a perda dos direitos políticos 1133 Outro aspecto a merecer destaque diz com o procedimento e a autoridade competente para decretar a perda dos direitos políticos nesse caso pois diversamente da Constituição anterior que atribuía tal competência expressamente ao Presidente da República a Constituição Federal quedou silente quanto a tal ponto Na doutrina o problema gerou alguma controvérsia pois ao passo que alguns sustentam que somente mediante processo judicial e decisão transitada em julgado se poderá privar alguém dos seus direitos políticos em caso de recusa ao cumprimento de prestação alternativa 1134 outros entendem que a competência legislativa é da União de tal sorte que nos termos da Lei 82391991 é a autoridade administrativa quem deverá em procedimento próprio decretar a suspensão dos direitos políticos assim como se dá nos casos de perda da nacionalidade por naturalização voluntária 1135 Uma última anotação diz respeito ao fato de que embora a Lei 82391991 utilize a expressão suspensão em vez de perda é da privação mesmo que se trata em concreto pois como não se trata de uma sanção aplicada em caráter temporário como ocorre nas hipóteses de condenação criminal por exemplo o que poderá ocorrer é a reaquisição dos direitos políticos a qualquer tempo desde que demonstrado o cumprimento das obrigações devidas 1136 4173263 As hipóteses de suspensão dos direitos políticos A primeira hipótese de suspensão dos direitos políticos se verifica quando configurada nos termos do art 15 II da CF a incapacidade civil absoluta do indivíduo Cuidase dos efeitos secundários da sentença judicial que decreta a interdição nos termos do art 3º do CC que elenca os casos de incapacidade civil absoluta pois a decisão judicial não estabelece a perda dos direitos políticos mas sim ao decretar a incapacidade civil absoluta opera em nível dos pressupostos do exercício de tais direitos A hipótese como se pode perceber sem maior dificuldade é de suspensão dos direitos políticos pois se trata de restrição que não assume em princípio caráter definitivo podendo ser cancelada a qualquer momento mediante novo provimento judicial que restabeleça a capacidade civil do indivíduo que também voltará a fruir dos seus direitos políticos 1137 Convém destacar ainda que em se tratando de mera incapacidade civil relativa nos termos das hipóteses previstas no art 4º do CC não estará o indivíduo privado da fruição dos seus direitos políticos 1138 A outra hipótese de suspensão dos direitos políticos se verifica a teor do art 15 III da CF nos casos de condenação criminal transitada em julgado enquanto durarem seus efeitos A referência genérica à condenação criminal conduziu ao entendimento ainda prevalente inclusive no STF de que a perda dos direitos políticos se dará mesmo que a condenação se dê por crime culposo ou contravenção não importando também a natureza do bem jurídico tutelado pela norma penal ou mesmo a natureza da pena cominada eou aplicada visto que a Constituição Federal não estabeleceu qualquer diferenciação quanto a tais aspectos 1139 Todavia é de se registrar a existência de entendimento diverso embora minoritário tanto na doutrina 1140 quanto na jurisprudência afastando a suspensão dos direitos políticos no caso de crimes culposos 1141 No próprio STF embora o entendimento majoritário já referido existe quem entenda que a interpretação de que a aplicabilidade imediata da norma contida no art 15 III da CF implica automaticamente a suspensão dos direitos políticos não é compatível com o sistema constitucional pois é a lei que deverá estabelecer quais os delitos que ensejam pelas suas peculiaridades ou gravidade a suspensão dos direitos políticos 1142 Embora não se possa aqui ampliar a discussão consideramos que as exigências da proporcionalidade não podem ser descuradas e que a referência genérica da Constituição no caso das condenações criminais não é incompatível com uma modulação especialmente se esta for operada no sentido de não fazer incidir a suspensão em algumas hipóteses como precisamente dá conta o exemplo dos crimes culposos ou mesmo delitos de menor potencial ofensivo e contravenções que não guardam relação com a atividade política seja em sentido amplo seja em sentido estrito A exegese dominante mas não necessariamente a melhor de afirmar que a resposta constitucionalmente correta é a de suspender sempre em havendo condenação criminal está no mínimo a reclamar uma reavaliação não sendo sequer para o efeito de uma interpretação conforme necessária uma regulamentação legal que de qualquer sorte é desejável de modo a evitar posições díspares e a respectiva insegurança na dependência da posição pessoal de juízes e mesmo de um ou outro colegiado A solução constitucionalmente adequada no nosso sentir não está em negar aplicabilidade imediata à norma contida no art 15 III da CF mas sim reside ou na aprovação de lei que regulamente as hipóteses de suspensão e preserve casos de não suspensão lei que ainda assim poderá ser fiscalizada mediante o controle incidental e abstrato de constitucionalidade ou enquanto tal não se verificar na referida avaliação de cada caso devidamente justificada e amparada em criteriosa consideração das exigências da proporcionalidade Por outro lado o argumento de que a adoção de parâmetros gerais e abstratos por meio de legislação sobre a matéria inibiria em concreto uma aplicação efetivamente proporcional caso a caso da suspensão dos direitos políticos igualmente merece ser recebido com extrema cautela e mesmo ser refutado Cuidandose de medida restritiva de direitos fundamentais e devendo tais medidas observar os requisitos da isonomia e da segurança jurídica não apenas é legítimo como é mesmo desejável que o legislador estabeleça uma pauta geral a guiar e vincular de partida os órgãos jurisdicionais A sua falta é que no nosso entender não poderia obstar a opção judicial devidamente fundamentada de ressalvar no ato da sentença que não se está suspendendo os direitos políticos deixando nesse caso de oficiar a Justiça Eleitoral Outro aspecto que tem merecido intensa atenção da doutrina e da jurisprudência gerando amplo debate no STF diz com a exigência constitucional de que a suspensão dos direitos políticos apenas se dê mediante sentença condenatória transitada em julgado o que foi objeto de apreciação na já referida ADPF 144DF 1143 onde restou confirmada tal exigência afastada portanto também em homenagem ao princípio direitogarantia fundamental da presunção de inocência a tese de que por força dos princípios da moralidade e da probidade administrativa referidos no art 14 9º a simples existência de processos criminais ou de processos por improbidade administrativa teria o condão de ensejar o indeferimento do registro da candidatura a cargo eletivo Ainda assim é possível que cautelarmente se suspenda os efeitos de sentença penal condenatória transitada em julgado e restabeleça os direitos políticos conforme ilustra a decisão cautelar proferida no HC 166549 em que foi determinado a Juízo Eleitoral que observasse decisão liminar do mesmo HC que suspendeu os efeitos da decisão condenatória transitada em julgado em especial quanto a inelegibilidade do paciente até decisão ulterior ou julgamento de mérito 1144 Outro tópico de relevo diz com os casos de aplicação de medida de segurança hipótese sobre a qual não se pronunciou ao menos não de modo expresso a Constituição Federal designadamente em se cuidando de caso de absolvição imprópria no qual embora não ocorra uma condenação ao réu absolvido por não punível é aplicada medida de segurança Aqui mediante uma interpretação baseada numa leitura combinada dos incisos II e III do art 15 da CF firmouse o entendimento de que mesmo não decretada a incapacidade civil absoluta do indivíduo a sua condição de penalmente inimputável acometido que está de doença mental ou desenvolvimento mental retardado é incompatível com o exercício dos seus direitos políticos ativos e acima de tudo passivos de tal sorte que também nesses casos de aplicação de medida de segurança quando de absolvição terá o acusado os seus direitos políticos suspensos uma vez transitada em julgado a sentença 1145 Além das situações expostas é de se mencionar indagação relacionada à suspensão dos direitos políticos nos casos de suspensão condicional da pena prevalecendo o entendimento de que o sursis não gera qualquer efeito sobre a suspensão dos direitos políticos pois esta é consequência da condenação criminal transitada em julgado que segue configurada e portanto não se confunde com o benefício da suspensão do cumprimento da pena 1146 O mesmo aliás se dá na hipótese de obter o condenado o benefício do livramento condicional nos casos de prisão em regime aberto ou prisão domiciliar ou nos casos de substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos persistindo durante esse período a suspensão dos direitos políticos pois esta apenas cessará quando do cumprimento extinção da pena 1147 Aliás nos termos da Súmula 9 do TSE a suspensão de direitos políticos decorrente de condenação criminal transitada em julgado cessa com o cumprimento ou a extinção da pena independendo de reabilitação ou prova de reparação dos danos Outra hipótese que segue merecendo atenção e demanda melhor equacionamento também e mesmo especialmente em nível legislativo diz respeito aos efeitos de sentença criminal condenatória transitada em julgado em relação aos que detêm mandato eletivo Se a suspensão dos direitos políticos é consequência automática da sentença criminal também o exercício do mandato restará afetado direta e automaticamente o que configura regra geral afirmada pela doutrina dominante em adesão ao entendimento prevalecente na jurisprudência 1148 Com efeito de acordo com precedente do STF a regra contida no art 15 III da CF é dotada de aplicabilidade imediata ensejando a perda do mandato eletivo de modo automático o que só não incidirá quando configurada a exceção prevista no art 55 VI e 2º da CF dirigida aos deputados federais e senadores que perderão o mandato apenas mediante procedimento específico referido no citado preceito constitucional 1149 Também os deputados estaduais considerando o disposto nos arts 27 1º e 32 3º ambos da CF não perderão automaticamente o seu mandato a não ser em virtude de decisão por maioria absoluta e mediante voto secreto da respectiva Casa Legislativa 1150 Todavia com o julgamento da AP 470 relatada pelo Min Joaquim Barbosa o famoso caso do Mensalão o STF embora ainda não transitada em julgado a decisão está a apontar um outro rumo no que diz com a orientação adotada no precedente acima referido Com efeito por apertada maioria 5 votos a 4 o Tribunal decidiu pela perda automática do mandato dos parlamentares condenados no processo no caso todos deputados federais com destaque para os argumentos articulados pelo Min Gilmar Mendes no sentido de que a CF deve ser compreendida como um todo apontando em termos práticos para a circunstância de que condenados à pena de reclusão a ser cumprida em regime inicial fechado não haveria sequer possibilidade de conciliar tal circunstância com o exercício do mandato devendo a manifestação da Câmara dos Deputados ter caráter meramente declaratório dando publicidade ao julgamento do STF Já o Min Celso de Mello aderindo à linha argumentativa do Min Gilmar Mendes referiu a necessidade de harmonização entre o disposto no art 15 III da CF e o disposto nos 2º e 3º do art 55 da CF votando no sentido de que nos casos de condenação a pena privativa de liberdade superior a quatro anos de reclusão ou condenação por crime contra a administração pública portanto por delito que envolva ato de improbidade como é o caso da corrupção e do peculato hipótese na qual a pena poderá até mesmo ser menor do que quatro anos aplicase portanto o espírito que preside a LC 1352010 Assim cuidandose de condenação por outros delitos e sendo a pena igual ou inferior a quatro anos de reclusão aplicável o disposto no art 55 2º e 3º da CF de tal sorte que nesses casos a perda do mandato deverá ser deliberada pela Casa Legislativa Senado ou Câmara dos Deputados o mesmo também se verificando no caso dos deputados estaduais integrada pelo parlamentar condenado Em que pese a divergência por parte de alguns Ministros e a polêmica que tem cercado a matéria chegando ao ponto mesmo de ensejar inclusive um clima de confronto entre o Congresso Nacional e o STF não só mas especialmente no caso Donadon a orientação no sentido da perda automática dos mandatos acabou ao menos por ora a prevalecer no âmbito da nossa mais alta Corte 1151 Quanto aos demais casos ou seja tratandose de condenados criminalmente que exercem mandato de chefe do Executivo ou de vereador a perda do mandato se traduz em consequência automática da condenação criminal transitada em julgado que será comunicada à Justiça Eleitoral que por sua vez oficiará ao presidente da Casa Legislativa que mediante ato de caráter meramente declaratório extinguirá o mandato 1152 De qualquer sorte a circunstância de que deputados federais senadores e mesmo deputados estaduais não percam automaticamente seus mandatos não afasta para os demais efeitos inclusive de modo automático a suspensão dos seus direitos políticos visto que não elegíveis enquanto perdurarem os efeitos da suspensão Por derradeiro importa agregar que a hipótese de suspensão dos direitos políticos por força de condenação criminal não se confunde com os casos de inelegibilidade previstos no art 1º I e da LC 641990 com as alterações introduzidas pela LC 1352010 onde está previsto serem inelegíveis para qualquer cargo aqueles que forem condenados criminalmente em virtude de sentença transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado pela prática de crimes contra a economia popular a fé pública a admi nistração pública o patrimônio público o mercado financeiro por tráfico de entorpecentes e por crimes eleitorais entre outros A inelegibilidade nos termos do citado preceito legal será de oito anos após o cumprimento da pena Tal previsão por sua vez por encontrar seu fundamento no art 14 9º da CF que dispõe sobre as inelegibilidades legais diz com uma situação específica de inelegibilidade que se dá depois do término da suspensão dos direitos políticos dos que foram criminalmente condenados por tais delitos não se estendendo tal causa de inelegibilidade aos que foram condenados por outros delitos que não os elencados no art 1º I e da LC 641990 1153 A última hipótese de suspensão dos direitos políticos a ser analisada é a que decorre da prática de atos de improbidade administrativa nos termos do disposto no art 15 V da CF que por sua vez remete ao art 37 4º da CF o qual também prevê a imposição dentre outras medidas da suspensão dos direitos políticos na forma e gradação previstas em lei e sem prejuízo da ação penal cabível A regulamentação legal encontrase na Lei 84291992 que tipifica os atos de improbidade administrativa e as respectivas sanções dentre as quais a suspensão dos direitos políticos pelo prazo de cinco a dez anos art 12 Assim como se dá nos casos de condenação criminal também na hipótese de prática de ato de improbidade administrativa a suspensão dos direitos políticos dependerá de sentença judicial transitada em julgado o que aliás encontra previsão na própria Lei 84291992 no seu art 20 Convém frisar que a inelegibilidade incide desde a condenação ou o trânsito em julgado até o transcurso do prazo de oito anos após o cumprimento da pena prazo que se inicia após o término do prazo da suspensão imposta pela condenação de modo que ambos os períodos devem ser somados podendo portanto alcançar um total de dezoito anos tornando tal inelegibilidade extremamente rigorosa 1154 a tal ponto de se poder cogitar mesmo de uma eventual desproporcionalidade especialmente analisadas as circunstâncias do caso concreto o que aqui contudo não será desenvolvido Diferentemente contudo do que se dá nos casos de condenação criminal a doutrina e especialmente a jurisprudência dominante exigem que a suspensão dos direitos políticos nos casos de improbidade administrativa deve ser específica e expressamente decretada por juiz competente no bojo de ação civil de improbidade mediante a devida fundamentação não se tratando portanto de uma consequência automática da condenação o que por sua vez decorre da natureza não criminal do processo e da respectiva condenação 1155 Muito embora não seja o caso de aqui aprofundar a matéria relativa à improbidade administrativa importa recordar que o STF adotou o entendimento de que a Lei 84291992 é inaplicável aos agentes políticos Presidente da República Ministros de Estado Ministros do STF ProcuradorGeral da República pois esses estão sujeitos ao regime dos assim chamados crimes de responsabilidade nos termos dos arts 52 I e II 85 86 e 102 I c da CF bem como de acordo com o estabelecido na Lei 10791950 que disciplina o respectivo processo de tal sorte que a responsabilização cível por atos de improbidade administrativa somente é aplicável aos demais agentes públicos 1156 Em relação ao tópico convém observar que ainda que seja oportuna a alegação de que a apli cação do regime da improbidade aos agentes políticos referidos poderia ensejar evidentes distorções como por exemplo até mesmo o afastamento do Presidente da República por força de decisão de juiz singular 1157 ao mesmo tempo resulta evidente que os atos tipificados como sendo de improbidade não se confundem em geral com a figura típica dos crimes de responsabilidade e mesmo crimes comuns praticados pelos agentes políticos sendo necessário portanto construir uma solução diferenciada para tais hipóteses atos de im probidade praticados por agentes políticos que ao mesmo tempo preserve dada a relevância da matéria e a repercussão das respectivas decisões e não apenas para a pessoa do detentor do cargo os agentes políticos e o interesse público de uma eventual manipulação mas não afaste a possibilidade de sua responsabilização também pela prática de improbidade administrativa 417327 A reaquisição dos direitos políticos Mesmo que tenha perdido os seus direitos políticos consoante já adiantado o agente terá a possibilidade de vir a readquirilos É por tal razão que o critério do caráter definitivo da perda não é tido como adequado para distinguir as hipóteses de perda e suspensão devendo ser compreendido como indicativo de uma espécie de definitividade relativa que poderá ou não assumir caráter definitivo se aquele que tiver sido privado dos seus direitos não buscar ou não alcançar a sua reaquisição nos termos da ordem jurídica Assim nos casos de cancelamento da naturalização a perda dos direitos políticos poderá ser revertida mediante ação rescisória consoante já adiantado no capítulo que versou sobre a nacionalidade Em se tratando de perda dos direitos políticos como decorrência de inadimplemento de obrigação alternativa por razões de consciência convicção filosófica crença etc a própria legislação que regula a matéria Lei 82391991 possibilita a reaquisição dos direitos políticos a qualquer tempo mediante o cumprimento das obrigações devidas 417328 A regra da anualidade em matéria eleitoral art 16 da CF De acordo com o disposto no art 16 da CF a lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência Na precisa formulação de Néviton Guedes cuidase de típica regra de especialização pois mediante tal norma a Constituição converte o princípio geral da segurança jurídica em uma regra especial de segurança jurídica em matéria eleitoral no sentido de uma regra de não surpresa que busca preservar o processo eleitoral e a própria democracia de eventuais alterações bruscas e casuísticas 1158 Nesse sentido aliás a posição do STF que chegou a reconhecer um direito fundamental à não surpresa no âmbito do processo eleitoral direito esse que representa tanto uma garantia do cidadão em geral e não apenas do eleitor mas também do candidato e dos partidos políticos ademais de garantia de um devido processo legal eleitoral estando na condição de cláusula pétrea protegido até mesmo contra a supressão e erosão por meio do poder de reforma constitucional 1159 Um aspecto de suma relevância no que concerne à aplicação do art 16 da CF diz com o que se compreende por legislação eleitoral para este efeito ou seja se a regra da anterioridade incide em relação a toda e qualquer legislação versando sobre matéria eleitoral ou apenas se aplica a um determinado tipo de normas eleitorais Nesse sentido colacionase o magistério de Néviton Guedes que mediante análise das decisões do STF 1160 chega à conclusão de que há que distinguir entre lei ou norma eleitoral em sentido amplo e lei ou norma eleitoral em sentido estrito consideradas como tais as que impliquem efetivas modificações no processo eleitoral e que além disso venham a afetar o seu resultado e interferir nas condições da competição portanto as normas que sejam capazes de produzir desigualdade de participação dos partidos e respectivos candidatos 1161 Assim parece correto afirmar que na acepção do STF a regra da anterioridade contida no art 16 da CF deverá ser aplicada e rigorosamente controlada quanto à sua incidência sempre que se cuidar de norma eleitoral que tenha como consequência uma intervenção restritiva na esfera dos direitos políticos e da atuação dos partidos políticos em especial quando implicar uma violação da isonomia no âmbito do processo eleitoral 1162 Ainda nesse contexto convém agregar que o STF com o intuito de assegurar ao máximo a função de garantia do processo eleitoral vinculada ao art 16 da CF interpretou de modo amplo a expressão lei contida no referido preceito constitucional de modo a incluir na acepção toda e qualquer espécie normativa de caráter autônomo geral e abstrato emanada pelo Congresso Nacional no exercício de sua competência constitucional art 22 I da CF alcançando até mesmo as emendas constitucionais 1163 Além disso o STF pontuou que a noção de processo eleitoral envolve para efeitos de incidência da regra da anterioridade um complexo de atos que abarca desde a fase préeleitoral escolha apresentação das candidaturas e propaganda eleitoral passando pelo período das eleições e alcançando a fase póseleitoral que se inicia com a apuração e contagem dos votos e termina com a diplomação dos candidatos Por fim ainda de acordo com o mesmo precedente do STF a norma contida no art 16 da CF objetiva impedir toda e qualquer deformação do processo eleitoral mediante medidas de natureza casuística e que afetem a isonomia entre partidos e candidatos Porém considerando tanto a relevância quanto o dinamismo do processo políticoeleitoral não causa surpresa que o tema siga sendo objeto de intenso debate inclusive provocando forte dissídio entre os integrantes do próprio STF Isso pôde ser verificado especialmente no caso do julgamento dos Recursos Extraordinários 630147 caso Joaquim Roriz e 631102 caso Jader Barbalho já rapidamente referidos que envolveram a aplicação imediata ao processo eleitoral da assim chamada Lei da Ficha Limpa onde todavia não chegou a se formar uma maioria em favor de uma ou outra posição visto que em ambos os julgamentos a votação quedou empatada ficando o Tribunal dividido entre a tese da aplicação imediata da lei às eleições de 2010 e a tese contrária que defendeu a incidência do art 16 da CF na espécie Na ocasião o julgamento do primeiro caso ficou prejudicado em razão da perda superveniente de seu objeto ao passo que no caso Jader Barbalho acabou sendo mantida a decisão do TSE que decidira pela aplicação imediata da legislação impugnada Precisamente nesses casos que envolvem típicas hipóteses de restrição de direitos fundamentais veiculadas pela LC 1352010 há que levar a sério a tese da plena incidência da regra da anterioridade situação que transcende como bem aponta Gilmar Mendes a discussão em torno da existência de uma interferência no processo eleitoral e mesmo de um eventual casuísmo 1164 A celeuma respeitante à aplicação da Lei da Ficha Limpa a fatos pretéritos não se encontra contudo plenamente superada no âmbito do STF e segue gerando acirradas discussões e perplexidades Nesse sentido calha invocar o julgamento do RE 929670DF em 04102017 rel Ministro Ricardo Lewandowski relator para o Acórdão Ministro Luiz Fux no qual se afirmou a aplicabilidade da alínea d do inciso I do art 1º da LC 641990 com a redação dada pela LC 1352010 a fatos anteriores à sua publicação No caso concreto apreciado pelo STF o Plenário por maioria ao discutir a incidência de causa de inelegibilidade prevista no dispositivo legal citado à hipótese de representação eleitoral julgada procedente e transitada em julgado antes da entrada em vigor da LC 1352010 que aumentou de três para oito anos o prazo de inelegibilidade Entendeu a Corte que uma vez transcorrido o prazo de três anos previsto na redação originária do art 1º inciso I alínea d da LC 541990 inelegibilidade em virtude de condenação pela Justiça Eleitoral transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado em processo de apuração de abuso de poder econômico ou político por força de decisão transitada em julgado o legislador infraconstitucional pode aumentar os prazos de inelegibilidade sem que isso venha a implicar ofensa à coisa julgada No caso ocorreu ampliação do período de inelegibilidade de três para oito anos mas o STF considerou legítima tal alteração e sua aplicação a fatos anteriores pois não se trata de medida de natureza sancionatória ou punitiva mas tão somente requisito negativo de adequação do indivíduo ao regime jurídico do processo eleitoral Ademais disso é preciso destacar que a divergência veiculada pelos votos dos Ministros Ricardo Lewandowski Relator originário Gilmar Mendes Alexandre de Moraes Marco Aurélio e Celso de Mello fundouse essencialmente no argumento da prevalência da coisa julgada formal e material e não propriamente no art 16 da CF muito embora se tratasse também da aplicação da lei a fatos anteriores assim como um problema ligado à proibição de retroatividade in pejus De qualquer sorte com o devido respeito à posição que acabou por prevalecer novamente por apertada maioria a razão na perspectiva de uma leitura restritiva de fortes restrições a direitos fundamentais que não se restringem a medidas de natureza punitiva eou sancionatória ainda mais quando envolve aplicação retroativa de restrições os melhores argumentos no caso ora sumariamente comentado estão do lado dos vencidos Mas levando em conta justamente a dinâmica do processo eleitoral e das decisões do próprio STF o que se soma ao fato de se tratar de posição adotada por maioria de um voto leva a crer que segue se tratando de problema aberto a novos desenvolvimentos Recentemente com a Emenda Constitucional n 1072020 foram adiadas em razão da pandemia da COVID19 as eleições municipais de 2020 e os prazos eleitorais Há que considerar que a edição da emenda não importou em restrição significativa de direitos e garantias fundamentais dos cidadãos sejam eles eleitores ou candidatos visto não ter sido atingida a igualdade de chances sendo a emenda justamente o meio adequado para resolver dentro dos parâmetros estabelecidos pela CF a questão sobre as eleições num contexto de calamidade pública nacional e internacional como o vivenciado por causa da pandemia do novo coronavírus Por tal razão a aprovação da EC n 1072020 também não pode ser tida como violadora tanto dos limites materiais quanto dos assim chamados limites circunstanciais implícitos à reforma constitucional tal como demonstrado no capítulo sobre o tema na parte da obra relativa à teoria da constituição 418 Dos partidos políticos 4181 Considerações gerais posição e função dos partidos políticos no Estado Democrático de Direito Ao longo da trajetória evolutiva do constitucionalismo democrático embora existam países em que não exista democracia 1165 a democracia passou a ser cada vez mais e preponderantemente uma democracia partidária especialmente e logicamente no contexto da assim chamada democracia representativa sem prejuízo de eventual reconhecimento de candidaturas do tipo avulso Não é à toa que Gomes Canotilho nos lembra que a democracia é sempre uma democracia com partidos assim como o Estado Constitucional se caracteriza por ser um Estado Constitucional de Partidos 1166 Os partidos políticos que correspondem a uma particular forma de exercício da liberdade de associação já que de associações no sentido próprio do termo se trata constituem portanto o meio por excelência de exercício da democracia representativa Para o caso brasileiro isso se revela de transcendental importância visto que de acordo com o modelo adotado pela CF não existe representação política que não passe pelos partidos já que como visto no capítulo dos direitos políticos é condição para qualquer candidatura a filiação a partido político Desde o seu surgimento inclusive quanto à sua concepção teórica na Inglaterra do século XVII 1167 e segundo a lição de Dieter Grimm os partidos políticos na condição de instituições permanentes da democracia representativa e da participação política assumiram uma função de canal de mediação entre a não regulada pluralidade de ideias e interesses do povo sociedade e a organizada unidade de ação do Estado seja durante e nos termos do processo eleitoral propriamente dito seja naquilo em que buscam influenciar e organizar as decisões do Estado de acordo com os projetos e reclamos da sociedade 1168 Assim ainda de acordo com Dieter Grimm sendo os partidos uma consequência da participação parlamentarmente organizada do povo na formação democrática da vontade e do processo decisório político tanto o seu surgimento quanto a sua difusão são constitucionalmente condicionadas ainda que isso nem sempre tenha sido objeto de percepção pelo poder constituinte 1169 Também por tal razão poderíamos acrescentar é possível afirmar que os partidos políticos e a previsão de um sistema modelo partidário correspondem a elementos centrais da própria constituição material sem prejuízo de sua inserção nos textos constitucionais que os regulam em maior ou menor medida Para que os partidos possam exercer a sua função de mediação e articulação ademais da participação na formação da vontade política pelos cidadãos o conteúdo de sua tarefa será determinado apenas no contexto e mediante sua inserção do conjunto da ordem constitucional democrática considerada como uma ordem de poder legitimada pela maioria do povo assegurada a igualdade de chances das minorias e mediante um processo político livre e aberto 1170 Dentre as funções aqui mais concretas dos partidos políticos situase a de identificar e formar lideranças políticas sua respectiva apresentação ao povo eleitor e a captação do seu voto para na condição de partidos do governo cumprirem o seu desiderato de elos da corrente de legitimação entre o povo e o Estado governo mas na oposição e potencial governo futuro exercer o papel de crítica e controle portanto de limitação do poder e proposição de alternativas ademais da representação das minorias políticas 1171 Tais funções sumariamente esboçadas nos parágrafos anteriores indicam que os partidos políticos são organizações de caráter especial para assegurar a participação e fruição das estruturas democráticas estatais no âmbito de um permanente processo de diálogo e comunicação entre sociedade e Estado 1172 No que tange à posição dos partidos políticos no contexto mais ampliado da ordem constitucional e da divisão dos poderes estatais convém frisar na esteira de Konrad Hesse que os partidos não atuam ou não deveriam para além das fronteiras da formação da vontade política especialmente não participam e influenciam diretamente a atividade jurisdicional e o Poder Executivo já que sujeitos a uma juridicidade própria e autônoma distinta da formação da vontade política 1173 Isso contudo e como resulta evidente dispensando maior digressão não significa que de modo indireto os Partidos não exerçam maior ou menor influência no caso do Poder Judiciário em caráter ilustrativo na participação da regulação legislativa e mesmo constitucional de seu papel sua estrutura e competências e no caso do Poder Executivo de modo similar além do próprio controle político e externo aprovação e limitação do orçamento Além disso a autonomia dos partidos e o seu papel diferenciado não são incompatíveis com o fato também evidente e natural numa democracia partidária de que os cargos eletivos do Executivo sejam assim como os do Legislativo em regra preenchidos por candidatos filiados a determinado partido político Assim pelas suas funções e peculiaridades e independentemente de seu regime jurídico próprio que em grande parte dos casos é de direito privado como no Brasil os partidos constituem um tipo de associação especializada e finalisticamente condicionada estruturada e organizada razão pela qual cuidando se de organizações autoinstitutivas não podem ser substituídas por outras salvo se forem do mesmo tipo e cumprindo as mesmas funções 1174 Com efeito tal posição e função dos partidos na arquitetura constitucional e o próprio estatuto dos partidos na Constituição como direitos fundamentais direitos políticos titulares de direitos fundamentais e garantias institucionais lhes asseguram a condição privilegiada em relação às associações de um modo geral 1175 Outro aspecto a ser sublinhado ainda nessa fase preliminar diz respeito ao fato de que o quanto os partidos se encontram em condições de realizar as suas tarefas no Estado Democrático ou seja cumprir com sua particular missão na formação da vontade política num ambiente plural guarda umbilical relação e é mesmo fortemente condicionado com o respectivo sistema partidário que por sua vez encontrase vinculado ao sistema eleitoral vigente 1176 o qual aqui não será explorado Ao passo que o modelo de partido único a despeito da eventual existência de uma democracia intrapartidária não é tido e com razão como compatível com uma ordem genuinamente democrática porquanto plural os demais modelos clássicos são o do bipartidarismo e o do pluripartidarismo ainda que existam variações gradações possíveis Assim por exemplo poderá existir um bipartidarismo no sentido estrito com a existência de apenas dois partidos políticos ou um sistema bipartidário com mais de dois partidos mas uma histórica e absolutamente majoritária presença e participação efetiva e determinante na formação da vontade política por dois partidos dominantes No âmbito do pluripartidarismo poderá haver menor ou maior limitação para a criação e participação de partidos no processo políticodemocrático o que irá depender novamente do marco normativo constitucional e legal de cada país ademais de guardar relação com o respectivo sistema eleitoral Cumpre agregar ainda nessa quadra que pelo fato de se constituírem a partir da mobilização e organização da sociedade na forma de associações a natureza jurídica dos partidos em regra é a de associações regidas pelo Direito Privado mesmo consideradas as suas funções e peculiaridades fortemente submetidas ao marco normativo constitucional 1177 Além disso e nisso reside outra particularidade determinante para o seu status jurídico constitucional os partidos em virtude de sua função mediadora já referida ocupam uma posição sistemática intermediária entre a vida social assegurada e impregnada pelas liberdades fundamentais e as funções e atuação estatal muito embora não se trate de uma relação do tipo dicotômica visto que os partidos por meio dos seus integrantes indicados e eleitos ocupam os cargos políticos parlamentares e as chefias do Poder Executivo ali formando maiorias ou minorias participando dos processos decisórios etc 1178 Além disso do ponto de vista de sua posição na arquitetura constitucional os partidos e o próprio sistema partidário e eleitoral assumem a posição tanto de garantias institucionais fundamentais constitucionalmente protegidas contra a sua supressão como tais e esvaziamento pelos poderes constituídos quanto na condição de pessoas jurídicas titulares de direitos fundamentais próprios sejam negativos como a liberdade partidária a garantia da igualdade entre outros e de caráter positivo prestacional como direitos à proteção e organização e procedimento assim como direitos a prestações fáticas a exemplo do que no caso brasileiro se verifica com o direito de acesso aos recursos do fundo partidário Tais questões contudo serão analisadas mais de perto quando tratarmos dos partidos na CF 4182 As dimensões da liberdade partidária e seus elementos estruturantes e consequências A liberdade dos partidos políticos abrange uma dimensão externa e outra interna designadas respectivamente de liberdade partidária externa e interna Como tal liberdade em sua dupla dimensão é na sua concretude determinada pelo direito constitucional e ordinário positivo aqui apenas serão apresentados os seus contornos gerais A liberdade partidária externa protege os partidos contra intervenções externas restrições influências coações por parte do Estado assegurando a sua criação a filiação e desfiliação de seus integrantes a sua autonomia de tal sorte que não podem ter sua atuação propriamente dita determinada pelo Estado da mesma forma como protege os partidos salvo em condições muito específicas e constitucionalmente prescritas de uma dissolução 1179 Nessa perspectiva a liberdade partidária externa corresponde simultaneamente à liberdade de fundação criação e à liberdade de atuação dos partidos políticos abarcando tanto a liberdade negativa direito a não ser constrangido a participar de partido quanto a positiva na condição de direito subjetivo do cidadão à criação e associação de e em partidos além de guardar semelhança com as garantias em relação à suspensão e extinção dos partidos 1180 Já a assim chamada liberdade interna tem por objetivo assegurar que os partidos correspondam às exigências do Estado Democrático de Direito com o que não se está a condicionar e relativizar de modo heterônomo a sua ordem interna e autonomia justamente protegidos por conta da liberdade partidária externa mas sim pelo contrário estabelecendo e assegurando a sua liberdade interna que deve ser blindada contra toda e qualquer intervenção que tenda a subtrair aos partidos a possibilidade de participar de modo livre e eficaz na formação da vontade política 1181 Integram portanto a liberdade interna especialmente a blindagem em relação a qualquer controle ideológico e programático bem como a proteção contra o controle da organização interna partidária o que não significa que os partidos não estejam atrelados à observância dos direitos fundamentais e princípios estruturantes da Constituição 1182 Importa acrescentar que a liberdade partidária não tem por objeto precípuo a proteção dos partidos como tais e por si mesmos mas sim na condição de uma liberdade do tipo funcional visa salvaguardar numa perspectiva instrumental a sua capacidade de cumprir com as suas funções constitucionais designadamente a de mediação entre a sociedade e o Estado 1183 Titulares da liberdade partidária são tanto a pessoa jurídica do partido quanto os indivíduos que a integram e os que ainda não a integram o que abarca a liberdade de criação filiação e desfiliação de partidos políticos já que aos cidadãos é assegurado na condição de direito fundamental o direito subjetivo à participação políticopartidária 1184 Também aqui é preciso sublinhar que as diversas garantias institucionais e processuais portanto de natureza material e instrumental que dizem respeito às duas dimensões da liberdade partidária embora apresentem um núcleo significativo de elementos comuns aos Estados Democráticos de modo geral encontramse reguladas pelo direito positivo de cada Estado apresentando peculiaridades relevantes e mesmo um status diferenciado Além disso o espectro de tais garantias materiais e instrumentais poderá variar significativamente não se podendo falar aqui de um modelo fechado De outra parte calha não olvidar que as duas dimensões da liberdade partidária não são de modo algum estanques e se articulam e retroalimentam podendo inclusive implicar modulações de modo a assegurar sua compatibilidade interna Assim em termos gerais os principais esteios e modos de salvaguarda da liberdade partidária são além da liberdade de criação e filiação a autonomia partidária nas suas diversas acepções a legitimação e participação democrática no plano intrapartidário a posição de igualdade inclusive a liberdade de chances dos partidos entre si o acesso a fontes de financiamento públicas eou privadas a depender do caso além da sua condição ainda que associações regidas pelo direito privado de caráter público que condiz com a relevância e com a peculiaridade de suas funções e a correspondente posição na arquitetura institucional democrática 1185 Mas também tais aspectos aqui apenas inventariados de modo geral serão abordados adiante no contexto do marco jurídicoconstitucional brasileiro seja do ponto de vista normativo seja na perspectiva jurisprudencial e doutrinária 4183 Os partidos políticos no direito constitucional brasileiro pretérito Desde a Carta Imperial de 1824 o Estado Constitucional brasileiro até que o Brasil pudesse ser efetivamente designado de um Estado de Partidos transcorreu um significativo período marcado por longos períodos autoritários como durante a Ditatura do Estado Novo 19371945 e a Ditadura Militar 19641984 sem prejuízo da grande fragilidade política que caracterizou a assim chamada Primeira República isto sem falar na transição autoritária e centralista inaugurada pela Revolução de 1930 e a transitoriedade da Constituição de 1934 Aliás o quadro sumariamente esboçado revela que a despeito da existência de agremiações políticas intituladas de partidos políticos a maior parte do tempo da história constitucional brasileira foi marcada por um ambiente institucional e democraticamente frágil 1186 Não é à toa portanto que Gilmar Mendes anota que a história dos partidos políticos no Brasil é uma história acidentada pois mesmo durante os primeiros anos de vigência da Carta Imperial de 1824 existiam apenas duas facções compostas pelo governo e pela oposição tendo os primeiros partidos sido criados a partir de 1831 partidos Restaurador Republicano e Liberal polarizandose a vida e a cena política imperial logo mais adiante 18371838 em torno da representação das duas principais correntes da elite econômica social cultural e política brasileira mediante respectivamente o Partido Liberal e o Partido Conservador 1187 Tais partidos ainda que assim fossem designados cuidavamse mais de associações políticas do que de partidos políticos propriamente ditos o que se devia às limitações impostas pela própria Carta Imperial de 1824 especialmente o sufrágio censitário a exclusão de escravos analfabetos e mulheres a adoção obrigatória da religião do Estado o cerceamento da liberdade de consciência e o estabelecimento de um Poder Moderador 1188 Sem um caráter efetivamente programático e orgânico e sem as garantias democráticas da liberdade partidária poderíamos acrescentar e representando como já frisado uma elite minoritária as organizações políticas daquele período marcado por uma monarquia constitucional ainda que se apresentassem formalmente como partidos não correspondiam à atual concepção de partidos num Estado Democrático de Direito 1189 Cuidavase sobretudo de grupos organizados politicamente mas que não tinham consistência ideológica nem cumpriam as funções propriamente ditas dos partidos políticos 1190 Também a assim chamada Primeira República 18891930 iniciou e se desenvolveu de modo não apenas acidentado como conturbado Embora a Constituição de 1891 tivesse instituído o sufrágio universal o voto era dado a descoberto e mediante assinatura do eleitor perante as mesas eleitorais o que levou a um modelo de submissão do eleitorado às pressões e vontades das elites políticas locais e regionais facilitando a fraude eleitoral sistema que mereceu a desairosa designação de voto de cabresto peculiar ao coronelismo e clientelismo que grassava com força na época Especialmente na sua fase inicial a influência dos militares que foram esteio e meio da própria proclamação da República foi intensa e determinante de tal sorte que a despeito da precária organização das agremiações políticopartidárias de então os militares partidários da república organizados politicamente passaram a assumir a função ainda que não formal de um Partido Político 1191 Somase a isso dando conta da grande fragilidade do modelo políticoinstitucional e da democracia durante a Primeira República o fato de que foram extintos os partidos criados durante o Império não sobrevindo contudo um sistema partidário estável muito pelo contrário a concepção dominante era mesmo contrária aos partidos exceção feita ao Partido Republicano que passou a dominar a máquina administrativa federal e estadual em parceria com os poderes locais 1192 Com efeito em termos gerais é correto afirmar que ao longo da Primeira República o poder seguiu concentrado nas mãos dos liberaisoligárquicos com valorização dos grupos estaduais e municipais num sistema de simbiose com o poder central 1193 Além disso tendo em conta as peculiaridades do sistema eleitoral vigente majoritário e distrital resultava dificultada a criação de agremiações de caráter nacional fortes prevalecendo amplamente a criação de partidos políticos se é que assim poderiam ser designados a exemplo do que se verificava no período imperial Notese ainda nesse contexto reforçando dessa forma o que já foi dito que nem a Constituição de 1891 tampouco a legislação ordinária dispunham sobre a criação organização e funcionamento dos partidos políticos limitandose o texto constitucional a assegurar a liberdade de reunião e associação em termos gerais art 72 8º Aliás além da omissão da legislação eleitoral a única previsão legal sobre a criação de partidos políticos constava no art 18 do Código Civil de 1916 dispondo que seriam constituídos de acordo com os procedimentos do registro civil das pessoas jurídicas de direito privado Sobre tal período dentre as diversas vozes críticas sempre é bom lembrar a famosa e amplamente difundida fala de Francisco de Assis Brasil um dos expoentes da política nacional e especialmente gaúcha e líder de uma das duas grandes correntes políticas gaúchas a outra era ligada ao caudilho Júlio de Castilhos e seu sucessor Borges de Medeiros que se digladiavam intensa e mesmo brutalmente bastaria recordar as revoluções de 1893 e 1923 a última tendo tido como estopim suposta fraude eleitoral em favor de Borges de Medeiros e que teria sido engendrada por Getúlio Vargas Segundo Assis Brasil a democracia representativa da época era um regime em que ninguém tinha a certeza de se fazer qualificar como a de votar Votando ninguém tinha certeza de que lhe fosse contado o voto Uma vez contado o voto ninguém tinha segurança de que seu eleito havia de ser reconhecido através de uma apuração feita dentro do Parlamento e por ordem muitas vezes superior 1194 Em síntese na Primeira República os partidos políticos de caráter nacional de modo particular eram um fenômeno hostilizado e inibido ainda mais quando as agremiações políticas eram contrárias aos interesses do poder político dominante já que o que existia eram facções transvestidas de partidos valorização das lideranças individuais e poderes locais de tal sorte que definitivamente não há como falar em uma democracia sólida nem em um Estado de Partidos naquele período 1195 O período seguinte marcado pela transição e governo provisório de Getúlio Vargas iniciada pela Revolução de 1930 até o Golpe do Estado Novo 1937 foi em grande parte até mais conturbado já pelo fato do próprio movimento revolucionário e deposição do Presidente Washington Luís outubro de 1930 a crise econômica mundial que afetou também o Brasil especialmente a cultura cafeeira e os partidos políticos estaduais que seguiam dominantes e representando os interesses das elites locais ademais do desmantelamento das agremiações partidárias herdadas da Primeira República 1196 Após a formação no interior do próprio governo de duas correntes a primeira representando as oligarquias estaduais que almejava uma nova Constituição e a outra os assim chamados tenentistas o governo provisório de Getúlio Vargas promulgou o primeiro Código Eleitoral do Brasil reconhecendo a existência dos partidos políticos como pessoas jurídicas e regulando o seu funcionamento muito embora a previsão concorrente e fragilizadora em relação aos partidos de candidatos sem partido em forma de candidaturas avulsas distinguindo partidos permanentes dos provisórios e ainda ao lado dos partidos as associações de classe 1197 Nesse contexto calha sublinhar com Aloísio Zimmer Júnior que a Constituição de 1934 surge desse barroquismo pois de um lado são valorizados os partidos políticos de outro contudo impôsse a convivência com as representações classistas e dos trabalhadores e empregadores Era uma Constituição estruturada em bases fragilíssimas 1198 Assim embora se sustente que os partidos políticos propriamente ditos tenham sido criados do ponto de vista jurídico apenas pelo Código Eleitoral de 1932 1199 na Constituição de 1934 cuja constituinte fora eleita segundo o formato eleitoral e partidário referido os partidos políticos não foram objeto de expressa previsão e regulação mantendose um modelo marcado por partidos estaduais Em nível nacional ocorreu a formação de dois grandes blocos ideologicamente contrapostos quais sejam a Ação Integralista Brasileira e a Aliança Nacional Libertadora que contudo não eram propriamente partidos políticos nacionalmente estruturados e organizados Assim também por tais razões e outros fatores de distúrbio como o da intentona comunista embora os partidos tivessem sido juridicamente reconhecidos mas mediante fortes limitações legais não há como falar num autêntico Estado e numa autêntica democracia de partidos 1200 O Estado Novo foi decretado por Getúlio Vargas em 10 de novembro de 1937 inclusive mediante outorga de uma nova Constituição seguindose a dissolução do Congresso e das Assembleias Legislativas em nível estadual e municipal Os partidos políticos já fragilizados do período do governo provisório foram extintos por Decreto em 02121937 vedandose a criação de novos partidos e permitindose a permanência de partidos criados anteriormente desde que mantidos como associações de cunho cultural beneficente ou desportivo renunciando à designação e função propriamente dita de partidos políticos O próprio texto constitucional de 1937 além de não prever os partidos políticos praticamente inviabilizou a criação de novas organizações políticas ainda mais contrárias ao Governo Registre se ainda de acordo com a lembrança de Orides Mezzaroba que a tentativa do próprio Getúlio Vargas de criar um novo partido único a Legião Cívica Brasileira acabou não prosperando em face da resistência dos militares que formavam uma espécie de partido único e assim se posicionavam de tal sorte que ao fim e ao cabo o Estado Novo caracterizouse como período não apenas sem partidos políticos como pelo seu caráter autoritário centralizado e não democrático 1201 O ocaso do Estado Novo foi acompanhado de um processo de redemocratização que surgiu e foi formatado ainda pelo próprio Governo Vargas mediante a promulgação em 28021945 da EC 9 determinando edição de legislação prevendo e regulamentando eleições diretas para Presidente da República e para a eleição dos integrantes da Assembleia Constituinte a ser reunida Mediante o DecretoLei 7586 de 28051945 seguiuse a regulamentação da criação e funcionamento dos partidos políticos e do processo eleitoral cujas medidas contudo se revelaram fortemente restritivas e favoreciam os partidos formados a partir das estruturas governamentais destacandose o Partido Social Democrático PSD e o Partido Trabalhista Brasileiro PTB ambos apoiados por Getúlio Vargas Além disso como lembra Orides Mezzaroba a legislação referida acabou esvaziando a posição dos partidos políticos ao permitir a inscrição do candidato por mais de uma legenda e para disputar tanto cargos do Executivo quanto do Legislativo ademais de não exigir a fixação de domicílio eleitoral permitindo que o mesmo candidato pudesse concorrer a vários cargos em vários Estados estimulando o surgimento e fortalecimento de lideranças individuais Foi o que ocorreu com o próprio Getúlio Vargas que se elegeu Senador por dois Estados e Deputado Federal por sete Estados nas eleições de dezembro de 1945 1202 De todo modo do processo de redemocratização também surgiu um novo partido político de matiz liberal qual seja a União Democrática Nacional UDN que reunia especialmente os setores da classe média e dissidentes em relação ao modelo de Estado implantado por Getúlio Vargas buscando especialmente aprimorar as instituições democráticas e afirmar a liberdade de expressão 1203 No decorrer dos trabalhos da Assembleia Constituinte sobreveio o DecretoLei 925846 de 14051946 prevendo o que já constava do Decreto anterior o cancelamento do registro dos partidos que contrariassem os princípios democráticos e os direitos fundamentais cláusula aberta ao arbítrio além da vedação de financiamento com recursos oriundos do exterior mas também de orientação ideológica e qualquer tipo de auxílio o que foi utilizado como fundamento para o cancelamento do registo do Partido Comunista Brasileiro em 07051947 pelo TSE 1204 A nova Constituição Federal de 18091946 acabou por consagrar o sufrágio universal e o voto direto e secreto bem como previu o sistema proporcional para as eleições para a Câmara dos Deputados o que somado a uma falta de tradição no que diz com a criação de partidos de âmbito nacional mas também em virtude do personalismo e regionalismo levou à proliferação de partidos políticos 1205 Embora previsse a figura dos partidos políticos praticamente recepcionou os parâmetros dos dois decretosleis referidos vedando art 141 3º o registro ou funcionamento de qualquer partido político ou associação contrária à democracia à pluralidade partidária e aos direitos fundamentais ademais de proibir os entes da Federação de tributar os bens e serviços dos partidos políticos e de permitir que os partidos nacionais na condição de pessoas jurídicas fossem acionistas de sociedades anônimas ou proprietários de empresas jornalísticas e de radiodifusão 1206 No seu conjunto era visível o objetivo realizado na prática de limitar a criação de partidos e manter os dois partidos de base governista PSD e PTB favorecendo a cooptação da política por parte das elites econômicas políticas e militares situação fortalecida pela Lei 1164 de 24071950 mediante a qual foi alterado o status jurídico dos partidos políticos que passaram para o regime das pessoas jurídicas de direito público aumentando ainda mais o controle estatal e governamental e centralista pois tanto os partidos quanto seus estatutos e programas deveriam ter abrangência nacional 1207 Nesse contexto a despeito do pluripartidarismo apenas três agremiações partidárias tiveram efetivo destaque e ocupavam substancialmente os espaços políticos e parlamentares com suas bancadas designadamente os já citados PSD e PTB e a União Democrática Nacional UDN ficando as agremiações menores e mais comprometidas com determinados programas políticos e portanto mais representativos da noção de um verdadeiro partido político relegadas a um papel marginal tudo no contexto mais amplo da manutenção de uma cultura hostil aos partidos políticos no sentido próprio do termo 1208 Se mesmo no período de 1945 a 1964 a situação da representação política e democrática bem como a dos partidos políticos a despeito da redemocratização levada a efeito se revelava frágil instável e mesmo centralista e de certo modo autoritária com o Golpe Militar de março de 1964 o quadro se agravou profundamente No que diz precisamente com os partidos políticos uma das primeiras e principais medidas do governo militar foi editar uma nova lei orgânica dos partidos políticos Lei 4740 de 15071965 legislação que todavia estabelecia fortes restrições à criação de partidos e mesmo levando à redução do número de partidos existentes De fato consoante a referida legislação partidos que não elegessem ao menos doze deputados federais por no mínimo sete estados bem como partidos que não tivessem obtido nas eleições para a Câmara Federal votos de no mínimo três por cento do eleitorado nacional distribuído por onze ou mais estados perderiam o seu registro 1209 O que se mostra peculiar nessa quadra como bem averba Orides Mezzaroba é que o próprio regime militar apesar da previsão e regulação legal dos partidos promovia e controlava a organização políticopartidária da oposição mantendoa contudo sob controle de modo a impedir alguma reação eficaz contra o governo valendose para tanto de diversos instrumentos como a assim chamada sublegenda as candidaturas natas e os senadores biônicos 1210 Todavia com a edição do Ato Institucional 2 27101965 foram extintos os partidos existentes e cancelados os respectivos registros seguindose o Ato Institucional 4 20111965 instituindo o bipartidarismo no Brasil mobilizado pela Aliança Renovadora Nacional ARENA representante do governo e o controlado partido de oposição o Movimento Democrático Brasileiro MDB 1211 A Constituição de 1967 embora regulasse os partidos políticos apenas reforçou as limitações da legislação referida dificultando a criação de partidos diante de cada vez maior tensão e confronto entre o governo e a oposição editandose o Ato Institucional 5 de 13091968 seguido da Lei de Segurança Nacional 29091969 reforçando a censura e o controle dos partidos políticos A EC 1 de 17101969 incorporou as previsões da Carta de 1967 e da legislação então vigente que foram sendo ajustadas e mesmo enrijecidas ao longo do tempo como em caráter ilustrativo dá conta o assim chamado Pacote de Abril 1977 dentre as quais eleições indiretas para os governadores dos Estados criação da sublegenda no Senado e eleição indireta de um terço dos senadores Com a EC 11 de 13101978 veiculando a distinção entre a organização e o funcionamento dos partidos mantendo contudo em termos gerais importantes limitações à criação de partidos ademais de seu controle tendência que se cristalizou na legislação subsequente como em especial por meio da Lei 7090 de 14041983 Já em plena fase de retomada gradual da democracia foi promulgada a EC 25 de 15051985 viabilizando a formação de uma nova constelação políticopartidária mais plural e diversificada de tal sorte que nas eleições para a Assembleia Constituinte em 1986 existiam mais de 30 partidos registrados embora esse número depois das eleições viesse a diminuir De todo modo mais uma vez escorados no magistério de Orides Mezzaroba em lição que aqui nos permitimos transcrever o período do Regime Militar demonstrou a correção da tese de que uma vez incorporada a ideia de que o Partido não deve ser organizado pelo Estado como forma de instrumentalizar seu próprio Poder mas sim ser o resultado da organização da sociedade partindo do microcosmo social que é povoado pelas vontades dos indivíduos poderosa vacina antiautoritária terá sido inoculada na organização política nacional 1212 Além disso a trajetória percorrida pelos partidos políticos desde o Império até o ocaso da Ditadura Militar marcada substancialmente pela centralização pelo controle a partir das elites e do governo bem como por uma cultura em si hostil aos partidos na verdadeira acepção do termo revela o quão importante é o reconhecimento e salvaguarda efetiva da liberdade partidária nas suas duas dimensões referidas na parte introdutória o que veio a ser em boa parte corrigido pela CF ora em vigor ainda que persistam imperfeições a serem corrigidas 4184 Os partidos políticos na Constituição Federal de 1988 41841 Anotações preliminares O debate sobre o perfil e papel dos partidos políticos foi intenso durante os trabalhos da Assembleia Constituinte revelando uma dose significativa de desconfiança em relação àqueles ademais de certa incompreensão quanto ao seu papel num regime democrático registrandose inclusive uma séria cogitação no sentido de se permitir as assim chamadas candidaturas avulsas o que acabou não ocorrendo ao fim e ao cabo 1213 Importa sublinhar ainda nesta quadra preliminar que o novo marco normativo constitucional investiu na importância dos partidos políticos para a democracia representativa brasileira condicionando a elegibilidade à filiação a um partido político consoante já visto no capítulo relativo aos direitos políticos o que de outra parte não impediu um crescente desprestígio e mesmo repúdio aos partidos e representantes políticos no País inclusive a uma pressão para uma substancial reforma partidária em parte levada a efeito pela jurisprudência pela legislação e mesmo pela normativa infraconstitucional como será examinado na sequência 41842 Personalidade jurídica dos partidos políticos sua autonomia e liberdade na CF Incorporada ao Título dos Direitos e Garantias Fundamentais a sede textual da regulação constitucional dos partidos políticos é o art 17 da CF que dispõe sobre a liberdade partidária e seus limites 1214 os princípios diretivos dos partidos políticos e de sua atuação a respectiva autonomia personalidade jurídica aspectos do financiamento e propaganda políticopartidária e a proibição do uso de organizações paramilitares Tais elementos foram objeto de regulamentação infraconstitucional especialmente pela assim chamada Lei Orgânica dos Partidos Políticos Lei 90961995 bem como por Resoluções do Tribunal Superior Eleitoral TSE e pela jurisprudência dessa Corte e do STF que como já frisado no item anterior acabaram levando a efeito importantes mudanças ao longo do tempo De acordo com o art 17 2º da CF o art 7º da Lei dos Partidos Políticos e os arts 44 V e 45 do Código Civil os partidos são pessoas jurídicas de direito privado que existem como tais a partir da inscrição do seu ato constitutivo no respectivo Registro Civil bem como na sequência mediante o registro de seus estatutos junto ao TSE Todavia pela sua função de mediação entre a sociedade e o Estado os partidos acabam efetivamente se situando nas fronteiras entre o setor público e o privado o que apenas vem reforçar que em relação à autonomia partidária também há que reconhecer não se tratar de uma simples entidade privada e que portanto reforça a necessidade de uma eficácia nas relações privadas especialmente com relação ao devido processo 1215 A liberdade partidária particular manifestação da liberdade de associação foi amplamente assegurada pela CF que no art 17 caput garante ser livre a criação fusão incorporação e extinção dos partidos políticos 1216 Todavia importa sublinhar que no mesmo dispositivo a liberdade partidária aqui compreendida em sentido amplo encontrase vinculada à observância de um conjunto de princípios designadamente o caráter nacional das agremiações partidárias inciso I1217 a proibição do recebimento de recursos financeiros de entidade ou governo estrangeiro ou mesmo a submissão a estes inciso II a prestação de contas à Justiça Eleitoral inciso III bem como o funcionamento parlamentar de acordo com a lei inciso IV vedando ademais disso a utilização pelos partidos de forças de caráter paramilitar 2º do art 17 A partir do exposto verificase que titular da liberdade partidária na condição de direito subjetivo e fundamental é o cidadão indivíduo que de modo pessoal poderá se filiar a uma agremiação partidária e na perspectiva coletiva associarse na condição de pessoa jurídica para fins de instituição de um partido político o qual sendo pessoa jurídica de direito privado também é titular de direitos e garantias próprias Embora assegurada constitucionalmente até mesmo por essencial para o cumprimento do papel dos partidos no contexto mais amplo da arquitetura do Estado Democrático de Direito a autonomia partidária assim como a liberdade partidária em seu conjunto não é absoluta estando condicionada ao atendimento dos princípios acima elencados ademais de limites estabelecidos pela legislação infraconstitucional e mesmo pela jurisprudência como dá conta especialmente o julgamento pelo STF da ADI 1465 rel Min Joaquim Barbosa j 24022005 Com efeito naquele julgado ficou estabelecido que a autonomia partidária não se estende a ponto de afetar a autonomia de outro partido cabendo ao Poder Legislativo regular as relações entre partidos 1218 tudo a implicar também uma relação de respeito recíproco entre as agremiações partidárias A autonomia partidária encontrase enunciada pelo art 17 1º da CF no qual está estabelecido que os partidos são autônomos para definir sua estrutura interna organização e funcionamento podendo adotar os critérios de escolha e o regime de suas coligações eleitorais não sendo compulsória a vinculação entre as candidaturas nos diversos níveis da Federação Além disso no mesmo dispositivo a CF remete aos estatutos partidários a normatização das regras de disciplina e fidelidade partidárias o que todavia será objeto de enfrentamento mais detido logo à frente Ainda nesse contexto calha lembrar que a despeito de não prevista expressamente no texto constitucional a autonomia abarca a existência e proteção do que se considera uma democracia intrapartidária também chamada de democracia interna embora tal figura não tenha previsão constitucional nem legal expressa Assim os estatutos partidários devem assegurar a plena participação dos seus filiados nos processos decisórios o que dito de outro modo nas palavras de Joaquim José Gomes Canotilho significa que uma democracia partidária não poderá existir de modo pleno sem que haja democracia nos partidos 1219 De acordo com o mesmo autor a exigência da democratização interna encontra justificação também na necessidade de conter um processo de formação de oligarquias no seio dos partidos bem como para assegurar uma concorrência política interna 1220 A autonomia dos partidos como já anunciado é para além das diretrizes constitucionais objeto de regulamentação legal o que no Brasil se dá mediante a Lei dos Partidos Políticos em especial os arts 3º 14 e 15 da Lei 90961995 que defere tais questões aos estatutos partidários o que por sua vez reforça a exigência de uma democracia interna efetiva e do respeito ao devido processo legal que nos termos da jurisprudência do TSE deverá ser controlado pela Justiça Eleitoral sem que tal controle interfira na autonomia dos partidos 1221 Ainda no que diz aos limites da autonomia calha sinalar que esta como já adiantado por não ser ilimitada também encontra limites nos direitos fundamentais de seus integrantes no âmbito da assim chamada eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas de tal sorte que no caso de violação ou ameaça de violação a direitos em especial se forem fundamentais não há como afastar o controle jurisdicional dos atos praticados pelos partidos 1222 Nessa mesma linha também versando sobre os limites da autonomia partidária o STF em duas decisões referenciais decidiu que também o Ministério Público e não apenas os partidos como dispõe a legislação partidária tem legitimidade para representações contra a propaganda eleitoral irregular 1223 além de por ora em sede de cautelar suspender a eficácia de Resolução do TSE 233962013 que condicionava a instauração de inquérito policial eleitoral à autorização prévia da Justiça Eleitoral 1224 No que concerne à autonomia constitucionalmente assegurada aos partidos políticos que assume em certa medida a condição de garantia institucional importa destacar que mediante a EC 97 promulgada em 04102017 foi inserida alteração importante no 1º do art 17 que passou a ter a seguinte redação É assegurada aos partidos políticos autonomia para definir sua estrutura interna e estabelecer regras sobre escolha formação e duração de seus órgãos permanentes e provisórios e sobre sua organização e funcionamento e para adotar os critérios de escolha e o regime de suas coligações nas eleições majoritárias vedada a sua celebração nas eleições proporcionais sem obrigatoriedade de vinculação entre as candidaturas em âmbito nacional estadual distrital ou municipal devendo seus estatutos estabelecer normas de disciplina e fidelidade partidária As novidades como é fácil detectar consistiram especialmente na previsão de que a autonomia partidária abarca a adoção de critérios de escolha e regime de suas coligações nas eleições majoritárias e a proibição de estabelecer coligações partidárias nas eleições proporcionais ademais de não obrigar a vinculação entre as candidaturas em âmbito nacional estadual distrital ou municipal Outra alteração importante diz respeito às regras sobre o acesso pelos partidos aos recursos do fundo partidário e o acesso gratuito ao rádio e à televisão Nesse sentido embora mantida a garantia de tal acesso prevista de modo genérico na versão originária do 3º do art 17 Os partidos políticos têm direito a recursos do fundo partidário e acesso gratuito ao rádio e à televisão na forma da lei a nova redação estabelecida pela EC 97 introduziu uma série de requisitos e limitações Com efeito a teor do novo texto 3º Somente terão direito a recursos do fundo partidário e acesso gratuito ao rádio e à televisão na forma da lei os partidos políticos que alternativamente I obtiverem nas eleições para a Câmara dos Deputados no mínimo 3 três por cento dos votos válidos distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação com um mínimo de 2 dois por cento dos votos válidos em cada uma delas ou II tiverem elegido pelo menos quinze Deputados Federais distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação Ademais das alterações noticiadas a EC agregou um 5º ao art 17 que à vista das novas regras sobre o acesso aos recursos do fundo partidário e aos programas de rádio e televisão estabelece normativa específica sobre o alcance da fidelidade partidária de modo a assegurar alternativa que module os efeitos da nova redação do 3º Nesse sentido de acordo com o novo 5º Ao eleito por partido que não preencher os requisitos previstos no 3º deste artigo é assegurado o mandato e facultada a filiação sem perda do mandato a outro partido que os tenha atingido não sendo essa filiação considerada para fins de distribuição dos recursos do fundo partidário e de acesso gratuito ao tempo de rádio e de televisão Notese ainda que segundo os termos da EC 97 art 2º a vedação de coligações nas eleições proporcionais será aplicada a partir das eleições de 2020 ao passo que as regras estabelecidas pela nova redação do 3º do art 17 somente serão aplicadas a partir das eleições de 2030 41843 O problema da fidelidade partidária e da correlata perda do mandato De acordo com o art 17 1º da CF cabe aos estatutos partidários estabelecer regras sobre a fidelidade partidária o que de acordo com uma interpretação textual significa dizer que se trata de matéria abarcada pela autonomia dos partidos1225 Todavia objetivando fazer valer a figura da fidelidade partidária o TSE e depois o próprio STF passaram a estabelecer diretrizes sobre o tema inclusive mediante a edição de resoluções pelo TSE o que convém sublinhar foi e tem sido alvo de expressiva polêmica até mesmo pelo prisma de eventual inconstitucionalidade de tais medidas Não é demais lembrar lançando prévio olhar sobre a trajetória da fidelidade partidária e de seu reconhecimento e regulação que o STF inicialmente entendia que a infidelidade partidária não afetaria o mandato parlamentar nem dos eleitos nem dos suplentes de modo que nos dois casos a mudança de partido não poderia implicar perda do mandato ou mesmo impedir a posse do suplente depois de ter mudado de partido de tal sorte que o mandato não seria do partido mas sim do próprio parlamentar 1226 Tal orientação contudo consoante o magistério de Gilmar Ferreira Mendes encontravase em flagrante contradição com o modelo de democracia partidária e representativa adotado pela CF em especial diante do somatório da exigência de filiação partidária pelo menos um ano antes da data das eleições de acordo com o art 18 do Código Eleitoral como condição de elegibilidade bem como em face da opção da participação do voto de legenda na eleição dos candidatos e do modelo proporcional para as eleições parlamentares no qual a eleição se realiza em razão da votação atribuída à legenda 1227 Por isso ocorreu significativa alteração quanto ao tema até o ponto de ser a infidelidade partidária causa da perda do mandato do parlamentar o que será objeto de nossa atenção na sequência Com efeito numa primeira rodada o TSE reconheceu que os partidos e as coligações têm o direito de preservar a vaga conquistada nas eleições proporcionais para as legislaturas nos diferentes níveis da Federação quando sem justa causa ocorrer o cancelamento da filiação partidária ou a transferência para outra legenda orientação que veio a ser chancelada mais adiante pelo STF De acordo com o art 1º 1º da Resolução 226102007 do TSE considerase justa causa a ocorrência de incorporação ou fusão de partidos a criação de novo partido mudança ou afastamento reiterado do programa partidário e a hipótese de grave discriminação pessoal resolução que veio a ser chancelada pelo STF em julgamento realizado nos dias 3 e 4 de outubro de 2007 quando se decidiu que o abandono da legenda pelo parlamentar implicaria a perda do seu mandato para o partido político 1228 Na ocasião ficou assente que a infidelidade partidária trai a confiança tanto do partido quanto do eleitor representando ademais de uma violação dos postulados da ética uma afronta ao princípio democrático acarretando além disso um desequilíbrio de forças na esfera parlamentar inclusive coibindo em virtude da alteração do número de parlamentares o próprio exercício da oposição política Com efeito em 12112008 no julgamento das ADIs 3999DF e 4086DF tendo como rel Min Joaquim Barbosa foram julgadas constitucionais as Resoluções 226102007 e 227332008 do TSE afirmandose um dever constitucional de fidelidade partidária sendo as resoluções impugnadas mecanismos para assegurar a observância da fidelidade partidária enquanto não sobrevier regulamentação pelo Poder Legislativo Atendendo às exigências da segurança jurídica o STF firmou entendimento na ocasião de que apenas os deputados que mudaram de partido após a decisão do TSE em resposta à Consulta 1398 deveriam perder o mandato 1229 Além disso o STF reconheceu a existência de hipóteses especiais nas quais a mudança de legenda não acarreta a perda do mandato como é o caso da desfiliação em virtude de comprovada perseguição política ou alteração substancial do programa partidário sendo competência da Justiça Eleitoral decidir caso a caso mediante garantia do devido processo legal a configuração ou não da justificativa firmandose a competência do TSE para a edição de resoluções disciplinando a matéria 1230 Notese também que o STF no julgamento do Mandado de Segurança 27938 rel Min Joaquim Barbosa em 11032010 entendeu que o reconhecimento da justa causa para transferência de partido político afasta a perda do mandato eletivo por infidelidade partidária mas não acarreta a transferência para a nova legenda do direito à sucessão na vaga Além disso em outro julgamento o STF decidiu que a vaga do titular do mandato eletivo não pertence aos partidos políticos mas sim à coligação partidária autorizando de resto o julgamento mediante decisão monocrática nos casos semelhantes 1231 Ainda nesse contexto é de sublinhar que após decidir pela extensão da perda do mandato por infidelidade partidária às eleições majoritárias o STF quando do julgamento da ADIn 5081 em 27052015 relatada pelo Ministro Roberto Barroso acabou firmando entendimento unânime no sentido de que tal hipótese da perda do mandato aplicase apenas ao sistema proporcional visto que do contrário estaria configurada grave violação da soberania popular e das escolhas feitas pelo eleitor Por derradeiro calha acrescentar que em prol da perda do mandato por infidelidade partidária é possível agregar que muito embora a concepção de um mandato livre ou seja da manutenção do mandato a despeito da alteração de partido seja frequente em diversos países a CF ao apostar no mandatopartido repudia o assim chamado transfuguismo partidário e suas maléficas consequências para a democracia 1232 Todavia ainda que se possa sufragar tal linha argumentativa remanesce a crítica que no mínimo não soa desarrazoada de que tanto a Justiça Eleitoral na esfera de seu poder normativo quanto o STF extrapolaram os limites constitucionais de sua competência em especial pela criação sem prévia regulação legislativa de hipótese de perda do mandato importando em grave restrição dos direitos políticos e da própria autonomia partidária Nessa mesma perspectiva colacionase a nota crítica de Virgílio Afonso da Silva no sentido de que com a sua jurisprudência sobre a perda do mandato no caso de troca de partido o STF e o TSE criaram um sistema de controle e punição que além de não ter fundamento constitucional não é baseado em qualquer critério jurídico1233 Além disso embora se cuide de aspecto já referido nas anotações sobre a autonomia constitucional dos partidos políticos há que atentar para a regra inserida no texto da CF pela EC 972017 incluindo um 5º no art 17 que estabelece uma garantia da troca de partido em virtude das limitações estabelecidas pela nova redação do 3º do mesmo artigo igualmente introduzida pela EC 97 Com efeito a teor do 5º do art 17 que aqui nos permitimos transcrever novamente ao eleito por partido que não preencher os requisitos previstos no 3º deste artigo é assegurado o mandato e facultada a filiação sem perda do mandato a outro partido que os tenha atingido não sendo essa filiação considerada para fins de distribuição dos recursos do fundo partidário e de acesso gratuito ao tempo de rádio e de televisão 4185 A igualdade de oportunidades entre os partidos políticos 41851 Aspectos gerais Um dos postulados do sistema democráticorepresentativo é a igualdade na esfera políticoeleitoral objeto de reconhecimento inclusive no âmbito do direito internacional dos direitos humanos como dão conta o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e a Convenção Americana de Direitos Humanos Pacto de São José da Costa Rica respectivamente nos arts 25 letra c e 23 letra c ambos assegurando a todos o direito de ter acesso em condições de igualdade aos cargos e funções públicas de seu país Além da vinculação do Brasil a tais diplomas internacionais por conta de sua ratificação e internalização a CF também sufraga a igualdade em matéria eleitoral Com efeito mesmo que de modo implícito uma ordem constitucional genuinamente democrática assim ensina Dieter Grimm exige uma posição de neutralidade do Estado em relação às agremiações partidárias de modo a assegurar um sistema de livre e equilibrada concorrência 1234 Assim a igualdade partidária do ponto de vista material opera como uma igualdade de chances ou oportunidades encontrando respaldo na CF no princípio e direito geral de igualdade do qual constitui uma manifestação específica 1235 Além disso tal igualdade partidária de acordo com Konrad Hesse representa uma espécie de igualdade esquemática schematische Gleichheit de tal sorte que uma diferenciação jurídica entre partidos grandes e pequenos de situação e oposição não se afigura como legítima 1236 Importa sublinhar de outra parte que titulares da igualdade de oportunidades em matéria políticoeleitoral são tanto os indivíduos para efeito do exercício de seu direito de livre associação partidária e fruição da participação democrática interna nos partidos quanto os partidos políticos na condição de pessoas jurídicas de forma que ambas as faces da igualdade partidária podem entrar em conflito 1237 Ademais disso a igualdade partidária não se revela absoluta de tal sorte a não afastar diferenciações desde que não arbitrárias que no mais das vezes encontram sede na própria CF e na legislação infraconstitucional em especial para assegurar um tratamento proporcional aos partidos políticos considerando as suas diferenças Cabe acrescentar outrossim que a igualdade de chances entre os partidos políticos encontra modos distintos de realização mediante instrumentos que a promovem e garantem mas que não obedecem a um padrão uniforme e podem ser significativamente distintos de país para país muito embora existam alguns mecanismos comuns No sistema jurídicoconstitucional brasileiro que nesse particular segue em termos gerais o padrão dominante nos regimes democráticos os principais instrumentos para assegurar a igualdade de chances para além da neutralidade estatal são o financiamento dos partidos e das eleições bem como a garantia de acesso aos meios de comunicação em especial o rádio e a televisão Por derradeiro ainda nessa quadra preliminar importa colacionar novamente o magistério de Dieter Grimm ao alertar para o fato de que o postulado da igualdade partidária é sujeito a evidentes dificuldades na sua realização prática seja do ponto de vista jurídico por incidir sobre grande diversidade de objetos do que dá conta o exemplo da heterogeneidade e multiplicidade programática seja do ponto de vista fático visto que embora sujeitas a um dever de neutralidade as funções notadamente legislativa e executiva do Estado são exercidas por representantes eleitos pela via políticopartidária 1238 De qualquer sorte sem a pretensão de aqui aprofundar o tema seguem algumas notas sobre os principais esteios da igualdade partidária no Brasil onde também e especialmente se faz necessário o postulado da neutralidade estatal quais sejam o financiamento e o acesso aos meios de comunicação para efeitos da propaganda partidária e eleitoral objeto de acirrada controvérsia e importante evolução na ordem jurídicoconstitucional brasileira 41852 Do financiamento dos partidos Como toda e qualquer organização pública e privada também os partidos políticos carecem de recursos para assegurar o seu funcionamento e a consecução de seus fins Tais recursos podem ser de origem pública ou privada mas também podem advir de ambas as fontes a depender do modelo de financiamento adotado Na esfera do financiamento dos partidos a garantia e a promoção da igualdade de chances revelam ser particularmente delicadas Com efeito também a criação a manutenção e a atuação dos partidos políticos estão situadas num contexto social e econômico marcado por desigualdades econômicas e estruturais de tal sorte que se torna problemático quando o poder político resulta de cooptação pelo poder econômico e não da vontade das urnas 1239 Certo é que a opção mais adequada quanto a determinado modelo de financiamento deveria atentar para o contexto social econômico e político de modo a buscar a maior igualdade de chances possível guardando além disso íntima relação com o sistema eleitoral e partidário vigente Além disso tanto o financiamento público quanto o privado não são imunes a problemas e apresentam aspectos positivos e negativos que carecem de adequado balanceamento Assim se o financiamento privado pode ser criticado pela fragilidade em face do poder econômico o público apresenta como face negativa uma eventual dependência do Estado ainda mais no caso de não observância do postulado da neutralidade No Brasil a CF no art 17 3º assegura o direito dos partidos a recursos do fundo partidário regulado pela legislação infraconstitucional em especial pela Lei dos Partidos Políticos que na comparação com a lei anteriormente em vigor tanto ampliou as fontes de financiamento como acrescentou vedações além de regrar a aplicação dos recursos do fundo partidário Convém notar do ponto de vista estritamente constitucional que não existe vedação expressa ao financiamento privado o que todavia não afastou a existência de intensa controvérsia a respeito resultando inclusive em importantes decisões do STF que serão logo mais referenciadas Além disso ainda de acordo com a CF os partidos políticos estão submetidos à obrigação de prestar contas à Justiça Eleitoral art 17 III na forma estabelecida em lei e em resoluções do TSE ficando o partido sujeito ao cancelamento de seu Registro e de seu Estatuto pelo TSE no caso de descumprimento 1240 Mas a própria CF também estabelece vedações expressas na seara do financiamento partidário ao proibir o recebimento de recursos financeiros de organização ou Estado estrangeiro art 17 II De acordo com o modelo praticado no Brasil a despeito de importantes modificações no transcurso do tempo o financiamento partidário é tanto público quanto privado mediante no primeiro caso acesso aos recursos do fundo partidário e na segunda hipótese por meio de doações de pessoas físicas e jurídicas sem que haja benefício fiscal muito embora o financiamento mediante doações efetuadas por pessoas jurídicas tenha posteriormente sido afastado em virtude de decisão por maio ria do STF por ocasião do julgamento da ADIn 4650DF rel Min Luiz Fux concluído em 17092015 No julgado referido o STF partiu da premissa de que inexiste no Brasil um modelo fechado de financiamento das campanhas políticas mas muito pelo contrário um marco constitucional aberto no sentido de uma moldura que estabelece limites à liberdade de conformação legislativa de tal sorte que viável o controle jurisdicional desse modelo tendo em conta os princípios constitucionais fundamentais Nessa linha entendeu o STF que a opção legislativa vigente não lograva êxito em coibir ou pelo menos mitigar a captura do político pelo poder econômico criando uma plutocratização do processo político ensejando ademais disso uma ação estratégica especialmente da parte de grandes doadores no sentido de influenciar os atores políticos em termos nem sempre republicanos estimulando relações de promiscuidade além de propiciar um regime de desigualdade políticopartidáriaeleitoral Ainda de acordo com o STF a utilização de recursos próprios dos candidatos e de doações efetuadas por pessoas naturais não apresenta em contrapartida tal efeito danoso não vulnerando os princípios democrático republicano e da igualdade política Assim na esteira da argumentação aqui sinteticamente reproduzida e que traduz a opinião da maioria da Corte o STF a ação direta foi julgada parcialmente procedente para o efeito de declarar a inconstitucionalidade parcial sem redução de texto do art 31 da Lei 90961995 na parte em que autoriza a contrario sensu a realização de doações por pessoas jurídicas a partidos políticos e pela declaração de inconstitucionalidade das expressões ou pessoa jurídica constante no art 38 III e e jurídicas constante no art 39 caput e 5º todos do mesmo diploma legal Assim mantido o financiamento público mediante acesso aos recursos do fundo partidário na forma da normativa infraconstitucional o financiamento privado restou limitado a doações efetuadas por pessoas naturais no limite estabelecido pela legislação incluindo além de recursos financeiros a doação de bens A única exceção no que diz com a proibição de doação por pessoas jurídicas é a possibilidade de doações feitas por outros partidos políticos mas sempre observado o limite de gastos Ainda no que diz com o financiamento privado dos partidos e eleições o STF por ocasião de julgamento da ADIn 5394DF rel Min Alexandre de Moraes ocorrido em 22032018 decidiu ser exigível a identificação das pessoas naturais responsáveis pela doação ao partido porquanto tais informações são de interesse coletivo e constituem exigência do dever de transparência inerente ao Estado Democrático de Direito comprometendo ademais disso o processo de prestação de contas que acaba perdendo a capacidade de registrar e documentar a real movimentação financeira dos partidos e mesmo dificultar o combate à corrupção eleitoral Por derradeiro parece correto afirmar que apenas a experiência concreta e bem controlada do financiamento eleitoral segundo as novas diretrizes poderá demonstrar se e em que medida as objeções articuladas entre elas a alegação de que com isso se está apenas estimulando o uso do assim chamado caixa dois além de também por esta razão mas não só propiciar uma maior desigualdade fática entre os partidos são procedentes Relacionado tanto ao direito de igualdade na sua acepção material e às políticas de ações afirmativas quanto ao financiamento partidário merece atenção decisão do STF ADIn 5617DF rel Min Edson Fachin j em 15032018 Tribunal Pleno envolvendo o percentual de recursos do fundo partidário destinado a financiar as candidaturas de mulheres Nesse importante julgamento o STF por maioria entendeu que ao percentual mínimo de candidatas mulheres 30 previsto em lei deve corresponder o mesmo percentual em recursos do fundo partidário Ademais disso no caso de o número de candidatas mulheres exceder ao mínimo de 30 também a sua participação nos recursos do fundo deve ser majorado na mesma proporção 41853 Da propaganda eleitoral e do acesso aos meios de comunicação A CF no art 17 3º reconheceu e assegurou um direito de acesso por parte dos partidos ao rádio e à televisão na forma da lei A legislação que regulamente tal direito de acesso consoante resulta evidente há de guardar sintonia com o princípio da igualdade de chances políticoeleitorais pois do contrário poderá estabelecer um regime de desequilíbrio nefasto e que privilegie determinadas legendas em detrimento de outras Por essa razão a norma infraconstitucional acabou sendo objeto de ajustes inclusive em virtude de decisões e resoluções da Justiça Eleitoral e do STF De acordo com o disposto no art 52 parágrafo único da Lei dos Partidos Políticos o acesso ao rádio e à televisão por parte dos partidos políticos é integralmente subsidiado pela União constituindose portanto em modalidade de financiamento público das campanhas eleitorais Além do acesso regular ao rádio e à televisão a Lei das Eleições Lei 95041997 estabelece que as emissoras devem reservar nos 45 dias anteriores à antevéspera das eleições horários para a propaganda eleitoral gratuita Cumpre referir que os critérios legais de distribuição dos horários de propaganda eleitoral no rádio e na televisão previstos no art 47 caput e 2º I e II da Lei 95041997 foram impugnados perante o STF em virtude de sua alegada inconstitucionalidade especialmente por violar a igualdade política No julgamento conjunto da ADIn 4430 e da ADIn 4795 ambas relatadas pelo Ministro Dias Toffoli julgamento ocorrido em 29062012 o STF declarou a constitucionalidade do critério de distribuição da propaganda eleitoral previsto no 2º do art 47 da Lei Eleitoral baseado na representação de cada legenda na Câmara dos Deputados Na mesma ocasião o STF entendeu que em virtude da liberdade de criação de novo partido político não se pode distinguir entre as hipóteses de criação fusão e incorporação partidária de tal sorte que à criação de partido novo há de se aplicar os mesmos critérios vigentes art 47 4º da Lei das Eleições para as fusões e incorporações Após a decisão do STF foi editada a Lei 128752013 que deu nova feição à propaganda eleitoral modificando os termos do art 47 da Lei 95071994 de sorte que tais ajustes passaram a viger desde então 1241 Por fim embora se cuide de matéria mais diretamente relacionada com a liberdade de expressão e seus limites mas considerando o seu impacto sobre a publicidade eleitoral é de se referir também aqui a decisão do STF no sentido de liberar as manifestações de humor sátiras charges etc na esfera da propaganda eleitoral decisão que aqui não será comentada com mais detalhamento pelo fato de ter sido objeto de atenção no capítulo referente à liberdade de expressão aqui nos limitamos por oportuno e pertinente a lhe fazer menção 5 DIREITOS FUNDAMENTAIS PROCESSUAIS Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero 51 Direito fundamental ao processo justo 511 Introdução De forma absolutamente inovadora na ordem interna nossa Constituição asseverou que ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal art 5º LIV Com isso institui o direito fundamental ao processo justo no direito brasileiro Embora de inspiração estadunidense notória sendo nítida a sua ligação com a V e XIV Emendas à Constituição dos Estados Unidos da América 1 certo é que se trata de norma presente hoje nas principais constituições ocidentais 2 consagrada igualmente no plano internacional na Declaração Universal dos Direitos do Homem 1948 arts 8º e 10 na Convenção Europeia dos Direitos do Homem 1950 art 6º no Pacto Internacional relativo aos Direitos Civis e Políticos 1966 art 14 e na Convenção Americana sobre Direitos Humanos 1969 art 8º 3 O direito ao fair trial não por acaso constituiu a maior contribuição do common law para a civilidade do direito 4 e hoje certamente representa o novo jus commune em matéria processual 5 O direito ao processo justo constitui princípio fundamental para organização do processo no Estado Constitucional É o modelo mínimo de atuação processual do Estado e mesmo dos particulares em determinadas situações substanciais 6 A sua observação é condição necessária e indispensável para a obtenção de decisões justas art 6º do CPC de 2015 7 e para a viabilização da unidade do direito art 926 do CPC de 2015 A Constituição faz menção à locução devido processo legal due process of law A expressão é criticável no mínimo em duas frentes Em primeiro lugar porque remete ao contexto cultural do Estado de Direito Rechts staat État Légal em que o processo era concebido unicamente como um anteparo ao arbítrio estatal ao passo que hoje o Estado Constitucional Verfassungsstaat État de Droit tem por missão colaborar na realização da tutela efetiva dos direitos mediante a organização de um processo justo Em segundo lugar porque dá azo a que se procure por conta da tradição estadunidense em que colhida uma dimensão substancial à previsão substantive due process of law quando inexiste necessidade de pensála para além de sua dimensão processual no direito brasileiro 8 De um lado é preciso perceber que os deveres de proporcionalidade e de razoabilidade não decorrem de uma suposta dimensão substancial do devido processo como parece a parcela da doutrina 9 e como durante bom tempo se entendeu na jurisprudência do STF 10 Aliás mesmo no direito estadunidense semelhante entendimento não se configura correto 11 Os postulados da proporcionalidade decorrem dos princípios da liberdade e da igualdade as posições jurídicas têm de ser exercidas de forma proporcional e razoável dentro do Estado Constitucional 12 De outro importa ter presente que não é necessário recorrer ao conceito de substantive due process of law com o objetivo de reconhecer e proteger direitos fundamentais implícitos 13 na medida em que nossa Constituição conta expressamente com um catálogo aberto de direitos fundamentais art 5º 2º o que desde logo permite a consecução desse mesmo fim reconhecimento e proteção de direitos fundamentais implicitamente previstos e mesmo não previstos na Constituição conceito material de direitos fundamentais Eis as razões pelas quais prefere a doutrina se referir a direito ao processo justo giusto processo procès équitable faires Verfahren fair trial além de culturalmente consentânea ao Estado Constitucional essa desde logo revela o cariz puramente processual de seu conteúdo 14 O direito ao processo justo é um modelo mínimo de conformação do processo Com rastro fundo na história e desconhecendo cada vez mais fronteiras o direito ao processo justo é reconhecido pela doutrina como um modelo em expansão tem o condão de conformar a atuação do legislador infraconstitucional e não é por outra razão que o art 1º do CPC de 2015 sintomaticamente refere que o processo civil será ordenado disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidas na Constituição da República variável pode assumir formas diversas moldandose às exigências do direito material e do caso concreto e perfectibilizável passível de aperfeiçoamento pelo legislador infraconstitucional 15 É tarefa de todos os que se encontram empenhados no império do Estado Constitucional delineálo e densificálo 512 Âmbito de proteção O direito ao processo justo é um direito de natureza processual Ele impõe deveres organizacionais ao Estado na sua função legislativa judiciária e executiva É por essa razão que se enquadra dentro da categoria dos direitos à organização e ao procedimento 16 A legislação infraconstitucional constitui um meio de densificação do direito ao processo justo pelo legislador É a forma pela qual esse cumpre com o seu dever de organizar um processo idôneo à tutela dos direitos As leis processuais não são nada mais nada menos do que concretizações do direito ao processo justo O mesmo se passa com a atuação do Executivo e do Judiciário A atuação da administração judiciária tem de ser compreendida como uma forma de concretização do direito ao processo justo O juiz tem o dever de interpretar e aplicar a legislação processual em conformidade com o direito fundamental ao processo justo O Estado Constitucional tem o dever de tutelar de forma efetiva os direitos Se essa proteção depende do processo ela só pode ocorrer mediante processo justo No Estado Constitucional o processo só pode ser compreendido como o meio pelo qual se tutelam os direitos na dimensão da Constituição 17 O direito ao processo justo visa assegurar a obtenção de uma decisão justa art 6º do CPC de 2015 e a unidade do direito art 926 do CPC de 2015 Ele é o meio pelo qual se exerce pretensão à justiça Justizanspruch e pretensão à tutela jurídica Rechtsschutzanspruch 18 O exercício da pretensão à tutela jurídica dá lugar à tutela dos direitos que constitui o seu objetivo central dentro do Estado Constitucional Todo e qualquer processo está sujeito ao controle de sua justiça processual como condição indispensável para sua legitimidade perante nossa ordem constitucional Tanto os processos jurisdicionais civis penais trabalhistas militares e eleitorais 19 como os não jurisdicionais administrativo 20 legislativo e arbitral 21 submetemse à cláusula do processo justo para sua adequada conformação Mesmo os processos não jurisdicionais entre particulares quando tendentes à imposição de penas privadas ou restrições de direitos devem observar o perfil organizacional mínimo de processo justo traçado na nossa Constituição 22 Fora daí há nulidade por violação do direito ao processo justo Não é possível definir em abstrato a cabal conformação do direito ao processo justo Tratase de termo indeterminado O direito ao processo justo constitui cláusula geral a norma prevê um termo indeterminado no seu suporte fático e não comina consequências jurídicas à sua violação 23 No entanto é possível identificar um núcleo forte ineliminável 24 um conteúdo mínimo essencial 25 sem o qual seguramente não se está diante de um processo justo O direito ao processo justo conta pois com um perfil mínimo Em primeiro lugar do ponto de vista da divisão do trabalho processual o processo justo é pautado pela colaboração do juiz para com as partes 26 O juiz é paritário no diálogo e assimétrico apenas no momento da imposição de suas decisões 27 Em segundo lugar constitui processo capaz de prestar tutela jurisdicional adequada e efetiva em que as partes participam em pé de igualdade e com paridade de armas em contraditório com ampla defesa com direito à prova perante juiz natural em que todos os seus pronunciamentos são previsíveis confiáveis e motivados em procedimento público com duração razoável e sendo o caso com direito à assistência jurídica integral e formação de coisa julgada A observância dos elementos que compõem o perfil mínimo do direito ao processo justo são os critérios a partir dos quais se pode aferir a justa estruturação do processo O processo justo depende da observância de seus elementos estruturantes A aferição da justiça do processo mediante a verificação pontual de cada um de seus elementos é método recorrente na jurisprudência 28 Trata se de meio objetivo de controle de justiça processual A violação do direito ao processo justo pode ser direta ou indireta O cabimento de recurso extraordinário fundado na violação do direito ao processo justo art 5º LIV da CF só se configura quando há ofensa direta Quando o exame da violação do direito ao processo justo depende da simples interpretação da legislação infraconstitucional que o concretiza há apenas ofensa indireta 29 Isso não quer dizer contudo que o STF não possa controlar mediante recurso extraordinário a suficiência ou a excessividade da proteção despendida pelo legislador infraconstitucional na densificação do princípio do direito ao processo justo Nesse caso não há simples interpretação de normas infraconstitucionais Há controle de adequada densificação do direito ao processo justo Quando a parte afirma a existência de proteção insuficiente ou excessiva da legislação diante da Constituição sustenta a existência de ofensa direta à normatividade do direito ao processo justo desencadeando a possibilidade de controle de constitucionalidade da legislação infraconstitucional o que autoriza a interposição e o conhecimento de recurso extraordinário O mesmo se diga quando se afirma a violação do direito ao processo justo pela ausência de norma infraconstitucional que o concretize Nesse sentido há igualmente ofensa direta e cabe recurso extraordinário O fato de o direito ao processo justo contar com bases mínimas o que lhe outorga um perfil comum nas suas mais variadas manifestações obviamente não apaga a influência que o direito material exerce na concepção da finalidade do processo e na conformação de sua organização técnica Dada a interdependência entre direito e processo 30 o direito material projeta a sua especialidade sobre o processo imprimindolhe feições a ele aderentes Isso quer dizer que o conteúdo mínimo de direitos fundamentais processuais que confluem para a organização de um processo justo não implica finalidade comum a todo e qualquer processo tampouco obriga à idêntica e invariável estruturação técnica Pelo contrário o direito ao processo justo requer para sua concretização efetiva adequação do processo ao direito material adequação da tutela jurisdicional à tutela do direito É preciso ter presente que compõe o direito ao processo justo o direito à tutela jurisdicional adequada dos direitos Por essa razão é perfeitamente possível conceber sob o ângulo da finalidade o processo civil de forma diversa do processo penal nada obstante a exigência de justa estruturação a que ambos estão submetidos no Estado Constitucional O processo civil visa à tutela efetiva dos direitos mediante processo justo O processo penal é antes de qualquer coisa um anteparo ao arbítrio do Estado e funciona como garantia de liberdade da pessoa diante do Estado Essas finalidades em alguma medida distintas determinam opções técnicas diferentes na estruturação de um e de outro O mesmo se diga do processo trabalhista e de outros processos O processo sofre o influxo do direito material que polariza a sua finalidade e determina a sua estruturação Isso não retira contudo a necessidade de observância de balizas mínimas de justiça processual na sua conformação seja qual for a natureza do direito material que o processo visa a realizar 513 Titularidade e destinatários O direito fundamental ao processo justo obriga o Estado Constitucional Isso quer dizer que o Legislativo o Judiciário e o Executivo são os seus destinatários Eles têm o dever de atuar para a densificação e a viabilização do direito ao processo justo para que os seus titulares possam exercer as posições jurídicas a ele inerentes O seu primeiro destinatário é o legislador 31 o qual tem como tarefa concretizálo mediante a promulgação de normas processuais 32 O administrador judiciário tem o dever de organizar estruturalmente o Poder Judiciário a fim de capacitálo a cumprir com a sua função de tutela jurisdicional efetiva dos direitos O direito ao processo justo portanto também tem como destinatário o administrador O juiz é obrigado a interpretar as normas em conformidade com o direito fundamental ao processo justo e sendo o caso tem inclusive o dever de densificálo diretamente art 5º 1º da CF 33 Tratase de comando cujo fundamento reside na necessidade de se observar a hierarquia existente entre Constituição e legislação infraconstitucional 34 São titulares do direito ao processo justo todas as pessoas físicas e jurídicas Embora a Constituição brasileira não conte com regra geral a respeito como há na Grundgesetz alemã art 19 3 e na Constituição portuguesa art 12 2º a doutrina é unânime em assinalar a possibilidade de pessoas jurídicas serem titulares de direitos fundamentais 35 Todos podem propor ação para obtenção de tutela jurisdicional mediante processo justo não são só as pessoas que titularizam o direito ao processo justo Na verdade todo aquele que tem personalidade processual isto é capacidade para ser parte é titular do direito ao processo justo Diante da nossa ordem jurídica a personalidade processual é mais ampla que a personalidade jurídica Daí sempre que a lei reconhecer personalidade processual a entes despersonalizados no plano do direito material esses terão igualmente direito ao processo justo exemplos nascituro condomínio sociedade em comum art 986 do CC espólio massa falida herança jacente art 75 do CPC de 2015 Ministério Público Tribunal de Contas Procon comunidades indígenas grupos tribais art 37 da Lei 60011973 Pode ocorrer ainda de a personalidade processual resultar implícita da atribuição de situações jurídicas ativas e passivas a órgãos públicos exemplos Câmara de Vereadores e Assembleias Legislativas ou grupos minimamente organizados exemplo MST 36 A jurisprudência registra alguns desses casos agrupandoos a partir do conceito de direitofunção 37 Nessas hipóteses órgãos e grupos também são titulares do direito ao processo justo posto que não se pode conceber a existência de um direito senão acompanhado de um remédio destinado a efetiválo concretamente 38 Como o direito ao processo justo é um direito compósito enfeixando vários outros direitos que compõem o seu perfil mínimo seus destinatários e titulares também ocupam as mesmas posições diante de todos os direitos implicados no seu conteúdo Quem é destinatário e titular do direito ao processo justo também é dos direitos nele consubstanciados 514 Eficácia O direito ao processo justo goza de eficácia vertical horizontal e vertical com repercussão lateral O mesmo se diga de seus elementos estruturantes Ele obriga o Estado Constitucional a adotar condutas concretizadoras do ideal de protetividade que dele dimana eficácia vertical o que inclusive pode ocasionar repercussão lateral sobre a esfera jurídica dos particulares eficácia vertical com repercussão lateral 39 Ainda obriga os particulares em seus processos privados tendentes a restrições e extinções de direitos a observálo eficácia horizontal O direito ao processo justo é multifuncional Ele tem função integrativa interpretativa bloqueadora e otimizadora 40 Como princípio exige a realização de um estado ideal de proteção aos direitos determinando a criação dos elementos necessários à promoção do ideal de protetividade a interpretação das normas que já preveem elementos necessários à promoção do estado ideal de tutelabilidade o bloqueio à eficácia de normas contrárias ou incompatíveis com a promoção do estado de proteção e a otimização do alcance do ideal de protetividade dos direitos no Estado Constitucional 41 515 Conformação infraconstitucional A atuação do legislador infraconstitucional mediante a elaboração e promulgação de códigos processuais e de leis que tratam de forma exclusiva ou parcial de processo só pode ser vista como concretização do direito ao processo justo Há nesse sentido dupla presunção subjetiva de que o legislador realizou sua função dando adequada resposta à norma constitucional favor legislatoris e objetiva de que a lei realiza de forma justa o direito fundamental ao processo justo favor legis 42 A Constituição o direito ao processo justo nela previsto é o centro a partir do qual a legislação infraconstitucional deve se estruturar O direito ao processo justo exerce papel de centralidade na compreensão da organização infraconstitucional do processo É nele que se deve buscar a unidade na conformação do processo no Estado Constitucional 43 Dada a complexidade da sua ordem jurídica marcada pela pluralidade de fontes normativas 44 impõese não só uma leitura a partir da Constituição da legislação infraconstitucional mas também um diálogo das fontes para melhor interpretação da legislação processual e para otimização de soluções conforme ao direito fundamental ao processo justo 45 52 Direito fundamental à colaboração no processo 521 Introdução Problema central do processo está na sua equilibrada organização 46 vale dizer da divisão do trabalho entre os seus participantes 47 O modelo do nosso processo justo é o modelo cooperativo pautado pela colaboração do juiz para com as partes 48 É por essa razão que o art 6º do CPC de 2015 o encampou Como observa a doutrina le procès équitable implique un principe de coopération efficiente des parties et du juge dans lélaboration du jugement vers quoi est tendue toute procédure 49 A colaboração é um modelo que visa a organizar o papel das partes e do juiz na conformação do processo estruturandoo como uma verdadeira comunidade de trabalho Arbeitsgemeinschaft em que se privilegia o trabalho processual em conjunto do juiz e das partes prozessualen Zusammenarbeit 50 Em outras palavras visa a dar feição ao processo dividindo de forma equilibrada o trabalho entre todos os seus participantes Como modelo a colaboração rejeita a jurisdição como polo metodológico do processo civil ângulo de visão evidentemente unilateral do fenômeno processual privilegiando em seu lugar a própria ideia de processo como centro da sua teoria 51 concepção mais pluralista e consentânea à feição democrática ínsita ao Estado Constitucional 52 Semelhante modelo processual resulta da superação histórica e pois cultural dos modelos de processo isonômico e de processo assimétrico 53 Há quem caracterize a cooperação ainda a partir das conhecidas linhas do processo dispositivo e do processo inquisitório 54 Seja qual for a perspectiva é certo que a análise históricodogmática da tradição processual mostra o rastro pelo qual se formou e ganhou corpo a colaboração no nosso contexto processual A colaboração é um modelo que se estrutura a partir de pressupostos culturais que podem ser enfocados sob o ângulo social lógico e ético 55 Do ponto de vista social o Estado Constitucional de modo nenhum pode ser confundido com o Estado inimigo Nessa quadra assim como a sociedade pode ser compreendida como um empreendimento de cooperação entre os seus membros visando à obtenção de proveito mútuo 56 também o Estado deixa de ter um papel de pura abstenção e passa a ter de prestar positivamente para cumprir com seus deveres constitucionais Do ponto de vista lógico o processo cooperativo pressupõe o reconhecimento do caráter problemático do direito reabilitandose a sua feição argumentativa Passase da lógica apodítica à lógica dialética 57 Finalmente do ponto de vista ético o processo pautado pela colaboração é um processo orientado pela busca tanto quanto possível da verdade art 369 do CPC de 2015 58 e que para além de emprestar relevo à boafé subjetiva também exige de todos os seus participantes a observância da boa fé objetiva art 5º do CPC de 2015 59 sendo igualmente seu destinatário o juiz 60 O modelo de processo pautado pela colaboração visa a outorgar nova dimensão ao papel do juiz na condução do processo O juiz do processo cooperativo é um juiz isonômico na sua condução e assimétrico apenas quando impõe suas decisões Desempenha duplo papel é paritário no diálogo e assimétrico na decisão 61 522 Âmbito de proteção A colaboração no processo é um princípio jurídico 62 Ela impõe um estado de coisas que tem de ser promovido 63 O fim da colaboração está em servir de elemento para a organização de processo justo idôneo a alcançar decisão justa 64 Para que o processo seja organizado de forma justa os seus participantes devem ter posições jurídicas equilibradas ao longo do procedimento Portanto é preciso perceber que a organização do processo cooperativo envolve antes de qualquer coisa a necessidade de um novo dimensionamento de poderes no processo o que implica a necessidade de revisão da cota de participação que se defere a cada um de seus participantes ao longo do arco processual Em outras palavras a colaboração visa a organizar a participação do juiz e das partes no processo de forma equilibrada A colaboração impõe a organização de processo cooperativo em que haja colaboração entre os seus participantes O legislador tem o dever de perfilar o processo a partir de sua normatividade densificando a colaboração no tecido processual São exemplos dessa densificação além do art 6º do CPC de 2015 também os arts 9º 10 11 139 VIII e IX 191 317 319 1º 321 357 3º 487 parágrafo único 488 489 1º e 2º 772 III 926 1º 932 parágrafo único 1007 2º 4º e 7º e 1017 3º do mesmo diploma legal Aqui porém importa desde logo deixar claro a colaboração no processo não implica colaboração entre as partes As partes não querem colaborar A colaboração no processo devida no Estado Constitucional é a colaboração do juiz para com as partes Gizese não se trata de colaboração entre as partes As partes não colaboram e não devem colaborar entre si simplesmente porque obedecem a diferentes interesses no que tange à sorte do litígio 65 A colaboração estruturase a partir da previsão de regras que devem ser seguidas pelo juiz na condução do processo O juiz tem os deveres de esclarecimento de diálogo de prevenção e de auxílio para com os litigantes É assim que funciona a cooperação Esses deveres consubstanciam as regras que estão sendo enunciadas quando se fala em colaboração no processo A doutrina é tranquila a respeito do assunto 66 O dever de esclarecimento constitui o dever de o tribunal se esclarecer junto das partes quanto às dúvidas que tenham sobre as suas alegações pedidos ou posições em juízo por exemplo art 321 do CPC de 2015 67 O de prevenção o dever de o órgão jurisdicional prevenir as partes do perigo de o êxito de seus pedidos ser frustrado pelo uso inadequado do processo arts 317 e 932 parágrafo único do CPC de 2015 68 O de consulta o dever de o órgão judicial consultar as partes antes de decidir sobre qualquer questão possibilitando antes que essas o influenciem a respeito do rumo a ser dado à causa arts 7º 9º 10 11 e 489 1º e 2º do CPC de 2015 69 O dever de auxílio o dever de auxiliar as partes na superação de eventuais dificuldades que impeçam o exercício de direitos ou faculdades ou o cumprimento de ônus ou deveres processuais por exemplo art 772 III do CPC de 2015 70 53 Direito fundamental à tutela adequada e efetiva 531 Introdução Ao proibir a justiça de mão própria e afirmar que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito art 5º XXXV da CF nossa Constituição admite a existência de direito à tutela jurisdicional adequada e efetiva O CPC de 2015 repete semelhante disposição a título de norma fundamental do processo civil art 3º Obviamente a proibição da autotutela só pode acarretar o dever do Estado Constitucional de prestar tutela jurisdicional idônea aos direitos Pensar de forma diversa significa esvaziar não só o direito à tutela jurisdicional plano do direito processual mas também o próprio direito material isto é o direito à tutela do direito plano do direito material É por essa razão que o direito à tutela jurisdicional constitui direito à proteção jurídica efetiva 71 Recht auf effektiven Rechtsschutz droit daccès effectif à la justice diritto alla tutela giurisdizionale effetiva O direito à tutela jurisdicional é exercido mediante a propositura de ação A ação é direito à tutela adequada e efetiva mediante processo justo Importa antes de qualquer coisa o ângulo teleológico do assunto A rica literatura formada a respeito do conceito de ação na primeira metade do século XX principalmente na Itália portanto com o advento da fundamentalização do direito de ação ganha novo significado o foco é deslocado do conceito para o resultado propiciado pelo seu exercício Vale dizer a ação passa a ser teorizada como meio para prestação da tutela jurisdicional adequada e efetiva aos direitos 72 Tratase de direção oriunda da consciência de que não basta declarar os direitos importando antes instituir meios organizatórios de realização procedimentos adequados e equitativos 73 sem os quais o direito perde qualquer significado em termos de efetiva atuabilidade 532 Âmbito de proteção O direito à tutela jurisdicional deve ser analisado no mínimo sob três perspectivas i do acesso à justiça ii da adequação da tutela e iii da efetividade da tutela Notese que o art 5º XXXV da CF posto que descenda nitidamente dos arts 141 4º da CF1946 e 153 4º da CF1967 tem âmbito de proteção com espectro muito mais largo que os seus antecessores O acesso à justiça diz respeito à amplitude da prestação da tutela jurisdicional ao momento em que pode ser proposta ação e ao custo financeiro do processo A tutela jurisdicional é a mais ampla possível no direito brasileiro No nosso sistema a atividade jurisdicional abarca não só a possibilidade de defesa de direitos individuais mas também de direitos coletivos direitos individuais homogêneos direitos difusos e direitos coletivos 74 podendo envolver ainda a sindicabilidade dos atos da Administração Pública Do ponto de vista da amplitude nossa Constituição subtrai à tutela jurisdicional tão somente a revisão do mérito de punições disciplinares militares art 142 2º da CF Mesmo as chamadas questões políticas podem ser objeto de controle jurisdicional desde que a partir delas se vislumbre exercício abusivo de prerrogativas políticas e violação de direitos fundamentais 75 Isso não quer dizer contudo que os particulares não possam submeter voluntariamente determinados litígios à solução arbitral O que a Constituição veda é a interdição da apreciação do Poder Judiciário pelo próprio Estado É por essa razão que o STF já teve o ensejo de afirmar a constitucionalidade da Lei 93071996 que prevê a possibilidade de instituição de arbitragem para a solução de litígios envolvendo direitos patrimoniais disponíveis entre pessoas capazes art 1º 76 Na perspectiva temporal a ação visando à tutela jurisdicional pode ser proposta de forma imediata pela parte interessada Vale dizer a tutela jurisdicional não é condicionada à prévia instância administrativa nem a fortiori ao seu prévio esgotamento 77 A Constituição vigente não repetiu a restrição constante do art 153 4º segunda parte da Constituição de 1967 com a redação da EC 71977 Inexiste necessidade de prévia instância administrativa como antessala necessária à tutela jurisdicional 78 O único caso em que a Constituição difere da tutela jurisdicional é o da Justiça Desportiva uma vez que o Poder Judiciário só admitirá ações relativas à disciplina e às competições desportivas após esgotarem se as instâncias da Justiça Desportiva regulada em lei art 217 1º da CF Do ponto de vista do custo financeiro do processo o direito à tutela jurisdicional não implica direito à litigância gratuita Notese que o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos art 5º LXXIV da CF O benefício da gratuidade judiciária arts 3º da Lei 10601950 e 98 e ss do CPC de 2015 encartado no âmbito da assistência jurídica integral é reconhecido constitucionalmente apenas aos necessitados na forma da lei Isso quer dizer que não fere o direito à tutela jurisdicional a imposição de recolhimento de valores a título de taxas processuais como condição de acesso à Justiça Só haverá inconstitucionalidade em semelhante imposição se a taxa judiciária for calculada sem limite sobre o valor da causa obstando assim o efetivo ingresso da ação 79 No entanto está assente o entendimento de que fere o direito à inafastabilidade da tutela jurisdicional a exigência de depósito prévio como requisito de admissibilidade de ação judicial na qual se pretenda discutir a exigibilidade do crédito tributário 80 A tutela jurisdicional tem de ser adequada para tutela dos direitos 81 O processo tem de ser capaz de promover a realização do direito material O meio tem de ser idôneo à promoção do fim A adequação da tutela revela a necessidade de análise do direito material posto em causa para se estruturar a partir daí um processo dotado de técnicas processuais aderentes à situação levada a juízo 82 A igualdade material entre as pessoas e entre as situações substanciais carentes de tutela por elas titularizadas só pode ser alcançada na medida em que se possibilite tutela jurisdicional diferenciada aos direitos 83 O processo tem de ser adeguato allo scopo cui è destinato 84 a alcançar o que significa que é insopprimibile 85 do campo da tutela jurisdicional a relação entre meio e fim capaz de outorgar unidade teleológica à tutela jurisdicional dos direitos O direito à tutela jurisdicional adequada determina a previsão i de procedimentos com nível de cognição apropriado à tutela do direito pretendida 86 ii de distribuição adequada do ônus da prova inclusive com possibilidade de dinamização e inversão 87 iii de técnicas antecipatórias idôneas a distribuir isonomicamente o ônus do tempo no processo seja em face da urgência seja em face da evidência 88 iv de formas de tutela jurisdicional com executividade intrínseca 89 v de técnicas executivas idôneas 90 e vi de standards para valoração probatória pertinentes à natureza do direito material debatido em juízo 91 É dever do legislador estruturar o processo em atenção à necessidade de adequação da tutela jurisdicional É dever do juiz adaptálo concretamente a partir da legislação a fim de viabilizar tutela adequada aos direitos Não é possível ao Estado por exemplo proibir a prestação de tutela antecipatória indiscriminadamente 92 É ínsito ao Poder Judiciário o poder de prestar tutela antecipatória 93 No entanto existem significativas restrições no plano infraconstitucional à concessão da tutela antecipatória contra a Fazenda Pública art 1º da Lei 94941997 94 Essas restrições contudo não têm o condão de excluir o cabimento de antecipação de tutela contra a Fazenda Pública São inconstitucionais Frisese que o direito de ação compreendido como o direito à técnica processual adequada não depende do reconhecimento do direito material O direito de ação exige técnica antecipatória para a viabilidade do reconhecimento da probabilidade do direito e do fundado receio de ilícito ou de dano sentença idônea para a hipótese de sentença de procedência e meio executivo adequado a ambas as hipóteses Se o direito não for reconhecido como suficiente para a concessão da antecipação da tutela ou da tutela final não há sequer como pensar em tais técnicas processuais A norma do art 5º XXXV da CF ao contrário das normas constitucionais anteriores que garantiam o direito de ação afirmou que a lei além de não poder excluir lesão está proibida de excluir ameaça de lesão da apreciação jurisdicional O objetivo do art 5º XXXV da CF nesse particular foi deixar expresso que o direito de ação deve poder propiciar a tutela inibitória e ter a sua disposição técnicas processuais capazes de permitir a antecipação da tutela No STF existem três correntes em relação à interpretação do direito à tutela jurisdicional em caso de ameaça a direito A primeira delas afirmada especialmente pelos Ministros Celso de Mello e Carlos Velloso sustenta que a lei que veda a concessão de liminares viola o art 5º XXXV da CF podendo ser expressa por meio da seguinte passagem do voto do Min Celso de Mello na MC na ADIn 223DF A proteção jurisdicional imediata dispensável a situações jurídicas expostas a lesão atual ou potencial não pode ser inviabilizada por ato normativo de caráter infraconstitucional que vedando o exercício liminar da tutela jurisdicional cautelar pelo Estado enseje a aniquilação do próprio direito material 95 A segunda radicalmente oposta pode ser captada a partir dos votos do Min Moreira Alves Disse o Ministro na MC na ADIn 223DF O proibirse em certos casos por interesse público a antecipação provisória da satisfação do direito material lesado ou ameaçado não exclui evidentemente da apreciação do Poder Judiciário a lesão ou ameaça a direito pois ela se obtém normalmente na satisfação definitiva que é proporcionada pela ação principal que esta sim não pode ser vedada para privarse o lesado ou ameaçado de socorrerse do Poder Judiciário Mais tarde na MC na ADIn 1576DF o Min Moreira Alves consignou que além de a lei poder vedar a concessão de liminares a tutela antecipada não é instituto constitucional Ela foi criada pela lei Assim como foi criada a princípio sem certos limites não vejo por que não se possa limitá la 96 Por fim a terceira posição capitaneada pelo Min Sepúlveda Pertence enuncia que não é correto recusar constitucionalidade a toda e qualquer limitação legal à outorga de liminar devendo a lei restritiva ser analisada segundo um critério de razoabilidade Na já referida MC na ADIn 223DF que teve por objeto a medida provisória que proibiu a concessão de liminar nas ações cautelares e nos mandados de segurança questionadores do Plano Econômico do Governo Collor assim conclui o Min Pertence A solução estará no manejo do sistema difuso porque nele em cada caso concreto nenhuma medida provisória pode subtrair ao juiz da causa um exame da constitucionalidade inclusive sob o prisma da razoabilidade das restrições impostas ao seu poder cautelar para se entender abusiva essa restrição se a entender inconstitucional conceder a liminar deixando de dar aplicação no caso concreto à medida provisória na medida em que em relação àquele caso a julgue inconstitucional porque abusiva A posição do Min Moreira Alves não merece guarida uma vez que o direito fundamental de ação garante a efetiva tutela do direito material e por consequência a técnica antecipatória imprescindível para permitir a antecipação da tutela e dessa forma dar efetividade à tutela inibitória capaz de impedir a violação do direito e além disso evitar a prática de ilícito e a ocorrência de eventual dano Na verdade a posição do Min Moreira Alves encampa nitidamente a superada ideia de direito de ação como direito a uma sentença sobre o mérito A técnica antecipatória é imprescindível para dar proteção ao direito fundamental de ação A sua supressão ou indevida limitação assim é flagrantemente atentatória à norma do art 5º XXXV da CF Por outro lado a posição do Min Pertence não distingue direito à técnica antecipatória de direito à obtenção da antecipação da tutela É claro que não há direito à antecipação da tutela uma vez que essa depende da constatação da probabilidade do direito e do perigo de ilícito ou de dano diante do caso concreto os quais são pressupostos para a concessão da tutela antecipada com base nos arts 273 I e 461 3º do CPC O Min Pertence sustenta que a restrição à concessão de liminar pode se mostrar abusiva e aí a lei ser considerada inconstitucional em determinado caso concreto e não em outro Porém como a abusividade da restrição diria respeito às necessidades presentes no caso concreto a eventual inconstitucionalidade da lei dependeria da aferição dos próprios pressupostos à concessão da liminar ou da antecipação da tutela Acontece que quando se penetra na verificação dos pressupostos da liminar obviamente não se está perquirindo sobre a abusividade da restrição ao requerimento de liminar ou à aferição da sua concessão mas sim se analisando se a liminar é necessária para tutelar o direito material Nessa situação caso o juiz se convença de que a liminar não é imprescindível a conclusão não será de que a lei restritiva é constitucional mas sim de que a liminar não deve ser concedida em razão das particularidades da situação concreta Ocorre que para que o juiz possa chegar à conclusão de que a liminar não deve ser concedida ele necessariamente terá de admitir a inconstitucionalidade da lei O pontochave para a solução da questão está em perceber que a lei proíbe a própria aferição dos pressupostos da liminar embora se fale por comodidade de linguagem que a lei proíbe a concessão de liminar Uma lei que proíbe a aferição dos pressupostos necessários à concessão de liminar obviamente nega ao juiz a possibilidade de utilizar instrumentos imprescindíveis ao adequado exercício do seu poder E ao mesmo tempo viola o direito fundamental à viabilidade da obtenção da efetiva tutela do direito material De modo que entre as várias posições adotadas no STF está correta a liderada pelo Min Celso de Mello para quem o acesso à jurisdição proclamado na norma constitucional de garantia significa a possibilidade de irrestrita invocação da tutela jurisdicional cognitiva da tutela jurisdicional executiva e da tutela jurisdicional cautelar do Estado O direito à tutela antecipada decorre expressamente do direito fundamental à tutela jurisdicional adequada e efetiva e tem foro constitucional entre nós Pensar de modo diverso importa grave ofensa à adequação da tutela jurisdicional e à paridade de armas no processo civil arts 5º I da CF e 7º do CPC de 2015 sobre admitirse que quando ré a Fazenda Pública em processo judicial pouco interessa à ordem jurídica a lesão ou a ameaça de lesão dos direitos dos particulares lógica essa que é evidentemente contrária ao Estado Constitucional fundado na dignidade da pessoa humana art 1º III da CF e preocupado com a efetiva tutela dos direitos arts 5º XXXV da CF e 3º do CPC de 2015 A adequação da técnica executiva é imprescindível para prestação da tutela efetiva A efetiva atuabilidade da tutela do direito depende da previsão de técnicas executivas idôneas Nesse particular o direito processual civil brasileiro atual conta com um sistema atípico há previsão de atipicidade art 139 IV do CPC de 2015 regra excepcionada apenas nos casos em que a tutela do direito deve ser realizada tipicamente notadamente nos casos envolvendo a execução patrimonial contra a Fazenda Pública 97 A atipicidade da técnica executiva que mais interessa para prestação de tutela jurisdicional adequada aos direitos tem a sua maior expressão no art 139 IV do CPC de 2015 Para além da possibilidade de imposição de astreintes art 537 do CPC de 2015 98 todas as posições jurídicas podem ser tuteladas a partir das medidas necessárias busca e apreensão remoção de pessoas e coisas desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva se necessário com requisição de força policial são apenas exemplos Nada obsta ao juiz desde que justificadamente e com emprego da proporcionalidade adequação necessidade e proporcionalidade em sentido estrito que determine que outras medidas uma vez que promovam o fim sejam o menos restritivas possível e prestigiem o direito constitucionalmente mais relevante 99 Entram sem dúvida na categoria de medidas necessárias por exemplo a suspensão do direito de dirigir 100 a suspensão do direito de contratar com o Poder Público e a imposição de prisão civil O STF já decidiu pela impossibilidade de prisão civil no Brasil fora dos casos ligados à prestação alimentar Notadamente já decidiu pela impossibilidade de prisão civil do depositário infiel à luz do Pacto de São José da Costa Rica Assim Habeas corpus Prisão civil Depósito judicial Revogação da Súmula 619 do STF A questão da infidelidade depositária Convenção Americana de Direitos Humanos art 7º n 7 Natureza constitucional ou caráter de supralegalidade dos tratados internacionais de direitos humanos Pedido deferido Ilegitimidade jurídica da decretação da prisão civil do depositário infiel ainda que se cuide de depositário judicial Não mais subsiste no sistema normativo brasileiro a prisão civil por infidelidade depositária independentemente da modalidade de depósito tratese de depósito voluntário convencional ou cuidese de depósito necessário como o é o depósito judicial Precedentes Revogação da Súmula 619 do STF Tratados internacionais de direitos humanos as suas relações com o direito interno brasileiro e a questão de sua posição hierárquica A Convenção Americana sobre Direitos Humanos art 7º n 7 Caráter subordinante dos tratados internacionais em matéria de direitos humanos e o sistema de proteção dos direitos básicos da pessoa humana Relações entre o direito interno brasileiro e as convenções internacionais de direitos humanos CF art 5º e 2º e 3º Precedentes Posição hierárquica dos tratados internacionais de direitos humanos no ordenamento positivo interno do Brasil natureza constitucional ou caráter de supralegalidade Entendimento do relator Min Celso de Mello que atribui hierarquia constitucional às convenções internacionais em matéria de direitos humanos A interpretação judicial como instrumento de mutação informal da Constituição A questão dos processos informais de mutação constitucional e o papel do Poder Judiciário a interpretação judicial como instrumento juridicamente idôneo de mudança informal da Constituição A legitimidade da adequação mediante interpretação do Poder Judiciário da própria Constituição da República se e quando imperioso compatibilizála mediante exegese atualizadora com as novas exigências necessidades e transformações resultantes dos processos sociais econômicos e políticos que caracterizam em seus múltiplos e complexos aspectos a sociedade contemporânea Hermenêutica e direitos humanos a norma mais favorável como critério que deve reger a interpretação do Poder Judiciário Os magistrados e Tribunais no exercício de sua atividade interpretativa especialmente no âmbito dos tratados internacionais de direitos humanos devem observar um princípio hermenêutico básico tal como aquele proclamado no art 29 da Convenção Americana de Direitos Humanos consistente em atribuir primazia à norma que se revele mais favorável à pessoa humana em ordem a dispensarlhe a mais ampla proteção jurídica O Poder Judiciário nesse processo hermenêutico que prestigia o critério da norma mais favorável que tanto pode ser aquela prevista no tratado internacional como a que se acha positivada no próprio direito interno do Estado deverá extrair a máxima eficácia das declarações internacionais e das proclamações constitucionais de direitos como forma de viabilizar o acesso dos indivíduos e dos grupos sociais notadamente os mais vulneráveis a sistemas institucionalizados de proteção aos direitos fundamentais da pessoa humana sob pena de a liberdade a tolerância e o respeito à alteridade humana tornaremse palavras vãs Aplicação ao caso do art 7º n 7 cc o art 29 ambos da Convenção Americana de Direitos Humanos Pacto de São José da Costa Rica um caso típico de primazia da regra mais favorável à proteção efetiva do ser humano 101 É fácil perceber no entanto que a ratio decidendi do julgado não infirma a possibilidade de prisão civil como meio coercitivo ou como meio para tutela da autoridade do tribunal Seu cabimento não pode ser negado 102 Observese que o art 5º LXVII da CF refere que não haverá prisão por dívida salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel A interpretação dessa norma deve levar em consideração os direitos fundamentais Assim se é necessário vedar a prisão do devedor que não possui patrimônio e assim considerar essa vedação um direito fundamental também é absolutamente indispensável permitir o seu uso em certos casos para a técnica adequada para efetividade da tutela dos direitos Há necessidade de estabelecer uma interpretação que leve em consideração todo o contexto normativo dos direitos fundamentais Nessa perspectiva não há como deixar de interpretar a norma no sentido de que a prisão deve ser vedada quando a prestação depender da disposição de patrimônio mas permitida para a jurisdição poder evitar quando a multa coercitiva e as outras medidas para efetivação dos direitos não se mostrarem adequadas a violação de um direito Do contrário várias situações substanciais podem ficar desprovidas de tutela adequada e efetiva A prisão civil pode ser utilizada para impor um não fazer ou mesmo para impor um fazer infungível que não implique disposição de dinheiro e seja imprescindível à efetiva proteção de um direito Nesses casos ao mesmo tempo que a prisão não estará sendo usada para constranger o demandado a dispor de patrimônio ela estará viabilizando no caso em que a multa e as demais medidas para efetivação das decisões judiciais não se mostrarem idôneas a efetiva tutela do direito A prisão civil depois de descumprida a ordem judicial somente conserva caráter coercitivo no caso em que ainda se espera um fazer infungível pois no caso em que a ameaça de prisão objetiva um não fazer a efetivação da prisão evidentemente não pode ter função coercitiva Em semelhante situação a efetivação da prisão não tem caráter coercitivo nem a função de castigar o réu mas sim o objetivo de preservar a seriedade da função jurisdicional A prisão civil ordenada pelo próprio órgão jurisdicional da causa somente tem cabimento no caso em que outra modalidade de efetivação das decisões não se mostrar adequada e o cumprimento da ordem não exigir a disponibilização de patrimônio Assim deve o juiz demonstrar na sua decisão que para o caso concreto não existe nenhuma outra técnica processual capaz de dar efetividade à tutela jurisdicional além de demonstrar que o uso da prisão não importará na restrição da liberdade de quem não observou a ordem apenas por não possuir patrimônio A própria decisão que ameaça de prisão a parte deve fixar o prazo de sua duração considerando as circunstâncias do caso concreto Dentro dessas coordenadas a prisão civil estará garantindo a efetividade ao direito à tutela jurisdicional sem violar o direito daquele que por não possuir patrimônio não pode ser obrigado a cumprir a ordem judicial muito menos ser punido por não têla observado 103 A tutela jurisdicional tem de ser efetiva Tratase de imposição que respeita aos próprios fundamentos do Estado Constitucional já que é facílimo perceber que a força normativa do direito fica obviamente combalida quando esse carece de atuabilidade 104 Não por acaso a efetividade compõe o princípio da segurança jurídica um ordenamento jurídico só é seguro se há confiança na realização do direito que se conhece A efetividade da tutela jurisdicional diz respeito ao resultado do processo 105 Mais precisamente concerne à necessidade de o resultado da demanda espelhar o mais possível o direito material 106 propiciandose às partes sempre tutela específica ou tutela pelo resultado prático equivalente em detrimento da tutela pelo equivalente monetário 107 O direito à efetividade da tutela jurisdicional portanto implica necessidade i de encarar o processo a partir do direito material especialmente a partir da teoria da tutela dos direitos 108 e ii de viabilizar não só a tutela repressiva mas também e fundamentalmente a tutela preventiva aos direitos 109 É imprescindível para a prestação de tutela jurisdicional efetiva a fiel identificação da tutela do direito pretendida pela parte Vale dizer é preciso em primeiro lugar olhar para o direito material a fim de saber qual a situação jurídica substancial que se pretende proteger judicialmente Durante muito tempo foi suficiente pensar em tutelas repressivas contra o dano para prestar tutela jurisdicional 110 Ocorre que o aparecimento dos novos direitos marcados em geral pela ideia de inviolabilidade obrigou o Estado a reconhecer o direito à tutela preventiva contra o ilícito Em outras palavras determinou o reconhecimento do direito à tutela inibitória capaz de impedir a prática a continuação ou a reiteração de um ilícito 111 Essa é a razão pela qual o art 497 parágrafo único do CPC de 2015 foi inserido na legislação brasileira Daí ficou fácil à doutrina na verdade perceber a necessidade de pensar todo o processo a partir do direito material com o objetivo de promover a sua efetividade propondose a estruturação do processo como um todo a partir do direito à tutela específica dos direitos Não é possível ao Estado negar direito à tutela preventiva dos direitos isto é negar direito à tutela inibitória É inconstitucional qualquer posicionamento nesse sentido Um Estado realmente preocupado com a integridade de sua ordem jurídica tem o dever de viabilizar tutela inibitória à parte que é dela carecedora A tutela jurisdicional pode ter por objetivo a proteção contra o ilícito ou contra o dano Ato ilícito é ato contrário ao direito Fato danoso é prejuízo juridicamente relevante São conceitos que não se confundem 112 Nada obsta inclusive a que o mesmo processo viabilize tutela contra o ilícito e tutela contra o dano A tutela contra o ilícito pode ser prestada de forma preventiva tutela inibitória ou de forma repressiva tutela de remoção do ilícito também conhecida como tutela reintegratória art 497 parágrafo único do CPC de 2015 A primeira visa a impedir a prática a reiteração ou a continuação de um ilícito É uma tutela voltada para o futuro A segunda a remover a causa de um ilícito ou os seus efeitos É uma tutela voltada ao passado A tutela contra o dano é sempre repressiva Ela pressupõe a ocorrência do fato danoso Ela pode visar à reparação do dano tutela reparatória ou ao seu ressarcimento em pecúnia tutela ressarcitória Onde há um direito existe igualmente direito à sua realização Um direito é uma posição juridicamente tutelável É da sua previsão que advém o direito à sua tutela posto que o fim do direito é a sua própria realização A previsão do direito pela ordem jurídica outorga desde logo pretensão à sua proteção efetiva Se a ordem jurídica prevê direito inviolável à imagem honra intimidade e vida privada por exemplo prevê no mesmo passo direito à tutela inibitória capaz de prevenir a sua ilícita violação direito à tutela reintegratória para remover a fonte do ilícito ou seus efeitos e direito à tutela reparatória contra o dano experimentado Na lição sempre lembrada da doutrina il processo deve dare per quanto è possibile praticamente a chi ha un diritto tutto quello e proprio quello chegli ha diritto di conseguire 113 No julgamento da ADPF 130DF no entanto o STF concluiu de forma equivocada pela inexistência de direito à tutela inibitória para prevenir ilícita violação do direito envolvendo liberdade de imprensa 114 A tutela reparatória direito de resposta e atribuição de responsabilidade porque repressiva do dano e posterior à prática do ilícito obviamente não é idônea para inibir a violação dos direitos de personalidade por ato ilícito da imprensa Há gravíssima confusão entre tutela repressiva e tutela preventiva no ponto Ceifar de forma absoluta o direito à tutela inibitória diante da imprensa é o mesmo que afirmar franca violabilidade do direito à imagem honra intimidade e vida privada das pessoas em aberto conflito à inviolabilidade outorgada pela Constituição à personalidade humana 115 54 Direito fundamental à igualdade e à paridade de armas 541 Introdução O direito à igualdade perante o Estado Constitucional é pressuposto básico de toda e qualquer concepção jurídica de Estado Estado Constitucional é Estado em que há juridicidade e segurança jurídica A juridicidade todos abaixo do direito 116 remete à justiça que por seu turno remonta à igualdade 117 Natural portanto que componha o direito ao processo justo o direito à igualdade e à paridade de armas no processo Como já decidiu o STF a igualdade das partes é imanente ao procedural due process of law 118 Tratase de direito fundamental que nada obstante não previsto expressamente na Constituição para o campo do processo decorre naturalmente da ideia de Estado Constitucional e do direito fundamental à igualdade perante a ordem jurídica como um todo art 5º caput da CF 119 É por essa razão que o CPC de 2015 arrola expressamente o direito à igualdade no processo civil como uma de suas normas fundamentais art 7º 542 Âmbito de proteção A igualdade no processo tem de ser analisada sob duas perspectivas distintas Na primeira importa ter presente a distinção entre igualdade perante a legislação igualdade formal e igualdade na legislação igualdade material 120 Na segunda é preciso ressaltar a diferença entre igualdade no processo e igualdade pelo processo igualdade diante do resultado da aplicação da legislação no processo A igualdade perante a legislação determina a aplicação uniforme da lei processual O juiz tem o dever de aplicar a legislação de modo igualitário É seu dever dirigir o processo e velar pela igualdade das partes art 139 I do CPC de 2015 A propósito prover à regularidade do processo art 251 do CPP implica velar pela aplicação da legislação de modo igualitário A igualdade na legislação pressupõe a inexistência de distinções arbitrárias no seu conteúdo A distinção tem de ser feita de forma racional pelo legislador 121 É claro que a igualdade não consiste em um tratamento igual sem distinção de todos em todas as relações já que senão aquilo que é igual deve ser tratado igualmente 122 O problema da igualdade na legislação portanto está na utilização de critérios legítimos para distinção entre pessoas e situações no processo 123 É vedada em outras palavras a existência de distinções arbitrárias na legislação 124 isto é realizadas sem finalidade legítima legitimate purpose 125 O direito à igualdade processual formal e material é o suporte do direito à paridade de armas no processo Waffengleichheit parità delle armi égalité des armes 126 O processo só pode ser considerado justo se as partes dispõem das mesmas oportunidades e dos mesmos meios para dele participar Vale dizer se dispõem das mesmas armas Tratase de exigência que obviamente se projeta sobre o legislador e sobre o juiz há dever de estruturação e condução do processo de acordo com o direito à igualdade e à paridade de armas Como facilmente se percebe a igualdade e a paridade de armas nela implicada constitui pressuposto para efetiva participação das partes no processo e portanto é requisito básico para a plena realização do direito ao contraditório Campo fértil para análise do direito à igualdade no processo está no processo civil em que o Poder Público figura como parte Ressalta aí a utilização absolutamente indevida pelo legislador do processo como estratégia de poder governamental 127 A diferenciação normalmente realizada o é sem qualquer critério legítimo sendo inconstitucional por ofensa à igualdade e à paridade de armas Dois exemplos de privilégios injustificados do Poder Público no processo i dispensa de depósito para propositura de ação rescisória art 968 1º do CPC de 2015 que aliás aproveita igualmente ao Ministério Público e ii suspensão de segurança arts 15 da Lei 120162009 12 1º da Lei 73471985 16 da Lei 95071997 25 da Lei 80381990 e 4º da Lei 84371992 São exemplos de quebras de igualdade sem qualquer critério legítimo de justificação São flagrantemente inconstitucionais 128 O 1º do art 968 do CPC de 2015 confere privilégio destituído de base uma vez que a previsão do depósito de cinco por cento tem por escopo resguardar a seriedade na utilização da ação rescisória Sendo indiscutível que o objetivo do depósito é evitar ações destituídas de fundamento e voltadas a procrastinar a tutela dos direitos já reconhecidos protegidos inclusive pela coisa julgada não há razão para supor que a União o Estado o Município e o Ministério Público estão imunes a semelhante exigência A dispensa só teria cabimento se o depósito tivesse natureza de caução ou se o valor do depósito revertesse em favor do Estado Não é esse o caso já que o art 974 do CPC de 2015 deixa claro que em caso de inadmissibilidade ou de improcedência do pedido a importância do depósito reverterá a favor do réu Tendo em conta que a razão para imposição de depósito é o resguardo da seriedade da ação rescisória é inquestionável que o seu fundamento também é aplicável à União aos Estados aos Municípios e ao Ministério Público Inexiste critério legítimo na quebra da igualdade Há evidente violação da igualdade e da paridade de armas na previsão do art 968 1º do CPC de 2015 É inconstitucional 129 O legislador ao prever a suspensão de segurança como instituto ligado tão somente à defesa do Poder Público em juízo viola a igualdade e a paridade de armas no processo 130 O núcleo duro do direito à paridade de armas está em que ambas as partes têm de ter as mesmas oportunidade e dispor dos mesmos meios para obtenção da tutela jurisdicional Ao prever a suspensão de segurança como meio de tutela exclusiva do Poder Público o legislador supõe que apenas a ação do particular é capaz de promover grave lesão à ordem à saúde à segurança ou à economia É perfeitamente possível no entanto que seja necessária suspensão de segurança a favor do particular para proteção da ordem da saúde da segurança e da economia A previsão do instituto da suspensão de segurança tão somente a favor do Poder Público é inconstitucional Outro exemplo de flagrante inconstitucionalidade por ausência de paridade de armas é aquele constante do art 417 2º e 3º do CPP Militar Fere obviamente a igualdade entre as partes a possibilidade de o acusado arrolar testemunhas em número menor do que franqueado ao Ministério Público 131 O direito à igualdade e à paridade de armas para além de vincular o legislador vincula igualmente o juiz na condução do processo É inadmissível que por ato judicial as partes tenham oportunidades assimétricas ao longo do processo É o que pode ocorrer por exemplo pela aplicação equivocada das regras sobre o ônus da prova Como é amplamente sabido as regras sobre o ônus da prova possuem dupla finalidade funcionam como regra de instrução e como regra de julgamento 132 Quando o juiz inverte o ônus da prova ou o dinamiza é imprescindível que a parte onerada ex novo tenha oportunidade de desempenhálo de forma adequada sob pena de violar não só o direito à prova mas também o direito à igualdade e à paridade de armas no processo 133 O direito à igualdade em sua dupla dimensão dá lugar à igualdade no processo Mas é preciso ir além É aliás curioso que a doutrina se preocupe com a estruturação do processo a partir da igualdade mas não mostre idêntica preocupação no que tange à igualdade pelo processo 134 O processo justo visa à decisão justa E não há justiça se não há igualdade unidade na aplicação do direito pelo processo O processo tem de se estruturar com técnicas capazes de promover a igualdade de todos perante a ordem jurídica Embora esse não seja um problema ligado propriamente à igualdade no processo certamente constitui assunto de direito processual a necessidade de promoção da igualdade pelo processo Daí a igualdade pelo processo que é a igualdade diante dos resultados produzidos pelo processo determinar a adoção de um sistema de precedentes obrigatórios essa é a razão pela qual o CPC de 2015 prevê os arts 926 e 927 com a previsão de seus institutos básicos pelo legislador infraconstitucional processual ratio decidendi obter dictum distinguishing overruling 135 sem o que paradoxalmente focamos na igualdade no meio mas não na igualdade no fim atitude cuja correção lógica pode ser sem dúvida seriamente questionada Só há sentido em nos preocuparmos com a igualdade no processo se nos preocuparmos igualmente com a igualdade pelo processo o meio serve ao fim e ambos devem ser pensados na perspectiva da igualdade 55 Direito fundamental ao juiz natural e ao promotor natural 551 Introdução Diante do direito constitucional brasileiro ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente art 5º LIII da CF não havendo lugar para instalação de juízo ou tribunal de exceção art 5º XXXVII da CF Especificamente no que tange ao juiz natural no processo penal a Constituição ainda reconhece a instituição do júri com a organização que lhe der a lei assegurados a a plenitude de defesa b o sigilo das votações c a soberania dos veredictos d a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida art 5º XXXVIII da CF Nesse complexo normativo a Constituição prevê o direito ao juiz natural legale iudicium parium gesetzlicher Richter juiz legal giudice naturale juge naturel cuja tradição secular remonta ao coração 136 da Magna Carta 1215 cláusula 39 552 Âmbito de proteção Juiz natural é juiz imparcial competente e aleatório É o juiz a que é constitucionalmente atribuído o dever de prestar tutela jurisdicional e conduzir o processo de forma justa 137 Juiz natural é em primeiro lugar juiz Vale dizer não é parte É um terceiro giudice terzo e imparziale como grifa o art 111 da Constituição italiana donde a sua terzietà 138 cuja função no processo não se confunde com a das partes Como observa com razão a doutrina o juiz é dotado de impartialidade Unparteilichkeit Unbeteiligheit 139 porque suas funções são diversas daquelas atribuídas às partes no processo a doutrina francesa fala a propósito do tema em impartialité objective também conhecida como impartialité fonctionnelle 140 Além de impartial o juiz tem de ser imparcial E o pressuposto essencial da imparcialidade é a independência A independência é um statut que torna possível a vertu imparcialidade 141 A Constituição assegura a independência judicial seja na previsão de garantias aos magistrados art 95 seja na previsão de autonomia financeira e orçamentária do Poder Judiciário art 99 Do ponto de vista constitucional portanto o problema da independência judicial está ligado ao da imparcialidade A propósito por essa razão é que constitui equívoco supor que a independência impede um sistema de precedentes judiciais Pelo contrário a fiel observância da ordem jurídica nesse conceito inserindose necessariamente a interpretação judicial do direito é prova de independência E essa é condição de imparcialidade que por seu turno visa à produção de decisão justa conforme ao ordenamento jurídico cuja prolação promova a igualdade proteja a segurança e vele pela coerência Como se vê a independência judicial sustenta a necessidade de um sistema fundado também em precedentes já que visa à imparcialidade e essa à prolação de decisão justa que só o é se capaz de realizar a igualdade a segurança e a coerência fundamentos e características do direito do Estado Constitucional A imparcialidade está na ausência de interesse judicial na sorte de qualquer das partes quanto ao resultado do processo É um requisito anímico do juiz 142 Nemo iudex in re propria Tamanha a importância da imparcialidade que a doutrina a ensarta como elemento do próprio conceito de jurisdição 143 E é compreensível que assim o seja já que sem imparcialidade não há possibilidade de tratamento isonômico entre as partes 144 Nosso sistema jurídico protege a imparcialidade impondo vedações aos juízes art 95 parágrafo único da CF e prevendo a possibilidade de impugnação por impedimento ou suspeição arts 144 e 145 do CPC de 2015 arts 252 e 254 do CPP São meios de proteção infraconstitucional do direito ao juiz natural Juiz natural é juiz competente A competência para prestação da tutela jurisdicional tem de estar estabelecida constitucionalmente antes da propositura da ação Não viola o direito ao juiz natural a propósito a atração por continência ou conexão do processo do corréu ao foro por prerrogativa de função de um dos denunciados Súmula 704 do STF Tal é o significado da proibição a juízos e tribunais de exceção art 5º XXXVII da CF que é vedada ao Estado a criação de órgãos jurisdicionais ex post factum Tratase daquilo que a doutrina enxerga como cláusula de irretroatividade ínsita ao juiz natural 145 Juiz natural é juiz cuja competência é estabelecida de forma aleatória É que não é juiz natural no processo jurisdicional aquele deliberadamente escolhido pela parte A técni ca processual visa a assegurar a aleatoriedade do juiz prevendo critérios de distribuição das causas e dos recursos arts 284 285 e 930 do CPC de 2015 Tendo em conta a necessidade de aleatoriedade viola o direito ao juiz natural a formação de litisconsórcio facultativo depois de deferimento de tutela antecipada porque aí é nítido o intento de escolha do juízo pela parte 146 Na esteira da problemática inerente ao juiz natural discutese a existência de direito ao promotor natural arts 5º LIII e 128 5º I b da CF 147 Como observa a doutrina a ideia de promotor natural surgiu embrionariamente das proposições doutrinárias pela mitigação do poder de designação do ProcuradorGeral de Justiça evoluindo para significar a necessidade de haver cargos específicos com atribuição própria a ser exercida pelo Promotor de Justiça vedada a designação pura e simples arbitrária pelo Procurador Geral de Justiça 148 Para que seja atendido o promotor natural exige a presença de quatro requisitos a a investidura no cargo de Promotor de Justiça b a existência de órgão de execução c a lotação por titularidade e inamovibilidade do Promotor de Justiça no órgão de execução exceto as hipóteses legais de substituição e remoção d a definição em lei das atribuições do cargo 149 Obviamente por simetria tudo o que se disse a propósito do promotor natural aplicase igualmente ao Procurador da República de modo que é perfeitamente possível reconhecer também o direito ao Procurador da República natural O STF já teve o ensejo de reconhecer expressamente o direito ao promotor natural Assim já se decidiu que o postulado do Promotor Natural que se revela imanente ao sistema constitucional brasileiro repele a partir da vedação de designações casuísticas efetuadas pela chefia da Instituição a figura do acusador de exceção Esse princípio consagra uma garantia de ordem jurídica destinada tanto a proteger o membro do Ministério Público na medida em que lhe assegura o exercício pleno e independente do seu ofício quanto a tutelar a própria coletividade a quem se reconhece o direito de ver atuando em quaisquer causas apenas o Promotor cuja intervenção se justifique a partir de critérios abstratos e predeterminados estabelecidos em lei A matriz constitucional desse princípio assentase nas cláusulas da independência funcional e da inamovibilidade dos membros da Instituição O postulado do Promotor Natural limita por isso mesmo o poder do ProcuradorGeral que embora expressão visível da unidade institucional não deve exercer a chefia do Ministério Público de modo hegemônico e incontrastável 150 56 Direito fundamental ao contraditório 561 Introdução Previsto conjuntamente com o direito à ampla defesa art 5º LV da CF o direito ao contraditório constitui a mais óbvia condição do processo justo e é inseparável de qualquer ideia de administração organizada de Justiça 151 funcionando como verdadeiro cardine della ricerca dialettica pela justiça do caso concreto 152 Tamanha a sua importância que o próprio conceito de processo no Estado Constitucional está construído sobre sua base 153 O direito de ação como direito ao processo justo tem o seu exercício balizado pela observância do direito ao contraditório ao longo de todo o arco procedimental 154 É fácil compreender portanto a razão pela qual a doutrina nele enxerga uma verdadeira Magna Charta do processo judicial Magna Charta des gerichtlichen Verfahrens 155 562 Âmbito de proteção O direito ao contraditório rege todo e qualquer processo pouco importa se jurisdicional ou não A Constituição é expressa aliás em reconhecer a necessidade de contraditório no processo administrativo Existindo possibilidade de advir para alguém decisão desfavorável que afete negativamente sua esfera jurídica o contraditório é direito que se impõe sob pena de solapado da parte seu direito ao processo justo desde o processo penal até o processo que visa ao julgamento de contas por prefeito municipal 156 ou àquele que visa à imposição de sanção disciplinar a parlamentar 157 todo processo deve ser realizado em contraditório sob pena de nulidade Não há processo sem contraditório Em geral do ponto de vista do seu conteúdo o direito ao contraditório é identificado com a simples bilateralidade da instância dirigindose tão somente às partes Neste contexto o contraditório realizase apenas com a observância do binômio conhecimento reação Isto é uma parte tem o direito de conhecer as alegações feitas no processo pela outra e tem o direito de querendo contrariá las Semelhante faculdade estendese igualmente à produção da prova Tratase de feição do contraditório própria à cultura do Estado Liberal 158 confinando as partes no fundo no terreno das alegações de fato e da respectiva prova 159 Nessa linha o órgão jurisdicional nada teria a ver com a realização do direito ao contraditório na medida em que apenas os litigantes seriam os seus destinatários Partindo desse pressuposto o STF já chegou a decidir que a garantia constitucional do contraditório e da ampla defesa com os meios e recursos a ela inerentes tem como destinatários os litigantes em processo judicial ou administrativo e não o magistrado que no exercício de sua função jurisdicional à vista das alegações das partes e das provas colhidas e impugnadas decide fundamentadamente a lide 160 Atualmente porém a doutrina tem identificado no direito ao contraditório muito mais do que simples bilateralidade da instância Ao binômio conhecimentoreação temse oposto a ideia de cabal participação como núcleoduro do direito ao contraditório É lógico que o contraditório no processo civil do Estado Constitucional tem significado completamente diverso daquele que lhe era atribuído à época do direito liberal 161 Contraditório significa hoje conhecer e reagir mas não só Significa participar do processo e influir nos seus rumos Isto é direito de influência 162 Com essa nova dimensão o direito ao contraditório deixou de ser algo cujos destinatários são tão somente as partes e começou a gravar igualmente o juiz Daí a razão pela qual eloquentemente se observa que o juiz tem o dever não só de velar pelo contraditório entre as partes mas fundamentalmente a ele também se submeter 163 O juiz encontrase igualmente sujeito ao contraditório 164 Consequência dessa nova impostação da matéria é que a dinâmica do processo é alterada significativamente Por força dessa nova conformação da ideia de contraditório acolhida integralmente no CPC de 2015 art 10 a regra está em que todas as decisões definitivas do juízo se apoiem tão somente em questões previamente debatidas pelas partes isto é sobre matéria debatida anteriormente pelas partes Em outras palavras vedase o juízo de terza via 165 Há proibição de decisõessurpresa Verbot der Überraschungsentscheidungen 166 O direito ao contraditório promove a participação das partes em juízo tutelando a segurança jurídica do cidadão nos atos jurisdicionais do Estado Essa nova ideia de contraditório como facilmente se percebe acaba alterando a maneira como o juiz e as partes se comportam diante da ordem jurídica a interpretaraplicar no caso concreto 167 Nessa nova visão é absolutamente indispensável tenham as partes a possibilidade de pronunciarse sobre tudo que pode servir de ponto de apoio para a decisão da causa inclusive quanto àquelas questões que o juiz pode apreciar de ofício 168 Vários outros ordenamentos aliás também preveem expressamente esse dever de debate de consulta do órgão jurisdicional às partes 169 Exigir que o pronunciamento jurisdicional tenha apoio tão somente em elementos sobre os quais as partes tenham tido a oportunidade de se manifestarem significa evitar a decisãosurpresa no processo 170 Nesse sentido têm as partes de se pronunciar previamente à tomada de decisão tanto a respeito do que se convencionou chamar questões de fato e questões de direito como no que atine à eventual visão jurídica do órgão jurisdicional diversa daquela aportada por essas ao processo 171 Fora daí há evidente violação à colaboração e ao diálogo no processo art 6º do CPC de 2015 com afronta inequívoca ao dever judicial de consulta e ao contraditório arts 6º 9º e 10 do CPC de 2015 172 Semelhante exigência de um lado encontra evidente respaldo no interesse público de chegar a uma solução bem amadurecida para o caso levado a juízo não podendo ser identificada de modo nenhum como uma providência erigida no interesse exclusivo das partes 173 Consoante observa a doutrina o debate judicial amplia necessariamente o quadro de análise constrange ao cotejo de argumentos diversos atenua o perigo de opiniões préconcebidas e favorece a formação de uma decisão mais aberta e ponderada 174 Funciona pois como um evidente instrumento de democratização do processo 175 De outro conspira para reforçar a confiança do cidadão no Poder Judiciário que espera legitimamente que a decisão judicial leve em consideração apenas proposições sobre as quais pode exercer o seu direito a conformar o juízo 176 Na jurisprudência alemã o Bundesverfassungsgericht tem entendido que a Anspruch auf rechtliches Gehör art 103 Grundgesetz constitui direito a influenciar efetivamente o juízo sobre as questões da causa vedando a prolação de decisões surpresa 177 A jurisprudência de nosso STF inclinase atualmente nesse mesmo sentido 178 E levando exatamente em consideração esse caldo de cultura é que o Código de Processo Civil de 2015 acolheu o contraditório nesses exatos contornos Nessa linha o STJ vem igualmente prestigiando o direito ao contraditório como direito de influência e dever de debate Processual Civil Previdenciário Julgamento Secundum Eventum Probationis Aplicação do Art 10 do CPC2015 Proibição de DecisãoSurpresa Violação Nulidade 1 Acórdão do TRF da 4ª Região extinguiu o processo sem julgamento do mérito por insuficiência de provas sem que o fundamento adotado tenha sido previamente debatido pelas partes ou objeto de contraditório preventivo 2 O art 10 do CPC2015 estabelece que o juiz não pode decidir em grau algum de jurisdição com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício 3 Tratase de proibição da chamada decisãosurpresa também conhecida como decisão de terceira via contra julgado que rompe com o modelo de processo cooperativo instituído pelo Código de 2015 para trazer questão aventada pelo juízo e não ventilada nem pelo autor nem pelo réu 4 A partir do CPC2015 mostrase vedada decisão que inova o litígio e adota fundamento de fato ou de direito sem anterior oportunização de contraditório prévio mesmo nas matérias de ordem pública que dispensam provocação das partes Somente argumentos e fundamentos submetidos à manifestação precedente das partes podem ser aplicados pelo julgador devendo este intimar os interessados para que se pronunciem previamente sobre questão não debatida que pode eventualmente ser objeto de deliberação judicial 5 O novo sistema processual impôs aos julgadores e partes um procedimento permanentemente interacional dialético e dialógico em que a colaboração dos sujeitos processuais na formação da decisão jurisdicional é a pedra de toque do novo CPC 6 A proibição de decisãosurpresa com obediência ao princípio do contraditório assegura às partes o direito de serem ouvidas de maneira antecipada sobre todas as questões relevantes do processo ainda que passíveis de conhecimento de ofício pelo magistrado O contraditório se manifesta pela bilateralidade do binômio ciênciainfluência Um sem o outro esvazia o princípio A inovação do art 10 do CPC2015 está em tornar objetivamente obrigatória a intimação das partes para que se manifestem previamente à decisão judicial E a consequência da inobservância do dispositivo é a nulidade da decisãosurpresa ou decisão de terceira via na medida em que fere a característica fundamental do novo modelo de processualística pautado na colaboração entre as partes e no diálogo com o julgador 7 O processo judicial contemporâneo não se faz com protagonismos e protagonistas mas com equilíbrio na atuação das partes e do juiz de forma a que o feito seja conduzido cooperativamente pelos sujeitos processuais principais A cooperação processual cujo dever de consulta é uma das suas manifestações é traço característico do CPC2015 Encontrase refletida no art 10 bem como em diversos outros dispositivos espraiados pelo Código 8 Em atenção à moderna concepção de cooperação processual as partes têm o direito à legítima confiança de que o resultado do processo será alcançado mediante fundamento previamente conhecido e debatido por elas Haverá afronta à colaboração e ao necessário diálogo no processo com violação ao dever judicial de consulta e contraditório se omitida às partes a possibilidade de se pronunciarem anteriormente sobre tudo que pode servir de ponto de apoio para a decisão da causa inclusive quanto àquelas questões que o juiz pode apreciar de ofício Marinoni Luiz Guilherme Arenhart Sérgio Cruz Mitidiero Daniel Novo Código de Processo Civil Comentado São Paulo Editora Revista dos Tribunais 2015 p 209 9 Não se ignora que a aplicação desse novo paradigma decisório enfrenta resistências e causa desconforto nos operadores acostumados à sistemática anterior Nenhuma dúvida todavia quanto à responsabilidade dos tribunais em assegurarlhe efetividade não só como mecanismo de aperfeiçoamento da jurisdição como de democratização do processo e de legitimação decisória 10 Cabe ao magistrado ser sensível às circunstâncias do caso concreto e prevendo a possibilidade de utilização de fundamento não debatido permitir a manifestação das partes antes da decisão judicial sob pena de violação ao art 10 do CPC2015 e a todo o plexo estruturante do sistema processual cooperativo Tal necessidade de abrir oitiva das partes previamente à prolação da decisão judicial mesmo quando passível de atuação de ofício não é nova no direito processual brasileiro Colhemse exemplos no art 40 4º da LEF e nos Embargos de Declaração com efeitos infringentes 11 Nada há de heterodoxo ou atípico no contraditório dinâmico e preventivo exigido pelo CPC2015 Na eventual hipótese de adoção de fundamento ignorado e imprevisível a decisão judicial não pode se dar com preterição da ciência prévia das partes A negativa de efetividade ao art 10 cc art 933 do CPC2015 implica error in procedendo e nulidade do julgado devendo a intimação antecedente ser procedida na instância de origem para permitir a participação dos titulares do direito discutido em juízo na formação do convencimento do julgador e principalmente assegurar a necessária correlação ou congruência entre o âmbito do diálogo desenvolvido pelos sujeitos processuais e o conteúdo da decisão prolatada 12 In casu o Acórdão recorrido decidiu o recurso de apelação da autora mediante fundamento original não cogitado explícita ou implicitamente pelas partes Resolveu o Tribunal de origem contrariar a sentença monocrática e julgar extinto o processo sem resolução de mérito por insuficiência de prova sem que as partes tenham tido a oportunidade de exercitar sua influência na formação da convicção do julgador Por tratarse de resultado que não está previsto objetivamente no ordenamento jurídico nacional e refoge ao desdobramento natural da controvérsia considerase insuscetível de pronunciamento com desatenção à regra da proibição da decisãosurpresa posto não terem as partes obrigação de prevêlo ou adivinhálo Deve o julgado ser anulado com retorno dos autos à instância anterior para intimação das partes a se manifestarem sobre a possibilidade aventada pelo juízo no prazo de 5 cinco dias 13 Corrobora a pertinência da solução ora dada ao caso o fato de a resistência de mérito posta no Recurso Especial ser relevante e guardar potencial capacidade de alterar o julgamento prolatado A despeito da analogia realizada no julgado recorrido com precedente da Corte Especial do STJ proferido sob o rito de recurso representativo de controvérsia REsp 1352721SP Corte Especial Rel Min Napoleão Nunes Maia Filho DJ de 28042016 a extensão e o alcance da decisão utilizada como paradigma para além das circunstâncias ali analisadas e para todas as hipóteses em que se rejeita a pretensão a benefício previdenciário em decorrência de ausência ou insuficiência de lastro probatório recomenda cautela A identidade e aplicabilidade automática do referido julgado a situações outras que não aquelas diretamente enfrentadas no caso apreciado como ocorre com a controvérsia em liça merece debate oportuno e circunstanciado como exigência da cooperação processual e da confiança legítima em um julgamento sem surpresas 14 A ampliação demasiada das hipóteses de retirada da autoridade da coisa julgada fora dos casos expressamente previstos pelo legislador pode acarretar insegurança jurídica e risco de decisões contraditórias O sistema processual pátrio prevê a chamada coisa julgada secundum eventum probationis apenas para situações bastante específicas e em processos de natureza coletiva Cuidase de técnica adotada com parcimônia pelo legislador nos casos de ação popular art 18 da Lei 47171965 e de Ação Civil Pública art 16 da Lei 73471985 e art 103 I CDC Mesmo nesses casos com expressa previsão normativa não se está a tratar de extinção do processo sem julgamento do mérito mas de pedido julgado improcedente por insuficiência de provas hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento valendose de nova prova art 16 ACP 15 A diferença é significativa pois no caso de a ação coletiva ter sido julgada improcedente por deficiência de prova a própria lei que relativiza a eficácia da coisa julgada torna imutável e indiscutível a sentença no limite das provas produzidas nos autos Não impede que outros legitimados intentem nova ação com idêntico fundamento mas exige prova nova para admissibilidade initio litis da demanda coletiva 16 Não é o que se passa nas demandas individuais decidas sem resolução da lide e por isso não acobertadas pela eficácia imutável da autoridade da coisa julgada material em nenhuma extensão A extinção do processo sem julgamento do mérito opera coisa julgada meramente formal e torna inalterável o decisum sob a ótica estritamente endoprocessual Não obsta que o autor intente nova ação com as mesmas partes o mesmo pedido e a mesma causa de pedir inclusive com o mesmo conjunto probatório e ainda assim receba decisão díspar da prolatada no processo anterior A jurisdição passa a ser loteria em favor de uma das partes em detrimento da outra sem mecanismos legais de controle eficiente Por isso a solução objeto do julgamento proferido pela Corte Especial do STJ no REsp 1352721SP recomenda interpretação comedida de forma a não ampliar em demasia as causas sujeitas à instabilidade extraprocessual da preclusão máxima 17 Por derradeiro o retorno dos autos à origem para adequação do procedimento à legislação federal tida por violada sem ingresso no mérito por esta Corte com supressão ou sobreposição de instância é medida que se impõe não apenas por tecnicismo procedimental mas também pelo efeito pedagógico da observância fiel do devido processo legal de modo a conformar o direito do recorrente e o dever do julgador às novas e boas práticas estabelecidas no Digesto Processual de 2015 18 Recurso Especial provido 179 O contraditório podese realizar de diferentes maneiras no processo Como o direito ao contraditório não é o único direito fundamental que compõe o processo justo por vezes é necessário harmonizálo com os seus demais elementos estruturantes em especial com o direito à tutela adequada e efetiva dos direitos Por essa razão é perfeitamente legítimo na nossa ordem jurídica o emprego de contraditório diferido e de contraditório eventual na organização do perfil procedimental do processo Tanto o contraditório prévio como o diferido e o eventual são legítimos para a organização do processo justo Em geral no processo e em especial no processo penal o contraditório é prévio Audiatur et altera pars Primeiro o juiz ouve ambas as partes para tão somente depois decidir Pode ocorrer contudo de o órgão jurisdicional ter de decidir de forma provisória determinada questão ao longo do processo antes de ouvir uma das partes inaudita altera parte É o que ocorre por exemplo quando o juiz presta tutela de forma antecipada art 9º do CPC de 2015 O contraditório aí fica postergado diferido para depois da concessão da tutela jurisdicional A restrição ao contraditório ocorre em função da necessidade de adequação e efetividade da tutela jurisdicional Não há qualquer inconstitucionalidade na postergação do contraditório Sendo necessária a concessão de tutela antecipada antes da oitiva do demandado essa se impõe como decorrência do direito à tutela adequada dos direitos Não se trata portanto de medida excepcional verificados os seus pressupostos o juiz tem o dever de antecipar a tutela Também não há qualquer inconstitucionalidade no contraditório eventual que é aquele que se realiza em outro processo na eventualidade de o interessado propor demanda para ampliação ou exaurimento da cognição É o exemplo clássico dos processos de cognição parcial e de cognição sumária As chamadas ações possessórias ilustram bem o ponto referente à cognição parcial A proteção possessória independe da propriedade A discussão a respeito do domínio é vedada no processo possessório O interessado em debater o tema tem o ônus de propor ação para que o contraditório se instaure sobre o ponto Do contrário a discussão fica restrita não se possibilitando o contraditório sobre a questão reservada para eventualidade de outro processo O legislador infraconstitucional pode em atenção à importância do direito material carente de tutela organizar tutelas jurisdicionais diferenciadas mediante o emprego de contraditório eventual O controle da legitimidade de sua opção está na escolha de situações substanciais constitucionalmente relevantes para diferenciação da tutela pelo emprego do contraditório eventual 57 Direito fundamental à ampla defesa 571 Introdução Comumente associado ao contraditório está o direito fundamental à ampla defesa Tratase de direito tradicionalmente reconhecido pelo nosso direito constitucional nada obstante historicamente circunscrito ao âmbito processual penal 180 A Constituição de 1988 inovou estendendoa a todo e qualquer processo art 5º LV 572 Âmbito de proteção O direito à ampla defesa constitui direito do demandado É direito que respeita ao polo passivo do processo O direito de defesa é direito à resistência no processo e à luz da necessidade de paridade de armas no processo deve ser simetricamente construído a partir do direito de ação 181 O direito de defesa com os meios e recursos a ela inerentes grava todo e qualquer processo Jurisdicional ou não estatal ou não o direito de defesa se impõe como núcleo duro que contribui para a legitimação da imposição da tutela jurisdicional ao demandado O direito à ampla defesa determina i a declinação pormenorizada pelo autor da demanda das razões pelas quais pretende impor consequências jurídicas ao demandado ii a adoção de procedimento de cognição plena e exauriente como procedimento padrão para tutela dos direitos e para persecução penal iii o direito à defesa pessoal e à defesa técnica no processo penal e iv o direito à dupla cientificação da sentença penal condenatória A declinação pormenorizada pelo autor da demanda das razões pelas quais pretende impor consequências jurídicas ao demandado constitui condição para que o demandado possa compreender os motivos que levaram o autor à propositura da ação e possa elaborar de forma adequada sua defesa No processo civil o demandante tem o ônus de declinar na petição inicial as alegações de fatos essenciais juridicamente qualificadas que dão suporte ao seu pedido art 319 III do CPC de 2015 teoria da substanciação É necessário narrar os fatos essenciais e mostrar de que modo são reconduzíveis à pessoa do demandado No processo penal a imprescindibilidade de pormenorização da conduta do acusado na denúncia é ainda mais aguda haja vista a gravidade da sanção que se busca impor e o significativo custo social associado ao fato de alguém encontrarse sob persecução criminal O processo penal brasileiro é do tipo acusatório de modo que constitui inequívoco ônus do Ministério Público a adequada pormenorização e imputação do fato típico ao acusado sob pena de subvertida a lógica que o preside 182 Seja qual for o crime que se imputa ao acusado e dessa necessidade não escapam obviamente as denúncias envolvendo crimes societários e outros semelhantes em que existam maiores dificuldades na narrativa o Ministério Público tem o ônus de narrar de forma suficientemente pormenorizada os fatos típicos e de individualizálos adequadamente indicando os nexos de implicação com o acusado Fora daí a denúncia não pode suportar validamente a persecução penal Nessa linha já decidiu o STF que o processo penal de tipo acusatório repele por ofensivas à garantia da plenitude de defesa quaisquer imputações que se mostrem indeterminadas vagas contraditórias omissas ou ambíguas Existe na perspectiva dos princípios constitucionais que regem o processo penal um nexo de indiscutível vinculação entre a obrigação estatal de oferecer acusação formalmente precisa e juridicamente apta e o direito individual de que dispõe o acusado a ampla defesa A imputação penal omissa ou deficiente além de constituir transgressão do dever jurídico que se impõe ao Estado qualificase como causa de nulidade processual absoluta A denúncia enquanto instrumento formalmente consubstanciador da acusação penal constitui peça processual de indiscutível relevo jurídico Ela ao delimitar o âmbito temático da imputação penal define a própria res in judicio deducta A peça acusatória deve conter a exposição do fato delituoso em toda a sua essência e com todas as suas circunstâncias Essa narração ainda que sucinta impõese ao acusador como exigência derivada do postulado constitucional que assegura ao réu o exercício em plenitude do direito de defesa Denúncia que não descreve adequadamente o fato criminoso é denúncia inepta 183 Abordando especialmente o problema dos requisitos da denúncia nos crimes societários já decidiu igualmente o STF pela necessidade de descrição suficientemente pormenorizada da conduta dos acusados em acórdão expressivamente assim ementado Habeas corpus Crime contra o Sistema Financeiro Nacional Responsabilidade penal dos controladores e administradores de instituição financeira Lei 74921986 art 17 Denúncia que não atribui comportamento específico e individualizado aos diretores da instituição financeira Inexistência outrossim de dados probatórios mínimos que vinculem os pacientes ao evento delituoso Inépcia da denúncia Pedido deferido Processo penal acusatório Obrigação de o Ministério Público formular denúncia juridicamente apta O sistema jurídico vigente no Brasil tendo presente a natureza dialógica do processo penal acusatório hoje impregnado em sua estrutura formal de caráter essencialmente democrático impõe ao Ministério Público notadamente no denominado reato societario a obrigação de expor na denúncia de maneira precisa objetiva e individualizada a participação de cada acusado na suposta prática delituosa O ordenamento positivo brasileiro cujos fundamentos repousam entre outros expressivos vetores condicionantes da atividade de persecução estatal no postulado essencial do direito penal da culpa e no princípio constitucional do due process of law com todos os consectários que dele resultam repudia as imputações criminais genéricas e não tolera porque ineptas as acusações que não individualizam nem especificam de maneira concreta a conduta penal atribuída ao denunciado Precedentes A pessoa sob investigação penal tem o direito de não ser acusada com base em denúncia inepta A denúncia deve conter a exposição do fato delituoso descrito em toda a sua essência e narrado com todas as suas circunstâncias fundamentais Essa narração ainda que sucinta impõese ao acusador como exigência derivada do postulado constitucional que assegura ao réu o exercício em plenitude do direito de defesa Denúncia que deixa de estabelecer a necessária vinculação da conduta individual de cada agente aos eventos delituosos qualificase como denúncia inepta Precedentes Delitos contra o Sistema Financeiro Nacional Peça acusatória que não descreve quanto aos diretores de instituição financeira qualquer conduta específica que os vincule concretamente aos eventos delituosos Inépcia da denúncia A mera invocação da condição de diretor ou de administrador de instituição financeira sem a correspondente e objetiva descrição de determinado comportamento típico que o vincule concretamente à prática criminosa não constitui fator suficiente apto a legitimar a formulação de acusação estatal ou a autorizar a prolação de decreto judicial condenatório A circunstância objetiva de alguém meramente exercer cargo de direção ou de administração em instituição financeira não se revela suficiente só por si para autorizar qualquer presunção de culpa inexistente em nosso sistema jurídicopenal e menos ainda para justificar como efeito derivado dessa particular qualificação formal a correspondente persecução criminal Não existe no ordenamento positivo brasileiro ainda que se trate de práticas configuradoras de macrodelinquência ou caracterizadoras de delinquência econômica a possibilidade constitucional de incidência da responsabilidade penal objetiva Prevalece sempre em sede criminal como princípio dominante do sistema normativo o dogma da responsabilidade com culpa nullum crimen sine culpa absolutamente incompatível com a velha concepção medieval do versari in re illicita banida do domínio do direito penal da culpa Precedentes As acusações penais não se presumem provadas o ônus da prova incumbe exclusivamente a quem acusa Nenhuma acusação penal se presume provada Não compete ao réu demonstrar a sua inocência Cabe ao contrário ao Ministério Público comprovar de forma inequívoca para além de qualquer dúvida razoável a culpabilidade do acusado Já não mais prevalece em nosso sistema de direito positivo a regra que em dado momento histórico do processo político brasileiro Estado Novo criou para o réu com a falta de pudor que caracteriza os regimes autoritários a obrigação de o acusado provar a sua própria inocência DecLei 88 de 20121937 art 20 n 5 Precedentes Para o acusado exercer em plenitude a garantia do contraditório tornase indispensável que o órgão da acusação descreva de modo preciso os elementos estruturais essentialia delicti que compõem o tipo penal sob pena de se devolver ilegitimamente ao réu o ônus que sobre ele não incide de provar que é inocente Em matéria de responsabilidade penal não se registra no modelo constitucional brasileiro qualquer possibilidade de o Judiciário por simples presunção ou com fundamento em meras suspeitas reconhecer a culpa do réu Os princípios democráticos que informam o sistema jurídico nacional repelem qualquer ato estatal que transgrida o dogma de que não haverá culpa penal por presunção nem responsabilidade criminal por mera suspeita 184 Na perspectiva da conformação do procedimento a ampla defesa determina a adoção de procedimento de cognição plena e exauriente como procedimento padrão para tutela dos direitos e para persecução penal Essa é a regra Isso não quer dizer contudo que esteja o legislador impossibilitado de proceder a cortes de cognição para organização do processo De modo nenhum Na verdade em determinadas situações é imprescindível que o procedimento seja dotado de cognição parcial ou de cognição sumária seja de forma autônoma seja de forma interinal a fim de que possa tutelar de maneira adequada efetiva e tempestiva os direitos O exemplo mais marcante sem dúvida está no direito à técnica antecipatória no processo civil cuja raiz constitucional é inquestionável a partir do direito à tutela adequada e efetiva dos direitos O direito à técnica antecipatória permite decisão sob cognição sumária e difere o contraditório para depois da sua prolação O direito à cognição exauriente e à ampla defesa que o fundamenta resta restringido em face da necessidade de organização de um processo capaz de prestar tutela adequada aos direitos E é dever do legislador viabilizar o direito à técnica antecipatória para tutela das situações substanciais que dela necessitam Não o fazendo todavia dada a aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais pode o juiz viabilizálo mediante controle difuso de constitucionalidade O direito à ampla defesa no processo penal impõe o reconhecimento do direito à defesa pessoal e à defesa técnica A defesa técnica decorre da necessidade de simetria de conhecimento especializado entre acusação e defesa e é absolutamente indisponível no processo Essa é a razão pela qual constitui entendimento pacífico no âmbito do STF que no processo penal a falta de defesa constitui nulidade absoluta mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu Súmula 523 Vale dizer a ausência de defesa leva à decretação de nulidade do processo ao passo que o vício derivado de sua deficiência só levará a idêntico resultado se provado o prejuízo dela oriundo Outra não é a razão igualmente que levou o STF a decidir que é nulo o julgamento da apelação se após a manifestação nos autos da renúncia do único defensor o réu não foi previamente intimado para constituir outro Súmula 708 Para que a simetria de conhecimento especializado entre acusador e acusado possa surtir seus efeitos de forma adequada é imprescindível que a defesa tenha acesso a todos os elementos probatórios de que dispõe a acusação Daí que é direito do defensor no interesse do representado ter acesso amplo aos elementos de prova que já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária digam respeito ao exercício do direito de defesa Súmula Vinculante 14 do STF A defesa pessoal é aquela realizada pelo próprio acusado e tem a sua maior expressão no seu interrogatório A autodefesa consiste em direito de participar do processo e nele estar presente entrelaçandose aí com a necessidade de publicidade imediata do processo Como o acusado tem direito ao silêncio já que nemo tenetur se detegere arts 5º LXIII da CF e 186 do CPP o direito à autodefesa situase na esfera de sua disponibilidade Ainda no que toca ao processo penal a jurisprudência do STF exige dupla cientificação da sentença penal condenatória como decorrência do direito fundamental à ampla defesa Como a Constituição prevê direito à defesa com os meios e recursos a ela inerentes está assente na jurisprudência que com a exigência da dupla intimação impõese que o procedimento de cientificação da sentença penal condenatória tenha por destinatários o condenado e também o seu defensor constituído ou dativo A ratio subjacente à orientação jurisprudencial firmada pelo STF consiste em última análise em dar eficácia e concreção ao princípio constitucional do contraditório pois a inocorrência dessa intimação ao defensor constituído ou dativo subtrairá ao acusado a prerrogativa de exercer em plenitude o seu irrecusável direito à defesa técnica É irrelevante a ordem em que essas intimações sejam feitas Revela se essencial no entanto que o prazo recursal só se inicie a partir da última intimação 185 58 Direito fundamental à prova 581 Introdução Nossa Constituição refere que são inadmissíveis no processo as provas obtidas por meios ilícitos art 5º LVI Logo em seguida em atenção específica ao processo penal assevera que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória art 5º LVII A adequada compreensão desses dispositivos leva ao núcleo do direito fundamental à prova no processo 582 Âmbito de proteção Há direito fundamental à prova no processo 186 Tratase de elemento essencial à conformação do direito ao processo justo 187 O direito à prova impõe que o legislador e o órgão jurisdicional atentem para i a existência de relação teleológica entre prova e verdade art 369 do CPC de 2015 ii a admissibilidade da prova e dos meios de prova iii a distribuição adequada do ônus da prova art 373 do CPC de 2015 iv o momento de produção da prova e v a valoração da prova e formação do convencimento judicial A verdade é pressuposto ético do processo justo 188 Uma das fontes de legitimação da função judiciária é a verdade veritas non auctoritas facit iudicium 189 É necessariamente injusta a decisão baseada em falsa verificação das alegações de fato no processo 190 Daí existir uma relação teleológica entre prova e verdade 191 a prova visa à apuração da veracidade das alegações de fato A verdade é um problema unitário inexiste a possibilidade de separação entre verdade dentro e fora do processo 192 e pode ser satisfatoriamente definida a partir da ideia de correspondência 193 Como a verdade é ao mesmo tempo relativa e objetiva 194 só pode ser compreendida dentro e fora do processo partindose da ideia de maior probabilidade lógica possível 195 O direito fundamental à prova assegura a produção de prova admissível Notese que a Constituição ao vedar a admissão de prova ilícita art 5º LVI contrario sensu autoriza a admissão de toda e qualquer prova lícita O problema está portanto em individualizar quais são os requisitos que determinam a admissão da prova Uma prova é admissível quando a alegação de fato é controversa pertinente e relevante A alegação é controversa quando pendem nos autos duas ou mais versões a seu respeito É pertinente quando diz respeito ao mérito da causa E é relevante quando o seu esclarecimento é capaz de levar à verdade Reunindo a alegação de fato todas essas qualidades objetivas o juiz tem o dever de admitir a produção da prova 196 É preciso perceber diante dessas observações que não é possível ao órgão jurisdicional indeferir a produção da prova entendendoa como inadmissível porque já convencido a respeito da alegação do fato Confundemse aí juízo de admissibilidade e juízo de valoração da prova 197 Como é evidente só é possível valorar a prova já produzida donde os requisitos objetivos que configuram o direito à admissão da prova funcionam como verdadeira proibição à inadmissão da prova por valoração antecipada da alegação de fato O juiz só pode ter como diligências inúteis ou meramente protelatórias para fins de indeferimento da admissão de prova art 370 do CPC de 2015 aquelas que tenham por objeto a prova de alegações de fato incontroversas impertinentes ou irrelevantes Fora daí viola o direito fundamental à prova do litigante no processo O direito fundamental à prova determina igualmente a possibilidade de utilização de provas atípicas no processo 198 Todo e qualquer meio de prova previsto tipicamente na legislação ou não é idôneo para prova das alegações de fato desde que lícito e moralmente legítimo art 369 do CPC de 2015 Tratase de imposição do direito fundamental à prova para conformação do processo justo de modo que sua admissibilidade concerne tanto ao processo civil como ao processo penal Embora tradicionalmente fechado o direito à prova na tradição romanocanônica vem experimentando paulatina abertura 199 A admissão de provas atípicas é um dos elementos que autorizam essa assertiva prova emprestada comportamento processual da parte como prova e prova cibernética são exemplos de provas atípicas admissíveis perante a ordem jurídica brasileira A prova emprestada é admissível no processo desde que observadas as suas condicionantes O juiz poderá admitir a utilização de prova produzida em outro processo atribuindolhe o valor que considerar adequado observado o contraditório ou excepcionalmente devidamente ponderados os direitos em colisão O contraditório é um dos fatores de maior legitimação do uso da prova emprestada no processo Quanto à sua observância porém é preciso considerar basicamente duas situações diferentes i aquela em que a prova emprestada será utilizada perante as mesmas pessoas que participaram da sua produção anteriormente e ii aquela em que a prova emprestada será utilizada perante pessoas parcialmente coincidentes ou totalmente diferentes daquelas que participaram da sua produção originariamente 200 Quanto à primeira situação existem casos em que não há qualquer variação na prova e o contraditório pode ser observado integralmente de forma posterior É o caso da prova documental por exemplo Não há aí qualquer dificuldade em aceitar a produção da prova emprestada Basta a sua submissão ao contraditório no novo processo Existem outros casos contudo em que será necessário cogitar de novos fatos ou ler a prova a partir de novos enfoques dados aos fatos Nestas situações a admissão da prova emprestada poderá ocorrer se for viável reabrir o contraditório ou pelo menos fatiar a prova no que tange às alegações de fato originárias e às novas alegações de fato ou novos enfoques dados aos fatos Quanto à segunda situação há hipóteses em que nada obstante não tenham as partes ou pelo menos uma das partes participado da formação da prova é plenamente viável a sua submissão ao contraditório pleno no novo processo Atendido ao contraditório a prova emprestada é obviamente admissível Em outras hipóteses porém o contraditório poderá não ser realizável mas a prova emprestada pode constituir o único meio de a parte sustentar sua posição em juízo Nesse caso convém ponderar os direitos em jogo o direito ao contraditório o direito à tutela jurisdicional e eventualmente a importância da pretensão material afirmada em juízo para saber se a prova emprestada deve ou não ser admitida no processo Não são admissíveis no processo provas ilícitas Prova ilícita é toda aquela obtida de forma contrária ao direito Pouco importa se a violação concerne ao direito material ou ao direito processual em ambos os casos a prova deve ser considerada ilícita Como assevera o art 157 do CPP em proposição de caráter geral são inadmissíveis devendo ser desentranhadas do processo as provas ilícitas assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais No processo penal há proibição absoluta de emprego de prova ilícita para corroborar alegações da acusação O direito de permanecer calado nemo tenetur se detegere e a presunção de inocência denotam a proeminência constitucional do direito de liberdade do acusado em face da pretensão punitiva do Estado daí a proibição absoluta de prova ilícita em favor da acusação no processo penal 201 A favor da defesa contudo é possível pensar no emprego de prova a princípio ilícita no processo penal 202 A proeminência do direito à liberdade diante do Estado justifica a sua utilização No âmbito do processo civil é possível a utilização de provas ilícitas em casos excepcionais É que ao negar eficácia às provas ilícitas no processo nossa Constituição realizou inequívoca ponderação entre a efetividade da proteção do direito material e o direito à descoberta da verdade no processo Cumpre observar contudo que quase todos os ordenamentos jurídicos que acolheram a proibição da utilização da prova ilícita no processo foram obrigados a admitir exceções à regra geral a fim de realizarem igualmente outros valores dignos de proteção No âmbito do processo civil a ponderação realizada pela Constituição não exclui a necessidade de uma segunda ponderação entre o direito afirmado em juízo pelo autor e o direito violado pela prova ilícita haja vista os diversos bens passíveis de proteção e discussão no nosso direito processual civil Negar a necessidade dessa segunda ponderação importa em negar a priori tutela jurisdicional a uma das partes 203 Essa ponderação deve ser realizada em concreto pelo juiz para cotejar a relevância dos valores e dos interesses em jogo Gütter und Interessenabwägung a fim de aquilatar a proporcionalidade do emprego da prova para proteção do direito afirmado em juízo Verhältnismässigkeit 204 Dois critérios podem auxiliar o órgão jurisdicional nessa tarefa Em primeiro lugar é fundamental que os valores postos à ponderação sejam devidamente identificados e explicitados pelo órgão jurisdicional Em segundo saber se tinha a parte que postula a admissão da prova ilícita no processo outro meio de prova à sua disposição ou não para prova de suas alegações Vale dizer é imprescindível a análise da necessidade da prova ilícita para formação do convencimento judicial para saber se ela pode ou não ser aproveitada em juízo 205 Como a regra é a inviabilidade do uso da prova ilícita no processo sua utilização excepcional deve ser criteriosamente justificada 206 pelo órgão jurisdicional Problema correlato ao da utilização da prova ilícita no processo é o da ilicitude da prova por contaminação Como regra a prova obtida a partir de prova ilícita igualmente o é por contaminação teoria dos frutos da árvore envenenada the fruit of the poisonous tree 207 Importa saber para aplicação dessa teoria contudo quando determinada prova pode ser considerada independente Assim se a prova derivada poderia ter sido produzida independentemente da obtenção da prova ilícita não há razão para negar eficácia àquela Podendo ser oriunda de uma fonte autônoma de prova pode a prova ser utilizada no processo ainda que concretamente derivada de prova ilícita 208 Se o descobrimento da prova derivada era inevitável inevitable discovery exception 209 ou se o seu descobrimento era provavelmente independente da prova ilícita hypothetical independent source rule 210 não há razão para negar se eficácia à prova derivada que aí se desvincula da prova ilícita Se o descobrimento da prova era inevitável não há razão para reputála ineficaz Isso porque a descoberta propiciada pela prova ilícita ocorreria mais cedo ou mais tarde A lógica do salvamento da segunda prova está em que não há motivo para retirar eficácia de uma prova que trouxe uma evidência que muito provavelmente seria obtida Nesse caso quebrase a relação de antijuridicidade entre as provas Se o descobrimento da prova era provavelmente independente da prova ilícita então não há por que entendêla como derivada da primeira devendo ser tratada como uma prova provavelmente independente e assim sem qualquer nexo com a prova ilícita Rompese assim o nexo causal entre as provas O art 157 1º e 2º do CPP com nítido caráter geral confirma semelhante orientação Compõe o perfil constitucional do direito à prova a adequada distribuição de seu ônus no processo 211 As normas sobre o ônus da prova compõem o perfil constitucional do direito à prova As normas sobre o ônus da prova possuem dupla função em primeiro lugar são regras de instrução na medida em que visam a informar as partes quem suporta o risco de ausência de esclarecimento das alegações de fato no processo Em segundo lugar são regras de julgamento já que visam a possibilitar ao juiz decidir quando em estado de dúvida quanto à veracidade das alegações fáticas 212 O ônus da prova pode ser distribuído de forma estática ou dinâmica pelo legislador infraconstitucional Tanto no processo civil como no processo penal o ônus da prova é distribuído de forma estática arts 373 do CPC de 2015 e 156 do CPP No processo civil contudo há ainda possibilidade de inversão e dinamização do ônus da prova art 373 1º do CPC de 2015 213 como bem observa a doutrina compreendese que quando a medida justa da distribuição do ônus da prova é fundamental para a garantia de um direito se devam evitar teorias abstratas e apriorísticas e se imponham soluções probatórias não aniquiladoras da própria concretização dos direitos liberdades e garantias 214 No processo penal o ônus da prova é distribuído de forma estática competindo sempre à acusação a prova das alegações que descrevam o crime Esse é o conteúdo mínimo da regra da presunção de inocência prevista constitucionalmente art 5º LVII As partes têm direito à produção de prova admissível Em geral a produção da prova ocorre durante o processo que visa à prestação da tutela do direito Pode acontecer contudo de ser necessário acautelar a produção da prova ou produzila de forma imediata independentemente da existência de processo tendente à prestação de tutela jurisdicional sobre as alegações de fato a provar Compõe o direito fundamental à prova o direito à sua asseguração e à sua produção imediata seja fundada na urgência seja no simples interesse da produção da prova em si 215 Compõem o estatuto constitucional do direito à prova a regra da livre valoração da prova e a necessidade de adoção de um modelo para formação do convencimento judicial A valoração da prova é livre pelo juiz arts 370 do CPC de 2015 e 155 do CPP 216 Isso não quer dizer contudo que a formação de seu convencimento não deva obedecer a modelos compatíveis com o direito material debatido no processo 217 Valoração e convencimento são conceitos que não se confundem Enquanto o juiz é livre para valorar a prova tendo em conta que não está preso a prévalorações empreendidas pelo legislador o seu convencimento está coarctado às exigências do direito material posto em juízo obedecendo a níveis variáveis de certeza para decisão da causa Embora a teoria dos modelos de convencimento seja amplamente aplicável no campo do processo civil 218 é sem dúvida alguma no âmbito do processo penal que ganha maior relevância 219 É que sem um modelo para formação do convencimento judicial no processo penal a regra da presunção da inocência ganha contornos por demais esfumaçados não passando de um simulacro de garantia Na realidade a ausência de um standard forte para formação do convencimento judicial faz ilusória a presunção de inocência A presunção de inocência e o ônus da prova da acusação impõem que a condenação penal só possa ser prolatada se o juiz se convencer da culpa para além da dúvida razoável beyond a reasonable doubt 220 E a verificação do convencimento judicial só pode ocorrer em termos justificativos donde a imprescindibilidade de se conjugarem para observância da regra da presunção da inocência o modelo de convencimento para além da dúvida razoável e o dever de motivação das decisões judiciais Nessa linha só se poderá considerar provada a culpa do acusado para além da dúvida razoável se i a condenação for capaz de explicar todos os dados disponíveis nos autos integrando os de forma coerente e novos dados que a condenação hipoteticamente permite formular e ii forem refutadas todas as demais hipóteses plausíveis explicativas dos mesmos dados compatíveis com a sua inocência 221 Fora daí há violação da regra da presunção de inocência do modelo de convencimento para além da dúvida razoável e do dever de motivação das decisões judiciais 59 Direito fundamental à publicidade 591 Introdução A publicidade é essencial ao princípio democrático e ao princípio do Estado de Direito auf dem Demokratie und dem Rechtsstaatsprinzip 222 Tem assento portanto nos dois corações políticos que movem o Estado Constitucional 223 Por essa razão ainda que não fosse prevista constitucionalmente de forma expressa sua imprescindibilidade seria facilmente compreendida como consequência necessária do caráter democrático da administração da justiça no Estado Constitucional 224 592 Âmbito de proteção A publicidade é elemento indispensável para conformação do processo justo Conforme assevera nossa Constituição a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem art 5º LX Adiante determina que todos os julgamentos do Poder Judiciário serão públicos podendo a lei limitar a presença em determinados atos às próprias partes e a seus advogados ou somente a estes em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação art 93 IX A publicidade no processo pode ser geral ou restrita Pode ainda ser imediata ou mediata A publicidade geral é aquela em que todos têm acesso ao conteúdo dos autos allgemeine Öffentlichkeit Restrita em que apenas as partes ou seus advogados têm acesso aos autos Parteinöffentlichkeit A publicidade imediata é aquela em que é facultada ao público em geral às partes e aos seus advogados a presença no momento da prática dos atos processuais unmittelbare Öffentlichkeit Mediata aquela em que é acessível ao público às partes e aos seus advogados apenas o resultado da prática do ato processual mittelbare Öffentlichkeit 225 A regra no processo é a publicidade geral e imediata A todos são facultados acesso ao conteúdo dos autos e presença no momento da prática dos atos processuais A Constituição apenas restringe em nome da defesa da intimidade ou em função do interesse social art 5º LX Torna mediata em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação art 93 IX Em primeiro lugar é tarefa do legislador infraconstitucional densificar os casos em que é necessária restrição em nome da defesa da intimidade ou em função do interesse social exemplo art 189 do CPC de 2015 ou mediatização para proteção do direito à intimidade A destinação primária contudo não impede o juiz de concretizar excepcionalmente o regime de publicidade restrita e mediata para realização da tarefa constitucional de proteção à intimidade e ao interesse social no processo Sendo a publicidade geral e imediata só se admitindo cortes nas hipóteses constitucionais viola o direito à publicidade dos atos processuais a sonegação a seleção ou a omissão na juntada de peças processuais em qualquer espécie de investigação criminal A propósito já decidiu o STF que o procedimento investigatório instaurado pelo Ministério Público deverá conter todas as peças termos de declarações ou depoimentos laudos periciais e demais subsídios probatórios coligidos no curso da investigação não podendo o Parquet sonegar selecionar ou deixar de juntar aos autos quaisquer desses elementos de informação cujo conteúdo por referirse ao objeto da apuração penal deve ser tornado acessível tanto à pessoa sob investigação quanto ao seu advogado O regime de sigilo sempre excepcional eventualmente prevalecente no contexto da investigação penal promovida pelo Ministério Público não se revelará oponível ao investigado e ao advogado por este constituído que terão direito de acesso considerado o princípio da comunhão da prova a todos os elementos de informação que já tenham sido formalmente incorporados aos autos do respectivo procedimento investigatório 226 O processo ainda conta com várias situações de sigilo constitucional Existem situações em que o acesso restrito à informação faz parte de projeto estatal de combate a determinadas espécies de crimes É o que acontece por exemplo com a proteção à testemunha Lei 98071999 Não há nulidade por violação à publicidade na restrição de acesso à qualificação de testemunha Tratase de restrição perfeitamente legítima perante nossa ordem constitucional 227 De outro lado nos casos em que o sigilo judicial visa à proteção da intimidade da pessoa eventual quebra judicial de sigilo telefônico não está à disposição de outros órgãos estatais pertencendo tão somente ao juízo que o ordenou Lei 92961996 228 Pode ocorrer de o sigilo de determinada investigação ou processo ser violado indevidamente Pensese por exemplo na violação de sigilo de dados constantes em investigação penal que acarrete vazamento de dados sigilosos para a imprensa É claro que nessa hipótese cabe ação visando à tutela inibitória para preservação do sigilo e para impedir a divulgação na imprensa dos dados ilegalmente obtidos 229 Obviamente não pode o Estado que está obrigado ao sigilo nada fazer para impedir que a divulgação de dados sigilosos venha a público de forma indevida 510 Direito fundamental à motivação das decisões 5101 Introdução Nossa Constituição refere que todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos e fundamentadas todas as decisões sob pena de nulidade art 93 IX O dever de motivação das decisões judiciais é inerente ao Estado Constitucional 230 e constitui verdadeiro banco de prova do direito ao contraditório das partes 231 Não por acaso a doutrina liga de forma muito especial contraditório motivação e direito ao processo justo Sem motivação a decisão judicial perde duas características centrais a justificação da norma jurisdicional para o caso concreto e a capacidade de orientação de condutas sociais 232 Perde em uma palavra o seu próprio caráter jurisdicional 233 5102 Âmbito de proteção O Código de Processo Civil de 2015 menciona que são elementos essenciais da sentença os fundamentos em que o juiz analisará as questões de fato e de direito art 489 II No Código de Processo Penal consta que a sentença conterá a indicação dos motivos de fato e de direito em que se fundar a decisão art 381 III 234 Essas normas têm duas funções essenciais A uma elas possibilitam a construção de um discurso jurídico a respeito da necessidade de justificação das decisões judiciais Nesse espaço entra a teoria da motivação das decisões como direito ligado ao processo justo das partes O endereço desse discurso é o caso concreto A duas viabilizam a organização de um discurso jurídico a respeito da teoria dos precedentes judiciais obrigatórios Tratase de discurso ligado à unidade prospectiva e retrospectiva do direito no Estado Constitucional cuja missão está em orientar condutas sociais e promover a igualdade a segurança jurídica e a coerência do sistema É um discurso que não está ligado ao caso concreto mas visa à promoção da unidade do direito como um todo sendo necessariamente ultra partes Em ambos os casos a função política da motivação está presente justifica o exercício do poder e contribui para a evolução do direito 235 Interessa nesse momento a primeira função E basicamente três problemas surgem a respeito do tema i a necessidade de expressa justificação das decisões judiciais ii a extensão do dever de motivação iii a motivação das decisões diante de princípios regras e postulados de um lado e dos conceitos jurídicos indeterminados e das cláusulas gerais de outro Como a Constituição exige motivação de todos os atos jurisdicionais é óbvio que a justificação deve estar expressa em todas as decisões judiciais Diante disso alguém poderia imaginar que a sistemática do julgamento eletrônico da repercussão geral por contar com a possibilidade de reconhecimento tácito silêncio no prazo regimental poderia acarretar violação ao dever de declinar expressamente as razões da decisão judicial Semelhante violação certamente ocorreria se o silêncio levasse ao não reconhecimento da repercussão geral No entanto dada a existência de presunção legal de repercussão geral dado o quórum diferenciado para sua rejeição não há falar em inconstitucionalidade pela ausência de fundamentação pela caracterização da repercussão geral O que ocorre aí é simplesmente a aplicação da presunção favorecendo a atuação da Suprema Corte para dar unidade ao direito 236 O problema da extensão do dever de motivação das decisões judiciais tem de ser resolvido à luz do conceito de contraditório É por essa razão que o nexo entre os conceitos é radical E a razão é simples a motivação das decisões judiciais constitui o último momento de manifestação do direito ao contraditório 237 e fornece seguro parâmetro para aferição da submissão do juízo ao contraditório e ao dever de debate que dele dimana Sem contraditório e sem motivação adequados não há processo justo Ao tempo em que se entendia o contraditório como algo tão somente atinente às partes e portanto em sentido fraco afirmava se que o dever de motivação das decisões judiciais não poderia ter como parâmetro para aferição de correção a atividade desenvolvida pelas partes em juízo Bastava ao órgão jurisdicional para ter considerada como motivada sua decisão demonstrar quais as razões que fundavam o dispositivo Bastava a não contradição entre as proposições constantes da sentença Partiase de um critério intrínseco para aferição da completude do dever de motivação Existem julgados do STF que ainda hoje comungam de semelhante entendimento Assim por exemplo não é raro colher em decisões do Supremo que basta ao julgador expor de modo claro as razões de seu convencimento para ser considerada motivada a sua decisão 238 Traduzindo é desnecessário o debate com as partes partindose dos fundamentos por elas invocados em suas manifestações processuais Ocorre que entendimento dessa ordem se encontra em total descompasso com a nova visão a respeito do direito ao contraditório art 10 do CPC de 2015 Se contraditório significa direito de influir é pouco mais do que evidente que tem de ter como contrapartida dever de debate dever de consulta de diálogo inerente à estrutura cooperativa do processo art 489 1º IV do CPC de 2015 Como é de facílima intuição não é possível aferir se a influência foi efetiva se não há dever judicial de rebate aos fundamentos levantados pelas partes Não é por outra razão a propósito que já decidiu igualmente o STF que o direito ao contraditório implica dever de o órgão jurisdicional contemplar os fundamentos levantados pelas partes em juízo e considerálos séria e detidamente 239 Vale dizer partindose de uma acepção forte de contraditório o parâmetro para aferição da correção da motivação da decisão judicial deixa de ser tão somente intrínseco a inexistência de contradição lógica do julgado e a correta exposição do convencimento judicial e passa a assumir também feição extrínseca a fundamentação dos arrazoados das partes Não há falar em decisão motivada se esta não enfrenta expressamente os fundamentos arguidos pelas partes em suas manifestações processuais 240 A motivação da decisão no Estado Constitucional para que seja considerada completa e constitucionalmente adequada requer em sua articulação mínima em síntese a a enunciação das escolhas desenvolvidas pelo órgão judicial para a1 individualização das normas aplicáveis a2 acertamento das alegações de fato a3 qualificação jurídica do suporte fático a4 consequências jurídicas decorrentes da qualificação jurídica do fato b o contexto dos nexos de implicação e coerência entre tais enunciados e c a justificação dos enunciados com base em critérios que evidenciam a escolha do juiz ter sido racionalmente correta Em a devem constar necessariamente os fundamentos arguidos pelas partes art 489 1º IV do CPC de 2015 de modo que se possa aferir a consideração séria do órgão jurisdicional a respeito das razões levantadas pelas partes em suas manifestações processuais 241 Situação particular que inspira cuidado específico em termos de fundamentação das decisões judiciais está na aplicação de princípios regras e postulados normativos bem como na aplicação de cláusulas gerais e conceitos jurídicos indeterminados Como é amplamente sabido a passagem do Estado Legislativo para o Estado Constitucional ocasionou três grandes mudanças a primeira no terreno das fontes jurídicas a segunda na compreensão da natureza da interpretação jurídica a terceira na técnica legislativa 242 É fácil perceber portanto que a passagem do Estado Legislativo para o Estado Constitucional deu lugar a um deslocamento eloquentemente apontado pela doutrina da vocação do nosso tempo para a legislação e para a ciência do direito Vom Beruf unser Zeit für Gesetzgehung und Rechtswissenschaft 243 para a vocação do nosso tempo para a jurisdição vocazione del nostro tempo per la giurisdizione 244 ou melhor para o processo No terreno das fontes no Estado Legislativo pressupunhase que toda norma era sinônimo de regra Os princípios eram compreendidos como fundamentos para normas mas jamais como normas No Estado Constitucional a teoria das normas articulase em três grandes espécies as normas podem ser enquadradas em princípios regras e postulados Os princípios ganham força normativa vinculam os seus destinatários Ao lado dos princípios e das regras teorizase igualmente a partir de normas que visam a disciplinar a aplicação de outras normas os postulados normativos exemplos proporcionalidade razoabilidade concordância prática 245 Ao lado dessa mudança qualitativa no Estado Constitucional convive uma pluralidade de fontes a forma Código perde o seu caráter de plenitude próprio do Estado Legislativo e passa a desempenhar função de centralidade infraconstitucional 246 Abundam estatutos legislações especiais e instrumentos infralegais que concorrem para disciplina da vida social 247 O ordenamento jurídico adquire feição complexa 248 Somase à mudança qualitativa uma mudança quantitativa no campo das fontes No âmbito da interpretação jurídica temse a atividade jurisdicional como uma atividade de reconstrução do sentido normativo das proposições jurídicas 249 Isso quer dizer que se assume a separação entre texto e norma o legislador outorga textos não normas As normas são fruto de uma outorga de sentido aos textos pelos seus destinatários 250 É enorme portanto a diferença entre a interpretação jurídica no Estado Legislativo e no Estado Constitucional basta perceber que se pressupunha no primeiro uma unidade entre texto e norma pressupondose que o legislador outorgava não só o texto mas também a norma sendo função da jurisdição tão somente declarar a norma preexistente para solução do caso concreto 251 No campo da técnica legislativa finalmente passase de uma legislação redigida de forma casuística para uma legislação em que se misturam técnica casuística e técnica aberta No Estado Constitucional o legislador redige as suas proposições ora prevendo exatamente os casos que quer disciplinar particularizando ao máximo os termos as condutas e as consequências legais técnica casuística ora empregando termos indeterminados com ou sem previsão de consequências jurídicas na própria proposição técnica aberta Como facilmente se percebe entram no segundo grupo os conceitos jurídicos indeterminados e as cláusulas gerais os primeiros como espécies normativas em que no suporte fático há previsão de termo indeterminado e há consequências jurídicas legalmente previstas as segundas como espécies normativas em que há previsão de termo indeterminado no suporte fático e não há previsão de consequências jurídicas na própria proposição legal 252 O impacto dessa tripla mudança no campo da fundamentação das decisões judiciais é muito significativo A passagem do Estado Legislativo para o Estado Constitucional impõe fundamentação analítica para aplicação de princípios e regras mediante postulados normativos e para concretização de termos indeterminados com eventual construção de consequências jurídicas a serem imputadas aos destinatários das normas 253 Os princípios jurídicos são normas que impõem um estado ideal de coisas a alcançar Esse estado de coisas deve ser promovido mediante condutas que não são dadas desde logo pelos próprios princípios Frequentemente porém pode ocorrer de dois ou mais princípios colidirem e imporem soluções diferentes para um mesmo problema jurídico Nesse caso é preciso concretizar os princípios jurídicos com níveis diferentes de intensidade com o auxílio de outras normas mediante a utilização de postulados normativos Os princípios são aplicados concomitantemente apenas em graus diferentes Portanto para correta aplicação dos princípios jurídicos em juízo é necessário em primeiro lugar identificar quais são as finalidades que esses impõem e qual é a colisão existente Em segundo lugar é preciso identificar qual é o postulado mais adequado para solução da colisão principiológica escolha essa que obviamente exige justificação e de que maneira este postulado leva à solução do problema posto em juízo o que evidentemente também demanda justificação própria por parte do intérprete Mas não é só a aplicação de princípios jurídicos que inspira maiores cuidados no Estado Constitucional Pode igualmente ocorrer de determinada regra jurídica que é uma norma que impõe diretamente uma conduta ao seu destinatário ser superada em concreto e não ser aplicada para disciplinar um caso que a princípio deveria normatizar Posto que semelhante situação deva ser tida como excepcional na ordem jurídica é necessário ter presente a possibilidade de sua ocorrência As regras jurídicas também podem ser superadas com o auxílio de postulados normativos Assim igualmente nos casos que envolvem a superação de regras é imprescindível que se explicitem qual o postulado normativo que autoriza a sua não aplicação e quais as razões que a sustentam Depois é ainda necessário justificar quais as razões que sustentam a solução adotada para disciplinar o caso concreto As normas que contêm conceitos juridicamente indeterminados se caracterizam pela circunstância de o seu pressuposto de incidência constituir um termo indeterminado A sua consequência contudo é determinada O problema que surge em juízo portanto diz respeito à caracterização do termo indeterminado É necessário primeiro precisar o termo indeterminado para que depois a norma possa ser aplicada por subsunção Diferentemente das normas que apresentam um conceito juridicamente indeterminado as normas que contêm cláusulas gerais trazem uma dupla indeterminação o pressuposto de incidência é indeterminado e a sua consequência também é indeterminada Daí a existência de um duplo problema em juízo precisar o que significa o termo indeterminado empregado pelo legislador e delinear quais as consequências jurídicas da incidência da norma É preciso dar concreção ao termo indeterminado utilizado pelo legislador para normatizar o problema levado ao processo e delinear as consequências jurídicas que devem ser imputadas aos destinatários da norma Daí a razão pela qual o art 489 1º do CPC de 2015 afinase integralmente com o conteúdo constitucional do dever de fundamentação das decisões constitucionais Fora dessas balizas a fundamentação judicial é deficiente e passível de decretação de nulidade a decisão por ofensa ao art 93 IX da CF 511 Direito fundamental à segurança jurídica no processo 5111 Introdução Nossa Constituição não prevê o direito à segurança jurídica no processo Contudo um dos fundamentos do Estado Constitucional é a segurança jurídica 254 Além disso nosso ordenamento constitucional arrola expressamente entre os direitos fundamentais o direito à segurança jurídica art 5º caput Especificamente a Constituição refere que o legislador não pode prejudicar a coisa julgada art 5º XXXVI Daí que nada obstante não contemplado expressamente é evidente a existência de direito fundamental à segurança jurídica no processo em nossa ordem constitucional Recht auf vorhersehbares Verfahren 255 A segurança jurídica no processo é elemento central na conformação do direito ao processo justo 256 5112 Âmbito de proteção O direito à segurança jurídica no processo constitui direito à certeza à estabilidade à confiabilidade e à efetividade das situações jurídicas processuais 257 Ainda a segurança jurídica determina não só segurança no processo mas também segurança pelo processo Nessa linha o direito fundamental à segurança jurídica processual exige respeito i à preclusão ii à coisa julgada iii à forma processual em geral e iv ao precedente judicial A preclusão constitui a perda extinção ou consumação de uma posição jurídica processual em face do decurso do tempo preclusão temporal da adoção de comportamento contraditório preclusão lógica e do efetivo exercício da posição processual preclusão consumativa 258 Dirigese às partes e ao juiz A preclusão é elemento ordenador que assegura o caráter evolutivo e dinâmico do processo 259 Ao pautar o procedimento serve com ele como verdadeira espinha dorsal do formalismo processual 260 A preclusão fundamentase na segurança jurídica 261 E isso por uma razão muito simples ao precluir a prática de determinado ato ou ao se encerrar o debate a respeito de determinada questão tornase certa e estável dentro do processo a situação jurídica consolidada outorgando expectativa legítima às partes no não retrocesso do procedimento e direito à observância do resultado da preclusão Processo seguro portanto é processo em que as regras de preclusão são devidamente dimensionadas pelo legislador infraconstitucional e observadas pelo juiz na condução do processo A segurança jurídica exige respeito à coisa julgada 262 A Constituição é expressa em determinálo ao legislador infraconstitucional art 5º XXXVI Isso quer dizer que é vedado ao legislador atuar de modo a enfraquecer ou abolir a coisa julgada no Estado Constitucional A coisa julgada é uma regra de conduta 263 não é um princípio de modo que não pode ser afastada de modo nenhum por juízo de proporcionalidade 264 A coisa julgada é uma qualidade que envolve o conteúdo declaratório constante do dispositivo da decisão de mérito transitada em julgado art 502 do CPC2015 A sua fiel observância depende do atendimento ao efeito declaratório oriundo do conteúdo do dispositivo decisório que pode tanto se esgotar no passado como se projetar para o futuro O legislador tem o dever de respeitar a coisa julgada art 5º XXXVI da CF O juiz tem o dever de observar o seu conteúdo e não voltar a decidir aquilo que já foi anteriormente julgado com força de coisa julgada arts 485 V do CPC de 2015 e 95 V do CPP A fortiori o administrador está vinculado à força da coisa julgada Como discurso prático é imprescindível ao direito que os seus problemas sejam definitivamente resolvidos em determinado momento no tempo A coisa julgada portanto é uma regra que torna possível o discurso jurídico como discurso prático Não é simplesmente uma regra do discurso é uma regra sobre o discurso As formas processuais fundamentamse na necessidade de segurança jurídica Não só aliás as formas processuais são instituídas igualmente em respeito à liberdade e à igualdade no processo 265 É claro que o valor outorgado à forma e o modo de com ela trabalhar no processo é determinado como tudo mais pela cultura 266 Por essa razão um dos capítulos mais sensíveis das legislações processuais é aquele destinado a regular as invalidades processuais em que se busca um equilíbrio entre a observância da forma e a necessidade de aproveitamento dos atos processuais 267 O direito processual sofre influxo significativo do direito material também no que tange ao tratamento das invalidades processuais É claro que o conceito de invalidade processual é comum ao processo civil e ao processo penal ato inválido é aquele praticado com infração relevante à forma e devidamente decretado pelo órgão jurisdicional Pouco importam as divisões no plano do processo entre nulidades cominadas e nulidades não cominadas nulidades absolutas nulidades relativas e anulabilidades No campo do processo importa tão somente a invalidade processual sem qualquer adjetivação 268 Não é no campo conceitual portanto que reside a divergência Essa se encontra no âmbito funcional Enquanto no processo civil só será decretada a invalidade do ato processual se demonstrados o não atendimento à finalidade legal e a existência de prejuízo o ônus argumentativo é para invalidação haja vista a validade prima facie dos atos processuais civis 269 no processo penal toda violação formal leva à invalidade salvo se manifestados a inexistência de prejuízo ao réu e o atendimento à finalidade legal 270 Como o processo penal é antes de qualquer coisa anteparo contra o arbítrio do Estado há invalidade prima facie na violação à forma processual O ônus argumentativo é para o reconhecimento da validade do ato praticado com vício formal No entanto não basta obviamente estruturar o processo para que nele haja segurança Em uma perspectiva geral de bem pouco adianta um processo seguro se não houver segurança pelo processo isto é segurança no resultado da prestação jurisdicional É por essa razão imprescindível ao Estado Constitucional o respeito ao precedente judicial arts 926 e 927 do CPC de 2015 A segurança jurídica a igualdade e a necessidade de coerência da ordem jurídica impõem respeito aos precedentes judiciais Vale dizer a Constituição impõe respeito aos precedentes A tarefa do legislador infraconstitucional portanto não está em determinar a vinculação aos precedentes judiciais já que essa vinculação advém da própria Constituição mas sim em prever técnicas processuais idôneas para reconhecimento e aplicação dos precedentes judiciais em juízo A obrigação do Poder Judiciário de seguir precedentes é oriunda da natureza interpretativa do direito e da própria Constituição 271 O CPC de 2015 apenas explicita a existência do dever de seguir precedentes Tratase de imposição do Estado Constitucional O Supremo Tribunal Federal a propósito vem sendo sensível a essa exigência INGRESSO NA CARREIRA DA MAGISTRATURA ART 93 I CRFB EC 452004 TRIÊNIO DE ATIVIDADE JURÍDICA PRIVATIVA DE BACHAREL EM DIREITO REQUISITO DE EXPERIMENTAÇÃO PROFISSIONAL MOMENTO DA COMPROVAÇÃO INSCRIÇÃO DEFINITIVA CONSTITUCIONALIDADE DA EXIGÊNCIA ADI 3460 REAFIRMAÇÃO DO PRECEDENTE PELA SUPREMA CORTE PAPEL DA CORTE DE VÉRTICE UNIDADE E ESTABILIDADE DO DIREITO VINCULAÇÃO AOS SEUS PRECEDENTES STARE DECISIS PRINCÍPIOS DA SEGURANÇA JURÍDICA E DA ISONOMIA AUSÊNCIA DOS REQUISITOS DE SUPERAÇÃO TOTAL OVERRULING DO PRECEDENTE 1 A exigência de comprovação no momento da inscrição definitiva e não na posse do triênio de atividade jurídica privativa de bacharel em Direito como condição de ingresso nas carreiras da Magistratura e do Ministério Público arts 93 I e 129 3º CRFB na redação da Emenda Constitucional n 452004 foi declarada constitucional pelo STF na ADI 3460 2 Mantidas as premissas fáticas e normativas que nortearam aquele julgamento reafirmamse as conclusões ratio decidendi da Corte na referida ação declaratória 3 O papel de Corte de Vértice do Supremo Tribunal Federal impõelhe dar unidade ao direito e estabilidade aos seus precedentes 4 Conclusão corroborada pelo Novo Código de Processo Civil especialmente em seu art 926 que ratifica a adoção por nosso sistema da regra do stare decisis que densifica a segurança jurídica e promove a liberdade e a igualdade em uma ordem jurídica que se serve de uma perspectiva lógico argumentativa da interpretação MITIDIERO Daniel Precedentes da persuasão à vinculação São Paulo Revista dos Tribunais 2016 5 A vinculação vertical e horizontal decorrente do stare decisis relacionase umbilicalmente à segurança jurídica que impõe imediatamente a imprescindibilidade de o direito ser cognoscível estável confiável e efetivo mediante a formação e o respeito aos precedentes como meio geral para obtenção da tutela dos direitos MITIDIERO Daniel Cortes superiores e cortes supremas do controle à interpretação da jurisprudência ao precedente São Paulo Revista do Tribunais 2013 6 Igualmente a regra do stare decisis ou da vinculação aos precedentes judiciais é uma decorrência do próprio princípio da igualdade onde existirem as mesmas razões devem ser proferidas as mesmas decisões salvo se houver uma justificativa para a mudança de orientação a ser devidamente objeto de mais severa fundamentação Daí se dizer que os precedentes possuem uma força presumida ou subsidiária ÁVILA Humberto Segurança jurídica entre permanência mudança e realização no Direito Tributário São Paulo Malheiro 2011 7 Nessa perspectiva a superação total de precedente da Suprema Corte depende de demonstração de circunstâncias fáticas e jurídicas que indiquem que a continuidade de sua aplicação implicam ou implicarão inconstitucionalidade 8 A inocorrência desses fatores conduz inexoravelmente à manutenção do precedente já firmado 9 Tese reafirmada é constitucional a regra que exige a comprovação do triênio de atividade jurídica privativa de bacharel em Direito no momento da inscrição definitiva 10 Recurso extraordinário desprovido 272 Também nessa linha o precedente do Superior Tribunal de Justiça Tenho dito em votos justamente voltados a fazer prevalecer o entendimento consagrado no agora superado HC 84078MG que nenhum acréscimo às instituições e ao funcionamento do sistema de justiça criminal resulta da não vinculação de magistrados à clara divisão de competências entre os diversos órgãos judiciários com base na qual cabe ao Superior Tribunal de Justiça a interpretação do direito federal e ao Supremo Tribunal Federal a interpretação da Constituição da República Em verdade como acentua a doutrina mais abalizada a violação à interpretação ofertada pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça é uma insubordinação institucional da mais alta gravidade no Estado Constitucional E isso não só pelo fato de existir uma divisão de trabalho muito clara entre Cortes de Justiça e Cortes de Precedentes mas fundamentalmente pelo fato de a violação ao precedente encarnar um duplo e duro golpe no Direito a um só tempo violase autoridade da legislação consubstanciada na interpretação a ela conferida e violase a autoridade do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça como Cortes Supremas constitucionalmente encarregadas de dar a última palavra a respeito do significado da Constituição e da legislação infraconstitucional federal Nesse contexto afastarse do precedente deve ser visto como uma falta grave em relação ao dever judicial de fidelidade ao Direito Em duas palavras deve ser visto como uma evidente arbitrariedade MITIDIERO Daniel Cortes Superiores e Cortes Supremas Do controle à interpretação da jurisprudência ao precedente São Paulo Revista dos Tribunais 2013 p 9697 No mesmo sentido o juiz é uma peça no sistema de distribuição de justiça e não alguém que é investido de Poder estatal para satisfazer as suas vontades Para que esse sistema possa adequadamente funcionar cada um dos juízes deve se comportar de modo a permitir que o Judiciário possa se desincumbir do seu dever de prestar a tutela jurisdicional de forma isonômica e sem ferir a coerência do direito e a segurança jurídica Portanto a absurda e impensada ideia de dar ao juiz o poder de julgar o caso como quiser não obstante ter o Tribunal Superior já conferido os seus contornos é hoje completamente insustentável Desconsidera que as Supremas Cortes na atualidade têm a função de dar sentido ao Direito e desenvolvêlo ao lado do Legislativo MARINONI Luiz Guilherme O STJ enquanto corte de precedentes recompreensão do sistema processual da corte suprema São Paulo Revista dos Tribunais 2013 p 129130 273 512 Direito à assistência jurídica integral 5121 Introdução Para que o Estado Constitucional logre o seu intento de tutelar de maneira adequada efetiva e tempestiva os direitos de todos os que necessitem de sua proteção jurídica art 5º XXXV e LXXVIII da CF independentemente de origem raça sexo cor idade e condição social art 3º IV da CF é imprescindível que preste assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos econômicos para bem se informarem a respeito de seus direitos e para patrocinarem suas posições em juízo art 5º LXXIV da CF Vale dizer a proteção jurídica estatal deve ser pensada em uma perspectiva social 274 permeada pela preocupação com a organização de um processo democrático a todos acessível 275 Fora desse quadro há flagrante ofensa à igualdade no processo arts 5º I da CF e 7º 139 I CPC de 2015 à paridade de armas Waffengleichheit ferindose daí igualmente o direito fundamental ao processo justo procedural due process of law art 5º LIV da CF A preocupação com a assistência jurídica aos menos favorecidos economicamente apareceu pela primeira vez no direito constitucional brasileiro na Constituição de 1934 art 113 n 32 A Constituição Política do Império do Brasil de 1824 era omissa a respeito bem como a Constituição de 1891 A referência ao tema desaparece com a Constituição de 1937 ressurgindo posteriormente na Constituição de 1946 art 141 35 e na Constituição de 1967 art 153 32 A Grundgesetz alemã não prevê de maneira explícita direito fundamental à assistência jurídica gratuita nada obstante a doutrina o aponte como um elemento indissociável do direito fundamental à tutela efetiva art 19 IV GG do princípio da igualdade art 20 GG e do princípio do Estado Social art 3 I GG sendo os 114 a 127a da Zivilprozessordenung uma densificação infraconstitucional desse direito 276 Na Itália o art 24 terceira parte da Costituzione della Repubblica Italiana afirma expressamente que sono assicurati ai non abbienti con appositi istituti i mezzi per agire e difendersi davanti ad ogni giurisdizione Em Portugal o art 20 primeira e segunda partes da Constituição refere que a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios econômicos e que todos têm direito nos termos da lei à informação e consultas jurídicas ao patrocínio judiciário e a fazerse acompanhar por advogado perante qualquer autoridade Na Espanha a Constitución Española afirma que todas las personas tienen derecho a obtener la tutela judicial efectiva de los jueces y tribunales en el ejercicio de sus derechos e intereses legítimos sin que en ningún caso pueda producirse indefensión art 24 n 1 para logo em seguida complementar que la justicia será gratuita cuando así lo disponga la ley y en todo caso respecto de quienes acrediten insuficiencia de recursos para litigar art 119 277 No plano internacional a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 afirma em seu art VII que todos são iguais perante a lei e têm direito sem qualquer distinção a igual proteção de lei asseverando logo em seguida que toda pessoa tem o direito de receber dos tribunais nacionais competentes recurso efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela Constituição ou pela lei art VIII e que toda pessoa tem direito em plena igualdade a uma audiência justa e pública por parte de um tribunal independente e imparcial para decidir de seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra ela art X Explicitamente a Convenção Europeia dos Direitos Humanos de 1950 refere que todo acusado tem os seguintes direitos notadamente c defenderse pessoalmente ou ter a assistência de um defensor de sua escolha e se não tiver recursos para remunerar seu defensor poder ser assistido gratuitamente por um advogado dativo quando os interesses da justiça o exigirem art 6 n 3 No Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos de 1966 a preocupação com a organização de um processo justo capaz de outorgar tutela adequada efetiva e tempestiva aos direitos de todos sem discriminação de qualquer ordem inclusive de ordem econômica e social reaparece em várias disposições arts 2º n 1 e 3 14 e 26 278 5122 Âmbito de proteção O direito fundamental à assistência jurídica integral e gratuita é direito fundamental à prestação estatal Compreende direito à informação jurídica e direito à tutela jurisdicional adequada e efetiva mediante processo justo O direito à assistência jurídica integral outorga a todos os necessitados direito à orientação jurídica e ao benefício da gratuidade judiciária que compreende isenções das taxas judiciárias dos emolumentos e custas das despesas com publicações indispensáveis no jornal encarregado da divulgação dos atos oficiais das indenizações devidas às testemunhas dos honorários de advogado e perito das despesas com a realização do exame de código genético DNA que for requisitado pela autoridade judiciária nas ações de investigação de paternidade ou maternidade e dos depósitos para interposição de recurso ajuizamento de ação e demais atos processuais art 3º da Lei 10601950 Ainda implica obviamente direito ao patrocínio judiciário elemento inerente ao nosso processo justo 279 Nossa Constituição confia à Defensoria Pública a orientação jurídica e a defesa em todos os graus dos necessitados na forma do art 5º LXXIV art 134 da CF Nada obsta contudo a que a parte menos favorecida economicamente litigue com o benefício da gratuidade judiciária com o patrocínio de um advogado privado de sua confiança O direito fundamental à assistência jurídica integral e gratuita é multifuncional 280 Entre outras funções assume a de promover a igualdade com o que se liga imediatamente ao intento constitucional de construir uma sociedade livre justa e solidária art 3º I da CF e de reduzir as desigualdades sociais art 3º III in fine da CF Possibilita ainda um efetivo acesso à justiça mediante a organização de um processo justo que leve em consideração as reais diferenças sociais entre as pessoas Nessa linha assume as funções de prestação estatal e de não discriminação 281 Todas as pessoas físicas e jurídicas têm direito à assistência jurídica integral e gratuita Pouco importa se nacionais ou estrangeiras arts 5º da CF e 98 do CPC de 2015 Igualmente mesmo os entes despersonalizados no plano do direito material a que o processo reconhece personalidade judiciária têm direito à assistência jurídica integral e gratuita Tem direito ao benefício da gratuidade judiciária quem afirma ou afirma e prova a sua necessidade Considerase necessitado para os fins legais todo aquele cuja situação econômica não lhe permita pagar as custas do processo e os honorários de advogado sem prejuízo do sustento próprio ou da família art 98 do CPC de 2015 As pessoas físicas têm direito ao benefício da gratuidade judiciária mediante a simples afirmação de necessidade do benefício Essa afirmação goza de presunção juris tantum de veracidade art 99 3º do CPC de 2015 A jurisprudência é tranquila a respeito do ponto 282 Entretanto no que tange às pessoas jurídicas não basta afirmar a necessidade do benefício tendo a parte que provar a sua alegação Não há discrepância na jurisprudência sobre o assunto 283 O pedido de benefício da gratuidade judiciária poderá ser formulado na petição inicial ou na contestação art 99 do CPC de 2015 Nada obsta a que seja requerido posteriormente no curso do processo art 99 do CPC de 2015 A parte contrária poderá em qualquer fase do processo requerer a revogação do benefício desde que prove a inexistência ou o desaparecimento dos requisitos essenciais à sua concessão art 100 do CPC de 2015 O juiz pode igualmente revogar de ofício o benefício nesses mesmos casos atendido o direito fundamental ao contraditório arts 5º LV da CF e 8º da Lei 10601950 que permanece em vigor art 1072 III do CPC de 2015 513 Direito fundamental à duração razoável do processo 5131 Introdução Na esteira do direito comunitário europeu art 6º 1 da Convenção Europeia de Direitos do Homem e americano art 8º 1 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos e a exemplo de várias Constituições europeias art 111 segunda parte Constituição italiana art 24 segunda parte Constituição espanhola art 20 terceira parte Constituição portuguesa nossa Constituição prevê que a todos no âmbito judicial e administrativo são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação art 5º LXXVIII O Código de Processo Civil de 2015 repeteo a título de norma fundamental art 4º Tratase de direito que reflete o sentimento comum das pessoas no sentido de que justiça lenta é justiça negada sonoramente recolhido na expressão justice delayed is justice denied da tradição anglosaxônica 284 O direito ao processo com duração razoável portanto constitui peça fundamental para promover e manter a confiança social na efetividade da ordem jurídica 285 5132 Âmbito de proteção O direito fundamental à duração razoável do processo constitui princípio redigido como cláusula geral Ele impõe um estado de coisas que deve ser promovido pelo Estado a duração razoável do processo Ele prevê no seu suporte fático termo indeterminado duração razoável e não comina consequências jurídicas ao seu não atendimento Seu conteúdo mínimo está em determinar i ao legislador a adoção de técnicas processuais que viabilizem a prestação da tutela jurisdicional dos direitos em prazo razoável por exemplo previsão de tutela definitiva da parcela incontroversa da demanda no curso do processo a edição de legislação que reprima o comportamento inadequado das partes em juízo litigância de má fé e contempt of court e regulamente minimamente a responsabilidade civil do Estado por duração não razoável do processo ii ao administrador judiciário a adoção de técnicas gerenciais capazes de viabilizar o adequado fluxo dos atos processuais bem como organizar os órgãos judiciários de forma idônea número de juízes e funcionários infraestrutura e meios tecnológicos e iii ao juiz a condução do processo de modo a prestar a tutela jurisdicional em prazo razoável Os textos jurídicos internacionais e estrangeiros em geral empregam o termo razoável para qualificar a duração do processo que deve ser promovida no Estado Constitucional durata ragionevole délai raisonnable daí provavelmente a redação da nossa Constituição É certo contudo que o problema está em saber se o tempo que o processo ocupou para prestação da tutela do direito é proporcional ou não A relação que estabelece é entre meio duração do processo e fim tutela do direito Rigorosamente a questão está em saber se a duração do processo é proporcional em relação à especificidade do direito material tutelado em juízo O qualificativo razoável no entanto está consagrado e incorporado ao repertório dogmático de modo que o seu emprego vai legitimado pela tradição processual O direito à duração razoável do processo não constitui e não implica direito a processo rápido ou célere As expressões não são sinônimas 286 A própria ideia de processo já repele a instantaneidade 287 e remete ao tempo como algo inerente à fisiologia processual A natureza necessariamente temporal do processo constitui imposição democrática oriunda do direito das partes de nele participarem de forma adequada 288 donde o direito ao contraditório e os demais direitos que confluem para organização do processo justo ceifam qualquer possibilidade de compreensão do direito ao processo com duração razoável simplesmente como direito a um processo célere 289 O que a Constituição determina é a eliminação do tempo patológico a desproporcionalidade entre duração do processo e a complexidade do debate da causa que nele tem lugar Nesse sentido a expressão processo sem dilações indevidas utilizada pela Constituição espanhola art 24 segunda parte é assaz expressiva O direito ao processo justo implica sua duração em tempo justo 290 Pressuposto para aferição da duração razoável do processo é a definição do seu spatium temporis o dies a quo e o dies ad quem entre os quais o processo se desenvolve O processo deve ser avaliado para fins de aferição de sua duração levandose em consideração todo o tempo em que pendente a judicialização do conflito entre as partes Isso quer dizer que a propositura de ação visando à concessão de tutela cautelar preparatória serve para fixação do termo inicial assim como a atividade voltada à execução do direito também deve ser computada para determinação do termo final A duração razoável do processo deve levar em conta o tempo para prestação da tutela do direito caso a parte autora se sagre vencedora ou a simples prestação da tutela jurisdicional caso a parte autora sucumba ou seja prolatada decisão que extinga o processo sem resolução de mérito 291 A jurisprudência da Corte Europeia de Direitos Humanos desenvolveu critérios para aferição da duração razoável do processo Em sua primeira formulação a Corte erigiu como critérios i a complexidade da causa ii o comportamento das partes e iii o comportamento do juiz na condução do processo 292 Hoje além desses três clássicos parâmetros a Corte vem apreciando igualmente a razoabilidade da duração do processo a partir da relevância do direito reclamado em juízo para a vida do litigante prejudicado pela duração excessiva do processo critério da posta in gioco que determina redobrada atenção do Estado nos casos em que o litígio versa sobre responsabilidade civil por contágio de doenças 293 status pessoal 294 e que ameacem a liberdade pessoal do réu no processo penal 295 Vale dizer a importância da decisão da causa na vida do litigante adquire significativa importância para análise da razoabilidade da duração do processo 296 Esses parâmetros são perfeitamente aplicáveis no direito brasileiro para fins de aferição da concretização do direito ao processo sem dilações indevidas A complexidade da causa sua importância na vida do litigante o comportamento das partes e o comportamento do juiz ou de qualquer de seus auxiliares são critérios que permitem aferir racionalmente a razoabilidade da duração do processo 297 Alguém poderia imaginar que o comportamento inadequado da parte que acarrete dilação indevida não gera direito à tutela reparatória por duração não razoável do processo por ausência de nexo de causalidade entre a conduta do Estado e o dano à parte Contudo se a parte se comporta de forma inaceitável gerando incidentes procrastinatórios por exemplo há responsabilidade do Estado É preciso perceber que o juiz tem o dever de velar pela rápida solução do litígio tendo de conduzir o processo de modo a assegurar a tempestividade da tutela jurisdicional Daí que o juiz que se omite na repressão ao ato abusivo da parte contribui para dilação indevida dando azo à responsabilização estatal A violação do direito à duração razoável gera direito à tutela reparatória A responsabilidade do Estado é pela integralidade do dano experimentado pela parte prejudicada pela duração excessiva do processo medindose a reparação pela sua extensão art 944 do CC 298 Nada obsta à configuração de direito à reparação por danos patrimoniais e por danos extrapatrimoniais por exemplo por danos morais e por danos à imagem em face da excessiva duração do processo 299 A ação visando à indenização pela duração excessiva do processo segue o procedimento comum ordinário e tem de ser proposta em primeiro grau de jurisdição Pode ser proposta tanto contra a União perante a Justiça Federal art 109 I da CF se a responsabilidade pela condução do processo em que ocorreu a dilação indevida for de juízo federal comum ou especializado quanto contra o Estado perante a Justiça Estadual art 125 da CF se a responsabilidade for de juízo estadual 514 Direito fundamental ao duplo grau de jurisdição 5141 Introdução Na família processual romanocanônica a regra do duplo grau de jurisdição gozou em geral de grande prestígio tendo em conta a tradicional submissão da sentença de primeiro grau à revisão in totum pelos tribunais ordinários Nesse particular aliás residia uma das históricas diferenças estruturais mais significativas entre a organização do processo de civil law e de common law 300 Dentro do constitucionalismo brasileiro apenas a Constituição Imperial de 1824 previa expressamente o duplo grau de jurisdição art 158 As demais Constituições silenciaram a respeito cingindo se a prever competências recursais ordinárias 301 A Constituição de 1988 segue o mesmo caminho Na dimensão supranacional contudo a Convenção Interamericana de Direitos Humanos Pacto de San José da Costa Rica consagra o direito ao duplo grau de jurisdição no processo penal art 8º n 2 h 5142 Âmbito de proteção Ter direito ao duplo grau de jurisdição significa ter direito a um duplo exame de mérito por dois órgãos distintos do Poder Judiciário 302 Partindose desse conceito é evidente que a nossa Constituição não consagra o direito ao duplo grau de jurisdição no processo civil O fato de a Constituição ter previsto tribunais com competências recursais ordinárias não impede o legislador infraconstitucional de permitir por exemplo que o tribunal conheça do mérito da causa sem que o tenha feito anteriormente o juízo de primeiro grau art 1013 3º do CPC de 2015 nem impede tampouco a limitação do próprio direito ao recurso em causas de menor expressão econômica por exemplo art 34 da Lei 6830 de 1980 A mesma solução contudo não pode ser aplicada ao processo penal É que a Convenção Interamericana de Direitos do Homem prevê expressamente o direito ao duplo grau de jurisdição no processo penal de modo que é possível afirmálo como elemento essencial para conformação do processo justo no âmbito penal 303 Isso não implica contudo a inexistência de exceções ao duplo grau mesmo nesse terreno É óbvio que o direito ao duplo grau não se aplica em caso de competência penal originária do Supremo Tribunal Federal Nesse caso está suficientemente resguardado o direito ao processo justo do réu pelo simples fato de ser julgado pela mais alta Corte do País 6 AÇÕES CONSTITUCIONAIS Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero 61 Habeas corpus 611 Introdução Nossa Constituição assevera Concederseá habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção por ilegalidade ou abuso de poder art 5º LXVIII O direito ao habeas corpus que vem desde a Magna Carta 1215 cláusula 29 percorre toda a história do common law inglês Habeas Corpus Act 1679 e estuda Como tutela do direito à liberdade de locomoção o habeas corpus está intimamente ligado à prisão Isso quer dizer que essa ação tem por função prevenir ou reprimir prisões ilegais Essa é a razão pela qual já se decidiu que não cabe habeas corpus contra decisão condenatória a pena de multa ou relativo a processo em curso por infração penal a que a pena pecuniária seja a única cominada Súmula 693 do STF e que não cabe habeas corpus quando já extinta a pena privativa de liberdade Súmula 695 do STF Em ambos os casos o processo não se mostra idôneo a resultar em restrição à liberdade daí o não cabimento do habeas corpus Nossa Constituição prevê que ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar definidos em lei art 5º LXI a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada art 5º LXII o preso será informado de seus direitos entre os quais o de permanecer calado sendolhe assegurada a assistência da família e de advogado art 5º LXIII o preso tem direito à identificação dos responsáveis por sua prisão ou por seu interrogatório policial art 5º LXIV e ninguém será levado à prisão ou nela mantido quando a lei admitir a liberdade provisória com ou sem fiança art 5º LXVI Em todos os casos em que a desobediência a esses preceitos constitucionais importar ameaça ou restrição à liberdade deambulatória 305 cabe habeas corpus sendo que a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária art 5º LXV da CF O Código de Processo Penal assevera Darseá habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar na iminência de sofrer violência ou coação ilegal na sua liberdade de ir e vir salvo nos casos de punição disciplinar art 647 O dispositivo tem de ser lido na perspectiva dos arts 5º LXVIII e 142 2º da CF o que se veda em sede de habeas corpus é a revisão do mérito da punição disciplinar militar Obviamente cabe habeas corpus para controle da regularidade formal da punição que não escapa como os atos administrativos em geral ao controle jurisdicional 306 Densificando o direito ao habeas corpus o Código de Processo Penal refere que a coação considerarseá ilegal I quando não houver justa causa II quando alguém estiver preso por mais tempo do que determina a lei III quando quem ordenar a coação não tiver competência para fazêlo IV quando houver cessado o motivo que autorizou a coação V quando não for alguém admitido a prestar fiança nos casos em que a lei a autoriza VI quando o processo for manifestamente nulo VII quando extinta a punibilidade art 648 A coação não tem justa causa quando não está fundada em norma jurídica que a autorize Configura coação ilegal passível de controle por habeas corpus não só a pendência de processo penal mas também a existência de inquérito policial sem justa causa Com maior razão também se configura a coação ilegal quando decretada prisão processual sem suficiente fumus commissi delicti ou periculum libertatis A prisão processual tem de ser decretada com observância do postulado da proporcionalidade Fora daí não tem justa causa a coação 307 Quando alguém estiver preso por mais tempo que a lei determina cabe habeas corpus A interpretação dessa norma à luz do direito ao processo com duração razoável art 5º LXXVIII da CF impõe a caracterização de prisão processual como coação ilegal não só para além do tempo legal mas também para além do prazo razoável de custódia 308 O habeas corpus pode ser impetrado contra ato de particular É que não é só o Estado que pode investir arbitrariamente contra a liberdade de locomoção do indivíduo Embora menos comum não se pode ignorar a possibilidade de alguém ter a sua liberdade restringida por força de ato ilegal de estabelecimentos hospitalares de internações em clínicas para dependentes químicos ou de idosos em casas geriátricas A legalidade da restrição nem sempre é de fácil aferição A regra é que sendo evidente a ilegalidade aferível mesmo por quem não tem instrução jurídica basta a intervenção policial para fazer cessar a coação ilegal Do contrário sendo discutível a legalidade da coação o remédio correto para tutela da liberdade é o habeas corpus 309 613 Titularidade O habeas corpus pode ser impetrado por qualquer pessoa em seu favor ou de outrem bem como pelo Ministério Público art 654 caput do CPP O titular do direito ao habeas corpus é o paciente aquele que está na iminência de sofrer ou está sofrendo coação ilegal na sua liberdade Se o paciente impetra há coincidência entre o titular do direito à liberdade e o titular da ação legitimação ordinária Se qualquer pessoa ou mesmo o Ministério Público impetra a favor do paciente há dissociação entre o titular do direito material afirmado em juízo paciente e o legitimado à propositura da ação impetrante A legitimação nesse caso é extraordinária configurando caso de substituição processual 310 Obviamente como existe expressa autorização em lei para propositura de habeas corpus para tutela do direito de outrem exigir a assinatura do paciente na petição inicial constitui formalismo injustificável É indevida qualquer providência desse jaez cuja exigência configura pura e simples denegação de justiça A abertura da legitimação ad causam para impetração de habeas corpus justificase pela proeminência que o direito de liberdade tem no Estado Constitucional E é essa mesma proeminência que permite inclusive a concessão ex officio de habeas corpus art 654 2º do CPP Como semelhante amplitude na legitimação para causa pode acarretar impetração de habeas corpus em colisão com a própria vontade do paciente a solução está em o juiz consultálo caso exista dúvida a respeito do seu interesse na tutela jurisdicional para que manifeste sua vontade em prosseguir ou não com a impetração 311 614 Conformação infraconstitucional O Código de Processo Penal densifica a disciplina do habeas corpus arts 647 a 667 São questões relevantes para sua adequada compreensão i a natureza da cognição do procedimento de habeas corpus ii a possibilidade de liminar para imediata tutela do direito de liberdade iii a competência iv a eficácia da decisão e v coisa julgada É comum encontrar a caracterização do processo da ação de habeas corpus como processo sumaríssimo que por isso exige prova préconstituída 312 como ação de procedimento sumário pois a cognição é limitada 313 ou como ação que constitui um processo de cognição sumária limitada portanto em que não se permite uma ampla e plena discussão sobre a ilegalidade devendo ela ser evidente comprovada por prova préconstituída 314 Diante de afirmações dessa ordem impende distinguir as coisas O processo de habeas corpus é sumário do ponto de vista formal porque possui procedimento abreviado Do ponto de vista da cognição porém constitui processo de cognição parcial e exauriente secundum eventum probationis 315 No plano horizontal da cognição o habeas corpus tem cognição parcial por uma razão apenas as matérias que configurem coação ilegal são passíveis de discussão no seu processo A causa de pedir e a defesa são vinculadas ao corte vertical procedido pelo legislador arts 5º LXVIII da CF e 648 do CPP No plano vertical contudo a cognição é plena secundum eventum probationis O juiz conhece da causa visando à formação de juízo de certeza no limite permitido pela prova documental préconstituída A especialidade do processo no plano da cognição reside justamente no fato de o juiz não poder conhecer nada senão mediante prova préconstituída Qualquer alegação que dependa de prova diversa da documental não pode ser conhecida em habeas corpus Isso não quer dizer contudo que o habeas corpus não tenha uma fase de cognição sumária no plano vertical Afirmar a cognição parcial e exauriente secundum eventum probationis do processo como um todo não implica negar a possibilidade de tutela jurisdicional mediante cognição sumária em habeas corpus Embora o Código de Processo Penal silencie a respeito é inquestionável a possibilidade de liminar em habeas corpus para proteção imediata da liberdade individual do paciente A decisão liminar é oriunda da utilização da técnica antecipatória e como visa à satisfação do direito à liberdade de forma provisória sob cognição sumária mediante invocação de perigo na demora pode ser classificada como antecipação da tutela satisfativa fundada na urgência não se trata portanto de tutela cautelar 316 A competência para apreciação de pedido de habeas corpus está na Constituição arts 102 I d 105 I c 108 I d 109 VII 114 IV e no Código de Processo Penal art 650 Anotese que é da competência do STF julgar habeas corpus impetrado contra ato de Comissão Parlamentar de Inquérito 317 No que tange ao controle dos atos de Turma Recursal de Juizados Especiais Criminais depois de ter sumulado o tema 318 o STF superou seu precedente overruling e reconheceu competência aos Tribunais de Justiça ou aos Tribunais Regionais Federais conforme o caso para julgar habeas corpus impetrado contra decisão de Turma Recursal 319 Ainda sobre o tema há orientação assente no STF no sentido de que não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de habeas corpus impetrado contra decisão do relator que em habeas corpus requerido a tribunal superior indefere a liminar Súmula 691 Em julgamento posterior contudo o STF outorgou novo delineamento ao precedente consubstanciado na Súmula 691 320 ressalvando que é cabível o habeas corpus quando há manifesta ilegalidade no indeferimento da ordem entendendose por manifesta ilegalidade a evidente negativa de autoridade de precedente do STF sobre o assunto 321 É importante perceber que o STF considerou um novo fato material negação de autoridade de precedente constitucional no indeferimento de liminar em habeas corpus para restringir o alcance do precedente firmado na Súmula 691 O STF ao fazêlo acabou por alçar mão do overriding para dar nova feição ao precedente Não há propriamente uma distinção distinguishing Há consideração de novo fato material antes não considerado que outorga novo alcance ao precedente No fundo há verdadeira revogação implícita implied overruling de parcela do precedente da Súmula 691 do STF 322 que hoje deve ser assim compreendida não compete ao STF conhecer de habeas corpus impetrado contra decisão do relator que em habeas corpus requerido a tribunal superior indefere a liminar ressalvada hipótese de denegação da ordem em confronto com precedente do próprio STF A eficácia da sentença no habeas corpus é mandamental O objetivo é obter ordem judicial que tenha o condão de impedir ou fazer cessar a coação ilegal à liberdade do paciente O curial é que a concessão de habeas corpus impeça alguém de ir para a prisão ou determine a sua soltura Nada obsta porém conforme o direito material alegado que nele se determine a extinção do processo trancamento do processo reconheçase direito à prisão especial ou que culmine com a determinação de desconsideração de determinado ato processual inválido no processo 323 arts 651 e 652 do CPP A coisa julgada no processo de habeas corpus formase de acordo com a suficiência da prova préconstituída para estabelecimento da verdade das alegações de fato coisa julgada secundum eventum probationis A sua denegação pela impossibilidade de conhecimento da questão tão somente à luz de prova documental não implica formação de coisa julgada não impedindo nova alegação no curso do processo penal No mais nenhuma particularidade na disciplina dos limites territoriais temporais objetivos e subjetivos na coisa julgada em habeas corpus Por exemplo variando a causa de pedir não há falar em coisa julgada 62 Mandado de segurança 621 Introdução Fruto direto do rescaldo teórico da doutrina brasileira do habeas corpus em que se procurou alargar o seu âmbito de proteção para além da liberdade de locomoção o mandado de segurança aparece em nossa ordem constitucional na Constituição de 1934 art 113 n 33 324 Tratase de ação que visa à tutela de direito líquido e certo não amparado por habeas corpus ou habeas data quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público art 5º LXIX da CF Ao lado do habeas corpus constitui importante herança do antigo Estado de Direito da tradição liberal brasileira 325 Nossa Constituição prevê a possibilidade de sua impetração tanto na forma individual como na coletiva art 5º LXX A Lei 120162009 disciplina o tema no plano infraconstitucional 622 Âmbito de proteção O mandado de segurança visa à proteção de direito líquido e certo contra o ilícito ilegalidade ou abuso de poder causador ou não de dano e pode levar à concessão de tutela preventiva tutela inibitória ou tutela repressiva tutela de remoção do ilícito tutela específica do adimplemento ou tutela reparatória Protege tanto direitos individuais como direitos coletivos direitos individuais homogêneos direitos coletivos e direitos difusos ameaçados ou violados por ato de autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuição do Poder Público A tutela jurisdicional que se pode obter mediante mandado de segurança é a mandamental O que se postula é a concessão de ordem contra a autoridade coatora a fim de que se abstenha ou cesse de lesar a esfera jurídica do impetrante O mandado de segurança não se presta a obter a condenação ao pagamento de quantias pretéritas devidas ao impetrante Súmulas 269 e 271 do STF 326 nem tampouco substitui ação popular Súmula 101 do STF 327 A jurisprudência pacífica do STJ permite a impetração de mandado de segurança para obtenção da declaração do direito à compensação tributária Súmula 213 do STJ 328 Nada obstante veda a impetração para convalidar a compensação tributária realizada pelo contribuinte Súmula 460 do STJ 329 Com a impetração de mandado de segurança pode o impetrante obter tutela inibitória Vale dizer pode prevenir a prática a reiteração ou a continuação de ato ilícito O mandado de segurança constitui ação idônea para obtenção de tutela inibitória O mesmo vale para tutela de remoção do ilícito O mandado de segurança permite a remoção da causa ou dos efeitos do ato ilícito 330 Nada obsta igualmente a que preste tutela do adimplemento na forma específica Se voltado contra o dano o mandado de segurança pode prestar tutela reparatória desde que não vise à obtenção de efeitos patrimoniais pretéritos A possibilidade de impetração de mandado de segurança preventivo visando à obtenção de tutela inibitória não se confunde com a impetração de mandado de segurança contra lei em tese situação sabidamente não permitida pela jurisprudência pacífica do STF Súmula 266 331 Em primeiro lugar é importante notar que não há qualquer proibição contra impetração de mandado de segurança contra leis de efeitos concretos Quando a legislação desde logo afeta a posição jurídica do impetrante por ser a ele endereçada concretamente é perfeitamente possível a impetração de mandado de segurança 332 Em segundo lugar é preciso perceber que o mandado de segurança preventivo pode justamente visar a impedir a violação da esfera jurídica do impetrante em face da incidência de legislação de aplicação vinculada O que diferencia essa hipótese daquela não permitida pela jurisprudência do STF é justamente a descrição da ameaça na petição inicial com ligação concreta à esfera jurídica do impetrante Vale dizer o fato de a legislação ser de aplicação vinculada pelo administrador já constitui elemento suficiente para afastar a cogitação de se tratar de mandado de segurança contra lei em tese O mandado de segurança pode ser impetrado para tutela de direitos individuais ou para tutela de direitos coletivos direitos coletivos difusos e individuais homogêneos 333 Impedir a tutela de direitos difusos mediante mandado de segurança coletivo a partir de uma interpretação literal do art 21 da Lei 120162009 importa inquestionável retrocesso na proteção do direito fundamental à tutela adequada dos direitos A alusão à tutela coletiva mediante mandado de segurança revela a preocupação constitucional com a dimensão coletiva dos direitos e com isso dá azo ao reconhecimento da dignidade outorgada pela nossa Constituição aos novos direitos 334 Com isso o mandado de segurança se desloca da esfera de influência do Estado Legislativo em que sobressai a necessidade de proteção do indivíduo contra o Estado tão somente e passa a integrar os domínios do Estado Constitucional sendo veículo adequado também para prestação de tutela aos novos direitos em que a transindividualidade está normalmente presente Não cabe mandado de segurança para decisão judicial com trânsito em julgado Súmula 268 do STF O mandado de segurança não tem efeitos rescisórios de ato judicial protegido pela coisa julgada A Lei 120162009 refere que não cabe mandado de segurança i contra os atos de gestão comercial praticados pelos administradores de empresas públicas de sociedade de economia mista e de concessionárias de serviço público art 1º 2º ii contra ato do qual caiba recurso administrativo com efeito suspensivo independentemente de caução 335 art 5º I iii contra decisão judicial da qual caiba recurso com efeito suspensivo art 5º II e iv contra decisão judicial transitada em julgado art 5º III A legislação infraconstitucional deve ser interpretada de maneira conforme à Constituição e mais especialmente de maneira conforme aos direitos fundamentais 336 Essa diretriz impõe leitura constitucionalmente orientada das restrições impostas pela legislação no que tange ao cabimento do mandado de segurança Não se trata obviamente de negar a possibilidade de restrições aos direitos fundamentais mas sim de fazêlas acompanhar de justificações de ordem constitucional 337 É inconstitucional a regra que nega a possibilidade de impetração de mandado de segurança contra atos de gestão comercial praticados pelos administradores de empresas públicas de sociedade de economia mista e de concessionárias de serviço público se interpretada sem qualquer ressalva 338 Sempre que o ato praticado por tais agentes for regido pelo direito público cabe mandado de segurança para contrastar sua legalidade A restrição só concerne aos atos de gestão comercial decisões estratégicas a respeito dos rumos do negócio empreendido pelas empresas públicas sociedades de economia mista e concessionárias de serviço público As restrições indicadas nos incisos I e II do art 5º da Lei 120162009 podem ser interpretadas de forma conjunta O legislador pressupõe para restringir o cabimento do mandado de segurança a adequação a efetividade e a tempestividade da proteção despendida pelo recurso administrativo e pelo recurso judicial Tratase de presunção relativa Sendo inidônea a tutela oferecida pelo recurso administrativo ou pelo recurso judicial para afastar a ameaça de lesão ou a lesão cabe mandado de segurança mesmo quando exista recurso administrativo com efeito suspensivo independentemente de caução e quando exista recurso previsto na legislação processual com efeito suspensivo Nesses casos contudo o impetrante tem o ônus de justificar preliminarmente a inidoneidade desses expedientes para tutelar de forma eficaz a sua esfera jurídica O conceitochave para compreensão do mandado de segurança é o de direito líquido e certo Tratase de conceito processual Não se trata de conceito de direito material desde que efetivamente existentes todos os direitos são líquidos e certos 339 Pouco importa para sua caracterização igualmente a complexidade da discussão jurídica que deve ser enfrentada para o reconhecimento do direito afirmado em juízo Súmula 625 do STF 340 O direito líquido e certo é aquele que pode ser provado em juízo mediante prova pré constituída mais especificamente mediante prova documental Daí a razão pela qual corretamente se aponta o mandado de segurança como espécie de procedimento documental 341 A caracterização do direito líquido e certo obedece à especial condição da alegação de fato no processo cuja veracidade pode ser idoneamente aferida mediante prova documental préconstituída 623 Titularidade São titulares do direito à impetração de mandado de segurança individual são seus legitimados ativos todas as pessoas físicas ou jurídicas art 1º caput da Lei 120162009 pouco importando se nacionais ou estrangeiras 342 A lei expressamente permite inclusive substituição processual para impetração de mandado de segurança ao prever que quando o direito ameaçado ou violado couber a várias pessoas qualquer delas poderá requerer o mandado de segurança art 1º 3º da Lei 120162009 cuja importância teórica e pragmática vem sendo devidamente ressaltada pela doutrina 343 Constitui exemplo dessa situação a possibilidade de integrante de lista de candidatos a determinada vaga da composição de tribunal impetrar mandado de segurança para impugnar a validade da nomeação de concorrente Súmula 628 do STF 344 O mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por i partido político com representação no Congresso Nacional ii organização sindical iii entidade de classe e iv associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano em defesa dos interesses de seus membros ou associados arts 5º LXX da CF e 21 da Lei 120162009 É pacífica a jurisprudência hoje inclusive refletida na legislação infraconstitucional no sentido de que a entidade de classe tem legitimação para o mandado de segurança ainda quando a pretensão veiculada interesse apenas a uma parte da respectiva categoria Súmula 630 do STF E que a impetração de mandado de segurança coletivo por entidade de classe em favor dos associados independe da autorização destes Súmula 629 do STF O rol de legitimados para propositura de mandado de segurança coletivo não é taxativo Como observa a doutrina a previsão constitucional que trata do mandado de segurança coletivo limitase a estabelecer os legitimados para esta ação Em contraste com a legitimidade para outras ações coletivas qualquer cidadão para a ação popular e vários entes para as ações civis públicas é de se questionar se a legitimação aqui prevista é exclusiva ou seja se o rol trazido no dispositivo em questão é exaustivo Nada há que autorize esta conclusão A garantia fundamental como cediço não pode ser restringida mas nada impede aliás será muito salutar que seja ampliada Daí ser possível questionarse da possibilidade de autorizar os legitimados para as ações civis públicas a proporem mandado de segurança coletivo Partindose do pressuposto de que o mandado de segurança é apenas uma forma de procedimento mostrase impossível fugir da conclusão de que a tutela dos interesses coletivos já foi outorgada pelo texto constitucional e por diplomas infraconstitucionais a outras entidades além daquelas enumeradas no dispositivo em exame Ora se essas outras entidades já estão habilitadas à proteção desses interesses qual seria a racionalidade em negarlhes autorização para utilizar uma via processual de proteção Absolutamente nenhuma Diante disso parece bastante razoável sustentar a ampliação pelo direito infraconstitucional e também pelas normas constitucionais vg art 129 III do rol de legitimados para a impetração deste remédio constitucional de sorte que todos os autorizados para as ações coletivas também tenham à sua disposição o mandado de segurança coletivo como técnica processual para a proteção dos interesses de massa 345 A jurisprudência do STF contudo permanece tímida a respeito do ponto sustentando a taxatividade do rol de legitimados à impetração de mandado de segurança coletivo 346 624 Conformação infraconstitucional O mandado de segurança é regrado pela Lei 120162009 que prevê procedimento abreviado formalmente sumário e cognição plena e exauriente secundum eventum probationis para tutela dos direitos mediante mandado de segurança Alguns aspectos da sua disciplina merecem consideração mais detida As partes no mandado de segurança são o impetrante e a pessoa jurídica a que se encontra vinculada a autoridade coatora A autoridade coatora não é parte no processo de mandado de segurança é fonte de prova 347 A exigência de indicação na petição inicial da autoridade coatora e da pessoa jurídica art 6º caput da Lei 120162009 visa sendo o caso a facilitar a correção da autoridade coatora o que pode ocorrer inclusive de ofício pelo juiz É um equívoco determinar a extinção do processo sem resolução de mérito por equivocada indicação da autoridade coatora já que essa não é parte no processo mas simples fonte de prova Para viabilizar tutela adequada e efetiva aos direitos o processo do mandado de segurança admite a utilização de técnica antecipatória seja para satisfazer de forma imediata o direito afirmado seja para acautelálo para realização eventual e futura art 7º III da Lei 120162009 Da decisão que concede ou nega tutela antecipada cabe agravo de instrumento art 7º 1º da Lei 120162009 Denegado o mandado de segurança pela sentença ou no julgamento do agravo dela interposto fica sem efeito a liminar concedida retroagindo os efeitos da decisão contrária Súmula 405 do STF A sentença que denegar o mandado de segurança por ausência de direito líquido e certo não faz coisa julgada viabilizando a propositura de ação própria para tutela do direito 348 Vale dizer se o direito afirmado pela parte não pode ser conhecido tendo em conta as limitações probatórias do procedimento sendo insuficiente a prova documental nada obsta à propositura de outra ação para tutela do direito em que inexista limitação à prova Como observa a doutrina no mandado de segurança o juiz só conhece do que pode ser provado por documentos 349 Analisada a existência ou inexistência do direito afirmado pela parte contudo a sentença faz coisa julgada e obviamente obsta à propositura de idêntica ação O direito de requerer mandado de segurança extinguirseá em 120 dias contados da ciência pelo interessado do ato impugnado art 23 da Lei 120162009 O STF entende que é constitucional o prazo para impetração do mandado de segurança Súmula 632 350 Não cabe condenação em honorários advocatícios em mandado de segurança art 25 da Lei 120162009 63 Mandado de injunção 631 Introdução O art 5º LXXI da CF refere que se concederá mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade à soberania e à cidadania Tratase de instrumento que conjuntamente com a ação direta de inconstitucionalidade por omissão visa a tutelar a pessoa diante das omissões inconstitucionais do Estado Dada a sua estreita afinidade com a ação direta de inconstitucionalidade por omissão o seu tratamento será realizado em conjunto 64 Habeas data 641 Introdução Nossa Constituição refere que todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular ou de interesse coletivo ou geral que serão prestadas no prazo da lei sob pena de responsabilidade ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado art 5º XXXIII Na sequência por sugestão de acatada doutrina 351 a Constituição prevê direito ao habeas data no seu art 5º LXXII para proteção do direito à informação pessoal e eventuais providências correlatas No plano infraconstitucional a Lei 95071997 regula o assunto 352 642 Âmbito de proteção Concederseá habeas data para i assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público ii a retificação de dados quando não se prefira fazêlo por processo sigiloso judicial ou administrativo e iii a anotação nos assentamentos do interessado de contestação ou explicação sobre dado verdadeiro mas justificável e que esteja sob pendência judicial ou amigável arts 5º LXXII da CF e 7º da Lei 95071997 Tratase de ação que visa a determinar a liberação da informação a retificação de dados ou a complementação de informações nos assentamentos do interessado constantes de registros ou banco de dados de entidades governamentais ou de caráter público Considerase de caráter público todo registro ou banco de dados contendo informações que sejam ou que possam ser transmitidas a terceiros ou que não sejam de uso privativo do órgão ou entidade produtora ou depositária de informações art 1º parágrafo único da Lei 95071997 O habeas data serve para tutelar o direito à informação pessoal nos casos constitucional e infraconstitucionalmente assentados Não serve para obter vista de processo administrativo 353 nem tampouco para obter informações a respeito da identidade de possíveis responsáveis por agressões e denúncias feitas contra o impetrante 354 Nesses dois casos o remédio adequado para tutela do direito do impetrante é o mandado de segurança e não o habeas data Não cabe habeas data para obtenção de informações relativa a terceiros 355 ressalvada a possibilidade de impetração de habeas data para tutela do direito à informação sobre o de cujus por parte de seus herdeiros inclusive do cônjuge supérstite 356 643 Titularidade O habeas data pode ser impetrado por pessoa física ou por pessoa jurídica seja nacional ou estrangeira 357 para tutela do direito à informação que lhe diga respeito de forma direta Não há qualquer restrição na legislação a respeito Falecendo o titular do direito à informação admitese a impetração de habeas data pelos herdeiros ou sucessores da pessoa inclusive cônjuge supérstite 644 Conformação infraconstitucional O habeas data tem inquestionável ligação com o habeas corpus e com o mandado de segurança 358 Compartilha com ambos a natureza de ação que visa à prestação de tutela jurisdicional mandamental e que segue procedimento abreviado estruturado a partir de cognição plena e exauriente secundum eventum probationis Tratase de procedimento documental cuja viabilização da prestação da tutela jurisdicional está subordinada à produção de prova préconstituída A petição inicial do habeas data tem de ser instruída com prova da recusa administrativa ao acesso à informação sua retificação ou complementação art 8º parágrafo único da Lei 95071997 É essencial à configuração do interesse processual no habeas data a demonstração de prévia recusa administrativa Já se decidiu que é constitucional semelhante exigência 359 O procedimento administrativo para exercício do direito à informação e providências correlatas está encartado nos arts 2º a 4º da Lei 95071997 Pode o juiz mediante requerimento da parte alçar mão de técnica antecipatória para satisfazer desde logo o direito da parte ou acautelálo para realização eventual e futura O fato de o legislador infraconstitucional não ter previsto direito à antecipação da tutela no processo de habeas data em nada prejudica o direito da parte já que o direito fundamental à tutela jurisdicional adequada efetiva e tempestiva dos direitos implica direito à técnica antecipatória O legitimado passivo é a pessoa jurídica a que se encontra vinculado o registro ou banco de dados Pouco importa se pessoa jurídica de direito público ou de direito privado O que interessa é que o registro ou banco de dados tenha caráter público isto é que os dados possam ser transmitidos a terceiros A autoridade coatora tal como ocorre no processo de mandado de segurança é fonte de prova no processo de habeas data Não é a legitimada passiva A sentença que julgar o habeas data só fará coisa julgada se a prova documental for suficiente para permitir um juízo sobre a existência ou inexistência do direito material afirmado em juízo Do contrário o pedido de habeas data poderá ser renovado art 18 da Lei 95071997 ou poderá ser proposta ação pelo procedimento comum ordinário para obtenção da providência negada aplicase analogicamente a Súmula 304 do STF 65 Ação popular 651 Introdução Celebrada como primeiro meio para tutela de direitos transindividuais no direito brasileiro 360 a ação popular consta de nosso direito constitucional desde a Constituição de 1934 361 De lá para cá teve significativamente alargado o seu objeto e transformou se em importante instrumento para exercício da cidadania em nosso Estado Constitucional 362 A Lei 47171965 regula o assunto na legislação infraconstitucional 652 Âmbito de proteção A ação popular visa a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe à moralidade administrativa ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural arts 5º LXXIII da CF e 1º da Lei 47171965 Prestase à obtenção de tutela jurisdicional desconstitutiva e eventualmente condenatória arts 5º LXXIII da CF e 11 da Lei 47171965 Em um primeiro momento poderseia pensar que a ação popular visa à prestação de tutela jurisdicional típica sua finalidade constitucionalmente marcada delimitaria o âmbito de providências que poderiam ser obtidas mediante seu exercício É preciso contudo ir além da interpretação meramente gramatical É que a finalidade da ação popular está em tutelar a moralidade administrativa o meio ambiente e o patrimônio histórico e cultural Dessa forma todas as tutelas do direito que podem ser prestadas a esses bens jurídicos podem ser obtidas mediante ação popular É cabível por exemplo obtenção de tutela inibitória que é sabidamente preventiva e em nada se assemelha à anulação para tutela da moralidade administrativa do meio ambiente e do patrimônio histórico e cultural mediante ação popular Uma interpretação mais arejada do sistema processual civil abona semelhante solução 363 A doutrina costuma sublinhar o fato de a ação popular ter como pressuposto a afirmação de ato lesivo por parte do demandante erigindo a lesividade como elemento essencial da causa petendi Seguindo essa premissa contudo acaba obrigada a afirmar que em determinadas hipóteses art 4º da Lei 47171965 a lesividade é presumida já que o legislador a ela não faz referência específica sendo imprescindível a sua alegação e prova apenas como regra arts 2º e 3º da Lei 47171965 364 A jurisprudência por vezes igualmente alça mão da ideia de que o dano ao erário pode estar na ilegalidade em si prescindindo da sua alegação e invocação 365 Na verdade é preciso distinguir ato ilícito e fato danoso a propósito do âmbito de proteção da ação popular A ação popular visa à anulação de ato ilícito e visa à anulação de ato que ocasione fato danoso Pode igualmente visar à inibição da prática de ato ilícito ou à remoção de seus efeitos Em todos esses casos é possível propor ação popular O ato ilícito pode não causar dano O dano é consequência meramente eventual do ilícito Não é possível confundir os pressupostos de tutela contra o ato ilícito com os pressupostos para responsabilização civil Quando a ação popular visa simplesmente à anulação de ato ilícito praticado em detrimento do patrimônio público da moralidade administrativa e do patrimônio histórico e cultural basta ao autor alegar e provar o ato ilícito estando dispensado de alegação e prova do elemento subjetivo e do fato danoso Aí obviamente a sentença não pode condenar quem quer que seja à reparação de dano cingindose à decretação da nulidade do ato ilícito O mesmo se passa quando se pede simplesmente a inibição de um ato ilícito ou a remoção de seus efeitos basta ao autor alegar e provar o ato ilícito temido ou consumado De outro lado quando visa à anulação do ilícito e à reparação pelo fato danoso todos os pressupostos para a responsabilidade civil daqueles que praticaram o ato devem ser alegados e provados sob pena de improcedência do pedido de desconstituição e reparação 653 Titularidade A ação popular pode ser proposta por qualquer cidadão A prova da cidadania para ingresso em juízo será feita com o título eleitoral ou com documento que a ele corresponda art 1º 3º da Lei 47171965 Não se admite propositura de ação popular por pessoa jurídica Súmula 365 do STF 366 O Ministério Público não pode propor ação popular nada obstante possa suceder o cidadão no polo ativo art 9º da Lei 47171965 654 Conformação infraconstitucional A disciplina infraconstitucional da ação popular encontrase na Lei 47171965 Chamam mais atenção no tratamento do tema basicamente três questões i competência ii possibilidade de intervenção móvel das pessoas jurídicas de direito público ou privado e iii regime da coisa julgada Está assente na doutrina e na jurisprudência que a competência para julgamento da ação popular é do juiz de primeiro grau pouco importando se o agente a que se imputa a prática do ato ilícito goza de foro privilegiado Ressalvandose os casos de a ação popular acusar conflito entre a União e o Estado art 102 I f da CF e conflito com interesse direto ou indireto de todos os membros da magistratura ou com impedimento ou interesse de mais da metade dos membros do tribunal de origem art 102 I n da CF em que haverá competência originária do STF todos os demais devem ser julgados pela magistratura de primeiro grau 367 No processo da ação popular está prevista a possibilidade de intervenção móvel da pessoa jurídica de direito público ou de direito privado cujo ato seja objeto de impugnação art 6º 3º da Lei 47171965 Semelhante possibilidade também está prevista na Lei da Ação de Improbidade Administrativa art 17 3º da Lei 84291992 sugerindo a doutrina sua aplicabilidade a todo o microssistema do processo coletivo 368 Tratase de intervenção que parte da distinção entre interesse público primário e interesse público secundário Pela intervenção móvel reconhecese que o que determina o polo da demanda em que atuará a pessoa jurídica é o interesse público primário Vale dizer não tem a pessoa jurídica necessariamente o dever de defender a higidez de ato temido ou consumado que sabe descompassado com as exigências do Estado Constitucional A coisa julgada no processo da ação popular segue o regime jurídico próprio aos direitos transindividuais coletivos e difusos O art 18 da Lei 47171965 rege o assunto A sentença terá eficácia de coisa julgada oponível erga omnes exceto no caso de haver sido a ação julgada improcedente por deficiência de prova neste caso qualquer cidadão poderá intentar outra ação com idêntico fundamento valendose de nova prova É secundum eventum probationis vale dizer formase apenas se a prova for suficiente para adequada cognição das alegações E é ultra partes no caso de direitos coletivos e erga omnes no caso de direitos difusos 369 A extensão subjetiva da coisa julgada é secundum eventum litis e não a sua formação 370 66 Ação civil pública 661 Introdução A Constituição não arrola dentro dos direitos fundamentais a ação civil pública Formalmente portanto é possível questionar a sua fundamentalidade como instrumento para tutela dos direitos individuais homogêneos difusos e coletivos Se contudo o ângulo de apreciação do problema se desloca do formal para o material fica fácil concluir que a ação civil pública constitui direito fundamental na ordem jurídica brasileira Tratase de particularização do direito fundamental à tutela adequada efetiva e tempestiva mediante processo justo A ação civil pública que nossa Constituição menciona no art 129 III lida na perspectiva do microssistema do processo coletivo brasileiro constitui poderoso meio para prestação de tutela jurisdicional aos novos direitos 371 Sua previsão entre nós é fruto da segunda onda de reformas exigida pelo movimento do acesso à Justiça 372 e da circulação dos institutos jurídicos entre as duas grandes tradições ocidentais civil law common law 373 A ação civil pública é regida no plano infraconstitucional por um microssistema construído basicamente pelo diálogo entre a Lei 73471985 e a Lei 80781990 arts 81 a 104 374 Daí se retira a existência de um sistema integrado 375 para a disciplina do proce sso coletivo O Código de Defesa do Consumidor como observa a doutrina ao alterar a LACP atuou como verdadeiro agente unificador e harmonizador empregando e adequando à sistemática processual vigente do Código de Processo Civil e da LACP para defesa de direitos difusos coletivos e individuais no que for cabível os dispositivos do Título III da Lei 8078 de 11091990 que instituiu o Código de Defesa do Consumidor Com isso criase a novidade de um microssistema processual para as ações coletivas No que for compatível seja a ação popular a ação civil pública a ação de improbidade administrativa e mesmo o mandado de segurança coletivo aplicase o Título III do CDC Desta ordem de observações fica fácil determinar pelo menos para as finalidades práticas que se impõem que o diploma em enfoque se tornou um verdadeiro Código Brasileiro de Processos Coletivos um ordenamento processual geral para a tutela coletiva 376 Há um verdadeiro círculo de interdependência complementaridade 377 entre a legislação que visa à tutela dos direitos individuais homogêneos difusos e coletivos 662 Âmbito de proteção A ação civil pública tal como ocorre se analisarmos as class actions na perspectiva do direito comparado 378 prestase à tutela de várias situações de direito material Do ponto de vista da estrutura do direito serve para a tutela de direitos individuais homogêneos difusos e coletivos 379 Do ponto de vista da natureza do bem jurídico protegido visa à tutela do meio ambiente do consumidor dos bens e direitos de valor artístico estético histórico turístico e paisagístico da ordem econômica da ordem urbanística art 1º da Lei 73471985 das pessoas portadoras de necessidades especiais art 3º da Lei 78531989 dos titulares de direitos mobiliários e dos investidores do mercado art 1º da Lei 79131989 da infância e da adolescência art 201 V da Lei 80691990 do idoso art 74 I da Lei 107412003 e de qualquer outro direito difuso ou coletivo O art 3º da Lei 73471985 refere que a ação civil poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer Ao afirmar a condenação como forma de tutela jurisdicional passível de obtenção no processo da ação civil pública o legislador obviamente não quis circunscrever a eficácia da ação simplesmente à condenação A alusão tem de ser compreendida como um simples exemplo de modo que nada obsta à propositura de ação civil pública visando à declaração constituição mandamento ou execução Ao selecionar bens para tutela mediante ação civil pública o legislador inquestionavelmente tem de viabilizar também os meios para sua efetiva proteção 380 Além de ser possível obter quaisquer formas de tutela jurisdicional é igualmente admissível a prestação de toda e qualquer forma de tutela do direito no processo da ação civil pública Vale dizer a prestação de tutela inibitória de remoção do ilícito reparatória e ressarcitória é perfeitamente viável mediante ação civil pública 381 Enquanto a tutela jurisdicional diz respeito ao plano do direito processual a categoria da tutela do direito pertence ao plano do direito material É preciso perceber que o mandamento por exemplo é o meio pelo qual a tutela inibitória pode ser realizada é necessário conjugar os dois conceitos para boa compreensão e operação do sistema brasileiro de tutela jurisdicional dos direitos É da interação entre esses dois planos que a ação civil pública retira a possibilidade de alterar concretamente o mundo e proteger eficazmente as pessoas 663 Titularidade Tem legitimidade para propor ação civil pública i o Ministério Público ii a Defensoria Pública iii a União os Estados o Distrito Federal e os Municípios iv a autarquia empresa pública fundação ou sociedade de economia mista e v a associação que concomitantemente esteja constituída há pelo menos 1 um ano nos termos da lei civil e inclua entre suas finalidades institucionais a proteção ao meio ambiente ao consumidor à ordem econômica à livre concorrência ou ao patrimônio artístico estético histórico turístico e paisagístico art 5º da Lei 73471985 O Ministério Público se não intervier no processo como parte atuará obrigatoriamente como fiscal da lei Fica facultado ao Poder Público e a outras associações legitimadas habilitaremse como litisconsortes de qualquer das partes Nada obsta ao litisconsórcio facultativo entre os Ministérios Públicos da União do Distrito Federal e dos Estados Pode o juiz por fim dispensar o requisito da pré constituição da associação quando haja manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou característica do ilícito ou do dano ou pela relevância do bem jurídico a ser protegido Grassa na doutrina brasileira controvérsia a respeito da possibilidade de controle jurisdicional da legitimação coletiva A discussão está em saber se é possível ou não controlar a representação adequada do legitimado para condução do processo coletivo 382 A resposta é positiva Como a legitimação coletiva diz respeito à aptidão do legitimado para exercer de forma adequada todas as posições inerentes ao processo justo é preciso aferir a representação adequada e pois a legitimação para causa duplamente primeiro em abstrato a partir da legislação segundo em concreto a partir do caso concreto mediante análise justificada do juiz Todos os legitimados às ações coletivas estão submetidos ao controle jurisdicional da representação adequada inclusive o Ministério Público e a Defensoria Pública São critérios para tanto i a posição do legitimado diante do direito material defendido em juízo afinidade temática e ii a credibilidade a capacidade técnica e a capacidade financeira do legitimado A ausência de representação adequada desautoriza a condução do processo pelo simples legitimado legal 664 Conformação infraconstitucional No desenho infraconstitucional da ação civil pública duas questões chamam sobremaneira atenção i a possibilidade de utilização de técnica antecipatória arts 4º e 12 da Lei 73471985 e ii o alcance da coisa julgada arts 16 da Lei 73471985 e 103 da Lei 80781990 Como técnica processual inerente à conformação do processo justo e muito especialmente do direito à tutela jurisdicional adequada e efetiva a técnica antecipatória é essencial para realização ou acautelamento dos direitos É por essa razão que o legislador prevê de forma expressa a possibilidade de obtenção de tutela antecipada satisfativa art 12 da Lei 73471985 ou cautelar art 4º da Lei 73471985 no âmbito da ação civil pública O art 4º refere que poderá ser ajuizada ação cautelar objetivando inclusive evitar o dano O art 12 afirma que poderá o juiz conceder mandado liminar com ou sem justificação prévia A legislação como facilmente se percebe incorre em um duplo equívoco a uma porque fala em evitar o dano quando é amplamente sabido que a tutela preventiva referese ao ato ilícito e não ao fato danoso A duas pressupõe que o meio processual adequado para prestação da tutela preventiva é a ação cautelar quando é sabido que a tutela cautelar tem caráter meramente assecuratório com o que não tem o condão de evitar o ilícito visando apenas a acautelar o dano Se a parte pretende realizar desde logo o direito afirmado em juízo a técnica antecipatória prestase a antecipar a tutela satisfativa do direito Se contudo pretende apenas assegurar a possibilidade de realizálo eventualmente no futuro a técnica antecipatória possibilita a antecipação da tutela cautelar Em ambos os casos na sentença final o juiz disporá sobre a sorte da providência tomada sob cognição sumária confirmandoa ou revogandoa 383 Embora a Lei 73471985 não faça alusão à possibilidade de emprego da técnica antecipatória em face do oferecimento de defesa inconsistente pelo demandado art 311 I do CPC de 2015 nem possibilite expressamente tutela definitiva da parcela incontroversa da demanda art 356 do CPC de 2015 é absolutamente certa a possibilidade de se empregarem semelhantes técnicas processuais para promoção da adequação e da tempestividade da tutela jurisdicional Sendo o Código de Processo Civil o nosso direito processual comum a densificação com vocação mais expansiva do direito fundamental ao processo justo é natural a utilização das técnicas nele previstas para todo o direito processual civil brasileiro Encetase aí um diálogo entre as fontes do processo civil brasileiro A coisa julgada na ação civil pública segue o regime comum da coisa julgada no processo coletivo É secundum eventum probationis vale dizer formase apenas se a prova for suficiente para adequada cognição das alegações E é ultra partes no caso de direitos coletivos art 103 II da Lei 80781990 e erga omnes no caso de direitos difusos art 103 I da Lei 80781990 384 e no caso de direitos individuais homogêneos com extensão secundum eventum litis art 103 III da Lei 80781990 A extensão subjetiva da coisa julgada é secundum eventum litis e não a sua formação 385 O art 16 da Lei 73471985 prescreve que a sentença civil fará coisa julgada erga omnes na ação civil pública circunscrita contudo aos limites da competência territorial do órgão prolator A norma é flagrantemente inconstitucional por ofensa à igualdade de todos perante o direito art 5º I da CF Além disso é contrária ao espírito do processo coletivo cuja missão está em promover tratamento molecular dos litígios em detrimento da fragmentação das demandas 386 Vale dizer a coisa julgada na ação civil pública opera na exata extensão do direito litigioso desconhecendo as fronteiras artificialmente construídas para amainar a sua eficácia social Como bem observa a doutrina aceitar a constitucionalidade do art 16 da Lei 73471985 é o mesmo que aceitar que uma fruta só é vermelha em certo lugar do País 387 É um contrassenso 7 DA ORGANIZAÇÃO DO ESTADO E DA REPARTIÇÃO DE COMPETÊNCIAS Ingo Wolfgang Sarlet I DA ORGANIZAÇÃO DO ESTADO 71 O Estado Federal no âmbito da teoria e prática das formas de Estado noções gerais e introdutórias A doutrina do federalismo e a noção de um Estado Federal constituem como já tem sido repetidamente lembrado possivelmente o mais significativo aporte do constitucionalismo e do pensamento político norteamericano tanto para a teoria quanto para a prática do Estado moderno Com efeito ao tempo de sua invenção Diferentemente do Estado Unitário mesmo na forma descentralizada e da Confederação ou mesmo da União de Estados tipologias que igualmente como é o caso do próprio Estado Federal não podem ser reconduzidas a um padrão único e fechado 390 mas correspondem a modelos abertos e caracterizados por alguns traços comuns que os identificam quanto aos seus traços essenciais o Estado Federal ou simplesmente Federação apresenta características próprias e distintas Ao passo que o Estado Unitário que constitui uma forma estatal simples se caracteriza por uma estrutura de poder única mais ou menos centralizada e uma ordem jurídica visto que toda a autoridade é central a Confederação e a União de Estados formas ditas compostas ou complexas consistem sempre na reunião de Estados que seguem soberanos e independentes e que individualmente podem ser tanto Estados Unitários quanto Federações mas que se unem em torno de determinados fins e mediante pactos regidos pelo direito internacional público 391 Aspecto a ser relevado ainda no plano das distinções é que a descentralização que se verifica nos Estados do tipo unitário embora possa atingir níveis significativos não implica uma autonomia no sentido do exercício de competências reservadas e exclusivas na esfera da unidade administrativa descentralizada diferentemente do que veio a se afirmar com a introdução da Federação cuja nota distintiva dentre outros aspectos a serem ainda destacados reside precisamente no tipo de descentralização notadamente mediante a criação de unidades de poder dotadas de um particular tipo de autonomia e autoorganização como é o caso dos assim chamados estadosmembros da Federação ou estados federados e no Brasil dos Municípios e do Distrito Federal 392 De todo modo as diferenças entre os Estados Unitários e os Estados Federais não são sempre fáceis de serem devidamente identificadas seja pelos distintos níveis de descentralização e desconcentração verificados em diversos Estados convencionalmente rotulados de unitários bastaria aqui apontar para o exemplo da Espanha seja pelo fato de que também entre os Estados Federais existem diferenças importantes bastaria comparar grosseiramente o Brasil com os Estados Unidos da América ou mesmo com a nossa vizinha Argentina Por outro lado não se pode olvidar que a noção de Estado Federal é também uma noção um conceito de caráter normativo que deve ser compreendido a partir da formatação específica tomada por cada Estado Federal em sua concreta ordem constitucional ainda que existam elementos comuns que possam ser identificados como sendo determinantes para que um determinado Estado possa ser designado de Federal 393 Também por esta razão é preciso distinguir entre o Estado Federal a Federação na condição de modo concreto e constitucionalmente determinado de organização e estruturação estatal do assim chamado federalismo que é precisamente a ideologia teoria que estabelece as diretrizes gerais do modelo federativo de Estado bem como do princípio federalista ou federativo que na condição de princípio geral e estruturante de caráter jurídicoobjetivo transporta a doutrina de base do federalismo para plano constitucional 394 Com efeito é no âmbito de uma constituição determinada que mediante um conjunto de outros princípios e especialmente regras de caráter organizatório um Estado Federal em concreto assume sua particular forma e conteúdo que contudo sempre é marcado por um maior ou menor dinamismo tendo em conta que a própria configuração concreta do Estado Federal por exemplo no que toca aos ingredientes da autoorganização das unidades federativas a extensão das respectivas competências etc costuma sofrer ajustes ao longo do tempo como bem ilustram diversas reformas federativas realizadas em todo o mundo A partir das sumárias considerações precedentes renunciando se a qualquer pretensão de aqui aprofundar a própria noção de formas de Estado e a sua classificação até mesmo pelo fato de que uma classificação precisa não se revela possível 395 o que se pretende é deixar claro que as diferenças entre o Estado Federal e as demais tipologias designadamente o Estado Unitário e a Confederação serão adequadamente compreendidas mediante a identificação e apresentação dos elementos nucleares que permitem seja um determinado Estado qualificado como sendo uma Federação É o que será levado a efeito no próximo item 72 Elementos nucleares qualificadores do Estado Federal Como já referido o Estado Federal corresponde a uma forma peculiar de Estado que embora tenha assumido dimensões significativamente distintas em diversos lugares ao longo do tempo a depender da configuração concreta que lhe tem sido imprimida por cada ordem constitucional assume a condição de um modelo caracterizado por alguns elementos comuns presentes embora também com sua respectiva modulação concreta em todo e qualquer Estado que possa ostentar o adjetivo de Federal 396 Tais elementos comuns que podem ser designados de elementos nucleares ou determinantes do Estado Federal e que ademais disso correspondem ao núcleo essencial do próprio princípio federativo também permitem diferenciar o Estado Federal dos outros modelos ou tipos de formas de Estado tal como esquematicamente já esboçado no item anterior Nesse contexto e a formação do federalismo norteamericano bem o atesta é preciso iniciar enfatizando que o sentido e a natureza do princípio federativo e portanto do Estado Federal residem na preservação e garantia da diversidade regional no âmbito interno do território estatal e da pluralidade mediante descentralização do exercício do poder 397 O Estado Federal é portanto sempre um Estado descentralizado mas a sua descentralização como adiantado é distinta daquela que se verifica no caso dos assim chamados Estados unitários ou simples de modo que é preciso tomar com reservas ou pelo menos ler de forma adequada a afirmação de Hans Kelsen quando sugere que a diferença entre o Estado Federal e o Estado Unitário reside apenas no maior grau de descentralização 398 Ainda que tal assertiva possa até mesmo encontrar ressonância à vista de algumas experiências concretas existem critérios que permitem diferenciar uma tipologia da outra designadamente no âmbito dos elementos essenciais que qualificam um autêntico Estado Federal Nesse sentido calha referir a lição de Luís Roberto Barroso quando bem recorda que a distinção entre o Estado Federal e o Estado Unitário descentralizado por maior que seja esta descentralização poderíamos agregar não reside na descentralização em si mas na origem jurídica dos poderes exercidos pelas unidades federadas 399 Assim há que sublinhar que o Estado Federal é caracterizado pelo menos na sua versão clássica e que ainda hoje corresponde à regra geral 400 pela superposição de duas ordens jurídicas designadamente a federal representada pela União e a federada representada pelos Estadosmembros cujas respectivas esferas de atribuição são determinadas pelos critérios de repartição de competências constitucionalmente estabelecidos 401 O Estado Federal portanto é formado por duas ordens jurídicas parciais a da União e a dos Estadosmembros que articuladas e conjugadas constituem a ordem jurídica total ou seja o próprio Estado Federal 402 Dito de outro modo o princípio federativo e o Estado Federal a ele correspondente tem por elemento informador e aqui valemonos das palavras de Cármen Lúcia Antunes Rocha a pluralidade consorciada e coordenada de mais de uma ordem jurídica incidente sobre um mesmo território estatal posta cada qual no âmbito de competências previamente definidas 403 Cuidase nesse sentido de um pluralismo do tipo territorial levado a efeito mediante um sistema de distribuição do exercício de poder entre as unidades territoriais 404 Disso resulta o que se tem designado uma espécie de separação vertical de poderes 405 mediante a limitação recíproca estabelecida pela distinção entre a União poder central e os Estadosmembros na condição de integrantes do conjunto designado Estado Federal tudo mediante um sistema de repartição de competências e que encontra seu fundamento primeiro e vinculativo na Constituição Federal Dito de outro modo o modo de estruturação e distribuição territorial do poder no Estado Federal implica uma particular forma de limitação do poder e da autoridade 406 À vista do exposto já se pode perceber que diferentemente do que ocorre com outra forma composta de Estado a Confederação na qual também se verifica a convivência de ordens jurídicas mas no sentido da reunião de diversos Estados nacionais soberanos que se articulam inclusive por tempo indeterminado em torno de determinados fins e por vezes mediante cessões parciais em prol de outro ente dos atributos da soberania é por tal razão que a União Europeia costuma ser enquadrada nesse modelo no âmbito do Estado Federal apenas a ordem nacional a conjugação da União e dos Estados é soberana de tal sorte que as entidades parciais no caso os Estadosmembros não são soberanas embora gozem de um particular tipo de autonomia 407 Por isso é que assiste razão aos que refutam a noção vez por outra defendida na teoria constitucional de que a distribuição do poder típica do federalismo poderia ser compreendida como uma espécie de dupla soberania repartida entre a União e os Estadosmembros já que apenas o Estado Federal como um todo é soberano 408 Segue atual nesse contexto a lição de Pontes de Miranda quando afirma que o Estado a que se chama federal é por dentro união por fora unidade como todos os outros grifos do autor 409 Mas também de modo diverso do que se dá com as confederações ou outras formas de união entre Estados nas quais a sua dissolução total ou parcial mediante a retirada de um ou mais dos seus integrantes é possível o Estado Federal se caracteriza pelo menos em regra e aí um dos seus traços essenciais por uma proibição de secessão 410 Isso significa que uma vez constituída a Federação não é possível a retirada por parte das unidades federadas cuja autonomia e não soberania consoante já frisado não engloba tal possibilidade de tal sorte que a indissolubilidade do vínculo federativo é precisamente um dos seus principais elementos essenciais 411 Aliás assim bem o demonstra o caso brasileiro onde o caráter indissolúvel da Federação encontrou expressa previsão no texto constitucional e o princípio federativo assume a condição de cláusula pétrea sem prejuízo de outras garantias como é o caso do instituto da intervenção da União nos Estadosmembros aspectos que ainda serão objeto de atenção quando da análise do Estado Federal na CF Precisamente é a autonomia assegurada por uma constituição rígida no sentido de uma autonomia constitucionalmente fundada e conformada 412 e que consiste essencialmente nos poderes de auto organização incluída a autolegislação e autogoverno este abarcando a autoadministração das unidades federadas a principal nota distintiva e elemento essencial da forma federativa de Estado e sem a qual o Estado Federal deixa de existir 413 Ainda que também a autonomia e os seus respectivos ingredientes não obedeçam a um padrão uniforme muito antes pelo contrário encontram conformação muito diferenciada nos diversos Estados Federais também aqui é possível identificar alguns traços comuns e que por sua vez merecem rápida explicitação Considerando que o Estado Federal é uma forma composta complexa de Estado num certo sentido um Estado formado de Estados de tal sorte que tanto a unidade nacional soberana ou seja o Estado Federal como um todo quanto os Estadosmembros embora não da mesma maneira possuem qualidade estatal 414 uma das características distintivas da autonomia atribuída constitucionalmente aos últimos reside no que diz com a auto organização na existência de um poder constituinte habitualmente designado como de natureza decorrente e sempre derivada por parte dos Estadosmembros no sentido de elaborarem observados os limites postos pela Constituição Federal a sua própria constituição 415 Com efeito valendonos aqui do escólio de Raul Machado Horta a autonomia constitucional do Estadomembro implica uma atividade do tipo constituinte ainda que esta precisamente por se tratar de um poder limitado pela própria Constituição Federal que o institui não corresponda integralmente ao poder constituinte originário 416 Convém frisar todavia que embora a autoorganização tenha no poder constituinte estadual a sua expressão essencial nela não se esgota pois engloba o poder de legislar de modo mais amplo ou seja a existência de uma legislação estadual própria e exercida mediante e nos limites de um sistema constitucional de repartição de competências entre a União e as unidades federadas autônomas Nesse sentido o poder de autolegislação pode ser considerado um desdobramento do poder de autoorganização que é mais amplo No caso brasileiro como se verá com mais detalhes logo adiante o poder de autoorganização e de autolegislação assim como os demais elementos essenciais do Estado Federal se fazem presentes nas demais unidades federadas como é o caso dos Municípios e do Distrito Federal Ainda nesse contexto importa destacar que o poder legislativo constitucional e infraconstitucional dos Estadosmembros e das demais unidades federadas quando for o caso não implica propriamente num sistema de hierarquia entre as legislações da União e das demais entidades federativas mas sim num sistema onde os conflitos são resolvidos pelos seus próprios critérios decorrentes da repartição de competências por exemplo pelo fato de a União legislar sobre questões regionais ou locais 417 podendo todavia resultar num juízo de inconstitucionalidade precisamente por ofensa ao sistema constitucional de distribuição das competências legislativas o que neste sentido específico importa numa relação de hierarquia estabelecida entre a Constituição e a normativa infraconstitucional A capacidade de autogoverno à qual pode para facilitar a compreensão ser associada a capacidade de autoadministração também constitui elemento essencial da autonomia que caracteriza a peculiar descentralização do Estado Federal Em síntese a capacidade de autogoverno consiste na existência de órgãos governamentais próprios ao nível de cada entidade federada autônoma e que não dependem dos órgãos federais no que diz com a sua forma de seleção e investidura 418 para além de exercerem atribuições próprias de governança administração na sua respectiva esfera de suas competências Por fim a participação dos Estadosmembros na vontade federal constitui também um dos elementos essenciais do federalismo e da forma federativa de Estado de modo a assegurar tanto as partes quanto o conjunto e a integração a partir de uma Constituição Federal 419 outrossim tal participação pode se dar de diferentes maneiras mas essencialmente importa a participação na produção legislativa de âmbito nacional e na escolha do chefe do Poder Executivo A instituição do Senado Federal a exemplo do que se deu nos EUA que consiste precisamente na representação paritária dos Estadosmembros em uma das Casas do Poder Legislativo assim como ocorre com a possibilidade de os Estadosmembros apresentarem propostas de emenda à Constituição Federal são os exemplos mais tradicionais e também incorporados no caso brasileiro no que diz com tal participação O Presidente da República também é eleito por todos os brasileiros aptos a votar Calha recordar ademais que a participação por meio do Senado inclusive era considerada como cláusula pétrea em constituições brasileiras anteriores Assim em caráter de síntese é possível identificar os elementos que em regra são considerados essenciais do Estado Federal a a soberania é atributo apenas do Estado Federal considerado no seu conjunto ao passo que as unidades federadas dispõem apenas de autonomia b todo Estado Federal possui uma Constituição Federal que por sua vez estabelece quais são os entes federativos e qual a sua respectiva autonomia c o Estado Federal é portanto sempre um Estado composto formado pelo menos pela União e por EstadosMembros no sentido de uma convivência de ordens parciais mas unidas por uma Constituição Federal d as unidades da Federação são sempre dotadas de autonomia autonomia que encontra seu fundamento e seus limites na Constituição Federal e que implica tanto a capacidade de auto organização incluindo a prerrogativa dos Estadosmembros de se darem a sua própria Constituição Estadual no âmbito do poder constituinte decorrente e autolegislação quanto à capacidade de autogoverno e de autoadministração e a autonomia e os seus elementos essenciais auto organização e autogoverno implicam uma repartição de competências legislativas e administrativas constitucionalmente assegurada no âmbito da Constituição Federal f a participação dos Estadosmembros na formação e exercício da vontade federal g a proibição de dissolução da Federação mediante a vedação de um direito de secessão por parte dos entes federativos Embora em geral não versado neste contexto merece atenção outro aspecto qual seja o que diz respeito à noção de um federalismo cooperativo que nada obstante tenha sido muito difundida e correntemente utilizada para qualificar um determinado tipo de Estado Federal e não propriamente na condição de elemento essencial da Federação carece de uma breve apresentação e de alguma problematização sem que se possa à evidência aprofundar o tópico A noção de um federalismo cooperativo que tem sua origem nos EUA mas que também foi objeto de particular desenvolvimento na experiência constitucional germânica sob a égide da Lei Fundamental de 1949 tem por finalidade a atuação conjunta tanto das unidades federadas entre si União e Estadosmembros no Brasil também o DF e os Municípios quanto dos Estados entre si com o intuito de permitir um planejamento e atuação conjunto e integrado em prol da consecução de objetivos comuns do desenvolvimento e do bemestar no plano mais amplo do Estado Federal sem afetar os níveis de autonomia de cada unidade da Federação 420 Dito de outro modo o federalismo cooperativo busca compensar ou pelo menos mitigar em prol da eficiência na consecução dos objetivos estatais mediante mecanismos de cooperação e harmonização no exercício das competências legislativas e administrativas as dificuldades inerentes ao modelo de repartição de competências e do elevado grau de autonomia das unidades da Federação 421 Isso se revela ainda mais necessário no contexto de um Estado Social de caráter intervencionista e voltado à consecução de políticas públicas especialmente na área econômica e social exigindo certa unidade de planejamento e direção 422 Mas ao mesmo tempo pelo fato de que a cooperação entre os entes federados pode acarretar alguns problemas como é o caso da afetação dos níveis de participação em termos de cidadania ativa nas unidades federativas deve a cooperação se dar nos estritos limites da ordem constitucional não se devendo ademais incorrer no equívoco de ver no federalismo cooperativo uma espécie de panaceia para todos os males mas sim um instrumento de aperfeiçoamento da funcionalidade do Estado Federal 423 Tendo em conta de outra parte que os mecanismos de cooperação se estabelecem em todos os níveis no âmbito da Federação é possível distinguir uma dimensão horizontal que se dá nas relações entre os Estadosmembros ou no caso do Brasil eventualmente entre os Municípios de uma dimensão vertical do federalismo cooperativo que é a que se verifica quando em causa a cooperação entre a União e os Estadosmembros eou Municípios 424 Além disso são diversas as formas e a respectiva intensidade pelas quais se dá a cooperação em concreto entre os entes da Federação que poderão se dar tanto na esfera de pactos acordos de diversa natureza e conteúdo mediante o exercício de competências legislativas e administrativas compartilhadas intercâmbio de informações reuniões conjuntas criação de órgãos interestaduais etc tudo de acordo com o disposto na própria Constituição e na legislação infraconstitucional 425 Já por tal razão mas em especial pelas peculiaridades de cada Estado Federal inclusive no que diz com a forma e sistema de governo sistema partidário e eleitoral pois tais aspectos aqui também têm influência o federalismo cooperativo é uma ideia a ser implantada em concreto e sem que se possa aqui falar de um modelo ideal Resulta evidente que as dificuldades crescem quando se insere uma terceira esfera na estrutura federal como se deu no Brasil com os Municípios pois não apenas no plano corriqueiro da repartição de competências aumenta a complexidade como se torna mais difícil embutir mecanismos efetivos e equilibrados de cooperação A nota crítica que se pretende embutir e também a razão de inserir a questão do federalismo cooperativo nesse contexto diz com o fato de que o federalismo e o Estado Federal assim como também se dá no caso das Confederações que precisamente representam uniões de Estados em torno de determinados objetivos pressupõem e apenas fazem sentido se houver cooperação e em prol mesmo da cooperação entre as entidades federadas Assim Federação implica e impõe cooperação de tal sorte que a cooperação o mesmo se poderia dizer da subsidiariedade constitui um princípio e dever estruturante do Estado Federal podendo assumir nessa perspectiva inclusive a dimensão de um elemento essencial ao Estado Federal pois não há como existir um Estado Federal sem algum nível efetivo de cooperação Nesse sentido a expressão federalismo cooperativo representa um pleonasmo no sentido empregado por Houaiss redundância de termos no âmbito das palavras mas de emprego legítimo em certos casos pois confere maior vigor ao que está sendo expresso pois todo Estado Federal é de algum modo cooperativo pois o federalismo se caracteriza como o sistema político em que um Estado Federal compartilha as competências constitucionais com os Estadosmembros autônomos em seus próprios domínios de competência É claro que existem níveis de intensidade pelos quais se dá a cooperação como já adiantado de tal sorte que a noção de federalismo cooperativo se seguir sendo utilizada poderá fazer sentido útil quando referida a um Estado Federal no qual os níveis de cooperação inclusive e especialmente os instrumentos disponibilizados pela Constituição e pela legislação infraconstitucional se revelem particularmente intensos De todo modo tratase de temática a merecer maior reflexão e desenvolvimento Assim uma vez apresentados os traços essenciais do Estado Federal é o caso de no próximo segmento identificar e analisar a forma específica assumida pela Federação no âmbito do direito constitucional positivo brasileiro vigente 73 O Estado Federal na Constituição de 1988 731 Breve notícia histórica formas de Estado e a trajetória do Federalismo no direito constitucional brasileiro Embora a divisão do território brasileiro em doze capitanias hereditárias já tenha sido apontada equivocadamente como expressão de uma espécie de vocação federalista 426 o fato é que a primeira forma de Estado adotada pelo Brasil independente conformada juridicamente na e pela Constituição Imperial de 1824 foi a de um Estado Unitário Já durante a constituinte de 1823 logo dissolvida por Dom Pedro I o então projeto de constituição no seu art 1º solenemente previa que o Império do Brasil é Uno e Indivisível o que acabou prevalecendo também no texto outorgado em 25031824 que assumiu perfil altamente centralizador seja em virtude dos interesses econômicos e políticos da Coroa e de boa parte dos Portugueses que se estabeleceram no Brasil seja pela associação entre a figura de um Estado Unitário e a centralização com a Monarquia como forma de governo 427 Dentre outros pontos que podem ser destacados situase a circunstância de que o Imperador nomeava e removia livremente o Presidente das Províncias art 165 além da forte limitação à autonomia legislativa provincial mesmo quanto aos assuntos regionais o que acabou inclusive gerando movimentos de resistência e mesmo revoltas como foi o caso da famosa e tragicamente findada Confederação do Equador liderada entre outros por Frei Caneca 428 Mas ainda durante o período monárquico os níveis de centralização sofreram significativa alteração dando lugar especialmente após a abdicação de Pedro I a uma tendência descentralizadora inclusive cogitandose da criação de uma Monarquia Federativa resultando num fortalecimento do poder das províncias que passaram a ser dotadas de um Poder Legislativo próprio e algum poder sobre os Municípios especialmente a partir do Ato Adicional de agosto de 1834 que logo adiante acabou sendo substituído por novo movimento de centralização levado a efeito por Dom Pedro II em 1840 mediante uma reinterpretação daquela legislação Lei de Interpretação do Ato Adicional de tal sorte que a despeito de alguma alternância entre centralização e descentralização foi a primeira quem prevaleceu no período Imperial 429 Todavia a reação não deixou de se fazer presente destacando se o Manifesto Republicano de 1870 430 que pregava a adoção do modelo federativo com base na experiência norteamericana e que atribuía à centralização a pecha de um entrave ao desenvolvimento reação que acabou quase vinte anos depois no âmbito de um contexto favorável por várias razões ao republicanismo e federalismo culminando na Proclamação da República e na implantação de um Estado Federal no Brasil por meio do Dec 1 de 15111889 431 A opção federalista confirmada e conformada pela primeira Constituição Federal republicana de 1891 assumiu por motivos diversos feição muito distinta daquela que se verificou em outros locais de acordo com o que bem ilustra precisamente o caso norte americano berço do federalismo e fonte de inspiração dos constituintes de 1891 que fundaram a República dos Estados Unidos do Brasil Com efeito ao passo que o Estado Federal na América do Norte surgiu da reunião entre Estados independentes e soberanos que abdicaram de sua soberania em prol do Estado Federal no caso brasileiro a Federação foi criada a partir de uma experiência unitarista e centralizadora o que aliás é de todos conhecido refletindo ao longo da experiência republicana e das diferentes constituições desde então para além de outros aspectos na própria formatação do Estado Federal brasileiro que a exemplo de outras experiências não observou um modelo estático tanto quanto ao nível de centralização como em virtude de períodos de grave instabilidade política basta recordar entre outros as duas revoltas federalistas no Rio Grande do Sul e a Revolução de 1930 crise da democracia movimentos de forte centralização e mesmo períodos de autoritarismo aqui com destaque para a Ditadura do Estado Novo e o Regime Militar de 19641985 432 Embora o processo de centralização e de ingerência da União tenha sido tão agudo que se chegou a afirmar que o constituinte de 1988 recebeu de herança quase um Estado Unitário o ideário federalista e a correspondente opção pela forma federativa de Estado sobreviveram tendo sido objeto de recepção e importante reformatação na vigente Constituição Federal de 1988 433 A primeira mudança de impacto que de resto não deixou de receber críticas foi a inclusão dos Municípios na condição de unidades da Federação o que contudo assim como os demais aspectos relativos ao Estado Federal na atual CF será objeto de apresentação e análise logo na sequência 732 Principais novidades a inclusão do Município como ente federativo e o aperfeiçoamento do assim chamado federalismo cooperativo Como já referido a despeito da importância já assumida pelos Municípios no constitucionalismo republicano anterior a CF inovou ao erigir o Município à condição de unidade ente federativa ao lado da União dos Estados e do Distrito Federal este último com um estatuto especial como logo mais será visto Como bem leciona Gilberto Bercovici ao passo que nas Constituições federativas anteriores os Municípios tinham governo e competências próprios cabendo aos Estados o poder de criar e organizar os Municípios na Carta de 1988 os Municípios foram contemplados expressamente com o poder de autoorganização mediante a elaboração de uma Lei Orgânica tal como disposto no art 29 da CF 434 Nas palavras de Paulo Bonavides as prescrições do novo estatuto fundamental de 1988 a respeito da autonomia municipal configuram indubitavelmente o mais notável avanço de proteção e abrangência já recebido por esse instituto em todas as épocas constitucionais de nossa história 435 Muito embora tal entusiasmo não tenha por todos sido compartilhado como é o caso de José Afonso da Silva para quem dentre outras críticas não se pode genuinamente falar de uma federação de Municípios mas apenas de Estados pois nem toda autonomia constitucional implica a condição de autêntico membro de uma Federação e os Municípios seguem sendo segundo o autor divisões dos Estados que possuem a prerrogativa de legislar sobre sua criação incorporação fusão e desmembramento 436 o fato é que sem prejuízo da força argumentativa das razões em contrário a CF no já referido art 1º estabeleceu de modo vinculativo que A República Federativa do Brasil formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal constituise em Estado Democrático de Direito Mais adiante no art 18 consta que todas as quatro unidades federadas são autônomas nos termos da CF Assim além da capacidade de autoorganização municipal já destacada e isso mesmo que possa variar o número de Municípios visto que podem ser criados e mesmo extintos a figura do Município como tal assim como a sua correspondente autonomia constitucional encontrase abrangido pelo manto da indissolubilidade integrando de outra parte o conjunto dos elementos nucleares do princípio federativo na condição de cláusula pétrea não podendo tal autonomia ser suprimida e mesmo esvaziada por emenda constitucional 437 Nesse contexto correta a afirmação de Cármen Lúcia Antunes Rocha quando diz que a Federação não apenas se restaurou com a Lei Fundamental de 1988 Antes ela se recriou nessa Constituição 438 Tal recriação implicou a superação do tradicional modelo dual de Estado Federal União e Estadosmembros mediante a implantação de uma estrutura tríplice ou de três níveis precisamente em face da incorporação dos Municípios como nova dimensão básica 439 Mas os detalhes sobre o conteúdo da autonomia municipal em todas as suas dimensões bem como outros aspectos do regime jurídicoconstitucional dos Municípios e dos demais entes da Federação serão objeto de atenção mais adiante Além disso quanto ao Distrito Federal embora se trate de um quarto membro da Federação importa sublinhar que isso não significa a existência de um quarto nível no que diz respeito à estrutura federativa brasileira Isso se deve ao fato de que o Distrito Federal é dotado de um estatuto especial acumulando em diversos casos competências dos Estados e dos Municípios440 Outra novidade que contudo remanesce controversa quanto ao seu nível de efeti vidade mas que não poderia deixar de ser destacada pela sua relevância foi a aposta do Constituinte de 1987 88 no aperfeiçoamento dos instrumentos de cooperação típicos e necessários a uma Federação que mereça ostentar este título É o que como já visto se convencionou designar de um federalismo do tipo cooperativo 441 Isso se deu mediante a inserção no art 23 da CF da previsão de uma série de competências legislativas comuns entre a União Estados Distrito Federal e Municípios Todavia como bem refere Gilberto Bercovici o problema é que o parágrafo único do dispositivo citado também prevê a edição de lei complementar fixando normas para a cooperação entre os entes da Federação tendo em mente o equilíbrio do desenvolvimento e do bemestar em âmbito nacional lei complementar que até o momento não foi elaborada 442 Isso não significa que aspectos de tal modelo de cooperação não tenham sido implantados como se verifica de modo meramente ilustrativo em matéria ambiental inclusive mediante a edição de diplomas legislativos na forma de lei complementar 443 mas apenas quer dizer que o Brasil ainda está longe de realizar na dimensão desejável o projeto original do constituinte também nessa seara 733 A Federação como cláusula pétrea art 60 4 I da CF os assim chamados princípios sensíveis art 34 VII da CF e o instituto das vedações constitucionais art 19 da CF Na condição de princípio fundamental de caráter geral e estruturante o princípio federativo e a correspondente forma federativa de Estado foram seguindo a tradição constitucional pretérita incluídos de acordo com o disposto no art 60 4º I da CF no elenco dos limites materiais ao poder de reforma constitucional ou seja das assim designadas cláusulas pétreas o que significa que nem mesmo mediante uma emenda constitucional aprovada por unanimidade no Congresso Nacional poderá o Estado Federal ser extinto no Brasil Com isso como já referido alhures se está também a assegurar de modo particularmente rigoroso o caráter indissolúvel da Federação tal como enunciado já no art 1º da CF Mas a condição de cláusula pétrea como já se teve ocasião de elucidar no capítulo próprio no âmbito da teoria da constituição assegura mais do que uma proibição de abolição do instituto ou instituição previsto na CF abarcando a proibição até mesmo de medidas restritivas que embora não venham a suprimir o conteúdo protegido o afetem em seus elementos essenciais É por tal razão e o STF assim já decidiu na matéria que eventuais ajustes no esque ma federativo como por exemplo na repartição constitucional de competências não necessa riamente implicam ofensa ao princípio federativo e ao Estado Federal desde que o preservem quanto ao seu conteúdo essencial 444 Dito de outro modo o que está em definitivo subtraído à disposição do legisla dor e do poder de reforma da constituição é a essência da autonomia constitucional das unidades federadas nas modalidades de auto organização e autogoverno assim como a possibilidade de transformação do Estado Federal em um Estado Unitário ou mesmo a retirada de uma das unidades da Federação Por evidente aqui se trata apenas de um quadro geral pois eventual nível de afetação dos aspectos essenciais ao Estado Federal sempre haverá de ter em conta a particular conformação deste Estado na CF brasileira e o conteúdo concreto de cada ajuste levado a efeito Nesse contexto assumem relevo também os assim chamados princípios sensíveis da Federação que a despeito da existência de uma vinculação não se confundem com os ele mentos essenciais do Estado Federal e que corresponde por assim dizer aos seus elementos estruturantes como é o caso da autonomia dos entes federados e da proibição de secessão Notese que os princípios sensíveis da Federação correspondem essencial mente àqueles elencados no inciso VII do art 34 da CF e que em caso de sua violação en sejam a utilização do instituto da Intervenção Federal Os princípios sensíveis objetivam portanto assegurar certa unidade em termos de princípios organizativos além de indispensáveis para a preservação da identidade da Federação 445 razão pela qual tais princípios incluem entre outros a forma republicana de governo e o sistema democráticorepresentativo Não sendo o caso aqui de aprofundar o exame de tais princípios que serão novamente considerados quando do exame do instituto da intervenção cabe subli nhar que a inserção de tais princípios no conjunto das causas motivadoras da Federação bem releva que esta não se reduz a uma estrutura formal de repartição de competências mas assume pleno sentido apenas quando coordenada com outros valores e princípios Mas o constituinte foi além especialmente no que diz respeito à preservação de sua integridade do necessário equilíbrio interno e da própria paridade entre os entes federativos Foi com tal objetivo que o art 19 da CF estabeleceu um conjunto de vedações constitucionais direcionadas a todos os integrantes da Federação União Estados Municípios e DF e de observância cogente A primeira das vedações art 19 I da CF consiste essencialmente na afirmação de que a República Federativa do Brasil é um Estado Laico que embora não tenha de ser um Estado hostil ou mesmo indiferente ao fenômeno religioso 446 implica um leque de desdobramentos em parte expressamente normatizados no dispositivo referido de acordo com o qual é vedado a qualquer entidade da Federação estabelecer cultos religiosos ou igrejas subvencionálos embaraçar o seu funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança ressalvada na forma da lei a colaboração de interesse público Assim ao passo que o Estado em todos os níveis da Federação deve assumir uma postura neutra não proativa em matéria religiosa 447 não podendo ele próprio exercer atividade religiosa e nem mesmo promover mediante oferta de incentivos a criação ou manutenção de atividades de cunho religioso a vedação também abarca uma garantia da liberdade religiosa seja na dimensão institucional seja na sua perspectiva individual podemos agregar pois também é vedado aos entes federativos toda e qualquer forma de embaraço no que diz com o funcionamento das entidades religiosas o que por sua vez reflete no exercício da liberdade de culto A manutenção de relações de dependência ou aliança com entidades religiosas contudo pode ser excepcionada desde que nos termos de lei editada pela entidade federada envolvida notadamente quando a colaboração se justifica para preservação do interesse público Aqui se insere por exemplo a polêmica em torno de acordos tratados entre o poder público e entidades religiosas como é o caso da Concordata entre o Estado brasileiro e o Vaticano 448 aspecto que aqui contudo não temos como desenvolver remetendo para tanto e também no que diz com os demais aspectos envolvendo a liberdade religiosa ao item específico deste curso direitos fundamentais em espécie e à literatura especializada A segunda vedação art 19 II da CF consiste na proibição de que seja recusada fé aos documentos públicos emitidos por qualquer ente público de qualquer uma das entidades da Federação Isso com o objetivo de assegurar a necessária credibilidade de tais documentos em todo o Estado Federal de modo a estarem aptos a servirem de prova e valerem formal e materialmente perante qualquer órgão público de qualquer um dos entes federativos 449 Tal prescrição contudo ademais de garantir maior segurança aos particulares detentores ou destinatários de tais atos assegura um regime de necessária e saudável reciprocidade entre os entes da Federação e suas respectivas repartições públicas não afastando a depender do caso a possibilidade de uma verificação sumária dos requisitos essenciais extrínsecos e intrínsecos de existência e validade do documento de modo a afastar fraudes e vícios graves tudo de forma devidamente motivada 450 A última vedação expressa prevista no art 19 III da CF tem outra finalidade estando vinculada à preservação da integridade e do equilíbrio federativo mediante a garantia do tratamento isonômico tanto dos cidadãos brasileiros quanto dos entes federativos entre si De acordo com a dicção do texto do dispositivo referido é vedado às unidades da Federação criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si A primeira parte da vedação que proíbe distinções entre os brasileiros significa que a nenhum dos entes da Federação é facultada a possibilidade de criar vantagens ou encargos em favor apenas dos que nasceram ou residem em seu território ou mesmo beneficiar os que são oriundos de outros e determinados Estadosmembros ou Municípios Assim como bem explicita José Afonso da Silva a União não poderá beneficiar ou prejudicar filhos de uns Estados ou Municípios ou do Distrito Federal mais do que filhos de outros Tampouco os Municípios poderão fazêlo O ato discriminativo será nulo e a autoridade responsável por ele poderá incidir no crime previsto no art 5º XLI 451 Além dessa especial proibição de discriminação que reforça as exigências do princípio geral da igualdade consagrado pelo art 5º caput da CF na relação entre o Estado Federal e suas respectivas unidades e os indivíduos pessoas físicas e jurídicas a vedação constitucional de acordo com a segunda parte do que dispõe o art 19 III da CF tem por escopo assegurar a paridade entre os próprios entes federativos precisamente por proibir o estabelecimento de qualquer preferência seja nas relações entre a União e os Estados e os Municípios seja no âmbito das relações entre Estados entre os Municípios e entre Estados e Municípios 452 Da mesma forma a vedação constitucional significa nas palavras de Jayme Weingartner Neto que em iguais condições de capacidade ou habilitação não pode o Estado distinguir positiva ou negativamente cidadãos brasileiros no que tange ao exercício de função ofício ou profissão 453 Ainda nesse contexto calha ter presente que a vedação do art 19 III da CF articulase com outras proibições de discriminação de matriz constitucional bem como outros princípios e direitos fundamentais tudo com o mote de assegurar um federalismo isonômico em todos os níveis da relação entre os integrantes da Federação e em relação aos cidadãos Assim por exemplo pode ser relacionada com a vedação ora comentada o direito de liberdade de locomoção art 5º XV da CF o mesmo ocorrendo com a proibição de preferências e limitações discriminatórias em matéria tributária art 150 II e V da CF sem prejuízo da conexão para efeitos da interpretação do sentido e alcance da vedação com o direito geral de igualdade art 5º caput da CF 454 74 O instituto da Intervenção como garantia da integridade da Federação 741 Noções gerais O instituto político e jurídicoconstitucional da Intervenção opera a despeito de o quanto isso possa soar paradoxal como garante da integridade e do equilíbrio da Federação e portanto da respectiva autonomia que demarca a condição própria dos seus integrantes no caso brasileiro dos Estadosmembros do Distrito Federal e dos Municípios isso porque embora a intervenção implique sempre maior ou menor ingerência no ente federativo que a sofre ela ocorre para preservar o interesse maior do Estado Federal e por via de consequência dos demais entes federativos 455 Assim é possível afirmar que o instituto da intervenção cumpre função essencial à própria preservação do Estado Federal assumindo portanto a condição de defesa do interesse nacional e instrumento de garantia mútua de todos os integrantes da Federação 456 Por tal razão é que se parte da premissa de que no ato interventivo se verifica a participação de todos os demais entes federativos pois é o seu interesse parcial na condição de ente autônomo somado ao interesse geral do Estado Federal como um todo que está simultaneamente em causa Nem por isso todavia é correto afirmar que a intervenção assume a condição de elemento essencial da Federação como é o caso da autoorganização e do autogoverno pois embora o instituto encontre previsão em diversas ordens constitucionais EUA Alemanha Argentina etc a garantia da integridade e do equilíbrio da Federação pode ser obtida por outros mecanismos como dá conta o exemplo referido por Marlon Weichert da suspensão de repasses financeiros 457 No que diz com a evolução constitucional brasileira ao passo que no sistema constitucional anterior a Intervenção era limitada aos Estadosmembros ou seja a uma intervenção federal nos Estados membros com a CF o instituto foi ampliado seja para permitir a intervenção federal no Distrito Federal mas também por força da inserção do Município no esquema federativo para assegurar a intervenção dos Estadosmembros nos Municípios e mesmo da União nos Municípios tudo conforme regulado nos arts 34 a 36 da CF 458 Em qualquer caso contudo é preciso ter em conta que a intervenção implica ingerência e em certa medida afastamento maior ou menor na esfera da autonomia constitucional dos entes federativos parciais pois o princípio que preside o Estado Federal é precisamente o da não intervenção consoante aliás decorre da dicção dos arts 34 A União não intervirá e 35 O Estado não intervirá 459 Já por isso também no caso brasileiro a intervenção apresenta pelo menos três características o seu caráter excepcional o seu cunho limitado limitação que inclui aspectos de ordem espacial temporal procedimental e quanto ao objeto visto que o ato interventivo já pela sua natureza e caráter excepcional não implica uma espécie de cheque em branco passado ao interventor devendo pelo contrário obediência a critérios rígidos previstos na CF bem como a sua taxatividade ou seja o fato de que apenas e tão somente nos casos expressamente previstos na CF poderá ser autorizada a intervenção 460 A natureza da intervenção é dúplice pois embora se cuide de um ato e processo essencialmente político tese esgrimida por respeitável doutrina as suas hipóteses de cabimento portanto o seu próprio fundamento e razão de ser e o seu procedimento bem como as respectivas consequências são objeto de regulação jurídicoconstitucional inclusive desafiando controle jurisdicional de tal sorte que a natureza política convive com a natureza de um ato jurídico 461 742 A Intervenção nos Estados e no Distrito Federal 7421 Pressupostos materiais e hipóteses de cabimento De acordo com a conhecida lição de José Afonso da Silva os pressupostos da intervenção nos Estados e nos Municípios definidos de modo abrangente constituem situações críticas que põem em risco a segurança do Estado o equilíbrio federativo as finanças estaduais e a estabilidade da ordem constitucional 462 Os pressupostos de ordem material que correspondem às hipóteses de cabimento da intervenção encontramse taxativamente estabelecidas no art 34 da CF e seus respectivos incisos tudo de acordo com a sumária apresentação que segue a Manter a integridade nacional art 34 I da CF Além da proibição de secessão tendo em conta o caráter indissolúvel da Federação proclamado expressamente pela CF também existem outras formas de colocar em risco a integridade nacional como é o caso da permissão dada por uma ou algumas das unidades da Federação para o ingresso de forças estrangeiras em seu território sem a devida autorização do Congresso Nacional 463 b Repelir invasão estrangeira ou de uma unidade da Federação em outra art 34 II da CF Assim como no caso anterior manutenção da integridade nacional a presente causa autorizativa da intervenção tem por objetivo a defesa do Estado como um todo ou seja do País 464 Por invasão estrangeira compreendese não apenas o ingresso de forças armadas ou outra forma de ingerência estrangeira no âmbito do território nacional mas também a entrada de estrangeiros sem que tenham sido observados os devidos requisitos formais e materiais com ou sem a anuência no caso omissão de algum ente federativo 465 Importa sublinhar que a hipótese autorizativa já se faz presente pelo simples fato de ter ocorrido a invasão desnecessário portanto a conivência do governo da unidade federativa 466 A invasão estrangeira apresenta a peculiaridade de ensejar também a decretação do Estado de Sítio art 137 II da CF e a declaração de Guerra pelo Presidente da República art 84 XIX da CF situações que como bem lembra Walter Claudius Rothenburg não se confundem entre si e podem coexistir tendo inclusive âmbito de aplicação diferenciado o Estado de Sítio é mais amplo do que a Intervenção além de consequências em parte distintas 467 A possibilidade de invasão de uma unidade da Federação por outra também legitima a intervenção pois se trata de situação na qual está em xeque a integridade nacional ademais de se constituir em uma garantia do princípio da indissolubilidade da Federação Neste caso a intervenção poderá ocorrer tanto no Estado invasor quanto no Estado invadido ou em ambos ao mesmo tempo sem prejuízo da possibilidade de a invasão ser protagonizada por Municípios 468 Como bem agrega Enrique Ricardo Lewandowski com isso se busca impedir que alguma unidade da Federação incluídos os Municípios obtenha ganho territorial ilegítimo em detrimento de outra ou possa impor de modo unilateral a sua vontade tudo de modo a assegurar que eventuais conflitos entre os entes federados possam ser resolvidos com base na própria CF 469 c Pôr termo a grave comprometimento da ordem pública art 34 III da CF Muito embora as primeiras Constituições republicanas tenham previsto hipótese similar a exigência em geral de uma situação extremamente grave e excepcional em termos de perturbação da paz e da ordem interna a EC 11969 em pleno apogeu da Ditadura Militar mitigou tal requisito e já permitia a intervenção em casos de simples perturbação da ordem ou ameaça de sua irrupção e até mesmo no caso de corrupção do poder público estadual situação que foi revertida com a atual CF prevendo que a intervenção apenas pode ser desencadeada no caso de grave comprometimento da ordem pública 470 Assim ao passo que nem todo tumulto ou perturbação da ordem pública enseja a medida também não se faz necessário esteja configurada uma verdadeira guerra civil tal como era exigido pelas Constituições de 1934 e 1946 471 A expressão grave comprometimento da ordem pública há de ser portanto interpretada de modo a contemplar todo e qualquer distúrbio social violento continuado e em face do qual o Estadomembro ou Estados não tenha logrado ou sequer o tenha tentado resolver o impasse de modo autônomo e eficaz 472 d Garantir o livre exercício de qualquer dos poderes nas unidades da Federação art 34 IV da CF Como a capacidade de autoorganização e de autogoverno qualifica a Federação como tal pois se trata de elementos essenciais do Estado Federal bem como tendo presente que a separação de poderes é ela também um princípio fundamental estruturante e protegido na condição de cláusula pétrea resulta evidente perturbação significativa do equilíbrio entre as funções estatais em função de ingerência externa que comprometa o seu regular funcionamento ou impedindo ou dificultando o seu exercício 473 Os Municípios não se submetem a tal medida na presente hipótese mas o conceito de poderes para efeito de aplicação do instituto deve ser interpretado em sentido amplo incluindo por exemplo o Ministério Público os Conselhos Nacionais de Justiça e do MP apenas para referir os mais relevantes 474 e Reorganizar as finanças da unidade da Federação art 34 V a e b da CF Aqui são duas as hipóteses a serem consideradas Ambas dizem respeito ao equilíbrio federativo especialmente tendo em conta a interdependência entre as unidades federativas O primeiro caso consiste na suspensão por parte da unidade da Federação de dívida fundada por mais de dois anos dívida esta definida no art 98 da Lei 43201967 embora submetido à interpretação pela doutrina e jurisprudência ao longo do tempo A Lei Complementar 101 de 04052000 Lei da Responsabilidade Fiscal acabou por trazer nova definição que deve ser levada em conta na matéria mas tudo sugere que a natureza da dívida somente pode ser identificada caso a caso mediante o exame da sua destinação e tendo em conta o impacto sobre a situação patrimonial e financeira do ente público afetado 475 De qualquer sorte a intervenção também aqui medida de caráter excepcional e extrema não será justificada nos casos de força maior ainda que transcorrido prazo superior a dois anos do inadimplemento 476 Já a segunda hipótese tem por escopo a proteção dos Municípios em face de eventual constrangimento econômico provocado pela falta de repasse de recursos municipais oriundos da receita tributária administrados pelos Estadosmembros 477 De acordo com a lição de Enrique Ricardo Lewandowski tendo em conta ainda o disposto no art 160 da CF que proíbe a retenção ou qualquer restrição à entrega ou ao emprego dos recursos478 a intervenção cabe não apenas no caso de retenção dos recursos tributários mas também se o Estado estabelecer qualquer condição para a sua liberação 479 f Prover a execução de lei federal ordem ou decisão judicial art 34 VI da CF Novamente não é qualquer situação de desrespeito que justifica o recurso ao instituto da intervenção já que antes disso devem em regra ser esgotados outros meios menos gravosos especialmente a via jurisdicional hipótese na qual portanto se estará em face de descumprimento de decisão judicial que embora possa ter em sua origem a negativa de execuçãocumprimento de lei com esta situação não se confunde 480 Com efeito a intervenção para execução de lei federal diz respeito à recusa de aplicação da legislação que acarrete grave e generalizado prejuízo e que não tenha como ser resolvida pela via jurisdicional 481 Ainda nesse contexto convém recordar que nos casos de descumprimento de ordem judicial não é necessário tenha sido operada a coisa julgada entendimento que tem sido consagrado na jurisprudência do STF para o qual a expressão ordem judicial abrange em princípio toda e qualquer ordem e decisão o que aliás está expressamente previsto no art 34 VI da CF cabe agregar expedida por autoridade judiciária competente 482 o que se justifica também pelo fato de os prejuízos causados pelo descumprimento poderem atingir proporções ainda maiores caso imperativo aguardar o trânsito em julgado Situação bastante comum e que diversas vezes enseja pedidos de intervenção apreciados pelo STF é a do não pagamento de precatórios Aqui o STF tem sido extremamente contido no sentido de não autorizar a intervenção quando os recursos do Estado são limitados ou seja em face da invocação da escusa da reserva do possível e quando existem outras obrigações relevantes a serem atendidas pelo poder público como é o caso dos serviços públicos essenciais pagamento da folha salarial dos servidores entre outros 483 De acordo com lapidar voto do Ministro Gilmar Mendes pelo menos no que diz com a linha argumentativa a depender de testagem em cada caso por evidente que acabou sendo o precedente na matéria a intervenção na condição de medida excepcional e extrema deve atender aos critérios da proporcionalidade 484 g Assegurar a observância de princípios constitucionais art 34 VII da CF A presente hipótese autorizativa da intervenção tem caráter bastante abrangente e se desdobra em cinco situações que têm como elemento comum o fato de se tratar em todos eles dos assim chamados princípios constitucionais sensíveis da Federação ainda que tais princípios sensíveis como já referido não possam ser reduzidos às hipóteses do art 34 VII da CF A primeira hipótese prevista na alínea a do inciso VII do art 34 objetiva assegurar a observância da forma republicana de governo do sistema representativo e do regime democrático em suma tem por escopo assegurar a integridade do Estado Democrático de Direito consagrado pela CF Cuidase de categorias muito abertas que demandam a compreensão de cada uma individualmente na condição de princípios e decisões políticas fundamentais e estruturantes pois cada um dos princípios tem seus respectivos elementos essenciais e que receberam peculiar formatação na CF para além da articulação entre a forma republicana de governo e o sistema democráticorepresentativo Pela sua vagueza e indeterminação a tendência como de resto demonstra a evolução brasileira recente é a de uma postura restritiva no que diz com a utilização de tais justificativas para dar suporte a um pedido de intervenção A segunda hipótese art 34 VII b objetiva assegurar o respeito aos direitos da pessoa humana compreendidos aqui em sentido amplo de modo a abranger tanto os direitos humanos direitos consagrados nos tratados internacionais ratificados pelo Brasil e demais direitos vinculados à dignidade da pessoa humana quanto os direitos fundamentais como tais considerados aqueles consagrados expressa e implicitamente pela CF noção que portanto especialmente à vista da abrangência do catálogo constitucional é mais ampla e portanto mais protetiva do que a noção de direitos humanos 485 Também aqui e especialmente nessa hipótese levando em conta o número de direitos assegurados e a quantidade de casos de violação não é toda e qualquer medida comissiva ou omissiva apta a justificar a intervenção já que em geral é o caso de investir no caminho habitual do exercício da via jurisdicional ou outras medidas aptas a coibir ou mesmo prevenir as violações Assim somente em casos graves e em face da inoperância dos meios convencionais é que se fará uso da intervenção que de resto constitui um dos meios disponibilizados para tal situação a exemplo do que ocorre com o instituto de deslocamento da competência para a Justiça Federal previsto no art 109 5º da CF inserido mediante emenda constitucional EC 452004 486 No âmbito da jurisprudência do STF tal hipótese também já foi objeto de exame como dá conta caso que envolveu linchamento de presos pela população local acusandose o Poder Público de ser incapaz de assegurar condições mínimas de segurança da vida dos presos Muito embora tenha o STF reconhecido a possibilidade de uma intervenção em situação similar tendo o pedido sido inicialmente admitido ao final sobreveio juízo de improcedência à vista de medidas concretas levadas a efeito pelo Poder Público ao longo da tramitação 487 A terceira situação ensejadora de intervenção diz com a garantia da autonomia municipal art 34 VII c de tal sorte que o Distrito Federal por não estar decomposto em Municípios não poderá sofrer intervenção por tal motivo 488 A intervenção nos Estados membros poderá ser ativada portanto sempre que a ação estatal colocar em risco ou afetar diretamente a autonomia de um ou mais Municípios no que diz com sua respectiva e constitucionalmente assegurada capacidade de autoorganização e autogoverno sempre incluídas as capacidades de autoadministração e autolegislação 489 A quarta hipótese prevista no art 34 VII d da CF diz com a prestação de contas da Administração Pública direta e indireta ou seja do dever de prestação de contas estabelecido pela própria CF no seu art 70 cujo descumprimento por ação ou omissão do ente federado poderá ensejar a intervenção 490 Por derradeiro a intervenção poderá ocorrer de acordo com a previsão do art 34 VII e da CF nos casos de desrespeito no que diz com a aplicação na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde do mínimo exigido em termos de receita tributária oriunda de impostos estaduais aí compreendida a proveniente de transferências Tal hipótese incluída por meio de emenda constitucional 1996 e 2000 veio em primeira linha a corrigir distorção gerada em face da previsão da intervenção nos Municípios pela mesma razão art 35 III da CF agora estendida aos Estadosmembros e Distrito Federal 491 De certo modo a possibilidade de manejar a intervenção assume a condição de garantia adicional da previsão constitucional de investimentos mínimos em educação e saúde e na consecução dos objetivos fundamentais do art 3º da CF 7422 Aspectos de ordem formal e procedimental 74221 Iniciativa do processo interventivo No que diz com o modo pelo qual inicia o processo de intervenção esta pode ser classificada nas seguintes espécies quais sejam 492 I Espontânea Ocorre quando da verificação das hipóteses previstas no art 34 I II III e V da CF independendo de requisição de qualquer autoridade ou de alguma unidade da Federação Assim a decretação da intervenção pelo Presidente da República poderá ocorrer de ofício por iniciativa do próprio chefe do Executivo nacional mediante a verificação da ocorrência de alguma das causas autorizativas referidas No caso de intervenção espontânea inexiste fase judicial mas o Presidente da República ouvirá os Conselhos da República e da Defesa Nacional muito embora não esteja vinculado a sua decisão 493 Embora se trate de ato discricionário do Presidente da República isso não significa que não existe qualquer controle o que será objeto de atenção logo adiante II Provocada a Mediante requerimento ou solicitação quando for requerida pelo Poder Executivo ou pelo Poder Legislativo da unidade federada com o intuito de assegurar o livre exercício das atribuições dos poderes daquela unidade da Federação que estão a sofrer coação ou qualquer espécie de impedimento à sua atuação art 36 I primeira parte da CF Cuidase na espécie da ocorrência da hipótese prevista no art 34 IV CF garantir o livre exercício de qualquer um dos Poderes nas unidades da Federação Notese contudo que quando for o Poder Judiciário estadual o afetado pela coação ou impedimento a intervenção dependerá de requisição do STF art 36 I segunda parte da CF de tal sorte que não se trata da modalidade requerida ou solicitada Registrese por derradeiro que a intervenção a ser decretada pelo Presidente da República consiste em ato discricionário de tal sorte que a solicitação poderá ou não ser atendida 494 Isso não significa contudo que o Presidente da República tenha total liberdade nessa esfera pois embora possa e deva examinar a presença dos requisitos e a conveniência e oportunidade da intervenção cuidase de ato motivado e que nos casos de evidente omissão dolosa por exemplo motivada por razões pessoais ou de mero interesse políticopartidário poderá ensejar a sua responsabilização 495 Por derradeiro é de se colacionar a lição de Pontes de Miranda no sentido de que a falta de solicitação torna inconstitucional a intervenção caso venha a ser mesmo assim decretada pelo Presidente da República o que contudo poderá ser sanado mediante o posterior encaminhamento de solicitação formal por parte do órgão legitimado 496 b Mediante requisição ocorre quando a intervenção se dá mediante requisição do Poder Judiciário nas diversas hipóteses previstas na CF Ao contrário da hipótese anterior requerida ou solicitada aqui se está diante de um ato de natureza vinculada cujo não atendimento poderá ensejar responsabilização do Presidente da República por crime de responsabilidade nos termos do disposto no art 12 da Lei 10791950 497 De outra parte convém sublinhar que são diversas três ao todo as situações que podem ensejar requisição judicial buscando a decretação de intervenção havendo portanto peculiaridades a serem observadas I No primeiro caso a intervenção poderá ser requisitada pelo STF quando ocorrer coação contra o Poder Judiciário arts 34 IV e 36 I segunda parte da CF II No segundo caso a intervenção poderá ser requisitada a depender da situação concreta tanto pelo STF quanto pelo STJ ou TSE isso quando verificada desobediência à ordem ou decisão judicial arts 34 VI e 36 II da CF III Além disso a intervenção poderá ser requisitada pelo STF se e quando o tribunal der provimento à representação do ProcuradorGeral da República o que por sua vez poderá ocorrer em caso de violação dos assim chamados princípios sensíveis da Federação art 34 VII ou quando houver recusa à execução de Lei Federal tudo conforme disposto no art 36 III da CF No primeiro caso estarseá diante da assim chamada representação por inconstitucionalidade para fins interventivos ou ação direta ou representação interventiva tema versado na parte deste curso relativa ao controle de constitucionalidade No segundo caso trata se nas palavras de José Afonso da Silva de uma ação de executoriedade da lei 498 De qualquer sorte importa registrar que nas duas hipóteses o procedimento é regulado pela Lei 125622011 Uma vez julgada procedente a representação a decisão do STF vincula de modo imperativo o Presidente da República que nos termos da legislação citada terá o prazo de quinze 15 dias para darlhe o devido cumprimento 499 74222 Competência e forma do ato interventivo A Intervenção Federal consiste sempre em ato privativo do Presidente da República materializandose mediante a edição de um decreto do Executivo de acordo com o disposto no art 84 X da CF Tal decreto nos termos do 1º do art 36 da CF especificará a amplitude o prazo e as condições de execução da intervenção além de nomear quando for o caso um interventor O ato interventivo é então submetido ao crivo do Congresso Nacional no prazo de 24 horas sendo o caso de convocação extraordinária se o Congresso não estiver funcionando normalmente tudo de acordo com o art 36 1º e 2º da CF Calha recordar que no caso de intervenção espontânea da iniciativa do próprio Presidente da República este além de verificar a ocorrência das hipóteses justificadoras deverá ouvir em caráter e consulta não vinculativa os Conselhos da República e da Defesa arts 90 I e 91 1º II da CF decidindo na sequência de modo discricionário como já salientado sobre a intervenção Mas nem sempre é imperativa a manifestação dos Conselhos da República e da Defesa pois nos casos de requisição judicial se trata de ato de natureza vinculada e eventual parecer contrário seria simplesmente inócuo e desnecessário o que contudo não é o caso quando for dispensada a aprovação pelo Congresso Nacional e a opinião emitida pelos Conselhos poderá subsidiar a decisão do Presidente da República 500 74223 Amplitude prazo condições e consequências da intervenção O decreto do Presidente da República deverá seja de quem for a iniciativa do processo interventivo ser sempre motivado 501 alterandose por evidente a fundamentação de acordo com a natureza da hipótese autorizativa e suas respectivas peculiaridades De acordo com o que prescreve o art 36 1º da CF o Decreto Presidencial deverá definir a amplitude da intervenção ou seja determinar o Estado ou Município que atinge e o Poder ou Poderes nos quais se dará a intervenção 502 Também o prazo deverá estar de algum modo definido seja mediante a previsão de um termo final intervenção por prazo determinado seja condicionando o término da intervenção à consecução dos objetivos estabelecidos pelo decreto de tal sorte que não se tolera uma intervenção por prazo indeterminado fixada em termos genéricos inclusive pelo fato de que com isso estaria afetada a autonomia da unidade federada 503 Uma vez transcorrido o prazo estabelecido ou superada a situação que deu azo ao decreto interventivo art 36 4º da CF cessa a intervenção ensejando o retorno das autoridades afastadas provisoriamente ao poder 504 O decreto presidencial deverá outrossim especificar as condições da intervenção ou seja o seu detalhamento incluindo os meios a serem empregados 505 sua finalidade entre outros aspectos de acordo com a razão de ser do ato e as peculiaridades do ente ou órgão no qual se dará a intervenção Também aqui se faz imprescindível a devida fundamentação e a sua ausência tanto das condições quanto de sua motivação pois do contrário quando da submissão ao Poder Legislativo a intervenção poderá ser rechaçada liminarmente sem a apreciação do mérito propriamente dito 506 Particularmente relevante é a circunstância de que nos casos dos incisos VI e VII do art 34 da CF o decreto deverá aterse a suspender a execução do ato impugnado sempre que tal providência se revelar suficiente para fazer cessar a violação aos princípios constitucionais elencados nos dispositivos citados 507 Assim apenas quando não for esse o caso ou seja a suspensão do ato for ineficaz haverá de ser efetivada a intervenção pois não se trata de uma mera faculdade no sentido de uma discricionariedade pura mas sim de um dever que implica motivação adequada às diversas hipóteses que podem ensejar a intervenção e de acordo com as peculiaridades de cada caso intervenção espontânea ou provocada e suas respectivas modalidades 508 Uma das consequências correntes da intervenção é o afastamento de autoridades dos seus respectivos cargos afastamento de caráter sempre temporário como temporária é a intervenção de tal sorte que cessada a intervenção haverá a recondução ao cargo salvo existindo impeditivo legal art 36 4º da CF Assim é possível que as autoridades estejam impedidas de retornar ao cargo seja por força do término do respectivo mandato seja em virtude de sua cassação extinção suspensão ou perda dos direitos políticos ou mesmo em caso de renúncia ou falecimento situações que ensejam a assunção quando for o caso do substituto constitucionalmente previsto 509 74224 Do interventor e de sua responsabilidade Ressalvada a Constituição de 1891 que não previa expressamente tal figura as Constituições subsequentes passaram a prever a designação de um interventor que de acordo com a lição de José Afonso da Silva é figura constitucional e autoridade federal cujas atribuições são estabelecidas no decreto da Intervenção bem como nas demais instruções a serem fixadas pela autoridade interventora 510 O interventor é portanto nomeado pelo Presidente da República ou Governador no caso da intervenção em Município exercendo uma função de confiança na condição similar a de um delegado ou comissário 511 Mas nem sempre haverá necessidade da nomeação de um interventor o que ocorrerá apenas quando for o caso a teor do que dispõe expressamente a CF no seu art 36 1º No que diz com suas atribuições estas como já referido são estabelecidas no decreto interventivo e nas demais instruções recebidas do chefe do Executivo cuidandose de funções federais e sempre limitadas ao ato de intervenção 512 De todo modo as atribuições do interventor variam de acordo com a amplitude as condições e o prazo da intervenção podendo inclusive assumir funções legislativas e executivas quando estiver substituindo titulares de cargos legislativos e executivos 513 Assim o interventor assume a condição da autoridade substituída mas sempre de modo provisório e vinculado aos termos e objetivos da intervenção e do decreto que a instaurou A possibilidade de o interventor exercer funções típicas do Poder Judiciário ou seja privativas dos Juízes tem sido refutada pela doutrina em virtude de que se assim não fosse se estaria a fazer tábula rasa das garantias constitucionais da Magistratura 514 Por derradeiro calha agregar a lição de Enrique Ricardo Lewandowski ao lembrar que o interventor não assume poderes de natureza excepcional pois apenas exerce temporariamente as funções habituais da autoridade substituída 515 podendo ademais responder pela sua atuação Os atos praticados pelo interventor no caso de causarem prejuízo podem implicar responsabilização tanto pessoal do interventor quanto da União ou do Estado a depender do tipo de intervenção Todavia tal possibilidade de responsabilização não enseja a prática de crime de responsabilidade nos termos da Lei 10791950 pois sua investidura não lhe confere autonomia para além de a figura do interventor não ter sido prevista na legislação referida 516 A sua responsabilidade se dará na esfera criminal se praticar delito que lhe possa ser imputado ou na esfera cível Neste último caso é de se ter presente que os atos executados na condição de interventor podem ensejar a responsabilidade civil da União nos termos do art 37 6º da CF ao passo que os atos praticados no exercício normal da administração estadual ensejarão se for o caso a responsabilidade do Estadomembro 517 74225 Controle político e jurisdicional da intervenção O ato de intervenção embora privativo do Presidente da República está sujeito a dois tipos de controle o primeiro de natureza política exercido pelo Poder Legislativo o segundo de cunho jurisdicional levado a efeito pelo Poder Judiciário muito embora nem sempre ambas as modalidades se façam presentes a Controle político O controle político significa a possibilidade de o Congresso Nacional aprovar rejeitar ou suspender a intervenção de acordo aliás com o que deflui da redação do art 49 IV da CF Tal controle representa a regra de tal sorte que a aprovação da intervenção pelo Congresso Nacional somente não se faz necessária nas hipóteses constitucionalmente previstas quais sejam os casos em que se trata de mera suspensão do ato impugnado art 34 VI e VII e art 35 IV da CF não se faz necessária a aprovação do Congresso Nacional 518 No caso de requisição judicial como já frisado não poderia o Congresso por afronta ao princípio da separação de poderes obstaculizar a intervenção mas poderia suspendêla a qualquer tempo nos termos do art 49 IV da CF em ocorrendo vício formal ou desvio de finalidade 519 de tal sorte que mesmo nessa hipótese o controle político não resta completamente afastado Ainda no que diz respeito ao papel exercido pelo Poder Legislativo embora em regra a intervenção deva ser aprovada pelo Congresso Nacional ressalvadas as exceções já referidas o ato de intervenção não depende de tal aprovação para ter eficácia produzindo efeitos desde a sua edição 520 De acordo com a lição de Enrique Ricardo Lewandowski que aqui transcrevemos literalmente três são as possíveis consequências da apreciação do ato pelo Legislativo 1 os parlamentares podem aproválo autorizando a continuidade da intervenção até o atingimento de seus fins 2 podem de outro lado aproválo suspendendo de imediato a medida situação que gerará efeitos ex nunc 3 podem por fim rejeitálo integralmente suspendendo a intervenção e declarando ilegais ex tunc os atos de intervenção 521 Uma vez suspensa a intervenção pelo Congresso Nacional o ato interventivo passará a estar inquinado do vício de inconstitucionalidade devendo sua execução cessar imediatamente pena de configuração de crime de responsabilidade do chefe do Executivo art 85 II da CF 522 b Controle jurisdicional Muito embora a intervenção constitua um ato essencialmente político resultado da conjugação necessária do decreto do Presidente da República e da aprovação pelo Congresso Nacional o controle jurisdicional não resta afastado mas assume natureza diversa a depender do caso tendo por escopo essencialmente verificar se a intervenção atende aos requisitos constitucionais Assim o controle jurisdicional não incide propriamente sobre o mérito da intervenção mas sim limitase ao exame da presença dos pressupostos formais e materiais estabelecidos pela CF como se dá nos casos de requisição pelo Poder Judiciário ou quando iniciada a partir de solicitação do Poder coacto ou impedido 523 Assim por exemplo caberá controle judicial quando o Presidente da República decretar a intervenção sem a devida requisição ou solicitação o que implica violação do procedimento constitucionalmente imposto 524 Outra hipótese poderá ocorrer quando a União intervier em Município o que igualmente viola frontalmente limitações constitucionais já que a intervenção da União em Município apenas cabe quando se tratar de Município sediado em Território Federal 525 Além disso também no caso de suspensão da intervenção pelo Congresso Federal e descumprimento por parte do chefe do Executivo é possível o recurso ao Poder Judiciário pois o ato interventivo passou a ser inconstitucional sendo necessário assegurar o restabelecimento do funcionamento normal dos Poderes estaduais 526 A própria ação direta ou representação interventiva mas de modo distinto das hipóteses anteriores consiste em modalidade de controle jurisdicional da intervenção mas aqui é o próprio Poder Judiciário provocado por representação do ProcuradorGeral da República ou do ProcuradorGeral de Justiça no caso de intervenção dos Estados nos Municípios quem aprecia o mérito ou seja se houve ofensa a princípio constitucional sensível e determinada seja efetivada a intervenção passandose então para a fase em que atua o Poder Executivo decreto interventivo onde a depender da circunstância poderá haver então novo recurso ao Judiciário 743 A intervenção nos Municípios A intervenção nos Municípios encontrase regulada na CF que prevê a possibilidade de intervenção dos Estados em seus Municípios e da União nos Municípios situados nos Territórios Federais art 35 A exemplo do que ocorre com a intervenção federal também a intervenção nos Municípios consiste em medida excepcional e transitória e que apenas poderá ser instaurada nos casos taxativamente elencados no art 35 da CF 527 sem que exista a possibilidade de ampliação das hipóteses pelo poder constituinte estadual 528 As hipóteses constitucionais são as seguintes a deixar de ser paga sem motivo de força maior por dois anos consecutivos a dívida fundada b não forem prestadas contas devidas na forma da lei c não tiver sido aplicado o mínimo exigido da receita municipal na manutenção e no desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde d o Tribunal de Justiça der provimento a representação para assegurar a observância de princípios indicados na Constituição Estadual ou para prover a execução de lei de ordem ou de decisão judicial Nessa última hipótese em se tratando de intervenção estadual o legitimado ativo para esgrimir a representação será o ProcuradorGeral de Justiça Assim tal como ocorre na intervenção federal a intervenção nos Municípios poderá ser espontânea ou provocada por requisição solicitação ou representação A intervenção também se dará mediante a edição de decreto do chefe do Poder Executivo ou seja do Governador do Estado quando se cuidar de intervenção de Estado em algum dos seus Municípios ou do Presidente da República na hipótese de intervenção da União no Município de Território Federal O decreto assim como na Intervenção Federal deverá estabelecer o prazo a amplitude e as condições da intervenção e nomear interventor se for o caso devendo ademais ser submetido prazo de 24 horas ao crivo do Poder Legislativo designadamente da Assembleia Legislativa ou do Congresso Nacional a depender da hipótese Todavia assim como se dá na intervenção federal o controle legislativo é dispensado quando bastar a suspensão da execução do ato impugnado para restabelecer a normalidade na hipótese do art 35 IV da CF Isso não sendo o caso a intervenção deve ser decretada e necessária a aprovação pelo Poder Legislativo O interventor autoridade estadual ou federal a depender da iniciativa da intervenção atuará em substituição ao Prefeito do Município e praticará todos os atos de administração prestando contas dos seus atos ao Governador ou Presidente da República e no caso da administração financeira ao Tribunal de Contas do Estado ou da União a depender do caso podendo ser responsabilizado pelos excessos cometidos 529 Notese além disso que quando o interventor praticar atos de governo municipal típicos dando seguimento à administração municipal de acordo com os termos da Lei Orgânica do Município e demais leis municipais a responsabilidade por eventuais prejuízos não será pessoal do interventor mas sim do próprio Município 530 Convém frisar pela possível relevância prática da situação que o fato de um Município ter tido a sua intervenção decretada em II DA REPARTIÇÃO DE COMPETÊNCIAS 75 Noções gerais O programa políticonormativo instituído pela CF estabelece a vinculação do Estado EstadoLegislador EstadoAdministrativo e EstadoJuiz ao estrito cumprimento dos ditames constitucionais no âmbito das atribuições e competências delineadas para cada esfera federativa A questão federativa por sua vez está na essência da discussão a respeito das competências constitucionais tomando por base a estrutura organizacional do Estado brasileiro e o papel características do Estado Federal a despeito de um conjunto de elementos comuns inexiste um modelo único e cada ordem constitucional tem a prerrogativa de conformar a sua própria Federação Nesse sentido o que também já foi objeto de menção o Estado Federal instaurado pela CF apresenta a peculiaridade de ter incluído os Municípios na condição de entidade federada juntamente com a União os Estados e o Distrito Federal o que evidentemente também implica ajustes importantes no sistema constitucional de repartição de competências Além disso ainda que carente de desenvolvimento a CF apostou naquilo que a partir especialmente da tradição norteamericana e posteriormente alemã se passou a designar de um federalismo cooperativo igualmente caracterizado ao menos em parte por uma determinada forma de partição e exercício das competências Por outro lado sabese que é a forma pela qual cada ordem constitucional estabelece a repartição das competências entre os entes federativos que permite identificar qual a concepção de federalismo e de Estado Federal adotada por cada País pois o Estado Federal poderá assumir forma mais ou menos centralizada podendo ou não ser caracte rizado como um federalismo do tipo cooperativo entre outros aspectos vinculados ao sistema constitucional de competências Nesse contexto voltandonos ao caso do Brasil oportuna a lição de José Afonso da Silva no sentido de que a CF estruturou um sistema que combina competências exclusivas privativas e principiológicas com competências comuns e concorrentes buscando reconstruir o sistema federativo segundo critérios de equilíbrio ditados pela experiência histórica 533 Por isso no concernente ao sistema de repartição de competências verificase que a CF adotou um sistema complexo e híbrido que não se encaixa integralmente nos modelos considerados clássicos o que aliás também veio a ocorrer no âmbito da evolução registrada no direito comparado Nesse contexto como bem averba Fernanda Dias Menezes de Almeida a CF estruturou um sistema complexo em que convivem competências privativas repartidas horizontalmente com competências concorrentes repartidas verticalmente abrindose espaço também para a participação das ordens parciais na esfera de competências próprias da ordem central mediante delegação 534 Notase ademais que o sistema constitucional de distribuição das competências da CF está a despeito da manutenção de uma partição do tipo horizontal competências enumeradas e remanescentes também alicerçado a partir de uma lógica de verticalização o que é facilmente apreensível tanto diante do estabelecimento de competências legislativas concorrentes art 24 quanto de competências materiais comuns art 23 para todos os entes federativos Ou seja todos os entes federativos são convocados pela CF a atuarem legislativa e administrativamente nas matérias mais diversas da vida social política e econômica O art 23 parágrafo único da CF também reforça tal dimensão cooperativa ao estabelecer que leis complementares fixarão normas para a cooperação entre a União e os Estados o Distrito Federal e os Municípios tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bemestar em âmbito nacional Tudo somado é possível afirmar de acordo com expressão utilizada pelo ExMinistro do STF Carlos Ayres Britto que a CF1988 criou em especial mediante a técnica da legislação concorrente um verdadeiro condomínio legislativo federado 535 Aliás na doutrina nacional atribuise a Raul Machado Horta o pioneirismo na adoção da expressão condomínio legislativo ao definir o modelo vertical de partição de competências como aquele no qual a mesma matéria legislativa é distribuída entre os diversos entes da Federação cabendo à União estabelecer diretrizes gerais a serem observadas pelos Estadosmembros 536 Ainda no concernente aos traços gerais do sistema brasileiro calha recordar que a CF adotou o princípio da predominância do interesse segundo o qual como ensina José Afonso da Silva à União caberão aquelas matérias e questões de predominante interesse geral nacional ao passo que aos Estados tocarão as matérias e assuntos de predominante interesse regional e aos Municípios concernem os assuntos de interesse local 537 Ao Distrito Federal convém agregar em virtude de sua condição híbrida foram reservadas competências de caráter regional e local art 32 1º O princípio da predominância do interesse todavia opera mais como uma diretriz geral a nortear a compreensão do sistema como um todo do que como um critério absoluto 538 visto que a exata determinação de qual o interesse em causa geral nacional regional ou local frequentemente se revela difícil existindo zonas de imbricação que exigem uma particular atenção às circunstâncias de cada caso podendo mesmo ocorrer que exista um interesse cuja preponderância é equivalente pelo menos em termos tendenciais para mais de um Estado ou Município 539 Para facilitar a compreensão do esquema constitucional de repartição de competências na CF que será objeto de análise mais detida nos próximos itens partiremos da distinção entre a assim designada repartição horizontal e a repartição dita vertical de competências No âmbito de uma repartição do tipo horizontal de acordo com a qual os entes federados são dotados de campos específicos de competências poderes administrativas e legislativas de modo a demarcar as fronteiras normativas típicas do Estado Federal 540 a CF estabeleceu o seguinte esquema geral 541 a a União foi contemplada com um conjunto de competências enumeradas e privativas Ao passo que as competências administrativas estão dispostas no art 21 as competências legislativas foram previstas no art 22 da CF sendo estas últimas passíveis nos termos de Lei Complementar de delegação art 22 parágrafo único b os Municípios também foram dotados de competências enumeradas e privativas art 30 da CF c aos Estados foram reservadas competências residuais ou remanescentes art 25 1º da CF d ao Distrito Federal em virtude de sua natureza mista couberam competências tanto estaduais quanto municipais art 32 1º da CF Já no que diz com uma separação do tipo vertical ou seja no âmbito do condomínio legislativo ao qual já se fez referência a CF prevê o seguinte quadro a competências administrativas comuns da União dos Estados do Distrito Federal e dos Municípios art 23 da CF b competências legislativas concorrentes da União dos Estados e do Distrito Federal art 24 da CF cabendo à União legislar apenas com o objetivo de estabelecer normas gerais art 24 1º da CF e ressalvando uma competência suplementar para os Estados e o Distrito Federal art 24 2º da CF 76 Das competências administrativas materiais dos entes federativos 761 Aspectos gerais e competências exclusivas indelegáveis Competências administrativas correspondem aos poderes jurídicos de caráter não legislativo ou jurisdicional atribuídos pela CF aos diversos entes da Federação Tais competências que também costumam ser chamadas de competências materiais dizem respeito à tomada de decisões de natureza políticoadministrativa execução de políticas públicas e a gestão em geral da Administração Pública em todos os níveis federativos 542 No caso da União as suas competências administrativas encontramse enunciadas no art 21 I a XXV da CF também chamadas de competências gerais da União dentre as quais em caráter meramente ilustrativo pois o elenco é extenso a manutenção de relações com Estados estrangeiros inciso I declarar a guerra e celebrar a paz inciso II assegurar a defesa nacional inciso III decretar Estado de Sítio Estado de Defesa e a Intervenção Federal inciso V emitir moeda inciso VII entre outras Tais competências administrativas são exclusivas da União não sendo portanto passíveis de delegação ao contrário do que se verifica no âmbito das competências privativas de caráter legislativo Mas as competências materiais da União não se esgotam ao elenco contemplado no art 21 da CF pois tais competências por vezes se desdobram em outras além de serem complementadas por competências materiais adicionais previstas em outros dispositivos constitucionais como é o caso do art 164 e seus parágrafos emissão de moeda do art 177 monopólio da União sobre a pesquisa e lavra de jazidas de petróleo etc do art 184 desapropriação por interesse social do art 194 organização da seguridade social e art 198 Sistema Único de Saúde entre outros 543 Convém sublinhar nesse contexto que a diferença entre competências exclusivas e privativas de acordo com a doutrina majoritária reside precisamente no fato de que as primeiras são insuscetíveis de delegação 544 É preciso atentar contudo para o fato de que tal terminologia nem sempre é adotada pela CF pois esta por diversas vezes contempla competências indelegáveis sob o rótulo de privativas como se verifica nos casos dos arts 51 52 e 61 1º da CF 545 Com isso ao contrário do que pretendem alguns 546 não temos por inócua a distinção entre competências exclusivas e privativas pois a diferença remanesce independentemente da terminologia adotada segue havendo competências delegáveis e indelegáveis havendo de ser este portanto o critério distintivo prevalente 547 Aos demais entes federativos também foram asseguradas competências materiais ou administrativas de modo a lhes garantir sua respectiva autonomia também no campo do autogoverno e da autoadministração No caso dos Estadosmembros as competências administrativas situamse ao contrário do que ocorre com a União e os Municípios no campo das competências poderes reservadas também chamadas de remanescentes ou residuais De acordo com a expressa dicção do art 25 1º da CF são reservadas aos Estados as competências que não lhe sejam vedadas por esta Constituição Dito de outro modo isso significa adotandose a tradicional técnica da demarcação por exclusão que tudo o que não for da competência exclusiva da União e dos Municípios é competência dos Estados 548 É preciso reconhecer contudo que a atribuição por exclusão constitui regra que comporta exceção pois o próprio art 25 nos 2º e 3º prevê competências privativas enumeradas dos Estados ao que se soma a competência estabelecida no art 18 4º da CF embora neste último caso se tenha também uma competência legislativa Quanto aos Municípios suas competências estão previstas no art 30 da CF onde estão contempladas tanto competências administrativas materiais quanto legislativas que portanto devem ser distinguidas entre si sendo ambas as competências do tipo enumerado Notese ademais que as competências administrativas o mesmo se aplica às legislativas do Município podem ser tanto aquelas que dizem respeito ao interesse local no sentido de uma cláusula aberta quanto as que foram expressamente enumeradas no art 30 da CF Já no caso do Distrito Federal a CF embora tenha disposto sobre suas competências legislativas art 32 1º quedou silente no concernente às competências materiais Levando em conta todavia que o Distrito Federal assume natureza híbrida cumulando a condição de Estado e Município entendese que ao Distrito Federal foram atribuídas as mesmas competências materiais dos Estados e Municípios sendo mesmo legítimo utilizar as regras de competência legislativa para solucionar casos que digam respeito às competências administrativas mormente em virtude da conexão entre ambas as esferas legislativa e administrativa 549 762 Competências administrativas comuns concorrentes Situação a merecer considerações em destaque é a que envolve as assim designadas competências comuns a todos os entes federativos previstas expressamente no art 23 da CF Tais competências por serem comuns ou seja de cunho paralelo ou simultâneo podem ser exercidas concomitantemente pela União pelos Estados pelo Distrito Federal e pelos Municípios Por tal razão a doutrina chama a atenção para o fato de que em verdade se trata de uma modalidade de competência concorrente em virtude precisamente de uma concorrência de atuação nas matérias estabelecidas no dispositivo constitucional referido objetivando a cooperação e sinergia entre os entes federativos 550 Tratase de matérias em relação às quais o constituinte pretendeu assegurar certa simetria entre os entes federativos ademais de garantir uma ampla cobertura de atuação isenta de lacunas mediante políticas públicas e ações diversas em áreas sensíveis como é o caso apenas para ilustrar zelar pela guarda da Constituição das leis e das instituições democráticas e conservar o patrimônio público art 23 I cuidar da saúde e assistência pública da proteção e garantia das pessoas com deficiência art 23 II entre outras Mas também aqui as competências comuns a exemplo do que ocorre com as exclusivas não se limitam àquelas definidas no art 23 da CF existindo outros dispositivos constitucionais a contemplar competências materiais de exercício concomitante pelos entes da Federação como é o caso dos arts 179 180 215 e 225 CF 551 É precisamente no âmbito das competências materiais comuns concorrentes que a CF no parágrafo único do art 23 embutiu elementos de um federalismo cooperativo ao dispor na redação dada pela EC 532006 que Leis complementares fixarão normas para a cooperação entre a União e os Estados o Distrito Federal e os Municípios tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bemestar em âmbito nacional Nessa perspectiva calha referir novamente o exemplo da LC 1402011 que regulamentou o exercício das competências materiais comuns em matéria ambiental 552 Todavia é preciso observar que quando o parágrafo único do art 23 da CF se refere a leis complementares soa razoável que se trate sempre de lei complementar da União não sendo o caso de cada ente federado editar leis complementares destinadas precisamente a assegurar mecanismos de cooperação e integração entre as unidades da Federação 553 Contudo a despeito da eventual regulamentação legislativa do modo de cooperação o exercício das competências comuns frequentemente gera conflitos entre os entes federativos conflito este que na acepção de André Ramos Tavares deve ser resolvido aplicandose a orientação geral decorrente do princípio do interesse prevalente 554 cientes das limitações inerentes a tal princípio De todo modo esta tem sido também a orientação adotada pelo STF que partindo da correta premissa de que inexiste hierarquia entre os entes federativos invoca uma hierarquia de interesses a partir do interesse mais geral nacional da União no sentido de que este há de preferir ao interesse mais restrito dos Estados ou então dos Municípios 555 Outro não é o ponto de vista de Fernanda Dias Menezes de Almeida para quem as leis complementares previstas no parágrafo único do art 23 não retirarão da União o comando geral no campo das competências materiais comuns a partir do comando legislativo que lhe pertence 556 Assim ao fim e ao cabo correto desde que compreendida como espécie de orientação geral e não absoluta o entendimento de Anna Cândida da Cunha Ferraz de que a coordenação e cooperação inerente às competências materiais comuns dos entes federativos devem se dar sob a égide da legislação federal 557 É que a tendencial prevalência não em termos de hierarquia do interesse da União na condição de interesse geral e nacional poderá a depender das circunstâncias e da matéria em causa sofrer alguma correção como por exemplo em matéria de proteção ambiental seria possível usar argumento similar na área da saúde e da educação entre outras privilegiandose uma exegese sistemática e teleológica que sempre atentando aos critérios da proporcionalidade quando em choque interesses e direitos de cunho fundamental dê preferência à legislação e ação administrativa que é do que aqui se trata mais protetivo da pessoa humana e do meio ambiente no qual se insere e com o qual interage 558 Por derradeiro ainda no que diz com as competências comuns dois aspectos ainda merecem registro O primeiro objeto da orientação pacificada no STF é no sentido de que tais competências são insuscetíveis de renúncia ou mesmo de transferência por parte de qualquer um dos entes da Federação ressalvandose todavia eventual regulação promovida por lei complementar nos termos e para os fins do disposto no art 23 parágrafo único da CF 559 A segunda observação diz com a circunstância de que a previsão de competências administrativas comuns não implica de imediato competência legislativa o que todavia não significa que seja vedado aos entes federativos legislar sobre tais temas 560 desde que é claro respeitados os limites do sistema constitucional em matéria de repartição de competências legislativas o que também já foi objeto de reconhecimento por parte do STF 561 77 Das competências legislativas O exercício da competência legislativa privativa implica o exercício de tal atribuição de forma ampla pelo ente federativo razão pela qual ela se dá de forma horizontal ou seja o ente federativo competente esgota toda a amplitude normativa sobre o tema independentemente de qualquer regulamentação legislativa complementar a cargo de outro ente federativo diferentemente portanto do que ocorre no exercício da competência legislativa concorrente em que há uma espécie de exercício vertical de competências legislativas já que se impõe a cooperação e atuação coordenada dos diferentes entes federativos no seu exercício 771 Competências legislativas privativas da União e sua delegação As competências legislativas privativas da União estão arroladas no art 22 I a XXIX da CF elenco que numa primeira mirada e como refere André Ramos Tavares sugere uma relativamente forte centralização 562 Tais competências não se esgotam naquelas enunciadas no art 22 da CF podendo ser encontradas em outros dispositivos constitucionais como se verifica no caso do art 48 e seus respectivos incisos bem como em matéria de direitos e garantias fundamentais nas diversas hipóteses em que o dispositivo enuncia uma expressa reserva de lei por exemplo fixação de prestação alternativa em caso de objeção de consciência art 5º VIII regulamentação da quebra do sigilo telefônico art 5º XII entre outros ou em diversos aspectos vinculados ao sistema tributário arts 146 149 e 163 no campo da ordem econômica e financeira arts 173 174 1º 178 182 185 I e 190 assim como na ordem social arts 194 200 e 224 563 Examinandose o amplo elenco das competências previstas no art 22 da CF notase além de uma tendência centralizadora alguns inconvenientes que não passaram despercebidos pela crítica Nesse sentido referese à inadequação técnica no que diz com a inserção equivocada no art 22 de competências que deveriam estar contempladas apenas no elenco das competências legislativas concorrentes art 24 da CF gerando uma incoerência no sistema de partição de competências 564 Além disso a inclusão de uma lei na esfera das competências privativas da União frequentemente não é fácil de identificar pois diversas vezes resulta difícil classificar os temas como sendo reportados a um ou outro assunto como no caso da distinção entre direito civil e direito econômico apenas para ilustrar com um exemplo de tal sorte que são inúmeras as discussões levadas ao STF nessa seara sem que no entanto da análise das decisões proferidas pelo Tribunal se possa extrair conclusões uniformes e seguras 565 É nesse sentido que Virgílio Afonso da Silva fala de uma incerteza semântica quando trata das competências legislativas dos entes da Federação566 Como não existe hierarquia entre leis federais e as leis editadas pelos outros entes federativos eventual conflito representado pela invasão da esfera de competência legislativa privativa da União resolvese pela inconstitucionalidade da legislação que usurpa a competência a ser declarada pelo STF As únicas hipóteses nas quais será possível aos Estados e a depender do caso ao Distrito Federal legislar sobre matéria atribuída à União encontram fundamento na própria CF No primeiro caso cuidase da assim chamada competência legislativa delegada A segunda hipótese se verifica na esfera das assim chamadas competências concorrentes Ambas serão objeto de atenção na sequência iniciando pelo instituto de delegação de competências legislativas privativas da União Como já referido competências privativas não são competências exclusivas pois enquanto estas são indelegáveis as primeiras poderão ser objeto de delegação É o que dispõe o art 22 parágrafo único da CF no sentido de que Lei Complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões específicas das matérias relacionadas neste artigo A delegação não é cogente cuidandose de mera faculdade atribuída à União Outrossim caso for feito uso da delegação a lei complementar não poderá transferir integralmente a regulação de matéria de competência privativa da União pois a delegação apenas permite sejam regrados aspectos específicos 567 de tal sorte que eventual infração aos limites da delegação implica a censura de inconstitucionalidade da legislação delegada o que já foi objeto de exame pelo STF 568 Merece registro que a delegação de eventual competência sempre parcial como se percebe por parte da União não impede que esta retome a sua plena competência bastando para tanto que legisle sobre o mesmo assunto a qualquer momento já que o instituto da delegação não se confunde com renúncia à competência constitucionalmente assegurada 569 o que de resto é vedado aos entes federativos Por derradeiro como espécie de requisito implícito da delegação pode ser citado o art 19 III da CF que veda a criação de preferências entre os entes federados de tal sorte que a delegação não poderá ser feita de modo diferenciado para os Estados 570 772 Competências legislativas dos Estados Consoante já referido capítulo sobre as competências administrativas aos Estados foram reservadas as assim chamadas competências remanescentes ou residuais de acordo com o disposto no art 25 1º são reservadas aos Estados as competências que não lhe sejam vedadas por esta Constituição Além dessa cláusula geral que define a regra para os Estados verificase que o próprio art 25 nos seus 2º e 3º bem como o art 18 no seu 4º estabeleceram algumas competências enumeradas para os Estados Notese que tais vedações abarcam tanto as competências legislativas quanto as materiais a depender do caso De outra parte como bem averba Fernanda Dias Menezes de Almeida a análise específica das competências legislativas estaduais pressupõe que se identifiquem precisamente o que é vedado aos Estados a teor do disposto no já citado art 25 1º da CF 571 Tais vedações poderão ser explícitas por expressamente estabelecidas pela CF ou implícitas decorrentes do sistema constitucional 572 No primeiro grupo podem ser enquadradas em caráter meramente ilustrativo as vedações dos arts 19 I a III 150 I a VI e 152 ficando claro o objetivo do constituinte no sentido de privilegiar o equilíbrio federativo e a garantia de determinados direitos fundamentais sem prejuízo de outros aspectos a serem identificados Implicitamente vedado aos Estados é tudo o que tenha sido expressamente enumerado como sendo da competência da União e dos Municípios de acordo com o disposto nos arts 20 21 22 29 e 30 da CF 573 Disso tudo resulta na acepção autorizada de Fernanda Dias Menezes de Almeida que aqui se subscreve que pelo menos no campo das competências legislativas privativas os Estados têm sua atuação bastante limitada confirmando assim a nota crítica referente ao elevado nível de centralização do Estado Federal brasileiro pois além das competências enumeradas já mencionadas art 25 2º e 3º e art 18 4º da CF no âmbito das competências privativas não enumeradas os Estados passaram a legislar praticamente apenas sobre assuntos objeto de sua competência material mas ainda assim limitada pelas vedações e condicionamentos impostos pela CF 574 É claro que aos Estados compete legislar na esfera das competências concorrentes a serem examinadas mais adiante e por via da delegação por parte da União consoante já visto o que todavia não altera substancialmente o quadro esboçado pois o maior ou menor grau de centralização depende preponderantemente do maior ou menor número de competências privativas 773 Competências legislativas dos Municípios Na condição de integrantes do Estado Federal como autênticos entes federativos os Municípios foram dotados de capacidade de autoorganização e de autogoverno o que implica um leque de competências legislativas e administrativas próprias Assim como se deu no caso dos Estados mas de modo em parte distinto os Municípios foram contemplados com competências legislativas privativas não enumeradas implícitas podendo legislar nos termos do art 30 I da CF sobre assuntos de interesse local Paralelamente a tais competências não enumeradas a CF no art 30 incisos III a IX mas também em outros dispositivos constitucionais por exemplo a competência para a edição da Lei Orgânica art 29 caput da CF a competência tributária do art 156 da CF a edição do Plano Diretor art 182 da CF e a atuação prioritária no ensino fundamental e educação infantil art 211 2º da CF estabeleceu algumas competências exclusivas enumeradas Além disso os Municípios dispõem de uma competência legislativa suplementar art 30 II da CF A principal diretriz na seara das competências legislativas municipais é dada pelo interesse local no sistema constitucional se tratava de peculiar interesse local A exegese mais adequada de acordo com significativa doutrina é no sentido de ser prescindível a exclusividade do interesse local o que aliás se revela de difícil configuração bastando que se verifique uma preponderância predominância do interesse local entendimento afinado com o princípio geral da preponderância do interesse já referido 575 Por tal razão é que salvo as tradicionais hipóteses de interesse local que não geram controvérsia em boa parte dos casos a identificação de qual o interesse predominante de modo a verificar se é de fato o local haverá de ocorrer caso a caso 576 o que por sua vez ensejou uma série de decisões do STF na matéria 577 Mas os Municípios também exercem uma competência legislativa suplementar aqui já no âmbito diferentemente das competências exclusivas enumeradas e não enumeradas de uma repartição vertical de competências 578 Cuidase de uma possibilidade não prevista na Constituição anterior que encontra respaldo expresso no art 30 II da CF de acordo com o qual compete aos Municípios suplementar a legislação federal e estadual no que couber Tratase em verdade de uma modalidade de competência concorrente embora não expressamente inserida no art 24 da CF sendo frequentemente majoritariamente poder seá afirmar analisada a tal título pelos cursos e manuais e mesmo outras obras de direito constitucional 579 É o que aqui também se fará de tal sorte que para maiores desenvolvimentos recomendase até mesmo em face da relevância da matéria uma leitura atenta do item próprio sobre as competências legislativas concorrentes 774 Competências legislativas do Distrito Federal Ao Distrito Federal por sua natureza híbrida foram atribuídas tanto competências legislativas estaduais quanto municipais art 32 1º da CF todavia mediante alguns ajustes dada a sua condição peculiar como é o caso da competência para legislar sobre organização judiciária e o Ministério Público que é atribuída à União 580 A competência para legislar sobre a Defensoria Pública passou a ser do Distrito Federal mediante a promulgação da EC 692012 581 Além disso poderá o Distrito Federal exercer a competência para edição de sua Lei Orgânica art 32 caput da CF exercer a competência remanescente dos Estados art 25 1º da CF fazer uso da competência por via da delegação da União art 22 parágrafo único da CF legislar no âmbito das competências concorrentes suplementares dos Estados e dos Municípios art 24 2º e 3º e art 30 II todos da CF assim como exercer as competências enumeradas e não enumeradas dos Municípios art 30 da CF e outros no que couber Tendo em conta que as competências legislativas dos Estados e dos Municípios incluindo as competências concorrentes suplementares foram ou ainda serão objeto de análise mais detida aqui nos limitamos a em termos sumários apresentar o quadro geral das competências legislativas do Distrito Federal 78 As competências legislativas concorrentes 781 Considerações gerais No âmbito da competência legislativa concorrente art 24 tal como sinalizado anteriormente é exercida de forma conjunta e articulada entre os entes federativos razão pela qual costuma ser mencionada conforme já visto alhures a existência de uma espécie de condomínio legislativo Nesse contexto partese da premissa de que a competência da União limitarseá a estabelecer normas gerais art 24 1º Ou seja compete à União estabelecer a regulação normativa geral na matéria o que não exclui a competência suplementar dos Estados e do Distrito Federal art 24 2º bem como dos Municípios consoante já verificado no item relativo às competências legislativas municipais A expressão limitarseá constante do dispositivo é elucidativa a respeito da limitação da União na elaboração da norma geral com o propósito de reservar aos demais entes federativos espaço legislativo para suplementar a legislação editada no plano federal Além da arquitetura normativa estabelecida para o exercício da competência legislativa no sentido de estabelecer a atuação conjunta dos entes federativos a CF estabelece também que inexistindo lei federal sobre normas gerais os Estados e também os Municípios exercerão a competência legislativa plena para atender às suas peculiaridades art 24 3º Na hipótese de superveniência de lei federal sobre normas gerais prevê a CF a suspensão da eficácia da lei estadual no que lhe for contrária art 24 4º Registrese que o elenco das competências concorrentes não se limita ao disposto no art 24 pois também as competências previstas no art 22 IX XXI XXIV e XXVII da CF bem como as competências previstas no art 21 XX e XXI da CF permitem atividade legislativa complementar dos demais entes federativos O mesmo se verifica nos casos do art 61 1º d do art 146 e do art 236 2º todos da CF Como bem anota Fernanda Dias Menezes de Almeida a despeito da referência a normas gerais a competência decorrente do art 142 1º da CF que diz respeito às Forças Armadas não é do tipo concorrente pois se trata de competência privativa e plena da União 582 Diante do quadro geral esboçado a partir de uma primeira mirada dos dispositivos constitucionais pertinentes é possível afirmar que a CF optou pela adoção de um modelo não cumulativo ou seja vertical no âmbito das competências concorrentes pois cabe à União apenas em regra a edição de normas gerais que poderão ser objeto de complementação competência suplementar pelos Estados pelo Distrito Federal e pelos Municípios 583 A verticalidade decorre do fato de que a legislação editada em caráter complementar deverá observar o conteúdo das normas gerais editadas pela União Nesse contexto calha invocar lição de Raul Machado Horta de acordo com o qual a repartição vertical de competências conduziu à técnica da legislação federal fundamental de normas gerais e de diretrizes essenciais que recai sobre determinada matéria legislativa de eleição do constituinte federal A legislação federal é reveladora das linhas essenciais enquanto a legislação local buscará preencher os claros que lhe ficou afeiçoando a matéria reveladora na legislação de normas gerais às peculiaridades e às exigências estaduais grifos do autor 584 bem como municipais importa agregar visto que a competência concorrente abarca todos os entes da Federação Não se trata portanto também aqui e a despeito da verticalidade propriamente de uma relação hierárquica caracterizada pela subordinação no sentido próprio do termo Nesse sentido embora comentando a Constituição de 1967 Pontes de Miranda explicita que não se trata dos Estados e agora também dos Municípios diferentemente do que ocorria sob a égide da Constituição de 1967 deverem obediência às normas editadas pela União mas sim o que ocorre é uma espécie de limitação da competência da União que deverá aterse a editar normas de caráter geral no sentido de diretrizes e regras gerais não podendo de tal sorte legislar de modo exaustivo sobre os assuntos objeto das competências concorrentes 585 Tendo em conta o esquema posto pela CF nesse contexto a assim genericamente designada competência suplementar dos Estados do Distrito Federal e dos Municípios também costuma por parte mas não por toda a doutrina ser desdobrada em duas modalidades a competência complementar exercida quando existente norma geral editada pela União cabendo aos Estados eou Municípios a edição de normas específicas objetivando ajustes regulação de situações particulares e vinculadas ao interesse regional e local etc e a competência supletiva por meio da qual efetivamente os Estados eou Municípios exercem ainda que provisoriamente sua competência legislativa plena e suprem a ausência de norma geral da União 586 Outrossim considerando que a definição de normas gerais é central para a compreensão de todo o esquema das competências concorrentes é disso que nos ocuparemos no próximo item antes de na sequência adentrarmos o exame das competências suplementares dos Estados e do Distrito Federal dos Municípios e ao final tecermos algumas considerações de ordem crítica 782 Algumas notas sobre o problemático e controverso conceito de normas gerais A edição de normas gerais pela União no campo das competências concorrentes ao mesmo tempo em que poderá ensejar uma uniformização inibidora da adequada conformação das desigualdades regionais cumpre o papel de assegurar um determinado nível de homogeneidade evitando uma excessiva diversidade quando não desintegração e conflitos prejudicial ao conjunto 587 Já por tal razão para que seja possível manter um saudável equilíbrio e assegurar um mínimo de segurança e estabilidade imperioso identificar e por isso tão difícil a missão um conceito satisfatório de normas gerais Tal dificuldade assume uma dimensão histórica visto que a controvérsia sobre o que são normas gerais tem sido intensa desde a sua primeira previsão na Constituição de 1934 ensejando o derramamento de rios de tinta no seio da literatura para além de propiciar a defesa dos mais diversos critérios distintivos e conceitos o que aqui não será possível rastrear 588 Por tal razão a diferenciação entre norma geral e normas de cunho mais específico tem sido realizada mediante o contraste em cada caso da norma federal e das normas estaduais eou municipais ou seja como averba Cármen Lúcia Antunes Rocha em face de uma lei se examina se ela especializa e aprofunda questões que são de interesse predominante e tratamento possivelmente diferenciado de uma entidade federada Se nesse exame a conclusão for positiva cuidase de uma competência estadual e escapase do âmbito da norma geral 589 De qualquer sorte não obstante a experimentação constante na matéria a doutrina e a jurisprudência do STF 590 em que pese a ausência de consenso e mesmo a diversidade de entendimentos permitem pelo menos em termos de orientação basilar afirmar que normas gerais para o efeito da compreensão do sistema de competências concorrentes são normas que estabelecem princípios e diretrizes de natureza geral e aberta dotadas portanto de maior abstração sem adentrar pormenores e esgotar o assunto legislado apresentando caráter nacional e destinadas à aplicação uniforme e homogênea a todos os entes federativos de modo a não lhes violar a autonomia e efetivamente reservarlhes um espaço adequado para a atuação de sua competência suplementar 591 7821 A competência suplementar dos Estados e do Distrito Federal Tanto os Estados quanto o Distrito Federal o caso dos Municípios será objeto de atenção no item seguinte são titulares de competências concorrentes em condomínio com a União nos termos do disposto no art 24 e seus respectivos parágrafos da CF ainda que o Distrito Federal tenha sido expressamente referido apenas no caput do citado artigo Em virtude de sua natureza híbrida e como já se dá com as demais competências ressalvada eventual peculiaridade a posição do Distrito Federal nessa seara é equivalente a dos Estados Por outro lado quanto aos Estados e ao Distrito Federal não há controvérsia no sentido de que dispõe tanto da competência legislativa do tipo complementar quando existir norma geral federal quanto supletiva no caso de inexistência de norma federal pois a CF aqui foi expressa em admitir ambas as hipóteses a teor do que indica uma leitura do caput do art 24 e dos seus respectivos parágrafos Embora em regra os Estados e o Distrito Federal atuem no sentido de complementar as normas gerais da União art 24 2º da CF ou então suprir a sua ausência art 24 3º da CF lhes sendo vedada portanto a edição de normas gerais o fato é que eventual regulação em caráter geral por parte dos entes federados não implica necessariamente a sequela de sua inconstitucionalidade designadamente no caso de a unidade federada apenas reproduzir o conteúdo da norma geral federal 592 É claro que em sendo verificada tal situação necessário cuidadoso exame do caso concreto mediante criterioso contraste entre a legislação federal e a estadual ou distrital de modo a evitar efetiva usurpação de competências Situação problemática sem prejuízo da já apontada dificuldade de definir o que são normas gerais se verifica no caso da assim chamada competência supletiva ou seja quando os Estados e o Distrito Federal nos termos do art 24 3º da CF podem assumir competência legislativa plena suprindo a ausência de lei federal em determinada matéria Como bem recorda Pontes de Miranda todas as leis de algum modo apresentam algum tipo de lacuna de tal sorte que do que se trata é de saber se existe ou não legislação federal veiculando norma geral em determinada matéria que recai no domínio das competências concorrentes não sendo exigível contudo e importa sublinhar este aspecto que não exista qualquer regramento editado pela União sobre qualquer aspecto da matéria mas sim que não tenha sido editada regra jurídica federal versando sobre o ponto específico regrado pela legislação estadual 593 A ausência de norma geral federal autoriza o exercício pelos Estados e pelo Distrito Federal de sua competência legislativa plena inclusive podendo editar normas gerais pois a fixação de regras específicas pressupõe a existência de normas gerais hipótese na qual as normas gerais supletivamente editadas pelo Estado ou Distrito Federal terão vigência e eficácia apenas no respectivo âmbito territorial 594 Uma situação relevante se verifica quando existe dúvida sobre a competência legislativa quando a norma analisada tratar de mais de um tema Conforme julgamento da ADI 6066 pelo STF em tais casos é necessário adotar interpretação que não elimine a competência dos entes menores para dispor sobre a matéria inclusive com vistas à proteção de direitos fundamentais No julgamento o rel Min Edson Fachin referiu que o federalismo é um instrumento de descentralização política com o objetivo de realização de direitos fundamentais de modo que a existência de lei estadual que normatiza a prestação de atendimento e consumo não viola o princípio da igualdade permitindose que determinada matéria seja tutelada diferentemente em cada ente federativo 595 Por derradeiro o que se aplica tanto no caso de legislação complementar quanto supletiva ressalvadas as respectivas peculiaridades no caso de superveniência de legislação federal normas gerais resulta suspensa a eficácia da legislação estadual e distrital naquilo em que contrariar a lei federal art 24 4º da CF 596 Não se trata portanto de hipótese de revogação mas sim de suspensão da eficácia e aplicabilidade da legislação suplementar naquilo em que dispuser de modo contrário ao regrado na norma geral podendo a norma estadual ter sua eficácia restabelecida no caso de ulterior revogação ou mesmo declaração vinculativa de inconstitucionalidade da lei federal 597 7822 A competência suplementar dos Municípios Considerando que o art 30 II da CF não especifica os casos de exercício da competência suplementar dos Municípios correto o entendimento como é o caso da lição de Fernanda Dias Menezes de Almeida de que a competência legislativa suplementar dos Municípios surge delimitada implicitamente pela cláusula genérica do interesse local 598 Por outro lado a expressão no que couber implica que a competência suplementar não permite aos Municípios legislar sobre qualquer matéria e em qualquer caso A questão portanto é saber quando cabe a suplementação legislativa por parte do Município o que não constitui algo imune a controvérsias Uma primeira delimitação que já foi objeto de referência e encontra suporte para além do texto constitucional na doutrina é a que diz respeito ao interesse local pois em todo caso este deverá se fazer ainda que não em caráter exclusivo como já visto presente Tal limitação portanto se aplica genericamente a toda e qualquer hipótese de exercício da competência legislativa suplementar dos Municípios A suplementação de competências privativas ou exclusivas da União e dos Estados é de regra tida como vedada à exceção dos casos em que apenas caberá à União editar normas gerais como por exemplo nos casos previstos no art 22 XXI e XXVII da CF 599 Uma hipótese de atuação diz com a necessidade de legislação suplementar para atuar competências materiais privativas dos Municípios ou competências materiais comuns à União Estados Distrito Federal e Municípios No primeiro caso o exercício da competência material municipal depende de atuação normativa da União ou dos Estados exigida portanto a suplementação pelo Município que no caso da legislação federal se limitará a suprir no caso de ausência de norma geral da União ou complementar editando norma específica em face de norma geral da União normas gerais da União 600 Isso se verifica também nos casos em que o exercício da competência material privativa municipal encontrase condicionado à observância de legislação estadual como se verifica por exemplo na hipótese do art 30 IV da CF competência para criar organizar e suprimir distritos observada a legislação estadual Já no âmbito das competências materiais comuns art 23 da CF é preciso em primeira linha que essas pressuponham o exercício da competência legislativa concorrente do art 24 atentandose ademais para os seguintes aspectos a a competência legislativa dos Estados para complementar as normas gerais da União não afasta a suplementação de tais normas gerais por parte dos Municípios de tal sorte que o Município deverá observar tanto as normas gerais da União quanto as normas estaduais complementares eventualmente editadas b inexistindo normas gerais da União poderão tanto os Estados quanto os Municípios editar normas gerais para suprir a lacuna mas tendo o Estado usado de tal prerrogativa deverão os Municípios observar as normas gerais estaduais art 24 3º da CF c diante da inexistência de normas estaduais supletivas poderão os Municípios legislar livremente para fazer atuar a competência material comum embora a superveniência de normas estaduais eou federais de caráter geral venha a acarretar a suspensão da eficácia das normas municipais eventualmente colidentes 601 A despeito de nos filiarmos ao entendimento que mediante uma interpretação sistemática e amiga da autonomia de todos os entes federados admite o exercício da competência suplementar do tipo supletiva também dos Municípios como já exposto é imperioso referir a existência de respeitável posicionamento em sentido diverso no sentido de que em virtude de previsão constitucional expressa a exemplo do que se verifica no caso dos Estados e do Distrito Federal os Municípios apenas detêm a competência municipal do tipo complementar 602 Por derradeiro tendo em conta o caráter suplementar da legislação municipal em caso de conflito deve prevalecer a legislação federal ou estadual de tal sorte que a superveniência de lei estadual ou federal contrária à lei municipal suspende a eficácia da última 603 Mais uma vez invocando o magistério de Fernanda Dias Menezes de Almeida a regra a ser observada é a de que direito federal prevalece sobre direito estadual e direito municipal ao passo que o direito estadual prevalece sobre o municipal 604 7823 Considerações de natureza crítica à luz do exemplo da proteção ambiental À vista das considerações precedentes é possível acompanhar Paulo de Bessa Antunes quando averba que a centralização da federação brasileira diante do Texto de 1988 é muito mais uma obra da interpretação constitucional do que uma realidade que se apresenta clara ante a redação da norma 605 Assim tal centralização inclusive no campo das competências concorrentes seguramente em muito deve ao modo pelo qual os Tribunais especialmente o STF têm compreendido o papel da União e das entidades federadas O problema é que além das críticas que se pode endereçar à centralização de um modo geral os problemas se revelam ainda mais contundentes em algumas áreas sensíveis como é o caso da proteção do ambiente Aqui resulta evidente que a questão ambiental obteve particular destaque na CF assumindo inclusive a condição de direito e dever fundamental art 225 cc art 5º 2º Além disso a partir da análise das competências em sede ambiental é perceptível que a CF buscou favorecer o poder político legislativo dos entes federativos periféricos Estados Distrito Federal e Municípios visto que smj a competência legislativa concorrente representa a regra geral para a regulação da matéria ambiental No caso do ambiente a tendência centralizadora resulta na habitual rejeição no sentido de posição ainda prevalente na jurisprudência das iniciativas estaduais e locais naquilo em que ampliam em relação aos padrões eixados pela União os parâmetros normativos de proteção ambiental ou mesmo quando regulam a matéria integralmente na hipótese da sua ausência de Lei Federal A competência legislativa concorrente art 24 da CF consoante já referido é exercida de forma conjunta e coordenada entre os entes federativos limitandose a União a estabelecer normas gerais art 24 1º da CF o que não exclui a competência legislativa suplementar dos Estados do Distrito Federal art 24 2º da CF e dos Municípios art 30 II da CF No caso da proteção ambiental é possível sustentar que a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente Lei 69381981 606 muito embora tenha sido editada antes da CF representa um bom exemplo de norma geral quando entre outros aspectos estabelece princípios art 2º objetivos art 4º e instrumentos art 9º da Política Nacional do Meio Ambiente De igual maneira o delineamento da estruturação federativa do Sistema Nacional do Meio Ambiente art 6º exemplifica de forma bastante clara um modelo cooperativo de distribuição de competências recortando o papel de cada ente federativo com o propósito por exemplo de estabelecer a criação de órgãos administrativos ambientais especializados no âmbito de todos eles inclusive no plano municipal A partir da diretriz normativa geral traçada pela Lei 69381981 cabe a cada ente federativo exercer a sua competência legislativa suplementar na matéria adaptando a norma geral às realidades regional e local À vista disso a União acaba por estabelecer no âmbito de um quadro normativo geral também aquilo que se poderia designar de um patamar legislativo mínimo 607 em termos de proteção no caso do ambiente Tal patamar diz respeito à relação por assim dizer entre a norma geral editada pela União e a norma específica editada pelo Estado Distrito Federal ou pelo Município Conforme a lição do exMinistro do STF Carlos Ayres Britto a União em se tratando de competência legislativa concorrente tem de atuar contidamente no campo das normas gerais menos que plenas pois a legislação específica sobre o mesmo tema ou relação jurídica é titularizada por outrem cada qual dos nossos entes federados periféricos 608 O Ministro Ayres Britto segue afirmando que quanto aos Estados e o Distrito Federal estes diante da eventual edição de normas federais de caráter geral normas gerais entendase produzirão normas de tipo suplementar Mas suplementar atente se como adjetivo de significado precisamente dicionarizado acrescer alguma coisa Fornecer suplemento ou aditamento Suprir acudir inteirar com o objetivo de solver os déficits de proteção e defesa de que as normas gerais venham a padecer 609 De tal sorte entendemos que há sim espaço legislativo para os entes federativos a partir dos contextos e especificidades regionais e locais aperfeiçoarem a norma geral editada pela União no âmbito da competência legislativa concorrente Não nos parece que alguma medida de teor mais restritivo como por exemplo a proibição de determinada atividade ou comercialização de determinada substância no âmbito regional ou local implique necessariamente violação ao sistema constitucional de competências legislativas Além do mais a doutrina majoritária não admite o tratamento hierárquico da legislação editada pelos diferentes entes federativos desde que é claro sejam respeitados os espaços constitucionais estabelecidos para o exercício de cada um deles no âmbito da sua respectiva competência legislativa De acordo com tal entendimento Paulo G Gonet Branco assinala que o critério de repartição de competências adotado pela Constituição não permite que se fale em superioridade hierárquica das leis federais sobre as leis estaduais Há antes divisão de competências entre esses entes Há inconstitucionalidade tanto na invasão da competência da União pelo Estadomembro como na hipótese inversa 610 Nesse contexto poderseia imaginar a hipótese de determinadas espécies da fauna e da flora estarem ameaçadas somente em determinada região ou localidade e disso resultar alguma medida legislativa de âmbito regional ou local mais restritiva em relação ao cenário normativo nacional vigente A hipótese citada a depender do contexto e dos bens jurídicos postos em tal situação poderia ser tida como perfeitamente legítima no contexto do sistema federativo delineado na CF Do contrário ou seja rejeitando de forma absoluta qualquer medida legislativa de cunho mais restritivo editado pelos entes políticos estaduais e municipais a autonomia constitucional assegurada a tais entes federativos resultaria sobremaneira aviltada A harmonia do sistema legislativo nacional a nosso ver assimila tal compreensão sob o pretexto maior de um sistema constitucional de proteção dos direitos fundamentais e realmente legitimado a partir de uma matriz normativa de índole democráticoparticipativa Se o propósito de eventual medida legislativa editada pelo ente estadual ou mesmo pelo ente municipal é reforçar os níveis de proteção ou mesmo afastar eventual déficit ou lacuna protetiva verificada na legislação federal tal atitude legislativa por si só deve ser vista de forma positiva É obvio que tal medida deve ser devidamente contextualizada de modo a permitir a verificação se a legislação em questão ao proteger determinados bens não viola outros ou mesmo se não se incorre em usurpação de competências e distorção da própria noção de normas gerais o que ademais resulta em boa parte no mesmo Mas se constatado apenas o aprimoramento e aumento do padrão normativo de proteção notadamente quando em pauta bens jurídicos fundamentais como é o caso do direito ao ambiente não se vislumbra qualquer razão para deslegitimar tal medida com base simplesmente no fato de não haver correspondência exata com o cenário legislativo traçado no plano federal Situação diferente se verifica quando o Estado ou o Município edita medida menos protetiva mas não é disso que estamos falando O aperfeiçoamento do sistema de proteção dos direitos fundamentais seja ele normativo seja ele fático deve sempre ser considerado como algo desejável do ponto de vista do ordenamento jurídico inclusive em vista do princípio da máxima eficácia dos direitos fundamentais expresso no art 5º 1º da CF Em sinergia com tal entendimento colacionase novamente passagem do voto do Ministro Ayres Britto no âmbito do julgamento da ADI 3357RS Parecenos claro que eventual colisão normativa há de ser compreendida em termos de proteção e defesa isto é o exame das duas tipologias de leis passa pela aferição do maior ou menor teor de favorecimento de tais bens ou pela verificação de algo também passível de ocorrer as normas suplementares de matriz federativamente periférica a veicular as sobreditas proteção e defesa enquanto a norma geral de fonte legislativa federal traindo sua destinação constitucional deixa de fazêlo Ou se não deixa totalmente de fazêlo labora em nítida insuficiência protetiva e de defesa Lei Estadual que ao proibir a comercialização de produtos à base de amianto cumpre muito mais a Constituição da República no plano da proteção da saúde evitar riscos à saúde da população em geral dos trabalhadores em particular e do meio ambiente Quero dizer a legislação estadual é que está muito mais próxima do sumo princípio da eficacidade máxima da Constituição em tema de direitos fundamentais Tomando por base tais considerações nos parece difícil atribuir vício de inconstitucionalidade material à legislação estadual ou mesmo municipal mais protetiva em termos ambientais simplesmente porque diverge da norma geral editada no plano fede ral tratando de forma mais restritiva sobre determinada matéria 611 Isso em razão da legitimação democrática de tais medidas e do cenário constitucional de competências pelo prisma de um modelo de federalismo cooperativo Há nesse contexto inúmeros casos de medidas legislativas inclusive de Constituições dos Estados Federados que buscaram proibir ou restringir determinadas práticas atentatórias ao equilíbrio à qualidade e à segurança ambiental A título de exemplo podemos destacar dispositivos de legislação constitucional estadual proibindo a instalação de usinas nucleares ou restringir de algum modo atividades nucleares no território dos respectivos Estados 612 De modo similar temse as legislações estaduais e municipais mais restritivas no tocante à produção e comercialização de agrotóxicos 613 assim como a existência de legislação constitucional estadual que proíbe expressamente a caça 614 Sem adentrar o mérito dos exemplos trazidos a nossa intenção aqui é apenas elucidar a questão dos conflitos legislativos O conflito normativo por sua vez é inerente ao sistema federativo com entes dotados de autonomia e conforme o leitor pode verificar a partir dos exemplos colacionados está presente em diversas situações concretas portanto não se trata de mera especulação teórica ou acadêmica de modo que é fundamental a construção de um sistema normativo e teórico capaz de guiar os nossos Juízes e Tribunais na resolução de tais questões O centro gravitacional de tal sistema é a proteção dos direitos fundamentais e da dignidade da pessoa humana para o que devem concorrer colaborar todos os entes da Federação no âmbito do exercício de suas respectivas competências Seguindo na análise do regime constitucional de competência legislativa concorrente em matéria ambiental a CF estabelece que inexistindo lei federal sobre normas gerais os Estados e também os Municípios exercerão a competência legislativa plena para atender às suas peculiaridades art 24 3º Aqui a situação é diferente uma vez que não há a regulamentação geral estabelecida pela União tendo a norma constitucional assegurado fosse suprida a omissão ou a regulamentação insuficiente praticada pela União Todavia na hipótese de superveniência de lei federal sobre normas gerais na matéria é preciso recordar que a CF prevê a suspensão da eficácia da lei estadual e municipal no que lhe for contrária art 24 4º Quanto a tal aspecto cumpre assinalar que a nosso ver a suspensão da eficácia da lei estadual e o mesmo raciocínio também se aplica à lei municipal não alcança o conteúdo de natureza suplementar em especial naquilo em que a legislação anterior estadual ou municipal tenha estabelecido um patamar normativo de maior proteção ambiental tomando por base as razões que já alinhavamos anteriormente A cooperação legislativa proposta no âmbito da competência legislativa concorrente deve trilhar o caminho de uma maior proteção ambiental ou seja a sua operacionalização só tem sentido se servir ao objetivo de alcançar um nível maior de efetivação da legislação ambiental considerando em especial que o maior problema da legislação ambiental brasileira é o seu déficit de efetividade Sem dúvida a proteção ecológica interessará na grande maioria dos casos de poluição ambiental já em virtude do seu caráter transfonteiriço também às esferas regional e nacional e mesmo internacional mas isso não implica sobreposição da esfera local que deve ter preservada sua total autonomia para atuar em prol da defesa ambiental A previsão constante do inciso II do art 30 da CF foi precisa ao assinalar a competência legislativa do Município para suplementar a legislação federal e a estadual no que couber Aqui também não há razão para rejeitar a aplicação de tal norma à matéria ambiental de modo que está o Município autorizado constitucionalmente a legislar nessa seara seguindo os parâmetros legislativos delineados no art 24 da CF O art 30 VIII da CF também ampara tal entendimento ao tratar da legitimidade municipal para promover o adequado ordenamento territorial mediante planejamento e controle do uso do parcelamento e da ocupação do solo urbano Nessa mesma linha José A de Oliveira Baracho Júnior pontua que a ordenação territorial interfere diretamente na qualidade ambiental Se for priorizada por exemplo a expansão para local onde haja significativa vegetação ou locais que abrigam espécime representativo da fauna ou ainda para locais onde os recursos hídricos sejam abundantes não estará o Município contribuindo para a efetivação do direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado 615 No plano normativo infraconstitucional cumpre colacionar o conteúdo da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente Lei 69381981 No art 6º do diploma em análise que trata dos órgãos e entidades que compõem o Sistema Nacional do Meio Ambiente Sisnama entre eles os Municípios mais precisamente no seu 2º há previsão expressa no sentido de que os Municípios observadas as normas e os padrões federais e estaduais também poderão elaborar as normas mencionadas no parágrafo anterior o qual estabelece que os Estados na esfera de suas competências e nas áreas de sua jurisdição elaborarão normas supletivas e complementares e padrões relacionados com o meio ambiente observados os que forem estabelecidos pelo Conama 1º Ou seja também a Lei 69381981 prevê a possibilidade de o Município legislar em matéria ambiental com o objetivo de estabelecer normas supletivas e complementares àquelas provenientes da União e dos Estados reforçando o cenário normativo descrito anteriormente Na doutrina a questão é praticamente pacífica 616 A própria jurisprudência tem trilhado tal caminho muito embora a discussão a respeito dos limites de tal prática legislativa concorrente a cargo dos entes municipais prevalecendo nesse cenário uma interpretação restritiva 617 Nesse contexto Andreas J Krell sustenta que depois da promulgação da Constituição Federal de 1988 e das cartas estaduais no ano seguinte cada vez mais Municípios vieram criando as suas normas para uma proteção mais eficiente do seu ambiente e o melhoramento da qualidade de vida da sua população 618 De outra parte muito embora a discussão a respeito dos limites do exercício de tal competência o escopo do exercício da competência legislativa municipal ainda mais no campo ecológico deverá ser sempre o interesse local seguindo aqui o critério constitucional da predominância do interesse Tal diretriz é reforçada pela legitimidade democrática das instâncias políticas locais na adoção de medidas legislativas na seara ecológica somada por óbvio à autonomia constitucional assegurada aos entes políticos municipais Assim pelo que até o momento foi exposto é possível afirmar que o condomínio legislativo projetado pelo constituinte carece de contínua reflexão e aperfeiçoamento mas especialmente deveria avançar para uma dinâmica menos centralista e mais amiga da expansão controlada dos poderes local designadamente naquilo que a legislação estadual e municipal puder aperfeiçoar a proteção da dignidade da pessoa humana e dos direitos fundamentais De todo modo as observações tecidas nesse item representam pálida amostra das possibilidades de uma leitura crítica do sistema constitucional de repartição de competências formatado pela CF 8 CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE Luiz Guilherme Marinoni 1 O SURGIMENTO DO CONTROLE JUDICIAL DE CONSTITUCIONALIDADE NO DIREITO COMPARADO E A SUA EVOLUÇÃO NO DIREITO BRASILEIRO 81 O surgimento do controle judicial da constitucionalidade das leis nos Estados Unidos 811 Primeiras considerações O sistema estadunidense de controle de constitucionalidade das leis costuma ser equiparado ao dito controle difuso de constitucionalidade isto é ao sistema em que o controle de constitucionalidade das leis é deferido a todo e qualquer juiz independentemente da sua posição na estrutura do Poder Judiciário sem que para tanto seja necessária uma ação específica já que neste caso a aferição da constitucionalidade da norma é realizada no curso do raciocínio judicial tendente à resolução do litígio Estados Unidos embora não esteja previsto em sua Constituição tendo sido delineado por Hamilton nos Federalist Papers 1 e sedimentado por ocasião do caso Madison v Marbury em que o Juiz Marshall teve extraordinário papel 2 De modo que se faz necessário investigar as razões históricas e teóricas que permitiram que o controle judicial da constitucionalidade naturalmente aparecesse nos Estados Unidos Neste contexto é de se questionar o motivo pelo qual o princípio da separação de poderes em sua versão estrita não teve força suficiente para impedir que o poder judicial frutificasse de modo a frear os eventuais descontroles do Legislativo 812 A superioridade do common law sobre os atos do parlamento inglês A ideia de controle dos atos estatais inclusive do parlamento era conhecida pelo juiz da tradição do common law 3 Há aí já no início do século XVII precedente dotado de fundamentação muito parecida com aquela que veio a ser utilizada mais de um século depois no célebre caso Marbury v Madison que serviu de base para o fulgurante desenvolvimento do judicial review of legislation estadunidense 4 No final da primeira década do século XVII no igualmente célebre caso Bonham Edward Coke declarou que as leis estão submetidas a um direito superior o common law e que quando elas o desrespeitam são nulas e destituídas de eficácia Disse literalmente Coke por ocasião do julgamento do caso Bonham que em muitos casos o common law controlará os atos do parlamento e algumas vezes os julgará absolutamente nulos visto que quando um ato do parlamento for contrário a algum direito ou razão comum ou repugnante ou impossível de ser aplicado o common law irá controlálos e julgálos como sendo nulos 5 Vêse muito claramente na decisão proferida no caso Bonham um germe do controle da constitucionalidade das leis extraindose daí a noção de que o poder judicial no common law primitivo era exercido mediante uma lógica semelhante à que dirige a atuação do juiz submetido à Constituição e aos direitos fundamentais 6 813 A Revolução Gloriosa de 1688 e o significado do princípio da supremacy of the English Parliament Na Inglaterra a chamada Revolução Gloriosa de 1688 conferiu destaque à posição do parlamento Mas ao contrário do que ocorreu com a Revolução Francesa na Inglaterra o fortalecimento do parlamento não enfraqueceu ou calou o Judiciário Na verdade os legisladores e os juízes na Inglaterra uniramse contra o poder do monarca em prol dos direitos do povo Assim a noção de supremacia do parlamento inglês nada tem a ver com a ideia de supremacia do parlamento na França que traz consigo outra intenção a de calar os juízes que mesmo após a Revolução Francesa eram vistos com grande desconfiança em virtude de suas ligações espúrias com o antigo regime 7 Mauro Cappelletti em seu célebre Il controllo giudiziario di costituzionalità delle leggi nel diritto comparato afirma que a doutrina de Coke e mais especificamente a submissão do parlamento ao common law desapareceram com a Revolução de 1688 e com a instituição do princípio da supremacy of the parliament Eis o que diz Cappelletti Tal doutrina a de Coke foi abandonada na Inglaterra com a Revolução de 1688 quando então foi proclamada a doutrina contrária ainda hoje respeitada naquele país da supremacia do parlamento Porém da doutrina de Coke restaram os frutos ao menos nos Estados Unidos e estou me referindo como é óbvio aos frutos que hoje são chamados de judicial review e supremacy of the judiciary 8 É certo que a doutrina de Coke 9 no seu particular significado de doutrina que dava ao juiz apenas o poder de declarar o common law foi superada na Inglaterra pela teoria constitutiva desenvolvida sobretudo por Bentham e Austin 10 Contudo a Revolução de 1688 não fez desaparecer a noção de que o parlamento e a lei são submetidos ao common law Também não é adequado sustentar que o juiz a partir desse momento passou a estar submetido ao Legislativo nem muito menos que o direito das colônias passou a dever respeito unicamente à produção do parlamento Com a Revolução Gloriosa o parlamento venceu longa luta contra o absolutismo do rei Reiterese que para conter os arbítrios do monarca a magistratura se posicionou ao lado do parlamento chegando a com ele se misturar Não houve qualquer necessidade de afirmar a prevalência da lei como produto do Parliament sobre os juízes mas sim a força do direito comum diante do poder real Ademais a Revolução Puritana não objetivou destruir o direito antigo mas ao contrário pautouse pela afirmação do common law contra o rei A Revolução Gloriosa não edificou direito novo limitandose a impor o direito ancestral dos englishmen em face do monarca Assim os atos estatais inclusive os atos judiciários continuaram a ter como pano de fundo o common law Toda e qualquer norma elaborada pelo Legislativo teria de estar inserida no common law na busca de afirmação dos direitos e liberdades do cidadão inglês contra o rei 11 A Revolução bem por isso não teve a pretensão de elevar a lei a uma posição suprema ou a intenção de dotar o parlamento de um poder absoluto mediante a produção do direito Mais do que à lei foi necessário dar ênfase ao common law ou ao direito da história e das tradições do povo inglês para conter o poder real De modo que a ideia de supremacy of the English parliament não revela a submissão do poder real à norma produzida pelo Legislativo mas isso sim a submissão do rei ao direito inglês em sua inteireza Esse direito submetia o monarca contendo os seus excessos mas também determinava o conteúdo da produção legislativa que sem qualquer dúvida não podia ser desconforme ao common law 12 Portanto é certo que o princípio da supremacy of the English parliament não teve a menor intenção de submeter o juiz ao parlamento ou mesmo o objetivo de impedir o juiz de afirmar o common law se fosse o caso contra a própria lei O princípio inglês ao contrário do que sugere Cappelletti teve a intenção de passar a noção de supremacia do direito sobre o monarca e não o propósito de significar onipotência da lei ou absolutismo do parlamento 814 Do controle dos atos da colônia a partir do direito inglês ao judicial review estadunidense Mera inversão do princípio da supremacia do parlamento pelo princípio da supremacia do Judiciário As colônias inglesas regidas por Cartas foram proibidas de editar atos contrários ao direito inglês 13 A supremacia do parlamento inglês impunhase mediante as Cartas 14 de forma a não permitir a aplicação judicial de leis coloniais contrastantes Com a independência das colônias americanas em 1776 as Cartas foram substituídas pelas novas Constituições e como anteriormente os juízes já tinham a consciência e a prática de decretar a nulidade das leis que violassem as Cartas e a legislação do reino inglês tornouse praticamente natural controlar as leis que contrariassem as Constituições dos Estados que acabavam de adquirir independência 15 Afirmase que o princípio da supremacia do parlamento inglês ao sobrepor o direito inglês à produção legislativa das colônias acabou por fazer surgir nos Estados Unidos o seu oposto ou seja o princípio da supremacy of the Judiciary Nesse sentido o princípio da supremacia do parlamento inglês teria colaborado para o surgimento do controle judicial da constitucionalidade das leis nos Estados Unidos O princípio da supremacia do parlamento ao fundamentar o controle dos atos da colônia teria constituído os primeiros passos do controle da constitucionalidade das leis a espelhar a supremacia do Judiciário Cappelletti vê com grande curiosidade o antecedente do judicial review of the constitutionality of legislation no princípio da supremacia do parlamento inglês É que este princípio ao fundamentar o controle dos atos da colônia constituiria a pedra que deu origem aos primeiros passos para o controle da constitucionalidade das leis a espelhar a supremacia do Judiciário Chega a dizer que aí estaria presente a astúcia da história que atinge seus fins mediante caminhos contraditórios e imprevisíveis 16 Não há dúvida que o controle judicial da constitucionalidade das leis revela o princípio da supremacy of the Judiciary que assim estaria invertendo as posições do parlamento e do Judiciário Sucede que ao contrário do que parece a Cappelletti o princípio da supremacia do parlamento inglês não pode ser reduzido a uma dimensão que o torne similar ao princípio que com idêntico nome foi idealizado pela Revolução Francesa Frisese que a legislação das colônias não era verdadeiramente submetida à lei inglesa mas sim vinculada ao direito inglês Ora o controle da legitimidade das leis coloniais se dava a partir do common law até porque o parlamento como já dito estava submetido a um metadireito ou a uma metalinguagem o common law e não simplesmente escrevendo as primeiras linhas de um direito novo como aconteceu com o poder Legislativo que se instalou com a Revolução Francesa Bem vistas as coisas o controle da legitimidade dos atos da colônia a partir do direito inglês e o controle da constitucionalidade das leis com base na Constituição americana não significaram mera inversão ou troca de princípios com a substituição do princípio da supremacia do parlamento pelo princípio da supremacia do Judiciário 17 Um raciocínio tão simples e fácil apenas seria admissível caso pautado pelo significado que a supremacia do parlamento assumiu no civil law por decorrência da Revolução Francesa Acontece que este princípio na Inglaterra esteve muito longe da ideia de supremacia da lei sobre o juiz tendo significado na verdade supremacia do direito sobre o monarca e sobre as próprias leis inclusive as das colônias Nesta perspectiva quando se controlava a legitimidade da lei colonial a partir do direito inglês afirmavase o common law e não a lei nos moldes do civil law E o juiz nesta dimensão já se sobrepunha ao elaborador da lei destoante Por conseguinte o controle de constitucionalidade estadunidense significou muito mais uma continuidade que uma ruptura com o modelo inglês 18 Lembrese ademais de que a imprescindibilidade de imposição de limites ao Legislativo mediante uma lei maior já fora expressa à época em que os colonizadores da América do Norte que não tinham representantes no parlamento inglês se revoltaram contra os tributos exigidos pelo governo da metrópole mediante a alegação de que qualquer ato do parlamento contrário à equidade natural seria nulo 19 815 Os significados de supremacia do parlamento nas revoluções inglesa e francesa A supremacy of the English parliament tem significado completamente distinto dos da supremacia do Legislativo e do princípio da legalidade tais como vistos pela Revolução Francesa Como dito a afirmação do parlamento sublinhada pela Revolução inglesa de 1688 não teve o propósito de marcar o início de um novo direito O seu caráter foi conservador A Revolução inglesa não foi dotada de verdadeiro espírito revolucionário não desejou desconsiderar o passado e destruir o direito já existente mas ao contrário confirmálo e fazêlo valer contra um monarca que não o respeitava 20 Portanto em vez de pretender instituir um novo direito mediante a afirmação da superioridade na verdade absolutismo do Parliament nos moldes da Revolução Francesa a Revolução Gloriosa instituiu uma ordem em que os poderes do monarca estivessem limitados pelos direitos e liberdades do povo inglês 21 Percebase que a noção de rule of law and not of men não significou apenas o topos aristotélico do governo das leis em substituição ao governo dos homens mas sobretudo a luta históricoconcreta que o parlamento inglês travou e ganhou contra o absolutismo 22 O ordenamento da Revolução Puritana caracterizouse pela submissão do poder do monarca em seu exercício e atuação a determinadas condições assim como pela existência de critérios reguladores da relação entre ele e o parlamento Neste ordenamento tem destaque o célebre Bill of Rights editado no primeiro ano da Revolução em 1689 ao qual Guilherme de Orange foi obrigado a se submeter para ascender ao trono mediante uma espécie de acordo entre o rei e o parlamento visto como representante do povo Frisese que o Bill of Rights embora tenha entre seus princípios fundamentais a proteção da pessoa e da propriedade e determinadas garantias processuais e dimensões da liberdade política é marcado acima de tudo pela submissão do soberano à lei 23 Não obstante a Revolução inglesa tenha vencido o absolutismo com ela o parlamento não assumiu o poder absoluto como aconteceu na Revolução Francesa Como explica Zagrebelsky na tradição da Europa continental a luta contra o absolutismo significou a pretensão de substituir o rei por outro poder absoluto a Assembleia Soberana ao passo que na Inglaterra a batalha contra o absolutismo consistiu em opor às pretensões do rei os privilégios e liberdades tradicionais dos ingleses representados e defendidos pelo parlamento 24 Assim enquanto na França o legislativo se revestiu do absolutismo por meio da produção da lei na Inglaterra a lei representou além de critério de contenção do arbítrio real um elemento que se inseriu no tradicional e antigo regime do common law Como a lei era imprescindível para a realização dos escopos da Revolução Francesa e os juízes não mereciam confiança a supremacia do parlamento aí foi vista como sujeição do juiz à lei proibido que foi inclusive de interpretála para não distorcêla e deste modo frustrar os objetivos do novo regime 25 Na Inglaterra como os atos do parlamento não tinham qualquer intenção de significar direito novo mas representavam mero elemento introduzido em um direito ancestral que antes de merecer repulsa era ancorado na história e nas tradições do povo e o juiz contava com o apoio do poder que se instalara uma vez que sempre lutara misturado ao legislador contra o absolutismo do rei não houve qualquer intenção ou necessidade de submeter o magistrado à lei 26 Além de a lei jamais ter anulado o poder do juiz os próprios princípios da Revolução inglesa davamlhe condição para controlar os atos legislativos a partir do common law já que o parlamento embora supremo diante do monarca era àquele submetido 27 Sublinhese na linha de interessante ensaio de Rainer Grote que na base do acordo constitucional de 1688 o Legislativo não foi investido num governante autocrático mas constituiu um órgão eleito o que significa que o processo de lawmaking permaneceu sujeito ao controle dos diferentes grupos e interesses representados no parlamento Ademais as leis tiveram um papel de menor importância no desenvolvimento geral do direito o qual procedia especialmente dos fundamentos das decisões judiciais de interpretação do common law Os próprios direitos afirmados pelo parlamento tiveram de ser reforçados pelas Cortes que mesmo reconhecendo o seu dever de acatar a vontade do legislador interpretaram as regras positivadas de acordo com os direitos e liberdades tutelados pelos princípios do common law Portanto é indiscutível que o Judiciário sob a luz do princípio da supremacy of the English parliament não se transformou em órgão sujeito à vontade do legislador à semelhança do que ocorreu na França com a afirmação do princípio da supremacia da lei Sendo assim é contestável a relação de contrariedade que Cappelletti pretendeu estabelecer entre o princípio da supremacy of the English parliament e o princípio da supremacy of the Judiciary estadunidense Tal contrariedade só teria sentido conforme explicado se o princípio da supremacy of the English parliament tivesse o significado de submeter o juiz à lei Na verdade como tal princípio tem conteúdo oposto pois permite o controle da legitimidade dos atos do parlamento a partir do common law é possível aceitar na tese de Cappelletti apenas a porção que estabelece ligação entre o controle da legitimidade dos atos da colônia a partir do direito inglês e não apenas a partir dos atos do parlamento inglês com o controle da constitucionalidade das leis Portanto não parece exato que o precedente imediato do judicial review seja o princípio da supremacia do parlamento inglês nem mesmo que este princípio tenha inspirado o controle da constitucionalidade das leis nos Estados Unidos Tal inspiração brotou em outro lugar exatamente na submissão dos atos do parlamento a um direito maior o common law 816 O judicial review diante do princípio da separação dos poderes As Revoluções francesa e americana têm em suas raízes a separação dos poderes elaborada por Montesquieu 28 No entanto o papel dos juízes nos Estados Unidos e na França seguiu rumos tão distintos que os pais da Revolução Francesa entre eles Robespierre e Le Chapelier afirmaram que apenas a lei escrita seria válida e que o judgemade law era a mais detestável das instituições devendo ser destruído 29 Assim se a separação dos poderes está na base de ambas as revoluções é certo que diante das duas realidades apresentou configurações diversas A história do direito e da magistratura franceses é imprescindível para a compreensão da questão Os membros do Judiciário francês antes da Revolução constituíam classe aristocrática não apenas sem qualquer compromisso com os valores da igualdade da fraternidade e da liberdade mas possuíam laços visíveis e espúrios com outras classes privilegiadas especialmente com a aristocracia feudal em cujo nome atuavam sob as togas Nessa época os cargos judiciais eram comprados e herdados o que fazia supor que o cargo de magistrado deveria ser usufruído como uma propriedade particular capaz de render frutos pessoais 30 Os juízes prérevolucionários se negavam a aplicar a legislação que era contrária aos interesses dos seus protegidos e interpretavam as novas leis de modo a manter o status quo e a não permitir que as intenções progressistas dos seus elaboradores fossem atingidas Não havia qualquer isenção para julgar A preocupação em desenvolver um novo direito 31 e permitir o desabrochar de uma nova sociedade exigiu a admissão dos argumentos de Montesquieu 32 aceitandose a necessidade de separação dos poderes e impondose sobretudo uma clara distinção entre as funções do Legislativo e do Judiciário 33 Tornouse imprescindível limitar a atividade do Judiciário subordinandoo de forma rígida ao parlamento cujos habitantes deveriam representar os anseios do povo 34 De acordo com Montesquieu o poder de julgar deveria ser exercido por meio de uma atividade puramente intelectual cognitiva não produtiva de direitos novos Essa atividade não seria limitada apenas pela legislação mas também pela atividade executiva que teria o poder de executar as decisões que constituem o poder de julgar Nesse sentido o poder dos juízes ficaria limitado a afirmar o que já havia sido dito pelo Legislativo devendo o julgamento ser apenas um texto exato da lei 35 Por isso Montesquieu acabou concluindo que o poder de julgar era de qualquer modo um poder nulo em quelque façon nulle 36 Assim conferiuse o poder de criar o direito apenas ao Legislativo A prestação judicial deveria se restringir à mera declaração da lei deixandose ao Executivo a tarefa de executar as decisões judiciais 37 Para que se pudesse limitar o poder do juiz à declaração da lei a legislação deveria ser clara e capaz de dar regulação a todas as situações conflitivas Os Códigos deveriam ser claros coerentes e completos 38 O medo do arbítrio judicial derivado da experiência do Ancien Régime não apenas exigia a separação entre o poder de criar o direito e o poder de julgar como também orientava a arquitetura legislativa desejada Além disso o racionalismo exacerbado típico da época fazia acreditar que a tarefa judicial poderia ser a de apenas identificar a norma aplicável para a solução do litígio 39 É preciso atentar para a diferença entre a história do poder judicial no common law e a história do direito continental europeu em particular dos fundamentos do direito francês pósrevolucionário Na Inglaterra ao contrário do que ocorreu na França os juízes corporificaram uma força progressista preocupada em proteger o indivíduo e em pôr freios no abuso do governo como ainda desempenharam papel importante para a centralização do poder e para a superação do feudalismo Naquele país a unificação do poder se deu de forma razoavelmente rápida com a eliminação da jurisdição feudal e de outras jurisdições paralelas E os juízes colaboraram para esta unificação afirmando o direito de ancestral tradição na nação sem qualquer necessidade de rejeição à tradição jurídica do passado A Revolução Francesa porém procurou criar um direito que fosse capaz de eliminar o passado e as tradições até então herdadas de outros povos mediante não só o esquecimento do direito francês até então vigente como também a negação da autoridade do ius commune 40 O direito comum havia de ser substituído pelo direito nacional Tal direito ao contrário do inglês tinha de ser claro e completo para não permitir qualquer interferência judicial no desenvolvimento do direito e do poder governamental Não havia como confiar nos juízes que sem qualquer pudor estiveram ao lado dos senhores feudais e em forte oposição à centralização do poder De modo que o direito francês além de rejeitar o direito comum do civil law e de procurar instituir um direito nacional novo teve a necessidade de legitimálo mediante a subordinação do poder do juiz ao poder do parlamento O direito contaria com um grave e insuportável déficit democrático caso fosse interpretado pelos magistrados Ou melhor havia bom motivo para não dar aos juízes o poder de interpretar as normas traçadas pelos representantes do povo A Revolução Francesa imaginou que com uma legislação clara e completa seria possível ao juiz simplesmente aplicar a lei e dessa maneira solucionar os casos litigiosos sem a necessidade de estender ou limitar o seu alcance e sem nunca se deparar com a sua ausência ou mesmo com conflito entre as normas Na excepcionalidade de conflito obscuridade ou falta de lei o magistrado obrigatoriamente deveria apresentar a questão ao Legislativo para a realização da interpretação autorizada A Lei Revolucionária de agosto de 1790 não só afirmou que os tribunais judiciários não tomarão parte direta ou indiretamente no exercício do poder legislativo nem impedirão ou suspenderão a execução das decisões do poder legislativo Título II art 10 mas também que os tribunais reportarseão ao corpo legislativo sempre que assim considerarem necessário a fim de interpretar ou editar uma nova lei Título II art 12 41 Afirmouse que o juiz ao não poder identificar a norma aplicável à solução do caso deveria recorrer ao Legislativo Supunhase é claro que estas situações seriam raras e que depois de um tempo de consultas ao Legislativo tenderiam a desaparecer De qualquer forma pouca coisa pode expressar de forma tão marcante a pretensão revolucionária de limitar o poder judicial Algo similar aconteceu no direito prussiano O célebre Código Prussiano Allgemeines Landrechtfür die Preußischen Staaten elaborado por Federico II o Grande em 1793 continha mais de 17000 artigos revelando o intento de regular todas as situações fáticas por mais específicas que fossem Do mesmo modo que o Código Napoleão que tinha 2281 artigos o objetivo de Federico foi o de fazer um direito à prova de juízes 42 O primeiro rei da Prússia não se deu por contente com os 17000 artigos do seu Código tendo também proibido os juízes de interpretálos e na mesma senda da Lei Revolucionária Francesa de 1790 criou uma comissão legislativa a quem os juízes tinham o dever de recorrer em casos de dúvida sobre a aplicação de uma norma O juiz que caísse na tentação de interpretar o Código incidiria na grande ira de Federico e sofreria severo castigo 43 Ainda mais interessante é a história da Corte de Cassação francesa Este tribunal também foi instituído em 1790 com o nítido objetivo de limitar o poder judicial mediante a cassação das decisões que destoassem do direito criado pelo parlamento 44 É possível dizer que a Cassation foi instituída como uma válvula de escape contra a aplicação incorreta da lei e a não apresentação do caso à interpretação autorizada do Legislativo Porém talvez já se vislumbrasse a dificuldade prática em se exigir dos juízes a exposição das suas dúvidas ao Legislativo bem como o trabalho excessivo e praticamente inviável que seria submetido aos legisladores caso todas as dificuldades interpretativas lhes fossem anunciadas 45 Embora chamado de Corte esse órgão não fazia parte do Poder Judiciário constituindo instituição destinada a proteger a supremacia da lei Esta primeira natureza não jurisdicional da Cassação era compatível com a sua função de apenas cassar ou anular as decisões judiciais que dessem sentido indesejado à lei Sem obrigar o juiz a requerer a devida interpretação impediase que as decisões que não se limitassem a aplicar a lei tivessem efeitos Em vez de se utilizar o instrumento da consulta interpretativa autorizada preferiase algo mais factível isto é cassar a interpretação equivocada Frisese que a Cour de Cassation foi instituída unicamente para cassar a interpretação incorreta e não para estabelecer a interpretação correta ou para decidir em substituição à decisão prolatada pelo juiz ordinário Lembrese que ela não era sequer considerada um órgão jurisdicional e por isso mesmo não podia decidir Dessa forma a Cassation não se sobrepunha ao órgão judicial ordinário por ter o poder de proferir a última decisão mas sim por ter o poder para afirmar como a lei não deveria ser interpretada Assim controlar a legitimidade da lei seria um absurdo para um juiz despido de legitimidade e visto como inimigo do poder investido no parlamento e corporificado na lei Porém como explica John Henry Merrymann nos Estados Unidos e na Inglaterra existia um diferente tipo de tradição judicial na qual os juízes muitas vezes constituíram uma força progressiva ao lado do indivíduo contra o abuso do poder pelo governante e tiveram importante papel na centralização do poder governamental e na destruição do feudalismo O medo do lawmaking judicial e da interferência judicial na administração não existia O poder dos juízes de dar forma ao desenvolvimento do common law era uma instituição familiar e bem vinda O Judiciário americano ao contrário do francês não foi um alvo revolucionário 46 Os juízes americanos assim não sofreram as limitações do princípio da separação dos poderes como os juízes franceses 47 É que os magistrados americanos além de contarem com a confiança do povo não estavam submetidos às pressões de um poder investido no parlamento e que tinha unicamente na lei o instrumento de construção do novo regime 48 817 A matriz jusnaturalista da Constituição e os poderes constituinte e constituído Se a ideia de separação dos poderes nos moldes em que recebida pelo direito francês é avessa ao desenvolvimento do controle judicial da legitimidade das leis ainda resta saber como tal princípio se conciliou com o judicial review Deixese claro antes de mais que da Constituição de 1787 não decorria diretamente a ideia de judicial review of legislation Frise se que o princípio da separação de poderes também esteve à base da Revolução americana desencorajando contaminações recíprocas e previsões de controle de um poder sobre o outro Porém os intelectuais da Revolução americana eram conscientes de elementos teóricos que fizeram a diferença Afirmou se por detrás do movimento da independência estadunidense a matriz jusnaturalista da Constituição 49 Tinhase esta noção muito presente A Constituição foi vista como Lei Fundamental como Carta que contém os direitos fundamentais para o desenvolvimento do homem e por consequência proíbe a sua negação e violação pelo poder estatal inclusive pelo Legislativo 50 Além disso não se considerou apenas a relação entre os Três Poderes do Estado os quais foram tomados como poder constituído em oposição ao poder constituinte ou seja ao poder capaz de dar vida a uma Constituição Daí retirouse em suma a conclusão de que o Legislativo não pode modificar a Constituição ao menos mediante lei ordinária 51 Assim não obstante a separação de poderes os constituintes norteamericanos temiam o arbítrio do legislador 52 De modo que embora não tenham expressamente previsto o judicial review of legislation provavelmente apostaram na potencialidade lógica do texto da Constituição para fazer brotar no âmbito doutrinário e jurisprudencial o poder judicial de revisão da constitucionalidade das leis 53 818 O caso Marbury v Madison 54 A doutrina Marshall A Suprema Corte nasceu como órgão judiciário de última instância 55 O passar do tempo na verdade uma evolução secular é que lhe permitiu concentrar quase que exclusivamente em questões constitucionais 56 Foram necessários poucos anos para que a Suprema Corte desse o primeiro passo fundamental para a instituição de um modelo de justiça constitucional que se tornou célebre e influenciou vários sistemas no mundo 57 Isso ocorreu em 1803 quando a Suprema Corte presidida pelo Juiz John Marshall deparouse com o famoso caso Marbury v Madison no qual se apreciou questão em que determinada lei foi contraposta à Constituição 58 Neste contexto foi desenvolvido raciocínio que deu origem à tese que passou a ser conhecida como Doutrina Marshall de que todo juiz tem poder e dever de negar validade a lei que mostrandose indispensável para a solução do litígio afrontar a Constituição 59 Em 1800 no cenário político do governo americano os federalistas perderam poder por várias razões e os republicanos ganharam as eleições Ao final de 1800 o Presidente John Adams estava em vias de ser substituído por Thomas Jefferson e os federalistas queriam conservar uma parcela do seu poder político No início de 1801 o Congresso americano cuja maioria era federalista aprovou lei autorizando a nomeação de 42 juízes de paz para os Distritos de Columbia e Alexandria No dia 3 de março de 1801 um dia antes da posse de Jeferson o Senado confirmou os 42 nomes todos eles federalistas e no último dia de seu governo Adams assinou os atos de investidura que ficaram de ser entregues aos novos juízes pelo Secretário de Estado John Marshall relevante figura do partido federalista Neste momento Marshall já tinha sido indicado por Adams para Presidente da Suprema Corte e prestado compromisso em 4 de fevereiro de 1801 embora tenha permanecido como Secretário de Estado por solicitação do Presidente Adams até o fim do seu mandato 60 Marshall não teve tempo para entregar os atos de investidura a todos os juízes de paz Entre eles estava William Marbury Porém James Madison Secretário de Estado do recémempossado Thomas Jefferson negouse a entregar os atos de investidura àqueles que foram excluídos pela falta de tempo Foi por isso que Marbury ao final de 1801 propôs ação originária perante a Suprema Corte requerendo ordem de mandamus para compelir Madison a lhe entregar o ato de investidura A ação foi proposta com base no 13 do Judiciary Act de 1789 uma das primeiras leis que o Congresso recémcriado pela nova Constituição havia editado 61 O caso só veio a ser julgado pela Suprema Corte em 1803 Marshall entendeu que Marbury tinha direito à investidura no cargo Baseado no ato do Congresso que autorizou a nomeação dos juízes de paz para o Distrito de Columbia afirmou que a investidura constituía um vested legal right aproveitando assim para criticar a nova administração do Presidente Jefferson Na sequência consignou que diante do direito de Marbury necessariamente deveria haver um instrumento processual para tutelálo Raciocinou nos termos de que todo direito deve ter à sua disposição um instrumento processual para protegêlo Desde logo advertiu que isto só não aconteceria se a questão a ser decidida tivesse natureza política ou fosse daquelas deixadas à discricionariedade do Executivo Por fim passou a tratar da questão de se no caso concreto o writ of mandamus poderia ser utilizado e a Suprema Corte possuía competência para apreciálo e concedêlo Como o writ of mandamus constitui ordem para uma autoridade praticar ação específica Marshall indagou se ele poderia ser utilizado contra autoridades que fizessem parte do Executivo Marshall afirmou existirem duas classes de atos do Executivo não sujeitos à revisão judicial aqueles que em sua essência têm natureza política e os que a Constituição ou a lei colocam sob a exclusiva discricionariedade do Executivo Situação diversa existiria na hipótese em que a Constituição ou a lei lhe impõe determinado dever Neste caso afigurandose legítima a atuação do Judiciário em face de ilegalidade específica não haveria intromissão no Poder 62 Ao analisar o poder a competência da Suprema Corte para apreciar e conceder o mandamus Marbury viu conflito entre o 13 do Judiciary Act de 1789 e o art 3º da Constituição O 13 da Lei de 1789 alterou a competência originária da Suprema Corte atribuindolhe poder para apreciar e julgar outras ações originárias como a proposta por Marbury Marshall interpretou o art 3º da Constituição como norma que fixou e limitou a competência originária da Suprema Corte concluindo que o Congresso poderia alterar apenas a sua competência recursal Diante do claro conflito entre o 13 do Judiciary Act de 1789 e o art 3º da Constituição Marshall enfim chega à questão cuja solução outorgaria imprevisível valor ao precedente o problema passou a ser o de se a lei que conflita com a Constituição é válida e a Suprema Corte possui poder para invalidála ou ao menos deixar de aplicála 63 O raciocínio empregado por Marshall apresenta duas proposições alternativas ou a Constituição é a lei suprema incapaz de ser modificada mediante os meios ordinários e dessa forma a lei que lhe é contrária não é uma lei ou a Constituição está no mesmo nível das leis ordinárias e como estas pode ser modificada quando desejar o legislador Observa que se fosse verdadeira a segunda proposição as Constituições escritas não passariam de uma absurda tentativa de limitar um poder o Legislativo por sua natureza ilimitável Mas como a Constituição é a lei fundamental e suprema da nação a conclusão só pode ser a de que o ato do Legislativo que contraria a Constituição é nulo 64 Porém se a lei que contraria a Constituição é nula restava saber o que o Judiciário deve fazer diante dela Ora como a Constituição constitui a lei fundamental e suprema e incumbe ao Judiciário interpretar as leis para julgar os casos cabelhe quando a lei afronta a Constituição deixar de aplicála ao caso concreto Admitiu se assim que o Judiciário é o intérprete último da Constituição 65 Em resumo o precedente firmado em Marbury v Madison afirmou a superioridade da Constituição outorgandolhe caráter de lei que subordina todas as outras A partir daí demonstrou que o Judiciário ao se deparar com lei que contraria a Constituição deve deixar de aplicála simplesmente pela circunstância de lhe incumbir interpretar as leis e eliminar os conflitos entre elas 66 Em Marbury v Madison a Suprema Corte pela primeira vez afirmou o seu poder de controlar a constitucionalidade das leis consagrando o controle difuso de constitucionalidade É certo que muito tempo antes disso houve mostras da necessidade de controle judicial da legitimidade das leis 67 Entretanto é inegável que o precedente devido a Marshall teve o grande mérito de demonstrar a supremacia da Constituição sobre as leis atribuindolhe caráter de rigidez Com a noção de Constituição rígida desperta o sistema contemporâneo de controle judicial da constitucionalidade das leis umas das expressões mais importantes do moderno constitucionalismo 68 819 Consideração históricocrítica acerca do surgimento do sistema americano de controle difuso da constitucionalidade das leis O surgimento do controle difuso da constitucionalidade das leis nos Estados Unidos enseja reflexão especial A separação de poderes um dos fundamentos da Constituição americana não impediu que o Judiciário assumisse o poder de controlar a produção normativa do Legislativo Ao contrário do que sucedeu na França tal princípio não foi utilizado para compelir o Judiciário a aplicar a letra da lei tal como se fosse a bouche de la loi Várias razões parecem ter concorrido para tanto O common law nunca foi um direito dependente do parlamento Nunca foi limitado ou mesmo definido pela legislação O common law sempre constituiu a luz guia dos atos do parlamento inglês e depois dos atos das colônias Portanto os colonizadores já tinham consciência de que os seus atos deviam estar em conformidade com o common law da tradição inglesa O judicial review tem origem na subordinação do direito das colônias ao direito inglês compreendido é certo como common law Esta origem muito mais do que demonstrar a semente do controle judicial da legitimidade das leis tem o mérito de evidenciar a ideia de supremacia de uma lei maior em que se infiltram princípios e direitos fundamentais para uma justa organização social É como se o common law constituísse uma lei suprema e rígida à qual os atos da colônia deveriam guardar respeito sob pena de nulidade A circunstância de os colonizadores e mentores da independência norteamericana terem vivenciado e experimentado a relação entre o common law e os atos da colônia provavelmente não só contribuiu para a aceitação da ideia de que o Legislativo deveria ter limites na Constituição como facilitou a assimilação de que o Judiciário poderia controlar a constitucionalidade das leis Aliás o art 6º cláusula 2ª da Constituição americana que esteve na base do raciocínio de Marshall dispôs que a Constitution shall be the supreme Law of the Land and the judges in every State shall be bound thereby Ora esta norma deixou claro que os juízes deveriam não aplicar as leis contrárias à Constituição nos termos do que antes acontecera diante dos atos da colônia violadores do direito inglês Lembrese que na Revolução inglesa os legisladores e juízes se voltaram contra o monarca mediante a afirmação e a imposição do common law Na Revolução Francesa o poder concentrouse no parlamento dirigindose contra o monarca e também contra os juízes cuja voz se pretendeu calar É interessante ter em conta nesta dimensão a advertência de Cappelletti no sentido de que a diferente atitude dos ordenamentos estadunidense e francês no que diz respeito ao controle da constitucionalidade deriva também do diferente comportamento das suas Revoluções na direção dos poderes do Estado Enquanto a Revolução Francesa de 1789 era dirigida sobretudo contra os abusos do Executivo e dos juízes a guerra da independência americana de 1776 tinha em vista oporse in primis ao poder absoluto da autoridade legislativa 69 Partindose dessa premissa e considerandose que a decisão proferida em Marbury v Madison dista menos de dez anos da independência americana é fácil apostar que a aceitação do controle judicial da constitucionalidade das leis é um corolário desta bandeira revolucionária Fora isso a necessidade inerente ao federalismo de manter coerente a ordem jurídica também foi fundamental para antes de tudo darse à Constituição a posição de lei suprema e condutora da unidade do direito vivenciado pelos Estados e depois para dar autoridade a uma forma judicial capaz de evitar que o direito pudesse assumir nos Estados conteúdos destoantes da Constituição É interessante notar nesta dimensão que o controle judicial da constitucionalidade das leis possui intrinsecamente a força unificadora do direito não havendo racionalidade em ter controle difuso de constitucionalidade e ao mesmo tempo tribunais e juízos inferiores que possam desatender a decisões da Corte Suprema Talvez por isso nunca tenha sido preciso decidir ou teorizar no ambiente norteamericano acerca da eficácia vinculante do controle de constitucionalidade exercido pela Suprema Corte Embora se possa dizer com toda razão que o direito americano tem a seu favor a regra do stare decisis 70 o que se sustenta aqui é que mesmo que a obrigatoriedade de respeito às decisões das Cortes superiores não fosse peculiar ao common law isso não apagaria a imprescindibilidade de a voz do poder incumbido de interpretar a Constituição ser única já que em outro caso os próprios fundamentos do controle judicial da constitucionalidade das leis estariam sendo negados Assim o direito estadunidense não se inspirou na doutrina da nítida e radical separação de poderes de marca francesa mas sim no equilíbrio entre os poderes mediante recíproco controle entre eles a identificar a regra dos checks and balances 82 A evolução do controle judicial da constitucionalidade das leis na Europa 821 Primeiras considerações Seria possível sustentar que o tipo europeu de controle de constitucionalidade ou seja o controle exercido por Cortes Constitucionais criadas para tal fim deve a sua origem à ausência da regra do stare decisis nos países da Europa continental Mas bem vistas as coisas este argumento seria um exagero É certo que a falta de obrigação de respeitar os precedentes constitucionais em um país cujo sistema seja o do controle difuso constitui irracionalidade Entretanto não parece que a opção dos países europeus pelo controle concentrado em uma Corte Constitucional realmente derive deste fator ou fundamentalmente dele Na Europa continental do final do século XVIII o princípio da separação dos poderes foi compreendido como limitação dos poderes do rei e dos juízes em favor do parlamento Na França além das contingências históricas que levaram os juízes a serem vistos com desconfiança teve grande repercussão a obra de Rousseau que concebeu o parlamento como depositário da soberania nacional a refletir a vontade geral dos indivíduos nele representados e por consequência como órgão não suscetível a limitações e controle da parte de sujeitos sem legitimidade democrática 71 Ademais naquela época não se vislumbrava com nitidez a noção de Constituição rígida e assim a ideia de que os atos do parlamento têm a sua legitimidade condicionada ao conteúdo da lei maior a justificar mecanismos de controle da constitucionalidade das leis 72 Mais de um século separa o controle de constitucionalidade do tipo difuso do sistema em que o controle da constitucionalidade foi reservado a uma Corte Constitucional e o tempo é ainda mais significativo quando se consideram os sistemas europeus mais recentes como o alemão o italiano e o espanhol 73 Essa demora de mais de um século muito mais do que a falta de stare decisis efetivamente indica o caminho para o encontro da razão pela qual houve opção pelo controle concentrado mediante Corte Constitucional A proibição de qualquer interferência do juiz no Poder Legislativo constituiu o fundamento para impedir por tanto tempo o controle da constitucionalidade das leis nos países europeus Não é por acaso assim que a idealização do controle concentrado da constitucionalidade ocorrido na Áustria de 1920 tenha deferido este poder a uma Corte instituída especialmente para este fim a qual se tornou conhecida como Corte Constitucional Se a criação de Corte especial pode ter sido uma tentativa velada de dar poder ao Judiciário é inegável que por detrás da teorização do controle concentrado está presente a noção de que o juiz comum não pode desconsiderar a lei a revelar o princípio da supremacia da lei em oposição aos princípios da supremacia do Judiciário e dos checks and balances bases do sistema de controle difuso de constitucionalidade 74 822 O sistema austríaco de controle de constitucionalidade O sistema concentrado de constitucionalidade também é chamado de sistema austríaco Este sistema previsto na Constituição da Áustria de 1920 é devido ao gênio de Hans Kelsen que elaborou o seu projeto a pedido do governo 75 Kelsen ao menos nesta época tinha uma concepção formalista da Constituição vendoa como norma jurídica que se coloca no vértice do ordenamento entendido como sistema hierárquico organizado por graus ou esquematicamente como uma escala sobre a qual se colocam as diversas fontes do direito 76 Isso quer dizer que o sistema de Kelsen não foi montado sobre a ideia de Constituição como conjunto de princípios e direitos fundamentais para uma justa organização social nem teve o significado de Constituição rígida nos moldes estadunidenses 77 Kelsen entendeu ser necessário prever na Constituição um órgão competente para analisar a compatibilidade da produção legislativa com as normas constitucionais Assim a Constituição austríaca de 1920 criou uma Corte Constitucional o Verfassungsgerichtshof habilitada a realizar o controle da constitucionalidade das leis 78 Notese no entanto que o pensamento formalista de Kelsen mostrouse altamente importante para se chegar à ideia de que bastaria um único órgão para analisar a compatibilidade das leis com a norma jurídica fundamental a Constituição e inclusive para se assimilar o conceito de decisão de caráter abstrato independentemente das situações concretas e dotada de efeitos gerais Por nada ter a ver com as hipóteses concretas a decisão de inconstitucionalidade no esquema kelseniano não teria efeitos retroativos 79 A Corte Constitucional ao decidir pela inconstitucionalidade expulsaria a norma do ordenamento jurídico com eficácia ex nunc a menos que a Corte entendesse que era o caso de manter a norma em vigor por período que não poderia superar um ano Daí a Corte Constitucional ser comparada a um legislador negativo 80 Deferiuse legitimidade para pedir o controle da constitucionalidade ao governo federal e aos governos estaduais respectivamente em relação às lei estaduais e às leis federais não sendo necessário para tanto invocar qualquer violação a situação subjetiva já que coube à Corte Constitucional analisar em abstrato a constitucionalidade das leis sem qualquer vinculação aos casos concretos Embora a Corte Constitucional pudesse apreciar a constitucionalidade de lei relevante ao julgamento do mérito de processo instaurado perante ela não era possível no primitivo sistema austríaco o questionamento da constitucionalidade de lei que constituía pressuposto à resolução de litígio pendente em outros juízos ou tribunais Faltava em outras palavras o controle concreto das normas Assim logo surgiu o sentimento de que a Corte Constitucional atuava num âmbito muito limitado podendo deixar sem proteção direitos individuais que poderiam ser violados por normas inconstitucionais uma vez que os governos federal e estaduais tinham apenas a faculdade de pedir a declaração de inconstitucionalidade A reforma constitucional austríaca de 1929 conferiu à Corte Suprema e à Corte Administrativa o poder de requerer à Corte Constitucional o exame da constitucionalidade de lei cuja validade fosse prejudicial à solução de litígio levado ao seu julgamento Objetivouse com isto remediar o mal da limitação da legitimação oferecendose a possibilidade de controle de constitucionalidade de leis que por alguma razão não eram ou poderiam não ser questionadas pelos governos federal e estaduais 81 Esclareçase que as Cortes Suprema e Administrativa não podiam analisar a questão de constitucionalidade mas tão somente requerer o seu exame pela Corte Constitucional Ampliouse a legitimação mas conservouse a unicidade subjetiva do controle deferido unicamente à Corte Constitucional As Cortes Suprema e Administrativa assumiram o dever de não aplicar lei sobre a qual pairasse dúvida acerca de sua constitucionalidade Havendo dúvida eram obrigadas a requerer à Corte Constitucional a análise da constitucionalidade ficando vinculadas ao seu pronunciamento Com a legitimidade outorgada aos tribunais superiores das Justiças comum e administrativa permitiuse a análise da constitucionalidade da lei por ocasião dos casos concretos O controle da constitucionalidade embora concentrado na Corte Constitucional passou a se dar incidentalmente A ampliação do controle de constitucionalidade operada pela lei austríaca de revisão da Constituição de 1929 manteve os demais juízes afastados do controle da constitucionalidade e assim submetidos ao princípio da supremacia da lei Com exceção das Cortes Suprema e Administrativa os juízes não tinham saída senão aplicar a lei ainda que a considerassem inconstitucional 823 A manutenção do controle concentrado e a expansão do modo incidental Os Tribunais Constitucionais italiano e alemão As Constituições que seguiram a Segunda Guerra Mundial instituíram uma série de princípios materiais de justiça Inicialmente esses princípios foram atacados sob o argumento de que ao expressarem aspirações éticas e políticas mediante fórmulas não precisas constituíam normas incompatíveis com a certeza e a segurança do direito 82 Nessa mesma linha houve ainda quem atribuísse aos princípios um significado meramente político dizendo que eles somente poderiam se expressar como direito por meio das leis infraconstitucionais 83 Porém atribuindose força normativa à Constituição 84 foi necessário dar ênfase ao controle de constitucionalidade das leis A Constituição italiana de 1948 e a Constituição alemã de 1949 instituíram modelos de controle de constitucionalidade similares ao austríaco Nesses países assim como na Áustria o controle de constitucionalidade foi proibido aos juízes ordinários ficando reservado exclusivamente a uma Corte Constitucional cuja decisão tem eficácia erga omnes 85 Alegase que a adoção do modelo concentrado é fruto de particularidade dos sistemas de civil law não acostumados ao stare decisis ou à força obrigatória dos precedentes 86 Com um único Tribunal incumbido de controlar a constitucionalidade eliminase ou nem mesmo se coloca a possibilidade de um juízo inferior desrespeitar o precedente constitucional Ao contrário do austríaco que se fundou na concepção teórica kelseniana os novos modelos de controle partiram da ideia de constituição rígida a agrupar princípios e direitos fundamentais para o digno desenvolvimento do homem A Corte Constitucional neste sentido foi incumbida de zelar pela supremacia da Constituição impedindo a sobrevivência de leis que a desrespeitem 87 Ambos os modelos contam com a possibilidade de o controle da constitucionalidade ser requerido de forma direta por legitimados que não constituem órgãos do Poder Judiciário Mas além disso assim como o sistema austríaco pós1929 os modelos italiano e alemão viabilizam o controle incidental aos casos concretos Na verdade no que toca a este último ponto os sistemas italiano e alemão conferem a todos os juízes o poder e o dever de requererem à Corte Constitucional a análise de lei prejudicial à solução do litígio cuja constitucionalidade seja duvidosa Diversamente do austríaco que dá tal poder apenas às Cortes Suprema e Administrativa os sistemas italiano e alemão não obrigam qualquer juiz a aplicar lei reputada inconstitucional Retenhase o ponto nenhum juiz é obrigado a aplicar lei que entenda inconstitucional mas também nenhum juiz comum pode realizar o controle de constitucionalidade Dessa forma é certo o controle passa a ser feito de modo incidental mas os juízes não exercem o poder jurisdicional em sua plenitude ficando à espera ou na dependência da Corte Constitucional 824 Compreensão do sistema em que o juiz por não poder decidir a questão constitucional remetea para análise da Corte Constitucional A Corte Constitucional italiana atua basicamente por meio de ação direta e em caráter incidental no primeiro caso diante de requerimento estatal contra as leis regionais e de requerimento regional em face de leis estatais ou de outras regiões no segundo mediante requerimento de qualquer juiz no curso de um processo 88 A via incidental assumiu posição de proeminência seja em termos quantitativos seja em termos qualitativos Esta forma de controle da constitucionalidade é fruto da noção de que o juiz não pode ser obrigado a aplicar lei que não respeita as normas constitucionais O curioso é que embora não seja obrigado a tanto o juiz não tem poder para deixar de aplicar a norma A estratégia segue a da reforma austríaca de 1929 que atribuiu às Cortes Superior e Administrativa o dever de encaminhar norma reputada inconstitucional à análise da Corte Constitucional Como já foi dito a vantagem em relação ao modelo austríaco é que todo e qualquer juiz passou a ter este poderdever não apenas a magistratura superior No direito italiano se o juiz duvidar da legitimidade constitucional de uma norma ele pode e deve deixar de aplicála suspendendo o processo e remetendo a sua análise à Corte Constitucional É o que se chama de dubbio di costituzionalità requisito para que o juiz possa encaminhar a questão à Corte Constitucional O juiz pode atuar de ofício ou a partir de requerimento da parte No último caso poderá deixar de oferecer a questão de legitimidade constitucional se entender que o requerimento da parte é destituído de real fundamento uma vez que a questão de constitucionalidade deve ser non manifestamente infondata art 23 da Lei 8753 Com a ideia de arguição de constitucionalidade non manifestamente infondata se busca evitar que a Corte Constitucional seja indevidamente povoada por arguições destituídas de qualquer fundamento A exceção manifestamente infundada não é apenas aquela que por alguma razão não é hábil a conduzir à solução de inconstitu cionalidade mas também a exceção destituída de fundamento razoável De modo que a arguição non manifestamente infondata é aquela que não é destituída de um fundamento razoável Isso quer dizer que basta ao juiz estar de posse de razoável fundamento para que se venha a concluir pela inconstitucionalidade Porém mais do que isso não se exige nem mesmo do juiz a certeza de que um fundamento objetivamente visto como razoável possa determinar a inconstitucionalidade O juiz não precisa estar convicto ou certo da inconstitucionalidade para invocar a questão de legitimidade constitucional 89 Além disso a norma para dar origem a uma questão de legitimidade deve ser necessária e indispensável para o juiz decidir o litígio ainda que em parte É assim que se requer para se admitir a suspensão do processo e o encaminhamento da questão à Corte Constitucional que a questão de constitucionalidade seja rilevante art 23 da Lei 8753 Recente jurisprudência da Corte Constitucional definiu que o juiz antes de oferecer questão de legitimidade constitucional deve tentar interpretar a norma à luz da Constituição ou seja deve tentar compatibilizar o texto da norma com a Constituição Este requisito de admissibilidade da arguição da questão de legitimidade constitucional é de origem jurisprudencial ou melhor foi construído pela Corte Constitucional Precisamente exigese que o juiz demonstre ter tentado eliminar il dubbio di costituzionalità mediante interpretação de acordo com a Constituição antes de apresentar a questão de constitucionalidade à Corte Constitucional 90 Aí existe interpretação da Constituição e não utilização de técnica de controle da constitucionalidade Em primeiro lugar pela razão óbvia de que o juiz italiano não pode controlar a constitucionalidade mas além disso em virtude de que se procura como a exigência da Corte Constitucional encontrar uma interpretação que esteja de acordo com a Constituição antes de se chegar à solução do controle de constitucionalidade A decisão de inconstitucionalidade da Corte Constitucional tem eficácia erga omnes e incide obviamente sobre o caso que originou a questão de legitimidade que fez surgir a própria decisão de inconstitucionalidade 91 O juiz a quo tem de decidir em conformidade com a declaração da Corte Constitucional Nesse sentido se fala de efeito retroativo da decisão de inconstitucionalidade da Corte Constitucional cujo limite está na noção de relações exauridas as que estão cobertas pela coisa julgada material e as que não mais são acionáveis 92 83 História do controle judicial de constitucionalidade brasileiro 831 A Constituição Imperial A Constituição Imperial de 1824 instituiu quatro poderes Poder Legislativo Poder Judiciário Poder Executivo e Poder Moderador art 10 O art 15 VIII conferiu à Assembleia Geral a tarefa de elaborar as leis interpretálas suspendêlas e revogálas 93 Assim deuse ao Legislativo o poder de editar a lei interpretála suspendêla e revogála nos moldes dos valores que inspiraram a Revolução Francesa e a Lei Revolucionária de 1790 que proibindo a interpretação judicial da lei exigiu que o juiz diante de dúvida recorresse a uma Comissão Legislativa A Constituição de 1824 revestiase de idêntica proteção do legislador que em verdade era colocada em posição de supremacia afirmando expressamente que a função de interpretar a lei era do próprio legislativo 94 Basicamente negavase poder ao juiz para aplicando a lei pronunciar mais do que as palavras do seu texto Nessas condições não havia como é óbvio qualquer espaço para o controle judicial da constitucionalidade das leis 95 Se o juiz não podia interpretar a lei certamente não tinha como controlar a sua legitimidade Os princípios que marcaram a Constituição de 1824 como o princípio da supremacia da lei ou da nítida e radical separação de poderes ainda não abriam margem ao controle difuso nem muito menos para o controle concentrado 96 832 A Constituição de 1891 A Constituição de 1891 instituiu a Federação e a República Não houve mais espaço para o Poder Moderador apresentandose o Executivo nos moldes presidencialistas o Legislativo com duas casas o Senado e a Câmara dos Deputados e o Judiciário fortalecido com as garantias da vitaliciedade e da irredutibilidade de vencimentos e dotado do poder de controlar a constitucionalidade das leis sob a forma difusa 97 Foi grande a influência do pensamento de Rui Barbosa sobre a Constituição de 1891 que foi fortemente carregada com as tintas do direito estadunidense Assim não foi por acaso que o controle de constitucionalidade foi com ela sedimentado já que a sua semente foi lançada na Constituição Provisória da República de 1890 Dec 510 de 22061890 arts 58 98 e 59 a 99 O habeas corpus já previsto pelo Código Criminal de 1830 aparece pela primeira vez como garantia constitucional 100 Inicialmente relacionado unicamente à tutela da liberdade física foi utilizado de modo a proteger outras situações como a liberdade do exercício da profissão chegando a ser usado para dar tutela à posse de direitos pessoais o que fez surgir pelas mãos da inteligência e do espírito criativo de Ruy Barbosa a denominada doutrina brasileira do habeas corpus 101 O art 59 II da CF previu recurso ao STF das decisões dos Juízes e Tribunais Federais cuja competência era regrada pelo art 60 tendo o 1º a e b do mesmo artigo igualmente disciplinado recurso ao STF das sentenças das Justiças dos Estados em última instância a quando se questionar sobre a validade ou a aplicação de tratados e leis federais e a decisão do tribunal do Estado for contra ela e b quando se contestar a validade de leis ou de atos dos governos dos Estados em face da Constituição ou das leis federais e a decisão do tribunal do Estado considerar válidos esses atos ou essas leis impugnadas Na mesma linha de aferição da lei em face da Constituição afirmou o art 60 a que compete aos Juízes ou Tribunais Federais processar e julgar as causas em que alguma das partes fundar a ação ou a defesa em disposição da Constituição Federal 102 O texto dessas normas foi suficiente para Rui argumentar que se deu poder aos juízes para apreciar a legitimidade das leis em face da Constituição 103 Realmente parece induvidoso que se o STF pode julgar mediante recurso as decisões das Justiças Estaduais que considerem leis válidas em face da Constituição isto quer dizer que o Judiciário tem o poder de analisar a conformidade das leis com a Constituição Este o fundamento do controle difuso então admitido em face da Constituição de 1891 nos moldes do controle de constitucionalidade estadunidense Os juízes da época ainda absortos no regime anterior em que valia a plena e radical supremacia da lei não confrontavam a lei com a Constituição negandose assim a exercer o controle difuso Aliás é importante lembrar que boa parte dos juízes da mais alta Corte do Império ingressou no STF da Constituição de 1891 sendo que alguns inclusive prosseguiram usando os títulos nobiliárquicos que haviam recebido do Imperador De qualquer forma a inércia dos juízes em relação ao controle de constitucionalidade é que parece ter levado Rui ao participar da elaboração da Lei 221 de 20111894 que complementou a organização judiciária da Justiça Federal da República a propor o texto do art 13 10 cuja norma é enfática no sentido de que os juízes e tribunais apreciarão a validade das leis e regulamentos e deixarão de aplicar aos casos ocorrentes as leis manifestamente inconstitucionais e os regulamentos manifestamente incompatíveis com as leis ou com a Constituição 104 Porém se é certo que as mentes privilegiadas que influenciaram a Constituição de 1891 tinham forte pendor pelo direito estadunidense 105 tendo Rui sustentado com lógica e profundidade teórica a razão pela qual o judicial review deveria se impor no cenário brasileiro 106 bem como a necessidade da adoção de precedentes vinculantes pelo menos no que diz respeito às decisões de inconstitucionalidade emanadas do STF 107 é curioso verificar que a importância do stare decisis foi renegada no desenvolvimento do direito brasileiro até ser recentemente retomada 108 Já foi dito linhas acima que os precedentes constitucionais têm em virtude de sua particular natureza força obrigatória natural A ideia de controlar a constitucionalidade se relaciona com a necessidade de unidade do direito O controle da conformidade das leis com a Constituição cria um direito uno mediante o fio condutor das normas constitucionais permitindo a aplicação do direito de modo coerente em todo o território nacional fortalecendo a Federação É absurdo e irracional ter juízes estaduais e juízes federais aplicando as normas com base em fundamentos constitucionais díspares Isso poderia ter sido evidenciado já à época da Constituição de 1891 quando se celebrou o modelo difuso de controle da constitucionalidade É provável que se tenha imaginado sem muita reflexão que a noção de precedente vinculante não se adequaria ao sistema brasileiro Além disso é possível que se tenha raciocinado que como a questão constitucional em virtude do sistema recursal poderia chegar ao STF não existiria motivo para obrigar os tribunais inferiores a respeitar os precedentes constitucionais Mas quem sabe já houvesse algum interesse que acabou encoberto e nunca revelado de dar às Justiças ordinárias o poder de falar diferentemente do STF Seja o que for a Constituição de 1891 não obstante a inação dos juízes teve o grande mérito de ter sedimentado o controle judicial de constitucionalidade no direito brasileiro permitindo ao Judiciário aferir a legitimidade das leis em face da Constituição 833 A Constituição de 1934 Com a Constituição de 1934 a mais alta Corte do País passou a se chamar de Corte Suprema art 63 a deixandose de lado a nomenclatura STF A Corte Suprema além de competência originária passou a ter competência para julgar mediante recurso ordinário e recurso extraordinário art 76 Tinha competência para apreciar em recurso ordinário nos termos do inciso II do art 76 as causas inclusive mandado de segurança instrumento criado pela Constituição de 1934 para a proteção de direitos violados ou ameaçados de violação pelo Poder Público mas não amparados pelo habeas corpus decididas por juízes e tribunais federais as decisões do Tribunal Superior da Justiça Eleitoral que pronunciassem a nulidade ou invalidade de ato ou de lei em face da Constituição Federal e as que negassem habeas corpus art 83 1º e as decisões de última ou única instância das Justiças locais e de juízes e tribunais federais denegatórias de habeas corpus O recurso extraordinário novidade da Constituição de 1934 dava à Corte Suprema competência para julgar as causas decididas pelas Justiças locais em única ou última instância quando a decisão fosse contra literal disposição de tratado ou lei federal sobre cuja aplicação se tivesse questionado quando se questionasse sobre a vigência ou validade de lei federal em face da Constituição e a decisão do Tribunal local negasse aplicação à lei impugnada quando se contestasse a validade de lei ou ato dos Governos locais em face da Constituição ou de lei federal e a decisão do Tribunal local julgasse válido o ato ou a lei impugnada e quando ocorresse diversidade de interpretação definitiva da lei federal entre Cortes de Apelação de Estados diferentes inclusive do Distrito Federal ou dos Territórios ou entre um destes Tribunais e a Corte Suprema ou outro Tribunal Federal art 76 III a b c e d Ao lado da expressa possibilidade de a Corte Suprema conhecer da questão de legitimidade constitucional em virtude de recurso afirmouse que só por maioria absoluta de votos da totalidade dos seus juízes poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato do Poder Público art 179 objetivandose com isso outorgar maior segurança aos juízos de inconstitucionalidade Registrese que nos trabalhos anteriores ao texto definitivo da Constituição exigiase o quorum de 23 mas ao final restou a referida dicção estabelecendo a maioria absoluta A maioria deveria tomar em conta a totalidade dos juízes e não apenas os juízes presentes na sessão de julgamento Surge com o art 179 o que passou a ser denominado regra de reserva de plenário vale dizer regra que estabelece quorum mínimo para a declaração da inconstitucionalidade da lei que adentrou nos ordenamentos estaduais e regimentos internos dos tribunais lembrandose que o Código de Processo Civil brasileiro surgiu apenas em 1939 Restou estabelecido ainda o poder do Senado Federal de suspender a execução no todo ou em parte de qualquer lei ou ato deliberação ou regulamento declarados inconstitucionais pelo Poder Judiciário art 91 IV Disse o art 96 que quando a Corte Suprema declarar inconstitucional qualquer dispositivo de lei ou ato governamental o ProcuradorGeral da República comunicará a decisão ao Senado Federal para os fins do art 91 IV e bem assim à autoridade legislativa ou executiva de que tenha emanado a lei ou o ato Ao darse ao Senado Federal o poder de suspender a execução da lei declarada inconstitucional pretendeuse conferir à decisão de inconstitucionalidade efeitos para todos erga omnes É importante considerar o contexto no qual surgiu a regra da suspensão da execução da lei pelo Senado constante do art 91 IV da Carta de 1934 e reproduzida hoje no art 52 X da CF1988 até mesmo para se compreender a crítica segundo a qual se tratava de momento histórico em que medrava certa concepção da separação de Poderes há muito superada 109 A consulta aos anais da Assembleia Constituinte instalada em 15111933 permite compreender as nuances históricas subjacentes 110 Cabe atinar para duas vertentes de discussões havidas durante a Constituinte de 19331934 na medida em que o anteprojeto apresentado à Assembleia contemplou o sistema unicameral e uma espécie de eficácia erga omnes da decisão de inconstitucionalidade proferida pelo na nomenclatura do anteprojeto Supremo Tribunal depois Corte Suprema No modelo unicameral inicialmente proposto à Assembleia Constituinte integraria o Poder Legislativo Federal apenas a Câmara dos Deputados Como o Senado Federal deixaria de existir foi concebida a ideia da criação de um Conselho Federal para exercer a função de coordenação dos Poderes Paralelamente o art 57 3º do anteprojeto propunha que uma vez julgada inconstitucional qualquer lei ou ato do Executivo por 23 dos ministros do Supremo caberia a todas as pessoas que se acharem nas mesmas condições do litigante vitorioso o remédio judiciário instituído para garantia de todo direito líquido e incontestável Acirrada discussão em que os constituintes travaram interessante debate sobre os modelos de controle de constitucionalidade então vigentes 111 sucedeu a proposta terminandose por concluir que a pura e simples eficácia erga omnes da decisão de inconstitucionalidade ainda que emanada do Supremo Tribunal ofenderia o princípio da separação dos poderes A partir daí engendrouse a solução de que ao Conselho Federal exatamente por ter sido concebido como órgão de coordenação dos poderes no sistema legislativo unicameral proposto incumbiria a suspensão da execução da lei declarada inconstitucional de forma incidental pela Corte Suprema incluindo se no projeto essa competência àquele Conselho Posteriormente a corrente unicameralista perdeu força retomandose ainda que de forma moderada a ideia do bicameralismo Substituiuse assim no texto do projeto o Conselho Federal pelo Senado Federal Contudo e segundo o congressista Raul Fernandes o que se percebeu foi apenas uma mudança de nome 112 De maneira que o Senado praticamente encampou as competências ao longo da Constituinte pensadas para o Conselho Federal entre as quais a suspensão da execução da lei declarada inconstitucional pela Corte Suprema É indispensável perceber assim que o Senado assumiu a função de suspender a execução da lei apenas em razão de que no contexto histórico foi necessário conferir tal poder ao Conselho que possuía a função de coordenação dos Poderes Em outras palavras isso ocorreu em virtude de má compreensão da função do Judiciário e de disputa entre os poderes baseadas em distorcida e superada concepção de separação dos poderes que dificultaram a percepção de que a eficácia vinculante é uma decorrência absolutamente natural dos precedentes da Suprema Corte Com efeito essa breve incursão histórica permite constatar que a regra constante do art 91 IV da CF1934 ao contrário do que se pode pensar não estava impregnada da lógica do estabelecimento de uma função típica do Poder Legislativo o que demonstra o equívoco de se negar eficácia vinculante aos precedentes com base na desgastada ideia de que apenas o Senado Federal pode suspender a execução da lei declarada inconstitucional pelo STF em sede de controle difuso Por outro lado estabeleceu o art 12 V que a União não poderia intervir em negócios peculiares aos Estados salvo para assegurar a observância dos princípios constitucionais especificados nas letras a a h do art 7º I 113 e a execução das leis federais Estabeleceram os 1º e 2º do art 12 1º Na hipótese do n VI assim como para assegurar a observância dos princípios constitucionais art 7º I a intervenção será decretada por lei federal que lhe fixará a amplitude e a duração prorrogável por nova lei A Câmara dos Deputados poderá eleger o Interventor ou autorizar o Presidente da República a nomeálo 2º Ocorrendo o primeiro caso do n V a intervenção só se efetuará depois que a Corte Suprema mediante provocação do ProcuradorGeral da República tomar conhecimento da lei que a tenha decretado e lhe declarar a constitucionalidade Assim a intervenção em caso de violação dos princípios constitucionais insculpidos no art 7º I a a h dependia de lei federal de iniciativa do Senado Federal art 41 3º declarada constitucional pela Corte Suprema O processo para a declaração da constitucionalidade da lei federal interventiva era instituído perante a Corte Suprema em virtude de representação do ProcuradorGeral da República Possuía natureza objetiva não tinha relação com casos concretos É interessante notar que o processo de declaração de constitucionalidade da lei interventiva era ao mesmo tempo o processo de declaração de inconstitucionalidade da lei que ensejou a lei federal de intervenção Se a Suprema Corte declarasse a constitucionalidade da lei interventiva declararia por consequência lógica a inconstitucionalidade da lei ou ato estadual que se supunha contrário aos princípios constitucionais previstos no art 7º I a a h É possível dizer que este particular modo de compor conflitos entre a União e os Estados deu origem ao controle direto de constitucionalidade no direito brasileiro No sentido de que vistas as coisas pelo avesso em vez da declaração de constitucionalidade da lei de intervenção chegarseia à declaração de inconstitucionalidade da lei ou ato estadual 114 834 A Constituição de 1937 A Constituição de 1937 de marca centralizadora e autoritária surgiu em momento negro da história da vida política brasileira A ditadura de Getúlio Vargas além de ter negado garantias e liberdades individuais notabilizouse pela corrupção de valores e pela criação de um sistema de poder que contando com a violência institucionalizada soube empregar as forças da demagogia e do populismo para viabilizar as conquistas políticas e patrimoniais dos seus parceiros e clientes Embora falasse em Poderes Executivo Legislativo e Judiciário não havia separação de poderes na Constituição de 1937 dada a concentração de poderes nas mãos do Executivo e o enfraquecimento do Legislativo e do Judiciário É digna de nota a dicção do art 73 da Constituição a revelar a sua índole fascista e autoritária O Presidente da República autoridade suprema do Estado coordena a atividade dos órgãos representativos de grau superior dirige a política interna e externa promove ou orienta a política legislativa de interesse nacional e superintende a administração do País 115 Durante o período da vigência da Constituição de 1937 o parlamento foi emudecido e não houve eleições O poder ficou concentrado nas mãos do ditador que restou autorizado a dispor a respeito de todas as matérias mediante decretolei 116 A Constituição estabeleceu no art 96 caput que só por maioria absoluta de votos da totalidade dos seus juízes poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade da lei ou de ato do Presidente da República Por sua vez o parágrafo único do mesmo art 96 realçando o caráter autoritário da Constituição proclamou que no caso de ser declarada a inconstitucionalidade de uma lei que a juízo do Presidente da República seja necessária ao bem estar do povo à promoção ou defesa de interesse nacional de alta monta poderá o Presidente da República submetêla novamente ao exame do Parlamento se este a confirmar por dois terços de votos em cada uma das Câmaras ficará sem efeito a decisão do Tribunal A última norma toca às raias do absurdo É certo que o parlamento podia mediante a maioria nas duas casas parlamentares emendar a Constituição Porém o que a norma supõe é que o juízo do Presidente acerca do que é necessário ao bemestar do povo ou revelador do interesse nacional pode passar por cima do que é inconstitucional Na estratégia da norma o parlamento é obrigado a agir quando o Presidente reputar conveniente Assim a norma deu ao Presidente da República o poder de exigir do parlamento o controle político da constitucionalidade de norma considerando a sua conveniência e oportunidade já declarada inconstitucional pelo Judiciário Notese portanto que a eventual cassação da decisão de inconstitucionalidade não se aproximaria de emenda à Constituição pois não se toca na norma constitucional negandose apenas a invalidade da lei violadora do texto constitucional 117 835 A Constituição de 1946 Dispôs a Constituição de 1946 em seu art 7º que o Governo Federal não intervirá nos Estados salvo para entre outras coisas VII assegurar a observância dos seguintes princípios a forma republicana representativa b independência e harmonia dos poderes c temporariedade das funções eletivas limitada a duração destas à das funções federais correspondentes d proibição da reeleição de governadores e prefeitos para o período imediato e autonomia municipal f prestação de contas da administração g garantias do Poder Judiciário Logo após estabeleceu o art 8º parágrafo único que no referido caso do art 7º VII o ato arguido de inconstitucionalidade será submetido pelo ProcuradorGeral da República ao exame do Supremo Tribunal Federal e se este a declarar será decretada a intervenção Surgiu assim espécie de ação declaratória de inconstitucionalidade para intervenção 118 Releva notar porém que esta via não surgiu para permitir o controle abstrato das normas com eficácia erga omnes mas para dar à União representada pelo ProcuradorGeral da República o poder de ver resolvido conflito em face de ente federativo acusado de violação de dever imposto pela Constituição 119 A primeira e verdadeira manifestação de controle abstrato na história do direito brasileiro ocorreu mediante a EC 16 de 26111965 Esta emenda constitucional alargou a competência originária do STF tal como definida pela Constituição de 1946 conferindo nova redação à alínea k do art 101 I e assim passando a atribuir ao STF competência para processar e julgar a representação contra inconstitucionalidade de lei ou ato de natureza normativa federal ou estadual encaminhada pelo ProcuradorGeral da República Além do mais inseriu novo inciso XIII no art 124 dando ao legislador o poder de estabelecer processo de competência originária do Tribunal de Justiça para declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato de Município em conflito com a Constituição do Estado Assim estabeleceuse a previsão de controle abstrato de normas estaduais e federais e de possível instituição pelo legislador de forma para o controle de lei ou ato municipal contrário à Constituição Estadual Ademais qualquer norma estadual e não mais apenas a norma que violasse princípio constitucional sensível passou a poder ser declarada inconstitucional 120 Porém o projeto da EC 161965 propunha nova redação ao art 64 para se dar eficácia erga omnes à decisão de inconstitucionalidade do STF A norma daria ao Senado Federal a exclusiva tarefa de publicar a decisão de inconstitucionalidade de modo que a eficácia geral da decisão não dependeria da sua manifestação 121 Eis o teor da nova redação que se pretendia atribuir ao art 64 mas que restou rejeitada Art 64 Incumbe ao Presidente do Senado Federal perdida a eficácia de lei ou ato de natureza normativa art 101 3º fazer publicar no Diário Oficial e na Coleção das leis a conclusão do julgado que lhe for comunicado Restou a norma em vigor desde 1946 cujo texto era o seguinte Art 64 Incumbe ao Senado Federal suspender a execução no todo ou em parte de lei ou decreto declarados inconstitucionais por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal É interessante que o direito brasileiro só veio realmente a contar com o controle abstrato de normas no período da Revolução de 1964 a sugerir investigação da relação entre a instituição deste instrumento de precioso calibre democrático com o momento que se vivia de restrição das liberdades Se o presente momento não oportuniza tal análise ao menos uma consequência daí pode ser extraída a de que não há combinação de cores entre os institutos jurídicos e seus escopos e os ambientes dos variados momentos da história 122 836 A Constituição de 19671969 A Constituição de 1967 reafirmou o controle difuso e a ação direta para o controle abstrato de normas estaduais e federais como delineada na EC 161965 Deuse ao STF a competência para processar e julgar originariamente a representação do Procurador Geral da República por inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual art 114 I l da CF1967 Deixouse de lado a norma que dava ao legislador o poder de criar processo de competência originária do Tribunal de Justiça para declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato de Município em conflito com a Constituição do Estado art 124 XIII da CF1946 Mas em contrapartida a EC 11969 acrescentou três letras d e e f ao 3º do art 15 que então passou a ter a seguinte redação 3º A intervenção nos municípios será regulada na Constituição do Estado somente podendo ocorrer quando a se verificar impontualidade no pagamento de empréstimo garantido pelo Estado b deixar de ser paga por dois anos consecutivos dívida fundada c não forem prestados contas devidas na forma da lei d o Tribunal de Justiça do Estado der provimento a representação formulada pelo Chefe do Ministério Público local para assegurar a observância dos princípios indicados na Constituição estadual bem como para prover à execução de lei ou de ordem ou decisão judiciária limitandose o decreto do Governador a suspender o ato impugnado se essa medida bastar ao restabelecimento da normalidade e forem praticados na administração municipal atos subversivos ou de corrupção e f não tiver havido aplicação no ensino primário em cada ano de vinte por cento pelo menos da receita tributária municipal A letra d do 3º do art 15 desse modo estabeleceu a representação de inconstitucionalidade a cargo do chefe do Ministério Público local para o controle de lei municipal diante da Constituição Estadual e para prover à execução de lei ou de ordem ou decisão judiciária com fins de intervenção no Município De outra parte a Constituição de 1967 ampliou o objeto da representação de inconstitucionalidade para fins de intervenção no Estado que antes era preenchido unicamente pela tutela dos princípios constitucionais sensíveis Esta representação de inconstitucionalidade passou a assegurar além dos princípios constitucionais sensíveis a execução de lei federal ordem ou decisão judiciária art 10 VI da CF1967 Mediante a Emenda 71977 deixouse clara a possibilidade de concessão de liminar na ação direta de inconstitucionalidade Inseriuse a letra p no inciso I do art 119 conferindose ao STF o poder para apreciar e conceder medida cautelar em ação de inconstitucionalidade proposta pelo ProcuradorGeral da República Esta norma resolveu questão importante e polêmica especialmente por suas consequências relacionadas com a eficácia da decisão de inconstitucionalidade O STF ainda sob a égide da EC 11969 submetia as suas decisões de inconstitucionalidade inclusive aquelas proferidas em sede de controle abstrato ao Senado Federal para que este determinasse a suspensão da execução da lei Entendiase que a decisão do STF tomada em face de ação direta de inconstitucionalidade não era dotada por si só de eficácia contra todos erga omnes dependendo para tanto da atuação do Senado a suspender a eficácia da lei declarada inconstitucional O Senado Federal por sua vez nunca se viu obrigado a suspender a eficácia da norma declarada inconstitucional Atuava quando entendia conveniente ao ser comunicado de decisão proferida em controle difuso 123 ou de decisão tomada em sede de controle abstrato com o grave inconveniente de frequentemente vir a agir depois de passados muitos anos de a decisão ter sido proferida Na Representação de Inconstitucionalidade 933 em momento em que a questão da medida cautelar na ação direta ainda não havia sido disciplinada na Constituição discutiuse amplamente sobre o cabimento de medida cautelar no bojo do processo de inconstitucionalidade O ProcuradorGeral da República José Carlos Moreira Alves requereu na petição em que ofereceu a representação de inconstitucionalidade a suspensão da execução das normas objeto da representação O Plenário por maioria entendeu ser cabível o pleito da medida e concedeua por unanimidade tendo relevância o seguinte trecho da ementa Embora a suspensão da lei ou decreto tidos como inconstitucionais caiba ao Senado Federal nada impede que verificados os pressupostos a que se refere o art 22 IV cc o art 175 do RISTF expedidos com base na Constituição art 120 c seja ela concedida 124 Como vagamente deixa transparecer a ementa a discussão travada entre os ministros tomou em consideração i a competência do Senado Federal para suspender a execução da lei ii a natureza declaratória da decisão de inconstitucionalidade e iii a possibilidade de o Judiciário conceder medida liminar para suspender os efeitos das normas Os votos do relator Min Thompson Flores e dos Ministros Xavier de Albuquerque e Eloy da Rocha que vencidos dele divergiram são importantes para explicar este relevante momento da história da jurisprudência do STF e do desenvolvimento do sistema de controle de constitucionalidade 125 A argumentação do Min Xavier de Albuquerque pode ser sintetizada na seguinte parte do seu voto A suspensão da execução de lei declarada inconstitucional é pela Constituição prerrogativa do Senado A meu ver portanto o Supremo não pode antecipar prestação jurisdicional que não lhe compete dar em definitivo Tenho eu a impressão de que sendo a medida preventiva aqui requerida consistente na suspensão liminar da execução do ato normativo impugnado não podemos deferilo por incompatibilidade com a própria índole da representação de inconstitucionalidade 126 O Min Eloy da Rocha acompanhou o Min Xavier de Albuquerque com interrogação que bem evidencia a questão que naquele momento atormentava o STF A prestação jurisdicional na ação direta de inconstitucionalidade finda com a declaração da constitucionalidade ou inconstitucionalidade Não se concede a suspensão da execução que não cabe ao Poder Judiciário É possível em determinados casos antecipar a prestação jurisdicional Mas não é possível antecipar o que não cabe na prestação jurisdicional E não cabe porque a Constituição preceitua Art 42 Compete privativamente ao Senado Federal VI suspender a execução no todo ou em parte de lei ou decreto declarados inconstitucionais por decisão definitiva do STF É da prestação jurisdicional a declaração da inconstitucionalidade mas não a suspensão da execução Mesmo no fim da prestação quando ela se exaure quando o Tribunal declara a inconstitucionalidade não lhe é dado suspender a execução Como se há de deferir por antecipação a suspensão 127 Como está claro os votos vencidos se basearam em dois pontos i a ação direta de inconstitucionalidade culmina com a declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade não cabendo ao Judiciário nem mesmo quando profere a decisão de inconstitucionalidade suspender a execução da lei pois a competência para tanto é do Senado Federal ii consequência direta disso seria a impossibilidade de o Judiciário conceder liminar já que estaria antecipando a suspensão da execução da lei o que não pode conceder Portanto a questão que estava em pauta era a de se sendo o Senado o competente para suspender a execução da lei poderia o Judiciário antecipar uma providência que não era da sua incumbência De modo que o real problema em verdade era o do significado da atuação do Senado Se a providência do Senado constituía mera decorrência da declaração judicial de inconstitucionalidade não haveria razão para se supor que o STF estaria proibido de antecipar a suspensão da eficácia da lei Foi exatamente nesta linha que se postou o voto do Min Thompson Flores relator do acórdão que por maioria admitiu a análise do pedido de medida cautelar concedendoa por unanimidade Vale a pena registrar parte significativa do voto Recebendo a comunicação em caso como o dos autos creio que não tem o Órgão Legislativo outra alternativa do que cumprir o decisório Quando muito creio poderá perquirir se foi tomado com o quorum imposto pela Carta Maior Não poderá revêlo sob qualquer outro pretexto É que a declaração de inconstitucionalidade reservada ficou absoluta e privativamente à Magna Corte não repartindo essa prerrogativa com Poder outro qualquer Pensam alguns que poderá examinar da conveniência ou oportunidade da suspensão da lei ou do decreto apreciando o aspecto meramente político Assim não considero pois admitir o poder de revisão é abrir oportunidade a conflito entre os poderes como lamentavelmente já sucedera e o obsta o julgamento do RMS 16519 RTJ 38569 mas que a Constituição quis a toda evidência prevenir É o que decorre claramente do citado art 119 I I Penso que o art 42 VII da Carta Maior comporta exegese construtiva e racional Realmente Não são apenas das declarações de inconstitucionalidade de leis federais e estaduais oriundas de representação como a presente que a comunicação deve ser feita ao Senado Federal O preceito não distingue Compreende também aquelas declarações provenientes de procedimentos outros nos quais as disposições normativas não sejam consideradas abstratamente Para estes certo não se há de admitir a revisão do julgado mas sim a possibilidade possa ele beneficiar a terceiros os quais sem a suspensão da norma incompatível com a Constituição do decisório não se beneficiariam Poderá gerar assim seus efeitos erga omnes Todavia em tal emergência é que poderá o Poder Político do Senado ajuizar da conveniência ou oportunidade em expedir a Resolução suspensiva da norma Dessarte mesmo considerando que a representação configure procedimento complexo no qual a parte dominante cabe ao STF e a parte final ao Senado Federal e mais que a decisão seja declaratória segundo a lição de Mestre Buzaid divergindo do magistério de Pontes de Miranda que a tem como constitutiva negativa Coments à Const 1969 IV 44 ainda assim admito em tese o adiantamento da prestação jurisdicional caso se configure indispensável o atendimento da medida cautelar verificadas as hipóteses em que o Regimento Interno o exige É que sendo irrevisível a decisão que venha declarar a inconstitucionalidade e sendo compulsório o seu cumprimento pelo Senado no que pertine à suspensão não se explicaria a admissão em tal oportunidade que continuasse o preceito legal viciado a comportar execução ao menos de parte do órgão de onde promanou 128 A conclusão a que se chegou na Representação 933 admitindo se liminar no bojo da ação declaratória de inconstitucionalidade sob o fundamento de que a atuação do Senado é mera consequência da declaração de inconstitucionalidade ou é a ela inteiramente adstrita permitiu que o STF chegasse a resultado consequente admitindo que a sua decisão de inconstitucionalidade produz efeitos gerais efeitos erga omnes e que assim a comunicação ao Senado na hipótese de ação direta é desnecessária Neste exato sentido a demonstrar a desnecessidade de comunicação ao Senado no caso de ação direta o Min Moreira Alves na Representação 10163 proferiu voto que foi seguido à unanimidade Para a defesa de relações jurídicas concretas em face de leis ordinárias em desconformidade com as Constituições vigentes na época em que aquelas entraram em vigor há a declaração de inconstitucionalidade incidenter tantum que só passa em julgado para as partes em litígio consequência estritamente jurídica e que só tem eficácia erga omnes se o Senado Federal houver por bem decisão de conveniência política suspendêla no todo ou em parte Já o mesmo não ocorre com referência à declaração de inconstitucionalidade obtida em representação a qual passa em julgado erga omnes com reflexos sobre o passado a nulidade opera ex tunc independentemente de atuação do Senado por se tratar de decisão cuja conveniência política do processo de seu desencadeamento se fez a priori e que se impõe quaisquer que sejam as consequências para as relações jurídica concretas pelo interesse superior da preservação do respeito à Constituição que preside à ordem jurídica vigente 129 A emenda constitucional trouxe outra questão relevante A letra l do inciso I do art 119 passou a ter a seguinte redação A representação do ProcuradorGeral da República por inconstitucionalidade ou para interpretação de lei ou ato normativo federal ou estadual O ProcuradorGeral da República passou a poder oferecer representação ao STF para o fim de definição de interpretação de norma federal ou estadual Tratase de fórmula curiosa e de certa forma inexplicável para quem supõe que as decisões dos tribunais superiores devem ser obrigatoriamente respeitadas pelos tribunais e juízos inferiores A sua compreensão exige que se tenha em conta que as decisões do STF dando a interpretação de lei ou ato normativo federal ou estadual não eram respeitadas e portanto não definiam ou consolidavam a interpretação da norma Foi por isso que surgiu a representação para interpretação de norma apenas para permitir a criação de um precedente de caráter vinculante Algo que bem vistas as coisas deveria ter sido muito bemvindo diante da imprescindibilidade de se atribuir autoridade às decisões dos tribunais superiores A única crítica do ponto de vista teórico que poderia ter sido feita a esta forma de representação no sentido da sua desnecessidade encontraria fácil resposta na prática forense a demonstrar o desrespeito dos tribunais inferiores às decisões da Suprema Corte A EC 71977 ainda instituiu a chamada avocatória incluindo a letra o no inciso I do art 119 o as causas processadas perante quaisquer juízos ou Tribunais cuja avocação deferir a pedido do ProcuradorGeral da República quando decorrer imediato perigo de grave lesão à ordem à saúde à segurança ou às finanças públicas para que se suspendam os efeitos de decisão proferida e para que o conhecimento integral da lide lhe seja devolvido A avocatória nos moldes da norma instituída pela Emenda 71977 teve escassa utilização na prática 837 A Constituição de 1988 A Constituição Federal de 1988 dotou o cidadão de vários e sofisticados modelos de proteção aos direitos individuais difusos e coletivos O mandado de segurança foi estendido aos direitos coletivos passando a poder ser impetrado por partido político com representação no Congresso Nacional organização sindical entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano em defesa dos interesses de seus membros ou associados art 5º LXX 130 Instituiuse o mandado de injunção para proteger direito assegurado pela Constituição quando a omissão de órgão com poder normativo estiver obstaculizando a sua tutela art 5º LXXI 131 Criouse o habeas data para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público e para a retificação de dados quando não se prefira fazêlo por processo sigiloso judicial ou administrativo art 5º LXXII 132 Consagrouse a ação popular como meio destinado à proteção da coisa pública deferindose legitimidade a qualquer cidadão para a sua propositura art 5º LXXIII 133 No que diz respeito ao controle de constitucionalidade manteve se a força do controle difuso de constitucionalidade com a reserva do recurso extraordinário às questões constitucionais e ampliou se de modo significativo o sistema de controle concentrado Em consonância com a preocupação com a omissão inconstitucional estabeleceuse o controle abstrato da omissão dispondo o art 103 2º da CF que declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional será dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias e em se tratando de órgão administrativo para fazêlo em trinta dias A ação direta de inconstitucionalidade antes deferida exclusivamente ao ProcuradorGeral da República foi potencializada Passaram a ter legitimidade à propositura da ação direta de inconstitucionalidade para o controle abstrato de norma ou de omissão i o Presidente da República ii a Mesa do Senado Federal iii a Mesa da Câmara dos Deputados iv a Mesa de Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal v o Governador de Estado ou do Distrito Federal vi o Procurador Geral da República vii o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil viii partido político com representação no Congresso Nacional e ix confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional art 103 da CF Previuse ainda a arguição de descumprimento de preceito fundamental art 102 1º regulamentada pela Lei 9882 de 03121999 134 A EC 3 de 17031993 criou a ação declaratória de constitucionalidade que pode ser proposta perante o STF pelos mesmos legitimados à ação direta de inconstitucionalidade listados no art 103 A Lei 9868 de 10111999 regulamentou o processo e II FORMAS DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE E TIPOS DE INCONSTITUCIONALIDADE 84 Das formas de controle de constitucionalidade 841 Controle judicial e controle não judicial O modelo judicial é a forma clássica e bemsucedida de controle de constitucionalidade A configuração de um controle de constitucionalidade não judicial tem relação com a desconfiança no Judiciário visto como poder que deveria se manter rigorosamente afastado dos assuntos do parlamento e que por isso mesmo não deveria aferir a legitimidade das leis do mesmo ano cujo fim é realizar le contrôle de la constitutionnalité des lois 140 A aversão à interferência do Judiciário sobre o parlamento levou o direito francês a atribuir o controle de constitucionalidade a um Conselho Constitucional 141 composto por nove membros cada três nomeados respectivamente pelo Presidente da República pelo Presidente da Assembleia Nacional e pelo Presidente do Senado e pelos antigos Presidentes da República Na França quando um projeto de lei é enviado pelo parlamento Assembleia Nacional e Senado ao Presidente da República para promulgação este dispõe de 15 dias para tanto Neste prazo porém facultase ao Presidente da República ao PrimeiroMinistro ao Presidente da Assembleia Nacional ao Presidente do Senado ou a um número mínimo de 60 deputados ou senadores pedir ao Conselho Constitucional manifestação acerca da compatibilidade do projeto de lei com a Constituição Se o Conselho aprova o projeto reputandoo constitucional segue para promulgação presidencial Em caso contrário se o projeto é considerado inconstitucional não poderá ser promulgado 142 A consideração de um grupo mínimo de deputados ou senadores para que a Corte possa se pronunciar sobre a constitucionalidade do projeto de lei evidencia a intenção de dar oportunidade à minoria parlamentar de se opor aos desvios arbitrários da maioria 143 O Conseil Constitutionnel nesta dimensão atua como um corretivo do princípio democráticomajoritário contrapondose à lógica de que ao ganhar as eleições a maioria assume poder para fazer o que quiser winnertakes all como se as eleições fossem um simples jogo de tudo ou nada 144 Frisese que o Conselho Constitucional obrigatoriamente tem de se pronunciar sobre as leis orgânicas que basicamente dizem respeito à organização dos poderes públicos Além disso o Conselho não tem apenas competência para controlar a constitucionalidade das leis mas também entre outras competência para controlar a regularidade das eleições presidenciais e parlamentares Se estes fatores já seriam suficientes para apontar para a natureza não jurisdicional da função desenvolvida pelo órgão maior relevo tem a circunstância de que a atuação do Conselho Constitucional no tradicional controle de constitucionalidade francês constitui fase do processo legislativo e portanto incorpora a própria natureza política da função legislativa 145 Não obstante a função desempenhada pelo Conselho Constitucional é baseada em critérios unicamente jurídicos preservandose a competência do parlamento para apreciar a conveniência e a oportunidade da lei Difere neste aspecto da maneira como os órgãos compostos por membros de partidos políticos manipulam os instrumentos de controle de constitucionalidade no Brasil o veto e os pareceres das Comissões de Constituição e Justiça do Poder Legislativo durante o processo de elaboração das leis 146 Com o passar dos anos ocorreu significativa evolução do papel do Conselho Constitucional que de guarda da regularidade formal das leis progressivamente passou a tutelar as liberdades públicas e os direitos fundamentais 147 Recentemente a versão originária do controle de constitucionalidade instituída pela Constituição de 1958 sofreu importante mudança com a reforma constitucional implementada pela LC 724 de 23072008 que introduziu o art 61 1 148 e alterou o art 62 149 da Constituição Estabeleceuse o controle repressivo de constitucionalidade das leis mediante a chamada arguição prioritária de violação de direitos e liberdades garantidos na Constituição O art 611 da Constituição francesa introduzido com a reforma constitucional de 2008 foi regulado pela Lei Orgânica 20091523 150 de dezembro de 2009 tendo entrado em vigor em 01032010 A Lei Orgânica 20091523 de 10122009 falou em question prioritaire de constitutionnalité para deixar claro que a questão de constitucionalidade quando suscitada deve ser apreciada em regime de prioridade Qualquer parte de processo jurisdicional ou administrativo pode suscitar a questão prioritária de constitucionalidade em petição escrita devidamente motivada em que demonstre que a disposição legal vulnera direito ou liberdade garantida pela Constituição 151 A questão constitucional portanto é sempre vinculada a um caso concreto O órgão a que suscitada a questão fará a primeira análise de admissibilidade verificando se estão preenchidos os requisitos exigidos pela referida Lei Orgânica 20091523 Entendendose terem sido observados todos os requisitos legais a questão será encaminhada conforme o caso à Corte de Cassação ou ao Conselho de Estado a que incumbirá agora num exame mais aprofundado decidir se estão preenchidos os requisitos para a questão ser conhecida pelo Conselho Constitucional que frisese é o único competente para decidir sobre a questão de constitucionalidade Para que a questão constitucional possa ser conhecida pelo Conselho Constitucional estabelece a Lei Orgânica 20091523 três requisitos deve a disposição legal ser prejudicial à solução do litígio já não ter sido declarada em conformidade com a Constituição pelo Conselho Constitucional e espelhar questão nova ou revestida de seriedade Se a questão não for admitida à Corte de Cassação ou ao Conselho de Estado poderá ser objeto de recurso Mas quando a questão for rejeitada pela Corte de Cassação ou pelo Conselho de Estado não caberá qualquer forma de impugnação Admitida a questão o Conselho Constitucional julgará a constitucionalidade da lei Caso a declare inconstitucional a lei deixará de produzir efeitos a partir da publicação da decisão ou de outra data ulterior que nela for fixada em conformidade com o art 62 da Constituição francesa A alteração introduzida pela reforma de 2008 no art 62 da Constituição prescreve que o dispositivo declarado inconstitucional com base no art 611 controle repressivo deixará de produzir efeitos a partir da publicação da decisão do Conselho Constitucional ou de data posterior fixada na decisão e que o Conselho determinará as condições e os limites em que os efeitos produzidos pelo dispositivo declarado inconstitucional serão suscetíveis de reconsideração Adotouse assim a eficácia prospectiva das decisões que pronunciam a inconstitucionalidade significando que o dispositivo declarado inconstitucional apenas perderá sua condição normativa a partir da publicação da decisão ou de data posterior que nela for fixada O art 62 última frase da Constituição francesa ainda deixa claro que as decisões do Conselho Constitucional são irrecorríveis impondose a todos os poderes públicos e a todas as autoridades administrativas e jurisdicionais Atualmente diante da evolução da maneira de decidir do Conselho Constitucional e da recente introdução do controle repressivo da constitucionalidade a evidenciar a preocupação com a tutela dos direitos fundamentais há sensível aproximação entre o modo de controle de constitucionalidade francês e aquele realizado nos sistemas em que a questão de constitucionalidade suscitada perante o juiz de primeiro grau de jurisdição permite a suspensão do processo e o envio da arguição para definição do Tribunal Constitucional 152 8411 Objeto do controle judicial Qualquer lei ou ato normativo advindo do Poder Público pode ser objeto de controle de constitucionalidade 153 O órgão judicial pode deixar de aplicar por considerálo inconstitucional ato formalmente legislativo ou ato normativo emanado dos Poderes Executivo Legislativo e Judiciário ou editado nas esferas federal estadual e municipal Assim por exemplo emenda constitucional lei ordinária lei complementar medida provisória e mesmo regulamento resolução portaria e normas dos regimentos internos dos tribunais O exame de lei municipal e estadual em abstrato mediante ação direta em face da Constituição do Estado cabe ao Tribunal de Justiça 154 Ao STF incumbe o controle abstrato mediante ação direta de inconstitucionalidade ou de ação declaratória de constitucionalidade de norma estadual e federal em face da Constituição Federal 155 Por meio de arguição de descumprimento de preceito fundamental o STF também pode realizar o controle abstrato de norma municipal em face de preceito fundamental da Constituição Federal 156 Norma de Constituição Estadual parâmetro de controle em ação direta de lei estadual ou municipal ajuizada perante Tribunal de Justiça pode ser confrontada com a Constituição Federal mediante recurso extraordinário Isto pode ocorrer quando Tribunal de Justiça ao considerar a norma da Constituição Estadual decreta incidentalmente a sua inconstitucionalidade de ofício O STF na Rcl 526 declarou expressamente que o Tribunal de Justiça não usurpou a sua competência ao rejeitar alegação incidente de que determinado artigo da Constituição do Estado de São Paulo que constituía parâmetro de controle na ação direta seria inconstitucional em face da Constituição Federal 157 Por outro lado indagase se determinadas normas presentes nas Constituições Estaduais que reproduzem ou imitam normas da Constituição Federal podem constituir parâmetro para o controle de constitucionalidade no âmbito dos Tribunais de Justiça Embora o STF tenha dito que não na Rcl 370 158 sob o argumento de que a reprodução de normas constitucionais obrigatórias em todos os níveis da Federação seria ociosa em termos estritamente jurídicos e que o Tribunal de Justiça ao se deparar com normas de reprodução estaria diante de parâmetros formalmente estaduais porém substancialmente integrantes da Constituição Federal houve modificação deste entendimento na Rcl 383 em que observou o Min Moreira Alves que as normas constitucionais estaduais não são normas secundárias que correm necessariamente a sorte das normas primárias como sucede com o regulamento que caduca quando a lei regulamentada é revogada Tratandose de norma ordinária de reprodução ou de norma constitucional estadual da mesma natureza por terem eficácia no seu âmbito de atuação se a norma constitucional federal reproduzida for revogada elas por terem eficácia no seu âmbito de atuação persistem como normas jurídicas que nunca deixaram de ser Os princípios reproduzidos que enquanto vigentes se impunham obrigatoriamente por força apenas da Constituição Federal quando revogados permanecem no âmbito de aplicação das leis ordinárias federais ou constitucionais estaduais graças à eficácia delas resultante Decidiuse então pela admissibilidade da ação direta perante o Tribunal de Justiça tomando como parâmetro de controle a norma de reprodução constante na Constituição Estadual 159 Na Rcl 383 deixouse claro que a competência para a ação direta é definida por sua causa de pedir no momento em que ela evidencia o parâmetro de controle da constitucionalidade Tratando se de norma constitucional estadual ainda que de reprodução ou imitação a competência é do Tribunal de Justiça 160 A questão em face das normas remissivas foi discutida na Rcl 4432 cujos elementos servem para bem elucidar o ponto O art 69 caput da Constituição Estadual de Tocantins possui a seguinte redação Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte aplicamse ao Estado e aos Municípios as vedações ao poder de tributar previstas no art 150 da Constituição Federal Esta norma remete ao disciplinar os limites ao poder de tributar para o art 150 da CF constituindo o que se denomina norma de caráter remissivo A norma remissiva se contrapõe à norma material pois ao contrário da última não é suficiente por si para regulamentar determinada questão valendose de alusão à norma material que então aperfeiçoa a regulação da matéria Isto frequentemente ocorre no âmbito das Constituições dos Estados Na Rcl 4432 afirmouse que a norma constitucional estadual de remissão na condição de norma dependente toma de empréstimo um determinado elemento da norma constitucional federal remetida não se fazendo completa senão em combinação com este componente normativo externo ao texto da Constituição Estadual o que entretanto não retira a sua força normativa uma vez conjugada com a norma à qual se refere goza de todos os atributos de uma norma jurídica A partir da premissa de que o parâmetro de controle é constituído pela conjugação da norma remissiva com a remetida concluiuse que o controle da norma estadual ou municipal por violação a tal parâmetro é consequência da supremacia da Constituição Estadual no âmbito do Estadomembro Em outras palavras as consequências jurídicas decorrentes de eventual violação à proposição remissiva constante da Constituição Estadual derivam da própria posição hierárquiconormativa superior desta no âmbito do ordenamento jurídico do Estadomembro e não da norma da Constituição Federal a que se faz referência Assim se as proposições remissivas constantes das diversas Constituições Estaduais apesar de seu caráter dependente e incompleto mantêm sua condição de proposições jurídicas não haveria razão para se lhes negar a condição de parâmetro normativo idôneo para se proceder em face delas ao controle abstrato de normas perante os Tribunais de Justiça 161 Assim de acordo com a jurisprudência do STF as normas de reprodução imitação e remissivas presentes nas Constituições estaduais podem constituir parâmetro de controle para ação direta a ser proposta nos Tribunais de Justiça Por fim os tratados e convenções internacionais incorporados ao sistema de direito positivo também podem ter a sua constitucionalidade controlada pelo Poder Judiciário seja mediante a forma principal seja incidentalmente É que como é óbvio todo e qualquer ato de direito internacional público celebrado pelo Estado brasileiro se submete à Constituição Federal 162 Na ADIn 1480 relator o Min Celso de Mello o STF teve oportunidade de declarar que no sistema jurídico brasileiro os tratados ou convenções internacionais estão hierarquicamente subordinados à autoridade normativa da Constituição da República Em consequência nenhum valor jurídico terão os tratados internacionais que incorporados ao sistema de direito positivo interno transgredirem formal ou materialmente o texto da Carta Política O exercício do treaty making power pelo Estado brasileiro não obstante o polêmico art 46 da Convenção de Viena sobre o direito dos tratados ainda em curso de tramitação perante o Congresso Nacional está sujeito à necessária observância das limitações jurídicas impostas pelo texto constitucional O Poder Judiciário fundado na supremacia da Constituição da República dispõe de competência para quer em sede de fiscalização abstrata quer no âmbito do controle difuso efetuar o exame de constitucionalidade dos tratados ou convenções internacionais já incorporados ao sistema de direito positivo interno 163 842 Controle preventivo e controle repressivo As ideias de controle preventivo e controle repressivo costumam ser relacionadas ao momento do controle de constitucionalidade se anterior ou posterior à publicação da lei ou do ato normativo Quando anterior o controle de constitucionalidade é dito preventivo confundindose assim com o controle político É verdade que o controle preventivo visto como fase do processo legislativo confundese com o controle político 164 Porém a questão é saber se é possível falar em controle jurisdicional preventivo Deixese claro antes de tudo que não existe previsão na ordem jurídica brasileira de tal forma de controle de constitucionalidade O STF admite o controle judicial do processo legislativo em nome do direito subjetivo do parlamentar de impedir que a elaboração dos atos normativos incida em desvios inconstitucionais 165 Entendese caber mandado de segurança 166 portanto controle incidental quando a vedação constitucional se dirige ao próprio processamento da lei ou da emenda 167 Contudo é importante perceber que neste caso não há controle preventivo de constitucionalidade O que existe é controle judicial repressivo mediante mandado de segurança A norma constitucional que veda a apresentação da emenda por exemplo impede o andamento do processo legislativo 168 Há inconstitucionalidade muito antes de se chegar à deliberação o processo é por si inconstitucional Ora há nítida diferença entre afirmar violação de norma constitucional que impede o andamento de processo legislativo e pretender afirmar judicialmente inconstitucionalidade na substância de lei que está para ser editada 169 O controle repressivo realizado posteriormente à publicação da lei constitui a maneira típica e tradicional de controle da constitucionalidade Porém antes da publicação da lei em vista de inconstitucionalidade do processo legislativo também há como visto controle repressivo 843 Controle concreto e controle abstrato Há sistemas em que o controle da constitucionalidade pode ser feito diante de qualquer caso conflitivo como prejudicial à solução do litígio É o que ocorre desde os primórdios no sistema estadunidense em que se fixou o entendimento de que o juiz tendo poder para decidir possui por consequência poder para analisar a validade constitucional da lei que é prejudicial à solução do caso que lhe é submetido 170 É o que também acontece no direito brasileiro desde a Constituição de 1891 No controle concreto a análise da constitucionalidade da norma que é pressuposto à resolução da demanda se apresenta conjugada à aferição de direito subjetivo ou interesse legítimo cuja tutela jurisdicional dela depende A constitucionalidade da norma em outras palavras não é o objeto ou mesmo o fim do processo Ou seja o processo não é instaurado em virtude de dúvida acerca da legitimidade da norma nem objetiva definir a sua constitucionalidade declarandose a sua inconstitucionalidade ou constitucionalidade O controle abstrato ao contrário considera a norma em si desvinculada de direito subjetivo e de situação conflitiva concreta Buscase no controle abstrato apenas analisar a validade constitucional da norma independentemente de ser ela imprescindível ou não à tutela jurisdicional de um direito O controle abstrato ocorre em processo voltado unicamente à análise da constitucionalidade da norma fazendo surgir neste sentido um processo autônomo para o controle de constitucionalidade Este processo por não dizer respeito à solução de litígio não possui partes que antes da sua instauração estavam envolvidas num conflito de interesses Lembrese que a evolução do sistema austríaco de controle de constitucionalidade caracterizada pela reforma constitucional de 1929 conferiu à Corte Suprema e à Corte Administrativa austríacas o poder de requerer à Corte Constitucional a análise de lei cuja validade fosse prejudicial à solução de caso que deveria resolver Os tribunais superiores austríacos em caso de dúvida acerca da constitucionalidade de lei prejudicial ao julgamento de caso conflitivo passaram a ser obrigados a requerer à Corte Constitucional a definição da sua constitucionalidade vinculandose ao seu pronunciamento 171 O mesmo sistema foi implantado em outros países da Europa como Alemanha Itália e Espanha A Constituição italiana de 1948 e a Constituição alemã de 1949 instituíram modelos de controle de constitucionalidade similares ao austríaco reservandose o controle de constitucionalidade a uma Corte Constitucional Assim como o sistema austríaco os modelos alemão e italiano não apenas permitem que o controle da constitucionalidade seja requerido de forma direta como também viabilizam o controle incidental aos casos concretos permitindo que se peça à Corte Constitucional a análise de lei cuja constitucionalidade seja duvidosa Porém diversamente do austríaco que dá este poder apenas às Cortes Suprema e Administrativa os sistemas italiano e alemão dão a qualquer juiz o poder de invocar a Corte Constitucional Ressaltese que o juiz ordinário obrigado a arguir a questão de legitimidade constitucional não exerce controle de constitucionalidade mas ao menos não é obrigado a aplicar lei reputada inconstitucional 172 A alusão a estes sistemas e sobretudo a estas formas associadas incidental e concentrada de controle de constitucionalidade devese ao interesse em ressaltar que o controle de constitucionalidade ainda que reservado a um único órgão a Corte Constitucional pode ser incidental ao julgamento de um litígio e assim ter natureza concreta Notese que embora sejam separados dois juízos um em que se faz apenas a análise da constitucionalidade e outro em que se aprecia o caso concreto a partir da definição acerca da questão constitucional o caso concreto de onde brotou a arguição da questão exerce influência sobre o juízo da Corte Constitucional que definirá a legitimidade constitucional da norma Assim ainda que o controle concreto derive em regra do controle de constitucionalidade feito pelo próprio juiz incumbido de julgar o litígio ele pode decorrer do controle que se dá a partir da arguição do juiz ordinário à Corte Constitucional Há nessa última hipótese controle concreto e incidental conjugado a controle concentrado uma vez que nos sistemas de Corte Constitucional o controle de constitucionalidade é concentrado neste órgão Isso permite dissociar o controle concreto e incidental do controle difuso ou seja do controle típico aos sistemas em que o poder de controlar a constitucionalidade é distribuído a todos os órgãos do Poder Judiciário Mas se o controle concreto pode se separar do difuso assumindo a forma de concentrado é preciso verificar a sua dissociabilidade do controle incidental Ou melhor é preciso investigar a possibilidade de o controle concreto ocorrer no controle principal que se dá por via de ação endereçada ao órgão incumbido de controlar a constitucionalidade Ou será que o controle principal é reservado ao controle abstrato O controle principal que tem como contraposto o controle incidental em regra constitui controle abstrato Quando o controle de constitucionalidade se dá por intermédio de ação direta endereçada à Corte Constitucional ou à Corte Suprema ou no caso brasileiro ao STF instaurase processo autônomo para tanto desvinculado de caso concreto a ser resolvido pelo Poder Judiciário O controle por via de ação direta dito controle direto viabiliza o controle abstrato da norma impugnada Porém há casos excepcionais em que se permite mediante ação direta à Corte Constitucional ou ao STF alegação de inconstitucionalidade que leva em conta situação pessoal de direito substancial afetada pela norma reclamada É o caso do recurso constitucional alemão Verfassungsbeschwerde que pode ser dirigido à Corte Constitucional por sujeito que se diz titular de direito fundamental ou a ele assimilável afetado por ato que pode ser legislativo ou omissão do Poder Público 173 No direito brasileiro o mandado de injunção exemplifica caso de ação especialmente dirigida ao Supremo Tribunal 174 em que o controle de constitucionalidade é concreto A Constituição Federal instituiu o mandado de injunção para a situação em que a falta de norma regulamentadora tornar inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade à soberania e à cidadania art 5º LXXI reservandoo em relevantes casos à competência originária do STF art 102 I q Tratase assim de ação endereçada ao STF cujo objetivo é mediante a impugnação de inconstitucionalidade por omissão tutelar direito constitucional relacionado à situação pessoal e concreta deduzida em juízo pelo demandante Bem por isso o controle não é abstrato Lembrese ademais que o STF após ter entendido que o mandado de injunção encontrava resposta na declaração de inconstitucionalidade com ciência ao Legislativo passou a afirmar que a omissão pode ser suprida mediante a aplicação de outra lei que regule situação similar e até mesmo por meio de soluções normativojudiciais criadas no caso concreto 175 844 Controle incidental e controle principal Quando no curso de uma causa comum é arguida a inconstitucionalidade da lei que configura pressuposto à tutela jurisdicional do direito o juiz brasileiro está autorizado a tratar da questão constitucional como prejudicial à solução do litígio A questão constitucional é suscitada introduzindose no processo e no raciocínio do julgador mediante o modo incidental O objeto do processo nestes casos é um litígio entre as partes que não se confunde com a questão constitucional Tratase portanto de questão de natureza constitucional suscitada incidentalmente e ajustada como prejudicial à resolução do litígio entre as partes Quando isso ocorre falase que há por parte do juiz controle incidental de constitucionalidade 176 O contraposto do controle incidental é o controle principal No controle principal a questão constitucional não é suscitada incidentalmente nem constitui prejudicial ao julgamento do litígio que constitui objeto do processo No controle principal o objeto do processo é a própria questão constitucional O processo é instaurado em virtude e apenas em razão da própria alegação da questão de constitucionalidade não existindo litígio dependente da solução desta questão para ser dirimido O controle principal ocorre por meio de ação direta dirigida à Corte Constitucional ou ao tribunal de cúpula do Judiciário O controle incidental pode se dar quando o juiz condutor do processo instaurado em virtude de litígio entre as partes tem poder para controlar a constitucionalidade das leis como ocorre no direito brasileiro e no direito estadunidense Nos sistemas em que o controle de constitucionalidade é reservado a uma Corte Constitucional como o alemão o italiano e o espanhol o controle incidental se dá em caso de dúvida constitucional em virtude de arguição do juiz ordinário à Corte Constitucional Ora o controle é derivado de arguição feita no curso do processo a respeito da constitucionalidade de norma que constitui prejudicial ao julgamento do mérito Portanto não há dúvida que o controle de constitucionalidade neste caso constitui controle incidental O controle incidental sempre é de natureza concreta O controle principal em regra é de natureza abstrata mas pode excepcionalmente ter natureza concreta como é exemplo o mandado de injunção em que a questão de inconstitucionalidade por omissão constitui objeto da ação mas é aferida a partir da situação pessoal concreta lamentada em juízo pelo demandante É o caso também da ação direta interventiva cuja decisão favorável é requisito de admissibilidade para a intervenção federal 177 Controles principal e incidental constituem modos como a questão de constitucionalidade é levada à apreciação do Judiciário Enquanto isto os controles abstrato e concreto exprimem a maneira como a questão de constitucionalidade é apreciada e julgada pelo Judiciário Quando a questão de constitucionalidade é relacionada com uma situação pessoal e concreta há controle concreto Na hipótese em que se examina a compatibilidade da norma com a Constituição independentemente de qualquer situação concreta há controle abstrato Por fim apenas para evitar malentendido é importante rechaçar a terminologia controle por via de ação com significado de controle principal e controle por via de defesa como sinônimo de controle incidental O modo incidental não se perfaz apenas por defesa podendo advir da própria ação que pode afirmar como causa de pedir a inconstitucionalidade de lei É o que ocorre em mandado de segurança em que o impetrante alega por exemplo que a lei em que se funda o imposto que a autoridade está a exigir é inconstitucional 845 Controle difuso e controle concentrado O controle difuso tem íntima relação com o controle incidental chegando frequentemente a ser com ele confundido É que se usa o raciocínio de que a constitucionalidade da lei pode ser examinada como prejudicial à solução de qualquer litígio para então se concluir que nos sistemas em que isto é admissível o controle é difuso Da mesma forma elaborandose novamente algo que é verdadeiro apenas parcialmente afirmase que nos sistemas em que o controle da constitucionalidade é feito por uma Corte Constitucional encarregada de julgar as ações diretas o controle é concentrado Tais ideias são absolutamente corretas quando vistas isoladamente Entretanto quando analisadas na real dimensão do significado da distribuição da jurisdição carecem de consistência Quando o poder de controlar a constitucionalidade é distribuído aos órgãos do Poder Judiciário diante de todo e qualquer caso o controle de constitucionalidade pode e deve ser feito por todos os órgãos judiciais mas nas formas incidental e concreta Contudo nada impede que se outorgue à Suprema Corte no mesmo sistema em que se dá competência para o controle judicial da constitucionalidade em face de qualquer caso competência para realizar o controle de constitucionalidade na forma principal mediante ações diretas a ela endereçadas Bem vistas as coisas portanto os sistemas difuso e concentrado constituem abstrações que apenas podem ser separadas e assim ter validade conceitual quando se apresentam autonomamente Se o controle de constitucionalidade é deferido aos juízes em face de todo e qualquer caso inexistindo previsão de via direta o controle é difuso porém notese bem incidental De outra parte se o controle é conservado nas mãos da Corte Constitucional como no sistema austríaco pré1929 o controle é concentrado mas sublinhese exercido na forma principal Isso quer dizer que nos sistemas em que os juízes exercem o controle de constitucionalidade diante de qualquer caso e ao lado disso este controle também é deferido à Suprema Corte mediante a via direta há na realidade controle difuso decorrente das formas incidental e principal Misturamse portanto os modelos incidental e principal não o controle difuso com o concentrado Se existe sistema misto esse é constituído pelo modelo incidental somado ao principal os quais por sua vez permitem o controle concreto e o controle abstrato ainda que como já demonstrado a via principal possa excepcionalmente também levar ao controle concreto Na mesma perspectiva de encaminhamento do raciocínio parece certo sustentar que o sistema austríaco pós1929 com a introdução da possibilidade de arguição de inconstitucionalidade pelas Cortes Suprema e Administrativa à Corte Constitucional não só não fez surgir sistema misto como na verdade nem mesmo interferiu no modelo concentrado Percebase que ainda que se admitisse que as Cortes Suprema e Administrativa passaram a participar do controle de constitucionalidade nesta hipótese não haveria atuação de juiz de primeiro grau de jurisdição como por exemplo nos atuais sistemas italiano alemão e espanhol De qualquer forma nem as Cortes Suprema e Administrativa no sistema austríaco nem o juiz ordinário nos sistemas italiano alemão e espanhol exercem controle de constitucionalidade mas têm o seu poder limitado à arguição da questão de constitucionalidade 178 Há aí evidentemente contribuição para a força normativa da Constituição mas não controle de constitucionalidade Em tais sistemas o controle de constitucionalidade nunca deixou de ser concentrado na Corte Constitucional A arguição de inconstitucionalidade permite pensar no máximo em difusão da legitimidade à arguição de inconstitucionalidade nunca em difusão do controle da constitucionalidade Portanto quando a Corte Constitucional além de poder exercer o controle pela via principal pode atuar a partir de arguição feita por juiz não há sistema misto a conjugar o poder de controle da Corte e dos demais juízes Há igualmente neste caso mistura do controle incidental com o controle principal conduzindo ainda aos controles concreto e abstrato Deixese claro assim que o sistema brasileiro não é um sistema misto em que se associam o controle difuso e o controle concentrado 179 No Brasil há sistema difuso conjugandose isto sim os controles incidental e principal e os controles concreto e abstrato 85 As diversas faces da inconstitucionalidade 851 Inconstitucionalidade formal e inconstitucionalidade material A produção da lei exige a observância de pressupostos e requisitos procedimentais imprescindíveis para que seja constitucional A Constituição regula o modo como a lei e outros atos normativos primários previstos no art 59 180 devem ser criados estabelecendo quem tem competência para produzilos e os requisitos procedimentais que devem ser observados para a sua produção Faltas quanto à competência ou quanto ao cumprimento das formalidades procedimentais viciam o processo de formação da lei tornandoa formalmente inconstitucional 181 A inconstitucionalidade formal deriva de defeito na formação do ato normativo o qual pode estar na violação de regra de competência ou na desconsideração de requisito procedimental O procedimento para a produção de lei ordinária e de lei complementar compreende iniciativa deliberação votação sanção ou veto promulgação e publicação O art 22 outorga competência privativa para a União legislar sobre determinados assuntos arrolados em seus incisos Há vício de competência quando a Assembleia Legislativa Estadual edita norma em matéria da competência da União legislando por exemplo sobre direito processual De outra parte a Constituição também confere iniciativa privativa em relação a certos temas a determinados órgãos públicos Isso quer dizer que no que toca a certo tema a iniciativa de apresentação de projeto de lei ou seja a incoação do processo de produção da lei pode ser privativa de determinado órgão ou agente público Assim o art 93 afirma que lei complementar de iniciativa do Supremo Tribunal Federal disporá sobre o Estatuto da Magistratura Fora daí há vício de iniciativa de modo que um senador não pode apresentar projeto de lei para modificar o Estatuto da Magistratura 182 Determinadas matérias apenas podem ser reguladas por atos normativos específicos É o conhecido caso das normas gerais de direito tributário que desde a EC 161965 apenas podem ser veiculadas mediante lei complementar O art 146 III da CF diz que cabe à lei complementar estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária 183 Assim lei ordinária que tratar de norma geral de direito tributário incidirá em inconstitucionalidade formal 184 Frisese que a lei ordinária pode ser aprovada por maioria simples mas a lei complementar exige maioria absoluta arts 47 e 69 da CF Por outro lado o STF entende que as questões respeitantes à interpretação do regimento interno das Casas legislativas são interna corporis 185 e portanto insuscetíveis de controle judicial 186 No AgRg no MS 26062 de relatoria do Min Gilmar Mendes assentouse que a interpretação e a aplicação do Regimento Interno da Câmara dos Deputados constituem matéria interna corporis insuscetível de apreciação pelo Poder Judiciário 187 No AgRg no MS 25588 relator o Min Menezes Direito o STF decidiu que a sistemática interna dos procedimentos da Presidência da Câmara dos Deputados para processar os recursos dirigidos ao Plenário daquela Casa não é passível de questionamento perante o Poder Judiciário inexistente qualquer violação da disciplina constitucional 188 O STF tem assumido uma postura mais ativa no tocante ao controle dos requisitos de instalação das Comissões Parlamentares de Inquérito previstos no art 58 3º da CF 189 No MS 26441 discutiuse decisão do Plenário da Câmara dos Deputados que por ampla maioria 308 a 101 votos negou o funcionamento de uma CPI em virtude da suposta ausência de um dos requisitos o fato determinado exigidos pelo art 58 190 Neste caso a Corte rejeitou o argumento de que tal matéria em virtude de seu caráter interna corporis não poderia ser objeto de controle judicial sem que ocorresse indevida intromissão em assuntos legislativos Com fundamento no direito constitucional de oposição da minoria parlamentar o Tribunal entendeu que permitir à maioria parlamentar inviabilizar a instalação de CPI mediante a interpretação de uma de suas exigências seria o mesmo que tornar sem efeito prático a garantia constitucional prevista no art 58 191 Mas há situação diversa quando se indaga sobre violação do processo legislativo especialmente quando este é pertinente à emenda constitucional Nestas situações o STF admite o controle judicial Recentemente em ação direta em que se alegou inconstitucionalidade formal decidiuse que a Constituição Federal ao dispor regras sobre processo legislativo permite o controle judicial da regularidade do processo o que constitui exceção à jurisprudência do STF sobre a impossibilidade de revisão jurisdicional em matéria interna corporis 192 Há quase duas décadas o STF declarou que a tramitação de emenda constitucional no âmbito do Poder Legislativo é matéria interna corporis insuscetível de controle judicial salvo em caso de ofensa à Constituição ou à lei Exceto nessas hipóteses a interferência não é tolerada pelo princípio da independência e da harmonia entre os Poderes 193 Em 1997 relator o Min Maurício Corrêa o STF conheceu de mandado de segurança quanto à alegação de impossibilidade de matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada poder ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa sob o fundamento de aí estar presente questão constitucional art 60 5º da CF 194 No MS 23565 de relatoria do Min Celso de Mello firmouse o entendimento de que o processo de formação das leis ou de elaboração de emendas à Constituição revelase suscetível de controle incidental ou difuso pelo Poder Judiciário sempre que havendo possibilidade de lesão à ordem jurídicoconstitucional a impugnação vier a ser suscitada por membro do próprio Congresso Nacional pois nesse domínio somente ao parlamentar que dispõe do direito público subjetivo à correta observância das cláusulas que compõem o devido processo legislativo assiste legitimidade ativa ad causam para provocar a fiscalização jurisdicional 195 Bem vistas as coisas o problema do controle judicial do processo legislativo não poderia estar presente nos casos em que são negados requisitos constitucionais do processo de criação das leis uma vez que estas hipóteses como é pouco mais do que evidente não podem ser afastadas do controle de constitucionalidade O que se poderia e desejava evitar impedindose o controle judicial dos atos parlamentares prévios à publicação da lei era a interferência do Judiciário sobre a substância das leis ou seja sobre as leis em si mesmas nunca sobre o controle da higidez do processo de sua formação 196 Isso fica claro no leading case acerca da possibilidade do controle judicial do processo legislativo O Min Moreira Alves no MS 20257 assim enfrentou a questão Não admito mandado de segurança para impedir tramitação de projeto de lei ou proposta de emenda constitucional com base na alegação de que seu conteúdo entra em choque com algum princípio constitucional E não admito porque nesse caso a violação à Constituição só ocorrerá depois de o projeto se transformar em lei ou de a proposta de emenda vir a ser aprovada Antes disso nem o Presidente da Casa do Congresso ou deste nem a Mesa nem o Poder Legislativo estão praticando qualquer inconstitucionalidade mas estão sim exercitando seus poderes constitucionais referentes ao processamento da lei em geral A inconstitucionalidade nesse caso não será quanto ao processo da lei ou da emenda mas ao contrário será da própria lei ou da própria emenda razão por que só poderá ser atacada depois da existência de uma ou de outra Diversas porém são as hipóteses como a presente em que a vedação constitucional se dirige ao próprio processamento da lei ou da emenda vedando a sua apresentação ou a sua deliberação como na espécie Aqui a inconstitucionalidade diz respeito ao próprio andamento do processo legislativo e isso porque a Constituição não quer em face da gravidade dessas deliberações se consumadas que sequer se chegue à deliberação proibindoa taxativamente A inconstitucionalidade neste caso já existe antes de o projeto ou de a proposta se transformarem em lei ou em emenda constitucional porque o próprio processamento já desrespeita frontalmente a Constituição E cabe ao Poder Judiciário nos sistemas em que o controle da constitucionalidade lhe é outorgado impedir que se desrespeite a Constituição Na guarda da observância desta está ele acima dos demais Poderes não havendo pois que se falar a esse respeito em independência de Poderes Não fora assim e não poderia ele exercer a função que a própria Constituição para a preservação dela lhe outorga 197 A inconstitucionalidade material se relaciona com o que acaba de ser dito uma vez que tem a ver com o conteúdo da lei ou melhor com a não conformação do ato do legislador em sua substância com as regras e princípios constitucionais Há inconstitucionalidade material quando a lei não está em consonância com a disciplina valores e propósitos da Constituição A liberdade do legislador para conformar a lei deve ser exercida dentro dos limites constitucionais Dentro desses limites a lei qualquer que seja o seu conteúdo é abso lutamente legítima Veda se ao legislador porém exceder ou ficar aquém dos limites da Constituição A lei portanto deve se pautar pela regra da proporcionalidade não podendo exceder o limite do necessário à tutela dos fins almejados pela norma constitucional 198 Isso porque ao excedêlos estará ferindo direitos constitucionais limítrofes com o direito constitucional por ela tutelado Quando há dois modos para dar proteção ao direito constitucional considerase ilegítima a lei que dandolhe tutela não é a que traz a menor interferência ou restrição sobre outro direito Assim se a lei vai além do necessário há negação da cláusula de vedação de excesso 199 De outro lado o legislador não pode deixar de responder às exigências da norma constitucional ou de respondêlas de modo insuficiente deixando sem efetiva proteção o direito constitucional Se isso ocorrer a lei violará o direito fundamental na sua função de mandamento de tutela 200 Daí por que quando esta tutela inexiste ou é insuficiente há violação da cláusula de vedação de tutela insuficiente 201 Lembrese que quando se diz que direitos fundamentais incidem verticalmente sobre o Estado afirmase que eles geram um dever de proteção ao legislador assim como ao administrador e ao juiz Neste sentido se a lei permanece aquém da medida de proteção ordenada pela Constituição há violação da vedação de tutela insuficiente ClausWilhelm Canaris considerando a Lei Fundamental alemã e a jurisprudência do Tribunal Constitucional alemão afirma que em princípio a função dos direitos fundamentais de imperativo de tutela carece de sua transposição pelo direito infraconstitucional Em razão disso diz que ao legislador fica aberta uma ampla margem de manobra entre as proibições da insuficiência e do excesso Adverte contudo que a proibição de insuficiência não coincide com o dever de proteção mas tem uma função autônoma em relação a ele tratandose de dois percursos argumentativos distintos pelos quais em primeiro lugar controlase se existe um dever de proteção e depois em que termos este deve ser cumprido pelo legislador sem descer abaixo do mínimo de proteção jurídicoconstitucionalmente exigido 202 Por conseguinte o controle constitucional da insuficiência almeja investigar se a tutela normativa reconhecida como devida pelo legislador satisfaz as exigências mínimas na sua eficiência O controle judicial portanto ao detectar a insuficiência deve parar no mínimo necessário não podendo ir além A inconstitucionalidade material tem a mesma consequência da inconstitucionalidade formal ou seja a nulidade da lei exceto quando se está diante da questão da lei que se tornou incompatível com a nova Constituição Apenas quando a incompatibilidade entre a lei e a nova Constituição é de conteúdo formal ou melhor quando a matéria regulada pela lei pretérita passou a ser de outra competência ou ter de ser tratada por espécie normativa diversa é que se admite a recepção da lei Foi o que ocorreu por exemplo com os Códigos de Organização Judiciária estaduais após a Constituição Federal de 1988 Antes estes Códigos eram editados por resoluções dos Tribunais de Justiça sendo que a Constituição de 1988 exigiu lei para regular a matéria O resultado foi que os Códigos estaduais restaram válidos e eficazes mas as suas novas alterações se subordinaram à necessidade de lei 203 O mesmo não se passa entretanto quando há inconstitucionalidade material Nesse caso a lei diante da nova Constituição não encontra recepção não é recepcionada e assim obviamente não permanece válida e eficaz 204 852 Inconstitucionalidade por ação e inconstitucionalidade por omissão 8521 Primeiras considerações O fenômeno da inconstitucionalidade se manifesta tanto em virtude de ação quanto de omissão do legislador No primeiro caso existe norma que não se conforma com o texto constitucional Há ação visível do legislador Porém o fato de a inação ser à primeira vista invisível não redunda na impossibilidade da sua detecção e por consequência controle judicial 205 Por inação se quer dizer falta ou ausência de lei reputada ainda que não clara e expressamente essencial para a realização de norma constitucional ou para a satisfação de direito fundamental O STF já teve oportunidade de estabelecer a nítida separação teórica entre as duas formas de inconstitucionalidade Na ADIn 1458 em que foi relator o Min Celso de Mello assentouse que o desrespeito à Constituição tanto pode ocorrer mediante ação estatal quanto mediante inércia governamental A situação de inconstitucionalidade pode derivar de um comportamento ativo do Poder Público que age ou edita normas em desacordo com o que dispõe a Constituição ofendendolhe assim os preceitos e os princípios que nela se acham consignados Essa conduta estatal que importa em um facere atuação positiva gera a inconstitucionalidade por ação Se o Estado deixar de adotar as medidas necessárias à realização concreta dos preceitos da Constituição em ordem a tornálos efetivos operantes e exequíveis abstendose em consequência de cumprir o dever de prestação que a Constituição lhe impôs incidirá em violação negativa do texto constitucional Desse non facere ou non praestare resultará a inconstitucionalidade por omissão que pode ser total quando é nenhuma a providência adotada ou parcial quando é insuficiente a medida efetivada pelo Poder Público 206 Desde a última década do século XIX todo e qualquer juiz tem o poder e o dever de controlar a inconstitucionalidade por ação sendo que o controle por via direta foi originariamente introduzido para controlar esta espécie de inconstitucionalidade A preocupação com a omissão é recente Não obstante o certo é que o sistema brasileiro além de instrumentos destinados ao controle da constitucionalidade da lei possui modelos para o controle da inconstitucionalidade da omissão de modo que apenas por isso não há como negar a significação constitucional da falta de lei Há ação direta de inconstitucionalidade por omissão a ser dirigida ao STF para controle da omissão na forma abstrata independentemente de caso concreto art 103 2º da CF Também está preordenado o mandado de injunção art 5º LXXI cc o art 102 I q da CF voltado a permitir o controle da constitucionalidade da falta de norma indispensável a determinada situação concreta Isso porém não é suficiente para dar tutela ao cidadão diante da omissão inconstitucional do legislador O juiz em face de qualquer caso concreto pode se dar conta da falta de lei imprescindível à tutela de direito fundamental De modo que o real problema está em saber se a ausência de norma pode ser detectada por todo e qualquer juiz na forma incidental como questão prejudicial à solução de um litígio 8522 Inconstitucionalidade por ação A ação do parlamento deu origem ao controle de constitucionalidade Sua história começa com a negação da lei ilegítima Foi assim na Grécia antiga e foi este o embrião do judicial review estadunidense relacionado com o controle dos atos exorbitantes da colônia em face do direito inglês Do mesmo modo o controle de constitucionalidade do tipo europeu derivado do sistema austríaco fundado no esquema teórico kelseniano é preocupado com a validade dos atos positivos do Legislativo diante do direito maior que lhe dá sustentáculo Ao contrário da omissão inconstitucional em que o controle judicial constata que a falta de ação do legislador impede a realização de norma constitucional na inconstitucionalidade por ação o juiz vê a inconstitucionalidade no próprio produto do legislador elaborado em dissonância com o texto constitucional Tratase assim da forma tradicional e mais conhecida de inconstitucionalidade 8523 Inconstitucionalidade por omissão 85231 Instrumentos processuais para combater a omissão inconstitucional mandado de injunção e ação direta de inconstitucionalidade por omissão Determinadas normas constitucionais impõem ao legislador o dever de regulamentálas Valemse de expressões como conforme definido em lei para evidenciar que necessitam de complementação infraconstitucional Tanto as normas constitucionais ditas de organização como a do art 178 que afirma que a lei disporá sobre a ordenação dos transportes aéreo aquático e terrestre quanto as normas que propriamente definem direitos como a do art 7º XI que diz que são direitos dos trabalhadores além de outros participação nos lucros ou resultados conforme definido em lei dão origem a casos de omissão inconstitucional diante da inação do legislador Em face do mandado de injunção instrumento preordenado para a concessão de tutela jurisdicional sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade à soberania e à cidadania art 5º LXXI da CF o problema é saber o alcance da tutela jurisdicional Pensouse inicialmente que ao Tribunal caberia simplesmente declarar a mora cientificando o Legislativo A segunda solução estaria em declarar a mora e dar ao Legislativo prazo para editar a norma retirando na hipótese de não observância deste prazo uma consequência concreta A terceira seria elaborar a própria norma faltante O STF decidiu no MI 107 de relatoria do Min Moreira Alves que o mandado de injunção não abre ensejo a uma tutela jurisdicional mandamental ou constitutiva mas simplesmente a uma declaração de omissão inconstitucional Entendeu que essa declaração de omissão traz implicitamente a constatação da mora do legislador que assim deve ser a ele comunicada para que edite a norma Diante desta posição do STF a decisão que reconhece a omissão inconstitucional não tem qualquer força mandamental de impor a edição da norma ou eficácia constitutiva de criar a norma faltante A decisão é simplesmente declaratória A comunicação da declaração ao legislador portanto aproximase de uma recomendação No MI 283 relator o Min Sepúlveda Pertence o STF tratou do art 8º 3º do ADCT que diz que aos cidadãos que foram impedidos de exercer na vida civil atividade profissional específica em decorrência das Portarias Reservadas do Ministério da Aeronáutica S50GM5 de 19061964 e S285GM5 será concedida reparação de natureza econômica na forma que dispuser lei de iniciativa do Congresso Nacional e a entrar em vigor no prazo de doze meses a contar da promulgação da Constituição No caso diante da inação do Legislativo havia direito subjetivo obstaculizado pela omissão inconstitucional a legitimar o uso do mandado de injunção 207 Entretanto o STF aí não se limitou a declarar a omissão de inconstitucionalidade dando ciência ao Legislativo Dando maior amplitude a sua função a Suprema Corte julgou o pedido procedente para a declarar em mora o legislador com relação à ordem de legislar contida no art 8º 3º do ADCT comunicandoa ao Congresso Nacional e à Presidência da República b assinar o prazo de 45 dias mais 15 dias para a sanção presidencial a fim de que se ultime o processo legislativo da lei reclamada c se ultrapassado o prazo acima sem que esteja promulgada a lei reconhecer ao impetrante a faculdade de obter contra a União pela via processual adequada sentença líquida de condenação à reparação constitucional devida pelas perdas e danos que se arbitrem d declarar que prolatada a condenação a superveniência de lei não prejudicará a coisa julgada que entretanto não impedirá o impetrante de obter os benefícios da lei posterior nos pontos em que lhe for mais favorável Neste caso o STF entendeu que caso o Legislativo não viesse a atuar aquele que se dizia titular do direito à reparação poderia requerer a liquidação do seu dano mediante as disposições do direito comum reconhecendose assim em face da persistência da omissão inconstitucional a autoaplicabilidade da norma constitucional 208 Recentemente ao enfrentar a omissão relativa à norma do art 37 VII da CF que diz que o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica o STF reconheceu a omissão e ofereceulhe solução mediante a aplicação no que couber da Lei 77831989 que dispõe sobre o exercício do direito de greve na iniciativa privada 209 No MI 708 de relatoria do Min Gilmar Mendes declarouse que tendo em vista as imperiosas balizas jurídicopolíticas que demandam a concretização do direito de greve a todos os trabalhadores o STF não pode se abster de reconhecer que assim como o controle judicial deve incidir sobre a atividade do legislador é possível que a Corte Constitucional atue também nos casos de inatividade ou omissão do Legislativo A mora legislativa em questão já foi por diversas vezes declarada na ordem constitucional brasileira Por esse motivo a permanência dessa situação de ausência de regulamentação do direito de greve dos servidores públicos civis passa a invocar para si os riscos de consolidação de uma típica omissão judicial Assim prosseguiu a Corte considerada a omissão legislativa alegada na espécie seria o caso de se acolher a pretensão tão somente no sentido de que se aplique a Lei 77831989 enquanto a omissão não for devidamente regulamentada por lei específica para os servidores públicos civis CF art 37 VII Em razão dos imperativos da continuidade dos serviços públicos contudo não se pode afastar que de acordo com as peculiaridades de cada caso concreto e mediante solicitação de entidade ou órgão legítimo seja facultado ao tribunal competente impor a observância a regime de greve mais severo em razão de tratarse de serviços ou atividades essenciais nos termos do regime fixado pelos arts 9º a 11 da Lei 77831989 Isso ocorre porque não se pode deixar de cogitar dos riscos decorrentes das possibilidades de que a regulação dos serviços públicos que tenham características afins a esses serviços ou atividades essenciais seja menos severa que a disciplina dispensada aos serviços privados ditos essenciais 210 Neste caso diante da falta de lei capaz de viabilizar o exercício do direito de greve pelos funcionários públicos civis supriuse a omissão mediante o emprego da lei que regula a greve na iniciativa privada além de se prever a possibilidade de o tribunal competente impor conforme as peculiaridades do caso concreto regime de greve mais severo O MI 712 de relatoria do Min Eros Grau é ainda mais enfático ao reconhecer ao Tribunal o poder de elaborar a norma jurídica faltante Esclareceuse que a regulamentação do exercício do direito de greve pelos servidores públicos há de ser peculiar mesmo porque serviços ou atividades essenciais e necessidades inadiáveis da coletividade não se superpõem a serviços públicos e viceversa Daí por que não deve ser aplicado ao exercício do direito de greve no âmbito da Administração tão somente o disposto na Lei 77831989 A esta Corte impõese traçar os parâmetros atinentes a esse exercício 211 Tomese em conta ainda o caso da aposentadoria especial prevista no art 40 4º 212 da CF 213 Nesta situação o STF diante de mandado de injunção tem suprido a omissão constitucional no caso concreto adotando como parâmetro o sistema do regime geral de previdência social que dispõe sobre a aposentadoria especial na iniciativa privada art 57 da Lei 82131991 Neste sentido confere ao autor do mandado de injunção diante da falta da norma regulamentadora prevista no art 40 4º o direito à contagem diferenciada do tempo de serviço Assim no MI 721 de relatoria do Min Marco Aurélio decidiuse que inexistente a disciplina específica da aposentadoria especial do servidor impõese a adoção via pronunciamento judicial daquela própria aos trabalhadores em geral art 57 1º da Lei 82131991 para que o Tribunal viabilize o exercício do direito afastando as consequências da inércia do legislador 214 Notese assim que a jurisprudência do STF diante do mandado de injunção não tem resposta na mera declaração da mora em legislar com ciência ao Legislativo entendendo que a omissão pode ser suprida i mediante a adoção do próprio texto da norma constitucional como se fosse autoaplicável em caso de não observância do prazo judicial determinado para legislar ii por meio de outra lei que regule situação similar e até mesmo iii por soluções normativojudiciais criadas no caso concreto 215 Deixese claro porém que as soluções judiciais para a omissão constitucional também dependem do instrumento processual que está sendo utilizado mandado de injunção ou ação direta de inconstitucionalidade por omissão Em caso de ação direta de inconstitucionalidade não se pede a tutela de direito subjetivo que depende de norma infraconstitucional faltante mas em princípio apenas a apreciação em abstrato da questão constitucional para que se declare a omissão inconstitucional É exemplo desta situação o caso da lei complementar federal para criação de Municípios a que se refere o 4º do art 18 da CF na redação dada pela EC 151996 A criação a incorporação a fusão e o desmembramento de Municípios farseão por lei estadual dentro do período determinado por lei complementar federal e dependerão de consulta prévia mediante plebiscito às populações dos Municípios envolvidos após divulgação dos Estudos de Viabilidade Municipal apresentados e publicados na forma da lei216 O STF relator o Min Gilmar Mendes apreciou ação direta de inconstitucionalidade por omissão proposta pela Assembleia Legislativa do Estado de Mato Grosso e reconheceu a mora do Congresso Nacional em elaborar a lei complementar federal a que se refere a sobredita norma constitucional Decidiuse na ação direta que a inertia deliberandi das Casas Legislativas pode ser objeto da ação direta de inconstitucionalidade por omissão e que a omissão legislativa em relação à regulamentação do art 18 4º da CF acabou dando ensejo à conformação e à consolidação de estados de inconstitucionalidade que não podem ser ignorados pelo legislador na elaboração da lei complementar federal Assim julgouse procedente a ação para declarar o estado de mora em que se encontra o Congresso Nacional a fim de que em prazo razoável de dezoito meses adote ele todas as providências legislativas necessárias ao cumprimento do dever constitucional imposto pelo art 18 4º da CF devendo ser contempladas as situações imperfeitas decorrentes do estado de inconstitucionalidade gerado pela omissão Não se trata de impor um prazo para a atuação legislativa do Congresso Nacional mas apenas da fixação de um parâmetro temporal razoável tendo em vista o prazo de 24 meses determinado pelo Tribunal nas ADIn 2240 3316 3489 e 3689 para que as leis estaduais que criam Municípios ou alteram seus limites territoriais continuem vigendo até que a lei complementar federal seja promulgada contemplando as realidades desses Municípios 217 Assim em caso de ação direta de inconstitucionalidade por omissão a decisão em princípio limitase a declarar a omissão inconstitucional cientificandose o órgão competente para em prazo razoável editar a norma nos termos do 2º do art 103 da CF que assim reza Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional será dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias e em se tratando de órgão administrativo para fazêlo em trinta dias 85232 Omissão total e omissão parcial A omissão inconstitucional é parcial quando o legislador cumpre de modo insuficiente ou insatisfatório o seu dever de legislar em face da norma constitucional Na omissão parcial embora exista atuação legislativa nela falta algo para se dar plena satisfação ao comando constitucional 218 É possível pensar a omissão constitucional em perspectiva vertical de intensidade ou suficiência de realização da norma constitucional e em perspectiva horizontal de abrangência dos seus beneficiários Em tese a lei pode realizar em maior ou menor intensidade ou suficiência o desejo da norma constitucional É claro que desta intensidade dependerá a absolvição do legislador Se a lei não é capaz de realizar de modo adequado e assim na intensidade devida a norma constitucional ela responde à Constituição de modo parcial existindo portanto omissão inconstitucional parcial De outra parte a atuação legislativa ainda que capaz de responder ao comando constitucional em termos de intensidade pode atender apenas a parte ou parcela dos beneficiários da norma constitucional sendo correto também falar aí de omissão parcial Exemplos destas situações A lei que prevê salário mínimo em valor insuficiente à realização da norma que garante ao cidadão remuneração digna art 7º IV da CF representa omissão inconstitucional em sentido vertical uma vez que a sua previsão não é suficiente para realizar a norma constitucional ou melhor é apenas parcialmente suficiente para tanto219 Enquanto isso o caso em que a lei atenta à norma constitucional deixa de considerar grupo ou categoria que também dela é beneficiário como acontece quando a lei concede revisão de remuneração aos militares sem contemplar os civis configura hipótese de omissão inconstitucional em sentido horizontal Na ADIn 1442 relator o Min Celso de Mello o STF enfrentou o caso da insuficiência do salário mínimo chegando à conclusão de aí existir descumprimento ainda que parcial da Constituição Destacou a ementa do acórdão proferido nesta ação direta que a insuficiência do valor correspondente ao salário mínimo definido em importância que se revele incapaz de atender às necessidades vitais básicas do trabalhador e dos membros de sua família configura um claro descumprimento ainda que parcial da Constituição da Repúbli ca pois o legislador em tal hipótese longe de atuar como sujeito concretizante do postulado constitucional que garante à classe trabalhadora um piso geral de remuneração digna CF art 7º IV estará realizando de modo imperfeito porque incompleto o programa social assumido pelo Estado na ordem jurídica 220 Entendeu a Suprema Corte que a insuficiência do valor do salário mínimo diante da norma constitucional que assegura ao trabalhador remuneração capaz de atender às suas necessidades vitais básicas e de sua família 221 revela inconstitucionalidade por omissão exigindo a reprovação do Judi ciário Ressaltou o STF que a omissão do Estado que deixa de cumprir em maior ou em menor extensão a imposição ditada pelo texto constitucional qualificase como comportamento revestido da maior gravidade políticojurídica eis que mediante inércia o Poder Público também desrespeita a Constituição também compromete a eficácia da declaração constitucional de direitos e também impede por ausência de medidas concretizadoras a própria aplicabilidade dos postulados e princípios da Lei Fundamental As situações configuradoras de omissão inconstitucional ainda que se cuide de omissão parcial refletem comportamento estatal que deve ser repelido pois a inércia do Estado além de gerar a erosão da própria consciência constitucional qualificase perigosamente como um dos processos informais de mudança ilegítima da Constituição expondose por isso mesmo à censura do Poder Judiciário 222 O STF também já teve oportunidade de tratar de caso envolvendo atuação legislativa que diante de norma constitucional deixa de lado grupo ou categoria de pessoas precisamente do caso em que o Legislativo confere mediante revisão reajuste salarial aos servidores públicos militares sem outorgar o mesmo reajuste aos servidores públicos civis Na ADIn 526 de relatoria do Min Sepúlveda Pertence julgouse exatamente esta questão Reconheceuse que no quadro constitucional brasileiro constitui ofensa à isono mia a lei que à vista da erosão inflacionária do poder de compra da moeda não dá alcance universal à revisão de vencimentos destinada exclusivamente a minorála CF art 37 X ou que para cargos de atribuições iguais ou assemelhadas fixa vencimentos díspares CF art 39 1º 223 Porém não obstante a omissão inconstitucional parcial entendeuse não ser possível estender aos excluídos pela lei o benefício por ela outorgado conside randose os limites do 2º do art 103 da CF No RMS 21662 a 1ª T do STF relator o Min Celso de Mello declarou que o Poder Judiciário que não dispõe de função legislativa não pode conceder a servidores civis sob fundamento de isonomia extensão de vantagens pecuniárias que foram exclusivamente outorgadas por lei aos servidores militares 224 Em justificativa argumentou que a extensão jurisdicional em favor dos servidores preteridos do benefício pecuniário que lhes foi indevidamente negado pelo legislador encontra obstáculo no princípio da separação de poderes A disciplina jurídica da remuneração devida aos agentes públicos em geral está sujeita ao princípio da reserva legal absoluta Esse postulado constitucional submete ao domínio normativo da lei formal a veiculação das regras pertinentes ao instituto do estipêndio funcional O princípio da divisão funcional do poder impede que estando em plena vigência o ato legislativo venham os Tribunais a ampliarlhe o conteúdo normativo e a estender a sua eficácia jurídica a situações subjetivas nele não previstas ainda que a pretexto de tornar efetiva a cláusula isonômica inscrita na Constituição 225 Porém é interessante observar que no RMS 22307 relator o Min Marco Aurélio o Plenário do STF por seis votos a quatro deu provimento ao recurso para conceder em parte a segurança para o efeito de estender aos servidores públicos civis o benefício que fora outorgado por revisão aos militares 226 Neste recurso em mandado de segurança ao contrário do que sucedeu no RMS 21662 relatado pelo Min Celso de Mello também referido acima a Corte não se limitou a reconhecer a omissão inconstitucional parcial mas foi além estendendo ao grupo não atendido pela lei civis os benefícios outorgados ao outro militares É importante perceber que as questões da insuficiência da proteção normativa à norma constitucional e da indevida limitação do benefício por ela prometido poderiam levar à conclusão de que a lei nestas situações é simplesmente inconstitucional devendo assim ser declarada pelo Judiciário O problema é que declarandose a inconstitucionalidade da lei que é insuficiente à tutela da norma constitucional deixase de ter o pouco de proteção que a lei outorgou à Constituição ou passase a ter a tutela que a lei anterior revogada pela insuficiente conferia à situação constitucional O mesmo raciocínio pode ser empregado quando a lei dando a devida atenção a determinado grupo esquece outro que mereceria igual benefício de acordo com a norma constitucional tutelada Seria possível pensar que esta norma deve ser declarada inconstitucional Isso contudo apenas excluiria a proteção devida e conferida ao grupo acabando por constituir uma curiosa declaração de inconstitucionalidade a retirar de uma categoria um benefício prometido pela própria Constituição A declaração de inconstitucionalidade nessas hipóteses não constitui solução judicial adequada Há que preservar a tutela da norma constitucional ainda que insuficiente ou indevidamente limitada a determinado grupo ou categoria Daí a importância de o Judiciário responder com a inconstitucionalidade por omissão A afirmação jurisdicional de inconstitucionalidade parcial por omissão faz pensar na questão da separação dos poderes ou dos limites do Judiciário em face dos demais poderes Bem por isso mesmo nos casos em que a falta de lei impede a tutela de um direito o STF sempre teve muita cautela quanto aos limites das suas decisões conforme se demonstrou acima 85233 Norma constitucional impositiva de dever de legislar e direito fundamental carente de tutela normativa Como visto se há leis que violam normas constitucionais a falta de lei também pode agredir a Constituição Por isso não há razão para entender possível o controle da constitucionalidade da lei e julgar inviável o controle da constitucionalidade da falta de lei Se o Judiciário deve controlar a atividade legislativa analisando a sua adequação à Constituição é evidente que a sua tarefa não deve se ater apenas à lei que viola norma constitu cional mas também à ausência de lei que impede a sua realização Não há dúvida que as normas constitucionais que impõem dever de legislar como as que foram anteriormente referidas conferem ao STF o poder de controlar a omissão inconstitucional Entretanto há normas constitucionais que dependem da atuação do legislador porém não o obrigam expressamente a legislar São inúmeras as normas instituidoras de direitos fundamentais que por sua natureza carecem de tutela normativa mas nada dizem sobre eventual necessidade de o legislador editar leis É possível nestes casos pensar em omissão inconstitucional Diante de um caso concreto o juiz pode suprir a omissão inconstitucional realizando controle incidental de constitucionalidade Aqui se está diante de questões que não se confundem com as que anteriormente foram discutidas Indagase sobre a possibilidade de afirmar a inconstitucionalidade por omissão quando a norma constitucional não impôs expressamente dever de legislar Perguntase ainda sobre a viabilidade de todo e qualquer juiz realizar incidentalmente a um caso a análise da inconstitucionalidade por omissão e mais do que isso suprila mediante providência criada para a situação concreta As omissões que invalidam direitos fundamentais evidentemente não podem ser vistas como simples opções do legislador pois ou a Constituição tem força normativa ou força para impedir que o legislador desrespeite os direitos fundamentais e assim confere ao juiz o poder de controlar a lei e as omissões do legislador ou a Constituição constituirá apenas proclamação retórica e demagógica Lembrese que os direitos fundamentais atualmente são classificados em dois grupos direitos de defesa e direitos a prestações 227 Se os direitos fundamentais foram vistos à época do constitucionalismo de matriz liberalburguesa apenas como direito de defesa ou seja como o direito de o particular impedir a ingerência do Poder Público em sua esfera jurídica a evolução do Estado e da sociedade fez surgir ao lado dos direitos de defesa direitos a prestações compreendidos como direitos a prestações sociais direitos a prestações de proteção e direitos a prestações que viabilizem a participação no poder 228 Como explica Alexy todo direito a um ato positivo ou seja a uma ação do Estado é direito a uma prestação de modo que o direito a prestações é a exata contrapartida do direito de defesa sobre o qual recai todo direito a uma omissão por parte do Estado Alexy demonstra que o direito às prestações estatais é mais do que direito a prestações fáticas de natureza social englobando direitos a prestações de proteção como por exemplo a normas de direito penal e direitos a prestações que viabilizem a participação na organização e mediante procedimentos adequados 229 As prestações de proteção devidas pelo Estado em face de um direito fundamental podem ter natureza fática ou normativa Assim por exemplo diante dos direitos fundamentais ao meio ambiente e do consumidor exigese atuação concreta de fiscalização e normas de direito material e de direito processual para a sua efetiva proteção O legislador em face do direito ambiental tem o dever não só de editar normas fixando locais em que não se pode construir ou em que o lixo tóxico deve ser depositado como ainda de enunciar normas de natureza processual estabelecendo técnicas processuais aptas a conferir a devida tutela jurisdicional ao direito em caso de ameaça de violação tutela inibitória ou de violação da norma de direito material de proteção tutela de remo ção do ilícito O mesmo ocorre ainda por exemplo em relação ao direito fundamental do consumidor O legislador ao editar o Código de Defesa do Consumidor fez surgir normas de direito material de proteção do consumidor assim como normas processuais voltadas a lhe garantir a tutela específica dos seus direitos Portanto um direito fundamental pode depender de norma de direito material e processual Nessa hipótese configurandose a ausência de norma há verdadeira omissão de proteção devida pelo legislador Pois bem se todo e qualquer juiz tem poder para controlar a constitucionalidade e a falta de lei pode ser detectada em face de um caso concreto há de se admitir que diante dele o juiz possa suprir a omissão inconstitucional Como as normas constitucionais têm força vinculante não há razão para o juiz se curvar à ausência de lei permitindo que os direitos fundamentais se tornem letra morta É importante o alerta de Juan María Bilbao Ubillos no sentido de que um direito cujo reconhecimento ou existência depende do legislador não é um direito fundamental É um direito de força legal simplesmente O direito fundamental definese justamente pela indisponibilidade de seu conteúdo pelo legislador Na verdade se não há dúvida que todo e qualquer juiz pode desconsiderar a solução legal que está em desacordo com os direitos fundamentais não há qualquer razão para entender que o juiz não pode diante de caso concreto suprir a omissão legal que atenta contra estes mesmos direitos O problema que se apresenta nesta situação diz respeito à maneira como o juiz suprirá a providência decorrente da falta de lei As normas de direitos fundamentais não definem a forma o modo e a intensidade com que um particular deve ser protegido em relação ao outro Como base de tais deveres de proteção os direitos fundamentais regulam sem dúvida o se e com isso também o requisito de salvaguarda eficaz Eles entretanto nada dizem sobre o como A respeito disso ou quais providências devem ser tomadas para atender ao dever de proteção a Constituição não contém regulações ou só possui dis posições fragmentárias A decisão sobre como um dever de proteção deve ser cumprido é por isso assunto dos órgãos competentes em primeiro lugar do legislador O legislador detém espaço de discricionariedade para atuar em nome da tutela do direito fundamental não podendo apenas conferirlhe tutela excessiva ou insuficiente O juiz porém embora possa suprir a falta de tutela normativa goza de espaço bem mais restrito pois apenas pode determinar para a proteção reconhecida como devida ao direito fundamental a providência que se afigure indispensável a sua satisfação devendo esta ser a que cause a menor restrição possível à esfera jurídica da parte afetada Portanto o juiz para suprir a omissão inconstitucional em primeiro lugar deve analisar se há dever de tutela normativa a direito fundamental depois verificar se este dever não foi cumprido de outra maneira que não a pretendida pelo demandante por fim definido que há dever de tutela normativa e que o legislador não se desincumbiu legitimamente de nenhuma forma da sua obrigação deverá o juiz fixar para o caso concreto a providência que protegendo o direito fundamental constitua a de menor restrição à esfera jurídica do demandado Por outro lado a supressão da omissão da regra processual é ainda mais fácil de ser assimilada Considerandose a natureza instrumental da regra processual percebese sem dificuldade quando a sua ausência ou insuficiência impede a efetiva tutela do direito material Notese que a ausência de regra processual prevendo técnica processual idônea à tutela de uma situação de direito substancial viola o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva previsto no art 5º XXXV da CF Como o discurso processual relativo à aplicação da regra de processo recai sobre o discurso que evidencia as necessidades de direito material particularizadas no caso concreto basta concluir se o legislador processual deixou de editar regra imprescindível à tutela do direito material Em caso positivo há omissão inconstitucional ou falta de tutela normativa ao direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva 230 Percebase que se já está predeterminado qual é o direito a ser tutelado condição que é pressuposta pelo direito à efetividade da tutela jurisdicional e a discussão gira em torno apenas de qual o meio adequado para conferir efetividade a esse direito não há controvérsia ou dúvida sobre quem tem direito a quê não há problema interpretativo a ser solucionado ou situação jurídica a ser esclarecida Não há necessidade de se justificar a intervenção coercitiva do Estado na esfera jurídica do particular Isso já está feito A questão que persiste diz respeito unicamente ao modo dessa intervenção ao meio pelo qual o Estado deve agir para preservar o direito reclamado Nesse contexto a dúvida apenas se coloca quando existe mais de um meio apto a satisfazer o direito tutelado Não há aqui debate sobre meios mais e menos eficazes simplesmente porque um meio ou é plenamente eficaz e satisfaz o direito protegido ou não é plenamente eficaz e então não satisfaz o direito protegido Sendo necessário escolher entre diferentes meios aptos tendose em conta que nenhuma ação estatal pode ser arbitrária ainda mais quando acarreta um prejuízo ônus ou encargo a um particular é preciso haver critérios para tanto O critério aqui só pode ser o da menor lesividade Se existem duas formas possíveis pelas quais o Estado pode onerar um particular alcançando mediante todas elas o mesmo benefício obviamente a única forma não arbitrária de oneração entre estas é aquela que impõe o menor dano à esfera jurídica do particular 231 Como o direito fundamental à tutela efetiva incide sobre o próprio juiz seria completamente irracional dele retirar a possibilidade de dar utilidade à tarefa que lhe foi atribuída pela Constituição Bem por isso no caso de inexistência de técnica processual apta a permitir a satisfação do direito material cabe ao juiz adotar a providência que diante do caso concreto for idônea para tanto sempre limitado pela ideia de que a sua atuação corretiva deve ocorrer nos limites da regra da necessidade não podendo ser outra que não aquela que idônea à tutela do direito material traz a menor restrição à esfera jurídica da parte contrária 86 Inconstitucionalidade originária e inconstitucionalidade superveniente 861 Inconstitucionalidade superveniente ou revogação Consequências práticas É correto dizer que a lei é inconstitucional quando confronta com a Constituição vigente Porém se posteriormente à edição da lei surge novo texto constitucional é possível indagar se a lei foi revogada ou se a lei permanece constitucional cogitandose neste último caso de inconstitucionalidade superveniente Sustentar a existência de inconstitucionalidade superveniente pressupõe aceitar que a lei pode ter a sua validade aferida em face de Constituição posterior com base no princípio da supremacia da Constituição Por outro lado falar em revogação implica admitir que a superveniência de norma constitucional derroga a lei com ela incompatível circunscrevendose a questão ao âmbito do direito intertemporal Esta discussão tem consequências práticas relevantes Se o caso é de mera revogação restam de lado as formalidades peculiares ao juízo de inconstitucionalidade Qualquer Câmara ou Turma no âmbito de Tribunal pode declarar a revogação da norma Mas se a hipótese for de inconstitucionalidade a Câmara ou Turma terá de submeter a questão ao Plenário ou Órgão Especial do Tribunal para que este possa pronunciar a inconstitucionalidade E isto quando se chegar a um resultado de maioria absoluta de votos já que para a declaração de inconstitucionalidade exigese a maioria absoluta de votos dos membros do Plenário ou Órgão Especial Ademais aceitandose a hipótese como de simples revogação resta inviabilizada a ação direta de inconstitucionalidade A Constituição de 1988 nada disse a respeito do seu efeito sobre o direito pretérito O STF contudo já tratou inúmeras vezes da questão durante a vigência da atual Constituição Na ADIn 2 o STF por maioria de votos endossou a orientação que se formara sob o regime constitucional anterior declarando que a Constituição revoga o direito anterior que com ela é incompatível Nesta ocasião o Supremo Tribunal não admitiu a ação de inconstitucionalidade sob o fundamento de impossibilidade jurídica do pedido 232 A ementa do acórdão proferido nesta ação direta afirma que o vício da inconstitucionalidade é congênito à lei e há de ser apurado em face da Constituição vigente ao tempo de sua elaboração Lei anterior não pode ser inconstitucional em relação à Cons tituição superveniente nem o legislador poderia infringir Constituição futura A Constituição sobrevinda não torna inconstitucionais leis anteriores com ela conflitantes revogaas 233 O relator Min Paulo Brossard argumentou que norma anterior à Constituição pode não ser recepcionada mas não pode ser dita inconstitucional inconstitucional pode ser apenas a norma posterior à Constituição O legislador não pode se submeter a uma Constituição futura só por adivinhação poderia obedecêla O problema da norma anterior à Constituição seria de direito intertemporal não de direito constitucional De acordo com o seu voto não há como admitir ação direta de inconstitucionalidade para tratar de normas que podem estar revogadas mas não são inconstitucionais O pedido é juridicamente impossível A ação direta é para declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo não para declarar revogada tal ou qual lei por força de Constituição superveniente 234 O Min Sepúlveda Pertence divergindo da maioria não apenas ponderou que no caso nada impediria que se pensasse em inconstitucionalidade superveniente como advertiu para o mal que adviria do rigor na admissão da tese da revogabilidade qual seja a impossibilidade do uso da ação direta Reduzir o problema às dimensões da simples revogação da norma infraconstitucional pela norma constitucional posterior se é alvitre que tem por si a sedução da aparente simplicidade redunda em fecharlhe a via da ação direta E deixar em consequência que o deslinde das controvérsias suscitadas flutue durante anos ao sabor dos dissídios entre juízes e tribunais de todo o País até chegar se chegar à decisão da Alta Corte ao fim de longa caminhada pelas vias frequentemente tortuosas do sistema de recursos Perderão com tudo isso inevitavelmente não só a rapidez mas a uniformização dos resultados da tarefa jurisdicional de conformação do direito velho às novas diretrizes da Lei Fundamental com patente perda da efetividade desta e da segurança jurídica dos jurisdicionados Ao contrário se se entende que o conflito cogitado se traduz em inconstitucionalidade superveniente chamese embora de revogação à sua consequência jurídica abreselhe a via do controle abstrato hoje generosamente ampliada pela desconcentração da legitimidade ativa 235 É certo que o parâmetro para a aferição da inconstitucionalidade há de ser o texto constitucional existente à época da elaboração da norma contrastada O fato é que para se aferir a revogação do direito pretérito em face do novo texto constitucional é necessário um juízo semelhante àquele que se faz quando se está diante de lei editada posteriormente à Constituição Lembrese aliás que o Min Pertence no voto antes referido anotou que ainda que se tenha o caso como de revogação e não de inconstitucionalidade isto não exclui que se possa aí ter controle de constitucionalidade Na ADIn 3833 o STF embora afirmando que a alteração da Carta inviabiliza o contro le concentrado de constitucionalidade de norma editada quando em vigor a redação primitiva e assim não conhecendo por maioria da ação direta averbou o exaurimento da norma que fora questionada mediante a ação 236 O Min Gilmar Mendes em seu voto advertiu que a Corte deveria averbar ainda que em ação direta a caducidade ou a perda da força normativa da regra questionada tendo desta forma o Tribunal se pronunciado sobre a revogação do direito anterior em sede de controle abstrato de normas 237 De qualquer forma a Lei 98821999 que regulamenta o processo e o julgamento da arguição de descumprimento de preceito fundamental em seu art 1º parágrafo único I afirma caber arguição de descumprimento de preceito fundamental quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal estadual ou municipal incluídos os anteriores à Constituição Diante dessa norma a discussão perde muito de sua importância prática pois passa a ser possível levar diretamente ao STF a análise de norma em face de texto constitucional que lhe é posterior 238 862 Alteração dos fatos e modificação da concepção geral acerca do direito Perguntase porém se a alteração dos fatos pode tornar inconstitucional norma que em princípio apresentavase como constitucional A mutação da realidade ao se projetar sobre o texto normativo pode lhe dar outra fisionomia impondo nova interpretação e por consequência a desarmonia de determinadas normas infraconstitucionais diante da Constituição 239 Há neste sentido uma inconstitucionalização da lei derivada de um processo de mutação da realidade 240 Situação similar diz com a alteração da concepção geral do direito a conduzir a uma mutação da jurisprudência constitucional A alteração da compreensão do direito caracteriza uma nova concepção jurídica acerca de uma mesma situação fática De qualquer forma assim como a alteração dos fatos a modificação da concepção geral acerca do direito permite a revogação de precedente constitucional e assim também de precedente que considerava certa lei constitucional não importando se este gerou coisa julgada erga omnes Nas ações concretas a função da coisa julgada é dar segurança à parte permitindolhe usufruir da tutela jurisdicional que lhe foi outorgada sem medo que ela possa ser contestada ou usurpada Nas ações abstratas ao se decidir pela constitucionalidade nenhum direito ou vantagem é deferido diretamente a alguma parte O benefício da coisa julgada em tais ações teria relação com a estabilidade da ordem jurídica e com a previsibilidade Porém como os fatores que autorizam a revogação de um precedente militam em favor da própria oxigenação e do desenvolvimento da ordem jurídica a única restrição para a rediscussão de norma já declarada inconstitucional estaria no prejuízo que ela poderia trazer à previsibilidade Contudo a previsibilidade não só não é valor que pode se sobrepor à necessidade de desenvolvimento da jurisprudência da Corte como também naturalmente perde consistência diante de fatores que apontam para a provável e necessária revogação do precedente A estabilidade da ordem jurídica e a previsibilidade não podem constituir obstáculos à mutação da compreensão judicial da ordem jurídica Lembrese do que disse o Juiz Wheeler em Dwy v Connecticut Co A Corte que melhor serve ao direito é aquela que reconhece que as normas jurídicas criadas numa geração distante podem após longo tempo mostrarse insuficientes a outra geração é aquela que descarta a antiga decisão ao verificar que outra representa o que estaria de acordo com o juízo estabelecido e assente da sociedade e não concede qualquer privilégio à antiga norma por conta da confiança nela depositada Foi assim que os grandes autores que escreveram sobre o common law descobriram a fonte e o método do seu desenvolvimento e em seu desenvolvimento encontraram a saúde e a vitalidade de tal direito Ele não é nem deve ser estacionário A mudança desse atributo não deve ficar a cargo do Legislativo 241 Ademais o benefício trazido pela previsibilidade ao refletir sobre posição jurídica que se consolidou com base no precedente que se quer revogar deve ser garantido mediante a adoção de modulação adequada dos efeitos da decisão de inconstitucionalidade Existindo situações que se consolidaram sob a égide da decisão de constitucionalidade os efeitos da decisão de inconstitucionalidade não podem apanhálas devendo ser modulados em atenção à particularidade de a decisão estar declarando inconstitucional norma antes declarada constitucional Quando se compreende que as decisões do STF devem ser obrigatoriamente respeitadas pelos demais órgãos do Poder Judiciário a função da coisa julgada diante das decisões tomadas em controle abstrato perde utilidade Na verdade falar em coisa julgada neste caso é instituir falso problema para a incontestável necessidade de revogação de precedentes que uma vez perpetuados impediriam o adequado desenvolvimento da ordem constitucional 242 Ainda que a alteração da concepção geral do direito possa justificar a modificação da jurisprudência constitucional isso não permite ver a última como espécie de inconstitucionalidade superveniente Vale dizer que a nova concepção judicial acerca de uma questão constitucional mesmo que no sentido da inconstitucionalidade da norma infraconstitucional não constitui inconstitucionalidade superveniente Não é correto equiparar decisão de inconstitucionalidade revogadora de precedente com inconstitucionalidade superveniente O fenômeno da mutação jurisprudencial e da revogação dos precedentes se situa em local distinto ao daquele que é reservado ao processo de inconstitucionalização de norma 87 Inconstitucionalidade total e inconstitucionalidade parcial Uma lei pode ter um ou mais artigos inconstitucionais sendo constitucional em seu restante Do mesmo modo parte de um artigo pode ser inconstitucional e a outra constitucional Isso quer dizer que uma lei pode ter artigos constitucionais e artigos inconstitucionais assim como um artigo pode ter parte constitucional e parte inconstitucional 243 Não se deve confundir inconstitucionalidade parcial com inconstitucionalidade derivada de omissão parcial São situações nada semelhantes A inconstitucionalidade de ri vada de omissão parcial constitui defeito decorrente de inação do legislador que diante do seu dever de legislar para dar concretude à norma constitucional comete ilicitude fazendo aparecer a inconstitucionalidade A inconstitucionalidade parcial por sua vez significa que porção de uma lei ou de um artigo contém inconstitucionalidade constituindo portanto defeito da lei e assim da própria ação do legislador O STF diante de ação direta de inconstitucionalidade de um ou alguns dispositivos de uma lei ou de parcela de um dispositivo ao reconhecer a inconstitucionalidade declara a inconstitucionalidade parcial Problemática entretanto é a situação em que a supressão do dispositivo inconstitucional ou de parcela do artigo torna a lei ou o artigo sem sentido ou sem o seu sentido originário Nestes casos entende o STF que nada pode ser feito ainda que parte da lei ou do artigo seja claramente inconstitucional sob o argumento de que ao proclamar a inconstitucionalidade parcial estaria a criar outra lei assumindo a posição de legislador Conhecido é o precedente firmado na ADIn 896 de relatoria do Min Moreira Alves 244 Neste caso o Supremo Tribunal não conheceu da ação direta sob o fundamento de que não poderia declarar a inconstitucionalidade parcial pois se assim o fizesse suprimindo a parcela inconstitucional do dispositivo alteraria o seu sentido e alcance Eis o que proclamou a Corte Não só a Corte está restrita a examinar os dispositivos ou expressões deles cuja inconstitucionalidade for arguida mas também não pode ela declarar inconstitucionalidade parcial que mude o sentido e o alcance da norma impugnada quando isso ocorre a declaração de inconstitucionalidade tem de alcançar todo o dispositivo porquanto se assim não fosse a Corte se transformaria em legislador positivo uma vez que com a supressão da expressão atacada estaria modificando o sentido e o alcance da norma impugnada E o controle de constitucionalidade dos atos normativos pelo Poder Judiciário só lhe permite agir como legislador negativo Em consequência se uma das alternativas necessárias ao julgamento da presente ação direta de inconstitucionalidade a da procedência dessa ação não pode ser acolhida por esta Corte por não poder ela atuar como legislador positivo o pedido de declaração de inconstitucionalidade como posto não atende a uma das condições da ação direta que é a da sua possibilidade jurídica Ação direta de inconstitucionalidade que não se conhece por impossibilidade jurídica do pedido 245 Decidiuse na ADIn 1063 que não se revela lícito pretender em sede de controle normativo abstrato que o STF a partir da supressão seletiva de fragmentos do discurso normativo inscrito no ato estatal impugnado proceda à virtual criação de outra regra legal substancialmente divorciada do conteúdo material que lhe deu o próprio legislador 246 Na ADIn 2645 firmouse decisão no mesmo sentido I Ação direta de inconstitucionalidade da parte final do art 170 da Lei Estadual 1284TO de 17122001 Lei Orgânica do Tribunal de Contas do Estado Inadmissibilidade dado que em tese a inconstitucionalidade parcial arguida imporia a declaração de invalidade da lei em extensão maior do que a pedida II Ação direta de inconstitucionalidade parcial Incindibilidade do contexto do diploma legal Impossibilidade jurídica 1 Da declaração de inconstitucionalidade adstrita à regra de aproveitamento automático decorreria com a subsistência da parte inicial do art 170 a inversão do sentido inequívoco do pertinente conjunto normativo da Lei 12842001 Há disponibilidade dos ocupantes dos cargos extintos que a lei quis beneficiar com o aproveitamento automático e com essa disponibilidade a drástica consequência não pretendida pela lei benéfica de reduzirlhes a remuneração na razão do tempo de serviço público imposta por força do novo teor ditado pela EC 191998 ao art 41 3º da Constituição da República 2 Essa inversão do sentido inequívoco da lei de modo a fazêla prejudicial àqueles que só pretendeu beneficiar subverte a função que o poder concentrado de controle abstrato de constitucionalidade de normas outorga ao Supremo Tribunal 247 Cumpre ressaltar que a referida EC 191998 teve o seu art 31 recentemente alterado pela EC 982017 no que tange à inclusão em quadro em extinção da Administração Pública federal de servidores públicos dos exTerritórios ou dos Estados do Amapá ou de Roraima 88 Inconstitucionalidade direta e inconstitucionalidade indireta Existe inconstitucionalidade indireta também dita reflexa quando o ato viola em primeiro lugar a norma a que está subordinada e apenas indireta ou reflexamente a Constituição É o que ocorre em outras palavras quando o ato antes de negar a Constituição desrespeita a lei De outra parte quando para se chegar à conclusão de afronta à Constituição não é preciso passar pelo questionamento da compatibilidade do ato impugnado com norma infraconstitucional há inconstitucionalidade direta também chamada de frontal Existe na última hipótese contradição imediata que prescinde de mediação entre a lei e a Constituição A resolução e o regulamento constituem exemplos de atos normativos secundários que não criam direitos os quais assim devem corresponder à lei Bem por isso caso não estejam de acordo com a lei a que devem respeito antes de abrirem ensejo ao controle de constitucionalidade instauram conflito de legalidade Como consequência prática inviabilizam a ação direta de inconstitucionalidade e mesmo o controle difuso de constitucionalidade Na ADIn 996 o STF apreciou o ponto estabelecendo que se a interpretação administrativa da lei que vier a consubstanciarse em decreto executivo divergir do sentido e do conteúdo da norma legal que o ato secundário pretendeu regulamentar quer porque tenha este se projetado ultra legem quer porque tenha permanecido citra legem quer ainda porque tenha investido contra legem a questão caracterizará sempre típica crise de legalidade e não de inconstitucionalidade a inviabilizar em consequência a utilização do mecanismo processual da fiscalização normativa abstrata O eventual extravasamento pelo ato regulamentar dos limites a que materialmente deve estar adstrito poderá configurar insubordinação executiva aos comandos da lei Mesmo que a partir desse vício jurídico se possa vislumbrar num desdobramento ulterior uma potencial violação da Carta Magna ainda assim estarseá em face de uma situação de inconstitucionalidade reflexa ou oblíqua cuja apreciação não se revela possível em sede jurisdicional concentrada 248 Na ADIn 2862 cogitouse acerca de atos normativos que facultaram aos Juizados Especiais Criminais do Estado de São Paulo conhecer de atos circunstanciados lavrados por policiais militares nos termos do art 69 da Lei 90991995 Lei dos Juizados Especiais Estaduais chegandose à conclusão de que sendo o caso de atos normativos secundários estaria inviabilizada a ação direta de inconstitucionalidade Eis a ementa firmada na ocasião Ação direta de inconstitucionalidade Atos normativos estaduais que atribuem à polícia militar a possibilidade de elaborar termos circunstanciados Provimento 7582001 consolidado pelo Provimento 8062003 do Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo e Resolução SSP 4032001 prorrogada pelas Resoluções SSP 5172002 1772003 1962003 2642003 e 2922003 da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo Atos normativos secundários Ação não conhecida 1 Os atos normativos impugnados são secundários e prestamse a interpretar a norma contida no art 69 da Lei 90991995 inconstitucionalidade indireta 2 Jurisprudência do STF pacífica quanto à impossibilidade de se conhecer de ação direta de inconstitucionalidade contra ato normativo secundário Precedentes 3 Ação direta de inconstitucionalidade não conhecida 249 A ideia de inconstitucionalidade indireta ou reflexa também é importante quando se está diante do recurso extraordinário Esse recurso pressupõe afirmação de inconstitucionalidade direta ou frontal Inúmeras normas da lei processual regulam garantias constitucionais do processo especialmente o modo e a intensidade da participação das partes de forma que o juiz é costumeiramente chamado a decidir sobre elas Quando isso acontece está em jogo a interpretação de lei federal embora da adequada aplicação da norma possa depender por exemplo a efetividade do direito fundamental ao contraditório Entretanto se a decisão tratou da interpretação da lei processual não há como afirmar que ela violou diretamente a norma constitucional que garante tal direito É por isso que o STF entende que as alegações de afronta aos princípios do devido processo legal da ampla defesa e do contraditório dos limites da coisa julgada e da prestação jurisdicional se dependentes de reexame de normas infraconstitucionais podem configurar apenas ofensa indireta ou reflexa à Constituição da República 250 à lei que indispensável para a solução do litígio não for compatível com a Constituição 252 Surge com a aceitação deste raciocínio o controle incidental de constitucionalidade que originariamente também foi corretamente visto como controle difuso uma vez que o poder de realizar o controle de constitucionalidade de forma incidental isto é no curso de processo destinado a resolver um litígio conferiu este poder a todos os juízes e tribunais 810 A decisão no controle incidental No processo que é instaurado para permitir a solução de conflito de interesses a questão de constitucionalidade seja arguida pela parte terceiro Ministério Público ou ainda aferida de ofício pelo juiz é apreciada de forma incidental como prejudicial à solução do litígio entre as partes A decisão da questão de constitucionalidade assim não é a decisão da questão principal ou mais exatamente do objeto litigioso do processo mas a decisão da questão cujo exame constitui premissa indispensável para a análise da questão principal ou do mérito sobre o qual litigam as partes do processo 811 A natureza prejudicial da questão de constitucionalidade Para chegar a uma conclusão resolvendo a lide o juiz pode ter necessidade de aplicar determinada norma Porém o juiz também pode depender da constitucionalidade de uma norma para proferir decisão de natureza processual A prejudicialidade da norma é relativa à decisão seja ela de natureza material ou processual ou tenha caráter final ou incidente e não apenas ao julgamento final do mérito O juiz pode proferir decisão de natureza material ou processual para encerrar o processo e também decisão de natureza material ou processual para proferir decisão incidente Lembrese que ao apreciar requerimento de tutela antecipada em que deva analisar o mérito mediante cognição sumária o juiz decide no curso do processo sobre o mérito Quando a decisão depender de prévia definição de dúvida constitucional a solução da questão constitucional é prejudicial à decisão É neste sentido que se diz que a prejudicialidade da questão de constitucionalidade é essencial para que se tenha controle incidental de constitucionalidade 812 Legitimados a arguir a questão constitucional no controle incidental As partes assim como aqueles que podem intervir no processo na qualidade de parte ou terceiro podem arguir a inconstitucionalidade da lei Do mesmo modo o Ministério Público enquanto parte ou fiscal da lei pode assim proceder É interessante ressaltar que a arguição de inconstitucionalidade de lei outrora vista como genuína arma de defesa e dessa forma como fundamento que apenas podia ser suscitado pelo réu atualmente representa argumento utilizado com frequência pelo autor particularmente contra o Poder Público Contribuiu para tanto o mandado de segurança diante de sua excepcional idoneidade à tutela de direitos violados ou ameaçados de violação pelo Poder Público São corriqueiros mandados de segurança em que se pede ordem para que a autoridade pública se abstenha de exigir tributo sob o argumento de que a lei que o prevê é inconstitucional De outro lado a percepção de situações substanciais carentes de tutela predominantemente de conteúdo não patrimonial obrigou a doutrina de direito processual civil a elaborar dogmaticamente técnicas e procedimentos processuais adequados à realidade e aos novos direitos o que contribuiu sobremaneira para a efetividade do direito de ação Lembrese assim que antes da instituição da técnica antecipatória no Código de Processo Civil de 1973 demonstrouse a possibilidade e a necessidade de o juiz conceder tutela antecipatória sob o manto protetor da tutela cautelar 253 A técnica antecipatória como se sabe democratizou o processo civil pois passou a poder ser utilizada diante de qualquer caso conflitivo concreto afastando o tratamento diferenciado que muitas vezes sem razão plausível era conferido pelos procedimentos especiais dotados de liminar bem como a neutralização e a igualização das diferentes situações de direito substancial em decorrência da imposição do uso do procedimento comum destituído de técnica antecipatória Por sua vez a ação inibitória imprescindível para evitar a prática a repetição ou a continuação de ilícito foi idealizada no plano doutrinário a partir de norma processual de caráter aberto art 461 CPC1973 que instituiu técnicas processuais idôneas à tutela específica do direito material 254 Com isso passou a existir a possibilidade de se obter tutela jurisdicional adequada contra o Poder Público nos casos em que faltava requisito para a utilização do mandado de segurança como a observância do prazo decadencial e especialmente a disponibilidade de direito líquido e certo traduzível como é sabido em afirmação de fato que comporta elucidação mediante prova documental A necessidade de prova diferente da documental como por exemplo a pericial ao obstaculizar o mandado de segurança deixava o jurisdicionado destituído de instrumento processual idôneo à tutela de seus direitos Mas a ação inibitória na verdade tornouse mais importante em face dos sujeitos privados uma vez que o mandado de segurança jamais pôde ser utilizado contra quem não ostentasse Poder Público o que deixava o particular sem qualquer forma de tutela jurisdicional idônea em face dos privados Diante dos privados portanto a ação inibitória e as técnicas processuais aptas a propiciar tutela específica do direito material supriram lacuna muito maior 255 Frisese que a tutela inibitória e a tutela de remoção do ilícito foram claramente reguladas no CPC de 2015 nos termos do seu art 497 parágrafo único 256 que evidenciou a possibilidade de tutela jurisdicional contra o ilícito independentemente da demonstração de dano culpa ou dolo 257 De outro vértice o desenvolvimento dos temas dos direitos transindividuais e dos chamados direitos de massa igualmente propiciou a criação de técnicas processuais idôneas à tutela jurisdicional A Lei da Ação Civil Pública Lei 73471985 e o Código de Defesa do Consumidor formaram sistema apto à tutela processual adequada dos direitos difusos coletivos e individuais homogêneos Isso para não falar no mandado de segurança coletivo instituído pela Constituição Federal em seu art 5º LXX cuja redação outorga legitimidade a esta via processual a partido político com representação no Congresso Nacional e a organização sindical entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano em defesa dos interesses de seus membros ou associados Os instrumentos processuais de proteção dos direitos difusos coletivos e individuais homogêneos abriram oportunidade ao alcance de tutela jurisdicional idônea e tornaram frequente a arguição de inconstitucionalidade de lei pelos legitimados à tutela desses direitos Neste contexto é certo teve decisiva importância a transformação do significado dos direitos fundamentais que de direitos de defesa 258 assumiram a função de direitos à prestação A possibilidade de se exigirem prestações sociais e de proteção incentivou o uso de ações individuais e de ações civis públicas em face do Poder Público Exemplos disso são a ação individual em que se postula fornecimento de remédio e a ação civil pública em que se pede suprimento de falta de materiais ou de funcionários públicos para a devida proteção do direito fundamental ao meio ambiente sob a alegação de que a lei está a violar direitos fundamentais Os novos modelos processuais instituídos a partir das necessidades de tutela do direito material e do direito fundamental à tutela jurisdicional 259 e a descoberta da possibilidade de se exigirem prestações estatais potencializaram a oportunidade de se arguir a inconstitucionalidade de lei ou mesmo de falta de lei como fundamento de ação proposta contra o Poder Público ou contra o privado 813 O controle de constitucionalidade de ofício O exercício do poder jurisdicional impõe a análise da lei aplicável ao caso concreto Ora se a tarefa do juiz consiste precipuamente na aplicação da lei diante dos fatos que lhe são expostos tendo ele por consequência o poder e o dever de controlar a constitucionalidade da lei na forma incidental não há racionalidade em limitar a sua atuação à arguição de inconstitucionalidade de parte terceiro ou mesmo do Ministério Público Seria certamente equivocado pensar que a inconstitucionalidade da lei quando não invocada pelos litigantes não mais importaria ao Judiciário Raciocínio desse porte conduziria à absurda conclusão de que a constitucionalidade da lei é questão das partes e não do poder incumbido de aplicála 260 O juiz e os tribunais têm poder de declarar a inconstitucionalidade da lei ainda que as partes ou o Ministério Público calem sobre a questão Basta que a constitucionalidade da lei constitua premissa a ser resolvida para a solução do litígio O juiz de 1º grau pode declarar a inconstitucionalidade da lei em qualquer fase do processo Pela mesma razão os Tribunais Estaduais e Regionais Federais em relação à matéria que lhes é submetida mediante recurso podem suscitar o incidente de inconstitucionalidade de ofício ainda que nada tenha sido dito pelo recorrente Do mesmo modo ainda que o juízo do STJ no recurso especial seja limitado e subordinado às hipóteses previstas no art 105 III 261 da CF não há como proibir a sua atuação de ofício quanto à inconstitucionalidade da lei Como declarou o STF no AgRg no AgIn 145589 não se contesta que no sistema difuso de controle de constitucionalidade o STJ a exemplo de todos os demais órgãos jurisdicionais de qualquer instância tenha o poder de declarar incidentemente a inconstitucionalidade da lei mesmo de ofício o que não é dado àquela Corte em recurso especial é rever a decisão da mesma questão constitucional do tribunal inferior se o faz de duas uma ou usurpa a competência do STF se interposto paralelamente o extraordinário ou caso contrário ressuscita matéria preclusa 262 O STJ não pode tratar da questão constitucional decidida pelo Tribunal Estadual ou Regional Federal Porém ao conhecer do recurso especial para tratar da lei federal pode se deparar com questão de inconstitucionalidade ainda não ventilada pelas partes mas de cuja solução dependa o julgamento do especial Neste caso o STJ não estará conhecendo questão que tendo sido discutida no Tribunal Estadual ou Regional Federal ficou reservada ao STF O exercício da competência reservada ao STJ obviamente não exclui a possibilidade de a Corte se ver diante de inconstitucionalidade até então não arguida pelas partes prejudicial à solução do recurso especial Situação análoga ocorre no STF pois também se afirma que esta Suprema Corte não pode declarar a inconstitucionalidade de lei quando não previamente arguida e decidida Raciocinase mais uma vez a partir da necessidade do chamado prequestionamento para a admissibilidade do recurso O STF já disse que na instância extraordinária é de ser recebida com temperamentos a máxima de que no sistema de controle incidente o juiz de qualquer grau deve declarar de ofício a inconstitucionalidade de lei aplicável ao caso assim quando nem a decisão objeto do recurso extraordinário nem o recorrente hajam questionado a validade em face da Constituição da lei aplicada mas se hajam limitado a discutir a sua interpretação e consequente aplicabilidade ou não ao caso concreto a limitação do juízo do recurso extraordinário de um lado ao âmbito das questões constitucionais enfrentadas pelo acórdão recorrido e de outro à fundamentação do recurso impede a declaração de ofício de inconstitucionalidade da lei aplicada jamais arguida pelas partes nem cogitada pela decisão impugnada 263 Contudo é necessário perceber que o tema da impossibilidade de o STF conhecer de recurso extraordinário na ausência de prequestionamento é autônomo em relação ao da possibilidade de a Corte declarar a inconstitucionalidade de ofício Melhor explicando o STF ao conhecer o recurso extraordinário e apreciar a questão constitucional pode eventualmente se deparar com norma inconstitucional prejudicial ao julgamento do recurso De modo que o próprio prequestionamento ao abrir oportunidade para o Supremo Tribunal tratar da questão constitucional não exclui a possibilidade de a Corte reconhecer a inconstitucionalidade de lei ainda que esta jamais tenha sido arguida pelas partes ou discutida perante os tribunais que anteriormente trataram da causa Não é correto estabelecer a equação prequestionamento desnecessidade de atuação de ofício nem a de falta de prequestionamento de específica inconstitucionalidade impossibilidade de atuação de ofício Correta é a equação prequestionamento da questão constitucional possibilidade de declaração de ofício de específica inconstitucionalidade de lei prejudicial ao julgamento do recurso Não teria sentido excluir da Corte incumbida de tutelar a Constituição o poder conferido a todo e qualquer juiz Isso foi admitido pelo STF em recurso extraordinário que reconheceu ofensa em tese à garantia de paridade entre a remuneração dos aposentados e dos servidores em atividade à época prevista no art 40 4º da CF quando se observou que o direito à revisão afirmado pelos aposentados no caso concreto pressupunha a constitucionalidade da norma que instituíra a vantagem cuja extensão se buscava declarandose a norma de ofício inconstitucional Especificamente em relação ao tema da possibilidade de a Corte reconhecer de ofício inconstitucionalidade de norma antes não arguida e discutida assim declarou o Supremo Controle de constitucionalidade Possibilidade de declaração de ofício no julgamento do mérito de recurso extraordinário da inconstitucionalidade de ato normativo que o Tribunal teria de aplicar para decidir a causa posto não prequestionada a sua invalidez 1 A incidência do art 40 4º redação original da CF pressupõe a validade da lei instituidora da vantagem para os servidores em atividade que em razão da regra constitucional de paridade se teria de aplicar por extensão aos inativos 2 Em hipóteses que tais até ao STJ na instância do recurso especial seria dado declarar incidentemente e de ofício a inconstitucionalidade da lei ordinária que se válida teria de aplicar seria paradoxal que em situação similar não o pudesse fazer o Supremo Tribunal guarda da Constituição porque não prequestionada a sua invalidade 264 Lembrese contudo que embora a inconstitucionalidade possa ser reconhecida de ofício há de se dar oportunidade às partes para debater a questão de constitucionalidade exercendo o direito de influir sobre o convencimento da Corte corolário do direito fundamental ao contraditório Embora o direito de influir seja extraível da Constituição Federal está presente no Código de Processo Civil de 2015 em seu art 10 que afirma que o juiz não pode decidir em grau algum de jurisdição com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício 814 Da inexistência de preclusão É evidente que por tudo isso não há como pensar em preclusão em relação à inconstitucionalidade da lei A questão de inconstitucionalidade pode ser alegada pelas partes em qualquer momento do processo ou em qualquer tribunal inclusive por ocasião do recurso especial e do recurso extraordinário durante o processamento do especial quando a norma alegada inconstitucional é prejudicial ao enfretamento da questão que envolve a lei federal no extraordinário também pelo recorrente ou recorrido quando a norma que se reputa inconstitucional é prejudicial ao julgamento do recurso 815 Declaração incidental de inconstitucionalidade nos Tribunais Estaduais e Regionais Federais e no STJ 8151 A exigência de quorum qualificado nos Tribunais Encaminhamento e decisão da questão constitucional De acordo com o art 97 da CF somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público A norma consagra a cláusula da reserva do plenário que por sua vez espelha o princípio da presunção de constitucionalidade das leis Ou seja a lei para ser declarada inconstitucional no tribunal exige um quorum qualificado Os órgãos fracionários dos Tribunais como por exemplo Turmas não podem reconhecer a inconstitucionalidade da lei antes de esta ser declarada inconstitucional pela maioria absoluta do Tribunal ou de seu Órgão Especial 265 Porém se a inconstitucionalidade da norma é arguida por uma das partes sem que já tenha sido objeto de análise pelo Plenário ou pelo Órgão Especial o órgão fracionário não é obrigado a submeter a arguição ao Órgão Especial ou ao Plenário já que pode entendêla constitucional O órgão fracionário realiza juízo acerca da questão constitucional mas não tem poder para decidila porém apenas para encaminhála ao órgão dotado de tal poder O poder de encaminhar a questão requer juízo com ela compatível que assim não se confunde com o juízo apto a permitir a decisão de inconstitucionalidade de competência do Órgão Especial ou do Plenário Em outras palavras ao órgão fracionário é necessária percepção de estado de dúvida constitucional a legitimar a intervenção do órgão capaz de decidir a questão de constitucionalidade Este estado de dúvida deve ser objetivo fundado devendo ser adequadamente explicitado pelo órgão fracionário 8152 A Súmula Vinculante 10 A Súmula Vinculante 10 aprovada na sessão plenária do STF de 18062008 afirma que viola a cláusula de reserva de plenário CF art 97 a decisão de órgão fracionário de Tribunal que embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público afasta sua incidência no todo ou em parte A Súmula Vinculante 10 poderia ser vista como mera sobreposição à norma do art 97 da CF que submete a declaração de inconstitucionalidade à reserva de plenário Porém na prática dos tribunais eram frequentes antes da edição desta súmula decisões que deixavam de aplicar ato normativo reputandoo inconstitucional sem afirmálo expressamente A Súmula Vinculante 10 evita o escamoteamento da declaração de inconstitucionalidade ou melhor o afastamento ou a mera não aplicação de lei sem que essa seja dita expressamente inconstitucional Desejase inibir o órgão fracionário ainda que consciente da sua falta de competência para decidir a questão constitucional de imediatamente julgar o recurso sem sobrestálo e enviar a questão constitucional à decisão do Plenário ou Órgão Especial Assim impedese a violação da norma constitucional art 97 da CF que exige para a declaração de inconstitucionalidade o voto da maioria absoluta dos membros do tribunal ou de seu Órgão Especial 266 No AgRg no AgIn 472897 de relatoria do Min Celso de Mello a 2ª Turma do STF declarou que equivale à própria declaração de inconstitucionalidade a decisão de Tribunal que sem proclamála explícita e formalmente deixa de aplicar afastandolhe a incidência determinado ato estatal subjacente à controvérsia jurídica para resolvêla sob alegação de conflito com critérios resultantes do texto constitucional 267 Portanto a Súmula 10 antes de meramente reafirmar a reserva de plenário para a declaração de inconstitucionalidade adverte para a necessidade de o órgão fracionário estar atento à sua falta de poder para tratar da inconstitucionalidade da lei 268 8153 Interpretação conforme e declaração parcial de nulidade sem redução de texto Exclusividade do Pleno ou Órgão Especial De outro lado nos casos de interpretação conforme à Constituição 269 e de declaração parcial de nulidade sem redução de texto 270 a necessidade de observar a cláusula de reserva de plenário não é tão clara Existe semelhança entre as técnicas da interpretação conforme e da declaração parcial de nulidade sem redução de texto O STF chegou a equiparálas 271 De qualquer forma a Lei 98681999 art 28 parágrafo único fez referência a ambas sustentando a sua autonomia A interpretação conforme à Constituição não constitui método de interpretação mas técnica de controle de constitucionalidade Constitui técnica que impede a declaração de inconstitucionalidade da norma mediante a afirmação de que esta tem um sentido ou uma interpretação conforme à Constituição Por outro lado há casos em que uma norma pode ser utilizada em face de situações diversas uma em que se apresenta inconstitucional e outra constitucional Quando se impugna a aplicação da norma em determinada situação o Tribunal ainda que reconhecendo a inconstitucionalidade da aplicação nesta situação pode admitir a sua aplicação em outras situações Nestes casos há declaração parcial de nulidade sem redução de texto A nulidade bem vistas as coisas é da aplicação da norma na situação proposta Em caso de interpretação conforme reconhecese a inconstitucionalidade da interpretação suscitada mas se afirma que a norma pode ser interpretada de forma constitucional Na declaração de nulidade parcial sem redução de texto não se cogita da interpretação da norma reconhecese a inconstitucionalidade da norma na situação alegada admitindose a sua aplicabilidade em outras situações Assim o que diferencia tais técnicas é a circunstância de que a interpretação conforme exclui a interpretação proposta e impõe outra conforme à Constituição enquanto a declaração parcial de nulidade revela a ilegitimidade da aplicação da norma na situação proposta ressalvando a sua aplicabilidade em outras Ou melhor a distinção está em que em um caso discutese o âmbito de interpretação e no outro o âmbito de aplicação No primeiro exclui se a possibilidade de interpretação fixandose a interpretação conforme com a Constituição No segundo não se discute sequer acerca da interpretação da norma A questão diz respeito ao âmbito de sua aplicação Negase a aplicação da norma em determinado local ressalvandoa para outros Ao assim proceder o Tribunal atua de forma fundamentada e clara Não se equipara ao órgão fracionário que reconhece implicitamente a inconstitucionalidade da lei mas deixa de afirmála inconstitucional Bem por isso a competência para tanto é do Pleno ou do Órgão Especial 8154 Não cabimento do incidente de inconstitucionalidade O órgão fracionário só deve remeter a questão ao Pleno ou Órgão Especial quando houver necessidade de controle de constitucionalidade Assim se para a solução do recurso não é necessária a declaração de inconstitucionalidade nem a interpretação conforme ou a declaração parcial de nulidade sem redução de texto descabe o incidente de inconstitucionalidade Sublinhese que a interpretação conforme e a declaração parcial de nulidade sem redução de texto embora não declarem a inconstitucionalidade da lei constituem técnicas de controle de constitucionalidade 272 Portanto os mesmos motivos que excluem a possibilidade de o órgão fracionário declarar a inconstitucionalidade de lei o impedem de empregar tais técnicas de controle de constitucionalidade A interpretação conforme e a declaração parcial de nulidade estão reservadas ao Plenário ou ao Órgão Especial 273 8155 Questão constitucional já decidida pelo STF Quando o STF já decidiu a questão constitucional dispensase o seu envio ao Plenário ou Órgão Especial Melhor dizendo os órgãos fracionários e os Tribunais estão obrigados perante os precedentes constitucionais Estão proibidos de apreciar a questão já definida pelo STF não importando se este decidiu pela inconstitucionalidade ou pela constitucionalidade 274 A 2ª Turma do STF proclamou em junho de 1995 que versando a controvérsia sobre ato normativo já declarado inconstitucional pelo guardião maior da Carta Política da República o STF descabe o deslocamento previsto no art 97 do referido Diploma maior O julgamento de plano pelo órgão fracionado homenageia não só a racionalidade como também implica interpretação teleológica do art 97 em comento evitando a burocratização dos atos judiciais no que nefasta ao princípio da economia e da celeridade A razão de ser do preceito está na necessidade de evitarse que órgãos fracionados apreciem pela vez primeira a pecha de inconstitucionalidade arguida em relação a um certo ato normativo 275 De acordo com o parágrafo único do art 949 do CPC de 2015 os órgãos fracionários dos tribunais não submeterão ao plenário ou ao órgão especial a arguição de inconstitucionalidade quando já houver pronunciamento destes ou do plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a questão Essa regra reafirmando o que já estava contido no art 481 do CPC de 1973 nos moldes da Lei 97561998 deixa clara a eficácia obrigatória dos precedentes firmados em Plenário pelo STF Como é óbvio a regra não só dispensou o órgão fracionário de submeter a arguição de inconstitucionalidade ao Plenário ou ao Órgão Especial mas obrigouo a adotar o precedente constitucional As Turmas e Câmaras restaram obrigadas a aplicar os precedentes fixados pelo Supremo Tribunal em controle difuso tanto no sentido da inconstitucionalidade quanto no da constitucionalidade 8156 Questão constitucional já decidida pelo Plenário ou Órgão Especial Uma vez decidida a questão constitucional pelo Plenário ou Órgão Especial os órgãos fracionários ficam obrigados perante a decisão tomada pelo órgão qualificado O parágrafo único do art 949 do CPC de 2015 é expresso no sentido de que os órgãos fracionários não ficam obrigados apenas diante de precedente do STF mas também de decisão do Plenário ou Órgão Especial do Tribunal Não é apenas o órgão fracionário que submeteu a questão de constitucionalidade ao quorum qualificado que fica vinculado à decisão Todas as Câmaras ou Turmas ficam obrigadas perante a decisão tomada pelo Plenário ou pelo Órgão Especial Assim uma vez decidida a questão constitucional no Tribunal as Câmaras ou Turmas não mais podem submeter a arguição de inconstitucionalidade ao Plenário ou ao Órgão Especial Até porque estes estão proibidos de voltar a tratar da questão constitucional sem que presentes os requisitos hábeis a justificar a revogação de precedentes como a transformação dos valores sociais ou da concepção geral do direito ou ainda erro manifesto Aliás é improvável que a decisão do Tribunal sem ter chegado à análise do STF possa estar sujeita a tais condições 276 Advirtase que a alteração da composição do órgão julgador não é suficiente para a revogação do precedente 277 Da mesma forma os fundamentos que foram levantados quando do julgamento não podem simplesmente voltar a ser discutidos O rejulgamento é viável apenas quando se tem consciência de que a manutenção do precedente constitui a eternização de um erro ou de uma injustiça seja porque há equívoco grosseiro na decisão seja porque a evolução da sociedade e do direito está a mostrar que a decisão primitiva não mais pode prevalecer 278 Frisese que todos os juízos inclusive os de 1º grau subordinados ao Tribunal de Justiça ou Regional Federal ficam vinculados à decisão tomada pelo Plenário ou pelo Órgão Especial Ademais o julgamento monocrático pelo relator e o julgamento liminar de ação idêntica devem se pautar obviamente que na ausência de precedente de tribunal superior pelas decisões tomadas em incidente de inconstitucionalidade nos Tribunais de Justiça e Regionais Federais 8157 Declaração de inconstitucionalidade no STJ Numa análise cegamente apegada à função do STJ de tutelar a unidade do direito federal uniformizando a sua interpretação seria possível argumentar que este tribunal superior não pode controlar a constitucionalidade das leis Ocorre que se a razão de ser do STJ não é tutelar a força normativa da Constituição mas guardar a coerência da interpretação da legislação infraconstitucional isso não quer dizer evidentemente que o STJ não tenha poder para realizar o controle incidental de constitucionalidade como todo e qualquer juiz e tribunal do País O fato de o recurso especial se fundar na necessidade de definição da interpretação da lei federal não quer dizer que o STJ não possa como antecedente lógico à análise do direito federal aferir a constitucionalidade da lei em discussão O recurso especial fundandose no art 105 III da CF 279 obviamente não elimina a possibilidade e a necessidade de o STJ controlar a constitucionalidade da norma federal questionada O que não é possível ao STJ é conhecer de questão constitucional decidida pelo Tribunal de Justiça ou pelo Tribunal Regional Federal Quando o Tribunal de Justiça ou o Tribunal Regional Federal decide com base em fundamento constitucional e ao mesmo tempo com lastro em fundamento infraconstitucional que abre ensejo a recurso especial a admissibilidade do último não dá ao STJ poder para analisar a questão constitucional Num caso como este o acórdão do tribunal de origem desafia recurso especial e recurso extraordinário de modo que o interessado em discutir a questão constitucional deve desde logo interpor recurso extraordinário ao STF Ou melhor por estarem presentes dois fundamentos um de ordem infraconstitucional e outro de natureza constitucional a parte vencida deve interpor simultaneamente recurso especial e recurso extraordinário Se assim não fizer interpondo apenas recurso especial a discussão da questão constitucional restará preclusa e o recurso especial não poderá ser admitido pela circunstância de o acórdão recorrido se apoiar em fundamento bastante para sustentálo É que diante do fundamento constitucional não impugnado de nada adiantaria ter razão no recurso especial Aplicase a Súmula 126 do STJ verbis É inadmissível recurso especial quando o acórdão recorrido assenta em fundamentos constitucional e infraconstitucional qualquer deles suficiente por si só para mantêlo e a parte vencida não manifesta recurso extraordinário 280 Segundo o art 1031 do CPC de 2015 na hipótese de interposição conjunta de recurso extraordinário e recurso especial os autos serão remetidos ao STJ Porém de acordo com o 2º do art 1031 caso o relator do recurso especial considere o recurso extraordinário prejudicial deverá remeter mediante decisão irrecorrível os autos ao STF O STJ não pode tratar de questão constitucional decidida por Tribunal de Justiça ou por Tribunal Regional Federal já que isto é da incumbência do STF Porém ao depararse com questão constitucional até então não tratada mas prejudicial à solução do recurso especial deve analisála cabendo à Turma preliminarmente após acolher arguição de inconstitucionalidade remeter os autos à definição da Corte Especial já que igualmente no STJ como acontece em outros tribunais a decisão de inconstitucionalidade depende da maioria absoluta dos membros do Órgão Especial 281 Há interessante situação quando a parte alega no tribunal de origem fundamentos infraconstitucional e constitucional e o Tribunal de Justiça ou o Tribunal Regional Federal rejeita o fundamento constitucional e acata o fundamento infraconstitucional Nesta hipótese vencedora a parte restalhe inviável interpor recurso extraordinário Contudo o recurso especial interposto pela parte adversa pode ser provido entendendose por exemplo que a norma federal fora violada A perplexidade surge não apenas quando se percebe que a questão constitucional apesar de decidida pelo tribunal de origem não pôde ser impugnada mediante recurso mas especialmente quando se constata que a questão constitucional independentemente da vontade da parte pode ter a sua discussão obstaculizada perante o STF Seria possível argumentar que o vencedor na origem deveria na resposta ao recurso especial não apenas evidenciar que a norma federal não foi violada mas também deduzir a sua inconstitucionalidade e que o STJ seria obrigado ao julgar o recurso especial reconhecendo a violação da norma federal a apreciar a sua constitucionalidade ou ainda que a Turma ao reconhecer razão para a discussão da alegada questão constitucional preliminarmente deveria enviar o incidente de inconstitucionalidade para a Corte Especial definila Diante da outra solução de admitir recurso extraordinário em face do acórdão do STJ que reconheceu a violação da norma alguém poderia dizer que se estaria admitindo recurso extraordinário em face de acórdão que não decidiu a questão constitucional e que além disso seria usurpado o poder de o STJ realizar o controle incidental de constitucionalidade Bem vistas as coisas o ponto reside na circunstância de que a parte que não interpôs recurso extraordinário quando não tinha interesse de agir para tanto não pode ser impedida de discutir a questão de constitucionalidade quando isso se tornar necessário para obter resultado favorável diante do caso concreto Porém há de se ter em conta que uma vez decidida a questão constitucional na origem não cabe ao STJ julgála mas sim ao STF Bem por isso a ideia de que o vencedor na origem deve na resposta ao recurso especial deduzir a inconstitucionalidade da norma que o recorrente pretende ver aplicada não tem procedência Traz alguma dificuldade admitir recurso extraordinário diante de decisão do STJ que reconheceu a violação de norma federal mas nada disse sobre a sua constitucionalidade Porém se a parte não tem interesse de agir diante da decisão proferida na origem este resta suspenso mas obviamente não desaparece É necessário perceber que nestes casos o interesse de agir no recurso extraordinário fica em estado de paralisia durante o julgamento do recurso especial podendo aparecer com toda intensidade com a decisão do STJ O que realmente importa é que o prequestionamento da questão constitucional capaz de abrir oportunidade ao conhecimento do recurso extraordinário foi realizado no momento oportuno perante o tribunal de origem 8158 Procedimento do incidente de inconstitucionalidade nos Tribunais 81581 Procedimento prévio perante o órgão fracionário Se o recorrente ou o recorrido argumenta com a inconstitucionalidade da lei ou ato normativo de cuja legitimidade depende a solução a ser dada ao recurso cabe ao relator depois de ouvir o Ministério Público submeter a questão à turma ou à câmara de que faz parte e que é competente para julgar o recurso art 948 do CPC2015 Para o relator proceder dessa forma não é preciso que um dos recorrentes peça expressamente a instauração do incidente de inconstitucionalidade com a remessa ao Pleno ou Órgão Especial Se um dos recorrentes em sua argumentação sustenta uma conclusão que para ser atingida necessariamente depende de se ter a norma como inconstitucional o relator não apenas pode porém deve atuar de ofício dispensando requerimento no sentido de que a lei seja reconhecida inconstitucional pela maioria qualificada do órgão competente do tribunal Assim o relator de ofício convoca o Ministério Público para se manifestar submetendo a questão logo depois ao órgão fracionário de que participa Quando uma das partes pede expressamente a remessa da questão ao Pleno ou Órgão Especial o relator deve necessariamente considerar o tema em seu relatório submetendo o à análise dos seus pares Não pode deixar de propor a discussão da questão por ocasião do julgamento do recurso ainda que entenda não existir questão constitucional da qual depende a definição do recurso Quando os membros do órgão fracionário se reúnem para apreciar a questão o recurso já deve ter sido analisado pelo relator que em verdade apresentará a questão como preliminar ao eventual julgamento imediato do recurso Melhor explicando quando o relator identifica a questão constitucional tenha ou não uma das partes requerido o seu envio ao Pleno ou Órgão Especial ou mesmo na hipótese em que o relator não a identifica mas um dos litigantes expressamente requer a apreciação da questão pelo órgão competente do Tribunal o relator deve expor a questão e suscitar a sua discussão entre os membros do órgão fracionário como preliminar Os membros do órgão fracionário devem decidir se a norma é prejudicial à solução do recurso se é necessário o controle de constitucionalidade e se a norma em questão é inconstitucional Embora o órgão fracionário analise a questão de constitucionalidade ele assim o faz num juízo prévio necessário apenas para o encaminhamento da questão ao Plenário ou ao Órgão Especial Vencida a preliminar entendendose que não existe questão constitucional da qual depende o julgamento que a questão constitucional já foi resolvida pelo próprio Pleno ou pelo Órgão Especial ou ainda pelo STF ou simplesmente que a norma é constitucional a discussão deve avançar rumo à análise do recurso Em outro caso concluindo o órgão fracionário por unanimidade ou por maioria que existe questão constitucional a ser apreciada pelo Pleno ou Órgão Especial deverá ser lavrado acórdão relativo a esta decisão submetendose então a questão ao Plenário do Tribunal ou ao seu órgão Especial Com a decisão de envio da questão ao Pleno ou Órgão Especial suspendese o julgamento do recurso perante o órgão fracionário A decisão que admite o incidente de inconstitucionalidade é irrecorrível Por sua vez a decisão que não admite o incidente será recorrível se o recurso for julgado de forma desfavorável à parte que requereu a instauração do incidente A parte terá oportunidade de recorrer contra o acórdão único que contemplará conjuntamente a não admissibilidade da remessa da questão de constitucionalidade e o julgamento do recurso 81582 Procedimento perante o Pleno ou o Órgão Especial Remetida cópia do acórdão da câmara ou turma a todos os membros do Pleno ou do Órgão Especial o presidente do tribunal designará a sessão de julgamento art 950 do CPC2015 As partes litigantes no órgão fracionário têm direito de manifestação perante o Pleno ou o Órgão Especial inclusive de sustentação oral na sessão de julgamento A pluralidade da sociedade e a otimização da democracia mediante o incentivo à participação redundam na ampla possibilidade de manifestação no incidente de constitucionalidade São admitidos ao debate a pessoa jurídica de direito público responsável pela edição do ato questionado o Ministério Público os legitimados à propositura de ação direta de inconstitucionalidade e de ação declaratória de constitucionalidade perante o STF referidos no art 103 da CF 282 e considerada a relevância da matéria todos aqueles órgãos ou entidades representativos de setores sociais potencialmente atingidos pela decisão a ser tomada amicus curiae art 950 do CPC2015 Esta ampla margem deferida à participação constitui eco da ideia de construção de uma sociedade aberta dos intérpretes da Constituição O Pleno ou o Órgão Especial apenas podem tratar da questão de constitucionalidade estando proibidos de decidir sobre questões a ela paralelas postas no recurso a ser julgado pelo órgão fracionário Isso não quer dizer é claro que o julgamento da questão de constitucionalidade não constitua controle concreto de constitucionalidade ou seja controle de constitucionalidade influenciado pelas particularidades do caso concreto a ser decidido Ocorre o mesmo que sucede no sistema italiano em que a Corte Constitucional aprecia a questão de constitucionalidade a partir de arguição feita pelo juiz ordinário em cujas mãos está o caso concreto debatido pelas partes Em sistemas como este embora existam dois juízos autônomos um que suscita a questão de constitucionalidade que é prejudicial ao julgamento que está encarregado de fazer e outro que analisa somente a questão constitucional o caso concreto que dá origem à arguição da questão certamente exerce influência sobre o julgamento da questão constitucional A decisão de inconstitucionalidade somente pode ser tomada pela maioria absoluta do Plenário ou do Órgão Especial conforme exige o art 97 da CF Não basta assim o voto da maioria dos magistrados presentes na sessão de julgamento Como a questão de constitucionalidade não pode ser entregue às composições eventuais do Plenário ou do Órgão Especial exigese maioria absoluta ou seja a maioria dos votos dos membros do Plenário ou do Órgão Especial De modo que o julgamento não termina enquanto houver a possibilidade de ser alcançada a maioria absoluta mediante os votos dos membros ausentes Expliquese melhor se por exemplo existem onze votos pela inconstitucionalidade e nove contrários ao final da sessão em que estão presentes vinte dos vinte e cinco desembargadores que dão composição ao Órgão Especial o julgamento ainda não está finalizado e a decisão ainda não foi tomada É necessário suspender o julgamento à espera dos votos dos faltantes Assim se na próxima sessão comparecerem os desembargadores que não votaram bastarão apenas mais dois votos para se chegar a treze votos maioria absoluta e dessa forma a uma decisão de inconstitucionalidade É claro que se ao final da sessão treze desembargadores tivessem votado pela inconstitucionalidade ou pela constitucionalidade a decisão teria de ter sido proclamada Nessa linha o art 199 3º do RISTJ preceitua que se não for alcançada a maioria absoluta necessária à declaração de inconstitucionalidade estando ausentes Ministros em número que possa influir no julgamento este será suspenso a fim de aguardar se o comparecimento dos Ministros ausentes até que se atinja o quorum não atingido desta forma o quorum será convocado Ministro não integrante da Corte observada a ordem de antiguidade art 162 3º A decisão a respeito da constitucionalidade ou da inconstitucionalidade é irrecorrível salvo por embargos de declaração Diz expressamente a Súmula 513 do STF que a decisão que enseja a interposição de recurso ordinário ou extraordinário não é a do plenário que resolve o incidente de inconstitucionalidade mas a do órgão Câmaras Grupos ou Turmas que completa o julgamento do feito Uma vez decidida a questão constitucional o julgamento do recurso deve ser retomado no órgão fracionário Este obviamente deve julgar a partir da decisão fixada pelo Órgão Especial ou Plenário pois é obrigado a observála 816 Recurso extraordinário 8161 Recurso extraordinário De acordo com o art 102 III da CF compete ao STF julgar mediante recurso extraordinário as causas decididas em única ou última instância quando a decisão recorrida a contrariar dispositivo desta Constituição b declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal c julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição d julgar válida lei local contestada em face de lei federal Esta norma deixa bem claro que a decisão acerca de questão constitucional proferida na forma incidental em processo destinado ao exame de caso conflitivo concreto assim como a decisão proferida em ação direta de inconstitucionalidade de competência de Tribunal de Justiça podem chegar ao STF mediante o sistema recursal ou melhor mediante o recurso extraordinário No recurso extraordinário não é possível discutir matéria de fato ou pretender nova valoração da prova Diz a Súmula 279 do STF Para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário Portanto vale discutir em sede de recurso extraordinário apenas a conformidade da aplicação do direito aos fatos e não se os fatos foram ou não evidenciados Por outro lado ao contrário do recurso especial art 105 III da CF que para a sua admissibilidade requer que a decisão recorrida seja de tribunal o recurso extraordinário é cabível de decisão proferida em única ou última instância art 102 III da CF Isso quer dizer que determinadas situações cuja análise jamais poderá ser feita por segunda instância recursal caracterizada como tribunal embora não abram ensejo a recurso especial podem chegar ao STF mediante recurso extraordinário É o que se dá por exemplo no procedimento dos Juizados Especiais que embora aceite recurso inominado a um colegiado de juízes de primeiro grau não admite que a decisão do juiz singular seja questionada perante tribunal Diante da decisão proferida pelo colegiado recursal dos Juizados Especiais não cabe recurso especial mas se admite recurso extraordinário Tratase de algo que em vista de sua importância prática foi sumulado tanto pelo STF quanto pelo STJ Diz a Súmula 640 do STF É cabível recurso extraordinário contra decisão proferida por juiz de primeiro grau nas causas de alçada ou por turma recursal de juizado especial cível e criminal Por outro lado afirma a Súmula 203 do STJ Não cabe recurso especial contra decisão proferida por órgão de segundo grau dos Juizados Especiais A admissibilidade do recurso extraordinário é subordinada ao chamado esgotamento de instância Ou seja o recurso extraordinário apenas é cabível quando não existe outro recurso para impugnar a decisão perante o tribunal 283 Exigese ainda para o conhecimento do recurso extraordinário o chamado prequestionamento Ou seja a questão constitucional objeto do extraordinário já deve ter sido decidida De acordo com a Súmula 282 do STF é inadmissível o recurso extraordinário quando não ventilada na decisão recorrida a questão federal suscitada Este requisito tem base no art 102 III da CF que exige que a causa para ensejar recurso extraordinário tenha sido decidida em grau inferior O STF exige que a questão para ser considerada prequestionada tenha sido expressamente abordada pela decisão recorrida embora dispense que a norma afirmada violada tenha sido citada 284 Admitese a utilização dos embargos de declaração para o fim de provocar a manifestação do órgão jurisdicional a respeito da questão constitucional controvertida Assim se o tribunal ou juízo não se manifesta expressamente sobre a questão constitucional incumbe ao interessado na interposição do recurso extraordinário valerse dos embargos de declaração para provocálo a decidir o tema Segundo a Súmula 356 do STF o ponto omisso da decisão sobre o qual não foram opostos embargos declaratórios não pode ser objeto de recurso extraordinário por faltar o requisito do prequestionamento É importante voltar a ressaltar neste momento a lógica da impugnação das decisões finais dos Tribunais de Justiça e Regionais Federais Essas decisões podem ser questionadas mediante recurso especial art 105 III da CF e recurso extraordinário art 102 III da CF conforme se pretenda discutir interpretação de lei federal e questão constitucional Para que isso seja possível o tribunal ordinário deve ter apreciado a questão federal e a questão constitucional o que revela a necessidade de prequestionamento Assim quando o tribunal rejeita o pedido com base em fundamento de direito federal infraconstitucional e ainda com base em fundamento constitucional o vencido deve necessariamente interpor desde logo recurso especial e recurso extraordinário não podendo interpor apenas recurso especial para apenas depois do julgamento do STJ interpor o recurso extraordinário A necessária simultaneidade dos recursos especial e extraordinário é corolário de a decisão estar apoiada em dois fundamentos de ordem infraconstitucional e de natureza constitucional De modo que se for interposto apenas recurso especial a questão constitucional não mais poderá ser discutida e o recurso especial não será conhecido pela simples razão de que independentemente da sorte do especial o fundamento constitucional inatacado estará dando sustentação à decisão Daí a Súmula 126 do STJ com a seguinte dicção É inadmissível recurso especial quando o acórdão recorrido assenta em fundamentos constitucional e infraconstitucional qualquer deles suficiente por si só para mantêlo e a parte vencida não manifesta recurso extraordinário Isso não quer dizer que não caiba recurso extraordinário em face de decisão proferida pelo STJ Se a questão constitucional foi decidida pela primeira vez nesta Corte Suprema não tendo sido decidida por Tribunal de Justiça ou por Tribunal Regional Federal é certo o cabimento do recurso extraordinário Basta pensar em caso em que se alega no recurso especial violação de lei federal até então não arguida como inconstitucional no processo Arguindose a inconstitucionalidade diante do STJ caberá à Turma uma vez aprovada a arguição encaminhar os autos para decisão da Corte Especial O mesmo ocorre no caso em que o tribunal de origem entende não caber cogitar sobre a aplicação da lei arguida como inconstitucional deixando assim de se pronunciar sobre a sua constitucionalidade Se o STJ conhece do recurso especial entendendo ser a lei aplicável ao caso poderá decidir por intermédio de sua Corte Especial sobre a sua constitucionalidade O STJ deverá decidir questão constitucional toda vez que a constitucionalidade da norma logicamente subordinar o julgamento do especial Nestes casos caberá a interposição de recurso extraordinário contra a decisão do STJ Notese que o STJ nos exemplos lembrados acima julga questão constitucional não decidida pelo tribunal de origem Porém há situação em que invocada a questão constitucional perante Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal não terá a parte interesse de agir em interpor recurso extraordinário por ter alcançado êxito em virtude de questão infraconstitucional O que acontecerá contudo em caso de provimento do recurso especial Sobreleva o interesse de agir antes escondido em levar ao STF a questão constitucional levantada perante o tribunal de origem Surge assim oportunidade para a interposição do extraordinário em face da decisão do STJ 8162 Repercussão geral A EC 452004 acrescentou parágrafo 3º ao art 102 da CF nestes termos No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso nos termos da lei a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso somente podendo recusálo pela manifestação de dois terços de seus membros A norma instituiu a repercussão geral da questão constitucional discutida no caso como requisito de admissibilidade do recurso extraordinário outorgando ao mesmo tempo poder para o STF recusála por dois terços dos seus membros Em poucas palavras atribuiuse ao STF o poder de selecionar os casos que deve julgar A outorga de poder de seleção dos casos a examinar assim como a definição dos requisitos e condições em que se deve reconhecer este poder às Cortes Supremas aparece aqui e ali como assunto de permanente preocupação política revelandose atualmente como point fondamental para a organização do perfil das Cortes Supremas 285 Os países inseridos na tradição romano canônica embora tradicionalmente hostis à ideia 286 não escaparam e não escapam a esse relevante debate No Brasil antes da instituição da repercussão geral como requisito de admissibilidade do recurso extraordinário EC 452004 art 102 3º da CF experimentouse o requisito da arguição de relevância da questão afirmada para o seu conhecimento em sede extraordinária art 119 III a e d cc parágrafo único da CF1967 alterada pela EC 11969 cc arts 325 I a XI e 327 1º do RISTF com a redação dada pela Emenda Regimental 21985 Não obstante tenham a função de filtragem recursal 287 a arguição de relevância e a repercussão geral não se confundem Enquanto a arguição de relevância funcionava como um instituto que visava a possibilitar o conhecimento deste ou daquele recurso extraordinário a priori incabível funcionando como um instituto com característica central inclusiva 288 a repercussão geral visa a excluir do conhecimento do STF controvérsias que assim não se caracterizem 289 Os próprios conceitos de repercussão geral e arguição de relevância não se confundem Enquanto este está focado fundamentalmente no conceito de relevância 290 aquele exige para além da relevância da controvérsia constitucional a transcendência da questão debatida Quanto ao formalismo processual os institutos também não guardam maiores semelhanças a arguição de relevância era apreciada em sessão secreta dispensando fundamentação a análise da repercussão geral ao contrário tem de ser examinada em sessão pública com julgamento motivado art 93 IX da CF Embora possa soar evidente é importante destacar que o juízo de admissibilidade dos recursos não se confunde com o seu juízo de mérito 291 neste examinase o motivo da irresignação da parte naquele aferese a possibilidade de conhecer esse descontentamento Os requisitos que viabilizam a admissibilidade dos recursos são questões prévias ao conhecimento do mérito recursal sendo consideradas notadamente questões preliminares Vencido esse exame prévio a decisão recorrida vai substituída pela decisão proferida pelo Tribunal encarregado de julgar o recurso Os pressupostos de admissibilidade recursal reputamse intrínsecos quando concernem à existência ou não do poder de recorrer São considerados extrínsecos ao contrário quando atinem ao modo de exercer esse poder No primeiro grupo entram o cabimento o interesse recursal a legitimidade para recorrer e a inexistência de fato extintivo do direito de recorrer Acrescese a esse rol em caso de recurso extraordinário ou recurso especial o enfrentamento da questão constitucional ou federal na decisão recorrida No segundo a regularidade formal da peça recursal a tempestividade o preparo e a inexistência de fato impeditivo do direito de recorrer O art 1035 do CPC de 2015 diz que o Supremo Tribunal Federal em decisão irrecorrível não conhecerá do recurso extraordinário quando a questão constitucional nele versada não tiver repercussão geral Tratase de requisito intrínseco de admissibilidade recursal não havendo repercussão geral não existe poder de recorrer ao STF Sendo uma questão prévia preliminar tem o STF de examinála antes de adentrar na análise do mérito do recurso 292 O recurso extraordinário independentemente da matéria nele versada tem de apresentar repercussão geral sob pena de não conhecimento pelo STF 293 A fim de caracterizar a existência de repercussão geral e assim viabilizar o conhecimento do recurso extraordinário o legislador alçou mão de uma fórmula que conjuga relevância e transcendência repercussão geral relevância transcendência A questão debatida tem de ser relevante do ponto de vista econômico político social ou jurídico além de transcender o interesse subjetivo das partes na causa Tem de contribuir em outras palavras para a persecução da unidade do direito no Estado Constitucional brasileiro compatibilizando eou desenvolvendo soluções de problemas de ordem constitucional Presente o binômio caracterizada está a repercussão geral da controvérsia De acordo com o art 1035 1º do CPC de 2015 para efeito de repercussão geral será considerada a existência ou não de questões relevantes do ponto de vista econômico político social ou jurídico que ultrapassem os interesses subjetivos do processo Ressai de pronto na redação do dispositivo a utilização de conceitos jurídicos indeterminados o que aponta imediatamente para a caracterização da relevância e transcendência da questão debatida como algo a ser aquilatado em concreto nesse ou a partir desse ou daquele caso apresentado ao STF 294 Convém lembrar que os conceitos jurídicos indeterminados são compostos de um núcleo conceitual certeza do que é ou não é e por um halo conceitual dúvida do que pode ser 295 No que concerne especificamente à repercussão geral a dúvida inerente à caracterização desse halo de modo nenhum pode ser dissipada partindose tão somente de determinado ponto de vista individual não há em outras palavras discricionariedade no preenchimento desse conceito Há de se empreender um esforço de objetivação valorativa nessa tarefa 296 E uma vez caracterizadas a relevância e a transcendência da controvérsia o STF encontrase obrigado a conhecer do recurso extraordinário Não há aí espaço para livre apreciação e escolha entre duas alternativas igualmente atendíveis 297 Não há de se cogitar aí igualmente de discricionariedade no recebimento do recurso extraordinário Configurada a repercussão geral tem o Supremo de admitir o recurso e apreciálo no mérito 298 O fato de se estar diante de conceito jurídico indeterminado que carece de valoração objetiva no seu preenchimento e não de conceito que implique poder discricionário para aquele que se encontra encarregado de julgar pode permitir ademais um controle social pelas partes e demais interessados da atividade do STF mediante cotejo de casos já decididos pela própria Corte A partir de uma paulatina e natural formação de catálogo de casos pelos julgamentos do STF permitese o controle em face da própria atividade jurisdicional da Corte objetivandose cada vez mais o manejo dos conceitos de relevância e transcendência ínsitos à ideia de repercussão geral Impende notar a propósito que a própria Constituição da República apresenta uma estruturação analítica que não é lícito ao intérprete descurar no preenchimento desses conceitos vagos empregados pelo legislador infraconstitucional Evidentemente não é por acaso que o recurso extraordinário tem o seu conhecimento subordinado à alegação de questões relevantes do ponto de vista econômico político social e jurídico a própria Constituição arrola matérias por ela mesma tratada sob Títulos que trazem exclusivamente ou não explicitamente ou não epígrafes coincidentes com aqueles conceitos que autorizam o conhecimento do recurso extraordinário A Constituição trata da ordem econômica em seu Título VII Da ordem econômica e financeira 299 arts 170 a 192 no Título VIII na sequência cuida da ordem social Da ordem social arts 193 a 232 nos Títulos III e IV empresta sua atenção à organização do Estado e dos Poderes arts 18 a 135 disciplinando a vida política brasileira No Título II e no Título VI Capítulo I arts 5º a 17 e arts 145 a 162 finalmente disciplina os direitos e garantias individuais e o sistema constitucional tributário cujas normas constituem em grande parte direitos fundamentais De se notar que a disciplina aí posta é obviamente fundamental para a realização do programa constitucional brasileiro Em outras palavras as questões aí tratadas são relevantes para a República Federativa do Brasil Relevantes igualmente para efeitos de demonstração da repercussão geral no recurso extraordinário Percebase ainda que a relevância da questão debatida tem de ser aquilatada do ponto de vista econômico social político ou jurídico Não se tire daí como é evidente a exigência de que a controvérsia seja importante sob todos esses ângulos de análise basta que reste caracterizada a relevância do problema debatido em uma dessas perspectivas Impõese que a questão debatida além de se caracterizar como de relevante importe econômico social político ou jurídico ultrapasse o âmbito de interesse das partes Vale dizer tem de ser transcendente Também aqui o legislador infraconstitucional alça mão de linguagem propositadamente vaga consentindo ao STF a aferição da transcendência da questão debatida a partir do caso concreto Observese que eventuais questões envolvendo a reta observância ou a frontal violação de direitos fundamentais materiais ou processuais tendo em conta a dimensão objetiva que sói lhes reconhecer apresentam a princípio transcendência Constituindo os direitos fundamentais objetivamente considerados uma tábua mínima de valores de determinada sociedade em dado contexto histórico cujo respeito interessa a todos natural que se reconheça a transcendência de questões envolvendo por exemplo afirmações concernentes a violações ou ameaças de violações das limitações ao poder constitucional de tributar ou aos direitos fundamentais inerentes ao processo justo ao nosso devido processo legal processual O art 1035 3º do CPC de 2015 afirma que independentemente da demonstração da relevância econômica social política ou jurídica para além das partes da questão debatida haverá repercussão geral sempre que o recurso atacar decisão que i contrarie súmula ou jurisprudência dominante do STF ou ii tenha reconhecido a inconstitucionalidade de tratado ou de lei federal nos termos do art 97 da CF o inciso II deste dispositivo foi devidamente revogado pela Lei 13256 de 2016 Na primeira hipótese abrese oportunidade à afirmação do entendimento do STF na medida em que nenhum tribunal ou juiz pode contrariálo Embora se fale inadvertidamente em súmula e jurisprudência dominante hipóteses que não fazem parte da realidade e da lógica de uma Corte de Precedentes a norma deve ser compreendida em termos de reforço da eficácia obrigatória dos precedentes Note se contudo que uma decisão que nega precedente do STF não contém os elementos da repercussão geral A repercussão geral é condição para a discussão da questão constitucional pela Corte Suprema e não requisito para a reafirmação de um precedente seu Observese que a repercussão geral é motivo para a Corte Suprema discutir e decidir a questão constitucional Bem vistas as coisas há repercussão geral no caso em que em face do recurso extraordinário constatase que o precedente está desgastado e assim deve ser rediscutido para eventualmente ser revogado Na hipótese inversa em que o precedente não se revela enfraquecido basta a refutação do recurso extraordinário mediante decisão monocrática O inciso II do 3º do art 1035 do CPC revogado pela Lei 13256 de 2016 previa a existência de repercussão geral em julgamento de casos repetitivos Era evidente porém que já não então seria necessário relacionar esta circunstância com os demais requisitos para a configuração da repercussão geral A não ser assim a simples existência de casos múltiplos constituiria repercussão geral Ora não há como supor que a análise de casos de massa possa estar contida na função de desenvolvimento do direito constitucional É por essa razão que foi apropriada a revogação operada pelo legislador No caso de decisão de inconstitucionalidade de tratado ou de lei federal a função do STF de definir a inconstitucionalidade do direito federal faz brotar a necessidade da sua intervenção para dar a última palavra sobre a constitucionalidade da norma 8163 A imprescindibilidade de os precedentes da Suprema Corte obrigarem os juízos inferiores no sistema em que todo e qualquer juiz tem poder para controlar a constitucionalidade O judicial review antes de afirmar o poder do Judiciário de controlar a atividade do Legislativo fundouse na supremacia da Constituição sobre as leis na ideia de que a lei que nega a Constituição é nula e mais precisamente na constatação de que o Judiciário é o intérprete final da Constituição e assim por lhe caber pronunciar o sentido da lei também é dele o poder de dizer se a lei é contrária à Carta Magna 300 A partir da premissa de que o juiz para decidir os casos conflitivos deve analisar a relação da lei com a Constituição entendeuse que o juiz americano poderia realizar incidentalmente o controle da constitucionalidade Assim o poder de afirmação de constitucionalidade e de inconstitucionalidade da lei nos Estados Unidos sempre esteve nas mãos do juiz do caso concreto É certo que a doutrina americana demorou para individualizar os precedentes constitucionais isto é os precedentes que tratam de questões constitucionais diante dos precedentes de common law e de interpretação legal 301 É provável que isso tenha ocorrido em virtude de a jurisdição constitucional representar algo absolutamente novo para os juristas das origens do sistema judicial americano Havia experiência com os precedentes de common law mas não com os precedentes constitucionais A doutrina precisou de tempo quase um século para desenvolver uma teoria capaz de esclarecer as relações entre as diferentes espécies de precedentes 302 Não obstante o stare decisis também se impôs diante dos precedentes constitucionais 303 Aliás não haveria sentido que em um sistema fundado no direito à igualdade das decisões na segurança jurídica e na previsibilidade das decisões judiciais 304 os precedentes constitucionais não fossem respeitados 305 É intuitivo que num sistema que ignora o precedente obrigatório não há racionalidade em dar a todo e qualquer juiz o poder de controlar a constitucionalidade da lei Como corretamente adverte Cappelletti a introdução no civil law do método americano de controle de constitucionalidade conduziria à consequência de que uma lei poderia não ser aplicada por alguns juízes e tribunais que a entendessem inconstitucional mas no mesmo instante e época ser aplicada por outros juízes e tribunais que a julgassem constitucional Ademais diz o professor italiano nada impediria que o juiz que aplicasse determinada lei não a considerasse no dia seguinte ou viceversa ou ainda que se formassem verdadeiras facções jurisprudenciais nos diferentes graus de jurisdição simplesmente por uma visão distinta dos órgãos jurisdicionais inferiores em geral compostos de juízes mais jovens e assim mais propensos a ver uma lei como inconstitucional exatamente como aconteceu na Itália no período entre 1948 e 1956 Demonstra Cappelletti que dessa situação poderia advir grave situação de incerteza jurídica e de conflito entre órgãos do Judiciário 306 Além dessas obviedades não há como esquecer a falta de racionalidade em obrigar alguém a propor uma ação para se livrar dos efeitos de uma lei que em inúmeras oportunidades já foi afirmada inconstitucional pelo Judiciário 307 Notese que o sistema que admite decisões contrastantes estimula a litigiosidade e incentiva a propositura de ações pouco importando se o interesse da parte é a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade da lei Ou seja a ausência de previsibilidade como consequência da falta de vinculação aos precedentes conspira contra a racionalidade da distribuição da justiça e contra a efetividade da jurisdição Que dizer então do sistema brasileiro em que se misturam o controle incidental de competência de todo e qualquer juiz e o controle principal atribuído ao STF Nos países que não admitem o stare decisis a saída racional para o controle da constitucionalidade apenas pode estar no controle concentrado adotandose o modelo de decisão única com eficácia erga omnes ou mais corretamente com eficácia geral obrigatória ou vinculante No direito brasileiro os precedentes constitucionais inevitavelmente têm natureza obrigatória Frisese que o sistema de súmulas como única e indispensável forma para a vinculação dos juízes é contraditório com o fundamento que justifica o respeito obrigatório aos precedentes constitucionais O que impõe o respeito aos precedentes é a igualdade e a segurança jurídica De modo que um precedente firmado pelo STF não pode deixar de vincular os demais tribunais e juízes Não há razão lógica para exigir decisões reiteradas a menos que se suponha que o STF não se importa com a força de cada uma das suas decisões e não possui responsabilidade perante os casos futuros A não obrigatoriedade dos precedentes é incompatível com um sistema estruturado sob o controle difuso da constitucionalidade que necessariamente deve contar com uma Corte Suprema para garantir a força normativa da Constituição Ademais decisão tomada por maioria do Pleno do STF ainda que não de dois terços seguramente constitui decisão que não pode deixar de se impor a ele próprio Notese que a circunstância de uma Suprema Corte poder revogar os seus próprios precedentes nada tem a ver com o fato de o precedente ser oriundo de caso que se repetiu ou de a decisão ter sido tomada por maioria simples ou por maioria qualificada O que pode justificar a revogação de um precedente por exemplo é a mutação da realidade social que a Corte considerou ao decidir 308 A compreensão da necessidade de cada uma das decisões do STF obrigar a própria Corte e os demais tribunais advém da premência de se dar sentido à função da mais alta Corte brasileira diante do sistema de controle de constitucionalidade Não há racionalidade em entender que apenas algumas das suas decisões tomadas no controle difuso merecem ser respeitadas como se o jurisdicionado não devesse confiar em tais decisões antes de serem sumuladas Ora isso seria o mesmo que concluir que a segurança jurídica e a igualdade dependeriam das súmulas e por consequência que o próprio Poder Judiciário diante do sistema ao qual é submetido poderia se eximir de responder aos seus deveres e aos direitos fundamentais do cidadão perante a justiça Em acórdão paradigmático relatado pelo Min Sepúlveda Pertence entendeu a 1ª Turma do STF que a decisão declaratória da inconstitucionalidade de norma posto que incidente elide a presunção de sua constitucionalidade a partir daí podem os órgãos parciais dos outros tribunais acolhêla para fundar as decisões de casos concretos ulteriores prescindindo de submeter a questão de constitucionalidade ao seu próprio plenário 309 Lembrese que esse entendimento do STF evidenciando a tendência de enxergar eficácia vinculante nas decisões tomadas em recurso extraordinário deu origem à norma do art 481 do CPC1973 repetida no art 949 do CPC2015 Na Rcl 2986 afirmouse que o STF em recentes julgamentos vem dando mostras de que o papel do recurso extraordinário na jurisdição constitucional está em processo de redefinição de modo a conferir maior efetividade às decisões No RE 376852 decidiuse que esse novo modelo legal traduz sem dúvida um avanço na concepção vetusta que caracteriza o recurso extraordinário entre nós Tratase de orientação que os modernos sistemas de Corte Constitucional vêm conferindo ao recurso de amparo e ao recurso constitucional Essa orientação há muito se mostra dominante também no direito americano 310 Notese que o STF afirma textualmente que a atribuição de efeito vinculante à decisão tomada em controle difuso é dominante há muito também no direito americano 311 Porém é preciso esclarecer que o direito estadunidense acolheu esta ideia em virtude de adotar o sistema de controle difuso da constitucionalidade associado ao stare decisis ou à eficácia obrigatória dos precedentes enquanto o sistema alemão embora tenha chegado a resultado prático semelhante 312 assim se posicionou por dar ao juiz ordinário que se depara com lei que reputa inconstitucional o poderdever de submeter a questão ao Tribunal Constitucional cuja decisão tem eficácia erga omnes O fato de o juiz ordinário ter o poderdever de controlar a constitucionalidade obviamente não significa que ele não deve respeito às decisões do STF Este respeito decorre logicamente da adoção do sistema de controle difuso e da atribuição ao Supremo do dever de dar a última e definitiva palavra acerca da constitucionalidade da lei federal Quando se tem claro que a decisão é um mero produto do sistema judicial tornase pouco mais do que absurdo admitir a possibilidade de o juiz ordinário contrariar as decisões do STF Registrese que a eficácia vinculante derivada das decisões em controle incidental fundase unicamente na força peculiar dessas decisões oriunda do local privilegiado em que o Supremo está localizado no sistema brasileiro de distribuição de justiça Assim a eficácia vinculante das decisões do Supremo nada tem a ver com comunicação ao Senado certamente ilógica e desnecessária para tal fim A comunicação é feita apenas para permitir ao Senado em concordando com o STF suspender a execução do ato normativo A não concordância daquele em nada interfere sobre a eficácia vinculante da decisão deste Tratase de planos distintos Depois do controle incidental e da produção de efeito vinculante a lei declarada inconstitucional pode continuar a existir ainda que em estado latente Lembrese de que nos Estados Unidos existem casos em que a Suprema Corte ressuscita a lei que estava apenas on the books ou que mais precisamente era vista como dead law exatamente por já ter sido declarada inconstitucional De qualquer forma há de se responder à pergunta que não poderia deixar de ser feita a respeito da compatibilidade entre a súmula vinculante e a decisão com eficácia vinculante Melhor dizendo é preciso esclarecer a razão para se ter um procedimento específico para a criação da súmula vinculante diante da eficácia de igual teor das decisões proferidas pelo STF em sede de controle difuso O procedimento para criação da súmula esconde não apenas uma questão não percebida pela doutrina brasileira mas antes de tudo uma temática nunca estudada pela doutrina de civil law Com efeito essa tradição sempre se preocupou com a interpretação da lei porém nunca dedicou atenção à compreensão e à interpretação dos precedentes Ao se pensar em decisão com eficácia vinculante surge naturalmente a curiosidade de se saber o que diante do precedente realmente vincula assim como quem tem autoridade para identificar a porção do precedente hábil a produzir o efeito vinculante Isso se torna fundamental quando o precedente não é claro ou há dificuldade em identificar a tese que efetivamente foi proclamada pelo tribunal para a solução da questão constitucional A ratio decidendi nem sempre é imediata e facilmente extraível de um precedente e em outras situações pode exigir a consideração de várias decisões para poder ser precisada Nessas hipóteses é imprescindível uma decisão que sobrepondose às decisões já tomadas a respeito do caso individualize a ratio decidendi até então obscura e indecifrável Foi para tais situações que o constituinte derivado estabeleceu no art 103A da CF o procedimento para a criação de súmula com efeito vinculante Quando a ratio decidendi ressai de forma cristalina da decisão a súmula é absolutamente desnecessária Mas quando existem decisões de natureza complexa e obscura devese editar súmula para restar precisada a ratio decidendi 313 Não obstante decidese muitas vezes pela edição de súmula vinculante para não pairar dúvida acerca da eficácia vinculante que deflui de ratio decidendi claramente delineada em recurso extraordinário Bem vistas as coisas a súmula vinculante não seria necessária em hipótese alguma mas porque não há pleno consenso de que as decisões tomadas em recurso extraordinário têm eficácia vinculante encaminhase a questão para a edição de súmula vinculante para não sobrar dúvida acerca da obrigação de respeito à ratio decidendi elaborada no recurso extraordinário 8164 Os precedentes obrigatórios e a importância da fundamentação das decisões Na concepção tradicional do direito processual civil de civil law a fundamentação é relacionada com a necessidade de o juiz apresentar as razões que lhe permitiram chegar à conclusão isto é à decisão Em vista da sua própria estrutura a decisão tem de ter as suas razões ou os seus fundamentos Sustentase que a fundamentação permite ao vencido entender os motivos de seu insucesso e se for o caso de interpor recurso apresentar suas razões adequadamente demonstrando os equívocos da decisão Nesta mesma linha a fundamentação também possibilita ao tribunal entender os motivos que levaram o juiz de primeiro grau a decidir Em suma é induvidoso que não basta o juiz estar convencido cabelhe demonstrar as razões de seu convencimento Isso permite o controle da atividade do juiz pelas partes ou por qualquer um do povo já que a sentença deve ser o resultado de raciocínio lógico que assenta no relatório na fundamentação e no dispositivo Nessa perspectiva concluise ainda que a fundamentação é essencial à legitimação da decisão 314 Não é por outra razão aliás que constitui dever do juiz e garantia constitucional do jurisdicionado nos termos do art 93 IX da CF No entanto como os precedentes não fazem parte da tradição de civil law no sistema jurídico brasileiro não se pensa na fundamentação como material que pode revelar uma ratio decidendi Exatamente por isso enquanto a fundamentação no common law importa diretamente a todos os jurisdicionados dandolhes previsibilidade e garantia de sucesso na adoção de determinado comportamento além de outorgar estabilidade e coerência à ordem jurídica e real possibilidade de a jurisdição tratar casos similares da mesma forma no civil law a fundamentação tem importância muito mais restrita Ela interessa quase que exclusivamente às partes e muito mais em termos retóricos para dar legitimidade ao poder desempenhado pelos juízes A técnica da eficácia vinculante da fundamentação se funda na ideia de que na decisão não só o dispositivo mas também os fundamentos devem adquirir estabilidade devendo por isso ser realçados e externados com eficácia vinculante A eficácia vinculante da fundamentação indiscutivelmente essencial para o tribunal constitucional cumprir o seu papel é uma técnica jurídico processual que tem como premissa a importância de respeito aos precedentes e aos seus fundamentos 315 A extensão da eficácia vinculante aos fundamentos e não ao dispositivo revela claramente a intenção de dar eficácia obrigatória aos precedentes 316 De outra parte não há por que falar em precedente quando não se outorga valor aos seus fundamentos Assim a importância da eficácia obrigatória dos precedentes no direito contemporâneo sustenta a eficácia vinculante dos fundamentos Daí a proximidade entre os institutos da eficácia vinculante dos fundamentos e do stare decisis Em verdade o que afasta o instituto da eficácia vinculante dos fundamentos como posto na Alemanha do stare decisis não é a sua razão de ser ou seu objetivo mas a sua extensão subjetiva 317 O stare decisis se refere ao poder dos juízes ao passo que a eficácia vinculante dos fundamentos atinge na Alemanha todos os órgãos do Poder Público Notese entretanto que a extensão subjetiva da eficácia vinculante constitui opção técnica ainda que baseada em valores de Estado Nada impede que esta eficácia seja estendida ou limitada Enquanto na Alemanha e na Espanha a eficácia vinculante atinge todos os poderes públicos no Brasil são vinculados apenas os órgãos judiciários e as autoridades administrativas Ademais embora se possa dizer que norma art 103A caput da Constituição Federal brasileira exclui o STF da incidência da eficácia vinculante na Espanha há norma expressa art 13 da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional que diz que quando uma sala do tribunal constitucional considerar necessário se afastar em qualquer ponto da doutrina constitucional precedente firmada pelo tribunal a questão será submetida à decisão do Pleno 318 8165 Ratio decidendi e obiter dicta No common law a decisão vista como precedente interessa aos juízes a quem incumbe dar coerência à aplicação do direito e aos jurisdicionados que necessitam de segurança jurídica e previsibilidade para desenvolverem suas vidas e atividades O juiz e o jurisdicionado nessa dimensão têm necessidade de conhecer o significado dos precedentes Ora o melhor lugar para se buscar o significado de um precedente está na sua fundamentação ou seja nas razões pelas quais se decidiu de certa maneira ou nas razões que levaram à fixação do dispositivo É claro que a fundamentação para ser compreendida pode exigir menor ou maior atenção ao relatório e ao dispositivo Esses últimos não podem ser ignorados quando se procura o significado de um precedente O que se quer evidenciar contudo é que o significado de um precedente está essencialmente na sua fundamentação e que por isso não basta somente olhar à sua parte dispositiva A razão de decidir numa primeira perspectiva é a tese jurídica ou a interpretação da norma consagrada na decisão De modo que a razão de decidir certamente não se confunde com a fundamentação mas nela se encontra 319 Ademais a fundamentação não só pode conter várias teses jurídicas como também considerálas de modo diferenciado sem dar igual atenção a todas Além disso a decisão como é óbvio não possui em seu conteúdo apenas teses jurídicas mas igualmente abordagens periféricas irrelevantes não necessárias nem suficientes à decisão do caso 320 É preciso sublinhar que a ratio decidendi não tem correspondente no processo civil tradicionalmente adotado no Brasil pois não se confunde com a fundamentação e com o dispositivo A ratio decidendi no common law é extraída ou elaborada a partir dos elementos da decisão isto é da fundamentação do dispositivo e do relatório Assim quando relacionada aos chamados requisitos imprescindíveis da sentença ela certamente é algo mais E isso simplesmente porque na decisão do common law não se tem em foco somente a segurança jurídica das partes e assim não importa apenas a coisa julgada material mas também a segurança dos jurisdicionados em abstrato Se o dispositivo é acobertado pela coisa julgada que dá segurança à parte é a ratio decidendi que em face do stare decisis tem força obrigatória vinculando a magistratura e conferindo segurança aos jurisdicionados Não há como esquecer que a busca da definição de razões de decidir ou de ratio decidendi parte da necessidade de se evidenciar a porção do precedente que tem efeito vinculante obrigando os juízes a respeitálo nos julgamentos posteriores No common law há acordo em que a única parte do precedente que possui tal efeito é a ratio decidendi cujo conceito neste sistema sempre foi muito discutido Na verdade a dificuldade sempre esteve na sua identificação na decisão judicial Embora a doutrina do common law fale em interpretação de precedente e conhecido e importante livro até mesmo tenha o título de Interpreting precedents 321 é possível questionar se um precedente é realmente interpretado Pela ideia de interpretação do precedente não se busca revelar o conteúdo do seu texto mas identificar o significado das suas porções das quais se extraem determinados efeitos como o efeito vinculante ou obrigatório binding effect Portanto é claro que o ato de procurar o significado de um precedente ou de interpretar um precedente não se assemelha ao de interpretar a lei Quando se fala em interpretação de precedente a preocupação está centrada nos elementos que o caracterizam enquanto precedente especialmente na delimitação da sua ratio e não no conteúdo por ela expresso 322 Nessa perspectiva a tarefa da Corte é analisar a aplicação do precedente ao caso que está sob julgamento ocasião em que se vale basicamente da técnica do distinguishing 323 É por isso que essa Corte mais do que interpretar raciocina por analogia 324 Não há sinal de acordo no common law acerca de uma definição de ratio decidendi ou mesmo de um método capaz de permitir sua identificação 325 De outra parte a discussão acerca do significado de obiter dictum é absolutamente atrelada ao de ratio decidendi 326 sendo igualmente antiga 327 intensa e difícil Obiter dictum é o ponto irrelevante para a solução do caso surgido de observação feita de passagem sem amadurecimento no curso do desenvolvimento da sentença ou da discussão dos membros do órgão judicial 328 Tratase de ponto não necessário nem suficiente para se chegar à decisão 329 Não é difícil perceber a razão pela qual o common law sempre se preocupou em distinguir ratio decidendi de obiter dictum Tal distinção se deve à valorização dos fundamentos da decisão peculiar ao common law Como neste sistema importa verificar a porção do julgado que tem efeito obrigatório ou vinculante há motivo para se investigar com cuidado a fundamentação separandose o que realmente dá significado à decisão daquilo que não lhe diz respeito ou não lhe é essencial 330 No civil law ao contrário cabendo aos tribunais apenas aplicar a lei pouca importância se teria de dar à fundamentação já que esta faria apenas a ligação entre os fatos e a norma legal voltada a regular a situação litigiosa A fundamentação assim seria necessariamente breve e sucinta Uma vez que a decisão deveria apenas dar atuação à lei não haveria motivo para buscar na fundamentação o significado da decisão A decisão que se limita a aplicar a lei não tem nada que possa interessar a outros que não os litigantes É por este motivo que no civil law o que sempre preocupou em termos de segurança jurídica foi o dispositivo da sentença que aplica a regra de direito dandolhe concretude Não é por outra razão que quando neste sistema se pensa em segurança dos atos jurisdicionais aludese somente à coisa julgada e à sua função de tornar imutável e indiscutível a parte dispositiva da sentença 331 8166 A individualização dos fundamentos determinantes ou ratio decidendi Dentro da fundamentação está presente a ratio decidendi Por meio da análise da fundamentação é possível isolar a ratio decidendi ou os fundamentos determinantes Lembrese de que o art 489 1º V do CPC de 2015 afirma que o tribunal e o juiz não podem decidir com base em julgado de Corte Suprema sem identificar seus fundamentos determinantes e demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta a tais fundamentos Um fundamento embora não necessário pode ser suficiente para se alcançar a decisão O motivo suficiente porém tornase determinante apenas quando individualizado na fundamentação mostrase como premissa sem a qual não se chegaria à específica decisão Motivo determinante assim é o motivo que considerado na fundamentação mostrase imprescindível à decisão que foi tomada Este motivo por imprescindível é essencial ou melhor é determinante da decisão Constitui a ratio decidendi Contudo como a individualização dos motivos determinantes pressupõe um novo olhar sobre a fundamentação ou melhor outra valoração da fundamentação não basta simplesmente pensar em encontrar a sua essência O problema não está apenas na análise da estrutura interna da fundamentação há que se ter preocupação com a sua qualidade É certo que em regra os juízes têm cuidado com os motivos suficientes Porém especialmente quando há dois ou mais motivos suficientes à decisão é preciso verificar se todos foram ou quais foram devidamente discutidos e analisados pelos membros do colegiado Pode soar estranho falar em dois motivos suficientes Porém podem existir dois motivos suficientes e por isso não necessários a uma decisão Assim por exemplo duas infrações contratuais podem ser dois fundamentos suficientes para determinada decisão de despejo Nenhum deles é necessário mas ambos são suficientes e apenas quando considerado o raciocínio da Corte podem ser qualificados como determinantes da decisão Um dos motivos suficientes e determinantes da decisão pode não ter sido adequadamente discutido e analisado pelo tribunal Nessa hipótese aquilo que poderia ser tomado como fundamento determinante ou como ratio decidendi para efeito de vinculação de outros órgãos judiciários acaba não adquirindo tal natureza Ou melhor acaba se tornando incompatível com a eficácia obrigatória dos fundamentos Entretanto o fundamento neste caso também não pode ser dito obiter dictum ou seja fundamento não relevante para a solução do caso O fundamento não é irrelevante para a tomada de decisão Ao contrário o fundamento considerada a própria fundamentação é em termos lógicos imprescindível para se chegar à decisão Apenas carece da qualidade necessária à sua configuração como ratio decidendi A facilidade de identificação da ratio decidendi varia de caso a caso A dificuldade de individualização da ratio decidendi pode decorrer da circunstância de o caso ter de ser analisado sob argumentos não deduzidos pelas partes da complexidade da matéria de os fundamentos terem sido analisados de modo prematuro da superficialidade das discussões e da elaboração dos fundamentos da variedade e diversidade de fundamentos apresentados nos votos proferidos pelos membros do órgão judicial entre outras 8167 A eficácia vinculante dos fundamentos determinantes no STF A tese da eficácia vinculante dos motivos determinantes tem ressonância no STF O Min Gilmar Mendes um dos grandes responsáveis pelo seu desenvolvimento no âmbito da Corte demonstrou que esta eficácia está ligada à natureza da função desempenhada pelos tribunais constitucionais além de ser absolutamente necessária à tutela da força normativa da Constituição Com a expressão eficácia transcendente da motivação se pretende significar a eficácia que advinda da fundamentação recai sobre situações que contêm particularidades próprias e distintas mas que na sua integridade enquanto questão a ser resolvida são similares à já decidida e por isso reclamam as mesmas razões que foram apresentadas pelo tribunal quando da decisão Embora os casos tenham suas inafastáveis particularidades a sua substância vista como questão de direito a ser solucionada pelo tribunal é a mesma Assim se a norma x foi considerada inconstitucional em virtude das razões y a norma z porém substancialmente idêntica a x exige a aplicação das razões y A Rcl 1987 abriu ensejo à afirmação da tese Alegouse na Reclamação que a presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região ao determinar o sequestro de verba do Distrito Federal para o pagamento de precatório desrespeitou decisão proferida pelo STF na ADIn 1662 A ação direta proposta pelo Governador do Estado de São Paulo teve como objeto a IN 111997 do TST que cuidou da uniformização dos procedimentos para a expedição de precatórios e ofícios requisitórios referentes às condenações decorrentes de decisões transitadas em julgado contra a União Federal administração direta autarquias e fundações A IN 111997TST em seus itens III e XII equiparara à hipótese de preterição do direito de preferência a situação de não inclusão do débito no orçamento do ente devedor assim como a de pagamento a menor ou realizado fora do prazo permitindo nessas hipóteses o sequestro de verba pública para o pagamento de dívidas judiciais trabalhistas A ação direta voltouse exatamente contra esta autorização asseverandoa inconstitucional No curso da ação foi promulgada a EC 302000 que alterou determinadas regras relativas aos precatórios mas nada modificou quanto ao tema então em discussão Ao julgar o mérito da ação direta de inconstitucionalidade o STF advertiu que a EC 30 não trouxe qualquer alteração à disciplina do sequestro no âmbito dos precatórios trabalhistas decidindo que este somente estaria autorizado pela Constituição Federal no caso de preterição do direito de preferência sendo inadmissível em qualquer outra situação Porém a decisão da presidente do TRT10ª Reg não se ancorou na IN 111997TST mas se fundou na EC 30 Nesta situação como é óbvio a Reclamação não poderia ser julgada procedente com base no fundamento de que a decisão do TRT10ª Reg teria desrespeitado a parte dispositiva da decisão proferida na ação direta A procedência da Reclamação apenas poderia se apoiar em desrespeito aos fundamentos ou às razões que o STF adotou para pronunciar a inconstitucionalidade Portanto na Reclamação restou em jogo decidir se os motivos determinantes da decisão de inconstitucionalidade ou a sua ratio decidendi teriam força vinculante de modo a evidenciar que a decisão do TRT10ª Reg teria desrespeitado a decisão proferida na ação direta de inconstitucionalidade A Reclamação após grande discussão entre os Ministros foi julgada procedente por maioria de votos Na parte que interessa a ementa do acórdão tem a seguinte redação Ausente a existência de preterição que autorize o sequestro revelase evidente a violação ao conteúdo essencial do acórdão proferido na mencionada ação direta que possui eficácia erga omnes e efeito vinculante A decisão do Tribunal em substância teve sua autoridade desrespeitada de forma a legitimar o uso do instituto da reclamação Hipótese a justificar a transcendência sobre a parte dispositiva dos motivos que embasaram a decisão e dos princípios por ela consagrados uma vez que os fundamentos resultantes da interpretação da Constituição devem ser observados por todos os tribunais e autoridades contexto que contribui para a preservação e desenvolvimento da ordem constitucional 332 O relator da Reclamação Min Maurício Correa afirmou que o ato impugnado não apenas contrastou a decisão definitiva proferida na ADIn 1662 como essencialmente está em confronto com os seus motivos determinantes 333 Em outras palavras disse o Ministro relator que a decisão contra a qual se reclamou contrariou os motivos determinantes da decisão proferida na ação direta de inconstitucionalidade Acompanharam o Ministro relator admitindo a tese da eficácia vinculante dos motivos determinantes os Ministros Celso de Mello Cezar Peluso Gilmar Mendes e Nelson Jobim Divergiram não admitindo que os fundamentos pudessem ter efeitos vinculantes os Ministros Carlos Ayres Britto Marco Aurélio Sepúlveda Pertence e Carlos Mário Velloso sendo que este último ao que parece contraditoriamente admitiu a Reclamação O Min Carlos Velloso negou a abrangência da eficácia vinculante aos fundamentos e por isso não poderia ter admitido que a decisão do TRT10ª Reg baseada na EC 30 desconsiderou a eficácia vinculante da decisão proferida na ADIn 1662 que declarou a inconstitucionalidade de ato normativo do TST Eis o que disse o Ministro Não me oponho Sr Presidente a esse efeito vinculante que considero inerente à natureza da decisão proferida na ação direta Quando esse efeito vinculante ficou expresso na Constituição com a EC 31993 CF art 103 2º relativamente à ADC afirmei que a EC 31993 apenas explicitou algo já existente implicitamente Esse entendimento mais recentemente veio a predominar nesta Corte Deve ficar claro entretanto que o efeito vinculante está sujeito a uma limitação objetiva o ato normativo objeto da ação o dispositivo da decisão vinculante não os seus fundamentos 334 O Min Velloso embora tenha afirmado que o efeito vinculante é inerente à natureza da decisão proferida na ação direta deixa claro que na sua concepção este efeito incide sobre o dispositivo da decisão e não sobre os seus fundamentos O Min Carlos Britto ao proferir o seu voto disse que acompanharia o voto do relator mas observando o limite objetivo da reclamação 335 o que obviamente seria simplesmente não admitir a tese da eficácia vinculante já que os limites objetivos desta dada a sua própria natureza não se limitam ao dispositivo da decisão O Min Pertence mostrandose incomodado com a atribuição de eficácia vinculante aos fundamentos da decisão concluiu que não se poderia transformar em súmula vinculante qualquer premissa de uma decisão 336 revelando não estar em sintonia não só com o significado de ratio decidendi mas também com o de eficácia vinculante O Min Marco Aurélio argumentou que a atribuição de efeito vinculante à fundamentação equivaleria à admissão de coisa julgada em relação aos fundamentos da decisão 337 Há aí visível confusão entre eficácia vinculante e coisa julgada material Ainda que o CPC de 2015 permita falar em coisa julgada em relação à questão que determina a resolução do caso art 503 1º do CPC2015 e inclusive de coisa julgada em favor de terceiros art 506 do CPC2015 tal fenômeno certamente se diferencia especialmente em face dos seus objetivos da eficácia vinculante que recai sobre a ratio decidendi Reconhecidamente favorável à tese da eficácia transcendente da fundamentação o Min Gilmar Mendes lembrou a literatura alemã advertindo que embora na Alemanha exista discussão acerca dos limites objetivos dos efeitos vinculantes se abrangentes da fundamentação ou apenas do dispositivo a razão de ser do 31 338 da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional alemão teria sido a de dotar as suas decisões de uma eficácia transcendente que caso fosse limitada ao dispositivo da decisão não teria muito a acrescentar à função desempenhada pela coisa julgada material além de diminuir significativamente a contribuição que o Tribunal Constitucional pode dar à preservação e ao desenvolvimento da ordem constitucional 339 Merece destaque a lembrança do Min Gilmar Mendes à doutrina de Klaus Vogel que embora aludindo à coisa julgada disse que a sua extensão iria além do dispositivo para abranger o que designou de norma decisória concreta Essa seria a ideia jurídica subjacente à formulação contida na parte dispositiva que concebida de forma geral permite não só a decisão do caso concreto mas também a decisão de casos semelhantes 340 Na verdade Vogel está rotulando a força obrigatória das decisões peculiar ao common law de coisa julgada ou ainda mais precisamente está conferindo à fundamentação o que o common law atribui à ratio decidendi É certo que é possível impedir às partes de rediscutir os fundamentos da decisão conforme agora enfatiza o art 503 1º do CPC de 2015 Porém há que se notar que este impedimento apenas pode atingir as partes ou beneficiar aqueles que são titulares de pretensões que têm como base a mesma questão já plenamente debatida e decidida em outro processo não tendo qualquer relação com a eficácia obrigatória dos precedentes das Cortes Supremas Tratase em verdade da distinção corrente no common law entre collateral estoppel e stare decisis 341 O conceito de Vogel deve a sua originalidade à concepção de ratio decidendi Notese que assim como a ratio decidendi a norma decisória concreta está à distância do dispositivo e dos fundamentos Para permitir a decisão de casos semelhantes tanto a ratio decidendi quanto a norma decisória concreta devem constituir uma espécie de extrato significativo da fundamentação Porém não obstante a equivocada assimilação entre eficácia vinculante e coisa julgada o conceito de Vogel quando bem visto contém um plus significativo em relação à ideia de eficácia vinculante ou transcendente da fundamentação É que a ideia de norma decisória concreta diz respeito à porção da fundamentação em que se identifica o motivo pelo qual se decidiu e portanto com o isolamento de uma parte significativa da fundamentação deixadas de lado aquelas que não importam como razões de decidir que assim são obiter dicta O conceito de Vogel se aproxima do de motivos determinantes da decisão visto que o qualificativo determinante supõe o motivo como imprescindível e essencial e deste modo como não supérfluo restando em uma só dimensão guardadas as suas particularidades as ideias de ratio decidendi norma decisória concreta e motivos determinantes tragende Gründe da decisão Ao se colocarem os conceitos de norma decisória concreta e de motivos determinantes da decisão na mesma dimensão do conceito de ratio decidendi desejase apenas evidenciar a importância de se extrair da fundamentação o que realmente levou a Corte a decidir bem como a sublinhar que a não identificação desta porção da fundamentação gera incerteza colocando em sério risco a segurança jurídica e a própria missão atribuída à Corte Suprema O conceito de coisa julgada material não é relevante quando se pretende dar estabilidade às decisões das Cortes Supremas Nem mesmo a eficácia vinculante caso limitada à parte dispositiva aí teria alguma importância Nessa dimensão de qualquer forma não há por que não admitir a adoção de ratio decidendi ou da eficácia vinculante dos motivos determinantes de decisão de inconstitucionalidade em caso em que se impugne norma de conteúdo similar Vale o mesmo como é óbvio para o caso em que a decisão proferida na ação direta é de constitucionalidade Os motivos determinantes da decisão de constitucionalidade assim como aqueles que determinam a decisão de inconstitucionalidade têm caráter vinculante por identidade absoluta de razões O Min Celso de Mello ao apreciar requerimento de medida liminar na Rcl 2986 colocouse diante da questão da possibilidade de se outorgar eficácia vinculante aos motivos determinantes da decisão declaratória de constitucionalidade proferida na ADIn 2868 Argumentou o Min Celso de Mello que o ato judicial objeto da reclamação teria desrespeitado os fundamentos determinantes da decisão proferida no julgamento final da ADIn 2868 precisamente porque naquela oportunidade o Plenário da Suprema Corte reconhecera como constitucionalmente válida para efeito de definição de pequeno valor e de consequente dispensa de expedição de precatório a possibilidade de fixação pelos Estados membros de valor referencial inferior ao do art 87 do ADCT na redação dada pela EC 372002 o que foi recusado pela decisão do órgão judicial sergipano objeto da Reclamação Assim concluiu o Min Celso de Mello que o caso representaria hipótese de violação ao conteúdo essencial do acórdão consubstanciador do julgamento da ADIn 2868 caracterizando possível transgressão ao efeito transcendente dos fundamentos determinantes da decisão plenária do STF ainda que proferida em face de legislação estranha ao Estado de Sergipe autor da Reclamação em análise Diante disso deferiuse a liminar suspendendose os efeitos da decisão reclamada 342 Mas não são apenas os fundamentos determinantes das decisões proferidas em ação direta que possuem efeitos vinculantes As razões que sustentam a eficácia vinculante dos fundamentos determinantes das decisões proferidas no controle principal também se impõem no controle incidental Ou seja os fundamentos determinantes das decisões proferidas em recurso extraordinário igualmente têm eficácia vinculante Os fundamentos determinantes revelando a doutrina do Supremo Tribunal acerca de questão constitucional passam a obrigar os demais órgãos judiciais e em certa medida a própria Suprema Corte pouco importando que tenham sido fixados em decisão proferida em sede de controle incidental Neste sentido o relator da Rcl 2363 343 Min Gilmar Mendes lembrou que os Ministros do Supremo Tribunal mediante decisão monocrática vêm aplicando tese fixada em precedentes onde se discutiu a inconstitucionalidade de lei em sede de controle difuso emanada por ente federativo diverso daquele prolator da lei objeto do recurso extraordinário sob exame 344 Não obstante decisões posteriores do STF deixaram de reafirmar a tese da eficácia vinculante dos fundamentos determinantes assim por exemplo na Rcl 2475 345 e na Rcl 5082 346 8168 Eficácia temporal da revogação de precedente formado no controle incidental 81681 A questão nos Estados Unidos A revogação de um precedente overruling tem em regra efeitos retroativos nos Estados Unidos e no common law Como a revogação do precedente significa a admissão de que a tese nele enunciada vigente até o momento da decisão revogadora estava equivocada ou se tornou incompatível com os novos valores ou com o próprio direito aceitase naturalmente a ideia de que a decisão deve retroagir para apanhar as situações que lhe são anteriores tenham dado origem ou não a litígios cujos processos devem estar em curso 347 As decisões do common law são normalmente retroativas no sentido de que a nova regra estabelecida para o caso sob julgamento é aplicável às situações que ocorreram antes da decisão que as fixou bem como a todas aquelas que lhes são similares e assim estão expostas à mesma ratio decidendi Porém a prática judicial americana tem evidenciado em tempos recentes hipóteses em que é necessário não permitir a retroatividade da nova regra firmada na decisão que revogou o precedente 348 Nestas situações as Cortes mostramse particularmente preocupadas em tutelar o princípio da segurança especialmente na sua feição de garante da previsibilidade e a confiança depositada pelos jurisdicionados nos atos do Poder Público Eisenberg enfatiza que the major justification for prospective overruling is the protection of justifiable reliance 349 Há aí antes de tudo plena consciência de que a retroatividade de uma decisão que substitui precedente que por certo período de tempo pautou e orientou a conduta dos jurisdicionados é tão injusta quanto a perpetuação do precedente judicialmente declarado injusto Mas para que a não retroatividade se justifique exigese que a credibilidade do precedente não tenha sido abalada de modo a não tornar previsível a sua revogação Caso a doutrina e os tribunais já tenham advertido para o equívoco do precedente ou apontado para a sua conveniente ou provável revogação não há confiança justificável ou confiança capaz de fazer acreditar que os jurisdicionados tenham legitimamente traçado os seus comportamentos e atividades de acordo com o precedente De modo que para que o overruling não tenha efeitos retroativos as situações e relações antes estabelecidas devem ter se fundado em uma confiança qualificada que pode ser dita uma confiança justificada 350 Há casos em que o precedente pode deixar de corresponder aos valores que o inspiraram ou se tornar inconsistente e ainda assim não se mostrar razoável que a sua revogação atinja situações passadas em virtude de a confiança justificável então caracterizada sobreporse à ideia de fazer a revogação valer para trás Não obstante embora com a irretroatividade dos efeitos do overruling ou com o overruling com efeitos prospectivos se garanta o princípio da segurança e se proteja a confiança nos atos do Poder Público daí também podem advir custos ou prejuízos O prospective overruling pode gerar resultados ou decisões inconsistentes especialmente quando se está diante do overruling cujos efeitos apenas podem ser produzidos a partir de certa data ou do overruling cujos efeitos retroativos incidem apenas sobre determinado caso 351 Notese que na primeira hipótese como o overruling tem efeitos somente a partir de certa data as situações e relações que se formam depois da decisão são tratadas de modo diverso conforme tenham se estabelecido antes ou depois da data prevista na decisão ainda que esta tenha declarado a ilegitimidade do precedente De outro lado a admissão da retroatividade em relação a apenas um caso ou somente ao caso sob julgamento faz com que todos os outros casos passados sejam tratados à luz do precedente embora se declare que este não mais tem autoridade Tais situações permitem o surgimento de resultados inconsistentes Esta última situação é exemplificada pelo caso Molitor v Kaneland Community Tratase de caso em que a Corte de Illinois revogou o precedente da imunidade municipal responsabilizando o município pelos danos sofridos por Thomas Molitor em acidente de ônibus escolar Nesta hipótese decidiuse que a nova regra não seria aplicada a casos anteriores exceto o de Thomas o caso sob julgamento Contudo mais tarde a Corte percebeu que teria de aplicar a nova regra a outras sete crianças três delas irmãos de Thomas que também estavam no ônibus que se acidentara em virtude de ter reconhecido que todas as crianças que viajavam no ônibus deveriam ser tratadas de igual forma 352 Por sua vez a primeira hipótese acima referida é exemplificada por Spaniel v Mounds View School District n 621 em que a Corte de Minnesota revogou o precedente que conferia imunidade às unidades municipais como cidades e distritos estudantis recusandose a aplicar a nova regra ao caso sob julgamento e declarando que os seus efeitos deveriam ficar contidos até o final da próxima legislatura de Minnesota 353 Quando se posterga a produção de efeitos da nova regra falase em prospective prospective overruling Ademais como esclarece Eisenberg aludese a pure prospective overruling para demonstrar o que ocorre quando a Corte não aceita que a nova regra regule o próprio caso sob julgamento restando a terminologia prospective overruling para anunciar a mera irretroatividade da nova regra às situações anteriores à data da decisão 354 Há outras situações intermediárias Assim em Li v Yellow Cab Co a Suprema Corte da Califórnia revogou o precedente da contributory negligence pela regra da comparative negligence deixando claro que a nova regra não seria aplicável aos casos com julgamento em curso Em Whitinsville Plaza relacionouse a técnica do overruling prospectivo com a técnica da sinalização 355 ou seja decidiuse que a nova regra teria efeitos retroativos até a data da decisão em que ocorrera a sinalização 356 Se mediante a técnica da sinalização conquanto se deixe de revogar o precedente adverte se para a sua provável e próxima revogação pouca diferença existiria em substituir tal técnica pela revogação imediata do precedente com efeitos prospectivos a partir de certa data futura Portanto quando se revoga o precedente e sinalização anterior foi feita é coerente admitir a retroatividade da nova regra até a data da decisão sinalizadora ou até data em que se supõe que o sinal foi absorvido na comunidade jurídica Há um caso sublinhado por Eisenberg em que o prospective overruling possui grande importância para a consistência de resultados Tratase da hipótese em que a Corte possui motivos para acreditar que o overruling será revertido pelo Legislativo que dará melhor regulação à situação Nesta hipótese além de não se desejar interferência sobre o passado não se quer que a decisão atinja as situações intermediárias entre o overruling e a regra legislativa preferindose que a revogação tenha seus efeitos contidos até a data em que se presuma que o Legislativo terá criado a regra Ao se declarar que a revogação vai produzir efeitos após a possível criação legislativa os efeitos do overruling somente serão produzidos caso o Legislativo não atue Foi o que aconteceu em Massachussetts Whitney v City of Worcester em que a Corte utilizando a técnica da sinalização como substituto funcional do prospective overruling afirmou a sua intenção de abrogar o precedente da imunidade municipal no primeiro caso por ela decidido após a conclusão daquela que seria a próxima sessão do Legislativo caso este não houvesse atuado de modo a revogar o precedente 357 Neste caso é certo não houve propriamente overruling com efeitos prospectivos mas manutenção do precedente mediante a técnica da sinalização anunciandose a intenção de se proceder à revogação em caso de não atuação do Legislativo Notese porém que existe maior efetividade em revogar desde logo o precedente contendose os seus efeitos pois nesta hipótese não haverá sequer como temer que o precedente continue a produzir efeitos diante de uma eventual inação da Corte em imediatamente decidir como prometera ao fazer a sinalização De outra parte o prospective overruling pode ainda trazer outros problemas especialmente em suas feições de pure prospective overruling e de prospective prospective overruling 358 Se a nova regra não vale para o caso sob julgamento a energia despendida pela parte não lhe traz qualquer vantagem concreta ou melhor não lhe outorga o benefício almejado por todo litigante que busca a tutela jurisdicional Isso quer dizer que o uso do prospective overruling pode desestimular a propositura de ações judiciais contra determinados precedentes 359 Ademais o uso indiscriminado do pure prospective overruling e do prospective prospective overruling elimina a necessidade de os advogados analisarem como os precedentes estão sendo vistos pela doutrina e de que forma os tribunais vêm tratando de pontos correlatos com aqueles definidos na ratio decidendi do precedente Quando se atribui efeito prospectivo à nova regra impedindose a sua incidência em relação ao caso sob julgamento resta eliminada qualquer possibilidade de a parte ser surpreendida pela decisão judicial ainda que o precedente já tenha sido desautorizado pela doutrina e por decisões que embora obviamente não tenham enfrentado de forma direta a questão resolvida no precedente afirmaram soluções com ele inconsistentes Desse modo a investigação e a análise do advogado não seriam sequer necessárias já que ao jurisdicionado bastaria a mera existência do precedente pouco importando o grau da sua autoridade ou força e portanto a possibilidade ou a probabilidade da sua revogação Assim o uso inadequado do prospective overruling torna de um lado desnecessária a análise sobre se a tutela da segurança jurídica e da confiança fundamenta a não retroatividade dos efeitos do overruling e de outro constitui obstáculo ao desenvolvimento do direito jurisprudencial Na verdade dessa forma o direito deixaria de ser visto como algo em permanente construção negandose o fundamento que deve estar à base de uma teoria dos precedentes Deixese claro que a doutrina de common law entende que a revogação em regra deve ter efeitos retroativos Apenas excepcionalmente em especial quando há confiança justificada no precedente admitese dar efeitos prospectivos ao overruling E isso sem se enfatizar que as Cortes não devem supor razão para a tutela da confiança sem consideração meticulosa analisando se a questão enfrentada é daquelas em que os jurisdicionados costumam se pautar nos precedentes assim como se os tribunais já sinalizaram para a revogação do precedente ou se a doutrina já demonstrou a sua fragilidade 360 81682 Diferentes razões para tutelar a segurança jurídica decisão de inconstitucionalidade e revogação de precedente constitucional O art 27 da Lei 98681999 explicita que o STF ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo tem poder para limitar os seus efeitos retroativos ou darlhe efeitos prospectivos Diz o art 27 que ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social poderá o Supremo Tribunal Federal por maioria de dois terços de seus membros restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado O tema da eficácia temporal da decisão de inconstitucionalidade pronunciada na ação direta será mais bem aprofundado adiante quando se tratar desta ação Mas é importante neste momento anunciar esta possibilidade aludindose à ação direta de inconstitucionalidade em que o STF houve por bem atribuir efeitos prospectivos à sua decisão Isso para demonstrar que embora os efeitos retroativos também possam ser limitados no controle difuso as suas razões não se confundem com as que determinam a limitação da retroatividade ou os efeitos prospectivos no controle concentrado Na ADIn 2240 361 em que se questionou a inconstitucionalidade da lei estadual que criou o Município de Luís Eduardo Magalhães o Supremo não tinha qualquer dúvida sobre a inconstitucionalidade da lei mas temia que ao pronunciála pudesse irremediavelmente atingir todas as situações que se formaram após a edição da lei Receavase que a declaração de inconstitucionalidade não pudesse permitir a preservação das situações estabelecidas antes da decisão de inconstitucionalidade Partindose da teoria da nulidade do ato inconstitucional a preservação do que aconteceu após a edição da lei inconstitucional teria de ter sustentáculo em algo capaz de se contrapor ao princípio de que a lei inconstitucional por ser nula não produz quaisquer efeitos É curioso que o relator inicialmente embora reconhecendo a inconstitucionalidade julgou a ação improcedente E isso para preservar as situações consolidadas em nome do princípio da segurança jurídica 362 Após o voto do relator pediu vistas o Min Gilmar Mendes Em seu voto argumentou que não seria razoável deixar de julgar procedente a ação direta de inconstitucionalidade para não se atingir o passado advertindo que a preservação das situações anteriores poderia se dar ainda que a ação fosse julgada procedente Consta do voto do Min Gilmar Impressionoume a conclusão a que chegou o Min Eros Grau votou pela improcedência da ação após tecer percuciente análise sobre a realidade fática fundada na lei impugnada e o peso que possui no caso o princípio da segurança jurídica De fato há toda uma situação consolidada que não pode ser ignorada pelo Tribunal Com o surgimento no plano das normas de uma nova entidade federativa emergiu no plano dos fatos uma gama de situações decorrentes da prática de atos próprios do exercício da autonomia municipal A realidade concreta que se vincula à lei estadual impugnada já foi objeto de extensa descrição analítica no voto proferido pelo Ministro relator e não pretendo aqui retomála Creio que o Tribunal já se encontra plenamente inteirado das graves repercussões de ordem política econômica e social de uma eventual decisão de inconstitucionalidade 363 Após ter deixado claro que o Ministro relator estava preocupado em proteger as situações consolidadas argumentou o Min Gilmar que a solução do problema não pode advir da simples decisão de improcedência da ação Seria como se o Tribunal focando toda sua atenção na necessidade de se assegurarem realidades concretas que não podem mais ser desfeitas e portanto reconhecendo plena aplicabilidade ao princípio da segurança jurídica deixasse de contemplar na devida medida o princípio da nulidade da lei inconstitucional 364 Depois disso advertiu que embora não se possa negar a relevância do princípio da segurança jurídica no caso é possível primar pela otimização de ambos os princípios ou seja dos princípios da segurança jurídica e da nulidade da lei inconstitucional tentando aplicálos na maior medida possível segundo as possibilidades fáticas e jurídicas que o caso concreto pode nos apresentar 365 Mais tarde sublinhou que a falta de um instituto que permita estabelecer limites aos efeitos da declaração de inconstitucionalidade acaba por obrigar os Tribunais muitas vezes a se abster de emitir um juízo de censura declarando a constitucionalidade de leis manifestamente inconstitucionais 366 E que o perigo de uma tal atitude desmesurada de self restraint ou greater restraint pelas Cortes Constitucionais ocorre justamente nos casos em que como o presente a nulidade da lei inconstitucional pode causar uma verdadeira catástrofe para utilizar a expressão de Otto Bachof do ponto de vista político econômico e social 367 Diante disso consignou o Min Gilmar Não há dúvida portanto e todos os Ministros que aqui se encontram parecem ter plena consciência disso que o Tribunal deve adotar uma fórmula que reconhecendo a inconstitucionalidade da lei impugnada diante da vasta e consolidada jurisprudência sobre o tema resguarde na maior medida possível os efeitos por ela produzidos 368 Nesta linha o Min Gilmar Mendes que acabou sendo acompanhando pelos demais Ministros inclusive pelo Ministro relator que retificou o seu voto com exceção do Min Marco Aurélio que embora julgando procedente a ação de inconstitucionalidade pronunciava a nulidade da lei 369 votou no sentido de aplicando o art 27 da Lei 98681999 declarar a inconstitucionalidade sem a pronúncia da nulidade da lei impugnada mantendo sua vigência pelo prazo de 24 vinte e quatro meses lapso temporal razoável dentro do qual poderá o legislador estadual reapreciar o tema tendo como base os parâmetros que deverão ser fixados na lei complementar federal conforme decisão desta Corte na ADIn 3682 370 Notese que se afirmou estar sendo declarada a inconstitucionalidade mas sem a pronúncia da nulidade da lei impugnada mantendose sua vigência pelo prazo de 24 meses 371 O método utilizado embora similar não se confunde com a técnica do prospective prospective overruling empregada no direito estadunidense 372 A similaridade decorre do fato de se ter mantido a vigência da lei pelo prazo de 24 meses o que permite equiparar esta decisão àquela cujos efeitos operam somente a partir de determinada data no futuro Não há dúvida que ambas as decisões protegem a segurança jurídica É isso precisamente que permite a aproximação das situações Porém a técnica do prospective overruling tem a ver com a revogação de precedentes e não com a declaração de inconstitucionalidade Quando nada indica provável revogação de um precedente e assim os jurisdicionados nele depositam confiança justificada para pautar suas condutas entendese que em nome da proteção da confiança é possível revogar o precedente com efeitos puramente prospectivos a partir do trânsito em julgado ou mesmo com efeitos prospectivos a partir de certa data ou evento 373 Isso ocorre para que as situações que se formaram com base no precedente não sejam atingidas pela nova regra Contudo na decisão proferida pelo STF na ação direta de inconstitucionalidade do município de Luis Eduardo Magalhães não há como pensar em proteção da confiança fundada nos precedentes Lembrese que a Corte reconheceu que os seus próprios precedentes eram no sentido da inconstitucionalidade e que exatamente por conta disso não se concebia julgamento de improcedência da ação Quando não se outorga efeito retroativo à decisão de inconstitucionalidade objetivase preservar as situações que se consolidaram com base na lei inconstitucional Nessa situação entra em jogo a relação entre os princípios da nulidade da lei inconstitucional e da segurança jurídica mas certamente não importa a proteção da confiança justificada nos precedentes judiciais A segurança jurídica é deduzida para proteger situações consolidadas que se fundaram na lei declarada inconstitucional mas não para justificar ações que se pautaram em precedente revogado 81683 Efeitos inter partes e vinculantes da decisão de inconstitucionalidade no controle incidental e da decisão que revoga precedente constitucional A decisão proferida em recurso extraordinário no que diz respeito à questão constitucional envolvida possui efeitos com qualidades distintas Além de atingir as partes em litígio impedindo que voltem a discutir a questão constitucional para tentar modificar a tutela jurisdicional concedida a decisão possui efeitos vinculantes obrigando todos os juízes e tribunais a respeitála Consideramse nesta dimensão os fundamentos da decisão ou mais precisamente os seus motivos determinantes ou a sua ratio decidendi e não o seu dispositivo Ou seja os motivos determinantes em relação à tutela jurisdicional se tornam indiscutíveis às partes e obrigatórios aos demais órgãos judiciais Declarada incidentalmente a inconstitucionalidade da norma essa não produz efeitos no caso sob julgamento mas não é declarada nula A norma se torna inaplicável nos demais casos porque os juízes e os tribunais ficam vinculados aos fundamentos da decisão que determinaram a inconstitucionalidade A decisão que revoga precedente negando os seus motivos determinantes ou a sua ratio decidendi é pensada em diferentes perspectivas conforme a decisão revogadora pronuncie a inconstitucionalidade ou a constitucionalidade No primeiro caso em princípio a norma não é aplicada ao caso sob julgamento e em virtude da eficácia vinculante não deverá ser aplicada nos casos que se seguirem Na hipótese de constitucionalidade também em princípio a norma será aplicada no caso sob julgamento e em face da eficácia vinculante em todos os casos seguintes No primeiro caso a norma não é declarada nula mas os seus efeitos ficam paralisados No segundo como a norma estava em estado de letargia os seus efeitos são ressuscitados Porém o dilema que marca a revogação de precedente está exatamente na alteração do sinal de vida dos efeitos da norma Numa hipótese a norma deixa de produzir efeitos e na outra passa a produzilos Isso entretanto tem nítida interferência nas relações e situações que se pautaram no precedente revogado considerando a decisão de inconstitucionalidade ou a decisão de constitucionalidade A situação que considerando precedente constitucional afronta a decisão que o revogou merece cuidado especial A ordem jurídica composta pelas decisões judiciais especialmente as do STF gera expectativa e merece confiança tuteláveis pelo princípio da segurança jurídica Assim é preciso investigar se há confiança que pode ser dita justificada no precedente revogado Basicamente é necessário verificar se o precedente tinha suficiente força ou autoridade à época da prática da conduta ou da celebração do negócio para fazer ao envolvido crer estar atuando em conformidade com o direito Existindo confiança justificada é legítimo decidir no controle difuso de modo a preservar as situações que se pautaram no precedente Percebase que aí não há limitação da retroatividade dos efeitos da decisão de inconstitucionalidade mas modulação da eficácia vinculante da decisão anunciandose ser ela inaplicável diante das situações que justificadamente se pautaram no precedente revogado Não se pode falar em limitação da retroatividade dos efeitos da decisão de inconstitucionalidade mas sim em modulação dos efeitos vinculantes não somente porque a decisão revogadora pode ser no sentido da constitucionalidade mas também porque não se está diante de decisão que produz efeitos diretos erga omnes mas de decisão que gera efeitos inter partes Em verdade há apenas necessidade de definir em que limite temporal ou situações concretas o precedente revogador terá eficácia vinculante De qualquer forma é inegável que a modulação da eficácia vinculante em relação às situações consolidadas acaba gerando uma limitação de retroatividade do precedente 81684 Eficácia prospectiva de decisão revogadora de precedente constitucional e de decisão proferida em controle incidental Não há dúvida que as decisões proferidas em recurso extraordinário produzem eficácia vinculante em relação aos seus motivos determinantes assim como as decisões prolatadas em controle principal Como é óbvio para se admitir a eficácia vinculante no controle incidental não é preciso argumentar que a eficácia vinculante é viável no controle principal Da mesma forma a circunstância de ser possível atribuir efeito prospectivo à decisão de procedência na ação direta de inconstitucionalidade nada tem a ver com a viabilidade de se atribuírem efeitos prospectivos à decisão proferida em sede de recurso extraordinário A modulação dos efeitos das decisões proferidas em recurso extraordinário não é consequência lógica da possibilidade de se atribuírem efeitos prospectivos às decisões proferidas em ação direta de inconstitucionalidade Atribuir eficácia vinculante aos fundamentos determinantes da decisão é o mesmo que conferir autoridade aos fundamentos da decisão em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário Esses ficam vinculados ou obrigados em face dos fundamentos da decisão ou seja diante da ratio decidendi do precedente De modo que a técnica da obrigatoriedade do respeito aos fundamentos determinantes é utilizada para atribuir força ou autoridade aos precedentes judiciais e não obviamente para simplesmente reafirmar a teoria da nulidade do ato inconstitucional Igualmente a modulação dos efeitos das decisões proferidas em recurso extraordinário não é tributária da possibilidade de se modularem os efeitos das decisões de inconstitucionalidade no controle principal O poder de modular os efeitos das decisões em sede de controle incidental deriva exclusivamente do princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança justificada A declaração de inconstitucionalidade proferida em recurso extraordinário embora tenha eficácia vinculante obrigando os demais órgãos do Poder Judiciário não elimina sem a atuação do Senado Federal a norma do ordenamento jurídico que resta por assim dizer em estado latente É certamente possível que a decisão que reconheceu a inconstitucionalidade de determinada norma um dia seja contrariada pelas mesmas razões que autorizam a revogação de precedente constitucional ou dão ao STF a possibilidade de declarar inconstitucional norma que já afirmou constitucional Tratase do mesmo processo em que nos Estados Unidos a Suprema Corte ressuscita a lei que era vista como dead law por já ter sido declarada inconstitucional Na verdade em sede de controle incidental o STF sempre tem a possibilidade a partir de critérios rígidos de negar os fundamentos determinantes das suas decisões sejam elas de inconstitucionalidade ou de constitucionalidade Porém como a revogação de um precedente institui nova regra a ser observada pelos demais órgãos judiciários é pouco mais do que evidente a possibilidade de se violentarem a segurança jurídica e a confiança depositada no próprio STF Quando não há indicações de que o precedente será revogado e assim há confiança justificada não há razão para tomar de surpresa o jurisdicionado sendo o caso de atribuir efeitos prospectivos à decisão seja ela de inconstitucionalidade ou de constitucionalidade Portanto cabe analisar em determinadas situações a eficácia a ser dada à decisão que revoga precedente constitucional e assim a necessidade de limitar a retroatividade para tutelar as situações que se pautaram no precedente revogado Embora a viabilidade de outorgar efeitos prospectivos à decisão de inconstitucionalidade esteja expressa no art 27 da Lei 98681999 374 é indiscutível que esta possibilidade advém do princípio da segurança jurídica o que significa que ainda que se entendesse que tal norma se aplica apenas ao controle principal não haveria como negar a possibilidade de modular os efeitos da decisão proferida em recurso extraordinário 375 O STF já teve oportunidade de tratar desta importante questão Isto ocorreu na Rcl 2391 em que se analisou o tema do direito de recorrer em liberdade e a constitucionalidade em face do princípio da não culpabilidade dos arts 9º da Lei 90341995 e 3º da Lei 96131998 que prescrevem respectivamente que o réu não poderá apelar em liberdade nos crimes previstos nesta Lei e que os crimes disciplinados nesta Lei são insuscetíveis de fiança e liberdade provisória e em caso de sentença condenatória o juiz decidirá fundamentadamente se o réu poderá apelar em liberdade O Min Gilmar Mendes acompanhando os votos proferidos pelos Ministros Marco Aurélio e Cezar Peluso declarou incidentalmente a inconstitucionalidade do art 9º da Lei 90341995 e emprestou ao art 3º da Lei 96131998 interpretação conforme à Constituição no sentido de que o juiz na hipótese de sentença condenatória fundamente a existência ou não dos requisitos para a prisão cautelar Logo após porém considerando que com esta decisão estarseia revisando jurisprudência firmada pelo Superior Tribunal Federal amplamente divulgada e com inegáveis repercussões no plano material e processual admitiu a possibilidade da limitação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade em sede de controle difuso e assim atribuiu à sua decisão efeitos ex nunc 376 Ao se limitarem os efeitos retroativos em nome da confiança justificada não se está restringindo os efeitos diretos da decisão sobre os casos que podem ser julgados ou que estão em julgamento mas se está deixando de atribuir eficácia vinculante à decisão proferida para obrigar os órgãos judiciais diante dos casos que podem vir a dar origem a processos judiciais ou que já estão sob julgamento em processos em andamento Frisese que a necessidade de modulação no caso de revogação de precedente decorre da preocupação de não atingir as situações que com base nele se formaram e não da imprescindibilidade de proteger as situações que se consolidaram com base na lei inconstitucional Contudo no Brasil a técnica dos efeitos prospectivos foi pensada a partir da teoria da nulidade dos atos inconstitucionais vale dizer para tutelar a segurança jurídica mas em virtude do princípio da nulidade da lei inconstitucional Daí não se ter percebido por algum tempo a imprescindibilidade da adoção desta técnica em sede de controle incidental em especial quando se revoga precedente constitucional ou se altera o que ainda se chama de jurisprudência dominante O CPC de 2015 considerou tal necessidade no seu art 927 3º que dispõe que na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica Não se pensa em confiança justificada para se dar efeitos prospectivos na hipótese de decisão de inconstitucionalidade Só há razão para investigar se a confiança é justificada quando se trata de revogação de precedente É apenas aí que importa verificar se havia na academia e nos tribunais manifestações que evidenciavam o enfraquecimento do precedente ou apontavam para a probabilidade da sua revogação a eliminar a confiança justificada De modo que nesta situação tutelase o passado em nome da confiança que se depositou nas decisões judiciais enquanto no caso de decisão de inconstitucionalidade tutelamse excepcionalmente as situações que se formaram na vigência da lei declarada inconstitucional Em verdade os fundamentos para se darem efeitos prospectivos em cada um dos casos são diferentes Os fundamentos bastantes para se darem efeitos prospectivos na hipótese de revogação de precedente estão longe das razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social que justificam efeitos prospectivos em caso de decisão de inconstitucionalidade É certo que a limitação da retroatividade da revogação de precedente constitucional se funda na confiança justificada e assim não tem o mesmo fundamento dos efeitos prospectivos na ação direta de inconstitucionalidade Porém mesmo em recurso extraordinário pode haver limitação da retroatividade ou atribuição de efeito prospectivo ainda que não se esteja diante de decisão revogadora de precedente Há casos em que o STF pode declarar a inconstitucionalidade da norma e limitar a retroatividade da decisão decidindo com efeitos ex nunc ou mesmo excluir o próprio caso sob julgamento dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade à semelhança do que se faz no direito estadunidense mediante o pure prospective overruling 377 Ou ainda definir uma data a partir da qual a decisão passará a produzir efeitos como ocorre quando se aplica o prospective prospective overruling O STF já limitou a retroatividade de decisão proferida em recurso extraordinário sem relacionála à confiança justificada em jurisprudência consolidada Assim sucedeu no RE 197917 378 em que se declarou a inconstitucionalidade de norma da Lei Orgânica do Município de Mira Estrela por ofensa ao art 29 IV a da CF 379 Entendeuse no caso que o Município diante da sua população somente poderia ter nove vereadores e não onze como fixado em norma de sua Lei Orgânica Em seu voto disse o relator Min Maurício Corrêa ter bem decidido o magistrado de primeiro grau ao declarar incidenter tantum a inconstitucionalidade do parágrafo único do art 6º da Lei Orgânica em causa mas que o juiz não poderia alterar o seu conteúdo fixando de pronto o número de vereadores usurpando por isso mesmo competência constitucional específica outorgada tão só ao Poder Legislativo do Município CF art 29 caput IV Agindo dessa forma o Poder Judiciário estaria assumindo atribuições de legislador positivo que não lhe foi reservada pela Carta Federal para a hipótese Oficiado à Câmara Legislativa local acerca da inconstitucionalidade do preceito impugnado cumpre a ela tomar as providências cabíveis para tornar efetiva a decisão judicial transitada em julgado 380 O Min Gilmar Mendes concordando com o relator quanto à inconstitucionalidade da norma advertiu que no caso em tela observase que eventual declaração de inconstitucionalidade com efeito ex tunc ocasionaria repercussões em todo o sistema vigente atingindo decisões que foram tomadas em momento anterior ao pleito que resultou na atual composição da Câmara Municipal fixação do número de vereadores fixação do número de candidatos definição do quociente eleitoral Igualmente as decisões tomadas posteriormente ao pleito também seriam atingidas tal como a validade da deliberação da Câmara Municipal nos diversos projetos e leis aprovados Por conta disso declarou a inconstitucionalidade da norma da Lei Orgânica do Município de Mira Estrela explicitando que a declaração da inconstitucionalidade da lei não afeta a composição da atual legislatura da Câmara Municipal cabendo ao Legislativo Municipal estabelecer nova disciplina sobre a matéria em tempo hábil para que se regule o próximo pleito eleitoral declaração de inconstitucionalidade pro futuro 381 81685 A função do Senado Federal Embora o controle difuso da constitucionalidade tenha sido instituído no direito brasileiro com a Constituição de 1891 apenas na Constituição de 1934 previuse a comunicação ao Senado Federal acerca da decisão do STF que declara a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo Disse o art 96 da Carta de 1934 Quando a Corte Suprema declarar inconstitucional qualquer dispositivo de lei ou ato governamental o Procurador Geral da República comunicará a decisão ao Senado Federal para os fins do art 91 IV e bem assim à autoridade legislativa ou executiva de que tenha emanado a lei ou o ato O art 91 IV deu ao Senado Federal o poder de suspender a execução no todo ou em parte de qualquer lei ou ato deliberação ou regulamento declarados inconstitucionais Com a suspensão da execução da lei pretendeuse atribuir à decisão de inconstitucionalidade eficácia contra todos evitandose que ficasse restrita às partes do processo em que proferida Como as decisões de inconstitucionalidade não tinham força obrigatória ou em outras palavras como os fundamentos determinantes dessas decisões não possuíam eficácia vinculante os juízes e tribunais podiam continuar realizando o controle incidental de constitucionalidade sem respeitar o que já decidira o STF Outra razão para atribuir ao Senado Federal o poder de suspender a execução da lei foi encontrada numa visão já superada do princípio da separação dos poderes Entendiase que a suspensão da eficácia da norma em caráter geral deveria depender da manifestação do Poder incumbido de criar as leis e não apenas do Poder Judiciário Passado algum tempo e já em face do controle concentrado a elaboração teórica e jurisprudencial da coisa julgada erga omnes teve o efeito prático de outorgar eficácia geral às decisões de inconstitucionalidade Lembrese que antes da EC 31993 não existia norma legal ou constitucional a regular os efeitos derivados das decisões proferidas no controle abstrato de constitucionalidade A jurisprudência do STF construiu a tese dos efeitos erga omnes da decisão de inconstitucionalidade À luz da EC 11969 o STF inicialmente submetia a decisão de inconstitucionalidade proferida em controle abstrato ao Senado Federal para que este determinasse a suspensão da execução da lei Porém ainda antes da Constituição Federal de 1988 o STF passou a entender que as suas decisões proferidas em controle abstrato de constitucionalidade produziam coisa julgada erga omnes e por isso dispensavam a atuação do Senado Federal Assim na Representação 10163 o Min Moreira Alves proferiu voto seguido à unanimidade em que se observa a seguinte passagem Para a defesa de relações jurídicas concretas em face de leis ordinárias em desconformidade com as Constituições vigentes na época em que aquelas entraram em vigor há a declaração de inconstitucionalidade incidenter tantum que só passa em julgado para as partes em litígio consequência estritamente jurídica e que só tem eficácia erga omnes se o Senado Federal houver por bem decisão de conveniência política suspendêla no todo ou em parte Já o mesmo não ocorre com referência à declaração de inconstitucionalidade obtida em representação a qual passa em julgado erga omnes com reflexos sobre o passado a nulidade opera ex tunc independentemente de atuação do Senado por se tratar de decisão cuja conveniência política do processo de seu desencadeamento se fez a priori e que se impõe quaisquer que sejam as consequências para as relações jurídica concretas pelo interesse superior da preservação do respeito à Constituição que preside à ordem jurídica vigente 382 Assim a necessidade de atuação do Senado Federal voltou a ter relação exclusiva com as decisões de inconstitucionalidade proferidas pelo STF em controle incidental Não obstante como visto na passagem do voto do Min Moreira Alves há pouco destacada o Senado Federal quando comunicado da decisão não é obrigado a suspender a lei declarada inconstitucional 383 O Senado tem o poder de aferir a conveniência política da suspensão da execução da lei declarada inconstitucional pelo STF De modo que a previsão de comunicação ao Senado Federal hoje prevista no art 52 X da CF não constitui sequer garantia de que a decisão tomada em controle incidental terá eficácia contra todos ou melhor será observada por todos os demais órgãos judiciários Porém a percepção de que as decisões do STF constituem precedentes constitucionais que obrigatoriamente devem ser respeitados pelos demais tribunais tornou imprescindível atribuir eficácia vinculante aos motivos determinantes das suas decisões não importando se estas são proferidas em controle principal ou incidental Paradoxalmente ao contrário do que se poderia supor num primeiro instante a eficácia vinculante tem maior importância para o controle incidental do que para o controle principal já que nesse último ao menos a parte dispositiva da decisão possui eficácia geral Notese que embora a eficácia vinculante seja indispensável a qualquer precedente constitucional a eficácia erga omnes é conatural ao controle objetivo e não à decisão proferida inter partes Ora se as decisões proferidas pelo STF em controle incidental têm eficácia vinculante é completamente desnecessário reservar ao Senado Federal o poder para atribuir efeitos gerais às decisões de inconstitucionalidade Como é evidente ainda que o Senado tenha este poder o fato de esta Casa Legislativa não atuar não pode conduzir à conclusão de que a decisão do STF não produziu ou deixou de produzir eficácia vinculante A omissão do Senado não pode se contrapor à eficácia vinculante da decisão do STF Aliás seria pouco mais do que ilógico supor que a eficácia geral somente pode ser atribuída às decisões de inconstitucionalidade e não às demais decisões proferidas pelo STF A mesma razão que impõe eficácia obrigatória vinculante ou geral às decisões de inconstitucionalidade exige que se dê eficácia vinculante às decisões que se utilizam das técnicas da interpretação conforme e da declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto assim como as que se limitam a definir a interpretação de acordo com a Constituição Portanto negar eficácia vinculante aos precedentes constitucionais em virtude de o Senado Federal ter poder para suspender os efeitos de lei declarada inconstitucional além de lamentável e curiosamente impedir que as decisões do STF gozem da devida autoridade constitui equívoco fácil de ser apanhado Quando se percebe com clareza que dar eficácia vinculante a um precedente constitucional significa dar autoridade às decisões do STF e não excluir uma lei do ordenamento jurídico tornase possível ver que assim como as decisões de constitucionalidade podem ser revogadas o mesmo pode ocorrer com as decisões de inconstitucionalidade Ora nada impede que uma lei declarada inconstitucional em controle difuso seja mais tarde e a partir dos devidos pressupostos declarada constitucional pelo STF Além disso a técnica dos efeitos prospectivos tem íntima ligação com a racionalidade da eficácia vinculante dos precedentes já que obriga os demais tribunais a se comportarem como se a norma apesar de inconstitucional estivesse produzindo efeitos Notese nesta dimensão que a decisão do STF que em recurso extraordinário é modulada de forma a produzir efeitos a partir de certo instante obviamente não tem qualquer sentido se os demais juízos puderem pronunciar a inconstitucionalidade nos casos concretos que estiverem em suas mãos Em outras palavras tal técnica ao menos no controle incidental só tem sentido quando ligada à eficácia vinculante Bem vistas as coisas exigir a comunicação ao Senado Federal é admitir algo que deixou de ter razão de ser 384 Não há qualquer razão para se exigir a comunicação do Senado Federal ao menos para o efeito de se atribuir eficácia geral à decisão de inconstitucionalidade Para alguns Ministros do STF a comunicação ao Senado Federal atualmente é feita apenas para que se publique a decisão no Diário do Congresso É importante a respeito a Rcl 4335 proposta em face de decisões do Juiz de Direito da Vara de Execuções Penais da Comarca de Rio Branco Estado do Acre que indeferiram pedidos de progressão de regime em favor de condenados a penas de reclusão em regime integralmente fechado pela prática de crimes hediondos 385 Nesta Reclamação afirmouse ofensa à autoridade da decisão proferida pelo STF no HC 82959 em que se declarou incidentalmente a inconstitucionalidade do 1º do art 2º da Lei 80721990 que vedava a progressão de regime a condenados pela prática de crimes hediondos O relator Min Gilmar Mendes julgou procedente a Reclamação para cassar as decisões impugnadas sob o fundamento de que estas afrontam a decisão proferida no HC 82959 Examinou o argumento do juiz de direito no sentido de que a eficácia erga omnes da decisão proferida no HC 82959 dependeria da expedição de resolução do Senado Federal suspendendo a execução da lei CF art 52 X dizendo ser necessária atualmente a reinterpretação de institutos relacionados ao controle incidental de inconstitucionalidade em especial o da suspensão da execução da lei pelo Senado Federal Concluiu que as decisões proferidas pelo juízo reclamado desrespeitaram a eficácia vinculante da decisão proferida pelo STF no HC 82959 e que como esta decisão tem eficácia geral a fórmula relativa à suspensão de execução da lei pelo Senado há de ter simples efeito de publicidade ou seja de comunicar esta Casa Legislativa para que publique a decisão no Diário do Congresso O Min Eros Grau acompanhou o voto do relator afirmando que a decisão de inconstitucionalidade do STF ainda que proferida no controle incidental tem eficácia vinculante e que assim o art 52 X da CF atribui ao Senado Federal competência apenas para dar publicidade à decisão de inconstitucionalidade admitindo a tese da mutação constitucional sustentada pelo relator Min Gilmar Mendes O Min Sepúlveda Pertence votando logo após julgou improcedente a Reclamação porém concedeu habeas corpus de ofício para o juiz de direito examinar os demais requisitos para o deferimento da progressão Argumentou que ainda que a decisão do STF torne dispensável a reserva de plenário nos demais tribunais isso não pode servir para reduzir o papel que é atribuído ao Senado desde a Constituição de 1934 Disse que embora o mecanismo de outorga de competência ao Senado para a suspensão da execução da lei tenha se tornado obsoleto não é correto recorrer a um fundamento de mutação constitucional e interpretar o art 52 X da CF como norma que atribui ao Senado Federal competência para dar publicidade à decisão de inconstitucionalidade Advertiu que a solução para imprimir eficácia geral à decisão do STF está no instituto da súmula vinculante CF art 103A O Min Joaquim Barbosa não conheceu da Reclamação mas também concedeu habeas corpus de ofício Argumentou que a atuação do Senado não constitui obstáculo à efetividade das decisões do STF porém complemento e que o art 52 X da CF deve continuar a ser interpretado como norma que autoriza o Senado Federal a suspender a execução da lei declarada inconstitucional igualmente negando a tese de mutação constitucional Lembrou na linha do Min Pertence que a eficácia geral pode ser obtida mediante a edição de súmula vinculante O Min Ricardo Lewandowski também não admitiu a Reclamação dizendo não ser possível cogitar sobre mutação constitucional mas igualmente deferiu o habeas corpus de ofício O Min Gilmar Mendes logo depois do voto do Min Lewandowski reforçou os fundamentos do seu voto e argumentou que a Reclamação teria perdido o objeto diante da Súmula Vinculante 26 segundo a qual para efeito de progressão de regime no cumprimento de pena por crime hediondo ou equiparado o juízo da execução observará a inconstitucionalidade do art 2º da Lei 8072 de 25 de julho de 1990 sem prejuízo de avaliar se o condenado preenche ou não os requisitos objetivos e subjetivos do benefício podendo determinar para tal fim de modo fundamentado a realização de exame criminológico O Ministro Teori Zavascki por sua vez consignou que não obstante a força expansiva de diversas decisões do STF seria adequado o entendimento de que a Reclamação somente seria admissível quando proposta pelas partes na relação jurídica processual em que proferida a decisão cuja autoridade se busca preservar Limitava a legitimação mais ampla dessa forma às hipóteses expressamente previstas tais como as decorrentes de decisões tomadas em sede de controle concentrado de constitucionalidade e em violação à súmula vinculante No caso concreto reputou que a edição da Súmula Vinculante 26 consistiria em fato superveniente impondo o deferimento do pedido O Min Roberto Barroso também deferiu o pedido ressaltando que a expansão dos precedentes milita em favor da segurança jurídica da isonomia e da eficiência bem como negou a tese da mutação constitucional pois não poderia prescindir da mudança do texto da norma Desse modo o Pleno julgou procedente pedido formulado na Reclamação 817 Controle incidental na ação civil pública e na ação popular A ação civil pública na tutela dos direitos difusos almeja sentença extensível a todos ou seja com efeitos gerais Nos termos do art 103 I do CDC a coisa julgada nestes casos será erga omnes salvo quando o pedido for julgado improcedente por falta de provas O direito difuso é dito direito transindividual indivisível de titularidade indeterminada pertencente a toda a coletividade art 81 parágrafo único I do CDC Como o direito pertencente a todos ou a um complexo indeterminado e indeterminável de pessoas a sua tutela não pode deixar de beneficiálos e assim a sentença deve necessariamente ter efeitos gerais ou erga omnes Em essência não é a coisa julgada que opera efeitos erga omnes É a sentença que produz efeitos diretos em relação a todos Os sujeitos indetermináveis a quem o direito difuso pertence são atingidos diretamente pela sentença mas não têm legitimidade para requerer a tutela jurisdicional do direito já que esta é deferida aos entes descritos nos arts 5º da LACP Lei 73471985 e 82 do CDC como por exemplo as associações e o Ministério Público Para os sujeitos indetermináveis a imutabilidade da decisão não decorre da coisa julgada material mas resulta da mera impossibilidade de discussão do litígio por falta de legitimidade para agir Algo similar se passa em relação à ação popular A ação popular constitui canal aberto à participação do cidadão no poder ou melhor conduto que permite ao cidadão apontar os desvios na gestão da coisa pública Objetiva acima de tudo a tutela da cidadania e do interesse público almejando proteger a coletividade Nos regimes constitucionais anteriores a ação popular era limitada à tutela contra atos lesivos ao patrimônio de entidades públicas art 141 38 da CF1946 art 150 31 da CF1967 art 153 31 da CF1969 Diante da Constituição de 1988 a ação popular pode ser usada para a proteção do patrimônio público da moralidade administrativa do meio ambiente e do patrimônio histórico e cultural A ação portanto a par de proteger o patrimônio estatal aí incluída a moralidade administrativa agora também se destina à tutela do patrimônio público em sentido amplo isto é do patrimônio pertencente a toda a coletividade incluindo assim o meio ambiente e o patrimônio cultural e histórico A ação popular objetiva sentença que tutela a coletividade e que por isso produz efeitos em relação a todos ou erga omnes Todo e qualquer cidadão tem legitimidade para propor ação popular e a própria Lei da Ação Popular admite que outros cidadãos ingressem no curso do processo como litisconsortes do autor Assim a coisa julgada material produz efeitos em relação a todos exceto quando a sentença é de improcedência por insuficiência de provas A coletividade é atingida pela coisa julgada que assim é dita erga omnes A ação civil pública que almeja a proteção de direitos difusos e a ação popular têm em comum a tutela da coletividade e assim exigem sentenças enquanto técnicas processuais que produzem efeitos erga omnes Esses efeitos também constituem característica da sentença proferida na ação direta de inconstitucionalidade Depois de proferida a declaração de inconstitucionalidade na ação direta todos ficam submetidos a ela não podendo discutila incidentalmente em ação individual Sucede que em virtude de a decisão proferida na ação civil pública e na ação popular produzir efeitos erga omnes chegase a imaginar que a arguição de inconstitucionalidade incidentalmente a qualquer uma destas ações teria o mesmo efeito da ação direta de inconstitucionalidade Porém essa suposição deflui de uma supervalorização dos efeitos erga omnes da decisão judicial A circunstância de uma decisão tutelar a coletividade e assim produzir efeitos erga omnes é autônoma em relação a ter o juiz considerado para proferir esta decisão incidentalmente uma norma inconstitucional A definição da inconstitucionalidade incidentalmente na ação civil pública ou na ação popular além de não produzir coisa julgada material é limitada ao litígio Definida a questão constitucional na ação civil pública os sujeitos indeterminados não poderão discutila por não terem legitimidade para requerer a tutela jurisdicional de direitos difusos enquanto os demais entes legitimados não poderão utilizála para fundamentar pedido igual ao já julgado Porém qualquer um poderá voltar a discutir a questão constitucional para fundamentar outro pedido O mesmo ocorre na ação popular Definida a questão constitucional obviamente que na forma incidental nenhum outro cidadão poderá novamente utilizála para fundamentar pedido igual ao já julgado mas qualquer cidadão inclusive aquele que propôs a ação popular em que se apreciou a questão constitucional poderá utilizá la para fundamentar outro pedido É certo que ao chegar ao STF a ação civil pública e a ação popular abrem oportunidade à formação de precedente constitucional cujos motivos determinantes têm efeitos vinculantes Porém também aí não há como baralhar as coisas Todo e qualquer precedente constitucional e não apenas aquele formado em ação civil pública ou em ação popular possui efeitos vinculantes Notese que neste caso atingidos são os fundamentos determinantes da decisão e não a sua parte dispositiva como acontece em face da coisa julgada erga omnes Retenha o ponto a eficácia vinculante atinge os fundamentos determinantes da decisão proferida na ação coletiva enquanto a coisa julgada erga omnes se limita à parte dispositiva desta decisão Portanto ao contrário da coisa julgada erga omnes a eficácia vinculante beneficia todos aqueles que ainda que postulando prestação jurisdicional diversa inclusive de caráter individual pretendam se valer do fundamento determinante ratio decidendi do precedente constitucional Tudo bem visto a discussão de questão constitucional em ação cuja decisão gera efeitos erga omnes nada tem de diferente da arguição de questão constitucional em ação que almeja decisão que produz efeitos apenas em relação às partes O que não é possível em ação civil pública ou em ação popular é pretender como tutela jurisdicional a declaração de inconstitucionalidade de norma ou o controle da constitucionalidade da norma em abstrato Porém nada impede que se argua a inconstitucionalidade de norma como fundamento de pedido que recai sobre uma situação concreta que diz respeito à coletividade e que por isso é resolvido mediante decisão cujos efeitos são erga omnes Isto como é óbvio não dá ao juiz da ação civil pública ou da ação popular o poder de declarar em abstrato a inconstitucionalidade de norma De modo que não há como pensar que estas ações permitam a usurpação da competência do STF A Suprema Corte já se manifestou sobre a questão existindo jurisprudência pacífica a respeito Na Rcl 1898 de relatoria do Min Celso de Mello reafirmouse a legitimidade da utilização da ação civil pública como instrumento idôneo de fiscalização incidental de constitucionalidade pela via difusa de quaisquer leis ou atos do Poder Público mesmo quando contestados em face da Constituição da República desde que nesse processo coletivo a controvérsia constitucional longe de identificarse como objeto único da demanda qualifiquese como simples questão prejudicial indispensável à resolução do litígio principal 386 No RE 227159 discutiuse se o Ministério Público poderia questionar em ação civil pública a inconstitucionalidade de ato normativo municipal que majorara os subsídios de vereador ao pedir a restituição aos cofres públicos das quantias indevidamente recebidas A 2ª Turma deu provimento ao recurso extraordinário para determinar o regular processamento da ação civil pública cuja inicial havia sido indeferida sob o fundamento de a ação civil pública não permitir o questionamento de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo 387 Recentemente o STF voltou a afirmar que não usurpa competência do STF decisão que em ação civil pública de natureza condenatória declara incidentalmente a inconstitucionalidade de norma jurídica 388 Em ação popular que pretendeu a anulação da criação de cargos na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro entendeuse ser possível a aferição incidental da constitucionalidade sob o argumento de que o ato impugnado não era dotado de generalidade e abstração 389 818 O problema do controle incidental da inconstitucionalidade por omissão 8181 Primeiras considerações Os primeiros passos do controle de constitucionalidade por ação já eram distantes no tempo em que se passou a falar em omissão inconstitucional Os brotos da concepção de controle de inconstitucionalidade por omissão surgiram quando se percebeu que não bastava impedir o legislador de agredir a Constituição sendo também necessário garantir a efetividade das normas constitucionais e a plena realização dos direitos fundamentais De modo que a questão da omissão constitucional é corolário da compreensão de que a Constituição para ser cumprida necessita de prestações normativas ou da ação do legislador infraconstitucional Se esta percepção surgiu na doutrina de países em que o controle de constitucionalidade é entregue nas mãos de Cortes Constitucionais é natural que a questão tenha sido associada ao controle por via direta ou principal de constitucionalidade Porém tal associação não se mostra adequada à tradição brasileira em que o controle de constitucionalidade desde a última década do século XIX é difuso e realizado na forma incidental Nos países em que o controle de constitucionalidade é incidental ou é conjugado com o controle principal como no Brasil o desenvolvimento do argumento da inconstitucionalidade por omissão não precisa nem deve se manter distante da noção de que todo e qualquer juiz tem o poderdever de realizar incidentalmente o controle de constitucionalidade É certo que no Brasil o mandado de injunção de competência do STF permite o controle da omissão constitucional no caso concreto Não obstante não se cuida do problema do controle da omissão constitucional diante dos casos conflitivos concretos endereçados aos juízos e tribunais ordinários É curioso já que não se pode supor que a omissão constitucional não possa existir nestas situações Ainda que a questão possa ter sido esquecida em determinada sede a realidade forense mostra cotidianamente que os juízes de 1º grau assim como os Tribunais de Justiça e Regionais Federais realizam controle de constitucionalidade por omissão com grande frequência A gravidade disso está na ausência de método para a feitura deste controle para não dizer que bem vistas as coisas os juízes e tribunais ordinários não percebem sequer que estão a suprir a ausência de lei É como se se estivesse numa terra em que para fazer e admitir que se faça é necessário não falar e do outro lado fingir que não se ouve e vê com o agravante de que talvez ninguém mais esteja consciente da sua mudez e da sua cegueira Portanto mais do que detectar que a omissão inconstitucional está inserida no poder conferido a todo e qualquer juiz de controlar a constitucionalidade é importante perceber que este poder vem sendo exercido de forma escamoteada e que bem por isso não existe qualquer metodologia para tanto e muito menos modo de controle do raciocínio judicial Notese que se o juiz sem dizer ou muito menos justificar supre a ausência de lei ele assume um poder que ainda que possa ser dele é exercido de modo completamente arbitrário e destituído de legitimação a reclamar atenção da academia e dos tribunais 8182 O poder de controle difuso abarca o poder de controlar a omissão inconstitucional As Constituições ao instituírem direitos dependentes de prestações normativas a cargo do legislador evidenciaram que para negar a sua força e autoridade não era mais suficiente editar leis destoantes do texto constitucional A autoridade e a força da Constituição também passaram a depender de normas infraconstitucionais Nesta perspectiva não se está aludindo como é óbvio apenas às normas constitucionais que expressamente impõem mediante termos variados o dever de legislar O problema aqui diz respeito às normas de natureza impositiva ou negativa imprescindíveis à realização ou à proteção de direitos fundamentais Pois bem Não existe razão para entender que o juiz tem poder para controlar a constitucionalidade da lei quando esta é prejudicial à solução do litígio e não tem poder para controlar a falta de lei quando esta é imprescindível à tutela de um direito fundamental A constitucionalidade da lei e da falta de lei nesta dimensão constituem duas faces de uma mesma moeda O controle da omissão inconstitucional via modelo difuso será possível quando da lei faltante depender a tutela do direito fundamental pertinente ao caso conflitivo concreto Ou seja o controle da omissão constitucional por qualquer juiz ou tribunal convive com a ação direta de inconstitucionalidade por omissão 390 e mesmo com o mandado de injunção 391 8183 Situações em que a falta de lei é frequentemente suprida na prática forense São frequentes as ações coletivas em que o legitimado ao pedir a tutela de determinado direito fundamental de natureza difusa ou coletiva deduz como causa de pedir violação para cuja não ocorrência seria necessária norma de proteção ou tutela Também são comuns as ações individuais em que sob o fundamento de direito fundamental não protegido normativamente postulase prestação fática que estaria a cargo do Estado Notese que a proteção de direito fundamental pode depender de norma impositiva ou proibitiva Assim é possível que para a tutela do direito ambiental do direito do consumidor etc seja necessária norma impondo conduta positiva ou negativa ao administrado para obrigálo por exemplo a instalar norma positiva tecnologia destinada a diminuir a efusão de gases e poluentes ou a não comercializar norma negativa produto com determinada substância Além disso há caso em que a prestação estatal embora de natureza fática depende de norma atributiva de direito É o caso por exemplo dos medicamentos em que o indivíduo afirmando direito fundamental à saúde postula em face do Estado Administração determinado remédio não disciplinado na legislação de regência O que importa evidenciar neste item é que com frequência os juízes são chamados a suprir omissões normativas que impedem a tutela de direitos fundamentais postandose como se estivessem diante de um caso comum em que não se alega inconstitucionalidade por omissão Daí consequentemente os juízes não perceberem nem anunciarem sequer que estão a fazer controle de constitucionalidade ficando ao largo a necessidade de harmonização dos direitos fundamentais em choque de aplicação das regras da proporcionalidade e de justificação da decisão com perverso reflexo sobre a sua legitimidade 8184 A eficácia dos direitos fundamentais sobre os particulares e o controle incidental da omissão inconstitucional Há discussão sobre a questão da eficácia horizontal dos direitos fundamentais ou seja sobre a eficácia dos direitos fundamentais sobre as relações entre os particulares 392 Falase em eficácia imediata e mediata destes direitos sobre os sujeitos privados A eficácia mediata dependeria da mediação do Estado ao contrário da eficácia imediata que dispensaria tal intervenção Como é intuitivo a questão da eficácia dos direitos fundamentais sobre os particulares possui íntima relação com o tema do controle da omissão inconstitucional Aludese à eficácia mediata quando se diz que a força jurídica das normas constitucionais apenas pode se impor em relação aos privados por meio de normas infraconstitucionais 393 e dos princípios de direito privado Tal eficácia também existiria quando as normas constitucionais são utilizadas dentro das linhas básicas do direito privado para a concretização de cláusulas gerais e conceitos jurídicos indeterminados 394 De acordo com os adeptos da teoria da eficácia imediata ao inverso os direitos fundamentais são aplicáveis diretamente sobre as relações entre particulares Além de normas de valor teriam importância como direitos subjetivos contra entidades privadas portadoras de poderes sociais ou mesmo contra indivíduos que tenham posição de supremacia em relação a outros particulares Chegando mais longe admitese a sua incidência imediata também em relação a pessoas comuns Ou seja dispensase a intermediação do legislador e assim as regras de direito privado e se elimina a ideia de que os direitos fundamentais poderiam ser utilizados apenas para preencher as normas abertas pelo legislador ordinário 395 Porém conforme percebeu Vieira de Andrade não é feliz a expressão aplicabilidade mediata que se confunde com eficácia indireta quando o que se quer afirmar é um imperativo de adaptação e harmonização dos preceitos relativos aos direitos fundamentais na sua aplicação à esfera de relações entre indivíduos iguais tendo em conta a autonomia privada na medida em que é também constitucionalmente reconhecida 396 Os direitos fundamentais obrigam o Estado a uma prestação normativa de proteção e assim à edição de normas para proteger um particular contra o outro Quando estas normas não são observadas surge ao particular o direito de se voltar contra o particular que não as cumpriu Aliás o direito de ação do particular nessas hipóteses poderá ser exercido mesmo no caso de ameaça de violação ação inibitória Nesse caso há lei abaixo da Constituição regulando as relações entre os particulares Na hipótese de lei restritiva de direito fundamental além dos valores constitucionais que justificam a restrição deverá ser enfocado o direito limitado que deve ter o seu núcleo essencial protegido 397 O legislador obviamente não pode negar o núcleo do direito fundamental limitado 398 Porém quando não existe lei a regular a situação de forma direta não se pode pensar que os direitos fundamentais não podem ser tomados em consideração diretamente pelo juiz A lei que impede a realização dos direitos fundamentais constitui um obstáculo visível que deve ser suprimido enquanto a omissão de lei ao impedir a efetividade destes mesmos direitos não deve deixar de ser considerada apenas porque em uma primeira perspectiva aparece como invisível Tal invisibilidade é apenas aparente porque se faz concreta quando o juiz conclui que a omissão representa uma negação de proteção a um direito fundamental Nesse caso como também naquele em que atua mediante o preenchimento das cláusulas gerais o juiz deverá atentar para a necessidade de harmonização entre os direitos fundamentais pois a tutela de um direito fundamental com a supressão da omissão legal poderá atingir outro direito fundamental 399 Canaris ao abordar a questão da repercussão dos direitos fundamentais sobre os sujeitos privados propõe a observância da distinção entre eficácia imediata e vigência imediata Segundo Canaris os direitos fundamentais têm vigência imediata mas se dirigem apenas contra o legislador e o juiz 400 A construção de Canaris é preocupada com o art 1º n 3 da Lei Fundamental alemã que afirma que o direito fundamental vincula como direito imediatamente vigente o legislador e os órgãos jurisdicionais Alega o jurista alemão que os destinatários das normas dos direitos fundamentais são em princípio apenas o Estado e os seus órgãos mas não os sujeitos de direito privado 401 Nessa linha conclui que os objetos de controle segundo os direitos fundamentais são em princípio apenas regulações e atos estatais isto é sobretudo leis e decisões judiciais mas não também atos de sujeitos de direito privado ou seja e sobretudo negócios jurídicos e atos ilícitos 402 Segundo Canaris sendo o Estado o destinatário dos direitos fundamentais a atividade do legislador e do juiz não pode ser compreendida como eficácia imediata perante terceiros 403 Ou melhor nessa dimensão não se pensa em eficácia horizontal direta mas apenas na intermediação da lei e do juiz para a projeção dos direitos fundamentais Com efeito Canaris não nega que a decisão do juiz como destinatário dos direitos fundamentais produz efeitos sobre as relações entre os particulares mas afirma que isso ocorre mediatamente 404 Portanto mesmo que se aceite que apenas o legislador e o juiz são os destinatários dos direitos fundamentais obviamente não se pode negar que a decisão judicial incide sobre a esfera jurídica dos particulares Deveras como a doutrina de Canaris foi influenciada pela Lei Fundamental alemã a sua preocupação foi a de deixar claro que os direitos fundamentais vinculam o legislador e o juiz embora possam ser tomados em consideração para a definição dos litígios que envolvem os particulares Canaris adverte que os direitos fundamentais têm função de mandamento de tutela ou de proteção obrigando o legislador a proteger um cidadão diante do outro No caso de inexistência ou insuficiência dessa tutela o juiz deve tomar essa circunstância em consideração projetando o direito fundamental sobre as relações entre os sujeitos privados e assim conferindo a proteção prometida pelo direito fundamental mas esquecida pela lei Nessa linha por exemplo se o legislador não atuou de modo a proteger o empregado diante do empregador quando tal era imperioso em face do direito fundamental houve omissão de tutela ou violação do dever de proteção estatal 405 O raciocínio de Canaris está preso a uma premissa que o impede de ir além desse ponto Na visão tradicional do direito constitucional alemão compartilhada pelo autor cujo principal marco é a decisão do Tribunal Constitucional Federal no caso Lüth os direitos fundamentais só caracterizam direitos subjetivos reclamáveis por seus titulares quando aparecem como proibições de intervenção e direitos de defesa Isso não ocorre quando se trata de mandamentos de tutela e deveres de proteção Nesse último caso vislumbramse apenas e tão somente deveres objetivos do poder público aos quais não correspondem direitos subjetivos dos indivíduos Não por acaso Canaris se utiliza num caso da expressão direito direitos de defesa e no outro da expressão dever deveres de proteção Por trás dessa nomenclatura está a tese de que a Constituição garante aos indivíduos apenas direitos originários negativos de abstenção estatal e não direitos originários positivos direitos de prestação por parte do Estado Estes últimos a Constituição consagra unicamente por meio de princípios objetivos que impõem deveres ao Estado vinculando legisladores administradores e juízes sem contudo serem exigíveis por seus próprios beneficiários Assim a partir do momento em que a vinculação dos particulares aos direitos fundamentais se baseia nos mandamentos de tutela e deveres de proteção automaticamente se exclui a possibilidade de os direitos fundamentais regularem diretamente as relações privadas Bem vistas as coisas portanto o juiz não importando se os direitos fundamentais incidem diretamente sobre os particulares ou se apenas incidem sobre estes mediante a participação do Estado tem de considerar o direito fundamental e ao mesmo tempo aplicá lo de forma a não violar o direito fundamental que com ele se contrapõe utilizandose da regra da necessidade que implica a imposição do meio idôneo e que causa a menor restrição possível Notese dessa forma que para o controle da omissão inconstitucional interessa apenas saber se o direito fundamental pode ser diretamente considerado pelo juiz no momento da solução do litígio Nos termos da doutrina do dever de tutela ou proteção pouca importa para efeito de controle de constitucionalidade incidental por omissão se a eficácia horizontal sobre os sujeitos privados dos direitos fundamentais é mediata ou imediata 8185 Os limites do juiz no suprimento da falta de lei necessária à tutela de direito fundamental O controle da inconstitucionalidade por omissão como controle da insuficiência de tutela Não há dúvida que a teoria de que os direitos fundamentais têm função de mandamento de tutela ou de proteção obrigando o juiz a suprir a omissão ou a insuficiência da tutela ou da proteção outorgada pelo legislador facilita a compreensão da possibilidade de o juiz poder controlar a inconstitucionalidade por omissão Quando se tem presente dever de proteção e dessa forma que uma medida idônea deve ser instituída pelo legislador a ausência de tutela normativa ou a falta de lei pode ser levada a qualquer juiz a ele pedindose medida de proteção que supra a omissão inconstitucional Aliás quando da própria norma constitucional resulta que para que o direito fundamental seja observado o particular deve cumprir determinada prestação nada impede que dele se exija o imediato cumprimento 406 ainda que a questão possa ser apresentada ao juiz por qualquer das partes envolvidas para a definição da legitimidade da providência Porém as normas de direitos fundamentais não definem a forma o modo e a intensidade com que um particular deve ser protegido diante do outro Em outras palavras os direitos fundamentais ao gerarem dever de proteção por parte do Estado não dizem como esta tutela deve se dar Pensar em como o Estado protege os direitos fundamentais é o mesmo que considerar as providências que o Estado deve necessariamente tomar para tutelálos A Constituição possui quando muito disposições fragmentárias sobre as medidas de tutela que devem ser utilizadas à tutela dos direitos fundamentais Frisese que a decisão a respeito de como um dever de tutela deve ser cumprido é antes de tudo questão afeta ao parlamento 407 Quando o legislador viola um direito fundamental na sua função de mandamento de tutela cabe ao Judiciário assegurar o adequado grau de tutela do direito fundamental Não obstante problema de grande importância para o tema do controle da omissão inconstitucional está na circunstância de que a ação do juiz diante da falta de lei não tem a mesma elasticidade ou a mesma latitude da ação do legislador Para ser mais claro o legislador tem ampla esfera de liberdade para a definição da providência ou do meio para a tutela do direito fundamental enquanto o juiz exatamente por não ter a mesma latitude de poder do legislador deve atuar apenas para garantir que o dever de proteção satisfaça as exigências mínimas na sua eficiência Assim incumbelhe atuar de modo a impor não mais do que o mínimo necessário à proteção do direito fundamental 408 Esta postura está inserida na doutrina de Canaris já que ela não só sublinha que a função dos direitos fundamentais de imperativo de tutela carece para a sua realização da transposição pela legislação infraconstitucional e que ao legislador fica aberta ampla margem de manobra entre as proibições de insuficiência e de excesso mas especialmente que esta margem ou esta latitude de poder não é a mesma que está liberada à intervenção do Judiciário Mais do que responder a um dever de tutela o Judiciário garante o controle da insuficiência da tutela devida pelo legislador Na verdade o controle da insuficiência tem no raciocínio argumentativo judicial o dever de proteção como antecedente lógico no exato sentido de que o juiz para controlar a insuficiência e impor o meio mínimo para a satisfação do dever de proteção deve antes de tudo verificar se há dever de proteção a direito fundamental e após analisar como a legislação deve se manifestar para não descer abaixo do mínimo de proteção jurídicoconstitucional exigido Nesses termos o juiz ao suprir a omissão de tutela a direito fundamental não pode ir além do que é minimamente suficiente para garantir o dever de proteção Ir além é adentrar em espaço proibido a quem tem incumbência de apenas controlar a insuficiência de tutela ou em outros termos dar ao juiz poder igual ao do legislador 8186 Controle de inconstitucionalidade por omissão à tutela de direito fundamental de natureza processual Os direitos fundamentais porque geram dever de tutela ao Estado e ao mesmo tempo incidem sobre as relações dos privados têm respectivamente eficácias vertical e horizontal 409 Assim o legislador e o juiz têm dever de tutelar os direitos fundamentais em razão de estes terem eficácia vertical Enquanto isso a lei ou a decisão judicial regulando as relações entre os privados incidem sobre estes horizontalmente A eficácia dos direitos fundamentais mediada pela lei ou pela decisão judicial constitui eficácia horizontal mediata Algo um pouco diferente ocorre quando se pensa nos direitos fundamentais de natureza processual como o direito fundamental à efetividade da tutela jurisdicional art 5º XXXV da CF 410 Este direito fundamental é claro incide sobre o Estado Executivo Legislativo e Judiciário O legislador também aí tem dever de proteção A omissão normativa assim pode ser suprida pelo juiz na medida da suficiência mínima à proteção do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva O problema é que o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva incide sobre o juiz para permitirlhe tutelar os direitos quaisquer que sejam eles fundamentais ou não de forma efetiva ou seja para permitirlhe desempenhar função estatal de forma idônea Ou melhor o dever de controle de insuficiência neste caso imposto ao juiz não lhe dá o poder de editar decisão que regule situação substancial entre privados A relação do juiz com os direitos fundamentais deve ser vista de maneira distinta quando são considerados os direitos fundamentais materiais e os direitos fundamentais processuais especialmente o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva Quando o juiz tutela um direito fundamental material suprindo a omissão do legislador o direito fundamental tem eficácia horizontal mediada pela jurisdição Porém o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva ao incidir sobre a jurisdição objetiva conformar o seu próprio modo de atuação 411 A jurisdição toma em conta o direito fundamental material para que ele incida sobre os particulares mas considera o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva porque a sua função deve ser cumprida de modo a propiciar o alcance da tutela dos direitos sejam eles fundamentais ou não O direito fundamental material incide sobre o juiz para que possa se projetar sobre os particulares enquanto o direito fundamental à tutela jurisdicional incide sobre o juiz para regular a sua própria função A decisão jurisdicional faz a ponte entre o direito fundamental material e os particulares ao passo que os direitos fundamentais instrumentais ou processuais são dirigidos a vincular o próprio procedimento estatal No primeiro caso o direito fundamental incide mediatamente sobre os particulares ao passo que no último como o direito fundamental não é material como por exemplo o direito ambiental não se pode pensar na sua incidência nem mesmo mediata sobre os particulares Tal direito fundamental se destina unicamente a regular o modo do proceder estatal e por isso a sua única eficácia é sobre o Estado evidentemente direta e imediata Percebase que no caso de eficácia mediada pelo juiz o conteúdo da decisão a regra nela fixada que resolve o litígio incide sobre os particulares Nessa hipótese o direito fundamental se projeta sobre os sujeitos privados Tratase portanto de eficácia sobre os particulares e assim horizontal mediada pelo juiz e por isso dita mediata ou indireta No caso há eficácia vertical em relação ao juiz e eficácia horizontal mediata sobre os particulares mas eficácia vertical derivada do direito fundamental material que confere ao juiz dever de proteção e que acaba tendo repercussão horizontal quando se projeta mediante decisão sobre os privados Porém algo distinto acontece quando se pensa na incidência do direito fundamental em face dos órgãos estatais que também é eficácia vertical para o efeito de vincular o seu modo de proceder e atuar Nessa hipótese o direito fundamental ainda que tenha por objetivo vincular o modo de atuação do Estado perante o particular não tem qualquer objetivo de regular as relações entre os particulares e por isso mesmo não precisa ser mediado pelo juiz O direito fundamental à tutela jurisdicional tem eficácia apenas sobre o órgão estatal pois se presta unicamente a vincular o modo de atuação da jurisdição Frisese aliás que o direito fundamental à tutela jurisdicional exatamente porque incide sobre o juiz está preocupado com a efetividade da tutela de todos os direitos e não apenas com a proteção dos direitos fundamentais Como está claro o direito fundamental à tutela jurisdicional implica apenas na vinculação do juiz não incidindo antes ou depois da decisão sobre os sujeitos privados e por isso não pode ser confundido com os direitos fundamentais materiais que podem ser levados ao Poder Judiciário Na realidade o direito fundamental à tutela jurisdicional ao recair sobre a atividade do juiz pode repercutir lateralmente sobre o particular conforme o maior ou menor grau de agressividade da técnica processual empregada no caso concreto Mas nunca horizontalmente uma vez que esse direito não se destina conforme já explicado a regular as relações entre os sujeitos privados Nessa dimensão para se evitar a confusão entre a eficácia do direito fundamental material objeto da decisão judicial e a eficácia do direito fundamental sobre a atividade do juiz deve ser feita a distinção entre eficácia horizontal mediatizada pela decisão jurisdicional e eficácia vertical com repercussão lateral essa última própria do direito fundamental à efetividade da tutela jurisdicional Enquanto o direito fundamental material incide sobre os particulares por meio da decisão eficácia horizontal mediatizada pelo juiz o direito fundamental à tutela jurisdicional incide apenas sobre a jurisdição No primeiro caso o juiz atua porque tem o dever de proteger os direitos fundamentais materiais e assim de suprir a omissão de proteção do legislador no segundo porque tem o dever de dar tutela efetiva a qualquer tipo de direito ainda que a lei não lhe ofereça técnicas adequadas Quando o juiz não encontra técnica processual idônea à tutela do direito e assim se pode falar em omissão de regra processual ele deve suprir esta insuficiência com os olhos nas exigências do direito material que reclama proteção Como esclarece Canotilho o direito de acesso aos tribunais também reconhecido pelo autor como direito a uma proteção jurisdicional adequada é um direito fundamental formal que carece de densificação através de outros direitos fundamentais materiais 412 O que o direito à tutela jurisdicional assegura a seu titular é um poder power cujo correlativo é uma situação de sujeição liability 413 ou seja é o poder de exigir do Estado que ele o proteja perante a violação dos seus direitos Não se trata de um direito a uma ação ou omissão determinada por parte do Estado ou a um bem específico mas a um exercício de poder do Estado cujos contornos só serão definidos à luz do direito material do particular que reivindica proteção Em rigor tratase do poder de uma pessoa de provocar um órgão público para que este ponha em marcha o poder estatal de intervir coercitivamente na esfera jurídica de um terceiro de maneira adequada a assegurar o direito daquela pessoa Ora se já está predeterminado qual é o direito a ser tutelado condição que é pressuposta pelo direito à efetividade da tutela jurisdicional e a discussão gira em torno apenas de qual o meio adequado para conferir efetividade a esse direito não há controvérsia ou dúvida sobre quem tem direito a que não há problema interpretativo a ser solucionado ou situação jurídica a ser esclarecida Não há necessidade de se justificar a intervenção coercitiva do Estado na esfera jurídica do particular Isso já está feito A questão que persiste diz respeito unicamente ao modo dessa intervenção ao meio pelo qual o Estado deve agir para preservar o direito reclamado Nesse contexto a dúvida apenas se coloca quando existe mais de um meio apto a satisfazer o direito tutelado Não há aqui debate sobre meios mais e menos eficazes simplesmente porque um meio é plenamente eficaz e satisfaz o direito protegido ou não é plenamente eficaz e então não satisfaz o direito protegido Sendo necessário escolher entre diferentes meios aptos tendose em conta que nenhuma ação estatal pode ser arbitrária ainda mais quando acarreta prejuízo ônus ou encargo a um particular é preciso haver critérios para tanto O critério aqui só pode ser o da menor lesividade Se existem duas formas possíveis pelas quais o Estado pode onerar um particular alcançando mediante todas elas o mesmo benefício obviamente a única forma não arbitrária de oneração entre estas é aquela que impõe o menor dano à esfera jurídica do particular Portanto não é necessário sopesar o direito à efetividade da tutela jurisdicional e o direito de defesa Esses direitos não entram em colisão Cada um deles incide num plano distinto sem que se produza qualquer espécie de antinomia O primeiro exige a seleção de um meio idôneo para a proteção do direito reivindicado o segundo a escolha na hipótese de existirem diversos meios idôneos daquele que se mostre como o menos lesivo à esfera jurídica do particular afetado Como está claro no caso da eficácia horizontal mediatizada pela decisão jurisdicional a ponderação é feita para que o direito fundamental tenha eficácia sobre os particulares Já no caso da eficácia vertical com repercussão lateral não há falar em ponderação ou em sopesamento mas em um teste de adequação pelo motivo de que o Estado se submete diretamente ao direito fundamental à tutela jurisdicional e em um teste de necessidade ou lesividade mínima vez que essa eficácia pode se refletir ou repercutir sobre a parte e por isso a sua legitimidade tem de ser submetida à análise do direito de defesa O que realmente importa porém é que as definições de eficácia horizontal mediatizada pela jurisdição e de eficácia vertical com repercussão lateral permitem que se compreenda a possibilidade de a jurisdição suprir a omissão do legislador em proteger um direito fundamental material e em dar ao juiz os instrumentos ou as técnicas processuais capazes de conferir efetividade à proteção jurisdicional dos direitos sejam fundamentais ou não sem que com isso se retire da parte atingida pela atuação jurisdicional o direito de fazer com que os seus direitos sejam considerados diante do caso concreto 8187 Legitimidade do raciocínio decisório no suprimento de técnica processual Tratandose de omissão de regra processual ou de inexistência de técnica processual adequada ao caso concreto não bastará ao juiz apenas demonstrar a imprescindibilidade de determinada técnica processual não prevista em lei mas também argumentar considerando o direito de defesa que a técnica processual identificada como capaz de dar efetividade à tutela do direito é a que traz a menor restrição possível à esfera jurídica do réu No caso de omissão inconstitucional a identificação das necessidades dos casos concretos e o uso das técnicas processuais idôneas para lhes dar proteção obviamente devem ser precisamente justificados Na verdade o juiz deve estabelecer uma relação racional entre o significado da tutela jurisdicional no plano substancial tutela inibitória ressarcitória etc as necessidades do caso concreto e a técnica processual sentença executiva multa busca e apreensão etc Em outros termos deve demonstrar que determinada situação de direito material deve ser protegida por certo tipo de tutela jurisdicional e que para que essa modalidade de tutela jurisdicional possa ser implementada deve ser utilizada uma precisa técnica processual Antes de partir para o encontro da técnica processual adequada o juiz deve demonstrar as necessidades de direito material indicando como as encontrou no caso concreto de maneira que a argumentação relativa à técnica processual se desenvolve sobre um discurso de direito material já justificado Nesse caso existem dois discursos um primeiro sobre o direito material e outro incidente sobre o primeiro a respeito do direito processual O discurso de direito processual é um sobrediscurso ou um metadiscurso no sentido de que recai sobre um discurso que lhe serve de base para o desenvolvimento 414 O discurso jurídicoprocessual é portanto um discurso que tem a sua base em um discurso de direito material É certo que a idoneidade desses dois discursos se vale dos benefícios gerados pela realização e pela observância das regras do procedimento judicial Mas ainda assim não se pode deixar de perceber a nítida distinção entre um discurso de direito material legitimado pela observância do procedimento judicial e um discurso de direito processual que além de se beneficiar das regras do procedimento judicial se sustenta sobre outro discurso de direito material O discurso de direito processual ou mais precisamente o que identifica a necessidade de uma técnica processual não prevista na lei não representa qualquer ameaça à segurança jurídica na medida em que parte de um discurso que se apoia nos fatos e no direito material O discurso processual objetiva atender a uma situação já demonstrada pelo discurso de direito material e não pode esquecer que a técnica processual eleita deve ser a mais suave ou seja a que tutelando o direito cause a menor restrição possível ao réu A justificativa obedecendo a esses critérios dá às partes a possibilidade de controle da decisão jurisdicional A diferença é a de que em tais situações o controle da atividade do juiz é muito mais complexo e sofisticado do que aquele que ocorria com base no princípio da tipicidade quando o juiz apenas podia usar os instrumentos processuais definidos na lei Mas essa mudança na forma de pensar o controle jurisdicional é apenas reflexo da necessidade de se dar maior poder ao juiz em parte a ele já entregue pelo próprio legislador ao fixar as normas abertas e da transformação do próprio conceito de direito que submete a compreensão da lei aos direitos fundamentais IV AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 819 Primeiras considerações A ação direta de inconstitucionalidade constitui ação cujo objeto é a aferição da constitucionalidade da norma Nesta ação não há conflito de interesses entre partes O controle de constitucionalidade não é feito de modo incidental no curso do raciocínio judicial tendente à solução de um litígio mas de forma principal já que na ação direta de inconstitucionalidade se pede a declaração da inconstitucionalidade sendo pressuposto para o seu julgamento apenas a análise da constitucionalidade da norma Lembrese que no controle incidental a constitucionalidade importa apenas como prejudicial à resolução do mérito Nesse caso a constitucionalidade da norma não é o objeto da ação mas o seu exame constitui antecedente necessário ao julgamento do litígio esse sim o objeto da ação entre as partes Daí a percepção de que enquanto no controle incidental o objeto da ação é o litígio entre as partes no controle principal o objeto da ação é a própria constitucionalidade da norma A aferição da constitucionalidade da norma na ação que a tem como objeto é feita em abstrato ao contrário do que se dá quando se analisa a constitucionalidade como prejudicial à solução de litígio Na ação direta não há caso concreto que tenha como pressuposto a aplicação da norma motivo pelo qual se diz que o controle de constitucionalidade é feito em tese ou em abstrato A razão de ser de uma ação em que se pede exclusivamente declaração de inconstitucionalidade advém da necessidade de se eliminar da ordem jurídica norma que seja incompatível com a Constituição 416 Tutelase assim a ordem jurídica A decisão que declara a inconstitucionalidade produz efeitos erga omnes resultando inquestionável diante de todos e na mesma medida a norma não é mais aplicável 417 A ação direta assim é ação em que não se tem caso concreto julgamento de litígio e coisa julgada material inter partes Constitui como visto ação voltada unicamente à análise de pedido de inconstitucionalidade que deve ser feita em abstrato tendo a sua sentença efeitos erga omnes precisamente porque a constitucionalidade da norma diz respeito a todos e não a partes O controle de constitucionalidade com o caráter de principal pode ocorrer perante o STF e diante dos Tribunais de Justiça No STF o parâmetro de controle é a Constituição Federal sendo objeto de controle as leis e atos normativos federais e estaduais 418 Nos Tribunais de Justiça o parâmetro é a Constituição Estadual constituindo objeto de controle as leis e atos normativos estaduais e municipais 419 820 Legitimidade 8201 Extensão da legitimidade legitimados universais e especiais e capacidade para postular Entre 1965 quando se criou a dita ação genérica para o controle abstrato da constitucionalidade e a promulgação da Constituição de 1988 a competência para propor a ação direta de inconstitucionalidade era exclusiva do ProcuradorGeral da República na época cargo de confiança do Presidente da República Como a possibilidade de tutela da ordem objetiva é proporcional à abertura da legitimidade à instauração do controle abstrato de constitucionalidade é intuitivo que a restrição da legitimidade gera não só um déficit de participação como também uma minimização de oportunidades para o STF expulsar do sistema normas que violem a Constituição Daí por que o incremento dos legitimados à ação de inconstitucionalidade configura além de otimização da democracia participativa importante reforço à tutela da ordem jurídica e à afirmação da força normativa da Constituição 420 A Constituição de 1988 no art 103 afirma que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade o Presidente da República a Mesa do Senado Federal a Mesa da Câmara dos Deputados a Mesa de Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal o Governador de Estado ou do Distrito Federal o ProcuradorGeral da República o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil partido político com representação no Congresso Nacional e confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional dando extensão muito mais significativa à possibilidade de participação do próprio poder e da sociedade ainda que de forma indireta no controle da ordem jurídica e na fiscalização da tutela estatal dos direitos fundamentais A norma do art 103 define os legitimados à propositura da ação excluindo assim aqueles que nela não estejam contemplados mas configura notável ampliação à instauração da via de controle abstrato de constitucionalidade Deixouse de lado a ideia de que a provocação do controle abstrato deveria ser reservada ao ProcuradorGeral da República não apenas porque se descartou a suposição de que seria inoportuno atribuíla a outros mas especialmente porque se percebeu que o fortalecimento do número de legitimados seria imprescindível para a própria tutela da ordem constitucional e para a harmonia da vida democrática 421 Considerando os legitimados do art 103 da CF o STF fez distinção entre uma qualidade intrínseca aos legitimados que teve como efeito obrigar apenas alguns a demonstrar a relação de pertinência entre os seus fins e propósitos e a norma impugnada 422 Falase assim de legitimados que em virtude de seu papel institucional sempre estão autorizados a solicitar a tutela da Constituição e de legitimados que ao constituírem órgãos e entidades somente têm legitimidade para impugnar normas que diretamente afetem suas esferas jurídicas ou de seus filiados Nesta dimensão entendeuse que são legitimados universais o Presidente da República a Mesa do Senado Federal a Mesa da Câmara dos Deputados o ProcuradorGeral da República o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e partido político com representação no Congresso Nacional enquanto são legitimados especiais o Governador de Estado ou do Distrito Federal a Mesa de Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal e confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional 423 Ademais há diferença entre ter legitimidade para pedir a declaração de inconstitucionalidade de lei e ter capacidade para postular sem a mediação de advogado a tutela jurisdicional de inconstitucionalidade bem como diretamente atuar no processo jurisdicional que lhe é correspondente É inquestionável que ter legitimidade para determinada ação não significa ter capacidade de postular em juízo Em regra a circunstância de ter legitimidade não confere capacidade para postular na respectiva ação assim como capacidade de postular do advogado obviamente nada tem a ver com legitimidade para a causa Porém tratandose de ação direta entendese que os legitimados delineados entre os incisos I e VII do art 103 da CF com exceção assim de partido político com representação no Congresso Nacional e de confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional igualmente incorporam capacidade postulatória podendo postular e atuar no processo objetivo sem a dependência de advogado para tanto Neste sentido decidiu o STF na ADIn 127 que o Governador do Estado e as demais autoridades e entidades referidas no art 103 I a VII da CF além de ativamente legitimados à instauração do controle concentrado de constitucionalidade das leis e atos normativos federais e estaduais mediante ajuizamento da ação direta perante o STF possuem capacidade processual plena e dispõem ex vi da própria norma constitucional de capacidade postulatória podendo em consequência enquanto ostentarem aquela condição praticar no processo de ação direta de inconstitucionalidade quaisquer atos ordinariamente privativos de advogado 424 No julgamento da referida ADIn 127 em que se discutiu acerca da capacidade postulatória do Governador do Estado de Alagoas o Min Sepúlveda Pertence advertiu que a propositura da ação direta é o exercício de uma função estatal do órgão público competente e não de um direito subjetivo do funcionário para daí concluir que a capacidade postulatória advém da investidura no cargo somada à legitimação constitucional Nesses termos a prática pessoal dos atos de provocação à jurisdição constitucional não apenas lhe seria permitida mas em verdade seria necessária 425 Outorgase legitimidade à ação direta para se viabilizar a tutela do direito objetivo constituindo a maior ou menor extensão de legitimidade questão afeta aos limites da própria democracia participativa De modo que a atribuição de legitimidade para a correção da ordem jurídica não pode ser comparada com a legitimidade ad causam peculiar ao processo destinado à solução de conflitos entre partes Ter legitimidade à ação direta significa ter poder para postular a adequação do sistema jurídico o que traz consigo nas hipóteses entre os incisos I e VII do art 103 da CF o poder para pessoalmente apresentar a petição inicial e praticar os demais atos processuais necessários à efetivação do controle abstrato 426 Portanto a petição inicial da ação proposta pelo Governador do Estado não precisa ser assinada pelo ProcuradorGeral do Estado Notese aliás que a legitimidade do Governador do Estado nada tem a ver com poder de atuação participação ou legitimação do Estado Bem por isso não se admite ao Estado interpor recurso contra a decisão adversa ao Governador 427 Porém isso não significa que o legitimado que possui capacidade postulatória ao pessoalmente exercer o poder de instaurar o controle abstrato não possa se valer do trabalho de inestimável valor de Procurador do Estado ou de advogado privado contratado especialmente para o caso 8202 Legitimidade pertinência temática e interesse de agir O STF ao tratar das hipóteses em que Mesa de Assembleia Legislativa Governador de Estado confederação sindical e entidade de classe de âmbito nacional podem figurar como autores da ação direta estabeleceu que a legitimidade somente estará configurada quando existir relação de pertinência entre os interesses do requerente e a norma a que se atribui a marca de inconstitucionalidade Afirma a jurisprudência do Supremo Tribunal neste sentido que a legitimidade ativa da confederação sindical entidade de classe de âmbito nacional Mesas das Assembleias Legislativas e Governadores para a ação direta de inconstitucionalidade vinculase ao objeto da ação pelo que deve haver pertinência da norma impugnada com os objetivos do autor da ação 428 Cabe analisar contudo se é possível compreender o requisito da pertinência temática como sinal que quando ausente faz surgir ausência de interesse de agir 429 É certo que o interesse de agir está associado à utilidade do provimento jurisdicional reclamado Porém a falta de pertinência temática jamais excluirá o interesse de agir de alguém que tenha sido definido como detentor de legitimidade Quando se diz que um legitimado é obrigado a demonstrar a relação de pertinência entre os seus interesses e a norma impugnada existe bem vistas as coisas um aprofundamento das exigências definidas na norma para a configuração da legitimidade Bem por isso especialmente quando a legitimidade é atribuída por norma constitucional para a instauração da fiscalização abstrata de norma a limitação judicial tornase extremamente problemática 8203 Governador de Estado e Assembleia Legislativa O Governador do Estado e a Mesa da Assembleia Legislativa podem propor ação direta para o reconhecimento da inconstitucionalidade de norma que pode provir do seu próprio Estado 430 mas também pode ser originária da União ou de outro Estado da Federação Quando se afirma a inconstitucionalidade de norma emanada da União ou de outro Estado entende o STF que o autor deve demonstrar a relação de pertinência entre a impugnação que apresenta e os seus interesses Há questão julgada na ADIn 2656 que bem exemplifica o ponto Tal ação direta foi proposta pelo Governador do Estado de Goiás para ver reconhecida a inconstitucionalidade de lei editada pelo Governo do Estado de São Paulo A lei impunha restrições à comercialização de amianto crisotila cuja maior reserva natural está situada em Goiás Entendeuse que como a lei teria evidentes reflexos na economia do Estado de Goiás o seu Governador teria legitimidade para propor a ação direta de inconstitucionalidade em face da lei paulista 431 Em outro caso o Governador do Estado de Minas Gerais asseverou inconstitucional o Convênio ICMS 5100 que estabelecia disciplina relacionada com as operações com veículos automotores novos efetuadas por meio de faturamento direto para o consumidor Entendeuse que a ação direta por impugnar norma que envolvia as demais unidades federadas obrigava à demonstração dos interesses do Governador de Minas Gerais na impugnação da norma No entanto como no Convênio se fixara cláusula que afastava da incidência das normas nele existentes as operações com os veículos que se destinassem ou tivessem origem no Estado de Minas Gerais concluiuse que o Convênio teria ficado neutro em relação a Minas Gerais pelo que não se poderia assentar no campo do interesse o atendimento ao pressuposto que legitima um Estado a atacar no âmbito do controle concentrado diploma emanado de Estado diverso ou da União 432 Por conta disso a ação direta não foi conhecida por unanimidade 433 8204 Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil é legitimado universal à propositura da ação direta de inconstitucionalidade A vocação da Ordem dos Advogados para a defesa do regime democrático e para a tutela da ordem jurídica além do seu efetivo e concreto papel na vida social e política do País conferem ao Conselho Federal da Ordem dos Advogados a condição de legitimado que para atuar na defesa da Constituição não precisa demonstrar a relação de pertinência entre os seus interesses ou de seus filiados e a norma acusada de inconstitucional Assim importa deixar clara a distinção de qualidade de participação do Conselho Federal da Ordem dos Advogados em face das entidades de classe de âmbito nacional bem como a impossibilidade de outros Conselhos poderem propor a ação direta 434 Como já declarou o STF a legitimação do Conselho Federal da Ordem dos Advogados deriva expressamente da Constituição Federal daí resultando a ilegitimidade de todos os demais Conselhos 435 e a sua posição evidentemente especial em relação às entidades de classe de âmbito nacional 436 8205 Partido político A Constituição deu legitimidade ao partido político para propor ação de inconstitucionalidade e constitucionalidade exigindolhe apenas representação no Congresso Nacional A legitimidade se distancia da lógica que requer para a propositura da ação de inconstitucionalidade a conjugação de determinado número de parlamentares como também não vincula a legitimidade do partido a certo número de representantes no parlamento Assim basta que o partido político tenha um só representante para ter legitimidade à propositura da ação 437 Não se aplica aos partidos políticos a exigência da demonstração de pertinência temática A abertura da viabilidade da impugnação mediante ação direta não se relaciona ao programa do partido mas ao simples fato de ter um representante no parlamento Na ADIn 1407 o Supremo declarou que os partidos políticos com representação no Congresso Nacional podem arguir a inconstitucionalidade de atos normativos federais estaduais ou distritais independentemente de seu conteúdo material uma vez que sobre eles não incide a restrição jurisprudencial derivada do vínculo de pertinência temática 438 Decidiuse na ADIn 1528 que o partido político para propor a ação direta não pode contar apenas com a intervenção de Diretório Regional ainda que o ato impugnado tenha sua amplitude normativa limitada ao Estado ou Município do qual se originou Afirmouse neste caso que o partido político deve estar representado pelo Diretório Nacional 439 Contudo o Supremo acabou por firmar a orientação no sentido de que a intervenção de Diretório não é imprescindível bastando a decisão do presidente do partido para a propositura da ação direta 440 Discutese ainda sobre a chamada perda de legitimidade superveniente do partido político derivada do fato de o partido após a propositura da ação direta ter deixado de ter representante no Congresso Nacional Decidiuse na ADIn 2054 que a perda do último representante do partido político no Congresso geraria consequente perda superveniente de legitimidade à ação a menos que já iniciado o julgamento 441 Posteriormente considerandose a natureza objetiva da ação deixouse de lado a ideia de que a perda superveniente de representação no Congresso deveria levar à extinção do processo impedindo a realização do controle abstrato da constitucionalidade Neste sentido dada a indisponibilidade da ação derivada da natureza do controle de constitucionalidade não se poderia atribuir à perda superveniente de representação no Congresso o efeito de obstaculizar o julgamento da ação direta Em outros termos não mais se relacionou a perda de representação com a perda de legitimidade à ação ou melhor não mais se extraiu da perda de representação a impossibilidade de o Tribunal realizar o controle de constitucionalidade já que a ação ao conferir ao Supremo Tribunal tal dever continha a condição da legitimidade ad causam 442 8206 Confederação sindical e entidade de classe de âmbito nacional Entende o STF que entre as entidades sindicais apenas as confederações sindicais têm legitimação para propor ação direta de inconstitucionalidade 443 O art 535 444 da CLT foi recebido pela Constituição de 1988 exigindo que as confederações sindicais se organizem com um mínimo de três federações De modo que sindicatos e federações ainda que de âmbito nacional não são legitimados para a ação 445 Há maior dificuldade em precisar entidade de classe de âmbito nacional 446 Entidade de classe em princípio é a que em essência representa o interesse comum de de terminada categoria 447 Já disse o STF que a Central Única dos Trabalhadores CUT constituída por pessoas jurídicas de natureza vária e que representam categorias profissionais diversas não se enquadra na expressão entidade de classe de âmbito nacional uma vez que não é uma entidade que congregue os integrantes de uma determinada atividade ou categoria profissional ou econômica e que portanto represente em âmbito nacional uma classe 448 Este entendimento do STF foi mantido mesmo depois das inovações da legislação trabalhista brasileira promovidas pela Lei 116482008 Este diploma expressamente reconheceu a central sindical como entidade de representação geral dos trabalhadores art 1º caput definindoa como a entidade associativa de direito privado composta por organizações sindicais de trabalhadores parágrafo único O STF entendeu que as centrais sindicais embora reconhecidas formalmente representam interesses gerais dos trabalhadores não se confundindo com as confederações sindicais essas sim capazes de representar os interesses de categorias profissionais ou econômicas específicas 449 Também a União Nacional dos Estudantes UNE entidade representativa dos estudantes universitários brasileiros não é considerada como entidade de classe pois o STF entende que a expressão classe do art 103 IX não se refere a qualquer segmento social em geral mas especificamente a categoria profissional 450 Igualmente já afirmou o Supremo que não se qualificam como entidades de classe para fins de ajuizamento de ação direta de inconstitucionalidade aquelas que são constituídas por mera fração de determinada categoria funcional 451 Na ADIn 1486 decidiuse que há legitimidade para a causa quando a associação abarca categoria profissional ou econômica no seu todo e não quando abrange fração de uma categoria ainda que de âmbito nacional 452 Na ADIn 2713 a Min Ellen Gracie lembrou que na ADIn 159 a Corte entendeu que a Associação Nacional dos Procuradores do Estado Anape constitui entidade de classe nos termos do art 103 IX uma vez que as atividades desempenhadas pelos Procuradores dos Estados e do Distrito Federal representação judicial e consultoria jurídica das respectivas unidades federadas mereceram relevante destaque por parte da Constituição Federal Tal entendimento firmouse como exceção à orientação até então traçada que negava legitimidade ativa à associação representativa de simples segmento de servidores públicos integrantes de uma das diversas carreiras existentes no âmbito dos poderes estatais ADIn 591 e 1297 rel Min Moreira Alves A partir daí com relação às carreiras do serviço público passouse a considerar dotados de legitimação para propor o controle abstrato os organismos associativos de certas carreiras cuja identidade decorre da própria Constituição nas precisas palavras do eminente Min Sepúlveda Pertence por ocasião do julgamento da ADIn 809 453 O Supremo também não admitiu que entidade reunindo pessoas jurídicas configurando o que se denominou associação de associações tivesse legitimidade para a propositura da ação de inconstitucionalidade 454 Na ADIn 3153 entretanto entendeuse que a ação poderia ser proposta por federação integrada por associações estaduais argumentandose que o conceito de entidade de classe é dado pelo objetivo institucional classista pouco importando que a eles diretamente se filiem os membros da respectiva categoria social ou agremiações que os congreguem com a mesma finalidade em âmbito territorial mais restrito É entidade de classe de âmbito nacional como tal legitimada à propositura da ação direta de inconstitucionalidade CF art 103 IX aquela na qual se congregam associações regionais correspondentes a cada unidade da Federação a fim de perseguirem em todo o País o mesmo objetivo institucional de defesa dos interesses de uma determinada classe 455 Na ADIn 386 tocandose na questão do âmbito nacional da entidade de classe declarouse que não é entidade de classe de âmbito nacional para os efeitos do inciso IX do art 103 da Constituição a que só reúne empresas sediadas no mesmo Estado nem a que congrega outras de apenas quatro Estados da Federação 456 Como o requisito do âmbito nacional certamente não se contenta com declarações formais constantes em estatutos ou atos constitutivos e diante da dificuldade em definir com objetividade quando uma entidade de classe possui abrangência nacional concluiuse na ADIn 108 que esse requisito pressupõe além da atuação transregional da instituição a existência de associados ou membros em pelo menos nove Estados da Federação aplicandose de forma analógica a Lei Orgânica dos Partidos Políticos 457 Este critério cede como não poderia deixar de ser quando a categoria de associados existir em menos de nove Estados conforme se reconheceu na ADIn 2866 ajuizada pela Associação Brasileira dos Extratores e Refinadores de Sal contra a Lei 82992003 do Estado do Rio Grande do Norte que dispôs sobre formas de escoamento do sal marinho produzido no Rio Grande do Norte Neste caso entendeuse pela impossibilidade de aplicação do critério adotado para a definição do caráter nacional dos partidos políticos Lei 90961995 art 7º considerandose a relevância nacional da atividade dos associados e a circunstância de a produção de sal existir apenas em poucas unidades da Federação 458 Resta analisar por fim o requisito da pertinência temática exigido para configurar a legitimidade tanto das confederações quanto das entidades de classe de âmbito nacional Entende o STF que a legitimidade da confederação sindical e da entidade de classe de âmbito nacional assim como da Mesa de Assembleia Legislativa e de Governador é vinculada ao objeto da ação pelo que deve haver pertinência entre os objetivos do autor e a norma impugnada 459 Ou melhor firmouse o entendimento de que as entidades de classe e as confederações sindicais somente têm legitimidade quando a norma apontada como inconstitucional disser respeito aos interesses típicos da classe representada 460 821 Objeto 461 Diz o art 102 I a da CF que podem ser objeto de controle de constitucionalidade por intermédio de ação direta leis ou atos normativos federais ou estaduais Significa dizer que todos os atos normativos primários editados pela União e pelos Estados podem ser objeto de ação direta de inconstitucionalidade Não são passíveis de controle as normas constitucionais primárias 462 São porém as normas constitucionais secundárias vale dizer as emendas constitucionais e os tratados internacionais acerca de direitos humanos aprovados por quórum qualificado pelo Congresso Nacional nos termos do art 5º 3º da CF 463 Várias emendas constitucionais foram objeto de ação direta de inconstitucionalidade como por exemplo a EC 2 que antecipou a data do plebiscito previsto no art 2º do ADCT 464 a EC 3 que instituiu a ação direta de constitucionalidade 465 a EC 20 que tratou da proteção à gestante 466 e a EC 45 acerca da reforma do Judiciário 467 Admitese também a aferição da constitucionalidade de proposta de emenda constitucional antes de sua promulgação Lembrese de que o STF admite o controle judicial do processo legislativo em nome do direito subjetivo do parlamentar de impedir que a elaboração dos atos normativos incida em desvios inconstitucionais 468 Aceitase assim a utilização de mandado de segurança controle incidental quando a vedação constitucional se dirige ao próprio processamento da lei ou da emenda 469 Frisese que nesta hipótese não há controle preventivo de constitucionalidade mas controle judicial repressivo por intermédio de mandado de segurança Se determinada norma constitucional veda a apresentação da emenda isso obstaculiza o processo legislativo Há inconstitucionalidade muito antes de se chegar à deliberação pois a própria incoação do processo é inconstitucional Ora existe brutal distância entre alegar violação de norma constitucional que impede o andamento de processo legislativo e afirmar inconstitucionalidade decorrente de lei que ainda está por ser editada 470 Pode surgir hipótese de ação de inconstitucionalidade de lei perante emenda constitucional que o Tribunal entenda ser no respectivo processo objetivo inconstitucional concluindose dessa forma que inconstitucional é o que se apontou como parâmetro de constitucionalidade Num caso como este o problema não está propriamente em tomar em conta o direito constitucional originário como parâmetro de controle mas em ter como objeto de controle algo que não fez parte do pedido formulado mediante a ação O pedido de inconstitucionalidade é da lei e não da emenda constitucional o que impede o Tribunal de declarar a última inconstitucional De modo que se o Tribunal entender que a emenda constitucional ofertada como parâmetro é inconstitucional ele terá de julgar o pedido em face do texto constitucional primário Neste caso porém seria possível questionar se o conceito de causa de pedir aberta permite o salto do direito constitucional secundário para o direito constitucional primário Se o direito constitucional originário aparece em virtude do desaparecimento do secundário há entre eles imbricação iniludível a impor o controle a partir do direito constitucional que emerge vivo e apto para fazer inconstitucional lei que eventualmente com ele se contraponha Isso não quer dizer obviamente que a aferição do pedido a partir do direito constitucional originário deva levar a um julgamento de constitucionalidade mas que o julgamento deve ser feito para se ter a norma como constitucional ou não já que a admissão da inconstitucionalidade da emenda constitucional não é garantia da constitucionalidade da norma impugnada 471 Esclareçase ademais que no exemplo anterior a lei foi editada sob a égide da emenda constitucional donde a admissibilidade da ação direta A lei editada sob a vigência de emenda constitucional inconstitucional é passível de controle sob o direito originário São passíveis de controle de constitucionalidade leis federais de qualquer forma ou conteúdo 472 As leis complementares as leis ordinárias as leis delegadas as medidas provisórias os decretos legislativos as resoluções das Casas Legislativas os decretos presidenciais os regimentos internos dos Tribunais Superiores os atos normativos expedidos por pessoas jurídicas de direito público federal entre outros podem ser objeto de ação direta de inconstitucionalidade Menção especial merece o que se dá no aspecto procedimental em relação às medidas provisórias Como a medida provisória pode ou não ser convertida em lei é preciso que em caso de conversão em lei ou de reedição da medida provisória o requerente adite a petição inicial da ação direta 473 sendo que uma vez decorrido o prazo para a sua apreciação pelo Congresso Nacional ou na hipótese de sua expressa rejeição o processo objetivo será julgado extinto por perda de objeto da ação direta 474 Outro ponto particular é o de que a liminar ao suspender os efeitos da norma da medida provisória tem eficácia até o instante em que a medida provisória deixa de poder ser convertida em lei Igualmente se expõe ao controle de constitucionalidade o direito estadual assim as próprias Constituições estaduais leis estaduais decretos regimentos internos dos Tribunais de Justiça e Assembleias Legislativas e atos normativos editados por pessoas jurídicas de direito público estadual A Constituição Estadual deve respeito a regras e princípios encartados na Constituição Federal sujeitandose ao controle de constitucionalidade 475 Por outro lado tudo o que é correlato quando vindo do Distrito Federal art 32 1º da CF 476 pelos mesmos motivos não pode deixar de se sujeitar ao controle de constitucionalidade Assim a lei orgânica e demais leis e atos normativos distritais com exceção obviamente das normas que o Distrito Federal edita ao exercer competência legislativa municipal já que as normas municipais não se sujeitam ao controle de constitucionalidade em face da Constituição Federal 477 Diante do assunto o STF editou a Súmula 642 com o seguinte teor Não cabe ação direta de inconstitucionalidade de lei do Distrito Federal derivada da sua competência legislativa municipal Não há dúvida de que o controle abstrato não se destina a ato não dotado de abstração e generalidade O entendimento do STF é pacífico no sentido de que os atos de efeitos concretos não abrem ensejo para a ação direta de inconstitucionalidade 478 Porém afirma se que também são insuscetíveis de controle abstrato determinados atos ainda que revestidos sob a forma de lei como as leis orçamentárias Assim por exemplo decidiuse na ADIn 4041 que as leis em sentido formal como as que veiculam matéria orçamentária limitandose à previsão de receita e despesa ou ainda à abertura de créditos orçamentários não são dotadas de generalidade e abstração caracteres próprios dos atos normativos os únicos passíveis de controle de constitucionalidade pela via principal 479 Deuse uma guinada no julgamento da ADIn 820 em que se tratou do mesmo tema Declarouse que a norma impugnada embora tratando de matéria orçamentária consubstanciaria lei norma possuindo generalidade e abstração suficientes sendo seus destinatários determináveis e não determinados 480 No julgamento da ADIn 4048 chegouse à conclusão de que seria o momento de rever a jurisprudência sobre a viabilidade do controle abstrato de normas orçamentárias argumentandose que o STF deve exercer sua função precípua de fiscalização da constitucionalidade das leis e dos atos normativos quando houver um tema ou uma controvérsia constitucional suscitada em abstrato independentemente do caráter geral ou específico concreto ou abstrato de seu objeto 481 As leis revogadas não abrem margem à ação direta de inconstitucionalidade por não haver sentido em declarar inconstitucional o que não mais existe De outra parte se em princípio haveria razão para declarar a perda de interesse superveniente no caso de revogação posterior ao ajuizamento da ação 482 não há como deixar de ver que dessa forma isentamse de reprimenda os efeitos da lei Melhor explicando a revogação ao impedir a decisão de inconstitucionalidade deixa vivos e intocáveis os efeitos que pela lei foram produzidos trazendo benefícios àqueles que apostaram na agressão à Constituição Não obstante em tal caso é possível pensar na arguição de descumprimento de preceito fundamental uma vez que esta é cabível quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal estadual ou municipal art 1º parágrafo único I da Lei 98821999 Entendese que a lei anterior à Constituição não pode ser objeto de controle de constitucionalidade Lei objeto de controle é lei editada à luz do parâmetro de controle ou seja à luz da Constituição vigente Direito préconstitucional é direito que pode ser recepcionado pela Constituição Afirmase nesta linha que a lei préconstitucional não pode ser objeto de ação direta de inconstitucionalidade ou do controle abstrato 483 podendo a sua recepção pela Constituição ser objeto de análise como prejudicial à solução dos litígios Contudo a circunstância de a ação direta produzir efeitos erga omnes e vinculantes daria segurança e proporcionaria estabilidade em relação à norma editada anteriormente ao texto constitucional em vigor Bem por isso argumentouse na ADPF 33 que a possibilidade de incongruências hermenêuticas e confusões jurisprudenciais decorrentes dos pronunciamentos de múltiplos órgãos pode configurar uma ameaça a preceito fundamental pelo menos ao da segurança jurídica o que também está a recomendar uma leitura compreensiva da exigência aposta à lei da arguição de modo a admitir a propositura da ação especial toda vez que uma definição imediata da controvérsia mostrarse necessária para afastar aplicações erráticas tumultuárias ou incongruentes que comprometam gravemente o princípio da segurança jurídica e a própria ideia de prestação judicial efetiva Ademais a ausência de definição da controvérsia ou a própria decisão prolatada pelas instâncias judiciais poderá ser a concretização da lesão a preceito fundamental Em um sistema dotado de órgão de cúpula que tem a missão de guarda da Constituição a multiplicidade ou a diversidade de soluções pode constituirse por si só em uma ameaça ao princípio constitucional da segurança jurídica e por conseguinte em uma autêntica lesão a preceito fundamental Concluiuse em face desses argumentos e considerando a razoabilidade e o significado para a segurança jurídica da tese que recomenda a extensão do controle abstrato de normas também ao direito préconstitucional que não se afiguraria despropositado cogitar da revisão da jurisprudência do STF sobre a matéria observandose contudo que a questão ganhou novos contornos com a aprovação da Lei 98821999 que disciplina a arguição de descumprimento de preceito fundamental e estabelece expressamente a possibilidade de exame da compatibilidade do direito préconstitucional com norma da Constituição Federal pelo que toda vez que se configurar controvérsia relevante sobre a legitimidade do direito federal estadual ou municipal anteriores à Constituição em face de preceito fundamental da Constituição poderá qualquer dos legitimados para a propositura de ação direta de inconstitucionalidade propor arguição de descumprimento 484 Seguindose na mesma linha decidiuse na ADPF 129 que como ela é cabível para evitar ou reparar lesão a preceito fundamental resultante de ato do Poder Público ou quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal estadual ou municipal inclusive anteriores à Constituição não sendo admitida a utilização de ações diretas de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade isto é não se verificando a existência de meio apto para solver a controvérsia constitucional relevante de forma ampla geral e imediata há de se entender possível a utilização da arguição de descumprimento de preceito fundamental sob o aspecto do princípio da subsidiariedade quando a norma nela impugnada veio a lume antes da vigência da Constituição de 1988 485 822 Parâmetro de controle Parâmetro de controle é a expressão utilizada para significar a base a partir de que as leis ou os atos normativos são analisados para se chegar à conclusão acerca da sua constitucionalidade Tratase assim da matéria que serve ao controle ou da substância com que deve se compatibilizar tudo o que pode ser objeto do controle Em princípio parâmetro de controle é a Constituição vigente 486 Por consequência as emendas constitucionais igualmente constituem parâmetro de controle sejam elas fruto do art 3º do ADCT 487 ou do art 60 da CF 488 As emendas constitucionais podem ter caráter aditivo supressivo ou modificativo Podem assim acrescer dispositivo ou suprimir ou alterar disposição do texto constitucional Isso não quer dizer que todos os dispositivos de emenda constitucional tenham de ser necessariamente incorporados ao texto da Constituição acontecendo de em alguns casos isso não acontecer vindo assim a surgir parâmetro de controle de constitucionalidade formalmente externo ao texto constitucional A EC 452004 introduziu 3º 489 ao art 5º o qual afirma que os tratados e as convenções internacionais sobre direitos humanos aprovados por quórum qualificado no Congresso Nacional são equivalentes às emendas constitucionais O tratado de direitos humanos que for aprovado em cada Casa do Congresso Nacional em dois turnos por três quintos dos votos dos respectivos membros por ter força de emenda constitucional constitui parâmetro de controle de constitucionalidade Quando a alegação de inconstitucionalidade pressupõe a confrontação da norma com lei infraconstitucional entendese que a arguição de inconstitucionalidade não é direta ao texto constitucional mas apenas reflexa o que retira da Constituição a qualidade de parâmetro de controle 490 Não é possível confrontar lei com norma constitucional suprimida ou modificada Essa norma deixa de ser obviamente parâmetro de controle 491 Caso a ação direta tenha sido proposta em face de norma constitucional que no curso do processo é suprimida ou modificada 492 ainda restaria a questão de saber se a norma antes impugnada como inconstitucional diante da nova conformação da realidade constitucional foi ou não recepcionada Decidiuse na ADIn 3833 que a alteração da Carta inviabiliza o controle concentrado de constitucionalidade de norma editada quando em vigor a redação primitiva 493 Assim a Corte não conheceu da ação direta de inconstitucionalidade averbando todavia o exaurimento da norma 494 impugnada Diante disso embora não se tenha admitido o controle da norma em face de parâmetro surgido posteriormente o resultado não foi de simples extinção do processo pois se averbou que a norma objeto do primitivo controle se exaurira 823 Procedimento A ação direta de inconstitucionalidade inicia mediante a apresentação de petição inicial que deve ser apresentada em duas vias e quando subscrita por advogado ser acompanhada de procuração com poderes específicos devendo conter cópias da lei ou do ato normativo impugnado e dos documentos necessários para comprovar a impugnação art 3º parágrafo único da Lei 98681999 Os seus principais requisitos estampados nos incisos do art 3º da Lei 98681999 constituem a causa de pedir e o pedido 495 Proposta a ação direta não se admite desistência 496 art 5º da Lei 98681999 Exigese descrição da norma apontada como inconstitucional e alusão ao preceito constitucional dito violado bem como a demonstração da incompatibilidade entre uma e outro mediante a apresentação de fundamentos capazes de evidenciála 497 O inciso I do art 3º alude aos fundamentos em relação a cada uma das impugnações Se a petição inicial impugnar mais de um dispositivo cada um deles pode ter razão específica para ser dito inconstitucional Nesse caso a inicial deverá apresentar os fundamentos pelos quais cada um dos dispositivos impugnados não se amolda à ordem constitucional Caso o fundamento para a demonstração da inconstitucionalidade seja único não obstante a autonomia de cada um dos dispositivos impugnados obviamente basta deixar claro que o mesmo fundamento está sendo utilizado para demonstrar a inconstitucionalidade dos vários dispositivos alegados inconstitucionais Além disso deve ser feito o adequado pedido em princípio de pronúncia de inconstitucionalidade da lei com as cominações necessárias É exatamente neste contexto que se fala de causa de pedir aberta como requisito da ação direta A ideia de causa de pedir aberta não quer isentar o autor de apresentar os fundamentos para a demonstração da inconstitucionalidade mas somente desvincular o Tribunal da necessidade de se ater ao específico fundamento alegado na inicial Tem a Corte o poder de considerar o texto constitucional em seu todo além de qualquer fundamento constitucional relacionado à norma infraconstitucional descrita na petição inicial 498 Assim se a causa de pedir certamente não pode deixar de ser deduzida pelo autor o Tribunal é circunscrito apenas pelo pedido de inconstitucionalidade em face do parâmetro de controle que é a Constituição Federal Porém se a inicial deixa de descrever norma que no curso do processo surge evidenciada como inconstitucional o Tribunal apenas pode declarar a sua inconstitucio nalidade se for o caso por arrastamento 499 O STF utiliza a expressão arrastamento para indicar o modo como dispositivos não expressamente impugnados na petição inicial são declarados inconstitucionais A inconstitucionalidade por arrastamento ocorre quando determinada norma não descrita na inicial possui conteúdo análogo ao da que foi expressamente impugnada ou quando a inconstitucionalidade de certa norma é consequência lógica inafastável da declaração da inconstitucionalidade daquela atacada na petição inicial Nesse caso bem vistas as coisas mais do que fundamentação adequada falta pedido de declaração de inconstitucionalidade em relação à norma No caso de petição inicial inepta não fundamentada ou manifestamente improcedente diz o art 4º da Lei 98681999 o relator deve indeferila liminarmente Entendese como inepta a petição inicial que deixa de apresentar cópia da lei ou do ato normativo impugnado 500 assim como a que quando subscrita por advogado não é acompanhada de procuração com poderes específicos 501 Quando o vício for suprível o relator deve conferir prazo para o aditamento da inicial 502 A previsão de que petição inicial não pode ser não fundamentada realça a necessidade de o autor ao pedir a pronúncia de inconstitucionalidade ter de demonstrar as razões da incompatibilidade entre a lei e a Constituição Manifestamente improcedente por lógica é a petição apta fundamentada em que estão presentes a causa de pedir e o pedido e as condições para a admissibilidade da ação mas que leva o relator a concluir de imediato que o pedido é improcedente Petição manifestamente improcedente em outros termos é a que faz surgir ao relator juízo de macroscópica improcedência O STF também aplica na ação direta de inconstitucionalidade a norma do art 21 1º do seu Regimento Interno que confere ao relator poder de negar seguimento a pedido ou recurso manifestamente inadmissível improcedente ou contrário à jurisprudência dominante ou à Súmula do Tribunal deles não conhecer em caso de incompetência manifesta encaminhandose os autos ao órgão que repute competente bem como cassar ou reformar liminarmente acórdão contrário à orientação firmada Essa norma além de corrigir a impropriedade do termo petição manifestamente improcedente evidencia a possibilidade de rejeitar liminarmente mediante a expressão negar seguimento a ação manifestamente inadmissível ou o pedido manifestamente contrário a súmula ou a precedente do STF além de dar ao relator no caso de incompetência manifesta o poder de encaminhar os autos ao órgão competente Salientese que o STF já reconheceu oportunidade para indeferir liminarmente a petição inicial da ação direta nos casos de impugnação de norma constitucional originária 503 de norma municipal 504 de norma de caráter secundário 505 e de norma cuja constitucionalidade já foi declarada pelo Plenário do STF ainda que em recurso extraordinário 506 Contra a decisão que indefere a petição inicial ou nega seguimento a ação manifestamente inadmissível ou a pedido manifestamente improcedente ou contrário à jurisprudência dominante ou a Súmula do Tribunal ou ainda que reconhece incompetência manifesta cabe agravo ao Plenário art 4º parágrafo único da Lei 98681999 Não cabe agravo porém quando a ação foi inadmitida pelo Plenário e não pelo relator 507 O Estado não tem legitimidade para interpor o agravo ainda que a ação direta tenha sido proposta pelo seu Governador 508 Além disso do teor da regra não se retira a possibilidade de interpor agravo contra a decisão do relator que deixa de liminarmente rejeitar a petição inicial 509 O juízo realizado em virtude do agravo deve se limitar a analisar a existência de inépcia não fundamentação ou manifesta improcedência Isso significa que quando a petição inicial contiver os seus requisitos mínimos e o pedido não for manifestamente improcedente o Plenário por ocasião do agravo não pode manter a decisão de rejeição liminar Esclareçase ainda que a Lei 98681999 contempla a possibilidade de o autor da ação direta de inconstitucionalidade requerer medida liminar para que se suspenda a aplicação da lei enquanto não julgado definitivamente o pedido de inconstitucionalidade Na hipótese não sendo o caso de indeferimento da petição inicial o relator dará oportunidade aos órgãos ou às autoridades das quais emanou a lei ou o ato normativo impugnado para se pronunciarem no prazo de cinco dias Diante do requerimento de liminar o relator tem a faculdade de ouvir o AdvogadoGeral da União e o ProcuradorGeral da República no prazo de três dias 510 Exceto no período de recesso quando a oportunidade da tutela deve ser apreciada pelo Presidente do STF ad referendum do Plenário 511 o requerimento de medida liminar apenas poderá ser julgado quando presentes no mínimo oito Ministros 512 e deferido somente por maioria absoluta isto é pela maioria dos membros da Corte e não pela maioria dos presentes na sessão de julgamento 513 É importante a previsão do art 12 da Lei 98681999 por dar ao relator a possibilidade diante do requerimento de liminar de pedir informações e requerer a manifestação do AdvogadoGeral da União e do ProcuradorGeral da República para submeter o caso para solução definitiva do Tribunal 514 Com isso eliminase eventual mal decorrente da provisoriedade da decisão fortalecendose a segurança jurídica 515 Sumarizase em termos formais o procedimento uma vez que sem a eliminação do aprofundamento do conhecimento da matéria encurtase o tempo necessário à sua solução definitiva Não tendo sido requerida ou tendo sido concedida ou não a liminar o relator pedirá informações aos órgãos ou às autoridades das quais emanou a lei ou o ato normativo impugnado as quais deverão ser apresentadas no prazo de 30 dias contado do recebimento do pedido art 6º parágrafo único da Lei 98681999 Do mesmo modo ainda que eventualmente o AdvogadoGeral da União e o ProcuradorGeral da República já tenham sido ouvidos no prazo relativo à liminar terão novamente oportunidade para se pronunciar art 8º da Lei 98681999 516 devendo o relator após pedir dia para julgamento Proferida a decisão cabem apenas embargos declaratórios Não se admite ação rescisória De acordo com o art 26 da Lei 98681999 a decisão que declara a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo em ação direta ou em ação declaratória é irrecorrível ressalvada a interposição de embargos declaratórios não podendo igualmente ser objeto de ação rescisória A parte final desta regra foi objeto da ADIn 2154 que está sendo processada em conjunto com a ADIn 2258 para aferir a constitucionalidade de outras tantas normas da Lei 98681999 tendo o STF por votação unânime rejeitado a arguição da sua inconstitucionalidade em 14022007 Entendeuse inconsistente a alegação de ofensa ao art 5º XXXV da CF argumentandose que ao não existir norma constitucional a exigir a ação rescisória a sua vedação por lei não poderia ser reputada inconstitucional a menos que configurandose arbitrária ou desarrazoada representasse ofensa a garantias constitucionais que lhe impusessem a admissão 517 Lembrese entretanto de que o não cabimento de ação rescisória não significa que a decisão de improcedência não possa ser revista quando a alteração da realidade a modificação dos valores sociais ou a nova concepção geral acerca do direito estiverem a impor ao Tribunal a revisão do seu precedente constitucional 518 824 Procedimento sumário em sentido formal O art 12 da Lei 98681999 confere ao STF poder para a partir de critérios peculiares à situação analisada sumarizar formalmente o procedimento da ação direta de inconstitucionalidade De acordo com o art 12 o relator poderá diante de requerimento de medida liminar prestadas as informações e ouvido o AdvogadoGeral da União e o ProcuradorGeral da República submeter o processo diretamente ao Tribunal para este julgar definitivamente a ação Uma vez postulada medida liminar o Tribunal teria de conceder ou não a liminar de acordo com a regra primária do procedimento Sucede que em determinadas situações a demora na definição da constitucionalidade da lei pode trazer grave perturbação às ordens jurídica e social trazendo prejuízos à coerência do direito à estabilidade e à confiança legítima nos atos estatais Assim o que legitima a sumarização do procedimento é justamente a necessidade de definir rapidamente a questão constitucional evitandose a perpetuação da incerteza do direito É certo que a incoerência da ordem jurídica e a desconfiança do cidadão na jurisdição poderiam ser minimizadas mediante a concessão de liminar eliminandose a difusão de decisões díspares em sede de controle difuso acerca do tema Porém determinadas matérias em vista da sua particular importância para a sociedade são incompatíveis com as medidas liminares cuja função é exatamente a de manter até a solução definitiva do caso uma regra provisória de regulação Ou melhor determinadas situações devido a sua relevância não suportam o tempo da provisoriedade Ademais a abreviação do tempo ao julgamento definitivo tem o efeito de possibilitar regular aplicação dos efeitos retroativos da decisão de inconstitucionalidade Em decisão proferida na ADIn 3615 observou a Min Ellen Gracie que nas recentes ações diretas que teriam tratado do tema que estava sob julgamento normalmente propostas logo após a edição da lei impugnada fora aplicado o rito célere do art 12 da Lei 98681999 pelo que o tempo necessário para o surgimento da decisão pela inconstitucionalidade dificilmente seria desarrazoado possibilitando a regular aplicação dos efeitos ex tunc 519 O art 12 bem por isso exige como pressuposto ao imediato julgamento definitivo da ação os requisitos da relevância da matéria e do seu especial significado para a ordem social e a segurança jurídica Apenas quando presentes esses requisitos é que o relator poderá submeter o processo que em princípio esperaria a solução de requerimento de medida liminar para o julgamento definitivo da ação Tais critérios é claro constituem cláusulas abertas aptos a serem preenchidos conforme as circunstâncias do caso e a propiciarem a adequada decisão Isso não quer dizer como é óbvio que não seja preciso minimizar as fronteiras de subjetividade na sua aplicação o que é naturalmente feito pela própria força obrigatória da jurisprudência do Tribunal diante dos casos subsequentes 520 As decisões do Tribunal especialmente quando relacionadas a conceitos indeterminados têm eficácia horizontal sobre os seus próprios membros 521 Notese que a abertura do processo ao julgamento definitivo quando fora requerida medida liminar não gera qualquer prejuízo à participação de requerente requerido AdvogadoGeral da União e ProcuradorGeral da República não se podendo pensar assim em violação à participação ou do adequado debate nem mesmo em sumarização material do procedimento O art 12 cuida de deixar claro que o julgamento definitivo só é possível após a prestação das informações e a manifestação do AdvogadoGeral da União e do ProcuradorGeral da República Não há assim como pensar em juízo limitado pela participação das partes e dessa forma em julgamento mediante cognição sumária O juízo é de cognição exauriente embora tomado em espaço de tempo mais curto ao ordinariamente deferido ao julgamento definitivo Tratase do que se chama de abreviação formal ou sumarização formal do procedimento que difere da sumarização material peculiar aos juízos de cognição parcial em que se exclui determinada parcela do litígio da análise judicial e aos juízos de cognição sumária procedimentos ou tutelas que se limitam à verossimilhança Este procedimento formalmente sumário é interessante não constitui um módulo legal ou seja um procedimento previamente definido pelo legislador para determinada situação específica mas um procedimento criado para a situação concreta ou em termos mais adequados uma autocriação do procedimento adequado às particularidades da situação em juízo 825 Causa de pedir aberta Quando se alude à causa de pedir aberta não se pretende dispensar o autor de fundamentar o pedido de inconstitucionalidade 522 Ao contrário a própria Lei 98681999 em seu art 3º prevê a necessidade de a petição inicial descrever a norma impugnada e os preceitos constitucionais que lhe negam vida deduzindo o fundamento hábil a evidenciar a inconstitucionalidade Assim importa indagar as razões que conduzem à ideia de causa de pedir aberta Em primeiro lugar tal ideia se associa à necessidade de garantir ao Tribunal julgar a questão constitucional com base em qualquer fundamento O controle abstrato da constitucionalidade não pode ser prejudicado em virtude de deficiência de fundamentação máxime quando se tem consciência de que na ação direta importa sobremaneira a participação do amicus curiae Notese que a abertura à participação e ao diálogo como meio de contribuição à racional discussão da Corte ficaria extremamente limitada caso fosse possível discutir apenas o específico fundamento deduzido na inicial Na verdade a própria possibilidade de intervenção do amicus curiae quando relacionada à importância da construção da decisão de constitucionalidade a partir da consideração das diversas vozes da sociedade faz ruir a suposição de que a segurança derivada da estrita observância do fundamento da demanda não poderia ser dispensada no controle abstrato Na ação direta mais do que a segurança das partes envolvidas na ação inter partes importa a legitimidade da decisão jurisdicional para o que é fundamental o incremento da participação do diálogo e da discussão entre os membros do Tribunal a partir de um parâmetro que embora não esteja delimitado na petição inicial é conhecido e no processo objetivo deve ser debatido por todos os envolvidos Bem por isso seria melhor dizer que a causa de pedir aberta é a causa de pedir que possui como parâmetro de debate e decisão a integralidade da Constituição Dessa forma seria eliminada a desconfiança gerada pela expressão aberta visto que na generalidade dos casos a causa de pedir é determinada para promover a segurança jurídica É claro que a circunstância de a causa de pedir não estar determinada não permite ao Tribunal decidir sem oportunizar ao autor e ao requerido a discussão do preciso fundamento constitucional que se pretende utilizar para decidir Assim caso determinado fundamento constitucional apareça apenas ao final do procedimento é necessário oportunizar ao requerente e ao requerido prazo para se manifestarem Da mesma forma quando um Ministro após a prolação de votos que consideram o que já foi debatido no processo propõe um novo fundamento é preciso não só ouvir os Ministros que já votaram para novamente oportunizar a ouvida daqueles que participando do processo têm interesse na decisão No entanto é preciso salientar que o Supremo Tribunal embora aceite a noção de causa de pedir aberta tem estabelecido limites ao seu uso Assim nega que a ação de inconstitucionalidade proposta exclusivamente sob o fundamento de vício formal seja analisada também sob o aspecto de eventual inconstitucionalidade material Na ADIn 2182 523 proposta em face da Lei de Improbidade Administrativa Lei 84291992 cuja petição inicial apontava exclusivamente um suposto vício formal o Tribunal discutiu se poderia com fundamento na doutrina da causa de pedir aberta analisar a constitucionalidade material da lei questionada Por apertada maioria o Tribunal rejeitou tal possibilidade sem descartar a referida doutrina em abstrato afirmando que não se tratava de hipótese de sua aplicação 524 Ao decidir questão de ordem levantada pelo Ministro relator a Corte entendeu que não poderia analisar eventual inconstitucionalidade material sem esta ter sido alegada na petição inicial Além de se acatarem os obstáculos práticos apontados pelo Min Marco Aurélio foi lembrado que de outra forma estarseia retirando do Poder Legislativo a oportunidade de defender a lei questionada 525 o que poderia fazer surgir até mesmo espécie de ditadura da Corte Constitucional 526 Por fim outro ponto em que a ideia de causa de pedir aberta causa impacto é a de coisa julgada material ou melhor de eficácia preclusiva da coisa julgada material A eficácia preclusiva da coisa julgada também vista como o princípio do deduzido e do dedutível impede a propositura de ação com base em causa de pedir já invocada ou melhor com base em qualquer fundamento incluso na causa de pedir anteriormente articulada Porém se a causa de pedir é aberta ou seja permite a aferição da inconstitucionalidade a partir de qualquer fundamento constitucional não é possível propor após o julgamento de ação de inconstitucionalidade de determinada lei outra ação de inconstitucionalidade da mesma lei com base em fundamento não invocado já que todos estão inclusos na causa de pedir tenham ou não sido expressamente deduzidos É interessante perceber que nesta perspectiva não só se impede a propositura de posterior ação voltada a impugnar a mesma norma como também se retira da decisão de improcedência da ação de inconstitucionalidade o resultado de que a própria norma impugnada é constitucional 527 É que se nenhum outro fundamento pode ser utilizado para impugnar a norma a decisão de improcedência isto é a própria decisão que declara a constitucionalidade da norma tem eficácia vinculante sobre os juízes e tribunais inferiores impedindoos de analisar qualquer fundamento relacionado à constitucionalidade da norma O STF na medida cautelar na ADIn 18968 afirmou que é da jurisprudência do Plenário o entendimento de que na ação direta de inconstitucionalidade seu julgamento independe da causa petendi formulada na inicial ou seja dos fundamentos jurídicos nela deduzidos pois havendo nesse processo objetivo arguição de inconstitucionalidade a Corte deve considerála sob todos os aspectos em face da Constituição e não apenas diante daqueles focalizados pelo autor É de se presumir então que no precedente ao menos implicitamente hajam sido considerados quaisquer fundamentos para eventual arguição de inconstitucionalidade inclusive os apresentados na inicial da presente ação Sendo assim está prejudicado o requerimento de medida cautelar já indeferida por maioria de votos pelo Tribunal no precedente referido 528 Em sede de controle difuso o STF não conheceu do recurso extraordinário pelas mesmas razões Decidiuse no RE 3575767 que tendo o Pleno da Corte ao julgar a ADIn 2031 relatora a eminente Min Ellen Gracie dado pela improcedência da ação quanto ao art 75 1º e 2º introduzido no ADCT pela EC 211999 isso implica em virtude da causa petendi aberta em ação dessa natureza a integral constitucionalidade desses dispositivos com eficácia erga omnes 529 Frisese que se há eficácia preclusiva da coisa julgada todos os fundamentos dedutíveis desde que integrantes da causa de pedir presumemse deduzidos O princípio do deduzido e do dedutível faz precluir todos os fundamentos que fazem parte da causa de pedir invocada na ação que deu origem à decisão qualificada pela coisa julgada material Assim falar em causa de pedir aberta significa pôr de lado o princípio do deduzido e do dedutível Nesta hipótese pouco importa se determinado fundamento poderia ter sido deduzido ou era integrante da causa petendi invocada Como todos os fundamentos poderiam ser livremente analisados pelo tribunal presumese que todos tenham sido ou possam ter sido deduzidos Todavia como a ideia de causa de pedir aberta ligase à natureza específica do controle abstrato de constitucionalidade é preciso ter consciência de que o instituto da eficácia preclusiva da coisa julgada é incompatível com a ação direta 826 Medida liminar A medida liminar constitui forma de prestação jurisdicional imprescindível para proteger as situações que em virtude da demora da ação direta podem ser prejudicadas A Constituição Federal prevê expressamente a possibilidade de concessão de medida liminar na ação direta de inconstitucionalidade art 102 I p da CF 530 A Lei 98681999 possui seção específica para o tratamento da medida Seção II do Capítulo II A presunção de constitucionalidade nada tem que possa impedir a concessão de liminar 531 Ora do mesmo modo que se pode pronunciar a inconstitucionalidade da lei esta pode ter a sua eficácia suspensa Basta que exista forte fundamento de a lei ser inconstitucional aliada ao perigo de que a sua aplicação no tempo que se supõe necessário à solução da ação direta possa trazer prejuízos irreversíveis É claro que em certos casos será adequado realizar um balanceamento entre as vantagens e desvantagens de suspensão da aplicação da norma A liminar uma vez deferida terá o efeito de suspender a aplicação da lei Embora o seu requerimento em regra deva ser analisado após a ouvida dos órgãos ou das autoridades de quem emanou a lei ou o ato normativo impugnado admitese a concessão da liminar diante da mera apresentação da petição inicial desde que a aplicação da norma possa trazer prejuízos irreparáveis durante o tempo de demora para a ouvida dos requeridos art 10 3º da Lei 98681999 532 Não há como pensar em coisa julgada material em relação à decisão que aprecia requerimento de liminar A cognição sumária ou não aprofundada impede que se faça afirmação com força suficiente ao surgimento de coisa julgada material Entretanto a decisão que concede liminar tem todos os elementos para que se pense em eficácia vinculante Há eficácia vinculante dos fundamentos determinantes da decisão liminar ainda que estes estejam selados pela provisoriedade Notese assim que não há como confundir a eficácia própria da liminar de suspender os efeitos e a aplicação de uma lei com a eficácia vinculante dos fundamentos determinantes da decisão que concede a liminar ou mesmo a indefere O problema da eficácia vinculante de uma decisão fundada em cognição sumária está exatamente no menor aprofundamento dos seus fundamentos determinantes A questão portanto é idêntica à da maior ou menor autoridade dos precedentes própria ao common law Sabese que nos Estados Unidos os precedentes não têm a mesma força ou autoridade que se relacionam com vários aspectos da decisão que vão desde o número de votos que deu origem ao precedente até o prestígio dos juízes que participaram da sua formação em especial o do juiz relator Ora a decisão que concede ou nega liminar na ação direta por sua natureza deve ser analisada em tal dimensão uma vez que em regra não aprofunda os fundamentos da decisão respeitante à constitucionalidade Melhor explicando a decisão que concede ou não liminar diante de sua natureza materialmente sumária tem força vinculante diversa da decisão que julga a ação de inconstitucionalidade Enquanto pender a ação de inconstitucionalidade a decisão que analisar requerimento de liminar tem eficácia vinculante impedindo que qualquer tribunal ou juiz diante da mesma questão constitucional em exame negue os seus fundamentos determinantes Nesta perspectiva portanto pouco importa se a decisão concedeu ou não a liminar Não obstante o STF vem negando eficácia vinculante à decisão que nega liminar atribuindoa apenas à decisão concessiva 533 Argumentase simplesmente que o indeferimento da medida cautelar na ação direta de inconstitucionalidade ao contrário do que sucede na hipótese de concessão RE 168277QO rel Min Ilmar Galvão DJ 04021998 não suspende em princípio o julgamento dos processos em que incidentemente se haja de decidir a mesma questão de inconstitucionalidade 534 É de ponderar contudo que a eficácia vinculante se relaciona à decisão e assim não se confunde com a eficácia da própria liminar Aliás é de ver que não seria preciso falar em eficácia vinculante de fundamentos determinantes se o problema se resumisse à aplicação da norma cuja eficácia foi suspensa pela liminar Esta uma vez concedida suspende a eficácia da lei e portanto a sua aplicação Sucede que os juízes e tribunais inferiores durante a pendência da ação direta ficam vinculados aos fundamentos determinantes da decisão que concedeu ou não a liminar Notese que quando a decisão não concede a liminar nada há para ser cumprido uma vez que não há sequer ordem Existe entretanto pronúncia normativa da Corte que não pode ser desprezada ainda que obviamente na dimensão do juízo de cognição sumária e na perspectiva do significado de pendência do controle abstrato Não é adequado racio cinar como se a Corte por ter negado a liminar não tivesse decidido ou fundamentado a sua decisão e dessa forma nada existisse para ser observado pelos demais órgãos jurisdicionais A decisão que nega a liminar vincula os demais juízes exatamente por constituir precedente dotado de ratio decidendi a ser respeitada Não é adequado que tendo sido rejeitados os fundamentos do requerimento cautelar os juízes e tribunais inferiores na pendência do controle abstrato possam decidir de forma contrária ao STF Em verdade os tribunais e juízes inferiores não ficam vinculados à decisão que trata da liminar apenas quando esta é rejeitada por fundamentos estranhos ao fumus boni iuris ou aos fundamentos do pedido de inconstitucionalidade dela podendo se libertar mais tarde e por outra razão quando é proferida decisão de inconstitucionalidadeconstitucionalidade ou o processo objetivo é julgado extinto sem o exame do pedido Deveras questão problemática está em saber se a decisão que analisou liminar conserva eficácia vinculante quando o processo é extinto sem o exame do pedido Sublinhese que não se está a falar da eficácia da liminar mas da força obrigatória da decisão A liminar diante da extinção do processo sem apreciação do pedido de inconstitucionalidade obviamente perde a sua eficácia Porém a decisão enquanto precedente não perde o seu lugar no sistema pelo que em tese deve ter a sua autoridade e força dimensionadas em face das decisões que estão por vir Releva perceber contudo que quando a questão constitucional deixa de estar diante do STF e assim a força obrigatória da decisão não mais se prende a uma futura decisão definitiva que está sendo aguardada e ao significado da pendência do controle abstrato de constitucionalidade a eficácia vinculante apenas pode ser ligada à qualidade intrínseca da decisão enquanto precedente dotado de fundamentação Porém o precedente nesta situação por estar marcado por cognição sumária não tem força suficiente para obrigar os juízes e tribunais inferiores a respeitálo não importando mais uma vez aqui se a decisão concedeu ou não a liminar O precedente contudo terá importante força persuasiva dependendo o seu respectivo grau da maior ou menor qualidade e inteireza de sua fundamentação No que diz respeito à eficácia temporal da decisão concessiva de liminar responde a Lei 98681999 em seu art 11 que a medida cautelar dotada de eficácia contra todos será concedida com efeito ex nunc salvo se o Tribunal entender que deva concederlhe eficácia retroativa 1º 535 e que a concessão da medida cautelar torna aplicável a legislação anterior acaso existente salvo expressa manifestação em sentido contrário 2º 536 827 Amicus curiae Os tradicionais institutos relacionados à intervenção de terceiros peculiares aos litígios entre partes não se aplicam nas ações voltadas à fiscalização abstrata de constitucionalidade Nem mesmo é possível a assistência litisconsorcial ou a assistência simples uma vez que os fundamentos de ambas as formas de intervenção no processo não se relacionam com o controle objetivo 537 Na verdade o que se pensa como intervenção de terceiro no caso de ação direta limitarseia à intervenção de quem em vista de sua posição especialmente da posição social de seus representados tem interesse na preservação da norma impugnada ou na sua eliminação do sistema Neste sentido diz o art 7º da Lei 98681999 que não se admitirá intervenção de terceiros no processo de ação direta de inconstitucionalidade caput do art 7º da Lei 98681999 mas que o relator considerando a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes poderá por despacho irrecorrível admitir a manifestação de outros órgãos ou entidades 2º do art 7º da Lei 98681999 Tratase da figura do amicus curiae 538 cuja função é contribuir para a elucidação da questão constitucional por meio de informes e argumentos favorecendo a pluralização do debate e a adequada e racional discussão entre os membros da Corte com a consequente legitimação social das suas decisões 539 Atualmente em vista do 3º do art 131 do RISTF não há mais dúvida de que o amicus curiae tem direito à sustentação oral Considerandose a qualidade da participação do amicus curiae no processo objetivo entendese não ter ele legitimidade para postular medida cautelar 540 e em princípio apresentar embargos de declaração 541 Isso decorre da circunstância de a sua participação não poder suplantar a do legitimado à propositura da ação direta nem ter ele poder para atuar em seu nome Entretanto considerandose que o Tribunal possui dever de realizar a modulação dos efeitos da decisão de inconstitucionalidade art 27 da Lei 98681999 tem o amicus curiae legitimidade para apresentar embargos de declaração para este fim 542 828 Esclarecimento de matéria de fato e informações acerca da aplicação da norma impugnada Quando houver necessidade de esclarecimento de matéria ou circunstância de fato ou existir notória insuficiência das informações existentes nos autos o relator poderá requisitar informações adicionais designar perito ou comissão de peritos para que emita parecer sobre a questão ou fixar data para em audiência pública ouvir depoimentos de pessoas com experiência e autoridade na matéria 1º do art 9º da Lei 98681999 543 O relator poderá ademais solicitar informações aos Tribunais Superiores aos Tribunais federais e aos Tribunais estaduais acerca da aplicação da norma impugnada 2º do art 9º da Lei 98681999 544 Tais normas têm relevantes reflexos teóricos uma vez que evidenciam a importância dos fatos e da jurisprudência enfatizando que o controle abstrato das normas não pode se distanciar da compreensão da realidade e do sentido que os tribunais dão às normas Descartase o preconceito de que as ações voltadas ao controle objetivo não admitem instrução probatória e mais do que isso colocase em relevo a ideia de que controlar a constitucionalidade da lei ainda que em abstrato não é meramente contrapor a lei à Constituição mas também atribuir sentido ao texto legal à luz dos fatos que lhe são pertinentes 545 829 Da decisão A sessão de julgamento da ação direta de inconstitucionalidade apenas pode ser instalada com a presença de oito Ministros art 22 da Lei 98681999 A decisão pela inconstitucionalidade porém exige maioria absoluta dos membros do Tribunal ou seja o mínimo de seis votos art 23 da Lei 98681999 A presença de oito Ministros dessa forma não permite a pronúncia de inconstitucionalidade por cinco votos contra três Na verdade todas as vezes em que se puder chegar a seis votos a favor da proclamação da inconstitucionalidade o julgamento deverá ser suspenso para se aguardar o pronunciamento dos Ministros faltantes até que se chegue a uma decisão de inconstitucionalidade ou de constitucionalidade O art 23 parágrafo único da Lei 98681999 é claro neste sentido afirmando que se não for alcançada a maioria necessária à declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade estando ausentes Ministros em número que possa influir no julgamento este será suspenso a fim de aguardarse o comparecimento dos Ministros ausentes até que se atinja o número necessário para prolação da decisão num ou noutro sentido A Lei 98681999 trata a decisão acerca da ação de inconstitucionalidade como uma decisão que tem efeitos positivos em suas duas faces seja ela de procedência ou improcedência Melhor explicando a decisão de improcedência não é uma mera declaração negativa ou uma decisão que simplesmente rejeita a inconstitucionalidade mas verdadeiramente uma decisão que embora de improcedência afirma a constitucionalidade daí decorrendo efeitos de igual qualidade àqueles que defluem da decisão de procedência Tanto a decisão de procedência quanto a de improcedência têm eficácia vinculante impedindo qualquer juiz ou tribunal inferior de se opor aos seus fundamentos determi nantes além de terem obviamente eficácia de modo a impedir qualquer rediscussão acerca da norma declarada inconstitucional ou constitucional Quer isso dizer que se norma similar de Estado diverso ao daquele cuja norma foi declarada constitucional for posteriormente discutida em sede de controle difuso o juiz e os tribunais inferiores estarão vinculados ao precedente ou mais precisamente aos seus fundamentos determinantes ou a sua ratio decidendi 546 É claro que a decisão que em vez de ser de improcedência é de inadmissibilidade da ação não torna a norma impugnada imune a ataques quanto a sua constitucionalidade Ou seja ainda que nenhuma mudança ou alteração tenham ocorrido nada impede a imediata propositura de nova ação de inconstitucionalidade desde que preenchido o vício que impediu a admissibilidade da primitiva ação e o exame do pedido de inconstitucionalidade Do mesmo modo os juízes e tribunais inferiores diante de normas similares não ficam vinculados à decisão até porque esta não possui sequer fundamentos determinantes Em sede de reclamação o STF já teve oportunidade de tratar dessa questão advertindo que não há falar em declaração de constitucionalidade incidenter tantum quando o Tribunal à unanimidade não conheceu da ação por falta de pertinência temática O não conhecimento da ação direta quanto ao item impugnado não gera em nenhuma hipótese a declaração de sua constitucionalidade 547 Julgada a ação farseá comunicação à autoridade ou ao órgão responsável pela expedição do ato art 25 da Lei 98681999 Lembrese ainda de que do julgamento da ação de inconstitucionalidade só cabem embargos de declaração sendo vedada ademais a ação rescisória art 26 da Lei 98681999 Decorridos dez dias do trânsito em julgado o STF fará publicar em seção especial do Diário da Justiça e do Diário Oficial da União a parte dispositiva do acórdão art 28 da Lei 98681999 830 Revogação da norma e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade O Supremo Tribunal Federal há algum tempo firmou o entendimento de que a revogação da norma apontada como inconstitucional conduz à perda de objeto da ação de inconstitucionalidade Nesse sentido decidiu a Corte na ADIn 4620 AgR que a remanescência de efeitos concretos pretéritos à revogação do ato normativo não autoriza por si só a continuidade de processamento da ação direta de inconstitucionalidade 548 A despeito desse entendimento já se decidiu que quando a revogação da norma objetiva burlar a jurisdição constitucional da Corte o julgamento da ação de inconstitucionalidade não fica prejudicado 549 A Corte também já declarou que fogem da regra geral da perda de objeto as ações que versam sobre leis de eficácia temporária quando i houve impugnação em tempo adequado ii a ação foi incluída em pauta e iii seu julgamento foi iniciado antes do exaurimento da eficácia 550 Recentemente em caso em que a ADIn questionava três normas emanadas de diferentes órgãos do Estado de Santa Catarina houve revogação das três mas a Corte ciente da revogação de apenas duas normas declarou a inconstitucionalidade de uma das normas e a perda de objeto da ação em relação às demais Apresentados embargos de declaração o Supremo Tribunal Federal decidiu que a prejudicialidade da ação direta também deve ser afastada nas ações cujo mérito já foi decidido em especial se a revogação da lei só veio a ser arguida posteriormente em sede de embargos de declaração V AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE 831 Primeiras considerações A ação declaratória de constitucionalidade constitui outra via para o controle abstrato de constitucionalidade em que se coloca como questão autônoma a constitucionalidade de uma norma pedindose sentença que recaia unicamente sobre ela A EC 3 de 17031993 mediante a introdução de normas no texto constitucional criou a ação declaratória de constitucionalidade Diz o art 102 I a da CF que compete ao STF precipuamente a guarda da Constituição cabendolhe processar e julgar originariamente a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal O 2º do art 102 tal como instituído pela EC 31993 foi alterado pela EC 452004 tendo hoje a seguinte redação As decisões definitivas de mérito proferidas pelo Supremo Tribunal Federal nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta nas esferas federal estadual e municipal O 4º do art 103 inserido pela EC 31993 foi suprimido pela EC 452004 que alterou a redação do caput do art 103 para expandir a primitiva legitimidade para a ação que agora é conferida aos mesmos legitimados à ação direta de inconstitucionalidade Passados dez anos da promulgação da Constituição e depois de várias ações declaratórias de constitucionalidade e de decisões que desenharam importantes regras procedimentais foi editada a Lei 9868 de 10111999 que dispôs sobre o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal Diante da existência de ação direta de inconstitucionalidade em que o Tribunal pode declarar a inconstitucionalidade ou a constitucionalidade de norma conforme a sentença seja de procedência ou de improcedência poderia surgir dúvida acerca da necessidade de ação declaratória de constitucionalidade 556 Qual seria a razão para expandir o poder do Tribunal para o controle abstrato permitindolhe a declaração de constitucionalidade em virtude de uma ação inversa Para que dar aos legitimados para a ação direta de inconstitucionalidade poder para pedir a declaração de constitucionalidade Antes de tudo convém lembrar que o interesse na tutela jurisdicional pode advir de uma situação de dúvida a ser eliminada por sentença declaratória art 19 I do CPC2015 Contudo o motivo para uma ação declaratória de constitucionalidade de norma ou seja de algo que tem a presunção de ter o sentido que se quer ver judicialmente declarado tem natureza peculiar Aliás só a dúvida sobre aquilo que é presumido para justificar declaração judicial de certificação deve ter outra característica Se a dúvida pertinente a uma relação jurídica exsurge da contestação de uma das partes o mesmo certamente não pode se passar em relação a uma norma A dúvida acerca da constitucionalidade não diz respeito a participantes de uma relação jurídica ou a sujeitos previamente individualizados mas a todos aqueles que estão submetidos ao ordenamento jurídico Não é um cidadão ou qualquer legitimado à ação declaratória quem pode colocar em dúvida a constitucionalidade de uma norma Em tese a dúvida acerca da constitucionalidade apenas pode derivar de decisões reiteradas de juízes e tribunais da não aplicação da lei pela Administração e de autorizada posição difundida na academia Talvez em virtude da necessidade de objetivação da dúvida a Lei 98681999 exige que esta surja no âmbito judicial Diz o art 14 III desta Lei que a petição inicial da ação declaratória de constitucionalidade deve demonstrar a existência de controvérsia judicial relevante sobre a aplicação da disposição objeto da ação declaratória Dúvida ou controvérsia criada no Judiciário contudo não consiste em divergência acerca da constitucionalidade da norma entre os juízes e os tribunais embora ela frequentemente ocorra Simplesmente a dúvida diz respeito a ser a norma constitucional ou não Por isso não é correto pensar que a ação declaratória de constitucionalidade é subordinada à demonstração de decisões conflitantes acerca da constitucionalidade da norma Efetivamente relevantes para aparecer oportunidade à ação declaratória de constitucionalidade são decisões dos tribunais no sentido da inconstitucionalidade É a afirmação de inconstitucionalidade que contrapõe o Judiciário ao Legislativo ou evidencia a distinção entre a afirmação do Poder Legislativo e a afirmação do Poder Judiciário A dúvida se expressa na suspeita levantada pelo Judiciário quanto à constitucionalidade da norma Assim decisões reconhecendo a inconstitucionalidade oriundas de diferentes órgãos judiciais configuram dúvida ou incerteza acerca da constitucionalidade da norma ou para usar os termos do art 14 III da Lei 98681999 controvérsia judicial relevante 557 Se uma norma é posta sob suspeita por decisões judiciais isso é suficiente para o surgimento de interesse em pedir ao STF uma declaração acerca de sua constitucionalidade Isso pela razão de que decisões reconhecendo a inconstitucionalidade de norma advindas de órgãos judiciais diversos infirmam a presunção de constitucionalidade colocando sob fundada dúvida a legitimidade da tarefa do Legislativo bem como a sua eficácia De modo que a ação declaratória de constitucionalidade não se serve para dissipar alguma dúvida entre os órgãos judiciais ou por eles criada mas sim para que seja afirmada a despeito de decisões judiciais a legitimidade constitucional do produto do parlamento A importância em dar ao STF oportunidade para afirmar a constitucionalidade enquanto o controle difuso amadurece está em permitir o quanto antes a definição da inconstitucionalidade da norma a otimizar a coerência do direito e a confiança na ordem jurídica vista como ordem também formada pelas decisões judiciais bem como o desenvolvimento das relações jurídicas para o qual a estabilidade do direito é imprescindível Em um sistema em que há controle incidental e concreto combinado com controle abstrato via ação direta a relevância da ação declaratória de constitucionalidade está em viabilizar a segurança das situações jurídicas pautadas ou que pretendam se fundar em normas cuja constitucionalidade tenha sido posta em dúvida pelo Judiciário Evitamse dessa forma a insegurança na utilização de normas que possam vir a ser definidas como inconstitucionais pelo STF e especialmente a produção de efeitos e a consolidação de situações que mais tarde em virtude dos efeitos retroativos de decisão de inconstitucionalidade tenham de ser dissolvidos com graves prejuízos econômicos políticos e sociais É preciso consignar que a EC 3 que criou a ação declaratória de constitucionalidade foi objeto da ADIn 913 em que se alegou que a ação em virtude dos efeitos vinculantes de sua decisão impediria a discussão da constitucionalidade das normas infraconstitucionais perante os juízes e tribunais ordinários além de violar a separação dos Poderes o acesso ao Poder Judiciário a ampla defesa o contraditório e o devido processo legal Esta ação de inconstitucionalidade não foi conhecida por se entender que a autora a Associação dos Magistrados Brasileiros não teria legitimidade por falta de pertinência temática para propor a ação 558 Entretanto na ADC 1 tais questões foram analisadas em sede de Questão de Ordem chegandose à conclusão de que nenhuma das objeções quanto à constitucionalidade da ação possuía procedência 559 Na verdade a decisão proferida na ADC 1 além de definir a legitimidade da nova ação desenhou o seu procedimento antecipando várias das normas que mais tarde surgiram com a Lei 98681999 A ação declaratória de constitucionalidade dentro do quadro de controle de constitucionalidade instituído no Brasil é tão legítima quanto a ação direta de inconstitucionalidade A possibilidade de os juízes e tribunais ordinários realizarem o controle de constitucionalidade decorrente do modelo incidental e difuso se é afetada pela ação declaratória de constitucionalidade obviamente também o é pela ação direta de inconstitucionalidade Portanto o fato de a decisão proferida na ação declaratória de constitucionalidade ter efeitos sobre o controle incidental e difuso é absolutamente natural nada havendo para estranhar quanto a isso Ademais se a ação direta de inconstitucionalidade tem importância ao viabilizar de forma célere e mediante instrumento processual dotado de poder de dar coerência à ordem jurídica a declaração de nulidade da lei que não obstante ser inconstitucional está a produzir efeitos a ação declaratória de constitucionalidade tem efeito de igual qualidade pois permite também mediante uma única ação dotada de técnica processual amplificadora da decisão e igualmente vinculante a eliminação da incerteza que paira sobre a constitucionalidade de lei Evitase desta forma que situações sejam consolidadas e pessoas de boafé pratiquem atos a partir de norma que mais tarde possa vir a ser declarada inconstitucional com as perversas consequências daí decorrentes próprias aos efeitos ex tunc da decisão A ideia de que a ação declaratória de constitucionalidade seria desnecessária diante da existência da ação direta de inconstitucionalidade só teria sentido caso a questão da constitucionalidade fosse absolutamente excepcional a nunca pôr em lugar inseguro aqueles que necessitam se valer de norma jurídica Sucede que quando decisões judiciais estão a apontar para a inconstitucionalidade de norma é absolutamente natural que aqueles que pretendem dela se utilizar se sintam ameaçados e inseguros a impor a propositura de ação direta a qualquer legitimado para se ter declarada a constitucionalidade 560 Deixese claro porém que a ação declaratória de constitucionalidade não se funda apenas no interesse de eliminar a incerteza sobre a constitucionalidade mas antes de tudo no intuito de ver afirmada a constitucionalidade de norma A ação não se presta simplesmente a superar uma dúvida de legitimidade porém a afirmar imperativamente a constitucionalidade declarandoa com eficácia erga omnes e vinculante 832 Legitimidade A EC 31993 ao criar a ação direta de constitucionalidade conferiu legitimidade a sua propositura apenas ao Presidente da República à Mesa do Senado Federal à Mesa da Câmara dos Deputados e ao ProcuradorGeral da República CF art 103 4º Críticas à restrição da legitimidade baseadas na falta de critério para distinguir a legitimidade à ação declaratória de constitucionalidade em face da legitimidade à ação direta de inconstitucionalidade e na necessidade de a sociedade ter efetiva possibilidade de participação também mediante a primeira ação levaram a EC 452004 a alterar o caput do art 103 e a suprimir o 4º do mesmo artigo tendo atualmente estabelecido a norma constitucional que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade I o Presidente da República II a Mesa do Senado Federal III a Mesa da Câmara dos Deputados IV a Mesa de Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal V o Governador de Estado ou do Distrito Federal VI o Procurador Geral da República VII o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil VIII partido político com representação no Congresso Nacional IX confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional Assim é necessário também aqui considerar que apenas alguns dos legitimados têm necessidade de demonstrar a relação de pertinência entre os seus fins e propósitos e a norma impugnada Tais legitimados ditos especiais são diferenciados dos legitimados chamados de universais Distinguemse os legitimados especiais que apenas têm legitimidade para impugnar normas que diretamente afetem suas esferas jurídicas ou as dos filiados desses legitimados universais que diante de seu papel institucional sempre estão autorizados a pedir a proteção da ordem constitucional São legitimados universais o Presidente da República a Mesa do Senado Federal a Mesa da Câmara dos Deputados o ProcuradorGeral da República o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e partido político com representação no Congresso Nacional sendo legitimados especiais o Governador de Estado ou do Distrito Federal a Mesa de Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal e confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional Vale também no caso de ação declaratória de constitucionalidade a ideia de que apenas aqueles que estão delineados entre os incisos I e VII do art 103 têm legitimidade e capacidade postulatória ao passo que o partido político com representação no Congresso Nacional assim como a confederação sindical e a entidade de classe de âmbito nacional necessitam de advogado para propor a ação declaratória 833 Objeto e parâmetro de controle É importante ressaltar que a ação declaratória de constitucionalidade tem objeto mais limitado do que a ação direta de inconstitucionalidade A limitação decorre do art 102 I a da CF ao expressamente dispor que o STF tem competência para processar e julgar originariamente a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal Como se vê o art 102 I a é claro no sentido de que a ação direta de inconstitucionalidade tem como objeto lei ou ato normativo federal ou estadual enquanto o objeto da ação declaratória de constitucionalidade é restrito a lei ou ato normativo federal Podem ser objeto de ação declaratória de constitucionalidade as emendas constitucionais as leis complementares as leis ordinárias as medidas provisórias 561 os decretos legislativos os decretos presidenciais as resoluções do Poder Judiciário entre outros Em essência podem ser objeto de ação declaratória de constitucionalidade os mesmos atos que podem ser objeto de ação direta de inconstitucionalidade Igualmente não podem ser objeto da ação declaratória os atos normativos secundários os atos de efeitos concretos as normas préconstitucionais e as normas revogadas Enfim os mesmos atos insuscetíveis de ação direta de inconstitucionalidade remetese o leitor para o item específico que tratou do tema quando da realização acima do estudo da ação direta de inconstitucionalidade O parâmetro de controle da ação declaratória de constitucionalidade é o mesmo do da ação direta de inconstitucionalidade vale dizer a Constituição vigente Assim também constituem parâmetro de controle as emendas constitucionais sejam derivadas do art 3º do ADCT ou do art 60 da CF O 3º do art 5º introduzido pela EC 452004 afirma que os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos aprovados por quórum qualificado no Congresso Nacional são equivalentes às emendas constitucionais De modo que tais tratados e convenções igualmente constituem parâmetro de controle da ação direta de constitucionalidade 834 Petição inicial A petição inicial da ação declaratória de constitucionalidade deve indicar i o dispositivo da lei ou do ato normativo questionado e os fundamentos jurídicos do pedido ii o pedido com suas especificações e iii a existência de controvérsia judicial relevante sobre a aplicação da disposição objeto da ação declaratória art 14 I II e III da Lei 98681999 A inicial deve descrever o dispositivo da lei ou do ato normativo que se deseja ver declarado constitucional assim como os fundamentos jurídicos que evidenciam a sua constitucionalidade Embora isso seja necessário o Tribunal não fica vinculado aos fundamentos apresentados podendo tratar da questão de constitucionalidade a partir de qualquer fundamento constitucional Assim a causa de pedir também aqui é dita aberta no sentido de inclusiva de qualquer argumento constitucional não expressamente deduzido na petição inicial Ter causa de pedir aberta não corresponde apenas a libertar o Tribunal dos fundamentos apresentados pelo autor mas também a inibir a propositura de outra ação declaratória de constitucionalidade com base em fundamento não delineado na primeira Isso quer dizer que com a decisão transitada em julgado restam preclusos todos os fundamentos que poderiam ter sido deduzidos Em verdade a ação declaratória de constitucionalidade assim como a ação direta de inconstitucionalidade é definida pela norma que se pretende ver declarada constitucional ou inconstitucional 562 O pedido é de declaração de constitucionalidade do dispositivo legal ou normativo Porém se em termos de causa de pedir e pedido nada muda da ação direta de inconstitucionalidade para a ação declaratória de constitucionalidade a não ser obviamente o fato de em uma se postular inconstitucionalidade e em outra constitucionalidade há em relação à última a exigência de se demonstrar a existência de controvérsia judicial relevante sobre a aplicação da disposição objeto da ação declaratória Embora o ponto mereça ser analisado de forma individualizada como será feito a seguir é preciso salientar que se trata de requisito para a procedência do pedido de declaração de constitucionalidade e não simplesmente de requisito configurador de interesse de agir na ação declaratória Não há fundamento para julgar procedente pedido de declaração de constitucionalidade quando os juízes ou tribunais não afirmaram a inconstitucionalidade da norma uma vez que na falta disso inexiste quebra da presunção de constitucionalidade que lhe é inerente A quebra da presunção de constitucionalidade é mérito e não condição da ação 835 Controvérsia judicial relevante Controvérsia judicial relevante não significa desacordo entre os tribunais acerca da aplicação da norma Isso porque a justificativa da ação declaratória está na existência de dúvida sobre a constitucionalidade da norma A dúvida sobre a aplicação da norma é dúvida sobre a sua constitucionalidade O pressuposto da declaração de constitucionalidade não está na divergência entre os tribunais mas na divergência entre o Judiciário e o Legislativo Em outras palavras a razão de ser da declaração de constitucionalidade não está na insegurança propiciada pela incoerência das decisões mas na falta de previsibilidade acerca da validade da norma É a desconfiança na validade da norma gerada por decisões judiciais que justifica a declaração de que a norma é válida e portanto aplicável Portanto a existência de controvérsia judicial relevante reclama decisões proferidas por órgãos judiciais distintos expressando inconstitucionalidade É evidente que decisões neste sentido revelam controvérsia judicial relevante ou dúvida judicial relevante acerca da aplicação de norma É claro que a existência de decisões no sentido da inconstitucionalidade e da constitucionalidade também abre oportunidade para declaração acerca da constitucionalidade Porém tal divergência mais do que evidenciar a necessidade de superação da dúvida sobre a constitucionalidade evidencia incoerência da ordem jurídica na dimensão das decisões judiciais Ou seja põe a claro outro problema autônomo em relação ao da desconfiança na validade da norma Esse problema tem resposta em outro local precisamente na eficácia vinculante das decisões proferidas no controle direto e na força obrigatória dos precedentes constitucionais inclusive portanto os editados em sede de controle incidental Não obstante não foi este o entendimento perfilhado pelo STF na ADC 8 Neste caso chegouse a afirmar que a inexistência de divergência entre decisões de juízos diferentes acabaria por transformar a ação em instrumento de consulta sobre a validade constitucional de lei ou ato normativo federal Decidiu a Corte que o ajuizamento da ação declaratória de constitucionalidade que faz instaurar processo objetivo de controle normativo abstrato supõe a existência de efetiva controvérsia judicial em torno da legitimidade constitucional de determinada lei ou ato normativo federal Sem a observância desse pressuposto de admissibilidade tornase inviável a instauração do processo de fiscalização normativa in abstracto pois a inexistência de pronunciamentos judiciais antagônicos culminaria por converter a ação declaratória de constitucionalidade em um inadmissível instrumento de consulta sobre a validade constitucional de determinada lei ou ato normativo federal descaracterizando por completo a própria natureza jurisdicional que qualifica a atividade desenvolvida pelo STF O STF firmou orientação que exige a comprovação liminar pelo autor da ação declaratória de constitucionalidade da ocorrência em proporções relevantes de dissídio judicial cuja existência precisamente em função do antagonismo interpretativo que dele resulta faça instaurar ante a elevada incidência de decisões que consagram teses conflitantes verdadeiro estado de insegurança jurídica capaz de gerar um cenário de perplexidade social e de provocar grave incerteza quanto à validade constitucional de determinada lei ou ato normativo federal 563 A decisão frisa a necessidade de dissídio judicial antagonismo interpretativo e incidência de decisões que consagram teses conflitantes a fazer surgir verdadeiro estado de insegurança jurídica capaz de gerar um cenário de perplexidade social e de provocar grave incerteza quanto à validade constitucional de determinada lei ou ato normativo federal No entanto não importa constatar que dissídio judicial pode provocar insegurança jurídica e expressar incerteza em relação ao valor constitucional de certa norma pois não se pergunta quando se coloca a questão do cabimento da declaração sobre os efeitos da divergência entre as decisões judiciais Se é certo que a divergência judicial gera insegurança e incerteza jurídicas é incontestável que a ação declaratória não serve para eliminar a divergência judicial mas para estancar a dúvida que paira sobre a constitucionalidade de uma norma 564 Quando se analisa o pressuposto da declaração de constitucionalidade cabe saber antes de tudo o que a recomenda Ora o que exige a declaração de constitucionalidade é a incerteza sobre a validade de determinada norma motivo pelo qual é preciso não esquecer que a incerteza decorre da afirmação judicial de inconstitucionalidade a pôr em xeque a presunção de constitucionalidade Assim basta que a afirmação judicial de inconstitucionalidade seja relevante ou seja decorra de órgãos judiciais diversos para que reste caracterizado o pressuposto da declaração de constitucionalidade 836 Indeferimento da petição inicial O relator deve indeferir a petição inicial inepta não fundamentada ou manifestamente improcedente conforme o art 15 da Lei 98681999 Quando o vício capaz de gerar a inépcia for suprível como a falta de cópia do ato normativo questionado o relator deve conceder prazo para o aditamento da petição inicial 565 Indeferiuse a petição inicial com base no art 15 da Lei 98681999 na ADC 22 sob o argumento de não ser ela instrumento para se pedir a declaração de constitucionalidade de dispositivo da própria Constituição em sua redação originária 566 Também seria manifestamente improcedente a ação voltada à declaração de direito estadual ou municipal de direito pré constitucional e de norma revogada entre outros casos Contra a decisão que indefere petição inicial cabe agravo ao Plenário nos termos do parágrafo único do art 15 567 837 Participação no processo Ao contrário do que ocorre na ação direta de inconstitucionalidade em que o relator deve pedir informações aos órgãos ou às autoridades das quais emanou a lei ou o ato normativo impugnado art 6º da Lei 98681999 na ação declaratória não há requerido ou alguém que com esta qualidade possa oporse à declaração de constitucionalidade Isso não quer dizer que ninguém pode neste processo argumentar pela inconstitucionalidade da norma No processo objetivo embora não caiba a intervenção de terceiros peculiar ao processo civil em que autor e réu discutem um litígio 568 admitese a intervenção do chamado amicus curiae ente ou órgão dotado de representatividade suficiente para sustentar a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade da norma em discussão Aplicase também na ação declaratória de constitucionalidade assim o 2º do art 7º da Lei 98681999 que diz que o relator considerando a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes poderá por despacho irrecorrível admitir a manifestação de outros órgãos ou entidades 569 O amicus curiae não tem a incumbência de defender a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade cabendolhe oferecer argumentos em favor de uma ou outra titularizando os interesses dos seus representados no debate da questão constitucional que desta forma resta pluralizado O amicus curiae pode se manifestar por escrito e realizar sustentação oral conforme o 3º do art 131 do RISTF O ProcuradorGeral da República deve manifestarse ao final após a manifestação dos amici curiae de acordo com o art 19 da Lei 98681999 570 838 Esclarecimento de matéria de fato e informações acerca da aplicação da norma questionada De acordo com os 1º e 2º do art 20 da Lei 98681999 o relator poderá em caso de necessidade de esclarecimento de matéria ou circunstância de fato ou de notória insuficiência das informações existentes nos autos requisitar informações adicionais designar perito ou comissão de peritos para que emita parecer sobre a questão ou fixar data para em audiência pública ouvir depoimentos de pessoas com experiência e autoridade na matéria Poderá ainda solicitar informações aos Tribunais Superiores aos Tribunais federais e aos Tribunais estaduais acerca da aplicação da norma questionada no âmbito de sua jurisdição Como dito quando se estudou a mesma questão diante da ação direta de inconstitucionalidade tais normas demonstram que o controle abstrato não pode se distanciar da compreensão dos fatos assim como do sentido que os tribunais dão às normas Eliminase assim a ideia de que o controle abstrato não admite a produção de provas e ainda evidenciase que esta forma de controle da constitucionalidade não se limita ao mero confronto da lei com a Constituição devendo antes de tudo atribuir sentido aos textos a partir dos fatos que lhe dizem respeito Diante da ação declaratória de constitucionalidade a regra do 2º do art 20 tem significado particular É que para a declaração de constitucionalidade reclamase a demonstração da chamada controvérsia judicial relevante nos termos do art 14 III da Lei 98681999 Tratase de controvérsia judicial acerca da aplicação da norma que se quer ver declarada constitucional compreendida como existência de decisões de órgãos judiciais distintos no sentido da inconstitucionalidade a espelhar dúvida sobre a constitucionalidade da norma e confronto entre o Poder Judiciário e o Poder Legislativo com ameaça à segurança jurídica Nesta linha a regra do 2º do art 20 ao conferir ao relator poder de solicitar informações aos Tribunais Superiores aos Tribunais federais e aos Tribunais estaduais acerca da aplicação da norma questionada no âmbito de sua jurisdição viabiliza a investigação da existência de decisões de inconstitucionalidade e dessa forma da nulificação da presunção de constitucionalidade e de dúvida objetiva acerca da validade da norma 839 Medida liminar e seus efeitos A Constituição Federal não previu a possibilidade de concessão de liminar em sede de ação declaratória de constitucionalidade tendo assim tratado apenas da possibilidade de liminar na ação direta de inconstitucionalidade CF art 102 I p O STF entretanto admitiua na ADC 4 571 A Lei 98681999 em seu art 21 tratou expressamente da possibilidade de requerimento de liminar em ação declaratória de constitucionalidade prescrevendo que o Supremo Tribunal Federal por decisão da maioria absoluta de seus membros poderá deferir pedido de medida cautelar na ação declaratória de constitucionalidade consistente na determinação de que os juízes e os Tribunais suspendam o julgamento dos processos que envolvam a aplicação da lei ou do ato normativo objeto da ação até seu julgamento definitivo e ainda que concedida a medida cautelar o Supremo Tribunal Federal fará publicar em seção especial do Diário Oficial da União a parte dispositiva da decisão no prazo de dez dias devendo o Tribunal proceder ao julgamento da ação no prazo de cento e oitenta dias sob pena de perda de sua eficácia 572 De acordo com o parágrafo único do art 21 a liminar perde a eficácia quando a ação não é julgada no prazo de 180 dias depois da sua concessão É claro que o Tribunal por maioria absoluta pode prorrogar o prazo de eficácia da liminar Tratase de algo implícito no próprio poder de concedêla 573 A decisão que trata da liminar possui eficácias erga omnes e vinculante O caput do art 21 fala em concessão de liminar para que os juízes e os Tribunais suspendam o julgamento dos processos que envolvam a aplicação da lei ou do ato normativo objeto da ação até seu julgamento definitivo Esta norma definiu o escopo da liminar ou seja a suspensão dos processos 574 Em tese a determinação da suspensão dos processos é uma das consequências que podem advir da afirmação da constitucionalidade em sede liminar É possível sem dúvida que se conceda liminar apenas para suspender os processos em que se pode aplicar a norma que está sendo questionada na ação direta Porém tratase aí de função da própria liminar e não de eficácia vinculante da decisão Não há como confundir a função da liminar com a eficácia vinculante a última diz respeito à decisão que concede a primeira A eficácia vinculante pertine aos fundamentos determinantes e ao dispositivo da decisão e assim acima de tudo à própria afirmação de constitucionalidade Para se conceder a liminar com função de suspensão dos processos há que se ter fumus boni iuris vale dizer a consciência de que a norma em sede de cognição sumária é constitucional Toda decisão que concede liminar em ação declaratória de constitucionalidade supõe a constitucionalidade da norma Assim se a decisão fundamenta e afirma ainda que em sede liminar que a norma é constitucional a eficácia vinculante a princípio obrigaria aqueles que estão vinculados à decisão a julgar da mesma forma Neste sentido se o STF decide que a norma é constitucional ainda que em sede de liminar ninguém pode negála como decisão de constitucionalidade e assim proferir decisão no sentido da inconstitucionalidade Acontece que o caput do art 21 limitou a função da liminar à suspensão dos processos Portanto bem vistas as coisas o art 21 não trata simplesmente da eficácia vinculante da decisão que afirma a constitucionalidade da norma mas em verdade inibe os juízes e tribunais inferiores de decidir a questão constitucional A liminar de caráter inibitório tem eficácia erga omnes e só por isso impede todos os juízes e tribunais de aplicar a norma objeto de questionamento na ação direta O legislador portanto preferiu inibir a aplicação da norma sob questionamento na ação direta em vez de obrigar os juízes e tribunais a observar a decisão proferida no curso do processo objetivo certamente baseado na ideia de que a norma declarada constitucional em juízo sumário pode vir a ser declarada inconstitucional ao final Ao extrair da afirmação de constitucionalidade inerente à liminar a suspensão dos processos o legislador definiu os limites da liminar ou a função que esta poderia vir a ter na ação declaratória de constitucionalidade Porém os juízes e tribunais ficam impedidos de aplicar a norma objeto da ação ou de dar prosseguimento aos processos a ela respectivos simplesmente porque não podem deixar de cumprir a liminar Para que os juízes e tribunais sejam obrigados a respeitar a liminar não é preciso pensar em eficácia vinculante O que realmente tem eficácia vinculante é a decisão que ao negar a liminar apresenta fundamentos no sentido da inconstitucionalidade Quando a liminar enfrenta a questão de constitucionalidade para negar a liminar os fundamentos daí decorrentes devem ter eficácia vinculante sobre os tribunais e juízes inferiores impedindoos de aplicar a norma Notese aliás que há mais sentido em suspender a aplicação da norma dita inconstitucional pela decisão que negou a liminar do que suspender os processos quando a decisão concedendo a liminar afirmou a constitucionalidade A liminar concedida nos termos do art 21 suspende imediatamente os processos em curso não havendo razão para dizer que a decisão tem eficácia retroativa porque incide sobre processos que já iniciaram A decisão pode ter efeitos retroativos para suspender os efeitos de decisões já proferidas em processos em curso Não há razão para não suspender os efeitos das decisões que ainda não produziram coisa julgada material já que estas diante de decisão definitiva posterior na ação declaratória de constitucionalidade teriam de ser necessariamente cassadas Por fim é preciso deixar claro que toda liminar se funda em probabilidade e não em mera dúvida Porém se o que realmente se pretende com a liminar é simplesmente impedir a definição de situações que exijam a aplicação da norma o correto é evidenciar dogmaticamente que isto decorre da dúvida sobre a constitucionalidade sendo este então o verdadeiro pressuposto para a concessão da liminar Não seria a probabilidade da constitucionalidade ou da inconstitucionalidade que abriria oportunidade à liminar mas sim a dúvida acerca da constitucionalidade 840 Decisão De acordo com o art 22 da Lei 98681999 a decisão sobre a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo somente será tomada se presentes na sessão pelo menos oito Ministros Na sessão proclamarseá a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade da disposição ou da norma impugnada se num ou noutro sentido se tiverem manifestado pelo menos seis Ministros quer se trate de ação direta de inconstitucionalidade ou de ação declaratória de constitucionalidade art 23 da Lei 98681999 Assim o julgamento jamais poderá ser finalizado ou ter o seu resultado proclamado enquanto for possível chegar a seis votos no sentido da constitucionalidade tomandose os votos de ministros não presentes à sessão conforme o art 23 parágrafo único da Lei 98681999 575 A decisão que julga a ação declaratória de constitucionalidade poderá declarar a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade conforme a decisão seja de procedência ou de improcedência tendo uma e outra eficácia erga omnes e vinculante obrigando os juízes e tribunais inferiores assim como a Administração Pública 576 Frisese que a decisão de improcedência não é apenas decisão que rejeita o pedido do autor mas decisão que declara a inconstitucionalidade da norma Relevante nesse passo não é a circunstância de que a norma declarada constitucional deva ser observada pelos juízes Tribunais e Administração Pública mas sim que os fundamentos determinantes da decisão de constitucionalidade também possuem eficácia vinculante Isso significa que norma similar à declarada constitucional não pode ser considerada inconstitucional a partir da análise dos fundamentos já considerados pela Corte A decisão que não entra na análise da constitucionalidade extinguindo o processo sem julgamento do mérito obviamente não implica a inconstitucionalidade da norma Se diante de decisão de constitucionalidade a alteração da realidade social dos valores sociais e da concepção geral do direito abre oportunidade à propositura de ação direta de inconstitucionalidade em relação à mesma norma a decisão de extinção do processo sem julgamento do mérito certamente não inibe a propositura de ação de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade da mesma norma ainda que nenhuma alteração tenha ocorrido Basta obviamente que não se repita o motivo que deu azo ao julgamento de extinção do processo sem o exame do pedido A decisão que definir a ação fará comunicação à autoridade ou órgão responsável pela expedição do ato art 25 da Lei 98681999 A decisão proferida na ação declaratória de constitucionalidade apenas pode ser objeto de embargos de declaração sendo insuscetível ainda de ação rescindível art 26 da Lei 98681999 Passados dez dias do trânsito em julgado o STF fará publicar em seção especial do Diário da Justiça e do Diário Oficial da União a parte dispositiva do acórdão art 28 da Lei 98681999 VI EFEITOS DAS DECISÕES DE INCONSTITUCIONALIDADE E DE CONSTITUCIONALIDADE 841 Eficácia erga omnes 8411 Eficácia erga omnes e coisa julgada material A Constituição Federal e a Lei 98681999 quando tratam da eficácia das decisões proferidas nas ações de inconstitucionalidade e de constitucionalidade falam em eficácia erga omnes sem aludir à coisa julgada material O art 102 2º da CF afirma que as decisões definitivas de mérito proferidas pelo Supremo Tribunal Federal nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública direta e indireta nas esferas federal estadual e municipal O art 102 2º é expresso e claro no sentido de que a eficácia contra todos erga omnes deriva das decisões do STF e não da coisa julgada Por sua vez o art 28 parágrafo único da Lei 98681999 diz que a declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade inclusive a interpretação conforme a Constituição e a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto têm eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública federal estadual e municipal Notese que a Constituição Federal e a Lei 98681999 aludem apenas à eficácia contra todos e efeito vinculante e não à coisa julgada 578 Isso já é indício de que as decisões de inconstitucionalidade e constitucionalidade embora tenham efeitos contra todos não ficam acobertadas pela coisa julgada Contudo importa perceber a distinção dogmática entre os efeitos diretos da sentença e a coisa julgada material As sentenças de inconstitucionalidade e de constitucionalidade produzem efeitos contra todos pelo simples fato de terem eficácia direta contra todos e não em virtude de ficarem revestidas pela coisa julgada material A preocupação em selar tais decisões com coisa julgada material teria o objetivo de impedir o seu questionamento e a sua rediscussão judicial Acontece que a imutabilidade dessas decisões não deriva da coisa julgada material mas da falta de legitimidade ad causam de todos os representados pelos legitimados às ações de inconstitucionalidade e constitucionalidade Não é a coisa julgada que opera efeitos erga omnes mas os efeitos diretos da sentença Todos ficam submetidos à decisão pela circunstância de não poderem discutir a constitucionalidade da lei em abstrato Uma vez decidida a inconstitucionalidade da lei nada pode ser feito pelos cidadãos ou por todos os que são representados pelos legitimados ao controle abstrato Estão eles submetidos à decisão sendo impossível o seu questionamento em qualquer ação concreta Retenhase o ponto a estabilidade da decisão não deriva da impossibilidade de se voltar a questionar a constitucionalidade mas da impossibilidade em discuti la e da submissão à decisão tomada pelo Tribunal constitucionalmente legitimado a definila Seria possível pensar em impossibilidade de voltar a discutir a constitucionalidade apenas em relação aos demais legitimados para a ação Ocorre que se os legitimados às ações de inconstitucionalidade e de constitucionalidade podem discutir a constitucionalidade de lei em nome de toda a coletividade o questionamento da lei por um deles tem efeitos sobre os demais impedindoos de voltar a discutir a inconstitucionalidade definida pelo Tribunal Argumentase na antiga teoria geral do processo que a decisão de inconstitucionalidade produziria coisa julgada material erga omnes dizendose que isso seria decorrência da substituição processual levada a efeito pelo autor da ação direta Ada Pellegrini Grinover por exemplo afirma que a coisa julgada valerá erga omnes por força da própria substituição processual que se opera na pessoa do ente ou titular da ação o qual age em nome próprio mas como substituto processual da coletividade e também por força da titularidade passiva da ação que se configura no próprio órgão público do qual emanou a lei ou ato inconstitucional 579 Tratase de tentativa de transpor forçadamente conceitos do processo civil tradicional para o plano do processo constitucional de índole objetiva O instituto da substituição processual foi pensado para o processo inter partes e para as situações em que se tutela em nome próprio direito ou situação subjetiva de terceiro Ora no processo objetivo não existe direito de terceiro ou alguém que o substitui requerendo a tutela de direito subjetivo em nome próprio Há simplesmente ente a quem a Constituição atribui legitimidade para ativar o processo de controle de constitucionalidade das normas de que defluem decisões que naturalmente beneficiam os cidadãos A coisa julgada material nos processos entre partes almeja impedir que o bem da vida entregue a um dos litigantes possa ser dele retirado seja mediante o questionamento do objeto litigioso já decidido seja por meio da tentativa de reabertura da discussão da própria decisão Porém a definição da inconstitucionalidade da lei não confere qualquer tutela a direito individual ou mesmo transindividual mas tem a função de dar proteção à ordem jurídica evidenciando a sua legitimidade constitucional 580 A proibição da rediscussão da decisão de inconstitucionalidade é questão afeta à estabilidade e à coerência do direito objetivo valores obviamente incompatíveis com a abertura à mutação das decisões acerca da sua constitucionalidade Portanto tudo bem visto fica fácil perceber que a eficácia erga omnes das decisões de inconstitucionalidade decorre da circunstância de que essas decisões têm eficácia direta contra todos e não da coisa julgada material 581 8412 Decisão de constitucionalidade e possibilidade de posterior ou outra ação direta de inconstitucionalidade O fato de a eficácia erga omnes das decisões de inconstitucionalidade constituir manifestação da eficácia direta de decisão que diz respeito a todos e não da coisa julgada material não quer dizer como já esclarecido acima que tais decisões possam ser questionadas ou rediscutidas Tais decisões obviamente não podem ser questionadas ou rediscutidas por aqueles que não têm legitimidade à ação de inconstitucionalidade Ademais os legitimados extraordinários que não participaram da ação em que a decisão foi proferida não podem voltar a questionar a constitucionalidade simplesmente pela razão de que a função que lhes foi atribuída já foi desempenhada culminando na manifestação da Corte incumbida de proceder ao controle abstrato da constitucionalidade Discutese se o STF pode voltar a tratar de norma que já declarou constitucional seja mediante sentença de procedência em ação de constitucionalidade seja por meio de sentença de improcedência em ação de inconstitucionalidade Seria possível argumentar que nestes casos é possível propor outra ação de inconstitucionalidade sobre a mesma norma desde que baseada em fundamento diverso Objetarseia com a alegação de que na ação de inconstitucionalidade o Tribunal deve analisar a norma impugnada à luz da Constituição e assim não fica adstrito aos fundamentos invocados na petição inicial o que eliminaria a possibilidade de se questionar a constitucionalidade da norma com base em outro fundamento O STF na ADIn 1896 afirmou que é da jurisprudência do Plenário o entendimento de que na ação direta de inconstitucionalidade seu julgamento independe da causa petendi formulada na inicial ou seja dos fundamentos jurídicos nela deduzidos pois havendo nesse processo objetivo arguição de inconstitucionalidade a Corte deve considerála sob todos os aspectos em face da Constituição e não apenas diante daqueles focalizados pelo autor É de se presumir então que no precedente ao menos implicitamente hajam sido considerados quaisquer fundamentos para eventual arguição de inconstitucionalidade inclusive os apresentados na inicial da presente ação 582 Notese que a impossibilidade de se propor nova ação direta de inconstitucionalidade não se resume ao caso em que o Tribunal julgou procedente ação declaratória de constitucionalidade mas também diz respeito à situação em que a ação direta de inconstitucionalidade foi julgada improcedente Assim decidiuse no RE 357576 que tendo o Plenário ao julgar a ADIn 2031 dado pela improcedência da ação quanto ao art 75 1º e 2º introduzido no ADCT pela EC 211999 isso implica em virtude da causa petendi aberta em ação dessa natureza a integral constitucionalidade desses dispositivos com eficácia erga omnes 583 Cabe esclarecer que a eficácia preclusiva da coisa julgada material no processo inter partes inibe a rediscussão do objeto litigioso já decidido apenas quando o fundamento que se pretende utilizar para tanto foi deduzido ou poderia ter sido deduzido diante da causa de pedir da ação primitiva A eficácia preclusiva da coisa julgada material é explicada mediante o princípio do deduzido e do dedutível que quer dizer que tudo o que foi deduzido ou poderia ter sido deduzido em face da causa de pedir que fundou a ação não pode servir para o vencido fundar outra ação para rediscutir o litígio Em outras palavras apenas é possível propor outra ação acerca de pedido já julgado quando esta se funda em outra causa de pedir distinta daquela que fundou a primeira ação Não cabe outra ação ainda que baseada em fundamento anteriormente não deduzido de forma expressa ou discutido quando esse fundamento se insere na causa de pedir da ação primitiva e assim poderia ter sido deduzido ou discutido Se a causa de pedir das ações de inconstitucionalidade e de constitucionalidade é aberta incluindo qualquer fundamento que esteja na Constituição não há como supor que a eficácia preclusiva da decisão de inconstitucionalidade possa liberar qualquer fundamento para ensejar outra no sentido de distinta ou diversa ação de inconstitucionalidade Se todos os fundamentos constitucionais podem ser livremente analisados pela Corte ainda que não contidos em uma específica causa de pedir não há como admitir que determinado fundamento não tenha sido deduzido ou discutido na ação de inconstitucionalidade Na verdade o instituto da eficácia preclusiva da coisa julgada é incompatível com a ação direta de inconstitucionalidade não apenas porque aqui não se está diante de coisa julgada material mas também porque não se pretende com a eficácia preclusiva da decisão de constitucionalidade preservar a decisão de constitucionalidade acerca de uma lei para abrir oportunidade para outra decisão sobre a constitucionalidade da mesma lei mas sim obstaculizar qualquer outra decisão de constitucionalidade acerca da lei A eficácia preclusiva da coisa julgada impede a rediscussão de igual causa de pedir e pedido enquanto a eficácia preclusiva da decisão de constitucionalidade simplesmente obsta a rediscussão da constitucionalidade da mesma lei não importando o fundamento que se pretenda utilizar para tanto já que diante do controle abstrato não se concebe a ideia de impreclusibilidade de causa de pedir Quando um pedido pode se fundar em duas ou mais causas de pedir é possível conviver com duas ou mais decisões legítimas acerca de um mesmo pedido Porém a ação de constitucionalidade tem causa de pedir aberta e portanto obviamente não se podem conceber duas decisões acerca da constitucionalidade de uma mesma norma No entanto é preciso ver que a noção de causa de pedir aberta como não poderia deixar de ser é atrelada a um instante uma vez que engloba as várias causas de pedir que podem existir em certo momento Ou seja a ideia de causa de pedir aberta não perde algo que é essencial ao próprio conceito de causa de pedir precisamente a sua dimensão temporal concretizada mediante a lembrança de que toda causa de pedir é o reflexo de um estado jurídico e de fato que se apresenta em determinado momento histórico De modo que a causa de pedir aberta por consequência espelha todos os fundamentos constitucionais válidos em certo instante da história Como se percebe a historicidade inerente à validez dos fundamentos constitucionais deixa entrever que a decisão de constitucionalidade pode ser objeto de rediscussão na medida em que os fundamentos constitucionais bem como a sua compreensão se alteram ao longo do tempo É certo que esta leitura pressupõe que o controle abstrato das normas constitucionais não pode se desligar dos fatos sociais A transformação da realidade e dos valores sociais bem como a alteração da compreensão geral do direito 584 podem levar a norma a ter outro sentido e assim à admissão de que uma lei antes vista como constitucional pode passar a ser inconstitucional Lembrese de que a alteração da realidade social e dos valores da sociedade a evolução da tecnologia e a transformação da concepção jurídica geral acerca de determinada questão abrem oportunidade para a Suprema Corte americana realizar o overruling de precedentes constitucionais É verdade que a decisão de constitucionalidade proporciona estabilidade à ordem jurídica e previsibilidade aos jurisdicionados e não como a coisa julgada material segurança jurídica às partes Nas ações concretas em que a sentença outorga tutela jurisdicional à parte formal ou às partes em sentido material a função da coisa julgada é dar segurança ao litigante permitindolhe usufruir da tutela jurisdicional que lhe foi outorgada sem medo de que ela possa ser contestada ou usurpada Nas ações abstratas ao se decidir pela constitucionalidade nenhum direito ou vantagem é deferido diretamente a alguma parte ganhando a estabilidade da ordem jurídica e a previsibilidade de todos Acontece que a estabilidade e a previsibilidade não podem ser obstáculos à mutação da compreensão judicial da ordem jurídica Lembrese do que disse o Juiz Wheeler em Dwy v Connecticut Co A Corte que melhor serve ao direito é aquela que reconhece que as normas jurídicas criadas numa geração distante podem se mostrar após longo tempo insuficientes a outra geração é aquela que descarta a antiga decisão ao verificar que outra representa o que estaria de acordo com o juízo estabelecido e assente da sociedade e não concede qualquer privilégio à antiga norma por conta da confiança nela depositada Foi assim que os grandes autores que escreveram sobre o common law descobriram a fonte e o método do seu desenvolvimento e em seu desenvolvimento encontraram a saúde e a vitalidade de tal direito Ele não é nem deve ser estacionário 585 Como os fatores que autorizam a revogação de decisão de constitucionalidade militam em favor da própria oxigenação e do desenvolvimento da ordem jurídica a única restrição para a rediscussão de norma já declarada constitucional estaria no prejuízo que ela poderia trazer à previsibilidade Contudo a previsibilidade não só é valor que não pode se sobrepor à necessidade de desenvolvimento do direito como perde consistência diante dos próprios fatores que evidenciam o desgaste da primitiva decisão Ademais a alteração da realidade e dos valores sociais assim como da concepção geral do direito obviamente são situações posteriores que assim não infringem a eficácia preclusiva da decisão de constitucionalidade já que por sua própria natureza estão longe de poder configurar causa de pedir que estaria presente à época dessa decisão Tais circunstâncias conferem nova configuração aos fundamentos de constitucionalidade que assim abrem oportunidade a uma outra ação de inconstitucionalidade quando a primeira ação de inconstitucionalidade foi julgada improcedente ou a uma ação de inconstitucionalidade que não se limita a reproduzir os fundamentos já discutidos na anterior ação de constitucionalidade Ao admitir diante da alteração da situação de fato e das concepções jurídicas a possibilidade de a Corte declarar inconstitucional norma que antes proclamou constitucional Elival da Silva Ramos afirma que as decisões de procedência proferidas nas ações declaratórias de constitucionalidade produzem coisa julgada material apenas relativa 586 É supérfluo argumentar que há contradição em termos entre coisa julgada material e relativa O que importa verificar é se a coisa julgada material é compatível com a alteração de circunstâncias própria à revogação de precedentes Notese bem É indiscutível na melhor dogmática processual que a coisa julgada material revela estado jurídico e de fato existente no instante em que proferida a decisão pelo que a alteração do direito e dos fatos abrindo oportunidade à configuração de nova causa de pedir faz surgir outra ação diferente daquela que desembocou na coisa julgada material Quer isso dizer simplesmente que quando surgem circunstâncias configuradoras de outra causa de pedir o problema do obstáculo da coisa julgada material nem mesmo se coloca Ora a coisa julgada material obviamente não é capaz de impedir a propositura de ação fundada em outra causa de pedir Portanto vistas as coisas de forma adequada o real problema está em saber se a alteração da realidade e dos valores sociais assim como da concepção geral acerca do direito configura circunstância capaz de paralisar a eficácia da coisa julgada material ou ao contrário de simplesmente viabilizar a revogação de precedente constitucional É preciso perceber que a paralisação da eficácia da coisa julgada material em razão da alteração das circunstâncias se destina a tutelar as partes envolvidas em uma situação jurídica que se desenvolve no tempo Assim por exemplo o conhecido exemplo do dever de pagar alimentos Porém no caso de definição da legitimidade de norma em face da Constituição a questão sempre estará situada unicamente sobre a norma e por consequência sobre a atuação do próprio STF Ou seja diante da alteração dos valores da realidade social ou da concepção geral do direito desaparece a legitimidade constitucional da norma a obrigar o STF a proferir outra decisão acerca da constitucionalidade da mesma norma Percebase que a decisão de que a norma é inconstitucional não faz desaparecer a anterior decisão de constitucionalidade Ambas as decisões convivem harmonicamente uma vez que são pautadas em distintos fundamentos e têm eficácia em períodos diferentes A anterior decisão de constitucionalidade permanece válida e eficaz para a época em que foi proferida mas os efeitos da primitiva decisão deixam de operar diante da decisão de inconstitucionalidade e isso sem falar nos eventuais efeitos retroativos da última O problema é de eficácia da decisão no tempo 8413 Decisão de constitucionalidade com efeitos erga omnes e impacto das novas circunstâncias sobre o controle difuso A decisão de constitucionalidade proferida em sede de controle abstrato somente pode ser impugnada quando presentes as novas circunstâncias referidas no item anterior Fora daí impondose a decisão de constitucionalidade nada pode ser questionado Contudo quando presentes as circunstâncias que abrem oportunidade para se ter como inconstitucional norma antes proclamada constitucional importa perguntar se o jurisdicionado pode propor ação para buscar a tutela de direito que tenha como pressuposto a inconstitucionalidade da norma já declarada constitucional O problema deixa de ser o de se a decisão de constitucionalidade diante da alteração da realidade e dos valores sociais e da compreensão geral do direito pode ser modificada e passa a ser o de se outro tribunal além do STF pode aferir a presença de nova circunstância como fundamento para outra decisão acerca da questão constitucional A solução deste problema exige que seja agregada à discussão a questão da eficácia vinculante das decisões de inconstitucionalidade Embora a análise desta questão deva ser aprofundada mais à frente cabe frisar que as decisões de inconstitucionalidade têm além de eficácia erga omnes efeitos vinculantes em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública direta e indireta nas esferas federal estadual e municipal art 102 2º da CF Como se está a pensar em novas circunstâncias seria possível argumentar que os juízes e tribunais não estariam submetidos à decisão proferida na ação direta Quando se pensa a partir de outro fundamento é certo não se está diante da mesma causa ou da mesma questão constitucional de modo que é correto afirmar que alteradas as circunstâncias os demais juízes e tribunais ao se depararem com a norma já proclamada constitucional não estão diante da questão constitucional já decidida Sucede que a eficácia vinculante não se resume a obstaculizar outra decisão acerca da mesma questão jurídica mas vai além impedindo outra decisão acerca da constitucionalidade da norma não importando se novos fundamentos estão presentes Não cabe a qualquer outro órgão do Poder Judiciário dizer que uma nova circunstância é suficiente para fazer cessar a eficácia erga omnes da decisão de constitucionalidade Apenas o STF tem poder para revogar os seus precedentes Ao se admitir uma nova circunstância ainda que se passe a tratar da antiga questão em outra perspectiva afirmase que a primitiva decisão não mais serve a definila Isso significa que outro órgão do Poder Judiciário estaria a proclamar que decisão do STF em vista por exemplo da alteração da realidade social não mais prestaria a dar sentido à norma que foi proclamada constitucional Não calha argumentar que diante de nova circunstância não se revoga o precedente mas apenas se diz que o precedente não se aplica a uma nova situação Ora se é necessário dizer que o precedente não se aplica há exercício de poder deferido unicamente ao STF Realmente o fato de a eficácia vinculante incidir em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário quer dizer exatamente que apenas o STF pode revogar os seus precedentes Não obstante o fato de nenhum outro órgão judicial que não o STF poder revogar os precedentes relativos a decisões tomadas em ação direta de constitucionalidade não significa excluir a possibilidade de se impugnar a constitucionalidade da norma ao se exercer pretensão de tutela de direito em ação concreta É possível admitir a incoação do controle difuso para se chegar ao STF já que o jurisdicionado não dispõe de qualquer outro meio para fazer valer o seu direito enquanto o precedente não for revogado 587 Nesta hipótese é possível argumentar mediante recurso extraordinário que a norma antes vista como constitucional perdeu esta qualidade diante da alteração da realidade ou dos valores sociais ou da concepção geral acerca do direito Não haveria racionalidade em admitir a invocação dessas circunstâncias em nova ação de inconstitucionalidade e ao mesmo tempo impedir o STF de as enxergar ao se defrontar com recurso extraordinário 588 Lembrese aliás que não é apenas a decisão de constitucionalidade que se sujeita às chamadas novas circunstâncias mas também a decisão que proferida em recurso extraordinário reconhece a inconstitucionalidade de norma 589 A norma no caso não é retirada do ordenamento jurídico embora os motivos determinantes da decisão fiquem acobertados pela eficácia vinculante atingindo todos os outros órgãos do Poder Judiciário 590 Assim é certamente possível que a decisão que reconheceu a inconstitucionalidade de dada norma seja um dia contrariada pelas mesmas razões que autorizam a revogação de precedente constitucional ou que dão ao STF a possibilidade de declarar inconstitucional uma norma que antes pronunciou constitucional 591 8414 Efeitos temporais da revogação da decisão de constitucionalidade Porém há necessidade de não violar a segurança jurídica daquele que se comportou de acordo com a decisão de constitucionalidade Não se pode esquecer que no caso de relações continuativas a decisão opera para o futuro porque a própria ação tendo de se fundar em nova circunstância não objetiva alcançar senão as situações que estão por vir Na verdade não há como admitir ação direta de inconstitucionalidade ou ação concreta para negar situação jurídica formada com base na decisão de constitucionalidade pois isso seria violar a confiança justificada Essa apenas cede excepcionalmente quando a decisão de constitucionalidade à época em que as situações se consolidaram já deixara de ter credibilidade no seio social e no círculo jurídico hipótese em que será possível atribuir efeitos retroativos à decisão de inconstitucionalidade A confiança depositada pelo jurisdicionado no precedente não pode ser desconsiderada pelo STF 592 O responsável pela legítima expectativa criada em favor do jurisdicionado deve zelar para que as situações que se pautaram no precedente sejam efetivamente respeitadas sem deixar de considerar igualmente os fatores que possam fazer crer que a confiança no precedente já teria esmorecido Assim o Tribunal deve modular os efeitos temporais da decisão de inconstitucionalidade levando em conta a credibilidade no precedente É preciso compatibilizar a retroatividade da decisão com o momento em que os fatores que justificaram a revogação não apenas se mostraram presentes mas também fizeram crer que a antiga decisão não se sustentaria por muito tempo Assim a decisão proferida em recurso extraordinário considerando inconstitucional a norma antes afirmada constitucional poderia não ter efeitos retroativos em relação à própria situação litigiosa sob julgamento como acontece no direito do common law ao se aplicar o pure prospective overruling No direito estadunidense a prática judicial dos efeitos retroativo e prospectivo é variada Em caso de revogação de precedente caminhase entre a eficácia geral simplesmente retroativa o que comumente acontece e a eficácia geral plenamente prospectiva admitindose em determinados casos a irretroatividade da decisão em relação ao próprio caso sob julgamento pure prospective overruling 593 Não há dúvida que nesta hipótese pode haver decisão favorável sem quaisquer efeitos concretos benéficos 594 Mas isso é próprio de um sistema em que os precedentes constitucionais ainda que firmados em controle difuso têm força vinculante independentemente de suas repercussões nos casos concretos que os oportunizaram 842 Eficácia vinculante 8421 Primeiras considerações De acordo com o art 102 2º da CF as decisões definitivas de mérito proferidas pelo Supremo Tribunal Federal nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública direta e indireta nas esferas federal estadual e municipal Nesse sentido o art 28 parágrafo único da Lei 98681999 afirma que a declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade inclusive a interpretação conforme a Constituição e a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto têm eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública federal estadual e municipal As decisões de constitucionalidade e de inconstitucionalidade têm eficácia vinculante Antes de se analisar a porção da decisão extensão objetiva que é por ela coberta assim como quem são os seus destinatários eficácia subjetiva importa esclarecer a razão do fenômeno A tradição do civil law é avessa à obrigatoriedade dos precedentes Não teve sequer a possibilidade de constatar a necessidade de a ordem jurídica não se mostrar dividida com decisões díspares para casos iguais Acreditava que a lei bastaria para dar coerência ao direito Não passou muito tempo desde a sedimentação da tradição do civil law para os tribunais perceberem que realizam um trabalho de interpretação da norma legal o que fez brotar no seio do sistema jurídico a ideia de que haveria a necessidade de tribunais de uniformização inicialmente vistos como de cassação Isso contudo não conduziu àquilo que logicamente seria inevitável ou seja a um sistema em que os precedentes dos tribunais superiores têm força obrigatória ou vinculante Esqueceu se em nome de bandeiras como a de que o juiz deve ter liberdade para julgar que o Estado de Direito é incompatível com uma ordem jurídica destituída de coerência e estabilidade assim como que a sociedade não pode se desenvolver sem previsibilidade em relação às decisões dos tribunais O ambiente esteve muito escuro para se ver que decisões diferentes para casos iguais são tão ou mais nocivas do que ter leis que discriminam pessoas iguais Não obstante o fato é que a cegueira tomou conta da doutrina jurídica que por muito tempo ficou sem perceber uma necessidade inseparável da tradição do common law exatamente a de que os tribunais não podem definir questões jurídicas iguais de maneira distinta caso não queiram enfraquecer ou dissolver a legitimidade do direito e do próprio poder estatal No direito brasileiro há particularidade que torna a questão muito mais grave É que o sistema abre oportunidade ao controle difuso de constitucionalidade ou seja à possibilidade de todo e qualquer juiz ou tribunal dar a sua interpretação sobre a constitucionalidade de lei ou ato normativo Ora o controle difuso ao propiciar tantas decisões de constitucionalidade quantos forem os casos concretos levados ao Judiciário acaba por gerar a incoerência da ordem jurídica em seu ponto mais sensível o da harmonia das leis com a Constituição Recordese aliás que mesmo nos países em que o controle de constitucionalidade é reservado a um Tribunal Constitucional como na Alemanha atribuise eficácia vinculante aos fundamentos determinantes das decisões constitucionais 595 Se é nocivo ter decisões diferentes versando a interpretação de uma mesma lei federal é absurdo ter variadas decisões acerca da sua constitucionalidade Se os juízes ordinários podem e devem realizar o controle difuso esse é necessariamente prévio à decisão a respeito do STF mas no sentido de que após o Supremo ter definido a questão constitucional os juízes e tribunais inferiores não podem sequer decidila cabendolhes unicamente aplicar a decisão Isso é decorrência da lógica do sistema e da razão de ser do próprio STF A tutela da Constituição por parte do Supremo Tribunal obviamente não teria racionalidade caso os demais tribunais e juízes pudessem se opor às suas decisões Sucede que negar uma decisão do STF não equivale a simplesmente desconsiderar o seu dispositivo A unidade do direito mediante o fio condutor da Constituição exige que se leve em conta a fundamentação das decisões da Suprema Corte 596 Notese que o dispositivo da decisão de inconstitucionalidade ao afirmar que a norma X é inconstitucional pouco diz sobre a questão constitucional não sendo suficiente para servir como elemento de identificação do entendimento da Corte e de individualização daquilo que deve ser observado pelos demais tribunais e juízes A compreensão do sentido conferido à Constituição pelo Supremo Tribunal não prescinde da análise da fundamentação das suas decisões O STF fala em motivos ou fundamentos determinantes em conteúdo essencial e em eficácia transcendente As expressões motivos ou fundamentos determinantes e conteúdo essencial se referem à decisão Querem expressar os fundamentos que determinam ou são essenciais à conclusão judicial A eficácia transcendente por sua vez é aquela que transcende ao caso interferindo sobre os demais casos que embora não tratando da mesma norma configuram igual questão constitucional a ser solucionada mediante a aplicação dos mesmos fundamentos ou motivos que determinaram a decisão Assim decidiuse na Rcl 1987 que a decisão violara o conteúdo essencial do acórdão proferido na mencionada ação direta que possui eficácia erga omnes e efeito vinculante A decisão do Tribunal em substância teve sua autoridade desrespeitada de forma a legitimar o uso do instituto da reclamação Afirmouse ainda que a hipótese justificaria a transcendência sobre a parte dispositiva dos motivos que embasaram a decisão e dos princípios por ela consagrados argumentandose que os fundamentos resultantes da interpretação da Constituição devem ser observados por todos os tribunais e autoridades contexto que contribui para a preservação e desenvolvimento da ordem constitucional 597 O relator desta reclamação Min Maurício Corrêa observou que o ato impugnado não apenas contrastou a decisão definitiva proferida na ADIn 1662 como essencialmente está em confronto com os seus motivos determinantes 598 No common law a ratio decidendi identifica os fundamentos motivos ou razões determinantes ou essenciais da decisão Em verdade a preocupação com os fundamentos determinantes da decisão é a mesma que inspira a individualização da ratio decidendi Tratase de definir as razões que levaram a Corte a decidir deixandose de lado os pontos que ainda que analisados não interferem ou determinam o resultado do julgamento considerados assim obiter dicta A ratio decidendi ou os fundamentos determinantes estão inseridos na fundamentação da decisão Individualizamse a ratio decidendi ou os fundamentos determinantes olhandose para a fundamentação Se um fundamento embora não necessário pode ser suficiente para se alcançar a decisão este apenas é determinante quando constitui premissa sem a qual não se chegaria à específica conclusão acerca do caso De maneira que o fundamento determinante é o que se mostra imprescindível e assim essencial à decisão que foi proferida Por outro lado não basta concluir que os fundamentos que não foram efetivamente discutidos constituem obiter dicta Nem mesmo há como pensar que obiter dicta são apenas os fundamentos não adequadamente discutidos É preciso verificar antes de tudo se o fundamento podia ser discutido e se a decisão tomada exigia a sua discussão 599 Deixese claro que embora a eficácia vinculante tenha inescondível preocupação com a segurança jurídica o seu escopo é completamente diverso do da coisa julgada material Enquanto a última se destina a garantir a indiscutibilidade e a imutabilidade da solução dada ao litígio a primeira tem o fim de tutelar a coerência e a estabilidade da ordem jurídica assim como a confiança legítima a previsibilidade e a igualdade Se a coisa julgada material atinge apenas as partes do litígio a eficácia vinculante se presta a garantir a estabilidade da decisão judicial evitando que em qualquer caso concreto seja proferida decisão que não tome em conta os seus fundamentos determinantes Portanto a eficácia vinculante tem a mesma finalidade da eficácia obrigatória dos precedentes aproximandose assim do stare decisis No common law não é preciso falar em eficácia vinculante Basta aludir à ratio decidendi uma vez que a força obrigatória ou vinculante é inerente ao sistema de precedentes Quando se pensa em ratio decidendi admitese implícita e automaticamente a sua força obrigatória De modo que a ideia de eficácia vinculante no direito brasileiro destinase a enfatizar a força obrigatória dos fundamentos determinantes das decisões constitucionais 8422 Extensão objetiva Ainda que a eficácia vinculante seja relacionada à obrigatoriedade dos precedentes e esta dependa da individualização dos seus fundamentos determinantes discutese inclusive no STF acerca dos limites objetivos da eficácia vinculante Indagase neste sentido se a eficácia vinculante realmente se estende aos fundamentos determinantes ou se é restrita ao dispositivo da decisão Emblemático a respeito é o julgamento da Rcl 1987 Os argumentos dos ministros que neste caso limitaram a eficácia vinculante ao dispositivo da decisão proferida na ação direta de inconstitucionalidade não podem deixar de ser lembrados O voto do Min Carlos Velloso é expresso no sentido de que a eficácia vinculante apesar de inerente à natureza da decisão proferida na ação direta está sujeita a uma limitação objetiva o ato normativo objeto da ação o dispositivo da decisão vinculante não os seus fundamentos 600 O voto do Min Carlos Britto tem igual orientação pois aderiu ao voto do relator observando o limite objetivo da reclamação 601 que não permitiria a alegação de violação à autoridade dos fundamentos determinantes da decisão de inconstitucionalidade O Min Sepúlveda Pertence também foi contrário à tese de que uma decisão poderia ser objeto de reclamação ao contrariar os fundamentos determinantes da decisão de inconstitucionalidade alegando que se não fosse assim estar seia transformando em súmula vinculante qualquer premissa de uma decisão 602 O fundamento do voto do Min Marco Aurélio foi diverso mas igualmente serviu para justificar que a eficácia vinculante estaria limitada ao dispositivo da decisão De acordo com este voto a atribuição de efeito vinculante à fundamentação equivaleria à admissão de coisa julgada em relação aos fundamentos da decisão 603 Elival da Silva Ramos em tese de titularidade que versou o tema do controle de constitucionalidade fala em limites objetivos da coisa julgada material no processo objetivo Diz que no controle principal em que a questão de constitucionalidade integra o pedido formulado pelo requerente devendo ser dirimida na parte disponível do acórdão que a tanto se limita os efeitos objetivos associados à solução da pendência são resguardados pela coisa julgada formal e material A isso se denomina limite objetivo da coisa julgada apenas aos comandos contidos no dispositivo da sentença ou acórdão e que constituem os seus efeitos é atribuída definitivamente impedindo que sejam reexaminados no mesmo ou em outro processo por se tratar de matéria decidida Os elementos abordados na fundamentação da decisão que julga ação direta por mais relevantes que sejam para que se possa bem compreender o que foi decidido jamais farão coisa julgada art 504 I do CPC Destarte não se pode pretender que gozem de alguma sorte de força vinculativa as considerações feitas em sede de motivação sobre a correta maneira de interpretar as normas constitucionais paramétricas ou o próprio ato legislativo controlado De igual modo se o dispositivo do acórdão que julga ação direta consubstancia a aplicação particularizada de tese jurídica sedimentada no âmbito do STF devidamente explicitada na fundamentação do julgado não significa isso que se lhe deva prestar acatamento como se estivesse resguardada pela coisa julgada O tema dos limites objetivos da coisa julgada no controle abstrato de normas não se deveria prestar a maiores discussões na medida em que à falta de um tratamento específico no plano constitucional incide a disciplina vigente para os processos jurisdicionais em geral 604 A transcrição do argumento do ilustre constitucionalista se justifica para demonstrar que parece estar presente em importantes setores uma imprópria associação entre coisa julgada material e eficácia vinculante Notese que o professor titular da Universidade de São Paulo afirma expressamente que os elementos abordados na fundamentação da decisão que julga a ação direta por mais relevantes que sejam para que se possa bem compreender o que foi decidido jamais farão coisa julgada pelo que não se pode pretender que gozem de alguma sorte de força vinculativa as considerações feitas em sede de motivação sobre a correta maneira de interpretar as normas constitucionais paramétricas ou o próprio ato legislativo controlado 605 Ou seja pretendese fazer crer que pela circunstância de a coisa julgada material não recair sobre os fundamentos da decisão as considerações feitas em sede de fundamentação não podem ter eficácia vinculante Na verdade ainda que a coisa julgada abarque questão prejudicial à solução do caso nos termos do art 503 do CPC de 2015 não há como confundir coisa julgada sobre questão ainda que em benefício de terceiro art 506 do CPC2015 com eficácia obrigatória ou vinculante dos precedentes das Cortes Supremas Percebase que a coisa julgada material ao atingir a fundamentação fica restrita às partes e aos terceiros titulares do direito de discutir a questão decidida por ela beneficiados Ao contrário a força obrigatória ou vinculante dos fundamentos determinantes da decisão orienta a sociedade e regula os casos futuros Na realidade a necessidade de isolar os fundamentos projetandoos de modo a atingir obrigatoriamente os demais tribunais e órgãos da administração nada tem a ver com coisa julgada sobre os fundamentos A coisa julgada sobre a questão a torna indiscutível para aqueles que participaram do processo e pode beneficiar aqueles que poderiam ter discutido a questão como prejudicial de suas demandas O efeito obrigatório ou vinculante confere estabilidade aos precedentes das Cortes Supremas favorecendo a igualdade de todos perante o direito e a previsibilidade Ademais apenas na perspectiva de funcionalidade lógica dos institutos não há qualquer sentido em reservar a eficácia vinculante ao dispositivo da decisão Em primeiro lugar porque o dispositivo não é suficiente para revelar a tese ou a orientação do STF de modo que a sua força obrigatória pouco adiantaria para se outorgar unidade ao direito Depois porque ao se admitir que a força obrigatória é limitada ao dispositivo da decisão utilizase outro instituto para reprisar o que já é garantido pela coisa julgada Grosso modo sabese que a eficácia vinculante se destina a obrigar os juízes e tribunais inferiores a decidir de acordo com o STF Porém a eficácia vinculante não se destina a obrigar os órgãos judiciais a adotar o dispositivo das decisões de inconstitucionalidade Objetiva isso sim vinculálos aos fundamentos determinantes dessas decisões Como já dito não há racionalidade em supor que em virtude da eficácia vinculante os demais órgãos judiciais estão obrigados a respeitar o dispositivo das decisões de inconstitucionalidade uma vez que isso decorre da eficácia erga omnes da decisão O problema obviamente não está em fazer respeitar a decisão de que a norma X é constitucional ou inconstitucional mas sim em vincular os demais órgãos judiciais aos fundamentos utilizados para se chegar à conclusão de que a norma X é constitucional ou inconstitucional Apenas isso pode justificar a ideia de atribuir eficácia vinculante a uma decisão de inconstitucionalidade É realmente ilógico pensar em eficácia vinculante para atribuir força obrigatória ao dispositivo das decisões Estarseia negando a própria razão de ser da eficácia vinculante cuja gênese não se desliga da necessidade de atribuir força obrigatória à ratio decidendi ou aos fundamentos determinantes das decisões Lembrese que nos próprios sistemas em que o controle de constitucionalidade é reservado a Tribunal Constitucional como ocorre na Alemanha atribuise eficácia vinculante aos fundamentos determinantes das decisões Como esclarece Michael Sachs o Tribunal Constitucional alemão possui jurisprudência firme e de longa data no sentido de que a força vinculante das suas decisões vai além dos seus respectivos dispositivos isto é vai além da decisão acerca do objeto do processo para também atingir os seus fundamentos determinantes Ou seja entendese que a eficácia vinculante atinge as concepções jurídicas determinantes das decisões do Tribunal Constitucional 606 A eficácia vinculante tem o mesmo objetivo da eficácia obrigatória dos precedentes O precedente apenas é garantido com a vinculação dos órgãos judiciais Mas a parte dispositiva não é capaz de atribuir significado ao precedente este depende para adquirir conteúdo da sua fundamentação ou mais precisamente da ratio decidendi ou dos fundamentos determinantes da decisão Tudo isso contradiz a limitação da eficácia vinculante ao dispositivo da decisão Afirmar que a coisa julgada não recai sobre os fundamentos para concluir que estes não são atingidos pela eficácia vinculante é não apenas utilizar premissa falsa e chegar à conclusão equivocada É mais do que isso utilizar premissa que não tem qualquer relação lógica com a conclusão Não é possível sustentar que os fundamentos não vinculam em razão de a coisa julgada não lhes dizer respeito O raciocínio como se viu está muito malposto A coisa julgada diz respeito às questões mas não obstante isso não tem o propósito da eficácia vinculante Ora a coisa julgada sobre questão diz respeito à decisão sobre questão prejudicial ao passo que a eficácia vinculante se refere ao entendimento da Corte Suprema sobre o direito Os objetos são completamente distintos Significa que pouco importa buscar resposta à pergunta a respeito de quais são os limites objetivos da coisa julgada já que o real problema está em saber qual é a porção da decisão que revela o entendimento da Corte e portanto quais são os limites objetivos da eficácia vinculante 8423 Extensão subjetiva O art 102 2º da CF diz que o efeito vinculante incide em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública direta e indireta nas esferas federal estadual e municipal A norma constitucional diz que as decisões definitivas tomadas em ação direta de inconstitucionalidade e em ação declaratória de constitucionalidade produzem efeitos vinculantes em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário excluindo assim o próprio STF De modo que estão sujeitos à eficácia vinculante os juízes de 1º grau de jurisdição os Tribunais Estaduais e Regionais Federais e todos os demais Tribunais Superiores inclusive o STJ É claro que a intenção da norma foi vincular os órgãos judiciais às decisões do STF Ocorre diante disso o que se chama de eficácia vertical dos precedentes ou o que se pode chamar de eficácia vinculante em sentido vertical Em princípio assim as Turmas do STF assim como o seu próprio Plenário não estariam vinculados aos fundamentos determinantes das decisões de inconstitucionalidade Não obstante as razões que estão à base da eficácia vinculante em relação aos demais órgãos judiciais também se impõem para obrigar o STF e as suas Turmas A estabilidade do direito assim como a confiança justificada e a previsibilidade exigem que os fundamentos determinantes das decisões de inconstitucionalidade sejam observados pelo próprio STF Assim se restou decidido que determinada norma X de um Estado da Federação é inconstitucional em virtude da razão Y norma idêntica de outro Estado da Federação também deve ser declarada inconstitucional em virtude da mesma razão Y Os fundamentos determinantes se impõem às Turmas e ao Plenário Isso não quer dizer como é óbvio que o Plenário e as Turmas sejam absolutamente obrigados ou vinculados em face dos precedentes do STF Como explicado acima nem mesmo a parte dispositiva da decisão de constitucionalidade produz efeitos para sempre Por idênticos motivos os fundamentos determinantes de decisões de inconstitucionalidade ou de constitucionalidade podem ser revistos diante da alteração da realidade ou dos valores sociais assim como da concepção geral acerca do direito 607 Lembrese que a particularidade da eficácia absolutamente vinculante é a proibição de o Tribunal revogar a sua própria decisão mesmo que tenha bons fundamentos para tanto Isso não mais ocorre nem mesmo na Inglaterra uma vez que em 1966 um Statement afirmou que a antiga House of Lords poderia passar a revogar os seus precedentes diante de certas circunstâncias 608 Frisese que antes disso a House estava absolutamente vinculada aos seus julgados ainda que em certos casos estivesse convicta de que ao reiterálos estaria perpetuando uma decisão injusta 609 Ao se afirmar que o Supremo Tribunal também deve respeitar os seus precedentes não se quer dizer que novas posições pessoais não possam ou devam ser ouvidas ou que a composição do Tribunal não expresse vontades morais diferenciadas O que se deseja evidenciar é que para se alterar um precedente qualquer membro do Tribunal seja recente ou antigo deve expressar fundamentação capaz de evidenciar que o precedente perdeu a sua razão de ser em face da alteração da realidade social da modificação dos valores da evolução da tecnologia ou da alternância da concepção geral do direito Nesse caso o magistrado assume um ônus de evidenciar que tais motivos não só estão presentes como são consistentes e fortes o bastante para se sobreporem às razões determinantes antes adotadas Caso a maioria do Tribunal não consiga vencer o ônus de alegar e demonstrar que boas razões impõem a revogação do precedente ele deverá ser mantido Ademais a eficácia vinculante das decisões de inconstitucionalidade estendese à Administração Pública direta e indireta nas esferas federal estadual e municipal conforme claramente preceitua o art 102 2º da CF Deixese claro que a Administração está vinculada aos fundamentos determinantes da decisão de inconstitucionalidade Assim não constitui empecilho a circunstância de o órgão administrativo do Estado X não estar submetido à lei declarada inconstitucional uma vez que ele está vinculado aos fundamentos determinantes da decisão que assim a proclamou O mesmo vale como é óbvio para os órgãos municipais que devem pautar suas condutas e procedimentos com base nos fundamentos determinantes da decisão de inconstitucionalidade não importando se esta foi proferida em relação à lei de específico Município A norma do 2º do art 102 da CF ao disciplinar os limites subjetivos da eficácia vinculante não se refere ao Legislativo Isso não quer dizer que o legislador não tenha compromisso com as decisões do STF A questão de o Legislativo ter ou não poder para editar lei com substância idêntica à de lei declarada inconstitucional pelo STF nada tem a ver com a questão da eficácia vinculante das decisões Ora a eficácia vinculante pertine à aplicação da lei e não à sua elaboração e edição Saber se o Legislativo conserva poder para editar lei com substância idêntica à de lei já declarada inconstitucional pelo STF constitui problema que está em plano mais acima o da separação dos Poderes Quando se diz que a Administração Pública direta e indireta nas esferas federal estadual e municipal está vinculada às decisões do STF não se pensa sequer em violação do princípio da separação dos poderes Como é óbvio a Administração tem o dever de não aplicar norma declarada inconstitucional pelo STF Sucede que o poder de legislar não se confunde com o poder de executar ou de aplicar as normas Aliás o Legislativo ao agir enquanto Poder que está subordinado às leis não pode negar as decisões do STF Portanto o problema da autonomia para editar lei com substância já declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal é outro O Legislativo não está impedido em razão da eficácia vinculante de editar lei com conteúdo idêntico ao de lei já proclamada inconstitucional pelo STF Até porque o Legislativo pode entender que existem novas circunstâncias como a transformação da realidade ou dos valores sociais que imponham a compreensão do texto num sentido constitucional Porém isso não quer dizer que a atuação legislativa destituída de qualquer preocupação com a legitimidade constitucional do texto possa se impor simplesmente para negar os efeitos da decisão da Suprema Corte Quando inexiste como pensar em nova circunstância a justificar a atuação do legislador a lei não se sobrepõe à decisão de inconstitucionalidade Percebase que o Judiciário e a Administração Pública ainda estão vinculados à decisão do STF cabendolhes apenas distinguir se os fundamentos determinantes da decisão de inconstitucionalidade contradizem ou não o texto da nova lei 610 843 Reclamação De acordo com o art 102 I l da CF cabe reclamação ao STF para a preservação de sua competência e garantia da autoridade de suas decisões 611 A Lei 80381990 que institui normas procedimentais para os processos que especifica perante o Superior Tribunal de Justiça 612 e o Supremo Tribunal Federal regula a reclamação em seu Capítulo II estabelecendo que ao julgar procedente a reclamação o Tribunal cassará a decisão exorbitante de seu julgado ou determinará medida adequada à preservação de sua competência art 17 A Emenda 452004 ao consagrar a súmula vinculante previu a reclamação para a sua observância estabelecendo o art 103A 3º da CF que do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que julgandoa procedente anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula conforme o caso Para existir como instituto processual a reclamação não depende da eficácia vinculante A reclamação constitui forma de cassar decisão que usurpou a competência ou desrespeitou autoridade de decisão do Tribunal De modo que a reclamação tem cabimento ainda que a decisão desrespeitada não tenha eficácia vinculante Antes da EC 31993 que introduziu a ação declaratória de constitucionalidade atribuindo à sua decisão efeitos vinculantes a reclamação já era admitida não apenas em face de usurpação de competência ou de descumprimento de decisão do STF mas também diante de desobediência das decisões tomadas nos processos objetivos Porém era adstrita ao autor da ação direta e aos demais legitimados a esta ação além de limitada ao desrespeito à parte dispositiva da decisão 613 Lembrese que a EC 31993 introduziu parágrafo no art 102 da CF o qual disse que as decisões definitivas de mérito proferidas pelo Supremo Tribunal Federal nas ações declaratórias de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e ao Poder Executivo A EC 452004 deu nova redação a este parágrafo art 102 2º da CF que passou a preceituar que as decisões definitivas de mérito proferidas pelo Supremo Tribunal Federal nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública direta e indireta nas esferas federal estadual e municipal Com a EC 452004 assim tornouse claro o cabimento de reclamação também em relação às decisões definitivas proferidas na ação direta de inconstitucionalidade Na ADC 4 o STF admitiu a possibilidade de concessão de medida liminar nesta modalidade de ação 614 Atribuíramse à decisão que na ocasião concedeu a liminar efeitos vinculantes Esta decisão proferida no final da última década do século passado somada ao novo 2º EC 452004 do art 102 da CF evidencia que as decisões concessivas de medida liminar em ação declaratória de constitucionalidade e em ação direta de inconstitucionalidade produzem efeitos vinculantes abrindo ensejo por isso mesmo à reclamação Contudo admitindose que as decisões de inconstitucionalidade e de constitucionalidade ficam cobertas pela eficácia vinculante não há como limitar a reclamação ao dispositivo da decisão Se os fundamentos determinantes têm eficácia vinculante a proibição que atinge os demais órgãos judiciais e os órgãos da Administração Pública é logicamente mais extensa e a autoridade das decisões logicamente não se limita ao dispositivo Em outras palavras a proibição não é apenas de adotar a norma que foi declarada inconstitucional mas também de desrespeitar os fundamentos que levaram à decisão de inconstitucionalidade Por simples consequência não há por que restringir a reclamação aos legitimados à ação direta e ao órgão que editou a norma pois o jurisdicionado em seu respectivo caso reclama a autoridade dos fundamentos determinantes das decisões do STF em nome da coerência do direito e da segurança jurídica Notese que não está em jogo a declaração de constitucionalidade ou inconstitucionalidade de específica norma mas a força ou autoridade dos fundamentos adotados pela Corte para decidir pela constitucionalidade ou inconstitucionalidade Portanto em vista da eficácia vinculante legitimados à reclamação são o prejudicado pelo ato que negou os fundamentos determinantes e aquele que o praticou Este último infringe a autoridade da decisão do STF enquanto o primeiro por ser tutelado pelo precedente constitucional necessita da reclamação Lembrese que na Rcl 1987 o STF deixou claro o cabimento de reclamação para ressuscitar a autoridade dos fundamentos determinantes de decisão prolatada em ação direta de inconstitucionalidade 615 Na ocasião disse o relator da reclamação Min Maurício Corrêa que a questão fundamental é que o ato impugnado não apenas contrastou a decisão definitiva proferida na ADIn 1662 como essencialmente está em confronto com os seus motivos determinantes 616 Mas as razões que sustentam a eficácia vinculante dos fundamentos determinantes das decisões proferidas no controle principal também se impõem no controle incidental Os fundamentos determinantes revelando a doutrina do Supremo Tribunal acerca de determinada questão constitucional devem ter igual força obrigatória sendo irrelevante que tenham sido fixados em decisão proferida em sede de controle incidental Lembrese de que na Rcl 2363 advertiuse que os ministros do Supremo Tribunal vêm mediante decisão monocrática aplicando tese fixada em precedentes onde se discutiu a inconstitucionalidade de lei em sede de controle difuso emanada por ente federativo diverso daquele prolator da lei objeto do recurso extraordinário sob exame 617 Assim ao se admitir que os fundamentos determinantes da decisão tomada em recurso extraordinário produzem efeitos vinculantes cabe reclamação contra decisão judicial ou da Administração Pública que negou o fundamento que levou a Corte a decidir ainda que no controle incidental Frisese que a autoridade da decisão não está somente em sua parte dispositiva mas igualmente em seus fundamentos determinantes Bem vistas as coisas como a parte dispositiva é resguardada pela sua força inerente a verdadeira razão de ser da reclamação atualmente é impor respeito aos fundamentos determinantes das decisões O CPC de 2015 no seu art 988 embora tenha dito que a reclamação pode ser utilizada para i preservar a competência do tribunal ii garantir a autoridade das decisões do tribunal e iii garantir a observância de decisão do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade cometeu equívoco primário ao anunciar que pode apenas iv garantir a observância de enunciado de súmula vinculante e de precedente proferido em julgamento de casos repetitivos ou em incidente de assunção de competência Ora é pouco mais do que evidente que não são apenas os precedentes firmados em recursos extraordinário e especial repetitivos que podem obrigar os juízes e tribunais mas os devidamente elaborados em qualquer recurso extraordinário e especial O equívoco é tão perceptível que outorga maior valor à existência de múltiplos casos idênticos do que à repercussão geral Não obstante há decisões do STF em sentido diverso adotando posição que em verdade acaba por negar a razão de ser da eficácia vinculante 618 Decidiuse na Rcl 10793 rel Min Ellen Gracie não ser possível utilizar reclamação contra decisão de primeiro grau de jurisdição que tenha negado tese firmada pela Corte em repercussão geral Argumentouse a partir de raciocínio que circundou os próprios fundamentos da eficácia vinculante e da reclamação que a decisão de primeiro grau deve ser impugnada por recurso próprio e quando o Tribunal reiterar a não observância da decisão do STF a situação deve ser resolvida por meio da interposição de recurso extraordinário Disse a Ministra relatora em sua decisão que a atuação desta Corte há de ser subsidiária só se justificando quando o próprio Tribunal a quo negar observância ao leading case da repercussão geral ensejando então a interposição e a subida de recurso extraordinário para cassação ou revisão do acórdão Caso contrário o instituto da repercussão geral ao invés de desafogar esta Corte e liberála para a discussão das grandes questões constitucionais passaria a assoberbála com a solução dos casos concretos inclusive com análise de fatos e provas trabalho que é próprio e exclusivo dos Tribunais de segunda instância 619 Ocorre que a reclamação por sua função e própria natureza documental jamais poderá obrigar o STF a decidir um caso concreto ou a analisar fatos e provas Reclamação baseada em desrespeito à decisão do STF apenas pode exigir o seu confronto com tese firmada pelo órgão judicial inferior Nada mais do que isso Assim o argumento da decisão proferida na Rcl 10793 neste aspecto é equivocado Ademais tal decisão pretende transformar a imprescindível atuação do STF quando do enfraquecimento da autoridade de precedente constitucional em algo surpreendentemente subsidiário sugerindo que a técnica recursal é suficiente para resguardar a eficácia vinculante ou a força obrigatória das decisões proferidas pela Corte Suprema Com o devido respeito a função recursal nada tem a ver com o resguardo das decisões de uma Corte Suprema ou de seus precedentes O seu objetivo é permitir a tutela da parte vencida diante de determinada decisão De outra parte a autoridade dos precedentes do STF constitui a afirmação da coerência do direito e a preservação da segurança jurídica O desrespeito a precedente constitucional não constitui mera decisão equivocada mas revela negação da autoridade do STF colocando em grave risco a coerência da ordem jurídica a confiança justificada nas decisões do Poder Público e o direito fundamental à duração razoável do processo A repercussão geral não procura ou deve procurar simplesmente desafogar o STF Cabe lembrar que a sua verdadeira função é dar unidade ao direito enfatizando uma solução constitucional que deva necessariamente permear todas as decisões judiciais Se em virtude de uma cultura de desvalor à autoridade podem ser proferidas várias decisões contrárias à decisão tomada em repercussão geral não é correto abrir mão do instrumento indispensável à preservação da autoridade e da força dos precedentes constitucionais sem as quais não há coerência do direito e segurança jurídica apenas para desafogar a Corte utilizandose da dicção da decisão proferida na Rcl 10793 É equivocado imaginar que a Corte poderá se sentir liberada para a discussão das grandes questões constitucionais 620 Rcl 10793 enquanto as suas próprias decisões estiverem livres para ser afrontadas por qualquer órgão judicial inferior Afinal de nada adianta firmar precedentes constitucionais tutelandose a coerência da ordem jurídica se a base do Poder Judiciário por falta de compreensão do significado das decisões constitucionais não as atende Em suma cabe sublinhar que a reclamação está muito longe da técnica que serve para a parte impugnar decisão que lhe é insatisfatória nem mesmo constitui mero expediente de preservação da competência e de garantia do cumprimento de específica decisão Representa no contexto do processo constitucional contemporâneo importante instrumento de tutela da própria ordem jurídica constitucional Por fim releva advertir que a Lei 98821999 ao regulamentar a arguição de descumprimento de preceito fundamental previu a reclamação art 13 para resguardar as decisões nela proferidas as quais definitivas ou concessivas de liminar possuem efeitos vinculantes art 10 3º Recordese que a ação de inconstitucionalidade perante a Constituição Federal é limitada às leis e atos normativos estaduais e federais o direito municipal é objeto de ação de inconstitucionalidade diante da Constituição Estadual de competência dos Tribunais de Justiça art 125 2º da CF A impossibilidade de controle direto do direito municipal em face da Constituição Federal impede a definição imediata e com efeitos gerais da questão de constitucionalidade trazendo consequências nos planos da segurança jurídica e da unidade do direito Assim a arguição de descumprimento de preceito fundamental ao viabilizar a tutela dos preceitos fundamentais também em face de leis municipais acaba por suprir grave lacuna Porém a ideia de que a decisão proferida na arguição de descumprimento produz efeitos vinculantes somente em relação à norma municipal objeto da arguição elimina a possibilidade de se dar unidade à interpretação das leis municipais Se a decisão ainda que proferida em relação a determinada norma municipal não tem os seus fundamentos determinantes impostos em face de leis idênticas ou similares de outros municípios o propósito da própria extensão da arguição de descumprimento às leis municipais fica sem sentido Não só leis de conteúdo idêntico ou similar continuariam a gerar múltiplos litígios como as próprias teses firmadas nos precedentes constitucionais não teriam adequada e integral aplicação Fora tudo isso a não observância de decisão com eficácia vinculante caracteriza grave violação de dever funcional abrindo oportunidade para medidas de ordem administrativa criminal e civil 621 Os órgãos judiciais e autoridades administrativas vinculados obviamente não podem deixar de observar as decisões Bem por isso caso o façam devem responder por suas ações 622 Caso um órgão judicial se negue a adotar decisão com eficácia vinculante desrespeitando os seus fundamentos determinantes estará caracterizado o ilícito suficiente à propositura de ação de ressarcimento contra o Estado Neste caso dificuldade haverá apenas para se determinar a extensão do dano provocado à parte que litigando na ação concreta injustamente se submeteu à arbitrariedade do juiz ou do tribunal Igual raciocínio como é óbvio aplicase à hipótese em que a ilicitude é cometida por órgão da Administração Pública 844 Modulação dos efeitos temporais da decisão de inconstitucionalidade O Tribunal ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo poderá por maioria de dois terços de seus membros considerando razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social restringir os seus efeitos ou decidir que a eficácia provenha do trânsito em julgado ou surja a partir de outro momento a ser fixado art 27 da Lei 98681999 Tratase do que se chama de modulação dos efeitos da decisão de inconstitucionalidade 623 Partese da premissa de que a decisão de inconstitucionalidade tem efeitos ex tunc dada a ideia de que a lei declarada inconstitucional é uma lei nula O problema em verdade não seria o de se a decisão declara a nulidade da lei ou a desconstitui ou de se a decisão tem efeitos ex tunc ou ex nunc uma vez que em um ou outro caso ou seja admitindose a teoria de que há declaração de nulidade ou a de que há desconstituição sempre haveria necessidade de temperos nas suas aplicações A admissão de que a decisão não retroage sempre faria escapar situações em que a retroatividade seria vantajosa Da mesma forma a opção pela retroatividade sempre recomendaria isentar de efeitos determinadas situações passadas Melhor explicando adotada uma ou outra teoria admitindose a declaração da nulidade ou a desconstitutividade isto é os efeitos ex tunc ou os efeitos ex nunc sempre seria necessário conforme as particularidades de cada caso fazer avançar ou fazer retroagir os efeitos da decisão de inconstitucionalidade O art 27 frisa a nulidade da lei inconstitucional firmando a premissa de que a decisão tem efeitos retroativos podendo o tribunal pela maioria de dois terços dos seus membros considerando os conceitos indeterminados de segurança jurídica e de excepcional interesse social restringir os seus efeitos ou decidir que a eficácia provenha do trânsito em julgado ou surja a partir de outro momento a ser fixado Nesses termos a decisão pode isentar determinados atos ou situações dos efeitos retroativos decidir que os efeitos apenas serão produzidos com o trânsito em julgado ou ainda decidir que os efeitos apenas serão produzidos a partir de determinada data ou evento futuros Há em tais casos efeitos retroativos limitados efeitos prospectivos propriamente ditos e efeitos prospectivos a partir de determinado evento Os conceitos indeterminados referidos no art 27 têm assento constitucional A conten ção dos efeitos exige a partir de um juízo ancorado na segurança jurídica ou em outro prin cípio constitucional sob a forma de excepcional interesse social a prevalência dos interesses que seriam sacrificados pela retroatividade sobre os afetados pela lei inconstitucional 624 Vale a pena lembrar a ADIn 2240 em que se questionou a validade da lei que criou o Município de Luís Eduardo Magalhães 625 Nesta ação a Corte não tinha qualquer dúvida sobre a inconstitucionalidade da lei mas temia que ao pronunciála pudesse irremediavelmente atingir as situações que se formaram após a sua edição O relator Min Eros Grau embora reconhecendo a inconstitucionalidade inicialmente julgou improcedente a ação mas somente para preservar as situações consolidadas Após pedir vistas o Min Gilmar Mendes argumentou que não seria razoável deixar de julgar procedente a ação direta de inconstitucionalidade para não se atingir o passado uma vez que a preservação das situações anteriores poderia se dar ainda que a ação fosse julgada procedente Após deixar claro que o relator se preocupou em proteger as situações consolidadas insistiu em que a solução do problema não pode advir da simples decisão de improcedência da ação Seria como se o Tribunal focando toda a sua atenção na necessidade de se assegurarem realidades concretas que não podem mais ser desfeitas e portanto reconhecendo plena aplicabilidade ao princípio da segurança jurídica deixasse de contemplar na devida medida o princípio da nulidade da lei inconstitucional Salientou que embora não se possa negar a relevância do princípio da segurança jurídica no caso é possível primar pela otimização de ambos os princípios ou seja dos princípios da segurança jurídica e da nulidade da lei inconstitucional tentando aplicálos na maior medida possível segundo as possibilidades fáticas e jurídicas que o caso concreto pode nos apresentar Advertiu que a falta de um instituto que permita estabelecer limites aos efeitos da declaração de inconstitucionalidade acaba por obrigar os Tribunais muitas vezes a se abster de emitir um juízo de censura declarando a constitucionalidade de leis manifestamente inconstitucionais E que o perigo de uma tal atitude desmesurada de self restraint ou greater restraint pelas Cortes Constitucionais ocorre justamente nos casos em que como o presente a nulidade da lei inconstitucional pode causar uma verdadeira catástrofe para utilizar a expressão de Otto Bachof do ponto de vista político econômico e social Diante disso concluiu Não há dúvida portanto e todos os Ministros que aqui se encontram parecem ter plena consciência disso que o Tribunal deve adotar uma fórmula que reconhecendo a inconstitucionalidade da lei impugnada diante da vasta e consolidada jurisprudência sobre o tema resguarde na maior medida possível os efeitos por ela produzidos Assim decidiuse por maioria vencido o Min Marco Aurélio no sentido de aplicando o art 27 da Lei 98681999 declarar a inconstitucionalidade sem a pronúncia da nulidade da lei impugnada mantendo sua vigência pelo prazo de 24 vinte e quatro meses lapso temporal razoável dentro do qual poderá o legislador estadual reapreciar o tema tendo como base os parâmetros que deverão ser fixados na lei complementar federal conforme decisão desta Corte na ADIn 3682 O método utilizado em tal decisão não se confunde com a técnica do prospective overruling que tem a ver com a revogação de precedentes e não com a declaração de inconstitucionalidade Nos Estados Unidos quando há confiança justificada no precedente é possível atribuir efeitos prospectivos à decisão que o revoga inclusive a partir de determinada data ou evento futuro 626 Porém quando se outorga efeito prospectivo à decisão de inconstitucionalidade as situações consolidadas não são resguardas em razão de alguma confiança em precedente Quando a decisão de inconstitucionalidade não possui efeitos retroativos desejase preservar as situações que se consolidaram com base na lei inconstitucional não importando a confiança justificada em qualquer precedente judicial É somente nesta situação como é óbvio que entra em jogo a teoria da nulidade dos atos inconstitucionais e passa a ser possível questionar por consequência a relação entre os princípios da nulidade da lei inconstitucional e da segurança jurídica Lembrese ademais que o STF tem admitido a modulação dos efeitos de suas decisões também em sede de controle difuso 627 Nesta dimensão é possível perceber ainda com maior facilidade a distinção entre a questão dos efeitos prospectivos da decisão de inconstitucionalidade e o tema dos efeitos prospectivos da decisão que revoga precedente em que se deposita confiança justificada As decisões proferidas em recurso extraordinário produzem eficácia vinculante em relação aos seus motivos determinantes 628 Da mesma forma a tais decisões podem ser atribuídos efeitos prospectivos Recordese que atribuir eficácia vinculante aos fundamentos determinantes da decisão é o mesmo que conferir autoridade aos fundamentos da decisão em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário Esses ficam vinculados ou obrigados em face dos fundamentos da decisão ou seja diante da ratio decidendi do precedente De modo que a técnica da obrigatoriedade do respeito aos fundamentos determinantes é utilizada para atribuir força ou autoridade aos precedentes judiciais e não obviamente para reafirmar a teoria da nulidade do ato inconstitucional Do mesmo modo o poder de modular as decisões em sede de controle difuso deriva do princípio da proteção da confiança justificada e não da necessidade de harmonizar o prin cípio da nulidade do ato inconstitucional com a segurança jurídica A declaração de inconstitucionalidade proferida em recurso extraordinário embora obrigue os demais órgãos do Poder Judiciário não elimina a norma do ordenamento jurídico que resta em estado latente Assim como o STF pode vir a declarar inconstitucional norma que já afirmou constitucional é possível que decisão que reconheceu a inconstitucionalidade de determinada norma um dia venha a ser contrariada Isto sucede nos Estados Unidos quando se diz que a Suprema Corte ressuscita a lei que era vista como dead law por já ter sido declarada inconstitucional O STF sempre tem a possibilidade de a partir de determinados critérios negar os fundamentos determinantes das decisões que toma em recurso extraordinário sejam elas de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade Porém como a revogação de um precedente institui nova regra a ser observada pelos demais órgãos judiciais tornase evidente a possibilidade de se violentarem a segurança jurídica e a confiança depositada no próprio Tribunal Quando não há indicações de que o precedente será revogado e dessa forma há confiança justificada é preciso cautela para não tomar de surpresa o jurisdicionado revelandose apropriado atribuir efeitos prospectivos à decisão 629 Embora a viabilidade de outorgar efeitos prospectivos à decisão de inconstitucionalidade esteja garantida no art 27 da Lei 98681999 tal possibilidade advém do princípio da segurança jurídica o que significa que ainda que se entendesse que tal norma se aplica apenas ao controle concentrado não haveria como negar a possibilidade de se modular os efeitos da decisão proferida em recurso extraordinário Porém a necessidade de modulação em controle difuso decorre da preocupação em não atingir as situações que se formaram com base no precedente e não da imprescindibilidade em proteger as situações que se consolidaram com base na lei inconstitucional Entretanto a técnica dos efeitos prospectivos foi pensada no Brasil a partir da teoria da nulidade dos atos inconstitucionais ou seja para tutelar a segurança jurídica em virtude do princípio da nulidade da lei inconstitucional Daí não se ter percebido a necessidade da adoção desta técnica em sede de controle difuso O mais importante porém é que certamente não se pensa em confiança justificada para se darem efeitos prospectivos na hipótese de decisão de inconstitucionalidade Só há razão para investigar se a confiança é justificada quando se trata de revogação de precedente É apenas aí que importa verificar se havia na academia e nos tribunais manifestações que evidenciavam o enfraquecimento do precedente ou apontavam para a probabilidade da sua revogação a eliminar a confiança justificada Nesta situação tutelase o passado em nome da confiança que se depositou nas decisões judiciais enquanto no caso de decisão de inconstitucionalidade tutelamse excepcionalmente as situações que se formaram na vigência da lei declarada inconstitucional Fora tudo isso há ainda duas questões importantes em termos de modulação dos efeitos A ideia contida no art 27 da Lei 98681999 no sentido de que a decisão de inconstitucionalidade opera em princípio efeitos ex tunc deve ser vista com as ressalvas da própria Constituição Federal Além disso a modulação de efeitos constitui um poderdever do Tribunal e assim cabelhe sempre se pronunciar sobre a sua necessidade independentemente da lei que esteja sendo impugnada A primeira questão faz ver que a declaração de inconstitucionalidade por si só jamais operará efeitos sobre todas as situações pretéritas De modo que o Tribunal por isso mesmo não precisa expressamente ressalvar a coisa julgada material dos efeitos retroativos da decisão de inconstitucionalidade A essência da coisa julgada material seria claramente negada caso a decisão de inconstitucionalidade nulificasse as decisões dos juízes e tribunais Contudo a coisa julgada material por estar protegida pelo art 5º XXXVI da CF assim como pelo princípio da segurança jurídica não desaparece diante de decisão de inconstitucionalidade ou em outras palavras de decisão que declara a inconstitucionalidade da lei em que a decisão acobertada pela coisa julgada se fundou Na verdade mesmo que se deixe de lado o art 5º XXXV 630 é inegável que a coisa julgada material está protegida pelo princípio da segurança jurídica visto como alicerce do próprio Estado de Direito e desse modo não pode desaparecer em virtude de decisão proferida pelo STF ainda que em sede de ação direta de inconstitucionalidade Além de indispensável à afirmação da autoridade do Estado a coisa julgada é inerente ao Estado Constitucional 631 Assim pouco importaria se não houvesse sido resguardada de forma expressa pela Constituição Federal brasileira pois deriva do Estado de Direito e encontra base nos princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança Na Alemanha onde não há proteção constitucional expressa à coisa julgada o seu fundamento constitucional está ancorado no princípio do Estado de Direito Verfassungsstaat O Bundesverfassungsgericht foi o principal responsável por esta elaboração frisando que o princípio do Estado de Direito Verfassungsstaat tem como componente essencial a garantia da certeza do direito que exige não apenas o desenvolvimento regular do processo como também a estabilidade da sua conclusão 632 RosenbergSchwabGottwald nesta linha dizem que a coisa julgada material é uma consequência do direito à proteção legal pelos tribunais e que a sua ancoragem constitucional está no princípio do Estado de Direito 633 O Estado de Direito por ter uma ampla latitude de objetivos é um sobreprincípio que se correlaciona com vários outros princípios que incorporam os seus fins Estes princípios são reveladores do seu conteúdo e dessa forma constituem os seus fundamentos Entre estes princípios está o da segurança jurídica indispensável à concretização do Estado de Direito 634 A segurança jurídica pode ser analisada em duas dimensões uma objetiva e outra subjetiva No plano objetivo a segurança jurídica recai sobre a ordem jurídica objetivamente considerada aí importando a irretroatividade e a previsibilidade dos atos estatais assim como o ato jurídico perfeito o direito adquirido e a coisa julgada art 5º XXXVI da CF 635 Em uma perspectiva subjetiva a segurança jurídica é vista a partir do ângulo dos cidadãos em face dos atos do Poder Público Nesta última dimensão aparece o princípio da proteção da confiança como garante da confiança que os atos estatais devem proporcionar aos cidadãos titulares que são de expectativas legítimas 636 A coisa julgada como instituto jurídico tutela o princípio da segurança em suas duas dimensões Na perspectiva objetiva deixa claro que as decisões judiciais são definitivas e imodificáveis expressando a imperiosidade de estabilidade Na outra dimensão quando importa a proteção da confiança a coisa julgada garante ao cidadão que nenhum outro ato estatal poderá modificar ou violar a decisão que definiu o litígio Neste sentido sabe o cidadão que uma vez produzida a coisa julgada material nada mais será possível fazer para se alterar a decisão e assim que o ato judicial de solução do litígio merece plena confiança Na verdade a coisa julgada material é um verdadeiro signo da tutela da confiança do cidadão nos atos estatais É por assim dizer um concreto exemplo de proteção da confiança legitimamente depositada pelo cidadão nos atos de poder A coisa julgada serve à realização do princípio da segurança jurídica tutelando a ordem jurídica estatal e ao mesmo tempo a confiança dos cidadãos nas decisões judiciais Sem coisa julgada material não há ordem jurídica e possibilidade de o cidadão confiar nas decisões estatais Não há em outras palavras Estado de Direito Bem por isso o art 5º XXXVI da CF quando afirmou que a lei não prejudicará a coisa julgada quis dizer que nenhuma lei infraconstitucional pode negar ou desproteger a coisa julgada Qualquer lei que diga que uma decisão proferida em processo em que todos os argumentos e provas puderam ser apresentados pode ser revista ou desconstituída pelo Poder Judiciário não acatada pelo Poder Executivo ou alterada ou modificada pelo Poder Legislativo é uma lei inconstitucional Em suma não se pode admitir que a decisão de inconstitucionalidade por si só arraste e desfaça todas as coisas julgadas materiais instituídas como se isto fosse um efeito que automaticamente dela decorre A retroatividade da decisão de inconstitucionalidade é contida pela garantia constitucional da coisa julgada não sendo necessário por isso mesmo que o Tribunal expressamente a exclua do campo de abrangência dos efeitos retroativos Isto já foi declarado pelo STF Assim por exemplo no RE 594892 em que o Min Celso de Mello afirmou que a sentença de mérito transitada em julgado só pode ser desconstituída mediante ajuizamento de específica ação autônoma de impugnação ação rescisória que haja sido proposta na fluência do prazo decadencial previsto em lei pois com o exaurimento de referido lapso temporal estarseá diante da coisa soberanamente julgada insuscetível de ulterior modificação ainda que o ato sentencial encontre fundamento em legislação que em momento posterior tenha sido declarada inconstitucional pelo STF quer em sede de controle abstrato quer no âmbito de fiscalização incidental de constitucionalidade A decisão do STF que haja declarado inconstitucional determinado diploma legislativo em que se apoie o título judicial ainda que impregnada de eficácia ex tunc como sucede com os julgamentos proferidos em sede de fiscalização concentrada RTJ 87758 RTJ 164506509 RTJ 201765 detémse ante a autoridade da coisa julgada que traduz nesse contexto limite insuperável à força retroativa resultante dos pronunciamentos que emanam in abstracto da Suprema Corte 637 Quando muito e excepcionalmente o Tribunal poderá fazer o inverso ou seja declarar que determinados casos já submetidos à coisa julgada estão dela isentos É interessante perceber que há nesta hipótese uma modulação que importa em dar à decisão de inconstitucionalidade uma retroatividade que em princípio ela não tem Daí a razão pela qual a coisa julgada material é atingida apenas quando a Corte se posiciona expressamente a respeito Não procede o argumento de que o art 27 da Lei 98681999 fala apenas em restrição dos efeitos quando no caso da coisa julgada estar seia dando uma ultrarretroatividade aos efeitos da decisão É preciso perceber que a modulação de efeitos está preocupada com a proteção dos interesses que podem ser sacrificados em face da decisão de inconstitucionalidade Em determinados casos certamente raros e excepcionais a coisa julgada pode ser sacrificada em benefício dos interesses afetados pela lei inconstitucional como sucede quando se declara inconstitucional norma que pautou a condenação penal A segunda questão inicialmente colocada respeitante a eventual dever de o Tribunal sempre se pronunciar acerca da modulação dos efeitos vem sendo posta à luz no cotidiano da prática da Corte por meio da utilização de embargos de declaração opostos justamente quando não há menção na decisão de inconstitucionalidade à modulação dos efeitos O uso dos embargos de declaração diante da necessidade de modulação coloca várias interrogações Cabe saber se o Tribunal deve realizar a modulação dos efeitos ou assim proceder apenas quando é impulsionado Este dever se confunde com o dever de sinalização positiva ou negativa de modulação abrangendo portanto também o dever de afirmar que a modulação não é necessária Se o silêncio do Tribunal pode ser entendido como ausência de modulação qual o significado que daí pode ser extraído A não modulação ao significar silêncio dotado de significado abre oportunidade a embargos de declaração Se o tribunal tem dever e assim dispensa requerimento para realizar a modulação o seu pronunciamento deve ser antecedido pela ouvida de requerente e requerido e eventual amicus curiae Da necessidade de oportunizar o contraditório deriva a oportunidade aos embargos de declaração Neste caso é necessária a ouvida de todos os envolvidos inclusive do amicus curiae O amicus curiae tem legitimidade para apresentar embargos de declaração para que seja realizada a modulação Não há dúvida que o dever de modulação dos efeitos é corolário do poder de declarar a inconstitucionalidade da norma É irracional supor que o STF tendo poder para declarar a inconstitucionalidade necessita de requerimento para prestar a tutela jurisdicional que lhe compete de modo adequado e assim para isentar determinadas situações consolidadas dos prejuízos decorrentes dos efeitos das suas próprias decisões Tal dever é instituído com a propositura da ação de inconstitucionalidade uma vez que é esta que lhe impõe o dever de controlar a constitucionalidade da norma impugnada 638 Aliás se o Tribunal não tivesse este dever implícito ao poder de controlar a constitucionalidade a lei teria de ter imposto a alguém o ônus de requerer a modulação Entretanto não é correto pensar que o requerente ou o requerido tenham interesse em requerer a modulação dos efeitos ou possam ser gravados com o ônus correspondente Ora a modulação de efeitos é tema que obviamente não pode ser circunscrito à esfera de quem quer que seja constituindo ao revés genuíno dever do Tribunal incumbido de controlar a constitucionalidade Mas como deve ser compreendido o dever de o Tribunal modular os efeitos das suas decisões Este dever surge quando presentes as circunstâncias encartáveis em um dos conceitos indeterminados do art 27 a impor a limitação dos efeitos da decisão De modo que como não poderia deixar de ser o Tribunal é vinculado à presença de tais circunstâncias não podendo deixar de atenuar ou excluir a retroatividade dos efeitos da sua decisão ou mesmo darlhe efeitos prospectivos quando elas estiverem presentes Não obstante o ponto que requer exame em verdade está na necessidade de o Tribunal se pronunciar acerca da modulação de efeitos quando entende que não precisa realizála Nada impede que o silêncio do Tribunal seja interpretado como sinal de inexistência de vontade de modular os efeitos mas é importante constatar que isso evidentemente não significa que não tenha o dever de analisar se a modulação é ou não necessária O problema é que se o silêncio pode ter significado ele não tem grafia ou concretude e assim não pode ser totalmente apreendido De modo que a legitimidade do silêncio na modulação depende de poder ser entendido como não modulação apenas por ser silêncio Notese porém que se o silêncio do Tribunal pode ser entendido como não modulação isso constitui apenas reflexo de uma opção processual que confessa que uma lei inconstitucional pode produzir efeitos e que toda decisão que se debruça sobre o controle de constitucionalidade pode ter efeitos retroativos plenos limitados ou apenas efeitos prospectivos Diante disso seria possível pensar que diante do silêncio da Corte jamais seria viável apresentar embargos de declaração Foi o que concluiu o STF nos embargos de declaração na ADIn 2791 em que disse o relator Min Menezes Direito Eu sempre tenho entendido que se pode conhecer dos embargos de declaração mas se há de rejeitálos caso não exista a expressa indicação no julgamento de que houve pedido para modulação de efeitos porque não há como identificar a omissão estamos estabelecendo a possibilidade de por via de embargos declaratórios mesmo inexistindo omissão no que concerne à modulação dos efeitos apreciar 639 Esta decisão além de vincular a manifestação do Tribunal a pedido entendeu que a inexistência de omissão seria óbice aos embargos de declaração A vinculação da decisão do Tribunal a pedido como demonstrado não tem qualquer cabimento Vale a pena no entanto tocar no outro argumento do voto do Min Menezes Direito referente à possibilidade de se admitirem os embargos declaratórios mesmo inexistindo omissão Como já dito a referida omissão consiste em silêncio dotado de significado razão pela qual é possível saber apenas que a omissão representa não modulação mas jamais se a Corte considerou particularidades e aspectos que impõem a limitação ou a exclusão de efeitos retroativos ou mesmo a imposição de efeitos unicamente prospectivos Se o sistema retira do silêncio um sinal não exigindo sua explicação ou a motivação das razões que levaram o Tribunal a silenciar não há como excluir a possibilidade de participante do processo se valer de embargos de declaração para fazer a Corte ponderar acerca de suas razões e de justificar o raciocínio que empregou sobre elas Assim não há relação de causalidade entre inexistência de omissão derivada de desnecessidade de justificação da não modulação com descabimento de embargos de declaração como supôs a Corte nos EDcl na ADIn 2996 de relatoria do Min Sepúlveda Pertence 640 Deixese consignado no entanto que apesar dos referidos julgados recentemente o STF proferiu decisão que não apenas excluiu a necessidade de pedido para a manifestação da Corte como também entendeu que a circunstância de poder silenciar não elimina a possibilidade do uso de embargos de declaração Tratase de decisão proferida nos EDcl na ADIn 3601 de relatoria do Min Dias Toffoli que reconheceu que o art 27 da Lei 98681999 tem fundamento na própria Carta Magna e em princípios constitucionais de modo que sua efetiva aplicação quando presentes os seus requisitos garante a supremacia da Lei Maior Presentes as condições necessárias à modulação dos efeitos da decisão que proclama a inconstitucionalidade de determinado ato normativo esta Suprema Corte tem o dever constitucional de independentemente de pedido das partes aplicar o art 27 da Lei 98681999 Continua a dominar no Brasil a doutrina do princípio da nulidade da lei inconstitucional Caso o Tribunal não faça nenhuma ressalva na decisão reputase aplicado o efeito retroativo Entretanto podem as partes trazer o tema em sede de embargos de declaração Presentes não só razões de segurança jurídica mas também de excepcional interesse social preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio primado da segurança pública capazes de prevalecer sobre o postulado da nulidade da lei inconstitucional Embargos declaratórios conhecidos e providos para esclarecer que a decisão de declaração de inconstitucionalidade da Lei distrital 36422005 tem eficácia a partir da data da publicação do acórdão embargado 641 É necessário sublinhar que dispensa de justificação não se confunde com discricionariedade A Corte não tem discricionariedade mas dever de modular quando presentes os pressupostos para tanto Está apenas dispensada de declinar os motivos pelos quais deixou de modular já que importa em princípio somente o resultado da inação e não as suas razões A dispensa de justificar gera aos participantes do processo a possibilidade de apresentarem embargos de declaração quando exercem o contraditório na forma postecipada tendo então a possibilidade de apresentarem as circunstâncias que impõem a modulação Realmente a postecipação do contraditório é reflexo da usurpação da possibilidade de os participantes do processo poderem debater a questão da modulação anteriormente à decisão a ela respeitante O fato de a modulação dispensar requerimento e constituir dever da Corte não pode retirar dos participantes o poder de debater a questão da modulação até porque esta obviamente lhes interessa e a sua discussão constitui fator de legitimação do exercício da jurisdição constitucional Assim os embargos declaratórios viabilizam o exercício do contraditório ainda que postecipado bem como conferem legitimação à decisão jurisdicional Não fosse assim o procedimento necessariamente deveria abrir oportunidade ao diálogo após a decisão de inconstitucionalidade quando teriam oportunidade de falar requerente requerido e eventuais amici curiae para somente depois ser prolatada a decisão de modulação de efeitos Não há dúvida que a modulação de efeitos é uma questão autônoma independente da discussão acerca da constitucionalidade da norma impugnada na medida em que i não se abre oportunidade à sua discussão antes da decisão da ação de inconstitucionalidade ii não se grava os requeridos com o ônus de deduzir a modulação para a eventual hipótese de inconstitucionalidade e iii nem se dá aos amici curiae oportunidade de discutila antes da pronúncia da inconstitucionalidade Tratandose de questão distinta não incorporada à discussão primitiva o seu isolamento ou afetação exclusiva ao Tribunal foge dos motivos que justificam a própria participação dos amici curiae e portanto a necessidade de pluralização do debate para a legitimação democrática da justiça constitucional Bem por isso justificase a utilização dos embargos de declaração pelos amici curiae A discussão da modulação dos efeitos não pode ser vista como usurpação de poder restrito ao requerente e ao requerido muito menos com atuação incompatível com a dos principais partícipes do processo A possibilidade de o amicus debater a questão da modulação é inerente à própria razão de ser de sua participação no processo objetivo É irracional incentivar a participação do amicus curiae salientandose a sua importância para a otimização e a abertura do debate e negarlhe oportunidade de falar sobre a modulação dos efeitos da decisão algo extremamente importante no controle abstrato das normas Na verdade subordinar o amicus à participação de requerente e requerido é manter o olhar sobre o processo destinado a dirimir conflitos entre partes em que o assistente simples age apenas para coadjuvar autor ou réu Ora modular efeitos obviamente não constitui interesse exclusivo dos principais participantes do processo mas é matéria que inclusive deve ser disciplinada de ofício pelo Tribunal Sendo assim obviamente pode e deve ser discutida pelo amicus curiae Nessa linha cabe deixar claro que a possibilidade de debater e esclarecer não se resume à oportunidade de apresentar os embargos de declaração mas em verdade tem nele o palco para acontecer uma vez que opostos os declaratórios devem ser intimados o adversário do embargante e os eventuais amici curiae tornandose necessária a intimação de requerente e requerido e demais amici curiae quando os embargos forem manifestados por um dos amici Notese ademais que os embargos de declaração não constituem exclusividade da decisão que não faz a modulação mas igualmente da que a faz Também neste caso pelos mesmos motivos os amici curiae têm legitimidade para apresentar ou simples mente discutir os embargos declaratórios 845 Efeitos da decisão de inconstitucionalidade sobre a coisa julgada 8451 Lei inconstitucional e decisão baseada em lei inconstitucional efeitos da lei e efeitos da decisão judicial É conveniente advertir desde logo que a eficácia retroativa da decisão de inconstitucionalidade não diz respeito ao controle da constitucionalidade das decisões judiciais mas apenas e tão somente ao controle da constitucionalidade das leis Embora isso em princípio seja evidente a tese da retroatividade da decisão de inconstitucionalidade sobre a coisa julgada muitas vezes esquece que nesta hipótese se está diante do controle da constitucionalidade da lei e não de um meio de controle da constitucionalidade das decisões judiciais Ainda que a decisão de inconstitucionalidade declare a nulidade da lei e não a nulidade da decisão que aplicou a lei há quem argumente que a declaração da nulidade da lei fulmina por mera consequência lógica a validade da decisão baseada na lei declarada inconstitucional 642 Este raciocínio está ancorado na ideia de que a jurisdição tem a função de atuar a vontade da lei A adoção da teoria chiovendiana da jurisdição segundo a qual o juiz atua a vontade concreta da lei realmente pode conduzir à suposição de que a decisão de inconstitucionalidade deve invalidar a sentença que atuou a vontade da lei posteriormente declarada inconstitucional Lembre se que Chiovenda chegou a dizer que como a jurisdição significa a atuação da lei não pode haver sujeição à jurisdição senão onde pode haver sujeição à lei 643 É verdade que Chiovenda afirmou que a função do juiz é aplicar a vontade da lei ao caso concreto Com isso no entanto jamais desejou dizer que o juiz cria a norma individual ou a norma do caso concreto à semelhança do que fizeram Carnelutti e todos os adeptos da teoria unitária do ordenamento jurídico Para Kelsen certamente o grande projetor dessa última teoria o juiz além de aplicar a lei cria a norma individual ou a sentença 644 Chiovenda é um claro adepto da doutrina que inspirada no Iluminismo e nos valores da Revolução Francesa separava radicalmente as funções do legislador e do juiz ou melhor atribuía ao legislador a criação do direito e ao juiz a sua aplicação Recorde se que na doutrina do Estado Liberal aos juízes restava simplesmente aplicar a lei ditada pelo legislador Nessa época o direito constituía as normas gerais isto é a lei Portanto o Legislativo criava as normas gerais e o Judiciário as aplicava Enquanto o Legislativo constituía o poder político por excelência o Judiciário visto com desconfiança resumiase a um corpo de profissionais que apenas deveria pronunciar as palavras contidas na lei 645 De modo que não se pode confundir aplicação da norma geral ao caso concreto com criação da norma individual do caso concreto Quando se sustenta na linha da lição de Kelsen que o juiz cria a norma individual admitese que o direito é o conjunto das normas gerais e das normas individuais e por consequência que o direito também é criado pelo juiz 646 Porém mesmo a criação da norma individual no sentido kelseniano não significa que o juiz ao criar a norma concreta possa fazer outra coisa que não aplicar a norma geral Para Kelsen todo ato jurídico constitui em um só tempo aplicação e criação do direito com exceção da Constituição e da execução da sentença pois a primeira seria pura criação e a segunda pura aplicação do direito 647 Nessa linha o legislador aplica a Constituição e cria a norma geral e o juiz aplica a norma geral e cria a norma individual 648 Sabese que a teoria de Kelsen afirma a ideia de que toda norma tem como base uma norma superior até se chegar à norma fundamental posta no ápice do ordenamento De modo que a norma individual fixada na sentença ligase necessariamente a uma norma superior A norma individual faria parte do ordenamento ou teria natureza constitutiva apenas por individualizar a norma superior para as partes 649 No Estado Constitucional brasileiro em que o juiz tem o dever de interpretar a lei de acordo com a Constituição e de realizar o controle da constitucionalidade no caso concreto certamente não há como sustentar que a jurisdição atua a vontade da lei na linha proposta por Chiovenda ou mesmo se limita a criar a norma concreta nos termos da teoria de Kelsen e das doutrinas de Carnelutti 650 e Calamandrei 651 Nas teorias clássicas o juiz declara a lei ou cria a norma individual a partir da norma geral 652 Atualmente cabe ao juiz o deverpoder de elaborar ou construir a decisão isto é a norma jurídica do caso concreto mediante a interpretação de acordo com a Constituição e o controle da constitucionalidade A decisão transitada em julgado assim não pode ser invalidada como se constituísse mera declaração ou aplicação da lei mais tarde pronunciada inconstitucional A decisão judicial é o resultado da interpretação de um juiz dotado de dever de controlar a constitucionalidade no caso concreto e portanto não pode ser vista como uma decisão que se limita a aplicar uma lei posteriormente declarada inconstitucional Como escreve Proto Pisani é possível dizer que a coisa julgada material opera como lex specialis separando a disciplina do direito feito valer em juízo da norma geral e abstrata daí decorrendo a inoperatividade do ius superveniens retroativo sobre a fattispecie concreta de que deriva o direito objeto da coisa julgada e ainda a inoperatividade da superveniente declaração de inconstitucionalidade da norma geral e abstrata sobre a qual se decidiu 653 A sentença que produziu coisa julgada material por constituir uma norma elaborada por um juiz que tem o dever de realizar o controle difuso da constitucionalidade não pode ser invalidada por ter se fundado em lei posteriormente declarada inconstitucional Notese que isso equivaleria à nulificação do juízo de constitucionalidade e não apenas à nulificação da lei declarada inconstitucional Impedir que a lei declarada inconstitucional produza efeitos é muito diferente de negar efeitos a um juízo de constitucionalidade legitimado pela própria Constituição Proteger a coisa julgada não significa permitir que no plano substantivo um ato inconstitucional produza efeitos Sublinhese que o direito português também consagra o controle difuso da constitucionalidade Bem por isso a Constituição da República Portuguesa afirma no seu art 282 3 que diante da declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral ficam ressalvados os casos julgados salvo decisão em contrário do Tribunal Constitucional quando a norma respeitar a matéria penal disciplinar ou de ilícito de mera ordenação social e for de conteúdo menos favorável ao arguido Como esclarece Miguel Galvão Teles esta norma não está admitindo que um ato inconstitucional produza efeitos mas apenas salvaguardando juízos precedentes sobre a inconstitucionalidade diferentes do juízo que veio a prevalecer na decisão com efeito geral 654 Argumenta Galvão Teles que o respeito dos casos julgados não significa reconhecer efeitos a uma lei inconstitucional mas reconhecer efeitos a uma lei que determinado juízo teve por constitucional melhor reconhecer efeitos ao juízo da constitucionalidade Para a jurisdição o direito substantivo convertese sempre numa incógnita e a autonomia de cada decisão torna possível que essa incógnita seja resolvida de maneiras diferentes O n 3 do art 282 respeita apenas ao âmbito da eficácia geral da decisão de inconstitucionalidade 655 Paulo Otero autor de conhecida obra acerca da coisa julgada inconstitucional sustenta que o princípio da imodificabilidade do caso julgado foi pensado para decisões judiciais conformes com o Direito ou quando muito decisões meramente injustas ou ilegais em relação à legalidade ordinária 656 Assim a primeira parte do n 3 do art 282 da Constituição da República Portuguesa seria uma exceção à retroatividade da decisão de inconstitucionalidade constituindo uma derrogação do princípio de que a validade de todos os atos do Poder Público depende da sua conformidade com a Constituição princípio da constitucionalidade permitindo que passem a ser válidos casos julgados inconstitucionais desde que à data da respectiva decisão judicial a norma aplicada não tivesse sido objeto de declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral 657 É difícil admitir a conclusão de que a imodificabilidade da coisa julgada tenha sido pensada para decisões conformes com o direito Na verdade e isto é pacífico no plano da doutrina processual a proteção à coisa julgada nada tem a ver com a circunstância de a decisão estar ou não em conformidade com o direito aí compreendidas as normas infraconstitucionais e as normas constitucionais A imodificabilidade é característica da própria coisa julgada instituto imprescindível à afirmação do Poder Judiciário e do Estado Constitucional além de garantia do cidadão à estabilidade da tutela jurisdicional corolário do direito fundamental de ação e do princípio da proteção da confiança 658 Além disso a previsão da primeira parte do n 3 do art 282 da Constituição portuguesa não pode ser vista como uma norma indispensável à validade da coisa julgada inconstitucional como se a decisão fundada em lei posteriormente declarada inconstitucional não tivesse validade em si como decisão firmada por juiz que no exercício do controle difuso da constitucionalidade proferiu decisão válida e produtora de efeitos jurídicos 659 É evidente que a decisão fundada em lei mais tarde declarada inconstitucional é decisão válida produtora de efeitos jurídicos como expressão do poder de que o juiz é investido no sistema que adota o controle difuso da constitucionalidade Portanto ao contrário do que sustenta Paulo Otero o n 3 do art 282 não constitucionaliza o inconstitucional mas ressalva as interpretações judiciais legitimamente proferidas pelo juiz ordinário distintas da decisão de declaração de inconstitucionalidade Ademais a admissão do raciocínio de Otero obrigaria a aceitar a ideia de que o juiz e o tribunal embora tenham o deverpoder de realizar o controle difuso da constitucionalidade sempre têm a sua decisão condicionada a um evento imprevisível Como é óbvio exatamente porque não há como pensar em uma decisão provisoriamente estável o que seria uma contradição em termos não se pode raciocinar como se fosse possível conceber uma coisa julgada subordinada a uma não decisão de inconstitucionalidade Aliás caso isso fosse possível o controle difuso da constitucionalidade certamente seria uma ilusão para não dizer que seria uma excrescência pois a decisão tomada no caso concreto ou estaria de acordo com a decisão proferida na eventual e futura ação direta e assim teria validade ou não estaria e portanto seria nula A qualidade e a efetividade do sistema difuso estariam na capacidade de o juiz ordinário adivinhar o que seria dito no futuro Porém a fragilidade da construção de Paulo Otero fica ainda mais clara quando se analisa a sua objeção à doutrina de Miguel Galvão Teles aqui anteriormente transcrita para quem o n 3 do art 282 reconhece efeitos a uma lei que determinado juízo teve por constitucional Ao tentar rebater este argumento escreve Paulo Otero Desde logo toda a construção de Miguel Galvão Teles tem como pressuposto que a decisão inconstitucional que transitou em julgado tenha sido objeto de uma apreciação de constitucionalidade Ora pode bem suceder que sejam ressalvados casos julgados onde nunca foi suscitada ou levantada qualquer questão de inconstitucionalidade da norma aplicada de tal modo que não se possa dizer que o art 282 n 3 esteja a salvaguardar juízos precedentes sobre a inconstitucionalidade 660 A rejeição da doutrina de Galvão Teles feita por Paulo Otero centrase sobre um ponto que bem vistas as coisas apenas confirma a tese que pretendeu desacreditar Notese que Paulo Otero na passagem em que impugnou a tese de Galvão Teles não consegue negar a importância da ressalva das interpretações constitucionais diferentes da afirmada na decisão que declarou a inconstitucionalidade da lei com força geral mas afirma que pode haver coisa julgada em caso em que apesar de ter sido aplicada a lei posteriormente declarada inconstitucional não tenha sido suscitada ou levantada qualquer questão de inconstitucionalidade da norma aplicada 661 A circunstância de a questão de inconstitucionalidade não ter sido suscitada ou levantada não torna a decisão produtora de coisa julgada proferida na via incidental indiferente à questão constitucional como se o juiz ordinário não tivesse o dever de controlar a constitucionalidade da lei independentemente de arguição da parte Ora é inquestionável em um sistema de controle difuso o dever de o juiz controlar de ofício a constitucionalidade da lei Tratase de noção assente desde as origens do judicial review no Rule of Law estadunidense 662 que se encontra à base da conformação do Estado Constitucional brasileiro 663 Assim a decisão que aplicou uma lei inconstitucional mesmo que sem juízo explícito acerca da questão constitucional impede que a questão constitucional possa vir a ser suscitada para infirmar a decisão conferida ao litígio Isso é impossível à luz da eficácia preclusiva da coisa julgada material e portanto da técnica garantidora da estabilidade das decisões judiciais e da própria coisa julgada material Advirtase que a eficácia preclusiva da coisa julgada é afirmada no art 489 do CPC português de onde a doutrina lusitana extrai a máxima segundo a qual o caso julgado cobre o deduzido e o dedutível 664 Mas o que mais causa impacto é que no raciocínio de Paulo Otero não há contestação da importância da ressalva das interpretações constitucionais diversas mas apenas alegação de que poderia eventualmente ocorrer a preservação da coisa julgada sem que houvesse sido feita qualquer interpretação acerca da questão de inconstitucionalidade Acontece que a razão de ser do raciocínio de que a decisão proferida na via incidental deve prevalecer mesmo após a declaração de inconstitucionalidade com força geral obrigatória está no deverpoder judicial para o controle difuso da constitucionalidade e na circunstância de que o exercício deste poder gera uma interpretação judicial legítima que deve ser preservada A declaração de inconstitucionalidade é o resultado de uma ação voltada ao controle abstrato da constitucionalidade da lei e assim não pode nulificar as decisões que versaram explicitamente sobre a constitucionalidade da lei ou simplesmente a aplicaram uma vez que a decisão no caso concreto por ser o reflexo do deverpoder judicial de controle difuso da constitucionalidade é legítima em si independentemente da sua substância exceto quando aplica lei flagrantemente inconstitucional caso em que cabe ação rescisória ou aplica lei ou adota interpretação já declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Além disso como a decisão judicial não mais se limita a declarar ou a aplicar a lei como acontecia à época do Estado Legislativo mas constitui a norma jurídica do caso concreto fruto do dever judicial de interpretar a lei de acordo com os direitos fundamentais e de realizar o controle da constitucionalidade na via incidental não há como supor que a declaração de inconstitucionalidade da lei possa gerar por mera consequência a inconstitucionalidade da coisa julgada 665 Esta conclusão seria devedora da ideia de que o juiz é a boca da lei nos termos do ditado de Montesquieu 666 Sucede que como ressalta Rui Medeiros não é isso que se passa na ordem jurídica contemporânea pois cabe aos tribunais não apenas um poder decorrente do Legislativo o de continuar em concreto os comandos destes mas um poder próprio ius proprium Daí que quando se aceita a validade da sentença injusta a conclusão se funde no poder soberano dos tribunais e não no valor da lei que na realidade não corporiza 667 Isso não quer dizer obviamente que a decisão judicial esteja isenta de controle da sua constitucionalidade Esse controle pode ser feito mediante ação rescisória art 966 V CPC2015 em caso de aplicação de lei flagrantemente inconstitucional e de adoção de lei ou interpretação já declarada inconstitucional pelo STF assim como por meio de impugnação art 525 12 e 14 CPC2015 quando a sentença se fundou em lei ou em interpretação que no momento da sua prolação já tinha sido declarada inconstitucional pelo STF 8452 Incompatibilidade da retroatividade da decisão de inconstitucionalidade com o sistema difuso No Brasil todo e qualquer juiz tem o dever de realizar o controle de constitucionalidade que por isso mesmo é dito difuso Em outros países o controle da constitucionalidade é deferido a apenas um órgão que possui esta função como única ou principal quando o controle é concentrado Na Alemanha por exemplo o Tribunal Constitucional Federal tem entre outras funções a de realizar o controle abstrato e concreto das normas assim como a de fazer o controle da constitucionalidade a pedido do juiz ordinário durante o curso do processo comum O juiz ordinário no sistema alemão está proibido de tratar da questão constitucional embora deva ao se deparar com uma questão deste porte com uma norma que reputar inconstitucional suspender o processo e remeter a questão à apreciação do Tribunal Constitucional Diante desse quadro que é radicalmente diverso do brasileiro tornase interessante indagar como se daria a discussão acerca da retroatividade da decisão de inconstitucionalidade sobre a coisa julgada Num primeiro lançar de olhos seria possível dizer que tal discussão não teria sentido ao argumento de que o juiz e o tribunal não podem sequer decidir sobre a inconstitucionalidade Contudo se é verdade que o juiz ordinário no direito alemão está proibido de tratar da questão de inconstitucionalidade isso não quer dizer que ele não possa deixar de percebêla aplicando uma lei inconstitucional Nesta linha a questão da retroatividade da decisão de inconstitucionalidade em relação à coisa julgada surge exatamente quando se constata que o juiz e o tribunal podem aplicar uma lei que posteriormente pode ser declarada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional Federal Quer isso dizer que a questão da retroatividade da decisão de inconstitucionalidade sobre a coisa julgada também é relevante nos sistemas de controle concentrado Não obstante o problema é detectar o modo como tal questão aparece no sistema em que o controle da constitucionalidade é concentrado Ou melhor é importante pensar nas razões que estão por detrás da questão da retroatividade da decisão de inconstitucionalidade sobre a coisa julgada no sistema de controle concentrado Na Alemanha a questão da retroatividade da decisão de inconstitucionalidade ou melhor as dimensões temporais da decisão de inconstitucionalidade não estão reguladas na Constituição mas sim na Lei do Tribunal Constitucional Federal BVerfGG O 79 desta lei trata especificamente da retroatividade da declaração de inconstitucionalidade em relação às decisões pretéritas 668 Diz o 79 Efeito da decisão Contra uma sentença penal transitada em julgado que está baseada em uma norma declarada incompatível com a Lei Fundamental ou em uma norma declarada nula consoante com o 78 ou na interpretação de uma norma que foi declarada incompatível com a Lei Fundamental pelo Tribunal Constitucional Federal é admissível a reabertura do procedimento de acordo com as prescrições do Código de Processo Penal De resto salvo a prescrição do 95 alínea 2 ou de uma regulação legal especial ficam intactas as decisões que não podem mais ser impugnadas as quais estão baseadas numa norma declarada nula consoante com o 78 A execução de uma tal decisão é inadmissível Na medida em que a execução forçada consoante as prescrições do Código de Processo Civil deve ser realizada vale por analogia a prescrição do 767 do CPC Pretensões devidas a enriquecimento sem justa causa estão excluídas 669 O 79 da BVerfGG foi inspirado no temor de que se desse a uma declaração de inconstitucionalidade um efeito que destruísse a coisa julgada É por isso que por sugestão do próprio Tribunal Constitucional se adotaram medidas para privilegiar a paz e a segurança jurídicas Segundo o Superior Tribunal Federal alemão BGH o princípio central do 79 é o de que decisões não mais impugnáveis que se baseiam em uma norma que tenha sido declarada nula devem permanecer intocadas ie sua existência não deve mais ser colocada em questão Uma exceção a essa regra foi dada pelo legislador somente para o direito criminal somente pode ser quebrada a coisa julgada de uma sentença criminal cujos fundamentos são inconstitucionais 670 Como explica Friedrich Müller o 79 regulamentou matérias especialmente relevantes contra sentenças penais que se baseiam em uma norma posteriormente declarada inconstitucional ou nula cabe a retomada de um processo Mas decisões não mais impugnáveis nas outras áreas do direito remanescem intocadas por conseguinte não mais podem ser eliminadas Se a partir delas ainda não tiver sido efetuado o procedimento da execução eg no direito civil isso não poderá mais ocorrer a partir de agora E caso no passado já tenha sido realizada uma execução a partir delas essa prestação Leistung não mais poderá ser cobrada de volta pretensões resultantes de enriquecimento ilícito estão excluídas 79 II 4 Nesses casos a dimensão temporal do passado é por assim dizer sustada é bloqueada diante do futuro Uma exceção a abertura facultativa da dimensão futura só vale para o direito penal A razão é plausível pois esse ramo do direito intervém de modo especialmente cortante nas relações pessoais e porque a pena envolve um juízo de desvalor sobre o comportamento humano mas justamente com base em uma norma agora declarada inconstitucional O 79 precisava solucionar o conflito entre a justiça no caso individual e a segurança jurídica objetiva em uma constelação que abrange diversas dimensões temporais em outras palavras num caso clássico de direito intertemporal Nos casos antes citados bloqueio do passado diante do futuro o 79 decidiuse pela segurança jurídica e foi por isso elogiado pelo Tribunal Constitucional Federal A Corte extraiu do 79 até um princípio jurídico universal no sentido de que uma decisão do Tribunal Constitucional Federal que declara a nulidade de uma norma em princípio não deve produzir efeitos sobre relações jurídicas já processadas abstraindo da exceção de uma sentença penal transitada em julgado 671 Notese que independentemente de o sistema de controle da constitucionalidade ser concentrado a lei alemã segundo o próprio Tribunal Constitucional Federal fez bem em decidir pela segurança jurídica diante do conflito entre esta e a justiça no caso individual 672 O interessante é que o Tribunal Constitucional alemão ao afirmar que a declaração de inconstitucionalidade não tem efeitos retroativos sobre relações jurídicas já julgadas viu aí uma única exceção qual seja a da sentença penal transitada em julgado Nada disse sobre a segunda parte do 79 que obstaculiza a execução da sentença civil condenatória transitada em julgado nos termos do 767 do CPC alemão 673 quando esta estiver fundada em lei posteriormente declarada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional 674 Não aludir ao impedimento à execução da sentença que está fundada na lei declarada inconstitucional mas apenas à sentença penal transitada em julgado tem significado Há diferença entre permitir a retroatividade da decisão de inconstitucionalidade sobre a coisa julgada penal em virtude de razões excepcionais e específicas deste ramo do direito como dito por Friedrich Müller e obstar a execução da sentença civil transitada em julgado Neste último caso há a admissibilidade da dedução como matéria de defesa capaz de ser articulada em oposição à execução da declaração de inconstitucionalidade 675 Quando a declaração de inconstitucionalidade é invocada como matéria de oposição à execução sabese que este fundamento não se destina a invalidar um juízo legítimo sobre a questão constitucional mas sim a impedir que um juízo que ilegitimamente aplicou uma lei inconstitucional possa produzir efeitos No direito português em contrapartida todos os tribunais não importando a sua categoria ou hierarquia exercem controle da constitucionalidade art 204 da Constituição da República Portuguesa 676 apreciando e decidindo a questão constitucional 677 Embora a decisão sobre a questão constitucional possa chegar ao Tribunal Constitucional isso nem sempre acontece como também ocorre no Brasil Mas o recurso ao Tribunal Constitucional é obrigatório para o Ministério Público das decisões dos tribunais que apliquem norma anteriormente julgada inconstitucional ou ilegal pelo próprio Tribunal Constitucional art 280 5 da CRP O fato de que a lei determina a obrigatoriedade do recurso no caso em que é aplicada norma já julgada inconstitucional demonstra que para o direito português a apreciação da questão constitucional tem um valor distinto do da aplicação de norma já julgada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional Conferese aos juízes e aos tribunais o poder de controlar a constitucionalidade mas a partir da ideia de supremacia do Tribunal Constitucional obrigase o Ministério Público a interpor recurso contra as decisões que aplicam norma já dita inconstitucional pelo Tribunal Constitucional 678 Ressalvase a interpretação da questão constitucional pelo juiz ordinário a coisa julgada mas não se deixa de frisar o efeito pernicioso da decisão judicial que desatende à declaração de inconstitucionalidade da Corte Suprema A Constituição da República Portuguesa é expressa em ressalvar os casos julgados do efeito retroativo da decisão de inconstitucionalidade art 282 3 A Constituição portuguesa portanto quando os tribunais aplicam norma já declarada inconstitucional preocupase com a ideia de supremacia do Tribunal Constitucional mas quando os tribunais aplicam norma que posteriormente é declarada inconstitucional dá nítida prevalência à segurança jurídica e à autoridade dos tribunais que exercem o controle difuso Como diz Jorge Miranda garantese assim a autoridade própria dos tribunais como órgãos de soberania aos quais compete administrar a justiça em nome do povo art 202 n 1 garantese o seu poder de apreciação da constitucionalidade e da legalidade art 204 e garantese reflexamente o direito dos cidadãos a uma decisão jurisdicional em prazo razoável art 20 n 4 da Constituição e art 6º da Convenção Europeia 679 No direito português além da ressalva da coisa julgada não se admite a invocação da declaração de inconstitucionalidade em oposição à execução da sentença transitada em julgado 680 Nem se poderia admitir pois o direito português dá aos tribunais o poder de decidir a questão constitucional de modo que a admissibilidade da declaração de inconstitucionalidade como fundamento capaz de obstaculizar a execução da sentença tornaria a oposição à execução um meio de controle da constitucionalidade das decisões judiciais transitadas em julgado Notese precisamente a diferença entre a decisão que aplicou a lei sem apreciála posteriormente declarada inconstitucional e a decisão que enfrentou a questão constitucional ou melhor a distinção entre a decisão tomada pelo tribunal que está proibido de apreciar a questão constitucional e a decisão do tribunal que tem o dever de apreciála No sistema em que o juiz e o tribunal estão proibidos de tratar da questão constitucional há razoabilidade em sustentar a declaração de inconstitucionalidade da lei como fundamento para a oposição à execução mas no sistema em que o juiz e o tribunal têm o poder e o dever de tratar da questão constitucional não há como conferir à declaração de inconstitucionalidade o status de alegação obstaculizadora da execução da sentença Por derradeiro importa perceber que o controle reservado ao Tribunal Constitucional quando comparado ao controle difuso faz surgir uma diversa espécie de relação entre o juiz e a lei ou entre o Poder Judiciário e o Poder Legislativo Vale perguntar assim o que significa dizer que no controle difuso o juiz tem poder para interpretar a lei para aplicála ou não e no sistema de controle concentrado o juiz ordinário não tem poder para tratar mesmo que incidentalmente ao caso concreto da questão de constitucionalidade Isso quer dizer que no sistema de Tribunal Constitucional está presente a doutrina da supremacia da lei ou da radical separação entre os Poderes não sendo injustificado aí falar em uma verdadeira presunção de validade das leis com efeitos para todos os juízes com exceção da Corte Constitucional e em uma marcante e quase absoluta afirmação do Legislativo sobre o Judiciário 681 O CPC de 2015 considerou os referidos argumentos para alterar a norma que estava presente no CPC de 1973 art 475L 1º que admitia a dedução da decisão de inconstitucionalidade em sede de impugnação para obstaculizar a execução da sentença Nos termos dos 12 e 14 do art 525 do CPC de 2015 se a decisão de inconstitucionalidade é anterior ao trânsito em julgado da decisão exequenda a execução pode ser obstada mediante impugnação O CPC de 2015 afasta a ideia de alegação de decisão de inconstitucionalidade posterior à formação da coisa julgada ou melhor nega expressamente a tese da retroatividade da decisão de inconstitucionalidade para o efeito de obstaculizar a execução Afirmase que a decisão do Supremo Tribunal Federal deve ser anterior ao trânsito em julgado da decisão exequenda mediante uma consciente reafirmação da eficácia obrigatória dos precedentes constitucionais na linha da teoria dos precedentes das Cortes Supremas 8453 Coisa julgada e segurança jurídica No sistema de controle difuso o juiz tem o dever de realizar interpretação para chegar a um juízo a respeito da constitucionalidade da norma A decisão do juiz ordinário é tão legítima quanto a decisão da Suprema Corte já que ambos têm legitimidade constitucional para tratar da questão de constitucionalidade Assim se o juiz e os tribunais ordinários têm poder de realizar controle da constitucionalidade a admissão da retroatividade da decisão de inconstitucionalidade equivaleria a retirar as decisões judiciais do âmbito de proteção da segurança jurídica 682 O cidadão tem expectativa legítima na imutabilidade da decisão judicial sendo absurdo supor que a confiança por ele depositada no ato de resolução judicial do litígio possa ser abalada pela retroatividade da decisão de inconstitucionalidade Realmente a admissão da retroatividade da decisão de inconstitucionalidade faria com que o princípio da proteção da confiança simplesmente deixasse de existir diante das decisões judiciais que assim como as leis antes de tudo são atos de positivação do poder estatal Lembrese de que o art 282 3 da Constituição da República Portuguesa estabelece a ressalva dos casos julgados como limite à retroatividade da decisão de inconstitucionalidade com força obrigatória geral Analisando esta norma escreve Rui Medeiros em sua notável obra acerca da decisão de inconstitucionalidade que a ressalva dos casos julgados revela que a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral não constitui qualquer fundamento autônomo de revisão das sentenças firmes Idêntica conclusão vale ainda por maioria de razão para os casos em que após o trânsito em julgado surge jurisprudência clara do Tribunal Constitucional no sentido da inconstitucionalidade da norma aplicada por sentença insusceptível de reclamação ou de recurso ordinário Subjacente à regra da primeira parte do n 3 do art 282 está assim o reconhecimento pela Constituição de que o sacrifício da intangibilidade do caso julgado só deve ter lugar nos casos extremos em que imperativos de justiça o justifiquem À partida uma simples alteração no plano normativo ou hermenêutico não justifica perante situações de facto invariáveis o afastamento da decisão transitada em julgado 683 Diante disso conclui Rui Medeiros que o principal fundamento da regra do respeito pelos casos julgados regra que conforme sublinha não vale apenas em face do Poder Legislativo ou Executivo decorre de um princípio material a exigência de segurança jurídica 684 É preciso salientar que o princípio da segurança jurídica se opõe à retroatividade da decisão de inconstitucionalidade sobre a coisa julgada nos sistemas de controle difuso Mais particularmente a adoção da retroatividade da decisão de inconstitucionalidade sobre a coisa julgada faz desaparecer no sistema de controle difuso qualquer proteção à confiança do cidadão nos atos do Poder Judiciário 8454 Retroatividade da decisão de constitucionalidade sobre a coisa julgada Discutese ainda se a decisão de procedência proferida na ação declaratória de constitucionalidade que não possui sequer efeitos retroativos pode abrir oportunidade para ação rescisória impugnação ou embargos do executado em vista de anterior decisão que não aplicou a lei por reputála inconstitucional Apenas para demonstrar que a questão tem sido ventilada inclusive nos tribunais cabe lembrar que Barbosa Moreira já a enfrentou em parecer argumentando que depois da decisão definitiva de constitucionalidade os outros órgãos judiciais ficam vinculados a observar o que haja decidido a Suprema Corte não lhes será lícito contrariar o pronunciamento desta para deixar de aplicar por inconstitucionalidade a lei declarada compatível com a Constituição Mas isso apenas daí em diante Não se concebe vínculo que obrigasse um órgão judicial a observar decisão ainda não proferida O vínculo atua para o futuro não para o passado De sentença anterior ao pronunciamento do STF não seria próprio dizer que infringiu o vínculo decorrente da declaração posterior da constitucionalidade O mesmo vale para o eventual julgamento de improcedência que a Corte Suprema profira em ação declaratória de inconstitucionalidade 685 Por estes motivos segundo Barbosa Moreira a declaração de constitucionalidade não é suficiente para tornar rescindível o acórdão do tribunal que deixou de aplicar a lei 686 A sentença que deixa de aplicar uma lei reputandoa inconstitucional é uma sentença legítima se no instante da sua prolação ainda não havia declaração de constitucionalidade do STF Não obstante a decisão seja sempre um ato autônomo e desprendido da lei é importante frisar que a decisão que não aplica uma lei mais tarde declarada constitucional não pode sequer ser comparada com a decisão que aplica lei posteriormente declarada inconstitucional pelo STF A situação na hipótese de declaração de constitucionalidade é completamente distinta da de declaração de inconstitucionalidade Ou melhor na segunda hipótese se pode falar de decisão que aplica lei inconstitucional mas na primeira não há aplicação de lei inconstitucional ou violação de norma constitucional porém simplesmente não aplicação de norma infraconstitucional Na verdade para efeito de legitimidade da decisão diante de posterior declaração de constitucionalidade não importa o motivo pelo qual se deixou de aplicar a norma Se o juiz entendeu que a norma era constitucional mas não aplicável ao caso concreto a posterior declaração da sua constitucionalidade obviamente em nada poderá afetar a coisa julgada Mas se o juiz afirmou a inconstitucionalidade da norma para aplicar outra a declaração de constitucionalidade também não terá o efeito de interferir sobre o juízo antes feito que é tão legítimo quanto aquele que não aplicou a lei apenas por entendêla inaplicável ao caso concreto 8455 A impugnação fundada em decisão de inconstitucionalidade no CPC de 2015 da retroatividade à tutela da observância das decisões e dos precedentes constitucionais Os arts 475L 1º e 741 parágrafo único do CPC de 1973 davam ao executado a possibilidade de se defender respectivamente mediante impugnação e embargos do executado Fazenda Pública com base na alegação de o título executivo estar fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou ato normativo tidas pelo Supremo Tribunal Federal como incompatíveis com a Constituição Federal Tais artigos quando mal interpretados evidenciavam um atentado contra a legitimidade do juízo de constitucionalidade do juiz ordinário Representavam desconsideração do controle difuso e violação da intangibilidade da coisa julgada O CPC de 2015 no art 525 12 afirma que considerase também inexigível a obrigação reconhecida em título executivo judicial fundado em lei ou ato normativo considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou do ato normativo tido pelo Supremo Tribunal Federal como incompatível com a Constituição Federal em controle de constitucionalidade concentrado ou difuso Porém logo a seguir no 14 do mesmo art 525 deixase claro que a decisão do Supremo Tribunal Federal deve ser anterior ao trânsito em julgado da decisão exequenda Portanto não é apenas a decisão que declara a inconstitucionalidade de norma que pode obstaculizar a execução mas também as decisões proferidas com base nas técnicas da interpretação conforme e da declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto Ademais podem ser invocadas tanto as decisões em controle concentrado quanto as decisões firmadas em sede de controle difuso As decisões proferidas no controle concentrado de inconstitucionalidade têm eficácia erga omnes e por isso obviamente não podem ser negadas por qualquer juiz ou tribunal O problema é que os tribunais e juízes não estão sujeitos apenas à eficácia erga omnes que diz respeito à parte dispositiva da decisão mas também à eficácia obrigatória dos fundamentos determinantes ratio decidendi da decisão Notese que há diferença entre aplicar norma já declarada inconstitucional e aplicar norma cuja inconstitucionalidade está positivada nos fundamentos determinantes de decisão que declarou a inconstitucionalidade de outra norma Se há declaração de inconstitucionalidade de determinada norma municipal os fundamentos que determinaram a conclusão da sua inconstitucionalidade devem ser observados quando se está diante de norma de outro município mas dotada da mesma substância 687 Aliás só em casos desta espécie é que importará o tema dos precedentes obrigatórios ou da eficácia obrigatória dos fundamentos determinantes da decisão Quando se afirma que a decisão proferida em controle difuso também pode obstaculizar a execução da decisão demonstrase exatamente a importância dos fundamentos determinantes da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal Ora é evidente que o 12 do art 525 não está preocupado com a parte dispositiva da decisão proferida em recurso extraordinário uma vez que esta interessa apenas às partes que litigaram no caso que lhe deu origem Quando se diz que a decisão exequenda pode ser impugnada quando tiver se pautado em norma considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal ou se fundado em aplicação ou interpretação de norma tida pelo Supremo Tribunal Federal como incompatível com a Constituição Federal art 525 12 do CPC2015 obviamente se está a falar dos fundamentos determinantes ou da ratio decidendi da decisão do Supremo Tribunal Federal Portanto a decisão proferida em recurso extraordinário para ser invocada para obstaculizar a execução deve ter as características de um precedente constitucional em que os fundamentos determinantes ou a ratio decidendi estejam delineados 688 De modo que o CPC de 2015 quando abre oportunidade para a impugnação invocar decisão do Supremo Tribunal Federal anterior à decisão exequenda afirma claramente a eficácia obrigatória dos precedentes firmados pelo Supremo Tribunal Federal É preciso advertir porém que a adoção da lei ou da interpretação já declaradas inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal pode não ter sido essencial para a condenação É por isso que apresentada a impugnação o exequente deve ter a oportunidade de demonstrar que ainda que a decisão houvesse observado o precedente do Supremo Tribunal Federal a sentença teria sido de procedência De modo que o acolhimento da impugnação não é consequência necessária da não observância do precedente constitucional A obstaculização da execução exige juízo no sentido de que a não adoção da norma ou da interpretação declaradas inconstitucionais pelo Supremo conduziria à modificação do sinal da sentença que de procedência passaria a ser de improcedência Se o desrespeito ao precedente do Supremo Tribunal Federal não impuser a alteração da sentença mas admitir apenas a modificação da sua fundamentação não há como acolher a impugnação 8456 Da ação rescisória fundada em violação literal de lei art 485 V do CPC1973 à ação rescisória baseada em violação de norma jurídica art 966 V do CPC2015 Segundo o art 485 V do CPC de 1973 a sentença de mérito transitada em julgado pode ser rescindida quando violar literal disposição de lei Diante da incontestável necessidade de se ressalvar a coisa julgada contra a alteração da interpretação dos tribunais o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula 343 que afirma não caber ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais Em um dos acórdãos que deram origem a essa súmula frisou o seu relator o Ministro Victor Nunes Leal que a má interpretação que justifica o judicium rescindens há de ser de tal modo aberrante do texto que equivalha à sua violação literal Lembrou ainda que a Justiça nem sempre observa na prática quotidiana esse salutar princípio que entretanto devemos defender em prol da estabilidade das decisões judiciais 689 A Súmula 343 não diz o que é violação literal de lei mas deixa claro que a decisão que se funda em lei de interpretação controvertida nos tribunais não pode ser objeto de ação rescisória Isto por uma razão compreensível é que se os tribunais divergiam sobre a interpretação da norma a decisão que adotou uma das interpretações legitimamente encampadas pela jurisdição não pode ser vista como decisão que violou literalmente disposição de lei que assim é suscetível de ser desconstituída mediante ação rescisória De modo que a súmula em vez de encontrar um critério positivo para indicar quando há violação literal de lei preferiu trabalhar com um requisito capaz de evidenciar quando não há violação literal de lei Disse então que a decisão que aplica lei que tinha interpretação controvertida nos tribunais não está sujeita à ação rescisória 690 Porém o real problema da dicção da norma do art 485 V do CPC de 1973 é o de que ela é um simples reflexo de uma teoria da interpretação há muito superada Só há como pensar em violação literal de lei quando se supõe que a interpretação judicial pode declarar a norma contida na lei nos moldes do formalismo interpretativo Segundo a teoria formalista a interpretação enquanto atividade tem natureza cognitiva O juiz ao interpretar investigaria o significado do texto legal e então o descreveria 691 Haveria interpretação para afirmar o que está implicitamente gravado no texto Esse tipo de interpretação tem ao seu lado as ideias de completude e coerência do direito Portanto o juiz não atua com qualquer discricionariedade Ao decidir sempre está preso a uma norma preexistente De modo que a interpretação enquanto produto é um mero enunciado descritivo sujeito ao teste da verdade e falsidade há apenas uma interpretação correta 692 Bem por isso é possível aceitar que o juiz ao decidir pode negar a norma preexistente ou violar a lei Sucede que não mais se aceita no plano da teoria do direito a ideia de que há um significado unívoco intrínseco ao texto legal A norma não está no texto legal e não há uma relação de sinonímia entre o texto legal e o resultado obtido com a atividade interpretativa 693 Descabe imaginar que é possível investigar atividadeinterpretação para declarar a norma resultado interpretação Exatamente por isso é equivocado pensar que a interpretação pode violar a lei A lei não detém a norma essa é reconstruída pelo juiz a partir do texto de elementos extratextuais da ordem jurídica e por meio de diretivas interpretativas e valorações 694 A lei e o resultado interpretação nada mais são do que enunciados com a diferença de que a primeira é um enunciado do discurso das fontes e o segundo é um enunciado do discurso do intérprete 695 Ninguém mais acredita na correspondência biunívoca entre lei e interpretação na medida em que como adverte Guastini toda disposição legal é mais ou menos vaga e ambígua de modo que sempre tolera diversas e conflitantes atribuições de significado De uma única disposição legal podem derivar vários resultados interpretativos ou uma multiplicidade de normas sempre conforme as diversas interpretações possíveis 696 A percepção da inexistência de correspondência biunívoca entre disposição e interpretação leva como consequência lógica ao abandono dos mitos do sentido exato da lei e da garantia da unidade do direito objetivo e faz ver que a função da Corte Suprema somente pode ser a de definir o sentido do direito para garantir a igualdade perante o direito O valor constitucional tutelado pelo sistema de precedentes das Cortes Supremas não é a unidade do direito antigo mito atrás do qual se esconderam instâncias autoritárias dos mais variados gêneros porém a igualdade realizada empiricamente mediante a vinculação dos tribunais e juízes ao direito delineado pela Corte dependente da evolução da vida social aberto ao dinamismo de um sistema voltado à atuação de princípios fundamentais munidos de inesgotável carga axiológica e atento à devida percepção das diferenças 697 Isso significa que a decisão judicial só pode violar a norma que resulta da interpretação Não é por outro motivo que o art 966 V do CPC de 2015 deixou de lado a ideia de violação a literal disposição de lei art 485 V CPC1973 e fala em violação de norma jurídica Uma decisão pode violar norma definida em precedente de Corte Suprema ou norma que deriva de texto legal que não suscita dúvida interpretativa Quando há disputa ou controvérsia sobre a interpretação ou a respeito da norma que se deve extrair do texto só se pode pensar em ação rescisória após a Corte Suprema ter definido a norma válida ou a interpretação adequada Antes disso há interpretação controvertida nos tribunais de modo que não há racionalidade em sancionar a decisão que adotou um ou outro resultadointerpretação ou norma Lembrese de que há muito tempo foi estendido o significado de violação literal de lei demonstrandose que a própria razão para a rescisória em caso de violação literal de lei infraconstitucional não poderia excluir a admissão da rescisória em caso de violação literal de norma constitucional Portanto o raciocínio antes desenvolvido se aplica à hipótese em que se pretende rescindir decisão que interpretou norma constitucional O que torna a questão problemática e interessante é que os tribunais inclusive o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal após terem passado a admitir a rescisória em caso de violação literal de norma constitucional enxergaram uma diferença qualitativa na violação da norma constitucional diante da violação da norma infraconstitucional ou melhor uma diferença de natureza entre a interpretação da norma constitucional e a interpretação da norma infraconstitucional como se a norma constitucional apenas admitisse uma única interpretação ou exigisse uma interpretação correta ao contrário da norma infraconstitucional que abriria oportunidade a várias interpretações ou a interpretações razoáveis Porém não existe motivo para supor que apenas uma dada qualidade de norma a norma constitucional pode exigir uma única interpretação O ponto tem grande relevância a interpretação é sempre uma compreensão e uma reconstrução normativa Não há qualquer razão para entender que a interpretação constitucional seja diversa da interpretação infraconstitucional no que tange aos seus resultados A necessidade de coerência impõe essa observação ou há interpretação correta da Constituição e da legislação infraconstitucional porque ao fim e ao cabo temse aí sempre um interpretar ou não há possibilidade de uma única interpretação correta em qualquer desses planos normativos Sustentarse a necessidade de interpretação correta no plano constitucional e de interpretação razoável no plano infraconstitucional constitui evidente contradictio in terminis porque o ato de interpretar é um só no que tange à compreensão de normas jurídicas 8457 A tese de que não há interpretação controvertida de norma constitucional O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça já decidiram no sentido de que a Súmula 343 somente se aplica aos casos em que a decisão se fundou em lei infraconstitucional Afirma se que a lei constitucional não é uma lei qualquer mas a lei fundamental do sistema que não pode gerar duas ou mais interpretações razoáveis porém apenas uma interpretação juridicamente correta 698 Contudo equiparase interpretação correta à interpretação proferida pelo Supremo Tribunal Federal Nesta linha toda e qualquer decisão que adote interpretação posteriormente contrariada por pronunciamento do Supremo Tribunal Federal ainda que prolatado em recurso extraordinário é decisão que para o efeito de ação rescisória viola norma constitucional e assim deve ser inapelavelmente desconstituída As decisões que admitiram a desconstituição da coisa julgada mediante o exercício de ação rescisória baseada em pronunciamento do Supremo Tribunal Federal contêm fundamentação não convincente Assim por exemplo acórdão relatado pelo Ministro Moreira Alves que diz inexistir ofensa ao art 5º XXXVI da Constituição Federal sob o ângulo da coisa julgada e da não aplicação da Súmula 343 pela singela razão de que o enunciado dessa súmula se situa exclusivamente no plano da interpretação da legislação processual infraconstitucional STF Ag no AI 3055920 1ª T j 20022001 rel Min Moreira Alves 699 Em outro caso o Supremo Tribunal Federal chegou à seguinte decisão 4 Ação rescisória Matéria constitucional Inaplicabilidade da Súmula 343STF 5 A manutenção de decisões das instâncias ordinárias divergentes da interpretação adotada pelo STF revelase afrontosa à força normativa da Constituição e ao princípio da máxima efetividade da norma constitucional 6 Cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição constitucional ainda que a decisão rescindenda tenha se baseado em interpretação controvertida ou seja anterior à orientação fixada pelo Supremo Tribunal Federal 7 Embargos de declaração rejeitados mantida a conclusão da 2ª Turma para que o Tribunal a quo aprecie a ação rescisória STF REED 328812 2ª T rel Min Gilmar Mendes DJ 02052008 Sustentase que a existência de interpretações divergentes diante de norma constitucional não é óbice à ação rescisória Ou melhor entendese que pronunciamento do Supremo Tribunal Federal é apto à desconstituição das decisões transitadas em julgado que lhe são contrárias pouco importando se a respeito da interpretação da questão constitucional havia controvérsia nos tribunais Diz o Ministro Gilmar Mendes no acórdão referido por último que não é a mesma coisa vedar a rescisória para rever uma interpretação razoável de lei ordinária que tenha sido formulada por um juiz em confronto com outras interpretações de outros juízes e vedar a rescisória para rever uma interpretação de lei que é contrária àquela fixada pelo Supremo Tribunal Federal em questão constitucional STF REED 328812 2ª T rel Min Gilmar Mendes DJ 02052008 Nesta passagem resta ainda mais claro que não há preocupação com a negação da existência de interpretações divergentes Partese da premissa de que decisão do Supremo Tribunal Federal é por si só demonstrativo suficiente de violação literal de norma constitucional O fundamento da rescisória está na força da decisão do Supremo Tribunal Federal pouco importando se havia dúvida nos tribunais sobre a constitucionalidade da norma Não há dúvida que a interpretação do Supremo Tribunal Federal deve prevalecer submetendo os demais juízes Não há racionalidade em admitir que um juiz ordinário possa atribuir a uma questão constitucional interpretação diversa da que lhe tenha dado o Supremo Tribunal Federal Daí a importância da vinculação dos órgãos judiciais às decisões do Supremo Tribunal Federal 700 Aliás a racionalidade do controle difuso depende do adequado emprego da técnica vinculante nos moldes do stare decisis estadunidense 701 para o que é imprescindível o desfazimento da confusão entre poder para controlar a constitucionalidade e poder para decidir de forma indiferente aos pronunciamentos do Supremo Tribunal Federal Se é verdade que todo e qualquer juiz tem o dever poder de controlar a constitucionalidade é inegável que este poder só pode ser exercido de forma racional quando submetido ao entendimento do Supremo Tribunal Federal 702 Porém isto não quer dizer que a interpretação do Supremo Tribunal Federal possa ou deva se impor sobre as demais interpretações judiciais pretéritas operando a destruição ou a nulificação de decisões já transitadas em julgado Sublinhese que o Supremo Tribunal Federal BGH alemão já declarou com amparo em decisões do próprio Tribunal Constitucional Federal BVerfG que uma alteração na interpretação do direito não serve de fundamento para a rescisão da coisa julgada BVerfGE 2 380 395 405 BGH Urteil vom 11 März 1953 II ZR 18052 BB 1953 273 BAG AP Nr 1 zu 580 ZPO BFHE 123 310 311 f 703 Não obstante a decisão relatada pelo Ministro Gilmar Mendes há pouco mencionada confere à interpretação do Supremo Tribunal Federal a força de alcançar as decisões judiciais transitadas em julgado que lhe são distintas O Ministro Gilmar Mendes em seu voto afirma que se ao Supremo Tribunal Federal compete precipuamente a guarda da Constituição Federal é certo que a sua interpretação do texto constitucional deve ser acompanhada pelos demais Tribunais em decorrência do efeito definitivo absoluto outorgado à sua decisão Não estou afastando obviamente o prazo das rescisórias que deverá ser observado Há um limite portanto associado à segurança jurídica Mas não parece admissível que esta Corte aceite diminuir a eficácia de suas decisões com a manutenção de decisões diretamente divergentes à interpretação constitucional aqui formulada Assim se somente por meio do controle difuso de constitucionalidade portanto anos após as questões terem sido decididas pelos Tribunais ordinários é que o Supremo Tribunal Federal veio a apreciálas é a ação rescisória com fundamento em violação de literal disposição de lei instrumento adequado para a superação de decisão divergente STF REED 328812 2ª T rel Min Gilmar Mendes DJ 02052008 O Supremo Tribunal Federal na passagem acima descrita afirma claramente a retroatividade dos seus pronunciamentos tomados em controle difuso mediante recurso extraordinário por exemplo sobre a coisa julgada sob o argumento de que as questões submetidas ao controle difuso da constitucionalidade somente chegam ao Supremo Tribunal Federal depois de muito tempo quando algumas decisões proferidas pelos tribunais interpretando a questão constitucional já transitaram em julgado Contudo a circunstância de uma questão constitucional chegar ao Supremo Tribunal Federal após o trânsito em julgado de decisões sobre a mesma questão certamente não é motivo para a admissão da retroatividade do pronunciamento do Supremo Tribunal Federal sobre a coisa julgada As decisões que transitaram em julgado tratando da questão constitucional posteriormente interpretada de outra maneira pelo Supremo Tribunal Federal expressam um juízo legítimo sobre a constitucionalidade Este juízo nada mais é do que resultado do deverpoder judicial de realizar o controle da constitucionalidade Ademais o fato de a decisão transitar em julgado antes de a questão chegar à análise do Supremo Tribunal Federal é mera consequência do sistema de controle da constitucionalidade brasileiro A admissão da força de pronunciamento do Supremo Tribunal Federal sobre a coisa julgada ao fundamento da sua natural e insuprimível demora em se manifestar sobre a questão constitucional significa a negação do sistema de controle difuso da constitucionalidade Em vez da retroatividade das decisões do Supremo Tribunal Federal seria efetiva e praticamente mais conveniente obviamente se isso fosse juridicamente possível e conveniente no sistema brasileiro o que evidentemente não é 704 suprimir a possibilidade de o juiz ordinário realizar o controle da constitucionalidade 705 Notese além disto que a aceitação da retroatividade do pronunciamento do Supremo Tribunal Federal sobre as decisões proferidas pelos tribunais significa colocar a coisa julgada sob condição ou em estado de provisoriedade o que é absolutamente incompatí vel com o conceito e com a razão de ser da coisa julgada 706 Ora este estado de indefinição nega o fundamento que está à base da coisa julgada material isto é os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança Aliás a coisa julgada não é apenas condição para a proteção destes princípios como também necessidade indispensável para a existência de discurso jurídico e portanto de processo jurisdicional 707 Assim é até mesmo difícil para não se dizer contrário aos fundamentos do direito definir a natureza do procedimento que culmina em decisão que fica sob a condição de o Supremo Tribunal Federal não a contrariar Esta decisão por não ser dotada do devido recrudescimento não configura verdadeira decisão final mas sim mero juízo provisório Estarseia diante de um processo jurisdicional autônomo pois não destinado a dar segurança a outra tutela ou situação tutelável 708 mas cuja tutela jurisdicional apesar de satisfativa seria suscetível de revogação 709 No Superior Tribunal de Justiça também existem decisões no sentido de que pronunciamento do Supremo Tribunal Federal constitui fundamento para a rescisão da coisa julgada Em acórdão proferido por estreita maioria concluiu o Superior Tribunal Justiça que em matéria constitucional não há de se cogitar de interpretação razoável mas sim de interpretação correta STJ EDiv no REsp 608122 1ª Seção rel Min Teori Zavascki j 09052007 Porém o que o Superior Tribunal de Justiça quer significar quando fala em interpretação correta é que a interpretação correta é a que vem do Supremo Tribunal Federal Ou seja sinônimo de interpretação correta é interpretação do Supremo Tribunal Federal Assim uma vez proferida a decisão correta todas as outras que não lhe são conformes são incorretas e assim sujeitamse à ação rescisória A ideia de interpretação correta infiltrada no mencionado acórdão do Superior Tribunal de Justiça é esclarecida no voto do Ministro Teori Zavascki particularmente na parte que frisa que contrariar o precedente tem o mesmo significado o mesmo alcance em termos pragmáticos que o de violar a Constituição É nessa perspectiva pois que se deve aquilatar o peso institucional dos pronunciamentos do Supremo Tribunal Federal mesmo em controle difuso Nisso reside a justificação para se deixar de aplicar na seara constitucional o parâmetro negativo da Súmula 343 substituindose pelo parâmetro positivo da autoridade do precedente E a consequência prática disso é que independentemente de haver divergência jurisprudencial sobre o tema o enunciado da Súmula 343 não será empecilho ao cabimento da ação rescisória juízo de admissibilidade Mais que cabível é procedente por violar a Constituição o pedido de rescisão da sentença juízo rescindente sendo que o novo julgamento da causa juízo rescisório como corolário lógico e necessário terá de se ajustar ao procedimento da Suprema Corte STJ EDiv no REsp 608122 1ª Seção j 09052007 rel Min Teori Zavascki Na realidade quando se admite que não há diferença entre contrariar precedente constitucional que não existia à época em que a decisão foi proferida e violar a Constituição cometese um equívoco que está na base da teoria da interpretação que seria potencializado mediante a suposição de que a única interpretação capaz de fazer ver a Constituição é a do Supremo Tribunal Federal como se não houvesse controle difuso Ora a assimilação de precedente constitucional com norma constitucional revela falta de distinção entre enunciado do discurso do intérprete e enunciado do discurso das fontes Não há correspondência biunívoca entre Constituição e precedente constitucional como clara e concretamente demonstra a possibilidade de revogação de precedente constitucional inclusive de precedente que declarou a inconstitucionalidade de lei 710 Um precedente do Supremo Tribunal Federal não declara a norma que sempre esteve contida na Constituição ou que sempre preexistiu à interpretação judicial O precedente constitucional atribui sentido à Constituição ou o desenvolve de acordo com a evolução da sociedade e dos seus valores Daí se poder falar em norma constitucional ou precedente constitucional como enunciados situados em planos diversos afastandose a crença falaz de que existiria uma correspondência biunívoca entre Constituição e interpretação do Supremo Tribunal Federal única que poderia fazer supor que uma decisão legitimamente proferida por juiz incumbido de realizar controle difuso de constitucionalidade pode ser invalidada em virtude de ulterior decisão do Supremo Tribunal Federal que teria o efeito de declarar a inconstitucionalidade da lei em que a anterior decisão se fundou Não fosse isso se ulterior precedente torna a coisa julgada rescindível não há decisão tomada em controle difuso de constitucionalidade por juiz ordinário que tenha alguma utilidade Sempre importará a decisão do Supremo Tribunal Federal A decisão proferida em controle difuso embora possa produzir efeitos desde logo sempre colocará o jurisdicionado em estado de espera sujeitandoo a uma decisão mais do que inútil submetendoo a uma decisão que ao invés de resolver o litígio e criar uma confiança legítima amplifica a litigiosidade latente e potencializa os males e as angústias decorrentes da pendência da ação deixando perceptível que o processo que se desenvolveu com custos de todos os matizes talvez fosse desnecessário Percebase que tal raciocínio leva à conclusão de que uma decisão que produz coisa julgada material e é legitimamente proferida pelo juiz não gera qualquer proteção à confiança nela depositada Ora admitir esta conclusão significa colocar o jurisdicionado na posição de alguém que pode ser legitimamente surpreendido depois de ter obtido decisão jurisdicional favorável transitada em julgado Não é preciso dizer que isto viola de forma escancarada a segurança jurídica princípio concretizador do Estado de Direito Por outro lado deixandose o plano subjetivo do jurisdicionado é imperioso frisar que não há decisão estatal legítima que possa ser desfeita pelo próprio Estado A decisão em controle difuso de constitucionalidade é tão legítima quanto a decisão do Supremo Tribunal Federal Ambas provêm do Poder Judiciário e são legitimadas pela Constituição O equívoco não expresso porém contido nas decisões que admitem o desfazimento da coisa julgada em virtude de ulterior precedente do Supremo Tribunal Federal está em não perceber que admitir uma decisão fundada em lei posteriormente declarada inconstitucional não é o mesmo que admitir eficácia a uma lei declarada inconstitucional 711 Lembrese que conforme bem adverte Galvão Teles respeitar a coisa julgada não significa reconhecer efeitos a uma lei inconstitucional mas reconhecer efeitos a um juízo precedente sobre a inconstitucionalidade diferente do juízo posteriormente feito na decisão de inconstitucionalidade do Tribunal Constitucional 712 Também não há como aceitar o argumento de que a retroatividade do pronunciamento do Supremo Tribunal Federal sobre a coisa julgada é imprescindível para fazer valer a plenitude da Constituição Não se pense que a rescisão da coisa julgada fundada em lei declarada inconstitucional constitui a afirmação da constitucionalidade sobre a inconstitucionalidade Não fosse assim não haveria sequer como admitir o prazo de dois anos para a propositura da ação rescisória A decisão ainda que fundada em lei inconstitucional é constitucional A decisão mesmo que fundada em lei posteriormente declarada inconstitucional é manifestação legítima do Poder Judiciário 713 A coisa julgada que cobre esta decisão é imprescindível à tutela da segurança jurídica e à proteção do sistema de controle difuso da constitucionalidade que não pode ser usurpado do Poder Judiciário Assim é equivocado relacionar afirmação da constitucionalidade com relativização da coisa julgada uma vez que a coisa julgada é inegavelmente uma afirmação da Constituição 714 Na realidade bem vistas as coisas o problema não está na opção entre privilegiar a plenitude da Constituição ou ao invés a certeza do direito declarado judicialmente porquanto a certeza do direito declarado judicialmente ainda que inconstitucional é ela própria uma das formas de que se reveste a certeza constitucional Portanto como conclui Rui Medeiros a ressalva da coisa julgada também constitui uma forma de assegurar a primazia da ordem constitucional 715 Encontrar fundamento para a ação rescisória em pronunciamento do Supremo Tribunal Federal significaria mais do que a instituição de um controle da constitucionalidade da decisão transitada em julgado significaria a reserva da autoridade para a interpretação constitucional destituindose os juízes ordinários deste poder Se o Supremo Tribunal Federal deve zelar pela uniformidade da interpretação da Constituição isto obviamente não quer dizer que a sua interpretação tenha o poder para dissolver a coisa julgada material Aliás se a interpretação do Supremo Tribunal Federal pudesse implicar desconsideração da coisa julgada o mesmo deveria acontecer quando a interpretação da lei federal se consolidasse no Superior Tribunal de Justiça Não se diga que a diferença entre as duas situações está em que no caso da declaração de inconstitucionalidade a coisa julgada se funda em lei inválida enquanto uma decisão contra a lei ou que lhe negue vigência supõe lei válida 716 Ora como já foi dito não admitir a rescisória a partir de pronunciamento do Supremo Tribunal Federal não significa atribuir efeitos a uma lei inconstitucional mas sim ressalvar os efeitos de um juízo constitucional que aplicou uma lei posteriormente declarada inconstitucional pela Corte Suprema Chegase assim ao momento propício para se desnudar o equívoco Se a ação rescisória é proposta com base em precedente do Supremo Tribunal Federal o seu fundamento não é violação de norma constitucional O fundamento encontrado mas não expressamente revelado é ius superveniens ou direito superveniente Porém como é curial o ius superveniens não pode ter efeito retroativo sobre a coisa julgada Portanto a Súmula 343 também deve ser aplicada nos casos de resolução de questão constitucional A tentativa de eliminar a coisa julgada que resultou de uma dúvida de constitucionalidade não só elimina o mínimo que o cidadão pode esperar do Poder Judiciário que é a estabilização da sua vida após o encerramento do processo como também coloca em xeque a legitimidade dos juízes e tribunais para o controle difuso da constitucionalidade 8458 Não há distinção entre decisão proferida em controle concentrado e controle difuso para efeito de rescindibilidade de coisa julgada Como é evidente não há qualquer razão para distinguir decisão proferida em ação direta de inconstitucionalidade de decisão tomada em recurso extraordinário quando se pensa na possibilidade de rescindibilidade de coisa julgada com base em ulterior pronunciamento do Supremo Tribunal Federal A decisão proferida no controle concentrado assim como a decisão proferida no controle difuso não pode negar a coisa julgada Ambas são interpretações judiciais ulteriores à coisa julgada embora a decisão proferida no controle difuso não tenha eficácia erga omnes mas apenas eficácia obrigatória ou vinculante em relação aos seus fundamentos determinantes Sucede que isso não tem qualquer importância para o efeito de se ter como inválida uma decisão antecedente revestida por coisa julgada material A decisão de inconstitucionalidade proferida no controle concentrado não obstante tenha eficácia erga omnes obviamente não tem eficácia retroativa A diferenciação das decisões proferidas nos controles concentrado e difuso para efeito de rescindibilidade da coisa julgada faria supor que a decisão de inconstitucionalidade é algo distinto de uma decisão judicial ou de uma decisão interpretativa de uma questão constitucional A decisão de inconstitucionalidade proferida em ação direta nada mais é do que um juízo sobre a constitucionalidade que por isso mesmo não pode se sobrepor a um anterior juízo também legítimo sobre a constitucionalidade tutelado pela coisa julgada Não é possível negar a coisa julgada sob a equivocada desculpa de se ter encontrado uma norma verdadeira ou uma interpretação correta que jamais poderia ter sido negada para não se violar a Constituição Como já dito a rescisão da coisa julgada fundada em lei posteriormente declarada inconstitucional não constitui afirmação da constitucionalidade sobre a inconstitucionalidade já que a certeza do direito declarado judicialmente ainda que inconstitucional é uma das formas de que se reveste a certeza constitucional 717 8459 A previsão de hipótese de rescisória baseada em ulterior decisão de inconstitucionalidade no CPC de 2015 De acordo com o 15 do art 525 do CPC de 2015 se a decisão referida no 12 for proferida após o trânsito em julgado da decisão exequenda caberá ação rescisória cujo prazo será contado do trânsito em julgado da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal A norma do novo CPC merece muita atenção pois ela é irremediavelmente inconstitucional Notese que se o 14 do art 525 corretamente exclui a possibilidade de superveniente decisão de inconstitucionalidade obstaculizar a execução da sentença o 15 admite a sua invocação como sustentáculo de ação rescisória Tratase de duas normas claramente contraditórias de modo que a segunda só pode ser compreendida como resultado de uma inserção descuidada dessas que são feitas em uma lei de grande amplitude no apagar das luzes da discussão parlamentar Ora a admissibilidade de alegação de decisão de inconstitucionalidade posterior à formação da coisa julgada é uma exceção à sua intangibilidade pouco importando se a alegação é admitida para inibir a execução ou para fundamentar a ação rescisória Obstaculizar a executabilidade da sentença é negar o título executivo ou a coisa julgada que a sustenta Recordese que a coisa julgada sempre foi considerada um fundamento lógicojurídico da execução definitiva 718 Da mesma forma como ainda é mais evidente ação rescisória com base em posterior declaração de inconstitucionalidade é uma macroexceção à intangibilidade da coisa julgada material Portanto haveria racionalidade na admissão da alegação de posterior decisão de inconstitucionalidade apenas se isso não constituísse exceção à intangibilidade da coisa julgada material Assim exatamente porque não se estaria a afetar a coisa julgada material em qualquer dos casos a admissão da dedução da posterior decisão de inconstitucionalidade em ação rescisória e não em impugnação seria mera opção legislativa Não obstante como tanto a obstaculização da execução quanto a rescindibilidade com base em ulterior decisão do Supremo Tribunal Federal obviamente constituem exceção à intangibilidade da coisa julgada material exigirseia outra resposta do legislador Seria necessário argumentar como única saída para a legitimação da norma do 15 que a intangibilidade da coisa julgada se coloca apenas no plano processual não estando garantida pela Constituição Federal Esse raciocínio é ainda mais absurdo do que o antecedente A coisa julgada está claramente garantida no art 5º XXXVI da Constituição Federal Nenhuma lei pode dar ao juiz poder para desconsiderar a coisa julgada material até porque nenhum juiz pode negar decisão de membro do Poder Judiciário A intangibilidade da coisa julgada material é essencial para a tutela da segurança jurídica sem a qual não há Estado de Direito ou melhor sem a qual nenhuma pessoa pode se desenvolver e a economia não pode frutificar Nem se diga nessa altura que a alegação de decisão de inconstitucionalidade constituiria uma exceção constitucionalmente legítima à intangibilidade da coisa julgada argumentandose que a rescisão da coisa julgada fundada em lei posteriormente declarada inconstitucional seria uma afirmação da constitucionalidade sobre a inconstitucionalidade É sempre importante advertir que a garantia da coisa julgada não resguarda os efeitos de uma lei inconstitucional porém ressalva os efeitos de um juízo constitucional que aplicou uma lei posteriormente declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal Tudo isso significa que os juízes e tribunais não devem aplicar o 15 do art 525 do CPC de 2015 dada a sua inescondível e insuperável inconstitucionalidade Aliás como será visto a seguir o Supremo Tribunal Federal recentemente declarou a impossibilidade de ação rescisória baseada em ulterior precedente da sua lavra exatamente sob o fundamento de que isso configuraria violação da garantia constitucional da coisa julgada material 84510 O caso Metabel v União Federal a não admissão de ação rescisória baseada em ulterior precedente do Supremo Tribunal Federal mediante a afirmação da garantia constitucional da coisa julgada material O Supremo Tribunal Federal recentemente julgou recurso extraordinário que definiu a questão do cabimento de ação rescisória fundada em precedente do Supremo Tribunal Federal posterior à decisão rescindenda 719 Decidiuse expressamente sobre a aplicação da Súmula 343 do STF 720 em ação rescisória fundada em violação de norma constitucional e sobre se a admissão da ação rescisória baseada em posterior precedente do Supremo Tribunal Federal é compatível com a tutela da coisa julgada material O precedente firmado neste recurso extraordinário revogou o entendimento que até então prevalecia no Supremo Tribunal Federal 721 declarando que decisão do Supremo Tribunal Federal ulterior ao trânsito em julgado da decisão não pode servir de fundamento para a ação rescisória Declarouse ainda que a Súmula 343 é aplicável em ação rescisória fundada em violação de norma constitucional de modo que quando há divergência interpretativa à época da prolação da decisão rescindenda a ação rescisória não é viável Decidiuse ademais que a invocação de precedente constitucional ulterior à formação da coisa julgada para o efeito de rescindila é incompatível com a garantia constitucional da coisa julgada material Ou seja não só se ressalvou a coisa julgada em face de precedente constitucional em sentido diverso como ainda afirmouse que a coisa julgada é garantida pela Constituição Federal O recurso extraordinário foi provido por sete votos a dois Os Ministros Marco Aurélio Celso de Mello Luiz Fux Rosa Weber e Ricardo Lewandowski adotaram o fundamento de que novo entendimento ou precedente do Supremo Tribunal Federal não pode constituir base para a rescisão de decisão que com ele confronta A Ministra Cármen Lúcia disse que a decisão rescindenda por ter se pautado em entendimento que prevalecia no Supremo Tribunal Federal na época em que proferida não poderia ser rescindida O Ministro Toffoli reconheceu a decadência da ação rescisória e não se manifestou sobre a questão da possibilidade da desconstituição de decisão com base em precedente ulterior do Supremo Tribunal Federal Os Ministros Gilmar e Teori dissentiram do fundamento da maioria reafirmando as suas antigas posições 722 Disse o relator Ministro Marco Aurélio A rescisória deve ser reservada a situações excepcionalíssimas ante a natureza de cláusula pétrea conferida pelo constituinte ao instituto da coisa julgada Disso decorre a necessária interpretação e aplicação estrita dos casos previstos no art 485 do Código de Processo Civil incluído o constante do inciso V abordado neste processo Diante da razão de ser do verbete Súmula 343STF não se trata de defender o afastamento da medida instrumental a rescisória presente qualquer grau de divergência jurisprudencial mas de prestigiar a coisa julgada se quando formada o teor da solução do litígio dividia a interpretação dos Tribunais pátrios ou com maior razão se contava com óptica do próprio Supremo favorável à tese adotada Assim deve ser indiferentemente quanto a ato legal ou constitucional porque em ambos existe distinção ontológica entre texto normativo e norma jurídica Essa passagem deixa clara a aplicabilidade da Súmula 343 mesmo em caso de interpretação de norma constitucional Aplicandose a Súmula 343 decidiuse que não cabe ação rescisória fundada em violação de norma constitucional quando à época em que a decisão foi proferida havia controvérsia sobre a interpretação da norma Mas o Supremo Tribunal Federal ao firmar o precedente não só tratou da aplicabilidade da Súmula 343 Ao enfatizar que novo entendimento do Supremo Tribunal Federal não pode ser visto como fundamento de ação rescisória a Corte Suprema também declarou a tutela constitucional da coisa julgada material Nas palavras do Ministro relator Não posso admitir sob pena de desprezo à garantia constitucional da coisa julgada a recusa apriorística do mencionado verbete Súmula 343STF como se a rescisória pudesse conformar os pronunciamentos dos tribunais brasileiros com a jurisprudência de último momento do Supremo mesmo considerada a interpretação da norma constitucional 723 A ementa do acórdão consignou que o verbete 343 da Súmula do Supremo deve ser observado em situação jurídica na qual inexistente controle concentrado de constitucionalidade haja entendimentos diversos sobre o alcance da norma mormente quando o Supremo tenha sinalizado num primeiro passo óptica coincidente com a revelada na decisão rescindenda 724 Ou seja a ementa ressalvou a possibilidade de a ação rescisória ser utilizada com base em decisão proferida em controle concentrado Porém não obstante a circunstância de o próprio relator ter abordado esta questão de passagem sem definila a questão de se a decisão proferida em controle concentrado constitui base para ação rescisória não foi posta para julgamento ou ainda não constituía fundamento suficiente para se decidir se precedente do Supremo Tribunal Federal firmado em sede de controle incidental pode determinar a desconstituição da coisa julgada Sublinhese o que disse o próprio relator Ministro Marco Aurélio Na origem o acórdão foi rescindido para conformálo à decisão deste Tribunal no sentido de o alcance do princípio da não cumulatividade não autorizar o lançamento de créditos do Imposto sobre Produtos Industrializados IPI em decorrência da aquisição de insumos isentos não tributados ou sujeitos à alíquota zero Vê se não se tratar de referência a ato por meio do qual o Supremo assentou com eficácia maior a inconstitucionalidade de norma Estivesse envolvida declaração da espécie poderia até cogitar com muitas reservas do afastamento do verbete em favor do manejo da rescisória apenas para evitar a vinda à balha indiscriminada de decisão judicial transitada em julgado fundada em norma proclamada inconstitucional nula de pleno direito Mas não é este o caso ora examinado Pretendese na realidade utilizar a ação rescisória como mecanismo de uniformização da interpretação da Carta particularmente do princípio constitucional da não cumulatividade no tocante ao Imposto sobre Produtos Industrializados IPI olvidandose a garantia constitucional da coisa julgada material 725 O relator foi incisivo ao dizer que não estava envolvida decisão proferida em controle concentrado e mais do que isso que caso estivesse envolvida a cogitação sobre ação rescisória poderia ser feita com muitas reservas Ora se uma questão é reconhecida como fora do julgamento estivesse envolvida e é admitida como não decidida poderia até cogitar com muitas reservas ela certamente constitui obiter dictum De qualquer forma as mesmas razões que impedem a retroatividade da decisão proferida em recurso extraordinário sobre a coisa julgada impedem a retroatividade da decisão proferida em controle concentrado Ora se ulterior decisão de inconstitucionalidade ainda que proferida em ação direta tornar a coisa julgada rescindível não haverá decisão tomada em controle difuso de constitucionalidade dotada de alguma utilidade a coisa julgada sempre será provisória e sujeita à condição resolutiva o que é uma contradição em termos Lembrese que a decisão judicial mesmo que fundada em lei posteriormente declarada inconstitucional é manifestação legítima do Poder Judiciário e que a coisa julgada que cobre esta decisão é imprescindível à tutela da segurança jurídica e à proteção do sistema de controle difuso da constitucionalidade 84511 Casos em que se admite ação rescisória baseada em violação de norma constitucional A ação rescisória tem pleno cabimento em caso de manifesta violação de norma jurídica art 966 V do CPC2015 Diante da dissociação entre texto legal e norma e da função contemporânea do Supremo Tribunal Federal de definir o sentido do direito constitucional federal norma jurídica é além da decisão firmada em ação direta precedente constitucional Significa que cabe ação rescisória quando a decisão nega decisão proferida em ação direta ou precedente constitucional tenham estes afirmado a inconstitucionalidade ou a constitucionalidade A decisão que se nega a adotar precedente ou decisão do Supremo Tribunal Federal que afirmou a constitucionalidade também é decisão que viola manifestamente norma jurídica e assim sujeitase à ação rescisória Notese que quando se nega decisão proferida em ação direta precedente ou ainda súmula do Supremo Tribunal Federal é possível falar em violação de norma o que certamente não ocorre quando é realizado juízo sobre a questão de constitucionalidade e após o encerramento do processo o Supremo Tribunal Federal fixa norma em sentido contrário Como se vê cabe ação rescisória quando há negação de norma dotada de efeito vinculante o que obviamente não poderia ser outra coisa que não violação manifesta de norma jurídica Não há como negar que nessas hipóteses violase uma norma que vincula o conteúdo da decisão do juiz O juiz ou o tribunal que apesar do pronunciamento vinculante do Supremo decide em sentido contrário profere decisão que viola manifestamente o sentido que a Corte Suprema atribuiu ao direito Porém há também violação manifesta de norma jurídica nos termos do art 966 V do CPC de 2015 quando a interpretação do texto é tão fácil e simples que a violação da norma jurídica quase que se confunde com a negação do texto Não se pretende retomar aqui a discussão plantada por Hart sobre os enunciados que no texto legal estão em zonas de penumbra e de luz 726 Afirmase em determinada concepção teórica que em todo texto legal há enunciados que estão na zona de luz e enunciados que estão na zona de penumbra sendo que somente os últimos reclamam valoração e decisão ao passo que os primeiros são normas predefinidas que podem ser simplesmente descritas Não obstante como demonstra Wróblewski os problemas penumbrais são uma instância de dúvidas interpretativas que não podem escapar da valoração do intérprete 727 Assim a solução da questão sobre se a norma é clara ou duvidosa também depende de valoração constituindo uma fase do raciocínio interpretativo que uma vez superada dá ao intérprete a possibilidade de chegar a um resultado que advém imediatamente do texto ou conferelhe a oportunidade de mediante nova valoração decidir sobre o seu sentido 728 A clareza obviamente não é algo que deflui objetivamente do texto Não é um predicado do texto mas o fruto do entendimento daquele que o lê Clareza ou obscuridade são sentidos atribuídos a um texto legal pelo intérprete 729 Contudo se atribuir clareza é valoração de modo que o resultadointerpretação nunca é apenas descrição mas sempre norma jurídica ao contrário do que supõem os teóricos da zona de luz não há como negar que determinados textos não suscitam controvérsia nos tribunais Não se discute acerca da norma que deflui destes textos Quando isso ocorre ou melhor quando não há controvérsia nos tribunais sobre a interpretação de uma disposição a decisão que lhe confere interpretação contrária pode ser submetida à ação rescisória sob o fundamento de violar manifestamente norma jurídica art 966 V do CPC2015 84512 Modulação de efeitos e coisa julgada Como é óbvio não importa que a ressalva da coisa julgada diante da decisão de inconstitucionalidade não esteja expressamente afirmada pela Constituição brasileira à semelhança do que ocorre no art 282 3 da Constituição da República Portuguesa Recordese que segundo o art 282 3 da Constituição portuguesa diante da declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral ficam ressalvados os casos julgados salvo decisão em contrário do Tribunal Constitucional quando a norma respeitar a matéria penal disciplinar ou de ilícito de mera ordenação social e for de conteúdo menos favorável ao arguido Como observa Rui Medeiros a Constituição portuguesa art 282 3 primeira parte reconhece que o sacrifício da intangibilidade do caso julgado só deve ter lugar nos casos extremos em que imperativos de justiça o justifiquem À partida uma simples alteração no plano normativo ou hermenêutico não justifica perante situações de fato invariáveis o afastamento da decisão transitada em julgado 730 Frisese que a coisa julgada é instituto imprescindível à afirmação do Poder Judiciário e do Estado de Direito além de garantia do cidadão à estabilidade da tutela jurisdicional corolário do direito fundamental de ação e do princípio da proteção da confiança 731 Portanto o n 3 do art 282 da Constituição de Portugal não precisaria sequer existir para que a coisa julgada fosse ressalvada diante da declaração de inconstitucionalidade De qualquer forma no direito brasileiro a intangibilidade da coisa julgada está expressa no art 5º XXXVI da Constituição Federal 732 E mesmo que aí não fosse encontrada não poderia deixar de ser vista como corolário do Estado de Direito e expressão concreta do princípio da segurança jurídica De modo que no direito brasileiro assim como acontece no direito português em vez de ter de ser necessariamente ressalvada em toda e qualquer decisão de inconstitucionalidade a coisa julgada para ser atingida tem de ter a sua força constitucional expressamente renegada diante de outro valor merecedor de excepcional proteção Como esclarece Canotilho a exceção ao princípio da intangibilidade do caso julgado não opera automaticamente como mero corolário lógico da declaração de inconstitucionalidade A revisão de sentenças transitadas em julgado deve ser expressamente decidida pelo Tribunal em que se declare a inconstitucionalidade da norma 733 Percebase que nesta dimensão o Supremo Tribunal Federal tem um poder maior do que o Tribunal Constitucional português uma vez que esse último em princípio não pode fazer a sua decisão retroagir sobre a coisa julgada exceto quando a norma respeitar a matéria penal disciplinar ou de ilícito de mera ordenação social e for de conteúdo menos favorável ao arguido No direito brasileiro portanto o próprio poder de atribuir à decisão de inconstitucionalidade o efeito excepcional de retroagir sobre a coisa julgada já constitui algo que poderia ser questionado o que significa que a retroatividade da decisão de inconstitucionalidade sobre a coisa julgada além de não ser uma decorrência desta decisão ao ser aceita como possível constitui uma excepcionalidade admissível tão somente quando o seu desfazimento for necessário para tutelar valor imprescindível ao Estado Constitucional que na hipótese concreta tenha justificado motivo para prevalecer sobre a coisa julgada Se a coisa julgada pudesse desaparecer diante da decisão do Supremo Tribunal Federal não só inexistiria razão para se dar ao juiz e aos tribunais o poder de controlar a constitucionalidade como também se estaria conferindo ao jurisdicionado uma coisa julgada sob condição negativa imprevisível sob a condição de o Supremo Tribunal Federal não declarar a inconstitucionalidade da norma que fundou a decisão Além de negar a razão de ser da coisa julgada e os princípios da segurança e da proteção da confiança isso significaria ainda evidente lesão ao direito fundamental de ação que tem como corolário o direito a uma decisão imutável e indiscutível Dar à decisão de inconstitucionalidade o efeito automático e imediato de desfazer a coisa julgada significa não ver que a circunstância de uma lei inconstitucional não produzir efeitos válidos não interfere sobre a eficácia da decisão que a teve por constitucional e além disso que a coisa julgada é tutelada pela Constituição Porém o Supremo Tribunal Federal pode permitir o alcance da coisa julgada Tal pode ocorrer por exemplo no caso em que se declara a inconstitucionalidade de um tributo Em um caso como esse a declaração de inconstitucionalidade retira da Fazenda Pública o poder de cobrar os tributos não pagos ainda que o contribuinte não os tenha questionado na esfera administrativa ou na judicial Nos processos que tiverem sido instaurados diante da vinculação dos juízes e tribunais à decisão do Supremo Tribunal Federal as decisões terão de ser necessariamente favoráveis ao contribuinte Assim no caso de ação para não pagar ficará o contribuinte isento do pagamento e na hipótese de ação de repetição receberá os valores pagos de volta Nessa situação certamente surgiria a preocupação com os contribuintes que já receberam decisões desfavoráveis transitadas em julgado Mas os juízes e os tribunais não podem questionar a coisa julgada sob o argumento de o Supremo Tribunal Federal ter declarado a inconstitucionalidade da lei A decisão de desafirmação da coisa julgada é atributo exclusivo do Supremo Tribunal Federal O Supremo Tribunal Federal não tem motivo para limitar os efeitos da decisão de inconstitucionalidade para que a coisa julgada seja preservada mas excepcionalmente considerando relevante valor constitucional que diante das circunstâncias concretas sobrepõese pode decidir de modo a desfazêla Se por modular efeitos não se tem apenas que limitar efeitos mas também potencializar os efeitos outorgandolhes força que em princípio não têm é possível usar a oportunidade conferida pela técnica da modulação de efeitos para em casos excepcionalíssimos extrair da decisão de inconstitucionalidade o efeito de atingir a coisa julgada É certo que nesse caso não se está regulando os efeitos da decisão de inconstitucionalidade no tempo mas conferindose determinada qualidade a esses efeitos Porém não importa O que realmente releva é que isso é importante para o adequado exercício da jurisdição constitucional De outra parte diante desse grande poder é absolutamente necessário estabelecer critérios em nome da segurança jurídica Esses critérios podem ser definidos em lei ou no próprio regimento interno do Supremo Tribunal Federal Por enquanto a ideia de balanceamento tem pautado as decisões do Supremo como a tomada por ocasião do julgamento dos RE 556664 559882 559943 e 560626 734 Porém não há razão para se admitir uma decisão fundada em uma argumentação muito difícil de ser racionalizada quando se podem instituir critérios seguros para decidir O balanceamento é um critério ou método de decisão a ser adotado à falta de outros que permitam uma decisão mais segura Portanto se não existem indicações normativas mostrase imperioso construir um sistema de autocontrole dos juízos relativos à modulação dos efeitos Assim o Supremo ao decidir e fixar os critérios para a modulação dos efeitos estará se autovinculando para os casos futuros Os julgados do Supremo Tribunal Federal obrigam e vinculam as futuras decisões da própria Corte mantendoa atrelada aos critérios que foram anteriormente utilizados e explicitados em situações similares Em outros termos o trabalho do próprio Supremo na construção dos seus precedentes mais uma vez representará a melhor forma de controle e de racionalização das suas decisões No caso de decisão que autoriza o alcance da coisa julgada o Supremo Tribunal Federal deverá explicitar as razões da adoção desse drástico efeito esclarecendo os motivos para se deixar de lado o valor da coisa julgada Esses motivos vinculam o Supremo impedindoo de deles se libertar em decisões futuras a respeito do tema Essa vinculação somente poderá cessar caso a Corte demonstre que os motivos já adotados não devem ser reprisados diante das especificidades de um novo caso Recai sobre o Supremo um forte ônus argumentativo Somente a superação deste ônus permitirá à Corte se libertar dos critérios que antes utilizou efeitos retroativos ao momento em que o seu objeto foi instituído mas ainda assim deixa escapar certos efeitos A alternativa teórica a isso seria considerar que a lei inconstitucional é anulável tendo a sentença que reconhece a inconstitucionalidade e anula a lei natureza constitutiva negativa ou desconstitutiva Desse modo seriam preservados todos os efeitos decorrentes da lei inconstitucional já que a pronúncia de inconstitucionalidade com a desconstituição da lei operaria apenas para o futuro Afinal dirseia são palpáveis os efeitos no seio social de uma lei que vem a ser dita inconstitucional bastandose ter em conta a variedade de atos que com base nela são praticados A norma enquanto não é judicialmente pronunciada inconstitucional vincula condutas gerando efeitos 737 A tese seria sedutora àqueles que olham o problema a partir do ângulo dos afetados pela norma pronunciada inconstitucional ou ainda na perspectiva da segurança jurídica Em não poucos casos não há racionalidade em riscar do mapa situações derivadas de normas inconstitucionais Ocorre que não se pode esquecer o outro lado da moeda isto é os efeitos perversos que podem ser gerados ao se admitir como regra teórica a ideia de que a decisão de inconstitucionalidade não pode retroagir devendose preservar todos os efeitos produzidos pela norma reconhecida inconstitucional Desde logo é visível que a preservação dos efeitos de lei inconstitucional faria com que a ordem jurídica ainda que em determinado período deixasse de estar inserida no quadro da Constituição Ou estarseia admitindo que norma constitucional poderia ficar em virtude de atuação indevida do legislador fora da própria ordem jurídica A norma constitucional teria a sua eficácia suspensa pelo legislador ficando a Corte Suprema com a incumbência de restaurarlhe a plenitude com a pronúncia da inconstitucionalidade Ora isso é suficiente para mostrar a gravidade da insistência na tese dos efeitos para o futuro ou prospectivos da decisão de inconstitucionalidade Ademais a simples admissão da manutenção dos efeitos de algo que se sabe indevido ou ilícito como é intuitivo tornao compensador Lembrese que a crítica da tutela ressarcitória como única forma de tutela jurisdicional contra o ilícito assentase na ideia de que ao não se evitar a prática de ato contrário ao direito abrese oportunidade para a lícita prática do ilícito Porém se não é possível impedir que a lei produza efeitos embora aí tenha grande importância a liminar na ação de inconstitucionalidade os efeitos retroativos da decisão final de inconstitucionalidade são imprescindíveis para se evitar situação semelhante Assim diante da falibilidade das duas teses passouse a entender que a saída estaria em se dar à Corte Suprema a possibilidade de modular os efeitos da decisão de inconstitucionalidade Tomandose a nulidade da lei inconstitucional como algo arraigado na própria Constituição reafirmouse a natureza declaratória da decisão de inconstitucionalidade que então em princípio apagaria todos os efeitos produzidos pela norma assim declarada dandose à Corte contudo a possibilidade de restringir os efeitos retroativos ou admitir a validade de determinados efeitos ou de certas situações decorrentes da lei inconstitucional O art 27 738 da Lei 98681999 consagrou a modulação de efeitos deixando claro que o STF assim pode proceder em nome da segurança jurídica ou de excepcional interesse social conceitos que têm base constitucional A decisão que restringe ou limita os efeitos retroativos requer quórum qualificado maioria de dois terços e a superação do ônus argumentativo de que a segurança jurídica ou outro princípio constitucional sob a forma de excepcional interesse social justificam no caso a prevalência dos interesses que seriam sacrificados pela retroatividade sobre os afetados pela lei inconstitucional Nesta perspectiva é possível que se atribua à decisão de inconstitucionalidade i efeitos retroativos limitados preservandose determinados efeitos da lei inconstitucional ii efeitos a partir do seu trânsito em julgado ou mesmo iii efeitos a partir de determinado evento ou data no futuro A preservação dos efeitos de lei reconhecida inconstitucional se mostrou relevante no caso de lei insuficiente omissão parcial à tutela de norma constitucional Assim por exemplo aquela que fixa o valor do salário mínimo em valor insuficiente ou a que exclui determinado grupo de servidores públicos do reajuste de salário Nestes casos ainda que a lei não cumpra a Constituição a suspensão dos seus efeitos pode acarretarlhe maiores prejuízos Situação similar se verifica na hipótese em que se reconhece que a lei ainda é constitucional como aconteceu no caso da Defensoria Pública em que diante do questionamento da constitucionalidade da norma que definia prazo diferenciado para a interposição de recurso entendeuse que enquanto não devidamente estruturada e aparelhada a Defensoria a norma deveria continuar a produzir efeitos Notese que neste caso não se reconhece a inconstitucionalidade da norma no momento do julgamento aludindose a uma passagem ou a um trânsito para a inconstitucionalidade Na mesma dimensão se colocam as técnicas de controle de constitucionalidade conhecidas como interpretação conforme e declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto A interpretação conforme em essência define determinada interpretação compatível com a Constituição evitando com isso a declaração de inconstitucionalidade que decorreria da adoção da interpretação ou do sentido delimitados na petição inicial da ação de inconstitucionalidade A decisão excluindo o sentido proposto na petição inicial declara a interpretação mediante a qual a norma é válida dita conforme à Constituição A decisão assim incide sobre o âmbito de interpretação da norma A declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto não incide sobre a interpretação da norma mas sobre o seu âmbito de aplicação Trata de texto legal que em determinada situação é inegavelmente inconstitucional embora possa e deva ser aplicado em outras hipóteses A decisão que adota esta técnica assim declara a inconstitucionalidade da norma para certas situações preservandoa para ser aplicada em outras Exemplo é a lei tributária que aumenta ou cria tributo que não pode ser aplicada no mesmo exercício financeiro A despeito da inconstitucionalidade quando considerado o mesmo exercício financeiro a necessidade de não redução do texto deriva do fato de a norma poder ser aplicada sem qualquer contestação no exercício financeiro seguinte Determinada aplicação da norma é definida inconstitucional mas o seu texto é preservado 739 847 Declaração de inconstitucionalidade total e declaração de inconstitucionalidade parcial Em determinados casos a inconstitucionalidade recai sobre a totalidade da lei Isso acontece significativamente nos casos em que a inconstitucionalidade se encontra no processo de formação da lei ou melhor quando estão presentes os chamados vícios de inconstitucionalidade que sob o aspecto formal impedem que se reconheça a constitucionalidade da lei assim nos casos de vícios de competência ou relativos à iniciativa legislativa Fora desses casos quando a parte principal da lei se revela inconstitucional é preciso analisar a possibilidade de manutenção dos demais dispositivos No caso em que a integração entre os vários dispositivos legais não permite ter os demais sem o reconhecido como inconstitucional há indivisibilidade da lei devendo igualmente ser declarada a sua inconstitucionalidade total Também será impossível preservar o restante da lei quando a declaração de inconstitucionalidade de determinado dispositivo fizer surgir realidade normativa disforme do próprio sentido ou função da lei Contudo quando a inconstitucionalidade não recai sobre a totalidade da lei ou quando a inconstitucionalidade de determinado dispositivo não retira a autonomia de outros ou o próprio sentido ou função originalmente atribuído à lei há necessariamente de se preservar as demais normas Pontuese que a regra é a da divisibilidade da lei uma vez que a nulidade apenas fulmina a parte da lei que é inconstitucional ou as partes da lei que são manchadas pela inconstitucionalidade seja por serem destituídas de autonomia seja pelo fato de ao serem vistas isoladamente despirem o sentido ou a função originalmente outorgado à lei Portanto a teoria da divisibilidade da lei fruto da necessidade de preservar o que é constitucional faz surgir a necessidade de o Tribunal declarar a nulidade de forma parcial 848 Inconstitucionalidade por arrastamento Nos casos em que a inconstitucionalidade de parte da lei contamina outros preceitos ou outra parcela da lei impedindo a sua preservação surge problema relacionado com o princípio da congruência da sentença com o pedido Pedindose na ação direta a declaração de inconstitucionalidade de norma que por consequência afeta outros dispositivos não se poderia diante de determinada leitura do princípio de que a sentença deve se ater ao pedido declarar a inconstitucionalidade dos demais dispositivos Porém caso fosse assim a Corte ficaria entre as alternativas de declarar inconstitucional apenas a norma delimitada na petição inicial deixando de se pronunciar sobre o restante da lei e não admitir a ação de inconstitucionalidade diante da inadequação do pedido formulado na inicial incapaz de afastar a inconstitucionalidade narrada na causa de pedir ou decorrente da causa de pedir aberta Tais soluções são obviamente inadequadas Por isso passou o STF a adotar a técnica da inconstitucionalidade por arrastamento que em resumo permite arrastar a declaração de inconstitucionalidade do dispositivo especificamente impugnado até os contaminados pela inconstitucionalidade Como a técnica da decisão da inconstitucionalidade por arrastamento objetiva eliminar o obstáculo do princípio da congruência entre o pedido e a sentença o STF já enfatizou que quando determinado dispositivo não é dependente do expressamente impugnado e declarado inconstitucional não há de se decidir por arrastamento Assim por exemplo na ADIn 2895 argumentouse que não obstante de constitucionalidade duvidosa a primeira parte do mencionado art 74 ocorre no caso a impossibilidade de sua apreciação em obséquio ao princípio do pedido e por não ocorrer na hipótese o fenômeno da inconstitucionalidade por arrastamento ou atração já que o citado dispositivo legal não é dependente da norma declarada inconstitucional 740 Por sua vez no AgRg no RE 4591153 que declarou a inconstitucionalidade do alargamento da base de cálculo da Cofins art 3º 1º da Lei 97181998 decidiuse que esta declaração de inconstitucionalidade não acarretou a inocuidade de outros parágrafos do art 3º uma vez que não fora expressamente afirmada declaração de inconstitucionalidade por arrastamento 741 Inconstitucionalidade por arrastamento assim não constitui tipo ou categoria de inconstitucionalidade mas mera forma ou técnica de decisão da ação de inconstitucionalidade 849 Pronúncia de inconstitucionalidade sem declaração de nulidade Na ação direta de inconstitucionalidade em que se impugnou a lei que criou o Município de Luís Eduardo Magalhães a Corte a despeito de já ter declarado a inconstitucionalidade de outras leis municipais em casos absolutamente idênticos tinha o receio de que a retroatividade da decisão declaratória pudesse afetar gravemente as situações já formadas Nesta ação direta declarouse a inconstitucionalidade sem a pronúncia da nulidade da lei impugnada mantendose sua vigência pelo prazo de 24 vinte e quatro meses lapso temporal razoável dentro do qual poderá o legislador estadual reapreciar o tema tendo como base os parâmetros que deverão ser fixados na lei complementar federal conforme decisão desta Corte na ADIn 3682 Adotouse uma técnica peculiar de decisão em que se reconhece a inconstitucionalidade da lei mas não se declara a sua nulidade Isto como é óbvio apenas para se ressalvar os seus efeitos Eis aí o ponto efeitos de uma lei inconstitucional Sabese que em termos exatos a nulidade é decorrência da inconstitucionalidade Porém a decisão proferida no caso de Luis Eduardo Magalhães entendeu que a norma era inconstitucional mas ao mesmo tempo que os seus efeitos deveriam ser preservados Assim declarou a inconstitucionalidade sem declarar a nulidade embora o juízo de inconstitucionalidade em princípio imponha necessariamente a nulidade De modo que a decisão do caso de Luis Eduardo Magalhães revela o problema da árdua compatibilização entre inconstitucionalidade e produção de efeitos Notese que no caso de Luis Eduardo Magalhães não só foram preservados os efeitos passados como a vigência da lei foi mantida pelo prazo de vinte e quatro meses Se nos casos em que se pretende preservar efeitos passados utilizase a técnica da restrição dos efeitos retroativos quando se deseja manter os efeitos da lei não se declara a sua nulidade ainda que se pronuncie a sua inconstitucionalidade Isso ocorre quando é imprescindível tutelar por determinado período relevantes situações já formadas ou mesmo quando se quer evitar o reaparecimento do direito antigo ou o surgimento de vácuo no sistema Portanto a pronúncia de inconstitucionalidade sem a declaração de nulidade nada mais é do que técnica de decisão destinada a preservar os efeitos de uma lei que se sabe e reconhece inconstitucional Importante sem dúvida quando a retroatividade da lei inconstitucional puder afetar gravemente a segurança jurídica 742 ou outro princípio constitucional sob a forma de relevante interesse social749 850 Omissão parcial pronúncia de inconstitucionalidade e isolamento de determinados efeitos 743 A não declaração de nulidade da lei apesar do reconhecimento da sua inconstitucionalidade também é importante quando se tem lei que não obstante seja insuficiente à realização de norma constitucional ou excludente de grupo ou parcela de pessoas por ela tutelados ainda assim é relevante à satisfação da Constituição e à proteção dos cidadãos ainda que parcialmente Exemplos desta situação estão na lei que prevê salário mínimo em valor insuficiente à realização da norma que garante remuneração digna ao cidadão art 7º IV da CF 744 e na lei que concede revisão de remuneração aos militares sem contemplar os civis excluindo grupo protegido pela norma constitucional arts 37 X e 39 1º da CF 745 Ambas as hipóteses representam omissão parcial de inconstitucionalidade ou norma inconstitucional por omissão parcial Nesses casos como a norma além de omissa em parte produz efeitos que satisfazem a Constituição não há racionalidade em suprimir a sua eficácia declarandose a nulidade Isso eliminaria o pouco de proteção que foi conferido pela lei ou a tutela que foi dada apenas a determinado grupo Sem dúvida a declaração de nulidade não constitui solução judicial adequada uma vez que é necessário preservar o benefício outorgado pela lei ainda que insuficiente ou indevidamente limitado a determinado grupo ou categoria A solução há de ser a de comunicar a omissão ao legislador conferindolhe prazo para suprila Mas do mesmo modo que não há como declarar a nulidade da norma não há lógica em suspender a totalidade dos seus efeitos até que escoado o prazo para a atuação legislativa O aparente paradoxo deve ser assimilado e compreendido pois não há lógica em invocar insuficiência de tutela para suprimir o que embora pouco em intensidade ou extensão é devido pelo legislador perante a Constituição É certo que o juízo de inconstitucionalidade exige em princípio a suspensão dos efeitos da norma e dos processos em que se discute a sua aplicação Contudo a norma deve continuar a ser aplicada quando incidindo em omissão parcial de inconstitucionalidade é imprescindível à realização dos desígnios constitucionais Vale dizer que como a norma é inconstitucional os seus efeitos devem ser suspensos mas numa perspectiva diferenciada e especial sem poder prejudicar aqueles que por ela foram legitimamente tutelados Nesse sentido a omissão parcial permite que sejam isolados da contaminação da inconstitucionalidade determinados efeitos da lei especificamente aqueles que servem à realização da própria Constituição 851 Norma em trânsito para a inconstitucionalidade Há outras hipóteses em que se questiona norma que diante da situação concreta em que deve ser aplicada afigurase constitucional mas que diante da evolução dos fatos tornarseá inconstitucional Aqui não se trata de preservar os efeitos de norma reconhecida inconstitucional Na presente hipótese a norma é constitucional embora a transformação dos fatos a situe na dimensão da inconstitucionalidade Em outras palavras os fatos ainda caracterizam a norma como constitucional embora esteja ela em trânsito para a inconstitucionalidade Esta técnica de decisão identificase com o caso das Defensorias Públicas celebrizado na discussão da constitucionalidade do 5º do art 5º da Lei 10601950 acrescentado pela Lei 78711989 que estabeleceu prazo em dobro para recurso as Defensorias Públicas No HC 70514 de relatoria do Min Sydney Sanches entendeuse que não era de ser reconhecida a inconstitucionalidade do 5º do art 5º da Lei 1060 de 05021950 acrescentado pela Lei 7871 de 08111989 no ponto em que confere prazo em dobro para recurso às Defensorias Públicas ao menos até que sua organização nos Estados alcance o nível de organização do respectivo Ministério Público que é a parte adversa como órgão de acusação no processo da ação penal pública 746 A relevância da decisão está em dois pontos Para afirmar a constitucionalidade a decisão considerou a então organização e estrutura da Defensoria Pública ou seja a realidade sobre a qual a norma estaria a incidir De modo que se declarou a constitucionalidade da norma naquela situação de fato admitindose que a sua transformação poderia gerar outro juízo sobre a norma Além disso advertiuse que diante da provável organização e estruturação da Defensoria Pública vale dizer da transformação da realidade fática tal norma se configuraria como inconstitucional Notese que neste caso a norma não é inconstitucional no momento do julgamento podendo isto sim vir a se tornar inconstitucional De modo que se não pretende preservar a aplicação de norma reconhecida inconstitucional como ocorre no caso de pronúncia de inconstitucionalidade sem declaração de nulidade Ao contrário a norma é reconhecida em face da situação em que deve ser aplicada constitucional não existindo nem mesmo intenção de preservála para aplicação no futuro Afirmouse expressamente no acórdão prolatado no referido HC 70514 que a norma ainda era constitucional 747 O Min Sydney Sanches relator disse não ter ainda por inconstitucional o prazo em dobro para recurso dos Defensores Públicos nos Estados Ao menos enquanto as respectivas instituições não se colocam em matéria de organização em pé de igualdade com o respectivo Ministério Público que é a parte adversa como órgão de acusação no processo da ação penal pública Na mesma linha ponderou o Min Moreira Alves A única justificativa que encontro para esse tratamento desigual em favor da Defensoria Pública em face do Ministério Público é a de caráter temporário a circunstância de as Defensorias Públicas ainda não estarem por sua recente implantação devidamente aparelhadas como se acha o Ministério Público Por isso para casos como este pareceme deva adotarse a construção da Corte Constitucional alemã no sentido de considerar que uma lei em virtude das circunstâncias de fato pode vir a ser inconstitucional não o sendo porém enquanto essas circunstâncias de fato não se apresentarem com a intensidade necessária para que se tornem inconstitucionais Assim a lei em causa será constitucional enquanto a Defensoria Pública concretamente não estiver organizada com a estrutura que lhe possibilite atuar em posição de igualdade com o Ministério Público tornandose inconstitucional porém quando essa circunstância de fato não mais se verificar 748 Admitiuse que uma norma constitucional pode vir a se tornar inconstitucional diante da transformação da realidade Na verdade não apenas a transformação dos fatos mas também a dos valores e a da própria compreensão geral do direito podem levar a que se declare inconstitucional norma antes vista como constitucional É possível supor que a decisão que adverte ser a norma ainda constitucional aproximase em certo aspecto da técnica da sinalização utilizada no direito estadunidense quando há de se preservar o precedente reconhecido como equivocado em nome da tutela da confiança justificada nele depositada 749 Mediante esta técnica sinalizase para a provável revogação do precedente no próximo caso similar a ser apreciado pelo Tribunal dandose ciência ao corpo dos advogados de que o precedente se encontra desgastado desprovido de força e autoridade não merecendo confiança da classe profissional nem dos litigantes 750 Porém se o que fundamenta a técnica da sinalização é especialmente a proteção da confiança justificada depositada no precedente que está a merecer revogação a razão pela qual não se declarou a inconstitucionalidade da norma no caso da Defensoria esteve circunscrita a uma circunstância fática que ainda exigia o prazo em dobro para a interposição de recurso Admitiuse que ter prazo em dobro para interpor recurso seria em tese inconstitucional mas que como a Defensoria Pública não podia atuar de outra forma em razão da sua má estrutura material não haveria como não se admitir a aplicação da norma Assim em um caso há norma que se pretende inconstitucional e em outro precedente que se deseja revogar A aplicação da norma no caso da Defensoria obviamente não se fundou na confiança que se depositara no poder de interpor o recurso em prazo dobrado Neste caso a norma simplesmente não era inconstitucional diante da realidade a que submetida a Defensoria De modo que nada apontava para a necessidade de dar efeitos prospectivos à decisão ou mesmo de utilizar a técnica da sinalização como instrumento destinado a evitar surpresa injusta diante de decisão de inconstitucionalidade Seria possível isso sim sinalizar para decisão de inconstitucionalidade em vista da transformação da estrutura da Defensoria Pública Isso não quer dizer como é óbvio que a decisão do caso do prazo em dobro não poderia dizer que em virtude da alteração das circunstâncias fáticas a Corte poderia vir a declarar a inconstitucionalidade da norma Basta perceber que não se estaria diante de técnica destinada a proteger a confiança mas de afirmação fundada na constatação da natureza eminentemente transitória do direito Evidenciase que decisões podem declarar uma mesma norma constitucional e inconstitucional conforme as circunstâncias de fato com ela envolvidas Notese portanto que mediante a técnica da decisão da lei ainda constitucional admitese a possibilidade de inconstitucionalização da norma com o passar do tempo bem como sinalizase que a norma será declarada inconstitucional diante de nova realidade 852 Interpretação conforme à Constituição A interpretação conforme à Constituição ao contrário do que pode fazer supor o seu nome não constitui método de interpretação mas técnica de controle de constitucionalidade Constitui técnica que impede a declaração de inconstitucionalidade da norma mediante a afirmação de que esta tem um sentido ou uma interpretação conforme à Constituição 751752 Assim alegandose na petição inicial a inconstitucionalidade de uma norma a ação de inconstitucionalidade é julgada improcedente quando o Tribunal verifica que esta norma tem sentido conforme à Constituição Este sentido evidenciado na fundamentação é delineado no dispositivo de modo a se fixar regra que evidencie a constitucionalidade da norma O resultado da decisão que realiza interpretação conforme portanto não apenas expressamente exclui o sentido ou a interpretação sugerido para a norma pelo autor da ação de inconstitucionalidade mas declara que mediante determinada interpretação a norma é constitucional Demonstrase que a norma não tem o sentido proposto na ação de inconstitucionalidade mas que quando adequadamente compreendida tem sentido que é conforme à Constituição Tratase desse modo de limitação das possibilidades do texto legal que fica restrito à interpretação definida na decisão Se uma norma não abre oportunidade a interpretações diversas excluise a possibilidade de interpretação conforme Nesse sentido na ADIn 3510 de relatoria do Min Ayres Britto afastouse o uso desta técnica para a feitura de sentença de caráter aditivo que tencione conferir à Lei de Biossegurança exuberância regratória ou restrições tendentes a inviabilizar as pesquisas com célulastronco embrionárias Argumentouse não estarem presentes os pressupostos para a aplicação da técnica da interpretação conforme à Constituição uma vez que a norma impugnada não padecia de polissemia ou de plurissignificatividade 753 Na mesma linha declarouse na ADIn 1344 existir impossibilidade na espécie de se dar interpretação conforme à Constituição pois essa técnica só é utilizável quando a norma impugnada admite entre as várias interpretações possíveis uma que a compatibilize com a Carta Magna e não quando o sentido da norma é unívoco 754 Quando a norma tem apenas um sentido visivelmente inconstitucional não há lugar para interpretação conforme Ademais a interpretação conforme não pode ser utilizada para conferir à norma resultado distinto do desejado pelo legislador ou uma regulação diversa Portanto dois são os requisitos da interpretação conforme respeito à expressão literal do texto legal e respeito ao fim buscado pelo legislador Quando a interpretação conforme requer diante da interpretação proposta na ação de inconstitucionalidade a exclusão ou a inclusão de significado este decréscimo ou acréscimo só tem validade quando estiver de acordo com o objetivo da norma à luz da Constituição 853 Declaração parcial de nulidade sem redução de texto Há casos em que a norma pode ser utilizada em face de situações diversas uma em que se apresenta inconstitucional e outra constitucional Quando a ação de inconstitucionalidade impugna a aplicação da norma em determinada situação o Tribunal ainda que reconhecendo a inconstitucionalidade da aplicação nesta situação pode preservála por admitir a sua aplicação em outras situações Nesses casos há declaração parcial de nulidade sem redução de texto A nulidade bem vistas as coisas é da aplicação da norma na situação proposta sendo por isso necessário preservar o texto diante da aplicabilidade da norma em situações diversas Exemplo claro de aplicabilidade da técnica da declaração parcial de nulidade sem redução de texto se dá nos casos de leis que criam ou aumentam tributo Tais leis diante do princípio da anterioridade de matriz constitucional art 150 III b da CF não podem ser aplicadas no mesmo exercício financeiro embora possam e devam ser aplicadas no exercício financeiro seguinte Frisese que não se reduz a validade do dispositivo que resta com plena força normativa mas o seu âmbito de aplicação Quando se afirma na ação de inconstitucionalidade a invalidade da norma em relação a certa situação o Tribunal pode reconhecêla afirmandoa mas ao mesmo tempo reconhecer a sua aplicabilidade a situações diversas e por isso mesmo preservar o seu texto Notese que no caso de interpretação conforme admitese a inconstitucionalidade da interpretação proposta mas se afirma que a norma pode ser interpretada de forma constitucional Na declaração de nulidade parcial sem redução de texto não se cogita da interpretação da norma excluindose a proposta na ação e definindose outra em consonância com a Constituição mas se admite a inconstitucionalidade da norma na situação proposta preservandose a sua aplicação em outras situações Há semelhança entre as técnicas da interpretação conforme e da declaração parcial de nulidade sem redução de texto O STF chegou a equiparálas 755 O art 28 parágrafo único da Lei 98681999 fez referência a ambas sustentando a sua autonomia Em ambas as hipóteses não há declaração de nulidade da norma A norma continua válida em ambos os casos O que as diferencia como já dito é a circunstância de que a interpretação conforme exclui a interpretação proposta e impõe outra conforme à Constituição enquanto a declaração parcial de nulidade revela a A lei inconstitucional é considerada lei nula Nesta perspectiva a lei não produz efeitos válidos A decisão de procedência declara a nulidade tendo então efeitos retroativos Sucede que determinados efeitos da lei inconstitucional sempre foram excepcionados preservandose inclusive a decisão judicial que proferida com base em lei inconstitucional encontrase revestida pela coisa julgada material A própria prática constitucional viu surgir paulatinamente a necessidade de validar determinadas situações criadas a partir de leis inconstitucionais em vista da segurança jurídica ou de relevante interesse social mecanismo que permite a fiscalização concreta da inconstitucionalidade por omissão Enquanto isso como será mais bem explicado no próximo capítulo a ação direta de inconstitucionalidade é instrumento de tutela do direito objetivo em que há fiscalização abstrata da inconstitucionalidade por omissão Basicamente a diferença entre um e outro está em que no mandado de injunção há tutela do direito carente da atuação do legislador e na ação direta há tutela em abstrato da norma constitucional atacandose a inconstitucionalidade em tese Existem no texto da Constituição Federal quatro normas acerca da competência para o mandado de injunção 757 Objetivase com tais normas limitar o trato do mandado de injunção aos Tribunais certamente a partir da ideia de que seria dessa forma mais fácil racionalizar a aplicação das normas judiciais elaboradas para suprir a inércia do Legislativo O mandado de injunção em sua história jurisprudencial teve vários alcances nem sempre coincidentes com o que é almejado pela norma constitucional A diversidade de alcances outorgada pelo STF ao mandado de injunção reflete sobre a compreensão do instituto e assim sobre os conceitos e pressupostos que estão ao seu redor A Lei n 13300 de 23062016 disciplinou o processo e o julgamento do mandado de injunção individual e coletivo nos termos do inciso LXXI do art 5º da Constituição Federal A lei não só tem importância para sedimentar posições relevantes para o uso da ação constitucional dela também derivam relevantes questões de direito processual constitucional 855 História do mandado de injunção no STF É possível iniciar a história do percurso do mandado de injunção no STF com o julgamento dos MI 168 e 107 relatados respectivamente pelo Min Sepúlveda Pertence e pelo Min Moreira Alves O MI 168 julgado à unanimidade exemplifica a limitação que se dava ao instrumento processualconstitucional quando ele começou a ser utilizado Neste caso o STF afirmou que o mandado de injunção não dá ao Judiciário o poder de emitir a norma faltante nem lhe confere o poder de tutelar o direito que da norma depende Com a intenção de definir a natureza do instituto declarouse que o mandado de injunção nem autoriza o Judiciário a suprir a omissão legislativa ou regulamentar editando o ato normativo omitido nem menos ainda lhe permite ordenar de imediato ato concreto de satisfação do direito reclamado A prestação jurisdicional possível segundo a Corte seria a de declaração de inconstitucionalidade da omissão normativa com ciência ao órgão competente para que a supra 758 O julgamento do MI 107 é considerado um marco na história do instituto Neste mandado de injunção decidiuse em questão de ordem a respeito da própria autoaplicabilidade da norma constitucional que instituiu o mandado de injunção firmandose como premissa o alcance da ação Em face dos textos da Constituição Federal relativos ao mandado de injunção é ele ação outorgada ao titular de direito garantia ou prerrogativa a que alude o art 5º LXXI dos quais o exercício está inviabilizado pela falta de norma regulamentadora e ação que visa a obter do Poder Judiciário a declaração de inconstitucionalidade dessa omissão se estiver caracterizada a mora em regulamentar por parte do Poder órgão entidade ou autoridade de que ela dependa com a finalidade de que se lhe dê ciência dessa declaração para que adote as providências necessárias à semelhança do que ocorre com a ação direta de inconstitucionalidade por omissão art 103 2º da Carta Magna e de que se determine quando se tratar de direito constitucional oponível contra o Estado a suspensão dos processos judiciais ou administrativos de que possa advir para o impetrante dano que não ocorreria se não houvesse a omissão inconstitucional Assim fixada a natureza desse mandado é ele no âmbito da competência desta Corte que está devidamente definida pelo art 102 I q autoexecutável uma vez que para ser utilizado não depende de norma jurídica que o regulamente inclusive quanto ao procedimento aplicável que lhe é analogicamente o procedimento do mandado de segurança no que couber 759 Reafirmouse aí o entendimento de que o mandado de injunção permite apenas a declaração de inconstitucionalidade da omissão daí cientificandose o Poder órgão entidade ou autoridade dessa declaração No julgamento do MI 107 além desta fundamental conclusão firmaram se ainda as de que i a norma que instituiu o mandado de injunção é autoaplicável ii o mandado de injunção tanto pode dizer respeito a uma omissão total quanto a uma omissão parcial do legislador iii o STF tem competência para no mandado de injunção determinar a suspensão de processos administrativos ou judiciais com o objetivo de assegurar a possibilidade de o autor ser contemplado por norma mais benéfica ou que lhe assegure o direito constitucional iv o STF está legitimado em face do mandado de injunção a determinar outras medidas necessárias a garantir o direito do autor até a expedição da norma pelo legislador Notese que até aí não se outorgava sequer prazo para o legislador editar a norma faltante reputandose admissível apenas a sua cientificação Pouco tempo depois no MI 283 relator o Min Sepúlveda Pertence deuse passo largo em relação à efetividade do instrumento Embora o mandado de injunção tenha sido compreendido como remédio de natureza mandamental e aí digase de passagem se tenha ignorado o correto significado da natureza mandamental de um instrumento processual supondose que mandamental é o remédio processual utilizado contra o Estado admitiuse que ainda que o autor tenha formulado pedido de natureza constitutiva ou de natureza condenatória que no entender do STF seria impossível nele está contido o pedido de atendimento possível de declaração de inconstitucionalidade da omissão normativa com ciência ao órgão competente para que a supra 760 Entendeuse ser possível ao Judiciário ao deferir a injunção somar aos seus efeitos mandamentais típicos o provimento necessário a acautelar o interessado contra a eventualidade de não se ultimar o processo legislativo no prazo razoável que fixar de modo a facultarlhe quanto possível a satisfação provisória do seu direito Assim deferiuse o mandado de injunção para i declarar em mora o legislador com relação à ordem de legislar contida no art 8º 3º do ADCT 761 co municando o Congresso Nacional e a Presidência da República e para ii assinar o prazo de 45 dias mais 15 dias para a sanção presidencial a fim de que se ultime o processo legislativo da lei reclamada deixandose ainda expresso que iii caso ultrapassado o prazo acima sem que esteja promulgada a lei passa o impetrante a gozar da faculdade de obter contra a União pela via processual adequada sentença líquida de condenação à reparação constitucional devida pelas perdas e danos que se arbitrem 762 Neste caso impôsse prazo para o cumprimento do dever de legislar retirandose consequência concreta benéfica ao impetrante do seu descumprimento Em mandado de injunção dotado de igual fundamento respeitante ao dever de legislar contido no art 8º 3º do ADCT entendeu o STF que em virtude de ter escoado o prazo imposto no MI 283 não seria necessário outro mandado de injunção tendo o interessado o poder de propor imediatamente ação de perdas e danos Diz a ementa proferida neste mandado de injunção que reconhecido o estado de mora inconstitucional do Congresso Nacional único destinatário do comando para satisfazer no caso a prestação legislativa reclamada e considerando que embora previamente cientificado no MI 283 rel Min Sepúlveda Pertence abstevese de adimplir a obrigação que lhe foi constitucionalmente imposta tornase prescindível nova comunicação à instituição parlamentar assegurandose aos impetrantes desde logo a possibilidade de ajuizarem imediatamente nos termos do direito comum ou ordinário a ação de reparação de natureza econômica instituída em seu favor pelo preceito transitório 763 No mesmo ano agora no MI 232 de relatoria do Min Moreira Alves o Supremo Tribunal declarou ao tratar da falta de regulamentação do disposto no 7º do art 195 764 da CF e diante do art 59 do ADCT 765 a mora do Congresso Nacional a fim de que no prazo de seis meses adote ele as providências legislativas que se impõem para o cumprimento da obrigação de legislar decorrente do art 195 7º da Constituição sob pena de vencido esse prazo sem que essa obrigação se cumpra passar o requerente a gozar da imunidade requerida 766 Retirouse do não cumprimento do prazo pelo legislador a sa tisfação do direito almejado pelo autor em verdadeira sentença substitutiva da vontade do devedor da prestação normativa O STF ainda no começo da década de 1990 julgou mandado de injunção impetrado unicamente contra particular responsável pela prestação decorrente da observância do dever de legislar Neste caso o mandado de injunção que afirmou falta de regulação do art 7º XXI 767 da CF relativo ao aviso prévio foi dirigido apenas contra a exempregadora do impetrante Porém o Tribunal ao afirmar a natureza mandamental do mandado de injunção declarou ter se firmado no STF o entendimento segundo o qual o mandado de injunção há de dirigirse contra o Poder órgão entidade ou autoridade que tem o dever de regulamentar a norma constitucional não se legitimando ad causam passivamente em princípio quem não estiver obrigado a editar a regulamentação respectiva Não é viável dar curso a mandado de injunção por ilegitimidade passiva ad causam da exempregadora do requerente única que se indica como demandada na inicial 768 Em outro caso o STF viuse diante de mandado de injunção que objetivava compelir o Congresso Nacional a regulamentar o revogado 3º do art 192 769 da CF relativo à limitação das taxas de juros reais em doze por cento ao ano cuja impetração se deu não apenas em face do Congresso Nacional mas também contra o banco credor Contudo evidenciando posição restritiva quanto ao alcance da ação o Supremo entendeu que o banco não tinha legitimidade passiva para figurar no processo nem mesmo como litisconsorte passivo Nesta ocasião afirmou o Supremo que somente pessoas estatais podem figurar no polo passivo da relação processual instaurada com a impetração do mandado de injunção eis que apenas a elas é imputável o dever jurídico de emanação de provimentos normativos 770 Assim concluiu o Tribunal por ter o mandado de injunção a natureza jurídicoprocessual de ação judicial de índole mandamental estaria inviabilizada em função de seu próprio objeto a formação de litisconsórcio passivo necessário ou facultativo entre particulares e entes estatais 771 A doutrina da impossibilidade de o mandado de injunção ser dirigido contra o particular foi reiterada pelo STF no MI 513 relator o Min Maurício Corrêa 772 A questão voltou a ser discutida no MI 507 ocasião em que a Corte declarou que no MI 513 com as mesmas partes mesma causa de pedir e mesmo pedido ficara decidido que instituições financeiras não integram a relação jurídica processual como litisconsortes passivos necessários 773 É interessante que sob o argumento de que o Poder Público em casos como os dos mandados de injunção que objetivaram regular a norma que limitava as taxas de juros reais em 12 ao ano não era o sujeito passivo da relação de direito material derivada da norma constitucional o STF concluiu que não seria cabível a estipulação de prazo para o Congresso Nacional suprir a omissão em que incidira na regulamentação do preceito constitucional Isso apenas seria possível segundo a Corte quando o Poder Público ao lado do seu dever de legislar fosse também o devedor da tutela do direito emergente da norma constitucional 774 Em essência foi o que se decidiu no MI 361 em que se declarou não caber fixar prazo para o suprimento da omissão inconstitucional quando o Estado não é o sujeito passivo do direito constitucional de exercício obstado pela ausência da norma regulamentadora já que aí não seria possível cominar consequências a sua continuidade após o término final da dilação assinada 775 Novo e significativo avanço verificouse no julgamento do MI 670 que objetivou a edição de norma para dar eficácia ao art 37 VII 776 da CF que versa sobre o direito de greve dos servidores públicos civis Esta questão já havia sido apreciada pelo Supremo Tribunal em várias oportunidades estabelecendose inicialmente o entendimento de que se deveria apenas declarar a existência da mora legislativa na edição da norma legislativa 777 embora em diversas ocasiões fosse levantada a possibilidade de aplicação da Lei 77831989 que disciplina a greve no setor privado aos servidores públicos civis 778 Contudo no MI 670 o STF foi mais longe Após lembrar que a mora legislativa em relação à questão da greve dos servidores públicos civis já havia sido declarada em diversas vezes a Corte reconheceu que a manutenção dessa situação apontaria para o risco de consolidação de uma típica omissão judicial 779 Admitiuse que seria possível pensar em princípio na aplicação da Lei 77831989 enquanto a omissão não fosse devidamente regulamentada por lei específica para os servidores públicos civis Porém em virtude do princípio da continuidade dos serviços públicos declarou a Corte que não se poderia obstar de acordo com as peculiaridades de cada caso concreto e mediante solicitação de entidade ou órgão legítimo que fosse facultado ao tribunal competente impor a observância a regime de greve mais severo em razão de se tratar de serviços ou atividades essenciais nos termos do regime fixado pelos arts 9º a 11 da Lei 77831989 780 Estabeleceuse ainda que diante da singularidade do debate constitucional do direito de greve dos servidores públicos civis sob pena de injustificada e inadmissível negativa de prestação jurisdicional nos âmbitos federal estadual e municipal devemse fixar também os parâmetros institucionais e constitucionais de definição de competência provisória e ampliativa para a apreciação de dissídios de greve instaurados entre o Poder Público e os servidores públicos civis No plano procedimental afigurase recomendável aplicar ao caso concreto a disciplina da Lei 77011988 que versa sobre especialização das turmas dos Tribunais do Trabalho em processos coletivos no que tange à competência para apreciar e julgar eventuais conflitos judiciais referentes à greve de servidores públicos que sejam suscitados até o momento de colmatação legislativa específica da lacuna ora declarada nos termos do inciso VII do art 37 da CF 781 Ao final após fixarse o prazo de 60 dias para o Congresso Nacional legislar sobre a matéria determinouse a aplicação das Leis 77011988 e 77831989 aos conflitos e às ações judiciais que envolvam a interpretação do direito de greve dos servidores públicos civis 782 Foi no MI 712 porém que o STF pronunciou de modo mais claro a função que anteriormente já se lhe tentava imprimir Neste caso a Corte não apenas retirou consequências práticas da não observância de uma decisão que impõe prazo para legislar mas disse expressamente que possui ao decidir o mandado de injunção o poder de editar norma jurídica em substituição à devida pelo legislador sem que isso possa representar violação à independência e harmonia entre os Poderes art 2º da CF e à separação dos Poderes art 60 4º III da CF 783 Este mandado de injunção voltou a tratar da norma constitucional que garantiu aos servidores públicos civis o exercício do direito de greve nos termos e nos limites definidos em lei art 37 VII da CF Concluiuse que a norma do art 37 VII da CF exige regulamentação a fim de que seja adequadamente assegurada a coesão social A regulamentação do exercício do direito de greve pelos servidores públicos há de ser peculiar mesmo porque serviços ou atividades essenciais e necessidades inadiáveis da coletividade não se superpõem a serviços públicos e viceversa Daí por que não deve ser aplicado ao exercício do direito de greve no âmbito da Administração tão somente o disposto na Lei 77831989 A esta Corte impõese traçar os parâmetros atinentes a esse exercício 784 Neste mandado de injunção a Corte não hesitou em declarar que o argumento de que a Corte estaria a legislar o que se afiguraria inconcebível por ferir a independência e harmonia entre os Poderes art 2º da CF e a separação dos Poderes art 60 4º III da CF é insubsistente uma vez que o Poder Judiciário está vinculado pelo deverpoder de no mandado de injunção formular supletivamente a norma regulamentadora de que carece o ordenamento jurídico norma esta que não seria norma de decisão mas o texto normativo que faltava para no caso tornar viável o exercício do direito de greve dos servidores públicos 785 Contudo o que mais importa é que o Tribunal em face da referida fundamentação permitiu ao mandado de injunção alcançar resultado que merece relevo Julgouse o mandado de injunção procedente para remover o obstáculo decorrente da omissão legislativa e supletivamente tornar viável o exercício do direito consagrado no art 37 VII da Constituição do Brasil 786 Ao assim julgar o STF não se limitou a declarar a mora legislativa ou mesmo a impor ao legislador a observância do dever de legislar nem mesmo se restringiu a retirar consequência da inércia do Legislativo A Corte editou a norma faltante em nítida substituição à vontade do legislador e por consequência tornou viável o exercício do direito de greve 787 Neste caso portanto a Suprema Corte aproximouse da verdadeira razão de ser do mandado de injunção viabilizar o exercício de direito dependente de norma faltante 788 856 Escopo do mandado de injunção De acordo com o art 8º da Lei 133002016 reconhecido o estado de mora legislativa será deferida a injunção para i determinar prazo razoável para que o impetrado promova a edição da norma regulamentadora ii estabelecer as condições em que se dará o exercício dos direitos das liberdades ou das prerrogativas reclamados ou se for o caso as condições em que poderá o interessado promover ação própria visando a exercêlos caso não seja suprida a mora legislativa no prazo determinado A decisão não precisará conceder prazo quando o impetrado já tiver deixado de obedecer decisão que determinou a edição da norma em anterior mandado de injunção parágrafo único art 8º Lei 133002016 Notese que se o Judiciário deve apenas declarar a mora do legislador dela o cientificando o escopo do mandado de injunção é limitado à declaração da mora em legislar art 8º I da Lei 133002016 Porém se o mandado de injunção confere ao Judiciário o poder de suprir a omissão do legislador para tornar exercitável e tutelável jurisdicionalmente o direito que da norma depende o escopo do remédio constitucional é suprir a falta de norma imprescindível à realização do direito e à sua tutela jurisdicional Mas é possível também admitir que o mandado de injunção possa ao suprir a norma faltante tutelar o direito que dela depende art 8º II Lei 133002016 A segunda e a terceira opções diferem essencialmente em um ponto na circunstância de o direito dependente da norma faltante poder ser exercido sem obstaculização da parte devedora da tutela do direito Quando o devedor da norma é o Congresso Nacional e a devedora da tutela do direito a União Federal o problema é eliminado em virtude de a União que até então resistia em virtude da omissão legislativa não ter mais como se opor ao pleito da parte Tratase do caso em que o STF ao suprir a falta da lei exigida pela Constituição determina por exemplo que a autoridade administrativa analise pedido de aposentadoria especial de servidor público portador de deficiência física como ocorreu no MI 1967 monocraticamente decidido pelo Min Celso de Mello 789 Percebase que em um caso como este a autoridade administrativa se rende à norma criada pelo Judiciário pelo que nem mesmo seria preciso ordenarlhe analisar o pedido de aposentadoria sob o temor de que poderia não analisálo voluntariamente 790 Ademais há situações em que a mera supressão da omissão inconstitucional seja mediante a imposição de resultado pela não observância do prazo para legislar seja por meio da edição judicial da norma jurídica por si só tutela o direito da parte Lembrese como exemplo da primeira hipótese o caso da imunidade das entidades beneficentes de assistência social quando o STF no MI 232 determinou ao Congresso Nacional a observância do seu dever de legislar decorrente do art 195 7º da Constituição sob pena de vencido esse prazo passar a parte a gozar da imunidade requerida São exemplos do segundo caso os MI 670 708 e 712 em que normas foram editadas pelo STF para viabilizar o exercício do direito de greve Notese que estes mandados de injunção são efetivos à tutela ou ao exercício do direito em virtude de uma e outro não dependerem de prestação de quem quer que seja o Estado ou o particular Contudo isso nem sempre ocorre Pensese por exemplo no MI 232 que objetivando a regulamentação do art 7º XXI da CF relativo ao aviso prévio foi dirigido apenas contra a ex empregadora do impetrante e exatamente por conta disso não foi conhecido É que em um caso como este para que o direito seja tutelado não basta editar a norma faltante em face do Congresso Nacional é necessária uma prestação do particular Se no mandado de injunção o Judiciário pode criar a norma faltante e conferir a tutela ao direito prometida pela Constituição o legislador deveria ser chamado ao processo apenas para contestar a imprescindibilidade de norma infraconstitucional ou para negar a sua mora devendo também participar do processo na qualidade de litisconsorte passivo o devedor da prestação decorrente da remoção da omissão inconstitucional Quem deve resistir à pretensão de tutela do direito que depende da norma não é apenas o legislador mas também e especialmente o adversário do titular da tutela de direito que se ressente da norma legislativa inexistente Assim a despeito do art 3º da Lei 133002016 não há razão para não admitir o mandado de injunção em face do particular que então deve figurar como litisconsorte passivo necessário 791 Entretanto se o uso do mandado de injunção contra o particular não é adequado em razão de princípios utilitaristas melhor seria deixar a prática forense regular a situação admitindose com consciência e clareza a supressão da omissão inconstitucional em face de quem quer que seja mediante qualquer ação jurisdicional e por qualquer juiz 857 Natureza mandamental Afirmase em alguns julgados do STF que o mandado de injunção é instrumento de natureza mandamental Assim por exemplo nos MI 168 107 e 283 No MI 168 alegouse que o pedido em mandado de injunção não pode ser de emissão de ato normativo nem de ordem para a realização do direito mas apenas de declaração de inconstitucionalidade da omissão normativa com ciência ao órgão competente para que a supra 792 No MI 107 considerandose a mesma espécie de prestação jurisdicional declaratória voltouse a atribuir natureza mandamental ao instrumento 793 No MI 283 por fim reafirmouse que o autor está proibido de realizar pedido de natureza condenatória ou constitutiva mas que se pode retirar de pedidos desta natureza inadequadamente formulados o pedido de atendimento possível de declaração de inconstitucionalidade da omissão normativa com ciência ao órgão competente para que a supra 794 E aí mais uma vez atribuiuse natureza mandamental ao instrumento Como está claro jamais se considerou para definir a natureza do mandado de injunção a espécie de sentença de procedência a ser prestada Muito embora se tenha dito no MI 283 que não seria possível realizar pedido condenatório ou pedido constitutivo não se tomou em conta a espécie de sentença prolatada ao se concluir que se poderia obter declaração de inconstitucionalidade da omissão normativa com ciência ao órgão competente Também neste caso insistiuse para a natureza mandamental do instrumento embora fosse de esperar que diante da contraposição do mandado de injunção com as sentenças condenatória e constitutiva a definição da natureza do instituto houvesse de ser buscada na natureza da sentença que declara a omissão inconstitucional e dá ciência ao órgão competente Sentença desta espécie é inescondivelmente declaratória já que ciência à parte demandada como é óbvio nada agrega de significativo a qualquer sentença Na verdade admitindose a premissa sustentada nos referidos mandados de injunção de que ao Judiciário só se permite declarar a omissão inconstitucional com ciência ao órgão competente jamais seria possível atribuir à sentença de procedência do mandado de injunção outra natureza que não a declaratória Ressaltese nunca jamais mandamental A ciência dada ao órgão competente como é evidente não se equipara a uma ordem exatamente por ser destituída de coerção Ao discutir a questão da sentença mandamental parte da doutrina estabeleceu uma ligação entre a teoria da sentença mandamental e a sentença do mandado de segurança ou o que é pior entre a sentença mandamental e o seu único destinatário que seria apenas o agente público Assim por exemplo após anunciar que as denominadas ações mandamentais não têm tido aceitação na doutrina Frederico Marques sem qualquer sustentação teórica mais adequada declarou Para Goldschmidt a ação de mandamento teria por objeto conseguir ou obter mandado dirigido a outro órgão do Estado através de sentença judicial Mas como ressaltou A Schönke não há razão para essa nova espécie de ações Esses casos não devem ser reunidos para formar um novo grupo de ações porque não se trata de uma diversificação no conteúdo mas tão só nos efeitos Realmente proposta uma ação de reparação de dano contra pessoa jurídica de direito público a sentença proferida contra a ré será condenatória O mandado contra o órgão estatal que deva cumprir a sentença é efeito da condenação ou da execução desta não havendo motivo portanto de se qualificar a ação proposta como de mandamento 795 É certo que a doutrina alemã advertiu que a sentença em alguns casos poderia ser dirigida contra outro órgão estatal e não contra o vencido e nessas hipóteses a sentença teria características próprias em relação à condenatória Sucede que a doutrina alemã estava preocupada em conceituar a sentença que proferida contra o vencido é dirigida contra órgão do Estado Não foi despendida qualquer atenção à sentença que não se limita a declarar nem condenar mas incide sobre o vencido mediante coerção indireta constrangendoo a cumprir a ordem judicial Melhor explicando a mencionada doutrina alemã nada tem a ver com a conceituação da sentença ligada à coerção indireta coerção patrimonial ou coerção pessoal É equivocado pensar em uma quarta espécie de sentença mandamental em razão de o seu destinatário ser outro órgão estatal ainda que estranho ao processo como desejava a doutrina alemã Porém se isso não deve gerar a conceituação de nova espécie de sentença não é razoável negar que a sentença que se liga à coerção indireta que não pode ser misturada com aquela correlacionada com a execução forçada condenatória 796 ou com a que se limita a declarar 797 não deva abrir oportunidade a uma nova classificação De modo que se a natureza mandamental tem a ver com a espécie de sentença de procedência ao mandado de injunção não pode ser atribuída natureza mandamental A menos que se extraia a natureza mandamental da circunstância de a sentença ser dirigida a órgão do Estado A sentença que é dirigida a órgão estatal mas tem em sua substância declaração ou constituição é simplesmente declaratória ou constitutiva pois notificar ou dar ciência a órgão do Estado não tem o condão de alterar a substância ou forma de ser da sentença nem de modificar a maneira como a tutela jurisdicional do direito é prestada Notese que com isso não se está afirmando que as formas de execução não interferem na conceituação da sentença é que as formas de execução são necessárias quando a tutela do direito material exige prestação do vencido o que não acontece quando a sentença é apenas dirigida contra órgão do Estado De qualquer forma apesar de não ser adequado definir a natureza de qualquer sentença técnica processual em razão da especial qualidade do sujeito contra quem é dirigida pior ainda é tomar em conta tal circunstância para delimitar o conteúdo da prestação jurisdicional Ou seja é errôneo sustentar que o Judiciário apenas pode declarar a omissão inconstitucional dela cientificando o órgão competente em virtude de o mandado de injunção ter natureza mandamental ou pelo fato de o legislador ter de ser cientificado da sentença O que se pode dizer ao inverso é que o mandado de injunção tem esta ou aquela natureza em virtude de o Judiciário apenas poder declarar a omissão inconstitucional criar a norma ou ainda ordenar ao demandado alguma providência Nesta dimensão o mandado de injunção pode ter respectivamente naturezas declaratória constitutiva e mandamental Assim enquanto em suas primeiras decisões o mandado de injunção possuía natureza declaratória atualmente considerandose as decisões proferidas nos MI 670 798 708 799 e 712 800 o mandado de injunção possui natureza constitutiva haja vista que o Judiciário está aí precipuamente criando a norma jurídica 858 Legitimidade Convém analisar em primeiro lugar a legitimidade passiva haja vista a sua estreita ligação com o objeto do mandado de injunção e com a natureza de sua sentença de procedência Se o escopo do mandado de injunção é a edição da norma judicial em substituição à norma faltante legitimado passivo é o órgão legislativo competente Se o mandado de injunção vai além tendo o fim de tutelar o direito dependente da norma criada é legitimado passivo além do órgão legislativo competente aquele que se opõe à tutela do direito perseguida pelo autor que assim deve figurar como litisconsorte passivo necessário Esclareçase no entanto que o STF em diversos casos não admitiu a participação do particular conforme se pode verificar por exemplo nos acórdãos decorrentes dos MI 335 e 352 No MI 335 o STF raciocinou a partir da premissa de que como somente os órgãos estatais têm dever de legislar apenas eles podem figurar no polo passivo 801 No MI 352 concluiuse que o mandado de injunção há de se dirigir contra o Poder órgão entidade ou autoridade que tem o dever de regulamentar a norma constitucional não tendo legitimidade em princípio quem não tem dever de editar a regulamentação respectiva 802 A Lei 133002016 em seu art 3º apenas declara que é legitimado para figurar como impetrado no mandado de injunção o Poder o órgão ou a autoridade com atribuição para editar a norma regulamentadora Logo a seguir acrescentase que a petição inicial deve indicar além do órgão impetrado a pessoa jurídica que ele integra ou aquela a que está vinculado art 4º Lei 133002016 Segundo o art 3º da Lei 133002016 são legitimados ativos as pessoas naturais ou jurídicas que se afirmam titulares dos direitos das liberdades ou das prerrogativas inerentes à nacionalidade à soberania e à cidadania Porém de acordo com o art 12 o mandado de segurança coletivo pode ser proposto i pelo Ministério Público quando a tutela requerida for especialmente relevante para a defesa da ordem jurídica do regime democrático ou dos interesses sociais ou individuais indisponíveis ii por partido político com representação no Congresso Nacional para assegurar o exercício de direitos liberdades e prerrogativas de seus integrantes ou relacionados com a finalidade partidária iii por organização sindical entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos 1 um ano para assegurar o exercício de direitos liberdades e prerrogativas em favor da totalidade ou de parte de seus membros ou associados na forma de seus estatutos e desde que pertinentes a suas finalidades dispensada para tanto autorização especial iv pela Defensoria Pública quando a tutela requerida for especialmente relevante para a promoção dos direitos humanos e a defesa dos direitos individuais e coletivos dos necessitados na forma do inciso LXXIV do art 5º da Constituição Federal O parágrafo único do art 12 esclarece que os direitos as liberdades e as prerrogativas protegidos por mandado de injunção coletivo são os pertencentes indistintamente a uma coletividade indeterminada de pessoas ou determinada por grupo classe ou categoria O Supremo há muito tempo entende que as entidades sindicais dispõem de legitimidade ativa para a impetração de mandado de injunção coletivo argumentando que este se destina a viabilizar em favor dos integrantes das categorias que essas instituições representam o exercício de liberdades prerrogativas e direitos assegurados pelo ordenamento constitucional 803 No MI 361 entendeuse que entidade sindical de pequenas e médias empresas notoriamente dependentes do crédito bancário com interesse comum na eficácia do art 192 3º revogado da Constituição que fixou limites aos juros reais possui legitimidade ao mandado de injunção coletivo aplicandose analogicamente o art 5º LXX da CF 804 No MI 20 de relatoria do Min Celso de Mello declarouse que a jurisprudência do STF se firmara no sentido de admitir a utilização pelos organismos sindicais e pelas entidades de classe do mandado de injunção coletivo com a finalidade de viabilizar em favor dos membros ou associados dessas instituições o exercício de direitos assegurados pela Constituição 805 A Lei 133002016 além de se referir à legitimidade de organização sindical entidade de classe e associação enfatiza a legitimidade do Ministério Público 806 do partido político com representação no Congresso Nacional e da Defensoria Pública É importante sublinhar que o inciso IV do art 12 é expresso no sentido de que a Defensoria Pública tem legitimidade para o mandado de injunção quando a tutela requerida for relevante para a promoção dos direitos humanos e a defesa de direitos individuais e coletivos dos necessitados 859 Medida liminar O STF entende ser incabível medida liminar em mandado de injunção conforme decisões proferidas nos MI 283 rel Min Sepúlveda Pertence DJ 25101990 MI 313 rel Min Moreira Alves DJ 14051991 MI 335 Pleno rel Min Celso de Mello DJ 09081991 MI 323 Pleno rel Min Moreira Alves DJ 31101991 MI 542 rel Min Celso de Mello DJ 05111996 MI 621 rel Min Maurício Corrêa DJ 14032000 MI 636 rel Min Maurício Corrêa DJ 07032001 MI 647 rel Min Ilmar Galvão DJ 21082001 MI 652 rel Min Ellen Gracie DJ 26102001 MI 659 rel Min Celso de Mello DJ 04022002 MI 712 rel Min Eros Grau DJ 29042004 e MI 768 rel Min Joaquim Barbosa DJ 21082007 Todas essas decisões podem ser exemplificadas mediante a proferida no MI 631 de relatoria do Min Ilmar Galvão no seguinte sentido Tratase de mandado de injunção impetrado pelo Sindicato dos Servidores do Poder Judiciário do Estado do Mato Grosso do Sul SindijusMS contra o Congresso Nacional por meio do qual requer seja garantido a seus filiados o direito de greve previsto no art 37 VII da CF Pede ademais concessão de medida liminar para determinar que o TJMS se abstenha da abertura de processos administrativos do desconto nos vencimentos dos servidores dos dias de paralisação na greve ocorrida entre 29 de maio e 14 de junho de 2000 A jurisprudência do STF é firme quanto ao descabimento de medida liminar em mandado de injunção conforme o decidido no MI 283 rel Min Sepúlveda Pertence DJ 25101990 e no MI 313 rel Min Moreira Alves DJ 14051991 Dessa forma o pedido nesta parte fica desde logo indeferido 807 Não obstante é certo que a viabilidade da liminar depende do que se admite poder ser feito pelo Judiciário mediante o mandado de injunção Ou melhor para se pensar no cabimento de liminar é necessário antes individualizar a tutela jurisdicional final da ação de injunção Assim se a tutela final se resume à declaração da omissão inconstitucional seguida de cientificação do legislador não se pode admitir uma norma judicial provisória nos moldes de uma tutela antecipada Contudo as coisas mudam totalmente de figura quando se parte da premissa de que o Judiciário pode retirar do descumprimento do dever de legislar determinada consequência concreta ou editar a norma jurídica faltante e mais ainda quando se admite que o Tribunal pode tutelar o direito dependente da norma até então ausente 808 Pensese por exemplo no caso da imunidade das entidades beneficentes de assistência social a depender da regulamentação do disposto no 7º do art 195 da CF em que o Supremo Tribunal declarou no MI 232 a mora do Congresso Nacional a fim de que no prazo de seis meses fossem adotadas as providências legislativas que se impunham para o cumprimento da obrigação de legislar sob pena de uma vez vencido o prazo sem o cumprimento da obrigação passasse o requerente a gozar da imunidade requerida 809 Mais emblemático ainda é o MI 712 já que nesta hipótese a própria norma faltante foi elaborada pelo Judiciário Aí o Tribunal não apenas retirou consequências da não observância de decisão mas expressamente assumiu o poder de editar norma jurídica em substituição à devida pelo legislador salientando que isso não representa violação à independência e harmonia entre os Poderes art 2º da CF e à separação dos Poderes art 60 4º III da CF 810 A decisão nestes dois casos tem natureza constitutiva No MI 232 a decisão substitui a vontade do legislador ou melhor vale como se fosse a norma legislativa não editada Tratase de decisão que por sua natureza jurídicoprocessual assemelhase à do art 501 do CPC de 2015 Essa regra processual diz que a sentença ao reconhecer o dever de o réu emitir declaração de vontade produz após transitar em julgado todos os efeitos da declaração não emitida Embora se possa dizer que sentença deste porte tem natureza executiva e não constitutiva é indiscutível que tanto a sentença do art 501 do CPC quanto a decisão final que retira da não observância do dever de legislar a própria situação de vantagem que se teria caso a norma houvesse sido editada pelo legislador têm conteúdo constitutivo já que criam uma situação jurídica Sendo assim importa verificar se é possível liminar em face de decisão final de conteúdo constitutivo É fora de dúvida que se admite provimento assecuratório de natureza cautelar diante de decisão final de natureza constitutiva Tratase de assegurar o direito que depende da constituição final Há maior dificuldade teórica quando se pensa em liminar de cunho antecipatório Vozes autorizadas tanto no direito italiano 811 quanto no direito brasileiro 812 não admitem a antecipação de uma constituição vale dizer uma constituição baseada em cognição sumária Porém o verdadeiro problema não está na pergunta acerca da possibilidade de uma constituição fundada em cognição sumária mas sim em saber se é possível obstar uma conduta ou autorizar um comportamento cuja legitimidade depende da constituição A questão está em saber se é possível antecipar o exercício de um direito que ainda depende de uma decisão ou melhor se é viável antecipar o exercício das faculdades que estão contidas no direito a ser constituído Esta antecipação como é evidente não é uma simples constituição provisória Realmente nada pode impedir em tese ordem que proíba a imposição de sanções contra a entidade beneficente que gozaria de imunidade caso a decisão final do mandado de injunção já houvesse sido proferida 813 Do mesmo modo é claramente possível em sede de liminar ordem para que a autoridade administrativa se abstenha de impor sanções àquele que estaria usufruindo do direito caso a decisão final já houvesse sido pronunciada situação que sucedeu no MI 631 em que se requereu liminar não admitida para que o TJMS se abstivesse da abertura de processos administrativos para o desconto nos vencimentos dos servidores dos dias de paralisação na greve 814 860 Pressupostos para a concessão do mandado de injunção 8601 Dever de legislar O dever de legislar é visto como pressuposto do mandado de injunção 815 É claro que importa saber neste contexto o significado deste dever O STF entende que o dever de legislar é a posição que responde ao direito à emanação da lei imprescindível à regulamentação da norma constitucional mas adverte que para o aparecimento dessas posições jurídicas o próprio texto constitucional deve exigir a tomada de providências legislativas apenas aí surgindo o dever de o legislador atuar Melhor explicando só há dever de legislar nesta dimensão quando a própria norma constitucional carente de regulamentação prevê a atuação do legislador O acórdão proferido no MI 642 é elucidativo Discutiuse neste caso sobre a admissibilidade de pretensão à edição de norma relacionada ao art 135 do CPC de 1973 equivalente ao art 145 1º do CPC2015 que dispunha sobre a possibilidade de o juiz declararse suspeito por motivo de foro íntimo Requereuse mediante o mandado de injunção a edição de lei para impor ao juiz o dever de declarar o motivo da natureza da suspeição criando lhe a obrigação de fundamentar esse juízo e de comprovar as razões que lhe dão suporte 816 Neste caso ainda que se pudesse supor que se estava diante de falta de lei para justificar a inação do juiz e assim que tal ausência significava uma negação de tutela normativa ao direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva art 5º XXXV da CF o que realmente importa é que o STF deixou claro que para o cabimento do mandado de injunção é necessário que a norma constitucional que fundamenta a alegação de ausência de lei preveja expressamente a atuação do legislador Justificou o acórdão que é preciso ter presente que o direito à legislação só pode ser invocado pelo interessado quando também existir simultaneamente imposta pelo próprio texto constitucional a previsão do dever estatal de emanar normas legais Desse modo e para que possa atuar a norma pertinente ao instituto do mandado de injunção revelase essencial que se estabeleça a necessária correlação entre a imposição constitucional de legislar de um lado e o consequente reconhecimento do direito público subjetivo à legislação de outro de tal forma que ausente a obrigação jurídico constitucional de emanar provimentos legislativos não se tornará possível imputar comportamento moroso ao Estado nem pretender acesso legítimo à via injuncional MI 463 rel Min Celso de Mello 817 Sublinhou o acórdão nesta linha não ter o impetrante demonstrado a existência no texto constitucional de regra que ao prever a edição de norma regulamentadora instituísse desde logo em favor do particular o direito deste a ver revelados por juiz que se declare suspeito por razões de foro íntimo os motivos que fundamentaram tal decisão 818 Discutiuse caso similar no MI 633 em que se sustentou que a norma do art 10 da Lei 98411999 819 apesar de exonerar as microempresas e as empresas de pequeno porte do recolhimento de 30 do valor apurado pela fiscalização para fins de interposição de recurso administrativo estaria a depender da ação do legislador para ser aplicável ao impetrante Esse argumentou que a falta de lei configuraria ofensa às normas constitucionais que consagram a isonomia CF art 150 II e a ampla defesa CF art 5º LV postulando a extensão do favor legal em seu benefício 820 O mandado de injunção teve o seu seguimento denegado mediante decisão monocrática Afirmou o Min Celso de Mello que o impetrante não demonstrou a existência no texto constitucional de regra que ao prever a edição de norma regulamentadora instituísse desde logo em favor do particular o direito deste à legislação estatal concernente ao benefício legal da dispensa de recolhimento para efeitos recursais administrativos do depósito prévio de 30 do valor apurado pela fiscalização 821 Percebase efetivamente que no MI 633 não se alegou falta de lei destinada a regulamentar norma constitucional que instituiu direito mas sim omissão na proteção normativa do direito fundamental à ampla defesa Ainda que se possam enxergar entraves para a admissão de omissão de tutela normativa neste caso o certo é que se tentou demonstrar que a falta de lei não precisa decorrer de expressa previsão constitucional Portanto considerandose o modo como o STF compreende o dever de legislar restam excluídas as normas constitucionais que ainda que carentes de tutela normativa não preveem a atuação do legislador 8602 Mora do legislador O STF exige ainda a caracterização da mora do legislador para conceder o mandado de injunção Quer isso dizer que o dever de legislar apenas não basta para a procedência do mandado de injunção Quando não é estabelecido na própria norma constitucional prazo para legislar o retardo ou atraso deve ser gravado de significado ou melhor deve revelar a não intenção de legislar Lembrese de que o art 8º 3º do ADCT objeto dos MI 283 e 284 afirma que aos cidadãos que foram impedidos de exercer na vida civil atividade profissional específica em decorrência das Portarias Reservadas do Ministério da Aeronáutica n S50GM5 de 19061964 e n S285GM5 será concedida reparação de natureza econômica na forma que dispuser lei de iniciativa do Congresso Nacional e a entrar em vigor no prazo de doze meses a contar da promulgação da Constituição No MI 232 considerouse o art 59 do ADCT cuja redação define prazo para a apresentação de projetos de lei e prazo para sua apreciação pelo Congresso Nacional Os projetos de lei relativos à organização da seguridade social e aos planos de custeio e de benefício serão apresentados no prazo máximo de seis meses da promulgação da Constituição ao Congresso Nacional que terá seis meses para apreciálos Quando a norma constitucional define prazo para a regulamentação a mora é mera decorrência da superação do prazo fixado tornandose desnecessário investigar se a demora é excessiva ou foge do razoável A ideia de superação de prazo razoável como critério de caracterização da mora só é aplicável quando a norma constitucional embora prevendo necessidade de regulamentação deixa de estabelecer prazo para a edição das providências legislativas Ou seja só é preciso investigar se a demora é excessiva quando prazo inexiste Nesse caso por haver dever de legislar mas não existir prazo para o exercício desse dever indagase diante das peculiaridades da situação concreta se o tempo de demora do legislador foge do razoável 822 O Supremo alude à superação de prazo razoável para a edição do ato legislativo Assim por exemplo afirmouse no MI 361 que a mora que é pressuposto da declaração de inconstitucionalidade da omissão legislativa é de ser reconhecida em cada caso quando dado o tempo corrido da promulgação da norma constitucional invocada e o relevo da matéria se deva considerar superado o prazo razoável para a edição do ato legislativo necessário à efetividade da lei fundamental Ao julgar este caso acrescentou a Corte que vencido o tempo razoável nem a inexistência de prazo constitucional para o adimplemento do dever de legislar nem a pendência de projetos de lei tendentes a cumprilo podem descaracterizar a evidência da inconstitucionalidade da persistente omissão de legislar 823 A decisão proferida no MI 715 824 fala em superação excessiva de prazo razoável como critério de configuração do estado de inércia legiferante demonstrando de forma minudente as razões que justificariam no caso a não superação do prazo razoável 825 Porém ao contrário do que se declarou no MI 361 entendeuse que a circunstância de projetos de lei terem sido enviados ao Congresso também descaracterizaria a mora legislativa 826 O encaminhamento de projeto de lei não constitui álibi do devedor da norma Somente tem o efeito de isentálo de culpa quando não existe outro elemento que indique a mora em legislar como a demora excessiva das Casas Legislativas para deliberar e aprovar a norma 8603 Norma insuficiente e omissão parcial Em caso de norma insuficiente compreendida como norma incapaz de regulamentar a norma constitucional cabe mandado de injunção ao contrário do que se poderia supor É que norma insuficiente neste caso significa falta de norma necessária a dar regulação ao preceito constitucional e não obviamente norma que tendo plena e formalmente regulado a norma constitucional pode conter alguma impropriedade em sua substância que não seja de índole constitucional Ou seja o legislador não se desincumbe do seu dever ao editar qualquer norma ou ao instituir norma que regula apenas parcialmente a norma constitucional A Lei 133002016 deixou isso claro Diz o art 2º que o mandado de injunção é cabível em caso de falta total ou parcial de norma regulamentadora esclarecendo o seu parágrafo único que considerase parcial a regulamentação quando forem insuficientes as normas editadas pelo órgão legislador competente Lembrese que se pode falar em omissão parcial em perspectivas vertical e horizontal É certo que em tese uma lei pode regulamentar com maior ou menor intensidade a norma constitucional Mas se a lei não é capaz de realizar na intensidade devida a norma constitucional ela responde à Constituição de modo parcial no sentido vertical Porém a lei ainda que capaz de responder à norma constitucional em termos de intensidade pode atender apenas a parcela dos seus beneficiários quando há omissão parcial em sentido horizontal Assim a lei que prevê salário mínimo em valor insuficiente à realização da norma que garante ao cidadão remuneração digna art 7º IV da CF representa omissão inconstitucional em sentido vertical uma vez que a sua previsão é apenas parcialmente suficiente para realizar a norma constitucional Contudo se a lei não considera grupo ou categoria que é beneficiário da norma constitucional existe omissão inconstitucional em sentido horizontal 827 A insuficiência da lei para dar conta da norma constitucional poderia fazer pensar em lei simplesmente inconstitucional Não obstante ao se declarar a inconstitucionalidade da lei que é insuficiente à tutela da norma constitucional deixase de ter o pouco de proteção que a lei outorgou à Constituição O mesmo ocorre quando a lei dando a devida atenção a determinado grupo esquece outro que mereceria igual benefício de acordo com a norma constitucional tutelada A declaração de inconstitucionalidade excluiria a proteção devida e conferida ao grupo reduzindose a uma curiosa declaração de inconstitucionalidade cuja função seria apenas retirar de uma categoria um benefício que lhe foi outorgado pela Constituição De modo que a declaração de inconstitucionalidade nessas hipóteses não constitui solução judicial adequada Há que se preservar a tutela da norma constitucional ainda que insuficiente ou indevidamente limitada a determinado grupo ou categoria devendo o Judiciário aí ver inconstitucionalidade por omissão e admitir quando for o caso o emprego do mandado de injunção Advirtase porém que o STF no MI 81 não admitiu o uso do mandado de injunção em caso em que havia lei que protegia insuficientemente norma constitucional vendo aí inconstitucionalidade por ação a repelir a utilização do mandado de injunção Declarou a Corte neste caso que o mandado de injunção não constitui dada a sua precípua função jurídicoprocessual sucedâneo de ação judicial que objetive mediante alteração de lei já existente a majoração de vencimentos devidos a servidores públicos uma vez que refoge ao âmbito de sua finalidade corrigir eventual inconstitucionalidade que infirme a validade de ato estatal em vigor 828 8604 Norma não autoaplicável Parece evidente que a norma constitucional para dar ensejo ao uso da ação de injunção não pode ser autoaplicável 829 Ao ser dotada desta condição não há razão para se reclamar providência legislativa e assim se ajuizar mandado de injunção por manifesta carência de interesse de agir Como é óbvio a circunstância de alguém particular ou autoridade estatal resistir à aplicação da norma não a torna não autoaplicável Isso significa que diante de norma constitucional autoaplicável não aplicada o interessado não pode propor mandado de injunção 830 mas apenas e se for o caso mandado de segurança Assim no MI 97 o Supremo Tribunal decidiu que a norma do art 47 do ADCT ao instituir direito à anistia da correção monetária de dívida de microempresa não depende de norma regulamentadora capaz de viabilizar o seu exercício e assim não abre ensejo para mandado de injunção 831 8605 Norma recepcionada pela Constituição edição superveniente da norma e encaminhamento de projeto de lei Além de inexistir interesse de agir quando a norma é autoaplicável há outras situações em que tal forma de interesse também não está presente Suponhase assim que após o ajuizamento do mandado de injunção o STF reconheça que determinada lei que regulamenta situação posta em norma constitucional foi recepcionada pela Constituição Em uma situação de tal porte há perda superveniente do interesse de agir 832 Há situação similar no caso em que após a propositura do mandado de injunção editase norma 833 que viabiliza o exercício do direito Além disso já proclamou o STF que se o Executivo encaminha mensagem com projeto de lei ao Congresso ou é apresentado projeto de lei ao Senado ou à Câmara não cabe mandado de injunção Porém recentemente ao julgar a ADO 3682 afirmou a Corte ao tratar da regulamentação do art 18 4º da CF que apesar de existirem no Congresso Nacional diversos projetos de lei apresentados visando à regulamentação da norma é possível constatar a omissão inconstitucional quanto à efetiva deliberação e aprovação da lei complementar em referência As peculiaridades da atividade parlamentar que afetam inexoravelmente o processo legislativo não justificam uma conduta manifestamente negligente ou desidiosa das Casas Legislativas conduta esta que pode pôr em risco a própria ordem constitucional A inertia deliberandi das Casas Legislativas pode ser objeto da ação direta de inconstitucionalidade por omissão 834 Isso significa que o encaminhamento de projeto de lei não pode ser visto como mecanismo de desculpabilidade do legislador A apresentação de projeto de lei somente tem o efeito de desculpar o legislador quando não há nada que indique de outra parte a falta de intenção ou a inércia em legislar como a demora excessiva da Casa legislativa para deliberar inertia deliberandi 835 861 Coisa julgada nos mandados de injunção individual e coletivo A decisão proferida no mandado de injunção individual produz coisa julgada para as partes art 9º Lei 133002016 Isso é mera decorrência de a parte nesse mandado de injunção pedir a tutela de posição jurídica individual No mandado de injunção coletivo porém a sentença fará coisa julgada limitadamente às pessoas integrantes da coletividade do grupo da classe ou da categoria substituídos pelo impetrante art 13 Lei 133002016 O impetrante do mandado de injunção individual não será beneficiado pela sentença proferida no mandado de injunção coletivo caso não requeira a desistência da sua ação no prazo de trinta dias contado da ciência comprovada da propositura do mandado coletivo parágrafo único art 13 Lei 133002016 Significa que não há litispendência entre mandado de injunção coletivo e individual mas que o autor da ação individual para poder se beneficiar da coisa julgada formada no mandado coletivo deve desistir da sua ação ao ter ciência da propositura da ação coletiva À semelhança do que ocorre na ação coletiva regulada pela Lei da Ação Civil e pelo Código de Defesa do Consumidor no mandado de injunção a decisão de improcedência por insuficiência de provas não impede a renovação da impetração com base em outros elementos probatórios Como se vê quando outra prova pode permitir decisão favorável nenhum legitimado coletivo ou individual apesar da decisão da improcedência fica obstado de propor o mesmo mandado de injunção 862 Revisão da decisão A questão dos efeitos temporais da coisa julgada Afirma o art 10 da Lei 133002016 que sem prejuízo dos efeitos já produzidos a decisão poderá ser revista a pedido de qualquer interessado quando sobrevierem relevantes modificações das circunstâncias de fato ou de direito Como é sabido novas circunstâncias de fato ou de direito alteram a causa de pedir da ação que passa a ser outra A coisa julgada anterior por refletir situação de fato e de direito pertencente à ação que lhe diz respeito jamais obstaculiza a propositura de ação pautada em novos fatos ou direito ou o que é o mesmo em relevantes modificações das circunstâncias de fato ou de direito Modificação dos fatos ou do direito dá origem a outra ação que simplesmente por isso nada deve à coisa julgada que se formou na ação cujos fatos e direito foram modificados Embora o art 10 fale em revisão e em ação de revisão da decisão não há propriamente revisão da decisão na medida em que revisão é repetição de juízo acerca do mesmo objeto litigioso Quando sobrevieram relevantes modificações das circunstâncias de fato ou de direito que aliás autorizam a dita ação de revisão certamente não há repetição de juízo sobre o mesmo objeto há isso sim novo ou outro juízo acerca de outro objeto De qualquer forma o art 10 aponta para o caráter transitório da decisão proferida em mandado de injunção evidenciando que a modificação dos fatos e do direito pode dar ensejo a outro mandado de injunção É claro e isso não precisaria estar escrito na lei art 10 primeira parte Lei 133002016 que a decisão proferida na ação de revisão não pode retroagir sobre a coisa julgada ou afetar as situações que se consolidaram em decorrência da decisão anterior Na realidade a coisa julgada formada anteriormente que espelha a situação jurídica e de fato que exista à época da decisão assim como a sua projeção ultra partes ou erga omnes bem como os efeitos concretos que daí resultaram não podem ser atingidos pela nova decisão tomada na ação de revisão A decisão proferida na ação de revisão apenas faz cessar os efeitos temporais da coisa julgada que reveste a decisão revista 863 Retroatividade apenas para beneficiar De acordo com o art 11 da mesma lei a norma regulamentadora superveniente produzirá efeitos ex nunc em relação aos beneficiados por decisão transitada em julgado salvo se a aplicação da norma editada lhes for mais favorável Essa norma igualmente resguarda a coisa julgada eliminando qualquer cogitação acerca da possibilidade de a decisão proferida no mandado de injunção retroagir para prejudicar aqueles que já obtiveram decisões transitadas em julgado A norma regulamentadora superveniente só pode retroagir quando for mais favorável Notese porém que aí não se está a pensar em efeitos temporais da coisa julgada Toda e qualquer decisão diante de novos fatos ou direito ocupa o lugar da coisa julgada anterior isso deriva da estrutura marcadamente temporal do direito Quando se fala que a decisão pode retroagir quando for mais favorável admite se que a coisa julgada não pode prevalecer para tornar intangível uma situação jurídica que se formou em proveito daquele se omitiu em seu dever de legislar 864 Eficácia natural da coisa julgada De outra parte diz o 1º do art 9º que poderá ser conferida eficácia ultra partes ou erga omnes à decisão quando isso for inerente ou indispensável ao exercício do direito da liberdade ou da prerrogativa objeto da impetração A norma obviamente está falando de situação em que a coisa julgada não é erga omnes ou ultra partes Tratase de hipótese em que a coisa julgada é formada em mandado de injunção individual em que a coisa julgada é limitada às partes Admitese porém que a própria decisão tomada na ação individual invistase de eficácia ultra partes ou erga omnes quando isso for inerente ou indispensável ao exercício do direito da liberdade ou da prerrogativa objeto da impetração Em outras palavras afirmase que a coisa julgada naturalmente deve se estender a terceiros quando a norma estabelecida para tutelar o impetrante tiver que necessariamente tutelar outras pessoas na mesma situação 865 Eficácia dos precedentes O 2º do art 9º embaixo da norma do caput que afirma que a coisa julgada é limitada às partes diz que transitada em julgado a decisão seus efeitos poderão ser estendidos aos casos análogos por decisão monocrática do relator Se o mandado de injunção é individual não houve representação adequada por meio de legitimado coletivo obviamente não há coisa julgada erga omnes ou ultra partes Portanto é possível pensar que o 2º está aludindo à extensão da coisa julgada em benefício de terceiro nos termos dos arts 503 e 506 do Código de Processo Civil Porém como a norma fala em casos análogos e em poderão ser estendidos o que não é exato para quem raciocina em termos de coisa julgada é melhor entender que a norma está a se referir ao fenômeno relativo aos precedentes Se há precedente que determina prazo para a edição da norma ou define as condições para o exercício do direito ou para a sua tutela jurisdicional todos aqueles que estão na mesma situação em que a norma reguladora é indispensável devem ter os seus casos solucionados mediante a aplicação do precedente Daí o motivo pelo qual o relator mediante decisão monocrática pode aplicar o precedente ao caso sob julgamento Frisese qua a decisão proferida pelo Supremo Tribunal em mandado de injunção como toda e qualquer decisão por ele proferida em controle difuso obviamente constitui precedente Ora o simples fato de ser precedente da Corte incumbida de tutelar a Constituição outorgalhe a chamada eficácia vinculante já que nenhuma decisão da Suprema Corte por mera lógica pode ser desrespeitada por tribunal ou juízo Pouco importa assim que nada se diga no plano normativo acerca da eficácia vinculante da decisão injuncional até porque isso equivaleria a superdimensionar algo que é simples e óbvio Os fundamentos e o dispositivo da decisão irmanados para formar a ratio decidendi ou os motivos determinantes contribuem para evidenciar de que forma se dá a obrigatoriedade de respeito ao precedente De acordo com a atual jurisprudência do STF a decisão de procedência no mandado de injunção a partir da norma constitucional que se alega carente de regulamentação declara o dever de legislar e a mora do legislador e constitui a norma faltante Assim não só constituem motivo determinante da decisão o dever de legislar e a mora em relação à norma constitucional do art X mas também a própria norma elaborada pela Corte Isso significa que nos próximos mandados de injunção envolvendo a necessidade de regulação da mesma norma o Supremo estará obrigado em face de sua decisão pretérita Porém a norma elaborada pelo Supremo no mandado de injunção Y respeitante a partes determinadas deverá ser utilizada pelos demais juízos e tribunais sempre que se reclamar num caso conflitivo concreto contra a não regulamentação da mesma norma constitucional Há aí eficácia vinculante vertical a obstar consideração diversa Notese portanto que aquele que se resguarda em norma constitucional para exercer direito pode e deve se valer da norma judicial elaborada no precedente constitucional que a regulamentou como fundamento de ação direta proposta em face daquele que é sujeito passivo da relação substancial Assim por exemplo no caso de aposentadoria especial de servidor público portador de deficiência física é possível em caso de resistência da autoridade administrativa propor ação em primeiro grau de jurisdição em face da autoridade responsável pela aplicação da norma sendo irracional pensar não apenas que o juiz de primeiro grau não observará o precedente constitucional mas também que é necessário outro mandado de injunção no STF A situação bem vistas as coisas é similar à do MI 284 em que o Supremo Tribunal observou que em virtude de se ter escoado o prazo imposto no MI 283 tem o interessado o poder de propor sem a necessidade de outro mandado de injunção ação de perdas e danos Registrouse na ocasião que embora previamente cientificado no MI 283 o Congresso Nacional se absteve de adimplir a obrigação que lhe foi constitucionalmente imposta o que torna prescindível nova comunicação ao legislador e assegura a possibilidade de ajuizamento nos termos do direito comum ou ordinário da ação de reparação de natureza econômica instituída em seu favor pelo preceito transitório 836 866 O mandado de injunção diante da possibilidade de a falta de lei ser suprida no caso conflitivo concreto É completamente equivocado supor que uma Constituição possa carecer de norma infraconstitucional apenas quando determinadas normas constitucionais se lembraram de assim prever O legislador tem dever de tutelar e concretizar os direitos fundamentais As prestações normativas nem sempre se exaurem como prestações de proteção pois a norma também pode constituir autorização para prestações fáticas realizadoras de direitos sociais ou mesmo representar a instituição de prestações de participação na coisa pública Percebase respectivamente que uma norma infraconstitucional pode i impedir a construção de edifícios à margem dos rios ii autorizar a entrega de determinados remédios à população necessitada e ainda iii instituir condutos procedimentos e cargos para a participação popular nas universidades públicas Nessas hipóteses o Estado se manifesta para se desincumbir de i prestação de proteção de ii prestação fática de cunho social e de iii prestação de participação embora todas essas prestações em um sentido largo possam ser vistas como decorrentes do dever estatal de editar normas 837 Assim não há como pensar que o dever de legislar decorre unicamente da presença em determinadas normas constitucionais da imposição de regulamentação É certo que tanto as normas constitucionais ditas de organização como a do art 178 lei disporá sobre a ordenação dos transportes aéreo aquático e terrestre quanto as normas que propriamente definem direitos como a do art 7º XI são direitos dos trabalhadores além de outros participação nos lucros ou resultados conforme definido em lei dão origem a casos de omissão inconstitucional diante da inação do legislador mas certamente não são apenas estas situações que exigem do Judiciário providências diante da falta de atuação legislativa Porém há aí não apenas a falta de percepção de que outras normas constitucionais que não as impositivas de dever de legislar carecem de providências legislativas mas também a não atenção à circunstância de que o mandado de injunção objetiva garantir o exercício de direito dependente de norma reguladora ao passo que os direitos fundamentais podem necessitar de normas infraconstitucionais voltadas especialmente a impor condutas negativas ou positivas Do mesmo modo que o direito fundamental à saúde impõe a edição de norma autorizadora da entrega de remédios à população carente gerando direito à obtenção desses remédios o direito fundamental ao meio ambiente exige normas que imponham condutas negativas ou positivas para que o meio ambiente seja preservado fazendo surgir aos sujeitos privados dever de observálas Se não há dúvida que a falta de lei não tem exclusiva relação de causalidade com a expressa imposição constitucional de dever de legislar e que o mandado de injunção não é suficiente para dar tutela às variadas situações carentes de norma infraconstitucional há uma gama de situações que ficariam no limbo caso não se admitisse aos juízes e tribunais ordinários suprirem a omissão inconstitucional no caso concreto que lhes é apresentado exercendo nítido controle incidental da inconstitucionalidade por omissão Assim a única questão que deve preocupar a esta altura é saber se as situações tuteláveis via mandado de injunção também podem ser tuteladas mediante ação proposta em face do outro sujeito da relação substancial que carece da atuação legislativa Ou melhor indagase se o titular do direito que para ser exercido depende de norma nos termos de previsão constitucional e que é tutelável mediante mandado de injunção pode propor ação em face daquele que tem dever decorrente da edição da norma faltante Em junho de 2011 o Plenário do STF suspendeu o julgamento dos MI 943 1010 1074 e 1090 que objetivam a satisfação do direito assegurado pelo art 7º XXI 838 da CF aviso prévio proporcional ao tempo de serviço A suspensão do julgamento se deu para a Corte elaborar a norma faltante 839 dandose assim continuidade ao pensamento que se afirmou nos MI 670 708 e 712 840 No MI 943 a Companhia Vale do Rio Doce figura como litisconsorte passivo do Poder gravado com o dever de legislar Caso a decisão no mandado de injunção não possa superar o limite da elaboração judicial da norma não tendo condições de viabilizar o alcance da tutela do direito material não há razão para não admitir a propositura de ação direta em face daquele que resiste à pretensão à tutela do direito material requerendose assim o controle da inconstitucionalidade por omissão na forma incidental à solução do caso litigioso 841 Nessas condições o mandado de injunção em termos de funcionalidade prática perde vigor Porém resta digno como meio alternativo a quem deseja apenas a emissão da norma judicial reguladora ou prefere se socorrer desde logo do STF Aliás o mandado de injunção em vista da tese de que o precedente constitucional se impõe aos demais juízes e tribunais possui efeito prático distinto daquele que pode ser obtido mediante ação comum em que se busca a tutela do direito material A decisão proferida no mandado de injunção por ter efeitos vinculantes obrigará desde O fenômeno da inconstitucionalidade por omissão como já ressaltado deriva da tomada de consciência de que a força e o vigor da Constituição dependem da densificação das normas constitucionais Isso porque uma Constituição que afirma direitos fundamentais garantindoos aos cidadãos e impondo deveres aos sujeitos privados e especialmente ao Estado obviamente não pode conviver com a falta de atuação do legislador Sabese que sem a atuação do legislador infraconstitucional os direitos fundamentais muitas vezes carecem de tutela normativa de proteção e em outras da própria ramificação necessária para lhes dar vida e efetividade Esta conclusão por si só legitima a supressão da omissão inconstitucional pelo Judiciário Não obstante a Constituição Federal teve o cuidado de instituir formas para o Judiciário tratar da inconstitucionalidade por omissão Mediante o mandado de injunção art 5º LXXI da CF objetivou permitir a tutela de direito fundamental não regulamentado e segundo a atual jurisprudência do Supremo Tribunal confere à Corte o poder de elaborar a norma considerada faltante Ao lado do mandado de injunção previu a Constituição ação para a fiscalização abstrata da inconstitucionalidade por omissão art 103 2º da CF a dita ação direta de inconstitucionalidade por omissão que segundo o Supremo Tribunal não viabilizaria outra coisa que não a declaração da inconstitucionalidade por omissão e conforme o caso a ciência ao Poder incumbido de editar a norma ou ordem para a autoridade administrativa tomar as providências necessárias Interessa agora esta última a ação voltada à efetividade da norma constitucional ou à tutela do direito objetivo mediante a qual o STF faz fiscalização abstrata Nesta ação não se examina litígio entre partes ou caso conflitivo concreto não se falando por conta disso em sentença com efeitos para as partes a sentença opera exclusivamente no plano normativo possuindo efeitos erga omnes ou para todos Deixese claro que a ação direta de inconstitucionalidade por omissão e a ação dire ta de inconstitucionalidade por ação almejam dar plena força normativa à Constituição corrigindo manifestações de vontade omissivas ou comissivas com ela incompatíveis Embora tais ações obviamente almejem resultados distintos 844 uma a inconstitucionalidade de norma e outra a inconstitucionalidade por falta de norma entendese que ambas têm base no art 102 I a da CF 845 868 Escopo da ação direta de inconstitucionalidade por omissão Diz o art 103 2º da CF que declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional será dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias e em se tratando de órgão administrativo para fazêlo em trinta dias Portanto nos termos da norma constitucional a ação direta objetiva o alcance de sentença que declare a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional A declaração de inconstitucionalidade por omissão tem implícita a pronúncia da mora do Poder ou órgão competente O momento da mora porém nem sempre é o da prolação da sentença de inconstitucionalidade por omissão podendo ser a ele anterior como por exemplo no caso em que findou muito antes da propositura da ação direta o prazo fixado em norma constitucional para legislar Aliás se nos casos em que não há norma constitucional estabelecendo prazo é difícil extrair a mora do comportamento do órgão estatal ou da própria situação em que tal comportamento se inseriu isso não permite fixar a regra válida para todos os casos de que a mora apenas pode produzir efeitos a partir do momento em que a sentença que reconhece a omissão é proferida ou pior ainda do exaurimento do prazo judicial sem deliberação do órgão gravado com o dever Dúvida pode surgir quando se liga a declaração de inconstitucionalidade com a ciência ao Poder competente para produzir a norma ou com a ordem ao órgão administrativo para tomar as devidas providências no prazo de 30 dias A ciência ao Poder competente não altera a natureza declaratória da decisão uma vez que não tem carga executiva alguma capaz de impor cumprimento Tal ciência em termos de técnica processual nada significa já que não altera o conteúdo e a forma de manifestação da sentença A sentença não é mandamental simplesmente por não poder conter ordem A diferença entre ordenar e cientificar está em que a sentença que ordena constrange ao cumprimento enquanto a sentença de que é cientificado o sujeito que se encontra no polo passivo não contém sequer comunicação em seu conteúdo e forma a ciência é mero ato externo posterior à prolação da sentença utilizado para comunicar o demandado acerca do conteúdo da sentença e não para constrangêlo a observála Isso significa que apenas quando a ação se dirige contra órgão administrativo e assim a sentença de procedência pode lhe ordenar a prática das providências necessárias no prazo de 30 dias é que a sentença assume natureza mandamental Notese que neste caso o não cumprimento da sentença é sancionado 846 De qualquer forma na ação em cujo polo passivo se coloca o Poder responsável pela prática do ato a sentença de procedência é simplesmente declaratória da omissão inconstitucional e dessa forma completamente incapaz de dar efetividade à norma constitucional e de adequadamente defender a ordem jurídica O problema portanto é saber se a jurisdição deve se render à compreensão de que a decisão de procedência pode apenas declarar a omissão inconstitucional ou ao invés deve tomar em conta que a tutela da Constituição não pode deixar a força da norma constitucional entregue à discrição do parlamento sob pena de se ter em vez deste submetido à Constituição essa na dependência da boa vontade do legislador Retornarseá ao ponto ao final deste capítulo item 869 869 Objeto da omissão inconstitucional A letra do 2º do art 103 da CF deixa claro que o objeto da omissão inconstitucional não é apenas o produto do Legislativo mas igualmente os atos que deixaram de ser praticados pelos órgãos administrativos A omissão inconstitucional objeto da ação direta de inconstitucionalidade é em princípio normativa É a falta da edição de norma cuja incumbência é em regra do Legislativo mas que também pode ser do Executivo e até mesmo do Judiciário que abre oportunidade à propositura da ação Neste sentido pode ser objeto da ação a ausência de ato de caráter geral abstrato e obrigatório Assim a ação não permite questionar apenas a ausência de atos normativos primários mas também a falta de atos normativos secundários como os regulamentos de competência do Executivo e eventualmente até mesmo a inexistência de atos normativos cabíveis ao Judiciário No caso em que a lei não contém os elementos que lhe dão condição de aplicabilidade a falta de regulamento é empecilho evidente para a efetividade da norma constitucional Porém a falta de ato de caráter não normativo inclusive por poder ser enquadrado na previsão do art 103 2º da CF que remete à ciência 847 para a adoção de providências necessárias igualmente pode ser objeto de omissão inconstitucional e da correspondente ação direta Pensese por exemplo na falta de organização do Judiciário ou na insuficiência de estruturação da saúde pública 848 É possível falar nessas hipóteses de falta de tutela fáticoconcreta aos direitos fundamentais que como é óbvio não sofrem apenas com a carência de tutela normativa mas também com a ausência de tutela fática de natureza administrativa Portanto a omissão inconstitucional objeto da ação não decorre necessariamente de previsão de legislar contida em norma constitucional mas pode advir da falta ou da insuficiência de norma ou de prestação fáticoadministrativa para proteger ou viabilizar a realização de um direito fundamental Evidenciase neste momento que o legislador não tem dever apenas quando a norma constitucional expressamente lhe impõe a edição de lei mas também quando um direito fundamental carece em vista da sua natureza e estrutura de norma infraconstitucional especialmente para lhe outorgar tutela de proteção 849 870 Legitimidade De acordo com o art 103 da CF podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade I o Presidente da República II a Mesa do Senado Federal III a Mesa da Câmara dos Deputados IV a Mesa de Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal V o Governador de Estado ou do Distrito Federal VI o Procurador Geral da República VII o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil VIII partido político com representação no Congresso Nacional IX confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional Segundo o art 12A da Lei 98681999 podem propor a ação direta de inconstitucionalidade por omissão os legitimados à propositura da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade Dispõem de direito de iniciativa legislativa no plano federal o Presidente da República a Mesa do Senado Federal e a Mesa da Câmara dos Deputados art 61 da CF Têm eles também legitimidade ativa para a ação direta de inconstitucionalidade por omissão Todavia esses órgãos enquanto legitimados à ação sofrem óbvia e inevitável restrição quando o estado de omissão inconstitucional é de sua responsabilidade ou corresponsabilidade Notese que embora na ação direta de inconstitucionalidade de lei possa eventualmente haver uma aparente confusão entre o legitimado para a ação e o legitimado passivo uma vez que nada impede por exemplo que o Presidente da República proponha ação para ver declarada a inconstitucionalidade de ato de seu antecessor o mesmo não ocorre na ação de inconstitucionalidade por omissão diante da possibilidade de a própria autoridade suprir o estado de omissão inconstitucional Entendese de outra parte que a Mesa de Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal o Governador de Estado ou do Distrito Federal e a confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional têm legitimidade para a ação apenas quando presente a denominada pertinência temática Tratase de relação entre as áreas de atuação e atribuições dos autores e a substância da omissão constitucional que se coloca em juízo O STF tem afirmado que as entidades de classe e as confederações sindicais somente podem lançar mão das ações de controle concentrado quando mirarem normas jurídicas que digam respeito aos interesses típicos da classe representada cf ADIn 3906AgRg rel Min Menezes Direito DJe 05092008 850 Também já disse a Suprema Corte que associação de classe de âmbito nacional há de comprovar a pertinência temática ou seja o interesse considerado o respectivo estatuto e a norma que se pretenda fulminada 851 Ainda no que concerne à legitimação das associações de classe já declarou o Supremo que não constitui entidade de classe para legitimarse à ação direta de inconstitucionalidade CF art 103 IX associação civil Associação Brasileira de Defesa do Cidadão voltada à finalidade altruísta de promoção e defesa de aspirações cívicas de toda a cidadania 852 e em outra ocasião que não é entidade de classe de âmbito nacional para os efeitos do inciso IX do art 103 da CF a que só reúne empresas sediadas no mesmo Estado nem a que congrega outras de apenas quatro Estados da Federação 853 Acerca da noção de confederação sindical legitimada o Supremo Tribunal firmou o entendimento no sentido de que das entidades sindicais apenas as confederações sindicais art 103 IX da CF têm legitimação para propor ação direta de inconstitucionalidade advertindo que foi recebido pela Constituição o art 535 da CLT que ao dispor sobre a estrutura das confederações sindicais exige que se organizem com um mínimo de três federações 854 No que diz respeito à legitimidade passiva esta é da pessoa ou órgão responsável pela edição do ato faltante Tratandose de iniciativa reservada legitimado passivo é o responsável pelo desencadeamento do processo legislativo 855 Assim por exemplo a ADO 2061 respeitante ao art 37 X da CF que diz que a remuneração dos servidores públicos e o subsídio de que trata o 4º do art 39 somente poderão ser fixados ou alterados por lei específica observada a iniciativa privativa em cada caso assegurada revisão geral anual sempre na mesma data e sem distinção de índices foi dirigida contra o Presidente da República sob o argumento de constituir seu dever o de desencadear o processo de elaboração da lei anual de revisão geral da remuneração dos servidores da União nos termos do art 61 1º II a da CF 856 871 Procedimento A Lei 120632009 introduziu na Lei 98681999 um Capítulo II A para tratar da ação direta de inconstitucionalidade por omissão A petição inicial da ação de inconstitucionalidade por omissão de acordo com o art 12B da Lei 98681999 deve indicar i a omissão inconstitucional total ou parcial quanto ao cumprimento de dever constitucional de legislar ou quanto à adoção de providência de índole administrativa e ii o pedido com suas especificações É certo que o autor na petição inicial deve invocar a norma constitucional que expressamente impõe o dever de legislar Porém como a ação de inconstitucionalidade por omissão não tem como objeto apenas a falta de atendimento da norma constitucional que expressamente obriga o legislador mas também a falta de lei imprescindível à proteção normativa de direito fundamental é necessário compreender o dever constitucional de legislar previsto no inciso I do art 12B como dever de editar normas para dar plena efetividade e proteção aos direitos constitucionais tomandose as previsões de legislar constantes das normas constitucionais como imposições não necessárias ao surgimento da obrigação legislativa No caso em que o dever de legislar não decorre de imposição expressa constante de norma constitucional o autor deve argumentar na petição inicial que há direito fundamental que depende de lei Assim deve demonstrar que o direito fundamental para não ser violado exige norma que imponha conduta de fazer ou de não fazer ou que o direito fundamental para ser usufruído depende de norma que autorize prestações fáticas estatais Por outro lado a falta do administrador pode ser de natureza normativa ou fáticoadministrativa Omissão normativa assim tem significado mais amplo que omissão legislativa É possível questionar mediante a ação de inconstitucionalidade por omissão a ausência de atos normativos secundários de competência do Executivo como os regulamentos e até mesmo a falta de atos normativos devidos pelo Judiciário Além disso a negação de prestações fáticas por parte do administrador também pode obstaculizar a proteção ou a realização de direitos constitucionais Assim por exemplo é imprescindível a atuação do administrador na organização dos serviços da Defensoria Pública necessária para propiciar assistência jurídica integral a todos Portanto nos casos de falta do administrador a petição inicial deve demonstrar que o direito constitucional depende de providência do administrador seja ela de natureza normativa ou fática É preciso ademais tratandose de norma infraconstitucional que protege de modo insuficiente ou parcial um direito constitucional que o autor evidencie na inicial o direito que foi insuficiente ou parcialmente tutelado assim como as razões pelas quais se entende que a norma editada é incapaz de atendêlo Adiantese v a seguir item 872 que um direito constitucional pode ser insuficientemente tutelado ou tutelado de modo a atender apenas a uma parcela dos beneficiários da norma constitucional É possível exemplificar respectivamente com o salário mínimo fixado em valor insuficiente a atender às necessidades mínimas do cidadão e com a ausência de reajuste de salário dos servidores civis não obstante o reajuste do salário dos militares É requisito da inicial ainda o pedido com as suas especificações Como o ideal em termos de tutela jurisdicional na ação de inconstitucionalidade por omissão é a elaboração da norma faltante ou a extensão da norma ao grupo excluído caso de omissão parcial o autor deve realizar tal pedido descrevendo na inicial espécie de projeto da norma que deve ser judicialmente editada Deve ainda o autor formular pedido a ser conhecido na hipótese de entenderse que o pedido de elaboração da norma não pode ser atendido de declaração da inconstitucionalidade por omissão total ou parcial requerendo a comunicação do Poder competente para tomar as devidas providências em prazo razoável 857 No caso de falta do administrador há duas alternativas pois o caso pode ser de omissão normativa ou de omissão de prestação fática Em caso de omissão normativa vale o mesmo que foi dito em relação à omissão do Legislativo Diante de ausência de prestação fática a petição inicial deve delimitar em detalhes a providência faltante requerendo a declaração da inconstitucionalidade por omissão e a ciência do órgão administrativo para tomar as providências definidas A circunstância de o art 103 2º da CF ter fixado o prazo de 30 dias para o administrador e não ter estabelecido prazo para o Legislativo não impede o autor e o Tribunal respectivamente de requererem e determinarem prazo para o Legislativo atuar atendendose às especificidades da situação De outra parte a fixação do prazo de 30 dias para o órgão administrativo não impede que o autor solicite e a Corte fixe prazo diverso desde que devidamente justificado Notese que para determinadas providências materiais o prazo de 30 dias pode ser demasiadamente exíguo A petição inicial quando o caso exigir deve vir acompanhada dos documentos necessários a demonstrar a omissão conforme o parágrafo único do art 12B 858 Uma vez proposta a ação de inconstitucionalidade por omissão o autor dela não pode desistir 859 Tratase de norma que evidencia a óbvia indisponibilidade da questão de omissão inconstitucional 860 Não obstante diz o art 12C que a petição inicial inepta não fundamentada e a manifestamente improcedente serão liminarmente indeferidas pelo relator É liminarmente indeferida a petição inicial que é rejeitada no nascedouro do processo O art 12C ao elencar as hipóteses em que a petição inicial deve ser liminarmente indeferida pelo relator ao lado da inépcia acrescenta a falta de fundamentação A falta de fundamentação entretanto pode ser vista como ausência de causa de pedir Porém especialmente em consideração à natureza da ação direta de inconstitucionalidade a alegação suficiente para indicar a causa de pedir ou o fundamento da ação deve bastar para o julgamento do pedido O art 12C ainda estabelece como causa de indeferimento liminar da petição inicial a manifesta improcedência Percebase que existirá falta de interesse de agir se o autor admitir a existência de lei sem nada dizer sobre a sua insuficiência assim como haverá impossibilidade jurídica do pedido se o autor requerer por exemplo a elaboração de norma constitucional De modo que a manifesta improcedência tem de admitir como antecedentes lógicos o interesse de agir e a possibilidade jurídica do pedido Nesse sentido o autor deve alegar falta de norma infraconstitucional ou de prestação fática que inviabilize a realização de norma constitucional Assim haverá manifesta improcedência quando a existência de norma ou de prestação fática apesar do afirmado em contrário for imediatamente perceptível ou quando for evidente que o Poder ou o órgão administrativo ainda não dispuseram de tempo razoável para cumprir o dever que lhes foi atribuído pela Constituição Notese que há diferença entre admitir a existência de lei e nada falar sobre a sua insuficiência caso de falta de interesse de agir e afirmar a falta de lei quando a sua presença é imediatamente perceptível manifesta improcedência Também se distingue a ação em que se busca a supressão de omissão inconstitucional antes de o prazo para legislar ter esgotado falta de interesse de agir da ação cuja fundamentação considera ter passado tempo suficiente para fazer surgir situação de inércia não obstante o relator chegue desde logo a conclusão contrária manifesta improcedência Indeferida liminarmente a petição inicial o parágrafo único do art 12C da Lei 98681999 faculta ao autor a interposição de agravo ao Pleno do STF 861 Embora exista jurisprudência do STF negando a possibilidade de liminar na ação de inconstitucionalidade por omissão com base no argumento de que se nenhuma providência concreta pode ser concedida como tutela jurisdicional final não haveria como conceder liminar o art 12F da Lei 98681999 consignou expressamente a viabilidade de liminar em caso de omissão inconstitucional A Seção II do Capítulo IIA introduzido pela Lei 120632009 da Lei 98681999 trata unicamente da medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade por omissão 862 de forma que a própria Lei 98681999 ao regular o processo e o julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal atualmente regula com detalhes a concessão de medida liminar na ação direta de inconstitucionalidade por omissão O art 12F 1º teve o cuidado de estabelecer que a medida liminar pode consistir na suspensão da aplicação da lei ou do ato normativo questionado no caso de omissão parcial bem como na suspensão de processos judiciais ou de procedimentos administrativos ou ainda em outra providência a ser fixada pelo Tribunal Na hipótese de omissão parcial admitese a suspensão da norma tomandose em conta para efeito de liminar assim a ação positiva do legislador que se mostra incapaz de atender à Constituição Acontece que como se verá adiante item 868 a liminar também pode ser concedida quando se pensa somente na omissão já que a falta de norma também pode trazer prejuízos graves como intuiu o Min Sepúlveda Pertence na ADIn 361 863 Após a audiência dos órgãos ou responsáveis pela omissão inconstitucional a medida liminar pode ser concedida mediante maioria absoluta dos membros do Tribunal devendo estar presentes à sessão ao menos oito Ministros observada a necessidade de se suspender o processo quando havendo Ministros ausentes ainda existir possibilidade de se obterem seis votos em favor da concessão da medida arts 12F caput e 22 da Lei 98681999 É importante a regra 3º do art 12F que faculta a sustentação oral quando do julgamento do requerimento de liminar aos representantes judiciais do requerente e das autoridades ou órgãos responsáveis pela omissão inconstitucional Isso porque além de constituir previsão não usual para os casos em que se julga acerca da necessidade desta imprescindível forma de tutela jurisdicional representa relevante mecanismo para o aperfeiçoamento do contraditório mediante a efetiva e adequada participação dos interessados com consequente e oportuna colaboração para a formação do juízo da Corte O art 6º da Lei 98681999 em princípio relacionado à ação direta de inconstitucionalidade de lei afirma que o relator pedirá informações aos órgãos ou às autoridades das quais emanou a lei ou o ato normativo impugnado que devem ser prestadas em 30 dias Isso quer dizer que em princípio não pode haver dúvida sobre a necessidade da ouvida de quem elaborou a norma insuficiente ou incapaz em parte de atender à Constituição Contudo bem vistas as coisas a mesma razão que impõe a ouvida daquele de quem emanou a norma suficiente ou não exige a audiência do responsável pela não edição da norma que se reputa necessária Além disso afirma o art 12E 1º que no mesmo prazo atribuído à prestação de informações qualquer um dos legitimados à ação de inconstitucionalidade por omissão arts 2º e 12A da Lei 98681999 poderá manifestarse por escrito sobre o objeto da ação e pedir a juntada de documentos reputados úteis para o exame da matéria bem como apresentar memoriais Decorrido o prazo das informações serão ouvidos o Advogado Geral da União e o ProcuradorGeral da República quando não for autor contando cada um sucessivamente com o prazo de 15 dias para se pronunciar 2º e 3º do art 12E da Lei 98681999 Não há razão para excluir a possibilidade de manifestação do AdvogadoGeral da União apenas por não haver norma a ser defendida ou mesmo limitála à hipótese de omissão parcial 864 Não se admite a intervenção de terceiros nos moldes do Código de Processo Civil art 7º da Lei 98681999 As formas de intervenção de terceiro são completamente inadequadas e inservíveis às ações diretas de inconstitucionalidade 865 Algo completamente diverso é a chamada intervenção do amicus curiae quando o Tribunal considerando as particularidades da matéria em discussão e a representatividade do órgão ou entidade que deseja se manifestar 866 admite a sua participação em prol da otimização do debate da questão constitucional art 7º 2º da Lei 98681999 867 Por fim 868 quanto à decisão proferida na ação de inconstitucionalidade por omissão cabe dizer que a decisão de procedência exige maioria absoluta dos membros do Tribunal devendo estar presentes na sessão de julgamento ao menos oito Ministros Assim não haverá maioria absoluta quando presentes oito Ministros cinco votarem a favor e três contra Em uma situação como esta o julgamento será suspenso para que os Ministros ausentes se pronunciem em sessão próxima até que se forme maioria absoluta 869 872 Omissão parcial de inconstitucionalidade A norma pode ser insuficiente para responder ao desejo constitucional tendo baixa intensidade de proteção ou de satisfação da norma constitucional quando há omissão parcial no plano vertical ou ainda conferir a vantagem albergada na norma constitucional apenas a grupo ou parcela de pessoas esquecendo se mediante violação à igualdade da universalidade dos seus beneficiários hipótese de omissão parcial no plano horizontal A lei que prevê salário mínimo em valor insuficiente à realização da norma que garante remuneração digna ao cidadão art 7º IV da CF representa omissão parcial em sentido vertical uma vez que a sua previsão é apenas parcialmente suficiente para tanto ao passo que a lei que concede revisão de remuneração aos militares sem contemplar os civis excluindo grupo beneficiário da norma constitucional CF arts 37 X e 39 1º configura hipótese de omissão inconstitucional em sentido horizontal Decidiu o STF na ADIn 1442 que a definição do valor do salário mínimo em importância incapaz de atender às necessidades vitais básicas do trabalhador e dos membros de sua família configura claro descumprimento ainda que parcial da Constituição Federal uma vez que o legislador nesta hipótese longe de atuar como sujeito concretizante do postulado constitucional que garante à classe trabalhadora um piso geral de remuneração digna CF art 7º IV realiza de modo imperfeito e incompleto o programa social assumido pelo Estado na ordem jurídica 870 O STF também já teve oportunidade de tratar de caso envolvendo lei que deixa de lado grupo ou categoria de pessoas particularmente do caso em que o legislador confere reajuste salarial aos servidores públicos militares sem outorgar o mesmo reajuste aos servidores públicos civis Decidiuse na ADIn 526 que ofende a isonomia a lei que à vista da erosão inflacionária do poder de compra da moeda não dá alcance universal à revisão de vencimentos destinada exclusivamente a minorála CF art 37 X ou que para cargos de atribuições iguais ou assemelhadas fixa vencimentos díspares CF art 39 1º 871 Porém o verdadeiro problema nesta sede é saber o que fazer com a lei marcada pela omissão parcial 872 Diante da ação direta de inconstitucionalidade por omissão a lei gravada por tal circunstância i deve ser declarada inconstitucional ii ter a sua aplicação suspensa até deliberação do legislador ou iii continuar a ser aplicada uma vez que o problema de inconstitucionalidade em termos concretos está na omissão e não na norma que de forma insuficiente respondeu ao dever legislativo e à Constituição Como a norma é inconstitucional por omissão parcial a declaração da sua inconstitucionalidade retiraria o pouco de proteção que foi conferido pela lei ou a proteção que embora prometida pela Constituição em maior extensão foi deferida apenas a determinado grupo Neste sentido a declaração de inconstitucionalidade não constitui solução judicial adequada uma vez que é necessário preservar o benefício outorgado pela lei ainda que insuficiente ou indevidamente limitado a determinado grupo ou categoria É certo que embora a declaração de inconstitucionalidade não seja adequada há juízo de reprovação da norma De modo que seria possível sustentar que se o Judiciário não pode corrigir a norma v não obstante abaixo item 869 essa por ser inconstitucional deveria ter a sua aplicação suspensa dandose ao legislador prazo razoável e adequado para corrigila Porém como a norma neste caso responde em parte à Constituição o raciocínio deve caminhar no sentido inverso admitindose a sua aplicação até que o legislador supra o seu defeito O aparente paradoxo deve ser assimilado e compreendido já que não existe lógica em invocar insuficiência de tutela para suprimir o que embora pouco em intensidade ou extensão é devido pelo legislador perante a Constituição Ademais no caso de omissão parcial em sentido horizontal exclusão de grupo da inobservância do legislador ao prazo fixado na decisão seria possível pensar em extrair os benefícios que deveriam ter sido conferidos pela lei ao grupo excluído Neste caso a decisão não estaria limitada à declaração de omissão inconstitucional mas faria surgir mediante conhecida e velha técnica processual respeitante às sentenças a própria norma faltante assumindo conteúdo constitutivopositivo 873 Medida liminar O STF entende não ser possível liminar em ação direta de inconstitucionalidade por omissão A conclusão decorre de raciocínio que se funda na premissa de que nesta ação direta a decisão final apenas pode declarar a mora do Legislativo dela cientificandoo Na ADO 267 de relatoria do Min Celso de Mello a Corte declarou que a ausência dessa lei complementar vacuum juris que constitui o necessário instrumento normativo de integração não pode ser suprida por outro ato estatal qualquer especialmente um provimento de caráter jurisdicional ainda que emanado desta Corte A suspensão liminar de eficácia de atos normativos questionados em sede de controle concentrado não se revela compatível com a natureza e a finalidade da ação direta de inconstitucionalidade por omissão eis que nesta a única consequência políticojurídica possível traduzse na mera comunicação formal ao órgão estatal inadimplente de que está em mora constitucional 873 Deixandose de lado por enquanto a questão de que em caso de omissão de órgão administrativo a sentença de procedência possui natureza mandamental bem como o tema da omissão parcial cabe raciocinar acerca da possibilidade de liminar em ação declaratória ou melhor sobre a utilidade de liminar em ação meramente declaratória Na verdade em face da sentença que se limita a declarar a omissão inconstitucional não é preciso raciocinar em termos de liminar como se o juiz apenas pudesse socorrer a situação de perigo mediante uma antecipação da declaração de omissão inconstitucional ou ainda por meio de uma declaração sumária da omissão inconstitucional 874 É sabido que o Judiciário para evitar dano pode extrair da declaração sumária do direito que o autor pretende ver ao final declarado com a marca da certeza especialmente ordens de inibição de condutas 875 Nesta dimensão tornase importante lembrar a advertência do Min Sepúlveda Pertence diante de requerimento de liminar na ADIn 361 Neste caso embora votando pela negação da liminar o Min Sepúlveda observou que caso no futuro se apresente outra ação tendo como pedido de liminar não a antecipação de efeitos positivos da futura lei reclamada mas um pedido cautelar negativo inibitório de um risco causado pela falta de regulamentação a matéria poderá ter outra solução 876 Havendo probabilidade de a decisão final declarar o direito para evitar dano irreparável não é preciso cogitar em declarar como técnica de tutela de urgência a omissão inconstitucional no curso do processo Como dito da declaração é possível extrair efeitos mandamentais para se convencer o demandado a não fazer ou a fazer Assim existindo forte probabilidade de omissão constitucional não é preciso nem adequado declarar sumariamente essa omissão ou mesmo elaborar uma norma provisória para se tutelar a situação de perigo bastando extrair da declaração efeitos mandamentais O que se poderia dizer é que mesmo a sentença declaratória da omissão por apenas declarar a mora dela cientificando o legislador não teria eficácia para impedir dano que pudesse advir da falta da norma e assim não seria possível à Corte mediante liminar obstaculizar dano decorrente da ausência normativa No entanto ainda que se aceite a tese de que a única possibilidade em termos de tutela jurisdicional final na ação direta de inconstitucionalidade por omissão é a declaração da omissão inconstitucional v não obstante abaixo item 869 isto não pode significar que o Supremo Tribunal tenha sido obrigado a assistir calado aos danos e aos prejuízos que podem advir da falta de atuação do legislador Ora se a Suprema Corte reconhece a omissão inconstitucional ou em juízo liminar a sua forte probabilidade a sua impotência diante da proliferação dos danos derivados da inércia do parlamento faria necessariamente admitir que a rebeldia do legislador tem maior eficácia do que a Constituição que a inércia legislativa vincula contra a força das normas constitucionais e a razão de ser do próprio STF Ou melhor o fato de a Corte não poder elaborar a norma faltante mas apenas declarar a mora em legislar não quer dizer que não tenha poder para inibir prejuízo que não ocorreria não fosse a inércia do legislador Nesta hipótese a sentença de procedência reafirmará com carga de cognição exauriente o conteúdo da decisão liminar e neste sentido abarcará a tênue carga declaratória da primeira decisão podendo então a Corte ao declarar a omissão inconstitucional outorgar eficácia executiva à sentença para evitar prejuízos às situações carentes da norma faltante Percebase aliás que mesmo quando a Corte não deferiu liminar poderá agregar efeito executivo à sentença de procedência quando diante da evidência da omissão inconstitucional vir presente fundado receio de prejuízo Quando se considera a ação direta de inconstitucionalidade dirigida contra o órgão administrativo tudo fica mais simples É que nessa hipótese a norma do art 103 2º conferiu expressamente ao Supremo o poder de ordenar a tomada das providências necessárias no prazo de 30 dias para que a norma constitucional seja efetivada Nesse caso a sentença de procedência tem natureza mandamental pois atua sobre a vontade da autoridade que tem consciência de que em caso de descumprimento sofrerá a devida sanção Se a sentença pode ordenar as providências necessárias não há motivo para que a decisão liminar ao reconhecer a forte probabilidade de omissão constitucional e o receio de dano não possa assim também atuar Percebase aliás que diante da falta de tutela fáticoadministrativa aos direitos fundamentais também não há como conceber a inefetividade da liminar Por fim resta pensar nos casos em que a omissão é parcial seja por contemplar apenas um dos grupos ou parcela das pessoas que em vista da igualdade deveriam ser beneficiados seja por não tutelar com suficiência ou com a devida intensidade o direito constitucional É o que se tem chamado neste livro de omissão parcial no plano horizontal e omissão parcial no plano vertical existindo nesta última hipótese baixa intensidade ou insuficiência de proteção ou de realização do direito constitucional Se a omissão não está na ausência formal da lei mas sim na incapacidade legislativa em atender à Constituição a lei ainda que existente pode ser acometida por inconstitucionalidade por omissão desfazendose o equívoco de se supor que simplesmente por haver lei apenas se pode cogitar de inconstitucionalidade por ação A norma gravada por omissão parcial embora não deva deixar de continuar a propiciar proteção ainda que restrita pode ter a sua aplicação suspensa para não trazer prejuízos àqueles que por ela não foram contemplados Portanto não é impossível pensar em suspender liminarmente a eficácia de uma lei que se tem marcada por omissão parcial de inconstitucionalidade Assim quando o caso requer juízo de inconstitucionalidade por omissão parcial pode o Tribunal uma vez presentes os pressupostos para tanto art 12F da Lei 98691999 conceder a liminar Porém retenhase o ponto a liminar só tem cabimento para inibir prejuízos e nunca para suspender benefícios 874 Da decisão na ação de inconstitucionalidade por omissão Crítica Raciocinouse até aqui como se a decisão na ação de inconstitucionalidade estivesse limitada à declaração da omissão inconstitucional com a sua comunicação ao Poder para a tomada das providências necessárias posição do STF Porém é evidente que esta decisão não é adequada do ponto de vista da efetividade do processo e da tutela da ordem constitucional já que outorga a quem tem o dever de legislar a possibilidade de se omitir deixando ao desamparo os direitos e as normas constitucionais Isto é assim porque ao se comunicar o dever de editar a norma não se espera sanção pelo descumprimento ou mesmo se extrai o preceito faltante da inércia do legislador É preciso indagar assim se é correto dar ao Judiciário o poder de elaborar a norma descurada pelo Legislativo e após se a própria Constituição especialmente na norma do art 103 2º não proibiu o Judiciário de atuar além da mera declaração da omissão inconstitucional Ao não se conceber a elaboração da norma faltante ao Judiciário conferese ao Legislativo implicitamente o poder de anular a Constituição retornandose assim ao tempo em que a Constituição dependia da boa vontade do legislador Ora não há como compatibilizar o princípio da supremacia da Constituição com a ideia de que esta pode vir a falhar em virtude da não atuação legislativa Isso seria bem vistas as coisas dar ao legislador o poder de fazer a Constituição desaparecer Ademais admitir que o Judiciário nada pode fazer quando o Legislativo se nega a tutelar as normas constitucionais é não perceber que o dever de tutela da Constituição é acometido ao Estado e não apenas ao Legislativo Quando o Legislativo não atua um Tribunal Supremo ou uma Corte Constitucional têm inescondível dever de proteger a Constituição Assim se é a norma legislativa que falta para dar efetividade à Constituição cabe ao Judiciário sem qualquer dúvida elaborála evitando assim a desintegração da ordem constitucional O princípio da separação dos poderes confere ao Legislativo o poder de elaborar as leis mas evidentemente não lhe dá o poder de inviabilizar a normatividade da Constituição Aliás tal poder certamente não é nem poderia ser absoluto ou imune Bem por isso nos casos em que a Constituição depende de lei ou tutela infraconstitucional a inação do Legislativo exatamente por não ser vista como discricionariedade ou manifestação de liberdade e sim como violação de dever deve ser suprida pelo Judiciário mediante a elaboração da norma que deixou de ser editada Notese aliás que há contradição em admitir a nulificação judicial de norma legislativa e não aceitar a elaboração judicial da norma que o Legislativo deixou de editar Sem dúvida há maior censura quando se nulifica o ato do legislador do que quando se supre a sua inação a menos que se imagine em total descompasso com o constitucionalismo contemporâneo que o legislador apenas pode descurar da Constituição ao agir e não ao deixar de agir De outra parte é preciso muito cuidado para não confundir dificuldade ou determinada impossibilidade em elaborar judicialmente a norma com vedação de edição judicial da norma Argumentase que o Judiciário não poderia elaborar determinada norma ou teria dificuldade em relação a outra para fazer acreditar em coisa distinta isto é que ele estaria proibido de elaborar a norma cuja falta revela o descaso do legislador com a Constituição É certo que diante da ação de inconstitucionalidade por omissão o Judiciário não poderá elaborar as normas que demandam insubstituível intervenção do legislador e que portanto são insupríveis Mas daí como é óbvio não se pode retirar o argumento de que o Judiciário não pode suprir a omissão legislativa Pois bem se o Estado tem dever de tutelar a Constituição e o Judiciário de suprir a inação do Legislativo resta verificar se o texto do art 103 2º da CF ao dizer que declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional será dada ciência ao Poder competente proíbe a elaboração da norma judicial Não há dúvida que caso a Constituição Federal falasse em supressão de omissão inconstitucional e nada dissesse acerca da natureza do provimento judicial se declaratório etc o Judiciário poderia se valer do provimento que entendesse adequado Porém a circunstância de se ter previsto o provimento declaratório para definir a ação de inconstitucionalidade por omissão não o impede de proferir um provimento de natureza constitutiva quando consciente da inefetividade da mera declaração Ou seja tratandose de tutela da ordem constitucional foge do razoável admitir que a falta de efetividade do provimento é destituída de importância Melhor explicando as sentenças e os meios executivos sempre devem ser pensados à luz do princípio da tutela jurisdicional efetiva art 5º XXXV da CF o que significa dizer que especialmente diante da tutela da ordem constitucional o Judiciário mais do que em qualquer outro lugar não pode renunciar ao seu dever em razão da falta de efetividade de determinada espécie de sentença Assim se o prazo conferido ao Legislativo não é cumprido e portanto a declaração judicial da omissão inconstitucional não surte efeito isso não permite ao Judiciário parar por aí como se o seu dever não fosse o de remediar a ausência de tutela normativa bastandolhe declarála Lembrese que o Judiciário tem o dever de suprir a falta de tutela do Legislativo e não o de simplesmente pronunciála Portanto do não atendimento do prazo o Judiciário pode extrair consequência de modo a fazer surgir a norma como no caso em que há norma legal para situação idêntica conforme ocorre na hipótese de omissão parcial no sentido horizontal em que se deixa de beneficiar grupo em violação ao princípio da igualdade Quando a norma não exigir a atuação insubstituível do legislador o não cumprimento do prazo pelo Legislativo abre ao Judiciário como regra geral a possibilidade de elaborar a norma faltante para suprir a inércia do legislador evitando que o seu desprezo à Constituição gere um estado consolidado e permanente de inconstitucionalidade com o qual o Estado de Direito não pode conviver 877 A norma judicial não deve ir além do necessário à tutela da norma constitucional e ademais disso terá eficácia temporal até o pronunciamento do legislador De modo que o Judiciário obviamente não está usurpando o poder do legislador nem agredindo o princípio da separação dos poderes Está isto sim proferindo decisão imprescindível para o próprio Estado se desincumbir do seu grave dever de tutelar a ordem constitucional Ora este dever não é apenas do legislador ou do administrador mas do Estado tendo aí o Judiciário a função exata de atuar para suprir a omissão daqueles a que prioritariamente é cometido o dever de dar tutela às normas constitucionais Deixese claro por fim que ao elaborar a norma que faltava a decisão judicial assume natureza constitutiva permitindo ver com maior facilidade a possibilidade de liminar 875 Efeitos da decisão proferida na ação direta de inconstitucionalidade por omissão Responsabilidade do Estado por omissão inconstitucional A decisão proferida na ação direta tem efeitos gerais Todos devem respeito à decisão da ação de inconstitucionalidade por omissão seja ela de procedência ou improcedência Ademais todos os juízes e tribunais assim como os órgãos administrativos são obrigados a adotála No caso de omissão parcial a decisão de procedência ao dar prazo para o legislador suprir o defeito da norma suspende os processos judiciais e administrativos em que o beneficiário da norma constitucional pode ser prejudicado Não obstante o efeito vinculante terá maior importância quando a Corte elaborar a norma ou em caso de omissão parcial extrair da não observância do prazo judicial pelo legislador a norma faltante ao grupo excluído Quando se pensa nos efeitos temporais surge o grande problema Esse se relaciona com a questão da responsabilidade do Estado por omissão legislativa O que pode importar em relação ao passado da declaração de inconstitucionalidade por omissão não está nos atos que eventualmente foram constituídos mas sim nos prejuízos que foram impostos em razão da lei faltante Pensese nos direitos que deixaram de ser satisfeitos e efetivados e nos danos ocorridos por falta de tutela normativa a direitos fundamentais Se um servidor público portador de deficiência física não pôde obter aposentadoria especial em virtude de falta de lei é evidente que a supressão da omissão torna possível a aposentadoria Mas não é racional deixar de pagarlhe os valores que não pôde perceber em razão da omissão ou da falta grave do Estadolegislador Do mesmo modo se o direito fundamental ao meio ambiente deixou de ser tutelado mediante prestação fáticoadministrativa a decisão de inconstitucionalidade por omissão produzindo efeitos para o futuro resolverá o problema da omissão inconstitucional mas nada responderá aos danos ambientais Portanto olhar para o passado da decisão de inconstitucionalidade por omissão tem importância quando se está frente aos prejuízos derivados da falta de lei que inviabilizou o exercício de direito constitucional ou da ausência de proteção normativa a direito fundamental 878 A omissão do legislador em editar lei imprescindível à realização de direito albergado em norma constitucional ou para a proteção de direito fundamental ao constituir inconstitucionalidade representa igualmente ilicitude 879 Reafirmandose a ideia de que o legislador tem nestes casos dever de legislar surge naturalmente a conclusão de que o Estado não pode ser visto como irresponsável pelas omissões inconstitucionais Superase com isso o dogma da irresponsabilidade do legislador e complementase a estrutura técnicoprocessual de controle da inconstitucionalidade por omissão dandose àqueles que tiveram as suas esferas jurídicas atingidas pela falta de lei o poder de responsabilizar o Estado que diante desta ameaça passa a prestar maior atenção ao seu dever de legislar Dessa forma a responsabilização do Estado constitui complemento do sistema jurisdicional de controle da omissão inconstitucional 880 A ilicitude enquanto omissão inconstitucional requer a presença de específico dever jurídico de agir o dever de legislar Sucede que este dever para ser descumprido requer a caracterização da mora em legislar cuja ausência elimina a própria inconstitucionalidade ou ilicitude O STF quando realiza o controle da inconstitucionalidade por omissão sempre procura identificar o dever de legislar e a mora legislativa Na ADO 2492 881 que questionou omissão em face da EC 19 de 04061998 que deu nova redação ao art 37 X da CF deixouse claro que esta norma é dirigida entre outros aos Governadores de Estado que devem observála na forma da iniciativa privativa prevista no art 61 1º II a da CF independentemente de previsão análoga nas Constituições Estaduais Entendeuse assim que o art 37 X da CF estabelece obrigatoriedade de revisão geral anual da remuneração dos servidores públicos o que implica a edição de lei específica de iniciativa do chefe do Executivo que portanto tem o dever de enviar ao Poder Legislativo a cada ano projeto de lei tratando da matéria Na decisão consignouse que embora mais de três anos tenham decorrido desde a edição da EC 191998 e consequentemente da categórica norma do art 37 X e não obstante o fenômeno da inflação se tenha feito sentir ininterruptamente durante todo o período não se registrou o necessário desfecho de parte do Governo do Estado de nenhum processo legislativo destinado a tornar efetiva a indispensável revisão geral dos vencimentos dos servidores estaduais Patente assim a alegada mora legislativa de responsabilidade do Governo do Estado que justificou o ajuizamento da presente ação direta de inconstitucionalidade por omissão 882 Na ementa do acórdão proferido nesta ação de inconstitucionalidade declarouse que o Governador do Estado de São Paulo estava em mora desde junho de 1999 quando transcorridos os primeiros doze meses da data da edição da referida EC 191998 883 Exatamente a mesma constatação em relação à mora diante do art 37 X da CF foi feita na ADIn 2061 em que foi requerido o Presidente da República Declarouse que o Presidente da República também estava em mora desde junho de 1999 momento em que já teriam passado doze meses desde a data da edição da EC 191998 884 Como se vê os requisitos da inconstitucionalidade por omissão dever de legislar e mora do legislador são definidos na decisão proferida na ação direta de inconstitucionalidade por omissão Porém deixase claro que a mora não é constituída ou passa a existir com a comunicação do legislador Declarase a mora no passado ou melhor declarase que a mora existe desde determinado momento passado considerandose o prazo que o legislador tinha para editar a lei É certo que a inconstitucionalidade por omissão não é suficiente para que o Estado tenha de indenizar A inconstitucionalidade por omissão ao englobar os requisitos do dever de legislar e da mora legislativa constitui ilicitude mas essa para gerar dever de indenizar pressupõe dano e nexo de causalidade entre a falta de lei e o dano No caso de omissão inconstitucional o legislador tem sempre a possibilidade de reduzir ou mesmo eliminar os danos provocados por sua omissão mediante a edição da lei faltante O reparo do legislador pode ser integral quando atribui à lei na medida do possível eficácia retroativa eliminando os prejuízos passados 885 O nexo de causalidade por sua vez está na relação entre a falta de lei e o dano sofrido De modo que há nexo de causalidade quando se demonstra que se lei houvesse prejuízo não teria ocorrido Para a responsabilização do Estado assim são necessários omissão inconstitucional dever de legislar e mora legislativa dano e nexo de causalidade entre a falta de lei e o dano Ocorre que enquanto a omissão inconstitucional a ilicitude é caracterizada na decisão proferida na ação direta de inconstitucionalidade por omissão o dano e o nexo de causalidade dependem da propositura de ação individual em que se peça o ressarcimento contra o Estado Quer isso dizer que a caracterização da ilicitude deve ficar reservada ao STF A possibilidade de ação ressarcitória contra o Estado com base em omissão inconstitucional foi discutida no RE 424584 886 Tratou se neste caso exatamente da possibilidade de ressarcimento a servidores públicos federais em virtude da ausência de regulamentação da revisão geral anual assegurada pelo art 37 X da CF Pediuse ressarcimento relativo ao período entre a data da entrada em vigor da EC 191998 e o termo inicial da vigência da Lei 10331 de 18122001 que estabeleceu a revisão ao funcionalismo público O relator Min Carlos Velloso reconheceu a existência de dano provocado pela omissão em legislar do Presidente da República entendendo assim estarem presentes direito a indenização e dever estatal de ressarcimento O Min Joaquim Barbosa abrindo a divergência afirmou não estar presente no caso a especialidade do dano e que além disso a responsabilidade do Estado foi concebida em princípio como voltada à reparação de atos lesivos praticados pelo Executivo sendo a responsabilidade civil do Estado em razão de ato legislativo excepcionalíssima que se conta nos dedos em direito comparado 887 O Min Gilmar Mendes por sua vez fez as seguintes ponderações Neste recurso extraordinário a discussão está centrada na seguinte questão cabe indenização em face da omissão do Estado ao dever de legislar É possível falarse em responsabilidade civil do Estado por atos legislativos Os recorrentes servidores da Universidade Federal de Viçosa pretendem a indenização pelos prejuízos materiais resultantes da mora legislativa concernente a período determinado Alegamse lesão a direito pelo descumprimento do disposto no inciso X do art 37 da CF bem como certeza do dano sobretudo porque direcionado a período pretérito Enfim não se trata de dano simplesmente possível ou eventual Esclarecer esses aspectos porém não basta É fundamental para o caso em tela considerarmos o julgamento da ADIn 2061DF rel Min Ilmar Galvão DJ 29062001 no qual o Plenário desta Corte atestou a mora legislativa Ocorre que a decisão embora tenha caracterizado a mora por parte do chefe do Poder Executivo quanto à observância do preceito constitucional não aplicou o disposto no art 103 2º in fine Diante da fixação da mora diversas ações visando à responsabilidade civil do Estado foram propostas Os respectivos recursos foram julgados por esta Suprema Corte no sentido do não cabimento de indenização especialmente pelo fato de que não fora fixado nos autos da mencionada ADIn 2061 o prazo para que o chefe do Executivo encaminhasse o projeto de lei sobre a revisão geral anual Não obstante insisto na reflexão sobre se o reconhecimento da mora legislativa tornase ineficaz para efeito de responsabilização civil pelo fato de não ter sido fixado prazo para que o chefe do Executivo encaminhasse o projeto de lei Daí a necessidade de em primeiro lugar declaração da mora para que se possa em segundo lugar a partir desta data verificar a razoabilidade do período de inadimplência do órgão declarado omisso Em síntese a meu ver o reconhecimento da mora preenche o primeiro requisito para a responsabilização do Estado pela omissão legislativa O segundo deve aterse à permanência da omissão considerando o decurso do prazo a partir da constituição em mora O julgamento da ADIn 2061DF foi suficiente para o preenchimento da primeira condição reconhecimento da mora A segunda permanência da mora porém não se verifica Conforme está demonstrado nos autos a União editou a Lei 103312001 pouco tempo após a constituição em mora ou seja pouco tempo após o julgamento da referida ADIn Por conseguinte descabe falar em responsabilidade civil por omissão legislativa Não comungo da tese de que seria prescindível a constituição em mora do Estado porquanto o art 37 X já teria per se fixado um prazo para a atuação estatal ao indicar que a revisão deve ser anual Por se tratar de omissão é indispensável a fixação da mora visto que razões plausíveis podem justificar a inação estatal Imaginemos que não tenha ocorrido inflação em determinado ano ou ainda que tenha ocorrido deflação além de eventual procedência da denominada tese da reserva do possível Fazse necessário portanto o manejo dos instrumentos constitucionais para a fixação da omissão legislativa do Estado Conforme destaquei no caso em apreço após esta Corte constituir em mora o Estado foi publicada lei sobre a revisão geral anual portanto não está demonstrada a permanência da inadimplência Assim caminho para a solução apresentada pela divergência porém com fundamento distinto na medida em que não afasto a tese de cabimento da responsabilidade civil do Estado por omissão legislativa mas apenas não verifico a presença dos requisitos necessários para tanto 888 A mesma questão voltou a ser discutida no RE 565089 Neste recurso após o voto do Min Marco Aurélio dandolhe provimento para reconhecer o direito de os autores serem indenizados por não terem recebido revisão geral anual em seus vencimentos a Ministra Cármen Lúcia pediu vista dos autos aguardandose no presente momento a continuação do julgamento A conclusão do voto do Min Marco Aurélio foi a de impor ao Estado de São Paulo a obrigação de indenizar os autores em razão do descompasso entre os reajustes porventura implementados e a inflação dos períodos 889 afeiçoandose assim à tese do voto do Min Carlos Velloso proferido no RE 424584 890 No caso em que o Tribunal declara a omissão não há razão para transferir os efeitos da decisão de inconstitucionalidade para o momento da edição da lei como se a decisão não tivesse efeito algum Os efeitos da lei não devem ser confundidos com os efeitos da decisão de inconstitucionalidade por omissão Do mesmo modo a definição da mora não pode deixar de ser fixada pela decisão que na ação direta reconhecer a inconstitucionalidade por omissão A mora do legislador quando fixada a partir de data no passado admite que o legislador está a praticar ato ilícito a partir da mesma data Ou seja a partir da caracterização da mora está aberta a fonte de que podem brotar danos e prejuízos Nesse sentido não parece que se possa deixar de frisar a distinção entre retardo culposo na elaboração legislativa e inércia no atendimento da decisão judicial que comunicou o dever de legislar É a primeira que constitui requisito da inconstitucionalidade por omissão e do dever estatal de indenizar Aqui não se adota assim o argumento do Min Gilmar Mendes no sentido de que além do reconhecimento da mora é preciso a sua permanência para justificar o dever de indenizar Isso porque o que distingue a inércia do legislador tal como aferida para se declarar a inconstitucionalidade por omissão da sua inação após ser comunicado judicialmente da necessidade do seu agir é apenas a natureza da culpa que recai sobre cada uma delas Na primeira hipótese a culpa do legislador omisso terá em regra a forma de negligência É claro que a demonstração do dano e da relação de causalidade há de ser feita na ação de ressarcimento quando aquele que se diz prejudicado deve demonstrar a extensão do seu dano e a relação de causalidade entre a lei faltante e o prejuízo sofrido Ocorre que os prejuízos indenizáveis serão sempre aqueles que ocorreram no período que inicia a partir da data em que a decisão de inconstitucionalidade declarou ter o legislador passado a incidir em mora Rui Medeiros ao tratar da responsabilidade civil do Estado por atos legislativos depois de observar que a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral produz efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional e determina a repristinação das normas que ela eventualmente haja revogado adverte que o problema que interessa resolver é o de saber se haverá e em que medida efeitos danosos da lei inconstitucional que não sejam destruídos pela retroactividade da declaração de inconstitucionalidade 891 Ora transportado o argumento para a hipótese de inconstitucionalidade por omissão interessa perguntar se a decisão de inconstitucionalidade não deve se preocupar com os danos provocados pela omissão legislativa A extensão do período coberto pela inconstitucionalidade por omissão não deve ser discutida na ação de ressarcimento Essa em verdade quando se parte da premissa de que a decisão de inconstitucionalidade fixa o dever de indenizar constitui ação de liquidação do dano ou do valor devido Se o STF reconhece que a mora está caracterizada a partir de determinada data tornase importante esclarecer se o Estado tem dever de indenizar e a partir de que data como também a espécie e a natureza do dano indenizável além dos termos e limites em que este deve ser indenizado Percebase que caso tivesse sido fixado na decisão de inconstitucionalidade proferida na ADIn 2061 892 o dever de indenizar do Estado desde junho de 1999 momento em que já tinham passado doze meses desde a data da edição da EC 191998 bastaria ao servidor público propor ação para liquidar o valor devido sem ter de discutir o dever de o Estado ressarcir Isso não quer dizer que quando o STF deixa de fixar o dever de indenizar esse não possa ser alegado e discutido na ação de ressarcimento Notese aliás que mediante a ação de ressarcimento chegase ao controle da omissão inconstitucional no caso concreto demonstrandose a sua possibilidade e necessidade Entretanto não é adequado deixar a definição do dever de indenizar e dos elementos que lhe são correlacionados para a ação do prejudicado O dever de indenizar do Estado é consequência da inconstitucionalidade por omissão e portanto objeto da cognição do STF na ação direta Como observa João Caupers no direito português toda vez que o Tribunal Constitucional verifica a existência de uma omissão inconstitucional pode muito bem entenderse que sobre o Estado recai a obrigação de indenizar os danos causados aos cidadãos pela falta de norma legal 893 Portanto a decisão de inconstitucionalidade por omissão ao pôr em destaque situação de inconstitucionalidade que perdurou no passado pode ter efeitos retroativos em relação aos prejuízos sofridos por aqueles que não puderam exercer os seus direitos assim como aos danos provocados a direitos em virtude de falta de proteção a direitos fundamentais Assim no caso em que há falta de prestação imprescindível à realização de direito consagrado em norma constitucional ou à inibição de dano a direito fundamental a decisão ao retroagir traz com ela a fixação do dever de ressarcir Daí decorre a possibilidade de qualquer beneficiado exigir o ressarcimento do seu direito bem como a viabilidade de qualquer ofendido ou mesmo legitimado à tutela de direitos transindividuais pedir o ressarcimento dos danos produzidos no período em que as proteções normativas ou fáticoadministrativas foram negadas Fica claro dessa forma que dar efeitos retroativos à decisão para fixar o dever de indenizar nada mais é do que otimizar o sistema de controle da inconstitucionalidade por omissão Para se dar efeito retroativo à decisão não importa se esta elaborou ou não a norma faltante mas apenas se há dever de ressarcir como decorrência da omissão inconstitucional O Estado tem dever de ressarcir os danos que não teriam acontecido caso não tivesse se mantido inerte Sublinhese que esta inércia nada mais é do que a mora vale dizer o retardo estatal culposo Ressaltese que ao se definir a mora como retardo estatal culposo levase em conta a necessidade de análise acerca da razoabilidade do transcurso do lapso temporal em relação à complexidade da norma a ser elaborada assim como da dificuldade na implementação da prestação fáticoadministrativa Em síntese há omissão do Estado quando este devia e podia ter aprovado as normas legais ou tomado as providências administrativas indispensáveis 894 876 Primeiras considerações 895 Estabeleceu o art 102 1º da CF que a arguição de descumprimento de preceito fundamental decorrente desta Constituição será apreciada pelo Supremo Tribunal Federal na forma da lei A arguição de descumprimento de preceito fundamental foi regulamentada pela Lei 9882 de 03121999 que dispôs sobre o seu processo e julgamento 896 Tratase de ação que intensifica o poder de controle de constitucionalidade do STF Diz o art 1º da Lei 98821999 que a arguição prevista no 1º do art 102 da Constituição Federal será proposta perante o Supremo Tribunal Federal e terá por objeto evitar ou reparar lesão a preceito fundamental resultante de ato do Poder Público grifamos Em complemento dispõe o parágrafo único do art 1º que caberá também arguição de descumprimento de preceito fundamental I quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal estadual ou municipal incluídos os anteriores à Constituição grifamos Esta ação colocase ao lado das demais ações do controle concentrado tendo o objetivo de suprir as necessidades de controle abstrato de constitucionalidade Assim por exemplo possui relevante função diante do direito préconstitucional e do direito municipal uma vez que no primeiro caso a ação direta de inconstitucionalidade não é admitida pelo STF em vista da ideia de ser contraditório declarar inconstitucional norma que foi não recepcionada por incompatibilidade com o novo texto constitucional e no segundo a constitucionalidade tem como parâmetro de controle somente a Constituição Estadual art 125 2º da CF 897 877 Modalidades A arguição de descumprimento tal como tratada pela Lei 98821999 pode ser autônoma e incidental No primeiro caso a questão constitucional é dirigida ao STF independentemente de caso concreto em que tenha surgido questão constitucional relevante O controle de constitucionalidade assim é feito mediante ação absolutamente autônoma desvinculada de ação concreta levada diretamente ao STF que então faz controle principal da constitucionalidade No outro caso a questão constitucional para dar origem à arguição de descumprimento tem de não apenas brotar em caso concreto em curso como ainda ter fundamento relevante nos aspectos econômico político social ou jurídico Notese ademais que enquanto a arguição autônoma pode questionar qualquer ato do Poder Público a arguição incidental é restrita à lei ou ao ato normativo cuja definição da constitucionalidade é imprescindível à resolução do mérito da ação concreta A arguição autônoma gera controle principal ao passo que a arguição incidental faz surgir controle incidental diferido a exemplo do que ocorre diante do controle incidental nos tribunais em que se suscita o incidente de inconstitucionalidade na pendência do julgamento perante Câmara ou Turma para se ter a questão constitucional resolvida pelo Órgão Especial ou Plenário do Tribunal nos termos do art 97 da CF A diferença neste aspecto está em que no incidente de inconstitucionalidade nos tribunais reservase ao próprio Tribunal que está a julgar o litígio a competência para definir a questão constitucional o que não ocorre na arguição incidental em que a questão constitucional provém de órgão judicial inferior e é resolvida pelo STF A cisão funcional num caso é horizontal e no outro vertical Entretanto a arguição incidental a despeito do seu nome e de identificar controle que se realiza em face de um caso concreto constitui ação própria dirigida a viabilizar o controle de constitucionalidade com eficácia erga omnes e vinculante por parte do STF Não pode ser assimilada como mero incidente de inconstitucionalidade já que não pode ser suscitada nem pelas partes nem pelo órgão judicial de ofício no processo que lhe deu origem Salientese que a arguição incidental não é realizada no processo mas sim em face dele e perante o STF Uma vez admitida a arguição incidental pelo STF devese suspender a ação que lhe deu origem até o pronunciamento definitivo deste Tribunal 878 Requisitos da arguição de descumprimento de preceito fundamental 8781 Ausência de outro meio processual capaz de sanar a lesividade de modo eficaz Diz o art 4º 1º da Lei 98821999 que não será admitida arguição de descumprimento de preceito fundamental quando houver qualquer outro meio eficaz de sanar a lesividade Discute se a partir dessa norma quando existe meio eficaz de sanar a lesividade a impedir o uso da arguição de descumprimento Vale dizer que a arguição se submete à regra da subsidiariedade no sentido de a sua utilização depender da inexistência de outro meio capaz de sanar de modo eficaz a lesividade ao preceito fundamental 898 Considerandose que existe um grande arsenal de instrumentos processuais voltados à tutela dos direitos é natural que se pense em confrontálos com a arguição de descumprimento à luz da regra da subsidiariedade plantada no 1º do art 4º da Lei 98821999 É de se ver contudo que a arguição de descumprimento se insere no sistema de controle abstrato de constitucionalidade hábil não só a tutelar o direito objetivo ou a ordem jurídica mas também a gerar decisões que produzem efeitos gerais e vinculantes a revelar sua aptidão para tutelar de forma pronta e ampla as questões ou controvérsias constitucionais Apenas isso parece suficiente para esclarecer que os demais meios capazes de tutelar com efetividade os preceitos fundamentais não podem estar entre os instrumentos destinados a tutelar direitos subjetivos 899 A arguição de descumprimento apenas é excluída quando existe meio capaz de tutelar o direito objetivo mediante decisão dotada de efeitos gerais e vinculantes ou seja por meio de ação que se destina ao controle abstrato de constitucionalidade como as ações de inconstitucionalidade e de constitucionalidade 900 Notese assim que o espaço da arguição está exatamente no lugar em que se apresenta a necessidade de tutela pronta e geral em face da Constituição Federal de direito préconstitucional de direito municipal e de norma secundária bem como de declaração de constitucionalidade diante da Constituição Federal dos direitos municipal e estadual 8782 Relevância do fundamento de controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal estadual ou municipal incluídos os anteriores à Constituição O art 1º parágrafo único I da Lei 98821999 também admite a arguição de descumprimento quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal estadual ou municipal incluídos os anteriores à Constituição grifamos O art 3º V da mesma lei afirma que a petição inicial da arguição de descumprimento deve conter a comprovação da existência de controvérsia judicial relevante sobre a aplicação do preceito fundamental que se considera violado grifamos Por controvérsia judicial seria possível entender discórdia entre órgãos judiciais acerca da constitucionalidade de lei ou ato normativo Contudo bastam decisões oriundas de órgãos judiciais diversos no sentido da inconstitucionalidade para que se estabeleça controvérsia judicial sobre a aplicação da lei Não parece necessária realmente a discórdia entre órgãos judiciais para surgir dúvida acerca da constitucionalidade de norma Sucede que o referido art 1º parágrafo único I fala em relevância do fundamento da controvérsia constitucional e não em controvérsia judicial relevante como o fazem o art 14 III da Lei 98681999 ação declaratória de constitucionalidade e o art 3º V da própria Lei 98821999 Nesta perspectiva para abrir ensejo à arguição de descumprimento basta que a controvérsia constitucional tenha fundamento relevante apresentandose a hipótese como similar à que constitui pressuposto da repercussão geral Recordese que há repercussão geral no recurso extraordinário quando a causa constitucional debatida apresenta relevância e transcendência art 1035 1º CPC2015 A relevância da causa deve ser aquilatada do ponto de vista econômico político social ou jurídico Há relevância sob o ponto de vista jurídico por exemplo quando o acórdão recorrido toma por inconstitucional determinada norma infraconstitucional A transcendência da controvérsia constitucional pode ser caracterizada tanto em perspectiva qualitativa quanto quantitativa Na primeira interessa para individualização da transcendência o importe da questão debatida para a sistematização e desenvolvimento do direito na segunda o número de pessoas suscetíveis de alcance atual ou futuro pela decisão daquela questão pelo Supremo e bem assim a natureza do direito posto em causa Observese que eventuais questões envolvendo a reta observância ou a frontal violação de direitos fundamentais materiais ou processuais tendo em conta a dimensão objetiva destes apresentam a princípio transcendência Constituindo os direitos fundamentais objetivamente considerados uma tábua mínima de valores de determinada sociedade em dado contexto histórico cujo respeito interessa a todos natural que se reconheça num primeiro momento a transcendência de questões envolvendo por exemplo afirmações concernentes a violações ou ameaças de violações das limitações ao poder constitucional de tributar ou aos direitos fundamentais inerentes ao processo justo A lógica da arguição incidental é a de viabilizar de forma pronta e geral a solução de controvérsia constitucional que tem condições de chegar ao STF mediante recurso extraordinário De modo que não há razão para equiparar o requisito da dúvida sobre a constitucionalidade da lei específica da ação declaratória de constitucionalidade com a relevância do fundamento da controvérsia constitucional própria ao cabimento da arguição na forma incidental A existência de várias decisões de inconstitucionalidade é pressuposto que se coloca apenas diante da arguição de descumprimento que tem por objetivo a declaração de constitucionalidade de norma estadual ou municipal em face da Constituição 879 Legitimidade A questão da legitimidade para a arguição de descumprimento ficou reservada ao art 2º da Lei 98821999 O inciso I deste artigo diz que os legitimados para a ação direta de inconstitucionalidade art 103 da CF 901 podem propor arguição de descumprimento de preceito fundamental São eles legitimados para a arguição na forma autônoma e incidental Esses legitimados como ocorre na ação direta de inconstitucionalidade podem ser ditos universais e especiais Recordese que o STF fez distinção entre uma qualidade intrínseca aos legitimados para a ação direta de inconstitucionalidade 902 Alguns em virtude de seu papel institucional sempre estão autorizados a solicitar a tutela da Constituição outros constituindo órgãos e entidades têm legitimidade para impugnar normas que diretamente afetem suas esferas jurídicas ou de seus filiados Os últimos são obrigados a demonstrar relação de pertinência entre os seus fins e propósitos e a norma impugnada Essa distinção entre os legitimados também se aplica à arguição de descumprimento de preceito fundamental 903 O inciso II que conferia legitimidade 904 a qualquer pessoa lesada ou ameaçada por ato do Poder Público foi vetado pelo chefe do Poder Executivo 905 O veto impossibilitou a arguição de descumprimento às partes do processo em que presente a discussão da questão constitucional Assim ainda que a arguição incidental possa ser apresentada por qualquer dos legitimados à ação direta de inconstitucionalidade e à ação declaratória de constitucionalidade art 2º I da Lei 98821999 e qualquer interessado mediante representação possa solicitar a propositura da arguição ao ProcuradorGeral da República 906 art 2º 1º da Lei 98821999 a sua importância foi minimizada já que a arguição de descumprimento quando proposta na forma autônoma submete se a requisitos menos rígidos descartando a exigência de relevância do fundamento da controvérsia constitucional além de poder ser utilizada em face de qualquer ato do Poder Público e não apenas como ocorre na arguição incidental em relação a leis ou atos normativos art 1º parágrafo único I da Lei 98821999 A legitimidade passiva por sua vez cabe ao órgão ou agente acusado da violação ao preceito fundamental 880 Parâmetro de controle O art 1º da Lei 98821999 afirma claramente que a arguição de descumprimento objetiva tutelar preceito fundamental em face de ato do Poder Público O significado de ato do Poder Público será esmiuçado no próximo item ao se estudar o objeto da arguição de descumprimento O que agora interessa é o conceito de preceito fundamental 907 que constitui o parâmetro de controle dos atos do Poder Público que podem ser impugnados mediante a arguição de descumprimento Não há na doutrina e na jurisprudência do STF inequívoca definição do que seja preceito fundamental Temse como certo apenas que nem toda norma constitucional corresponde a preceito fundamental e que determinadas normas em vista do seu conteúdo que consagram os princípios fundamentais arts 1º a 4º e direitos fundamentais art 5º e ss bem como as que abrigam cláusulas pétreas art 60 4º e contemplam os princípios constitucionais sensíveis art 34 VII merecem proteção sob o rótulo de preceitos fundamentais 908 São significativas a respeito do ponto duas decisões Já na ADPF 1 disse o Min Néri da Silveira que compete ao STF o juízo acerca do que se há de compreender no sistema constitucional brasileiro como preceito fundamental 909 Na ADPF 33 o Min Gilmar Mendes advertiu que é muito difícil indicar a priori os preceitos fundamentais da Constituição passíveis de lesão tão grave que justifique o processo e o julgamento da arguição de descumprimento Não há dúvida que alguns desses preceitos estão enunciados de forma explícita no texto constitucional Assim ninguém poderá negar a qualidade de preceitos fundamentais da ordem constitucional aos direitos e garantias individuais art 5º entre outros Da mesma forma não se poderá deixar de atribuir essa qualificação aos demais princípios protegidos pela cláusula pétrea do art 60 4º da CF quais sejam a forma federativa de Estado a separação de Poderes e o voto direto secreto universal e periódico Por outro lado a própria Constituição explicita os chamados princípios sensíveis cuja violação pode dar ensejo à decretação de intervenção federal nos Estadosmembros art 34 VII É fácil ver que a amplitude conferida às cláusulas pétreas e a ideia de unidade da Constituição Einheit der Verfassung acabam por colocar parte significativa da Constituição sob a proteção dessas garantias O efetivo conteúdo das garantias de eternidade somente será obtido mediante esforço hermenêutico Apenas essa atividade poderá revelar os princípios constitucionais que ainda que não contemplados expressamente nas cláusulas pétreas guardam estreita vinculação com os princípios por elas protegidos e estão por isso cobertos pela garantia de imutabilidade que delas dimana Os princípios merecedores de proteção tal como enunciados normalmente nas chamadas cláusulas pétreas parecem despidos de conteúdo específico Essa orientação consagrada por esta Corte para os chamados princípios sensíveis há de se aplicar à concretização das cláusulas pétreas e também dos chamados preceitos fundamentais É o estudo da ordem constitucional no seu contexto normativo e nas suas relações de interdependência que permite identificar as disposições essenciais para a preservação dos princípios basilares dos preceitos fundamentais em um determinado sistema Destarte um juízo mais ou menos seguro sobre a lesão de preceito fundamental consistente nos princípios da divisão de Poderes da forma federativa do Estado ou dos direitos e garantias individuais exige preliminarmente a identificação do conteúdo dessas categorias na ordem constitucional e especialmente das suas relações de interdependência Nessa linha de entendimento a lesão a preceito fundamental não se configurará apenas quando se verificar possível afronta a um princípio fundamental tal como assente na ordem constitucional mas também a disposições que confiram densidade normativa ou significado específico a esse princípio Tendo em vista as interconexões e interdependências dos princípios e regras talvez não seja recomendável procederse a uma distinção entre essas duas categorias fixandose um conceito extensivo de preceito fundamental abrangente das normas básicas contidas no texto constitucional 910 881 Objeto 8811 Introdução Como já dito a arguição conforme o art 1º da Lei 98821999 tem o objetivo de evitar ou reparar lesão a preceito fundamental resultante de ato do Poder Público Assim pode tutelar preceito fundamental diante de qualquer ato do Poder Público Entretanto diferente do objetivo ou mesmo da função do instrumento é o seu objeto Em princípio objeto da arguição é ato do Poder Público O inciso I do parágrafo único do art 1º da Lei 98821999 referese à possibilidade de arguição quando relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal estadual ou municipal incluídos os anteriores à Constituição Assim temse desde logo a possibilidade de arguição autônoma em relação a qualquer ato do Poder Público e de arguição incidental em relação à lei ou ato normativo federal estadual ou municipal mesmo que préconstitucionais Portanto já num primeiro momento é possível concluir que qualquer das formas de arguição de descumprimento pode atacar ato normativo ou lei federal estadual ou municipal inclusive anteriores à Constituição e que a arguição na forma autônoma pode se voltar contra qualquer ato do Poder Público assim os normativos inclusive anteriores à Constituição administrativos e jurisdicionais Diante disso é fácil perceber que a arguição de descumprimento se coloca no sistema brasileiro de controle de constitucionalidade como instrumento capaz de atuar em locais imunes à ação direta de inconstitucionalidade e à ação declaratória de constitucionalidade como por exemplo o direito préconstitucional e o direito municipal 8812 Atos do Poder Público Como o caput do art 1º da Lei 98821999 fala em lesão resultante de ato do Poder Público parece conveniente tratar em primeiro lugar do significado de ato do Poder Público no contexto da arguição de descumprimento de preceito fundamental Não há dúvida que são passíveis de arguição de descumprimento os atos normativos inclusive anteriores à Constituição sejam federais estaduais ou municipais Além destes podem ser objeto de arguição de descumprimento na forma autônoma os atos administrativos e jurisdicionais Tem relevo ao se considerar a abrangência de ato do Poder Público questionar a possibilidade de se compreendêlo na arguição de descumprimento como no mandado de segurança Sabese que é admissível mandado de segurança contra ato praticado por entidade privada que atua por delegação do Poder Público Assim por exemplo os atos de concessionários de serviços públicos que exprimem exercício de competência pública Atos praticados por privados no desempenho de competência pública não têm motivo para não ser abarcados pela arguição de descumprimento de preceito fundamental 911 8813 Direito préconstitucional 912 A Constituição de 1988 não se pronunciou acerca do seu efeito sobre o direito pretérito Mas na vigência da atual Constituição o STF já tratou várias vezes da questão Assim na ADIn 2 reafirmou a orientação que se formara sob o regime constitucional antecedente decidindo que a Constituição revoga o direito anterior que com ela é incompatível recusandose assim sob o fundamento de impossibilidade jurídica do pedido a admitir a ação de inconstitucionalidade 913 Nesta ocasião afirmouse que o vício da inconstitucionalidade é congênito à lei e há de ser apurado em face da Constituição vigente ao tempo de sua elaboração Lei anterior não pode ser inconstitucional em relação à Constituição superveniente nem o legislador poderia infringir Constituição futura A Constituição sobrevinda não torna inconstitucionais leis anteriores com ela conflitantes revogaas 914 O Min Sepúlveda Pertence ao divergir da maioria advertiu para o mal que adviria do rigor na admissão da tese da revogabilidade qual seja a impossibilidade do uso da ação direta Reduzir o problema às dimensões da simples revogação da norma infraconstitucional pela norma constitucional posterior se é alvitre que tem por si a sedução da aparente simplicidade redunda em fecharlhe a via da ação direta E deixar em consequência que o deslinde das controvérsias suscitadas flutue durante anos ao sabor dos dissídios entre juízes e tribunais de todo o País até chegar se chegar à decisão da Alta Corte ao fim de longa caminhada pelas vias frequentemente tortuosas do sistema de recursos Perderão com tudo isso inevitavelmente não só a rapidez mas a uniformização dos resultados da tarefa jurisdicional de conformação do direito velho às novas diretrizes da Lei Fundamental com patente perda da efetividade desta e da segurança jurídica dos jurisdicionados Ao contrário se se entende que o conflito cogitado se traduz em inconstitucionalidade superveniente chamese embora de revogação à sua consequência jurídica abreselhe a via do controle abstrato hoje generosamente ampliada pela desconcentração da legitimidade ativa 915 Como está claro o grande problema do direito préconstitucional estava na impossibilidade de submetêlo ao controle abstrato mediante a ação direta de inconstitucionalidade 916 Isso porém foi resolvido com a Lei 98821999 que no art 1º parágrafo único expressamente previu a possibilidade de utilização da arguição de descumprimento de preceito fundamental para questionar lei ou ato normativo federal estadual ou municipal incluídos os anteriores à Constituição 8814 Declaração de inconstitucionalidade de direito municipal 917 A ação direta de inconstitucionalidade perante a Constituição Federal é restrita às leis e atos normativos estaduais e federais O direito municipal é objeto de ação de inconstitucionalidade apenas em face da Constituição Estadual a ser proposta perante os Tribunais de Justiça art 125 2º da CF A impossibilidade de controle direto do direito municipal traz grave consequência nos planos da previsibilidade e da unidade das decisões judiciais pois impede a definição imediata e com efeitos gerais da questão de constitucionalidade como se apenas o direito federal e o direito estadual pudessem gerar decisões conflitantes quando contrapostos à Constituição Federal A importância de decisão com eficácia vinculante em relação a normas que não podem ser questionadas mediante ação direta de inconstitucionalidade e ação declaratória de constitucionalidade foi objeto de consideração na ADPF 33 ocasião em que o Min Gilmar Mendes ressaltou que a possibilidade de incongruências hermenêuticas e confusões jurisprudenciais decorrentes dos pronunciamentos de múltiplos órgãos pode configurar uma ameaça a preceito fundamental pelo menos ao da segurança jurídica o que também está a recomendar uma leitura compreensiva da exigência aposta à lei da arguição de modo a admitir a propositura da ação especial toda vez que uma definição imediata da controvérsia mostrarse necessária para afastar aplicações erráticas tumultuárias ou incongruentes que comprometam gravemente o princípio da segurança jurídica e a própria ideia de prestação judicial efetiva 918 Notese que o argumento de que a decisão ainda que tomada no controle concentrado apenas produz efeitos em relação à norma municipal objeto da arguição poderia comprometer a própria inspiração do uso da arguição de descumprimento de preceito fundamental em relação às normas municipais É que a prevalecer esta ideia todas as outras normas de conteúdo idêntico à norma municipal especificamente impugnada na arguição de descumprimento continuariam a gerar litígios nos vários cantos do País comprometendo a previsibilidade em relação às decisões judiciais e a coerência da ordem jurídica Sucede que a eficácia vinculante não guarda relação de exclusividade com o dispositivo das decisões de inconstitucionalidade Ao contrário a eficácia vinculante recai sobre o entendimento ou a tese que o STF firmou ao julgar a questão constitucional e assim tem em conta especialmente os fundamentos da decisão ou melhor os fundamentos determinantes da decisão São estes os fundamentos que devidamente analisados no julgamento foram adotados pela maioria dos membros do colegiado e guardam relação de causa e efeito com a conclusão tomada É fácil perceber o motivo pelo qual a eficácia vinculante pertine aos fundamentos determinantes A eficácia vinculante ou obrigatória tem o objetivo de consolidar o sentido que o STF empresta à Constituição Ora é pouco mais do que evidente que este sentido não pode ser transmitido pela parte dispositiva da decisão Esta na verdade jamais teve este intuito ou pretensão já que pode apenas expressar os limites da coisa julgada às partes de um litígio Diante do grande número de leis municipais que podem expressar idêntico conteúdo é completamente irracional supor que a decisão do STF que atribui sentido constitucional a controvérsia envolvendo específica norma de determinado Município materialmente idêntica a inúmeras outras de Municípios diversos possa se dar ao luxo de ficar restrita apenas e tão somente à decisão tomada É preciso constatar que em relação à norma específica a decisão é única mas no que tange à questão constitucional controvertida os seus fundamentos determinantes expressam o entendimento da Corte Constitucional 8815 Declaração de constitucionalidade dos direitos municipal e estadual A mesma linha de argumentação se aplica à declaração de constitucionalidade dos direitos municipal e estadual Em face da Constituição Federal cabe ação de constitucionalidade apenas de lei ou ato normativo federal excluindose assim inclusive as normas estaduais art 102 I a e 2º da CF Porém a arguição de descumprimento de preceito fundamental permite que se declare se norma municipal ou estadual viola preceito fundamental art 1º da Lei 98821999 A declaração de constitucionalidade acerca de suposta violação de preceito fundamental por parte de direito municipal ou estadual é fundamental para a definição imediata e plena com eficácia vinculante da validade normativa posta em dúvida por decisões oriundas de diversos órgãos judiciais Diz o art 14 III da Lei 98681999 que a petição inicial da ação declaratória de constitucionalidade deve demonstrar a existência de controvérsia judicial relevante sobre a aplicação da disposição objeto da ação declaratória Reclamase assim controvérsia dúvida ou incerteza judicial sobre a constitucionalidade da norma Este estado decorre da afirmação judicial de inconstitucionalidade a pôr em xeque a presunção de constitucionalidade Basta que a afirmação judicial de inconstitucionalidade seja relevante ou seja decorra de órgãos judiciais diversos para que reste caracterizado o pressuposto da declaração de constitucionalidade Do mesmo modo se há controvérsia manifestada por órgãos judiciais acerca da compatibilidade de norma municipal ou estadual com preceito fundamental cabe arguição de descumprimento de preceito fundamental 919 Evitase dessa forma a perpetuação de uma grave situação que ademais gera falta de previsibilidade a comprometer a harmonia do desenvolvimento das relações sociais Portanto dáse ênfase ao compromisso do STF com a tutela da coerência da ordem jurídica a partir do fio condutor da Constituição 8816 Controle de ato legislativo em fase de formação O art 1º da Lei 98821999 afirma que por meio da arguição de descumprimento é possível evitar ou reparar lesão a preceito fundamental resultante de ato do Poder Público A norma é expressa no sentido de que a via permite evitar lesão a preceito fundamental que seja decorrente de ato do Poder Público É certo que quando a ação de inconstitucionalidade ou a ação de constitucionalidade não é capaz de adequadamente tutelar a Constituição diante de ato do Poder Público a arguição de descumprimento pode ser chamada a suprir a lacuna Assim por exemplo no caso de lei municipal incompatível com a Constituição Federal Bem longe daí contudo está a possibilidade de se utilizar a arguição de descumprimento para impugnar o ato legislativo em fase de formação como o projeto de lei ou a proposta de emenda constitucional Na ordem jurídica brasileira inexiste previsão dessa forma de controle de constitucionalidade O STF admite o controle do processo legislativo em nome do direito subjetivo do parlamentar de impedir que a elaboração dos atos normativos incida em desvios inconstitucionais entendendose caber mandado de segurança e dessa forma o controle incidental quando a vedação constitucional se dirige ao próprio processamento da lei ou da emenda 920 Nesta hipótese em verdade não há controle preventivo de constitucionalidade Há controle judicial repressivo mediante mandado de segurança A norma constitucional que veda a apresentação da emenda impede o andamento do processo legislativo Há inconstitucionalidade muito antes de se chegar à deliberação o processo é por si inconstitucional 921 Existe distinção entre afirmar violação de norma constitucional que impede o andamento de processo legislativo e asseverar inconstitucionalidade decorrente de lei que será editada Ademais disposições da própria Lei 98821999 que previam a possibilidade de uso da arguição de descumprimento de preceito fundamental para controle do processo legislativo foram vetadas pelo chefe do Poder Executivo sob o fundamento de que não se pode admitir a interferência do STF em questões do Poder Legislativo 922 O STF já teve oportunidade de analisar a possibilidade do uso da arguição de descumprimento de preceito fundamental em face de projeto de emenda constitucional A Corte negou provimento a agravo regimental interposto contra decisão que negou seguimento a arguição de descumprimento de preceito fundamental sob o argumento de que à luz da Lei 98821999 esta deve recair sobre ato do Poder Público não mais suscetível de alterações Advertiu se que a proposta de emenda à Constituição não se insere na condição de ato do Poder Público pronto e acabado porque ainda não ultimado o seu ciclo de formação e ainda que o STF tem sinalizado no sentido de que a arguição de descumprimento de preceito fundamental veio a completar o sistema de controle objetivo de constitucionalidade deixandose consignado que a impugnação de ato com tramitação ainda em aberto possui nítida feição de controle preventivo e abstrato de constitucionalidade o qual não encontra suporte em norma constitucionalpositiva 923 8817 Norma de caráter secundário O STF não admite ação de inconstitucionalidade para impugnar norma de caráter secundário regulamentos resoluções etc 924 Basicamente pela razão de que a norma de caráter secundário deve respeito à norma que lhe confere imediato fundamento de validade de modo que perante a Constituição caberia apenas o controle da última O problema da norma secundária em outras palavras seria sempre de legalidade e não de inconstitucionalidade A questão já foi igualmente enfrentada pelo STF em arguição de descumprimento de preceito fundamental 925 Entretanto a ideia de que tais normas não podem ser objeto de controle direto de constitucionalidade é questionada uma vez que além de poderem violar a Constituição ressentemse da necessidade de decisão dotada de efeitos gerais e vinculantes Assim adverte Clèmerson Merlin Clève que o regulamento pode violar a Constituição não apenas na hipótese de edição de normativa autônoma mas também quando o exercente da atribuição regulamentar deixa de observar os princípios da reserva legal da supremacia da lei e da separação dos Poderes o que o levou a concluir que a falta de controle judicial expedito nestas situações pode tornar também flexível o princípio da divisão dos Poderes permitindo assim afetar uma decisão fundamental do constituinte 926 O ponto com as suas repercussões foi objeto de análise na MC na ADPF 87 que se voltou contra o Provimento 6121998 do Conselho Superior da Magistratura do Estado de São Paulo que estabeleceu as regras para a realização dos concursos para a outorga de delegações de notas e de registro do Estado Ao analisar o pedido de medida cautelar o Min Gilmar Mendes abordando o tema no direito alemão lembrou que de acordo com a doutrina de Christian Pestalozza Verfassungsprozessrecht 2 ed Munique 1982 p 105106 configuramse hipóteses de afronta ao direito geral de liberdade Lei Fundamental alemã art 2º I ou a outra garantia constitucional expressa a a não observância pelo regulamento dos limites estabelecidos em lei Lei Fundamental art 80 I b a lei promulgada com inobservância das regras constitucionais de competência c a lei que estabelece restrições incompatíveis com o princípio da proporcionalidade BVerfGE 38288 298 927 Ao final concluiu que no direito brasileiro não há óbice para que se analise em condições especiais a constitucionalidade de atos regulamentares em face da Constituição pois a questão constitucional muitas vezes é posta de forma tal que se afigura possível a ofensa aos postulados da legalidade e da independência e da separação de poderes os quais merecem proteção da Corte Suprema Consignou porém que o tema revelase complexo especialmente em face dos limites ainda não precisamente definidos da arguição de descumprimento de preceito fundamental acabando por indeferir a liminar pleiteada 928 Portanto é importante considerar também na presente hipótese a viabilidade do uso da arguição de descumprimento de preceito fundamental 8818 Decisões judiciais e arguição de descumprimento de preceito fundamental Como a arguição de descumprimento de preceito fundamental é cabível diante de violação de preceito fundamental decorrente de ato do Poder Público é possível questionar a possibilidade da sua utilização em face de decisão judicial Gilmar Mendes em sede doutrinária admite expressamente a hipótese argumentando que um preceito fundamental pode ser violado em virtude de determinada interpretação judicial do texto constitucional assim como no caso em que a decisão é desprovida de base legal Na primeira hipótese a decisão estaria a violar preceito fundamental Na segunda hipótese ao faltar base legal à decisão judicial haveria violação de algum direito individual específico ao menos na dimensão do princípio da legalidade 929 A admissibilidade da arguição de descumprimento de preceito fundamental em face de decisão judicial deve ser colocada em duas perspectivas considerando as decisões judiciais anteriores ao trânsito em julgado e aquelas que pela coisa julgada material já estão protegidas Ademais diante da regra de que a arguição de descumprimento apenas pode ser aplicada subsidiariamente isto é nos casos em que não exista meio processual capaz de adequadamente proteger a situação seria possível supor que aí jamais haveria lugar para a arguição uma vez que sempre estariam à disposição do prejudicado os recursos e a ação rescisória respectivamente para as decisões anteriores ao trânsito em julgado e para as decisões já acobertadas pela coisa julgada material O óbice da existência de recursos e meios processuais idôneos a afastar a violação foi lembrado na ADPF 157 Neste caso ao se indeferir a petição inicial da arguição argumentouse que em vista das circunstâncias não era possível afastar a regra da subsidiariedade Disse o Min Joaquim Barbosa Inicialmente não foi afastada a existência de outros instrumentos judiciais eficazes para reparar a situação tida por lesiva ao preceito fundamental Observo nesse sentido que pende o julgamento de agravo regimental no AgIn 707204 rel Min Ricardo Lewandowski recurso destinado a assegurar o conhecimento de recurso extraordinário que versa sobre a matéria de fundo Há registro também da propositura de medida de jurisdição cautelar art 21 IV e V do RISTF que embora não acolhida por decisão monocrática encontrase sob o crivo da Corte em agravo regimental AC 1976 AgRgAgRg rel Min Ricardo Lewandowski Em sentido semelhante lêse no site do Tribunal Superior Eleitoral que os interessados intentaram medida destinada a sobrestar o julgamento do RCED 671 Posto que a mesma referência indique que o relator do mandado de segurança Min Félix Fischer não acolheu a pretensão dos interessados não há registro do trânsito em julgado da referida decisão Por se voltar contra uma única decisão proferida em processo de natureza subjetiva enquanto ainda pendente o julgamento do agravo de instrumento em agravo regimental e de medida cautelar relativa ao recurso extraordinário em agravo regimental esta arguição de descumprimento de preceito fundamental opera neste momento como verdadeiro sucedâneo de tais recursos ou das medidas tendentes a conferir lhes tutela recursal Ante o exposto com base no art 4º 1º da Lei 98821999 indefiro a petição inicial desta arguição de descumprimento de preceito fundamental 930 A existência de coisa julgada material foi lembrada como obstáculo na ADPF 134 Subli nhese parte da decisão do Min Ricardo Lewandowski O presente caso objetiva a desconstituição de decisões judiciais entre as quais muitas já transitadas em julgado que aplicaram índice de reajuste coletivo de trabalho definido pelos Decretos Municipais 71531985 71821985 71831985 72511985 71441985 78091988 e 78531988 bem como pela Lei Municipal 60901986 todos do Município de FortalezaCE Este instituto de controle concentrado de constitucionalidade não tem como função desconstituir coisa julgada A argui ção de descumprimento de preceito fundamental é regida pelo princípio da subsidiariedade a significar que a admissibilidade desta ação constitucional pressupõe a inexistência de qualquer outro meio juridicamente apto a sanar com efetividade real o estado de lesividade do ato impugnado A ação tem como objeto normas que não se encontram mais em vigência A ofensa à Constituição Federal consubstanciada na vinculação da remuneração ao salário mínimo não persiste nas normas que estão atualmente em vigência Precedentes A admissão da presente ação afrontaria o princípio da segurança jurídica 931 A existência de recursos e meios aptos a tutelar a parte no caso concreto não elimina a eventual necessidade de se eliminar de forma rápida e com eficácia vinculante violação de preceito fundamental por parte de decisão destituída de base legal ou discrepante do texto constitucional A possibilidade de reiteração de decisões destituídas de base legal ou com conteúdo que viola literalmente preceito fundamental a provocar a negação da Constituição e grave comprometimento da ordem e da segurança jurídicas faz ver a necessidade de ação constitucional capaz de eliminar de forma pronta e com eficácia obrigatória o ato judicial violador Pensese por exemplo em decisões proferidas em determinado Estado da Federação que na fase de cumprimento da sentença condenatória a ser executada de acordo com a Constituição mediante precatório determinam a Municípios o imediato pagamento de quantia em dinheiro sujeitandoos à penhora dos seus bens É indiscutível que nessas hipóteses seria possível chegar mediante recurso extraordinário no STF Notese que a mesma razão pela qual se impõe em determinados casos a pronta e geral eliminação do estado de incerteza quanto à constitucionalidade de norma obriga em outros a eficaz revogação da decisão ou decisões judiciais para se restaurar a coerência do direito e a segurança jurídica evitandose que situações subjetivas similares fiquem expostas à ruptura constitucional Portanto não é exatamente a existência de recursos ou medidas cautelares que pode obstaculizar a arguição Não há razão para a arguição quando a decisão tem repercussão apenas sobre a situação conflitiva concreta Mas se a decisão transcende ao caso concreto atingindo a todos aqueles que por algum motivo podem se deparar com decisões de igual conteúdo tornase necessária a arguição de descumprimento para restabelecer a legitimidade das decisões e a segurança jurídica Por outro lado se a ação rescisória responde adequadamente à necessidade de desconstituição de decisões acobertadas pela coisa julgada material passado o prazo decadencial para o seu exercício é possível que subsista decisão destituída de base legal ou com violação literal a preceito constitucional Nada impede que se alargue o prazo para desconstituição de decisão violadora de preceito fundamental nem muito menos que se estabeleça ação constitucional destinada a impugnála Assim tudo se resume à análise de se o art 102 1º da CF abriu oportunidade para ação que permite tutelar preceito fundamental violado por decisão transitada em julgado há mais de dois anos Se a tutela de preceito fundamental pode consistir na declaração judicial de que uma norma o violou um preceito fundamental também é tutelado quando são desconstituídas as decisões transitadas em julgado que o agrediram A arguição de descumprimento não se destina a tutelar direito subjetivo lesado ou a afastar a coisa julgada que se formou em detrimento de determinado sujeito ou grupo de pessoas mas a tutelar a ordem jurídica ou o direito objetivo Neste caso ao contrário do que ocorre na ação voltada a declarar a nulidade de norma editada em contraposição à Constituição no lugar da norma está a decisão judicial porém ambas quando violam preceito fundamental têm o mesmo efeito perverso Realmente quando se pensa no uso da arguição contra decisão judicial a violação ao direito não está na norma aplicada mas na própria decisão que por isso mesmo tem de ser arbitrária ou destituída de qualquer base legal ou ainda dotada de dicção que viola grosseira e literalmente preceito fundamental Retenhase o ponto não se trata de impugnar decisão que interpretou norma de forma racional mas de decisão que não é ancorada no direito ou de decisão que claramente nega preceito fundamental violandoo de forma literal e grosseira Aliás não seria constitucional em face do princípio da segurança jurídica eternizar a possibilidade da discussão acerca da adequada interpretação de questão constitucional ou de preceito fundamental Quando a interpretação do texto constitucional é controvertida ou este racionalmente permite que se chegue a determinada decisão a decisão de inconstitucionalidade do STF não tem o efeito de nulificar as decisões anteriores Em nome da segurança jurídica é preciso salvaguardar os juízos precedentes sobre a questão constitucional ainda que distintos daquele que veio a prevalecer na decisão do STF Se não for assim a decisão judicial decorrente do deverpoder de realizar o controle difuso da constitucionalidade sempre será condicionada a um evento imprevisível Pelo mesmo motivo que não se concebe uma decisão provisoriamente estável o que seria uma contradição em termos não se pode raciocinar como se fosse possível admitir uma coisa julgada subordinada a uma não decisão de inconstitucionalidade Contudo é preciso bem distinguir O juízo firmado a partir de questão constitucional que pode ser controvertida ou aberta à discussão é muito diferente do juízo arbitrário que viola clara e literalmente preceito constitucional É apenas neste último caso que se pode pensar na utilização da arguição de descumprimento de preceito fundamental 8819 A questão da omissão parcial Como já foi explicado determinadas normas podem ser acusadas de insuficientes para tutelar adequadamente a norma constitucional ou para atender a todas as pessoas ou grupos que dela são beneficiários Ou melhor determinada lei pode ter baixa intensidade de proteção ou de satisfação da norma constitucional ou ainda conferir a vantagem albergada na norma constitucional apenas a grupo ou parcela de pessoas negando a universalidade dos seus beneficiários Enquadramse respectivamente nestas hipóteses por exemplo a lei que prevê salário mínimo em valor insuficiente à realização da norma que garante remuneração digna ao cidadão art 7º IV da CF 932 e a lei que concede revisão de remuneração aos militares sem contemplar os civis CF art 37 X e art 39 1º 933 É possível pensar nesses casos dependendo do ângulo a partir de que se olha em inconstitucionalidade da lei e em inconstitucionalidade por omissão Sucede que a declaração de nulidade da lei ou apenas a declaração de mora legislativa obviamente não resolvem o problema podendo em verdade agraválo caso se retire o benefício já gerado pela lei a alguns Bem vistas as coisas quando se reconhece a incompletude da atuação legislativa a questão é apenas a de se é possível e de que modo suprir a falta do legislador Conforme argumentamos no item 874 Da decisão na ação de inconstitucionalidade por omissão Crítica do capítulo que tratou da Ação direta de inconstitucionalidade por omissão o princípio da separação dos Poderes confere ao Legislativo o poder de elaborar as leis mas não lhe outorga poder para inviabilizar a normatividade da Constituição Aliás tal poder certamente não é absoluto ou imune Bem por isso nos casos em que a Constituição depende de lei ou tutela infraconstitucional a inação do Legislativo exatamente por não ser vista como discricionariedade ou manifestação de liberdade e sim como violação de dever deve ser suprida pelo Judiciário mediante a elaboração da norma que deixou de ser editada É necessário cautela para não confundir dificuldade em elaborar judicialmente a norma com vedação à elaboração judicial da norma Argumentase que o Judiciário não poderia elaborar determinada norma ou teria dificuldade em relação a outra para tentar fazer acreditar que ele estaria proibido de elaborar a norma ainda que esta revele descaso do legislador com a Constituição É certo que diante da ação de inconstitucionalidade por omissão o Judiciário não poderá elaborar as normas que demandam insubstituível intervenção do legislador e que portanto são insupríveis Mas daí não se pode retirar o argumento de que o Judiciário não pode suprir a omissão legislativa Portanto se o prazo conferido ao Legislativo não é cumprido e assim a declaração judicial da omissão inconstitucional não surte efeito isso não permite ao Judiciário parar por aí como se o seu dever não fosse o de remediar a ausência de tutela normativa O Judiciário tem o dever de suprir a falta de tutela do Legislativo e não o de simplesmente pronunciála De modo que quando a norma não exigir a atuação insubstituível do legislador o não cumprimento do prazo pelo Legislativo abre ao Judiciário como regra geral a possibilidade de elaborar a norma faltante para suprir a inércia do legislador evitando que o seu desprezo à Constituição gere um estado consolidado e permanente de inconstitucionalidade com o qual o Estado de Direito não pode conviver Porém o entendimento de que a ação de inconstitucionalidade por omissão impede a elaboração judicial da norma que incumbia ao legislador permite investigar como alternativa a possibilidade do uso da arguição de descumprimento de preceito fundamental Esta possibilidade que então teria a anuência da regra da subsidiariedade conta com a aplicação do art 10 da Lei 98821999 que dispõe que julgada a ação farseá comunicação às autoridades ou órgãos responsáveis pela prática dos atos questionados fixandose as condições e o modo de interpretação e aplicação do preceito fundamental O STF na ADPF 4 teve oportunidade de discutir a questão da admissibilidade do uso da arguição em caso de omissão parcial Tal arguição foi ajuizada contra a MedProv 20192000 que fixou o valor do salário mínimo Chegouse num primeiro momento a empate de cinco a cinco na votação Os Ministros Octavio Gallotti relator Nelson Jobim Maurício Corrêa Sydney Sanches e Moreira Alves aludindo ao 1º do art 4º da Lei 98821999 Não será admitida arguição de descumprimento de preceito fundamental quando houver qualquer outro meio eficaz de sanar a lesividade não conheceram da arguição tendo em vista a existência de outro meio eficaz para sanar a alegada lesividade precisamente a ação direta de inconstitucionalidade por omissão Enquanto isso os Ministros Celso de Mello Marco Aurélio Sepúlveda Pertence Ilmar Galvão e Carlos Velloso conheceram da arguição entendendo que a ação direta de inconstitucionalidade por omissão não seria em princípio eficaz para sanar a alegada lesividade À vista do empate na votação o julgamento foi adiado sobrevindo voto do Min Néri da Silveira que conheceu da arguição entendendo que não sendo a ação direta de inconstitucionalidade por omissão adequada ao caso não se aplicaria o 1º do art 4º da Lei 98821999 934 882 Procedimento 935 A petição inicial da arguição de descumprimento deve conter i a indicação do preceito fundamental que se considera violado ii a indicação do ato questionado iii a prova da violação do preceito fundamental iv o pedido com suas especificações e se for o caso v a comprovação da existência de controvérsia judicial relevante sobre a aplicação do preceito fundamental que se considera violado art 3º da Lei 98821999 936 Como acontece com as demais ações voltadas ao controle abstrato de constitucionalidade a causa de pedir da arguição de descumprimento é aberta de modo que a especificação de determinado fundamento não impede que a Corte julgue com base em outro desde que pertinente a preceito fundamental 937 Indeferida liminarmente a petição inicial pelo relator 938 quando for inepta lhe faltar requisito legal ou não for caso de arguição de descumprimento de preceito fundamental cabe agravo regimental no prazo de cinco dias art 4º caput e 2º da Lei 98821999 Admitese expressamente o cabimento de medida liminar art 5º da Lei 98821999 A liminar poderá ser concedida pelo relator ad referendum 939 do Tribunal Pleno em caso de extrema urgência ou de perigo de lesão grave ou ainda em período de recesso art 5º 1º O relator poderá ouvir os órgãos ou autoridades responsáveis pelo ato questionado bem como o AdvogadoGeral da União ou o ProcuradorGeral da República no prazo comum de cinco dias art 5º 2º Levado o pedido ao exame do Plenário a liminar poderá ser deferida por decisão da maioria absoluta dos seus membros art 5º Apreciado o pedido de liminar o relator solicitará informações às autoridades responsáveis pela prática do ato questionado no prazo de dez dias art 6º Entendendo necessário poderá ouvir as partes nos processos que ensejaram a arguição 940 requisitar informações adicionais designar perito ou comissão de peritos para que emita parecer sobre a questão ou ainda fixar data para declarações em audiência pública de pessoas com experiência e autoridade na matéria art 6º 1º Embora a Lei 98821999 não preveja a intervenção do amicus curiae o STF a tem admitido também na arguição de descumprimento de preceito fundamental invocando para tanto as razões que abrem oportunidade para tal forma de intervenção na ação direta de inconstitucionalidade marcadamente o 2º do art 7º da Lei 98681999 941 Temse entendido que o amicus curiae embora em princípio deva intervir até o prazo das informações pode se manifestar fora deste prazo 942 por escrito ou mediante sustentação oral Sustentase também que o próprio 2º do art 6º da Lei 98821999 ao dispor que poderão ser autorizadas a critério do relator sustentação oral e juntada de memoriais por requerimento dos interessados no processo legitimaria uma espécie de amicus curiae que não necessitaria sequer demonstrar o requisito da representatividade bastandolhe evidenciar interesse no processo 943 Porém isso tem procedência apenas em relação àqueles que participam dos processos em que se discute a questão constitucional Como é óbvio a qualidade que justifica essa intervenção nada tem a ver com aquela que em nome da pluralização do debate e da democratização do processo constitucional deve expressar interesses gerais da coletividade ou os valores essenciais e relevantes de grupos classes ou estratos sociais 944 O Ministério Público nas arguições que não houver formulado terá vista do processo por cinco dias após o decurso do prazo para informações art 7º parágrafo único Frisese que não se admite a desistência da ação dada a natureza da arguição de descumprimento de preceito fundamental embora previsão neste sentido não esteja expressa na Lei 98821999 Após tudo isso o relator lançará o relatório com cópia a todos os Ministros e pedirá dia para julgamento art 7º Para a tomada da decisão deverão estar presentes na sessão pelo menos dois terços dos membros do Tribunal art 8º A decisão de procedência ou de improcedência requer maioria absoluta como acontece para se declarar a inconstitucionalidade ou a constitucionalidade de norma 945 Lembrese que as sessões de julgamento das ações de inconstitucionalidade e de constitucionalidade apenas podem ser instaladas com a presença de oito Ministros art 22 da Lei 98681999 exigindo a decisão em qualquer dos casos maioria absoluta dos membros do Tribunal ou seja o mínimo de seis votos art 23 da Lei 98681999 O art 23 parágrafo único da Lei 98681999 ainda esclarece que se não for alcançada a maioria necessária à declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade estando ausentes Ministros em número que possa influir no julgamento este será suspenso a fim de aguardar se o comparecimento dos Ministros ausentes até que se atinja o número necessário para prolação da decisão num ou noutro sentido Proferida a decisão comunicarseá o responsável pelo ato praticado devendo o Presidente do Tribunal determinar o seu imediato cumprimento lavrandose o acórdão posteriormente Dentro do prazo de dez dias contado a partir do trânsito em julgado da decisão sua parte dispositiva será publicada em seção especial do Diário da Justiça e do Diário Oficial da União art 10 1º e 2º da Lei 98821999 A decisão é irrecorrível e não pode ser objeto de ação rescisória art 12 da Lei 98821999 Caso a decisão proferida na arguição venha a ser desrespeitada por autoridade a ela vinculada caberá reclamação ao STF art 13 da Lei 98821999 883 Medida liminar Diz o 3º do art 5º da Lei 98821999 que a liminar poderá consistir na determinação de que juízes e tribunais suspendam o andamento de processo ou os efeitos de decisões judiciais ou de qualquer outra medida que apresente relação com a matéria objeto da arguição de descumprimento de preceito fundamental salvo se decorrentes da coisa julgada Tratase de suspensão de todos os processos em que se discuta a questão submetida ao STF 946 A suspensão se dá em homenagem à uniformidade do tratamento dos litígios e à coerência da ordem jurídica que reclama decisões iguais para casos iguais e objetiva evitar que eventual decisão de órgão judicial inferior distinta da do STF possa causar prejuízos irreparáveis à parte Em vista da norma do referido 3º podem ser suspensos os efeitos das decisões ou de qualquer outra medida que apresente relação com a matéria objeto da arguição de descumprimento de preceito fundamental salvo se decorrentes da coisa julgada Assim pode ser suspensa a execução provisória de sentença ou a execução de decisão concessiva de tutela antecipatória ou cautelar Em razão da intangibilidade da coisa julgada a norma deixou claro que a liminar concedida na arguição de descumprimento de preceito fundamental não pode interferir sobre decisão por ela já acobertada e protegida Em decisão proferida na MC na ADPF 67 o Min Cezar Peluso realçou a inteligência da norma do 3º do art 5º ao afirmar ser expressa a disposição que ressalva do alcance de eventual liminar os efeitos de decisão judicial coberta por res iudicata que como garantia constitucional é invulnerável até a lei superveniente art 5º XXXVI da Constituição da República e a fortiori a outra decisão jurisdicional tirante em matéria civil a hipótese de rescisória É aliás o que já decidiu a Corte em cautelar na ADPF 10 com base no art 5º 1º da Lei 98821999 defiro ad referendum do Tribunal Pleno o pedido de cautelar e ordeno seja sustado o andamento de todas as reclamações ora em tramitação naquela Corte e demais decisões que envolvam a aplicação dos preceitos ora suspensos e que não tenham ainda transitado em julgado até o final desta arguição rel Min Maurício Corrêa DJ 13092001 No caso o arguente pede suspensão liminar da eficácia de decisões recobertas pela qualidade da coisa julgada como se colhe do sítio eletrônico da Justiça paraibana de modo que não pode ser ouvido a respeito E quanto à suspensão de qualquer outra medida em tramitação na Justiça paraibana que apresente relação com a matéria objeto desta arguição de descumprimento de preceito fundamental não se lhe encontram neste juízo prévio e sumário os requisitos indispensáveis à concessão de tutela provisória 947 Além da suspensão dos processos é possível a suspensão dos efeitos do próprio ato impugnado Na ADPF 54 que trata da questão do aborto de fetos anencefálicos o Min Marco Aurélio concedeu liminar para além de suspender os processos autorizar o parto terapêutico 948 A decisão que concedeu a liminar em relação ao último ponto foi revogada pelo Plenário mantendose apenas a suspensão dos processos 949 De qualquer forma independentemente do mérito do referido caso não há razão para em tese admitir liminar apenas para suspender os processos ou o ato impugnado uma vez que em algumas hipóteses a tutela de preceito fundamental pode depender da imediata e impostergável autorização para a prática de um ato ou de determinada conduta positiva 884 Decisão e efeitos 950 A decisão definirá a legitimidade do ato impugnado podendo declarálo nulo e impedir a sua aplicação bem como se necessário determinar medida idônea à tutela do preceito fundamental Diz o art 10 da Lei 98821999 que a decisão fixará as condições e o modo de interpretação e aplicação do preceito fundamental o que é importante especialmente ao se admitir a arguição de descumprimento em caso de norma insuficiente ou omissão parcial Tal fixação ainda que realizada ao lado da declaração de nulidade do ato tem o objetivo de dirigir a atuação futura do Poder Público evitandose a prática de atos que possam voltar a violar o preceito fundamental Quando o ato impugnado consistir em decisão judicial poderá ser necessário dar ao juiz da causa oportunidade para voltar a decidir com observância das condições e modo de interpretação e aplicação fixados A decisão por sua natureza tem efeitos gerais e vinculantes art 10 da Lei 98821999 Esclareçase porém que os limites objetivos da eficácia vinculante não se restringem ao dispositivo da decisão abarcando a fundamentação os fundamentos determinantes que permitiu a conclusão do Tribunal Por conta disso cabe reclamação não apenas contra decisão que tratando do A Lei 98821999 trata de maneira específica dos efeitos temporais da decisão de procedência afirmando o seu art 11 que ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo no processo de arguição de descumprimento de preceito fundamental e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social poderá o Supremo Tribunal Federal por maioria de dois terços de seus membros restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado reorganizar as finanças da unidade da Federação que a suspender o pagamento da dívida fundada por mais de dois anos consecutivos salvo motivo de força maior b deixar de entregar aos Municípios receitas tributárias fixadas nesta Constituição dentro dos prazos estabelecidos em lei VI prover a execução de lei federal ordem ou decisão judicial VII assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais a forma republicana sistema representativo e regime democrático b direitos da pessoa humana c autonomia municipal d prestação de contas da Administração Pública direta e indireta e aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais compreendida a proveniente de transferências na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde Por sua vez afirma o art 36 da CF que a decretação da intervenção dependerá I no caso do art 34 IV de solicitação do Poder Legislativo ou do Poder Executivo coacto ou impedido ou de requisição do Supremo Tribunal Federal se a coação for exercida contra o Poder Judiciário II no caso de desobediência a ordem ou decisão judiciária de requisição do Supremo Tribunal Federal do Superior Tribunal de Justiça ou do Tribunal Superior Eleitoral III de provimento pelo Supremo Tribunal Federal de representação do ProcuradorGeral da República na hipótese do art 34 VII e no caso de recusa à execução de lei federal IV revogado pela EC 452004 1º O decreto de intervenção que especificará a amplitude o prazo e as condições de execução e que se couber nomeará o interventor será submetido à apreciação do Congresso Nacional ou da Assembleia Legislativa do Estado no prazo de vinte e quatro horas 2º Se não estiver funcionando o Congresso Nacional ou a Assembleia Legislativa farseá convocação extraordinária no mesmo prazo de vinte e quatro horas 3º Nos casos do art 34 VI e VII ou do art 35 IV dispensada a apreciação pelo Congresso Nacional ou pela Assembleia Legislativa o decreto limitarseá a suspender a execução do ato impugnado se essa medida bastar ao restabelecimento da normalidade 4º Cessados os motivos da intervenção as autoridades afastadas de seus cargos a estes voltarão salvo impedimento legal A intervenção da União nos Estados para assegurar a execução de lei federal ou a observância dos denominados princípios constitucionais sensíveis art 34 VII da CF depende de provimento pelo STF de representação do ProcuradorGeral da República art 36 III da CF art 2º da Lei 125622011 A Constituição Federal no quadro do Estado Federal impõe deveres aos Estadosmembros Estes quando não observados abrem ensejo à representação interventiva deferida ao Procurador Geral da República A representação assim almeja proteger o pacto federativo e a base constitucional em que se assenta o Estado Democrático de Direito A representação interventiva tem como pressuposto a violação de dever constitucional por Estado componente da Federação e é assim espécie de conflito entre a União e Estadomembro Nessa linha a presença do ProcuradorGeral da República como legitimado ao seu exercício faz ver o interesse da própria União na observância dos deveres atribuídos aos Estados A Constituição concede ao Supremo Tribunal o poder de realizar juízo acerca dos pressupostos para a intervenção substituindo nesse sentido aquele que nas outras hipóteses de intervenção é conferido ao Presidente da República Tal juízo se apresenta como antecedente lógico ao provimento da representação interventiva recaindo sobre a recusa à execução de lei federal ou sobre a lesão aos princípios sensíveis e dessa forma constituindo conclusão ainda que incidental no processo acerca de alegada violação da Constituição Federal O controle da constitucionalidade portanto é concreto realizandose incidentalmente ao julgamento da representação interventiva a espelhar conflito entre a União e o Estadomembro A representação visa propriamente resolver conflito entre a União e o Estadomembro e assim afastase do controle abstrato de normas em que se objetiva apenas tutelar em abstrato a legitimidade da ordem jurídica 952 Cabe ao Supremo para julgar procedente a representação interventiva reconhecer a violação de dever constitucional Ou seja a intervenção requer pronunciamento positivo ou declaração do STF O Tribunal faz juízo quanto a pressuposto autorizador de intervenção federal e quando o reconhece presente declarao vinculando o chefe do Poder Executivo que mediante decreto realiza a intervenção A procedência do pedido de intervenção não constitui a intervenção propriamente dita mas declara a sua necessidade Representa em essência de um lado pressuposto para a intervenção a ser decretada pelo chefe do Poder Executivo e de outro espécie de mandamento para que o Presidente a decrete Nessa linha afirma o art 11 da Lei 12562 de 23122011 que se a decisão final for pela procedência do pedido formulado na representação interventiva o Presidente do Supremo Tribunal Federal publicado o acórdão leváloá ao conhecimento do Presidente da República para no prazo improrrogável de até 15 dias dar cumprimento aos 1º e 3º do art 36 da Constituição Federal Advirtase entretanto que se a representação interventiva importa para a tutela do pacto federativo e dos fundamentos em que se baseia o próprio Estado de Direito sem dúvida é figura excepcional dado o seu impacto sobre a autonomia dos Estados membros 953 Aliás além de ter sido pouco utilizada nos regimes anteriores a representação interventiva tem papel limitado no atual regime de controle de constitucionalidade bastando lembrar que cabe ação direta de inconstitucionalidade de legitimidade fluida inclusive do ProcuradorGeral da República para eliminar da ordem jurídica leis estaduais que confrontem a Constituição Federal 886 Legitimidade Discutese sobre a natureza da legitimidade ativa atribuída ao ProcuradorGeral da República 954 Em obra clássica Da ação de declaração de inconstitucionalidade no direito brasileiro afirmou Buzaid que o ProcuradorGeral da República é o autor da ação e opera como substituto processual isto é age em nome próprio mas por interesse alheio Não o move um interesse pessoal ele representa toda a coletividade empenhada em expurgar da ordem jurídica os atos políticos manifestamente inconstitucionais e capazes de pôr em risco a estrutura do Estado 955 O instituto da substituição processual foi pensado para o processo inter partes e para as situações em que se tutela em nome próprio direito ou situação subjetiva de terceiro No processo objetivo simplesmente não existe direito de terceiro ou alguém que o substitui requerendo a tutela de direito subjetivo em nome próprio Há claramente ente a quem a Constituição atribui legitimidade para instaurar o processo de controle de constitucionalidade das normas de que defluem decisões que naturalmente beneficiam os cidadãos Portanto dizer que o legitimado à ação de inconstitucionalidade é substituto processual representa tentativa de transpor forçadamente conceito do processo civil tradicional para o plano do processo constitucional de índole objetiva Pior ainda é supor que na representação interventiva que não configura ação voltada ao controle abstrato de constitucionalidade o ProcuradorGeral da República aparece como substituto processual da coletividade O ProcuradorGeral da República aqui não atua como substituto processual nem como legitimado ao controle abstrato de constitucionalidade Como a ação de representação interventiva pressupõe conflito entre a União e o Estadomembro o ProcuradorGeral da República atua para tutelar o pacto federativo e a ordem jurídica constitucional A posição do ProcuradorGeral da República na ação interventiva é sui generis uma vez que não é de substituto processual de legitimado ao controle abstrato de constitucionalidade ou de simples Advogado da União 956 Bem vistas as coisas o ProcuradorGeral da República funciona como legitimado à ação de representação interventiva em virtude da outorga constitucional que lhe foi feita pelo art 36 III da CF não podendo recusar a propositura da ação quando presentes estiverem os pressupostos para tanto mas não estando obrigado a propôla apenas porque o Presidente da República a deseja O Procurador Geral atua excepcionalmente para tutelar o equilíbrio federativo e a ordem jurídica constitucional e mesmo que esteja atuando em nome de interesses da União na proteção dos princípios federativos faz presente o interesse na proteção da ordem jurídica constitucional o que revela inexistência de contradição em estar também agindo como chefe do Ministério Público Federal em nome da União Embora a violação derive em regra do Poder Executivo nada impede em tese que a lesão advenha do Poder Legislativo ou do Poder Judiciário Seja qual for o caso legitimado passivo é o Estadomembro a que se atribui a violação recaindo a defesa do ente federativo sobre o respectivo ProcuradorGeral do Estado art 132 da CF 887 Objeto O objeto da representação interventiva é a existência de recusa à execução de lei federal ou de lesão aos princípios constitucionais sensíveis ao passo que o seu objetivo é decisão do STF que declare a existência ou não de pressuposto para a intervenção federal Retenhase o ponto não se declara ao final a nulidade de lei ou ato normativo estadual podendose afirmar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo estadual incidentalmente para ao final se declarar presente pressuposto para a intervenção federal Ao ser promulgada a Constituição Federal deferia ao STJ competência para julgar a representação interventiva contra recusa à execução de lei federal Supõese que isso ocorreu porque ao se dar ao STJ competência para tratar da interpretação e da aplicação da lei federal entendeuse que seria correto igualmente deferir a esta Corte competência para analisar eventual recusa à execução de lei federal Sucede que a recusa à execução de lei federal por Estado membro configura conflito entre a União e o Estado além de violação de dever constitucional art 34 VI da CF ensejador de intervenção Bem por isso a EC 452004 alterando o art 36 da CF atribui ao STF também a competência de julgar a representação interventiva por recusa à execução de lei federal Assim o Supremo Tribunal possui hoje competência para julgar não apenas a representação interventiva em caso de violação dos princípios sensíveis mas também na hipótese de recusa à execução de lei federal Até recentemente entendiase que a violação dos princípios sensíveis apenas poderia se dar mediante a edição de ato normativo qualquer que fosse a sua hierarquia Contribuiu para isso além do regime da Constituição de 1934 a dicção da Constituição de 1946 ao falar em depois que o STF mediante representação do ProcuradorGeral da República julgar inconstitucional o ato impugnado O que se vislumbra como é intuitivo é a possibilidade de representação interventiva em razão de atos materiais inclusive omissivos que configurem agressão aos princípios constitucionais sensíveis Tratase da questão que foi posta no Pedido de Intervenção 114 957 do Estado de Mato Grosso o qual fez surgir acórdão emblemático sobre o tema na medida em que imprimiu outro significado ao conceito de ato de violação de princípio sensível e à própria função da representação interventiva Afirmouse no pedido de intervenção que determinadas pessoas foram retiradas do poder da polícia e linchadas e assassinadas por populares na cidade de Matupá Estado do Mato Grosso tendo o Estado faltado ao seu dever de proteção à pessoa humana ao não conter a população Embora tenha sido lembrado o argumento de que a representação exige a prática de ato normativo Ministros Celso de Mello e Moreira Alves 958 a Corte acabou admitindo o pedido de intervenção mediante o voto condutor do Min Sepúlveda Pertence que sob o fundamento de que a Constituição de 1988 afirma que a intervenção depende apenas de provimento pelo STF de representação do ProcuradorGeral da República art 36 III da CF concluiu que seria possível agora entender que a violação dos princípios sensíveis pode se dar por meio de ato material inclusive omissivo do Estado 959 O pedido conhecido foi julgado improcedente mas o que importa neste caso é exatamente a revelação de nova postura para a configuração do uso em tese da representação interventiva A ementa do julgado dada a importância e a novidade da tese nele trilhada e também por ser esclarecedora do tema vale a pena ser lembrada Intervenção federal 2 Representação do ProcuradorGeral da República pleiteando intervenção federal no Estado de Mato Grosso para assegurar a observância dos direitos da pessoa humana em face de fato criminoso praticado com extrema crueldade a indicar a inexistência de condição mínima no Estado para assegurar o respeito ao primordial direito da pessoa humana que é o direito à vida Fato ocorrido em Matupá localidade distante cerca de 700 km de Cuiabá 3 Constituição arts 34 VII b e 36 III 4 Representação que merece conhecida por seu fundamento alegação de inobservância pelo Estadomembro do princípio constitucional sensível previsto no art 34 VII b da CF1988 quanto aos direitos da pessoa humana Legitimidade ativa do ProcuradorGeral da República CF art 36 III 5 Hipótese em que estão em causa direitos da pessoa humana em sua compreensão mais ampla revelandose impotentes as autoridades policiais locais para manter a segurança de três presos que acabaram subtraídos de sua proteção por populares revoltados pelo crime que lhes era imputado sendo mortos com requintes de crueldade 6 Intervenção federal e restrição à autonomia do Estadomembro Princípio federativo Excepcionalidade da medida interventiva 7 No caso concreto o Estado de Mato Grosso segundo as informações está procedendo à apuração do crime Instaurouse de imediato inquérito policial cujos autos foram encaminhados à autoridade judiciária estadual competente que os devolveu a pedido do Delegado de Polícia para o prosseguimento das diligências e averiguações 8 Embora a extrema gravidade dos fatos e o repúdio que sempre merecem atos de violência e crueldade não se trata porém de situação concreta que por si só possa configurar causa bastante a decretarse intervenção federal no Estado tendo em conta também as providências já adotadas pelas autoridades locais para a apuração do ilícito 9 Hipótese em que não é por igual de determinarse intervenha a Polícia Federal na apuração dos fatos em substituição à Polícia Civil de Mato Grosso Autonomia do Estadomembro na organização dos serviços de justiça e segurança de sua competência CF arts 25 1º 125 e 144 4º 10 Representação conhecida mas julgada improcedente 960 Entendeuse no caso que a representação interventiva na Constituição de 1988 não é refém de atos normativos também podendo ser utilizada em face de atos administrativos atos concretos e atos omissivos estatais 961 Sensível a isso a Lei 125622011 que regulamenta o inciso III do art 36 da CF para dispor sobre o processo e julgamento da representação interventiva perante o Supremo Tribunal Federal estabeleceu como requisito da petição inicial a indicação do ato normativo do ato administrativo do ato concreto ou da omissão questionados art 3º II 888 Compreensão dos princípios sensíveis como parâmetro para a decretação da intervenção Os princípios sensíveis cuja violação pode dar lugar à decretação de intervenção federal nos Estadosmembros são taxativamente enumerados no inciso VII do art 34 a forma republicana sistema representativo e regime democrático b direitos da pessoa humana c autonomia municipal d prestação de contas da Administração Pública direta e indireta e aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais compreendida a proveniente de transferências na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde Os princípios são fixados de modo taxativo ou em numerus clausus inadmitindose assim interpretação tendente a introduzir outro princípio no elenco Porém a circunstância de não ser possível pensar em princípio não expresso não elimina a necessidade de se interpretar a essência de cada princípio no quadro da Constituição Portanto não há dúvida que o olhar sobre os princípios em face de sua limitação aos elencados de forma taxativa é por assim dizer restritivo mas para que se possa definir quando os Estado membros estão a cometer ilicitudes ou a violar dever que lhes foi imposto é preciso ter em conta o conteúdo e a extensão do preceito que os subordina Na visualização dos princípios sensíveis importa ter em conta os seus conteúdos na Constituição assim como suas relações de interdependência considerandose os dispositivos que lhes outorgam densidade normativa e significado 962 Importa perceber especialmente diante da extensão da admissibilidade da representação interventiva perante atos concretos inclusive de conteúdo omissivo como demonstrado no item precedente quando lembrado o Pedido de Intervenção 114 do Estado de Mato Grosso que é imprescindível bem situar mediante critérios racionalizados e definidos em precedentes dotados de autoridade sobre o próprio Supremo Tribunal que os edita quando determinado princípio sensível realmente está sendo violado Para tanto é necessário delimitar não apenas o conteúdo e a relação de interdependência do princípio como também a força ou a intensidade dos atos de responsabilidade do Estado que uma vez praticados podem dar margem à decretação de intervenção 889 Procedimento Sob o império do art 119 3º da CF19671969 o Regimento Interno do STF estabeleceu procedimento único para a representação de inconstitucionalidade em abstrato e para a representação interventiva arts 169175 do RISTF Após a Lei 98681999 que passou a regular a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade o procedimento do Regimento Interno do STF ficou restrito à representação interventiva No final de 2011 o procedimento da representação interventiva foi regulamentado pela Lei 12562 de 23122011 A Lei 125622011 em seu art 3º estabeleceu os requisitos da petição inicial I a indicação do princípio constitucional que se considera violado ou se for o caso de recusa à aplicação de lei federal das disposições questionadas II a indicação do ato normativo do ato administrativo do ato concreto ou da omissão questionados III a prova da violação do princípio constitucional ou da recusa de execução de lei federal IV o pedido com suas especificações O inciso II deixa claro que a representação interventiva não se limita aos atos normativos mas pode ser utilizada na linha do que já decidira o STF na IF 114 963 diante de atos administrativos atos concretos e atos omissivos estatais Lembrese que diante da Constituição de 1988 não há razão para subordinar a representação a ato normativo A prova não é limitada à documental Esclarece o art 7º da Lei 125622011 que se entender necessário poderá o relator requisitar informações adicionais designar perito ou comissão de peritos para que elabore laudo sobre a questão ou ainda fixar data para declarações em audiência pública de pessoas com experiência e autoridade na matéria podendo ainda ser autorizadas a critério do relator a manifestação e a juntada de documentos por parte de interessados no processo parágrafo único art 7º Assim diante das particularidades de cada caso podem ser produzidas prova documental testemunhal e pericial bem como a ouvida de especialistas na matéria Aliás o caput do art 7º confere ao relator o poder de atuar de ofício seja para requisitar informações complementares seja para determinar perícia ou fixar data para a ouvida de especialistas O pedido é de declaração de condição para a intervenção federal Pedese a declaração da presença de requisito que no processo político de intervenção é indispensável para a sua ocorrência requerendose ainda que uma vez declarado o pressuposto para a intervenção seja o acórdão levado ao conhecimento do Presidente da República para no prazo improrrogável de até 15 dias expedirse decreto de intervenção nos termos dos 1º e 3º do art 36 da CF art 11 da Lei 125622011 A declaração assim gera dever e responsabilidade não constituindo mera recomendação 964 Se a petição inicial for inepta se não for caso de representação interventiva ou se faltar requisito para seu processamento o relator deve liminarmente indeferir a petição inicial daí cabendo agravo ao Plenário no prazo de cinco dias art 4º da Lei 125622011 Requerida liminar o relator poderá ouvir os órgãos ou autoridades responsáveis pelo ato questionado bem como o AdvogadoGeral da União ou o ProcuradorGeral da República no prazo comum de cinco dias art 5º 1º da Lei 125622011 Não tendo sido requerida liminar ou após a sua apreciação 965 o relator solicitará informações à autoridade responsável pela prática do ato impugnado a qual terá o prazo de dez dias para prestálas Após devem ser ouvidos sucessivamente o AdvogadoGeral da União e o ProcuradorGeral da República contando cada um com o prazo de 10 dias para se manifestar art 6º 1º da Lei 125622011 O 2º do art 6º confere ao relator importante poder processual Tem este o poder de utilizar os meios que julgar necessários na forma do RISTF para resolver o conflito que deu origem à representação interventiva O relator tem o dever de assim agir após a petição inicial ter sido recebida seja para evitar perturbação política e social durante o tempo de processamento da representação seja para encontrar elementos que permitam a acomodação da situação de forma menos desgastante aos envolvidos Após requisitadas ou não outras informações adicionais perícia ou ouvida de especialistas art 7º da Lei 125622011 o relator lançará o relatório com cópia para todos os Ministros e pedirá dia para julgamento art 8º da Lei 125622011 que se fará em sessão em que devem estar presentes no mínimo oito Ministros art 9º da Lei 125622011 890 Medida liminar Sempre houve resistência à admissibilidade de medida liminar na representação interventiva 966 Alegavase basicamente que a decisão final tem natureza declaratória e que esta não elimina o ato que deu ensejo à ação mas apenas abre oportunidade para que seja decretada a intervenção Nada impede que se conceda tutela provisória em ação declaratória seja para obstar ou autorizar a prática de atos que não poderiam ou poderiam ser legitimamente praticados caso a declaração já houvesse sido proferida O problema no caso de intervenção não está na natureza declaratória da decisão mas na peculiaridade de que a decisão não declara algo que não deve ser feito pelo réu ou meramente autoriza ato que pode ser praticado pelo autor Isso precisamente porque a declaração no caso é pressuposto para a intervenção e não mera declaração de que o autor pode praticar ato Na ação interventiva a declaração não serve para eliminar situação de incerteza jurídica e assim para apenas legitimar o ato que não fosse a incerteza criada já teria sido praticado A declaração judicial interventiva é condição imposta pela Constituição CF art 36 III para que o chefe do Poder Executivo decrete a intervenção gerando dever e responsabilidade 967 Nesse sentido o óbice para a concessão da medida liminar estaria na circunstância de que o Judiciário apenas declara o pressuposto para o chefe do Poder Executivo agir Mais claramente esta situação faz brotar a indagação sobre se o Judiciário pode determinar medida concreta em caso em que a sua decisão final é pressuposto para a atuação do Executivo Notese entretanto que a pergunta que se impõe é a de se o Judiciário fica no processo interventivo limitado a declarar ao final nada podendo fazer em situações de urgência Ou melhor o fato de a intervenção depender de decisão final declaratória retira do Judiciário o poder de acautelar as situações concretas marcadas por perigo de dano A resposta é negativa O Judiciário por ter poder para declarar presente pressuposto para a intervenção deve agir ao se deparar com circunstância concreta reveladora de atuação estatal urgente Pensar de forma contrária é simplesmente negar a realidade como se esta não devesse ser levada em consideração antes da decisão declaratória Seria possível dizer ainda que a suspensão dos efeitos do ato normativo apontado como violador geraria resultado que apenas pode ser obtido mediante a ação direta de inconstitucionalidade enquanto a ação interventiva se limita a declarar pressuposto para a intervenção federal É certo que a suspensão dos efeitos de ato normativo estadual pode ser obtida por meio de liminar em ação direta de inconstitucionalidade Ocorre que a ação interventiva ao ter como pressuposto a prática de ato contrário a princípio constitucional sensível abre oportunidade para que o chefe do Poder Executivo decrete a intervenção sustandose o ato praticado pelo Estadomembro Assim embora a decisão final da ação interventiva não declare a nulidade do ato nada impede que se suspenda por meio de medida liminar o ato que é dependente da declaração jurisdicional Nem mesmo se pode alegar que o Estado membro não está defendendo o ato praticado pois este é o elemento cuja presença é alegada para legitimar a intervenção Na verdade o real problema da medida liminar na ação interventiva está em sua potencialidade de afetar a autonomia dos Estadosmembros Se a intervenção decretada após a declaração jurisdicional constitui figura excepcional e de notável gravidade é preciso grande cuidado na valoração dos pressupostos da medida cautelar Essa apenas deve ser concedida quando imprescindível para eliminar situação que traga perigo à sociedade ao pacto federativo ou ao Estado Democrático de Direito Isso porém nada tem a ver com o cabimento em tese da medida liminar mas com a presença em concreto dos seus requisitos autorizadores Aliás não se pode negar a utilização de técnica processual sob o argumento de que razões de mérito podem dificultar o deferimento da tutela jurisdicional Tratase de planos distintos A Lei 125622011 estabelece em seu art 5º que o Supremo Tribunal Federal por decisão da maioria absoluta de seus membros poderá deferir pedido de medida liminar na representação interventiva De acordo com o 2º do art 5º a liminar poderá consistir na determinação de que se suspenda o andamento de processo ou os efeitos de decisões judiciais ou administrativas ou de qualquer outra medida que apresente relação com a matéria objeto da representação interventiva Portanto a partir de dezembro de 2011 não há mais dúvida quanto ao cabimento de liminar na representação interventiva Dúvida pode haver a partir de agora acerca de o conteúdo da liminar ter de sempre observar uma das hipóteses traçadas no 2º do art 5º Embora tais hipóteses de liminar devam em regra constituir tutela jurisdicional adequada isso não quer dizer que em casos particulares necessidades específicas não possam exigir e justificar liminar com conteúdo diverso A fundamentação da decisão então terá de ser capaz de justificar que em face das peculiaridades do caso as hipóteses do 2º do art 5º não se mostram idôneas devendo ser deferida liminar de diversa feição 891 Decisão e efeitos A decisão assim como as decisões de inconstitucionalidade e de constitucionalidade depende de sessão em que devem estar presentes no mínimo oito Ministros art 9º da Lei 125622011 Para se declarar a presença ou não de pressuposto para a intervenção ou seja recusa à execução de lei federal ou violação de princípio constitucional sensível são necessários no mínimo seis votos ou seja mais da metade dos votos dos Ministros do Tribunal art 10 da Lei 125622011 Quando na sessão não estão presentes Ministros cujos votos importam para a tomada da decisão o julgamento será suspenso à espera dos votos dos Ministros faltantes até que o julgamento seja proclamado pela maioria de seis votos art 10 parágrafo único da Lei 125622011 A decisão não é declaratória da nulidade da norma impugnada como o é a decisão de inconstitucionalidade Igualmente a decisão não condena a fazer ou a não fazer A decisão apenas declara a presença de pressuposto para intervenção O ato impugnado é afirmado inconstitucional no curso do raciocínio que resulta na conclusão declaratória de condição para intervenção A decisão não elimina a eficácia do ato que afirma inconstitucional Este após a decisão subsiste Em suma almejase mediante a ação declaração da presença de condição que no processo político de intervenção é indispensável à sua realização A decisão de improcedência por outro lado declara a inexistência de pressuposto para a intervenção vale dizer a inexistência de indevida recusa à execução de lei federal ou de De acordo com o art 125 2º da CF cabe aos Estados a instituição de representação de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais em face da Constituição Estadual vedada a atribuição da legitimidade para agir a um único órgão As Constituições estaduais em maior ou menor medida disciplinaram o controle abstrato de constitucionalidade de leis e atos normativos municipais e estaduais restando os Tribunais de Justiça com a competência para julgar as ações diretas Algumas Constituições estaduais além de instituírem a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo erigiram a ação direta de inconstitucionalidade por omissão e algumas poucas a arguição de descumprimento de preceito fundamental Temse aí assim ao lado da jurisdição constitucional exercida pelo STF a jurisdição constitucional desempenhada pelos Tribunais de Justiça Enquanto o controle de constitucionalidade no âmbito do STF recai sobre lei ou ato normativo federal e estadual o objeto do controle perante os Tribunais de Justiça é a lei ou o ato normativo estadual ou municipal Além disso as duas formas de controle tomam em consideração parâmetros de controle distintos O controle de constitucionalidade no STF tem como parâmetro a Constituição Federal ao passo que o parâmetro de controle nos Tribunais de Justiça é a Constituição Estadual 893 Norma estadual e duplicidade de controle de constitucionalidade Como se vê tratandose de norma estadual há duas possibilidades de controle de constitucionalidade uma vez que a norma estadual pode ser confrontada com a Constituição Estadual e com a Constituição Federal Há assim uma duplicidade de tutela ou proteção jurisdicional Quando os parâmetros de controle tratandose de uma mesma norma são substancialmente distintos não há sequer por que questionar a possibilidade de se ter o controle de constitucionalidade no STF e no Tribunal de Justiça Determinada lei estadual pode ser considerada congruente com a Constituição Federal porém ser incompatível com a Constituição Estadual Assim quando os parâmetros de controle são distintos é obviamente possível haver duas ações de inconstitucionalidade Daí por que o julgamento de improcedência de uma das ações em nada afeta a outra Do mesmo modo a eventual concessão de medida liminar numa ação direta não interfere sobre o desenvolvimento da outra Quando uma ação direta é julgada procedente declarandose a nulidade da norma impugnada não há propriamente interferência do resultado de uma ação em outra mas sim perda de objeto da ação ainda em desenvolvimento O problema surge quando os parâmetros de controle são substancialmente idênticos O denominado poder constituinte decorrente dos Estadosmembros é um poder subordinado e limitado à Constituição Federal devendo neste sentido não apenas não contrariar como também concretizar as suas normas De modo que as Constituições Estaduais possuem várias normas que reprisam e enfatizam as normas da Constituição Federal ou mesmo a elas remetem Determinadas normas das Constituições estaduais reproduzem imitam ou fazem remissão às normas da Constituição Federal Nessa perspectiva é natural que surja a questão respeitante à possibilidade de haver normas estaduais deste porte como parâmetro de controle de constitucionalidade É que nestes casos se poderia estar conferindo ao Tribunal de Justiça competência para confrontar lei municipal ou estadual diretamente com a Constituição Federal 970 O STF chegou a decidir que a reprodução de normas constitucionais obrigatórias em todos os níveis da Federação seria ociosa em termos estritamente jurídicos e que por consequência o Tribunal de Justiça não teria competência para conhecer de representação de inconstitucionalidade de lei estadual ou municipal em face de parâmetros formalmente estaduais porém substancialmente integrantes da Constituição Federal 971 A decisão foi tomada no julgamento da Rcl 370 apresentada pela Assembleia Legislativa do Estado do Mato Grosso e pelo Fundo de Assistência Parlamentar FAP diante de representação de inconstitucionalidade proposta perante o TJMT O Min Octavio Gallotti relator da Reclamação julgoua procedente sob o fundamento de que os preceitos da Constituição Estadual invocados na representação de inconstitucionalidade seriam despidos de conteúdo jurídico autônomo Em suas palavras Nenhum dos dispositivos da Constituição de Mato Grosso invocados pelo Partido dos Trabalhadores possui portanto conteúdo próprio ou autônomo suscetível de dissociarse da Constituição Federal de que são todos eles de imediata e servil consequência Verificase então sem maior esforço que a verdadeira causa de pedir é a incompatibilidade do ato normativo estadual perante a Constituição Federal o que em sede de ação direta só se inscreve na competência do Supremo Tribunal CF art 102 I a e p não na consentida aos Tribunais estaduais art 125 2º 972 O Min Sepúlveda Pertence ao acompanhar o relator advertiu que a coincidência de umas com as outras não decorreu de simples imitação autonomamente decidida de regras constitucionais da União pela Constituição do Estado mas sim da reprodução nesta de normas e princípios daquela que reproduzidos ou não no texto constitucional local seriam de absorção necessária pelo ordenamento jurídico do Estadomembro 973 Assim frisou a distinção entre normas de imitação que seriam aquelas derivadas da autonomia do Estadomembro como cópias das normas superiores por influência destas e por isso consideradas para todos os efeitos normas constitucionais estaduais e normas de reprodução que não retratariam normas de imitação por vontade do Estadomembro mas sim normas ociosas de reprodução das normas constitucionais federais as quais reproduzidas ou não pela Constituição Estadual incidiriam com a mesma força sobre a ordem jurídica local Disse o Min Sepúlveda que essas normas de reprodução que talvez fosse melhor chamar de normas federais de absorção compulsória não são sob o prisma jurídico preceitos estaduais e consequentemente a violação delas não apenas pelo constituinte local mas também por todas as instâncias locais de criação ou execução normativas traduz ofensa à Constituição Federal da qual e unicamente da qual deriva a vinculação direta e imediata ao seu conteúdo de todos os órgãos do ordenamento estadual razões estas que determinam a competência do STF para o conhecimento da controvérsia constitucional 974 Tal entendimento foi superado na Rcl 383 de relatoria do Min Moreira Alves que não participara do julgamento da Rcl 370 Afirmou o Min Moreira Alves constituir petição de princípio dizerse que as normas das Constituições estaduais que reproduzem formal ou materialmente princípios constitucionais federais obrigatórios para todos os níveis de governo na Federação são inócuas e por isso mesmo não são normas jurídicas estaduais até por não serem jurídicas já que jurídicas e por isso eficazes são as normas da Constituição Federal reproduzidas razão por que não se pode julgar com base nelas no âmbito estadual ação direta de inconstitucionalidade inclusive por identidade de razão a que tenha finalidade interventiva 975 Advertiu o Ministro que as normas constitucionais estaduais não são normas secundárias que correm necessariamente a sorte das normas primárias como sucede com o regulamento que caduca quando a lei regulamentada é revogada Tratandose de norma ordinária de reprodução ou de norma constitucional estadual da mesma natureza por terem eficácia no seu âmbito de atuação se a norma constitucional federal reproduzida for revogada elas por terem eficácia no seu âmbito de atuação persistem como normas jurídicas que nunca deixaram de ser Os princípios reproduzidos que enquanto vigentes se impunham obrigatoriamente por força apenas da Constituição Federal quando revogados permanecem no âmbito de aplicação das leis ordinárias federais ou constitucionais estaduais graças à eficácia delas resultante 976 O precedente firmado na Rcl 383 deixou clara a autonomia dos parâmetros de controle federal e estadual De modo que se a inconstitucionalidade é invocada diante do parâmetro federal competente é o STF ocorrendo o inverso quando o parâmetro é estadual hipótese em que a competência é do Tribunal de Justiça Entendese em outras palavras que a competência que se define pela causa de pedir da ação direta de inconstitucionalidade no exato momento em que se deduz o parâmetro para o controle de constitucionalidade 977 Tal raciocínio se aplica tanto às normas constitucionais federais de observância obrigatória reproduzidas nas Constituições estaduais ditas normas de reprodução quanto às normas constitucionais federais não obrigatórias imitadas pelas Constituições estaduais chamadas de normas de imitação Quanto às normas remissivas cabe lembrar a Rcl 4432 em que se discutiu a constitucionalidade de normas do Município de Palmas em face do art 69 caput da Constituição Estadual de Tocantins cuja redação é a seguinte Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte aplicamse ao Estado e aos Municípios as vedações ao poder de tributar previstas no art 150 da CF Esta norma é exatamente o que se denomina norma de caráter remissivo Remete ao disciplinar os limites ao poder de tributar para o art 150 da CF A norma remissiva se contrapõe à norma material pois ao contrário da última não é suficiente por si para regulamentar determinada questão tendo que na verdade aludir à norma material que então define ou aperfeiçoa a regulação da matéria Isso frequentemente ocorre no âmbito das Constituições dos Estados Na Rcl 4432 o Min Gilmar Mendes indagou se as normas remissas constantes das Constituições estaduais configurariam parâmetro normativo idôneo para o efeito de se proceder ao controle de leis estaduais ou municipais diante dos Tribunais de Justiça Lembrou referindose à autorizada doutrina que a norma constitucional estadual de remissão na condição de norma dependente toma de empréstimo um determinado elemento da norma constitucional federal remetida não se fazendo completa senão em combinação com este componente normativo externo ao texto da Constituição Estadual o que entretanto não retira a sua força normativa que uma vez conjugada com a norma à qual se refere goza de todos os atributos de uma norma jurídica 978 Ainda aludindo à doutrina de Leo Leoncy Controle de constitucionalidade estadual deixou claro que se uma norma estadual ou municipal viola ou não uma proposição constitucional estadual remissiva é circunstância que apenas se saberá após a combinação entre norma remissiva e norma remetida que é o que vai determinar o alcance normativo do parâmetro de controle a ser adotado Entretanto uma vez determinado esse alcance a anulação da norma estadual ou municipal por violação a tal parâmetro nada mais é do que uma consequência da supremacia da Constituição Estadual no âmbito do Estadomembro Em outras palavras as consequências jurídicas decorrentes de eventual violação à proposição remissiva constante da Constituição Estadual derivam da própria posição hierárquiconormativa superior desta no âmbito do ordenamento jurídico do Estadomembro e não da norma da Constituição Federal a que se faz referência Assim se as proposições remissivas constantes das diversas Constituições Estaduais apesar de seu caráter dependente e incompleto mantêm sua condição de proposições jurídicas não haveria razão para se lhes negar a condição de parâmetro normativo idôneo para se proceder em face delas ao controle abstrato de normas perante os Tribunais de Justiça 979 Existem dois parâmetros de controle a Constituição Estadual e a Constituição Federal das leis e atos normativos estaduais O fato de uma norma constitucional estadual ter a mesma substância de norma constitucional federal não retira a qualidade de parâmetro de constitucionalidade da norma estadual ou elimina a possibilidade de se requerer o controle de constitucionalidade em face da Constituição Estadual Retenhase o ponto a Constituição Federal art 125 2º instituiu uma dupla forma de controle da lei ou do ato normativo estadual Pouco importa assim se a norma constitucional estadual reproduz ou imita norma constitucional federal Portanto assim como ocorre nos casos em que os parâmetros de controle são distintos é possível propor ação direta de inconstitucionalidade no Tribunal de Justiça e no STF No caso de improcedência em um dos Tribunais a ação direta ainda poderá ser proposta no outro Na hipótese de procedência declarandose a nulidade da norma a outra ação perde o seu objeto e quando ainda não proposta fica obstada por ausência de interesse de agir Quando as ações coexistem no Tribunal de Justiça e no STF certamente não há como pensar em litispendência Neste caso tem se entendido que o processo que está no Tribunal de Justiça deve ser suspenso como ocorreu na ADIn 1423 Tratase de questão complexa dada a admissibilidade de que os parâmetros de constitucionalidade são autônomos Na verdade a suspensão é aceitação implícita de que a decisão do STF se sobrepõe à decisão do Tribunal de Justiça Nesta linha importa questionar com maior atenção a qualidade da eficácia da decisão de improcedência no STF ou seja se esta vincula e em que medida o Tribunal estadual que se confronta com a mesma norma objeto em face da Constituição Estadual A decisão de improcedência afirma a constitucionalidade da norma em face de parâmetro autônomo Bem por isso como já dito tal decisão não obsta à propositura de ação direta relativa à mesma norma em face de outro parâmetro de constitucionalidade Sucede que tratandose de parâmetros substancialmente idênticos os fundamentos da decisão que reconhece a constitucionalidade perante a Constituição Federal são obviamente relevantes quando o Tribunal de Justiça se depara com a mesma lei São em verdade fundamentos imprescindíveis para o Tribunal de Justiça concluir e decidir qualificandose assim como ratio decidendi ou fundamentos determinantes da decisão A decisão de improcedência afirmando a constitucionalidade obviamente constitui precedente constitucional possuindo como não poderia deixar de ser fundamentos determinantes É o bastante para vincular os Tribunais inferiores diante de questão constitucional substancialmente idêntica Não há dúvida que a questão constitucional posta perante o Tribunal de Justiça a partir de parâmetro de controle substancialmente idêntico é a mesma que foi colocada sob julgamento no STF A circunstância de o parâmetro de controle ser formalmente distinto impede que se alegue coisa julgada material como óbice à ação direta a ser proposta no Tribunal de Justiça mas não impede que se argua o efeito vinculante dos motivos determinantes da decisão proferida no STF O efeito vinculante dos motivos determinantes tem a ver com a substância do parâmetro de controle 894 Decisão de inconstitucionalidade de norma constitucional estadual em face da Constituição Federal em ação direta de inconstitucionalidade proposta perante o Tribunal de Justiça Na ação direta de inconstitucionalidade proposta perante o Tribunal de Justiça há que se tomar em consideração necessariamente a Constituição Estadual Entretanto o problema para decidir pode não ficar restrito à valoração da norma impugnada diante da Constituição mas exigir a análise da constitucionalidade do próprio parâmetro de controle ou seja da norma constitucional estadual perante a Constituição Federal O Tribunal de Justiça durante o curso da ação direta de inconstitucionalidade pode examinar de ofício a constitucionalidade da norma constitucional estadual invocada como parâmetro de controle Ao decidir estará julgando à luz da Constituição Federal e por isso caberia a alegação de estar usurpando a competência do STF que como se sabe tem a incumbência de realizar o controle de constitucionalidade em face da Constituição Federal Na Rcl 526 o STF decidiu que o Tribunal de Justiça pode apreciar em caráter incidental em representação de inconstitucionalidade de sua competência a constitucionalidade de norma da Constituição Estadual em face da Constituição Federal Entendeuse não ter ocorrido usurpação da competência do Supremo ao ter o TJSP rejeitado a alegação incidente de que determinado artigo da Constituição do Estado de São Paulo seria inconstitucional em face da Constituição Federal Admitiuse assim em representação de inconstitucionalidade ajuizada perante Tribunal de Justiça o controle incidental de norma estadual em face da Constituição Federal 980 Se o Tribunal de Justiça reconhecer a constitucionalidade do parâmetro de constitucionalidade deverá prosseguir no julgamento decidindo sobre a constitucionalidade da norma impugnada pela ação direta Em caso contrário o Tribunal de Justiça reconhecerá que a norma constitucional estadual é incompatível com a Constituição Federal e portanto que a norma impugnada não pode ser objeto de controle perante ela Em hipóteses como esta reconheçase a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade do direito constitucional estadual perante a Constituição Federal cabe recurso extraordinário ao STF 895 Norma constitucional de reprodução e interpretação incompatível com a Constituição Federal Cabimento de recurso extraordinário Na ação direta proposta em face de norma constitucional estadual de reprodução o Tribunal de Justiça como é evidente corre o risco de realizar interpretação em desacordo com a Constituição Federal Dessa forma cabe recurso extraordinário para se postular ao STF a análise da legitimidade perante a Constituição Federal do sentido atribuído à norma estadual Proposta ação direta perante Tribunal de Justiça pedindose a declaração de inconstitucionalidade de lei municipal ou estadual em face de norma estadual de reprodução poderá o Tribunal ao reconhecer a inconstitucionalidade da lei outorgar à norma estadual sentido incompatível com a norma da Constituição Federal Em outras palavras o Tribunal de Justiça ao julgar a ação direta em face de norma de reprodução poderá violar a norma da Constituição Federal reproduzida Daí a necessidade de recurso extraordinário interposto em ação direta de inconstitucionalidade de lei municipal ou estadual 981 896 Ação de inconstitucionalidade por omissão nos Estados membros Lembrese de que segundo o art 125 2º da CF cabe aos Estados a instituição de representação de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais em face da Constituição Estadual vedada a atribuição da legitimação para agir a um único órgão A norma constitucional fala clara e expressamente em leis ou atos normativos Nesta perspectiva cabe perguntar se ainda assim os Estadosmembros estão autorizados a instituir ação de inconstitucionalidade por omissão conforme aliás já fizeram vários Estados em suas Constituições Como já dito uma norma pode ser insuficiente para responder ao desejo constitucional seja por ter baixa intensidade de proteção ou de satisfação da norma constitucional quando há omissão parcial no plano vertical seja ainda por conferir a vantagem albergada na norma constitucional apenas a um grupo ou parcela de pessoas esquecendose mediante violação à igualdade da universalidade dos seus beneficiários hipótese de omissão parcial no plano horizontal Quando há omissão parcial ao mesmo tempo que se vê inadequada proteção ou ausência de tutela enxergase deficiência na própria norma É possível ver conforme o ângulo de que se olha inconstitucionalidade por omissão e inconstitucionalidade por ação Tratase por assim dizer de duas faces de uma mesma moeda Decorrência disso é que se pode pensar em afirmar a inconstitucionalidade da norma ou a inconstitucionalidade da insuficiência da norma Estandose atento à norma do art 125 2º da CF que diz caber aos Estados a instituição de representação de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais em face da Constituição Estadual correto é admitir que da mesma forma que é possível instituir ação de inconstitucionalidade de lei insuficiente viável é instituir ação de inconstitucionalidade por omissão ou por falta de proteção legislativa 982 897 Ação direta de constitucionalidade nos Estadosmembros Se o art 125 2º da CF afirma que cabe aos Estados a instituição de representação de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais em face da Constituição Estadual há de se indagar se os Estados têm autorização para instituir ação direta de constitucionalidade em face da Constituição Estadual de leis ou atos normativos estaduais ou municipais Na ação direta de inconstitucionalidade o Tribunal pode declarar a inconstitucionalidade ou a constitucionalidade de norma conforme a sentença seja de procedência ou de improcedência A sentença de improcedência ao afirmar a constitucionalidade também produz efeitos vinculantes De modo que ao se autorizar a criação de ação de inconstitucionalidade admitese ao Judiciário prestar tutelas jurisdicionais de declaração de inconstitucionalidade e de declaração de constitucionalidade Isso portanto é o bastante para se entender que os Estados podem a partir do art 125 2º da CF instituir ação de constitucionalidade É verdade que a razão para a ação declaratória de constitucionalidade agrega um complicador já que para tanto é necessário haver dúvida ou incerteza sobre o que é presumido ou seja sobre a constitucionalidade da norma Bem por isso o art 14 III da Lei 98681999 exige para o cabimento da ação controvérsia judicial relevante Se determinada norma é posta sob suspeita por decisões judiciais advindas de órgãos judiciais diversos surge interesse em pedir declaração acerca da sua constitucionalidade Tais decisões infirmam a presunção de constitucionalidade colocando sob fundada dúvida a legitimidade e a eficácia da lei e trazendo por consequência grave insegurança jurídica Assim a ação declaratória de constitucionalidade objetiva deixar fora de dúvida a legitimidade constitucional do produto do parlamento Portanto se a ação direta de inconstitucionalidade permite a declaração de forma imediata e ampla de nulidade de lei que não obstante ser inconstitucional está a produzir efeitos a ação declaratória de constitucionalidade possui a mesma qualidade pois dotada de técnica processual amplificadora da decisão e também vinculante viabiliza a eliminação da incerteza que paira sobre a constitucionalidade de lei impedindo que situações sejam consolidadas e pessoas de boafé pratiquem atos a partir de norma que mais tarde possa vir a ser declarada inconstitucional com as perversas consequências daí decorrentes próprias aos efeitos ex tunc da decisão 898 Efeitos da decisão proferida em sede de ação direta de âmbito estadual A decisão proferida na ação direta de inconstitucionalidade proposta perante Tribunal de Justiça produz efeitos erga omnes Não é exato dizer que a decisão proferida na ação direta que questiona norma perante determinada Constituição Estadual tenha eficácia geral ou erga omnes limitada ao âmbito do respectivo Estado A eficácia erga omnes nada tem a ver com o território do Estado da Constituição que constituiu parâmetro de controle ou em que está sediado o Tribunal de Justiça Eficácia erga omnes ou geral é eficácia que diz respeito a todos os potenciais sujeitos da norma que foi questionada mediante a ação direta Portanto a eficácia erga omnes se estende a todos aqueles que possam se ver diante da norma objeto da ação direta proposta no Tribunal de Justiça do Estado Assim quanto à coletividade a eficácia erga omnes é antes de tudo eficácia natural decorrente da decisão prolatada na ação de inconstitucionalidade Isso não quer dizer como é óbvio que a eficácia erga omnes de decisão proferida em ação direta de inconstitucionalidade respeitante a lei confrontada diante de determinada Constituição Estadual tenha eficácia erga omnes diante de lei e norma de reprodução idêntica de outro Estado da Federação A eficácia erga omnes diz respeito à específica lei objeto da ação direta de inconstitucionalidade Sucede que conforme antes dito a decisão proferida na ação direta de inconstitucionalidade pode ser impugnada mediante recurso extraordinário ao STF sob a alegação de ter atribuído à norma de reprodução sentido que viola a norma reproduzida contida na Constituição Federal Neste caso o STF para decidir terá de sobrepor a norma federal à norma estadual e assim realizar juízo sobre a norma da Constituição Federal atribuindolhe sentido Assim a decisão embora tomada em recurso extraordinário que diz respeito a norma estadual específica analisará a questão constitucional federal ou seja o sentido da própria norma da Constituição Federal Portanto a decisão embora continue a produzir efeitos erga omnes em relação à norma estadual específica confrontada com a respectiva Constituição produz eficácia vinculante diante de leis e normas constitucionais formalmente distintas em relação a todos os juízes e tribunais do País Em face de leis e normas de reprodução substancialmente idênticas ainda que oriundas de outro Estado da Federação valem os fundamentos determinantes da decisão do STF Possuem eles eficácia vinculante em relação aos demais juízes e tribunais que possam se deparar com normas de reprodução substancialmente idênticas Os fundamentos determinantes da decisão do STF relativos à norma federal reproduzida vinculam a interpretação de todas as normas estaduais de reprodução O STF já teve oportunidade de abordar a questão Isso ocorreu no RE 187142 interposto em representação de inconstitucionalidade proposta perante o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro em que foi pronunciada a inconstitucionalidade de normas do Ato das Disposições Transitórias da Lei Orgânica do Município do Rio de Janeiro 983 Ao dar provimento ao recurso extraordinário para declarar a inconstitucionalidade das normas municipais argumentou o STF que a sua decisão estava a substituir a decisão do Tribunal de Justiça proferida em sede de controle concentrado Afirmouse que embora a questão tivesse chegado ao Supremo Tribunal mediante recurso extraordinário o processo não tinha perdido a sua natureza objetiva e o controle de constitucionalidade ainda possuía caráter concentrado advertindo se que como estava em questão norma da Constituição Estadual que reproduzia norma da Constituição Federal e a decisão assim tinha repercussão no âmbito federal a extensão da eficácia erga omnes seria nacional e não apenas estadual 984 Chegouse à eficácia erga omnes quando na verdade se estava diante da eficácia vinculante dos fundamentos determinantes Se o objeto da ação direta é determinada lei local confrontada com Constituição Estadual e a decisão de inconstitucionalidade como é óbvio é da lei local específica a eficácia erga omnes pertine a esta lei nada tendo a ver com o sentido atribuído à norma da Constituição Federal que deve ser reproduzida nas Constituições estaduais O sentido da norma da Constituição Federal não está no dispositivo da decisão de que defluem os efeitos erga omnes No dispositivo está isso sim a inconstitucionalidade da específica lei local O sentido da norma da Constituição Federal ou seja a solução da questão constitucional que envolve a lei local declarada inconstitucional encontrase nos fundamentos determinantes da decisão São os fundamentos determinantes da decisão de inconstitucionalidade de lei local em face de norma de reprodução que podem dirigir e assim vincular o raciocínio dos demais tribunais estaduais que se confrontarem com norma de reprodução idêntica Isso porque bem vistas as coisas o STF trata nos fundamentos da decisão de inconstitucionalidade da lei local da questão constitucional que empresta sentido à norma de reprodução XIII CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE 899 Introdução Hierarquia normativa dos tratados internacionais dos direitos humanos Tem importância diante da jurisdição do Estado contemporâneo investigar a possibilidade de controle jurisdicional da lei a partir dos tratados ou convenções internacionais de direitos humanos É evidente que essa investigação requer a prévia análise do status normativo dos tratados de direitos humanos em face da ordem jurídica brasileira Caso o direito internacional dos direitos humanos seja equiparado à lei ordinária obviamente não há como pensar em alçalo ao patamar de parâmetro de controle Não obstante especialmente diante da decisão tomada pelo STF no RE 466343 em que se discutiu a legitimidade da prisão civil do depositário infiel em face do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos Pacto de San José da Costa Rica é importante considerar duas posições que elevam o direito internacional dos direitos humanos a um patamar superior dandolhe a condição de direito que permite o controle de legitimidade da lei ordinária A posição que restou majoritária no julgamento do recurso extraordinário capitaneada pelo Min Gilmar Mendes atribuiu aos tratados internacionais de direitos humanos um status normativo supralegal enquanto a posição liderada pelo Min Celso de Mello conferiulhes estatura constitucional Ao lado dessas posições cabe ressaltar também a que sustenta a supraconstitucionalidade desses tratados internacionais O STF manteve por bom período de tempo o entendimento de que os tratados internacionais aí incluídos os de direitos humanos têm simples valor de direito ordinário Decidiuse no RE 80004 que embora a Convenção de Genebra ao instituir lei uniforme sobre letras de câmbio e notas promissórias tenha aplicabilidade no direito brasileiro ela não se sobrepõe às leis do País daí decorrendo a constitucionalidade e a consequente validade do Dec Lei 4271969 que previu o registro obrigatório da nota promissória em repartição fazendária sob pena de nulidade do título 988 Em 1995 no HC 72131 relator o Min Moreira Alves declarouse que o n 7 do art 7º da Convenção de San José da Costa Rica não interfere sobre a prisão civil do depositário infiel uma vez que ressalvada na parte final do art 5º LXVII da CF 989 Conferir aos tratados internacionais de direitos humanos o status de direito ordinário não só legitima o Estado signatário a descumprir unilateralmente acordo internacional como ainda afronta a ideia de Estado Constitucional Cooperativo e inviabiliza a tutela dos direitos humanos em nível supranacional 990 Ademais a própria Constituição faz ver a superioridade dos tratados internacionais sobre a legislação infraconstitucional 991 Diz a Constituição Federal que a República Federativa do Brasil buscará a integração econômica política social e cultural dos povos da América Latina visando à formação de uma comunidade latino americana de nações art 4º parágrafo único que os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte art 5º 2º que os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados em cada Casa do Congresso Nacional em dois turnos por três quintos dos votos dos respectivos membros serão equivalentes às emendas constitucionais art 5º 3º e que o Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado adesão art 5º 4º Assim a própria Constituição enfatiza a dignidade dos tratados internacionais dos direitos humanos reconhecendo a sua prevalência sobre o direito ordinário Frisese que o 3º do art 5º assim como o 4º foi inserido pela EC 452004 deixando claro que a atribuição da qualidade de emenda constitucional aos tratados requer aprovação em cada Casa do Congresso Nacional em dois turnos por três quintos dos votos dos respectivos membros De modo que a própria Constituição previu condição específica para os tratados internacionais de direitos humanos assumirem a estatura de norma constitucional Não obstante argumentouse quando do julgamento do referido RE 466343 992 que os tratados internacionais de direitos humanos teriam status constitucional independentemente de terem sido aprovados antes da EC 452004 Conclui o Min Celso de Mello neste julgamento que as convenções internacionais em matéria de direitos humanos celebradas pelo Brasil antes do advento da EC 452004 como ocorre com o Pacto de San José da Costa Rica se revestem de caráter materialmente constitucional compondo sob tal perspectiva a noção conceitual de bloco de constitucionalidade A tese da constitucionalidade dos tratados repousa sobre o 2º do art 5º da CF A lógica é a de que esta norma recepciona os direitos consagrados nos tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo País 993 Ao afirmar que os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem os direitos dos tratados internacionais de que o Brasil é parte o 2º do art 5º estaria lhes conferindo o status de norma constitucional O 2º do art 5º constituindo uma cláusula aberta admitiria o ingresso dos tratados internacionais de direitos humanos na mesma condição hierárquica das normas constitucionais e não com outro status normativo 994 Contudo a tese que prevaleceu no julgamento do RE 466343 como já dito foi a da supralegalidade do direito internacional dos direitos humanos Entendeuse em suma que a referência por parte da Constituição a tratados internacionais de direitos humanos embora não tenha sido casual ou neutra do ponto de vista jurídico normativo não conferiu a estes tratados a hierarquia de norma constitucional O Min Gilmar Mendes em seu voto observou que a tese da supralegalidade pugna pelo argumento de que os tratados sobre direitos humanos seriam infraconstitucionais porém diante de seu caráter especial em relação aos demais atos normativos internacionais também seriam dotados de um atributo de supralegalidade Em outros termos os tratados sobre direitos humanos não poderiam afrontar a supremacia da Constituição mas teriam lugar especial reservado no ordenamento jurídico Equipará los à legislação ordinária seria subestimar o seu valor especial no contexto do sistema de proteção dos direitos da pessoa humana 995 Neste sentido os tratados internacionais de direitos humanos aprovados em conformidade aos ditames do 3º do art 5º da CF são equivalentes às emendas constitucionais os demais tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil constituem direito supralegal e os tratados internacionais que não tratam de direitos humanos têm valor legal 996 8100 Significado de supralegalidade dos tratados internacionais Os tratados internacionais quando qualificados como direito supralegal obviamente são colocados em grau de hierarquia normativa superior à da legislação infraconstitucional embora inferior à da Constituição O acórdão proferido no RE 466343 ao reconhecer a ilegitimidade da legislação infraconstitucional que trata da prisão civil do depositário infiel em face do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos Pacto de San José da Costa Rica enfatizou que diante do inequívoco caráter especial dos tratados internacionais que cuidam da proteção dos direitos humanos não é difícil entender que a sua internalização no ordenamento jurídico por meio do procedimento de ratificação previsto na Constituição tem o condão de paralisar a eficácia jurídica de toda e qualquer disciplina normativa infraconstitucional com ela conflitante 997 Vale dizer que a legislação infraconstitucional para produzir efeitos não deve apenas estar em consonância com a Constituição Federal mas também com os tratados internacionais dos direitos humanos Nessa perspectiva existem dois parâmetros de controle e dois programas de validação do direito ordinário além da Constituição o direito supralegal está a condicionar e a controlar a validade da lei Isso significa que a lei nesta dimensão está submetida a novos limites materiais postos nos direitos humanos albergados nos tratados internacionais o que revela que o Estado contemporâneo que se relaciona em recíproca colaboração com outros Estados constitucionais inseridos numa comunidade tem capacidade de controlar a legitimidade da lei em face dos direitos humanos tutelados no País e na comunidade latinoamericana 8101 Modos de controle da convencionalidade no direito brasileiro O controle da compatibilidade da lei com os tratados internacionais de direitos humanos pode ser feito mediante ação direta perante o STF quando o tratado foi aprovado de acordo com o 3º do art 5º da CF Obviamente esses tratados também constituem base ao controle difuso No atual sistema normativo brasileiro os tratados que possuem status normativo supralegal apenas abrem oportunidade ao controle difuso O exercício do controle da compatibilidade das normas internas com as convencionais é um dever do juiz nacional podendo ser feito a requerimento da parte ou mesmo de ofício 998 Lembrese neste sentido a decisão proferida pela Corte Interamericana no caso Trabajadores Cesados del Congreso Aguado Alfaro y otros v Peru Cuando un Estado ha ratificado un tratado internacional como la Convención Americana sus jueces también están sometidos a ella lo que les obliga a velar porque el efecto útil de la Convención no se vea mermado o anulado por la aplicación de leyes contrarias a sus disposiciones objeto y fin En otras palabras los órganos del Poder Judicial deben ejercer no sólo un control de constitucionalidad sino también de convencionalidad ex officio entre las normas internas y la Convención Americana evidentemente en el marco de sus respectivas competencias y de las regulaciones procesales correspondientes Esta función no debe quedar limitada exclusivamente por las manifestaciones o actos de los accionantes en cada caso concreto aunque tampoco implica que esa revisión deba ejercese siempre sin considerar otros presupuestos formales y materiales de admisibilidad y procedencia de ese tipo de acciones 999 Questão interessante se relaciona com a oportunidade de o STF realizar controle difuso em face de direito supralegal mediante recurso extraordinário É que se poderia argumentar em primeiro lugar que tratado não constitui norma constitucional e depois que violação de direito supralegal não abre oportunidade à interposição de recurso extraordinário art 102 da CF É óbvio que tratado não se confunde com norma constitucional podendo assumir este status quando aprovado mediante o quorum qualificado do 3º do art 5º da CF Sucede que também certamente não se equipara na qualidade de direito supralegal com direito federal cuja alegação de violação abre ensejo ao recurso especial art 105 da CF Lembre se que o STF admitiu e julgou recurso extraordinário em que se alegou violação de direito reconhecido como supralegal exatamente quando enfrentou a questão da legitimidade da prisão civil do depositário infiel RE 466343 8102 Controle de supraconstitucionalidade Há quem sustente a supraconstitucionalidade da convenção ou seja a invalidade da norma constitucional que contraria a convenção Afirmase como visto que a convenção pode paralisar 1000 a eficácia das normas infraconstitucionais que sejam com ela conflitantes Lembrese que no RE 466343 concluiuse que a previsão constitucional da prisão civil do depositário infiel art 5º LXVII diante da supremacia da Constituição sobre os atos normativos internacionais não poderia ser revogada pelo ato de adesão do Brasil ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos art 11 e à Convenção Americana sobre Direitos Humanos Pacto de San José da Costa Rica art 7º n 7 tendo deixado de ter aplicabilidade diante do efeito paralisante desses tratados em relação à legislação infraconstitucional que disciplina a matéria 1001 Porém seria possível argumentar que quando a norma necessita ser controlada pela convenção ela já passou pelo filtro do controle de constitucionalidade de modo que o controle de convencionalidade implica a negação da própria constitucionalidade Na verdade este problema da supraconstitucionalidade da convenção tornase mais evidente quando a própria dicção da norma constitucional contraria a convenção 1002 Néstor Pedro Sagués ao ferir o ponto sustenta que se o Estado deve cumprir a convenção e não pode invocar a sua Constituição para descumprir os tratados internacionais de direitos humanos isso significa como resultado concreto final que o tratado está juridicamente acima da Constituição Assim a consequência do controle de convencionalidade seria o de que a norma constitucional que viola o tratado não pode ser aplicada No entender de Sagués é a própria norma constitucional e não a lei infraconstitucional que resta paralisada Se de acordo com o controle de convencionalidade a Constituição não pode validamente violar o tratado ou a convenção isso seria suficiente para evidenciar a superioridade da convenção sobre a Constituição 1003 Notese ainda que é possível supor lei inconstitucional mas em conformidade com a convenção Sagués faz referência a hipotética norma constitucional que negue o direito de réplica retificação ou resposta expressamente garantido na Convenção art 14 1004 Adverte que lei que regulamentasse esta norma do Pacto seria inconstitucional porém convencional A norma constitucional ao negar o direito expresso no Pacto de San José seria inconvencional enquanto a lei regulamentadora seria válida e não inconstitucional ou nula por la superioridad del Pacto sobre la Constitución conforme la doctrina del controle de convencionalidad 1005 A questão do controle de convencionalidade das normas constitucionais foi debatida no caso La Última Tentación de Cristo em que a Corte Interamericana ordenou ao Chile a alteração da sua Constituição Eis o que se declarou nesta ocasião 72 Esta Corte entiende que la responsabilidad internacional del Estado puede generarse por actos u omisiones de cualquier poder u órgano de éste independientemente de su jerarquía que violen la Convención Americana Es decir todo acto u omisión imputable al Estado en violación de las normas del Derecho Internacional de los Derechos Humanos compromete la responsabilidad internacional del Estado En el presente caso ésta se generó en virtud de que el artículo 19 número 12 de la Constitución establece la censura previa en la producción cinematográfica y por lo tanto determina los actos de los Poderes Ejecutivo Legislativo y Judicial 85 La Corte ha señalado que el deber general del Estado establecido en el artículo 2 de la Convención incluye la adopción de medidas para suprimir las normas y prácticas de cualquier naturaleza que impliquen una violación a las garantías previstas en la Convención así como la expedición de normas y el desarrollo de prácticas conducentes a la observancia efectiva de dichas garantías 88 En el presente caso al mantener la censura cinematográfica en el ordenamiento jurídico chileno art 19 n 12 de la Constitución Política y Decreto Ley 679 el Estado está incumpliendo con el deber de adecuar su derecho interno a la Convención de modo a hacer efectivos los derechos consagrados en la misma como lo establecen los arts 2 y 11 de la Convención 1006 8103 O controle de convencionalidade pela Corte Interamericana de Direitos Humanos Como visto os juízes nacionais têm dever de realizar o controle de convencionalidade 1007 Porém a Corte Interamericana também realiza o controle das normas internas em face do Pacto 1008 De acordo com a Convenção são competentes para conhecer das questões relacionadas ao cumprimento de suas normas pelos Estadospartes a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a Corte Interamericana de Direitos Humanos art 33 A Comissão possui entre outras funções a de atuar diante de petições e comunicações que lhe forem apresentadas em conformidade com os arts 44 a 51 da Convenção O art 44 estabelece que qualquer pessoa ou grupo de pessoas ou entidade não governamental legalmente reconhecida em um ou mais Estadosmembros da Organização pode apresentar à Comissão petições que contenham denúncias ou queixas de violação à Convenção por Estadoparte De lado situação de urgência 1009 a Comissão ao reconhecer a admissibilidade da petição ou comunicação de violação de direitos solicitará informações ao Governo do Estado a que pertença a autoridade acusada de responsável pela violação Ao receber as informações ou depois de exaurido o prazo sem manifestação a Comissão verificará se existem ou subsistem os motivos da petição ou comunicação podendo determinar o arquivamento ou declarar a inadmissibilidade ou improcedência Não sendo estas as hipóteses a Comissão realizará o exame dos fatos com o conhecimento das partes Poderá pedir ao Estado interessado qualquer informação pertinente colocandose à disposição das partes interessadas para tentar chegar a uma solução amistosa art 48 Na falta de solução consensual a Comissão redigirá relatório em que exporá os fatos e suas conclusões agregandose a ele as exposições verbais ou escritas feitas pelos interessados Em seu relatório a Comissão poderá formular as proposições e recomendações que julgar adequadas art 50 Caso no prazo de três meses a questão não tenha sido solucionada ou submetida a decisão da Corte pela Comissão ou por Estado interessado a Comissão poderá emitir pela maioria absoluta dos votos dos seus membros sua opinião e conclusões sobre a questão submetida a sua análise A Comissão fará as recomendações pertinentes e fixará um prazo dentro do qual o Estado deve tomar as medidas que lhe incumbam para remediar a situação examinada Transcorrido o prazo fixado a Comissão decidirá pela maioria absoluta dos votos dos seus membros se o Estado tomou ou não as medidas adequadas e se publica ou não seu informe art 51 Enquanto isso a Corte Interamericana somente pode ser provocada pelos Estadospartes e pela própria Comissão e além disso apenas poderá conhecer de qualquer caso após esgotadas a fase preliminar de admissibilidade a instrução do caso e a tentativa de solução amistosa perante a Comissão com a expedição de seu relatório nos termos do art 50 da Convenção A Corte entendeu num primeiro momento que apenas poderia realizar controle sobre norma já submetida a determinado caso Disse não ter competência para realizar controle em abstrato relacionando este com uma função consultiva Nesta linha assim decidiu a Corte En relación con el incumplimento por parte del Gobierno del artículo 2 de la Convención Americana por la aplicación de los decretos 991 y 600 esta Corte manifestó que la jurisdicción militar no viola per se la Convención y con respecto a la alegada aplicación de algunas de las disposiciones de dichos decretos que pudieren ser contrarias a la Convención ya se determinó que en el presente caso no fueron aplicadas En consecuencia la Corte no emite pronunciamiento sobre la compatibilidad de estos artículos con la Convención ya que proceder en otra forma constituirá un análisis en abstracto y fuera de las funciones de esta Corte 1010 Este entendimento foi superado no caso Suárez Rosero v Equador em que a Corte reconheceu sua competência para declarar a inconvencionalidade de norma que violara o art 2º da Convenção independentemente de a norma ter sido aplicada em caso concreto ou ter causado algum prejuízo A decisão tem o seguinte fundamento 97 Como la Corte ha sostenido los Estados Partes en la Convención no pueden dictar medidas que violen los derechos y libertades reconocidos en ella Aunque las dos primeras disposiciones del artículo 114 del Código Penal Ecuatoriano asignan a las personas detenidas el derecho de ser liberadas cuando existan las condiciones indicadas el último párrafo del mismo artículo contiene una excepción a dicho derecho 98 La Corte considera que esta excepción despoja una parte de la población carcelaria de un derecho fundamental en virtud del delito imputado en su contra y por ende lesiona intrísecamente a todos los miembros de dicha categoría de inculpados En el caso concreto del señor Suárez Rosero esa norma ha sido aplicada y le ha producido un perjuicio indebido La Corte hace anotar además que a su juicio esa norma per se viola el art 2 de la Convención Americana independentemente de que haya sido aplicada en el presente caso lo resaltado fuera del texto 1011 Para exemplificar a atuação da Comissão e da Corte no controle da convencionalidade das leis é oportuna a consideração do caso Barrios Altos No Peru lei anistiou os militares policiais e civis que cometeram violações a direitos humanos Esta lei foi editada após denúncia contra pessoas que integrariam um grupo paramilitar chamado Grupo Colina que teria assassinado 15 pessoas no local denominado Barrios Altos em Lima A juíza que recebera a denúncia decidiu que o art 1º da Lei de Anistia violava garantias constitucionais e obrigações do Estado diante do Sistema Interamericano Após alguns incidentes processuais foi aprovada nova lei que declarou que a primeira lei não poderia ser objeto de revisão pelo Poder Judiciário Em 14071995 a Corte Superior de Justiça de Lima decidiu arquivar definitivamente o processo Assim o caso Barrios Altos foi levado por meio de petição à Comissão Interamericana de Direitos Humanos onde tramitou de 1995 até 2000 quando foi submetido à Corte A Comissão solicitou à Corte além das providências pertinentes à continuidade da investigação e à reparação de danos que revogasse ou tornasse sem efeito a lei de anistia Em seu voto o Juiz brasileiro Cançado Trindade afirmou a incompatibilidade das leis de autoanistia com o direito internacional dos direitos humanos concluindo serem elas destituídas de validade jurídica no plano do direito internacional dos direitos humanos A Corte entendeu haver incompatibilidade da lei de anistia com a Convenção já que a lei excluía a responsabilidade e permitia o impedimento da investigação e punição de pessoas ditas responsáveis por violações de direitos humanos culminando por decidir pela sua inconvencionalidade declarando a não aplicação das normas internas com efeitos erga omnes para todos os poderes públicos 1012 O descumprimento de decisão da Corte Interamericana gera ao Estado responsabilidade internacional Não obstante alguns Estados não se constrangem em descumprir as decisões da Corte como exemplifica recente decisão do Tribunal Supremo de Justiça da Venezuela que simplesmente declarou ser inexecutável a sentença proferida no caso López Mendoza v Venezuela Neste caso a Corte determinou a anulação das resoluções que cassaram os direitos políticos de López Mendonza opositor de Hugo Chavéz nas eleições presidenciais de 2012 considerando o Estado venezuelano responsável por violação dos direitos à fundamentação e à defesa nos procedimentos administrativos que acarretaram a imposição das sanções de inabilitação bem como responsável por violação dos direitos à tutela judicial e de ser eleito todos garantidos na Convenção Diante disso vem naturalmente à tona a questão da legitimidade da Corte Interamericana para interferir sobre as decisões dos Estados O problema do déficit de legitimidade democrática dos juízes é mais grave no cenário da justiça transnacional Notese que se a autonomia dos direitos humanos importa para a consolidação de um Estado de Direito também interfere nos processos ordinários de autodeterminação coletiva Nessa linha argumenta Owen Fiss que o elemento consensual inerente ao processo de elaboração dos tratados não dá aos tribunais internacionais uma base democrática Os processos internos de ratificação de um tratado não são necessariamente democráticos A ratificação de um tratado pela China representaria ato de consentimento entre os seus cidadãos Mesmo nos Estados Unidos a ratificação dos tratados repousa nas mãos do Senado que não está constituído de acordo com os princípios democráticos sendo que a forma de consentimento peculiar a esta Casa Legislativa não é adequada em termos de política democrática 1013 Como resultado prossegue Fiss os tribunais internacionais recentemente estabelecidos para proteger os direitos humanos permanecem sem responsabilidade diante dos cidadãos do mundo organizados de acordo com princípios democráticos e dessa forma devem ser vistos como uma perda para a democracia não obstante importantes para a justiça 1014 Pensese em pronunciamento da Corte que afeta a autodeterminação do povo de Estadoparte a exemplo do que ocorreu no caso Gelman v Uruguai 1015 em que se negou a validade da lei de anistia Lei de Caducidad uruguaia mesmo que legitimada mediante a via da participação direta em duas ocasiões Ao decidir afirmou a Corte que el hecho de que la Ley de Caducidad haya sido aprobada en un régimen democrático y aún ratificada o respaldada por la ciudadanía en dos ocasiones no le concede automáticamente ni por sí sola legitimidad ante el Derecho Internacional La participación de la ciudadanía con respecto a dicha Ley utilizando procedimientos de ejercicio directo de la democracia recurso de referéndum párrafo 2º del artículo 79 de la Constitución del Uruguay en 1989 y plebiscito literal A del artículo 331 de la Constitución del Uruguay sobre un proyecto de reforma constitucional por el que se habrían declarado nulos los artículos 1 a 4 de la Ley el 25 de octubre del año 2009 se debe considerar entonces como hecho atribuible al Estado y generador por tanto de la responsabilidad internacional de aquél La sola existencia de un régimen democrático no garantiza per se el permanente respeto del Derecho Internacional incluyendo al Derecho Internacional de los Derechos Humanos lo cual ha sido así considerado incluso por la propia Carta Democrática Interamericana la protección de los derechos humanos constituye un límite infranqueable a la regla de mayorías es decir a la esfera de lo susceptible de ser decidido por parte de las mayorías em instancias democráticas en las cuales también debe primar un control de convencionalidad 1016 Os atos praticados por ditaduras militares em detrimento de direitos humanos são reprováveis e merecedores de severa condenação Tratase de obviedade O problema é que a Corte sem questionar a qualidade democrática das formas de participação direta que deram base à lei uruguaia disse serem elas insuficientes para legitimar a lei perante o direito internacional A Corte para decidir simplesmente alegou que la protección de los derechos humanos constituye un límite infranqueable a la regla de la mayoría Argumentouse que a inconvencionalidade da lei de anistia não deriva da ilegitimidade do processo que a fez surgir ou da autoridade que a editou mas sim da circunstância de deixar os atos de violação aos direitos humanos sem punição A inconvencionalidade afirmou a Corte decorre de um aspecto material e não de uma questão formal como a sua origem A ideia de que a participação popular direta constitui uma questão formal sem importância diante da inegável imprescindibilidade de proteção aos direitos humanos requer meditação 1017 Os direitos humanos não são incompatíveis com a democracia 1018 Ambos convivem e por isso esta relação deve ser mediada por uma interpretação democrática 1019 A Corte não está dispensada de legitimar suas decisões confrontando os direitos humanos com a vontade da maioria de um país Diante disso terá de evidenciar quando não é possível deliberar e especialmente quando uma decisão majoritária apesar de formalmente tomada não expressa a vontade real de um povo por ter sido elaborada sem adequada discussão ou com a exclusão real ou virtual de parte da população 1020 Assim caberia à Corte demonstrar de forma racional ou que a vontade do povo é incompatível com a extinção da punibilidade de crimes contra os direitos humanos ou que a decisão majoritária carece de base democrática Sucede que a demonstração de incompatibilidade entre democracia e direitos humanos não se faz com uma frase impositiva em que simplesmente se afirma o que se deve evidenciar Dizer que a vontade da maioria não é compatível com os direitos humanos nada significa É preciso evidenciar mediante argumentação racional que determinados direitos humanos são inconciliáveis já que vários certamente o são 1021 com a democracia Frisese que não se está dizendo que a extinção da punibilidade o seja até porque não é este aspecto da decisão que aqui importa mas que faltou à Corte legitimar a sua decisão assim evidenciado O ponto como já dito nada tem a ver com a essência perversa dos atos praticados pelas ditaduras militares mas sim com o questionamento da legitimidade de uma Corte composta de homens de notável saber para negar a legitimidade de uma decisão majoritária sem precisar se preocupar com a sua qualidade democrática a expressar a vontade de um povo 1022 8104 Objeto e parâmetro do controle de convencionalidade na Corte Interamericana Como visto a Corte Interamericana entende que o controle de convencionalidade não é restrito às normas infraconstitucionais recaindo isso sim sobre as normas de direito interno aí presentes as normas constitucionais Nesses termos qualquer ato normativo interno seja infraconstitucional lei decreto regulamento resolução ou de caráter constitucional está sujeito ao controle de convencionalidade pela Corte Enquanto isso também segundo a Corte Interamericana o material normativo de controle ou seja o bloco de convencionalidade 1023 é integrado pela Convenção pelos demais tratados ou convenções de direitos humanos sob a tutela da Corte bem como pelos seus precedentes 1024 8105 Os efeitos das decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos A decisão da Corte determina ao Estadoparte a modificação da sua ordem jurídica a fim de compatibilizála com a Convenção Americana A decisão de inconvencionalidade é obrigatória ao Estadoparte nos termos dos arts 623 e 681 da Convenção impondoselhe a reforma da sua legislação ou mesmo da sua Constituição conforme aconteceu nos casos La Última Tentación de Cristo e Caesar v Trinidad y Tobago O descumprimento da decisão gera responsabilidade internacional arts 11 e 2 da Convenção Portanto a decisão da Corte não nulifica ou derroga as normas internas Porém em casos em que se discutem crimes contra a humanidade a Corte tem declarado a não aplicação das normas internas com efeitos erga omnes para todos os poderes públicos Assim ocorreu nos casos Barrios Altos 1025 Tribunal Constitucional de Peru 1026 e La Cantuta 1027 De outro lado a Corte Interamericana vem afirmando a força obrigatória dos seus precedentes 1028 isto é a eficácia vinculante dos fundamentos determinantes das suas decisões Em 2004 ao julgar Tibi v Ecuador a Corte advertiu que un tribunal internacional de derechos humanos no aspira mucho menos todavía que el órgano nacional a resolver un gran número de litigios en lo que se reproduzcan violaciones previamente sometidas a su jurisdicción y acerca de cuyos temas esenciales ya ha dictado sentencias que expresan su criterio como intérprete natural de las normas que está llamado a aplicar esto es las disposiciones del tratado internacional que invocan los litigantes Este designio que pone de manifiesto una función de la Corte sugiere también las características que pueden tener los asuntos llevados a su conocimiento 1029 Em 2006 no caso Almonacid Arellano e outros v Chile a Corte Interamericana novamente enfatizou a força obrigatória das suas decisões ao lembrar que quando um Estado ratifica um tratado os seus juízes também estão submetidos a ele lo que les obliga a velar para que los efectos de la Convención no se vean mermados por la aplicación de normas jurídicas contrarias a su objeto y fin En esta tarea el Poder Judicial debe tener en cuenta no solamente el Tratado sino también la interpretación que del mismo ha hecho la Corte IDH intérprete última de la Convención 1030 A Suprema Corte argentina no caso Mazzeo ao reconhecer a legitimidade do controle de convencionalidade declarou que cuando un Estado ha ratificado un tratado internacional como la Convención Americana sus jueces como parte del aparato del Estado también están sometidos a ella lo que les obliga a velar porque los efectos de las disposiciones de la Convención no se vean mermadas por la aplicación de leyes contrarias a su objeto y fin y que desde un inicio carecen de efectos jurídicos En otras palabras el Poder Judicial debe ejercer una especie de control de convencionalidad entre las normas jurídicas internas que aplican en los casos concretos y la Convención Americana sobre Derechos Humanos 1031 Neste caso ao lado de admitir a necessidade do controle de convencionalidade a Suprema Corte argentina afirmou estar submetida à interpretação conferida ao direito convencional pela Corte Interamericana Ou seja a Corte deixou claro que ao realizar o controle de convencionalidade deve observar o sentido outorgado à Convenção pela Corte Interamericana Así la Corte Suprema de Argentina aplica la pauta de interpretación que del mismo ha hecho la Corte interamericana interpretación conforme a la Convención Americana como estándar mínimo de respeto de derechos humanos como asimismo el respeto y resguardo de la jurisprudencia de la Corte Interamericana de Derechos Humanos 1032 O Tribunal Constitucional da Bolívia também já declarou estar vinculado aos precedentes da Corte Interamericana El cumplimiento de estos requisitos que hacen al Juez natural permite garantizar la correcta determinación de los derechos y obligaciones de las personas de ahí que la Corte Interamericana de Derechos Humanos cuya jurisprudencia es vinculante para la jurisdicción interna en su Sentencia de 31 de enero de 2001 caso Tribunal Constitucional de Peru párrafo 77 ha establecido que toda persona sujeta a juicio de cualquier naturaleza ante un órgano del Estado deberá contar con la garantía de que dicho órgano sea competente independiente e imparcial 1033 Embora a questão ainda não tenha sido bem analisada pela Corte Interamericana e pelos Tribunais nacionais compreendese a partir de decisões já proferidas que se tenta atribuir eficácia vinculante à ratio decidendi ou aos fundamentos determinantes das decisões de modo a obrigar os Tribunais nacionais a adotar o sentido atribuído à norma convencional pela Corte Interamericana Seria possível argumentar que a Convenção diz apenas que os Estadospartes comprometemse a cumprir a decisão da Corte em todo caso em que forem partes art 68 o que significaria apenas obrigatoriedade de respeito às decisões tomadas em processos em que o Estado participou como parte uma espécie de coisa julgada a impedir a negação da decisão e a rediscussão do caso Porém a obrigatoriedade de respeito à fundamentação determinante de uma decisão nada tem a ver com a participação como parte no processo em que proferida A parte como é óbvio é sujeita ao dispositivo da decisão não podendo dela fugir Sucede que os fundamentos determinantes ou a ratio decidendi expressam uma tese jurídica ou o sentido atribuído a uma norma diante de determinada realidade fática Esta tese ou sentido por revelarem o entendimento da Corte acerca de como a Convenção deve ser compreendida em face de certa situação certamente devem ser observados por todos aqueles que estão obrigados perante a Convenção 1034 Como é evidente a vinculação aos fundamentos determinantes das decisões da Corte apenas reforça a sua autoridade atribuindo força aos preceitos da Convenção De modo que o problema não está nos precedentes vinculantes necessários para a coerência do direito mas na necessária elaboração e utilização de dogmática capaz de evidenciar a adequada operação com os precedentes evitandose a sua perpetuação equivocada assim como a aplicação a casos substancialmente distintos REFERÊNCIAS ABOUD Georges NERY JR Nelson CAMPOS Ricardo Coord Fake News e Regulação São Paulo Revista dos Tribunais 2018 ABRAHAM Henry J The judicial process An introductory analysis of the courts of the United States England and France 6 ed New York Oxford University Press 1993 ABRAHÃO Marcela As restrições a direitos fundamentais por Ato Normativo do Poder Executivo Coimbra Almedina 2018 ABRAMOVICH Victor COURTIS Christian Los derechos sociales como derechos exigibles Madrid Trotta 2002 ABREU Joana Rita de Sousa Covelo de Inconstitucionalidade por omissão 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2019 Tutela antecipatória julgamento antecipado e execução imediata da sentença São Paulo Revista dos Tribunais 1996 Tutela cautelar e tutela antecipatória São Paulo Revista dos Tribunais 1992 Tutela contra o ilícito São Paulo Revista dos Tribunais 2015 Tutela inibitória 2 ed São Paulo Revista dos Tribunais 2000 4 ed São Paulo Revista dos Tribunais 2006 Die Wirksamkeit der Entscheidung über die VerfassungsmäBigkeit in welchen Fällen ist ihre gerichtliche Überprüfung möglich ZZPInt Zeitschrift für Zivilprozes International Jahrbuch dês Internationalen Zivilprozessrechts v 18 2014 El precedente interpretativo como respuesta a la transformación del civil law In Debatiendo con Taruffo Madrid Marcial Pons 2016 Il diritto alla tutela giurisdizionale effetiva nella prospettiva della teoria dei diritti fondamentali Studi in onore di Giuseppe Tarzia Milano Giuffrè 2005 Julgamento nas Cortes Supremas São Paulo Revista dos Tribunais 2015 Novo Código de Processo Civil comentado São Paulo Revista dos Tribunais 2015 coautoria com Sérgio Arenhart e Daniel Mitidiero Novo curso de processo civil Teoria do processo civil São Paulo Revista dos Tribunais 2015 v 1 coautoria com Sérgio Arenhart e Daniel Mitidiero Novo curso de processo civil Tutela dos direitos mediante procedimento comum São Paulo Revista dos Tribunais 2015 v 2 coautoria com Sérgio Arenhart e Daniel Mitidiero Novo curso de processo civil Tutela dos direitos mediante procedimentos diferenciados São Paulo Revista dos Tribunais 2015 v 3 coautoria com Sérgio Arenhart e Daniel Mitidiero O STJ enquanto Corte de Precedentes 2 ed São Paulo Revista dos Tribunais 2014 Prueba Santiago Thomson Reuters 2015 coautoria com Sérgio Cruz Arenhart Tutela inhibitoria Madrid Marcial Pons 2014 Abuso de defesa e parte incontroversa da demanda 2 ed São Paulo Revista dos Tribunais 2011 Abuso de defensa y parte incontrovertida de la demanda Lima Ara Editores 2007 Antecipação da tutela 12 ed São Paulo Revista dos Tribunais 2011 Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo 5 ed São Paulo Revista dos Tribunais 2013 coautoria com Daniel Mitidiero Coisa julgada inconstitucional 2 ed São Paulo Revista dos Tribunais 2010 Comentários ao Código de Processo Civil do processo de conhecimento Arts 332 a 341 2 ed rev atual e ampl São Paulo Revista dos Tribunais 2005 v 5 t I coautoria com Sérgio Cruz Arenhart coord Ovídio A Baptista da Silva Comentários ao Código de Processo Civil do processo de conhecimento Arts 342 a 443 2 ed rev atual e ampl São Paulo Revista dos Tribunais 2005 v 5 t II coautoria com Sérgio Cruz Arenhart coord Ovídio A Baptista da Silva Curso de processo civil Teoria Geral do Processo 7 ed São Paulo Revista dos Tribunais 2013 v 1 Curso de processo civil Processo de Conhecimento 10 ed São Paulo Revista dos Tribunais 2012 v 2 coautoria com Sérgio Cruz Arenhart Curso de processo civil Execução 5 ed São Paulo Revista dos Tribunais 2013 v 3 coautoria com Sérgio Cruz Arenhart Curso de processo civil Processo Cautelar 3 ed São Paulo Revista dos Tribunais 2011 v 4 coautoria com Sérgio Cruz Arenhart Curso de processo civil Procedimentos Especiais 2 ed São Paulo Revista dos Tribunais 2011 v 5 coautoria com Sérgio Cruz Arenhart Decisión de inconstitucionalidad y cosa juzgada Lima Communitas 2008 Derecho fundamental a la tutela jurisdiccional efectiva Lima Palestra 2007 Efetividade do processo e tutela de urgência Porto Alegre Sergio Antonio Fabris Editor 1995 Fundamentos del processo civil Santiago Abeledo Perrot 2010 coautoria com Alvaro Perez Ragone Novas linhas do processo civil 4 ed São Paulo Malheiros 2000 O projeto do CPC Críticas e propostas São Paulo Revista dos Tribunais 2010 Precedentes obrigatórios 4 ed São Paulo Revista dos Tribunais 2015 Prova 2 ed São Paulo Revista dos Tribunais 2011 coautoria com Sérgio Cruz Arenhart Questões do novo direito processual civil brasileiro Curitiba Juruá 1999 Repercussão geral no recurso extraordinário 2 ed São Paulo Revista dos Tribunais 2008 coautoria com Daniel Mitidiero Soluções práticas de direito Pareceres São Paulo Revista dos Tribunais 2011 v 1 e v 2 Técnica processual e tutela dos direitos 3 ed São Paulo Revista dos Tribunais 2010 Anticipazione della tutela Dalla tutela cautelare alla tecnica anticipatoria 2013 tradução de Lorenza Bianchi e Gabriele Molinaro Torino Giappichelli 2016 Código de Processo Civil comentado de 1973 artigo por artigo 2008 6 ed São Paulo Revista dos Tribunais 2014 coautoria com Luiz Guilherme Marinoni Colaboração no processo civil Pressupostos sociais lógicos e éticos 2009 2 ed São Paulo Revista dos Tribunais 2015 Colaboración en el proceso civil Presupuestos sociales lógicos y éticos 2009 tradução de Juan José Monroy Palacios Lima Communitas 2009 Comentários ao Código de Processo Civil São Paulo Revista dos Tribunais 2016 v I com Luiz Guilherme Marinoni Comentários ao Código de Processo Civil São Paulo Revista dos Tribunais 2016 v XV com Luiz Guilherme Marinoni Comentários ao Código de Processo Civil São Paulo Revista dos Tribunais 2016 v XVI com Luiz Guilherme Marinoni Comentários ao Código de Processo Civil de 1973 São Paulo Memória Jurídica 2004 t I arts 1 a 153 Comentários ao Código de Processo Civil de 1973 São Paulo Memória Jurídica 2005 t II arts 154 a 269 Comentários ao Código de Processo Civil de 1973 São Paulo Memória Jurídica 2006 t III arts 270 a 331 Cortes Superiores e Cortes Supremas Do controle à interpretação da jurisprudência ao precedente 2013 2 ed São Paulo Revista dos Tribunais 2014 Curso de processo civil Código de Processo Civil de 1973 2010 2 ed São Paulo Atlas 2013 v I coautoria com Alvaro de Oliveira Curso de processo civil Código de Processo Civil de 1973 São Paulo Atlas 2012 v II coautoria com Alvaro de Oliveira Elementos para uma teoria contemporânea do processo civil brasileiro Porto Alegre Livraria do Advogado 2005 Introdução ao estudo do processo civil Primeiras linhas de um paradigma emergente Porto Alegre Sergio Antonio Fabris Editor 2004 coautoria com Hermes Zaneti Júnior La justicia civil en el estado constitucional Diálogos para un diagnóstico tradução de Renzo Cavani e Christian Delgado Lima Palestra 2016 Novo Código de Processo Civil comentado de 2015 2 ed São Paulo Revista dos Tribunais 2016 coautoria com Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart Novo curso de processo civil Código de Processo Civil de 2015 2 ed São Paulo Revista dos Tribunais 2016 v I coautoria com Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart Novo curso de processo civil Código de Processo Civil de 2015 2 ed São Paulo Revista dos Tribunais 2016 v II coautoria com Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart Novo curso de processo civil Código de Processo Civil de 2015 2 ed São Paulo Revista dos Tribunais 2016 v III coautoria com Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart O novo processo civil 2015 2 ed São Paulo Revista dos Tribunais 2016 coautoria com Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart O Projeto do CPC Crítica e propostas São Paulo Revista dos Tribunais 2010 coautoria com Luiz Guilherme Marinoni Precedentes Da persuasão à vinculação São Paulo Revista dos Tribunais 2016 Processo civil e estado constitucional Porto Alegre Livraria do Advogado 2007 Repercussão geral no recurso extraordinário 2007 3 ed São Paulo Revista dos Tribunais 2012 coautoria com Luiz Guilherme Marinoni b Traduções A motivação da sentença civil de Michele Taruffo tradução de Daniel Mitidiero Rafael Abreu e Vitor de Paula Ramos São Paulo Marcial Pons 2015 Processo civil comparado Ensaios de Michele Taruffo tradução de Daniel Mitidiero São Paulo Marcial Pons 2013 O problema da efetividade das normas constitucionais e da força normativa da Constituição O problema da efetividade das normas constitucionais e da força normativa da Constituição Estado do Rio Grande do Sul a obrigação de disponibilizar num prazo de 30 trinta dias aos alunos matriculados com até 18 anos de idade na Rede Estadual de Ensino Médio no Município de Lajeado o fornecimento de passagem escolar ou a prestação do serviço de transporte escolar gratuito permanente e contínuo como forma de assegurar o acesso desses adolescentes à escola e à própria educação especialmente no período noturno e para aqueles que residem a mais de 3 km de distância da escola Esse dever decorreria entre outros da Constituição Federal arts 23 205 e 208 VI do Estatuto da Criança e do Adolescente Lei 80691990 ECA e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Lei 93941996 LDB A decisão ainda destacou a dimensão objetiva dos direitos fundamentais à educação e à proteção da criança e do adolescente que impõe ao Estado a obrigação constitucional de criar condições objetivas que possibilitem de maneira concreta a efetiva proteção de direitos constitucionalmente assegurados Na STA 175CE julgada em março de 2010 rel Min Gilmar Mendes foi mantida decisão impondo fornecimento de medicamento novo ainda não incluído na lista elaborada pelo Ministério da Saúde de alto custo inclusive mediante invocação do direito à vida e do mínimo existencial Tal orientação em termos gerais no que diz com a excepcionalidade da imposição ao poder público de prestações em especial medicamentos não previstas no sistema de políticas públicas já praticadas com destaque para a legislação do SUS tem sido mantida pelo STF que segue sendo constantemente provocado a se posicionar sobre o tema Todavia importa consignar que no âmbito do RE 566471RN rel Min Marco Aurélio ainda pendente de julgamento mas com voto já prolatado pelo Relator julgamento suspenso em virtude de pedido de vista bem como no RE 657718MG igualmente relatado pelo Ministro Marco Aurélio também com julgamento suspenso em virtude de pedido de vista é possível que o STF ajuste ao menos em alguns pontos o seu entendimento designadamente para enrijecer os critérios para o reconhecimento de um direito subjetivo a prestações de saúde Em ambos os casos o voto do Relator foi pelo reconhecimento do pedido do autor da ação na origem e desprovimento do Recurso Extraordinário No primeiro caso RE 566471 o Relator considerou que presentes os requisitos da indispensabilidade do medicamento e da incapacidade financeira do autor e de sua família pois há de ser demonstrado que em causa está a garantia do mínimo existencial e demonstrada a efetiva necessidade e impossibilidade de custeio pelo requerente ou familiares em termos analógicos ao da obrigação alimentar civil em homenagem ao princípio e dever de solidariedade o que resultou atendido no caso concreto em regra todavia devendo ser mínima e excepcional a intervenção do Poder Judiciário na esfera das políticas públicas Já o Ministro Roberto Barroso em votovista desproveu o recurso pelo fato de no curso da ação o medicamento ter sido aprovado pela ANVISA e incorporado à lista de medicamentos do SUS mas frisou que no caso de medicamentos não incorporados ao sistema deverá ser observado rigorosamente para manter o caráter excepcional de tal tipo de situação um conjunto de critérios materiais e procedimentais Por sua vez o Min Edson Fachin deu parcial provimento ao RE entendendo ser procedente a alegação do Estadomembro no sentido de que não poderia contemporânea com destaque para o caso da autonomia universitária da contribuição de André Trindade e Edval Luiz Mazzari Junior p 66 e ss V sobre o tema o julgamento da ADPF 548DF rel Min Cármen Lúcia j em 15052020 em que por unanimidade o STF declarou nulas as decisões da Justiça Eleitoral em cinco Estados que impuseram a interrupção de manifestações públicas de apreço ou reprovação a candidatos em ambiente virtual ou físico de universidades às vésperas do segundo turno da eleição de 2018 tendo dentre os fundamentos a não violação do princípio constitucional da autonomia universitária e da autonomia dos espaços de ensinar e aprender Cf decisão de 25101989 prolatada na ADIn 51RJ tendo como relator o Min Paulo Brossard RTJ 1483 e ss 1995 Ressaltese que no caso concreto se tratava de universidade federal que mediante ato normativo interno e em afronta à lei federal estabeleceu regras sobre a indicação e forma de provimento do cargo de reitor A íntima vinculação entre este dispositivo e o direito à educação foi objeto de destaque no voto do Min Celso de Mello RTJ 148911 1995 No mesmo sentido v a ADIn 51RJ DJ 17091993 especialmente o voto do então Min Sepúlveda Pertence afirmando que a autonomia universitária constitui garantia institucional RTJ 14814 1995 cujo núcleo essencial não pode ser destruído pelo legislador ordinário ainda que esteja habilitado a regulamentar o dispositivo constitucional De outra parte restou destacado que a autonomia universitária não corresponde a um direito subjetivo absoluto de autorregulamentação das universidades Nesse sentido no âmbito da jurisprudência mais recente do STF v a decisão proferida na ADPF 759DF rel Min Edson Fachin j06022021 que reconheceu liminarmente a constitucionalidade do ato do Chefe do Poder Executivo relativo à escolha dentre os integrantes da respectiva lista tríplice do reitor de Universidade Federal não sendo cogente a escolha do candidato mais votado inexistindo no caso violação da autonomia universitária Na ADI 5946RR rel Min Gilmar Mendes j 21052021 por sua vez foi reconhecida a inconstitucionalidade de Emenda à Constituição do Estado de Roraima pelo fato de ter ampliado a autonomia universitária para além dos parâmetros assegurados pelo art 207 CF no caso pelo fato de a referida Emenda ter conferido à Universidade Estadual autonomia administrativa financeira e orçamentária própria de órgão de poder e entes da Federação A garantia institucional da autonomia universitária também se encontra prevista apenas a título ilustrativo na Constituição da Espanha art 2710 e na Constituição portuguesa art 76 n 2 Entre as Constituições do Mercosul foi contemplada também na Constituição do Paraguai art 79 não tendo sido prevista nas Constituições da Argentina e do Uruguai Ainda quanto ao direito geral à educação podese mencionar decisão proferida no âmbito da ADPF 699 rel Min Gilmar Mendes j em 24062020 onde foi evidenciada a existência de uma relação entre as posições fundamentais concernentes ao direito à educação e o acesso igualitário à educação mediante a política de cotas de modo que reduzir ou inciso III da Lei dos Partidos Políticos Lei n 90961995 Válido porém mencionar a divergência não vencedora aberta pelo Ministro Edson Fachin o qual embora tenha reconhecido a existência de legislação específica sobre o tema entendeu que a suspensão do registro nessas hipóteses decorre da própria Constituição que prevê a prestação de contas pelos partidos políticos art 17 inciso III Cf ADI 6032 rel Min Gilmar Mendes j em 05122019 Cumpre destacar que na ADI 5922 foi questionada a redação do art 47 3º da Lei n 95041997 requerendose sua interpretação conforme a CF com a finalidade de que fossem consideradas na repartição do tempo de propaganda eleitoral no rádio e na televisão as alterações de filiação partidária ocorridas durante a legislatura A questão porém foi considerada prejudicada em razão da ausência de impugnação da totalidade do complexo normativo que rege a matéria razão pela qual se entendeu por haver vício processual que comprometeu o interesse de agir em sede de controle abstrato de constitucionalidade Cf Ag Reg na ADI 5922 rel Min Luiz Fux j em 14022020 STF Representação de Inconstitucionalidade 933 Pleno j 05061975 rel Min Thompson Flores Idem Idem STF Representação de Inconstitucionalidade 10163 Pleno j 20091979 rel Min Moreira Alves CF1988 art 5º LXX o mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por a partido político com representação no Congresso Nacional b organização sindical entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano em defesa dos interesses de seus membros ou associados CF1988 art 5º LXXI concederseá mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade à soberania e à cidadania CF1988 art 5º LXXII concederseá habeas data a para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público b para a retificação de dados quando não se prefira fazêlo por processo sigiloso judicial ou administrativo CF1988 art 5º LXXIII qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe à moralidade administrativa ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural ficando o autor salvo comprovada máfé isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência CF1988 art 102 1º A arguição de descumprimento de preceito fundamental decorrente desta Constituição será apreciada pelo Supremo Tribunal Federal na forma da lei Lei 98821999 art 1º A arguição prevista no 1º do art 102 da Constituição Federal será proposta perante o Supremo Tribunal Federal e terá por objeto evitar ou reparar lesão a preceito fundamental resultante de ato do Poder Público CF1988 art 36 A decretação da intervenção dependerá III de provimento pelo Supremo Tribunal Federal de representação do ProcuradorGeral da República na hipótese do art 34 VII e no caso de recusa à execução de lei federal Redação dada pela EC 452004 CF1988 art 125 2º Cabe aos Estados a instituição de representação de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais em face da Constituição Estadual vedada a atribuição da legitimação para agir a um único órgão Constitutional review is an expression of the priority or superiority of constitutional rights over and against parliamentary legislation Its logical basis is the concept of contradiction The declaration of a statute as unconstitutional implies that it contradicts at least one norm of the constitution This contradiction at the level of norms is accompanied by a injuridicidade de qualquer proposição será esta considerada rejeitada e arquivada definitivamente por despacho do Presidente do Senado salvo não sendo unânime o parecer recurso interposto nos termos do art 254 Por fim também o poder de veto do Presidente da República pode ser exercido com fundamento no controle de constitucionalidade do projeto de lei CF1988 art 66 1º Se o Presidente da República considerar o projeto no todo ou em parte inconstitucional vetáloá total ou parcialmente Sendo esse o contexto examino inicialmente questão pertinente à legitimidade ativa dos ilustres deputados federais impetrantes do presente mandado de segurança E ao fazêlo reconheço na linha do magistério jurisprudencial desta Suprema Corte MS 23334RJ rel Min Celso de Mello vg que os membros do Congresso Nacional dispõem de legitimidade ativa ad causam para provocar a instauração do controle jurisdicional sobre o processo de formação das leis e das emendas à Constituição assistindolhes sob tal perspectiva irrecusável direito subjetivo de impedir que a elaboração dos atos normativos pelo Poder Legislativo incida em desvios inconstitucionais É por essa razão que o STF tem reiteradamente proclamado em favor dos congressistas e apenas destes o reconhecimento desse direito público subjetivo à correta elaboração das emendas à Constituição das leis e das demais espécies normativas referidas no art 59 da Constituição O processo de formação das leis ou de elaboração de emendas à Constituição revelase suscetível de controle incidental ou difuso pelo Poder Judiciário sempre que havendo possibilidade de lesão à ordem jurídicoconstitucional a impugnação vier a ser suscitada por membro do próprio Congresso Nacional pois nesse domínio somente ao parlamentar que dispõe do direito público subjetivo à correta observância das cláusulas que compõem o devido processo legislativo assiste legitimidade ativa ad causam para provocar a fiscalização jurisdicional MS 23565DF rel Min Celso de Mello MS 27931 rel Min Celso de Mello DJe 01042009 Em recente decisão monocrática proferida no MS 27971 o Min Celso de Mello extinguiu o processo sem julgar o mérito em virtude da perda superveniente da condição de parlamentar do impetrante do mandado de segurança Informativo 647 de 07 a 11112011 STF MS 20257 Pleno rel Min Moreira Alves j 08101980 RTJ 991040 Observese que a Constituição Federal de 1988 ao disciplinar o poder de reforma constitucional pela via de emendas à Constituição no art 60 4º estabeleceu que não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir as chamadas cláusulas pétreas Portanto a rigor o que o referido dispositivo parece proibir é até mesmo a deliberação de uma proposta de emenda e não apenas a anulação de emendas já aprovadas Notese que se pode extrair esta conclusão da própria decisão tomada no MS 20257 da lavra do Min Moreira Alves Não admito mandado de segurança para impedir tramitação embriaguez na condução de veículo automotor Cf também STF RE 573540 j 14042010 rel Min Gilmar Mendes considerando inconstitucional a cobrança de contribuição destinada ao custeio de serviços de saúde pública devida por servidor público sob argumento de que apenas a União tem competência para instituição de tal tributo Ainda no mesmo sentido STF AgIn 740823AgRg rel Min Joaquim Barbosa j 04102011 Cf STF ADIn 3566 j 15022007 rel Min Joaquim Barbosa Magistratura Tribunal Membros dos órgãos diretivos Presidente vicepresidente e corregedorgeral Eleição Universo dos magistrados elegíveis Previsão regimental de elegibilidade de todos os integrantes do Órgão Especial Inadmissibilidade Temática institucional Matéria de competência legislativa reservada à Lei Orgânica da Magistratura e ao Estatuto da Magistratura Ofensa ao art 93 caput da CF Inteligência do art 96 I a da CF Recepção e vigência do art 102 da LC federal 35 de 14031979 Loman Ação direta de inconstitucionalidade julgada por unanimidade prejudicada quanto ao 1º e improcedente quanto ao caput ambos do art 4º da Lei 77271989 Ação julgada procedente contra o voto do relator sorteado quanto aos arts 3º caput e 11 I a do Regimento Interno do TRF3ª Reg São inconstitucionais as normas de Regimento Interno de tribunal que disponham sobre o universo dos magistrados elegíveis para seus órgãos de direção No mesmo sentido as ADI 6766RO e ADI 6779DF rel Min Alexandre de Moraes j 30082021 que reconheceram a inconstitucionalidade de norma que regulamente critérios para progressão de carreira na magistratura Art 146 Cabe à lei complementar III estabelecer normas gerais em matéria de legislação tribu tária especialmente sobre a definição de tributos e de suas espécies bem como em relação aos impostos discriminados nesta Constituição a dos respectivos fatos geradores bases de cálculo e contribuintes b obrigação lançamento crédito prescrição e decadência tributários c adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas d definição de tra tamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte inclusive regimes especiais ou simplificados no caso do imposto previsto no art 155 II das contribuições previstas no art 195 I e 12 e 13 e da contribuição a que se refere o art 239 STF RE 502648AgRg rel Min Joaquim Barbosa j 19082008 Viola a reserva de lei complementar para dispor sobre normas gerais em matéria tributária art 146 III b da CF lei ordinária da União que disponha sobre prescrição e decadência De acordo com José Adércio Leite Sampaio os atos interna corporis são aqueles adotados por quem tenha a competência nos limites fixados pela Constituição ou pelas leis destinados a produzir efeitos no âmbito do órgão entidade ou setor de onde emanado o que abrangeria por exemplo as decisões típicas de política legislativa como a elaboração do Regimento Interno das Casas do Congresso e o mérito das decisões das Mesas e do Plenário do Congresso acerca dos trabalhos parlamentares Seriam assim 10791950 4 A interpretação e a aplicação do Regimento Interno da Câmara dos Deputados constituem matéria interna corporis insuscetível de apreciação pelo Poder Judiciário 5 Agravo regimental improvido STF AgRg no MS 26062 Pleno rel Min Gilmar Mendes DJe 04042008 Agravo regimental Mandado de segurança Questão interna corporis Atos do Poder Legislativo Controle judicial Precedente da Suprema Corte 1 A sistemática interna dos procedimentos da Presidência da Câmara dos Deputados para processar os recursos dirigidos ao Plenário daquela Casa não é passível de questionamento perante o Poder Judiciário inexistente qualquer violação da disciplina constitucional 2 Agravo regimental desprovido STF AgRg no MS 25588 Pleno rel Min Menezes Direito DJe 08052009 CF1988 art 58 3º As comissões parlamentares de inquérito que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal em conjunto ou separadamente mediante requerimento de um terço de seus membros para a apuração de fato determinado e por prazo certo sendo suas conclusões se for o caso encaminhadas ao Ministério Público para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores Tratavase da chamada CPI do Caos Aéreo O fato determinado indicado no requerimento de instalação consistia na investigação das causas consequências e responsáveis pela crise do sistema de trafego aéreo brasileiro chamada de apagão aéreo desencadeada após o acidente ocorrido no dia 29092006 envolvendo um Boeing 737800 e um jato Legacy com mais de uma centena de vítimas Câmara dos Deputados Requerimento 012007 O Supremo reconheceu no art 58 3º da CF um verdadeiro estatuto constitucional das minorias parlamentares cujas prerrogativas notadamente aquelas pertinentes ao direito de investigar devem ser preservadas pelo Poder Judiciário A norma inscrita no art 58 3º da Constituição da República destinase a ensejar a participação ativa das minorias parlamentares no processo de investigação legislativa sem que para tanto mostrese necessária a concordância das agremiações que compõem a maioria parlamentar A maioria legislativa não pode frustrar o exercício pelos grupos minoritários que atuam no Congresso Nacional do direito público subjetivo que lhes é assegurado pelo art 58 3º da Constituição A rejeição de ato de criação de Comissão Parlamentar de Inquérito pelo Plenário da Câmara dos Deputados ainda que por expressiva votação majoritária proferida em sede de recurso interposto por líder de partido político que compõe a maioria congressual não tem o condão de justificar a frustração do direito de investigar que a própria Constituição da República outorga às minorias que atuam nas Casas do Congresso Nacional MS 26441 rel Min Celso de Mello j 25042007 Ação direta de inconstitucionalidade Alegação de inconstitucionalidade formal Processo legislativo Medida provisória Trancamento de pauta Art 62 6º da CF Preliminar de prejudicialidade dispositivo de norma cuja eficácia foi limitada até 31122005 Inclusão em pauta do processo antes do exaurimento da eficácia da norma temporária impugnada Julgamento posterior ao exaurimento Circunstâncias do caso afastam a aplicação da jurisprudência do STF sobre a prejudicialidade da ação visto que o requerente impugnou a norma em tempo adequado Conhecimento da ação A Constituição Federal ao dispor regras sobre processo legislativo permite o controle judicial da regularidade do processo Exceção à jurisprudência do STF sobre a impossibilidade de revisão jurisdicional em matéria interna corporis Precedente Alegação de inconstitucionalidade formal nulidade do processo legislativo em que foi aprovado projeto de lei enquanto pendente a leitura de medida provisória numa das Casas do Congresso Nacional para os efeitos do sobrestamento a que se refere o art 62 6º da CF Medida provisória que trancaria a pauta lida após a aprovação do projeto que resultou na lei atacada Ausência de demonstração de abuso ante as circunstâncias do caso Ação direta conhecida mas julgada improcedente STF ADIn 3146 Pleno rel Min Joaquim Barbosa DJ 19122006 Sustentação oral Princípio da ampla defesa Art 5º LV da CF Art 131 2º do RISTF Suspensão de segurança Agravo regimental matéria deste Tramitação de emenda constitucional Questão interna corporis do Poder Legislativo Princípio da independência e harmonia dos Poderes 1 A sustentação oral é ato facultativo no processo não absolutamente necessário à defesa O art 131 2º do RISTF não permite sustentação oral em agravo regimental e não foi revogado pelo art 5º LV da CF 2 A tramitação de emenda constitucional no âmbito do Poder Legislativo é matéria interna corporis insuscetível de controle judicial salvo em caso de ofensa à Constituição ou à lei Exceto nessas hipóteses a interferência não é tolerada pelo princípio da independência e da harmonia entre os Poderes 3 Ao agravar regimentalmente contra a decisão suspensiva de segurança fundada no art 4º da Lei 4348 de 26061964 ou no art 297 do RISTF deve o agravante impugnar os fundamentos da decisão agravada e não simplesmente questionar o modo pelo qual vinha sendo cumprida a liminar que fora por ela suspensa Agravo regimental improvido STF AgRg na Suspensão de Segurança 327 Pleno rel Min Sydney Sanches DJ 05061992 Mandado de segurança impetrado contra ato do presidente da Câmara dos Deputados relativo à tramitação de emenda constitucional Alegação de violação de diversas normas do regimento interno e do art 60 5º da CF Preliminar impetração não conhecida quanto aos fundamentos regimentais por se tratar de matéria interna corporis que só pode encontrar solução no âmbito do Poder Legislativo não sujeita à apreciação do Poder Judiciário Conhecimento quanto ao fundamento constitucional Mérito reapresentação na mesma sessão legislativa de proposta de emenda constitucional do Poder Executivo que modifica o sistema de previdência social estabelece normas de transição e dá outras providências PEC 33A de 1995 I Preliminar 1 Impugnação de ato do Presidente da Câmara dos Deputados que submeteu a discussão e votação emenda aglutinativa com alegação de que além de ofender ao parágrafo único do art 43 e ao 3º do art 118 estava prejudicada nos termos do inciso VI do art 163 e que deveria ter sido declarada prejudicada a teor do que dispõe o n 1 do inciso I do art 17 todos do Regimento Interno lesando o direito dos impetrantes de terem assegurados os princípios da legalidade e moralidade durante o processo de elaboração legislativa A alegação contrariada pelas informações de impedimento do relator matéria de fato e de que a emenda aglutinativa inova e aproveita matérias prejudicada e rejeitada para reputála inadmissível de apreciação é questão interna corporis do Poder Legislativo não sujeita à reapreciação pelo Poder Judiciário Mandado de segurança não conhecido nesta parte 2 Entretanto ainda que a inicial não se refira ao 5º do art 60 da Constituição ela menciona dispositivo regimental com a mesma regra assim interpretada chegase à conclusão que nela há ínsita uma questão constitucional esta sim sujeita ao controle jurisdicional Mandado de segurança conhecido quanto à alegação de impossibilidade de matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada poder ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa II Mérito 1 Não ocorre contrariedade ao 5º do art 60 da Constituição na medida em que o Presidente da Câmara dos Deputados autoridade coatora aplica dispositivo regimental adequado e declara prejudicada a proposição que tiver substitutivo aprovado e não rejeitado ressalvados os destaques art 163 V 2 É de verse pois que tendo a Câmara dos Deputados apenas rejeitado o substitutivo e não o projeto que veio por mensagem do Poder Executivo não se cuida de aplicar a norma do art 60 5º da Constituição Por isso mesmo afastada a rejeição do substitutivo nada impede que se prossiga na votação do projeto originário O que não pode ser votado na mesma sessão legislativa é a emenda rejeitada ou havida por prejudicada e não o substitutivo que é uma subespécie do projeto originariamente proposto 3 Mandado de segurança conhecido em parte e nesta parte indeferido STF MS 22503 Pleno rel p o acórdão Min Maurício Corrêa DJ 06061997 STF MS 23565 Pleno rel Min Celso de Mello DJ 17111999 No mesmo sentido Constitucional Processo legislativo controle judicial Mandado de segurança I O parlamentar tem legitimidade ativa para impetrar mandado de segurança com a finalidade de coibir atos praticados no processo de aprovação de leis e emendas constitucionais que não se compatibilizam com o processo legislativo constitucional Legitimidade ativa do parlamentar apenas II Precedentes do STF MS 20257DF Min Moreira Alves leading case RTJ 991031 MS 21642DF Min Celso de Mello RDA 191200 MS 21303 AgRgDF Min Octavio Gallotti RTJ 139783 MS 24356DF Min Carlos Velloso DJ 12092003 STF MS 24642 Pleno rel Min Carlos Velloso DJ 18062004 Lembrese aliás que de acordo com a clássica tese de John Hart Ely o Tribunal Constitucional deve aterse à guarda das condições do processo de representação política especialmente quando estão em jogo minorias políticas e não das preferências apenas por princípios ou diretivas gerais a atividade do legislador negativo da jurisdição constitucional é absolutamente determinada pela Constituição E é precisamente nisso que a sua função se parece com a de qualquer outro tribunal em geral ela é principalmente aplicação e somente em pequena medida criação do direito É por conseguinte efetivamente jurisdicional p 153 Lembrese que de acordo com Kelsen a diferença entre função jurisdicional e função legislativa consiste em que esta cria normas gerais enquanto aquela cria unicamente normas individuais STF ADIn 1458 Pleno rel Min Celso de Mello DJ 20091996 STF MI 283 Pleno rel Min Sepúlveda Pertence DJ 14111991 Idem MI 670 rel orig Min Maurício Corrêa rel p o acórdão Min Gilmar Mendes DJe 31102008 MI 708 rel Min Gilmar Mendes DJe 31102008 MI 712 rel Min Eros Grau DJe 31102008 STF MI 708 Pleno rel Min Gilmar Mendes DJe 31102008 O que deve ser regulado na hipótese dos autos é a coerência entre o exercício do direito de greve pelo servidor público e as condições necessárias à coesão e interdependência social que a prestação continuada dos serviços públicos assegura 13 O argumento de que a Corte estaria então a legislar o que se afiguraria inconcebível por ferir a independência e harmonia entre os poderes art 2º da Constituição do Brasil e a separação dos poderes art 60 4º III é insubsistente 14 O Poder Judiciário está vinculado pelo deverpoder de no mandado de injunção formular supletivamente a norma regulamentadora de que carece o ordenamento jurídico 15 No mandado de injunção o Poder Judiciário não define norma de decisão mas enuncia o texto normativo que faltava para no caso tornar viável o exercício do direito de greve dos servidores públicos 16 Mandado de injunção julgado procedente para remover o obstáculo decorrente da omissão legislativa e supletivamente tornar viável o exercício do direito consagrado no art 37 VII da Constituição do Brasil STF MI 712 Pleno rel Min Eros Grau DJe 31102008 Art 40 Aos servidores titulares de cargos efetivos da União dos Estados do Distrito Federal e dos Municípios incluídas suas autarquias e fundações é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário mediante contribuição do respectivo ente público dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo 4º É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos abrangidos pelo regime de que trata este artigo ressalvados nos termos definidos em leis complementares os casos de servidores I portadores de deficiência II que exerçam atividades de risco III cujas atividades sejam exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física Art 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais além de outros que visem à melhoria de sua condição social IV salário mínimo fixado em lei nacionalmente unificado capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia alimentação educação saúde lazer vestuário higiene transporte e previdência social com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo sendo vedada sua vinculação para qualquer fim STF Pleno ADIn 1442 rel Min Celso de Mello DJ 29042005 V também STF ADIn 1458 Pleno rel Min Celso de Mello DJ 20091996 STF Pleno ADIn 526 rel Min Sepúlveda Pertence DJ 05031993 STF 1ª T RMS 21662 rel Min Celso de Mello DJ 05041994 Mandado de segurança Reajuste de vencimentos concedido aos servidores militares Pretendida extensão jurisdicional desse reajuste a servidores civis Princípio da legalidade e atividade estatal Subsistência da Súmula 339 do STF Remuneração dos servidores públicos e princípio da reserva de lei formal Inconstitucionalidade por omissão parcial da lei Exclusão de benefício e ofensa ao princípio da isonomia Doutrina Inadequação do mandado de segurança Recurso ordinário não provido Não se conhece de mandado de segurança quando este é impetrado em face de autoridade estatal que nenhum poder de decisão detém sobre a matéria objeto da controvérsia mandamental O impetrante é carecedor do writ constitucional se as medidas postuladas em sede de mandado de segurança revelamse estranhas à esfera de atribuições da autoridade impetrada O Poder Judiciário que não dispõe de função legislativa não pode conceder a servidores civis sob fundamento de isonomia extensão de vantagens pecuniárias que foram exclusivamente outorgadas por lei aos servidores militares A Súmula 339 do STF que consagra na jurisprudência desta Corte uma específica projeção do princípio da separação de poderes foi recebida pela Carta Política de 1988 Revestese em consequência de plena eficácia e de integral aplicabilidade sob a vigente ordem constitucional O mandado de segurança não se qualifica como instrumento processualmente adequado à arguição da inconstitucionalidade da lei por omissão parcial quando resultando esta da exclusão discriminatória de benefício de natureza pecuniária vem o ato normativo estatal a ofender o princípio da isonomia A extensão jurisdicional em favor dos servidores preteridos do benefício pecuniário que lhes foi indevidamente negado pelo legislador encontra obstáculo no princípio da separação de poderes A disciplina jurídica da remuneração devida aos agentes públicos em geral está sujeita ao princípio da reserva legal absoluta Esse postulado constitucional submete ao domínio normativo da lei formal a veiculação das regras pertinentes ao instituto do estipêndio funcional O princípio da divisão funcional do poder impede que estando em plena vigência o ato legislativo venham os Tribunais a ampliarlhe o conteúdo normativo e a estender a sua eficácia jurídica a situações subjetivas nele não previstas ainda que a pretexto de tornar efetiva a cláusula isonômica inscrita na Constituição STF 1ª T RMS 21662 rel Min Celso de Mello DJ 05041994 Recurso ordinário Prazo Mandado de segurança STF O silêncio da legislação sobre o prazo referente ao recurso ordinário contra decisões denegatórias de segurança ou a estas equivalentes como é o caso da que tenha implicado a extinção do processo sem julgamento do mérito MS 211121PR AgRg relatado pelo Min Celso de Mello perante o Plenário cujo acórdão foi publicado no DJ 29061990 p 6220 é conducente à aplicação analógica do art 33 da Lei 80381990 A oportunidade do citado recurso submetese à dilação de quinze dias Revisão de vencimentos Isonomia A revisão geral de remuneração dos servidores públicos sem distinção de índices entre servidores públicos civis e militares farseá sempre na mesma data inciso X sendo irredutíveis sob o ângulo não simplesmente da forma valor nominal mas real poder aquisitivo os vencimentos dos servidores públicos civis e militares inciso XV ambos do art 37 da CF STF RMS 22307 Pleno rel Min Marco Aurélio DJ 13061997 Canotilho divide o grupo dos direitos a prestações inicialmente em direitos ao acesso e utilização de prestações do Estado Esses são divididos em direitos originários a prestações e direitos derivados a prestações Aludindo ao direito originário a prestações explica Canotilho Afirmase a existência de direitos originários a prestações quando 1 a partir da garantia constitucional de certos direitos 2 se reconhece simultaneamente o dever do Estado na criação dos pressupostos materiais indispensáveis ao exercício efectivo desses direitos 3 e a faculdade de o cidadão exigir de forma imediata as prestações constitutivas desses direitos Exemplos i a partir do direito ao trabalho pode derivarse o dever do Estado na criação de postos de trabalho e a pretensão dos cidadãos a um posto de trabalho ii com base no direito de expressão é legítimo derivar o dever do Estado em criar meios de informação e de os colocar à disposição dos cidadãos reconhecendose a estes o direito de exigir a sua criação Ao tratar dos direitos derivados a prestações Canotilho esclarece que à medida que o Estado vai concretizando as suas responsabilidades no sentido de assegurar prestações existenciais dos cidadãos é o fenômeno que a doutrina alemã designa por Daseinsvorsorge resulta de forma imediata para os cidadãos o direito de igual acesso obtenção e utilização de todas as instituições públicas criadas pelos poderes públicos exemplos igual acesso às instituições de ensino igual acesso aos serviços de saúde igual acesso à utilização das vias e transportes públicos o direito de igual quotaparte participação nas prestações fornecidas por estes serviços ou instituições à comunidade exemplo direito de quotaparte às prestações de saúde às prestações escolares às prestações de reforma e invalidez Portanto os direitos derivados são aqueles que pressupõem o cumprimento das prestações originárias Isso fica bem claro no escrito de Canotilho a partir de referência a julgado que em Portugal declarou inconstitucional norma que pretendeu revogar parte da lei que criou o Serviço Nacional de Saúde A partir do momento em que o Estado cumpre total ou parcialmente as tarefas constitucionalmente impostas para realizar um direito social o respeito constitucional desse deixa de consistir ou deixa de consistir apenas numa obrigação positiva para se transformar ou passar também a ser uma obrigação negativa O Exemplificando STF RE 562276 rel Min Ellen Gracie j 03112010 declarando incidentalmente a inconstitucionalidade do art 13 da Lei 86201993 apenas na parte em que estabeleceu que os sócios das empresas por cotas de responsabilidade limitada respondem solidariamente com seus bens pessoais pelos débitos junto à Seguridade Social STF ADIn 4426 e ADIn 4356 rel Min Dias Toffoli declarando a inconstitucionalidade apenas de alguns dispositivos da Lei 145062009 do Estado do Ceará que fixou limites de despesa com a folha de pagamento dos servidores estaduais do Poder Executivo do Poder Legislativo do Poder Judiciário e do Ministério Público estadual para o exercício de 2010 De modo similar também o poder de veto do Presidente da República pode ser exercido de modo apenas parcial CF art 66 2º O veto parcial somente abrangerá texto integral de artigo de parágrafo de inciso ou de alínea ADIn 896 Pleno rel Min Moreira Alves DJ 16021996 ADIn 896 Pleno rel Min Moreira Alves DJ 16021996 ADIn 1063 Pleno rel Min Celso de Mello DJ 27042001 ADIn 2645 Pleno rel Min Sepúlveda Pertence DJ 29092006 ADIn 996 Pleno rel Min Celso de Mello DJ 06051994 ADIn 2862 Pleno rel Min Cármen Lúcia DJe 09052008 No mesmo sentido ver ADIn 2398 Pleno rel Min Cezar Peluso DJ 31082007 ADIn 2792 Pleno rel Min Carlos Velloso DJ 12032004 ADIn 2489 Pleno rel Min Carlos Velloso DJ 10102003 ADIn 1670 Pleno rel Min Ellen Gracie DJ 08112002 ADIn 2413 Pleno rel Min Carlos Velloso DJ 16082002 ADIn 561 Pleno rel Min Celso de Mello DJ 23032001 ADIn 1258 Pleno rel Min Néri da Silveira DJ 20061997 ADIn 589 Pleno rel Min Carlos Velloso DJ 18101991 ADIn 365 Pleno rel Min Celso de Mello DJ 15031991 Agravo regimental no agravo de instrumento Prequestionamento Ausência Contraditório e ampla defesa Ofensa reflexa Reexame de fatos e provas Incidência da Súmula 279 do STF Precedentes 1 Não se admite o recurso extraordinário quando os dispositivos constitucionais que nele se alegam violados não estão devidamente prequestionados Incidência das Súmulas 282 e 356 do STF 2 As alegações de afronta aos princípios do devido processo legal da ampla defesa e do contraditório dos limites da coisa julgada e da prestação jurisdicional se dependentes de reexame de normas infraconstitucionais podem configurar apenas ofensa indireta ou reflexa à Constituição da República 3 O recurso extraordinário não se presta ao reexame da legislação infraconstitucional e dos fatos e provas dos autos Incidência das Súmulas 636 e 279 do STF 4 Agravo regimental desprovido com aplicação da multa prevista no art 557 2º do CPC STF AgRg no AgIn 735283 1ª T rel Min Dias Toffoli DJe 14052010 Marbury v Madison 5 US 1 Cranch 137 1803 por lei se concedessem aumentos reais aos ganhos do pessoal inativo nem particularmente que a eles a lei estendesse caso a caso aumentos ou vantagens novas concedidas ao funcionalismo ativo precedentes O que não se admitia no regime decaído por força do art 98 parágrafo único da Carta era que a lei pudesse em abstrato equiparar proventos a vencimentos ou estender aos primeiros quaisquer melhorias futuras de remuneração da atividade à falta de prequestionamento na instância ordinária e de arguição pelo recorrente de inconstitucionalidade do diploma local que assim dispunha o tema não pode ser enfrentado neste recurso extraordinário Igualmente não é o recurso extraordinário a via adequada para aferir da violação do mesmo art 98 parágrafo único sob o único prisma em que a suscitou o recorrente saber se a legislação estadual estendera ou não a gratificação postulada a outras categorias policiais que não as integrantes da carreira de delegado de polícia é questão de direito local Súmula 280 RE 117805 1ª T rel Min Sepúlveda Pertence DJ 27081993 Proventos Revisão para assegurar paridade com a remuneração dos servidores em atividade aumentada por força de vantagem genericamente outorgada à categoria posteriormente à aposentada Pressupostos do direito à revisão 1 O tratamento menos favorável dado aos aposentados anteriormente à vigência do decreto que disciplinou o cálculo de gratificação discutida concedida genericamente à categoria tanto que não condicionada ao efetivo exercício da função ofende em tese a garantia de paridade do primitivo art 40 4º da CF hoje reproduzido no que interessa no art 40 8º cf EC 191998 2 No entanto o direito à revisão pressupõe a constitucionalidade da norma que haja instituído a vantagem cuja extensão aos proventos se reivindica o que não ocorre no caso II Servidores públicos Aumento de vencimentos Reserva de lei e delegação ao Executivo Submetida a concessão de aumento da remuneração dos servidores públicos à reserva de lei formal CF art 61 1º II a a essa não é dado cingirse à instituição e denominação de uma vantagem e delegar ao Poder Executivo livre de quaisquer parâmetros legais a definição de todos os demais aspectos de sua disciplina incluídos aspectos essenciais à sua quantificação III Controle de constitucionalidade Possibilidade de declaração de ofício no julgamento do mérito de RE da inconstitucionalidade de ato normativo que o Tribunal teria de aplicar para decidir a causa posto não prequestionada a sua invalidez 1 A incidência do art 40 4º redação original da Constituição pressupõe a validade da lei instituidora da vantagem para os servidores em atividade que em razão da regra constitucional de paridade se teria de aplicar por extensão aos inativos 2 Em hipóteses que tais até ao STJ na instância do recurso especial seria dado declarar incidentemente e de ofício a inconstitucionalidade da lei ordinária que se válida teria de aplicar seria paradoxal que em situação similar não o pudesse fazer o Supremo Tribunal guarda da Constituição porque não prequestionada a sua invalidade RE 264289 Pleno rel Min Sepúlveda Pertence DJ 14122001 De acordo com o art 93 XI da CF nos tribunais com número superior a vinte e cinco julgadores poderá ser constituído órgão especial com o mínimo de onze e o máximo de vinte e cinco membros para o exercício das atribuições administrativas e jurisdicionais delegadas da competência do tribunal pleno provendose metade das vagas por antiguidade e a outra metade por eleição pelo tribunal pleno redação dada pela EC 452004 Como já decidiu o STJ se o tribunal não submete o tema ao plenário ou ao Órgão Especial o acórdão que reconhece a inconstitucionalidade é nulo por violação aos arts 480482 do CPC STJ REsp 619860 1ª T rel Min Teori Zavascki DJ 17052007 Agravo de instrumento Sociedade civil de prestação de serviços profissionais relativos ao exercício de profissão legalmente regulamentada Cofins Modalidade de contribuição social Discussão em torno da possibilidade constitucional de a isenção outorgada por lei complementar LC 701991 ser revogada por mera lei ordinária Lei 94301996 Exame da questão concernente às relações entre a lei complementar e a lei ordinária Existência de matéria constitucional Questão prejudicial de constitucionalidade CPC arts 480 a 482 Postulado da reserva de plenário CF art 97 Inobservância na espécie da cláusula constitucional do full bench Consequente nulidade do julgamento efetuado por órgão meramente fracionário Recurso de agravo improvido Declaração de inconstitucionalidade e postulado da reserva de plenário A estrita observância pelos Tribunais em geral do postulado da reserva de plenário inscrito no art 97 da Constituição atua como pressuposto de validade e de eficácia jurídicas da própria declaração jurisdicional de inconstitucionalidade dos atos do Poder Público Doutrina Jurisprudência A inconstitucionalidade de leis ou de outros atos estatais somente pode ser declarada quer em sede de fiscalização abstrata método concentrado quer em sede de controle incidental método difuso pelo voto da maioria absoluta dos membros integrantes do Tribunal reunidos em sessão plenária ou onde houver no respectivo órgão especial Precedentes Nenhum órgão fracionário de qualquer Tribunal em consequência dispõe de competência no sistema jurídico brasileiro para declarar a inconstitucionalidade de leis ou atos emanados do Poder Público Essa magna prerrogativa jurisdicional foi atribuída em grau de absoluta exclusividade ao Plenário dos Tribunais ou onde houver ao respectivo Órgão Especial Essa extraordinária competência dos Tribunais é regida pelo princípio da reserva de plenário inscrito no art 97 da Constituição da República Suscitada a questão prejudicial de constitucionalidade perante órgão meramente fracionário de Tribunal Câmaras Grupos Turmas ou Seções a este competirá em acolhendo a alegação submeter a controvérsia jurídica ao Tribunal Pleno Equivalência para os fins do art 97 da Constituição entre a declaração de inconstitucionalidade e o julgamento que sem proclamála explicitamente recusa aplicabilidade a ato do Poder Público sob alegação de conflito com critérios resultantes do texto constitucional Equivale à própria declaração de inconstitucionalidade a decisão de Tribunal que sem proclamála explícita e formalmente deixa de aplicar afastandolhe a incidência determinado ato estatal subjacente à controvérsia jurídica para resolvêla sob alegação de conflito com critérios resultantes do Michigan Supreme Courts practice of overruling precedent 19982002 Albany Law Review vol 66 n 871 2003 Art 105 Compete ao Superior Tribunal de Justiça III julgar em recurso especial as causas decididas em única ou última instância pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos Tribunais dos Estados do Distrito Federal e Territórios quando a decisão recorrida a contrariar tratado ou lei federal ou negarlhes vigência b julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal c der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal Agravo regimental no recurso extraordinário Acórdão do Tribunal de segundo grau Não interposição do recurso extraordinário no momento próprio Acórdão do STJ Preclusão da questão constitucional 2 O STF fixou jurisprudência no sentido de que no atual sistema constitucional que prevê o cabimento simultâneo de recurso extraordinário e recurso especial contra o mesmo acórdão dos tribunais de segundo grau decorre que da decisão do STJ no recurso especial só se admitirá recurso extraordinário se a questão constitucional objeto do último for diversa da que já tiver sido resolvida pela instância ordinária Precedentes 3 A questão constitucional que serviu de fundamento ao acórdão do Tribunal de segundo grau deve ser atacada no momento próprio sob pena de preclusão Agravo regimental a que se nega provimento STF RE 518257 2ª T rel Min Eros Grau DJe 30042008 RISTJ Título VI Da declaração de inconstitucionalidade de lei ou de ato normativo do Poder Público Art 199 Se por ocasião do julgamento perante a Corte Especial for arguida a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público suspenderseá o julgamento a fim de ser tomado o parecer do Ministério Público no prazo de quinze dias 1º Devolvidos os autos e lançado o relatório serão eles encaminhados ao Presidente da Corte Especial para designar a sessão de julgamento A Secretaria distribuirá cópias autenticadas do relatório aos Ministros 2º Proclamarseá a inconstitucionalidade ou a constitucionalidade do preceito ou ato impugnado se num ou noutro sentido se tiver manifestado a maioria absoluta dos membros da Corte Especial 3º Se não for alcançada a maioria absoluta necessária à declaração de inconstitucionalidade estando ausentes Ministros em número que possa influir no julgamento este será suspenso a fim de aguardarse o comparecimento dos Ministros ausentes até que se atinja o quorum não atingido desta forma o quorum será convocado Ministro não integrante da Corte observada a ordem de antiguidade art 162 3º 4º Cópia do acórdão será no prazo para sua publicação remetida à Comissão de Jurisprudência que após registrálo ordenará a sua publicação na Revista do Tribunal Art 200 A Seção ou a Turma remeterá o feito ao julgamento da Corte Especial quando a maioria acolher arguição de inconstitucionalidade por ela ainda não decidida 1º Acolhida a arguição será publicado o acórdão ouvido em seguida o representante do Ministério Público em quinze dias 2º Devolvidos os autos observarseá o disposto nos 1º e 3º do artigo anterior 3º O seis anos como ente federativo 2 Existência de fato do Município decorrente da decisão política que importou na sua instalação como ente federativo dotado de autonomia Situação excepcional consolidada de caráter institucional político Hipótese que consubstancia reconhecimento e acolhimento da força normativa dos fatos 3 Esta Corte não pode limitarse à prática de mero exercício de subsunção A situação de exceção situação consolidada embora ainda não jurídica não pode ser desconsiderada 4 A exceção resulta de omissão do Poder Legislativo visto que o impedimento de criação incorporação fusão e desmembramento de Municípios desde a promulgação da EC 15 em 12091996 devese à ausência de lei complementar federal 5 Omissão do Congresso Nacional que inviabiliza o que a Constituição autoriza a criação de Município A não edição da lei complementar dentro de um prazo razoável consubstancia autêntica violação da ordem constitucional 6 A criação do Município de Luís Eduardo Magalhães importa tal como se deu uma situação excepcional não prevista pelo direito positivo 7 O estado de exceção é uma zona de indiferença entre o caos e o estado da normalidade Não é a exceção que se subtrai à norma mas a norma que suspendendose dá lugar à exceção apenas desse modo ela se constitui como regra mantendose em relação com a exceção 8 Ao STF incumbe decidir regulando também essas situações de exceção Não se afasta do ordenamento ao fazêlo eis que aplica a norma à exceção desaplicandoa isto é retirandoa da exceção 9 Cumpre verificar o que menos compromete a força normativa futura da Constituição e sua função de estabilização No aparente conflito de inconstitucionalidades imporseia o reconhecimento da existência válida do Município a fim de que se afaste a agressão à federação 10 O princípio da segurança jurídica prospera em benefício da preservação do Município 11 Princípio da continuidade do Estado 12 Julgamento no qual foi considerada a decisão desta Corte no MI 725 quando determinado que o Congresso Nacional no prazo de dezoito meses ao editar a lei complementar federal referida no 4º do art 18 da CF considere reconhecendoa a existência consolidada do Município de Luís Eduardo Magalhães Declaração de inconstitucionalidade da lei estadual sem pronúncia de sua nulidade 13 Ação direta julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade mas não pronunciar a nulidade pelo prazo de 24 meses da Lei 7619 de 30032000 do Estado da Bahia STF Pleno ADIn 2240 rel Min Eros Grau DJe 03082007 Parte final do voto do Min relator Eros Grau Permitome observar ainda que no caso está em pauta o princípio da continuidade do Estado não o princípio da continuidade do serviço público Os serviços públicos prestados pelo Município de Luís Eduardo Magalhães passariam a ser imediatamente prestados se declarada a inconstitucionalidade da lei de sua criação pelo Município de Barreiras de cuja área foi destacado Mas não é disso que aqui se cuida senão da necessária imprescindível afirmação por esta Corte do sentido normativo veiculado pelo art 1º da CF a República Federativa do Brasil é formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal É o princípio da continuidade do Estado que está em pauta na presente ADIn incumbindonos recusar o fiat justitia pereat mundus Por certo que a afirmação da improcedência da ADIn não servirá de estímulo à criação de novos municípios indiscriminadamente Antes pelo contrário há de expressar como que um apelo ao Poder Legislativo no sentido de que supra a omissão constitucional que vem sendo reiteradamente consumada Concluído retornarei à observação de Konrad Hesse também cumpre a esta Corte fazer tudo aquilo que seja necessário para impedir o nascimento de realidades inconstitucionais mas indispensável há de ser quando isso seja possível que esta mesma Corte tudo faça para pôla essa realidade novamente em concordância com a Constituição As circunstâncias da realidade concreta do Município de Luis Eduardo Magalhães impõem seja julgada improcedente a ADIn STF Pleno ADIn 2240 rel Min Eros Grau DJe 03082007 Idem Idem Idem Idem Idem Idem Voto do Min Marco Aurélio Presidente peço vênia para cingirme à concepção que tenho sobre as normas de regência da matéria ao alcance que dou ao art 18 4º da CF e ao art 27 da Lei 98681999 não estabelecendo solução prática pouco importando o Município fora desses mesmos parâmetros Hoje há autorização e sob esse preceito foi criado o Município que não se torna efetiva ante a inexistência de atividade legiferante do Congresso quanto à lei complementar que fixaria as balizas temporais afastando quem sabe o ano das eleições segundo memorial recebido esse Município foi criado em ano de eleições e também os requisitos a serem atendidos Portanto julgo procedente o pedido formulado idem Idem Na ADIn 3615 tratando de caso semelhante a Corte julgou procedente a ação direta atribuindo à decisão de inconstitucionalidade efeitos ex nunc Ação direta de inconstitucionalidade Art 51 do ADCT do Estado da Paraíba Redefinição dos limites territoriais do Município do Conde Desmembramento de parte de município e incorporação da área separada ao território da municipalidade limítrofe tudo sem a prévia consulta mediante plebiscito das populações de ambas as localidades Ofensa ao art 18 4º da CF 1 Para a averiguação da violação apontada pelo requerente qual seja o desrespeito pelo legislador constituinte paraibano das exigências de consulta prévia e de edição de lei estadual para o desmembramento de município não foi a norma contida no art 18 4º da CF substancialmente alterada uma vez que tais requisitos já existentes no seu texto primitivo permaneceram inalterados após a edição da EC 151996 Precedentes ADIn sem redução de texto nos quais se explicita que um significado normativo é inconstitucional sem que a expressão literal sofra qualquer alteração Também nessas hipóteses a suspensão de execução da lei ou do ato normativo pelo Senado revelase problemática porque não se cuida de afastar a incidência de disposições do ato impugnado mas tão somente de um de seus significados normativos Não é preciso dizer que a suspensão de execução pelo Senado não tem qualquer aplicação naqueles casos nos quais o Tribunal limitase a rejeitar a arguição de inconstitucionalidade Nessas hipóteses a decisão vale per se Da mesma forma o vetusto instituto não tem qualquer serventia para reforçar ou ampliar os efeitos da decisão do Tribunal naquelas matérias nas quais a Corte ao prover ou não um dado recurso fixa uma interpretação da Constituição Da mesma forma a suspensão da execução da lei inconstitucional não se aplica à declaração de não recepção da lei préconstitucional levada a efeito pelo Supremo Tribunal Portanto das decisões possíveis em sede de controle a suspensão de execução pelo Senado está restrita aos casos de declaração de inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo STF Rcl 4335 Pleno rel Min Gilmar Mendes DJe 21102014 Idem Rcl 1898 rel Min Celso de Mello DJ 19022004 Antes disso em caso semelhante o Min Celso de Mello já rejeitara liminarmente reclamação em decisão assim ementada Ação civil pública Controle incidental de constitucionalidade Questão prejudicial Possibilidade Inocorrência de usurpação da competência do STF O STF tem reconhecido a legitimidade da utilização da ação civil pública como instrumento idôneo de fiscalização incidental de constitucionalidade pela via difusa de quaisquer leis ou atos do Poder Público mesmo quando contestados em face da Constituição da República desde que nesse processo coletivo a controvérsia constitucional longe de identificarse como objeto único da demanda qualifiquese como simples questão prejudicial indispensável à resolução do litígio principal Precedentes Doutrina Rcl 1733 rel Min Celso de Mello DJ 01122000 V ainda Rcl 600 Pleno rel Min Néri da Silveira DJ 05122003 Rcl 602 Pleno rel Ilmar Galvão DJ 14022003 Rcl 1733 rel Min Celso de Mello DJ 12032003 RE 411156 rel Min Celso de Mello DJe 03122009 REx 227159 2ª T rel Min Néri da Silveira DJ 17052002 1 Contrato bancário Juros Capitalização em período inferior a um ano Inadmissibilidade Art 5º da MedProv 2087292001 editada como MedProv 214034 Inconstitucionalidade reconhecida incidentalmente Controle difuso de constitucionalidade exercido em ação civil pública Não usurpação de competência do Supremo Reclamação julgada improcedente Agravo improvido Inteligência do art 102 I a da CF Não usurpa competência do STF decisão que em ação civil pública de natureza condenatória declara incidentalmente a inconstitucionalidade de norma jurídica 2 Recurso Agravo regimental Reclamação Inconsistente Inexistência de razões novas Rejeição É de rejeitar agravo regimental que consubstanciados em textos constitucionais estaduais traduz medida cautelar cuja concretização deriva do grave exercício de um poder jurídico que a Constituição da República deferiu ao STF A excepcionalidade dessa providência cautelar impõe por isso mesmo a constatação hic et nunc da cumulativa satisfação de determinados requisitos a plausibilidade jurídica da tese exposta e a situação configuradora do periculum in mora Precedente ADIn 969RO medida liminar DJ 10111989 ADIn 127MCQO Pleno rel Min Celso de Mello DJ 04121992 V ADIn 120 Pleno rel Min Moreira Alves DJ 26041996 ADIn 127MCQO Pleno rel Min Celso de Mello DJ 04121992 O STF admite o aditamento da petição inicial antes da requisição das informações para a correção da legitimidade para a propositura da ação direta Ação direta Petição inicial Ilegitimidade ativa para a causa Correção Aditamento anterior à requisição das informações Admissibilidade Precedentes É lícito em ação direta de inconstitucionalidade aditamento à petição inicial anterior à requisição das informações ADIn 3103 Pleno rel Min Cezar Peluso DJ 25082006 V ADIn 4073 rel Min Celso de Mello decisão monocrática DJe 17082009 O Estadomembro não dispõe de legitimidade para interpor recurso em sede de controle normativo abstrato ainda que a ação direta de inconstitucionalidade tenha sido ajuizada pelo respectivo Governador ADIn 2130 Pleno rel Min Celso de Mello DJ 14122001 Alguns precedentes STF ADIn 138MC rel Min Sydney Sanchez j 14021990 Tem a Associação dos Magistrados Brasileiros entidade de classe de âmbito nacional legitimidade para propor ação direta de inconstitucionalidade de lei que vincule vencimentos de membros de certas carreiras aos tetos dos integrantes dos três Poderes do Estado dentre os quais o Judiciário integrados por seus filiados pois há pertinência entre seu objetivo estatutário e a preocupação política de defesa do tratamento que em matéria de vencimentos lhe pareça adequado à magistratura em face do ordenamento constitucional STF ADIn 305 rel Min Maurício Corrêa j 10102002 reconhecendo a pertinência temática da AMB para impugnar leis estaduais que promovem equiparação salarial entre o Ministério Público e a magistratura estaduais STF ADIn 1151 rel p acórdão Min Marco Aurélio j 11111994 afirmando a pertinência temática da Confederação dos Servidores Públicos do Brasil para contestar dispositivo de lei estadual que afrontava o art 150 6º da CF1988 Qualquer subsídio ou isenção relativos a impostos taxas ou contribuições só poderá ser concedido mediante lei específica federal estadual ou municipal que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas uma vez que os interesses corporativos dos servidores públicos estão relacionados à saúde financeira do Estado fonte de sua remuneração e condicionamento do seu quantum Min Sepúlveda Pertence p 12 do acórdão STF ADIn 1464 rel Min Moreira Alves j 26091996 No caso falta um dos requisitos da ação direta de inconstitucionalidade que é o da pertinência entre a classe que a autora representa a dos Delegados de Polícia e o diploma legal impugnado que a essa classe não diz respeito Com efeito para que haja essa pertinência é necessário que as normas impugnadas se apliquem direta ou indiretamente à classe representada pela entidade autora Ora no caso isso não ocorre questionava lei estadual que dispunha sobre exercício da função de vigilância privada por servidores das polícias civil e militar STF ADIn 1507MCAgRg Pleno rel Min Carlos Velloso j 03021997 A legitimidade ativa da confederação sindical entidade de classe de âmbito nacional Mesas das Assembleias Legislativas e Governadores para a ação direta de inconstitucionalidade vinculase ao objeto da ação pelo que deve haver pertinência da norma impugnada com os objetivos do autor da ação STF ADIn 3413 rel Min Marco Aurélio j 01062011 O fato de a associação requerente congregar diversos segmentos existentes no mercado não a descredencia para a propositura da ação direta de inconstitucionalidade Surge a pertinência temática presente ajuizamento de ação direta de inconstitucionalidade por associação quando esta congrega setor econômico que é alcançado em termos de tributo pela norma atacada STF ADIn 4375 rel Min Dias Toffoli j 02032011 A exigência de pertinência temática não impede o amplo conhecimento da ação com a declaração de inconstitucionalidade da norma para além do âmbito dos indivíduos representados pela entidade requerente quando o vício de inconstitucionalidade for idêntico para todos os seus destinatários Preliminar rejeitada Num dos primeiros precedentes nos quais o STF fixou a necessidade da pertinência temática o Min Sepúlveda Pertence embora favorável a tal exigência alertou essa relação de pertinência a meu ver não se há de equiparar à estrita relação subjetiva que é o substrato da legitimatio ad causam do processo comum Do contrário terseia convertido o processo objetivo de controle de constitucionalidade que tem forma jurisdicional mas é em verdade o exercício de uma função política do STF num processo jurisdicional ainda que como o novo processo civil conhece cada dia mais de postulação de interesses coletivos ou difusos STF ADIn 138MC rel Min Sydney Sanches j 14021990 p 17 do acórdão 1 A ação direta de inconstitucionalidade pode ser proposta pela Mesa da Assembleia Legislativa ainda que impugne lei ou ato normativo do Poder por ela integrado e dirigido em face do que conjugadamente dispõem os arts 102 I a e 103 IV da CF sendo certo que este último não excepciona a hipótese em que a lei ou o ato normativo emanam da própria Assembleia 2 De resto não se pode negar ao órgão diretor dos trabalhos do Poder Legislativo interesse legítimo em ver declarados inconstitucionais atos deste que de alguma forma violem a Constituição Até porque também esse órgão diretor dos trabalhos da Casa tem o dever de zelar pela inocorrência de vícios dessa natureza na elaboração de seus atos normativos ADIn 91 Pleno rel Min Sydney Sanches DJ 23032001 Lei editada pelo Governo do Estado de São Paulo Ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Governador do Estado de Goiás Amianto crisotila Restrições à sua comercialização imposta pela legislação paulista com evidentes reflexos na economia de Goiás Estado onde está localizada a maior reserva natural do minério Legitimidade ativa do Governador de Goiás para iniciar o processo de controle concentrado de constitucionalidade e pertinência temática ADIn 2656 Pleno rel Min Maurício Corrêa DJ 01082003 Legitimidade Governador de Estado Lei do Estado Ato normativo abrangente Interesse das demais Unidades da Federação Pertinência temática Tratandose de impugnação a diploma normativo a envolver outras Unidades da Federação o Governador há de demonstrar a pertinência temática ou seja a repercussão do ato considerados os interesses do Estado ADIn 2747 Pleno rel Min Marco Aurélio DJ 17082007 Lembrese ademais que o STF entende que aquele que em princípio teria legitimidade para propor a ação direta não pode interpor recurso como terceiro prejudicado Recurso interposto por terceiro prejudicado Não cabimento Precedentes Embargos de declaração opostos pela Ordem dos Advogados do Brasil Legitimidade Questão de ordem resolvida no sentido de que é incabível a interposição de qualquer espécie de recurso por quem embora legitimado para a propositura da ação direta nela não figure como requerente ou requerido ADIn 1105MCEDQO Pleno rel Min Maurício Corrêa DJ 23082001 Os denominados Conselhos compreendidos no gênero autarquia e tidos como a consubstanciar a espécie corporativista não se enquadram na previsão constitucional relativa às entidades de classe de âmbito nacional ADIn 641 Pleno rel Min Marco Aurélio DJ 12031993 Da Lei Básica Federal exsurge a legitimação de conselho único ou seja o Federal da Ordem dos Advogados do Brasil Daí a ilegitimidade ad causam do Conselho Federal de Farmácia e de todos os demais que tenham idêntica personalidade jurídica de direito público ADIn 641 Pleno rel Min Marco Aurélio j 11121991 DJ 12031993 Proposta a presente ação em 12101988 quando já estava em vigor a atual Constituição tem o requerente legitimação para propôla em face do disposto no inciso VII do art 103 da Carta Magna Por outro lado tratandose do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil sua colocação no elenco que se encontra no mencionado artigo e que a distingue das demais entidades de classe de âmbito nacional deve ser interpretada como feita para lhe permitir na defesa da ordem jurídica com o primado da Constituição Federal a propositura de ação direta de inconstitucionalidade contra qualquer ato normativo que possa ser objeto dessa ação independentemente do requisito da pertinência entre o seu conteúdo e o interesse dos advogados como tais de que a Ordem é entidade de classe ADIn 3 Pleno rel Min Moreira Alves j 07021992 DJ 18091992 Exemplos de exigência dessa natureza podem ser encontrados nas Constituições portuguesa art 281 n 2 Podem requerer ao Tribunal Constitucional a declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade com força obrigatória geral f um décimo dos Deputados à Assembleia da República e espanhola art 162 1 Están legitimados a sentido de que na esfera das entidades sindicais apenas as confederações possuem legitimação para o ajuizamento de ações que tratem do controle abstrato de constitucionalidade ADPF 220 rel Min Gilmar Mendes decisão monocrática DJe 12112010 Art 535 As Confederações organizarseão com o mínimo de 3 três federações e terão sede na Capital da República 1º As confederações formadas por federações de sindicatos de empregadores denominarseão Confederação Nacional da Indústria Confederação Nacional do Comércio Confederação Nacional de Transportes Marítimos Fluviais e Aéreos Confederação Nacional de Transportes Terrestres Confederação Nacional de Comunicações e Publicidade Confederação Nacional das Empresas de Crédito e Confederação Nacional de Educação e Cultura 2º As confederações formadas por federações de sindicatos de empregados terão a denominação de Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes Marítimos Fluviais e Aéreos Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes Terrestres Confederação Nacional dos Trabalhadores em Comunicações e Publicidade Confederação Nacional dos Trabalhadores nas Empresas de Crédito e Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Educação e Cultura 3º Denominarseá Confederação Nacional das Profissões Liberais a reunião das respectivas federações 4º As associações sindicais de grau superior da Agricultura e Pecuária serão organizadas na conformidade do que dispuser a lei que regular a sindicalização dessas atividades ou profissões ADIn 505 Pleno rel Min Moreira Alves DJ 02081991 ADIn 706AgRg Pleno rel Min Carlos Velloso DJ 04091992 Acerca da necessidade do caráter nacional e da representatividade da classe manifestou se recentemente o Pleno do STF na ADIn 4967PA Da ementa 1 A Federação Nacional de Entidades de Oficiais Militares Estaduais FENEME não ostenta legitimidade ativa ad causam para ajuizar ação direta de inconstitucionalidade questionando o sistema previdenciário aplicável a todos os servidores militares do Estado do Pará uma vez que sua representatividade da categoria é apenas parcial Precedente do STF ADIn 4733 rel Min Dias Toffoli Plenário DJe de 31072012 2 O Clube dos Oficiais da Polícia Militar do Pará COPMPA o Clube dos Oficiais do Corpo de Bombeiros Militar do Pará COCB a Associação dos Cabos e Soldados da Polícia Militar do Pará ASSUBSAR e o Instituto de Defesa dos Servidores Públicos Civis e Militares do Estado do Pará INDESPCMEPA são entidades com atuação limitada ao Estado do Pará de modo que não apresentam caráter nacional necessário ao enquadramento no art 103 IX da Constituição da República consoante pacífica jurisprudência do STF cf dentre outros ADIn 108DFQO rel Min Celso de Mello DJ 05061992 ADIn 3381DF rel Min Cármen Lúcia Pleno DJ 29062007 ADIAgR 3606DF rel Min Gilmar Mendes Pleno DJ 27102006 STF ADIn 4967 Pleno rel Min Luiz Fux DJe 09042015 A jurisprudência desta Corte tem salientado ainda que pessoas jurídicas de direito privado que reúnam como membros integrantes associações de natureza civil e organismos de caráter sindical desqualificamse precisamente em função do hibridismo dessa composição como instituições de classe cuja noção conceitual reclama a participação nelas dos próprios indivíduos integrantes de determinada categoria e não apenas das entidades privadas constituídas para representálos Precedentes Entidades internacionais que possuam uma Seção Brasileira domiciliada em território nacional incumbida de representálas no Brasil não se qualificam para os efeitos do art 103 da Constituição como instituições de classe A composição heterogênea de associação que reúna em função de explícita previsão estatutária pessoas vinculadas a categorias radicalmente distintas atua como elemento descaracterizador da sua representatividade Não se configuram em consequência como entidades de classe aquelas instituições que são integradas por membros vinculados a estratos sociais profissionais ou econômicos diversificados cujos objetivos individualmente considerados revelamse contrastantes Falta a essas entidades na realidade a presença de um elemento unificador que fundado na essencial homogeneidade comunhão e identidade de valores constitui o fator necessário de conexão apto a identificar os associados que as compõem como membros efetivamente pertencentes a uma determinada classe ADIn 108 Pleno rel Min Celso de Mello DJ 05061992 Central Única dos Trabalhadores CUT Falta de legitimação ativa Sendo a autora constituída por pessoas jurídicas de natureza vária e que representam categorias profissionais diversas não se enquadra ela na expressão entidade de classe de âmbito nacional a que alude o art 103 da Constituição contrapondose às confederações sindicais porquanto não é uma entidade que congregue os integrantes de uma determinada atividade ou categoria profissional ou econômica e que portanto represente em âmbito nacional uma classe Por outro lado não é a autora nem ela própria se enquadra nesta qualificação uma confederação sindical tipo de associação sindical de grau superior devidamente previsto em lei CLT arts 533 e 535 o qual ocupa o cimo da hierarquia de nossa estrutura sindical e ao qual inequivocamente alude a primeira parte do inciso IX do art 103 da Constituição ADIn 271MC Pleno rel Min Moreira Alves j 24091992 DJ 06092001 STF ADIn 4224AgRg rel Min Dias Toffoli j 01082011 Da ementa Muito embora ocorrido o reconhecimento formal das centrais sindicais com a edição da Lei 116482008 a norma não teve o condão de equiparálas às confederações de modo a sobreleválas a um patamar hierárquico superior na estrutura sindical Ao contrário criouse um modelo paralelo de representação figurando as centrais sindicais como patrocinadoras dos interesses gerais dos trabalhadores e permanecendo as confederações como mandatárias máximas de uma determinada categoria profissional ou econômica 3 A fórmula alternativa prevista no art 103 IX do Texto Magno impede que determinada entidade considerada de natureza sindical não enquadrável no conceito de confederação venha a se utilizar do rótulo de entidade de classe de âmbito nacional para fins de legitimação STF ADIn 894 MC rel Min Néri da Silveira j 18111993 A União Nacional dos Estudantes como entidade associativa dos estudantes universitários brasileiros tem participado ativamente ao longo do tempo de movimentos cívicos nacionais na defesa das liberdades públicas ao lado de outras organizações da sociedade e insuscetível de dúvida sua posição de entidade de âmbito nacional na defesa de interesses estudantis e mais particularmente da juventude universitária Não se reveste entretanto da condição de entidade de classe de âmbito nacional para os fins previstos no inciso IX segunda parte do art 103 da Constituição 3 Enquanto se empresta à cláusula constitucional em exame ao lado da cláusula confederação sindical constante da primeira parte do dispositivo maior em referência conteúdo imediatamente dirigido a ideia de profissão entendendose classe no sentido não de simples segmento social de classe social mas de categoria profissional não cabe reconhecer à UNE enquadramento na regra constitucional aludida Ação direta de inconstitucionalidade Legitimidade ativa ad causam CF1988 art 103 Rol taxativo Entidade de classe Representação institucional de mera fração de determinada categoria funcional Descaracterização da autora como entidade de classe Ação direta não conhecida A Constituição da República ao disciplinar o tema concernente a quem pode ativar mediante ação direta a jurisdição constitucional concentrada do STF ampliou significativamente o rol sempre taxativo dos que dispõem da titularidade de agir em sede de controle normativo abstrato Não se qualificam como entidades de classe para fins de ajuizamento de ação direta de inconstitucionalidade aquelas que são constituídas por mera fração de determinada categoria funcional Precedentes ADIn 1875AgRg Pleno rel Min Celso de Mello j 20062001 DJe 12122008 Tratase de uma associação que não congrega as empresas jornalísticas em geral mas apenas uma fração delas ou seja as situadas em município do interior dos Estados membros Ora esta Corte em casos análogos tem entendido que há entidade de classe quando a associação abarca uma categoria profissional ou econômica no seu todo e não quando apenas abrange ainda que tenha âmbito nacional uma fração de uma dessas categorias assim a título exemplificativo nas ADIn 846 e 1297 com referência à entidade que abarcava fração de categoria funcional e na ADIn 1295 relativa à associação de concessionárias ligadas pelo interesse contingente de terem concessão comercial de um produtor de veículos automotores ADIn 1486MC Pleno rel Min Moreira Alves DJ 13121996 ADIn 2713 voto da Min Ellen Gracie j 18122002 DJ 07032003 O STF tem salientado em sucessivos pronunciamentos a propósito do tema que não se qualificam como entidades de classe aquelas que congregando pessoas jurídicas apresentamse como verdadeiras associações de associações Em tais hipóteses temse lhes negado a qualidade reclamada pelo texto constitucional pois pessoas jurídicas ainda que coletivamente representativas de categorias profissionais ou econômicas não formam classe alguma ADIn 108 Pleno rel Min Celso de Mello DJ 05061992 Ação direta de inconstitucionalidade Legitimidade ativa ad processum e ad causam Confederação Democrática dos Trabalhadores do Serviço Público Federal CONDSEF 1 Não tendo a autora regularizado sua representação no processo não pode ser conhecida a ação que propôs 2 Mesmo que superada essa questão faltaria à proponente legitimidade ativa ad causam por não ser confederação sindical mas sim entidade civil que não pode ser considerada entidade de classe para os efeitos do art 103 IX da CF por não ter como associados os próprios servidores públicos federais mas sim as pessoas jurídicas que os representam correspondendo pois a uma associação de associações Precedente Ação não conhecida prejudicado o requerimento de medida cautelar Votação unânime ADIn 914 Pleno rel Min Sydney Sanches DJ 11031994 Ação direta de inconstitucionalidade Legitimação ativa Entidade de classe de âmbito nacional Compreensão da associação de associações de classe Revisão da jurisprudência do Supremo Tribunal O conceito de entidade de classe é dado pelo objetivo institucional classista pouco importando que a eles diretamente se filiem os membros da respectiva categoria social ou agremiações que os congreguem com a mesma finalidade em âmbito territorial mais restrito É entidade de classe de âmbito nacional como tal legitimada à propositura da ação direta de inconstitucionalidade CF art 103 IX aquela na qual se congregam associações regionais correspondentes a cada unidade da Federação a fim de perseguirem em todo o País o mesmo objetivo institucional de defesa dos interesses de uma determinada classe Nesse sentido altera o Supremo Tribunal sua jurisprudência de modo a admitir a legitimação das associações de associações de classe de âmbito nacional para a ação direta de inconstitucionalidade ADIn 3153AgRg Pleno rel Min Sepúlveda Pertence DJ 09092005 Entidade de classe de âmbito nacional art 103 IX da CF Não é entidade de classe de âmbito nacional para os efeitos do inciso IX do art 103 da Constituição a que só reúne empresas sediadas no mesmo Estado nem a que congrega outras de apenas quatro Estados da Federação ADIn 386 Pleno rel Min Sydney Sanches DJ 28061991 A jurisprudência do STF tem consignado no que concerne ao requisito da espacialidade que o caráter nacional da entidade de classe não decorre de mera declaração formal consubstanciada em seus estatutos ou atos constitutivos Essa particular característica de índole espacial pressupõe além da atuação transregional da instituição a existência de associados ou membros em pelo menos nove Estados da Federação Tratase de critério objetivo fundado na aplicação analógica da Lei Orgânica dos Partidos Políticos que supõe ordinariamente atividades econômicas ou profissionais amplamente disseminadas no território nacional ADIn 108 Pleno rel Min Celso de Mello DJ 05061992 Ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pela Associação Brasileira dos Extratores e Refinadores de Sal Abersal contra a Lei Estadual 8299 de 29012003 do Estado do Rio Grande do Norte que dispõe sobre formas de escoamento do sal marinho produzido no Rio Grande do Norte e dá outras providências 2 Legitimidade ativa 3 Inaplicabilidade no caso do critério adotado para a definição do caráter nacional dos partidos políticos Lei 9096 de 19091995 art 7º haja vista a relevância nacional da atividade dos associados da Abersal não obstante a produção de sal ocorrer em poucas unidades da Federação 4 Plausibilidade da arguição de inconstitucionalidade 5 Competência da União para legislar sobre comércio art 22 VIII da Constituição Precedentes ADIn 280 rel Min Rezek DJ 17061994 ADIMC 349 rel Min Marco Aurélio DJ 26101990 e ADIn 2656 rel Min Maurício Corrêa DJ 01082003 6 Conveniência da suspensão do dispositivo haja vista a expressiva participação do Estado do Rio Grande do Norte na produção nacional de sal marinho 7 Concessão unilateral de incentivos fiscais 8 Aparente ofensa à regra do art 155 2º XII g 9 Liminar deferida para suspender o art 6º caput e 4º o art 7º e o art 9º da Lei estadual impugnada ADIn 2866MC Pleno rel Min Gilmar Mendes DJ 17102003 ADIn 1507MCAgRg Pleno rel Min Carlos Velloso DJ 06061997 Com efeito esta Corte tem sido firme na compreensão de que as entidades de classe e as confederações sindicais somente podem lançar mão das ações de controle concentrado quando mirarem normas jurídicas que digam respeito aos interesses típicos da classe representada cf ADIn 3906AgRgDF rel Min Menezes Direito DJe 05092008 A exigência da pertinência temática é verdadeira projeção do interesse de agir no processo objetivo que se traduz na necessidade de que exista uma estreita relação entre o objeto do controle e os direitos da classe representada pela entidade requerente ADIn 4426MC rel Min Dias Toffoli decisão monocrática DJe 01022011 Two centuries after Marbury v Madison there remains a deep confusion about quite what a court is reviewing when it engages in judicial review Conventional wisdom has it that judicial review is the review of certain legal objects statutes regulations But strictly speaking this is not quite right The Constitution prohibits not objects but actions Judicial review is the review of such actions And actions require actors verbs require subjects So before judicial review focuses on verbs let alone objects it should begin at the beginning with subjects Every constitutional inquiry should begin with a basic question that has been almost universally overlooked The fundamental question from which all else follows is the who question who has violated the Constitution As judicial review is practiced today courts skip over this bedrock question to get to the more familiar question how was the Constitution violated But it makes no sense to ask how until there is an answer to who Indeed in countless muddled lines of doctrine puzzlement about the predicates of constitutional violation follows directly from more fundamental confusion about the subjects This fundamental confusion like most confusion in law stems from insufficient attention to text Individual words are important of course but equally important is textual structure The ADIn 913 rel Min Moreira Alves DJ 23081993 ADIn 1946 rel Min Sydney Sanches DJ 14092001 ADIn 3367 rel Min Cezar Peluso DJ 12032006 reconheço na linha do magistério jurisprudencial desta Suprema Corte MS 23334RJ rel Min Celso de Mello vg que os membros do Congresso Nacional dispõem de legitimidade ativa ad causam para provocar a instauração do controle jurisdicional sobre o processo de formação das leis e das emendas à Constituição assistindolhes sob tal perspectiva irrecusável direito subjetivo de impedir que a elaboração dos atos normativos pelo Poder Legislativo incida em desvios inconstitucionais É por essa razão que o STF tem reiteradamente proclamado em favor dos congressistas e apenas destes o reconhecimento desse direito público subjetivo à correta elaboração das emendas à Constituição das leis e das demais espécies normativas referidas no art 59 da Constituição O processo de formação das leis ou de elaboração de emendas à Constituição revelase suscetível de controle incidental ou difuso pelo Poder Judiciário sempre que havendo possibilidade de lesão à ordem jurídico constitucional a impugnação vier a ser suscitada por membro do próprio Congresso Nacional pois nesse domínio somente ao parlamentar que dispõe do direito público subjetivo à correta observância das cláusulas que compõem o devido processo legislativo assiste legitimidade ativa ad causam para provocar a fiscalização jurisdicional MS 23565DF rel Min Celso de Mello MS 27931 rel Min Celso de Mello DJe 01042009 STF MS 20257 Pleno rel Min Moreira Alves j 08101980 RTJ 991040 Esta conclusão está no voto do Min Moreira Alves no MS 20257 Não admito mandado de segurança para impedir tramitação de projeto de lei ou proposta de emenda constitucional com base na alegação de que seu conteúdo entra em choque com algum princípio constitucional E não admito porque nesse caso a violação à Constituição só ocorrerá depois de o projeto se transformar em lei ou de a proposta de emenda vir a ser aprovada Antes disso nem o Presidente da Casa do Congresso ou deste nem a Mesa nem o Poder Legislativo estão praticando qualquer inconstitucionalidade mas estão sim exercitando seus poderes constitucionais referentes ao processamento da lei em geral A inconstitucionalidade nesse caso não será quanto ao processo da lei ou da emenda mas ao contrário será da própria lei ou da própria emenda razão por que só poderá ser atacada depois da existência de uma ou de outra Diversas porém são as hipóteses como a presente em que a vedação constitucional se dirige ao próprio processamento da lei ou da emenda vedando a sua apresentação ou a sua deliberação como na espécie Aqui a inconstitucionalidade diz respeito ao próprio andamento do processo legislativo e isso porque a Constituição não quer em face da gravidade dessas deliberações se consumadas que sequer se chegue à deliberação proibindoa taxativamente A inconstitucionalidade neste caso já existe antes de o projeto ou de a proposta se transformarem em lei ou em emenda constitucional porque o próprio processamento já desrespeita frontalmente a Constituição STF MS 20257 Pleno rel Min Moreira Alves j 08101980 RTJ 991040 De acordo com o STF ADIn 1896MC rel Min Sydney Sanches j 18021999 na ação direta de inconstitucionalidade seu julgamento independe da causa petendi formulada na inicial ou seja dos fundamentos jurídicos nela deduzidos pois havendo nesse processo objetivo arguição de inconstitucionalidade a Corte deve considerála sob todos os aspectos em face da Constituição e não apenas diante daqueles focalizados pelo autor Art 59 O processo legislativo compreende a elaboração de I emendas à Constituição II leis complementares III leis ordinárias IV leis delegadas V medidas provisórias VI decretos legislativos VII resoluções Parágrafo único Lei complementar disporá sobre a elaboração redação alteração e consolidação das leis A jurisprudência predominante do STF tem assentado o entendimento de que a falta de aditamento da inicial diante de reedição da medida provisória impugnada ou de sua conversão em lei enseja a extinção do processo sem julgamento de mérito ADIn 3957 rel Min Ricardo Lewandowski decisão monocrática DJe 08052008 Ação direta de inconstitucionalidade da MedProv 198419 de 29062000 Falta de aditamento da inicial pelo partido autor da ação para impugnar as últimas reedições da medida provisória ocorridas no curso do processo Não cabe à AdvocaciaGeral da União suprir essa falta ADIn 2251MC rel Min Sydney Sanches DJ 24102003 Ação direta de inconstitucionalidade e reedição de medidas provisórias Evolução da jurisprudência Aditamento da petição inicial Pressuposto de identidade substancial das normas A possibilidade do aditamento da ação direta de inconstitucionalidade de modo a que continue contra a medida provisória reeditada o processo instaurado contra a sua edição original pressupõe necessariamente a identidade substancial de ambas se a norma reeditada é não apenas formal mas também substancialmente distinta da originalmente impugnada impõese a propositura de nova ação direta ADIn 1753QO rel Min Sepúlveda Pertence DJ 23101998 Ação direta de inconstitucionalidade MedProv 1901990 Perda de eficácia por falta de apreciação oportuna pelo Congresso Nacional CF art 62 parágrafo único Prejudicialidade da ação direta A medida provisória constitui espécie normativa juridicamente instável Esse ato estatal dispõe em função das notas de transitoriedade e de precariedade que o qualificam de eficácia temporal limitada na medida em que não convertido em lei despojase desde o momento de sua edição da aptidão para inovar o ordenamento positivo A perda retroativa de eficácia jurídica da medida provisória ocorre tanto na hipótese de explícita rejeição do projeto de sua conversão em lei quanto no caso de ausência de deliberação parlamentar no prazo constitucional de trinta 30 dias Uma vez cessada a vigência da medida provisória pelo decurso in albis do prazo constitucional operase ante a superveniente perda de objeto a extinção anômala do processo de ação direta de inconstitucionalidade ADIn 293 Pleno rel Min Celso de Mello DJ 18061993 Art 25 Os Estados organizamse e regemse pelas Constituições e leis que adotarem observados os princípios desta Constituição 1º São reservadas aos Estados as competências que não lhes sejam vedadas por esta Constituição 2º Cabe aos Estados explorar diretamente ou mediante concessão os serviços locais de gás canalizado na forma da lei vedada a edição de medida provisória para a sua regulamentação 3º Os Estados poderão mediante lei complementar instituir regiões metropolitanas aglomerações urbanas e microrregiões constituídas por agrupamentos de municípios limítrofes para integrar a organização o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum Art 34 A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal exceto para VII assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais a forma republicana sistema representativo e regime democrático b direitos da pessoa humana c autonomia municipal d prestação de contas da administração pública direta e indireta e aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais compreendida a proveniente de transferências na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde Art 32 O Distrito Federal vedada sua divisão em Municípios regerseá por lei orgânica votada em dois turnos com interstício mínimo de dez dias e aprovada por dois terços da Câmara Legislativa que a promulgará atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição 1º Ao Distrito Federal são atribuídas as competências legislativas reservadas aos Estados e Municípios 8 É que falta possibilidade jurídica à ação proposta matéria não examinada no referido aresto E o exame dessa condição da ação deve preceder o da relativa à legitimidade ativa ad causam Se a ação é juridicamente impossível não há necessidade de se perquirir quem pode propôla Em outras palavras se a ação não pode ser proposta por ninguém exatamente porque inadmissível tornase dispensável a verificação de sua titularidade 9 E tanto as informações do Governador do Distrito Federal quanto as manifestações da Advocacia Geral da União e da Procuradoria Geral da República demonstraram que a ação direta de inconstitucionalidade é juridicamente impossível no caso pois objetiva em controle concentrado de constitucionalidade a declaração de inconstitucionalidade de lei do Distrito Federal que todavia tem natureza de lei local mais precisamente municipal E não federal ou estadual 10 Com efeito a competência do STF em ação direta de inconstitucionalidade é a de declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual como está expresso no art 102 I a da CF quando afrontada esta última E não de lei de natureza municipal 11 Tratandose de lei municipal o controle de constitucionalidade se faz pelo sistema difuso e não concentrado ou seja apenas no julgamento de casos concretos com eficácia inter partes e não erga omnes quando confrontado o ato normativo local com a Constituição Federal 12 O controle de constitucionalidade concentrado nesse caso somente será possível em face da Constituição dos Estados se ocorrente a hipótese prevista no 2º do art 125 da CF 13 Não é porém o caso dos autos pois o que se pretende é que o STF em ação direta de inconstitucionalidade declare a inconstitucionalidade de lei que embora aprovada pelo Senado Federal no âmbito da competência residual prevista no art 16 do ADCT e sancionada pelo Governador do Distrito Federal que tivera iniciativa de propôla tem o mesmo âmbito de uma lei municipal reguladora do parcelamento e aproveitamento do solo urbano em face do que dispõem os arts 29 30 VIII 32 1º da CF Se a lei na hipótese excedeu ou não os limites da competência de um Município e consequentemente do Distrito Federal é matéria de mérito O que importa porém até aqui é que a Constituição Federal não admite ação direta de inconstitucionalidade perante o STF de lei de natureza municipal mediante confronto com a própria Carta Magna ADIn 209 rel Min Sydney Sanches DJ 11091998 Controle abstrato de constitucionalidade de leis locais CF art 125 2º Cabimento restrito à fiscalização da validade de leis ou atos normativos locais sejam estaduais ou municipais em face da Constituição estadual Invalidade da disposição constitucional estadual que outorga competência ao respectivo Tribunal de Justiça para processar e julgar ação direta de inconstitucionalidade de normas municipais em face também da Constituição Federal Precedentes ADIn 409 rel Min Sepúlveda Pertence DJ 26042002 ADIn 2057MC rel Min Maurício Corrêa DJ 31032000 O ato impugnado na presente ADIn é mera deliberação administrativa sem nenhum caráter normativo não passando seus considerandos de simples motivação Se esse ato é inconstitucional ou ilegal é questão que se não pode resolver no âmbito de uma ação direta de inconstitucionalidade perante esta Corte pois nesta só se há de impugnar ato normativo federal ou estadual nos termos do art 102 I a da CF Afora isso o controle de constitucionalidade ou legalidade de ato administrativo é feito nas instâncias próprias pelo sistema difuso ADIn 2071AgRg rel Min Sydney Sanches DJ 09112001 A portaria conquanto seja ato de natureza administrativa pode ser objeto de ação direta se como no caso vem a estabelecer prescrição em caráter genérico e abstrato ADIn 962MC rel Min Ilmar Galvão DJ 11021994 O STF reafirmou esse entendimento conforme noticiado no Informativo 734 de 06032014 O Plenário julgou procedente pedido formulado em ação direta para declarar a inconstitucionalidade de decisão proferida por tribunal de justiça local nos autos de processo administrativo em que reconhecido o direito à gratificação de 100 aos interessados servidores daquele tribunal e estendida essa gratificação aos demais servidores do órgão em situação análoga Preliminarmente por maioria conheceu se da ação No ponto o Ministro Roberto Barroso salientou que a decisão da Corte de origem teria conteúdo normativo com generalidade e abstração porque estendera os efeitos da concessão de gratificação a um número expressivamente maior de pessoas em comparação às diretamente interessadas no procedimento administrativo Desse modo ponderou cabível o controle abstrato de constitucionalidade Preliminarmente por maioria conheceuse da ação No ponto o Ministro Roberto Barroso salientou que a decisão da Corte de origem teria conteúdo normativo com generalidade e abstração porque estendera os efeitos da concessão de gratificação a um número expressivamente maior de pessoas em comparação às diretamente interessadas no procedimento administrativo Desse modo ponderou cabível o controle abstrato de constitucionalidade A Ministra Rosa Weber destacou que esse caráter de generalidade seria aferível a partir da indeterminação subjetiva das pessoas eventualmente atingidas pela decisão discutida O Ministro Ricardo Lewandowski constatou que os servidores beneficiados com a decisão favorável no tocante à gratificação serviriam como paradigmas a partir dos quais o mesmo benefício seria estendido a outros servidores em número indeterminado Ademais registrou que a decisão em comento fundarseia diretamente na Constituição porque invocado o princípio da isonomia Vencida quanto à preliminar a Ministra Cármen Lúcia relatora que não conhecia da ação por considerar inadequada a via eleita STF ADIn 3202 Pleno rel Min Cármen Lúcia DJe 20052014 A hipótese é de não cabimento da ação direta pois conforme a jurisprudência pacífica deste Tribunal as leis que veiculam matéria orçamentária limitandose à previsão de receita e despesa ou ainda à abertura de créditos orçamentários configuram leis unicamente em sentido formal não sendo dotadas de generalidade e abstração caracteres próprios dos atos normativos os únicos passíveis de controle de constitucionalidade pela via principal ADIn 4041 rel Min Menezes Direito decisão monocrática DJe 27032008 Art 202 da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul Lei estadual 9723 Manutenção e desenvolvimento do ensino público Aplicação mínima de 35 trinta e cinco por cento da receita resultante de impostos Destinação de 10 dez por cento desses recursos à manutenção e conservação das escolas públicas estaduais Vício formal Matéria orçamentária Iniciativa privativa do chefe do Poder Executivo Afronta ao disposto nos arts 165 III e 167 IV da CF Preliminar de inviabilidade do controle de constitucionalidade abstrato Alegação de que os atos impugnados seriam dotados de efeito concreto em razão da possibilidade de determinação de seus destinatários Preliminar rejeitada Esta Corte fixou que a determinabilidade dos destinatários da norma não se confunde com a sua individualização que esta sim poderia convertêlo em ato de efeitos concretos embora plúrimos ADIn 2137MC rel Min Sepúlveda Pertence DJ 12052000 A lei estadual impugnada consubstancia leinorma Possui generalidade e abstração suficientes Seus destinatários são determináveis e não determinados sendo possível a análise desse texto normativo pela via da ação direta A lei não contém necessariamente uma norma a norma não é necessariamente emanada mediante uma lei assim temos três combinações possíveis a leinorma a lei não norma e a norma não lei Às normas que não são lei correspondem leismedida Massnahmegesetze que configuram ato administrativo apenas completável por agente da Administração portando em si mesmas o resultado específico ao qual se dirigem São leis apenas em sentido formal não o sendo contudo em sentido material ADIn 820 rel Min Eros Grau DJe 29022008 Controle abstrato de constitucionalidade de normas orçamentárias Revisão de jurisprudência O STF deve exercer sua função precípua de fiscalização da constitucionalidade das leis e dos atos normativos quando houver um tema ou uma controvérsia constitucional suscitada em abstrato independentemente do caráter geral ou específico concreto ou abstrato de seu objeto Possibilidade de submissão das normas orçamentárias ao controle abstrato de constitucionalidade Medida cautelar deferida Suspensão da vigência da Lei 116582008 desde a sua publicação ocorrida em 22042008 ADIn 4048MC rel Min Gilmar Mendes DJe 22082008 Ação direta de inconstitucionalidade e revogação superveniente do ato estatal impugnado A revogação superveniente do ato estatal impugnado faz instaurar situação de prejudicialidade que provoca a extinção anômala do processo de fiscalização abstrata de constitucionalidade eis que a abrogação do diploma normativo questionado opera quanto a este a sua exclusão do sistema de direito positivo causando desse modo a perda ulterior de objeto da própria ação direta independentemente da ocorrência ou não de efeitos residuais concretos ADIn 1442 rel Min Celso de Mello DJ 29042005 revogada a lei arguida de inconstitucional a ação direta a ela relativa perde o seu objeto independentemente da ocorrência de efeitos concretos que dela hajam decorrido Ação direta de inconstitucionalidade que não se conhece por estar prejudicada em virtude da perda de seu objeto ADIn 221 rel Min Moreira Alves DJ 22101993 A questão referente ao controle de constitucionalidade de atos normativos anteriores à Constituição foi exaustivamente debatida por esta Corte no julgamento da ADIn 2 Naquela oportunidade o Min Paulo Brossard relator sustentou que a teoria da inconstitucionalidade supõe sempre e necessariamente que a legislação sobre cuja constitucionalidade se questiona seja posterior à Constituição Porque tudo estará em saber se o legislador ordinário agiu dentro de sua esfera de competência ou fora dela se era competente ou incompetente para editar a lei que tenha editado Quando se trata de antagonismo existente entre Constituição e lei a ela anterior a questão é de distinta natureza obviamente não é de hierarquia de leis não é nem pode ser exatamente porque a lei maior é posterior à lei menor e por conseguinte não poderia limitar a competência do Poder Legislativo que a editou Num caso o problema será de direito constitucional noutro de direito intertemporal Se a lei anterior é contrariada pela lei posterior tratarseá de revogação pouco importando que a lei posterior seja ordinária complementar ou constitucional Em síntese a lei posterior à Constituição se a contrariar será inconstitucional a lei anterior à Constituição se a contrariar será por ela revogada como aconteceria com qualquer lei que a sucedesse Como ficou dito e vale ser repetido num caso o problema é de direito constitucional noutro é de direito intertemporal O vício da inconstitucionalidade é congênito à lei e há de ser apurado em face da Constituição vigente ao tempo de sua elaboração Lei anterior não pode ser inconstitucional em relação à Constituição superveniente nem o legislador poderia infringir Constituição futura A Constituição sobrevinda não torna inconstitucionais leis anteriores com ela conflitantes revogaas Pelo fato de ser superior a Constituição não deixa de produzir efeitos revogatórios Seria ilógico que a lei fundamental por ser suprema não revogasse ao ser promulgada leis ordinárias A lei maior valeria menos que a lei ordinária Nestes termos ficou assentado que não cabe a ação direta quando a norma atacada for anterior à Constituição já que se for com ela incompatível é tida como revogada e caso contrário como recebida E o mesmo raciocínio há de ser aplicado em relação às emendas constitucionais que passam a integrar a ordem jurídica com o mesmo status dos preceitos originários Vale dizer todo ato legislativo que contenha disposição incompatível com a ordem instaurada pela emenda à Constituição deve ser considerado revogado Nesse sentido a observação do Min Celso de Mello ao dispor Tornase necessário enfatizar no entanto que a jurisprudência firmada pelo STF tratandose de fiscalização abstrata de constitucionalidade apenas admite como objeto idôneo de controle concentrado as leis e os atos normativos que emanados da União dos Estadosmembros e do Distrito Federal tenham sido editados sob a égide de texto constitucional ainda vigente ADIn 2971 DJ 18052004 A respeito do tema esta Corte tem decidido que nos casos em que o texto da Constituição do Brasil foi substancialmente modificado em decorrência de emenda superveniente a ação direta de inconstitucionalidade fica prejudicada visto que o controle concentrado de constitucionalidade é feito com base no texto constitucional em vigor e não no que vigorava anteriormente ADIn 1717MC DJ 25022000 ADIn 2197 DJ 02042004 ADIn 2531AgRg DJ 12092003 ADIn 1691 DJ 04042003 ADIn 1143 DJ 06092001 e ADIn 799 DJ 17092002 ADIn 888 rel Min Eros Grau DJ 10062005 ADPF 33MC voto do rel Min Gilmar Mendes DJ 06082004 Tratase de arguição de descumprimento de preceito fundamental com pedido de medida liminar proposta pelo Partido Popular Socialista PPS objetivando que esta Corte declare que não foi recepcionado pela Constituição de 1988 o art 86 do Declei 200 de 25021967 Preliminarmente reconheço a legitimidade ativa ad causam da agremiação partidária que assina a inicial Depois anoto que é cabível a arguição de descumprimento de preceito fundamental para evitar ou reparar lesão a preceito fundamental resultante de ato do Poder Público ou quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal estadual ou municipal inclusive anteriores à Constituição não sendo admitida a utilização de ações diretas de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade isto é não se verificando a existência de meio apto para solver a controvérsia constitucional relevante de forma ampla geral e imediata há de se entender possível a utilização da arguição de descumprimento de preceito fundamental Assim numa primeira análise dos autos reconheço que se afigura admissível a utilização da presente arguição de descumprimento de preceito fundamental sob o aspecto do princípio da subsidiariedade vez que a norma nela impugnada veio a lume antes da vigência da Constituição de 1988 No que concerne ao pedido de medida liminar todavia verifico que não se mostram presentes os requisitos autorizadores de sua concessão quais sejam o fumus boni iuris e o periculum in mora Com efeito observo que o dispositivo atacado estabeleceu que a tomada de contas referentes à movimentação dos créditos destinados à realização de despesas reservadas ou confidenciais será feita em caráter sigiloso Ocorre porém que o princípio da publicidade na Administração Pública não é absoluto porquanto a própria Constituição Federal em seu art 5º XXXIII in fine restringiu o acesso público a informações cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado Em outras palavras tanto o dispositivo contestado na presente ação quanto o art 5º XXXIII da Lei Maior ressalvaram o caráter sigiloso de determinadas informações relativas à Administração Pública Não considero portanto suficientemente caracterizado o fumus boni iuris seja porque o sigilo dos dados e informações da Administração Pública ao menos numa primeira análise da questão encontra guarida na própria Carta Magna seja porque ele não é decretado arbitrariamente mas determinado segundo regras legais preestabelecidas ADPF 129MC rel Min Ricardo Lewandowski decisão monocrática DJe 22022008 Art 102 Compete ao Supremo Tribunal Federal precipuamente a guarda da Constituição cabendolhe I processar e julgar originariamente a a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal ADCT art 3º A revisão constitucional será realizada após cinco anos contados da promulgação da Constituição pelo voto da maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional em sessão unicameral Art 60 A Constituição poderá ser emendada mediante proposta I de um terço no mínimo dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal II do Presidente da República III de mais da metade das Assembleias Legislativas das unidades da Federação manifestandose cada uma delas pela maioria relativa de seus membros 1º A Constituição não poderá ser emendada na vigência de intervenção federal de estado de defesa ou de estado de sítio 2º A proposta será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional em dois turnos considerandose aprovada se obtiver em ambos três quintos dos votos dos respectivos membros 3º A emenda à Constituição será promulgada pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal com o respectivo número de ordem 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir I a forma federativa de Estado II o voto direto secreto universal e periódico III a separação dos Poderes IV os direitos e garantias individuais 5º A matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa Art 5º 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados em cada Casa do Congresso Nacional em dois turnos por três quintos dos votos dos respectivos membros serão equivalentes às emendas constitucionais Ação direta de inconstitucionalidade Cabimento Inexistência de inconstitucionalidade reflexa Temse inconstitucionalidade reflexa a cuja verificação não se presta a ação direta quando o vício de ilegitimidade irrogado a um ato normativo é o desrespeito à lei fundamental por haver violado norma infraconstitucional interposta a cuja observância estaria vinculado pela Constituição não é o caso presente onde a ilegitimidade da lei estadual não se pretende extrair de sua conformidade com a lei federal relativa ao processo de execução contra a Fazenda Pública mas sim diretamente com as normas constitucionais que o preordenam afora outros princípios e garantias do texto fundamental ADIn 2535MC rel Min Sepúlveda Pertence DJ 21112003 Ação direta de inconstitucionalidade Instrumento de afirmação da supremacia da ordem constitucional O papel do STF como legislador negativo A noção de constitucionalidadeinconstitucionalidade como conceito de relação A questão pertinente ao bloco de constitucionalidade Posições doutrinárias divergentes em torno do seu conteúdo O significado do bloco de constitucionalidade como fator determinante do caráter constitucional ou não dos atos estatais Necessidade da vigência atual em sede de controle abstrato do paradigma constitucional alegadamente violado Superveniente modificaçãosupressão do parâmetro de confronto Prejudicialidade da ação direta A definição do significado de bloco de constitucionalidade independentemente da abrangência material que se lhe reconheça revestese de fundamental importância no processo de fiscalização normativa abstrata pois a exata qualificação conceitual dessa categoria jurídica projetase como fator determinante do caráter constitucional ou não dos atos estatais contestados em face da Carta Política A superveniente alteraçãosupressão das normas valores e princípios que se subsumem à noção conceitual de bloco de constitucionalidade por importar em descaracterização do parâmetro constitucional de confronto faz instaurar em sede de controle abstrato situação configuradora de prejudicialidade da ação direta legitimando desse modo ainda que mediante decisão monocrática do relator da causa RTJ 13967 a extinção anômala do processo de fiscalização concentrada de constitucionalidade ADIn 1120 rel Min Celso de Mello decisão monocrática DJ 07032002 STF ADIn 3833MC rel Min Carlos Britto rel p o acórdão Min Marco Aurélio j 19122006 A alteração da Carta inviabiliza o controle concentrado de constitucionalidade de norma editada quando em vigor a redação primitiva Porém o STF atualmente discute essa matéria na ADIn 5090 ainda em julgamento Nesta ação o tribunal acolheu questão de ordem para afirmar que a revogação ou alteração superveniente de parâmetro de controle não impede o conhecimento da ação em relação à norma constitucional em vigor quando da propositura da ação Caso a norma ordinária impugnada venha a ser declarada inconstitucional o processo estaria integralmente concluído Se porém a lei questionada viesse a ser reconhecida como constitucional temse indagação relevante a prosseguese no julgamento da ADIn em face do parâmetro de controle superveniente b encerrase o processo de controle abstrato por impossibilidade de exame da questão de ordem pré constitucional em face de norma constitucional superveniente ou c examinase a questão em sede de ADIn mas com características de controle incidental para averbar a recepção Necessário lembrar que a Lei 9868 de 10111999 preconiza que a peça inaugural das ações diretas indicará o dispositivo da lei ou do ato normativo atacado e os fundamentos jurídicos do pedido em relação a cada uma das impugnações art 3º Por não observar essa determinação legal o requerente deixa de obedecer à técnica imprescindível ao conhecimento da ação A inicial não se reveste das formalidades a ela inerentes Enseja a declaração da inépcia da peça por faltarlhe requisitos essenciais No caso específico a exordial não foi elaborada segundo as regras e o estilo constantes em lei própria destinada a disciplinar o processo e julgamento das ações diretas de inconstitucionalidade Ao contrário temse pedido genérico e inespecífico ADIn 2561 rel Min Eros Grau decisão monocrática DJ 01022005 A cognição do Tribunal em sede de ação direta de inconstitucionalidade é ampla O Plenário não fica adstrito aos fundamentos e dispositivos constitucionais trazidos na petição inicial realizando o cotejo da norma impugnada com todo o texto constitucional Não há falar portanto em argumentos não analisados pelo Plenário desta Corte que no citado julgamento esgotou a questão AgIn 413210AgRgEDclEDcl rel Min Ellen Gracie DJ 10122004 É da jurisprudência do Plenário o entendimento de que na ação direta de inconstitucionalidade seu julgamento independe da causa petendi formulada na inicial ou seja dos fundamentos jurídicos nela deduzidos pois havendo nesse processo objetivo arguição de inconstitucionalidade a Corte deve considerála sob todos os aspectos em face da Constituição e não apenas diante daqueles focalizados pelo autor É de se presumir então que no precedente ao menos implicitamente hajam sido considerados quaisquer fundamentos para eventual arguição de inconstitucionalidade inclusive os apresentados na inicial da presente ação ADIn 1896MC rel Min Sydney Sanches DJ 28051999 Extensão da declaração de inconstitucionalidade a dispositivos não impugnados expressamente na inicial Inconstitucionalidade por arrastamento ADIn 2982QO rel Min Gilmar Mendes DJ 12112004 A declaração de inconstitucionalidade dos arts 2º e 3º da lei atacada implica seu esvaziamento A declaração de inconstitucionalidade dos seus demais preceitos dáse por arrastamento ADIn 1144 rel Min Eros Grau DJ 08092006 Ação direta de inconstitucionalidade Transcrição literal do texto impugnado na inicial Juntada da publicação da lei no Diário Oficial na contracapa dos autos Inépcia Inexistência Não há falarse em inépcia da inicial da ação direta de inconstitucionalidade quando transcrito literalmente o texto legal impugnado anexada a cópia do Diário Oficial à contracapa dos autos ADIn 1991 rel Min Eros Grau DJ 03122004 É de exigirse em ação direta de inconstitucionalidade a apresentação pelo proponente de instrumento de procuração ao advogado subscritor da inicial com poderes específicos para atacar a norma impugnada ADIn 2187QO rel Min Octavio Gallotti j 24052002 DJ 12122003 No mesmo sentido ADIn 2461 rel Min Gilmar Mendes j 12052005 DJ 07102005 Não tendo sido apresentada cópia do teor do dispositivo impugnado com a inicial como exige o art 3º da Lei 9868 de 10111999 nem tendo sido essa falta suprida dentro do prazo que para isso foi concedido à requerente indefiro a petição inicial da presente ação direta de inconstitucionalidade ADIn 2388MC rel Min Moreira Alves decisão monocrática j 16032001 DJ 26032001 Ação direta de inconstitucionalidade ADIn Inadmissibilidade Art 14 4º da CF Norma constitucional originária Objeto nomológico insuscetível de controle de constitucionalidade Princípio da unidade hierárquiconormativa e caráter rígido da Constituição brasileira Doutrina Precedentes Carência da ação Inépcia reconhecida Indeferimento da petição inicial Agravo improvido Não se admite controle concentrado ou difuso de constitucionalidade de normas produzidas pelo poder constituinte originário ADIn 4097 AgRg rel Min Cezar Peluso DJe 07112008 Por outro lado não se inclui na competência desta Corte o controle da constitucionalidade em abstrato de atos normativos municipais em face da Carta Federal ADIn 611 Pertence DJ 11121992 e ADIn 911 Celso de Mello DJ 06081993 entre outros Vêse pois que a inicial não atende aos requisitos do art 4º da Lei 9868 de 10111999 segundo o qual a petição inicial inepta não fundamentada e a manifestamente improcedente serão liminarmente indeferida pelo relator ADIn 2767 rel Min Maurício Corrêa decisão monocrática DJ 17122002 por ocasião do julgamento da ADIn 4224 proposta pela União Geral dos Trabalhadores contra o mesmo ato normativo objeto desta ação direta o Min Menezes Direito indeferiu a petição inicial aduzindo como um dos fundamentos exatamente a inviabilidade de controle abstrato de constitucionalidade sobre norma de caráter secundário Ante o exposto indefiro a petição inicial o que faço com fundamento no art 4º da Lei 98681999 e no 1º do art 21 do RISTF ADIn 4255 rel Min Carlos Britto decisão monocrática DJe 09092009 Tratandose de norma de caráter secundário inviável o seu controle isolado dissociado da lei ordinária que lhe empresta imediato fundamento de validade no âmbito da ação direta de inconstitucionalidade Nesse sentido entre inúmeros outros precedentes a ADInAgRg 264 rel Min Celso de Mello DJ 08041994 ADIn 4176 rel Min Menezes Direito decisão monocrática j 03032009 DJe 12032009 É manifestamente improcedente a ação direta de inconstitucionalidade que verse sobre norma art 56 da Lei 94301996 cuja constitucionalidade foi expressamente declarada pelo Plenário do STF mesmo que em recurso extraordinário Aplicação do art 4º da Lei 98681999 A alteração da jurisprudência pressupõe a ocorrência de significativas modificações de ordem jurídica social ou econômica ou quando muito a superveniência de argumentos nitidamente mais relevantes do que aqueles antes prevalecentes o que não se verifica no caso ADIn 4071AgRg Pleno rel Min Menezes Direito DJe 16102009 Tratandose de decisão do Pleno desta Corte que não conhece de ação direta de inconstitucionalidade não é cabível o agravo a que alude o parágrafo único do art 4º da Lei 98681999 que só é admissível contra despacho do relator que liminarmente indefere petição inicial de ação dessa natureza ADIn 2073AgRQO rel Min Moreira Alves DJ 24112000 O Estadomembro não dispõe de legitimidade para interpor recurso em sede de controle normativo abstrato ainda que a ação direta de inconstitucionalidade tenha sido ajuizada pelo respectivo Governador a quem assiste a prerrogativa legal de recorrer contra as decisões proferidas pelo relator da causa Lei 98681999 art 4º parágrafo único ou excepcionalmente contra aquelas emanadas do próprio Plenário do STF Lei 98681999 art 26 ADIn 2130AgRg rel Min Celso de Mello DJ 14122001 Capacidade que nas ações da espécie é diretamente reconhecida aos legitimados ativos arrolados no art 103 da CF e não aos órgãos requeridos que apesar de prestarem informações não podem recorrer sem a regular representação processual Circunstância inviabilizadora da pretensão do agravante TRT 19ª Reg que manifestou embargos de declaração e agravo regimental por meio de petições firmadas por sua juízapresidente ADIn 2098EDclAgRg rel Min Ilmar Galvão DJ 19042002 Art 10 Salvo no período de recesso a medida cautelar na ação direta será concedida por decisão da maioria absoluta dos membros do Tribunal observado o disposto no art 22 após a audiência dos órgãos ou autoridades dos quais emanou a lei ou ato normativo impugnado que deverão pronunciarse no prazo de cinco dias 1º O relator julgando indispensável ouvirá o AdvogadoGeral da União e o ProcuradorGeral da República no prazo de três dias 2º No julgamento do pedido de medida cautelar será facultada sustentação oral aos representantes judiciais do requerente e das autoridades ou órgãos responsáveis pela expedição do ato na forma estabelecida no Regimento do Tribunal 3º Em caso de excepcional urgência o Tribunal poderá deferir a medida cautelar sem a audiência dos órgãos ou das autoridades das quais emanou a lei ou o ato normativo impugnado RISTF art 13 São atribuições do Presidente VIII decidir questões urgentes nos períodos de recesso ou de férias Art 22 A decisão sobre a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo somente será tomada se presentes na sessão pelo menos oito Ministros Art 23 Efetuado o julgamento proclamarseá a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade da disposição ou da norma impugnada se num ou noutro sentido se tiverem manifestado pelo menos seis Ministros quer se trate de ação direta de inconstitucionalidade ou de ação declaratória de constitucionalidade Parágrafo único Se não for alcançada a maioria necessária à declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade estando ausentes Ministros em número que possa influir no julgamento este será suspenso a fim de aguardarse o comparecimento dos Ministros ausentes até que se atinja o número necessário para prolação da decisão num ou noutro sentido Art 12 Havendo pedido de medida cautelar o relator em face da relevância da matéria e de seu especial significado para a ordem social e a segurança jurídica poderá após a prestação das informações no prazo de dez dias e a manifestação do AdvogadoGeral da União e do ProcuradorGeral da República sucessivamente no prazo de cinco dias submeter o processo diretamente ao Tribunal que terá a faculdade de julgar definitivamente a ação a natureza e a relevância da matéria reclamam rápida e definitiva solução a evitar que a pendência do processo sejam quais forem as decisões cautelares liminarmente tomadas além de prorrogar o período de incerteza jurídica possa vir a obstruir o andamento de outros processos objetivos ou subjetivos quiçá urgentes Valhome pois da alternativa aberta pelo art 12 da mesma Lei 98681999 este não questionado para pedir o parecer do Sr ProcuradorGeral da República no prazo legal de modo a propiciar o julgamento definitivo da ações ADIn 2154 rel Min Sepúlveda Pertence decisão monocrática DJ 02102001 No sistema de controle difuso de constitucionalidade de ato normativo vigora indiscutivelmente o princípio da presunção da constitucionalidade do ato normativo impugnado como inconstitucional princípio esse que as nossas Constituições têm consagrado com a regra de que a declaração de inconstitucionalidade pelos tribunais só pode ser feita com o voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial nesse sentido ainda agora o art 97 da Constituição Com o 3º do art 103 inequivocamente se estendeu esse princípio à ação direta de inconstitucionalidade dandose à presunção de constitucionalidade do ato normativo e ela existe quer quanto à norma federal quer quanto à norma estadual um curador especial que assim nesse processo objetivo tem papel diverso do da ProcuradoriaGeral da República embora ambos defendam relevantes interesses públicos De feito o AdvogadoGeral da União como curador especial defende a presunção de constitucionalidade do ato normativo ao passo que o ProcuradorGeral da República defende a rigorosa observância da Constituição ainda que como fiscal da aplicação da lei tenha que manifestarse pela inconstitucionalidade do ato normativo objeto da ação direta E notese essa posição de imparcialidade do fiscal da aplicação da lei que é o ProcuradorGeral da República está preservada ainda quando é ele o autor da ação direta certo como é que mesmo ocupando essa posição nesse processo objetivo pode ele afinal manifestarse contra a inconstitucionalidade que arguiu na inicial Ademais houve por bem a Constituição atual dar esse curador especial à presunção de constitucionalidade do ato normativo impugnado porque não raras vezes o legitimado passivamente não assume a defesa da constitucionalidade desse ato adstringindose a prestar informações objetivas de andamento do processo de sua elaboração ou o que vez por outra ocorre se desinteressa de sua defesa ou até sustenta sua inconstitucionalidade por motivos políticos de mudança de governo ADIn 97QO voto do rel Min Moreira Alves DJ 30031990 O munus a que se refere o imperativo constitucional CF art 103 3º deve ser entendido com temperamentos O AdvogadoGeral da União não está obrigado a defender tese jurídica se sobre ela esta Corte já fixou entendimento pela sua inconstitucionalidade ADIn 1616 rel Min Maurício Corrêa DJ 24082001 o Tribunal rejeitou a arguição de inconstitucionalidade da parte final do art 26 da Lei 98681999 que veda que as decisões tomadas em ADIn ou ADC sejam objeto de ação rescisória Salientandose a inconsistência da alegação de ofensa ao art 5º XXXV da CF aduziuse que adstritos os preceitos constitucionais pertinentes à competência para julgar a ação rescisória CF arts 102 I j 105 I e e 108 I b a extensão e os pressupostos de sua admissibilidade constituem matéria da legislação processual ordinária razão por que não existindo imposição constitucional a admitila a vedação por lei especial à ação rescisória da decisão de determinados processos não poderia ser reputada inconstitucional a não ser que por ser arbitrária ou desarrazoada pudesse a exclusão ser considerada ofensiva a garantias constitucionais que lhe impusessem a admissão Asseverouse ademais que as decisões de mérito da ADIn ou da ADC ações dúplices por sua própria natureza repelem a desconstituição por ação rescisória delas podendo resultar tanto a declaração de inconstitucionalidade quanto de constitucionalidade Esclareceuse que no caso de se declarar a inconstitucionalidade a desconstituição dessa decisão restabeleceria a força da lei antes eliminada o que geraria insegurança jurídica Por sua vez na hipótese de declaração de constitucionalidade a segurança jurídica também estaria comprometida se essa decisão vinculante de todos os demais órgãos da jurisdição e da Administração Pública pudesse ser desconstituída por força de simples variações na composição do STF sem mudança relevante do contexto histórico e das concepções jurídicas subjacentes ao julgado rescindido ADIn 2154 e ADIn 2258 rel Min Sepúlveda Pertence j 14022007 Informativo 456 Afirma Melvin Eisenberg que um precedente está em condições de ser revogado quando deixa de corresponder aos padrões de congruência social e consistência sistêmica e ao mesmo tempo os valores que sustentam a estabilidade basicamente os da isonomia da confiança justificada e da vedação da surpresa injusta mais fundamentam a sua revogação do que a sua preservação Um precedente deixa de corresponder aos padrões de congruência social quando passa a negar proposições morais políticas ou de experiência Essas proposições aparecem no raciocínio do common law exatamente quando se mostram relevantes para a elaboração para a aplicação ou para a mudança de um precedente As proposições morais determinam uma conduta como certa ou errada a partir do consenso moral geral da comunidade as proposições políticas caracterizam uma situação como boa ou má em face do bemestar geral e as proposições de experiência pelo autor da ação direta Tal circunstância no entanto não suprime à parte o dever processual de motivar o pedido e de identificar na Constituição em obséquio ao princípio da especificação das normas os dispositivos alegadamente violados pelo ato normativo que pretende impugnar Impõese ao autor no processo de controle concentrado de constitucionalidade sob pena de não conhecimento da ação direta indicar as normas de referência que são aquelas inerentes ao ordenamento constitucional e que se revestem por isso mesmo de parametricidade em ordem a viabilizar a aferição da conformidade vertical dos atos normativos infraconstitucionais ADIn 561MC rel Min Celso de Mello DJ 23032001 STF ADIn 2182 rel Min Marco Aurélio j 02052010 Indago não havendo a exploração do vício material na peça primeira da ação é dado ao Tribunal atuar de ofício e então partir para o exame de todos os dispositivos da lei A resposta para mim é desenganadamente negativa Não estou aqui a desconhecer os reiterados pronunciamentos no sentido de que a causa de pedir no controle concentrado é aberta Estou sim a levar em conta e por isso trouxe voto versando apenas o vício formal o objeto da própria ação direta de inconstitucionalidade Não tenho uma vírgula na inicial a revelar ataque à lei sob o ângulo material Não tenho a abordagem do conflito sob o ângulo material da lei com qualquer texto da Constituição Se o Tribunal me compelir a examinar a ação sob o ângulo material o que terei de fazer Terei de cotejar sem provocação do requerente artigo por artigo dessa Lei e aqui a Lei não tem o número de artigos do Código Civil ainda bem porque senão passaria o resto da vida examinando esta ação direta de inconstitucionalidade com todos os artigos da Constituição Federal E como fica a jurisprudência no sentido da inépcia da inicial quando não há abordagem quando o requerente não enfoca em que estaria o conflito do artigo com o texto constitucional STF ADIn 2182 Min Marco Aurélio p 6567 do acórdão Cf o Min Ayres Britto para quem a aceitação da doutrina da causa de pedir aberta possui dois limites o primeiro é quanto ao próprio princípio do pedido é preciso que a Corte se atenha ao objeto do pedido formalmente feito o segundo limite é exatamente a separação entre o exame formal e o exame material de inconstitucionalidade No caso não se arguiu em nenhum momento qualquer vício material da lei em nenhuma passagem da petição inicial É preciso em homenagem ao princípio da separação de poderes que o legislador ordinário tenha apontado na petição inicial cada qual das inadequações de inconstitucionalidade em que ocorreu seja do ponto de vista formal seja do ponto de vista material ADIn 2182 p 7677 do acórdão Nas palavras do Min Sepúlveda Pertence exigência de um mínimo de fundamentação sob pena de instaurarse um grande risco uma grande objeção ao controle abstrato de constitucionalidade que é a ditadura da corte constitucional um verdadeiro exame de ofício da inconstitucionalidade material de uma lei quando só se STF a defere RTJ 12480 Excepcionalmente no entanto e para que não se frustrem os seus objetivos a medida cautelar poderá projetarse com eficácia ex tunc em caráter retroativo com repercussão sobre situações pretéritas RTJ 13886 Para que se outorgue eficácia ex tunc ao provimento cautelar em sede de ação direta de inconstitucionalidade impõese que o STF assim o determine expressamente na decisão que conceder essa medida extraordinária ADIn 2105MC rel Min Celso de Mello DJ 28042000 O 2º do art 11 da Lei 98681999 é objeto da ADIn 2258 pendente de julgamento O pedido em questão não tem cabimento em sede de ação direta de inconstitucionalidade eis que terceiros como os servidores públicos eventualmente atingidos pela suspensão cautelar de eficácia da regra estatal impugnada não dispõem de legitimidade para intervir no processo de controle normativo abstrato É que o instituto da oposição CPC arts 56 61 por restringirse ao plano exclusivo dos processos subjetivos em cujo âmbito discutemse situações individuais e interesses concretos não se estende nem se aplica ao processo de fiscalização abstrata de constitucionalidade que se qualifica como típico processo de caráter objetivo sine contradictores destinado a viabilizar o julgamento não de uma relação jurídica concreta mas de validade de lei em tese RTJ 95999 rel Min Moreira Alves ADIn 1350 rel Min Celso de Mello decisão monocrática j 27071996 DJ 13081996 A natureza eminentemente objetiva do processo de controle abstrato de constitucionalidade não dá lugar a ingresso na relação processual de particular voltado à defesa de interesse subjetivo sendo restrita aos órgãos estatais de que emanou o ato normativo impugnado a formação litisconsorcial passiva nas ações da espécie ADIn 1286AgRg rel Min Ilmar Galvão j 06091995 Plenário DJ 06102005 A admissão de amici curiae como mecanismo para permitir a maior interferência de uma pluralidade de sujeitos argumentos e visões no processo constitucional ainda que em processos de cunho subjetivo como o mandado de segurança foi reafirmada em recente decisão monocrática do Min Gilmar Mendes mantida pelo Pleno do STF ao negar provimento a agravos regimentais da União STF MS 32033 rel Min Gilmar Mendes DJe 18022014 A intervenção de terceiros no processo da ação direta de inconstitucionalidade é regra excepcional prevista no art 7º 2º da Lei 98681999 que visa a permitir que terceiros desde que investidos de representatividade adequada possam ser admitidos na relação processual para efeito de manifestação sobre a questão de direito subjacente à própria controvérsia constitucional A admissão de terceiro na condição de amicus curiae no processo objetivo de controle normativo abstrato qualificase como fator de legitimação social das decisões da Suprema Corte enquanto Tribunal Constitucional pois viabiliza em obséquio ao postulado democrático a abertura do processo de fiscalização concentrada de constitucionalidade em ordem a permitir que nele se realize sempre sob uma perspectiva eminentemente pluralística a possibilidade de participação formal de entidades e de instituições que efetivamente representem os interesses gerais da coletividade ou que expressem os valores essenciais e relevantes de grupos classes ou estratos sociais Em suma a regra inscrita no art 7º 2º da Lei 98681999 que contém a base normativa legitimadora da intervenção processual do amicus curiae tem por precípua finalidade pluralizar o debate constitucional ADIn 2130MC rel Min Celso de Mello DJ 02022001 Vêse portanto que a admissão de terceiro na qualidade de amicus curiae traz ínsita a necessidade de que o interessado pluralize o debate constitucional apresentando informações documentos ou quaisquer elementos importantes para o julgamento da ação direta de inconstitucionalidade ADIn 3921 rel Min Joaquim Barbosa decisão monocrática DJ 31102007 O que o amicus curiae requer a toda evidência é providência de natureza cautelar a qual dada a posição que assumiu nos autos de defesa da validade da norma impugnada adquire os contornos de uma cautela típica da ação declaratória de constitucionalidade prevista no art 21 da Lei 98681999 o qual autoriza a suspensão do julgamento dos processos que envolvam a aplicação da lei ou do ato normativo objeto da ação até seu julgamento definitivo Faltalhe contudo legitimidade para requerer o deferimento de medida cautelar na ação direta ADIn 2904 rel Min Menezes Direito decisão monocrática DJe 06062008 O Plenário negou provimento a agravo regimental em que discutida a admissibilidade da intervenção na qualidade de amicus curiae de instituição financeira em ação direta de inconstitucionalidade Preliminarmente o Colegiado conheceu do recurso No ponto a jurisprudência da Corte reconheceria legitimidade recursal àquele que desejasse ingressar na relação processual como amicus curiae e tivesse sua pretensão recusada Por outro lado não se conheceria de recursos interpostos por amicus curiae já admitido nos quais se intentasse impugnar acórdão proferido em sede de controle concentrado de constitucionalidade No mérito o Plenário entendeu que não se justificaria a intervenção de instituição financeira para discutir situações concretas e individuais no caso a situação particular que desaguara na decretação de liquidação extrajudicial da instituição Sob esse aspecto a tutela jurisdicional de situações individuais deveria ser obtida pela via do controle difuso por qualquer pessoa com interesse e legitimidade O propósito do amicus curiae seria o de pluralizar o debate constitucional e conferir maior legitimidade ao julgamento do STF tendo em conta a colaboração emprestada pelo terceiro interveniente Este deveria possuir interesse de índole institucional bem assim a legítima representação de um grupo de pessoas sem qualquer interesse particular Na espécie a instituição agravante careceria de legitimidade uma vez não possuir representatividade adequada Informativo 772 de 03022015 STF ADIn 5022AgR Pleno rel Min Celso de Mello DJe 06032015 Embargos de declaração Legitimidade recursal limitada às partes Não cabimento de recurso interposto por amici curiae Embargos de declaração opostos pelo Procurador Geral da República conhecidos Alegação de contradição Alteração da ementa do julgado Restrição Embargos providos Embargos de declaração opostos pelo ProcuradorGeral da República pelo Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor Brasilcon e pelo STF ADCMC 4 rel Min Sydney Sanches j 11021998 Pode a Corte conceder medida cautelar que assegure temporariamente tal força e eficácia à futura decisão de mérito E assim é mesmo sem expressa previsão constitucional de medida cautelar na ADC pois o poder de acautelar é imanente ao de julgar A constitucionalidade deste dispositivo é questionada na ADIn 2258 pendente de julgamento proposta pelo Conselho Federal da OAB em julho de 2000 sob o fundamento de ofensa aos princípios constitucionais do devido processo legal CF art 5º LIV e do juiz natural CF art 5º XXXVII STF ADPF 130MC rel Min Carlos Britto j 27022008 Lei de Imprensa Referendo da medida liminar Expiração do prazo de 180 cento e oitenta dias Tendo em vista o encerramento do prazo de 180 cento e oitenta dias fixado pelo Plenário para o julgamento de mérito da causa resolvese a Questão de Ordem para estender esse prazo por mais 180 cento e oitenta dias STF Rcl 9123MC rel Min Ricardo Lewandowski decisão monocrática j 02102009 Tratase de reclamação constitucional com pedido de medida liminar ajuizada pela União contra ato praticado pelo Juízo da 10ª Vara do Trabalho de Porto Alegre que teria ofendido a autoridade da decisão desta Corte nos autos da ADC 11DF rel Min Cezar Peluso Constato que esse é o caso em comento Entretanto entendo que o pedido formulado para a concessão da medida liminar em um juízo de cognição sumária é demasiado amplo porquanto pleiteia a reclamante a suspensão do processo e não apenas o recebimento dos embargos opostos nos autos da execução trabalhista Isso posto defiro o pedido liminar apenas para determinar que a autoridade reclamada receba os embargos opostos pela Reclamante nos autos da execução da Reclamação Trabalhista Lei 98681999 art 23 parágrafo único Se não for alcançada a maioria necessária à declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade estando ausentes Ministros em número que possa influir no julgamento este será suspenso a fim de aguardarse o comparecimento dos Ministros ausentes até que se atinja o número necessário para prolação da decisão num ou noutro sentido Lei 98681999 art 28 parágrafo único A declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade inclusive a interpretação conforme a Constituição e a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto têm eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública federal estadual e municipal Rcl 5914AgRg rel Min Ricardo Lewandowski DJe 15082008 Antes da EC 31993 não existia norma a regular os efeitos derivados das decisões proferidas no controle abstrato de constitucionalidade Foi a jurisprudência do STF que paulatinamente construiu a tese dos efeitos erga omnes da decisão de atrasadas E tudo sem o precatório exigido pelo art 100 da CF e ainda sob as ameaças noticiadas na inicial e demonstradas com os documentos que a instruíram 8 Medida cautelar deferida em parte por maioria de votos para se suspender ex nunc e com efeito vinculante até o julgamento final da ação a concessão de tutela antecipada contra a Fazenda Pública que tenha por pressuposto a constitucionalidade ou inconstitucionalidade do art 1º da Lei 9494 de 10091997 sustandose igualmente ex nunc os efeitos futuros das decisões já proferidas nesse sentido ADC 4 rel Min Sydney Sanches j 11021998 DJ 21051999 Ausente a existência de preterição que autorize o sequestro revelase evidente a violação ao conteúdo essencial do acórdão proferido na mencionada ação direta que possui eficácia erga omnes e efeito vinculante A decisão do Tribunal em substância teve sua autoridade desrespeitada de forma a legitimar o uso do instituto da reclamação Hipótese a justificar a transcendência sobre a parte dispositiva dos motivos que embasaram a decisão e dos princípios por ela consagrados uma vez que os fundamentos resultantes da interpretação da Constituição devem ser observados por todos os tribunais e autoridades contexto que contribui para a preservação e desenvolvimento da ordem constitucional STF Pleno Rcl 1987 rel Min Maurício Corrêa DJ 21052004 STF Pleno Rcl 1987 rel Min Maurício Corrêa DJ 21052004 Rcl 2363 Pleno rel Min Gilmar Mendes DJ 01042005 A Rcl 4219 também abordou o assunto Nesta Reclamação existiam nove votos tratando da questão quando em virtude do falecimento do reclamante julgouse prejudicado o pedido Tinham votado pela admissibilidade da Reclamação os Ministros Eros Grau Cezar Peluzo Gilmar Mendes e Celso de Mello Em sentido contrário votaram os Ministros Joaquim Barbosa relator Sepúlveda Pertence Ricardo Lewandowski Carlos Brito e Cármen Lúcia Restavam os votos dos Ministros Ellen Gracie e Marco Aurélio Rcl 4219 rel Min Joaquim Barbosa Na Rcl 1987 o STF reconheceu a autoridade vinculante dos fundamentos determinantes da decisão Rcl 1987 Pleno rel Min Maurício Côrrea DJ 21052004 A tese porém deixou de ser reafirmada na Rcl 2475 Rcl 2475AgRgMG Pleno rel p o acórdão Min Marco Aurélio DJe 3112008 Lembrese porém que há visível divergência entre os ministros do Tribunal acerca do ponto Rcl 10793 rel Min Ellen Gracie j 13042011 STF Rcl 10793 rel Min Ellen Gracie j 13042011 Do voto da relatora p 9 Cabe aos juízes e desembargadores respeitar a autoridade da decisão do STF tomada em sede de repercussão geral assegurando a racionalidade e eficiência ao sistema judiciário e concretizando a certeza jurídica sobre o tema Se assim não for admitidas decisões díspares do entendimento firmado pelo STF em processos com repercussão geral haverá gradativamente o enfraquecimento de toda a sistemática estabelecida pelo Congresso Nacional inexistência de direito dos candidatos à prova de segunda chamada nos testes de aptidão física salvo contrária disposição editalícia em razão de circunstâncias pessoais ainda que de caráter fisiológico ou de força maior e ii assegurar a validade das provas de segunda chamada realizadas até a data de conclusão do julgamento em nome da segurança jurídica Advertiuse que por não se tratar de declaração de inconstitucionalidade em controle abstrato mas de nova interpretação do texto constitucional e de substancial mudança de jurisprudência não se poderia suscitar a modulação dos efeitos da decisão mediante a aplicação do art 27 da Lei 98681999 mas que caberia à Corte em virtude de razões de segurança jurídica a tarefa de proceder a ponderação das consequências e o devido ajuste do resultado para adotar a técnica de decisão que possa melhor traduzir a mutação constitucional operada O Min Gilmar Mendes ao concluir o seu voto declarou que mudanças radicais na interpretação da Constituição devem ser acompanhadas da devida e cuidadosa reflexão sobre suas consequências tendo em vista o postulado da segurança jurídica como subprincípio do Estado de Direito STF Pleno RE 630733 rel Min Gilmar Mendes DJe 19112013 Aceitar que a decisão firmada em sede de recurso extraordinário pode ter os seus efeitos temporais modulados em nome da segurança jurídica implica reconhecer a existência de precedente constitucional com eficácia vinculante Só uma decisão com efeitos vinculantes pode exigir modulação dos seus efeitos temporais Retenhase o ponto quando se percebe que o verdadeiro problema é saber se a decisão proferida em recurso extraordinário tem eficácia vinculante importa pouco se o recurso foi interposto anteriormente à instituição do regime da repercussão geral Ainda que esse regime não existisse na época da interposição do recurso não se poderia negar a um precedente constitucional eficácia vinculante A inexistência do regime tem a ver com o funcionamento da Corte com a necessidade de um filtro recursal e não com a eficácia das suas decisões Ademais embora no caso se tenha falado de tutela da confiança não se discutiu de maneira adequada se a confiança era realmente justificada como deve acontecer quando se indaga sobre a eficácia temporal de uma decisão que revoga precedente Finalmente a Corte não deveria ter negado provimento ao recurso extraordinário Não é correto negar provimento a um recurso quando se firma entendimento oposto ao da decisão recorrida Notese que nada impede que se dê provimento ao recurso e se reconheça que os efeitos da decisão do mesmo modo que não podem apanhar as situações que se formaram até então não podem atingir o próprio caso sob julgamento Bem vistas as coisas quando se nega que os efeitos da decisão podem atingir as situações que se consolidaram até o momento do julgamento obviamente não há como pensar em projeção de efeitos sobre o caso sob julgamento Isso para não falar na impropriedade de se pensar em efeitos de uma decisão que não deu provimento a um recurso e assim não teria se sobreposto a outra Em Portugal João Calvão da Silva adverte que mesmo que a Constituição portuguesa não protegesse a coisa julgada material igual resultado seria atingido através do recurso às regras gerais do caso julgado e sua razão de ser Isso porque como observa o jurista o econômica na forma que dispuser lei de iniciativa do Congresso Nacional e a entrar em vigor no prazo de doze meses a contar da promulgação da Constituição grifamos MI 283 Pleno rel Min Sepúlveda Pertence DJ 14111991 MI 284 Pleno rel p o acórdão Min Celso de Mello DJ 26061992 CF art 195 A seguridade social será financiada por toda a sociedade de forma direta e indireta nos termos da lei mediante recursos provenientes dos orçamentos da União dos Estados do Distrito Federal e dos Municípios e das seguintes contribuições sociais 7º São isentas de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei ADCT art 59 Os projetos de lei relativos à organização da seguridade social e aos planos de custeio e de benefício serão apresentados no prazo máximo de seis meses da promulgação da Constituição ao Congresso Nacional que terá seis meses para apreciá los Parágrafo único Aprovados pelo Congresso Nacional os planos serão implantados progressivamente nos dezoito meses seguintes MI 232 Pleno rel Min Moreira Alves DJ 27031992 Art 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais além de outros que visem à melhoria de sua condição social XXI aviso prévio proporcional ao tempo de serviço sendo no mínimo de trinta dias nos termos da lei Mandado de injunção Aviso prévio proporcional CF art 7º XXI Mandado de injunção ajuizado por empregado despedido exclusivamente contra a exempregadora Natureza do mandado de injunção Firmouse no STF o entendimento segundo o qual o mandado de injunção há de dirigirse contra o Poder órgão entidade ou autoridade que tem o dever de regulamentar a norma constitucional não se legitimando ad causam passivamente em princípio quem não estiver obrigado a editar a regulamentação respectiva Não é viável dar curso a mandado de injunção por ilegitimidade passiva ad causam da exempregadora do requerente única que se indica como demandada na inicial Mandado de injunção não conhecido MI 352 Pleno rel Min Néri da Silveira j 04091991 DJ 12121997 CF art 192 3º As taxas de juros reais nelas incluídas comissões e quaisquer outras remunerações direta ou indiretamente referidas à concessão de crédito não poderão ser superiores a doze por cento ao ano a cobrança acima deste limite será conceituada como crime de usura punido em todas as suas modalidades nos termos que a lei determinar revogado MI 335 Pleno rel Min Celso de Mello DJ 09081991 Mandado de injunção Limite da taxa de juros reais CF art 192 3º Congresso Nacional e instituição financeira privada Litisconsórcio passivo incabível Ação judicial de cobrança executiva Suspensão cautelar indeferida Decisão inapreciável em sede de agravo regimental A jurisprudência do STF firmouse no sentido do descabimento de agravo regimental contra despacho do relator que aprecia medida liminar em sede de mandado de injunção Somente pessoas estatais podem figurar no polo passivo da relação processual instaurada com a impetração do mandado de injunção eis que apenas a elas é imputável o dever jurídico de emanação de provimentos normativos A natureza jurídico processual do instituto do mandado de injunção ação judicial de índole mandamental inviabiliza em função de seu próprio objeto a formação de litisconsórcio passivo necessário ou facultativo entre particulares e entes estatais MI 335 Pleno rel Min Celso de Mello DJ 09081991 MI 513 Pleno rel Min Maurício Corrêa DJ 19041996 Mandado de injunção Companhia Teperman de Estofamentos Objetivando compelir o Congresso Nacional a regulamentar o 3º do art 192 da Carta Magna Limite de 12 ao ano das taxas de juros reais Sustentação de estar sujeita a iminente cobrança judicial bancária caso inocorra a regulamentação pretendida 2 Cautelar indeferida Ilegitimidade passiva do Banco credor ao mandado de injunção 3 Informações prestadas Regulamentação questionada encontrandose em tramitação no Congresso Nacional 4 Parecer da ProcuradoriaGeral da República pelo não conhecimento 5 Coisa julgada Precedente MI 5133 com as mesmas partes mesma causa de pedir e mesmo pedido em que ficou decidido que instituições financeiras não integram a relação jurídica processual como litisconsortes passivos necessários Deferido parcialmente para comunicar ao Poder Legislativo sobre a mora em que se encontra 6 Mandado de injunção não conhecido MI 507 Pleno rel Min Néri da Silveira j 26051997 DJ 06042001 Mandado de injunção coletivo Impetração deduzida por confederação sindical Possibilidade Natureza jurídica do writ injuncional Taxa de juros reais CF art 192 3º Omissão do Congresso Nacional Fixação de prazo para legislar Descabimento no caso Writ deferido Mandado de injunção coletivo Admissibilidade Entidades sindicais dispõem de legitimidade ativa para a impetração do mandado de injunção coletivo que constitui instrumento de atuação processual destinado a viabilizar em favor dos integrantes das categorias que essas instituições representam o exercício de liberdades prerrogativas e direitos assegurados pelo ordenamento constitucional Precedentes sobre a admissibilidade do mandado de injunção coletivo MI 20 rel Min Celso de Mello MI 342 rel Min Moreira Alves e MI 361 rel p o acórdão Min Sepúlveda Pertence Inércia do Congresso Nacional e desprestígio da Constituição A regra inscrita no art 192 3º da CF por não se revestir de suficiente densidade normativa reclama para efeito de sua integral aplicabilidade a necessária intervenção concretizadora do Poder Legislativo da União Inércia legiferante do Congresso Nacional O desprestígio da Constituição por inércia de órgãos meramente constituídos representa um dos mais tormentosos aspectos do processo de desvalorização funcional da Lei Fundamental da República ao mesmo tempo que estimulando gravemente a erosão da consciência constitucional evidencia o inaceitável desprezo dos direitos básicos e das liberdades públicas pelos poderes do Estado O inadimplemento do dever constitucional de legislar quando configure causa inviabilizadora do exercício de liberdades prerrogativas e direitos proclamados pela própria Constituição justifica a utilização do mandado de injunção Mandado de injunção e estipulação judicial de prazo para o adimplemento da obrigação constitucional Não se revela cabível a estipulação de prazo para o Congresso Nacional suprir a omissão em que ele próprio incidiu na regulamentação da norma inscrita no art 192 3º da Carta Política eis que essa providência excepcional só se justificaria se o próprio Poder Público para além do seu dever de editar o provimento normativo faltante fosse também o sujeito passivo da relação de direito material emergente do preceito constitucional em questão Precedentes MI 472 Pleno rel Min Celso de Mello j 06091995 DJ 02032001 MI 361 Pleno rel p o acórdão Min Sepúlveda Pertence DJ 17061994 CF art 37 VII O direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica grifamos MI 20 Pleno rel Min Celso de Mello DJ 22111996 O preceito constitucional que reconheceu o direito de greve ao servidor público civil constitui norma de eficácia meramente limitada desprovida em consequência de autoaplicabilidade razão pela qual para atuar plenamente depende da edição da lei complementar exigida pelo próprio texto da Constituição A mera outorga constitucional do direito de greve ao servidor público civil não basta ante a ausência de autoaplicabilidade da norma constante do art 37 VII da Constituição para justificar o seu imediato exercício O exercício do direito público subjetivo de greve outorgado aos servidores civis só se revelará possível depois da edição da lei complementar reclamada pela Carta Política A lei complementar referida que vai definir os termos e os limites do exercício do direito de greve no serviço público constitui requisito de aplicabilidade e de operatividade da norma inscrita no art 37 VII do texto constitucional Essa situação de lacuna técnica precisamente por inviabilizar o exercício do direito de greve justifica a utilização e o deferimento do mandado de injunção A inércia estatal configurase objetivamente quando o excessivo e irrazoável retardamento na efetivação da prestação legislativa não obstante a ausência na Constituição de prazo préfixado para a edição da necessária norma regulamentadora vem a comprometer e a nulificar a situação subjetiva de vantagem criada pelo texto constitucional em favor dos seus bene ficiários MI 585 Pleno rel Min Ilmar Galvão DJ 02082002 Configurada a mora do Congresso Nacional na regulamentação do direito sob enfoque impõese o parcial deferimento do writ para que tal situação seja comunicada ao referido órgão MI 485 Pleno rel Min Maurício Corrêa DJ 23082002 Servidor público Exercício do direito público subjetivo de greve Necessidade de integralização da norma prevista no art 37 VII da CF mediante edição de lei complementar para definir os termos e os limites do exercício do direito de greve no serviço público Mandado de injunção conhecido em parte e nessa parte deferido para declarar a omissão legislativa Tese defendida pelo Min Carlos Velloso e rejeitada pelo Tribunal cf por exemplo o MI 631 Pleno rel Min Ilmar Galvão DJ 02082002 MI 670 Pleno rel p o acórdão Min Gilmar Mendes DJe 31102008 Idem MI 670 Pleno rel p o acórdão Min Gilmar Mendes DJe 31102008 Idem A mesma solução com idênticos fundamentos encontrase no acórdão proferido no MI 708 Pleno rel Min Gilmar Mendes DJe 31102008 MI 712 Pleno rel Min Eros Grau DJ 31102008 Idem Idem Idem Em maio de 2011 o Min Celso de Mello em decisão monocrática no MI 1967 salientou que não se pode dizer que o STF ao colmatar uma evidente e lesiva omissão inconstitucional do aparelho de Estado estarseia transformando em anômalo legislador É que ao suprir lacunas normativas provocadas por injustificável inércia do Estado esta Suprema Corte nada mais faz senão desempenhar o papel que lhe foi outorgado pela própria Constituição da República valendose para tanto de ins trumento que concebido pela Assembleia Nacional Constituinte foi por ela instituído com a precípua finalidade de impedir que a inércia governamental como a que se registra no caso ora em exame culminasse por degradar a autoridade e a supremacia da Lei Fundamental Neste caso decidiuse que o servidor público portador de deficiência física tem direito de ter seu pedido de aposentadoria especial analisado pela autoridade administrativa equiparandose a sua situação com a dos servidores públicos que exercem atividades insalubres ou perigosas MI 1967 rel Min Celso de Mello DJ 27052011 Nessa linha o STF reconheceu o exercício do direito à aposentadoria especial de servidor público em decorrência de atividade em trabalho insalubre prevista no 4º do art 40 da CF adotando como parâmetro o sistema do regime geral de previdência social disciplinado no art 57 da Lei 82131991 que dispõe sobre a aposentadoria especial na iniciativa privada V MI 788DF rel Min Carlos Britto DJ 08052009 MI 795DF rel Min Cármen Lúcia DJ 22052009 MI 796DF rel Min Carlos Britto DJ 08052009 MI 797DF rel Min Cármen Lúcia DJ 22052009 MI 808DF rel Min Carlos Britto DJ 08052009 MI 809DF rel Min Cármen Lúcia DJ 22052009 MI 815DF rel Min Carlos Britto DJ 08052009 MI 825DF rel Min Carlos Britto DJ 08052009 MI 828DF rel Min Cármen Lúcia DJ 22052009 MI 841DF rel Min Cármen Lúcia DJ 22052009 MI 850DF rel Min Cármen Lúcia DJ 22052009 MI 879DF rel Min Cármen Lúcia DJ 22052009 MI 905DF rel Min Cármen Lúcia DJ 22052009 MI 927DF rel Min Cármen Lúcia DJ 22052009 MI 938DF rel Min Cármen Lúcia DJ 22052009 MI 962DF rel Min Cármen Lúcia DJ 22052009 MI 998DF rel Min Cármen Lúcia DJ 22052009 MI 835DF rel Min Marco Aurélio DJ 24092010 MI 885DF rel Min Marco Aurélio DJ 24092010 MI 923DF rel Min Marco Aurélio DJ 24092010 MI 957DF rel Min Marco Aurélio DJ 24092010 MI 975DF rel Min Marco Aurélio DJ 24092010 MI 991DF rel Min Marco Aurélio DJ 24092010 MI 1083DF rel Min Marco Aurélio DJ 24092010 MI 1128DF rel Min Marco Aurélio DJ 24092010 MI 1152DF rel Min Marco Aurélio DJ 24092010 MI 1182DF rel Min Marco Aurélio DJ 24092010 MI 1270DF rel Min Marco Aurélio DJ 24092010 MI 1440DF rel Min Marco Aurélio DJ 24092010 MI 1660DF rel Min Marco Aurélio DJ 24092010 MI 1681DF rel Min Marco Aurélio DJ 24092010 MI 1682DF rel Min Marco Aurélio DJ 24092010 MI 1700DF rel Min Marco Aurélio DJ 24092010 MI 1747DF rel Min Marco Aurélio DJ 24092010 MI 1797DF rel Min Marco Aurélio DJ 24092010 MI 1800DF rel Min Marco Aurélio DJ 24092010 MI 1835DF rel Min Marco Aurélio DJ 24092010 Verificase a atuação da Corte no sentido de realizar a integração normativa necessária ao exercício do direito constitucional pendente de disciplina legislativa conferindo aos direitos do cidadão adequada tutela contra as omissões legislativas Advirtase que no julgamento do MI 795 que tratou da omissão inconstitucional relativa à fruição do direito à aposentadoria especial por servidor público restou resolvida questão de ordem suscitada pelo Min Joaquim Barbosa no sentido de autorizar ao relator a faculdade de julgar monocraticamente os processos idênticos MI 795 Pleno rel Min Cármen Lúcia DJ 22042009 O STF decidiu no MI 3162 EDDF que para ser cabível mandado de injunção não é suficiente a existência tão somente de obstáculo ao exercício de direito ou liberdade constitucional diante de omissão legislativa mas a total e concreta impossibilidade de sua fruição pelo seu titular Dessa forma o mandado de injunção não seria via adequada para que servidor público requeresse a verificação de contagem de prazo diferenciado de serviço exercido em condições prejudiciais à saúde e à integridade física devendo ser comprovada a titularidade do direito no caso o direito à aposentadoria e a sua inviabilidade concreta pela ausência de norma regulamentadora STF MI 3162 ED Pleno rel Min Cármen Lúcia DJe 29102014 Nos MI 943 1010 1074 e 1090 impetrados em face da Presidência da República e da Companhia Vale do Rio Doce a Corte reconheceu a ilegitimidade da companhia porém a manteve no feito na qualidade de interessada Embargos de declaração nos mandados de injunção 943 1010 1074 e 1090 2 Aviso prévio proporcional ao tempo de serviço 3 Advento da Lei 125062011 no curso do julgamento 4 Aplicação de parâmetros similares aos da referida lei 5 Alegação de omissão quanto ao pedido de exclusão da embargante Companhia Vale do Rio Doce do polo passivo dos writs 6 Argumentação de perda superveniente do objeto das impetrações em razão do advento da norma regulamentadora Rejeição da tese pelo Plenário que decidiu dar continuidade no julgamento dos MI impetrados antes da publicação da Lei 125062011 7 Embargos parcialmente acolhidos ED 943 1010 1074 e 1090 apenas para reconhecer a ilegitimidade passiva da Companhia Vale do Rio Doce todavia a manter no feito na qualidade de interessada STF MI 472 Pleno rel Min Celso de Mello j 06091995 DJ 02032001 STF MI 712 rel Min Eros Grau j 27102007 do voto do relator p 7 A legitimidade ativa ad causam do ora impetrante entidade sindical é reconhecida em consolidada jurisprudência do STF Essa orientação jurisprudencial tem prestigiado a doutrina que considera irrelevante para o efeito de justificar a admissibilidade da ação coletiva o fato de inexistir previsão constitucional a respeito Sendo assim é processualmente viável o acesso de entidades de classe desde que legalmente constituídas e em funcionamento há pelo menos um ano à via do mandado de injunção coletivo STF MI 361 Pleno rel p o acórdão Min Sepúlveda Pertence j 08041994 DJ 17061994 Da ementa I Mandado de injunção coletivo Admissibilidade por aplicação analógica do art 5º LXX da CF Legitimidade no caso de entidade sindical de pequenas e médias empresas as quais notoriamente dependentes do crédito bancário têm interesse comum na eficácia do art 192 3º revogado da CF que fixou limites aos juros reais MI 20 Pleno rel Min Celso de Mello j 19051994 DJ 22111996 V ainda Mandado de injunção coletivo Impetração deduzida por confederação sindical Possibilidade Natureza jurídica do writ injuncional Taxa de juros reais CF art 192 3º revogado Omissão do Congresso Nacional Fixação de prazo para legislar Descabimento no caso Writ deferido Mandado de injunção coletivo Admissibilidade Entidades sindicais dispõem de legitimidade ativa para a impetração do mandado de injunção coletivo que constitui instrumento de atuação processual destinado a viabilizar em favor dos integrantes das categorias que essas instituições representam o exercício de liberdades prerrogativas e direitos assegurados pelo ordenamento constitucional MI 472 Pleno rel Min Celso de Mello j 060995 DJ 02032001 LC 751993 que dispõe sobre a organização as atribuições e o estatuto do Ministério Público da União Art 6º Compete ao Ministério Público da União VIII promover outras ações nelas incluído o mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade à soberania e à cidadania quando difusos os interesses a serem protegidos MI 631 rel Min Ilmar Galvão DJ 22082000 No MI 712 o Min Cezar Peluso em voto vencido assim argumentou p 185186 do acórdão estou de acordo em que antecipemos uma medida liminar Tratase de garantia em tese de antecipação de tutela de tutela provisória Até para que não se prolongue a falta de condições de exercício de direito MI 232 Pleno rel Min Moreira Alves DJ 27031992 MI 712 Pleno rel Min Eros Grau DJ 31102008 31122004 a Câmara dos Deputados e o Senado Federal ainda se achavam como já referido em período de recesso por efeito de expressa determinação constitucional CF art 57 caput MI 715 rel Min Celso de Mello DJ 22062005 Registrese novamente a argumentação do Min Celso de Mello Tornase necessário reconhecer ainda que em razão do mencionado Pacto de Estado foram encaminhadas ao Congresso Nacional pelo Senhor Presidente da República as seguintes proposições legislativas todas elas visando a tornar real e efetiva a desejada celeridade na tramitação dos processos a o PL 47232004 que dispõe sobre a uniformização de jurisprudência no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais b o PL 47242004 que altera artigos do Código de Processo Civil relativamente à forma de interposição de recursos c o PL 47252004 que altera dispositivos da Lei 58691973 possibilitando a realização do inventário partilha separação consensual e divórcio consensual por via administrativa d o PL 47262004 que altera artigos do Código de Processo Civil concernentes à incompetência relativa meios eletrônicos prescrição distribuição por dependência exceção de incompetência revelia carta precatória e rogatória ação rescisória e vista dos autos e o PL 47272004 que dá nova redação a artigos do Código de Processo Civil relativos ao agravo de instrumento e ao agravo retido f o PL 47282004 que dispõe sobre a racionalização do julgamento de processos repetitivos g o PL 47292004 relativo ao julgamento de agravos e h os PL 47302004 47312004 47322004 47332004 47342004 e 47352004 que introduzem modificações na CLT em ordem a conferir celeridade à tramitação dos processos trabalhistas Vêse portanto que não se apresenta configurada qualquer situação de omissão abusiva ou de superação excessiva de tempo razoável por parte do Congresso Nacional no que concerne à adoção de medidas destinadas a viabilizar instrumentalmente a plena incidência do inciso LXXVIII do art 5º da Constituição da República MI 715 rel Min Celso de Mello DJ 22062005 ADIn 1442 Pleno rel Min Celso de Mello DJ 29042005 Mandado de injunção Situação de lacuna técnica Pressuposto essencial de sua admissibilidade Pretendida majoração de vencimentos devidos a servidores públicos Alteração de lei já existente Inviabilidade Agravo regimental improvido A estrutura constitucional do mandado de injunção impõe como um dos pressupostos essenciais de sua admissibilidade a ausência de norma regulamentadora Essa situação de lacuna técnica que se traduz na existência de um nexo causal entre o vacuum juris e a impossibilidade do exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes a nacionalidade a soberania e a cidadania constitui requisito necessário que condiciona a própria impetrabilidade desse novo remédio instituído pela Constituição de 1988 O mandado de injunção não constitui dada a sua precípua função jurídico processual sucedâneo de ação judicial que objetive mediante alteração de lei já existente a majoração de vencimentos devidos a servidores públicos Refoge ao âmbito de sua finalidade corrigir eventual inconstitucionalidade que infirme a validade de ato estatal em vigor MI 81 Pleno rel Min Celso de Mello DJ 25051990 No mesmo sentido MI 78 Mandado de injunção Substituição tributária ICMS Após a impetração do presente mandado de injunção foi editada a LC 87 de 13091996 que nos arts 5º a 10 disciplina com normas gerais a substituição tributária com relação ao ICMS Está pois prejudicada a presente impetração por perda de objeto Mandado de injunção julgado prejudicado MI 539 Pleno rel Min Moreira Alves DJ 06021998 Mandado de injunção Art 7º XI da CF Superveniente implementação do dispositivo constitucional Tendo em vista a edição superveniente ao ajuizamento do presente mandado de injunção da MedProv 1136 de 26091995 que dispõe sobre a participação dos trabalhadores nos lucros ou resultados da empresa e dá outras providências verificase a perda de objeto da impetração Mandado de injunção que se tem por prejudicado MI 426 Pleno rel Min Ilmar Galvão DJ 16021996 Ação direta de inconstitucionalidade por omissão Inatividade do legislador quanto ao dever de elaborar a lei complementar a que se refere o 4º do art 18 da CF na redação dada pela EC 151996 Ação julgada procedente 1 A EC 15 que alterou a redação do 4º do art 18 da Constituição foi publicada no dia 13091996 Passados mais de 10 dez anos não foi editada a lei complementar federal definidora do período dentro do qual poderão tramitar os procedimentos tendentes à criação incorporação desmembramento e fusão de municípios Existência de notório lapso temporal a demonstrar a inatividade do legislador em relação ao cumprimento de inequívoco dever constitucional de legislar decorrente do comando do art 18 4º da Constituição 2 Apesar de existirem no Congresso Nacional diversos projetos de lei apresentados visando à regulamentação do art 18 4º da CF é possível constatar a omissão inconstitucional quanto à efetiva deliberação e aprovação da lei complementar em referência As peculiaridades da atividade parlamentar que afetam inexoravelmente o processo legislativo não justificam uma conduta manifestamente negligente ou desidiosa das Casas Legislativas conduta esta que pode pôr em risco a própria ordem constitucional A inertia deliberandi das Casas Legislativas pode ser objeto da ação direta de inconstitucionalidade por omissão 3 A omissão legislativa em relação à regulamentação do art 18 4º da CF acabou dando ensejo à conformação e à consolidação de estados de inconstitucionalidade que não podem ser ignorados pelo legislador na elaboração da lei complementar federal 4 Ação julgada procedente para declarar o estado de mora em que se encontra o Congresso Nacional a fim de que em prazo razoável de 18 dezoito meses adote ele todas as providências legislativas necessárias ao cumprimento do dever constitucional imposto pelo art 18 4º da CF devendo ser contempladas as situações imperfeitas decorrentes do estado de inconstitucionalidade gerado pela omissão Não se trata de impor um prazo para a atuação legislativa do Congresso Nacional mas apenas da fixação de um parâmetro temporal razoável tendo em vista o prazo de 24 meses determinado pelo Tribunal nas ADIn 2240 3316 3489 e 3689 para que as leis estaduais que criam municípios ou alteram seus limites territoriais continuem vigendo até que a lei complementar federal seja defesa de aspirações cívicas de toda a cidadania ADIn 61QO rel Min Sepúlveda Pertence j 29081990 DJ 28091990 Entidade de classe de âmbito nacional art 103 IX da CF Não é entidade de classe de âmbito nacional para os efeitos do inciso IX do art 103 da CF a que só reúne empresas sediadas no mesmo Estado nem a que congrega outras de apenas quatro Estados da Federação ADIn 386 rel Min Sydney Sanches j 04041991 DJ 28061991 Já firmou esta Corte o entendimento de que das entidades sindicais apenas as confederações sindicais art 103 IX da CF têm legitimação para propor ação direta de inconstitucionalidade Por outro lado foi recebido pela Carta Magna vigente o art 535 da CLT que dispõe sobre a estrutura das confederações sindicais exigindo inclusive que se organizem com um mínimo de três federações ADIn 505 rel Min Moreira Alves j 20061992 DJ 02081991 No mesmo sentido ADIn 706AgRg rel Min Carlos Velloso j 24061992 DJ 04091992 Tratase de arguição de descumprimento de preceito fundamental proposta pela Federação das Entidades Representativas dos Oficiais de Justiça Estaduais do Brasil Fojebra A arguente não possui legitimidade ativa para propor a presente ação direta de inconstitucionalidade nos termos do art 103 da CF1988 e do art 2º I da Lei 98821999 cc o art 2º da Lei 98681999 A jurisprudência deste Tribunal é pacífica no sentido de que na esfera das entidades sindicais apenas as confederações possuem legitimação para o ajuizamento de ações que tratem do controle abstrato de constitucionalidade ADPF 220 rel Min Gilmar Mendes decisão monocrática j 08112010 DJe 12112010 Preliminarmente não tenho como legitimadas à ação as federações sindicais autoras Federação Nacional dos Estivadores Federação Nacional de Conferentes e Consertadores de Carga e Descarga Vigias Portuários Trabalhadores de Bloco e Arrumadores e Federação dos Portuários Cuidase de entidades sindicais que não atendem ao requisito do inciso IX do art 103 da CF porque seu nível não é de confederação sindical São entidades sindicais de segundo grau Nesse sentido as decisões do Plenário nas ADIn 433DF 8536DF 8684DF ADIn 929MC voto do rel Min Néri da Silveira j 13101998 DJ 20061997 É parte legítima para propor ação direta de inconstitucionalidade a federação nacional de categoria específica mesmo compreendida na categoria mais ampla de uma confederação existente art 103 IX da CF ADIn 209MC rel Min Octavio Gallotti j 29061990 DJ 09121994 CF art 61 A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados do Senado Federal ou do Congresso Nacional ao Presidente da República ao Supremo Tribunal Federal aos Tribunais Superiores ao ProcuradorGeral da República e aos cidadãos na forma e nos casos previstos nesta Constituição 1º São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que I fixem ou modifiquem os efetivos das Forças Armadas II disponham sobre a criação de cargos funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração b organização administrativa e judiciária matéria tributária e orçamentária serviços públicos e pessoal da administração dos Territórios c servidores públicos da União e Territórios seu regime jurídico provimento de cargos estabilidade e aposentadoria d organização do Ministério Público e da Defensoria Pública da União bem como normas gerais para a organização do Ministério Público e da Defensoria Pública dos Estados do Distrito Federal e dos Territórios e criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública observado o disposto no art 84 VI f militares das Forças Armadas seu regime jurídico provimento de cargos promoções estabilidade remuneração reforma e transferência para a reserva CF art 93 Lei complementar de iniciativa do Supremo Tribunal Federal disporá sobre o Estatuto da Magistratura observados os seguintes princípios grifamos CF art 96 Compete privativamente II ao Supremo Tribunal Federal aos Tribunais Superiores e aos Tribunais de Justiça propor ao Poder Legislativo respectivo observado o disposto no art 169 a a alteração do número de membros dos tribunais inferiores b a criação e a extinção de cargos e a remuneração dos seus serviços auxiliares e dos juízos que lhes forem vinculados bem como a fixação do subsídio de seus membros e dos juízes inclusive dos tribunais inferiores onde houver c a criação ou extinção dos tribunais inferiores d a alteração da organização e da divisão judiciárias Ação direta de inconstitucionalidade por omissão Art 37 X da CF redação da EC 19 de 04061998 Norma constitucional que impõe ao Presidente da República o dever de desencadear o processo de elaboração da lei anual de revisão geral da remuneração dos servidores da União prevista no dispositivo constitucional em destaque na qualidade de titular exclusivo da competência para iniciativa da espécie na forma prevista no art 61 1º II a da CF Mora que no caso se tem por verificada quanto à observância do preceito constitucional desde junho1999 quando transcorridos os primeiros doze meses da data da edição da referida EC 191998 Não se compreende a providência nas atribuições de natureza administrativa do Chefe do Poder Executivo não havendo cogitar por isso da aplicação no caso da norma do art 103 2º in fine que prevê a fixação de prazo para o mister Procedência parcial da ação ADIn 2061 Pleno rel Min Ilmar Galvão DJ 29062001 Em outra ação direta de inconstitucionalidade por omissão que tomou em conta a mesma norma constitucional colocouse no polo passivo o Governador do Estado do Rio Grande de Norte Ação direta de inconstitucionalidade por omissão Art 37 X da CF redação da EC 19 de 04061998 Estado do Rio Grande do Norte Norma constitucional que impõe ao Governador do Estado o dever de desencadear o processo de elaboração da lei anual de revisão geral da remuneração dos servidores estaduais prevista no dispositivo constitucional em destaque na qualidade de titular exclusivo da competência para iniciativa da espécie na forma prevista no art 61 1º II a da Carta da República Mora que no caso se tem por verificada quanto à observância do preceito constitucional desde junho de 1999 quando transcorridos os primeiros doze meses da data da edição da referida EC 191998 Não se compreende a providência nas atribuições de natureza administrativa do chefe do Poder Executivo não havendo cogitar por isso da aplicação no caso da norma do art 103 2º in fine que prevê a fixação de prazo para o mister Procedência parcial da ação ADIn 2947 Pleno rel Min Ilmar Galvão DJ 15032002 CF art 103 2º Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional será dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias e em se tratando de órgão administrativo para fazêlo em trinta dias Art 12B A petição indicará I a omissão inconstitucional total ou parcial quanto ao cumprimento de dever constitucional de legislar ou quanto à adoção de providência de índole administrativa II o pedido com suas especificações Parágrafo único A petição inicial acompanhada de instrumento de procuração se for o caso será apresentada em 2 duas vias devendo conter cópias dos documentos necessários para comprovar a alegação de omissão Art 12D Proposta a ação direta de inconstitucionalidade por omissão não se admitirá desistência O princípio da indisponibilidade norteia o processo de controle concentrado de constitucionalidade conforme ressalta o STF O processo de controle normativo abstrato regese pelo princípio da indisponibilidade A questão pertinente à controvérsia constitucional revestese de tamanha magnitude que uma vez instaurada a fiscalização concentrada de constitucionalidade tornase inviável a extinção desse processo objetivo pela só e unilateral manifestação de vontade do autor Tenho para mim que as mesmas razões que afastam a possibilidade da desistência em ação direta justificam a vedação a que o autor uma vez formulado o pedido de medida liminar venha a reconsiderar a postulação deduzida initio litis ADIn 892MC voto do rel Min Celso de Mello j 27101994 DJ 07111997 O princípio da indisponibilidade que rege o processo de controle concentrado de constitucionalidade impede a desistência da ação direta já ajuizada O art 169 1º do RISTF80 que veda ao ProcuradorGeral da República essa desistência aplicase extensivamente a todas as autoridades e órgãos legitimados pela Constituição de 1988 para a instauração do controle concentrado de constitucionalidade art 103 ADIn 387MC rel Min Celso de Mello j 1º031991 DJ 11101991 Ainda ADIn 4125 rel Min Cármen Lúcia j 10062010 Plenário DJe 15022011 Art 12C A petição inicial inepta não fundamentada e a manifestamente improcedente serão liminarmente indeferidas pelo relator Parágrafo único Cabe agravo da decisão que indeferir a petição inicial Seção II Da medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade por omissão Art 12F Em caso de excepcional urgência e relevância da matéria o Tribunal por decisão da maioria absoluta de seus membros observado o disposto no art 22 poderá conceder medida cautelar após a audiência dos órgãos ou autoridades responsáveis pela omissão inconstitucional que deverão pronunciarse no prazo de 5 cinco dias 1º A medida cautelar poderá consistir na suspensão da aplicação da lei ou do ato normativo questionado no caso de omissão parcial bem como na suspensão de processos judiciais ou de procedimentos administrativos ou ainda em outra providência a ser fixada pelo Tribunal 2º O relator julgando indispensável ouvirá o ProcuradorGeral da República no prazo de 3 três dias 3º No julgamento do pedido de medida cautelar será facultada sustentação oral aos representantes judiciais do requerente e das autoridades ou órgãos responsáveis pela omissão inconstitucional na forma estabelecida no Regimento do Tribunal Art 12G Concedida a medida cautelar o Supremo Tribunal Federal fará publicar em seção especial do Diário Oficial da União e do Diário da Justiça da União a parte dispositiva da decisão no prazo de 10 dez dias devendo solicitar as informações à autoridade ou ao órgão responsável pela omissão inconstitucional observandose no que couber o procedimento estabelecido na Seção I do Capítulo II desta Lei Nesta ação não obstante negando a liminar o Ministro advertiu que caso no futuro se apresente outra ação tendo como pedido de liminar não a antecipação de efeitos positivos da futura lei reclamada mas um pedido cautelar negativo inibitório de um risco causado pela falta de regulamentação a matéria poderá ter outra solução ADIn 361 Pleno rel Min Marco Aurélio RTJ 133569 Não obstante em julgamento de outubro de 1994 decidiuse na ADIn 480 que não é necessária a manifestação do AdvogadoGeral da União art 103 3º da Constituição em ação direta de inconstitucionalidade por omissão ADIn 480 rel Min Paulo Brossard j 13101994 DJ 25111994 A natureza eminentemente objetiva do processo de controle abstrato de constitucionalidade não dá lugar a ingresso na relação processual de particular voltado à defesa de interesse subjetivo sendo restrita aos órgãos estatais de que emanou o ato normativo impugnado a formação litisconsorcial passiva nas ações da espécie ADIn 1286AgRg rel Min Ilmar Galvão j 06091995 Plenário DJ 06102005 Acrescentese ainda que a impossibilidade da intervenção processual de entidade privada em sede da ação direta não traduz qualquer ofensa à garantia constitucional do contraditório O postulado do contraditório no processo de controle abstrato de constitucionalidade vê se atendido de um lado com a possibilidade de o órgão estatal defender objetivamente o próprio ato que editou e de outro com a intervenção do AdvogadoGeral da União que em atuação processual plenamente vinculada deve assumir na condição de garante e curador da presunção de constitucionalidade a defesa irrestrita da validade jurídica da norma impugnada ADIn 1434MC rel Min Celso de Mello j 20081996 DJ 22111996 Nos termos do art 7º 2º da Lei 98681999 compete ao relator considerando a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes por meio de despacho irrecorrível admitir ou não pedidos de intervenção de interessados na condição de amicus curiae No presente caso resta clara a relevância da matéria que discute normas estaduais que criam o novo cargo de AuditorFiscal da Receita Estadual no quadro da Secretaria da Fazenda do Estado de Tocantins e extinguem os cargos de Agente de Fiscalização e Arrecadação aproveitando os seus ocupantes na nova carreira As finalidades institucionais do Sindifisco Nacional encontramse definidas no art 3º de seu Estatuto e demonstram a sua representatividade e interesse na presente demanda que versa sobre carreira estadual de auditor fiscal ADIn 4214 rel Min Dias Toffoli decisão monocrática j 17122009 DJe 01022010 Não assis te razão ao pleito de que requerem admissão na condição de amici curiae É que os requerentes são pessoas físicas terceiros concretamente interessados no feito carecendo do requisito de representatividade inerente à intervenção prevista pelo art 7º 2º da Lei 9868 de 10111999 o qual aliás é explícito ao admitir somente a manifestação de outros órgãos ou entidades como medida excepcional aos processos objetivos de controle de constitucionalidade ADIn 4178 rel Min Cezar Peluso decisão monocrática j 07102009 DJe 16102009 Vêse portanto que a admissão de terceiros na qualidade de amicus curiae traz ínsita a necessidade de que o interessado pluralize o debate constitucional apresentando informações documentos ou quaisquer elementos importantes para o julgamento da ação direta de inconstitucionalidade Calcado em tais parâmetros admito a manifestação dos postulantes Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino Contee Sindicato dos Servidores do Magistério Municipal de Curitiba e Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação porquanto entidades representativas do grupo social que será diretamente afetado pela norma cuja validade se encontra sob o crivo do STF Em relação aos demais postulantes observo que a negativa de admissão à participação na instrução da ação direta de inconstitucionalidade não impede que as respectivas razões sejam consideradas pela Corte por ocasião do julgamento Também não impede que tais entidades ofereçam coletivamente subsídios de dados aos demais interessados e à própria Corte via memoriais No caso em exame a postulação dos demais interessados é coletiva de modo que sua inadmissão não interfere na representatividade ou na apreciação da argumentação apresentada Por outro lado pende o exame da medida cautelar requerida e é iminente o início do exercício financeiro no qual as obrigações tornarseão exigíveis circunstância que recomenda ao menos no momento a ordenação do processo de molde a preservar a celeridade sem a perda da representação já noticiada Portanto deixo de admitir a participação dos demais postulantes pessoas jurídicas Por fim também deixo de admitir a participação dos postulantes pessoas naturais dado que o art 7º 2º da Lei 98681999 é expresso em se referir a órgãos ou entidades ADIn 4167 rel Min Joaquim Barbosa decisão monocrática j 10122008 DJe 17122008 A entidade que participa na qualidade de amicus curiae dos processos objetivos de controle de constitucionalidade aportando aos autos informações relevantes ou dados técnicos confere ao processo caráter pluralista Pode contribuir de forma significativa com esta Corte Na hipótese dos autos contudo a petição em que é postulada a participação como amicus curiae foi protocolada na data de instrumento substituto Afirmou que dúvida razoável sobre o caráter autônomo de atos infralegais impugnados como decretos resoluções e portarias e alteração superveniente da norma constitucional dita violada legitimariam a Corte a adotar a fungibilidade em uma direção ou em outra a depender do quadro normativo envolvido Ressaltou porém que essa excepcionalidade não estaria presente na espécie O recorrente incorrera naquilo que a doutrina processual denominaria de erro grosseiro ao escolher o instrumento formalizado ante a falta de elementos considerados os preceitos legais impugnados que pudessem viabilizar a arguição No caso ainda que a arguição de descumprimento de preceito fundamental tivesse sido objeto de dissenso no STF quanto à extensão da cláusula da subsidiariedade nunca houvera dúvida no tocante à inadequação da medida quando o ato pudesse ser atacado mediante ação direta de inconstitucionalidade Por se tratar de impugnação de lei ordinária federal pósconstitucional propor a arguição em vez de ação direta longe de envolver dúvida objetiva encerraria incontestável erro grosseiro por configurar atuação contrária ao disposto no 1º do art 4º da Lei 98821999 Os Ministros Roberto Barroso Gilmar Mendes e Cármen Lúcia negaram provimento ao agravo por outro fundamento Consideraram que o requerente Sindicato Nacional das Empresas de Medicina de Grupo por não ser uma confederação sindical não preencheria o requisito da legitimação ativa ad causam Informativo 771 de 18122014 STF ADPF 314 AgR Pleno rel Min Marco Aurélio DJe 18022015 O diploma legislativo em questão tal como tem sido reconhecido por esta Suprema Corte RTJ 189395397 vg consagra o princípio da subsidiariedade que rege a instauração do processo objetivo de arguição de descumprimento de preceito fundamental condicionando o ajuizamento dessa especial ação de índole constitucional à ausência de qualquer outro meio processual apto a sanar de modo eficaz a situação de lesividade indicada pelo autor O exame do precedente que venho de referir RTJ 184373374 rel Min Celso de Mello revela que o princípio da subsidiariedade não pode nem deve ser invocado para impedir o exercício da ação constitucional de arguição de descumprimento de preceito fundamental eis que esse instrumento está vocacionado a viabilizar numa dimensão estritamente objetiva a realização jurisdicional de direitos básicos de valores essenciais e de preceitos fundamentais contemplados no texto da Constituição da República Daí a prudência com que o STF deve interpretar a regra inscrita no art 4º 1º da Lei 98821999 em ordem a permitir que a utilização dessa nova ação constitucional possa efetivamente prevenir ou reparar lesão a preceito fundamental causada por ato do Poder Público Não é por outra razão que esta Suprema Corte vem entendendo que a invocação do princípio da subsidiariedade para não conflitar com o caráter objetivo de que se reveste a arguição de descumprimento de preceito fundamental supõe a impossibilidade de utilização em cada caso dos demais instrumentos de controle normativo abstrato A pretensão ora deduzida nesta sede processual que tem por objeto normas legais de caráter préconstitucional exatamente por se revelar insuscetível de conhecimento em sede de ação direta de inconstitucionalidade ato normativo impugnado pois nesse caso a denominada inconstitucionalidade superveniente se traduz em revogação No caso o fundamento jurídico do pedido é juridicamente impossível porquanto quando o texto originário da Constituição que é anterior ao ato normativo atacado e foi posteriormente alterado por emenda constitucional se o desta somente derrogou aquele o ato normativo posterior à Constituição originário mas anterior à modificação desta deve ser atacado para terse como cabível a ação direta de inconstitucionalidade proposta quando já se deu tal alteração em face do texto originário com a demonstração de que na parte que interessa ele continua em vigor Essa direção do ataque e essa demonstração da não revogação cabem ao autor e não ao Tribunal STF ADIn 2501 Pleno rel Min Moreira Alves DJ 06062003 STF ADIn 2 Pleno j 06021992 rel Min Paulo Brossard A respeito da viabilidade de modulação de efeitos em caso de não recepção importa considerar a decisão proferida no AgIn 631533 rel Min Gilmar Mendes No AgRgRE 395902 relatado por Celso de Mello em decisão prolatada junto à 2ª Turma decidiuse que o caso seria de não recepção de norma préconstitucional e que consequentemente não se aplicaria a regra do art 27 da Lei 98681999 Naquela ocasião determinouse a inaplicabilidade ao caso em exame da técnica de modulação dos efeitos por tratarse de diploma legislativo que editado em 1984 não foi recepcionado no ponto concernente à norma questionada pelo vigente ordenamento constitucional Acompanho Celso de Mello porém quero deixar consignado que no meu entender a técnica de modulação dos efeitos pode ser aplicada em âmbito de não recepção O dogma da nulidade da lei inconstitucional pertence à tradição do direito brasileiro A teoria da nulidade tem sido sustentada por importantes constitucionalistas Fundada na antiga doutrina americana segundo a qual the inconstitutional statute is not law at all significativa parcela da doutrina brasileira posicionouse pela equiparação entre inconstitucionalidade e nulidade Afirmavase em favor dessa tese que o reconhecimento de qualquer efeito a uma lei inconstitucional importaria na suspensão provisória ou parcial da Constituição Razões de segurança jurídica podem revelarse no entanto aptas a justificar a não aplicação do princípio da nulidade da lei inconstitucional Configurado eventual conflito entre os princípios da nulidade e da segurança jurídica que entre nós tem status constitucional a solução da questão há de ser igualmente levada a efeito em processo de complexa ponderação O princípio da nulidade continua a ser a regra também O afastamento de sua incidência dependerá de severo juízo de ponderação que tendo em vista análise fundada no princípio da proporcionalidade faça prevalecer a ideia de segurança jurídica ou outro princípio constitucionalmente relevante manifestado sob a forma de interesse social preponderante Assim aqui a não aplicação do princípio da nulidade não se há de basear em consideração de política judiciária mas em fundamento constitucional próprio No caso presente não se cuida de inconstitucionalidade originária decorrente do confronto entre a Constituição e norma superveniente mas de contraste entre lei anterior e norma constitucional posterior circunstância que a jurisprudência do STF classifica como de não Constituição só ocorrerá depois de o projeto se transformar em lei ou de a proposta de emenda vir a ser aprovada Antes disso nem o Presidente da Casa do Congresso ou deste nem a Mesa nem o Poder Legislativo estão praticando qualquer inconstitucionalidade mas estão sim exercitando seus poderes constitucionais referentes ao processamento da lei em geral A inconstitucionalidade nesse caso não será quanto ao processo da lei ou da emenda mas ao contrário será da própria lei ou da própria emenda razão por que só poderá ser atacada depois da existência de uma ou de outra Diversas porém são as hipóteses como a presente em que a vedação constitucional se dirige ao próprio processamento da lei ou da emenda vedando a sua apresentação ou a sua deliberação como na espécie Aqui a inconstitucionalidade diz respeito ao próprio andamento do processo legislativo e isso porque a Constituição não quer em face da gravidade dessas deliberações se consumadas que sequer se chegue à deliberação proibindoa taxativamente A inconstitucionalidade neste caso já existe antes de o projeto ou de a proposta se transformarem em lei ou em emenda constitucional porque o próprio processamento já desrespeita frontalmente a Constituição MS 20257 Pleno rel Min Moreira Alves RTJ 991040 Foram vetados os seguintes dispositivos Art 1º Parágrafo único II em face de interpretação ou aplicação dos regimentos internos das respectivas Casas ou regimento comum do Congresso Nacional no processo legislativo de elaboração das normas previstas no art 59 da Constituição Federal Art 5º 4º Se necessário para evitar lesão à ordem constitucional ou dano irreparável ao processo de produção da norma jurídica o Supremo Tribunal Federal poderá na forma do caput ordenar a suspensão do ato impugnado ou do processo legislativo a que se refira ou ainda da promulgação ou publicação do ato legislativo dele decorrente Art 9º Julgando procedente a arguição o Tribunal cassará o ato ou decisão exorbitante e conforme o caso anulará os atos processuais legislativos subsequentes suspenderá os efeitos do ato ou da norma jurídica decorrente do processo legislativo impugnado ou determinará medida adequada à preservação do preceito fundamental decorrente da Constituição As razões do veto foram as seguintes Impõese o veto das disposições acima referidas por inconstitucionalidade Não se faculta ao Egrégio STF a intervenção ilimitada e genérica em questões afetas à interpretação ou aplicação dos regimentos internos das respectivas casas ou regimento comum do Congresso Nacional prevista no inciso II do parágrafo único do art 1º Tais questões constituem antes matéria interna corporis do Congresso Nacional A intervenção autorizada ao STF no âmbito das normas constantes de regimentos internos do Poder Legislativo restringese àquelas em que se reproduzem normas constitucionais Essa orientação restou assentada pelo STF no julgamento do MS 22503DF rel p o acórdão Min Maurício Corrêa DJ 06061997 p 24872 Do mesmo modo no julgamento do MS 22183DF rel Min Marco Aurélio o STF assentou 3 Decisão fundada exclusivamente em norma regimental referente à composição da Mesa e indicação de candidaturas para seus cargos art 8º 31 O fundamento regimental por ser matéria interna corporis só pode encontrar solução no âmbito do Poder Legislativo não ficando sujeito à apreciação do Poder Judiciário 32 Inexistência de fundamento constitucional art 58 1º caso em que a questão poderia ser submetida ao Judiciário DJ 12121997 p 65569 Dito isso impõese o veto da referida disposição por transcender o âmbito constitucionalmente autorizado de intervenção do STF em matéria interna corporis do Congresso Nacional No que toca à intervenção constitucionalmente adequada do STF seria oportuno considerar a colmatação de eventual lacuna relativa a sua admissão tratandose da estrita fiscalização da observância das normas constitucionais relativas a processo legislativo A seu turno impõese o veto do 4º do art 5º pelas mesmas razões aduzidas para vetarse o inciso II do parágrafo único do art 1º consubstanciadas fundamentalmente em intervenção excessiva da jurisdição constitucional no processo legislativo nos termos da mencionada jurisprudência do STF O art 9º de modo análogo confere ao STF intervenção excessiva em questão interna corporis do Poder Legislativo tal como asseverado no veto oposto ao inciso II do parágrafo único do art 1º Com efeito a disposição encontrase vinculada à admissão da ampla intervenção do STF nos processos legislativos in genere Assim opostos vetos às disposições insertas no inciso II do parágrafo único do art 1º e ao 4º do art 5º tornase imperativo seja vetado também o art 9º Agravo regimental adversando decisão que negou seguimento a arguição de descumprimento de preceito fundamental uma vez que à luz da Lei 98821999 esta deve recair sobre ato do Poder Público não mais suscetível de alterações A proposta de emenda à Constituição não se insere na condição de ato do Poder Público pronto e acabado porque ainda não ultimado o seu ciclo de formação Ademais o STF tem sinalizado no sentido de que a arguição de descumprimento de preceito fundamental veio a completar o sistema de controle objetivo de constitucionalidade Assim a impugnação de ato com tramitação ainda em aberto possui nítida feição de controle preventivo e abstrato de constitucionalidade o qual não encontra suporte em norma constitucionalpositiva Agravo regimental desprovido ADPF 43AgRg Pleno rel Min Carlos Britto DJ 19122003 No processo legislativo o ato de vetar por motivo de inconstitucionalidade ou de contrariedade ao interesse público e a deliberação legislativa de manter ou recusar o veto qualquer seja o motivo desse juízo compõem procedimentos que se hão de reservar à esfera de independência dos poderes políticos em apreço Não é assim enquadrável em princípio o veto devidamente fundamentado pendente de deliberação política do Poder Legislativo que pode sempre mantêlo ou recusálo no conceito de ato do Poder Público para os fins do art 1º da Lei 98821999 Impossibilidade de intervenção antecipada do Judiciário eis que o projeto de lei na parte vetada não é lei nem ato normativo poder que a ordem jurídica na espécie não confere ao STF em via de controle concentrado Arguição de descumprimento de preceito fundamental não conhecida porque não admissível no caso concreto em face da natureza do ato do Poder Público impugnado ADPF 1QO rel Min Néri da Silveira j 03022000 DJ 07112003 Tratandose de norma de caráter secundário inviável o seu controle isolado dissociado da lei ordinária que lhe empresta imediato fundamento de validade no âmbito da ação direta de inconsti tucionalidade Nesse sentido dentre inúmeros outros precedentes a ADInAgRg 264 rel Min Celso de Mello DJ 08041994 ADIn 4176 rel Min Menezes Direito decisão monocrática j 03032009 DJe 12032009 Por ocasião do julgamento da ADIn 4224 proposta pela União Geral dos Trabalhadores contra o mesmo ato normativo objeto desta ação direta o Min Menezes Direito indeferiu a petição inicial aduzindo como um dos fundamentos exatamente a inviabilidade de controle abstrato de constitucionalidade sobre norma de caráter secundário Ante o exposto indefiro a petição inicial o que faço com fundamento no art 4º da Lei 98681999 e no 1º do art 21 do RISTF ADIn 4255 decisão monocrática rel Min Carlos Britto DJe 09092009 Na espécie observo que a questão discutida nos autos referese a ter o Dec 66202008 extrapolado o conteúdo da Lei 86301993 Assim não se trata de controle de constitucionalidade mas de verificação de ilegalidade do ato regulamentar Nesse sentido a remansosa jurisprudência desta Suprema Corte não reconhece a possibilidade de controle concentrado de atos que consubstanciam mera ofensa reflexa à Constituição tais como o ato regulamentar consubstanciado no Decreto Presidencial ora impugnado conforme se verifica da ementa da ADIn 589DF rel Min Carlos Velloso a seguir transcrita Constitucional Administrativo Decreto regulamentar Controle de constitucionalidade concentrado Se o ato regulamentar vai além do contéudo da lei pratica ilegalidade Neste caso não há falar em inconstitucionalidade Somente na hipótese de não existir lei que preceda o ato regulamentar é que poderia este ser acoimado de inconstitucional assim sujeito ao controle de constitucionalidade Ato normativo de natureza regulamentar que ultrapassa o conteúdo da lei não está sujeito à jurisdição constitucional concentrada Precedentes do STF ADIn 311DF e ADIn 536DF Ação direta de inconstitucionalidade não conhecida Isso posto não conheço da presente ação prejudicada pois a apreciação do pedido de liminar ADPF 169 decisão monocrática j 08052009 rel Min Ricardo Lewandowski DJe 14052009 No mesmo sentido ADPF 93 Pleno rel Min Ricardo Lewandowski DJe 07082009 ADPF 192 decisão monocrática j 09022010 rel Min Eros Grau DJe 22022010 Não se admite ação direta de inconstitucionalidade contra regulamento ou atos normativos que desbordam dos parâmetros da lei Falase aqui de hipótese de ilegalidade inconstitucionalidade indireta e não de inconstitucionalidade segundo o STF Excetuam se porém os regulamentos autônomos quando invadem esfera reservada à lei A posição da Suprema Corte desafia questionamento É que com efeito o regulamento pode ofender a Constituição não apenas na hipótese de edição de normativa autônoma mas também quando o exercente da atribuição regulamentar atue inobservando os princípios da reserva legal da supremacia da lei e mesmo o da separação dos Poderes É incompreensível que o maior grupo de normas existente num Estado caracterizado como social e interventor fique a salvo do contraste vantajoso operado por via de fiscalização abstrata Não seria que dispõe assiste ao Ministrorelator competência plena para exercer monocraticamente o controle das ações pedidos ou recursos dirigidos ao STF legitimandose em consequência os atos decisórios que nessa condição venha a praticar Cumpre acentuar por oportuno que o Pleno do STF reconheceu a inteira validade constitucional da norma legal que inclui na esfera de atribuições do relator a competência para negar trânsito em decisão monocrática a recursos pedidos ou ações quando incabíveis estranhos à competência desta Corte intempestivos sem objeto ou que veiculem pretensão incompatível com a jurisprudência predominante do Tribunal RTJ 13953 RTJ 168174175 Cabe enfatizar por necessário que esse entendimento jurisprudencial é também aplicável aos processos de controle normativo abstrato de constitucionalidade qualquer que seja a sua modalidade ADIn 563DF rel Min Paulo Brossard ADIn 593GO rel Min Marco Aurélio ADIn 2060RJ rel Min Celso de Mello ADIn 2207AL rel Min Celso de Mello ADIn 2215PE rel Min Celso de Mello vg eis que tal como já assentou o Plenário do STF o ordenamento positivo brasileiro não subtrai ao relator da causa o poder de efetuar enquanto responsável pela ordenação e direção do processo RISTF art 21 I o controle prévio dos requisitos formais da fiscalização normativa abstrata RTJ 13967 rel Min Celso de Mello ADPF 45 rel Min Celso de Mello decisão monocrática DJ 04052004 Recurso Agravo regimental Interposição contra decisão liminar sujeita a referendo Admissibilidade Interesse recursal reconhecido Agravo conhecido Votos vencidos É admissível agravo regimental contra decisão monocrática sujeita a referendo do órgão colegiado ADPF 79 rel Min Cezar Peluso DJ 17082007 A Lei 98821999 põe à disposição do relator a faculdade de ouvir as partes nos processos que ensejaram a arguição art 6º 1º observandose as cautelas necessárias para que tal ato não tumultue ou interfira no regular prosseguimento dos autos ADPF 101 rel Min Cármen Lúcia decisão monocrática DJe 01082008 ADPF 33 rel Min Gilmar Mendes ADPF 46 rel Min Marco Aurélio ADPF 73 rel Min Eros Grau Não obstante o 1º do art 7º da Lei 98681999 haver sido vetado a regra é segundo entendimento deste STF a de se admitir a intervenção de terceiros até o prazo das informações Sucede que a própria jurisprudência desta nossa Corte vem relativizando esse prazo Nas palavras do Min Gilmar Mendes especialmente diante da relevância do caso ou ainda em face da notória contribuição que a manifestação possa trazer para o julgamento da causa é possível cogitar de hipóteses de admissão de amicus curiae ainda que fora desse prazo o das informações ADIn 3614 rel Min Gilmar Mendes Nesse sentido foi também a decisão proferida pelo Min Gilmar Mendes na ADPF 97 ADPF 183 rel Min Carlos Britto decisão monocrática DJe 07122009 Quanto à empresa A A SA Distribuidor de Peças entretanto não possui qualquer representatividade Somente pode postular direitos próprios Na petição desta empresa O Min Carlos Velloso acompanhando o voto do relator observou que se o Tribunal de Justiça Estadual decidindo a ação direta que lhe foi apresentada expede uma certa decisão a respeito com efeitos erga omnes haverá de cercear a competência do STF porque no fundo o conflito é mesmo com a Constituição Federal E o STF haverá nesse ponto de construir sob pena de a Constituição Federal receber indiretamente reflexamente diversas interpretações nos diversos Estadosmembros de forma definitiva Rcl 370 Pleno rel Min Octavio Gallotti j 09041992 DJ 29062001 Rcl 370 Pleno rel Min Octavio Gallotti j 09041992 DJ 29062001 Idem Reclamação com fundamento na preservação da competência do STF Ação direta de inconstitucionalidade proposta perante Tribunal de Justiça na qual se impugna lei municipal sob a alegação de ofensa a dispositivos constitucionais estaduais que reproduzem dispositivos constitucionais federais de observância obrigatória pelos Estados Eficácia jurídica desses dispositivos constitucionais estaduais Jurisdição constitucional dos Estadosmembros Admissão da propositura da ação direta de inconstitucionalidade perante o Tribunal de Justiça local com possibilidade de recurso extraordinário se a interpretação da norma constitucional estadual que reproduz a norma constitucional federal de observância obrigatória pelos Estados contrariar o sentido e o alcance desta Reclamação conhecida mas julgada improcedente Rcl 383 Pleno rel Min Moreira Alves DJ 21051993 Rcl 383 Pleno rel Min Moreira Alves DJ 21051993 Rcl 588 Pleno rel Min Marco Aurélio DJ 04041997 V ainda RE 650898 Pleno rel Min Marco Aurélio Redator Min Roberto Barroso Tribunais de Justiça podem exercer controle abstrato de constitucionalidade de leis municipais utilizando como parâmetro normas da Constituição Federal desde que se trate de normas de reprodução obrigatória pelos Estados Rcl 4432 rel Min Gilmar Mendes decisão monocrática de improcedência DJ 10102006 Idem Reclamação Inexistência de atentado à autoridade do julgado desta Corte na ADIn 347 porquanto no caso a ação direta de inconstitucionalidade foi proposta com a arguição de ofensa à Constituição Estadual e não à Federal e julgada procedente por ofensa ao art 180 VII da Carta Magna do Estado de São Paulo Não ocorrência de usurpação da competência desta Corte por ter o Tribunal de Justiça rejeitado a alegação incidente de que o citado artigo da Constituição do Estado de São Paulo seria incons titucional em face da Carta Magna Federal Controle difuso de constitucionalidade em ação direta de inconstitucionalidade Competência do Tribunal de Justiça Reclamação improcedente Rcl 526 Pleno rel Min Moreira Alves DJ 04041997 Habeas corpus Alienação fiduciária em garantia Prisão civil do devedor como depositário infiel Sendo o devedor na alienação fiduciária em garantia depositário necessário por força de disposição legal que não desfigura essa caracterização sua prisão civil em caso de infidelidade se enquadra na ressalva contida na parte final do art 5º LXVII da CF1988 Nada interfere na questão do depositário infiel em matéria de alienação fiduciária o disposto no n 7 do art 7º da Convenção de San José da Costa Rica Habeas corpus indeferido cassada a liminar concedida HC 72131RJ Pleno rel Min Moreira Alves DJ 1º082003 Registrese passagem do voto do Min Gilmar Mendes no RE 466343 É preciso ponderar no entanto se no contexto atual em que se pode observar a abertura cada vez maior do Estado Constitucional a ordens jurídicas supranacionais de proteção de direitos humanos essa jurisprudência não teria se tornado completamente defasada Não se pode perder de vista que hoje vivemos em um Estado Constitucional Cooperativo identificado pelo Professor Peter Häberle como aquele que não mais se apresenta como um Estado Constitucional voltado para si mesmo mas que se disponibiliza como referência para os outros Estados Constitucionais membros de uma comunidade e no qual ganha relevo o papel dos direitos humanos e fundamentais Para Häberle ainda que numa perspectiva internacional muitas vezes a cooperação entre os Estados ocupe o lugar de mera coordenação e de simples ordenamento para a coexistência pacífica ou seja de mera delimitação dos âmbitos das soberanias nacionais no campo do direito constitucional nacional tal fenômeno por si só pode induzir ao menos a tendências que apontem para um enfraquecimento dos limites entre o interno e o externo gerando uma concepção que faz prevalecer o direito comunitário sobre o direito interno Nesse contexto mesmo conscientes de que os motivos que conduzem à concepção de um Estado Constitucional Cooperativo são complexos é preciso reconhecer os aspectos sociológicoeconômico e idealmoral como os mais evidentes E no que se refere ao aspecto idealmoral não se pode deixar de considerar a proteção aos direitos humanos como a fórmula mais concreta de que dispõe o sistema constitucional a exigir dos atores da vida sociopolítica do Estado uma contribuição positiva para a máxima eficácia das normas das Constituições modernas que protegem a cooperação internacional amistosa como princípio vetor das relações entre os Estados nacionais e a proteção dos direitos humanos como corolário da própria garantia da dignidade da pessoa humana voto do Min Gilmar Mendes no RE 466343 Pleno rel Min Cezar Peluso DJe 05062009 Em matéria tributária o tema da supralegalidade dos tratados está sendo debatido no STF O entendimento do Min Gilmar Mendes no RE 460320PR foi veiculado no Informativo 638 do STF O Plenário iniciou julgamento de recursos extraordinários em que discutida a obrigatoriedade ou não da retenção na fonte e do recolhimento de imposto de renda no anobase de 1993 quanto a dividendos enviados por pessoa jurídica brasileira a sócio residente na Suécia Na espécie não obstante a existência de convenção internacional firmada entre o Brasil e aquele Estado a qual assegura tratamento não discriminatório entre ambos os países adviera legislação infraconstitucional que permitira essa tributação Lei 83831991 art 77 e Regulamento do Imposto de Renda de 1994 RIR94 isentando apenas os lucros recebidos por sócios residentes ou domiciliados no Brasil Lei 83831991 art 75 A pessoa jurídica pleiteara na origem a concessão de tratamento isonômico entre os residentes ou domiciliados nos mencionados Estados com a concessão da benesse Alegara ainda que nos termos do art 98 do CTN o legislador interno não poderia revogar isonomia prevista em acordo internacional Ocorre que o pleito fora julgado improcedente sentença esta mantida em sede recursal o que ensejara a interposição de recursos especial e extraordinário Com o provimento do recurso pelo STJ a União também interpusera recurso extraordinário em que defende a mantença da tributação aos contribuintes residentes ou domiciliados fora do Brasil Sustenta para tanto ofensa ao art 97 da CF pois aquela Corte ao afastar a aplicação dos preceitos legais referidos teria declarado por órgão fracionário sua inconstitucionalidade Argumenta que a incidência do art 98 do CTN na situação em apreço ao conferir superioridade hierárquica aos tratados internacionais em relação à lei ordinária transgredira os arts 2º 5º II e 2º 49 I 84 VIII todos da CF Por fim aduz inexistir violação ao princípio da isonomia dado que tanto o nacional sueco quanto o brasileiro têm direito a isenção disposta no art 75 da Lei 83831991 desde que residentes ou domiciliados no Brasil O Min Gilmar Mendes relator proveu o recurso extraordinário da União e afastou a concessão da isenção de imposto de renda retido na fonte para os não residentes Julgou ademais improcedente o pedido formulado na ação declaratória assentando o prejuízo do apelo extremo da sociedade empresária Ante a prejudicialidade da matéria apreciou inicialmente o recurso interposto pela União admitindoo Assinalou o cabimento de recurso extraordinário contra decisão proferida pelo STJ apenas nas hipóteses de questões novas lá originariamente surgidas Além disso apontou que tratandose de recurso da parte vencedora no segundo grau de jurisdição a recorribilidade extraordinária a partir do pronunciamento do STJ seria ampla observados os requisitos gerais pertinentes No tocante ao art 97 da CF consignou que o acórdão recorrido não afastara a aplicação do art 77 da Lei 83831991 em face de disposições constitucionais mas sim de outras normas infraconstitucionais sobretudo o art 24 da Convenção entre o Brasil e a Suécia para Evitar a Dupla Tributação em Matéria de Impostos sobre a Renda e o art 98 do CTN Isso porque essa inaplicabilidade não equivaleria à declaração de inconstitucionalidade nem demandaria reserva de plenário Quanto à suposta afronta aos arts 2º 5º II e 2º 49 I 84 VIII todos da CF após digressão evolutiva da jurisprudência do STF relativamente à aplicação de acordos internacionais em cotejo com a legislação interna infraconstitucional asseverou que recentemente esta Corte afirmara que as convenções internacionais de direitos humanos têm status supralegal e que prevalecem sobre a legislação interna submetendose somente à Constituição Salientou que no âmbito tributário a cooperação internacional viabilizaria a expansão das operações transnacionais que impulsionam o desenvolvimento econômico o combate à dupla tributação internacional e à evasão fiscal internacional e contribuiria para o estreitamento das relações culturais