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FUNDAMENTOS DO PROCESSO PENAL INTRODUÇÃO CRÍTICA Aury Lopes Jr DE ACORDO COM O PACOTE ANTICRIME lei n 13964 de 24122019 6ª edição 2020 saraiva jur Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem a prévia autorização da Editora Saraiva A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na Lei n 961098 e punido pelo artigo 184 do Código Penal ISBN 9786555592306 Lopes Junior Aury Fundamentos do Processo Penal Aury Lopes Junior 6 ed São Paulo Saraiva Educação 2020 344 p Bibliografia 1 Processo penal 2 Processo penal Jurispridência Brasil I Título 200140 CDD 340 Índices para catálogo sistemático 1 Processo penal Direito penal 3431 Direção executiva Flávia Alves Bravin Direção editorial Renata Pascual Müller Gerência editorial Roberto Navarro Gerência de produção e planejamento Ana Paula Santos Matos Gerência de projetos e serviços editoriais Fernando Penteado Planejamento Clarissa Boraschi Maria coord Novos projetos Melissa Rodriguez Arnal da Silva Leite Edição Aline Darcy Flôr de Souza Produção editorial Luciana Cordeiro Shirakawa Arte e digital Mônica Landi coord Amanda Mota Loyola Camilla Felix Cianelli Chaves Claudirene de Moura Santos Silva Deborah Mattos Fernanda Matajs Guilherme H M Salvador Tiago Dela Rosa Verônica Pivisan Reis Planejamento Clarissa Boraschi Maria coord Projetos e serviços editoriais Kelli Priscila Pinto Marília Cordeiro Mônica Gonçalves Dias Diagramação Livro Físico Fabricando Ideias Design Editorial Markelangelo Design e Projetos Editoriais Revisão Izabel Bueno Daniela Georgeto Capa Roney Camelo Livro digital Epub Produção do epub Guilherme Henrique Martins Salvador Data de fechamento da edição 1522020 Dúvidas Acesse sacsetssomoseducacaocombr Sumário Sobre o autor Prefácio original da obra Introdução crítica ao processo penal Prefácio Nota do autor 6ª edição Texto em homenagem a Eduardo Couture e James Goldschmidt Capítulo 1 O fundamento da existência do processo penal instrumentalidade constitucional 11 Constituindo o processo penal desde a Constituição A crise da teoria das fontes A Constituição como abertura do processo penal 12 Superando o maniqueísmo entre interesse público versus interesse individual Inadequada invocação do princípio da proporcionalidade 13 Direito e dromologia quando o processo penal se põe a correr atropelando as garantias 14 Princípio da necessidade do processo penal em relação à pena 15 Instrumentalidade constitucional do processo penal 16 A necessária recusa à teoria geral do processo Respeitando as categorias próprias do processo penal Quando Cinderela terá suas próprias roupas 17 Inserindo o processo penal na epistemologia da incerteza e do risco lutando por um sistema de garantias mínimas 171 Risco exógeno 172 Epistemologia da incerteza 173 Risco endógeno processo como guerra ou jogo 174 Assumindo os riscos e lutando por um sistema de garantias mínimas 18 A crise do processo penal crise existencial crise identitária da jurisdição e a crise de ineficácia do regime de liberdade no processo penal 181 A crise existencial do processo penal é ainda o processo o caminho necessário para chegar à pena 182 Crise identitária da jurisdição penal um juiz para quem A incompreendida imparcialidade judicial 183 A crise de ineficácia do regime de liberdade no processo penal Banalização da prisão preventiva O problema da execução antecipada da pena 184 É o plea bargaining um remédio para a crise do processo penal Ou um veneno mortal Analisando a proposta do pacote anticrime161 1841 Ampliação dos espaços de consenso é uma tendência inexorável 1842 As justificativas para o implemento do plea bargaining 1843 A experiência negocial em Portugal Espanha e Itália e o Projeto de Lei n 8045 Novo CPP que foi desconsiderado 1844 Fim da produção de provas a supremacia da investigação preliminar 1845 Supervalorização da confissão tortura plea bargaining o abuso da prisão cautelar como instrumento de coerção 1846 Desconstruindo o mito fundante da negociação ilusão de voluntariedade e consenso 1847 A desconstrução do argumento economicista o custo de um superencarceramento 1848 Concluindo a proposta substitutiva ao Projeto Anticrime está na retomada do PL n 8045 Novo CPP com ajustes Capítulo 2 Teorias da ação e das condições da ação A necessidade de construção de uma teoria da acusação 21 Para introduzir o assunto 22 Ação processual penal ius ut procedatur desde a concepção de pretensão acusatória Por que não existe trancamento da ação penal 23 Natureza jurídica da ação processual penal Caráter público autônomo e abstrato ou concreto 24 Condições da ação processual penal e não processual civil 241 Quando se pode falar em condições da ação 242 Condições da ação penal equívocos da visão tradicional civilista 243 Condições da ação penal segundo as categorias próprias do processo penal 2431 Prática de fato aparentemente criminoso fumus commissi delicti 2432 Punibilidade concreta 2433 Legitimidade de parte 2434 Justa causa 24341 Justa causa existência de indícios razoáveis de autoria e materialidade 24342 Justa causa controle processual do caráter fragmentário da intervenção penal 244 Outras condições da ação processual penal 25 A proposta teoria da acusação Reflexos na Santa Trindade acusaçãojurisdiçãoprocesso 251 A necessidade inadequações decorrentes do conceito tradicional de ação O conceito de acusação 252 Requisitos de admissibilidade da acusação 253 Reflexos nos conceitos de jurisdição e processo Capítulo 3 Jurisdição penal A posição do juiz como fundante do sistema processual 31 Sistema acusatório 32 Sistema inquisitório 33 O reducionismo ilusório e insuficiente do conceito de sistema misto a gestão da prova e os poderes instrutórios do juiz 331 A falácia do sistema bifásico 332 A insuficiência da separação inicial das atividades de acusar e julgar 333 Identificação do núcleo fundante a gestão da prova 334 O problema dos poderes instrutórios juízesinquisidores e os quadros mentais paranoicos 335 A estrutura acusatória consagrada no art 3ºA do CPP e a resistência inquisitória 336 É a justiça negocial uma manifestação do sistema acusatório Uma análise crítica 34 A imparcialidade do juiz como princípio supremo do processo penal dissonância cognitiva efeito primazia e originalidade cognitiva 341 Efeito primazia no processo penal você sabe o que é isso323 Mais um argumento a demonstrar a imprescindibilidade do juiz das garantias e a exclusão física dos autos do inquérito 342 A importância da originalidade cognitiva do juiz da instrução e julgamento para termos condições de possibilidade de um juiz imparcial337 Capítulo 4 Teorias acerca da natureza jurídica do processo penal 41 Introdução as várias teorias 42 Processo como relação jurídica a contribuição de Bülow 43 Processo como situação jurídica ou a superação de Bülow por James Goldschmidt 431 Quando Calamandrei deixa de ser o crítico e rende homenagens a un maestro di liberalismo processuale O risco deve ser assumido a luta pelas regras do jogo 432 Para compreender a obra do autor é fundamental conhecer o autor da obra James Goldschmidt 44 Processo como procedimento em contraditórioo contributo de Elio Fazzalari Capítulo 5 Reconstrução dogmática do objeto do processo penal a pretensão acusatória para além do conceito carneluttiano de pretensão 51 Introdução ou a imprescindível précompreensão 511 Superando o reducionismo da crítica em torno da noção carneluttiana de pretensão Pensando para além de Carnelutti 512 Teorias sobre o objeto do processo penal 52 Estrutura da pretensão processual acusatória 521 Elemento subjetivo 522 Elemento objetivo 523 Declaração petitória 53 Conteúdo da pretensão jurídica no processo penal punitiva ou acusatória Desvelando mais uma inadequação da teoria geral do processo 54 Consequências práticas dessa construção ou por que o juiz não poderia condenar quando o Ministério Público pedir a absolvição AURY LOPES JR Doutor em Direito Processual Penal pela Universidad Complutense de Madrid Professor Titular de Direito Processual Penal da PUCRS Professor no Programa de PósGraduação Doutorado Mestrado e Especialização em Ciências Criminais da PUCRS Parecerista e conferencista Advogado criminalista Para Maíra retribuo com tuas próprias palavras pois insuperáveis Eu te prometo a doçura e a graça do meu amor mas também não deixo passar o frio na barriga e o calor da paixão A paixão que vivemos e que foi meu delírio uma força uma ordem uma vontade que foi além de qualquer razão Te prometo uma paixão sem repouso febril fascinante a nossa cara Um respeito fácil calçado na imensa admiração que sinto por ti Na alegria terás o meu sorriso frouxo e na tristeza minhas lágrimas complacentes e honestas Na saúde e na doença meu empenho para que sejamos saudáveis de corpo e não menos sãos de espírito Todos os dias prometo que terás a minha dedicação e entrega para esse amor que tive a rara sorte de encontrar Para Thaisa Carmella Guilhermina e Vicenzo que me fizeram compreender o que realmente significa amor incondicional A presente obra é resultado parcial das investigações desenvolvidas no Grupo de Pesquisa Processo Penal e Estado Democrático de Direito cadastrado no CNPq e vinculado ao Programa de PósGraduação em Ciências Criminais da PUCRS Prefácio original da obra Introdução crítica ao processo penal Não desças os degraus do sonho Para não despertar os monstros Não subas aos sótãos onde Os deuses por trás das suas máscaras Ocultam o próprio enigma Não desças não subas fica O mistério está é na tua vida E é um sonho louco este nosso mundo Mario Quintana Os degraus Antologia poética p 93 Uma das coisas mais interessantes para entender os pernósticos é ver Mario Quintana antes de morrer infelizmente já faz dez anos dizer que seu maior sonho era escrever um poema bom Anjo travesso Malaquias fez e faz estrada construindo no jeito gaúcho de ser coisas maravilhosas ousadas marotas sérias pedindo passagem entre as palavras que as ama tanto quanto ele a elas ama para não deixar imune a canalhada que se entrega a Tânatos pensando que pode encontrar Eros Que nada Aí só se produz sofrimento embora não se deva desconsiderar a hipótese de que também se goza sem embargo de se pagar um preço para tanto e caro muito caro Eis o retrato da malta que assola a todos brincando com as imagens vilipendiando os sentidos como jaguaras incorrigíveis falsos brilhantes zirconitas O país está repleto deles em todos os campos No Direito a situação é quiçá ainda pior Fazse um abismo entre o discurso e a realidade Nunca se esteve tão perto pelas caracte rísticas do medievo pensamento único dificuldades de locomoção para a grande maioria não seria isso o pedágio selvagem imposto ao país generalização da ignorância por mais paradoxal que possa parecer porque 45 da população seriam descartáveis um mundo povoado por imagens midiáticas não raro sobrenaturais para se manter as pessoas em crença um espaço onde polis civitas já conta muito pouco citoyen como Maximilien Robespierre exigia ser chamado pelo filho hoje sem embargo de estar perto do palavrão é quase tão só inflação fonética de discurso eleitoreiro O grave porém são os mercadores das imagens homens da ordem e da lei se lhes interessa maniqueístas interesseiros porque pensandose do bem são sempre os donos da verdade que imaginam existir embora cada vez mais mostrese como miragem elegem o mal no diferente em geral os excluídos e pensam no estilo nazista em coisas como um direito penal do inimigo Personalidades débeis vendem a alma ao diabo ou a um deus qualquer como o mercado para operar em um mundo de ilusão de aparência e seduzir os incautos Parecem pavões com belas plumas multicoloridas mas com os pés cheios de craca O pior é que de tanto em tanto metem no imbroglio gente com a cabeça historicamente no lugar Nel 1947 Francesco Carnelutti deplora che in ossequio al pregiudizio pessimistico sulla pena ogni penetrazione nel segreto sia incon gruamente affidata alla libertà del suo titolare sebbene la pubblica igiene prevalga sullinteresse a nascondere le piaghe analoghi i due segreti fisico e psichico il diritto al secondo appartiene a una fase del pensiero nella quale la pena era ancora concepita come un male anziché un bene per chi la subisce perciò le polemiche sulla tortura trascendono dannosamente il giusto limite devessere respinta perché non offre alcuna garanzia di verità della risposta del torturato non perché lo costringe a palesare um segreto se qualche espediente garantisse lesito veridico senza cagionare notevoli danni al corpo dellinquisito non vi sarebbe alcuna ragione perché non fosse adottato LPP II 168 Quattro anni dopo suscita scandalo la confessione estorta in un famoso caso il pubblico ministero invoca lopinione carneluttiana a sostegno della prassi poliziesca Corriere della Sera 12 gennaio 1952 in Francia Esprit dedica una notta sotto il titolo La torture modérée a ce digne compatriote de Beccaria1 Na estrutura pendular na qual se vive o difícil é suportar no tempo o espaço de descida e subida do pêndulo porque nada é feito sem vilipêndio da democracia Isso como é sintomático produz nos atingidos tem gente que pensa nessas ocasiões para atingir os outros acima do bem e do mal uma reação que se não pode considerar desproporcional embora não raro tenda a vilipendiar também ela a democracia Tudo enfim é resultado da falta de respeito pela diferença Não foi por diverso motivo entre tantos outros de menor importância ao que parece ter a chamada Operação Mãos Limpas na Itália sido o desastre que foi salvo in terrae brasilis àqueles pouco esclarecidos e movidos pelo ouvir dizer Afinal ninguém discorda que Silvio Berlusconi é resultado da maluquice de se permitir uma digamos torture modérée como por certo ironizou o Esprit referindose aos dignos compatriotas de Beccaria Em matéria capital à democracia como se sabe não se transige em nome de nada de tudo ou de um deus qualquer cláusulas pétreas dizem os constitucionalistas e nunca estiveram brincando pelo menos se não fizessem parte da canalhada também Agora para quem acompanha mais de perto as vicissitudes peninsulares Berlusconi dá o troco vilipendiando da mesma maneira uma democracia que só Deus sabe como resiste2 Ademais em matéria do gênero e como se disse alhures depois de dar o primeiro tiro eis a barbárie ninguém mais sabe por que está atirando Quem disso duvidar deve perguntar às famílias de Livatino Chinnici Falcone ou Borsellini Em definitivo o Brasil não merece passar por isso razão por que há de resistir ao desvario seja ele de que lado for e para tanto há que resistir com esforço e obras como a presente Aury Lopes Jr desde o ponto de vista da resistência à barbárie no DPP é o Malaquias do direito processual penal Um Mario Quintana que rompe com a mesmice e a canalhice aí instalada passada como um raio dos ledores do código em geral leguleios aos vampiros profetas eou salvadores da pátria Sem desmitificar essa gente todavia não se vai adiante no jogo democrático no crescimento do grau de civilidade Essa turba tem feito poesia do DPP com esquadro e régua para ser medida e não para ser vivida Só não se pode é ser muito condescendente com ela E o Aury não o é Está aí o sentido do substantivo crítica no título Só isso já seria suficiente para justificar a grandeza de um livro como o presente nominado como se fosse por Malaquias como mera Introdução Aury embora muito jovem tem um longa estrada toda construída com um discurso coerente do seu Sistemas de investigação preliminar no processo penal3 ao excelente Desvelando o risco e o tempo no processo penal4 Doutor em Direito Processual Penal pela Universidad Complutense de Madrid onde foi conduzido pelas mãos seguras do respeitado Pedro Aragoneses Alonso5 com ele aprofundou os estudos emnos Goldschmidt que continuam distantes de terem uma proposta inaceitável e fornecedora de fundamentos aos juristas ligados ao credo nacionalsocialista6 Tudo ao contrário nunca foi tão importante estudar os Goldschmidt mormente agora em que não se quer aceitar viver de aparências No entanto Aury faz parte do corpo docente de um dos melhores Programas de Pósgraduação do Brasil ou seja do multidisciplinar da PUCRS onde despontam com ele Ruth Gauer com suas mãos de ferro e coração de mãe Salo de Carvalho e tantos outros que não cabe nominar neste breve espaço A leitura deste Introdução crítica é um prazer enorme principalmente quando estamos tão acostumados à manualística tacanha e com cheiro de bolor No eixo de cinco grandes princípios que dão azo aos cinco capítulos Aury navega pelo nulla poena nulla culpa sine iudicio porque há de ser entendido como o primeiro princípio lógico do sistema talvez fosse o caso de dizer que é o princípio número dois do conjunto processual pela gestão da prova como núcleo do sistema processual e a partir dela a separação das atividades de acusar e julgar só os muito alienados não percebem que o princípio inquisitivo rege o nosso sistema processual e mais importante a fase processual da persecução pela presunção de inocência sem o que não acaba o abuso bárbaro das prisões cautelares pelo nulla probatio sine defensione algo vital para compreender o verdadeiro sentido do processo por fim trata da motivação das decisões e derruba um mito atrás do outro para se aproximar da realidade o resgate da subjetividade no ato de julgar quando o juiz se põe a pensar e sentir O prezado professor doutor advogado Aury Lopes Jr brinda o país com uma obra que dando fundamentos da instrumentalidade garantista evoca os bons tempos nos quais se acreditava com fé na democracia Ela vem como Era um lugar do inominável Mario Quintana com a diferença de que não aceita fazer parte de museu algum a não ser o da resistência democrática Era um lugar em que Deus ainda acreditava na gente Verdade que se ia à missa quase só para namorar mas tão inocentemente que não passava de um jeito um tanto diferente de rezar enquanto do púlpito o padre clamava possesso contra pecados enormes Meus Deus até o Diabo envergonhavase Afinal de contas não se estava em nenhuma Babilônia Era tão só uma cidade pequena com seus pequenos vícios e suas pequenas virtudes um verdadeiro descanso para a milícia dos Anjos com suas espadas de fogo um amor Agora aquela antiga cidadezinha está dormindo para sempre em sua redoma azul em um dos museus do Céu7 Prof Dr Jacinto Nelson de Miranda Coutinho Coordenador eleito do Programa de Pós graduação em Direito da UFPR Prefácio A finales de los años 90 impartí en la Facultad de Derecho de la Universidad Complutense un Curso de Doctorado sobre un tipo de proceso el Procedimiento abreviado para determinados delitos que regulado por la LO 71998 de 28 de diciembre trataba de que los delitos menores fueran resueltos en un plazo razonable sin pér dida de las garantías del debido proceso Entre los asistentes al curso se encontraba un joven jurista brasileño Aury Lopes Jr El método que seguíamos para analizar las peculiaridades dogmáticas y el régimen jurídico del proceso objeto de nuestro estudio consistía en repartir tal investigación en ponencias a cargo de los doctorandos que componían el grupo Una vez expuesta la ponencia ésta era objeto de discusión en la clase En sus intervenciones Aury haciendo honor a su condición de joven de jurista y de brasileño ponía de relieve en el coloquio su viveza idealista propia de su juventud su gran formación como estudioso del Derecho que tenía sobradamente acreditada al aprobar la oposición para la docencia en 1993 e implantar en la Universidad de Río Grande un Servicio de Defensa gratuita y su interés por comprender con exactitud cualquier cuestión que se expusiera en el coloquio que él estimara que podía ser interesante para la Justicia penal de su país A tal efecto siempre con gran respeto no dudaba en formular preguntas sobre el sistema español y en proporcionar datos sobre la realidad jurídica brasileña de tal modo que apenas sin darnos cuenta aquel Curso se convirtió en un análisis comparativo de los sistemas jurídicopenales de España y Brasil Ello nos enriqueció a todos Terminado el Curso me pidió que dirigiera su Tesis a lo que accedí con pleno agrado Acordamos que la Tesis tuviera por el objeto el estudio de los Sistemas de instrucción preliminar en los Derechos español y brasileño Con especial referencia a la situación del sujeto pasivo del proceso penal Como se recoge en la Nota preliminar del trabajo el orden de los vocablos expresa el predominio del objeto sistemas de instrucción sobre el sujeto pasivo de modo que la investigación se va a centrar en analizar un determinado momento o fase del proceso penal tomando en consideración especialmente la situación jurídica de uno de los intervinientes La importancia del estudio de la instrucción preliminar radica en que salvo los casos de flagrancia como nos dice el autor el proceso penal sin previa instrucción es un proceso irracional una figura inconcebible El proceso penal no puede y no debe prescindir de la instrucción preliminar porque no se debe de juzgar de inmediato Primeramente hay que preparar investigar y lo más importante reunir los elementos de convicción para justificar la acusación Es una equivocación que primero se acuse después se investigue y al final se juzgue El costo social y económico del proceso y los diversos trastornos que causa al sujeto pasivo hacen necesario que lo primero sea investigar para saber si hay que acusar o no Así centrado el tema mi labor como director consistió principalmente en darle a conocer los métodos complementarios que debían seguirse en la investigación según las enseñanzas que yo había recibido de mis mejores maestros Werner Goldschmidt en su concepción tridimensional del mundo jurídico y Jaime Guasp con su sistema lógico formal El estudio fue dividido en tres partes una dedicada a la Introducción fundamento de la existencia del proceso penal sistemas históricos inquisitivo acusatorio y mixto y el objeto del proceso penal otra sobre los Sistemas de instrucción preliminar en razón a los sujetos sistema judicial fiscal y policial del objeto instrucción plenaria y sumaria y de los actos publicidad y secreto de las actuaciones ponderando sus ventajas e inconvenientes y una tercera que se ocupa del Sujeto pasivo en la instrucción Terminado el trabajo la tesis fue calificada por el tribunal que le confirió el grado de Doctor con la máxima nota Sobresaliente cum laude El resultado constituye a mi juicio el mejor estudio de la instrucción preliminar llevado a cabo en España lo que fue posible justo es reconocerlo por la existencia de monografías tan sugerentes como la del Magistrado Miguel Pastor López sobre El proceso de persecución o investigaciones tan fundamentales como los Comentarios a la Ley de Enjuiciamiento Criminal del Profesor Emilio Gómez Orbaneja o las brillantes exposiciones generales contenidas en los diversos Manuales que los Profesores utilizan preferentemente para la formación universitaria así como los diversos trabajos que se recogen en la bibliografía que figura al final del estudio Los juristas españoles no tienen la suerte de poder conocer tal trabajo en castellano pero sí pueden utilizar el texto publicado en Río de Janeiro por la Editora Lumen Juris en 2001 con el título Sistemas de investigação preliminar no processo penal que es una síntesis de la tesis doctoral que va para la cuarta edición Aury Lopes Jr ha publicado también con la misma Editora su Introdução crítica ao processo penal Fundamentos da instrumentalidade garantista En esta obra el autor se formula una pregunta que todo jurista debe hacerse constantemente Un proceso o un Derecho para qué sociedad Cuál es el papel de un jurista en ese escenario El autor muestra su escepticismo ante la legislación y la jurisprudencia de su país y por ello busca ser prospectivo librándose del peso de la tradición Una postura herética en la medida en que está más volcado en la creatividad y el futuro que en la reproducción del pasado El estudio crítico contempla los fundamentos de la instrumentalidad garantista como un deber ser y no como un ser un sistema ideal opuesto a un sistema real Calificado por el Prof Dr Jacinto Nelson de Miranda Coutinho como el Malaquías del Derecho Procesal Penal Aury ha escrito un libro para hacer pensar Ello lo lleva a cabo con tal riqueza de perspectivas que al leerlo nos parece estar examinando un diamante tan ricamente tallado que al contemplar cada faceta nos presenta una luz distinta pero siempre brillante No es extraño el éxito que ha alcanzado esta obra que también llega a la cuarta edición El currículo de Aury completa el conocimiento de su obra Profesor del Programa de Posgrado Mestrado en Ciencias Cri minales de la Pontificia Universidade CatólicaPUCRS Coordi nador del Curso de Posgrado en Ciencias Penales de la PUCRS Investigador del CNPq en Derecho Procesal Penal el más importante centro de investigación científica de Brasil Miembro del Consejo Directivo para Iberoamérica de la Revista de Derecho Procesal y un largo etcétera Para cerrar esta nota y no como reproche sino como augurio pienso que un autor que acertadamente entiende con Carnelutti que la simetría y la armonía son elementos indispensables de un trabajo científico tiene que completar su obra ocupándose del tercer elemento de la trilogía de los sujetos del proceso penal Si ya ha analizado lo que concierne al órgano jurisdiccional y al sujeto pasivo todos los que le admiramos en su tarea jurídica y le queremos como persona esperamos un estudio suyo sobre el otro protagonista del proceso penal la víctima del delito Prof Dr Pedro Aragoneses Alonso8 Profesor Emérito de Derecho Procesal Universidad Complutense de Madrid España Nota do autor 6ª edição É com especial satisfação que apresento esta 6a edição revisada atualizada com a Lei n 139642019 o mal denominado Pacote Anticrime e ampliada A presente obra tem uma temática clara e demarcada os fundamentos do processo penal desde a perspectiva da santa trindade ação jurisdição e processo Ela vem complementar e ser complementada pelo meu manual Direito processual penal também publicado pela Editora Saraiva No manual a temática dos fundamentos teorias da ação teorias sobre a jurisdição e o estudo dos sistemas processuais inquisitório acusatório e misto e teorias sobre a natureza jurídica do processo está posta de forma bastante reduzida atendendo à proposta manualística Neste ponto o presente trabalho complementa o manual Contudo no que tange ao restante das temáticas do processo penal o manual complementa este livro Existe assim uma íntima relação e interação entre os dois Para analisar os fundamentos do processo penal parto de três pilares básicos respeito às categorias jurídicas próprias do processo penal e portanto recusa à teoria geral do processo filtragem constitucional e de convencionalidade imprescindibilidade de leitura conforme a Constituição e a Convenção Americana de Direitos Humanos e interdisciplinaridade consciência da insuficiência do monólogo jurídico em uma sociedade complexa Inicio analisando o fundamento da existência do processo penal a partir da concepção de instrumentalidade constitucional que venho desenvolvendo há muito tempo sem contudo cair no tradicional e mero instrumentalismo Não é disso que se trata como se compreenderá após a leitura Nesse capítulo faço ainda uma crítica necessária e imprescindível à teoria geral do processo cuja transmissão mecânica de categorias do processo civil tantos malefícios traz Por fim trato de um tema da maior importância a crise do processo penal pensada em uma tríplice perspectiva crise existencial do processo crise identitária da jurisdição crise do regime de liberdade processual Finalizo com um estudo acerca do plea bargaining e seus graves inconvenientes verdadeira negativa de jurisdição e veneno para o processo penal democrático Depois no Capítulo 2 analiso as teorias da ação e das condições da ação abordando todas as teorias para concluir com a ambição de construção de uma teoria da acusação Chamo a atenção para a necessidade de atentar para as condições de admissibilidade da acusação próprias do processo penal abandonando o civilismo legitimidade interesse e possibilidade jurídica do pedido erroneamente importado e adaptado O Capítulo 3 enfrenta a jurisdição deslocandoa para a função de garantia não apenas com o tradicional civilismo de poder dever dizer o direito Mas indo além da análise tradicional e básica que fazemos em nossa obra Direito processual penal de jurisdição e competência focamos na posição do juiz no processo penal como fundante do sistema processual Significa analisar os sistemas processuais penais inquisitório acusatório e o insuficiente misto a partir da posição do juiz e claro vinculado à gestão da prova sempre de olho no Princípio Supremo do Processo a imparcialidade do julgador Não mais podemos estudar jurisdição senão na perspectiva da exigência sistêmica e tudo isso a serviço da imparcialidade Finalizo com o estudo do processo e sua natureza jurídica último elemento da santa trindade ação jurisdição e processo retomando Bülow para superálo com James Goldschmidt e aperfeiçoálo com Fazzalari Não se trata de simples análise histórica senão que precisamos falar sobre a natureza jurídica do processo não só porque ainda predomina a superadíssima concepção de processo como relação jurídica Bülow que conduz a uma visão autoritária do processo e do lugar ocupado pelo juiz mas também porque precisamos compreender a real dinâmica da complexa fenomenologia do processo para desvelando sua realidade fortalecer o núcleo de direitos fundamentais Compreender a dinâmica realista da concepção de Goldschmidt do processo como situação jurídica é assumir o risco e a incerteza para então lutar pela efetividade das regras do jogo entre elas a garantia do contraditório cuja visão de Fazzalari é fundamental sua teoria se situa em uma continuidade do pensamento de Goldschmidt Por fim abordamos a complexidade do objeto do processo penal demonstrando o erro de pensar em pretensão punitiva Como sempre digo este é um livro de fundamentos portanto não costuma sofrer com as oscilações de humor da jurisprudência ou do legislador Possui uma estabilidade decorrente da própria imutabilidade do seu objeto Sem embargo a Lei n 139642019 trouxe relevantíssimas alterações na base do processo penal especialmente com a recepção expressa da estrutura acusatória art 3ºA e da figura do Juiz das Garantias arts 3ºA a 3ºF do CPP que afeta diretamente a questão da imparcialidade judicial Ainda que tais dispositivos legais estejam com a eficácia suspensa pela liminar concedida pelo Min Fux na Medida Cautelar nas ADIns 6298 6299 6300 e 6305 no dia 22 de janeiro de 2020 é importantíssimo avaliar o impacto das alterações pois acreditamos que mais cedo ou mais tarde elas se efetivarão e a liminar será cassada senão no todo ao menos em parte Como já escrevi em outro momento9 sem dúvida essa liminar foi um golpe poderosíssimo na reforma que se pretendia levar a cabo Ao suspender o art 3ºA do CPP que finalmente consagraria o sistema acusatório ao suspender também a implantação do juiz das garantias o sistema de exclusão física dos autos do inquérito e a nova forma de arquivamento adequada ao sistema acusatório art 28 o Min Luiz Fux sepultou décadas de luta de pesquisa de milhares de debates e de páginas escritas para modernizar e democratizar o processo penal brasileiro Talvez o Ministro por ser um processualista civil não tenha tido a compreensão do que está em jogo para o processo penal e que foi suspenso com sua decisão liminar e monocrática Era Ministro o mais forte movimento reformista para livrar o processo penal do seu ranço autoritário e inquisitório para reduzir o imenso atraso civilizatório democrático e constitucional que temos no CPP Sua liminar não suspendeu apenas artigos suspendeu a evolução a democratização do processo penal Lamento profundamente a decisão Ministro que espero seja urgentemente revista pelo plenário do STF para que finalmente o processo penal se liberte da matriz fascista e inquisitória do Código de Rocco Então a obra traz essas questões mas vai além nas inovações incluí um longo tópico no Capítulo 1 destinado a analisar a proposta de plea bargaining contida no Projeto Antricrime apresentado pelo Min Sérgio Moro e que felizmente não foi contemplada na Lei n 139642019 Contudo como a discussão segue na pauta e tememos por um retorno da Proposta Moro em outro momento pois os agentes políticos não desistiram dessa perigosíssima ideia entendo ser fundamental já abordar os problemas que ela contém Mais do que analisar o projeto foquei nos gravíssimos problemas que encerra o plea bargaining e na necessidade de uma adoção com limites adequados para nossa realidade processual e prisional O tema foi ali tratado após a exposição da Crise do Processo Penal exatamente porque é apontado por muitos como a solução para o entulhamento da justiça criminal Grave equívoco como pretendi mostrar Também melhorei a parte histórica dos sistemas processuais porque estava excessivamente genérica mas sem qualquer pretensão de esgotamento seja histórico seja conceitual Criei um novo tópico para aprofundar a imparcialidade do juiz e destacar sua sensível posição e como não se pode pensar sistemas processuais desconectados da figura do juiz e portanto da complexidade inerente ao conceito de imparcialidade que exige um amplo diálogo com outras áreas de conhecimento que vão nos mostrar o que é dissonância cognitiva o efeito primazia a originalidade cognitiva précompreensões préjuízos etc A imparcialidade do juiz é definitivamente o princípio supremo do processo penal Aragoneses Alonso e Werner Goldschmidt Não há processo sem juiz e não há juiz se não houver imparcialidade Daí por que é a estrutura do sistema que cria ou não as condições de possibilidade de um juiz imparcial e portanto somente no marco do sistema acusatório é que podemos ter as condições necessárias para a imparcialidade do julgador A essa altura pouco importam eventuais divergências sobre o que foi ou não o processo penal romano Importa em pleno século XXI que tenhamos uma estrutura dialética com juiz completamente afastado da arena das partes e da iniciativa probatória com máxima originalidade cognitiva e estrita observância do contraditório e das demais regras do devido processo E nesse ponto a figura do juiz das garantias e a expressa adoção da estrutura acusatória eram pontos nevrálgicos infelizmente suspensos por conta da medida liminar Mas seguimos na torcida para que a liminar seja cassada e tais medidas implementadas Também atualizei a crise do regime de liberdade a partir da declaração de constitucionalidade do art 283 do CPP pelo STF mas mantive por argumentar as críticas que faço à execução antecipada da pena pois o tema segue gerando muita polêmica Por fim agradeço a excelente receptividade que a obra tem no meio acadêmico e profissional Um carinhoso agradecimento aos professores que a indicam principalmente porque comprometidos com um processo penal democrático e constitucional e conscientes da importância da docência e da responsabilidade de abrir e formar cabeças pensantes Especialmente nesta edição dada a relevância e profundidade das mudanças faço uma solicitação mandem emails aurylopesterracombr com correções críticas e sugestões precisarei delas para melhorar ainda mais este livro que está em constante construção Por fim convido você leitora a ser meuminha seguidora no Instagram aurylopesjr no Facebook httpwwwfacebookcomaurylopesjr na Coluna Limite Penal wwwconjurcombr e no podcast Criminal Player que mantenho junto com meu grande parceiro Alexandre Morais da Rosa São canais constantes de diálogo e também de atualização e debate Cordial abraço e muito obrigado pela confiança Verão de 2020 Aury Lopes Jr Texto em homenagem a Eduardo Couture e James Goldschmidt Em homenagem a Eduardo Couture e James Goldschmidt cujas lições de humanidade e altruísmo deveriam servir de inspiração para a construção de uma sociedade mais justa e tolerante En el mes de octubre de 1939 recibí una carta del Profesor Goldschmidt que fue Decano de la Facultad de Derecho de Berlín escrita desde Cardiff en Inglaterra Ya comenzada la guerra en ella me decía lo siguiente conozco sus libros y tengo referencias de Ud Estoy en Inglaterra y mi permiso de residencia vence el 31 de diciembre de 1939 A Alemania no puedo volver por ser judío a Francia tampoco porque soy alemán a España menos aún Debo salir de Inglaterra y no tengo visa consular para ir a ninguna parte del mundo A un hombre ilustre porque en el campo del pensamiento procesal la rama del derecho en que yo trabajo la figura de Goldschmidt era algo así como una de las cumbres de nuestro tiempo a un hombre de esta insólita jerarquía en cierto instante de su vida y de la vida de la humanidad como una acusación para esa humanidad le faltaba en el inmenso planeta un pedazo de tierra para posar su planta fatigada Le faltaba a Goldschmidt el mínimo de derecho a tener un sitio en este mundo donde soñar y morir En ese instante de su vida a él le faltaba el derecho a estar en un lugar del espacio No podía quedar donde estaba y no tenía otro lado donde poder ir Pocas semanas después Goldschmidt llegaba a Montevideo Yo nunca olvidaré aquel viaje hecho ya en pleno reinado devastador de los submarinos Vino en un barco inglés el Highland Princess en un viaje de pesadilla donde a cada instante un submarino podía traer la muerte con chaleco salvavidas siempre puesto viajando a oscuras Angustiado lo vi llegar una tarde de otoño llena de luz serenidad y calma a Montevideo Recuerdo de ese instante una anécdota conmovedora Me dijo Goldschmidt que él no deseaba un apartamento junto al mar Prefería algún lugar cerca del campo Cuando vio el mar desde Pocitos adonde le habíamos llevado no quiso saber nada de él Me respondió entonces Yo ya sé a dónde conduce Eran un hombre y una civilización que se repelían se odiaban recíprocamente El venía a ver en el mar el símbolo del odio a un Continente que lo había expulsado de su seno Recuerdo también que esa misma tarde pocos minutos después de llegar me dijo lo siguiente Ud tendrá la bondad de acompañarme a la Policía Y qué tiene Ud que hacer con la Policía le contesté Tengo que inscribirme como llegado al país dar cuenta a la Policía de que vivo aquí fue su réplica Pero Ud no tiene obligación de hacerlo le dije De manera que la Policía no sabe que yo estoy aquí ni sabe dónde yo vivo Se le llenaron los ojos de lágrimas y dijo Esto es la libertad Pocos días más tarde preparaba su tercera clase Eran como las nueve de la mañana Goldschmidt tuvo la sensación de una ligera molestia quiso reponerse y dejó de escribir Se acercó a su esposa recitó unos poemas de Schiller para distraer la mente volvió a su mesa de trabajo y como fulminado por un rayo quedó muerto sobre sus papeles Así murió el más eminente de los Profesores de Derecho Procesal Civil alemán en una casa de pensión de Montevideo Caído sobre sus papeles escritos en español que luego recogimos retirando de sobre ellos su cabeza que empezaba a enfriarse para transmitir al mundo el mensaje de quien había sufrido como pocos y murió de dolor de puro dolor de vivir No olvidaré nunca que en esos papeles que están publicados hoy con el título de Los problemas generales del derecho se dice que el derecho en último término en su definitiva revelación es la más alta y especificada manifestación de la moral sobre la tierra Un sabio que mediante oscuros instrumentos de derecho había sido perseguido por sus enemigos concluía su vida escribiendo páginas que tenían más de muerte que de vida en un acto de esperanza en el propio derecho que lo había condenado Si la humanidad de nuestro tiempo no se cura de ese mal que azotó a la especie a lo largo de los siglos es porque la humanidad no tiene redención Si no comprendemos que los hombres son todos iguales que la sustancia humana es siempre la misma sea cual sea el color de su piel y la sangre que corre en sus venas si no entendemos que no puede ni debe haber distinción alguna entre los hombres todo el sacrificio sufrido parecería ser en vano Nuestra enseñanza debe ser hoy como ayer que no hay hombres inferiores o superiores y que frente a la comunidad los hombres no tienen más superioridad que la de sus talentos o de sus virtudes como dice la Constitución James Goldschmidt murió de dolor porque su mundo se había olvidado de tan sencillas verdades Murió por la crueldad de una cultura que no solo se olvidó de la libertad sino también de la misericordia que es una de las más finas y sutiles formas de la libertad Trechos da Palestra de Couture intitulada La libertad de la cultura y la ley de la tolerancia proferida na década de 1940 e reproduzida no periódico uruguaio Tribuna del Abogado junhojulho de 2000 Capítulo 1 O fundamento da existência do processo penal instrumentalidade constitucional 11 CONSTITUINDO O PROCESSO PENAL DESDE A CONSTITUIÇÃO A CRISE DA TEORIA DAS FONTES A CONSTITUIÇÃO COMO ABERTURA DO PROCESSO PENAL A primeira questão a ser enfrentada por quem se dispõe a pensar o processo penal contemporâneo é exatamente rediscutir qual é o fundamento da sua existência por que existe e por que precisamos dele A pergunta poderia ser sintetizada no seguinte questionamento um Processo penal para quê quem Buscar a resposta a essa pergunta nos conduz à definição da lógica do sistema que vai orientar a interpretação e a aplicação das normas processuais penais Noutra dimensão significa definir qual é o nosso paradigma de leitura do processo penal buscar o ponto fundante do discurso Nossa opção é pela leitura constitucional e dessa perspectiva visualizamos o processo penal como instrumento de efetivação das garantias constitucionais J Goldschmidt1 a seu tempo2 questionou Por que supõe a imposição da pena a existência de um processo Se o ius puniendi corresponde ao Estado que tem o poder soberano sobre seus súditos que acusa e também julga por meio de distintos órgãos perguntase por que necessita que prove seu direito em um processo A resposta passa necessariamente por uma leitura constitucional do processo penal Se antigamente o grande conflito era entre o direito positivo e o direito natural atualmente com a recepção dos direitos naturais pelas modernas constituições democráticas o desafio é outro dar eficácia a esses direitos fundamentais Como aponta J Goldschmidt3 os princípios de política processual de uma nação não são outra coisa senão o segmento da sua política estatal em geral e o processo penal de uma nação não é um termômetro dos elementos autoritários ou democráticos da sua Constituição A uma Constituição autoritária vai corresponder um processo penal autoritário utilitarista Contudo a uma Constituição democrática como a nossa necessariamente deve corresponder um processo penal democrático visto como instrumento a serviço da máxima eficácia do sistema de garantias constitucionais do indivíduo Somente a partir da consciência de que a Constituição deve efetivamente constituir logo consciência de que ela constitui a ação é que se pode compreender que o fundamento legitimante da existência do processo penal democrático se dá por meio da sua instrumentalidade constitucional Significa dizer que o processo penal contemporâneo somente se legitima à medida que se democratizar e for devidamente constituído a partir da Constituição Cremos que o constitucionalismo exsurgente do Estado Democrático de Direito pelo seu perfil compromissário dirigente e vinculativo constitui a ação do Estado4 Com a precisão conceitual que lhe caracteriza Juarez Tavares5 ensina que nessa questão entre liberdade individual e poder de intervenção do Estado não se pode esquecer de que a garantia e o exercício da liberdade individual não necessitam de qualquer legitimação em face de sua evidência Parece essa uma afirmação simples despida de maior dimensão Todo o oposto A perigosa viragem discursiva que nos está sendo imposta atualmente pelos movimentos repressivistas e as ideologias decorrentes faz com que cada vez mais a liberdade seja provisória até o CPP consagra a liberdade provisória e a prisão cautelar ou mesmo definitiva uma regra Ou ainda aprofundamse a discussão e os questionamentos sobre a legitimidade da própria liberdade individual principalmente no âmbito processual penal subvertendo a lógica do sistema jurídico constitucional Essa perigosa inversão de sinais exige um choque à luz da legitimação a priori da liberdade individual e a discussão deve voltar a centrarse no ponto correto muito bem circunscrito por Tavares6 o que necessita de legitimação é o poder de punir do Estado e esta legitimação não pode resultar de que ao Estado se lhe reserve o direito de intervenção Destaquese o que necessita ser legitimado e justificado é o poder de punir é a intervenção estatal e não a liberdade individual Mais essa legitimação não poderia resultar de uma autoatribuição do Estado uma autolegitimação que conduza a uma situação autopoié tica portanto Mas essa já seria outra discussão em torno da própria legitimidade da pena que extravasa os limites deste trabalho A liberdade individual por decorrer necessariamente do direito à vida e da própria dignidade da pessoa humana está amplamente consagrada no texto constitucional e tratados internacionais sendo mesmo um pressuposto para o Estado Democrático de Direito em que vivemos Essa é uma premissa básica que norteia toda a obra questionar a legitimidade do poder de intervenção por conceber a liberdade como valor primevo do processo penal Nem mesmo o conceito de bem jurídico pode continuar sendo tratado como se estivesse imune aos valores do Estado Democrático Como adverte Tavares7 a questão da criminalização de condutas não pode ser confundida com as finalidades políticas de segurança pública porque se insere como uma condição do Estado Democrático baseado no respeito dos direitos fundamentais e na proteção da pessoa humana E segue o autor apontando que em um Estado Democrático o bem jurídico deve constituir um limite ao exercício da política de segurança pública reforçado pela atuação do judiciário como órgão fiscalizador e controlador e não como agência seletiva de agentes merecedores de pena em face da respectiva atuação do Legislativo ou do Executivo8 Atualmente existe uma inegável crise da teoria das fontes em que uma lei ordinária acaba valendo mais do que a própria Constituição não sendo raro aqueles que negam a Constituição como fonte recusando sua eficácia imediata e executividade Essa recusa é que deve ser combatida A luta é pela superação do preconceito em relação à eficácia da Constituição no processo penal Mais do que isso é necessário fazerse um controle judicial da convencionalidade das leis penais e processuais penais na medida em que a Convenção Americana de Direitos Humanos CADH goza de caráter supralegal ou seja está abaixo da Constituição mas acima das leis ordinárias como o CP e o CPP Portanto é uma dupla conformidade que devem guardar as leis ordinárias com a Constituição e com a CADH Esse é o desafio O processo não pode mais ser visto como um simples instrumento a serviço do poder punitivo direito penal senão que desempenha o papel de limitador do poder e garantidor do indivíduo a ele submetido Há que se compreender que o respeito às garantias fundamentais não se confunde com impunidade e jamais se defendeu isso O processo penal é um caminho necessário para chegarse legitimamente à pena Daí por que somente se admite sua existência quando ao longo desse caminho forem rigorosamente observadas as regras e garantias constitucionalmente asseguradas as regras do devido processo legal Assim existe uma necessária simultaneidade e coexistência entre repressão ao delito e respeito às garantias constitucionais sendo essa a difícil missão do processo penal como se verá ao longo da obra No processo penal a Constituição e a CADH ainda representam uma abertura um algo a ser buscado como ideal É avanço em termos de fortalecimento da dignidade da pessoa humana de abertura democrática rumo ao fortalecimento do indivíduo Nesse sentido nossa preocupação com a instrumentalidade constitucional e o caráter constituidor da Carta e da CADH Geraldo Prado9 destaca a importância da Constituição na perspectiva de fixar com clareza as regras do jogo político e de circulação do poder e assinala indelevelmente o pacto que é a representação da soberania popular e portanto de cada um dos cidadãos É a Constituição um locus prossegue Geraldo de onde são vislumbrados os direitos fundamentais estabelecendo um nexo indissolúvel entre garantia dos direitos fundamentais divisão dos poderes e democracia de sorte a influir na formulação das linhas gerais da política criminal de determinado Estado Finalizando lembra o autor que o espaço comum democrático é construído pela afirmação do respeito à dignidade humana e pela primazia do Direito como instrumento das políticas sociais inclusive a política criminal Partimos da mesma premissa de Prado10 a Constituição da República escolheu a estrutura democrática sobre a qual há que existir e se desenvolver o processo penal forçado que está pois modelo préconstituição de 1988 a adaptarse e conformarse a esse paradigma Então não basta qualquer processo ou a mera legalidade senão que somente um processo penal que esteja conforme as regras constitucionais do jogo devido processo na dimensão formal mas principalmente substancial resiste à filtragem constitucional imposta Feito isso é imprescindível marcar esse referencial de leitura o processo penal deve ser lido à luz da Constituição e da CADH e não ao contrário Os dispositivos do Código de Processo Penal é que devem ser objeto de uma releitura mais acorde aos postulados democráticos e garantistas na nossa atual Carta sem que os direitos fundamentais nela insculpidos sejam interpretados de forma restritiva para se encaixar nos limites autoritários do Código de Processo Penal de 1941 12 SUPERANDO O MANIQUEÍSMO ENTRE INTERESSE PÚBLICO VERSUS INTERESSE INDIVIDUAL INADEQUADA INVOCAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE Argumento recorrente em matéria penal é o de que os direitos individuais devem ceder e portanto ser sacrificados frente à supremacia do interesse público É uma manipulação discursiva que faz um maniqueísmo grosseiro senão interesseiro para legitimar e pretender justificar o abuso de poder Inicialmente há que se compreender que tal reducionismo público privado está completamente superado pela complexidade das relações sociais que não comportam mais essa dualidade cartesiana Ademais em matéria penal todos os interesses em jogo principalmente os do réu superam muito a esfera do privado situandose na dimensão de direitos e garantias fundamentais portanto público se preferirem Na verdade são verdadeiros direitos de todos e de cada um de nós em relação ao abuso de poder estatal Já em 1882 Manuel Alonso Martínez afirmava na Exposición de Motivos de la Ley de Enjuiciamiento Criminal que sagrada es sin duda la causa de la sociedad pero no lo son menos los derechos individuales W Goldschmidt11 explica que os direitos fundamentais como tais dirigemse contra o Estado e pertencem por conseguinte à seção que trata do amparo do indivíduo contra o Estado O processo penal constitui um ramo do direito público e como tal implica autolimitação do Estado uma soberania mitigada Ademais existe ainda o fundamento históricopolítico para sustentar a dupla função do moderno processo penal que foi bem abordado por Bettiol12 A proteção do indivíduo também resulta de uma imposição do Estado Democrático pois a democracia trouxe a exigência de que o homem tenha uma dimensão jurídica que o Estado ou a coletividade não pode sacrificar ad nutum O Estado de Direito mesmo em sua origem já representava uma relevante superação das estruturas do Estado de Polícia que negava ao cidadão toda garantia de liberdade e isso surgiu na Europa depois de uma época de arbitrariedades que antecedeu a Declaração dos Direitos do Homem de 1789 A democracia enquanto sistema políticocultural que valoriza o indivíduo frente ao Estado manifestase em todas as esferas da relação Estadoindivíduo Inegavelmente leva a uma democratização do processo penal refletindo essa valorização do indivíduo no fortalecimento do sujeito passivo do processo penal Podese afirmar com toda ênfase que o princípio que primeiro impera no processo penal é o da proteção dos inocentes débil ou seja o processo penal como direito protetor dos inocentes e todos a ele submetidos o são pois só perdem esse status após a sentença condenatória transitar em julgado pois esse é o dever que emerge da presunção constitucional de inocência prevista no art 5o LVII da Constituição O objeto primordial da tutela no processo penal é a liberdade processual do imputado o respeito a sua dignidade como pessoa como efetivo sujeito no processo O significado da democracia é a revalorização do homem en toda la complicada red de las instituciones procesales que solo tienen un significado si se entienden por su naturaleza y por su finalidad política y jurídica de garantía de aquel supremo valor que no puede nunca venir sacrificado por razones de utilidad el hombre13 Não se pode esquecer como explica Sarlet14 de que a dignidade da pessoa humana é um valorguia não apenas dos direitos fundamentais mas de toda a ordem jurídica constitucional e infraconstitucional razão pela qual para muitos se justifica plenamente sua caracterização como princípio constitucional de maior hierarquia axiológicavalorativa Inclusive na hipótese de conflito entre princípios e direitos constitucionalmente assegurados destaca Sarlet15 o princípio da dignidade da pessoa humana acaba por justificar e até mesmo exigir a imposição de restrições a outros bens constitucionalmente protegidos Isso porque como explica o autor existe uma inegável primazia da dignidade da pessoa humana no âmbito da arquitetura constitucional Algumas lições por sua relevância merecem ser repetidas nesta obra É melhor pecar pela repetição do que correr o risco de perdê la por uma leitura pontual que nossos leitores eventualmente façam Assim nunca é excesso repetir uma lição magistral de Juarez Tavares16 que nos ensina que nessa questão entre liberdade individual e poder de intervenção do Estado não se pode esquecer que a garantia e o exercício da liberdade individual não necessitam de qualquer legitimação em face de sua evidência Destaquese o que necessita ser legitimado e justificado é o poder de punir é a intervenção estatal e não a liberdade individual A liberdade individual por decorrer necessariamente do direito à vida e da própria dignidade da pessoa humana está amplamente consagrada no texto constitucional e tratados internacionais sendo mesmo um pressuposto para o Estado Democrático de Direito em que vivemos Não há que se pactuar mais com a manipulação discursiva feita por alguns autores e julgadores que acabam por transformar a liberdade em provisória até o CPP consagra a liberdade provisória como se ela fosse precária e entretanto a prisão cautelar ou mesmo definitiva uma regra Essa perigosa inversão de sinais exige um choque à luz da legitimação a priori da liberdade individual e a discussão deve voltar a centrarse no ponto correto muito bem circunscrito por Tavares17 o que necessita de legitimação é o poder de punir do Estado Essa é uma premissa básica que norteia toda a obra questionar a legitimidade do poder de intervenção por conceber a liberdade como valor primevo do processo penal Entendemos que sociedade base do discurso de prevalência do público deve ser compreendida dentro da fenomenologia da coexistência e não mais como um ente superior de que dependem os homens que o integram Inadmissível uma concepção antropomórfica na qual a sociedade é concebida como um ente gigantesco onde os homens são meras células que lhe devem cega obediência Nossa atual Constituição e antes dela a Declaração Universal dos Direitos Humanos consagram certas limitações necessárias para a coexistência e não toleram tal submissão do homem ao ente superior essa visão antropomórfica que corresponde a um sistema penal autoritário18 Na mesma linha Bobbio19 explica que atualmente impõese uma postura mais liberal na relação Estadoindivíduo de modo que primeiro vem o indivíduo e depois o Estado que não é um fim em si mesmo O Estado só se justifica enquanto meio que tem como fim a tutela do homem e dos seus direitos fundamentais porque busca o bem comum que nada mais é do que o benefício de todos e de cada um dos indivíduos Por isso Ferrajoli fala da ley del más débil20 No momento do crime a vítima é o hipossuficiente e por isso recebe a tutela penal Contudo no processo penal operase uma importante modificação o mais fraco passa a ser o acusado que frente ao poder de acusar do Estado sofre a violência institucionalizada do processo e posteriormente da pena O sujeito passivo do processo aponta Guarnieri21 passa a ser o protagonista porque ele é o eixo em torno do qual giram todos os atos do processo Amilton B de Carvalho22 questionando para quêm serve a lei aponta que a a lei é o limite ao poder desmesurado leiase limite à dominação Então a lei eticamente considerada é proteção ao débil Sempre e sempre é a lei do mais fraco aquele que sofre a dominação Nessa democratização do processo penal o sujeito passivo deixa de ser visto como um mero objeto passando a ocupar uma posição de destaque enquanto parte23 com verdadeiros direitos e deveres24 É uma relevante mudança decorrente da constitucionali zação e democratização do processo penal Muito preocupante por fim é quando esse discurso da prevalência do interesse público vem atrelado ao Princípio da Proporcionalidade fazendo uma viragem discursiva para aplicálo onde não tem legítimo cabimento Nesse tema é lúcida a análise do Ministro Eros Grau cuja citação ainda que longa deve ser objeto de reflexão Diz o ilustre Ministro do Supremo Tribunal Federal no voto profe rido no HC 950094SP p 44 e ss Tenho criticado aqui e o fiz ainda recentemente ADPF 144 a banalização dos princípios entre aspas da proporcionalidade e da razoabilidade em especial do primeiro concebido como um princípio superior aplicável a todo e qualquer caso concreto o que conferiria ao Poder Judiciário a faculdade de corrigir o legislador invadindo a competência deste O fato no entanto é que proporcionalidade e razoabilidade nem ao menos são princípios porque não reproduzem as suas características porém postulados normativos regras de interpretaçãoaplicação do direito No caso de que ora cogitamos esse falso princípio estaria sendo vertido na máxima segundo a qual não há direitos absolutos E tal como tem sido em nosso tempo pronunciada dessa máxima se faz gazua apta a arrombar toda e qualquer garantia constitucional Deveras a cada direito que se alega o juiz responderá que esse direito existe sim mas não é absoluto porquanto não se aplica ao caso E assim se dá o esvaziamento do quanto construímos ao longo dos séculos para fazer de súditos cidadãos Diante do inquisidor não temos qualquer direito Ou melhor temos sim vários mas como nenhum deles é absoluto nenhum é reconhecível na oportunidade em que deveria acudirnos Primeiro essa gazua em seguida despencando sobre todos a pretexto da necessária atividade persecutória do Estado a supremacia do interesse público sobre o individual Essa premissa que se pretende prevaleça no Direito Administrativo não obstante mesmo lá sujeita a debate aqui impertinente não tem lugar em material penal e processual penal Esta Corte ensina HC 80263 relator Ministro Ilmar Galvão que a interpretação sistemática da Constituição leva à conclusão de que a Lei Maior impõe a prevalência do direito à liberdade em detrimento do direito de acusar Essa é a proporciona lidade que se impõe em sede processual penal em caso de conflito de preceitos prevalece o garantidor da liberdade sobre o que fundamenta sua supressão A nos afastarmos disso retornaremos à barbárie grifos nossos Em suma nesse contexto políticoprocessual estão superadas as considerações do estilo a supremacia do interesse público sobre o privado As regras do devido processo penal são verdadeiras garantias democráticas e obviamente constitucionais muito além dessa dimensão reducionista de públicoprivado Tratase de direitos fundamentais obviamente de natureza pública se quisermos utilizar essa categoria limitadores da intervenção estatal 13 DIREITO E DROMOLOGIA QUANDO O PROCESSO PENAL SE PÕE A CORRER ATROPELANDO AS GARANTIAS Vivemos numa sociedade acelerada A dinâmica contemporânea é impressionante e como o risco25 também está regendo toda nossa vida Não só nosso emprego é temporário pois se acabaram os empregos vitalícios como também cada vez é mais comum os empregos em jornada parcial Da mesma forma nossas aceleradas relações afetivas com a consagração do ficar e do no future Que dizer então da velocidade da informação Agora passada em tempo real via internet sepultando o espaço temporal entre o fato e a notícia O fato ocorrido no outro lado do mundo pode ser presenciado virtualmente em tempo real A aceleração do tempo nos leva próximo ao instantâneo com profundas consequências na questão tempovelocidade Também encurta ou mesmo elimina distâncias Por isso Virilio26 teórico da Dromologia do grego dromos velo cidade afirma que a velocidade é a alavanca do mundo moderno O mundo aponta Virilio27 tornouse o da presença virtual da telepresença Não só telecomunicação mas também teleação trabalho e compra a distância e até em telessensação sentir e tocar a distância Essa hipermobilidade virtual nos leva à inércia além de contrair espaços e intervalos temporais Até mesmo a guerra nas sociedades contemporâneas são confrontos breves instantâneos e virtuais como se fossem wargames de computador em que toda carga de expectativa está lançada no presente Sob o enfoque econômico o cassino planetário é formado pe las bolsas de valores que funcionam 24 horas por dia em tempo real com uma imensa velocidade de circulação de capital especulativo gerando uma economia virtual transnacional e imprevisível liberta do presente e do concreto Isso fulmina com o elo social pois aqueles que investem na economia real não têm como antecipar a ação desencorajando investimentos destruindo empresas e empregos28 Nessa lógica de mercado para conseguir lucros é preciso acelerar a circulação dos recursos abreviando o tempo de cada operação Como consequência a contratação de mão de obra também navega nesse ritmo ao menor sinal de diminuição das encomendas dispensase a mão de obra É a hiperaceleração levando o risco ao extremo Ost29 fala nos contratos de emprego temporários apontando para uma heterogeneização do tempo social manifestada em ritmos sempre mais diversificados Tempo conjugal e tempo parental dissociam se30 ao passo que a organização fordista do trabalho dá lugar a uma flexibilidade das prestações mas também a uma nova precariedade dos empregos A duração prometeica dos Códigos e a promessa das instituições dão então lugar a um tempo em migalhas que tem de ser reconquistado a cada instante Direito de visita negociado estágio conseguido com dificuldade emprego interino tudo se passa como se reaparecesse o antiquíssimo imperativo imposto aos pobres viver o dia a dia Sob outro enfoque a aceleração obtida a partir do referencial luz é impressionante e afeta diretamente nossa percepção de tempo Como aponta Virilio31 a tecnologia do final dos anos 1980 permitiu que os satélites transmitissem a imagem à velocidade da luz e isso representou um avanço da mídia televisiva com relevante mudança de paradigma A imagem passa a ter visibilidade instantânea com o novo referencial luz O fascínio da imagem conduz a que o que não é visível e não tem imagem não é televisável portanto não existe midiaticamente O choque emocional provocado pelas imagens da TV sobretudo as de aflição de sofrimento e morte não tem comparação com o sentimento que qualquer outro meio possa provocar Suplanta assim a fotografia e os relatos a ponto de que quando não há imagens criase A reconstituição das imagens não captadas passa a ser fun damental para vender a emoção não apreendida no seu devido tempo Exemplos típicos são os programas policiais sensacionalistas que proliferam nas televisões brasileiras fazendo inclusive reconsti tuições ainda mais dramáticas dos crimes ocorridos para captura psíquica dos telespectadores Mas a velocidade da notícia e a própria dinâmica de uma sociedade espantosamente acelerada são completamente diferentes da velocidade do processo ou seja existe um tempo do direito que está completamente desvinculado do tempo da sociedade E o direito jamais será capaz de dar soluções à velocidade da luz Estabelecese um grande paradoxo a sociedade acostumada com a velocidade da virtualidade não quer esperar pelo processo daí a paixão pelas prisões cautelares e a visibilidade de uma imediata punição Assim querem o mercado que não pode esperar pois tempo é dinheiro e a sociedade que não quer esperar pois está acostumada ao instantâneo Isso ao mesmo tempo em que desliga do passado mata o devir expandindo o presente Desse presenteísmoimediatismo brota o Estado de Urgência uma consequência natural da incerteza epistemológica da indeterminação democrática do desmoronamento do Estado social e da correlativa subida da sociedade de risco da aceleração e do tempo efêmero da moda A urgência surge como forma de correr atrás do tempo perdido Como explica Ost isso significa que passamos dos relógios às nuvens no sentido de que não estamos mais vivendo um modelo mecânico relógio linear e previsível de uma legislação piramidal senão o modelo das nuvens interativo recursivo e incerto de uma regulação em rede O direito em rede é flexível e evolutivo Um conjunto indefinido de dados em busca de um equilíbrio pelo menos provisório É a normatividade flexibilizada própria de um direito mole vago no estado gasoso32 A urgência ou Estado correndo atrás deixa de ser uma categoria extraordinária para generalizarse com uma tendência de alimentarse de si mesmo como se de alguma forma uma das suas intervenções pedisse a seguinte Ao não tratar do problema com a devida maturação e profundidade não há resultados duráveis As intervenções de urgência parecem sempre chegar ao mesmo tempo demasiado cedo e demasiado tarde demasiado cedo porque o tratamento aplicado é sempre superficial demasiado tarde porque sem uma inversão de lógica o mal não parou de se propagar33 Os planos urgentes e milagrosos para conter a violência urbana são exemplos típicos disso ao mesmo tempo demasiadamente cedo tratamento superficial e demasiadamente tarde diante da gravidade já assumida Nesse cenário juízes são pressionados para decidirem rápido e as comissões de reforma para criarem procedimentos mais acelerados34 esquecendose de que o tempo do direito sempre será outro por uma questão de garantia A aceleração deve ocorrer mas em outras esferas Não podemos sacrificar a necessária maturação reflexão e tranquilidade do ato de julgar tão importante na esfera penal Tampouco acelerar a ponto de atropelar os direitos e as garantias do acusado Em última análise o processo nasce para demorar racionalmente é claro como garantia contra julgamentos imediatos precipitados e no calor da emoção Dizer que o processo é dinâmico significa reconhecer seu movimento Logo como todo movimento está inscrito no tempo de maneira irreversível sem possibilidade de voltar atrás35 O que já foi feito não pode voltar a acontecer até porque o tempo é irreversível ao menos por ora Se o processo como a vida é movimento o equilíbrio necessário só pode ser dinâmico e como tal extremamente difícil e eivado de riscos É o que Raux36 define como o equilíbrio de ciclista fundado sobre o movimento O processo penal também é acelerado em resposta ao desejo de uma reação imediata Surgem os procedimentos sumários e até sumariíssimos como previsto na Lei n 909995 proliferam os casos de guilty plea nos Estados Unidos de pattegiamento na Itália ou transação penal no Brasil até porque as chamadas zonas de consenso são ícones de eficiência utilitarista e celeridade leiam se atropelo de direitos e garantias individuais Retornando à situação do ciclista o difícil é encontrar o equilíbrio pois se é verdade que um processo que se arrasta assemelhase a uma negação da justiça não se deverá esquecer inversamente que o prazo razoável em que a justiça deve ser feita entendese igualmente como recusa de um processo demasiado expedito37 O processo tem o seu tempo pois deve dar oportunidade para as partes mostrarem e usarem suas armas deve ter tempo para oportunizar a dúvida fomentar o debate e a prudência de quem julga Nesse terreno parecenos evidente que a aceleração deve vir mediante inserção de tecnologia na administração da justiça e jamais com a mera aceleração procedimental atropelando direitos e garantias individuais Infelizmente na atualidade assistimos a um velho direito tentando correr no ritmo da moderna urgência Para tanto em vez de modernizarse com a tecnologia prefere os planos milagrosos e o terror da legislação simbólica A inflação legislativa brasileira em matéria penal é exemplo típico desse fenômeno Nesse complexo contexto o direito é diretamente atingido na medida em que é chamado a reinstituir o elo social e garantir a segurança jurídica Multiplicamse os direitos subjetivos e implementamse uma série de novos instrumentos jurídicos O sistema penal é utilizado como sedante por meio do simbólico da panpenalização do utilitarismo processual e do endurecimento geral do sistema É a ilusão de resgatar um pouco da segurança perdida por meio do direito penal o erro de pretender obrigar o futuro sobre a forma de ameaça Não se edifica uma ordem social apenas com base na repressão Acompanhando a síntese de Ost o endurecimento da norma penal é reflexo da urgência que descuida do passado e fracassa na pretensão de obrigar o futuro Os programas urgentes contudo permitem resultados rápidos visíveis e midiaticamente rentáveis mas com certeza não se institui nada durável em uma sociedade a partir unicamente da ameaça de repressão Mas as condições para que se atue com a necessária reflexão e maturação desaparecem uma vez que os discursos da segurança e do urgente imediato invadiram o imaginário social Quando o direito se põe a correr no ritmo da urgência operase uma importante mudança de paradigma em que o transitório tornou se o habitual a urgência tornouse permanente38 O transitório era antes visto como um elo entre dois períodos de estabilidade normativa um articulador entre duas sequências históricas Hoje isso tudo mudou a duração desapareceu tornando inúteis os rearranjos do direito transitório Todo o direito se pôs em movimento e o transitório é o estado normal com o direito em constante trânsito impondose a urgência como tempo normal Ao generalizar a exceção o sistema entra em colapso Antes a urgência era admitida no direito com extrema reserva e era sempre situacional revogando se tão logo cessasse o estado de urgência Hoje ela está em todo lugar e surge independentemente de qualquer crise Isso também se manifesta no processo legislativo A urgência implica não só aceleração mas também inversão pois permite ao imperium a força preceder a jurisdictio o enunciado da regra imunizando o facto consumado relativamente a um requestionamento jurídico ulterior39 É o que ocorre vg com o chamado contraditório diferido em que primeiro se decide poder para depois submeter ao contraditório ilusório de onde deveria brotar o saber Outro exemplo seria a banalização das medidas in limine litis especialmente com a antecipação de tutela do CPC e também das prisões cautelares no processo penal em que a prisão preventiva típica medida de urgência foi generalizada como um efeito sedante da opinião pública A prisão cautelar transformouse em pena antecipada com uma função de imediata retribuiçãoprevenção A urgência também autoriza a administração a tomar medidas excepcionais restringindo direitos fundamentais diante da ameaça à ordem pública vista como um perigo sempre urgente Leva igualmente a simplificar os procedimentos abreviar pra zos e contornar as formas gerando um gravíssimo problema pois no processo penal a forma é garantia enquanto limite ao poder punitivo estatal São inúmeros os inconvenientes da tirania da urgência As medidas de urgência deveriam limitarse a um caráter conservatório ou de preservação até que regressasse à normalidade quando então seria tomada a decisão de fundo Contudo isso hoje foi abandonado e as medidas verdadeiramente cautelares e provisionais ou situacionais e temporárias estão sendo substituídas por antecipatórias da tutela dandose o que deveria ser concedido amanhã sob o manto da artificial reversão dos efeitos como se o direito pudesse avançar e retroagir com o tempo com a natural definitividade dos efeitos Na esfera penal considerandose que estamos lidando com a liberdade e a dignidade de alguém os efeitos dessas alquimias jurídicas em torno do tempo são devastadores A urgência conduz a uma inversão do eixo lógico do processo pois agora primeiro prendese para depois pensar Antecipase um grave e doloroso efeito do processo que somente poderia decorrer de uma sentença após decorrido o tempo de reflexão que lhe é inerente que jamais poderá ser revertido não só porque o tempo não volta mas também porque não voltam a dignidade e a intimidade violentadas no cárcere Inequivocamente a urgência é um grave atentado contra a liberdade individual levando a uma erosão da ordem constitucional e ao rompimento de uma regra básica o processo nasceu para retardar para demorar dentro do razoável é claro para que todos possam expressar seus pontos de vista e demonstrar suas versões e principalmente para que o calor do acontecimento e das paixões arrefeça permitindo uma racional cognição Em última análise para que possamos racionalizar o acontecimento e aproximar o julgamento a um critério mínimo de justiça O ataque da urgência é duplo pois ao mesmo tempo em que impede a plena juridicidade e jurisdicionalidade ela impede a realização de qualquer reforma séria de modo que não contente em destruir a ordem jurídica a urgência impede a sua reconstrução40 Surge um novo41 risco o risco endógeno ao sistema jurídico em decorrência da aceleração e da banalização da urgência Essa é uma nova insegurança jurídica que deve ser combatida pois perfeitamente contornável Não há como abolir completamente a legislação de urgência mas tampouco se pode admitir a generalização desmedida da técnica Entendemos que a esse novo risco devese opor uma renovada segurança jurídica enquanto instrumento de proteção do indivíduo Tratase de recorrer a uma clara definição das regras do jogo para evitar uso desmedido do poder enquanto redutor do arbítrio impondo ao Estado o dever de obediência No processo penal é o que convencionamos chamar de instrumentalidade constitucional ou seja o processo enquanto instrumento a serviço da máxima eficácia dos direitos e das garantias do débil a ele submetido Afinal o Estado é uma reserva ética e de legalidade jamais podendo descumprir as regras do jogo democrático de espaços de poder Interessante é o exemplo trazido por Ost42 de que o Tribunal de Justiça Europeu decidiu pela obrigação de não impor aos indivíduos uma mudança normativa demasiado brutal por essa razão a regra nova deve ao menos comportar medidas transitórias em benefício de destinatários que possam alegar uma expectativa legítima Seria uma espécie de direito a medidas transitórias Importante limite a mudanças radicais de atitude é a necessidade de justificação objetiva e razoável motivação Por meio de proteções e contrapesos a jurisprudência deve tentar assegurar ao direito um papel garantidor e emancipador Assim deve ser repensado o conceito de segurança jurídica enquanto freio à ditadura estatal da urgência A noção de segurança no processo e no direito deve ser repensada partindose da premissa de que ela está na forma do instrumento jurídico e que no processo penal adquire contornos de limitação ao poder punitivo estatal e emancipador do débil submetido ao processo O processo enquanto ritual de reconstrução do fato histórico é única maneira de obter uma versão aproximada do que ocorreu Nunca será o fato mas apenas uma aproximação ritualizada deste É fundamental definir as regras desse jogo mas sem esquecer que mais importante do que a definição está em desvelar o conteúdo axiológico das regras A serviço do que ou de quem elas estão Voltamos sempre à pergunta Um processo penal para quê quem Nessa linha evidenciase o cenário de risco e aceleração que conduz a tirania da urgência no processo penal Essa nova carga ideológica do processo exige especial atenção diante da banalização da excepcionalidade O contraste entre a dinâmica social e a processual exige uma gradativa mudança a partir de uma séria reflexão obviamente incompatível com o epidérmico e simbólico tratamento de urgência O processo nasceu para retardar a decisão na medida em que exige tempo para que o jogo ou a guerra se desenvolvam segundo as regras estabelecidas pelo próprio espaço democrático43 Logo jamais alcançará a hiperaceleração o imediatismo característico da virtualidade Ademais o juiz interpõese no processo numa dimensão espacial mas principalmente temporal situandose entre o passadocrime e o futuropena incumbindose a ele e ao processo a importante missão de romper com o binômio açãoreação44 O processo nasceu para dilatar o tempo da reação nasceu para retardar Contudo alguma melhora na dinâmica não só é possível como também necessária Obviamente que não pela mera aceleração procedimental e consequente supressão de garantias fundamentais mas sim por meio da inserção de um pouco da ampla tecnologia à disposição especialmente na fase préprocessual Também devemos considerar o referencial luz a visibilidade Nesse desvelar a luz é fundamental ainda que indireta como ensina Paul Virillo Tal questão nos leva também a repensar a publicidade e a visibilidade dos atos A transparência do processo mas sem cair no bizarro espetáculo televisivo Esse é um ponto de dificílimo equilíbrio No que tange à duração razoável do processo entendemos que a aceleração deve produzirse não a partir da visão utilitarista da ilusão de uma justiça imediata destinada à imediata satisfação dos desejos de vingança O processo deve durar um prazo razoável para a necessária maturação e cognição mas sem excessos pois o grande prejudicado é o réu aquele submetido ao ritual degradante e à angústia prolongada da situação de pendência O processo deve ser mais célere para evitar o sofrimento desnecessário de quem a ele está submetido É uma inversão na ótica da aceleração acelerar para abreviar o sofrimento do réu Também chegou o momento de aprofundar o estudo de um novo direito o direito de ser julgado num processo sem dilações indevidas Tratase de decorrência natural de uma série de outros direitos fun damentais como o respeito à dignidade da pessoa humana e à própria garantia da jurisdição Na medida em que a jurisdição é um poder mas também um direito podese falar em verdadeira mora jurisdicional quando o Estado abusar do tempo necessário para prestar a tutela Entendemos adequado falarse em uma nova pena processual decorrente desse atraso na qual o tempo desempenha uma função punitiva no processo É a demora excessiva que pune pelo sofrimento decorrente da angústia prolongada do desgaste psicológico o processo como gerador de depressão exógena do empobreci mento do réu enfim por toda estigmatização social e jurídica gerada pelo simples fato de estar sendo processado O processo é uma cerimônia degradante e como tal o caráter estigmatizante está diretamente relacionado com a duração desse ritual punitivo Assumido o caráter punitivo do tempo não resta outra coisa ao juiz que além da elementar detração em caso de prisão cautelar compensar a demora reduzindo a pena aplicada pois parte da punição já foi efetivada pelo tempo Para tanto formalmente poderá lançar mão da atenuante genérica do art 66 do Código Penal O próprio tempo do cárcere deve ser pensado a partir da distinção objetivosubjetivo partindose do clássico exemplo de Einstein45 a fim de explicar a relatividade quando um homem se senta ao lado de uma moça bonita durante uma hora tem a impressão de que passou apenas um minuto Deixeo sentarse sobre um fogão quente durante um minuto somente e esse minuto lhe parecerá mais comprido que uma hora Isso é relatividade O tempo na prisão46 deve ser repensado pois está mumificado pela instituição e gera grave defasagem enquanto tempo de involução Em suma uma infinidade de novas questões que envolvem o binômio tempodireito está posta e exige profunda reflexão 14 PRINCÍPIO DA NECESSIDADE DO PROCESSO PENAL EM RELAÇÃO À PENA A titularidade exclusiva por parte do Estado do poder de punir ou penar se considerarmos a pena como essência do poder punitivo surge no momento em que é suprimida a vingança privada e são implantados os critérios de justiça O Estado como ente jurídico e político avoca para si o direito e o dever de proteger a comunidade e também o próprio réu como meio de cumprir sua função de procurar o bem comum que se veria afetado pela transgressão da ordem jurídicopenal por causa de uma conduta delitiva47 À medida que o Estado se fortalece consciente dos perigos que encerra a autodefesa assume o monopólio da justiça ocorrendo não só a revisão da natureza contratual do processo senão a proibição expressa para os particulares de tomar a justiça por suas próprias mãos Frente à violação de um bem juridicamente protegido não cabe outra atividade48 que não a invocação da devida tutela jurisdicional Impõese a necessária utilização da estrutura preestabelecida pelo Estado o processo penal em que mediante a atuação de um terceiro imparcial cuja designação não corresponde à vontade das partes e resulta da imposição da estrutura institucional será apurada a existência do delito e sancionado o autor O processo como instituição estatal é a única estrutura que se reconhece como legítima para a imposição da pena Não há uma atividade propriamente substitutiva pois a pena pública nunca pertenceu aos particulares para que houvesse a substituição Por isso é uma avocação para o Estado do poder de punir afastando as formas de vingança privada Isso porque o direito penal é despido de coerção direta e ao contrário do direito privado não tem atuação nem realidade concreta fora do processo correspondente No direito privado as normas possuem uma eficácia direta imediata pois os particulares detêm o poder de praticar atos jurídicos e negócios jurídicos de modo que a incidência das normas de direito material sejam civis comerciais etc é direta As partes materiais em sua vida diária aplicam o direito privado sem qualquer intervenção dos órgãos jurisdicionais que em regra são chamados apenas para solucionar eventuais conflitos surgidos pelo incumprimento do acordado Em resumo não existe o monopólio dos tribunais na aplicação do direito privado e ni siquiera puede decirse que estatísticamente sean sus aplicadores más importantes49 No entanto totalmente distinto é o tratamento do direito penal pois ainda que os tipos penais tenham uma função de prevenção geral e também de proteção não só de bens jurídicos mas também do particular em relação aos atos abusivos do Estado sua verdadeira essência está na pena e essa não pode prescindir do processo penal Existe um monopólio da aplicação por parte dos órgãos jurisdicionais e isso representa um enorme avanço da humanidade Para que possa ser aplicada uma pena não só é necessário que exista um injusto culpável mas também que exista previamente o devido processo penal A pena não só é efeito jurídico do delito50 senão que é um efeito do processo mas o processo não é efeito do delito senão da necessidade de impor a pena ao delito por meio do processo A pena depende da existência do delito e da existência efetiva e total do processo penal posto que se o processo termina antes de desenvolverse completamente arquivamento suspensão condicional etc ou se não se desenvolve de forma válida nulidade não pode ser imposta uma pena Existe uma íntima e imprescindível relação entre delito pena e processo de modo que são complementares Não existe delito sem pena nem pena sem delito e processo nem processo penal senão para determinar o delito e impor uma pena Assim fica estabelecido o caráter instrumental do processo penal com relação ao direito penal e à pena pois o processo penal é o caminho necessário para a pena É o que Gómez Orbaneja51 denomina principio de la necesidad del proceso penal amparado no art 1º da LECrim52 pois não existe delito sem pena nem pena sem delito e processo nem processo penal senão para determinar o delito e atuar a pena O princípio apontado pelo autor resulta da efetiva aplicação no campo penal do adágio latino nulla poena et nulla culpa sine iudicio expressando o monopólio da jurisdição penal por parte do Estado e também a instrumentalidade do processo penal São três53 os monopólios estatais a exclusividade do direito penal b exclusividade pelos tribunais e c exclusividade processual Como explicamos atualmente a pena é estatal pública no sentido de que o Estado substituiu a vingança privada e com isso estabeleceu que a pena é uma reação do Estado contra a vontade individual Estão proibidas a autotutela e a justiça pelas próprias mãos A pena deve estar prevista em um tipo penal e cumpre ao Estado definir os tipos penais e suas consequentes penas ficando o tema completamente fora da disposição dos particulares vedada assim a justiça negociada54 Rogério Lauria Tucci55 aponta para a imposição de uma autolimitação do interesse punitivo do Estadoadministração que somente poderá realizar o direito penal mediante a ação judiciária dos juízes e tribunais Entendemos que a exclusividade dos tribunais em matéria penal deve ser analisada em conjunto com a exclusividade processual pois ao mesmo tempo em que o Estado prevê que só os tribunais podem declarar o delito e impor a pena também prevê a imprescindibilidade de que essa pena venha por meio do devido processo penal Ou seja cumpre aos juízes e tribunais declararem o delito e determinar a pena proporcional aplicável e essa operação deve necessariamente percorrer o leito do processo penal válido com todas as garantias constitucionalmente estabelecidas para o acusado Aos demais Poderes do Estado Legislativo e Executivo está vedada essa atividade Não obstante como destaca Montero Aroca56 absurdamente se constata día a día que las leyes van permitiendo a los órganos administrativos imponer sanciones pecuniarias de tal magnitud muchas veces que ni siquiera pueden ser impuestas por los tribunales como penas Da mesma forma na execução penal constatase uma excessiva e perigosa administrativização em que faltas graves apuradas em procedimentos administrativos inquisitivos geram gravíssimas consequências57 15 INSTRUMENTALIDADE CONSTITUCIONAL DO PROCESSO PENAL Estabelecido o monopólio da justiça estatal e do processo trataremos agora da instrumentalidade Desde logo não devem existir pudores em afirmar que o processo é um instrumento o problema é definir o conteúdo dessa instrumentalidade ou a serviço de quem ela está e que essa é a razão básica de sua existência Ademais o direito penal careceria por completo de eficácia sem a pena e a pena sem processo é inconcebível um verdadeiro retrocesso de modo que a relação e interação entre direito e processo é patente A strumentalità58 do processo penal reside no fato de que a norma penal apresenta quando comparada com outras normas jurídicas a característica de que o preceito tem por conteúdo um determinado comportamento proibido ou imperativo e a sanção tem por destinatário aquele poder do Estado que é chamado a aplicar a pena Não é possível a aplicação da reprovação sem o prévio processo nem mesmo no caso de consentimento do acusado pois ele não pode se submeter voluntariamente à pena senão por meio de um ato judicial nulla poena sine iudicio Essa particularidade do processo penal demonstra que seu caráter instrumental é mais destacado que o do processo civil É fundamental compreender que a instrumentalidade do processo não significa que ele seja um instrumento a serviço de uma única finalidade qual seja a satisfação de uma pretensão acusatória Ao lado dela está a função constitucional do processo como instrumento a serviço da realização do projeto democrático como muito bem adverte Geraldo Prado59 Nesse viés inserese a finalidade constitucionalgarantidora da máxima eficácia dos direitos e garantias fundamentais em especial da liberdade individual Ademais a Constituição constitui logo necessariamente orienta a instrumentalidade do processo penal O termo instrumentalidade que sempre remeteu a algumas lições parciais de Dinamarco60 deve ser revisitado Claro que nunca pactuamos com qualquer visão eficientista ou de que o processo pudesse ser usado como instrumento político de segurança pública ou defesa social Resulta imprescindível visualizar o processo desde seu exterior para constatar que o sistema não tem valor em si mesmo senão pelos objetivos que é chamado a cumprir projeto democrático constitucional Sem embargo devemos ter cuidado na definição do alcance de suas metas pois o processo penal não pode ser transformado em instrumento de segurança pública Nesse contexto por exemplo inserese a crítica ao uso abusivo das medidas cautelares pessoais especialmente a prisão preventiva para garantia da ordem pública Tratase de buscar um fim alheio ao processo e portanto estranho à natureza cautelar da medida Trataremos novamente desse tema quando analisarmos a presunção de inocência e as prisões cautelares Nesse sentido importante é a análise de Morais da Rosa61 quando sublinha o perigo de a transmitirse mecanicamente para o processo penal as lições de Dinamarco pautar a instrumentalidade pela conjuntura social e política demandando um aspecto ético do processo sua conotação deontológica expressão de Dinamarco Explica Morais da Rosa que esse chamado exige que o juiz tenha os predicados de um homem do seu tempo imbuído em reduzir as desigualdades sociais62 baseandose nas modificações do Estado Liberal rumo ao Estado Social mas vinculada a uma posição especial do juiz no contexto democrático dandolhe poderes sobrehumanos na linha de realização dos escopos processuais com forte influência da superada filosofia da consciência deslizando no Imaginário e facilitando o surgimento de Juízes Justiceiros da Sociedade E conclui o autor afirmando que a pretensão de Dinamarco de que o juiz deve aspirar aos anseios sociais ou mesmo ao espírito das leis tendo em vista uma vinculação axiológica moralizante do jurídico com o objetivo de realizar o sen timento de justiça do seu tempo não mais pode ser acolhida democraticamente63 Nenhuma dúvida temos do enorme acerto e valor dessas lições e de que esse perigo denunciado por Morais da Rosa é concreto e encontra em movimentos repressivos como lei e ordem tolerância zero e direito penal do inimigo um terreno fértil para suas nefastas construções Ainda mais danosas são as viragens linguísticas os giros discursivos pregados por lobos que em pele de cordeiro e alguns ainda dizem falar em nome da Constituição seduzem e mantêm em crença uma multidão de ingênuos cuja frágil base teórica faz com que sejam presas fáceis iludidos pelo discurso pseudoerudito desses ilusionistas Cuidado leitor mais perigosos do que os inimigos assumidos e por essa assunção até mereceriam algum respeito são os que falando em nome da Constituição operam num mundo de ilusão de aparência para seduzir os incautos Como diz Jacinto Coutinho64 parecem pavões com belas plumas multicoloridas mas com os pés cheios de craca Em suma nossa noção de instrumentalidade tem por conteúdo a máxima eficácia dos direitos e garantias fundamentais da Constituição pautandose pelo valor dignidade da pessoa humana submetida à violência do ritual judiciário Voltando ao binômio direito penalprocessual a independência conceitual e metodológica do direito processual em relação ao direito material foi uma conquista fundamental Direito e processo constituem dois planos verdadeiramente distintos no sistema jurídico mas estão relacionados pela unidade de objetivos sociais e políticos o que conduz a uma relatividade do binômio direitoprocesso substanceprocedure Respeitando sua separação institucional e a autonomia de seu tratamento científico o processo penal está a serviço do direito penal ou para ser mais exato da aplicação dessa parcela do direito objetivo65 Por esse motivo não pode descuidar do fiel cumpri mento dos objetivos traçados por aquele entre os quais está o de proteção do indivíduo A autonomia extrema do processo com relação ao direito material foi importante no seu momento e sem ela os processualistas não haveriam podido chegar tão longe na construção do sistema processual Mas isso já cumpriu com a sua função A acentuada visão autônoma está em vias de extinção e a instrumentalidade está servindo para relativizar o binômio direitoprocesso para a liberação de velhos conceitos e superar os limites que impedem o processo de alcançar outros objetivos além do limitado campo processual A ciência do processo já chegou a um ponto de evolução que lhe permite deixar para trás todos os medos e preocupações de ser absorvida pelo direito material assumindo sua função instrumental sem qualquer menosprezo O direito penal não pode prescindir do processo pois a pena sem processo perde sua aplicabilidade Com isso concluímos que a instrumentalidade do processo penal é o fundamento de sua existência mas com uma especial característica é um instrumento de proteção dos direitos e garantias individuais É uma especial conotação do caráter instrumental e que só se manifesta no processo penal pois se trata de instrumentalidade relacionada ao direito penal e à pena mas principalmente um instrumento a serviço da máxima eficácia das garantias constitucionais Está legitimado enquanto instrumento a serviço do projeto constitucional Tratase de limitação do poder e tutela do débil a ele submetido réu por evidente cuja debilidade é estrutural e estruturante do seu lugar Essa debilidade sempre existirá e não tem absolu tamente nenhuma relação com as condições econômicas ou sociopolíticas do imputado senão que decorre do lugar em que ele é chamado a ocupar nas relações de poder estabelecidas no ritual judiciário pois é ele o sujeito passivo ou seja aquele sobre quem recaem os diferentes constrangimentos e limitações impostos pelo poder estatal Essa é a instrumentalidade constitucional que a nosso juízo funda sua existência 16 A NECESSÁRIA RECUSA À TEORIA GERAL DO PROCESSO RESPEITANDO AS CATEGORIAS PRÓPRIAS DO PROCESSO PENAL QUANDO CINDERELA TERÁ SUAS PRÓPRIAS ROUPAS Era uma vez três irmãs que tinham em comum pelo menos um dos progenitores chamavamse a Ciência do Direito Penal a Ciência do Processo Penal e a Ciência do Processo Civil E ocorreu que a segunda em comparação com as demais que eram belas e prósperas teve uma infância e uma adolescência desleixada abandonada Durante muito tempo dividiu com a primeira o mesmo quarto A terceira bela e sedutora ganhou o mundo e despertou todas as atenções Assim começa Carnelutti que com sua genialidade escreveu em 1946 um breve mas brilhante artigo infelizmente pouco lido no Brasil intitulado Cenerentola66 a Cinderela da conhecida fábula infantil O processo penal segue sendo a irmã preterida que sempre teve de se contentar com as sobras das outras duas Durante muito tempo foi visto como um mero apêndice do direito penal Evolui um pouco rumo à autonomia é verdade mas continua sendo preterido Basta ver que não se tem notícia na história acadêmica de que o processo penal tivesse sido ministrado ao longo de dois anos como costumeiramente o é o direito penal Se compararmos com o processo civil então a distância é ainda maior Mas em relação ao direito penal a autonomia obtida é suficiente até porque como define Carnelutti delito e pena são como cara e coroa da mesma moeda Como o são direito penal e processual penal Recordese o que falamos sobre o princípio da necessidade O problema maior está na relação com o processo civil O processo penal como a Cinderela sempre foi preterido tendo de se contentar em utilizar as roupas velhas de sua irmã Mais do que vestimentas usadas eram vestes produzidas para sua irmã não para ela A irmã favorita aqui corporificada pelo processo civil tem uma superioridade científica e dogmática inegável Tinha razão Bettiol como reconhece Carnelutti67 de que assistimos inertes a um pancivilismo E isso nasce na academia com as famigeradas disciplinas de Teoria Geral do Processo tradicionalmente ministradas por processualistas civis que pouco sabem e pouco falam do processo penal e quando o fazem é com um olhar e discurso completamente viciado Nessa linha no Brasil entre os pioneiros críticos está Tucci que principia o desvelamento do fracasso da Teoria Geral do Processo a partir da desconstrução do conceito de lide e sua consequente irrelevância para o processo penal passando pela demonstração da necessidade de se conceber o conceito de jurisdição penal para além das categorias de jurisdição voluntária e litigiosa e o próprio repensar a ação ação judiciária e ação da parte Aponta o autor ainda criticando a Teoria Geral do Processo que esse aliás foi um dos poucos raros aspectos negativos da grandiosa obra de José Frederico Marques ao transplantar sem ou às vezes com modestos avaros retoques institutos de processo civil para o processo penal numa nítida adaptação dos Elementos de direito processual penal às Instituições de direito processual civil incorporandose numa prolixa e confusa concepção que poderia ser denominada teoria civil do processo penal 68 Como adverte Coutinho69 outro antigo crítico da Teoria Unitária teoria geral do processo é engodo teoria geral é a do processo civil e a partir dela as demais Ou seja pensam tudo desde o lugar do processo civil com um olhar viciado que conduz a um engessamento do processo penal nas estruturas do processo civil Todo um erro de pensar que podem ser transmitidas e aplicadas no processo penal as categorias do processo civil como se fossem as roupas da irmã mais velha cujas mangas se dobram para caber na irmã preterida É a velha falta de respeito a que se referia Goldschmidt às categorias jurídicas próprias do processo penal Contudo há chegado o momento e se vão mais de 60 anos do trabalho de Carnelutti de desvelar a diversidade fenomenológica e metodológica das duas irmãs processuais70 e compreender que o processo penal possui suas categorias jurídicas próprias sua diversidade inerente e que não mais se contenta em usar as vestes da irmã Como explica Carnelutti o processo civil é nove de cada dez vezes um processo de sujeitos que têm e quando um dos dois não tem aspira muito ter É o processo do meu e do teu o que está em jogo é a propriedade é uma relação coisificada diria Simmel71 muito antes e muito além dos juristas O processo civil é o cenário da riqueza de quem possui ao passo que no processo penal cada vez mais é o processo de quem não tem do excluído Isso contribui para o estigma da gata borra lheira mas não justifica No processo penal em radical câmbio do que estamos tratando Não é do ter mas sim da liberdade No lugar da coisa pensase na liberdade de quem tendo está na iminência de perder ou que já não tendo pode recuperála ou perdêla ainda mais Trata se de voltar para casa ou ser encarcerado Como adverte Carnelutti é com a liberdade o que verdadeiramente se joga no processo penal Al juez penal se le pide como al juez civil algo que nos falta y de lo cual no podemos prescindir y es mucho más grave el defecto de libertad que el defecto de propiedad72 Significa dizer que ao juiz penal não se pede como ao juiz civil algo que nos falta o tal bem da vida como se referem os civilistas É a própria vida que está em jogo Para Carnelutti tanto ao juiz penal como ao juiz civil compete dar a cada um o seu A imensa diferença está em que no penal é dispor do próprio ser ao passo que no civil é o ter Não se pode esquecer ainda como adverte certeiramente Juarez Cirino dos Santos73 de que o processo penal não se constitui processo de partes livres e iguais como o processo civil por exemplo dominado pela liberdade de partes em situação de igualdade processual mas uma relação de poder instituída pelo Estado com a finalidade de descobrir a verdade de fatos criminosos e punir os autores considerados culpados São a ausência de liberdade e a relação de poder instituída em contraste com a liberdade e a igualdade os elementos fundantes de uma diferença insuperável entre o processo civil e o penal Em relação ao direito penal a autonomia obtida é suficiente até porque como define Carnelutti delito e pena são como cara e coroa da mesma moeda Como o são direito penal e processual penal unidos pelo princípio da necessidade nulla poena sine iudicio tão bem definido por Gomez Orbaneja O direito civil se realiza todo dia sem processo civil negócios jurídicos etc pois é autoexe cutável tem realidade concreta O direito civil só chama o processo civil quando houver uma lide carneluttianamente pensada como um conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida Já no campo penal tudo é diferente O direito penal não é autoexecutável e não tem realidade concreta fora do processo É castrado Se alguém for vítima de um crime a pena não cai direta e imediatamente na cabeça do agressor O direito penal não tem eficácia imediata e precisa necessariamente do processo penal para se efetivar pois o processo é um caminho necessário e inafastável para chegar na pena Por isso o princípio da necessidade demarca uma diferença insuperável entre penal e civil já cobrando sua diferença nas con dições da ação como veremos Vejamos alguns rápidos exemplos teria muito mais da distorção conceitual e absurdos processuais realizados em nome da Teoria Geral do Processo a No processo penal forma é garantia e limite de poder pois aqui se exerce o poder de punir em detrimento da liberdade É um poder limitado e condicionado que precisa se legitimar pelo respeito às regras do jogo Logo não se deve importar a tal instrumentalidade das formas e informalismo processual pois aqui o fenômeno é completamente diferente b Precisamos abandonar as teorias da ação pois tudo o que se escreveu desde a polêmica Windscheid Muther passando pelas teorias da ação como direito abstrato Plosz como direito concreto Wach ou direito potestativo Chiovenda não pode ser aplicado ao processo penal sem muito ajuste muita costura quase uma roupa nova Como afirmar que ação é um direito público abstrato e autônomo Se for assim uma pessoa pode processar outra diretamente sem nada de provas de forma totalmente autônoma e abstrata No processo civil sim No processo penal nem pensar pois é preciso desde logo demonstrar um mínimo de concretude de indícios razoáveis de autoria e materialidade E o juízo de mérito ainda que superficialmente é feito desde logo Portanto os conceitos de autonomia e abstração têm de ser repensados senão completamente redesenhados Mais do que isso precisamos elaborar uma teoria da acusação adequada à realidade do processo penal c Dizer que as condições da ação no processo penal são interesse e possibilidade jurídica do pedido é um erro repetido sem maior reflexão por grande parte da doutrina Como falar em interesse se aqui a regra é a necessidade Discutir interesse de agir e outros civilismos é desconhecer o que é processo penal Pior é tentar salvar o interesse por meio do entulhamento conceitual atribuindo um conteúdo a essa categoria que ela não comporta Esse é o erro mais comum para tentar salvar uma inadequada categoria do processo civil vão metendo definições que extrapolam os limites semânticos e de sentidos possíveis Para salvar uma categoria inadequada não fazem outra coisa que matá la mas mantendo o mesmo nome para fazer jus a teoria geral E a tal possibilidade jurídica do pedido O que é isso Outra categoria inadequada até porque no processo penal o pedido é sempre o mesmo Mas e o que fazer para salvar um conceito erroneamente transplantado Entulhoo de coisas que não lhe pertencem Falam em suporte probatório mínimo em indícios razoáveis de autoria e materialidade etc ou seja de outras coisas que nada têm a ver com possibilidade jurídica do pedido Enfim temos de levar as condições da ação a sério para evitar essa enxurrada de acusações infundadas que presenciamos servindo apenas para estigmatizar e punir ilegitimamente Juízes que operam na lógica civilista não fazem a imprescindível filtragem para evitar acusações infundadas A Teoria Geral do Processo TGP estimula o acusar infundado afinal é direito autônomo e abstrato e o recebimento burocrático deixando a análise do mérito para o final quando no processo penal ab initio precisamos demonstrar o fumus commissi delicti abstrato mas conexo instrumentalmente ao caso penal diria Jacinto Coutinho d Lide penal Outro conceito imprestável e que não faz qualquer sentido aqui Inclusive é um erro falar em pretensão punitiva na medida em que o Ministério Público não atua no processo penal como credor cível que pede a adjudicação de um direito próprio Ao MP não compete o poder de punir mas de promover a punição Por isso no processo penal não existe lide até porque não existe exigência punitiva que possa ser satisfeita fora do processo de novo o princípio da necessidade O MP exerce uma pretensão acusatória e o juiz o pode condicionado de punir Sobre o objeto do processo trataremos adiante e E o conceito de jurisdição Tem outra dimensão no processo penal para além do poderdever é uma garantia fundamental é limite de poder é fator de legitimação sendo que o papel do juiz no processo penal é distinto daquele exercido no processo civil Por isso a garantia do juiz natural é mais sensível aqui até porque o juiz é o guardião da eficácia do sistema de garantias da constituição e que lá está para limitar poder e garantir o débil submetido ao processo Dessarte grave problema existe na matriz da TGP e suas noções de competência relativa e absoluta desconsiderando que no processo penal não há espaço para a incompetência relativa É por isso que estão manipulando a competência no processo penal esquecendo que o direito de ser julgado pelo meu juiz competente em razão de matéria pessoa e principalmente lugar é fundamental A dimensão do julgamento penal é completamente diferente do julgamento civil pois não podemos esquecer que o caso penal é uma lesão a um bem jurídico tutelado em um determinado lugar Ou alguém vai dizer que o fato de um júri ser na cidade A ou na cidade B é irrelevante Óbvio que não Mas o que sabe a TGP de crime e júri f Juiz natural e imparcial A estrutura acusatória ou inquisitória do processo penal como veremos adiante é um dos temas mais relevantes e diretamente ligado ao princípio supremo do processo a imparcialidade do julgador A posição do juiz é fundante no processo penal desde sua perspectiva sistêmica e como tal complexa para garantia da imparcialidade Como ensinam os mais de 30 anos de jurisprudência do Tribunal Europeu de Direitos Humanos juiz que vai atrás da prova está contaminado e não pode julgar Tratase de uma preocupação específica do processo penal e desconhecida pelo processo civil e pela TGP g Juiz natural e imparcial II A prova da alegação incumbe a quem alega Claro que não No Processo Penal não existe distribuição de carga probatória senão atribuição integral ao acusador pois operamos desde algo que os civilistas não conhecem e tampouco compreendem presunção de inocência h Juiz natural e imparcial III Julgar em dúvida razoável é um dilema especialmente quando os adeptos da TGP resolvem distribuir cargas probatórias e em dúvida resolvem ir atrás da prova Pronto está criado o problema O ativismo judicial mata o Processo Penal Juiz ator que vai atrás da prova desequilibra a balança mata o contraditório e fulmina a imparcialidade Sim aqui a situação é bem complexaEntão o que fazer Compreender que no processo penal muita gente queimou na fogueira a TGP não conhece Eymerich e o Directorum Inquisitorum para chegarmos no in dubio pro reo Sem compreender esse complexo caldo cultural e os valores em jogo especialmente o in dubio pro reo como regra de julgamento e a presunção de inocência como regra de tratamento é impossível analisar a questão i Fumus boni iuris e periculum in mora É impactante ver um juiz deformado pela TGP decretar uma prisão preventiva porque presentes o fumus boni iuris e o periculum in mora Ora quando alguém é cautelarmente preso é porque praticou um fato aparentemente criminoso Desde quando isso é fumaça de bom direito Crime é bom direito Reparem no absurdo da transmissão de categorias E qual é o fundamento da prisão Perigo da demora O réu vai perecer Claro que não Mas não faltará alguém para incorrendo em grave reducionismo dizer que é apenas palavra Mais um erro Para nós no direito penal e processual penal palavra é limite palavra é legalidade as palavras dizem coisas e trabalhamos de lupa em cima do que diz a palavra e do que o intérprete diz que a palavra diz Logo nunca se diga que é apenas palavra pois a palavra é tudo j Poder geral de cautela De vez em quando algum juiz cria medidas restritivas de direitos fundamentais invocando o CPC e o poder geral de cautela ilustre desconhecido para o CPP Mais um absurdo de quem desconhece que o sistema penal se funda no princípio da legalidade na reserva de lei certa taxativa e estrita Não se admite criar punição por analogia Sim mas é isso que fazem os que operam na lógica da TGP k Vou decretar a revelia do réu Não raras vezes ouvimos isso em uma audiência Gostaríamos de perguntar vai inverter a carga da prova também Excelência Elementar que não A categoria revelia é absolutamente inadequada e inexistente no processo penal sendo figura típica do processo civil carregada de sentido negativo impondo ainda a presunção de veracidade sobre os fatos não contestados e outras consequências inadequadas ao processo penal A inatividade processual incluindo a omissão e a ausência não encontra qualquer tipo de reprovação jurídica Não conduz a nenhuma presunção exceto a de inocência que continua inabalável O não agir probatório do réu não conduz a nenhum tipo de punição processual ou presunção de culpa Não existe um dever de agir para o imputado para que se lhe possa punir pela omissão74 l Esse recurso especialextraordinário não tem efeito suspensivo Até recentemente por culpa da TGP as pessoas eram automaticamente presas ao ingressar com esses recursos porque a Lei n 8038 civilista diz que tais recursos não têm efeito suspensivo Mas desde quando prender alguém ou deixar em liberdade está situado na dimensão de efeito recursal Desde nunca É um absurdo gerado pela cultura da TGP que desconhece a presunção de inocência m Nulidade relativa Essa é a fatura mais alta que a TGP cobra do processo penal acabaram com a teoria das nulidades pela importação do pomposo pas nullité sans grief Tão pomposo quanto inadequado e danoso Iniciemos por um princípio básico desconhecido pela TGP por elementar forma é garantia O ritual judiciário está constituído essencialmente por discursos e no sistema acusatório forma é garantia pois processo penal é exercício de poder e todo poder tende a ser autoritário Violou a forma Como regra violou uma garantia do cidadão E o tal prejuízo É uma cláusula genérica de conteúdo vago impreciso e indeterminado que vai encontrar referencial naquilo que quiser o juiz autoritarismodecisionismoespaços impróprios de discricionariedade conforme Lenio Streck Como dito no processo penal existe exercício condicionado e limitado de poder sob pena de autoritarismo E esse limite vem dado pela forma Portanto flexibilizar a forma é abrir a porta para que os agentes estatais exerçam o poder sem limite em franco detrimento dos espaços de liberdade É rasgar o princípio da legalidade e toda a teoria da tipicidade dos atos processuais É rasgar a Constituição Por culpa da TGP está chancelado o valetudo processual O decisionismo se legitima na TGP Eutribunal anulo o que eu quiser quando eu quiser E viva a teoria geral do processo Portanto em rápidas pinceladas está demonstrada e dese nhada a necessidade de se recusar a Teoria Geral do Processo e assimilar o necessário respeito às categorias jurídicas próprias do processo penal Voltando ao início carneluttiano Cinderela é uma boa irmã e não aspira uma superioridade em relação às outras senão unicamente uma afirmação de paridade O processo civil ao contrário do que sempre se fez não serve para compreender o que é o processo penal serve para compreender o que não é Daí por que com todo o respeito basta de Teoria Geral do Processo 17 INSERINDO O PROCESSO PENAL NA EPISTEMOLOGIA DA INCERTEZA E DO RISCO LUTANDO POR UM SISTEMA DE GARANTIAS MÍNIMAS Como já apontamos vivemos em uma sociedade complexa em que o risco está em todos os lugares em todas as atividades e atinge a todos de forma indiscriminada Concomitantemente é uma sociedade regida pela velocidade e dominada pela lógica do tempo curto Toda essa aceleração potencializa o risco Alheio a tudo isso o direito opera com construções técnicas artificiais recorrendo a mitos como segurança jurídica75 verdade real reversibilidade de medidas etc Em outros momentos parece correr atrás do tempo perdido numa desesperada tentativa de acompanhar o tempo da sociedade Surgem então alquimias do estilo antecipação de tutela aceleração procedimental etc O conflito entre a dinâmica social e a jurídica é inevitável evidenciando uma vez mais a falência do monólogo científico diante da complexidade imposta pela sociedade contemporânea Nossa abordagem é introdutória um convite à reflexão pelo viés interdisciplinar com todos os perigos que encerra uma incursão para além de um saber compartimentado Sem esquecer que em meio a tudo isso está alguém sendo punido pelo processo e se condenado sofrendo uma pena concreta efetiva e dolorosa 171 RISCO EXÓGENO Não há como iniciar uma abordagem sobre risco sem falar na risk society de Beck76 Obviamente que a análise perpassa essa visão que serve apenas como ponto inicial A doutrina de Beck desempenha uma importante missão na superação da compreensão de que o sofrimento e a miséria eram apenas para o outro pois haviam paredes e fronteiras reais e simbólicas para nos escondermos Isso desapareceu com Chernobil Acabaramse as zonas protegidas da modernidade ha llegado el final de los otros77 O grande desafio passa a ser viver com essa descoberta do perigo Caiu o manto de proteção deixando descoberto esse desolador cenário A sociologia do risco é firmada e definida pela emergência dos perigos ecológicos caracteristicamente novos e problemáticos Mas a dimensão desse risco transcende a esfera ecológica e também afeta o processo pois alcança a sociedade como um todo e o processo penal não fica imune aos riscos Como aponta Beck as sociedades humanas sempre correram riscos mas eram riscos e azares conhecidos cuja ocorrência podia ser prevista e sua probabilidade calculada Os riscos das sociedades industriais eram importantes numa dimensão local e frequentemente devastadores na esfera pessoal mas seus efeitos eram limitados em termos espaciais pois não ameaçavam sociedades inteiras78 Atualmente as novas ameaças ultrapassam limites espaciais e sociais e também excedem limites temporais pois são irreversíveis e seus efeitos toxinas no corpo humano e no ecossistema vão se acumulando Os perigos ecológicos de um acidente nuclear em grande escala pela liberação de químicos ou pela alteração e manipulação da composição genética da flora e fauna transgênicos colocam em risco o próprio planeta Existe um risco real de autodestruição Outro problema é que nos riscos ecológicos modernos segundo Beck79 o ponto de impacto pode não estar obviamente ligado ao seu ponto de origem e sua transmissão e movimentos podem ser muitas vezes invisíveis e insondáveis para a percepção quotidiana É um gravíssimo problema que dificulta ou impossibilita a identificação do nexo causal como ocorreu vg com as contaminações pelo Antraz Se na sociedade préindustrial o risco revestia a forma natural tremores secas enchentes etc não dependendo da vontade do homem e sendo por isso inevitável o risco na sociedade industrial clássica passou a depender de ações dos indivíduos ou de forças sociais ex perigo no trabalho em razão da utilização de máquinas e venenos no âmbito social o perigo do desemprego e da penúria ocasionado pelas incertezas da dinâmica econômica etc Nesse momento nasce a ilusão do Estado Segurança Em que pese o fato de certos perigos e azares constantemente ameaçarem determinados grupos tais riscos eram conhecidos cuja ocorrência poderia ser prevista e cuja probabilidade poderia ser ou será calculada Mas os riscos contemporâneos são qualitativa e quantitativamente distintos pois assumem consequências transgeracionais pois sobrevivem aos seus causadores e marcados pelo que Beck chama de glocalidade globais e locais ao mesmo tempo Ademais é patente a desconstrução dos parâmetros culturais tradicionais e as estruturas institucionais da sociedade industrial classe consciência de classe estrutura familiar e demarcação de funções por sexo Não há estratificação econômica rígida funções demarcadas por sexo e núcleo familiar Todo o oposto O mito do Estado Segurança cai por terra quando se verifica a fragilidade de seus postulados Beck80 justifica o estado de insegurança sustentando que a dimensão dos riscos que enfrentamos é tal e os meios pelos quais tentamos lutar contra eles a nível político e institucional são tão deploráveis que a fina capa de tranquilidade e normalidade é constantemente quebrada pela realidade bem dura de perigos e ameaças inevitáveis Por conseguinte as atuais formas de degradação do ambiente atingem a todos indistintamente ou seja não há que se considerar qualquer tipo de barreira social ou geográfica como meio de proteção contra tais perigos Os gases poluentes emitidos pelos automóveis que circulam nas grandes cidades atingem da mesma forma ricos e pobres causandolhes os mesmos problemas respiratórios assim como o fato de morar na periferia de uma grande cidade ou em um bairro nobre não protege ninguém de uma catástrofe O risco também está no trabalho e manifestase pelo desemprego estrutural em larga escala e a longo prazo Não há mais estrutura de trabalho por sexo há uma queda do trabalho por tempo integral e o aumento das jornadas parciais operouse um rompimento da estrutura tradicional do emprego regular vitalício flexibilidade geral das relações Tudo isso gera uma grande insegurança econômica que se vai alastrar em todo feixe de relações dos indivíduos Também na esfera das relações afetivas e na própria estrutura familiar o risco está mais presente do que nunca No núcleo familiar não há mais a distinção entre trabalho doméstico não remunerado e educação dos filhos e trabalho assalariado privativo do homem Está consagrada a decadência do patriarcado Intensificouse a individualização com o rompimento das funções tradicionais homem e mulher e das forças ideológicas que ajudavam a prender as pessoas A insegurança multiplicouse em relação ao núcleo familiar com o divórcio paternidade ou maternidade unilateral e também implica uma nova dinâmica das relações interpessoais em que o casarse passa a um segundo plano valorizandose mais a realização profissional e o individualismo logo relacionamentos afetivos superficiais A dinâmica do tempo curto e a ditadura do instantâneo potencializam esse risco das relações afetivas pois não existem mais os longos namoros seguidos de noivado e casamento para toda a vida As pessoas ficam o que significa a mais completa falta de compromisso com o passado e de comprometimento com o futuro É o presenteísmo em grau máximo Que dizer do futuro É totalmente contingente pois explica Ost81 se opera uma ruptura com a experiência vulgar do tempo enquanto simples recondução do passado pois tudo se torna possível O futuro é verdadeiramente contingente indeterminado o instante é verdadeiramente instantâneo suspenso sem sequência previsível ou prescrita Projetos e promessas impulso prometeico perdem toda pertinência É a incerteza elevada ao quadrado Mais radical ComteSponville82 chama de nadificação Mais do que isso é a nadificação do nada pois o passado não existe uma vez que já não é nem o futuro já que ainda não é E o presente se divide num passado e num futuro que não existem Logo é o nada pois entre dois nada o tempo seria essa nadificação perpétua de tudo Sob outro aspecto indo além nessa análise é importante considerar que vivemos numa sociedade em busca de valores parafra seando a obra83 de Prigogine e Morin Nessa busca de valores devemos considerar que estamos numa sociedade pósmoralista84 que liberta da ética de sacrifícios é dominada pela felicidade pelos desejos pelo ego e pelos direitos subje tivos sem qualquer ideal de abnegação E mais tais benefícios devem ser obtidos a curto prazo pois igualmente inseridos na lógica da aceleração na qual qualquer demora é vista como um sofrimento insuportável São fatores que conduzem a um individualismo sem regras sem limites desestruturado e sem futuro Esta é apenas mais uma das faces das nossas sociedades que não sepultou a moral senão que a deseja no mesmo nível de complexidade uma moral à la carte diria Lipovetsky85 pois sentimental intermitente epidérmica uma última forma do consumo interativo de massa eis que fortemente influenciada pelo discurso midiático Até mesmo em torno da moral reina a mais absoluta incerteza pois evidente o estado de guerra entre os vários tipos de moral Outra face importante das nossas sociedades contemporâneas é o infantilismo86 externado pelo desejo e pelo consumismo fazendo despertar a criança que existe em cada um de nós Aliado ao desejo infantil de tudo possuir não sabemos lidar com o tempo e a recusa Uma vez mais estamos inseridos na urgência da satisfação do desejo na qual qualquer demora é um retardo doloroso e insuportável não queremos e não precisamos esperar pois lançamos mão do crédito provocando um verdadeiro curtocircuito no tempo como define Bruckner87 O crédito permite fazer desaparecer como que por passe de mágica o intervalo entre desejo e satisfação inserindonos numa perspectiva imediatista tipicamente infantil da criança que não conhece a renúncia Como se não bastasse isso os jovens de 1968 do histórico maio de 1968 cresceram tornandose eles próprios pais E quando isso ocorreu não ensinaram outra coisa aos seus filhos do que a recusa a qualquer autoridade É uma geração dominada pela ideologia de renunciar à renúncia Isso obviamente acarreta graves problemas na medida em que o conflito com o direito limite e imposição de renúncia é inevitável e doloroso Isso gera ao mesmo tempo violência e insegurança Desnecessário seguir pois o risco a incerteza e a insegurança estão em tudo Nem sequer o sexo virtual tido como seguro ficou imune ao risco Os vírus da internet cada vez mais sorrateiros e destrutivos acabaram com qualquer esperança de segurança Vivemos inseridos na mais completa epistemologia da incerteza Como consequência desse cenário de risco total buscamos no direito penal a segurança perdida Queremos segurança em relação a algo que sempre existiu e sempre existirá violência e insegurança Aqui devemos fazer uma pausa e destacar que muito se tem ma nipulado o discurso para utilizar esses novos riscos como legitimante da intervenção penal Não é essa nossa posição Estamos de acordo com Carvalho88 de que o direito penal e também o processo penal ao assumir a responsabilidade de fornecer respostas às novas demandas aos novos riscos redimensiona vez mais sua estrutura num narcisismo infantil89 Surge do delírio de grandeza messianismo decorrente da autoatribuição do papel de proteção dos valores mais caros à humanidade chegando a assumir responsabilidade pelo futuro da civilização tutela penal das gerações futuras estabelece uma relação consigo mesma que a transforma em objeto amoroso Esse cenário conduz à onipotência que incapacita o direito penal a perceber seus próprios limites inviabilizando uma relação madura com os outros campos do saber interdisciplinaridade Ao não dialogar o direito penal não percebe a falência do monólogo científico o que conduz ao agravamento da crise e do próprio autismo jurídico Nossa abordagem situase nessa dimensão reconhecer o risco para legitimar um sistema de garantias mínimas É fazer um recorte garantidor e não penalizador na sociedade do risco Para concluir recordemos a lição de Gauer90 de que violência é um elemento estrutural intrínseco ao fato social e não o resto anacrônico de uma ordem bárbara em vias de extinção Esse fenômeno aparece em todas as sociedades faz parte portanto de qualquer civilização ou grupo humano basta atentar para a questão da violência no mundo atual tanto nas grandes cidades como também nos recantos mais isolados 172 EPISTEMOLOGIA DA INCERTEZA Aliado a tudo isso a epistemologia da incerteza e a relatividade sepultam as verdades reais91 e os juízos de certeza ou segurança categorias que o direito processual tanto utiliza potencializando a insegurança Com Einstein e a relatividade sepultouse de vez qualquer resquício dos juízos de certeza ou verdades absolutas a mesma paisagem podia ser uma coisa para o pedestre outra coisa totalmente diversa para o motorista e ainda outra coisa diferente para o aviador A verdade absoluta somente poderia ser determinada pela soma de todas observações relativas92 Hawking93 explica que Einstein derrubou os paradigmas da época o repouso absoluto conforme as experiências com o éter e o tempo absoluto ou universal que todos relógios mediriam Tudo era relativo94 não havendo portanto um padrão a ser seguido Partindo da premissa de que todo saber é datado Einstein distingue uma teoria verdadeira de uma falsa a partir do seu prazo de validade maior tempo para a primeira tal como décadas ou anos já para a desmistificação da segunda bastam apenas dias ou instantes95 Nesse ínterim somente há uma verdade científica até que ou tra venha a ser descoberta para contradizer a anterior96 Caso contrário a vida se resumiria em reproduzir o conhecimento científico dos antepassados assim como não haveria motivo para a ciência buscar novas fronteiras Em síntese a ciência estruturase a partir do princípio da incerteza E por causa dele não haverá apenas uma história do universo contendo vida inteligente Ao contrário as histórias no tempo imaginário serão toda uma família de esferas ligeiramente deformadas cada uma correspondendo a uma história no tempo real na qual o universo infla por um longo tempo mas não indefinidamente Podemos então perguntar qual dessas histórias possíveis é a mais provável97 Essa incerteza também está intimamente relacionada com a noção de futuro contingente em que se opera uma ruptura com a experiência vulgar do tempo enquanto simples recondução do passado pois tudo se torna possível O futuro é verdadeiramente contingente indeterminado o instante é verdadeiramente instantâneo suspenso sem sequência previsível ou prescrita98 Projetos e promessas impulso prometeico perdem toda pertinência É a incerteza elevada ao quadrado Como aponta Ost99 toda ciência começa por uma recusa o espírito científico medese pela sua capacidade de requestionar as certezas do sentido comum tudo aquilo que Bachelard designava pelo nome de obstáculo epistemológico pois uma teoria nunca pode ser provada positivamente nem definitivamente lá pelo facto de termos contado milhares de cisnes brancos como poderíamos ter a certeza de não existir pelo menos um que fosse preto A ciência está sempre em suspenso Nessa perspectiva de incerteza a ordem é pois excepcional é o caos que é regra A própria democracia é uma política de indeterminação pois torna o poder infigurável Ao contrário do totalitarismo explica Ost100 na democracia ninguém tem o direito natural de deter o poder Ninguém pode aspirar exercêlo de forma durável Nenhuma força ou partido poderá apropriarse do poder senão por meio do abuso Enquanto o totalitarismo erradica o conflito e reduz toda espécie de oposição a democracia está baseada no pluralismo de opiniões e na sua oposição conflitual é uma visão de caos como regra A democracia não elimina o conflito apenas tenta garantir um desfecho negociável por meio de procedimentos aceitos Nunca há uma conclusão mas apenas uma decisão que gera um acordo apenas parcial uma verdade aproximada Inserida na epistemologia da incerteza a democracia está centrada num conflito interminável pois ela é essencialmente transgressiva e desprovida de base estável Recordemos que etimologicamente político não se refere apenas a polis mas também a polemos isto é à guerra de forma que o espaço político não é apenas aquele reconciliado e harmônico da ordem consensual mas também do conflito A arte consiste em transformar o antagonismo potencialmente destruidor em agonismo democrático101 173 RISCO ENDÓGENO PROCESSO COMO GUERRA OU JOGO Mas o risco e a incerteza não estão apenas fora ou em torno do processo São inerentes ao próprio processo seja ele civil ou penal A noção de processo como relação jurídica estruturada na obra de Bülow102 foi fundante de equivocadas noções de segurança e igualdade que brotaram da chamada relação de direitos e deveres estabelecidos entre as partes e entre as partes e o juiz O erro foi o de crer que no processo penal houvesse uma efetiva relação jurídica com um autêntico processo de partes A teoria do processo como uma relação jurídica a seguir analisada no Capítulo Teorias acerca da natureza jurídica do processo penal é um marco relevante para o estudo do conceito de partes principalmente porque representou uma evolução de conteúdo democráticoliberal do processo em um momento em que o processo penal era visto como uma simples intervenção estatal com fins de desinfecção social ou defesa social103 Com certeza foi muito sedutora a tese de que no processo haveria um sujeito que exercitasse nele direitos subjetivos e principalmente que poderia exigir do juiz que efetivamente prestasse a tutela jurisdicional solicitada sob a forma de resistência defesa Apaixonante ainda a ideia de que existiria uma relação jurídica obrigatória do juiz com relação às partes que teriam o direito de lograr por meio do ato final um verdadeiro clima de legalidade e restabelecimento da paz social Tal relação deveria instaurarse entre as partes MP e réu e o juiz dando origem a uma reciprocidade de direitos e obrigações processuais Ademais a existência de partes constitui uma exigência lógica da instituição da própria estrutura dialética do processo pois dogmaticamente o processo não pode ser concebido sem a existência de partes contrapostas ao menos in potentia104 Mas a tese de Bülow gerou diversas críticas e sem dúvida a mais apropriada veio de James Goldschmidt e sua teoria do processo como situação jurídica tratada na sua célebre obra Prozess als Rechtslage publicada em Berlim em 1925 e posteriormente difundida em diversos outros trabalhos do autor Goldschmidt ataca primeiramente os pressupostos da relação jurídica em seguida nega a existência de direitos e obrigações processuais ou seja o próprio conteúdo da relação e por fim reputa definitivamente como estática ou metafísica a doutrina vigente nos sistemas processuais contemporâneos Nesse sentido os pressupostos processuais não representam pressupostos do processo deixando por sua vez de condicionar o nascimento da relação jurídica processual para ser concebidos como pressupostos da decisão sobre o mérito Interessanos pois a crítica pelo viés da inércia e da falsa noção de segurança que traz ínsita a teoria do processo enquanto relação jurídica Foi Goldschmidt quem evidenciou o caráter dinâmico do processo ao transformar a certeza própria do direito material na incerteza característica da atividade processual Na síntese do autor durante a paz a relação de um Estado com seus territórios de súditos é estática constitui um império intangível Sem embargo ensina Goldschmidt quando a guerra estoura tudo se encontra na ponta da espada os direitos mais intangíveis se convertem em expectativas possibilidades e obrigações e todo direito pode se aniquilar como consequência de não ter aproveitado uma ocasião ou descuidado de uma obrigação como pelo contrário a guerra pode proporcionar ao vencedor o desfrute de um direito que não lhe corresponde105 Ficamos apenas nessa introdução pois a Teoria de James Goldschmidt será analisada com profundidade no próximo capítulo quando trataremos da natureza jurídica do processo penal Essa rápida exposição do pensamento de Goldschmidt serve para mostrar que o processo assim como a guerra está envolto por uma nuvem de incerteza A expectativa de uma sentença favorável ou a perspectiva de uma sentença desfavorável está sempre pendente do aproveitamento das chances e da liberação de cargas Em nenhum momento temse a certeza de que a sentença será procedente A acusação e a defesa podem ser verdadeiras ou não uma testemunha pode ou não dizer a verdade assim como a decisão pode ser acertada ou não justa ou injusta o que evidencia sobremaneira o risco no processo O mundo do processo é o mundo da instabilidade de modo que não há que se falar em juízos de segurança certeza e estabilidade quando se está tratando com o mundo da realidade o qual possui riscos que lhes são inerentes É evidente que não existe certeza segurança nem mesmo após o trânsito em julgado pois a coisa julgada é uma construção técnica do direito que nem sempre encontra abrigo na realidade algo assim como a matemática na visão de Einstein106 É necessário destacar que o direito material é um mundo de entes irreais vez que construí do à semelhança da matemática pura enquanto o mundo do processo como anteriormente mencionado identificase com o mundo das realidades concretização pelo qual há um enfrentamento da ordem judicial com a ordem legal Por derradeiro tanto no jogo Calamandrei como na guerra Goldschmidt importam a estratégia e o bom manuseio das armas disponíveis Mas acima de tudo são atividades de alto risco envoltos na nuvem de incerteza Não há como prever com segurança quem sairá vitorioso Assim deve ser visto o processo uma situação jurídica dinâmica inserida na lógica do risco e do giuoco Reina a incerteza até o final A consciência dessa realidade processual é fundamental para definirmos um sistema de garantias mínimas e também demarcar o melhor possível o espaço decisório Importante compreender que a assunção da incerteza e da insegurança diz respeito à dinâmica do processo e não significa em hipótese alguma que estejamos avalizando o decisionismo107 174 ASSUMINDO OS RISCOS E LUTANDO POR UM SISTEMA DE GARANTIAS MÍNIMAS Em que pese o risco inerente ao jogo ou à guerra em qualquer dos dois casos é necessário definir um sistema ainda que mínimo de regras limites Diante desse cenário de risco total em que o processo penal se insere mais do que nunca devemos lutar por um sistema de garantias mínimas Não é querer resgatar a ilusão de segurança mas sim assumir os riscos e definir uma pauta de garantias formais das quais não podemos abrir mão É partir da premissa de que a garantia está na forma do instrumento jurídico e que no processo penal adquire contornos de limitação ao poder punitivo estatal e emancipador do débil submetido ao processo Nessa linha pensamos que se deve maximizar a eficácia das garantias do devido processo penal108 a jurisdicionalidade especialmente no que tange ao juiz natural e à imparcialidade b princípio acusatório ou dispositivo fundando o sistema acusatório em conformidade com a Constituição c presunção de inocência enquanto préocupação de espaços mentais do julgador e portanto no viés de dever de tratamento e regra de julgamento d ampla defesa e contraditório ainda que distintas são duas garantias que mantêm íntima relação e interação necessitando ser maximizadas no processo penal e motivação das decisões especialmente no viés de legitimação do poder jurisdicional exercido e instrumento de controle contra o decisionismo e o arbítrio Não se trata de mero apego incondicional à forma senão de considerála uma garantia do cidadão e fator legitimante da pena ao final aplicada Mas é importante destacar não basta apenas definir as regras do jogo Não é qualquer regra que nos serve pois como sintetiza Jacinto Coutinho109 devemos ir para além delas regras do jogo definindo contra quem se está jogando e qual o conteúdo ético e axiológico do próprio jogo Nossa análise situase nesse desvelar do conteúdo ético e axiológico do jogo e de suas regras indo muito além do mero paleopositivismo Estamos com Bueno de Carvalho110 ao defender a positividade combativa segundo a qual devemos lutar pela máxima eficácia dos direitos e das garantias fundamentais fazendo com que tenham vida real Como define o autor É o reconhecimento de que o direito positivado por muitas vezes resume conquistas democráticas embora outras tantas vezes não seja aplicado E em tal acontecendo há que se o fazer viger111 Tampouco podemos confundir garantias com impunidade como insistem alguns defensores do terrorismo penal subvertendo o eixo do discurso As garantias processuais defendidas aqui não são geradoras de impunidade senão legitimantes do próprio poder punitivo que fora desses limites é abusivo e perigoso A discussão como muito pode situarse no campo da relação ônusbônus Que preço estamos dispostos a pagar por uma segurança que como apontado sempre será mais simbólica e sedante do que efetiva e que obviamente sempre terá uma grande margem de falha ausência de controle De que parcela da esfera de liberdade individual estamos dispostos a abrir mão em nome do controle estatal É aceitável que em situações extremas e observadas as garantias legais tenhamos de nos sujeitar a uma interceptação telefônica judicialmente autorizada por exemplo Contudo será que estamos dispostos a permitir que essas conversas sejam reproduzidas e exploradas pelos meios de comunicação Em definitivo é importante compreender que repressão e garantias processuais não se excluem senão que coexistem Radicalismos à parte devemos incluir nessa temática a noção de simultaneidade em que o sistema penal tenha poder persecutório punitivo e ao mesmo tempo esteja limitado por uma esfera de garantias processuais e individuais Considerando que risco violência e insegurança sempre existirão é sempre melhor risco com garantias processuais do que risco com autoritarismo Em última análise pensamos desde uma perspectiva de redução de danos em que os princípios constitucionais não significam proteção total até porque a falta ensina Lacan é constitutiva e sempre lá estará sob pena de incidirmos na errônea crença na segurança e sermos vítimas de nossa própria crítica Tratase assim de reduzir os espaços autoritários e diminuir o dano decorrente do exercício abusivo ou não do poder Uma verdadeira política processual de redução de danos pois repitase o dano como a falta sempre lá estará Ademais é preferível um sistema que falhe em alguns casos por falta de controle ou de limitação da esfera de liberdade individual do que um Estado policialesco e prepotente pois a falha existirá sempre O problema é que nesse último caso o risco de inocentes pagarem pelo erro é infinitamente maior e este é um custo que não podemos tolerar sem resistir 18 A CRISE DO PROCESSO PENAL CRISE EXISTENCIAL CRISE IDENTITÁRIA DA JURISDIÇÃO E A CRISE DE INEFICÁCIA DO REGIME DE LIBERDADE NO PROCESSO PENAL O processo penal brasileiro vive hoje uma grave crise especialmente pela ineficácia da base principiológica da Constituição e da Convenção Americana de Direitos Humanos A premissa goldschmidtiana de que o processo penal é um termômetro dos elementos democráticos ou autoritários da respectiva Constituição não está sendo posta em prática O processo penal brasileiro deveria se constitucionalizar e democratizar abrindose para a esfera protetiva ali estabelecida bem como se convencionalizando Sem embargo a prática forense fruto de uma forte cultura inquisitória arraigada opera em sentido inverso comprime a esfera de proteção constitucional e convencional para entrar na forma auto ritária do código Por conta disso enfrentamos uma grave crise no processo penal que precisa ser analisada a partir de três dimensões 1a Crise existencial do processo penal 2a Crise identitária da jurisdição penal 3a Crise de ineficácia do regime de liberdade no processo penal Somente a partir da compreensão desses três pontos de estrangulamento é que poderemos buscar medidas de redução de danos que permitirão a evolução do processo penal brasileiro e sua melhor conformação constitucional e convencional 181 A CRISE EXISTENCIAL DO PROCESSO PENAL É AINDA O PROCESSO O CAMINHO NECESSÁRIO PARA CHEGAR À PENA Como visto no início deste capítulo o processo penal tem sua existência justificada a partir da compreensão do princípio da necessidade nullum crime sine iudicio isto é na impossibilidade de que se tenha a imposição de uma pena sem prévio processo penal Essa concepção de processo como caminho necessário para se chegar à pena é fundante da própria existência do processo e constitui uma grande evolução civilizatória da humanidade Nessa perspectiva também fortalece o conjunto de regras que estruturam o devido pro cesso penal É uma concepção tradicional e ainda vigente e plenamente aplicável para a imensa maioria dos processos criminais que tramitam no Brasil Sem embargo gradativamente começa a tomar força outra via de resolução dos casos penais a justiça negocial Consideramos que justiça negocial é um gênero no qual se inserem como espécies as formas de negociação sobre a pena transação penal acordos sobre a abreviação do rito com diminuição da pena e também a delaçãocolaboração premiada Essas formas de negociação ou espaços de consenso acarretam a possibilidade de fixação de uma pena sem a tramitação completa do processo rompendo com o modelo tradicional do confronto e do nulla poena sine iudicio A expansão desses espaços negociais não é uma tendência nova e tampouco nos parece que seja passageira Vamos começar pela compreensão antropológica desse instituto Como já explicamos no início desta obra vivemos em uma sociedade hiperacelerada regida pela velocidade como dirão com algumas variações conceituais mas com um mesmo núcleo fundante Bauman Virillo Morin Pascal Bruckner ComteSponville e os prin cipais pensadores contemporâneos Estamos imersos numa narcose dromológica sedados pelo instantâneo e o imediato onde qualquer demora por menor que seja nos causa um imenso sofrimento François Ost112 mostra a dicotomia entre o tempo social e o tempo do direito mas também entre o tempo na sociedade e o tempo no direito Nessa perspectiva de hiperaceleração é claro que o processo penal também é filho da flecha do tempo ou seja também sofre esse influxo ainda que o tempo do processo ainda seja muito mais lento e demorado que o tempo da sociedade Claro que essa aceleração vai exigir o difícil equilíbrio que está na recusa aos dois extremos de um lado o atropelo de direitos e garantias fundamentais que não pode ser admitido de outro a necessidade de que o processo tramite sem uma demora excessiva É aqui que se situa a complexa compreensão do que seja um processo penal no prazo razoável O problema é que o fetiche da velocidade e da aceleração é muito forte por qualquer ângulo que se mire mas é especialmente forte no viés economicista eficientista e utilitarista que tanto exige do processo penal É talvez a mais cruel das acelerações que o processo penal pode sofrer pois implica grave violação e restrição de direitos e garantias fundamentais Com razão Figueiredo Dias113 chama de processo penal dotado de eficiência funcionalmente orientada É um incremento de estruturas de consenso em detrimento de estruturas de conflito para atender à ultrapassagem do atual modelo de sobrecarga da justiça para o modelo de eficiência funcionalmente orientada explica o autor português com precisão e síntese No Brasil o cenário é ainda mais grave pois se criou um ciclo vicioso autofágico até Temos uma panpenalização banalização do direito penal pois acreditamos que o direito penal é a tábua de salvação para todos os males que afligem esta jovem democracia com uma grave e insuperável desigualdade social Como tudo é direito penal quase tudo acaba virando processo penal com um entulhamento descomunal das varas criminais e tribunais Não existe sistema de justiça que funcione nesse cenário e o nosso é um exemplo claro disso A banalização do direito penal gera uma enxurrada diária de acusações muitas por condutas absolutamente irrelevantes outras por fatos que poderiam ser objeto do direito administrativo sancionador ou de outras formas de resolução de conflitos e ainda uma quantidade imensa de acusações por condutas aparentemente graves e relevantes mas carentes de justa causa sem um suporte probatório suficiente para termos um processo penal em decorrência da má qualidade da investigação preliminar também fruto no mais das vezes da incapacidade de dar conta do imenso volume de notíciascrimes Diante do volume gigantesco de acusações e processos é óbvio que o sistema de administração de justiça dos juízes de primeiro grau às cortes superiores o congestionamento é colossal não funciona adequadamente E mesmo que eventualmente se tenha uma vara criminal em determinada cidade cujos filtros funcionem bem todos os seus processos acabarão desaguando no mesmo lugar primeiro nos tribunais de apelação todos abarrotados e depois no Superior Tribunal de Justiça aqui então o estrangulamento é evidente basta constatar que existem duas turmas criminais 5a e 6a Turmas para julgar recursos especiais habeas corpus mandados de segurança ações penais originárias etc de todo o país Qual a consequência Uma justiça criminal lenta e que não dá conta da demanda gerando demoras imensas Diante da ineficácia do sistema de administração da justiça agravase a percepção de impunidade gerando um cenário fértil para os discursos punitivistas Nada funciona a sensação de impunidade cresce e a quantidade de crimes praticados só aumenta O que fazer Ministrar mais doses de direito penal simbólico novos tipos penais aumento de penas e mais endurecimento E o ciclo se repete E o sistema carcerário Superlotado e absolutamente sem controle Com isso reina a barbárie o domínio das facções do crime organizado da corrupção e se retroalimenta o ciclo da violência urbana Quem lucra com todo esse descontrole O crime organizado e as facções que realmente dominam e controlam o sistema carcerário brasileiro E na esfera processual A crise de credibilidade do processo e da jurisdição conduz à ampliação dos casos de prisão preventiva a menos liberdade no processo menos direitos e garantias processuais e mais eficiência leiase atropelo procedimental Em suma conduz à ilusão de que acelerando de forma utilitarista os processos restringindo recursos limitando o uso do habeas corpus e ampliando o espaço de justiça negocial se chega o mais rápido possível a uma pena de preferência sem precisar do processo Ainda que em uma esfera de apenamento restrita os institutos da transação penal e da suspensão condicional do processo instituídos pela Lei n 909995 comprovam o quão problemática pode ser a negociação no processo penal A Lei n 909995114 inseriu o processo penal brasileiro na perspectiva da justiça negociada e dos espaços de consenso Para além do velado fundamento utilitarista o modelo vem envolto por uma fina camada argumentativa de que seria uma imposição ou decorrência lógica e necessária da adoção do sistema processual acusatório É um argumento insustentável pois o sistema acusatório se funda no princípio dispositivo no fato de que a iniciativa e a gestão da prova estão nas mãos das partes115 juizespectador A lógica da plea negotiation se situa em outra dimensão conduzindo a um afastamento do Estadojuiz das relações sociais não atuando mais como interventor necessário mas apenas assistindo de camarote ao conflito A negociação guarda relação com a disponibilidade do objeto do processo penal pretensão acusatória116 e da própria acusação bem como com a flexibilização do princípio da necessidade No que diz respeito à transação penal Prado117 faz longo e criterioso trabalho de crítica demonstrando todos os inconvenientes do instituto e desvelando a falácia do discurso favorável à transação penal Bastaria reconhecer a gravíssima e insuperável violação do princípio da necessidade fundante e legitimante do processo penal contemporâneo para compreender que a transação penal é absolutamente ilegítima pois constitui a aplicação de uma pena sem prévio processo Põese por terra a garantia básica do nulla poena sine iudicio A transação penal não dispõe explica o autor de um verdadeiro procedimento jurisdicional conforme a noção de devido processo legal Tampouco entendemos que o sistema negocial colabore para aumentar a credibilidade da justiça pois ninguém gosta de negociar sua inocência Não existe nada mais repugnante que diante de frustrados protestos de inocência ter de decidir entre reconhecer uma culpa inexistente em troca de uma pena menor ou correr o risco de se submeter a um processo que será desde logo desigual É um poderoso estímulo negativo saber que terá de enfrentar um promotor cuja imparcialidade ainda sustentada por muitos e com a qual não concordamos imposta por lei foi enterrada junto com a frustrada negociação e que acusará de forma desmedida inclusive obstaculizando a própria defesa Nossa crítica não se limita ao aspecto normativo da Lei n 909995 senão que vai à base epistemológica que a informa constatando que o problema será potencializado com o aumento das chamadas zonas de consenso como já está previsto no Projeto do CPP PL n 8045 art 283 Se acolhido o dispositivo estabelece que o acusado e o Ministério Público poderão requerer a aplicação imediata de pena nos crimes cuja sanção máxima cominada não ultrapasse 8 anos É uma significativa ampliação do campo negocial A Lei n 139642019 trouxe no seu art 28A118 o instituto do acordo de não persecução penal ampliando ainda mais o espaço negocial no processo penal A barganha e a justiça criminal negocial como manifestações dos espaços de consenso no processo penal vêm preocupando cada vez mais não só os estudiosos mas também os atores judiciários A tendência de expansão é evidente resta saber que rumo será tomado se seguirá o viés de influência do modelo norteamericano da plea bargaining o italiano do patteggiamento o práticoforense alemão cuja implantação evidenciou o conflito do law in action com o law in books se ampliaremos o crescente modelo brasileiro introduzido pela Lei n 909995 transação penal e suspensão condicional na Lei n 128502013 e a colaboração premiada chegando no acordo de não persecução penal Lei n 139642019 Que rumo tomar Quais os limites Que vantagens e inconvenientes isso representa São questões importantes a serem ponderadas Mas a aceleração procedimental pode ser levada ao extremo de termos uma pena sem processo e sem juiz Sim pois a garantia do juiz pode ficar reduzida ao papel de mero homologador do acordo muitas vezes feito às portas do tribunal No sistema norteamericano por exemplo muitas negociações são realizadas nos gabinetes do Ministério Público sem publicidade prevalecendo o poder do mais forte acentuando a posição de superioridade do parquet Explicam Figueiredo Dias e Costa Andrade119 que a plea bargaining nos Estados Unidos é responsável pela solução de 80 a 95 de todos os delitos Ademais as cifras citadas colocam em evidência que em oito ou nove de cada dez casos não existe nenhum contraditório Na mesma linha crítica e apontando cifras que vão de 90 a 97 de condenações com base em acordos está o trabalho de Vinícius Gomes de Vasconcellos120 A negotiation viola desde logo o pressuposto fundamental da jurisdição pois a violência repressiva da pena já não passa pelo controle jurisdicional e tampouco se submete aos limites da legalidade senão que está nas mãos do Ministério Público e submetida à sua discricionariedade Isso significa uma inequívoca incursão do Ministério Público em uma área que deveria ser dominada pelo tribunal que erroneamente limitase a homologar o resultado do acordo entre o acusado e o promotor Não sem razão afirmase que o promotor é o juiz às portas do tribunal O pacto no processo penal pode se constituir em um perverso intercâmbio que transforma a acusação em um instrumento de pressão capaz de gerar autoacusações falsas testemunhos caluniosos por conveniência obstrucionismo ou prevaricações sobre a defesa desigualdade de tratamento e insegurança O furor negociador da acusação pode levar à perversão burocrática em que a parte passiva não disposta ao acordo vê o processo penal transformarse em uma complexa e burocrática guerra Tudo é mais difícil para quem não está disposto ao negócio O acusador público disposto a constranger e obter o pacto a qualquer preço utilizará a acusação formal como um instrumento de pressão solicitando altas penas e pleiteando o reconhecimento de figuras mais graves do delito ainda que sem o menor fundamento A tal ponto pode chegar a degeneração do sistema que de forma clara e inequívoca o saber e a razão são substituídos pelo poder atribuído ao Ministério Público O processo ao final é transformado em um luxo reservado a quem estiver disposto a enfrentar seus custos e riscos Ferrajoli A superioridade do acusador público acrescida do poder de transigir faz com que as pressões psicológicas e as coações sejam uma prática normal para compelir o acusado a aceitar o acordo e também a segurança do mal menor de admitir uma culpa ainda que inexistente Nessa mesma perspectiva se situam os acordos de delaçãocolaboração premiada cabendo os mesmos questionamentos genéricos e mais alguns específicos A delaçãocolaboração121 inserese na perspectiva da justiça negocial e encontra na Lei n 128502013 seu principal mas não único diploma legislativo O grande problema é que a Lei n 128502013 ainda que seja a mais específica não tem suficiência normativa para dar conta do que a prática processual está fazendo e exigindo Por mais que se admita que o acordo sobre a pena seja uma tendência mundial e inafastável mais uma questão que preocupa muito é onde estão essas regras e limites na lei Onde está o princípio da legalidade Reserva de lei Será que não estamos indo no sentido da negociação mas abrindo mão de regras legais claras para cair no erro do decisionismo e na ampliação dos espaços indevidos da discricionariedade judicial Ou ainda na ampliação dos espaços discri cionários impróprios do Ministério Público Estamos preocupados não apenas com a banalização da delação premiada mas com a ausência de limites claros e precisos acerca da negociação É evidente que a Lei n 128502013 não tem suficiência regradora e estamos longe de uma definição clara e precisa acerca dos limites negociais A delação premiada enquanto forma de consenso sobre a pena precisa ser objeto de uma problematização muito mais complexa para além da simples recusa pois ela está aí como por exemplo a Quais os limites quantitativos e qualitativos acerca da pena Como fixar uma pena de 15 anos em regime de prisão domiciliar E as penas acessórias Qual o critério para fixação dos valores milionários a serem restituídos ou pena pecuniária b Em caso de não oferecimento da denúncia como se dará o controle do cumprimento das condições estabelecidas c Que critérios devem pautar a decisão de não oferecer denúncia por parte do Ministério Público como condição do acordo Há possibilidade de controle e revisão dessa decisão d Uma vez feita mas por qualquer motivo não efetivada ou descumprida como vamos lidar com a confissão já realizada E o prejulgamento como fica O juiz que teve contato com a confissãodelação deve ser afastado ou continuaremos com a ilusão de que não há quebra da imparcialidade de que o juiz pode dar um rewind e deletar o que ouviu viu e leu e Nos casos penais de competência do tribunal do júri como se dará o julgamento Haverá júri e os jurados poderão não homologar a delação E a íntima convicção como fica Ha verá quesitação sobre a delação Ou com a negociação usurparemos a competência do júri f Havendo assistente da acusação poderá se opor a negociação sobre a pena Qual o espaço da vítima no ritual negocial Ela poderá estabelecer condições ou será ignorada como ocorre na transação penal oferecida pelo Ministério Público nas ações penais de iniciativa privada g Existe um direito do imputado ao acordo ou ele é um poder discricionário do Ministério Público h Qual o nível e a dimensão de controle jurisdicional feito Qual o papel do juiz no espaço negocial sem que ele deixe de ser juiz ou seja imparcial Muitas são as perguntas não respondidas pelo sistema jurídico brasileiro chegandose a uma elasticidade e decisionismo igualmente absurdo de fixar uma pena de 15 anos de reclusão a ser cumprida em regime de reclusão doméstica ou prisão domiciliar absolutamente fora de tudo o que temos no Código Penal brasileiro Depois vem um regime semiaberto diferenciado e uma progressão para o regime aberto diferenciado após dois anos tudo isso sob o olhar atônito do Código Penal que não se reconhece nessa execução penal à la carte E esses regimes diferenciados Onde esses novos regimes estão previstos no CP no CPP ou na LEP E isso nos conduz a uma reflexão importante Como fica o princípio da legalidade Os juristas portugueses José Joaquim Gomes Canotilho e Nuno Brandão122 analisando um pedido de cooperação feito pela justiça brasileira a Portugal em que se debruçaram sobre dois conhecidos acordos de delação premiada Paulo Roberto Costa e Alberto Youssef também fizeram esse questionamento E chegaram a uma reflexão perturbadora que os compromissos acordos de delação padecem de tantas e tão ostensivas ilegalidades e inconstitucionalidades que de forma alguma pode admitirse o uso e a valoração de meios de prova através deles conseguidos E é terminantemente proibida a promessa eou a concessão de vantagens desprovidas de expressa base legal como os regimes de cumprimento acima mencionados ressaltaram os professores Assim eles declararam que não é possível reduzir uma pena em mais de dois terços ou conceder perdão judicial a um crime não mencionado pela lei das organizações criminosas pois em tais casos o juiz substituirseia ao legislador numa tão gritante quanto constitucionalmente intolerável violação de princípios fundamentais do e para o Estado de direito como são os da separação de poderes da legalidade criminal da reserva de lei e da igualdade na aplicação da lei Portanto nessa perspectiva graves ilegalidades estão ocorrendo Mas antes de pensarmos que legislar é a solução para tudo isso façamos mais um questionamento já foi elaborado um sério e profundo estudo de impacto carcerário da expansão do espaço negocial A expansão da possibilidade de concretização antecipada do poder de punir por meio do reconhecimento consentido da culpabilidade não representará um aumento significativo da nossa já inchada população carcerária Como o sistema carcerário sucateado e medieval que temos irá lidar com isso Pois é parece que mais uma vez legislaremos primeiro para ver o que vai ocorrer depois Dessarte estamos entrando sem muito rumo ou prumo em terreno minado em grande parte desconhecido e muito perigoso para o processo penal democrático e constitucional E quem não estiver disposto a colaborar Surge o mesmo problema anteriormente apontado na justiça negocial o processo se transforma em uma perigosa aventura Os acusados que se recusam a aceitar a delação ou negociação são considerados incômodos e nocivos e sobre eles pesará todo o rigor do direito penal tradicional em que qualquer pena acima de 4 anos impede a substituição e acima de 8 anos impõe o regime fechado O panorama é ainda mais assustador quando ao lado da acusação está um juiz pouco disposto a levar o processo até o final quiçá mais interessado que o próprio promotor em que aquilo acabe o mais rápido e com o menor trabalho possível recordemos da eficiência funcionalmente orientada de Figueiredo Dias Quando as pautas estão cheias e o sistema passa a valorar mais o juiz pela sua produção quantitativa do que pela qualidade de suas decisões o processo assume sua face mais nefasta e cruel É a lógica do tempo curto atropelando as garantias fundamentais em nome de maior eficiência A prisão preventiva também tem sido distorcida para forçar acordos de delação premiada mostrando a outra dimensão da crise a seguir tratada da ineficácia da liberdade no processo penal na seguinte disfunção delata para não ser preso ou delata para ser solto ou ainda é solto para delatar E mais em processos como esse as penas aplicadas aos que não fizeram acordo são estratosféricas evidenciando que se criou uma nova função para a pena privativa de liberdade ao lado das funções de prevenção geral e especial temos agora a prevenção negocial A mensagem é muito clara ou colabora e aceita o perverso negócio ou se prepare para uma pena exemplar É a comprovação de que o processo penal acabou se transformando em uma perigosa aventura para quem não estiver disposto ao acordo Também é preciso que o processo penal brasileiro reposicione o Ministério Público na persecução penal pois a vingar um modelo negocial já não há espaço para os princípios da obrigatoriedade e indisponibilidade da acusação e a indisponibilidade do objeto do processo penal São questões que não podem coexistir com a concepção tradicional ainda vigente 182 CRISE IDENTITÁRIA DA JURISDIÇÃO PENAL UM JUIZ PARA QUEM A INCOMPREENDIDA IMPARCIALIDADE JUDICIAL Considerando que a imparcialidade do juiz é o princípio supremo do processo Pedro Aragoneses Alonso123 a posição do juiz no processo penal é fundante do sistema inquisitório ou acusatório sendo a crise identitária da jurisdição a mais grave de todas Poderíamos considerar que é a crise primeva instituidora de todo o problema na medida em que vai se refletir nas demais O ponto nevrálgico reside nestas três perguntas 1 Qual o lugar do juiz no processo penal 2 Qual a função desse juiz 3 A que expectativas deve corresponder a atuação do juiz penal As questões propostas são de extrema complexidade mas inexoravelmente acabam se unindo e mirando para um mesmo ponto comum o que é a imparcialidade judicial A imparcialidade é uma construção técnica artificial do direito processual para criar um terceiro estruturalmente afastado das partes remontando à estrutura dialética de actum trium personarum de Búlgaro de Sassoferrato Obviamente que não se confunde com a neutralidade inexistente nas relações sociais na medida em que o juiz é um juiznomundo Esse afastamento estrutural exige que a esfera de atuação do juiz não se confunda com a esfera de atuação das partes constituindo uma vedação a que o juiz tenha iniciativa acusatória e também probatória Eis o pecado reducionista de muitos pensar que basta a mera separação inicial de atividades acusadorjulgador para termos um processo penal acusatório e constitucional O erro está em considerar que essa separação deve ser apenas inicial com um acusador distinto do julgador Grave reducionismo porque de nada adianta uma separação inicial se depois permitirmos que o juiz desça e pratique atos tipicamente de parte como por exemplo determinando a produção de provas de ofício condenando sem pedido ou nas atuações ex officio vg prisão busca e apreensão etc sem pedido O ne procedat iudex ex officio deve ser levado a sério e obviamente demarcar a posição do juiz durante todo o processo e não apenas no início O ativismo judicial o condenar sem pedido o buscar provas de ofício tudo isso produz um deslocamento estrutural que fulmina a posição do juiz por sacrificar o princípio supremo do processo a imparcialidade Não se pode repetimos pensar a estrutura sistêmica do processo e a posição do juiz de forma desconectada da imparcialidade Daí a imensa importância do art 3ºA infelizmente suspenso ainda pela liminar do Min Fux que dispõe Art 3ºA O processo penal terá estrutura acusatória vedadas a iniciativa do juiz na fase de investigação e a substituição da atuação probatória do órgão de acusação Afirmado no CPP que o processo penal terá estrutura acusatória demarca o legislador no Código a necessidade óbvia mas não respeitada de respeitar uma regra de ouro Jacinto Coutinho cada parte no seu lugar constitucionalmente demarcado Especificamente sobre o sistema acusatório será tratado no Capítulo 3 mas cumpre demonstrar aqui que existe uma íntima relação entre sistema processual lugar do juiz e imparcialidade Uma regra que reflete de forma direta no princípio supremo da imparcialidade que deve ser tratada dentro da sua complexidade conceitual englobando aquilo que a doutrina italiana chama de terzietà um estranhamento alheamento a estética de afastamento e a originalidade cognitiva E sempre recordando que isso somente poderá ser possível no marco do processo penal acusatório É claro que a garantia do juiz natural é fundamental mas sobre isso a doutrina já se debruçou com suficiente profundidade Nossa preocupação aqui está focada em outra dimensão a imparcialidade O juiz brasileiro por culpa da estrutura processual adotada até então já inicia o processo completamente contaminado e sem a necessária originalidade cognitiva na medida em que a prevenção fixa a competência Já tratamos desse tema anteriormente124 mas é necessário voltar constantemente a ele A reforma trazida pela Lei n 139642019 pretende exatamente romper com essa estrutura inquisitória e superar esses problemas Não é suficiente apenas ter um juiz natural e competente é necessário que ele reúna algumas qualidades mínimas para estar apto a desempenhar seu papel de garantidor da eficácia do sistema de garantias da Constituição função do juiz penal A imparcialidade do órgão jurisdicional é um princípio supremo do processo fundante da própria estrutura dialética Como explica Carnelutti125 que el juicio es un mecanismo delicado como un aparato de relojería basta cambiar la posición de una ruedecilla para que el mecanismo resulte desequilibrado e comprometido Seguindo Werner Goldschmidt126 o termo partial expressa a condição de parte na relação jurídica processual e por isso a impartialidade do julgador constitui uma consequência lógica da adoção da heterocomposição por meio da qual um terceiro impartial substitui a autonomia das partes Já a parcialidade significa um estado subjetivo emocional um estado anímico do julgador A imparcialidade corresponde exatamente a essa posição de terceiro que o Estado ocupa no processo por meio do juiz atuando como órgão supraordenado às partes ativa e passiva Mais do que isso exige uma posição de terzietà127 um estar alheio aos interesses das partes na causa ou na síntese de Jacinto Coutinho128 não significa que ele está acima das partes mas que está para além dos interesses delas Por isso W Goldschmidt129 sintetiza que la imparcialidad del juez es la resultante de las parcialidades de los abogados ou das partes A imparcialidade pode ser dividida em subjetiva e objetiva A imparcialidade subjetiva diz respeito ao estado anímico do juiz isto é à ausência de prejulgamentos em relação àquele caso penal e seu autor É a inexistência de prévia tomada de decisão capaz de gerar os préjuízos que causam um imenso prejuízo Essa discussão é muito importante quando se trata de avaliar a contaminação pela tomada prévia de decisões que acabam se aproximando em demasia do próprio julgamento do mérito do caso penal É o que ocorre por exemplo quando o juiz atendendo a pedido do Ministério Público mesmo que não seja de ofício portanto decreta na fase préprocessual medidas cautelares pessoais vg prisão preventiva uma busca e apreensão quebra de sigilo telefônico etc Daí uma vez mais a imprescindibilidade do sistema doble juez ou seja que o juiz que atua na fase investigatória não seja o mesmo que depois instrua e julgue É a evidência de que o juiz das garantias art 3ºB e ss e a prevenção como causa de exclusão da competência nesta perspectiva de não ser o mesmo juiz são instrumentos absolutamente necessários Enfrentando esses resquícios inquisitórios e a problemática acerca da imparcialidade o Tribunal Europeu de Direitos Humanos TEDH especialmente nos casos Piersack de 1o de outubro de 1982 e De Cubber de 26 de outubro de 1984 consagrou o entendimento de que o juiz com poderes investigatórios é incompatível com a função de julgador Ou seja se o juiz lançou mão de seu poder investigatório na fase préprocessual não poderá na fase processual ser o julgador É uma violação do direito ao juiz imparcial consagrado no art 61 do Convênio para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais de 1950 Segundo o TEDH a contami nação resultante dos préjuízos conduz à falta de imparcialidade subjetiva ou objetiva Desde o caso Piersack de 1982 entendese que a imparcialidade subjetiva alude à convicção pessoal do juiz concreto que conhece de um determinado assunto e desse modo a sua falta de préjuízos Importante contribuição nos traz a teoria da dissonância cognitiva para a compreensão da imparcialidade subjetiva do juiz Como explica Schünemann130 grave problema existe no fato de o mesmo juiz receber a acusação realizar a audiência de instrução e julgamento e posteriormente decidir sobre o caso penal Existe não apenas uma cumulação de papéis mas um conflito de papéis não admitido como regra pelos juízes que se ancoram na formação profissional comprometida com a objetividade Tal argumento nos remete a uma ingênua crença na neutralidade e supervalorização de uma impossível objetividade na relação sujeitoobjeto já tão desvelada pela superação do paradigma cartesiano ainda não completamente compreendido Ademais desconsidera a influência do inconsciente que cruza e permeia toda a linguagem e a dita razão Em linhas introdutórias a teoria da dissonância cognitiva desenvolvida na psicologia social analisa as formas de reação de um indivíduo diante de duas ideias crenças ou opiniões antagônicas incompatíveis geradoras de uma situação desconfortável bem como a forma de inserção de elementos de consonância mudar uma das crenças ou as duas para tornálas compatíveis desenvolver novas crenças ou pensamentos etc que reduzam a dissonância e por consequência a ansiedade e o estresse gerado Podese afirmar que o indivíduo busca como mecanismo de defesa do ego encontrar um equilíbrio em seu sistema cognitivo reduzindo o nível de contradição entre o seu conhecimento e a sua opinião É um anseio por eliminação das contradições cognitivas explica Schünemann O autor traz a teoria da dissonância cognitiva para o campo do processo penal aplicandoa diretamente sobre o juiz e sua atuação até a formação da decisão na medida em que precisa lidar com duas opiniões antagônicas incompatíveis teses de acusação e defesa bem como com a sua opinião sobre o caso penal que sempre encon trará antagonismo perante uma das outras duas acusação ou defesa Mais do que isso considerando que o juiz constrói uma imagem mental dos fatos a partir dos autos do inquérito e da denúncia para recebêla é inafastável o prejulgamento agravado quando ele decide anteriormente sobre prisão preventiva medidas cautelares etc É de supor afirma Schünemann que tendencialmente o juiz a ela a imagem já construída se apegará de modo que ele tentará confirmála na audiência instrução isto é tendencialmente deverá superestimar as informações consoantes e menosprezar as informações dissonantes Para diminuir a tensão psíquica gerada pela dissonância cognitiva haverá dois efeitos Schünemann a efeito inércia ou perseverança mecanismo de autoconfirmação de hipóteses superestimando as informações anteriormente consideradas corretas como as informações fornecidas pelo inquérito ou a denúncia tanto que ele as acolhe para aceitar a acusação pedido de medida cautelar etc b busca seletiva de informações onde se procuram predominantemente informações que confirmam a hipótese que em algum momento prévio foi aceita acolhida pelo ego gerando o efeito confirmadortranquilizador A partir disso Schünemann desenvolve uma interessante pesquisa de campo que acaba confirmando várias hipóteses entre elas a já sabida ainda que empiricamente por todos quanto maior for o nível de conhecimentoenvolvimento do juiz com a investigação preliminar e o próprio recebimento da acusação menor é o interesse dele pelas perguntas que a defesa faz para a testemunha e muito mais provável é a frequência com que ele condenará Toda pessoa procura um equilíbrio do seu sistema cognitivo uma relação não contraditória A tese da defesa gera uma relação contraditória com as hipóteses iniciais acusatórias e conduz à molesta dissonância cognitiva Como consequência existe o efeito inércia ou perseverança de autoconfirmação das hipóteses por meio da busca seletiva de informações Demonstra Schünemann que em grande parte dos casos analisados o juiz ao receber a denúncia e posteriormente instruir o feito passa a ocupar de fato a posição de parte contrária diante do acusado que nega os fatos e por isso está impedido de realizar uma avaliação imparcial processar as informações de forma adequada Grande parte desse problema vem do fato de o juiz ler e estudar os autos da investigação preliminar inquérito policial para decidir se recebe ou não a denúncia para decidir se decreta ou não a prisão preventiva formando uma imagem mental dos fatos para depois passar à busca por confirmação dessas hipóteses na instrução O quadro agravase se permitirmos que o juiz de ofício vá em busca dessa prova sequer produzida pelo acusador Enfim o risco de prejulgamento é real e tão expressivo que a tendência é separar o juiz que recebe a denúncia que atua na fase pré processual daquele que vai instruir e julgar ao final Conforme as pesquisas empíricas do autor os juízes dotados de conhecimentos dos autos a investigação não apreenderam e não armazenaram corretamente o conteúdo defensivo presente na instrução porque eles só apreendiam e armazenavam as informações incriminadoras que confirmavam o que estava na investigação O juiz tendencialmente apegase à imagem do ato que lhe foi transmitida pelos autos da investigação preliminar informações dissonantes desta imagem inicial são não apenas menosprezadas como diria a teoria da dissonância mas frequentemente sequer percebidas O quadro mental é agravado pelo chamado efeito aliança em que o juiz tendencialmente se orienta pela avaliação realizada pelo promotor O juiz vê não no advogado criminalista mas apenas no promotor a pessoa relevante que lhe serve de padrão de orientação Inclusive aponta a pesquisa o efeito atenção diminui drasticamente tão logo o juiz termine sua inquirição e a defesa inicie suas perguntas a ponto de serem completamente desprezadas na sentença as respostas dadas pelas testemunhas às perguntas do advogado de defesa Tudo isso acaba por constituir um caldo cultural onde o princípio do in dubio pro reo acaba sendo virado de pontacabeça na expressão de Schünemann pois o advogado vêse incumbido de pro var a incorreção da denúncia Entre as conclusões de Schünemann encontrase a impactante constatação de que o juiz é um terceiro inconscientemente manipulado pelos autos da investigação preliminar Da compreensão da teoria da dissonância cognitiva aplicada ao processo penal brasileiro pensamos que a é uma ameaça real e grave para a imparcialidade a atuação de ofício do juiz especialmente em relação à gestão e iniciativa da prova ativismo probatório do juiz e à decretação de ofício de medidas restritivas de direitos fundamentais prisões cautelares busca e apreensão quebra de sigilo telefônico etc tanto na fase préprocessual como na processual referente à imparcialidade nenhuma diferença existe com relação a qual momento ocorra b viola a imparcialidade o fato de o mesmo juiz receber a acusação e depois instruir e julgar o feito c precisamos da figura do juiz da investigação ou juiz das garantias como preferiu a reforma do CPP de 2019 que não se confunde com o juizado de instrução sendo responsável pelas decisões acerca de medidas restritivas de direitos fundamentais requeridas pelo investigador polícia ou MP e que ao final recebe ou rejeita a denúncia d é imprescindível a exclusão física dos autos do inquérito permanecendo apenas as provas cautelares ou técnicas irrepetíveis para evitar a contaminação e o efeito perseverança prevista no art 3ºC 3º do CPP infelizmente também suspenso pela liminar do Min Fux Considerando a complexidade do processo e de termos obviamente um juiznomundo devemse buscar medidas de redução de danos que diminuam a permeabilidade inquisitória e os riscos para a imparcialidade e a estrutura acusatória constitucionalmente demarcada Compreendida a imparcialidade subjetiva passemos para a imparcialidade objetiva A imparcialidade objetiva diz respeito a se tal juiz se encontra em uma situação dotada de garantias bastantes para dissipar qualquer dúvida razoável acerca de sua imparcialidade Em ambos os casos a parcialidade cria a desconfiança e a incerteza na comunidade e nas suas instituições Não basta estar subjetivamente protegido é importante que se encontre em uma situação jurídica objetivamente imparcial é a visibilidade ou estética de imparcialidade a seguir tratada O controle da imparcialidade objetiva acaba se mostrando extremamente útil diante das naturais dificuldades em ingressar na esfera de subjetividade do julgador e também da impossibilidade de comprovação empírica do seu estado anímico A imparcialidade objetiva diz respeito à posição que objetivamente o juiz ocupa na estrutura dialética do processo Já que é discutível a possibilidade de entrar na cabeça do juiz para verificar seu estado anímico sua interioridade sua subjetividade entendemos que o verdadeiro controle passa a ser feito a partir das suas condutas na dimensão objetiva estrutural Portanto não estão em debate as boas ou más intenções do juiz e tampouco sua motivação afastando os argumentos genéricos do estilo boa fé busca da justiça e outros coringas hermenêuticos Para que exista a imparcialidade objetiva o juiz não pode praticar atos típicos de parte como é a atuação ex officio na busca de provas ou na decretação de uma prisão Viola a imparcialidade toda vez que o juiz objetivamente sair do local estruturalmente demarcado qual seja de afastamento da arena das partes Sempre recordando a estrutura dialética de Búlgaro de Sassoferrato o juiz obrigatoriamente deve estar e assim permanecer em situação de afastamento da esfera de atuação das partes Quando o juiz sai desse lugar de estranhamento e descendo se mistura na arena das partes praticando atos típicos das partes como é a iniciativa probatória por exemplo ele estruturalmente se coloca em posição de parcialidade ou partialidade na medida em que se confunde com as partes ferindo de morte a garantia constitucional É uma questão estrutural objetivamente comprovável basta que saia do seu lugar para decretar a quebra da igualdade do contraditório e da própria estrutura dialética do processo Inclusive evidenciase falta de uma estética ou visibilidade de imparcialidade Essa estética de imparcialidade está vinculada à percepção dos jurisdicionados em relação ao juiz que é fundamental para que exista confiança na jurisdição Seguindo essas decisões do TEDH aduziu o Tribunal Constitucional espanhol STC 14588 entre outros fundamentos que o juizinstrutor não poderia julgar pois violava a chamada imparcialidade objetiva aquela que deriva não da relação do juiz com as partes mas sim de sua relação com o objeto do processo Ainda que a investigação preliminar suponha uma investigação objetiva sobre o fato consignar e apreciar as circunstâncias tanto adversas como favoráveis ao sujeito passivo o contato direto com o sujeito passivo e com os fatos e dados pode provocar no ânimo do juizinstrutor uma série de préjuízos e impressões a favor ou contra o imputado influenciando no momento de sentenciar Destaca o Tribunal uma fundada preocupação com a aparência de imparcialidade estética de imparcialidade que o julgador deve transmitir para os submetidos à Administração da Justiça pois ainda que não se produza o préjuízo é difícil evitar a impressão de que o juiz instrutor não julga com pleno alheamento Isso afeta negativamente a confiança que os tribunais de uma sociedade democrática devem inspirar nos justiçáveis especialmente na esfera penal Dessa forma há uma presunção de parcialidade do juiz instrutor que lhe impede julgar o processo que tenha instruído131 Outra decisão sumamente relevante foi proferida pelo TEDH no caso CastilloAlgar contra España STEDH de 28101998 na qual declarou vulnerado o direito a um juiz imparcial o fato de dois magistrados que haviam formado parte de uma Sala que denegou um recurso interposto na fase préprocessual também terem participado do julgamento Frisese que esses dois magistrados não atuaram como juízes de instrução mas apenas haviam participado do julgamento de um recurso interposto contra uma decisão interlocutória tomada no curso da instrução preliminar pelo juizinstrutor Isso bastou para que o TEDH entendesse comprometida a imparcialidade deles para julgar em grau recursal a apelação contra a sentença Imaginemos o que diria o TEDH diante do sistema brasileiro em que muitas vezes os integrantes de uma Câmara Criminal irão julgar do primeiro habeas corpus interposto contra a prisão preventiva passando pela apelação e chegando até a decisão sobre os agravos interpostos contra os incidentes da execução penal Mas não apenas os espanhóis enfrentaram esse problema Seguindo a normativa europeia ditada pelo TEDH o art 34 do Codice di Procedura Penale prevê entre outros casos a incompatibilidade do juiz que ditou a resolução de conclusão da audiência preliminar para atuar no processo e sentenciar Posteriormente a Corte Costituzionale através de diversas decisões132 declarou a incons ti tu cio na lidade por omissão desse dispositivo legal por não haver previsto outros casos de incompatibilidade com relação a anterior atuação do juiz na indagine preliminare Em síntese consagrou o princípio anteriormente explicado de que o juiz que atua na investigação preliminar está prevento e não pode presidir o processo ainda que somente tenha decretado uma prisão cautelar Sentença da Corte Costituzionale n 432 de 1591995 A jurisprudência brasileira engatinha neste terreno mas há decisões interessantes e que precisam ser estudadas Conforme o Informativo do STF n 528 de novembro de 2008 o Supremo Tribunal Federal no HC 94641BA rel orig Min Ellen Gracie rel p o acórdão Min Joaquim Barbosa julgado em 11 de novembro de 2008 a Turma por maioria concedeu de ofício habeas corpus impetrado em favor de condenado por atentado violento ao pudor contra a própria filha para anular em virtude de ofensa à garantia da imparcialidade da jurisdição o processo desde o recebimento da denúncia No caso no curso de procedimento oficioso de investigação de paternidade Lei n 856092 art 2o promovido pela filha do paciente para averiguar a identidade do pai da criança que essa tivera surgiram indícios da prática delituosa supra sendo tais relatos enviados ao Ministério Público O parquet no intuito de ser instaurada a devida ação penal denunciara o paciente vindo a inicial acusatória a ser recebida e processada pelo mesmo juiz daquela ação investigatória de paternidade Entendeuse que o juiz sentenciante teria atuado como se autoridade policial fosse em virtude de no procedimento preliminar de investigação de paternidade em que apurados os fatos ter ouvido testemunhas antes de encaminhar os autos ao Ministério Público para a propositura de ação penal grifos nossos Verificase que o ponto fundamental para a anulação foi viola a garantia da imparcialidade o fato de o juiz ter realizado atos de natureza instrutória de ofício apurando fatos e ouvindo testemunhas No mesmo processo o votovista do Min Cezar Peluso concluiu que pelo conteúdo da decisão do juiz restara evidenciado que ele teria sido influenciado pelos elementos coligidos na investigação preliminar Dessa forma considerou que teria ocorrido hipótese de ruptura da denominada imparcialidade objetiva do magistrado cuja falta incapacitao de todo para conhecer e decidir causa que lhe tenha sido submetida Esclareceu que a imparcialidade denomina se objetiva uma vez que não provém de ausência de vínculos juridicamente importantes entre o juiz e qualquer dos interessados jurídicos na causa sejam partes ou não imparcialidade dita subjetiva mas porque corresponde à condição de originalidade da cognição que irá o juiz desenvolver na causa no sentido de que não haja ainda de modo consciente ou inconsciente formado nenhuma convicção ou juízo prévio no mesmo ou em outro processo sobre os fatos por apurar ou sobre a sorte jurídica da lide por decidir Assim sua perda significa falta da isenção inerente ao exercício legítimo da função jurisdicional Observou por último que mediante interpretação lata do art 252 III do CPP Art 252 O juiz não poderá exercer jurisdição no processo em que III tiver funcionado como juiz de outra instância pronunciandose de fato ou de direito sobre a questão mas conforme com o princípio do justo processo da lei CF art 5o LIV não pode sob pena de imparcialidade objetiva e por consequente impedimento exercer jurisdição em causa penal o juiz que em procedimento preliminar e oficioso de investigação de paternidade se tenha pronunciado de fato ou de direito sobre a questão grifos nossos Interessante ainda como o voto do Min Cezar Peluso menciona exatamente os mesmos fundamentos de imparcialidade objetiva e subjetiva empregados pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos desde o Caso Piersack de 1982 e constantemente por nós referidos inclusive neste tópico Crer na imparcialidade de quem está totalmente absorvido pelo labor investigador é o que J Goldschmidt133 denomina erro psicológico Foi essa incompatibilidade psicológica que levou ao descrédito do modelo inquisitório Por tudo isso representa um avanço gigantesco a inserção dos arts 3ºA a 3ºF pela Lei n 139642019 que finalmente consagra expressamente o sistema acusatório no CPP o juiz das garantias que não atua de ofício e que posteriormente não será o mesmo a instruir e julgar e ainda o sistema de exclusão ou não inclusão das peças do inquérito no processo Infelizmente como já explicado ao menos por ora tais mudanças imprescindíveis sublinhese estão suspensas pela equivocadíssima liminar do Min Fux Por fim a crise identitária da jurisdição também está diretamente relacionada com a questão dos sistemas processuais inquisitório ou acusatório Não são raras as situações em que o juiz se coloca em posição de corresponder às expectativas134 sociais ou midiáticas criadas e assume um papel próximo à de justiceiro agindo ativamente na busca da verdade135 Esse ativismo judicial é nota característica do sistema inquisitório A imparcialidade cai por terra quando se atribuem poderes instrutórios ou investigatórios ao juiz pois a gestão ou iniciativa probatória é característica essencial do princípio inquisitivo que leva por consequência a fundar um sistema inquisitório136 A gestãoiniciativa probatória nas mãos do juiz conduz à figura do juiz ator e não espectador núcleo do sistema inquisitório Logo destróise a estrutura dialética do processo penal o contraditório a igualdade de tratamento e oportunidades e por derradeiro a imparcialidade sempre recordando que não se pode pensar o sistema acusatório desconectado do princípio da imparcialidade e do contraditório sob pena de incorrer em grave reducionismo A imparcialidade é garantida pelo modelo acusatório e sacrificada no sistema inquisitório de modo que somente haverá condições de possibilidade da imparcialidade quando existir além da separação inicial das funções de acusar e julgar um afastamento do juiz da atividade investigatóriainstrutória É isso que precisa ser compreendido por aqueles que pensam ser suficiente a separação entre acusaçãojulgador para a constituição do sistema acusatório no modelo constitucional contemporâneo É um erro separar em conceitos estanques a imensa complexidade do processo penal fechando os olhos para o fato de que a posição do juiz define o nível de eficácia do contraditório e principalmente da imparcialidade A imparcialidade do juiz fica evidentemente comprometida quando estamos diante de um juizinstrutor poderes investigatórios ou quando lhe atribuímos poderes de gestãoiniciativa probatória É um contraste que se estabelece entre a posição totalmente ativa e atuante do instrutor contrastando com a inércia que caracteriza o julgador Um é sinônimo de atividade e o outro de inércia Em que pese entendermos que o art 156 do CPP e todos aqueles que permitem a atuação de ofício do juiz na busca de provas decretação de ofício de prisões cautelares etc não foi recepcionado pela Constituição e agora está tacitamente revogado pelo art 3ºA do CPP por se tratar de uma mudança recente e que será vítima de movimentos contrarreformistas ou do movimento de sabotagem inquisitória como denomina Alexandre Morais da Rosa vamos insistir em demonstrar a necessidade da revogação e também da mudança rumo à cultura acusatória constitucional Vamos nos concentrar e com isso reforçar a necessidade do seu abandono na problemática figura do juiz com poderes instrutóriosinvestigatórios cujo núcleo está não só no famigerado art 156 do CPP mas também na possibilidade de o juiz de ofício converter a prisão em flagrante em prisão preventiva o que representa o mesmo que decretar a prisão de ofício determinar o sequestro de bens art 127 do CPP decretar a busca e apreensão art 242 do CPP ouvir outras testemunhas além das arroladas pelas partes art 209 do CPP condenar ainda que o Ministério Público tenha pedido a absolvição art 385 do CPP etc Esse último exemplo art 385 do CPP é bastante sintomático do nível de involução do processo penal brasileiro o juiz condenando diante do pedido expresso de absolvição do MP Significa dizer que ele está condenando sem pedido violando o princípio da correlação e deixando de lado o ne procedat iudex ex officio Tudo isso é absolutamente incompatível com a estrutura acusatória e com a imparcialidade exigida do julgador Especificamente no que tange ao art 156 do CPP a questão é igualmente sensível É insuficiente pensar que o sistema acusatório se funda a partir da separação inicial das atividades de acusar e julgar Isso é um reducionismo que desconsidera a complexa fenomenologia do processo penal De nada adianta uma separação inicial com o Ministério Público formulando a acusação se depois ao longo do procedimento permitirmos que o juiz assuma um papel ativo na busca da prova ou mesmo na prática de atos tipicamente da parte acusadora Nesse contexto o art 156 do CPP funda um sistema inquisitório e fere de morte a imparcialidade judicial Em definitivo pensamos que a imparcialidade é o princípio supremo do processo e caminha junto com a estrutura acusatória que necessariamente deve ser adotada A prevenção deve ser uma causa de exclusão da competência Sua imparcialidade está comprometida não só pela atividade de reunir o material ou estar em contato com as fontes de investigação mas pelos diversos prejulgamentos que realiza no curso da investigação preliminar137 como na adoção de medidas cautelares busca e apreensão autorização para intervenção telefônica etc 183 A CRISE DE INEFICÁCIA DO REGIME DE LIBERDADE NO PROCESSO PENAL BANALIZAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA O PROBLEMA DA EXECUÇÃO ANTECIPADA DA PENA O último vértice da grande crise do processo penal está relacionado com a eficácia ou ineficácia do regime de liberdade ao qual é submetido o acusado O tema está diretamente relacionado ao binômio prisão cautelarliberdade e por consequência à eficácia da presunção constitucional e convencional de inocência Parafraseando Goldschmidt e sua concepção de processo penal como termômetro dos elementos autoritários ou democráticos da Constituição podemos afirmar que o nível de civilidade de um povo pode ser medido pelo maior ou menor respeito à liberdade individual e à presunção de inocência O Brasil enquanto democracia jovem e com grandes instabilidades econômicas e políticas é um exemplo dos altos e baixos aos quais os direitos fundamentais são submetidos diante da forte tensão existente entre o populismo punitivo e as garantias constitucionais A banalização da prisão cautelar138 tem um forte componente simbólico e de correspondência às expectativas sociais criadas em torno da punição na medida em que se situa no eterno conflito entre tempo social versus tempo do direito Uma sociedade regida pela velocidade e hiperacelerada dominada pelo instantâneo não está acostumada a esperar Por conta disso diante de um crime existe um imenso malestar em ter que esperar pelo processo e o tempo do direito ou seja a temporalidade do processo enquanto caminho necessário para se chegar à pena é vista sempre qualquer que seja a duração como uma dilação insuportável jamais correspondendo à ambição de velocidade e à ilusão de justiça imediata Nesse contexto a prisão cautelar é a satisfação plena do anseio mítico vista como um encurtamento entre fato e punição sem a intermediação do processo As pessoas simplesmente não querem esperar o fim do processo para ter punição nem cogitam a opção não ter punição absolvição e o juiz quando na batalha das expectativas Rui Cunha Martins se situa ao lado das expectativas sociais criadas vai contribuir para a degeneração processual da prisão cautelar É complicado pretender com o monólogo jurídico dar conta dessa complexidade Tratase de uma questão cultural e por isso para romper com essa cultura é preciso mudar cabeças e não apenas a lei Significa dizer que se deve produzir um choque cultural a partir de uma mudança legislativa radical e forte o que não foi obtido com a Lei n 124032011 O problema da ineficácia do regime de liberdade no processo penal está diretamente relacionado com a compressão conceitual que se pretende dar à presunção constitucional e convencional de inocência Não se compreende ou não se quer efetivar o que significa inicialmente o termo presunção para o processo penal Para além do lugar comum juridicamente demarcado juris et de jure ou juris tantum interessa compreender que presunção de inocência impõe inicialmente uma préocupação de espaços mentais do julgador e por consequência uma preocupação139 Um juiz consciente do seu lugar e função deveria entrar no processo mentalmente comprometido140 com esse estado somente abrindo mão dele quando plenamente convencido pelo menos além da dúvida razoável reasonable doubt diante da prova produzida pela acusação A presunção de inocência141 constitui regra de tratamento e regra de julgamento dirigida não apenas mas essencialmente ao juiz Em texto de 2003 intitulado Sobre la jurisdicción criminal en Brasil hoy Carta abierta de un juez brasileño a un juez español142 Amilton Bueno de Carvalho já trazia uma preciosa definição da presunção de inocência Explica o autor que ela exige uma atuação real e efetiva do julgador orientada a inocência como algo ativo e não passivo Diz Amilton la última es la hipótesis teórica básica que me anima llego a todos los procesos convencido de la inocencia hay un perjuício con base en el princípio de la presunción y sólo condeno cuando no fuera posible a pesar de todos los esfuerzos interpretativos absolver Y cuando tengo que condenar entonces hago todo lo posible por conceber beneficios que no llevan al condenado a la cárcel É a expressão máxima do que seja a presunção de inocência como uma préocupação dos espaços mentais do julgador bem refletindo o espaço que ela precisa ocupar no processo enquanto dever de tratamento e regra de julgamento A incompreensão do alcance da presunção de inocência nos remete novamente à própria crise identitária da jurisdição anteriormente tratada Contudo neste breve espaço vamos focar na tensão entre a presunção de inocência enquanto regra de tratamento e a questão da prisão cautelar Por uma falha cognitiva acerca das expectativas não raras vezes o juiz busca a satisfação das expectativas populares e por conta disso banaliza a prisão cautelar para sedar a opinião pública para dar uma resposta imediata para combater a impunidade Nessa linha o sistema jurídicoprocessual acaba lhe dando erroneamente abrigo ao prever verdadeiras cláusulas genéricas para prender especialmente com a prisão preventiva para garantia da ordem pública Existe uma absurda banalização da prisão preventiva uma grave degeneração que a transformou em uma medida processual em atividade tipicamente de polícia utilizandoa indevidamente como medida de segurança pública Quando se mantém uma pessoa presa em nome da ordem pública diante da reiteração de delitos e o risco de novas práticas está se atendendo não ao processo penal mas sim a uma função de polícia do Estado completamente alheia ao objeto e ao fundamento do processo penal Sobre a banalização da prisão cautelar e a excessiva relativização dos princípios da excepcionalidade e da proporcionalidade é importante recordar a lição de Carnelutti143 As exigências do processo penal são de tal natureza que induzem a colocar o imputado em uma situação absolutamente análoga ao de condenado É necessário algo mais para advertir que a prisão do imputado junto com sua submissão tem sem embargo um elevado custo O custo se paga desgraçadamente em moeda justiça quando o imputado em lugar de culpado é inocente e já sofreu como inocente uma medida análoga à pena não se esqueça que se a prisão ajuda a impedir que o imputado realize manobras desonestas para criar falsas provas ou para destruir provas verdadeiras mais de uma vez prejudica a justiça porque ao contrário lhe impossibilita de buscar e de proporcionar provas úteis para que o juiz conheça a verdade A prisão preventiva do imputado se assemelha a um daqueles remédios heroicos que devem ser ministrados pelo médico com suma prudência porque podem curar o enfermo mas também podem ocasionarlhe um mal mais grave quiçá uma comparação eficaz se possa fazer com a anestesia e sobretudo com a anestesia geral a qual é um meio indispensável para o cirurgião mas ah se este abusa dela Como aponta Sanguiné144 Quando se argumenta com razões de exemplaridade de eficácia da prisão preventiva na luta contra a delinquência e para restabelecer o sentimento de confiança dos cidadãos no ordenamento jurídico aplacar o clamor público criado pelo delito etc que evidentemente nada tem a ver com os fins puramente cautelares e processuais que oficialmente se atribuem à instituição na realidade se introduzem elementos estranhos à natureza cautelar e processual que oficialmente se atribuem à instituição questionáveis tanto desde o ponto de vista jurídicoconstitucional como da perspectiva políticocriminal Isso revela que a prisão preventiva cumpre funções reais preventivas gerais e especiais de pena antecipada incompatíveis com sua natureza Grave problema encerra ainda a prisão para garantia da ordem pública pois se trata de um conceito vago impreciso indeterminado e despido de qualquer referencial semântico Sua origem remonta à Alemanha da década de 1930 período em que o nazifascismo buscava exatamente isto uma autorização geral e aberta para prender Até hoje ainda que de forma mais dissimulada tem servido a diferentes senhores adeptos dos discursos autoritários e utilitaristas que tão bem sabem utilizar dessas cláusulas genéricas e indeterminadas do direito para fazer valer seus atos prepotentes Assume contornos de verdadeira pena antecipada violando o devido processo legal a presunção de inocência e o previsto expressamente no art 313 2º Não será admitida a decretação da prisão preventiva com a finalidade de antecipação de cumprimento de pena ou como decorrência imediata de investigação criminal ou da apresentação ou recebimento de denúncia Sanguiné145 explica que a prisão preventiva para garantia da ordem pública ou ainda o clamor público acaba sendo utilizada com uma função de prevenção geral na medida em que o legislador pretende contribuir à segurança da sociedade porém deste modo se está desvirtuando por completo o verdadeiro sentido e natureza da prisão provisória ao atribuirlhe funções de prevenção que de nenhuma maneira está chamada a cumprir As funções de prevenção geral e especial e retribuição são exclusivas de uma pena que supõem um processo judicial válido e uma sentença transitada em julgado Jamais tais funções podem ser buscadas na via cautelar No mesmo sentido Delmanto Junior146 afirma que é indisfarçável que nesses casos a prisão preventiva se distancia de seu caráter instrumental de tutela do bom andamento do processo e da eficácia de seu resultado ínsito a toda e qualquer medida cautelar servindo de inaceitável instrumento de justiça sumária Em outros casos a prisão para garantia da ordem pública atende a uma dupla natureza147 pena antecipada e medida de segurança já que pretende isolar um sujeito supostamente perigoso O art 312 contém uma anemia semântica explica Morais da Rosa148 pois basta um pouco de conhecimento de estrutura linguística para construir artificialmente esses requisitos cuja falsificação é inverificável O grande problema é que uma vez decretada a prisão os argumentos falsificados pela construção linguística são inverificáveis e portanto irrefutáveis Se alguém é preso porque o juiz aponta a existência de risco de fuga uma vez efetivada a medida desaparece o pseudorisco sendo impossível refutar pois o argumento construído ou falsificado desaparece Ademais o preenchimento semântico dos requisitos é completamente retórico O clamor público tão usado para fundamentar a prisão preventiva acaba se confundindo com a opinião pública ou melhor com a opinião publicada Há que se atentar para uma interessante manobra feita rotineiramente explorase midiaticamente determinado fato uma das muitas operações com nomes sedutores o que não deixa de ser uma interessante manobra de marketing policial muitas vezes com proposital vazamento de informações gravações telefônicas e outras provas colhidas para colocar o fato na pauta pública de discussão a conhecida teoria do agendamento Explorado midiaticamente o pedido de prisão vem na conti nua ção sob o argumento da necessidade de tutela da ordem pública pois existe um clamor social diante dos fatos Ou seja constróise midiaticamente o pressuposto da posterior prisão cautelar Na verdade a situação fática apontada nunca existiu tratase de argumento forjado É substancialmente inconstitucional e inconvencional atribuir à prisão cautelar a função de controlar o alarma social e por mais respeitáveis que sejam os sentimentos de vingança nem a prisão preventiva pode servir como pena antecipada e fins de prevenção nem o Estado enquanto reserva ética pode assumir esse papel vingativo Obviamente que a prisão preventiva para garantia da ordem pública não é cautelar pois não tutela o processo sendo portanto flagrantemente inconstitucional até porque nessa matéria é imprescindível a estrita observância do princípio da legalidade e da taxatividade Considerando a natureza dos direitos limitados liberdade e presunção de inocência é absolutamente inadmissível uma interpretação extensiva in malam partem que amplie o conceito de cautelar até o ponto de transformála em medida de segurança pública Quanto à prisão para garantia da ordem econômica149 é resultado da influência do modelo economicista e contribui para a degeneração da medida É elementar que se o objetivo é perseguir a especulação financeira as transações fraudulentas e coisas do gênero o caminho passa pelas sanções à pessoa jurídica pelo direito administrativo sancionador pelas restrições comerciais mas jamais pela intervenção penal muito menos de uma prisão preventiva Mas não é apenas na prisão preventiva que existe um ilegítimo estrangulamento da esfera de liberdade do indivíduo no processo penal Também a prisão em flagrante é sintoma disso Como já explicamos em outra oportunidade150 a prisão em flagrante não é uma medida cautelar ao contrário do que a quase totalidade da doutrina nacional e a totalidade da jurisprudência entendiam até a reforma de 2011 Prisão em flagrante é medida precautelar preparatória dada sua precariedade de requisitos duração e finalidade Banacloche Palao151 explica que o flagrante ou la detención imputativa não é uma medida cautelar pessoal mas sim precautelar no sentido de que não se dirige a garantir o resultado final do processo mas apenas se destina a colocar o detido à disposição do juiz para que adote ou não uma verdadeira medida cautelar Por isso o autor afirma que é uma medida independente frisando o caráter instrumental e ao mesmo tempo autônomo do flagrante A instrumentalidade manifestase no fato de a prisão em flagrante ser um strumento dello strumento152 da prisão preventiva ao passo que a autonomia explica as situações em que o flagrante não gera a prisão preventiva ou nos demais casos em que a prisão preventiva existe sem prévio flagrante Destaca o autor que a prisão em flagrante en ningún caso se dirige a asegurar ni la eventual ejecución de la pena ni tampoco la presencia del imputado en la fase decisoria del proceso Na mesma linha Ferraioli e Dalia153 larresto in flagranza è una misura precautelare personale Ainda que utilize uma denominação diferente a posição de Cordero154 é igual à nossa Para o autor a prisão em flagrante é uma subcautela na medida em que serve de prelúdio preludio subcautelar para eventuais medidas coativas pessoais garantindo sua execução Na essência a compreensão do instituto é a mesma A prisão em flagrante é uma medida precautelar de natureza pessoal cuja precariedade vem marcada pela possibilidade de ser adotada por particulares ou autoridade policial e que somente está justificada pela brevidade de sua duração e pelo imperioso dever de análise judicial em até 24 horas momento em que deverá ser realizada a audiência de custódia e verificada a necessidade de decretação da prisão preventiva se houver pedido jamais de ofício ou determinada a imediata concessão de liberdade interessante verificar que a liberdade no processo é tão precária que se chama de liberdade provisória quando na verdade provisória deveria ser a prisão Portanto prisão em flagrante não é uma medida cautelar mas preparatória de uma cautelar que será a prisão temporária ou preventiva e portanto jamais alguém poderia ficar preso além do prazo de 24 horas a título de prisão em flagrante como se fez no Brasil durante décadas Era um absurdo a prática judicial de homologar o flagrante e manter a prisão sem enfrentamento estrito e fundamentado dos requisitos da prisão preventiva e sua formal decretação O imputado ficava preso a título de prisão em flagrante como se essa prisão tivesse suficiência jurídica para isso Inacreditavelmente esse problema voltou Retrocedemos com a nova redação dada pela Lei n 139642019 ao art 310 especialmente no 2º Art 310 2º Se o juiz verificar que o agente é reincidente ou que integra organização criminosa armada ou milícia ou que porta arma de fogo de uso restrito deverá denegar a liberdade provisória com ou sem medidas cautelares Inicialmente é criticável o já conhecido bis in idem da reincidência ou seja a dupla ou mais punição pela mesma circunstância reincidência já tão criticada pela doutrina penal Depois o artigo elege à la carte e sem critério para justificar determinadas condutas para proibir inconstitucionalmente a concessão de liberdade provisória Inclusive considerando que se trata de prisão em flagrante dependendo do caso é praticamente inviável já se ter uma prova suficiente de que o agente por exemplo é membro de uma organização criminosa ou milicia para aplicar o dispositivo Contudo o ponto nevrálgico do problema está na vedação de concessão de liberdade provisória com ou sem medidas cautelares pelos seguintes fundamentos cria uma prisão em flagrante que se prolonga no tempo violando a natureza précautelar do flagrante estabelece uma prisão précautelar obrigatória sem necessidade cautelar e sem que se demonstre o periculum libertatis viola toda a principiologia cautelar já analisada por fim é flagrantemente inconstitucional pois o STF já se manifestou nesse sentido em casos análogos como na declaração de inconstitucionalidade do art 2º da Lei n 8072 e em casos posteriores O STF já afirmou e reafirmou que são inconstitucionais as regras como a constante na Lei de Drogas mas também já o fez em relação à Lei dos Crimes Hediondos e outras que vedam a concessão de liberdade provisória inclusive em decisão que teve repercussão geral reconhecida Recurso extraordinário 2 Constitucional Processo Penal Tráfico de drogas Vedação legal de liberdade provisória Interpretação dos incisos XLIII e LXVI do art 5º da CF 3 Reafirmação de jurisprudência 4 Proposta de fixação da seguinte tese É inconstitucional a expressão e liberdade provisória constante do caput do artigo 44 da Lei 113432006 5 Negado provimento ao recurso extraordinário interposto pelo Ministério Público Federal RE 1038925 RG rel Min Gilmar Mendes P j 1882017 DJe 1992017 Tema 959 Conforme noticiado no site155 do STF o Supremo Tribunal Federal STF reafirmou sua jurisprudência no sentido da inconstitucionalidade de regra prevista na Lei de Drogas Lei n 113432006 que veda a concessão de liberdade provisória a presos acusados de tráfico A decisão foi tomada pelo Plenário Virtual no Recurso Extraordinário RE 1038925 com repercussão geral reconhecida Em maio de 2012 no julgamento do Habeas Corpus 104339 o Plenário do STF havia declarado incidentalmente a inconstitucionalidade da expressão liberdade provisória do art 44 da Lei de Drogas Com isso o Supremo passou a admitir prisão cautelar por tráfico apenas se verificada no caso concreto a presença de algum dos requisitos do art 312 do CPP Desde então essa decisão serve de parâmetro para o STF mas não vinculava os demais tribunais Com a reafirmação da jurisprudência com status de repercussão geral esse entendimento deve ser aplicado pelas demais instâncias em casos análogos Portanto a vedação de concessão de liberdade provisória contida no art 310 para certos tipos de crimes é claramente inconstitucional Mas apenas para esclarecer isso não impede obviamente que uma prisão em flagrante exista e posteriormente seja decretada a prisão preventiva mediante requerimento do MP ou representação da autoridade policial desde que presentes os requisitos legais da prisão preventiva Feita essa ressalva sigamos Em que pese o retrocesso que acabamos de verificar a Lei n 139642019 trouxe muitos avanços importantes como visto anteriormente ao tratar do juiz das garantias e do sistema acusatório entre eles a recepção da audiência de custódia a vedação da prisão preventiva decretada de ofício pelo juiz e agora sem dúvida o fim da famigerada conversão de ofício do flagrante em preventiva e ainda o dever de revisar periodicamente a prisão preventiva A audiência de custódia é um instrumento importante para aferir a legalidade das prisões e dar eficácia ao art 319 do CPP e às medidas cautelares diversas mas é preciso que se respeite a reserva de lei com a edição de uma lei ordinária que altere o CPP que além de recepcionar discipline claramente sua implantação de forma igual em todas as comarcas e não apenas nas capitais ou principais cidades Atualmente estamos vendo os Estados legislarem violando a reserva da União para legislar em matéria processual penal à la carte ou seja sem uniformidade Tratase de respeitar a reserva de lei e o princípio da igualdade Enfim não há por que temer a audiência de custódia ela vem para humanizar o processo penal e representa uma importantíssima evolução além de ser uma imposição da Convenção Americana de Direitos Humanos que ao Brasil não é dado o poder de desprezar Destacamos ainda o disposto no art 310 3º A autoridade que deu causa sem motivação idônea à não realização da audiência de custódia no prazo estabelecido no caput deste artigo responderá administrativa civil e penalmente pela omissão Esse parágrafo é muito importante para reafirmar a obrigatoriedade de realização da audiência de custódia no prazo de 24h diante da injustificada resistência de alguns juízes Dessa forma a audiência de custódia é obrigatória e os juízes que não a realizarem sem um motivo idôneo poderão ser punidos penal e administrativamente sem prejuízo de eventual responsabilidade civil pela manutenção de uma prisão ilegal e usurpação de um direito Obviamente se houver uma motivação idônea para justificar o atraso e até excepcionalmente a sua não realização não há que se falar em punição Mas o artigo veio em boa hora e só reforça o instituto da audiência de custódia Já o 4º que vinha na mesma linha de reforço da audiência de custódia foi infelizmente suspenso pela liminar do Min Fux Tem a seguinte redação 4º Transcorridas 24 vinte e quatro horas após o decurso do prazo estabelecido no caput deste artigo a não realização de audiência de custódia sem motivação idônea ensejará também a ilegalidade da prisão a ser relaxada pela autoridade competente sem prejuízo da possibilidade de imediata decretação de prisão preventiva Era o estabelecimento daquilo que cobramos há mais de uma década prazo razoável com sanção De nada adianta fixar prazos para a realização de atos por parte do juiz por exemplo sem que exista uma sanção sob pena de absoluta ineficácia Infelizmente o Min Fux não compreendeu a importância da medida para efetivação do direito à audiência de custódia e suspendeu esse dispositivo Não há que se falar em impunidade na medida em que o próprio dispositivo abre a possibilidade de não cumprimento do prazo quando houver uma motivação idônea o que é razoável e adequado Ademais ainda permitia que inobstante o descumprimento do prazo sem motivação idônea poderia ser decretada a prisão preventiva se houvesse necessidade cautelar Portanto mais um dispositivo suspenso por uma medida liminar absolutamente equivocada que se espera seja logo cassada pelo STF Quanto ao segundo ponto a chamada conversão de ofício da prisão em flagrante em preventiva é uma equivocada construção jurisprudencial de viés consequencialistapunitivista que despreza a estrutura constitucional acusatória e a própria legalidade art 311 do CPP O art 310 do CPP não autoriza a que se sustente a possibilidade de o juiz homologando uma prisão em flagrante decretar de ofício ou seja sem pedido do MP ou representação da autoridade policial A tal conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva equivale fática e juridicamente ao decretar de ofício a prisão preventiva Ou seja o resultado final da conversão é faticamente o mesmo que decretar a prisão preventiva de ofício E nesse caso além de clara violação das regras básicas do sistema acusatórioconstitucional violase frontalmente a regra insculpida no art 311 Por fim entre as medidas progressistas e civilizatórias trazidas pela Lei n 139642019 está o dever de revisar periodicamente a necessidade de manutenção ou não da prisão preventiva Falta ainda a clara definição de um prazo máximo de duração da prisão preventiva com sanção que nosso sistema infelizmente não consagra Noutra dimensão a liberdade durante o processo sofreu um duro golpe com a equivocadíssima decisão proferida pelo STF no HC 1262922016 e a chancela da chamada execução antecipada da pena Felizmente em novembro de 2019 ao julgar as ADCs 43 44 e 54 que tinham por objeto o art 283 do CPP o STF reafirmou a inconstitucionalidade da execução antecipada da pena Mas o debate ainda segue na pauta e por isso mesmo tendo o STF declarado a inconstitucionalidade gostaríamos de ampliar e manter a crítica Recordemos que presunção de inocência deve ser compreendida em sua tríplice dimensão norma de tratamento norma probatória e norma de julgamento Para o estudo das prisões cautelares importa a primeira dimensão o dever de tratar o acusado como inocente até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória Muito importante sublinhar que a presunção constitucional de inocência tem um marco claramente demarcado até o trânsito em julgado Neste ponto nosso texto constitucional supera os diplomas internacionais de direitos humanos e muitas constituições tidas como referência Há uma afirmação explícita e inafastável de que o acusado é presumidamente inocente até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória Mas também não é uma construção única basta ler as Constituições Italiana e Portuguesa que também asseguram a presunção de inocência até o trânsito em julgado156 Mas a presunção de inocência não é absoluta e pode ser relativizada pelo uso das prisões cautelares O que permite a coexistência além do requisito e fundamento cautelar são os princípios que regem as medidas cautelares que serão estudados a seguir São eles que permitem a coexistência Então é importante compreender desde logo que se pode prender alguém em qualquer fase ou momento do processo ou da investigação preliminar inclusive em grau recursal desde que exista uma necessidade cautelar isto é o preenchimento do requisito e fundamento cautelar art 312 E quais são as prisões cautelares recepcionadas atualmente Prisão preventiva e prisão temporária A prisão em flagrante também costuma ser considerada cautelar por parte da doutrina tradicional Divergimos neste ponto por considerar a prisão em flagrante como précautelar como explicaremos ao tratar dela De qualquer forma essas são as três modalidades de prisão que podem ocorrer antes do trânsito em julgado de uma sentença penal condenatória Não existem mais após a reforma de 2011 a prisão decorrente da pronúncia e a prisão decorrente da sentença penal condenatória recorrível Elas agora como determinam os respectivos arts 413 3º e 387 1º do CPP passam a ser tratadas como prisão preventiva não só porque somente podem ser decretadas se presentes o requisito e o fundamento mas também devem ser assim nominadas Após o trânsito em julgado o que temos é uma prisãopena ou seja a execução definitiva da sentença e o cumprimento da pena privativa de liberdade Tais conclusões brotam da redação do art 283 do CPP Art 283 Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou no curso da investigação ou do processo em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva E a execução antecipada da pena após o julgamento da segunda instância mas antes do trânsito em julgado É inconstitucional pois não se reveste de caráter cautelar e não foi recepcionada pelo art 283 do CPP além de violar a presunção de inocência ao tratar alguém de forma análoga a de um condenado antes do trânsito em julgado Neste sentido após uma oscilação de entendimento inaugurada pelo julgamento errôneo do HC 126292 em 2016 o STF julgou procedente as Ações Declaratórias de Constitucionalidade ADC 43 44 e 54 em 2019 que tinham por objeto o art 283 do CPP Com isso a execução antecipada não foi recepcionada pela Constituição Dessarte considerando a polêmica em torno do tema e também o perigo de retorno da execução antecipada a exemplo do recém promulgado art 492 gostaríamos de destacar que157 1 O Brasil recepcionou a presunção de inocência estágio pós presunção de não culpabilidade de forma expressa no art 82 da CADH e também no art 5o LVII da CF concebida como um dever de tratamento e também regra de julgamento que exige como dissemos anteriormente uma préocupação dos espaços mentais decisórios do juiz Nesse sentido durante o processo penal um verdadeiro dever imposto ao julgador de preocupação com o imputado uma preocupação de tratálo como inocente É a presunção de inocência um dever de tratamento no terreno das prisões cautelares e a autorização pelo STF de uma famigerada execução antecipada da pena é exatamente tratar como culpado equiparar a situação fática e jurídica do condenado 2 Podem os acusados ser considerados culpados após a decisão de segundo grau Óbvio que não Primeiramente há que se compreender o que é culpabilidade normativa e culpabilidade fática Como explica Geraldo Prado158 a presunção de inocência é cláusula pétrea e princípio reitor do processo penal brasileiro estabelecendo uma relação com o conceito jurídico de culpabilidade adotado no Brasil Não adotamos o modelo norte americano de processo penal assentado no paradigma de controle social do delito sobre o qual se estrutura um conceito operacional de culpabilidade fática todo o oposto nosso sistema estruturase sobre o conceito jurídico de culpabilidade que repousa na presunção de inocência Em apertada síntese o conceito normativo de culpabilidade exige que somente se possa falar em e tratar como culpado após o transcurso inteiro do processo penal e sua finalização com a imutabilidade da condenação E mais somente se pode afirmar que está comprovada legalmente a culpa como exige o art 82 da Convenção Americana de Direitos Humanos com o trânsito em julgado da decisão condenatória 3 E o caráter extraordinário dos recursos especial e extraordinário Em nada afeta porque o caráter extraordinário desses recursos não altera ou influi no conceito de trânsito em julgado expressamente estabelecido como marco final do processo culpabilidade normativa e inicial para o tratamento de culpado A essa altura não preciso aqui explicar o que seja trânsito em julgado coisa julgada formal e material mas é comezinho e indiscutível que não se produz na pendência de qualquer recurso É preciso compreender que os conceitos no processo penal têm fonte e história e não cabe que sejam manejados irrefletidamente Geraldo Prado ou distorcidos de forma autoritária e a golpes de decisão Não pode o STF imaginar que pode reinventar conceitos processuais assentados em literalmente séculos de estudo e discussão bem como em milhares e milhares de páginas de doutrina O STF é o guardião da Constituição não seu dono e tampouco o criador do direito processual penal ou de suas categorias jurídicas O STF não pode criar um novo conceito de trânsito em julgado numa postura solipsista e aspirando ser o marco zero de interpretação Esse é um exemplo claro e inequívoco do que é dizerqualquer coisasobrequalquercoisa de forma autoritária e antidemocrática como adverte exaustivamente Lenio Streck 4 E a ausência de efeito suspensivo nesses recursos Mais uma herança perversa da teoria geral do processo que volta para assombrar Além de o art 27 2o da Lei n 8038 não ser aplicável ao processo penal por desconsiderar suas categorias jurídicas próprias há que se compreender que o problema de prenderse antes do trânsito em julgado e sem caráter cautelar não se reduz ao mero efeito recursal É da liberdade de alguém que estamos tratando e portanto da esfera de compressão dos direitos e liberdades individuais tutelados entre outros princípios pela presunção de inocência 5 E a invocação do direito comparado para justificar Foram generalizações que desconsideraram as inúmeras diferenças entre os sistemas jurídicos que começam na investigação preliminar nos Estados Unidos o modelo é policial mas eles possuem no âmbito estadual mais de 17 mil agências policiais Na França o modelo é de juiz de instrução e na Alemanha desde 1974 é um modelo de promotor investigador passando pelo julgamento de primeiro grau há uma distinção crucial são países que adotam um julgamento colegiado já em primeiro grau completamente distinto do nosso cujo julgamento é monocrático juiz singular passando pelas diferenças no sistema recursal e desaguando na absoluta diferença do sistema carcerário sobre isso nem preciso argumentar Sem falar na diversidade de políticas criminais e processuais Ademais muitos desses países não admitem que se chegue pela via recursal além do segundo grau de jurisdição O que se tem depois são ações de impugnação com caráter rescisório desconstitutivas da coisa julgada que já se operou É uma estrutura completamente diferente Para além disso há uma diferença crucial e não citada nossa Constituição prevê ao contrário das invocadas a presunção de inocência até o trânsito em julgado Essa é uma especificidade que impede o paralelismo uma distinção insuperável Em última análise não interessa o que dizem as outras Constituições mas sim o que diz a Constituição brasileira 6 O argumento do baixo número de recursos especiais e ex traordinários defensivos admitidos É partir de uma premissa absolutamente equivocada pois a legitimação dos recursos extraordinários não é quantitativa não depende do número de recursos providos Como a presunção de inocência não depende do número de sentenças absolutórias É um ar gu mento falacioso como foi no passado a crítica de Manzini159 à presunção de inocência em que o processualista fascista disse que era irracional e paradoxal a defesa do princípio na medida em que o normal das coisas era presumirse o fundamento da imputação como verdadeiro E vai além ao afir mar que se a maior parte dos imputados resultava culpado ao final do processo não havia nada que justificasse a presunção de inocência É mais ou menos o mesmo que dizer já que a maior parte dos recursos especial e extraordinário interpostos pela defesa não são acolhidos vamos presumir que são infundados e desnecessários podendo prender primeiro e decidir depois 7 É falacioso o argumento de que o número de decisões modificadas em grau de recurso especial e extraordinário é insignificante Os dados trazidos pelas defensorias públicas de SP RJ e da União quando do julgamento do HC 126292 e das ADCs mostram um índice altíssimo em torno de 46 de reversão de efeitos Para compreender essa taxa de reversão é preciso ter um mínimo de honestidade metodológica pois não se pode usar como argumento de busca apenas as palavras recurso especial e absolvição É preciso considerar os agravos em REsp e RExt os agravos regimentais embargos declaratórios com efeitos infringentes e principalmente o imenso número de habeas corpus substitutivos Além da absolvição devese considerar outras decisões da maior relevância como redução da pena mudança de regime substituição da pena anulação do processo reconhecimento de ilicitude probatória mudança da tipificaçãodesclassificação enfim vários outros resultados positivos e relevantes que se obtém em sede de REsp e RExt e que mostram a imensa injustiça de submeter alguém a execução antecipada de uma pena que depois é significativamente afetada 8 O problema é que não se pode esperar até o trânsito em julgado isso gera sensação de impunidade e até a prescrição Esse é mais um argumento populista do que propriamente jurídico De qualquer forma há que se encontrar o difícil equilíbrio entre a demora jurisdicional e o atropelo de direitos e garantias fundamentais Devemos buscar a diminuição dos tempos mortos Chiavario e melhorar a dinâmica procedimental Essa é uma discussão válida e complexa que está sendo reduzida e pseudossolucionada com a possibilidade de execução antecipada da pena É um efeito sedante apenas pois nada foi feito para efetivamente agilizar o julgamento dos recursos especial e extraordinário Eles continuarão demorando para ser julgados com a agravante de que agora os acusados ficarão presos Não se resolveu o problema demora e apenas se sacrificou direitos fundamentais para corresponder erroneamente a expectativas sociais criadas em torno do julgamento penal 9 Por fim ainda que sucintamente o discurso de combate à impunidade é um argumento falacioso Em apertadíssima síntese o papel do STF não é de corresponder às expectativas sociais criadas se fosse assim teria de admitir a tortura para obter a confissão a pena de morte a pena perpétua e outras atrocidades do estilo de forte apelo popular mas constitucionalmente impensáveis mas sim de corresponder às expectativas jurídico constitucionais ou seja atuar como guardião da CF e da eficácia dos direitos fundamentais ainda que tenha que decidir de forma contramajoritária Um dos primeiros deveres do STF é o de dizer não ao vilipêndio de garantias constitucionais ainda que essa decisão seja completamente contrária à maioria Convém destacar ainda a inexistência de um estudo de impacto carcerário que essa decisão poderá causar especialmente diante de um sistema carcerário caótico superlotado e descontrolado que foi considerado pelo próprio STF como inconstitucional ADPF 347 MCDF rel Min Marco Aurélio julgado em 992015 Info 798 Como o STF reconhece a violação generalizada e sistêmica de direitos fundamentais b inércia ou incapacidade reiterada e persistente das autoridades públicas em modificar a conjuntura c a existência de uma situação que exige a atuação não apenas de um órgão mas sim de uma pluralidade de autoridades para resolver o problema e profere uma decisão dessa natureza Esquizofrenia jurisdicional ou bipolaridade extrema Reconhece tudo isso e profere uma decisão completamente descomprometida com a situação apontada agravandoa substancialmente Portanto ainda que o erro de 2016 HC 126292 tenha sido corrigido em 2019 com o julgamento das ADCs 43 44 e 54 a verdade é que aquela decisão criou uma ilegítima expectativa punitivista que cobrou e ainda corre o risco de voltar a cobrar um preço altíssimo em termos de sacrifício da democracia e das liberdades constitucionais E aqui fazemos expressa referência à inconstitucional inovação trazida pela Lei n 139642019 no art 492 Art 492 Em seguida o presidente proferirá sentença que I no caso de condenação e mandará o acusado recolherse ou recomendáloá à prisão em que se encontra se presentes os requisitos da prisão preventiva ou no caso de condenação a uma pena igual ou superior a 15 quinze anos de reclusão determinará a execução provisória das penas com expedição do mandado de prisão se for o caso sem prejuízo do conhecimento de recursos que vierem a ser interpostos Sem dúvida um grande erro do legislador pois resumidamente viola a presunção constitucional de inocência na medida em que trata o réu como culpado executando antecipadamente sua pena sem respeitar o marco constitucional do trânsito em julgado se o STF já reconheceu ser inconstitucional a execução antecipada após a decisão de segundo grau com muito mais razão é inconstitucional a execução antecipada após uma decisão de primeiro grau o tribunal do júri é um órgão colegiado mas integrante do primeiro grau de jurisdição da decisão do júri cabe apelação em que podem ser amplamente discutidas questões formais e de mérito inclusive com o tribunal avaliando se a decisão dos jurados encontrou ou não abrigo na prova sendo um erro gigantesco autorizar a execução antecipada após essa primeira decisão tanto a instituição do júri quanto a soberania dos jurados estão inseridas no rol de direitos e garantias individuais não podendo servir de argumento para o sacrifício da liberdade do próprio réu ao não se revestir de caráter cautelar sem portanto analisar o periculum libertatis e a necessidade efetiva da prisão se converte em uma prisão irracional desproporcional e perigosíssima dada a real possibilidade de reversão já em segundo grau sem mencionar ainda a possibilidade de reversão em sede de recurso especial e extraordinário a soberania dos jurados não é um argumento válido para justificar a execução antecipada pois é um atributo que não serve como legitimador de prisão mas sim como garantia de independência dos jurados é incompatível com o disposto no art 313 2º que expressamente prevê que não será admitida a decretação da prisão preventiva com a finalidade de antecipação de cumprimento de pena Na mesma linha trazendo ainda outros argumentos Paulo Queiroz160 afirma que além de incoerente e ilógica é claramente inconstitucional visto que 1 ofende o princípio da presunção de inocência segundo o qual ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória CF art 5 LVII razão pela qual toda medida cautelar há de exigir cautelaridade especialmente a prisão preventiva 2 viola o princípio da isonomia já que condenações por crimes análogos e mais graves vg condenação a 30 anos de reclusão por latrocínio não admitem tal exceção razão pela qual a prisão preventiva exige sempre cautelaridade 3 estabelece critérios facilmente manipuláveis e incompatíveis com o princípio da legalidade penal notadamente a pena aplicada pelo juizpresidente 4 o só fato de o réu sofrer uma condenação mais ou menos grave não o faz mais ou menos culpado já que a culpabilidade tem a ver com a prova produzida nos autos e com os critérios de valoração da prova não com o quanto de pena aplicado 5 a gravidade do crime é sempre uma condição necessária mas nunca uma condição suficiente para a decretação e manutenção de prisão preventiva Como é óbvio a exceção está em manifesta contradição com o novo art 313 2º que diz Não será admitida a decretação da prisão preventiva com a finalidade de antecipação de cumprimento de pena Portanto é um grave erro a execução antecipada da pena aplicada em primeiro grau que demonstra a gravíssima crise do regime de liberdade no processo penal 184 É O PLEA BARGAINING UM REMÉDIO PARA A CRISE DO PROCESSO PENAL OU UM VENENO MORTAL ANALISANDO A PROPOSTA DO PACOTE ANTICRIME161 1841 AMPLIAÇÃO DOS ESPAÇOS DE CONSENSO É UMA TENDÊNCIA INEXORÁVEL A pergunta diante da crise anteriormente exposta é assim como a depender da dose ministrada remédio vira veneno quanto de negociação da pena criminal o nosso sistema admite e tolera sem prejuízo para a qualidade da administração da justiça A hipótese é de que a dosagem dessa técnica processual é o ponto de reflexão pois a depender pode matar ou salvar o paciente processo penal Tomamos como pano de fundo a proposta legislativa vulgo Projeto Anticrime apresentado pelo Ministro da Justiça e Segurança Pública Sérgio Moro em 2019 e que felizmente não foi recepcionado pela Lei n 139642019 Dessa forma não adotamos o plea bargaining inicialmente proposto mas a discussão sobre o tema segue e novas tentativas de mudança legislativa virão Por isso nossa preocupação aqui novamente é prospectiva Em termos práticos argumentos de eficiência e sobrecarga da justiça criminal serão determinantes para que a negociação no processo penal seja ampliada porque o entulhamento do sistema de administração da justiça existe É preciso pensar esses limites a partir da compreensão da nossa realidade socialprisional dos erros que já cometemos com a banalização da transação penal e suspensão condicional do processo além da própria experiência internacional Se a transação penal já se mostrou uma perversa mercantilização do processo penal no sentido mais depreciativo da expressão imaginese o imenso estrago que causará uma ampliação ilimitada da aplicação consensual de pena162 A ampliação dos espaços de consenso no processo penal é uma tendência inexorável que começou timidamente no Brasil em 1995 com a Lei n 9099 e seus institutos de transação penal e suspensão condicional do processo além da composição dos danos civis e foi se expandindo através da delação premiada e mais recentemente com o acordo de não persecução penal recepcionado pelo art 28 A163 do CPP com a nova redação dada pela Lei n 139642019 Sustentam os defensores do viés expansionista que aumentar os espaços de consenso é uma realidade necessária justificandose por fatores utilitaristas e eficientistas Contudo estamos ao mesmo tempo em antítese ao Princípio da Necessidade do processo nulla poena sine iudicio Mas a aceleração procedimental pode ser levada ao extremo de termos uma pena sem processo e sem juiz Sim pois a garantia do juiz pode ficar reduzida ao papel de mero homologador do acordo muitas vezes feito às portas do tribunal nos Estados Unidos acordos assim superam 90 dos meios de resolução de casos penais chegando a 97 nos casos federais Walsh e até 99 em Detroit Langbein164 Nesses termos o plea bargaining viola o pressuposto fundamental da jurisdição o exercício do poder de penar não passa mais pelo controle jurisdicional e tampouco se submete aos limites da legalidade senão que está nas mãos do Ministério Público e da sua discricionariedade Isso significa uma inequívoca incursão do Ministério Público em uma área que deveria ser dominada pelo tribunal onde erroneamente está se limitando a homologar o resultado do acordo entre o acusado e o promotor165 Não sem razão afirmase que o promotor é o juiz às portas do tribunal166 Também desconsidera que o processo penal brasileiro tem como regra a ação penal pública pautada pelos princípios de obrigatoriedade e indisponibilidade admitindo alguma mitigação desde o advento da Lei n 909995 mas sem consagrar os princípios de oportunidade e conveniência especialmente pelo teor do art 42 do CPP Depois o Ministério Público brasileiro ao contrário do americano tem sua atuação pautada pela Legalidade e a vinculação aos limites da lei continuando a ser um poder condicionado pela legalidade taxatividade obrigatoriedade e indisponibilidade A questão está em equalizar essa tendência de expansão com o devido processo legal evitando a supremacia da investigação preliminar e os efeitos equivocados na decisão penal Também não se pode cair no ingênuo mito do voluntarismo entre acusado e acusador porque a diferença entre o plea bargaining com a tortura não é de gênero mas de grau como explicará Langbein A questão do consenso também é problemática especialmente quando existe um abuso da prisão preventiva no processo penal brasileiro havendo grande risco de ser utilizado como um meio de coerção para o acordo 1842 AS JUSTIFICATIVAS PARA O IMPLEMENTO DO PLEA BARGAINING A tendência generalizada de implantar no processo penal amplas zonas de consenso está sustentada em síntese por três argumentos básicos a estar conforme os princípios do modelo acusatório b resultar de um ato voluntário c proporcionar celeridade na administração de justiça A tese de que as formas de acordo são um resultado lógico do modelo acusatório e do processo de partes é ilusória167 Tratase de uma confusão entre o modelo teórico acusatório que consiste unicamente na separação entre juiz e acusação na igualdade entre acusação e defesa na oralidade e publicidade do juízo e as características concretas do sistema acusatório americano como a discricionariedade da ação penal e o acordo que não têm relação alguma com o modelo teórico168 O modelo acusatório exige que o juiz se mantenha alheio ao trabalho de investigação e passivo no recolhimento das provas tanto de imputação como de descargo A gestãoiniciativa probatória no modelo acusatório está nas mãos das partes esse é o princípio fundante do sistema como leciona Jacinto Coutinho169 de forma incansável O argumento eficientista e utilitarista que sustenta a adoção da negociação sobre a pena no processo penal não é novo e está no cerne das propostas legislativas que direcionaram nesse sentido Mas é preciso compreender por que se chegou nesse ponto desde negação de processo justo e contraditório no modelo inquisitorial da Idade Média e a negação de processo no sistema negocial dos séculos XX e XXI Após passar pela Inquisição a Europa aprendeu e elevou gradativamente o nível das garantias O problema é que os processos passaram a ser considerados para muitos excessivamente garantistas morosos e custosos Na mesma linha o modelo americano também criou um processo penal complexo e com alto nível de garantias processuais sendo o julgamento do júri um dos seus grandes trunfos além das regras de exclusão da prova ilícita a exigência de prova acima da dúvida razoável para condenação etc ou seja um arsenal de garantias que funda o due process of law e que passou a ser atacado por ser excessivamente caro complexo e moroso especialmente pela dependência do júri Explica Langbein170 e exatamente no mesmo sentido vem a crítica de Walsh que elas as garantias tornaram o julgamento pelo tribunal do júri tão complicado e demorado que o tornaram impraticável como dispositivo processual cotidiano O plea bargaining projeta o equívoco de querer aplicar o sistema negocial como se estivéssemos tratando de um ramo do direito privado Existem inclusive os que defendem uma privatização do processo penal partindo do princípio dispositivo do processo civil esquecendo que o processo penal constitui um sistema com suas categorias jurídicas próprias e de que tal analogia além de nociva é inadequada Explica Carnelutti171 que existe uma diferença insuperável entre o direito civil e o direito penal en penal con la ley no se juega No direito civil as partes têm as mãos livres no penal devem têlas atadas pois o civil lida com o ter e o penal com o ser O primeiro pilar da função protetora do direito penal e processual é o monopólio legal e jurisdicional do poder da violência repressiva A justiça negociada viola desde logo esse primeiro pressuposto fundamental pois o poder de penar não passa mais pelo controle jurisdicional e tampouco se submete aos limites da legalidade senão que está nas mãos do Ministério Público e vinculado à sua discricionariedade É a mais completa desvirtuação do juízo contraditório essencial para a própria existência de processo e se encaixa melhor com as práticas persuasórias permitidas pelo segredo e nas relações desiguais do sistema inquisitivo É transformar o processo penal em uma negociata no seu sentido mais depreciativo Na Europa a negociação também veio para atender a esse postulado de velocidade e eficiência mas em menor escala Estima se que em torno de 30 a 40 se resolve pela negociação no patteggiamento sulla pena italiano por exemplo Os demais países não fogem desse parâmetro e tendem a ter números inferiores Optaram por sistemas mais ágeis várias opções de ritos e abolição do tribunal do júri ou o mantiveram com uma competência restrita e limitada Nada comparado ao modelo americano Nos Estados Unidos o júri permanece como principal método de julgamento mantendo toda sua amplitude procedimental ainda que alguns Estados já estejam partindo para julgamentos por juiz singular como forma de melhorar a eficiência e ao mesmo tempo assegurar a existência de processo Como explica Walsh172 a alternativa para melhorar as negociações é ter mais julgamentos como tem ocorrido na Filadélfia onde julgamentos perante um juiz e não no júri são comuns O caminho adotado foi evitar o voir dire processo de seleção do júri Os números são importantes e registram que em 2015 excluindo os casos que foram denegadosnão admitidos apenas 72 dos réus criminais na Filadélfia se declararam culpados em contraste com 97 dos julgamentos federais e 15 optaram por ser julgado por um juiz e não pelo júri Também é preciso destacar parafraseando Goldschmidt173 que o processo penal de uma nação é um termômetro dos elementos autoritários ou democráticos de sua Constituição e acrescentamos também da cultura de um povo O american way of life também marca o processo penal na medida em que estamos diante de uma cultura que valoriza o liberalismo econômico a competitividade a autonomia de vontade e o individualismo Não sem razão o plea bargaining é marcado por isso um afastamento do EstadoJuiz das relações privatizando o conflito e deixando a negociação livre Os jogadores precisam ter estratégia na hora de vender a colaboração em troca do maior benefícioganho174 O júri americano se assemelha a uma propaganda enganosa pois acessível a uma parcela ínfima dos submetidos ao sistema penal Por isso Schünemann175 considera o modelo americano um simulacro pois por trás do disfarce do procedimento do tribunal do júri deságua na prática em nada mais nada menos do que no velho modelo de processo inquisitorial onde os substratos teóricos não resistem a um exame crítico Então ao invés de o processo cumprir o seu papel de proteção do acusado ressignificase o processo através de uma mentalidade inquisitória Nesse ponto é precisa a metáfora de Walsh176 os americanos transformaram o processo penal em um luxuoso Cadillac grande caro e pesado Mas é claro que nem todos podem ter acesso a ele Então reservemos esse luxo para 2 da população e o resto que ande a pé isto é fazendo acordos Não é preciso maior esforço argumentativo para compreender por que os europeus preferem garantir o devido processo com uma esfera negocial menor em contraste com os mais de 90 chegando a 97 e até 99 de negociação do sistema americano em que um processo penal é raríssimo Como destaca Walsh o direito constitucional a um julgamento público é excluído com o plea bargaining tratandose para a maioria de um mito conforme também compreendeu o Juiz Federal americano John Kane Essa deterioração sistemática que o acordo penal produz é identificada por um coro de juristas dos EUA que querem ajustes para regulamentação e controle das negociações outros pedem uma revisão mais ambiciosa do modo como os procedimentos são conduzidos agilizando o processo para tornálo acessível a um maior número de pessoas177 Nesse sentido Langbein178 é categórico o plea bargaining é portanto um procedimento de julgamento para condenar e declarar culpadas pessoas acusadas de crimes graves sem legitimação constitucional por causa da garantia oposta uma garantia de julgamento 1843 A EXPERIÊNCIA NEGOCIAL EM PORTUGAL ESPANHA E ITÁLIA E O PROJETO DE LEI N 8045 NOVO CPP QUE FOI DESCONSIDERADO Não se pode desconectar a compreensão do Direito da realidade social179 havendo uma grande tensão entre o tempo do direito e o tempo da sociedade especialmente pelo fetiche da hiperaceleração e do presenteísmo O processo aos olhos do povo demora demais e é ineficiente mas isso não é uma peculiaridade brasileira todo o oposto Figueiredo Dias180 afirma que o povo português perdeu a confiança no seu sistema de justiça em particular da justiça criminal e este temse revelado incapaz de estabilizar as expectativas comunitárias na sua correcção e funcionalidade Essa desarmonia temporal ou da percepção do tempo facilita imensamente a aceitação de atalhos e soluções imediatas pois conduz à ilusão de uma justiça instantânea desconsiderando que a ruptura temporal é crucial para que se respeite o tempo do direito e o tempo do processo181 Sendo a velocidade a alavanca do mundo há uma verdadeira narcose dromológica tomando emprestada a concepção de dromologia de Virilio182 É preciso definir um espaço de negociação entre as partes em detrimento das estruturas de conflito e principalmente uma forma de oferecer uma eficiência funcionalmente orientada183 que permitirá ultrapassar a atual sobrecarga da justiça penal rumo a um modelo mais rápido sem em tese violação dos princípios constitucionais do Estado de Direito Mas por outro lado Figueiredo Dias é claro em rechaçar a importação do plea bargaining184 porque incompatível com o modelo português e também com o brasileiro acrescentamos na medida em que não coincide com nossa concepção de Estado de Direito que tampouco é conciliável com o rule of law anglosaxônico No processo penal português o espaço negocial é restrito e pontual em termos de pena do delito existe o arquivamento em caso de dispensa da pena art 280 do CPP português e o instituto da suspensão provisória do processo art 281 similar à nossa suspensão condicional do processo para crimes punidos com pena não superior a 5 anos Nesse caso o processo ficará suspenso por um período máximo de 2 anos ou de 5 anos casos previstos no art 281 6 e 7 e uma vez cumpridas as condições será arquivado art 282 O professor português185 propõe uma ampliação dentro do marco do art 344 do CPP português o que significa restringir a negociação para crimes cuja pena máxima não ultrapasse os 5 anos ficando na esfera dos crimes de pequena ou média gravidade Na Itália cujo modelo civil law é similar ao nosso e é paradigma em termos de orientação doutrinária jurisprudencial e legislativa o patteggiamento sulla pena186 art 444 e seguintes do CPP italiano é uma negociação entre acusado e MP que não permite negociação sobre a imputação correlação existindo um limite demarcado com a redução de 13 a pena não pode superar 5 anos Esse é um limite muito próximo e que orientou a redação do art 283 do Projeto de CPP que tramita atualmente Na Espanha a Ley de Enjuiciamiento Criminal prevê o instituto da conformidad nos arts 695 e seguintes depois nos arts 787 e 801 onde o acusado se conforma com a pena solicitada pelo Ministério Público abreviando o procedimento e aceitando a imputação desde que a pena privativa de liberdade não seja superior a 6 anos E o projeto de Código de Processo Penal atual PL n 8045 que tramita desde 2009 No projeto do CPP PL n 8045 o art 283 define que a negociação será aplicável aos crimes cuja pena máxima cominada não ultrapasse 8 anos cabendo às partes pedirem aplicação da pena mínima Além disso exigese a confissão do acusado e que a pena respeite as balizas do tipo penal não havendo espaço para imposição de regimes diferenciados de cumprimento Além disso as partes poderão postular conforme estabelece o 3º que essa pena mínima seja diminuída em até 13 um terço se as condições pessoais do agente e a menor gravidade das consequências do crime o indicarem Esse novo CPP foi completamente desconsiderado pelo Ministro Sérgio Moro que partiu de um ilusório marco zero de compreensão sobre a matéria O Projeto Anticrime versão inicial peca por ser amplo e admitir a negociação com base em qualquer pena similar ao plea bargaining americano e afastado dos modelos europeus que nos influenciaram e são similares ao nosso 1844 FIM DA PRODUÇÃO DE PROVAS A SUPREMACIA DA INVESTIGAÇÃO PRELIMINAR Nos termos em que se debateu e debate a inserção da negociação ampla e sem limite no sistema brasileiro haverá a realização de uma audiência após o oferecimento da denúncia mas antes da instrução em que será ouvido o réu e homologado ou não o acordo Logo antes da produção de prova em juízo recordandose da diferença entre atos de prova e atos de investigação e principalmente que os atos da investigação preliminar não servem para justificar um juízo condenatório pois seu valor é limitado187 Isso acarreta uma supervalorização da investigação preliminar do superado híbrido e malformado inquérito policial pois o acordo é feito exclusivamente com base nele já que nenhuma prova é produzida O inquérito é sigiloso e as dificuldades reais que a defesa encontra para ter acesso a integralidade dos atos de investigação é imensa tanto que há súmula vinculante n 14 no STF e existem mecanismos de controle inerentes para fazer valer essa medida o que é sintoma de descumprimento permanente Maior ainda são as dificuldades de produção de provas a favor da defesa nessa fase Seria imprescindível consagrar então a ampla possibilidade de investigação defensiva188 o que não foi o caso Então a defesa vê o que o MP e a polícia deixarem e com base nisso é feito o acordo ao contrário do imprescindível discovery americano onde se coloca todas as cartas na mesa de negociação e existe transparência da informação Explica Walsh189 que a questão desse desequilíbrio é tão séria que nos EUA no Texas e na Carolina do Norte juntamente com alguns outros estados é obrigatório que as partes compartilhem evidências antes do acordo Um procedimento muito importante que não consta no Pacote Anticrime como requisito para realização do acordo sendo possível que o acusado seja impedido de ter acesso à integralidade dos elementos colhidos e tenha que decidir sobre fazer ou não o acordo a partir de uma análise parcial da viabilidade ou não da acusação Esse dever de compartilhamento é uma exigência de boafé e transparência que não só deve pautar o agir do Estado mas também como uma forma de evitar blefe e acordos abusivos Se a estratégia e a malícia podem ser utilizadas nos negócios privados não o devem quando se trata de um agente público Isso é fundamental e foi completamente desconsiderado na proposta legislativa que busca atenuar esse malefício com a realização da audiência de homologação do acordo e oitiva do acusado após o oferecimento da denúncia mas antes de iniciada a instrução Portanto a rigor partese da premissa que a defesa já terá tido acesso à integralidade do inquérito policial o que é equivocado pois não resolve o problema Não raras vezes provas sigilosas são apresentadas depois ou juntadas aos autos do processo eletrônico durante a instrução e com base no art 231 do CPP Portanto não há garantia de fair play ou seja de que até o momento do acordo todas as provas da acusação estejam sobre a mesa e sejam conhecidas da defesa para evitar excessos de acusação ou blefes 1845 SUPERVALORIZAÇÃO DA CONFISSÃO TORTURA PLEA BARGAINING O ABUSO DA PRISÃO CAUTELAR COMO INSTRUMENTO DE COERÇÃO Com a supervalorização da confissão para legitimar a punição antecipada a questão da prisão cautelar generalizada tornase um ponto sensível em termos de consenso e voluntariedade pois a própria Constituição Federal considera a prisão uma coação assegurandose o habeas corpus em casos de ilegalidade No modelo negocial seja pela via da delação premiada ou pelo plea bargaining o que se busca é acima de tudo a confissão do acusado Para delação premiada a confissão deve vir acrescida de colaboração para punição de outras pessoascrimes ou seja de efetiva contribuição probatória para a responsabilização de terceiros Já para o plea a simples confissão circunstanciada basta Mas ambas possuem um ponto em comum entre elas e com o modelo inquisitório medieval a necessidade de confissão190 A confissão volta a ser a rainha das provas no modelo negocial como uma recusa a toda a evolução da epistemologia da prova e também do nível de exigência na formação da convicção dos julgadores proof beyond a reasonable doubt Bastam os meros atos de investigação realizados de forma inquisitória na fase pré processual sem ou com muita restrição de defesa e contraditório seguidos de uma confissão Assim como na delação premiada é preciso considerar que o acordo sobre a pena calcado que está na confissão representa um atalho cognitivo sedutor Não é preciso produzir prova de qualidade basta a confissão Obviamente essa confissão nem sempre é fácil de ser obtida Então lançar mão de algum tipo de pressão ou no mínimo blefe é uma técnica natural e muito mais fácil do que investigar profundamente com tempo e meios adequados obtendo se elementos probatórios consistentes e submetêlos ao processo Inclusive uma pergunta surge de forma cristalina se o Estado investiga bem produz prova suficiente da culpabilidade de alguém por que ele iria negociar a pena com um criminoso Deveria punir É um paradoxo negociar nesse caso Portanto é inegável que toda negociação com o autor de um crime é o reconhecimento da incapacidade do Estado de investigar e produzir prova sendo um típico atalho sedutor Como explica Langbein é muito mais agradável sentarse confortavelmente na sombra esfregando pimenta vermelha nos olhos de um pobre diabo do que sair ao sol caçando provas disse alguém na Índia em 1872 ao ser questionado sobre a propensão dos policiais locais em torturar suspeitos191 Langbein192 também considera que as práticas de tortura e plea bargaining não têm diferença de gênero apenas de grau nós coagimos o acusado contra quem encontramos uma causa provável a confessar a sua culpa Para ter certeza nossos meios são muito mais elegantes não usamos rodas parafusos de polegar botas espanholas para esmagar as suas pernas Mas como os europeus de séculos atrás que empregavam essas máquinas nós fazemos o acusado pagar caro pelo seu direito à garantia constitucional do direito a um julgamento Nós o tratamos com uma sanção substancialmente aumentada se ele se beneficia de seu direito e é posteriormente condenado Este diferencial da sentença é o que torna o plea bargaining coercitivo Há claro uma diferença entre ter os seus membros esmagados ou sofrer alguns anos a mais de prisão se você se recusar a confessar mas a diferença é de grau não de espécie O plea bargaining assim como a tortura é coercitivo Grifamos Nada muito distante da realidade brasileira experimentada na Operação Lava Jato com a banalização da prisão cautelar coação como técnica para obter a negociação e confissão Por mais que se negue ou até que se assuma193 há um número altíssimo e essa cifra é impossível de ser precisamente definida dado o caráter sigiloso dos acordos de delatores que aceitaram o acordo para não serem presos mais notório foi o caso Guido Mantega194 outros delataram para obter a liberdade caso Antonio Palocci por exemplo e muitos estavam em liberdade mas diante da ameaça real e concreta de prisões longas durante as investigações constantemente noticiadas pela mídia preferiram se antecipar ao perigo Portanto é inegável que a prisão cautelar foi usada como importante instrumento de coação para obtenção dos acordos de delação premiada Tal coerção no Brasil é ainda muito mais grave que nos Estados Unidos na medida em que o acusado ficará preso em um sistema carcerário medieval violento e dominado por facções onde o risco de morte é real e concreto Um dia de prisão cautelar no Brasil pode representar uma pena de morte sem qualquer exagero basta conhecer a nossa realidade carcerária É preciso considerar também que a discussão sobre a execução antecipada da pena está relacionada ao binômio coaçãoacordos Os protagonistas da operação Lava Jato entre eles o atual Ministro Sérgio Moro fizeram forte campanha a favor da prisão em segunda instância invocando também o argumento de eficiência para obtenção dos acordos de delação premiada Como noticiado para a força tarefa da Lava Jato a possibilidade de prisão após segunda instância é importante para combater a impunidade e estimular criminosos a firmarem acordos de delação premiada195 Então o mutualismo criado pela prisão preventiva com a delação não pode ser ignorado 1846 DESCONSTRUINDO O MITO FUNDANTE DA NEGOCIAÇÃO ILUSÃO DE VOLUNTARIEDADE E CONSENSO O mito do consenso no campo penal para legitimar o acordo também não resiste a exame pois se trata de uma ficção do ponto de vista prático especialmente pela forte pressão do Estado Como explica Schünemann196 o consenso é um eufemismo que oculta a sujeição do acusado ao poder do Estado pena pretendida pelo acusador enquanto resultado mínimo daquele cidadão subjulgado através da justiça criminal O plea bargaining no processo penal pode se constituir em uma técnica que transforma a acusação em um instrumento de coação capaz de gerar autoacusações falsas testemunhos caluniosos por conveniência obstrucionismo ou prevaricações sobre a defesa desigualdade de tratamento e insegurança O furor negociador da acusação pode levar à perversão burocrática em que a parte passiva não disposta ao acordo vê o processo penal transformar se em uma complexa e burocrática guerra Tudo é mais difícil para quem não está disposto ao negócio e o acusado que resiste vira um estorvo Quando estava à frente da Operação Lava Jato o atual Ministro Moro fez exatamente isso aplicou penas exemplares muitas vezes desproporcionais para quem não aceitou negociar Não se pode desconectar ainda a obra do autor da análise do autor da obra Sérgio Moro protagonizou na operação Lava Jato o maior número de acordos de delação premiada jamais visto e principalmente teve o mérito de criar mais uma função para a pena privativa de liberdade a prevenção negocial Todos aqueles acusados que não negociaram se prejudicaram imensamente O recado foi claramente dado quem não delatou foi condenado a penas altíssimas exatamente para cumprir a função de prevenção negocial e sinalizar negociem ou sofram penas duríssimas Agora imaginemos na ambiência pósLava Jato como serão conduzidas as negociações do plea bargaining Nessa mesma perspectiva quem não negociar vai pagar caro com muitos anos na sentença condenatória O acusador público disposto a constranger e obter o pacto a qualquer preço utilizará como demonstra a experiência americana a acusação formal como um instrumento de pressão solicitando altas penas e pleiteando o reconhecimento de figuras mais graves do delito ainda que sem o menor fundamento Como explica Walsh197 se um réu decidir ir a julgamento um promotor pode fazer uma acusação mais grave pedindo a prisão perpétua O acordo pode levar a uma pena de 8 ou 10 anos ou outro número disse Matt Sotorosen advogado sênior do Gabinete do Defensor Público de São Francisco Mesmo que você tenha um cliente inocente a maioria não quer correr esse risco Eles preferem o acordo de oito anos O que pode acontecer se o julgamento for ruim Os resultados desse cálculo desequilibrado são evidentes nos dados do Projeto National Registry of Exonerations198 de 2006 casos revisados desde que o projeto começou em 1989 362 deles ou seja 18 foram baseados em admissões de culpa guilty pleas Portanto a negociação não pode ser justificada ou legitimada a partir da categoria autonomia de vontade Tratase de uma base excessivamente porosa e frágil como aponta Prado199 os desníveis socioeconômicos ainda vivos na sociedade brasileira interditam a pretensão de garantir ao sujeito principalmente ao sujeito investigadoimputado condições de exercer plenamente suas potencialidades e pois posicionarse conscientemente diante da proposta de transação compreendendo seu largo alcance como instrumento de política criminal Portanto conforme explica Schünemann200 o sujeito que faz o acordo é recompensado com uma redução da pena mas quem será punido de forma consideravelmente mais severa é o estorvo aquele que faz uso legítimo de seu direito à realização do processo penal e luta por provar sua inocência Tratase de um estímulo lógico para efetividade da técnica o reverso da diminuição da pena é o aumento da pena em caso de uma condenação após uma longa audiência de instrução e julgamento O panorama é mais grave quando ao lado da acusação está um juiz pouco disposto a levar o processo até o final quiçá mais interessado que o próprio promotor em que ele acabe o mais rápido e com o menor trabalho possível Quando as pautas estão cheias e o sistema passa a valorar mais o juiz pela sua produção quantitativa do que pela qualidade de suas decisões o processo assume sua face mais nefasta e cruel Sintoma disso é o fato e que logo após o anúncio do Projeto Anticrime mesmo despido de qualquer justificativa ou fundamentação uma pesquisa da AMB Associação dos Magistrados Brasileiros201 apontou que 90 dos juízes202 apoiam a plea bargaining Moro Como recorda Langbein203 nesse tema existe um adágio popular muito adequado se a necessidade é a mãe da invenção a preguiça é o pai grifouse Em síntese tudo dependerá do espírito aventureiro da aposta que o acusado aceita fazer e de seu poder de barganha É um modelo que subverte a lógica do sistema penal baseado na ideia utilitarista e do menor esforço atropelandose garantias em nome da eficiência punitiva É disfuncional também porque prejudica o inocente e beneficia o culpado gerando uma distribuição seletiva e formalizada de impunidade 1847 A DESCONSTRUÇÃO DO ARGUMENTO ECONOMICISTA O CUSTO DE UM SUPERENCARCERAMENTO O plea bargaining também gerará um enorme custo financeiro ao sistema de administração da justiça Estamos entrando sem muito rumo ou prumo em terreno minado e perigoso para o processo penal democrático e constitucional Sem dúvida a primeira impressão é de que o plea bargaining representa imensa economia e agilidade e o pensamento econômico aplaude Mas mesmo os economistas precisam reconhecer que existe um sobrecusto gigantesco que anula a economia feita ou mesmo gera um prejuízo maior o custo do superencarceramento O plea bargaining vai transformar o processo em um luxo reservado a quem estiver disposto a enfrentar seus custos e riscos de sofrer a aplicação de penas duríssimas com caráter exemplar Do contrário o sistema negocial perde força pois seu poder está exatamente na gestão de riscos A superioridade do acusador público acrescida do poder de transigir faz com que as pressões psicológicas e as coações sejam uma prática normal para compelir o acusado a aceitar o acordo e também a segurança do mal menor de admitir uma culpa ainda que inexistente Quem não aceitar o acordo vai ser um estorvo para o sistema e pagará caro enfim o pacote anticrime como um todo quer prender mais pessoas durante mais tempo adicionando dificuldades para a soltura dos presos Significa portanto um endurecimento penal que provocará um inchaço do sistema carcerário devido à expansão da aplicação consensual da pena Contudo um questionamento central já foi elaborado um estudo de impacto carcerário da expansão do espaço negocial Como o sistema carcerário sucateado e medieval que temos irá lidar com isso E um número gigantesco de pessoas que mesmo não estando presas estão sob controle do Estado usando tornozeleiras em período de observação etc Não há qualquer estudo publicado pelo proponente que ampare essa proposta do Projeto Anticrime parecendo mais um caso em que legislaremos primeiro para ver o que vai ocorrer depois aguardando que o plea bargaining nos leve tal como nos Estados Unidos a ter a maior população carcerária do mundo Obviamente sem reduzir a questão há vinculação entre o binômio rigidez do sistema penal e negociação no processo penal tal como nos Estados Unidos que possuem a maior população carcerária do mundo Um sistema penal duro que quer prender mais e manter os presos mais tempos detidos deságua no processo penal negocial pois o júri não pode ser usado por todos é uma garantia de poucos 2 Qual a consequência mais de 2 milhões de presos fontes apontam entre 2145000 e 2300000 presos 204 São mais de 740 presos para cada 100 mil habitantes Um cálculo rápido com dados brasileiros do impacto financeiro é ilustrativo VAGAS FALTANTES 359058 vagas205 CUSTO MÊSPRESO SEGUNDO CNJ R 240000206 CUSTO APROXIMADO DE CONSTRUÇÃO 4250000 POR VAGA207 GASTO APROXIMADO COM A CONSTRUÇÃO DE PRESÍDIOS APENAS PARA SUPRIR A FALTA DE VAGAS R 1526102479300 QUINZE BILHÕES DE REAIS ACRÉSCIMO NO CUSTO MENSAL R 86173920000 Isso sem considerar o aumento gigantesco e abrupto de demanda por novas vagas na medida em que os acordos forem sendo fechados e necessariamente executados Portanto vale a pena Quanto custa o encarceramento em massa Qual o custo de ter um superencarceramento como o americano e para o qual o Brasil caminhará a passos largos se adotado Agravado pela realidade do cliente preferencial do sistema brasileiro e também pela precariedade do nosso sistema carcerário medieval superlotado e dominado por facções Será infinitamente maior a médio prazo do que o ganho imediato Então a alardeada eficiência do sistema e benefícios de redução e custos é ilusória Mas como disse o presidente da Suprema Corte Warren Burger em 1971 Uma sociedade próspera não deve ser miserável no apoio à justiça pois a economia não é um objetivo do sistema escreveu ele Devese priorizar sua imensa responsabilidade de separar os culpados dos inocentes pelo eficiente julgamento de réus criminais208 1848 CONCLUINDO A PROPOSTA SUBSTITUTIVA AO PROJETO ANTICRIME ESTÁ NA RETOMADA DO PL N 8045 NOVO CPP COM AJUSTES A proposta de plea bargaining amplo sem limite de pena como se cogita não serve para o devido processo legal sendo frágil em termos de respeito aos direitos fundamentais Mas é inegável que o entulhamento da justiça criminal exige uma ampliação razoável do espaço negocial Nessa perspectiva pensamos que já houve um alargamento mais do que suficiente com a inserção do acordo de não persecução penal no art 28A que representa quando analisado junto com a transação penal e a suspensão condicional da pena uma ampliação gigantesca no espaço negocial dentro do processo penal brasileiro abrangendo com certeza mais de 70 dos tipos penais estamos elaborando uma pesquisa sobre o impacto desse espaço negocial alargado em relação aos tipos penais que deverá integrar as próximas edições desta obra Entendemos que não se pode conceber no sistema brasileiro a imposição de uma pena privativa de liberdade sem prévio processo Portanto o espaço de consenso deve ficar limitado a penas iguais ou inferiores a quatro anos Parafraseando Carnelutti209 a conclusão sobre os acordos é a mesma a que o mestre italiano chegou ao tratar da prisão cautelar a negociação sobre a pena é como um remédio muito forte se bem utilizado pode salvar o paciente o processo penal mas se houver abuso dela vai matar o processo penal Capítulo 2 Teorias da ação e das condições da ação A necessidade de construção de uma teoria da acusação 21 PARA INTRODUZIR O ASSUNTO Inicialmente como advertem Emilio Gómez Orbaneja e Vicente Herce Quemada210 é importante destacar que o conceito de ação penal é privativo do processo penal acusatório Isso significa no solo que la acción es una cosa y otra diferente el derecho de penar sino que la acción es un concepto puramente formal Mas também se deve sublinhar que a polêmica em torno do conceito de ação foi desviada para um caráter extraprocessual buscando explicar o fundamento do qual emana o poder afastando se do instrumento propriamente dito Assim hoje podemos claramente compreender que esse desvio conduziu a que fossem gastas milhares e milhares de folhas para discutir uma questão periférica principalmente para o processo penal regido pelo princípio da necessidade e com uma situação jurídica complexa completamente diversa daquela produzida no processo civil É sempre importante evitar longas citações literais para não cansar o leitor e truncar a exposição Mas a lição de Alcalá Zamora211 exige um tratamento diferenciado dada sua importância Possivelmente a verdadeira índole da ação houvesse sido dilucidada já há bastantes anos se os processualistas tivessem se preocupado um pouco menos com o direito romano para ocuparse um pouco mais da realidade processual Por quê Simplesmente porque a ação não é mais uma figura pertencente a arqueologia jurídica para cujo conhecimento devase remontar a sistemas pretéritos nem tampouco uma instituição que atualmente surja em raríssimas ocasiões senão que é um fenômeno diário que se oferece em todos os países com um mínimo de organização de justiça não em milhares mas sim em milhões de processos dos mais variados gêneros e espécies Então ao não faltar material vivo por assim dizer para a observação direta deveriam os processualistas prestar uma atenção muito maior do que aquela dedicada Isto é se não houvessem se involucrado no estudo histórico do que a ação foi mas sim com o estudo do que a ação é ou em outros termos se a primeira indagação houvesse sido reservada a romanistas e historiadores do direito e sobre a segunda tivessem consagrado suas energias os processualistas provavelmente o avanço teria sido mais profundo e mais firme em ambas as direções não só por razões de especialização ainda que sendo excelentes romanistas muitos dos processualistas que sobre a ação trabalharam senão pelas incertezas que em torno de certos textos do direito romano suscitam suas lacunas ou a crítica interpolacionista e sobretudo porque como antes dissemos a propósito das interpretações privatistas acerca da natureza do processo a marcha do processo romano clássico era distinta do tipo normal de processo de nossos dias A gravitação romanista em relação à ação deve ser advertida ademais em outros sentidos por exemplo na persistência com que se segue falando de ação em hipóteses onde o termo correto a empregar seria o de pretensão ou ainda na quase incomovível fidelidade com que legisladores e práticos e até alguns docentes seguem estimando como classificação processual das ações aquela que as divide em pessoais reais e mistas ou em mobiliárias e imobiliárias tradução nossa Com acerto Afrânio Jardim212 afirma que modernamente a teoria da ação deixou de ser o polo metodológico da ciência do processo estando os estudiosos mais preocupados com o objeto do processo e a demanda como categorias centrais de todo o sistema processual Destaca ainda na esteira de Tornaghi que tal perspectiva já vinha de há muito sendo utilizada pelos processualistas alemães Para Guasp tais teorias buscam explicar a essência jurídica do poder em virtude do qual as partes engendram objetivamente um processo o direito que justifica a atuação dessas partes e o porquê jurídico que leva um particular a colocar em marcha validamente o órgão jurisdicional A multiplicidade de acepções do vocábulo ação também foi um fator relevante na infindável discussão existente em torno do seu conceito Chamando a atenção para tal fenômeno AlcaláZamora213 aponta que a rigor no processo penal devemos falar em ação processual penal para não confundir com a ação punível ou delitiva objeto do direito penal e não do processo penal Grave problema é o fato de que pouco se escreveu ou pensou sobre ação processual penal ou seja muitos autores preferem passar à margem da temática limitandose a explicar a ação penal pública condicionada e incondicionada e a ação penal privada na sistemática do CPP Outros até enfrentam o problema mas incidindo no erro da teoria geral do processo explicam toda a evolução da discussão em torno da ação pública abstrata concreta etc utilizando todos os conceitos e construções do processo civil ou seja a velha historinha da Cinderela La Cenerentola de Carnelutti e as roupas velhas da irmã Não se nega a importância das longas polêmicas travadas pelos processualistas civis mas falta uma estruturação de conceitos desde as categorias jurídicas próprias do processo penal Daí por que nossa tarefa além de complexa é extremamente perigosa na medida em que saindo da tranquilidade do lugarcomum já desenhado pelo processo civil dispomonos a pensar a ação processual penal a partir das concepções de pretensão acusatória e processo como situação jurídica Elementar que a compreensão dessa matéria pressupõe a précompreensão do conceito de pretensão acusatória desenvolvido em capítulo anterior Isso explica por que não faremos a tradicional evolução a partir da ação no processo civil O ponto nuclear e determinante da diversidade de concepção já foi exposto e definido quando abordamos o conceito de pretensão acusatória ao qual remetemos o leitor 22 AÇÃO PROCESSUAL PENAL IUS UT PROCEDATUR DESDE A CONCEPÇÃO DE PRETENSÃO ACUSATÓRIA POR QUE NÃO EXISTE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL Estamos de acordo com Guasp214 quando afirma que a declaração petitória contida no conceito de pretensão acusatória poderia receber o nome técnico de ação terminologia que devolveria a essa palavra o significado literal que lhe corresponde Exigese contudo cuidado para ter presente que essa concepção representa uma recusa à tradição secular que se esforçou em averiguar a essência do poder jurídico a que dita ação está vinculada e não à sua verdadeira função A pretensão acusatória é uma declaração petitória215 ou afirmação216 de que o autor tem direito a que se atue a prestação pedida É no processo penal uma declaração petitória Não é um direito subjetivo mas um direito potestativo o poder de proceder contra alguém diante da existência de fumus commissi delicti A isso corresponde o conceito de ação que não pode ser confundido com o de acusação instrumento formal Recordemos que o objeto do processo penal é uma pretensão acusatória e não punitiva e sua função é a satisfação jurídica das pretensões ou resistências conforme explicaremos no último capítulo Na estrutura da pretensão encontramos elementos subjetivos objetivos e de atividade declaração petitória Como explicaremos ao tratar do objeto no processo penal o fenômeno é diverso do processo civil e não há que se falar em pretensão punitiva O acusador detém um direito potestativo de acusar que nasce com o delito e é dirigido ao tribunal De outro lado existe o poder de punir do tribunal corresponde ao juiz e não ao acusador que é condicionado ao exercício e admissão da pretensão acusatória Nessa linha a declaração petitória corresponde ao que enten demos por acusação É importante destacar que tal conceito vai ser empregado no sentido literal de instrumento portador de uma manifestação de vontade por meio do qual se narra um fato com aparência de delito e se solicita a atuação do órgão jurisdicional contra uma pessoa determinada No sistema brasileiro corresponderá à denúncia ou queixa Mediante a acusação se cumpre a jurisdição se realiza efetivamente o direito Ademais principalmente no processo penal a ação como invocação corporificada na acusação leva à estrita observância do princípio nemo iudex sine actore corolário do sistema acusatório Sobre o confusionismo que impera em torno do tema Couture esclarece que a ambiguidade do vocábulo foi fator definitivo Especificamente em sentido processual o que já exclui uma diversidade de outras o mesmo autor217 aponta para três acepções a Como sinônimo de direito é o sentido que tem o vocábulo quando se diz que o autor é carecedor de ação ou prospera a exceptio sine actione agit b Como sinônimo de pretensão este é o sentido mais usual do vocábulo principalmente na doutrina e na legislação que utilizam ainda expressões como ação pessoal e real ação civil e ação penal etc Nesses casos a ação é a pretensão de que se tem um direito válido e em nome do qual se promove a demanda respectiva A excessiva valoração da ação também levou a que alguma doutrina a apontasse como o objeto do processo c Como sinônimo de faculdade de provocar a tutela jurisdicional Falase no poder jurídico que tem o indivíduo como tal e em nome do qual lhe é possibilitado acudir aos tribunais É o poder jurídico de invocação da tutela jurisdicional Nessa concepção por nós utilizada até então o fato de ser essa pretensão fundada ou infundada não afeta a natureza do poder jurídico de acionar É a mera faculdade de invocar a tutela jurisdicional por meio da acusação formalizada na denúncia ou queixa ius ut procedatur Assim retomando o desvio histórico pensamos que o conceito de ação processual penal na estrutura da pretensão acusatória circunscrevese a um poder jurídico constitucional de invocação da tutela jurisdicional e que se exterioriza por meio de uma declaração petitória acusação formalizada de que existe o direito potestativo218 de acusar e que procede a aplicação do poder punitivo estatal Por fim recordemos a pergunta feita no título desse tópico por que não existe trancamento da ação penal Porque sendo a ação um poder político constitucional de invocação não há que se falar em trancamento da ação um erro que decorre da constante confusão entre ação e pretensão Inclusive há quem empregue o vocábulo ação como sinônimo de pretensão Contudo a rigor ação é o poder jurídico de acudir aos tribunais para ver satisfeita uma pretensão Logo não há que se falar de trancamento do poder que já foi exercido Daí por que a boa técnica aconselha a que se fale em trancamento do processo penal pois é o curso dele processo que se quer fazer parar Ou seja o trancamento do processo não da ação corresponde a uma forma de extinção anormal prematura do processo Ninguém jamais falou em extinção prematura da ação pois o que impede o prosseguimento é o processo penal Em suma podemos resumir da seguinte forma a íntima relação dos conceitos de ação pretensão e acusação demanda para facilitar a compreensão 1 Ação direito potestativo poder de acusar e submeter ao processo concedido pelo Estado ao particular ou a um determinado órgão do Estado Ministério Público de acudir aos tribunais para formular a pretensão acusatória É um direito potestativo constitucionalmente assegurado de invocar e postular a satisfação de pretensões Vedada a autodefesa estatal ou privada o direito de ação encontra abrigo na nossa atual Constituição em que o art 5º XXXV assegura que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito Mais específico o art 129 I da Constituição assegura o poder exclusivo do Ministério Público de exercer a ação penal melhor a acusação pública É uma garantia constitucional que assegura o acesso ao Poder Judiciário AlcaláZamora e Levene219 definem como el poder jurídico de promover la actuación jurisdiccional a fin de que el juzgador pronuncie acerca de la punibilidad de hechos que el titular de aquélla reputa constitutivos de delito medio de provocar el ejercicio del derecho de penar 2 Pretensão acusatória é uma declaração petitória de que existe o direito potestativo de acusar e que procede a aplicação do poder punitivo estatal Tratase de um direito potestativo por meio do qual se narra um fato com aparência de delito fumus commissi delicti e se solicita a atuação do órgão jurisdicional contra uma pessoa determinada É composta de elementos subjetivo objetivo fato e de atividade declaração petitória como explicamos em capítulos anteriores 3 Acusação declaração petitória é o ato típico e ordinário de iniciação processual que assume a forma de uma petição através da qual a parte faz uma declaração petitória soli citando que se dê vida a um processo e que comece sua tramitação220 No processo penal brasileiro corresponde aos instrumentos denúncia nos crimes de ação penal de iniciativa pública e queixa delitos de iniciativa privada É na verdade o veículo que transportará a pretensão sem deixar de ser um dos seus elementos 23 NATUREZA JURÍDICA DA AÇÃO PROCESSUAL PENAL CARÁTER PÚBLICO AUTÔNOMO E ABSTRATO OU CONCRETO Sem esquecerse das ressalvas anteriormente feitas após seculares discussões pensamos que foi fundamental para o desenvolvimento científico do processo o reconhecimento da ação e das relações de direito material e processual Constitui um marco na discussão a famosa polêmica travada entre os juristas alemães Bernhard Windscheid e Theodor Muther221 ocorrida no final do século XIX entre 1856 e 1857 são as publicações e ampliase o debate nas décadas seguintes Sublinhe se que toda a discussão e construção teórica foi feita por civilistas e pensada para o processo civil A transmissão dessas categorias para o processo penal se fez a um alto custo que foi o de desconsiderar a especificidade do processo penal De qualquer forma é importante resgatar a evolução histórica Em uma revisão sumária literalmente uma cognição sumária do tema até então vigorava a noção de actio do direito romano e a fórmula de Celso mas também de Ulpiano segundo a qual ação é nada mais que o direito de pedir em juízo aquilo que nos é devido A actio era dirigida à parte contrária em uma perspectiva privada de direito dirigido diretamente a outro particular até porque a concepção reinante era de que o direito processual era apenas o direito material em movimento Era absoluta a vinculação entre a actio e o direito material inclusive nem sequer se cogitava da separação entitativa do direito processual em relação ao direito material Nesse ponto justiça deve ser feita a Bülow 1868 cuja teoria da relação jurídica teve o grande mérito de pretender separar a relação jurídica de direito material da relação jurídica de direito processual sendo muito importante para a construção do conceito de ação e da própria evolução científica do direito processual Era um momento de profunda influência das teorias civilistas de Savigny que reforçavam a visão privada da actio romana e a primazia do direito material A tese de Windscheid abalou a estrutura de pensamento vigente na medida em que agitó las aguas estancadas222 e se debruça sobre o conceito de anspruch palavra de difícil tradução dada a polissemia de sentidos mas processualmente concebido como pretensão como um direito autônomo e diverso Evidenciou a diferença entre a actio romana e o que modernamente se considerava acción klagerecht distinção até então pouco levada a sério Tal perspectiva já se percebia nos escritos de Degenkolb e Plósz como um direito público subjetivo independente do direito material Também contribuiu a continuação o pensamento de Adolf Wach com sua concepção de ação como direito concreto demonstrando ainda um enraizamento no direito material mas já concebendo a ação processual como algo distinto do direito material e principalmente dirigido em face do Estado e não contra o particular Como explica Chiovenda223 Windscheid afirma que o que nasce da lesão a um direito como o de propriedade por exemplo não é um direito de acionar senão um direito a restituição da coisa no exemplo dado e esta obrigação como outras só configura um direito de acionar quando não seja satisfeita É o nascimento da concepção de pretensão lide satisfação de pretensões exercício da pretensão etc Mas essa concepção não é acabada e deu origem a infindáveis discussões o que se revela em um grande valor por estabelecer a discussão e permitir a evolução científica dos conceitos Mas e a polêmica A obra de Windscheid abalou o pensamento alemão vigorante profundamente enraizado no direito romano Justiniano inicialmente por recomendar o abandono desta matriz em favor dos estudos atuais e as dogmáticas modernas demonstrando que o conceito romano de actio era estranho ao direito moderno e não coincidia com o de ação recomendando o abandono de tal confusão terminológica Finca pé no estudo da pretensão anspruch como equivalente moderno do conceito de ação Desenvolvendo o conceito de pretensão Windscheid equipara ao conceito actio do direito romano distinta da ação de direito processual que não se confundiria com o direito subjetivo permitindo assim que aflorasse o conceito abstrato de ação Mas o autor acaba por ceder a uma espécie de variação semântica do conceito de actio ora operandoa como sinônimo de pretensão perseguível em juízo ora entendendoa como um direito à prestação jurisdicional agravando a confusão entre a ação de direito material e a ação processual como explica Ricardo Jacobsen Gloeckner224 O problema é que a actio na visão pandectista alemã equivale à ação de direito material e portanto ação para realização de direitos acabando por no processo penal contribuir para a equivocada concepção de Binding de que o objeto do processo penal é uma pretensão punitiva Isso porque nessa linha equivocada haveria uma exigência punitiva que fundaria a pretensão punitiva como objeto do processo esquecendose de que não existe no processo penal uma ação de direito material O erro desta concepção nós tratamos no Capítulo 4 dedicado ao estudo do objeto do processo penal para o qual remetemos o leitor Apressouse o jovem professor Muther que tinha pouco mais de 30 anos e recentemente no ano anterior havia sido nomeado Professor Extraordinário na Universidade de Königsberg e com uma parca produção científica ao contrário de Windscheid nove anos maior e com sólida produção a refutála com alguma dureza até reafirmando a posição tradicional Ao longo da polêmica travada entre os dois autores com direito a réplica e tréplica muitos conceitos foram sendo ajustados a ponto de no final Chiovenda afirmar que Muther não fez mais do que complementar o pensamento de Windscheid pelo estudo dos elementos por ele negados Em linhas bem gerais Muther insistia na concepção tradicional de que acionar actio é um direito privado pois a base é o direito material privado Podese como explica Pugliese considerar que a parte crítica de Muther não logrou impedir os pontos de vista de Windscheid mas a parte construtiva entretanto foi muito mais fértil Sustentou Muther que a actio era um direito exercido frente ao juiz e não contra o particular um direito frente ao Estado para a prestação da tutela jurídica Neste ponto obteve grande repercussão Compartilhou desta posição Windscheid e mais concretamente Wach que adotou e desenvolveu tal tese com grande propriedade e transcendência As concepções processuais ou publicistas da ação foram favorecidas pela absorção do conteúdo substancial da actio na noção de pretensão de Windscheid mas sempre buscando como fonte o escrito de Muther Essa última concepção foi posteriormente trabalhada por Degenkolb e Plósz para afirmar que esse direito subjetivo público de acionar é independente da correspondência efetiva de um direito privado caráter abstrato225 A polêmica é extremamente complexa e envolve uma longa discussão sobre as fórmulas a actio romana a litiscontestatio e uma série de categorias inerentes ao direito romano e que estavam sendo colocadas em dúvidas pelo pensamento moderno encampado por Windscheid De tudo isso interessanos agora um pontochave da mudança de concepções até então a estrutura românica entendia que a actio era um poder frente ao adversário e não um direito frente ao Estado além de conter uma visão estritamente privatista Com a polêmica há uma mudança de compreensão vislumbrando a ação como um poder exercido frente ao Estado e com caráter público Em suma como afirma Pugliese226 a publicação de Windscheid é a ata de nascimento da problemática moderna acerca da ação Feita essa sumária digressão histórica vejamos o cenário atual no processo penal Discussão hoje superada é o caráter público ou privado da ação processual penal Se no processo civil alguma razão existia no processo penal o caráter público é evidente Couture227 conceitua ação como o poder jurídico que tem todo sujeito de direito de acudir aos órgãos jurisdicionais para reclamarlhes a satisfação de uma pretensão É um poder jurídico que compete ao indivíduo É um atributo de sua personalidade Esse é um conceito rigorosamente privado que não pode ser aplicado ao processo penal de forma automática mas que coloca em relevo a ação como poder jurídico e como tal perfeitamente compatível com o conceito de Goldschmidt de pretensão acusatória ius ut procedatur anteriormente explicado Explica ainda Couture que a ação tem ao mesmo tempo na efetividade desse exercício um interesse da comunidade que lhe confere o caráter público Por meio da pretensão acusatória o Estado poderá atuar o poder de penar em relação ao que cometeu um injusto típico instrumentalizando o próprio direito penal direito público AlcaláZamora e Levene228 explicam que quando se aponta o caráter público da ação penal se quer dizer que ela serve para a realização de um direito público qual seja o de provocar a atuação do poder punitivo do Estado Os autores advirtase perfilamse entre aqueles que como Goldschmidt negam a pretensão punitiva e atribuem ao acusador o poder de proceder contra alguém poder diverso daquele de punir que corresponde ao Estadojuiz Por tudo isso a rigor constitui uma impropriedade falar em ação penal pública e privada eis que toda ação penal é pública posto que é uma declaração petitória que provoca a atuação jurisdicional para instrumentalizar o direito penal e permitir a atuação da função punitiva estatal Seu conteúdo é sempre de interesse geral O correto é classificar em acusação pública e acusação privada ou se preferirem seguir classificando a partir do crime teremos ação processual penal de iniciativa pública e ação processual penal de iniciativa privada Contudo no Brasil o rigor técnico foi deixado de lado e já está consagrada a terminologia delitos de ação penal pública e delitos de ação penal privada A justificativa está na adoção do critério de legitimidade de agir será pública quando promovida pelo Ministério Público por uma denúncia e privada quando couber à vítima exer cê la através de queixa E o caráter de abstração ou concretude Defendendo o caráter autônomo e abstrato da ação Degenkolb e depois Plósz foram os marcos teóricos dos quais se estruturaram outros estudos Para os defensores dessa posição a ação é autônoma e abstrata no sentido de que é independente do direito material em discussão de modo que a ação poderá ser exercida e o processo nascer e se desenvolver ainda que o autor não tenha razão Ou seja mesmo que a sentença negue o postulado a ação terá sido exercida pois a existência dela não está vinculada a uma sentença favorável de mérito Para essa corrente a ação como direito abstrato tem sua existência prévia ao nascimento do processo É um direito que existe e pode ser exercido ainda que a ação seja julgada improcedente Têm ação aqueles que promovem a demanda ainda que sem direito válido a tutelar Explica Couture229 com deliberado exagero como ele mesmo esclarece que a ação é um direito dos que têm razão e ainda dos que não têm razão Tratase de um direito inerente à própria personalidade das pessoas Posteriormente Wach aperfeiçoando a concepção do processo como relação jurídica de Bülow defende a tese de que a ação é um direito autônomo até porque a relação jurídica de direito processual independe da relação jurídica de direito material mas concreto pois somente haverá ação quando o autor obtiver uma sentença favorável daí por que é o direito a uma sentença favorável na acepção do autor Em oposição à abstração a teoria do direito concreto sustenta em suma que a ação somente compete aos que têm razão Na síntese de Couture230 a ação não é o direito mas não há ação sem direito Mas a concepção de ação como direito concreto acabou não vingando especialmente porque era incapaz de justificar toda a situa ção criada e a jurisdição movimentada quando a sentença não fosse favorável Significaria dizer apontam os críticos que se a sentença fosse improcedente absolutória a ação não teria existido e o processo tampouco como poderia haver processo sem ação Sendo assim como explicar toda a atividade desenvolvida até então Inclusive com manifestação e exercício da jurisdição No processo penal igualmente se afirma a autonomia da ação processual penal até porque como explicamos ao abordar o objeto o direito potestativo de acusar não se confunde com o poder de punir direito material Ou seja o acusador não exerce nenhuma pretensão material punitiva senão uma pretensão processual acusatória Não há como aceitar integralmente a ação como direito concreto na medida em que o poder jurídico constitucional de proceder contra alguém ius ut procedatur existiu e foi realizado ainda que a sentença seja absolutória Isto é a pretensão acusatória pode ser exercida originar um processo penal que se desenvolva de forma válida e ao final o réu ser absolvido porque sua conduta é atípica ou lícita Com isso a pretensão acusatória foi realizada ainda que o Estadojuiz não tenha podido atuar o poder de penar Esse caráter fica ainda mais evidente quando se compreende o objeto do processo penal explicado anteriormente no qual se vê que não tem o acusador uma pretensão punitiva pois não lhe compete o poder de punir mas sim uma pretensão acusatória que é diversa do poder punitivo que é do Estado que o exerce no processo como juiz Ainda tendo em vista que adotamos como função do processo a satisfação jurídica de pretensões eou resistências nenhuma dúvida existe de que o processo também terá cumprido sua função em caso de sentença absolutória No entanto não se pode olvidar o princípio da necessidade em que se a pretensão acusatória é autônoma não o é o poder de punir que só existe no processo e somente pode se efetivar quando a acusação for integralmente levada a cabo e acolhida Ou seja o poder do juiz de penar está condicionado ao exercício integral da pretensão acusatória Não é esse poder de punir autônomo mas totalmente condicionado Mas também não satisfaz no processo penal a plena abstração da ação penal acusatória em relação ao fato criminoso Isso porque como explica Gómez Orbaneja231 puede afirmarse que a diferencia del proceso civil que se constituye de una vez y definitivamente con unos límites objetivos y subjetivos inalterables mediante la presentación de la demanda el proceso penal se desenvuelve escalonadamente El fundamento de la prosecusión o inversamente de su exclusión puede depender tanto de razones substantivas como procesales Está correto No processo civil o início e o desenvolvimento dependem exclusivamente de critérios formais de natureza processual O processo civil se desenvolve por meio de decisões interlocutórias de conteúdo puramente processual formal sem entrar na questão de fundo que deve ficar reservada para a sentença Por isso em geral até a sentença o juiz cível somente terá aplicado normas processuais232 Situação completamente diversa ocorre no processo penal em que as condições de punibilidade podem confundirse com os pressupostos processuais e principalmente para que o processo penal possa iniciar e desenvolverse é imprescindível que fique demonstrado o fumus commissi delicti Ou seja no processo penal desde o início é imprescindível que o acusador público ou privado demonstre a justa causa os elementos probatórios mínimos que demonstrem a fumaça da prática de um delito não bastando cumprimento e critérios meramente formais Não há como no processo civil a possibilidade de deixar a análise da questão de fundo mérito para a sentença pois desde o início o juiz faz juízo provisório de verossimilhança sobre a existência do delito É importante destacar que o processo penal adota um sistema escalonado que vai refletir o grau de sujeição do imputado e de diminuição do seu status libertatis O processo penal é um sistema escalonado e como tal para cada degrau é necessário um juízo de valor Essa escada é triangular pois pode ser tanto progressiva como também regressiva de culpabilidade no sentido de responsabilidade penal A situação do sujeito passivo passa de uma situação mais ou menos difusa à definitiva com a sentença condenatória ou pode voltar a ser difusa e dar origem a uma absolvição Inclusive é possível chegar a um juízo definitivo de caráter negativo em que se reconhece como certa a não participação do agente no delito Por tudo isso define Miguel Pastor López233 que a situação jurídica do sujeito passivo é contingente provisional e de progressiva ou regressiva determinação Com a sentença penal condenatória iniciase uma nova etapa a execução da pena A absolvição não cria uma situação nova senão que restabelece com plenitude o estado de inocente O sujeito passivo não perde o status de inocente no curso do processo mas sem dúvida que ele vai se debilitando Se com a condenação definitiva o estado de inocência acaba com a absolvição é restabelecido com sua máxima plenitude Concordamos com Gómez Orbaneja234 quando define a ação penal como o direito meramente formal de acusar aqui está a semente da teoria da acusação na qual não se faz valer uma exigência punitiva senão que se criam os pressupostos necessários para que o órgão jurisdicional possa proceder à averiguação do delito e de seu autor O acusador não exerce o poder de punir nisso reside a autonomia que também constitui um recorte de abstração senão que afirmando seu nascimento e postula a efetivação do poder de punir que é do Estadojuiz que exercerá pela primeira vez na sentença Pensamos que no processo penal o conceito mais adequado está no entrelugar ou melhor no entreconceito Os conceitos tradicionais de abstração de um lado e de direito concreto de outro não satisfazem a necessidade do processo penal Há que se buscar o entreconceito entre o abstrato e o concreto É algo a ser construído à luz da especificidade do processo penal235 Nessa linha Coutinho236 inspirado em Liebman desenvolve a concepção de direito conexo instrumentalmente ao caso penal Adverte que o fato de ser um direito abstrato não significa que seja ilimitado e incondicionado Deve ser dosado e condicionado somente podendo exercêlo aquele que preencher determinadas condições Está vinculado a um caso concreto determinado e exatamente individuado Assim a abstração é admitida pois não há como negar que a ação existe e foi devidamente exercida ainda que a sentença seja absolutória bem como a autonomia pois o direito potestativo237 de acusar não se confunde com poder material de punir mas ambas são atenuadas aproximandose do conceito de direito concreto na medida em que se exige que a ação processual penal demonstre uma conexão instrumental em relação ao caso penal visto aqui como elemento objetivo da pretensão acusatória conforme conceitos desenvolvidos anteriormente quando do estudo do objeto do processo Também dessa concepção se aproxima Tucci238 ao definir a ação processual penal como um direito subjetivo de índole processual instrumentalmente conexo a uma situação concreta A conexão instrumental é uma exigência do princípio da necessidade em que o delito somente pode ser apurado no curso do processo pois o direito penal não tem realidade concreta nem poder coercitivo fora do instrumento processo Também se vincula à noção de instrumentalidade constitucional anteriormente desenvolvida pois o processo é um instrumento para apuração do fato mas estritamente condicionado pela observância do sistema de garantias constitucionais Na ação processual penal o caráter abstrato coexiste com a vinculação a uma causa que é o fato aparentemente delituoso Logo uma causa concreta Existe assim uma limitação e vinculação a uma causa concreta que deve ser demonstrada ainda que em grau de veros similhança ou seja de fumus commissi delicti Portanto nesta linha de pensamento que é a mais próxima da realidade do processo penal sublinhese a ação processual penal é um direito potestativo de acusar público autônomo abstrato mas conexo instrumentalmente ao caso penal 24 CONDIÇÕES DA AÇÃO PROCESSUAL PENAL E NÃO PROCESSUAL CIVIL 241 QUANDO SE PODE FALAR EM CONDIÇÕES DA AÇÃO Segundo o pensamento majoritário as condições da ação não integram o mérito da causa mas são condições para que exista uma manifestação sobre ele Assim questões como ilegitimidade de parte ativa ou passiva negativa de autoria não ser o fato criminoso ou estar ele prescrito circunscrevemse às situações previstas no art 395 II do CPP impedindo a manifestação sobre o caso penal mérito em julgamento Também encontramos a ausência de condições da ação nas causas de absolvição sumária no art 397 demonstrando o quão próximo estão do mérito ou seja do caso penal elemento objetivo da pretensão acusatória Antes de entrar nessas questões é importante fazer um questionamentoadvertência é correto falar em condições da ação processual penal Existem condições que efetivamente condicionem o exercício da ação processual Ora se como afirmado anteriormente a ação é um poder político constitucional de invocar a tutela jurisdicional e encontra sua base no art 5º XXXV da Constituição como se pode falar em condições nas quais a Constituição não condiciona Para chegarse à resposta é necessário compreender que o direito de ação é um direito de dois tempos239 No primeiro momento estamos na dimensão constitucional do poder de invocar a tutela estatal Esse poder ius ut procedatur é completamente incondicionado Ou seja não existem condições para que a parte o exerça e tampouco possibilidades de impedir seu exercício Não há como proibir ou impedir alguém de ajuizar uma queixacrime ou de o Ministério Público oferecer uma denúncia240 Essa é a dimensão constitucional abstrata e incondicionada desse direito O mestre complutense Jaime Guasp241 comentando o pensamento de Carnelutti na obra Lezioni sul processo penale afirma que ação é um direito público subjetivo que expulsa en realidad el concepto de acción del campo del derecho procesal para encajarlo en el campo del derecho público ou seja como poder políticoconstitucional de invocação Mas existe o segundo momento de natureza não mais constitucional mas sim processual penal É no plano processual que se pode efetivar ou não a tutela postulada obter ou não a resposta jurisdicional almejada movimentar ou não a máquina estatal Na síntese de Jardim242 as condições da ação não são condições para a existência do direito de agir mas sim para o seu regular exercício Considerando o custo que encerra o processo e o fato de não haver possibilidade de a qualquer momento ser extinto sem julgamento de mérito a análise das condições da ação como requisitos a serem preenchidos para o nascimento do processo e obtenção da tutela pedida é fundamental Feita essa advertência sublinhese ainda que não há dúvida de que o juiz fará uma sumária incursão pelo mérito da causa e ainda que teoricamente seja clara a separação entitativa entre a esfera regida pelo direito material e a situação processual é evidente que no plano ontológico do processo existe uma profunda interação entre elas Como aponta Tourinho Filho243 queiram ou não as condições da ação servem de cordão umbilical entre a causa petendi e o exercício do direito de ação Como poderá o juiz apreciar a legitimatio ad causam senão em face da causa petendi Vejamos agora as condições da ação no processo penal 242 CONDIÇÕES DA AÇÃO PENAL EQUÍVOCOS DA VISÃO TRADICIONALCIVILISTA Segundo o pensamento majoritário as condições da ação não integram o mérito da causa mas são condições para que exista uma manifestação sobre ele Assim questões como ilegitimidade de parte ativa ou passiva negativa de autoria não ser o fato criminoso ou estar ele prescrito circunscrevemse às situações previstas no art 395 II do CPP impedindo a manifestação sobre o caso penal mérito em julgamento Também encontramos a ausência de condições da ação nas causas de absolvição sumária no art 397 demonstrando o quão próximo estão do mérito ou seja do caso penal elemento objetivo da pretensão acusatória Quanto às condições da ação a doutrina costuma dividilas em legitimidade interesse e possibilidade jurídica do pedido O problema está em que na tentativa de adequar ao processo penal é feita uma verdadeira ginástica de conceitos estendendoos para além de seus limites semânticos O resultado é uma desnaturação completa que violenta a matriz conceitual sem dar uma resposta adequada ao processo penal Vejamos por quê a Legitimidade esse é um conceito que pode ser aproveitado pois se trata de exigir uma vinculação subjetiva pertinência subjetiva para o exercício da ação processual penal Apenas como explicaremos na continuação não há que se falar em substituição processual no caso de ação penal de iniciativa privada e tampouco é de boa técnica em que pese a consagração legislativa e dogmática a divisão em ação penal pú blica e privada Como visto toda ação é pública por essência Não existe ação processual penal ou processual civil pri vada Tratase de um direito público O problema costuma ser contornado pela inserção de iniciativa pública ou privada b Interesse para ser aplicado no processo penal o interesse precisa ser completamente desnaturado na sua matriz conceitual Lá no processo civil é visto como utilidade e necessidade do provimento Tratase de interesse processual de obtenção do que se pleiteia para satisfação do interesse material É a tradicional concepção de Liebman do binômio utilidade e necessidade do provimento No processo penal alguns autores identificam o interesse de agir com a justa causa de modo que não havendo um mínimo de provas suficientes para lastrear a acusação deveria ela ser rejeitada art 395 III Crítica Pensamos que se trata de categoria do processo civil que resulta inaplicável ao processo penal Isso porque o processo penal vem marcado pelo princípio da necessidade algo que o processo civil não exige e portanto desconhece Se o interesse civilisticamente pensado corresponde à tradicional noção de utilidade e necessidade do provimento não há nenhuma possibilidade de correspondência no processo penal O princípio da necessidade impõe para chegarse à pena o processo como caminho necessário e imprescindível até porque o direito penal somente se realiza no processo penal A pena não só é efeito jurídico do delito244 senão que é um efeito do processo mas o processo não é efeito do delito senão da necessidade de impor a pena ao delito por meio do processo Então ele é inerente à ação processual penal não cabendo a discussão em torno do interesse Para o Ministério Público tanto nos crimes de ação penal de sua iniciativa pública como nos crimes de iniciativa privada o interesse é inerente a quem tiver legitimidade para propor a ação pois não há outra forma de obter e efetivar a punição Então o que faz a doutrina processual penal para aproveitar essa condição da ação processual civil Entulhamento conceitual A intenção é boa e isso não se coloca em dúvida mas o resultado final se afasta muito do conceito primevo Pegam um conceito e o entulham de definições que extrapolam em muito seus limites culminando por gerar um conceito diverso mas com o mesmo nome que não mais lhe serve por evidente Nessa linha costumam tratar como interesse questões que dizem respeito à punibilidade concreta tal como a inexistência de prescrição ou mesmo de justa causa como o princípio da insignificância c Possibilidade jurídica do pedido quanto à possibilidade jurídica do pedido cumpre inicialmente destacar que o próprio Liebman na terceira edição do Manuale di diritto processuale civile aglutina possibilidade jurídica do pedido com o interesse de agir reconhecendo a fragilidade da separação Como conceber que um pedido é juridicamente impossível de ser exercido e ao mesmo tempo proveniente de uma parte legítima e que tenha um interesse juridicamente tutelável Ou ainda como poderá uma parte legítima ter um interesse juridicamente tutelável mas que não possa ser postulado São questões que só podem ser respondidas de forma positiva por meio de mirabolantes exemplos que jamais extrapolam o campo teórico onírico de alguns Assim frágil a categorização mesmo no processo civil e principalmente no processo penal Superada essa advertência inicial o pedido da ação no processo penal de conhecimento será sempre de condenação exigindo um tratamento completamente diverso daquele dado pelo processo civil pois não possui a mesma complexidade Logo não satisfaz o conceito civilista de que o pedido deve estar autorizado pelo ordenamento até porque no processo penal não se pede usucapião do Pão de Açúcar típico exemplo dos manuais de processo civil A doutrina que adota essa estrutura civilista costuma dizer que para o pedido de condenação obviamente ser juridicamente possível a conduta deve ser aparentemente criminosa o que acaba se confundindo com a causa de absolvição sumária do art 397 III do CPP não pode estar extinta a punibilidade nova confusão agora com o inciso IV do art 397 ou ainda haver um mínimo de provas para amparar a imputação o que na verdade é a justa causa Crítica Na verdade o que se verifica é uma indevida expansão dos conceitos do processo civil para ilusoriamente atender à especificidade do processo penal Em suma o que se percebe claramente é a inadequação dessas categorias do processo civil cabendonos então encontrar dentro do próprio processo penal suas condições da ação como se fará na continuação 243 CONDIÇÕES DA AÇÃO PENAL SEGUNDO AS CATEGORIAS PRÓPRIAS DO PROCESSO PENAL Agora diante da necessidade de respeitaremse as categorias jurídicas próprias do processo penal devemos buscar as condições da ação dentro do próprio processo penal a partir da análise das causas de rejeição da acusação Assim do revogado art 43 e do atual art 395 sustentamos que são condições da ação penal245 prática de fato aparentemente criminoso fumus commissi delicti punibilidade concreta legitimidade de parte justa causa Vejamos agora sucintamente cada uma das condições da ação processual penal 2431 PRÁTICA DE FATO APARENTEMENTE CRIMINOSO FUMUS COMMISSI DELICTI Tradicionalmente entendeuse que evidentemente não constituir crime significava apenas atipicidade manifesta Contudo este não é um critério adequado Inicialmente devese considerar que o inciso III do art 397 do CPP fala em crime Ainda que se possa discutir se crime é fato típico ilícito e culpável ou um injusto típico ninguém nunca defendeu que o conceito de crime se resumia à tipicidade Logo atendendo ao referencial semântico da expressão contida no CPP devese trabalhar com o conceito de crime e depois de evidentemente Quanto ao conceito de crime nenhuma dúvida temos de que a acusação deve demonstrar a tipicidade aparente da conduta Para além disso das duas uma ou se aceita o conceito de tipo de injusto na esteira de Cirino dos Santos em que se exige que além dos fundamentos positivos da tipicidade também deve haver a ausência de causas de justificação excludentes de ilicitude ou se trabalha com os conceitos de tipicidade e ilicitude desmembrados Em qualquer caso se houver elementos probatórios de que o acusado agiu manifestamente ao abrigo de uma causa de exclusão da ilicitude deve a denúncia ou queixa ser rejeitada com base no art 395 II pois falta uma condição da ação A problemática situase na demonstração manifesta da causa de exclusão da ilicitude É uma questão de convencimento do juiz Mas uma vez superada essa exigência probatória se convencido de que o acusado agiu ao abrigo de uma causa de exclusão da ilicitude deve o juiz rejeitar a acusação Caso esse convencimento somente seja possível após a resposta do acusado a decisão passará a ser de absolvição sumária nos termos do art 397 Superada essa questão tipicidade e ilicitude surge o questionamento e se o acusado agiu manifestamente ao abrigo de uma causa de exclusão da culpabilidade pode o juiz rejeitar a acusação Pensamos que sim Assim havendo prova da causa de exclusão da culpabilidade como o erro de proibição por exemplo préconstituída na investigação preliminar está o juiz autorizado a rejeitar a acusação O que nos importa agora é que uma vez demonstrada a causa de exclusão e convencido o juiz está ele plenamente autorizado a rejeitar a denúncia ou queixa Ou ainda atender ao pedido de arquivamento feito pelo Ministério Público A denúncia deverá ser rejeitada nos termos do art 395 II do CPP com plena produção dos efeitos da coisa julgada formal e material Em suma a questão deve ser analisada da seguinte forma a se a causa de exclusão da ilicitude ou culpabilidade estiver demonstrada no momento em que é oferecida a denúncia ou queixa poderá o juiz rejeitála com base no art 395 II falta uma condição da ação penal qual seja a prática de um fato aparentemente criminoso b se o convencimento do juiz sobre a existência da causa e exclusão da ilicitude ou da culpabilidade somente for atingido após a resposta do acusado já tendo sido a denúncia ou queixa recebida portanto a decisão será de absolvição sumária art 397 2432 PUNIBILIDADE CONCRETA Exigia o antigo e já revogado art 43 II do CPP que não se tenha operado uma causa de extinção da punibilidade cujos casos estão previstos no art 107 do Código Penal e em leis especiais para que a ação processual penal possa ser admitida Agora essa condição da ação também figura como causa de absolvição sumária prevista no art 397 IV do CPP Mas isso não significa que tenha deixado de ser uma condição da ação processual penal ou que somente possa ser reconhecida pela via da absolvição sumária Nada disso Deve o juiz rejeitar a denúncia ou queixa quando houver prova da extinção da punibilidade A decisão de absolvição sumária fica reservada aos casos em que essa prova somente é produzida após o recebimento da denúncia ou seja após a resposta escrita do acusado Quando presente a causa de extinção da punibilidade como prescrição decadência e renúncia nos casos de ação penal de iniciativa privada ou pública condicionada à representação a denúncia ou queixa deverá ser rejeitada ou o réu absolvido sumariamente conforme o momento em que seja reconhecida 2433 LEGITIMIDADE DE PARTE Dessa forma nos processos que tenham por objeto a apuração de delitos perseguíveis por meio de denúncia ou de ação penal de iniciativa pública o polo ativo deverá ser ocupado pelo Ministério Público eis que nos termos do art 129 I da Constituição é o parquet o titular dessa ação penal Nas ações penais de iniciativa privada caberá à vítima ou seu representante legal arts 30 e 31 do CPP assumir o polo ativo da situação processual A doutrina brasileira na sua maioria entende que nessa situação ocorre uma substituição processual verdadeira legitimação extraordinária nos termos do art 6º do CPC na medida em que o querelante postularia em nome próprio um direito alheio ius puniendi do Estado É um erro bastante comum daqueles que sem atentar para as categorias jurídicas próprias do processo penal ainda pensam pelas distorcidas lentes da teoria geral do processo Compreendido que o Estado exerce o poder de punir no processo penal não como acusador mas como juiz tanto o Ministério Público como o querelante exercitam um poder que lhes é próprio ius ut procedatur pretensão acusatória ou seja o poder de acusar Logo não corresponde o poder de punir ao acusador seja ele público ou privado na medida em que ele detém a mera pretensão acusatória Assim em hipótese alguma existe substituição processual no processo penal A legitimidade deve ser assim considerada a Legitimidade ativa está relacionada com a titularidade da ação penal desde o ponto de vista subjetivo de modo que será o Ministério Público nos delitos perseguíveis mediante denúncia e do ofendido ou seu representante legal nos delitos perseguíveis por meio de queixa É ocupada pelo titular da pretensão acusatória Especificamente no processo penal a legitimidade decorre da sistemática legal adotada pelo legislador brasileiro e não propriamente do interesse Por imperativo legal nos delitos de ação penal de iniciativa pública o Ministério Público será sempre legitimado para agir Já nos delitos de ação penal de iniciativa privada somente o ofendido ou seu representante legal poderá exercer a pretensão acusatória por meio da queixacrime b Legitimidade passiva decorre da autoria do injusto típico O réu pessoa contra a qual é exercida a pretensão acusatória deve ter integrado a situação jurídica de direito material que se estabeleceu com o delito autorvítima Em outras palavras a legitimação passiva está relacionada com a autoria do delito Também não se podem desconsiderar os limites impostos pela culpabilidade penal especialmente no que se refere à inimputabilidade decorrente da menoridade em que o menor de 18 anos e de nada interessa eventual eman cipação civil é ilegítimo para figurar no polo passivo do pro cesso penal A imputação deve ser dirigida contra quem praticou o injusto típico Não se deve esquecer de que nesse momento não pode ser feito um juízo de certeza mas sim de mera probabilidade verossimilhança da autoria A ilegitimidade ativa ou passiva leva à rejeição da denúncia ou queixa nos termos do art 395 II do CPP ou ainda permite o trancamento do processo por meio de habeas corpus eis que se trata de processo manifestamente nulo art 648 IV por ilegitimidade de parte art 564 II A ilegitimidade da parte permite que seja promovida nova ação eis que tal decisão faz apenas coisa julgada formal Corrigida a falha a ação pode ser novamente intentada É o que acontece vg quando o ofendido ajuíza a queixa em delito de ação penal pública A rejeição da queixa não impede que o Ministério Público ofereça a denúncia 2434 JUSTA CAUSA Prevista no art 395 III do CPP a justa causa é uma importante condição da ação processual penal Em profundo estudo sobre o tema Maria Thereza Rocha Assis Moura246 adverte sobre a indefinição que paira em torno do conceito na medida em que causa possui signifi cado vago e ambíguo enquanto que justo constitui um valor E prossegue247 lecionando que a justa causa exerce uma função mediadora entre a realidade social e a realidade jurídica avizinhandose dos conceitosválvula ou seja de parâmetros variáveis que consistem em adequar concretamente a disciplina jurídica às múltiplas exigências que emergem da trama do tecido social Mais do que isso figura como um antídoto de proteção contra o abuso de Direito248 Evidencia assim a autora que a justa causa é um verdadeiro ponto de apoio topos para toda a estrutura da ação processual penal uma inegável condição da ação penal que para além disso constitui um limite ao abuso do ius ut procedatur ao direito de ação Considerando a instrumentalidade constitucional do processo penal conforme explicamos anteriormente o conceito de justa causa acaba por constituir uma condição de garantia contra o uso abusivo do poder de acusar A justa causa identificase com a existência de uma causa jurídica e fática que legitime e justifique a acusação e a própria intervenção penal Está relacionada assim com dois fatores existência de indícios razoáveis de autoria e materialidade de um lado e de outro com o controle processual do caráter fragmentário da intervenção penal 24341 JUSTA CAUSA EXISTÊNCIA DE INDÍCIOS RAZOÁVEIS DE AUTORIA E MATERIALIDADE Deve a acusação ser portadora de elementos geralmente extraí dos da investigação preliminar inquérito policial probatórios que justifiquem a admissão da acusação e o custo que representa o processo penal em termos de estigmatização e penas processuais Caso os elementos probatórios do inquérito sejam insuficientes para justificar a abertura do processo penal deve o juiz rejeitar a acusação Não há que se confundir esse requisito com a primeira condição da ação fumus commissi delicti Lá exigimos fumaça da prática do crime no sentido de demonstração de que a conduta praticada é aparentemente típica ilícita e culpável Aqui a análise deve recair sobre a existência de elementos probatórios de autoria e materialidade Tal ponderação deverá recair na análise do caso penal à luz dos concretos elementos probatórios apresentados A acusação não pode diante da inegável existência de penas processuais ser leviana e despida de um suporte probatório sufi ciente para à luz do princípio da proporcionalidade justificar o imenso constrangimento que representa a assunção da condição de réu É o lastro probatório mínimo a que alude Afrânio Silva Jardim249 exigido ainda pelos arts 12 39 5º 46 1º e 648 I a contrário senso do Código de Processo Penal 24342 JUSTA CAUSA CONTROLE PROCESSUAL DO CARÁTER FRAGMENTÁRIO DA INTERVENÇÃO PENAL Como bem sintetiza Cezar Roberto Bitencourt250 o caráter fragmentário do direito penal significa que o direito penal não deve sancionar todas as condutas lesivas a bens jurídicos mas tão somente aquelas condutas mais graves e mais perigosas praticadas contra bens mais relevantes É ainda um corolário do princípio da intervenção mínima e da reserva legal como aponta o autor A filtragem ou controle processual do caráter fragmentário encontra sua justificativa e necessidade na inegável banalização do direito penal Quando se fala em justa causa está se tratando de exigir uma causa de natureza penal que possa justificar o imenso custo do processo e as diversas penas processuais que ele contém Inclusive se devidamente considerado o princípio da proporcionalidade visto como proibição de excesso de intervenção pode ser considerado a base constitucional da justa causa Deve existir no momento em que o juiz decide se recebe ou rejeita a denúncia ou queixa uma clara proporcionalidade entre os elementos que justificam a intervenção penal e processual de um lado e o custo do processo penal de outro Nessa dimensão situamos as questões relativas à insignificância ou bagatela Considerando que toda categorização implica reducionismo e frágeis fronteiras à complexidade não negamos que a insignificância possa ser analisada na primeira condição fumaça de crime na medida em que incide diretamente na tipicidade Contudo para além das infindáveis discussões teóricas no campo da doutrina penal nenhum impedimento existe de que o juiz analise isso à luz da proporcionalidade da ponderação dos bens em jogo ou ainda da própria estrutura do bem jurídico e da missão do direito penal E quando fizer isso estará atuando na justa causa para a ação processual penal 244 OUTRAS CONDIÇÕES DA AÇÃO PROCESSUAL PENAL Para além das enumeradas e explicadas anteriormente existem outras condições que igualmente condicionam a propositura da ação processual penal Alguns autores chamam de condições específicas em contraste com as condições genéricas anteriormente apontadas Mais usual ainda é a classificação de condições de procedibilidade especificamente em relação à representação e à requisição do Ministro da Justiça nos crimes de ação penal pública condicionada Contudo razão assiste a Tucci quando esclarece que tais classificações não possuem sentido de ser na medida em que tanto a representação como a requisição do Ministro da Justiça nada mais são do que outras condições para o exercício do direito à jurisdição penal251 Mas para além da representação e da requisição do Ministro da Justiça existem outras condições da ação exigidas pela lei penal ou processual penal como por exemplo enumeração não taxativa a poderes especiais e menção ao fato criminoso na procuração que outorga poderes para ajuizar queixacrime nos termos do art 44 do CPP b a entrada no agente no território nacional nos casos de extraterritorialidade da lei penal para atender à exigência contida no art 7º do Código Penal c o trânsito em julgado da sentença anulatória do casamento no crime do art 236 parágrafo único do CP d prévia autorização da Câmara dos Deputados nos crimes praticados pelo Presidente ou VicePresidente da República bem como pelos Ministros de Estado nos termos do art 51 I da Constituição Em qualquer desses casos a denúncia ou queixa deverá ser rejeitada com base no art 395 II do CPP Caso não tenha sido percebida a falta de uma das condições da ação e o processo tenha sido instaurado deve ser trancado o processo por meio de habeas corpus ou extinto pelo juiz decisão meramente terminativa Quanto aos efeitos da decisão não haverá julgamento de mérito podendo a ação ser novamente proposta desde que satisfeita a condição enquanto não se operar a decadência no caso da representação ou de procuração com poderes especiais para a queixa ou a prescrição 25 A PROPOSTA TEORIA DA ACUSAÇÃO REFLEXOS NA SANTA TRINDADE ACUSAÇÃOJURISDIÇÃOPROCESSO 251 A NECESSIDADE INADEQUAÇÕES DECORRENTES DO CONCEITO TRADICIONAL DE AÇÃO O CONCEITO DE ACUSAÇÃO Não é preciso maior esforço para perceber que toda a discussão acerca da ação e seus demais caracteres foi feita desde a perspectiva as categorias e as especificidades do processo civil Essa construção teórica foi transplantada com muito sacrifício conceitual para o processo penal esbarrando o tempo todo nos limites de sua inadequação Basta por exemplo verificar que a concepção de ação penal pública e ação penal privada é um erro pois toda ação é pública por isso temos de falar em ação penal de iniciativa pública ou iniciativa privada para tentar salvar o transplante rejeitado Outro obstáculo epistemológico são as concepções de ação como direito concreto e ação como direito abstrato na medida em que no processo penal não nos serve nem uma nem outra concepção Isso fez com que para tentar salvar a categoria ação fosse criada a teoria eclética pois não raras vezes quando o direito não dá conta da complexidade fenomenológica de algo recorre a vagueza conceitual de teorias ecléticas mistas e coisas do gênero É para superar esse arremedo conceitual que proporemos a seguir a construção de uma teoria da acusação que possa superar essas transmissões inadequadas As condições da ação do processo civil legitimidade interesse e possibilidade jurídica do pedido seguem sendo repetidas de forma absolutamente inadequada no processo penal e ainda esbarram em outro problema o escalonamento do processo penal Ao contrário do processo civil em que o autor somente tem de demonstrar condições formais para que a demanda seja recebida no processo penal a situa ção é completamente distinta No processo civil todas as questões de mérito ficam reservadas para análise na sentença como regra é claro Já no processo penal desde o início para que a acusação seja recebida deve o acusador demonstrar a fumaça do mérito ou seja a viabilidade em sede de verossimilhança fumus commissi delicti Isso porque o processo penal tem um elevado custo estigmatiza e principalmente já é uma pena em si mesmo Na lendária frase de Carnelutti a maior miséria do processo penal é que punimos para saber se devemos punir É uma distinção tão relevante que faz com que não se possam importar as condições da ação nem sequer adaptandoas pois o problema é outro é na base epistemológica do instituto O processo penal tem um escalonamento progressivo ou regressivo de culpabilidade de modo que a acusação somente pode ser admitida se houver fumaça da prática de um crime logo indícios razoáveis do próprio mérito e se essa fumaça desaparecer com os elementos trazidos pela defesa deve o juiz absolver sumariamente o réu sem precisar haver o desenvolvimento completo do procedimento Ou seja é possível uma decisão sobre o mérito absolvição sumária antes da sentença final Tudo isso é completamente contrário à base conceitual desde sempre pensada para as condições da ação pelo processo civil Por tudo isso nossa proposta parte da assunção das categorias jurídicas próprias do processo penal e da necessidade de superação da inadequada estrutura teórica existente Pensamos ser necessário construir uma teoria da acusação que liberta dos dogmas e polêmicas processuais civis do passado contribua para a elaboração de uma teoria de base e que melhor atenda às necessidades específicas do processo penal Concordamos com Gómez Orbaneja252 quando define a ação penal como o direito meramente formal de acusar aqui está a semente da teoria da acusação na qual não se faz valer uma exigência punitiva senão que se criam os pressupostos necessários para que o órgão jurisdicional possa proceder à averiguação do delito e de seu autor O acusador não exerce o poder de punir nisso reside a autonomia que também constitui um recorte de abstração senão que afirmando seu nascimento e postula a efetivação do poder de punir que é do Estadojuiz que exercerá pela primeira vez na sentença Precisamos sepultar a equivocada concepção de que haveria uma exigência punitiva ação de direito material a ser exercida no processo penal sob a roupagem de pretensão punitiva Como explicamos anteriormente no estudo do objeto do processo penal o direito penal é despido de poder coercitivo direto necessitando sempre do processo penal para se realizar e efetivar Princípio da Necessidade nulla poena sine iudicio No processo penal o acusador exerce um poder próprio de acusar ius ut procedatur pretensão acusatória e o juiz exerce ao final preenchidos os requisitos para tanto outro poder qual seja o poder de punir ou de penar O poder de punir é do juiz e não do acusador Ao Ministério Público não compete o poder de punir mas a pena de promover a punição Carnelutti O acusador no processo penal não está na posição de credor do direito civil a exigir a adjudicação de um direito próprio Não é disso que se trata e portanto erro primevo da concepção de pretensão punitiva tradicionalmente utilizada O acusador exerce um direito próprio de acusar que não se confunde com o poder condicionado de punir do juiz Uma vez exercido o poder de acusar e demonstrada a existência de um caso penal no devido processo penal especialmente na dimensão de decisão construída pelo procedimento em contraditório Fazzalari criamse as condições de possibilidade para o exercício do poder condicionado portanto de punir que é do juiz A acusação vista como instrumento portador do direito potestativo de proceder contra alguém gera uma obrigação do órgão jurisdicional de manifestarse até por consequência do princípio da necessidade Sem dúvida há uma situação de sujeição do acusado à situação jurídicoprocessual estabelecida na concepção dinâmica de Goldschmidt Por meio da acusação invoca se a atuação da jurisdição dando início ao processo situação jurídica que culminará com a decisão O simples exercício da acusação ius ut procedatur coloca o sujeito passivo numa nova posição jurídica a de submetido a um processo penal Com isso estará sujeito à incidência das normas e institutos processuais penais como prisão preventiva liberdade provisória com fiança dever de comparecimento aos atos do processo etc Adotamos assim a posição de Giovanni Leone253 em relação ao binômio direito subjetivopotestativo Para o autor a posição mista decorre da necessidade de adotar um novo caminho que represente a confluência das concepções distintas mas não opostas de ação como direito subjetivo e ação como direito potestativo Em definitivo o nascimento do processo penal estabelece uma nova situazione giuridica subjettiva que acarreta e reflete um maior grau de diminuição do status libertatis do sujeito passivo A acusação é ao mesmo tempo um direito subjetivo em relação ao Estado Jurisdição e um direito potestativo em relação ao imputado254 No primeiro caso corresponde à obrigação da prestação da tutela jurisdicional e de emitir uma decisão no segundo há uma sujeição do imputado às consequências processuais produzidas pela ação Aqui destaquese para evitar críticas fundadas na incompreensão dessa construção que não existe sujeição do imputado em relação ao acusador sob pena de voltarmos à equivocada concepção de exigência punitiva mas sim em relação à situação jurídica processual nascida da admissão da acusação Não se sujeita o réu ao acusador mas ao processo e ao conjunto de atos nele desenvolvido Concebida a acusação como poder de proceder ius ut procedatur portadora do caso penal fumus commissi delicti pela qual se invoca a atuação do poder jurisdicional não necessitamos mais utilizar o conceito de pretensão acusatória Uma vez abandonados por inadequados os conceitos tradicionais de ação o também tradicional conceito de pretensão perde sentido principalmente o errado conceito de pretensão punitiva Sustentamos a concepção de pretensão acusatória usando como referencial teórico as construções de Guasp Gómez Orbaneja e Goldschmidt demonstrando inicialmente o erro de pensarse a existência de pretensão acusatória na medida em que o acusador não é titular de nenhuma exigência punitiva tampouco existe a possibilidade de realização dela fora do processo penal princípio da necessidade e principalmente por representar uma transmissão mecânica de categorias do processo civil O acusador seja público ou privado não é detentor de uma pretensão punitiva na medida em que não são detentores de uma exigência punitiva e tampouco do poder de punir O poder de punir é de atribuição do juiz Ao acusador compete apenas um poder de acusar logo pretensão acusatória Contudo pensamos que se pode prescindir do conceito de pretensão acusatória no momento em que se romper com a visão tradicional É preciso assumir ainda que seja um conceito muito mais acertado que o de pretensão punitiva que tal construção é na sua essência fruto das construções civilistas Não deixa de ser uma roupa da irmã mais velha na fábula carneluttiana Rompendose com a visão tradicional de ação esvaziase a concepção de pretensão Assim trabalhamos com a acusação como poder de proceder contra alguém em juízo ius ut procedatur o instrumento capaz de provocar a manifestação jurisdicional que deve ser portador do caso penal Feita essa ressalva uma vez admitida a acusação e iniciado o processo o objeto passa a ser a imputação o caso penal trazido obrigando a uma reformulação de nossa concepção Essa acusação portanto será o instrumento portador do ius ut procedatur isto é do poder de acusar e no processo penal brasileiro se concretizará na denúncia ou queixa conforme o delito seja de acusação pública ou privada quanto à iniciativa Liberto das categorias e polêmicas seculares podemos considerar que a acusação será pública quando levada a cabo pelo órgão oficial do Estado Ministério Público Poderá ser ainda uma acusação pública condicionada quando a lei impuser a necessidade de uma prévia autorização da vítima para que o Estado possa proceder contra alguém representação Já a acusação será privada nos delitos em que a lei outorga ao particular o poder de acusar concretizando essa acusação na queixacrime Superadas as concepções públicas e privadas do passado podese trabalhar a partir da legitimidade ativa para definição Considerando que tanto a iniciativa pública como a privada estão previstas na Constituição podemos perfeitamente conceituar como um poder constitucional de iniciativa pública ou privada de acusar alguém frente ao órgão jurisdicional É portanto neste momento um poder de agir incondicionado Deve ser completamente abandonado o civilismo de pensar ser o querelante um substituto processual figura do processo civil trazida à força por alguma doutrina para o processo penal Não existe substituição processual no processo penal na medida em que o particular exerce um poder próprio de acusar em nome próprio A figura do substituto foi uma necessidade decorrente da errônea concepção de pretensão punitiva de modo que um erro levou a outro para justificar a premissa inicial errada O particular não exerce o poder de punir e por isso não exerce em nome próprio um direito alheio Ele é titular do poder de acusar da mesma forma que o Ministério Público havendo uma única diferença que é a legitimidade para exercêlo fruto de opção de política processual Nada além disso 252 REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE DA ACUSAÇÃO Uma vez recebida a acusação caberá ao juiz a análise dos requisitos de admissibilidade da acusação Não há sentido em seguir utilizando a categoria das condições da ação com o peso histórico que tem na medida em que hoje elas constituem na verdade requisitos de admissibilidade da acusação denúncia ou queixa As condições da ação sempre foram definidas como condições para o exercício do direito de ação seu regular exercício Mas atualmente mesmo a ação é vista como um poder político constitucional de invocação absolutamente incondicionado na sua essência surgindo a necessidade de se pensar em ação como direito de dois tempos como anteriormente explicado para salvar o conceito Considerando que o poder de invocação da tutela jurisdicional é essencialmente incondicionado e que eventual controle se dará no segundo estágio quando o juiz decide se admite ou não a acusação ou a ação no cível Por isso tampouco é de todo correto seguir operando com a categoria condições de algo que constitui um poder incondicionado Por isso pensamos que na reestruturação teórica do instituto mais um inconveniente a ser solucionado é esse abandono da categoria condições para situar na dimensão de requisitos de admissibilidade pois é disso que se trata Uma vez exercida a acusação pública ou privada verificará o juiz se a admite ou não analisando os requisitos já conhecidos de fumaça da prática de um crime punibilidade concreta justa causa e legitimidade ativapassiva Preenchidos poderá o juiz receber a acusação Portanto esses são os requisitos de admissibilidade da acusação a Legitimidade ativa e passiva em que se verificará à luz da tipicidade aparente quem é o acusador atribuído por lei se público ou privado Quanto ao polo passivo tratase de análise sumária da figura do acusado não admitindo a acusação que se dirija contra alguém que manifestamente não é o autorpartícipe do fato aparentemente criminoso ou seja inimputável b Prática de fato aparentemente criminoso é o conhecido fumus commissi delicti cabendo ao acusador demonstrar a tipicidade aparente verossimilhança acusatória mas também a aparência de ilicitude Havendo elementos probatórios de que o imputado agiu manifestamente ao abrigo de uma causa de exclusão da ilicitude deve a acusação ser rejeitada não admitida c Punibilidade concreta superada a visão civilista de que isso seria uma discussão acerca do interesse a exigência de demonstração da punibilidade concreta também pode ser pensada como um elemento negativo ou seja não pode ter ocorrido uma causa de extinção da punibilidade prescrição decadência etc prevista no art 107 do CP ou em leis especiais d Justa causa pensada como um limite contra o uso abusivo do poder de acusar é a exigência de que se demonstre jurídica e faticamente uma causa penal que justifique a acusação Pensamos como explicado anteriormente que a justa causa diz respeito à existência de indícios razoáveis de autoria e materialidade de um lado e de outro com o controle processual do caráter fragmentário da intervenção penal Para evitar repetições remetemos o leitor para a explicação feita quando tratamos das condições da ação Esses são verdadeiros requisitos para que uma acusação pública ou privada seja admitida dando início ao processo Não preenchidos deverá o juiz rejeitar a acusação 253 REFLEXOS NOS CONCEITOS DE JURISDIÇÃO E PROCESSO Definida a acusação como o substitutivo conceitual adequado para aquilo que tradicionalmente se denominou ação processual penal vejamos agora as demais categorias de jurisdição e processo A jurisdição tradicionalmente vista como poderdever dizer o direito precisa ser repensada à luz das especificidades do processo penal Sem dúvida é um poder o poder de punir mas é um poder condicionado e principalmente é uma atividade protetiva de direitos fundamentais Portanto algumas distorções precisam ser corrigidas como por exemplo a Regras da competência considerando que a jurisdição no processo penal tem uma função diferente daquela realizada no processo civil o direito fundamental ao juiz natural com uma competência previamente estabelecida por lei adquire uma relevância muito maior Ainda que a competência seja vista como limite ao poder é também uma garantia fundamental que não pode ser manipulada No processo penal podemos seguir trabalhando com a competência em razão da matéria pessoa e lugar desde que não se importe inadequadamente a ideia de que a competência em razão do lugar é relativa Isso é um civilismo inadequado O CPP nunca disse e nem poderia à luz da Constituição que a competência em razão do lugar era relativa e que somente poderia ser ar guida pela parte interessada passiva no primeiro momento que falasse no processo sob pena de preclusão Isso não está recepcionado pelo processo penal e constitui mais um erro de não perceber a dimensão da jurisdição no processo penal b Regras da competência II compreendido o tópico anterior não há como admitir que a competência possa ser modificada a partir de uma resolução ou qualquer outro ato legislativo inferior a lei É o caso típico das varas especializadas instituídas no âmbito da justiça federal a partir de resoluções dos respectivos TRFs violando a garantia da reserva de lei e também do juiz natural c Imparcialidade quando se supera a visão de jurisdição como mero poderdever para encarála como garantia do indivíduo submetido ao processo a imparcialidade adquire novos contornos e maior relevância Devese maximizar a preocupação em evitar os préjuízos que geram um imenso prejuízo Somente a adoção de um sistema efetivamente acusatório que não apenas respeite o ne procedat iudex ex officio duran te todo o procedimento não apenas no início mas principalmente que mantenha o juiz afastado da iniciativagestão da prova é capaz de criar as condições de possibilidade para a imparcialidade A exigência da imparcialidade deve ser pensada para além da questão subjetiva dos prejulgamentos mas também objetiva e estética Objetivamente se deve mirar para a estrutura processual não permitindo que o juiz desça para a arena das partes praticando atos que não lhe competem Na dimensão da estética de imparcialidade como já denominou o Tribunal Europeu de Direitos Humanos TEDH é importante que o jurisdicionado tenha essa percepção da separação de funções e papéis com um acusador e um julgador com lugares e falas bem demarcadas É essa estética que dá a necessária confiança ao jurisdicionado de que haverá um julgamento justo d Imparcialidade II para além dos prejulgamentos anteriormente tratados precisamos entender a necessidade de conceber a prevenção como causa de exclusão da competência Como já decidiu inúmeras vezes o TEDH juiz prevento é juiz contaminado que não pode julgar Grave erro do sistema brasileiro foi considerar a prevenção como causa de fixação da competência quando deveria ser o oposto Já tratamos dessa questão diversas vezes sendo desnecessário repetir Mas é crucial que exista um juiz na fase préprocessual encarregado de decidir sobre as medidas que exijam autorização judicial e também de receber a denúncia e outro juiz na fase processual sistema doble juez Nessa linha é absolutamente fundamental que o juiz das garantias previsto no art 3ºB e ss do CPP inserido pela Lei n 139642019 tenha plena vigência neste momento em que atualizamos esta obra tais dispostivos legais estão suspensos por conta da liminar concedida pelo Min Fux já explicada no início do livro e Pode o juiz condenar quando o MP pede absolvição Evidente que não O poder de punir titularizado pelo juiz é um poder condicionado ao prévio e integral exercício do poder de acusar Logo se o acusador desistir de acusar pedindo a absolvição do imputado não se criam as condições de possibilidade e suficiência para o juiz condenar É a acusação não apenas o starter do processo mas também o motor que o movimenta não podendo o juiz de ofício condenar Ademais também viola a estrutura acusatória a imparcialidade ao princípio da correlação exatamente porque o espaço decisório vem demarcado pela acusação Condenar sem pedido ou seja sem acusação é absolutamente inaceitável f Princípio da correlação importante compreender que o espaço decisório vem demarcado pela acusação que inclui não apenas um fato aparentemente criminoso mas também sua tipificação legal Está completamente superada a reducionista visão do narra mihi factum dabo tibi ius pois a acusação deve conter a descrição fática e a imputação jurídica fato processual fato natural fato penal havendo a defesa nessa dupla dimensão fato e direito Portanto devese levar muito mais a sério a mutatio libelli e principalmente extinguir ou reduzir a situações extremas de evidente erro a emendatio libelli O que se tem visto no Brasil é o uso indiscriminado e errado do art 383 em situações que o correto era seguir o procedimento do art 384 com aditamento e contraditório como vg na desclassificação de crime doloso para culposo consumado para tentado etc255 Devese atentar para os requisitos da acusação e sua função definidora dos limites decisórios respeitando assim o princípio da correlação que também se vincula à estrutura acusatória e à garantia da imparcialidade g Revisão da teoria da nulidades considerando que o papel do juiz é o de garantidor do sistema de garantias constitucionais é preciso partir da premissa de que forma é garantia e limite de poder e incumbe ao juiz zelar pela observância da forma enquanto regras do devido processo Como já explicado em outra oportunidade256 precisamos revisar a inadequada importação das categorias do processo civil especialmente o famigerado prejuízo nunca demonstrável pois depende do decisionismo ilegítimo do julgador eis que se trata de uma categoria aberta que vai encontrar referencial semântico naquilo que quiser o julgador A jurisdição enquanto garantia fundamental deve zelar pela contenção da ilegalidade Enfim diversas são as consequências na reestruturação de uma teoria geral do processo penal que vão exigir da jurisdição a assunção de um lugar diferenciado do atual Quanto ao processo e sua natureza jurídica o caminho vem dado por Goldschmidt e complementado por Fazzalari ambos anteriormente estudados de modo que o processo penal iniciado pela acusação frente ao juiz penal deverá se desenvolver dentro da complexa dinâmica de riscos chances carga do acusador liberação de cargas etc na realidade bem exposta pela teoria do processo como situação jurídica Mas é imprescindível o fortalecimento ao contraditório bem desenhado por Fazzalari para que se pense na jurisdição como garantidora do contraditório em que o juiz não é o contraditor mas o responsável pela eficácia do contraditório O processo deve ser visto como um procedimento em contraditório com todos os atos mirando o provimento final que em última análise é construído em contraditório A perspectiva de Goldschmidt ao desvelar a dinâmica e o risco coloca de relevo a falácia de segurança do modelo de Bülow sublinhando como decorrência a importância da máxima eficácia das regras do jogo devido processo como instrumentos redutores de danos de uma sentença injusta É desvelar o risco para fortalecer o sistema de garantias sem por elementar pactuar com o decisionismo Compreender que no processo penal não há distribuição de cargas probatórias senão exclusivamente a atribuição da carga ao acusador é fundamental para eficácia da presunção de inocência regra de tratamento e de julgamento e correto tratamento da questão probatória e do ato decisório A perspectiva de Fazzalari não constitui um novo senão uma continuidade do pensamento goldschmidtiano fortalecendo a dinâmica e a importância do contraditório Ademais o autor italiano leciona com muita propriedade que os atos do procedimento estão geneticamente ligados de modo que a validade do posterior depende e pressupõe a validade do anterior Isso é muito relevante quando se trata de provas ilícitas ou mesmo das nulidades processuais pois há uma perigosa tendência atualmente de ver o procedimento como uma aglutinação de atos estanques independentes de forma completamente equivocada e utilitarista Enfim nesta breve introdução sobre os Fundamentos do Processo Penal pretendemos demonstrar que a construção de uma Teoria Geral do Processo Penal inicia pelo abandono de categorias inadequadas do processo civil e a correta redefinição de outras cruciais tais como as de acusaçãojurisdiçãoprocesso livrandose do peso da tradição e das amarras do passado para liberto efetivamente se construir um processo penal constitucional e democrático É a proposta para reflexão Capítulo 3 Jurisdição penal A posição do juiz como fundante do sistema processual Quando se pensa a jurisdição penal normalmente conceituada como o poderdever de dizer o direito no caso concreto juris dictio é preciso atentar para o fato de que a jurisdição ocupa uma posição e função distinta daquela concebida pelo processo civil Aqui jurisdição é garantia e sem negar o tradicional poderdever a ele é preciso acrescentar uma função ainda mais relevante garantidor O juiz é o garantidor da eficácia do sistema de garantias da Constituição Não sem razão o primeiro princípiogarantia que estudamos no processo penal é exatamente a garantia da jurisdicionalidade ou seja de ser julgado por um juiz imparcial devidamente investido com competência previamente estabelecida por lei juiz natural que terá a missão de zelar pela máxima eficácia do sistema de garantias da Constituição Diante da acusação vista como exercício de poder incumbe ao juiz o papel de guardião da eficácia do sistema de garantias logo como limitador e controlador desse poder exercido pelo Ministério Público ou o particular A jurisdição aqui neste primeiro momento tem de realizar a filtragem para evitar acusações infundadas ou excessivas É um papel de limitador e controlador da legalidade da acusação que está sendo exercida Nesta dimensão potencializase a importância da filtragem jurisdicional por meio da exigência de preenchimento dos requisitos de admissibilidade da acusação anteriormente tratados Tampouco se pode falar em atividade substitutiva como costumeiramente é adjetivada a jurisdição na medida em que não existe no processo penal uma efetiva substituição O juiz não substitui as partes na atividade tendente à resolução do litígio E não existe isso não só porque não existe lide mas principalmente porque a pena é pública Quando se fala que a jurisdição substitui a vingança privada olvidase de que o processo penal nasce com a pena pública e que as demais formas de agir privado que a antecederam não eram penas mas formas de vingança privada Por isso o juiz não substitui ninguém O processo surge com a pena exatamente por ser ele o caminho necessário para chegar a ela nulla poena sine iudicio Pretendemos neste breve ensaio demonstrar ainda que a posição do juiz no processo penal é fundante do sistema processual Significa compreender que o processo penal enquanto um sistema de reparto de justiça por um terceiro imparcial já que a Imparcialidade é o Princípio Supremo do Processo Werner Goldschmidt está estruturado a partir da posição ocupada pelo juiz Nesta estrutura dialética actum trium personarum Búlgaro a posição do juiz é crucial para o desequilíbrio de todo o sistema de administração da justiça e do processo por elementar Se a imparcialidade é o Princípio Supremo deve ser compreendido que somente um processo penal acusatório que mantenha o juiz afastado da iniciativa e gestão da prova cria as condições de possibilidade para termos um juiz imparcial Impossível a imparcialidade do juiz em uma estrutura inquisitória Neste contexto propomos pensar a Jurisdição a partir da posição do juiz no sistema processual tendo como pano de fundo para essa compreensão o estudo dos Sistemas Processuais Penais Inquisitório Acusatório e o desvelamento da insuficiência conceitual do chamado sistema misto Iniciemos por uma constatação básica na história do direito se alternaram as mais duras opressões com as mais amplas liberdades É natural que nas épocas em que o Estado viuse seriamente ameaçado pela criminalidade o direito penal tenha estabelecido penas severas e o processo tivesse de ser também inflexível257 Para tanto a posição e o papel do juiz no processo penal constituem o busílis da questão Os sistemas processuais inquisitório e acusatório são reflexos da resposta do processo penal frente às exigências do direito penal e do Estado da época Atualmente o law and order é mais uma ilusão de reduzir a ameaça da criminalidade endurecendo o direito penal e o processo Na lição de J Goldschmidt258 los principios de la política procesal de una nación no son otra cosa que segmentos de su política estatal en general Se puede decir que la estructura del proceso penal de una nación no es sino el termómetro de los elementos corporativos o autoritarios de su Constitución Partiendo de esta experiencia la ciencia procesal ha desarrollado un número de principios opuestos constitutivos del proceso El predominio de uno u otro de estos principios opuestos en el derecho vigente no es tampoco más que un tránsito del derecho pasado al derecho del futuro Nessa linha Maier259 explica que no direito penal a influência da ideologia vigente ou imposta pelo efetivo exercício do poder se percebe mais à flor da pele que nos demais ramos jurídicos E esse fenômeno é ainda mais notório no processo penal na medida em que é ele e não o direito penal que toca no homem real de carne e osso Como afirmamos anteriormente o direito penal não tem realidade concreta fora do processo penal sendo as regras do processo que realizam diretamente o poder penal do Estado Por isso conclui Maier é no direito processual penal que as manipulações do poder político são mais frequentes e destacadas até pela natureza da tensão existente poder de penar versus direito de liberdade No processo o endurecimento manifestase no utilitarismo judicial em atos dominados pelo segredo forma escrita aumento das penas processuais prisões cautelares crimes inafiançáveis etc algumas absurdas inversões da carga probatória e principalmente mais poderes para os juízes investigarem Podese constatar que predomina o sistema acusatório nos países que respeitam mais a liberdade individual e que possuem uma sólida base democrática Em sentido oposto o sistema inquisitório predomina historicamente em países de maior repressão caracterizados pelo autoritarismo ou totalitarismo em que se fortalece a hegemonia estatal em detrimento dos direitos individuais Sem nenhuma pretensão de esgotamento temático260 precisamos considerar que o processo romano teve várias fases e perdurou por séculos mais de 1300 anos tendo diferentes morfologias tanto de aproximação como de afastamento do núcleo acusatório Ademais os sistemas não desaparecem de um dia para o outro pois um paradigma não sofre um corte cirúrgico uma ruptura total do dia para noite senão que existem longos períodos de transição interstícios paradigmáticos Mesmo no processo romano encontramos momentos em que a estrutura inquisitória dominou amplamente Na síntese de Zanoide de Moraes261 se analisarmos do período régio em direção ao período do Baixo Império podemos pensar o processo romano em três fases a inicialmente com o procedimento claramente inquisitivo da cognitio basedo na inquisitio e na noção de imperium sendo sucedido pela anquisitio b no período republicano surge a segunda espécie de procedimento penal chamado de iudicium publicum com traços acusatórios e baseado na participação popular substituindo a estrutura inquisitória vigente até então c como terceira espécie de procedimento penal romano no final da República e início do Império surge a cognitio extra ordinem decorrência do novo regime político autoritário e centralizador dos Imperadores que resgata a matriz inquisitória da inquisitio e de imperium Isso bem demonstra como a concepção de sistema processual penal é diretamente influenciada pela estrutura e concepção de poder estatal Dando um proposital salto histórico um novo marco importante é o século XII quando efetivamente se toma o rumo do processo inquisitório marca que prevalece com maior ou menor intensidade conforme o país até o final do século XVIII em alguns países até parte do século XIX momento em que os movimentos sociais e políticos levaram a uma nova mudança de rumos A doutrina nacional majoritariamente aponta que o sistema brasileiro contemporâneo é misto predomina o inquisitório na fase pré processual e o acusatório na processual Ora afirmar que o sistema é misto é absolutamente insuficiente é um reducionismo ilusório até porque não existem mais sistemas puros são tipos históricos todos são mistos A questão é a partir do reconhecimento de que não existem mais sistemas puros identificar o princípio informador de cada sistema para então classificálo como inquisitório ou acusatório pois essa classificação feita a partir do seu núcleo é de extrema relevância Antes de analisar a situação do processo penal brasileiro contemporâneo vejamos sumariamente algumas das características dos sistemas acusatório e inquisitório 31 SISTEMA ACUSATÓRIO A origem do sistema acusatório remonta ao direito grego o qual se desenvolve referendado pela participação direta do povo no exercício da acusação e como julgador Vigorava o sistema de ação popular para os delitos graves qualquer pessoa podia acusar e acusação privada para os delitos menos graves em harmonia com os princípios do direito civil No direito romano da Alta República262 surgem as duas formas do processo penal cognitio e accusatio A cognitio era encomendada aos órgãos do Estado magistrados Outorgava os maiores poderes ao magistrado podendo este esclarecer os fatos na forma que entendesse melhor Era possível um recurso de anulação provocatio ao povo sempre que o condenado fosse cidadão e varão Nesse caso o magistrado deveria apresentar ao povo os elementos necessários para a nova decisão Nos últimos séculos da República esse procedimento começou a ser considerado insuficiente escasso de garantias especialmente para as mulheres e para os que não eram cidadãos pois não podiam utilizar o recurso de anulação e acabou sendo uma poderosa arma política nas mãos dos magistrados Na accusatio a acusação polo ativo era assumida de quando em quando espontaneamente por um cidadão do povo Surgiu no último século da República e marcou uma profunda inovação no direito processual romano Tratandose de delicta publica a persecução e o exercício da ação penal eram encomendados a um órgão distinto do juiz não pertencente ao Estado senão a um representante voluntário da coletividade accusator Esse método também proporcionava aos cidadãos com ambições políticas uma oportunidade de aperfeiçoar a arte de declamar em público podendo exibir para os eleitores sua aptidão para os cargos públicos Como notas características destacamos a a atuação dos juízes era passiva no sentido de que eles se mantinham afastados da iniciativa e gestão da prova atividades a cargo das partes b as atividades de acusar e julgar estão encarregadas a pessoas distintas c a adoção do princípio ne procedat iudex ex officio não se admitindo a denúncia anônima nem processo sem acusador legítimo e idôneo d estava apenado o delito de denunciação caluniosa como forma de punir acusações falsas e não se podia proceder contra réu ausente até porque as penas são corporais e a acusação era por escrito e indicava as provas f havia contraditório e direito de defesa g o procedimento era oral h os julgamentos eram públicos com os magistrados votando ao final sem deliberar263 Mas na época do Império o sistema acusatório foi se mostrando insuficiente para as novas necessidades de repressão dos delitos ademais de possibilitar com frequência os inconvenientes de uma persecução inspirada por ânimos e intenções de vingança Por meio dos oficiais públicos que exerciam a função de investigação os denominados curiosi nunciatores stationarii etc eram transmitidos aos juízes os resultados obtidos A insatisfação com o sistema acusatório vigente foi causa de que os juízes invadissem cada vez mais as atribuições dos acusadores privados originando a reunião em um mesmo órgão do Estado das funções de acusar e julgar A partir daí os juízes começaram a proceder de ofício sem acusação formal realizando eles mesmos a investigação e posteriormente dando a sentença Isso caracterizava o procedimento extraordinário que ademais introduziu a tortura no processo penal romano O novo regime político autoritário e centralizador dos Imperadores conduz a uma repristinação da concepção inquisitória mais acorde com o projeto de poder E se no início predominava a publicidade dos atos processuais isso foi sendo gradativamente substituído pelos processos à porta fechada As sentenças que na época Republicana eram lidas oralmente desde o alto do tribunal no Império assumem a forma escrita e passam a ser lidas na audiência Nesse momento resgatamse as características de um sistema o inquisitório Mas é sem dúvida séculos depois que a inquisição da Igreja Católica especialmente espanhola constrói um processo com o núcleo inquisitório mais característico O processo penal canônico antes marcado pelo acusatório contribuiu definitivamente para delinear o modelo inquisitório mostrando na Inquisição Espanhola sua face mais dura e cruel a partir do final do século XII Finalmente no século XVIII a Revolução Francesa e suas novas ideologias e postulados de valorização do homem levam a um gradual abandono dos traços mais cruéis do sistema inquisitório Na atualidade a forma acusatória caracterizase pela a clara distinção entre as atividades de acusar e julgar b a iniciativa probatória deve ser das partes decorrência lógica da distinção entre as atividades c mantémse o juiz como um terceiro imparcial alheio a labor de investigação e passivo no que se refere à coleta da prova tanto de imputação como de descargo d tratamento igualitário das partes igualdade de oportunidades no processo e procedimento é em regra oral ou predominantemente f plena publicidade de todo o procedimento ou de sua maior parte g contraditório e possibilidade de resistência defesa h ausência de uma tarifa probatória sustentandose a sentença pelo livre convencimento motivado do órgão jurisdicional i instituição atendendo a critérios de segurança jurídica e social da coisa julgada j possibilidade de impugnar as decisões e o duplo grau de jurisdição É importante destacar que a principal crítica que se fez e se faz até hoje ao modelo acusatório é exatamente com relação à inércia do juiz imposição da imparcialidade pois este deve resignarse com as consequências de uma atividade incompleta das partes tendo de decidir com base em um material defeituoso que lhe foi propor cionado Esse sempre foi o fundamento histórico que conduziu à atribuição de poderes instrutórios ao juiz e revelouse por meio da inquisição um gravíssimo erro O mais interessante é que não aprendemos com os erros nem mesmo com os mais graves como foi a inquisição Basta constatar que o atual CPP atribui poderes instrutórios para o juiz a maioria dos tribunais e doutrinadores defende essa postura ativa por parte do juiz muitas vezes invocando a tal verdade real esquecendo a origem desse mito e não percebendo o absurdo do conceito proliferam projetos de lei criando juízes inquisidores e juizados de instrução etc Não podemos reincidir em erros históricos dessa forma pois como diria Tocqueville uma vez que o passado já não ilumina o futuro o espírito caminha nas trevas O sistema acusatório é um imperativo do moderno processo penal frente à atual estrutura social e política do Estado Assegura a imparcialidade e a tranquilidade psicológica do juiz que sentenciará garantindo o trato digno e respeitoso com o acusado que deixa de ser um mero objeto para assumir sua posição de autêntica parte passiva do processo penal Também conduz a uma maior tranquilidade social pois se evitam eventuais abusos da prepotência estatal que se pode manifestar na figura do juiz apaixonado pelo resultado de seu labor investigador e que ao sentenciar olvidase dos princípios básicos de justiça pois tratou o suspeito como condenado desde o início da investigação Em decorrência dos postulados do sistema em proporção inversa à inatividade do juiz no processo está a atividade das partes Frente à imposta inércia do julgador produzse um significativo aumento da responsabilidade das partes já que têm o dever de investigar e proporcionar as provas necessárias para demonstrar os fatos Isso exige uma maior responsabilidade e grau técnico dos profissionais do Direito que atuam no processo penal Também impõem ao Estado a obrigação de criar e manter uma estrutura capaz de proporcionar o mesmo grau de representação processual às pessoas que não têm condições de suportar os elevados honorários de um bom profissional Somente assim se poderá falar de processo acusatório com um nível de eficácia que possibilite a obtenção da justiça Diante do inconveniente de ter de suportar uma atividade incompleta das partes preço a ser pago pelo sistema acusatório o que se deve fazer é fortalecer a estrutura dialética e não destruíla com a atribuição de poderes instrutórios ao juiz O Estado já possui um serviço público de acusação Ministério Público devendo agora ocuparse de criar e manter um serviço público de defesa tão bem estruturado como o é o Ministério Público É um dever correlato do Estado para assegurar um mínimo de paridade de armas e dialeticidade Tratase de repensar a questão a partir de Dussel264 da necessidade de criar um terreno fértil para que o réu tenha condições de fala e possa realmente ter fala Ou seja adotar uma ética libertatória no processo penal e não voltar à era da escuridão com um juizinquisidor Em última análise é a separação de funções e por decorrência a gestão da prova na mão das partes e não do juiz que cria as condições de possibilidade para que a imparcialidade se efetive Somente no processo acusatóriodemocrático em que o juiz se mantém afastado da esfera de atividade das partes é que podemos ter a figura do juiz imparcial fundante da própria estrutura processual Não podemos esquecer ainda a importância do contraditório para o processo penal e que somente uma estrutura acusatória o proporciona Como sintetiza Cunha Martins265 no processo inquisitório há um desamor pelo contraditório somente possível no sistema acusatório 32 SISTEMA INQUISITÓRIO O sistema inquisitório na sua pureza é um modelo histórico266 Ainda que tenhamos processos de matriz inquisitória no período da ascensão dos Imperadores romanos no final da República e início do Império com a cognitio extra ordinem é sem dúvida a Inquisição surgida ao longo dos séculos XI e XII no seio da Igreja Católica espanhola que nos dá o principal modelo processual inquisitório para estudo As transformações ocorrem ao longo do século XII até o XIV quando o sistema inquisitório vai se desenhando e instalando Essa substituição foi fruto basicamente dos defeitos da inatividade das partes levando à conclusão de que a persecução criminal não poderia ser deixada nas mãos dos particulares pois isso comprometia seriamente a eficácia do combate à delinquência Era uma função que deveria assumir o Estado e que deveria ser exercida conforme os limites da legalidade Também representou uma ruptura definitiva entre o processo civil e penal267 A mudança em direção ao sistema inquisitório começou com a possibilidade de junto ao acusatório existir um processo judicial de ofício para os casos de flagrante delito Os poderes do magistrado foram posteriormente invadindo cada vez mais a esfera de atribuições reservadas ao acusador privado até o extremo de se reunir no mesmo órgão do Estado as funções que hoje competem ao Ministério Público e ao juiz As vantagens desse novo sistema adotado inicialmente pela Igreja impuseramse de tal modo que foi sendo incorporado por todos os legisladores da época não só para os delitos em flagrante mas para toda classe de delito268 O sistema inquisitório muda a fisionomia do processo de forma radical O que era um duelo leal e franco entre acusador e acusado com igualdade de poderes e oportunidades se transforma em uma disputa desigual entre o juizinquisidor e o acusado O primeiro abandona sua posição de árbitro imparcial e assume a atividade de inquisidor atuando desde o início também como acusador Confundemse as atividades do juiz e acusador e o acusado perde a condição de sujeito processual e se converte em mero objeto da investigação Frente a um fato típico o julgador atua de ofício sem necessidade de prévia invocação e recolhe também de ofício o material que vai constituir seu convencimento O processado é a melhor fonte de conhecimento e como se fosse uma testemunha é chamado a declarar a verdade sob pena de coação O juiz é livre para intervir recolher e selecionar o material necessário para julgar de modo que não existem mais defeitos pela inatividade das partes e tampouco existe uma vinculação legal do juiz269 O juiz atua como parte investiga dirige acusa e julga Com relação ao procedimento sói ser escrito secreto e não contraditório É da essência do sistema inquisitório um desamor total pelo contraditório Originariamente com relação à prova imperava o sistema legal de valoração a chamada tarifa probatória A sentença não produzia coisa julgada e o estado de prisão do acusado no transcurso do processo era uma regra geral270 O processo inquisitório se dividia em duas fases271 inquisição geral e inquisição especial A primeira fase geral estava destinada à comprovação da autoria e da materialidade e tinha um caráter de investigação preliminar e preparatória com relação à segunda especial que se ocupava do processamento condenação e castigo No transcurso do século XIII foi instituído o Tribunal da Inquisição ou Santo Ofício para reprimir a heresia e tudo que fosse contrário ou que pudesse criar dúvidas acerca dos Mandamentos da Igreja Católica Inicialmente eram recrutados os fiéis mais íntegros para que sob juramento se comprometessem a comunicar as desordens e manifestações contrárias aos ditames eclesiásticos que tivessem conhecimento Posteriormente foram estabelecidas as comissões mistas encarregadas de investigar e seguir o procedimento Na definição de Jacinto Coutinho272 tratase sem dúvida do maior engenho jurídico que o mundo conheceu e conhece Sem embargo de sua fonte a Igreja é diabólico na sua estrutura o que demonstra estar ela por vezes e ironicamente povoada por agentes do inferno persistindo por mais de 700 anos Não seria assim em vão veio com uma finalidade específica e porque serve e conti nuará servindo se não acordarmos mantémse hígido Para compreender a inquisição é necessário situála num espaço tempo considerando o comportamento da Igreja Tratase de um sistema fundado na intolerância derivada da verdade absoluta de que a humanidade foi criada na graça de Deus Explica Leonardo Boff273 que a humanidade com Adão e Eva perdeu os dons sobrenaturais graça e mutilou os dons naturais obscureceu a inteligência e enfraqueceu a vontade À medida que a humanidade se afasta e não consegue mais ler a vontade de Deus surgem as escrituras sagradas que contêm um alfabeto sobrenatural que permite ter acesso às verdades divinas Contudo nasce um novo problema o livro pode ser lido de diferentes maneiras Surgem então os Bispos e o Papa máximos intérpretes e representantes da vontade de Deus Mas isso não é suficiente pois eles são humanos e podem errar Era necessário resolver essa questão e Deus então se apiedou da fragilidade humana e concedeu a seus representantes um privilégio único a infalibilidade Nesse momento reforçase o mito da segurança oriundo da verdade absoluta que não é construída senão dada pelos concílios encíclicas e outros instrumentos nascidos sob a assistência divina Recordemos que a intolerância vai fundar a inquisição A verdade absoluta é sempre intolerante sob pena de perder seu caráter absoluto A lógica inquisitorial está centrada na verdade absoluta e nessa estrutura a heresia era o maior perigo pois atacava o núcleo fundante do sistema Fora dele não havia salvação Isso autoriza o combate a qualquer custo da heresia e do herege legitimando até mesmo a tortura e a crueldade nela empregada A maior crueldade não era a tortura em si mas o afastamento do caminho para a eternidade274 Como explica Boff275 qualquer experiência ou dado que conflita com as verdades reveladas só pode significar um equívoco ou um erro um obstáculo ou desvio no caminho da eternidade O crime não é problema nesse trilhar para a eternidade pois para o arrependido sempre há o perdão divino O problema está na heresia na oposição ao dogma pois isso sim fecha o caminho para a eternidade esse é o maior perigo de todos Como tal exige o máximo rigor na repressão O Manual dos inquisidores escrito pelo catalão Nicolau Eymerich em 1376 posteriormente revisto e ampliado por Francisco de la Peña em 1578 deve ser lido nesse contexto pois somente assim podemos compreender sua perfeição lógica Boff276 explica que igual raciocínio deve ser empregado para a compreensão da tortura e repressão dos regimes militares latinoamericanos pois perfeitamente encaixados na ideologia da segurança nacional assimilada na plenitude pelos torturadores e mandantes ou ainda na limpeza genética levada a cabo pelo nazifascismo O herege explica Boff277 não apenas se recusa a aceitar o discurso oficial senão que cria novos discursos a partir de novas visões por isso está mais voltado para a criatividade e o futuro do que para a reprodução e o passado É o que Boff define como congelamento da história O buscar a verdade significa dinâmica movimento O movimento de buscar a verdade evidencia a inércia de quem presume havêla encontrado Como admitir que alguém busque enquanto fico inerte Então estou em erro e portanto correndo o risco de afastarme da salvação Isso conduz aos processos de exclusão Explica Boff que nos primeiros séculos o divergente era excomungado uma questão intraeclesial Sem embargo quando o Cristianismo assume o status de religião oficial do Império a questão vira política e a di vergência afeta a coesão e a união política Nesse contexto a punição sai da esfera eclesial e legitima uma severa repressão pois se insere na mesma linha das ideologias de segurança nacional o metafísico interesse público legitimador das maiores barbáries278 O primeiro passo foi o abandono do princípio ne procedat iudex ex officio inclusive para permitir a denúncia anônima pois o nome do acusador era mantido em segredo Surgiram em determinados lugares especialmente nas igrejas gavetas ou caixas279 destinadas a receber as denúncias anônimas de heresia O que se buscava era exclusivamente punir o pecado e a heresia em uma concepção unilateral do processo O actus trium personarum já não se sustenta e como destaca Jacinto Coutinho280 ao inquisidor cabe o mister de acusar e julgar transformandose o imputado em mero objeto de verificação razão pela qual a noção de parte não tem nenhum sentido Com a Inquisição são abolidas a acusação e a publicidade O juiz inquisidor atua de ofício e em segredo assentando por escrito as declarações das testemunhas cujos nomes são mantidos em sigilo para que o réu não os descubra O Directorium Inquisitorum Manual dos inquisidores do catalão Nicolau Eymerich relata o modelo inquisitório do direito canônico que influenciou definitivamente o processo penal o processo poderia começar mediante uma acusação informal denúncia de um particular ou por meio da investigação geral ou especial levada a cabo pelo inquisidor Era suficiente um rumor para que a investigação tivesse lugar e com ela seus particulares métodos de averiguação A prisão era uma regra porque assim o inquisidor tinha à sua disposição o acusado para torturálo281 até obter a confissão Bastavam dois testemunhos para comprovar o rumor e originar o processo e sustentar a posterior condenação As divergências entre duas pessoas levavam ao rumor e autorizava a investigação Uma única testemunha já autorizava a tortura A estrutura do processo inquisitório foi habilmente construída a partir de um conjunto de instrumentos e conceitos falaciosos é claro especialmente o de verdade real ou absoluta Na busca dessa tal verdade real transformase a prisão cautelar em regra geral pois o inquisidor precisa dispor do corpo do herege De posse dele para buscar a verdade real pode lançar mão da tortura que se for bem utilizada conduzirá à confissão Uma vez obtida a confissão o inquisidor não necessita de mais nada pois a confissão é a rainha das provas sistema de hierarquia de provas Sem dúvida tudo se encaixa para bem servir ao sistema A confissão era a prova máxima suficiente para a condenação e no sistema de prova tarifada nenhuma prova valia mais que a confissão O inquisidor Eymerich fala da total inutilidade da defesa pois se o acusado confirmava a acusação não havia necessidade de advogado Ademais a função do advogado era fazer com que o acusado confessasse logo e se arrependesse do erro para que a pena fosse imediatamente aplicada e iniciada a execução Tendo em vista a importância da confissão o interrogatório era visto como um ato essencial que exigia uma técnica especial Existiam cinco tipos progressivos de tortura e o suspeito tinha o direito a que somente se praticasse um tipo por dia Se em 15 dias o acusado não confessasse era considerado suficientemente torturado e era liberado Sem embargo os métodos utilizados eram eficazes e quiçá alguns poucos tenham conseguido resistir aos 15 dias O pior é que em alguns casos a pena era de menor gravidade que as torturas sofridas A inexistência da coisa julgada era característica do sistema inquisitório Eymerich alertava que o bom inquisidor deveria ter muita cautela para não declarar na sentença de absolvição que o acusado era inocente mas apenas esclarecer que nada foi legitimamente provado contra ele Dessa forma mantinhase o absolvido ao alcance da Inquisição e o caso poderia ser reaberto mais tarde pelo tribunal para punir o acusado sem o entrave do trânsito em julgado Esse sistema inquisitório predominou até finais do século XVIII início do XIX momento em que a Revolução Francesa282 os novos postulados de valorização do homem e os movimentos filosóficos que surgiram com ela repercutiam no processo penal removendo paulatinamente as notas características do modelo inquisitivo Coincide com a adoção dos Júris Populares e se inicia a lenta transição para o sistema misto que se estende até os dias de hoje Como explica Heinz Goessel283 o antigo processo inquisitório deve ser visto como uma expressão lógica da teoria do Estado de sua época284 como manifestação do absolutismo que concentrava o poder estatal de maneira indivisível nas mãos do soberano quem legibus absolutus não estava submetido a restrições legais No sistema inquisitório os indivíduos são reduzidos a mero objeto do poder soberano Não existe dúvida de que a ideia do Estado de Direito influi de forma imediata e direta no processo penal Por isso podese afirmar que quando se inicia o Estado de Direito é quando principia a organização do procedimento penal285 Em definitivo o sistema inquisitório foi desacreditado principalmente por incidir em um erro psicológico286 crer que uma mesma pessoa possa exercer funções tão antagônicas como investigar acusar defender e julgar 33 O REDUCIONISMO ILUSÓRIO E INSUFICIENTE DO CONCEITO DE SISTEMA MISTO A GESTÃO DA PROVA E OS PODERES INSTRUTÓRIOS DO JUIZ Com o fracasso da inquisição e a gradual adoção do modelo acusatório o Estado seguia mantendo a titularidade absoluta do poder de penar e não podia abandonar em mãos de particulares esse poder e a função de persecução Logo era imprescindível dividir o processo em fases e encomendar as atividades de acusar e julgar a órgãos e pessoas distintas Nesse novo modelo a acusação continua como monopólio estatal mas realizada por meio de um terceiro distinto do juiz Aqui nasce o Ministério Público Por isso existe um nexo entre sistema inquisitivo e Ministério Público como aponta Carnelutti287 pois essa necessidade de dividir a atividade estatal exige naturalmente duas partes Quando não existem devem ser fabricadas e o Ministério Público é uma parte fabricada Surge da necessidade do sistema acusatório e garante a imparcialidade do juiz Eis aqui outro erro histórico a pretendida imparcialidade288 do MP É lugarcomum na doutrina processual penal a classificação de sistema misto com a afirmação de que os sistemas puros seriam modelos históricos sem correspondência com os atuais Ademais a divisão do processo penal em duas fases préprocessual e processual propriamente dita possibilitaria o predomínio em geral da forma inquisitiva na fase preparatória e acusatória na fase processual desenhando assim o caráter misto Outros preferem afirmar que o processo penal brasileiro é acusatório formal incorrendo no mesmo erro dos defensores do sistema misto Binder289 corretamente afirma que o acusatório formal é o novo nome do sistema inquisitivo que chega até nossos dias Nós preferimos fugir da maquiagem conceitual para afirmar que o modelo brasileiro era neoinquisitório para não induzir ninguém a erro Finalmente com a Lei n 139642019 foi inserido o art 3ºA que consagra expressamente a adoção do modelo acusatório Infelizmente a cultura inquisitória é fortíssima e se manifesta por meio de movimentos contrarreformistas a exemplo da medida liminar concedida pelo Min Fux que suspende a eficácia do dispositivo citado Voltaremos a essa questão Historicamente o primeiro ordenamento jurídico que adotou esse sistema misto foi o francês no Code dInstruction Criminalle de 1808 pois foi pioneiro na cisão das fases de investigação e juízo Posteriormente difundiuse por todo o mundo e na atualidade é o mais utilizado Nessa linha o critério definidor de um sistema ou outro seria a separação das funções de acusar e julgar presente apenas no modelo acusatório Para Sendra290 o simples fato de estar o processo dividido em duas fases préprocessual e processual em sentido próprio ou estrito e que se encomende cada uma a um juiz distinto juiz que instrui não julga bastaria para afirmar que o processo está regido pelo sistema acusatório No mesmo sentido Armenta Deu291 entende que em determinado sentido bastaria afirmar que o processo acusatório se caracteriza pelo fato de ser imprescindível uma acusação levada a cabo por um órgão ou agente distinto do julgador ne procedat iudex ex officio A classificação de sistema misto peca por insuficiência em dois aspectos Considerando que os sistemas realmente puros são tipos históricos sem correspondência com os atuais a classificação de sistema misto não enfrenta o ponto nevrálgico da questão a identificação do núcleo fundante A separação inicial das atividades de acusar e julgar não é o núcleo fundante dos sistemas e por si só é insuficiente para sua caracterização Não se pode desconsiderar a complexa fenomenologia do processo de modo que a separação das funções impõe como decorrência lógica que a gestãoiniciativa probatória seja atribuída às partes e não ao juiz por elementar pois isso romperia com a separação de funções Mais do que isso somente com essa separação de papéis mantémse o juiz afastado da arena das partes e portanto é a clara delimitação das esferas de atuação que cria as condições de possibilidade para termos um juiz imparcial Portanto é reducionismo pensar que basta ter uma acusação separação inicial das funções para constituirse um processo acusatório É necessário que se mantenha a separação para que a estrutura não se rompa e portanto é decorrência lógica e inafastável que a iniciativa probatória esteja sempre nas mãos das partes Somente isso permite a imparcialidade do juiz E por fim ninguém nega a imprescindibilidade do contraditório ainda mais em democracia e ele somente é possível numa estrutura acusatória na qual o juiz mantenhase em alheamento e como decorrência possa assegurar a igualdade de tratamento e oportunidade às partes Retomamos a lição de Cunha Martins no processo inquisitório há um desamor pelo contraditório já o modelo acusatório constitui uma declaração de amor pelo contraditório 331 A FALÁCIA DO SISTEMA BIFÁSICO Sobre a falácia do sistema bifásico do Código Napoleônico de 1808 com a fase préprocessual inquisitória e a fase processual supostamente acusatória ensina Jacinto Coutinho292 é isso que JeanJacquesRégis de Cambacérés faz passar no Código napoleônico de 17111808 Segundo Hélie Traité I 178 539 é la loi procédure criminelle la moins imperfaite du mond Enfim monstro de duas cabeças acabando por valer mais a prova secreta que a do contraditório numa verdadeira fraude Afinal o que poderia restar de segurança é o livre convencimento ou seja retórica e contraataques basta imunizar a decisão com um belo discurso Em suma serviu a Napoleão um tirano serve a qualquer senhor não serve à democracia É necessário ler com muita atenção para compreender o alcance desse fenômeno pois ele reflete exatamente o que temos no sistema brasileiro O monstro de duas cabeças inquérito policial totalmente inquisitório e fase processual com ares de acusatório outro engodo ensinará Jacinto na continuação é a nossa realidade diária nos foros e tribunais do País inteiro No mesmo sentido Ferrajoli293 diz que o Código Napoleônico de 1808 deu vida a um monstruo nacido de la unión del proceso acusatorio con el inquisitivo que fue el llamado proceso mixto A fraude reside no fato de que a prova é colhida na inquisição do inquérito sendo trazida integralmente para dentro do processo e ao final basta o belo discurso do julgador para imunizar a decisão Esse discurso vem mascarado com as mais variadas fórmulas do estilo a prova do inquérito é corroborada pela prova judicializada cotejando a prova policial com a judicializada e assim todo um exercício imunizatório ou melhor uma fraude de etiquetas para justificar uma condenação que na verdade está calcada nos elementos colhidos no segredo da inquisição O processo acaba por converterse em uma mera repetição ou encenação da primeira fase Ademais mesmo que não faça menção expressa a algum elemento do inquérito quem garante que a decisão não foi tomada com base nele A eleição culpado ou inocente é o ponto nevrálgico do ato decisório e pode ser feita com base nos elementos do inquérito policial e disfarçada com um bom discurso Ora ou alguém imagina que Napoleão aceitaria o tal sistema bifásico se não tivesse certeza de que era apenas um mudar para continuar tudo igual Como bom tirano jamais concordaria com uma mudança dessa natureza se não tivesse certeza de que continuaria com o controle total por meio da fase inquisitória de todo o processo Enquanto não tivermos um processo verdadeiramente acusatório do início ao fim ou ao menos adotarmos o paliativo da exclusão294 física dos autos do inquérito policial de dentro do processo as pessoas continuarão sendo condenadas com base na prova inquisitorial disfarçada no discurso do cotejando corrobora e outras fórmulas que mascaram a realidade a condenação está calcada nos atos de investigação naquilo feito na pura inquisição Isso porque como concluiu Jacinto Coutinho295 il sistema inquisitorio non può convivere con il sistema accusatorio non solo perché la contaminatio è irragionevole sul piano logico ma anche perché la pratica sconsiglia una commistione del genere Ou seja uma mistura de tal natureza inquisitório e acusatório é irracional e a prática desaconselha tal mescla Cumpre por fim refletir sobre a última frase de Jacinto se tal sistema serviu a Napoleão um tirano serve a qualquer senhor obviamente não serve à democracia É por isso que precisamos da máxima eficácia das inovações trazidas pela Lei n 139642019 que não só expressamente adotou o sistema acusatório no art 3ºA como também consagrou a exclusão física dos autos do inquérito Nesse sentido dispõe o art 3ºC 3º 3º Os autos que compõem as matérias de competência do juiz das garantias ficarão acautelados na secretaria desse juízo à disposição do Ministério Público e da defesa e não serão apensados aos autos do processo enviados ao juiz da instrução e julgamento ressalvados os documentos relativos às provas irrepetíveis medidas de obtenção de provas ou de antecipação de provas que deverão ser remetidos para apensamento em apartado Tratase de uma das maiores revoluções na estrutura do processo penal brasileiro com vistas ao abandono do modelo inquisitório e à máxima eficácia da imparcialidade e da originalidade cognitiva do julgador que não mais terá contato com os atos do inquérito ou de qualquer investigação preliminar Infelizmente como já mencionado no início desta obra o juiz das garantias e o sistema de exclusão física ou não inclusão foram suspensos pela medida liminar concedida pelo Min Fux 332 A INSUFICIÊNCIA DA SEPARAÇÃO INICIAL DAS ATIVIDADES DE ACUSAR E JULGAR Apontada pela doutrina como fator crucial na distinção dos sistemas a divisão entre as funções de investigaracusarjulgar é uma importante característica do sistema acusatório mas não é a única e tampouco pode por si só ser um critério determinante quando não vier aliada a outras como iniciativa probatória publicidade contraditório oralidade igualdade de oportunidades etc Dada a sua complexidade como conjunto de atos concatenados o processo é formado por toda uma cadeia de circunstâncias que se interrelacionam e influem no resultado final Basta analisar o sistema inquisitório para ver que ao lado da acumulação de funções investigar acusar e julgar existe toda uma gama de princípios que juntos compõem e dão conteúdo ao todo Especial atenção merece o contraditório pois existe uma acertada tendência de considerálo fundamental para a própria existência do processo enquanto estrutura dialética Com relação à separação das atividades de acusar e julgar trata se realmente de uma nota importante na formação do sistema Contudo não basta termos uma separação inicial com o Ministério Público formulando a acusação e depois ao longo do procedimento permitir que o juiz assuma um papel ativo na busca da prova ou mesmo na prática de atos tipicamente da parte acusadora como por exemplo permitir que o juiz de ofício converta a prisão em flagrante em preventiva pois isso equivale a prisão decretada de ofício ou mesmo decrete a prisão preventiva de ofício no curso do processo algo incompatível com a matriz acusatória e também com a nova redação dos arts 282 2º e 311 a busca e apreensão art 242 o sequestro art 127 ouça testemunhas além das indicadas art 209 proceda ao reinterrogatório do réu a qualquer tempo art 196 determine diligências de ofício durante a fase processual e até mesmo no curso da investigação preliminar art 156 I e II reconheça agravantes ainda que não tenham sido alegados art 385 condene ainda que o Ministério Público tenha postulado a absolvição art 385 altere a classificação jurídica do fato art 383 etc Cumpre advertir nosso entendimento de que todas essas medidas são inconstitucionais por violarem a matriz acusatória constitucional e estão ainda tacitamente revogadas pelo art 3ºA do CPP Fica evidente a insuficiência de uma separação inicial de atividades se depois o juiz assume um papel claramente inquisitorial O juiz deve manter uma posição de alheamento afastamento da arena das partes ao longo de todo o processo Daí por que é reducionista alguma doutrina que focada exclusivamente no aspecto histórico da separação de funções ne procedat iudex ex officio aí ancora passando a criticar aqueles que propõem a superação de tais reducionismos e posturas mitológicas Pensamos que se originariamente o sistema acusatório teve por núcleo a separação de funções o nível atual de desenvolvimento e complexidade do processo penal não admite mais tais simplificações Não há mais espaço compreendida a complexidade do processo penal voltamos a repetir para que alguém se esconda atrás de categorias estéreis e de arqueologia histórica desconectando insti tutos dentro do processo compartimentalizandoos A concepção de sistema acusatório está íntima e indissoluvelmente relacionada na atualidade à eficácia do contraditório e principalmente da imparcialidade princípio supremo do processo penal recordemos Portanto pensar sistema acusatório desconectado do prin cípio da imparcialidade e do contraditório é incorrer em grave reducionismo É necessário que se mantenha a separação para que a estrutura não se rompa e portanto é decorrência lógica e inafastável que a iniciativa probatória esteja sempre nas mãos das partes Somente isso permite a imparcialidade do juiz A separação de funções do sistema acusatório está a serviço do quê Por que existe Por que o Tribunal Europeu de Direitos Humanos em diversas oportunidades tem decidido que o juiz que atua como investigador na fase préprocessual não pode ser o mesmo que no processo julgue Todas essas questões giram em torno do binômio sistema acusatório e imparcialidade porque a imparcialidade é garantida pelo modelo acusatório e sacrificada no sistema inquisitório de modo que somente haverá condições de possibilidade da imparcialidade quando existir além da separação inicial das funções de acusar e julgar um afastamento do juiz da atividade investigatóriainstrutória É isso que precisa ser compreendido por aqueles que pensam ser suficiente a separação entre acusaçãojulgador para constituição do sistema acusatório no modelo constitucional contemporâneo É um erro separar em conceitos estanques a imensa complexidade do processo penal fechando os olhos para o fato de que a posição do juiz define o nível de eficácia do contraditório e principalmente da imparcialidade Como explica J Goldschmidt296 no modelo acusatório o juiz se limita a decidir deixando a interposição de solicitações e o recolhimento do material àqueles que perseguem interesses opostos isto é às partes O procedimento penal se converte desse modo em um litígio e o exame do processado não tem outro significado que o de outorgar audiência Parte do enfoque de que a melhor forma de averiguar a verdade e realizarse a justiça é deixar a invocação jurisdicional e a coleta do material probatório àqueles que perseguem interesses opostos e sustem opiniões divergentes Devese descarregar o juiz de atividades inerentes às partes para assegurar sua imparcialidade Com isso também se manifesta respeito pela integridade do processado como cidadão Para além disso recordemos que o processo tem por finalidade além do explicado no Capítulo 1 buscar a reconstituição de um fato histórico o crime sempre é passado logo fato histórico de modo que a gestão da prova na forma pela qual ela é realizada identifica o princípio unificador297 como explicaremos adiante 333 IDENTIFICAÇÃO DO NÚCLEO FUNDANTE A GESTÃO DA PROVA Ainda que todos os sistemas sejam mistos não existe um princípio fundante misto O misto deve ser visto como algo que ainda que mesclado na essência é inquisitório ou acusatório a partir do princípio que informa o núcleo Então no que se refere aos sistemas o ponto nevrálgico é a identificação de seu núcleo ou seja do princípio informador pois é ele quem vai definir se o sistema é inquisitório ou acusatório e não os elementos acessórios oralidade publicidade separação de atividades etc Como afirmamos anteriormente o processo tem por finalidade além do explicado no Capítulo 1 buscar a reconstituição de um fato histórico o crime sempre é passado logo fato histórico de modo que a gestão da prova é erigida à espinha dorsal do processo penal estruturando e fundando o sistema a partir de dois princípios informadores conforme ensina Jacinto Coutinho a Princípio dispositivo298 funda o sistema acusatório a gestão da prova está nas mãos das partes juizespectador b Princípio inquisitivo a gestão da prova está nas mãos do julgador juizator inquisidor por isso ele funda um sistema inquisitório Daí estar com plena razão Jacinto Coutinho299 quando explica que não há nem pode haver um princípio misto o que por evidente desconfigura o dito sistema Para o autor os sistemas assim como os paradigmas e os tipos ideais não podem ser mistos eles são informados por um princípio unificador Logo na essência o sistema é sempre puro E explica na continuação que o fato de ser misto significa ser na essência inquisitório ou acusatório recebendo a referida adjetivação por conta dos elementos todos secundários que de um sistema são emprestados ao outro J Goldschmidt300 ao tratar dos princípios fundamentais do procedimento explica que el principio contrario al dispositivo lo forma el de la investigación que domina el procedimiento penal y que recibe también los nombres de principio inquisitivo de instrucción ou principio del conocimiento de oficio principio de la verdad material Compreendase o sistema inquisitório é fundado pelo princípio inquisitivo ou seja de instrução e conhecimento de ofício pelo juiz na busca da verdade material É tudo o que não se quer no atual nível de evolução civilizatória do processo penal Isso não significa que ao lado desse núcleo inquisitivo derivado do princípio inquisitivo em que a gestão da prova está nas mãos do juiz não possam orbitar características que geralmente circundam o núcleo dispositivo que informa o sistema acusatório Em outras palavras o fato de um determinado processo consagrar a separação inicial de atividades oralidade publicidade coisa julgada livre con vencimento motivado etc não lhe isenta de ser inquisitório É o caso do sistema brasileiro de núcleo inquisitório ainda que com alguns acessórios que normalmente ajudam a vestir o sistema acusatório mas que por si sós não o transformam em acusatório A seleção dos elementos teoricamente essenciais para cada sistema explica Ferrajoli301 está inevitavelmente condicionada por juízos de valor por conta do nexo que sem dúvida cumpre estabelecer entre sistema acusatório e modelo garantista e no entanto entre sistema inquisitório modelo autoritário e eficácia repressiva Nesse contexto dispositivos que atribuam ao juiz poderes instrutórios como o famigerado art 156 I e II do CPP que entendemos estar tacitamente revogado pelo art 3ºA externam a adoção do princípio inquisitivo que funda um sistema inquisitório pois representam uma quebra da igualdade do contraditório da própria estrutura dialética do processo Como decorrência fulminam a principal garantia da jurisdição que é a imparcialidade do julgador Está desenhado um processo inquisitório A posição do juiz é o ponto nevrálgico da questão na medida em que ao sistema acusatório lhe corresponde um juizespectador dedicado sobretudo à objetiva e imparcial valoração dos fatos e por isso mais sábio que experto o rito inquisitório exige sem embargo um juizator representante do interesse punitivo e por isso um enxerido302 versado no procedimento e dotado de capacidade de investigação303 O tema também está intimamente relacionado com a questão da verdade no processo penal No sistema inquisitório nasce a inalcançável e mitológica verdade real em que o imputado nada mais é do que um mero objeto de investigação detentor da verdade de um crime304 e portanto submetido a um inquisidor que está autorizado a extraíla a qualquer custo Recordemos que a intolerância vai fundar a inquisição A verdade absoluta é sempre intolerante sob pena de perder seu caráter absoluto A lógica inquisitorial está centrada na verdade absoluta e nessa estrutura a heresia era o maior perigo pois atacava o núcleo fundante do sistema Fora dele não havia salvação Isso autoriza o combate a qualquer custo da heresia e do herege legitimando até mesmo a tortura e a crueldade nela empregadas A maior crueldade não era a tortura em si mas o afastamento do caminho para a eternidade305 Dessarte fica fácil perceber que o processo penal brasileiro tem uma clara matriz inquisitória e que isso deve ser severamente combatido na medida em que não resiste à necessária filtragem constitucional Ou seja a estrutura do Código de Processo Penal de 1941 deve ser adequada e portanto deve ser conformada à nova ordem constitucional vigente cujos alicerces demarcam a adoção do sistema acusatório É uma imposição de conformidade das leis processuais penais à Constituição e portanto ao sistema acusatório como tão bem definiu Geraldo Prado306 Sempre se reconheceu o caráter inquisitório da investigação preliminar e da execução penal encobrindo o problema da inquisição na fase processual Mas compreendidos os sistemas e os princípios que os estruturam a conclusão só pode ser uma como claramente aponta Jacinto Coutinho307 O sistema processualpenal brasileiro é na sua essência inquisitório porque regido pelo princípio inquisitivo já que a gestão da prova está primordialmente nas mãos do juiz Compreendida a questão e respeitada a opção acusatória feita pela Constituição são substancialmente inconstitucionais todos os artigos do CPP que atribuam poderes instrutórios eou investigatórios ao juiz além de estarem tacitamente revogados pelo art 3ºA do CPP 334 O PROBLEMA DOS PODERES INSTRUTÓRIOS JUÍZES INQUISIDORES E OS QUADROS MENTAIS PARANOICOS Compreendida a necessidade de buscar o núcleo fundante de um sistema a partir da gestão da prova resta verificar a problemática e inquisitiva atribuição de poderes instrutóriosinvestigatórios ao juiz Atribuir poderes instrutórios a um juiz em qualquer fase308 é um grave erro que acarreta a destruição completa do processo penal democrático Ensina Cordero309 que tal atribuição de poderes instrutórios conduz ao primato dellipotesi sui fatti gerador de quadri mentali paranoidi Isso significa que se opera um primado prevalência das hipóteses sobre os fatos porque o juiz que vai atrás da prova primeiro decide definição da hipótese e depois vai atrás dos fatos prova que justificam a decisão que na verdade já foi tomada O juiz nesse cenário passa a fazer quadros mentais paranoicos Na mesma linha Jacinto Coutinho310 afirma que abrese ao juiz a possibilidade de decidir antes e depois sair em busca do material probatório suficiente para confirmar a sua versão isto é o sistema legitima a possibilidade da crença no imaginário ao qual toma como verdadeiro É evidente que o recolhimento da prova por parte do juiz antecipa a formação do juízo Como explica Geraldo Prado311 a ação voltada à introdução do material probatório é precedida da consideração psicológica pertinente aos rumos que o citado material se efetivamente incorporado ao feito possa determinar O juiz ao ter iniciativa probatória está ciente prognóstico mais ou menos seguro de que consequências essa prova trará para a definição do fato discutido pois quem procura sabe ao certo o que pretende encontrar e isso em termos de processo penal condenatório representa uma inclinação ou tendência perigosamente comprometedora da imparcialidade do julgador312 Mais do que uma inclinação ou tendência perigosamente comprometedora tratase de sepultar definitivamente a imparcialidade do julgador Nessa matéria não existe investigador imparcial seja ele juiz ou promotor O modelo acusatório constitucional traz na sua essência a necessidade de um amplo debate sobre a hipótese acusatória Para tanto Ferrajoli313 define as seguintes garantias secundárias publicidade oralidade legalidade do processo e motivação da decisão judicial Tais garantias são condições necessárias para que o debate transcorra com transparência e igualdade de oportunidades ou seja no ambiente que se espera da estrutura dialética do processo Sempre que se atribuem poderes instrutórios ao juiz314 destróise a estrutura dialética do processo o contraditório fundase um sistema inquisitório e sepultase de vez qualquer esperança de imparcialidade enquanto terzietà alheamento É um imenso prejuízo gerado pelos diversos préjuízos que o julgador faz Não só diversos modelos contemporâneos demonstram isso basta estudar as reformas da Alemanha em 1974 Itália e Portugal em 198788 e também as mudanças levadas a cabo na Espanha pela LO 788 feita às pressas para adequarse à Sentença do Tribunal Constitucional n 14588 mas também a história do direito processual especialmente o erro iniciado no sistema acusatório romano de atribuir poderes instrutórios ao juiz que acabou levando ao sistema inquisitório Como explicamos anteriormente a imparcialidade do juiz fica evidentemente comprometida quando estamos diante de um juiz instrutor ou quando lhe atribuímos poderes de gestãoiniciativa probatória É um contraste que se estabelece entre a posição totalmente ativa e atuante do instrutor com a inércia que caracteriza o julgador Um é sinônimo de atividade e o outro de inércia O Tribunal Europeu de Direitos Humanos há muito tempo e em diversas oportunidades tem apontado a violação da garantia do juiz imparcial em situações assim destacando ainda uma especial preocupação com a aparência de imparcialidade a estética de imparcialidade que o julgador deve transmitir para os submetidos à Administração da Justiça pois ainda que não se produza o préjuízo é difícil evitar a impressão de que o juiz instrutor não julga com pleno alheamento Isso afeta negativamente a confiança que os tribunais de uma sociedade democrática devem inspirar nos jurisdicionados especialmente na esfera penal Contudo a interiorização dos postulados constitucionais é realmente sempre lenta e não raras vezes nunca se efetiva Exemplo disso é a imensa resistência de alguns setores às importantes inovações trazidas pela Lei n 139642019 entre elas a adoção expressa do sistema acusatório a consagração do juiz das garantias e da exclusão fisica do autos do inquérito Como sintetiza a Exposição de Motivos do CódigoModelo para IberoAmérica e nunca é demais recordar o bom inquisidor mata o bom juiz ou ao contrário o bom juiz desterra o inquisidor Por fim pergunta que pode surgir é que instrumento processual penal pode ser utilizado quando nos deparamos com um juiz inquisidor na condução do processo Elementar que cada situação apresentará suas peculiaridades e complexidades Em linhas gerais pensamos que se o processo está em desenvolvimento poderá ser arguida a exceção de suspeição demonstrando a partir da análise do discurso ou atos praticados que houve uma quebra da garantia da imparcialidade recordese sempre que ela é o princípio supremo do processo Quando tratarmos da exceção de suspeição a seu tempo voltaremos ao tema Contudo já existindo uma sentença condenatória a situação fica mais difícil mas em tese deve ser arguida a violação da imparcialidade e consequente nulidade dos atos em preliminar de apelação 335 A ESTRUTURA ACUSATÓRIA CONSAGRADA NO ART 3º A DO CPP E A RESISTÊNCIA INQUISITÓRIA Até o advento da reforma trazida pela Lei n 13964 de 24 de dezembro de 2019 sempre afirmamos que o processo penal brasileiro era inquisitório ou neoinquisitório e que não concordávamos com grande parte da doutrina que classificava nosso sistema como misto ou seja inquisitório na primeira fase inquérito e acusatório na fase processual E não concordávamos e seguimos divergindo se insistirem com tal afirmação porque dizer que um sistema é misto é não dizer quase nada sobre ele pois misto todos são O ponto crucial é verificar o núcleo o princípio fundante e aqui está o problema como acabamos de explicar Finalmente o cenário mudou e nossas críticas junto com Jacinto Nelson de Miranda Coutinho Geraldo Prado Alexandre Morais da Rosa e tantos outros excelentes processualistas que criticavam a estrutura inquisitória brasileira foram ouvidas Compreenderam que a Constituição de 1988 define um processo penal acusatório fundado no contraditório na ampla defesa na imparcialidade do juiz e nas demais regras do devido processo penal Diante dos inúmeros traços inquisitórios do processo penal brasileiro era necessário fazer uma filtragem constitucional dos dispositivos incompatíveis com o princípio acusatório como os arts 156 385 etc pois são substancialmente inconstitucionais e agora estão tacitamente revogados pelo art 3ºA do CPP com a redação da Lei n 13964 Assumido o problema estrutural do CPP a luta passa a ser pela acoplagem constitucional e pela filtragem constitucional expurgando de eficácia todos aqueles dispositivos que alinhados ao núcleo inquisitório são incompatíveis com a matriz constitucional acusatória e principalmente pela mudança de cultura pelo abandono da cultura inquisitória e pela assunção de uma postura acusatória por parte do juiz e de todos os atores judiciários Agora a estrutura acusatória está expressamente consagrada no CPP e não há mais espaço para o juizatorinquisidor que atue de ofício violando o ne procedat iudex ex officio ou que produza prova de ofício pilares do modelo acusatório Vejamos a redação do art 3ºA do CPP315 Art 3ºA O processo penal terá estrutura acusatória vedadas a iniciativa do juiz na fase de investigação e a substituição da atuação probatória do órgão de acusação A redação mesmo que façamos algumas críticas pontuais representa uma evolução para o nosso atrasado processo penal inquisitório e repete aquela que estava no PLS n 1562009 Projeto do CPP do Senado Naquela época foi foco de intensa discussão na Comissão chegandose nessa redação intermediária É preciso recordar que um processo penal verdadeiramente acusatório assegura a radical separação das funções de acusar e julgar mantendo a gestão e a iniciativa probatória nas mãos das partes e não do juiz A observância do ne procedat iudex ex officio é marca indelével de um processo acusatório que mantenha um juiz espectador e não juizator e que assim crie as condições de possibilidade para termos um juiz imparcial É preciso que cada um ocupe o seu lugar constitucionalmente demarcado clássica lição de Jacinto Nelson de Miranda Coutinho com o MP acusando e provando a carga da prova é dele a defesa trazendo seus argumentos sem carga probatória e o juiz julgando Simples Nem tanto basta ver que a estrutura inquisitória e a cultura inquisitória fortíssima fazem com que se resista a essa estrutura dialética por vários motivos históricos entre eles o mito da busca da verdade real e o anseio mítico pelo juiz justiceiro que faça justiça mesmo que o acusador não produza prova suficiente A redação do artigo expressamente adota o sistema acusatório e prevê duas situações 1ª Veda a atuação do juiz na fase de investigação o que é um acerto proibindo portanto que o juiz atue de ofício para decretar prisões cautelares medidas cautelares reais busca e apreensão quebra de sigilo bancário etc 2ª Veda na fase processual a substituição pelo juiz da atuação probatória do órgão acusador No primeiro caso não há críticas à redação está coerente com o que se espera do agir de um juiz no marco do sistema acusatório Consagra o juiz das garantias e afasta o juiz inquisidor Nessa perspectiva só faltou o legislador revogar expressamente o art 156 do CPP pois não mais pode subsistir está tacitamente revogado até para evitar a resistência inquisitória E mantemos essa afirmação mesmo com a decisão do Min Fux de suspender a eficácia do art 3ºA na medida em que a Constituição estabelece uma estrutura acusatória Dessa forma o dispositivo é ainda substancialmente inconstitucional Dessarte não cabe mais esse agir de ofício na busca de provas por parte do juiz seja na investigação seja na fase processual de instrução e julgamento Obviamente que não basta mudar a lei é preciso mudar a cultura e esse sempre será o maior desafio Não tardarão em aparecer vozes no sentido de que o art 156 I deve permanecer cabendo o agir de ofício do juiz quando a prova for urgente e relevante Tal postura constitui uma burla à mudança mantendo hígida a estrutura inquisitória antiga Afinal basta questionar o que é uma prova urgente e relevante Aquela que o juiz quiser que seja E a necessidade a adequação e a proporcionalidade quem afere O mesmo juiz que determina sua produção Essa é a circularidade inquisitória clássica que se quer abandonar Fica a advertência para o movimento contrarreformista ou o movimento da sabotagem inquisitória como define Alexandre Morais da Rosa pois virá Mas o maior problema está na segunda parte do artigo e nas interpretações conservadoras e restritivas a que dará margem afinal o que significa substituição da atuação probatória do órgão de acusação A nosso juízo toda e qualquer iniciativa probatória do juiz que determinar a produção de provas de ofício já representa uma substituição da atuação probatória do julgador Considerando que no processo penal a atribuição da carga probatória é inteiramente do acusador pois como já ensinava James Goldschmidt não existe distribuição de carga probatória mas sim a atribuição ao acusador pois a defesa não tem qualquer carga probatória pois marcada pela presunção de inocência qualquer invasão nesse terreno por parte do juiz representa uma substituição da atuação probatória do acusador Ademais esse raciocínio decorre do próprio conceito de sistema acusatório radical separação de funções e iniciativagestão da prova nas mãos das partes ainda que a defesa não tenha carga obviamente pode ter iniciativa probatória mantendo o juiz como espectador e não um juizator figura típica da estrutura inquisitória abandonada Nada impede por elementar que o juiz questione testemunhas após a inquirição das partes para esclarecer algum ponto relevante que não tenha ficado claro na linha do que preconiza o art 212 do CPP que se espera agora seja respeitado ou os peritos arrolados pelas partes Portanto o juiz pode esclarecer algo na mesma linha de indagação aberto pelas partes não podendo inovarampliar com novas perguntas nem muito menos indicar provas de ofício316 Por fim a interpretação prevalecente do art 212 do CPP também não poderá mais subsistir porque juiz não pergunta a quem pergunta são as partes b se o juiz pergunta substitui as partes e c o art 3ºA proíbe que o juiz substitua a atividade probatória das partes Como dito poderá excepcionalmente perguntar para esclarecer algo que não compreendeu Não mais do que isso Nessa perspectiva entre outros entendemos revogados tacitamente o art 209 que permite ao juiz ouvir outras testemunhas além das arroladas pelas partes e o art 385 pois é absolutamente incompatível com a matriz acusatória termos um juiz condenando sem pedido ou seja diante do pedido expresso de absolvição do MP Essa é uma posição que sustentamos há muitos anos Voltaremos a falar sobre o art 385 no último capítulo desta obra quando analisamos o objeto do processo penal Contudo é importante combater outra fraude juiz produzindo prova de ofício a título de ajudar a defesa Em um processo acusatório existe um preço a ser pago o juiz deve conformarse com a atividade probatória incompleta das partes Não se lhe autoriza descer para a arena das partes e produzir de ofício provas nem para colaborar com a acusação nem para auxiliar a defesa Ele não pode é descer na estrutura dialética nem para um lado nem para o outro Mais grave ainda como adverte Morais da Rosa é quando o juiz fingindo que age em prol da defesa passará a produzir provas para condenação Que fique bem claro juiz com dúvida absolve art 386 VIII do CPP porque não é preciso dúvida qualificada bastando dúvida razoável Temos visto magistrados em nome da defesa decretarem de ofício a quebra de sigilo telefônico dados de todos os acusados com smartphones apreendidos para o fim de ajudar a defesa É um sintoma da perversão acusatória317 Entretanto infelizmente existe o risco de incompreensão do que seja um sistema acusatório ou sua reducionista compreensão Esse problema quando somado com a vagueza conceitual adotada pelo dispositivo legal na expressão substituição da atuação probatória pode conduzir ao esvaziamento dessa cláusula Ademais agrava o cenário a adoção equivocada da teoria da relativização das nulidades e seu princípio curinga do prejuízo pois deixa completamente a critério dos tribunais anular ou não É a nossa crítica ao decisionismo e ao sistema de nulidades à la carte gerador de imensa insegurança jurídica Isso já aconteceu por exemplo quando o STJ decretou a pena de morte do art 212 do CPP e tomara que não se repita O correto e adequado é reconhecer a revogação tácita do art 156 e do art 385 e tantos outros na mesma linha e a absoluta incompatibilidade com a matriz acusatória constitucional e a nova redação do art 3ºA É preciso compreender ainda a complexidade da discussão acerca dos sistemas pois todas essas questões giram em torno do tripé sistema acusatório contraditório e imparcialidade Porque a imparcialidade é garantida pelo modelo acusatório e sacrificada no sistema inquisitório de modo que somente haverá condições de possibilidade da imparcialidade quando existir além da separação inicial das funções de acusar e julgar um afastamento do juiz da atividade investigatóriainstrutória Portanto pensar no sistema acusatório desconectado do princípio da imparcialidade e do contraditório é incorrer em grave reducionismo Em suma agora podemos afirmar que o processo penal brasileiro é legal art 3ºA do CPP e constitucionalmente acusatório mas para efetivação dessa mudança é imprescindível afastar a vigência de vários artigos do CPP e mudar radicalmente as práticas judiciárias É preciso acima de tudo que os juízes e tribunais brasileiros interiorizem e efetivem tamanha mudança E esperamos que o art 3ºA finalmente tenha plena vigência quando do julgamento do mérito das ADIns já mencionadas e da relatoria do Min Fux 336 É A JUSTIÇA NEGOCIAL UMA MANIFESTAÇÃO DO SISTEMA ACUSATÓRIO UMA ANÁLISE CRÍTICA Antes de analisarmos especificamente a justiça negocial à luz dos sistemas processuais gostaríamos de fazer uma importante advertência esse tema já foi tratado de forma mais ampla no final do Capitulo I para onde o remetemos Lá tratamos da crise do processo penal e no final travamos a discussão acerca do plea bargaining enquanto remédio ou veneno para essa problemática Portanto agora faremos apenas uma síntese dessa análise Para além das vantagens aparentes o Juizado Especial Criminal possui graves defeitos que não podem ser desconsiderados até para que futuros ajustes venham a ser feitos É importante que se compreenda que a negociação no processo penal é sempre sensível pois representa um afastamento do Estadojuiz das relações sociais não atuando mais como interventor necessário mas apenas assistindo de camarote ao conflito Portanto é uma opção sempre perigosa Ademais significa uma inequívoca incursão do Ministério Público em uma área que deveria ser dominada pelo tribunal que erroneamente se limita a homologar o resultado do acordo entre o acusado e o promotor Não sem razão a doutrina afirma que o promotor é o juiz às portas do tribunal A lógica negocial se banalizada transforma o processo penal num mercado persa no seu sentido mais depreciativo Constitui também verdadeira expressão do movimento da lei e ordem na medida em que contribui para a banalização do Direito Penal fomentando a penalização e o simbolismo repressor A justiça negociada está atrelada à ideia de eficiência viés economicista de modo que as ações desenvolvidas devem ser eficientes para com isso chegarmos ao melhor resultado O resultado deve ser visto no contexto de exclusão social e penal O indivíduo já excluído socialmente por isso desviante deve ser objeto de uma ação efetiva para obterse o máximo e certo apenamento que corresponde à declaração de exclusão jurídica Se acrescentarmos a esse quadro o fator tempo tão importante no controle da produção até porque o deusmercado não pode esperar a eficiência passa a ser mais uma manifestação senão sinônimo de exclusão A tendência generalizada a implantar no processo penal amplas zonas de consenso também está sustentada em síntese por três argumentos básicos que também analisamos no Capítulo I a estar conforme os princípios do modelo acusatório b resultar da adoção de um processo penal de partes c proporcionar celeridade na administração de justiça A tese de que as formas de acordo são um resultado lógico do modelo acusatório e do processo de partes é totalmente ideológica e mistificadora como qualificou Ferrajoli318 para quem esse sistema é fruto de uma confusão entre o modelo teórico acusatório que consiste unicamente na separação entre juiz e acusação na igualdade entre acusação e defesa na oralidade e publicidade do juízo e as características concretas do sistema acusatório americano algumas das quais como a discricionariedade da ação penal e o acordo não têm relação alguma com o modelo teórico O modelo acusatório exige principalmente que o juiz se mantenha alheio ao trabalho de investigação e passivo no recolhimento das provas tanto de imputação como de descargo A gestãoiniciativa probatória no modelo acusatório está nas mãos das partes esse é o princípio fundante do sistema Ademais há a radical separação entre as funções de acusarjulgar o processo deve ser predominantemente oral público com um procedimento contraditório e de trato igualitário das partes e não meros sujeitos Com relação à prova vigora o sistema do livre convencimento motivado e a sentença produz a eficácia de coisa julgada A liberdade da parte passiva é a regra sendo a prisão cautelar uma exceção Assim é o sistema acusatório não derivando dele a justiça negociada O pacto no processo penal é um perverso intercâmbio que transforma a acusação em um instrumento de pressão capaz de gerar autoacusações falsas testemunhos caluniosos por conveniência obstrucionismo ou prevaricações sobre a defesa desigualdade de tratamento e insegurança O furor negociador da acusação pode levar à perversão burocrática em que a parte passiva não disposta ao acordo vê o processo penal transformar se em uma complexa e burocrática guerra Tudo é mais difícil para quem não está disposto a negociar O panorama é ainda mais assustador quando ao lado da acusação está um juiz pouco disposto a levar o processo até o final quiçá mais interessado que o próprio promotor em que aquilo acabe o mais rápido e com o menor trabalho possível Quando as pautas estão cheias e o sistema passa a valorar mais o juiz pela sua produção quantitativa do que pela qualidade de suas decisões o processo assume sua face mais nefasta e cruel É a lógica do tempo curto atropelando as garantias fundamentais em nome de uma maior eficiência Em síntese a justiça negociada não faz parte do modelo acusatório e tampouco pode ser considerada uma exigência do processo penal de partes Se não atentarmos para essas questões ela pode se transformar em uma perigosa medida alternativa ao processo sepultando as diversas garantias obtidas ao longo de séculos de injustiças319 Inobstante todas as críticas e os perigos que encerra a ampliação dos espaços de consenso e a implementação da negociação no processo penal são uma tendência imparável e para a qual devemos estar preparados Não podemos pactuar com uma ampliação utilitarista do espaço de consenso que encontra seu exemplo maior de distorção no modelo de plea bargaining americano em que cerca de 90 dos casos penais são resolvidos através de acordo entre acusação e defesa Significa dizer que 9 de cada 10 casos penais são resolvidos através de acordo sem julgamento pleno e jurisdição efetiva Não sem razão os Estados Unidos são o país com a maior população carcerária do mundo fruto da banalização de acordos conjugada com uma política punitivista Esse é um extremo que precisa ser recusado Por outro lado atualmente há um consenso de que nenhum sistema de administração de justiça penal consegue dar conta da demanda sem algum espaço negocial para desafogálo Explica Figueiredo Dias320 devese dar passos decisivos na incrementação da justiça negocial e das estruturas de consenso em detrimento de estruturas de conflito entre os sujeitos processuais como forma de oferecer futuro a um processo penal dotado de eficiência funcionalmente orientada indispensável à passagem da atual sobrecarga da justiça penal sem menoscabo dos princípios constitucionais adequados ao Estado de Direito A questão a saber é qual o espaço negocial que estamos dispostos a implantar no Brasil diante da nossa realidade processual e principalmente do nosso sistema carcerário e qual será o impacto Que rumo será tomado Caminharemos em direção ao modelo norteamericano da plea bargaining Iremos na linha do sistema italiano do patteggiamento Do práticoforense alemão cuja implantação evidenciou o conflito do law in action com o law in books Ampliaremos o modelo brasileiro introduzido pela Lei n 909995 transação penal e suspensão condicional até chegar à Lei n 128502013 e à colaboração premiada Qual será o espaço negocial que iremos adotar e com quais limites Qual o papel do juiz nesse sistema mero homologador norteamericano ou mais intervencionista como no patteggiamento italiano Sem esquecer que a Lei n 139642019 recepcionou no art 28A o acordo de não persecução penal ampliando ainda mais o espaço de negociação do modelo brasileiro Precisamos de mais negociação Pensamos que não Enfim são muitas as questões que precisam ser ponderadas mas nossa posição é precisamos ampliar o espaço de consenso e os mecanismos de negociação da pena através de lei clara e com limites demarcados Legalidade que sirva para desafogar e agilizar a justiça criminal mas sem representar a negação de jurisdição e das garantias processuais constitucionais Um difícil equilíbrio que precisa ser encontrado através de um amplo debate e estudo da nossa realidade e análise do impacto carcerário e processual que ela poderá gerar 34 A IMPARCIALIDADE DO JUIZ COMO PRINCÍPIO SUPREMO DO PROCESSO PENAL DISSONÂNCIA COGNITIVA EFEITO PRIMAZIA E ORIGINALIDADE COGNITIVA A imparcialidade do juiz é definitivamente o princípio supremo do processo penal Aragoneses Alonso e Werner Goldschmidt Não há processo sem juiz e não há juiz se não houver imparcialidade Daí porque é a estrutura do sistema que cria ou não cria as condições de possibilidade de um juiz imparcial e portanto somente no marco do sistema acusatório é que podemos ter as condições necessárias para a imparcialidade do julgador A essa altura pouco importa eventuais divergências sobre o que foi ou não foi o processo penal romano Importa em pleno século XXI que tenhamos uma estrutura dialética com juiz completamente afastado da arena das partes e da iniciativa probatória com máxima originalidade cognitiva e estrita observância do contraditório e das demais regras do devido processo Desde 2001 na obra Investigação Preliminar e antes em nossa tese doutoral que originou o livro sustentamos a necessidade de exclusão física dos autos do inquérito e a separação do juiz da investigação em relação ao juiz do processo prevenção como causa de exclusão da competência como forma de assegurar a máxima eficácia do contraditório judicial e a originalidade do julgamento expressão italiana para externar a importância de que o juiz forme sua convicção originariamente a partir da prova produzida no contraditório processual321 Essa é a base do fundamento do juiz das garantias finalmente consagrado no art 3ºB e ss do CPP mas ainda não implantado dada a liminar concedida pelo Min Fux já mencionada Então por que precisamos do juiz das garantias e da separação entre o juiz que atua na investigação preliminar em relação ao juiz que vai instruir e julgar na fase processual Para termos um processo penal acusatório e um juiz imparcial Para finalmente termos um processo penal com qualidade com respeito às regras do devido processo Recordemos introdutoriamente que a imparcialidade não se confunde com neutralidade um mito da modernidade superada por toda base teórica anticartesianista O juiznomundo não é neutro mas pode e deve ser imparcial principalmente se compreendermos que a imparcialidade é uma construção técnica artificial do direito processual para estabelecer a existência de um terceiro com estranhamento e em posição de alheamento em relação ao caso penal terzietà que estruturalmente é afastado É acima de tudo uma concepção objetiva de afastamento estrutural do processo e estruturante da posição do juiz É por isso que insistimos tanto na concepção do sistema acusatório a partir do núcleo fundante gestão da prova Jacinto Coutinho pois não basta a mera separação inicial das funções de acusar e julgar precisamos manter o juiz afastado da arena das partes e essencialmente atribuir a iniciativa e gestão da prova às partes nunca ao juiz até o final do processo Um juizator funda um processo inquisitório ao passo que o processo acusatório exige um juizespectador como já explicamos anteriormente Outro reducionismo bastante frequente é o de desconectar a discussão acerca dos sistemas processuais da imparcialidade É elementar que ao se atribuir poderes instrutórios ao juiz ferese de morte a imparcialidade pois quem procura procura algo Geraldo Prado Transformase o processo em uma encenação simbólica pois o juiz desde o momento em que decide ir atrás da prova de ofício já tem definida a hipótese acusatória como verdadeira Logo como ensina Franco Cordero esse juiz não decide a partir dos fatos apresentados no processo senão da hipótese acusatória inicialmente eleita pois se fosse a defensiva ele não precisaria ir atrás da prova Quando o juiz em dúvida afasta o in dubio pro reo e opta por ir atrás da prova juizator inquisidor ele decide primeiro e depois vai atrás dos elementos que justificam a decisão que já tomou Portanto ele é a prova e depois decide a partir da prova por ele mesmo produzida Sem falar que a dúvida deve dar lugar a absolvição o in dubio pro reo é fruto de evolução civilizatória e quando um juiz afasta essa regra de julgamento e decide ir atrás da prova não é preciso maior esforço para compreender que está buscando prova para condenar pois se fosse para absolver ele parava no momento anterior É óbvio que ao assim agir ele transforma o in dubio pro reo em in dubio pau no reo Sem falar na violação do contraditório e ampla defesa É um evidente prejuízo que decorre dos préjuízos como a exaustão já explicou o Tribunal Europeu de Direitos Humanos ao doutrinar que juiz que vai atrás da prova está contaminado e não pode julgar sendo a prevenção uma causa de exclusão da competência e não de fixação como temos erroneamente no Brasil Existe ainda um alerta para a estética de imparcialidade que deve ter os julgadores aos olhos do jurisdicionado É óbvio que para o acusado e qualquer pessoa de bom senso o juiz que determina a produção de provas de ofício decreta a prisão sem pedido ou pior condena sem pedido como autoriza o art 385 em que pese entendermos que é inconstitucional e foi tacitamente revogado pelo art 3ºA não tem qualquer semelhança com a imagem e a postura que se espera de um julgador Mas nesse tema é preciso como em quase todos os temas complexos fazer uma leitura interdisciplinar A imparcialidade do juiz não pode ser pensada no reducionismo jurídicoprocessual precisa dialogar especialmente com a psicanálise e a psicologia Nessa perspectiva a teoria da dissonância cognitiva dá um importante contributo especialmente no interessante diálogo travado por Bernd Schünemann entre a psicologia social e o processo penal Focaremos agora no importante trabalho do professor alemão em obra organizada e traduzida pelo ilustre Prof Luís Greco intitulada Estudos de Direito Penal e Processual Penal e filosofia do direito Editora Marcial Pons 2013 onde ele dedica um interessante capítulo sobre a teoria da Dissonância Cognitiva322 Em que pese algumas divergências pontuais que tenho em relação ao ilustre autor alemão e a estrutura do processo penal alemão especialmente no que tange à concepção de sistema acusatório e inquisitório à ambição de verdade a mitológica verdade real bem como ao papel do juiz sua análise sobre a dissonância cognitiva e os problemas acerca dos préjulgamentos é bastante enriquecedora Como explica o autor grave problema existe no fato de o mesmo juiz receber a acusação realizar a audiência de instrução e julgamento e posteriormente decidir sobre o caso penal Existe não apenas uma cumulação de papéis mas um conflito de papéis não admitido como regra pelos juízes que se ancoram na formação profissional comprometida com a objetividade Tal argumento nos remete a uma ingênua crença na neutralidade e supervalorização de uma impossível objetividade na relação sujeitoobjeto já tão desvelada pela superação do paradigma cartesiano ainda não completamente compreendido Ademais desconsidera a influência do inconsciente que cruza e permeia toda a linguagem e a dita razão Em linhas introdutórias a teoria da dissonância cognitiva desenvolvida na psicologia social analisa as formas de reação de um indivíduo frente a duas ideias crenças ou opiniões antagônicas incompatíveis geradoras de uma situação desconfortável bem como a forma de inserção de elementos de consonância mudar uma das crenças ou as duas para tornálas compatíveis desenvolver novas crenças ou pensamentos etc que reduzam a dissonância e por consequência a ansiedade e o estresse gerado Podese afirmar que o indivíduo busca como mecanismo de defesa do ego encontrar um equilíbrio em seu sistema cognitivo reduzindo o nível de contradição entre o seu conhecimento e a sua opinião É um anseio pela eliminação das contradições cognitivas O autor traz a teoria da dissonância cognitiva para o campo do processo penal aplicandoa diretamente sobre o juiz e sua atuação até a formação da decisão na medida em que precisa lidar com duas opiniões antagônicas incompatíveis teses de acusação e defesa bem como com a sua opinião sobre o caso penal que sempre encontrará antagonismo frente a uma das outras duas acusação ou defesa Mais do que isso considerando que o juiz constrói uma imagem mental dos fatos a partir dos autos do inquérito e da denúncia para recebêla é inafastável o préjulgamento agravado quando ele decide anteriormente sobre prisão preventiva medidas cautelares etc É de se supor afirma Schünemann que tendencialmente o juiz a ela se apegará a imagem já construída de modo que ele tentará confirmála na audiência instrução isto é tendencialmente deverá superestimar as informações consoantes e menosprezar as informações dissonantes Para diminuir a tensão psíquica gerada pela dissonância cognitiva haverá dois efeitos Schünemann efeito inércia ou perseverança mecanismo de autoconfirmação de hipóteses superestimando as informações anteriormente consideradas corretas como as informações fornecidas pelo inquérito ou a denúncia tanto que ele as acolhe para aceitar a acusação pedido de medida cautelar etc busca seletiva de informações em que se procura predominantemente informações que confirmem a hipótese que em algum momento prévio foi aceita acolhida pelo ego gerando o efeito confirmadortranquilizador A partir disso ele desenvolve uma interessante pesquisa de campo que acaba confirmando várias hipóteses entre elas a já sabida ainda que empiricamente por todos quanto maior for o nível de conhecimentoenvolvimento do juiz com a investigação preliminar e o próprio recebimento da acusação muito mais provável é a frequência com que ele condenará Toda pessoa procura um equilíbrio do seu sistema cognitivo uma relação não contraditória A tese da defesa gera uma relação contraditória com as hipóteses iniciais acusatórias e conduz a molesta dissonância cognitiva Como consequência existe o efeito inércia ou perseverança de autoconfirmação das hipóteses através da busca seletiva de informações Demonstra Schünemann que em grande parte dos casos analisados o juiz ao receber a denúncia e posteriormente instruir o feito passa a ocupar de fato a posição de parte contrária diante do acusado que nega os fatos e por isso está impedido de realizar uma avaliação imparcial processar as informações de forma adequada Grande parte desse problema vem do fato de o juiz ler e estudar os autos da investigação preliminar inquérito policial para decidir se recebe ou não a denúncia para decidir se decreta ou não a prisão preventiva formando uma imagem mental dos fatos para depois passar à busca por confirmação dessas hipóteses na instrução O quadro agravase se permitirmos que o juiz de ofício vá em busca dessa prova sequer produzida pelo acusador Enfim o risco de pré julgamento é real e tão expressivo que a tendência é separar o juiz que recebe a denúncia que atua na fase préprocessual daquele que vai instruir e julgar ao final Conforme as pesquisas empíricas do autor os juízes dotados de conhecimentos dos autos a investigação não apreenderam e não armazenaram corretamente o conteúdo defensivo presente na instrução porque eles só apreendiam e armazenavam as informações incriminadoras que confirmavam o que estava na investigação O juiz tendencialmente apegase à imagem do ato que lhe foi transmitida pelos autos da investigação preliminar informações dissonantes desta imagem inicial são não apenas menosprezadas como diria a teoria da dissonância mas frequentemente sequer percebidas O quadro mental é agravado pelo chamado efeito aliança onde o juiz tendencialmente se orienta pela avaliação realizada pelo promotor O juiz vê não no advogado criminalista mas apenas no promotor a pessoa relevante que lhe serve de padrão de orientação Inclusive aponta a pesquisa o efeito atenção diminui drasticamente tão logo o juiz termine sua inquirição e a defesa inicie suas perguntas a ponto de serem completamente desprezadas na sentença as respostas dadas pelas testemunhas às perguntas do advogado de defesa Tudo isso acaba por constituir um caldo cultural onde o princípio do in dubio pro reo acaba sendo virado de pontacabeça na expressão de Schünemann pois o advogado vêse incumbido de provar a incorreção da denúncia Entre as conclusões de Schünemann encontrase a impactante constatação de que o juiz é um terceiro inconscientemente manipulado pelos autos da investigação preliminar Em suma a fere mortalmente a imparcialidade a atuação de ofício do juiz especialmente em relação a gestão e iniciativa da prova ativismo probatório do juiz e a decretação de ofício de medidas restritivas de direitos fundamentais prisões cautelares busca e apreensão quebra de sigilo telefônico etc tanto na fase préprocessual como na processual em relação à imparcialidade nenhuma diferença existe em relação ao momento em que ocorra b é uma ameaça real e grave para a imparcialidade o fato de o mesmo juiz receber a acusação e depois instruir e julgar o feito por isso precisamos do modelo de doble juez com o juiz das garantias recebendo a denúncia c precisamos efetivar com urgência e em toda sua extensão a figura do juiz das garantias que não se confunde com o juizado de instrução sendo responsável pelas decisões acerca de medidas restritivas de direitos fundamentais requeridas pelo investigador polícia ou MP e que ao final recebe ou rejeita a denúncia d é imprescindível a exclusão física dos autos do inquérito permanecendo apenas as provas cautelares ou técnicas irrepetíveis para evitar a contaminação e o efeito perseverança como determina o art 3ºC 3º Considerando a complexidade do processo e de termos obviamente um juiznomundo devese buscar medidas de redução de danos que diminuam a permeabilidade inquisitória e os riscos para a imparcialidade e a estrutura acusatória constitucionalmente demarcada 341 EFEITO PRIMAZIA NO PROCESSO PENAL VOCÊ SABE O QUE É ISSO323 MAIS UM ARGUMENTO A DEMONSTRAR A IMPRESCINDIBILIDADE DO JUIZ DAS GARANTIAS E A EXCLUSÃO FÍSICA DOS AUTOS DO INQUÉRITO Não raras vezes os ditados populares possuem alguma base científica que os suporte e partindo disso a psicologia social se debruçou sobre a crença popular de que a primeira impressão é a que fica através entre outras linhas de pesquisa do chamado efeito primazia Ainda que sempre sensível é crucial buscar o diálogo interdisciplinar para romper com o reducionismo do monólogo científico e o Direito não está imune a essa necessidade Todo o oposto A complexa fenomenologia da violência e posteriormente da situação jurídica processual precisam muito desse diálogo interdisciplinar para dar conta minimamente de toda a complexidade ali envolvida Trazemos agora um diálogo entre o processo penal e os estudos da psicologia social sobre o fenômeno da percepção de pessoas mais especificamente no que diz respeito à vinculação da primeira impressão na formação da impressão definitiva para que se repense determinadas categorias e institutos processuais a partir dessa perspectiva Não se objetiva estudar o desenrolar do processo perceptivo em si bastando que o compreendamos como um processo instantâneo mediante o qual se inferem características psicológicas a determinada pessoa a partir da observação de sua conduta entre outros atributos ou de sua descrição quando feita por alguém324 e se organizam estas inferências em uma impressão una e coerente325 É importante entender minimamente as consequências cognitivocomportamentais da fixação de uma primeira impressão em relação a outras posteriores a ela Os estudos que mais repercutiram na investigação da formação das impressões e consequentemente no desvelamento do impacto das primeiras impressões foram conduzidos por Solomon Asch326 e apresentam duas principais conclusões 1 existem qualidades que se sobressaem no processo perceptivo conclusão que não será aprofundada 2 as primeiras informações recebidas tem mais peso que as demais327 fundamentandose a ideia de que há uma preponderância das cognições oriundas da primeira impressão relativamente a outras a elas conectadas o que se denominou de efeito primazia328 A pesquisa desenvolvida por Asch que acabou por comprovar tal efeito deuse entre outras da seguinte forma elaboraramse duas séries de características idênticas que se diferiam apenas quanto à ordem em que apareciam escritas em uma inteligente trabalhador impulsivo crítico teimoso e invejoso e na outra invejoso teimoso crítico impulsivo trabalhador e inteligente e as submeteram a dois grupos diferentes que deveriam formular suas respectivas impressões sobre uma pessoa com tais atributos Apesar de serem exatamente os mesmos adjetivos constatouse que o grupo que recebeu a série com as características positivas primeiro revelou uma impressão consideravelmente melhor sobre a pessoa imaginada do que o outro cujas negativas constavam à frente329 justificando a afirmação de que há uma primazia das informações que se recebe primeiro sobre as demais Logo concluiu o pesquisador que As descrições dos estudantes indicam que os primeiros termos estabelecem uma direção e esta exerce uma influência contínua sobre os últimos termos Quando se ouve o primeiro termo nasce uma impressão ampla e não cristalizada mas dirigida A característica seguinte está relacionada com a direção estabelecida A opinião formada adquire rapidamente uma certa estabilidade as características posteriores são ajustadas à direção dominante quando as condições o permitem330 Harold Kelley por meio de um experimento ainda mais realista reforçou a conclusão de Asch Na pesquisa que conduziu duas classes de estudantes de psicologia antes de ouvirem um conferencista escutaram uma breve apresentação dele em que o descreviam como sendo uma pessoa bastante fria empreendedora crítica prática e decidida turma A e uma pessoa muito afetuosa empreendedora crítica prática e decidida turma B Após a conferência idêntica em ambas as classes todos os estudantes tiveram que escrever uma redação expressando suas impressões acerca do conferencista Como era de esperar o resultado demonstrou que a turma B cuja descrição falava em muito afetuoso no lugar de bastante frio revelou significativamente mais impressões favoráveis do que a turma A331 concluindose que os estudantes que tinham formado uma impressão preliminar do conferencista a partir da preleção introdutória manifestaram a tendência de avaliar seu comportamento real à luz dessa impressão inicial332 Além disso verificouse que os alunos que esperavam um conferencista afetuoso tendiam a dialogar mais livremente com ele do que os demais sendo possível observar que as distintas descrições preliminares impactaram não somente na impressão final declarada mas também no comportamento dos estudantes para com o conferencista333 Isso dizer que as informações posteriores a respeito de uma pessoa em geral são consideradas no contexto da informação inicial recebida334 sendo esta então a responsável pelo direcionamento da cognição formada a respeito da respectiva pessoa e pelo comportamento que se tem para com ela podendo se reconhecer com Freedman Carlsmith e Sears que as primeiras impressões são não só o começo da interação social mas também as suas principais determinantes335 As causas para esse fenômeno são atribuídas tanto à necessidade de manter a coerência entre as informações recebidas quanto ao nível de atenção dado para as informações que tende a diminuir substancialmente quando já se tem um julgamento formado fruto de uma primeira impressão336 A compreensão dessa problemática é mais um ponto fundante da imprescindibilidade do juiz das garantias e da exclusão fisica dos autos do inquérito Enfim é preciso um olhar muito atento a essas situações e outras similares que ratificam e dão musculatura teórica e científica às diversas críticas feitas ao processo penal justificando mudanças há muito tempo reclamadas como a necessária implantação do juiz das garantias a separação entre o juiz que atua na fase préprocessual e aquele que vai julgar o problema da prevenção como causa de fixação da competência quando deveria ser de exclusão a necessidade de exclusão física dos autos do inquérito etc ou seja diversas medidas que buscam dar eficácia ao devido processo e criar condições reais de possibilidade de termos um juiz imparcial Não dá mais para fechar os olhos para essa realidade exceto se for uma cegueira convenientemente inquisitória e justiceira 342 A IMPORTÂNCIA DA ORIGINALIDADE COGNITIVA DO JUIZ DA INSTRUÇÃO E JULGAMENTO PARA TERMOS CONDIÇÕES DE POSSIBILIDADE DE UM JUIZ IMPARCIAL337 O Estadojuiz deve ser terceiro justamente para não ter parcialidade interessepréjulgamento na resolução do caso penal em favor de qualquer uma das partes A imparcialidade é uma construção técnica artificial do processo que não se confunde com neutralidade O julgador ignora os fatos mas não é neutro já que possui suas conotações políticas religiosas ideológicas etc mas deve ser imparcial cognitivamente afastamento subjetivo dos jogadores e objetivo do caso penal Não há neutralidade porque se trata de um juiznomundo Mas deve haver imparcialidade um afastamento estrutural um estranhamento em relação ao caso penal em julgamento aquilo que os italianos chamam de terzietà alheamento ser um terceiro desinteressado Como já apontamos a imparcialidade é um princípio supremo do processo como ensina Werner Goldschmdit fundante da própria estrutura dialética actum trium personarum Búlgaro A garantia da jurisdição é ilusória e meramente formal quando não se tem um juiz imparcial Mais honesto seria reconhecer que nesse caso não se tem a garantia da jurisdição pois juiz contaminado é juiz parcial logo um nãojuiz A questão portanto vinculase à originalidade cognitiva da temática submetida ao julgamento A imparcialidade338 no decorrer do tempo desde pelo menos o julgamento do Tribunal Europeu de Direitos Humanos TEDH no caso Piersack vs Bélgica distinguiuse entre objetiva em relação ao caso penal e subjetiva no tocante aos envolvidos Também se deve valorizar a estética de imparcialidade ou seja a aparência a percepção que as partes precisam ter de que o juiz é realmente um juiz imparcial ou seja que não tenha tido um envolvimento prévio com o caso penal por exemplo na fase pré processual decretando prisões cautelares ou medidas cautelares reais que o contamine que fomente os préjuízos que geram um imenso prejuízo cognitivo É importante que o juiz mantenha um afastamento que lhe confira uma estética de julgador e não de acusador investigador ou inquisidor Isso é crucial para que se tenha a confiança do jurisdicionado na figura do julgador Mas todas essas questões perpassam por um núcleo imantador que é a originalidade cognitiva É crucial que o juiz conheça do caso penal originariamente no processo penal ou seja na fase processual e na instrução Não significa dizer que o juiz não possa ter conhecimento genérico do fato até porque impossível interditar a cognição decorrente da própria vida em sociedade os meios midiáticos e até as redes sociais Não há como impedir que o juiz leia notícias de um fato ocorrido hoje e que amanhã ou depois ele tenha que julgar por exemplo Não é disso que se trata Estamos falando da originalidade cognitiva no sentido jurídico processual ou seja de que o juiz deverá conhecer em termos processuais e probatórios do caso que irá julgar na instrução processual e não antes Eis o grande problema do processo penal brasileiro que se pretende superar com a reforma de 20192020 o juiz é chamado a conhecer muito cedo do caso que futuramente irá instruir e julgar Ele não entra no processo como um ignorante mas como um sabedor contaminado pela versão unilateralmente apresentada Basta pensar no caso de um juiz chamado a decidir sobre um pedido de quebra de sigilo fiscal e bancário que posteriormente decide sobre o pedido de interceptação telefônica que vai sendo prorrogada mediante sucessivas cogniçõesdecisões deste mesmo juiz e meses depois é para ele dirigido o pedido de busca e apreensão e prisão preventiva Não satisfeito é ele quem como regra irá decidir se recebe ou não a denúncia É elementar a imensa contaminação e préjuízos que geram um imenso prejuízo cognitivo É por isso que precisamos do sistema de doble juez e da máxima eficácia do modelo de juiz das garantias Alguém acredita honestamente que um juiz que atuou na fase de investigação como sempre se fez no Brasil fará a instrução com a mesma abertura cognitiva e igualdade de tratamento que um juiz que nunca foi chamado a decidir sobre esse caso penal nenhuma decisão interlocutória prévia à instrução que chega ignorante e aberto ao conhecimento e debate A diferença é evidente Por isso o juiz da instrução e julgamento não pode ser o mesmo que atuou na investigação preliminar A condição de terceiro é a de ignorância cognitiva em relação às provas ao conteúdo probatório já que o acertamento das condutas deve ser novidade ao julgador O juiz é um sujeito processual não parte ontologicamente concebido como um ignorante porque ele necessariamente ignora o caso penal em julgamento Ele não sabe pois não deve ter uma cognição prévia ao processo Deixará o juiz de ser um ignorante quando ao longo da instrução lhe trouxerem as partes às provas que lhe permitirão então conhecer cognição Logo no regime de instrução do processo não se pode aceitar juiz contaminado por informações decorrentes de atuações anteriores em processos findos ou paralelos Isso porque ele já sabia de condutas e provas que deveria não saber Nesse sentido vale invocar o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal no HC 94641 destacando o voto do ministro Cézar Peluso na hipótese em que o mesmo juiz teria conhecido da ação de investigação de paternidade e depois a ação penal que resultou a gravidez Informativo 528 Pelo conteúdo da decisão do juiz restara evidenciado que ele teria sido influenciado pelos elementos coligidos na investigação preliminar Dessa forma considerou que teria ocorrido hipótese de ruptura da denominada imparcialidade objetiva do magistrado cuja falta incapacitao de todo para conhecer e decidir causa que lhe tenha sido submetida Esclareceu que a imparcialidade denominase objetiva uma vez que não provém de ausência de vínculos juridicamente importantes entre o juiz e qualquer dos interessados jurídicos na causa sejam partes ou não imparcialidade dita subjetiva mas porque corresponde à condição de originalidade da cognição que irá o juiz desenvolver na causa no sentido de que não haja ainda de modo consciente ou inconsciente formado nenhuma convicção ou juízo prévio no mesmo ou em outro processo sobre os fatos por apurar ou sobre a sorte jurídica da lide por decidir Assim sua perda significa falta da isenção inerente ao exercício legítimo da função jurisdicional339 Logo em processos em que se opera cisão CPP art 80 há flagrante violação da originalidade cognitiva quando o mesmo juiz procede às duas instruções e ao julgamento bem como quando se trata de processos advindos de mesma investigação separados por conveniência ou qualquer outro fundamento A contaminação do julgador pela prova obtida em processo anterior ou paralelo ceifa a lógica do juiz terceiro salvo aos que acreditam ser possível essa separação ingênua o juiz finge que não lembra da instrução realizada em outro processo conexo Situação similar também se opera quando o juiz criminal é o mesmo que julga a ação civil pública onde se apura uma improbidade administrativa É por tudo isso que precisamos lutar pela urgente e plena implantação do juiz das garantias separando o juiz que participa da investigação daquele que julgará o processo Melhor teria sido se o legislador tivesse rompido com o estigma e em vez de denominar de juiz das garantias tivesse nominado de juiz da investigação que não tem qualquer semelhança com o famigerado juiz de instrução Infelizmente não foi o que aconteceu A resistência já começou pelo próprio nome pois falar em garantias no Brasil virou errônea e absurdamente sinônimo de impunidade Triste Portanto o juiz criminal para efetivamente ser juiz e portanto imparcial deve conhecer do caso penal originariamente no processo Deve formar sua convicção pela prova colhida originariamente no contraditório judicial sem préjuízos e pré cognições acerca do objeto do processo Do contrário a seguirse com a prática atual o processo acaba sendo um mero golpe de cena com um juiz que já formou sua imagem mental sobre o caso e que entra na instrução apenas para confirmar as hipóteses previamente estabelecidas pela acusação e tomadas por verdadeiras por ele juiz tanto que decretou a busca e apreensão a interceptação telefônica a prisão preventiva etc e ainda recebeu a denúncia A instrução é apenas confirmatória e simbólica de uma decisão previamente tomada Esse tema também precisa ser pensado à luz da teoria da dissonância cognitiva já explicada anteriormente Levar a sério a originalidade cognitiva em regimes probatórios democráticos é o desafio Resta saber se há coragem para afastar um juiz manifestamente contaminado por instruções anteriores Enfim é preciso construirmos um sistema que crie condições de possibilidade de um juiz imparcial fazendo com que ele conheça do caso penal de forma originária na instrução com ausência de pré juízos e imagens mentais já formadas Capítulo 4 Teorias acerca da natureza jurídica do processo penal 41 INTRODUÇÃO AS VÁRIAS TEORIAS Questão muito relevante é compreender a natureza jurídica do processo penal o que ele representa e constitui Tratase de abordar a determinação dos vínculos que unem os sujeitos juiz acusador e réu bem como a natureza jurídica de tais vínculos e da estrutura como um todo Analisando a história do processo Pedro Aragoneses Alonso340 divide as diferentes teorias em três grandes grupos a saber 1 Teorias que utilizam categorias de outros ramos do direito 11 Teorias de direito privado 111 Processo como contrato 112 Processo como quase contrato 113 Processo como acordo 12 Teorias de direito público 121 Processo como relação jurídica Bülow 122 Processo como serviço público Jèze e Duguit 123 Processo como instituição Guasp 2 Teorias que utilizam categorias jurídicas próprias 21 Processo como estado de ligação Kisch 22 Processo como situação jurídica Goldschmidt 3 Teorias mistas341 31 Teoria da vontade vinculatória autárquica da lei Podetti 32 Processo como relação que se desenvolve em situações Alsina 33 Processo como entidade jurídica complexa Foschini As teorias de direito privado contrato quase contrato e acordo foram sendo completamente abandonadas até o final do século XIX quando o processo civil e penal deixa de ser considerado um mero apêndice do direito privado para adquirir sua autonomia Na esfera penal influência decisiva para o abandono das teorias privadas foi o fato de a pena passar ao estágio de pena pública como explicado anteriormente exigindo que a Administração da Justiça fosse exercida pelo Estado pois ele passou a deter o poder de punir com o abandono e a proibição da vingança privada Dentre as teorias de direito público foi a noção de processo como relação jurídica de Oskar von Bülow a que teve e tem maior aceitação até os dias de hoje As demais processo como serviço público Jèze e Duguit e processo como instituição Guasp tiveram pouca aceitação e apenas contribuíram para enriquecer a discussão e a evolução do processo mas não foram adotadas Da mesma forma os estudos de Kisch Podetti Alsina e Foschini Foi sem dúvida alguma James Goldschmidt o maior e único opositor à altura da tese de Bülow com sua teoria do processo como situação jurídica Mais do que estruturar uma nova leitura da complexa fenomenologia do processo Goldschmidt mostra os graves equívocos e a insustentabilidade da noção de processo como relação jurídica Assim considerando os limites do presente trabalho centrarnos emos nessas duas teorias 42 PROCESSO COMO RELAÇÃO JURÍDICA A CONTRIBUIÇÃO DE BÜLOW A obra de Bülow La teoría de las excepciones dilatórias y los presupuestos procesales publicada em 1868342 foi um marco definitivo para o processo pois estabeleceu o rompimento do direito material com o direito processual e a consequente independência das relações jurídicas que se estabelecem nessas duas dimensões É o definitivo sepultamento das explicações privativistas em torno do processo A teoria do processo como uma relação jurídica é o marco mais relevante para o estudo do conceito de partes principalmente porque representou uma evolução de conteúdo democráticoliberal do processo em um momento em que o processo penal era visto como uma simples intervenção estatal com fins de desinfecção social ou defesa social343 Como aponta Chiovenda la sencillísima pero fundamental idea notada por Hegel afirmada por BethmannHollweg y desenvuelta principalmente por Bülow y más tarde por Kohler y por otros muchos incluso en Italia344 el proceso civil contiene una relación jurídica345 criou um novo marco na doutrina processual civil e também no processo penal Na realidade não se pode afirmar que Bülow criou a teoria da relação jurídica pois como aponta Alonso346 o tema já havia sido aludido por BethmannHollweg anteriormente Ademais existem antecedentes históricos nos juristas italianos medievais como Búlgaro347 que ao afirmar que judicium est actus trium personarum judicis actoris rei contemplava no processo as três partes o juiz que julgue o autor que demande e o réu que se defenda Contudo foi ele quem racionalizou a teoria e principalmente a desenvolveu sistematicamente frente ao processo A partir daí não só o processo se desenvolve como instituição senão que a ação processual passa a adquirir uma nova dimensão que conduz a importantes estudos e evolução científica e dogmática de conceitos Couture aponta que para a ciência do processo a separação entre direito e ação constituiu um fenômeno análogo ao que representou para a física a divisão do átomo Para Bülow o processo é uma relação jurídica de natureza pública que se estabelece entre as partes MP e réu e o juiz dando origem a uma reciprocidade de direitos e obrigações processuais Sua natureza pública decorre do fato de o vínculo se dar entre as partes e o órgão público da Administração de Justiça numa atividade essencialmente pública Nesse sentido o processo é uma relação jurídica de direito público autônoma e independente da relação jurídica de direito material No processo penal representou um avanço no tratamento do imputado que deixa de ser visto como um mero objeto do processo para ser tratado como um verdadeiro sujeito com direitos subjetivos próprios e principalmente que pode exigir que o juiz efetivamente preste a tutela jurisdicional solicitada como garantidor da eficácia do sistema de garantias previsto na Constituição Segundo Bülow348 o processo é um conjunto de direitos e obrigações recíprocos isto é uma relação jurídica Tal relação é pública pois os direitos e as obrigações processuais se dão entre os funcionários do Estado e os cidadãos desde o momento em que se trata no processo da função dos agentes públicos É ainda uma relação con tínua pois avança gradualmente e se desenvolve passo a passo numa sequência de atos logicamente concatenados Desenvolvese ainda de modo progressivo entre o tribunal e as partes Para isso é necessário saber entre que pessoas pode se estabelecer a que objeto se refere que ato ou fato é necessário para seu nascimento e quem é capaz ou está facultado para realizar tal ato Para Bülow os elementos constitutivos da relação jurídico processual são pessoas matéria atos e momento em que se desenvolvem Assim chegamos a outra preciosa contribuição do autor para a ciência do processo a teoria dos pressupostos processuais349 que surge basicamente da distinção entre a relação jurídica de direito material e a relação jurídicoprocessual e procura definir quais são os pressupostos de validade e existência do processo Com base nos pressupostos processuais foi possível com preender a existência do processo e entre outras coisas desenvolver uma teoria sobre as nulidades processuais com fundamento mais adequado Essa relação jurídicoprocessual é triangular como explica Wach350 seguindo a Bülow e dada sua natureza complexa se estabelece entre as partes e entre as partes e o juiz dando origem a uma reciprocidade de direitos e obrigações Negar isso é o mesmo que voltar à ideia de um Estado totalitário em que não existe o binômio poderdever jurisdicional O processo é uma via de mão dupla em que as partes têm direito à tutela jurisdicional e o juiz o dever de conduzir o processo até alcançar a sentença Quando verificamos que existe uma relação de direitos e deveres recíprocos entre acusador e acusado como ocorre em relação aos direitos fundamentais não se pode negar que exista uma verdadeira relação jurídica complexa entre eles Graficamente a teoria pode ser representada da seguinte forma Partindo dos fundamentos apontados por Bülow aperfeiçoados por Wach351 e posteriormente por Chiovenda podese afirmar que o processo penal é uma relação jurídica pública autônoma e complexa pois existem entre as três partes verdadeiros direitos e obrigações recíprocos Somente assim estaremos admitindo que o acusado não é um mero objeto do processo tampouco que o processo é um simples instrumento para a aplicação do jus puniendi estatal O acusado é parte integrante do processo em igualdade de armas com a acusação seja ela estatal ou não e como tal possuidor de um conjunto de direitos subjetivos dotados de eficácia em relação ao juiz e à acusação Mesmo entre os seguidores de Bülow não existe acordo entre quem estabelece a relação processual Para alguns estabelecese entre as partes e o juiz Hellwig para outros somente entre as partes Kohler e finalmente existem aqueles que concebem a relação como triangular Wach Na Itália a base da teoria da relação jurídica foi adotada entre outros por Carnelutti352 Chiovenda353 Bettiol e Rocco A teoria do processo como relação jurídica recebeu críticas tanto na sua aplicação para o processo civil como também para o processo penal mas em que pese sua insuficiência e inadequação acabou sendo adotada pela maior parte da doutrina processualista A crítica mais contundente e profunda veio sem dúvida de Goldschmidt por sua tese de que o processo é uma situação jurídica como se verá na continuação 43 PROCESSO COMO SITUAÇÃO JURÍDICA OU A SUPERAÇÃO DE BÜLOW POR JAMES GOLDSCHMIDT A noção de processo como relação jurídica estruturada na obra de Bülow354 foi fundante de equivocadas noções de segurança e igualdade que brotaram da chamada relação de direitos e deveres estabelecida entre as partes e entre as partes e o juiz O erro foi o de crer que no processo penal houvesse uma efetiva relação jurídica com um autêntico processo de partes Com certeza foi muito sedutora a tese de que no processo haveria um sujeito que exercitava nele direitos subjetivos e principalmente que poderia exigir do juiz que efetivamente prestasse a tutela jurisdicional solicitada sob a forma de resistência defesa Apaixonante ainda a ideia de que existiria uma relação jurídica obrigatória do juiz com relação às partes que teriam o direito de lograr por meio do ato final um verdadeiro clima de legalidade e restabelecimento da paz social Foi James Goldschmidt e sua Teoria do processo como situação jurídica tratada na sua célebre obra Prozess als Rechtslage355 publicada em Berlim em 1925 e posteriormente difundida em diversos outros trabalhos do autor356 quem melhor evidenciou as falhas da construção de Bülow mas principalmente quem formulou a melhor teoria para explicar e justificar a complexa fenomenologia do processo Para o autor o processo é visto como um conjunto de situações processuais pelas quais as partes atravessam caminham em direção a uma sentença definitiva favorável Nega ele a existência de direitos e obrigações processuais e considera que os pressupostos processuais de Bülow são na verdade pressupostos de uma sentença de fundo Afirma Goldschmidt que por tanto por sus presupuestos la relación jurídica procesal no aporta nada El concepto de presupuestos procesales más bien resulta adecuado para oscurecer el de presupuestos de la sentencia sobre el fondo si éste en aquel momento hubiese sido alumbrado357 Goldschmidt ataca primeiramente os pressupostos da relação jurídica em seguida nega a existência de direitos e obrigações processuais ou seja o próprio conteúdo da relação e por fim reputa definitivamente como estática ou metafísica a doutrina vigente nos sistemas processuais contemporâneos Nesse sentido os pressupostos processuais não representam pressupostos do processo deixando por sua vez de condicionar o nascimento da relação jurídicoprocessual para ser concebidos como pressupostos da decisão sobre o mérito O conceito de situação jurídica é puramente processual e surge somente sobre a base de uma consideração processualista do direito contrapondose ao conceito de relação jurídica de Bülow que surgiu de uma perspectiva jurídicomaterial do direito358 ou seja deita suas bases no direito material Foi Goldschmidt quem evidenciou o caráter dinâmico do processo ao transformar a certeza própria do direito material na incerteza característica da atividade processual Na síntese do autor durante a paz a relação de um Estado com seus territórios de súditos é estática constitui um império intangível Interessanos pois a crítica pelo viés da inércia e da falsa noção de segurança que traz ínsita a teoria do processo enquanto relação jurídica Sem embargo ensina Goldschmidt quando a guerra estoura tudo se encontra na ponta da espada os direitos mais intangíveis se convertem em expectativas possibilidades e obrigações e todo direito pode se aniquilar como consequência de não ter aproveitado uma ocasião ou descuidado de uma obrigação como pelo contrário a guerra pode proporcionar ao vencedor o desfrute de um direito que não lhe corresponde359 Essa dinâmica do estado de guerra é a melhor explicação para o fenômeno do processo que deixa de lado a estática e a segurança controle da relação jurídica para inserirse na mais completa epistemologia da incerteza O processo é uma complexa situação jurídica na qual a sucessão de atos vai gerando situações jurídicas das quais brotam as chances que bem aproveitadas permitem que a parte se liberte de cargas probatórias e caminhe em direção favorável Não aproveitando as chances não há a liberação de cargas surgindo a perspectiva de uma sentença desfavorável O processo enquanto situação em movimento dá origem a expectativas perspectivas chances cargas e liberação de cargas Do aproveitamento ou não dessas chances surgem ônus ou bônus As expectativas de uma sentença favorável dependerão normalmente da prática com êxito de um ato processual anterior realizado pela parte interessada liberação de cargas Como explica o autor360 se entiende por derechos procesales las expectativas posibilidades y liberaciones de una carga procesal Existen paralelamente a los derechos materiales es decir a los derechos facultativos potestativos y permisivos Las llamadas expectativas son esperanzas de obtener futuras ventajas procesales sin necesidad de acto alguno propio y se presentan rara vez en el desenvolvimiento normal del proceso pueden servir de ejemplo de ellas la del demandado de que se desestime la demanda que padezca de defectos procesales o no esté debidamente fundada As possibilidades surgem de uma chance são consideradas la situación que permite obtener una ventaja procesal por la ejecución de un acto procesal361 Como esclarece Alonso362 a expectativa de uma vantagem processual e em última análise de uma sentença favorável à dispensa de uma carga processual e a possibilidade de chegar a tal situação pela realização de um ato processual constituem os direitos em sentido processual da palavra Na verdade não seriam direitos propriamente ditos senão situações que poderiam denominarse com a palavra francesa chances363 Diante de uma chance a parte pode liberarse de uma carga processual e caminhar em direção a uma sentença favorável expectativa ou não se liberar e com isso aumentar a possibilidade de uma sentença desfavorável perspectiva Assim sempre que as partes estiverem em situação de obter por meio de um ato uma vantagem processual e em última análise uma sentença favorável têm uma possibilidade ou chance processual O produzir uma prova refutar uma alegação juntar um documento no devido momento são típicos casos de aproveitamento de chances Tampouco incumbem às partes obrigações mas sim cargas processuais entendidas como a realização de atos com a finalidade de prevenir um prejuízo processual e consequentemente uma sentença desfavorável Tais atos se traduzem essencialmente na prova de suas afirmações É importante recordar que no processo penal a carga da prova está inteiramente nas mãos do acusador não só porque a primeira afirmação é feita por ele na peça acusatória denúncia ou queixa mas também porque o réu está protegido pela presunção de inocência Infelizmente é comum nos deparamos com sentenças e acórdãos que fazem uma absurda distribuição de cargas no processo penal tratando a questão da mesma forma que no processo civil Não raras são as sentenças condenatórias fundamentadas na falta de provas da tese defensiva como se o réu tivesse de provar sua versão de negativa de autoria ou da presença de uma excludente É um erro Não existe uma distribuição senão que a carga probatória está inteiramente nas mãos do Ministério Público O que podemos conceber indo além da noção inicial de situação jurídica é uma assunção de riscos Significa dizer que à luz da epistemologia da incerteza que marca a atividade processual e o fato de a sentença ser um ato de convencimento como explicaremos a seu tempo a não produção de elementos de convicção para o julgamento favorável ao seu interesse faz com que o réu acabe potencializando o risco de uma sentença desfavorável Não há uma carga para a defesa mas sim um risco Logo coexistem as noções de carga para o acusador e risco para a defesa Carga é um conceito vinculado à noção de unilateralidade logo não passível de distribuição mas sim de atribuição No processo penal a atribuição da carga probatória está nas mãos do acusador não havendo carga para a defesa e tampouco possibilidade de o juiz auxiliar o MP a liberarse dela recusa ao ativismo judicial A defesa assume riscos pela perda de uma chance probatória Assim quando facultado ao réu fazer prova de determinado fato por ele alegado e não há o aproveitamento dessa chance assume a defesa o risco inerente à perda de uma chance logo assunção do risco de uma sentença desfavorável Exemplo típico é o exercício do direito de silêncio calcado no nemo tenetur se detegere Não gera um prejuízo processual pois não existe uma carga Contudo potencializa o risco de uma sentença condenatória Isso é inegável Não há uma carga para a defesa exatamente porque não se lhe atribui um prejuízo imediato e tampouco possui um dever de liberação A questão deslocase para a dimensão da assunção do risco pela perda de uma chance de obter a captura psíquica do juiz O réu que cala assume o risco decorrente da perda da chance de obter o convencimento do juiz da veracidade de sua tese Mas voltando à concepção goldschmidtiana a obrigação processual carga é tida como um imperativo do próprio interesse da parte diante da qual não há um direito do adversário ou do Estado Por isso é que não se trata de um dever O adversário não deseja outra coisa senão que a parte se desincumba de sua obrigação de fundamentar provar etc Com efeito há uma relação estreita entre as obrigações processuais e as possibilidades direitos processuais da mesma parte uma vez que cada possibilidade impõe à parte a obrigação de aproveitar a possibilidade com o objetivo de prevenir sua perda364 A liberação de uma carga processual pode decorrer tanto de um agir positivo praticando um ato que lhe é possibilitado como também de um não atuar sempre que se encontre em uma situação que le permite abstenerse de realizar algún acto procesal sin temor de que le sobrevenga el perjuicio que suele ser inherente a tal conducta365 Já a perspectiva de uma sentença desfavorável dependerá sempre da não realização de um ato processual em que a lei imponha um prejuízo pela inércia A justificativa encontrase no princípio dispositivo A não liberação de uma carga acusação leva à perspectiva de um prejuízo processual sobretudo de uma sentença desfavorável e depende sempre que o acusador não tenha se desincumbido de sua carga processual366 Na síntese de Alonso367 al ser expectativas o perspectivas de un fallo judicial futuro basadas en las normas legales representan más bien situaciones jurídicas lo que quiere decir estado de una persona desde el punto de vista de la sentencia judicial que se espera con arreglo a las normas jurídicas Assim o processo deve ser entendido como o conjunto dessas situações processuais e concebido como um complexo de promessas e ameaças cuja realização depende da verificação ou omissão de um ato da parte368 Outra categoria muito importante na estrutura teórica do autor é a de derecho justicial material Nessa visão o direito penal é um derecho justicial material posto que o Estado adjudicou o exercício do seu poder de punir à Justiça Mas principalmente as normas que integram o derecho justicial são medidas para o juízo do juiz regras de julgamento e condução do processo gerando para as partes o caráter de promessas ou de ameaças de determinada conduta do juiz Os conceitos de promessas ou de ameaças devem ser vistos numa lógica de ônus e bônus logo promessas de benefícios sentença favorável etc diante de determinada atuação ou ainda ameaças de prejuízos processuais pela não liberação de uma carga por exemplo Essa rápida exposição do pensamento de Goldschmidt serve para mostrar que o processo assim como a guerra está envolto por uma nuvem de incerteza A expectativa de uma sentença favorável ou a perspectiva de uma sentença desfavorável está sempre pendente do aproveitamento das chances e liberação da carga Em nenhum momento temse a certeza de que a sentença será procedente A acusação e a defesa podem ser verdadeiras ou não uma testemunha pode ou não dizer a verdade assim como a decisão pode ser acertada ou não justa ou injusta o que evidencia sobremaneira o risco no processo O mundo do processo é o mundo da instabilidade de modo que não há que se falar em juízos de segurança certeza e estabilidade quando se está tratando com o mundo da realidade o qual possui riscos que lhe são inerentes É evidente que não existe certeza segurança nem mesmo após o trânsito em julgado pois a coisa julgada é uma construção técnica do direito que nem sempre encontra abrigo na realidade algo assim como a matemática na visão de Einstein369 É necessário destacar que o direito material é um mundo de entes irreais uma vez que é construído à semelhança da matemática pura enquanto o mundo do processo como anteriormente mencionado identificase com o mundo das realidades concretização pelo qual há um enfrentamento da ordem judicial com a ordem legal A dinâmica do processo transforma a certeza própria do direito material na incerteza característica da atividade processual Para Goldschmidt370 a incerteza é consubstancial às relações processuais posto que a sentença judicial nunca se pode prever com segurança A incerteza processual justificase na medida em que coexiste em iguais condições a possibilidade de o juiz proferir uma sentença justa ou injusta Não se pode supor o direito como existente enfoque material mas sim comprovar se o direito existe ou não no fim do processo Justamente por isso é que se afirma que o processo é incerto inseguro A visão do processo como guerra evidencia a realidade de que vence alcança a sentença favorável aquele que lutar melhor que melhor souber aproveitar as chances para libertarse de cargas processuais ou diminuir os riscos Entretanto não há como prever com segurança a decisão do juiz E esse é o ponto crucial aonde queríamos chegar demonstrar que a incerteza é característica do processo considerando que o seu âmbito de atuação é a realidade 431 QUANDO CALAMANDREI DEIXA DE SER O CRÍTICO E RENDE HOMENAGENS A UN MAESTRO DI LIBERALISMO PROCESSUALE O RISCO DEVE SER ASSUMIDO A LUTA PELAS REGRAS DO JOGO É importante destacar que Goldschmidt sofreu duras e injustas críticas até porque muitos não compreenderam o alcance de sua obra Parte dos ataques deve ser atribuída ao momento político vivido e à ilusão de direitos que Bülow acenava contrastando com a dura realidade espelhada por Goldschmidt que chegou a ser rotulado de teórico do nazismo Uma imensa injustiça repetida até nossos dias por pessoas que conhecem pouco a obra do autor e desconhecem completamente o autor da obra como veremos à continuação Inclusive é interessante como a história demonstrou que as três principais críticas estamos sintetizando é claro371 feitas a essa concepção acabaram se transformando em demonstrações de acerto e da genialidade do autor Vejamos as críticas principalmente de Calamandrei a A de que a teoria da situação jurídica estava estruturada em categorias de caráter sociológico expectativas perspectivas chances etc Goldschmidt refutou apontando que o direito civil sempre trabalhou com o conceito de expectativa de direito conhecido e reconhecido há muito tempo E seguiu mostrando que tais concepções eram pouco sociológicas Há que se compreender à luz da racionalidade da época Hoje a discussão estaria noutra dimensão sem medo de assumir o caráter sociológico e demonstrar sua absoluta necessidade E assim a crítica se revelou infundada na medida em que atualmente a complexidade que marca as sociedades contemporâneas evidenciou a falência do monólogo científico especialmente o jurídico Ou seja a complexidade social exige um olhar interdisciplinar que transcenda as categorias fechadas como as tradicionalmente concebidas no direito para colocar os diferentes campos do saber para dialogar em igualdade de condições e assim construir uma nova linguagem Isto é Goldschmidt já percebia a insuficiência do monólogo jurídico e a necessidade de uma abertura dialogando com a sociologia para com ela construir uma nova linguagem que desse conta da complexa fenomenologia do processo Logo um grande acerto que por ser além do seu tempo não foi compreendido Hoje atualíssimo b A segunda crítica foi a de que ele estava rompendo com a unidade processual Calamandrei afirmou que essa concepção não era conveniente nem científica nem didaticamente e que a visão do autor fazia com que o processo parecesse não mais uma unidade relação jurídica mas uma sucessão de situações distintas Goldschmidt respondeu afirmando que a unidade do processo é garantida por seu objeto e que na relação jurídica a unidade maior é só em aparência É o objeto a pretensão processual acusatória que explicaremos na continuação que mantém a unidade pois tudo a ele converge Toda a atividade processual recai sobre um objeto comum fazendo com que para nós a unidade seja mantida por imantação Mais do que isso recorremos novamente ao conceito de complexidade para demonstrar que a tal unidade processual remonta um pensamento cartesiano que não compreende a abertura e uma dose de superação do binômio abertofechado Logo novo acerto pela superação do sistema simples e unitário c Por fim foi criticado por ter uma concepção anormal ou patológica do processo Ora esse foi sem dúvida o maior acerto do autor ao lado da dinâmica da situação jurídica Ele já em 1925 incorporou no processo a epistemologia da incerteza influenciado quem sabe372 pelos estudos de Einstein em torno da relatividade 1905 e 1916 e da quântica Infelizmente ainda está por ser escrito um trabalho que investigue a influência einsteiniana nos grandes juristas da época Mas Goldschmidt estava certo tão certo que Calamandrei retifica sua posição e críticas para assumir a noção de processo como jogo O que o jurista alemão estava desvelando é que a incerteza é constitutiva do processo e nunca se pode prever com segurança a sentença judicial Alguém duvida disso Elementar que não Como assumiu anos mais tarde Calamandrei para obterse justiça não basta ter razão senão que é necessário fazêla valer no processo utilizando todas as armas manobras e técnicas obviamente lícitas e éticas para isso Assim no plano jurídicoprocessual Calamandrei foi um opositor à altura Inclusive as três críticas anteriormente analisadas foram pontos focados no sugestivo artigo El proceso como situación jurídica de onde outros tantos aderiram Contudo após as críticas iniciais todas refutadas Calamandrei perfilouse ao lado de Goldschmidt no célebre trabalho Il processo come giuoco373 Posteriormente escreveu Un maestro di liberalismo processuale374 em sua homenagem Podem até dizer que não se tratava de uma plena concordância é verdade mas sim de uma radical mudança de crítico visceral a pequenas divergências periféricas com as homenagens pelo reconhecimento do acerto substancial Na sua visão do processo como um jogo Calamandrei explica que as partes devem em primeiro lugar conhecer as regras do jogo Logo devem observar como funcionam na prática eis que a atividade processual trabalha com a realidade Além disso é preciso experimentar como se entendem e como as respeitam os homens que devem observálas contra que resistências correm risco de se enfrentar e com que reações ou com que tentativas de ilusão têm que contar375 Entretanto para se obter justiça não basta tão somente ter razão O triunfo do processo depende outrossim de sabêla expor encontrar quem a entenda e a queira dar e por último um devedor que possa pagar376 Nesse jogo o sujeito processual ou o ator como denomina o próprio Calamandrei movimentase a fim de obter uma sentença que acolha seu direito muito embora o resultado procedência não dependa unicamente de sua demanda considerando que nesse contexto inserese a figura do juiz Assim o reconhecimento do direito do ator depende necessariamente da busca constante da convicção do julgador fazendoo entender a demanda Ou nas palavras de Calamandrei377 O êxito depende por conseguinte da interferência destas psicologias individuais e da força de convicção com que as razões feitas pelo demandante consigam fazer suscitar ressonâncias e simpatias na consciência do julgador Contudo o árbitro juiz não é livre para dar razão a quem lhe dê vontade pois se encontra atrelado à pequena história retratada pela prova contida nos autos Logo está obrigado a dar razão àquele que melhor consiga pela utilização de meios técnicos apropriados convencêlo Por conseguinte as habilidades técnicas são cruciais para fazer valer o direito considerando sempre o risco inerente à atividade processual Afortunada coincidência é a que se verifica quando entre dois litigantes o mais justo seja também o mais habilidoso Entretanto quando não há tal coincidência o processo de instrumento de justiça criado para dar razão ao mais justo passe a ser um instrumento de habilidade técnica criado para dar vitória ao mais astuto378 A sentença na visão de Calamandrei deriva da soma de esforços contrastantes ou seja das ações e das omissões das astúcias ou dos descuidos dos movimentos acertados e das equivocações considerando que o processo nesse ínterim vem a ser nada mais que um jogo no qual há que vencer379 Elementar que afirmações assim lidas apressadamente e de forma superficial podem causar algum choque Mas destaquese não estamos criando nada e tampouco se trata de questões novas Se pudéssemos sintetizar advertindo sobre o risco e o dano da sín tese os dois pontos mais importantes do pensamento de Goldschmidt para o processo destacaríamos 1 O conceito aplicado de fluidez movimento dinâmica no processo que incorpora a concepção de situações jurídicas complexas Essa alternância de movimentos inerente ao processo é um genial contraste e evolução quando comparado com a inércia da relação jurídica Foi ele quem melhor percebeu e explicou por meio da sua teoria a essência do procedere que imprime a marca do processo judicial 2 O abandono da equivocada e perigosamente sedutora ideia de segurança jurídica que brota da construção do processo como relação jurídica estática com direitos e deveres claramente estabelecidos entre as partes e o juiz É um erro pois o processo se move num mundo de incerteza Mais é uma noção de segurança construída erroneamente a partir da concepção estática do processo Não que se negue a necessidade de segurança mas ela somente é possível quando corretamente percebido e compreendido o próprio risco Segurança se desenha a partir do risco e principalmente do risco que brota da própria incerteza do movimento e da dinâmica do processo É segurança na incerteza e no movimento Logo o que nos sobra é lutar pela forma ou seja um conceito de segurança que se estabeleça a partir do respeito às regras do jogo Essa é a segurança que se deve postular e construir Detalhe importante obviamente não foi Goldschmidt quem criou a insegurança e a incerteza380 mas sim quem as desvelou Elas lá sempre estiveram381 pois são inerentes ao processo e à justiça Houve sim um encobrimento na teoria de Bülow da incerteza a partir de todo um contexto histórico processual e social Era uma visão muito sedutora principalmente naquele momento histórico Mas a razão está com Goldschmidt o processo se move no mundo de incerteza onde as chances devem ser aproveitadas para que as partes possam se liberar das cargas probatórias e caminhar em direção a uma sentença favorável A única segurança que se postula é a da estrita observância das regras do jogo a forma como garantia e mais anterior a ela no conteúdo axiológico da própria regra O maior mérito do autor infelizmente ainda a ser reconhecido foi ter evidenciado o fracasso da unidade epistemológica do direito processual com a inserção de categorias sociológicas expectativas perspectivas chances a epistemologia da incerteza e a imprevisibilidade do processo a noção de fluidez dinâmica e movimento e ter denunciado o fracasso da teoria geral do processo o erro da transmissão mecânica de categorias Por fim ao incorporar o risco muito antes de Beck Giddens e todos os sociólogos do risco evidencia a falácia da noção tradicional de segurança jurídica fomentada pela inércia da relação jurídica de Bülow É interessante como a tradição resiste ao novo principalmente quando é desorganizador da ilusória tranquilidade do status quo Se compararmos com a receptividade até nossos dias da concepção de Bülow veremos que foi quantitativamente bem superior do que a aceitação da revolucionária tese de Goldschmidt Possivelmente entre outros fatores porque foi pouco compreendida sua complexa noção de processo Contudo como muito bem define José Vicente Gimeno Sendra382 a crítica que realizou Goldschmidt à relação jurídica processual foi tão sólida que seus defensores atuais foram obrigados a adotar uma dessas três posições 1 Pretender defender a conciliação da teoria da relação jurídica com a da situação jurídica383 2 Estender o conceito de relação jurídica a limites inimagi náveis e insustentáveis como são as tentativas de darlhe dinamicidade fluidez e complexidade 3 Esvaziar o conteúdo da relação jurídica substituindo os direitos e obrigações processuais pelas categorias goldsch midtia nas de possibilidades e cargas e às vezes até de expectativas chances processuais etc o que significa esvaziar completamente o núcleo fundante da tese de Bülow Em todos os casos devese ter muita atenção pois estamos diante de um autor e posições teóricas que para tentar salvar a relação jurídica não fazem mais que matála Tudo para manter a tradição e pseudossegurança de conceitos ou ainda por força da lei do menor esforço É chegada ou já passada a hora de compreender e assumir a incerteza característica do processo A balança oscila tanto pende igualmente para um lado como para outro Está lançada a sorte Se retomando Einstein até Deus joga dados com o universo seria muita arrogância senão alienação pensar que no processo seria diferente Seria como dizer a concepção de universo em constante mutação incorpora como elemento fundamental o princípio da incerteza mas isso só se aplica ao universo não ao direito processual Sabese que Einstein falhou384 ao não considerar o princípio da incerteza na Teoria da Relatividade Geral pois o universo pode ser imaginado como um gigantesco cassino385 com dados sendo lançados e roletas girando por todos os lados e em todos os momentos O detalhe fundamental é que os donos de cassinos não abrem as portas para perder dinheiro pois eles sabem que quando se lida com um grande número de apostas a média dos ganhos e perdas atinge um resultado que pode ser previsto E eles se certificam de que a média das vantagens esteja a favor deles obviamente O crucial é que se a média de um grande número de movimentos pode ser prevista o resultado de qualquer aposta individual não Esse é o ponto Logo no processo a situação é igual Na média podese afirmar que a justiça e o acerto dos resultados estão presentes Ou seja como existem muitos milhares de lançamentos de dados diariamente distribuição tramitação e julgamento podese prever que a média será de acerto das decisões senão a justiça como os donos de cassino não teria funcionado por tantos séculos mas o resultado concreto de um determinado processo aposta individual na roleta é completamente incerto e imprevisível Essa é uma equação que precisa ser compreendida principalmente pelos ingênuos apostadores Somente a partir da compreensão dessas categorias podemos construir um sistema de garantias sem negar o risco para o réu no processo penal deixando de lado as ilusões de segurança e principalmente abandonando a ingênua crença na bondade dos bons386 Essa crença infantil de que o processo e o juiz são capazes de revelar a verdade e que a justiça para quem será efetivamente feita impede a percepção do que está realmente por detrás daquele ritual il giuoco Mas o mais grave impede que se duvide da bondade do juiz do promotor e do próprio ritual e que se questione a própria legitimidade do poder Tanto no jogo como na guerra importam a estratégia e o bom manuseio das armas disponíveis Mas acima de tudo são atividades de alto risco envoltas na nuvem de incerteza Não há como prever com segurança quem sairá vitorioso Assim deve ser visto o processo uma situação jurídica dinâmica inserida na lógica do risco e do giuoco Reina a mais absoluta incerteza até o final A luta passa a ser pelo respeito às regras do devido processo e obviamente antes disso por regras que realmente estejam conforme os valores constitucionais A assunção desses fatores é fundamental para compreender a importância do estrito cumprimento das regras do jogo ou seja das regras do due process of law Tratase de lutar por um sistema de garantias mínimas Não é querer resgatar a ilusão de segurança mas sim assumir os riscos e definir uma pauta mínima de garantias formais das quais não podemos abrir mão Tratase de reconstruir a noção de segurança garantia a partir da assunção do risco ou seja perceber que a garantia somente se constitui a partir da assunção da falta de É partir da premissa de que a garantia está na forma do instrumento jurídico e que no processo penal adquire contornos de limitação ao poder punitivo estatal e emancipador do débil submetido ao processo Não se trata de mero apego incondicional à forma senão de considerála uma garantia do cidadão e fator legitimante da pena ao final aplicada Mas é importante destacar não basta apenas definir as regras do jogo Não é qualquer regra que nos serve pois como sintetiza Jacinto Coutinho387 devemos ir para além delas regras do jogo definindo contra quem se está jogando e qual o conteúdo ético e axiológico do próprio jogo Nossa análise situase nesse desvelar do conteúdo ético e axiológico do jogo e de suas regras indo muito além do mero paleopositivismo Em definitivo é importante compreender que repressão e garantias processuais não se excluem senão que coexistem Radicalismos à parte devemos incluir nessa temática a noção de simultaneidade em que o sistema penal tenha poder persecutório punitivo e ao mesmo tempo esteja limitado por uma esfera de garantias processuais e individuais Mesma simultaneidade necessária para pensarse a garantia processual sem negar o risco Coexistência e simultaneidade de conceitos são imperativos da complexidade que nos conduzem inclusive a trabalhar no entrelugar no entreconceito Considerando que risco violência e insegurança sempre existirão é sempre melhor risco com garantias processuais do que risco com autoritarismo A segurança jurídica só pode ser concebida a partir da assunção da insegurança do risco e da imprevisibilidade Não se constrói um conceito que dê conta ainda que minimamente pois a plenitude é ideal sem a consciência da sua falta pois a falta é constitutiva Logo segurança jurídica se constrói a partir da assunção da insegurança do desvelamento do risco e da incerteza sem deixar de lado a subjetividade que os recepciona e por eles é constituído Em última análise pensamos desde uma perspectiva de redução de danos na qual os princípios constitucionais não significam proteção total até porque a falta ensina Lacan é constitutiva e sempre lá estará sob pena de incidirmos na errônea crença na tradicional segurança Tratase assim de reduzir os espaços autoritários e diminuir o dano decorrente do exercício abusivo ou não do poder Uma verdadeira política processual de redução de danos pois repitase o dano como a falta sempre lá estará Para que isso seja possível é preciso abandonar a ilusão de segurança da teoria do processo como relação jurídica para assumi lo na sua complexa e dinâmica situação jurídica desvelando suas incertezas e perigos 432 PARA COMPREENDER A OBRA DO AUTOR É FUNDAMENTAL CONHECER O AUTOR DA OBRA JAMES GOLDSCHMIDT Como explica Alflen da Silva388 Goldschmidt como afirmado por Eberhard Schmidt teve o mérito imperecível de ter submetido o pensamento processual a uma crítica e de ter desenvolvido rigorosamente a heterogeneidade fundamental do modo de contemplar material e processualmente o direito389 Em virtude de sua perspicácia invulgar e originalidade de suas ideias chegouse a afirmar que Goldschmidt tinha a rara capacidade de adentrar na mais profunda das profundezas390 Em um artigo escrito em memória aos dez anos de seu falecimento em 1950 Ernst Heinitz qualificouo como professor de grande vitalidade e temperamento como homem de humor e em certo sentido representante típico dos cientistas do estilo antigo391 Considerado pelos nazistas primeiramente como um embaixador e divulgador da cultura alemã392 após a ascensão do partido ao poder no entanto restou por se tornar mais uma vítima do nacionalsocialismo O presente trecho apresenta uma homenagem in memoriam a este grande jurista Oriundo de família judaica James Paul Goldschmidt nasceu em 17 de dezembro de 1874 na cidade de Berlim Alemanha Seu pai Robert Goldschmidt era banqueiro e seu irmão Hans Walter Goldschmidt foi professor da Faculdade de Direito da Universidade de Köln Com seis anos de idade James Goldschmidt ingressou na escola francesa Französisches Gymnasium em Berlim393 A frequência à escola francesa que encerrou em 1892 com a realização do vestibular capacitouo a redigir em período posterior de sua vida uma parte de seus trabalhos em francês italiano e espanhol posto que ali lhe haviam sido proporcionados conhecimentos em tais idiomas E justamente em razão disso ele permaneceu um período de sua vida estreitamente vinculado com a cultura francesa Na virada de 1892 para 1893 Goldschmidt começou seus estudos de Direito na RuprechtKarl Universidade de Heidelberg e um ano mais tarde se transferiu para a FriedrichWilhelm Universidade de Berlim Nas cátedras de Rudolf von Gneist e de Josef Kohler Goldschmidt aprendeu direito penal processo penal e processo civil matérias estas que mais tarde ele mesmo também lecionou Na cátedra de Hugo Preuß o redator da Constituição do Império de Weimar Goldschmidt estudou direito do estado Em 1895 concluiu seus estudos e realizou o primeiro exame estadual em direito ersten juristichen Staatsexamen e em dezembro daquele mesmo ano apresentou sua tese doutoral intitulada A teoria da tentativa perfeita e imperfeita Lehre vom unbeendigten und beendigten Versuch Até a realização do seu segundo exame estadual em direito zweiten juristichen Staatsexamen no ano de 1900 Goldschmidt atuou como estagiário do Serviço Judiciário prussiano e após isso trabalhou como assessor no Serviço Judiciário e preparou sua tese de habilitação concluída em junho de 1901 Naquele mesmo ano ele apresentou a tese de habilitação à cátedra em Berlim intitulada A teoria do direito penal administrativo Die Lehre vom Verwaltungsstrafrecht a qual foi desenvolvida sob orientação de Josef Kohler e Franz von Liszt394 Após a habilitação Goldschmidt além de sua atividade de assessor começou a proferir na qualidade de docente priva do suas primeiras palestras na Universidade de Berlim além de desenvolver muitas atividades científicas e elaborar diversos trabalhos científicos395 Em 1906 Goldschmidt casouse com Margarete Lange de cujo casamento nasceram quatro filhos Werner 19101987 Robert 19071965 Victor 19141981 e Ada 1919 Werner e Robert assim como o pai foram professores de direito sendo que o primeiro atuou em diferentes universidades de Buenos Aires e o segundo atuou em inúmeras universidades na América Latina particularmente em Córdoba Argentina e na Venezuela O filho mais novo Victor estudou na França onde como professor lecionou Filosofia e História em diversas universidades Sobre o destino da filha Ada não se tem conhecimento Após sete anos de atividade como docente privado em 23 de agosto de 1908 Goldschmidt tornouse oficialmente professor ex traor dinário e em 1919 professor ordinário na Faculdade de Direito na Universidade de Berlim396 Na Primeira Guerra Mundial Goldschmidt foi Presidente do Senado no Tribunal Imperial de Arbitragem para questões econômicas Reichsschiedsgericht für Wirtschaftsfragen Este Tribunal era mantido para disputas havidas no setor econômico assim como por exemplo para questões relacionadas ao controle do comércio exterior e abastecimento de energia Em 1919 Goldschmidt recebeu uma Cátedra de Direito Penal no Instituto de Criminologia da Universidade de Berlim o qual ele dirigiu com seu colega Eduard Kohlrausch No mesmo ano foi chamado para atuar como colaborador junto ao Ministério da Justiça do Império na reforma processual penal397 tendo recebido o encargo de elaborar o Projeto de um novo Código de Processo Penal Antes mesmo da Primeira Guerra Mundial ele apresentou o até hoje considerado mais moderno Projeto de Código de Processo Penal Entwurf einer Strafprozessordnung Em seu Projeto Goldschmidt previu a consequente efetivação do processo acusatório por meio da eliminação dos resquícios do processo inquisitório Além disso o projeto previu a possibilidade de recursos a todas as instâncias penais e a participação geral de leigos na primeira instância no âmbito do Tribunal do Júri tendo em vista aqui seu vasto conhecimento do modelo processual francês Goldschmidt procurou vincular à prisão preventiva pressupostos muito específicos para a sua decretação Este projeto que consistiu na primeira tentativa de reforma penal à época foi apresentado pelo Ministro da Justiça do Império alemão Eugen Schiffer no ano de 1919 ao Senado Imperial e ficou conhecido como o Projeto GoldschmidtSchiffer Entwurf GoldschmidtSchiffer À época o Projeto encontrou forte oposição no Senado Imperial e consequentemente não foi aprovado Contudo em 1922 o Ministro da Justiça do Império Gustav Radbruch apresentou o Projeto de Lei para Reorganização dos Tribunais Penais Entwurf eines Gesetzes zur Neuordnung der Strafgerichte o qual inspirouse substancialmente no projeto elaborado por Goldschmidt demonstrando assim o porquê do projeto de Goldschmidt ter sido caracterizado como a última tentativa de criação integral de um direito processual penal liberal democrático398 Nos anos de 1920 a 1921 Goldschmidt na qualidade de Decano dirigiu a Faculdade de Direito de Berlim e no ano de 1927 tornouse membro do Serviço Oficial de Exame Científico Wissenschaftlichen Prüfungsamtes Além de sua vasta atividade científica Goldschmidt ministrava até 12 horas de palestras semanais que eram sempre minuciosamente elaboradas Seus alunos o descreviam como um professor com antiga disciplina prussiana e um forte sentimento de dever porém sempre procurava ministrar suas aulas com bom humor Após a ascensão do nacionalsocialismo ao poder Goldschmidt foi o primeiro professor da Faculdade de Direito de Berlim impedido de prosseguir na atividade de ensino Por meio de Decreto do Ministro da Cultura de 29 de abril de 1933 ele foi o único membro da Faculdade de Direito junto a outros 19 da Faculdade de Medicina e Filosofia a ter imediatamente suspensas as suas atividades no cargo No mesmo dia Goldschmidt requereu junto ao Ministério da Justiça a revogação da medida a qual no entanto foi negada sob o argumento de que o Ministério da Justiça havia determinado que não arianos não poderiam lecionar nas cátedras de direito penal e de direito do estado399 No semestre de inverno na virada de 1933 para 1934 Goldschmidt em razão do Decreto de restabelecimento funcional publicado em 1933 foi transferido para outra Escola de Ensino Superior o que no entanto somente no semestre de verão de 1934 foi possível com a sua transferência à Escola de Ensino Superior de Frankfurt am Main Em razão de sentimentos hostis do pessoal docente principalmente do Decano ele se afastou do setor de ensino embora já estivesse disposto a fazêlo Mediante requerimento Goldschmidt no semestre de inverno de 1934 para 1935 foi transferido novamente a Berlim e ao mesmo tempo se exonerou de suas obrigações oficiais Nesse meio tempo ele proferiu inúmeras palestras na Espanha e publi cou diversos trabalhos em espanhol italiano e francês E a partir daí passou a se orientar cada vez mais por temas filosóficos Um ano mais tarde Goldschmidt de acordo com a Lei de Cidadania Imperial de 1935 se aposentou e ao mesmo tempo lhe foi retirada pelo próprio Reitor da Universidade a permissão para lecionar Com o encaminhamento de sua aposentadoria os seus vencimentos foram reduzidos em 65 Com isso ante as dificuldades e a perseguição nazista que se intensificava naquele período escreveu a Niceto Alcalá Zamora y Castillo que o acolheu na Espanha na cidade de Madrid no período em que ali esteve Nos anos de 1933 a 1936 Goldschmidt empreendeu inúmeras viagens de estudo para a Espanha400 para proferir palestras nas Universidades Complutense de Madrid Valencia e Zaragoza Nesse período a família Goldschmidt estabeleceu uma próxima relação a outro grande processualista espanhol Pedro Aragoneses Alonso Professor Emérito da Universidad Complutense de Madrid que lhes acolheu com muita lealdade A amizade entre Alonso e Werner Goldschmidt rendeu o Prólogo a la primera edición da estupenda obra Proceso y derecho procesal Introducción401 Também nesse período foram ministradas por James Goldschmidt as famosas Conferencias en la Universidad Complutense de Madrid mais especificamente entre 1934 e 1935 que culminaram com a publicação do clássico Problemas jurídicos y políticos del proceso penal daí o agradecimento a Francisco Beceña que lhe cedeu a cátedra de Enjuiciamiento Criminal Contudo a guerra civil de 1936 desencadeada na Espanha colocou um fim em suas atividades naquele país até porque também foram perseguidos pela Falange Espanhola Como a situação para os judeus tornouse cada vez mais insegura na Europa em face do aumento progressivo de medidas de perseguição no final de 1938 Goldschmidt e sua esposa com o filho mais velho Robert decidiram abandonar definitivamente a Alemanha e viajaram para a Inglaterra Logo após isso e acreditase que justamente pela saída da Alemanha o pagamento de sua aposentadoria foi suspenso Encurralado pois seu visto de permanência na Inglaterra estava por chegar a termo vencendo em 31 de dezembro de 1939 sem pos sibilidade de renovação e em virtude de não poder retornar à Alemanha por ser judeu e não poder ir à França por ser alemão muito menos de retornar à Espanha em outubro de 1939 Goldschmidt entra em contato com Eduardo Couture que o auxilia a viajar para o Uruguai Vindo no barco inglês Highland Princess em uma árdua viagem em que a cada instante um submarino poderia lhe trazer a morte poucas semanas após Goldschmidt desembarcou em Montevidéu402 Já no Uruguai passou a ministrar aulas junto à Faculdade de Direito de Montevidéu Entretanto enquanto preparava sua terceira aula a ser ministrada na Faculdade no dia 28 de junho de 1940 às nove horas da manhã Goldschmidt sentiu um ligeiro malestar parou de escrever e foi repousar Aconchegouse junto à sua esposa recitou alguns poemas de Schiller para distrair a mente voltou à sua mesa e como que fulminado por um raio caiu morto sobre seus papéis403 Goldschmidt produziu importantes contribuições científicas para o direito penal bem como para o direito processual civil e penal Em sua tese de habilitação O direito penal administrativo ele discutia a respeito das assim chamadas violações Übertretungen404 que ainda eram reguladas juntamente a crimes e delitos no Código Penal do Império Goldschmidt manifestouse pela delimitação entre as violações e os fatos puníveis propriamente e pela conversão do direito das violações em direito administrativo405 Além disso Goldschmidt elaborou propostas de reforma no direito penal e processual penal No âmbito do direito processual penal ele utilizou a aplicação de ele mentos do processo penal inglês Ele entendia que o Ministério Público deveria assumir o papel de parte no processo e que de acordo com a sua concepção se deveriam eliminar os resquícios ainda presentes do antigo processo de inquisição do âmbito do processo penal alemão Contudo maior significado obteve Goldschmidt justamente como processualista Sua monografia publicada no ano de 1925 intitulada O processo como situação jurídica Der Prozeß als Rechtslage foi enaltecida por Rudolf Bruns como o último grande empreendimento construtivo da ciência jurídicoprocessual alemã406 Nessa obra é desenhada a mais complexa e completa teoria acerca da natureza jurídica do processo visto não mais como uma relação jurídica Bülow mas sim como uma complexa e dinâmica situação jurídica Após conhecer o espaçotempo em que o autor se situou em momento tão sensível da história da humanidade são mais bem compreendidas suas categorias processuais e toda sua teoria especialmente a preocupação com a dinâmica da guerra da incerteza enfim com a da realidade do processo penal Enfim uma lição de vida e uma visão única e bastante precisa do que é o processo penal até nossos dias atuais 44 PROCESSO COMO PROCEDIMENTO EM CONTRADITÓRIOO CONTRIBUTO DE ELIO FAZZALARI Estruturada pelo italiano Elio Fazzalari 19242010 a teoria do processo como procedimento em contraditório pode ser considerada uma continuidade dos estudos de James Goldschmidt processo como situação jurídica ainda que isso não seja assumido pelo autor nem pela maioria dos seus seguidores mas é notória a influência do pro fessor alemão Basta atentar para as categorias de posições subjetivas direitos e obrigações probatórias que se desenvolvem em uma dinâmica por meio do conjunto de situações jurídicas nascidas do procedere e que geram uma posição de vantagem proeminência em relação ao objeto do processo etc para verificar que as categorias de situação jurídica chances aproveitamento de chances liberação de cargas processuais expectativas e perspectivas de Goldschmidt foram internalizados conceitualmente por Fazzalari que também é um crítico da teoria de Bülow cuja teoria rotula de vecchio e inadatto cliché pandettistico del rapporto giuridico processuale407 ou seja um velho e inadequado clichê pandetístico A perspectiva tradicional da relação jurídica traz uma série de problemas tão bem denunciados por Goldschmidt e após por Fazzalari entre eles está o de conceber o processo como um conjunto de atos preordenados desenvolvidos sob a presidência de um juiz até a sentença O procedimento ou rito fica reduzido ao mero conceito de caminho de concatenação burocrática de atos sob uma perspectiva meramente formal O senso comum teórico pouca atenção deu ao conteúdo e menos ainda à axiologia desse procedere Não sem razão explodiu a teoria das nulidades pois ao despir os atos procedimentais de seu real valor alcance e significado acabou relativizando tudo em nome da instrumentalidade408 das formas A forma reduzida a mero instrumento para atingir a sentença Esse isolamento formal retirou o valor da tipicidade processual da forma enquanto garantia limite de poder que tanto nos preocupamos em resgatar ao trabalhar a teoria das invalidades nulidades processuais O processo visto como procedimento em contraditório supera essa visão formalistaburocrática do procedimento até então reinante Resgata a importância do estrito respeito às regras do jogo especialmente do contraditório elegido a princípio supremo O procedimento se legitima por meio do contraditório e deixa de ser uma mera concatenação de atos formalmente estruturados para tomar uma nova dimensão O núcleo fundante do pensamento de Fazzalari está na ênfase que ele atribui ao contraditório com importante papel na democra tização do processo penal na medida em que desloca o núcleo imantador não mais a jurisdição mas o efetivo contraditório entre as partes A sentença provimento final deve ser construída em contraditório e por ele legitimada Não mais concebida como simples ato de poder e dever a decisão deve brotar do contraditório real da efetiva e igualitária participação das partes no processo Isso fortalece a situação das partes especialmente do sujeito passivo no caso do processo penal O contraditório na concepção do autor deve ser visto em duas dimensões no primeiro momento é o direito à informação conhecimento no segundo é a efetiva e igualitária participação das partes É a igualdade de armas de oportunidades Existem outros tipos de procedimento como o legislativo o tributário e o administrativo que nem sempre são realizados em contraditório Mas processo só existe em contraditório entre os interessados ou seja as partes no processo jurisdicional É uma teoria que cria condições de possibilidade para uma maior eficácia dos direitos e garantias fundamentais no processo penal alinhada com a busca pela democratização do processo penal na medida em que maximiza a importância das partes especialmente do indivíduoréu e o necessário tratamento igualitário O contraditório visto como a imposição de igualdade de tratamento e de oportunidades bem como de efetiva participação em todos os atos do procedimento conduz a um processo penal mais democrático e constitucional Nesse ponto o pensamento do autor é de grande valia para a evolução do processo penal rumo à plena eficácia do sistema acusatório A concepção de Fazzalari é publicística e reforça a unidade do processo Vislumbramos um grande valor na concepção de que o procedimento e todos os atos que o integram unidos pelo contraditório constante se desenvolve sempre mirando o provimento final Como explica Aroldo Plinio Gonçalves excelente professor mineiro foi um dos pioneiros no estudo de Fazzalari no Brasil a atividade preparatória do provimento é o procedimento que normalmente chega a seu termo final com a edição do ato por ele preparado por isso esse mesmo ato de caráter imperativo geralmente é a conclusão do procedimento o seu ato final409 Para Fazzalari410 os atos do procedimento são pressupostos para o provimento final sentença ao qual são chamados a participar os interessados as partes em contraditório A essência do processo está nisto é um procedimento do qual além do autor do ato final juiz participam em contraditório entre si os interessados ou seja as partes que são os destinatários dos efeitos da sentença O professor italiano ainda faz um interessante deslocamento de conceitos invertendo a relação processoprocedimento ao afirmar que da soggiungere che la enucleazione del processo dal genere procedimento consente di comprendere e valutare appieno quel principio costituzionale mortificato nello schema del mero procedimento411 Ou seja sustenta a superação do mero procedimentalismo para identificar o processo como espécie do gênero procedimento o que permite valorar plenamente o princípio constitucional do contraditório É o contraditório efetivo que legitima o processo e o provimento final operandose um deslocamento muito importante em relação ao mero procedimentalismo ou instrumentalismo tradicional bem como uma evolução da maior significância em relação à estrutura piramidal de Bülow centrada na figura do juiz Outra contribuição digna de nota feita por Fazzalari está na revaloração da jurisdição na estrutura processual O juiz412 que apesar de sujeito processual não é parte não assume uma função de contraditor mas de garantidor do contraditório É responsável pela regularidade na produção dos significantes probatórios e não da prova recusa ao juizator ao ativismo judicial Adoção desta postura representa uma recusa à supremacia do poder na concepção de jurisdição No senso comum teórico é disseminada a visão de jurisdição como poderdever conduzindo à deisificação do poder jurisdicional e ao ativismo judicial Na superada visão inquisitória o juiz deveria ter pleno protagonismo no processo podendo prender de ofício ou mesmo ter iniciativa probatória tudo em nome da mitológica verdade real Infelizmente essa é a realidade e a matriz do atual Código de Processo Penal brasileiro reforçando a importância da abertura constitucional que proporciona a visão de Fazzalari O juiz não é mais visto como o responsável pela limpeza social que tudo pode e em torno do qual tudo orbita O giro se dá na medida em que Fazzalari coloca como núcleo imantador e conceitual o contraditório que reforça automaticamente a posição das partes Sendo o processo um procedimento em contraditório o protagonismo não é judicial mas das partes interessadas Ao juiz se lhe reserva um papel de garantidor da eficácia do contraditório e não de contraditor como juizator como juiz inquisidor É uma mudança total de paradigmas Como explica Gonçalves413 há processo sempre onde houver o procedimento realizandose em contraditório entre os interessados e a essência deste está na simétrica paridade da participação nos atos que preparam o provimento daqueles que nele são interessados porque como seus destinatários sofrerão seus efeitos O contraditório núcleo da concepção fazzalariana exteriorizase em dois momentos informazione e reazione Às partes são assegurados em igualdade de tratamento o direito à informação a saber o que está acontecendo e se desenvolvendo no processo Com o conhecimento a acessibilidade dos atos documentos provas enfim tudo o que ingressar e se produzir no procedimento criamse as condições de exercício das posições jurídicas as mesmas situações jurídicas que geram expectativas ou perspectivas no pensamento de Goldschmidt em face das normas processuais A reazione não é uma obrigação processual ou carga no léxico goldschmidtiano mas uma faculdade uma oportunidade de movimento processual em seu benefício É a igualdade de armas de reação de atuação processual Brota da igualdade de tratamento que gera igualdade de oportunidades probatórias Inclusive apenas para demonstrar a relevância dessa concepção do contraditório em Fazzalari é que afirmamos a existência de contraditório no inquérito policial restrito ao primeiro momento qual seja da informazione Inviável o pleno contraditório por restrições na dimensão da reazione mas isso não impede que se afirme que na investigação preliminar existe contraditório no seu pri meiro momento Entre as várias contribuições que podemos extrair do pensamento de Fazzalari para a construção de um processo penal democrático está a relevância que o autor confere ao vínculo que une os diferentes atos desenvolvidos ao longo do procedimento Como explica o autor cada norma que concorre para constituir a sequência que estrutura o procedimento descreve uma certa conduta e qualifica como direito ou como obrigação A estrutura do procedimento é dada por uma série de normas que o regulam até o provimento final sentença mas que exigem como pressuposto de aplicação o cumprimento de uma atividade regulada por uma outra norma da série ato antecedente O procedimento é uma sequência de atos que está prevista e valorada pelas normas Mas é importante compreender que o procedimento não é uma atividade que se esgota se realiza em um único ato senão que exige toda uma série de atos e de normas que os disciplinam conexamente vinculadas que definem a sequência do seu desenvolvimento E aqui está um ponto crucial para estruturar um sistema democrático e constitucional de nulidades processuais e repensar o princípio da contaminação cada um dos atos está ligado ao outro como consequência do ato que o precede e pressuposto daquele que o sucede Os atos processuais miram o provimento final e estão inter relacionados de modo que a validade do subsequente depende da validade do antecedente E da validade de todos eles depende a sentença Logo ainda que o efeito jurídico decorra do provimento final que é resultado do procedimento esse provimento final somente será considerado válido se for precedido de uma sequência de atos válidos vuol dire piuttosto che tale atto non è da considerarsi valido e che lefficacia per avventura svolta può essere paralizzata se e quando ad esso non si sia pervenuti attraverso la sequenza di atti determinati dalla legge414 Concluindo entendemos que o pensamento de Fazzalari é da maior relevância para a construção de um processo penal democrático na medida em que reforça a necessidade de estrito respeito às regras do jogo e fortalece as partes relegando a jurisdição a um segundo plano Contudo sozinho não dá conta de explicar a complexa fenomenologia do processo penal pois Fazzalari é um processualista civil e desde esse lugar estrutura sua teoria com ambição de também dar conta da complexidade do processo penal Esse é o maior equívoco da construção É um grande autor mas não conseguiu superar a genialidade de James Goldschmidt incorrendo ainda no grave erro da teoria geral do processo O melhor caminho pensamos é compreender o fenômeno do processo penal desde uma perspectiva de situação jurídica desde Goldschmidt conscientes da epistemologia da incerteza da complexa dinâmica procedimental das categorias de chances expectativas e perspectivas Assumir os riscos e caminhar no sentido do fortalecimento das regras do jogo Neste ponto entra Fazzalari como um contributo à tese de Goldschmidt inserindo a noção de procedimento em contraditório enfatizando a importância do contraditório pleno até a construção em contraditório do provimento final reforçando a importância dos atos procedimentais forma e vínculo entre os atos para a reconstrução da teoria das nulidades Significa dizer que a tese de Fazzalari sozinha não dá conta do objeto processo penal mas tem muito a contribuir para sua democratização e evolução É possível conciliar os conceitos de processo como situação jurídica e processo como procedimento em contraditório com os devidos ajustes chegando ao nível necessário de eficácia constitucional das regras do jogo Capítulo 5 Reconstrução dogmática do objeto do processo penal a pretensão acusatória para além do conceito carneluttiano de pretensão 51 INTRODUÇÃO OU A IMPRESCINDÍVEL PRÉ COMPREENSÃO Partindo de Guasp415 entendemos que objeto do processo é a matéria sobre a qual recai o complexo de elementos que integram o processo e não se confunde com a causa ou princípio nem com o seu fim Por isso não é objeto do processo o fundamento a que deve sua existência instrumentalidade constitucional nem a função ou fim a que ainda que de forma imediata está chamado a realizar a satisfação jurídica da pretensão ou resistência Também não se confunde com sua natureza jurídica situação processual Como já explicamos anteriormente o processo penal é regido pelo princípio da necessidade ou seja é um caminho necessário para chegar a uma pena Irrelevante senão inadequada a discussão em torno da existência de uma lide no processo penal até porque ela é inexistente Isso porque não pode haver uma pena sem sentença pela simples e voluntária submissão do réu O conceito de lide deve ser afastado do processo penal pois o poder de penar somente se realiza no processo penal por exigência do princípio da necessidade Inclusive nosso legislador constituinte não acolheu a ideia de lide penal416 tanto que no art 5º LV da Constituição consta que aos litigantes litigantes lide processo civil e aos acusados em geral acusados pretensão acusatória processo penal são assegurados o contraditório e a ampla defesa Do contrário não faria tal distinção entre litigantes e acusados em geral destaquese para desde logo avisar que também incide na fase préprocessual A discussão em torno do objeto conteúdo para alguns do processo nos parece fundamental na medida em que desvela um grave erro histórico derivado da concepção de Karl Binding a ideia de pretensão punitiva e que continua sendo repetida sem uma séria reflexão O principal erro que será abordado na continuação está em transportar as categorias do processo civil para o processo penal colocando o Ministério Público como verdadeiro credor de uma pena como se fosse um credor do processo civil postulando seu bem jurídico Mas essa questão para ser compreendida precisa de uma abordagem mais ampla como se fará adiante 511 SUPERANDO O REDUCIONISMO DA CRÍTICA EM TORNO DA NOÇÃO CARNELUTTIANA DE PRETENSÃO PENSANDO PARA ALÉM DE CARNELUTTI O problema da construção de Binding e seguida majoritariamente até hoje inicia pela identificação com o conceito carneluttiano diante da analogia com o processo civil agravando a crise ao definir seu conteúdo como punitivo o que significou colocar o Ministério Público como credor de uma pena um grave erro como se explicará adiante A crítica em relação ao conteúdo punitivo será feita adiante Agora precisamos esclarecer que o conceito de pretensão pode perfeitamente ser utilizado desde que no sentido desenhado por Guasp Goldschmidt ou Gómez Orbaneja nunca na acepção civilista417 de Carnelutti A essa pretensão devese perquirir o conteúdo à luz da especificidade do processo penal Então uma advertência é fundamental principalmente para os críticos418 antigos ou novos de nossa posição o conceito de pretensão não se reduz à construção carneluttiana419 Ou seja existe vida inteligente para além do conceito de Carnelutti que é apenas um ponto de partida não de chegada ou conclusão Como dito estamos trabalhando com a doutrina pós e além Carnelutti de Guasp Goldschmidt e Gómez Orbaneja Ademais quando falamos de pretensão acusatória estamos aludindo à concepção de Goldschmidt que dando um giro no conceito de pretensão o concebe apenas como uma potestas agendi Não se trata de uma pretensão que nasce de um conflito de interesses mas sim do direito potestativo de acusar Estado acusação decorrente do ataque a um bem jurídico e cujo exercício é imprescindível para que se permita a efetivação do poder de penar Estadojuiz tudo isso em decorrência do princípio da necessidade inerente à falta de realidade concreta do direito penal Tratase de construir uma estrutura jurídicoprocessual pretensão processualacusatória que tenha condições de abarcar a complexidade que envolve o como atua o poder punitivo do Estado por meio desse instrumento e caminho necessário que é o processo penal Esse é o ponto nevrálgico do porquê não nos serve o caso penal ou a mera ação penal como conteúdo por sua insuficiência Ademais o crime nos conduz ao conflito social e é de lá que se extrai a pretensão com a roupagem jurídica que o processo penal lhe dá É uma inafastável diante do princípio da necessidade juridicização e institucionalização do conflito Não é a pena o conteúdo ou o objeto do processo penal senão sua consequência Daí por que o processo penal desenvolvese em torno da acusação pensada na sua complexidade como verdadeira pretensão acusatória Se acolhida abrese a possibilidade de o juiz exercer o poder de punir Se não acolhida impedese a punição Não é o caso penal o conteúdo do processo pois ele sozinho não é capaz de fazer nascer ou desenvolver o processo O caso penal é fundamental pois elemento objetivo e estruturante da acusação mas que precisa de uma efetiva invocação declaração petitória para que o processo nasça e se desenvolva Logo ele é conteúdo mas da pretensão acusatória Jaime Guasp em rara mas preciosa incursão no direito processual penal instado que foi a fazer uma resenha420 da obra Lezioni sul processo penale 4 volumes 1946 a 1949 de Carnelutti retoma a discussão sobre a pretensão processual421 para explicar que o objeto do processo penal é a matéria que suporta a atividade dos diversos sujeitos processuais sendo portanto uma pretensão processual penal ou pretensão penal É expressa la necesidad de la existencia de una pretensión para que el proceso exista Sin pretensión podrá haber conflictos de la índole que se quiera o cuestión penal como dice Carnelutti pero no hay proceso penal en modo alguno422 Sublinhamos que a cuestión penal a que se refere Carnelutti nada mais é do que o caso penal Daí por que na esteira de Guasp estamos convencidos da insuficiência do caso penal como objeto do processo pois seguindo o mestre complutense há que se dar um passo a mais na construção lógica do conceito afirmando que o processo penal recai não em uma matéria qualquer senão precisamente sobre essa pretensão que alguém formula frente ao órgão jurisdicional para submeter outra pessoa ao processo e à pena Mas sublinhese não somos contrários aos que definem o caso penal como objeto do processo senão que pensamos ser ele insuficiente para por si só justificar a complexa fenomenologia do processo Claro que a discussão aqui remonta a uma nova dimensão de continente e conteúdo onde não há uma efetiva oposição O continente que encerra o conteúdo caso penal é mais amplo e é a ele que nos referimos Ou seja a pretensão acusatória é conteúdo em relação ao processo continente mas noutra dimensão passa a ser continente do caso penal seu conteúdo pois visto como elemento objetivo da pretensão Assim pensamos que nossa posição pode coexistir com aquela defendida por Jacinto Coutinho no capolavoro A lide e o conteúdo do processo penal desde que compreendidas essas distintas dimensões de recorte O Estado possui um poder condicionado de punir que somente pode ser exercido após a submissão ao processo penal Então no primeiro momento o que o acusador exerce é um poder de proceder contra alguém submeter alguém ao processo penal É o poder de submeter alguém a um juízo cognitivo Não há lide ou conflito de interesses423 até porque a liberdade do réu não constitui um direito subjetivo mas um direito fundamental o que também transcende a noção de direito público subjetivo Mais não há conflito de interesses porque a lesão ao bem jurídico não gera um direito subjetivo que possa ser exercido exigência punitiva pois não existe punição fora do processo penal novamente o princípio da necessidade O que sim nasce é a pretensão acusatória o poder de proceder contra alguém de submeter ao juízo cognitivo Alheia a toda essa complexidade parte da doutrina brasileira segue adotando conceitos inadequados e passando à margem da problemática Nessa linha entre outros Mirabete424 e Capez425 não só defendem a existência de lide penal como também a existên cia de uma pretensão punitiva e para ambas invocam expres samente Mirabete e sem citar mas usando os conceitos Capez inadequadamente os conceitos civilistas de Carnelutti desconhe cendo também as alterações que o próprio Carnelutti fez ao longo de sua vasta produção Por fim Mirabete mete no imbróglio gente que lá nunca deveria estar como é o caso da citação inadequada de Jacinto Coutinho que além de ser contrário à existência de uma pretensão nega completamente a noção de lide penal Voltando ao foco é importante que se compreenda que não existe uma exigência punitiva que possa ser realizada fora do processo penal logo não existe o conflito de interesses Não existe um direito para adjudicar como no cível fora do processo penal que possa produzir a lide pelo conflito de interesses Existe sim no processo uma tensão entre acusação e defesa resistência não uma lide ou menos ainda uma controvérsia Daí por que com todo acerto Goldschmidt descola do conceito de lide para afirmar que o poder judicial de condenar o culpado é um direito potestativo no sentido de que necessita de uma sentença condenatória para que se possa aplicar a pena E mais é um poder condicionado à existência de uma acusação Essa construção é inexorável se realmente se quer efetivar o projeto acusatório da Constituição Significa dizer aqui está um elemento fundante do sistema acusatório No processo tudo gira em torno do binômio acusaçãodefesa logo toda a cognição desenvolvida recai sobre a pretensão acusatória e os elementos que a integram Claro que aqui nos aproximamos do conceito de ação como direito concreto Mas é uma aproximação não identificação Isso porque no processo penal é fundamental a demonstração da justa causa do fumus commissi delicti para que a acusação seja recebida Não podemos lidar com a abstração máxima do processo civil nem com a plena noção de direito concreto Chiovenda Tratamos disso ao analisar as condições da ação processual penal Há que se atentar para as necessidades próprias do processo penal Novamente reforçamos a crença no acerto do conceito de pretensão acusatória que inclui no seu elemento objetivo e subje tivo a fumaça do crime e da autoria ambos necessários para que a acusação seja recebida É uma verdadeira carga processual no léxico Goldschmidtiano conforme explicamos ao tratar do processo como situação jurídica Acertada a afirmação de Coutinho de que se trata de um direito instrumental mas conexo à sua causa que é concreta426 Mais há que se considerar que o fenômeno do processo penal novamente é diverso do processo civil agora no que tange ao seu escalonamento Explica Gómez Orbaneja427 puede afirmarse que a diferencia del proceso civil que se constituye de una vez y definitivamente con unos límites objetivos y subjetivos inalterables mediante la presentación de la demanda el proceso penal se desenvuelve escalonadamente El fundamento de la persecución o inversamente de su exclusión puede depender tanto de razones substantivas como procesales Conforme explicamos em outro momento428 o processo penal é um sistema escalonado e como tal para cada degrau é necessário um juízo de valor Essa escada é triangular pois pode ser progressiva como também regressiva A situação do sujeito passivo passa de uma situação mais ou menos difusa à definitiva com a sentença conde natória ou pode voltar a ser difusa e dar origem a uma absolvição Inclusive é possível chegarse a um juízo definitivo de caráter nega tivo em que se reconhece como certa a não participação do agente no delito Por tudo isso define Pastor López429 que a situação jurídica do sujeito passivo é contingente provisional e de progressiva ou regres siva determinação Disso tudo se compreende então que o fenômeno do processo penal é completamente diverso do processo civil pois ab initio deve o acusador demonstrar o fumus commissi delicti para que o processo inicie situação completamente diversa do processo civil Feitas essas advertências introdutórias que esperamos sejam suficientes para superação de eventuais resistências decorrentes de préconceitos muitas vezes reducionistas sigamos o estudo 512 TEORIAS SOBRE O OBJETO DO PROCESSO PENAL Buscando explicar o verdadeiro objeto do processo na verdade historicamente não houve uma preocupação específica com o processo penal eis um inconveniente debatese a doutrina em teorias que podem ser sistematizadas em três grupos fundamentais430 Teorias sociológicas conflito de interesses de vontades e de opiniões Teorias jurídicas subjetiva e objetiva Teoria da satisfação jurídica das pretensões e resistências É essa última a que melhor explica o verdadeiro objeto do processo penal pois resulta da fusão das duas teorias anteriores Corresponde a Guasp431 o acerto de fazer da pretensão o conceito fundamental da ideia do processo de modo que o objeto do processo penal é uma pretensão processual e a sua função é a satisfação jurídica das pretensões Aponta o jurista espanhol que se considerarmos que o objeto não é o princípio ou causa de que parte o processo nem o fim mais ou menos imediato que tende a obter mas sim a matéria sobre a qual recai o complexo de elementos que o integram parece evidente que tendo em vista que o processo se define como uma instituição jurídica destinada à satisfação de uma pretensão é esta pretensão mesma que cada um dos sujeitos processuais desde seu peculiar ponto de vista trata de satisfazer o que determina o verdadeiro objeto processual432 Como esclarece Alonso433 a pretensão entendida como conduta de um sujeito juridicamente atuada para a obtenção de um reparto que se afirma como justo sobre a base de critérios normativos prees tabelecidos constitui sem dúvida o objeto sobre o qual gira a atividade processual Como a tese em qualquer tipo de controvérsia é o objeto da discussão e não o é a discussão em si mesma Para explicar a essência do processo não há como considerar mais que um elemento objetivo básico e necessário a acusação que se dirige contra alguém e que se exerce diante de um juiz Em torno dessa acusação giram todas e cada uma das vicissitudes processuais O início da investigação do próprio processo e seu desenvolvimento e sobretudo da decisão têm uma exclusiva referência a ela Como essa acusação não é juridicamente outra coisa que a pretensão processual acusatória que figura no conceito do processo mesmo não há como extrair outra conclusão Para definir o objeto do processo devese encontrar uma dupla base434 de um lado a base sociológica que proporcione o dado conflito social ao qual o processo está devidamente vinculado e de outro lado uma base jurídica que recolhendo o material sociológico esclareça o tratamento peculiar que o direito lhe proporciona A pretensão jurídica é reflexo ou uma substituição da pretensão social que nasce exatamente do delito visto como um conflito problema ou fato social pois a conduta típica e ilícita representa um ataque a determinados bens jurídicos que o Direito entendeu necessário tutelar O delito ataca um sentimento básico da comunidade e gera uma reação social Por isso podemos afirmar que no plano fático a ilicitude material antecede cronologicamente à própria tipicidade que nasce a partir do desvalor social de determinada conduta Em outras palavras primeiro uma conduta é reprovada socialmente e a partir desse juízo de desvalor social surge a necessidade de coibir tais atos por meio de uma norma isto é da pressão ou necessidade social advém a atividade legislativa que cria o tipo penal Não há que se perder de vista nunca o valor bem jurídico Explica Guasp que o direito se aproxima da sociologia sempre da mesma maneira tomalhe os problemas cuja solução postula à comunidade e estabelece um esquema de instituições artificiais em que buscam substituir as estruturas e funções puramente sociais do fenômeno e realiza um trabalho de alquimia para criar novas fórmulas mas se despreocupa depois do material social Na síntese do autor o direito para salvar a sociologia não tem mais remédio que matála435 A conclusão final é que a pretensão jurídica é um produto que o direito retira da pretensão social O delito é um fenômeno social exteriorizado pelo ataque aos sentimentos e valores básicos da comunidade e que gera uma reação social O direito retira a questão do âmbito social em que aparece cravada e cria no lugar da figura sociológica que suscita o problema uma forma jurídica específica que pretende refletir aquela Mas como vimos anteriormente no fundamento da existência do processo penal o direito penal não é autoexecutável e por este motivo necessita de um instrumento para realizarse Por isso o processo deve buscar a satisfação jurídica da pretensão O único reparo ou melhor complemento que nos parece necessário fazer à tese de Guasp é considerar também como função do processo a satisfação de resistências436 A tensão ou choque entre a pretensão acusatória e a resistência do acusado no processo que não se confunde com lide é o que deve ser resolvido pelo juiz na sentença e a ele corresponde se acolher a pretensão acusatória do autor considerando suficientemente provada a ocorrência do delito aplicar a pena que lhe pertence pois o poder de penar é do Estadojuiz não do acusador Ou ainda acolher a resistência do acusado absolvendoo A resistência vem materializada no exercício do direito de defesa com todos os instrumentos processuais que lhe oferece o ordenamento jurídico Especificamente no processo penal a satisfação da resistência resulta em um imperativo do contexto políticoconstitucional e dos postulados de garantia do indivíduo que apontamos anteriormente Por isso é inegável que em pé de igualdade com a pretensão se encontra a resistência oferecida pela defesa e a função do processo penal estará igualmente satisfeita com a condenação ou a absolvição Como sintetiza Gimeno Sendra437 a função do processo penal não pode limitarse a aplicar o poder de penar pela simples razão de que também está destinado a declarar o direito à liberdade do cidadão inocente O processo penal constitui um instrumento neutro438 da jurisdição cuja finalidade consiste tanto em atuar o poder de penar e a função punitiva como também em declarar de forma ordinária pela sentença ou restabelecer pontualmente a liberdade A existência de um fundamento jurídico injusto penal qualifica de jurídica a pretensão articulada Sem embargo a veracidade do alegado não é uma conditio sine qua non sob pena de incorrermos no erro da ação como direito concreto pois se consideram existentes a pretensão acusatória e o próprio processo penal ainda que absolvido o réu Isso não significa que a acusação possa ser manifestamente infundada ou sem uma causa que a justifique mas apenas que não se adota o conceito de ação como direito concreto Devese exigir no processo penal para admissão da acusação um fumus commissi delicti amparado por um suporte probatório suficiente levando o órgão jurisdicional a uma provisória e sumária incursão na prova da existência do delito e da autoria Isso decorre do escalonamento característico do processo penal a que nos referimos no início deste tópico Como isso chamamos a atenção para a importância da decisão que recebe rejeita ou não recebe a denúncia ou queixa pois como verdadeiro juízo de pré admissibilidade da acusação deve estar amparado por uma decisão fundamentada Concluindo o objeto do processo penal é uma pretensão processual439 acusatória e a sua função imediata é a satisfação jurídica de pretensões e de resistências 52 ESTRUTURA DA PRETENSÃO PROCESSUAL ACUSATÓRIA A pretensão processual é uma declaração petitória440 ou afirmação441 de que o autor tem direito a que se atue a prestação pedida É no processo penal uma declaração petitória de que existe o direito potestativo de acusar e que procede a aplicação do poder punitivo estatal Por isso é uma pretensão acusatória conforme explicaremos mais detidamente na continuação Não é um direito subjetivo mas uma consequência jurídica de um estado de fato lesão ao bem jurídico ou um estado de fato com consequências jurídicas Mais é um direito potestativo o poder de proceder contra alguém diante da existência de fumus commissi delicti A existência da justa causa é fundamental Nesse sentido a nova redação do art 395 do CPP determina que a denúncia ou queixa será rejeitada quando não houver justa causa ou faltar condição para o exercício da ação penal fumus commissi delicti Ademais se o fato narrado evidentemente não constituir crime determina o art 397 nova redação que o juiz deverá absolver sumariamente o acusado Em definitivo ao contrário do que acontece no processo civil no penal o juiz deve verificar se a acusação tem verossimilitude e indica um suporte probatório mínimo para admitila Tratase de um juízo de probabilidade que reveste uma importância fundamental pois o processo penal em si mesmo já é uma pena É inegável que o processo penal significa um etiquetamento com clara estigmatização social e por isso o juízo de préadmissibilidade da acusação é tão importante Infelizmente no processo penal brasileiro não existe uma clara fase intermediária e contraditória De forma precária em vez de realizar uma audiência optou o legislador brasileiro por uma resposta escrita consultemse o art 396 cuja sistemática se aplica aos procedimentos comum ordinário e sumário bem como o disposto na Lei n 909995 e também na Lei n 113432006 Por fim cumpre destacar na doutrina brasileira o estudo levado a cabo por Badaró442 cuja posição em que pese não ser absolutamente coincidente não contém uma divergência nuclear senão periférica em relação à nossa Explica o autor após estudar as diferentes nuances da lide e da pretensão que o objeto do processo penal é uma pretensão processual penal Inclusive também enfrenta a questão do conteúdo da pretensão para afastar a noção de pretensão punitiva Isso porque explica Badaró a manifestação da pretensão punitiva é uma consequência do concreto direito de punir do Estado mas que a exigência de que o autor se submeta à pena somente pode ser feita pelo processo ou seja sempre nasce insatisfeita Seria a pretensão punitiva uma pretensão material anterior e extraprocessual Contudo no processo o que existe é uma pretensão processual que possui como parte de seu fundamento os elementos que compunham a pretensão material punitiva Mas se trata de um mesmo fenômeno pretensão material e processual apenas visto em momentos diferentes A pretensão processual é aquela veiculada em juízo por meio da ação da acusação Com isso verificase que existe muito mais coincidência do que divergência circunscrevendose essas as divergências a algumas categorias muito específicas e que decorrem da diferença histórica entre escolas processuais Para compreender melhor o tema é importante analisar ainda que brevemente os três elementos443 que compõem a pretensão processual subjetivo objetivo e modificador da realidade ou de atividade 521 ELEMENTO SUBJETIVO O elemento subjetivo se refere aos entes que figuram como titulares o pretendente e aquele contra quem se pretende fazer valer essa pretensão No processo penal quem formula a pretensão titular ativo pode ser o próprio Estadoacusador representado institucionalmente pelo Ministério Público ou o acusador privado delitos de ação penal privada No polo passivo da relação jurídica está o acusado a pessoa contra quem é formulada a pretensão A esses sujeitos acrescenta o ordenamento um terceiro supraordenado a quem se confere a função de receber as pretensões e proceder a sua satisfação Esse terceiro é o órgão jurisdicional Estadojuiz No processo penal o elemento subjetivo determinante é exclusivamente a pessoa do acusado pois não vige a doutrina de tripla identidade da coisa julgada civil Dessa forma nem o pedido que será sempre de condenação nem a identidade da parte acusadora é essencial para a eficácia da pretensão Mas sim é fundamental a clara individualização e determinação do sujeito passivo uma tarefa que será tanto mais clara quanto mais eficaz for a investigação preliminar Não existe processo penal sem sujeito passivo mas sim pode existir sem a sua presença física situação de ausência prevista no art 367 do CPP 522 ELEMENTO OBJETIVO O elemento objetivo da pretensão no processo penal é o fato aparentemente punível aquela conduta que reveste uma verossimilitude de tipicidade ilicitude e culpabilidade Em suma é o fumus commissi delicti Desde logo é importante esclarecer que o fato aparentemente punível não é o objeto do processo mas um elemento integrante da pretensão É preciso esclarecer por que uma respeitável e numerosa doutrina contagiada pela importância do elemento objetivo considera que o objeto do processo é o fato punível444 esquecendo se de que isso por si só não tem aptidão para fazer nascer o processo Não basta a existência de um fato delituoso é imprescindível o exercício de uma pretensão acusatória por meio da declaração petitória Daí por que não pode ser o caso penal o objeto do processo pois sem a acusação formalizada não se constitui o suporte jurídico para que o processo nasça e se desenvolva O objeto do processo é a acusação como um todo logo a pretensão acusatória da qual o caso penal é elemento integrante como elemento objetivo Para Guasp e os seguidores dessa corrente o fato que compõe a pretensão é o natural factae nudae visto como a soma de acontecimentos concretos históricos despidos da qualificação jurídica O que importa é a identidade do fato histórico individualizado em sua unidade natural e não jurídicopenal445 Nessa linha segue o sistema brasileiro o princípio jura novit curia amparado pela regra do narra mihi factum dabo tibi jus ao acusador cabe narrar o fato para que o juiz diga o direito aplicável Contudo nesse ponto divergimos Pensamos que a dicotomia entre fato natural e qualificação jurídica é em termos processuais ingênua e perigosa É ingenuidade senão até reducionismo interesseiro afirmar que o réu se defende dos fatos naturais mas que no entanto e aqui reside o problema o juiz poderá dar ao fato a definição jurídica que lhe pareça mais adequada como prevê nosso mofado art 383 do CPP Mesmo tendo sido alterado pela Lei n 117192008 a lógica superada continua a mesma a ingênua crença de que o réu se defende dos fatos podendo o juiz dar a eles a definição jurídica que quiser sem nenhum prejuízopara a defesa Ora isso é uma visão bastante míope da complexidade que envolve a defesa e a própria fenomenologia do processo penal É elementar que o réu se defende do fato e ao mesmo tempo incumbe ao defensor também debruçarse em limites semânticos do tipo possíveis causas de exclusão da tipicidade ilicitude culpabilidade e em toda imensa complexidade que envolve a teoria do injusto penal É óbvio que a defesa trabalha com maior ou menor intensidade dependendo do delito nos limites da imputação penal considerandoa tipificação como a pedra angular onde desenvolverá suas teses Daí por que aqui nos serve o conceito de caso penal na medida em que engloba o injusto penal O problema da visão ingênua do elemento objetivo cobra seu preço no momento em que lida com a correlação entre acusação e sentença com o estudo da emendatio e da mutatio libelli que serão objeto de análise posterior Esse caso penal funcionará como delimitador da imputação não como cimento em que se embasa mas como muros que a delimitam446 É importante destacar que a constatação de que o objeto do processo penal é uma pretensão processual acusatória e que o seu elemento objetivo é o caso penal não significa que as partes sejam inteiramente donas de sua aportação ao processo de maneira tal que estejam autorizadas a efetuar uma introdução fragmentária no processo No processo penal diferentemente do civil vigora o princípio de indisponibilidade e de indivisibilidade da ação penal pública de modo que o MP está obrigado arts 24 e 42 a oferecer a denúncia quando o fato narrado na notíciacrime revista uma verossimilitude mínima de tipicidade ilicitude e culpabilidade A denúncia ou queixa deverá descrever o fato criminoso com todas as suas circunstâncias art 41 Isso significa não só a obrigação de acusar por todos os fatos que revistam aparência de delito senão também a obrigação de trazer para dentro do processo todas as circunstâncias fáticas que tenha conhecimento e que possam apresentar alguma relevância para a instrução e o julgamento Interpretamos o art 41 a partir de uma visão constitucional e por isso entendemos que ele também estabelece uma obrigação por parte do MP de incluir na denúncia os fatos e circunstâncias que beneficiem o acusado Isto é não só os elementos de cargo mas também de descargo não só para inculpar mas também para exculpar Corrobora esse entendimento a construção do Ministério Público como órgão público guiado pela legalidade e o sentido de justiça sem que isso corresponda a uma equivocada visão do Ministério Público como parte imparcial o que constitui um erro histórico e uma violência semântica Ademais existindo concurso de pessoas deverá o MP velar pela indivisibilidade da ação penal privada e com mais razão na pública art 48 acusando a todos aqueles sujeitos sobre os quais existam indícios suficientes de responsabilidade penal Os eventualmente não denunciados mas que tenham sido objeto de imputação na notícia crime ou resultem suspeitos na investigação policial deverão ser excluídos pela via do arquivamento art 28 Nos delitos de ação penal de iniciativa privada o sistema é distinto e está regido pela oportunidade e conveniência do titular que poderá acusar renunciar o exercício do direito de queixa art 49 perdoar art 51 ou ainda desistir da ação penal art 60 conforme o momento processual e as circunstâncias em que se produz o ato Sem embargo a titularidade da pretensão penal acusatória não significa um puro poder de vingança e por isso também está submetida ao princípio de indivisibilidade cabendo ao Ministério Público velar pela sua eficácia A nosso juízo o art 48 deve ser interpretado de forma que a omissão na queixa de um dos agentes signifique a renúncia tácita em relação a ele e que deverá ser estendida a todos arts 49 e 57 Caberá ao MP velar pela indivisibilidade da ação penal privada manifestandose no sentido da extinção da punibilidade a todos Em síntese no processo penal o pedido contido na ação penal será sempre de condenação pela prática de um injusto penal que deverá ser descrito e imputado a um ou alguns agentes definidos e individualizados Não se exige que a acusação expressamente solicite a imposição de uma determinada pena ou que proponha um determinado regime de cumprimento O julgador decide com base no seu livre convencimento motivado e será sua função exclusiva individua lizar e aplicar uma pena proporcional ao fato narrado 523 DECLARAÇÃO PETITÓRIA O terceiro elemento da pretensão processual é o ato capaz de causar a modificação da realidade que a pretensão leva consigo É o conteúdo petitório a declaração de vontade que pede a realização da pretensão Estamos de acordo com Guasp447 quando afirma que tal ato poderia receber o nome técnico de ação terminologia que devolveria a essa palavra o significado literal que lhe corresponde mas isso poderia induzir a confusões por ir de encontro a uma tradição secular que se esforçou em averiguar a essência do poder jurídico a que dita ação está vinculada e não a sua verdadeira função Sem dúvida que a polêmica em torno do conceito de ação foi desviada para um caráter extraprocessual buscando explicar o fundamento do qual emana o poder afastandose do instrumento propriamente dito Feito esse esclarecimento empregamos o termo ação no sentido literal de instrumento portador de uma manifestação de vontade por meio do qual se narra um fato com aparência de delito e se solicita a atuação do órgão jurisdicional contra uma pessoa determinada É a ação como poder jurídico de acudir ante los órganos jurisdiccionales448 Em alguns sistemas como por exemplo o espanhol ainda que dividido em duas fases investigação preliminar e juízo oral449 existe certo confusionismo sobre o momento exato que se exerce a ação penal porque a investigação preliminar está a cargo de um juiz que investiga de ofício ou mediante invocação A divisão entre as duas fases é tênue ainda que felizmente marcada pela separação das tarefas de investigarjulgar O fato de o juiz instrutor atuar de ofício e decretar o processamento do imputado muito antes de dar vista ao MP para formalmente exercer a ação penal é um dos fatores que contribui para a confusão Ademais o particular vítima ou qualquer pessoa pelo sistema de ação popular pode exercer uma notícia crime qualificada querella e com isso habilitarse desde o início da investigação para exercer a acusação Felizmente no direito brasileiro a divisão entre as duas fases é clara e inequívoca O processo penal só começa pelo exercício e a admissão de uma ação penal pública ou privada conforme o caso No processo penal o conteúdo do pedido é sempre igual A atuação que se pede será especificamente a condenação do acusado pelo fato narrado e conforme a pena estabelecida no respectivo tipo penal abstrato Por isso o pedido não constitui um elemento essencial da pretensão450 pois no processo penal não vige plenamente o princípio dispositivo mas o da indisponibilidade da pretensão que junto à indivisibilidade do fato aparentemente punível erigese em notas definidoras da pretensão A declaração451 petitória contida na ação penal solicitará que o órgão jurisdicional452 declare a existência do fato narrado afirmando sua tipicidade ilicitude e culpabilidade declare a responsabilidade penal do acusado pelos fatos narrados e provados condene o acusado pela prática do fato típico e imponha a respectiva pena ou medida de segurança aplicável determine a execução da pena ou medida de segurança imposta 53 CONTEÚDO DA PRETENSÃO JURÍDICA NO PROCESSO PENAL PUNITIVA OU ACUSATÓRIA DESVELANDO MAIS UMA INADEQUAÇÃO DA TEORIA GERAL DO PROCESSO Delimitado que o objeto do processo penal é a pretensão acusatória ainda resta fazer uma nova análise que busque dentro dela a sua essência ou seja o conteúdo do próprio objeto punitiva ou acusatória A determinação do conteúdo da pretensão jurídica gravita em torno da existência do poder de punir e da função punitiva do Estado453 Esse poder nasce com a ocorrência do delito e é exercido contra o autor do injusto penal depois que sua responsabilidade penal foi reconhecida no processo pois como apontamos anteriormente o processo penal é o caminho necessário para a pena Para a construção dogmática do objeto do processo penal a teoria dominante é a de Binding que parte do conceito de uma exigência punitiva pretensão punitiva que o Estado deve fazer valer por meio do processo penal Dessa forma o processo é uma exigência para que o Estado efetive seu direito subjetivo de punir como uma construção técnica artificial Ademais de titular de um direito de punir o Estado aparece no processo como titular da jurisdição e muitas vezes também como titular da ação penal por meio do Ministério Público Segundo Binding o Estado é titular de um triplo direito direito punitivo direito de ação penal e direito ao pronunciamento da sentença penal454 Dessa forma a tese do autor é a de que o juiz penal encontrase frente ao Estado titular do direito punitivo na mesma posição que o juiz civil frente ao credor titular de uma pretensão de direito privado O grande mérito da teoria de Binding foi o de isolar o conceito de ação penal como um instituto independente do direito de punir Por isso é considerado o fundador da Teoria da Ação Penal como Direito Abstrato Apesar da valiosíssima contribuição a teoria de Binding está imperfeita como muito bem demonstrou Goldschmidt455 para quem a construção anteriormente explicada representa uma transmissão mecânica das categorias do processo civil ao penal pois o Estado está concebido de forma igual ao indivíduo que comparece ante o Tribunal para pedir proteção Isto é para Binding o Estado comparece no processo penal por meio do MP da mesma forma que o particular no processo civil como se a exigência punitiva fosse exercida no processo penal de igual modo que no processo civil atua o titular de um direito privado Aqui está o núcleo do erro pensar o acusador como credor No direito civil existe a exigência jurídica pois existe a possibilidade de efetivação do direito civil fora do processo civil ao contrário do direito penal que só possui realidade concreta por meio do processo penal e a pretensão só nasce quando há a resistência a lide Logo o autor no processo civil verdadeiro credor na relação de direito material pede ao juiz a adjudicação de um direito próprio que diante da resistência ele não pode obter Essa exigência jurídica existe antes do processo civil e nasce da relação do sujeito como bem da vida Isso não existe no processo penal Não há tal exigência jurídica que possa ser efetivada fora do processo penal O direito penal não tem realidade concreta fora do processo penal Logo não preexiste nenhuma exigência punitiva que possa ser realizada fora do processo E o Ministério Público ou querelante não pede a adjudicação de um direito próprio porque esse direito potestativo de punir não lhe corresponde está nas mãos do juiz O Estado realiza seu poder de punir não como parte mas como juiz Não existe relação jurídica entre o Estadoacusador e o imputado simplesmente porque não existe uma exigência punitiva nas mãos do acusador e que eventualmente pudesse ser efetivada fora do processo penal o que existe é um poder de penar e dentro do processo Aqui está o erro de pensar a pretensão punitiva como objeto do processo penal como se aqui o fenômeno fosse igual ao do processo civil Essa concepção é datada e portanto não se mostra mais adequada ao nível de evolução do processo penal contemporâneo em que se operou ou ao menos deveria ter havido uma radical sepa ração do processo civil para assumir e exigir a estrita observância de suas categorias jurídicas próprias Eis aqui mais um erro que se pode atribuir à equivocadíssima noção de teoria geral do processo Como explica Goldschmidt456 no processo penal a pretensão acusatória do Ministério Público ou acusador privado é a afirmação do nascimento de um direito judicial de penar e a solicitação de que exerça esse direito E posteriormente explica o autor que a pena se impõe mediante um processo porque é uma manifestação da justiça e porque o processo é o caminho da mesma a jurisdição penal é a antítese da jurisdição civil porque ambas representam os dois ramos da justiça estabelecidos por Aristóteles justiça distributiva jurisdição penal e corretiva jurisdição civil457 Como a pena é uma manifestação da justiça corresponde o poder de penar ao próprio Tribunal isto é o direito de penar essência do punir coincide com o poder judicial de condenar o culpável e executar a pena A concepção da exigência punitiva Binding des co nhece que o Estado titular do direito de penar realiza seu poder no processo não como parte mas como juiz O poder de condenar o culpado é um direito potestativo anterior ao processo porque nasce do delito conforme a lei penal Por isso o conteúdo da pretensão jurídica no processo penal é acusatório e não punitivo O poder punitivo não é outra coisa que o poder concreto da justiça penal personificado no juiz de condenar o culpado e executar a pena O titular da pretensão acusatória acusador exige que a justiça penal exerça o poder punitivo e não que se atribua a ele mesmo ou a um terceiro como ocorre no processo civil Não existe pedido de adjudicação alguma por parte do acusador pois não lhe corresponde o poder de penar Por isso o acusador detém o poder de acusar não de penar Logo jamais poderia ser uma pretensão punitiva Por isso Goldschmidt considera que o direito penal é um derecho justicial material posto que o Estado adjudicou o exercício do seu poder de punir à Justiça Existe dessa forma uma relação jurídica entre a justiça estatal e o indivíduo O direito processual penal também é um derecho justicial formal pois existe no processo uma relação jurídica entre o tribunal e as partes Partindo da teoria proposta por Goldschmidt fica assim representada Nota da imagem 44 458 O poder jurisdicional de condenar o culpado é um direito potestativo no sentido de que necessita de uma sentença condenatória para constituir uma situação nova de condenado que permite aplicar a pena ao réu Depois de a sentença penal condenatória transitar em julgado criamse as condições para o exercício do poder de punir Ademais de julgar e determinar a pena também corresponde ao poder jurisdicional a função de executar459 a pena Não devemos esquecer a lição de Goldschmidt de que o símbolo da justiça não é só a balança mas também a espada que pende sobre a cabeça do réu e está nas mãos do juiz É o juiz quem detém o poder condicionado de punir Nessa linha de raciocínio o objeto do processo penal é uma pretensão acusatória pois a ação penal deve ser vista como um direito ao processo460 ius ut procedatur distinto do poder nascido do delito de impor a pena mediante a sentença condenatória e tornála efetiva mediante a execução O direito do particular ou do Estadoacusador por meio do Ministério Público é um direito ao processo completamente distinto do poder de punir que corresponde exclusivamente ao Estadojuiz Dessa forma continuase entendendo que a ação é um direito abstrato que existe ainda que não exista o poder de penar A ação penal é vista como um poder jurídico de iniciativa processual como instrumento de invocação que gera o poderdever do órgão jurisdicional de comprovar a situação do fato que lhe é submetido à análise para declarar a existência ou não de um delito Afirmando a existência do delito poderá exercer o poder de penar Sem embargo é importante esclarecer que o objeto do processo penal é uma pretensão acusatória e não a ação penal Na estrutura da pretensão anteriormente explicada podese comprovar que a ação penal corresponde à declaração petitória Ou seja é um mero poder político de invocação da tutela jurisdicional que corresponde a uma declaração petitória Tratase de mero poder político constitucional de invocação da tutela jurisdicional por meio da acusação formalizada na denúncia ou queixa Uma vez exercido e iniciado o processo não há mais que se falar em ação Claro que isso pode causar alguma resistência pois vivemos num País em que são impetrados habeas corpus para trancamento de ação penal Ora é um erro processual inequívoco Não se tranca ação penal Exercese o poder de acusar e uma vez exercido e iniciado o processo não há mais como trancar a ação pois ela já se esgotou nesse exercício O que se tranca é o processo O tal trancamento nada mais é do que uma forma de extinção anormal do processo não da ação por óbvio Em outra dimensão como ao acusador corresponde um mero direito potestativo de acusar não lhe cabe pedir uma pena em concreto e tampouco negociála com o acusado pois a pena é uma manifestação da função punitiva que é uma exclusividade do Estado tribunal Então as formas de plea negotiation não são consequências de uma correta concepção do objeto do processo penal Evidenciase aqui o erro de pensar que o objeto do processo penal é o ius puniendi não incumbe ao Ministério Público punir pois não lhe pertence esse poder ou mesmo direito O poder de punir é do juiz condicionado ao exercício integral e procedente da acusação São elementos distintos o acusar e o punir Em definitivo a pena está fora do poder das partes Como disse Carnelutti461 ao acusador não lhe compete a potestas de castigar mas só de promover o castigo Destaquese que o principal erro de Binding e condutor de toda uma equivocada noção de teoria geral do processo é o de colocar o acusador na mesma situação do credor do processo civil como se o Ministério Público detivesse o poder punitivo Errado assim afirmarse que o objeto do processo é o ius puniendi Em síntese no processo penal existem duas categorias distintas de um lado o acusador exerce o ius ut procedatur o direito potestativo de acusar pretensão acusatória contra alguém desde que presentes os requisitos legais e de outro lado está o poder do juiz de punir Contudo o poder de punir é do juiz lembrese o símbolo da justiça é a balança mas também é a espada que está nas mãos do juiz e pende sobre a cabeça do réu e esse poder está condicionado pelo princípio da necessidade ao exercício integral e procedente da acusação Ao juiz somente se abre a possibilidade de exercer o poder punitivo quando exercido com integralidade e procedência o ius ut procedatur Concluindo o objeto do processo penal é uma pretensão acusatória vista como a faculdade de solicitar a tutela jurisdicional afirmando a existência de um delito para ver ao final concretizado o poder punitivo estatal pelo juiz por meio de uma pena ou medida de segurança O titular da pretensão acusatória será o Ministério Público ou o particular Ao acusador público ou privado corresponde apenas o poder de invocação acusação pois o Estado é o titular soberano do poder de punir que será exercido no processo penal por meio do juiz e não do Ministério Público e muito menos do acusador privado 54 CONSEQUÊNCIAS PRÁTICAS DESSA CONSTRUÇÃO OU POR QUE O JUIZ NÃO PODERIA CONDENAR QUANDO O MINISTÉRIO PÚBLICO PEDIR A ABSOLVIÇÃO As consequências práticas dessa discussão são inúmeras a começar pela superação da noção de teoria geral do processo e o respeito às categorias próprias do processo penal e de sua complexa fenomenologia Mas vamos além Dessa forma nos delitos de ação penal de iniciativa pública o Estado realiza dois direitos distintos acusar e punir por meio de dois órgãos diferentes Ministério Público e Julgador Essa duplicidade do Estado como acusador e julgador é uma imposição do sistema acusatório separação das tarefas de acusar e julgar e não encontra nenhum obstáculo nos princípios de direito público e tampouco na lógica É a mesma duplicidade que permite ao Estado aceitar as leis emanadas de si mesmo executálas e julgar a sua correta aplicação Nessa linha de raciocínio na ação penal de iniciativa pública Ministério Público é o titular da pretensão acusatória Por questão de política criminal o modelo brasileiro adota o princípio da legalidade e indisponibilidade agora mitigados nos crimes de menor potencial ofensivo e não oportunidade Por esse motivo o MP não possui plena disposição sobre a pretensão acusatória quando na verdade deveria ter É inerente à titularidade de um direito o seu pleno poder de disposição Não há argumento que não uma pura opção política que justifique tais limitações impostas pela legalidade e indisponibilidade da ação penal de iniciativapública Sem embargo de tais limitações entendemos que se o MP pedir a absolvição já que não pode desistir da ação a ela está vinculado o juiz O poder punitivo estatal está condicionado à invocação feita pelo MP pelo exercício da pretensão acusatória Logo o pedido de absolvição equivale ao não exercício da pretensão acusatória isto é o acusador está abrindo mão de proceder contra alguém Como consequência não pode o juiz condenar sob pena de exercer o poder punitivo sem a necessária invocação no mais claro retrocesso ao modelo inquisitivo Como disse Carnelutti462 ao acusador não lhe compete a potestas de castigar mas só de promover o castigo Ademais também viola o princípio da correlação na medida em que o juiz está decidindo sem pedido ou pelo menos completamente fora do pedido ferindo de morte o princípio da correlação que norteia o espaço decisório463 Por derradeiro o juiz condenar diante do pedido expresso de absolvição do MP é uma flagrante violação da estrutura acusatória desenhada pela Constituição e expressamente prevista no art 3ºA do CPP na medida em que estamos diante de um juiz que condena de ofício sem pedido Em outra dimensão nos delitos de ação penal de iniciativa privada o senso comum teórico manualístico segue repetindo que instituise a ação penal privada uma das hipóteses de substituição processual em que a vítima defende interesse alheio direito de punir em nome próprio464 Tratase de um erro imperdoável de quem partiu de uma premissa equivocada Nos delitos de ação penal de iniciativa privada o particular é titular de uma pretensão acusatória e exerce o seu direito de ação sem que exista delegação de poder ou substituição processual Em outras palavras atua em direito próprio o de acusar da mesma forma que o faz o Ministério Público nos delitos de ação penal de iniciativa pública Ao ser regida pelos princípios da oportunidadeconveniência e disponibilidade se o querelante deixar de exercer sua pretensão acusatória deverá o juiz extinguir o feito sem julgamento do mérito ou pela sistemática do CPP declarar a extinção da punibilidade pela perempção art 60 do CPP Como se vê a sistemática do CPP está em plena harmonia no que tange à ação penal privada com a posição aqui defendida Igualmente perigosa é a inadequada utilização dos institutos da emendatio libelli previstos no art 383 do CPP pois é uma falácia a construção de que o réu se defende dos fatos decorrente do narrame o fato que te direi o direito Não é verdade Sobre a complexidade desse tema remetemos o leitor para nossa obra Direito processual penal onde tratamos com maior profundidade O juiz ao mudar a classificação jurídica do delito dando a ele a tipificação que lhe pareça mais adequada principalmente quando isso signifique uma pena mais grave comete uma violenta afronta ao sistema acusatório e ao direito de defesa Ademais preocupante desvio do conteúdo da pretensão acusatória podendo representar uma errônea postura de assumir os rumos da acusação Concluindo se no processo civil o conteúdo da pretensão é a alegação de um direito próprio e o pedido de adjudicação deste no processo penal é a afirmação do nascimento de um direito judicial de penar e a solicitação de que o Estado exerça esse direito potestas O acusador tem exclusivamente um direito de acusar afirmando a existência de um delito e em decorrência disso pede ao juiz Estadotribunal que exercite o seu poder de condenar o culpado e executar a pena O Estado realiza seu poder de penar no processo penal não como parte mas como juiz e esse poder punitivo está condicionado ao prévio exercício da pretensão acusatória A pretensão social que nasceu com o delito é elevada ao status de pretensão jurídica de acusar para possibilitar o nascimento do processo Nesse momento também nasce para Estado o poder de punir mas seu exercício está condicionado à existência prévia e total do processo penal Se o acusador deixar de exercer a pretensão acusatória desistindo ou pedindo a absolvição cai por terra a possibilidade de o Estadojuiz atuar o poder punitivo e a extinção do feito absolvição é imperativa 1 CORDERO Franco Riti e sapienza del diritto p 410 2 Sobre o tema v os excelentes ensaios de CORDERO Franco Le strane regole del signor 264p e do mesmo autor Nere lune dItalia segnali da un anno difficile 224p 3 2 ed 374p 4 In GAUER Ruth M Chittó org A qualidade do tempo para além das aparências históricas p 139 e ss 5 É só ver dele dentre outros o Proceso y derecho procesal 834p 6 BETTIOL Giuseppe Instituições de direito e processo penal p 273 7 Quintana Mario Antologia poética p 80 8 Observação do autor este prefácio foi escrito por Don Pedro em 2001 para o meu primeiro livro intitulado Sistemas de Investigação Preliminar no Processo Penal que era um resumo da minha tese doutoral Trago na presente obra como forma de homenagear esse ilustre processualista que tive a honra de ter como orientador e que infelizmente já faleceu 9 Juntamente com Alexandre Morais da Rosa na nossa coluna Limite Penal Disponível em httpswwwconjurcombr2020jan24limitepenalliminarministrofuxrevogoudecisao plenario 1 Problemas jurídicos y políticos del proceso penal p 7 2 Logo considerando que todo saber é datado interessanos mais a pergunta do que a resposta dada pelo autor naquele momento 3 Problemas jurídicos y políticos del proceso penal p 67 4 STRECK Lenio Luiz Jurisdição constitucional e hermenêutica p 19 5 TAVARES Juarez Teoria do injusto penal p 162 6 TAVARES Juarez Teoria do injusto penal p 162 7 Ibidem p 200 8 TAVARES Juarez Teoria do injusto penal p 200 9 PRADO Geraldo Sistema acusatório p 16 10 Ibidem p 44 11 La ciencia de la justicia Dikelogía p 201 12 BETTIOL Giuseppe Instituciones de derecho penal y procesal penal p 54 e ss 13 Ibidem p 174 14 SARLET Ingo Wolfgang Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988 2 ed p 74 15 Ibidem p 115 16 TAVARES Juarez Teoria do injusto penal 3 ed p 162 17 Idem 18 ZAFFARONI Eugenio Raúl PIERANGELI José Henrique Manual de direito penal brasileiro p 96 19 No prólogo da obra de FERRAJOLI Derecho y razón teoría del garantismo penal p 18 20 FERRAJOLI Luigi Derechos y garantías La ley del más débil 21 Las partes en el proceso penal p 272 22 Lei para quem Escritos de direito e processo penal em homenagem ao Professor Paulo Cláudio Tovo p 56 e ss 23 É complexa a problemática doutrinária acerca da existência de partes no processo penal Não sendo o momento oportuno para enfrentála limitamonos a esclarecer que quando falamos em partes estamos aludindo a um processo penal de partes que trata o sujeito passivo não mais como um mero objeto 24 Ou cargas expectativas e perspectivas se adotarmos a teoria do processo como situação jurídica de James Goldschmidt 25 Estamos nos referindo ao risco exógeno sociologia do risco e endógeno inerente ao processo enquanto situação jurídica dinâmica e imprevisível Ambos serão tratados na continuação 26 Sobre o tema VIRILIO Paul A inércia polar 27 A velocidade da libertação p 10 28 OST François O tempo do direito p 353 29 Ibidem p 377 30 No que se refere ao casamento Ost ob cit p 390 aponta para um tempo conjugal mais permanente que sobrevive ao tempo do casamento O casal parental sobrevive ao casal conjugal na medida em que apesar de o elo conjugal ter deixado de existir a filiação simbólica em relação à criança permanece A responsabilidade educativa dos dois cônjuges sobrevive ao tempo do casamento sendo incondi cional e permanente É possível divorciarse do cônjuge mas não dos filhos 31 A velocidade da libertação p 26 32 OST François O tempo do direito p 323 33 Ibidem p 356 34 Que não pode ser confundido com técnicas de sumarização horizontal e vertical da cognição Sobre o tema vejase nossa obra Direito processual penal e sua conformidade constitucional 35 RAUX JeanFrançois Prefácio elogio da filosofia para construir um mundo melhor A sociedade em busca de valores p 13 36 Idem 37 OST François O tempo do direito p 359 38 OST François O tempo do direito p 359 39 OST François O tempo do direito p 362 40 OST François O tempo do direito p 366 41 Ao lado do risco exógeno inerente a nossa sociedade de risco 42 O tempo do direito p 371 43 Democracia aqui é considerada em uma dimensão substancial enquanto sistema político e cultural que valoriza fortalece o indivíduo entre todo feixe de relações que ele mantém com os demais e com o Estado 44 MESSUTI Ana O tempo como pena p 103 45 EINSTEIN Vida e pensamentos p 100 46 Sobre o tema consultese o trabalho de Giuseppe Mosconi Tiempo social y tiempo de cárcel In BEIRAS Iñaki Rivera DOBON Juan orgs Secuestros institucionales y derechos humanos la cárcel y el manicomio como laberintos de obediencias fingidas 47 ALONSO Pedro Aragoneses Instituciones de derecho procesal penal p 7 48 Salvo aquelas protegidas pelas causas de exclusão da ilicitude ou da culpabilidade juridicamente reconhecidas pelo direito penal 49 AROCA Juan Montero Principios del proceso penal una explicación basada en la razón p 15 50 Como explica ORBANEJA Emilio Gómez Comentarios a la Ley de Enjuiciamiento Criminal t I p 27 e ss 51 Comentarios a la Ley de Enjuiciamiento Criminal t I p 27 52 Norma processual penal espanhola Ley de Enjuiciamiento Criminal 53 Seguindo AROCA Juan Montero Principios del proceso penal p 16 e ss 54 Apesar disso cumpre destacar que o monopólio estatal de perseguir e punir está sendo questionado a cada dia com mais força com o implemento de princípios como oportunidade e conveniência da ação penal aumento do número de delitos de ação penal privada ou pública condicionada e com as possibilidades de transação penal plea bargaining A justiça negociada configura uma perigosa e equivocada alternativa ao processo penal 55 TUCCI Rogério Lauria Teoria do direito processual penal p 25 56 Principios del proceso penal p 19 57 Sobre o tema consultem os diversos trabalhos constantes na obra Crítica à execução penal doutrina jurisprudência e projetos legislativos organizada por Salo de Carvalho e publicada pela Editora Lumen Juris 58 Como explica LEONE Giovanni Elementi di diritto e procedura penale p 189 59 Imprescindível a leitura de Geraldo Prado na excepcional obra Sistema acusatório 60 DINAMARCO Cândido Rangel A instrumentalidade do processo 61 ROSA Alexandre Morais da Direito infracional garantismo psicanálise e movimento antiterror p 135 e ss 62 Idem 63 Idem 64 No Prefácio da nossa obra Introdução crítica ao processo penal fundamentos da instrumentalidade constitucional 65 SANTOS Andrés Oliva Na obra coletiva Derecho procesal penal p 6 66 Originariamente publicado na Rivista di Diritto Processuale v 1 parte 1 p 7378 Em espanhol foi publicado com o título La Cenicienta na obra Cuestiones sobre el proceso penal p 1521 67 Carnelutti teve uma produção científica bastante ampla prolixa até escrevendo do direito comercial ao direito penal passando pelo processo civil e pelo processo penal Natural que cometesse como de fato cometeu diversos tropeços nessa longuíssima caminhada dogmática Também caiu diversas vezes em contradição Em casos assim é preciso conhecer também o autor das obras para não fazer equivocados juízos a priori Fazemos essa advertência porque em que pese no final da vida ter feito verdadeiras declarações de amor ao direito penal e ao processo penal lutando por sua evolução e valorização também foi ele um defensor da equivocada teoria unitária teoria geral do processo pensando ser o conceito de lide algo unificador Logo La Cenicienta deve ser compreendida nesse contexto e nesses conflitos científicos que ele mesmo vivia 68 TUCCI Rogério Lauria Teoria do direito processual penal p 54 69 COUTINHO Jacinto Nelson de Miranda A lide e o conteúdo do processo penal p 119 70 No mesmo sentido Andrés Oliva Santos na obra coletiva Derecho procesal penal p 51 71 Aqui estamos fazendo alusão ao complexo pensamento de Simmel quando já em 1896 escreveu sobre O dinheiro na cultura moderna demonstrando o processo de coisificação da humanidade Importante ainda a leitura de Ruth Gauer O reino da estupidez e o reino da razão p 146 e ss quando abordando Simmel explica que a morte do homem foi diagnosticada quando o autor analisou o papel do dinheiro na sociedade e a separação entre as culturas subjetiva e objetiva Essa coisificação do ser humano levou ao domínio da coisa sobre o homem Como explica Gauer o dinheiro é o Deus moderno onipotente e onipresente uma unidade e referência que une a todos Sua busca é a sua falta produz o ritmo nervoso e o estresse da vida moderna Que novo tipo de vida o dinheiro constitui 72 CARNELUTTI Francesco La Cenicienta Cuestiones sobre el proceso penal p 19 73 Direito penal Parte Geral p 655 74 Sobre essa e as demais questões mencionadas neste tópico sugerimos a leitura de nossa obra Direito processual penal publicada pela editora Saraiva onde esses temas são tratados com mais profundidade 75 A crítica dirigese à visão tradicional paleopositivista e arraigada no dogma da completude lógica do sistema Da mesma forma a crítica está dirigida à ilusão de controle que emerge do conceito Como explicaremos no final a tal segurança jurídica deve ser repensada no atual contexto de insegurança exógena e endógena enquanto instrumento limitador do poder punitivo estatal e emancipador do débil submetido ao processo penal 76 Trabalhamos aqui com os conceitos de Beck contidos na obra La sociedad del riesgo e também de Goldblatt A sociologia de risco Ulrich Beck Teoria social e ambiente 77 BECK Ulrich La sociedad del riesgo p 11 78 Invocando Beck Goldblatt A sociologia de risco Ulrich Beck p 232 cita o exemplo da poluição causada por uma siderurgia ou fundição no século XIX ou meados do século XX o lixo produzido tinha consequências relevantes em nível local para as pessoas que trabalhavam lá e para a comunidade local que bebia a água e respirava o ar contaminado Contudo essa ameaça mesmo considerando todas as siderurgias do mundo não alcançava populações inteiras nem o planeta no seu todo 79 GOLDBLATT A sociologia de risco Ulrich Beck p 233 80 GOLDBLATT David A sociologia de risco Ulrich Beck p 240 81 O tempo do direito p 324 82 COMTESPONVILLE André O sertempo p 18 83 MORIN Edgar PRIGOGINE Ilya et al A sociedade em busca de valores Para fugir à alternativa entre o cepticismo e o dogmatismo 84 Gilles Lipovetsky A era do apósdever p 3031 explica que existem três fases essenciais na história da moral ocidental A primeira é marcada pelo momento teológico da moral em que ela era inseparável dos mandamentos de Deus e da Bíblia A segunda fase que inicia no final do século XVII é laicomoralista em que se busca fundar as bases de uma moral independente dos dogmas religiosos e da autoridade da igreja É uma moral pensada a partir da racionalidade em que o homem pode alcançar uma vida moral sem a ajuda de Deus e dos dogmas teológicos Por fim a terceira fase é a pósmoralista e continua com o processo de secularização posto em marcha nos séculos XVII e XVIII É uma sociedade que estimula mais os desejos a felicidade e os direitos subjetivos sem a cultura da ética de sacrifícios 85 LIPOVETSKY Gilles A era do apósdever p 35 86 BRUCKNER Pascal Filhos e vítimas o tempo da inocência p 55 87 Ibidem p 56 88 CARVALHO Salo de A ferida narcísica do direito penal primeiras observações sobre as disfunções do controle penal na sociedade contemporânea p 189 89 Ibidem p 206 90 Alguns aspectos da fenomenologia da violência p 13 e ss 91 Sobre o mito da verdade real e sua desconstrução remetemos o leitor para nossa obra Direito processual penal publicada pela Editora Saraiva 92 EINSTEIN Vida e pensamentos p 1618 93 HAWKING Stephen O universo numa casca de noz p 11 94 Contudo ensina Hawking ob cit p 79 a relatividade geral falhou ao tentar descrever os momentos iniciais do universo porque não incorporava o princípio da incerteza o elemento aleatório da teoria quântica a que Einstein tinha se oposto como o pretexto de que Deus não joga dados recordemos da célebre frase de Einstein Deus não joga dados com o Universo Mas ao que tudo indica prossegue Hawking é que Deus seja um grande jogador onde o Universo não passa de um imenso cassino com dados sendo lançados e roletas girando a todo momento Existe um grande risco de perder dinheiro a cada lançamento de dados mas existe uma previsibilidade probabilidade senão os proprietários de Cassinos não seriam tão ricos O mesmo ocorre com o grande universo que temos hoje em que existe um número enorme de lançamento de dados em que a média de resultados pode ser prevista É aqui que as leis clássicas da física funcionam para os grandes sistemas Sem embargo quando o universo é minúsculo como o era próximo à época do Big Bang o número de lançamentos de dados é pequeno e o princípio da incerteza é muito importante Aqui está a falha da relatividade ao não incorporar esse elemento aleatório da incerteza Hoje a incerteza está tão arraigada nas diferentes dimensões da vida economia sociologia antropologia etc que a discussão supera a fase da probabilidade para atingir o nível da possibilidade ou ainda das propensões como definiu Karl Popper ao longo da obra Um mundo de propensões para quem a tendência para que as médias estatísticas se mantenham se as condições se mantiverem estáveis é uma das características mais notáveis do nosso universo Sustento que isso só pode ser explicado pela teoria da propensão que são mais do que meras possibilidades são mesmo tendências ou propensões para se tornarem realidade ou propensões para se realizarem a si mesmas as quais estão inerentes a todas as possibilidades em vários graus e que são algo como uma força que mantém as estatísticas estáveis ob cit p 24 A propensão entendemos poderia ser definida como uma possibilidade qualificada conduzindo assim ao abandono da categoria probabilidade diante do princípio da incerteza 95 VIRILIO Paul A inércia polar p 19 96 THUMS Gilberto Sistemas processuais penais tempo dromologia tecnologia e garantismo p 21 97 HAWKING Stephen O universo numa casca de noz p 94 98 OST François O tempo do direito p 324 99 Ibidem p 327 100 Ibidem p 332 101 OST François O tempo do direito p 335 102 Desenvolvida na obra La teoría de las excepciones dilatorias y los presupuestos procesales publicada original em alemão em 1868 103 BETTIOL Giuseppe Instituciones de derecho penal y procesal penal p 243 104 GUASP Jaime Administración de justicia y derechos de la personalidad p 180 e ss 105 Princípios gerais do processo civil p 49 106 Ensina Einstein ob cit p 6668 que o princípio criador reside na matemática a sua certeza é absoluta enquanto se trata de matemática abstrata mas diminui na razão direta de sua concretização as teses matemáticas não são certas quando relacionadas com a realidade e enquanto certas não se relacionam com a realidade 107 Sobre os perigos do decisionismo e o solipsismo recomendamos a leitura de Lenio Streck entre outros na obra O que é isto decido conforme a minha consciência 108 Aqui apenas vamos indicar a base principiológica Sugerimos a leitura da nossa obra Direito processual penal publicada pela editora Saraiva em que apro fundamos a análise e problematização de todos e cada um deles 109 COUTINHO Jacinto Nelson de Miranda O papel do novo juiz no processo penal Crítica à teoria geral do direito processual penal p 47 110 BUENO DE CARVALHO Amilton Teoria e prática do direito alternativo p 5657 Consultese também a excelente obra de Diego J Duquelsky Gomez Entre a lei e o direito 111 Idem 112 OST François O tempo do direito 113 FIGUEIREDO DIAS Jorge Acordos sobre a sentença em processo penal Edição Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados p 16 114 Para o estudo do Juizado Especial Criminal composição dos danos civis transação penal e suspensão condicional do processo remetemos o leitor a nossa obra Direito processual penal publicada pela Editora Saraiva 115 Sobre o tema imprescindível a leitura dos diversos escritos de Jacinto Nelson de Miranda Coutinho especialmente COUTINHO Jacinto Nelson de Miranda Introdução aos princípios gerais do processo penal brasileiro Separata do Instituto Transdisciplinar de Estudos Criminais Também publicado na Revista de Estudos Criminais n 012001 COUTINHO Jacinto Nelson de Miranda O papel do novo juiz no processo penal In COUTINHO Jacinto Nelson de Miranda org Crítica à teoria geral do direito processual penal Idem Efetividade do processo penal e golpe de cena Um problema às reformas processuais In Wunderlich Alexandre coord Escritos de direito e processo penal em homenagem ao professor Paulo Cláudio Tovo Idem Glosas ao Verdade dúvida e certeza de Francesco Carnelutti para os operadores do direito Anuário IberoAmericano de Direitos Humanos 116 Sobre a pretensão acusatória como objeto do processo penal LOPES JR Aury Fundamentos do processo penal p 229259 117 PRADO Geraldo Elementos para uma análise crítica da transação penal p 224 118 Art 28A Não sendo caso de arquivamento e tendo o investigado confessado formal e circunstancialmente a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 quatro anos o Ministério Público poderá propor acordo de não persecução penal desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime mediante as seguintes condições ajustadas cumulativa e alternativamente Incluído pela Lei n 13964 de 2019 I reparar o dano ou restituir a coisa à vítima exceto na impossibilidade de fazêlo Incluído pela Lei n 13964 de 2019 II renunciar voluntariamente a bens e direitos indicados pelo Ministério Público como instrumentos produto ou proveito do crime Incluído pela Lei n 13964 de 2019 III prestar serviço à comunidade ou a entidades públicas por período correspondente à pena mínima cominada ao delito diminuída de um a dois terços em local a ser indicado pelo juízo da execução na forma do art 46 do DecretoLei n 2848 de 7 de dezembro de 1940 Código Penal Incluído pela Lei n 13964 de 2019 IV pagar prestação pecuniária a ser estipulada nos termos do art 45 do DecretoLei n 2848 de 7 de dezembro de 1940 Código Penal a entidade pública ou de interesse social a ser indicada pelo juízo da execução que tenha preferencialmente como função proteger bens jurídicos iguais ou semelhantes aos aparentemente lesados pelo delito ou Incluído pela Lei n 13964 de 2019 V cumprir por prazo determinado outra condição indicada pelo Ministério Público desde que proporcional e compatível com a infração penal imputada Incluído pela Lei n 13964 de 2019 1º Para aferição da pena mínima cominada ao delito a que se refere o caput deste artigo serão consideradas as causas de aumento e diminuição aplicáveis ao caso concreto Incluído pela Lei n 13964 de 2019 2º O disposto no caput deste artigo não se aplica nas seguintes hipóteses Incluído pela Lei n 13964 de 2019 I se for cabível transação penal de competência dos Juizados Especiais Criminais nos termos da lei Incluído pela Lei n 13964 de 2019 II se o investigado for reincidente ou se houver elementos probatórios que indiquem conduta criminal habitual reiterada ou profissional exceto se insignificantes as infrações penais pretéritas Incluído pela Lei n 13964 de 2019 III ter sido o agente beneficiado nos 5 cinco anos anteriores ao cometimento da infração em acordo de não persecução penal transação penal ou suspensão condicional do processo e Incluído pela Lei n 13964 de 2019 IV nos crimes praticados no âmbito de violência doméstica ou familiar ou praticados contra a mulher por razões da condição de sexo feminino em favor do agressor Incluído pela Lei n 13964 de 2019 3º O acordo de não persecução penal será formalizado por escrito e será firmado pelo membro do Ministério Público pelo investigado e por seu defensor Incluído pela Lei n 13964 de 2019 4º Para a homologação do acordo de não persecução penal será realizada audiência na qual o juiz deverá verificar a sua voluntariedade por meio da oitiva do investigado na presença do seu defensor e sua legalidade Incluído pela Lei n 13964 de 2019 5º Se o juiz considerar inadequadas insuficientes ou abusivas as condições dispostas no acordo de não persecução penal devolverá os autos ao Ministério Público para que seja reformulada a proposta de acordo com concordância do investigado e seu defensor Incluído pela Lei n 13964 de 2019 6º Homologado judicialmente o acordo de não persecução penal o juiz devolverá os autos ao Ministério Público para que inicie sua execução perante o juízo de execução penal Incluído pela Lei n 13964 de 2019 7º O juiz poderá recusar homologação à proposta que não atender aos requisitos legais ou quando não for realizada a adequação a que se refere o 5º deste artigo Incluído pela Lei n 13964 de 2019 8º Recusada a homologação o juiz devolverá os autos ao Ministério Público para a análise da necessidade de complementação das investigações ou o oferecimento da denúncia Incluído pela Lei n 13964 de 2019 9º A vítima será intimada da homologação do acordo de não persecução penal e de seu descumprimento Incluído pela Lei n 13964 de 2019 10 Descumpridas quaisquer das condições estipuladas no acordo de não persecução penal o Ministério Público deverá comunicar ao juízo para fins de sua rescisão e posterior oferecimento de denúncia Incluído pela Lei n 13964 de 2019 11 O descumprimento do acordo de não persecução penal pelo investigado também poderá ser utilizado pelo Ministério Público como justificativa para o eventual não oferecimento de suspensão condicional do processo Incluído pela Lei n 13964 de 2019 12 A celebração e o cumprimento do acordo de não persecução penal não constarão de certidão de antecedentes criminais exceto para os fins previstos no inciso III do 2º deste artigo Incluído pela Lei n 13964 de 2019 13 Cumprido integralmente o acordo de não persecução penal o juízo competente decretará a extinção de punibilidade Incluído pela Lei n 13964 de 2019 14 No caso de recusa por parte do Ministério Público em propor o acordo de não persecução penal o investigado poderá requerer a remessa dos autos a órgão superior na forma do art 28 deste Código Incluído pela Lei n 13964 de 2019 119 Criminologia o homem delinquente e a sociedade criminógena p 484 e ss 120 Na obra Barganha e justiça criminal negocial monografia vencedora do 19o Concurso de Monografias de Ciências Criminais IBCCrim 121 Parte da doutrina é rigorosa na distinção dos institutos Luiz Flávio Gomes por exemplo explica que a colaboração é gênero subdividindose em cinco espécies delação premiada colaboração reveladora da estrutura e funcionamento da organização colaboração preventiva colaboração para localização e recuperação de ativos colaboração para libertação de pessoas Disponível em httpwwwcartaforensecombrconteudocolunashadiferencaentrecolaboracaoe delacaopremiada14756 122 Colaboração premiada e auxílio judiciário em matéria penal A ordem pública como obstáculo à cooperação com a operação Lava Jato Revista de Legislação e Jurisprudência ano 146 n 4000 setout 2016 p 2425 123 A expressão é de Pedro Aragoneses Alonso na obra Proceso y derecho procesal p 127 Werner Goldschmidt também leciona na mesma dimensão mas denominando de princípio básico do processo no magistral trabalho La imparcialidad como principio básico del proceso Revista de Derecho Procesal n 2 1950 p 208 ss 124 Entre outros na nossa obra Direito processual penal p 62 e ss 125 Derecho procesal civil y penal p 342 126 No magistral trabalho La imparcialidad como principio básico del processo Revista de Derecho Procesal n 2 1950 p 208 e ss 127 Para FERRAJOLI Derecho y razón cit p 580 é a ajenidad del juez a los intereses de las partes en causa 128 O papel do novo juiz no processo penal cit p 11 129 Introducción filosófica al derecho p 321 130 SCHÜNEMANN Bernd Estudos de direito penal e processual penal e filosofia do direito 131 É importante destacar que existiu uma posterior oscilação na jurisprudência do TEDH especialmente na década de 1990 no sentido de relativizar essa presunção recorrendo à análise do caso concreto entre outros Casos Hauschild SainteMarie vs França e Padovani vs Itália Essa variação é perfeitamente compreen sível na medida em que como qualquer tribunal o TEDH está suscetível de mudanças de humor em razão dos influxos e pressões que sofre Ademais há que se compreender que os casos citados Piersack 1982 e De Cubber vs Bélgica 1984 são do início da década de 1980 momento sensível no que tange ao processo penal europeu em que o modelo de juizado de instrução juiz instrutorinquisidor ainda era predominante e começava a ser seriamente questionado Era o modelo em que um mesmo juiz investigava e julgava na maior parte dos países e esse sistema estava em crise Basta recordar que a Alemanha fez uma grande reforma em 1974 para abandonar o juizado de instrução substituído pelo promotor investigador seguida posteriormente por Itália 1988 e Portugal 1988 Portanto as decisões proferidas nesses casos refletem uma preocupação que já não existe atualmente nos principais sistemas processuais penais europeus seja pelo completo abandono do modelo de juizado de instrução vg Alemanha Itália e Portugal seja pela vedação completa de que o juiz que instrui possa julgar como é o caso do modelo espanhol Inobstante o Brasil segue uma perigosa tendência de retrocesso com a constante atribuição de mais poderes instrutórios aos juízes como se vê na nova redação do art 156 I do CPP que consagra um absurdo cenário de juiz instrutorinquisidor Diante disso é de extrema importância toda a doutrina construída pelo TEDH em torno do caso Piersack e De Cubber pois se na Europa a matéria já está consolidada a ponto de se poder recorrer a eventuais relativizações no Brasil o problema é grave e longe de se atingir uma solução satisfatória Daí por que aqui precisamos sim de todo o rigor da regra o juiz que investiga não pode julgar pois temos por culpa do art 156 e de uma forte cultura inquisitória um cenário bastante perigoso e que exige uma postura intransigente 132 Decisões n 49690 40191 50291 12492 18692 39992 43993 43295 entre outras 133 Problemas jurídicos y políticos del proceso penal p 29 134 Sobre a batalha das expectativas à qual o direito é lançado recomendamos a leitura de Rui Cunha Martins na obra A hora dos cadáveres adiados 135 Sobre a ambição da verdade no processo penal e suas nefastas consequências veja se a obra A busca da verdade no processo penal de Salah Khaled Jr publicada pela Editora Letramento e também um dos capítulos do nosso livro Direito processual penal publicado pela Editora Saraiva 136 Consultemse os diversos trabalhos de Jacinto Coutinho especialmente o artigo Introdução aos princípios gerais do direito processual penal brasileiro Revista de Estudos Criminais n 1 2001 e também o Glosas ao Verdade dúvida e certeza de Francesco Carnelutti para os operadores do direito cit 137 OLIVA SANTOS Andrés Jueces imparciales fiscales investigadores y nueva reforma para la vieja crisis de la justicia penal p 30 138 Sobre o tema recomendamos a leitura das nossas obras Prisões cautelares e Direito processual penal ambas publicadas pela Editora Saraiva 139 Sobre o tema remetemos aos trabalhos do ilustre professor português Rui Cunha Martins especialmente nas obras A hora dos cadáveres adiados e O ponto cego do direito ambas publicadas pela Editora Atlas 140 Também nesse sentido Amilton Bueno de Carvalho especialmente na obra Lei para quem In Wunderlich Alexandre coord Escritos de direito e processo penal em homenagem ao professor Paulo Cláudio Tovo 141 Para evitar repetições remetemos o leitor a nossa obra Direito processual penal publicada pela Editora Saraiva onde aprofundamos a análise da presunção de inocência 142 BUENO DE CARVALHO Amilton Direito alternativo em movimento p 2930 143 CARNELUTTI Francesco Lecciones sobre el proceso penal v II p 75 144 SANGUINÉ Odone A inconstitucionalidade do clamor público como fundamento da prisão preventiva Revista de Estudos Criminais n 10 p 114 145 SANGUINÉ Odone A inconstitucionalidade do clamor público como fundamento da prisão preventiva Revista de Estudos Criminais n 10 p 115 146 DELMANTO JUNIOR Roberto As modalidades de prisão provisória e seu prazo de duração p 183 147 SANGUINÉ Odone Ibidem 148 Ibidem p 139 149 Para uma análise mais completa remetemos a nossa obra Prisões cautelares publicada pela Editora Saraiva 150 Especialmente na obra Prisões cautelares publicada pela Editora Saraiva 151 BANACLOCHE PALAO Julio La libertad personal y sus limitaciones p 292 152 Invocando aqui o consagrado conceito de strumentalità qualificata tão bem explicado por CALAMANDREI ob cit p 22 153 FERRAIOLI Marzia e DALIA Andrea Antonio Manuale di diritto processuale penale p 228 ss 154 CORDERO Franco Procedimiento penal v 1 p 410 155 Disponível em httpwwwstfjusbrportalcmsverNoticiaDetalheasp idConteudo354431 156 É o caso da Constituição Italiana de 1948 que no art 27 comma 2º assegura limputato non è considerato colpevole sino alla condanna definitiva O mesmo conteúdo foi adotado pela Constituição Portuguesa de 1974 no artigo 322 que entre as garantias do processo criminal assegura Todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa 157 Para uma análise mais aprofundada remetemos o leitor para as seguintes publicações eletrônicas httpwwwconjurcombr2016mar04limitepenalfimpresuncaoinocencia stfnossojuridico httpwwwacademiaedu 158 PRADO Geraldo O trânsito em julgado da decisão penal condenatória Boletim do IBCCrim n 277 dez 2015 159 Entre outros na obra Tratado de derecho procesal penal tomo I p 252 160 O excelente texto de Paulo Queiroz do qual extraímos apenas um trecho é bem mais amplo trazendo ainda uma análise importante da prisão preventiva Recomendamos a leitura no site httpswwwpauloqueiroznetanovaprisaopreventivalein139642019 161 O presente tópico é reprodução de artigo produzido por Aury Lopes Jr e Vitor Paczek para publicação na Revista Duc In Altum Cadernos de Direito v 11 n 23 p 319356 janabr 2019 162 Em 2001 prenunciouse a primeira crítica ao sistema de justiça negociada a partir da experiência da Lei n 9099 o pensamento que nos orienta é prospectivo olhamos para o futuro A situação atual já é preocupante mas pretendemos demonstrar por meio da crítica que a ampliação do campo de atuação da justiça consensuada será desastrosa para o processo penal Devemos recordar ainda o contexto social e econômico no qual ela se insere e foi gerada até porque o sistema penal não está num compartimento estanque imune aos movimentos sociais políticos e econômicos conforme explicamos nos capítulos anteriores onde tratamos da ideologia repressivista da lei e ordem e da eficiência antigarantista Contudo com o passar dos anos a criatura virouse contra o criador ou melhor mostrou sua verdadeira cara utilitarismo processual e a busca da máxima eficiência utilitarista LOPES JR Aury Sistemas de investigação preliminar no processo penal Rio de Janeiro Lumen Juris 2001 p 22 163 Art 28A Não sendo caso de arquivamento e tendo o investigado confessado formal e circunstancialmente a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 quatro anos o Ministério Público poderá propor acordo de não persecução penal desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime mediante as seguintes condições ajustadas cumulativa e alternativamente Incluído pela Lei n 13964 de 2019 I reparar o dano ou restituir a coisa à vítima exceto na impossibilidade de fazêlo Incluído pela Lei n 13964 de 2019 II renunciar voluntariamente a bens e direitos indicados pelo Ministério Público como instrumentos produto ou proveito do crime Incluído pela Lei n 13964 de 2019 III prestar serviço à comunidade ou a entidades públicas por período correspondente à pena mínima cominada ao delito diminuída de um a dois terços em local a ser indicado pelo juízo da execução na forma do art 46 do DecretoLei n 2848 de 7 de dezembro de 1940 Código Penal Incluído pela Lei n 13964 de 2019 IV pagar prestação pecuniária a ser estipulada nos termos do art 45 do DecretoLei n 2848 de 7 de dezembro de 1940 Código Penal a entidade pública ou de interesse social a ser indicada pelo juízo da execução que tenha preferencialmente como função proteger bens jurídicos iguais ou semelhantes aos aparentemente lesados pelo delito ou Incluído pela Lei n 13964 de 2019 V cumprir por prazo determinado outra condição indicada pelo Ministério Público desde que proporcional e compatível com a infração penal imputada Incluído pela Lei n 13964 de 2019 1º Para aferição da pena mínima cominada ao delito a que se refere o caput deste artigo serão consideradas as causas de aumento e diminuição aplicáveis ao caso concreto Incluído pela Lei n 13964 de 2019 2º O disposto no caput deste artigo não se aplica nas seguintes hipóteses Incluído pela Lei n 13964 de 2019 I se for cabível transação penal de competência dos Juizados Especiais Criminais nos termos da lei Incluído pela Lei n 13964 de 2019 II se o investigado for reincidente ou se houver elementos probatórios que indiquem conduta criminal habitual reiterada ou profissional exceto se insignificantes as infrações penais pretéritas Incluído pela Lei n 13964 de 2019 III ter sido o agente beneficiado nos 5 cinco anos anteriores ao cometimento da infração em acordo de não persecução penal transação penal ou suspensão condicional do processo e Incluído pela Lei n 13964 de 2019 IV nos crimes praticados no âmbito de violência doméstica ou familiar ou praticados contra a mulher por razões da condição de sexo feminino em favor do agressor Incluído pela Lei n 13964 de 2019 3º O acordo de não persecução penal será formalizado por escrito e será firmado pelo membro do Ministério Público pelo investigado e por seu defensor Incluído pela Lei n 13964 de 2019 4º Para a homologação do acordo de não persecução penal será realizada audiência na qual o juiz deverá verificar a sua voluntariedade por meio da oitiva do investigado na presença do seu defensor e sua legalidade Incluído pela Lei n 13964 de 2019 5º Se o juiz considerar inadequadas insuficientes ou abusivas as condições dispostas no acordo de não persecução penal devolverá os autos ao Ministério Público para que seja reformulada a proposta de acordo com concordância do investigado e seu defensor Incluído pela Lei n 13964 de 2019 6º Homologado judicialmente o acordo de não persecução penal o juiz devolverá os autos ao Ministério Público para que inicie sua execução perante o juízo de execução penal Incluído pela Lei n 13964 de 2019 7º O juiz poderá recusar homologação à proposta que não atender aos requisitos legais ou quando não for realizada a adequação a que se refere o 5º deste artigo Incluído pela Lei n 13964 de 2019 8º Recusada a homologação o juiz devolverá os autos ao Ministério Público para a análise da necessidade de complementação das investigações ou o oferecimento da denúncia Incluído pela Lei n 13964 de 2019 9º A vítima será intimada da homologação do acordo de não persecução penal e de seu descumprimento Incluído pela Lei n 13964 de 2019 10 Descumpridas quaisquer das condições estipuladas no acordo de não persecução penal o Ministério Público deverá comunicar ao juízo para fins de sua rescisão e posterior oferecimento de denúncia Incluído pela Lei n 13964 de 2019 11 O descumprimento do acordo de não persecução penal pelo investigado também poderá ser utilizado pelo Ministério Público como justificativa para o eventual não oferecimento de suspensão condicional do processo Incluído pela Lei n 13964 de 2019 12 A celebração e o cumprimento do acordo de não persecução penal não constarão de certidão de antecedentes criminais exceto para os fins previstos no inciso III do 2º deste artigo Incluído pela Lei n 13964 de 2019 13 Cumprido integralmente o acordo de não persecução penal o juízo competente decretará a extinção de punibilidade Incluído pela Lei n 13964 de 2019 14 No caso de recusa por parte do Ministério Público em propor o acordo de não persecução penal o investigado poderá requerer a remessa dos autos a órgão superior na forma do art 28 deste Código Incluído pela Lei n 13964 de 2019 164 LANGBEIN John H Tortura e plea bargaining In GLOCKNER Ricardo Jacobsen org Sistemas Processuais Penais Florianópolis Empório do Direito 2017 p 138 165 DIAS Jorge de Figueiredo Acordos sobre a sentença em processo penal o fim do Estado de Direito ou um novo princípio Porto Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados 2011 p 17 166 Na experiência dos EUA os promotores têm amplas opções de negociação podendo não tomar posição no acordo da sentença não se opor aos pedidos do acusado requisitar tipos específicos de sentença especificar multa ou termo para a prisão ou nada mais que multa ou sentença de prisão OSULLIVAN Julie R Federal white collar crime cases and materials St Paul West Fifth Edition 2012 p 11171121 167 FERRAJOLI Luigi Derecho y razón teoría del garantismo penal 8 ed Madrid Trotta 1995 p 747 168 Exige a separação entre as funções de acusarjulgar o processo deve ser predominantemente oral público com um procedimento contraditório e de trato igualitário das partes e não meros sujeitos Com relação à prova vigora o sistema do livre convencimento motivado e a sentença produz a eficácia de coisa julgada A liberdade da parte passiva é a regra sendo a prisão cautelar uma exceção Assim é o sistema acusatório não derivando dele a justiça negociada Todo o oposto 169 Em inúmeros trabalhos mas especialmente COUTINHO Jacinto Nelson de Miranda O papel do novo juiz no processo penal In SILVEIRA Marco Aurélio Nunes da PAULA Leonardo Costa de org Observações sobre os sistemas processuais penais escritos do Prof Jacinto Nelson de Miranda Coutinho 1 Curitiba Observatório da Mentalidade Inquisitória 2018 p 2562 170 LANGBEIN John H Tortura e plea bargaining In GLOCKNER Ricardo Jacobsen org Sistemas processuais penais Florianópolis Empório do Direito 2017 p 140 171 La equidad en el juicio penal para la reforma de la corte de asises In CARNELUTTI Francesco Cuestiones sobre el proceso penal Buenos Aires Libreria el Foro 1960 p 292 172 WALSH Dylan Why US Criminal Courts are so dependent on plea bargaining Side effects include inordinately powerful prosecutors and infrequent access to jury trials In Revista The Atlantic publicado em 252017 Disponível em httpswwwtheatlanticcompoliticsarchive201705pleabargainingcourts prosecutors524112 173 GOLDSCHMIDT James Problemas politicos y juridicos del proceso penal Conferencias dadas en la Universidad de Madrid en los meses de diciembre de 1934 y de enero febrero y marzo de 1935 Barcelona Bosch 1935 p 67 174 Não há nenhum compromisso ético com a verdade crítica também feita por Schünemann ainda que processual e tampouco com o valor justiça Importa fazer um acordo aceitável para as partes ainda que isso represente uma pena baixa para um criminoso confesso rompendo com o liame gravidade do crimepena ou uma pena injusta para um inocente que não quer se arriscar ao processo e o perigo de uma pena desproporcional ou ainda a concessão de imunidade penal SCHÜNEMANN Bernd Um olhar crítico ao modelo processual penal norteamericano In GRECO Luís org Estudos de direito penal direito processual penal e filosofia do direito São Paulo Marcial Pons 2013 p 248249 175 SCHÜNEMANN Bernd Um olhar crítico ao modelo processual penal norteamericano In GRECO Luís org Estudos de direito penal direito processual penal e filosofia do direito São Paulo Marcial Pons 2013 p 242243 176 WALSH Dylan Why US Criminal Courts are so dependent on plea bargaining Side effects include inordinately powerful prosecutors and infrequent access to jury trials In Revista The Atlantic publicado em 252017 Disponível em httpswwwtheatlanticcompoliticsarchive201705pleabargainingcourts prosecutors524112 177 WALSH Dylan Why US Criminal Courts are so dependent on plea bargaining Side effects include inordinately powerful prosecutors and infrequent access to jury trials In Revista The Atlantic publicado em 252017 Disponível em httpswwwtheatlanticcompoliticsarchive201705pleabargainingcourts prosecutors524112 178 LANGBEIN John H Tortura e plea bargaining In GLOCKNER Ricardo Jacobsen org Sistemas processuais penais Florianópolis Empório do Direito 2017 p 137 179 Mas isso não significa que o processo penal deva corresponder às expectativas sociais criadas todo o oposto ele deve ser contraintuitivo e contramajoritário no que tange à eficácia dos direitos e garantias fundamentais CUNHA MARTINS Rui Contraintuição e processo penal In KHALED JR Salah H coord Sistema penal e poder punitivo estudos em homenagem ao prof Aury Lopes Jr Florianópolis Empório do direito 2015 p 467 e ss 180 DIAS Jorge de Figueiredo Acordos sobre a sentença em processo penal o fim do estado de direito ou um novo princípio Porto Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados 2011 p 13 181 OST François O tempo do direito Lisboa Piaget 2001 passim 182 VIRILIO Paul A inércia polar Lisboa Dom Quixote 1993 passim 183 DIAS Jorge de Figueiredo Acordos sobre a sentença em processo penal o fim do estado de direito ou um novo princípio Conselho Distrital do Porto 2001 p16 184 Utilizaremos aqui apenas a expressão plea bargaining ou plea agreement por ser mais representativa e abrangente Mas como explica Masi MASI Carlo Velho A plea bargaining no sistema penal norteamericano publicado em 2972016 disponível em httpscanalcienciascriminaiscombrapleabargainingnosistemaprocessualpenal norteamericano existem diferentes tipos de barganha a na charge bargaining o acusado se declara culpado de um crime menos grave que a acusação original b na count bargaining o acusado assume apenas uma parte dentre várias acusações c na sentence bargaining a promotoria se compromete a pedir em juízo determinado benefício na sentença o que pode ser negado pelo juiz d e na fact bargaining o acusado se declara culpado mas as partes acordam sobre certos fatos que afetarão a forma como o acusado será punido 185 DIAS Jorge de Figueiredo Acordos sobre a sentença em processo penal o fim do estado de direito ou um novo principio Porto Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados 2011 passim 186 O pattegiamento seria exercido mediante conclusão antecipada do procedimento por meio de sentença na qual o juízo verificaria a legalidade pela qualificação jurídica do fato se a pena acordada estaria dentro dos limites normativos predeterminados após ter avaliado a adequação da reprimenda Seria esse o grande papel do magistrado que exerceria o controle não sobre a legitimidade mas sobre os efeitos da comensuração da pena mediante giudizio di bilanciamento atentando ao critério normativo Portanto em que pese haja significativo espectro de atuação nem tudo é possível de acordar DALIA Andre Antonio FERRAIOLI Andrea Manuale di diritto processuale penale Cedam Casa Editrice Dott Antonio Milani 1997 p 643645 187 Sobre o valor probatório do inquérito policial e a fundamental distinção entre atos de invetigação e atos de prova remetemos o leitor à nossa obra Direito processual penal publicada pela editora Saraiva na qual tratamos do tema 188 Sobre o tema consultar httpswwwconjurcombr2019fev01limitepenal investigacaodefensivapoderdeveradvocaciadireitocidadania 189 WALSH Dylan Why US Criminal Courts are so dependent on plea bargaining Side effects include inordinately powerful prosecutors and infrequent access to jury trials In Revista The Atlantic publicado em 252017 Disponível em httpswwwtheatlanticcompoliticsarchive201705pleabargainingcourts prosecutors524112 190 Nesse sentido Langbein explica que existem paralelos notáveis entre as regras da tortura e as regras do plea bargaining Explica o autor que do século XII à metade do século XVIII a tortura estabeleceuse no coração do processo penal continental A tortura era uma prática rotineira para obtenção da confissão que era a rainha das provas LANGBEIN John H Tortura e plea bargaining In GLOCKNER Ricardo Jacobsen org Sistemas Processuais Penais Florianópolis Empório do Direito 2017 p 134150 191 LANGBEIN John H Tortura e plea bargaining In GLOCKNER Ricardo Jacobsen org Sistemas Processuais Penais Florianópolis Ed Empório do Direito 2017 p 146 192 Ibidem p 141 193 Nesse sentido ver parecer do MPF no TRF4 que considerou 2 Além de se prestar a preservar as provas o elemento autorizativo da prisão preventiva consistente na conveniência da instrução criminal diante da série de atentados contra o país tem importante função de convencer os infratores a colaborar com o desvendamento dos ilícitos penais o que poderá acontecer neste caso a exemplo de outros tantos grifouse Disponível em httpswwwconjurcombrdllavajatoparecermpfprisao forcarpdf Também causou surpresa mais pela honestidade e clareza do que propriamente pelo conteúdo a declaração do Procurador Regional da República de que em crime de colarinho branco onde existem rastros mas as pegadas não ficam são necessárias pessoas envolvidas com o esquema para colaborar E o passarinho pra cantar precisa estar preso Disponível em httpswwwconjurcombr2014nov27parecermpf defendeprisoespreventivasforcarconfissoes 194 Disponível em httpsgauchazhclicrbscombrpoliticanoticia201709mantega propoeacordoaompfparaevitarprisaodizsite9885953html O acordo foi feito ainda que depois não tenha sido homologado pelo Juiz da 10ª Vara Federal de Brasília mas isso não impediu que informalmente fosse plenamente eficaz na medida em que mesmo não tendo sido formalmente homolgado o MPF simplesmente não requereu a prisão diante da colaboração Disponível em httpsg1globocompoliticanoticiajuizdodfnegapela2 vezhomologaracordodompfcommantegaqueevitariaprisaodeexministroghtml 195 Disponível em httpswwwbbccomportuguesebrasil46628764 196 SCHÜNEMANN Bernd Um olhar crítico ao modelo processual penal norteamericano In GRECO Luís org Estudos de direito penal direito processual penal e filosofia do direito São Paulo Marcial Pons 2013 p 257 197 WALSH Dylan Why US Criminal Courts are so dependent on plea bargaining Side effects include inordinately powerful prosecutors and infrequent access to jury trials In Revista The Atlantic publicado em 252017 Disponível em httpswwwtheatlanticcompoliticsarchive201705pleabargainingcourts prosecutors524112 198 Este é um projeto da Faculdade de Direito da Universidade de Michigan e do Centro de Ciência e Sociedade da Universidade da Califórnia Irvine Newkirk e dedicase a revisar casos criminais para apurar condenações errôneas Sobre o tema httpswwwlawumicheduspecialexonerationPagesmissionaspx 199 PRADO Geraldo Elementos para uma análise crítica da transação penal Rio de Janeiro Lumen Juris 2003 p 224 200 SCHÜNEMANN Bernd Um olhar crítico ao modelo processual penal norteamericano In GRECO Luís org Estudos de direito penal direito processual penal e filosofia do direito São Paulo Marcial Pons 2013 p 252 201 Disponível em httpspoliticaestadaocombrblogsfaustomacedo90dosjuizes apoiampleabargaindemoro 202 Disponível em httpspainelblogfolhauolcombr2019021180dosjuizesapoiam prisaoemsegundainstanciadizpesquisadaamb 203 LANGBEIN John H Tortura e plea bargaining In GLOCKNER Ricardo Jacobsen org Sistemas Processuais Penais Florianópolis Empório do Direito 2017 p 146 204 Disponível em httpsnoticiasuolcombrultimas noticiasdeutschewelle20171208brasileterceiropaiscommaiornumerode presoshtm 205 Disponível em httpsg1globocompoliticanoticia20180720brasilcaminhaparase tornarrefemdosistemaprisionaldizjungmannghtml 206 Disponível em httpwwwcnjjusbrnoticiascnj83819carmenluciadizquepreso custa13vezesmaisdoqueumestudantenobrasil 207 Disponível em httpswwwbbccomportuguesebrasil42274201 208 WALSH Dylan Why US Criminal Courts are so dependent on plea bargaining Side effects include inordinately powerful prosecutors and infrequent access to jury trials In Revista The Atlantic publicado em 252017 Disponível em httpswwwtheatlanticcompoliticsarchive201705pleabargainingcourts prosecutors524112 209 O maestro italiano se referia à prisão cautelar mas a lição é perfeitamente aplicável à justiça negociada CARNELUTTI Francesco Lecciones sobre el proceso penal v II Buenos Aires Bosch y Cia Editores 1950 p 75 210 ORBANEJA Emilio Gómez QUEMADA Vicente Herce Derecho pro cesal penal p 86 211 ALCALÁZAMORA Y CASTILLO Niceto Estudios de teoría general e historia del proceso 19451972 p 324325 212 Direito processual penal p 88 e ss 213 Como explica NICETO ALCALÁZAMORA Y CASTILLO na obra Estudios de teoría general e historia del proceso 19451972 p 325326 214 La pretensión procesal p 588 215 Ibidem p 604 216 ROSENBERG Leo Tratado de derecho procesal civil p 27 e ss 217 COUTURE Eduardo J Fundamentos del derecho procesal civilp 60 e ss 218 Será explicado o alcance dessa definição adiante 219 ALCALÁZAMORA Y CASTILLO Niceto LEVENE Ricardo Derecho procesal penal p 62 e 63 Adverte o autor com acerto que a ação penal não se dirige contra o sujeito passivo senão ao tribunal para que como detentor do poder de punir o exerça uma vez acolhida a pretensão acusatória 220 GUASP Jaime Derecho procesal civil p 281 221 O que segue é uma análise da obra Polémica sobre la actio que reúne os vários trabalhos de Windscheid e Muther que constituíram e deram corpo à famosa Polêmica Importante ainda é a leitura atenta da introducción feita por Giovanni Pugliese que utilizamos amplamente e que bem sintetiza o debate 222 Expressão de Pugliese na introdução à Polémica sobre la actio p XII 223 CHIOVENDA Giuseppe La acción en el sistema de los derechos p 5 e ss 224 Inaplicabilidade do conceito de ação ao processo penal p 4761 225 CHIOVENDA La acción en el sistema de los derechos p 14 226 Introducción p XIII 227 Fundamentos del derecho procesal civil p 57 e ss 228 Derecho procesal penal p 67 229 Fundamentos del derecho procesal civil p 64 230 Idem 231 Comentarios a la Ley de Enjuiciamiento Criminal p 37 232 LÓPEZ Miguel Pastor El proceso de persecución p 149 233 El proceso de persecución cit p 90 234 Na obra com Vicente Herce Quemada Derecho procesal penal p 89 235 Partindo de uma preocupação diversa da nossa mas igualmente atento às categorias jurídicas próprias do processo penal Rogério Lauria Tucci Teoria do direito processual penal p 7476 propõe uma conciliação entre as teorias da ação como direito abstrato e em senso concreto partindo para a distinção entre ação judiciária e ação da parte sendo a primeira atinente aos atos praticados pelos órgãos jurisdicionais e a segunda conferida aos sujeitos parciais da relação jurídica cuja definição e concretização lhes são solicitadas e que naquela naturalmente se subsomem Importante ainda na estrutura teórica do autor a seguinte distinção o direito subjetivo material em referência é o direito à jurisdição correntemente denominado direito de ação e o direito processual consubstanciase na ação propriamente dita que se caracteriza pela efetivação do exercício do direito à jurisdição Assim para Tucci Teoria do direito processual penal p 80 ação é um direito abstrato em linha e princípio até porque com ela se concretiza autônomo público genérico e subjetivo qual seja o direito à jurisdição Quanto ao binômio concretoabstrato núcleo de nossa discussão aqui Tucci propõe a seguinte construção é abstrato porque independente de ser fundada ou não a postulação do titular do direito material ao qual é porém conectado E concreto na medida em que ganha efetividade com o aforamento da ação Nesse ponto especialmente no que se refere ao conectado ao direito material pensamos haver uma coincidência entre nossa posição e a construção de Tucci 236 A lide e o conteúdo do processo penal p 145 e ss 237 Sublinhese que adotamos parte do conceito de Jacinto Coutinho que diverge de nossa posição em outros aspectos referentes ao objeto do processo penal ou objeto como classificam alguns autores 238 TUCCI Rogério Lauria Teoria do direito processual penal p 84 Pensamos que as condições da ação devem ser repensadas efetivamente à luz do processo penal pois é frágil a construção de que por exemplo a atipicidade ou a licitude da conduta não envolveria uma incursão no mérito Ademais destaquese que na prática diária dos tribunais brasileiros uma vez recebida a denúncia ou queixa alegase que não se pode mais falar em rejeição de modo que os juízes ainda que manifesta a ilegitimidade passiva não sendo o réu o autor do fato culminam por proferir uma sentença absolutória com base no art 386 IV ou V Pensamos que nada impede o juiz de uma vez recebida a denúncia decretar a nulidade dessa decisão e rejeitar ou seja não existe preclusão para o juiz e ele pode a qualquer tempo reconhecer uma nulidade absoluta e refazer o ato 239 A expressão é de Jacinto Nelson de Miranda Coutinho 240 No que tange à ação de iniciativa pública o poder político constitucional nasce do art 129 I da Constituição e considerando a obrigatoriedade para o MP da ação penal nesses crimes estamos diante de um poderdever De qualquer forma feita essa ressalva é perfeitamente aplicável a teoria do direito de dois tempos exposta pois no primeiro momento estamos na dimensão constitucional e no segundo na processual penal onde então podemos falar em condições da ação 241 Na Revista de Derecho Procesal Madrid 1949 Também publicado na obra Jaime Guasp Delgado Pensamiento y Figura da coleção Maestros Complutenses de Derecho organizada por Pedro Aragoneses Alonso 242 JARDIM Afrânio Silva Direito processual penal p 95 243 TOURINHO FILHO Fernando da Costa Processo penal p 494 244 Como explica ORBANEJA Emilio Gómez Comentarios a la Ley de Enjuiciamiento Criminal p 27 e ss 245 Os autores que trabalham com a civilista e inadequada categoria de possibilidade jurídica do pedido costumam empregar exemplos como esses para demonstrar situações em que o pedido de condenação seria juridicamente impossível Na verdade a questão situase em outra esfera qual seja na exigência de que o fato seja aparentemente criminoso 246 ASSIS MOURA Maria Thereza Rocha Justa causa para a ação penal p 99 247 ASSIS MOURA Maria Thereza Rocha Justa causa para a ação penal p 119 248 Ibidem p 173 249 Direito processual penal p 99 250 Tratado de direito penal p 19 251 TUCCI Rogério Lauria Teoria do direito processual penal p 97 252 Na obra com Vicente Herce Quemada Derecho procesal penal p 89 253 Na obra Tratado de derecho procesal penal p 130 e ss 254 Advirtase que parte da doutrina concebe como direito público subjetivo e não potestativo 255 Sobre esse e demais temas consultese nossa obra Direito processual penal 256 Conforme nosso Direito processual penal 257 BELING Ernst Derecho procesal penal p 21 258 Problemas jurídicos y políticos del proceso penal p 67 259 MAIER Julio B J Derecho procesal penal fundamentos p 260 260 Nosso objeto de estudo está circunscrito à estrutura dos sistemas buscando definir suas notas processuais características Por esse motivo o aspecto histórico ainda que extremamente relevante será tratado com bastante superficialidade Recomendamos para aprofundar o estudo a leitura entre outras das seguintes obras Julio Maier Derecho procesal penal fundamentos especialmente o Capítulo II 5º Vicenzo Manzini Derecho procesal penal t I Alfredo Vélez Mariconde Derecho procesal penal t I Ernst Beling Derecho procesal penal Franco Cordero Procedimiento penal ou a obra Guida alla procedura penale José Henrique Pierangeli Processo penal evolução histórica e fontes legislativas e Geraldo Prado Sistema acusatório a conformidade constitucional das leis processuais penais 261 ZANOIDE DE MORAES Mauricio Presunção de inocência no processo penal brasileiro p4 e ss 262 SENDRA Vicente Gimeno Fundamentos del derecho procesal p 190 263 ALONSO Pedro Aragoneses Instituciones de derecho procesal penal p 39 e ss 264 DUSSEL Enrique especialmente na obra Filosofia da libertação Crítica à ideologia da exclusão 265 MARTINS Rui Cunha O ponto cego do direito The Brazilian lessons 266 É importante destacar que o sistema inquisitório permanece em sua mais radical constituição no direito canônico com todo vigor em pleno século XXI Como questiona o teólogo Hans Küng Preguntas sobre la Inquisición publicado no jornal espanhol El País em 1621998 de que serve abrirse os arquivos da Inquisição dos séculos XVI ao XIX se mantêmse fechados e inacessíveis os arquivos da Inquisição do século XX que já não culmina com a queima física senão psíquica e moral Para continuar exercendoa diariamente em escala global no século XXI O próprio autor relata que leva mais de 40 anos tentando conseguir o que em uma sociedade democrática se concede sem o menor esforço a qualquer acusado direito à vista dos autos No mesmo sentido outro exemplo vivo dessa queima psíquica e moral nos dá Leonardo Boff que relata no Prefácio que faz à tradução brasileira do Manual dos inquisidores p 24 e ss que ainda perduram o processo de delação a negação ao acesso às atas dos processos a inexistência de um advogado e a impossibilidade de apelação A mesma instância acusa julga e pune Isso é uma perversidade jurídica em qualquer Estado de Direito pagão ateu ou cristão Não há a salvaguarda suficiente do direito de defesa Punido pela moderna Inquisição com entre outras penas a imposição de um silêncio obsequioso Boff relata como se leva a cabo a morte psicológica do condenado Pressiona os acusados até o limite da suportabilidade psicológica São desmoralizados fazse perder a confiança em sua pessoa e palavra por isso proíbese que sejam convidados para conferências assessorias e retiros espirituais muitos são transferidos para outros países são forçados a tomar anos sabáticos eufemisticamente quer dizer devem deixar as cátedras pressionamse as editoras a não publicar seus escritos e proíbemse as livrarias religiosas de expor e de vender seus escritos Em definitivo quando se afirma que o modelo inquisitório pleno não existe mais devese ressalvar exceto no direito canônico em que permanece em seu estado puro 267 Cf MONTERO AROCA na obra coletiva Derecho jurisdiccional v III p 15 268 FENECH Miguel Derecho procesal penal p 83 269 GOLDSCHMIDT James Problemas jurídicos y políticos del proceso penal p 67 e ss 270 Cf ALONSO Pedro Aragoneses Instituciones de derecho procesal penal cit p 42 271 MANZINI Vicenzo Tratado de derecho procesal penal p 52 e ss 272 COUTINHO Jacinto Nelson de Miranda O papel do novo juiz no processo penal p 18 273 BOFF Leonardo Prefácio Inquisição um espírito que continua a existir Directorium Inquisitorum Manual dos inquisidores p 9 e ss 274 BOFF Leonardo Prefácio Inquisição um espírito que continua a existir p 9 e ss 275 Ibidem p 10 276 Ibidem p 11 277 BOFF Leonardo Prefácio Inquisição um espírito que continua a existir p 12 278 A lógica da inquisição era irretocável e com certeza serviu de inspiração para muitos ditadores Aponta Boff ob cit p 20 que quem pensasse a fé já era suspeito de heresia e sujeito à repressão pois pensar significa discutir e por consequência questionar Pergunta com acerto o autor não pensavam assim os agentes da repressão militar em regime de segurança nacional quem discutir publicamente política é já suspeito de subversão e logo de sequestro de tortura e de cárcere Mudem os sinais mas não a lógica de um sistema totalitário e por isso repressivo de toda e qualquer diferença A intolerância e o discurso do interesse público também vão conduzir ao conhecido e atual tolerância zero legitimando as maiores barbáries em relação aos direitos e garantias fundamentais sob a mesma lógica 279 As chamadas bocas de leão ou bocas da verdade que até hoje podem ser encontradas nas antigas igrejas espanholas 280 COUTINHO Jacinto Nelson de Miranda O papel do novo juiz no processo penal cit p 23 281 Como explica Manzini ob cit p 8 foi o procedimento extraordinário que introduziu a tortura entre os institutos processuais romanos Por longo tempo a tortura foi estranha ao processo penal romano enquanto estava em uso por todas as partes inclusive na Grécia Posteriormente foi transformada em um poderoso instrumento nas mãos dos inquisidores 282 Na realidade alguns câmbios iniciaram antes mesmo da Revolução Francesa impelidos pelo clima reformista e os ideais que predominavam na época e que posteriormente foram tomando força até culminar com a efetiva luta armada 283 GOESSEL Karl Heinz El defensor en el proceso penal p 15 e ss 284 Convém recordar que a inquisição é fruto de sua época marcada pela intolerância crueldade e pela própria ignorância que dominava Não deve ser lida ou julgada a partir dos parâmetros atuais pois impregnada de toda uma historicidade que não pode ser afastada 285 Segundo Rissel na tese doutoral Die Verfassungsrechtliche Stellung des Rechtsanwalts p 48 apud GOESSEL Karl Heinz Ob cit p 17 286 GOLDSCHMIDT James Problemas jurídicos y políticos del proceso penal p 29 287 Mettere il Publico Ministerio al suo Posto p 18 e ss Também em espanhol Poner en su puesto al Ministerio Público p 209 e ss 288 São múltiplas as críticas à artificial construção jurídica da imparcialidade do promotor no processo penal O crítico mais incansável foi sem dúvida o mestre Carnelutti que em diversas oportunidades pôs em relevo a impossibilidade de la cuadratura del círculo No es como reducir un círculo a un cuadrado construir una parte imparcial El ministerio público es un juez que se hace parte Por eso en vez de ser una parte que sube es un juez que baja Em outra passagem Carnelutti Lecciones sobre el proceso penal p 99 explica que não se pode ocultar que se o promotor exerce verdadeiramente a função de acusador querer que ele seja um órgão imparcial não representa no processo mais que uma inútil e hasta molesta duplicidad Para J Goldschmidt Problemas jurídicos y políticos del proceso penal p 29 o problema de exigir imparcialidade de uma parte acusadora significa cair en el mismo error psicológico que ha desacreditado al proceso inquisitivo qual seja o de crer que uma mesma pessoa possa exercitar funções tão antagônicas como acusar e defender Não há que confundir imparcialidade com estrita observância da legalidade e da objetividade 289 BINDER Alberto M Descumprimento das formas processuais p 51 290 SENDRA Vicente Gimeno CATENA Victor Moreno DOMINGUEZ Valentín Cortes Derecho procesal penal p 83 Mas em sua obra anterior Fundamentos del derecho procesal p 189 Sendra considera insuficiente essa afirmação que imputa a um grupo de autores alemães Schmidt e Roxin 291 Principio acusatorio realidad y utilización RDP p 272 292 Correspondência eletrônica particular de maio2003 cujos ensinamentos de Jacinto Coutinho foram por nós utilizados na Palestra Reformas Penais Juizado de Instrução Criminal proferida no dia 30 de maio de 2003 no Auditório Externo do Superior Tribunal de Justiça em Brasília 293 FERRAJOLI Luigi Derecho y razón teoría del garantismo penal p 566 294 Explicamos isso no livro Investigação preliminar no processo penal a partir do sistema italiano Contudo recordanos Jacinto Coutinho o antigo Código de Processo Penal do Distrito Federal Decreto n 16751 de 31 de dezembro de 1924 art 243 Os autos de inquirição apensos aos de investigação nos termos dos arts 241 e 242 servirão apenas de esclarecimento ao Ministério Público não se juntarão ao processo quer em original quer por certidão e serão entregues após a denúncia pelo representante do Ministério Público ao cartório do juízo em invólucro lacrado e rubricado a fim de serem arquivados à sua disposição 295 Conclusão n 3 de sua Tese Doutoral conforme correspondência eletrônica de maio2003 296 Problemas jurídicos y políticos del proceso penal cit p 69 e ss 297 COUTINHO Jacinto Nelson de Miranda Introdução aos princípios gerais do processo penal brasileiro Separata do Instituto Transdisciplinar de Estudos Criminais p 28 298 Sempre recordando que o processo penal tem suas categorias jurídicas próprias para evitar perigosas e muitas vezes errôneas analogias com o processo civil que foram e são feitas até hoje Com uma justificada preocupação J Goldschmidt Problemas jurídicos y políticos del proceso penal p 28 e ss destaca que a construção do modelo acusatório no processo penal deve ser distinta daquela aplicável ao processo civil uma concepção distinta do princípio dispositivo pois a situação jurídica da parte ativa é completamente diferente que a do autor processo civil O Ministério Público não faz valer no processo penal um direito próprio e pede a sua adjudicação como o autor no processo civil senão que afirma o nascimento de um direito judicial de penar e exige o exercício desse direito que ao mesmo tempo representa um dever para o Estado titular do direito de penar e que realiza seu direito no processo não como parte mas como juiz Para compreender esse pensamento é imprescindível partir da premissa de que o objeto do processo penal é uma pretensão acusatória ius ut procedatur A título de ilustração uma má interpretação do que seja o modelo acusatório e uma errada analogia com o processo civil leva alguns sistemas como o espanhol a permitir que a acusação peça uma determinada quantidade de pena x anos e mais errado ainda é pensar que esse pedido vincule o juiz Outro erro que diariamente vem sendo cometido é afirmar que a chamada justiça negociada plea negotiation é uma manifestação do modelo acusatório quando na verdade se trata de uma degeneração completa do processo penal e uma distorcida visão do que seja um processo de partes o sistema acusatório ou mesmo o verdadeiro objeto do processo penal Para compreensão leiase na continuação nossa abordagem sobre Reconstrução dogmática do objeto do processo penal 299 Em diversos trabalhos mas especialmente no artigo Introdução aos princípios gerais do processo penal brasileiro 300 Derecho procesal civil p 82 301 Derecho y razón p 563 302 Toda tradução encerra imensos perigos por isso para evitar equívocos destacamos que a palavra empregada pelo autor foi leguleyo que em espanhol possui um sentido despectivo de persona que se ocupa de cuestiones legales sin tener el conocimiento o la especialización suficientes de acordo com Clave Diccionario de uso del español actual O texto original de Luigi Ferrajoli na obra Derecho y razón p 575 é al sistema acusatorio le corresponde un juez espectador dedicado sobre todo a la objetiva e imparcial valoración de los hechos y por ello más sabio que experto el rito inquisitivo exige sin embargo un juez actor representante del interes punitivo y por ello leguleyo versado en el procedimiento y dotado de capacidad de investigación 303 FERRAJOLI Luigi Derecho y razón p 575 304 COUTINHO Jacinto Nelson de Miranda Introdução aos princípios gerais do processo penal brasileiro cit p 28 305 BOFF Leonardo Ob cit p 9 e ss 306 PRADO Geraldo na excelente obra Sistema acusatório A conformidade constitucional das leis processuais penais 307 COUTINHO Jacinto Nelson de Miranda Introdução aos princípios gerais do processo penal brasileiro p 29 308 A crítica serve tanto para a atribuição de poderes instrutórios na fase processual como ocorre no art 156 como também quando ela é feita na fase préprocessual admitindo que o juiz pratique atos de investigação Com mais razão somos completamente contrários aos chamados Juizados de Instrução sistema de JuizInstrutor conforme exaustivamente explicado na obra Sistemas de investigação preliminar no processo penal e cujas tentativas de inserção no Brasil nos causam profunda preocupação Cumpre sublinhar que a figura do juiz das garantias por nós defendido não tem nenhuma proximidade com o juiz de instrução modelo arcaico e superado que deve ser rechaçado 309 CORDERO Franco Guida alla procedura penale p 51 310 COUTINHO Jacinto Nelson de Miranda Introdução aos princípios gerais do processo penal brasileiro p 37 311 PRADO Geraldo Sistema acusatório p 158 312 Idem 313 Derecho y razón p 606 314 Sobre o tema vejase nosso artigo Juízes inquisidores E paranoicos Uma crítica à prevenção a partir da jurisprudência do Tribunal Europeu de Direitos Humanos Boletim do IBCCrim p 1112 315 Recordando que o referido artigo está suspenso por conta da decisão liminar do Min Fux anteriormente referida 316 Como adverte Alexandre Morais da Rosa em artigo que publicamos em coautoria no dia 312020 Disponível em httpswwwconjurcombr2020jan03limitepenalestrutura acusatoriaatacadamsimovimentosabotageminquisitoria 317 Em artigo que publicamos em coautoria no dia 312020 Disponível em httpswwwconjurcombr2020jan03limitepenalestruturaacusatoriaatacadamsi movimentosabotageminquisitoria 318 FERRAJOLI Luigi Derecho y razón teoría del garantismo penal Trad Perfecto Andrés Ibáñez Alfonso Ruiz Miguel Juan Carlos Bayón Mohino Juan Terradillos Basoco e Rocío Cantarero Bandrés 2 ed Madrid Trotta 1997 p 747 319 Para aprofundar essa análise crítica sugerimos a leitura de nossa obra Fundamentos do Processo Penal Uma Introdução Crítica publicada pela Editora Saraiva 320 FIGUEIREDO DIAS Jorge de Acordos sobre a sentença em processo penal Conselho Distrital do Porto Portugal 2011 p 16 321 Esse tópico foi publicado originariamente na Coluna Limite Penal httpswwwconjurcombr2014jul11limitepenaldissonanciacognitivaimparcialidade juiz 322 A partir daqui baseamonos na obra de SCHÜNEMANN Bernd Estudos de direito penal direito processual penal e filosofia do direito Luís Greco coord São Paulo Marcial Pons 2013 p 205221 323 Esse tópico corresponde ao artigo publicado em coautoria com Ruiz Ritter na Coluna Limite Penal disponível em httpswwwconjurcombr2016jul29limitepenalvocesabe efeitoprimaziaprocessopenal Também recomendamos a leitura da excelente obra de Ruiz Ritter intitulada Imparcialidade no processo penal reflexões a partir da teoria da dissonância cognitiva publicada pela Tirant lo Blanch onde esse e outros temas cruciais são tratados com a devida profundidade 324 FREEDMAN Jonathan L CARLSMITH J Merril SEARS David O Psicologia social 3 ed Trad Álvaro Cabral São Paulo Cultrix 1977 p 41 325 MOYA Miguel Percepción social y de personas In FRANCISCO MORALES J coord Psicología social Madrid McGrawHill 1994 p 99 326 GOLDSTEIN Jeffrey H Psicologia social Trad José Luiz Meurer Rio de Janeiro Guanabara Dois 1983 p 90 327 RODRIGUES Aroldo ASSMAR Eveline Maria Leal JABLONSKI Bernardo Psicologia social 28 ed Petrópolis Vozes 2010 p 63 328 la información recibida en primer lugar tiende a ser valorada con más peso que la información recibida posteriormente esto es conocido como efecto primacía BARON Roberta A BYRNE Donn Psicología social 8 ed Trad Montserrat Ventosa Blanca de Carreras Dolores Ruiz Genoveva Martín Adriana Aubert Marta Escardó Madrid Prentice Hall Iberia 1998 p 72 329 ASCH Solomon E Psicologia social 4 ed Trad Dante Moreira Leite Miriam Moreira Leite São Paulo Companhia Editora Nacional 1977 p 182183 330 Ibidem 331 KELLEY Harold H The warmcold variable in the first impressions of persons Journal of Personality 18 p 431439 1950 332 GOLDSTEIN Jeffrey H Psicologia social Trad José Luiz Meurer Rio de Janeiro Editora Guanabara Dois 1983 p 93 333 KELLEY Harold H The warmcold variable in the first impressions of persons Journal of Personality 18 p 431439 1950 334 GOLDSTEIN Jeffrey H Psicologia social Trad José Luiz Meurer Rio de Janeiro Editora Guanabara Dois 1983 p 93 335 FREEDMAN Jonathan L CARLSMITH J Merril SEARS David O Psicologia social 3 ed Trad Álvaro Cabral São Paulo Cultrix 1977 p 40 336 MICHENER H Andrew DELAMATER John D MYERS Daniel J Psicologia social Trad Eliane Fittipaldi Suely Sonoe Murai Cuccio São Paulo Pioneira Thomson Learning 2005 p 150151 337 Com pequenas alterações esse tópico corresponde ao artigo que publicamos em coautoria com Alexandre Morais da Rosa intitulado Quando o juiz já sabia a importância da originalidade cognitiva no Processo Penal publicado na Coluna Limite Penal disponível em httpswwwconjurcombr2016abr29limitepenalquandojuizsabiaimportancia originalidadecognitivaprocessopenal 338 Nesse tema importante a leitura de MAYA André Machado Imparcialidade e processo penal Rio de Janeiro Lumen Juris 2011 339 MORAIS DA ROSA Alexandre Guia Compacto do Processo Penal conforme a Teoria dos Jogos Florianópolis Empório do Direito 2016 p 329330 340 ALONSO Pedro Aragoneses Proceso y derecho procesal p 199 e ss 341 As teorias mistas pretendem compatibilizar e conciliar principalmente as teorias da relação de Bülow e da situação jurídica de Goldschmidt 342 Posteriormente Bülow voltou ao tema perfeccionando sua teoria frente às críticas que sucederam sua primeira exposição mas manteve a linha básica Segundo Chiovenda La acción en el sistema de los derechos p 41 em maio de 1903 na obra Klage und Urteil Bülow volta ao tema para rechaçar as críticas de Wach sobre a ação e entre outros pontos aceita a teoria da ação como direito potestativo defendida por Chiovenda 343 BETTIOL Giuseppe Instituciones de derecho penal y procesal penal p 243 344 Sem embargo como destaca AlcaláZamora y Castillo Proceso autocomposición y autodefensa p 118119 la concepción del proceso como relación jurídica es genuinamente alemana alemanes son Hegel que la vislumbra BethmannHollweg que la sustenta y Oskar Bülow que en 1868 publica en Giessen su célebre monografía Ademais segue o autor foram os alemães quem a adaptaram aos distintos ramos do processo e também quem mais duramente a combateram chegando a propor sua substituição por J Goldschmidt Nada menos que 35 anos depois do livro de Bülow e 18 depois do Handbuch de Wach Chiovenda lê em Bolonha sua lição inaugural sobre Lazione Tal esclarecimento está justificado frente a alguns equívocos doutrinários como o cometido por Enrique Jimenez Asenjo Derecho procesal penal Revista de Derecho Privado p 68 que depois de analisar as posições de Hellwig Kohler e J Goldschmidt afirma que finalmente Chiovenda con la opinión dominante estima una relación trilateral entre demandante demandado y el tribunal esquecendose por completo da doutrina alemã que já a havia concebido com anterioridade 345 CHIOVENDA Principios de derecho procesal civil t I p 123 346 Proceso y derecho procesal p 206 347 Tratando dos antecedentes históricos nos juristas medievais italianos Niceto Alcalá Zamora e Aragoneses Alonso afirmam que Búlgaro era de Sassoferrato lição que confiamos e acolhemos Contudo não se desconhece haver autores que afirmam que Búlgaro era de Bolonha Fica a advertência 348 La teoría de las excepciones procesales y los presupuestos procesales p 2 e ss 349 Sem rechaçar sua importância mas tampouco concordando com a teoria Manzini entende como concepto nebuloso y de expresión exótica la de presupuestos procesales MANZINI Vincenzo Tratado de derecho procesal penal p 117 Tal conceito dos pressupostos processuais também foi duramente atacado por Goldschmidt 350 No seu Manual de derecho procesal civil t 1 351 Sem embargo no processo penal Wach nega a existência de partes por considerar o acusado um meio de prova e não sujeito da relação jurídicoprocessual Infelizmente algumas vezes ocorre que um excelente processualista civil quando incursiona pelo processo penal não o faz com similar brilho A negação de Wach é um inegável reflexo do verbo totalitário no processo penal 352 Para quem o processo no puede ser una relación jurídica sino que genera una red por no decir una maraña de relaciones jurídicas e por isso deve ser concebido como um complejo de relaciones jurídicas Instituciones de derecho penal y procesal penal p 243 e ss 353 Ao contrário de Carnelutti vislumbra uma única relação jurídica mas complexa 354 Desenvolvida na obra La teoría de las excepciones dilatórias y los presupuestos procesales publicada original em alemão em 1868 355 Agora com ótima tradução em espanhol Derecho Derecho Penal y Proceso Penal III El Proceso como Situación Jurídica Tradução de Jacobo López Barja de Quiroga León GarciaComendador Alonso e Ramón Ferrer Baquero Madrid Marcial Pons 2015 356 Para compreensão da temática consultamos as seguintes obras de James Goldschmidt Derecho Derecho Penal y Proceso Penal III El Proceso como Situación Jurídica Derecho procesal civil Principios generales del proceso Derecho justicial material Problemas jurídicos y políticos del proceso penal e Princípios gerais do processo civil Destaquese ainda a magistral análise feita por Pedro Aragoneses Alonso na obra Proceso y derecho procesal p 235 e ss especialmente no que se refere à crítica feita por Piero Calamandrei e à resposta de Goldschmidt que levou o processualista italiano a nos últimos anos de vida retificar sua posição e admitir o acerto da teoria do processo como situação jurídica 357 Derecho Derecho Penal y Proceso Penal III El Proceso como Situación Jurídica p 112 358 GOLDSCHMIDT James Derecho Derecho Penal y Proceso Penal III El Proceso como Situación Jurídica p 279 359 Princípios gerais do processo civil p 49 360 GOLDSCHMIDT James Derecho procesal civil p 194 e ss 361 Derecho procesal civil p 195 362 Proceso y derecho procesal p 241 363 1 Maneira favorável ou desfavorável segundo a qual um acontecimento se produz álea acaso potência que preside o sucesso ou insucesso dentro de uma circunstância fortuna sorte 2 Possibilidade de se produzir por acaso eventualidade probabilidade 3 Acaso feliz sorte favorável felicidade fortuna Na definição do dicionário Le Petit Robert p 383 tradução nossa 364 Princípios gerais do processo civil p 66 365 Idem 366 Ibidem p 68 367 Proceso y derecho procesal cit p 241 368 Princípios gerais do processo civil p 57 369 Ensina Einstein Vida e pensamento p 6668 que o princípio criador reside na matemática a sua certeza é absoluta enquanto se trata de matemática abstrata mas diminui na razão direta de sua concretização as teses matemáticas não são certas quando relacionadas com a realidade e enquanto certas não se relacionam com a realidade 370 Princípios gerais do processo civil p 50 371 Baseamonos na sistematização de Alonso Proceso y derecho procesal p 243 e ss 372 Até porque como homem de ciência que era não estaria à margem da revolução científica que se produzia naquela época com os estudos de Einstein sobre a relatividade e o quanta e também de Heisenberg incerteza Max Planck Mach Kepler Maxwell Born e outros 373 Rivista di Diritto Processuale p 23 e ss Também publicado nos Scritti in onere del prof Francesco Carnelutti 374 Rivista di Diritto Processuale p 1 e ss Também publicado no número especial da Revista de Derecho Procesal em memória de James Goldschmidt 375 Ibidem p 221 376 CALAMANDREI Piero Direito processual civil p 223 377 CALAMANDREI Piero Direito processual civil p 223 378 Ibidem p 224 379 Idem 380 Recordemos que a relatividade geral falhou ao tentar descrever os momentos iniciais do universo porque não incorporava o princípio da incerteza o elemento aleatório da teoria quântica a que Einstein tinha se oposto a pretexto de que Deus não joga dados com o universo Entretanto como explica Stephen Hawking O universo numa casca de noz p 79 tudo indica que Deus é um grande jogador Nessa discussão enorme relevância tem o físico alemão Werner Heisenberg que formulou o famoso princípio da incerteza a partir da observação da hipótese quântica de Max Planck Em apertadíssima síntese a partir de Hawking ob cit p 42 significa dizer que Planck em 1900 afirmou que a luz sempre vem em pequenos pacotes que ele denominou quanta Essa hipótese quântica explicava claramente as observações da taxa de radiação de corpos quentes mas a plena compreensão da extensão de suas implicações somente foi possível por volta de 1920 quando Heisenberg demonstra que quanto mais se tenta medir a posição de uma partícula menos exatamente se consegue medir a sua velocidade e viceversa E aqui o que nos interessa mostrou que a incerteza na posição de uma partícula multiplicada pela incerteza de seu momento deve ser sempre maior do que a constante de Planck uma quantidade aproximadamente relacionada ao teor de energia de um quantum de luz Assim reina a incerteza em detrimento de qualquer visão determinista Tudo isso constituía o auge da discussão científica mundial neste período de 19001930 sem negar o antes e o depois é claro contemporânea então com o auge da produção intelectual de James Goldschmidt que publica seu capolavoro Prozess als Rechtslage em Berlim em 1925 381 Pensamos que é importante atentar para o símbolo da justiça do caso concreto que é a Dikè Dikelogía la ciencia de la justicia intitula Werner Goldschmidt Ela carrega a espada que pende sobre a cabeça do réu e corresponde ao direito potestativo de penar e na outra mão está a balança À primeira vista e também última para muitos a balança simboliza o equilíbrio a ponderação e até a supremacia da razão dentro de uma racionalidade moderna superada portanto Mas para muito além disso ela simboliza a incerteza característica da administração da justiça no caso concreto Corresponde à incerteza característica do processo Ela oscila tanto pende igualmente para um lado como para outro Está lançada a sorte 382 SENDRA José Vicente Gimeno Fundamentos del derecho procesal p 170 383 Entre esses devese destacar a qualificada posição de Werner Goldschmidt no Prólogo da primeira edição da obra Proceso y derecho procesal de Aragoneses Alonso p 35 de que tais teorias relação e situação não podem ser consideradas inconciliáveis senão como complementárias Nessa linha defende que mientras la teoría de la situación destaca lo que ocurre en el Derecho cuando éste opera en el plano dinámico del proceso la teoría institucional señala Aragoneses Alonso se mueve en el mundo abstracto de los conceptos Por ello estas dos posiciones no sólo se ofrecen como incompatibles sino como complementarias de la misma forma que pueden concebirse como complementarias la teoría de la relación Somente com a integração desses conceitos é que podemos ou poderíamos compreender como nasce o processo e qual é o fundamento metafísico da sua existência teoria da instituição o objeto real do processo tal como se desenvolve na vida e sua contínua relação teoria da situação jurídica e finalmente qual é a força que une os diversos sujeitos que nele operam teoria da relação jurídica 384 Pois na origem do universo bigbang quando ele era minúsculo o número de lançamentos de dados era pequeno e o princípio da incerteza proporcionalmente maior 385 Como explica HAWKING ob cit p 80 386 Ou melhor quem nos protege da bondade dos bons no célebre questionamento de Agostinho Ramalho Marques Neto a partir de Freud 387 COUTINHO Jacinto Nelson de Miranda O papel do novo juiz no processo penal p 47 388 O presente trecho é uma reprodução literal de parte do artigo intitulado Breves apontamentos in memoriam a James Goldschmidt e a incompreendida concepção de processo como situação jurídica que publicamos em coautoria com Pablo Alflen da Silva a partir dos debates realizados no Curso de Doutorado em Ciências Criminais da PUCRS na disciplina Epistemologia do Direito Processual Penal Contemporâneo Esse fragmento citado merece crédito integral a Pablo Alflen a quem parabenizo pela excelência da arqueologia processual realizada 389 SCHMIDT Eberhard Lehrkommentar zur Strafprozessordnung und zum Gerichtsverfassungsgesetz p 48 390 SCHMIDT Eberhard James Goldschmidt zum Gedächtnis p 447 391 Compare FISCHER Wolfram Exodus von Wissenschaften aus Berlin Fragestellungen Ergebnisse Desiderate p 131 392 Conforme referido por SCHÖNKE Adolf Zum zehnten Todestag von James Goldschmidt p 275276 393 O Französisches Gymnasium foi fundado em 1689 na cidade de Berlim e à época sobretudo antes da Primeira Guerra Mundial quase metade dos seus alunos era de origem judaica 394 Conforme SCHUBERT Werner REGGE Jürgen RIEß Peter SCHMIDT Werner Queallen zur Reform des Straf und Strafprozeßrechts p XIV 395 Assim por exemplo os trabalhos intitulados Das Verwaltungsstrafrecht im Verhältnis zur modernen Staats und Rechtslehre 1903 Die Deliktsobligationen des Verwaltungsrechts 1904 e Materielles Justizrecht 1905 396 Conforme GRUNER Wolf ALY Götz GRUNER Wolf Die Verfolgung und Ermordung der europäischen Juden durch das nationalsozialistische Deutsch land 19331945 p 200 397 WINIGER Art Salomon Goldschmidt James p 457 398 Conforme HUECK Ingo Der Staatsgerichtshof zum Schutze der Republik p 44 399 Conforme LÖSCH AnnaMaria von Der nackte Geist die Juristische Fakultät der Berliner Universität im Umbruch von 1933 p 179180 o Decreto era ilegal inclusive de acordo com o direito nazista O governo havia criado fundamentos jurídicos para demitir funcionários de descendência não ariana e politicamente suspeitos para encaminhálos à aposentadoria ou a outro cargo O encaminhamento de Goldschmidt à aposentadoria em razão de sua origem judaica foi descartado De fato ele era 100 não ariano e como dispunha a legislação imperial esta hipótese de aposentadoria valia para funcionários de descendência não ariana porém de acordo com o 3º al 2 do BBG desde que o funcionário tivesse ingressado no cargo a partir de 1º de agosto de 1914 ou combatido no fronte na Primeira Guerra Mundial Como Goldschmidt havia se tornado funcionário público em 1908 ele não podia obter a aposentadoria em razão da sua origem judaica Além disso não havia motivo político para sua demissão pois ele não pertencia a partido algum Goldschmidt não tinha tido portanto nenhuma razão para ter ameaçada sua posição profissional 400 Conforme GRUNER Wolf ALY Götz GRUNER Wolf nota 9 p 200 401 Conforme ALONSO Pedro Aragoneses Proceso y derecho procesal 402 Assim COUTURE Eduardo La libertad de la cultura y la ley de la tolerancia p 5 403 COUTURE Eduardo Ob cit p 5 404 Hoje chamadas violações à ordem e que são reguladas por legislação específica a Ordnungswidrigkeitengesetz OWiG 405 Assim o interessantíssimo trabalho intitulado Conceito e tarefa de um direito penal administrativo no qual Goldschmidt preconizava ser o Direito Penal Administrativo uma disciplina nova e absolutamente autônoma que teria por objeto regular o injusto policial polizeilichen Unrechts enquanto comportamento causador de perigo abstrato para bens jurídicos ou mera desobediência compare GOLDSCHMIDT James Begriff und Aufgabe eines Verwaltungsstrafrechts in Deutsche JuristenZeitung 1902 Nr 09 p 213 e s 406 BRUNS Rudolf James Goldschmidt 171218741861940 Ein Gedenkblatt in Zeitschrift für Zivilprozeß Nr 88 1975 p 127 407 FAZZALARI Elio Istituzioni di diritto processuale p 75 408 Apenas para esclarecer não se pode confundir a teoria civilista da instrumentalidade das formas com nosso conceito de instrumentalidade constitucional São coisas absolutamente distintas Nunca fomos adeptos da tradicional teoria da instrumentalidade todo o oposto Nossa posição é absolutamente antagônica porque estabelece um conteúdo axiológico ao conceito de instrumentalidade vinculandoo ao sistema de garantias da Constituição Por isso concebemos o processo penal como um instrumento a serviço da máxima eficácia dos direitos e garantias fundamentais e a forma como limite de poder É uma leitura crítica e constituciona lizada do processo e do procedimento com ênfase no respeito ao devido processo legal ou seja o estrito respeito às regras do jogo sem descuidar do conteúdo ético dessas regras 409 GONÇALVES Aroldo Plinio Técnica processual e teoria do processo p 103 410 FAZZALARI Elio Ob cit p 8 411 Ibidem p 14 e ss 412 Conforme explicam Alexandre Morais da Rosa e Sylvio Lourenço na obra Para um processo penal democrático crítica à metástase do sistema de controle social Rio de Janeiro Lumen Juris 2008 p 77 e ss 413 GONÇALVES Aroldo Plinio Ob cit p 115 414 FAZZALARI Ob cit p 78 e 79 415 GUASP Jaime La pretensión procesal Estudios jurídicos p 593 e ss 416 Como bem adverte TUCCI Rogério Lauria Teoria do direito processual penal p 176 417 Assim concordamos com a afirmação de Tucci Teoria do direito processual penal p 35 quando aponta que é de todo inadequada e por que não dizer inaceitável delineiase a transposição do conceito civilístico de pretensão para o processo penal Partimos dessa mesma premissa para pensar e construir um conceito de pretensão com Guasp Goldschmidt e Gómez Orbaneja para o processo penal da mesma forma que se construiu o conceito de ação processual penal jurisdição penal etc 418 Nenhuma censura em relação à crítica pois ela é sempre bemvinda desde que bem amparada o que não costuma ocorrer nessa matéria até pela sua grande complexidade teórica Em outra dimensão com posições em sentido diverso daquele aqui pensado por nós com maior ou menor intensidade de divergência mas com muito substrato teórico recomendamos a leitura de dois excelentes trabalhos Coutinho Jacinto Nelson de Miranda A lide e o conteúdo do processo penal e Badaró Gustavo Henrique Correlação entre acusação e sentença Em relação a Badaró pensamos que a divergência existe mas não é nuclear na medida em que o autor admite a pretensão processual como objeto do processo penal como abordaremos na continuação Já em relação à posição de Jacinto Coutinho que sustenta ser o caso penal o conteúdo do processo é preciso compreender que pensamos ser o caso penal insuficiente para por si só justificar a complexa fenomenologia do processo Mas não há incompatibilidade senão que a discussão remonta a uma nova dimensão de continente e conteúdo como explicaremos nas próximas páginas Assim pensamos que nossa posição pode coexistir com aquela defendida pelo autor desde que compreendidas essas distintas dimensões de recorte 419 Como explica Carnelutti em diversas obras aqui utilizamos Derecho procesal civil y penal p 40 aquí se encara en primer lugar el concepto de pretensión también ésta es una palabra que los juristas emplean desde hace largo tiempo aunque es más reciente su precisión como exigencia de la subordinación del interés ajeno al interés propio A esse conceito imprescindível agregarse outro conceito estruturante e muito marcante na vida de Carnelutti o de lide Tratase de um conceito que sofreu diferentes modificações nas sucessivas respostas que ele dava aos seus críticos e que foi muito bem tratado por Badaró na obra Correlação entre acusação e sentença p 62 e ss Interessanos aqui apontar a noção de lide como o conflito de interesses qualificado pela pretensão resistida Como explica Badaró os conceitos de interesse pretensão e resistência foram sendo trabalhados ao longo das obras do autor O que importa é a imprestabilidade do conceito de lide para o processo penal e esse foi o germe do ataque ao conceito de pretensão 420 Na Revista de derecho procesal Madrid 1949 Também publicado na obra Jaime Guasp Delgado Pensamiento y Figura da coleção Maestros Complutenses de Derecho organizada por Pedro Aragoneses Alonso publicada em Madrid 2000 421 Imprescindível a leitura portanto do trabalho La pretensión procesal publicado entre outros na obra Estudios jurídicos organizada por Pedro Aragoneses Alonso 422 GUASP ob cit 423 O próprio Carnelutti acaba por desenhar o conceito de controvérsia para o processo penal pois na sua visão haveria um conflito de opiniões em torno de um mesmo fato delituoso mas comungando as partes de um mesmo interesse O interesse comum compartilhado portanto pela acusação e defesa brotaria da visão da pena como remédio da alma Platão a cura para a doença Nessa linha defende que no processo penal a jurisdição é voluntária A visão do autor é completamente equivocada nesse ponto bastando por desvelar a ilusão platônica de que a pena cura Além da metafísica concepção de cura da alma a pena e o sistema carcerário estão muito longe de representar algum remédio Por fim sustenta Carnelutti que a jurisdição no processo penal seria voluntária o que não concordamos conforme se verá na exposição mas também pela própria incidência do princípio da necessidade 424 MIRABETE Julio Fabbrini Processo penal p 28 425 CAPEZ Fernando Curso de processo penal p 2 426 A lide e o conteúdo do processo penal p 145 427 GÓMES ORBANEJA Emilio Comentarios a la Ley de Enjuiciamiento Criminal t I p 37 428 Na nossa obra Direito processual penal 429 El proceso de persecución p 90 430 Seguindo a sistemática de ALONSO Pedro Aragoneses Proceso y derecho procesal p 158 e ss 431 Sem embargo a tese não é inédita pois como reconhece o próprio autor a doutrina alemã de Rosenberg e a italiana de Carnelutti já haviam dado mostras do conceito de pretensão mas não com plenos frutos Podese afirmar que a base jurídica da teoria foi dada por Rosenberg e o aspecto sociológico do conflito foi dado por Carnelutti no seu estudo sobre a lide Como explica Guasp Pretensión procesal p 587 nota de rodapé n 44 seu conceito pode ser concebido como uma fusão das ideias básicas de Rosenberg e Carnelutti tomando del primero el estricto carácter procesal no material de la reclamación y del segundo su desvinculación de la idea del derecho que tampoco es contradicho por aquél Mas é preciso continuar a desenvolver esse conceito pois como explicamos no início ele supera e transcende a noção carneluttiana 432 GUASP Jaime Derecho procesal civil p 201 e ss 433 Proceso y derecho procesal p 184 434 Na continuação analisaremos os fundamentos expostos por Jaime Guasp no trabalho La pretensión procesal 435 Por vezes as instituições artificiais que utilizam o direito penal e o processo penal acabam por criar um problema do ponto de vista sociológico de igual ou até maior gravidade que o próprio delito Nesse sentido está o problema da pena de prisão um sistema falido da reinserção social do presidiário a estigmatização social e jurídica que causa a pena e o próprio processo penal as chamadas penas processuais etc 436 FAIREN GUILLEN Victor El proceso como función de satisfacción jurídica Revista de Derecho Procesal Iberoamericano p 1795 437 GIMENO SENDRA Vicente MORENO CATENA Victor DOMINGUEZ Valentin Córtes Derecho procesal penal p 26 438 Não confundir com juiz neutro algo que não existe Instrumento neutro de jurisdição significa que a atividade se realiza plenamente tanto com a sentença condenatória como também absolutória É a equivalência axiológica entre condenar e absolver 439 É a nosso juízo a opinião dominante na melhor doutrina Vejamse entre outros Guasp Aragoneses Alonso Gómez Orbaneja Fenech Fairen Guillen Ascencio Mellado James Goldschmidt Afrânio Silva Jardim e Manzini nas obras citadas Contrários a nossa posição entre outros Beling fato da vida Oliva Santos fato criminoso Gomez Colomer direito de ação Almagro Nosete e Tome Paule thema decidendi 440 GUASP Jaime La pretensión procesal p 604 441 ROSENBERG Leo Tratado de derecho procesal civil p 27 e ss 442 BADARÓ Gustavo Henrique Correlação entre acusação e sentença p 76 e ss 443 Seguindo a GUASP Jaime La pretensión procesal p 600 e ss 444 Eugenio Florían Elementos de derecho procesal penal p 49 entende que o objeto fundamental do processo penal é uma determinada relação de direito penal que surge de um fato que se considera como delito Nessa linha Beling Derecho procesal penal p 79 assinala que o assunto da vida constitui o objeto do processo É importante destacar que José Frederico Marques Elementos de direito processual penal p 68 ao falar na finalidade e objetivo do processo penal pois não trata claramente do objeto cita Beling e lhe imputa uma frase Donde dizer Ernst Beling que o objeto do processo é a tutela da lei penal Realmente Beling diz isso mas em outro contexto ao comentar la función general políticojurídica del derecho procesal penal e para definir a função institucional do processo penal Sobre o objeto dedica um capítulo específico onde desde o início define como el asunto de la vida causa res en torno del cual gira el proceso y cuya resolución mediante decisión sobre el fondo constituye la tarea propia del proceso los merita causae o materialia causae en la terminología de la ciencia pandectista Ademais de tirar uma frase do contexto Frederico Marques incide no grave erro de identificar finalidade com objeto 445 ORBANEJA Emilio Gómez Comentarios a la Ley de Enjuiciamiento Criminal p 51 e ss 446 A expressão é de Guasp na obra La pretensión procesal com a importante distinção de que ele defende o fato natural 447 La pretensión procesal p 588 448 COUTURE Eduardo J Fundamentos del derecho procesal civil p 61 449 O termo juicio oral é empregado no sentido de fase processual em sentido estrito Não é adotado o termo fase judicial como no Brasil porque na Espanha a investigação preliminar está a cargo de um juiz instrutor logo tem natureza judicial ainda que não jurisdicional 450 SENDRA Vicente Gimeno et al Derecho procesal penal cit p 216 451 Seguindo a Classificação Quinária de Pontes de Miranda cabe recordar que a sentença ademais de declaratória constitutiva e condenatória também será mandamental e executiva 452 GOLDSCHMIDT James Problemas jurídicos y políticos del proceso penal p 7 e ss 453 O que segue vejase GOLDSCHMIDT Problemas jurídicos y políticos del proceso penal e também Derecho justicial material p 54 e ss 454 Como explica Goldschmidt Derecho justicial material p 52 e ss ao analisar a obra de Binding Handbuch des Strafrechts p 189 e ss 455 Ao longo da magistral obra Problemas jurídicos y políticos del proceso penal 456 Problemas jurídicos y políticos del proceso penal p 58 457 Isso porque como explica Alonso Instituciones de derecho procesal penal p 3 para Goldschmidt a retribuição é o regulador fundamental da vida social Daí por que se necessita da justiça distributiva para regular os sentimentos de prazer e dor significa dizer o estar dos homens conforme seus méritos diante do direito isto é da justiça penal 458 Pois se trata do direito material de penar que somente pode ser realizado pelo processo após o pleno exercício da acusação com a sentença condenatória 459 Como toda teoria por óbvio que não é perfeita e acabada daí por que muitas acomodações e atualizações foram feitas por nós Entre as revisões de conceitos há que se pensar a execução da pena em Goldschmidt com outros olhos pois na concepção do autor o poder de executar a pena também estaria a cargo do juiz Isso conduziria a um processo de execução penal de cunho inquisitório com o qual não concordamos Daí por que pensamos que na execução devese construir uma estrutura dialética com o Ministério Público invocando o juiz para o início e nos diferentes incidentes Um verdadeiro processo de execução 460 Esse tema foi muito bem tratado por Gómez Orbaneja Comentarios a la Ley de Enjuiciamiento Criminal p 187 e ss em cuja lição nos baseamos na continuação Também é importante esclarecer que a identificação da concepção de Gómez Orbaneja com a de Goldschmidt foi expressamente admitida pelo primeiro na obra com Herce Quemada Derecho procesal penal p 90 quando explica que aunque hayamos llegado a él por caminos distintos este concepto coincide en esencia con el de Goldschmidt v su obra en castellano y sobre el proceso penal español Problemas jurídicos y políticos del proceso penal Barcelona 1935 Goldschmidt se basa en su concepción personal del derecho penal como derecho justicial material acerca de la cual nada vamos a decir aquí Pero aun cuando se prescinda e incluso se disienta de tal teoría nos parece que el concepto de acción exposto es el que mejor se compagina con la verdadera naturaleza del proceso criminal 461 Derecho procesal civil y penal p 301 462 Derecho procesal civil y penal p 301 463 Sobre o tema remetemos o leitor para nossa obra Direito processual penal 464 MIRABETE Julio Fabbrini Processo penal p 117
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FUNDAMENTOS DO PROCESSO PENAL INTRODUÇÃO CRÍTICA Aury Lopes Jr DE ACORDO COM O PACOTE ANTICRIME lei n 13964 de 24122019 6ª edição 2020 saraiva jur Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem a prévia autorização da Editora Saraiva A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na Lei n 961098 e punido pelo artigo 184 do Código Penal ISBN 9786555592306 Lopes Junior Aury Fundamentos do Processo Penal Aury Lopes Junior 6 ed São Paulo Saraiva Educação 2020 344 p Bibliografia 1 Processo penal 2 Processo penal Jurispridência Brasil I Título 200140 CDD 340 Índices para catálogo sistemático 1 Processo penal Direito penal 3431 Direção executiva Flávia Alves Bravin Direção editorial Renata Pascual Müller Gerência editorial Roberto Navarro Gerência de produção e planejamento Ana Paula Santos Matos Gerência de projetos e serviços editoriais Fernando Penteado Planejamento Clarissa Boraschi Maria coord Novos projetos Melissa Rodriguez Arnal da Silva Leite Edição Aline Darcy Flôr de Souza Produção editorial Luciana Cordeiro Shirakawa Arte e digital Mônica Landi coord Amanda Mota Loyola Camilla Felix Cianelli Chaves Claudirene de Moura Santos Silva Deborah Mattos Fernanda Matajs Guilherme H M Salvador Tiago Dela Rosa Verônica Pivisan Reis Planejamento Clarissa Boraschi Maria coord Projetos e serviços editoriais Kelli Priscila Pinto Marília Cordeiro Mônica Gonçalves Dias Diagramação Livro Físico Fabricando Ideias Design Editorial Markelangelo Design e Projetos Editoriais Revisão Izabel Bueno Daniela Georgeto Capa Roney Camelo Livro digital Epub Produção do epub Guilherme Henrique Martins Salvador Data de fechamento da edição 1522020 Dúvidas Acesse sacsetssomoseducacaocombr Sumário Sobre o autor Prefácio original da obra Introdução crítica ao processo penal Prefácio Nota do autor 6ª edição Texto em homenagem a Eduardo Couture e James Goldschmidt Capítulo 1 O fundamento da existência do processo penal instrumentalidade constitucional 11 Constituindo o processo penal desde a Constituição A crise da teoria das fontes A Constituição como abertura do processo penal 12 Superando o maniqueísmo entre interesse público versus interesse individual Inadequada invocação do princípio da proporcionalidade 13 Direito e dromologia quando o processo penal se põe a correr atropelando as garantias 14 Princípio da necessidade do processo penal em relação à pena 15 Instrumentalidade constitucional do processo penal 16 A necessária recusa à teoria geral do processo Respeitando as categorias próprias do processo penal Quando Cinderela terá suas próprias roupas 17 Inserindo o processo penal na epistemologia da incerteza e do risco lutando por um sistema de garantias mínimas 171 Risco exógeno 172 Epistemologia da incerteza 173 Risco endógeno processo como guerra ou jogo 174 Assumindo os riscos e lutando por um sistema de garantias mínimas 18 A crise do processo penal crise existencial crise identitária da jurisdição e a crise de ineficácia do regime de liberdade no processo penal 181 A crise existencial do processo penal é ainda o processo o caminho necessário para chegar à pena 182 Crise identitária da jurisdição penal um juiz para quem A incompreendida imparcialidade judicial 183 A crise de ineficácia do regime de liberdade no processo penal Banalização da prisão preventiva O problema da execução antecipada da pena 184 É o plea bargaining um remédio para a crise do processo penal Ou um veneno mortal Analisando a proposta do pacote anticrime161 1841 Ampliação dos espaços de consenso é uma tendência inexorável 1842 As justificativas para o implemento do plea bargaining 1843 A experiência negocial em Portugal Espanha e Itália e o Projeto de Lei n 8045 Novo CPP que foi desconsiderado 1844 Fim da produção de provas a supremacia da investigação preliminar 1845 Supervalorização da confissão tortura plea bargaining o abuso da prisão cautelar como instrumento de coerção 1846 Desconstruindo o mito fundante da negociação ilusão de voluntariedade e consenso 1847 A desconstrução do argumento economicista o custo de um superencarceramento 1848 Concluindo a proposta substitutiva ao Projeto Anticrime está na retomada do PL n 8045 Novo CPP com ajustes Capítulo 2 Teorias da ação e das condições da ação A necessidade de construção de uma teoria da acusação 21 Para introduzir o assunto 22 Ação processual penal ius ut procedatur desde a concepção de pretensão acusatória Por que não existe trancamento da ação penal 23 Natureza jurídica da ação processual penal Caráter público autônomo e abstrato ou concreto 24 Condições da ação processual penal e não processual civil 241 Quando se pode falar em condições da ação 242 Condições da ação penal equívocos da visão tradicional civilista 243 Condições da ação penal segundo as categorias próprias do processo penal 2431 Prática de fato aparentemente criminoso fumus commissi delicti 2432 Punibilidade concreta 2433 Legitimidade de parte 2434 Justa causa 24341 Justa causa existência de indícios razoáveis de autoria e materialidade 24342 Justa causa controle processual do caráter fragmentário da intervenção penal 244 Outras condições da ação processual penal 25 A proposta teoria da acusação Reflexos na Santa Trindade acusaçãojurisdiçãoprocesso 251 A necessidade inadequações decorrentes do conceito tradicional de ação O conceito de acusação 252 Requisitos de admissibilidade da acusação 253 Reflexos nos conceitos de jurisdição e processo Capítulo 3 Jurisdição penal A posição do juiz como fundante do sistema processual 31 Sistema acusatório 32 Sistema inquisitório 33 O reducionismo ilusório e insuficiente do conceito de sistema misto a gestão da prova e os poderes instrutórios do juiz 331 A falácia do sistema bifásico 332 A insuficiência da separação inicial das atividades de acusar e julgar 333 Identificação do núcleo fundante a gestão da prova 334 O problema dos poderes instrutórios juízesinquisidores e os quadros mentais paranoicos 335 A estrutura acusatória consagrada no art 3ºA do CPP e a resistência inquisitória 336 É a justiça negocial uma manifestação do sistema acusatório Uma análise crítica 34 A imparcialidade do juiz como princípio supremo do processo penal dissonância cognitiva efeito primazia e originalidade cognitiva 341 Efeito primazia no processo penal você sabe o que é isso323 Mais um argumento a demonstrar a imprescindibilidade do juiz das garantias e a exclusão física dos autos do inquérito 342 A importância da originalidade cognitiva do juiz da instrução e julgamento para termos condições de possibilidade de um juiz imparcial337 Capítulo 4 Teorias acerca da natureza jurídica do processo penal 41 Introdução as várias teorias 42 Processo como relação jurídica a contribuição de Bülow 43 Processo como situação jurídica ou a superação de Bülow por James Goldschmidt 431 Quando Calamandrei deixa de ser o crítico e rende homenagens a un maestro di liberalismo processuale O risco deve ser assumido a luta pelas regras do jogo 432 Para compreender a obra do autor é fundamental conhecer o autor da obra James Goldschmidt 44 Processo como procedimento em contraditórioo contributo de Elio Fazzalari Capítulo 5 Reconstrução dogmática do objeto do processo penal a pretensão acusatória para além do conceito carneluttiano de pretensão 51 Introdução ou a imprescindível précompreensão 511 Superando o reducionismo da crítica em torno da noção carneluttiana de pretensão Pensando para além de Carnelutti 512 Teorias sobre o objeto do processo penal 52 Estrutura da pretensão processual acusatória 521 Elemento subjetivo 522 Elemento objetivo 523 Declaração petitória 53 Conteúdo da pretensão jurídica no processo penal punitiva ou acusatória Desvelando mais uma inadequação da teoria geral do processo 54 Consequências práticas dessa construção ou por que o juiz não poderia condenar quando o Ministério Público pedir a absolvição AURY LOPES JR Doutor em Direito Processual Penal pela Universidad Complutense de Madrid Professor Titular de Direito Processual Penal da PUCRS Professor no Programa de PósGraduação Doutorado Mestrado e Especialização em Ciências Criminais da PUCRS Parecerista e conferencista Advogado criminalista Para Maíra retribuo com tuas próprias palavras pois insuperáveis Eu te prometo a doçura e a graça do meu amor mas também não deixo passar o frio na barriga e o calor da paixão A paixão que vivemos e que foi meu delírio uma força uma ordem uma vontade que foi além de qualquer razão Te prometo uma paixão sem repouso febril fascinante a nossa cara Um respeito fácil calçado na imensa admiração que sinto por ti Na alegria terás o meu sorriso frouxo e na tristeza minhas lágrimas complacentes e honestas Na saúde e na doença meu empenho para que sejamos saudáveis de corpo e não menos sãos de espírito Todos os dias prometo que terás a minha dedicação e entrega para esse amor que tive a rara sorte de encontrar Para Thaisa Carmella Guilhermina e Vicenzo que me fizeram compreender o que realmente significa amor incondicional A presente obra é resultado parcial das investigações desenvolvidas no Grupo de Pesquisa Processo Penal e Estado Democrático de Direito cadastrado no CNPq e vinculado ao Programa de PósGraduação em Ciências Criminais da PUCRS Prefácio original da obra Introdução crítica ao processo penal Não desças os degraus do sonho Para não despertar os monstros Não subas aos sótãos onde Os deuses por trás das suas máscaras Ocultam o próprio enigma Não desças não subas fica O mistério está é na tua vida E é um sonho louco este nosso mundo Mario Quintana Os degraus Antologia poética p 93 Uma das coisas mais interessantes para entender os pernósticos é ver Mario Quintana antes de morrer infelizmente já faz dez anos dizer que seu maior sonho era escrever um poema bom Anjo travesso Malaquias fez e faz estrada construindo no jeito gaúcho de ser coisas maravilhosas ousadas marotas sérias pedindo passagem entre as palavras que as ama tanto quanto ele a elas ama para não deixar imune a canalhada que se entrega a Tânatos pensando que pode encontrar Eros Que nada Aí só se produz sofrimento embora não se deva desconsiderar a hipótese de que também se goza sem embargo de se pagar um preço para tanto e caro muito caro Eis o retrato da malta que assola a todos brincando com as imagens vilipendiando os sentidos como jaguaras incorrigíveis falsos brilhantes zirconitas O país está repleto deles em todos os campos No Direito a situação é quiçá ainda pior Fazse um abismo entre o discurso e a realidade Nunca se esteve tão perto pelas caracte rísticas do medievo pensamento único dificuldades de locomoção para a grande maioria não seria isso o pedágio selvagem imposto ao país generalização da ignorância por mais paradoxal que possa parecer porque 45 da população seriam descartáveis um mundo povoado por imagens midiáticas não raro sobrenaturais para se manter as pessoas em crença um espaço onde polis civitas já conta muito pouco citoyen como Maximilien Robespierre exigia ser chamado pelo filho hoje sem embargo de estar perto do palavrão é quase tão só inflação fonética de discurso eleitoreiro O grave porém são os mercadores das imagens homens da ordem e da lei se lhes interessa maniqueístas interesseiros porque pensandose do bem são sempre os donos da verdade que imaginam existir embora cada vez mais mostrese como miragem elegem o mal no diferente em geral os excluídos e pensam no estilo nazista em coisas como um direito penal do inimigo Personalidades débeis vendem a alma ao diabo ou a um deus qualquer como o mercado para operar em um mundo de ilusão de aparência e seduzir os incautos Parecem pavões com belas plumas multicoloridas mas com os pés cheios de craca O pior é que de tanto em tanto metem no imbroglio gente com a cabeça historicamente no lugar Nel 1947 Francesco Carnelutti deplora che in ossequio al pregiudizio pessimistico sulla pena ogni penetrazione nel segreto sia incon gruamente affidata alla libertà del suo titolare sebbene la pubblica igiene prevalga sullinteresse a nascondere le piaghe analoghi i due segreti fisico e psichico il diritto al secondo appartiene a una fase del pensiero nella quale la pena era ancora concepita come un male anziché un bene per chi la subisce perciò le polemiche sulla tortura trascendono dannosamente il giusto limite devessere respinta perché non offre alcuna garanzia di verità della risposta del torturato non perché lo costringe a palesare um segreto se qualche espediente garantisse lesito veridico senza cagionare notevoli danni al corpo dellinquisito non vi sarebbe alcuna ragione perché non fosse adottato LPP II 168 Quattro anni dopo suscita scandalo la confessione estorta in un famoso caso il pubblico ministero invoca lopinione carneluttiana a sostegno della prassi poliziesca Corriere della Sera 12 gennaio 1952 in Francia Esprit dedica una notta sotto il titolo La torture modérée a ce digne compatriote de Beccaria1 Na estrutura pendular na qual se vive o difícil é suportar no tempo o espaço de descida e subida do pêndulo porque nada é feito sem vilipêndio da democracia Isso como é sintomático produz nos atingidos tem gente que pensa nessas ocasiões para atingir os outros acima do bem e do mal uma reação que se não pode considerar desproporcional embora não raro tenda a vilipendiar também ela a democracia Tudo enfim é resultado da falta de respeito pela diferença Não foi por diverso motivo entre tantos outros de menor importância ao que parece ter a chamada Operação Mãos Limpas na Itália sido o desastre que foi salvo in terrae brasilis àqueles pouco esclarecidos e movidos pelo ouvir dizer Afinal ninguém discorda que Silvio Berlusconi é resultado da maluquice de se permitir uma digamos torture modérée como por certo ironizou o Esprit referindose aos dignos compatriotas de Beccaria Em matéria capital à democracia como se sabe não se transige em nome de nada de tudo ou de um deus qualquer cláusulas pétreas dizem os constitucionalistas e nunca estiveram brincando pelo menos se não fizessem parte da canalhada também Agora para quem acompanha mais de perto as vicissitudes peninsulares Berlusconi dá o troco vilipendiando da mesma maneira uma democracia que só Deus sabe como resiste2 Ademais em matéria do gênero e como se disse alhures depois de dar o primeiro tiro eis a barbárie ninguém mais sabe por que está atirando Quem disso duvidar deve perguntar às famílias de Livatino Chinnici Falcone ou Borsellini Em definitivo o Brasil não merece passar por isso razão por que há de resistir ao desvario seja ele de que lado for e para tanto há que resistir com esforço e obras como a presente Aury Lopes Jr desde o ponto de vista da resistência à barbárie no DPP é o Malaquias do direito processual penal Um Mario Quintana que rompe com a mesmice e a canalhice aí instalada passada como um raio dos ledores do código em geral leguleios aos vampiros profetas eou salvadores da pátria Sem desmitificar essa gente todavia não se vai adiante no jogo democrático no crescimento do grau de civilidade Essa turba tem feito poesia do DPP com esquadro e régua para ser medida e não para ser vivida Só não se pode é ser muito condescendente com ela E o Aury não o é Está aí o sentido do substantivo crítica no título Só isso já seria suficiente para justificar a grandeza de um livro como o presente nominado como se fosse por Malaquias como mera Introdução Aury embora muito jovem tem um longa estrada toda construída com um discurso coerente do seu Sistemas de investigação preliminar no processo penal3 ao excelente Desvelando o risco e o tempo no processo penal4 Doutor em Direito Processual Penal pela Universidad Complutense de Madrid onde foi conduzido pelas mãos seguras do respeitado Pedro Aragoneses Alonso5 com ele aprofundou os estudos emnos Goldschmidt que continuam distantes de terem uma proposta inaceitável e fornecedora de fundamentos aos juristas ligados ao credo nacionalsocialista6 Tudo ao contrário nunca foi tão importante estudar os Goldschmidt mormente agora em que não se quer aceitar viver de aparências No entanto Aury faz parte do corpo docente de um dos melhores Programas de Pósgraduação do Brasil ou seja do multidisciplinar da PUCRS onde despontam com ele Ruth Gauer com suas mãos de ferro e coração de mãe Salo de Carvalho e tantos outros que não cabe nominar neste breve espaço A leitura deste Introdução crítica é um prazer enorme principalmente quando estamos tão acostumados à manualística tacanha e com cheiro de bolor No eixo de cinco grandes princípios que dão azo aos cinco capítulos Aury navega pelo nulla poena nulla culpa sine iudicio porque há de ser entendido como o primeiro princípio lógico do sistema talvez fosse o caso de dizer que é o princípio número dois do conjunto processual pela gestão da prova como núcleo do sistema processual e a partir dela a separação das atividades de acusar e julgar só os muito alienados não percebem que o princípio inquisitivo rege o nosso sistema processual e mais importante a fase processual da persecução pela presunção de inocência sem o que não acaba o abuso bárbaro das prisões cautelares pelo nulla probatio sine defensione algo vital para compreender o verdadeiro sentido do processo por fim trata da motivação das decisões e derruba um mito atrás do outro para se aproximar da realidade o resgate da subjetividade no ato de julgar quando o juiz se põe a pensar e sentir O prezado professor doutor advogado Aury Lopes Jr brinda o país com uma obra que dando fundamentos da instrumentalidade garantista evoca os bons tempos nos quais se acreditava com fé na democracia Ela vem como Era um lugar do inominável Mario Quintana com a diferença de que não aceita fazer parte de museu algum a não ser o da resistência democrática Era um lugar em que Deus ainda acreditava na gente Verdade que se ia à missa quase só para namorar mas tão inocentemente que não passava de um jeito um tanto diferente de rezar enquanto do púlpito o padre clamava possesso contra pecados enormes Meus Deus até o Diabo envergonhavase Afinal de contas não se estava em nenhuma Babilônia Era tão só uma cidade pequena com seus pequenos vícios e suas pequenas virtudes um verdadeiro descanso para a milícia dos Anjos com suas espadas de fogo um amor Agora aquela antiga cidadezinha está dormindo para sempre em sua redoma azul em um dos museus do Céu7 Prof Dr Jacinto Nelson de Miranda Coutinho Coordenador eleito do Programa de Pós graduação em Direito da UFPR Prefácio A finales de los años 90 impartí en la Facultad de Derecho de la Universidad Complutense un Curso de Doctorado sobre un tipo de proceso el Procedimiento abreviado para determinados delitos que regulado por la LO 71998 de 28 de diciembre trataba de que los delitos menores fueran resueltos en un plazo razonable sin pér dida de las garantías del debido proceso Entre los asistentes al curso se encontraba un joven jurista brasileño Aury Lopes Jr El método que seguíamos para analizar las peculiaridades dogmáticas y el régimen jurídico del proceso objeto de nuestro estudio consistía en repartir tal investigación en ponencias a cargo de los doctorandos que componían el grupo Una vez expuesta la ponencia ésta era objeto de discusión en la clase En sus intervenciones Aury haciendo honor a su condición de joven de jurista y de brasileño ponía de relieve en el coloquio su viveza idealista propia de su juventud su gran formación como estudioso del Derecho que tenía sobradamente acreditada al aprobar la oposición para la docencia en 1993 e implantar en la Universidad de Río Grande un Servicio de Defensa gratuita y su interés por comprender con exactitud cualquier cuestión que se expusiera en el coloquio que él estimara que podía ser interesante para la Justicia penal de su país A tal efecto siempre con gran respeto no dudaba en formular preguntas sobre el sistema español y en proporcionar datos sobre la realidad jurídica brasileña de tal modo que apenas sin darnos cuenta aquel Curso se convirtió en un análisis comparativo de los sistemas jurídicopenales de España y Brasil Ello nos enriqueció a todos Terminado el Curso me pidió que dirigiera su Tesis a lo que accedí con pleno agrado Acordamos que la Tesis tuviera por el objeto el estudio de los Sistemas de instrucción preliminar en los Derechos español y brasileño Con especial referencia a la situación del sujeto pasivo del proceso penal Como se recoge en la Nota preliminar del trabajo el orden de los vocablos expresa el predominio del objeto sistemas de instrucción sobre el sujeto pasivo de modo que la investigación se va a centrar en analizar un determinado momento o fase del proceso penal tomando en consideración especialmente la situación jurídica de uno de los intervinientes La importancia del estudio de la instrucción preliminar radica en que salvo los casos de flagrancia como nos dice el autor el proceso penal sin previa instrucción es un proceso irracional una figura inconcebible El proceso penal no puede y no debe prescindir de la instrucción preliminar porque no se debe de juzgar de inmediato Primeramente hay que preparar investigar y lo más importante reunir los elementos de convicción para justificar la acusación Es una equivocación que primero se acuse después se investigue y al final se juzgue El costo social y económico del proceso y los diversos trastornos que causa al sujeto pasivo hacen necesario que lo primero sea investigar para saber si hay que acusar o no Así centrado el tema mi labor como director consistió principalmente en darle a conocer los métodos complementarios que debían seguirse en la investigación según las enseñanzas que yo había recibido de mis mejores maestros Werner Goldschmidt en su concepción tridimensional del mundo jurídico y Jaime Guasp con su sistema lógico formal El estudio fue dividido en tres partes una dedicada a la Introducción fundamento de la existencia del proceso penal sistemas históricos inquisitivo acusatorio y mixto y el objeto del proceso penal otra sobre los Sistemas de instrucción preliminar en razón a los sujetos sistema judicial fiscal y policial del objeto instrucción plenaria y sumaria y de los actos publicidad y secreto de las actuaciones ponderando sus ventajas e inconvenientes y una tercera que se ocupa del Sujeto pasivo en la instrucción Terminado el trabajo la tesis fue calificada por el tribunal que le confirió el grado de Doctor con la máxima nota Sobresaliente cum laude El resultado constituye a mi juicio el mejor estudio de la instrucción preliminar llevado a cabo en España lo que fue posible justo es reconocerlo por la existencia de monografías tan sugerentes como la del Magistrado Miguel Pastor López sobre El proceso de persecución o investigaciones tan fundamentales como los Comentarios a la Ley de Enjuiciamiento Criminal del Profesor Emilio Gómez Orbaneja o las brillantes exposiciones generales contenidas en los diversos Manuales que los Profesores utilizan preferentemente para la formación universitaria así como los diversos trabajos que se recogen en la bibliografía que figura al final del estudio Los juristas españoles no tienen la suerte de poder conocer tal trabajo en castellano pero sí pueden utilizar el texto publicado en Río de Janeiro por la Editora Lumen Juris en 2001 con el título Sistemas de investigação preliminar no processo penal que es una síntesis de la tesis doctoral que va para la cuarta edición Aury Lopes Jr ha publicado también con la misma Editora su Introdução crítica ao processo penal Fundamentos da instrumentalidade garantista En esta obra el autor se formula una pregunta que todo jurista debe hacerse constantemente Un proceso o un Derecho para qué sociedad Cuál es el papel de un jurista en ese escenario El autor muestra su escepticismo ante la legislación y la jurisprudencia de su país y por ello busca ser prospectivo librándose del peso de la tradición Una postura herética en la medida en que está más volcado en la creatividad y el futuro que en la reproducción del pasado El estudio crítico contempla los fundamentos de la instrumentalidad garantista como un deber ser y no como un ser un sistema ideal opuesto a un sistema real Calificado por el Prof Dr Jacinto Nelson de Miranda Coutinho como el Malaquías del Derecho Procesal Penal Aury ha escrito un libro para hacer pensar Ello lo lleva a cabo con tal riqueza de perspectivas que al leerlo nos parece estar examinando un diamante tan ricamente tallado que al contemplar cada faceta nos presenta una luz distinta pero siempre brillante No es extraño el éxito que ha alcanzado esta obra que también llega a la cuarta edición El currículo de Aury completa el conocimiento de su obra Profesor del Programa de Posgrado Mestrado en Ciencias Cri minales de la Pontificia Universidade CatólicaPUCRS Coordi nador del Curso de Posgrado en Ciencias Penales de la PUCRS Investigador del CNPq en Derecho Procesal Penal el más importante centro de investigación científica de Brasil Miembro del Consejo Directivo para Iberoamérica de la Revista de Derecho Procesal y un largo etcétera Para cerrar esta nota y no como reproche sino como augurio pienso que un autor que acertadamente entiende con Carnelutti que la simetría y la armonía son elementos indispensables de un trabajo científico tiene que completar su obra ocupándose del tercer elemento de la trilogía de los sujetos del proceso penal Si ya ha analizado lo que concierne al órgano jurisdiccional y al sujeto pasivo todos los que le admiramos en su tarea jurídica y le queremos como persona esperamos un estudio suyo sobre el otro protagonista del proceso penal la víctima del delito Prof Dr Pedro Aragoneses Alonso8 Profesor Emérito de Derecho Procesal Universidad Complutense de Madrid España Nota do autor 6ª edição É com especial satisfação que apresento esta 6a edição revisada atualizada com a Lei n 139642019 o mal denominado Pacote Anticrime e ampliada A presente obra tem uma temática clara e demarcada os fundamentos do processo penal desde a perspectiva da santa trindade ação jurisdição e processo Ela vem complementar e ser complementada pelo meu manual Direito processual penal também publicado pela Editora Saraiva No manual a temática dos fundamentos teorias da ação teorias sobre a jurisdição e o estudo dos sistemas processuais inquisitório acusatório e misto e teorias sobre a natureza jurídica do processo está posta de forma bastante reduzida atendendo à proposta manualística Neste ponto o presente trabalho complementa o manual Contudo no que tange ao restante das temáticas do processo penal o manual complementa este livro Existe assim uma íntima relação e interação entre os dois Para analisar os fundamentos do processo penal parto de três pilares básicos respeito às categorias jurídicas próprias do processo penal e portanto recusa à teoria geral do processo filtragem constitucional e de convencionalidade imprescindibilidade de leitura conforme a Constituição e a Convenção Americana de Direitos Humanos e interdisciplinaridade consciência da insuficiência do monólogo jurídico em uma sociedade complexa Inicio analisando o fundamento da existência do processo penal a partir da concepção de instrumentalidade constitucional que venho desenvolvendo há muito tempo sem contudo cair no tradicional e mero instrumentalismo Não é disso que se trata como se compreenderá após a leitura Nesse capítulo faço ainda uma crítica necessária e imprescindível à teoria geral do processo cuja transmissão mecânica de categorias do processo civil tantos malefícios traz Por fim trato de um tema da maior importância a crise do processo penal pensada em uma tríplice perspectiva crise existencial do processo crise identitária da jurisdição crise do regime de liberdade processual Finalizo com um estudo acerca do plea bargaining e seus graves inconvenientes verdadeira negativa de jurisdição e veneno para o processo penal democrático Depois no Capítulo 2 analiso as teorias da ação e das condições da ação abordando todas as teorias para concluir com a ambição de construção de uma teoria da acusação Chamo a atenção para a necessidade de atentar para as condições de admissibilidade da acusação próprias do processo penal abandonando o civilismo legitimidade interesse e possibilidade jurídica do pedido erroneamente importado e adaptado O Capítulo 3 enfrenta a jurisdição deslocandoa para a função de garantia não apenas com o tradicional civilismo de poder dever dizer o direito Mas indo além da análise tradicional e básica que fazemos em nossa obra Direito processual penal de jurisdição e competência focamos na posição do juiz no processo penal como fundante do sistema processual Significa analisar os sistemas processuais penais inquisitório acusatório e o insuficiente misto a partir da posição do juiz e claro vinculado à gestão da prova sempre de olho no Princípio Supremo do Processo a imparcialidade do julgador Não mais podemos estudar jurisdição senão na perspectiva da exigência sistêmica e tudo isso a serviço da imparcialidade Finalizo com o estudo do processo e sua natureza jurídica último elemento da santa trindade ação jurisdição e processo retomando Bülow para superálo com James Goldschmidt e aperfeiçoálo com Fazzalari Não se trata de simples análise histórica senão que precisamos falar sobre a natureza jurídica do processo não só porque ainda predomina a superadíssima concepção de processo como relação jurídica Bülow que conduz a uma visão autoritária do processo e do lugar ocupado pelo juiz mas também porque precisamos compreender a real dinâmica da complexa fenomenologia do processo para desvelando sua realidade fortalecer o núcleo de direitos fundamentais Compreender a dinâmica realista da concepção de Goldschmidt do processo como situação jurídica é assumir o risco e a incerteza para então lutar pela efetividade das regras do jogo entre elas a garantia do contraditório cuja visão de Fazzalari é fundamental sua teoria se situa em uma continuidade do pensamento de Goldschmidt Por fim abordamos a complexidade do objeto do processo penal demonstrando o erro de pensar em pretensão punitiva Como sempre digo este é um livro de fundamentos portanto não costuma sofrer com as oscilações de humor da jurisprudência ou do legislador Possui uma estabilidade decorrente da própria imutabilidade do seu objeto Sem embargo a Lei n 139642019 trouxe relevantíssimas alterações na base do processo penal especialmente com a recepção expressa da estrutura acusatória art 3ºA e da figura do Juiz das Garantias arts 3ºA a 3ºF do CPP que afeta diretamente a questão da imparcialidade judicial Ainda que tais dispositivos legais estejam com a eficácia suspensa pela liminar concedida pelo Min Fux na Medida Cautelar nas ADIns 6298 6299 6300 e 6305 no dia 22 de janeiro de 2020 é importantíssimo avaliar o impacto das alterações pois acreditamos que mais cedo ou mais tarde elas se efetivarão e a liminar será cassada senão no todo ao menos em parte Como já escrevi em outro momento9 sem dúvida essa liminar foi um golpe poderosíssimo na reforma que se pretendia levar a cabo Ao suspender o art 3ºA do CPP que finalmente consagraria o sistema acusatório ao suspender também a implantação do juiz das garantias o sistema de exclusão física dos autos do inquérito e a nova forma de arquivamento adequada ao sistema acusatório art 28 o Min Luiz Fux sepultou décadas de luta de pesquisa de milhares de debates e de páginas escritas para modernizar e democratizar o processo penal brasileiro Talvez o Ministro por ser um processualista civil não tenha tido a compreensão do que está em jogo para o processo penal e que foi suspenso com sua decisão liminar e monocrática Era Ministro o mais forte movimento reformista para livrar o processo penal do seu ranço autoritário e inquisitório para reduzir o imenso atraso civilizatório democrático e constitucional que temos no CPP Sua liminar não suspendeu apenas artigos suspendeu a evolução a democratização do processo penal Lamento profundamente a decisão Ministro que espero seja urgentemente revista pelo plenário do STF para que finalmente o processo penal se liberte da matriz fascista e inquisitória do Código de Rocco Então a obra traz essas questões mas vai além nas inovações incluí um longo tópico no Capítulo 1 destinado a analisar a proposta de plea bargaining contida no Projeto Antricrime apresentado pelo Min Sérgio Moro e que felizmente não foi contemplada na Lei n 139642019 Contudo como a discussão segue na pauta e tememos por um retorno da Proposta Moro em outro momento pois os agentes políticos não desistiram dessa perigosíssima ideia entendo ser fundamental já abordar os problemas que ela contém Mais do que analisar o projeto foquei nos gravíssimos problemas que encerra o plea bargaining e na necessidade de uma adoção com limites adequados para nossa realidade processual e prisional O tema foi ali tratado após a exposição da Crise do Processo Penal exatamente porque é apontado por muitos como a solução para o entulhamento da justiça criminal Grave equívoco como pretendi mostrar Também melhorei a parte histórica dos sistemas processuais porque estava excessivamente genérica mas sem qualquer pretensão de esgotamento seja histórico seja conceitual Criei um novo tópico para aprofundar a imparcialidade do juiz e destacar sua sensível posição e como não se pode pensar sistemas processuais desconectados da figura do juiz e portanto da complexidade inerente ao conceito de imparcialidade que exige um amplo diálogo com outras áreas de conhecimento que vão nos mostrar o que é dissonância cognitiva o efeito primazia a originalidade cognitiva précompreensões préjuízos etc A imparcialidade do juiz é definitivamente o princípio supremo do processo penal Aragoneses Alonso e Werner Goldschmidt Não há processo sem juiz e não há juiz se não houver imparcialidade Daí por que é a estrutura do sistema que cria ou não as condições de possibilidade de um juiz imparcial e portanto somente no marco do sistema acusatório é que podemos ter as condições necessárias para a imparcialidade do julgador A essa altura pouco importam eventuais divergências sobre o que foi ou não o processo penal romano Importa em pleno século XXI que tenhamos uma estrutura dialética com juiz completamente afastado da arena das partes e da iniciativa probatória com máxima originalidade cognitiva e estrita observância do contraditório e das demais regras do devido processo E nesse ponto a figura do juiz das garantias e a expressa adoção da estrutura acusatória eram pontos nevrálgicos infelizmente suspensos por conta da medida liminar Mas seguimos na torcida para que a liminar seja cassada e tais medidas implementadas Também atualizei a crise do regime de liberdade a partir da declaração de constitucionalidade do art 283 do CPP pelo STF mas mantive por argumentar as críticas que faço à execução antecipada da pena pois o tema segue gerando muita polêmica Por fim agradeço a excelente receptividade que a obra tem no meio acadêmico e profissional Um carinhoso agradecimento aos professores que a indicam principalmente porque comprometidos com um processo penal democrático e constitucional e conscientes da importância da docência e da responsabilidade de abrir e formar cabeças pensantes Especialmente nesta edição dada a relevância e profundidade das mudanças faço uma solicitação mandem emails aurylopesterracombr com correções críticas e sugestões precisarei delas para melhorar ainda mais este livro que está em constante construção Por fim convido você leitora a ser meuminha seguidora no Instagram aurylopesjr no Facebook httpwwwfacebookcomaurylopesjr na Coluna Limite Penal wwwconjurcombr e no podcast Criminal Player que mantenho junto com meu grande parceiro Alexandre Morais da Rosa São canais constantes de diálogo e também de atualização e debate Cordial abraço e muito obrigado pela confiança Verão de 2020 Aury Lopes Jr Texto em homenagem a Eduardo Couture e James Goldschmidt Em homenagem a Eduardo Couture e James Goldschmidt cujas lições de humanidade e altruísmo deveriam servir de inspiração para a construção de uma sociedade mais justa e tolerante En el mes de octubre de 1939 recibí una carta del Profesor Goldschmidt que fue Decano de la Facultad de Derecho de Berlín escrita desde Cardiff en Inglaterra Ya comenzada la guerra en ella me decía lo siguiente conozco sus libros y tengo referencias de Ud Estoy en Inglaterra y mi permiso de residencia vence el 31 de diciembre de 1939 A Alemania no puedo volver por ser judío a Francia tampoco porque soy alemán a España menos aún Debo salir de Inglaterra y no tengo visa consular para ir a ninguna parte del mundo A un hombre ilustre porque en el campo del pensamiento procesal la rama del derecho en que yo trabajo la figura de Goldschmidt era algo así como una de las cumbres de nuestro tiempo a un hombre de esta insólita jerarquía en cierto instante de su vida y de la vida de la humanidad como una acusación para esa humanidad le faltaba en el inmenso planeta un pedazo de tierra para posar su planta fatigada Le faltaba a Goldschmidt el mínimo de derecho a tener un sitio en este mundo donde soñar y morir En ese instante de su vida a él le faltaba el derecho a estar en un lugar del espacio No podía quedar donde estaba y no tenía otro lado donde poder ir Pocas semanas después Goldschmidt llegaba a Montevideo Yo nunca olvidaré aquel viaje hecho ya en pleno reinado devastador de los submarinos Vino en un barco inglés el Highland Princess en un viaje de pesadilla donde a cada instante un submarino podía traer la muerte con chaleco salvavidas siempre puesto viajando a oscuras Angustiado lo vi llegar una tarde de otoño llena de luz serenidad y calma a Montevideo Recuerdo de ese instante una anécdota conmovedora Me dijo Goldschmidt que él no deseaba un apartamento junto al mar Prefería algún lugar cerca del campo Cuando vio el mar desde Pocitos adonde le habíamos llevado no quiso saber nada de él Me respondió entonces Yo ya sé a dónde conduce Eran un hombre y una civilización que se repelían se odiaban recíprocamente El venía a ver en el mar el símbolo del odio a un Continente que lo había expulsado de su seno Recuerdo también que esa misma tarde pocos minutos después de llegar me dijo lo siguiente Ud tendrá la bondad de acompañarme a la Policía Y qué tiene Ud que hacer con la Policía le contesté Tengo que inscribirme como llegado al país dar cuenta a la Policía de que vivo aquí fue su réplica Pero Ud no tiene obligación de hacerlo le dije De manera que la Policía no sabe que yo estoy aquí ni sabe dónde yo vivo Se le llenaron los ojos de lágrimas y dijo Esto es la libertad Pocos días más tarde preparaba su tercera clase Eran como las nueve de la mañana Goldschmidt tuvo la sensación de una ligera molestia quiso reponerse y dejó de escribir Se acercó a su esposa recitó unos poemas de Schiller para distraer la mente volvió a su mesa de trabajo y como fulminado por un rayo quedó muerto sobre sus papeles Así murió el más eminente de los Profesores de Derecho Procesal Civil alemán en una casa de pensión de Montevideo Caído sobre sus papeles escritos en español que luego recogimos retirando de sobre ellos su cabeza que empezaba a enfriarse para transmitir al mundo el mensaje de quien había sufrido como pocos y murió de dolor de puro dolor de vivir No olvidaré nunca que en esos papeles que están publicados hoy con el título de Los problemas generales del derecho se dice que el derecho en último término en su definitiva revelación es la más alta y especificada manifestación de la moral sobre la tierra Un sabio que mediante oscuros instrumentos de derecho había sido perseguido por sus enemigos concluía su vida escribiendo páginas que tenían más de muerte que de vida en un acto de esperanza en el propio derecho que lo había condenado Si la humanidad de nuestro tiempo no se cura de ese mal que azotó a la especie a lo largo de los siglos es porque la humanidad no tiene redención Si no comprendemos que los hombres son todos iguales que la sustancia humana es siempre la misma sea cual sea el color de su piel y la sangre que corre en sus venas si no entendemos que no puede ni debe haber distinción alguna entre los hombres todo el sacrificio sufrido parecería ser en vano Nuestra enseñanza debe ser hoy como ayer que no hay hombres inferiores o superiores y que frente a la comunidad los hombres no tienen más superioridad que la de sus talentos o de sus virtudes como dice la Constitución James Goldschmidt murió de dolor porque su mundo se había olvidado de tan sencillas verdades Murió por la crueldad de una cultura que no solo se olvidó de la libertad sino también de la misericordia que es una de las más finas y sutiles formas de la libertad Trechos da Palestra de Couture intitulada La libertad de la cultura y la ley de la tolerancia proferida na década de 1940 e reproduzida no periódico uruguaio Tribuna del Abogado junhojulho de 2000 Capítulo 1 O fundamento da existência do processo penal instrumentalidade constitucional 11 CONSTITUINDO O PROCESSO PENAL DESDE A CONSTITUIÇÃO A CRISE DA TEORIA DAS FONTES A CONSTITUIÇÃO COMO ABERTURA DO PROCESSO PENAL A primeira questão a ser enfrentada por quem se dispõe a pensar o processo penal contemporâneo é exatamente rediscutir qual é o fundamento da sua existência por que existe e por que precisamos dele A pergunta poderia ser sintetizada no seguinte questionamento um Processo penal para quê quem Buscar a resposta a essa pergunta nos conduz à definição da lógica do sistema que vai orientar a interpretação e a aplicação das normas processuais penais Noutra dimensão significa definir qual é o nosso paradigma de leitura do processo penal buscar o ponto fundante do discurso Nossa opção é pela leitura constitucional e dessa perspectiva visualizamos o processo penal como instrumento de efetivação das garantias constitucionais J Goldschmidt1 a seu tempo2 questionou Por que supõe a imposição da pena a existência de um processo Se o ius puniendi corresponde ao Estado que tem o poder soberano sobre seus súditos que acusa e também julga por meio de distintos órgãos perguntase por que necessita que prove seu direito em um processo A resposta passa necessariamente por uma leitura constitucional do processo penal Se antigamente o grande conflito era entre o direito positivo e o direito natural atualmente com a recepção dos direitos naturais pelas modernas constituições democráticas o desafio é outro dar eficácia a esses direitos fundamentais Como aponta J Goldschmidt3 os princípios de política processual de uma nação não são outra coisa senão o segmento da sua política estatal em geral e o processo penal de uma nação não é um termômetro dos elementos autoritários ou democráticos da sua Constituição A uma Constituição autoritária vai corresponder um processo penal autoritário utilitarista Contudo a uma Constituição democrática como a nossa necessariamente deve corresponder um processo penal democrático visto como instrumento a serviço da máxima eficácia do sistema de garantias constitucionais do indivíduo Somente a partir da consciência de que a Constituição deve efetivamente constituir logo consciência de que ela constitui a ação é que se pode compreender que o fundamento legitimante da existência do processo penal democrático se dá por meio da sua instrumentalidade constitucional Significa dizer que o processo penal contemporâneo somente se legitima à medida que se democratizar e for devidamente constituído a partir da Constituição Cremos que o constitucionalismo exsurgente do Estado Democrático de Direito pelo seu perfil compromissário dirigente e vinculativo constitui a ação do Estado4 Com a precisão conceitual que lhe caracteriza Juarez Tavares5 ensina que nessa questão entre liberdade individual e poder de intervenção do Estado não se pode esquecer de que a garantia e o exercício da liberdade individual não necessitam de qualquer legitimação em face de sua evidência Parece essa uma afirmação simples despida de maior dimensão Todo o oposto A perigosa viragem discursiva que nos está sendo imposta atualmente pelos movimentos repressivistas e as ideologias decorrentes faz com que cada vez mais a liberdade seja provisória até o CPP consagra a liberdade provisória e a prisão cautelar ou mesmo definitiva uma regra Ou ainda aprofundamse a discussão e os questionamentos sobre a legitimidade da própria liberdade individual principalmente no âmbito processual penal subvertendo a lógica do sistema jurídico constitucional Essa perigosa inversão de sinais exige um choque à luz da legitimação a priori da liberdade individual e a discussão deve voltar a centrarse no ponto correto muito bem circunscrito por Tavares6 o que necessita de legitimação é o poder de punir do Estado e esta legitimação não pode resultar de que ao Estado se lhe reserve o direito de intervenção Destaquese o que necessita ser legitimado e justificado é o poder de punir é a intervenção estatal e não a liberdade individual Mais essa legitimação não poderia resultar de uma autoatribuição do Estado uma autolegitimação que conduza a uma situação autopoié tica portanto Mas essa já seria outra discussão em torno da própria legitimidade da pena que extravasa os limites deste trabalho A liberdade individual por decorrer necessariamente do direito à vida e da própria dignidade da pessoa humana está amplamente consagrada no texto constitucional e tratados internacionais sendo mesmo um pressuposto para o Estado Democrático de Direito em que vivemos Essa é uma premissa básica que norteia toda a obra questionar a legitimidade do poder de intervenção por conceber a liberdade como valor primevo do processo penal Nem mesmo o conceito de bem jurídico pode continuar sendo tratado como se estivesse imune aos valores do Estado Democrático Como adverte Tavares7 a questão da criminalização de condutas não pode ser confundida com as finalidades políticas de segurança pública porque se insere como uma condição do Estado Democrático baseado no respeito dos direitos fundamentais e na proteção da pessoa humana E segue o autor apontando que em um Estado Democrático o bem jurídico deve constituir um limite ao exercício da política de segurança pública reforçado pela atuação do judiciário como órgão fiscalizador e controlador e não como agência seletiva de agentes merecedores de pena em face da respectiva atuação do Legislativo ou do Executivo8 Atualmente existe uma inegável crise da teoria das fontes em que uma lei ordinária acaba valendo mais do que a própria Constituição não sendo raro aqueles que negam a Constituição como fonte recusando sua eficácia imediata e executividade Essa recusa é que deve ser combatida A luta é pela superação do preconceito em relação à eficácia da Constituição no processo penal Mais do que isso é necessário fazerse um controle judicial da convencionalidade das leis penais e processuais penais na medida em que a Convenção Americana de Direitos Humanos CADH goza de caráter supralegal ou seja está abaixo da Constituição mas acima das leis ordinárias como o CP e o CPP Portanto é uma dupla conformidade que devem guardar as leis ordinárias com a Constituição e com a CADH Esse é o desafio O processo não pode mais ser visto como um simples instrumento a serviço do poder punitivo direito penal senão que desempenha o papel de limitador do poder e garantidor do indivíduo a ele submetido Há que se compreender que o respeito às garantias fundamentais não se confunde com impunidade e jamais se defendeu isso O processo penal é um caminho necessário para chegarse legitimamente à pena Daí por que somente se admite sua existência quando ao longo desse caminho forem rigorosamente observadas as regras e garantias constitucionalmente asseguradas as regras do devido processo legal Assim existe uma necessária simultaneidade e coexistência entre repressão ao delito e respeito às garantias constitucionais sendo essa a difícil missão do processo penal como se verá ao longo da obra No processo penal a Constituição e a CADH ainda representam uma abertura um algo a ser buscado como ideal É avanço em termos de fortalecimento da dignidade da pessoa humana de abertura democrática rumo ao fortalecimento do indivíduo Nesse sentido nossa preocupação com a instrumentalidade constitucional e o caráter constituidor da Carta e da CADH Geraldo Prado9 destaca a importância da Constituição na perspectiva de fixar com clareza as regras do jogo político e de circulação do poder e assinala indelevelmente o pacto que é a representação da soberania popular e portanto de cada um dos cidadãos É a Constituição um locus prossegue Geraldo de onde são vislumbrados os direitos fundamentais estabelecendo um nexo indissolúvel entre garantia dos direitos fundamentais divisão dos poderes e democracia de sorte a influir na formulação das linhas gerais da política criminal de determinado Estado Finalizando lembra o autor que o espaço comum democrático é construído pela afirmação do respeito à dignidade humana e pela primazia do Direito como instrumento das políticas sociais inclusive a política criminal Partimos da mesma premissa de Prado10 a Constituição da República escolheu a estrutura democrática sobre a qual há que existir e se desenvolver o processo penal forçado que está pois modelo préconstituição de 1988 a adaptarse e conformarse a esse paradigma Então não basta qualquer processo ou a mera legalidade senão que somente um processo penal que esteja conforme as regras constitucionais do jogo devido processo na dimensão formal mas principalmente substancial resiste à filtragem constitucional imposta Feito isso é imprescindível marcar esse referencial de leitura o processo penal deve ser lido à luz da Constituição e da CADH e não ao contrário Os dispositivos do Código de Processo Penal é que devem ser objeto de uma releitura mais acorde aos postulados democráticos e garantistas na nossa atual Carta sem que os direitos fundamentais nela insculpidos sejam interpretados de forma restritiva para se encaixar nos limites autoritários do Código de Processo Penal de 1941 12 SUPERANDO O MANIQUEÍSMO ENTRE INTERESSE PÚBLICO VERSUS INTERESSE INDIVIDUAL INADEQUADA INVOCAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE Argumento recorrente em matéria penal é o de que os direitos individuais devem ceder e portanto ser sacrificados frente à supremacia do interesse público É uma manipulação discursiva que faz um maniqueísmo grosseiro senão interesseiro para legitimar e pretender justificar o abuso de poder Inicialmente há que se compreender que tal reducionismo público privado está completamente superado pela complexidade das relações sociais que não comportam mais essa dualidade cartesiana Ademais em matéria penal todos os interesses em jogo principalmente os do réu superam muito a esfera do privado situandose na dimensão de direitos e garantias fundamentais portanto público se preferirem Na verdade são verdadeiros direitos de todos e de cada um de nós em relação ao abuso de poder estatal Já em 1882 Manuel Alonso Martínez afirmava na Exposición de Motivos de la Ley de Enjuiciamiento Criminal que sagrada es sin duda la causa de la sociedad pero no lo son menos los derechos individuales W Goldschmidt11 explica que os direitos fundamentais como tais dirigemse contra o Estado e pertencem por conseguinte à seção que trata do amparo do indivíduo contra o Estado O processo penal constitui um ramo do direito público e como tal implica autolimitação do Estado uma soberania mitigada Ademais existe ainda o fundamento históricopolítico para sustentar a dupla função do moderno processo penal que foi bem abordado por Bettiol12 A proteção do indivíduo também resulta de uma imposição do Estado Democrático pois a democracia trouxe a exigência de que o homem tenha uma dimensão jurídica que o Estado ou a coletividade não pode sacrificar ad nutum O Estado de Direito mesmo em sua origem já representava uma relevante superação das estruturas do Estado de Polícia que negava ao cidadão toda garantia de liberdade e isso surgiu na Europa depois de uma época de arbitrariedades que antecedeu a Declaração dos Direitos do Homem de 1789 A democracia enquanto sistema políticocultural que valoriza o indivíduo frente ao Estado manifestase em todas as esferas da relação Estadoindivíduo Inegavelmente leva a uma democratização do processo penal refletindo essa valorização do indivíduo no fortalecimento do sujeito passivo do processo penal Podese afirmar com toda ênfase que o princípio que primeiro impera no processo penal é o da proteção dos inocentes débil ou seja o processo penal como direito protetor dos inocentes e todos a ele submetidos o são pois só perdem esse status após a sentença condenatória transitar em julgado pois esse é o dever que emerge da presunção constitucional de inocência prevista no art 5o LVII da Constituição O objeto primordial da tutela no processo penal é a liberdade processual do imputado o respeito a sua dignidade como pessoa como efetivo sujeito no processo O significado da democracia é a revalorização do homem en toda la complicada red de las instituciones procesales que solo tienen un significado si se entienden por su naturaleza y por su finalidad política y jurídica de garantía de aquel supremo valor que no puede nunca venir sacrificado por razones de utilidad el hombre13 Não se pode esquecer como explica Sarlet14 de que a dignidade da pessoa humana é um valorguia não apenas dos direitos fundamentais mas de toda a ordem jurídica constitucional e infraconstitucional razão pela qual para muitos se justifica plenamente sua caracterização como princípio constitucional de maior hierarquia axiológicavalorativa Inclusive na hipótese de conflito entre princípios e direitos constitucionalmente assegurados destaca Sarlet15 o princípio da dignidade da pessoa humana acaba por justificar e até mesmo exigir a imposição de restrições a outros bens constitucionalmente protegidos Isso porque como explica o autor existe uma inegável primazia da dignidade da pessoa humana no âmbito da arquitetura constitucional Algumas lições por sua relevância merecem ser repetidas nesta obra É melhor pecar pela repetição do que correr o risco de perdê la por uma leitura pontual que nossos leitores eventualmente façam Assim nunca é excesso repetir uma lição magistral de Juarez Tavares16 que nos ensina que nessa questão entre liberdade individual e poder de intervenção do Estado não se pode esquecer que a garantia e o exercício da liberdade individual não necessitam de qualquer legitimação em face de sua evidência Destaquese o que necessita ser legitimado e justificado é o poder de punir é a intervenção estatal e não a liberdade individual A liberdade individual por decorrer necessariamente do direito à vida e da própria dignidade da pessoa humana está amplamente consagrada no texto constitucional e tratados internacionais sendo mesmo um pressuposto para o Estado Democrático de Direito em que vivemos Não há que se pactuar mais com a manipulação discursiva feita por alguns autores e julgadores que acabam por transformar a liberdade em provisória até o CPP consagra a liberdade provisória como se ela fosse precária e entretanto a prisão cautelar ou mesmo definitiva uma regra Essa perigosa inversão de sinais exige um choque à luz da legitimação a priori da liberdade individual e a discussão deve voltar a centrarse no ponto correto muito bem circunscrito por Tavares17 o que necessita de legitimação é o poder de punir do Estado Essa é uma premissa básica que norteia toda a obra questionar a legitimidade do poder de intervenção por conceber a liberdade como valor primevo do processo penal Entendemos que sociedade base do discurso de prevalência do público deve ser compreendida dentro da fenomenologia da coexistência e não mais como um ente superior de que dependem os homens que o integram Inadmissível uma concepção antropomórfica na qual a sociedade é concebida como um ente gigantesco onde os homens são meras células que lhe devem cega obediência Nossa atual Constituição e antes dela a Declaração Universal dos Direitos Humanos consagram certas limitações necessárias para a coexistência e não toleram tal submissão do homem ao ente superior essa visão antropomórfica que corresponde a um sistema penal autoritário18 Na mesma linha Bobbio19 explica que atualmente impõese uma postura mais liberal na relação Estadoindivíduo de modo que primeiro vem o indivíduo e depois o Estado que não é um fim em si mesmo O Estado só se justifica enquanto meio que tem como fim a tutela do homem e dos seus direitos fundamentais porque busca o bem comum que nada mais é do que o benefício de todos e de cada um dos indivíduos Por isso Ferrajoli fala da ley del más débil20 No momento do crime a vítima é o hipossuficiente e por isso recebe a tutela penal Contudo no processo penal operase uma importante modificação o mais fraco passa a ser o acusado que frente ao poder de acusar do Estado sofre a violência institucionalizada do processo e posteriormente da pena O sujeito passivo do processo aponta Guarnieri21 passa a ser o protagonista porque ele é o eixo em torno do qual giram todos os atos do processo Amilton B de Carvalho22 questionando para quêm serve a lei aponta que a a lei é o limite ao poder desmesurado leiase limite à dominação Então a lei eticamente considerada é proteção ao débil Sempre e sempre é a lei do mais fraco aquele que sofre a dominação Nessa democratização do processo penal o sujeito passivo deixa de ser visto como um mero objeto passando a ocupar uma posição de destaque enquanto parte23 com verdadeiros direitos e deveres24 É uma relevante mudança decorrente da constitucionali zação e democratização do processo penal Muito preocupante por fim é quando esse discurso da prevalência do interesse público vem atrelado ao Princípio da Proporcionalidade fazendo uma viragem discursiva para aplicálo onde não tem legítimo cabimento Nesse tema é lúcida a análise do Ministro Eros Grau cuja citação ainda que longa deve ser objeto de reflexão Diz o ilustre Ministro do Supremo Tribunal Federal no voto profe rido no HC 950094SP p 44 e ss Tenho criticado aqui e o fiz ainda recentemente ADPF 144 a banalização dos princípios entre aspas da proporcionalidade e da razoabilidade em especial do primeiro concebido como um princípio superior aplicável a todo e qualquer caso concreto o que conferiria ao Poder Judiciário a faculdade de corrigir o legislador invadindo a competência deste O fato no entanto é que proporcionalidade e razoabilidade nem ao menos são princípios porque não reproduzem as suas características porém postulados normativos regras de interpretaçãoaplicação do direito No caso de que ora cogitamos esse falso princípio estaria sendo vertido na máxima segundo a qual não há direitos absolutos E tal como tem sido em nosso tempo pronunciada dessa máxima se faz gazua apta a arrombar toda e qualquer garantia constitucional Deveras a cada direito que se alega o juiz responderá que esse direito existe sim mas não é absoluto porquanto não se aplica ao caso E assim se dá o esvaziamento do quanto construímos ao longo dos séculos para fazer de súditos cidadãos Diante do inquisidor não temos qualquer direito Ou melhor temos sim vários mas como nenhum deles é absoluto nenhum é reconhecível na oportunidade em que deveria acudirnos Primeiro essa gazua em seguida despencando sobre todos a pretexto da necessária atividade persecutória do Estado a supremacia do interesse público sobre o individual Essa premissa que se pretende prevaleça no Direito Administrativo não obstante mesmo lá sujeita a debate aqui impertinente não tem lugar em material penal e processual penal Esta Corte ensina HC 80263 relator Ministro Ilmar Galvão que a interpretação sistemática da Constituição leva à conclusão de que a Lei Maior impõe a prevalência do direito à liberdade em detrimento do direito de acusar Essa é a proporciona lidade que se impõe em sede processual penal em caso de conflito de preceitos prevalece o garantidor da liberdade sobre o que fundamenta sua supressão A nos afastarmos disso retornaremos à barbárie grifos nossos Em suma nesse contexto políticoprocessual estão superadas as considerações do estilo a supremacia do interesse público sobre o privado As regras do devido processo penal são verdadeiras garantias democráticas e obviamente constitucionais muito além dessa dimensão reducionista de públicoprivado Tratase de direitos fundamentais obviamente de natureza pública se quisermos utilizar essa categoria limitadores da intervenção estatal 13 DIREITO E DROMOLOGIA QUANDO O PROCESSO PENAL SE PÕE A CORRER ATROPELANDO AS GARANTIAS Vivemos numa sociedade acelerada A dinâmica contemporânea é impressionante e como o risco25 também está regendo toda nossa vida Não só nosso emprego é temporário pois se acabaram os empregos vitalícios como também cada vez é mais comum os empregos em jornada parcial Da mesma forma nossas aceleradas relações afetivas com a consagração do ficar e do no future Que dizer então da velocidade da informação Agora passada em tempo real via internet sepultando o espaço temporal entre o fato e a notícia O fato ocorrido no outro lado do mundo pode ser presenciado virtualmente em tempo real A aceleração do tempo nos leva próximo ao instantâneo com profundas consequências na questão tempovelocidade Também encurta ou mesmo elimina distâncias Por isso Virilio26 teórico da Dromologia do grego dromos velo cidade afirma que a velocidade é a alavanca do mundo moderno O mundo aponta Virilio27 tornouse o da presença virtual da telepresença Não só telecomunicação mas também teleação trabalho e compra a distância e até em telessensação sentir e tocar a distância Essa hipermobilidade virtual nos leva à inércia além de contrair espaços e intervalos temporais Até mesmo a guerra nas sociedades contemporâneas são confrontos breves instantâneos e virtuais como se fossem wargames de computador em que toda carga de expectativa está lançada no presente Sob o enfoque econômico o cassino planetário é formado pe las bolsas de valores que funcionam 24 horas por dia em tempo real com uma imensa velocidade de circulação de capital especulativo gerando uma economia virtual transnacional e imprevisível liberta do presente e do concreto Isso fulmina com o elo social pois aqueles que investem na economia real não têm como antecipar a ação desencorajando investimentos destruindo empresas e empregos28 Nessa lógica de mercado para conseguir lucros é preciso acelerar a circulação dos recursos abreviando o tempo de cada operação Como consequência a contratação de mão de obra também navega nesse ritmo ao menor sinal de diminuição das encomendas dispensase a mão de obra É a hiperaceleração levando o risco ao extremo Ost29 fala nos contratos de emprego temporários apontando para uma heterogeneização do tempo social manifestada em ritmos sempre mais diversificados Tempo conjugal e tempo parental dissociam se30 ao passo que a organização fordista do trabalho dá lugar a uma flexibilidade das prestações mas também a uma nova precariedade dos empregos A duração prometeica dos Códigos e a promessa das instituições dão então lugar a um tempo em migalhas que tem de ser reconquistado a cada instante Direito de visita negociado estágio conseguido com dificuldade emprego interino tudo se passa como se reaparecesse o antiquíssimo imperativo imposto aos pobres viver o dia a dia Sob outro enfoque a aceleração obtida a partir do referencial luz é impressionante e afeta diretamente nossa percepção de tempo Como aponta Virilio31 a tecnologia do final dos anos 1980 permitiu que os satélites transmitissem a imagem à velocidade da luz e isso representou um avanço da mídia televisiva com relevante mudança de paradigma A imagem passa a ter visibilidade instantânea com o novo referencial luz O fascínio da imagem conduz a que o que não é visível e não tem imagem não é televisável portanto não existe midiaticamente O choque emocional provocado pelas imagens da TV sobretudo as de aflição de sofrimento e morte não tem comparação com o sentimento que qualquer outro meio possa provocar Suplanta assim a fotografia e os relatos a ponto de que quando não há imagens criase A reconstituição das imagens não captadas passa a ser fun damental para vender a emoção não apreendida no seu devido tempo Exemplos típicos são os programas policiais sensacionalistas que proliferam nas televisões brasileiras fazendo inclusive reconsti tuições ainda mais dramáticas dos crimes ocorridos para captura psíquica dos telespectadores Mas a velocidade da notícia e a própria dinâmica de uma sociedade espantosamente acelerada são completamente diferentes da velocidade do processo ou seja existe um tempo do direito que está completamente desvinculado do tempo da sociedade E o direito jamais será capaz de dar soluções à velocidade da luz Estabelecese um grande paradoxo a sociedade acostumada com a velocidade da virtualidade não quer esperar pelo processo daí a paixão pelas prisões cautelares e a visibilidade de uma imediata punição Assim querem o mercado que não pode esperar pois tempo é dinheiro e a sociedade que não quer esperar pois está acostumada ao instantâneo Isso ao mesmo tempo em que desliga do passado mata o devir expandindo o presente Desse presenteísmoimediatismo brota o Estado de Urgência uma consequência natural da incerteza epistemológica da indeterminação democrática do desmoronamento do Estado social e da correlativa subida da sociedade de risco da aceleração e do tempo efêmero da moda A urgência surge como forma de correr atrás do tempo perdido Como explica Ost isso significa que passamos dos relógios às nuvens no sentido de que não estamos mais vivendo um modelo mecânico relógio linear e previsível de uma legislação piramidal senão o modelo das nuvens interativo recursivo e incerto de uma regulação em rede O direito em rede é flexível e evolutivo Um conjunto indefinido de dados em busca de um equilíbrio pelo menos provisório É a normatividade flexibilizada própria de um direito mole vago no estado gasoso32 A urgência ou Estado correndo atrás deixa de ser uma categoria extraordinária para generalizarse com uma tendência de alimentarse de si mesmo como se de alguma forma uma das suas intervenções pedisse a seguinte Ao não tratar do problema com a devida maturação e profundidade não há resultados duráveis As intervenções de urgência parecem sempre chegar ao mesmo tempo demasiado cedo e demasiado tarde demasiado cedo porque o tratamento aplicado é sempre superficial demasiado tarde porque sem uma inversão de lógica o mal não parou de se propagar33 Os planos urgentes e milagrosos para conter a violência urbana são exemplos típicos disso ao mesmo tempo demasiadamente cedo tratamento superficial e demasiadamente tarde diante da gravidade já assumida Nesse cenário juízes são pressionados para decidirem rápido e as comissões de reforma para criarem procedimentos mais acelerados34 esquecendose de que o tempo do direito sempre será outro por uma questão de garantia A aceleração deve ocorrer mas em outras esferas Não podemos sacrificar a necessária maturação reflexão e tranquilidade do ato de julgar tão importante na esfera penal Tampouco acelerar a ponto de atropelar os direitos e as garantias do acusado Em última análise o processo nasce para demorar racionalmente é claro como garantia contra julgamentos imediatos precipitados e no calor da emoção Dizer que o processo é dinâmico significa reconhecer seu movimento Logo como todo movimento está inscrito no tempo de maneira irreversível sem possibilidade de voltar atrás35 O que já foi feito não pode voltar a acontecer até porque o tempo é irreversível ao menos por ora Se o processo como a vida é movimento o equilíbrio necessário só pode ser dinâmico e como tal extremamente difícil e eivado de riscos É o que Raux36 define como o equilíbrio de ciclista fundado sobre o movimento O processo penal também é acelerado em resposta ao desejo de uma reação imediata Surgem os procedimentos sumários e até sumariíssimos como previsto na Lei n 909995 proliferam os casos de guilty plea nos Estados Unidos de pattegiamento na Itália ou transação penal no Brasil até porque as chamadas zonas de consenso são ícones de eficiência utilitarista e celeridade leiam se atropelo de direitos e garantias individuais Retornando à situação do ciclista o difícil é encontrar o equilíbrio pois se é verdade que um processo que se arrasta assemelhase a uma negação da justiça não se deverá esquecer inversamente que o prazo razoável em que a justiça deve ser feita entendese igualmente como recusa de um processo demasiado expedito37 O processo tem o seu tempo pois deve dar oportunidade para as partes mostrarem e usarem suas armas deve ter tempo para oportunizar a dúvida fomentar o debate e a prudência de quem julga Nesse terreno parecenos evidente que a aceleração deve vir mediante inserção de tecnologia na administração da justiça e jamais com a mera aceleração procedimental atropelando direitos e garantias individuais Infelizmente na atualidade assistimos a um velho direito tentando correr no ritmo da moderna urgência Para tanto em vez de modernizarse com a tecnologia prefere os planos milagrosos e o terror da legislação simbólica A inflação legislativa brasileira em matéria penal é exemplo típico desse fenômeno Nesse complexo contexto o direito é diretamente atingido na medida em que é chamado a reinstituir o elo social e garantir a segurança jurídica Multiplicamse os direitos subjetivos e implementamse uma série de novos instrumentos jurídicos O sistema penal é utilizado como sedante por meio do simbólico da panpenalização do utilitarismo processual e do endurecimento geral do sistema É a ilusão de resgatar um pouco da segurança perdida por meio do direito penal o erro de pretender obrigar o futuro sobre a forma de ameaça Não se edifica uma ordem social apenas com base na repressão Acompanhando a síntese de Ost o endurecimento da norma penal é reflexo da urgência que descuida do passado e fracassa na pretensão de obrigar o futuro Os programas urgentes contudo permitem resultados rápidos visíveis e midiaticamente rentáveis mas com certeza não se institui nada durável em uma sociedade a partir unicamente da ameaça de repressão Mas as condições para que se atue com a necessária reflexão e maturação desaparecem uma vez que os discursos da segurança e do urgente imediato invadiram o imaginário social Quando o direito se põe a correr no ritmo da urgência operase uma importante mudança de paradigma em que o transitório tornou se o habitual a urgência tornouse permanente38 O transitório era antes visto como um elo entre dois períodos de estabilidade normativa um articulador entre duas sequências históricas Hoje isso tudo mudou a duração desapareceu tornando inúteis os rearranjos do direito transitório Todo o direito se pôs em movimento e o transitório é o estado normal com o direito em constante trânsito impondose a urgência como tempo normal Ao generalizar a exceção o sistema entra em colapso Antes a urgência era admitida no direito com extrema reserva e era sempre situacional revogando se tão logo cessasse o estado de urgência Hoje ela está em todo lugar e surge independentemente de qualquer crise Isso também se manifesta no processo legislativo A urgência implica não só aceleração mas também inversão pois permite ao imperium a força preceder a jurisdictio o enunciado da regra imunizando o facto consumado relativamente a um requestionamento jurídico ulterior39 É o que ocorre vg com o chamado contraditório diferido em que primeiro se decide poder para depois submeter ao contraditório ilusório de onde deveria brotar o saber Outro exemplo seria a banalização das medidas in limine litis especialmente com a antecipação de tutela do CPC e também das prisões cautelares no processo penal em que a prisão preventiva típica medida de urgência foi generalizada como um efeito sedante da opinião pública A prisão cautelar transformouse em pena antecipada com uma função de imediata retribuiçãoprevenção A urgência também autoriza a administração a tomar medidas excepcionais restringindo direitos fundamentais diante da ameaça à ordem pública vista como um perigo sempre urgente Leva igualmente a simplificar os procedimentos abreviar pra zos e contornar as formas gerando um gravíssimo problema pois no processo penal a forma é garantia enquanto limite ao poder punitivo estatal São inúmeros os inconvenientes da tirania da urgência As medidas de urgência deveriam limitarse a um caráter conservatório ou de preservação até que regressasse à normalidade quando então seria tomada a decisão de fundo Contudo isso hoje foi abandonado e as medidas verdadeiramente cautelares e provisionais ou situacionais e temporárias estão sendo substituídas por antecipatórias da tutela dandose o que deveria ser concedido amanhã sob o manto da artificial reversão dos efeitos como se o direito pudesse avançar e retroagir com o tempo com a natural definitividade dos efeitos Na esfera penal considerandose que estamos lidando com a liberdade e a dignidade de alguém os efeitos dessas alquimias jurídicas em torno do tempo são devastadores A urgência conduz a uma inversão do eixo lógico do processo pois agora primeiro prendese para depois pensar Antecipase um grave e doloroso efeito do processo que somente poderia decorrer de uma sentença após decorrido o tempo de reflexão que lhe é inerente que jamais poderá ser revertido não só porque o tempo não volta mas também porque não voltam a dignidade e a intimidade violentadas no cárcere Inequivocamente a urgência é um grave atentado contra a liberdade individual levando a uma erosão da ordem constitucional e ao rompimento de uma regra básica o processo nasceu para retardar para demorar dentro do razoável é claro para que todos possam expressar seus pontos de vista e demonstrar suas versões e principalmente para que o calor do acontecimento e das paixões arrefeça permitindo uma racional cognição Em última análise para que possamos racionalizar o acontecimento e aproximar o julgamento a um critério mínimo de justiça O ataque da urgência é duplo pois ao mesmo tempo em que impede a plena juridicidade e jurisdicionalidade ela impede a realização de qualquer reforma séria de modo que não contente em destruir a ordem jurídica a urgência impede a sua reconstrução40 Surge um novo41 risco o risco endógeno ao sistema jurídico em decorrência da aceleração e da banalização da urgência Essa é uma nova insegurança jurídica que deve ser combatida pois perfeitamente contornável Não há como abolir completamente a legislação de urgência mas tampouco se pode admitir a generalização desmedida da técnica Entendemos que a esse novo risco devese opor uma renovada segurança jurídica enquanto instrumento de proteção do indivíduo Tratase de recorrer a uma clara definição das regras do jogo para evitar uso desmedido do poder enquanto redutor do arbítrio impondo ao Estado o dever de obediência No processo penal é o que convencionamos chamar de instrumentalidade constitucional ou seja o processo enquanto instrumento a serviço da máxima eficácia dos direitos e das garantias do débil a ele submetido Afinal o Estado é uma reserva ética e de legalidade jamais podendo descumprir as regras do jogo democrático de espaços de poder Interessante é o exemplo trazido por Ost42 de que o Tribunal de Justiça Europeu decidiu pela obrigação de não impor aos indivíduos uma mudança normativa demasiado brutal por essa razão a regra nova deve ao menos comportar medidas transitórias em benefício de destinatários que possam alegar uma expectativa legítima Seria uma espécie de direito a medidas transitórias Importante limite a mudanças radicais de atitude é a necessidade de justificação objetiva e razoável motivação Por meio de proteções e contrapesos a jurisprudência deve tentar assegurar ao direito um papel garantidor e emancipador Assim deve ser repensado o conceito de segurança jurídica enquanto freio à ditadura estatal da urgência A noção de segurança no processo e no direito deve ser repensada partindose da premissa de que ela está na forma do instrumento jurídico e que no processo penal adquire contornos de limitação ao poder punitivo estatal e emancipador do débil submetido ao processo O processo enquanto ritual de reconstrução do fato histórico é única maneira de obter uma versão aproximada do que ocorreu Nunca será o fato mas apenas uma aproximação ritualizada deste É fundamental definir as regras desse jogo mas sem esquecer que mais importante do que a definição está em desvelar o conteúdo axiológico das regras A serviço do que ou de quem elas estão Voltamos sempre à pergunta Um processo penal para quê quem Nessa linha evidenciase o cenário de risco e aceleração que conduz a tirania da urgência no processo penal Essa nova carga ideológica do processo exige especial atenção diante da banalização da excepcionalidade O contraste entre a dinâmica social e a processual exige uma gradativa mudança a partir de uma séria reflexão obviamente incompatível com o epidérmico e simbólico tratamento de urgência O processo nasceu para retardar a decisão na medida em que exige tempo para que o jogo ou a guerra se desenvolvam segundo as regras estabelecidas pelo próprio espaço democrático43 Logo jamais alcançará a hiperaceleração o imediatismo característico da virtualidade Ademais o juiz interpõese no processo numa dimensão espacial mas principalmente temporal situandose entre o passadocrime e o futuropena incumbindose a ele e ao processo a importante missão de romper com o binômio açãoreação44 O processo nasceu para dilatar o tempo da reação nasceu para retardar Contudo alguma melhora na dinâmica não só é possível como também necessária Obviamente que não pela mera aceleração procedimental e consequente supressão de garantias fundamentais mas sim por meio da inserção de um pouco da ampla tecnologia à disposição especialmente na fase préprocessual Também devemos considerar o referencial luz a visibilidade Nesse desvelar a luz é fundamental ainda que indireta como ensina Paul Virillo Tal questão nos leva também a repensar a publicidade e a visibilidade dos atos A transparência do processo mas sem cair no bizarro espetáculo televisivo Esse é um ponto de dificílimo equilíbrio No que tange à duração razoável do processo entendemos que a aceleração deve produzirse não a partir da visão utilitarista da ilusão de uma justiça imediata destinada à imediata satisfação dos desejos de vingança O processo deve durar um prazo razoável para a necessária maturação e cognição mas sem excessos pois o grande prejudicado é o réu aquele submetido ao ritual degradante e à angústia prolongada da situação de pendência O processo deve ser mais célere para evitar o sofrimento desnecessário de quem a ele está submetido É uma inversão na ótica da aceleração acelerar para abreviar o sofrimento do réu Também chegou o momento de aprofundar o estudo de um novo direito o direito de ser julgado num processo sem dilações indevidas Tratase de decorrência natural de uma série de outros direitos fun damentais como o respeito à dignidade da pessoa humana e à própria garantia da jurisdição Na medida em que a jurisdição é um poder mas também um direito podese falar em verdadeira mora jurisdicional quando o Estado abusar do tempo necessário para prestar a tutela Entendemos adequado falarse em uma nova pena processual decorrente desse atraso na qual o tempo desempenha uma função punitiva no processo É a demora excessiva que pune pelo sofrimento decorrente da angústia prolongada do desgaste psicológico o processo como gerador de depressão exógena do empobreci mento do réu enfim por toda estigmatização social e jurídica gerada pelo simples fato de estar sendo processado O processo é uma cerimônia degradante e como tal o caráter estigmatizante está diretamente relacionado com a duração desse ritual punitivo Assumido o caráter punitivo do tempo não resta outra coisa ao juiz que além da elementar detração em caso de prisão cautelar compensar a demora reduzindo a pena aplicada pois parte da punição já foi efetivada pelo tempo Para tanto formalmente poderá lançar mão da atenuante genérica do art 66 do Código Penal O próprio tempo do cárcere deve ser pensado a partir da distinção objetivosubjetivo partindose do clássico exemplo de Einstein45 a fim de explicar a relatividade quando um homem se senta ao lado de uma moça bonita durante uma hora tem a impressão de que passou apenas um minuto Deixeo sentarse sobre um fogão quente durante um minuto somente e esse minuto lhe parecerá mais comprido que uma hora Isso é relatividade O tempo na prisão46 deve ser repensado pois está mumificado pela instituição e gera grave defasagem enquanto tempo de involução Em suma uma infinidade de novas questões que envolvem o binômio tempodireito está posta e exige profunda reflexão 14 PRINCÍPIO DA NECESSIDADE DO PROCESSO PENAL EM RELAÇÃO À PENA A titularidade exclusiva por parte do Estado do poder de punir ou penar se considerarmos a pena como essência do poder punitivo surge no momento em que é suprimida a vingança privada e são implantados os critérios de justiça O Estado como ente jurídico e político avoca para si o direito e o dever de proteger a comunidade e também o próprio réu como meio de cumprir sua função de procurar o bem comum que se veria afetado pela transgressão da ordem jurídicopenal por causa de uma conduta delitiva47 À medida que o Estado se fortalece consciente dos perigos que encerra a autodefesa assume o monopólio da justiça ocorrendo não só a revisão da natureza contratual do processo senão a proibição expressa para os particulares de tomar a justiça por suas próprias mãos Frente à violação de um bem juridicamente protegido não cabe outra atividade48 que não a invocação da devida tutela jurisdicional Impõese a necessária utilização da estrutura preestabelecida pelo Estado o processo penal em que mediante a atuação de um terceiro imparcial cuja designação não corresponde à vontade das partes e resulta da imposição da estrutura institucional será apurada a existência do delito e sancionado o autor O processo como instituição estatal é a única estrutura que se reconhece como legítima para a imposição da pena Não há uma atividade propriamente substitutiva pois a pena pública nunca pertenceu aos particulares para que houvesse a substituição Por isso é uma avocação para o Estado do poder de punir afastando as formas de vingança privada Isso porque o direito penal é despido de coerção direta e ao contrário do direito privado não tem atuação nem realidade concreta fora do processo correspondente No direito privado as normas possuem uma eficácia direta imediata pois os particulares detêm o poder de praticar atos jurídicos e negócios jurídicos de modo que a incidência das normas de direito material sejam civis comerciais etc é direta As partes materiais em sua vida diária aplicam o direito privado sem qualquer intervenção dos órgãos jurisdicionais que em regra são chamados apenas para solucionar eventuais conflitos surgidos pelo incumprimento do acordado Em resumo não existe o monopólio dos tribunais na aplicação do direito privado e ni siquiera puede decirse que estatísticamente sean sus aplicadores más importantes49 No entanto totalmente distinto é o tratamento do direito penal pois ainda que os tipos penais tenham uma função de prevenção geral e também de proteção não só de bens jurídicos mas também do particular em relação aos atos abusivos do Estado sua verdadeira essência está na pena e essa não pode prescindir do processo penal Existe um monopólio da aplicação por parte dos órgãos jurisdicionais e isso representa um enorme avanço da humanidade Para que possa ser aplicada uma pena não só é necessário que exista um injusto culpável mas também que exista previamente o devido processo penal A pena não só é efeito jurídico do delito50 senão que é um efeito do processo mas o processo não é efeito do delito senão da necessidade de impor a pena ao delito por meio do processo A pena depende da existência do delito e da existência efetiva e total do processo penal posto que se o processo termina antes de desenvolverse completamente arquivamento suspensão condicional etc ou se não se desenvolve de forma válida nulidade não pode ser imposta uma pena Existe uma íntima e imprescindível relação entre delito pena e processo de modo que são complementares Não existe delito sem pena nem pena sem delito e processo nem processo penal senão para determinar o delito e impor uma pena Assim fica estabelecido o caráter instrumental do processo penal com relação ao direito penal e à pena pois o processo penal é o caminho necessário para a pena É o que Gómez Orbaneja51 denomina principio de la necesidad del proceso penal amparado no art 1º da LECrim52 pois não existe delito sem pena nem pena sem delito e processo nem processo penal senão para determinar o delito e atuar a pena O princípio apontado pelo autor resulta da efetiva aplicação no campo penal do adágio latino nulla poena et nulla culpa sine iudicio expressando o monopólio da jurisdição penal por parte do Estado e também a instrumentalidade do processo penal São três53 os monopólios estatais a exclusividade do direito penal b exclusividade pelos tribunais e c exclusividade processual Como explicamos atualmente a pena é estatal pública no sentido de que o Estado substituiu a vingança privada e com isso estabeleceu que a pena é uma reação do Estado contra a vontade individual Estão proibidas a autotutela e a justiça pelas próprias mãos A pena deve estar prevista em um tipo penal e cumpre ao Estado definir os tipos penais e suas consequentes penas ficando o tema completamente fora da disposição dos particulares vedada assim a justiça negociada54 Rogério Lauria Tucci55 aponta para a imposição de uma autolimitação do interesse punitivo do Estadoadministração que somente poderá realizar o direito penal mediante a ação judiciária dos juízes e tribunais Entendemos que a exclusividade dos tribunais em matéria penal deve ser analisada em conjunto com a exclusividade processual pois ao mesmo tempo em que o Estado prevê que só os tribunais podem declarar o delito e impor a pena também prevê a imprescindibilidade de que essa pena venha por meio do devido processo penal Ou seja cumpre aos juízes e tribunais declararem o delito e determinar a pena proporcional aplicável e essa operação deve necessariamente percorrer o leito do processo penal válido com todas as garantias constitucionalmente estabelecidas para o acusado Aos demais Poderes do Estado Legislativo e Executivo está vedada essa atividade Não obstante como destaca Montero Aroca56 absurdamente se constata día a día que las leyes van permitiendo a los órganos administrativos imponer sanciones pecuniarias de tal magnitud muchas veces que ni siquiera pueden ser impuestas por los tribunales como penas Da mesma forma na execução penal constatase uma excessiva e perigosa administrativização em que faltas graves apuradas em procedimentos administrativos inquisitivos geram gravíssimas consequências57 15 INSTRUMENTALIDADE CONSTITUCIONAL DO PROCESSO PENAL Estabelecido o monopólio da justiça estatal e do processo trataremos agora da instrumentalidade Desde logo não devem existir pudores em afirmar que o processo é um instrumento o problema é definir o conteúdo dessa instrumentalidade ou a serviço de quem ela está e que essa é a razão básica de sua existência Ademais o direito penal careceria por completo de eficácia sem a pena e a pena sem processo é inconcebível um verdadeiro retrocesso de modo que a relação e interação entre direito e processo é patente A strumentalità58 do processo penal reside no fato de que a norma penal apresenta quando comparada com outras normas jurídicas a característica de que o preceito tem por conteúdo um determinado comportamento proibido ou imperativo e a sanção tem por destinatário aquele poder do Estado que é chamado a aplicar a pena Não é possível a aplicação da reprovação sem o prévio processo nem mesmo no caso de consentimento do acusado pois ele não pode se submeter voluntariamente à pena senão por meio de um ato judicial nulla poena sine iudicio Essa particularidade do processo penal demonstra que seu caráter instrumental é mais destacado que o do processo civil É fundamental compreender que a instrumentalidade do processo não significa que ele seja um instrumento a serviço de uma única finalidade qual seja a satisfação de uma pretensão acusatória Ao lado dela está a função constitucional do processo como instrumento a serviço da realização do projeto democrático como muito bem adverte Geraldo Prado59 Nesse viés inserese a finalidade constitucionalgarantidora da máxima eficácia dos direitos e garantias fundamentais em especial da liberdade individual Ademais a Constituição constitui logo necessariamente orienta a instrumentalidade do processo penal O termo instrumentalidade que sempre remeteu a algumas lições parciais de Dinamarco60 deve ser revisitado Claro que nunca pactuamos com qualquer visão eficientista ou de que o processo pudesse ser usado como instrumento político de segurança pública ou defesa social Resulta imprescindível visualizar o processo desde seu exterior para constatar que o sistema não tem valor em si mesmo senão pelos objetivos que é chamado a cumprir projeto democrático constitucional Sem embargo devemos ter cuidado na definição do alcance de suas metas pois o processo penal não pode ser transformado em instrumento de segurança pública Nesse contexto por exemplo inserese a crítica ao uso abusivo das medidas cautelares pessoais especialmente a prisão preventiva para garantia da ordem pública Tratase de buscar um fim alheio ao processo e portanto estranho à natureza cautelar da medida Trataremos novamente desse tema quando analisarmos a presunção de inocência e as prisões cautelares Nesse sentido importante é a análise de Morais da Rosa61 quando sublinha o perigo de a transmitirse mecanicamente para o processo penal as lições de Dinamarco pautar a instrumentalidade pela conjuntura social e política demandando um aspecto ético do processo sua conotação deontológica expressão de Dinamarco Explica Morais da Rosa que esse chamado exige que o juiz tenha os predicados de um homem do seu tempo imbuído em reduzir as desigualdades sociais62 baseandose nas modificações do Estado Liberal rumo ao Estado Social mas vinculada a uma posição especial do juiz no contexto democrático dandolhe poderes sobrehumanos na linha de realização dos escopos processuais com forte influência da superada filosofia da consciência deslizando no Imaginário e facilitando o surgimento de Juízes Justiceiros da Sociedade E conclui o autor afirmando que a pretensão de Dinamarco de que o juiz deve aspirar aos anseios sociais ou mesmo ao espírito das leis tendo em vista uma vinculação axiológica moralizante do jurídico com o objetivo de realizar o sen timento de justiça do seu tempo não mais pode ser acolhida democraticamente63 Nenhuma dúvida temos do enorme acerto e valor dessas lições e de que esse perigo denunciado por Morais da Rosa é concreto e encontra em movimentos repressivos como lei e ordem tolerância zero e direito penal do inimigo um terreno fértil para suas nefastas construções Ainda mais danosas são as viragens linguísticas os giros discursivos pregados por lobos que em pele de cordeiro e alguns ainda dizem falar em nome da Constituição seduzem e mantêm em crença uma multidão de ingênuos cuja frágil base teórica faz com que sejam presas fáceis iludidos pelo discurso pseudoerudito desses ilusionistas Cuidado leitor mais perigosos do que os inimigos assumidos e por essa assunção até mereceriam algum respeito são os que falando em nome da Constituição operam num mundo de ilusão de aparência para seduzir os incautos Como diz Jacinto Coutinho64 parecem pavões com belas plumas multicoloridas mas com os pés cheios de craca Em suma nossa noção de instrumentalidade tem por conteúdo a máxima eficácia dos direitos e garantias fundamentais da Constituição pautandose pelo valor dignidade da pessoa humana submetida à violência do ritual judiciário Voltando ao binômio direito penalprocessual a independência conceitual e metodológica do direito processual em relação ao direito material foi uma conquista fundamental Direito e processo constituem dois planos verdadeiramente distintos no sistema jurídico mas estão relacionados pela unidade de objetivos sociais e políticos o que conduz a uma relatividade do binômio direitoprocesso substanceprocedure Respeitando sua separação institucional e a autonomia de seu tratamento científico o processo penal está a serviço do direito penal ou para ser mais exato da aplicação dessa parcela do direito objetivo65 Por esse motivo não pode descuidar do fiel cumpri mento dos objetivos traçados por aquele entre os quais está o de proteção do indivíduo A autonomia extrema do processo com relação ao direito material foi importante no seu momento e sem ela os processualistas não haveriam podido chegar tão longe na construção do sistema processual Mas isso já cumpriu com a sua função A acentuada visão autônoma está em vias de extinção e a instrumentalidade está servindo para relativizar o binômio direitoprocesso para a liberação de velhos conceitos e superar os limites que impedem o processo de alcançar outros objetivos além do limitado campo processual A ciência do processo já chegou a um ponto de evolução que lhe permite deixar para trás todos os medos e preocupações de ser absorvida pelo direito material assumindo sua função instrumental sem qualquer menosprezo O direito penal não pode prescindir do processo pois a pena sem processo perde sua aplicabilidade Com isso concluímos que a instrumentalidade do processo penal é o fundamento de sua existência mas com uma especial característica é um instrumento de proteção dos direitos e garantias individuais É uma especial conotação do caráter instrumental e que só se manifesta no processo penal pois se trata de instrumentalidade relacionada ao direito penal e à pena mas principalmente um instrumento a serviço da máxima eficácia das garantias constitucionais Está legitimado enquanto instrumento a serviço do projeto constitucional Tratase de limitação do poder e tutela do débil a ele submetido réu por evidente cuja debilidade é estrutural e estruturante do seu lugar Essa debilidade sempre existirá e não tem absolu tamente nenhuma relação com as condições econômicas ou sociopolíticas do imputado senão que decorre do lugar em que ele é chamado a ocupar nas relações de poder estabelecidas no ritual judiciário pois é ele o sujeito passivo ou seja aquele sobre quem recaem os diferentes constrangimentos e limitações impostos pelo poder estatal Essa é a instrumentalidade constitucional que a nosso juízo funda sua existência 16 A NECESSÁRIA RECUSA À TEORIA GERAL DO PROCESSO RESPEITANDO AS CATEGORIAS PRÓPRIAS DO PROCESSO PENAL QUANDO CINDERELA TERÁ SUAS PRÓPRIAS ROUPAS Era uma vez três irmãs que tinham em comum pelo menos um dos progenitores chamavamse a Ciência do Direito Penal a Ciência do Processo Penal e a Ciência do Processo Civil E ocorreu que a segunda em comparação com as demais que eram belas e prósperas teve uma infância e uma adolescência desleixada abandonada Durante muito tempo dividiu com a primeira o mesmo quarto A terceira bela e sedutora ganhou o mundo e despertou todas as atenções Assim começa Carnelutti que com sua genialidade escreveu em 1946 um breve mas brilhante artigo infelizmente pouco lido no Brasil intitulado Cenerentola66 a Cinderela da conhecida fábula infantil O processo penal segue sendo a irmã preterida que sempre teve de se contentar com as sobras das outras duas Durante muito tempo foi visto como um mero apêndice do direito penal Evolui um pouco rumo à autonomia é verdade mas continua sendo preterido Basta ver que não se tem notícia na história acadêmica de que o processo penal tivesse sido ministrado ao longo de dois anos como costumeiramente o é o direito penal Se compararmos com o processo civil então a distância é ainda maior Mas em relação ao direito penal a autonomia obtida é suficiente até porque como define Carnelutti delito e pena são como cara e coroa da mesma moeda Como o são direito penal e processual penal Recordese o que falamos sobre o princípio da necessidade O problema maior está na relação com o processo civil O processo penal como a Cinderela sempre foi preterido tendo de se contentar em utilizar as roupas velhas de sua irmã Mais do que vestimentas usadas eram vestes produzidas para sua irmã não para ela A irmã favorita aqui corporificada pelo processo civil tem uma superioridade científica e dogmática inegável Tinha razão Bettiol como reconhece Carnelutti67 de que assistimos inertes a um pancivilismo E isso nasce na academia com as famigeradas disciplinas de Teoria Geral do Processo tradicionalmente ministradas por processualistas civis que pouco sabem e pouco falam do processo penal e quando o fazem é com um olhar e discurso completamente viciado Nessa linha no Brasil entre os pioneiros críticos está Tucci que principia o desvelamento do fracasso da Teoria Geral do Processo a partir da desconstrução do conceito de lide e sua consequente irrelevância para o processo penal passando pela demonstração da necessidade de se conceber o conceito de jurisdição penal para além das categorias de jurisdição voluntária e litigiosa e o próprio repensar a ação ação judiciária e ação da parte Aponta o autor ainda criticando a Teoria Geral do Processo que esse aliás foi um dos poucos raros aspectos negativos da grandiosa obra de José Frederico Marques ao transplantar sem ou às vezes com modestos avaros retoques institutos de processo civil para o processo penal numa nítida adaptação dos Elementos de direito processual penal às Instituições de direito processual civil incorporandose numa prolixa e confusa concepção que poderia ser denominada teoria civil do processo penal 68 Como adverte Coutinho69 outro antigo crítico da Teoria Unitária teoria geral do processo é engodo teoria geral é a do processo civil e a partir dela as demais Ou seja pensam tudo desde o lugar do processo civil com um olhar viciado que conduz a um engessamento do processo penal nas estruturas do processo civil Todo um erro de pensar que podem ser transmitidas e aplicadas no processo penal as categorias do processo civil como se fossem as roupas da irmã mais velha cujas mangas se dobram para caber na irmã preterida É a velha falta de respeito a que se referia Goldschmidt às categorias jurídicas próprias do processo penal Contudo há chegado o momento e se vão mais de 60 anos do trabalho de Carnelutti de desvelar a diversidade fenomenológica e metodológica das duas irmãs processuais70 e compreender que o processo penal possui suas categorias jurídicas próprias sua diversidade inerente e que não mais se contenta em usar as vestes da irmã Como explica Carnelutti o processo civil é nove de cada dez vezes um processo de sujeitos que têm e quando um dos dois não tem aspira muito ter É o processo do meu e do teu o que está em jogo é a propriedade é uma relação coisificada diria Simmel71 muito antes e muito além dos juristas O processo civil é o cenário da riqueza de quem possui ao passo que no processo penal cada vez mais é o processo de quem não tem do excluído Isso contribui para o estigma da gata borra lheira mas não justifica No processo penal em radical câmbio do que estamos tratando Não é do ter mas sim da liberdade No lugar da coisa pensase na liberdade de quem tendo está na iminência de perder ou que já não tendo pode recuperála ou perdêla ainda mais Trata se de voltar para casa ou ser encarcerado Como adverte Carnelutti é com a liberdade o que verdadeiramente se joga no processo penal Al juez penal se le pide como al juez civil algo que nos falta y de lo cual no podemos prescindir y es mucho más grave el defecto de libertad que el defecto de propiedad72 Significa dizer que ao juiz penal não se pede como ao juiz civil algo que nos falta o tal bem da vida como se referem os civilistas É a própria vida que está em jogo Para Carnelutti tanto ao juiz penal como ao juiz civil compete dar a cada um o seu A imensa diferença está em que no penal é dispor do próprio ser ao passo que no civil é o ter Não se pode esquecer ainda como adverte certeiramente Juarez Cirino dos Santos73 de que o processo penal não se constitui processo de partes livres e iguais como o processo civil por exemplo dominado pela liberdade de partes em situação de igualdade processual mas uma relação de poder instituída pelo Estado com a finalidade de descobrir a verdade de fatos criminosos e punir os autores considerados culpados São a ausência de liberdade e a relação de poder instituída em contraste com a liberdade e a igualdade os elementos fundantes de uma diferença insuperável entre o processo civil e o penal Em relação ao direito penal a autonomia obtida é suficiente até porque como define Carnelutti delito e pena são como cara e coroa da mesma moeda Como o são direito penal e processual penal unidos pelo princípio da necessidade nulla poena sine iudicio tão bem definido por Gomez Orbaneja O direito civil se realiza todo dia sem processo civil negócios jurídicos etc pois é autoexe cutável tem realidade concreta O direito civil só chama o processo civil quando houver uma lide carneluttianamente pensada como um conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida Já no campo penal tudo é diferente O direito penal não é autoexecutável e não tem realidade concreta fora do processo É castrado Se alguém for vítima de um crime a pena não cai direta e imediatamente na cabeça do agressor O direito penal não tem eficácia imediata e precisa necessariamente do processo penal para se efetivar pois o processo é um caminho necessário e inafastável para chegar na pena Por isso o princípio da necessidade demarca uma diferença insuperável entre penal e civil já cobrando sua diferença nas con dições da ação como veremos Vejamos alguns rápidos exemplos teria muito mais da distorção conceitual e absurdos processuais realizados em nome da Teoria Geral do Processo a No processo penal forma é garantia e limite de poder pois aqui se exerce o poder de punir em detrimento da liberdade É um poder limitado e condicionado que precisa se legitimar pelo respeito às regras do jogo Logo não se deve importar a tal instrumentalidade das formas e informalismo processual pois aqui o fenômeno é completamente diferente b Precisamos abandonar as teorias da ação pois tudo o que se escreveu desde a polêmica Windscheid Muther passando pelas teorias da ação como direito abstrato Plosz como direito concreto Wach ou direito potestativo Chiovenda não pode ser aplicado ao processo penal sem muito ajuste muita costura quase uma roupa nova Como afirmar que ação é um direito público abstrato e autônomo Se for assim uma pessoa pode processar outra diretamente sem nada de provas de forma totalmente autônoma e abstrata No processo civil sim No processo penal nem pensar pois é preciso desde logo demonstrar um mínimo de concretude de indícios razoáveis de autoria e materialidade E o juízo de mérito ainda que superficialmente é feito desde logo Portanto os conceitos de autonomia e abstração têm de ser repensados senão completamente redesenhados Mais do que isso precisamos elaborar uma teoria da acusação adequada à realidade do processo penal c Dizer que as condições da ação no processo penal são interesse e possibilidade jurídica do pedido é um erro repetido sem maior reflexão por grande parte da doutrina Como falar em interesse se aqui a regra é a necessidade Discutir interesse de agir e outros civilismos é desconhecer o que é processo penal Pior é tentar salvar o interesse por meio do entulhamento conceitual atribuindo um conteúdo a essa categoria que ela não comporta Esse é o erro mais comum para tentar salvar uma inadequada categoria do processo civil vão metendo definições que extrapolam os limites semânticos e de sentidos possíveis Para salvar uma categoria inadequada não fazem outra coisa que matá la mas mantendo o mesmo nome para fazer jus a teoria geral E a tal possibilidade jurídica do pedido O que é isso Outra categoria inadequada até porque no processo penal o pedido é sempre o mesmo Mas e o que fazer para salvar um conceito erroneamente transplantado Entulhoo de coisas que não lhe pertencem Falam em suporte probatório mínimo em indícios razoáveis de autoria e materialidade etc ou seja de outras coisas que nada têm a ver com possibilidade jurídica do pedido Enfim temos de levar as condições da ação a sério para evitar essa enxurrada de acusações infundadas que presenciamos servindo apenas para estigmatizar e punir ilegitimamente Juízes que operam na lógica civilista não fazem a imprescindível filtragem para evitar acusações infundadas A Teoria Geral do Processo TGP estimula o acusar infundado afinal é direito autônomo e abstrato e o recebimento burocrático deixando a análise do mérito para o final quando no processo penal ab initio precisamos demonstrar o fumus commissi delicti abstrato mas conexo instrumentalmente ao caso penal diria Jacinto Coutinho d Lide penal Outro conceito imprestável e que não faz qualquer sentido aqui Inclusive é um erro falar em pretensão punitiva na medida em que o Ministério Público não atua no processo penal como credor cível que pede a adjudicação de um direito próprio Ao MP não compete o poder de punir mas de promover a punição Por isso no processo penal não existe lide até porque não existe exigência punitiva que possa ser satisfeita fora do processo de novo o princípio da necessidade O MP exerce uma pretensão acusatória e o juiz o pode condicionado de punir Sobre o objeto do processo trataremos adiante e E o conceito de jurisdição Tem outra dimensão no processo penal para além do poderdever é uma garantia fundamental é limite de poder é fator de legitimação sendo que o papel do juiz no processo penal é distinto daquele exercido no processo civil Por isso a garantia do juiz natural é mais sensível aqui até porque o juiz é o guardião da eficácia do sistema de garantias da constituição e que lá está para limitar poder e garantir o débil submetido ao processo Dessarte grave problema existe na matriz da TGP e suas noções de competência relativa e absoluta desconsiderando que no processo penal não há espaço para a incompetência relativa É por isso que estão manipulando a competência no processo penal esquecendo que o direito de ser julgado pelo meu juiz competente em razão de matéria pessoa e principalmente lugar é fundamental A dimensão do julgamento penal é completamente diferente do julgamento civil pois não podemos esquecer que o caso penal é uma lesão a um bem jurídico tutelado em um determinado lugar Ou alguém vai dizer que o fato de um júri ser na cidade A ou na cidade B é irrelevante Óbvio que não Mas o que sabe a TGP de crime e júri f Juiz natural e imparcial A estrutura acusatória ou inquisitória do processo penal como veremos adiante é um dos temas mais relevantes e diretamente ligado ao princípio supremo do processo a imparcialidade do julgador A posição do juiz é fundante no processo penal desde sua perspectiva sistêmica e como tal complexa para garantia da imparcialidade Como ensinam os mais de 30 anos de jurisprudência do Tribunal Europeu de Direitos Humanos juiz que vai atrás da prova está contaminado e não pode julgar Tratase de uma preocupação específica do processo penal e desconhecida pelo processo civil e pela TGP g Juiz natural e imparcial II A prova da alegação incumbe a quem alega Claro que não No Processo Penal não existe distribuição de carga probatória senão atribuição integral ao acusador pois operamos desde algo que os civilistas não conhecem e tampouco compreendem presunção de inocência h Juiz natural e imparcial III Julgar em dúvida razoável é um dilema especialmente quando os adeptos da TGP resolvem distribuir cargas probatórias e em dúvida resolvem ir atrás da prova Pronto está criado o problema O ativismo judicial mata o Processo Penal Juiz ator que vai atrás da prova desequilibra a balança mata o contraditório e fulmina a imparcialidade Sim aqui a situação é bem complexaEntão o que fazer Compreender que no processo penal muita gente queimou na fogueira a TGP não conhece Eymerich e o Directorum Inquisitorum para chegarmos no in dubio pro reo Sem compreender esse complexo caldo cultural e os valores em jogo especialmente o in dubio pro reo como regra de julgamento e a presunção de inocência como regra de tratamento é impossível analisar a questão i Fumus boni iuris e periculum in mora É impactante ver um juiz deformado pela TGP decretar uma prisão preventiva porque presentes o fumus boni iuris e o periculum in mora Ora quando alguém é cautelarmente preso é porque praticou um fato aparentemente criminoso Desde quando isso é fumaça de bom direito Crime é bom direito Reparem no absurdo da transmissão de categorias E qual é o fundamento da prisão Perigo da demora O réu vai perecer Claro que não Mas não faltará alguém para incorrendo em grave reducionismo dizer que é apenas palavra Mais um erro Para nós no direito penal e processual penal palavra é limite palavra é legalidade as palavras dizem coisas e trabalhamos de lupa em cima do que diz a palavra e do que o intérprete diz que a palavra diz Logo nunca se diga que é apenas palavra pois a palavra é tudo j Poder geral de cautela De vez em quando algum juiz cria medidas restritivas de direitos fundamentais invocando o CPC e o poder geral de cautela ilustre desconhecido para o CPP Mais um absurdo de quem desconhece que o sistema penal se funda no princípio da legalidade na reserva de lei certa taxativa e estrita Não se admite criar punição por analogia Sim mas é isso que fazem os que operam na lógica da TGP k Vou decretar a revelia do réu Não raras vezes ouvimos isso em uma audiência Gostaríamos de perguntar vai inverter a carga da prova também Excelência Elementar que não A categoria revelia é absolutamente inadequada e inexistente no processo penal sendo figura típica do processo civil carregada de sentido negativo impondo ainda a presunção de veracidade sobre os fatos não contestados e outras consequências inadequadas ao processo penal A inatividade processual incluindo a omissão e a ausência não encontra qualquer tipo de reprovação jurídica Não conduz a nenhuma presunção exceto a de inocência que continua inabalável O não agir probatório do réu não conduz a nenhum tipo de punição processual ou presunção de culpa Não existe um dever de agir para o imputado para que se lhe possa punir pela omissão74 l Esse recurso especialextraordinário não tem efeito suspensivo Até recentemente por culpa da TGP as pessoas eram automaticamente presas ao ingressar com esses recursos porque a Lei n 8038 civilista diz que tais recursos não têm efeito suspensivo Mas desde quando prender alguém ou deixar em liberdade está situado na dimensão de efeito recursal Desde nunca É um absurdo gerado pela cultura da TGP que desconhece a presunção de inocência m Nulidade relativa Essa é a fatura mais alta que a TGP cobra do processo penal acabaram com a teoria das nulidades pela importação do pomposo pas nullité sans grief Tão pomposo quanto inadequado e danoso Iniciemos por um princípio básico desconhecido pela TGP por elementar forma é garantia O ritual judiciário está constituído essencialmente por discursos e no sistema acusatório forma é garantia pois processo penal é exercício de poder e todo poder tende a ser autoritário Violou a forma Como regra violou uma garantia do cidadão E o tal prejuízo É uma cláusula genérica de conteúdo vago impreciso e indeterminado que vai encontrar referencial naquilo que quiser o juiz autoritarismodecisionismoespaços impróprios de discricionariedade conforme Lenio Streck Como dito no processo penal existe exercício condicionado e limitado de poder sob pena de autoritarismo E esse limite vem dado pela forma Portanto flexibilizar a forma é abrir a porta para que os agentes estatais exerçam o poder sem limite em franco detrimento dos espaços de liberdade É rasgar o princípio da legalidade e toda a teoria da tipicidade dos atos processuais É rasgar a Constituição Por culpa da TGP está chancelado o valetudo processual O decisionismo se legitima na TGP Eutribunal anulo o que eu quiser quando eu quiser E viva a teoria geral do processo Portanto em rápidas pinceladas está demonstrada e dese nhada a necessidade de se recusar a Teoria Geral do Processo e assimilar o necessário respeito às categorias jurídicas próprias do processo penal Voltando ao início carneluttiano Cinderela é uma boa irmã e não aspira uma superioridade em relação às outras senão unicamente uma afirmação de paridade O processo civil ao contrário do que sempre se fez não serve para compreender o que é o processo penal serve para compreender o que não é Daí por que com todo o respeito basta de Teoria Geral do Processo 17 INSERINDO O PROCESSO PENAL NA EPISTEMOLOGIA DA INCERTEZA E DO RISCO LUTANDO POR UM SISTEMA DE GARANTIAS MÍNIMAS Como já apontamos vivemos em uma sociedade complexa em que o risco está em todos os lugares em todas as atividades e atinge a todos de forma indiscriminada Concomitantemente é uma sociedade regida pela velocidade e dominada pela lógica do tempo curto Toda essa aceleração potencializa o risco Alheio a tudo isso o direito opera com construções técnicas artificiais recorrendo a mitos como segurança jurídica75 verdade real reversibilidade de medidas etc Em outros momentos parece correr atrás do tempo perdido numa desesperada tentativa de acompanhar o tempo da sociedade Surgem então alquimias do estilo antecipação de tutela aceleração procedimental etc O conflito entre a dinâmica social e a jurídica é inevitável evidenciando uma vez mais a falência do monólogo científico diante da complexidade imposta pela sociedade contemporânea Nossa abordagem é introdutória um convite à reflexão pelo viés interdisciplinar com todos os perigos que encerra uma incursão para além de um saber compartimentado Sem esquecer que em meio a tudo isso está alguém sendo punido pelo processo e se condenado sofrendo uma pena concreta efetiva e dolorosa 171 RISCO EXÓGENO Não há como iniciar uma abordagem sobre risco sem falar na risk society de Beck76 Obviamente que a análise perpassa essa visão que serve apenas como ponto inicial A doutrina de Beck desempenha uma importante missão na superação da compreensão de que o sofrimento e a miséria eram apenas para o outro pois haviam paredes e fronteiras reais e simbólicas para nos escondermos Isso desapareceu com Chernobil Acabaramse as zonas protegidas da modernidade ha llegado el final de los otros77 O grande desafio passa a ser viver com essa descoberta do perigo Caiu o manto de proteção deixando descoberto esse desolador cenário A sociologia do risco é firmada e definida pela emergência dos perigos ecológicos caracteristicamente novos e problemáticos Mas a dimensão desse risco transcende a esfera ecológica e também afeta o processo pois alcança a sociedade como um todo e o processo penal não fica imune aos riscos Como aponta Beck as sociedades humanas sempre correram riscos mas eram riscos e azares conhecidos cuja ocorrência podia ser prevista e sua probabilidade calculada Os riscos das sociedades industriais eram importantes numa dimensão local e frequentemente devastadores na esfera pessoal mas seus efeitos eram limitados em termos espaciais pois não ameaçavam sociedades inteiras78 Atualmente as novas ameaças ultrapassam limites espaciais e sociais e também excedem limites temporais pois são irreversíveis e seus efeitos toxinas no corpo humano e no ecossistema vão se acumulando Os perigos ecológicos de um acidente nuclear em grande escala pela liberação de químicos ou pela alteração e manipulação da composição genética da flora e fauna transgênicos colocam em risco o próprio planeta Existe um risco real de autodestruição Outro problema é que nos riscos ecológicos modernos segundo Beck79 o ponto de impacto pode não estar obviamente ligado ao seu ponto de origem e sua transmissão e movimentos podem ser muitas vezes invisíveis e insondáveis para a percepção quotidiana É um gravíssimo problema que dificulta ou impossibilita a identificação do nexo causal como ocorreu vg com as contaminações pelo Antraz Se na sociedade préindustrial o risco revestia a forma natural tremores secas enchentes etc não dependendo da vontade do homem e sendo por isso inevitável o risco na sociedade industrial clássica passou a depender de ações dos indivíduos ou de forças sociais ex perigo no trabalho em razão da utilização de máquinas e venenos no âmbito social o perigo do desemprego e da penúria ocasionado pelas incertezas da dinâmica econômica etc Nesse momento nasce a ilusão do Estado Segurança Em que pese o fato de certos perigos e azares constantemente ameaçarem determinados grupos tais riscos eram conhecidos cuja ocorrência poderia ser prevista e cuja probabilidade poderia ser ou será calculada Mas os riscos contemporâneos são qualitativa e quantitativamente distintos pois assumem consequências transgeracionais pois sobrevivem aos seus causadores e marcados pelo que Beck chama de glocalidade globais e locais ao mesmo tempo Ademais é patente a desconstrução dos parâmetros culturais tradicionais e as estruturas institucionais da sociedade industrial classe consciência de classe estrutura familiar e demarcação de funções por sexo Não há estratificação econômica rígida funções demarcadas por sexo e núcleo familiar Todo o oposto O mito do Estado Segurança cai por terra quando se verifica a fragilidade de seus postulados Beck80 justifica o estado de insegurança sustentando que a dimensão dos riscos que enfrentamos é tal e os meios pelos quais tentamos lutar contra eles a nível político e institucional são tão deploráveis que a fina capa de tranquilidade e normalidade é constantemente quebrada pela realidade bem dura de perigos e ameaças inevitáveis Por conseguinte as atuais formas de degradação do ambiente atingem a todos indistintamente ou seja não há que se considerar qualquer tipo de barreira social ou geográfica como meio de proteção contra tais perigos Os gases poluentes emitidos pelos automóveis que circulam nas grandes cidades atingem da mesma forma ricos e pobres causandolhes os mesmos problemas respiratórios assim como o fato de morar na periferia de uma grande cidade ou em um bairro nobre não protege ninguém de uma catástrofe O risco também está no trabalho e manifestase pelo desemprego estrutural em larga escala e a longo prazo Não há mais estrutura de trabalho por sexo há uma queda do trabalho por tempo integral e o aumento das jornadas parciais operouse um rompimento da estrutura tradicional do emprego regular vitalício flexibilidade geral das relações Tudo isso gera uma grande insegurança econômica que se vai alastrar em todo feixe de relações dos indivíduos Também na esfera das relações afetivas e na própria estrutura familiar o risco está mais presente do que nunca No núcleo familiar não há mais a distinção entre trabalho doméstico não remunerado e educação dos filhos e trabalho assalariado privativo do homem Está consagrada a decadência do patriarcado Intensificouse a individualização com o rompimento das funções tradicionais homem e mulher e das forças ideológicas que ajudavam a prender as pessoas A insegurança multiplicouse em relação ao núcleo familiar com o divórcio paternidade ou maternidade unilateral e também implica uma nova dinâmica das relações interpessoais em que o casarse passa a um segundo plano valorizandose mais a realização profissional e o individualismo logo relacionamentos afetivos superficiais A dinâmica do tempo curto e a ditadura do instantâneo potencializam esse risco das relações afetivas pois não existem mais os longos namoros seguidos de noivado e casamento para toda a vida As pessoas ficam o que significa a mais completa falta de compromisso com o passado e de comprometimento com o futuro É o presenteísmo em grau máximo Que dizer do futuro É totalmente contingente pois explica Ost81 se opera uma ruptura com a experiência vulgar do tempo enquanto simples recondução do passado pois tudo se torna possível O futuro é verdadeiramente contingente indeterminado o instante é verdadeiramente instantâneo suspenso sem sequência previsível ou prescrita Projetos e promessas impulso prometeico perdem toda pertinência É a incerteza elevada ao quadrado Mais radical ComteSponville82 chama de nadificação Mais do que isso é a nadificação do nada pois o passado não existe uma vez que já não é nem o futuro já que ainda não é E o presente se divide num passado e num futuro que não existem Logo é o nada pois entre dois nada o tempo seria essa nadificação perpétua de tudo Sob outro aspecto indo além nessa análise é importante considerar que vivemos numa sociedade em busca de valores parafra seando a obra83 de Prigogine e Morin Nessa busca de valores devemos considerar que estamos numa sociedade pósmoralista84 que liberta da ética de sacrifícios é dominada pela felicidade pelos desejos pelo ego e pelos direitos subje tivos sem qualquer ideal de abnegação E mais tais benefícios devem ser obtidos a curto prazo pois igualmente inseridos na lógica da aceleração na qual qualquer demora é vista como um sofrimento insuportável São fatores que conduzem a um individualismo sem regras sem limites desestruturado e sem futuro Esta é apenas mais uma das faces das nossas sociedades que não sepultou a moral senão que a deseja no mesmo nível de complexidade uma moral à la carte diria Lipovetsky85 pois sentimental intermitente epidérmica uma última forma do consumo interativo de massa eis que fortemente influenciada pelo discurso midiático Até mesmo em torno da moral reina a mais absoluta incerteza pois evidente o estado de guerra entre os vários tipos de moral Outra face importante das nossas sociedades contemporâneas é o infantilismo86 externado pelo desejo e pelo consumismo fazendo despertar a criança que existe em cada um de nós Aliado ao desejo infantil de tudo possuir não sabemos lidar com o tempo e a recusa Uma vez mais estamos inseridos na urgência da satisfação do desejo na qual qualquer demora é um retardo doloroso e insuportável não queremos e não precisamos esperar pois lançamos mão do crédito provocando um verdadeiro curtocircuito no tempo como define Bruckner87 O crédito permite fazer desaparecer como que por passe de mágica o intervalo entre desejo e satisfação inserindonos numa perspectiva imediatista tipicamente infantil da criança que não conhece a renúncia Como se não bastasse isso os jovens de 1968 do histórico maio de 1968 cresceram tornandose eles próprios pais E quando isso ocorreu não ensinaram outra coisa aos seus filhos do que a recusa a qualquer autoridade É uma geração dominada pela ideologia de renunciar à renúncia Isso obviamente acarreta graves problemas na medida em que o conflito com o direito limite e imposição de renúncia é inevitável e doloroso Isso gera ao mesmo tempo violência e insegurança Desnecessário seguir pois o risco a incerteza e a insegurança estão em tudo Nem sequer o sexo virtual tido como seguro ficou imune ao risco Os vírus da internet cada vez mais sorrateiros e destrutivos acabaram com qualquer esperança de segurança Vivemos inseridos na mais completa epistemologia da incerteza Como consequência desse cenário de risco total buscamos no direito penal a segurança perdida Queremos segurança em relação a algo que sempre existiu e sempre existirá violência e insegurança Aqui devemos fazer uma pausa e destacar que muito se tem ma nipulado o discurso para utilizar esses novos riscos como legitimante da intervenção penal Não é essa nossa posição Estamos de acordo com Carvalho88 de que o direito penal e também o processo penal ao assumir a responsabilidade de fornecer respostas às novas demandas aos novos riscos redimensiona vez mais sua estrutura num narcisismo infantil89 Surge do delírio de grandeza messianismo decorrente da autoatribuição do papel de proteção dos valores mais caros à humanidade chegando a assumir responsabilidade pelo futuro da civilização tutela penal das gerações futuras estabelece uma relação consigo mesma que a transforma em objeto amoroso Esse cenário conduz à onipotência que incapacita o direito penal a perceber seus próprios limites inviabilizando uma relação madura com os outros campos do saber interdisciplinaridade Ao não dialogar o direito penal não percebe a falência do monólogo científico o que conduz ao agravamento da crise e do próprio autismo jurídico Nossa abordagem situase nessa dimensão reconhecer o risco para legitimar um sistema de garantias mínimas É fazer um recorte garantidor e não penalizador na sociedade do risco Para concluir recordemos a lição de Gauer90 de que violência é um elemento estrutural intrínseco ao fato social e não o resto anacrônico de uma ordem bárbara em vias de extinção Esse fenômeno aparece em todas as sociedades faz parte portanto de qualquer civilização ou grupo humano basta atentar para a questão da violência no mundo atual tanto nas grandes cidades como também nos recantos mais isolados 172 EPISTEMOLOGIA DA INCERTEZA Aliado a tudo isso a epistemologia da incerteza e a relatividade sepultam as verdades reais91 e os juízos de certeza ou segurança categorias que o direito processual tanto utiliza potencializando a insegurança Com Einstein e a relatividade sepultouse de vez qualquer resquício dos juízos de certeza ou verdades absolutas a mesma paisagem podia ser uma coisa para o pedestre outra coisa totalmente diversa para o motorista e ainda outra coisa diferente para o aviador A verdade absoluta somente poderia ser determinada pela soma de todas observações relativas92 Hawking93 explica que Einstein derrubou os paradigmas da época o repouso absoluto conforme as experiências com o éter e o tempo absoluto ou universal que todos relógios mediriam Tudo era relativo94 não havendo portanto um padrão a ser seguido Partindo da premissa de que todo saber é datado Einstein distingue uma teoria verdadeira de uma falsa a partir do seu prazo de validade maior tempo para a primeira tal como décadas ou anos já para a desmistificação da segunda bastam apenas dias ou instantes95 Nesse ínterim somente há uma verdade científica até que ou tra venha a ser descoberta para contradizer a anterior96 Caso contrário a vida se resumiria em reproduzir o conhecimento científico dos antepassados assim como não haveria motivo para a ciência buscar novas fronteiras Em síntese a ciência estruturase a partir do princípio da incerteza E por causa dele não haverá apenas uma história do universo contendo vida inteligente Ao contrário as histórias no tempo imaginário serão toda uma família de esferas ligeiramente deformadas cada uma correspondendo a uma história no tempo real na qual o universo infla por um longo tempo mas não indefinidamente Podemos então perguntar qual dessas histórias possíveis é a mais provável97 Essa incerteza também está intimamente relacionada com a noção de futuro contingente em que se opera uma ruptura com a experiência vulgar do tempo enquanto simples recondução do passado pois tudo se torna possível O futuro é verdadeiramente contingente indeterminado o instante é verdadeiramente instantâneo suspenso sem sequência previsível ou prescrita98 Projetos e promessas impulso prometeico perdem toda pertinência É a incerteza elevada ao quadrado Como aponta Ost99 toda ciência começa por uma recusa o espírito científico medese pela sua capacidade de requestionar as certezas do sentido comum tudo aquilo que Bachelard designava pelo nome de obstáculo epistemológico pois uma teoria nunca pode ser provada positivamente nem definitivamente lá pelo facto de termos contado milhares de cisnes brancos como poderíamos ter a certeza de não existir pelo menos um que fosse preto A ciência está sempre em suspenso Nessa perspectiva de incerteza a ordem é pois excepcional é o caos que é regra A própria democracia é uma política de indeterminação pois torna o poder infigurável Ao contrário do totalitarismo explica Ost100 na democracia ninguém tem o direito natural de deter o poder Ninguém pode aspirar exercêlo de forma durável Nenhuma força ou partido poderá apropriarse do poder senão por meio do abuso Enquanto o totalitarismo erradica o conflito e reduz toda espécie de oposição a democracia está baseada no pluralismo de opiniões e na sua oposição conflitual é uma visão de caos como regra A democracia não elimina o conflito apenas tenta garantir um desfecho negociável por meio de procedimentos aceitos Nunca há uma conclusão mas apenas uma decisão que gera um acordo apenas parcial uma verdade aproximada Inserida na epistemologia da incerteza a democracia está centrada num conflito interminável pois ela é essencialmente transgressiva e desprovida de base estável Recordemos que etimologicamente político não se refere apenas a polis mas também a polemos isto é à guerra de forma que o espaço político não é apenas aquele reconciliado e harmônico da ordem consensual mas também do conflito A arte consiste em transformar o antagonismo potencialmente destruidor em agonismo democrático101 173 RISCO ENDÓGENO PROCESSO COMO GUERRA OU JOGO Mas o risco e a incerteza não estão apenas fora ou em torno do processo São inerentes ao próprio processo seja ele civil ou penal A noção de processo como relação jurídica estruturada na obra de Bülow102 foi fundante de equivocadas noções de segurança e igualdade que brotaram da chamada relação de direitos e deveres estabelecidos entre as partes e entre as partes e o juiz O erro foi o de crer que no processo penal houvesse uma efetiva relação jurídica com um autêntico processo de partes A teoria do processo como uma relação jurídica a seguir analisada no Capítulo Teorias acerca da natureza jurídica do processo penal é um marco relevante para o estudo do conceito de partes principalmente porque representou uma evolução de conteúdo democráticoliberal do processo em um momento em que o processo penal era visto como uma simples intervenção estatal com fins de desinfecção social ou defesa social103 Com certeza foi muito sedutora a tese de que no processo haveria um sujeito que exercitasse nele direitos subjetivos e principalmente que poderia exigir do juiz que efetivamente prestasse a tutela jurisdicional solicitada sob a forma de resistência defesa Apaixonante ainda a ideia de que existiria uma relação jurídica obrigatória do juiz com relação às partes que teriam o direito de lograr por meio do ato final um verdadeiro clima de legalidade e restabelecimento da paz social Tal relação deveria instaurarse entre as partes MP e réu e o juiz dando origem a uma reciprocidade de direitos e obrigações processuais Ademais a existência de partes constitui uma exigência lógica da instituição da própria estrutura dialética do processo pois dogmaticamente o processo não pode ser concebido sem a existência de partes contrapostas ao menos in potentia104 Mas a tese de Bülow gerou diversas críticas e sem dúvida a mais apropriada veio de James Goldschmidt e sua teoria do processo como situação jurídica tratada na sua célebre obra Prozess als Rechtslage publicada em Berlim em 1925 e posteriormente difundida em diversos outros trabalhos do autor Goldschmidt ataca primeiramente os pressupostos da relação jurídica em seguida nega a existência de direitos e obrigações processuais ou seja o próprio conteúdo da relação e por fim reputa definitivamente como estática ou metafísica a doutrina vigente nos sistemas processuais contemporâneos Nesse sentido os pressupostos processuais não representam pressupostos do processo deixando por sua vez de condicionar o nascimento da relação jurídica processual para ser concebidos como pressupostos da decisão sobre o mérito Interessanos pois a crítica pelo viés da inércia e da falsa noção de segurança que traz ínsita a teoria do processo enquanto relação jurídica Foi Goldschmidt quem evidenciou o caráter dinâmico do processo ao transformar a certeza própria do direito material na incerteza característica da atividade processual Na síntese do autor durante a paz a relação de um Estado com seus territórios de súditos é estática constitui um império intangível Sem embargo ensina Goldschmidt quando a guerra estoura tudo se encontra na ponta da espada os direitos mais intangíveis se convertem em expectativas possibilidades e obrigações e todo direito pode se aniquilar como consequência de não ter aproveitado uma ocasião ou descuidado de uma obrigação como pelo contrário a guerra pode proporcionar ao vencedor o desfrute de um direito que não lhe corresponde105 Ficamos apenas nessa introdução pois a Teoria de James Goldschmidt será analisada com profundidade no próximo capítulo quando trataremos da natureza jurídica do processo penal Essa rápida exposição do pensamento de Goldschmidt serve para mostrar que o processo assim como a guerra está envolto por uma nuvem de incerteza A expectativa de uma sentença favorável ou a perspectiva de uma sentença desfavorável está sempre pendente do aproveitamento das chances e da liberação de cargas Em nenhum momento temse a certeza de que a sentença será procedente A acusação e a defesa podem ser verdadeiras ou não uma testemunha pode ou não dizer a verdade assim como a decisão pode ser acertada ou não justa ou injusta o que evidencia sobremaneira o risco no processo O mundo do processo é o mundo da instabilidade de modo que não há que se falar em juízos de segurança certeza e estabilidade quando se está tratando com o mundo da realidade o qual possui riscos que lhes são inerentes É evidente que não existe certeza segurança nem mesmo após o trânsito em julgado pois a coisa julgada é uma construção técnica do direito que nem sempre encontra abrigo na realidade algo assim como a matemática na visão de Einstein106 É necessário destacar que o direito material é um mundo de entes irreais vez que construí do à semelhança da matemática pura enquanto o mundo do processo como anteriormente mencionado identificase com o mundo das realidades concretização pelo qual há um enfrentamento da ordem judicial com a ordem legal Por derradeiro tanto no jogo Calamandrei como na guerra Goldschmidt importam a estratégia e o bom manuseio das armas disponíveis Mas acima de tudo são atividades de alto risco envoltos na nuvem de incerteza Não há como prever com segurança quem sairá vitorioso Assim deve ser visto o processo uma situação jurídica dinâmica inserida na lógica do risco e do giuoco Reina a incerteza até o final A consciência dessa realidade processual é fundamental para definirmos um sistema de garantias mínimas e também demarcar o melhor possível o espaço decisório Importante compreender que a assunção da incerteza e da insegurança diz respeito à dinâmica do processo e não significa em hipótese alguma que estejamos avalizando o decisionismo107 174 ASSUMINDO OS RISCOS E LUTANDO POR UM SISTEMA DE GARANTIAS MÍNIMAS Em que pese o risco inerente ao jogo ou à guerra em qualquer dos dois casos é necessário definir um sistema ainda que mínimo de regras limites Diante desse cenário de risco total em que o processo penal se insere mais do que nunca devemos lutar por um sistema de garantias mínimas Não é querer resgatar a ilusão de segurança mas sim assumir os riscos e definir uma pauta de garantias formais das quais não podemos abrir mão É partir da premissa de que a garantia está na forma do instrumento jurídico e que no processo penal adquire contornos de limitação ao poder punitivo estatal e emancipador do débil submetido ao processo Nessa linha pensamos que se deve maximizar a eficácia das garantias do devido processo penal108 a jurisdicionalidade especialmente no que tange ao juiz natural e à imparcialidade b princípio acusatório ou dispositivo fundando o sistema acusatório em conformidade com a Constituição c presunção de inocência enquanto préocupação de espaços mentais do julgador e portanto no viés de dever de tratamento e regra de julgamento d ampla defesa e contraditório ainda que distintas são duas garantias que mantêm íntima relação e interação necessitando ser maximizadas no processo penal e motivação das decisões especialmente no viés de legitimação do poder jurisdicional exercido e instrumento de controle contra o decisionismo e o arbítrio Não se trata de mero apego incondicional à forma senão de considerála uma garantia do cidadão e fator legitimante da pena ao final aplicada Mas é importante destacar não basta apenas definir as regras do jogo Não é qualquer regra que nos serve pois como sintetiza Jacinto Coutinho109 devemos ir para além delas regras do jogo definindo contra quem se está jogando e qual o conteúdo ético e axiológico do próprio jogo Nossa análise situase nesse desvelar do conteúdo ético e axiológico do jogo e de suas regras indo muito além do mero paleopositivismo Estamos com Bueno de Carvalho110 ao defender a positividade combativa segundo a qual devemos lutar pela máxima eficácia dos direitos e das garantias fundamentais fazendo com que tenham vida real Como define o autor É o reconhecimento de que o direito positivado por muitas vezes resume conquistas democráticas embora outras tantas vezes não seja aplicado E em tal acontecendo há que se o fazer viger111 Tampouco podemos confundir garantias com impunidade como insistem alguns defensores do terrorismo penal subvertendo o eixo do discurso As garantias processuais defendidas aqui não são geradoras de impunidade senão legitimantes do próprio poder punitivo que fora desses limites é abusivo e perigoso A discussão como muito pode situarse no campo da relação ônusbônus Que preço estamos dispostos a pagar por uma segurança que como apontado sempre será mais simbólica e sedante do que efetiva e que obviamente sempre terá uma grande margem de falha ausência de controle De que parcela da esfera de liberdade individual estamos dispostos a abrir mão em nome do controle estatal É aceitável que em situações extremas e observadas as garantias legais tenhamos de nos sujeitar a uma interceptação telefônica judicialmente autorizada por exemplo Contudo será que estamos dispostos a permitir que essas conversas sejam reproduzidas e exploradas pelos meios de comunicação Em definitivo é importante compreender que repressão e garantias processuais não se excluem senão que coexistem Radicalismos à parte devemos incluir nessa temática a noção de simultaneidade em que o sistema penal tenha poder persecutório punitivo e ao mesmo tempo esteja limitado por uma esfera de garantias processuais e individuais Considerando que risco violência e insegurança sempre existirão é sempre melhor risco com garantias processuais do que risco com autoritarismo Em última análise pensamos desde uma perspectiva de redução de danos em que os princípios constitucionais não significam proteção total até porque a falta ensina Lacan é constitutiva e sempre lá estará sob pena de incidirmos na errônea crença na segurança e sermos vítimas de nossa própria crítica Tratase assim de reduzir os espaços autoritários e diminuir o dano decorrente do exercício abusivo ou não do poder Uma verdadeira política processual de redução de danos pois repitase o dano como a falta sempre lá estará Ademais é preferível um sistema que falhe em alguns casos por falta de controle ou de limitação da esfera de liberdade individual do que um Estado policialesco e prepotente pois a falha existirá sempre O problema é que nesse último caso o risco de inocentes pagarem pelo erro é infinitamente maior e este é um custo que não podemos tolerar sem resistir 18 A CRISE DO PROCESSO PENAL CRISE EXISTENCIAL CRISE IDENTITÁRIA DA JURISDIÇÃO E A CRISE DE INEFICÁCIA DO REGIME DE LIBERDADE NO PROCESSO PENAL O processo penal brasileiro vive hoje uma grave crise especialmente pela ineficácia da base principiológica da Constituição e da Convenção Americana de Direitos Humanos A premissa goldschmidtiana de que o processo penal é um termômetro dos elementos democráticos ou autoritários da respectiva Constituição não está sendo posta em prática O processo penal brasileiro deveria se constitucionalizar e democratizar abrindose para a esfera protetiva ali estabelecida bem como se convencionalizando Sem embargo a prática forense fruto de uma forte cultura inquisitória arraigada opera em sentido inverso comprime a esfera de proteção constitucional e convencional para entrar na forma auto ritária do código Por conta disso enfrentamos uma grave crise no processo penal que precisa ser analisada a partir de três dimensões 1a Crise existencial do processo penal 2a Crise identitária da jurisdição penal 3a Crise de ineficácia do regime de liberdade no processo penal Somente a partir da compreensão desses três pontos de estrangulamento é que poderemos buscar medidas de redução de danos que permitirão a evolução do processo penal brasileiro e sua melhor conformação constitucional e convencional 181 A CRISE EXISTENCIAL DO PROCESSO PENAL É AINDA O PROCESSO O CAMINHO NECESSÁRIO PARA CHEGAR À PENA Como visto no início deste capítulo o processo penal tem sua existência justificada a partir da compreensão do princípio da necessidade nullum crime sine iudicio isto é na impossibilidade de que se tenha a imposição de uma pena sem prévio processo penal Essa concepção de processo como caminho necessário para se chegar à pena é fundante da própria existência do processo e constitui uma grande evolução civilizatória da humanidade Nessa perspectiva também fortalece o conjunto de regras que estruturam o devido pro cesso penal É uma concepção tradicional e ainda vigente e plenamente aplicável para a imensa maioria dos processos criminais que tramitam no Brasil Sem embargo gradativamente começa a tomar força outra via de resolução dos casos penais a justiça negocial Consideramos que justiça negocial é um gênero no qual se inserem como espécies as formas de negociação sobre a pena transação penal acordos sobre a abreviação do rito com diminuição da pena e também a delaçãocolaboração premiada Essas formas de negociação ou espaços de consenso acarretam a possibilidade de fixação de uma pena sem a tramitação completa do processo rompendo com o modelo tradicional do confronto e do nulla poena sine iudicio A expansão desses espaços negociais não é uma tendência nova e tampouco nos parece que seja passageira Vamos começar pela compreensão antropológica desse instituto Como já explicamos no início desta obra vivemos em uma sociedade hiperacelerada regida pela velocidade como dirão com algumas variações conceituais mas com um mesmo núcleo fundante Bauman Virillo Morin Pascal Bruckner ComteSponville e os prin cipais pensadores contemporâneos Estamos imersos numa narcose dromológica sedados pelo instantâneo e o imediato onde qualquer demora por menor que seja nos causa um imenso sofrimento François Ost112 mostra a dicotomia entre o tempo social e o tempo do direito mas também entre o tempo na sociedade e o tempo no direito Nessa perspectiva de hiperaceleração é claro que o processo penal também é filho da flecha do tempo ou seja também sofre esse influxo ainda que o tempo do processo ainda seja muito mais lento e demorado que o tempo da sociedade Claro que essa aceleração vai exigir o difícil equilíbrio que está na recusa aos dois extremos de um lado o atropelo de direitos e garantias fundamentais que não pode ser admitido de outro a necessidade de que o processo tramite sem uma demora excessiva É aqui que se situa a complexa compreensão do que seja um processo penal no prazo razoável O problema é que o fetiche da velocidade e da aceleração é muito forte por qualquer ângulo que se mire mas é especialmente forte no viés economicista eficientista e utilitarista que tanto exige do processo penal É talvez a mais cruel das acelerações que o processo penal pode sofrer pois implica grave violação e restrição de direitos e garantias fundamentais Com razão Figueiredo Dias113 chama de processo penal dotado de eficiência funcionalmente orientada É um incremento de estruturas de consenso em detrimento de estruturas de conflito para atender à ultrapassagem do atual modelo de sobrecarga da justiça para o modelo de eficiência funcionalmente orientada explica o autor português com precisão e síntese No Brasil o cenário é ainda mais grave pois se criou um ciclo vicioso autofágico até Temos uma panpenalização banalização do direito penal pois acreditamos que o direito penal é a tábua de salvação para todos os males que afligem esta jovem democracia com uma grave e insuperável desigualdade social Como tudo é direito penal quase tudo acaba virando processo penal com um entulhamento descomunal das varas criminais e tribunais Não existe sistema de justiça que funcione nesse cenário e o nosso é um exemplo claro disso A banalização do direito penal gera uma enxurrada diária de acusações muitas por condutas absolutamente irrelevantes outras por fatos que poderiam ser objeto do direito administrativo sancionador ou de outras formas de resolução de conflitos e ainda uma quantidade imensa de acusações por condutas aparentemente graves e relevantes mas carentes de justa causa sem um suporte probatório suficiente para termos um processo penal em decorrência da má qualidade da investigação preliminar também fruto no mais das vezes da incapacidade de dar conta do imenso volume de notíciascrimes Diante do volume gigantesco de acusações e processos é óbvio que o sistema de administração de justiça dos juízes de primeiro grau às cortes superiores o congestionamento é colossal não funciona adequadamente E mesmo que eventualmente se tenha uma vara criminal em determinada cidade cujos filtros funcionem bem todos os seus processos acabarão desaguando no mesmo lugar primeiro nos tribunais de apelação todos abarrotados e depois no Superior Tribunal de Justiça aqui então o estrangulamento é evidente basta constatar que existem duas turmas criminais 5a e 6a Turmas para julgar recursos especiais habeas corpus mandados de segurança ações penais originárias etc de todo o país Qual a consequência Uma justiça criminal lenta e que não dá conta da demanda gerando demoras imensas Diante da ineficácia do sistema de administração da justiça agravase a percepção de impunidade gerando um cenário fértil para os discursos punitivistas Nada funciona a sensação de impunidade cresce e a quantidade de crimes praticados só aumenta O que fazer Ministrar mais doses de direito penal simbólico novos tipos penais aumento de penas e mais endurecimento E o ciclo se repete E o sistema carcerário Superlotado e absolutamente sem controle Com isso reina a barbárie o domínio das facções do crime organizado da corrupção e se retroalimenta o ciclo da violência urbana Quem lucra com todo esse descontrole O crime organizado e as facções que realmente dominam e controlam o sistema carcerário brasileiro E na esfera processual A crise de credibilidade do processo e da jurisdição conduz à ampliação dos casos de prisão preventiva a menos liberdade no processo menos direitos e garantias processuais e mais eficiência leiase atropelo procedimental Em suma conduz à ilusão de que acelerando de forma utilitarista os processos restringindo recursos limitando o uso do habeas corpus e ampliando o espaço de justiça negocial se chega o mais rápido possível a uma pena de preferência sem precisar do processo Ainda que em uma esfera de apenamento restrita os institutos da transação penal e da suspensão condicional do processo instituídos pela Lei n 909995 comprovam o quão problemática pode ser a negociação no processo penal A Lei n 909995114 inseriu o processo penal brasileiro na perspectiva da justiça negociada e dos espaços de consenso Para além do velado fundamento utilitarista o modelo vem envolto por uma fina camada argumentativa de que seria uma imposição ou decorrência lógica e necessária da adoção do sistema processual acusatório É um argumento insustentável pois o sistema acusatório se funda no princípio dispositivo no fato de que a iniciativa e a gestão da prova estão nas mãos das partes115 juizespectador A lógica da plea negotiation se situa em outra dimensão conduzindo a um afastamento do Estadojuiz das relações sociais não atuando mais como interventor necessário mas apenas assistindo de camarote ao conflito A negociação guarda relação com a disponibilidade do objeto do processo penal pretensão acusatória116 e da própria acusação bem como com a flexibilização do princípio da necessidade No que diz respeito à transação penal Prado117 faz longo e criterioso trabalho de crítica demonstrando todos os inconvenientes do instituto e desvelando a falácia do discurso favorável à transação penal Bastaria reconhecer a gravíssima e insuperável violação do princípio da necessidade fundante e legitimante do processo penal contemporâneo para compreender que a transação penal é absolutamente ilegítima pois constitui a aplicação de uma pena sem prévio processo Põese por terra a garantia básica do nulla poena sine iudicio A transação penal não dispõe explica o autor de um verdadeiro procedimento jurisdicional conforme a noção de devido processo legal Tampouco entendemos que o sistema negocial colabore para aumentar a credibilidade da justiça pois ninguém gosta de negociar sua inocência Não existe nada mais repugnante que diante de frustrados protestos de inocência ter de decidir entre reconhecer uma culpa inexistente em troca de uma pena menor ou correr o risco de se submeter a um processo que será desde logo desigual É um poderoso estímulo negativo saber que terá de enfrentar um promotor cuja imparcialidade ainda sustentada por muitos e com a qual não concordamos imposta por lei foi enterrada junto com a frustrada negociação e que acusará de forma desmedida inclusive obstaculizando a própria defesa Nossa crítica não se limita ao aspecto normativo da Lei n 909995 senão que vai à base epistemológica que a informa constatando que o problema será potencializado com o aumento das chamadas zonas de consenso como já está previsto no Projeto do CPP PL n 8045 art 283 Se acolhido o dispositivo estabelece que o acusado e o Ministério Público poderão requerer a aplicação imediata de pena nos crimes cuja sanção máxima cominada não ultrapasse 8 anos É uma significativa ampliação do campo negocial A Lei n 139642019 trouxe no seu art 28A118 o instituto do acordo de não persecução penal ampliando ainda mais o espaço negocial no processo penal A barganha e a justiça criminal negocial como manifestações dos espaços de consenso no processo penal vêm preocupando cada vez mais não só os estudiosos mas também os atores judiciários A tendência de expansão é evidente resta saber que rumo será tomado se seguirá o viés de influência do modelo norteamericano da plea bargaining o italiano do patteggiamento o práticoforense alemão cuja implantação evidenciou o conflito do law in action com o law in books se ampliaremos o crescente modelo brasileiro introduzido pela Lei n 909995 transação penal e suspensão condicional na Lei n 128502013 e a colaboração premiada chegando no acordo de não persecução penal Lei n 139642019 Que rumo tomar Quais os limites Que vantagens e inconvenientes isso representa São questões importantes a serem ponderadas Mas a aceleração procedimental pode ser levada ao extremo de termos uma pena sem processo e sem juiz Sim pois a garantia do juiz pode ficar reduzida ao papel de mero homologador do acordo muitas vezes feito às portas do tribunal No sistema norteamericano por exemplo muitas negociações são realizadas nos gabinetes do Ministério Público sem publicidade prevalecendo o poder do mais forte acentuando a posição de superioridade do parquet Explicam Figueiredo Dias e Costa Andrade119 que a plea bargaining nos Estados Unidos é responsável pela solução de 80 a 95 de todos os delitos Ademais as cifras citadas colocam em evidência que em oito ou nove de cada dez casos não existe nenhum contraditório Na mesma linha crítica e apontando cifras que vão de 90 a 97 de condenações com base em acordos está o trabalho de Vinícius Gomes de Vasconcellos120 A negotiation viola desde logo o pressuposto fundamental da jurisdição pois a violência repressiva da pena já não passa pelo controle jurisdicional e tampouco se submete aos limites da legalidade senão que está nas mãos do Ministério Público e submetida à sua discricionariedade Isso significa uma inequívoca incursão do Ministério Público em uma área que deveria ser dominada pelo tribunal que erroneamente limitase a homologar o resultado do acordo entre o acusado e o promotor Não sem razão afirmase que o promotor é o juiz às portas do tribunal O pacto no processo penal pode se constituir em um perverso intercâmbio que transforma a acusação em um instrumento de pressão capaz de gerar autoacusações falsas testemunhos caluniosos por conveniência obstrucionismo ou prevaricações sobre a defesa desigualdade de tratamento e insegurança O furor negociador da acusação pode levar à perversão burocrática em que a parte passiva não disposta ao acordo vê o processo penal transformarse em uma complexa e burocrática guerra Tudo é mais difícil para quem não está disposto ao negócio O acusador público disposto a constranger e obter o pacto a qualquer preço utilizará a acusação formal como um instrumento de pressão solicitando altas penas e pleiteando o reconhecimento de figuras mais graves do delito ainda que sem o menor fundamento A tal ponto pode chegar a degeneração do sistema que de forma clara e inequívoca o saber e a razão são substituídos pelo poder atribuído ao Ministério Público O processo ao final é transformado em um luxo reservado a quem estiver disposto a enfrentar seus custos e riscos Ferrajoli A superioridade do acusador público acrescida do poder de transigir faz com que as pressões psicológicas e as coações sejam uma prática normal para compelir o acusado a aceitar o acordo e também a segurança do mal menor de admitir uma culpa ainda que inexistente Nessa mesma perspectiva se situam os acordos de delaçãocolaboração premiada cabendo os mesmos questionamentos genéricos e mais alguns específicos A delaçãocolaboração121 inserese na perspectiva da justiça negocial e encontra na Lei n 128502013 seu principal mas não único diploma legislativo O grande problema é que a Lei n 128502013 ainda que seja a mais específica não tem suficiência normativa para dar conta do que a prática processual está fazendo e exigindo Por mais que se admita que o acordo sobre a pena seja uma tendência mundial e inafastável mais uma questão que preocupa muito é onde estão essas regras e limites na lei Onde está o princípio da legalidade Reserva de lei Será que não estamos indo no sentido da negociação mas abrindo mão de regras legais claras para cair no erro do decisionismo e na ampliação dos espaços indevidos da discricionariedade judicial Ou ainda na ampliação dos espaços discri cionários impróprios do Ministério Público Estamos preocupados não apenas com a banalização da delação premiada mas com a ausência de limites claros e precisos acerca da negociação É evidente que a Lei n 128502013 não tem suficiência regradora e estamos longe de uma definição clara e precisa acerca dos limites negociais A delação premiada enquanto forma de consenso sobre a pena precisa ser objeto de uma problematização muito mais complexa para além da simples recusa pois ela está aí como por exemplo a Quais os limites quantitativos e qualitativos acerca da pena Como fixar uma pena de 15 anos em regime de prisão domiciliar E as penas acessórias Qual o critério para fixação dos valores milionários a serem restituídos ou pena pecuniária b Em caso de não oferecimento da denúncia como se dará o controle do cumprimento das condições estabelecidas c Que critérios devem pautar a decisão de não oferecer denúncia por parte do Ministério Público como condição do acordo Há possibilidade de controle e revisão dessa decisão d Uma vez feita mas por qualquer motivo não efetivada ou descumprida como vamos lidar com a confissão já realizada E o prejulgamento como fica O juiz que teve contato com a confissãodelação deve ser afastado ou continuaremos com a ilusão de que não há quebra da imparcialidade de que o juiz pode dar um rewind e deletar o que ouviu viu e leu e Nos casos penais de competência do tribunal do júri como se dará o julgamento Haverá júri e os jurados poderão não homologar a delação E a íntima convicção como fica Ha verá quesitação sobre a delação Ou com a negociação usurparemos a competência do júri f Havendo assistente da acusação poderá se opor a negociação sobre a pena Qual o espaço da vítima no ritual negocial Ela poderá estabelecer condições ou será ignorada como ocorre na transação penal oferecida pelo Ministério Público nas ações penais de iniciativa privada g Existe um direito do imputado ao acordo ou ele é um poder discricionário do Ministério Público h Qual o nível e a dimensão de controle jurisdicional feito Qual o papel do juiz no espaço negocial sem que ele deixe de ser juiz ou seja imparcial Muitas são as perguntas não respondidas pelo sistema jurídico brasileiro chegandose a uma elasticidade e decisionismo igualmente absurdo de fixar uma pena de 15 anos de reclusão a ser cumprida em regime de reclusão doméstica ou prisão domiciliar absolutamente fora de tudo o que temos no Código Penal brasileiro Depois vem um regime semiaberto diferenciado e uma progressão para o regime aberto diferenciado após dois anos tudo isso sob o olhar atônito do Código Penal que não se reconhece nessa execução penal à la carte E esses regimes diferenciados Onde esses novos regimes estão previstos no CP no CPP ou na LEP E isso nos conduz a uma reflexão importante Como fica o princípio da legalidade Os juristas portugueses José Joaquim Gomes Canotilho e Nuno Brandão122 analisando um pedido de cooperação feito pela justiça brasileira a Portugal em que se debruçaram sobre dois conhecidos acordos de delação premiada Paulo Roberto Costa e Alberto Youssef também fizeram esse questionamento E chegaram a uma reflexão perturbadora que os compromissos acordos de delação padecem de tantas e tão ostensivas ilegalidades e inconstitucionalidades que de forma alguma pode admitirse o uso e a valoração de meios de prova através deles conseguidos E é terminantemente proibida a promessa eou a concessão de vantagens desprovidas de expressa base legal como os regimes de cumprimento acima mencionados ressaltaram os professores Assim eles declararam que não é possível reduzir uma pena em mais de dois terços ou conceder perdão judicial a um crime não mencionado pela lei das organizações criminosas pois em tais casos o juiz substituirseia ao legislador numa tão gritante quanto constitucionalmente intolerável violação de princípios fundamentais do e para o Estado de direito como são os da separação de poderes da legalidade criminal da reserva de lei e da igualdade na aplicação da lei Portanto nessa perspectiva graves ilegalidades estão ocorrendo Mas antes de pensarmos que legislar é a solução para tudo isso façamos mais um questionamento já foi elaborado um sério e profundo estudo de impacto carcerário da expansão do espaço negocial A expansão da possibilidade de concretização antecipada do poder de punir por meio do reconhecimento consentido da culpabilidade não representará um aumento significativo da nossa já inchada população carcerária Como o sistema carcerário sucateado e medieval que temos irá lidar com isso Pois é parece que mais uma vez legislaremos primeiro para ver o que vai ocorrer depois Dessarte estamos entrando sem muito rumo ou prumo em terreno minado em grande parte desconhecido e muito perigoso para o processo penal democrático e constitucional E quem não estiver disposto a colaborar Surge o mesmo problema anteriormente apontado na justiça negocial o processo se transforma em uma perigosa aventura Os acusados que se recusam a aceitar a delação ou negociação são considerados incômodos e nocivos e sobre eles pesará todo o rigor do direito penal tradicional em que qualquer pena acima de 4 anos impede a substituição e acima de 8 anos impõe o regime fechado O panorama é ainda mais assustador quando ao lado da acusação está um juiz pouco disposto a levar o processo até o final quiçá mais interessado que o próprio promotor em que aquilo acabe o mais rápido e com o menor trabalho possível recordemos da eficiência funcionalmente orientada de Figueiredo Dias Quando as pautas estão cheias e o sistema passa a valorar mais o juiz pela sua produção quantitativa do que pela qualidade de suas decisões o processo assume sua face mais nefasta e cruel É a lógica do tempo curto atropelando as garantias fundamentais em nome de maior eficiência A prisão preventiva também tem sido distorcida para forçar acordos de delação premiada mostrando a outra dimensão da crise a seguir tratada da ineficácia da liberdade no processo penal na seguinte disfunção delata para não ser preso ou delata para ser solto ou ainda é solto para delatar E mais em processos como esse as penas aplicadas aos que não fizeram acordo são estratosféricas evidenciando que se criou uma nova função para a pena privativa de liberdade ao lado das funções de prevenção geral e especial temos agora a prevenção negocial A mensagem é muito clara ou colabora e aceita o perverso negócio ou se prepare para uma pena exemplar É a comprovação de que o processo penal acabou se transformando em uma perigosa aventura para quem não estiver disposto ao acordo Também é preciso que o processo penal brasileiro reposicione o Ministério Público na persecução penal pois a vingar um modelo negocial já não há espaço para os princípios da obrigatoriedade e indisponibilidade da acusação e a indisponibilidade do objeto do processo penal São questões que não podem coexistir com a concepção tradicional ainda vigente 182 CRISE IDENTITÁRIA DA JURISDIÇÃO PENAL UM JUIZ PARA QUEM A INCOMPREENDIDA IMPARCIALIDADE JUDICIAL Considerando que a imparcialidade do juiz é o princípio supremo do processo Pedro Aragoneses Alonso123 a posição do juiz no processo penal é fundante do sistema inquisitório ou acusatório sendo a crise identitária da jurisdição a mais grave de todas Poderíamos considerar que é a crise primeva instituidora de todo o problema na medida em que vai se refletir nas demais O ponto nevrálgico reside nestas três perguntas 1 Qual o lugar do juiz no processo penal 2 Qual a função desse juiz 3 A que expectativas deve corresponder a atuação do juiz penal As questões propostas são de extrema complexidade mas inexoravelmente acabam se unindo e mirando para um mesmo ponto comum o que é a imparcialidade judicial A imparcialidade é uma construção técnica artificial do direito processual para criar um terceiro estruturalmente afastado das partes remontando à estrutura dialética de actum trium personarum de Búlgaro de Sassoferrato Obviamente que não se confunde com a neutralidade inexistente nas relações sociais na medida em que o juiz é um juiznomundo Esse afastamento estrutural exige que a esfera de atuação do juiz não se confunda com a esfera de atuação das partes constituindo uma vedação a que o juiz tenha iniciativa acusatória e também probatória Eis o pecado reducionista de muitos pensar que basta a mera separação inicial de atividades acusadorjulgador para termos um processo penal acusatório e constitucional O erro está em considerar que essa separação deve ser apenas inicial com um acusador distinto do julgador Grave reducionismo porque de nada adianta uma separação inicial se depois permitirmos que o juiz desça e pratique atos tipicamente de parte como por exemplo determinando a produção de provas de ofício condenando sem pedido ou nas atuações ex officio vg prisão busca e apreensão etc sem pedido O ne procedat iudex ex officio deve ser levado a sério e obviamente demarcar a posição do juiz durante todo o processo e não apenas no início O ativismo judicial o condenar sem pedido o buscar provas de ofício tudo isso produz um deslocamento estrutural que fulmina a posição do juiz por sacrificar o princípio supremo do processo a imparcialidade Não se pode repetimos pensar a estrutura sistêmica do processo e a posição do juiz de forma desconectada da imparcialidade Daí a imensa importância do art 3ºA infelizmente suspenso ainda pela liminar do Min Fux que dispõe Art 3ºA O processo penal terá estrutura acusatória vedadas a iniciativa do juiz na fase de investigação e a substituição da atuação probatória do órgão de acusação Afirmado no CPP que o processo penal terá estrutura acusatória demarca o legislador no Código a necessidade óbvia mas não respeitada de respeitar uma regra de ouro Jacinto Coutinho cada parte no seu lugar constitucionalmente demarcado Especificamente sobre o sistema acusatório será tratado no Capítulo 3 mas cumpre demonstrar aqui que existe uma íntima relação entre sistema processual lugar do juiz e imparcialidade Uma regra que reflete de forma direta no princípio supremo da imparcialidade que deve ser tratada dentro da sua complexidade conceitual englobando aquilo que a doutrina italiana chama de terzietà um estranhamento alheamento a estética de afastamento e a originalidade cognitiva E sempre recordando que isso somente poderá ser possível no marco do processo penal acusatório É claro que a garantia do juiz natural é fundamental mas sobre isso a doutrina já se debruçou com suficiente profundidade Nossa preocupação aqui está focada em outra dimensão a imparcialidade O juiz brasileiro por culpa da estrutura processual adotada até então já inicia o processo completamente contaminado e sem a necessária originalidade cognitiva na medida em que a prevenção fixa a competência Já tratamos desse tema anteriormente124 mas é necessário voltar constantemente a ele A reforma trazida pela Lei n 139642019 pretende exatamente romper com essa estrutura inquisitória e superar esses problemas Não é suficiente apenas ter um juiz natural e competente é necessário que ele reúna algumas qualidades mínimas para estar apto a desempenhar seu papel de garantidor da eficácia do sistema de garantias da Constituição função do juiz penal A imparcialidade do órgão jurisdicional é um princípio supremo do processo fundante da própria estrutura dialética Como explica Carnelutti125 que el juicio es un mecanismo delicado como un aparato de relojería basta cambiar la posición de una ruedecilla para que el mecanismo resulte desequilibrado e comprometido Seguindo Werner Goldschmidt126 o termo partial expressa a condição de parte na relação jurídica processual e por isso a impartialidade do julgador constitui uma consequência lógica da adoção da heterocomposição por meio da qual um terceiro impartial substitui a autonomia das partes Já a parcialidade significa um estado subjetivo emocional um estado anímico do julgador A imparcialidade corresponde exatamente a essa posição de terceiro que o Estado ocupa no processo por meio do juiz atuando como órgão supraordenado às partes ativa e passiva Mais do que isso exige uma posição de terzietà127 um estar alheio aos interesses das partes na causa ou na síntese de Jacinto Coutinho128 não significa que ele está acima das partes mas que está para além dos interesses delas Por isso W Goldschmidt129 sintetiza que la imparcialidad del juez es la resultante de las parcialidades de los abogados ou das partes A imparcialidade pode ser dividida em subjetiva e objetiva A imparcialidade subjetiva diz respeito ao estado anímico do juiz isto é à ausência de prejulgamentos em relação àquele caso penal e seu autor É a inexistência de prévia tomada de decisão capaz de gerar os préjuízos que causam um imenso prejuízo Essa discussão é muito importante quando se trata de avaliar a contaminação pela tomada prévia de decisões que acabam se aproximando em demasia do próprio julgamento do mérito do caso penal É o que ocorre por exemplo quando o juiz atendendo a pedido do Ministério Público mesmo que não seja de ofício portanto decreta na fase préprocessual medidas cautelares pessoais vg prisão preventiva uma busca e apreensão quebra de sigilo telefônico etc Daí uma vez mais a imprescindibilidade do sistema doble juez ou seja que o juiz que atua na fase investigatória não seja o mesmo que depois instrua e julgue É a evidência de que o juiz das garantias art 3ºB e ss e a prevenção como causa de exclusão da competência nesta perspectiva de não ser o mesmo juiz são instrumentos absolutamente necessários Enfrentando esses resquícios inquisitórios e a problemática acerca da imparcialidade o Tribunal Europeu de Direitos Humanos TEDH especialmente nos casos Piersack de 1o de outubro de 1982 e De Cubber de 26 de outubro de 1984 consagrou o entendimento de que o juiz com poderes investigatórios é incompatível com a função de julgador Ou seja se o juiz lançou mão de seu poder investigatório na fase préprocessual não poderá na fase processual ser o julgador É uma violação do direito ao juiz imparcial consagrado no art 61 do Convênio para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais de 1950 Segundo o TEDH a contami nação resultante dos préjuízos conduz à falta de imparcialidade subjetiva ou objetiva Desde o caso Piersack de 1982 entendese que a imparcialidade subjetiva alude à convicção pessoal do juiz concreto que conhece de um determinado assunto e desse modo a sua falta de préjuízos Importante contribuição nos traz a teoria da dissonância cognitiva para a compreensão da imparcialidade subjetiva do juiz Como explica Schünemann130 grave problema existe no fato de o mesmo juiz receber a acusação realizar a audiência de instrução e julgamento e posteriormente decidir sobre o caso penal Existe não apenas uma cumulação de papéis mas um conflito de papéis não admitido como regra pelos juízes que se ancoram na formação profissional comprometida com a objetividade Tal argumento nos remete a uma ingênua crença na neutralidade e supervalorização de uma impossível objetividade na relação sujeitoobjeto já tão desvelada pela superação do paradigma cartesiano ainda não completamente compreendido Ademais desconsidera a influência do inconsciente que cruza e permeia toda a linguagem e a dita razão Em linhas introdutórias a teoria da dissonância cognitiva desenvolvida na psicologia social analisa as formas de reação de um indivíduo diante de duas ideias crenças ou opiniões antagônicas incompatíveis geradoras de uma situação desconfortável bem como a forma de inserção de elementos de consonância mudar uma das crenças ou as duas para tornálas compatíveis desenvolver novas crenças ou pensamentos etc que reduzam a dissonância e por consequência a ansiedade e o estresse gerado Podese afirmar que o indivíduo busca como mecanismo de defesa do ego encontrar um equilíbrio em seu sistema cognitivo reduzindo o nível de contradição entre o seu conhecimento e a sua opinião É um anseio por eliminação das contradições cognitivas explica Schünemann O autor traz a teoria da dissonância cognitiva para o campo do processo penal aplicandoa diretamente sobre o juiz e sua atuação até a formação da decisão na medida em que precisa lidar com duas opiniões antagônicas incompatíveis teses de acusação e defesa bem como com a sua opinião sobre o caso penal que sempre encon trará antagonismo perante uma das outras duas acusação ou defesa Mais do que isso considerando que o juiz constrói uma imagem mental dos fatos a partir dos autos do inquérito e da denúncia para recebêla é inafastável o prejulgamento agravado quando ele decide anteriormente sobre prisão preventiva medidas cautelares etc É de supor afirma Schünemann que tendencialmente o juiz a ela a imagem já construída se apegará de modo que ele tentará confirmála na audiência instrução isto é tendencialmente deverá superestimar as informações consoantes e menosprezar as informações dissonantes Para diminuir a tensão psíquica gerada pela dissonância cognitiva haverá dois efeitos Schünemann a efeito inércia ou perseverança mecanismo de autoconfirmação de hipóteses superestimando as informações anteriormente consideradas corretas como as informações fornecidas pelo inquérito ou a denúncia tanto que ele as acolhe para aceitar a acusação pedido de medida cautelar etc b busca seletiva de informações onde se procuram predominantemente informações que confirmam a hipótese que em algum momento prévio foi aceita acolhida pelo ego gerando o efeito confirmadortranquilizador A partir disso Schünemann desenvolve uma interessante pesquisa de campo que acaba confirmando várias hipóteses entre elas a já sabida ainda que empiricamente por todos quanto maior for o nível de conhecimentoenvolvimento do juiz com a investigação preliminar e o próprio recebimento da acusação menor é o interesse dele pelas perguntas que a defesa faz para a testemunha e muito mais provável é a frequência com que ele condenará Toda pessoa procura um equilíbrio do seu sistema cognitivo uma relação não contraditória A tese da defesa gera uma relação contraditória com as hipóteses iniciais acusatórias e conduz à molesta dissonância cognitiva Como consequência existe o efeito inércia ou perseverança de autoconfirmação das hipóteses por meio da busca seletiva de informações Demonstra Schünemann que em grande parte dos casos analisados o juiz ao receber a denúncia e posteriormente instruir o feito passa a ocupar de fato a posição de parte contrária diante do acusado que nega os fatos e por isso está impedido de realizar uma avaliação imparcial processar as informações de forma adequada Grande parte desse problema vem do fato de o juiz ler e estudar os autos da investigação preliminar inquérito policial para decidir se recebe ou não a denúncia para decidir se decreta ou não a prisão preventiva formando uma imagem mental dos fatos para depois passar à busca por confirmação dessas hipóteses na instrução O quadro agravase se permitirmos que o juiz de ofício vá em busca dessa prova sequer produzida pelo acusador Enfim o risco de prejulgamento é real e tão expressivo que a tendência é separar o juiz que recebe a denúncia que atua na fase pré processual daquele que vai instruir e julgar ao final Conforme as pesquisas empíricas do autor os juízes dotados de conhecimentos dos autos a investigação não apreenderam e não armazenaram corretamente o conteúdo defensivo presente na instrução porque eles só apreendiam e armazenavam as informações incriminadoras que confirmavam o que estava na investigação O juiz tendencialmente apegase à imagem do ato que lhe foi transmitida pelos autos da investigação preliminar informações dissonantes desta imagem inicial são não apenas menosprezadas como diria a teoria da dissonância mas frequentemente sequer percebidas O quadro mental é agravado pelo chamado efeito aliança em que o juiz tendencialmente se orienta pela avaliação realizada pelo promotor O juiz vê não no advogado criminalista mas apenas no promotor a pessoa relevante que lhe serve de padrão de orientação Inclusive aponta a pesquisa o efeito atenção diminui drasticamente tão logo o juiz termine sua inquirição e a defesa inicie suas perguntas a ponto de serem completamente desprezadas na sentença as respostas dadas pelas testemunhas às perguntas do advogado de defesa Tudo isso acaba por constituir um caldo cultural onde o princípio do in dubio pro reo acaba sendo virado de pontacabeça na expressão de Schünemann pois o advogado vêse incumbido de pro var a incorreção da denúncia Entre as conclusões de Schünemann encontrase a impactante constatação de que o juiz é um terceiro inconscientemente manipulado pelos autos da investigação preliminar Da compreensão da teoria da dissonância cognitiva aplicada ao processo penal brasileiro pensamos que a é uma ameaça real e grave para a imparcialidade a atuação de ofício do juiz especialmente em relação à gestão e iniciativa da prova ativismo probatório do juiz e à decretação de ofício de medidas restritivas de direitos fundamentais prisões cautelares busca e apreensão quebra de sigilo telefônico etc tanto na fase préprocessual como na processual referente à imparcialidade nenhuma diferença existe com relação a qual momento ocorra b viola a imparcialidade o fato de o mesmo juiz receber a acusação e depois instruir e julgar o feito c precisamos da figura do juiz da investigação ou juiz das garantias como preferiu a reforma do CPP de 2019 que não se confunde com o juizado de instrução sendo responsável pelas decisões acerca de medidas restritivas de direitos fundamentais requeridas pelo investigador polícia ou MP e que ao final recebe ou rejeita a denúncia d é imprescindível a exclusão física dos autos do inquérito permanecendo apenas as provas cautelares ou técnicas irrepetíveis para evitar a contaminação e o efeito perseverança prevista no art 3ºC 3º do CPP infelizmente também suspenso pela liminar do Min Fux Considerando a complexidade do processo e de termos obviamente um juiznomundo devemse buscar medidas de redução de danos que diminuam a permeabilidade inquisitória e os riscos para a imparcialidade e a estrutura acusatória constitucionalmente demarcada Compreendida a imparcialidade subjetiva passemos para a imparcialidade objetiva A imparcialidade objetiva diz respeito a se tal juiz se encontra em uma situação dotada de garantias bastantes para dissipar qualquer dúvida razoável acerca de sua imparcialidade Em ambos os casos a parcialidade cria a desconfiança e a incerteza na comunidade e nas suas instituições Não basta estar subjetivamente protegido é importante que se encontre em uma situação jurídica objetivamente imparcial é a visibilidade ou estética de imparcialidade a seguir tratada O controle da imparcialidade objetiva acaba se mostrando extremamente útil diante das naturais dificuldades em ingressar na esfera de subjetividade do julgador e também da impossibilidade de comprovação empírica do seu estado anímico A imparcialidade objetiva diz respeito à posição que objetivamente o juiz ocupa na estrutura dialética do processo Já que é discutível a possibilidade de entrar na cabeça do juiz para verificar seu estado anímico sua interioridade sua subjetividade entendemos que o verdadeiro controle passa a ser feito a partir das suas condutas na dimensão objetiva estrutural Portanto não estão em debate as boas ou más intenções do juiz e tampouco sua motivação afastando os argumentos genéricos do estilo boa fé busca da justiça e outros coringas hermenêuticos Para que exista a imparcialidade objetiva o juiz não pode praticar atos típicos de parte como é a atuação ex officio na busca de provas ou na decretação de uma prisão Viola a imparcialidade toda vez que o juiz objetivamente sair do local estruturalmente demarcado qual seja de afastamento da arena das partes Sempre recordando a estrutura dialética de Búlgaro de Sassoferrato o juiz obrigatoriamente deve estar e assim permanecer em situação de afastamento da esfera de atuação das partes Quando o juiz sai desse lugar de estranhamento e descendo se mistura na arena das partes praticando atos típicos das partes como é a iniciativa probatória por exemplo ele estruturalmente se coloca em posição de parcialidade ou partialidade na medida em que se confunde com as partes ferindo de morte a garantia constitucional É uma questão estrutural objetivamente comprovável basta que saia do seu lugar para decretar a quebra da igualdade do contraditório e da própria estrutura dialética do processo Inclusive evidenciase falta de uma estética ou visibilidade de imparcialidade Essa estética de imparcialidade está vinculada à percepção dos jurisdicionados em relação ao juiz que é fundamental para que exista confiança na jurisdição Seguindo essas decisões do TEDH aduziu o Tribunal Constitucional espanhol STC 14588 entre outros fundamentos que o juizinstrutor não poderia julgar pois violava a chamada imparcialidade objetiva aquela que deriva não da relação do juiz com as partes mas sim de sua relação com o objeto do processo Ainda que a investigação preliminar suponha uma investigação objetiva sobre o fato consignar e apreciar as circunstâncias tanto adversas como favoráveis ao sujeito passivo o contato direto com o sujeito passivo e com os fatos e dados pode provocar no ânimo do juizinstrutor uma série de préjuízos e impressões a favor ou contra o imputado influenciando no momento de sentenciar Destaca o Tribunal uma fundada preocupação com a aparência de imparcialidade estética de imparcialidade que o julgador deve transmitir para os submetidos à Administração da Justiça pois ainda que não se produza o préjuízo é difícil evitar a impressão de que o juiz instrutor não julga com pleno alheamento Isso afeta negativamente a confiança que os tribunais de uma sociedade democrática devem inspirar nos justiçáveis especialmente na esfera penal Dessa forma há uma presunção de parcialidade do juiz instrutor que lhe impede julgar o processo que tenha instruído131 Outra decisão sumamente relevante foi proferida pelo TEDH no caso CastilloAlgar contra España STEDH de 28101998 na qual declarou vulnerado o direito a um juiz imparcial o fato de dois magistrados que haviam formado parte de uma Sala que denegou um recurso interposto na fase préprocessual também terem participado do julgamento Frisese que esses dois magistrados não atuaram como juízes de instrução mas apenas haviam participado do julgamento de um recurso interposto contra uma decisão interlocutória tomada no curso da instrução preliminar pelo juizinstrutor Isso bastou para que o TEDH entendesse comprometida a imparcialidade deles para julgar em grau recursal a apelação contra a sentença Imaginemos o que diria o TEDH diante do sistema brasileiro em que muitas vezes os integrantes de uma Câmara Criminal irão julgar do primeiro habeas corpus interposto contra a prisão preventiva passando pela apelação e chegando até a decisão sobre os agravos interpostos contra os incidentes da execução penal Mas não apenas os espanhóis enfrentaram esse problema Seguindo a normativa europeia ditada pelo TEDH o art 34 do Codice di Procedura Penale prevê entre outros casos a incompatibilidade do juiz que ditou a resolução de conclusão da audiência preliminar para atuar no processo e sentenciar Posteriormente a Corte Costituzionale através de diversas decisões132 declarou a incons ti tu cio na lidade por omissão desse dispositivo legal por não haver previsto outros casos de incompatibilidade com relação a anterior atuação do juiz na indagine preliminare Em síntese consagrou o princípio anteriormente explicado de que o juiz que atua na investigação preliminar está prevento e não pode presidir o processo ainda que somente tenha decretado uma prisão cautelar Sentença da Corte Costituzionale n 432 de 1591995 A jurisprudência brasileira engatinha neste terreno mas há decisões interessantes e que precisam ser estudadas Conforme o Informativo do STF n 528 de novembro de 2008 o Supremo Tribunal Federal no HC 94641BA rel orig Min Ellen Gracie rel p o acórdão Min Joaquim Barbosa julgado em 11 de novembro de 2008 a Turma por maioria concedeu de ofício habeas corpus impetrado em favor de condenado por atentado violento ao pudor contra a própria filha para anular em virtude de ofensa à garantia da imparcialidade da jurisdição o processo desde o recebimento da denúncia No caso no curso de procedimento oficioso de investigação de paternidade Lei n 856092 art 2o promovido pela filha do paciente para averiguar a identidade do pai da criança que essa tivera surgiram indícios da prática delituosa supra sendo tais relatos enviados ao Ministério Público O parquet no intuito de ser instaurada a devida ação penal denunciara o paciente vindo a inicial acusatória a ser recebida e processada pelo mesmo juiz daquela ação investigatória de paternidade Entendeuse que o juiz sentenciante teria atuado como se autoridade policial fosse em virtude de no procedimento preliminar de investigação de paternidade em que apurados os fatos ter ouvido testemunhas antes de encaminhar os autos ao Ministério Público para a propositura de ação penal grifos nossos Verificase que o ponto fundamental para a anulação foi viola a garantia da imparcialidade o fato de o juiz ter realizado atos de natureza instrutória de ofício apurando fatos e ouvindo testemunhas No mesmo processo o votovista do Min Cezar Peluso concluiu que pelo conteúdo da decisão do juiz restara evidenciado que ele teria sido influenciado pelos elementos coligidos na investigação preliminar Dessa forma considerou que teria ocorrido hipótese de ruptura da denominada imparcialidade objetiva do magistrado cuja falta incapacitao de todo para conhecer e decidir causa que lhe tenha sido submetida Esclareceu que a imparcialidade denomina se objetiva uma vez que não provém de ausência de vínculos juridicamente importantes entre o juiz e qualquer dos interessados jurídicos na causa sejam partes ou não imparcialidade dita subjetiva mas porque corresponde à condição de originalidade da cognição que irá o juiz desenvolver na causa no sentido de que não haja ainda de modo consciente ou inconsciente formado nenhuma convicção ou juízo prévio no mesmo ou em outro processo sobre os fatos por apurar ou sobre a sorte jurídica da lide por decidir Assim sua perda significa falta da isenção inerente ao exercício legítimo da função jurisdicional Observou por último que mediante interpretação lata do art 252 III do CPP Art 252 O juiz não poderá exercer jurisdição no processo em que III tiver funcionado como juiz de outra instância pronunciandose de fato ou de direito sobre a questão mas conforme com o princípio do justo processo da lei CF art 5o LIV não pode sob pena de imparcialidade objetiva e por consequente impedimento exercer jurisdição em causa penal o juiz que em procedimento preliminar e oficioso de investigação de paternidade se tenha pronunciado de fato ou de direito sobre a questão grifos nossos Interessante ainda como o voto do Min Cezar Peluso menciona exatamente os mesmos fundamentos de imparcialidade objetiva e subjetiva empregados pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos desde o Caso Piersack de 1982 e constantemente por nós referidos inclusive neste tópico Crer na imparcialidade de quem está totalmente absorvido pelo labor investigador é o que J Goldschmidt133 denomina erro psicológico Foi essa incompatibilidade psicológica que levou ao descrédito do modelo inquisitório Por tudo isso representa um avanço gigantesco a inserção dos arts 3ºA a 3ºF pela Lei n 139642019 que finalmente consagra expressamente o sistema acusatório no CPP o juiz das garantias que não atua de ofício e que posteriormente não será o mesmo a instruir e julgar e ainda o sistema de exclusão ou não inclusão das peças do inquérito no processo Infelizmente como já explicado ao menos por ora tais mudanças imprescindíveis sublinhese estão suspensas pela equivocadíssima liminar do Min Fux Por fim a crise identitária da jurisdição também está diretamente relacionada com a questão dos sistemas processuais inquisitório ou acusatório Não são raras as situações em que o juiz se coloca em posição de corresponder às expectativas134 sociais ou midiáticas criadas e assume um papel próximo à de justiceiro agindo ativamente na busca da verdade135 Esse ativismo judicial é nota característica do sistema inquisitório A imparcialidade cai por terra quando se atribuem poderes instrutórios ou investigatórios ao juiz pois a gestão ou iniciativa probatória é característica essencial do princípio inquisitivo que leva por consequência a fundar um sistema inquisitório136 A gestãoiniciativa probatória nas mãos do juiz conduz à figura do juiz ator e não espectador núcleo do sistema inquisitório Logo destróise a estrutura dialética do processo penal o contraditório a igualdade de tratamento e oportunidades e por derradeiro a imparcialidade sempre recordando que não se pode pensar o sistema acusatório desconectado do princípio da imparcialidade e do contraditório sob pena de incorrer em grave reducionismo A imparcialidade é garantida pelo modelo acusatório e sacrificada no sistema inquisitório de modo que somente haverá condições de possibilidade da imparcialidade quando existir além da separação inicial das funções de acusar e julgar um afastamento do juiz da atividade investigatóriainstrutória É isso que precisa ser compreendido por aqueles que pensam ser suficiente a separação entre acusaçãojulgador para a constituição do sistema acusatório no modelo constitucional contemporâneo É um erro separar em conceitos estanques a imensa complexidade do processo penal fechando os olhos para o fato de que a posição do juiz define o nível de eficácia do contraditório e principalmente da imparcialidade A imparcialidade do juiz fica evidentemente comprometida quando estamos diante de um juizinstrutor poderes investigatórios ou quando lhe atribuímos poderes de gestãoiniciativa probatória É um contraste que se estabelece entre a posição totalmente ativa e atuante do instrutor contrastando com a inércia que caracteriza o julgador Um é sinônimo de atividade e o outro de inércia Em que pese entendermos que o art 156 do CPP e todos aqueles que permitem a atuação de ofício do juiz na busca de provas decretação de ofício de prisões cautelares etc não foi recepcionado pela Constituição e agora está tacitamente revogado pelo art 3ºA do CPP por se tratar de uma mudança recente e que será vítima de movimentos contrarreformistas ou do movimento de sabotagem inquisitória como denomina Alexandre Morais da Rosa vamos insistir em demonstrar a necessidade da revogação e também da mudança rumo à cultura acusatória constitucional Vamos nos concentrar e com isso reforçar a necessidade do seu abandono na problemática figura do juiz com poderes instrutóriosinvestigatórios cujo núcleo está não só no famigerado art 156 do CPP mas também na possibilidade de o juiz de ofício converter a prisão em flagrante em prisão preventiva o que representa o mesmo que decretar a prisão de ofício determinar o sequestro de bens art 127 do CPP decretar a busca e apreensão art 242 do CPP ouvir outras testemunhas além das arroladas pelas partes art 209 do CPP condenar ainda que o Ministério Público tenha pedido a absolvição art 385 do CPP etc Esse último exemplo art 385 do CPP é bastante sintomático do nível de involução do processo penal brasileiro o juiz condenando diante do pedido expresso de absolvição do MP Significa dizer que ele está condenando sem pedido violando o princípio da correlação e deixando de lado o ne procedat iudex ex officio Tudo isso é absolutamente incompatível com a estrutura acusatória e com a imparcialidade exigida do julgador Especificamente no que tange ao art 156 do CPP a questão é igualmente sensível É insuficiente pensar que o sistema acusatório se funda a partir da separação inicial das atividades de acusar e julgar Isso é um reducionismo que desconsidera a complexa fenomenologia do processo penal De nada adianta uma separação inicial com o Ministério Público formulando a acusação se depois ao longo do procedimento permitirmos que o juiz assuma um papel ativo na busca da prova ou mesmo na prática de atos tipicamente da parte acusadora Nesse contexto o art 156 do CPP funda um sistema inquisitório e fere de morte a imparcialidade judicial Em definitivo pensamos que a imparcialidade é o princípio supremo do processo e caminha junto com a estrutura acusatória que necessariamente deve ser adotada A prevenção deve ser uma causa de exclusão da competência Sua imparcialidade está comprometida não só pela atividade de reunir o material ou estar em contato com as fontes de investigação mas pelos diversos prejulgamentos que realiza no curso da investigação preliminar137 como na adoção de medidas cautelares busca e apreensão autorização para intervenção telefônica etc 183 A CRISE DE INEFICÁCIA DO REGIME DE LIBERDADE NO PROCESSO PENAL BANALIZAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA O PROBLEMA DA EXECUÇÃO ANTECIPADA DA PENA O último vértice da grande crise do processo penal está relacionado com a eficácia ou ineficácia do regime de liberdade ao qual é submetido o acusado O tema está diretamente relacionado ao binômio prisão cautelarliberdade e por consequência à eficácia da presunção constitucional e convencional de inocência Parafraseando Goldschmidt e sua concepção de processo penal como termômetro dos elementos autoritários ou democráticos da Constituição podemos afirmar que o nível de civilidade de um povo pode ser medido pelo maior ou menor respeito à liberdade individual e à presunção de inocência O Brasil enquanto democracia jovem e com grandes instabilidades econômicas e políticas é um exemplo dos altos e baixos aos quais os direitos fundamentais são submetidos diante da forte tensão existente entre o populismo punitivo e as garantias constitucionais A banalização da prisão cautelar138 tem um forte componente simbólico e de correspondência às expectativas sociais criadas em torno da punição na medida em que se situa no eterno conflito entre tempo social versus tempo do direito Uma sociedade regida pela velocidade e hiperacelerada dominada pelo instantâneo não está acostumada a esperar Por conta disso diante de um crime existe um imenso malestar em ter que esperar pelo processo e o tempo do direito ou seja a temporalidade do processo enquanto caminho necessário para se chegar à pena é vista sempre qualquer que seja a duração como uma dilação insuportável jamais correspondendo à ambição de velocidade e à ilusão de justiça imediata Nesse contexto a prisão cautelar é a satisfação plena do anseio mítico vista como um encurtamento entre fato e punição sem a intermediação do processo As pessoas simplesmente não querem esperar o fim do processo para ter punição nem cogitam a opção não ter punição absolvição e o juiz quando na batalha das expectativas Rui Cunha Martins se situa ao lado das expectativas sociais criadas vai contribuir para a degeneração processual da prisão cautelar É complicado pretender com o monólogo jurídico dar conta dessa complexidade Tratase de uma questão cultural e por isso para romper com essa cultura é preciso mudar cabeças e não apenas a lei Significa dizer que se deve produzir um choque cultural a partir de uma mudança legislativa radical e forte o que não foi obtido com a Lei n 124032011 O problema da ineficácia do regime de liberdade no processo penal está diretamente relacionado com a compressão conceitual que se pretende dar à presunção constitucional e convencional de inocência Não se compreende ou não se quer efetivar o que significa inicialmente o termo presunção para o processo penal Para além do lugar comum juridicamente demarcado juris et de jure ou juris tantum interessa compreender que presunção de inocência impõe inicialmente uma préocupação de espaços mentais do julgador e por consequência uma preocupação139 Um juiz consciente do seu lugar e função deveria entrar no processo mentalmente comprometido140 com esse estado somente abrindo mão dele quando plenamente convencido pelo menos além da dúvida razoável reasonable doubt diante da prova produzida pela acusação A presunção de inocência141 constitui regra de tratamento e regra de julgamento dirigida não apenas mas essencialmente ao juiz Em texto de 2003 intitulado Sobre la jurisdicción criminal en Brasil hoy Carta abierta de un juez brasileño a un juez español142 Amilton Bueno de Carvalho já trazia uma preciosa definição da presunção de inocência Explica o autor que ela exige uma atuação real e efetiva do julgador orientada a inocência como algo ativo e não passivo Diz Amilton la última es la hipótesis teórica básica que me anima llego a todos los procesos convencido de la inocencia hay un perjuício con base en el princípio de la presunción y sólo condeno cuando no fuera posible a pesar de todos los esfuerzos interpretativos absolver Y cuando tengo que condenar entonces hago todo lo posible por conceber beneficios que no llevan al condenado a la cárcel É a expressão máxima do que seja a presunção de inocência como uma préocupação dos espaços mentais do julgador bem refletindo o espaço que ela precisa ocupar no processo enquanto dever de tratamento e regra de julgamento A incompreensão do alcance da presunção de inocência nos remete novamente à própria crise identitária da jurisdição anteriormente tratada Contudo neste breve espaço vamos focar na tensão entre a presunção de inocência enquanto regra de tratamento e a questão da prisão cautelar Por uma falha cognitiva acerca das expectativas não raras vezes o juiz busca a satisfação das expectativas populares e por conta disso banaliza a prisão cautelar para sedar a opinião pública para dar uma resposta imediata para combater a impunidade Nessa linha o sistema jurídicoprocessual acaba lhe dando erroneamente abrigo ao prever verdadeiras cláusulas genéricas para prender especialmente com a prisão preventiva para garantia da ordem pública Existe uma absurda banalização da prisão preventiva uma grave degeneração que a transformou em uma medida processual em atividade tipicamente de polícia utilizandoa indevidamente como medida de segurança pública Quando se mantém uma pessoa presa em nome da ordem pública diante da reiteração de delitos e o risco de novas práticas está se atendendo não ao processo penal mas sim a uma função de polícia do Estado completamente alheia ao objeto e ao fundamento do processo penal Sobre a banalização da prisão cautelar e a excessiva relativização dos princípios da excepcionalidade e da proporcionalidade é importante recordar a lição de Carnelutti143 As exigências do processo penal são de tal natureza que induzem a colocar o imputado em uma situação absolutamente análoga ao de condenado É necessário algo mais para advertir que a prisão do imputado junto com sua submissão tem sem embargo um elevado custo O custo se paga desgraçadamente em moeda justiça quando o imputado em lugar de culpado é inocente e já sofreu como inocente uma medida análoga à pena não se esqueça que se a prisão ajuda a impedir que o imputado realize manobras desonestas para criar falsas provas ou para destruir provas verdadeiras mais de uma vez prejudica a justiça porque ao contrário lhe impossibilita de buscar e de proporcionar provas úteis para que o juiz conheça a verdade A prisão preventiva do imputado se assemelha a um daqueles remédios heroicos que devem ser ministrados pelo médico com suma prudência porque podem curar o enfermo mas também podem ocasionarlhe um mal mais grave quiçá uma comparação eficaz se possa fazer com a anestesia e sobretudo com a anestesia geral a qual é um meio indispensável para o cirurgião mas ah se este abusa dela Como aponta Sanguiné144 Quando se argumenta com razões de exemplaridade de eficácia da prisão preventiva na luta contra a delinquência e para restabelecer o sentimento de confiança dos cidadãos no ordenamento jurídico aplacar o clamor público criado pelo delito etc que evidentemente nada tem a ver com os fins puramente cautelares e processuais que oficialmente se atribuem à instituição na realidade se introduzem elementos estranhos à natureza cautelar e processual que oficialmente se atribuem à instituição questionáveis tanto desde o ponto de vista jurídicoconstitucional como da perspectiva políticocriminal Isso revela que a prisão preventiva cumpre funções reais preventivas gerais e especiais de pena antecipada incompatíveis com sua natureza Grave problema encerra ainda a prisão para garantia da ordem pública pois se trata de um conceito vago impreciso indeterminado e despido de qualquer referencial semântico Sua origem remonta à Alemanha da década de 1930 período em que o nazifascismo buscava exatamente isto uma autorização geral e aberta para prender Até hoje ainda que de forma mais dissimulada tem servido a diferentes senhores adeptos dos discursos autoritários e utilitaristas que tão bem sabem utilizar dessas cláusulas genéricas e indeterminadas do direito para fazer valer seus atos prepotentes Assume contornos de verdadeira pena antecipada violando o devido processo legal a presunção de inocência e o previsto expressamente no art 313 2º Não será admitida a decretação da prisão preventiva com a finalidade de antecipação de cumprimento de pena ou como decorrência imediata de investigação criminal ou da apresentação ou recebimento de denúncia Sanguiné145 explica que a prisão preventiva para garantia da ordem pública ou ainda o clamor público acaba sendo utilizada com uma função de prevenção geral na medida em que o legislador pretende contribuir à segurança da sociedade porém deste modo se está desvirtuando por completo o verdadeiro sentido e natureza da prisão provisória ao atribuirlhe funções de prevenção que de nenhuma maneira está chamada a cumprir As funções de prevenção geral e especial e retribuição são exclusivas de uma pena que supõem um processo judicial válido e uma sentença transitada em julgado Jamais tais funções podem ser buscadas na via cautelar No mesmo sentido Delmanto Junior146 afirma que é indisfarçável que nesses casos a prisão preventiva se distancia de seu caráter instrumental de tutela do bom andamento do processo e da eficácia de seu resultado ínsito a toda e qualquer medida cautelar servindo de inaceitável instrumento de justiça sumária Em outros casos a prisão para garantia da ordem pública atende a uma dupla natureza147 pena antecipada e medida de segurança já que pretende isolar um sujeito supostamente perigoso O art 312 contém uma anemia semântica explica Morais da Rosa148 pois basta um pouco de conhecimento de estrutura linguística para construir artificialmente esses requisitos cuja falsificação é inverificável O grande problema é que uma vez decretada a prisão os argumentos falsificados pela construção linguística são inverificáveis e portanto irrefutáveis Se alguém é preso porque o juiz aponta a existência de risco de fuga uma vez efetivada a medida desaparece o pseudorisco sendo impossível refutar pois o argumento construído ou falsificado desaparece Ademais o preenchimento semântico dos requisitos é completamente retórico O clamor público tão usado para fundamentar a prisão preventiva acaba se confundindo com a opinião pública ou melhor com a opinião publicada Há que se atentar para uma interessante manobra feita rotineiramente explorase midiaticamente determinado fato uma das muitas operações com nomes sedutores o que não deixa de ser uma interessante manobra de marketing policial muitas vezes com proposital vazamento de informações gravações telefônicas e outras provas colhidas para colocar o fato na pauta pública de discussão a conhecida teoria do agendamento Explorado midiaticamente o pedido de prisão vem na conti nua ção sob o argumento da necessidade de tutela da ordem pública pois existe um clamor social diante dos fatos Ou seja constróise midiaticamente o pressuposto da posterior prisão cautelar Na verdade a situação fática apontada nunca existiu tratase de argumento forjado É substancialmente inconstitucional e inconvencional atribuir à prisão cautelar a função de controlar o alarma social e por mais respeitáveis que sejam os sentimentos de vingança nem a prisão preventiva pode servir como pena antecipada e fins de prevenção nem o Estado enquanto reserva ética pode assumir esse papel vingativo Obviamente que a prisão preventiva para garantia da ordem pública não é cautelar pois não tutela o processo sendo portanto flagrantemente inconstitucional até porque nessa matéria é imprescindível a estrita observância do princípio da legalidade e da taxatividade Considerando a natureza dos direitos limitados liberdade e presunção de inocência é absolutamente inadmissível uma interpretação extensiva in malam partem que amplie o conceito de cautelar até o ponto de transformála em medida de segurança pública Quanto à prisão para garantia da ordem econômica149 é resultado da influência do modelo economicista e contribui para a degeneração da medida É elementar que se o objetivo é perseguir a especulação financeira as transações fraudulentas e coisas do gênero o caminho passa pelas sanções à pessoa jurídica pelo direito administrativo sancionador pelas restrições comerciais mas jamais pela intervenção penal muito menos de uma prisão preventiva Mas não é apenas na prisão preventiva que existe um ilegítimo estrangulamento da esfera de liberdade do indivíduo no processo penal Também a prisão em flagrante é sintoma disso Como já explicamos em outra oportunidade150 a prisão em flagrante não é uma medida cautelar ao contrário do que a quase totalidade da doutrina nacional e a totalidade da jurisprudência entendiam até a reforma de 2011 Prisão em flagrante é medida precautelar preparatória dada sua precariedade de requisitos duração e finalidade Banacloche Palao151 explica que o flagrante ou la detención imputativa não é uma medida cautelar pessoal mas sim precautelar no sentido de que não se dirige a garantir o resultado final do processo mas apenas se destina a colocar o detido à disposição do juiz para que adote ou não uma verdadeira medida cautelar Por isso o autor afirma que é uma medida independente frisando o caráter instrumental e ao mesmo tempo autônomo do flagrante A instrumentalidade manifestase no fato de a prisão em flagrante ser um strumento dello strumento152 da prisão preventiva ao passo que a autonomia explica as situações em que o flagrante não gera a prisão preventiva ou nos demais casos em que a prisão preventiva existe sem prévio flagrante Destaca o autor que a prisão em flagrante en ningún caso se dirige a asegurar ni la eventual ejecución de la pena ni tampoco la presencia del imputado en la fase decisoria del proceso Na mesma linha Ferraioli e Dalia153 larresto in flagranza è una misura precautelare personale Ainda que utilize uma denominação diferente a posição de Cordero154 é igual à nossa Para o autor a prisão em flagrante é uma subcautela na medida em que serve de prelúdio preludio subcautelar para eventuais medidas coativas pessoais garantindo sua execução Na essência a compreensão do instituto é a mesma A prisão em flagrante é uma medida precautelar de natureza pessoal cuja precariedade vem marcada pela possibilidade de ser adotada por particulares ou autoridade policial e que somente está justificada pela brevidade de sua duração e pelo imperioso dever de análise judicial em até 24 horas momento em que deverá ser realizada a audiência de custódia e verificada a necessidade de decretação da prisão preventiva se houver pedido jamais de ofício ou determinada a imediata concessão de liberdade interessante verificar que a liberdade no processo é tão precária que se chama de liberdade provisória quando na verdade provisória deveria ser a prisão Portanto prisão em flagrante não é uma medida cautelar mas preparatória de uma cautelar que será a prisão temporária ou preventiva e portanto jamais alguém poderia ficar preso além do prazo de 24 horas a título de prisão em flagrante como se fez no Brasil durante décadas Era um absurdo a prática judicial de homologar o flagrante e manter a prisão sem enfrentamento estrito e fundamentado dos requisitos da prisão preventiva e sua formal decretação O imputado ficava preso a título de prisão em flagrante como se essa prisão tivesse suficiência jurídica para isso Inacreditavelmente esse problema voltou Retrocedemos com a nova redação dada pela Lei n 139642019 ao art 310 especialmente no 2º Art 310 2º Se o juiz verificar que o agente é reincidente ou que integra organização criminosa armada ou milícia ou que porta arma de fogo de uso restrito deverá denegar a liberdade provisória com ou sem medidas cautelares Inicialmente é criticável o já conhecido bis in idem da reincidência ou seja a dupla ou mais punição pela mesma circunstância reincidência já tão criticada pela doutrina penal Depois o artigo elege à la carte e sem critério para justificar determinadas condutas para proibir inconstitucionalmente a concessão de liberdade provisória Inclusive considerando que se trata de prisão em flagrante dependendo do caso é praticamente inviável já se ter uma prova suficiente de que o agente por exemplo é membro de uma organização criminosa ou milicia para aplicar o dispositivo Contudo o ponto nevrálgico do problema está na vedação de concessão de liberdade provisória com ou sem medidas cautelares pelos seguintes fundamentos cria uma prisão em flagrante que se prolonga no tempo violando a natureza précautelar do flagrante estabelece uma prisão précautelar obrigatória sem necessidade cautelar e sem que se demonstre o periculum libertatis viola toda a principiologia cautelar já analisada por fim é flagrantemente inconstitucional pois o STF já se manifestou nesse sentido em casos análogos como na declaração de inconstitucionalidade do art 2º da Lei n 8072 e em casos posteriores O STF já afirmou e reafirmou que são inconstitucionais as regras como a constante na Lei de Drogas mas também já o fez em relação à Lei dos Crimes Hediondos e outras que vedam a concessão de liberdade provisória inclusive em decisão que teve repercussão geral reconhecida Recurso extraordinário 2 Constitucional Processo Penal Tráfico de drogas Vedação legal de liberdade provisória Interpretação dos incisos XLIII e LXVI do art 5º da CF 3 Reafirmação de jurisprudência 4 Proposta de fixação da seguinte tese É inconstitucional a expressão e liberdade provisória constante do caput do artigo 44 da Lei 113432006 5 Negado provimento ao recurso extraordinário interposto pelo Ministério Público Federal RE 1038925 RG rel Min Gilmar Mendes P j 1882017 DJe 1992017 Tema 959 Conforme noticiado no site155 do STF o Supremo Tribunal Federal STF reafirmou sua jurisprudência no sentido da inconstitucionalidade de regra prevista na Lei de Drogas Lei n 113432006 que veda a concessão de liberdade provisória a presos acusados de tráfico A decisão foi tomada pelo Plenário Virtual no Recurso Extraordinário RE 1038925 com repercussão geral reconhecida Em maio de 2012 no julgamento do Habeas Corpus 104339 o Plenário do STF havia declarado incidentalmente a inconstitucionalidade da expressão liberdade provisória do art 44 da Lei de Drogas Com isso o Supremo passou a admitir prisão cautelar por tráfico apenas se verificada no caso concreto a presença de algum dos requisitos do art 312 do CPP Desde então essa decisão serve de parâmetro para o STF mas não vinculava os demais tribunais Com a reafirmação da jurisprudência com status de repercussão geral esse entendimento deve ser aplicado pelas demais instâncias em casos análogos Portanto a vedação de concessão de liberdade provisória contida no art 310 para certos tipos de crimes é claramente inconstitucional Mas apenas para esclarecer isso não impede obviamente que uma prisão em flagrante exista e posteriormente seja decretada a prisão preventiva mediante requerimento do MP ou representação da autoridade policial desde que presentes os requisitos legais da prisão preventiva Feita essa ressalva sigamos Em que pese o retrocesso que acabamos de verificar a Lei n 139642019 trouxe muitos avanços importantes como visto anteriormente ao tratar do juiz das garantias e do sistema acusatório entre eles a recepção da audiência de custódia a vedação da prisão preventiva decretada de ofício pelo juiz e agora sem dúvida o fim da famigerada conversão de ofício do flagrante em preventiva e ainda o dever de revisar periodicamente a prisão preventiva A audiência de custódia é um instrumento importante para aferir a legalidade das prisões e dar eficácia ao art 319 do CPP e às medidas cautelares diversas mas é preciso que se respeite a reserva de lei com a edição de uma lei ordinária que altere o CPP que além de recepcionar discipline claramente sua implantação de forma igual em todas as comarcas e não apenas nas capitais ou principais cidades Atualmente estamos vendo os Estados legislarem violando a reserva da União para legislar em matéria processual penal à la carte ou seja sem uniformidade Tratase de respeitar a reserva de lei e o princípio da igualdade Enfim não há por que temer a audiência de custódia ela vem para humanizar o processo penal e representa uma importantíssima evolução além de ser uma imposição da Convenção Americana de Direitos Humanos que ao Brasil não é dado o poder de desprezar Destacamos ainda o disposto no art 310 3º A autoridade que deu causa sem motivação idônea à não realização da audiência de custódia no prazo estabelecido no caput deste artigo responderá administrativa civil e penalmente pela omissão Esse parágrafo é muito importante para reafirmar a obrigatoriedade de realização da audiência de custódia no prazo de 24h diante da injustificada resistência de alguns juízes Dessa forma a audiência de custódia é obrigatória e os juízes que não a realizarem sem um motivo idôneo poderão ser punidos penal e administrativamente sem prejuízo de eventual responsabilidade civil pela manutenção de uma prisão ilegal e usurpação de um direito Obviamente se houver uma motivação idônea para justificar o atraso e até excepcionalmente a sua não realização não há que se falar em punição Mas o artigo veio em boa hora e só reforça o instituto da audiência de custódia Já o 4º que vinha na mesma linha de reforço da audiência de custódia foi infelizmente suspenso pela liminar do Min Fux Tem a seguinte redação 4º Transcorridas 24 vinte e quatro horas após o decurso do prazo estabelecido no caput deste artigo a não realização de audiência de custódia sem motivação idônea ensejará também a ilegalidade da prisão a ser relaxada pela autoridade competente sem prejuízo da possibilidade de imediata decretação de prisão preventiva Era o estabelecimento daquilo que cobramos há mais de uma década prazo razoável com sanção De nada adianta fixar prazos para a realização de atos por parte do juiz por exemplo sem que exista uma sanção sob pena de absoluta ineficácia Infelizmente o Min Fux não compreendeu a importância da medida para efetivação do direito à audiência de custódia e suspendeu esse dispositivo Não há que se falar em impunidade na medida em que o próprio dispositivo abre a possibilidade de não cumprimento do prazo quando houver uma motivação idônea o que é razoável e adequado Ademais ainda permitia que inobstante o descumprimento do prazo sem motivação idônea poderia ser decretada a prisão preventiva se houvesse necessidade cautelar Portanto mais um dispositivo suspenso por uma medida liminar absolutamente equivocada que se espera seja logo cassada pelo STF Quanto ao segundo ponto a chamada conversão de ofício da prisão em flagrante em preventiva é uma equivocada construção jurisprudencial de viés consequencialistapunitivista que despreza a estrutura constitucional acusatória e a própria legalidade art 311 do CPP O art 310 do CPP não autoriza a que se sustente a possibilidade de o juiz homologando uma prisão em flagrante decretar de ofício ou seja sem pedido do MP ou representação da autoridade policial A tal conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva equivale fática e juridicamente ao decretar de ofício a prisão preventiva Ou seja o resultado final da conversão é faticamente o mesmo que decretar a prisão preventiva de ofício E nesse caso além de clara violação das regras básicas do sistema acusatórioconstitucional violase frontalmente a regra insculpida no art 311 Por fim entre as medidas progressistas e civilizatórias trazidas pela Lei n 139642019 está o dever de revisar periodicamente a necessidade de manutenção ou não da prisão preventiva Falta ainda a clara definição de um prazo máximo de duração da prisão preventiva com sanção que nosso sistema infelizmente não consagra Noutra dimensão a liberdade durante o processo sofreu um duro golpe com a equivocadíssima decisão proferida pelo STF no HC 1262922016 e a chancela da chamada execução antecipada da pena Felizmente em novembro de 2019 ao julgar as ADCs 43 44 e 54 que tinham por objeto o art 283 do CPP o STF reafirmou a inconstitucionalidade da execução antecipada da pena Mas o debate ainda segue na pauta e por isso mesmo tendo o STF declarado a inconstitucionalidade gostaríamos de ampliar e manter a crítica Recordemos que presunção de inocência deve ser compreendida em sua tríplice dimensão norma de tratamento norma probatória e norma de julgamento Para o estudo das prisões cautelares importa a primeira dimensão o dever de tratar o acusado como inocente até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória Muito importante sublinhar que a presunção constitucional de inocência tem um marco claramente demarcado até o trânsito em julgado Neste ponto nosso texto constitucional supera os diplomas internacionais de direitos humanos e muitas constituições tidas como referência Há uma afirmação explícita e inafastável de que o acusado é presumidamente inocente até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória Mas também não é uma construção única basta ler as Constituições Italiana e Portuguesa que também asseguram a presunção de inocência até o trânsito em julgado156 Mas a presunção de inocência não é absoluta e pode ser relativizada pelo uso das prisões cautelares O que permite a coexistência além do requisito e fundamento cautelar são os princípios que regem as medidas cautelares que serão estudados a seguir São eles que permitem a coexistência Então é importante compreender desde logo que se pode prender alguém em qualquer fase ou momento do processo ou da investigação preliminar inclusive em grau recursal desde que exista uma necessidade cautelar isto é o preenchimento do requisito e fundamento cautelar art 312 E quais são as prisões cautelares recepcionadas atualmente Prisão preventiva e prisão temporária A prisão em flagrante também costuma ser considerada cautelar por parte da doutrina tradicional Divergimos neste ponto por considerar a prisão em flagrante como précautelar como explicaremos ao tratar dela De qualquer forma essas são as três modalidades de prisão que podem ocorrer antes do trânsito em julgado de uma sentença penal condenatória Não existem mais após a reforma de 2011 a prisão decorrente da pronúncia e a prisão decorrente da sentença penal condenatória recorrível Elas agora como determinam os respectivos arts 413 3º e 387 1º do CPP passam a ser tratadas como prisão preventiva não só porque somente podem ser decretadas se presentes o requisito e o fundamento mas também devem ser assim nominadas Após o trânsito em julgado o que temos é uma prisãopena ou seja a execução definitiva da sentença e o cumprimento da pena privativa de liberdade Tais conclusões brotam da redação do art 283 do CPP Art 283 Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou no curso da investigação ou do processo em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva E a execução antecipada da pena após o julgamento da segunda instância mas antes do trânsito em julgado É inconstitucional pois não se reveste de caráter cautelar e não foi recepcionada pelo art 283 do CPP além de violar a presunção de inocência ao tratar alguém de forma análoga a de um condenado antes do trânsito em julgado Neste sentido após uma oscilação de entendimento inaugurada pelo julgamento errôneo do HC 126292 em 2016 o STF julgou procedente as Ações Declaratórias de Constitucionalidade ADC 43 44 e 54 em 2019 que tinham por objeto o art 283 do CPP Com isso a execução antecipada não foi recepcionada pela Constituição Dessarte considerando a polêmica em torno do tema e também o perigo de retorno da execução antecipada a exemplo do recém promulgado art 492 gostaríamos de destacar que157 1 O Brasil recepcionou a presunção de inocência estágio pós presunção de não culpabilidade de forma expressa no art 82 da CADH e também no art 5o LVII da CF concebida como um dever de tratamento e também regra de julgamento que exige como dissemos anteriormente uma préocupação dos espaços mentais decisórios do juiz Nesse sentido durante o processo penal um verdadeiro dever imposto ao julgador de preocupação com o imputado uma preocupação de tratálo como inocente É a presunção de inocência um dever de tratamento no terreno das prisões cautelares e a autorização pelo STF de uma famigerada execução antecipada da pena é exatamente tratar como culpado equiparar a situação fática e jurídica do condenado 2 Podem os acusados ser considerados culpados após a decisão de segundo grau Óbvio que não Primeiramente há que se compreender o que é culpabilidade normativa e culpabilidade fática Como explica Geraldo Prado158 a presunção de inocência é cláusula pétrea e princípio reitor do processo penal brasileiro estabelecendo uma relação com o conceito jurídico de culpabilidade adotado no Brasil Não adotamos o modelo norte americano de processo penal assentado no paradigma de controle social do delito sobre o qual se estrutura um conceito operacional de culpabilidade fática todo o oposto nosso sistema estruturase sobre o conceito jurídico de culpabilidade que repousa na presunção de inocência Em apertada síntese o conceito normativo de culpabilidade exige que somente se possa falar em e tratar como culpado após o transcurso inteiro do processo penal e sua finalização com a imutabilidade da condenação E mais somente se pode afirmar que está comprovada legalmente a culpa como exige o art 82 da Convenção Americana de Direitos Humanos com o trânsito em julgado da decisão condenatória 3 E o caráter extraordinário dos recursos especial e extraordinário Em nada afeta porque o caráter extraordinário desses recursos não altera ou influi no conceito de trânsito em julgado expressamente estabelecido como marco final do processo culpabilidade normativa e inicial para o tratamento de culpado A essa altura não preciso aqui explicar o que seja trânsito em julgado coisa julgada formal e material mas é comezinho e indiscutível que não se produz na pendência de qualquer recurso É preciso compreender que os conceitos no processo penal têm fonte e história e não cabe que sejam manejados irrefletidamente Geraldo Prado ou distorcidos de forma autoritária e a golpes de decisão Não pode o STF imaginar que pode reinventar conceitos processuais assentados em literalmente séculos de estudo e discussão bem como em milhares e milhares de páginas de doutrina O STF é o guardião da Constituição não seu dono e tampouco o criador do direito processual penal ou de suas categorias jurídicas O STF não pode criar um novo conceito de trânsito em julgado numa postura solipsista e aspirando ser o marco zero de interpretação Esse é um exemplo claro e inequívoco do que é dizerqualquer coisasobrequalquercoisa de forma autoritária e antidemocrática como adverte exaustivamente Lenio Streck 4 E a ausência de efeito suspensivo nesses recursos Mais uma herança perversa da teoria geral do processo que volta para assombrar Além de o art 27 2o da Lei n 8038 não ser aplicável ao processo penal por desconsiderar suas categorias jurídicas próprias há que se compreender que o problema de prenderse antes do trânsito em julgado e sem caráter cautelar não se reduz ao mero efeito recursal É da liberdade de alguém que estamos tratando e portanto da esfera de compressão dos direitos e liberdades individuais tutelados entre outros princípios pela presunção de inocência 5 E a invocação do direito comparado para justificar Foram generalizações que desconsideraram as inúmeras diferenças entre os sistemas jurídicos que começam na investigação preliminar nos Estados Unidos o modelo é policial mas eles possuem no âmbito estadual mais de 17 mil agências policiais Na França o modelo é de juiz de instrução e na Alemanha desde 1974 é um modelo de promotor investigador passando pelo julgamento de primeiro grau há uma distinção crucial são países que adotam um julgamento colegiado já em primeiro grau completamente distinto do nosso cujo julgamento é monocrático juiz singular passando pelas diferenças no sistema recursal e desaguando na absoluta diferença do sistema carcerário sobre isso nem preciso argumentar Sem falar na diversidade de políticas criminais e processuais Ademais muitos desses países não admitem que se chegue pela via recursal além do segundo grau de jurisdição O que se tem depois são ações de impugnação com caráter rescisório desconstitutivas da coisa julgada que já se operou É uma estrutura completamente diferente Para além disso há uma diferença crucial e não citada nossa Constituição prevê ao contrário das invocadas a presunção de inocência até o trânsito em julgado Essa é uma especificidade que impede o paralelismo uma distinção insuperável Em última análise não interessa o que dizem as outras Constituições mas sim o que diz a Constituição brasileira 6 O argumento do baixo número de recursos especiais e ex traordinários defensivos admitidos É partir de uma premissa absolutamente equivocada pois a legitimação dos recursos extraordinários não é quantitativa não depende do número de recursos providos Como a presunção de inocência não depende do número de sentenças absolutórias É um ar gu mento falacioso como foi no passado a crítica de Manzini159 à presunção de inocência em que o processualista fascista disse que era irracional e paradoxal a defesa do princípio na medida em que o normal das coisas era presumirse o fundamento da imputação como verdadeiro E vai além ao afir mar que se a maior parte dos imputados resultava culpado ao final do processo não havia nada que justificasse a presunção de inocência É mais ou menos o mesmo que dizer já que a maior parte dos recursos especial e extraordinário interpostos pela defesa não são acolhidos vamos presumir que são infundados e desnecessários podendo prender primeiro e decidir depois 7 É falacioso o argumento de que o número de decisões modificadas em grau de recurso especial e extraordinário é insignificante Os dados trazidos pelas defensorias públicas de SP RJ e da União quando do julgamento do HC 126292 e das ADCs mostram um índice altíssimo em torno de 46 de reversão de efeitos Para compreender essa taxa de reversão é preciso ter um mínimo de honestidade metodológica pois não se pode usar como argumento de busca apenas as palavras recurso especial e absolvição É preciso considerar os agravos em REsp e RExt os agravos regimentais embargos declaratórios com efeitos infringentes e principalmente o imenso número de habeas corpus substitutivos Além da absolvição devese considerar outras decisões da maior relevância como redução da pena mudança de regime substituição da pena anulação do processo reconhecimento de ilicitude probatória mudança da tipificaçãodesclassificação enfim vários outros resultados positivos e relevantes que se obtém em sede de REsp e RExt e que mostram a imensa injustiça de submeter alguém a execução antecipada de uma pena que depois é significativamente afetada 8 O problema é que não se pode esperar até o trânsito em julgado isso gera sensação de impunidade e até a prescrição Esse é mais um argumento populista do que propriamente jurídico De qualquer forma há que se encontrar o difícil equilíbrio entre a demora jurisdicional e o atropelo de direitos e garantias fundamentais Devemos buscar a diminuição dos tempos mortos Chiavario e melhorar a dinâmica procedimental Essa é uma discussão válida e complexa que está sendo reduzida e pseudossolucionada com a possibilidade de execução antecipada da pena É um efeito sedante apenas pois nada foi feito para efetivamente agilizar o julgamento dos recursos especial e extraordinário Eles continuarão demorando para ser julgados com a agravante de que agora os acusados ficarão presos Não se resolveu o problema demora e apenas se sacrificou direitos fundamentais para corresponder erroneamente a expectativas sociais criadas em torno do julgamento penal 9 Por fim ainda que sucintamente o discurso de combate à impunidade é um argumento falacioso Em apertadíssima síntese o papel do STF não é de corresponder às expectativas sociais criadas se fosse assim teria de admitir a tortura para obter a confissão a pena de morte a pena perpétua e outras atrocidades do estilo de forte apelo popular mas constitucionalmente impensáveis mas sim de corresponder às expectativas jurídico constitucionais ou seja atuar como guardião da CF e da eficácia dos direitos fundamentais ainda que tenha que decidir de forma contramajoritária Um dos primeiros deveres do STF é o de dizer não ao vilipêndio de garantias constitucionais ainda que essa decisão seja completamente contrária à maioria Convém destacar ainda a inexistência de um estudo de impacto carcerário que essa decisão poderá causar especialmente diante de um sistema carcerário caótico superlotado e descontrolado que foi considerado pelo próprio STF como inconstitucional ADPF 347 MCDF rel Min Marco Aurélio julgado em 992015 Info 798 Como o STF reconhece a violação generalizada e sistêmica de direitos fundamentais b inércia ou incapacidade reiterada e persistente das autoridades públicas em modificar a conjuntura c a existência de uma situação que exige a atuação não apenas de um órgão mas sim de uma pluralidade de autoridades para resolver o problema e profere uma decisão dessa natureza Esquizofrenia jurisdicional ou bipolaridade extrema Reconhece tudo isso e profere uma decisão completamente descomprometida com a situação apontada agravandoa substancialmente Portanto ainda que o erro de 2016 HC 126292 tenha sido corrigido em 2019 com o julgamento das ADCs 43 44 e 54 a verdade é que aquela decisão criou uma ilegítima expectativa punitivista que cobrou e ainda corre o risco de voltar a cobrar um preço altíssimo em termos de sacrifício da democracia e das liberdades constitucionais E aqui fazemos expressa referência à inconstitucional inovação trazida pela Lei n 139642019 no art 492 Art 492 Em seguida o presidente proferirá sentença que I no caso de condenação e mandará o acusado recolherse ou recomendáloá à prisão em que se encontra se presentes os requisitos da prisão preventiva ou no caso de condenação a uma pena igual ou superior a 15 quinze anos de reclusão determinará a execução provisória das penas com expedição do mandado de prisão se for o caso sem prejuízo do conhecimento de recursos que vierem a ser interpostos Sem dúvida um grande erro do legislador pois resumidamente viola a presunção constitucional de inocência na medida em que trata o réu como culpado executando antecipadamente sua pena sem respeitar o marco constitucional do trânsito em julgado se o STF já reconheceu ser inconstitucional a execução antecipada após a decisão de segundo grau com muito mais razão é inconstitucional a execução antecipada após uma decisão de primeiro grau o tribunal do júri é um órgão colegiado mas integrante do primeiro grau de jurisdição da decisão do júri cabe apelação em que podem ser amplamente discutidas questões formais e de mérito inclusive com o tribunal avaliando se a decisão dos jurados encontrou ou não abrigo na prova sendo um erro gigantesco autorizar a execução antecipada após essa primeira decisão tanto a instituição do júri quanto a soberania dos jurados estão inseridas no rol de direitos e garantias individuais não podendo servir de argumento para o sacrifício da liberdade do próprio réu ao não se revestir de caráter cautelar sem portanto analisar o periculum libertatis e a necessidade efetiva da prisão se converte em uma prisão irracional desproporcional e perigosíssima dada a real possibilidade de reversão já em segundo grau sem mencionar ainda a possibilidade de reversão em sede de recurso especial e extraordinário a soberania dos jurados não é um argumento válido para justificar a execução antecipada pois é um atributo que não serve como legitimador de prisão mas sim como garantia de independência dos jurados é incompatível com o disposto no art 313 2º que expressamente prevê que não será admitida a decretação da prisão preventiva com a finalidade de antecipação de cumprimento de pena Na mesma linha trazendo ainda outros argumentos Paulo Queiroz160 afirma que além de incoerente e ilógica é claramente inconstitucional visto que 1 ofende o princípio da presunção de inocência segundo o qual ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória CF art 5 LVII razão pela qual toda medida cautelar há de exigir cautelaridade especialmente a prisão preventiva 2 viola o princípio da isonomia já que condenações por crimes análogos e mais graves vg condenação a 30 anos de reclusão por latrocínio não admitem tal exceção razão pela qual a prisão preventiva exige sempre cautelaridade 3 estabelece critérios facilmente manipuláveis e incompatíveis com o princípio da legalidade penal notadamente a pena aplicada pelo juizpresidente 4 o só fato de o réu sofrer uma condenação mais ou menos grave não o faz mais ou menos culpado já que a culpabilidade tem a ver com a prova produzida nos autos e com os critérios de valoração da prova não com o quanto de pena aplicado 5 a gravidade do crime é sempre uma condição necessária mas nunca uma condição suficiente para a decretação e manutenção de prisão preventiva Como é óbvio a exceção está em manifesta contradição com o novo art 313 2º que diz Não será admitida a decretação da prisão preventiva com a finalidade de antecipação de cumprimento de pena Portanto é um grave erro a execução antecipada da pena aplicada em primeiro grau que demonstra a gravíssima crise do regime de liberdade no processo penal 184 É O PLEA BARGAINING UM REMÉDIO PARA A CRISE DO PROCESSO PENAL OU UM VENENO MORTAL ANALISANDO A PROPOSTA DO PACOTE ANTICRIME161 1841 AMPLIAÇÃO DOS ESPAÇOS DE CONSENSO É UMA TENDÊNCIA INEXORÁVEL A pergunta diante da crise anteriormente exposta é assim como a depender da dose ministrada remédio vira veneno quanto de negociação da pena criminal o nosso sistema admite e tolera sem prejuízo para a qualidade da administração da justiça A hipótese é de que a dosagem dessa técnica processual é o ponto de reflexão pois a depender pode matar ou salvar o paciente processo penal Tomamos como pano de fundo a proposta legislativa vulgo Projeto Anticrime apresentado pelo Ministro da Justiça e Segurança Pública Sérgio Moro em 2019 e que felizmente não foi recepcionado pela Lei n 139642019 Dessa forma não adotamos o plea bargaining inicialmente proposto mas a discussão sobre o tema segue e novas tentativas de mudança legislativa virão Por isso nossa preocupação aqui novamente é prospectiva Em termos práticos argumentos de eficiência e sobrecarga da justiça criminal serão determinantes para que a negociação no processo penal seja ampliada porque o entulhamento do sistema de administração da justiça existe É preciso pensar esses limites a partir da compreensão da nossa realidade socialprisional dos erros que já cometemos com a banalização da transação penal e suspensão condicional do processo além da própria experiência internacional Se a transação penal já se mostrou uma perversa mercantilização do processo penal no sentido mais depreciativo da expressão imaginese o imenso estrago que causará uma ampliação ilimitada da aplicação consensual de pena162 A ampliação dos espaços de consenso no processo penal é uma tendência inexorável que começou timidamente no Brasil em 1995 com a Lei n 9099 e seus institutos de transação penal e suspensão condicional do processo além da composição dos danos civis e foi se expandindo através da delação premiada e mais recentemente com o acordo de não persecução penal recepcionado pelo art 28 A163 do CPP com a nova redação dada pela Lei n 139642019 Sustentam os defensores do viés expansionista que aumentar os espaços de consenso é uma realidade necessária justificandose por fatores utilitaristas e eficientistas Contudo estamos ao mesmo tempo em antítese ao Princípio da Necessidade do processo nulla poena sine iudicio Mas a aceleração procedimental pode ser levada ao extremo de termos uma pena sem processo e sem juiz Sim pois a garantia do juiz pode ficar reduzida ao papel de mero homologador do acordo muitas vezes feito às portas do tribunal nos Estados Unidos acordos assim superam 90 dos meios de resolução de casos penais chegando a 97 nos casos federais Walsh e até 99 em Detroit Langbein164 Nesses termos o plea bargaining viola o pressuposto fundamental da jurisdição o exercício do poder de penar não passa mais pelo controle jurisdicional e tampouco se submete aos limites da legalidade senão que está nas mãos do Ministério Público e da sua discricionariedade Isso significa uma inequívoca incursão do Ministério Público em uma área que deveria ser dominada pelo tribunal onde erroneamente está se limitando a homologar o resultado do acordo entre o acusado e o promotor165 Não sem razão afirmase que o promotor é o juiz às portas do tribunal166 Também desconsidera que o processo penal brasileiro tem como regra a ação penal pública pautada pelos princípios de obrigatoriedade e indisponibilidade admitindo alguma mitigação desde o advento da Lei n 909995 mas sem consagrar os princípios de oportunidade e conveniência especialmente pelo teor do art 42 do CPP Depois o Ministério Público brasileiro ao contrário do americano tem sua atuação pautada pela Legalidade e a vinculação aos limites da lei continuando a ser um poder condicionado pela legalidade taxatividade obrigatoriedade e indisponibilidade A questão está em equalizar essa tendência de expansão com o devido processo legal evitando a supremacia da investigação preliminar e os efeitos equivocados na decisão penal Também não se pode cair no ingênuo mito do voluntarismo entre acusado e acusador porque a diferença entre o plea bargaining com a tortura não é de gênero mas de grau como explicará Langbein A questão do consenso também é problemática especialmente quando existe um abuso da prisão preventiva no processo penal brasileiro havendo grande risco de ser utilizado como um meio de coerção para o acordo 1842 AS JUSTIFICATIVAS PARA O IMPLEMENTO DO PLEA BARGAINING A tendência generalizada de implantar no processo penal amplas zonas de consenso está sustentada em síntese por três argumentos básicos a estar conforme os princípios do modelo acusatório b resultar de um ato voluntário c proporcionar celeridade na administração de justiça A tese de que as formas de acordo são um resultado lógico do modelo acusatório e do processo de partes é ilusória167 Tratase de uma confusão entre o modelo teórico acusatório que consiste unicamente na separação entre juiz e acusação na igualdade entre acusação e defesa na oralidade e publicidade do juízo e as características concretas do sistema acusatório americano como a discricionariedade da ação penal e o acordo que não têm relação alguma com o modelo teórico168 O modelo acusatório exige que o juiz se mantenha alheio ao trabalho de investigação e passivo no recolhimento das provas tanto de imputação como de descargo A gestãoiniciativa probatória no modelo acusatório está nas mãos das partes esse é o princípio fundante do sistema como leciona Jacinto Coutinho169 de forma incansável O argumento eficientista e utilitarista que sustenta a adoção da negociação sobre a pena no processo penal não é novo e está no cerne das propostas legislativas que direcionaram nesse sentido Mas é preciso compreender por que se chegou nesse ponto desde negação de processo justo e contraditório no modelo inquisitorial da Idade Média e a negação de processo no sistema negocial dos séculos XX e XXI Após passar pela Inquisição a Europa aprendeu e elevou gradativamente o nível das garantias O problema é que os processos passaram a ser considerados para muitos excessivamente garantistas morosos e custosos Na mesma linha o modelo americano também criou um processo penal complexo e com alto nível de garantias processuais sendo o julgamento do júri um dos seus grandes trunfos além das regras de exclusão da prova ilícita a exigência de prova acima da dúvida razoável para condenação etc ou seja um arsenal de garantias que funda o due process of law e que passou a ser atacado por ser excessivamente caro complexo e moroso especialmente pela dependência do júri Explica Langbein170 e exatamente no mesmo sentido vem a crítica de Walsh que elas as garantias tornaram o julgamento pelo tribunal do júri tão complicado e demorado que o tornaram impraticável como dispositivo processual cotidiano O plea bargaining projeta o equívoco de querer aplicar o sistema negocial como se estivéssemos tratando de um ramo do direito privado Existem inclusive os que defendem uma privatização do processo penal partindo do princípio dispositivo do processo civil esquecendo que o processo penal constitui um sistema com suas categorias jurídicas próprias e de que tal analogia além de nociva é inadequada Explica Carnelutti171 que existe uma diferença insuperável entre o direito civil e o direito penal en penal con la ley no se juega No direito civil as partes têm as mãos livres no penal devem têlas atadas pois o civil lida com o ter e o penal com o ser O primeiro pilar da função protetora do direito penal e processual é o monopólio legal e jurisdicional do poder da violência repressiva A justiça negociada viola desde logo esse primeiro pressuposto fundamental pois o poder de penar não passa mais pelo controle jurisdicional e tampouco se submete aos limites da legalidade senão que está nas mãos do Ministério Público e vinculado à sua discricionariedade É a mais completa desvirtuação do juízo contraditório essencial para a própria existência de processo e se encaixa melhor com as práticas persuasórias permitidas pelo segredo e nas relações desiguais do sistema inquisitivo É transformar o processo penal em uma negociata no seu sentido mais depreciativo Na Europa a negociação também veio para atender a esse postulado de velocidade e eficiência mas em menor escala Estima se que em torno de 30 a 40 se resolve pela negociação no patteggiamento sulla pena italiano por exemplo Os demais países não fogem desse parâmetro e tendem a ter números inferiores Optaram por sistemas mais ágeis várias opções de ritos e abolição do tribunal do júri ou o mantiveram com uma competência restrita e limitada Nada comparado ao modelo americano Nos Estados Unidos o júri permanece como principal método de julgamento mantendo toda sua amplitude procedimental ainda que alguns Estados já estejam partindo para julgamentos por juiz singular como forma de melhorar a eficiência e ao mesmo tempo assegurar a existência de processo Como explica Walsh172 a alternativa para melhorar as negociações é ter mais julgamentos como tem ocorrido na Filadélfia onde julgamentos perante um juiz e não no júri são comuns O caminho adotado foi evitar o voir dire processo de seleção do júri Os números são importantes e registram que em 2015 excluindo os casos que foram denegadosnão admitidos apenas 72 dos réus criminais na Filadélfia se declararam culpados em contraste com 97 dos julgamentos federais e 15 optaram por ser julgado por um juiz e não pelo júri Também é preciso destacar parafraseando Goldschmidt173 que o processo penal de uma nação é um termômetro dos elementos autoritários ou democráticos de sua Constituição e acrescentamos também da cultura de um povo O american way of life também marca o processo penal na medida em que estamos diante de uma cultura que valoriza o liberalismo econômico a competitividade a autonomia de vontade e o individualismo Não sem razão o plea bargaining é marcado por isso um afastamento do EstadoJuiz das relações privatizando o conflito e deixando a negociação livre Os jogadores precisam ter estratégia na hora de vender a colaboração em troca do maior benefícioganho174 O júri americano se assemelha a uma propaganda enganosa pois acessível a uma parcela ínfima dos submetidos ao sistema penal Por isso Schünemann175 considera o modelo americano um simulacro pois por trás do disfarce do procedimento do tribunal do júri deságua na prática em nada mais nada menos do que no velho modelo de processo inquisitorial onde os substratos teóricos não resistem a um exame crítico Então ao invés de o processo cumprir o seu papel de proteção do acusado ressignificase o processo através de uma mentalidade inquisitória Nesse ponto é precisa a metáfora de Walsh176 os americanos transformaram o processo penal em um luxuoso Cadillac grande caro e pesado Mas é claro que nem todos podem ter acesso a ele Então reservemos esse luxo para 2 da população e o resto que ande a pé isto é fazendo acordos Não é preciso maior esforço argumentativo para compreender por que os europeus preferem garantir o devido processo com uma esfera negocial menor em contraste com os mais de 90 chegando a 97 e até 99 de negociação do sistema americano em que um processo penal é raríssimo Como destaca Walsh o direito constitucional a um julgamento público é excluído com o plea bargaining tratandose para a maioria de um mito conforme também compreendeu o Juiz Federal americano John Kane Essa deterioração sistemática que o acordo penal produz é identificada por um coro de juristas dos EUA que querem ajustes para regulamentação e controle das negociações outros pedem uma revisão mais ambiciosa do modo como os procedimentos são conduzidos agilizando o processo para tornálo acessível a um maior número de pessoas177 Nesse sentido Langbein178 é categórico o plea bargaining é portanto um procedimento de julgamento para condenar e declarar culpadas pessoas acusadas de crimes graves sem legitimação constitucional por causa da garantia oposta uma garantia de julgamento 1843 A EXPERIÊNCIA NEGOCIAL EM PORTUGAL ESPANHA E ITÁLIA E O PROJETO DE LEI N 8045 NOVO CPP QUE FOI DESCONSIDERADO Não se pode desconectar a compreensão do Direito da realidade social179 havendo uma grande tensão entre o tempo do direito e o tempo da sociedade especialmente pelo fetiche da hiperaceleração e do presenteísmo O processo aos olhos do povo demora demais e é ineficiente mas isso não é uma peculiaridade brasileira todo o oposto Figueiredo Dias180 afirma que o povo português perdeu a confiança no seu sistema de justiça em particular da justiça criminal e este temse revelado incapaz de estabilizar as expectativas comunitárias na sua correcção e funcionalidade Essa desarmonia temporal ou da percepção do tempo facilita imensamente a aceitação de atalhos e soluções imediatas pois conduz à ilusão de uma justiça instantânea desconsiderando que a ruptura temporal é crucial para que se respeite o tempo do direito e o tempo do processo181 Sendo a velocidade a alavanca do mundo há uma verdadeira narcose dromológica tomando emprestada a concepção de dromologia de Virilio182 É preciso definir um espaço de negociação entre as partes em detrimento das estruturas de conflito e principalmente uma forma de oferecer uma eficiência funcionalmente orientada183 que permitirá ultrapassar a atual sobrecarga da justiça penal rumo a um modelo mais rápido sem em tese violação dos princípios constitucionais do Estado de Direito Mas por outro lado Figueiredo Dias é claro em rechaçar a importação do plea bargaining184 porque incompatível com o modelo português e também com o brasileiro acrescentamos na medida em que não coincide com nossa concepção de Estado de Direito que tampouco é conciliável com o rule of law anglosaxônico No processo penal português o espaço negocial é restrito e pontual em termos de pena do delito existe o arquivamento em caso de dispensa da pena art 280 do CPP português e o instituto da suspensão provisória do processo art 281 similar à nossa suspensão condicional do processo para crimes punidos com pena não superior a 5 anos Nesse caso o processo ficará suspenso por um período máximo de 2 anos ou de 5 anos casos previstos no art 281 6 e 7 e uma vez cumpridas as condições será arquivado art 282 O professor português185 propõe uma ampliação dentro do marco do art 344 do CPP português o que significa restringir a negociação para crimes cuja pena máxima não ultrapasse os 5 anos ficando na esfera dos crimes de pequena ou média gravidade Na Itália cujo modelo civil law é similar ao nosso e é paradigma em termos de orientação doutrinária jurisprudencial e legislativa o patteggiamento sulla pena186 art 444 e seguintes do CPP italiano é uma negociação entre acusado e MP que não permite negociação sobre a imputação correlação existindo um limite demarcado com a redução de 13 a pena não pode superar 5 anos Esse é um limite muito próximo e que orientou a redação do art 283 do Projeto de CPP que tramita atualmente Na Espanha a Ley de Enjuiciamiento Criminal prevê o instituto da conformidad nos arts 695 e seguintes depois nos arts 787 e 801 onde o acusado se conforma com a pena solicitada pelo Ministério Público abreviando o procedimento e aceitando a imputação desde que a pena privativa de liberdade não seja superior a 6 anos E o projeto de Código de Processo Penal atual PL n 8045 que tramita desde 2009 No projeto do CPP PL n 8045 o art 283 define que a negociação será aplicável aos crimes cuja pena máxima cominada não ultrapasse 8 anos cabendo às partes pedirem aplicação da pena mínima Além disso exigese a confissão do acusado e que a pena respeite as balizas do tipo penal não havendo espaço para imposição de regimes diferenciados de cumprimento Além disso as partes poderão postular conforme estabelece o 3º que essa pena mínima seja diminuída em até 13 um terço se as condições pessoais do agente e a menor gravidade das consequências do crime o indicarem Esse novo CPP foi completamente desconsiderado pelo Ministro Sérgio Moro que partiu de um ilusório marco zero de compreensão sobre a matéria O Projeto Anticrime versão inicial peca por ser amplo e admitir a negociação com base em qualquer pena similar ao plea bargaining americano e afastado dos modelos europeus que nos influenciaram e são similares ao nosso 1844 FIM DA PRODUÇÃO DE PROVAS A SUPREMACIA DA INVESTIGAÇÃO PRELIMINAR Nos termos em que se debateu e debate a inserção da negociação ampla e sem limite no sistema brasileiro haverá a realização de uma audiência após o oferecimento da denúncia mas antes da instrução em que será ouvido o réu e homologado ou não o acordo Logo antes da produção de prova em juízo recordandose da diferença entre atos de prova e atos de investigação e principalmente que os atos da investigação preliminar não servem para justificar um juízo condenatório pois seu valor é limitado187 Isso acarreta uma supervalorização da investigação preliminar do superado híbrido e malformado inquérito policial pois o acordo é feito exclusivamente com base nele já que nenhuma prova é produzida O inquérito é sigiloso e as dificuldades reais que a defesa encontra para ter acesso a integralidade dos atos de investigação é imensa tanto que há súmula vinculante n 14 no STF e existem mecanismos de controle inerentes para fazer valer essa medida o que é sintoma de descumprimento permanente Maior ainda são as dificuldades de produção de provas a favor da defesa nessa fase Seria imprescindível consagrar então a ampla possibilidade de investigação defensiva188 o que não foi o caso Então a defesa vê o que o MP e a polícia deixarem e com base nisso é feito o acordo ao contrário do imprescindível discovery americano onde se coloca todas as cartas na mesa de negociação e existe transparência da informação Explica Walsh189 que a questão desse desequilíbrio é tão séria que nos EUA no Texas e na Carolina do Norte juntamente com alguns outros estados é obrigatório que as partes compartilhem evidências antes do acordo Um procedimento muito importante que não consta no Pacote Anticrime como requisito para realização do acordo sendo possível que o acusado seja impedido de ter acesso à integralidade dos elementos colhidos e tenha que decidir sobre fazer ou não o acordo a partir de uma análise parcial da viabilidade ou não da acusação Esse dever de compartilhamento é uma exigência de boafé e transparência que não só deve pautar o agir do Estado mas também como uma forma de evitar blefe e acordos abusivos Se a estratégia e a malícia podem ser utilizadas nos negócios privados não o devem quando se trata de um agente público Isso é fundamental e foi completamente desconsiderado na proposta legislativa que busca atenuar esse malefício com a realização da audiência de homologação do acordo e oitiva do acusado após o oferecimento da denúncia mas antes de iniciada a instrução Portanto a rigor partese da premissa que a defesa já terá tido acesso à integralidade do inquérito policial o que é equivocado pois não resolve o problema Não raras vezes provas sigilosas são apresentadas depois ou juntadas aos autos do processo eletrônico durante a instrução e com base no art 231 do CPP Portanto não há garantia de fair play ou seja de que até o momento do acordo todas as provas da acusação estejam sobre a mesa e sejam conhecidas da defesa para evitar excessos de acusação ou blefes 1845 SUPERVALORIZAÇÃO DA CONFISSÃO TORTURA PLEA BARGAINING O ABUSO DA PRISÃO CAUTELAR COMO INSTRUMENTO DE COERÇÃO Com a supervalorização da confissão para legitimar a punição antecipada a questão da prisão cautelar generalizada tornase um ponto sensível em termos de consenso e voluntariedade pois a própria Constituição Federal considera a prisão uma coação assegurandose o habeas corpus em casos de ilegalidade No modelo negocial seja pela via da delação premiada ou pelo plea bargaining o que se busca é acima de tudo a confissão do acusado Para delação premiada a confissão deve vir acrescida de colaboração para punição de outras pessoascrimes ou seja de efetiva contribuição probatória para a responsabilização de terceiros Já para o plea a simples confissão circunstanciada basta Mas ambas possuem um ponto em comum entre elas e com o modelo inquisitório medieval a necessidade de confissão190 A confissão volta a ser a rainha das provas no modelo negocial como uma recusa a toda a evolução da epistemologia da prova e também do nível de exigência na formação da convicção dos julgadores proof beyond a reasonable doubt Bastam os meros atos de investigação realizados de forma inquisitória na fase pré processual sem ou com muita restrição de defesa e contraditório seguidos de uma confissão Assim como na delação premiada é preciso considerar que o acordo sobre a pena calcado que está na confissão representa um atalho cognitivo sedutor Não é preciso produzir prova de qualidade basta a confissão Obviamente essa confissão nem sempre é fácil de ser obtida Então lançar mão de algum tipo de pressão ou no mínimo blefe é uma técnica natural e muito mais fácil do que investigar profundamente com tempo e meios adequados obtendo se elementos probatórios consistentes e submetêlos ao processo Inclusive uma pergunta surge de forma cristalina se o Estado investiga bem produz prova suficiente da culpabilidade de alguém por que ele iria negociar a pena com um criminoso Deveria punir É um paradoxo negociar nesse caso Portanto é inegável que toda negociação com o autor de um crime é o reconhecimento da incapacidade do Estado de investigar e produzir prova sendo um típico atalho sedutor Como explica Langbein é muito mais agradável sentarse confortavelmente na sombra esfregando pimenta vermelha nos olhos de um pobre diabo do que sair ao sol caçando provas disse alguém na Índia em 1872 ao ser questionado sobre a propensão dos policiais locais em torturar suspeitos191 Langbein192 também considera que as práticas de tortura e plea bargaining não têm diferença de gênero apenas de grau nós coagimos o acusado contra quem encontramos uma causa provável a confessar a sua culpa Para ter certeza nossos meios são muito mais elegantes não usamos rodas parafusos de polegar botas espanholas para esmagar as suas pernas Mas como os europeus de séculos atrás que empregavam essas máquinas nós fazemos o acusado pagar caro pelo seu direito à garantia constitucional do direito a um julgamento Nós o tratamos com uma sanção substancialmente aumentada se ele se beneficia de seu direito e é posteriormente condenado Este diferencial da sentença é o que torna o plea bargaining coercitivo Há claro uma diferença entre ter os seus membros esmagados ou sofrer alguns anos a mais de prisão se você se recusar a confessar mas a diferença é de grau não de espécie O plea bargaining assim como a tortura é coercitivo Grifamos Nada muito distante da realidade brasileira experimentada na Operação Lava Jato com a banalização da prisão cautelar coação como técnica para obter a negociação e confissão Por mais que se negue ou até que se assuma193 há um número altíssimo e essa cifra é impossível de ser precisamente definida dado o caráter sigiloso dos acordos de delatores que aceitaram o acordo para não serem presos mais notório foi o caso Guido Mantega194 outros delataram para obter a liberdade caso Antonio Palocci por exemplo e muitos estavam em liberdade mas diante da ameaça real e concreta de prisões longas durante as investigações constantemente noticiadas pela mídia preferiram se antecipar ao perigo Portanto é inegável que a prisão cautelar foi usada como importante instrumento de coação para obtenção dos acordos de delação premiada Tal coerção no Brasil é ainda muito mais grave que nos Estados Unidos na medida em que o acusado ficará preso em um sistema carcerário medieval violento e dominado por facções onde o risco de morte é real e concreto Um dia de prisão cautelar no Brasil pode representar uma pena de morte sem qualquer exagero basta conhecer a nossa realidade carcerária É preciso considerar também que a discussão sobre a execução antecipada da pena está relacionada ao binômio coaçãoacordos Os protagonistas da operação Lava Jato entre eles o atual Ministro Sérgio Moro fizeram forte campanha a favor da prisão em segunda instância invocando também o argumento de eficiência para obtenção dos acordos de delação premiada Como noticiado para a força tarefa da Lava Jato a possibilidade de prisão após segunda instância é importante para combater a impunidade e estimular criminosos a firmarem acordos de delação premiada195 Então o mutualismo criado pela prisão preventiva com a delação não pode ser ignorado 1846 DESCONSTRUINDO O MITO FUNDANTE DA NEGOCIAÇÃO ILUSÃO DE VOLUNTARIEDADE E CONSENSO O mito do consenso no campo penal para legitimar o acordo também não resiste a exame pois se trata de uma ficção do ponto de vista prático especialmente pela forte pressão do Estado Como explica Schünemann196 o consenso é um eufemismo que oculta a sujeição do acusado ao poder do Estado pena pretendida pelo acusador enquanto resultado mínimo daquele cidadão subjulgado através da justiça criminal O plea bargaining no processo penal pode se constituir em uma técnica que transforma a acusação em um instrumento de coação capaz de gerar autoacusações falsas testemunhos caluniosos por conveniência obstrucionismo ou prevaricações sobre a defesa desigualdade de tratamento e insegurança O furor negociador da acusação pode levar à perversão burocrática em que a parte passiva não disposta ao acordo vê o processo penal transformar se em uma complexa e burocrática guerra Tudo é mais difícil para quem não está disposto ao negócio e o acusado que resiste vira um estorvo Quando estava à frente da Operação Lava Jato o atual Ministro Moro fez exatamente isso aplicou penas exemplares muitas vezes desproporcionais para quem não aceitou negociar Não se pode desconectar ainda a obra do autor da análise do autor da obra Sérgio Moro protagonizou na operação Lava Jato o maior número de acordos de delação premiada jamais visto e principalmente teve o mérito de criar mais uma função para a pena privativa de liberdade a prevenção negocial Todos aqueles acusados que não negociaram se prejudicaram imensamente O recado foi claramente dado quem não delatou foi condenado a penas altíssimas exatamente para cumprir a função de prevenção negocial e sinalizar negociem ou sofram penas duríssimas Agora imaginemos na ambiência pósLava Jato como serão conduzidas as negociações do plea bargaining Nessa mesma perspectiva quem não negociar vai pagar caro com muitos anos na sentença condenatória O acusador público disposto a constranger e obter o pacto a qualquer preço utilizará como demonstra a experiência americana a acusação formal como um instrumento de pressão solicitando altas penas e pleiteando o reconhecimento de figuras mais graves do delito ainda que sem o menor fundamento Como explica Walsh197 se um réu decidir ir a julgamento um promotor pode fazer uma acusação mais grave pedindo a prisão perpétua O acordo pode levar a uma pena de 8 ou 10 anos ou outro número disse Matt Sotorosen advogado sênior do Gabinete do Defensor Público de São Francisco Mesmo que você tenha um cliente inocente a maioria não quer correr esse risco Eles preferem o acordo de oito anos O que pode acontecer se o julgamento for ruim Os resultados desse cálculo desequilibrado são evidentes nos dados do Projeto National Registry of Exonerations198 de 2006 casos revisados desde que o projeto começou em 1989 362 deles ou seja 18 foram baseados em admissões de culpa guilty pleas Portanto a negociação não pode ser justificada ou legitimada a partir da categoria autonomia de vontade Tratase de uma base excessivamente porosa e frágil como aponta Prado199 os desníveis socioeconômicos ainda vivos na sociedade brasileira interditam a pretensão de garantir ao sujeito principalmente ao sujeito investigadoimputado condições de exercer plenamente suas potencialidades e pois posicionarse conscientemente diante da proposta de transação compreendendo seu largo alcance como instrumento de política criminal Portanto conforme explica Schünemann200 o sujeito que faz o acordo é recompensado com uma redução da pena mas quem será punido de forma consideravelmente mais severa é o estorvo aquele que faz uso legítimo de seu direito à realização do processo penal e luta por provar sua inocência Tratase de um estímulo lógico para efetividade da técnica o reverso da diminuição da pena é o aumento da pena em caso de uma condenação após uma longa audiência de instrução e julgamento O panorama é mais grave quando ao lado da acusação está um juiz pouco disposto a levar o processo até o final quiçá mais interessado que o próprio promotor em que ele acabe o mais rápido e com o menor trabalho possível Quando as pautas estão cheias e o sistema passa a valorar mais o juiz pela sua produção quantitativa do que pela qualidade de suas decisões o processo assume sua face mais nefasta e cruel Sintoma disso é o fato e que logo após o anúncio do Projeto Anticrime mesmo despido de qualquer justificativa ou fundamentação uma pesquisa da AMB Associação dos Magistrados Brasileiros201 apontou que 90 dos juízes202 apoiam a plea bargaining Moro Como recorda Langbein203 nesse tema existe um adágio popular muito adequado se a necessidade é a mãe da invenção a preguiça é o pai grifouse Em síntese tudo dependerá do espírito aventureiro da aposta que o acusado aceita fazer e de seu poder de barganha É um modelo que subverte a lógica do sistema penal baseado na ideia utilitarista e do menor esforço atropelandose garantias em nome da eficiência punitiva É disfuncional também porque prejudica o inocente e beneficia o culpado gerando uma distribuição seletiva e formalizada de impunidade 1847 A DESCONSTRUÇÃO DO ARGUMENTO ECONOMICISTA O CUSTO DE UM SUPERENCARCERAMENTO O plea bargaining também gerará um enorme custo financeiro ao sistema de administração da justiça Estamos entrando sem muito rumo ou prumo em terreno minado e perigoso para o processo penal democrático e constitucional Sem dúvida a primeira impressão é de que o plea bargaining representa imensa economia e agilidade e o pensamento econômico aplaude Mas mesmo os economistas precisam reconhecer que existe um sobrecusto gigantesco que anula a economia feita ou mesmo gera um prejuízo maior o custo do superencarceramento O plea bargaining vai transformar o processo em um luxo reservado a quem estiver disposto a enfrentar seus custos e riscos de sofrer a aplicação de penas duríssimas com caráter exemplar Do contrário o sistema negocial perde força pois seu poder está exatamente na gestão de riscos A superioridade do acusador público acrescida do poder de transigir faz com que as pressões psicológicas e as coações sejam uma prática normal para compelir o acusado a aceitar o acordo e também a segurança do mal menor de admitir uma culpa ainda que inexistente Quem não aceitar o acordo vai ser um estorvo para o sistema e pagará caro enfim o pacote anticrime como um todo quer prender mais pessoas durante mais tempo adicionando dificuldades para a soltura dos presos Significa portanto um endurecimento penal que provocará um inchaço do sistema carcerário devido à expansão da aplicação consensual da pena Contudo um questionamento central já foi elaborado um estudo de impacto carcerário da expansão do espaço negocial Como o sistema carcerário sucateado e medieval que temos irá lidar com isso E um número gigantesco de pessoas que mesmo não estando presas estão sob controle do Estado usando tornozeleiras em período de observação etc Não há qualquer estudo publicado pelo proponente que ampare essa proposta do Projeto Anticrime parecendo mais um caso em que legislaremos primeiro para ver o que vai ocorrer depois aguardando que o plea bargaining nos leve tal como nos Estados Unidos a ter a maior população carcerária do mundo Obviamente sem reduzir a questão há vinculação entre o binômio rigidez do sistema penal e negociação no processo penal tal como nos Estados Unidos que possuem a maior população carcerária do mundo Um sistema penal duro que quer prender mais e manter os presos mais tempos detidos deságua no processo penal negocial pois o júri não pode ser usado por todos é uma garantia de poucos 2 Qual a consequência mais de 2 milhões de presos fontes apontam entre 2145000 e 2300000 presos 204 São mais de 740 presos para cada 100 mil habitantes Um cálculo rápido com dados brasileiros do impacto financeiro é ilustrativo VAGAS FALTANTES 359058 vagas205 CUSTO MÊSPRESO SEGUNDO CNJ R 240000206 CUSTO APROXIMADO DE CONSTRUÇÃO 4250000 POR VAGA207 GASTO APROXIMADO COM A CONSTRUÇÃO DE PRESÍDIOS APENAS PARA SUPRIR A FALTA DE VAGAS R 1526102479300 QUINZE BILHÕES DE REAIS ACRÉSCIMO NO CUSTO MENSAL R 86173920000 Isso sem considerar o aumento gigantesco e abrupto de demanda por novas vagas na medida em que os acordos forem sendo fechados e necessariamente executados Portanto vale a pena Quanto custa o encarceramento em massa Qual o custo de ter um superencarceramento como o americano e para o qual o Brasil caminhará a passos largos se adotado Agravado pela realidade do cliente preferencial do sistema brasileiro e também pela precariedade do nosso sistema carcerário medieval superlotado e dominado por facções Será infinitamente maior a médio prazo do que o ganho imediato Então a alardeada eficiência do sistema e benefícios de redução e custos é ilusória Mas como disse o presidente da Suprema Corte Warren Burger em 1971 Uma sociedade próspera não deve ser miserável no apoio à justiça pois a economia não é um objetivo do sistema escreveu ele Devese priorizar sua imensa responsabilidade de separar os culpados dos inocentes pelo eficiente julgamento de réus criminais208 1848 CONCLUINDO A PROPOSTA SUBSTITUTIVA AO PROJETO ANTICRIME ESTÁ NA RETOMADA DO PL N 8045 NOVO CPP COM AJUSTES A proposta de plea bargaining amplo sem limite de pena como se cogita não serve para o devido processo legal sendo frágil em termos de respeito aos direitos fundamentais Mas é inegável que o entulhamento da justiça criminal exige uma ampliação razoável do espaço negocial Nessa perspectiva pensamos que já houve um alargamento mais do que suficiente com a inserção do acordo de não persecução penal no art 28A que representa quando analisado junto com a transação penal e a suspensão condicional da pena uma ampliação gigantesca no espaço negocial dentro do processo penal brasileiro abrangendo com certeza mais de 70 dos tipos penais estamos elaborando uma pesquisa sobre o impacto desse espaço negocial alargado em relação aos tipos penais que deverá integrar as próximas edições desta obra Entendemos que não se pode conceber no sistema brasileiro a imposição de uma pena privativa de liberdade sem prévio processo Portanto o espaço de consenso deve ficar limitado a penas iguais ou inferiores a quatro anos Parafraseando Carnelutti209 a conclusão sobre os acordos é a mesma a que o mestre italiano chegou ao tratar da prisão cautelar a negociação sobre a pena é como um remédio muito forte se bem utilizado pode salvar o paciente o processo penal mas se houver abuso dela vai matar o processo penal Capítulo 2 Teorias da ação e das condições da ação A necessidade de construção de uma teoria da acusação 21 PARA INTRODUZIR O ASSUNTO Inicialmente como advertem Emilio Gómez Orbaneja e Vicente Herce Quemada210 é importante destacar que o conceito de ação penal é privativo do processo penal acusatório Isso significa no solo que la acción es una cosa y otra diferente el derecho de penar sino que la acción es un concepto puramente formal Mas também se deve sublinhar que a polêmica em torno do conceito de ação foi desviada para um caráter extraprocessual buscando explicar o fundamento do qual emana o poder afastando se do instrumento propriamente dito Assim hoje podemos claramente compreender que esse desvio conduziu a que fossem gastas milhares e milhares de folhas para discutir uma questão periférica principalmente para o processo penal regido pelo princípio da necessidade e com uma situação jurídica complexa completamente diversa daquela produzida no processo civil É sempre importante evitar longas citações literais para não cansar o leitor e truncar a exposição Mas a lição de Alcalá Zamora211 exige um tratamento diferenciado dada sua importância Possivelmente a verdadeira índole da ação houvesse sido dilucidada já há bastantes anos se os processualistas tivessem se preocupado um pouco menos com o direito romano para ocuparse um pouco mais da realidade processual Por quê Simplesmente porque a ação não é mais uma figura pertencente a arqueologia jurídica para cujo conhecimento devase remontar a sistemas pretéritos nem tampouco uma instituição que atualmente surja em raríssimas ocasiões senão que é um fenômeno diário que se oferece em todos os países com um mínimo de organização de justiça não em milhares mas sim em milhões de processos dos mais variados gêneros e espécies Então ao não faltar material vivo por assim dizer para a observação direta deveriam os processualistas prestar uma atenção muito maior do que aquela dedicada Isto é se não houvessem se involucrado no estudo histórico do que a ação foi mas sim com o estudo do que a ação é ou em outros termos se a primeira indagação houvesse sido reservada a romanistas e historiadores do direito e sobre a segunda tivessem consagrado suas energias os processualistas provavelmente o avanço teria sido mais profundo e mais firme em ambas as direções não só por razões de especialização ainda que sendo excelentes romanistas muitos dos processualistas que sobre a ação trabalharam senão pelas incertezas que em torno de certos textos do direito romano suscitam suas lacunas ou a crítica interpolacionista e sobretudo porque como antes dissemos a propósito das interpretações privatistas acerca da natureza do processo a marcha do processo romano clássico era distinta do tipo normal de processo de nossos dias A gravitação romanista em relação à ação deve ser advertida ademais em outros sentidos por exemplo na persistência com que se segue falando de ação em hipóteses onde o termo correto a empregar seria o de pretensão ou ainda na quase incomovível fidelidade com que legisladores e práticos e até alguns docentes seguem estimando como classificação processual das ações aquela que as divide em pessoais reais e mistas ou em mobiliárias e imobiliárias tradução nossa Com acerto Afrânio Jardim212 afirma que modernamente a teoria da ação deixou de ser o polo metodológico da ciência do processo estando os estudiosos mais preocupados com o objeto do processo e a demanda como categorias centrais de todo o sistema processual Destaca ainda na esteira de Tornaghi que tal perspectiva já vinha de há muito sendo utilizada pelos processualistas alemães Para Guasp tais teorias buscam explicar a essência jurídica do poder em virtude do qual as partes engendram objetivamente um processo o direito que justifica a atuação dessas partes e o porquê jurídico que leva um particular a colocar em marcha validamente o órgão jurisdicional A multiplicidade de acepções do vocábulo ação também foi um fator relevante na infindável discussão existente em torno do seu conceito Chamando a atenção para tal fenômeno AlcaláZamora213 aponta que a rigor no processo penal devemos falar em ação processual penal para não confundir com a ação punível ou delitiva objeto do direito penal e não do processo penal Grave problema é o fato de que pouco se escreveu ou pensou sobre ação processual penal ou seja muitos autores preferem passar à margem da temática limitandose a explicar a ação penal pública condicionada e incondicionada e a ação penal privada na sistemática do CPP Outros até enfrentam o problema mas incidindo no erro da teoria geral do processo explicam toda a evolução da discussão em torno da ação pública abstrata concreta etc utilizando todos os conceitos e construções do processo civil ou seja a velha historinha da Cinderela La Cenerentola de Carnelutti e as roupas velhas da irmã Não se nega a importância das longas polêmicas travadas pelos processualistas civis mas falta uma estruturação de conceitos desde as categorias jurídicas próprias do processo penal Daí por que nossa tarefa além de complexa é extremamente perigosa na medida em que saindo da tranquilidade do lugarcomum já desenhado pelo processo civil dispomonos a pensar a ação processual penal a partir das concepções de pretensão acusatória e processo como situação jurídica Elementar que a compreensão dessa matéria pressupõe a précompreensão do conceito de pretensão acusatória desenvolvido em capítulo anterior Isso explica por que não faremos a tradicional evolução a partir da ação no processo civil O ponto nuclear e determinante da diversidade de concepção já foi exposto e definido quando abordamos o conceito de pretensão acusatória ao qual remetemos o leitor 22 AÇÃO PROCESSUAL PENAL IUS UT PROCEDATUR DESDE A CONCEPÇÃO DE PRETENSÃO ACUSATÓRIA POR QUE NÃO EXISTE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL Estamos de acordo com Guasp214 quando afirma que a declaração petitória contida no conceito de pretensão acusatória poderia receber o nome técnico de ação terminologia que devolveria a essa palavra o significado literal que lhe corresponde Exigese contudo cuidado para ter presente que essa concepção representa uma recusa à tradição secular que se esforçou em averiguar a essência do poder jurídico a que dita ação está vinculada e não à sua verdadeira função A pretensão acusatória é uma declaração petitória215 ou afirmação216 de que o autor tem direito a que se atue a prestação pedida É no processo penal uma declaração petitória Não é um direito subjetivo mas um direito potestativo o poder de proceder contra alguém diante da existência de fumus commissi delicti A isso corresponde o conceito de ação que não pode ser confundido com o de acusação instrumento formal Recordemos que o objeto do processo penal é uma pretensão acusatória e não punitiva e sua função é a satisfação jurídica das pretensões ou resistências conforme explicaremos no último capítulo Na estrutura da pretensão encontramos elementos subjetivos objetivos e de atividade declaração petitória Como explicaremos ao tratar do objeto no processo penal o fenômeno é diverso do processo civil e não há que se falar em pretensão punitiva O acusador detém um direito potestativo de acusar que nasce com o delito e é dirigido ao tribunal De outro lado existe o poder de punir do tribunal corresponde ao juiz e não ao acusador que é condicionado ao exercício e admissão da pretensão acusatória Nessa linha a declaração petitória corresponde ao que enten demos por acusação É importante destacar que tal conceito vai ser empregado no sentido literal de instrumento portador de uma manifestação de vontade por meio do qual se narra um fato com aparência de delito e se solicita a atuação do órgão jurisdicional contra uma pessoa determinada No sistema brasileiro corresponderá à denúncia ou queixa Mediante a acusação se cumpre a jurisdição se realiza efetivamente o direito Ademais principalmente no processo penal a ação como invocação corporificada na acusação leva à estrita observância do princípio nemo iudex sine actore corolário do sistema acusatório Sobre o confusionismo que impera em torno do tema Couture esclarece que a ambiguidade do vocábulo foi fator definitivo Especificamente em sentido processual o que já exclui uma diversidade de outras o mesmo autor217 aponta para três acepções a Como sinônimo de direito é o sentido que tem o vocábulo quando se diz que o autor é carecedor de ação ou prospera a exceptio sine actione agit b Como sinônimo de pretensão este é o sentido mais usual do vocábulo principalmente na doutrina e na legislação que utilizam ainda expressões como ação pessoal e real ação civil e ação penal etc Nesses casos a ação é a pretensão de que se tem um direito válido e em nome do qual se promove a demanda respectiva A excessiva valoração da ação também levou a que alguma doutrina a apontasse como o objeto do processo c Como sinônimo de faculdade de provocar a tutela jurisdicional Falase no poder jurídico que tem o indivíduo como tal e em nome do qual lhe é possibilitado acudir aos tribunais É o poder jurídico de invocação da tutela jurisdicional Nessa concepção por nós utilizada até então o fato de ser essa pretensão fundada ou infundada não afeta a natureza do poder jurídico de acionar É a mera faculdade de invocar a tutela jurisdicional por meio da acusação formalizada na denúncia ou queixa ius ut procedatur Assim retomando o desvio histórico pensamos que o conceito de ação processual penal na estrutura da pretensão acusatória circunscrevese a um poder jurídico constitucional de invocação da tutela jurisdicional e que se exterioriza por meio de uma declaração petitória acusação formalizada de que existe o direito potestativo218 de acusar e que procede a aplicação do poder punitivo estatal Por fim recordemos a pergunta feita no título desse tópico por que não existe trancamento da ação penal Porque sendo a ação um poder político constitucional de invocação não há que se falar em trancamento da ação um erro que decorre da constante confusão entre ação e pretensão Inclusive há quem empregue o vocábulo ação como sinônimo de pretensão Contudo a rigor ação é o poder jurídico de acudir aos tribunais para ver satisfeita uma pretensão Logo não há que se falar de trancamento do poder que já foi exercido Daí por que a boa técnica aconselha a que se fale em trancamento do processo penal pois é o curso dele processo que se quer fazer parar Ou seja o trancamento do processo não da ação corresponde a uma forma de extinção anormal prematura do processo Ninguém jamais falou em extinção prematura da ação pois o que impede o prosseguimento é o processo penal Em suma podemos resumir da seguinte forma a íntima relação dos conceitos de ação pretensão e acusação demanda para facilitar a compreensão 1 Ação direito potestativo poder de acusar e submeter ao processo concedido pelo Estado ao particular ou a um determinado órgão do Estado Ministério Público de acudir aos tribunais para formular a pretensão acusatória É um direito potestativo constitucionalmente assegurado de invocar e postular a satisfação de pretensões Vedada a autodefesa estatal ou privada o direito de ação encontra abrigo na nossa atual Constituição em que o art 5º XXXV assegura que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito Mais específico o art 129 I da Constituição assegura o poder exclusivo do Ministério Público de exercer a ação penal melhor a acusação pública É uma garantia constitucional que assegura o acesso ao Poder Judiciário AlcaláZamora e Levene219 definem como el poder jurídico de promover la actuación jurisdiccional a fin de que el juzgador pronuncie acerca de la punibilidad de hechos que el titular de aquélla reputa constitutivos de delito medio de provocar el ejercicio del derecho de penar 2 Pretensão acusatória é uma declaração petitória de que existe o direito potestativo de acusar e que procede a aplicação do poder punitivo estatal Tratase de um direito potestativo por meio do qual se narra um fato com aparência de delito fumus commissi delicti e se solicita a atuação do órgão jurisdicional contra uma pessoa determinada É composta de elementos subjetivo objetivo fato e de atividade declaração petitória como explicamos em capítulos anteriores 3 Acusação declaração petitória é o ato típico e ordinário de iniciação processual que assume a forma de uma petição através da qual a parte faz uma declaração petitória soli citando que se dê vida a um processo e que comece sua tramitação220 No processo penal brasileiro corresponde aos instrumentos denúncia nos crimes de ação penal de iniciativa pública e queixa delitos de iniciativa privada É na verdade o veículo que transportará a pretensão sem deixar de ser um dos seus elementos 23 NATUREZA JURÍDICA DA AÇÃO PROCESSUAL PENAL CARÁTER PÚBLICO AUTÔNOMO E ABSTRATO OU CONCRETO Sem esquecerse das ressalvas anteriormente feitas após seculares discussões pensamos que foi fundamental para o desenvolvimento científico do processo o reconhecimento da ação e das relações de direito material e processual Constitui um marco na discussão a famosa polêmica travada entre os juristas alemães Bernhard Windscheid e Theodor Muther221 ocorrida no final do século XIX entre 1856 e 1857 são as publicações e ampliase o debate nas décadas seguintes Sublinhe se que toda a discussão e construção teórica foi feita por civilistas e pensada para o processo civil A transmissão dessas categorias para o processo penal se fez a um alto custo que foi o de desconsiderar a especificidade do processo penal De qualquer forma é importante resgatar a evolução histórica Em uma revisão sumária literalmente uma cognição sumária do tema até então vigorava a noção de actio do direito romano e a fórmula de Celso mas também de Ulpiano segundo a qual ação é nada mais que o direito de pedir em juízo aquilo que nos é devido A actio era dirigida à parte contrária em uma perspectiva privada de direito dirigido diretamente a outro particular até porque a concepção reinante era de que o direito processual era apenas o direito material em movimento Era absoluta a vinculação entre a actio e o direito material inclusive nem sequer se cogitava da separação entitativa do direito processual em relação ao direito material Nesse ponto justiça deve ser feita a Bülow 1868 cuja teoria da relação jurídica teve o grande mérito de pretender separar a relação jurídica de direito material da relação jurídica de direito processual sendo muito importante para a construção do conceito de ação e da própria evolução científica do direito processual Era um momento de profunda influência das teorias civilistas de Savigny que reforçavam a visão privada da actio romana e a primazia do direito material A tese de Windscheid abalou a estrutura de pensamento vigente na medida em que agitó las aguas estancadas222 e se debruça sobre o conceito de anspruch palavra de difícil tradução dada a polissemia de sentidos mas processualmente concebido como pretensão como um direito autônomo e diverso Evidenciou a diferença entre a actio romana e o que modernamente se considerava acción klagerecht distinção até então pouco levada a sério Tal perspectiva já se percebia nos escritos de Degenkolb e Plósz como um direito público subjetivo independente do direito material Também contribuiu a continuação o pensamento de Adolf Wach com sua concepção de ação como direito concreto demonstrando ainda um enraizamento no direito material mas já concebendo a ação processual como algo distinto do direito material e principalmente dirigido em face do Estado e não contra o particular Como explica Chiovenda223 Windscheid afirma que o que nasce da lesão a um direito como o de propriedade por exemplo não é um direito de acionar senão um direito a restituição da coisa no exemplo dado e esta obrigação como outras só configura um direito de acionar quando não seja satisfeita É o nascimento da concepção de pretensão lide satisfação de pretensões exercício da pretensão etc Mas essa concepção não é acabada e deu origem a infindáveis discussões o que se revela em um grande valor por estabelecer a discussão e permitir a evolução científica dos conceitos Mas e a polêmica A obra de Windscheid abalou o pensamento alemão vigorante profundamente enraizado no direito romano Justiniano inicialmente por recomendar o abandono desta matriz em favor dos estudos atuais e as dogmáticas modernas demonstrando que o conceito romano de actio era estranho ao direito moderno e não coincidia com o de ação recomendando o abandono de tal confusão terminológica Finca pé no estudo da pretensão anspruch como equivalente moderno do conceito de ação Desenvolvendo o conceito de pretensão Windscheid equipara ao conceito actio do direito romano distinta da ação de direito processual que não se confundiria com o direito subjetivo permitindo assim que aflorasse o conceito abstrato de ação Mas o autor acaba por ceder a uma espécie de variação semântica do conceito de actio ora operandoa como sinônimo de pretensão perseguível em juízo ora entendendoa como um direito à prestação jurisdicional agravando a confusão entre a ação de direito material e a ação processual como explica Ricardo Jacobsen Gloeckner224 O problema é que a actio na visão pandectista alemã equivale à ação de direito material e portanto ação para realização de direitos acabando por no processo penal contribuir para a equivocada concepção de Binding de que o objeto do processo penal é uma pretensão punitiva Isso porque nessa linha equivocada haveria uma exigência punitiva que fundaria a pretensão punitiva como objeto do processo esquecendose de que não existe no processo penal uma ação de direito material O erro desta concepção nós tratamos no Capítulo 4 dedicado ao estudo do objeto do processo penal para o qual remetemos o leitor Apressouse o jovem professor Muther que tinha pouco mais de 30 anos e recentemente no ano anterior havia sido nomeado Professor Extraordinário na Universidade de Königsberg e com uma parca produção científica ao contrário de Windscheid nove anos maior e com sólida produção a refutála com alguma dureza até reafirmando a posição tradicional Ao longo da polêmica travada entre os dois autores com direito a réplica e tréplica muitos conceitos foram sendo ajustados a ponto de no final Chiovenda afirmar que Muther não fez mais do que complementar o pensamento de Windscheid pelo estudo dos elementos por ele negados Em linhas bem gerais Muther insistia na concepção tradicional de que acionar actio é um direito privado pois a base é o direito material privado Podese como explica Pugliese considerar que a parte crítica de Muther não logrou impedir os pontos de vista de Windscheid mas a parte construtiva entretanto foi muito mais fértil Sustentou Muther que a actio era um direito exercido frente ao juiz e não contra o particular um direito frente ao Estado para a prestação da tutela jurídica Neste ponto obteve grande repercussão Compartilhou desta posição Windscheid e mais concretamente Wach que adotou e desenvolveu tal tese com grande propriedade e transcendência As concepções processuais ou publicistas da ação foram favorecidas pela absorção do conteúdo substancial da actio na noção de pretensão de Windscheid mas sempre buscando como fonte o escrito de Muther Essa última concepção foi posteriormente trabalhada por Degenkolb e Plósz para afirmar que esse direito subjetivo público de acionar é independente da correspondência efetiva de um direito privado caráter abstrato225 A polêmica é extremamente complexa e envolve uma longa discussão sobre as fórmulas a actio romana a litiscontestatio e uma série de categorias inerentes ao direito romano e que estavam sendo colocadas em dúvidas pelo pensamento moderno encampado por Windscheid De tudo isso interessanos agora um pontochave da mudança de concepções até então a estrutura românica entendia que a actio era um poder frente ao adversário e não um direito frente ao Estado além de conter uma visão estritamente privatista Com a polêmica há uma mudança de compreensão vislumbrando a ação como um poder exercido frente ao Estado e com caráter público Em suma como afirma Pugliese226 a publicação de Windscheid é a ata de nascimento da problemática moderna acerca da ação Feita essa sumária digressão histórica vejamos o cenário atual no processo penal Discussão hoje superada é o caráter público ou privado da ação processual penal Se no processo civil alguma razão existia no processo penal o caráter público é evidente Couture227 conceitua ação como o poder jurídico que tem todo sujeito de direito de acudir aos órgãos jurisdicionais para reclamarlhes a satisfação de uma pretensão É um poder jurídico que compete ao indivíduo É um atributo de sua personalidade Esse é um conceito rigorosamente privado que não pode ser aplicado ao processo penal de forma automática mas que coloca em relevo a ação como poder jurídico e como tal perfeitamente compatível com o conceito de Goldschmidt de pretensão acusatória ius ut procedatur anteriormente explicado Explica ainda Couture que a ação tem ao mesmo tempo na efetividade desse exercício um interesse da comunidade que lhe confere o caráter público Por meio da pretensão acusatória o Estado poderá atuar o poder de penar em relação ao que cometeu um injusto típico instrumentalizando o próprio direito penal direito público AlcaláZamora e Levene228 explicam que quando se aponta o caráter público da ação penal se quer dizer que ela serve para a realização de um direito público qual seja o de provocar a atuação do poder punitivo do Estado Os autores advirtase perfilamse entre aqueles que como Goldschmidt negam a pretensão punitiva e atribuem ao acusador o poder de proceder contra alguém poder diverso daquele de punir que corresponde ao Estadojuiz Por tudo isso a rigor constitui uma impropriedade falar em ação penal pública e privada eis que toda ação penal é pública posto que é uma declaração petitória que provoca a atuação jurisdicional para instrumentalizar o direito penal e permitir a atuação da função punitiva estatal Seu conteúdo é sempre de interesse geral O correto é classificar em acusação pública e acusação privada ou se preferirem seguir classificando a partir do crime teremos ação processual penal de iniciativa pública e ação processual penal de iniciativa privada Contudo no Brasil o rigor técnico foi deixado de lado e já está consagrada a terminologia delitos de ação penal pública e delitos de ação penal privada A justificativa está na adoção do critério de legitimidade de agir será pública quando promovida pelo Ministério Público por uma denúncia e privada quando couber à vítima exer cê la através de queixa E o caráter de abstração ou concretude Defendendo o caráter autônomo e abstrato da ação Degenkolb e depois Plósz foram os marcos teóricos dos quais se estruturaram outros estudos Para os defensores dessa posição a ação é autônoma e abstrata no sentido de que é independente do direito material em discussão de modo que a ação poderá ser exercida e o processo nascer e se desenvolver ainda que o autor não tenha razão Ou seja mesmo que a sentença negue o postulado a ação terá sido exercida pois a existência dela não está vinculada a uma sentença favorável de mérito Para essa corrente a ação como direito abstrato tem sua existência prévia ao nascimento do processo É um direito que existe e pode ser exercido ainda que a ação seja julgada improcedente Têm ação aqueles que promovem a demanda ainda que sem direito válido a tutelar Explica Couture229 com deliberado exagero como ele mesmo esclarece que a ação é um direito dos que têm razão e ainda dos que não têm razão Tratase de um direito inerente à própria personalidade das pessoas Posteriormente Wach aperfeiçoando a concepção do processo como relação jurídica de Bülow defende a tese de que a ação é um direito autônomo até porque a relação jurídica de direito processual independe da relação jurídica de direito material mas concreto pois somente haverá ação quando o autor obtiver uma sentença favorável daí por que é o direito a uma sentença favorável na acepção do autor Em oposição à abstração a teoria do direito concreto sustenta em suma que a ação somente compete aos que têm razão Na síntese de Couture230 a ação não é o direito mas não há ação sem direito Mas a concepção de ação como direito concreto acabou não vingando especialmente porque era incapaz de justificar toda a situa ção criada e a jurisdição movimentada quando a sentença não fosse favorável Significaria dizer apontam os críticos que se a sentença fosse improcedente absolutória a ação não teria existido e o processo tampouco como poderia haver processo sem ação Sendo assim como explicar toda a atividade desenvolvida até então Inclusive com manifestação e exercício da jurisdição No processo penal igualmente se afirma a autonomia da ação processual penal até porque como explicamos ao abordar o objeto o direito potestativo de acusar não se confunde com o poder de punir direito material Ou seja o acusador não exerce nenhuma pretensão material punitiva senão uma pretensão processual acusatória Não há como aceitar integralmente a ação como direito concreto na medida em que o poder jurídico constitucional de proceder contra alguém ius ut procedatur existiu e foi realizado ainda que a sentença seja absolutória Isto é a pretensão acusatória pode ser exercida originar um processo penal que se desenvolva de forma válida e ao final o réu ser absolvido porque sua conduta é atípica ou lícita Com isso a pretensão acusatória foi realizada ainda que o Estadojuiz não tenha podido atuar o poder de penar Esse caráter fica ainda mais evidente quando se compreende o objeto do processo penal explicado anteriormente no qual se vê que não tem o acusador uma pretensão punitiva pois não lhe compete o poder de punir mas sim uma pretensão acusatória que é diversa do poder punitivo que é do Estado que o exerce no processo como juiz Ainda tendo em vista que adotamos como função do processo a satisfação jurídica de pretensões eou resistências nenhuma dúvida existe de que o processo também terá cumprido sua função em caso de sentença absolutória No entanto não se pode olvidar o princípio da necessidade em que se a pretensão acusatória é autônoma não o é o poder de punir que só existe no processo e somente pode se efetivar quando a acusação for integralmente levada a cabo e acolhida Ou seja o poder do juiz de penar está condicionado ao exercício integral da pretensão acusatória Não é esse poder de punir autônomo mas totalmente condicionado Mas também não satisfaz no processo penal a plena abstração da ação penal acusatória em relação ao fato criminoso Isso porque como explica Gómez Orbaneja231 puede afirmarse que a diferencia del proceso civil que se constituye de una vez y definitivamente con unos límites objetivos y subjetivos inalterables mediante la presentación de la demanda el proceso penal se desenvuelve escalonadamente El fundamento de la prosecusión o inversamente de su exclusión puede depender tanto de razones substantivas como procesales Está correto No processo civil o início e o desenvolvimento dependem exclusivamente de critérios formais de natureza processual O processo civil se desenvolve por meio de decisões interlocutórias de conteúdo puramente processual formal sem entrar na questão de fundo que deve ficar reservada para a sentença Por isso em geral até a sentença o juiz cível somente terá aplicado normas processuais232 Situação completamente diversa ocorre no processo penal em que as condições de punibilidade podem confundirse com os pressupostos processuais e principalmente para que o processo penal possa iniciar e desenvolverse é imprescindível que fique demonstrado o fumus commissi delicti Ou seja no processo penal desde o início é imprescindível que o acusador público ou privado demonstre a justa causa os elementos probatórios mínimos que demonstrem a fumaça da prática de um delito não bastando cumprimento e critérios meramente formais Não há como no processo civil a possibilidade de deixar a análise da questão de fundo mérito para a sentença pois desde o início o juiz faz juízo provisório de verossimilhança sobre a existência do delito É importante destacar que o processo penal adota um sistema escalonado que vai refletir o grau de sujeição do imputado e de diminuição do seu status libertatis O processo penal é um sistema escalonado e como tal para cada degrau é necessário um juízo de valor Essa escada é triangular pois pode ser tanto progressiva como também regressiva de culpabilidade no sentido de responsabilidade penal A situação do sujeito passivo passa de uma situação mais ou menos difusa à definitiva com a sentença condenatória ou pode voltar a ser difusa e dar origem a uma absolvição Inclusive é possível chegar a um juízo definitivo de caráter negativo em que se reconhece como certa a não participação do agente no delito Por tudo isso define Miguel Pastor López233 que a situação jurídica do sujeito passivo é contingente provisional e de progressiva ou regressiva determinação Com a sentença penal condenatória iniciase uma nova etapa a execução da pena A absolvição não cria uma situação nova senão que restabelece com plenitude o estado de inocente O sujeito passivo não perde o status de inocente no curso do processo mas sem dúvida que ele vai se debilitando Se com a condenação definitiva o estado de inocência acaba com a absolvição é restabelecido com sua máxima plenitude Concordamos com Gómez Orbaneja234 quando define a ação penal como o direito meramente formal de acusar aqui está a semente da teoria da acusação na qual não se faz valer uma exigência punitiva senão que se criam os pressupostos necessários para que o órgão jurisdicional possa proceder à averiguação do delito e de seu autor O acusador não exerce o poder de punir nisso reside a autonomia que também constitui um recorte de abstração senão que afirmando seu nascimento e postula a efetivação do poder de punir que é do Estadojuiz que exercerá pela primeira vez na sentença Pensamos que no processo penal o conceito mais adequado está no entrelugar ou melhor no entreconceito Os conceitos tradicionais de abstração de um lado e de direito concreto de outro não satisfazem a necessidade do processo penal Há que se buscar o entreconceito entre o abstrato e o concreto É algo a ser construído à luz da especificidade do processo penal235 Nessa linha Coutinho236 inspirado em Liebman desenvolve a concepção de direito conexo instrumentalmente ao caso penal Adverte que o fato de ser um direito abstrato não significa que seja ilimitado e incondicionado Deve ser dosado e condicionado somente podendo exercêlo aquele que preencher determinadas condições Está vinculado a um caso concreto determinado e exatamente individuado Assim a abstração é admitida pois não há como negar que a ação existe e foi devidamente exercida ainda que a sentença seja absolutória bem como a autonomia pois o direito potestativo237 de acusar não se confunde com poder material de punir mas ambas são atenuadas aproximandose do conceito de direito concreto na medida em que se exige que a ação processual penal demonstre uma conexão instrumental em relação ao caso penal visto aqui como elemento objetivo da pretensão acusatória conforme conceitos desenvolvidos anteriormente quando do estudo do objeto do processo Também dessa concepção se aproxima Tucci238 ao definir a ação processual penal como um direito subjetivo de índole processual instrumentalmente conexo a uma situação concreta A conexão instrumental é uma exigência do princípio da necessidade em que o delito somente pode ser apurado no curso do processo pois o direito penal não tem realidade concreta nem poder coercitivo fora do instrumento processo Também se vincula à noção de instrumentalidade constitucional anteriormente desenvolvida pois o processo é um instrumento para apuração do fato mas estritamente condicionado pela observância do sistema de garantias constitucionais Na ação processual penal o caráter abstrato coexiste com a vinculação a uma causa que é o fato aparentemente delituoso Logo uma causa concreta Existe assim uma limitação e vinculação a uma causa concreta que deve ser demonstrada ainda que em grau de veros similhança ou seja de fumus commissi delicti Portanto nesta linha de pensamento que é a mais próxima da realidade do processo penal sublinhese a ação processual penal é um direito potestativo de acusar público autônomo abstrato mas conexo instrumentalmente ao caso penal 24 CONDIÇÕES DA AÇÃO PROCESSUAL PENAL E NÃO PROCESSUAL CIVIL 241 QUANDO SE PODE FALAR EM CONDIÇÕES DA AÇÃO Segundo o pensamento majoritário as condições da ação não integram o mérito da causa mas são condições para que exista uma manifestação sobre ele Assim questões como ilegitimidade de parte ativa ou passiva negativa de autoria não ser o fato criminoso ou estar ele prescrito circunscrevemse às situações previstas no art 395 II do CPP impedindo a manifestação sobre o caso penal mérito em julgamento Também encontramos a ausência de condições da ação nas causas de absolvição sumária no art 397 demonstrando o quão próximo estão do mérito ou seja do caso penal elemento objetivo da pretensão acusatória Antes de entrar nessas questões é importante fazer um questionamentoadvertência é correto falar em condições da ação processual penal Existem condições que efetivamente condicionem o exercício da ação processual Ora se como afirmado anteriormente a ação é um poder político constitucional de invocar a tutela jurisdicional e encontra sua base no art 5º XXXV da Constituição como se pode falar em condições nas quais a Constituição não condiciona Para chegarse à resposta é necessário compreender que o direito de ação é um direito de dois tempos239 No primeiro momento estamos na dimensão constitucional do poder de invocar a tutela estatal Esse poder ius ut procedatur é completamente incondicionado Ou seja não existem condições para que a parte o exerça e tampouco possibilidades de impedir seu exercício Não há como proibir ou impedir alguém de ajuizar uma queixacrime ou de o Ministério Público oferecer uma denúncia240 Essa é a dimensão constitucional abstrata e incondicionada desse direito O mestre complutense Jaime Guasp241 comentando o pensamento de Carnelutti na obra Lezioni sul processo penale afirma que ação é um direito público subjetivo que expulsa en realidad el concepto de acción del campo del derecho procesal para encajarlo en el campo del derecho público ou seja como poder políticoconstitucional de invocação Mas existe o segundo momento de natureza não mais constitucional mas sim processual penal É no plano processual que se pode efetivar ou não a tutela postulada obter ou não a resposta jurisdicional almejada movimentar ou não a máquina estatal Na síntese de Jardim242 as condições da ação não são condições para a existência do direito de agir mas sim para o seu regular exercício Considerando o custo que encerra o processo e o fato de não haver possibilidade de a qualquer momento ser extinto sem julgamento de mérito a análise das condições da ação como requisitos a serem preenchidos para o nascimento do processo e obtenção da tutela pedida é fundamental Feita essa advertência sublinhese ainda que não há dúvida de que o juiz fará uma sumária incursão pelo mérito da causa e ainda que teoricamente seja clara a separação entitativa entre a esfera regida pelo direito material e a situação processual é evidente que no plano ontológico do processo existe uma profunda interação entre elas Como aponta Tourinho Filho243 queiram ou não as condições da ação servem de cordão umbilical entre a causa petendi e o exercício do direito de ação Como poderá o juiz apreciar a legitimatio ad causam senão em face da causa petendi Vejamos agora as condições da ação no processo penal 242 CONDIÇÕES DA AÇÃO PENAL EQUÍVOCOS DA VISÃO TRADICIONALCIVILISTA Segundo o pensamento majoritário as condições da ação não integram o mérito da causa mas são condições para que exista uma manifestação sobre ele Assim questões como ilegitimidade de parte ativa ou passiva negativa de autoria não ser o fato criminoso ou estar ele prescrito circunscrevemse às situações previstas no art 395 II do CPP impedindo a manifestação sobre o caso penal mérito em julgamento Também encontramos a ausência de condições da ação nas causas de absolvição sumária no art 397 demonstrando o quão próximo estão do mérito ou seja do caso penal elemento objetivo da pretensão acusatória Quanto às condições da ação a doutrina costuma dividilas em legitimidade interesse e possibilidade jurídica do pedido O problema está em que na tentativa de adequar ao processo penal é feita uma verdadeira ginástica de conceitos estendendoos para além de seus limites semânticos O resultado é uma desnaturação completa que violenta a matriz conceitual sem dar uma resposta adequada ao processo penal Vejamos por quê a Legitimidade esse é um conceito que pode ser aproveitado pois se trata de exigir uma vinculação subjetiva pertinência subjetiva para o exercício da ação processual penal Apenas como explicaremos na continuação não há que se falar em substituição processual no caso de ação penal de iniciativa privada e tampouco é de boa técnica em que pese a consagração legislativa e dogmática a divisão em ação penal pú blica e privada Como visto toda ação é pública por essência Não existe ação processual penal ou processual civil pri vada Tratase de um direito público O problema costuma ser contornado pela inserção de iniciativa pública ou privada b Interesse para ser aplicado no processo penal o interesse precisa ser completamente desnaturado na sua matriz conceitual Lá no processo civil é visto como utilidade e necessidade do provimento Tratase de interesse processual de obtenção do que se pleiteia para satisfação do interesse material É a tradicional concepção de Liebman do binômio utilidade e necessidade do provimento No processo penal alguns autores identificam o interesse de agir com a justa causa de modo que não havendo um mínimo de provas suficientes para lastrear a acusação deveria ela ser rejeitada art 395 III Crítica Pensamos que se trata de categoria do processo civil que resulta inaplicável ao processo penal Isso porque o processo penal vem marcado pelo princípio da necessidade algo que o processo civil não exige e portanto desconhece Se o interesse civilisticamente pensado corresponde à tradicional noção de utilidade e necessidade do provimento não há nenhuma possibilidade de correspondência no processo penal O princípio da necessidade impõe para chegarse à pena o processo como caminho necessário e imprescindível até porque o direito penal somente se realiza no processo penal A pena não só é efeito jurídico do delito244 senão que é um efeito do processo mas o processo não é efeito do delito senão da necessidade de impor a pena ao delito por meio do processo Então ele é inerente à ação processual penal não cabendo a discussão em torno do interesse Para o Ministério Público tanto nos crimes de ação penal de sua iniciativa pública como nos crimes de iniciativa privada o interesse é inerente a quem tiver legitimidade para propor a ação pois não há outra forma de obter e efetivar a punição Então o que faz a doutrina processual penal para aproveitar essa condição da ação processual civil Entulhamento conceitual A intenção é boa e isso não se coloca em dúvida mas o resultado final se afasta muito do conceito primevo Pegam um conceito e o entulham de definições que extrapolam em muito seus limites culminando por gerar um conceito diverso mas com o mesmo nome que não mais lhe serve por evidente Nessa linha costumam tratar como interesse questões que dizem respeito à punibilidade concreta tal como a inexistência de prescrição ou mesmo de justa causa como o princípio da insignificância c Possibilidade jurídica do pedido quanto à possibilidade jurídica do pedido cumpre inicialmente destacar que o próprio Liebman na terceira edição do Manuale di diritto processuale civile aglutina possibilidade jurídica do pedido com o interesse de agir reconhecendo a fragilidade da separação Como conceber que um pedido é juridicamente impossível de ser exercido e ao mesmo tempo proveniente de uma parte legítima e que tenha um interesse juridicamente tutelável Ou ainda como poderá uma parte legítima ter um interesse juridicamente tutelável mas que não possa ser postulado São questões que só podem ser respondidas de forma positiva por meio de mirabolantes exemplos que jamais extrapolam o campo teórico onírico de alguns Assim frágil a categorização mesmo no processo civil e principalmente no processo penal Superada essa advertência inicial o pedido da ação no processo penal de conhecimento será sempre de condenação exigindo um tratamento completamente diverso daquele dado pelo processo civil pois não possui a mesma complexidade Logo não satisfaz o conceito civilista de que o pedido deve estar autorizado pelo ordenamento até porque no processo penal não se pede usucapião do Pão de Açúcar típico exemplo dos manuais de processo civil A doutrina que adota essa estrutura civilista costuma dizer que para o pedido de condenação obviamente ser juridicamente possível a conduta deve ser aparentemente criminosa o que acaba se confundindo com a causa de absolvição sumária do art 397 III do CPP não pode estar extinta a punibilidade nova confusão agora com o inciso IV do art 397 ou ainda haver um mínimo de provas para amparar a imputação o que na verdade é a justa causa Crítica Na verdade o que se verifica é uma indevida expansão dos conceitos do processo civil para ilusoriamente atender à especificidade do processo penal Em suma o que se percebe claramente é a inadequação dessas categorias do processo civil cabendonos então encontrar dentro do próprio processo penal suas condições da ação como se fará na continuação 243 CONDIÇÕES DA AÇÃO PENAL SEGUNDO AS CATEGORIAS PRÓPRIAS DO PROCESSO PENAL Agora diante da necessidade de respeitaremse as categorias jurídicas próprias do processo penal devemos buscar as condições da ação dentro do próprio processo penal a partir da análise das causas de rejeição da acusação Assim do revogado art 43 e do atual art 395 sustentamos que são condições da ação penal245 prática de fato aparentemente criminoso fumus commissi delicti punibilidade concreta legitimidade de parte justa causa Vejamos agora sucintamente cada uma das condições da ação processual penal 2431 PRÁTICA DE FATO APARENTEMENTE CRIMINOSO FUMUS COMMISSI DELICTI Tradicionalmente entendeuse que evidentemente não constituir crime significava apenas atipicidade manifesta Contudo este não é um critério adequado Inicialmente devese considerar que o inciso III do art 397 do CPP fala em crime Ainda que se possa discutir se crime é fato típico ilícito e culpável ou um injusto típico ninguém nunca defendeu que o conceito de crime se resumia à tipicidade Logo atendendo ao referencial semântico da expressão contida no CPP devese trabalhar com o conceito de crime e depois de evidentemente Quanto ao conceito de crime nenhuma dúvida temos de que a acusação deve demonstrar a tipicidade aparente da conduta Para além disso das duas uma ou se aceita o conceito de tipo de injusto na esteira de Cirino dos Santos em que se exige que além dos fundamentos positivos da tipicidade também deve haver a ausência de causas de justificação excludentes de ilicitude ou se trabalha com os conceitos de tipicidade e ilicitude desmembrados Em qualquer caso se houver elementos probatórios de que o acusado agiu manifestamente ao abrigo de uma causa de exclusão da ilicitude deve a denúncia ou queixa ser rejeitada com base no art 395 II pois falta uma condição da ação A problemática situase na demonstração manifesta da causa de exclusão da ilicitude É uma questão de convencimento do juiz Mas uma vez superada essa exigência probatória se convencido de que o acusado agiu ao abrigo de uma causa de exclusão da ilicitude deve o juiz rejeitar a acusação Caso esse convencimento somente seja possível após a resposta do acusado a decisão passará a ser de absolvição sumária nos termos do art 397 Superada essa questão tipicidade e ilicitude surge o questionamento e se o acusado agiu manifestamente ao abrigo de uma causa de exclusão da culpabilidade pode o juiz rejeitar a acusação Pensamos que sim Assim havendo prova da causa de exclusão da culpabilidade como o erro de proibição por exemplo préconstituída na investigação preliminar está o juiz autorizado a rejeitar a acusação O que nos importa agora é que uma vez demonstrada a causa de exclusão e convencido o juiz está ele plenamente autorizado a rejeitar a denúncia ou queixa Ou ainda atender ao pedido de arquivamento feito pelo Ministério Público A denúncia deverá ser rejeitada nos termos do art 395 II do CPP com plena produção dos efeitos da coisa julgada formal e material Em suma a questão deve ser analisada da seguinte forma a se a causa de exclusão da ilicitude ou culpabilidade estiver demonstrada no momento em que é oferecida a denúncia ou queixa poderá o juiz rejeitála com base no art 395 II falta uma condição da ação penal qual seja a prática de um fato aparentemente criminoso b se o convencimento do juiz sobre a existência da causa e exclusão da ilicitude ou da culpabilidade somente for atingido após a resposta do acusado já tendo sido a denúncia ou queixa recebida portanto a decisão será de absolvição sumária art 397 2432 PUNIBILIDADE CONCRETA Exigia o antigo e já revogado art 43 II do CPP que não se tenha operado uma causa de extinção da punibilidade cujos casos estão previstos no art 107 do Código Penal e em leis especiais para que a ação processual penal possa ser admitida Agora essa condição da ação também figura como causa de absolvição sumária prevista no art 397 IV do CPP Mas isso não significa que tenha deixado de ser uma condição da ação processual penal ou que somente possa ser reconhecida pela via da absolvição sumária Nada disso Deve o juiz rejeitar a denúncia ou queixa quando houver prova da extinção da punibilidade A decisão de absolvição sumária fica reservada aos casos em que essa prova somente é produzida após o recebimento da denúncia ou seja após a resposta escrita do acusado Quando presente a causa de extinção da punibilidade como prescrição decadência e renúncia nos casos de ação penal de iniciativa privada ou pública condicionada à representação a denúncia ou queixa deverá ser rejeitada ou o réu absolvido sumariamente conforme o momento em que seja reconhecida 2433 LEGITIMIDADE DE PARTE Dessa forma nos processos que tenham por objeto a apuração de delitos perseguíveis por meio de denúncia ou de ação penal de iniciativa pública o polo ativo deverá ser ocupado pelo Ministério Público eis que nos termos do art 129 I da Constituição é o parquet o titular dessa ação penal Nas ações penais de iniciativa privada caberá à vítima ou seu representante legal arts 30 e 31 do CPP assumir o polo ativo da situação processual A doutrina brasileira na sua maioria entende que nessa situação ocorre uma substituição processual verdadeira legitimação extraordinária nos termos do art 6º do CPC na medida em que o querelante postularia em nome próprio um direito alheio ius puniendi do Estado É um erro bastante comum daqueles que sem atentar para as categorias jurídicas próprias do processo penal ainda pensam pelas distorcidas lentes da teoria geral do processo Compreendido que o Estado exerce o poder de punir no processo penal não como acusador mas como juiz tanto o Ministério Público como o querelante exercitam um poder que lhes é próprio ius ut procedatur pretensão acusatória ou seja o poder de acusar Logo não corresponde o poder de punir ao acusador seja ele público ou privado na medida em que ele detém a mera pretensão acusatória Assim em hipótese alguma existe substituição processual no processo penal A legitimidade deve ser assim considerada a Legitimidade ativa está relacionada com a titularidade da ação penal desde o ponto de vista subjetivo de modo que será o Ministério Público nos delitos perseguíveis mediante denúncia e do ofendido ou seu representante legal nos delitos perseguíveis por meio de queixa É ocupada pelo titular da pretensão acusatória Especificamente no processo penal a legitimidade decorre da sistemática legal adotada pelo legislador brasileiro e não propriamente do interesse Por imperativo legal nos delitos de ação penal de iniciativa pública o Ministério Público será sempre legitimado para agir Já nos delitos de ação penal de iniciativa privada somente o ofendido ou seu representante legal poderá exercer a pretensão acusatória por meio da queixacrime b Legitimidade passiva decorre da autoria do injusto típico O réu pessoa contra a qual é exercida a pretensão acusatória deve ter integrado a situação jurídica de direito material que se estabeleceu com o delito autorvítima Em outras palavras a legitimação passiva está relacionada com a autoria do delito Também não se podem desconsiderar os limites impostos pela culpabilidade penal especialmente no que se refere à inimputabilidade decorrente da menoridade em que o menor de 18 anos e de nada interessa eventual eman cipação civil é ilegítimo para figurar no polo passivo do pro cesso penal A imputação deve ser dirigida contra quem praticou o injusto típico Não se deve esquecer de que nesse momento não pode ser feito um juízo de certeza mas sim de mera probabilidade verossimilhança da autoria A ilegitimidade ativa ou passiva leva à rejeição da denúncia ou queixa nos termos do art 395 II do CPP ou ainda permite o trancamento do processo por meio de habeas corpus eis que se trata de processo manifestamente nulo art 648 IV por ilegitimidade de parte art 564 II A ilegitimidade da parte permite que seja promovida nova ação eis que tal decisão faz apenas coisa julgada formal Corrigida a falha a ação pode ser novamente intentada É o que acontece vg quando o ofendido ajuíza a queixa em delito de ação penal pública A rejeição da queixa não impede que o Ministério Público ofereça a denúncia 2434 JUSTA CAUSA Prevista no art 395 III do CPP a justa causa é uma importante condição da ação processual penal Em profundo estudo sobre o tema Maria Thereza Rocha Assis Moura246 adverte sobre a indefinição que paira em torno do conceito na medida em que causa possui signifi cado vago e ambíguo enquanto que justo constitui um valor E prossegue247 lecionando que a justa causa exerce uma função mediadora entre a realidade social e a realidade jurídica avizinhandose dos conceitosválvula ou seja de parâmetros variáveis que consistem em adequar concretamente a disciplina jurídica às múltiplas exigências que emergem da trama do tecido social Mais do que isso figura como um antídoto de proteção contra o abuso de Direito248 Evidencia assim a autora que a justa causa é um verdadeiro ponto de apoio topos para toda a estrutura da ação processual penal uma inegável condição da ação penal que para além disso constitui um limite ao abuso do ius ut procedatur ao direito de ação Considerando a instrumentalidade constitucional do processo penal conforme explicamos anteriormente o conceito de justa causa acaba por constituir uma condição de garantia contra o uso abusivo do poder de acusar A justa causa identificase com a existência de uma causa jurídica e fática que legitime e justifique a acusação e a própria intervenção penal Está relacionada assim com dois fatores existência de indícios razoáveis de autoria e materialidade de um lado e de outro com o controle processual do caráter fragmentário da intervenção penal 24341 JUSTA CAUSA EXISTÊNCIA DE INDÍCIOS RAZOÁVEIS DE AUTORIA E MATERIALIDADE Deve a acusação ser portadora de elementos geralmente extraí dos da investigação preliminar inquérito policial probatórios que justifiquem a admissão da acusação e o custo que representa o processo penal em termos de estigmatização e penas processuais Caso os elementos probatórios do inquérito sejam insuficientes para justificar a abertura do processo penal deve o juiz rejeitar a acusação Não há que se confundir esse requisito com a primeira condição da ação fumus commissi delicti Lá exigimos fumaça da prática do crime no sentido de demonstração de que a conduta praticada é aparentemente típica ilícita e culpável Aqui a análise deve recair sobre a existência de elementos probatórios de autoria e materialidade Tal ponderação deverá recair na análise do caso penal à luz dos concretos elementos probatórios apresentados A acusação não pode diante da inegável existência de penas processuais ser leviana e despida de um suporte probatório sufi ciente para à luz do princípio da proporcionalidade justificar o imenso constrangimento que representa a assunção da condição de réu É o lastro probatório mínimo a que alude Afrânio Silva Jardim249 exigido ainda pelos arts 12 39 5º 46 1º e 648 I a contrário senso do Código de Processo Penal 24342 JUSTA CAUSA CONTROLE PROCESSUAL DO CARÁTER FRAGMENTÁRIO DA INTERVENÇÃO PENAL Como bem sintetiza Cezar Roberto Bitencourt250 o caráter fragmentário do direito penal significa que o direito penal não deve sancionar todas as condutas lesivas a bens jurídicos mas tão somente aquelas condutas mais graves e mais perigosas praticadas contra bens mais relevantes É ainda um corolário do princípio da intervenção mínima e da reserva legal como aponta o autor A filtragem ou controle processual do caráter fragmentário encontra sua justificativa e necessidade na inegável banalização do direito penal Quando se fala em justa causa está se tratando de exigir uma causa de natureza penal que possa justificar o imenso custo do processo e as diversas penas processuais que ele contém Inclusive se devidamente considerado o princípio da proporcionalidade visto como proibição de excesso de intervenção pode ser considerado a base constitucional da justa causa Deve existir no momento em que o juiz decide se recebe ou rejeita a denúncia ou queixa uma clara proporcionalidade entre os elementos que justificam a intervenção penal e processual de um lado e o custo do processo penal de outro Nessa dimensão situamos as questões relativas à insignificância ou bagatela Considerando que toda categorização implica reducionismo e frágeis fronteiras à complexidade não negamos que a insignificância possa ser analisada na primeira condição fumaça de crime na medida em que incide diretamente na tipicidade Contudo para além das infindáveis discussões teóricas no campo da doutrina penal nenhum impedimento existe de que o juiz analise isso à luz da proporcionalidade da ponderação dos bens em jogo ou ainda da própria estrutura do bem jurídico e da missão do direito penal E quando fizer isso estará atuando na justa causa para a ação processual penal 244 OUTRAS CONDIÇÕES DA AÇÃO PROCESSUAL PENAL Para além das enumeradas e explicadas anteriormente existem outras condições que igualmente condicionam a propositura da ação processual penal Alguns autores chamam de condições específicas em contraste com as condições genéricas anteriormente apontadas Mais usual ainda é a classificação de condições de procedibilidade especificamente em relação à representação e à requisição do Ministro da Justiça nos crimes de ação penal pública condicionada Contudo razão assiste a Tucci quando esclarece que tais classificações não possuem sentido de ser na medida em que tanto a representação como a requisição do Ministro da Justiça nada mais são do que outras condições para o exercício do direito à jurisdição penal251 Mas para além da representação e da requisição do Ministro da Justiça existem outras condições da ação exigidas pela lei penal ou processual penal como por exemplo enumeração não taxativa a poderes especiais e menção ao fato criminoso na procuração que outorga poderes para ajuizar queixacrime nos termos do art 44 do CPP b a entrada no agente no território nacional nos casos de extraterritorialidade da lei penal para atender à exigência contida no art 7º do Código Penal c o trânsito em julgado da sentença anulatória do casamento no crime do art 236 parágrafo único do CP d prévia autorização da Câmara dos Deputados nos crimes praticados pelo Presidente ou VicePresidente da República bem como pelos Ministros de Estado nos termos do art 51 I da Constituição Em qualquer desses casos a denúncia ou queixa deverá ser rejeitada com base no art 395 II do CPP Caso não tenha sido percebida a falta de uma das condições da ação e o processo tenha sido instaurado deve ser trancado o processo por meio de habeas corpus ou extinto pelo juiz decisão meramente terminativa Quanto aos efeitos da decisão não haverá julgamento de mérito podendo a ação ser novamente proposta desde que satisfeita a condição enquanto não se operar a decadência no caso da representação ou de procuração com poderes especiais para a queixa ou a prescrição 25 A PROPOSTA TEORIA DA ACUSAÇÃO REFLEXOS NA SANTA TRINDADE ACUSAÇÃOJURISDIÇÃOPROCESSO 251 A NECESSIDADE INADEQUAÇÕES DECORRENTES DO CONCEITO TRADICIONAL DE AÇÃO O CONCEITO DE ACUSAÇÃO Não é preciso maior esforço para perceber que toda a discussão acerca da ação e seus demais caracteres foi feita desde a perspectiva as categorias e as especificidades do processo civil Essa construção teórica foi transplantada com muito sacrifício conceitual para o processo penal esbarrando o tempo todo nos limites de sua inadequação Basta por exemplo verificar que a concepção de ação penal pública e ação penal privada é um erro pois toda ação é pública por isso temos de falar em ação penal de iniciativa pública ou iniciativa privada para tentar salvar o transplante rejeitado Outro obstáculo epistemológico são as concepções de ação como direito concreto e ação como direito abstrato na medida em que no processo penal não nos serve nem uma nem outra concepção Isso fez com que para tentar salvar a categoria ação fosse criada a teoria eclética pois não raras vezes quando o direito não dá conta da complexidade fenomenológica de algo recorre a vagueza conceitual de teorias ecléticas mistas e coisas do gênero É para superar esse arremedo conceitual que proporemos a seguir a construção de uma teoria da acusação que possa superar essas transmissões inadequadas As condições da ação do processo civil legitimidade interesse e possibilidade jurídica do pedido seguem sendo repetidas de forma absolutamente inadequada no processo penal e ainda esbarram em outro problema o escalonamento do processo penal Ao contrário do processo civil em que o autor somente tem de demonstrar condições formais para que a demanda seja recebida no processo penal a situa ção é completamente distinta No processo civil todas as questões de mérito ficam reservadas para análise na sentença como regra é claro Já no processo penal desde o início para que a acusação seja recebida deve o acusador demonstrar a fumaça do mérito ou seja a viabilidade em sede de verossimilhança fumus commissi delicti Isso porque o processo penal tem um elevado custo estigmatiza e principalmente já é uma pena em si mesmo Na lendária frase de Carnelutti a maior miséria do processo penal é que punimos para saber se devemos punir É uma distinção tão relevante que faz com que não se possam importar as condições da ação nem sequer adaptandoas pois o problema é outro é na base epistemológica do instituto O processo penal tem um escalonamento progressivo ou regressivo de culpabilidade de modo que a acusação somente pode ser admitida se houver fumaça da prática de um crime logo indícios razoáveis do próprio mérito e se essa fumaça desaparecer com os elementos trazidos pela defesa deve o juiz absolver sumariamente o réu sem precisar haver o desenvolvimento completo do procedimento Ou seja é possível uma decisão sobre o mérito absolvição sumária antes da sentença final Tudo isso é completamente contrário à base conceitual desde sempre pensada para as condições da ação pelo processo civil Por tudo isso nossa proposta parte da assunção das categorias jurídicas próprias do processo penal e da necessidade de superação da inadequada estrutura teórica existente Pensamos ser necessário construir uma teoria da acusação que liberta dos dogmas e polêmicas processuais civis do passado contribua para a elaboração de uma teoria de base e que melhor atenda às necessidades específicas do processo penal Concordamos com Gómez Orbaneja252 quando define a ação penal como o direito meramente formal de acusar aqui está a semente da teoria da acusação na qual não se faz valer uma exigência punitiva senão que se criam os pressupostos necessários para que o órgão jurisdicional possa proceder à averiguação do delito e de seu autor O acusador não exerce o poder de punir nisso reside a autonomia que também constitui um recorte de abstração senão que afirmando seu nascimento e postula a efetivação do poder de punir que é do Estadojuiz que exercerá pela primeira vez na sentença Precisamos sepultar a equivocada concepção de que haveria uma exigência punitiva ação de direito material a ser exercida no processo penal sob a roupagem de pretensão punitiva Como explicamos anteriormente no estudo do objeto do processo penal o direito penal é despido de poder coercitivo direto necessitando sempre do processo penal para se realizar e efetivar Princípio da Necessidade nulla poena sine iudicio No processo penal o acusador exerce um poder próprio de acusar ius ut procedatur pretensão acusatória e o juiz exerce ao final preenchidos os requisitos para tanto outro poder qual seja o poder de punir ou de penar O poder de punir é do juiz e não do acusador Ao Ministério Público não compete o poder de punir mas a pena de promover a punição Carnelutti O acusador no processo penal não está na posição de credor do direito civil a exigir a adjudicação de um direito próprio Não é disso que se trata e portanto erro primevo da concepção de pretensão punitiva tradicionalmente utilizada O acusador exerce um direito próprio de acusar que não se confunde com o poder condicionado de punir do juiz Uma vez exercido o poder de acusar e demonstrada a existência de um caso penal no devido processo penal especialmente na dimensão de decisão construída pelo procedimento em contraditório Fazzalari criamse as condições de possibilidade para o exercício do poder condicionado portanto de punir que é do juiz A acusação vista como instrumento portador do direito potestativo de proceder contra alguém gera uma obrigação do órgão jurisdicional de manifestarse até por consequência do princípio da necessidade Sem dúvida há uma situação de sujeição do acusado à situação jurídicoprocessual estabelecida na concepção dinâmica de Goldschmidt Por meio da acusação invoca se a atuação da jurisdição dando início ao processo situação jurídica que culminará com a decisão O simples exercício da acusação ius ut procedatur coloca o sujeito passivo numa nova posição jurídica a de submetido a um processo penal Com isso estará sujeito à incidência das normas e institutos processuais penais como prisão preventiva liberdade provisória com fiança dever de comparecimento aos atos do processo etc Adotamos assim a posição de Giovanni Leone253 em relação ao binômio direito subjetivopotestativo Para o autor a posição mista decorre da necessidade de adotar um novo caminho que represente a confluência das concepções distintas mas não opostas de ação como direito subjetivo e ação como direito potestativo Em definitivo o nascimento do processo penal estabelece uma nova situazione giuridica subjettiva que acarreta e reflete um maior grau de diminuição do status libertatis do sujeito passivo A acusação é ao mesmo tempo um direito subjetivo em relação ao Estado Jurisdição e um direito potestativo em relação ao imputado254 No primeiro caso corresponde à obrigação da prestação da tutela jurisdicional e de emitir uma decisão no segundo há uma sujeição do imputado às consequências processuais produzidas pela ação Aqui destaquese para evitar críticas fundadas na incompreensão dessa construção que não existe sujeição do imputado em relação ao acusador sob pena de voltarmos à equivocada concepção de exigência punitiva mas sim em relação à situação jurídica processual nascida da admissão da acusação Não se sujeita o réu ao acusador mas ao processo e ao conjunto de atos nele desenvolvido Concebida a acusação como poder de proceder ius ut procedatur portadora do caso penal fumus commissi delicti pela qual se invoca a atuação do poder jurisdicional não necessitamos mais utilizar o conceito de pretensão acusatória Uma vez abandonados por inadequados os conceitos tradicionais de ação o também tradicional conceito de pretensão perde sentido principalmente o errado conceito de pretensão punitiva Sustentamos a concepção de pretensão acusatória usando como referencial teórico as construções de Guasp Gómez Orbaneja e Goldschmidt demonstrando inicialmente o erro de pensarse a existência de pretensão acusatória na medida em que o acusador não é titular de nenhuma exigência punitiva tampouco existe a possibilidade de realização dela fora do processo penal princípio da necessidade e principalmente por representar uma transmissão mecânica de categorias do processo civil O acusador seja público ou privado não é detentor de uma pretensão punitiva na medida em que não são detentores de uma exigência punitiva e tampouco do poder de punir O poder de punir é de atribuição do juiz Ao acusador compete apenas um poder de acusar logo pretensão acusatória Contudo pensamos que se pode prescindir do conceito de pretensão acusatória no momento em que se romper com a visão tradicional É preciso assumir ainda que seja um conceito muito mais acertado que o de pretensão punitiva que tal construção é na sua essência fruto das construções civilistas Não deixa de ser uma roupa da irmã mais velha na fábula carneluttiana Rompendose com a visão tradicional de ação esvaziase a concepção de pretensão Assim trabalhamos com a acusação como poder de proceder contra alguém em juízo ius ut procedatur o instrumento capaz de provocar a manifestação jurisdicional que deve ser portador do caso penal Feita essa ressalva uma vez admitida a acusação e iniciado o processo o objeto passa a ser a imputação o caso penal trazido obrigando a uma reformulação de nossa concepção Essa acusação portanto será o instrumento portador do ius ut procedatur isto é do poder de acusar e no processo penal brasileiro se concretizará na denúncia ou queixa conforme o delito seja de acusação pública ou privada quanto à iniciativa Liberto das categorias e polêmicas seculares podemos considerar que a acusação será pública quando levada a cabo pelo órgão oficial do Estado Ministério Público Poderá ser ainda uma acusação pública condicionada quando a lei impuser a necessidade de uma prévia autorização da vítima para que o Estado possa proceder contra alguém representação Já a acusação será privada nos delitos em que a lei outorga ao particular o poder de acusar concretizando essa acusação na queixacrime Superadas as concepções públicas e privadas do passado podese trabalhar a partir da legitimidade ativa para definição Considerando que tanto a iniciativa pública como a privada estão previstas na Constituição podemos perfeitamente conceituar como um poder constitucional de iniciativa pública ou privada de acusar alguém frente ao órgão jurisdicional É portanto neste momento um poder de agir incondicionado Deve ser completamente abandonado o civilismo de pensar ser o querelante um substituto processual figura do processo civil trazida à força por alguma doutrina para o processo penal Não existe substituição processual no processo penal na medida em que o particular exerce um poder próprio de acusar em nome próprio A figura do substituto foi uma necessidade decorrente da errônea concepção de pretensão punitiva de modo que um erro levou a outro para justificar a premissa inicial errada O particular não exerce o poder de punir e por isso não exerce em nome próprio um direito alheio Ele é titular do poder de acusar da mesma forma que o Ministério Público havendo uma única diferença que é a legitimidade para exercêlo fruto de opção de política processual Nada além disso 252 REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE DA ACUSAÇÃO Uma vez recebida a acusação caberá ao juiz a análise dos requisitos de admissibilidade da acusação Não há sentido em seguir utilizando a categoria das condições da ação com o peso histórico que tem na medida em que hoje elas constituem na verdade requisitos de admissibilidade da acusação denúncia ou queixa As condições da ação sempre foram definidas como condições para o exercício do direito de ação seu regular exercício Mas atualmente mesmo a ação é vista como um poder político constitucional de invocação absolutamente incondicionado na sua essência surgindo a necessidade de se pensar em ação como direito de dois tempos como anteriormente explicado para salvar o conceito Considerando que o poder de invocação da tutela jurisdicional é essencialmente incondicionado e que eventual controle se dará no segundo estágio quando o juiz decide se admite ou não a acusação ou a ação no cível Por isso tampouco é de todo correto seguir operando com a categoria condições de algo que constitui um poder incondicionado Por isso pensamos que na reestruturação teórica do instituto mais um inconveniente a ser solucionado é esse abandono da categoria condições para situar na dimensão de requisitos de admissibilidade pois é disso que se trata Uma vez exercida a acusação pública ou privada verificará o juiz se a admite ou não analisando os requisitos já conhecidos de fumaça da prática de um crime punibilidade concreta justa causa e legitimidade ativapassiva Preenchidos poderá o juiz receber a acusação Portanto esses são os requisitos de admissibilidade da acusação a Legitimidade ativa e passiva em que se verificará à luz da tipicidade aparente quem é o acusador atribuído por lei se público ou privado Quanto ao polo passivo tratase de análise sumária da figura do acusado não admitindo a acusação que se dirija contra alguém que manifestamente não é o autorpartícipe do fato aparentemente criminoso ou seja inimputável b Prática de fato aparentemente criminoso é o conhecido fumus commissi delicti cabendo ao acusador demonstrar a tipicidade aparente verossimilhança acusatória mas também a aparência de ilicitude Havendo elementos probatórios de que o imputado agiu manifestamente ao abrigo de uma causa de exclusão da ilicitude deve a acusação ser rejeitada não admitida c Punibilidade concreta superada a visão civilista de que isso seria uma discussão acerca do interesse a exigência de demonstração da punibilidade concreta também pode ser pensada como um elemento negativo ou seja não pode ter ocorrido uma causa de extinção da punibilidade prescrição decadência etc prevista no art 107 do CP ou em leis especiais d Justa causa pensada como um limite contra o uso abusivo do poder de acusar é a exigência de que se demonstre jurídica e faticamente uma causa penal que justifique a acusação Pensamos como explicado anteriormente que a justa causa diz respeito à existência de indícios razoáveis de autoria e materialidade de um lado e de outro com o controle processual do caráter fragmentário da intervenção penal Para evitar repetições remetemos o leitor para a explicação feita quando tratamos das condições da ação Esses são verdadeiros requisitos para que uma acusação pública ou privada seja admitida dando início ao processo Não preenchidos deverá o juiz rejeitar a acusação 253 REFLEXOS NOS CONCEITOS DE JURISDIÇÃO E PROCESSO Definida a acusação como o substitutivo conceitual adequado para aquilo que tradicionalmente se denominou ação processual penal vejamos agora as demais categorias de jurisdição e processo A jurisdição tradicionalmente vista como poderdever dizer o direito precisa ser repensada à luz das especificidades do processo penal Sem dúvida é um poder o poder de punir mas é um poder condicionado e principalmente é uma atividade protetiva de direitos fundamentais Portanto algumas distorções precisam ser corrigidas como por exemplo a Regras da competência considerando que a jurisdição no processo penal tem uma função diferente daquela realizada no processo civil o direito fundamental ao juiz natural com uma competência previamente estabelecida por lei adquire uma relevância muito maior Ainda que a competência seja vista como limite ao poder é também uma garantia fundamental que não pode ser manipulada No processo penal podemos seguir trabalhando com a competência em razão da matéria pessoa e lugar desde que não se importe inadequadamente a ideia de que a competência em razão do lugar é relativa Isso é um civilismo inadequado O CPP nunca disse e nem poderia à luz da Constituição que a competência em razão do lugar era relativa e que somente poderia ser ar guida pela parte interessada passiva no primeiro momento que falasse no processo sob pena de preclusão Isso não está recepcionado pelo processo penal e constitui mais um erro de não perceber a dimensão da jurisdição no processo penal b Regras da competência II compreendido o tópico anterior não há como admitir que a competência possa ser modificada a partir de uma resolução ou qualquer outro ato legislativo inferior a lei É o caso típico das varas especializadas instituídas no âmbito da justiça federal a partir de resoluções dos respectivos TRFs violando a garantia da reserva de lei e também do juiz natural c Imparcialidade quando se supera a visão de jurisdição como mero poderdever para encarála como garantia do indivíduo submetido ao processo a imparcialidade adquire novos contornos e maior relevância Devese maximizar a preocupação em evitar os préjuízos que geram um imenso prejuízo Somente a adoção de um sistema efetivamente acusatório que não apenas respeite o ne procedat iudex ex officio duran te todo o procedimento não apenas no início mas principalmente que mantenha o juiz afastado da iniciativagestão da prova é capaz de criar as condições de possibilidade para a imparcialidade A exigência da imparcialidade deve ser pensada para além da questão subjetiva dos prejulgamentos mas também objetiva e estética Objetivamente se deve mirar para a estrutura processual não permitindo que o juiz desça para a arena das partes praticando atos que não lhe competem Na dimensão da estética de imparcialidade como já denominou o Tribunal Europeu de Direitos Humanos TEDH é importante que o jurisdicionado tenha essa percepção da separação de funções e papéis com um acusador e um julgador com lugares e falas bem demarcadas É essa estética que dá a necessária confiança ao jurisdicionado de que haverá um julgamento justo d Imparcialidade II para além dos prejulgamentos anteriormente tratados precisamos entender a necessidade de conceber a prevenção como causa de exclusão da competência Como já decidiu inúmeras vezes o TEDH juiz prevento é juiz contaminado que não pode julgar Grave erro do sistema brasileiro foi considerar a prevenção como causa de fixação da competência quando deveria ser o oposto Já tratamos dessa questão diversas vezes sendo desnecessário repetir Mas é crucial que exista um juiz na fase préprocessual encarregado de decidir sobre as medidas que exijam autorização judicial e também de receber a denúncia e outro juiz na fase processual sistema doble juez Nessa linha é absolutamente fundamental que o juiz das garantias previsto no art 3ºB e ss do CPP inserido pela Lei n 139642019 tenha plena vigência neste momento em que atualizamos esta obra tais dispostivos legais estão suspensos por conta da liminar concedida pelo Min Fux já explicada no início do livro e Pode o juiz condenar quando o MP pede absolvição Evidente que não O poder de punir titularizado pelo juiz é um poder condicionado ao prévio e integral exercício do poder de acusar Logo se o acusador desistir de acusar pedindo a absolvição do imputado não se criam as condições de possibilidade e suficiência para o juiz condenar É a acusação não apenas o starter do processo mas também o motor que o movimenta não podendo o juiz de ofício condenar Ademais também viola a estrutura acusatória a imparcialidade ao princípio da correlação exatamente porque o espaço decisório vem demarcado pela acusação Condenar sem pedido ou seja sem acusação é absolutamente inaceitável f Princípio da correlação importante compreender que o espaço decisório vem demarcado pela acusação que inclui não apenas um fato aparentemente criminoso mas também sua tipificação legal Está completamente superada a reducionista visão do narra mihi factum dabo tibi ius pois a acusação deve conter a descrição fática e a imputação jurídica fato processual fato natural fato penal havendo a defesa nessa dupla dimensão fato e direito Portanto devese levar muito mais a sério a mutatio libelli e principalmente extinguir ou reduzir a situações extremas de evidente erro a emendatio libelli O que se tem visto no Brasil é o uso indiscriminado e errado do art 383 em situações que o correto era seguir o procedimento do art 384 com aditamento e contraditório como vg na desclassificação de crime doloso para culposo consumado para tentado etc255 Devese atentar para os requisitos da acusação e sua função definidora dos limites decisórios respeitando assim o princípio da correlação que também se vincula à estrutura acusatória e à garantia da imparcialidade g Revisão da teoria da nulidades considerando que o papel do juiz é o de garantidor do sistema de garantias constitucionais é preciso partir da premissa de que forma é garantia e limite de poder e incumbe ao juiz zelar pela observância da forma enquanto regras do devido processo Como já explicado em outra oportunidade256 precisamos revisar a inadequada importação das categorias do processo civil especialmente o famigerado prejuízo nunca demonstrável pois depende do decisionismo ilegítimo do julgador eis que se trata de uma categoria aberta que vai encontrar referencial semântico naquilo que quiser o julgador A jurisdição enquanto garantia fundamental deve zelar pela contenção da ilegalidade Enfim diversas são as consequências na reestruturação de uma teoria geral do processo penal que vão exigir da jurisdição a assunção de um lugar diferenciado do atual Quanto ao processo e sua natureza jurídica o caminho vem dado por Goldschmidt e complementado por Fazzalari ambos anteriormente estudados de modo que o processo penal iniciado pela acusação frente ao juiz penal deverá se desenvolver dentro da complexa dinâmica de riscos chances carga do acusador liberação de cargas etc na realidade bem exposta pela teoria do processo como situação jurídica Mas é imprescindível o fortalecimento ao contraditório bem desenhado por Fazzalari para que se pense na jurisdição como garantidora do contraditório em que o juiz não é o contraditor mas o responsável pela eficácia do contraditório O processo deve ser visto como um procedimento em contraditório com todos os atos mirando o provimento final que em última análise é construído em contraditório A perspectiva de Goldschmidt ao desvelar a dinâmica e o risco coloca de relevo a falácia de segurança do modelo de Bülow sublinhando como decorrência a importância da máxima eficácia das regras do jogo devido processo como instrumentos redutores de danos de uma sentença injusta É desvelar o risco para fortalecer o sistema de garantias sem por elementar pactuar com o decisionismo Compreender que no processo penal não há distribuição de cargas probatórias senão exclusivamente a atribuição da carga ao acusador é fundamental para eficácia da presunção de inocência regra de tratamento e de julgamento e correto tratamento da questão probatória e do ato decisório A perspectiva de Fazzalari não constitui um novo senão uma continuidade do pensamento goldschmidtiano fortalecendo a dinâmica e a importância do contraditório Ademais o autor italiano leciona com muita propriedade que os atos do procedimento estão geneticamente ligados de modo que a validade do posterior depende e pressupõe a validade do anterior Isso é muito relevante quando se trata de provas ilícitas ou mesmo das nulidades processuais pois há uma perigosa tendência atualmente de ver o procedimento como uma aglutinação de atos estanques independentes de forma completamente equivocada e utilitarista Enfim nesta breve introdução sobre os Fundamentos do Processo Penal pretendemos demonstrar que a construção de uma Teoria Geral do Processo Penal inicia pelo abandono de categorias inadequadas do processo civil e a correta redefinição de outras cruciais tais como as de acusaçãojurisdiçãoprocesso livrandose do peso da tradição e das amarras do passado para liberto efetivamente se construir um processo penal constitucional e democrático É a proposta para reflexão Capítulo 3 Jurisdição penal A posição do juiz como fundante do sistema processual Quando se pensa a jurisdição penal normalmente conceituada como o poderdever de dizer o direito no caso concreto juris dictio é preciso atentar para o fato de que a jurisdição ocupa uma posição e função distinta daquela concebida pelo processo civil Aqui jurisdição é garantia e sem negar o tradicional poderdever a ele é preciso acrescentar uma função ainda mais relevante garantidor O juiz é o garantidor da eficácia do sistema de garantias da Constituição Não sem razão o primeiro princípiogarantia que estudamos no processo penal é exatamente a garantia da jurisdicionalidade ou seja de ser julgado por um juiz imparcial devidamente investido com competência previamente estabelecida por lei juiz natural que terá a missão de zelar pela máxima eficácia do sistema de garantias da Constituição Diante da acusação vista como exercício de poder incumbe ao juiz o papel de guardião da eficácia do sistema de garantias logo como limitador e controlador desse poder exercido pelo Ministério Público ou o particular A jurisdição aqui neste primeiro momento tem de realizar a filtragem para evitar acusações infundadas ou excessivas É um papel de limitador e controlador da legalidade da acusação que está sendo exercida Nesta dimensão potencializase a importância da filtragem jurisdicional por meio da exigência de preenchimento dos requisitos de admissibilidade da acusação anteriormente tratados Tampouco se pode falar em atividade substitutiva como costumeiramente é adjetivada a jurisdição na medida em que não existe no processo penal uma efetiva substituição O juiz não substitui as partes na atividade tendente à resolução do litígio E não existe isso não só porque não existe lide mas principalmente porque a pena é pública Quando se fala que a jurisdição substitui a vingança privada olvidase de que o processo penal nasce com a pena pública e que as demais formas de agir privado que a antecederam não eram penas mas formas de vingança privada Por isso o juiz não substitui ninguém O processo surge com a pena exatamente por ser ele o caminho necessário para chegar a ela nulla poena sine iudicio Pretendemos neste breve ensaio demonstrar ainda que a posição do juiz no processo penal é fundante do sistema processual Significa compreender que o processo penal enquanto um sistema de reparto de justiça por um terceiro imparcial já que a Imparcialidade é o Princípio Supremo do Processo Werner Goldschmidt está estruturado a partir da posição ocupada pelo juiz Nesta estrutura dialética actum trium personarum Búlgaro a posição do juiz é crucial para o desequilíbrio de todo o sistema de administração da justiça e do processo por elementar Se a imparcialidade é o Princípio Supremo deve ser compreendido que somente um processo penal acusatório que mantenha o juiz afastado da iniciativa e gestão da prova cria as condições de possibilidade para termos um juiz imparcial Impossível a imparcialidade do juiz em uma estrutura inquisitória Neste contexto propomos pensar a Jurisdição a partir da posição do juiz no sistema processual tendo como pano de fundo para essa compreensão o estudo dos Sistemas Processuais Penais Inquisitório Acusatório e o desvelamento da insuficiência conceitual do chamado sistema misto Iniciemos por uma constatação básica na história do direito se alternaram as mais duras opressões com as mais amplas liberdades É natural que nas épocas em que o Estado viuse seriamente ameaçado pela criminalidade o direito penal tenha estabelecido penas severas e o processo tivesse de ser também inflexível257 Para tanto a posição e o papel do juiz no processo penal constituem o busílis da questão Os sistemas processuais inquisitório e acusatório são reflexos da resposta do processo penal frente às exigências do direito penal e do Estado da época Atualmente o law and order é mais uma ilusão de reduzir a ameaça da criminalidade endurecendo o direito penal e o processo Na lição de J Goldschmidt258 los principios de la política procesal de una nación no son otra cosa que segmentos de su política estatal en general Se puede decir que la estructura del proceso penal de una nación no es sino el termómetro de los elementos corporativos o autoritarios de su Constitución Partiendo de esta experiencia la ciencia procesal ha desarrollado un número de principios opuestos constitutivos del proceso El predominio de uno u otro de estos principios opuestos en el derecho vigente no es tampoco más que un tránsito del derecho pasado al derecho del futuro Nessa linha Maier259 explica que no direito penal a influência da ideologia vigente ou imposta pelo efetivo exercício do poder se percebe mais à flor da pele que nos demais ramos jurídicos E esse fenômeno é ainda mais notório no processo penal na medida em que é ele e não o direito penal que toca no homem real de carne e osso Como afirmamos anteriormente o direito penal não tem realidade concreta fora do processo penal sendo as regras do processo que realizam diretamente o poder penal do Estado Por isso conclui Maier é no direito processual penal que as manipulações do poder político são mais frequentes e destacadas até pela natureza da tensão existente poder de penar versus direito de liberdade No processo o endurecimento manifestase no utilitarismo judicial em atos dominados pelo segredo forma escrita aumento das penas processuais prisões cautelares crimes inafiançáveis etc algumas absurdas inversões da carga probatória e principalmente mais poderes para os juízes investigarem Podese constatar que predomina o sistema acusatório nos países que respeitam mais a liberdade individual e que possuem uma sólida base democrática Em sentido oposto o sistema inquisitório predomina historicamente em países de maior repressão caracterizados pelo autoritarismo ou totalitarismo em que se fortalece a hegemonia estatal em detrimento dos direitos individuais Sem nenhuma pretensão de esgotamento temático260 precisamos considerar que o processo romano teve várias fases e perdurou por séculos mais de 1300 anos tendo diferentes morfologias tanto de aproximação como de afastamento do núcleo acusatório Ademais os sistemas não desaparecem de um dia para o outro pois um paradigma não sofre um corte cirúrgico uma ruptura total do dia para noite senão que existem longos períodos de transição interstícios paradigmáticos Mesmo no processo romano encontramos momentos em que a estrutura inquisitória dominou amplamente Na síntese de Zanoide de Moraes261 se analisarmos do período régio em direção ao período do Baixo Império podemos pensar o processo romano em três fases a inicialmente com o procedimento claramente inquisitivo da cognitio basedo na inquisitio e na noção de imperium sendo sucedido pela anquisitio b no período republicano surge a segunda espécie de procedimento penal chamado de iudicium publicum com traços acusatórios e baseado na participação popular substituindo a estrutura inquisitória vigente até então c como terceira espécie de procedimento penal romano no final da República e início do Império surge a cognitio extra ordinem decorrência do novo regime político autoritário e centralizador dos Imperadores que resgata a matriz inquisitória da inquisitio e de imperium Isso bem demonstra como a concepção de sistema processual penal é diretamente influenciada pela estrutura e concepção de poder estatal Dando um proposital salto histórico um novo marco importante é o século XII quando efetivamente se toma o rumo do processo inquisitório marca que prevalece com maior ou menor intensidade conforme o país até o final do século XVIII em alguns países até parte do século XIX momento em que os movimentos sociais e políticos levaram a uma nova mudança de rumos A doutrina nacional majoritariamente aponta que o sistema brasileiro contemporâneo é misto predomina o inquisitório na fase pré processual e o acusatório na processual Ora afirmar que o sistema é misto é absolutamente insuficiente é um reducionismo ilusório até porque não existem mais sistemas puros são tipos históricos todos são mistos A questão é a partir do reconhecimento de que não existem mais sistemas puros identificar o princípio informador de cada sistema para então classificálo como inquisitório ou acusatório pois essa classificação feita a partir do seu núcleo é de extrema relevância Antes de analisar a situação do processo penal brasileiro contemporâneo vejamos sumariamente algumas das características dos sistemas acusatório e inquisitório 31 SISTEMA ACUSATÓRIO A origem do sistema acusatório remonta ao direito grego o qual se desenvolve referendado pela participação direta do povo no exercício da acusação e como julgador Vigorava o sistema de ação popular para os delitos graves qualquer pessoa podia acusar e acusação privada para os delitos menos graves em harmonia com os princípios do direito civil No direito romano da Alta República262 surgem as duas formas do processo penal cognitio e accusatio A cognitio era encomendada aos órgãos do Estado magistrados Outorgava os maiores poderes ao magistrado podendo este esclarecer os fatos na forma que entendesse melhor Era possível um recurso de anulação provocatio ao povo sempre que o condenado fosse cidadão e varão Nesse caso o magistrado deveria apresentar ao povo os elementos necessários para a nova decisão Nos últimos séculos da República esse procedimento começou a ser considerado insuficiente escasso de garantias especialmente para as mulheres e para os que não eram cidadãos pois não podiam utilizar o recurso de anulação e acabou sendo uma poderosa arma política nas mãos dos magistrados Na accusatio a acusação polo ativo era assumida de quando em quando espontaneamente por um cidadão do povo Surgiu no último século da República e marcou uma profunda inovação no direito processual romano Tratandose de delicta publica a persecução e o exercício da ação penal eram encomendados a um órgão distinto do juiz não pertencente ao Estado senão a um representante voluntário da coletividade accusator Esse método também proporcionava aos cidadãos com ambições políticas uma oportunidade de aperfeiçoar a arte de declamar em público podendo exibir para os eleitores sua aptidão para os cargos públicos Como notas características destacamos a a atuação dos juízes era passiva no sentido de que eles se mantinham afastados da iniciativa e gestão da prova atividades a cargo das partes b as atividades de acusar e julgar estão encarregadas a pessoas distintas c a adoção do princípio ne procedat iudex ex officio não se admitindo a denúncia anônima nem processo sem acusador legítimo e idôneo d estava apenado o delito de denunciação caluniosa como forma de punir acusações falsas e não se podia proceder contra réu ausente até porque as penas são corporais e a acusação era por escrito e indicava as provas f havia contraditório e direito de defesa g o procedimento era oral h os julgamentos eram públicos com os magistrados votando ao final sem deliberar263 Mas na época do Império o sistema acusatório foi se mostrando insuficiente para as novas necessidades de repressão dos delitos ademais de possibilitar com frequência os inconvenientes de uma persecução inspirada por ânimos e intenções de vingança Por meio dos oficiais públicos que exerciam a função de investigação os denominados curiosi nunciatores stationarii etc eram transmitidos aos juízes os resultados obtidos A insatisfação com o sistema acusatório vigente foi causa de que os juízes invadissem cada vez mais as atribuições dos acusadores privados originando a reunião em um mesmo órgão do Estado das funções de acusar e julgar A partir daí os juízes começaram a proceder de ofício sem acusação formal realizando eles mesmos a investigação e posteriormente dando a sentença Isso caracterizava o procedimento extraordinário que ademais introduziu a tortura no processo penal romano O novo regime político autoritário e centralizador dos Imperadores conduz a uma repristinação da concepção inquisitória mais acorde com o projeto de poder E se no início predominava a publicidade dos atos processuais isso foi sendo gradativamente substituído pelos processos à porta fechada As sentenças que na época Republicana eram lidas oralmente desde o alto do tribunal no Império assumem a forma escrita e passam a ser lidas na audiência Nesse momento resgatamse as características de um sistema o inquisitório Mas é sem dúvida séculos depois que a inquisição da Igreja Católica especialmente espanhola constrói um processo com o núcleo inquisitório mais característico O processo penal canônico antes marcado pelo acusatório contribuiu definitivamente para delinear o modelo inquisitório mostrando na Inquisição Espanhola sua face mais dura e cruel a partir do final do século XII Finalmente no século XVIII a Revolução Francesa e suas novas ideologias e postulados de valorização do homem levam a um gradual abandono dos traços mais cruéis do sistema inquisitório Na atualidade a forma acusatória caracterizase pela a clara distinção entre as atividades de acusar e julgar b a iniciativa probatória deve ser das partes decorrência lógica da distinção entre as atividades c mantémse o juiz como um terceiro imparcial alheio a labor de investigação e passivo no que se refere à coleta da prova tanto de imputação como de descargo d tratamento igualitário das partes igualdade de oportunidades no processo e procedimento é em regra oral ou predominantemente f plena publicidade de todo o procedimento ou de sua maior parte g contraditório e possibilidade de resistência defesa h ausência de uma tarifa probatória sustentandose a sentença pelo livre convencimento motivado do órgão jurisdicional i instituição atendendo a critérios de segurança jurídica e social da coisa julgada j possibilidade de impugnar as decisões e o duplo grau de jurisdição É importante destacar que a principal crítica que se fez e se faz até hoje ao modelo acusatório é exatamente com relação à inércia do juiz imposição da imparcialidade pois este deve resignarse com as consequências de uma atividade incompleta das partes tendo de decidir com base em um material defeituoso que lhe foi propor cionado Esse sempre foi o fundamento histórico que conduziu à atribuição de poderes instrutórios ao juiz e revelouse por meio da inquisição um gravíssimo erro O mais interessante é que não aprendemos com os erros nem mesmo com os mais graves como foi a inquisição Basta constatar que o atual CPP atribui poderes instrutórios para o juiz a maioria dos tribunais e doutrinadores defende essa postura ativa por parte do juiz muitas vezes invocando a tal verdade real esquecendo a origem desse mito e não percebendo o absurdo do conceito proliferam projetos de lei criando juízes inquisidores e juizados de instrução etc Não podemos reincidir em erros históricos dessa forma pois como diria Tocqueville uma vez que o passado já não ilumina o futuro o espírito caminha nas trevas O sistema acusatório é um imperativo do moderno processo penal frente à atual estrutura social e política do Estado Assegura a imparcialidade e a tranquilidade psicológica do juiz que sentenciará garantindo o trato digno e respeitoso com o acusado que deixa de ser um mero objeto para assumir sua posição de autêntica parte passiva do processo penal Também conduz a uma maior tranquilidade social pois se evitam eventuais abusos da prepotência estatal que se pode manifestar na figura do juiz apaixonado pelo resultado de seu labor investigador e que ao sentenciar olvidase dos princípios básicos de justiça pois tratou o suspeito como condenado desde o início da investigação Em decorrência dos postulados do sistema em proporção inversa à inatividade do juiz no processo está a atividade das partes Frente à imposta inércia do julgador produzse um significativo aumento da responsabilidade das partes já que têm o dever de investigar e proporcionar as provas necessárias para demonstrar os fatos Isso exige uma maior responsabilidade e grau técnico dos profissionais do Direito que atuam no processo penal Também impõem ao Estado a obrigação de criar e manter uma estrutura capaz de proporcionar o mesmo grau de representação processual às pessoas que não têm condições de suportar os elevados honorários de um bom profissional Somente assim se poderá falar de processo acusatório com um nível de eficácia que possibilite a obtenção da justiça Diante do inconveniente de ter de suportar uma atividade incompleta das partes preço a ser pago pelo sistema acusatório o que se deve fazer é fortalecer a estrutura dialética e não destruíla com a atribuição de poderes instrutórios ao juiz O Estado já possui um serviço público de acusação Ministério Público devendo agora ocuparse de criar e manter um serviço público de defesa tão bem estruturado como o é o Ministério Público É um dever correlato do Estado para assegurar um mínimo de paridade de armas e dialeticidade Tratase de repensar a questão a partir de Dussel264 da necessidade de criar um terreno fértil para que o réu tenha condições de fala e possa realmente ter fala Ou seja adotar uma ética libertatória no processo penal e não voltar à era da escuridão com um juizinquisidor Em última análise é a separação de funções e por decorrência a gestão da prova na mão das partes e não do juiz que cria as condições de possibilidade para que a imparcialidade se efetive Somente no processo acusatóriodemocrático em que o juiz se mantém afastado da esfera de atividade das partes é que podemos ter a figura do juiz imparcial fundante da própria estrutura processual Não podemos esquecer ainda a importância do contraditório para o processo penal e que somente uma estrutura acusatória o proporciona Como sintetiza Cunha Martins265 no processo inquisitório há um desamor pelo contraditório somente possível no sistema acusatório 32 SISTEMA INQUISITÓRIO O sistema inquisitório na sua pureza é um modelo histórico266 Ainda que tenhamos processos de matriz inquisitória no período da ascensão dos Imperadores romanos no final da República e início do Império com a cognitio extra ordinem é sem dúvida a Inquisição surgida ao longo dos séculos XI e XII no seio da Igreja Católica espanhola que nos dá o principal modelo processual inquisitório para estudo As transformações ocorrem ao longo do século XII até o XIV quando o sistema inquisitório vai se desenhando e instalando Essa substituição foi fruto basicamente dos defeitos da inatividade das partes levando à conclusão de que a persecução criminal não poderia ser deixada nas mãos dos particulares pois isso comprometia seriamente a eficácia do combate à delinquência Era uma função que deveria assumir o Estado e que deveria ser exercida conforme os limites da legalidade Também representou uma ruptura definitiva entre o processo civil e penal267 A mudança em direção ao sistema inquisitório começou com a possibilidade de junto ao acusatório existir um processo judicial de ofício para os casos de flagrante delito Os poderes do magistrado foram posteriormente invadindo cada vez mais a esfera de atribuições reservadas ao acusador privado até o extremo de se reunir no mesmo órgão do Estado as funções que hoje competem ao Ministério Público e ao juiz As vantagens desse novo sistema adotado inicialmente pela Igreja impuseramse de tal modo que foi sendo incorporado por todos os legisladores da época não só para os delitos em flagrante mas para toda classe de delito268 O sistema inquisitório muda a fisionomia do processo de forma radical O que era um duelo leal e franco entre acusador e acusado com igualdade de poderes e oportunidades se transforma em uma disputa desigual entre o juizinquisidor e o acusado O primeiro abandona sua posição de árbitro imparcial e assume a atividade de inquisidor atuando desde o início também como acusador Confundemse as atividades do juiz e acusador e o acusado perde a condição de sujeito processual e se converte em mero objeto da investigação Frente a um fato típico o julgador atua de ofício sem necessidade de prévia invocação e recolhe também de ofício o material que vai constituir seu convencimento O processado é a melhor fonte de conhecimento e como se fosse uma testemunha é chamado a declarar a verdade sob pena de coação O juiz é livre para intervir recolher e selecionar o material necessário para julgar de modo que não existem mais defeitos pela inatividade das partes e tampouco existe uma vinculação legal do juiz269 O juiz atua como parte investiga dirige acusa e julga Com relação ao procedimento sói ser escrito secreto e não contraditório É da essência do sistema inquisitório um desamor total pelo contraditório Originariamente com relação à prova imperava o sistema legal de valoração a chamada tarifa probatória A sentença não produzia coisa julgada e o estado de prisão do acusado no transcurso do processo era uma regra geral270 O processo inquisitório se dividia em duas fases271 inquisição geral e inquisição especial A primeira fase geral estava destinada à comprovação da autoria e da materialidade e tinha um caráter de investigação preliminar e preparatória com relação à segunda especial que se ocupava do processamento condenação e castigo No transcurso do século XIII foi instituído o Tribunal da Inquisição ou Santo Ofício para reprimir a heresia e tudo que fosse contrário ou que pudesse criar dúvidas acerca dos Mandamentos da Igreja Católica Inicialmente eram recrutados os fiéis mais íntegros para que sob juramento se comprometessem a comunicar as desordens e manifestações contrárias aos ditames eclesiásticos que tivessem conhecimento Posteriormente foram estabelecidas as comissões mistas encarregadas de investigar e seguir o procedimento Na definição de Jacinto Coutinho272 tratase sem dúvida do maior engenho jurídico que o mundo conheceu e conhece Sem embargo de sua fonte a Igreja é diabólico na sua estrutura o que demonstra estar ela por vezes e ironicamente povoada por agentes do inferno persistindo por mais de 700 anos Não seria assim em vão veio com uma finalidade específica e porque serve e conti nuará servindo se não acordarmos mantémse hígido Para compreender a inquisição é necessário situála num espaço tempo considerando o comportamento da Igreja Tratase de um sistema fundado na intolerância derivada da verdade absoluta de que a humanidade foi criada na graça de Deus Explica Leonardo Boff273 que a humanidade com Adão e Eva perdeu os dons sobrenaturais graça e mutilou os dons naturais obscureceu a inteligência e enfraqueceu a vontade À medida que a humanidade se afasta e não consegue mais ler a vontade de Deus surgem as escrituras sagradas que contêm um alfabeto sobrenatural que permite ter acesso às verdades divinas Contudo nasce um novo problema o livro pode ser lido de diferentes maneiras Surgem então os Bispos e o Papa máximos intérpretes e representantes da vontade de Deus Mas isso não é suficiente pois eles são humanos e podem errar Era necessário resolver essa questão e Deus então se apiedou da fragilidade humana e concedeu a seus representantes um privilégio único a infalibilidade Nesse momento reforçase o mito da segurança oriundo da verdade absoluta que não é construída senão dada pelos concílios encíclicas e outros instrumentos nascidos sob a assistência divina Recordemos que a intolerância vai fundar a inquisição A verdade absoluta é sempre intolerante sob pena de perder seu caráter absoluto A lógica inquisitorial está centrada na verdade absoluta e nessa estrutura a heresia era o maior perigo pois atacava o núcleo fundante do sistema Fora dele não havia salvação Isso autoriza o combate a qualquer custo da heresia e do herege legitimando até mesmo a tortura e a crueldade nela empregada A maior crueldade não era a tortura em si mas o afastamento do caminho para a eternidade274 Como explica Boff275 qualquer experiência ou dado que conflita com as verdades reveladas só pode significar um equívoco ou um erro um obstáculo ou desvio no caminho da eternidade O crime não é problema nesse trilhar para a eternidade pois para o arrependido sempre há o perdão divino O problema está na heresia na oposição ao dogma pois isso sim fecha o caminho para a eternidade esse é o maior perigo de todos Como tal exige o máximo rigor na repressão O Manual dos inquisidores escrito pelo catalão Nicolau Eymerich em 1376 posteriormente revisto e ampliado por Francisco de la Peña em 1578 deve ser lido nesse contexto pois somente assim podemos compreender sua perfeição lógica Boff276 explica que igual raciocínio deve ser empregado para a compreensão da tortura e repressão dos regimes militares latinoamericanos pois perfeitamente encaixados na ideologia da segurança nacional assimilada na plenitude pelos torturadores e mandantes ou ainda na limpeza genética levada a cabo pelo nazifascismo O herege explica Boff277 não apenas se recusa a aceitar o discurso oficial senão que cria novos discursos a partir de novas visões por isso está mais voltado para a criatividade e o futuro do que para a reprodução e o passado É o que Boff define como congelamento da história O buscar a verdade significa dinâmica movimento O movimento de buscar a verdade evidencia a inércia de quem presume havêla encontrado Como admitir que alguém busque enquanto fico inerte Então estou em erro e portanto correndo o risco de afastarme da salvação Isso conduz aos processos de exclusão Explica Boff que nos primeiros séculos o divergente era excomungado uma questão intraeclesial Sem embargo quando o Cristianismo assume o status de religião oficial do Império a questão vira política e a di vergência afeta a coesão e a união política Nesse contexto a punição sai da esfera eclesial e legitima uma severa repressão pois se insere na mesma linha das ideologias de segurança nacional o metafísico interesse público legitimador das maiores barbáries278 O primeiro passo foi o abandono do princípio ne procedat iudex ex officio inclusive para permitir a denúncia anônima pois o nome do acusador era mantido em segredo Surgiram em determinados lugares especialmente nas igrejas gavetas ou caixas279 destinadas a receber as denúncias anônimas de heresia O que se buscava era exclusivamente punir o pecado e a heresia em uma concepção unilateral do processo O actus trium personarum já não se sustenta e como destaca Jacinto Coutinho280 ao inquisidor cabe o mister de acusar e julgar transformandose o imputado em mero objeto de verificação razão pela qual a noção de parte não tem nenhum sentido Com a Inquisição são abolidas a acusação e a publicidade O juiz inquisidor atua de ofício e em segredo assentando por escrito as declarações das testemunhas cujos nomes são mantidos em sigilo para que o réu não os descubra O Directorium Inquisitorum Manual dos inquisidores do catalão Nicolau Eymerich relata o modelo inquisitório do direito canônico que influenciou definitivamente o processo penal o processo poderia começar mediante uma acusação informal denúncia de um particular ou por meio da investigação geral ou especial levada a cabo pelo inquisidor Era suficiente um rumor para que a investigação tivesse lugar e com ela seus particulares métodos de averiguação A prisão era uma regra porque assim o inquisidor tinha à sua disposição o acusado para torturálo281 até obter a confissão Bastavam dois testemunhos para comprovar o rumor e originar o processo e sustentar a posterior condenação As divergências entre duas pessoas levavam ao rumor e autorizava a investigação Uma única testemunha já autorizava a tortura A estrutura do processo inquisitório foi habilmente construída a partir de um conjunto de instrumentos e conceitos falaciosos é claro especialmente o de verdade real ou absoluta Na busca dessa tal verdade real transformase a prisão cautelar em regra geral pois o inquisidor precisa dispor do corpo do herege De posse dele para buscar a verdade real pode lançar mão da tortura que se for bem utilizada conduzirá à confissão Uma vez obtida a confissão o inquisidor não necessita de mais nada pois a confissão é a rainha das provas sistema de hierarquia de provas Sem dúvida tudo se encaixa para bem servir ao sistema A confissão era a prova máxima suficiente para a condenação e no sistema de prova tarifada nenhuma prova valia mais que a confissão O inquisidor Eymerich fala da total inutilidade da defesa pois se o acusado confirmava a acusação não havia necessidade de advogado Ademais a função do advogado era fazer com que o acusado confessasse logo e se arrependesse do erro para que a pena fosse imediatamente aplicada e iniciada a execução Tendo em vista a importância da confissão o interrogatório era visto como um ato essencial que exigia uma técnica especial Existiam cinco tipos progressivos de tortura e o suspeito tinha o direito a que somente se praticasse um tipo por dia Se em 15 dias o acusado não confessasse era considerado suficientemente torturado e era liberado Sem embargo os métodos utilizados eram eficazes e quiçá alguns poucos tenham conseguido resistir aos 15 dias O pior é que em alguns casos a pena era de menor gravidade que as torturas sofridas A inexistência da coisa julgada era característica do sistema inquisitório Eymerich alertava que o bom inquisidor deveria ter muita cautela para não declarar na sentença de absolvição que o acusado era inocente mas apenas esclarecer que nada foi legitimamente provado contra ele Dessa forma mantinhase o absolvido ao alcance da Inquisição e o caso poderia ser reaberto mais tarde pelo tribunal para punir o acusado sem o entrave do trânsito em julgado Esse sistema inquisitório predominou até finais do século XVIII início do XIX momento em que a Revolução Francesa282 os novos postulados de valorização do homem e os movimentos filosóficos que surgiram com ela repercutiam no processo penal removendo paulatinamente as notas características do modelo inquisitivo Coincide com a adoção dos Júris Populares e se inicia a lenta transição para o sistema misto que se estende até os dias de hoje Como explica Heinz Goessel283 o antigo processo inquisitório deve ser visto como uma expressão lógica da teoria do Estado de sua época284 como manifestação do absolutismo que concentrava o poder estatal de maneira indivisível nas mãos do soberano quem legibus absolutus não estava submetido a restrições legais No sistema inquisitório os indivíduos são reduzidos a mero objeto do poder soberano Não existe dúvida de que a ideia do Estado de Direito influi de forma imediata e direta no processo penal Por isso podese afirmar que quando se inicia o Estado de Direito é quando principia a organização do procedimento penal285 Em definitivo o sistema inquisitório foi desacreditado principalmente por incidir em um erro psicológico286 crer que uma mesma pessoa possa exercer funções tão antagônicas como investigar acusar defender e julgar 33 O REDUCIONISMO ILUSÓRIO E INSUFICIENTE DO CONCEITO DE SISTEMA MISTO A GESTÃO DA PROVA E OS PODERES INSTRUTÓRIOS DO JUIZ Com o fracasso da inquisição e a gradual adoção do modelo acusatório o Estado seguia mantendo a titularidade absoluta do poder de penar e não podia abandonar em mãos de particulares esse poder e a função de persecução Logo era imprescindível dividir o processo em fases e encomendar as atividades de acusar e julgar a órgãos e pessoas distintas Nesse novo modelo a acusação continua como monopólio estatal mas realizada por meio de um terceiro distinto do juiz Aqui nasce o Ministério Público Por isso existe um nexo entre sistema inquisitivo e Ministério Público como aponta Carnelutti287 pois essa necessidade de dividir a atividade estatal exige naturalmente duas partes Quando não existem devem ser fabricadas e o Ministério Público é uma parte fabricada Surge da necessidade do sistema acusatório e garante a imparcialidade do juiz Eis aqui outro erro histórico a pretendida imparcialidade288 do MP É lugarcomum na doutrina processual penal a classificação de sistema misto com a afirmação de que os sistemas puros seriam modelos históricos sem correspondência com os atuais Ademais a divisão do processo penal em duas fases préprocessual e processual propriamente dita possibilitaria o predomínio em geral da forma inquisitiva na fase preparatória e acusatória na fase processual desenhando assim o caráter misto Outros preferem afirmar que o processo penal brasileiro é acusatório formal incorrendo no mesmo erro dos defensores do sistema misto Binder289 corretamente afirma que o acusatório formal é o novo nome do sistema inquisitivo que chega até nossos dias Nós preferimos fugir da maquiagem conceitual para afirmar que o modelo brasileiro era neoinquisitório para não induzir ninguém a erro Finalmente com a Lei n 139642019 foi inserido o art 3ºA que consagra expressamente a adoção do modelo acusatório Infelizmente a cultura inquisitória é fortíssima e se manifesta por meio de movimentos contrarreformistas a exemplo da medida liminar concedida pelo Min Fux que suspende a eficácia do dispositivo citado Voltaremos a essa questão Historicamente o primeiro ordenamento jurídico que adotou esse sistema misto foi o francês no Code dInstruction Criminalle de 1808 pois foi pioneiro na cisão das fases de investigação e juízo Posteriormente difundiuse por todo o mundo e na atualidade é o mais utilizado Nessa linha o critério definidor de um sistema ou outro seria a separação das funções de acusar e julgar presente apenas no modelo acusatório Para Sendra290 o simples fato de estar o processo dividido em duas fases préprocessual e processual em sentido próprio ou estrito e que se encomende cada uma a um juiz distinto juiz que instrui não julga bastaria para afirmar que o processo está regido pelo sistema acusatório No mesmo sentido Armenta Deu291 entende que em determinado sentido bastaria afirmar que o processo acusatório se caracteriza pelo fato de ser imprescindível uma acusação levada a cabo por um órgão ou agente distinto do julgador ne procedat iudex ex officio A classificação de sistema misto peca por insuficiência em dois aspectos Considerando que os sistemas realmente puros são tipos históricos sem correspondência com os atuais a classificação de sistema misto não enfrenta o ponto nevrálgico da questão a identificação do núcleo fundante A separação inicial das atividades de acusar e julgar não é o núcleo fundante dos sistemas e por si só é insuficiente para sua caracterização Não se pode desconsiderar a complexa fenomenologia do processo de modo que a separação das funções impõe como decorrência lógica que a gestãoiniciativa probatória seja atribuída às partes e não ao juiz por elementar pois isso romperia com a separação de funções Mais do que isso somente com essa separação de papéis mantémse o juiz afastado da arena das partes e portanto é a clara delimitação das esferas de atuação que cria as condições de possibilidade para termos um juiz imparcial Portanto é reducionismo pensar que basta ter uma acusação separação inicial das funções para constituirse um processo acusatório É necessário que se mantenha a separação para que a estrutura não se rompa e portanto é decorrência lógica e inafastável que a iniciativa probatória esteja sempre nas mãos das partes Somente isso permite a imparcialidade do juiz E por fim ninguém nega a imprescindibilidade do contraditório ainda mais em democracia e ele somente é possível numa estrutura acusatória na qual o juiz mantenhase em alheamento e como decorrência possa assegurar a igualdade de tratamento e oportunidade às partes Retomamos a lição de Cunha Martins no processo inquisitório há um desamor pelo contraditório já o modelo acusatório constitui uma declaração de amor pelo contraditório 331 A FALÁCIA DO SISTEMA BIFÁSICO Sobre a falácia do sistema bifásico do Código Napoleônico de 1808 com a fase préprocessual inquisitória e a fase processual supostamente acusatória ensina Jacinto Coutinho292 é isso que JeanJacquesRégis de Cambacérés faz passar no Código napoleônico de 17111808 Segundo Hélie Traité I 178 539 é la loi procédure criminelle la moins imperfaite du mond Enfim monstro de duas cabeças acabando por valer mais a prova secreta que a do contraditório numa verdadeira fraude Afinal o que poderia restar de segurança é o livre convencimento ou seja retórica e contraataques basta imunizar a decisão com um belo discurso Em suma serviu a Napoleão um tirano serve a qualquer senhor não serve à democracia É necessário ler com muita atenção para compreender o alcance desse fenômeno pois ele reflete exatamente o que temos no sistema brasileiro O monstro de duas cabeças inquérito policial totalmente inquisitório e fase processual com ares de acusatório outro engodo ensinará Jacinto na continuação é a nossa realidade diária nos foros e tribunais do País inteiro No mesmo sentido Ferrajoli293 diz que o Código Napoleônico de 1808 deu vida a um monstruo nacido de la unión del proceso acusatorio con el inquisitivo que fue el llamado proceso mixto A fraude reside no fato de que a prova é colhida na inquisição do inquérito sendo trazida integralmente para dentro do processo e ao final basta o belo discurso do julgador para imunizar a decisão Esse discurso vem mascarado com as mais variadas fórmulas do estilo a prova do inquérito é corroborada pela prova judicializada cotejando a prova policial com a judicializada e assim todo um exercício imunizatório ou melhor uma fraude de etiquetas para justificar uma condenação que na verdade está calcada nos elementos colhidos no segredo da inquisição O processo acaba por converterse em uma mera repetição ou encenação da primeira fase Ademais mesmo que não faça menção expressa a algum elemento do inquérito quem garante que a decisão não foi tomada com base nele A eleição culpado ou inocente é o ponto nevrálgico do ato decisório e pode ser feita com base nos elementos do inquérito policial e disfarçada com um bom discurso Ora ou alguém imagina que Napoleão aceitaria o tal sistema bifásico se não tivesse certeza de que era apenas um mudar para continuar tudo igual Como bom tirano jamais concordaria com uma mudança dessa natureza se não tivesse certeza de que continuaria com o controle total por meio da fase inquisitória de todo o processo Enquanto não tivermos um processo verdadeiramente acusatório do início ao fim ou ao menos adotarmos o paliativo da exclusão294 física dos autos do inquérito policial de dentro do processo as pessoas continuarão sendo condenadas com base na prova inquisitorial disfarçada no discurso do cotejando corrobora e outras fórmulas que mascaram a realidade a condenação está calcada nos atos de investigação naquilo feito na pura inquisição Isso porque como concluiu Jacinto Coutinho295 il sistema inquisitorio non può convivere con il sistema accusatorio non solo perché la contaminatio è irragionevole sul piano logico ma anche perché la pratica sconsiglia una commistione del genere Ou seja uma mistura de tal natureza inquisitório e acusatório é irracional e a prática desaconselha tal mescla Cumpre por fim refletir sobre a última frase de Jacinto se tal sistema serviu a Napoleão um tirano serve a qualquer senhor obviamente não serve à democracia É por isso que precisamos da máxima eficácia das inovações trazidas pela Lei n 139642019 que não só expressamente adotou o sistema acusatório no art 3ºA como também consagrou a exclusão física dos autos do inquérito Nesse sentido dispõe o art 3ºC 3º 3º Os autos que compõem as matérias de competência do juiz das garantias ficarão acautelados na secretaria desse juízo à disposição do Ministério Público e da defesa e não serão apensados aos autos do processo enviados ao juiz da instrução e julgamento ressalvados os documentos relativos às provas irrepetíveis medidas de obtenção de provas ou de antecipação de provas que deverão ser remetidos para apensamento em apartado Tratase de uma das maiores revoluções na estrutura do processo penal brasileiro com vistas ao abandono do modelo inquisitório e à máxima eficácia da imparcialidade e da originalidade cognitiva do julgador que não mais terá contato com os atos do inquérito ou de qualquer investigação preliminar Infelizmente como já mencionado no início desta obra o juiz das garantias e o sistema de exclusão física ou não inclusão foram suspensos pela medida liminar concedida pelo Min Fux 332 A INSUFICIÊNCIA DA SEPARAÇÃO INICIAL DAS ATIVIDADES DE ACUSAR E JULGAR Apontada pela doutrina como fator crucial na distinção dos sistemas a divisão entre as funções de investigaracusarjulgar é uma importante característica do sistema acusatório mas não é a única e tampouco pode por si só ser um critério determinante quando não vier aliada a outras como iniciativa probatória publicidade contraditório oralidade igualdade de oportunidades etc Dada a sua complexidade como conjunto de atos concatenados o processo é formado por toda uma cadeia de circunstâncias que se interrelacionam e influem no resultado final Basta analisar o sistema inquisitório para ver que ao lado da acumulação de funções investigar acusar e julgar existe toda uma gama de princípios que juntos compõem e dão conteúdo ao todo Especial atenção merece o contraditório pois existe uma acertada tendência de considerálo fundamental para a própria existência do processo enquanto estrutura dialética Com relação à separação das atividades de acusar e julgar trata se realmente de uma nota importante na formação do sistema Contudo não basta termos uma separação inicial com o Ministério Público formulando a acusação e depois ao longo do procedimento permitir que o juiz assuma um papel ativo na busca da prova ou mesmo na prática de atos tipicamente da parte acusadora como por exemplo permitir que o juiz de ofício converta a prisão em flagrante em preventiva pois isso equivale a prisão decretada de ofício ou mesmo decrete a prisão preventiva de ofício no curso do processo algo incompatível com a matriz acusatória e também com a nova redação dos arts 282 2º e 311 a busca e apreensão art 242 o sequestro art 127 ouça testemunhas além das indicadas art 209 proceda ao reinterrogatório do réu a qualquer tempo art 196 determine diligências de ofício durante a fase processual e até mesmo no curso da investigação preliminar art 156 I e II reconheça agravantes ainda que não tenham sido alegados art 385 condene ainda que o Ministério Público tenha postulado a absolvição art 385 altere a classificação jurídica do fato art 383 etc Cumpre advertir nosso entendimento de que todas essas medidas são inconstitucionais por violarem a matriz acusatória constitucional e estão ainda tacitamente revogadas pelo art 3ºA do CPP Fica evidente a insuficiência de uma separação inicial de atividades se depois o juiz assume um papel claramente inquisitorial O juiz deve manter uma posição de alheamento afastamento da arena das partes ao longo de todo o processo Daí por que é reducionista alguma doutrina que focada exclusivamente no aspecto histórico da separação de funções ne procedat iudex ex officio aí ancora passando a criticar aqueles que propõem a superação de tais reducionismos e posturas mitológicas Pensamos que se originariamente o sistema acusatório teve por núcleo a separação de funções o nível atual de desenvolvimento e complexidade do processo penal não admite mais tais simplificações Não há mais espaço compreendida a complexidade do processo penal voltamos a repetir para que alguém se esconda atrás de categorias estéreis e de arqueologia histórica desconectando insti tutos dentro do processo compartimentalizandoos A concepção de sistema acusatório está íntima e indissoluvelmente relacionada na atualidade à eficácia do contraditório e principalmente da imparcialidade princípio supremo do processo penal recordemos Portanto pensar sistema acusatório desconectado do prin cípio da imparcialidade e do contraditório é incorrer em grave reducionismo É necessário que se mantenha a separação para que a estrutura não se rompa e portanto é decorrência lógica e inafastável que a iniciativa probatória esteja sempre nas mãos das partes Somente isso permite a imparcialidade do juiz A separação de funções do sistema acusatório está a serviço do quê Por que existe Por que o Tribunal Europeu de Direitos Humanos em diversas oportunidades tem decidido que o juiz que atua como investigador na fase préprocessual não pode ser o mesmo que no processo julgue Todas essas questões giram em torno do binômio sistema acusatório e imparcialidade porque a imparcialidade é garantida pelo modelo acusatório e sacrificada no sistema inquisitório de modo que somente haverá condições de possibilidade da imparcialidade quando existir além da separação inicial das funções de acusar e julgar um afastamento do juiz da atividade investigatóriainstrutória É isso que precisa ser compreendido por aqueles que pensam ser suficiente a separação entre acusaçãojulgador para constituição do sistema acusatório no modelo constitucional contemporâneo É um erro separar em conceitos estanques a imensa complexidade do processo penal fechando os olhos para o fato de que a posição do juiz define o nível de eficácia do contraditório e principalmente da imparcialidade Como explica J Goldschmidt296 no modelo acusatório o juiz se limita a decidir deixando a interposição de solicitações e o recolhimento do material àqueles que perseguem interesses opostos isto é às partes O procedimento penal se converte desse modo em um litígio e o exame do processado não tem outro significado que o de outorgar audiência Parte do enfoque de que a melhor forma de averiguar a verdade e realizarse a justiça é deixar a invocação jurisdicional e a coleta do material probatório àqueles que perseguem interesses opostos e sustem opiniões divergentes Devese descarregar o juiz de atividades inerentes às partes para assegurar sua imparcialidade Com isso também se manifesta respeito pela integridade do processado como cidadão Para além disso recordemos que o processo tem por finalidade além do explicado no Capítulo 1 buscar a reconstituição de um fato histórico o crime sempre é passado logo fato histórico de modo que a gestão da prova na forma pela qual ela é realizada identifica o princípio unificador297 como explicaremos adiante 333 IDENTIFICAÇÃO DO NÚCLEO FUNDANTE A GESTÃO DA PROVA Ainda que todos os sistemas sejam mistos não existe um princípio fundante misto O misto deve ser visto como algo que ainda que mesclado na essência é inquisitório ou acusatório a partir do princípio que informa o núcleo Então no que se refere aos sistemas o ponto nevrálgico é a identificação de seu núcleo ou seja do princípio informador pois é ele quem vai definir se o sistema é inquisitório ou acusatório e não os elementos acessórios oralidade publicidade separação de atividades etc Como afirmamos anteriormente o processo tem por finalidade além do explicado no Capítulo 1 buscar a reconstituição de um fato histórico o crime sempre é passado logo fato histórico de modo que a gestão da prova é erigida à espinha dorsal do processo penal estruturando e fundando o sistema a partir de dois princípios informadores conforme ensina Jacinto Coutinho a Princípio dispositivo298 funda o sistema acusatório a gestão da prova está nas mãos das partes juizespectador b Princípio inquisitivo a gestão da prova está nas mãos do julgador juizator inquisidor por isso ele funda um sistema inquisitório Daí estar com plena razão Jacinto Coutinho299 quando explica que não há nem pode haver um princípio misto o que por evidente desconfigura o dito sistema Para o autor os sistemas assim como os paradigmas e os tipos ideais não podem ser mistos eles são informados por um princípio unificador Logo na essência o sistema é sempre puro E explica na continuação que o fato de ser misto significa ser na essência inquisitório ou acusatório recebendo a referida adjetivação por conta dos elementos todos secundários que de um sistema são emprestados ao outro J Goldschmidt300 ao tratar dos princípios fundamentais do procedimento explica que el principio contrario al dispositivo lo forma el de la investigación que domina el procedimiento penal y que recibe también los nombres de principio inquisitivo de instrucción ou principio del conocimiento de oficio principio de la verdad material Compreendase o sistema inquisitório é fundado pelo princípio inquisitivo ou seja de instrução e conhecimento de ofício pelo juiz na busca da verdade material É tudo o que não se quer no atual nível de evolução civilizatória do processo penal Isso não significa que ao lado desse núcleo inquisitivo derivado do princípio inquisitivo em que a gestão da prova está nas mãos do juiz não possam orbitar características que geralmente circundam o núcleo dispositivo que informa o sistema acusatório Em outras palavras o fato de um determinado processo consagrar a separação inicial de atividades oralidade publicidade coisa julgada livre con vencimento motivado etc não lhe isenta de ser inquisitório É o caso do sistema brasileiro de núcleo inquisitório ainda que com alguns acessórios que normalmente ajudam a vestir o sistema acusatório mas que por si sós não o transformam em acusatório A seleção dos elementos teoricamente essenciais para cada sistema explica Ferrajoli301 está inevitavelmente condicionada por juízos de valor por conta do nexo que sem dúvida cumpre estabelecer entre sistema acusatório e modelo garantista e no entanto entre sistema inquisitório modelo autoritário e eficácia repressiva Nesse contexto dispositivos que atribuam ao juiz poderes instrutórios como o famigerado art 156 I e II do CPP que entendemos estar tacitamente revogado pelo art 3ºA externam a adoção do princípio inquisitivo que funda um sistema inquisitório pois representam uma quebra da igualdade do contraditório da própria estrutura dialética do processo Como decorrência fulminam a principal garantia da jurisdição que é a imparcialidade do julgador Está desenhado um processo inquisitório A posição do juiz é o ponto nevrálgico da questão na medida em que ao sistema acusatório lhe corresponde um juizespectador dedicado sobretudo à objetiva e imparcial valoração dos fatos e por isso mais sábio que experto o rito inquisitório exige sem embargo um juizator representante do interesse punitivo e por isso um enxerido302 versado no procedimento e dotado de capacidade de investigação303 O tema também está intimamente relacionado com a questão da verdade no processo penal No sistema inquisitório nasce a inalcançável e mitológica verdade real em que o imputado nada mais é do que um mero objeto de investigação detentor da verdade de um crime304 e portanto submetido a um inquisidor que está autorizado a extraíla a qualquer custo Recordemos que a intolerância vai fundar a inquisição A verdade absoluta é sempre intolerante sob pena de perder seu caráter absoluto A lógica inquisitorial está centrada na verdade absoluta e nessa estrutura a heresia era o maior perigo pois atacava o núcleo fundante do sistema Fora dele não havia salvação Isso autoriza o combate a qualquer custo da heresia e do herege legitimando até mesmo a tortura e a crueldade nela empregadas A maior crueldade não era a tortura em si mas o afastamento do caminho para a eternidade305 Dessarte fica fácil perceber que o processo penal brasileiro tem uma clara matriz inquisitória e que isso deve ser severamente combatido na medida em que não resiste à necessária filtragem constitucional Ou seja a estrutura do Código de Processo Penal de 1941 deve ser adequada e portanto deve ser conformada à nova ordem constitucional vigente cujos alicerces demarcam a adoção do sistema acusatório É uma imposição de conformidade das leis processuais penais à Constituição e portanto ao sistema acusatório como tão bem definiu Geraldo Prado306 Sempre se reconheceu o caráter inquisitório da investigação preliminar e da execução penal encobrindo o problema da inquisição na fase processual Mas compreendidos os sistemas e os princípios que os estruturam a conclusão só pode ser uma como claramente aponta Jacinto Coutinho307 O sistema processualpenal brasileiro é na sua essência inquisitório porque regido pelo princípio inquisitivo já que a gestão da prova está primordialmente nas mãos do juiz Compreendida a questão e respeitada a opção acusatória feita pela Constituição são substancialmente inconstitucionais todos os artigos do CPP que atribuam poderes instrutórios eou investigatórios ao juiz além de estarem tacitamente revogados pelo art 3ºA do CPP 334 O PROBLEMA DOS PODERES INSTRUTÓRIOS JUÍZES INQUISIDORES E OS QUADROS MENTAIS PARANOICOS Compreendida a necessidade de buscar o núcleo fundante de um sistema a partir da gestão da prova resta verificar a problemática e inquisitiva atribuição de poderes instrutóriosinvestigatórios ao juiz Atribuir poderes instrutórios a um juiz em qualquer fase308 é um grave erro que acarreta a destruição completa do processo penal democrático Ensina Cordero309 que tal atribuição de poderes instrutórios conduz ao primato dellipotesi sui fatti gerador de quadri mentali paranoidi Isso significa que se opera um primado prevalência das hipóteses sobre os fatos porque o juiz que vai atrás da prova primeiro decide definição da hipótese e depois vai atrás dos fatos prova que justificam a decisão que na verdade já foi tomada O juiz nesse cenário passa a fazer quadros mentais paranoicos Na mesma linha Jacinto Coutinho310 afirma que abrese ao juiz a possibilidade de decidir antes e depois sair em busca do material probatório suficiente para confirmar a sua versão isto é o sistema legitima a possibilidade da crença no imaginário ao qual toma como verdadeiro É evidente que o recolhimento da prova por parte do juiz antecipa a formação do juízo Como explica Geraldo Prado311 a ação voltada à introdução do material probatório é precedida da consideração psicológica pertinente aos rumos que o citado material se efetivamente incorporado ao feito possa determinar O juiz ao ter iniciativa probatória está ciente prognóstico mais ou menos seguro de que consequências essa prova trará para a definição do fato discutido pois quem procura sabe ao certo o que pretende encontrar e isso em termos de processo penal condenatório representa uma inclinação ou tendência perigosamente comprometedora da imparcialidade do julgador312 Mais do que uma inclinação ou tendência perigosamente comprometedora tratase de sepultar definitivamente a imparcialidade do julgador Nessa matéria não existe investigador imparcial seja ele juiz ou promotor O modelo acusatório constitucional traz na sua essência a necessidade de um amplo debate sobre a hipótese acusatória Para tanto Ferrajoli313 define as seguintes garantias secundárias publicidade oralidade legalidade do processo e motivação da decisão judicial Tais garantias são condições necessárias para que o debate transcorra com transparência e igualdade de oportunidades ou seja no ambiente que se espera da estrutura dialética do processo Sempre que se atribuem poderes instrutórios ao juiz314 destróise a estrutura dialética do processo o contraditório fundase um sistema inquisitório e sepultase de vez qualquer esperança de imparcialidade enquanto terzietà alheamento É um imenso prejuízo gerado pelos diversos préjuízos que o julgador faz Não só diversos modelos contemporâneos demonstram isso basta estudar as reformas da Alemanha em 1974 Itália e Portugal em 198788 e também as mudanças levadas a cabo na Espanha pela LO 788 feita às pressas para adequarse à Sentença do Tribunal Constitucional n 14588 mas também a história do direito processual especialmente o erro iniciado no sistema acusatório romano de atribuir poderes instrutórios ao juiz que acabou levando ao sistema inquisitório Como explicamos anteriormente a imparcialidade do juiz fica evidentemente comprometida quando estamos diante de um juiz instrutor ou quando lhe atribuímos poderes de gestãoiniciativa probatória É um contraste que se estabelece entre a posição totalmente ativa e atuante do instrutor com a inércia que caracteriza o julgador Um é sinônimo de atividade e o outro de inércia O Tribunal Europeu de Direitos Humanos há muito tempo e em diversas oportunidades tem apontado a violação da garantia do juiz imparcial em situações assim destacando ainda uma especial preocupação com a aparência de imparcialidade a estética de imparcialidade que o julgador deve transmitir para os submetidos à Administração da Justiça pois ainda que não se produza o préjuízo é difícil evitar a impressão de que o juiz instrutor não julga com pleno alheamento Isso afeta negativamente a confiança que os tribunais de uma sociedade democrática devem inspirar nos jurisdicionados especialmente na esfera penal Contudo a interiorização dos postulados constitucionais é realmente sempre lenta e não raras vezes nunca se efetiva Exemplo disso é a imensa resistência de alguns setores às importantes inovações trazidas pela Lei n 139642019 entre elas a adoção expressa do sistema acusatório a consagração do juiz das garantias e da exclusão fisica do autos do inquérito Como sintetiza a Exposição de Motivos do CódigoModelo para IberoAmérica e nunca é demais recordar o bom inquisidor mata o bom juiz ou ao contrário o bom juiz desterra o inquisidor Por fim pergunta que pode surgir é que instrumento processual penal pode ser utilizado quando nos deparamos com um juiz inquisidor na condução do processo Elementar que cada situação apresentará suas peculiaridades e complexidades Em linhas gerais pensamos que se o processo está em desenvolvimento poderá ser arguida a exceção de suspeição demonstrando a partir da análise do discurso ou atos praticados que houve uma quebra da garantia da imparcialidade recordese sempre que ela é o princípio supremo do processo Quando tratarmos da exceção de suspeição a seu tempo voltaremos ao tema Contudo já existindo uma sentença condenatória a situação fica mais difícil mas em tese deve ser arguida a violação da imparcialidade e consequente nulidade dos atos em preliminar de apelação 335 A ESTRUTURA ACUSATÓRIA CONSAGRADA NO ART 3º A DO CPP E A RESISTÊNCIA INQUISITÓRIA Até o advento da reforma trazida pela Lei n 13964 de 24 de dezembro de 2019 sempre afirmamos que o processo penal brasileiro era inquisitório ou neoinquisitório e que não concordávamos com grande parte da doutrina que classificava nosso sistema como misto ou seja inquisitório na primeira fase inquérito e acusatório na fase processual E não concordávamos e seguimos divergindo se insistirem com tal afirmação porque dizer que um sistema é misto é não dizer quase nada sobre ele pois misto todos são O ponto crucial é verificar o núcleo o princípio fundante e aqui está o problema como acabamos de explicar Finalmente o cenário mudou e nossas críticas junto com Jacinto Nelson de Miranda Coutinho Geraldo Prado Alexandre Morais da Rosa e tantos outros excelentes processualistas que criticavam a estrutura inquisitória brasileira foram ouvidas Compreenderam que a Constituição de 1988 define um processo penal acusatório fundado no contraditório na ampla defesa na imparcialidade do juiz e nas demais regras do devido processo penal Diante dos inúmeros traços inquisitórios do processo penal brasileiro era necessário fazer uma filtragem constitucional dos dispositivos incompatíveis com o princípio acusatório como os arts 156 385 etc pois são substancialmente inconstitucionais e agora estão tacitamente revogados pelo art 3ºA do CPP com a redação da Lei n 13964 Assumido o problema estrutural do CPP a luta passa a ser pela acoplagem constitucional e pela filtragem constitucional expurgando de eficácia todos aqueles dispositivos que alinhados ao núcleo inquisitório são incompatíveis com a matriz constitucional acusatória e principalmente pela mudança de cultura pelo abandono da cultura inquisitória e pela assunção de uma postura acusatória por parte do juiz e de todos os atores judiciários Agora a estrutura acusatória está expressamente consagrada no CPP e não há mais espaço para o juizatorinquisidor que atue de ofício violando o ne procedat iudex ex officio ou que produza prova de ofício pilares do modelo acusatório Vejamos a redação do art 3ºA do CPP315 Art 3ºA O processo penal terá estrutura acusatória vedadas a iniciativa do juiz na fase de investigação e a substituição da atuação probatória do órgão de acusação A redação mesmo que façamos algumas críticas pontuais representa uma evolução para o nosso atrasado processo penal inquisitório e repete aquela que estava no PLS n 1562009 Projeto do CPP do Senado Naquela época foi foco de intensa discussão na Comissão chegandose nessa redação intermediária É preciso recordar que um processo penal verdadeiramente acusatório assegura a radical separação das funções de acusar e julgar mantendo a gestão e a iniciativa probatória nas mãos das partes e não do juiz A observância do ne procedat iudex ex officio é marca indelével de um processo acusatório que mantenha um juiz espectador e não juizator e que assim crie as condições de possibilidade para termos um juiz imparcial É preciso que cada um ocupe o seu lugar constitucionalmente demarcado clássica lição de Jacinto Nelson de Miranda Coutinho com o MP acusando e provando a carga da prova é dele a defesa trazendo seus argumentos sem carga probatória e o juiz julgando Simples Nem tanto basta ver que a estrutura inquisitória e a cultura inquisitória fortíssima fazem com que se resista a essa estrutura dialética por vários motivos históricos entre eles o mito da busca da verdade real e o anseio mítico pelo juiz justiceiro que faça justiça mesmo que o acusador não produza prova suficiente A redação do artigo expressamente adota o sistema acusatório e prevê duas situações 1ª Veda a atuação do juiz na fase de investigação o que é um acerto proibindo portanto que o juiz atue de ofício para decretar prisões cautelares medidas cautelares reais busca e apreensão quebra de sigilo bancário etc 2ª Veda na fase processual a substituição pelo juiz da atuação probatória do órgão acusador No primeiro caso não há críticas à redação está coerente com o que se espera do agir de um juiz no marco do sistema acusatório Consagra o juiz das garantias e afasta o juiz inquisidor Nessa perspectiva só faltou o legislador revogar expressamente o art 156 do CPP pois não mais pode subsistir está tacitamente revogado até para evitar a resistência inquisitória E mantemos essa afirmação mesmo com a decisão do Min Fux de suspender a eficácia do art 3ºA na medida em que a Constituição estabelece uma estrutura acusatória Dessa forma o dispositivo é ainda substancialmente inconstitucional Dessarte não cabe mais esse agir de ofício na busca de provas por parte do juiz seja na investigação seja na fase processual de instrução e julgamento Obviamente que não basta mudar a lei é preciso mudar a cultura e esse sempre será o maior desafio Não tardarão em aparecer vozes no sentido de que o art 156 I deve permanecer cabendo o agir de ofício do juiz quando a prova for urgente e relevante Tal postura constitui uma burla à mudança mantendo hígida a estrutura inquisitória antiga Afinal basta questionar o que é uma prova urgente e relevante Aquela que o juiz quiser que seja E a necessidade a adequação e a proporcionalidade quem afere O mesmo juiz que determina sua produção Essa é a circularidade inquisitória clássica que se quer abandonar Fica a advertência para o movimento contrarreformista ou o movimento da sabotagem inquisitória como define Alexandre Morais da Rosa pois virá Mas o maior problema está na segunda parte do artigo e nas interpretações conservadoras e restritivas a que dará margem afinal o que significa substituição da atuação probatória do órgão de acusação A nosso juízo toda e qualquer iniciativa probatória do juiz que determinar a produção de provas de ofício já representa uma substituição da atuação probatória do julgador Considerando que no processo penal a atribuição da carga probatória é inteiramente do acusador pois como já ensinava James Goldschmidt não existe distribuição de carga probatória mas sim a atribuição ao acusador pois a defesa não tem qualquer carga probatória pois marcada pela presunção de inocência qualquer invasão nesse terreno por parte do juiz representa uma substituição da atuação probatória do acusador Ademais esse raciocínio decorre do próprio conceito de sistema acusatório radical separação de funções e iniciativagestão da prova nas mãos das partes ainda que a defesa não tenha carga obviamente pode ter iniciativa probatória mantendo o juiz como espectador e não um juizator figura típica da estrutura inquisitória abandonada Nada impede por elementar que o juiz questione testemunhas após a inquirição das partes para esclarecer algum ponto relevante que não tenha ficado claro na linha do que preconiza o art 212 do CPP que se espera agora seja respeitado ou os peritos arrolados pelas partes Portanto o juiz pode esclarecer algo na mesma linha de indagação aberto pelas partes não podendo inovarampliar com novas perguntas nem muito menos indicar provas de ofício316 Por fim a interpretação prevalecente do art 212 do CPP também não poderá mais subsistir porque juiz não pergunta a quem pergunta são as partes b se o juiz pergunta substitui as partes e c o art 3ºA proíbe que o juiz substitua a atividade probatória das partes Como dito poderá excepcionalmente perguntar para esclarecer algo que não compreendeu Não mais do que isso Nessa perspectiva entre outros entendemos revogados tacitamente o art 209 que permite ao juiz ouvir outras testemunhas além das arroladas pelas partes e o art 385 pois é absolutamente incompatível com a matriz acusatória termos um juiz condenando sem pedido ou seja diante do pedido expresso de absolvição do MP Essa é uma posição que sustentamos há muitos anos Voltaremos a falar sobre o art 385 no último capítulo desta obra quando analisamos o objeto do processo penal Contudo é importante combater outra fraude juiz produzindo prova de ofício a título de ajudar a defesa Em um processo acusatório existe um preço a ser pago o juiz deve conformarse com a atividade probatória incompleta das partes Não se lhe autoriza descer para a arena das partes e produzir de ofício provas nem para colaborar com a acusação nem para auxiliar a defesa Ele não pode é descer na estrutura dialética nem para um lado nem para o outro Mais grave ainda como adverte Morais da Rosa é quando o juiz fingindo que age em prol da defesa passará a produzir provas para condenação Que fique bem claro juiz com dúvida absolve art 386 VIII do CPP porque não é preciso dúvida qualificada bastando dúvida razoável Temos visto magistrados em nome da defesa decretarem de ofício a quebra de sigilo telefônico dados de todos os acusados com smartphones apreendidos para o fim de ajudar a defesa É um sintoma da perversão acusatória317 Entretanto infelizmente existe o risco de incompreensão do que seja um sistema acusatório ou sua reducionista compreensão Esse problema quando somado com a vagueza conceitual adotada pelo dispositivo legal na expressão substituição da atuação probatória pode conduzir ao esvaziamento dessa cláusula Ademais agrava o cenário a adoção equivocada da teoria da relativização das nulidades e seu princípio curinga do prejuízo pois deixa completamente a critério dos tribunais anular ou não É a nossa crítica ao decisionismo e ao sistema de nulidades à la carte gerador de imensa insegurança jurídica Isso já aconteceu por exemplo quando o STJ decretou a pena de morte do art 212 do CPP e tomara que não se repita O correto e adequado é reconhecer a revogação tácita do art 156 e do art 385 e tantos outros na mesma linha e a absoluta incompatibilidade com a matriz acusatória constitucional e a nova redação do art 3ºA É preciso compreender ainda a complexidade da discussão acerca dos sistemas pois todas essas questões giram em torno do tripé sistema acusatório contraditório e imparcialidade Porque a imparcialidade é garantida pelo modelo acusatório e sacrificada no sistema inquisitório de modo que somente haverá condições de possibilidade da imparcialidade quando existir além da separação inicial das funções de acusar e julgar um afastamento do juiz da atividade investigatóriainstrutória Portanto pensar no sistema acusatório desconectado do princípio da imparcialidade e do contraditório é incorrer em grave reducionismo Em suma agora podemos afirmar que o processo penal brasileiro é legal art 3ºA do CPP e constitucionalmente acusatório mas para efetivação dessa mudança é imprescindível afastar a vigência de vários artigos do CPP e mudar radicalmente as práticas judiciárias É preciso acima de tudo que os juízes e tribunais brasileiros interiorizem e efetivem tamanha mudança E esperamos que o art 3ºA finalmente tenha plena vigência quando do julgamento do mérito das ADIns já mencionadas e da relatoria do Min Fux 336 É A JUSTIÇA NEGOCIAL UMA MANIFESTAÇÃO DO SISTEMA ACUSATÓRIO UMA ANÁLISE CRÍTICA Antes de analisarmos especificamente a justiça negocial à luz dos sistemas processuais gostaríamos de fazer uma importante advertência esse tema já foi tratado de forma mais ampla no final do Capitulo I para onde o remetemos Lá tratamos da crise do processo penal e no final travamos a discussão acerca do plea bargaining enquanto remédio ou veneno para essa problemática Portanto agora faremos apenas uma síntese dessa análise Para além das vantagens aparentes o Juizado Especial Criminal possui graves defeitos que não podem ser desconsiderados até para que futuros ajustes venham a ser feitos É importante que se compreenda que a negociação no processo penal é sempre sensível pois representa um afastamento do Estadojuiz das relações sociais não atuando mais como interventor necessário mas apenas assistindo de camarote ao conflito Portanto é uma opção sempre perigosa Ademais significa uma inequívoca incursão do Ministério Público em uma área que deveria ser dominada pelo tribunal que erroneamente se limita a homologar o resultado do acordo entre o acusado e o promotor Não sem razão a doutrina afirma que o promotor é o juiz às portas do tribunal A lógica negocial se banalizada transforma o processo penal num mercado persa no seu sentido mais depreciativo Constitui também verdadeira expressão do movimento da lei e ordem na medida em que contribui para a banalização do Direito Penal fomentando a penalização e o simbolismo repressor A justiça negociada está atrelada à ideia de eficiência viés economicista de modo que as ações desenvolvidas devem ser eficientes para com isso chegarmos ao melhor resultado O resultado deve ser visto no contexto de exclusão social e penal O indivíduo já excluído socialmente por isso desviante deve ser objeto de uma ação efetiva para obterse o máximo e certo apenamento que corresponde à declaração de exclusão jurídica Se acrescentarmos a esse quadro o fator tempo tão importante no controle da produção até porque o deusmercado não pode esperar a eficiência passa a ser mais uma manifestação senão sinônimo de exclusão A tendência generalizada a implantar no processo penal amplas zonas de consenso também está sustentada em síntese por três argumentos básicos que também analisamos no Capítulo I a estar conforme os princípios do modelo acusatório b resultar da adoção de um processo penal de partes c proporcionar celeridade na administração de justiça A tese de que as formas de acordo são um resultado lógico do modelo acusatório e do processo de partes é totalmente ideológica e mistificadora como qualificou Ferrajoli318 para quem esse sistema é fruto de uma confusão entre o modelo teórico acusatório que consiste unicamente na separação entre juiz e acusação na igualdade entre acusação e defesa na oralidade e publicidade do juízo e as características concretas do sistema acusatório americano algumas das quais como a discricionariedade da ação penal e o acordo não têm relação alguma com o modelo teórico O modelo acusatório exige principalmente que o juiz se mantenha alheio ao trabalho de investigação e passivo no recolhimento das provas tanto de imputação como de descargo A gestãoiniciativa probatória no modelo acusatório está nas mãos das partes esse é o princípio fundante do sistema Ademais há a radical separação entre as funções de acusarjulgar o processo deve ser predominantemente oral público com um procedimento contraditório e de trato igualitário das partes e não meros sujeitos Com relação à prova vigora o sistema do livre convencimento motivado e a sentença produz a eficácia de coisa julgada A liberdade da parte passiva é a regra sendo a prisão cautelar uma exceção Assim é o sistema acusatório não derivando dele a justiça negociada O pacto no processo penal é um perverso intercâmbio que transforma a acusação em um instrumento de pressão capaz de gerar autoacusações falsas testemunhos caluniosos por conveniência obstrucionismo ou prevaricações sobre a defesa desigualdade de tratamento e insegurança O furor negociador da acusação pode levar à perversão burocrática em que a parte passiva não disposta ao acordo vê o processo penal transformar se em uma complexa e burocrática guerra Tudo é mais difícil para quem não está disposto a negociar O panorama é ainda mais assustador quando ao lado da acusação está um juiz pouco disposto a levar o processo até o final quiçá mais interessado que o próprio promotor em que aquilo acabe o mais rápido e com o menor trabalho possível Quando as pautas estão cheias e o sistema passa a valorar mais o juiz pela sua produção quantitativa do que pela qualidade de suas decisões o processo assume sua face mais nefasta e cruel É a lógica do tempo curto atropelando as garantias fundamentais em nome de uma maior eficiência Em síntese a justiça negociada não faz parte do modelo acusatório e tampouco pode ser considerada uma exigência do processo penal de partes Se não atentarmos para essas questões ela pode se transformar em uma perigosa medida alternativa ao processo sepultando as diversas garantias obtidas ao longo de séculos de injustiças319 Inobstante todas as críticas e os perigos que encerra a ampliação dos espaços de consenso e a implementação da negociação no processo penal são uma tendência imparável e para a qual devemos estar preparados Não podemos pactuar com uma ampliação utilitarista do espaço de consenso que encontra seu exemplo maior de distorção no modelo de plea bargaining americano em que cerca de 90 dos casos penais são resolvidos através de acordo entre acusação e defesa Significa dizer que 9 de cada 10 casos penais são resolvidos através de acordo sem julgamento pleno e jurisdição efetiva Não sem razão os Estados Unidos são o país com a maior população carcerária do mundo fruto da banalização de acordos conjugada com uma política punitivista Esse é um extremo que precisa ser recusado Por outro lado atualmente há um consenso de que nenhum sistema de administração de justiça penal consegue dar conta da demanda sem algum espaço negocial para desafogálo Explica Figueiredo Dias320 devese dar passos decisivos na incrementação da justiça negocial e das estruturas de consenso em detrimento de estruturas de conflito entre os sujeitos processuais como forma de oferecer futuro a um processo penal dotado de eficiência funcionalmente orientada indispensável à passagem da atual sobrecarga da justiça penal sem menoscabo dos princípios constitucionais adequados ao Estado de Direito A questão a saber é qual o espaço negocial que estamos dispostos a implantar no Brasil diante da nossa realidade processual e principalmente do nosso sistema carcerário e qual será o impacto Que rumo será tomado Caminharemos em direção ao modelo norteamericano da plea bargaining Iremos na linha do sistema italiano do patteggiamento Do práticoforense alemão cuja implantação evidenciou o conflito do law in action com o law in books Ampliaremos o modelo brasileiro introduzido pela Lei n 909995 transação penal e suspensão condicional até chegar à Lei n 128502013 e à colaboração premiada Qual será o espaço negocial que iremos adotar e com quais limites Qual o papel do juiz nesse sistema mero homologador norteamericano ou mais intervencionista como no patteggiamento italiano Sem esquecer que a Lei n 139642019 recepcionou no art 28A o acordo de não persecução penal ampliando ainda mais o espaço de negociação do modelo brasileiro Precisamos de mais negociação Pensamos que não Enfim são muitas as questões que precisam ser ponderadas mas nossa posição é precisamos ampliar o espaço de consenso e os mecanismos de negociação da pena através de lei clara e com limites demarcados Legalidade que sirva para desafogar e agilizar a justiça criminal mas sem representar a negação de jurisdição e das garantias processuais constitucionais Um difícil equilíbrio que precisa ser encontrado através de um amplo debate e estudo da nossa realidade e análise do impacto carcerário e processual que ela poderá gerar 34 A IMPARCIALIDADE DO JUIZ COMO PRINCÍPIO SUPREMO DO PROCESSO PENAL DISSONÂNCIA COGNITIVA EFEITO PRIMAZIA E ORIGINALIDADE COGNITIVA A imparcialidade do juiz é definitivamente o princípio supremo do processo penal Aragoneses Alonso e Werner Goldschmidt Não há processo sem juiz e não há juiz se não houver imparcialidade Daí porque é a estrutura do sistema que cria ou não cria as condições de possibilidade de um juiz imparcial e portanto somente no marco do sistema acusatório é que podemos ter as condições necessárias para a imparcialidade do julgador A essa altura pouco importa eventuais divergências sobre o que foi ou não foi o processo penal romano Importa em pleno século XXI que tenhamos uma estrutura dialética com juiz completamente afastado da arena das partes e da iniciativa probatória com máxima originalidade cognitiva e estrita observância do contraditório e das demais regras do devido processo Desde 2001 na obra Investigação Preliminar e antes em nossa tese doutoral que originou o livro sustentamos a necessidade de exclusão física dos autos do inquérito e a separação do juiz da investigação em relação ao juiz do processo prevenção como causa de exclusão da competência como forma de assegurar a máxima eficácia do contraditório judicial e a originalidade do julgamento expressão italiana para externar a importância de que o juiz forme sua convicção originariamente a partir da prova produzida no contraditório processual321 Essa é a base do fundamento do juiz das garantias finalmente consagrado no art 3ºB e ss do CPP mas ainda não implantado dada a liminar concedida pelo Min Fux já mencionada Então por que precisamos do juiz das garantias e da separação entre o juiz que atua na investigação preliminar em relação ao juiz que vai instruir e julgar na fase processual Para termos um processo penal acusatório e um juiz imparcial Para finalmente termos um processo penal com qualidade com respeito às regras do devido processo Recordemos introdutoriamente que a imparcialidade não se confunde com neutralidade um mito da modernidade superada por toda base teórica anticartesianista O juiznomundo não é neutro mas pode e deve ser imparcial principalmente se compreendermos que a imparcialidade é uma construção técnica artificial do direito processual para estabelecer a existência de um terceiro com estranhamento e em posição de alheamento em relação ao caso penal terzietà que estruturalmente é afastado É acima de tudo uma concepção objetiva de afastamento estrutural do processo e estruturante da posição do juiz É por isso que insistimos tanto na concepção do sistema acusatório a partir do núcleo fundante gestão da prova Jacinto Coutinho pois não basta a mera separação inicial das funções de acusar e julgar precisamos manter o juiz afastado da arena das partes e essencialmente atribuir a iniciativa e gestão da prova às partes nunca ao juiz até o final do processo Um juizator funda um processo inquisitório ao passo que o processo acusatório exige um juizespectador como já explicamos anteriormente Outro reducionismo bastante frequente é o de desconectar a discussão acerca dos sistemas processuais da imparcialidade É elementar que ao se atribuir poderes instrutórios ao juiz ferese de morte a imparcialidade pois quem procura procura algo Geraldo Prado Transformase o processo em uma encenação simbólica pois o juiz desde o momento em que decide ir atrás da prova de ofício já tem definida a hipótese acusatória como verdadeira Logo como ensina Franco Cordero esse juiz não decide a partir dos fatos apresentados no processo senão da hipótese acusatória inicialmente eleita pois se fosse a defensiva ele não precisaria ir atrás da prova Quando o juiz em dúvida afasta o in dubio pro reo e opta por ir atrás da prova juizator inquisidor ele decide primeiro e depois vai atrás dos elementos que justificam a decisão que já tomou Portanto ele é a prova e depois decide a partir da prova por ele mesmo produzida Sem falar que a dúvida deve dar lugar a absolvição o in dubio pro reo é fruto de evolução civilizatória e quando um juiz afasta essa regra de julgamento e decide ir atrás da prova não é preciso maior esforço para compreender que está buscando prova para condenar pois se fosse para absolver ele parava no momento anterior É óbvio que ao assim agir ele transforma o in dubio pro reo em in dubio pau no reo Sem falar na violação do contraditório e ampla defesa É um evidente prejuízo que decorre dos préjuízos como a exaustão já explicou o Tribunal Europeu de Direitos Humanos ao doutrinar que juiz que vai atrás da prova está contaminado e não pode julgar sendo a prevenção uma causa de exclusão da competência e não de fixação como temos erroneamente no Brasil Existe ainda um alerta para a estética de imparcialidade que deve ter os julgadores aos olhos do jurisdicionado É óbvio que para o acusado e qualquer pessoa de bom senso o juiz que determina a produção de provas de ofício decreta a prisão sem pedido ou pior condena sem pedido como autoriza o art 385 em que pese entendermos que é inconstitucional e foi tacitamente revogado pelo art 3ºA não tem qualquer semelhança com a imagem e a postura que se espera de um julgador Mas nesse tema é preciso como em quase todos os temas complexos fazer uma leitura interdisciplinar A imparcialidade do juiz não pode ser pensada no reducionismo jurídicoprocessual precisa dialogar especialmente com a psicanálise e a psicologia Nessa perspectiva a teoria da dissonância cognitiva dá um importante contributo especialmente no interessante diálogo travado por Bernd Schünemann entre a psicologia social e o processo penal Focaremos agora no importante trabalho do professor alemão em obra organizada e traduzida pelo ilustre Prof Luís Greco intitulada Estudos de Direito Penal e Processual Penal e filosofia do direito Editora Marcial Pons 2013 onde ele dedica um interessante capítulo sobre a teoria da Dissonância Cognitiva322 Em que pese algumas divergências pontuais que tenho em relação ao ilustre autor alemão e a estrutura do processo penal alemão especialmente no que tange à concepção de sistema acusatório e inquisitório à ambição de verdade a mitológica verdade real bem como ao papel do juiz sua análise sobre a dissonância cognitiva e os problemas acerca dos préjulgamentos é bastante enriquecedora Como explica o autor grave problema existe no fato de o mesmo juiz receber a acusação realizar a audiência de instrução e julgamento e posteriormente decidir sobre o caso penal Existe não apenas uma cumulação de papéis mas um conflito de papéis não admitido como regra pelos juízes que se ancoram na formação profissional comprometida com a objetividade Tal argumento nos remete a uma ingênua crença na neutralidade e supervalorização de uma impossível objetividade na relação sujeitoobjeto já tão desvelada pela superação do paradigma cartesiano ainda não completamente compreendido Ademais desconsidera a influência do inconsciente que cruza e permeia toda a linguagem e a dita razão Em linhas introdutórias a teoria da dissonância cognitiva desenvolvida na psicologia social analisa as formas de reação de um indivíduo frente a duas ideias crenças ou opiniões antagônicas incompatíveis geradoras de uma situação desconfortável bem como a forma de inserção de elementos de consonância mudar uma das crenças ou as duas para tornálas compatíveis desenvolver novas crenças ou pensamentos etc que reduzam a dissonância e por consequência a ansiedade e o estresse gerado Podese afirmar que o indivíduo busca como mecanismo de defesa do ego encontrar um equilíbrio em seu sistema cognitivo reduzindo o nível de contradição entre o seu conhecimento e a sua opinião É um anseio pela eliminação das contradições cognitivas O autor traz a teoria da dissonância cognitiva para o campo do processo penal aplicandoa diretamente sobre o juiz e sua atuação até a formação da decisão na medida em que precisa lidar com duas opiniões antagônicas incompatíveis teses de acusação e defesa bem como com a sua opinião sobre o caso penal que sempre encontrará antagonismo frente a uma das outras duas acusação ou defesa Mais do que isso considerando que o juiz constrói uma imagem mental dos fatos a partir dos autos do inquérito e da denúncia para recebêla é inafastável o préjulgamento agravado quando ele decide anteriormente sobre prisão preventiva medidas cautelares etc É de se supor afirma Schünemann que tendencialmente o juiz a ela se apegará a imagem já construída de modo que ele tentará confirmála na audiência instrução isto é tendencialmente deverá superestimar as informações consoantes e menosprezar as informações dissonantes Para diminuir a tensão psíquica gerada pela dissonância cognitiva haverá dois efeitos Schünemann efeito inércia ou perseverança mecanismo de autoconfirmação de hipóteses superestimando as informações anteriormente consideradas corretas como as informações fornecidas pelo inquérito ou a denúncia tanto que ele as acolhe para aceitar a acusação pedido de medida cautelar etc busca seletiva de informações em que se procura predominantemente informações que confirmem a hipótese que em algum momento prévio foi aceita acolhida pelo ego gerando o efeito confirmadortranquilizador A partir disso ele desenvolve uma interessante pesquisa de campo que acaba confirmando várias hipóteses entre elas a já sabida ainda que empiricamente por todos quanto maior for o nível de conhecimentoenvolvimento do juiz com a investigação preliminar e o próprio recebimento da acusação muito mais provável é a frequência com que ele condenará Toda pessoa procura um equilíbrio do seu sistema cognitivo uma relação não contraditória A tese da defesa gera uma relação contraditória com as hipóteses iniciais acusatórias e conduz a molesta dissonância cognitiva Como consequência existe o efeito inércia ou perseverança de autoconfirmação das hipóteses através da busca seletiva de informações Demonstra Schünemann que em grande parte dos casos analisados o juiz ao receber a denúncia e posteriormente instruir o feito passa a ocupar de fato a posição de parte contrária diante do acusado que nega os fatos e por isso está impedido de realizar uma avaliação imparcial processar as informações de forma adequada Grande parte desse problema vem do fato de o juiz ler e estudar os autos da investigação preliminar inquérito policial para decidir se recebe ou não a denúncia para decidir se decreta ou não a prisão preventiva formando uma imagem mental dos fatos para depois passar à busca por confirmação dessas hipóteses na instrução O quadro agravase se permitirmos que o juiz de ofício vá em busca dessa prova sequer produzida pelo acusador Enfim o risco de pré julgamento é real e tão expressivo que a tendência é separar o juiz que recebe a denúncia que atua na fase préprocessual daquele que vai instruir e julgar ao final Conforme as pesquisas empíricas do autor os juízes dotados de conhecimentos dos autos a investigação não apreenderam e não armazenaram corretamente o conteúdo defensivo presente na instrução porque eles só apreendiam e armazenavam as informações incriminadoras que confirmavam o que estava na investigação O juiz tendencialmente apegase à imagem do ato que lhe foi transmitida pelos autos da investigação preliminar informações dissonantes desta imagem inicial são não apenas menosprezadas como diria a teoria da dissonância mas frequentemente sequer percebidas O quadro mental é agravado pelo chamado efeito aliança onde o juiz tendencialmente se orienta pela avaliação realizada pelo promotor O juiz vê não no advogado criminalista mas apenas no promotor a pessoa relevante que lhe serve de padrão de orientação Inclusive aponta a pesquisa o efeito atenção diminui drasticamente tão logo o juiz termine sua inquirição e a defesa inicie suas perguntas a ponto de serem completamente desprezadas na sentença as respostas dadas pelas testemunhas às perguntas do advogado de defesa Tudo isso acaba por constituir um caldo cultural onde o princípio do in dubio pro reo acaba sendo virado de pontacabeça na expressão de Schünemann pois o advogado vêse incumbido de provar a incorreção da denúncia Entre as conclusões de Schünemann encontrase a impactante constatação de que o juiz é um terceiro inconscientemente manipulado pelos autos da investigação preliminar Em suma a fere mortalmente a imparcialidade a atuação de ofício do juiz especialmente em relação a gestão e iniciativa da prova ativismo probatório do juiz e a decretação de ofício de medidas restritivas de direitos fundamentais prisões cautelares busca e apreensão quebra de sigilo telefônico etc tanto na fase préprocessual como na processual em relação à imparcialidade nenhuma diferença existe em relação ao momento em que ocorra b é uma ameaça real e grave para a imparcialidade o fato de o mesmo juiz receber a acusação e depois instruir e julgar o feito por isso precisamos do modelo de doble juez com o juiz das garantias recebendo a denúncia c precisamos efetivar com urgência e em toda sua extensão a figura do juiz das garantias que não se confunde com o juizado de instrução sendo responsável pelas decisões acerca de medidas restritivas de direitos fundamentais requeridas pelo investigador polícia ou MP e que ao final recebe ou rejeita a denúncia d é imprescindível a exclusão física dos autos do inquérito permanecendo apenas as provas cautelares ou técnicas irrepetíveis para evitar a contaminação e o efeito perseverança como determina o art 3ºC 3º Considerando a complexidade do processo e de termos obviamente um juiznomundo devese buscar medidas de redução de danos que diminuam a permeabilidade inquisitória e os riscos para a imparcialidade e a estrutura acusatória constitucionalmente demarcada 341 EFEITO PRIMAZIA NO PROCESSO PENAL VOCÊ SABE O QUE É ISSO323 MAIS UM ARGUMENTO A DEMONSTRAR A IMPRESCINDIBILIDADE DO JUIZ DAS GARANTIAS E A EXCLUSÃO FÍSICA DOS AUTOS DO INQUÉRITO Não raras vezes os ditados populares possuem alguma base científica que os suporte e partindo disso a psicologia social se debruçou sobre a crença popular de que a primeira impressão é a que fica através entre outras linhas de pesquisa do chamado efeito primazia Ainda que sempre sensível é crucial buscar o diálogo interdisciplinar para romper com o reducionismo do monólogo científico e o Direito não está imune a essa necessidade Todo o oposto A complexa fenomenologia da violência e posteriormente da situação jurídica processual precisam muito desse diálogo interdisciplinar para dar conta minimamente de toda a complexidade ali envolvida Trazemos agora um diálogo entre o processo penal e os estudos da psicologia social sobre o fenômeno da percepção de pessoas mais especificamente no que diz respeito à vinculação da primeira impressão na formação da impressão definitiva para que se repense determinadas categorias e institutos processuais a partir dessa perspectiva Não se objetiva estudar o desenrolar do processo perceptivo em si bastando que o compreendamos como um processo instantâneo mediante o qual se inferem características psicológicas a determinada pessoa a partir da observação de sua conduta entre outros atributos ou de sua descrição quando feita por alguém324 e se organizam estas inferências em uma impressão una e coerente325 É importante entender minimamente as consequências cognitivocomportamentais da fixação de uma primeira impressão em relação a outras posteriores a ela Os estudos que mais repercutiram na investigação da formação das impressões e consequentemente no desvelamento do impacto das primeiras impressões foram conduzidos por Solomon Asch326 e apresentam duas principais conclusões 1 existem qualidades que se sobressaem no processo perceptivo conclusão que não será aprofundada 2 as primeiras informações recebidas tem mais peso que as demais327 fundamentandose a ideia de que há uma preponderância das cognições oriundas da primeira impressão relativamente a outras a elas conectadas o que se denominou de efeito primazia328 A pesquisa desenvolvida por Asch que acabou por comprovar tal efeito deuse entre outras da seguinte forma elaboraramse duas séries de características idênticas que se diferiam apenas quanto à ordem em que apareciam escritas em uma inteligente trabalhador impulsivo crítico teimoso e invejoso e na outra invejoso teimoso crítico impulsivo trabalhador e inteligente e as submeteram a dois grupos diferentes que deveriam formular suas respectivas impressões sobre uma pessoa com tais atributos Apesar de serem exatamente os mesmos adjetivos constatouse que o grupo que recebeu a série com as características positivas primeiro revelou uma impressão consideravelmente melhor sobre a pessoa imaginada do que o outro cujas negativas constavam à frente329 justificando a afirmação de que há uma primazia das informações que se recebe primeiro sobre as demais Logo concluiu o pesquisador que As descrições dos estudantes indicam que os primeiros termos estabelecem uma direção e esta exerce uma influência contínua sobre os últimos termos Quando se ouve o primeiro termo nasce uma impressão ampla e não cristalizada mas dirigida A característica seguinte está relacionada com a direção estabelecida A opinião formada adquire rapidamente uma certa estabilidade as características posteriores são ajustadas à direção dominante quando as condições o permitem330 Harold Kelley por meio de um experimento ainda mais realista reforçou a conclusão de Asch Na pesquisa que conduziu duas classes de estudantes de psicologia antes de ouvirem um conferencista escutaram uma breve apresentação dele em que o descreviam como sendo uma pessoa bastante fria empreendedora crítica prática e decidida turma A e uma pessoa muito afetuosa empreendedora crítica prática e decidida turma B Após a conferência idêntica em ambas as classes todos os estudantes tiveram que escrever uma redação expressando suas impressões acerca do conferencista Como era de esperar o resultado demonstrou que a turma B cuja descrição falava em muito afetuoso no lugar de bastante frio revelou significativamente mais impressões favoráveis do que a turma A331 concluindose que os estudantes que tinham formado uma impressão preliminar do conferencista a partir da preleção introdutória manifestaram a tendência de avaliar seu comportamento real à luz dessa impressão inicial332 Além disso verificouse que os alunos que esperavam um conferencista afetuoso tendiam a dialogar mais livremente com ele do que os demais sendo possível observar que as distintas descrições preliminares impactaram não somente na impressão final declarada mas também no comportamento dos estudantes para com o conferencista333 Isso dizer que as informações posteriores a respeito de uma pessoa em geral são consideradas no contexto da informação inicial recebida334 sendo esta então a responsável pelo direcionamento da cognição formada a respeito da respectiva pessoa e pelo comportamento que se tem para com ela podendo se reconhecer com Freedman Carlsmith e Sears que as primeiras impressões são não só o começo da interação social mas também as suas principais determinantes335 As causas para esse fenômeno são atribuídas tanto à necessidade de manter a coerência entre as informações recebidas quanto ao nível de atenção dado para as informações que tende a diminuir substancialmente quando já se tem um julgamento formado fruto de uma primeira impressão336 A compreensão dessa problemática é mais um ponto fundante da imprescindibilidade do juiz das garantias e da exclusão fisica dos autos do inquérito Enfim é preciso um olhar muito atento a essas situações e outras similares que ratificam e dão musculatura teórica e científica às diversas críticas feitas ao processo penal justificando mudanças há muito tempo reclamadas como a necessária implantação do juiz das garantias a separação entre o juiz que atua na fase préprocessual e aquele que vai julgar o problema da prevenção como causa de fixação da competência quando deveria ser de exclusão a necessidade de exclusão física dos autos do inquérito etc ou seja diversas medidas que buscam dar eficácia ao devido processo e criar condições reais de possibilidade de termos um juiz imparcial Não dá mais para fechar os olhos para essa realidade exceto se for uma cegueira convenientemente inquisitória e justiceira 342 A IMPORTÂNCIA DA ORIGINALIDADE COGNITIVA DO JUIZ DA INSTRUÇÃO E JULGAMENTO PARA TERMOS CONDIÇÕES DE POSSIBILIDADE DE UM JUIZ IMPARCIAL337 O Estadojuiz deve ser terceiro justamente para não ter parcialidade interessepréjulgamento na resolução do caso penal em favor de qualquer uma das partes A imparcialidade é uma construção técnica artificial do processo que não se confunde com neutralidade O julgador ignora os fatos mas não é neutro já que possui suas conotações políticas religiosas ideológicas etc mas deve ser imparcial cognitivamente afastamento subjetivo dos jogadores e objetivo do caso penal Não há neutralidade porque se trata de um juiznomundo Mas deve haver imparcialidade um afastamento estrutural um estranhamento em relação ao caso penal em julgamento aquilo que os italianos chamam de terzietà alheamento ser um terceiro desinteressado Como já apontamos a imparcialidade é um princípio supremo do processo como ensina Werner Goldschmdit fundante da própria estrutura dialética actum trium personarum Búlgaro A garantia da jurisdição é ilusória e meramente formal quando não se tem um juiz imparcial Mais honesto seria reconhecer que nesse caso não se tem a garantia da jurisdição pois juiz contaminado é juiz parcial logo um nãojuiz A questão portanto vinculase à originalidade cognitiva da temática submetida ao julgamento A imparcialidade338 no decorrer do tempo desde pelo menos o julgamento do Tribunal Europeu de Direitos Humanos TEDH no caso Piersack vs Bélgica distinguiuse entre objetiva em relação ao caso penal e subjetiva no tocante aos envolvidos Também se deve valorizar a estética de imparcialidade ou seja a aparência a percepção que as partes precisam ter de que o juiz é realmente um juiz imparcial ou seja que não tenha tido um envolvimento prévio com o caso penal por exemplo na fase pré processual decretando prisões cautelares ou medidas cautelares reais que o contamine que fomente os préjuízos que geram um imenso prejuízo cognitivo É importante que o juiz mantenha um afastamento que lhe confira uma estética de julgador e não de acusador investigador ou inquisidor Isso é crucial para que se tenha a confiança do jurisdicionado na figura do julgador Mas todas essas questões perpassam por um núcleo imantador que é a originalidade cognitiva É crucial que o juiz conheça do caso penal originariamente no processo penal ou seja na fase processual e na instrução Não significa dizer que o juiz não possa ter conhecimento genérico do fato até porque impossível interditar a cognição decorrente da própria vida em sociedade os meios midiáticos e até as redes sociais Não há como impedir que o juiz leia notícias de um fato ocorrido hoje e que amanhã ou depois ele tenha que julgar por exemplo Não é disso que se trata Estamos falando da originalidade cognitiva no sentido jurídico processual ou seja de que o juiz deverá conhecer em termos processuais e probatórios do caso que irá julgar na instrução processual e não antes Eis o grande problema do processo penal brasileiro que se pretende superar com a reforma de 20192020 o juiz é chamado a conhecer muito cedo do caso que futuramente irá instruir e julgar Ele não entra no processo como um ignorante mas como um sabedor contaminado pela versão unilateralmente apresentada Basta pensar no caso de um juiz chamado a decidir sobre um pedido de quebra de sigilo fiscal e bancário que posteriormente decide sobre o pedido de interceptação telefônica que vai sendo prorrogada mediante sucessivas cogniçõesdecisões deste mesmo juiz e meses depois é para ele dirigido o pedido de busca e apreensão e prisão preventiva Não satisfeito é ele quem como regra irá decidir se recebe ou não a denúncia É elementar a imensa contaminação e préjuízos que geram um imenso prejuízo cognitivo É por isso que precisamos do sistema de doble juez e da máxima eficácia do modelo de juiz das garantias Alguém acredita honestamente que um juiz que atuou na fase de investigação como sempre se fez no Brasil fará a instrução com a mesma abertura cognitiva e igualdade de tratamento que um juiz que nunca foi chamado a decidir sobre esse caso penal nenhuma decisão interlocutória prévia à instrução que chega ignorante e aberto ao conhecimento e debate A diferença é evidente Por isso o juiz da instrução e julgamento não pode ser o mesmo que atuou na investigação preliminar A condição de terceiro é a de ignorância cognitiva em relação às provas ao conteúdo probatório já que o acertamento das condutas deve ser novidade ao julgador O juiz é um sujeito processual não parte ontologicamente concebido como um ignorante porque ele necessariamente ignora o caso penal em julgamento Ele não sabe pois não deve ter uma cognição prévia ao processo Deixará o juiz de ser um ignorante quando ao longo da instrução lhe trouxerem as partes às provas que lhe permitirão então conhecer cognição Logo no regime de instrução do processo não se pode aceitar juiz contaminado por informações decorrentes de atuações anteriores em processos findos ou paralelos Isso porque ele já sabia de condutas e provas que deveria não saber Nesse sentido vale invocar o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal no HC 94641 destacando o voto do ministro Cézar Peluso na hipótese em que o mesmo juiz teria conhecido da ação de investigação de paternidade e depois a ação penal que resultou a gravidez Informativo 528 Pelo conteúdo da decisão do juiz restara evidenciado que ele teria sido influenciado pelos elementos coligidos na investigação preliminar Dessa forma considerou que teria ocorrido hipótese de ruptura da denominada imparcialidade objetiva do magistrado cuja falta incapacitao de todo para conhecer e decidir causa que lhe tenha sido submetida Esclareceu que a imparcialidade denominase objetiva uma vez que não provém de ausência de vínculos juridicamente importantes entre o juiz e qualquer dos interessados jurídicos na causa sejam partes ou não imparcialidade dita subjetiva mas porque corresponde à condição de originalidade da cognição que irá o juiz desenvolver na causa no sentido de que não haja ainda de modo consciente ou inconsciente formado nenhuma convicção ou juízo prévio no mesmo ou em outro processo sobre os fatos por apurar ou sobre a sorte jurídica da lide por decidir Assim sua perda significa falta da isenção inerente ao exercício legítimo da função jurisdicional339 Logo em processos em que se opera cisão CPP art 80 há flagrante violação da originalidade cognitiva quando o mesmo juiz procede às duas instruções e ao julgamento bem como quando se trata de processos advindos de mesma investigação separados por conveniência ou qualquer outro fundamento A contaminação do julgador pela prova obtida em processo anterior ou paralelo ceifa a lógica do juiz terceiro salvo aos que acreditam ser possível essa separação ingênua o juiz finge que não lembra da instrução realizada em outro processo conexo Situação similar também se opera quando o juiz criminal é o mesmo que julga a ação civil pública onde se apura uma improbidade administrativa É por tudo isso que precisamos lutar pela urgente e plena implantação do juiz das garantias separando o juiz que participa da investigação daquele que julgará o processo Melhor teria sido se o legislador tivesse rompido com o estigma e em vez de denominar de juiz das garantias tivesse nominado de juiz da investigação que não tem qualquer semelhança com o famigerado juiz de instrução Infelizmente não foi o que aconteceu A resistência já começou pelo próprio nome pois falar em garantias no Brasil virou errônea e absurdamente sinônimo de impunidade Triste Portanto o juiz criminal para efetivamente ser juiz e portanto imparcial deve conhecer do caso penal originariamente no processo Deve formar sua convicção pela prova colhida originariamente no contraditório judicial sem préjuízos e pré cognições acerca do objeto do processo Do contrário a seguirse com a prática atual o processo acaba sendo um mero golpe de cena com um juiz que já formou sua imagem mental sobre o caso e que entra na instrução apenas para confirmar as hipóteses previamente estabelecidas pela acusação e tomadas por verdadeiras por ele juiz tanto que decretou a busca e apreensão a interceptação telefônica a prisão preventiva etc e ainda recebeu a denúncia A instrução é apenas confirmatória e simbólica de uma decisão previamente tomada Esse tema também precisa ser pensado à luz da teoria da dissonância cognitiva já explicada anteriormente Levar a sério a originalidade cognitiva em regimes probatórios democráticos é o desafio Resta saber se há coragem para afastar um juiz manifestamente contaminado por instruções anteriores Enfim é preciso construirmos um sistema que crie condições de possibilidade de um juiz imparcial fazendo com que ele conheça do caso penal de forma originária na instrução com ausência de pré juízos e imagens mentais já formadas Capítulo 4 Teorias acerca da natureza jurídica do processo penal 41 INTRODUÇÃO AS VÁRIAS TEORIAS Questão muito relevante é compreender a natureza jurídica do processo penal o que ele representa e constitui Tratase de abordar a determinação dos vínculos que unem os sujeitos juiz acusador e réu bem como a natureza jurídica de tais vínculos e da estrutura como um todo Analisando a história do processo Pedro Aragoneses Alonso340 divide as diferentes teorias em três grandes grupos a saber 1 Teorias que utilizam categorias de outros ramos do direito 11 Teorias de direito privado 111 Processo como contrato 112 Processo como quase contrato 113 Processo como acordo 12 Teorias de direito público 121 Processo como relação jurídica Bülow 122 Processo como serviço público Jèze e Duguit 123 Processo como instituição Guasp 2 Teorias que utilizam categorias jurídicas próprias 21 Processo como estado de ligação Kisch 22 Processo como situação jurídica Goldschmidt 3 Teorias mistas341 31 Teoria da vontade vinculatória autárquica da lei Podetti 32 Processo como relação que se desenvolve em situações Alsina 33 Processo como entidade jurídica complexa Foschini As teorias de direito privado contrato quase contrato e acordo foram sendo completamente abandonadas até o final do século XIX quando o processo civil e penal deixa de ser considerado um mero apêndice do direito privado para adquirir sua autonomia Na esfera penal influência decisiva para o abandono das teorias privadas foi o fato de a pena passar ao estágio de pena pública como explicado anteriormente exigindo que a Administração da Justiça fosse exercida pelo Estado pois ele passou a deter o poder de punir com o abandono e a proibição da vingança privada Dentre as teorias de direito público foi a noção de processo como relação jurídica de Oskar von Bülow a que teve e tem maior aceitação até os dias de hoje As demais processo como serviço público Jèze e Duguit e processo como instituição Guasp tiveram pouca aceitação e apenas contribuíram para enriquecer a discussão e a evolução do processo mas não foram adotadas Da mesma forma os estudos de Kisch Podetti Alsina e Foschini Foi sem dúvida alguma James Goldschmidt o maior e único opositor à altura da tese de Bülow com sua teoria do processo como situação jurídica Mais do que estruturar uma nova leitura da complexa fenomenologia do processo Goldschmidt mostra os graves equívocos e a insustentabilidade da noção de processo como relação jurídica Assim considerando os limites do presente trabalho centrarnos emos nessas duas teorias 42 PROCESSO COMO RELAÇÃO JURÍDICA A CONTRIBUIÇÃO DE BÜLOW A obra de Bülow La teoría de las excepciones dilatórias y los presupuestos procesales publicada em 1868342 foi um marco definitivo para o processo pois estabeleceu o rompimento do direito material com o direito processual e a consequente independência das relações jurídicas que se estabelecem nessas duas dimensões É o definitivo sepultamento das explicações privativistas em torno do processo A teoria do processo como uma relação jurídica é o marco mais relevante para o estudo do conceito de partes principalmente porque representou uma evolução de conteúdo democráticoliberal do processo em um momento em que o processo penal era visto como uma simples intervenção estatal com fins de desinfecção social ou defesa social343 Como aponta Chiovenda la sencillísima pero fundamental idea notada por Hegel afirmada por BethmannHollweg y desenvuelta principalmente por Bülow y más tarde por Kohler y por otros muchos incluso en Italia344 el proceso civil contiene una relación jurídica345 criou um novo marco na doutrina processual civil e também no processo penal Na realidade não se pode afirmar que Bülow criou a teoria da relação jurídica pois como aponta Alonso346 o tema já havia sido aludido por BethmannHollweg anteriormente Ademais existem antecedentes históricos nos juristas italianos medievais como Búlgaro347 que ao afirmar que judicium est actus trium personarum judicis actoris rei contemplava no processo as três partes o juiz que julgue o autor que demande e o réu que se defenda Contudo foi ele quem racionalizou a teoria e principalmente a desenvolveu sistematicamente frente ao processo A partir daí não só o processo se desenvolve como instituição senão que a ação processual passa a adquirir uma nova dimensão que conduz a importantes estudos e evolução científica e dogmática de conceitos Couture aponta que para a ciência do processo a separação entre direito e ação constituiu um fenômeno análogo ao que representou para a física a divisão do átomo Para Bülow o processo é uma relação jurídica de natureza pública que se estabelece entre as partes MP e réu e o juiz dando origem a uma reciprocidade de direitos e obrigações processuais Sua natureza pública decorre do fato de o vínculo se dar entre as partes e o órgão público da Administração de Justiça numa atividade essencialmente pública Nesse sentido o processo é uma relação jurídica de direito público autônoma e independente da relação jurídica de direito material No processo penal representou um avanço no tratamento do imputado que deixa de ser visto como um mero objeto do processo para ser tratado como um verdadeiro sujeito com direitos subjetivos próprios e principalmente que pode exigir que o juiz efetivamente preste a tutela jurisdicional solicitada como garantidor da eficácia do sistema de garantias previsto na Constituição Segundo Bülow348 o processo é um conjunto de direitos e obrigações recíprocos isto é uma relação jurídica Tal relação é pública pois os direitos e as obrigações processuais se dão entre os funcionários do Estado e os cidadãos desde o momento em que se trata no processo da função dos agentes públicos É ainda uma relação con tínua pois avança gradualmente e se desenvolve passo a passo numa sequência de atos logicamente concatenados Desenvolvese ainda de modo progressivo entre o tribunal e as partes Para isso é necessário saber entre que pessoas pode se estabelecer a que objeto se refere que ato ou fato é necessário para seu nascimento e quem é capaz ou está facultado para realizar tal ato Para Bülow os elementos constitutivos da relação jurídico processual são pessoas matéria atos e momento em que se desenvolvem Assim chegamos a outra preciosa contribuição do autor para a ciência do processo a teoria dos pressupostos processuais349 que surge basicamente da distinção entre a relação jurídica de direito material e a relação jurídicoprocessual e procura definir quais são os pressupostos de validade e existência do processo Com base nos pressupostos processuais foi possível com preender a existência do processo e entre outras coisas desenvolver uma teoria sobre as nulidades processuais com fundamento mais adequado Essa relação jurídicoprocessual é triangular como explica Wach350 seguindo a Bülow e dada sua natureza complexa se estabelece entre as partes e entre as partes e o juiz dando origem a uma reciprocidade de direitos e obrigações Negar isso é o mesmo que voltar à ideia de um Estado totalitário em que não existe o binômio poderdever jurisdicional O processo é uma via de mão dupla em que as partes têm direito à tutela jurisdicional e o juiz o dever de conduzir o processo até alcançar a sentença Quando verificamos que existe uma relação de direitos e deveres recíprocos entre acusador e acusado como ocorre em relação aos direitos fundamentais não se pode negar que exista uma verdadeira relação jurídica complexa entre eles Graficamente a teoria pode ser representada da seguinte forma Partindo dos fundamentos apontados por Bülow aperfeiçoados por Wach351 e posteriormente por Chiovenda podese afirmar que o processo penal é uma relação jurídica pública autônoma e complexa pois existem entre as três partes verdadeiros direitos e obrigações recíprocos Somente assim estaremos admitindo que o acusado não é um mero objeto do processo tampouco que o processo é um simples instrumento para a aplicação do jus puniendi estatal O acusado é parte integrante do processo em igualdade de armas com a acusação seja ela estatal ou não e como tal possuidor de um conjunto de direitos subjetivos dotados de eficácia em relação ao juiz e à acusação Mesmo entre os seguidores de Bülow não existe acordo entre quem estabelece a relação processual Para alguns estabelecese entre as partes e o juiz Hellwig para outros somente entre as partes Kohler e finalmente existem aqueles que concebem a relação como triangular Wach Na Itália a base da teoria da relação jurídica foi adotada entre outros por Carnelutti352 Chiovenda353 Bettiol e Rocco A teoria do processo como relação jurídica recebeu críticas tanto na sua aplicação para o processo civil como também para o processo penal mas em que pese sua insuficiência e inadequação acabou sendo adotada pela maior parte da doutrina processualista A crítica mais contundente e profunda veio sem dúvida de Goldschmidt por sua tese de que o processo é uma situação jurídica como se verá na continuação 43 PROCESSO COMO SITUAÇÃO JURÍDICA OU A SUPERAÇÃO DE BÜLOW POR JAMES GOLDSCHMIDT A noção de processo como relação jurídica estruturada na obra de Bülow354 foi fundante de equivocadas noções de segurança e igualdade que brotaram da chamada relação de direitos e deveres estabelecida entre as partes e entre as partes e o juiz O erro foi o de crer que no processo penal houvesse uma efetiva relação jurídica com um autêntico processo de partes Com certeza foi muito sedutora a tese de que no processo haveria um sujeito que exercitava nele direitos subjetivos e principalmente que poderia exigir do juiz que efetivamente prestasse a tutela jurisdicional solicitada sob a forma de resistência defesa Apaixonante ainda a ideia de que existiria uma relação jurídica obrigatória do juiz com relação às partes que teriam o direito de lograr por meio do ato final um verdadeiro clima de legalidade e restabelecimento da paz social Foi James Goldschmidt e sua Teoria do processo como situação jurídica tratada na sua célebre obra Prozess als Rechtslage355 publicada em Berlim em 1925 e posteriormente difundida em diversos outros trabalhos do autor356 quem melhor evidenciou as falhas da construção de Bülow mas principalmente quem formulou a melhor teoria para explicar e justificar a complexa fenomenologia do processo Para o autor o processo é visto como um conjunto de situações processuais pelas quais as partes atravessam caminham em direção a uma sentença definitiva favorável Nega ele a existência de direitos e obrigações processuais e considera que os pressupostos processuais de Bülow são na verdade pressupostos de uma sentença de fundo Afirma Goldschmidt que por tanto por sus presupuestos la relación jurídica procesal no aporta nada El concepto de presupuestos procesales más bien resulta adecuado para oscurecer el de presupuestos de la sentencia sobre el fondo si éste en aquel momento hubiese sido alumbrado357 Goldschmidt ataca primeiramente os pressupostos da relação jurídica em seguida nega a existência de direitos e obrigações processuais ou seja o próprio conteúdo da relação e por fim reputa definitivamente como estática ou metafísica a doutrina vigente nos sistemas processuais contemporâneos Nesse sentido os pressupostos processuais não representam pressupostos do processo deixando por sua vez de condicionar o nascimento da relação jurídicoprocessual para ser concebidos como pressupostos da decisão sobre o mérito O conceito de situação jurídica é puramente processual e surge somente sobre a base de uma consideração processualista do direito contrapondose ao conceito de relação jurídica de Bülow que surgiu de uma perspectiva jurídicomaterial do direito358 ou seja deita suas bases no direito material Foi Goldschmidt quem evidenciou o caráter dinâmico do processo ao transformar a certeza própria do direito material na incerteza característica da atividade processual Na síntese do autor durante a paz a relação de um Estado com seus territórios de súditos é estática constitui um império intangível Interessanos pois a crítica pelo viés da inércia e da falsa noção de segurança que traz ínsita a teoria do processo enquanto relação jurídica Sem embargo ensina Goldschmidt quando a guerra estoura tudo se encontra na ponta da espada os direitos mais intangíveis se convertem em expectativas possibilidades e obrigações e todo direito pode se aniquilar como consequência de não ter aproveitado uma ocasião ou descuidado de uma obrigação como pelo contrário a guerra pode proporcionar ao vencedor o desfrute de um direito que não lhe corresponde359 Essa dinâmica do estado de guerra é a melhor explicação para o fenômeno do processo que deixa de lado a estática e a segurança controle da relação jurídica para inserirse na mais completa epistemologia da incerteza O processo é uma complexa situação jurídica na qual a sucessão de atos vai gerando situações jurídicas das quais brotam as chances que bem aproveitadas permitem que a parte se liberte de cargas probatórias e caminhe em direção favorável Não aproveitando as chances não há a liberação de cargas surgindo a perspectiva de uma sentença desfavorável O processo enquanto situação em movimento dá origem a expectativas perspectivas chances cargas e liberação de cargas Do aproveitamento ou não dessas chances surgem ônus ou bônus As expectativas de uma sentença favorável dependerão normalmente da prática com êxito de um ato processual anterior realizado pela parte interessada liberação de cargas Como explica o autor360 se entiende por derechos procesales las expectativas posibilidades y liberaciones de una carga procesal Existen paralelamente a los derechos materiales es decir a los derechos facultativos potestativos y permisivos Las llamadas expectativas son esperanzas de obtener futuras ventajas procesales sin necesidad de acto alguno propio y se presentan rara vez en el desenvolvimiento normal del proceso pueden servir de ejemplo de ellas la del demandado de que se desestime la demanda que padezca de defectos procesales o no esté debidamente fundada As possibilidades surgem de uma chance são consideradas la situación que permite obtener una ventaja procesal por la ejecución de un acto procesal361 Como esclarece Alonso362 a expectativa de uma vantagem processual e em última análise de uma sentença favorável à dispensa de uma carga processual e a possibilidade de chegar a tal situação pela realização de um ato processual constituem os direitos em sentido processual da palavra Na verdade não seriam direitos propriamente ditos senão situações que poderiam denominarse com a palavra francesa chances363 Diante de uma chance a parte pode liberarse de uma carga processual e caminhar em direção a uma sentença favorável expectativa ou não se liberar e com isso aumentar a possibilidade de uma sentença desfavorável perspectiva Assim sempre que as partes estiverem em situação de obter por meio de um ato uma vantagem processual e em última análise uma sentença favorável têm uma possibilidade ou chance processual O produzir uma prova refutar uma alegação juntar um documento no devido momento são típicos casos de aproveitamento de chances Tampouco incumbem às partes obrigações mas sim cargas processuais entendidas como a realização de atos com a finalidade de prevenir um prejuízo processual e consequentemente uma sentença desfavorável Tais atos se traduzem essencialmente na prova de suas afirmações É importante recordar que no processo penal a carga da prova está inteiramente nas mãos do acusador não só porque a primeira afirmação é feita por ele na peça acusatória denúncia ou queixa mas também porque o réu está protegido pela presunção de inocência Infelizmente é comum nos deparamos com sentenças e acórdãos que fazem uma absurda distribuição de cargas no processo penal tratando a questão da mesma forma que no processo civil Não raras são as sentenças condenatórias fundamentadas na falta de provas da tese defensiva como se o réu tivesse de provar sua versão de negativa de autoria ou da presença de uma excludente É um erro Não existe uma distribuição senão que a carga probatória está inteiramente nas mãos do Ministério Público O que podemos conceber indo além da noção inicial de situação jurídica é uma assunção de riscos Significa dizer que à luz da epistemologia da incerteza que marca a atividade processual e o fato de a sentença ser um ato de convencimento como explicaremos a seu tempo a não produção de elementos de convicção para o julgamento favorável ao seu interesse faz com que o réu acabe potencializando o risco de uma sentença desfavorável Não há uma carga para a defesa mas sim um risco Logo coexistem as noções de carga para o acusador e risco para a defesa Carga é um conceito vinculado à noção de unilateralidade logo não passível de distribuição mas sim de atribuição No processo penal a atribuição da carga probatória está nas mãos do acusador não havendo carga para a defesa e tampouco possibilidade de o juiz auxiliar o MP a liberarse dela recusa ao ativismo judicial A defesa assume riscos pela perda de uma chance probatória Assim quando facultado ao réu fazer prova de determinado fato por ele alegado e não há o aproveitamento dessa chance assume a defesa o risco inerente à perda de uma chance logo assunção do risco de uma sentença desfavorável Exemplo típico é o exercício do direito de silêncio calcado no nemo tenetur se detegere Não gera um prejuízo processual pois não existe uma carga Contudo potencializa o risco de uma sentença condenatória Isso é inegável Não há uma carga para a defesa exatamente porque não se lhe atribui um prejuízo imediato e tampouco possui um dever de liberação A questão deslocase para a dimensão da assunção do risco pela perda de uma chance de obter a captura psíquica do juiz O réu que cala assume o risco decorrente da perda da chance de obter o convencimento do juiz da veracidade de sua tese Mas voltando à concepção goldschmidtiana a obrigação processual carga é tida como um imperativo do próprio interesse da parte diante da qual não há um direito do adversário ou do Estado Por isso é que não se trata de um dever O adversário não deseja outra coisa senão que a parte se desincumba de sua obrigação de fundamentar provar etc Com efeito há uma relação estreita entre as obrigações processuais e as possibilidades direitos processuais da mesma parte uma vez que cada possibilidade impõe à parte a obrigação de aproveitar a possibilidade com o objetivo de prevenir sua perda364 A liberação de uma carga processual pode decorrer tanto de um agir positivo praticando um ato que lhe é possibilitado como também de um não atuar sempre que se encontre em uma situação que le permite abstenerse de realizar algún acto procesal sin temor de que le sobrevenga el perjuicio que suele ser inherente a tal conducta365 Já a perspectiva de uma sentença desfavorável dependerá sempre da não realização de um ato processual em que a lei imponha um prejuízo pela inércia A justificativa encontrase no princípio dispositivo A não liberação de uma carga acusação leva à perspectiva de um prejuízo processual sobretudo de uma sentença desfavorável e depende sempre que o acusador não tenha se desincumbido de sua carga processual366 Na síntese de Alonso367 al ser expectativas o perspectivas de un fallo judicial futuro basadas en las normas legales representan más bien situaciones jurídicas lo que quiere decir estado de una persona desde el punto de vista de la sentencia judicial que se espera con arreglo a las normas jurídicas Assim o processo deve ser entendido como o conjunto dessas situações processuais e concebido como um complexo de promessas e ameaças cuja realização depende da verificação ou omissão de um ato da parte368 Outra categoria muito importante na estrutura teórica do autor é a de derecho justicial material Nessa visão o direito penal é um derecho justicial material posto que o Estado adjudicou o exercício do seu poder de punir à Justiça Mas principalmente as normas que integram o derecho justicial são medidas para o juízo do juiz regras de julgamento e condução do processo gerando para as partes o caráter de promessas ou de ameaças de determinada conduta do juiz Os conceitos de promessas ou de ameaças devem ser vistos numa lógica de ônus e bônus logo promessas de benefícios sentença favorável etc diante de determinada atuação ou ainda ameaças de prejuízos processuais pela não liberação de uma carga por exemplo Essa rápida exposição do pensamento de Goldschmidt serve para mostrar que o processo assim como a guerra está envolto por uma nuvem de incerteza A expectativa de uma sentença favorável ou a perspectiva de uma sentença desfavorável está sempre pendente do aproveitamento das chances e liberação da carga Em nenhum momento temse a certeza de que a sentença será procedente A acusação e a defesa podem ser verdadeiras ou não uma testemunha pode ou não dizer a verdade assim como a decisão pode ser acertada ou não justa ou injusta o que evidencia sobremaneira o risco no processo O mundo do processo é o mundo da instabilidade de modo que não há que se falar em juízos de segurança certeza e estabilidade quando se está tratando com o mundo da realidade o qual possui riscos que lhe são inerentes É evidente que não existe certeza segurança nem mesmo após o trânsito em julgado pois a coisa julgada é uma construção técnica do direito que nem sempre encontra abrigo na realidade algo assim como a matemática na visão de Einstein369 É necessário destacar que o direito material é um mundo de entes irreais uma vez que é construído à semelhança da matemática pura enquanto o mundo do processo como anteriormente mencionado identificase com o mundo das realidades concretização pelo qual há um enfrentamento da ordem judicial com a ordem legal A dinâmica do processo transforma a certeza própria do direito material na incerteza característica da atividade processual Para Goldschmidt370 a incerteza é consubstancial às relações processuais posto que a sentença judicial nunca se pode prever com segurança A incerteza processual justificase na medida em que coexiste em iguais condições a possibilidade de o juiz proferir uma sentença justa ou injusta Não se pode supor o direito como existente enfoque material mas sim comprovar se o direito existe ou não no fim do processo Justamente por isso é que se afirma que o processo é incerto inseguro A visão do processo como guerra evidencia a realidade de que vence alcança a sentença favorável aquele que lutar melhor que melhor souber aproveitar as chances para libertarse de cargas processuais ou diminuir os riscos Entretanto não há como prever com segurança a decisão do juiz E esse é o ponto crucial aonde queríamos chegar demonstrar que a incerteza é característica do processo considerando que o seu âmbito de atuação é a realidade 431 QUANDO CALAMANDREI DEIXA DE SER O CRÍTICO E RENDE HOMENAGENS A UN MAESTRO DI LIBERALISMO PROCESSUALE O RISCO DEVE SER ASSUMIDO A LUTA PELAS REGRAS DO JOGO É importante destacar que Goldschmidt sofreu duras e injustas críticas até porque muitos não compreenderam o alcance de sua obra Parte dos ataques deve ser atribuída ao momento político vivido e à ilusão de direitos que Bülow acenava contrastando com a dura realidade espelhada por Goldschmidt que chegou a ser rotulado de teórico do nazismo Uma imensa injustiça repetida até nossos dias por pessoas que conhecem pouco a obra do autor e desconhecem completamente o autor da obra como veremos à continuação Inclusive é interessante como a história demonstrou que as três principais críticas estamos sintetizando é claro371 feitas a essa concepção acabaram se transformando em demonstrações de acerto e da genialidade do autor Vejamos as críticas principalmente de Calamandrei a A de que a teoria da situação jurídica estava estruturada em categorias de caráter sociológico expectativas perspectivas chances etc Goldschmidt refutou apontando que o direito civil sempre trabalhou com o conceito de expectativa de direito conhecido e reconhecido há muito tempo E seguiu mostrando que tais concepções eram pouco sociológicas Há que se compreender à luz da racionalidade da época Hoje a discussão estaria noutra dimensão sem medo de assumir o caráter sociológico e demonstrar sua absoluta necessidade E assim a crítica se revelou infundada na medida em que atualmente a complexidade que marca as sociedades contemporâneas evidenciou a falência do monólogo científico especialmente o jurídico Ou seja a complexidade social exige um olhar interdisciplinar que transcenda as categorias fechadas como as tradicionalmente concebidas no direito para colocar os diferentes campos do saber para dialogar em igualdade de condições e assim construir uma nova linguagem Isto é Goldschmidt já percebia a insuficiência do monólogo jurídico e a necessidade de uma abertura dialogando com a sociologia para com ela construir uma nova linguagem que desse conta da complexa fenomenologia do processo Logo um grande acerto que por ser além do seu tempo não foi compreendido Hoje atualíssimo b A segunda crítica foi a de que ele estava rompendo com a unidade processual Calamandrei afirmou que essa concepção não era conveniente nem científica nem didaticamente e que a visão do autor fazia com que o processo parecesse não mais uma unidade relação jurídica mas uma sucessão de situações distintas Goldschmidt respondeu afirmando que a unidade do processo é garantida por seu objeto e que na relação jurídica a unidade maior é só em aparência É o objeto a pretensão processual acusatória que explicaremos na continuação que mantém a unidade pois tudo a ele converge Toda a atividade processual recai sobre um objeto comum fazendo com que para nós a unidade seja mantida por imantação Mais do que isso recorremos novamente ao conceito de complexidade para demonstrar que a tal unidade processual remonta um pensamento cartesiano que não compreende a abertura e uma dose de superação do binômio abertofechado Logo novo acerto pela superação do sistema simples e unitário c Por fim foi criticado por ter uma concepção anormal ou patológica do processo Ora esse foi sem dúvida o maior acerto do autor ao lado da dinâmica da situação jurídica Ele já em 1925 incorporou no processo a epistemologia da incerteza influenciado quem sabe372 pelos estudos de Einstein em torno da relatividade 1905 e 1916 e da quântica Infelizmente ainda está por ser escrito um trabalho que investigue a influência einsteiniana nos grandes juristas da época Mas Goldschmidt estava certo tão certo que Calamandrei retifica sua posição e críticas para assumir a noção de processo como jogo O que o jurista alemão estava desvelando é que a incerteza é constitutiva do processo e nunca se pode prever com segurança a sentença judicial Alguém duvida disso Elementar que não Como assumiu anos mais tarde Calamandrei para obterse justiça não basta ter razão senão que é necessário fazêla valer no processo utilizando todas as armas manobras e técnicas obviamente lícitas e éticas para isso Assim no plano jurídicoprocessual Calamandrei foi um opositor à altura Inclusive as três críticas anteriormente analisadas foram pontos focados no sugestivo artigo El proceso como situación jurídica de onde outros tantos aderiram Contudo após as críticas iniciais todas refutadas Calamandrei perfilouse ao lado de Goldschmidt no célebre trabalho Il processo come giuoco373 Posteriormente escreveu Un maestro di liberalismo processuale374 em sua homenagem Podem até dizer que não se tratava de uma plena concordância é verdade mas sim de uma radical mudança de crítico visceral a pequenas divergências periféricas com as homenagens pelo reconhecimento do acerto substancial Na sua visão do processo como um jogo Calamandrei explica que as partes devem em primeiro lugar conhecer as regras do jogo Logo devem observar como funcionam na prática eis que a atividade processual trabalha com a realidade Além disso é preciso experimentar como se entendem e como as respeitam os homens que devem observálas contra que resistências correm risco de se enfrentar e com que reações ou com que tentativas de ilusão têm que contar375 Entretanto para se obter justiça não basta tão somente ter razão O triunfo do processo depende outrossim de sabêla expor encontrar quem a entenda e a queira dar e por último um devedor que possa pagar376 Nesse jogo o sujeito processual ou o ator como denomina o próprio Calamandrei movimentase a fim de obter uma sentença que acolha seu direito muito embora o resultado procedência não dependa unicamente de sua demanda considerando que nesse contexto inserese a figura do juiz Assim o reconhecimento do direito do ator depende necessariamente da busca constante da convicção do julgador fazendoo entender a demanda Ou nas palavras de Calamandrei377 O êxito depende por conseguinte da interferência destas psicologias individuais e da força de convicção com que as razões feitas pelo demandante consigam fazer suscitar ressonâncias e simpatias na consciência do julgador Contudo o árbitro juiz não é livre para dar razão a quem lhe dê vontade pois se encontra atrelado à pequena história retratada pela prova contida nos autos Logo está obrigado a dar razão àquele que melhor consiga pela utilização de meios técnicos apropriados convencêlo Por conseguinte as habilidades técnicas são cruciais para fazer valer o direito considerando sempre o risco inerente à atividade processual Afortunada coincidência é a que se verifica quando entre dois litigantes o mais justo seja também o mais habilidoso Entretanto quando não há tal coincidência o processo de instrumento de justiça criado para dar razão ao mais justo passe a ser um instrumento de habilidade técnica criado para dar vitória ao mais astuto378 A sentença na visão de Calamandrei deriva da soma de esforços contrastantes ou seja das ações e das omissões das astúcias ou dos descuidos dos movimentos acertados e das equivocações considerando que o processo nesse ínterim vem a ser nada mais que um jogo no qual há que vencer379 Elementar que afirmações assim lidas apressadamente e de forma superficial podem causar algum choque Mas destaquese não estamos criando nada e tampouco se trata de questões novas Se pudéssemos sintetizar advertindo sobre o risco e o dano da sín tese os dois pontos mais importantes do pensamento de Goldschmidt para o processo destacaríamos 1 O conceito aplicado de fluidez movimento dinâmica no processo que incorpora a concepção de situações jurídicas complexas Essa alternância de movimentos inerente ao processo é um genial contraste e evolução quando comparado com a inércia da relação jurídica Foi ele quem melhor percebeu e explicou por meio da sua teoria a essência do procedere que imprime a marca do processo judicial 2 O abandono da equivocada e perigosamente sedutora ideia de segurança jurídica que brota da construção do processo como relação jurídica estática com direitos e deveres claramente estabelecidos entre as partes e o juiz É um erro pois o processo se move num mundo de incerteza Mais é uma noção de segurança construída erroneamente a partir da concepção estática do processo Não que se negue a necessidade de segurança mas ela somente é possível quando corretamente percebido e compreendido o próprio risco Segurança se desenha a partir do risco e principalmente do risco que brota da própria incerteza do movimento e da dinâmica do processo É segurança na incerteza e no movimento Logo o que nos sobra é lutar pela forma ou seja um conceito de segurança que se estabeleça a partir do respeito às regras do jogo Essa é a segurança que se deve postular e construir Detalhe importante obviamente não foi Goldschmidt quem criou a insegurança e a incerteza380 mas sim quem as desvelou Elas lá sempre estiveram381 pois são inerentes ao processo e à justiça Houve sim um encobrimento na teoria de Bülow da incerteza a partir de todo um contexto histórico processual e social Era uma visão muito sedutora principalmente naquele momento histórico Mas a razão está com Goldschmidt o processo se move no mundo de incerteza onde as chances devem ser aproveitadas para que as partes possam se liberar das cargas probatórias e caminhar em direção a uma sentença favorável A única segurança que se postula é a da estrita observância das regras do jogo a forma como garantia e mais anterior a ela no conteúdo axiológico da própria regra O maior mérito do autor infelizmente ainda a ser reconhecido foi ter evidenciado o fracasso da unidade epistemológica do direito processual com a inserção de categorias sociológicas expectativas perspectivas chances a epistemologia da incerteza e a imprevisibilidade do processo a noção de fluidez dinâmica e movimento e ter denunciado o fracasso da teoria geral do processo o erro da transmissão mecânica de categorias Por fim ao incorporar o risco muito antes de Beck Giddens e todos os sociólogos do risco evidencia a falácia da noção tradicional de segurança jurídica fomentada pela inércia da relação jurídica de Bülow É interessante como a tradição resiste ao novo principalmente quando é desorganizador da ilusória tranquilidade do status quo Se compararmos com a receptividade até nossos dias da concepção de Bülow veremos que foi quantitativamente bem superior do que a aceitação da revolucionária tese de Goldschmidt Possivelmente entre outros fatores porque foi pouco compreendida sua complexa noção de processo Contudo como muito bem define José Vicente Gimeno Sendra382 a crítica que realizou Goldschmidt à relação jurídica processual foi tão sólida que seus defensores atuais foram obrigados a adotar uma dessas três posições 1 Pretender defender a conciliação da teoria da relação jurídica com a da situação jurídica383 2 Estender o conceito de relação jurídica a limites inimagi náveis e insustentáveis como são as tentativas de darlhe dinamicidade fluidez e complexidade 3 Esvaziar o conteúdo da relação jurídica substituindo os direitos e obrigações processuais pelas categorias goldsch midtia nas de possibilidades e cargas e às vezes até de expectativas chances processuais etc o que significa esvaziar completamente o núcleo fundante da tese de Bülow Em todos os casos devese ter muita atenção pois estamos diante de um autor e posições teóricas que para tentar salvar a relação jurídica não fazem mais que matála Tudo para manter a tradição e pseudossegurança de conceitos ou ainda por força da lei do menor esforço É chegada ou já passada a hora de compreender e assumir a incerteza característica do processo A balança oscila tanto pende igualmente para um lado como para outro Está lançada a sorte Se retomando Einstein até Deus joga dados com o universo seria muita arrogância senão alienação pensar que no processo seria diferente Seria como dizer a concepção de universo em constante mutação incorpora como elemento fundamental o princípio da incerteza mas isso só se aplica ao universo não ao direito processual Sabese que Einstein falhou384 ao não considerar o princípio da incerteza na Teoria da Relatividade Geral pois o universo pode ser imaginado como um gigantesco cassino385 com dados sendo lançados e roletas girando por todos os lados e em todos os momentos O detalhe fundamental é que os donos de cassinos não abrem as portas para perder dinheiro pois eles sabem que quando se lida com um grande número de apostas a média dos ganhos e perdas atinge um resultado que pode ser previsto E eles se certificam de que a média das vantagens esteja a favor deles obviamente O crucial é que se a média de um grande número de movimentos pode ser prevista o resultado de qualquer aposta individual não Esse é o ponto Logo no processo a situação é igual Na média podese afirmar que a justiça e o acerto dos resultados estão presentes Ou seja como existem muitos milhares de lançamentos de dados diariamente distribuição tramitação e julgamento podese prever que a média será de acerto das decisões senão a justiça como os donos de cassino não teria funcionado por tantos séculos mas o resultado concreto de um determinado processo aposta individual na roleta é completamente incerto e imprevisível Essa é uma equação que precisa ser compreendida principalmente pelos ingênuos apostadores Somente a partir da compreensão dessas categorias podemos construir um sistema de garantias sem negar o risco para o réu no processo penal deixando de lado as ilusões de segurança e principalmente abandonando a ingênua crença na bondade dos bons386 Essa crença infantil de que o processo e o juiz são capazes de revelar a verdade e que a justiça para quem será efetivamente feita impede a percepção do que está realmente por detrás daquele ritual il giuoco Mas o mais grave impede que se duvide da bondade do juiz do promotor e do próprio ritual e que se questione a própria legitimidade do poder Tanto no jogo como na guerra importam a estratégia e o bom manuseio das armas disponíveis Mas acima de tudo são atividades de alto risco envoltas na nuvem de incerteza Não há como prever com segurança quem sairá vitorioso Assim deve ser visto o processo uma situação jurídica dinâmica inserida na lógica do risco e do giuoco Reina a mais absoluta incerteza até o final A luta passa a ser pelo respeito às regras do devido processo e obviamente antes disso por regras que realmente estejam conforme os valores constitucionais A assunção desses fatores é fundamental para compreender a importância do estrito cumprimento das regras do jogo ou seja das regras do due process of law Tratase de lutar por um sistema de garantias mínimas Não é querer resgatar a ilusão de segurança mas sim assumir os riscos e definir uma pauta mínima de garantias formais das quais não podemos abrir mão Tratase de reconstruir a noção de segurança garantia a partir da assunção do risco ou seja perceber que a garantia somente se constitui a partir da assunção da falta de É partir da premissa de que a garantia está na forma do instrumento jurídico e que no processo penal adquire contornos de limitação ao poder punitivo estatal e emancipador do débil submetido ao processo Não se trata de mero apego incondicional à forma senão de considerála uma garantia do cidadão e fator legitimante da pena ao final aplicada Mas é importante destacar não basta apenas definir as regras do jogo Não é qualquer regra que nos serve pois como sintetiza Jacinto Coutinho387 devemos ir para além delas regras do jogo definindo contra quem se está jogando e qual o conteúdo ético e axiológico do próprio jogo Nossa análise situase nesse desvelar do conteúdo ético e axiológico do jogo e de suas regras indo muito além do mero paleopositivismo Em definitivo é importante compreender que repressão e garantias processuais não se excluem senão que coexistem Radicalismos à parte devemos incluir nessa temática a noção de simultaneidade em que o sistema penal tenha poder persecutório punitivo e ao mesmo tempo esteja limitado por uma esfera de garantias processuais e individuais Mesma simultaneidade necessária para pensarse a garantia processual sem negar o risco Coexistência e simultaneidade de conceitos são imperativos da complexidade que nos conduzem inclusive a trabalhar no entrelugar no entreconceito Considerando que risco violência e insegurança sempre existirão é sempre melhor risco com garantias processuais do que risco com autoritarismo A segurança jurídica só pode ser concebida a partir da assunção da insegurança do risco e da imprevisibilidade Não se constrói um conceito que dê conta ainda que minimamente pois a plenitude é ideal sem a consciência da sua falta pois a falta é constitutiva Logo segurança jurídica se constrói a partir da assunção da insegurança do desvelamento do risco e da incerteza sem deixar de lado a subjetividade que os recepciona e por eles é constituído Em última análise pensamos desde uma perspectiva de redução de danos na qual os princípios constitucionais não significam proteção total até porque a falta ensina Lacan é constitutiva e sempre lá estará sob pena de incidirmos na errônea crença na tradicional segurança Tratase assim de reduzir os espaços autoritários e diminuir o dano decorrente do exercício abusivo ou não do poder Uma verdadeira política processual de redução de danos pois repitase o dano como a falta sempre lá estará Para que isso seja possível é preciso abandonar a ilusão de segurança da teoria do processo como relação jurídica para assumi lo na sua complexa e dinâmica situação jurídica desvelando suas incertezas e perigos 432 PARA COMPREENDER A OBRA DO AUTOR É FUNDAMENTAL CONHECER O AUTOR DA OBRA JAMES GOLDSCHMIDT Como explica Alflen da Silva388 Goldschmidt como afirmado por Eberhard Schmidt teve o mérito imperecível de ter submetido o pensamento processual a uma crítica e de ter desenvolvido rigorosamente a heterogeneidade fundamental do modo de contemplar material e processualmente o direito389 Em virtude de sua perspicácia invulgar e originalidade de suas ideias chegouse a afirmar que Goldschmidt tinha a rara capacidade de adentrar na mais profunda das profundezas390 Em um artigo escrito em memória aos dez anos de seu falecimento em 1950 Ernst Heinitz qualificouo como professor de grande vitalidade e temperamento como homem de humor e em certo sentido representante típico dos cientistas do estilo antigo391 Considerado pelos nazistas primeiramente como um embaixador e divulgador da cultura alemã392 após a ascensão do partido ao poder no entanto restou por se tornar mais uma vítima do nacionalsocialismo O presente trecho apresenta uma homenagem in memoriam a este grande jurista Oriundo de família judaica James Paul Goldschmidt nasceu em 17 de dezembro de 1874 na cidade de Berlim Alemanha Seu pai Robert Goldschmidt era banqueiro e seu irmão Hans Walter Goldschmidt foi professor da Faculdade de Direito da Universidade de Köln Com seis anos de idade James Goldschmidt ingressou na escola francesa Französisches Gymnasium em Berlim393 A frequência à escola francesa que encerrou em 1892 com a realização do vestibular capacitouo a redigir em período posterior de sua vida uma parte de seus trabalhos em francês italiano e espanhol posto que ali lhe haviam sido proporcionados conhecimentos em tais idiomas E justamente em razão disso ele permaneceu um período de sua vida estreitamente vinculado com a cultura francesa Na virada de 1892 para 1893 Goldschmidt começou seus estudos de Direito na RuprechtKarl Universidade de Heidelberg e um ano mais tarde se transferiu para a FriedrichWilhelm Universidade de Berlim Nas cátedras de Rudolf von Gneist e de Josef Kohler Goldschmidt aprendeu direito penal processo penal e processo civil matérias estas que mais tarde ele mesmo também lecionou Na cátedra de Hugo Preuß o redator da Constituição do Império de Weimar Goldschmidt estudou direito do estado Em 1895 concluiu seus estudos e realizou o primeiro exame estadual em direito ersten juristichen Staatsexamen e em dezembro daquele mesmo ano apresentou sua tese doutoral intitulada A teoria da tentativa perfeita e imperfeita Lehre vom unbeendigten und beendigten Versuch Até a realização do seu segundo exame estadual em direito zweiten juristichen Staatsexamen no ano de 1900 Goldschmidt atuou como estagiário do Serviço Judiciário prussiano e após isso trabalhou como assessor no Serviço Judiciário e preparou sua tese de habilitação concluída em junho de 1901 Naquele mesmo ano ele apresentou a tese de habilitação à cátedra em Berlim intitulada A teoria do direito penal administrativo Die Lehre vom Verwaltungsstrafrecht a qual foi desenvolvida sob orientação de Josef Kohler e Franz von Liszt394 Após a habilitação Goldschmidt além de sua atividade de assessor começou a proferir na qualidade de docente priva do suas primeiras palestras na Universidade de Berlim além de desenvolver muitas atividades científicas e elaborar diversos trabalhos científicos395 Em 1906 Goldschmidt casouse com Margarete Lange de cujo casamento nasceram quatro filhos Werner 19101987 Robert 19071965 Victor 19141981 e Ada 1919 Werner e Robert assim como o pai foram professores de direito sendo que o primeiro atuou em diferentes universidades de Buenos Aires e o segundo atuou em inúmeras universidades na América Latina particularmente em Córdoba Argentina e na Venezuela O filho mais novo Victor estudou na França onde como professor lecionou Filosofia e História em diversas universidades Sobre o destino da filha Ada não se tem conhecimento Após sete anos de atividade como docente privado em 23 de agosto de 1908 Goldschmidt tornouse oficialmente professor ex traor dinário e em 1919 professor ordinário na Faculdade de Direito na Universidade de Berlim396 Na Primeira Guerra Mundial Goldschmidt foi Presidente do Senado no Tribunal Imperial de Arbitragem para questões econômicas Reichsschiedsgericht für Wirtschaftsfragen Este Tribunal era mantido para disputas havidas no setor econômico assim como por exemplo para questões relacionadas ao controle do comércio exterior e abastecimento de energia Em 1919 Goldschmidt recebeu uma Cátedra de Direito Penal no Instituto de Criminologia da Universidade de Berlim o qual ele dirigiu com seu colega Eduard Kohlrausch No mesmo ano foi chamado para atuar como colaborador junto ao Ministério da Justiça do Império na reforma processual penal397 tendo recebido o encargo de elaborar o Projeto de um novo Código de Processo Penal Antes mesmo da Primeira Guerra Mundial ele apresentou o até hoje considerado mais moderno Projeto de Código de Processo Penal Entwurf einer Strafprozessordnung Em seu Projeto Goldschmidt previu a consequente efetivação do processo acusatório por meio da eliminação dos resquícios do processo inquisitório Além disso o projeto previu a possibilidade de recursos a todas as instâncias penais e a participação geral de leigos na primeira instância no âmbito do Tribunal do Júri tendo em vista aqui seu vasto conhecimento do modelo processual francês Goldschmidt procurou vincular à prisão preventiva pressupostos muito específicos para a sua decretação Este projeto que consistiu na primeira tentativa de reforma penal à época foi apresentado pelo Ministro da Justiça do Império alemão Eugen Schiffer no ano de 1919 ao Senado Imperial e ficou conhecido como o Projeto GoldschmidtSchiffer Entwurf GoldschmidtSchiffer À época o Projeto encontrou forte oposição no Senado Imperial e consequentemente não foi aprovado Contudo em 1922 o Ministro da Justiça do Império Gustav Radbruch apresentou o Projeto de Lei para Reorganização dos Tribunais Penais Entwurf eines Gesetzes zur Neuordnung der Strafgerichte o qual inspirouse substancialmente no projeto elaborado por Goldschmidt demonstrando assim o porquê do projeto de Goldschmidt ter sido caracterizado como a última tentativa de criação integral de um direito processual penal liberal democrático398 Nos anos de 1920 a 1921 Goldschmidt na qualidade de Decano dirigiu a Faculdade de Direito de Berlim e no ano de 1927 tornouse membro do Serviço Oficial de Exame Científico Wissenschaftlichen Prüfungsamtes Além de sua vasta atividade científica Goldschmidt ministrava até 12 horas de palestras semanais que eram sempre minuciosamente elaboradas Seus alunos o descreviam como um professor com antiga disciplina prussiana e um forte sentimento de dever porém sempre procurava ministrar suas aulas com bom humor Após a ascensão do nacionalsocialismo ao poder Goldschmidt foi o primeiro professor da Faculdade de Direito de Berlim impedido de prosseguir na atividade de ensino Por meio de Decreto do Ministro da Cultura de 29 de abril de 1933 ele foi o único membro da Faculdade de Direito junto a outros 19 da Faculdade de Medicina e Filosofia a ter imediatamente suspensas as suas atividades no cargo No mesmo dia Goldschmidt requereu junto ao Ministério da Justiça a revogação da medida a qual no entanto foi negada sob o argumento de que o Ministério da Justiça havia determinado que não arianos não poderiam lecionar nas cátedras de direito penal e de direito do estado399 No semestre de inverno na virada de 1933 para 1934 Goldschmidt em razão do Decreto de restabelecimento funcional publicado em 1933 foi transferido para outra Escola de Ensino Superior o que no entanto somente no semestre de verão de 1934 foi possível com a sua transferência à Escola de Ensino Superior de Frankfurt am Main Em razão de sentimentos hostis do pessoal docente principalmente do Decano ele se afastou do setor de ensino embora já estivesse disposto a fazêlo Mediante requerimento Goldschmidt no semestre de inverno de 1934 para 1935 foi transferido novamente a Berlim e ao mesmo tempo se exonerou de suas obrigações oficiais Nesse meio tempo ele proferiu inúmeras palestras na Espanha e publi cou diversos trabalhos em espanhol italiano e francês E a partir daí passou a se orientar cada vez mais por temas filosóficos Um ano mais tarde Goldschmidt de acordo com a Lei de Cidadania Imperial de 1935 se aposentou e ao mesmo tempo lhe foi retirada pelo próprio Reitor da Universidade a permissão para lecionar Com o encaminhamento de sua aposentadoria os seus vencimentos foram reduzidos em 65 Com isso ante as dificuldades e a perseguição nazista que se intensificava naquele período escreveu a Niceto Alcalá Zamora y Castillo que o acolheu na Espanha na cidade de Madrid no período em que ali esteve Nos anos de 1933 a 1936 Goldschmidt empreendeu inúmeras viagens de estudo para a Espanha400 para proferir palestras nas Universidades Complutense de Madrid Valencia e Zaragoza Nesse período a família Goldschmidt estabeleceu uma próxima relação a outro grande processualista espanhol Pedro Aragoneses Alonso Professor Emérito da Universidad Complutense de Madrid que lhes acolheu com muita lealdade A amizade entre Alonso e Werner Goldschmidt rendeu o Prólogo a la primera edición da estupenda obra Proceso y derecho procesal Introducción401 Também nesse período foram ministradas por James Goldschmidt as famosas Conferencias en la Universidad Complutense de Madrid mais especificamente entre 1934 e 1935 que culminaram com a publicação do clássico Problemas jurídicos y políticos del proceso penal daí o agradecimento a Francisco Beceña que lhe cedeu a cátedra de Enjuiciamiento Criminal Contudo a guerra civil de 1936 desencadeada na Espanha colocou um fim em suas atividades naquele país até porque também foram perseguidos pela Falange Espanhola Como a situação para os judeus tornouse cada vez mais insegura na Europa em face do aumento progressivo de medidas de perseguição no final de 1938 Goldschmidt e sua esposa com o filho mais velho Robert decidiram abandonar definitivamente a Alemanha e viajaram para a Inglaterra Logo após isso e acreditase que justamente pela saída da Alemanha o pagamento de sua aposentadoria foi suspenso Encurralado pois seu visto de permanência na Inglaterra estava por chegar a termo vencendo em 31 de dezembro de 1939 sem pos sibilidade de renovação e em virtude de não poder retornar à Alemanha por ser judeu e não poder ir à França por ser alemão muito menos de retornar à Espanha em outubro de 1939 Goldschmidt entra em contato com Eduardo Couture que o auxilia a viajar para o Uruguai Vindo no barco inglês Highland Princess em uma árdua viagem em que a cada instante um submarino poderia lhe trazer a morte poucas semanas após Goldschmidt desembarcou em Montevidéu402 Já no Uruguai passou a ministrar aulas junto à Faculdade de Direito de Montevidéu Entretanto enquanto preparava sua terceira aula a ser ministrada na Faculdade no dia 28 de junho de 1940 às nove horas da manhã Goldschmidt sentiu um ligeiro malestar parou de escrever e foi repousar Aconchegouse junto à sua esposa recitou alguns poemas de Schiller para distrair a mente voltou à sua mesa e como que fulminado por um raio caiu morto sobre seus papéis403 Goldschmidt produziu importantes contribuições científicas para o direito penal bem como para o direito processual civil e penal Em sua tese de habilitação O direito penal administrativo ele discutia a respeito das assim chamadas violações Übertretungen404 que ainda eram reguladas juntamente a crimes e delitos no Código Penal do Império Goldschmidt manifestouse pela delimitação entre as violações e os fatos puníveis propriamente e pela conversão do direito das violações em direito administrativo405 Além disso Goldschmidt elaborou propostas de reforma no direito penal e processual penal No âmbito do direito processual penal ele utilizou a aplicação de ele mentos do processo penal inglês Ele entendia que o Ministério Público deveria assumir o papel de parte no processo e que de acordo com a sua concepção se deveriam eliminar os resquícios ainda presentes do antigo processo de inquisição do âmbito do processo penal alemão Contudo maior significado obteve Goldschmidt justamente como processualista Sua monografia publicada no ano de 1925 intitulada O processo como situação jurídica Der Prozeß als Rechtslage foi enaltecida por Rudolf Bruns como o último grande empreendimento construtivo da ciência jurídicoprocessual alemã406 Nessa obra é desenhada a mais complexa e completa teoria acerca da natureza jurídica do processo visto não mais como uma relação jurídica Bülow mas sim como uma complexa e dinâmica situação jurídica Após conhecer o espaçotempo em que o autor se situou em momento tão sensível da história da humanidade são mais bem compreendidas suas categorias processuais e toda sua teoria especialmente a preocupação com a dinâmica da guerra da incerteza enfim com a da realidade do processo penal Enfim uma lição de vida e uma visão única e bastante precisa do que é o processo penal até nossos dias atuais 44 PROCESSO COMO PROCEDIMENTO EM CONTRADITÓRIOO CONTRIBUTO DE ELIO FAZZALARI Estruturada pelo italiano Elio Fazzalari 19242010 a teoria do processo como procedimento em contraditório pode ser considerada uma continuidade dos estudos de James Goldschmidt processo como situação jurídica ainda que isso não seja assumido pelo autor nem pela maioria dos seus seguidores mas é notória a influência do pro fessor alemão Basta atentar para as categorias de posições subjetivas direitos e obrigações probatórias que se desenvolvem em uma dinâmica por meio do conjunto de situações jurídicas nascidas do procedere e que geram uma posição de vantagem proeminência em relação ao objeto do processo etc para verificar que as categorias de situação jurídica chances aproveitamento de chances liberação de cargas processuais expectativas e perspectivas de Goldschmidt foram internalizados conceitualmente por Fazzalari que também é um crítico da teoria de Bülow cuja teoria rotula de vecchio e inadatto cliché pandettistico del rapporto giuridico processuale407 ou seja um velho e inadequado clichê pandetístico A perspectiva tradicional da relação jurídica traz uma série de problemas tão bem denunciados por Goldschmidt e após por Fazzalari entre eles está o de conceber o processo como um conjunto de atos preordenados desenvolvidos sob a presidência de um juiz até a sentença O procedimento ou rito fica reduzido ao mero conceito de caminho de concatenação burocrática de atos sob uma perspectiva meramente formal O senso comum teórico pouca atenção deu ao conteúdo e menos ainda à axiologia desse procedere Não sem razão explodiu a teoria das nulidades pois ao despir os atos procedimentais de seu real valor alcance e significado acabou relativizando tudo em nome da instrumentalidade408 das formas A forma reduzida a mero instrumento para atingir a sentença Esse isolamento formal retirou o valor da tipicidade processual da forma enquanto garantia limite de poder que tanto nos preocupamos em resgatar ao trabalhar a teoria das invalidades nulidades processuais O processo visto como procedimento em contraditório supera essa visão formalistaburocrática do procedimento até então reinante Resgata a importância do estrito respeito às regras do jogo especialmente do contraditório elegido a princípio supremo O procedimento se legitima por meio do contraditório e deixa de ser uma mera concatenação de atos formalmente estruturados para tomar uma nova dimensão O núcleo fundante do pensamento de Fazzalari está na ênfase que ele atribui ao contraditório com importante papel na democra tização do processo penal na medida em que desloca o núcleo imantador não mais a jurisdição mas o efetivo contraditório entre as partes A sentença provimento final deve ser construída em contraditório e por ele legitimada Não mais concebida como simples ato de poder e dever a decisão deve brotar do contraditório real da efetiva e igualitária participação das partes no processo Isso fortalece a situação das partes especialmente do sujeito passivo no caso do processo penal O contraditório na concepção do autor deve ser visto em duas dimensões no primeiro momento é o direito à informação conhecimento no segundo é a efetiva e igualitária participação das partes É a igualdade de armas de oportunidades Existem outros tipos de procedimento como o legislativo o tributário e o administrativo que nem sempre são realizados em contraditório Mas processo só existe em contraditório entre os interessados ou seja as partes no processo jurisdicional É uma teoria que cria condições de possibilidade para uma maior eficácia dos direitos e garantias fundamentais no processo penal alinhada com a busca pela democratização do processo penal na medida em que maximiza a importância das partes especialmente do indivíduoréu e o necessário tratamento igualitário O contraditório visto como a imposição de igualdade de tratamento e de oportunidades bem como de efetiva participação em todos os atos do procedimento conduz a um processo penal mais democrático e constitucional Nesse ponto o pensamento do autor é de grande valia para a evolução do processo penal rumo à plena eficácia do sistema acusatório A concepção de Fazzalari é publicística e reforça a unidade do processo Vislumbramos um grande valor na concepção de que o procedimento e todos os atos que o integram unidos pelo contraditório constante se desenvolve sempre mirando o provimento final Como explica Aroldo Plinio Gonçalves excelente professor mineiro foi um dos pioneiros no estudo de Fazzalari no Brasil a atividade preparatória do provimento é o procedimento que normalmente chega a seu termo final com a edição do ato por ele preparado por isso esse mesmo ato de caráter imperativo geralmente é a conclusão do procedimento o seu ato final409 Para Fazzalari410 os atos do procedimento são pressupostos para o provimento final sentença ao qual são chamados a participar os interessados as partes em contraditório A essência do processo está nisto é um procedimento do qual além do autor do ato final juiz participam em contraditório entre si os interessados ou seja as partes que são os destinatários dos efeitos da sentença O professor italiano ainda faz um interessante deslocamento de conceitos invertendo a relação processoprocedimento ao afirmar que da soggiungere che la enucleazione del processo dal genere procedimento consente di comprendere e valutare appieno quel principio costituzionale mortificato nello schema del mero procedimento411 Ou seja sustenta a superação do mero procedimentalismo para identificar o processo como espécie do gênero procedimento o que permite valorar plenamente o princípio constitucional do contraditório É o contraditório efetivo que legitima o processo e o provimento final operandose um deslocamento muito importante em relação ao mero procedimentalismo ou instrumentalismo tradicional bem como uma evolução da maior significância em relação à estrutura piramidal de Bülow centrada na figura do juiz Outra contribuição digna de nota feita por Fazzalari está na revaloração da jurisdição na estrutura processual O juiz412 que apesar de sujeito processual não é parte não assume uma função de contraditor mas de garantidor do contraditório É responsável pela regularidade na produção dos significantes probatórios e não da prova recusa ao juizator ao ativismo judicial Adoção desta postura representa uma recusa à supremacia do poder na concepção de jurisdição No senso comum teórico é disseminada a visão de jurisdição como poderdever conduzindo à deisificação do poder jurisdicional e ao ativismo judicial Na superada visão inquisitória o juiz deveria ter pleno protagonismo no processo podendo prender de ofício ou mesmo ter iniciativa probatória tudo em nome da mitológica verdade real Infelizmente essa é a realidade e a matriz do atual Código de Processo Penal brasileiro reforçando a importância da abertura constitucional que proporciona a visão de Fazzalari O juiz não é mais visto como o responsável pela limpeza social que tudo pode e em torno do qual tudo orbita O giro se dá na medida em que Fazzalari coloca como núcleo imantador e conceitual o contraditório que reforça automaticamente a posição das partes Sendo o processo um procedimento em contraditório o protagonismo não é judicial mas das partes interessadas Ao juiz se lhe reserva um papel de garantidor da eficácia do contraditório e não de contraditor como juizator como juiz inquisidor É uma mudança total de paradigmas Como explica Gonçalves413 há processo sempre onde houver o procedimento realizandose em contraditório entre os interessados e a essência deste está na simétrica paridade da participação nos atos que preparam o provimento daqueles que nele são interessados porque como seus destinatários sofrerão seus efeitos O contraditório núcleo da concepção fazzalariana exteriorizase em dois momentos informazione e reazione Às partes são assegurados em igualdade de tratamento o direito à informação a saber o que está acontecendo e se desenvolvendo no processo Com o conhecimento a acessibilidade dos atos documentos provas enfim tudo o que ingressar e se produzir no procedimento criamse as condições de exercício das posições jurídicas as mesmas situações jurídicas que geram expectativas ou perspectivas no pensamento de Goldschmidt em face das normas processuais A reazione não é uma obrigação processual ou carga no léxico goldschmidtiano mas uma faculdade uma oportunidade de movimento processual em seu benefício É a igualdade de armas de reação de atuação processual Brota da igualdade de tratamento que gera igualdade de oportunidades probatórias Inclusive apenas para demonstrar a relevância dessa concepção do contraditório em Fazzalari é que afirmamos a existência de contraditório no inquérito policial restrito ao primeiro momento qual seja da informazione Inviável o pleno contraditório por restrições na dimensão da reazione mas isso não impede que se afirme que na investigação preliminar existe contraditório no seu pri meiro momento Entre as várias contribuições que podemos extrair do pensamento de Fazzalari para a construção de um processo penal democrático está a relevância que o autor confere ao vínculo que une os diferentes atos desenvolvidos ao longo do procedimento Como explica o autor cada norma que concorre para constituir a sequência que estrutura o procedimento descreve uma certa conduta e qualifica como direito ou como obrigação A estrutura do procedimento é dada por uma série de normas que o regulam até o provimento final sentença mas que exigem como pressuposto de aplicação o cumprimento de uma atividade regulada por uma outra norma da série ato antecedente O procedimento é uma sequência de atos que está prevista e valorada pelas normas Mas é importante compreender que o procedimento não é uma atividade que se esgota se realiza em um único ato senão que exige toda uma série de atos e de normas que os disciplinam conexamente vinculadas que definem a sequência do seu desenvolvimento E aqui está um ponto crucial para estruturar um sistema democrático e constitucional de nulidades processuais e repensar o princípio da contaminação cada um dos atos está ligado ao outro como consequência do ato que o precede e pressuposto daquele que o sucede Os atos processuais miram o provimento final e estão inter relacionados de modo que a validade do subsequente depende da validade do antecedente E da validade de todos eles depende a sentença Logo ainda que o efeito jurídico decorra do provimento final que é resultado do procedimento esse provimento final somente será considerado válido se for precedido de uma sequência de atos válidos vuol dire piuttosto che tale atto non è da considerarsi valido e che lefficacia per avventura svolta può essere paralizzata se e quando ad esso non si sia pervenuti attraverso la sequenza di atti determinati dalla legge414 Concluindo entendemos que o pensamento de Fazzalari é da maior relevância para a construção de um processo penal democrático na medida em que reforça a necessidade de estrito respeito às regras do jogo e fortalece as partes relegando a jurisdição a um segundo plano Contudo sozinho não dá conta de explicar a complexa fenomenologia do processo penal pois Fazzalari é um processualista civil e desde esse lugar estrutura sua teoria com ambição de também dar conta da complexidade do processo penal Esse é o maior equívoco da construção É um grande autor mas não conseguiu superar a genialidade de James Goldschmidt incorrendo ainda no grave erro da teoria geral do processo O melhor caminho pensamos é compreender o fenômeno do processo penal desde uma perspectiva de situação jurídica desde Goldschmidt conscientes da epistemologia da incerteza da complexa dinâmica procedimental das categorias de chances expectativas e perspectivas Assumir os riscos e caminhar no sentido do fortalecimento das regras do jogo Neste ponto entra Fazzalari como um contributo à tese de Goldschmidt inserindo a noção de procedimento em contraditório enfatizando a importância do contraditório pleno até a construção em contraditório do provimento final reforçando a importância dos atos procedimentais forma e vínculo entre os atos para a reconstrução da teoria das nulidades Significa dizer que a tese de Fazzalari sozinha não dá conta do objeto processo penal mas tem muito a contribuir para sua democratização e evolução É possível conciliar os conceitos de processo como situação jurídica e processo como procedimento em contraditório com os devidos ajustes chegando ao nível necessário de eficácia constitucional das regras do jogo Capítulo 5 Reconstrução dogmática do objeto do processo penal a pretensão acusatória para além do conceito carneluttiano de pretensão 51 INTRODUÇÃO OU A IMPRESCINDÍVEL PRÉ COMPREENSÃO Partindo de Guasp415 entendemos que objeto do processo é a matéria sobre a qual recai o complexo de elementos que integram o processo e não se confunde com a causa ou princípio nem com o seu fim Por isso não é objeto do processo o fundamento a que deve sua existência instrumentalidade constitucional nem a função ou fim a que ainda que de forma imediata está chamado a realizar a satisfação jurídica da pretensão ou resistência Também não se confunde com sua natureza jurídica situação processual Como já explicamos anteriormente o processo penal é regido pelo princípio da necessidade ou seja é um caminho necessário para chegar a uma pena Irrelevante senão inadequada a discussão em torno da existência de uma lide no processo penal até porque ela é inexistente Isso porque não pode haver uma pena sem sentença pela simples e voluntária submissão do réu O conceito de lide deve ser afastado do processo penal pois o poder de penar somente se realiza no processo penal por exigência do princípio da necessidade Inclusive nosso legislador constituinte não acolheu a ideia de lide penal416 tanto que no art 5º LV da Constituição consta que aos litigantes litigantes lide processo civil e aos acusados em geral acusados pretensão acusatória processo penal são assegurados o contraditório e a ampla defesa Do contrário não faria tal distinção entre litigantes e acusados em geral destaquese para desde logo avisar que também incide na fase préprocessual A discussão em torno do objeto conteúdo para alguns do processo nos parece fundamental na medida em que desvela um grave erro histórico derivado da concepção de Karl Binding a ideia de pretensão punitiva e que continua sendo repetida sem uma séria reflexão O principal erro que será abordado na continuação está em transportar as categorias do processo civil para o processo penal colocando o Ministério Público como verdadeiro credor de uma pena como se fosse um credor do processo civil postulando seu bem jurídico Mas essa questão para ser compreendida precisa de uma abordagem mais ampla como se fará adiante 511 SUPERANDO O REDUCIONISMO DA CRÍTICA EM TORNO DA NOÇÃO CARNELUTTIANA DE PRETENSÃO PENSANDO PARA ALÉM DE CARNELUTTI O problema da construção de Binding e seguida majoritariamente até hoje inicia pela identificação com o conceito carneluttiano diante da analogia com o processo civil agravando a crise ao definir seu conteúdo como punitivo o que significou colocar o Ministério Público como credor de uma pena um grave erro como se explicará adiante A crítica em relação ao conteúdo punitivo será feita adiante Agora precisamos esclarecer que o conceito de pretensão pode perfeitamente ser utilizado desde que no sentido desenhado por Guasp Goldschmidt ou Gómez Orbaneja nunca na acepção civilista417 de Carnelutti A essa pretensão devese perquirir o conteúdo à luz da especificidade do processo penal Então uma advertência é fundamental principalmente para os críticos418 antigos ou novos de nossa posição o conceito de pretensão não se reduz à construção carneluttiana419 Ou seja existe vida inteligente para além do conceito de Carnelutti que é apenas um ponto de partida não de chegada ou conclusão Como dito estamos trabalhando com a doutrina pós e além Carnelutti de Guasp Goldschmidt e Gómez Orbaneja Ademais quando falamos de pretensão acusatória estamos aludindo à concepção de Goldschmidt que dando um giro no conceito de pretensão o concebe apenas como uma potestas agendi Não se trata de uma pretensão que nasce de um conflito de interesses mas sim do direito potestativo de acusar Estado acusação decorrente do ataque a um bem jurídico e cujo exercício é imprescindível para que se permita a efetivação do poder de penar Estadojuiz tudo isso em decorrência do princípio da necessidade inerente à falta de realidade concreta do direito penal Tratase de construir uma estrutura jurídicoprocessual pretensão processualacusatória que tenha condições de abarcar a complexidade que envolve o como atua o poder punitivo do Estado por meio desse instrumento e caminho necessário que é o processo penal Esse é o ponto nevrálgico do porquê não nos serve o caso penal ou a mera ação penal como conteúdo por sua insuficiência Ademais o crime nos conduz ao conflito social e é de lá que se extrai a pretensão com a roupagem jurídica que o processo penal lhe dá É uma inafastável diante do princípio da necessidade juridicização e institucionalização do conflito Não é a pena o conteúdo ou o objeto do processo penal senão sua consequência Daí por que o processo penal desenvolvese em torno da acusação pensada na sua complexidade como verdadeira pretensão acusatória Se acolhida abrese a possibilidade de o juiz exercer o poder de punir Se não acolhida impedese a punição Não é o caso penal o conteúdo do processo pois ele sozinho não é capaz de fazer nascer ou desenvolver o processo O caso penal é fundamental pois elemento objetivo e estruturante da acusação mas que precisa de uma efetiva invocação declaração petitória para que o processo nasça e se desenvolva Logo ele é conteúdo mas da pretensão acusatória Jaime Guasp em rara mas preciosa incursão no direito processual penal instado que foi a fazer uma resenha420 da obra Lezioni sul processo penale 4 volumes 1946 a 1949 de Carnelutti retoma a discussão sobre a pretensão processual421 para explicar que o objeto do processo penal é a matéria que suporta a atividade dos diversos sujeitos processuais sendo portanto uma pretensão processual penal ou pretensão penal É expressa la necesidad de la existencia de una pretensión para que el proceso exista Sin pretensión podrá haber conflictos de la índole que se quiera o cuestión penal como dice Carnelutti pero no hay proceso penal en modo alguno422 Sublinhamos que a cuestión penal a que se refere Carnelutti nada mais é do que o caso penal Daí por que na esteira de Guasp estamos convencidos da insuficiência do caso penal como objeto do processo pois seguindo o mestre complutense há que se dar um passo a mais na construção lógica do conceito afirmando que o processo penal recai não em uma matéria qualquer senão precisamente sobre essa pretensão que alguém formula frente ao órgão jurisdicional para submeter outra pessoa ao processo e à pena Mas sublinhese não somos contrários aos que definem o caso penal como objeto do processo senão que pensamos ser ele insuficiente para por si só justificar a complexa fenomenologia do processo Claro que a discussão aqui remonta a uma nova dimensão de continente e conteúdo onde não há uma efetiva oposição O continente que encerra o conteúdo caso penal é mais amplo e é a ele que nos referimos Ou seja a pretensão acusatória é conteúdo em relação ao processo continente mas noutra dimensão passa a ser continente do caso penal seu conteúdo pois visto como elemento objetivo da pretensão Assim pensamos que nossa posição pode coexistir com aquela defendida por Jacinto Coutinho no capolavoro A lide e o conteúdo do processo penal desde que compreendidas essas distintas dimensões de recorte O Estado possui um poder condicionado de punir que somente pode ser exercido após a submissão ao processo penal Então no primeiro momento o que o acusador exerce é um poder de proceder contra alguém submeter alguém ao processo penal É o poder de submeter alguém a um juízo cognitivo Não há lide ou conflito de interesses423 até porque a liberdade do réu não constitui um direito subjetivo mas um direito fundamental o que também transcende a noção de direito público subjetivo Mais não há conflito de interesses porque a lesão ao bem jurídico não gera um direito subjetivo que possa ser exercido exigência punitiva pois não existe punição fora do processo penal novamente o princípio da necessidade O que sim nasce é a pretensão acusatória o poder de proceder contra alguém de submeter ao juízo cognitivo Alheia a toda essa complexidade parte da doutrina brasileira segue adotando conceitos inadequados e passando à margem da problemática Nessa linha entre outros Mirabete424 e Capez425 não só defendem a existência de lide penal como também a existên cia de uma pretensão punitiva e para ambas invocam expres samente Mirabete e sem citar mas usando os conceitos Capez inadequadamente os conceitos civilistas de Carnelutti desconhe cendo também as alterações que o próprio Carnelutti fez ao longo de sua vasta produção Por fim Mirabete mete no imbróglio gente que lá nunca deveria estar como é o caso da citação inadequada de Jacinto Coutinho que além de ser contrário à existência de uma pretensão nega completamente a noção de lide penal Voltando ao foco é importante que se compreenda que não existe uma exigência punitiva que possa ser realizada fora do processo penal logo não existe o conflito de interesses Não existe um direito para adjudicar como no cível fora do processo penal que possa produzir a lide pelo conflito de interesses Existe sim no processo uma tensão entre acusação e defesa resistência não uma lide ou menos ainda uma controvérsia Daí por que com todo acerto Goldschmidt descola do conceito de lide para afirmar que o poder judicial de condenar o culpado é um direito potestativo no sentido de que necessita de uma sentença condenatória para que se possa aplicar a pena E mais é um poder condicionado à existência de uma acusação Essa construção é inexorável se realmente se quer efetivar o projeto acusatório da Constituição Significa dizer aqui está um elemento fundante do sistema acusatório No processo tudo gira em torno do binômio acusaçãodefesa logo toda a cognição desenvolvida recai sobre a pretensão acusatória e os elementos que a integram Claro que aqui nos aproximamos do conceito de ação como direito concreto Mas é uma aproximação não identificação Isso porque no processo penal é fundamental a demonstração da justa causa do fumus commissi delicti para que a acusação seja recebida Não podemos lidar com a abstração máxima do processo civil nem com a plena noção de direito concreto Chiovenda Tratamos disso ao analisar as condições da ação processual penal Há que se atentar para as necessidades próprias do processo penal Novamente reforçamos a crença no acerto do conceito de pretensão acusatória que inclui no seu elemento objetivo e subje tivo a fumaça do crime e da autoria ambos necessários para que a acusação seja recebida É uma verdadeira carga processual no léxico Goldschmidtiano conforme explicamos ao tratar do processo como situação jurídica Acertada a afirmação de Coutinho de que se trata de um direito instrumental mas conexo à sua causa que é concreta426 Mais há que se considerar que o fenômeno do processo penal novamente é diverso do processo civil agora no que tange ao seu escalonamento Explica Gómez Orbaneja427 puede afirmarse que a diferencia del proceso civil que se constituye de una vez y definitivamente con unos límites objetivos y subjetivos inalterables mediante la presentación de la demanda el proceso penal se desenvuelve escalonadamente El fundamento de la persecución o inversamente de su exclusión puede depender tanto de razones substantivas como procesales Conforme explicamos em outro momento428 o processo penal é um sistema escalonado e como tal para cada degrau é necessário um juízo de valor Essa escada é triangular pois pode ser progressiva como também regressiva A situação do sujeito passivo passa de uma situação mais ou menos difusa à definitiva com a sentença conde natória ou pode voltar a ser difusa e dar origem a uma absolvição Inclusive é possível chegarse a um juízo definitivo de caráter nega tivo em que se reconhece como certa a não participação do agente no delito Por tudo isso define Pastor López429 que a situação jurídica do sujeito passivo é contingente provisional e de progressiva ou regres siva determinação Disso tudo se compreende então que o fenômeno do processo penal é completamente diverso do processo civil pois ab initio deve o acusador demonstrar o fumus commissi delicti para que o processo inicie situação completamente diversa do processo civil Feitas essas advertências introdutórias que esperamos sejam suficientes para superação de eventuais resistências decorrentes de préconceitos muitas vezes reducionistas sigamos o estudo 512 TEORIAS SOBRE O OBJETO DO PROCESSO PENAL Buscando explicar o verdadeiro objeto do processo na verdade historicamente não houve uma preocupação específica com o processo penal eis um inconveniente debatese a doutrina em teorias que podem ser sistematizadas em três grupos fundamentais430 Teorias sociológicas conflito de interesses de vontades e de opiniões Teorias jurídicas subjetiva e objetiva Teoria da satisfação jurídica das pretensões e resistências É essa última a que melhor explica o verdadeiro objeto do processo penal pois resulta da fusão das duas teorias anteriores Corresponde a Guasp431 o acerto de fazer da pretensão o conceito fundamental da ideia do processo de modo que o objeto do processo penal é uma pretensão processual e a sua função é a satisfação jurídica das pretensões Aponta o jurista espanhol que se considerarmos que o objeto não é o princípio ou causa de que parte o processo nem o fim mais ou menos imediato que tende a obter mas sim a matéria sobre a qual recai o complexo de elementos que o integram parece evidente que tendo em vista que o processo se define como uma instituição jurídica destinada à satisfação de uma pretensão é esta pretensão mesma que cada um dos sujeitos processuais desde seu peculiar ponto de vista trata de satisfazer o que determina o verdadeiro objeto processual432 Como esclarece Alonso433 a pretensão entendida como conduta de um sujeito juridicamente atuada para a obtenção de um reparto que se afirma como justo sobre a base de critérios normativos prees tabelecidos constitui sem dúvida o objeto sobre o qual gira a atividade processual Como a tese em qualquer tipo de controvérsia é o objeto da discussão e não o é a discussão em si mesma Para explicar a essência do processo não há como considerar mais que um elemento objetivo básico e necessário a acusação que se dirige contra alguém e que se exerce diante de um juiz Em torno dessa acusação giram todas e cada uma das vicissitudes processuais O início da investigação do próprio processo e seu desenvolvimento e sobretudo da decisão têm uma exclusiva referência a ela Como essa acusação não é juridicamente outra coisa que a pretensão processual acusatória que figura no conceito do processo mesmo não há como extrair outra conclusão Para definir o objeto do processo devese encontrar uma dupla base434 de um lado a base sociológica que proporcione o dado conflito social ao qual o processo está devidamente vinculado e de outro lado uma base jurídica que recolhendo o material sociológico esclareça o tratamento peculiar que o direito lhe proporciona A pretensão jurídica é reflexo ou uma substituição da pretensão social que nasce exatamente do delito visto como um conflito problema ou fato social pois a conduta típica e ilícita representa um ataque a determinados bens jurídicos que o Direito entendeu necessário tutelar O delito ataca um sentimento básico da comunidade e gera uma reação social Por isso podemos afirmar que no plano fático a ilicitude material antecede cronologicamente à própria tipicidade que nasce a partir do desvalor social de determinada conduta Em outras palavras primeiro uma conduta é reprovada socialmente e a partir desse juízo de desvalor social surge a necessidade de coibir tais atos por meio de uma norma isto é da pressão ou necessidade social advém a atividade legislativa que cria o tipo penal Não há que se perder de vista nunca o valor bem jurídico Explica Guasp que o direito se aproxima da sociologia sempre da mesma maneira tomalhe os problemas cuja solução postula à comunidade e estabelece um esquema de instituições artificiais em que buscam substituir as estruturas e funções puramente sociais do fenômeno e realiza um trabalho de alquimia para criar novas fórmulas mas se despreocupa depois do material social Na síntese do autor o direito para salvar a sociologia não tem mais remédio que matála435 A conclusão final é que a pretensão jurídica é um produto que o direito retira da pretensão social O delito é um fenômeno social exteriorizado pelo ataque aos sentimentos e valores básicos da comunidade e que gera uma reação social O direito retira a questão do âmbito social em que aparece cravada e cria no lugar da figura sociológica que suscita o problema uma forma jurídica específica que pretende refletir aquela Mas como vimos anteriormente no fundamento da existência do processo penal o direito penal não é autoexecutável e por este motivo necessita de um instrumento para realizarse Por isso o processo deve buscar a satisfação jurídica da pretensão O único reparo ou melhor complemento que nos parece necessário fazer à tese de Guasp é considerar também como função do processo a satisfação de resistências436 A tensão ou choque entre a pretensão acusatória e a resistência do acusado no processo que não se confunde com lide é o que deve ser resolvido pelo juiz na sentença e a ele corresponde se acolher a pretensão acusatória do autor considerando suficientemente provada a ocorrência do delito aplicar a pena que lhe pertence pois o poder de penar é do Estadojuiz não do acusador Ou ainda acolher a resistência do acusado absolvendoo A resistência vem materializada no exercício do direito de defesa com todos os instrumentos processuais que lhe oferece o ordenamento jurídico Especificamente no processo penal a satisfação da resistência resulta em um imperativo do contexto políticoconstitucional e dos postulados de garantia do indivíduo que apontamos anteriormente Por isso é inegável que em pé de igualdade com a pretensão se encontra a resistência oferecida pela defesa e a função do processo penal estará igualmente satisfeita com a condenação ou a absolvição Como sintetiza Gimeno Sendra437 a função do processo penal não pode limitarse a aplicar o poder de penar pela simples razão de que também está destinado a declarar o direito à liberdade do cidadão inocente O processo penal constitui um instrumento neutro438 da jurisdição cuja finalidade consiste tanto em atuar o poder de penar e a função punitiva como também em declarar de forma ordinária pela sentença ou restabelecer pontualmente a liberdade A existência de um fundamento jurídico injusto penal qualifica de jurídica a pretensão articulada Sem embargo a veracidade do alegado não é uma conditio sine qua non sob pena de incorrermos no erro da ação como direito concreto pois se consideram existentes a pretensão acusatória e o próprio processo penal ainda que absolvido o réu Isso não significa que a acusação possa ser manifestamente infundada ou sem uma causa que a justifique mas apenas que não se adota o conceito de ação como direito concreto Devese exigir no processo penal para admissão da acusação um fumus commissi delicti amparado por um suporte probatório suficiente levando o órgão jurisdicional a uma provisória e sumária incursão na prova da existência do delito e da autoria Isso decorre do escalonamento característico do processo penal a que nos referimos no início deste tópico Como isso chamamos a atenção para a importância da decisão que recebe rejeita ou não recebe a denúncia ou queixa pois como verdadeiro juízo de pré admissibilidade da acusação deve estar amparado por uma decisão fundamentada Concluindo o objeto do processo penal é uma pretensão processual439 acusatória e a sua função imediata é a satisfação jurídica de pretensões e de resistências 52 ESTRUTURA DA PRETENSÃO PROCESSUAL ACUSATÓRIA A pretensão processual é uma declaração petitória440 ou afirmação441 de que o autor tem direito a que se atue a prestação pedida É no processo penal uma declaração petitória de que existe o direito potestativo de acusar e que procede a aplicação do poder punitivo estatal Por isso é uma pretensão acusatória conforme explicaremos mais detidamente na continuação Não é um direito subjetivo mas uma consequência jurídica de um estado de fato lesão ao bem jurídico ou um estado de fato com consequências jurídicas Mais é um direito potestativo o poder de proceder contra alguém diante da existência de fumus commissi delicti A existência da justa causa é fundamental Nesse sentido a nova redação do art 395 do CPP determina que a denúncia ou queixa será rejeitada quando não houver justa causa ou faltar condição para o exercício da ação penal fumus commissi delicti Ademais se o fato narrado evidentemente não constituir crime determina o art 397 nova redação que o juiz deverá absolver sumariamente o acusado Em definitivo ao contrário do que acontece no processo civil no penal o juiz deve verificar se a acusação tem verossimilitude e indica um suporte probatório mínimo para admitila Tratase de um juízo de probabilidade que reveste uma importância fundamental pois o processo penal em si mesmo já é uma pena É inegável que o processo penal significa um etiquetamento com clara estigmatização social e por isso o juízo de préadmissibilidade da acusação é tão importante Infelizmente no processo penal brasileiro não existe uma clara fase intermediária e contraditória De forma precária em vez de realizar uma audiência optou o legislador brasileiro por uma resposta escrita consultemse o art 396 cuja sistemática se aplica aos procedimentos comum ordinário e sumário bem como o disposto na Lei n 909995 e também na Lei n 113432006 Por fim cumpre destacar na doutrina brasileira o estudo levado a cabo por Badaró442 cuja posição em que pese não ser absolutamente coincidente não contém uma divergência nuclear senão periférica em relação à nossa Explica o autor após estudar as diferentes nuances da lide e da pretensão que o objeto do processo penal é uma pretensão processual penal Inclusive também enfrenta a questão do conteúdo da pretensão para afastar a noção de pretensão punitiva Isso porque explica Badaró a manifestação da pretensão punitiva é uma consequência do concreto direito de punir do Estado mas que a exigência de que o autor se submeta à pena somente pode ser feita pelo processo ou seja sempre nasce insatisfeita Seria a pretensão punitiva uma pretensão material anterior e extraprocessual Contudo no processo o que existe é uma pretensão processual que possui como parte de seu fundamento os elementos que compunham a pretensão material punitiva Mas se trata de um mesmo fenômeno pretensão material e processual apenas visto em momentos diferentes A pretensão processual é aquela veiculada em juízo por meio da ação da acusação Com isso verificase que existe muito mais coincidência do que divergência circunscrevendose essas as divergências a algumas categorias muito específicas e que decorrem da diferença histórica entre escolas processuais Para compreender melhor o tema é importante analisar ainda que brevemente os três elementos443 que compõem a pretensão processual subjetivo objetivo e modificador da realidade ou de atividade 521 ELEMENTO SUBJETIVO O elemento subjetivo se refere aos entes que figuram como titulares o pretendente e aquele contra quem se pretende fazer valer essa pretensão No processo penal quem formula a pretensão titular ativo pode ser o próprio Estadoacusador representado institucionalmente pelo Ministério Público ou o acusador privado delitos de ação penal privada No polo passivo da relação jurídica está o acusado a pessoa contra quem é formulada a pretensão A esses sujeitos acrescenta o ordenamento um terceiro supraordenado a quem se confere a função de receber as pretensões e proceder a sua satisfação Esse terceiro é o órgão jurisdicional Estadojuiz No processo penal o elemento subjetivo determinante é exclusivamente a pessoa do acusado pois não vige a doutrina de tripla identidade da coisa julgada civil Dessa forma nem o pedido que será sempre de condenação nem a identidade da parte acusadora é essencial para a eficácia da pretensão Mas sim é fundamental a clara individualização e determinação do sujeito passivo uma tarefa que será tanto mais clara quanto mais eficaz for a investigação preliminar Não existe processo penal sem sujeito passivo mas sim pode existir sem a sua presença física situação de ausência prevista no art 367 do CPP 522 ELEMENTO OBJETIVO O elemento objetivo da pretensão no processo penal é o fato aparentemente punível aquela conduta que reveste uma verossimilitude de tipicidade ilicitude e culpabilidade Em suma é o fumus commissi delicti Desde logo é importante esclarecer que o fato aparentemente punível não é o objeto do processo mas um elemento integrante da pretensão É preciso esclarecer por que uma respeitável e numerosa doutrina contagiada pela importância do elemento objetivo considera que o objeto do processo é o fato punível444 esquecendo se de que isso por si só não tem aptidão para fazer nascer o processo Não basta a existência de um fato delituoso é imprescindível o exercício de uma pretensão acusatória por meio da declaração petitória Daí por que não pode ser o caso penal o objeto do processo pois sem a acusação formalizada não se constitui o suporte jurídico para que o processo nasça e se desenvolva O objeto do processo é a acusação como um todo logo a pretensão acusatória da qual o caso penal é elemento integrante como elemento objetivo Para Guasp e os seguidores dessa corrente o fato que compõe a pretensão é o natural factae nudae visto como a soma de acontecimentos concretos históricos despidos da qualificação jurídica O que importa é a identidade do fato histórico individualizado em sua unidade natural e não jurídicopenal445 Nessa linha segue o sistema brasileiro o princípio jura novit curia amparado pela regra do narra mihi factum dabo tibi jus ao acusador cabe narrar o fato para que o juiz diga o direito aplicável Contudo nesse ponto divergimos Pensamos que a dicotomia entre fato natural e qualificação jurídica é em termos processuais ingênua e perigosa É ingenuidade senão até reducionismo interesseiro afirmar que o réu se defende dos fatos naturais mas que no entanto e aqui reside o problema o juiz poderá dar ao fato a definição jurídica que lhe pareça mais adequada como prevê nosso mofado art 383 do CPP Mesmo tendo sido alterado pela Lei n 117192008 a lógica superada continua a mesma a ingênua crença de que o réu se defende dos fatos podendo o juiz dar a eles a definição jurídica que quiser sem nenhum prejuízopara a defesa Ora isso é uma visão bastante míope da complexidade que envolve a defesa e a própria fenomenologia do processo penal É elementar que o réu se defende do fato e ao mesmo tempo incumbe ao defensor também debruçarse em limites semânticos do tipo possíveis causas de exclusão da tipicidade ilicitude culpabilidade e em toda imensa complexidade que envolve a teoria do injusto penal É óbvio que a defesa trabalha com maior ou menor intensidade dependendo do delito nos limites da imputação penal considerandoa tipificação como a pedra angular onde desenvolverá suas teses Daí por que aqui nos serve o conceito de caso penal na medida em que engloba o injusto penal O problema da visão ingênua do elemento objetivo cobra seu preço no momento em que lida com a correlação entre acusação e sentença com o estudo da emendatio e da mutatio libelli que serão objeto de análise posterior Esse caso penal funcionará como delimitador da imputação não como cimento em que se embasa mas como muros que a delimitam446 É importante destacar que a constatação de que o objeto do processo penal é uma pretensão processual acusatória e que o seu elemento objetivo é o caso penal não significa que as partes sejam inteiramente donas de sua aportação ao processo de maneira tal que estejam autorizadas a efetuar uma introdução fragmentária no processo No processo penal diferentemente do civil vigora o princípio de indisponibilidade e de indivisibilidade da ação penal pública de modo que o MP está obrigado arts 24 e 42 a oferecer a denúncia quando o fato narrado na notíciacrime revista uma verossimilitude mínima de tipicidade ilicitude e culpabilidade A denúncia ou queixa deverá descrever o fato criminoso com todas as suas circunstâncias art 41 Isso significa não só a obrigação de acusar por todos os fatos que revistam aparência de delito senão também a obrigação de trazer para dentro do processo todas as circunstâncias fáticas que tenha conhecimento e que possam apresentar alguma relevância para a instrução e o julgamento Interpretamos o art 41 a partir de uma visão constitucional e por isso entendemos que ele também estabelece uma obrigação por parte do MP de incluir na denúncia os fatos e circunstâncias que beneficiem o acusado Isto é não só os elementos de cargo mas também de descargo não só para inculpar mas também para exculpar Corrobora esse entendimento a construção do Ministério Público como órgão público guiado pela legalidade e o sentido de justiça sem que isso corresponda a uma equivocada visão do Ministério Público como parte imparcial o que constitui um erro histórico e uma violência semântica Ademais existindo concurso de pessoas deverá o MP velar pela indivisibilidade da ação penal privada e com mais razão na pública art 48 acusando a todos aqueles sujeitos sobre os quais existam indícios suficientes de responsabilidade penal Os eventualmente não denunciados mas que tenham sido objeto de imputação na notícia crime ou resultem suspeitos na investigação policial deverão ser excluídos pela via do arquivamento art 28 Nos delitos de ação penal de iniciativa privada o sistema é distinto e está regido pela oportunidade e conveniência do titular que poderá acusar renunciar o exercício do direito de queixa art 49 perdoar art 51 ou ainda desistir da ação penal art 60 conforme o momento processual e as circunstâncias em que se produz o ato Sem embargo a titularidade da pretensão penal acusatória não significa um puro poder de vingança e por isso também está submetida ao princípio de indivisibilidade cabendo ao Ministério Público velar pela sua eficácia A nosso juízo o art 48 deve ser interpretado de forma que a omissão na queixa de um dos agentes signifique a renúncia tácita em relação a ele e que deverá ser estendida a todos arts 49 e 57 Caberá ao MP velar pela indivisibilidade da ação penal privada manifestandose no sentido da extinção da punibilidade a todos Em síntese no processo penal o pedido contido na ação penal será sempre de condenação pela prática de um injusto penal que deverá ser descrito e imputado a um ou alguns agentes definidos e individualizados Não se exige que a acusação expressamente solicite a imposição de uma determinada pena ou que proponha um determinado regime de cumprimento O julgador decide com base no seu livre convencimento motivado e será sua função exclusiva individua lizar e aplicar uma pena proporcional ao fato narrado 523 DECLARAÇÃO PETITÓRIA O terceiro elemento da pretensão processual é o ato capaz de causar a modificação da realidade que a pretensão leva consigo É o conteúdo petitório a declaração de vontade que pede a realização da pretensão Estamos de acordo com Guasp447 quando afirma que tal ato poderia receber o nome técnico de ação terminologia que devolveria a essa palavra o significado literal que lhe corresponde mas isso poderia induzir a confusões por ir de encontro a uma tradição secular que se esforçou em averiguar a essência do poder jurídico a que dita ação está vinculada e não a sua verdadeira função Sem dúvida que a polêmica em torno do conceito de ação foi desviada para um caráter extraprocessual buscando explicar o fundamento do qual emana o poder afastandose do instrumento propriamente dito Feito esse esclarecimento empregamos o termo ação no sentido literal de instrumento portador de uma manifestação de vontade por meio do qual se narra um fato com aparência de delito e se solicita a atuação do órgão jurisdicional contra uma pessoa determinada É a ação como poder jurídico de acudir ante los órganos jurisdiccionales448 Em alguns sistemas como por exemplo o espanhol ainda que dividido em duas fases investigação preliminar e juízo oral449 existe certo confusionismo sobre o momento exato que se exerce a ação penal porque a investigação preliminar está a cargo de um juiz que investiga de ofício ou mediante invocação A divisão entre as duas fases é tênue ainda que felizmente marcada pela separação das tarefas de investigarjulgar O fato de o juiz instrutor atuar de ofício e decretar o processamento do imputado muito antes de dar vista ao MP para formalmente exercer a ação penal é um dos fatores que contribui para a confusão Ademais o particular vítima ou qualquer pessoa pelo sistema de ação popular pode exercer uma notícia crime qualificada querella e com isso habilitarse desde o início da investigação para exercer a acusação Felizmente no direito brasileiro a divisão entre as duas fases é clara e inequívoca O processo penal só começa pelo exercício e a admissão de uma ação penal pública ou privada conforme o caso No processo penal o conteúdo do pedido é sempre igual A atuação que se pede será especificamente a condenação do acusado pelo fato narrado e conforme a pena estabelecida no respectivo tipo penal abstrato Por isso o pedido não constitui um elemento essencial da pretensão450 pois no processo penal não vige plenamente o princípio dispositivo mas o da indisponibilidade da pretensão que junto à indivisibilidade do fato aparentemente punível erigese em notas definidoras da pretensão A declaração451 petitória contida na ação penal solicitará que o órgão jurisdicional452 declare a existência do fato narrado afirmando sua tipicidade ilicitude e culpabilidade declare a responsabilidade penal do acusado pelos fatos narrados e provados condene o acusado pela prática do fato típico e imponha a respectiva pena ou medida de segurança aplicável determine a execução da pena ou medida de segurança imposta 53 CONTEÚDO DA PRETENSÃO JURÍDICA NO PROCESSO PENAL PUNITIVA OU ACUSATÓRIA DESVELANDO MAIS UMA INADEQUAÇÃO DA TEORIA GERAL DO PROCESSO Delimitado que o objeto do processo penal é a pretensão acusatória ainda resta fazer uma nova análise que busque dentro dela a sua essência ou seja o conteúdo do próprio objeto punitiva ou acusatória A determinação do conteúdo da pretensão jurídica gravita em torno da existência do poder de punir e da função punitiva do Estado453 Esse poder nasce com a ocorrência do delito e é exercido contra o autor do injusto penal depois que sua responsabilidade penal foi reconhecida no processo pois como apontamos anteriormente o processo penal é o caminho necessário para a pena Para a construção dogmática do objeto do processo penal a teoria dominante é a de Binding que parte do conceito de uma exigência punitiva pretensão punitiva que o Estado deve fazer valer por meio do processo penal Dessa forma o processo é uma exigência para que o Estado efetive seu direito subjetivo de punir como uma construção técnica artificial Ademais de titular de um direito de punir o Estado aparece no processo como titular da jurisdição e muitas vezes também como titular da ação penal por meio do Ministério Público Segundo Binding o Estado é titular de um triplo direito direito punitivo direito de ação penal e direito ao pronunciamento da sentença penal454 Dessa forma a tese do autor é a de que o juiz penal encontrase frente ao Estado titular do direito punitivo na mesma posição que o juiz civil frente ao credor titular de uma pretensão de direito privado O grande mérito da teoria de Binding foi o de isolar o conceito de ação penal como um instituto independente do direito de punir Por isso é considerado o fundador da Teoria da Ação Penal como Direito Abstrato Apesar da valiosíssima contribuição a teoria de Binding está imperfeita como muito bem demonstrou Goldschmidt455 para quem a construção anteriormente explicada representa uma transmissão mecânica das categorias do processo civil ao penal pois o Estado está concebido de forma igual ao indivíduo que comparece ante o Tribunal para pedir proteção Isto é para Binding o Estado comparece no processo penal por meio do MP da mesma forma que o particular no processo civil como se a exigência punitiva fosse exercida no processo penal de igual modo que no processo civil atua o titular de um direito privado Aqui está o núcleo do erro pensar o acusador como credor No direito civil existe a exigência jurídica pois existe a possibilidade de efetivação do direito civil fora do processo civil ao contrário do direito penal que só possui realidade concreta por meio do processo penal e a pretensão só nasce quando há a resistência a lide Logo o autor no processo civil verdadeiro credor na relação de direito material pede ao juiz a adjudicação de um direito próprio que diante da resistência ele não pode obter Essa exigência jurídica existe antes do processo civil e nasce da relação do sujeito como bem da vida Isso não existe no processo penal Não há tal exigência jurídica que possa ser efetivada fora do processo penal O direito penal não tem realidade concreta fora do processo penal Logo não preexiste nenhuma exigência punitiva que possa ser realizada fora do processo E o Ministério Público ou querelante não pede a adjudicação de um direito próprio porque esse direito potestativo de punir não lhe corresponde está nas mãos do juiz O Estado realiza seu poder de punir não como parte mas como juiz Não existe relação jurídica entre o Estadoacusador e o imputado simplesmente porque não existe uma exigência punitiva nas mãos do acusador e que eventualmente pudesse ser efetivada fora do processo penal o que existe é um poder de penar e dentro do processo Aqui está o erro de pensar a pretensão punitiva como objeto do processo penal como se aqui o fenômeno fosse igual ao do processo civil Essa concepção é datada e portanto não se mostra mais adequada ao nível de evolução do processo penal contemporâneo em que se operou ou ao menos deveria ter havido uma radical sepa ração do processo civil para assumir e exigir a estrita observância de suas categorias jurídicas próprias Eis aqui mais um erro que se pode atribuir à equivocadíssima noção de teoria geral do processo Como explica Goldschmidt456 no processo penal a pretensão acusatória do Ministério Público ou acusador privado é a afirmação do nascimento de um direito judicial de penar e a solicitação de que exerça esse direito E posteriormente explica o autor que a pena se impõe mediante um processo porque é uma manifestação da justiça e porque o processo é o caminho da mesma a jurisdição penal é a antítese da jurisdição civil porque ambas representam os dois ramos da justiça estabelecidos por Aristóteles justiça distributiva jurisdição penal e corretiva jurisdição civil457 Como a pena é uma manifestação da justiça corresponde o poder de penar ao próprio Tribunal isto é o direito de penar essência do punir coincide com o poder judicial de condenar o culpável e executar a pena A concepção da exigência punitiva Binding des co nhece que o Estado titular do direito de penar realiza seu poder no processo não como parte mas como juiz O poder de condenar o culpado é um direito potestativo anterior ao processo porque nasce do delito conforme a lei penal Por isso o conteúdo da pretensão jurídica no processo penal é acusatório e não punitivo O poder punitivo não é outra coisa que o poder concreto da justiça penal personificado no juiz de condenar o culpado e executar a pena O titular da pretensão acusatória acusador exige que a justiça penal exerça o poder punitivo e não que se atribua a ele mesmo ou a um terceiro como ocorre no processo civil Não existe pedido de adjudicação alguma por parte do acusador pois não lhe corresponde o poder de penar Por isso o acusador detém o poder de acusar não de penar Logo jamais poderia ser uma pretensão punitiva Por isso Goldschmidt considera que o direito penal é um derecho justicial material posto que o Estado adjudicou o exercício do seu poder de punir à Justiça Existe dessa forma uma relação jurídica entre a justiça estatal e o indivíduo O direito processual penal também é um derecho justicial formal pois existe no processo uma relação jurídica entre o tribunal e as partes Partindo da teoria proposta por Goldschmidt fica assim representada Nota da imagem 44 458 O poder jurisdicional de condenar o culpado é um direito potestativo no sentido de que necessita de uma sentença condenatória para constituir uma situação nova de condenado que permite aplicar a pena ao réu Depois de a sentença penal condenatória transitar em julgado criamse as condições para o exercício do poder de punir Ademais de julgar e determinar a pena também corresponde ao poder jurisdicional a função de executar459 a pena Não devemos esquecer a lição de Goldschmidt de que o símbolo da justiça não é só a balança mas também a espada que pende sobre a cabeça do réu e está nas mãos do juiz É o juiz quem detém o poder condicionado de punir Nessa linha de raciocínio o objeto do processo penal é uma pretensão acusatória pois a ação penal deve ser vista como um direito ao processo460 ius ut procedatur distinto do poder nascido do delito de impor a pena mediante a sentença condenatória e tornála efetiva mediante a execução O direito do particular ou do Estadoacusador por meio do Ministério Público é um direito ao processo completamente distinto do poder de punir que corresponde exclusivamente ao Estadojuiz Dessa forma continuase entendendo que a ação é um direito abstrato que existe ainda que não exista o poder de penar A ação penal é vista como um poder jurídico de iniciativa processual como instrumento de invocação que gera o poderdever do órgão jurisdicional de comprovar a situação do fato que lhe é submetido à análise para declarar a existência ou não de um delito Afirmando a existência do delito poderá exercer o poder de penar Sem embargo é importante esclarecer que o objeto do processo penal é uma pretensão acusatória e não a ação penal Na estrutura da pretensão anteriormente explicada podese comprovar que a ação penal corresponde à declaração petitória Ou seja é um mero poder político de invocação da tutela jurisdicional que corresponde a uma declaração petitória Tratase de mero poder político constitucional de invocação da tutela jurisdicional por meio da acusação formalizada na denúncia ou queixa Uma vez exercido e iniciado o processo não há mais que se falar em ação Claro que isso pode causar alguma resistência pois vivemos num País em que são impetrados habeas corpus para trancamento de ação penal Ora é um erro processual inequívoco Não se tranca ação penal Exercese o poder de acusar e uma vez exercido e iniciado o processo não há mais como trancar a ação pois ela já se esgotou nesse exercício O que se tranca é o processo O tal trancamento nada mais é do que uma forma de extinção anormal do processo não da ação por óbvio Em outra dimensão como ao acusador corresponde um mero direito potestativo de acusar não lhe cabe pedir uma pena em concreto e tampouco negociála com o acusado pois a pena é uma manifestação da função punitiva que é uma exclusividade do Estado tribunal Então as formas de plea negotiation não são consequências de uma correta concepção do objeto do processo penal Evidenciase aqui o erro de pensar que o objeto do processo penal é o ius puniendi não incumbe ao Ministério Público punir pois não lhe pertence esse poder ou mesmo direito O poder de punir é do juiz condicionado ao exercício integral e procedente da acusação São elementos distintos o acusar e o punir Em definitivo a pena está fora do poder das partes Como disse Carnelutti461 ao acusador não lhe compete a potestas de castigar mas só de promover o castigo Destaquese que o principal erro de Binding e condutor de toda uma equivocada noção de teoria geral do processo é o de colocar o acusador na mesma situação do credor do processo civil como se o Ministério Público detivesse o poder punitivo Errado assim afirmarse que o objeto do processo é o ius puniendi Em síntese no processo penal existem duas categorias distintas de um lado o acusador exerce o ius ut procedatur o direito potestativo de acusar pretensão acusatória contra alguém desde que presentes os requisitos legais e de outro lado está o poder do juiz de punir Contudo o poder de punir é do juiz lembrese o símbolo da justiça é a balança mas também é a espada que está nas mãos do juiz e pende sobre a cabeça do réu e esse poder está condicionado pelo princípio da necessidade ao exercício integral e procedente da acusação Ao juiz somente se abre a possibilidade de exercer o poder punitivo quando exercido com integralidade e procedência o ius ut procedatur Concluindo o objeto do processo penal é uma pretensão acusatória vista como a faculdade de solicitar a tutela jurisdicional afirmando a existência de um delito para ver ao final concretizado o poder punitivo estatal pelo juiz por meio de uma pena ou medida de segurança O titular da pretensão acusatória será o Ministério Público ou o particular Ao acusador público ou privado corresponde apenas o poder de invocação acusação pois o Estado é o titular soberano do poder de punir que será exercido no processo penal por meio do juiz e não do Ministério Público e muito menos do acusador privado 54 CONSEQUÊNCIAS PRÁTICAS DESSA CONSTRUÇÃO OU POR QUE O JUIZ NÃO PODERIA CONDENAR QUANDO O MINISTÉRIO PÚBLICO PEDIR A ABSOLVIÇÃO As consequências práticas dessa discussão são inúmeras a começar pela superação da noção de teoria geral do processo e o respeito às categorias próprias do processo penal e de sua complexa fenomenologia Mas vamos além Dessa forma nos delitos de ação penal de iniciativa pública o Estado realiza dois direitos distintos acusar e punir por meio de dois órgãos diferentes Ministério Público e Julgador Essa duplicidade do Estado como acusador e julgador é uma imposição do sistema acusatório separação das tarefas de acusar e julgar e não encontra nenhum obstáculo nos princípios de direito público e tampouco na lógica É a mesma duplicidade que permite ao Estado aceitar as leis emanadas de si mesmo executálas e julgar a sua correta aplicação Nessa linha de raciocínio na ação penal de iniciativa pública Ministério Público é o titular da pretensão acusatória Por questão de política criminal o modelo brasileiro adota o princípio da legalidade e indisponibilidade agora mitigados nos crimes de menor potencial ofensivo e não oportunidade Por esse motivo o MP não possui plena disposição sobre a pretensão acusatória quando na verdade deveria ter É inerente à titularidade de um direito o seu pleno poder de disposição Não há argumento que não uma pura opção política que justifique tais limitações impostas pela legalidade e indisponibilidade da ação penal de iniciativapública Sem embargo de tais limitações entendemos que se o MP pedir a absolvição já que não pode desistir da ação a ela está vinculado o juiz O poder punitivo estatal está condicionado à invocação feita pelo MP pelo exercício da pretensão acusatória Logo o pedido de absolvição equivale ao não exercício da pretensão acusatória isto é o acusador está abrindo mão de proceder contra alguém Como consequência não pode o juiz condenar sob pena de exercer o poder punitivo sem a necessária invocação no mais claro retrocesso ao modelo inquisitivo Como disse Carnelutti462 ao acusador não lhe compete a potestas de castigar mas só de promover o castigo Ademais também viola o princípio da correlação na medida em que o juiz está decidindo sem pedido ou pelo menos completamente fora do pedido ferindo de morte o princípio da correlação que norteia o espaço decisório463 Por derradeiro o juiz condenar diante do pedido expresso de absolvição do MP é uma flagrante violação da estrutura acusatória desenhada pela Constituição e expressamente prevista no art 3ºA do CPP na medida em que estamos diante de um juiz que condena de ofício sem pedido Em outra dimensão nos delitos de ação penal de iniciativa privada o senso comum teórico manualístico segue repetindo que instituise a ação penal privada uma das hipóteses de substituição processual em que a vítima defende interesse alheio direito de punir em nome próprio464 Tratase de um erro imperdoável de quem partiu de uma premissa equivocada Nos delitos de ação penal de iniciativa privada o particular é titular de uma pretensão acusatória e exerce o seu direito de ação sem que exista delegação de poder ou substituição processual Em outras palavras atua em direito próprio o de acusar da mesma forma que o faz o Ministério Público nos delitos de ação penal de iniciativa pública Ao ser regida pelos princípios da oportunidadeconveniência e disponibilidade se o querelante deixar de exercer sua pretensão acusatória deverá o juiz extinguir o feito sem julgamento do mérito ou pela sistemática do CPP declarar a extinção da punibilidade pela perempção art 60 do CPP Como se vê a sistemática do CPP está em plena harmonia no que tange à ação penal privada com a posição aqui defendida Igualmente perigosa é a inadequada utilização dos institutos da emendatio libelli previstos no art 383 do CPP pois é uma falácia a construção de que o réu se defende dos fatos decorrente do narrame o fato que te direi o direito Não é verdade Sobre a complexidade desse tema remetemos o leitor para nossa obra Direito processual penal onde tratamos com maior profundidade O juiz ao mudar a classificação jurídica do delito dando a ele a tipificação que lhe pareça mais adequada principalmente quando isso signifique uma pena mais grave comete uma violenta afronta ao sistema acusatório e ao direito de defesa Ademais preocupante desvio do conteúdo da pretensão acusatória podendo representar uma errônea postura de assumir os rumos da acusação Concluindo se no processo civil o conteúdo da pretensão é a alegação de um direito próprio e o pedido de adjudicação deste no processo penal é a afirmação do nascimento de um direito judicial de penar e a solicitação de que o Estado exerça esse direito potestas O acusador tem exclusivamente um direito de acusar afirmando a existência de um delito e em decorrência disso pede ao juiz Estadotribunal que exercite o seu poder de condenar o culpado e executar a pena O Estado realiza seu poder de penar no processo penal não como parte mas como juiz e esse poder punitivo está condicionado ao prévio exercício da pretensão acusatória A pretensão social que nasceu com o delito é elevada ao status de pretensão jurídica de acusar para possibilitar o nascimento do processo Nesse momento também nasce para Estado o poder de punir mas seu exercício está condicionado à existência prévia e total do processo penal Se o acusador deixar de exercer a pretensão acusatória desistindo ou pedindo a absolvição cai por terra a possibilidade de o Estadojuiz atuar o poder punitivo e a extinção do feito absolvição é imperativa 1 CORDERO Franco Riti e sapienza del diritto p 410 2 Sobre o tema v os excelentes ensaios de CORDERO Franco Le strane regole del signor 264p e do mesmo autor Nere lune dItalia segnali da un anno difficile 224p 3 2 ed 374p 4 In GAUER Ruth M Chittó org A qualidade do tempo para além das aparências históricas p 139 e ss 5 É só ver dele dentre outros o Proceso y derecho procesal 834p 6 BETTIOL Giuseppe Instituições de direito e processo penal p 273 7 Quintana Mario Antologia poética p 80 8 Observação do autor este prefácio foi escrito por Don Pedro em 2001 para o meu primeiro livro intitulado Sistemas de Investigação Preliminar no Processo Penal que era um resumo da minha tese doutoral Trago na presente obra como forma de homenagear esse ilustre processualista que tive a honra de ter como orientador e que infelizmente já faleceu 9 Juntamente com Alexandre Morais da Rosa na nossa coluna Limite Penal Disponível em httpswwwconjurcombr2020jan24limitepenalliminarministrofuxrevogoudecisao plenario 1 Problemas jurídicos y políticos del proceso penal p 7 2 Logo considerando que todo saber é datado interessanos mais a pergunta do que a resposta dada pelo autor naquele momento 3 Problemas jurídicos y políticos del proceso penal p 67 4 STRECK Lenio Luiz Jurisdição constitucional e hermenêutica p 19 5 TAVARES Juarez Teoria do injusto penal p 162 6 TAVARES Juarez Teoria do injusto penal p 162 7 Ibidem p 200 8 TAVARES Juarez Teoria do injusto penal p 200 9 PRADO Geraldo Sistema acusatório p 16 10 Ibidem p 44 11 La ciencia de la justicia Dikelogía p 201 12 BETTIOL Giuseppe Instituciones de derecho penal y procesal penal p 54 e ss 13 Ibidem p 174 14 SARLET Ingo Wolfgang Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988 2 ed p 74 15 Ibidem p 115 16 TAVARES Juarez Teoria do injusto penal 3 ed p 162 17 Idem 18 ZAFFARONI Eugenio Raúl PIERANGELI José Henrique Manual de direito penal brasileiro p 96 19 No prólogo da obra de FERRAJOLI Derecho y razón teoría del garantismo penal p 18 20 FERRAJOLI Luigi Derechos y garantías La ley del más débil 21 Las partes en el proceso penal p 272 22 Lei para quem Escritos de direito e processo penal em homenagem ao Professor Paulo Cláudio Tovo p 56 e ss 23 É complexa a problemática doutrinária acerca da existência de partes no processo penal Não sendo o momento oportuno para enfrentála limitamonos a esclarecer que quando falamos em partes estamos aludindo a um processo penal de partes que trata o sujeito passivo não mais como um mero objeto 24 Ou cargas expectativas e perspectivas se adotarmos a teoria do processo como situação jurídica de James Goldschmidt 25 Estamos nos referindo ao risco exógeno sociologia do risco e endógeno inerente ao processo enquanto situação jurídica dinâmica e imprevisível Ambos serão tratados na continuação 26 Sobre o tema VIRILIO Paul A inércia polar 27 A velocidade da libertação p 10 28 OST François O tempo do direito p 353 29 Ibidem p 377 30 No que se refere ao casamento Ost ob cit p 390 aponta para um tempo conjugal mais permanente que sobrevive ao tempo do casamento O casal parental sobrevive ao casal conjugal na medida em que apesar de o elo conjugal ter deixado de existir a filiação simbólica em relação à criança permanece A responsabilidade educativa dos dois cônjuges sobrevive ao tempo do casamento sendo incondi cional e permanente É possível divorciarse do cônjuge mas não dos filhos 31 A velocidade da libertação p 26 32 OST François O tempo do direito p 323 33 Ibidem p 356 34 Que não pode ser confundido com técnicas de sumarização horizontal e vertical da cognição Sobre o tema vejase nossa obra Direito processual penal e sua conformidade constitucional 35 RAUX JeanFrançois Prefácio elogio da filosofia para construir um mundo melhor A sociedade em busca de valores p 13 36 Idem 37 OST François O tempo do direito p 359 38 OST François O tempo do direito p 359 39 OST François O tempo do direito p 362 40 OST François O tempo do direito p 366 41 Ao lado do risco exógeno inerente a nossa sociedade de risco 42 O tempo do direito p 371 43 Democracia aqui é considerada em uma dimensão substancial enquanto sistema político e cultural que valoriza fortalece o indivíduo entre todo feixe de relações que ele mantém com os demais e com o Estado 44 MESSUTI Ana O tempo como pena p 103 45 EINSTEIN Vida e pensamentos p 100 46 Sobre o tema consultese o trabalho de Giuseppe Mosconi Tiempo social y tiempo de cárcel In BEIRAS Iñaki Rivera DOBON Juan orgs Secuestros institucionales y derechos humanos la cárcel y el manicomio como laberintos de obediencias fingidas 47 ALONSO Pedro Aragoneses Instituciones de derecho procesal penal p 7 48 Salvo aquelas protegidas pelas causas de exclusão da ilicitude ou da culpabilidade juridicamente reconhecidas pelo direito penal 49 AROCA Juan Montero Principios del proceso penal una explicación basada en la razón p 15 50 Como explica ORBANEJA Emilio Gómez Comentarios a la Ley de Enjuiciamiento Criminal t I p 27 e ss 51 Comentarios a la Ley de Enjuiciamiento Criminal t I p 27 52 Norma processual penal espanhola Ley de Enjuiciamiento Criminal 53 Seguindo AROCA Juan Montero Principios del proceso penal p 16 e ss 54 Apesar disso cumpre destacar que o monopólio estatal de perseguir e punir está sendo questionado a cada dia com mais força com o implemento de princípios como oportunidade e conveniência da ação penal aumento do número de delitos de ação penal privada ou pública condicionada e com as possibilidades de transação penal plea bargaining A justiça negociada configura uma perigosa e equivocada alternativa ao processo penal 55 TUCCI Rogério Lauria Teoria do direito processual penal p 25 56 Principios del proceso penal p 19 57 Sobre o tema consultem os diversos trabalhos constantes na obra Crítica à execução penal doutrina jurisprudência e projetos legislativos organizada por Salo de Carvalho e publicada pela Editora Lumen Juris 58 Como explica LEONE Giovanni Elementi di diritto e procedura penale p 189 59 Imprescindível a leitura de Geraldo Prado na excepcional obra Sistema acusatório 60 DINAMARCO Cândido Rangel A instrumentalidade do processo 61 ROSA Alexandre Morais da Direito infracional garantismo psicanálise e movimento antiterror p 135 e ss 62 Idem 63 Idem 64 No Prefácio da nossa obra Introdução crítica ao processo penal fundamentos da instrumentalidade constitucional 65 SANTOS Andrés Oliva Na obra coletiva Derecho procesal penal p 6 66 Originariamente publicado na Rivista di Diritto Processuale v 1 parte 1 p 7378 Em espanhol foi publicado com o título La Cenicienta na obra Cuestiones sobre el proceso penal p 1521 67 Carnelutti teve uma produção científica bastante ampla prolixa até escrevendo do direito comercial ao direito penal passando pelo processo civil e pelo processo penal Natural que cometesse como de fato cometeu diversos tropeços nessa longuíssima caminhada dogmática Também caiu diversas vezes em contradição Em casos assim é preciso conhecer também o autor das obras para não fazer equivocados juízos a priori Fazemos essa advertência porque em que pese no final da vida ter feito verdadeiras declarações de amor ao direito penal e ao processo penal lutando por sua evolução e valorização também foi ele um defensor da equivocada teoria unitária teoria geral do processo pensando ser o conceito de lide algo unificador Logo La Cenicienta deve ser compreendida nesse contexto e nesses conflitos científicos que ele mesmo vivia 68 TUCCI Rogério Lauria Teoria do direito processual penal p 54 69 COUTINHO Jacinto Nelson de Miranda A lide e o conteúdo do processo penal p 119 70 No mesmo sentido Andrés Oliva Santos na obra coletiva Derecho procesal penal p 51 71 Aqui estamos fazendo alusão ao complexo pensamento de Simmel quando já em 1896 escreveu sobre O dinheiro na cultura moderna demonstrando o processo de coisificação da humanidade Importante ainda a leitura de Ruth Gauer O reino da estupidez e o reino da razão p 146 e ss quando abordando Simmel explica que a morte do homem foi diagnosticada quando o autor analisou o papel do dinheiro na sociedade e a separação entre as culturas subjetiva e objetiva Essa coisificação do ser humano levou ao domínio da coisa sobre o homem Como explica Gauer o dinheiro é o Deus moderno onipotente e onipresente uma unidade e referência que une a todos Sua busca é a sua falta produz o ritmo nervoso e o estresse da vida moderna Que novo tipo de vida o dinheiro constitui 72 CARNELUTTI Francesco La Cenicienta Cuestiones sobre el proceso penal p 19 73 Direito penal Parte Geral p 655 74 Sobre essa e as demais questões mencionadas neste tópico sugerimos a leitura de nossa obra Direito processual penal publicada pela editora Saraiva onde esses temas são tratados com mais profundidade 75 A crítica dirigese à visão tradicional paleopositivista e arraigada no dogma da completude lógica do sistema Da mesma forma a crítica está dirigida à ilusão de controle que emerge do conceito Como explicaremos no final a tal segurança jurídica deve ser repensada no atual contexto de insegurança exógena e endógena enquanto instrumento limitador do poder punitivo estatal e emancipador do débil submetido ao processo penal 76 Trabalhamos aqui com os conceitos de Beck contidos na obra La sociedad del riesgo e também de Goldblatt A sociologia de risco Ulrich Beck Teoria social e ambiente 77 BECK Ulrich La sociedad del riesgo p 11 78 Invocando Beck Goldblatt A sociologia de risco Ulrich Beck p 232 cita o exemplo da poluição causada por uma siderurgia ou fundição no século XIX ou meados do século XX o lixo produzido tinha consequências relevantes em nível local para as pessoas que trabalhavam lá e para a comunidade local que bebia a água e respirava o ar contaminado Contudo essa ameaça mesmo considerando todas as siderurgias do mundo não alcançava populações inteiras nem o planeta no seu todo 79 GOLDBLATT A sociologia de risco Ulrich Beck p 233 80 GOLDBLATT David A sociologia de risco Ulrich Beck p 240 81 O tempo do direito p 324 82 COMTESPONVILLE André O sertempo p 18 83 MORIN Edgar PRIGOGINE Ilya et al A sociedade em busca de valores Para fugir à alternativa entre o cepticismo e o dogmatismo 84 Gilles Lipovetsky A era do apósdever p 3031 explica que existem três fases essenciais na história da moral ocidental A primeira é marcada pelo momento teológico da moral em que ela era inseparável dos mandamentos de Deus e da Bíblia A segunda fase que inicia no final do século XVII é laicomoralista em que se busca fundar as bases de uma moral independente dos dogmas religiosos e da autoridade da igreja É uma moral pensada a partir da racionalidade em que o homem pode alcançar uma vida moral sem a ajuda de Deus e dos dogmas teológicos Por fim a terceira fase é a pósmoralista e continua com o processo de secularização posto em marcha nos séculos XVII e XVIII É uma sociedade que estimula mais os desejos a felicidade e os direitos subjetivos sem a cultura da ética de sacrifícios 85 LIPOVETSKY Gilles A era do apósdever p 35 86 BRUCKNER Pascal Filhos e vítimas o tempo da inocência p 55 87 Ibidem p 56 88 CARVALHO Salo de A ferida narcísica do direito penal primeiras observações sobre as disfunções do controle penal na sociedade contemporânea p 189 89 Ibidem p 206 90 Alguns aspectos da fenomenologia da violência p 13 e ss 91 Sobre o mito da verdade real e sua desconstrução remetemos o leitor para nossa obra Direito processual penal publicada pela Editora Saraiva 92 EINSTEIN Vida e pensamentos p 1618 93 HAWKING Stephen O universo numa casca de noz p 11 94 Contudo ensina Hawking ob cit p 79 a relatividade geral falhou ao tentar descrever os momentos iniciais do universo porque não incorporava o princípio da incerteza o elemento aleatório da teoria quântica a que Einstein tinha se oposto como o pretexto de que Deus não joga dados recordemos da célebre frase de Einstein Deus não joga dados com o Universo Mas ao que tudo indica prossegue Hawking é que Deus seja um grande jogador onde o Universo não passa de um imenso cassino com dados sendo lançados e roletas girando a todo momento Existe um grande risco de perder dinheiro a cada lançamento de dados mas existe uma previsibilidade probabilidade senão os proprietários de Cassinos não seriam tão ricos O mesmo ocorre com o grande universo que temos hoje em que existe um número enorme de lançamento de dados em que a média de resultados pode ser prevista É aqui que as leis clássicas da física funcionam para os grandes sistemas Sem embargo quando o universo é minúsculo como o era próximo à época do Big Bang o número de lançamentos de dados é pequeno e o princípio da incerteza é muito importante Aqui está a falha da relatividade ao não incorporar esse elemento aleatório da incerteza Hoje a incerteza está tão arraigada nas diferentes dimensões da vida economia sociologia antropologia etc que a discussão supera a fase da probabilidade para atingir o nível da possibilidade ou ainda das propensões como definiu Karl Popper ao longo da obra Um mundo de propensões para quem a tendência para que as médias estatísticas se mantenham se as condições se mantiverem estáveis é uma das características mais notáveis do nosso universo Sustento que isso só pode ser explicado pela teoria da propensão que são mais do que meras possibilidades são mesmo tendências ou propensões para se tornarem realidade ou propensões para se realizarem a si mesmas as quais estão inerentes a todas as possibilidades em vários graus e que são algo como uma força que mantém as estatísticas estáveis ob cit p 24 A propensão entendemos poderia ser definida como uma possibilidade qualificada conduzindo assim ao abandono da categoria probabilidade diante do princípio da incerteza 95 VIRILIO Paul A inércia polar p 19 96 THUMS Gilberto Sistemas processuais penais tempo dromologia tecnologia e garantismo p 21 97 HAWKING Stephen O universo numa casca de noz p 94 98 OST François O tempo do direito p 324 99 Ibidem p 327 100 Ibidem p 332 101 OST François O tempo do direito p 335 102 Desenvolvida na obra La teoría de las excepciones dilatorias y los presupuestos procesales publicada original em alemão em 1868 103 BETTIOL Giuseppe Instituciones de derecho penal y procesal penal p 243 104 GUASP Jaime Administración de justicia y derechos de la personalidad p 180 e ss 105 Princípios gerais do processo civil p 49 106 Ensina Einstein ob cit p 6668 que o princípio criador reside na matemática a sua certeza é absoluta enquanto se trata de matemática abstrata mas diminui na razão direta de sua concretização as teses matemáticas não são certas quando relacionadas com a realidade e enquanto certas não se relacionam com a realidade 107 Sobre os perigos do decisionismo e o solipsismo recomendamos a leitura de Lenio Streck entre outros na obra O que é isto decido conforme a minha consciência 108 Aqui apenas vamos indicar a base principiológica Sugerimos a leitura da nossa obra Direito processual penal publicada pela editora Saraiva em que apro fundamos a análise e problematização de todos e cada um deles 109 COUTINHO Jacinto Nelson de Miranda O papel do novo juiz no processo penal Crítica à teoria geral do direito processual penal p 47 110 BUENO DE CARVALHO Amilton Teoria e prática do direito alternativo p 5657 Consultese também a excelente obra de Diego J Duquelsky Gomez Entre a lei e o direito 111 Idem 112 OST François O tempo do direito 113 FIGUEIREDO DIAS Jorge Acordos sobre a sentença em processo penal Edição Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados p 16 114 Para o estudo do Juizado Especial Criminal composição dos danos civis transação penal e suspensão condicional do processo remetemos o leitor a nossa obra Direito processual penal publicada pela Editora Saraiva 115 Sobre o tema imprescindível a leitura dos diversos escritos de Jacinto Nelson de Miranda Coutinho especialmente COUTINHO Jacinto Nelson de Miranda Introdução aos princípios gerais do processo penal brasileiro Separata do Instituto Transdisciplinar de Estudos Criminais Também publicado na Revista de Estudos Criminais n 012001 COUTINHO Jacinto Nelson de Miranda O papel do novo juiz no processo penal In COUTINHO Jacinto Nelson de Miranda org Crítica à teoria geral do direito processual penal Idem Efetividade do processo penal e golpe de cena Um problema às reformas processuais In Wunderlich Alexandre coord Escritos de direito e processo penal em homenagem ao professor Paulo Cláudio Tovo Idem Glosas ao Verdade dúvida e certeza de Francesco Carnelutti para os operadores do direito Anuário IberoAmericano de Direitos Humanos 116 Sobre a pretensão acusatória como objeto do processo penal LOPES JR Aury Fundamentos do processo penal p 229259 117 PRADO Geraldo Elementos para uma análise crítica da transação penal p 224 118 Art 28A Não sendo caso de arquivamento e tendo o investigado confessado formal e circunstancialmente a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 quatro anos o Ministério Público poderá propor acordo de não persecução penal desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime mediante as seguintes condições ajustadas cumulativa e alternativamente Incluído pela Lei n 13964 de 2019 I reparar o dano ou restituir a coisa à vítima exceto na impossibilidade de fazêlo Incluído pela Lei n 13964 de 2019 II renunciar voluntariamente a bens e direitos indicados pelo Ministério Público como instrumentos produto ou proveito do crime Incluído pela Lei n 13964 de 2019 III prestar serviço à comunidade ou a entidades públicas por período correspondente à pena mínima cominada ao delito diminuída de um a dois terços em local a ser indicado pelo juízo da execução na forma do art 46 do DecretoLei n 2848 de 7 de dezembro de 1940 Código Penal Incluído pela Lei n 13964 de 2019 IV pagar prestação pecuniária a ser estipulada nos termos do art 45 do DecretoLei n 2848 de 7 de dezembro de 1940 Código Penal a entidade pública ou de interesse social a ser indicada pelo juízo da execução que tenha preferencialmente como função proteger bens jurídicos iguais ou semelhantes aos aparentemente lesados pelo delito ou Incluído pela Lei n 13964 de 2019 V cumprir por prazo determinado outra condição indicada pelo Ministério Público desde que proporcional e compatível com a infração penal imputada Incluído pela Lei n 13964 de 2019 1º Para aferição da pena mínima cominada ao delito a que se refere o caput deste artigo serão consideradas as causas de aumento e diminuição aplicáveis ao caso concreto Incluído pela Lei n 13964 de 2019 2º O disposto no caput deste artigo não se aplica nas seguintes hipóteses Incluído pela Lei n 13964 de 2019 I se for cabível transação penal de competência dos Juizados Especiais Criminais nos termos da lei Incluído pela Lei n 13964 de 2019 II se o investigado for reincidente ou se houver elementos probatórios que indiquem conduta criminal habitual reiterada ou profissional exceto se insignificantes as infrações penais pretéritas Incluído pela Lei n 13964 de 2019 III ter sido o agente beneficiado nos 5 cinco anos anteriores ao cometimento da infração em acordo de não persecução penal transação penal ou suspensão condicional do processo e Incluído pela Lei n 13964 de 2019 IV nos crimes praticados no âmbito de violência doméstica ou familiar ou praticados contra a mulher por razões da condição de sexo feminino em favor do agressor Incluído pela Lei n 13964 de 2019 3º O acordo de não persecução penal será formalizado por escrito e será firmado pelo membro do Ministério Público pelo investigado e por seu defensor Incluído pela Lei n 13964 de 2019 4º Para a homologação do acordo de não persecução penal será realizada audiência na qual o juiz deverá verificar a sua voluntariedade por meio da oitiva do investigado na presença do seu defensor e sua legalidade Incluído pela Lei n 13964 de 2019 5º Se o juiz considerar inadequadas insuficientes ou abusivas as condições dispostas no acordo de não persecução penal devolverá os autos ao Ministério Público para que seja reformulada a proposta de acordo com concordância do investigado e seu defensor Incluído pela Lei n 13964 de 2019 6º Homologado judicialmente o acordo de não persecução penal o juiz devolverá os autos ao Ministério Público para que inicie sua execução perante o juízo de execução penal Incluído pela Lei n 13964 de 2019 7º O juiz poderá recusar homologação à proposta que não atender aos requisitos legais ou quando não for realizada a adequação a que se refere o 5º deste artigo Incluído pela Lei n 13964 de 2019 8º Recusada a homologação o juiz devolverá os autos ao Ministério Público para a análise da necessidade de complementação das investigações ou o oferecimento da denúncia Incluído pela Lei n 13964 de 2019 9º A vítima será intimada da homologação do acordo de não persecução penal e de seu descumprimento Incluído pela Lei n 13964 de 2019 10 Descumpridas quaisquer das condições estipuladas no acordo de não persecução penal o Ministério Público deverá comunicar ao juízo para fins de sua rescisão e posterior oferecimento de denúncia Incluído pela Lei n 13964 de 2019 11 O descumprimento do acordo de não persecução penal pelo investigado também poderá ser utilizado pelo Ministério Público como justificativa para o eventual não oferecimento de suspensão condicional do processo Incluído pela Lei n 13964 de 2019 12 A celebração e o cumprimento do acordo de não persecução penal não constarão de certidão de antecedentes criminais exceto para os fins previstos no inciso III do 2º deste artigo Incluído pela Lei n 13964 de 2019 13 Cumprido integralmente o acordo de não persecução penal o juízo competente decretará a extinção de punibilidade Incluído pela Lei n 13964 de 2019 14 No caso de recusa por parte do Ministério Público em propor o acordo de não persecução penal o investigado poderá requerer a remessa dos autos a órgão superior na forma do art 28 deste Código Incluído pela Lei n 13964 de 2019 119 Criminologia o homem delinquente e a sociedade criminógena p 484 e ss 120 Na obra Barganha e justiça criminal negocial monografia vencedora do 19o Concurso de Monografias de Ciências Criminais IBCCrim 121 Parte da doutrina é rigorosa na distinção dos institutos Luiz Flávio Gomes por exemplo explica que a colaboração é gênero subdividindose em cinco espécies delação premiada colaboração reveladora da estrutura e funcionamento da organização colaboração preventiva colaboração para localização e recuperação de ativos colaboração para libertação de pessoas Disponível em httpwwwcartaforensecombrconteudocolunashadiferencaentrecolaboracaoe delacaopremiada14756 122 Colaboração premiada e auxílio judiciário em matéria penal A ordem pública como obstáculo à cooperação com a operação Lava Jato Revista de Legislação e Jurisprudência ano 146 n 4000 setout 2016 p 2425 123 A expressão é de Pedro Aragoneses Alonso na obra Proceso y derecho procesal p 127 Werner Goldschmidt também leciona na mesma dimensão mas denominando de princípio básico do processo no magistral trabalho La imparcialidad como principio básico del proceso Revista de Derecho Procesal n 2 1950 p 208 ss 124 Entre outros na nossa obra Direito processual penal p 62 e ss 125 Derecho procesal civil y penal p 342 126 No magistral trabalho La imparcialidad como principio básico del processo Revista de Derecho Procesal n 2 1950 p 208 e ss 127 Para FERRAJOLI Derecho y razón cit p 580 é a ajenidad del juez a los intereses de las partes en causa 128 O papel do novo juiz no processo penal cit p 11 129 Introducción filosófica al derecho p 321 130 SCHÜNEMANN Bernd Estudos de direito penal e processual penal e filosofia do direito 131 É importante destacar que existiu uma posterior oscilação na jurisprudência do TEDH especialmente na década de 1990 no sentido de relativizar essa presunção recorrendo à análise do caso concreto entre outros Casos Hauschild SainteMarie vs França e Padovani vs Itália Essa variação é perfeitamente compreen sível na medida em que como qualquer tribunal o TEDH está suscetível de mudanças de humor em razão dos influxos e pressões que sofre Ademais há que se compreender que os casos citados Piersack 1982 e De Cubber vs Bélgica 1984 são do início da década de 1980 momento sensível no que tange ao processo penal europeu em que o modelo de juizado de instrução juiz instrutorinquisidor ainda era predominante e começava a ser seriamente questionado Era o modelo em que um mesmo juiz investigava e julgava na maior parte dos países e esse sistema estava em crise Basta recordar que a Alemanha fez uma grande reforma em 1974 para abandonar o juizado de instrução substituído pelo promotor investigador seguida posteriormente por Itália 1988 e Portugal 1988 Portanto as decisões proferidas nesses casos refletem uma preocupação que já não existe atualmente nos principais sistemas processuais penais europeus seja pelo completo abandono do modelo de juizado de instrução vg Alemanha Itália e Portugal seja pela vedação completa de que o juiz que instrui possa julgar como é o caso do modelo espanhol Inobstante o Brasil segue uma perigosa tendência de retrocesso com a constante atribuição de mais poderes instrutórios aos juízes como se vê na nova redação do art 156 I do CPP que consagra um absurdo cenário de juiz instrutorinquisidor Diante disso é de extrema importância toda a doutrina construída pelo TEDH em torno do caso Piersack e De Cubber pois se na Europa a matéria já está consolidada a ponto de se poder recorrer a eventuais relativizações no Brasil o problema é grave e longe de se atingir uma solução satisfatória Daí por que aqui precisamos sim de todo o rigor da regra o juiz que investiga não pode julgar pois temos por culpa do art 156 e de uma forte cultura inquisitória um cenário bastante perigoso e que exige uma postura intransigente 132 Decisões n 49690 40191 50291 12492 18692 39992 43993 43295 entre outras 133 Problemas jurídicos y políticos del proceso penal p 29 134 Sobre a batalha das expectativas à qual o direito é lançado recomendamos a leitura de Rui Cunha Martins na obra A hora dos cadáveres adiados 135 Sobre a ambição da verdade no processo penal e suas nefastas consequências veja se a obra A busca da verdade no processo penal de Salah Khaled Jr publicada pela Editora Letramento e também um dos capítulos do nosso livro Direito processual penal publicado pela Editora Saraiva 136 Consultemse os diversos trabalhos de Jacinto Coutinho especialmente o artigo Introdução aos princípios gerais do direito processual penal brasileiro Revista de Estudos Criminais n 1 2001 e também o Glosas ao Verdade dúvida e certeza de Francesco Carnelutti para os operadores do direito cit 137 OLIVA SANTOS Andrés Jueces imparciales fiscales investigadores y nueva reforma para la vieja crisis de la justicia penal p 30 138 Sobre o tema recomendamos a leitura das nossas obras Prisões cautelares e Direito processual penal ambas publicadas pela Editora Saraiva 139 Sobre o tema remetemos aos trabalhos do ilustre professor português Rui Cunha Martins especialmente nas obras A hora dos cadáveres adiados e O ponto cego do direito ambas publicadas pela Editora Atlas 140 Também nesse sentido Amilton Bueno de Carvalho especialmente na obra Lei para quem In Wunderlich Alexandre coord Escritos de direito e processo penal em homenagem ao professor Paulo Cláudio Tovo 141 Para evitar repetições remetemos o leitor a nossa obra Direito processual penal publicada pela Editora Saraiva onde aprofundamos a análise da presunção de inocência 142 BUENO DE CARVALHO Amilton Direito alternativo em movimento p 2930 143 CARNELUTTI Francesco Lecciones sobre el proceso penal v II p 75 144 SANGUINÉ Odone A inconstitucionalidade do clamor público como fundamento da prisão preventiva Revista de Estudos Criminais n 10 p 114 145 SANGUINÉ Odone A inconstitucionalidade do clamor público como fundamento da prisão preventiva Revista de Estudos Criminais n 10 p 115 146 DELMANTO JUNIOR Roberto As modalidades de prisão provisória e seu prazo de duração p 183 147 SANGUINÉ Odone Ibidem 148 Ibidem p 139 149 Para uma análise mais completa remetemos a nossa obra Prisões cautelares publicada pela Editora Saraiva 150 Especialmente na obra Prisões cautelares publicada pela Editora Saraiva 151 BANACLOCHE PALAO Julio La libertad personal y sus limitaciones p 292 152 Invocando aqui o consagrado conceito de strumentalità qualificata tão bem explicado por CALAMANDREI ob cit p 22 153 FERRAIOLI Marzia e DALIA Andrea Antonio Manuale di diritto processuale penale p 228 ss 154 CORDERO Franco Procedimiento penal v 1 p 410 155 Disponível em httpwwwstfjusbrportalcmsverNoticiaDetalheasp idConteudo354431 156 É o caso da Constituição Italiana de 1948 que no art 27 comma 2º assegura limputato non è considerato colpevole sino alla condanna definitiva O mesmo conteúdo foi adotado pela Constituição Portuguesa de 1974 no artigo 322 que entre as garantias do processo criminal assegura Todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa 157 Para uma análise mais aprofundada remetemos o leitor para as seguintes publicações eletrônicas httpwwwconjurcombr2016mar04limitepenalfimpresuncaoinocencia stfnossojuridico httpwwwacademiaedu 158 PRADO Geraldo O trânsito em julgado da decisão penal condenatória Boletim do IBCCrim n 277 dez 2015 159 Entre outros na obra Tratado de derecho procesal penal tomo I p 252 160 O excelente texto de Paulo Queiroz do qual extraímos apenas um trecho é bem mais amplo trazendo ainda uma análise importante da prisão preventiva Recomendamos a leitura no site httpswwwpauloqueiroznetanovaprisaopreventivalein139642019 161 O presente tópico é reprodução de artigo produzido por Aury Lopes Jr e Vitor Paczek para publicação na Revista Duc In Altum Cadernos de Direito v 11 n 23 p 319356 janabr 2019 162 Em 2001 prenunciouse a primeira crítica ao sistema de justiça negociada a partir da experiência da Lei n 9099 o pensamento que nos orienta é prospectivo olhamos para o futuro A situação atual já é preocupante mas pretendemos demonstrar por meio da crítica que a ampliação do campo de atuação da justiça consensuada será desastrosa para o processo penal Devemos recordar ainda o contexto social e econômico no qual ela se insere e foi gerada até porque o sistema penal não está num compartimento estanque imune aos movimentos sociais políticos e econômicos conforme explicamos nos capítulos anteriores onde tratamos da ideologia repressivista da lei e ordem e da eficiência antigarantista Contudo com o passar dos anos a criatura virouse contra o criador ou melhor mostrou sua verdadeira cara utilitarismo processual e a busca da máxima eficiência utilitarista LOPES JR Aury Sistemas de investigação preliminar no processo penal Rio de Janeiro Lumen Juris 2001 p 22 163 Art 28A Não sendo caso de arquivamento e tendo o investigado confessado formal e circunstancialmente a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 quatro anos o Ministério Público poderá propor acordo de não persecução penal desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime mediante as seguintes condições ajustadas cumulativa e alternativamente Incluído pela Lei n 13964 de 2019 I reparar o dano ou restituir a coisa à vítima exceto na impossibilidade de fazêlo Incluído pela Lei n 13964 de 2019 II renunciar voluntariamente a bens e direitos indicados pelo Ministério Público como instrumentos produto ou proveito do crime Incluído pela Lei n 13964 de 2019 III prestar serviço à comunidade ou a entidades públicas por período correspondente à pena mínima cominada ao delito diminuída de um a dois terços em local a ser indicado pelo juízo da execução na forma do art 46 do DecretoLei n 2848 de 7 de dezembro de 1940 Código Penal Incluído pela Lei n 13964 de 2019 IV pagar prestação pecuniária a ser estipulada nos termos do art 45 do DecretoLei n 2848 de 7 de dezembro de 1940 Código Penal a entidade pública ou de interesse social a ser indicada pelo juízo da execução que tenha preferencialmente como função proteger bens jurídicos iguais ou semelhantes aos aparentemente lesados pelo delito ou Incluído pela Lei n 13964 de 2019 V cumprir por prazo determinado outra condição indicada pelo Ministério Público desde que proporcional e compatível com a infração penal imputada Incluído pela Lei n 13964 de 2019 1º Para aferição da pena mínima cominada ao delito a que se refere o caput deste artigo serão consideradas as causas de aumento e diminuição aplicáveis ao caso concreto Incluído pela Lei n 13964 de 2019 2º O disposto no caput deste artigo não se aplica nas seguintes hipóteses Incluído pela Lei n 13964 de 2019 I se for cabível transação penal de competência dos Juizados Especiais Criminais nos termos da lei Incluído pela Lei n 13964 de 2019 II se o investigado for reincidente ou se houver elementos probatórios que indiquem conduta criminal habitual reiterada ou profissional exceto se insignificantes as infrações penais pretéritas Incluído pela Lei n 13964 de 2019 III ter sido o agente beneficiado nos 5 cinco anos anteriores ao cometimento da infração em acordo de não persecução penal transação penal ou suspensão condicional do processo e Incluído pela Lei n 13964 de 2019 IV nos crimes praticados no âmbito de violência doméstica ou familiar ou praticados contra a mulher por razões da condição de sexo feminino em favor do agressor Incluído pela Lei n 13964 de 2019 3º O acordo de não persecução penal será formalizado por escrito e será firmado pelo membro do Ministério Público pelo investigado e por seu defensor Incluído pela Lei n 13964 de 2019 4º Para a homologação do acordo de não persecução penal será realizada audiência na qual o juiz deverá verificar a sua voluntariedade por meio da oitiva do investigado na presença do seu defensor e sua legalidade Incluído pela Lei n 13964 de 2019 5º Se o juiz considerar inadequadas insuficientes ou abusivas as condições dispostas no acordo de não persecução penal devolverá os autos ao Ministério Público para que seja reformulada a proposta de acordo com concordância do investigado e seu defensor Incluído pela Lei n 13964 de 2019 6º Homologado judicialmente o acordo de não persecução penal o juiz devolverá os autos ao Ministério Público para que inicie sua execução perante o juízo de execução penal Incluído pela Lei n 13964 de 2019 7º O juiz poderá recusar homologação à proposta que não atender aos requisitos legais ou quando não for realizada a adequação a que se refere o 5º deste artigo Incluído pela Lei n 13964 de 2019 8º Recusada a homologação o juiz devolverá os autos ao Ministério Público para a análise da necessidade de complementação das investigações ou o oferecimento da denúncia Incluído pela Lei n 13964 de 2019 9º A vítima será intimada da homologação do acordo de não persecução penal e de seu descumprimento Incluído pela Lei n 13964 de 2019 10 Descumpridas quaisquer das condições estipuladas no acordo de não persecução penal o Ministério Público deverá comunicar ao juízo para fins de sua rescisão e posterior oferecimento de denúncia Incluído pela Lei n 13964 de 2019 11 O descumprimento do acordo de não persecução penal pelo investigado também poderá ser utilizado pelo Ministério Público como justificativa para o eventual não oferecimento de suspensão condicional do processo Incluído pela Lei n 13964 de 2019 12 A celebração e o cumprimento do acordo de não persecução penal não constarão de certidão de antecedentes criminais exceto para os fins previstos no inciso III do 2º deste artigo Incluído pela Lei n 13964 de 2019 13 Cumprido integralmente o acordo de não persecução penal o juízo competente decretará a extinção de punibilidade Incluído pela Lei n 13964 de 2019 14 No caso de recusa por parte do Ministério Público em propor o acordo de não persecução penal o investigado poderá requerer a remessa dos autos a órgão superior na forma do art 28 deste Código Incluído pela Lei n 13964 de 2019 164 LANGBEIN John H Tortura e plea bargaining In GLOCKNER Ricardo Jacobsen org Sistemas Processuais Penais Florianópolis Empório do Direito 2017 p 138 165 DIAS Jorge de Figueiredo Acordos sobre a sentença em processo penal o fim do Estado de Direito ou um novo princípio Porto Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados 2011 p 17 166 Na experiência dos EUA os promotores têm amplas opções de negociação podendo não tomar posição no acordo da sentença não se opor aos pedidos do acusado requisitar tipos específicos de sentença especificar multa ou termo para a prisão ou nada mais que multa ou sentença de prisão OSULLIVAN Julie R Federal white collar crime cases and materials St Paul West Fifth Edition 2012 p 11171121 167 FERRAJOLI Luigi Derecho y razón teoría del garantismo penal 8 ed Madrid Trotta 1995 p 747 168 Exige a separação entre as funções de acusarjulgar o processo deve ser predominantemente oral público com um procedimento contraditório e de trato igualitário das partes e não meros sujeitos Com relação à prova vigora o sistema do livre convencimento motivado e a sentença produz a eficácia de coisa julgada A liberdade da parte passiva é a regra sendo a prisão cautelar uma exceção Assim é o sistema acusatório não derivando dele a justiça negociada Todo o oposto 169 Em inúmeros trabalhos mas especialmente COUTINHO Jacinto Nelson de Miranda O papel do novo juiz no processo penal In SILVEIRA Marco Aurélio Nunes da PAULA Leonardo Costa de org Observações sobre os sistemas processuais penais escritos do Prof Jacinto Nelson de Miranda Coutinho 1 Curitiba Observatório da Mentalidade Inquisitória 2018 p 2562 170 LANGBEIN John H Tortura e plea bargaining In GLOCKNER Ricardo Jacobsen org Sistemas processuais penais Florianópolis Empório do Direito 2017 p 140 171 La equidad en el juicio penal para la reforma de la corte de asises In CARNELUTTI Francesco Cuestiones sobre el proceso penal Buenos Aires Libreria el Foro 1960 p 292 172 WALSH Dylan Why US Criminal Courts are so dependent on plea bargaining Side effects include inordinately powerful prosecutors and infrequent access to jury trials In Revista The Atlantic publicado em 252017 Disponível em httpswwwtheatlanticcompoliticsarchive201705pleabargainingcourts prosecutors524112 173 GOLDSCHMIDT James Problemas politicos y juridicos del proceso penal Conferencias dadas en la Universidad de Madrid en los meses de diciembre de 1934 y de enero febrero y marzo de 1935 Barcelona Bosch 1935 p 67 174 Não há nenhum compromisso ético com a verdade crítica também feita por Schünemann ainda que processual e tampouco com o valor justiça Importa fazer um acordo aceitável para as partes ainda que isso represente uma pena baixa para um criminoso confesso rompendo com o liame gravidade do crimepena ou uma pena injusta para um inocente que não quer se arriscar ao processo e o perigo de uma pena desproporcional ou ainda a concessão de imunidade penal SCHÜNEMANN Bernd Um olhar crítico ao modelo processual penal norteamericano In GRECO Luís org Estudos de direito penal direito processual penal e filosofia do direito São Paulo Marcial Pons 2013 p 248249 175 SCHÜNEMANN Bernd Um olhar crítico ao modelo processual penal norteamericano In GRECO Luís org Estudos de direito penal direito processual penal e filosofia do direito São Paulo Marcial Pons 2013 p 242243 176 WALSH Dylan Why US Criminal Courts are so dependent on plea bargaining Side effects include inordinately powerful prosecutors and infrequent access to jury trials In Revista The Atlantic publicado em 252017 Disponível em httpswwwtheatlanticcompoliticsarchive201705pleabargainingcourts prosecutors524112 177 WALSH Dylan Why US Criminal Courts are so dependent on plea bargaining Side effects include inordinately powerful prosecutors and infrequent access to jury trials In Revista The Atlantic publicado em 252017 Disponível em httpswwwtheatlanticcompoliticsarchive201705pleabargainingcourts prosecutors524112 178 LANGBEIN John H Tortura e plea bargaining In GLOCKNER Ricardo Jacobsen org Sistemas processuais penais Florianópolis Empório do Direito 2017 p 137 179 Mas isso não significa que o processo penal deva corresponder às expectativas sociais criadas todo o oposto ele deve ser contraintuitivo e contramajoritário no que tange à eficácia dos direitos e garantias fundamentais CUNHA MARTINS Rui Contraintuição e processo penal In KHALED JR Salah H coord Sistema penal e poder punitivo estudos em homenagem ao prof Aury Lopes Jr Florianópolis Empório do direito 2015 p 467 e ss 180 DIAS Jorge de Figueiredo Acordos sobre a sentença em processo penal o fim do estado de direito ou um novo princípio Porto Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados 2011 p 13 181 OST François O tempo do direito Lisboa Piaget 2001 passim 182 VIRILIO Paul A inércia polar Lisboa Dom Quixote 1993 passim 183 DIAS Jorge de Figueiredo Acordos sobre a sentença em processo penal o fim do estado de direito ou um novo princípio Conselho Distrital do Porto 2001 p16 184 Utilizaremos aqui apenas a expressão plea bargaining ou plea agreement por ser mais representativa e abrangente Mas como explica Masi MASI Carlo Velho A plea bargaining no sistema penal norteamericano publicado em 2972016 disponível em httpscanalcienciascriminaiscombrapleabargainingnosistemaprocessualpenal norteamericano existem diferentes tipos de barganha a na charge bargaining o acusado se declara culpado de um crime menos grave que a acusação original b na count bargaining o acusado assume apenas uma parte dentre várias acusações c na sentence bargaining a promotoria se compromete a pedir em juízo determinado benefício na sentença o que pode ser negado pelo juiz d e na fact bargaining o acusado se declara culpado mas as partes acordam sobre certos fatos que afetarão a forma como o acusado será punido 185 DIAS Jorge de Figueiredo Acordos sobre a sentença em processo penal o fim do estado de direito ou um novo principio Porto Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados 2011 passim 186 O pattegiamento seria exercido mediante conclusão antecipada do procedimento por meio de sentença na qual o juízo verificaria a legalidade pela qualificação jurídica do fato se a pena acordada estaria dentro dos limites normativos predeterminados após ter avaliado a adequação da reprimenda Seria esse o grande papel do magistrado que exerceria o controle não sobre a legitimidade mas sobre os efeitos da comensuração da pena mediante giudizio di bilanciamento atentando ao critério normativo Portanto em que pese haja significativo espectro de atuação nem tudo é possível de acordar DALIA Andre Antonio FERRAIOLI Andrea Manuale di diritto processuale penale Cedam Casa Editrice Dott Antonio Milani 1997 p 643645 187 Sobre o valor probatório do inquérito policial e a fundamental distinção entre atos de invetigação e atos de prova remetemos o leitor à nossa obra Direito processual penal publicada pela editora Saraiva na qual tratamos do tema 188 Sobre o tema consultar httpswwwconjurcombr2019fev01limitepenal investigacaodefensivapoderdeveradvocaciadireitocidadania 189 WALSH Dylan Why US Criminal Courts are so dependent on plea bargaining Side effects include inordinately powerful prosecutors and infrequent access to jury trials In Revista The Atlantic publicado em 252017 Disponível em httpswwwtheatlanticcompoliticsarchive201705pleabargainingcourts prosecutors524112 190 Nesse sentido Langbein explica que existem paralelos notáveis entre as regras da tortura e as regras do plea bargaining Explica o autor que do século XII à metade do século XVIII a tortura estabeleceuse no coração do processo penal continental A tortura era uma prática rotineira para obtenção da confissão que era a rainha das provas LANGBEIN John H Tortura e plea bargaining In GLOCKNER Ricardo Jacobsen org Sistemas Processuais Penais Florianópolis Empório do Direito 2017 p 134150 191 LANGBEIN John H Tortura e plea bargaining In GLOCKNER Ricardo Jacobsen org Sistemas Processuais Penais Florianópolis Ed Empório do Direito 2017 p 146 192 Ibidem p 141 193 Nesse sentido ver parecer do MPF no TRF4 que considerou 2 Além de se prestar a preservar as provas o elemento autorizativo da prisão preventiva consistente na conveniência da instrução criminal diante da série de atentados contra o país tem importante função de convencer os infratores a colaborar com o desvendamento dos ilícitos penais o que poderá acontecer neste caso a exemplo de outros tantos grifouse Disponível em httpswwwconjurcombrdllavajatoparecermpfprisao forcarpdf Também causou surpresa mais pela honestidade e clareza do que propriamente pelo conteúdo a declaração do Procurador Regional da República de que em crime de colarinho branco onde existem rastros mas as pegadas não ficam são necessárias pessoas envolvidas com o esquema para colaborar E o passarinho pra cantar precisa estar preso Disponível em httpswwwconjurcombr2014nov27parecermpf defendeprisoespreventivasforcarconfissoes 194 Disponível em httpsgauchazhclicrbscombrpoliticanoticia201709mantega propoeacordoaompfparaevitarprisaodizsite9885953html O acordo foi feito ainda que depois não tenha sido homologado pelo Juiz da 10ª Vara Federal de Brasília mas isso não impediu que informalmente fosse plenamente eficaz na medida em que mesmo não tendo sido formalmente homolgado o MPF simplesmente não requereu a prisão diante da colaboração Disponível em httpsg1globocompoliticanoticiajuizdodfnegapela2 vezhomologaracordodompfcommantegaqueevitariaprisaodeexministroghtml 195 Disponível em httpswwwbbccomportuguesebrasil46628764 196 SCHÜNEMANN Bernd Um olhar crítico ao modelo processual penal norteamericano In GRECO Luís org Estudos de direito penal direito processual penal e filosofia do direito São Paulo Marcial Pons 2013 p 257 197 WALSH Dylan Why US Criminal Courts are so dependent on plea bargaining Side effects include inordinately powerful prosecutors and infrequent access to jury trials In Revista The Atlantic publicado em 252017 Disponível em httpswwwtheatlanticcompoliticsarchive201705pleabargainingcourts prosecutors524112 198 Este é um projeto da Faculdade de Direito da Universidade de Michigan e do Centro de Ciência e Sociedade da Universidade da Califórnia Irvine Newkirk e dedicase a revisar casos criminais para apurar condenações errôneas Sobre o tema httpswwwlawumicheduspecialexonerationPagesmissionaspx 199 PRADO Geraldo Elementos para uma análise crítica da transação penal Rio de Janeiro Lumen Juris 2003 p 224 200 SCHÜNEMANN Bernd Um olhar crítico ao modelo processual penal norteamericano In GRECO Luís org Estudos de direito penal direito processual penal e filosofia do direito São Paulo Marcial Pons 2013 p 252 201 Disponível em httpspoliticaestadaocombrblogsfaustomacedo90dosjuizes apoiampleabargaindemoro 202 Disponível em httpspainelblogfolhauolcombr2019021180dosjuizesapoiam prisaoemsegundainstanciadizpesquisadaamb 203 LANGBEIN John H Tortura e plea bargaining In GLOCKNER Ricardo Jacobsen org Sistemas Processuais Penais Florianópolis Empório do Direito 2017 p 146 204 Disponível em httpsnoticiasuolcombrultimas noticiasdeutschewelle20171208brasileterceiropaiscommaiornumerode presoshtm 205 Disponível em httpsg1globocompoliticanoticia20180720brasilcaminhaparase tornarrefemdosistemaprisionaldizjungmannghtml 206 Disponível em httpwwwcnjjusbrnoticiascnj83819carmenluciadizquepreso custa13vezesmaisdoqueumestudantenobrasil 207 Disponível em httpswwwbbccomportuguesebrasil42274201 208 WALSH Dylan Why US Criminal Courts are so dependent on plea bargaining Side effects include inordinately powerful prosecutors and infrequent access to jury trials In Revista The Atlantic publicado em 252017 Disponível em httpswwwtheatlanticcompoliticsarchive201705pleabargainingcourts prosecutors524112 209 O maestro italiano se referia à prisão cautelar mas a lição é perfeitamente aplicável à justiça negociada CARNELUTTI Francesco Lecciones sobre el proceso penal v II Buenos Aires Bosch y Cia Editores 1950 p 75 210 ORBANEJA Emilio Gómez QUEMADA Vicente Herce Derecho pro cesal penal p 86 211 ALCALÁZAMORA Y CASTILLO Niceto Estudios de teoría general e historia del proceso 19451972 p 324325 212 Direito processual penal p 88 e ss 213 Como explica NICETO ALCALÁZAMORA Y CASTILLO na obra Estudios de teoría general e historia del proceso 19451972 p 325326 214 La pretensión procesal p 588 215 Ibidem p 604 216 ROSENBERG Leo Tratado de derecho procesal civil p 27 e ss 217 COUTURE Eduardo J Fundamentos del derecho procesal civilp 60 e ss 218 Será explicado o alcance dessa definição adiante 219 ALCALÁZAMORA Y CASTILLO Niceto LEVENE Ricardo Derecho procesal penal p 62 e 63 Adverte o autor com acerto que a ação penal não se dirige contra o sujeito passivo senão ao tribunal para que como detentor do poder de punir o exerça uma vez acolhida a pretensão acusatória 220 GUASP Jaime Derecho procesal civil p 281 221 O que segue é uma análise da obra Polémica sobre la actio que reúne os vários trabalhos de Windscheid e Muther que constituíram e deram corpo à famosa Polêmica Importante ainda é a leitura atenta da introducción feita por Giovanni Pugliese que utilizamos amplamente e que bem sintetiza o debate 222 Expressão de Pugliese na introdução à Polémica sobre la actio p XII 223 CHIOVENDA Giuseppe La acción en el sistema de los derechos p 5 e ss 224 Inaplicabilidade do conceito de ação ao processo penal p 4761 225 CHIOVENDA La acción en el sistema de los derechos p 14 226 Introducción p XIII 227 Fundamentos del derecho procesal civil p 57 e ss 228 Derecho procesal penal p 67 229 Fundamentos del derecho procesal civil p 64 230 Idem 231 Comentarios a la Ley de Enjuiciamiento Criminal p 37 232 LÓPEZ Miguel Pastor El proceso de persecución p 149 233 El proceso de persecución cit p 90 234 Na obra com Vicente Herce Quemada Derecho procesal penal p 89 235 Partindo de uma preocupação diversa da nossa mas igualmente atento às categorias jurídicas próprias do processo penal Rogério Lauria Tucci Teoria do direito processual penal p 7476 propõe uma conciliação entre as teorias da ação como direito abstrato e em senso concreto partindo para a distinção entre ação judiciária e ação da parte sendo a primeira atinente aos atos praticados pelos órgãos jurisdicionais e a segunda conferida aos sujeitos parciais da relação jurídica cuja definição e concretização lhes são solicitadas e que naquela naturalmente se subsomem Importante ainda na estrutura teórica do autor a seguinte distinção o direito subjetivo material em referência é o direito à jurisdição correntemente denominado direito de ação e o direito processual consubstanciase na ação propriamente dita que se caracteriza pela efetivação do exercício do direito à jurisdição Assim para Tucci Teoria do direito processual penal p 80 ação é um direito abstrato em linha e princípio até porque com ela se concretiza autônomo público genérico e subjetivo qual seja o direito à jurisdição Quanto ao binômio concretoabstrato núcleo de nossa discussão aqui Tucci propõe a seguinte construção é abstrato porque independente de ser fundada ou não a postulação do titular do direito material ao qual é porém conectado E concreto na medida em que ganha efetividade com o aforamento da ação Nesse ponto especialmente no que se refere ao conectado ao direito material pensamos haver uma coincidência entre nossa posição e a construção de Tucci 236 A lide e o conteúdo do processo penal p 145 e ss 237 Sublinhese que adotamos parte do conceito de Jacinto Coutinho que diverge de nossa posição em outros aspectos referentes ao objeto do processo penal ou objeto como classificam alguns autores 238 TUCCI Rogério Lauria Teoria do direito processual penal p 84 Pensamos que as condições da ação devem ser repensadas efetivamente à luz do processo penal pois é frágil a construção de que por exemplo a atipicidade ou a licitude da conduta não envolveria uma incursão no mérito Ademais destaquese que na prática diária dos tribunais brasileiros uma vez recebida a denúncia ou queixa alegase que não se pode mais falar em rejeição de modo que os juízes ainda que manifesta a ilegitimidade passiva não sendo o réu o autor do fato culminam por proferir uma sentença absolutória com base no art 386 IV ou V Pensamos que nada impede o juiz de uma vez recebida a denúncia decretar a nulidade dessa decisão e rejeitar ou seja não existe preclusão para o juiz e ele pode a qualquer tempo reconhecer uma nulidade absoluta e refazer o ato 239 A expressão é de Jacinto Nelson de Miranda Coutinho 240 No que tange à ação de iniciativa pública o poder político constitucional nasce do art 129 I da Constituição e considerando a obrigatoriedade para o MP da ação penal nesses crimes estamos diante de um poderdever De qualquer forma feita essa ressalva é perfeitamente aplicável a teoria do direito de dois tempos exposta pois no primeiro momento estamos na dimensão constitucional e no segundo na processual penal onde então podemos falar em condições da ação 241 Na Revista de Derecho Procesal Madrid 1949 Também publicado na obra Jaime Guasp Delgado Pensamiento y Figura da coleção Maestros Complutenses de Derecho organizada por Pedro Aragoneses Alonso 242 JARDIM Afrânio Silva Direito processual penal p 95 243 TOURINHO FILHO Fernando da Costa Processo penal p 494 244 Como explica ORBANEJA Emilio Gómez Comentarios a la Ley de Enjuiciamiento Criminal p 27 e ss 245 Os autores que trabalham com a civilista e inadequada categoria de possibilidade jurídica do pedido costumam empregar exemplos como esses para demonstrar situações em que o pedido de condenação seria juridicamente impossível Na verdade a questão situase em outra esfera qual seja na exigência de que o fato seja aparentemente criminoso 246 ASSIS MOURA Maria Thereza Rocha Justa causa para a ação penal p 99 247 ASSIS MOURA Maria Thereza Rocha Justa causa para a ação penal p 119 248 Ibidem p 173 249 Direito processual penal p 99 250 Tratado de direito penal p 19 251 TUCCI Rogério Lauria Teoria do direito processual penal p 97 252 Na obra com Vicente Herce Quemada Derecho procesal penal p 89 253 Na obra Tratado de derecho procesal penal p 130 e ss 254 Advirtase que parte da doutrina concebe como direito público subjetivo e não potestativo 255 Sobre esse e demais temas consultese nossa obra Direito processual penal 256 Conforme nosso Direito processual penal 257 BELING Ernst Derecho procesal penal p 21 258 Problemas jurídicos y políticos del proceso penal p 67 259 MAIER Julio B J Derecho procesal penal fundamentos p 260 260 Nosso objeto de estudo está circunscrito à estrutura dos sistemas buscando definir suas notas processuais características Por esse motivo o aspecto histórico ainda que extremamente relevante será tratado com bastante superficialidade Recomendamos para aprofundar o estudo a leitura entre outras das seguintes obras Julio Maier Derecho procesal penal fundamentos especialmente o Capítulo II 5º Vicenzo Manzini Derecho procesal penal t I Alfredo Vélez Mariconde Derecho procesal penal t I Ernst Beling Derecho procesal penal Franco Cordero Procedimiento penal ou a obra Guida alla procedura penale José Henrique Pierangeli Processo penal evolução histórica e fontes legislativas e Geraldo Prado Sistema acusatório a conformidade constitucional das leis processuais penais 261 ZANOIDE DE MORAES Mauricio Presunção de inocência no processo penal brasileiro p4 e ss 262 SENDRA Vicente Gimeno Fundamentos del derecho procesal p 190 263 ALONSO Pedro Aragoneses Instituciones de derecho procesal penal p 39 e ss 264 DUSSEL Enrique especialmente na obra Filosofia da libertação Crítica à ideologia da exclusão 265 MARTINS Rui Cunha O ponto cego do direito The Brazilian lessons 266 É importante destacar que o sistema inquisitório permanece em sua mais radical constituição no direito canônico com todo vigor em pleno século XXI Como questiona o teólogo Hans Küng Preguntas sobre la Inquisición publicado no jornal espanhol El País em 1621998 de que serve abrirse os arquivos da Inquisição dos séculos XVI ao XIX se mantêmse fechados e inacessíveis os arquivos da Inquisição do século XX que já não culmina com a queima física senão psíquica e moral Para continuar exercendoa diariamente em escala global no século XXI O próprio autor relata que leva mais de 40 anos tentando conseguir o que em uma sociedade democrática se concede sem o menor esforço a qualquer acusado direito à vista dos autos No mesmo sentido outro exemplo vivo dessa queima psíquica e moral nos dá Leonardo Boff que relata no Prefácio que faz à tradução brasileira do Manual dos inquisidores p 24 e ss que ainda perduram o processo de delação a negação ao acesso às atas dos processos a inexistência de um advogado e a impossibilidade de apelação A mesma instância acusa julga e pune Isso é uma perversidade jurídica em qualquer Estado de Direito pagão ateu ou cristão Não há a salvaguarda suficiente do direito de defesa Punido pela moderna Inquisição com entre outras penas a imposição de um silêncio obsequioso Boff relata como se leva a cabo a morte psicológica do condenado Pressiona os acusados até o limite da suportabilidade psicológica São desmoralizados fazse perder a confiança em sua pessoa e palavra por isso proíbese que sejam convidados para conferências assessorias e retiros espirituais muitos são transferidos para outros países são forçados a tomar anos sabáticos eufemisticamente quer dizer devem deixar as cátedras pressionamse as editoras a não publicar seus escritos e proíbemse as livrarias religiosas de expor e de vender seus escritos Em definitivo quando se afirma que o modelo inquisitório pleno não existe mais devese ressalvar exceto no direito canônico em que permanece em seu estado puro 267 Cf MONTERO AROCA na obra coletiva Derecho jurisdiccional v III p 15 268 FENECH Miguel Derecho procesal penal p 83 269 GOLDSCHMIDT James Problemas jurídicos y políticos del proceso penal p 67 e ss 270 Cf ALONSO Pedro Aragoneses Instituciones de derecho procesal penal cit p 42 271 MANZINI Vicenzo Tratado de derecho procesal penal p 52 e ss 272 COUTINHO Jacinto Nelson de Miranda O papel do novo juiz no processo penal p 18 273 BOFF Leonardo Prefácio Inquisição um espírito que continua a existir Directorium Inquisitorum Manual dos inquisidores p 9 e ss 274 BOFF Leonardo Prefácio Inquisição um espírito que continua a existir p 9 e ss 275 Ibidem p 10 276 Ibidem p 11 277 BOFF Leonardo Prefácio Inquisição um espírito que continua a existir p 12 278 A lógica da inquisição era irretocável e com certeza serviu de inspiração para muitos ditadores Aponta Boff ob cit p 20 que quem pensasse a fé já era suspeito de heresia e sujeito à repressão pois pensar significa discutir e por consequência questionar Pergunta com acerto o autor não pensavam assim os agentes da repressão militar em regime de segurança nacional quem discutir publicamente política é já suspeito de subversão e logo de sequestro de tortura e de cárcere Mudem os sinais mas não a lógica de um sistema totalitário e por isso repressivo de toda e qualquer diferença A intolerância e o discurso do interesse público também vão conduzir ao conhecido e atual tolerância zero legitimando as maiores barbáries em relação aos direitos e garantias fundamentais sob a mesma lógica 279 As chamadas bocas de leão ou bocas da verdade que até hoje podem ser encontradas nas antigas igrejas espanholas 280 COUTINHO Jacinto Nelson de Miranda O papel do novo juiz no processo penal cit p 23 281 Como explica Manzini ob cit p 8 foi o procedimento extraordinário que introduziu a tortura entre os institutos processuais romanos Por longo tempo a tortura foi estranha ao processo penal romano enquanto estava em uso por todas as partes inclusive na Grécia Posteriormente foi transformada em um poderoso instrumento nas mãos dos inquisidores 282 Na realidade alguns câmbios iniciaram antes mesmo da Revolução Francesa impelidos pelo clima reformista e os ideais que predominavam na época e que posteriormente foram tomando força até culminar com a efetiva luta armada 283 GOESSEL Karl Heinz El defensor en el proceso penal p 15 e ss 284 Convém recordar que a inquisição é fruto de sua época marcada pela intolerância crueldade e pela própria ignorância que dominava Não deve ser lida ou julgada a partir dos parâmetros atuais pois impregnada de toda uma historicidade que não pode ser afastada 285 Segundo Rissel na tese doutoral Die Verfassungsrechtliche Stellung des Rechtsanwalts p 48 apud GOESSEL Karl Heinz Ob cit p 17 286 GOLDSCHMIDT James Problemas jurídicos y políticos del proceso penal p 29 287 Mettere il Publico Ministerio al suo Posto p 18 e ss Também em espanhol Poner en su puesto al Ministerio Público p 209 e ss 288 São múltiplas as críticas à artificial construção jurídica da imparcialidade do promotor no processo penal O crítico mais incansável foi sem dúvida o mestre Carnelutti que em diversas oportunidades pôs em relevo a impossibilidade de la cuadratura del círculo No es como reducir un círculo a un cuadrado construir una parte imparcial El ministerio público es un juez que se hace parte Por eso en vez de ser una parte que sube es un juez que baja Em outra passagem Carnelutti Lecciones sobre el proceso penal p 99 explica que não se pode ocultar que se o promotor exerce verdadeiramente a função de acusador querer que ele seja um órgão imparcial não representa no processo mais que uma inútil e hasta molesta duplicidad Para J Goldschmidt Problemas jurídicos y políticos del proceso penal p 29 o problema de exigir imparcialidade de uma parte acusadora significa cair en el mismo error psicológico que ha desacreditado al proceso inquisitivo qual seja o de crer que uma mesma pessoa possa exercitar funções tão antagônicas como acusar e defender Não há que confundir imparcialidade com estrita observância da legalidade e da objetividade 289 BINDER Alberto M Descumprimento das formas processuais p 51 290 SENDRA Vicente Gimeno CATENA Victor Moreno DOMINGUEZ Valentín Cortes Derecho procesal penal p 83 Mas em sua obra anterior Fundamentos del derecho procesal p 189 Sendra considera insuficiente essa afirmação que imputa a um grupo de autores alemães Schmidt e Roxin 291 Principio acusatorio realidad y utilización RDP p 272 292 Correspondência eletrônica particular de maio2003 cujos ensinamentos de Jacinto Coutinho foram por nós utilizados na Palestra Reformas Penais Juizado de Instrução Criminal proferida no dia 30 de maio de 2003 no Auditório Externo do Superior Tribunal de Justiça em Brasília 293 FERRAJOLI Luigi Derecho y razón teoría del garantismo penal p 566 294 Explicamos isso no livro Investigação preliminar no processo penal a partir do sistema italiano Contudo recordanos Jacinto Coutinho o antigo Código de Processo Penal do Distrito Federal Decreto n 16751 de 31 de dezembro de 1924 art 243 Os autos de inquirição apensos aos de investigação nos termos dos arts 241 e 242 servirão apenas de esclarecimento ao Ministério Público não se juntarão ao processo quer em original quer por certidão e serão entregues após a denúncia pelo representante do Ministério Público ao cartório do juízo em invólucro lacrado e rubricado a fim de serem arquivados à sua disposição 295 Conclusão n 3 de sua Tese Doutoral conforme correspondência eletrônica de maio2003 296 Problemas jurídicos y políticos del proceso penal cit p 69 e ss 297 COUTINHO Jacinto Nelson de Miranda Introdução aos princípios gerais do processo penal brasileiro Separata do Instituto Transdisciplinar de Estudos Criminais p 28 298 Sempre recordando que o processo penal tem suas categorias jurídicas próprias para evitar perigosas e muitas vezes errôneas analogias com o processo civil que foram e são feitas até hoje Com uma justificada preocupação J Goldschmidt Problemas jurídicos y políticos del proceso penal p 28 e ss destaca que a construção do modelo acusatório no processo penal deve ser distinta daquela aplicável ao processo civil uma concepção distinta do princípio dispositivo pois a situação jurídica da parte ativa é completamente diferente que a do autor processo civil O Ministério Público não faz valer no processo penal um direito próprio e pede a sua adjudicação como o autor no processo civil senão que afirma o nascimento de um direito judicial de penar e exige o exercício desse direito que ao mesmo tempo representa um dever para o Estado titular do direito de penar e que realiza seu direito no processo não como parte mas como juiz Para compreender esse pensamento é imprescindível partir da premissa de que o objeto do processo penal é uma pretensão acusatória ius ut procedatur A título de ilustração uma má interpretação do que seja o modelo acusatório e uma errada analogia com o processo civil leva alguns sistemas como o espanhol a permitir que a acusação peça uma determinada quantidade de pena x anos e mais errado ainda é pensar que esse pedido vincule o juiz Outro erro que diariamente vem sendo cometido é afirmar que a chamada justiça negociada plea negotiation é uma manifestação do modelo acusatório quando na verdade se trata de uma degeneração completa do processo penal e uma distorcida visão do que seja um processo de partes o sistema acusatório ou mesmo o verdadeiro objeto do processo penal Para compreensão leiase na continuação nossa abordagem sobre Reconstrução dogmática do objeto do processo penal 299 Em diversos trabalhos mas especialmente no artigo Introdução aos princípios gerais do processo penal brasileiro 300 Derecho procesal civil p 82 301 Derecho y razón p 563 302 Toda tradução encerra imensos perigos por isso para evitar equívocos destacamos que a palavra empregada pelo autor foi leguleyo que em espanhol possui um sentido despectivo de persona que se ocupa de cuestiones legales sin tener el conocimiento o la especialización suficientes de acordo com Clave Diccionario de uso del español actual O texto original de Luigi Ferrajoli na obra Derecho y razón p 575 é al sistema acusatorio le corresponde un juez espectador dedicado sobre todo a la objetiva e imparcial valoración de los hechos y por ello más sabio que experto el rito inquisitivo exige sin embargo un juez actor representante del interes punitivo y por ello leguleyo versado en el procedimiento y dotado de capacidad de investigación 303 FERRAJOLI Luigi Derecho y razón p 575 304 COUTINHO Jacinto Nelson de Miranda Introdução aos princípios gerais do processo penal brasileiro cit p 28 305 BOFF Leonardo Ob cit p 9 e ss 306 PRADO Geraldo na excelente obra Sistema acusatório A conformidade constitucional das leis processuais penais 307 COUTINHO Jacinto Nelson de Miranda Introdução aos princípios gerais do processo penal brasileiro p 29 308 A crítica serve tanto para a atribuição de poderes instrutórios na fase processual como ocorre no art 156 como também quando ela é feita na fase préprocessual admitindo que o juiz pratique atos de investigação Com mais razão somos completamente contrários aos chamados Juizados de Instrução sistema de JuizInstrutor conforme exaustivamente explicado na obra Sistemas de investigação preliminar no processo penal e cujas tentativas de inserção no Brasil nos causam profunda preocupação Cumpre sublinhar que a figura do juiz das garantias por nós defendido não tem nenhuma proximidade com o juiz de instrução modelo arcaico e superado que deve ser rechaçado 309 CORDERO Franco Guida alla procedura penale p 51 310 COUTINHO Jacinto Nelson de Miranda Introdução aos princípios gerais do processo penal brasileiro p 37 311 PRADO Geraldo Sistema acusatório p 158 312 Idem 313 Derecho y razón p 606 314 Sobre o tema vejase nosso artigo Juízes inquisidores E paranoicos Uma crítica à prevenção a partir da jurisprudência do Tribunal Europeu de Direitos Humanos Boletim do IBCCrim p 1112 315 Recordando que o referido artigo está suspenso por conta da decisão liminar do Min Fux anteriormente referida 316 Como adverte Alexandre Morais da Rosa em artigo que publicamos em coautoria no dia 312020 Disponível em httpswwwconjurcombr2020jan03limitepenalestrutura acusatoriaatacadamsimovimentosabotageminquisitoria 317 Em artigo que publicamos em coautoria no dia 312020 Disponível em httpswwwconjurcombr2020jan03limitepenalestruturaacusatoriaatacadamsi movimentosabotageminquisitoria 318 FERRAJOLI Luigi Derecho y razón teoría del garantismo penal Trad Perfecto Andrés Ibáñez Alfonso Ruiz Miguel Juan Carlos Bayón Mohino Juan Terradillos Basoco e Rocío Cantarero Bandrés 2 ed Madrid Trotta 1997 p 747 319 Para aprofundar essa análise crítica sugerimos a leitura de nossa obra Fundamentos do Processo Penal Uma Introdução Crítica publicada pela Editora Saraiva 320 FIGUEIREDO DIAS Jorge de Acordos sobre a sentença em processo penal Conselho Distrital do Porto Portugal 2011 p 16 321 Esse tópico foi publicado originariamente na Coluna Limite Penal httpswwwconjurcombr2014jul11limitepenaldissonanciacognitivaimparcialidade juiz 322 A partir daqui baseamonos na obra de SCHÜNEMANN Bernd Estudos de direito penal direito processual penal e filosofia do direito Luís Greco coord São Paulo Marcial Pons 2013 p 205221 323 Esse tópico corresponde ao artigo publicado em coautoria com Ruiz Ritter na Coluna Limite Penal disponível em httpswwwconjurcombr2016jul29limitepenalvocesabe efeitoprimaziaprocessopenal Também recomendamos a leitura da excelente obra de Ruiz Ritter intitulada Imparcialidade no processo penal reflexões a partir da teoria da dissonância cognitiva publicada pela Tirant lo Blanch onde esse e outros temas cruciais são tratados com a devida profundidade 324 FREEDMAN Jonathan L CARLSMITH J Merril SEARS David O Psicologia social 3 ed Trad Álvaro Cabral São Paulo Cultrix 1977 p 41 325 MOYA Miguel Percepción social y de personas In FRANCISCO MORALES J coord Psicología social Madrid McGrawHill 1994 p 99 326 GOLDSTEIN Jeffrey H Psicologia social Trad José Luiz Meurer Rio de Janeiro Guanabara Dois 1983 p 90 327 RODRIGUES Aroldo ASSMAR Eveline Maria Leal JABLONSKI Bernardo Psicologia social 28 ed Petrópolis Vozes 2010 p 63 328 la información recibida en primer lugar tiende a ser valorada con más peso que la información recibida posteriormente esto es conocido como efecto primacía BARON Roberta A BYRNE Donn Psicología social 8 ed Trad Montserrat Ventosa Blanca de Carreras Dolores Ruiz Genoveva Martín Adriana Aubert Marta Escardó Madrid Prentice Hall Iberia 1998 p 72 329 ASCH Solomon E Psicologia social 4 ed Trad Dante Moreira Leite Miriam Moreira Leite São Paulo Companhia Editora Nacional 1977 p 182183 330 Ibidem 331 KELLEY Harold H The warmcold variable in the first impressions of persons Journal of Personality 18 p 431439 1950 332 GOLDSTEIN Jeffrey H Psicologia social Trad José Luiz Meurer Rio de Janeiro Editora Guanabara Dois 1983 p 93 333 KELLEY Harold H The warmcold variable in the first impressions of persons Journal of Personality 18 p 431439 1950 334 GOLDSTEIN Jeffrey H Psicologia social Trad José Luiz Meurer Rio de Janeiro Editora Guanabara Dois 1983 p 93 335 FREEDMAN Jonathan L CARLSMITH J Merril SEARS David O Psicologia social 3 ed Trad Álvaro Cabral São Paulo Cultrix 1977 p 40 336 MICHENER H Andrew DELAMATER John D MYERS Daniel J Psicologia social Trad Eliane Fittipaldi Suely Sonoe Murai Cuccio São Paulo Pioneira Thomson Learning 2005 p 150151 337 Com pequenas alterações esse tópico corresponde ao artigo que publicamos em coautoria com Alexandre Morais da Rosa intitulado Quando o juiz já sabia a importância da originalidade cognitiva no Processo Penal publicado na Coluna Limite Penal disponível em httpswwwconjurcombr2016abr29limitepenalquandojuizsabiaimportancia originalidadecognitivaprocessopenal 338 Nesse tema importante a leitura de MAYA André Machado Imparcialidade e processo penal Rio de Janeiro Lumen Juris 2011 339 MORAIS DA ROSA Alexandre Guia Compacto do Processo Penal conforme a Teoria dos Jogos Florianópolis Empório do Direito 2016 p 329330 340 ALONSO Pedro Aragoneses Proceso y derecho procesal p 199 e ss 341 As teorias mistas pretendem compatibilizar e conciliar principalmente as teorias da relação de Bülow e da situação jurídica de Goldschmidt 342 Posteriormente Bülow voltou ao tema perfeccionando sua teoria frente às críticas que sucederam sua primeira exposição mas manteve a linha básica Segundo Chiovenda La acción en el sistema de los derechos p 41 em maio de 1903 na obra Klage und Urteil Bülow volta ao tema para rechaçar as críticas de Wach sobre a ação e entre outros pontos aceita a teoria da ação como direito potestativo defendida por Chiovenda 343 BETTIOL Giuseppe Instituciones de derecho penal y procesal penal p 243 344 Sem embargo como destaca AlcaláZamora y Castillo Proceso autocomposición y autodefensa p 118119 la concepción del proceso como relación jurídica es genuinamente alemana alemanes son Hegel que la vislumbra BethmannHollweg que la sustenta y Oskar Bülow que en 1868 publica en Giessen su célebre monografía Ademais segue o autor foram os alemães quem a adaptaram aos distintos ramos do processo e também quem mais duramente a combateram chegando a propor sua substituição por J Goldschmidt Nada menos que 35 anos depois do livro de Bülow e 18 depois do Handbuch de Wach Chiovenda lê em Bolonha sua lição inaugural sobre Lazione Tal esclarecimento está justificado frente a alguns equívocos doutrinários como o cometido por Enrique Jimenez Asenjo Derecho procesal penal Revista de Derecho Privado p 68 que depois de analisar as posições de Hellwig Kohler e J Goldschmidt afirma que finalmente Chiovenda con la opinión dominante estima una relación trilateral entre demandante demandado y el tribunal esquecendose por completo da doutrina alemã que já a havia concebido com anterioridade 345 CHIOVENDA Principios de derecho procesal civil t I p 123 346 Proceso y derecho procesal p 206 347 Tratando dos antecedentes históricos nos juristas medievais italianos Niceto Alcalá Zamora e Aragoneses Alonso afirmam que Búlgaro era de Sassoferrato lição que confiamos e acolhemos Contudo não se desconhece haver autores que afirmam que Búlgaro era de Bolonha Fica a advertência 348 La teoría de las excepciones procesales y los presupuestos procesales p 2 e ss 349 Sem rechaçar sua importância mas tampouco concordando com a teoria Manzini entende como concepto nebuloso y de expresión exótica la de presupuestos procesales MANZINI Vincenzo Tratado de derecho procesal penal p 117 Tal conceito dos pressupostos processuais também foi duramente atacado por Goldschmidt 350 No seu Manual de derecho procesal civil t 1 351 Sem embargo no processo penal Wach nega a existência de partes por considerar o acusado um meio de prova e não sujeito da relação jurídicoprocessual Infelizmente algumas vezes ocorre que um excelente processualista civil quando incursiona pelo processo penal não o faz com similar brilho A negação de Wach é um inegável reflexo do verbo totalitário no processo penal 352 Para quem o processo no puede ser una relación jurídica sino que genera una red por no decir una maraña de relaciones jurídicas e por isso deve ser concebido como um complejo de relaciones jurídicas Instituciones de derecho penal y procesal penal p 243 e ss 353 Ao contrário de Carnelutti vislumbra uma única relação jurídica mas complexa 354 Desenvolvida na obra La teoría de las excepciones dilatórias y los presupuestos procesales publicada original em alemão em 1868 355 Agora com ótima tradução em espanhol Derecho Derecho Penal y Proceso Penal III El Proceso como Situación Jurídica Tradução de Jacobo López Barja de Quiroga León GarciaComendador Alonso e Ramón Ferrer Baquero Madrid Marcial Pons 2015 356 Para compreensão da temática consultamos as seguintes obras de James Goldschmidt Derecho Derecho Penal y Proceso Penal III El Proceso como Situación Jurídica Derecho procesal civil Principios generales del proceso Derecho justicial material Problemas jurídicos y políticos del proceso penal e Princípios gerais do processo civil Destaquese ainda a magistral análise feita por Pedro Aragoneses Alonso na obra Proceso y derecho procesal p 235 e ss especialmente no que se refere à crítica feita por Piero Calamandrei e à resposta de Goldschmidt que levou o processualista italiano a nos últimos anos de vida retificar sua posição e admitir o acerto da teoria do processo como situação jurídica 357 Derecho Derecho Penal y Proceso Penal III El Proceso como Situación Jurídica p 112 358 GOLDSCHMIDT James Derecho Derecho Penal y Proceso Penal III El Proceso como Situación Jurídica p 279 359 Princípios gerais do processo civil p 49 360 GOLDSCHMIDT James Derecho procesal civil p 194 e ss 361 Derecho procesal civil p 195 362 Proceso y derecho procesal p 241 363 1 Maneira favorável ou desfavorável segundo a qual um acontecimento se produz álea acaso potência que preside o sucesso ou insucesso dentro de uma circunstância fortuna sorte 2 Possibilidade de se produzir por acaso eventualidade probabilidade 3 Acaso feliz sorte favorável felicidade fortuna Na definição do dicionário Le Petit Robert p 383 tradução nossa 364 Princípios gerais do processo civil p 66 365 Idem 366 Ibidem p 68 367 Proceso y derecho procesal cit p 241 368 Princípios gerais do processo civil p 57 369 Ensina Einstein Vida e pensamento p 6668 que o princípio criador reside na matemática a sua certeza é absoluta enquanto se trata de matemática abstrata mas diminui na razão direta de sua concretização as teses matemáticas não são certas quando relacionadas com a realidade e enquanto certas não se relacionam com a realidade 370 Princípios gerais do processo civil p 50 371 Baseamonos na sistematização de Alonso Proceso y derecho procesal p 243 e ss 372 Até porque como homem de ciência que era não estaria à margem da revolução científica que se produzia naquela época com os estudos de Einstein sobre a relatividade e o quanta e também de Heisenberg incerteza Max Planck Mach Kepler Maxwell Born e outros 373 Rivista di Diritto Processuale p 23 e ss Também publicado nos Scritti in onere del prof Francesco Carnelutti 374 Rivista di Diritto Processuale p 1 e ss Também publicado no número especial da Revista de Derecho Procesal em memória de James Goldschmidt 375 Ibidem p 221 376 CALAMANDREI Piero Direito processual civil p 223 377 CALAMANDREI Piero Direito processual civil p 223 378 Ibidem p 224 379 Idem 380 Recordemos que a relatividade geral falhou ao tentar descrever os momentos iniciais do universo porque não incorporava o princípio da incerteza o elemento aleatório da teoria quântica a que Einstein tinha se oposto a pretexto de que Deus não joga dados com o universo Entretanto como explica Stephen Hawking O universo numa casca de noz p 79 tudo indica que Deus é um grande jogador Nessa discussão enorme relevância tem o físico alemão Werner Heisenberg que formulou o famoso princípio da incerteza a partir da observação da hipótese quântica de Max Planck Em apertadíssima síntese a partir de Hawking ob cit p 42 significa dizer que Planck em 1900 afirmou que a luz sempre vem em pequenos pacotes que ele denominou quanta Essa hipótese quântica explicava claramente as observações da taxa de radiação de corpos quentes mas a plena compreensão da extensão de suas implicações somente foi possível por volta de 1920 quando Heisenberg demonstra que quanto mais se tenta medir a posição de uma partícula menos exatamente se consegue medir a sua velocidade e viceversa E aqui o que nos interessa mostrou que a incerteza na posição de uma partícula multiplicada pela incerteza de seu momento deve ser sempre maior do que a constante de Planck uma quantidade aproximadamente relacionada ao teor de energia de um quantum de luz Assim reina a incerteza em detrimento de qualquer visão determinista Tudo isso constituía o auge da discussão científica mundial neste período de 19001930 sem negar o antes e o depois é claro contemporânea então com o auge da produção intelectual de James Goldschmidt que publica seu capolavoro Prozess als Rechtslage em Berlim em 1925 381 Pensamos que é importante atentar para o símbolo da justiça do caso concreto que é a Dikè Dikelogía la ciencia de la justicia intitula Werner Goldschmidt Ela carrega a espada que pende sobre a cabeça do réu e corresponde ao direito potestativo de penar e na outra mão está a balança À primeira vista e também última para muitos a balança simboliza o equilíbrio a ponderação e até a supremacia da razão dentro de uma racionalidade moderna superada portanto Mas para muito além disso ela simboliza a incerteza característica da administração da justiça no caso concreto Corresponde à incerteza característica do processo Ela oscila tanto pende igualmente para um lado como para outro Está lançada a sorte 382 SENDRA José Vicente Gimeno Fundamentos del derecho procesal p 170 383 Entre esses devese destacar a qualificada posição de Werner Goldschmidt no Prólogo da primeira edição da obra Proceso y derecho procesal de Aragoneses Alonso p 35 de que tais teorias relação e situação não podem ser consideradas inconciliáveis senão como complementárias Nessa linha defende que mientras la teoría de la situación destaca lo que ocurre en el Derecho cuando éste opera en el plano dinámico del proceso la teoría institucional señala Aragoneses Alonso se mueve en el mundo abstracto de los conceptos Por ello estas dos posiciones no sólo se ofrecen como incompatibles sino como complementarias de la misma forma que pueden concebirse como complementarias la teoría de la relación Somente com a integração desses conceitos é que podemos ou poderíamos compreender como nasce o processo e qual é o fundamento metafísico da sua existência teoria da instituição o objeto real do processo tal como se desenvolve na vida e sua contínua relação teoria da situação jurídica e finalmente qual é a força que une os diversos sujeitos que nele operam teoria da relação jurídica 384 Pois na origem do universo bigbang quando ele era minúsculo o número de lançamentos de dados era pequeno e o princípio da incerteza proporcionalmente maior 385 Como explica HAWKING ob cit p 80 386 Ou melhor quem nos protege da bondade dos bons no célebre questionamento de Agostinho Ramalho Marques Neto a partir de Freud 387 COUTINHO Jacinto Nelson de Miranda O papel do novo juiz no processo penal p 47 388 O presente trecho é uma reprodução literal de parte do artigo intitulado Breves apontamentos in memoriam a James Goldschmidt e a incompreendida concepção de processo como situação jurídica que publicamos em coautoria com Pablo Alflen da Silva a partir dos debates realizados no Curso de Doutorado em Ciências Criminais da PUCRS na disciplina Epistemologia do Direito Processual Penal Contemporâneo Esse fragmento citado merece crédito integral a Pablo Alflen a quem parabenizo pela excelência da arqueologia processual realizada 389 SCHMIDT Eberhard Lehrkommentar zur Strafprozessordnung und zum Gerichtsverfassungsgesetz p 48 390 SCHMIDT Eberhard James Goldschmidt zum Gedächtnis p 447 391 Compare FISCHER Wolfram Exodus von Wissenschaften aus Berlin Fragestellungen Ergebnisse Desiderate p 131 392 Conforme referido por SCHÖNKE Adolf Zum zehnten Todestag von James Goldschmidt p 275276 393 O Französisches Gymnasium foi fundado em 1689 na cidade de Berlim e à época sobretudo antes da Primeira Guerra Mundial quase metade dos seus alunos era de origem judaica 394 Conforme SCHUBERT Werner REGGE Jürgen RIEß Peter SCHMIDT Werner Queallen zur Reform des Straf und Strafprozeßrechts p XIV 395 Assim por exemplo os trabalhos intitulados Das Verwaltungsstrafrecht im Verhältnis zur modernen Staats und Rechtslehre 1903 Die Deliktsobligationen des Verwaltungsrechts 1904 e Materielles Justizrecht 1905 396 Conforme GRUNER Wolf ALY Götz GRUNER Wolf Die Verfolgung und Ermordung der europäischen Juden durch das nationalsozialistische Deutsch land 19331945 p 200 397 WINIGER Art Salomon Goldschmidt James p 457 398 Conforme HUECK Ingo Der Staatsgerichtshof zum Schutze der Republik p 44 399 Conforme LÖSCH AnnaMaria von Der nackte Geist die Juristische Fakultät der Berliner Universität im Umbruch von 1933 p 179180 o Decreto era ilegal inclusive de acordo com o direito nazista O governo havia criado fundamentos jurídicos para demitir funcionários de descendência não ariana e politicamente suspeitos para encaminhálos à aposentadoria ou a outro cargo O encaminhamento de Goldschmidt à aposentadoria em razão de sua origem judaica foi descartado De fato ele era 100 não ariano e como dispunha a legislação imperial esta hipótese de aposentadoria valia para funcionários de descendência não ariana porém de acordo com o 3º al 2 do BBG desde que o funcionário tivesse ingressado no cargo a partir de 1º de agosto de 1914 ou combatido no fronte na Primeira Guerra Mundial Como Goldschmidt havia se tornado funcionário público em 1908 ele não podia obter a aposentadoria em razão da sua origem judaica Além disso não havia motivo político para sua demissão pois ele não pertencia a partido algum Goldschmidt não tinha tido portanto nenhuma razão para ter ameaçada sua posição profissional 400 Conforme GRUNER Wolf ALY Götz GRUNER Wolf nota 9 p 200 401 Conforme ALONSO Pedro Aragoneses Proceso y derecho procesal 402 Assim COUTURE Eduardo La libertad de la cultura y la ley de la tolerancia p 5 403 COUTURE Eduardo Ob cit p 5 404 Hoje chamadas violações à ordem e que são reguladas por legislação específica a Ordnungswidrigkeitengesetz OWiG 405 Assim o interessantíssimo trabalho intitulado Conceito e tarefa de um direito penal administrativo no qual Goldschmidt preconizava ser o Direito Penal Administrativo uma disciplina nova e absolutamente autônoma que teria por objeto regular o injusto policial polizeilichen Unrechts enquanto comportamento causador de perigo abstrato para bens jurídicos ou mera desobediência compare GOLDSCHMIDT James Begriff und Aufgabe eines Verwaltungsstrafrechts in Deutsche JuristenZeitung 1902 Nr 09 p 213 e s 406 BRUNS Rudolf James Goldschmidt 171218741861940 Ein Gedenkblatt in Zeitschrift für Zivilprozeß Nr 88 1975 p 127 407 FAZZALARI Elio Istituzioni di diritto processuale p 75 408 Apenas para esclarecer não se pode confundir a teoria civilista da instrumentalidade das formas com nosso conceito de instrumentalidade constitucional São coisas absolutamente distintas Nunca fomos adeptos da tradicional teoria da instrumentalidade todo o oposto Nossa posição é absolutamente antagônica porque estabelece um conteúdo axiológico ao conceito de instrumentalidade vinculandoo ao sistema de garantias da Constituição Por isso concebemos o processo penal como um instrumento a serviço da máxima eficácia dos direitos e garantias fundamentais e a forma como limite de poder É uma leitura crítica e constituciona lizada do processo e do procedimento com ênfase no respeito ao devido processo legal ou seja o estrito respeito às regras do jogo sem descuidar do conteúdo ético dessas regras 409 GONÇALVES Aroldo Plinio Técnica processual e teoria do processo p 103 410 FAZZALARI Elio Ob cit p 8 411 Ibidem p 14 e ss 412 Conforme explicam Alexandre Morais da Rosa e Sylvio Lourenço na obra Para um processo penal democrático crítica à metástase do sistema de controle social Rio de Janeiro Lumen Juris 2008 p 77 e ss 413 GONÇALVES Aroldo Plinio Ob cit p 115 414 FAZZALARI Ob cit p 78 e 79 415 GUASP Jaime La pretensión procesal Estudios jurídicos p 593 e ss 416 Como bem adverte TUCCI Rogério Lauria Teoria do direito processual penal p 176 417 Assim concordamos com a afirmação de Tucci Teoria do direito processual penal p 35 quando aponta que é de todo inadequada e por que não dizer inaceitável delineiase a transposição do conceito civilístico de pretensão para o processo penal Partimos dessa mesma premissa para pensar e construir um conceito de pretensão com Guasp Goldschmidt e Gómez Orbaneja para o processo penal da mesma forma que se construiu o conceito de ação processual penal jurisdição penal etc 418 Nenhuma censura em relação à crítica pois ela é sempre bemvinda desde que bem amparada o que não costuma ocorrer nessa matéria até pela sua grande complexidade teórica Em outra dimensão com posições em sentido diverso daquele aqui pensado por nós com maior ou menor intensidade de divergência mas com muito substrato teórico recomendamos a leitura de dois excelentes trabalhos Coutinho Jacinto Nelson de Miranda A lide e o conteúdo do processo penal e Badaró Gustavo Henrique Correlação entre acusação e sentença Em relação a Badaró pensamos que a divergência existe mas não é nuclear na medida em que o autor admite a pretensão processual como objeto do processo penal como abordaremos na continuação Já em relação à posição de Jacinto Coutinho que sustenta ser o caso penal o conteúdo do processo é preciso compreender que pensamos ser o caso penal insuficiente para por si só justificar a complexa fenomenologia do processo Mas não há incompatibilidade senão que a discussão remonta a uma nova dimensão de continente e conteúdo como explicaremos nas próximas páginas Assim pensamos que nossa posição pode coexistir com aquela defendida pelo autor desde que compreendidas essas distintas dimensões de recorte 419 Como explica Carnelutti em diversas obras aqui utilizamos Derecho procesal civil y penal p 40 aquí se encara en primer lugar el concepto de pretensión también ésta es una palabra que los juristas emplean desde hace largo tiempo aunque es más reciente su precisión como exigencia de la subordinación del interés ajeno al interés propio A esse conceito imprescindível agregarse outro conceito estruturante e muito marcante na vida de Carnelutti o de lide Tratase de um conceito que sofreu diferentes modificações nas sucessivas respostas que ele dava aos seus críticos e que foi muito bem tratado por Badaró na obra Correlação entre acusação e sentença p 62 e ss Interessanos aqui apontar a noção de lide como o conflito de interesses qualificado pela pretensão resistida Como explica Badaró os conceitos de interesse pretensão e resistência foram sendo trabalhados ao longo das obras do autor O que importa é a imprestabilidade do conceito de lide para o processo penal e esse foi o germe do ataque ao conceito de pretensão 420 Na Revista de derecho procesal Madrid 1949 Também publicado na obra Jaime Guasp Delgado Pensamiento y Figura da coleção Maestros Complutenses de Derecho organizada por Pedro Aragoneses Alonso publicada em Madrid 2000 421 Imprescindível a leitura portanto do trabalho La pretensión procesal publicado entre outros na obra Estudios jurídicos organizada por Pedro Aragoneses Alonso 422 GUASP ob cit 423 O próprio Carnelutti acaba por desenhar o conceito de controvérsia para o processo penal pois na sua visão haveria um conflito de opiniões em torno de um mesmo fato delituoso mas comungando as partes de um mesmo interesse O interesse comum compartilhado portanto pela acusação e defesa brotaria da visão da pena como remédio da alma Platão a cura para a doença Nessa linha defende que no processo penal a jurisdição é voluntária A visão do autor é completamente equivocada nesse ponto bastando por desvelar a ilusão platônica de que a pena cura Além da metafísica concepção de cura da alma a pena e o sistema carcerário estão muito longe de representar algum remédio Por fim sustenta Carnelutti que a jurisdição no processo penal seria voluntária o que não concordamos conforme se verá na exposição mas também pela própria incidência do princípio da necessidade 424 MIRABETE Julio Fabbrini Processo penal p 28 425 CAPEZ Fernando Curso de processo penal p 2 426 A lide e o conteúdo do processo penal p 145 427 GÓMES ORBANEJA Emilio Comentarios a la Ley de Enjuiciamiento Criminal t I p 37 428 Na nossa obra Direito processual penal 429 El proceso de persecución p 90 430 Seguindo a sistemática de ALONSO Pedro Aragoneses Proceso y derecho procesal p 158 e ss 431 Sem embargo a tese não é inédita pois como reconhece o próprio autor a doutrina alemã de Rosenberg e a italiana de Carnelutti já haviam dado mostras do conceito de pretensão mas não com plenos frutos Podese afirmar que a base jurídica da teoria foi dada por Rosenberg e o aspecto sociológico do conflito foi dado por Carnelutti no seu estudo sobre a lide Como explica Guasp Pretensión procesal p 587 nota de rodapé n 44 seu conceito pode ser concebido como uma fusão das ideias básicas de Rosenberg e Carnelutti tomando del primero el estricto carácter procesal no material de la reclamación y del segundo su desvinculación de la idea del derecho que tampoco es contradicho por aquél Mas é preciso continuar a desenvolver esse conceito pois como explicamos no início ele supera e transcende a noção carneluttiana 432 GUASP Jaime Derecho procesal civil p 201 e ss 433 Proceso y derecho procesal p 184 434 Na continuação analisaremos os fundamentos expostos por Jaime Guasp no trabalho La pretensión procesal 435 Por vezes as instituições artificiais que utilizam o direito penal e o processo penal acabam por criar um problema do ponto de vista sociológico de igual ou até maior gravidade que o próprio delito Nesse sentido está o problema da pena de prisão um sistema falido da reinserção social do presidiário a estigmatização social e jurídica que causa a pena e o próprio processo penal as chamadas penas processuais etc 436 FAIREN GUILLEN Victor El proceso como función de satisfacción jurídica Revista de Derecho Procesal Iberoamericano p 1795 437 GIMENO SENDRA Vicente MORENO CATENA Victor DOMINGUEZ Valentin Córtes Derecho procesal penal p 26 438 Não confundir com juiz neutro algo que não existe Instrumento neutro de jurisdição significa que a atividade se realiza plenamente tanto com a sentença condenatória como também absolutória É a equivalência axiológica entre condenar e absolver 439 É a nosso juízo a opinião dominante na melhor doutrina Vejamse entre outros Guasp Aragoneses Alonso Gómez Orbaneja Fenech Fairen Guillen Ascencio Mellado James Goldschmidt Afrânio Silva Jardim e Manzini nas obras citadas Contrários a nossa posição entre outros Beling fato da vida Oliva Santos fato criminoso Gomez Colomer direito de ação Almagro Nosete e Tome Paule thema decidendi 440 GUASP Jaime La pretensión procesal p 604 441 ROSENBERG Leo Tratado de derecho procesal civil p 27 e ss 442 BADARÓ Gustavo Henrique Correlação entre acusação e sentença p 76 e ss 443 Seguindo a GUASP Jaime La pretensión procesal p 600 e ss 444 Eugenio Florían Elementos de derecho procesal penal p 49 entende que o objeto fundamental do processo penal é uma determinada relação de direito penal que surge de um fato que se considera como delito Nessa linha Beling Derecho procesal penal p 79 assinala que o assunto da vida constitui o objeto do processo É importante destacar que José Frederico Marques Elementos de direito processual penal p 68 ao falar na finalidade e objetivo do processo penal pois não trata claramente do objeto cita Beling e lhe imputa uma frase Donde dizer Ernst Beling que o objeto do processo é a tutela da lei penal Realmente Beling diz isso mas em outro contexto ao comentar la función general políticojurídica del derecho procesal penal e para definir a função institucional do processo penal Sobre o objeto dedica um capítulo específico onde desde o início define como el asunto de la vida causa res en torno del cual gira el proceso y cuya resolución mediante decisión sobre el fondo constituye la tarea propia del proceso los merita causae o materialia causae en la terminología de la ciencia pandectista Ademais de tirar uma frase do contexto Frederico Marques incide no grave erro de identificar finalidade com objeto 445 ORBANEJA Emilio Gómez Comentarios a la Ley de Enjuiciamiento Criminal p 51 e ss 446 A expressão é de Guasp na obra La pretensión procesal com a importante distinção de que ele defende o fato natural 447 La pretensión procesal p 588 448 COUTURE Eduardo J Fundamentos del derecho procesal civil p 61 449 O termo juicio oral é empregado no sentido de fase processual em sentido estrito Não é adotado o termo fase judicial como no Brasil porque na Espanha a investigação preliminar está a cargo de um juiz instrutor logo tem natureza judicial ainda que não jurisdicional 450 SENDRA Vicente Gimeno et al Derecho procesal penal cit p 216 451 Seguindo a Classificação Quinária de Pontes de Miranda cabe recordar que a sentença ademais de declaratória constitutiva e condenatória também será mandamental e executiva 452 GOLDSCHMIDT James Problemas jurídicos y políticos del proceso penal p 7 e ss 453 O que segue vejase GOLDSCHMIDT Problemas jurídicos y políticos del proceso penal e também Derecho justicial material p 54 e ss 454 Como explica Goldschmidt Derecho justicial material p 52 e ss ao analisar a obra de Binding Handbuch des Strafrechts p 189 e ss 455 Ao longo da magistral obra Problemas jurídicos y políticos del proceso penal 456 Problemas jurídicos y políticos del proceso penal p 58 457 Isso porque como explica Alonso Instituciones de derecho procesal penal p 3 para Goldschmidt a retribuição é o regulador fundamental da vida social Daí por que se necessita da justiça distributiva para regular os sentimentos de prazer e dor significa dizer o estar dos homens conforme seus méritos diante do direito isto é da justiça penal 458 Pois se trata do direito material de penar que somente pode ser realizado pelo processo após o pleno exercício da acusação com a sentença condenatória 459 Como toda teoria por óbvio que não é perfeita e acabada daí por que muitas acomodações e atualizações foram feitas por nós Entre as revisões de conceitos há que se pensar a execução da pena em Goldschmidt com outros olhos pois na concepção do autor o poder de executar a pena também estaria a cargo do juiz Isso conduziria a um processo de execução penal de cunho inquisitório com o qual não concordamos Daí por que pensamos que na execução devese construir uma estrutura dialética com o Ministério Público invocando o juiz para o início e nos diferentes incidentes Um verdadeiro processo de execução 460 Esse tema foi muito bem tratado por Gómez Orbaneja Comentarios a la Ley de Enjuiciamiento Criminal p 187 e ss em cuja lição nos baseamos na continuação Também é importante esclarecer que a identificação da concepção de Gómez Orbaneja com a de Goldschmidt foi expressamente admitida pelo primeiro na obra com Herce Quemada Derecho procesal penal p 90 quando explica que aunque hayamos llegado a él por caminos distintos este concepto coincide en esencia con el de Goldschmidt v su obra en castellano y sobre el proceso penal español Problemas jurídicos y políticos del proceso penal Barcelona 1935 Goldschmidt se basa en su concepción personal del derecho penal como derecho justicial material acerca de la cual nada vamos a decir aquí Pero aun cuando se prescinda e incluso se disienta de tal teoría nos parece que el concepto de acción exposto es el que mejor se compagina con la verdadera naturaleza del proceso criminal 461 Derecho procesal civil y penal p 301 462 Derecho procesal civil y penal p 301 463 Sobre o tema remetemos o leitor para nossa obra Direito processual penal 464 MIRABETE Julio Fabbrini Processo penal p 117